Imprimindo - Revista SÍNTESE Direito Penal e Processual Penal
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Imprimindo - Revista SÍNTESE Direito Penal e Processual Penal
Doutrina A Violência Desmedida da Polícia LUIZ FLÁVIO GOMES Jurista e Cientista Criminal, Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Presidente da Rede LFG, Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). ADRIANA LOCHE Socióloga. Doutoranda da USP/SP. Pesquisa do Sistema de Indicadores de Percepção Social sobre Segurança Pública (Sips) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), feita em 2010, revelou a quase absoluta falta de credibilidade nas forças de segurança estaduais. A região Sudeste lidera a desconfiança. Na região, somente 3% dos entrevistados afirmaram ter muita confiança nas Polícias Militar e Civil e 75,15% disseram confiar pouco ou nada. A população brasileira tem incontáveis motivos para não confiar nas polícias estaduais. Um exemplo: no dia 22 de março, foram divulgadas imagens de policiais militares do Estado do Amazonas atirando à queima-roupa contra um adolescente de 14 anos. O caso teria ocorrido em um bairro pobre de Manaus, no mês de agosto de 2010, em uma operação policial, e foi registrado pelos policiais que participaram da ação como confronto. Violência e fraude ao mesmo tempo. Nas imagens, é possível ver que o garoto foi agredido e ameaçado pelos policiais. Rendido, recebe um primeiro tiro e tenta fugir, mas é novamente atingido por outro policial. Antes de ser obrigado a caminhar até a viatura, leva ainda um terceiro tiro. As imagens foram gravadas por uma câmera de segurança particular. O vídeo foi veiculado por uma TV local, retransmissora da Record. Ao tomar conhecimento dos fatos, o Comandante Geral da Polícia Militar afirma que é um episódio lamentável e solicita medidas imediatas. O garoto e sua família foram incluídos no Programa Estadual de Proteção a Vítimas Ameaçadas e a prisão dos policiais envolvidos foi decretada pela Justiça Estadual. Respostas rápidas foram dadas por parte das autoridades tão logo tomaram conhecimento dos fatos, sete meses depois do ocorrido. O Comandante Geral da Polícia Militar, em uma de suas manifestações depois do caso, afirma: "Eles tentaram burlar a ocorrência dizendo que teria tido um confronto. Quando o vídeo foi apresentado na mídia, viemos a saber que eles não falaram a verdade"1(1). RDP Nº 67 - Abr-Maio/2011 - PARTE GERAL - DOUTRINA 123 Mas cabe a pergunta: por que não foi realizada uma investigação para saber se houve mesmo confronto? Porque sempre que há um boletim de ocorrência registrado como confronto entre policiais e "criminosos" a investigação recai sobre o último. A versão dada por policiais no momento da ocorrência quase nunca é contestada. Isso ocorre em diferentes estados da federação, sem nenhuma cerimônia, e não é objeto de maiores investigações, a não ser que uma prova seja apresentada contestando a versão oficial e esta ganha vulto. Segundo o procurador de Justiça que coordena o programa de proteção, o comandante da PM já havia sido informado do caso, em fevereiro, antes do vídeo ser veiculado, mas não tomou nenhuma providência. "Ele (o comandante Dan Câmara) teria que ter apurado o fato e não fez nada. Não é a primeira vez que ocorre omissão em relação às práticas dos policiais", disse o procurador2(2). A julgar pela última declaração do Comandante Geral da Polícia Militar, veiculada em uma pequena nota no jornal Folha de São Paulo, é possível entender por que ele não tomou as medidas cabíveis. Segundo o comandante, o garoto deveria estar preso, pois era acusado de cometer vários crimes. "Minhas perguntas são: como esse guri estava solto? Por que nada foi feito pela polícia judiciária e pelo Ministério Público?", questiona o comandante3(3). A sua lógica talvez seja esta: se o garoto estivesse preso, esses policiais não teriam se envolvido na ocorrência. Logo, o problema não é da atuação de sua tropa, mas da polícia judiciária e do Ministério Público que não são capazes de manter afastadas da sociedade pessoas que representam perigo. Parece que as ações da Polícia Militar são sempre justificadas, não importa o grau de arbitrariedade e de abuso nelas contido. Para corrigir a "falha da justiça", delega-se veladamente à polícia a tarefa de prender, julgar, sentenciar a executar a pena que ela considera justa e adequada. Como já mencionamos em artigo anterior, quando a força utilizada por agentes policiais é desmedida, a autoridade policial tende a ser enfraquecida. O uso desnecessário da força pode ser interpretado como um sintoma da ausência de autoridade da instituição policial e pode conduzir a respostas cada vez mais violentas de resolução de conflitos. As ações policiais violentas são também fator de risco para a violência epidêmica. Notas de Fim 1 (Janela-flutuante - Janela-flutuante) Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/893603-pms-que-atiraram-em-garoto-em-manaus-tem-prisao-decretada.shtml>. 2 (Janela-flutuante - Janela-flutuante) Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/893105-garoto-agredido-por-policiais-no-am-recebe-protecao-do-governo.shtml>. 3 (Janela-flutuante - Janela-flutuante) Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/894171-comandante-da-pm-diz-que-garoto-alvejado-deveria-estar-preso.shtml>.