Teores de sódio e lipídeos na refeição de restaurantes comerciais
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Teores de sódio e lipídeos na refeição de restaurantes comerciais
Alim. Nutr.= Braz. J. Food Nutr., Araraquara 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31 ISSN 0103-4235 e-ISSN 2179-4448 Teores de sódio e lipídeos na refeição de restaurantes comerciais de uma universidade da cidade de São Paulo. Sodium and lipid levels in meals at commercial restaurants in a food court at a university in the city of São Paulo Ana Paula da SILVA1 Gisele Cristina DIAS1 Edeli Simioni de ABREU2 Mônica Glória Neumann SPINELLI2 Andrea Carvalheiro Guerra MATIAS2 Resumo Abstract Introdução: As gorduras e o sódio têm contribuído significantemente para o aumento das doenças crônicas não transmissíveis. Objetivo: avaliar os teores de lipídeos e sódio de refeições oferecidas em dois restaurantes comerciais à La carte de uma praça de alimentação de uma Universidade da cidade de São Paulo (SP), em 2010. Material e Métodos: Tratase de um estudo transversal, cuja coleta ocorreu em três dias alternados, durante uma mesma semana. Cada alimento foi analisado separadamente e em duplicata, totalizando 36 amostras. Os lipídeos foram determinados pelo método de Soxhlet e os teores de sódio por Espectrofotometria de Absorção Atômica. Resultados: Um dos restaurantes excedeu o limite recomendável de lipídeos em dois dias enquanto o outro permaneceu dentro dos parâmetros de tolerância nos três dias avaliados. Um dos restaurantes apresentou quantidades expressivas de sódio em apenas um dos dias, enquanto o segundo restaurante obteve teores de sódio acima do limite tolerável para uma refeição em todos os dias avaliados. Conclusão: os valores de sódio e lipídeos encontrados neste estudo apontam para uma possibilidade de risco à saúde, principalmente entre os que fazem uso diário dos restaurantes. Introduction: Dietary fats and sodium have contributed significantly to the increased incidence of noncommunicable diseases. Objective: the aim of this work was to evaluate the levels of lipids and sodium in meals offered at two commercial restaurants located in a university food court in São Paulo, in 2010. Methods: A cross-sectional study was conducted, and the sample collection took place on three alternate days during the same week. Each food was analyzed separately in duplicate (36 samples total). The lipids were quantified by the Soxhlet method, and sodium by atomic absorption spectrophotometry. Results: One of the restaurants exceeded the recommended limit of lipids on two days, while the other remained within the tolerance parameters on the three days tested. One of the restaurants had excessive amounts of sodium on only one day, while the second restaurant had sodium levels above the tolerable limit in a meal on all days evaluated. Conclusion: It was concluded that sodium and lipid concentrations at these restaurants pose a risk to health, particularly, among the customers who come daily. Key-words: restaurant; food analysis; sodium; lipid. Palavras-chave: restaurantes; análise de alimentos; sódio; lipídeos. 1 Nutricionista graduada pela UPM 2 Profa. Dra. - docente do curso de nutrição Universidade Presbiteriana Mackenzie – CCBS – Curso de Nutrição Autor correspondente: Mônica Glória Neumann Spinelli. Telefones: (11)99442-1211/ (11)2114-8682. E-mail: [email protected]; [email protected] Rua Itacolomi 293 ap.81 Higienópolis, São Paulo, SP. CEP: 01239-020 SILVA, A.P. DIAS, G.C. ABREU, E.S. SPINELLI, M.G.N. MATIAS, A.C.G.; Alim Nutr. = Braz J Food Nutr., 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31. Introdução Na segunda metade do século XX, a sociedade brasileira passou por um intenso processo de transformação devido ao desenvolvimento industrial. Entre as mudanças, destacam-se os novos hábitos sociais e a mudança no padrão de consumo alimentar gerada pelos longos deslocamentos e a extensa jornada de trabalho, que impedem que grande parte das pessoas realize suas refeições regulares em família (1). Para uma expressiva camada da população, a refeição fora de casa passa a ser uma das alternativas viáveis (2). O ato de comer fora tem desempenhado papel decisivo nas alterações da alimentação da atualidade e sugerese, inclusive, que esse consumo seja uma das principais mudanças nos hábitos alimentares contemporâneos (3). Nesse processo, as pessoas buscam cada vez mais por serviços nos quais possam escolher livremente os alimentos, o que nem sempre é feito de forma saudável (4). As possíveis inadequações nutricionais das refeições, quando consumidas fora de casa, estão relacionadas a diversos aspectos, desde o tipo de alimento escolhido, a técnica de preparo utilizada até a combinação de alimentos feita pelo consumidor na composição de sua refeição (5). Entre os nutrientes que têm causado preocupação, as gorduras e o sódio têm contribuído significantemente para o aumento das doenças crônicas não transmissíveis (6). Os lipídeos, em quantidades corretas, são importantes fornecedores de ácidos graxos essenciais, servem para poupar a degradação de proteínas com função energética, adicionar sabor e palatabilidade à dieta e dar a sensação de saciedade. As gorduras retardam a digestão e consequentemente a sensação de fome, promovem a absorção de vitaminas lipossolúveis, fornecem componentes estruturais das membranas celulares, secreções digestivas e hormônios, além de isolar e controlar a temperatura corporal (7), tendo a sua função na nutrição humana e seus efeitos no organismo, intensamente pesquisados. Apesar das importantes funções das gorduras é necessário que se tenha um controle da sua ingestão (8), pois têm sido quase um consenso entre pesquisadores que a ingestão excessiva de gordura saturada está relacionada com várias doenças. De um modo geral, a base fisiopatológica para os eventos cardiovasculares é a aterosclerose, processo que se desenvolve lentamente, de maneira insidiosa, aumentando o risco de doença da artéria coronária e favorecendo a incidência de diabetes, por reduzir a sensibilidade à insulina (9). Asmodificações na composição lipídica da dieta podem promover alterações nos níveis séricos de colesterol, evidenciando o efeito da dieta nos níveis de colesterol plasmático. Os ataques cardíacos e a aterosclerose são raros em populações que apresentam baixos níveis de colesterol plasmático. Porém, quando essas adotam dieta tipicamente “ocidental”, apresentam, como consequência, níveis plasmáticos de colesterol elevados, aumentando a incidência de doenças isquêmicas cardíacas (10). Do ponto de vista nutricional, o sal pode desempenhar um importante papel para a saúde humana, 26 não apenas por ser utilizado de maneira universal no preparo, na industrialização e conservação dos alimentos, mas também devido à sua característica de ser ingerido diariamente, o que o torna fonte principal de sódio e cloro e um veículo ideal de iodo (11). Com base nas informações da Pesquisa de Orçamento Familiar - POF 2002/03 (12), estima-se que o consumo médio de sal pela população brasileira deva ser reduzido, pelo menos, à metade para atender ao patamar máximo de consumo diário, isto é, 5 g de sal/per capita/ dia (6). Embora estudos apontem que a redução da ingestão de sódio reduza a pressão sanguínea em indivíduos sódio-sensíveis (13), Dumas (14) afirma que as refeições realizadas fora do lar, além de serem preparadas com produtos processados, ainda podem ser acrescidas de sal pelo cliente uma vez que estabelecimentos disponibilizam de saleiros e sachês. Dumas (14) descreve que a dificuldade da retirada do excesso de sódio da dieta reside no fato desse mineral conferir sabor e ressaltar o paladar de outros ingredientes. As pessoas acostumadas a ingerir habitualmente alimentos salgados, ao reduzirem a quantidade de sal adicionada às preparações, declaram sentir uma grande diferença no paladar, relatando que a comida fica menos saborosa. Isso acontece pelo fato de as papilas gustativas levam em torno de até três meses para se adaptarem ao novo paladar (6). Neste contexto, este trabalho se propõe a avaliar os teores de lipídeos e sódio de refeições oferecidas em uma praça de alimentação de uma Universidade privada da cidade de São Paulo. Material e Método Este estudo, do tipo transversal, foi realizado em dois restaurantes comerciais à La carte de uma praça de alimentação de uma Universidade da cidade de São Paulo (SP), no ano de 2010, aqui designados como “Restaurante 1” e “Restaurante 2”. Estes foram escolhidos por oferecerem diariamente preparações intituladas “prato do dia”, caracterizadas por serem uma refeição de preço único, com cardápio variável conforme o dia da semana. O “Restaurante 1” serve em média 60 refeições e o “Restaurante 2” aproximadamente 350 na refeição almoço. Foram levantados o cardápio semanal, a quantidade de refeições servidas por dia, a padronização das porções dos alimentos que compunham os pratos servidos e uso de fichas técnicas para controle dos ingredientes utilizados nas preparações. A coleta das amostras ocorreu no mês de Maio de 2010, em três dias alternados de uma mesma semana (segunda, quarta e sexta-feira). Foram coletados cerca de 100 g de cada preparação, doadas pelos estabelecimentos em estudo. Cada alimento que compunha o prato foi pesado separadamente em balança digital marca Filizola® modelo BP3 com capacidade máxima de medição de 3 kg e sensibilidade para 20 g. Logo após, as amostras foram SILVA, A.P. DIAS, G.C. ABREU, E.S. SPINELLI, M.G.N. MATIAS, A.C.G.; Alim Nutr. = Braz J Food Nutr., 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31. acondicionadas sob refrigeração nas temperaturas de 4 a 10ºC, em sacos plásticos devidamente identificados. Em seguida, as amostras foram trituradas em um liquidificador marca Walita®, modelo RI 7748. Para obtenção do material dessecado, foram separadas 100 g de cada amostra e levadas para o forno combinado Rational Clima Plus Combi® CPC à temperatura de 60 ºC por 24 horas. Posteriormente, as amostras foram passadas por uma peneira metálica, transferidas para graal onde foi feita a trituração aos poucos. Na sequência, as amostras foram tamisadas em um tamis de malha 20 mesh e armazenadas em potes plásticos transparentes com tampa em um dessecador, de acordo com a metodologia das Normas Analíticas do Adolfo Lutz - Métodos Químicos e Físicos para Análise de Alimentos (15). Cada uma das 17 preparações culinárias foi analisada separadamente em duplicata, totalizando-se 34 replicatas. O teor de umidade foi determinado pelo método de secagem das amostras até peso constante, utilizandose estufa (marca: Quimis®, modelo: Q317M-32-220V ventilada) à temperatura de 105°C, com circulação ativa durante 24 horas (15). Os lipídeos foram determinados pelo método de Soxlet, utilizando como solvente hexano, em extrator mod. MA- 487, Marconi®, por um período de 6 horas. Após a evaporação do solvente, foram dessecadas em estufa ventilada a uma temperatura de 105°C até que não houvesse variação do peso após duas pesagens consecutivas (15). A preparação do resíduo mineral fixo utilizada para o preparo do material destinado para determinação de sódio, foi conduzida em forno Mufla, modelo Q318M24 da marca Quimis®, na faixa de temperatura entre 500 a 550 °C, pela incineração até obter um resíduo de coloração branca (15). A quantificação do teor de sódio foi realizada por Espectrofotometria de Absorção Atômica, utilizando equipamento da marca Varian®, modelo AA-1275, onde foi realizada a leitura das amostras e em seguida a leitura do padrão, e, assim, determinou-se a concentração correspondente de sódio (16; 17). Para verificar a adequação nutricional de cada preparação, utilizou-se o Guia Alimentar para a População Brasileira (6), que recomenda a ingestão diária de 2000 Kcal de valor energético total (VET) por dia. As refeições maiores, no caso o almoço, devem representar de 30 a 40 % do VET, portanto, para a determinação de lipídeos seguiuse a recomendação da OMS (18) na qual se estabelece valores entre 15 a 30 % do VET, neste caso 15 a 30 % de 600 a 800 Kcal, ou seja, 10 a 26 g de lipídeos. A adequação dos teores de cloreto de sódio usualmente servidos nos restaurantes analisados foi comparada com a recomendação diária do nutriente segundo o National Research Council (19) e o Guia alimentar para a População Brasileira (6) que estabelecem uma ingestão máxima de 1500 mg a 2000 mg de sódio ao dia, respectivamente. O limite do mineral por refeição foi estabelecido segundo as recomendações do VI Diretrizes de Hipertensão (20)– de 5 g de sal/dia e no máximo 6 g sal/dia. Como as refeições maiores devem representar de 30 a 40 % das necessidades diárias, o teor de sódio deveria variar entre 600 e 800 mg no caso de 5 g de sal e 720 a 960 mg para 6 g de sal, com base em uma dieta de 2000 kcal. Para a organização dos dados e a tabulação das informações coletadas utilizou-se o programa Microsoft Excel, versão 2007. Realizou-se estatística descritiva. Embora as análises tenham sido executadas durante apenas três dias em cada um dos restaurantes, o Quadro 1 apresenta o cardápio oferecido na semana inteira, nos dois restaurantes, para permitir uma maior compreensão. O presente trabalho seguiu todos os procedimentos éticos exigidos para pesquisa com seres humanos e foi aprovado pelo processo CEP/UPM no 1173/09/2009. Resultados Em decorrência dos restaurantes pesquisados não pertencerem ao mesmo proprietário apresentaram diferenças relevantes, tanto na quantidade de refeições servidas quanto na composição dos cardápios. O “Restaurante 1” não ofereceu feijão e salada em nenhum dia da semana, e os pratos eram compostos em sua maioria por três componentes, enquanto que o “Restaurante 2” serviu feijão em dois dias da semana e salada em todos os dias, tendo seus pratos compostos sempre por 4 componentes (Quadro 1, Tabelas 1 e 2). Na Figura 1 apresenta-se a distribuição das refeições servidas nos 3 dias de coleta pelos restaurantes (1 e 2) segundo a quantidade de lipídeos (g). Observa-se que o “Restaurante 1” excedeu o limite recomendável de lipídeos em dois dias enquanto o “Restaurante 2” permaneceu dentro dos parâmetros nos três dias pesquisados. Modos de preparo diferenciados podem alterar sensivelmente a quantidade de lipídeos da refeição. Pode ser observado na Tabela 1, “Restaurante 1”, que a berinjela à parmegiana apresenta um valor relativamente baixo de lipídeos para esse tipo de preparação, o que ocorreu pela forma de preparo, na qual as berinjelas foram pinceladas com óleo e assadas para depois serem montadas à parmegiana, ao invés de serem imersas em óleo para fritura. Na Figura 2 apresenta-se a distribuição das refeições servidas nos 3 dias de coleta pelos restaurantes (1 e 2) segundo a quantidade de sódio (mg). Observa-se, que o teor de sódio apresentou-se quantitativamente em excesso no “Restaurante 1” em apenas um dos dias, (70 % da necessidade diária), enquanto o “Restaurante 2” excedeu o limite tolerável de sódio (720 a 960 mg) para uma refeição durante os três dias avaliados. Discussão Os cardápios nos restaurantes pesquisados, nos dias avaliados, fugiram ao padrão alimentar brasileiro. O “Restaurante 1” serviu arroz em quatro dos cinco dias e nenhuma vez feijão e o “Restaurante 2”, apesar de servir 27 SILVA, A.P. DIAS, G.C. ABREU, E.S. SPINELLI, M.G.N. MATIAS, A.C.G.; Alim Nutr. = Braz J Food Nutr., 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31. Figura 1. Quantidade de lipídeos (g) nas refeições servidas nos Restaurantes 1 e 2 em três diferentes dias. São Paulo, 2010 Figura 2. Quantidade de sódio (mg) nas refeições servidas nos Restaurantes 1 e 2. São Paulo, 2010. o arroz todos os dias, serviu feijão em apenas dois. Esse fenômeno é possivelmente decorrente do cosmopolitismo, que favorece o desejo de uma alimentação mais variada e sofisticada, que reproduz costumes alimentares de diferentes povos (21). A mistura arroz e feijão constitui a base da dieta da população brasileira. Por seu baixo custo e sendo acessível a todas as classes sociais contribui para a segurança alimentar (22). Pode-se dizer que esta mistura traz benefícios para a saúde, uma vez que a proteína do arroz é deficiente no aminoácido lisina, mas compensada pela lisina presente no feijão. Este por sua vez é deficiente do aminoácido metionina, que é compensado pela metionina do arroz. Essa compensação ocorre quando a mistura de arroz com feijão está na proporção de 3:1 (23). 28 Além de adequação aos hábitos alimentares, mesmo em coletividades consideradas sadias, é importante que se adotem critérios nutricionais no planejamento dos cardápios. São considerados cardápios nutricionalmente adequados, aqueles cujos nutrientes necessários ao bom desenvolvimento do organismo estão presentes nas quantidades recomendadas (5). No presente estudo, os valores de lipídios no “Restaurante 2” foram adequados nos dois primeiros dias (15,2 g e 16,7 g) e baixo no terceiro dia (6,6), no “Restaurante 1” os valores excederam em 115,0 % no primeiro dia e 38,0 % no terceiro (57,0 g e 36,5 g respectivamente). Estes achados estão em acordo com os de outros estudos como no de Mondini e Monteiro (24), na região Sudeste, com um consumo relativo de gorduras acima do limite máximo das recomendações propostas e o de Salas et al. (25) com uma média de consumo de 36,6 g de lipídeos em seis dias analisados, em uma empresa em Suzano - SP. Foram observados valores de lipídeos nas preparações arroz e feijão muito superiores aos das tabelas de composição de alimentos disponíveis, tais como a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos – TACO (26) e a Tabela de Composição de Alimentos (27). Esses resultados podem ser decorrentes da falta de padronização existente para o preparo desses alimentos. Comparando-se os valores de lipídeos do arroz no presente estudo com os das Tabelas TACO (26) verificou-se que no “Restaurante 1” e no “Restaurante 2” os valores aqui analisados foram 15 e 4 vezes maiores, respectivamente. No “Restaurante 2” o arroz apresentou 4 vezes mais lipídeos do que o valor referenciado na tabela TACO (26) e ficou com valor próximo e um pouco inferior ao da Tabela de Composição de Alimentos (27). O feijão do “Restaurante 2” possui 3,2 vezes mais lipídeos do que o referenciado na tabela TACO (26) e 1 grama a menos do que o valor encontrado na tabela de Philippi (27). O mesmo pode ser observado em um estudo feito com 14 restaurantes comerciais em Mogi das Cruzes, SP, por Cornélio et al. (28) em que todas as unidades avaliadas apresentaram amostras de arroz com teor de gordura 1,5 a 11 vezes superior ao valor de referência adotado. Quanto à análise do feijão, os mesmos autores relataram teores cerca de 8 a 19 vezes superior ao padrão adotado. Essas diferenças poderiam ser minimizadas e as quantidades de lipídeos serem adequadas somente com o uso de receituário padrão, uma vez que esses alimentos in natura apresentam quantidade ínfima de lipídeos e, portanto, esta situação somente ocorre pela falta de um controle preciso dos ingredientes utilizados no preparo, neste caso o óleo vegetal e, eventualmente, adição de bacon, no caso do feijão. Entre os micronutrientes o sódio tem representado um papel importante no desenvolvimento da hipertensão. Estudos apontam que atualmente, o consumo de sal excede às recomendações diárias para esse nutriente (29; 12; 30). Observa-se que os restaurantes excederam o limite máximo recomendado de sódio (Figura 2), sendo SILVA, A.P. DIAS, G.C. ABREU, E.S. SPINELLI, M.G.N. MATIAS, A.C.G.; Alim Nutr. = Braz J Food Nutr., 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31. Quadro 1- Cardápios de dois restaurantes localizados no campus de uma universidade privada do município de São Paulo. São Paulo, 2010. Cardápios “Restaurante 1” “Restaurante 2” Dia 1 Dia 2 Dia 3 Dia 4 Dia 5 Filé de Frango à Parmegiana Arroz Branco Batata Frita Carne assada ao Molho Madeira Purê de batata Arroz branco Berinjela à Parmegiana Arroz branco Frango recheado Arroz branco Batata Frita Lasanha Dia 1 Dia 2 Dia 3 Dia 4 Dia 5 Tiras de contra- filé Arroz branco Purê de batata Salada de agrião com pedaços de laranja Bife à Milanesa Arroz Primavera Ratatouille Salada de agrião Contrafilé grelhado Arroz branco Feijão Salada de alface, cenoura ralada, tomate e cebola Frango à Milanesa Arroz branco Creme de milho Salada de rúcula Iscas de frango com legumes Arroz branco Feijão Salada de agrião Tabela 1. Distribuição das preparações do cardápio de três dias da semana do Restaurante 1 segundo seu porcionamento, teor de lipídeo e sódio. São Paulo, 2010. Preparação Porção (g) Lipídeos (g/100 g)* Lipídeos (g/porção) Na (mg/100 g)* Na (mg/porção) Filé de Frango à Parmegiana 170 11,6± 0,9 19,7 479,1±10,5 814,4 Arroz branco 144 2,5±0,6 3,6 147,2±12,3 211,9 Batata frita 97 34,7±1,6 33,7 701,4±21,3 680,3 Berinjela à Parmegiana 169 4,6±0,8 7,8 188,9±11,2 319,2 Arroz branco 137 3,4±0,4 4,7 156,4±9,6 214,3 Lasanha 369 9,9±0,9 36,5 171,3±13,2 632,1 Dia 1 2 3 *média±desvio-padrão Tabela 2. Distribuição das preparações do cardápio de três dias da semana do Restaurante 2 segundo seu porcionamento, teor de lipídeo e sódio. São Paulo, 2010. Preparação Porção (g) Lipídeos (g/100 g)* Lipídeos (g/porção) Na (mg/100 g)* Na (mg/porção) Tiras de contrafilé 114 5,3±0,8 6,0 488,3±22,6 556,7 Dia Arroz branco 170 0,7±0,3 1,2 444,10±19,5 755,0 Purê de batata 160 4,8±1,1 7,7 460,5±29,2 736,8 Salada de agrião com pedaços de laranja 58 0,5±0,1 0,3 97,9±6,5 56,8 Contrafilé grelhado 124 10,5±2,1 13,0 570,7±35,1 707,7 Arroz branco 153 0,7±0,2 1,1 72,2±s= 13,1 110,5 Feijão 123 2,0±0,6 2,5 514,4±28,8 632,7 Salada de alface, cenoura ralada, tomate e cebola 13 0,1±0,0 0,0 4,0±0,1 0,5 Iscas de frango com legumes 98 3,3±0,8 3,2 229,7±21,4 225,1 Arroz branco 183 0,9±0,3 1,6 159,6±14,0 292,1 Feijão 151 1,2±0,3 1,8 473,6±26,7 715,1 Salada de agrião 102 0,0±0,0 0,0 56,1±8,8 57,2 1 2 3 *média±desvio-padrão esse fato presente em maior frequência no “Restaurante 2”. Ressalta-se que todos os alimentos foram analisados da forma como eram servidos pelos restaurantes, sem considerar a adição de sal que cada cliente poderia utilizar no momento da refeição, seja por uso de saleiros ou sachês com 1g de sal, comumente distribuídos nas mesas ou no balcão de serviço. Tratando-se da adequação dos micronutrientes em cardápios em restaurantes comerciais, pouco se têm estudado. Níveis altos de sódio foram encontrados por Salas et al. (200925) em uma empresa do município de Suzano – SP, que referiram uma média de consumo de sódio na refeição almoço, sem considerar o sal de adição pelo cliente, equivalente a 2435 mg, superior à recomendação diária de 2400 mg, e Fausto et al. (31) que apontaram teores de 6190 à 8940 mg. Spinelli et al. (32), estudando 15 restaurantes comerciais em Mogi das Cruzes – SP, relataram que a média de sódio presente nas refeições excedeu em 25 % a quantidade máxima de sódio recomendada, pelo Guia Alimentar (6), para uma única refeição apenas com os três alimentos – arroz, feijão e carne. 29 SILVA, A.P. DIAS, G.C. ABREU, E.S. SPINELLI, M.G.N. MATIAS, A.C.G.; Alim Nutr. = Braz J Food Nutr., 2014 Jan-Mar; 25(1): 25-31. Analisando 100 g do alimento arroz branco (Tabela 1), presente no cardápio de ambos restaurantes em mais de um dia, observou-se uma grande variação do teor de sódio no “Restaurante 2” comparativamente ao “Restaurante 1”. Essa irregularidade pode ser explicada pelo uso de temperos prontos comumente utilizados em alguns dias da semana, conforme relatado pelo proprietário do restaurante. Nesse caso, supõe-se que seu uso ocorreu na segunda-feira, dia em que o arroz branco apresentou maiores teores de sódio. Dos dias analisados, ressalta-se que o “Restaurante 1” relatou fazer uso de tempero pronto apenas na preparação Filé de Frango à Parmegiana, na segundafeira; o único dia da semana em que o estabelecimento excedeu às recomendações de sódio (Tabela 1). As maiores variações de sódio em um mesmo tipo de preparação ocorreram no “Restaurante 2” apesar deste estabelecimento ter relatado fazer uso de Receituário Técnico Padrão (RTP). O “Restaurante 1” referiu não fazer uso de nenhum tipo de padronização dos ingredientes utilizados como temperos (sal, ervas, especiarias, temperos prontos, etc.). Segundo Abreu et al. (33), o receituário padrão é um dos principais instrumentos de controle do restaurante pois permite uma padronização da qualidade. No estudo de Kawashima et al. (34), em restaurantes comerciais a média de sódio no arroz foi 321,9 mg/100 g (75 a 487 mg/100 g); no feijão foi de 350,2 mg/100 g (96 a 543 mg/100 g) e no prato proteico foi de 561,4 mg/100 g (306 a 1114 mg/100 g), valores ainda maiores e mais variados do que os encontrados no presente trabalho. Os dados são preocupantes, visto que ultrapassam as recomendações para esse micronutriente. Dumas (14) e Martins (35) afirmam que o RTP é um documento que registra passo a passo o processo de produção de uma preparação, tendo como função registrar e padronizar as quantidades de matéria-prima a ser utilizada. A RTP pode, assim, reduzir os custos e os desperdícios, além de controlar o valor calórico e nutrientes fornecidos, influenciando diretamente a saúde dos clientes. Desse modo a RTP deveria ser utilizada como ferramenta para manutenção de um controle de qualidade mais rígido. Assim sendo, tendo maior controle das preparações servidas, é possível verificar a quantidade de sódio que os funcionários adicionam e também verificar quais as formas de melhorar seu preparo para atender às recomendações atuais de ingestão de sódio diárias. De acordo com Abreu et al. (33), para os funcionários, seguir o RTP facilita a execução das tarefas sem a necessidade de ordens frequentes, além de propiciar mais segurança no ambiente de trabalho. Dessa forma, conhecendo o que se produz, é possível que a equipe do restaurante possa testar novas formas de conferir sabor às preparações sem utilizar somente o sal como tempero. Porém, cabe ao responsável pelo restaurante supervisionar se os funcionários estão 30 fazendo uso dos RTP, sugestão dada ao responsável pelo “Restaurante 2”, após devolutiva dos resultados presentes nesse trabalho. Uma limitação do presente estudo foi o fato de não ter sido possível conhecer o valor energético total da refeição consumida, uma vez que a análise laboratorial se limitou à determinação da quantidade de lipídeos totais e para se quantificar o valor energético total. Assim, recomenda-se a realização de estudos futuros que possam quantificar os teores de proteínas e carboidratos, além do teor lipídico para realização de uma abordagem mais ampla. Conclusão Os valores de sódio e lipídeos encontrados nas refeições dos restaurantes foram elevados o que aponta para possibilidade de risco à saúde, principalmente entre os que fazem uso diário dos restaurantes. Referências 1. Akutsu RC, Botelho RA, Camargo EB, Sávio KEO, Araújo WC. A ficha técnica de preparação como instrumento de qualidade na produção de refeições. Rev Nutr. 2005; 18(2): 277-9. 2. Cardoso RCV, Souza EVA, Santos PQ. 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