Futebol ou casinha?
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Futebol ou casinha?
Futebol ou casinha? Eis a questão Publicado em 10.10.2010, por Bruna Cabral Se seu filho caçula titubeou entre a boneca e o carrinho na hora de escolher o presente do Dia das Crianças, não precisa correr para o divã do psicólogo. Tampouco invente de sair por aí alardeando o acontecido para professores, colegas, parentes e serpentes. E nunca, jamais, em tempo algum, castigue sua cria por falta de convicção nos assuntos relacionados a gênero. Muito menos se o indeciso em questão tem poucas primaveras completas. Segundo os psicólogos, a infância é normalmente um período de experimentação e formação de personalidade. É normal e até saudável, dizem, que meninos brinquem de casinha e meninas joguem futebol. Ainda mais agora, que os limites sociais entre o universo feminino e masculino tornaram-se tão tênues. “Quem determinou que azul é cor de homem e rosa, de mulher foi a sociedade. Não são limites naturais, mas culturais. Imposições sociais que estão flexibilizando bastante nos últimos tempos”, avalia a psicoterapeuta Danielle Diniz. Nada mais natural que a brincadeira da criançada ande unissex como nunca. E isso está longe de ser um problema. “Muitas vezes, o desvio está na interpretação do adulto e não no comportamento da criança”, avalia a psicóloga infantil Maria Sobral. Segundo ela, a criança costuma reproduzir comportamentos e agir por afinidade, buscando no pai, na mãe, em professores ou familiares o que os especialistas chamam de modelos de identificação. “É normal uma menina reproduzir o comportamento do pai ou um menino imitar a mãe, por exemplo.” Uma confusão natural potencializada pela atual configuração social. “Não há mais papéis bem definidos de mulher e homem na sociedade, nem na família. Todo mundo trabalha e todo mundo cuida da casa”, ressalta. Em vez de recriminar um filho que sonha em dançar balé ou uma filha que não quer nem ouvir falar em brinco, saia e batom, cabe aos pais agir com naturalidade para não transformar a questão de gênero numa tensão para a criança. Mas nem sempre é fácil. Por preconceito e medo de que as crias sofram, muitos genitores exageram na reação a qualquer desvio de conduta dos pimpolhos. Na casa de José*, de apenas 6 anos, ninguém fala nesse assunto. Mas não se pensa em outra coisa. O menino canta e dança sem parar, adora adereços femininos e gosta tanto de rosa, que seus pais já perderam o rebolado faz tempo. Sem saber como lidar com o assunto, já falaram com professores, pediram orientação, mas acabaram optando pelo caminho da repreensão. O pai não deixa ele abraçar os amiguinhos e prefere sair da sala a cada sessão de balé. Admite que não sabe mais como lidar com o problema, que José nem consegue enxergar. “Se engana quem pensa que os pais podem interferir na orientação sexual de um filho. Mesmo que seja um caso de homossexualismo, não é uma opção. É uma condição. Há até estudos que mostram diferenças fisiológicas entre bebês hetero e homossexuais. Brinquedos, definitivamente, não determinam nada. Nem os pais. A única coisa a fazer é respeitar”, orienta Danielle. Foi o que fez a professora Fátima Cavalcanti, 57, quando a filha Catarina começou a exagerar nas traquinagens. “Ela só queria saber de jogar bola de gude, rodar pião, subir em árvore. Vivia cercada de meninos. E eu ficava aperreada. Chamava ela para brincar de boneca comigo, mas não tinha jeito. Na primeira oportunidade, ela botava a Barbie para dormir e corria para não perder a partida de futebol”, diverte-se Fátima. Mas ela admite que demorou até conseguir rir do assunto. “Todo mundo fica falando, insinuando coisas. E a gente se preocupa, claro. Pai e mãe não querem ver os filhos sofrendo”, diz a professora, que aprendeu uma lição importante com a filha. “Cada um é de um jeito. Catarina hoje em dia tem 30 anos, é casada, tem um filho de 2 anos e outro na barriga, mas não perde uma oportunidade de jogar uma bolinha.” Av. Cons. Rosa e Silva, 1460/sl. 110, Jaqueira – Recife/PE CEP: 52020-220, Fone/Fax: 81-3426.2321, E-mail: [email protected] Página 1 de 2 A bacharel em direito Talga Lucena, 34, também não desgruda da gorduchinha. Desde criança é alucinada por futebol. Mas demorou um bocado para que sua família entendesse. “Meus pais não gostavam. Proibiam, reclamavam. Mas eu sempre dava meu jeitinho. Vivia com o joelho esfolado. Era maloqueira mesmo. De jogar descalça. E jogar bem”, orgulha-se Talga, que só conseguiu o cartão verde para treinar depois dos 18. “Meus pais acabaram aceitando.” Ela se profissionalizou e depois que entrou no time da faculdade começou a enfrentar o avesso do preconceito. “As outras jogadoras não me aceitavam porque eu não era homossexual.” Quando ela chegava em casa, mais intolerância. “Meu ex-marido não gostava que eu jogasse. Brigávamos muito.” Tanto que Talga acabou desistindo. Da carreira de jogadora e do casamento. Mas nunca das peladinhas toda terça, quinta e sábado. “Homem ou mulher, não importa, a pessoa tem que fazer o que a deixa feliz.” Na família de Edileuza Nogueira, 32, não é de hoje que a felicidade está acima de qualquer convenção de gênero. “Fui muito moleca. Vivia em cima de árvore, soltando pipa, jogando bola”, conta a ajudante de despachante. Por obra e graça da genética ou ironia do destino, a filha Nathally, de 10 anos, é igualzinha. Não pode ver uma pista de skate que fica toda animada. “Fazer o quê? Eu entendo ela”, diz Edileuza. “Na minha escola, todas as meninas são assim”, diz Nathally, falando em nome de uma geração inteira que parece não enxergar um mundo cor de rosa e azul, mas colorido.J * Nome fictício Av. Cons. Rosa e Silva, 1460/sl. 110, Jaqueira – Recife/PE CEP: 52020-220, Fone/Fax: 81-3426.2321, E-mail: [email protected] Página 2 de 2