SABRINA SOARES SIMON EFEITOS DA FRAGMENTAÇÃO
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SABRINA SOARES SIMON EFEITOS DA FRAGMENTAÇÃO
SABRINA SOARES SIMON EFEITOS DA FRAGMENTAÇÃO FLORESTAL SOBRE A DENSIDADE POPULACIONAL DE Dinoponera lucida EMERY (FORMICIDAE: PONERINAE) Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Ecologia, para obtenção do título de Magister Scientiae. VIÇOSA MINAS GERAIS – BRASIL 2013 SABRINA SOARES SIMON EFEITOS DA FRAGMENTAÇÃO FLORESTAL SOBRE A DENSIDADE POPULACIONAL DE Dinoponera lucida EMERY (FORMICIDAE: PONERINAE) Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Ecologia, para obtenção do título de Magister Scientiae. APROVADA: 31 de julho de 2013 Jacques Hubert Charles Delabie Marcos da Cunha Teixeira Ricardo Ildefonso Campos José Henrique Schoereder (Orientador) AGRADECIMENTOS Este texto vem sendo escrito há muito tempo, mas como foi difícil terminar! Na verdade, como é difícil enquadrá-lo agora! Esta é a forma mais sucinta de agradecer às pessoas que fizeram parte não só da construção deste trabalho, mas da história que o envolve e que me define. Aquelas que abandonaram suas folgas, férias e descansos, que abriram mão de compromissos pra me acompanhar, que mesmo à distância deram todo o suporte necessário e que, sem dúvida, estariam dispostas a doar tudo mais o que fosse preciso. Aquelas que se preocuparam em me acompanhar e aconselhar nos momentos de dificuldade e da decisão pela melhor loucura da minha vida: abandonar tudo por um novo caminho: a Ecologia. Por isso, obrigada a vocês, amigos! Ao meu pai, Benicio, que dedicou todas as suas férias às idas ao campo comigo, com quem dividi inéditos momentos. À minha mãe pela atenção dia-e-noite no desempenho da minha coleta. À minha irmã, Sara, que reduziu a lua-de-mel pra me acompanhar, e ao Diego, que entendeu e até se dispôs a fazer companhia também. Ao tio Donias, que por mais de uma vez encarou chuva, barro, longas distâncias e esforço físico pesado pra não me deixar sozinha. Ao meu primo Dinho, que dividiu comigo a solidão e a companhia, sempre de bom humor. À tia Nazareth, que me puxou pra frente quando o desespero bateu. Ao Filipe Pola, cujos esforços ultrapassaram o requerido pela amizade, de forma insuperável, e ainda levou com ele a Jhennifer, o Jardel, a Priscila e o Léo, pessoas que fizeram dos dias de trabalho duro momentos de pura diversão. À tia Luzia e o tio Vicente, que me hospedaram e deram o suporte e atenção além do que eu poderia precisar. Ao tio Moisés, tio Zé e Kláudia, por dedicar um dia inteiro de passeio me seguindo pelo mato. Ao primo Helder e Elen, pela permissão de coletar em suas terras, e pela maior hospitalidade do mundo! Aos responsáveis e funcionários das Rebios de Sooretama, Duas Bocas, Córrego do Veado, Augusto Ruschi e Comboios, a Flona de Goytacazes, aos proprietários das RPPNs Linda Laís, Pau-a-Pique e Fazenda Sayonara, os quais eu gostaria de citar nomes (pois me lembro de quase todos), mas prefiro deixar assim a omitir algum. Estes que me mostraram que a função é definida pelo cargo, mas a forma de desempenhá-la é uma questão de valores. Temos sorte em ter pessoas como vocês como tutores do bem natural que ainda nos resta. Mas esta é apenas uma parte da história. Uma história que começou algum tempo antes. Uma história que tem como importantes personagens o meu orientador, José Henrique, com quem eu aprendi muito mais do que idealizei ao pedir seu aceite antes da seleção no programa (e olha que eu esperava muito). Ele, que teve paciência e tolerância acima dos limites, e sempre me orientou com sabedoria, atenção e presteza. Ao Marcos Teixeira, que mais do que um ‘orientador-pra-vida-toda’, foi um sábio e atencioso i amigo (de longa data), marcando presença em cada passo da minha vida acadêmica. Ao Jacques Delabie, pela prontidão e contribuição no desenvolvimento da ideia que resultou nesse trabalho. A cada um dos professores do Programa de Pós Graduação em Ecologia da UFV, sem nenhuma exceção, e aos professores externos que se fizeram fortemente presentes e cativaram pra sempre uma posição memorável no conhecimento que eu adquiri nesse período, conhecimento este que vai além dos muros acadêmicos, mas também para a conduta científica e em sociedade. E aos colegas que, comigo, são parte da primeira turma do PPGEco, com os quais eu dividi a descoberta do novo mundo da Ecologia e da ciência. Aos amigos de Viçosa... ah, meus amigos! Talvez esse curso nem chegasse ao fim se eu não tivesse vocês com quem dividir essa história. Vocês que transformaram Viçosa na Terra do Nunca, da qual é doloroso de desprender. Vocês que roubaram pedacinhos de mim e colocaram no lugar pedacinhos de vocês. Vocês com quem eu dividi disciplinas, laboratório, república, fins de semana, madrugadas, festas, muita comida, muita música, longos papos na internet, tristezas e alegrias. Os melhores dias da minha vida. E agora, com quem eu passo a dividir a saudade. À minha família, mais uma vez, meu ponto fraco, que dedicou toda a sua força na realização do meu sonho de estudar. A qual eu pretendo sempre orgulhar. À Universidade Federal de Viçosa, e mais uma vez, ao Programa PPGEco, que não constam apenas no meu currículo, nem nessa história que eu conto, mas na pessoa que se formou deste processo e assim, no futuro. Que me proporcionaram a realização do único verdadeiro sonho da minha vida. À CAPES, pela bolsa de estudos, e ao povo brasileiro, de onde vem esse investimento, do qual eu desejo trazer o retorno em forma de serviço (bem) prestado. E, mais importante, a Deus, em quem eu ainda prefiro acreditar, e quem eu ainda prefiro enxergar no âmago da ciência da vida. Obrigada, a cada um, por tudo! Não que eu esperasse menos de vocês, mas me surpreendi com a prontidão e o carinho que eu nunca serei capaz de retribuir. É a vocês que eu dedico este trabalho. ii SUMÁRIO RESUMO ....................................................................................................................... v ABSTRACT ................................................................................................................... vi Introdução Geral .............................................................................................................. 1 Referências Bibliográficas ............................................................................................. 11 Artigo: Efeito da fragmentação florestal sobre a densidade populacional de Dinoponera lucida (Formicidae: Ponerinae) ..................................................................................... 15 iii RESUMO SIMON, Sabrina Soares. M. Sc, Universidade Federal de Viçosa, Julho, 2013. Efeitos da Fragmentação Florestal sobre a densidade populacional de Dinoponera lucida Emery (Formicidae: Ponerinae). Orientador: José Henrique Schoereder. A relação entre a fragmentação florestal e a densidade populacional de espécies é um assunto central para as teorias ecológicas com um número crescente de pesquisas que relacionam processos ecológicos aos atributos da paisagem. A Bahia e o Espírito Santo são pontos quentes de biodiversidade, mas também lideram a lista dos estados brasileiros com maior índice de desmatamento onde ocorre a espécie Dinoponera lucida, a formiga gigante ameaçada de extinção. Indícios genéticos sugerem que esta espécie seja adaptada à fragmentação. Entretanto D. lucida pode sofrer ainda com a regressão e a intensa perda de habitat. Neste estudo nós investigamos se D. lucida responde a atributos físicos da paisagem decorrentes da fragmentação e à oferta de recursos e condições microclimáticas no interior dos fragmentos pela variação da sua densidade populacional. A coleta de dados foi realizada em 10 fragmentos florestais no estado do Espírito Santo com áreas que variaram entre 4.67 e 55 mil hectares. Para isto foram utilizados 10 pitfalls em transectos de 450 metros dentro do fragmento, totalizando 300 pitfalls. A densidade populacional foi estimada pelo número de registros de D. lucida nas armadilhas. As condições microclimáticas foram inferidas pela abertura de dossel obtida por meio de fotografia hemisférica. Para oferta de recursos foi utilizado o peso seco do conteúdo animal das armadilhas, e os atributos de área, forma e isolamento do fragmento foram quantificados por classificação visual de imagens de satélite CBERS. A frequência de formigas variou de 0 a 98% entre os fragmentos, não sendo encontrada em fragmentos com menos de 20 hectares. Não foi encontrada resposta à abundância de recursos alimentares, mas D. lucida se mostrou influenciada pela abertura de dossel, preferindo as áreas mais iluminadas. Não houve resposta à área, isolamento ou forma, mas a ausência da espécie em fragmentos menores que 20 hectares sugere que a área pode se um fator determinante da sua ocorrência. Portanto, é possível que para esta espécie, não haja benefícios diretos na construção de corredores ecológicos, mas na conservação dos remanescentes onde ela ocorre, principalmente nas regiões do sul da Bahia e margens do Rio Doce, no Espírito Santo. PALAVRAS-CHAVE: Mata Atlântica; espécie ameaçada; Ecologia da Paisagem. iv ABSTRACT SIMON, Sabrina Soares. M. Sc, Universidade Federal de Viçosa, July, 2013. Efeitos da Fragmentação Florestal sobre a densidade populacional de Dinoponera lucida Emery (Formicidae: Ponerinae). Adviser: José Henrique Schoereder. The relationship between forest fragmentation and species population density is one of the most important subjects for ecological theories in a growing number of researches that link ecological processes and landscape features. Bahia and Espírito Santo states are hotspots of biodiversity, but also leader the list of the most power deforestation in Brazilian states. In those states occurs Dinoponera lucida, the threatened giant ant. Genetic marks suggest that D. lucida is adapted on fragmentation. However, in addition on intense habitat loss, D. lucida can suffer habitat regression effects. In this study we investigated if D. lucida responds to the landscape aspects which come from fragmentation process, and to resources offer and also to microclimatic conditions into forest by variations on its population density. For that, data collecting was made in 10 fragments in Espírito Santo state, which areas were between 4.67 and 50 thousand hectares. Were made 10 pitfalls on 450 meters transects into the fragment, counting 300 pitfalls. Population density was estimated by record number of D. lucida in traps. Microclimatic conditions were inferred by canopy openness taken by hemispheric photography. For resources offer was used dry weight of traps animal content, and fragment area, shape and isolation features were quantified by CBERS imagery visual classification. The ant frequency was between 0 and 98% among fragments, also no D. lucida was found in fragments smaller than 20 hectare. No answer was found to quantity resources offer, but D. lucida was strongly influenced by canopy openness, preferring lightened places than shaded ones. Although that relation is not clear yet, it is possible that litter is an element to be consider on investigations about D. lucida and vegetation. Also, there was no response to total area, shape or isolation, but absence of the species in patches smaller than 20 hectare suggest that area might be a determinant factor on its occurrence. Therefore, it is possible that, for that species, there are no direct benefits on ecological corridors building, but on remaining conservation where D. lucida occurs, especially in south region of Bahia and Rio Doce borders, in Espírito Santo. KEY WORDS: Atlantic Forest; threatened species; Landscape Ecology. v INTRODUÇÃO GERAL A crescente preocupação a respeito dos impactos humanos sobre a natureza tem estimulado o desenvolvimento de campos de estudos que se empenham em avaliar os efeitos da fragmentação ambiental sobre a biodiversidade. A fragmentação é um processo no qual um habitat outrora contínuo é reduzido a partes isoladas, levando a duas principais consequências: (1) a diminuição do habitat de interior do fragmento e (2) a diminuição da conectividade entre eles, o que conduz ao aumento da vulnerabilidade ambiental. Este processo pode ser decorrente da perturbação natural (como fogo ou ataque em massa de herbívoros), mas tem sido fortemente acelerado pela exploração humana (Laurance e Yensen, 1991; Ewers e Didham, 2007). A paisagem, campo de estudos sobre a fragmentação, é definida por uma área heterogênea composta por um conjunto de ecossistemas que interagem entre si e que variam em atributos físicos. A Ecologia da Paisagem, por sua vez, é o estudo da estrutura, função e variação dos componentes de uma paisagem. Trata-se de uma ciência interdisciplinar que lida com a sociedade humana e o espaço. Entre os principais objetos de estudo da Ecologia de Paisagens estão os fragmentos, cujos principais atributos que exercem influência sobre os processos ecológicos são: (1) tamanho, (2) forma, (3) número e (4) localização (Barnes, 2000). Tais atributos são analisados sob diferentes aspectos: a fragmentação per se consiste na diminuição do tamanho dos fragmentos, enquanto a perda de habitat se refere à extinção de porções ou fragmentos inteiros. A perda de uma porção do habitat causa, além da redução da área, o isolamento sobre a dispersão dos organismos com efeitos fortemente negativos sobre a biodiversidade, enquanto a fragmentação per se produz efeitos bem mais fracos, às vezes negativos, outras vezes positivos, como a resistência a eventos catastróficos alastrantes como fogo ou epidemias (Bender et al, 1998; Fahrig, 2003). A fragmentação aumenta número de remanescentes de habitat e diminui suas dimensões. Por isso espera-se que espécies de interior de mata sofram declínios populacionais em número e densidade devido à fragmentação mais do que o esperado pela simples perda de habitat, pois a razão entre área de centro e área total diminui com o decréscimo da área total do fragmento, criando uma maior proporção de borda em relação ao habitat de interior (Bender et al, 1998). 1 A borda é a porção externa do fragmento que interage com a matriz não florestal ao redor, cujas condições ambientais podem ser significativamente diferentes, podendo atuar como um tampão que filtra as influências ambientais da matriz sobre a floresta (Ewers et al, 2007). São reconhecidos três tipos de efeito de borda: (1) o abiótico, que envolve mudanças nas variáveis físicas que constituem o microclima do fragmento (temperatura, umidade e luz, entre outros); (2) o biológico direto, quando ocorrem alterações das condições físicas próximas à borda alterando o padrão de distribuição e abundância de espécies; e (3) biológico indireto, que altera as interações entre espécies próximas à borda (polinização, dispersão de sementes, herbivoria, parasitismo e predação) (Murcia, 1995; Gomes et al, 2010). Na literatura é também verificada uma forte relação entre a complexidade da forma do fragmento e a resposta das espécies à área do fragmento, fenômeno conhecido como efeito geométrico (Ewers et al, 2007; Gomes et al, 2010). A combinação entre a área e a forma do fragmento é um fator determinante da magnitude do efeito de borda. Uma porção de mata de forma mais regular terá maior proporção de interior de mata (core) do que um fragmento de mesma área com formato irregular, pois a complexidade da forma aumenta a zona de contato com a matriz diminuindo a área protegia ao centro (Dramstad et al, 1996). Embora se espere que a diminuição da área afete diferentes organismos de maneiras diversas devido às suas diferenças de dispersão, estudos indicam que habilidades de dispersão não são fatores importantes na resposta à área do fragmento. Para insetos e pássaros, a resposta positiva à área é usualmente mais intensa do que em mamíferos, a qual não chega a ser significativa. Entretanto, esta resposta é altamente variada entre as espécies, e sua intensidade é fortemente influenciada pelo grau de fragmentação da paisagem (Andrén, 1994; Bender et al, 1998; Connor et al, 2000). A remoção de um dos fragmentos de um conjunto pode significar a perda de habitat e a uma potencial extinção local (da população residente ou de linhagens genéticas exclusivas), além de reduzir o tamanho da metapopulação e dificultar a migração e a colonização de remanescentes (Dramstad et al, 1996). Metapopulação é um conjunto de populações semi-isoladas com algum nível de migração regular ou intermitente entre elas. Na dinâmica de metapopulações, populações individuais podem se extinguir, mas os fragmentos vazios (drenos) são recolonizados por indivíduos de 2 outras populações (fontes). Um fluxo mínimo entre elas é necessário para manter o conteúdo genético de todo o conjunto. Entretanto, uma espécie confinada a um sistema fragmentado não funciona necessariamente como uma metapopulação. Espécies com capacidade de dispersão muito limitada, se forem extintas localmente em um dos fragmentos do sistema, podem permanecer extintas nesse local (Levins, 1970). A localização dos fragmentos, assim como seu tamanho, são fatores determinantes do isolamento na paisagem, e exerce considerável influência sobre a mobilidade dos organismos. A percepção animal da fragmentação depende da escala e principalmente da sua capacidade de dispersão. Um conjunto de fragmentos pode significar um continuum para alguns organismos e ao mesmo tempo trazer isolamento intransponível para outros (Dramstad et al, 1996). A probabilidade de ocorrer extinção local em um remanescente isolado é maior do que naqueles que compõem uma metapopulação. O isolamento é uma função não apenas da distância entre fragmentos, mas também das características da matriz (Barnes, 2000). Efeito da fragmentação sobre as condições microclimáticas e a oferta de recursos A relação entre as condições microclimáticas e os processos biológicos é complexa e frequentemente não linear. Tais informações são vitais para estudos empíricos, formulação de modelos teóricos e decisões sobre o manejo da paisagem. A radiação solar e a temperatura e umidade do ar são altamente sensíveis às mudanças da estrutura do dossel e exibem variações espaciais e temporais relativamente altas dentro da floresta (Chen et al, 1999). Com a criação de bordas, o microclima dos fragmentos é alterado, expondo parte do ambiente florestal à atmosfera externa e reduzindo a habilidade da floresta em tamponar seu microclima interno. Estas alterações podem se refletir sobre as condições, bem como sobre a riqueza e abundância de recursos da floresta, alterando a distribuição espacial e a densidade das populações além da estrutura da comunidade como um todo (Ewers e Banks-Leite, 2013). A estrutura da vegetação, que significa composição e riqueza, é um dos fatores mais fortemente associado à complexidade do ambiente e à diversidade de microhabitats, por isso é um dos principais aspectos relacionados à riqueza de insetos em fragmentos. Portanto, a densidade populacional de uma espécie predadora pode estar intimamente associada à estrutura da vegetação devido ao fornecimento de recursos 3 alimentares decorrentes da alta riqueza de presas. Para o caso de formigas predadoras especialistas, sua ocorrência é altamente dependente da vegetação em termos de composição: quanto maior a porcentagem de árvores tolerantes à sombra, maior a riqueza de predadores especialistas, pois uma alta porcentagem de espécies tardias indica um alto grau de maturidade da floresta, implicando em um estado de conservação mais avançado (Gomes et al, 2010). Portanto, a riqueza é mais influenciada pelo estado de conservação da vegetação do que pela quantidade de vegetação. Além disso, a presença de predadores num fragmento florestal pode aumentar o sucesso reprodutivo das plantas diminuindo a abundância de herbívoros, contribuindo para a constituição da vegetação no ambiente (Freitas et al, 2005). Foi formulada uma hipótese para explicar a relação entre densidade populacional de uma espécie e a área do fragmento, e esta é a hipótese da concentração de recursos, a única que prediz uma relação positiva entre densidade e área, onde habitats de grande área possuem maior quantidade de recursos podendo assim manter maiores populações de espécies (Root, 1973). Esta hipótese oferece uma explicação para o fato de que grandes fragmentos possuem maiores densidades de insetos imigrantes de fragmentos menores, sugerindo que estes fragmentos oferecem maior quantidade de recurso. Ela aplica-se, isoladamente, de forma direta apenas a organismos com mobilidade suficiente para transpor as barreiras da fragmentação. Entretanto, considerando que a riqueza e a abundância de insetos aumentam com a área, a oferta de recursos para predadores residentes cresce, os quais aumentam em densidade com o incremento da área. Diversos estudos mostram uma resposta positiva da densidade populacional de espécies individuais à área do habitat, e a melhor explicação para esses resultados é a hipótese da concentração de recursos (Ewers e Didham, 2007; Connor et al, 2000; Hambäck e Englund, 2005). Um estudo realizado com duas espécies de formigas cortadeiras na floresta atlântica brasileira – Atta sexdens e Atta cephalotes – revela que a criação de bordas influencia não somente a densidade de ninhos nos fragmentos como altera a distribuição das espécies no espaço, onde a espécie mais generalista (A. sexdens) se distribui de forma uniforme no fragmento e a que possui hábitos mais específicos (A. cephalotes) se concentra onde as condições e oferta de recursos ideais são oferecidas, embora ambas as espécies sejam beneficiadas pela criação de bordas (Wirth et al, 2007). 4 Ainda na mata Atlântica, Schoereder et al (2004) verificaram o efeito da área de 18 fragmentos de mata estudados sobre a densidade populacional de diversas espécies de formigas. Os autores atribuem este efeito à susceptibilidade dos fragmentos menores às alterações de habitat, tais como condições microclimáticas e recursos. Também na Amazônia central, um estudo realizado por Carvalho e Vasconcelos (1999) demonstrou que, embora não haja variação significativa na densidade de ninhos ou riqueza de espécies de formigas de serapilheira com o distanciamento da borda do fragmento, entretanto a composição de espécies variou significativamente com o distanciamento da borda em direção ao interior do fragmento, possivelmente devido à luz, microclima e produtividade no sub-bosque. Ainda neste e em estudos similares, áreas fragmentadas apresentaram menor riqueza e densidade de ninhos do que áreas contínuas (Vasconcelos et al, 2006). Mata atlântica: dados de biodiversidade e fragmentação Um dos biomas brasileiros mais ameaçados pela fragmentação per se e principalmente pela perda de habitat é a Mata Atlântica, que se distribui ao longo da costa atlântica brasileira, a partir da linha do Equador até a latitude sul 30⁰. Esta vasta extensão pelas regiões tropical e subtropical combinada às características geográficas favorece a alta diversidade e endemismo, provavelmente incluindo aproximadamente 1 a 8% de todas as espécies do planeta (Silva e Castelleti, 2003). Sua área original cobria cerca de 150 milhões de hectares, da qual restam hoje apenas 11,7%. Entre todos os fragmentos remanescentes 83,4% possuem menos de 50 hectares (Ribeiro et al, 2009). De toda a área remanescente da Mata Atlântica, apenas 14,4% estão sob proteção legal em unidades de conservação, o que representa 1,6% da área original. O isolamento médio para toda a Floresta Atlântica é de 1440 metros, mas quando se remove desta conta os fragmentos menores de 50 hectares, a média de isolamento aumenta para 3.500 metros. Ou seja, é notória a importância dos fragmentos pequenos na redução do isolamento (Ribeiro et al, 2009). Embora a taxa de desmatamento tenha diminuído de 1985 a 2011, os danos causados são cumulativos, não havendo dados disponíveis sobre a reversão deste prejuízo. Entre os estados brasileiros que lideram a lista dos que mais desmatam a Mata 5 Atlântica estão a Bahia (em segundo lugar) e o Espírito Santo (em quinto lugar). Da mesma forma, entre as 10 cidades com maior índice de desmatamento estão Belmonte, no Sul da Bahia (quarto lugar) e Linhares, no norte do Espírito Santo (oitavo lugar), regiões consideradas pontos quentes da biodiversidade e endemicidade deste bioma (INPE, 2011). O Espírito Santo está entre os oito estados brasileiros que possuem remanescentes florestais representativos que fazem parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que se distribui principalemente pela reigão de maior altitude do estado (Câmara & Galindo-Leal, 2009). O relevo do estado do Espírito Santo apresenta um sistema de macroformas terrestre muito variado, constituído pelas regiões serranas (que são áreas de relevo acidentado), os tabuleiros formados por platôs litorâneos ou terciários, e as planícies litorâneas recentes. Na região de Linhares verifica-se uma paleorrestinga que avança aproximadamente 30 quilômetros costa adentro, evidenciando que esta região já esteve submersa pelo há aproximadamente 5.100 anos. Ao mesmo tempo, a exuberante vegetação que hoje cobre o Espírito Santo se expandia por todo o território do estado (Dominguez et al, 1981; Lani et al, 2008). Toda esta heterogeneidade ambiental determina e é determinada pela riqueza biológica existente nessa região, que apresenta uma alta diversidade de respostas às alterações ambientais naturais e àquelas provocadas pelo homem. Dinoponera lucida Assim como diversos organismos, as formigas são consideradas bons indicadores de alteração ambiental, uma vez que são fortemente influenciadas por mudanças na complexidade da vegetação, alterações do habitat e disponibilidade de recursos (Leal, 2003). Além disso, as formigas são consideradas uns dos principais componentes biológicos de ambientes estruturalmente complexos, visto que estão inseridas em uma rede de relações bióticas e abióticas, em todos os níveis tróficos, podendo afetar o funcionamento do ecossistema como um todo (Hölldobler, 1990). Entre as formigas, o gênero Dinoponera Roger 1861, da subfamília Ponerinae, é constituído por oito espécies restritas à América do Sul, e contém as maiores formigas do mundo, que ultrapassam três centímetros de comprimento. Este gênero é encontrado nas florestas úmidas a leste dos Andes no Peru, Colômbia e Equador, em savanas e florestas úmidas de terras baixas no Brasil (Lenhart et al, 2013). 6 Dentre as características biológicas de Dinoponera está a ausência de casta reprodutora morfologicamente distinta, que é uma convergência verificada em espécies distribuídas em outros 10 gêneros de Ponerinae. A espécie é monogínica, mas todas as operárias do ninho são potencialmente férteis. A fêmea reprodutora conquista a superioridade através de interações agonísticas, e esta posição é mantida pelo comportamento de subjugação (Peixoto et al, 2008). Essa fêmea alfa, acasala com um único macho de outra colônia, à noite, na entrada do ninho. Quando a fêmea alfa morre ou declina reprodutivamente, ela é substituída pela segunda operária na hierarquia, a fêmea beta (Paiva e Brandão, 1995; Monnin e Peeters, 1998). O número de operárias por colônia varia conforme a espécie (Lenhart et al, 2013), mas também pode haver grande variação dentro de uma mesma espécie. Em D. lucida o número de operárias pode variar de 27 a 189 indivíduos. Esta variação pode ser associada ao estágio de maturação da colônia e às condições ambientais do local onde o ninho é encontrado (Peixoto et al, 2010). A atividade de forrageamento de Dinoponera é solitária e sem recrutamento. Em D. lucida o ciclo de atividades é diurno, enquanto a guarda à porta do ninho é diurna e noturna, e ainda mais forte à noite. O forrageamento acontece entre as 6 e 18 horas do dia, com picos no número de operárias forrageando às 9 e às 14 horas. Aparentemente, a luz do dia e a temperatura nesses períodos são fatores determinantes no ciclo de atividades da espécie, provavelmente relacionada à sua tolerância à temperatura e umidade. O raio de forrageamento médio a partir do ninho para D. lucida é de 10 metros, embora se tenha registrado a distância máxima de 26 metros. Aparentemente esta distância pode estar associada à densidade de ninhos e consequentemente à disputa por territórios. A dieta de D. lucida parece ser onívora, constituída em 70% de pequenos invertebrados, e caracterizada como predadora oportunista, uma vez que se alimenta de itens vivos ou mortos (Peixoto et al, 2010). A formação de novos ninhos acontece por fissão de colônias maiores, em que a fêmea beta migra acompanhada de algumas operárias. Estes novos ninhos são fundados a curtas distâncias dos ninhos originais, uma vez que as fêmeas são ápteras e o papel mais importante da dispersão é desempenhado pelo macho, que é alado, o que aparentemente resulta em distribuição espacial agregada no interior da floresta. A migração de colônias é comumente observada em D. lucida, quando os indivíduos abandonam o ninho e fundam outro a pequenas distâncias do anterior em resposta a 7 estresses ambientais (Monnin e Peeters, 1998; Peixoto et al, 2010; Teixeira et al, 2009) ou possivelmente o esgotamento dos recursos locais, ou ainda a ataque de patógenos (Blüthgen e Feldhaar, 2010) Os ninhos são frequentemente encontrados sob árvores, muito próximos ou sobre as raízes. Estas observações sugerem que o sombreamento em horários mais quentes do dia sobre o ninho é um aspecto importante. Foram registrados ninhos formados no interior de raízes ocas, um comportamento considerado oportunista, o que induz ao questionamento se a real importância da vegetação está na estabilidade microclimática do habitat externo a ninho ou na sua arquitetura, embora a estrutura física da colônia seja provavelmente uma forma de controlar as condições microclimáticas em seu interior (Blüthgen e Feldhaar, 2010). A profundidade dos ninhos, sempre subterrâneos, varia entre 16 e 73 cm de profundidade (Teixeira et al, 2009; Peixoto et al, 2010). A distribuição de Dinoponera lucida é hoje restrita à Mata Atlântica do norte do Espírito Santo e sul da Bahia (Paiva e Brandão, 1995; Campiolo e Delabie, 2008). Modelagens preditivas da distribuição original de D. lucida sugerem um hot spot na região do Sul da Bahia e outro na região central do Espírito Santo, mostrando que estas áreas são de extrema importância para intervenções em favor da conservação da espécie (Teixeira et al, 2011). Uma das grandes preocupações para os conservacionistas é a expansão das plantações de eucalipto em áreas previamente ocupadas pela vegetação nativa da Mata Atlântica no norte do estado do Espírito Santo. Dadas as diferenças microclimáticas em relação à floresta, somada às práticas de manejo deste cultivo, as plantações que circundam remanescentes isolados de mata não desempenham o papel de corredor para D. lucida, pois não há registro de ninhos nestes locais. Pode-se verificar uma correlação positiva entre a área desses remanescentes imersos na matriz de eucaliptal e sua densidade de ninhos, embora ainda não se tenha verificado relação com a estrutura da cobertura vegetal (Cruz et al, 2011). A atual distribuição geográfica de D. lucida é consequência de múltiplos processos que alteraram a paisagem com implicações no estabelecimento das populações. As áreas que abrigam as populações remanescentes representam hoje 8 refúgios ecológicos modernos para espécie e as populações amostradas nestes locais apresentaram haplótipos exclusivos (Campiolo e Delabie, 2008). Devido às condições e pressão de seleção sob as quais evoluiu, é possível que D. lucida seja adaptada a pequenos fragmentos de mata, pois, aparentemente, seus aspectos biológicos e reprodutivos não exigem áreas extensas. Esta ideia é sugerida por Resende et al (2010) sob o argumento de que, ao evoluir sob a pressão da fragmentação e área limitada, D. lucida pode ter se tornado adaptada a pequenos remanescentes, não apresentando, portanto, resposta a esta variação. Este processo de adaptação teria ocorrido durante o Pleistoceno, quando as condições climáticas hostis causaram a redução das florestas a fragmentos pequenos, isolando e restringindo as populações. Dessa forma, as populações foram confinadas em remanescentes reduzidos, aumentando sua taxa de endogamia. Os cruzamentos endogâmicos provocam o aumento da expressão de características genéticas que eram mantidas escondidas sob heterozigose na população. Ao viver sob essas condições, a população passa por um processo conhecido como Vale Adaptativo, onde os indivíduos que manifestam características deletérias são eliminados da população, diminuindo a frequência dos alelos que determinam tais características na população e aumentando a frequência de alelos que atribuem caracteres vantajosos para as novas condições. Esta ‘purificação genética’ é resultado da combinação entre os mecanismos de seleção natural e deriva genética. Durante este estágio a população corre sérios riscos de extinção provocados pela diminuição da população, mas se ela sobreviver a este processo eliminando os alelos deletérios poderá se reestabelecer, trazendo no DNA as marcas que lhe conferem adaptações às novas condições ambientais impostas (Ridley, 2004). Outras alterações genéticas podem resultar do isolamento entre populações, como variações cariotípicas. D. lucida é a espécie da ordem Hymenoptera com maior número cromossômico (2n = 120), mas existem variações consideráveis deste número dentro da espécie (2n = 106 a 120). Pelo fato de esta diversidade ser relacionada à forma como as populações se distribuem, sugere-se que a variação cariotípica seja resultante da fragmentação da Mata Atlântica tanto no Quaternário inicial como nos tempos atuais por meio da atividade humana, produzindo isolamento reprodutivo entre populações (Mariano et al, 2004; Mariano et al, 2008; Santos et al, 2012). 9 Diante do contexto apresentado, o objetivo geral deste estudo foi relacionar os principais fatores decorrentes da fragmentação da Mata Atlântica com a densidade populacional de Dinoponera lucida. Foram considerados os atributos área, forma dos fragmentos e isolamento, e sua provável influência sobre as condições microclimáticas e disponibilidade de recursos. Os resultados são apresentados e discutidos em um artigo, e podem compor um conjunto de informações relevantes para o manejo e formulação de práticas de conservação direcionadas à espécie. 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andrén, H. 1994. Effects of habitat fragmentation on birds and mammals in landscapes with different proportions of suitable habitat: a review. Oikos 65: 265-274. Barnes, T. G. 2000. Landscape Ecology and Ecosystems Management, University of Kentucky: 1 - 8. Bender, D. J.; Contreras, T. A.; Fahrig, L. 1998. Habitat Loss and Population Decline: A Meta-Analysis of the Patch Size Effect. Ecology 19(2): 517-533. Blüthgen, N.; Feldhaar, H. 2010. Food and Shelter: How Resources Influence Ant Ecology. Ant Ecology. Lach, L.; Parr, C. L.; Abbott, K. L. New York, Oxford University Press Inc: 115-136. Câmara, I. G.; Galindo-Leal, C. 2009. Mata Atlântica: biodiversidade, ameaças e perspectivas. Ed. Galindo-Leal, C.; Câmara, I.G. 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[email protected] 15 INTRODUÇÃO O termo “fragmentação florestal”, muito comum nos meios de comunicação e científico atuais abrange dois conceitos mais precisos: A fragmentação per se, que consiste na diminuição do tamanho dos fragmentos, e a perda de habitat, que se refere à extinção de porções ou fragmentos inteiros (Bender et al, 1998). A perda de uma porção do habitat causa, além da redução da área, o isolamento sobre a dispersão dos organismos com efeitos fortemente negativos sobre a biodiversidade, enquanto a fragmentação per se produz efeitos bem mais fracos, às vezes negativos, outras vezes positivos, como a resistência a eventos catastróficos alastrantes como fogo ou epidemias (Fahrig, 2003). O processo de fragmentação aumenta número de remanescentes de habitat e diminui suas dimensões. Por isso espera-se que espécies de interior de mata sofram declínios populacionais em número e densidade devido à fragmentação mais do que o esperado pela simples perda de habitat, pois a razão entre área de centro e área total diminui com o decréscimo da área total do fragmento, criando uma maior proporção de borda em relação ao habitat de interior (Bender et al, 1998). A borda é a porção externa do fragmento que interage com a matriz não florestal ao redor, cujas condições ambientais podem ser significativamente diferentes, podendo atuar como um tampão que filtra as influências ambientais da matriz sobre a floresta (Ewers et al, 2007). São reconhecidos três tipos de efeito de borda: (1) o abiótico, que envolve mudanças nas variáveis físicas que constituem o microclima do fragmento (temperatura, umidade e luz, entre outros); (2) o biológico direto, quando ocorrem alterações das condições físicas próximas à borda alterando o padrão de distribuição e abundância de espécies; e (3) biológico indireto, que altera as interações entre espécies próximas à borda (polinização, dispersão de sementes, herbivoria, parasitismo e predação) (Murcia, 1995; Gomes et al, 2010). Na literatura é também verificada uma forte relação entre a complexidade da forma do fragmento e a resposta das espécies à área do fragmento, fenômeno conhecido como efeito geométrico. (Ewers et al, 2007; Gomes et al, 2010). A combinação entre a área e a forma do fragmento é um fator determinante da magnitude do efeito de borda. Uma porção de mata de forma mais regular terá maior proporção de interior de mata (core) do que um fragmento de mesma área com formato irregular, pois a complexidade 16 da forma aumenta a zona de contato com a matriz diminuindo a área protegia ao centro (Dramstad et al, 1996). A relação entre a fragmentação florestal e a densidade populacional de espécies é um assunto central para as teorias ecológicas e aplicações práticas de conservação que compõem a Ecologia da Paisagem (Andrén, 1994; Dramstad et al, 1996; Bender et al, 1998; Connor et al, 2000; Hambäck e Englund, 2005; Ewers e Didham, 2007). É crescente o número de pesquisas que buscam relacionar a densidade populacional de espécies e a sua variação em função da área, a forma e o isolamento dos fragmentos (Laurance e Yensen, 1991; Dramstad et al, 1996; Barnes, 2000; Nascimento e Laurance, 2006; Cruz et al, 2011), da oferta de recursos (Root, 1973; Hambäck e Englund, 2005) e condições ambientais (Chen et al, 1999; Gomes et al, 2010), analisados sob a perspectiva da fragmentação per se. Grande parte dos estudos realizados com este objetivo mostra uma resposta positiva da densidade populacional de espécies à área do habitat. Tais resultados condizem com a hipótese da concentração de recursos, que prevê o aumento da densidade populacional em função da área, entretanto, esta hipótese se aplica especificamente a casos em que a flutuação da densidade resulta do balanço entre imigração e emigração (Root, 1973). Um dos biomas brasileiros mais ameaçados pela fragmentação é a Mata Atlântica, que se distribui pela costa brasileira em uma vasta extensão pelas regiões tropical e subtropical. Esta abrangência combinada às características geográficas favorece a alta diversidade e endemismo, contendo aproximadamente 1 a 8% de todas as espécies do planeta. Sua área original cobria cerca de 150 milhões de hectares, da qual restam hoje apenas 11,7%. Entre todos os fragmentos atuais, 83,4% possuem menos de 50 hectares. Da área remanescente, apenas 14,4% estão sob proteção legal, o que representa 1,6% da área original. O isolamento médio entre fragmentos para toda a Floresta Atlântica é de 1440 metros. Entre os estados brasileiros que lideram a lista dos que mais desmatam a Mata Atlântica estão a Bahia (em segundo lugar) e o Espírito Santo (em quinto lugar), regiões consideradas pontos quentes da biodiversidade e endemicidade (INPE, 2011; Silva e Castelleti, 2003; Ribeiro et al, 2009). 17 Entre as espécies endêmicas da Mata Atlântica está a formiga Dinoponera lucida, uma das oito espécies do gênero Dinoponera, as maiores formigas do mundo, que são restritas à América do Sul. Enquanto as demais espécies do gênero são encontradas nas florestas úmidas a leste dos Andes no Peru, Colômbia e Equador, em savanas e florestas úmidas de terras baixas no Brasil (Lenhart et al, 2013), Dinoponera lucida, encontra-se restrita à Mata Atlântica do sul da Bahia e norte do Espírito Santo (Paiva e Brandão, 1995; Campiolo e Delabie, 2008), uma área sob fortes pressões do cultivo massivo de Eucaliptus, que circundam remanescentes de floresta isolados e não desempenham o papel de corredor ecológico para esta espécie (Cruz et al, 2011). A atual distribuição geográfica de D. lucida é consequência de múltiplos processos que alteraram a paisagem. A espécie sofreu muitas pressões de seleção relacionadas à fragmentação dos refúgios de habitat durante o Pleistoceno, tornando-a possivelmente adaptada a áreas pequenas. A alta variabilidade genética encontrada entre as populações do Espírito Santo sugere que a fragmentação da Mata Atlântica desde o Pleistoceno até os tempos atuais é consequência da regressão da distribuição geográfica de D. lucida o que leva ao isolamento das populações remanescentes com perda do habitat aumentando a taxa de endogamia. As áreas que abrigam as populações remanescentes representam refúgios modernos e as amostras destes locais apresentam haplótipos exclusivos (Mariano et al, 2004; Mariano et al, 2008; Resende et al, 2010; Santos et al, 2012). As formigas em geral são fortemente influenciadas por mudanças na vegetação, alterações do habitat e disponibilidade de recursos (Leal, 2003). Por isso espera-se que D. lucida responda às alterações que seu habitat vem sofrendo em decorrência da fragmentação. A redução da área e da conectividade entre fragmentos podem exercer influências diretas sobre a disposição espacial de populações na floresta, bem como interferir nas condições e recursos possibilitando a alteração na sua densidade populacional. Portanto, este estudo tem como hipóteses a resposta positiva da densidade populacional à área, cobertura vegetal e abundância de recursos, bem como um decréscimo da densidade populacional em função do aumento do isolamento e da complexidade na forma do fragmento. O objetivo geral deste estudo é relacionar a área, o isolamento, a forma do fragmento e a borda com a densidade populacional de D. lucida em duas diferentes 18 escalas espaciais: A escala do pitfall e a escala que corresponde ao fragmento florestal. Também foi investigada a área efetiva e a borda do fragmento à qual a espécie responde. Os resultados apresentados podem compor um conjunto de informações relevantes para o manejo e práticas de conservação da espécie. MATERIAIS E MÉTODOS Área de Estudo O Espírito Santo é um estado localizado no sudeste brasileiro que possui 46 mil quilômetros quadrados de território (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, 2013) e está inserido no Domínio Morfoclimático dos Mares de Morros (Ab'Sáber, 1970), ou Bioma Mata Atlântica. Dentre as diversas unidades fitoecológicas reconhecidas para a Mata Atlântica capixaba (que relacionam temperatura, altitude, vegetação entre outros aspectos ambientais), estão presentes neste estudo as Florestas ombrófilas densas, Florestas ombrófilas abertas, florestas estacionais de terras baixas e submontana bem como Restingas (Lani et al, 2008). A coleta de dados foi realizada entre os meses de janeiro e abril de 2013 em fragmentos de Mata Atlântica no estado do Espírito Santo, que faz parte da região de ocorrência de D. lucida. O limite sul da área de estudo está entre as coordenadas 20° 16.357'S 40° 28.782'W e ao norte por 18° 21.692'S e 40° 09.988'W (Figura 1). A altitude dos pontos de coleta variou entre 15 e 948 metros acima do nível do oceano. 19 Figura 1: Mapa com a localização dos fragmentos estudados na Mata Atlântica do estado do Espírito Santo. 20 Dez fragmentos de mata foram selecionados no estado, de forma a abranger a maior variação de área possível. A área dos fragmentos variou entre 4,67 e 55.000 hectares, entre remanescentes protegidos e não protegidos (autorizações fornecida pelo Instituto Chico Mendes – ICMBio, no 35895-1 e no 35947-1) conforme apresentado na Tabela 1. Entre eles estão quatro Reservas Biológicas (Rebio), três Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), uma Floresta Nacional (Flona) e duas áreas particulares sem proteção legal. Coletas Para a coleta de D. lucida foram instaladas armadilhas de queda (pitfalls) no solo. Para isso foram utilizados recipientes plásticos com capacidade para 250 mL. Cada recipiente continha aproximadamente 50 mL de álcool combustível (Szinwelski et al, 2012), e foi mantido no campo por 48 horas. É considerada aqui a possibilidade de atração dos insetos frugívoros pelo álcool, mas não para D. lucida. Por esse motivo o conteúdo do pitfall não era confiável para ser identificado itens alimentares. Uma vez nos fragmentos, as armadilhas foram dispostas em transectos de 450 metros. Cada transecto foi composto por 10 armadilhas, com 50 metros de distância entre uma e outra. Uma vez que o maior raio de forrageamento já registrado para D. lucida é de aproximadamente 25 metros a partir do ninho (Peixoto et al, 2010), a distância de 50 metros foi para assegurar que as formigas capturadas por armadilhas diferentes pertençam a ninhos diferentes. No total foram utilizadas 300 armadilhas. O número de transectos realizados por fragmento foi proporcional ao logaritmo da área, conforme é apresentado na Tabela 1. As variáveis resposta deste estudo foram a presença e ausência de D. lucida na armadilha e destes dados obteve-se uma porcentagem de ocorrência por fragmento, que representam a densidade populacional da espécie em cada fragmento, conforme metodologia elaborada e aplicada por Schoereder et al (2004). As variáveis explicativas foram a abertura de dossel, utilizada como indicador das condições ambientais e a biomassa animal como indicador de recursos. Tais medidas foram obtidas para cada armadilha e calculada uma média por fragmento. Além disso, as medidas de área, forma e isolamento obtidas constituíram variáveis explicativas por fragmento. 21 Densidade populacional A densidade populacional de D. lucida foi estimada pelo número de registros de indivíduos nos pitfalls. Dados binomiais foram obtidos onde se atribui 1 para a presença da formiga em cada armadilha e 0 para sua ausência. Foi então calculada a porcentagem de ocorrência de D. lucida para cada fragmento, que foi relacionada à área e utilizada como indicador da densidade populacional da espécie. Para as análises em escala pontual foram utilizados os dados de presença e ausência, uma vez que estes constituem resposta pra cada armadilha, enquanto os dados percentuais foram utilizados para as análises na escala do fragmento, pois apresentaram uma medida por fragmento. Condições ambientais Sobre cada armadilha foi obtida uma fotografia hemisférica do dossel, utilizando uma lente Fisheye 0.45x 28mm acoplada a uma câmera digital Nikon Coolpix 4500 4Mpx. A câmera foi posicionada no solo e direcionada sempre para o norte com o auxílio de uma bússola. As fotografias foram analisadas no software Gap Light Analyser (GLA) versão 2.0, para calcular a abertura do dossel, utilizada como indicador das condições ambientais da floresta. Recursos Todo o conteúdo da armadilha, composto por invertebrados e pequenos vertebrados, foi utilizado para obtenção da biomassa animal como indicador da abundância de recursos. O conteúdo do pitfall foi triado, seco em estufa a 45 ºC por 16 horas, e peso em balança analítica Gehaka, modelo AG200 com quatro casas decimais. 22 Tabela 1: Localização e área dos fragmentos estudados e número de transectos realizados correspondentes à área. Classes de área (ha) Número de Transectos 1 a 10 1 10 a 100 100 a 1.000 1.000 a 10.000 acima de 10.000 2 Fragmentos e Unidades de Conservação Área Particular São Rafael Município Área (ha) Coordenadas geográficas Altitude (m) Linhares 4,67 19°22.708'S; 40°26.279'W 233 a 261 RPPN Fazenda Sayonara Conceição da Barra 10,99 18°29.757'S; 39°57.330'W 58 a 74 RPPN Linda Laís Santa Teresa 19,10 19°57.148'S; 40°45.151'W 784 a 839 Área Particular Regência Linhares 297,09 19°37'78.55"S; 39°52'94.81"W 15 a 20 RPPN Pau a Pique Santa Leopoldina 281,56 20°07.705'S; 40°33.189'W 419 Rebio Córrego do Veado Pinheiros 2491,93 18°21.692'S; 40°09.988'W 86 a 109 Flona de Goytacazes Linhares 4118,12 19°26.159'S; 40°04.398'W 22 a 35 Rebio de Duas Bocas Cariacica 4853,74 20°16.357'S; 40°28.782'W 211 a 383 Rebio Augusto Ruschi Santa Teresa 5773,84 19°51.101'S; 40°33.798'W 800 a 948 Sooretama/Linhares 55193,89 19°02.676'S; 40°00.335'W 48 a 103 3 4 Rebio de Sooretama e 5 Reserva Natural da Vale 23 Análises espaciais Para a elaboração do mapa de localização e cálculo de área total, perímetro e isolamento dos fragmentos foram utilizados os dados de 14 cenas de imagens do satélite CBERS 2B, sensor CCD - Bandas 2, 3 e 4. A data de geração das imagens variou entre 2008 e 2010. A base de dados foi vetorial (cidades, hidrografia, rodovias e limites estaduais e federal) fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para a classificação visual das imagens (digitalização dos polígonos dos limites das reservas) utilizou-se a combinação falsa-cor de bandas 4-3-2, respectivamente para RGB (Red-Green-Blue), para uma melhor visualização das áreas vegetadas. A conferência visual da delimitação das áreas foi feita com o auxílio do software Google Earth Inc, a elaboração do mapa foi realizada pelo sistema ArcGis® versão 10.1, e os cálculos com o auxilio do Excel®. De posse dos dados de perímetro e área dos fragmentos, procedeu-se o cálculo do Índice de forma de Pantton adaptado para unidades métricas, por meio da equação: If = P/[200.(π.At)0.5] Onde P corresponde ao perímetro em metros e At à área total do fragmento em hectares. Este índice mede a forma como um desvio da circularidade, pois os círculos exibem a menor razão perímetro-área possível. O valor de If se aproxima de 1.0 quando o polígono exibe forma próxima à circular, e aumenta com a complexidade do contorno (Laurance e Yensen, 1991). Para as análises de isolamento foi feita uma classificação visual de todos os fragmentos de Mata Atlântica presentes em um raio de 10 quilômetros a partir do limite de cada unidade estudada, conforme ilustrado na Figura 2. A soma da área de todos os fragmentos ao redor presentes nessa faixa foi dividida por 10 para fornecer o ganho médio de área para cada 1000 metros. O ganho médio de área foi então dividido pelo número de fragmentos encontrados no raio de 10 quilômetros, gerando o índice de conectividade conforme a equação a seguir: 24 Ic = Gm / nf Onde Gm corresponde ao ganho médio de área por faixa de 1000 metros, e nf corresponde ao número total de fragmentos presentes no raio de 10 quilômetros. Este índice é a medida inversa do isolamento: quanto maior o valor do índice, menos isolado é o fragmento em questão. Pode acontecer que a soma das áreas de muitos fragmentos pequenos seja a mesma para poucos fragmentos maiores. Neste caso, a divisão pelo número de fragmentos corrige esse efeito, revelando a natureza da paisagem ao redor. O índice de conectividade é reduzido para regiões com alto número de fragmentos pequenos, enquanto regiões com poucos fragmentos grandes possuem um valor maior. 25 Figura 2: Mapa de isolamento das áreas de estudo. 26 Análises estatísticas Para avaliar a relação entre a variável resposta e as variáveis explicativas foi adotado um método de análise para cada escala espacial. Para a escala local, cada armadilha foi considerada uma amostra independente, que foram analisadas utilizando modelos mistos por meio do software R versão 3.0 (R Development Core Team, 2013). A variável resposta foi relacionada às variáveis de abertura de dossel e biomassa, cujos dados foram coletados para cada ponto. Nesta análise propôs-se inicialmente um modelo completo com distribuição binomial, relacionando os dados de presença e ausência da formiga à abertura de dossel, biomassa animal e a interação destes fatores. A simplificação do modelo foi realizada com a remoção das variáveis que não tiveram influência significativa sobre a variável resposta até atingir o modelo mínimo adequado. Em escala local, para avaliar a resposta a partir dos dados de área total e efetiva, forma e isolamento dos fragmentos, que constituem uma única medida por fragmento, foram utilizados modelos lineares generalizados (GLM) com distribuição binomial. Neste caso, os dados de presença de D. lucida foram transformados numa resposta percentual por fragmento, enquanto que para as variáveis abertura de dossel e biomassa animal foram utilizados valores médios por fragmento. Um modelo completo foi proposto, em que a frequência varia em função da área, isolamento, abertura de dossel e biomassa animal, além da interação entre as últimas. A partir daí procedeu-se a simplificação do modelo, onde variáveis cuja influência não foi significativa foram removidas até a aquisição do modelo mais simples possível. Adicionalmente foi realizado o cálculo do coeficiente de variação entre os valores de abertura de dossel para cada fragmento e para cada transecto, usado como indicador da heterogeneidade da vegetação no conjunto de dados, e a relação entre a frequência de D. lucida e esta variável analisada por meio de modelos lineares generalizados. 27 RESULTADOS O número absoluto de registros de D. lucida nas armadilhas foi de 129, o que significa sua presença em 45% dos pitfalls utilizados neste estudo. O maior registro de D. lucida foi a Floresta Nacional de Goytacazes (98%) seguida da Reserva Biológica de Duas Bocas (87%). Por outro lado, nos três menores fragmentos estudados não foi registrada presença de D. lucida. As medidas espaciais são apresentadas na Tabela 2 juntamente com o número de registros convertido para porcentagem de D. lucida em cada fragmento estudado. Abertura de dossel e biomassa para escala do ninho com Modelos Mistos Em relação à cobertura vegetal, a Figura 3 mostra a resposta obtida para a presença de D. lucida considerando dados binários (presença) por armadilha utilizando modelos mistos. Neste caso, o maior número de registros foi para fragmentos com maior abertura percentual de dossel (X2= 51.577; p < 0,001), mostrando uma resposta significativa e positiva. Figura 3: Número de registro de D. lucida em relação à abertura de dossel (X2= 51.577; p < 0,001). Nenhuma relação significativa foi verificada entre a biomassa animal e a presença de D. lucida (Chi = 2.3414; p = 0.126). 28 Tabela 2: Dados de área total, área efetiva, forma, medidas de isolamento e porcentagem de D. lucida em relação ao número de armadilhas para cada fragmento. Isolamento Fragmentos e Área Total Fator Abertura de Unidades de Conservação (ha) Forma* N. Fragmentos Conectividade** Dossel % ao redor 4,67 1,16 11,32 18.282 Área Particular São Rafael 68 Biomassa Número de seca (g) armadilhas Frequência de D. lucida*** 0.2451 10 0 RPPN Fazenda Sayonara 10,99 1,29 33 3,94 16.0628 0.2901 20 0 RPPN Linda Laís 19,10 2,29 20 74,63 14.3 0.1168 10 0 297,09 1,58 26 14,03 16.1631 0.401 30 0.25 281,56 2,30 33 55,71 20.2606 0.2514 20 0.65 2491,93 1,58 53 1,01 16.7171 0.8117 40 0.31 4118,12 3,28 82 13,81 16.1471 0.3667 40 0.98 Rebio de Duas Bocas 4853,74 2,57 83 22,49 15.6627 1.5489 40 0.87 Rebio Augusto Ruschi 5773,84 2,10 25 94,33 - 0.1633 40 0.26 55193,89 2,96 202 2,39 17.4084 0.5977 50 0.38 Área Particular Regência RPPN Pau a Pique Rebio Córrego do Veado Flona de Goytacazes Rebio de Sooretama e Reserva Natural da Vale *Forma: formas regulares se aproximam de 1,0. Portanto, quanto maior o valor da forma, mais irregular é o fragmento. **Conectividade: medida inversa do isolamento. Quanto maior o índice, menos isolado é o fragmento. ***Frequência: Frequência de armadilhas com registro de D. lucida 29 Abertura de dossel, biomassa animal e atributos do fragmento na escala do fragmento utilizando Modelos Lineares Generalizados Analisando a resposta de D. lucida aos valores médios de abertura de dossel e biomassa por fragmento, não houve resposta significativa, ao contrário dos resultados obtidos pela análise com Modelos Mistos. Da mesma forma, não houve resposta significativa para os atributos de área total, forma e isolamento dos fragmentos. O coeficiente de variação para cada fragmento variou entre 0.21 e 0.44, com média de 0.27. Embora tais valores sejam considerados altos para conjuntos de dados provenientes de experimentos em condições controladas, não foi encontrada uma relação significativa entre a presença de D. lucida e a amplitude deste coeficiente entre as amostras (F=0.17; p=0.7). Da mesma forma na análise entre transectos, cuja variação oscilou entre 0.12 e 0.48, não houve relação significativa com a frequência de D. lucida (F=0.16; p=0.22). 30 DISCUSSÃO Biomassa e dossel É interessante notar que, ao contrário do que se esperava, D. lucida apresentou uma resposta positiva à abertura de dossel. Como se tratam de ambientes florestais, essa abertura é limitada, entre 5% (para ambientes mais sombreados) e 38% (em ambientes mais claros). Este aspecto pode estar relacionado ao hábito de forrageio diurno da espécie, onde a luz seria um fator determinante na atividade de caça e na orientação espacial, assim como verificado em Odontomachus bauri (Raimundo et al, 2009). Para esta espécie da subfamília Ponerinae que habita o solo de áreas florestadas, o padrão da vegetação é determinante na capacidade de se situar no espaço, habilidade inicialmente demonstrada também na espécie Paltothyreus tarsatus (Ponerinae) (Oliveira & Hölldobler, 1989). Adicionalmente sugere-se que a estrutura da vegetação, em composição e riqueza, seja uma variável igualmente relevante em relação à frequência de D. lucida em estudos futuros, uma vez que pode caracterizar de forma ainda mais precisa o estágio de sucessão e a estabilidade ecológica da floresta. A formulação do pressuposto de que D. lucida tem preferência por ambientes mais sombreados e que seria encontrada em maior frequência nos pontos com menor abertura de dossel teve por base a observação de que, frequentemente, os ninhos se situam próximos à base de árvores (Peixoto et al, 2010). Entretanto os resultados mostram a tendência dessas formigas em procurar ambientes mais claros para caçar, uma vez que os pitfalls capturam indivíduos durante o forrageio, o que não influencia no tipo de ambiente preferencial para a instalação dos ninhos. Dessa forma a relação de D. lucida com a vegetação se apresentaria em duas vias: na preferência por estabelecer ninhos em ambientes de vegetação mais densa e a preferência por ambientes mais iluminados para forrageamento. Esta hipótese seria confirmada pela maior frequência de D. lucida em fragmentos com maior coeficiente de variação da abertura de dossel (locais cuja vegetação é heterogênea, com ambientes mais sombreados próximos a ambientes mais claros), mas tal relação não foi verificada. O estabelecimento de ninhos na base das árvores, muito próximo ou às vezes até dentro das próprias raízes (Teixeira et al, 2009), pode não estar relacionada, necessariamente, às condições deste microambiente decorrentes do sombreamento, mas ligada simplesmente à arquitetura dos ninhos ou à serapilheira. 31 A serapilheira parece atuar como um tampão na manutenção da temperatura e provavelmente da umidade próximo ao solo (Ehmer & Hölldobler, 1995). Portanto, a instalação dos ninhos sob árvores pode não estar necessariamente relacionada ao sombreamento, mas à camada de serapilheira e sua contribuição para a homeostase do ninho. As colônias de D. lucida são móveis, migrando de um ponto a outro em curtas distâncias em face de perturbações ambientais (Teixeira et al, 2009). Esta movimentação pode acompanhar eventuais variações na densidade do dossel, sejam elas sazonais ou em estágios de sucessão ou desenvolvimento da vegetação. Entretanto é necessário esclarecer esta relação no que se refere a quantidade e composição da serapilheira. Apesar de D. lucida ter preferência alimentar por invertebrados e pequenos vertebrados presentes na superfície da serapilheira, não foi encontrada qualquer relação entre a sua presença e a abundância desses recursos capturados pela armadilha. Porém, é possível que a abundância de recursos esteja associada ao vigor dos ninhos, dado que poderia ser estimado pelo número de espécimes capturados na armadilha, ou seja, pela densidade de indivíduos por ninho. Atributos físicos do fragmento A ausência de resposta da densidade populacional de D. lucida aos atributos físicos do fragmento diferem notavelmente daqueles encontrados por Cruz et al (2011) na mesma região do estado do Espírito Santo. Nesse estudo os autores buscaram uma relação entre a densidade de ninhos de D. lucida e o número de árvores e a área dos fragmentos. Nenhuma resposta à vegetação foi encontrada, mas densidade respondeu positivamente à área. Embora os métodos utilizados para estimar a densidade populacional tenham diferido dos aplicados neste estudo, pode-se discutir que, aparentemente, a resposta da densidade de D. lucida à área é mais forte em fragmentos pequenos e torna-se difusa à medida que a disponibilidade de espaço aumenta, como as áreas utilizadas no presente estudo, ou seja, esta resposta é dependente da escala. Se comprovado, este fenômeno poderia confirmar a ideia de que D. lucida pode não apresentar uma resposta populacional a áreas grandes por ser uma espécie adaptada a pequenas áreas. 32 Esta ideia é sugerida por Resende et al (2010) sob o argumento de que, ao evoluir sob a pressão da fragmentação e área limitada, D. lucida pode ter se tornado adaptada a pequenos remanescentes, não apresentando, portanto, resposta a esta variação. Este processo de adaptação teria ocorrido nos Refúgios durante o Pleistoceno, quando as condições climáticas hostis causaram a redução das florestas a fragmentos pequenos, isolando e restringindo as populações. Entretanto, diante desta ideia deve-se ponderar que os menores refúgios no Pleistoceno e Plioceno poderiam não ser tão pequenos quanto os menores fragmentos encontrados na Mata Atlântica atual. Nos menores remanescentes presentes neste estudo não foi registrada a ocorrência da espécie, embora ela tenha sido encontrada em fragmentos vizinhos. Schoereder et al (2004) afirmam que populações de formigas com baixa densidade de ninhos são mais propensas a eventos de extinção local do que aquelas com altas densidades. Baixas densidades de ninhos podem afetar a taxa reprodutiva diminuindo a probabilidade de encontro ente machos e fêmeas durante as épocas de acasalamento que podem levar a população a minguar gradativamente até a sua extinção. Este fenômeno de retroalimentação é conhecido como efeito Allee (1931). Embora não tenha sido verificada a relação direta entre densidade populacional de D. lucida a área dos fragmentos, é provável que esta variável resposta seja, sim, afetada pela área reduzida pelos menores fragmentos deste estudo, mas tenham sido extintas nestes locais antes que pudessem ser detectadas. Tal argumento pode ser apoiado pela constatação de Vasconcelos et al (2006) num estudo sobre efeitos da fragmentação na comunidades de formigas na Amazônia central. Os autores relatam que os efeitos da área sobre a riqueza e composição de espécies foram aparentes somente nos fragmentos menores de 20 hectares. Sendo assim, se para a população de uma única espécie como D. lucida os efeitos da área forem da mesma magnitude, é possível que a extinção local seja uma resposta á área reduzida dos fragmentos. A ausência de D. lucida em fragmentos pequenos é interpretada como extinção local devido ao pressuposto de que, estando incluso na região de ocorrência da espécie, qualquer fragmento do habitat poderia ser ocupado por ela. Uma vez que D. lucida ocorre em tais fragmentos e estes passam a sofrer os efeitos da redução do habitat de forma muito agressiva, ela pode deixar de existir nesses locais. 33 Outro fator responsável pela ausência de D. lucida nos fragmentos menores é o isolamento. Embora a frequência de formigas não tenha respondido aos dados de isolamento, este atributo é determinante na sua existência no local. É provável que a causa da extinção local seja a pequena área dos remanescentes, relacionada às condições microclimáticas da borda, mas a persistência da ausência de D. lucida nesses fragmentos deve-se ao isolamento, que determina sua taxa de recolonização. Embora distâncias muito curtas representem uma grande barreira para a migração de colônias (Vasconcelos et al, 2006), elas não representam a mesma dificuldade para um macho de D. lucida, que é alado, capaz de alimentar um fluxo gênico entre fragmentos habitados por fêmeas da espécie. Dessa forma, a fragmentação pode aumentar a variabilidade genética em tempo evolutivo, mas a perda de habitat causa a diminuição dessa variabilidade devido às extinções locais, além de atuar no aumento da taxa de endogamia. Por outro lado, mesmo que os remanescentes muito pequenos não sejam capazes de sustentar populações de D. lucida, eles podem reduzir o isolamento entre fragmentos maiores, atuando como pontes para os machos que voam em busca de parceiras. O modelo de predição de distribuição espacial proposto por Teixeira et al (2011) mostra que D. lucida possui dois pontos quentes na sua distribuição, um ao sul da Bahia e outro à margem sul do Rio Doce, no Espírito Santo. Sobre estes focos estão localizados os municípios de Belmonte, BA, e Linhares, no ES, que estão entre as dez cidades com maior índice de desmatamento da Mata Atlântica, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE de 2011. Além disso, o norte do Espírito Santo tem sofrido com intenso déficit hídrico, agravado pela intensa remoção de florestas (Lani et al, 2008). Esta constatação apresenta-se de forma trágica nas discussões sobre a conservação de D. lucida. Tais regiões deveriam representar pontos prioritários para práticas de conservação, mas aparentemente isto está longe de acontecer. A Bahia e o Espírito Santo já constam na lista dos dez estados brasileiros com maior índice de desmatamento da Mata Atlântica segundo os mesmos dados do INPE, embora juntos, constituam o Corredor Central da Mata Atlântica. Diversos estudos realizados com D. lucida mencionados neste trabalho ressaltam a representatividade destes estados na composição da biodiversidade do bioma em questão. 34 Portanto, dadas as atuais condições de fragmentação e as discussões a respeito da necessidade de construção de corredores ecológicos, argumenta-se que, para D. lucida, o investimento em manejo e conservação das florestas remanescentes é muito mais significativo do que a ligação entre áreas isoladas. Não é possível prever, por estes dados, algum prejuízo decorrente da criação de corredores ecológicos, mas considerando que as populações não apresentam resposta ao isolamento do fragmento, também não se verifica um benefício considerável sobre as mesmas. A preocupação adequada para direcionar as atitudes conservacionistas a este respeito deve ser relacionada à regressão e à perda de habitat que causam a extinção local, além das perturbações ambientais sobre o habitat. Estudos anteriores realizados pela mesma equipe em Aracruz, no estado do Espírito Santo registraram a presença de uma população de D. lucida no Parque Natural Municipal David Victor Farina, que possui 120 hectares (dados não publicados), preenchendo parte da lacuna de dados com respeito da fragmentos entre 20 e 300 hectares neste estudo. Portanto, recomenda-se ampliar a busca na verificação da presença de D. lucida para definir, com precisão, qual é a área mínima exigida pela espécie. Ressalta-se ainda que, embora fragmentos muito pequenos não apresentem condições adequadas à manutenção de populações de D. lucida, sua presença pode ser importante na facilitação da migração de machos durante a busca por fêmeas, propiciando a troca de material genético entre populações diferentes. Entretanto, no mesmo estudo mencionado anteriormente, foi também registrada a presença de D. lucida em fragmentos de 2,7 a 10 hectares, embora dados empíricos sugiram que tais populações estejam à beira da extinção local e por isso demandam urgentemente de atenção especial. 35 CONCLUSÃO Os resultados apresentados sugerem que as populações atuais de Dinoponera lucida mantêm uma relação complexa com a cobertura vegetal, preferindo áreas relativamente iluminadas como campo de forrageio e ao mesmo tempo, áreas com cobertura vegetal mais densa onde estabelecem seus ninhos. Entretanto, não está claro se esta relação inclui as condições microclimáticas propiciadas pela vegetação ou a sua estrutura em si. Também não há uma dependência da densidade populacional em relação à oferta de recursos alimentares. As populações de D. lucida não são diretamente influenciadas pelo isolamento entre os fragmentos e a sua forma, mas a resposta à área é um pouco mais complexa. Por não ter apresentado influência sofrida pelo isolamento dos fragmentos, percebe-se que, para esta espécie, não há benefícios diretos na construção de corredores ecológicos, mas a manutenção e conservação dos remanescentes onde ela ocorre representam atitudes suficientemente úteis para a sobrevivência da espécie, principalmente nas regiões do sul da Bahia e margens do Rio Doce, no Espírito Santo. 36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ab'Sáber, A. N. 1970. Províncias Geológicas e Domínios Morfoclimáticos no Brasil. Boletim do Centro Paulista de Estudos Geológicos (3): 85 - 123. Andrén, H. 1994. Effects of habitat fragmentation on birds and mammals in landscapes with different proportions of suitable habitat: a review. Oikos 65: 265-274. Barnes, T. G. 2000. Landscape Ecology and Ecosystems Management, University of Kentucky: 1 - 8. Bender, D. J.; Contreras, T. A.; Fahrig, L. 1998. Habitat Loss and Population Decline: A Meta-Analysis of the Patch Size Effect. Ecology 19(2): 517-533. 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