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Conteúdo Especial 4 Cinquenta anos de história APAE DE SÃO PAULO completa 50 anos e reúne conquistas, experiência e desenvolvimento científico em prol da pessoa com deficiência intelectual Artigos Aspectos biológicos da deficiência intelectual......................................................... 10 Causas ambientais de deficiência intelectual......................................................... 16 Direitos e garantias da pessoa com deficiência: um processo em construção........................................................................ 22 Envelhecimento e Deficiência Intelectual........................................................ 26 Pílulas....................................................................................... 3 Mitos e verdades......................................................... 42 Assuntos gerais........................................................... 46 Reflexão............................................................................... 48 Estudo das causas das deficiências intelectuais no Brasil................................ 30 Impacto da atividade física em pessoas com deficiência intelectual........................... 38 Editorial Marco Antonio Fernandes David Presidente do Conselho de Administração da APAE DE SÃO PAULO Jô Clemente Presidente de Honra Cássio dos Santos Clemente Diretor-Presidente da APAE DE SÃO PAULO Q uando há cinqüenta anos um pequeno grupo de pessoas se reuniu num sobrado da Zona Sul de São Paulo para formar a APAE DE SÃO PAULO, a deficiência intelectual era um assunto que quase todos evitavam. Os erros e os preconceitos eram a regra quando se pensava em deficiência intelectual, e naquela época a APAE não era mais que uma promissora exceção posta em prática pelo amor e pela dedicação daqueles pais e mães que se reuniram em 1961. Atualmente, a APAE DE SÃO PAULO realiza mais de 1 milhão de Testes do Pezinho e faz mais de 140 mil atendimentos por ano. A atenção dedicada às pessoas com deficiência intelectual pela sociedade também é outra e os preconceitos, apesar de ainda existirem, estão em menores patamares. Mas vivemos em uma sociedade diferente, temos novos desafios. E justamente por reconhecer que muito ainda precisa ser feito, o Instituto APAE DE SÃO PAULO resolveu lançar a revista D.I. Nosso objetivo é apresentar de forma clara e acessível informações importantes sobre os diversos aspectos da deficiência intelectual. Dos avanços científicos à psicologia, dos aspectos jurídicos à medicina, nossos artigos trazem informações e opiniões dos mais renomados especialistas da área. Dirigida a todos aqueles que se interessem pelo tema – profissionais da saúde, pais e familiares de pessoas com deficiência intelectual etc. –, esperamos com a revista dar mais um passo no cumprimento da nossa missão de “Promover a prevenção e a inclusão da pessoa com Deficiência Intelectual produzindo e difundindo conhecimento”. 1º. Diretor Vice-presidente: Cláudio Pacheco do Amaral / 2º. Diretor Vice-presidente: Felipe Clemente Santos / 1º. Diretor Secretário: Cristiano Frederico Ruschmann / 2º. Diretor Secretário: Eduardo Camasmie Gabriel / 1º. Diretor Financeiro: Raul Manuel Alves / 2º. Diretor Financeiro: Leo Braga Furness Filho Grupo Executivo Aracélia Lúcia Costa - Superintendente Instituto APAE DE SÃO PAULO Conselho Científico e Orientador do INSTITUTO APAE DE SÃO PAULO Presidente de Honra: Antônio S. Clemente Filho Presidente do Conselho Científico: Esper Abrão Cavalheiro Conselheiros: José Fernando Peres, Elza Marcia Yacubian, José Eduardo Krieger, Oswaldo Luiz Alves Membros Honorários do Conselho Científico Presidente de Honra: Dr. Antonio S. Clemente Filho Dr. Seme Gabriel Dr. Fernando José de Nóbrega Dr. Aron Diament Sra. Mina Regen Sr. Tuca Munhoz Sra. Rosana Cunha Dra. Darcy R. Schussel Dr. Hélio Egydio Nogueira Editor-chefe Esper Abrão Cavalheiro Editoras Assistente Dalci Maria dos Santos Laura Maria de Figueiredo Ferreira Guilhoto Produção Editorial Zeppelini Editorial Editor de Arte Rafael Tadeu Sarto Editor de publicação Marcio Zeppelini (MTB 43.722/SP) Periodicidade: semestral Propriedades e direitos: A revista DI é uma publicação em parceria do Instituto APAE DE SÃO PAULO e a Zeppelini Editorial com o apoio da APAE DE SÃO PAULO. É proibida a reprodução de fotos e matérias sem prévia autorização e sem citação da fonte. Esper Abrão Cavalheiro Presidente do Conselho Científico do Instituto APAE DE SÃO PAULO Dúvidas, críticas e sugestões: [email protected] Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da APAE DE SÃO PAULO. Pílulas Síndrome de Down diminui o risco de câncer sólido Olimpíadas Especiais Na década de 1960, Eunice Kennedy Shriver, irmã do presidente americano John Kennedy, participou de um acampamento para pessoas com Deficiência Intelectual e notou a importância dos jogos e atividades físicas. Assim, em 1968, por meio da Fundação Joseph P. Kennedy Jr, foram realizados os primeiros jogos das Olimpíadas Especiais (Special Olympics), em Chicago. Nesses jogos só competia quem tivesse algum tipo de Deficiência Intelectual. Hoje, as Olimpíadas Especiais tornaram-se o maior programa de competições e treinamento no mundo todo. Aqui no Brasil, as Olimpíadas Especiais são agora chamadas de Special Olympics Brasil, uma filiada da Special Olympics que fica nos Estados Unidos. Destinam-se às pessoas com Deficiência Intelectual com idade superior a oito anos, porém crianças entre cinco a sete anos podem participar do programa de treinamento. O evento acontece a cada quatro anos. As atividades incluem atletismo, ciclismo, patinação, equitação, futebol, golfe, vôlei, judô, entre outras. Sabe-se que existem mais de 200 mil atletas olímpicos especiais na América Latina. Para se ter uma ideia, no México, 5 mil atletas participaram das Olimpíadas Especiais em 2000. Hoje, já são mais de 22 mil participantes. Oxford Project to Investigate Memory and Ageing (OPTIMA) Pesquisadores do Oxford Project to Investigate Memory and Ageing (OPTIMA) publicaram os resultados de uma pesquisa de dois anos que testou o uso de suplementos de vitaminas B12, B6 e ácido fólico na prevenção da perda de massa encefálica encontrada nas pessoas com demência precoce. Os indivíduos que tomaram as vitaminas apresentaram ganhos em comparação ao grupo que tomou placebo. Adultos com síndrome de Down apresentam maiores riscos em desenvolver demência precocemente. A Down Syndrome Research Foundation entrou em contato com a equipe de pesquisadores do grupo OPTIMA, e serão realizados estudos de suplementação vitamínica e nutrição funcional que possam beneficiar as pessoas com síndrome de Down. Os estudos serão baseados na Europa. Pessoas com síndrome de Down têm menor incidência de tumores sólidos. A angiogênese, um processo externo às células tumorais, porém imprescindível para o crescimento e manutenção das mesmas, é o mecanismo pelo qual se formam e se proliferam novos vasos sanguíneos responsáveis pela irrigação tecidual. De acordo com um estudo publicado pela revista Nature, em 2009, pessoas com síndrome de Down têm menos chances de desenvolver tumores sólidos porque possuem cópias de genes que impedem o crescimento tumoral. Os pesquisadores observaram que uma terceira cópia do gene DSCR1 (Down Syndrome Candidate Region-1 ou RCAN1), presente no cromossomo 21 dos indivíduos com síndrome de Down, pode reduzir a capacidade angiogênica, ou seja, suprimir o crescimento dos vasos sanguíneos que alimentam tumores cancerígenos. Agora, os cientistas dedicam-se ao desenvolvimento de novas terapias e acreditam que as novas descobertas podem trazer esperanças no combate ao câncer para a população em geral. Novo teste informa perfil genético do feto por meio do sangue da mãe Agora o genoma completo do feto pode ser identificado no sangue da mãe. No estudo publicado pela revista americana Science Translational Medicine, os cientistas propuseram um método para identificação do perfil genético do feto graças a uma simples amostra de sangue da mãe. Até o presente, os métodos mais confiáveis para a detecção de anomalias genéticas potenciais nos fetos, como a muito realizada amniocentese, representam riscos. A amniocentese é um método de diagnóstico pré-natal que consiste na aspiração transabdominal de pequena quantidade de fluido diretamente da bolsa amniótica, que envolve o feto. Dessa forma, em 2011, estudos preliminares já realizados em 753 grávidas comprovaram a viabilidade em diagnosticar doenças genéticas pré-natais de modo não invasivo. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 3 Especial Por Thaís Iannarelli Cinquenta anos de história APAE DE SÃO PAULO completa 50 anos e reúne conquistas, experiência e desenvolvimento científico em prol da pessoa com deficiência intelectual M ais de 1,2 milhão de exames de triagem; 313.695 Testes do Pezinho; 8.209 profissionais capacitados; 142.220 atendimentos na área da saúde. Números como esses, que refletem algumas ações da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE DE SÃO PAULO) somente no ano de 2009, são um retrato da força e do trabalho que a Organização realiza e tornam evidente a importância de sua atuação para a sociedade. Em 2011, ao completar 50 anos, a Organização tem motivos para comemorar. “Esses 50 anos representam um marco na busca pela melhor qualidade de vida e pela inclusão na sociedade da pessoa com deficiência intelectual. Ao longo desse período, pais, 4 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro irmãos, médicos, técnicos e voluntários têm buscado diariamente cuidar, entender, ensinar, treinar e incluir a pessoa com deficiência intelectual, para que ela possa ter um papel na sociedade e se realizar como parte integrante da mesma”, complementa Cássio Clemente, Diretor Presidente da APAE DE SÃO PAULO. Ações de prevenção, de fomento à pesquisa, de aprimoramento tecnológico de ponta e também de inclusão, por meio de atividades de apoio socioeducativo, capacitação para o trabalho, defesa e garantia de direitos e educação, mudam realidades e imprimem, de fato, alterações significativas nas vidas das pessoas com deficiência intelectual e de seus familiares. “Tenho acompanhado a Organização praticamente desde a sua fundação, junto à Sra. Jô Clemente e ao seu marido, Antônio Clemente, baluartes importantíssimos dessa Organização. Durante todo esse tempo, constatei a importância que a APAE DE SÃO PAULO dá não só à criança com deficiência intelectual, mas também à sua família”, conta o Dr. Fernando José de Nóbrega, membro honorário do Conselho Científico do Instituto APAE DE SÃO PAULO. Evolução ao longo do tempo No dia 4 de abril de 1961, 50 anos atrás, a história da Organização começava oficialmente com um grupo de 48 pais e mães que se reunia regularmente para discutir o assunto da deficiência intelectual com especialistas. No mesmo ano, em um espaço cedido pela Prefeitura do Município de São Paulo, no bairro do Itaim, tiveram início os primeiros treinamentos para crianças e adolescentes com deficiência intelectual, assim como cursos intensivos voltados para a preparação de professores. “Assim nasceu a APAE DE SÃO PAULO, a partir da boa vontade de pessoas que foram pioneiras em um aspecto ainda pouco entendido da saúde das crianças com síndrome de Down e outras patologias relacionadas à deficiência intelectual. Foi um marco que, posteriormente, se ampliou por todo o país”, explica o Dr. Esper Abrão Cavalheiro, presidente do Conselho Científico do Instituto APAE DE SÃO PAULO. Vista do prédio da APAE DE SÃO PAULO unidade central Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 5 Especial Durante a década de 1960, outros fatos marcaram a existência da Organização. Um deles foi a realização do primeiro Congresso da Federação das APAEs, que reuniu as 12 unidades existentes no país à época. No mesmo ano, o Sr. Antonio Clemente Filho, um dos fundadores da APAE DE SÃO PAULO, foi eleito presidente da Federação Nacional das APAEs. Em 1966, a instituição lançou a primeira edição da Feira da Bondade, no prédio da Bienal de São Paulo, com o objetivo de arrecadar recursos para a construção do Centro de Habilitação. “A Feira da Bondade transformou-se num ícone e, através dele, foi possível chamar a atenção da sociedade para a questão da deficiência intelectual”, conta Felipe Clemente, segundo Diretor Vice-Presidente da APAE DE SÃO PAULO, e neto da Sra. Jô Clemente. Outras iniciativas marcaram ainda essa década, como a fundação da Clínica de Diagnóstico e Terapêutica dos Distúrbios do Desenvolvimento Mental (CLIDEME), em convênio com a Escola Paulista de Medicina, que serviu para lançar as bases da pesquisa institucional na Organização. A CLIDEME tinha como função formar profissionais de Medicina e Psicologia para atuar no Centro de Habilitação, quando este fosse inaugurado. 6 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Atendidos da APAE DE SÃO PAULO “Iniciei minha atuação na APAE DE SÃO PAULO na década de 1960, na CLIDEME. Fui convidado pelo diretor clínico da Organização, Prof. Dr. Stanislau Krynski para, em conjunto com o Prof. Dr. Benjamin J. Schmidt, professor de Pediatria da Escola Paulista de Medicina, e com o Prof. Pedro Henrique Saldanha, professor de Genética da Faculdade de Medicina da USP, fazer um estudo sob a caracterização clínica da síndrome de Down. O resultado desse estudo foi publicado ainda na década de 1960”, conta Aron Diament, membro honorário do Conselho Científico do Instituto APAE DE SÃO PAULO. Já na década de 1970, as ações começaram a tomar proporções maiores, além da inauguração do Laboratório de Genética e Erros Inatos do Metabolismo no Centro de Habilitação da Organização. O principal marco da década foi a implementação do Teste do Pezinho no país, que auxilia no diagnóstico e no tratamento precoces de doenças que podem levar à deficiência intelectual, tais como a fenilcetonúria e o hipotireoidismo congênito. “Com o incentivo da APAE DE SÃO PAULO na implementação do teste no Brasil, foi possível monitorar e prevenir. Diagnosticar cedo e tratar”, complementa Felipe. Nos anos 1970, houve também a fundação do corpo de voluntários e sua capacitação para o adequado enfrentamento dos desafios ligado à deficiência intelectual. Proporções maiores Com o objetivo de ampliar o cenário de inclusão das pessoas com deficiência intelectual, a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1981, proclamou o Ano Internacional dos Deficientes, abrindo espaço para discussões sobre o tema no mundo todo. Em São Paulo, nessa época, a Organização continuava também ampliando seu espaço de atuação. Foi assim que, em 1983, criou-se o Instituto de Pesquisa e Preparação de Pessoal na Área da Deficiência Mental (IPPE), que tinha entre seus objetivos estimular o desenvolvimento de pesquisas que pudessem trazer respostas de cunho mais científico às questões desafiadoras relacionadas à deficiência intelectual. Além desse papel fundamental, era função do Instituto organizar ações voltadas ao treinamento de recursos humanos especializados. Atualmente, optou-se por uma denominação mais simples, isto é, Instituto APAE DE SÃO PAULO; entretanto, seus objetivos de desenvolvimento científico e formação de recursos humanos continuam mais ativos do que nunca. Em 1984, por iniciativa da organização, foi promulgada a lei estadual nº 3.914/84, que tornou obrigatória a realização do Teste do Pezinho no Estado de São Paulo e, em 1988, a Organização sediou o I Simpósio Internacional de Triagem de Erros Inatos do Metabolismo, que reuniu mais de 300 profissionais do Brasil e de outros países. “A APAE DE SÃO PAULO deu foco à importante questão dos Erros Inatos do Metabolismo quando começou a executar o Teste do pezinho para o grande público. Ao fazer o diagnóstico e o tratamento desses distúrbios, deixou claro que a questão da deficiência intelectual era mais ampla e não se restringia apenas à síndrome de Down. Seu trabalho foi fundamental para alertar o público e os órgãos governamentais que se ocupam da saúde humana. Era necessária uma ação mais corajosa de enfrentamento dessa questão, que pode afligir parcela significativa da população. Essa foi uma das grandes bandeiras da Organização em prol da saúde pública no país”, completa Dr. Esper. Na década de 1990, mais feitos na área de pesquisa científica foram realizados, além da contínua prática de atendimento às pessoas com deficiência intelectual e seus familiares. Em 1991, a APAE DE SÃO PAULO sediou o XV Congresso da Federação Nacional das APAEs, com a participação de mais de 1.500 representantes de todo o país. No ano seguinte, o Instituto passou por uma reorganização e, em substituição ao Conselho Diretor, formou-se o Conselho Científico, com o objetivo de aprimorar e desenvolver ainda mais as pesquisas científicas e a formação de recursos humanos especializados. “A APAE DE SÃO PAULO tem Triagem neonatal Após publicação da portaria GM/MS nº 822, assinada pelo ministro José Serra, em 6 de junho de 2001, todos os Estados brasileiros contam com, pelo menos, um Serviço de Referência em Triagem Neonatal e postos de coleta para o Teste do Pezinho. O Teste do Pezinho é um exame de prevenção realizado a partir de gotinhas de sangue coletadas no calcanhar do bebê. Por meio dele é possível detectar doenças que, se tratadas adequadamente, evitarão que a criança desenvolva Deficiência Intelectual e/ou outras doenças relacionadas a outras sintomatologias. O incentivo à implantação do Teste do Pezinho, iniciado pela APAE DE SÃO PAULO, tem seus frutos colhidos com grande impacto na sociedade. Atualmente, todas as crianças nascidas em território nacional têm o direito à triagem neonatal, que prevê o diagnóstico de quatro doenças: o hipotireoidismo congênito, a fenilcetonúria, as hemoglobinopatias e a fibrose cística. A coleta deve ser realizada após 48 horas do nascimento, ainda na primeira semana de vida da criança. É importante frisar que o Teste do Pezinho é apenas um dos testes para a triagem neonatal de doenças que podem interferir no desenvolvimento das crianças. Porém, é de grande valia para a detecção precoce de doenças que podem causar sequelas futuras. A APAE DE SÃO PAULO tem grande significado para as pessoas com deficiência intelectual, na medida em que criou uma estrutura que permite prevenir, acompanhar, minimizar e estudar as diferentes dificuldades decorrentes dessa situação grande significado para as pessoas com deficiência intelectual, na medida em que criou uma estrutura que permite prevenir, acompanhar, minimizar e estudar as diferentes dificuldades decorrentes dessa situação. Além de possuir um dos mais importantes acervos de informações sobre a questão da deficiência intelectual, organizou uma importante rede de centros de atendimento baseados em protocolos bem definidos de atuação, que têm impactos diretos não só sobre a pessoas com deficiência intelectual, mas também sobre seus familiares”, explica o Dr. Oswaldo Luiz Alves, membro do Conselho Científico do Instituto. Em 1992, mais uma grande conquista: a primeira contratação pelo mercado de trabalho de Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 7 Especial Mercado de trabalho Este ano, a lei nº 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, completa duas décadas de existência. A norma estabelece que as empresas com cem ou mais funcionários reservem uma parcela de seus cargos para pessoas com deficiências. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), realizada em 2008, existem no mercado de trabalho 323,2 mil trabalhadores com deficiências. Os homens têm a maior representatividade, com participação de 64,32%. Os dados ainda apontam que a remuneração média desses profissionais é de R$ 1.717,00, superior à média dos rendimentos do total de vínculos formais (R$ 1.494,66). Por tipo de deficiência, o levantamento revela que as pessoas com deficiências físicas representam 55,24% dos trabalhadores. Em seguida, estão aqueles com deficiência auditiva, com 24,65%, e os com deficiência visual, com 3,86%. Pessoas com deficiência intelectual representam 3,37% e aquelas com deficiências múltiplas, 1,09%. um atendido pela Organização, como reflexo da Lei de Cotas, de 1991, e em vigor até hoje, a qual estabelece uma proporção de pessoas com deficiência a serem contratadas de acordo com o porte da empresa. “Acho que os direitos adquiridos foram muito importantes com a aprovação das leis do mercado de trabalho para a pessoa com deficiência. Mas esse foi apenas o primeiro passo, embora extremamente significativo, pois amplia o leque de oportunidades oferecido às pessoas com deficiências. Um passo mais importante, e também mais difícil, é ter a sociedade preparada para isso”, explica Felipe. Também na década de 1990 aconteceu a última edição da Feira da Bondade. Em 1998, em parceria com a PUC-SP, teve início o curso de pós-graduação de Educação Inclusiva, e, em 1999, foi lançado o Manual da Organização Mundial da Saúde voltado para o atendimento da pessoa com deficiência intelectual em português, em parceria com a Federação Nacional das APAEs. Nos dias atuais, o Instituto APAE DE SÃO PAULO busca revitalizar seus objetivos e metas de caráter científico, educacional e cultural, e tem como alvos principais registrar, criar, sistematizar e disseminar conhecimentos sobre a deficiência intelectual, buscando levar informação atualizada para os diversos agentes da sociedade, 8 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro além de fomentar reflexões sobre o tema e sobre os avanços científicos e sociais, promovendo a inclusão e a melhoria das condições de vida dos cidadãos com deficiência intelectual. Atua desenvolvendo programas e projetos nas áreas de formação e qualificação profissionais, assim como é responsável pela estruturação e gestão da pesquisa científica por meio do apoio à elaboração de propostas, visando à transformação da prática de atendimento em produção de conhecimento. Conquistas recentes No decorrer dos anos, e com o avanço do Terceiro Setor no Brasil, a Organização tornou-se referência também no que diz respeito à gestão. “Vejo que a instituição vem buscando um processo de mudança, atualização e profissionalização, e isso é constante. Acredito que os funcionários que fazem parte da organização não são importantes só por serem profissionais competentes, mas, mais que isso, são comprometidos com a Instituição. Oferecem o melhor de si para o trabalho”, explica Claudio Amaral, vice-presidente executivo da Organização. A partir do ano 2000, a instituição recebeu vários prêmios, entre os quais se incluem o TOP Hospitalar 2001, o TOP 3 – Ibest 2001, o Prêmio Criança, da Fundação Abrinq, o Prêmio Reina Sofia de Espanha de Prevención de La Discapacidad e o Prêmio Ação da Rede Globo. Outras atividades de grande significado foram a criação do Centro de Capacitação e Orientação para o Trabalho e da Cozinha Experimental, voltada à produção de alimentos especiais direcionados às pessoas diagnosticadas com fenilcetonúria. O laboratório da organização recebeu a ISO 9001, atestando a qualidade do serviço prestado na realização dos exames. “Estamos direcionando os nossos esforços também para a captura e disseminação de conhecimento sobre a deficiência intelectual, desenvolvendo pesquisas importantes para toda a sociedade. A inclusão das pessoas com deficiência intelectual continua sendo uma bandeira; porém, hoje, torna-se também relevante a busca por influenciar políticas públicas e incentivar a melhoria na qualidade de vida dessas pessoas”, explica Raul Alves, diretor tesoureiro da APAE DE SÃO PAULO. “Considero os 50 anos de fundação da APAE DE SÃO PAULO um marco nos estudos e divulgação da doença intelectual que se revelaram importantes para os aspectos de inclusão escolar, familiar e social das pessoas com deficiências em geral”, complementa Aron. Uma coisa é você saber o que tem de ser feito. Outra coisa é estar preparado para isso. Acho que é esse momento que vivemos agora. Na inclusão escolar, por exemplo, muitas vezes o professor não está preparado para lidar com uma pessoa que tem um tempo de aprendizado diferente. Por outro lado, falta, ainda, às pessoas com deficiência intelectual o treinamento adequado que lhes permita enfrentar as novas regras do mercado de trabalho Planos para o futuro Após 50 anos de tantas conquistas e avanços, a Organização pretende ampliar ainda mais sua linha de atuação e atingir positivamente cada vez mais vidas. A luta pela inclusão continua, já que algumas dificuldades ainda persistem. “Toda essa evolução transformou a sociedade que temos hoje, pois o preconceito diminuiu fortemente (apesar de ainda existir), e a inclusão veio para valer. Já faz parte do nosso dia-a-dia, tanto no trabalho quanto na escola dos nossos filhos e na nossa vida pessoal”, completa Raul. Mesmo assim, os desafios ainda são muitos. Apesar dos direitos adquiridos, a sociedade ainda não está apta a receber de forma adequada e sem discriminação a pessoa com deficiência intelectual. “Uma coisa é você saber o que tem de ser feito. Outra coisa é estar preparado para isso. Acho que é esse momento que vivemos agora. Na inclusão escolar, por exemplo, muitas vezes o professor não está preparado para lidar com uma pessoa que tem um tempo de aprendizado diferente. Por outro lado, falta, ainda às pessoas com deficiência intelectual a formação adequada que lhes permita enfrentar as novas regras do mercado de trabalho. Esses são os desafios mais prementes, e a sociedade deve estar preparada para lidar com eles de forma harmônica, facilitando o desenvolvimento pleno da pessoa com deficiência intelectual”, explica Felipe. Na área científica, a expectativa é de mais desenvolvimento em pesquisa. “Ao assumir a presidência do Conselho Científico do Instituto APAE DE SÃO PAULO, pude verificar com que intensidade são desenvolvidas as atividades de diagnóstico, de exames laboratoriais e de outros setores mais voltados para a assistência da pessoa com deficiência intelectual, e é necessário que esse vasto conhecimento acumulado ao longo dos 50 anos da APAE DE SÃO PAULO possa gerar ações importantes em outras instituições de natureza semelhante, aqui mesmo ou em outras regiões e países e, para isso, necessita ser divulgado adequadamente para sua apropriação pela sociedade. Além disso, e com a ativa participação dos demais membros do Conselho Científico, constatamos a necessidade de implantar dentro da Organização a nova lógica da pesquisa translacional, isto é, aquela que traduz de forma mais eficaz a pesquisa experimental em ações voltadas para a saúde humana”, conta o Dr. Esper. A grande bandeira da APAE DE SÃO PAULO, em todos os aspectos, é a inclusão. E nas frentes social e científica, faz isso com excelência. Como define Marco Antonio David, presidente do Conselho de Administração da Organização, “é justo dizer que nossa missão como instituição e, particularmente, como pais e amigos de excepcionais, é mostrar à sociedade o potencial das pessoas com deficiência intelectual e seus limites de atuação através de novos padrões científicos, de forma que o conjunto de pessoas com e sem deficiência intelectual possa conviver harmonicamente e com maior respeito às diferenças individuais”. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 9 Artigos Laura Maria de Figueiredo Ferreira Guilhoto Aspectos biológicos da deficiência intelectual A deficiência intelectual (DI), segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), se caracteriza por uma redução significativa da habilidade em entender informações novas ou complexas e de desenvolver novas habilidades (comprometimento da inteligência). Isso resulta em uma capacidade reduzida de viver de forma independente (funcionamento social comprometido) e inicia-se antes da idade adulta, com um efeito prolongado no desenvolvimento. No Brasil, do ponto de vista legal, o decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, Capítulo I, Artigo 4º, considera deficiência mental quando há funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a 2 ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d) utilização dos recursos da comunidade; e) saúde e segurança; f ) habilidades acadêmicas; g) lazer; e h) trabalho. Uma pergunta surge então: como se chegou a essa definição na atualidade? Quais são as tendências futuras? Como podemos incluir uma pessoa nessa nomenclatura? Quais são os motivos mais frequentes que causam essa condição? Ela pode ser evitada ou mesmo curada? Qual a importância da definição e classificação? Há implicações terapêuticas, assistenciais, legais e sociais? Todas as respostas a essas questões certamente serão modificadas com os avanços emergentes científicos e sociais. Diariamente, são publicadas nas revistas científicas novas evidências de melhor caracterização de alguns indivíduos com DI, tornando-os detentores de um diagnóstico específico além da própria DI, o que, muitas vezes, auxilia o seu diagnóstico e orientação terapêutica, e, outras vezes, 10 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 11 Artigos Deficiência ou retardo mental eram os termos mais utilizados antigamente; porém, devido ao fato de serem associados muitas vezes de forma errônea a outras condições médicas, como doenças psiquiátricas, e mesmo serem considerados pejorativos para o público leigo, o termo “deficiência intelectual” passou a ser considerado mais apropriado acrescenta apenas um nome a um diagnóstico clínico já conhecido, promovendo, no entanto, esperanças para um tratamento específico a ser aguardado futuramente. Histórico Deficiência ou retardo mental eram os termos mais utilizados antigamente; porém, devido ao fato de serem associados muitas vezes de forma errônea a outras condições médicas, como doenças psiquiátricas, e mesmo serem considerados pejorativos para o público leigo, o termo “deficiência intelectual” passou a ser considerado mais apropriado. No século passado, surgiram iniciativas da sociedade de promover atendimento mais adequado a indivíduos com DI, com a criação de grupos de apoio em alguns países, como o Association for Retarded Citizens of the United States (The ARC), nos Estados Unidos, em 1953, e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), no Brasil, em 1954. Apesar de algumas descobertas na metade do século 20, como a identificação da trissomia 21 na síndrome de Down em 1959, cerca de 90 anos após sua descrição clínica, houve maior avanço científico na DI nos últimos 50 anos. A Associação Internacional para o Estudo Científico da Deficiência Intelectual (IASSID), do inglês International Association for the Scientific Study of 12 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Intellectual Disabilities) foi fundada em 1964 e, já naquela época, os anais de seu congresso descritos em dois volumes cobriam 19 áreas de pesquisa. Em 2002, a OMS publicou o documento “Classificação Internacional do Funcionamento, Deficiência e Saúde” (ICF, do inglês International Classification on Functioning, Disability and Health), cuja ênfase foi dada aos aspectos relacionados à saúde e ao funcionamento do indivíduo, mais do que à deficiência. Nessa classificação, os domínios considerados são os das funções e estruturas corporais, grau de atividades e participação na sociedade. Desse modo, a deficiência é considerada quando há uma dificuldade no funcionamento individual dentro da sociedade, levando-se em consideração fatores biológicos e sociais, permitindo, assim, planejar melhor atividades de prevenção e intervenção terapêutica. A Associação Americana de Deficiência Intelectual (AAIDD, do inglês American Association on Intelectual and Development Disabilities) caracteriza a DI como uma condição com limitações no funcionamento intelectual e do comportamento adaptativo, que engloba habilidades de conceituação (linguagem verbal e escrita), sociais e práticas, iniciando-se antes dos 18 anos. O funcionamento intelectual é medido por testes padronizados que avaliam o Quociente Intelectual (QI), cujos valores distribuem-se em um grupo social em um padrão normal, com média em torno de 100, sendo DI considerada quando o valor encontrado está abaixo de dois desvios padrão desse valor. No entanto, deve-se lembrar que a definição atual é mais ampla, considerando-se também fatores de adaptação do indivíduo ao ambiente, além de fatores culturais importantes na realização dos testes. Esses testes quantitativos da inteligência foram introduzidos em 1907 por Binet e Simon para organizar estudantes com dificuldades escolares em grupos semelhantes e homogêneos e não tinham como objetivo inicial realizar classificação em níveis de inteligência, como foram posteriormente adaptados e utilizados. Causas Diversas são as causas da DI. O cérebro é composto por cerca de 100 bilhões de neurônios que se conectam e formam uma ampla rede neural, e a troca de informações nesse sistema faz com que exerçamos nossas funções neurológicas, desde as vitais, como respirar e manter a frequência cardíaca, até as mais complexas, como pensar, abstrair, tomar decisões e, especialmente, vivenciar as emoções humanas, como a paixão, o amor, a raiva, o prazer, a compaixão etc. Portanto, partindo do princípio da rede neuronal, a DI é causada pela disfunção de um ponto dessa rede que leva a dificuldades específicas no funcionamento cognitivo, especialmente no raciocínio abstrato. Como mencionamos, ela deve estar presente desde a infância; caso contrário, trata-se de uma condição adquirida após o desenvolvimento pleno dessas funções e, nesse caso, tecnicamente é chamado de um processo de demenciação, que foge ao enfoque deste texto. Podemos dividir assim disfunções da célula cerebral (neurônio) que ocorrem de forma localizada ou difusa e ainda causadas por conexões anormais. Muitas dessas disfunções são conhecidas atualmente e outras são teorizadas, dada a escassa evidência de uma causa celular definida da DI na atualidade. Deve-se mencionar também a relevância da prevenção de fatores considerados de risco para a DI. Segundo a AAIDD, fatores de risco presentes durante uma fase crítica do desenvolvimento cerebral são de vital importância, podendo-se citar elementos biológicos, sociais, comportamentais e educacionais. O desenvolvimento cerebral se dá desde a formação neuronal na vida intrauterina até o amadurecimento de suas conexões (sinapses) ao longo da infância e adolescência. Desta forma, se pode dividir esses fatores de risco em pré-natais, perinatais e pós-natais. Entre os fatores pré-natais, podemos citar doenças genéticas, metabólicas congênitas (erros inatos do metabolismo), malformações cerebrais, desnutrição materna, falta de cuidados pré-natais, uso de drogas, álcool, tabaco etc. Os fatores perinatais incluem prematuridade, insuficiência placentária, anoxia neonatal, infecções e alterações metabólicas no recém-nascido; os Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 13 Artigos Dentre as causas genéticas mais comuns de DI podemos citar a síndrome de Down (1/700 nascimentos) e X frágil (1/3.500 nascidos do sexo masculino), além de outras menos comuns, como as síndromes de Rett, Angelman, Prader-Willi etc. pós-natais incluem desnutrição infantil, infecções, falta de estimulação adequada etc. As doenças causadoras da DI são inúmeras e poderíamos nos deter longamente nesse assunto, dada a ampla causa de patologias neurológicas que cursam com DI. Podemos citar exemplos mais conhecidos, como a síndrome de Down, o hipotireoidismo congênito, a fenilcetonúria etc. A síndrome de Down, por ser a causa genética mais frequente de DI e poder ser diagnosticada clinicamente, é amplamente estudada e torna-se um modelo de tratamento e inclusão social, especialmente pelos fatores adicionais, como a sociabilidade e a longevidade. Outras condições consideradas como causadas por uma deficiência metabólica conhecida e reversível com reposição específica, como o hipotireoidismo congênito, permitem que o seu diagnóstico precoce seja de vital importância para que a DI se instale. Com o passar do tempo, outras formas de DI potencialmente tratáveis e, portanto, reversíveis, foram identificadas e, com isso, testes de triagem neonatal tornaram-se importantíssimos mundialmente, a fim de se estabelecer tratamento precoce, pois várias doenças neles incluídas apresentam DI. Existem grandes diferenças regionais nos testes de triagem neonatal. No Canadá, em 2007, já eram testadas 21 doenças metabólicas no teste de triagem neonatal e, na Finlândia, em 2005, apenas o hipotireoidismo congênito. No Brasil, a triagem neonatal foi iniciada com o Programa de Triagem Neonatal para 14 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Fenilcetonúria, em 1976, por meio da APAE de São Paulo. A implantação nacional do “teste do pezinho”, no entanto, ocorreu em 2001 e é realizada por meio de etapas nos estados, tais como: fase I (Fenilcetonúria e Hipotireoidismo Congênito); fase II (+ Hemoglobinopatias); fase III (+ Fibrose Cística). Em avaliação oficial de 2005, as fases I, II e III estavam disponíveis em 13, 11 e 3 estados, respectivamente. Atualmente, apenas cinco estados oferecem no setor público as três fases do programa: Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Em outros países, essa triagem foi aumentada com o passar do tempo. Nos Estados Unidos, a quantidade de testes varia de estado para estado, sendo, no entanto, realizados em todos testes de hiporiteoidismo congênito, fenilcetonúria, galactosemia, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita, entre outros. Em 2004, na Europa, com exceção da Armênia, Finlândia e Malta, todos os países tinham um programa nacional para fenilcetonúria, embora em alguns a cobertura ainda não fosse universal e, exceto Maldova e Ucrânia, todos avaliavam hipotireoidismo congênito; 12 tinham triagem para hiperplasia adrenal congênita, 6 para galactosemia, 6 para biotinidase e 4 para deficiência de desidrogenase de acil-CoA de cadeia média. Em revisão de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, em 2007, foi observado que, na Europa Ocidental, com exceção de Bélgica e Chipre, todos os países tinham cobertura superior a 95% e, na Europa Oriental, o grau do desenvolvimento dos programas variava de 19 (Bósnia-Herzegovia) a 106% (Estônia). Deve-se lembrar que essa modificação decorreu do avanço laboratorial possível nos últimos anos e, certamente, nas próximas décadas, novos testes surgirão. Dentre as causas genéticas mais comuns de DI podemos citar a síndrome de Down (1/700 nascimentos) e X frágil (1/3.500 nascidos do sexo masculino), além de outras menos comuns, como as síndromes de Rett, Angelman, Prader-Willi etc. Existem várias pesquisas em animais com alterações genéticas semelhantes às encontradas em algumas síndromes citadas, o que proporcionará novos conhecimentos no funcionamento cerebral dos indivíduos com DI, assim como dará oportunidade ao surgimento de novas possibilidades terapêuticas. Apesar da importância do reconhecimento das causas subjacentes de DI citadas anteriormente, sabe-se que, em cerca de 30% dos casos graves e em 50% dos leves, a causa é desconhecida pelos métodos rotineiros de diagnóstico. Com o avanço das técnicas de mapeamento genético, pequenas alterações no DNA podem ser detectadas nesses casos, por sua vez, constituindo um fator de pesquisa futura, assim como a possibilidade de intervenções específicas, quando alguma forma de tratamento for conhecida. Tratamento Como tratar uma condição de causas tão diversificadas com uma apresentação clínica tão constante como a DI? Como já mencionamos anteriormente, o tratamento da doença de base, quando de causa conhecida e de natureza reversível, como em algumas condições anormais do metabolismo, é o primeiro passo. Apenas um profissional capacitado da área de saúde será responsável por essa etapa, que inclui médicos, nutricionistas, além de suporte multidisciplinar de enfermeiras, psicólogos etc. Por vezes, se faz necessária a adaptação dietética; outras vezes, a reposição do agente deficitário, como o hormônio tireoidiano, por exemplo. E quando não se conhece uma causa reversível potencialmente tratável? Nesse caso, cabe ao profissional médico decidir quando prosseguir na investigação, iniciando sempre concomitante tratamento de suporte de reabilitação especializado, com estimulação de profissionais que se tornam necessários, dependendo da variação, caso a caso. Há crianças com DI que apresentam condições associadas, as quais necessitam de reabilitação física ou motora, que é realizada por profissionais como fisiatras, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Nos casos de DI isolada, além do tratamento da doença de base quando possível aliam-se diversas metodologias de suporte e reabilitação cognitiva. Qual é a melhor? Várias são as possibilidades, dependendo da área mais afetada (visuo-construtiva, verbal, emocional, etc.). Cada caso é sempre um desafio ao profissional, e não há método único capaz de auxiliar todas as crianças e seus familiares. Como se sabe, além do suporte técnico profissional, é de vital importância os suportes familiar e social, assim como a inclusão da criança com DI na sociedade. Há tratamento medicamentoso para a DI? Além do tratamento da doença de base, como citado anteriormente, não há tratamento específico para a DI, nem medicamentos que promovam a cura. No entanto, muitas vezes, são utilizadas medicações para as condições que podem ou não estar associadas, como crises epilépticas, distúrbios psiquiátricos, como depressão, ansiedade, psicose e alterações do comportamento que comprometam a integração individual à família e à sociedade. O que se deve fazer enquanto cidadãos para colaborar com as famílias e crianças com DI? É importante refletir e pensar que qualquer um pode estar nessa situação um dia. Como lidaria com o diagnóstico? Como procederia para obter mais informações, recentes e de confiabilidade? Como poderia auxiliar? Todos podem colaborar, e o conhecimento adquirido nas universidades e a experiência junto às famílias e indivíduos com DI é de fundamental importância nesse processo. Laura Maria de Figueiredo Ferreira Guilhoto é Mestre e Doutora em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Neurologista Infantil da Divisão de Clínica Pediátrica do Hospital Universitário da USP. Coordenadora de Pesquisa do Instituto Apae De São Paulo Referências BOTLER, J. et al. Neonatal screening – the challenge of an universal and effective coverage. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, n. 2, p. 493-508, 2010. BRASIL. Indicadores do Programa Nacional de Triagem Neonatal. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/ arquivos/pdf/INDICADORES_TRIAGEM_NEONATAL.pdf KUEHN, B. M. Scientists find promising therapies for fragile X and Down syndromes, JAMA, v. 305, n. 4, p. 344-346, 2011. NELSON, D. L. Mental Retardation and Intellectual Disability. In: SPEICHER, M. R.; ANTONARAKIS, S. E.; MOTULSKY, A. G. Vogel and Motulsky’s Human Genetics. 4. ed. Heildelberg: Springer, 2010, p. 663-680. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Atlas: global resources for persons with intellectual disabilities. (2007). Disponível em: http://www.who.int/mental_health/evidence/atlas_id_2007. pdf ______. Regional Office for Europe. Disponível em: http:// www.euro.who.int/en/what-we-do/health-topics/diseasesand-conditions/mental-health/news2/news/2010/15/ childrens-right-to-family-life/definition-intellectual-disability Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 15 Artigo Carolina Araújo Rodrigues Funayama Causas ambientais de deficiência intelectual Deficiência intelectual (ou mental) é uma modalidade de deficiência, definida pela incapacidade de resolver tarefas de acordo com o esperado para a idade e condizentes com o meio cultural, torna-se aparente no período do desenvolvimento infantil ou juvenil e é detectada por testes apropriados, com resultados que podem se modificar ao longo do desenvolvimento da criança. Focalizaremos aqui as principais causas ambientais. Infecções As infecções podem passar da grávida para o feto, muitas vezes sem sintomas na mulher e com graves repercussões no feto. As infecções congênitas transmitidas da gestante para o feto mais frequentes são causadas por 1) citomegalovirus, vírus transmitido através do contato por mucosas (mão-olho, mão-boca, narinas e sexual); lavagem frequente das mãos é a principal orientação preventiva; 2) Toxoplasma gondii, um protozoário presente nas fezes de gato. Para evitar a toxoplasmose, é necessário extremo cuidado no contato com gatos, jardinagem, terra e areia, mesmo com luvas; lavar sempre as mãos, especialmente antes de comer. Ambas não têm vacina. A rubéola, transmitida por um vírus por via respiratória e também transmitida da grávida para o feto, ainda é uma preocupação mundial. Embora a vacinação tenha sido iniciada em 1992 no Brasil, surtos de rubéola têm ocorrido, levando às recentes campanhas de vacinação para jovens e mulheres em idade fértil. Em um desses surtos, no ano 2000, a incidência de rubéola congênita foi de 3 para cada 100.000 bebês nascidos vivos. A vacina 16 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro para a rubéola deve ser tomada desde a infância e até 30 dias antes de engravidar nas mulheres ainda não vacinadas, porque o vírus da vacina pode prejudicar o feto. Antes ou após o nascimento, infecções de qualquer natureza, atingindo o sistema nervoso do feto ou da criança, também podem levar à deficiência intelectual, como ocorre às outras infecções sexualmente transmissíveis, como herpes e sífilis, assim como infecções bacterianas levando a meningites. São enfoque de investigação científica em todo o mundo as infecções genitais e de envoltórios fetais na grávida, por seu envolvimento com aborto, parto prematuro, e suas consequências adversas sobre a saúde do bebê. As consultas pré-natais asseguram grande parte das medidas preventivas e curativas em período oportuno. Alcoolismo Uma das maiores preocupações atuais em relação à prevenção da deficiência intelectual e distúrbios de comportamento nos filhos é a tendência cultural de consumo de álcool entre mulheres, futuras mães. Os efeitos do álcool sobre o cérebro Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 17 Artigos A deficiência intelectual pode ser decorrente de doenças por diversas causas: 1) hereditárias, com tipos variados de herança, acometendo os mecanismos de formação e função de estruturas cerebrais, como ocorre à síndrome do X-frágil, aniridia, neurofibromatose tipo I, ou provocando lesões nas estruturas já formadas, como ocorre a acidentes vasculares cerebrais já no período fetal, por exemplo, por erros genéticos do metabolismo, geralmente autossômicos recessivos, sendo exemplo a homocistinúria; 2) não herdadas, porém com alterações gênicas ou cromossômicas, já bem definidas, como as síndromes de Down e outras trissomias, Williams, Rett, Angelman, PraderWilli, e as mal definidas, como o hipotireoidismo congênito; 3) ambientais, sem relação com alterações cromossômicas ou gênicas, como causa determinada por infecções, efeitos de tóxicos, como as bebidas alcoólicas, falta de oxigênio ou interrupção na irrigação sanguínea para o cérebro do bebê por intercorrências durante os períodos de gestação e parto ou após o nascimento; 4) origem multifatorial, na qual estão em jogo a predisposição genética da criança aos efeitos dos fatores ambientais adversos e a presença desses fatores, o que ocorre à exposição ao chumbo, por exemplo. do feto estão bem conhecidos, e ainda não se chegou a um consenso sobre qual é a dose de bebida e concentração alcoólica segura para a mulher gestante, o que implica na recomendação para que não se utilize bebida alcoólica durante a gravidez. Chumbo Na prática clínica, ainda não há rotina de investigação de níveis de chumbo em crianças com deficiências na aprendizagem ou deficiência mental já definida, em busca de um diagnóstico causal. No entanto, estudos sobre efeitos adversos do chumbo no sistema nervoso estão bem avançados e em uma grande amostra de crianças dos Estados Unidos foi demonstrado que o nível intelectual das crianças sofre queda na medida em que aumenta a concentração sanguínea do chumbo, mesmo ainda dentro da faixa de valores do chumbo considerados seguros. No momento atual, é importante estarmos atentos para locais de risco e fontes de exposição, para medidas de prevenção. A contaminação pode vir pelo ar, contato com a terra e ingestão de superfícies de objetos e brinquedos coloridos. A criança pré-escolar está particularmente sujeita a contaminação por morder, por exemplo, grade de berço e brinquedos. Fontes industriais são fundições − refino de minério de chumbo, fusão de sucatas ou barras de chumbo para fins variados, produção de ligas (bronze, latão), fabricação e 18 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro recuperação de baterias, esmaltação de cerâmicas, fabricação de PVC e outros plásticos, indústria de borracha, fabricação de cabos elétricos, operação de corte e solda de peças e chapas metálicas contendo chumbo, jateamento de areia de estruturas metálicas pintadas com tintas com chumbo (pontes, navios) solda eletrônica e produção de compostos orgânicos de chumbo. Lembramos as ocasionais, porém danosas ocorrências de contaminação em áreas próximas a fábricas de baterias no Brasil. Fontes não industriais ou não ocupacionais são bebidas alcoólicas (vinhos e destilados), uso de cristais finos e porcelana esmaltada, utensílios de PVC, fabricação caseira de “chumbadas” de pesca e cartuchos, tinturas de cabelo, prática de tiro ao alvo, cerâmica artística caseira, projétil de arma de fogo alojado no corpo, alimentos industrializados, tintas em brinquedos. Lembramos o recente recall de brinquedos realizado pela Mattel® devido à alta contaminação da tinta pelo chumbo. No Brasil, uma lei recente, de 2008, foi aprovada para redução dos níveis de chumbo na fabricação de tintas. Desnutrição Má alimentação, levando à anemia e desnutrição proteica e calórica, muitas vezes está associada à falta de afeto, negligência ou incapacidade dos pais. Em um grupo de 73 crianças encaminhadas para estimulação essencial na APAE de Batatais (SP), por atraso no desenvolvimento, 11 apresentavam desnutrição, sendo 8 filhos de mães analfabetas. Observa-se, portanto, que ainda em cidades consideradas de bom nível econômico, detectamos crianças com desnutrição. Radiação Os efeitos deletérios de radiações sobre o cérebro fetal foram verificados em crianças entre 10 e 11 anos de idade, expostas no período perinatal às bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Oito em 470 expostas no período intrauterino a 0,01 Gy ou mais apresentavam retardo mental grave, enquanto que entre 608 expostas a níveis inferiores a 0,01 Gy não foram encontrados casos com retardo grave. Nessa amostra de crianças das duas cidades, entre 595 não expostas à radiação, 2 foram detectadas com retardo, considerados grupo controle. Nos dias atuais, entre outras Oligodendrócito fontes de radiação (acidentes célula que produz a em usinas atômicas, por exemmielina em torno do axônio do neurônio Corpo do neurônio plo), as radiografias (raios X) Dendritos têm aumentado como recurso Astrócito célula que retira do diagnóstico na Medicina, requesangue o alimento para o neurônio; faz rendo mais atenção na prevenAxônio Espinhas dendríticas trocas e influencia o (botões) em um ção de seus efeitos sobre o céremetabolismo de segmento de neurônios e sinapses bro em desenvolvimento. dendrito. As espinhas são locais de sinapse, Anóxia cerebral no bebê que recebem a Micróglia durante a gestação e períodos transmissão neural Dendritos células que excitatória do axônio perinatal ou neonatal (perinapertencem ao de outro neurônio sistema de tal refere-se ao período entre imunidade; origem não neural uma semana antes e depois do parto; neonatal: até 28 dias após Sinapses o parto): várias doenças materligações entre Vasos sanguíneos nas, placentárias ou do próneurônios Figura 1 – Tecido nervoso cerebral. prio feto podem levar a problemas na circulação sanguínea cerebral do feto, desde a sua formação inicial até clínico de problema cerebral no período perinatal, o momento do parto. Estão neste rol as doenças nem evoluíram posteriormente (avaliados até os maternas que afetam o estado nutricional, função seis anos de vida) com qualquer sequela motora ou cardíaca, renal (hipertensão) e endócrina (como mental. Quando houve alteração no exame neurotireoide), as disfunções placentárias secundálógico por mais de uma semana, indicando comrias ao uso de cigarro, por exemplo, ou próprias prometimento cerebral, a evolução foi com risco da placenta, como malformações na sua circulade 80% de a criança apresentar problemas motoção e infecções percebidas e, muitas vezes, não res, como atraso no desenvolvimento postural percebidas pela mulher. No feto, são relevantes as (demora para firmar o pescoço, sentar ou andar) malformações nos diversos órgãos, ou exclusivaou paralisia cerebral (a maioria com espasticidade mente no cérebro. Esses problemas maternos, planos membros). A deficiência mental nestes casos centários ou fetais, muitas vezes levam ao parto pode não ocorrer, sendo da ordem de 10% entre em más condições e antes do tempo previsto (preaquelas com atraso motor até 80% entre aquematuro, o mesmo que pré-termo). As condições las com paralisia cerebral mais grave. Nota-se que ao nascimento podem ser avaliadas pelo índice de não ocorreram casos com deficiência mental isoApgar. Esse índice foi criado em 1953 pela aneslada neste grupo, e isso tem sido reafirmado na tesista Virgínia Apgar para avaliar objetivamente literatura. A deficiência mental isolada (sem atraso o recém-nascido após o primeiro minuto do nasmotor) é causada principalmente por problemas cimento. Posteriormente, estendeu-se a avaliação genéticos e outras causas ambientais, como expodo mesmo índice de Apgar para o quinto minuto sição a tóxicos (álcool, chumbo e outros metais e ou também décimo e vigésimo, conforme a necesdrogas, danosos ao sistema nervoso). A deficiênsidade. No cálculo do índice de Apgar, atribui-se cia mental na criança que nasceu prematura pode uma nota, que é a soma dos 5 quesitos (notas de 0 ser decorrente de um estado mais grave de problea 2 para cada um): 1) frequência cardíaca, 2) respimas na circulação cerebral no período neonatal, ração, 3) atividade reflexa, 4) tônus e 5) tonalidade ou quando se somam outras complicações nos prida pele, sendo 10 o máximo valor. Em casos em meiros meses de vida, como estados de choque e que o índice de Apgar é menor do que 7 no priinfecções, que dão comprometimento mais difuso meiro minuto, pode ter ocorrido falta de oxigênio cerebral. no cérebro, com ou sem comprometimento defiQuando as causas são ambientais, existem nitivo. Em estudo de 294 recém-nascidos nestas particularidades segundo a causa, mas de modo condições, 216 não apresentaram qualquer sinal Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 19 Artigos geral, o cérebro é acometido em áreas específicas segundo a distribuição da irrigação sanguínea, por exemplo, vias de ligação entre as diversas áreas (corticais, subcorticais, mesencefálicas, pontinas, bulbares e medulares), ou ainda a ambos e de modo difuso. A extensão das lesões pode ser variável, sendo às vezes tão pequenas, que somente seriam visíveis por microscópio potente, e, nesse caso, exames de imagem cerebral de rotina, como a ressonância magnética e tomografia, resultam normais. Estamos apontando aqui alteração na estrutura material do cérebro (tecido cerebral), o que equivale a dizer que, comparando-se a uma máquina, o problema estaria em alguma peça ou muitas com defeito na sua forma (erro na fabricação da peça ou na sua montagem). A extensão da lesão pode não corresponder ao grau de deficiência, pois este grau se deve a um conjunto de fatores além do orgânico, como os sociais (afeto familiar e acesso a meios adequados de aprendizagem). Há ainda particularidades sobre o local da lesão, a seletividade funcional: há lesões que acometem somente a motricidade e não a parte responsável pela aprendizagem e capacidade de decisão, organização, atenção, concentração e habilidades para resolver desafios cotidianos. Muitas das causas ambientais, no entanto, levam a acometimento mais difuso, sendo exemplos os efeitos dos tóxicos e drogas como bebida alcoólica, que acometem, entre várias estruturas, as microscópicas espinhas dendríticas (Figura 1) do cérebro em formação, resultando em um cérebro de volume reduzido (microcefalia) e com lentidão na transmissão de informações, além de gerar distúrbios comportamentais, como agressividade, irritabilidade, embotamento. Um outro tipo de lesão difusa ocorre por falhas na composição do gene (mutações genéticas) por radiações. Também ocorrem alterações difusas no tecido cerebral, porém com maior intensidade nas áreas responsáveis por postura e movimento, quando ocorre algum problema na circulação sanguínea ou fornecimento de oxigênio ao feto, ou após o nascimento, principalmente se o bebê for prematuro, levando à redução na geração de células ou suas conexões, ou dano no tecido cerebral já formado. 20 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Uma das maiores preocupações atuais em relação à prevenção da deficiência intelectual e distúrbios de comportamento nos filhos é a tendência cultural de consumo de álcool entre mulheres, futuras mães. Ressalta-se que as causas citadas até aqui podem não ser a única explicação para a deficiência intelectual detectada. A criança pode estar sujeita a fatores adversos, que agravam a condição mental. Entre os fatores mais comuns estão a negligência familiar, traduzida pela falta de contato com os pais, mesmo em famílias de boas condições socioeconômicas, com babás mal preparadas, as quais não interagem, deixando a criança por horas a fio em carrinho na frente de TV. E o pior, pode haver deficiência motora, se a criança fica apenas na cama, sem qualquer estímulo. Ocorre também o contrário, como a superproteção familiar, em função dos cuidados que a criança requer no passo a passo de seu desenvolvimento, especialmente aquelas que nascem antes do termo. Carolina Araújo Rodrigues Funayama é Livre-Docente do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Espectrômetro de Massas detecta até 46 patologias Em lesões cerebrais por qualquer das causas citadas, muitas vezes ocorre interferência na transmissão elétrica entre os neurônios (células principais do sistema nervoso), culminando em dificuldades mentais e da linguagem, desequilibrando o impulso nervoso e levando ao aparecimento de epilepsia: crises convulsivas (com repuxos nos braços e pernas) ou não convulsivas, por exemplo, as crises de quietude súbita com olho aberto, parado, olhar distante. Também ocorre com frequência interferência na transmissão entre o córtex cerebral e medula, núcleos da base ou cerebelo, levando a distúrbios de movimento, do desenvolvimento postural e da coordenação. Cabe lembrar que certos problemas decorrem somente do mau funcionamento na transmissão entre neurônios e podem ou não se apresentar com deficiência mental. Assim, é a epilepsia como doença principal ou única ou são os distúrbios comportamentais e ainda deficiências sensoriais isoladas como na audição e visão que podem dificultar a aprendizagem. A origem pode estar em qualquer dos quatro fatores citados no início deste texto. Referências CARAM, L.H.A. Sobre o diagnóstico de crianças seguidas em um projeto “Estimulação Precoce”. Enfoque nos fatores de risco e prevenção. 2002. Dissertação (Mestrado em Neurologia). Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2002. FUNAYAMA, C.A. Estudos sobre encefalopatia hipóxicoisquêmica perinatal e neurodesenvolvimento. Livre-docência. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, FMRP-USP, Brasil. 2004. MARTURANO, E.M.; ELIAS, L.C.S. Efeitos cognitivos, neuropsicológicos e comportamentais da exposição a baixas concentrações de chumbo na infância. Revista Medicina Ribeirão Preto, v. 42, n. 3, p. 291-295, 2009. OTAKE, M.; SCHULL, W.J.; YOSHIMARU, H. A review of fortyfive years study of Hiroshima and Nagasaki atomic bomb survivors. Brain damage among the prenatally exposed. Journal of Radiation Research, v. 32, Suppl, p. 249-264, 1991. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 21 Artigo Fábio Ramazzini Bechara Direitos e garantias da pessoa com deficiência: um processo em construção O conceito de direitos humanos possui três importantes características. A primeira identifica um modelo lógico de questões a serem enfrentadas; a segunda provoca uma revisão intensiva pelos tribunais quanto ao caminho por meio do qual as referidas questões devem ser formuladas e respondidas e a terceira impõe um ônus importante à autoridade pública de autossatisfação e de satisfação dos tribunais no sentido de que se construam respostas adequadas. A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 constitui o divisor de águas no reconhecimento do ser humano como sujeito de direitos, e não mais como objeto das relações. Inúmeros tratados se sucederam ao longo dos últimos 60 anos, tanto no plano universal, como, por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção de Viena, quanto no plano regional, como, por exemplo, a Convenção Europeia de 22 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Direitos Humanos e a Convenção Interamericana de Direitos Civis e Políticos. Na mesma intensidade, foram elaborados importantes acordos internacionais, que tiveram como objeto um olhar especial sobre as minorias, como as convenções contra o tráfico de mulheres, contra os abusos à criança e ao adolescente, contra o trabalho escravo e, em particular, os acordos sobre os direitos das pessoas com necessidades especiais, como, por exemplo, a Declaração de Salamanca e a Convenção de 2006. Muito embora a normativa internacional não tenha força cogente sobre os Estados que aderem, na medida em que há qualquer sanção que os obrigue a implantá-la, é inegável que os tratados internacionais de direitos humanos acabam por exercer um papel indutor junto aos Estados, de modo a influenciá-los ideologicamente e, assim, gerar a sua nacionalização. A Constituição Federal Brasileira de 1988 é um bom exemplo da influência do processo de internacionalização dos direitos humanos, com particular destaque para a tutela das minorias, na medida em que prescreve como compromisso do Estado Brasileiro uma atuação pautada pela solidariedade e pela redução das desigualdades. As pessoas com deficiência, neste início de século, estão protegidas normativamente de forma mais do que suficiente. Sobram artigos da lei, previsões em documentos internacionais e dispositivos na Constituição Federal para sustentar o direito de serem tratadas equitativamente e na medida da sua desigualdade. O problema não é de lei, tampouco de reconhecimento de direitos e garantias. A questão que toca é de caráter eminentemente comportamental, seja do Estado, da coletividade, da sociedade, dos indivíduos. Tomemos dois exemplos para ilustrar a afirmação citada e demonstrar como é possível avançar: o direito à educação e o direito ao trabalho. Em primeiro lugar, o direito à educação A Constituição Federal Brasileira reconheceu o direito à educação como direito fundamental, enquanto necessidade social básica ao pleno desenvolvimento humano, e, ao mesmo tempo, estabeleceu a responsabilidade pela sua promoção e incentivo ao Estado, à família e à sociedade. Tal regime de responsabilidade igualmente se estende à inclusão da pessoa com deficiência, que possui direito a um atendimento especializado preferencialmente na rede regular de ensino, pública ou privada. Nesse contexto, é importante reconhecer o desempenho de dois papéis distintos por parte do Estado: o de prestador do serviço de educação em nível federal, estadual e municipal, e o de fiscalizador do cumprimento das diretrizes que norteiam o ensino público e privado no país. A exploração da educação pela iniciativa privada, enquanto expressão da livre iniciativa, fundamento da ordem econômica, não a exime dos mesmos deveres que norteiam a Administração Pública, principalmente no que se refere à acessibilidade à escola da pessoa com deficiência, na medida em que presta uma função pública por delegação. Daí porque não prosperar o argumento de que a rede particular de ensino não está obrigada a matricular as pessoas com deficiência. Soma-se ao discurso da falta de capacitação dos profissionais o medo, a desinformação, a ignorância, a falta de sensibilidade e, sobretudo, a falta de crença na inclusão por parte da rede de ensino e, principalmente, pelas famílias das crianças e adolescentes que convivem em sala de aula com a pessoa especial. Toda essa percepção precisa ser superada pela simples disposição de se buscar o suporte necessário nas mais variadas áreas do conhecimento, cuja produção nacional e internacional representa importante fonte para o aprimoramento e revisão de conceitos tradicionais. As experiências bem e mal sucedidas precisam ser associadas a esse conhecimento desenvolvido e em desenvolvimento, e somente a implementação de uma política inclusiva, corajosa e responsável pode gerar a reconstrução de um novo pensamento. O processo de educação inclusiva Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 23 Artigos Sobram artigos da lei, previsões em documentos internacionais e dispositivos na Constituição Federal para sustentar o direito de serem tratadas equitativamente e na medida da sua desigualdade. O problema não é de lei, tampouco de reconhecimento de direitos e garantias. pressupõe, acima de tudo, predisposição ao novo desafio e, ao mesmo tempo, paciência para transformar o tempo no seu maior aliado e não no seu pior inimigo, justamente porque somente o tempo gera o amadurecimento necessário à convivência com as diferenças, à construção da tolerância recíproca e à ruptura com o preconceito. É importante aceitar que os métodos pedagógicos associados à educação inclusiva somente poderão ser testados e melhorados se forem efetivamente aplicados, convertendo a teoria em um instrumento de redução das desigualdades e da melhora da qualidade de vida das pessoas. Da mesma forma que as mais variadas áreas do conhecimento evoluem, a expectativa de vida da pessoa com deficiência aumenta e suas aptidões e autonomia se confirmam, sendo fundamental que se persista na crença da sua capacidade de superação, adequação e transformação de si própria e do meio que a acolhe. O reconhecimento de um direito somente prospera se a respectiva responsabilidade for exigida e cumprida. 24 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Em segundo lugar, o direito ao trabalho A questão que envolve a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho merece particular destaque. Isso porque há uma clara combinação de cobrança de responsabilidades, reivindicação de direitos e geração de oportunidades e vantagens. A pessoa especial vem sendo reconhecida como pessoa apta ao exercício de funções hoje desempenhadas por outras pessoas que possuem a deficiência, assim como o paradigma da incapacidade civil como sinônimo de incapacidade para o trabalho vem sendo quebrado. O trabalho é reconhecidamente um instrumento de realização do ser humano e do desenvolvimento da sua personalidade. Não importa a deficiência e a intensidade com que se manifesta, é assegurado o direito de trabalhar, expressão da autonomia sempre perseguida, núcleo essencial da dignidade humana. Deficiência não é sinônimo de incapacidade, da mesma forma que incapacidade para os atos da vida civil não é sinônimo de inaptidão para o trabalho. Ser civilmente incapaz não significa impossibilidade de trabalhar. Quando o Código Civil trata da incapacidade, não procura marginalizar o incapaz, afastando-o das situações de vida comum. Pelo contrário, a intenção é proteger dos outros, justamente por considerar a impossibilidade ou mesmo a maior dificuldade do incapaz em expressar a sua vontade de forma livre e consciente. Quando menor, o incapaz é representado pelos pais e, quando incapaz por conta da deficiência ou enfermidade, este é representando pela figura do curador. A função do representante legal é instrumentalizar os interesses do incapaz, cujo grau de dependência o impede de agir por sua conta e risco em determinadas situações, e a presença do curador traduz a garantia necessária para evitar a exploração ilegal. Por outro lado, a evolução do grau de discernimento da pessoa especial pressupõe a adoção de um método pedagógico apropriado, a convivência e o apoio social e familiar, o trabalho e o apoio psicológico. As limitações naturais da pessoa especial jamais podem ser utilizadas como mecanismo de exclusão. O reconhecimento do trabalho como expressão de dignidade mantém-se hígido não É importante aceitar que os métodos pedagógicos associados à educação inclusiva somente poderão ser testados e melhorados se forem efetivamente aplicados, convertendo a teoria em um instrumento de redução das desigualdades e da melhora da qualidade de vida das pessoas somente quando gera riqueza e reflexos econômicos, mas principalmente quando proporciona felicidade, oportunidade de aprendizado, de tratamento, de desenvolvimento. Isso significa dizer que a pessoa especial, civilmente incapaz ou não, tem no trabalho uma porta para restabelecer a sua condição humana, pouco importando se o seu trabalho tem repercussão econômica. Nesse sentido, mostra-se absurda e atentatória à dignidade da pessoa especial a aceitação do argumento de que a formalização do contrato de trabalho representa um obstáculo à sua inserção. Em primeiro lugar, por mais visíveis que sejam os sinais de deficiência, a ninguém é dado o direito de presumir ou julgá-lo incapaz, tarefa reservada somente ao Poder Judiciário, sob pena de restar configurada inequívoca prática discriminatória. Em segundo lugar, tem-se que, mesmo nos casos em que a pessoa com deficiência é civilmente incapaz, a assinatura do contrato não será feita por ela, mas por seu representante legal, assegurados todos os direitos sociais que assistem os trabalhadores em geral. Embora o potencial de competitividade da pessoa com deficiência intelectual seja diferenciado, isso não lhe retira o direito de trabalhar. A cadeia de efeitos positivos gerada pela presença da pessoa especial no ambiente do trabalho abrange desde o reforço da imagem institucional, a interação com o público consumidor, a satisfação dos colegas de trabalho, até a melhora na qualidade do serviço prestado e do produto oferecido. A quebra do preconceito impõe o fim do medo e da prepotência, que devem ser substituídos pela ousadia, pela solidariedade e, principalmente, pelo espírito empreendedor e criativo. Respeito ao próximo e oportunidade de negócios são duas percepções absolutamente conciliáveis e, ao mesmo tempo, complementares. Constituem dois valores que se agregam e a partir dos quais se multiplicam os fatores positivos que decorrem de tal associação, abandonando-se de vez os aspectos negativos, fruto da resistência e da indiferença. Por que não acreditar na pessoa com deficiência intelectual? O que ela menos precisa é do sentimento de piedade, mas é fundamental a confiança e a primeira oportunidade. Potencial ela tem, como toda e qualquer pessoa. Falta mesmo é pôr um fim, de uma vez por todas, na discriminação e acreditar no incansável poder de superação do ser humano. Fábio Ramazzini Bechara é Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Promotor de Justiça em São Paulo. Ex-Diretor Presidente da APAE de São Paulo. Referências FORDHAM, M.; DE LA MARE, T. Identifying the principles of proporcionality. In: JOWELL, J.; COOPER, J. (Eds). Understanding human rights principles. Oxford and Portland, Oregon: Hart Publishing, 2001, p. 27. GOLDSMITH, J.L.; POSNER, E.A. The limits of international law. New York: Oxford University Press, 2005. KAUFMANN, A. Derecho, moral e historicidad. Madri: Marcial Pons, 2000. (Ediciones Jurídicas y Sociales). MARTINEZ, G.P.B. Curso de Derechos Fundamentales: teoria general. Universidade Carlos III de Madrid. Madrid: Boletin Oficial Del Estado, 1999. PIOVESAN, F. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. RAMOS, A.C. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 25 Artigo Esper Abrão Cavalheiro e Carla Alessandra Scorza Envelhecimento e Deficiência Intelectual O envelhecimento populacional é hoje um proeminente fenômeno mundial. O crescimento da população idosa em relação aos demais grupos etários é um dos maiores desafios da saúde pública contemporânea, e o Brasil não está fora desse cenário. O envelhecimento da população brasileira tem ocorrido de forma rápida e intensa; basta observar que, em 1940, o país tinha 1,7 milhão de idosos, cerca de 4% da população, enquanto que, em 1991, o contingente idoso já era de 10,7 milhões de pessoas (7,3% do total). Atualmente, os quase 20 milhões de idosos representam 10,5% da população, e estima-se que alcançarão 32 milhões em 2020. Na China, o país mais populoso do mundo, a projeção é ainda mais impactante, com uma estimativa de 100 milhões de idosos em 2030. O que está em jogo na velhice é a autonomia, ou seja, a capacidade do indivíduo de determinar e executar seus próprios desígnios. Nesse contexto, a capacidade funcional surge como um novo paradigma de saúde, particularmente relevante para o idoso. O resultado é que o envelhecimento saudável passa a ser compreendido a partir da interação multidimensional entre saúde física, independência na vida diária, integração social, suporte familiar e independência econômica. Ainda assim, o envelhecimento é um tema cercado de preconceitos. A noção de fragilidade física continua a passar a ideia de que a velhice está ligada a estereótipos negativos, como decadência, invalidez, infantilização, incapacidade, doença, dependência física e econômica. Assim, percebe-se que a velhice, sob esse enfoque, tende a relegar os idosos às margens da sociedade e da própria família. Essa exclusão é mais profunda e notória quando estamos diante de um idoso com Deficiência 26 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Intelectual, alvo de vários preconceitos sociais que se manifestam, muitas vezes, por meio de práticas sociais discriminatórias e pela ausência de políticas igualitárias. Nesse contexto, até a década de 1980, os idosos com deficiência intelectual representavam uma população essencialmente desconhecida e invisível. Porém, nos últimos 30 anos, o aumento da expectativa de vida no grupo de pessoas com deficiência intelectual foi mais expressivo do que aquele visto na população em geral. Esse crescimento ocorre como resultado de melhores condições sociais, educação, saúde e aumento da expectativa de vida geral. Como todos os indivíduos, as pessoas com deficiência intelectual também têm potencial de envelhecer com sucesso. Meio século atrás, pessoas com síndrome de Down raramente sobreviviam além da adolescência. Essa situação mudou inteiramente. Para se ter uma ideia, enquanto em 1947 a expectativa de vida estava entre 12 e 15 anos, em 1989, subiu para 50 anos. Atualmente, é comum pessoas com síndrome de Down chegarem aos 60, 70 anos, ou seja, uma expectativa de vida muito parecida com a da população em geral. Desde meados dos anos 1980, vários pesquisadores notaram a necessidade premente de entender as novas exigências demandadas por essa população que envelhece com deficiência intelectual. Em 1993, uma revisão feita em nove países identificou a urgência de políticas e desenvolvimento de serviços voltados para esse setor. Já era tempo de revisarmos os avanços e progressos alcançados desde então. Em março de 2010, o Journal of Policy and Practice in Intellectual Disabilities fez uma edição especial sobre o envelhecimento. Na publicação, Christine Bigby discutiu um dos assuntos já levantados em 1993 sobre as políticas de apoio aos idosos com Deficiência Intelectual em cinco países: Irlanda, Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Canadá. Esses países especificaram que todos os indivíduos com deficiência intelectual são cidadãos iguais a todos os outros e com os mesmos direitos aos serviços e estruturas sociais. Em comum, existem neles fortes diretrizes políticas que incentivam a pessoa com deficiência intelectual a permanecer durante o envelhecimento no mesmo local onde sempre esteve, seja no lar com os familiares, em lares adotivos ou em instituições especializadas. Houve, porém, pouco progresso na implantação estratégica e no desenvolvimento de políticas concretas para a acomodação dessa população. Hoje, ainda Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 27 Artigos persistem as mesmas deficiências de 20 anos atrás. Portanto, nos cinco países estudados, há uma distância entre o que determina a lei e as práticas do dia-a-dia. Isso nos chama a atenção para o fato de que, mesmo nos países mais desenvolvidos, as políticas públicas não estão preparadas para lidar de forma adequada com a questão do envelhecimento em geral e, mais particularmente, daquele das pessoas com deficiência intelectual. No Brasil, por sua vez, a falta de ações públicas específicas para essa população agrava ainda mais um quadro bastante difícil. As iniciativas existentes em nosso país ainda são poucas, isoladas e muito recentes. Apenas em 1998 foi criado pela APAE de São Paulo o Centro Sócio-Ocupacional Zequinha, a primeira instituição do Brasil e da América Latina diri- intelectual e, quando ambos envelhecem, estes últimos naturalmente substituem o cuidado que antes estava a cargo dos pais. Nos Estados Unidos, mais de 75% dos adultos com deficiência intelectual moram em casa com seus familiares cuidadores e, ainda, cerca de 25% desses cuidadores têm mais de 60 anos. Dessa forma, cuidados também devem ser prestados aos familiares para garantir apoio na sua desgastante tarefa. E esse apoio tem que ir além da simples transferência de informações e orientações. O ideal é que tais pessoas participem das decisões sobre os rumos da assistência aos seus idosos com deficiência intelectual, sabendo que contarão com suporte técnico necessário. A demência é outro tema abordado na edição especial do Journal of Policy and Practice in Intellectual Disabilities. O diagnóstico da demência nas pessoas com deficiência intelectual é mais difícil devido à prévia existência de déficits cognitivos. O resultado é que alterações iniciais podem não ser imediatamente identificadas. Nesse sentido, o artigo sugere que relatos retrospectivos feitos pelos cuidadores mostraram-se eficientes, senão melhores do que as taxações prospectivas na identificação das demências. Sabemos também que a prevalência da demência praticamente duplica a cada cinco anos a partir dos 60 anos. Estudos mostram que adultos com síndrome de Down têm maior probabilidade de desenvolver demência precoce. Uma intrigante associação entre a doença de Alzheimer e a síndrome de Down levou à descoberta do primeiro gene da doença de Alzheimer no cromossomo 21, que é o cromossomo extra, envolvido na síndrome de Down. De qualquer forma, dentro do leque de patologias associadas à deficiência intelectual, verifica-se que apenas a síndrome de Down apresenta, concomitantemente, os aspectos clínicos de deficiência intelectual e envelhecimento prematuro. Acredita-se que o estudo das alterações fisiopatológicas observadas precocemente nas pessoas com síndrome de Down pode contribuir para o entendimento do processo de envelhecimento biológico e, assim, para O que está em jogo na velhice é a autonomia, ou seja, a capacidade do indivíduo de determinar e executar seus próprios desígnios. Nesse contexto, a capacidade funcional surge como um novo paradigma de saúde, particularmente relevante para o idoso gida às pessoas com deficiência intelectual em fase de envelhecimento. O novo desafio é como planejar a velhice dos indivíduos com deficiência intelectual e como lhes proporcionar os cuidados de que necessitam. Além do mais, quando chegam nessa fase da vida, seus pais ou parentes próximos − ou seja, as pessoas que geralmente lhes davam atenção desde pequenos − ou estão muito velhos ou morreram. Interessa perceber como as famílias lidam com o envelhecimento do deficiente ao lado de seu próprio envelhecimento; portanto, com o envelhecimento mútuo. Nesse sentido, foi feito um levantamento das publicações científicas internacionais entre 1970 e 2008 e verificou-se que pessoas com deficiência intelectual tendem a desenvolver relacionamentos fortes e duradouros com seus irmãos sem deficiência 28 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro o desenvolvimento de estratégias terapêuticas específicas. Ainda não está claro para os estudiosos se a presença de demência nas pessoas com deficiência intelectual, por outras causas que não a síndrome de Down, ocorre na mesma proporção que na população geral. Os principais fatores de risco à saúde dos idosos com deficiência intelectual são parte de um universo palpitante de questionamentos. Por exemplo, se, por um lado, a literatura científica é rica em estudos sobre a menopausa, por outro, pouco se publica a respeito da menopausa nas mulheres com deficiência intelectual. Esses poucos estudos sugerem que a menopausa acontece mais cedo nas mulheres com Deficiência Intelectual do que na população em geral e também que os cuidadores têm grande dificuldade em separar as consequências físicas e psicológicas da menopausa daqueles comportamentos e sintomas advindos da própria deficiência intelectual. Outros aspectos de saúde ainda pouco estudados e que demandam atenção urgente são as doenças cardiovasculares, o diabetes − que apresenta maior incidência nas pessoas com deficiência intelectual −, a alta incidência de refluxo gastroesofágico etc. Ainda nessa população, foi identificada uma maior prevalência de osteoporose e osteopenia, principalmente devido à inatividade física, à pouca exposição solar e ao uso de drogas anticonvulsivantes. Embora já estejam bem estabelecidos os benefícios das mudanças nos hábitos de vida na melhoria da saúde óssea, sua importância e o fato de que a prevenção de perda de massa óssea pode ser feita com alimentação bem balanceada, suplementação adequada e a prática regular de exercício físico, nem sempre são do conhecimento da população. A literatura indica que a prática de atividade física representa uma das intervenções mais efetivas para a melhora do status geral de saúde da população de adultos com deficiência intelectual. Um estudo piloto mostrou que foi possível introduzir a prática de exercício físico em idosos com deficiência física e intelectual grave, e os resultados indicaram que 92% dessas pessoas experimentaram melhora em, pelo menos, um domínio do funcionamento físico. Ainda quanto aos riscos à saúde, os problemas de higiene bucal estão entre as dez condições secundárias que mais causam limitações às atividades diárias das pessoas com deficiência intelectual e podem causar doenças que ameaçam a vida. A incidência de gengivite é, por exemplo, quase o dobro daquela da população geral. Em resumo, o quadro de boa saúde nas pessoas idosas com deficiência intelectual é resultado de estilos de vida e intervenções que devem acontecer durante todo o desenrolar da vida. De acordo com o censo populacional de 2000, que adotou os critérios da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da Organização Mundial de Saúde, quase 4% da população idosa brasileira é formada por pessoas com deficiência intelectual. Essa população também apresenta os mesmos padrões da população idosa em geral: prevalência de mulheres e residência em áreas urbanas. Os dados também indicam que parcela significante desses idosos trabalha, principalmente aqueles do sexo masculino e com renda de até um salário mínimo mensal. O IBGE ainda não disponibilizou os dados do censo de 2010, mas, pelas razões descritas anteriormente, imaginamos que a população de idosos com deficiência intelectual tenha aumentado nesses dez anos. Portanto, essas pessoas também alcançaram a terceira idade pela maior oportunidade de convívio social, pelo maior acesso à escola e ao mercado de trabalho e, principalmente, graças aos esforços dos pais e familiares que muito lutaram e continuam lutando por direitos iguais e pela inclusão de seus filhos com deficiência intelectual. Esper Abrão Cavalheiro é Professor Titular da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Presidente do Conselho Científico da APAE de São Paulo. Carla Alessandra Scorza é Pesquisadora do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Referências BIGBY, C. A five-country comparative review of accommodation support policies for older people with intellectual disability. Journal of Policy and Practice in Intellectual Disabilities, v. 7, n. 1, p. 3-15, 2010. BITTLES, A.H., et al. The four ages of Down syndrome. European Journal of Public Health, v. 17, n. 2, p. 221-225, 2007. MOSS, S. Aging and developmental disabilities: perspectives from nine countries. Durham, NH: IEEIR, 1993. NERI, A.L. Palavras-chave em gerontologia. Campinas, SP: Alínea, 2005. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 29 Artigo João Monteiro de Pina-Neto Estudo das causas das deficiências intelectuais no Brasil Introdução A solução que todos os países desenvolvidos adotaram em relação às deficiências intelectuais (DIs) foi o trabalho integrado nos três níveis de prevenção: o nível primário, desenvolvendo ações para evitar que crianças com deficiências sejam geradas; o nível da prevenção secundária, desenvolvendo ações para o estabelecimento do diagnóstico precoce, objetivando medidas terapêuticas que evitem o aparecimento da condição clínica (como é o caso do Teste do Pezinho), e a prevenção terciária, que busca limitar as consequências adversas da condição existente, trabalho hercúleo ao qual as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs) se dedicam há tantos anos no país. Hoje, perante a realidade da melhora das condições econômicas e sanitárias no Brasil, levando à queda acentuada das taxas da mortalidade infantil, a integração entre estes três níveis de prevenção das DIs é a ação mais necessária para se evitar um aumento cada vez maior de pessoas com deficiência intelectual no país. Seguindo o exemplo pioneiro de Krinsky, na APAE de São Paulo, estes três níveis de ação devem estar disponíveis em todas as APAEs do Brasil. Nas quatro últimas décadas, principalmente, tem-se constatado uma queda acentuada das taxas de mortalidade infantil em todos os municípios brasileiros (por exemplo, em Ribeirão Preto (SP), estas taxas caíram de cerca de 50 por mil, na década de 1970, para cerca de 8 a 9 por mil, atualmente – conforme dados da Secretaria de Saúde do município). O que isso significa? Que a sobrevida dessas pessoas vai aumentar cada vez mais e que cada um nascido com DI (e que poderia ter sido evitado na grande maioria dos casos) vai elevar o número absoluto e relativo de DI na população brasileira (cada vez mais), o que acentuará a pressão por cuidados especiais de saúde, educação e trabalho em níveis insuportáveis. 30 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Por outro lado, o próprio desenvolvimento dos países leva ao aparecimento de outros fatores que aumentam as frequências de nascimentos de pessoas com deficiência intelectual, como: a)mudança no perfil etário dos pais, com aumento relativo nas faixas abaixo de 20 anos (aumentando a prematuridade e suas consequências), assim como das mulheres acima de 35 anos (facilitando as cromossomopatias numéricas), e dos homens acima de 45 anos (facilitando as doenças por mutações gênicas e translocações cromossômicas relacionadas à idade paterna); b) o aumento do contato com o álcool e drogas psicotrópicas que se estabelece nas sociedades cada vez mais cedo, os quais são potentes agentes tóxicos e teratogênicos, elevando as taxas de lesões fetais, como, por exemplo, na região de Ribeirão Preto, onde se constatou o uso do álcool em níveis nocivos entre 10 e 30% das gestantes em diferentes municípios, o que leva a taxas assustadoras de até 1% dos recém-nascidos com lesões decorrentes do uso do álcool; c) falta de controle da automedicação na gestação, pelo acesso fácil, por exemplo, ao abortivo misoprostol; d) universalização dos maus hábitos alimentares, elevando as taxas de obesidade mórbida e de carências alimentares específicas, como a hipofolemia, aumentando as taxas de malformações fetais; e)falta de compreensão dos fatores genéticos como responsáveis por parcela significativa das DIs e, em consequência, falta de diagnósticos corretos, falta de definição das famílias em alto risco genético de recorrência e de seguimento das gestações subsequentes, com altas taxas de recorrência e pauperização maior pelo aumento de incapazes na família. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 31 Artigos É importante saber que, quanto menor for o recém-nascido (por exemplo, com menos de 1.000 g possuem uma chance de cerca de 80% de DI), maiores são as chances de desenvolver quadros hemorrágicos e anóxicos no período perinatal, mesmo que estejam em uma boa UTI infantil O sistema das APAEs e outras entidades que se dedicam ao atendimento às pessoas com DI no Brasil desenvolveram muito bem o nível secundário (universalização do Teste do Pezinho) e terciário de prevenção. O momento é o de ampliar o trabalho de prevenção primária das DIs. Para isso, torna-se necessário entender melhor as causas destas deficiências. Estudos das Causas de DI em APAEs da Região de Ribeirão Preto (SP) Por que estudar as causas de DI no Brasil? Em que local estudar? O que se tem hoje na maioria das capitais e cidades maiores do interior do país (principalmente do Sul e Sudeste brasileiro) para o atendimento médico e de saúde das pessoas com DI são ambulatórios em hospitais de nível terciário (geralmente universitários) que se dedicam à Neuropediatria, à Genética e à Psiquiatria infantil. Esses ambulatórios têm pouca troca de experiências, por não serem integrados, e são muito centralizadores, levando ao erro de deslocar o atendido das APAEs, que possui geralmente um agravo crônico, para consultas nestes locais de alta complexidade, desnecessariamente. Cada grupo desses, que atende pessoas com DI, tem uma visão parcial 32 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro sobre as doenças envolvidas com a DI, e atende a aspectos específicos (distúrbios comportamentais, epilepsia, síndromes genéticas, etc). O que é necessário é a integração dos esforços. Por outro lado, as instituições têm dificuldade de conseguir vagas para encaminhar seus atendidos para avaliações nesses centros e, muitas vezes, mesmo que estes recebam atendimento, os resultados são pouco aproveitados e, frequentemente, são desconsiderados por falta de maior integração e pela crença de que o máximo que se precisa conhecer sobre uma DI é o nível de atraso ou as necessidades a serem estimuladas e, com isso, controlar seu comportamento. Uma vez mais, isso é resultante da falta de integração. Os médicos existentes nas instituições para pessoas com DI normalmente estão voltados para o trabalho de controle dos agravos agudos de saúde ou dos crônicos restritos a sua especialidade, sem uma visão holística e uma visão geral das causas das DIs, não procurando conhecer qual é a doença específica do seu atendido e o que este diagnóstico significa, sem conhecer melhor a história natural do agravo, além de incorrer no erro de não prevenir recorrências que sabidamente podem ocorrer em cerca de 15 a 20% das famílias. Essa situação leva a que, no Brasil, apesar de se trabalhar com DI há muito tempo, não se saibam em termos reais as prevalências e incidências dos diversos agravos que estão envolvidos com a DI, conhecimento essencial para o delineamento da prevenção primária. Quais são as causas de DI no Brasil? O grupo de pesquisa em Genética da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, vem fazendo um estudo usando metodologia adequada e extensa em quatro APAEs no município de São Paulo (Batatais, Altinópolis, Serrana e Limeira) no qual cerca de mil pessoas com DI estão sendo avaliadas. O estudo está completo em duas APAEs, com 200 pessoas com DI avaliadas. Este grupo é caracterizado por um predomínio acentuado de DI grave (86%), somente 6% de DI leve, e 8% de crianças abaixo de 3 anos caracterizados como atraso neuropsicomotor. Nesta amostra há predomínio do sexo masculino (57%), e as idades variam de abaixo de 1 ano a 69 anos. A metodologia empregada envolve história clínica completa, heredograma, exame físico detalhado, incluindo exames neurológico e dismorfológico, e a obtenção de exames complementares detalhados como exame de imagem do SNC (145 estudos de neuroimagem em 200 casos), cariótipo (91 em 200 casos), exames de DNA principalmente a triagem da Síndrome do X-frágil por PCR (35 em 200 casos) e exames metabólicos para erros inatos do metabolismo (17 em 200 casos). Os diagnósticos etiológicos (de causa da DI) obtidos foram: a) causa genética = 29% - 58 em 200 casos; b) causa não genética ou ambiental = 42,5% - 85 em 200 casos; c) provável doença genética (necessitando confirmação) = 7 em 200 casos; d) doença de ocorrência esporádica sem etiologia definida na literatura = 3 em 200 casos; e)doença cuja etiologia é heterogênea sendo impossível definir no caso estudado = 7 em 200 casos; f ) doença com diagnóstico não definido = 40 em 200 casos. As causas ambientais ou não genéticas foram: a)encefalopatia hipóxico-isquêmica ou injúria anóxica = 16,5% (33 em 200 casos); b) prematuridade = 14% (28 em 200 casos); c) infecção congênita = 5,5% (11 em 200 casos, sendo 7 casos de toxoplasmose, 1 caso de rubéola congênita, 1 de citomegalovirose e 2 casos de infecção sem definir o tipo); d)infecção pós-natal = 3,5% (7 em 200 casos, sendo todos de meningite bacteriana); e) teratógenos químicos = 2,5% (5 em 200 casos, sendo todos da síndrome do álcool fetal. Neste caso, cabe o questionamento se é esta a prevalência atual nas APAEs do Brasil, com níveis de predomínio de DI grave); f ) sequela de traumatismo cranioencefálico = 1 caso em 200. As causas genéticas foram: a) cromossômicas = 14% (28 em 200, sendo 24 casos de síndrome de Down e 4 anomalias cromossômicas estruturais, sendo 2 familiais e 2 novas ou não familiais); b)monogênicas = 14,5% (29 em 200 casos, sendo 16 síndromes genéticas, das quais 12 autossômicas recessivas, 2 ligadas ao X recessivas, 1 autossômica dominante e 1 doença de O sistema das APAEs e outras entidades que se dedicam ao atendimento às pessoas com DI no Brasil desenvolveram muito bem o nível secundário (universalização do Teste do Pezinho) e terciário de prevenção imprinting) e 13 famílias de DI pura ou não sindrômicos (das quais 8 autossômicas dominantes, 4 ligadas ao X recessivas e 1 autossômica recessiva); c) multifatorial = 1 caso. Como se pôde verificar, pelo menos 28 famílias em 200 (14%) possuem alto risco de recorrência da doença na irmandade. Precisam de aconselhamento genético não diretivo contínuo e seguimento reprodutivo. O estudo realizado mostrou que há necessidade de se estudar mais instituições nesta região para conhecer melhor as frequências relativas de cada uma das causas de DI e, principalmente, estudar instituições com predomínio de DI leve, para se elucidar melhor a etiologia deste tipo de DI, o que este grupo está realizando agora em duas outras APAEs que possuem ainda um número relativamente alto de DI leve entre seus atendidos. O grupo está, também, introduzindo novas metodologias genéticas (como estudos de microdeleções e microduplicações por MLPA e array-CGH, e estudos de mutações de genes do cromossomo X em DI pura) e realizando revisão detalhada nos casos sem diagnósticos definidos para elucidação mais completa das etiologias. Apesar de estes dados serem provenientes de uma amostra pequena de DI estudadas, ao realizar uma análise comparativa em relação aos dados obtidos no estudo de Stevenson e colaboradores, Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 33 Artigos Apesar de a amostra do estudo brasileiro ainda ser pequena, é representativa de dois municípios relativamente pequenos (populações de 20 a 30 mil habitantes) do interior de São Paulo e de uma das regiões mais ricas e desenvolvidas do país. O que chama a atenção na comparação com os estudos da Carolina do Sul, nos Estados Unidos? 1)A grande incidência das causas ambientais nos municípios brasileiros estudados (prevalência de 42,5%, em relação a 18% nos Estados Unidos). E em quais fatores ambientais se concentram essas diferenças tão grandes? Na prevalência de acidentes hipóxico-isquêmicos (injúria anóxica) e prematuridade. Ao realizar uma comparação, observam-se 16,5% de injúria e 14% de prematuridade na amostra estudada no Brasil, num total de 30,5%, enquanto esses dois fatores juntos, nos Estados Unidos, representam somente 10%. Ao avaliar a questão das infecções na amostra estudada, a prevalência é de 9%, em relação a 5% nos Estados Unidos (quase o dobro). A questão da teratogênese química, principalmente representada pelo uso nocivo do álcool, mostrou-se semelhante aqui (2,5%) e lá (2%). Acredita-se que o problema do álcool aqui no Brasil ainda vá aumentar muito na próxima década. Em análise que foi realizada sobre o ano de nascimento dos afetados por DI devido à injúria e prematuridade, a impressão que se tem é de que o número vem aumentando a cada ano, talvez em função da maior sobrevida de prematuros extremos e anoxiados graves; 2)As causas genéticas envolvidas com a DI grave parecem semelhantes tanto aqui (29%) quanto nos Estados Unidos (29%). O que preocupa nestas causas? A falta de reconhecimento (de diagnóstico). Por outro lado, há um número considerável de doenças genéticas com porcentagem considerável (14%) de famílias com alto risco de recorrência. Geralmente as famílias não sabem e vão tendo filhos com deficiências, e, assim, agravam-se os problemas familiar e social. É importante, também, notar a grande prevalência da síndrome de Down (24 em 200 casos), mesmo em municípios pequenos, com cerca de 400 nascimentos anuais (o que leva à estimativa de que surja 1 caso de síndrome de Down a cada 1 ou 2 anos). Este número alto provavelmente deve-se à sobrevivência aumentada em função dos cuidados médicos e sociais. Também chama muito a atenção o número relativamente grande de famílias com DI pura, com diferentes etiologias genéticas, patologias que não são vistas em Hospitais Terciários (pois são casos de DI leve a moderada, sem outras alterações orgânicas). Ressalta-se o fato de que, atualmente, estas famílias com DI pura passam a ser muito importantes nas pesquisas genéticas relacionadas à DI, já que inúmeros genes estão sendo mapeados e clonados a partir destas famílias; 3)Há grande (na verdade, enorme) diferença de não diagnóstico nos Estados Unidos (56%) em relação ao nosso estudo (20%). Por que isso ocorre? Não se sabe toda a resposta. Talvez seja porque ao se controlar as causas ambientais, as causas genéticas ainda não conhecidas (novas síndromes, novos mecanismos genéticos ainda não revelados por falta de tecnologia adequada), aumentem e também sua importância relativa. É um assunto para discussão. 34 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro realizado na Carolina do Sul, Estados Unidos, em cerca de 10 mil DI estudadas, constata-se que: a) causas genéticas = 29%; porcentual exatamente igual ao obtido no estudo brasileiro, sendo 11% de cromossomopatias (porcentual muito próximo da amostra brasileira de 14%), 8% de doenças monogênicas (porcentual um pouco menor do que a amostra brasileira de 14,5%); b) causas não genéticas ou ambientais = 18%, porcentual muito menor do que aquele obtido neste estudo, que foi de 42,5%, com uma frequência de encefalopatia hipóxico-isquêmica de 5% (diferentemente da amostra brasileira, de 16,5%), prematuridade de 5% (diferentemente da amostra brasileira, de 14,5%), infecções = 5% (diferentemente da amostra brasileira, de 9%) e agentes químicos de 2% (diferentemente da amostra brasileira, de 2,5%); c) causas desconhecidas = 56%, taxa muito elevada em relação ao estudo brasileiro, que foi de 20%, provavelmente pelo maior controle das causas ambientais, aumentando relativamente os casos em que o nível da ciência atual não consegue detectar a causa subjacente. Ficou claro, também, para o grupo de pesquisa que, ao sair da atuação somente em Hospitais Terciários e se envolver diretamente com as instituições que atendem diariamente as DIs, se alcançou a possibilidade de maior geração de dados muito importantes para conhecimento da realidade brasileira sobre as causas de DI em nossas populações e de que esses dados são fundamentais para se que se organizem estratégias de prevenção primária no Brasil. Definições dos grupos de causas de Deficiência Intelectual Para uma melhor compreensão das causas de DI em cada uma das APAEs é necessário que todas as equipes dessas instituições busquem compreender as diferentes etiologias da DI e os métodos de estabelecer a causa em cada um dos seus atendidos. Para isso, é importante ter definidos os grupos de causas e, como se estabelece em cada caso, a causa principal do agravo intelectual. As causas não genéticas ou ambientais são identificadas mediante a avaliação das condições da saúde materna durante o período pré-natal, das condições do parto e nascimento e do exame clínico do atendido, o qual pode ser feito pelo pediatra da instituição. As causas comuns não genéticas, conforme observado anteriormente, são condições que lesam o sistema nervoso central, como sofrimento fetal crônico ou agudo, dificultando a oxigenação do encéfalo, levando à injúria anóxica perinatal, que parece ser ainda a causa mais comum de DI no Brasil, principalmente das DIs graves. No exame físico desse tipo de atendido, ficam evidentes a microcefalia (ou seja, a diminuição do perímetro cefálico), o desenvolvimento de quadros motores de paralisia cerebral, o aparecimento de crises convulsivas, a ausência de malformações associadas e o quadro de lesões típicas de anóxia nos exames de neuroimagem. A prematuridade tem um mecanismo semelhante para levar uma criança a desenvolver quadros de DI, ou seja, apresenta também quadro de lesões de injúria anóxica, porém devendo ser diferenciada da anóxia da criança a termo, já que é importante saber, nas APAEs do Brasil, quantos são atendidos por causa das condições do pré-natal, que levam à prematuridade, visando a estabelecer a prevenção dessas condições nas comunidades brasileiras. É importante saber que, quanto menor for o recém-nascido (por exemplo, com menos de 1.000 g possuem uma chance de cerca de 80% de DI), maiores são as chances de desenvolver quadros hemorrágicos e anóxicos no período perinatal, mesmo que estejam em uma boa UTI infantil. Além destas, as infecções congênitas, como a toxoplasmose (que parece ser a mais frequente em na região estudada), a rubéola congênita e a citomegalovirose são causas não genéticas importantes e podem ser diagnosticadas e controladas na gestação, sendo de relativa facilidade de diagnóstico pela microcefalia, cataratas, lesões de fundo de olho, surdez, lesões cardíacas, lesões cutâneas, etc. Das infecções pós-natais, a meningite bacteriana é a principal a ser controlada. Em relação a agentes químicos, se destacam as ações do álcool na gravidez, tanto a síndrome alcoólica como os efeitos fetais do álcool, como o uso indiscriminado do Misoprostol como agente abortivo. Para uma melhor compreensão das causas de DI em cada uma das APAEs é necessário que todas as equipes dessas instituições busquem compreender as diferentes etiologias da DI e os métodos de estabelecer a causa em cada um dos seus atendidos Em relação às doenças genéticas, a principal que se encontra nas APAEs é a síndrome de Down. Quando se deve indicar o estudo do cariótipo na síndrome de Down? Principalmente nos casais jovens que ainda vão ter filhos, pois é importante saber se a criança que nasceu com Down é devido a um acidente genético (com risco de recorrência entre 1 e 2%) ou se é um caso familial por translocação balanceada presente em um dos pais (quando o risco teórico de recorrência na irmandade pode ser alto, cerca de 33 ou até de 100%). Quando outros atendidos devem fazer estudo de cariótipo? Essa é uma questão que o geneticista é quem deve indicar o cariótipo e o fará em todos as DI leves, e, nos graves, somente naqueles em que os fatores ambientais foram excluídos e que possuam malformações ou dismorfias associadas. Outra importante orientação para localizar os casos genéticos é a realização de um exame clínico-dismorfológico detalhado e criterioso do atendido, o qual deve ser realizado pelo geneticista. Também o estudo da genealogia das famílias é outro importante recurso para o diagnóstico das doenças genéticas. Portanto, um geneticista é de fundamental importância e deveria ser disponibilizado para todas as APAEs do país. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 35 Artigos O sistema das APAEs e outras entidades que se dedicam ao atendimento às pessoas com deficiência intelectual no Brasil desenvolveram muito bem o nível secundário (universalização do Teste do Pezinho) e terciário de prevenção Comentários finais Em termos práticos, o que se pode fazer nas APAEs brasileiras? a)a criação de um grupo de prevenção em cada APAE, que promova ações de prevenção primária nos municípios brasileiros, por meio da divulgação, em nível municipal, dos fatores de risco, principalmente o esclarecimento do perigo de álcool e drogas na gravidez, da automedicação, da necessidade do seguimento do pré-natal pelas gestantes (e a melhora da sua qualidade) e de uma boa atenção peri e neonatal nos municípios (incentivar o parto normal); b) a organização de palestras no calendário das escolas do município, sobre educação para adolescentes e sobre os fatores de risco. Procurar os professores de Ciências e organizar o ensino sobre fatores de risco para o desenvolvimento fetal; enfatizar os perigos do álcool e das drogas; c)o levantamento, nas APAEs, de todas as famílias que possuem mais de um membro afetado por DI, e a disponibilização de geneticistas para orientação de diagnóstico e prevenção. Estas famílias com mais de um membro afetado são as mais importantes para o seguimento reprodutivo. Para isso, organizar grupo de aconselhamento na instituição; 36 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro d) a busca, junto aos médicos das instituições, para organizar os grupos diagnósticos, procurando definir quais casos são devidos a agentes ambientais (por exemplo, para um pediatra ou um neurologista é relativamente fácil estabelecer quem foi afetado por anóxia, prematuridade ou infecções). Neste grupo, um exame de neuroimagem auxilia muito o diagnóstico; e)para os casos mais difíceis, os sindrômicos, fazer fotos evidenciando as características físicas e buscar contato com geneticistas disponíveis na região, ou mesmo utilizar consultas on-line, para detalhamento dos diagnósticos e levantamento de quais exames são necessários; f ) para os grupos de alto risco genético de recorrência, ressaltar a importância de aconselhamento genético e seguimento reprodutivo; g)atuação junto às equipes de pré-natal dos municípios, conscientizando-as sobre a questão do controle da qualidade do pré-natal e do parto e organizando a aplicação de um instrumento de detecção do uso nocivo do álcool na gestação (T-ACE ou AUDIT). Uma vez detectada uma gestante que faz uso nocivo, realizar encaminhamento urgente para a equipe de saúde mental do município; h) organização, junto com o PSF de cada município, de ação e detecção casa a casa de pessoas com deficiência intelectual dos municípios e repassar ao PSF as famílias em risco genético alto de deficiência intelectual para seguimento reprodutivo e médico da família. João Monteiro de Pina-Neto é Professor Titular de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Referências KRINSKY, S. Novos Rumos da Deficiência Mental. São Paulo: Sarvier, 1983. PINA-NETO, J. M. Deficiência Mental (ou Intelectual): Atualização Terapêutica. Ed. ArtMédica. No prelo. STEVENSON, R.E.; SCHWARTZ C.E.; SCHROER, R.J. X-linked Mental Retardation. Oxford University Press (Monography on Medical Genetics no. 39). Oxford: Oxford University Press, 2000. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 37 Artigo Ricardo Mario Arida Impacto da atividade física em pessoas com deficiência intelectual A pesar de estudos indicarem a atividade física como uma importante ferramenta para manter ou melhorar a saúde de pessoas com deficiência intelectual (DI), essa intervenção tem recebido pouca atenção no meio científico. Ainda, a literatura científica apresenta pouca informação a respeito da influência da atividade física, de programas de exercícios físicos ou de atividades esportivas. Antes de fornecer informação sobre esse assunto, é importante definir os termos “atividade física”, “exercício” ou “atividade esportiva”. Entende-se por atividade física qualquer movimento corporal produzido por contração muscular que aumente o gasto energético. Quando a atividade física é realizada regularmente, sua definição muda para exercício físico, pois o organismo adapta-se a esse estímulo por meio de modificações morfológicas e funcionais que podem resultar em desenvolvimento do desempenho físico e benefícios à saúde em geral. Atividade esportiva é uma atividade física sujeita a determinados regulamentos e que geralmente visa à competição entre praticantes. Destaca-se também a necessidade de habilidades e capacidades motoras e a regência de uma confederação. Pessoas com DI apresentam alta taxa de doenças crônicas associadas com níveis baixos ou insuficientes de atividade física. Apesar de apresentarem os mesmos problemas de saúde que a população sem DI, quando comparados com a população em geral, apresentam um maior índice de massa corporal (valores de obesidade), baixa condição cardiorrespiratória, redução da flexibilidade, da força, da potência muscular e de habilidades motoras. Um estilo de vida sedentário ou uma baixa participação em atividades físicas ou esportivas são as principais razões para os resultados desfavoráveis descritos acima. 38 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Esforços na promoção de atividades físicas A maioria dos estudos que investigam e incentivam programas de exercício físico para pessoas com DI são conduzidos em países desenvolvidos (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá), onde existem maiores recursos para o apoio às pesquisas e assistência para indivíduos com DI. Em países desenvolvidos, as agências governamentais têm promovido campanhas de saúde para pessoas com DI, considerando que essa população específica apresenta um estilo de vida sedentário e, consequentemente, associado a problemas de saúde. Dessa forma, muitos esforços têm sido realizados para desenvolver estratégias para melhorar a condição de saúde e níveis de atividade física para pessoas com DI. A implementação de programas de exercícios físicos tem atraído muito interesse de “cuidadores” de pessoas com DI nos últimos anos. Entretanto, alguns pesquisadores no assunto têm observado que uma das maiores barreiras para o sucesso desses programas é a falta de motivação para manter as atividades esportivas e protocolos de exercícios físicos adequados por períodos de tempo suficiente para se verificarem os efeitos benéficos da atividade física regular. Dentre as várias justificativas, o déficit cognitivo parece ser um fator importante para esse insucesso. Dos vários critérios estabelecidos por diferentes organizações, o Colégio Americano de Ciências do Esporte (American College of Sports Medicine – ACSM) e a Associação Americana de Cardiologia (American Heart Association – AHA) indicam 30 minutos ou mais de atividade física aeróbia moderada e atividade de resistência muscular em vários dias da semana, preferencialmente todos os dias. Estudo recente mostrou que apenas uma pequena proporção de adultos com DI (17,5 a 33%) encaixa-se nos critérios estabelecidos para indivíduos ativos. Outras pesquisas mostram que pessoas com DI são mais ativas durante a semana do que nos fins de semana, com uma grande variação na quantidade e tipo de atividade física praticada. Resultados positivos são observados em pesquisas que utilizam estratégias para aumentar a prática de atividade física regular. Por exemplo, estudos mostraram que programas de exercício físico de 12 a 18 semanas aumentaram significantemente a capacidade aeróbia desses indivíduos. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 39 Artigos Além de programas de exercício físico, as atividades esportivas podem ter um papel importante na melhora da autoestima e sociabilização de indivíduos com DI. Nesse sentido, mostrou-se recentemente que a prática de esportes apresentou melhor efeito na condição física geral desses indivíduos do que outros programas de exercício físico ou mesmo atividades recreacionais ou de lazer. Uma vez que existe pouca informação na literatura a esse respeito, devemos considerar que o exercício físico regular, de forma geral, quando aplicado coerentemente, pode promover benefícios para essas pessoas. Fatores determinantes na participação de atividades físicas É importante identificar os fatores que influenciam a participação de pessoas com DI em atividades físicas e, nesse sentido, estratégias são utilizadas para motivar a participação e aderência nos programas de exercícios físicos. Trabalhos da literatura científica descrevem que vários tipos de recompensas ou estímulos como prêmios, medalhas, música etc. modificaram o comportamento dos participantes, fazendo com que eles aumentassem o tempo e a frequência de exercício físico durante a semana. Portanto, essas informações indicam que as pessoas com DI aumentam sua participação em atividades físicas ou esportivas com reforço extrínseco positivo. Em contrapartida, observou-se que a falta de reforço extrínseco interferiu na participação nessas atividades. Por exemplo, em um estudo foi observado que, após um período de 6 meses de exercício físico supervisionado, a maioria dos participantes (87%) interrompeu a prática de exercícios físicos, mesmo com o apoio de material para sua realização. Apesar dos estudos demonstrarem uma descontinuidade dessa atividade na população sem DI, essa atitude parece ser mais evidente em pessoas com DI. Várias barreiras na participação de atividades físicas e/ou esportivas são observadas, como a falta de profissionais treinados, superproteção por parte dos profissionais da área da saúde, facilidades para a prática de exercício físico, entre outros. Como exemplo, podemos considerar que o custo de serviços e transporte pode ser muito maior para as pessoas com DI que apresentam certa dependência. Ainda, um melhor conhecimento dos profissionais da área de Educação Física para modificar ou ajustar os exercícios físicos para diferentes níveis de habilidades 40 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro motoras pode contribuir para uma melhora dessa condição. Os fatores que influenciam negativamente na participação são similares em adolescentes e adultos. Outros pesquisadores sugerem que os baixos níveis de condição física em pessoas com DI pode estar atribuído a: 1) vida sedentária e poucas oportunidades de participação em programas estruturados de exercícios físicos; 2) característica física, como baixa estatura; 3) pouca coordenação e eficiência nos movimentos e 4) falta de motivação durante as atividades e tendência a interrompê-las quando se sente desconfortável. A seguir, são descritas algumas estratégias que podem ser implementadas nos programas de exercício físico para pessoas com DI: a)incluir estratégias motivacionais e reforço positivo; b) incluir atividades físicas com intensidades baixa e moderada (por exemplo, caminhadas) para não criar excessivo desconforto durante o esforço físico; c) promover atividades prazerosas e que envolvam interação social; d) selecionar atividades apropriadas para cada faixa etária; e) estar preparado para modificar as atividades físicas, quando necessário, a fim de acomodar os diferentes tipos de habilidades motoras encontradas em pessoas com DI. Entende-se por atividade física qualquer movimento corporal produzido por contração muscular que aumente o gasto energético. Quando a atividade física é realizada regularmente, sua definição muda para exercício físico, pois o organismo adapta-se a esse estímulo por meio de modificações morfológicas e funcionais que podem resultar em desenvolvimento do desempenho físico e benefícios à saúde em geral Atendido da APAE DE SÃO PAULO em atividade esportiva Conclusão As informações da literatura científica indicam que a maioria das pessoas com DI não participa “suficientemente” de atividades físicas para alcançar os benefícios esperados. Considerando-se o risco de aumento de doenças crônicas nessa população, o incentivo à participação em atividades físicas e/ ou esportivas é de suma importância. Apoio social e familiar são fundamentais para a iniciação e manutenção dos programas de atividade física ou esportiva. Ricardo Mario Arida é Professor Adjunto do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Referências FREY, G.C.; STANISH, H.; TEMPLE, V.A. Physical activity of youth with intellectual disability: review and research agenda. Adapted Physical Activity Quarterly, v. 25, n. 2, p. 95-117, 2008. GRAHAM, A.; REID, G. Physical fitness of adults with an intellectual disability: a 13-year follow-up study. Research Quarterly for Exercise and Sport, v. 71, n. 2, p. 152-161, 2000. HASKELL. W.L., et al. Physical activity and public health: updated recommendation for adults from the American College of Sports Medicine and the American Heart Association. Medicine and Science in Sports and Exercice, v. 39, n. 8, p. 1423-1434, 2007. HELLER, T.; HSIEH, K.; RIMMER, J.H. Attitudinal and psychosocial outcomes of a fitness and health education program on adults with Down Syndrome. American Journal of Mental Retardation, v. 109, n. 2, p. 175-185, 2004. PATE, R.R., et al. Physical activity and public health. A recommendation from the Centers for Disease Control and Prevention and the American College of Sports Medicine. JAMA, v. 273, n.5, p. 402-407, 1995. RIMMER, J.H., et al. Improvements in physical fitness in adults with Down syndrome. American Journal of Mental Retardation, v. 109, n. 2, p. 165-174, 2004. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 41 Mitos e verdades em Deficiência Intelectual Planos de Saúde podem rejeitar a inclusão de pessoas com deficiência _Mito A recusa de inclusão em plano de assistência médica para atendimento a uma pessoa com deficiência intelectual constitui hipótese de discriminação, conforme o artigo 14 da lei federal nº 9.656/98, de 3 de junho de 1998. Não pode haver impedimento de participação nos planos ou seguros privados de assistência à saúde às pessoas com deficiência. As pessoas com deficiência intelectual são totalmente dependentes As pessoas com deficiência intelectual podem trabalhar normalmente em empresas e organizações _Verdade A lei 8.213/91 prevê a contratação de pessoas com deficiência e estabelece a contratação por parte das empresas com cotas para deficientes, conforme o número de trabalhadores que possui. A lei tem beneficiado muitas pessoas com deficiência intelectual e dá oportunidade de inclusão social por meio do trabalho. A pessoa, para ser incluída na cota de uma empresa, tem que comprovar que possui a deficiência por meio de laudos médicos atualizados. As pessoas com deficiência intelectual, dependendo de suas habilidades e potenciais, se devidamente preparadas, podem participar de processos de seleção e exercer determinadas funções no ambiente social. Em geral, a pessoa com deficiência intelectual habilitada para o trabalho pode exercer diversas atividades em vários setores nas mais diferentes empresas. Podem ser professores, atores, modelos, cozinheiros, mensageiros, assistentes administrativos, entre outras funções, pois suas habilidades estão vinculadas, exclusivamente, às suas limitações, potenciais, qualidades, dificuldades e características específicas. 42 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro _Mito As pessoas com deficiência intelectual têm suas habilidades vinculadas às suas limitações. Entretanto, com a devida educação e preparação para a vida em sociedade, muitas dessas pessoas podem fazer quase tudo sozinhas, e devem ser auxiliadas somente naquilo que for necessário, para que garantam sua autonomia, independência e protagonismo de suas próprias vidas. Existem pessoas com deficiência intelectual que são muito independentes, trabalham, estudam, se deslocam sozinhas, se casam e têm vida sexual ativa. Além disso, podem ter autonomia para decidirem suas vidas pessoais e profissionais. É fato que as pessoas com atraso cognitivo precisarão de mais tempo para aprender as competências necessárias para cuidarem de si mesmas e para o aprendizado em geral. Porém, a grande maioria das pessoas com deficiência intelectual consegue aprender a fazer muitas coisas nos ambientes escolar, familiar e social e todas elas são capazes de aprender algo útil e para seu bem-estar na comunidade em que vivem. Para tanto, necessitam de mais tempo e de apoio adequado a fim de aprender e se desenvolver, mas com ajuda, podem viver de maneira satisfatória. Deficiência intelectual é a mesma coisa que doença mental _Mito Não! Muita gente confunde, mas são coisas bem diferentes. O Transtorno Mental é uma doença psiquiátrica e seu tratamento é feito com o uso de remédios, receitados por um psiquiatra. Já a deficiência intelectual é apenas um atraso no desenvolvimento. A pessoa tem dificuldades em aprender certas atividades, porém não está doente. A deficiência intelectual não deve ser confundida com uma doença mental, como a esquizofrenia, por exemplo. A deficiência intelectual é caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual envolvendo o raciocínio, a capacidade de resolver problemas, de pensamento abstrato, de compreender idéias complexas, de aprender rapidamente e de aprender com a experiência. Essa deficiência origina-se antes dos 18 anos. As pessoas com deficiência intelectual necessitam de super proteção _Mito As pessoas com deficiência intelectual devem ser incentivadas a se tornarem independentes e aprender a ter responsabilidades, de modo a desenvolver suas competências e, assim, ganhar autonomia. Devem também aprender a se comunicar com outras pessoas, participar da vida familiar e satisfazer suas necessidades pessoais, tais como comer sozinho, tomar banho, aprender a reconhecer e usar o dinheiro. Além disso, precisam ser incentivadas a participar de atividades sociais e a desenvolver competências sociais, compreendendo questões de saúde e segurança, bem como ter acesso, no mínimo, à educação formal básica (leitura, escrita e matemática básica). As crianças com deficiência intelectual têm direito ao ensino comum e ao ensino especializado _Verdade Até pouco tempo, os pais eram obrigados a escolher se queriam matricular seu filho em uma escola especial ou comum, pois não havia articulação formal entre os dois sistemas. Hoje, a criança com deficiência tem o direito de se integrar às duas modalidades de ensino, não a uma ou a outra, ou seja, ela tem direito aos dois atendimentos. Assim, o aluno com deficiência intelectual tem o direito de estudar na escola comum e, no contraturno, receber o atendimento educacional especializado, voltado à suas características específicas, sendo que os profissionais envolvidos devem manter constante diálogo. As pessoas com deficiência intelectual são doentes _Mito A deficiência intelectual não é uma doença, é uma limitação, uma condição que pode ser resultado ou consequência de uma doença. Portanto, não existe tratamento, mas sim acompanhamento, que deve ser realizado por meio de trabalhos terapêuticos, com profissionais de Psicologia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Fonoaudiologia, com acompanhamento médico, caso necessário. Como não é uma doença, não pode ser contraída por meio de contágio. Além disso, a convivência com as pessoas com deficiência intelectual não provoca nenhum prejuízo ou dano nas pessoas que não a possuem. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 43 Mitos e verdades em Deficiência Intelectual As pessoas com deficiência intelectual são mais carinhosas e/ ou são agressivas _Mito As pessoas com deficiência intelectual não são mais ou menos carinhosas ou agressivas. Elas são como as pessoas normais, que podem ou não ter essas características. Podem ser mais carinhosas ou mais agressivas dependendo de outros fatores sociais e da formação da personalidade. Entretanto, é fundamental que uma pessoa com deficiência intelectual seja orientada a ter um comportamento adequado nos ambientes social e de trabalho. As leis que regulamentam a educação no Brasil foram revistas e hoje está disposto que todas as crianças têm direito à educação _Verdade Na Constituição Federal de 1988 fica estabelecido que o direito da criança à educação é inalienável e indisponível, e deve ser efetivado pelo Estado e pela família. Para dar conta dessa crescente demanda social, vem sendo construída uma política de Estado na perspectiva da inclusão escolar de todos, sem discriminação. No caso das crianças com deficiência, o ano de 2008 estabeleceu um marco nesse processo: em janeiro, foi lançada uma nova Política Nacional de Educação Especial; em julho, foi ratificada a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (decreto 186), que passou a fazer parte da Constituição Federal e, em setembro, foi assinado o decreto 6.571, que dispõe sobre o atendimento educacional especializado. Esse conjunto de leis reafirma que as crianças com deficiência têm direito ao conhecimento na escola comum e aos apoios e recursos necessários para viabilizar esse acesso. As pessoas com deficiência intelectual não necessitam do diagnóstico _Mito Para confirmar que uma pessoa tem deficiência intelectual, é necessário realizar o diagnóstico. O atraso cognitivo é diagnosticado observando-se a capacidade cerebral da pessoa para aprender, pensar, resolver problemas, encontrar sentido e compreender o mundo em que vive, ou seja, analisandose o seu funcionamento intelectual. Além disso, observa-se o comportamento adaptativo dessa pessoa, ou seja, a capacidade de autonomia e independência, o desempenho em atividades reais da vida cotidiana, bem como a capacidade de se relacionar em sociedade. 44 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro As pessoas com deficiência intelectual podem tirar todos os documentos _Verdade As pessoas com deficiência intelectual, assim como todos os cidadãos, devem tirar todos os documentos. Devem procurar as instâncias apropriadas (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, agências dos Correios etc.) para tirar carteira de identidade, Cadastro de Pessoa Física (CPF) e outros documentos. O meu filho terá dificuldade na aprendizagem se conviver com uma criança com deficiência intelectual _Mito A escola regular comum, por sua heterogeneidade, é sempre mais desafiadora do que ambientes homogêneos, como as classes e as escolas especiais, sendo, portanto, um contexto gerador de inúmeras possibilidades de aprendizado. Esse desafio não está posto exclusivamente ao aluno com deficiência, mas sim para todos os alunos, para o professor e para o próprio sistema de ensino. Conviver com as diferenças altera nossa compreensão do que é aprender e ensinar, pois demanda a criação e a utilização de recursos que podem ajudar todos a terem acesso aos níveis mais elevados de aprendizagem, estimulando os indivíduos a serem cooperativos e criativos. Fazer uso de álcool, cigarro e drogas durante a gestação pode causar Deficiência Intelectual no bebê _Verdade No caso do álcool e das drogas, o efeito das substâncias afeta diretamente o desenvolvimento do sistema nervoso. No caso do cigarro, a deficiência pode acontecer por efeito secundário, isto é, o cigarro causa um menor desenvolvimento da placenta que “alimenta” o bebê. Assim, filhos de mães fumantes tendem a ter baixo peso ao nascer, o que torna o bebê mais suscetível às complicações na hora do parto e, consequentemente, à deficiência em decorrência das mesmas. A pessoa com deficiência intelectual pode ter uma vida normal _Verdade Pode não, deve! A pessoa com deficiência intelectual tem os mesmos sentimentos que qualquer indivíduo possui. E, como qualquer um de nós, percebe tudo o que se passa ao seu redor. Portanto, devemos dar oportunidade a essa pessoa para realizar todas as atividades que achar interessante e auxiliá-la no que for possível. Desde que esta se sinta à vontade, deve realizar atividades como passear, sair com os amigos, namorar, trabalhar, enfim, ter realmente uma vida normal, respeitando-se as suas limitações. Não adianta a criança com deficiência intelectual ir para escola, pois ela não vai conseguir aprender _Mito A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que passou a fazer parte da Constituição Federal a partir de 9 de julho de 2008, define que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, em interação com diversas barreiras atitudinais e ambientais resultam na obstrução de sua participação com as demais pessoas. Assim, hoje temos que a deficiência é um conceito em constante evolução, pois resulta da interação entre as pessoas. Assim, quanto mais cedo a criança com deficiência participar do mesmo ambiente escolar junto com todas as crianças de sua geração, mais essa relação contribuirá para que as barreiras sejam rompidas e a deficiência intelectual não impeça a plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 45 Assuntos gerais Leitura recomendada Deficiência Intelectual – definição, classificação e sistemas de suportes (Intellectual Disability – definition, classification, and systems of supports) Este manual contém as informações mais atualizadas e conhecimento sobre a deficiência intelectual, incluindo as melhores orientações práticas sobre diagnóstico e classificação de deficiência intelectual e sobre desenvolvimento de sistemas de suporte para as pessoas com deficiência intelectual. Escrito por um Comité de 18 peritos, esta décima primeira edição é baseada em sete anos de trabalho em: uma síntese de informações atuais e melhores práticas sobre deficiência intelectual; numerosos comentários e críticas da edição 10 do manual de definição de AAIDD; e informações advindas de uma série de artigos publicados pelo Comitê. Este é o primeiro manual oficial de definição AAIDD que utiliza a terminologia “deficiência intelectual” (anteriormente retardo mental). Apresenta uma definição oficial e um sistema de diagnóstico de deficiência intelectual projetado para lhe dar uma compreensão aprofundada do processo, mostrando passo a passo, todos os factores que devem ser considerados para determinar a deficiência intelectual. O Manual contém orientações sobre as questões críticas, tais como o como o papel da avaliação no processo de diagnóstico, os desafios enfrentados na quantificação de inteligência, avaliações do papel do QI em um diagnóstico, sobre como avaliar o comportamento adaptativo, bem como quanto as principais estratégias de julgamento clínico que podem auxiliar o médico na decisão de validar o diagnóstico da deficiência intelectual. Este Manual é leitura obrigatória para psicólogos e outros profissionais que trabalham com deficiência intelectual bem como para estudantes que desejam entender mais sobre as necessidades exclusivas de pessoas com deficiência intelectual. http://www.aaidd.org/ The 11th Edition of the AAIDD Definition Manual Contributors: Robert L. Schalock (author), Sharon A. Borthwick-Duffy (author), Valerie J. Bradley (author), Wil Buntinx (author), David L. Coulter (author) Format: Hardback , 259 pp. Publication date: 15 Feb 2010 Publisher: American Association on Intellectual & Developmental Disabilities EAN: 9781935304043 46 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Eventos de interesse Relatório Mundial sobre Deficiência (World Report on Disability) No dia 9 de junho de 2011, na sede da Organização Mundial da Saúde OMS, em Genebra, Suíça, ocorreu o lançamento internacional do WORLD REPORT ON DISABILITY, com a presença de autoridades internacionais e estatais, celebridades com deficiências e representantes de organizações científicas, organizações não-governamentais e organizações profissionais que lidam com pessoas com deficiências. O RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE DEFICIÊNCIA é um documento que resume as mais importantes evidências científicas sobre o tema, com recomendações para ações de apoio à Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiências (2006). A OMS informa que pessoas com deficiências são as que mais sofrem desvantagem social e econômica e têm seus diretos negados em muitos países. Cerca de 80% das pessoas com deficiências vivem em países de baixa renda. Apesar das grandes proporções deste problema, há pouca informação científica disponível. O RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE DEFICIÊNCIA aborda a necessidade de se ter dados confiáveis e se desenvolver pesquisas de melhor qualidade. O documento é uma atualização sobre o que aconteceu nos últimos trinta anos e explora as evidências atuais incluindo as diferentes situações de discriminação e barreiras, oferecendo uma análise de diversas experiências que contribuíram para melhorar a vida de pessoas com incapacidades quanto à saúde, reabilitação, serviços de apoio, infra-estrutura, transporte, educação e emprego. Quatro pequenos filmes sobre pessoas com deficiências vivendo na Tanzânia, Líbano, Reino Unido e Bolívia foram produzidos para sensibilizar a população mundial sobre os desafios de ser deficiente. Os filmes estão disponíveis no portal da OMS, no canal WHO do YouTube e por meio de links no Facebook. Maiores informações sobre o documento da OMS em http://www.who.int/disabilities/world_report/en/ index.html http://www.youtube.com/who You Tube: http://www.youtube.com/user/who#grid/ user/50649F9C524CBAC4 Facebook: http://www.facebook.com/ WorldHealthOrganization?v=wall Relatório Seneca – Federação Catalã Pró-Pessoas Com Deficiência Intelectual (APPS) A Federação Catalã Pró-Pessoas com Deficiência Intelectual (APPS) agrupa entidades de iniciativa social que velam pela defesa e o exercício pleno dos direitos das pessoas com deficiência intelectual e suas famílias. Trabalha para melhorar a qualidade de vida e o bemestar destas pessoas e realiza atuações nos âmbitos da atenção residencial, trabalho e lazer para promover sua integração social. O estudo Seneca é um exemplo de trabalho de pesquisa que propõe conhecer as necessidades das pessoas com deficiência intelectual em processo de envelhecimento. Seus objetivos foram identificar as necessidades assistenciais e sociais das pessoas com deficiência intelectual, leve e moderada, maiores de 40 anos, descrever o perfil de comportamento e psicopatológico que pode acompanhar o processo de envelhecimento e fazer propostas concretas para a formulação de políticas de modo a adequar o sistema de atenção existente às novas necessidades e eliminar as barreiras que impedem a população com deficiência intelectual a manter um nível de saúde similar ao da população em geral. http://www.dincat.cat/informe-ejecutivoseneca-en-castell%C3%A0-_21051 Envelhecimento e Deficiência Intelectual na Catalunha – 2000-2008 (Envejecimiento y Discapacidad Intelectual en Cataluña – 2000-2008) Ramón Novell; Margarida Nadal; Alfredo Smilges; Josep Pascual; Jordi Pujola Conferência anual – the AAIDD 135TH annual meeting 6 a 9 de junho de 2011 TWIN CITIES – MIN Inclusive Communities: pathways to realizing the vision (Comunidades Inclusivas: caminhos para concretizar a visão) De 06 a 09 de junho, nos Estados Unidos, a APAE DE SÃO PAULO participou da Conferência Anual da Associação Americana de Deficiência Intelectual (American Association on Intellectual and Developmental Disabilities – THE AAIDD 135TH ANNUAL MEETING), “Inclusive Communities: pathways to realizing the Vision (Comunidades Inclusivas: caminhos para concretizar a visão), com a apresentação de 2 trabalhos: “Questionamentos acerca do papel social e potencial educativo das escolas especiais”, de Marília Costa Dias, Roseli Olher e Esper Cavalheiro, em formato de pôster, que apresentou uma reflexão sobre os avanços em termos de aprendizagem de alunos com deficiência intelectual que passaram para a rede pública e tiveram acesso ao atendimento educacional especializado, de forma complementara classe comum. “Ampliando o Conhecimento sobre Deficiência Intelectual na Rede Pública Espaço do leitor Caro leitor, Reservamos este espaço para incluir você neste trabalho que nos propomos a fazer, a fim de promover a conscientização e atualização de conhecimentos sobre a pessoa com deficiência intelectual. Com isto, queremos convidá-lo a participar diretamente por meio do compartilhamento de experiências e troca de informações que possam auxiliar a todos na construção de valores e conhecimentos que ajudem a melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual. Escreva para [email protected] ou envie sua correspondência para o INSTITUTO APAE DE SÃO PAULO – Rua Loefgren, 2.109 – Vila Clementino – CEP 04040-033 – São Paulo (SP). da Cidade de São Paulo” (Projeto Informar), de Antonio Ribeiro, Esper Cavalheiro e Dalci Maria dos Santos, em apresentação oral, que ressaltou a atuação deste projeto, em 350 Unidades Básicas de Saúde (UBS), realizando a disseminação de conhecimentos sobre deficiência intelectual, International Association for The Scientific Study of Intellectual Disabilities – IASSID Julho, 9 a 14 2012 IASSID World Congress – Halifax, Nova Scotia, Canadá A Associação Internacional para Estudo Científico da Deficiência Intelectual (IASSID) é uma organização não governamental, científica, interdisciplinar com relações oficiais com a Organização Mundial da Saúde. Promove a pesquisa científica em todo o mundo e também o intercâmbio de informações sobre Deficiência Intelectual. A Associação (originalmente chamada Associação Internacional para o Estudo Científico da Deficiência Mental) foi fundada em 1964 e patrocinou 11 congressos mundiais. A IASSID é o primeiro e único grupo mundial dedicado somente ao estudo científico da Deficiência Intelectual. seu diagnóstico, recursos de apoio na cidade e direitos fundamentais das pessoas com deficiência e mobilizou mais de 1.100 profissionais por meio de visitas de assistentes sociais e reuniões técnicas conduzidas por médicos do projeto. http://www.aaidd.org/ XXIV Congresso Nacional das APAES e V Fórum de Autogestão e Autodefensoria 6 a 9 de novembro de 2011 Hangar Centro de Convenções e Feiras da Amazônia – Belém (PA) Organizado pela Federação Nacional das APAEs do Brasil (Fenapaes), este evento visa promover e articular debates em torno da pessoa com Deficiência Intelectual de modo a promover a inclusão, a melhoria da qualidade dos serviços e a defesa dos direitos das pessoas com Deficiência Intelectual. http://www.congressoapae.org.br/index.php Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro 47 Reflexão Sempre é bom agradecer! Cinquenta anos... foi ontem, o tempo correu... E, olhando pra trás, custo a acreditar que são 50 anos mesmo. Eu era moça, e o meu Zequinha era um menino lindo, à espera, naturalmente, daquilo que o mundo podia lhe oferecer... E esse mundo dependia, naquele momento, de um grupo de pessoas, pais, amigos e tantos outros que se interessavam pelo inédito, pelo desafio ou, ainda, por um sentimento de solidariedade. Foi esse grupo que, há 50 anos, fundou a APAE de São Paulo. Idealistas, sonhadores, chamem-nos de qualquer coisa, mas a verdade é que juntos, unidos pela mesma força, pelo mesmo ideal − ou, por que não dizer, pela mesma necessidade de resolver um problema que, naquela época, era intransponível −, iniciamos esse trabalho digno e bem sucedido. Com o grupo formado, pergunta-se: O que fazer? Uma escola? Uma clínica? Qual era a maior demanda? Perguntas que são feitas para qualquer início de uma atividade... Alugamos uma casinha na Rua Martiniano de Carvalho e, assim, podíamos ter uma sede para início das pesquisas. Foi formada uma diretoria, cada diretor com uma tarefa. Coube a mim o trabalho de marketing (promover o trabalho que pretendíamos fazer por meio de promoções, eventos, comunicação em rádio, TV, revistas etc.). Aqui faço menção de um pormenor: eu nunca tinha feito nada parecido na minha vida, mas, pelo jeito, valeu! Aprendi e faço até hoje quando me pedem. Com as Feiras da Bondade, a APAE de São Paulo conseguiu não só dinheiro para construir sua sede, mas também divulgar seu trabalho. Essa sede, em princípio, teve como objetivo a formação de técnicos na área da deficiência mental... Psicólogos, professores, fisiatras, foniatras e por aí afora. A APAE de São Paulo já começava a ter importância internacional. Tínhamos um lugar de destaque na Liga Internacional Pró Combate à Deficiência Mental, por meio de um de nossos diretores, Antonio Clemente Filho, que fez parte daquela entidade como vice-presidente. Cinquenta anos de trabalho profícuo propiciou à APAE de São Paulo ter cumprido a tarefa a que se propôs lá atrás, naquela pequenina sede na Rua Martiniano de Carvalho. E hoje, para nossa alegria, temos o Instituto APAE de São Paulo, que se especializa em pesquisas, estudando principalmente a prevenção. Aqui teremos um longo tempo a percorrer, mas o mundo deve ganhar, as nossas crianças terão um mundo mais bem preparado. Não devemos fraquejar. Há muito a fazer, mas o caminho está aberto, é só seguir em frente. Hoje, eu tenho 85 anos e estou feliz por ver que aquilo que se plantou há 50 anos frutificou com respeito e dignidade. Deixo aqui, em nome de tantos e tantos que não tiveram a oportunidade de agradecer, o nosso muito obrigado a todos que abraçaram a nossa causa por esses 50 anos! Aqui faço menção de um pormenor: eu nunca tinha feito nada parecido na minha vida, mas, pelo jeito, valeu! Aprendi e faço até hoje quando me pedem 48 Revista DI • no 1 • Julho/Dezembro Jô Clemente Presidente de Honra da APAE DE SÃO PAULO