Luminaria 02_2013.indb
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Luminaria 02_2013.indb
Luminária Revista da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR Campus de União da Vitória n. 15 v. 2 União da Vitória, 2º semestre de 2013 UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná, campus de União da Vitória Praça Coronel Amazonas s/n 86400-000 – União da Vitória – Paraná IEPS – Instituto de Ensino, Pesquisa e Prestação de Serviços Avenida Bento Munhoz da Rocha neto, no 553 86400-000 – União da Vitória – Paraná Catalogação ISSN 1519-745-X Projeto Gráfico e editoração Fernando Cesar Gohl Luciane Mormello Gohl Revisão Karim Siebeneicher Brito Editor Rogério Antonio Krupek Conselho Editorial Sandra Salete de Camargo-Silva – Unespar/Campus de União da Vitória Armindo Longhi– Unespar/Campus de União da Vitória Ilton César Martins – Unespar/Campus de União da Vitória Caio Ricardo Bona Moreira – Unespar/Campus de União da Vitória Erickson Cristiano dos Santos – Unespar/Campus de União da Vitória Conselho Consultivo Acir Mário Karwoski – Universidade Federal do Triângulo Mineiro Cesar Aparecido Nunes – Universidade Estadual de Campinas Claudia Beltrão da Rosa – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Jarem Raul Garcia – Universidade Estadual de Ponta Grossa Luís Fernando Cerri – Universidade Estadual de Ponta Grossa Suzete de Paula Bornatto – Universidade Federal do Paraná Tiago Kroetz – Universidade Tecnológica Federal do Paraná APRESENTAÇÃO Revista Luminária Apresentação da Edição Especial Anais da XI JELLVI – Jornada de Estudos Linguísticos e Literários do Vale do Iguaçu “Os Desafios da Formação Docente em Letras” Nesta edição especial, a Revista Luminária publica 10 artigos selecionados dos anais da XI JELLVI – Jornada de Estudos Linguísticos e Literários do Vale do Iguaçu, realizada entre 26 e 31 de agosto de 2013, com o tema: “Os Desafios da Formação Docente em Letras”. Os textos aqui reunidos foram selecionados dentre os trabalhos apresentados durante o evento, e das contribuições de professores dos cursos de Letras da Unespar, campus de União da Vitória, onde o evento foi realizado. Sob a coordenação de professores dos cursos, nas quarenta horas de atividades, tivemos a participação de 18 docentes convidados, participando de uma mesa redonda e ministrando uma conferência e 15 oficinas a um público de 120 discentes. A formação docente é objetivo central dos nossos cursos de Letras, e os desafios que se apresentam nessa missão são aqui analisados e debatidos por profissionais que com eles se deparam em sua prática cotidiana e em suas reflexões teóricas. Nesse sentido, nossa coletânea caracteriza-se pelos múltiplos e diferentes olhares lançados às questões da docência, ora por professores em formação, ora por formadores de professores, atuem estes no âmbito das escolas e secretarias de educação, como supervisores, ou no âmbito universitário, como coordenadores e orientadores. Reservamos a abertura desta edição especial à metodologia do ensino de língua inglesa, através das participações das professoras e pesquisadoras Monique Bellio e Didiê Ana Ceni Denardi, que apresentam o procedimento chamado sequência didática. Na sequência voltamo-nos às questões da prática escolar compreendidas na formação docente, com dois artigos. No primeiro deles, as professoras da educação básica Adriana Medeiros Swierk de Souza e Marcela Chamee Sydol, envolvidas num subprojeto do PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - e supervisionando o trabalho de 15 acadêmicos de Letras durante dezoito meses, apresentam o resultado de sua pesquisa sobre o impacto do PIBID percebido pelas equipes pedagógicas das escolas envolvidas. Em seguida, o professor Gilson Rodrigo Woginski promove a reflexão acerca da construção da Proposta Pedagógica Curricular para a disciplina de Língua Espanhola da Matriz Curricular do Ensino Médio, de forma didática, exemplificando as etapas do processo com a proposta do Colégio Estadual Barão do Rio Branco, em Curitiba/PR, onde leciona. O professor Gilson Rodrigo Woginski, em sua segunda contribuição nesta revista, sugere atividades em que o gênero carta pessoal pode ser utilizado em sala de aula, com base no Interacionismo Sociodiscursivo. Em seguida, Leonilda Procailo analisa a aplicação dos princípios da Prática Distribuída e da Prática Maciça da Psicologia Cognitiva ao ensino de língua estrangeira e segunda língua. A Professora Maria Cleci Venturini coloca, no sexto artigo, a leitura em suspenso, a partir dos pressupostos teórico-metodológicos da Análise de Discurso, de orientação francesa, perguntando pelo lugar da gramática e da historicidade na concepção da leitura como prática discursiva. Para tanto, utilizou-se de textualidades midiáticas que enfocaram as manifestações de rua no Brasil em 2013. As acadêmicas Jessika Carla de Oliveira Lima e Viviane Aparecida Ferreira Pinto abordam o desenvolvimento da leitura através do trabalho com gêneros textuais, tendo em vista evitar o analfabetismo funcional. Na sequência, a Professora Lilian Salete Alonso Moreira Lima, como parte do trabalho para sua tese de doutoramento, evidencia diferentes abordagens da citação, por meio de pesquisa bibliográfica, relacionando-as aos estudos da linguagem. Os acadêmicos Camila Caldas e Carlos Rodrigo de Oliveira compartilham sua experiência em atividades do PIBID, enfatizando a prática do fazer docente de forma interativa, e trazendo à tona as vantagens do trabalho coletivo. Encerrando este volume, os Professores Josoel Kovalski e Rodrigo Vasconcelos Machado apresentam os diálogos travados pela ensaísta brasileira Lucia Miguel Pereira na década de 1930, e como suas noções religiosas influenciaram tanto seus escritos quanto a recepção destes por leitores que se posicionaram como opositores e defensores. O conjunto de artigos aqui publicados oferece aos leitores um panorama das inquietações que acompanham os professores de línguas e os seus formadores, bem como interessantes visões de soluções. É com grande satisfação que finalizamos os trabalhos da XI JELLVI disponibilizando esta publicação, e agradecemos aos autores, que gentilmente aceitaram participar dela. Registramos, em particular, nosso agradecimento ao IEPS, na pessoa do editor da Revista Luminária, Professor Rogério Antonio Krupek, que apoiou a edição deste número especial e ofereceu-nos as condições para tal. Karim Siebeneicher Brito Coordenadora dos Cursos de Letras da Unespar – Campus de União da Vitória e organizadora deste volume SUMÁRIO 7 ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA NA EDUCAÇÃO BÁSICA E O PROCEDIMENTO SEQUÊNCIA DIDÁTICA Monique Bellio Didiê Ana Ceni Denardi 17 PIBID/FAFIUV E A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR: OS CASOS DE PORTO UNIÃO E UNIÃO DA VITÓRIA Adriana Medeiros Swierk de Souza Marcela Chamee Sydol 25 PROPOSTA PEDAGÓGICA CURRICULAR? O QUE É ISSO? COMO SE CONSTRÓI? OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS Gilson Rodrigo Woginski 49 COMO SE ORGANIZA O GÊNERO TEXTUAL CARTA PESSOAL E COMO ORGANIZAR ATIVIDADES DIDÁTICAS PARA O CONTEXTO DE ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA A PARTIR DO INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO? Gilson Rodrigo Woginski 65 PRÁTICA DISTRIBUÍDA NO ENSINO DE LE: DO LABORATÓRIO À SALA DE AULA Leonilda Procailo 77 LEITURA E DISCURSIVIDADE: O LUGAR DA LÍNGUA E DA GRAMÁTICA Maria Cleci Venturini 91 BUSCA PELA CONSTRUÇÃO DO SENTIDO NO ATO DA LEITURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA Jessika Carla de Oliveira Lima Viviane Aparecida Ferreira Pinto 105 DIFERENTES CONCEPÇÕES DE CITAÇÃO Lilian Salete Alongo Moreira Lima 121 A INTERAÇÃO ENTRE DOCENTES DE MESMAS DISCIPLINAS PARA CONSTRUÇÃO DE OBJETIVOS ESPECÍFICOS Camila Caldas Carlos Rodrigo de Oliveira 133 LUCIA MIGUEL PEREIRA E O CATOLICISMO DOS ANOS 1930 Josoel Kovalski Rodrigo Vasconcelos Machado SUMMARY 7 EFL TEACHING AND LEARNING IN BASIC EDUCATION AND THE DIDACTIC SEQUENCE PROCEDURE Monique Bellio Didiê Ana Ceni Denardi 17 PIBID / FAFIUV AND THE SCHOOL AS A SPACE FOR INITIAL TEACHER TRAINING: THE CASES OF PORTO UNIÃO AND UNIÃO DA VITÓRIA Adriana Medeiros Swierk de Souza Marcela Chamee Sydol 25 CURRICULAR/PEDAGOGICAL PROPOSAL? WHAT IS THAT? HOW DO YOU BUILD IT? THE CHALLENGES OF FOREIGN LANGUAGE TEACHER EDUCATION Gilson Rodrigo Woginski 65 DISTRIBUTED PRACTICE IN FL TEACHING: FROM LABORATORY TO CLASSROOM Leonilda Procailo 77 READING AND DISCOURSIVITY: THE PLACE OF LANGUAGE AND GRAMMAR Maria Cleci Venturini 91 THE SEARCH FOR THE CONSTRUCTION OF MEANING UPON READING IN A FOREIGN LANGUAGE Jessika Carla de Oliveira Lima Viviane Aparecida Ferreira Pinto 105 DIFFERENT CONCEPTIONS FOR SERVICE Lilian Salete Alongo Moreira Lima 121 INTERACTION BETWEEN TEACHERS OF SAME DISCIPLINES FOR CONSTRUCTION OF SPECIFIC OBJECTIVES Camila Caldas Carlos Rodrigo de Oliveira 133 LUCIA MIGUEL PEREIRA AND CATHOLICISM IN THE 1930s Josoel Kovalski Rodrigo Vasconcelos Machado ABSTRACTO 49 ¿CÓMO EL GÉNERO TEXTUAL CARTA PERSONAL SE ORGANIZA Y CÓMO ORGANIZAR ACTIVIDADES DIDÁCTICAS PARA EL CONTEXTO DE LA ENSEÑANZA DE LA LENGUA ESPAÑOLA A PARTIR DEL INTERACCIONISMO SOCIODISCURSIVO? Gilson Rodrigo Woginski ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA NA EDUCAÇÃO BÁSICA E O PROCEDIMENTO SEQUÊNCIA DIDÁTICA1 Monique Bellio2 Didiê Ana Ceni Denardi3 Resumo: Tendo em vista a complexidade de construir conhecimento em sala de aula de Língua Inglesa em uma perspectiva textual discursiva, em escolas regulares, este texto tem como objetivos: a) discutir, brevemente, questões relacionadas ao ensino-aprendizagem de Língua Inglesa à luz dos principais documentos oficiais, ou seja, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN- BRASIL, 1998) e Diretrizes Curriculares Estaduais de Línguas Estrangeiras Modernas (DCELEM -PARANÁ, 2008); b) descrever o procedimento teórico-metodológico Sequência Didática (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004) para o processo de ensino-aprendizagem de línguas; e c) apresentar razões para a adoção do procedimento Sequência Didática para o processo de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa nas escolas públicas de Educação Básica no Paraná. Palavras-chave: Ensino-aprendizagem, Língua Inglesa, Sequência Didática. EFL TEACHING AND LEARNING IN BASIC EDUCATION AND THE DIDACTIC SEQUENCE PROCEDURE Abstract: Taking into account the complexity of building knowledge in English Language classroom in a textual-discursive perspective, in regular schools, this text has the aims of: a) discussing, briefly, aspects related to English as a foreign language teaching-learning process in the light of the main official documents, that is, Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN- BRASIL, 1998) and Diretrizes Curriculares Estaduais de Línguas Estrangeiras Modernas (DCELEM -PARANÁ, 2008); b) describing the theoretical-methodological procedure named Didactic Sequence (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004) which can 1 Este texto é parte da pesquisa realizada pela acadêmica Monique Bellio do Curso de Licenciatura em Letras Português-Inglês da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, sob orientação da Profa. Dra. Didiê Ana Ceni Denardi, como requisito para a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso, cuja defesa do trabalho integral ocorreu em setembro de 2013, na referida universidade. 2 Professora de Línguas Portuguesa e Inglesa. Graduada pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Câmpus Pato Branco. 3 Professora de Língua Inglesa do Curso de Licenciatura em Letras Português-Inglês da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Câmpus Pato Branco. Doutora em Letras Inglês pelo Programa de Pós-Graduação em Letras Inglês da Universidade Federal de Santa Catarina. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 7 be used in the process of teaching-learning languages; and c) presenting some reasons to choose Didactic Sequence to the teaching-learning process of English as a Foreign Language in Basic Education public schools of Paraná. Keywords: Teaching-learning, English Foreign Language, Didactic Sequence. 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Tendo em vista a complexidade de construir conhecimento em sala de aula de Língua Inglesa em uma perspectiva textual discursiva, em escolas regulares, este texto tem como objetivos: a) discutir, brevemente, questões relacionadas ao ensino-aprendizagem de Língua Inglesa à luz dos principais documentos oficiais, ou seja, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN- BRASIL, 1998) e Diretrizes Curriculares Estaduais de Línguas Estrangeiras Modernas (DCELEM -PARANÁ, 2008); b) descrever o procedimento teórico-metodológico Sequência Didática (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004) para o processo de ensino-aprendizagem de línguas; e c) apresentar razões para a adoção do procedimento Sequência Didática para o processo de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa nas escola públicas de Educação Básica no Paraná. 2 O ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS No Brasil, nos últimos anos, o ensino de Línguas Estrangeiras ganhou ainda força com a publicação dos PCN-LEM (BRASIL, 1998), pois o ensino de pelo menos uma Língua Estrangeira passaria a ser um componente curricular obrigatório a partir do sexto ano do Ensino Fundamental. No ano de 2003, professores das diversas disciplinas do Currículo de Educação Básica da rede estadual de ensino do Paraná foram motivados e orientados pelos agentes da Secretaria Estadual de Educação do Paraná a discutir o trabalho educativo do professor, procurando restaurar o papel social da escola pública como promotora do acesso ao conhecimento das diferentes áreas do saber aos alunos de Ensinos Fundamental e Médio. As discussões, atividades de elaboração de material didático (Projeto Folhas, por exemplo) e ações (estudos e cursos de capacitação) se estenderam nos anos seguintes, resultando em 2006 na publicação das Diretrizes Curriculares Estaduais do Paraná. Nesse mesmo ano, as Diretrizes chegaram a todas as escolas da rede pública de ensino do Paraná, como um documento oficial visando nortear o trabalho do professor de Educação Básica (PARANÁ, 2008) nas diferentes disciplinas do Currículo, em geral. Em específico, para a área de Línguas Estrangeiras Modernas, o documento resultante foi nomeado Diretrizes Curriculares Estaduais de Línguas Estrangeiras Modernas, contemplando orientações teórico-filosóficas para as Línguas Estrangeiras ofertadas nas instituições estaduais, sendo as mais ofertadas as Línguas Inglesa e Espanhola. Com relação ao conteúdo, princípios e premissas estruturantes, os documentos oficiais para o ensino de Línguas Estrangeiras Modernas, PCN-LEM (BRASIL, 1998) e DCELEM (PARANÁ, 2008) enfatizam o trabalho em sala de aula com diferentes textos em uma perspectiva textual-discursiva, ou seja, referem-se a uma proposta de ensino de línguas estrangeiras mediada pelo trabalho com gêneros textuais/discursivos, pois os gêneros “oportunizam trabalhar com a língua(gem) tal qual ela se apresenta, ou seja, com textos contendo experiências reais de uso da língua(gem), e não pré-fabricados” (BARRETO FREIRE, 2007, p. 12). Em se tratando de gêneros do discurso, Bakhtin (1992) afirma que: 8 Luminária 15 Qualquer enunciado considerado isoladamente, e claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso (p. 280). A partir de Bakhtin (1992), as DCELEM utilizam o termo “gêneros textuais” para se referirem a gêneros do discurso; já neste texto ambas as terminologias, gêneros do discurso e gêneros textuais, são usadas para se referir a diferentes tipos de textos, sendo eles literários ou não. Para Petroni (2008), faz-se necessário, além de levar em consideração o objetivo principal da escola, que é o de proporcionar aos seus alunos acesso ao conhecimento, principalmente no que diz respeito ao domínio da leitura e da escrita, considerar, sobretudo no caso de Língua Estrangeira, que isso não é algo que se dá de forma eficaz nas escolas, uma vez que os textos, na maioria das vezes, estão sendo usados somente como pretexto para o ensino de gramática, ou de determinado vocabulário. Além do mais, o trabalho com interpretação de texto se restringe somente a perguntas de compreensão que dependem apenas da localização de ideias no texto (CRISTÓVÃO, 2009). Ademais, podem-se mencionar as famosas “redações” que, na maioria das vezes, são solicitadas pelo professor apenas com o objetivo de verificar as capacidades linguísticas obtidas pelos alunos. Dessa forma, “a redação tem função somente no âmbito escolar e na relação professor-aluno, esvaziando qualquer possibilidade de comunicação em outro contexto” (TOCAIA, 2010, p. 29). Sendo assim, é imprescindível que se busquem alternativas para solucionar essa carência no ensino e na aprendizagem de Línguas Estrangeiras, em nosso caso a Língua Inglesa, e uma boa alternativa para isso seria utilizar-se de uma proposta de ensino mediada por gêneros textuais, visto que essa é a proposta sugerida nos documentos oficiais citados anteriormente. Dessa maneira, o aluno “é chamado a fazer parte do seu próprio processo de ensino-aprendizagem” (PARANÁ, 2008, p.10-11), uma vez que, “ensinar gêneros de textos para nossos alunos significa instrumentalizá-los com as ferramentas de que precisam para agir no mundo em que vivem” (ABREU-TARDELLI, 2007, p. 02). Em outras palavras, é uma maneira de o professor criar condições para que os alunos, a partir da compreensão do que são os gêneros e quais suas funcionalidades e características, tenham maior facilidade em construir suas produções textuais e, principalmente, seus discursos dentro ou fora da sala de aula. Neste sentido, nas DCELEM Propõe-se que, nas aulas de Língua Estrangeira Moderna, o professor aborde os vários gêneros textuais, em atividades diversificadas, analisando a função do gênero estudado, sua composição, a distribuição de informações, o grau de informação presente ali, a intertextualidade, os recursos coesivos, a coerência e, somente depois de tudo isso, a gramática em si. Sendo assim, o ensino deixa de priorizar a gramática para trabalhar com o texto, sem, no entanto, abandoná-la (PARANÁ, 2008, p. 63). Dessa forma, pode-se dizer que, quando se fala em trabalhar com gêneros textuais, não se trata apenas de levar um texto para sala de aula e usá-lo somente como instrumento para a exploração gramatical: o que se deve fazer é explorar o texto, analisando o seu contexto de produção, seu papel social e também as marcas linguísticas do gênero, sendo assim, ele deixará de ser um pretexto para o ensino da gramática e passará a ser o objeto de estudo, uma vez que A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua — recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas também, e, sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 9 (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação (BAKHTIN, 1992, p. 280). Baseando-se nas palavras de Bakhtin citadas acima, faz-se necessário que durante o trabalho docente em torno dos gêneros textuais, o professor deve sempre deixar claro aos alunos que em diferentes atividades sociais, mesmo que de maneira espontânea durante o nosso cotidiano, fazemos a utilização de diversos gêneros de texto, denominados por Bakhtin como gêneros primários; ou seja, são os gêneros mais informais, próprios da produção oral, não necessitando assim serem aprendidos de maneira formal, como na escola por exemplo. Já os gêneros formais, ou secundários (assim chamados por Bakhtin), tanto orais quanto escritos, necessitam serem ensinados na escola, pois possuem uma construção mais complexa, necessitando que os alunos mobilizem suas capacidades de linguagem para a construção do mesmo. Dessa forma, com o estudo e o domínio dessas capacidades, torna-se possível que os alunos consigam proferir de maneira coerente seus discursos fora do contexto escolar (SCHNEUWLY, apud MACHADO; CRISTÓVÃO, 2006). Considerando que os documentos oficiais de ensino (PCN-LEM BRASIL, 1998; DCE-LEM – PARANÁ, 2008) propõem que as escolas passem a trabalhar a língua-alvo na perspectiva de gêneros textuais, ofertando aos alunos práticas discursivas diferenciadas, entende-se que o procedimento de Sequência Didática possa atender tal demanda de forma eficaz, uma vez que contempla o ensino de aspectos históricos, sociais e culturais constitutivos da linguagem e permite o trabalho com as capacidades de linguagem (CRISTÓVÃO; STUTZ, 2011) presentes nos exemplares de textos, orais ou escritos, pertencentes aos diferentes gêneros textuais. 3 O PROCEDIMENTO SEQUÊNCIA DIDÁTICA (SD) PARA O ENSINO -APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA 3.1 DEFINIÇÃO E ESTRUTURA MODULAR DA SD Segundo Dolz et al. (2004), uma Sequência Didática (SD) pode ser definida como “[...] um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (p. 97) . Para o desenvolvimento dessas atividades, a aula é iniciada com o momento de apresentação da situação, em que o professor expõe aos alunos de maneira detalhada um projeto de intervenção didática a ser desenvolvido durante as aulas, com foco em uma das práticas discursivas: oralidade, leitura, escrita. Na sequência, caso o foco seja na escrita, solicita-se a escrita de uma primeira produção de texto em torno do gênero textual escolhido. A primeira produção serve como diagnóstico para que o professor analise as capacidades dos alunos e aquelas que ainda faltam ajustar/aprender, selecionando, assim, quais serão as atividades mais pertinentes a serem trabalhadas durante a SD, que por sua vez se estrutura por módulos de ensino-aprendizagem. Vale a pena destacar que, no momento em que o professor solicita a elaboração de um texto, seja qual for o gênero, é de extrema importância que ele deixe claro que papel social o aluno estará assumindo durante a produção inicial e quem serão seus interlocutores, pois dessa maneira, o aluno saberá quais aspectos linguísticos utilizar para a situação comunicativa que lhe foi proposta, visto que, “se o produtor do texto não tem clareza sobre o contexto em que seu texto será produzido, é provável que o texto não seja apropriado àquele contexto de produção” (TOCAIA, 2010, p.35). Após a primeira produção, o professor faz a análise dos textos e a partir dessa organiza os módulos de ensino-aprendizagem a serem aplicados em sala de aula. Por módulos de ensino-aprendizagem entendem-se conjuntos de atividades selecionadas/elaboradas 10 Luminária 15 pelo professor em torno do gênero em questão e de acordo com o diagnóstico feito durante a primeira produção. Tais atividades têm por objetivo proporcionar aos alunos a superação de suas dificuldades. Ainda, é possível também, que o professor adapte as atividades conforme a realidade de seus alunos e o andamento em sala de aula. Durante as atividades aplicadas nos módulos da SD, o professor solicita que os alunos façam a reescrita do gênero que está sendo trabalhado. Dessa forma, ele pode observar o desenvolvimento da turma e assim elaborar ou ajustar as próximas atividades. Nas reescritas, o professor entrega, juntamente com a versão anterior dos alunos, uma checklist, ou seja, uma lista de verificação elaborada para averiguar as características do gênero, que por sua vez serve como um guia para que o aluno possa observar se ele contemplou todos os aspectos concernentes ao gênero na sua produção, ou se necessário acrescentar os que faltam. Nos módulos são trabalhadas, especificamente, as capacidades de linguagem4: ação, discursiva e linguística-discursiva presentes nos textos. Com o fechamento dos módulos, os alunos elaboram uma produção final, que é o momento de colocar em prática todo conhecimento adquirido durante as atividades desenvolvidas nos módulos, constituindo assim o projeto de classe (DOLZ et al., 2004). 3.2 AS CAPACIDADES DE LINGUAGEM NA SD O trabalho com SD possibilita que o professor de Língua Inglesa aborde as três capacidades de linguagem, as quais relacionam-se “às aptidões necessárias ao aprendiz para que ele produza um certo gênero numa dada situação de interação” (BARROS; NASCIMENTO, 2007, p. 250). Essas três capacidades de linguagem são chamadas de capacidade de ação, capacidade discursiva e capacidade linguístico-discursiva (CRISTÓVÃO, 2009). A capacidade de ação (CA) é a capacidade “que mobilizamos para tomarmos consciência do gênero de texto em questão”, ou seja, só podemos identificar um texto como sendo pertencente a um determinado gênero porque estamos mobilizando essa capacidade de linguagem (ABREU-TARDELLI, 2007, p. 4). Essa capacidade também está relacionada ao conteúdo do texto propriamente dito e aos seus contextos de produções como, por exemplo, o emissor, receptor, com que objetivo foi elaborado, o lugar e o momento da produção, e em que suporte foi publicado. Sendo assim, [...] quando vemos uma peça publicitária anunciando um creme depilatório, mobilizamos nossas capacidades de ação para identificarmos que o texto, provavelmente, foi produzido em uma agência de publicidade, por um agente publicitário ou uma equipe, para um público feminino de uma determinada faixa etária e classe econômica (dependendo do anúncio), com o objetivo de vender o creme (ABREU-TARDELLI, 2007, p. 4). Segundo Tocaia (2010, p. 33), nas salas de aulas, as famosas “redações” “têm função somente no âmbito escolar e na relação professor-aluno, esvaziando qualquer possibilidade de comunicação em outro contexto”. Dessa maneira, faz-se necessário que o professor elabore condições reais para a produção textual, pois é preciso, sobretudo, “que os textos produzidos tenham outro destino além da mesa do professor, ou das paredes da sala de aula” uma vez que assim, o aluno saberá por que está escrevendo aquilo, para quem, e quais os objetivos que deseja alcançar (FERREIRA; PEREIRA; MROGINSKI, 2008, p. 49). Para Tocaia (2010), O contexto de produção seria, então, constituído pelas representações que se tem sobre o lugar da produção, o momento desta, o enunciador e o receptor do ponto de vista físico e de seu lugar (papel) social, sobre a instituição social em que se dá a 4 As capacidades de linguagem serão discutidas adiante. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 11 interação e o(s) objetivo(s) que o produtor quer atingir em relação ao seu destinatário. Conforme nos lembra Machado (2001), a análise destes parâmetros pode auxiliar na classificação de um texto como pertencente a um ou outro gênero (p.33). Ademais, um ponto bastante importante, que faz parte dessa primeira capacidade de linguagem, é o trabalho com o contexto de produção do gênero, visto que todo ato comunicativo sempre estará incluído em um contexto, e é através dele que fazemos o uso de um determinado gênero, pois somente com a utilização de determinado gênero é possível que haja comunicação, mesmo os interlocutores não se dando conta disso. Com relação à prática de sala de aula, o trabalho com a CA pode se dar em diferentes momentos, seja na leitura de um texto pertencente ao gênero que está sendo estudado, seja no momento de reescrita de textos. Por exemplo, no momento de reescrita, o professor pode entregar juntamente com a versão anterior uma checklist com as seguintes perguntas: Qual o momento de produção do texto? Quem são os possíveis destinatários a esse texto? Qual o objetivo social do texto? Qual seu conteúdo temático? Qual o lugar social da produção do texto? Dessa forma, os alunos podem analisar suas próprias produções e melhorar ou acrescentar os elementos que estão faltando na reescrita de seus textos. A segunda dessas capacidades é a Capacidade Discursiva (CD) e diz respeito à organização geral do texto, que possibilita “ao indivíduo construir sentido mediante representações e/ou conhecimentos sobre as características próprias do gênero”, (CRISTÓVÃO; STUTZ, 2011, p. 21). Por exemplo, para Abreu-Tardelli (2007), [...] em uma carta de reclamação, por exemplo, há uma organização que pode estar disposta da seguinte forma: o endereço de quem envia no alto à direita da página; a data logo abaixo; o endereço de quem recebe à esquerda da página e do lado oposto ao do endereço de quem envia; menção ao departamento a que a carta se destina; a saudação; o motivo do envio da carta; a explicação do problema; a sugestão de uma solução para o mesmo; a menção de possíveis documentos anexos; o encerramento e a assinatura (p. 4 - 5). Em outras palavras, segundo Bronckart (2003), a CD se constitui, principalmente, a partir dos tipos de discurso (narração, discurso interativo, relato interativo e discurso teórico) e das sequências textuais (narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa, dialogal e injuntiva) que pertencem a determinado gênero. Outra capacidade é a lingüístico-discursiva (CLD) e “diz respeito ao vocabulário apropriado, adjetivos, frases nominais, estruturas lingüísticas adequadas para o contexto de produção do gênero em questão” (ABREU-TARDELLI, 2007, p. 5). Dessa forma, quando o aluno for escolher as estruturas linguísticas mais adequadas para que seu discurso tenha coesão e coerência, ele estará mobilizando a capacidade lingüístico-discursiva. Sendo assim, na CLD podemos dizer que estaremos estudando a gramática e o léxico de forma articulada e contextualizada, pois ao invés de o professor abordar os textos em sala de aula de forma superficial, com exercícios gramaticais descontextualizados, ele passará a analisar e a refletir sobre a língua em uso, levando em consideração aquilo que é relevante para a prática de produção textual do gênero que está sendo ensinado (BACCIN, 2008). Realmente, [...] saber falar e escrever uma língua supõe, também, saber a gramática dessa língua. Em desdobramento, supõe saber produzir e interpretar diferentes gêneros de textos. Consequentemente, é apenas no domínio do texto que as regularidades da gramática encontram inteira relevância e aplicabilidade. (ANTUNES, apud BACCIN, 2008). Além das três capacidades de linguagem acima citadas, Cristóvão e Stutz (2011) elencaram mais uma capacidade: a capacidade de significação (CS). Para as autoras essa capacidade 12 Luminária 15 possibilita ao indivíduo “construir sentido mediante representações e/ou conhecimentos sobre práticas sociais”, (p. 22); ou seja, a CS seria um “complemento” da capacidade de ação, uma vez que não basta estudar quem é o autor e quando produziu determinado texto se não tivermos conhecimento de quem realmente é esse autor, suas crenças e ideologias e em que contexto o texto foi produzido. Por exemplo, se optamos por trabalhar com o gênero charge, não basta saber que o autor é o chargista Angeli5 e que a charge foi publicada no jornal Folha de São Paulo no ano de 2005; é preciso saber o que levou o autor a fazer tal charge, e o que estava acontecendo no país ou no mundo no momento da sua produção; só assim o leitor poderá construir sentido sobre a charge que lê. Segundo Cristóvão e Stutz (2011), as CS e as CA possibilitam uma análise “pré-textual, movendo-se do nível da atividade para o nível da ação da linguagem, ao passo que as CD e as CLD privilegiam as análises textuais” (p. 23). 3.3 O PROCESSO AVALIATIVO NA SD Outra característica importante do trabalho com SD é que o professor consegue perceber nitidamente a evolução dos seus alunos, visto que as capacidades de linguagem mencionadas anteriormente devem ser trabalhadas de forma integrada, uma vez que no texto assim elas se apresentam. As aulas, por sua vez, são planejadas para abordar um único gênero textual, etapa por etapa, de acordo com o objetivo que o professor deseja alcançar com a turma mencionada durante a situação inicial. Essa maneira de se ensinar e aprender faz com que os alunos se interessem pelas aulas, pois durante o processo de produção textual nas aulas de Línguas Estrangeiras o próprio aluno irá perceber o seu desenvolvimento, já que a avaliação é feita de forma gradativa e processual (DOLZ et al., 2004). Quanto ao processo de avaliação da aprendizagem, o procedimento de SD se vale, principalmente, de dois tipos de avaliação: a formativa e a somativa. A avaliação formativa se dá já com as primeiras produções. Nessa etapa o professor fará a análise do trabalho dos alunos, ou seja, a análise das capacidades e limitações dos alunos na primeira produção, e caso necessário, reformulará a sequência de atividades de acordo com as capacidades reais de cada turma. É nesse momento que o processo de avaliação formativa é colocado em prática, uma vez que essas primeiras produções não receberão uma nota, pois elas servirão apenas como um diagnóstico que possibilita ao professor detectar o que o aluno já aprendeu durante as aulas e acompanhar o educando de maneira ordenada ao longo do processo de ensino-aprendizagem (DOLZ et al., 2004). Já a avaliação somativa está relacionada à versão final do trabalho dos alunos, à qual será atribuída uma nota, pois é nessa ocasião que o professor irá analisar a evolução do aluno, podendo até fazer um comparativo com as produções anteriores, uma vez que é nesse momento que o educando irá mobilizar todos os conhecimentos adquiridos durante os módulos (DOLZ et al., 2004). Ademais, para a elaboração de uma Sequência Didática, faz-se necessário, primeiramente, escolher o gênero que se pretende ensinar. Posteriormente, deve-se fazer um levantamento de um corpus do gênero em questão, ou seja, selecionar diferentes exemplares, para que, assim, o professor possa elaborar o seu planejamento. O professor deve ter em mente qual será seu objetivo principal na elaboração da sua SD, e assim elaborar atividades coerentes com seus objetivos (MATTAR, 2010). Segundo as DCE de Língua Estrangeira, Recomenda-se que seja dada, aos alunos, a oportunidade para participar da escolha das temáticas dos textos, uma vez que um dos objetivos é justamente possibilitar formas de participação que permitam o estabelecimento de relações entre ações 5 Arnaldo Angeli Filho é um dos mais conhecidos chargistas brasileiros, e tem suas charges publicadas periodicamente no jornal Folha de São Paulo. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 13 individuais e coletivas. Por meio dessa experiência, os alunos poderão compreender a vinculação entre auto interesse e interesses do grupo. Além disso, esta iniciativa poderá levar a escolhas de conteúdos mais significativos, porque resultam da participação de todos (PARANÁ, 2008, p. 62). Sendo assim, durante a elaboração da SD o professor precisa se adequar à realidade dos seus alunos, uma vez que é de extrema importância que ele aborde temas que sejam referentes à realidade dos alunos, de forma a promover motivação e interesse em participar das aulas. Ademais, além de dominar o gênero que será trabalhado nas aulas em termos de estrutura composicional e aspectos linguísticos, é importante que o professor tenha conhecimento do conteúdo temático do texto que será usado como objeto e ensino do gênero em questão. Por exemplo, se o professor trabalhar em sala de aula um texto que é um artigo de opinião da esfera jornalística que trate sobre o sistema político brasileiro, é de extrema importância que ele tenha conhecimento sobre o assunto, de forma a contribuir para o seu próprio desenvolvimento cultural, social e ético, como também de seus alunos, pois além de aprenderem sobre aspectos linguísticos, semânticos e sintáticos e sobre organização composicional do texto que pertence ao artigo de opinião, ampliarão também o conhecimento de mundo e senso crítico sobre a questão. 3.4 EXEMPLOS DE PROPOSTAS DE SD PARA ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA NA EDUCAÇÃO BÁSICA De forma a ilustrar a discussão teórico-metodológica levantada até aqui, duas propostas de SD em torno dos gêneros textuais serão brevemente apresentadas. A proposta de trabalho com SD elaborada pelas professoras Lidia Stutz e Terezinha Marcondes Diniz Biazi da Universidade Estadual do Centro-Oeste de Guarapuava/PR (UNICENTRO, 2007) foi elaborada para ser aplicada em uma 6ª série do Ensino Fundamental6 em torno do gênero textual tiras em quadrinhos, a fim de abordar o tema estratégias de estudo. As autoras desenvolveram esse trabalho com o intuito de apresentar aos seus alunos de Letras-Inglês da UNICENTRO uma possibilidade de se trabalhar o texto com foco nas capacidades de linguagem. Para trabalhar a CA, as professoras elaboraram atividades que abordassem os elementos do contexto de produção das tiras em quadrinhos, como: autor, público-alvo, objetivo, tema, meio de veiculação, espaço social e momento de produção. Para a CD trabalharam com a “utilização de elementos próprios do gênero como o requadro, o balão, as gravuras, os diálogos entre as personagens e as narrativas curtas com um desfecho inesperado que dão o tom humorístico ou a crítica à sociedade” (STUTZ; BIAZI, 2007, p.1235). Já para discutir a CLD, as autoras sugeriram uma abordagem em torno do tempo verbal presente simples, uma vez que esse era predominante nas histórias em quadrinhos e também um dos itens sugeridos pelo planejamento de ensino da escola para as sextas séries. Outra SD foi elaborada pelas professoras Ana Paula Domingos Baladeli e Aparecida de Jesus Ferreira, e refere-se a uma SD em torno do gênero textual artigo jornalístico. As autoras pretendiam aplicá-la (no entanto, não foi possível) em uma escola pública de Cascavel. A elaboração desse trabalho teve o objetivo de “proporcionar ao professor de Língua Inglesa mais uma possibilidade de trabalho com textos autênticos em sala de aula a fim de incentivar a produção oral, o debate, a interpretação dos alunos acerca do tema de relevância social” (BALADELI; FERREIRA, 2008, p. 94). As autoras selecionaram artigos/textos sobre os temas desemprego, e a exploração da mão de obra infantil. E, através da leitura e discussão desses textos, elas buscariam favorecer o engajamento discursivo dos alunos (BALADELI; FERREIRA, 2008) sobre a questão. 6 Na época da publicação do artigo a nomenclatura usada era série. Atualmente, usa-se ano. 14 Luminária 15 Para trabalhar a CA elas selecionaram um texto que abordava o tema “desemprego no Brasil” e trabalharam perguntas referentes ao contexto de produção do texto, ou seja: Quem produziu o texto? Onde? Por quê? E, com que objetivo? Já a CD não foi abordada pelas autoras, e na CLD foram trabalhadas as conjunções e sua funcionalidade. Percebe-se que os dois trabalhos têm um objetivo em comum, ou seja, o de proporcionar novas possibilidades de se trabalhar diferentes gêneros textuais por meio do procedimento SD, uma vez que, dessa forma, seria possível utilizar textos autênticos para o ensino de Língua Inglesa, sendo assim, uma ótima oportunidade de trabalhar a língua em situações reais de comunicação. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista o exposto, entende-se que o trabalho com SD em torno de gêneros textuais para o ensino-aprendizagem de língua inglesa na educação básica propicia a alunos: a) a coconstrução do conhecimento linguístico e social ao analisar textos e seus contextos de produção; b) a percepção de valores e ideologias que estão implicados nos textos que circulam na sociedade; c) o entendimento das práticas discursivas e relações sociais que constituem as interações humanas; d) o entendimento dos papéis dos alunos na escola e na sociedade em que vivem. Ademais, fazer uso do procedimento metodológico SD apresenta-se, para o professor de língua inglesa, como uma possibilidade de migrar de abordagens totalmente formais para um abordagem textual-discursiva, isto é, para uma abordagem que tenha o texto como objeto de ensino de leitura, oralidade e escrita em aulas de língua inglesa, contemplando assim essa língua enquanto prática social. REFERÊNCIAS ABREU-TARDELLI, L. S. Elaboração de seqüências didáticas: ensino e aprendizagem de gêneros em língua inglesa. In: DAMIANOVIC, M. C. (Org.) Material didático: elaboração e avaliação. Taubaté: Cabral Editora e Livraria Universitária, 2007. BACCIN, E J. Modelo didático de gênero e sequência didática: gênero textual autobiografia. Produção didático-pedagógica. Dois Vizinhos, 2008. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BALADELI, A. P. D.; FERREIRA, A. de J. O gênero textual na sala de aula de língua inglesa: uma experiência com sequência didática. 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Com essa proposta, nossa pesquisa, predominantemente de cunho qualitativo, consistiu na análise e interpretação das entrevistas realizadas com as equipes pedagógicas das escolas participantes do PIBID, por meio das categorias de análise constituídas a partir dos objetivos do programa. Essa investigação nos permitiu constatar que há compromisso das escolas com o programa através do acolhimento dos acadêmicos para o desenvolvimento dos subprojetos, e que a maioria das escolas percebe-se como cor- responsável pela formação desses futuros professores. Palavras-chave: PIBID, formação inicial de professores, prática reflexiva. PIBID / FAFIUV AND THE SCHOOL AS A SPACE FOR INITIAL TEACHER TRAINING: THE CASES OF PORTO UNIÃO AND UNIÃO DA VITÓRIA Abstract: This article aims to present the results of a research on the impacts caused at school by the nine subprojects PIBID / FAFIUV / UNESPAR, which were developed at local and state public schools of União da Vitória from June/2012 to July / 2013. The main goal is to analyze how the public school has understood PIBID: if the school is perceived as a room for initial education, if it is aware of the importance of this training for undergraduates and teachers, and if it is engaged in this process. Based on this proposal, our research, which is predominantly qualitative, consists of the analysis and interpretation of interviews given by the pedagogical teams of schools participating with PIBID, through 1 Professora efetiva de Língua Espanhola do Colégio Estadual José de Anchieta/União da Vitória/ PR. Supervisora do PIBID/ Letras-Inglês da UNESPAR. E-mail: [email protected]. 2 Professora efetiva de Língua Inglesa do Colégio Estadual Pedro Stelmachuk/União da Vitória/ PR.Supervisora do PIBID/ Letras-Inglês da UNESPAR. E-mail: [email protected]. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 17 the analysis categories constituted from the objectives of the program. This investigation allowed us to see that there is commitment from the schools to the program, by hosting the college students in the subprojects, and that most schools are perceived as co-responsible for the education of these future teachers. Keywords: PIBID, initial teacher education, reflective practice. 1 INTRODUÇÃO A formação inicial dos profissionais em educação, em especial, dos professores, tem sido alvo de muita discussão e preocupação. Os cursos de licenciatura deparam-se com um dilema ao terem que priorizar conteúdos fundamentais em detrimento de outros ao organizar suas matrizes curriculares. Essa preocupação estende-se ao se pensar na formação desses profissionais em campo, ou seja, nas escolas. As cargas horárias reduzidas das disciplinas que tratam mais diretamente dessa formação não oferecem tempo suficiente para um trabalho mais profundo sobre o “fazer docente” aos acadêmicos dos cursos de licenciaturas. Diante desta realidade, compreendemos o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) como um espaço privilegiado de estudo, de aprendizagem, de pesquisa e de vivências pedagógicas, o qual ultrapassa o espaço mínimo dos estágios supervisionados, tanto pelo tempo de duração do programa quanto pela organização do mesmo: grupos nos quais o trabalho colaborativo é fundamental (acadêmicos mais e menos experientes, uns apoiando os outros), tempo para a reflexão-ação-reflexão, professores envolvidos com a realidade da escola trabalhando como coformadores nesse processo (ensinando e aprendendo ao mesmo tempo), e o desenvolvimento de práticas pedagógicas oriundas de estudos teóricos. O presente trabalho tem por objetivo investigar os impactos causados na escola pelos vinte e nove subprojetos do PIBID/FAFIUV/UNESPAR, os quais foram desenvolvidos em vinte escolas municipais e estaduais da rede pública de União da Vitória-PR durante o período de junho/2012 a julho/2013. Portanto, o foco principal é analisar como a escola pública tem compreendido o PIBID: se a escola percebe-se como um espaço de formação inicial, se ela tem consciência da importância dessa formação para os licenciandos e professores, e se ela tem engajamento nesse processo. 2 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR Desde o início dos anos 1980 começou a surgir uma grande preocupação no que diz respeito à formação dos educadores, sendo que não se pode pensar em uma inovação na educação sem pensar na formação desse profissional que irá atuar nas escolas. Isso se deve ao fato de se atribuir ao educador, na função que o mesmo desempenha, o nível e a qualidade do ensino, e até mesmo, a melhoria do sistema educacional em que se quer que o indivíduo esteja inserido. Por esse motivo a formação do professor tem sido percebida como a preparação para que o mesmo possa exercer a sua profissão em resposta às demandas sociais. Pesquisas apontam que os modelos de formação presentes na maior parte dos cursos de licenciaturas possuem diversos problemas, produzindo reflexos no modo como os futuros docentes são formados e, consequentemente, trabalham em sala de aula (LONGUINI; NARDI, 2004 apud LIPPE; BASTOS, 2008, p.81). Atualmente ainda percebe-se que a formação inicial é organizada de forma apenas acadêmica, onde as disciplinas específicas estão simplesmente justapostas às de cunho pe- 18 Luminária 15 dagógico, faltando assim que cada disciplina se reporte às demais, preocupando-se com como o futuro professor irá atuar. Nesse sentido, um dos maiores problemas dos cursos de formação inicial é a falta de articulação entre as disciplinas, bem como a falta de articulação entre o conteúdo ensinado e a prática efetiva, cabendo ao professor novato fazer a “ponte” entre teoria e prática (ALARCÃO, 1996, apud LONGUINI; NARDI, 2004). Em contraponto, “a formação docente não pode ser reduzida ao domínio de conteúdos e técnicas a serem utilizadas em futuras práticas pedagógicas, transformando os professores em meros executores de tarefas” (BAPTISTA, 2003, apud LIPPE; BASTOS, 2008, p. 82). Ocorre que essa visão ainda está presente nos cursos de educação superior, levando os acadêmicos a criarem uma expectativa de que a graduação lhes mostrará uma “receita” de como ministrar boas aulas, e assim o futuro professor acaba frustrando-se. Os primeiros contatos dos professores com o cotidiano escolar acabam chocando-os, em virtude de observarem a realidade escolar como ela realmente é: salas de aula superlotadas, excesso de carga horária docente, falta de material e equipamentos, infraestrutura precária, entre outros quesitos básicos para um bom rendimento escolar. Nesse contexto surge o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), o qual visa impulsionar a iniciação à docência de estudantes das instituições de educação superior, incentivando a formação de docentes, e atingindo os cursos de licenciatura presencial plena, para que atuem na educação básica das escolas públicas, melhorando assim a qualidade do ensino. O PIBID, instituído a partir da Portaria Normativa nº 38, de 12 de dezembro de 2007, surgiu da ação conjunta do Ministério da Educação (MEC), por intermédio da Secretaria de Educação Superior (SESu), da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), buscando fomentar a iniciação à docência de estudantes em nível superior, em cursos de licenciatura presencial plena, para atuar na educação básica pública (Brasil, 2007). De acordo com a Portaria nº 260, de 30 de dezembro de 2010, são objetivos do programa: a) incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica; b) contribuir para a valorização do magistério; c) elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura, promovendo a integração entre a educação superior e a educação básica; d) inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem; e) incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus professores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério; e, f) contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura (BRASIL, 2010). Diante das dificuldades enfrentadas pelos professores, citadas anteriormente, as quais podem influenciar negativamente os estudantes das licenciaturas, e diante dos objetivos do PIBID, coloca-se uma questão: nesse contexto, no qual as escolas vivenciam tantos entraves de ordem estrutural, organizacional e pedagógica, como as instituições de ensino nas quais estão sendo desenvolvidos os subprojetos do PIBID estão reagindo a esse trabalho? União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 19 3 METODOLOGIA DA PESQUISA E ANÁLISE DOS DADOS O objetivo da investigação foi analisar como a escola pública percebia/compreendia sua participação no programa. Dentre os objetivos do PIBID, temos um que contempla diretamente esta questão: “Incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus professores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério;” (BRASIL, 2010). Com a intenção de investigar se essas escolas compreendem-se como espaços de formação inicial dos acadêmicos das licenciaturas, realizamos o levantamento dos dados através de uma entrevista semiestruturada com membros das equipes pedagógicas das escolas, a qual era composta por três perguntas: 1. Como tem sido a atuação dos acadêmicos participantes do PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – nesta escola? 2. Você conhece a finalidade do PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência? 3. Em sua opinião, qual é o papel da escola frente ao trabalho desenvolvido pelos acadêmicos no PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência? As entrevistas foram realizadas durante os meses de maio e junho de 2013, com um dos membros das equipes pedagógicas de cada uma das vinte escolas em questão. Optamos por entrevistar as equipes pedagógicas pelo fato de que elas acompanham todo o trabalho pedagógico realizado nessas instituições. Assim, todas as entrevistas foram realizadas com mulheres, pedagogas das escolas municipais e estaduais. Foram realizadas vinte entrevistas, das quais dez foram realizadas por escrito e seis gravadas. As outras quatro escolas não retornaram os questionários. Todas elas foram realizadas com a anuência das entrevistadas: elas receberam uma carta explicando os propósitos da pesquisa e um termo de consentimento livre e esclarecido, nos quais constavam seus dados e suas respectivas assinaturas. Os dados coletados foram agrupados em três categorias de análise: a) Atuação dos acadêmicos do PIBID na escola; b) Finalidade do PIBID; c) Papel da escola frente ao trabalho desenvolvido pelo PIBID. As respostas à primeira pergunta, as quais referem-se à primeira categoria de análise, foram muito positivas. Dos dezesseis questionários retornados, em apenas um deles constava certa insatisfação com relação ao trabalho desenvolvido na escola pelos licenciandos. A maioria das respostas transcorreu sobre o compromisso que os futuros docentes estão apresentando nas escolas em relação aos objetivos propostos nos respectivos subprojetos. Foram utilizados termos tais como “atuantes”, “responsáveis” e “assíduos” para descrever essas atuações. Outra questão levantada foi a aceitação da comunidade escolar em relação aos subprojetos. Como as atividades propostas são “inovadoras”, os alunos da educação básica sentem-se atraídos para o estudo. “Metodologias diferenciadas, experimentos, atividades e práticas significativas” relacionadas aos temas e conteúdos desenvolvidos pelas escolas foram citados, nas respostas, como fundamentais para a melhor compreensão dos conteúdos. O fazer docente também foi citado como um dos pontos fortes dos subprojetos: as respostas apontaram que a observação, planejamento, produção de material didático e o ato de lecionar, em si, estão sendo intensamente desenvolvidos, através das mais diversas propostas constantes nos subprojetos. 20 Luminária 15 Considerando, em linhas gerais, os pontos apresentados com relação à atuação dos acadêmicos nas escolas através do PIBID, é possível afirmar que este programa está trazendo uma grande contribuição ao processo de formação dos futuros docentes. A construção dos saberes disciplinares e curriculares, o saber da formação pedagógica, o saber da experiência profissional e os saberes da cultura e do mundo vivido na prática social são potencializados em função da vivência do fazer docente pelos acadêmicos, propiciado pela natureza da organização do programa. É um outro tempo e um outro espaço que se constrói, na escola, e que, a partir dela, permite aos acadêmicos o processo de ação-reflexão-ação sobre sua atuação como professor em formação. Os estágios supervisionados são períodos curtos nos quais os licenciandos desenvolvem seus estágios de coparticipaçãoe os estágios de docência. Ao prepararem-se para isso, têm o mínimo contato com a escola antes de iniciarem o estágio em si. Solicitam a autorização da direção e/ou equipe pedagógica, apresentam seus planos de aulas, desenvolvem o estágio em 2 a 4 semanas, e aí acaba o contato com a realidade que irão vivenciar como profissionais num futuro próximo. Através do PIBID, por outro lado, os graduandos têm a oportunidade de conhecer o espaço da escola com mais tempo. Atualmente, com a possibilidade de renovar a bolsa, os acadêmicos podem permanecer até quatro anos no programa. Segundo um dos relatos coletados nas entrevistas, a permanência e a continuidade dos subprojetos foram solicitadas por várias escolas por dois motivos: é possível acompanhar o desenvolvimento e o amadurecimento dos acadêmicos no processo de construção do trabalho pedagógico e, por outro lado, os alunos constroem um vínculo com os futuros colegas de profissão. Nos relatos, foi constatado que crianças que tinham sérias dificuldades nas relações familiares e na escola com os colegas e que, por conta disso, tinham dificuldades nos estudos, diante do trabalho desenvolvido pelos acadêmicos conseguiram superar essas dificuldades. Consequentemente, o olhar do licenciando sobre sua formação acadêmica sofre uma profunda mudança, diante de tais experiências. Os conflitos, os problemas e as dificuldades surgidos ao longo do percurso, sejam por conta da estrutura do sistema escolar, sejam por conta das relações sociais e familiares dos alunos, ou ainda por conta de questões metodológicas relativas às disciplinas que fazem parte do currículo, suscitam interrogações a serem levantadas a partir do “chão da escola”, as quais podem resultar em objetos de estudo e pesquisa. Na formação acadêmica, a princípio, as questões relativas ao estágio supervisionado e às disciplinas que são responsáveis pela formação referente à docência têm como ocupação primeira orientar para o ato docente, ou seja, priorizar questões referentes à metodologia, abordagem, métodos e técnicas de ensino. Porém, o ato docente não se restringe apenas a essas dimensões do ensino. Segundo Veiga (2012, p. 77), A formação do professor desenvolve-se na perspectiva de uma educação crítica e emancipadora, o que requer a) Construção e domínio sólidos dos saberes da docência identificados por Tardif et al. (1991), quais sejam: saberes disciplinares e curriculares, saber da formação pedagógica, saber da experiência profissional e dos saberes da cultura e do mundo vivido na prática social. Trata-se de saberes múltiplos que, embora possam ser identificados de modo fragmentado, na prática devem ser conectados pelo professor no contexto do trabalho pedagógico de forma interdisciplinar e contextualizada. Nesse sentido, cabe ao professor, juntamente com os alunos, construir categorias de análise que lhes permitam apreender as dimensões epistemológicas e metodológicas presentes na relação pedagógica. A construção e a aquisição de saberes docentes é um processo amplo e não linear, devendo ocorrer da forma União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 21 mais coletiva possível, refletindo sobre situações práticas concretas. Portanto, a formação deve propiciar ao professor o fortalecimento do vínculo entre os saberes e a realidade social mais ampla, com a qual deve manter relações. É exatamente neste ponto que o PIBID novamente traz uma vantagem: as percepções das tensões, dos limites e das possibilidades que se apresentam no âmbito escolar em relação ao ensino/aprendizagem são possíveis a partir da vivência das experiências pedagógicas na escola. A escola é um espaço privilegiado para o desenvolvimento deste programa, considerando seus objetivos, já citados anteriormente. Neste contexto, surgem as oportunidades de se estreitar a relação teoria/prática através da pesquisa como meio de produção de conhecimentos e intervenção na prática social e especificamente na prática pedagógica. Assim, tanto a universidade, instituição formadora, quanto a escola que recebe os licenciandos, transformam-se em espaços de formação colaborativa. Através da 2ª categoria de análise, a finalidade do PIBID, constatou-se que as equipes pedagógicas têm muita clareza sobre o porquê do programa nas escolas: “A finalidade do PIBID é apoiar a formação de estudantes dos cursos de licenciatura e contribuir para elevar a qualidade da educação básica nas escolas públicas”; “Possibilitar aos acadêmicos a oportunidade de conhecer o dia a dia da escola, como é sua organização, qual o perfil dos educandos que dela fazem parte”. Porém, uma das respostas traz uma sugestão, a qual seria muito interessante para a melhor compreensão do programa nas escolas: “Seria interessante promover uma discussão entre os docentes da escola e os acadêmicos e seus supervisores e coordenadores sobre os objetivos do PIBID e como isso está acontecendo na escola”. É possível afirmar, a partir desta declaração, que quanto mais os subprojetos vão chegando às escolas mais cresce a necessidade de que sejam recebidos e compreendidos por todos aqueles que fazem parte da escola. Ao desenvolver os subprojetos nas escolas, os acadêmicos entram em contato direto com os professores supervisores, mas também mantêm contato com a equipe pedagógica da escola, pois muitas atividades que são planejadas dependem algumas vezes do aval ou da colaboração da equipe pedagógica, da direção da escola, de outros professores de outras disciplinas (em algumas escolas os subprojetos envolvem todos os alunos e, consequentemente, todos os professores), do pessoal da limpeza ou do responsável pela biblioteca e até da secretaria; dependendo das atividades a serem realizadas pode haver mudanças na rotina da escola e a conexão com todos estes setores é muito importante. Outra finalidade apontada foi “Contribuir para a valorização e autoestima dos acadêmicos”. Há relatos de alguns professores da universidade sobre as mudanças observadas nos acadêmicos participantes do programa: mais segurança para expressar-se por escrito e oralmente, ampliação de conhecimentos teóricos, mais segurança para realizar os estágios curriculares. E, de fato, esta finalidade vai de encontro com um dos objetivos do programa: “Incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica;” (BRASIL, 2010). Com relação à 3ª pergunta do questionário: Em sua opinião, qual é o papel da escola frente ao trabalho desenvolvido pelos acadêmicos no PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência”?, a qual faz alusão à 3ª categoria de análise, observou-se que as respostas iniciaram com: a escola “incentiva”, “acolhe”, “orienta”, “recebe” os acadêmicos; “organiza” as condições para recebê-los e “colabora”,“aprende” com eles. Estes verbos remetem a uma ideia positiva sobre o papel do PIBID frente às escolas e revelam o entendimento da escola sobre o papel de “coformador” (do professor) no programa. Apesar da ótima aceitação do programa pela comunidade escolar, conforme respostas constatadas nos questionários, há um contraponto. A pesquisa ainda não é vista, pela escola, neste processo, como parte da formação do docente em serviço. Os professores 22 Luminária 15 supervisores estão, aos poucos, sendo envolvidos na relação entre a pesquisa sobre o trabalho pedagógico e a pesquisa colaborativa com os acadêmicos. Por outro lado, ao dizer “Estar em contato com os acadêmicos dos subprojetos para aprender sobre a teoria/prática que estão desenvolvendo na escola de acordo com os objetivos de cada subprojeto, pois, algumas vezes, os professores não tiveram esta formação.” é uma afirmação através da qual é possível compreender que a escola está aberta para mudanças. A grande carga horária de aulas dos professores e o número reduzido de horas-atividade afastam do professor a possibilidade de refletir sobre sua prática, pois dar conta do seu fazer docente apenas na escola, sem levar tarefas para casa já é praticamente impossível, quanto mais fazer pesquisa. Novamente o PIBID traz a questão da reflexão sobre a práxis como possível, pois a pesquisa também tem caráter colaborativo, é realizada por um conjunto de pessoas (licenciandos, professores e docentes das licenciaturas), organizando esta reflexão, e assim o professor não se vê solitário nessa empreitada. Espera-se que, aos poucos, a escola também se veja no programa, como espaço de aprendizagem não apenas para os acadêmicos e os professores da escola, mas também para os professores formadores das licenciaturas. Se a pesquisa é vista como princípio educativo, não é possível compreender a formação inicial sem as ligações com as questões da prática. A afirmação a seguir, proveniente de duas das entrevistadas, corrobora o exposto anteriormente: “Incentivar e possibilitar aos mesmos a inserção nas mais variadas atividades desenvolvidas, pois será através dessa experiência que, aliada ao conhecimento científico adquirido na universidade, possibilitará a este acadêmico uma formação completa que o tornará mais qualificado a ingressar com qualidade na carreira do magistério”. Além do que, um dos objetivos do programa é melhorar a formação inicial, e possibilitar aos acadêmicos conhecimentos e saberes construídos na reflexão sobre o trabalho pedagógico na escola. Por outro lado, foi possível observar que há necessidade de mais diálogo sobre o programa nas instituições de ensino da educação básica. A afirmação: “A escola não tem feito um trabalho à parte sobre o PIBID. A professora supervisora é que faz o trabalho com eles.” nos traz o alerta para amadurecer a relação de coformador, no caso dos supervisores, ou de mero expectador, no caso dos demais professores da escola, outro desafio que vem se pronunciando. Quanto mais a escola abrir espaço para refletir sobre suas ações em relação ao programa, mais terá a contribuir com este processo. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através dos dados levantados não há dúvidas de que o programa PIBID está causando um impacto positivo nas escolas. Aos poucos, a comunidade escolar está despertando para a importância da integração com os subprojetos que estão sendo desenvolvidos. Segundo Flores (2010, p. 185), É também fundamental criar e manter parcerias eficazes entre escolas e universidades no sentido de construírem comunidades de aprendizagem, reconhecendo as potencialidades de cada instituição na (re)construção do conhecimento profissional. O PIBID vem contribuir de forma tão precisa com a formação inicial dos professores pelo fato de proporcionar espaços para a reflexão sobre a teoria em função da prática, por ser um espaço através do qual os formadores de professores (universidade) e os coformadores (professores das escolas públicas) podem repensar seus papéis e a maneira como trabalham, em seus contextos, a partir dos desafios presentes na sociedade. O programa também tem sido fundamental como promotor de discussões que levam à explicitação de crenças e representações que os licenciandos trazem consigo sobre União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 23 o fazer docente para as licenciaturas no sentido de questioná-las de forma embasada e consistente, o que traz consequências para a (trans)formação da identidade profissional. Assim, espera-se e, já estamos vendo acontecer, o PIBID trazendo contribuições para que a construção do conhecimento profissional seja mais fundamentada e reflexiva, pois é um espaço onde se investiga o ensino, se ensina e se aprende a investigar. REFERÊNCIAS BRASIL. Portaria normativa nº 38, de 12 de dezembro de 2007: Dispõe sobre o Programa de Bolsa Institucional de Iniciação à Docência - PIBID. Disponível em: < http://www.cmconsultoria.com.br/imagens/diretorios/diretorio14/arquivo1003.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2013. BRASIL. Portaria normativa nº 260, de 30 de dezembro de 2010: Normas gerais do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID. Disponível em: <http://capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/Portaria260_PIBID2011_ NormasGerais.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2013. FLORES, M. A. Algumas reflexões em torno da formação inicial de professores. Educação, Porto Alegre, v. 33, n.3, set./dez. 2010, p.182-188. LIPPE, E. M. O.; BASTOS, F. 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OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS Gilson Rodrigo Woginski1 Resumo: O presente artigo é resultante de uma Oficina ministrada durante a XI Jornada de Estudos Linguísticos e Literários do Vale do Iguaçu (JELLVI) realizada em 2013 na Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIUV), Campus da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), de União da Vitória( PR), cujo tema esteve centrado na Formação de Professores da área de Letras. O principal objetivo da referida Oficina foi a promoção de reflexões acerca da formação do professor, sobretudo da construção da Proposta Pedagógica Curricular para a disciplina de Língua Espanhola da Matriz Curricular do Ensino Médio, por se tratar de um documento orientador do processo de ensino e aprendizagem. A importância deste trabalho consiste em trazer à tona uma discussão permanente e necessária sobre a Formação Inicial e Continuada dos Professores de Línguas Estrangeiras, bem como os desafios dessa Formação, pois “a formação é um projeto processual do profissional, das instituições e dos formadores que se inicia nas experiências de aprender, certifica-se nas licenciaturas e serpenteia pela vida inteira dos professores” (ALMEIDA FILHO, 2006, p. 09). Palavras-chave: Formação de Professores, Proposta Pedagógica, Línguas Estrangeiras. CURRICULAR/PEDAGOGICAL PROPOSAL? WHAT IS THAT? HOW DO YOU BUILD IT? THE CHALLENGES OF FOREIGN LANGUAGE TEACHER EDUCATION Abstract: This article is the result of a workshop taught during the XI Week of Linguistic and Literary Studies of the Iguaçu Valley (JELLVI – Jornada de Estudos Linguísticos e Literários do Vale do Iguaçu) held in 2013 at the State College of Philosophy, Sciences and Languages (FAFIUV – Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória), which is now a campus of the State University of Paraná (UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná), in the city of União da Vitória, whose central theme was the 1 É formado em Letras–Português/Espanhol (2003) pela FAFIUV/UNESPAR e Especialista em Língua e Literatura Hispano-americana (2004) pelo Centro Universitário UNICS. Foi bolsista do Centro de Línguas (2005) da Universidad de Granada, Espanha. Possui o Diploma DELE Superior da Universidad de Salamanca, Espanha. É professor de Língua Espanhola no Ensino Médio do Colégio CEBRACO e no Centro de Línguas CELEM, ambos mantidos pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR). E-mail: [email protected]. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 25 education of language and literature teachers. The principal aim of the workshop was to promote reflection about teacher education, especially the building of a curricular/ pedagogical proposal for the teaching of the Spanish language at high school, since it is a document which guides the learning and teaching process. This work is important in order to call into question a permanent and necessary discussion about the foreign language teacher education, be it pre-service or in-service, as well as the challenges of this education, since “it constitutes a professional project and process within the institutions where this education begins, gets certified through the course degree, and permeates the teachers´ whole lives” (ALMEIDA FILHO, 2006, p. 09). Keywords: Teacher Education, Pedagogical Proposal, Foreign Language. 1 INTRODUÇÃO A preocupação inicial dos professores de Língua Estrangeira Moderna (doravante LEM) ao ocuparem uma vaga nos estabelecimentos de ensino como profissional da Educação, seja concursado e/ou colaborador, é justamente a da elaboração daqueles documentos formais que norteiam o trabalho docente junto à Educação Básica. Dessa forma, para que o objetivo de construção desses documentos seja de fato efetivado como o caso da Proposta Pedagógica Curricular (doravante PPC) de LEM, por exemplo, devemos romper com as práticas marcadamente tradicionais, planejar as ações acerca dos interesses dos alunos, construir um marco teórico-metodológico à luz das necessidades e peculiaridades daquele dado contexto e produzir a PPC considerando a seguinte progressão: a) apropriação da abordagem de ensino de LEM com foco nos gêneros textuais; b) reflexão sobre os documentos oficiais nacionais e estaduais como os Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante PCN), Orientações Curriculares para o Ensino Médio (doravante OCEM) e as Diretrizes Curriculares Estaduais (doravante DCE); c) percepção do contexto formal de educação no qual está inserido o estabelecimento de ensino, bem como o seu Projeto Político-Pedagógico (doravante PPP). Mas afinal, quais são as competências exigidas para um professor de LEM? E acerca da PPC, o que diz a legislação? Quais questionamentos se fazem necessários? Quem é responsável pela construção dessa Proposta? Como se estrutura uma Proposta? Essas são algumas perguntas que, no decorrer deste artigo poderão ser respondidas e, sobretudo, resignificadas, bem como “impõe-se o imperativo de que pensar e fazer planejamento em educação pressupõe a organização do trabalho de forma coletiva” (SOUZA, 2005, p. 17). 2 AS COMPETÊNCIAS DOS PROFESSORES DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS A que se referem estas tais competências? De acordo com Almeida Filho (1993, p. 17), as competências vêm a ser o “conjunto de disposições do professor que irá orientar suas ações de ensinar língua estrangeira”. Essas “disposições” estão relacionadas a capacidades específicas de ação, sendo definidas como “(...) capacidades reconhecíveis de ação fundamentadas em bases de conhecimento e capacidade de tomada de decisões geralmente espontâneas e instantâneas num quadro de posições ou atitudes do professor” (ALMEIDA FILHO, 2006, p. 11). Nesse sentido, pretende-se apresentar quais são as Competências dos professores de Língua Estrangeira, pois conforme Almeida Filho (2006, p. 11) trata-se de “um construto teórico que se compõe de bases de conhecimentos informais (de crenças, prioritariamente), de capacidade de ação e deliberação sobre como agir a cada momento, ambas marcadas sempre por atitudes mantidas pelo professor”. 26 Luminária 15 Esse “conjunto de disposições” é composto por Competências como a Competência Linguístico-comunicativa, a Competência Profissional e a Competência Aplicada. Essa última possui duas Subcompetências sendo a Teórica e a Implícita, conforme a seguinte ilustração: Fonte: ALMEIDA FILHO, 2000. A ilustração representativa das Competências refere-se ao nível de um professor com uma trajetória desejável de desenvolvimento, isto é, (...) o professor tem uma abordagem de ensinar que se manifesta com uma dada qualidade em razão da configuração de competências possível no momento da análise. A evolução do desenvolvimento obedece alguns parâmetros. Ela caminha do implícito subconsciente típico de quem está imerso numa cultura de ensinar línguas para o explícito consciente, da crença implícita ou difusa para o pressuposto explicitado e de articulação cada vez mais compacta e convergente com o paradigma vigente ou desejado de abordagem da época (ALMEIDA FILHO, 1999, p. 18). O desenvolvimento dessas Competências está relacionado às reflexões a partir da concepção sobre a linguagem e sobre o processo de ensino e aprendizagem de LEM. No que se refere às Competências, Almeida Filho (2000) define-as da seguinte maneira: Competências Definição “se refere aos conhecimentos, capacidade comunicativa, e habilidades específicas na e sobre a língua-meta que o aluno de graduação Linguísticonecessita desenvolver. Essa competência está baseada no conheci-comunicativa mento e atuação profissional e social para/nos processos relevantes da linguagem docência. A familiaridade com as condições culturais e efeitos artísticos e lúdicos da criação na língua-meta equivale à esfera de ação de três subcompetências socio-comunicativas” (p. 41-42). Aplicada “[se refere] à capacidade, hoje grandemente valorizada, que o professor desenvolve para viver profissionalmente aquilo que sabe teoricamente e que sabe dizer aos pares e público quando necessário. (...) seria eleger um tipo de teoria (de produção de conhecimentos) que servisse melhor ao propósito de saber sobre e saber fazer ao mesmo tempo” (p. 42). União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 27 Profissional “[se refere] à consciência que o professor desenvolve sobre seu valor real e potencial enquanto profissional. (...) esta competência é mobilizadora das outras no sentido de que um crescimento nela propicia maiores condições de engajamento do profissional em esforços por crescer nas outras competências previstas” (p. 43). Segundo Almeida Filho (2006, p. 12), dentre as Competências, a Profissional “é a capacidade maior de mobilização, avaliação de recursos e intervenção nas outras competências a partir de um conjunto de conhecimentos/concepções, capacidade de ação e atitudes que têm a ver com o ser professor(a) de língua(s) reflexivo”. É sabido que uma abordagem sempre se materializa em um ensinar com qualidade variável, bem como cada professor exerce sua função de ensinar num determinado nível de capacidade, poder ou competência (capacidades e conhecimentos) e, dessa forma, “as competências num dado momento de trabalho docente, refletem, portanto, a história de desenvolvimento do profissional/intelectual do professor de língua” (ALMEIDA FILHO, 1999, p. 17). 3 O QUÊ DIZ A LEI SOBRE A CONSTRUÇÃO DA PPC Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (doravante LDB) nº 9394/96 há referencia à “Proposta Pedagógica” nos Artigos 12 e 13, entretanto a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (doravante SEED-PR) optou pelo termo “Proposta Pedagógica Curricular”. Dessa forma, conforme Brasil (2011), no que se refere aos deveres dos estabelecimentos de ensino: Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; [grifo nosso] II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais financeiros; III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V - prover meios para recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola; VIII - notificar ao conselho tutelar do município, ao juiz competente da comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidades de falta acima de cinquenta por cento do percentual permitido por lei (BRASIL, 2011, p. 14-15). Ainda, a LDB ao citar a proposta pedagógica também delega deveres aos profissionais da Educação, neste caso, os professores: Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; [grifo nosso] II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; 28 Luminária 15 IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade (BRASIL, 2011, p. 15). Portanto, de acordo com a referida LDB, há necessidade de uma articulação e uma unidade dentro do contexto escolar objetivando a construção, participação e execução da PPC. 4 A CONCEPÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO2 As questões que norteiam o Projeto Político-Pedagógico (PPP) são de grande importância para que possamos realizar a construção da Proposta Pedagógica Curricular. De acordo com Veiga (1995), “a construção do projeto político-pedagógico requer continuidade das ações, descentralização, democratização do processo de tomada de decisões e instalação de um processo coletivo de avaliação de cunho emancipatório” (VEIGA, 1995, p. 33). No que se refere aos aspectos do currículo, observamos que este se caracteriza como um elemento poderoso na constituição da organização escolar. Sendo assim, o currículo (...) implica, necessariamente, a interação entre sujeitos que têm um mesmo objetivo e a opção por um referencial teórico que o sustente. Currículo é uma construção social do conhecimento, pressupondo a sistematização dos meios para que esta construção se efetive; a transmissão dos conhecimentos historicamente produzidos e as formas de assimilá-los, portanto, produção, transmissão e assimilação são processos que compõem uma metodologia de construção coletiva do conhecimento escolar, ou seja, o currículo propriamente dito. Nesse sentido, o currículo refere-se à organização do conhecimento escolar (VEIGA, 1995, p. 26-27). É notável que na busca pela melhoria na qualidade do ensino – de todas as disciplinas – e em especial pela qualidade do ensino e aprendizagem das Línguas Estrangeiras, pressupomos a construção e vivência de um PPP em todos os momentos e por todos os envolvidos com o processo educativo do estabelecimento de ensino. Abdalla (2007) salienta sobre a incorporação de elementos básicos como a experiência que temos como professores, baseados nas múltiplas leitura que fazemos para tentar dar conta de questões essenciais no momento da reflexão acerca do PPP. Portanto, é indispensável procurarmos refletir sobre “(...) quem somos nós? O que desejamos para a nossa escola? O que fazemos como professores? E como estamos realizando o que nos propomos a fazer?” (ABDALLA, 2007, p. 160). Em suma, devemos considerar que os estabelecimentos de ensino estão instituídos no projeto da modernidade com a função social de construir as bases de uma nova sociedade. Dessa forma, “as normas, as regras, os conhecimentos, as relações, os espaços, os tempos, ou seja, tudo aquilo que estrutura e organiza a vida na escola reflete essa disputa, reforça posições e traduz as opções feitas” (SANTIAGO, 2001, p. 151) na fundamentação do PPP. 2 Este item, de mesmo título, consta no artigo “A construção da Proposta Pedagógica Curricular da disciplina de Língua Estrangeira Moderna a partir dos gêneros textuais”, de minha autoria, publicado em 2009 nos Anais do 9º Encontro de Iniciação Científica e 9ª Mostra de Pós-Graduação da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIUV) de União da Vitória (PR). União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 29 5 O QUÊ QUESTIONAR E CONSIDERAR DURANTE A CONSTRUÇÃO DA PPC A Proposta Pedagógica Curricular deverá ser construída a partir dos seguintes questionamentos: Questionamentos Respostas a partir da PPC do Colégio Estadual Barão do Rio Branco (em anexo) O QUÊ Conteúdos (básicos e específicos) de LEM-Espanhol. COMO Metodologia de ensino (noção de gêneros textuais) e avaliação. POR QUÊ Direito à apropriação do conhecimento produzido historicamente. PARA QUÊ Socialização e a apropriação dos conteúdos (linguístico-discursivos). PARA QUEM Sujeito histórico-social (aluno do Ensino Médio). Para Kramer (1999, p. 174), “uma proposta pedagógica é um caminho, não é um lugar: tem uma direção, um sentido, um para quê, tem objetivos”. Portanto, planejar significa também, a possibilidade de refletir sobre a própria prática. Na construção da PPC deverá ser considerado o contexto de produção e a infraestrutura dessa, como o exposto no seguinte quadro: Contexto de produção Mobilização de representações em relação ao contexto de produção do a) texto: a) b) c) d) e) Quem produziu o texto? Qual é o seu objetivo? Quando foi produzido? Onde foi divulgado? A quem se destina? b) c) d) e) b) c) Organização geral do texto: Como o conteúdo é apresentado? Qual é a organização textual? Qual é a sequência tipológica? Foi produzido pelo professor especialista na disciplina e assessoria da pedagoga; Objetiva-se orientar o trabalho do professor; Foi produzido durante a Semana Pedagógica do mês de fevereiro do ano letivo de 2013; Foi divulgado no CEBRACO3 e NRE-CTA4, órgão da SEED-PR5. Destina-se ao cumprimento de uma das atribuições do professor, mas, sobretudo, aos alunos e seus pais. Respostas obtidas a partir da PPC do Colégio Estadual Barão do Rio Branco (em anexo) Organização geral a) Respostas obtidas a partir da PPC do Colégio Estadual Barão do Rio Branco (em anexo) a) b) c) O conteúdo é descrito, exposto e argumentado a partir da concepção de língua(gem); Organizado em parágrafos e a partir de títulos, subtítulos e tabelas; Predomina a narração, entretanto, há exposição (fatos), descrição (metodologia) e argumentação (citações). 13 24 35 3 Colégio Estadual Barão do Rio Branco (CEBRACO). 4 Núcleo Regional de Educação de Curitiba (NRE-CTA). 5 Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR). 30 Luminária 15 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma Proposta Pedagógica Curricular traz consigo muitos valores éticos, políticos, filosóficos e sociais, e conforme Kramer (1999, p. 178), “uma proposta pedagógica é construída no caminho, no caminhar” e, portanto, é imprescindível concebermos a PPC como “um processo que necessita sempre estar em constante revisão e reescrita” (WOGINSKI, 2009, s/p), bem como necessita sempre de uma resignificação ética, política, filosófica e social. Contudo, não é raro encontrar recém formados nos Cursos de Letras dizendo que a Universidade não lhes ensinou a ensinar (“a dar aulas”) e até mesmo profissionais com experiência afirmando que necessitam de “mais teoria ou mais prática” para poderem desempenhar suas funções com mais qualidade. Dessa forma, torna-se necessário o estudo na própria Graduação dos Cursos de Licenciatura em Letras, acerca daqueles documentos que circulam nos contextos escolares, como é o caso da PPC, entre tantos outros. Há também, uma necessidade urgente de uma maior aproximação entre os estabelecimentos de ensino da Educação Básica e as Universidades no sentido de troca de experiências, não somente em situações pontuais e/ou de caráter obrigatório como é o caso dos Estágios, mas sobretudo, através de um processo de atualização sólido e de uma Formação Continuada (Cooperações, Cursos, Grupos de Estudo, Oficinas, Parcerias, Programas, Projetos, etc.) que visa procurar aprender, entender e refletir como, de fato, se dá a organização do trabalho pedagógico do professor de LEM dentro desses estabelecimentos. É imprescindível que esses profissionais “confrontem na realidade concreta as atitudes, valores, conceitos e habilidades adquiridas na capacitação (atualização) e, através de uma reflexão sistemática acerca dela, formulem planos de ação a fim de desenvolver e otimizar sua prática educativa” (WOGINSKI, 2008, p. 11). Portanto, corroboro com a afirmação de Almeida Filho (2000, p. 46-47) na qual “o professor seguramente necessita de cuidadosa iniciação formadora (mesmo que não esteja “formado” ao formar-se!) nos cursos de graduação (...) e depois permanentemente ao longo da vida profissional [bem como] é hora de ação bem informada no repensar da formação inicial dentro dos Cursos de Letras”. É imperativo que se (re)pense não somente a Formação Inicial e Continuada de professores de Letras, em especial os de LEM, mas, sobretudo, o próprio processo de ensino e aprendizagem dessas LEM a partir da noção dos gêneros textuais, pois esses gêneros constituídos como “instrumentos de mediação de toda estratégia de ensino e o material de trabalho [são condição necessária para o ensino da textualidade (...) pois quando os analisamos, suas características nos fornecem uma] primeira base de modelização instrumental para organizar as atividades de ensino que esses objetos de aprendizagem requerem”66 (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 51 apud WOGINSKI, 2011, p. 137), no sentido de oportunizar a consecução de atividades que visem o “desenvolvimento das práticas discursivas relacionadas à leitura, escrita e oralidade” (WOGINSKI, 2010, p. 102), nessa mesma ordem que seguem, já que o ensino do idioma espanhol está, neste caso, configurado à uma disciplina Curricular do Ensino Médio. Por fim, e não menos importante, cabe destacar aqui o exposto por Eres Fernández (2008, p. 281) no qual “debater a formação de professores de línguas estrangeiras (...) deve ser um aspecto sempre presente nos Cursos de Licenciatura, nos Cursos de PósGraduação e em eventos acadêmicos preocupados com a qualidade do ensino no país”, como é o caso da realização da JELLVI, organizada pelo Colegiado de Letras da FAFIUV/ UNESPAR. 6 Esta tradução é de minha inteira responsabilidade. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 31 REFERÊNCIAS ABDALLA, M. de F. B. A construção do Projeto Político-Pedagógico e a formação permanente dos professores: possibilidades e desafios. In: VEIGA, I. P. A. (org.) Quem sabe faz a hora de construir o Projeto Político-Pedagógico. Campinas (SP): Papirus, 2007. p. 153-173. ALMEIDA FILHO, J. C. P. de. Conhecer e desenvolver a competência profissional dos professores de LE. In: Revista Contexturas: ensino crítico de Língua Inglesa. Ed. Especial. v. 9. 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A construção da proposta pedagógica curricular da disciplina de língua estrangeira moderna a partir dos gêneros textuais. In: Anais. 9º Encontro de Iniciação Científica e 9ª Mostra de Pós-Graduação. Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória (FAFIUV). União da Vitória (PR): CD-ROM, 2009. 13 p. _____. Español en la Enseñanza Media: ¿cómo evalúa la formación de profesores de Lengua Española para actuación en la Enseñanza Media a poco de ser implantada de hecho en las escuelas públicas? In: Letras.comtexto. Jornal Interdisciplinar de Letras. Ano III. 1. ed. junho. Centro Universitário de Maringá (CESUMAR). Maringá (PR): Jornal eletrônico, 2008. 12 p. (apenas o título em Língua Espanhola, o texto está todo escrito em Língua Portuguesa) União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 33 ANEXO: COLÉGIO ESTADUAL BARÃO DO RIO BRANCO Ensino Fundamental e Médio Curitiba – Paraná – Brasil 2013 PROPOSTA PEDAGÓGICA CURRICULAR Língua Estrangeira Moderna Língua Espanhola Ensino Médio 1 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA No âmbito do processo de ensino e aprendizagem das Línguas Estrangeiras Modernas (doravante LEM), as Diretrizes Curriculares Estaduais (doravante DCE) para LEM, afirmam que “as propostas curriculares e os métodos de ensino são instigados a atender às expectativas e demandas sociais e contemporâneas e a propiciar a aprendizagem dos conhecimentos historicamente produzidos às novas gerações” (PARANÁa, 2008, p. 38). Face a isto, observamos que “na atualidade, vem ocorrendo modificações significativas no campo da ciência, principalmente no âmbito dos estudos linguísticos no que diz respeito à aquisição de língua estrangeira” (WOGINSKI, 2005, s/p). O ensino da Língua Espanhola como LEM no Ensino Médio, se justifica com prioridade, pelo objetivo de desenvolver a competência comunicativa (linguística, textual, discursiva e sociocultural), ou seja, este desenvolvimento deve ser entendido como a progressiva capacidade de realizar a adequação do ato verbal às situações de comunicação. Se a comunicação sempre ocorre por meio de textos, podemos dizer que o objetivo do ensino de LEM corresponde ao desenvolvimento da capacidade de produzir e compreender textos nas mais diversas situações de comunicação. Dessa forma, um dos objetivos da disciplina de Língua Estrangeira Moderna é que os envolvidos no processo pedagógico façam o uso da língua que estão aprendendo em situações significativas, relevantes, isto é, que não se limitem ao exercício de uma mera prática de formas linguísticas descontextualizadas. Trata-se da inclusão social do aluno numa sociedade reconhecidamente diversa e complexa através do comprometimento mútuo (PARANÁa, 2008, p. 57). Reiteramos a importância que as habilidades de compreensão e expressão oral e escrita tem no ensino e aprendizagem de LEM oportunizando ao aluno a possibilidade de compreender e expressar-se observando os princípios da gramática e dos elementos culturais. Cabe ressaltar, que a habilidade de compreensão leitora é a prática discursiva mais relevante para o Ensino Médio, visando a interpretação, a compreensão e a leitura de diferentes gêneros textuais. 2 CONTEÚDOS Para o ensino e aprendizagem de LEM, as discussões pertinentes aos conteúdos encontram-se imbricadas em seu conteúdo estruturante, bem como nos conteúdos básicos, propostos pelas DCE. A disciplina de LEM concebe como conteúdo estruturante o “Discurso como prática social” e ao mesmo tempo caracteriza os “gêneros” (textuais, do texto, discursivos, do 34 Luminária 15 discurso) como conteúdos básicos abordados dentro das práticas discursivas, bem como os “aspectos linguístico-discursivos” (gramática, léxico, fonética e cultura) como sendo os conteúdos específicos. Os gêneros do discurso segundo Bakhtin (1952, p. 279), são definidos como “tipos relativamente estáveis e heterogêneos de enunciados dentro de uma esfera de utilização da língua” e ainda caracterizados por três elementos: o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional. Para Marcuschi (2006, p. 35), os gêneros textuais “são um tipo de gramática social [grifo do autor] isto é, uma gramática da enunciação”. Sendo assim, são definidos como textos orais ou escritos materializados em situações comunicativas recorrentes [portanto] organizam nossa fala e escrita assim como a gramática organiza as formas linguísticas (MARCUSCHI, 2006, p. 35). Reiteramos a necessidade de explorar as práticas discursivas da oralidade, leitura e escrita a partir da seleção dos gêneros textuais, e, consequentemente, a análise linguística. Conforme Bakhtin (1952), o indivíduo primeiro define o seu propósito comunicativo, para então decidir o gênero textual que utilizará. Com relação à prática da oralidade, percebemos a necessidade de trabalhar a língua falada oportunizando o aluno a perceber sua função social na qual o próprio aluno utilizará os diferentes gêneros de acordo com seus próprios interesses. Diante disto, Marcuschi (2001) argumenta que, o trabalho com a oralidade pode, ainda, ressaltar a contribuição da fala na formação cultural e na preservação de tradições não escritas que persistem mesmo em culturas em que a escrita já entrou de forma decisiva. (...) Dedicar-se ao estudo da fala é também uma oportunidade singular para esclarecer aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como suas formas de disseminação (MARCUSCHI, 2001, p. 83). O trabalho com a oralidade nas aulas de LEM, “têm como objetivo expor os alunos a textos orais, pertencentes aos diferentes discursos (...) é aprender a expressar ideias em Língua estrangeira mesmo que com limitações. (...) também é importante que o aluno se familiarize com os sons específicos da língua que está aprendendo” (PARANÁa, 2008, p. 66). No que diz respeito à prática da leitura, foco desta Proposta Pedagógica Curricular, observamos que o papel primordial da utilização dos gêneros textuais na aprendizagem de LEM, torna a aquisição do conhecimento mais significativa e mais próxima das práticas sociais das quais o aluno interage. De acordo com Paraná (2008a), a respeito da leitura discursiva, na medida em que os alunos reconheçam que os textos são representações da realidade, são construções sociais, eles terão uma posição mais crítica em relação a tais textos. Poderão rejeitá-los ou reconstruí-los a partir de seu universo de sentido, o qual lhes atribui coerência pela construção de significados (PARANÁa, 2008, p. 65). Koch e Elias (2007, p. 37), apontam para o fato da leitura ser “uma atividade de construção de sentido que pressupõe a interação autor-texto-leitor, é preciso considerar que, nessa atividade, além das pistas e sinalizações que o texto oferece, entram em jogo os conhecimentos do leitor”. Ainda, o processo de leitura a partir dos gêneros textuais considerando que estes são constituídos de um determinado modo e com uma certa função dentro de um domínio discursivo, requer a construção de sentidos dos textos considerando que, União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 35 a escrita/fala baseiam-se em formas padrão e relativamente estáveis de estruturação e é por essa razão que, cotidianamente, em nossas atividades comunicativas, são incontáveis as vezes em que não somente lemos textos diversos, como também produzimos ou ouvimos enunciados (KOCH e ELIAS, 2007, p. 101). Para Foucambert (2008, p. 25), “não se pode mais esquecer que, ao aprender o mecanismo da leitura, conquista-se também um instrumento de comunicação”. No que tange à prática da escrita, “não se pode esquecer que ela deve ser vista como uma atividade sociointeracional, ou seja, significativa” (PARANÁa, 2008, p. 66). As condições dessa produção escrita e o uso de variados gêneros textuais desenvolverão no aluno, a possibilidade ou necessidade de usar a língua escrita como forma de comunicação, de interlocução em situações na qual a expressão escrita se apresente como uma resposta a um desejo ou uma necessidade de comunicação, de interação, e que o aluno tenha, pois, objetivos para escrever e destinatários (leitores) para quem escrever (SOARES, 1999 apud WOGINSKI, 2008, p. 63). Para o ensino de LEM, salientamos a importância de desvincular-se (pelo menos parcialmente) das questões de adequação formal no processo da escrita para focar-se também à adequação comunicativo-discursiva do texto. Conforme Koch e Elias (2009), a produção escrita recorre a conhecimentos armazenados na memória. Esses conhecimentos resultam das inúmeras atividades em que o produtor se envolveu ao longo da vida, bem como são concebidos pela ativação de modelos cognitivos sobre as práticas interacionais, histórica e culturalmente constituídas., portanto, Portanto, conforme Woginski (2008, p. 65) é necessário considerar “o que os alunos precisam aprender sobre a ação da linguagem configurada no gênero”. 2.1 CONTEÚDOS BÁSICOS POR SÉRIE SÉRIE CONTEÚDOS BÁSICOS Serão abordados os seguintes gêneros textuais: “mapa”, “diálogo escrito e oral”, “apresentação pessoal”, “letra de música”, “biografia”, “conto literá1ª série rio”, “lenda”, “poema”, “propaganda”, “verbete de dicionário”, “reportagem”, ”artigo”, “notícia”, “entrevista”, “HQ”, “menú”, “crônica”, “tela”, “reportagem”, “anuncio”, “relato” e “planta de casa”. Serão abordados os seguintes gêneros textuais: “diálogo escrito e oral”, “apresentação pessoal”, “letra de música”, “conto literário”, “mapa de cidade”, 2ª série “lei”, “placa” (pictograma), “reportagem”, “artigo”, “notícia”, “entrevista”, “HQ”, “biografia”, “capa de livro”, “trailer”, “legenda”,“filme”, “horóscopo”, “sinopse” e “piada”. Serão abordados os seguintes gêneros textuais: “diálogo escrito e oral”, “letra de música”, “carta”, “cartão postal”, “conto literário”, “poema”, “repor3ª série tagem”, “artigo”, “notícia”, “entrevista”, “HQ”, “charge”, “receita culinária”, “letra de música”, “placa de trânsito”, “sinopse”, “crônica”, “fábula”, “charge”, “cartaz de cinema” e “publicidade”. 36 Luminária 15 2.2 CONTEÚDOS ESPECÍFICOS POR SÉRIE SÉRIE CONTEÚDOS ESPECÍFICOS a) Conteúdo Comunicativo: Saudações, Apresentações e Despedidas (formais e informais); Pedir e fornecer informações; Dados pessoais; Perguntar como se diz (significado); Perguntar como se pronuncia (fonética); Perguntar como se escreve (ortografia); b) Conteúdo Semântico: As profissões; Signos; Expressões Idiomáticas; Os alimentos; Vestuário; Cores; A família (grau de parentesco e estado civil); Expressões Idiomáticas; Os esportes (futebol); 1ª série c) Conteúdo Gramatical: O alfabeto; Pronomes Pessoais Sujeitos; Usos de “usted”, “tú” e “vos” (formal e informal); Verbos Regulares e Irregulares (tener, estar, ser, ir, gustar, llamarse) no Presente do Indicativo; Pronomes Reflexivos; Pronomes Complementos; Pronomes Interrogativos; Pronomes Indefinidos; Artigos determinantes e indeterminantes; Regra de “eufonía” (artigos); As contrações; As combinações; “heterosemánticos”; Numerais Cardinais e Ordinais; Horas; Apócope; Substantivos (gênero e número); “Heterogenéricos”; Adjetivos e pronomes possessivos; Advérbios de lugar; Adjetivos e pronomes demonstrativos; Preposições de lugar; d) Conteúdo Cultural: A origem do idioma espanhol; Cultura e civilização espanhola (dados gerais sobre a Espanha); Cultura e civilização hispano-americana (Etnias formadoras dos povos e Relações familiares); A importância do idioma espanhol na sociedade atual; Identidades Culturais. a) Conteúdo Comunicativo: Pedir e fornecer informações; Dados pessoais; Relatar ações passadas; Perguntar como se diz (significado); Perguntar como se pronuncia (fonética); Perguntar como se escreve (ortografia); b) Conteúdo Semântico: Os meios de transporte; Dias da semana; Modalidades esportivas; Expressões Idiomáticas; Estado de ânimo; Horóscopo; Expressões Idiomáticas; 2ª série c) Conteúdo Gramatical: Pronomes Pessoais Sujeitos; Usos de “usted”, “tú” e “vos” (formal e informal); Verbos Regulares e Irregulares (“cambio vocálico”) no Presente do Indicativo; Pronomes Reflexivos; Pronomes Indefinidos e “apócope”; “heterosemánticos”; Conjunções e regra de “eufonía”; Preposições de lugar; Perífrase verbal (ideia de futuro); Preposições “a” e “en”; Verbos no Gerúndio; Perífrase verbal (ideia em desenvolvimento); Verbos Regulares no Pretérito Imperfeito do Indicativo; Adjetivos; Verbos no Particípio; Marcadores temporais (advérbios e locuções adverbiais de tempo); Verbos Regulares e Irregulares no Pretérito Perfeito Simples e Pretérito Perfeito Composto; Pronomes Reflexivos; Grau comparativo e superlativo; Usos de “muy” e “mucho”; Verbos no Futuro do Indicativo; Regra de acentuação gráfica; d) Conteúdo Cultural: A origem do idioma espanhol; Cultura e civilização espanhola e hispano-americana (Manifestações Culturais: as festas). União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 37 a) Conteúdo Comunicativo: Pedir e fornecer informações; Dados pessoais; Registrar ações imperativas (ordem); Perguntar como se diz (significado); Perguntar como se pronuncia (fonética); Perguntar como se escreve (ortografia); b) Conteúdo Semântico: As profissões; Os animais; A natureza; Expressões Idiomáticas; A arte; A música; Instrumentos musicais; Expressões Idiomáticas; 3ª série c) Conteúdo Gramatical: Pronomes Pessoais Sujeitos; Usos de “usted”, “tú” e “vos” (formal e informal); Verbos Regulares e Irregulares (“cambio vocálico”) no Presente do Indicativo; Verbos no Condicional Simples do Indicativo; Verbos no Presente do Subjuntivo; Verbos no Pretérito Imperfeito do Subjuntivo; Pronomes Reflexivos; “heterosemánticos”; Verbos no Modo Imperativo; Preposições de lugar; Perífrase verbal (ideia de futuro); Preposições “a” e “en”; Verbos no Gerúndio; Perífrase verbal (ideia em desenvolvimento); Verbos Regulares no Pretérito Imperfeito do Indicativo; Advérbios e locuções adverbiais (lugar, tempo, modo, quantidade, afrimação, negação e dúvida); “Heterosemánticos”; “Heterotónicos”; Preposições e locuções prepositivas; Objeto Direto e Indireto; Pronomes Complementos; d) Conteúdo Cultural: Cultura e civilização espanhola e hispano-americana (Arte: pintores e escultores; Literatura e Cinema: obras, escritores e cineastas; Música: intépretes). 3 METODOLOGIA DA DISCIPLINA A concepção de linguagem que orienta a referida Proposta Pedagógica Curricular é a do sociointeracionismo, ou seja, tal concepção está pautada na natureza social da linguagem enquanto produto histórico e social do homem no que se refere à troca de experiências e a produção de conhecimentos. Dessa forma, a linguagem é compreendida como uma forma de interação, pois é ela que permeia as nossas ações, bem como articula nossas relações com o outro e com o meio e, consequentemente, nos constitui como sujeitos. Portanto, a linguagem só se realizará por meio da interação, dentro de situações concretas de produção. No que se refere ao caráter interacional e dialógico da língua, conhecemos nossa língua e a língua do outro (as línguas estrangeiras) através dos enunciados concretos que ouvimos e que também produzimos numa dada interação com aqueles que nos cercam. Na teoria sociointeracionista de Vygotsky (2008), observamos uma visão de desenvolvimento humano fundamentada na ideia de um organismo ativo, no qual o pensamento é constituído num ambiente histórico e cultural. Ainda, Vygotsky (2008) relata que as possibilidades que o ambiente proporciona ao indivíduo são essenciais para que este se constitua como sujeito. Para Vygotsky (2008), a aprendizagem somente se realiza no âmbito social, a partir das relações interpessoais, ou seja, o indivíduo passa a adquirir conceitos de linguagem e os utilizará apenas se manter contato direto com a língua. A proposta do Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD) proposto por Bronckart (2003) analisa a linguagem como prática social, em que as condutas humanas constituem redes de atividades desenvolvidas num quadro de interações diversas, materializadas através de ações de linguagem que se concretizam discursivamente dentro de um gênero. A noção de capacidade de linguagem, segundo Dolz e Schneuwly (2004, p. 52), pautados nos estudos do próprio Dolz e também de Pasquier e Bronckart abarca, 38 Luminária 15 as aptidões requeridas do aprendiz para a produção de um gênero numa situação de interação determinada: adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidades de ação); mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas); dominar as operações psicolinguísticas e as unidades linguísticas (capacidades linguístico-discursivas). O desenvolvimento das capacidades de linguagem constitui-se, sempre, parcialmente, num mecanismo de reprodução, no sentido de que modelos de práticas de linguagem estão disponíveis no ambiente social e de que os membros da sociedade que os dominam têm a possibilidade de adotar estratégias explícitas para que os aprendizes possam se apropriar deles. Complementando as definições de cada uma das capacidades de linguagem, Cristovão (2007, p. 12-13) descreve que, as capacidades de ação possibilitam ao sujeito adaptar sua produção de linguagem ao contexto de produção, ou melhor, às representações do ambiente físico, do estatuto social dos participantes e do lugar social onde se passa a interação. Dessa forma, as representações da situação de comunicação têm relação direta com o gênero, já que o gênero deve estar adaptado a um destinatário específico, a um conteúdo específico, a um objetivo específico. As capacidades discursivas possibilitam ao sujeito escolher a infraestrutura geral de um texto, ou seja, a escolha dos tipos de discurso e de sequências textuais, bem como a escolha e elaboração de conteúdos, que surgem como efeito de um texto já existente e estímulo para outro que será produzido. As capacidades linguístico-discursivas possibilitam ao sujeito realizar as operações implicadas na produção textual, sendo elas de quatro tipos: as operações de textualização, sendo elas a conexão, coesão nominal e verbal; os mecanismos enunciativos de gerenciamento de vozes e modalização; a construção de enunciados, oração e período; e, finalmente, a escolha de itens lexicais. Dessa forma, podemos esquematizar as capacidades de linguagem da seguinte maneira: a) Capacidades de Ação: mobilização de representações em relação ao contexto de produção do texto: a) Quem produziu o texto?, b) Qual é o seu objetivo?, c) Quando foi produzido?, d) Onde foi divulgado (publicado)?, e) Quem é o seu público potencial?; b) Capacidades Discursivas: organização geral do texto (conteúdos temáticos e sequências tipológicas): a) Como os conteúdos são apresentados no texto?, b) Qual é a organização textual geral?, c) Qual é a forma (layout) do texto?, d) Qual é (quais são) a(s) sequência(s) apresentada(s)?; c) Capacidades Linguístico-discursivas: mecanismos de textualização (coesão verbal: articulação dos diferentes tempos verbais; coesão nominal: processos de referenciação interna, como retomadas nominais e pronominais) e mecanismos enunciativos (vozes: várias formas do discurso relatado, discurso direto, indireto, etc; modalizações: verbos ou elementos modais expressando possibilidade, probabilidade, certeza, dúvida, etc). A metodologia referente à disciplina da Língua Espanhola como LEM, está pautada na seguinte afirmação de que, o trabalho com a Língua Estrangeira em sala de aula parte do entendimento do papel das línguas nas sociedades como mais do que meros instrumentos de acesso à informação: as línguas estrangeiras são possibilidades de conhecer, expressar e transformar modos de entender o mundo e de construir significados (PARANÁa, 2008, p. 63). Dessa forma, os procedimentos teórico-metodológicos possibilitarão atender as necessidades do aluno enfatizando os aspectos e as experiências cotidianas. Logo, “o ponto de partida da aula de Língua Estrangeira Moderna será o texto, verbal e não-verbal, como unidade de linguagem em uso” (PARANÁa, 2008, p. 63), bem como afirma Marcuschi (2003, p. 22), de que “é impossível se comunicar verbalmente a não ser União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 39 por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto”. Sendo assim, a principal ferramenta de ensino é justamente a funcionalidade da língua de estudo na qual o aluno é conduzido a vivenciar situações concretas (reais) de fala e escrita e a desempenhar funções linguísticas a partir do uso de textos. Assim, as práticas do ensino de LEM estarão subsidiadas pela apropriação dos, vários gêneros textuais, em atividades diversificadas, analisando a função do gênero estudado, sua composição, a distribuição de informações, o grau de informação presente ali, a intertextualidade, os recursos coesivos, a coerência e, somente depois de tudo isso, a gramática em si (PARANÁa, 2008, p. 61). No que se refere a didatização de gêneros textuais, Woginski (2008), reitera que, devemos lembrar, de que o uso e o manejo de um gênero textual, qualquer que seja ele, deve provocar no aluno a curiosidade e a busca pela expressão, atribuição e (re)construção de sentidos com os textos [grifo do autor] (WOGINSKI, 2008, p. 63). O ensino da Língua Espanhola deverá abordar também as questões relacionadas às Literaturas de Línguas Estrangeiras, pois os textos literários são materiais muito ricos não se limitando a aspectos estruturais da língua, bem como estes textos literários divulgam, aproximam e valorizam a cultura de um povo. Sobre a questão do potencial didático dos gêneros textuais do domínio literário, observamos que, a literatura é um meio ideal para desenvolver a consciência e a apreciação do uso da linguagem em suas diferentes manifestações, já que aquela apresenta a linguagem em um contexto autêntico, em registros e dialetos variados, dentro de um marco social (MCKAY, 1982 apud WOGINSKI, 2004, s/p). De acordo com Paraná (2008a, p. 67) “ao apresentar textos literários aos alunos, devemse propor atividades que colaborem para que ele analise os textos e os perceba como prática social de uma sociedade em um determinado contexto sociocultural”. Em relação aos recursos didáticos, a elaboração do Plano de Trabalho Docente (doravante PTD) está pautada, também, no uso do Livro Didático disponibilizado pelo Programa Nacional do Livro Didático (doravante PNLD). Propomos, ainda, o uso de materiais impressos (como textos complementares e resultantes de acontecimentos da atualidade), o uso de jornais e de revistas impressos, o uso de livros de literatura (contos, crônicas, fábulas, romances, HQ), o uso de projeções de slides, propagandas e videoclips na TV-Multimídia, o uso do aparelho de CD em situações pontuais para a exploração da habilidade de compreensão oral, o uso do aparelho de DVD para a projeção de trailer e filme, e, ainda, o uso do computador (Laboratório de Informática) para a realização de Atividades Complementares e de Pesquisa. De acordo com Woginski (2008, p. 64), fundamentado nos estudos de Lopes-Rossi (2006), “o trabalho com os gêneros desenvolvido através de projetos pedagógicos é ideal para melhorar a apropriação das características típicas dos gêneros”. Assim sendo, é necessário que estes “projetos pedagógicos” sejam organizados em “módulos didáticos” objetivando a aquisição da língua partindo do gênero textual como conteúdo básico da disciplina de LEM, conforme abaixo: módulo didático de leitura, no qual o aluno será levado a caracterizar o gênero de estudo e a reconhecê-lo na sociedade tendo como base uma necessidade (ou motivo) de produção (de interação) escrita ou oral, bem como discutir e conhecer as propriedades discursivas, temáticas (o que geralmente é dito nesses mesmos gêneros), estilísticas (o que geralmente é registrado como marca enunciativa do produtor desses gêneros, o que é 40 Luminária 15 utilizado como recurso linguístico e a análise linguística: recursos gramaticais, lexicais e recursos não-verbais) e composicionais (como geralmente é organizado esse gênero, qual é a sua característica e a sua sequência tipológica) do gênero selecionado; módulo didático de produção escrita, no qual aluno e professor poderão planejar a produção e coletar informações para a primeira versão da escrita do texto. Na sequência revisar e re-escrever o texto produzido em colaboração (aluno e professor) e por fim a produção final procurando aproximá-lo daqueles gêneros que circulam na sociedade; módulo didático de divulgação ao público, no qual aluno e professor poderão indicar o suporte (meio) para a circulação do gênero produzido, bem como realizar ações para efetivar esta circulação fora da sala de aula e se possível da escola. As atividades desenvolvidas através de “módulos didáticos” deverão se caracterizar como uma sequência didática a qual é definida como “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 97), bem como, Após uma apresentação da situação na qual é descrita de maneira detalhada a tarefa de expressão oral ou escrita que os alunos deverão realizar, estes elaboram um primeiro texto inicial, oral ou escrito, que corresponde ao gênero trabalhado; é a primeira produção. Essa etapa permite ao professor avaliar as capacidades já adquiridas e ajustar as atividades e os exercícios previstos na sequência às possibilidades e dificuldades reais de uma turma. Além disso, ela define o significado de uma sequência para o aluno, isto é, as capacidades que deve desenvolver para melhor dominar o gênero de texto em questão. Os módulos, constituídos por várias atividades ou exercícios, dão-lhe os instrumentos necessários para esse domínio, pois os problemas colocados pelo gênero são trabalhados de maneira sistemática e aprofundada. No momento da produção final, o aluno pode pôr em prática os conhecimentos adquiridos e, com o professor, medir os progressos alcançados. A produção final serve, também, para uma avaliação de tipo somativo, que incidirá sobre os aspectos trabalhados durante a sequência (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 98). Salientamos que as atividades elaboradas para o ensino da Língua Espanhola, serão desenvolvidas em três etapas: 3. etapa de pré-leitura, na qual pretendemos ativar os conhecimentos prévios do aluno, bem como discutir questões referentes à temática, construir hipóteses e antecipar elementos do texto que poderão ser tratados a partir do texto, antes mesmo da leitura; 4. etapa de leitura, na qual pretendemos comprovar ou desconsiderar as hipóteses anteriormente apresentadas; 5. etapa de pós-leitura, na qual pretendemos explorar a compreensão de leitura e expressão escrita, bem como atividades que explorem a compreensão e expressão oral e a elaboração de atividades variadas, não necessariamente ligadas aos elementos gramaticais. Salientamos que o aspecto cultural deverá caracterizar-se como prática e hábito no processo de aquisição do idioma espanhol, pois segundo Giovannini (1996) citado por Woginski (2004, s/p), “uma língua desvinculada de sua cultura converte-se em um instrumento estéril e carente de significados.” Portanto, ensinar os elementos culturais que regem uma língua e esses articulados aos próprios elementos linguísticos dessa língua favorecem além da aquisição da língua, também a aquisição do modo de viver daqueles que a falam. 4 AVALIAÇÃO A avaliação do rendimento escolar será ampla e contínua no sentido de revelar o aproveitamento e o grau de desenvolvimento atingido pelo aluno, bem como, de proceder à apuração para fins de aprovação: União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 41 3. proporcionar ao aluno a possibilidade de fazer uma síntese das experiências educacionais vivenciadas; 4. possibilitar através de registro de dados, controle e a identificação das dificuldades e deficiências do aluno no processo de aprendizagem. Na apuração do rendimento escolar levaremos em conta as diversas formas de avaliação. A avaliação será constante, tendo um caráter de diagnóstico das dificuldades e de assessoramento na superação das mesmas e abrangerá: • Avaliação de Aprendizagem Escrita – com referência aos conteúdos específicos (semântico e gramatical) contextualizados na disciplina de Língua Espanhola como LEM; • Avaliação de Aprendizagem Leitora – com referência aos conteúdos básicos em que será analisado o contexto de produção, a organização textual, bem como os elementos linguístico-discursivos dos gêneros textuais; • Atividades Avaliativas – trabalhos escritos e/ou de compreensão leitora desenvolvidos individualmente e/ou em pares e/ou em grupos como recurso para a fixação, revisão, refacção e retomada dos conteúdos básicos e específicos da disciplina de Língua Espanhola como LEM; • Atividades Extraclasse – trabalhos de pesquisa, exercícios de caráter prático, materiais de apoio e “Projetos Interculturais” resultantes dos conteúdos básicos e específicos da disciplina de Língua Espanhola como LEM, objetivando a complementação dos estudos do idioma e de acordo com o Plano de Trabalho Docente. Ao final das Avaliações de Aprendizagem, bem como das Atividades Avaliativas e das Atividades Extraclasse de cada Bimestre, será atribuída uma média Bimestral e posteriormente uma média Anual a cada aluno. Conforme a Legislação vigente, a avaliação da aprendizagem terá os registros de notas expressos em uma escala de 0,0 (zero vírgula zero) a 10,0 (dez vírgula zero), bem como os alunos que apresentarem frequência mínima de 75% do total de horas letivas e a média anual igual ou superior a 6,0 (seis vírgula zero) serão considerados aprovados ao final do ano letivo. Por fim, de acordo com Paraná (2008a, p. 32), “os instrumentos de avaliação devem ser pensados e definidos de acordo com as possibilidades teórico-metodológicas que oferecem para avaliar os critérios estabelecidos”. 5 LEGISLAÇÃO Atualmente, o cenário da Educação do Estado do Paraná e Brasileira vive um momento de transformações sobretudo nas questões referentes a inserção de conteúdos que despertem a reflexão e construção de valores sobre os seguintes aspectos: a) História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, b) História do Paraná, c) Educação Ambiental, d) Prevenção ao Uso Indevido de Drogas, e) Relação de Gênero e Diversidade Sexual, f) Educação Fiscal, g) Enfrentamento a Violência. Dessa forma, esses desafios educacionais contemporâneos estão concebidos à luz das orientações da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, e serão contemplados e esplorados da seguinte maneira: a) História e Cultura Afro-Brasileira: Com relação ao ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, esse ensino “tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias e asiáticas. (...) na 42 Luminária 15 perspectiva de proporcionar aos alunos uma educação compatível com uma sociedade democrática, multicultural e pluriétnica” (PARANÁ, 2006, p. 15). b) História do Paraná: A História do Paraná será abordada a partir da seguinte afirmação, de que “a História tem como objeto de estudo os processos históricos relativos às ações e às relações humanas praticadas no tempo, bem como a respectiva significação atribuída pelos sujeitos, tendo ou não consciência dessas ações. As relações humanas produzidas por essas ações podem ser definidas como estruturas sócio-históricas, ou seja, são as formas de agir, pensar, sentir, representar, imaginar, instituir e de se relacionar social, cultural e politicamente” (PARANÁ, 2008b, p. 46). c) Educação Ambiental: De acordo com Paraná (2008c, p. 11), “as questões ambientais e a sua crise se impõem perante a sociedade. Um dos instrumentos apresentados como meio para minimizar, mitigar esta problemática é a Educação Ambiental. No que concerne a esse assunto, é necessário estimular um processo de reflexão e tomada de consciência dos aspectos sociais que envolvem as questões ambientais emergentes, para que se desenvolva uma maior compreensão crítica por parte de educadores e educandos. Assim, almeja-se incentivar a comunidade escolar a adotar uma posição mais consciente e participativa na utilização e conservação dos recursos naturais, contribuindo para a diminuição contínua das disparidades sociais e do consumismo desenfreado.” d) Prevenção ao Uso Indevido de Drogas: Conforme Paraná (2008d, p. 11), “buscou-se abordar conteúdos como as ações e os efeitos das drogas no organismo; a legislação; a vulnerabilidade; os preconceitos e as discriminações aos usuários; o narcotráfico; a violência e as influências da mídia. Esses conteúdos, ao serem discutidos crítica, histórica e pedagogicamente, enfatizam as relações de poder e os determinantes sociais, políticos, econômicos, éticos, culturais, étnico-raciais, históricos e religiosos envolvidos na questão das drogas. Essa abordagem, aliada ao processo de pesquisa em sala de aula, pode contribuir para um tratamento pedagógico de qualidade sobre a prevenção ao uso indevido de drogas.” e) Relação de Gênero e Diversidade Sexual: A sexualidade entendida como uma construção social, histórica e cultural deve ser pensada na escola, portanto, “pensar em sexualidade na escola implica em, muitas vezes, reconsiderar posições, conceitos e pré-conceitos. Nesse sentido, a educação escolar representa o caminho para o estabelecimento de uma Educação Sexual que visa, ao mesmo tempo que o respeito à livre orientação sexual em consonância com relações igualitárias de gênero, classe, raça/etnia, a construção de um ambiente pedagógico onde os conhecimentos científicos acerca deste assunto possam ser difundidos com domínio e propriedade” (PARANÁ, 2008e, p. 11). f) Educação Fiscal: Segundo Buti e Batista (2008, p. 15), “percebe-se a possibilidade de inserção da Educação Fiscal no contexto das disciplinas curriculares ao compreender que diferentes temáticas relevantes podem ser discutidas em sala de aula, a partir da articulação com os saberes sistematizados, no sentido de sua compreensão e consequente posicionamento crítico diante de realidades, objetivando sua transformação em benefício do bem-estar individual e coletivo. Desafios como discutir sobre a indústria da pirataria, o desemprego, a sonegação fiscal, o contrabando, a incidência tributária sobre produtos de consumo diário, a importância da nota fiscal, dentre outros, são importantes no intuito de se formar opiniões críticas e consequentes ações de responsabilidade e mudança da sociedade em que se vive e se convive.” União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 43 g) Enfrentamento à Violência: O tema violência é amplamente discutido na sociedade atual e dessa forma, para “pensarmos a violência na sociedade contemporânea, é importante o estabelecimento da relação entre os atuais modos de produção capitalista, de exibilização do emprego, de internacionalização da economia e a expansão da violência na sociedade brasileira: suas raízes sociais estão no aumento do desemprego, na economia, no enfraquecimento das instituições socializadoras e na banalização da violência pelos meios de comunicação de massa. Como conseqüência, ocorreu o debilitamento dos laços sociais, o dilaceramento da cidadania, o aumento das violações de direitos humanos e, por fi m, a expansão da violência, tanto por agentes do Estado como a violência disseminada nos espaços sociais” (PAULA, 2008, p. 22). 6 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ___. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1952. p. 279-326. BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: EDUC, 2003. (Tradução de Anna Rachel Machado) BUTI, D. M. B.; BATISTA, F. D. Educação Fiscal: um desafio em sala de aula. Secretaria de Estado da Educação. Diretoria de Políticas e Programas Educacionais. Programa de Desenvolvimento Educacional. 2008. Disponível em: <www.diaadiaeducacao.pr.gov. br/portals/pde/arquivos/1461-8.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2012. CRISTOVÃO, V. L. L. O interacionismo sociodiscursivo e o ensino de línguas com uma abordagem com base em gêneros textuais. 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Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009. 220 p. _____. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2007. 216 p. 44 Luminária 15 LOPES-ROSSI, M. A. G. Gêneros discursivos no ensino de leitura e produção de textos. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (orgs.) Gêneros textuais: reflexões e ensino. 2. ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. p. 73-84. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. _____. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, A.; GAYDECZKA, B.; BRITO, H. S. (orgs.) Gêneros Textuais: reflexões e ensino. 2. ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. p. 23-36. _____. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (orgs.) Gêneros Textuais & Ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003. p. 19-36. _____. 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Prevenção ao Uso Indevido de Drogas. Curitiba, 2008d. 152 p. _____. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Departamento da Diversidade. Coordenação de Desafios Educacionais Contemporâneos. Cadernos Temáticos da Diversidade. Sexualidade. Curitiba, 2008e. 216 p. _____. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Departamento da Diversidade. Coordenação de Desafios Educacionais Contemporâneos. Cadernos Temáticos da Diversidade. História e Cultura Afro-Brasileira e Africana: educando para as relações étnico-raciais. Curitiba, 2006. 110 p. PAULA, C. A. de. A violência na Escola. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Departamento da Diversidade. Coordenação de Desafios Educacionais Contemporâneos. Cadernos Temáticos da Diversidade. Enfrentamento à Violência. Curitiba, 2008. p. 21-28. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 45 VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. (Tradução de Jefferson Luiz Camargo e Revisão Técnica de José Cipolla Neto) WOGINSKI, G.R. Gêneros textuais e didatização de gêneros: reflexões sobre as dimensões das propostas didáticas no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. In: Anais. 8º Encontro de Iniciação Científica e 8ª Mostra de Pós-Graduação. Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIUV). União da Vitória (PR): Meio magnético (CD-ROM), 2008. p. 56-66. _____. Lingüística aplicada ao ensino do espanhol como língua estrangeira, a interlíngua, interface espanhol e inglês: um estudo de caso com falantes da língua portuguesa. In: Anais. V Encontro de Iniciação Científica e V Mostra de Pós-Graduação. Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIUV). União da Vitória (PR): Meio magnético (CD-ROM), 2005. 07 p. _____. Conto literário: ferramenta de aproximação didática no ensino da língua espanhola. In: Anais. IV Encontro de Iniciação Científica e IV Mostra de Pós-Graduação. Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIUV). União da Vitória (PR): Meio magnético (CD-ROM), 2004. 05 p. 7 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BAZERMAN, C.; DIONISIO, A. P.; HOFFNAGEL, J. C. Gêneros Textuais, Tipificação e Interação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006. 165 p. (Tradução e Adaptação de Judith Chambliss Hoffnagel) BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Educação Africanidades Brasil. Brasília: UNB, 2006. _____. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM). Brasília, 2006. _____. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Brasília, 1999. CORACINI, M. J. F. F. (org.) O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. Campinas (SP): Pontes, 1995. 141 p. CRISTOVÃO, V. L. L.; NASCIMENTO, E. 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Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIUV). União da Vitória (PR): Meio magnético (CD-ROM), 2009. 13 p. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 47 ¿CÓMO EL GÉNERO TEXTUAL CARTA PERSONAL SE ORGANIZA Y CÓMO ORGANIZAR ACTIVIDADES DIDÁCTICAS PARA EL CONTEXTO DE LA ENSEÑANZA DE LA LENGUA ESPAÑOLA A PARTIR DEL INTERACCIONISMO SOCIODISCURSIVO?1 Gilson Rodrigo Woginski2 Resumen: El presente estudio tiene por objetivo presentar las cuestiones acerca de los estudios de los géneros textuales (BAKHTIN, 1952), así como de la concepción sociointeraccionista del lenguaje (VYGOTSKY, 2008) y de las secuencias didácticas (SCHNEUWLY y DOLZ, 2004) como elementos planificadores de actividades desarrolladas con géneros (énfasis en la carta personal) a partir de la noción del Interaccionismo Sociodiscursivo. Palabras-clave: carta personal, enseñanza de la lengua española, Interaccionismo Sociodiscursivo. 1 Este trabajo es el resultado de una investigación desarrollada en los años de 2010 y 2011, acerca de la noción de géneros textuales y el proceso de transposición didáctica, con el objetivo de organizar una Unidad Didáctica para el 1º año (P1) del Libro Didáctico del Curso Básico de Lengua Española del Centro de Línguas Estrangeiras Modernas (CELEM) coordinado por la Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED-PR), bajo las orientaciones teórico-metodológicas de la Consultora General, profesora PhD. Vera Lúcia Lopes Cristovão, de la Universidade Estadual de Londrina (UEL), de Londrina/PR y de la Consultora para Lengua Española, profesora Ms. Natália Labella-Sanchez, del Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), de Porto Alegre/RS. Trabajo presentado dos veces en formato de Talleres siendo uno durante la X Jornada de Estudos Linguísticos e Literários do Vale do Iguaçu (JELLVI) celebrada en mayo de 2012 en la Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIUV), Campus da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), de União da Vitória/PR, y otro, durante el VI Encuentro de Profesores de Lengua Española del Estado de Paraná (EnPLEE) celebrado en junio de 2012 en la Universidade Federal do Paraná (UFPR – Sector Litoral), de Matinhos/PR. Ese Trabajo deberá ser publicado también en las Actas del EnPLEE. 2 Es licenciado en Letras–Portugués/Español (2003) por la Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras - FAFIUV, de União da Vitória/PR, es experto en Lengua y Literatura Hispanoamericana (2004) por el Centro Universitário Diocesano do Sudoeste do Paraná (UNICS), de Palmas/PR. Fue becario del Centro de Lenguas (2005) de la Universidad de Granada, España. Posee el Diploma DELE Superior de la Universidad de Salamanca, España. Actualmente es Profesor de Lengua Española del Centro de Lenguas CELEM del Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA) Paulo Freire y de la Enseñanza Media del Colégio Estadual Barão do Rio Branco (CEBRACO), ambos de Curitiba/PR. Correo electrónico: [email protected] União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 49 COMO SE ORGANIZA O GÊNERO TEXTUAL CARTA PESSOAL E COMO ORGANIZAR ATIVIDADES DIDÁTICAS PARA O CONTEXTO DE ENSINO DE LÍNGUA ESPANHOLA A PARTIR DO INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO? Resumo: O presente estudo tem por objetivo apresentar as questões acerca dos estudos dos gêneros textuais (BAKHTIN, 1952), bem como da concepção sociointeracionista da linguagem (VYGOTSKY, 2008) e das sequências didáticas (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004) como elementos planificadores de atividades desenvolvidas com gêneros (ênfase na carta pessoal) a partir da noção do Interacionismo Sociodiscursivo. Palavras-chave: carta pessoal, ensino de língua espanhola, Interacionismo Sociodiscursivo. 1 INTRODUCCIÓN Proponemos el desarrollo de actividades (ver el adjunto) a partir de la concepción de los géneros textuales, a partir del género textual “carta personal”, pues consideramos ese género – todavía – como una herramienta de comprensión de las diferencias lingüísticas y de los diversos lenguajes disponibles del hablante. De esa manera, “es imposible comunicarse verbalmente sino por algún género, así como es imposible comunicarse verbalmente sino por algún texto” (MARCUSCHI, 2003, p. 22). 2 SOBRE EL LENGUAJE EN LA PERSPECTIVA DE VYGOTSKY La concepción de lenguaje que orienta esta investigación es la del sociointeraccionismo, o sea, tal concepción está pautada en la naturaleza social del lenguaje como producto histórico y social del hombre en lo que se refiere al cambio de experiencias y la producción de conocimientos. De esa forma, el lenguaje es comprendido como una forma de interacción, pues es él que permea nuestros actos, así como articula nuestras relaciones con el otro y con el medio y, consecuentemente, nos constituye como sujetos. Por lo tanto, el lenguaje sólo se realizará por medio de la interacción, dentro de situaciones concretas de producción. Para Vygotsky (2008), el aprendizaje solamente se realiza en el ámbito social, a partir de las relaciones interpersonales, o sea, el individuo pasa a adquirir conceptos de lenguaje y los utilizará apenas si mantiene contacto directo con la lengua. 3 SOBRE EL ESTUDIO Y LA NOCIÓN DE LOS GÉNEROS TEXTUALES De acuerdo con Woginski (2009, s/p), “la expresión ‘género del discurso’ también podrá aparecer como ‘género discursivo’, así como la expresión ‘género de texto’ podrá dar lugar a ‘género textual’”. Los géneros del discurso (textuales) son definidos como “tipos relativamente estables y heterogéneos de enunciados dentro de una esfera de utilización de la lengua” (BA50 Luminária 15 KHTIN, 1952, p. 279). Los géneros son caracterizados a partir de su forma (estructura), llevando el lector a reconocerlo como tal, así como a partir de su propósito comunicativo (función) y ambos posibilitan su reconocimiento por el lector. De acuerdo con Bakhtin (1952), los géneros del discurso son caracterizados por tres elementos, siendo el contenido temático, el estilo y la construcción composicional. A continuación observamos las características de esos tres elementos: CONTENIDO TEMÁTICO Se refiere al contexto de producción. ESTILO Se refiere al uso de los recursos lingüísticos. CONSTRUCCIÓN COMPOSICIONAL Se refiere al modo cómo es organizado y cómo se caracteriza. 4 SOBRE LA CARACTERIZACIÓN DEL GÉNERO TEXTUAL “CARTA PERSONAL” El género textual “carta personal” es un producto de la actividad de comunicación cuyo objetivo es que el remitente pueda interactuar a través de la escrita con el destinatario que, de cierta manera, se encuentra en otro espacio (ciudad, Estado, País). Para Bazerman (2006, p. 99), “las cartas, comparadas a otros géneros, pueden parecer sencillas porque son conectadas a las relaciones sociales y a escritores y lectores particulares”. Al investigar el contexto de las cartas y desarrollar una Unidad Didáctica, percibimos que la “carta personal“ tiene algunas características comunes y que puede ser caracterizada por 12 (doce) aspectos: 1) presentar un texto largo; 2) revelar el lugar y la fecha de producción; 3) mostrar quiénes son el emisor y el receptor; 4) presentarse en 1ª persona del singular (yo); 5) usar el lenguaje informal; 6) presentar marcas de la oralidad; 7) poseer el contenido temático sobre sucesos particulares; 8) obtener las secuencias tipológicas del narrar, describir, argumentar, exponer y dialogal; 9) predominar el tipo textual narrativo (el narrar); 10) usar verbos en Presente y Pretéritos de Indicativo; 11) llevar al final la firma del emisor; 12) ser escrita a manos en un papel común o papel carta. De acuerdo con Bazermam (2006), una carta (...) ofrece un espacio transacional abierto, que puede ser especificado, definido y regularizado de muchas maneras diferentes. Las relaciones y transaciones son mostradas para el lector y el escritor directamente a través de los saludos, de las firmas y de los contenidos de la carta. Además, las cartas pueden describir y comentar (BAZERMAN, 2006, p. 87). Vamos a entender cómo un género textual se transforma en instrumento de enseñanza. 5 SOBRE LA TRANSPOSICIÓN DIDÁCTICA DE GÉNEROS TEXTUALES La transposición didáctica (de aquí adelante TD), en una simple definición, es el proceso resultante de la acción de sacar determinado género textual de su dominio discursivo de origen y adecuarlo a las condiciones pedagógicas necesarias para la enseñanza, objetivando el desarrollo de las capacidades de lenguaje. De acuerdo con Cristovão (2009, p. 310): União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 51 En esa misma línea de raciocinio, en relación al uso de géneros como instrumentos para la enseñanza y eje organizador de secuencias didácticas, es necesario que el conjunto de actividades propicie la transposición didáctica adecuada a los conocimientos científicos sobre los géneros para el nivel de los conocimientos a ser efectivamente enseñados, [grifo mío] de acuerdo con las capacidades de los alumnos, sus necesidades, intereses y objetivos. De esa forma, Woginski (2008, p. 63) al investigar la cuestión de la didactización de géneros textuales acerca de la TD, relata que “a partir de un modelo didáctico, debemos pensar lo qué de hecho los alumnos precisan aprender sobre la acción de lenguaje configurada en el género, así como qué capacidades de lenguaje los alumnos ya desarrollaron en relación al género”. Woginski (2008, p. 63) todavía postula “que el uso y el manejo de un género textual, cualquier que sea él, debe provocar en el alumno la curiosidad y la búsqueda por la expresión, atribución y (re)construcción de sentidos con los textos [grifo del autor]”. 6 SOBRE LA CONCEPCIÓN DE SECUENCIAS DIDÁCTICAS PARA LA ENSEÑANZA DE LENGUAS Las Secuencias Didácticas (de aquí en adelante SD) son definidas por Dolz, Noverraz y Schneuwly (2004, p. 97) como “un conjunto de actividades escolares organizadas, de manera sistemática, alrededor de un género textual oral o escrito”. Con relación a la progresión, secuencia didáctica y géneros textuales, Dolz y Schneuwly (2004. p. 51) postulan que “comunicarse oralmente o por escrito puede y debe ser enseñado sistemáticamente”. En la secuencia, podemos observar el Esquema de la Secuencia Didáctica (adaptado al español) propuesto por Dolz, Noverraz y Schneuwly (2004, p. 98): El presente “Esquema” elucida la estructura de una SD, tal cual propuesto por los autores, o sea, Luego de una presentación de la situación en la cual es descrita de manera detallada la tarea de expresión oral o escrita que los alumnos deberán realizar, éstos elaboran un texto inicial, oral o escrito, que corresponde al género trabajado; es la primera producción. Esa etapa permite al profesor evaluar las capacidades ya adquiridas y ajustar las actividades y los ejercicios previstos en la secuencia a las posibilidades y dificultades reales de un grupo. Además, ella define el significado de una secuencia para el alumno, esto es, las capacidades que debe desarrollar para mejor dominar el género de texto en cuestión. Los módulos, constituidos por varias actividades o ejercicios, le dan los instrumentos necesarios para ese dominio, pues los problemas colocados por el género son trabajados de manera sistemática y profunda. En el momento de la 52 Luminária 15 producción final, el alumno puede poner en práctica los conocimientos adquiridos y, con el profesor, medir los progresos alcanzados. La producción final sirve, también, para una evaluación de tipo suma, que incidirá sobre los aspectos trabajados durante la secuencia (DOLZ, NOVERRAZ y SCHNEUWLY, 2004, p. 98). Postulamos que no necesariamente todos los géneros textuales serán producidos como una actividad de producción final dentro de una SD. Creemos que hay géneros que merecen y deben ser (re)producidos como la “carta personal”. 7 SOBRE EL INTERACCIONISMO SOCIODISCURSIVO Y LAS CAPACIDADES DE LENGUAJE La propuesta del Interaccionismo Sociodiscursivo (de aquí en adelante ISD) propuesto por Bronckart (2003) analiza el lenguaje como práctica social, en que las conductas humanas constituyen redes de actividades desarrolladas en un cuadro de interacciones diversas, materializadas a través de acciones de lenguaje que se concretizan discursivamente dentro de un género. La noción de capacidad de lenguaje, según Dolz y Schneuwly (2004, p. 52), pautados en los estudios del propio Dolz y también de Pasquier y Bronckart abarca, (...) las aptitudes requeridas del aprendiz para la producción de un género en una situación de interacción determinada: adaptarse a las características del contexto y del referente (capacidades de acción); movilizar modelos discursivos (capacidades discursivas); dominar las operaciones psicolingüísticas y las unidades lingüísticas (capacidades lingüístico-discursivas). El desarrollo de las capacidades de lenguaje se constituye, siempre, parcialmente, en un mecanismo de reproducción, en el sentido de que modelos de prácticas de lenguaje están disponibles en el ambiente social y de que los miembros de la sociedad que los dominan tienen la posibilidad de adoptar estrategias explícitas para que los aprendices puedan apropiarse de ellos. De esa forma, podemos esquematizar las capacidades de lenguaje de la siguiente manera a partir de los estudios de Dolz y Schneuwly (2004): Capacidades Características ACCIÓN La movilización de representaciones en relación al contexto de producción del texto: a) ¿Quién produjo el texto?; b) ¿Cuál es su objetivo?; c) ¿Cuándo fue producido?; d) ¿Dónde fue divulgado (publicado)?; e) ¿Quién es su público potencial? DISCURSIVAS La organización general del texto (contenidos temáticos y secuencias tipológicas): a) ¿Cómo los contenidos son presentados en el texto?, b) ¿Cuál es la organización textual general?, c) ¿Cuál es la forma (layout) del texto?, d) ¿Cuál es (cuáles son) la secuencia presentada? LINGÜÍSTICO-DISCURSIVAS Los mecanismos de textualización (cohesión verbal: articulación de los diferentes tiempos verbales; cohesión nominal: procesos de referenciación interna) y los mecanismos enunciativos (voces: varias formas del discurso; modalizaciones: verbos o elementos modales, etc.). Además de esas tres capacidades, destacamos los estudios de Cristovão y Stutz (2011) quienes proponen un cuarta Capacidad de Lenguaje, la que nombran “Capacidades de Significación”. Para las autoras esta cuarta Capacidad se refiere a: União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 53 las representaciones y/o conocimientos de las prácticas sociales (contexto ideológico, histórico, sociocultural, económico, etc) que envuelven las esferas de actividad, actividades de lenguaje, praxiológicas y sus relaciones con los diferentes planes de lenguaje y en interacción con diferentes experiencias humanas. El análisis comprende: a) comprender la relación entre textos y la forma de ser, pensar, actuar y sentir de quién los produce; b) construir mapas semánticos; c) empeñarse en actividades de lenguaje; d) comprender conjuntos de pre-construidos colectivos; e) relacionar los aspectos macro con su realidad; f) comprender las imbricaciones entre actividades praxiológicas y de lenguaje; g) (re)conocer la sociohistórica del género; h) posicionarse sobre relaciones textos-contextos (CRISTOVÃO y STUTZ, 2011, p. 22-23). Esta Capacidad y sus características están basadas, de acuerdo con las autoras, en la necesidad de mostrar aspectos mucho más amplios de la actividad general. 8 CONSIDERACIONES FINALES Observamos la importancia de la elaboración de actividades que posibiliten al alumno la apropiación de las prácticas discursivas (lectura, oralidad y escritura). Según Bakhtin (1952), el individuo primero define su propósito, para entonces decidir el género textual que utilizará. Por último, los géneros textuales son constituidos como “instrumentos de mediación de toda estrategia de enseñanza y el material de trabajo” ( DOLZ y SCHNEUWLY, 2004, p. 51), bien como son necesarios para la enseñanza de la textualidad y, por supuesto que una “carta personal” es una herramienta para esa práctica. REFERENCIAS BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. En: ___. Estética da Criação Verbal. São Paulo (SP): Martins Fontes, 1952, p. 279-326. BAZERMAN, C. Cartas e a base social de gêneros diferenciados. En: ___. Gêneros textuais, tipificação e interação. 2. ed. São Paulo (SP): Cortez, 2006, p. 83-99. BRONCKART, J.-P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo (SP): EDUC, 2003. (Traducción de Anna Rachel Machado) CRISTÓVÃO, V. L. L.; STUTZ, L. Sequências didáticas: semelhanças e especificidades no contexto francófono como L1 e no contexto brasileiro como LE. En: SZUNDY, P. T. C.; ARAÚJO, J. C.; NICOLAIDES, C. S.; SILVA, K. A. da. (Orgs.). Linguística Aplicada e Sociedade: ensino e aprendizagem de línguas no contexto brasileiro. Campinas (SP): Pontes Editores, 2011, v. 1, p. 17-40. CRISTÓVÃO, V. L. L. Sequências didáticas para o ensino de línguas. En: DIAS, R.; CRISTÓVÃO, V. L. L. (Orgs.) O livro didático de língua estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas (SP): Mercado das Letras, 2009, p. 305-344. DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). En: DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas (SP): Mercado das Letras, 2004, p. 41-70. 54 Luminária 15 (Traducción de Roxane Helena Rodrigues Rojo y Glaís Sales Cordeiro) DOLZ, J.; NOVERRAZ, M; SCHNEUWLY, B. Seqüências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. En: DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas (SP): Mercado das Letras, 2004, p. 95-128. (Traducción de Roxane Helena Rodrigues Rojo y Glaís Sales Cordeiro) MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo (SP): Parábola, 2008. _____. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. En: DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs.) Gêneros textuais & ensino. 2. ed. Rio de Janeiro (RJ): Lucerna, 2003, p. 19-36. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 4. ed. São Paulo (SP): Martins Fontes, 2008. (Traducción de Jefferson Luiz Camargo y Revisión Técnica de José Cipolla Neto) WOGINSKI, G. R. A construção da Proposta Pedagógica Curricular da Disciplina de Língua Estrangeira Moderna a partir dos gêneros textuais. Actas (ISSN 1809 0559). 9º Encontro de Iniciação Científica e 9ª Mostra de Pós-Graduação. Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIUV). União da Vitória (PR): Meio magnético (CD-ROM), 2009. 13 p. _____. Gêneros textuais e didatização de gêneros: reflexões sobre as dimensões das propostas didáticas no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. Actas (ISSN 1677 8731). 8º Encontro de Iniciação Científica e 8ª Mostra de Pós-Graduação. Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIUV). União da Vitória (PR): Meio magnético (CD-ROM), 2008, p. 56-66. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 55 AJUNTO Todos los derechos reservados a Gilson Rodrigo Woginski. Ley 9610/98 y Código Penal, Art. 184 y 185. Actividades parciales desarrolladas para una Unidad Didáctica del Libro Didáctico del CELEM/DEB/SEED-PR, en fase de diagramación/finalización. Está autorizada la reproducción total o parcial de estas Actividades, desde que informado el nombre completo del autor. 1 REFLEXIONES SOBRE el contexto Pon atención en el siguiente texto: ¡léelo y discútelo! PEPO. Condorito. Chile: Editorial Televisa Chile, 2009. p. 64. 1. En tu cuaderno, describe la situación del texto: adónde están, qué hacen y de qué hablan. 2. Lee las siguientes preguntas y con tu compañero(a) de clase contéstenlas en el cuaderno: a) ¿El título “Carta” de esta historieta está adecuado a la situación, o sea, al contexto? b) Con base en el tercer cuadro donde dice “La invito a bailar”, ¿es posible saber con cuál género de texto el personaje Condorito se comunicó? c) ¿Es adecuada la forma de tratamiento utilizada por Condorito? d) ¿Es posible que alguien aprenda a bailar por correspondencia? ¿Por qué? Justifica. 3. De acuerdo con la historia, el personaje Condorito aprendió a bailar por correspondencia. En el cuaderno, junto de tu compañero(a) de clase, investiguen si hay otros posibles cursos realizados por correspondencia y cómo lo son. A propósito, ¿es posible que estudien un idioma por correspondencia? ¿Cómo sería? 56 Luminária 15 2 ¿QUÉ SABES A RESPECTO? El coronel no tiene quien le escriba Y tú, ¿tienes quién te escriba? ¿una carta? A propósito, ¿qué es una carta? ¿Has visto una carta escrita en otro idioma? ¿Cuál? Si sí, ¿qué te pareció? ¿La has comprendido? ¿Para qué escribimos cartas? ¿Con cuál intención? ¿En qué situaciones son necesarias la producción de cartas? (...) Al rasgar el sobre con el cuchillo de la mantequilla, procedió con tan voluntaria impericia, que la operación excedió el minuto. «Tiene razón la gente, cuando dice que la venganza es el placer de los dioses», pensó, mientras se detenía a estudiar el sello estampado sobre la carátula, considerando cada rizo de la barba del prócer que lo animaba, y simulaba descifrar el inescrutable timbre de la oficina de correos de San Antonio, partiendo una crujiente miga de pan que se había impregnado al remitente. Ningún maestro del cine policial habría puesto al cartero en semejante suspenso. Huérfano de uñas, se mordió una por una las yemas de los dedos. El poeta comenzó a leer el mensaje con el mismo sonsonete con que dramatizaba sus versos: Estimado don Pablo. Quien le escribe es Rosa, viuda de González, nueva concesionaria de la hostería de la caleta, admiradora de su poesía, y simpatizante democrata-cristiana. Aunque no hubiera votado por usted, ni votaré por Allende en las próximas elecciones, le pido como madre, como chilena, y como vecina de isla Negra, una cita urgente para hablar con usted... A partir de este momento, más el estupor que la malicia hizo que el vate leyera las últimas líneas en silencio. La súbita gravedad de su rostro hizo sangrar la cutícula del meñique del cartero. Neruda procedió a doblar la carta, ensartó al muchacho con su mirada y terminó de memoia: -«...sobre un tal Mario Jiménez, seductor de menores. Sin otro particular, saluda atentamente a usted. Rosa, viuda de González.» Se puso de pie con íntima convicción: -Compañero Mario Jiménez, en esta cueva yo no me meto dijo el conejo. (...) Adaptado de: SKÁRMETA, A. El cartero de Neruda. 6. ed. Argentina: Plaza & Janés Editores S.A., 1998. p. 13-63. 3 REFLEXIONES SOBRE el contexto 1. Ahora, intenta completar lo que hace falta en el recuadro abajo basado en el contexto de producción del texto del personaje Rosa: 1 Situación de producción 2 Autor 3 Destinatario 4 Objetivo 5 Contenido União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 57 6 Espacio social de producción 7 Medio de vehiculación 8 Género textual 9 Soporte del género textual 10 Servicio de transporte 4 REFLEXIONES SOBRE la organización 1. Basado en el texto de Rosa, organiza el texto de acuerdo con su estructura composicional: Saludo inicial Contenido general Contenido específico Despedida Firma 5 REFLEXIONES SOBRE el lenguaje 1. En la carta, ¿qué quiso la remitente decir con “simpatizante democrata-cristiana”? ¿A qué se refiere la palabra? 2. En la expresión “viuda de”, ¿cuál es el efecto producido? ¿Por qué? 3. ¿Cuál es el tiempo verbal utilizado? Da ejemplos. 6 ¡A ESCRIBIR! Tu primera producción El coronel no tiene quien le escriba, y tú, ¿tienes quién te escriba o a quién escribirle? Para producir tu primera carta personal, deberás utilizar una hoja de papel como borrador y considerar los siguientes aspectos: 1º ¿A quién escribir? 2º ¿Quién es esta persona? 3º ¿Dónde vive? 4º ¿Con cuál objetivo escribir? 5º ¿Qué lenguaje utilizar: formal o informal? 7 REFLEXIONES SOBRE la organización TEXTO 1: Una vez más la literatura. A continuación lee el fragmento del texto literario intitulado “Boquitas pintadas” de Manuel Puig y póntelo en orden: Yo soy Nélida Fernández de Massa, me decían Nené, ¿se acuerda de mí? Ya hace bastantes años que vivo en Buenos Aires, poco después de casarme nos vinimos para acá con mi marido, pero esta noticia tan mala me hizo decidirme a escribirle algunas lineas, a pesar de que, ya antes de mi casamiento, usted y su hija Celina ya me habían quitado el saludo. Pese a todo él siempre me siguió saludando, pobrecito. Juan Carlos ¡qué en paz descanse! La última vez que lo vi fue hace como nueve años. Estimada doña Leonor: 58 Luminária 15 Yo, señora, no sé si usted todavía me tendrá rencor, yo de todos modos le deseo que Nuestro Señor la ayude, debe ser muy difícil resignarse a una pérdida así, la de un hijo ya hombre. Pese a los cuatrocientos setenta y cinco kilómetros que separan Buenos Aires de Coronel Vallejos, en este momento estoy a su lado. Aunque no me quiera, déjeme rezar junto a Usted. Me he enterado de la triste noticia por la revista Nuestra Vecindad y después de muchas dudas me atrevo a mandarle mi más sentido de pésame por la muerte de su hijo. Buenos Aires, 12 de mayo de 1947. Nélida Fernández de Massa Adaptado de: PUIG, M. Boquitas pintadas. 7. ed. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1970. p. 10. 8 REFLEXIONES SOBRE el lenguaje TEXTO 2: Lee el fragmento del texto de Alberto Buitrago “De viaje” y complétalo con una de las tres opciones: Madrid, 15 de agosto de 1993. ¿Te ________ (1), Marta? Hoy ________ (2) diez años... ¡Cómo pasa el tiempo! ________ (3) mucho, quizás demasiado, de ________ (4) día. Y todavía no sabemos qué pasó. Bueno, eso es el amor: no saber nada y saberlo todo, no creer nada y creerlo todo, ¿verdad? No sé por qué, pero hoy te quiero escribir. Hoy te quiero contar todo aquello sin ________ (5), sin ________ (5) delante, sin ver ________ (6) cara. Ya es el momento. Ya escribo bastante bien en español. Bueno, eso creo yo. Vuelvo dentro de un momento. ________ (7), Frank. Adaptado de: BUITRAGO, A. De viaje. Madrid: Santillana, 1997. p. 6-7. Para acordarse de algo: ( ) ¿acuerdas; ( Para demostrar cantidad de tiempo: ( Elige el tiempo verbal: ( ) aquel; ( ) tú; ( ) Te quiero; ( União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 ) su; ( ) ¿acuérdase ) hace; ( ) Hablemos; ( ) mirarle, tenerle; ( Usa el posesivo adecuado: ( Apunta la despedida: ( ) hacen; ( ) Hablaremos; ( Usa el demostrativo adecuado: ( Indica el complemento: ( ) ¿acuerda; ( ) aquello; ( ) hizo ) Hemos hablado ) aquél ) mirarte; tenerte; ( ) te mirar, te tener ) tu ) Un cordial saludo; ( ) Muy atentamente 59 9 REFLEXIONES SOBRE la organización Identifica, en los textos 1 y 2 las siguientes informaciones: Texto 1 Texto 2 El lenguaje (formal o informal) El local y la fecha El saludo El destinatario El remitente El asunto del texto La despedida La firma 10 ¿CÓMO ME FUE? Mi primera producción escrita Estás aprendiendo a escribir cartas. Mi carta tiene... Sí No un saludo inicial un contenido general un contenido específico una despedida una firma 11 ¡A CANTAR! Ve y escucha el siguiente videoclip y después rellena los espacios en blanco: Disponible en: <http://www.youtube.com/watch?v=L39lt QspbeA&feature=player_embedded>. Accedido el 10 jun. 2011. 60 Luminária 15 Escríbeme una carta Composición: Julio Fontana y Daniel Toro Una carta, mi amor sólo una carta que me cuente _________ de tu vida la gente que conoces, los _________ que te habitan, y me recuerde el llanto de nuestra despedida. Una carta, que diga que _________ más allá de todos los sentidos y que a pesar del tiempo que para todos pasa no hay tiempo entre nosotros, ni _________ ni distancia Escríbeme, con tinta de violetas en un _________ de amor olor a ausencia Escríbeme, poniendo en cada trazo la fiebre de tu pulso que se me vuelve _________ y es un abrazo tuyo Una carta, mi amor sólo una carta que me empañe los ojos de _________ Una carta que diga que me extrañas, que me _________ y que sigues siendo mía, sólo mía, siempre mía Una carta, mi amor. (...) 2. Ahora piensa acerca del contenido de esta letra de música y rellena el recuadro. Pon atención en la estructura de una carta. Coge tu primera producción y ponte a reescribirla: Saludo inicial: Contenido: a) los detalles de tu vida; b) los sueños que te habitan; c) lo que extrañas; d) lo que quieres; e) lo que te gusta; f) lo que no te gusta. Despedida: Firma: União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 61 12 REESCRITA de la primera producción Coge tu primera producción y ponte a reescribirla. Podrás solicitar la ayuda de tus compañeros(as) de clase y de tu propio(a) profesor(a) de Lengua Española. 13 PRODUCCIÓN final De esta vez, coge tu texto reescrito y pásalo a una hoja de papel (limpia, bonita o colorida), finalizando tu carta y, por fin, envíala a tu destinatario, en este caso, a otro(a) estudiante del idioma español. 14 ¿CÓMO ME FUE? Sobre... Yo sé... Sí Parcial No a) identificar los datos necesarios de una carta personal b) identificar todos los elementos que la componen c) identificar para qué sirve una carta d) identificar las características de las cartas e) utilizar el lenguaje adecuado el género carta f) utilizar los pronombres complementos h) utilizar los signos de puntuación i) expresar acciones utilizando los verbos en Presente j) relatar hechos acabados utilizando los verbos en Pretérito l) exponer asuntos con seguridad m) identificar el espacio de circulación de una carta SUGERENCIAS AL PROFESOR LITERATURA y CINE: Profesor(a), podrá usted proporcionar a los(as) alumnos(as) un momento para que lean la obra y/o vean la película, o parte de ella, o por lo menos un resumen y el tráiler, pues se trata de la obra literaria del escritor colombiano Gabriel García Márquez: MÁRQUEZ, G. G. El coronel no tiene quien le escriba. Barcelona: Editorial Bruguera, 1980. NINGUÉM ESCREVE AO CORONEL. Direção de Arturo Ripstein. Estados Unidos: Europa Filmes. Distribuidora, 1999. 1 DVD (118 minutos): sonoro, colorido. (Título original: “El coronel no tiene quien le escriba”). 62 Luminária 15 INTERCAMBIO: El coronel no tiene quien le escriba, y tú, ¿tienes quién te escriba o a quién escribirle? Profesor, en este momento podrá usted iniciar el “Proyecto de Intercambio de Correspondencias” entre los(as) alumnos(as) del 1º año/P1 del Curso Básico de Lengua Española del CELEM. Es necesario organizar el Proyecto, buscando otro(s) grupo(s) para corresponderse, por ejemplo: 1. desarrollar el Intercambio con alumnos(as) del CELEM de otra Escuela/Colegio de la misma ciudad; 2. desarrollar el Intercambio con alumnos(as) del CELEM de una Escuela/Colegio de otra ciudad; 3. desarrollar el Intercambio con alumnos(as) del CELEM de la misma Escuela/Colegio. Asimismo, es posible el desarrollo del Intercambio con alumnos(as) de otros países, también aprendices del Español como Lengua Extranjera, o con alumnos(as) de países en los cuales el idioma oficial es el Español. Valdrá la pena, desarrollar el Intercambio cuando los(as) alumnos(as) estén en el 2º año/P2 del Curso Básico de Lengua Española del CELEM, pues, de esa manera, el Intercambio iniciaría al principio del Año Lectivo, entre febrero y marzo. A lo largo del Intercambio (en el P1 o en el P2) podrá también explotar otros géneros textuales como las tarjetas conmemorativas (Pascuas, Cumpleaños, Amistad, Navidad, etc.). No se olvide que en la Unidad 2 del P2 del Curso Básico de Lengua Española del CELEM los(as) alumnos(as) producirán tarjetas postales, lo que podrá dejar el Intercambio mucho más rico e interesante. Una última sugerencia, es el Intercambio entre alumnos(as) de la Enseñanza Media que también estudian el idioma E União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 63 PRÁTICA DISTRIBUÍDA NO ENSINO DE LE: DO LABORATÓRIO À SALA DE AULA Leonilda Procailo1 Resumo: Esta pesquisa buscou a aplicação dos princípios da Prática Distribuída e da Prática Maciça da Psicologia Cognitiva, propostos por Ebbinghaus em 1885, a outras áreas do conhecimento em ambientes de ensino e investigou como os princípios se aplicam ao ensino de línguas de uma maneira geral, de língua estrangeira e de segunda língua. Após uma revisão dos trabalhos desenvolvidos em laboratório, identificaram-se trabalhos desenvolvidos em sala de aula que são consistentes com a hipótese de que informações apresentadas e repetidas em intervalos de tempo maiores – prática distribuída - têm maior probabilidade de serem lembradas no longo prazo. Para que se estendam as descobertas da Psicologia Cognitiva levando-se em conta o uso comunicativo da língua, e não somente a memorização de vocabulário, o levantamento aponta para a necessidade de se desenvolver mais pesquisas em sala de aula. Palavras-chave: prática distribuída; ensino de língua; memória. DISTRIBUTED PRACTICE IN FL TEACHING: FROM LABORATORY TO CLASSROOM Abstract: This article aims at presenting research on Distributed Practice and Massed Practice by the Cognitive Psychology, as developed by Ebbinghaus in 1885, applied to other knowledge domains in educational settings and investigating how these principles are applied to language teaching, foreign language or second language settings. A great array of laboratory studies was identified and very few were developed in language classrooms settings. They are all consistent with the view that learning is more efficient in the spacing condition – distributed practice. To extend the Cognitive Psychology findings to the communicative use of language beyond vocabulary memorizations, the study suggests the need to develop more classroom research. Keywords: distributed practice; language teaching; memory. 1 INTRODUÇÃO Estudos da Psicologia Cognitiva (PC) têm há décadas contribuído para a pesquisa na área de ensino-aprendizagem de línguas. Experimentos realizados em laboratório subsidiam a prática diária em todas as áreas no campo educacional e nos ajudam a entender o complexo sistema cognitivo humano. A sala de aula enquanto campo de investigação tem documentado importantes descobertas que o laboratório, com suas peculiaridades, não consegue e nem pretende realizar. 1 Leonilda Procailo é mestre em Linguística Aplicada e professora de Língua Inglesa na Universidade Estadual do Centro-oeste – UNICENTRO-Irati. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 65 O trabalho diário com o ensino de línguas estrangeiras em contextos em que o idioma não é falado, ouvido, lido nem escrito como prática de comunicação é exaustivo na medida em que pouco progresso pode ser mensurado a curto prazo. Diversas pesquisas têm revelado a necessidade de um trabalho sistematizado para que um aprendiz de um idioma estrangeiro consiga potencializar suas capacidades de retenção de vocabulário em qualquer atividade durante o processo de aprendizagem. Além da retenção, sua capacidade de uso do vocabulário, da estrutura aprendida em nível de discurso, necessita ser continuamente checada. O presente artigo apresenta uma revisão da pesquisa realizada pela psicologia experimental no que se refere aos estudos sobre aplicação de práticas de repetição ou retomada de conteúdos previamente estudados ao contexto educacional, mais especificamente aplicados ao ensino de língua estrangeira (doravante LE) ou segunda língua. De maneira a sistematizar a discussão e esclarecer conceitos comumente restritos à área da psicologia, primeiramente apresentarei algumas discussões acerca do papel da memória e sua relação com a aprendizagem. Em seguida, apresento os resultados de uma pesquisa bibliográfica sobre a aplicação dos princípios da Prática Distribuída e da Prática Maciça (Distributed practice versus Massed practice) propostos por Ebbinghaus em 1885/1964 a outras áreas do conhecimento que não a psicologia. A investigação fez um levantamento de estudos da PC que foram aplicados em sala de aula de LE ou segunda língua, ou seja, de experimentos desenvolvidos em ambientes de ensino de língua. Segundo Carpenter et al. (2012), a maioria dos experimentos da psicologia é realizada em ambiente de laboratório e, muitas vezes, a informação a ser aprendida é relativamente simples: resume-se à aprendizagem de listas de palavras ou de fatos triviais (p. 371). Partindo do pressuposto de que o ambiente de sala de aula é um espaço de conflitos e onde variáveis nem sempre podem ser controladas, buscou-se verificar quais estudos foram desenvolvidos nesse ambiente. O presente levantamento pode ser considerado de extrema relevância para a área de ensino de línguas tendo em vista que pesquisas dessa natureza são incipientes no Brasil, principalmente no que tange à aplicação experimental em sala de aula. 2 MEMORIZAÇÃO E RECUPERAÇÃO DE INFORMAÇÃO Ao estudarmos o contexto de ensino-aprendizagem devemos considerar dois processos que podem ser complementares ou não: memorização e aprendizagem. Embora muitos estudiosos não façam distinção entre eles, estes processos se distinguem na medida em que comumente se considera a memorização como a retenção de informação por um determinado período de tempo. Por outro lado, a aprendizagem parece estar relacionada à retenção e recuperação de informação a longo prazo. Quando se discute ensino-aprendizagem de língua estrangeira ou em qualquer contexto educacional, a grande preocupação do professor é como proceder para que não haja tanto esquecimento de conteúdo estudado, revisado e testado. Ou seja, o que é necessário fazer para que a aprendizagem não tenha uma duração tão curta, tendo como objetivo somente a avaliação? A partir de estudos da PC, é possível entender como nosso sistema de memórias funciona. Há três estágios a serem considerados: codificação, armazenamento e recuperação. Para que nos lembremos de algo que aprendemos ou vemos, é necessário que haja armazenamento da informação quando ela é recebida. Para isso, atribuímos ao item, à informação, alguma atenção. E é imprescindível que isso aconteça, ou talvez nos lembremos da informação somente de forma nebulosa, confusa. Nesse momento utilizamos a Memória de Trabalho, que processa a informação recebida e a manda para a Memória de Longo Prazo. O passo seguinte é o armazenamento da informação na nossa Memória de Longo Prazo. O bom armazenamento depende de como o item, ou a informação, foi codificado, ou seja, que etiquetas ou quais relações se estabeleceram antes do armazenamento. A 66 Luminária 15 forma como codificamos a informação, com o que a relacionamos, o contexto em que aconteceu, ou seja, traços ou pistas determinarão a facilidade ou não de recuperação da informação que guardamos. “Este armazenamento, então, deve permanecer intacto através das intervenções ao longo do tempo, pois outras informações serão acrescentadas e a anterior não pode se deteriorar.” (PROCAILO, 2012). Essa etapa da recuperação é um processo requisitado no momento do uso do vocabulário de uma LE, por exemplo. O ambiente instrucional é o espaço em que requisitamos que informações previamente apresentadas sejam ativadas pelos aprendizes. Os livros didáticos de ensino de LE, normalmente, não utilizam a retomada de informações como estratégia para retenção de vocabulário ou informação nova. Há revisão em forma de exercícios, porém o vocabulário recém-apresentado raramente é incorporado às lições seguintes. Trabalha-se com tópicos novos a cada unidade e cabe ao professor estar sempre retomando assuntos previamente estudados. Livros-texto apresentam um currículo em espiral, no entanto, o intervalo de tempo entre a introdução de um tópico e o respectivo vocabulário só é retomado no nível seguinte ou no ano seguinte. E é nesse contexto que a preocupação do professor gira em torno de questões como: o que fazer para que o aprendiz retenha vocabulário e saiba contextualizá-lo? Como a repetição pode ajudar e como ela deve ser conduzida? Não creio que a repetição descontextualizada e mecânica em forma de drills faça a diferença. O papel da repetição tem sido muito discutido no campo do ensino-aprendizagem de línguas. Desde estudos mais estruturalistas, que atribuíam ao exercício da repetição um papel preponderante na aprendizagem verbal, a estudos apresentados pela PC, que salienta o papel da repetição em atividades que se queira automatizar. No entanto, as visões das duas correntes são baseadas em observações diferentes: os behavioristas (de forma mais influente ao ensino de línguas estrangeiras) Watson (1924) e Skinner (1957) desenvolveram seus estudos a partir da observação do comportamento humano, sem levar em conta o papel da mente. A língua era vista como um conjunto de hábitos, cuja aprendizagem se dava por meio de repetição e formação de hábitos. Por outro lado, estudos sobre aquisição de língua materna ou estrangeira embasados na PC foram desenvolvidos a partir do estudo da mente, da observação de como a informação é processada pelo nosso sistema de memória. A repetição, então, é entendida como um processo que fortalece as conexões neurais e solidifica o armazenamento de um item na memória a longo prazo e facilita a sua recuperação. Alan Baddeley (1986, 1990), por exemplo, propôs que a memória de curto prazo pode ser usada em uma larga escala de tarefas cognitivas que envolvem manipulação de informação, tais como aritmética, leitura e compreensão e testes de memória de laboratório (HAMPSON; MORRIS, 1996). Segundo Sperling e Martin (2003) o psicólogo alemão Ebbinghaus iniciou alguns experimentos com a finalidade de estudar a memorização. Usando somente um relógio e um metrônomo e sendo o próprio sujeito das investigações, estudou um grupo de palavras com o propósito de memorizá-las. Para se evitar qualquer tipo de vinculação com aprendizado já existente e o processo levasse legitimamente a uma memorização por repetição, as palavras não tinham sentido algum; foram criadas para o estudo e tinham a estrutura consoante, vogal, consoante (CVC). Contando com o metrônomo, fazia uma pausa de quinze segundos entre os ensaios. Ebbinghaus descobriu, então, que a prática distribuída, com espaço de tempo entre as práticas é mais eficiente que a prática maciça, repetida sem intervalos. Repetições realizadas com intervalos de tempo de três dias deram resultados melhores na aquisição do vocabulário novo que repetições intensas, concentradas em um único dia. Relacionamos, assim, o conhecimento gerado por Ebbinghaus à aprendizagem de um modo geral. Penna (2001) evidencia a necessidade de um intervalo para a consolidação da aprendizagem: “A existência de um período de consolidação parece evidenciar-se pela ausência de retenção, sempre que o funcionamento cerebral é interrompido ou prejudicado imediatamente depois que a aprendizagem aparentemente processou-se.” O fator tempo seria preponderante para a eficiente memorização do material aprendido. O autor cita, ainda, o exemplo de um golpe na cabeça e a consequente perda da cons- União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 67 ciência, levando, posteriormente à impossibilidade de evocação dos fatos imediatamente anteriores ao choque. Segundo ele, Aprendizados que aparentemente se consumaram minutos antes de sua aplicação, na verdade, se perdem. A perda, todavia, apenas experimenta falta de fixação, pois é neste aspecto que o processo se compromete. Não terá havido armazenamento ou estocagem da experiência, precisamente por não se ter consumado o tempo necessário à consolidação do aprendizado (período de consolidação) (p. 114). Tais conceitos da psicologia já foram aplicados em outras áreas, como por exemplo na prática de exercícios físicos pela Educação Física (BURDICK, 1977; SCHMIDT, 1991). Nessa área refere-se à aquisição de aprendizagem motora, do desempenho de uma atividade física após transcorrido algum tempo do momento do ensaio. De maneira suscinta, explicitarei alguns termos utilizados pela PC para descrever a Prática Distribuída e a Prática Maciça. Denomina-se prática distribuída a prática que se realiza distribuída no tempo, com apresentações que não se seguem de maneira concentrada. O efeito dessa distribuição chamamos de efeito do espaçamento, ou spacing effect – o aumento da memória que ocorre quando há um intervalo entre as repetições da informação estudada (RICHLAND et al., 2007). Tais lacunas de espaço são denominadas de lags, medindo-se o efeito da quantidade de tempo nos espaçamentos, que podem ser de 1 segundo ou mais. Tomemos a definição de Prática Maciça apresentada por Cepeda et al. (2006): Prática maciça é quando a apresentação de itens de uma dada lista não é separada por nenhum outro item e o intervalo de tempo, denominado lag, é 0 segundo. Segundo os autores, usa-se o termo prática distribuída para apresentação de itens, palavras abrangendo tanto o efeito espaçamento quanto o efeito lag, sem fazer distinção entre eles. Um experimento típico realizado pela psicologia é feito em etapas em que os participantes vivenciam duas sessões de aprendizagem com intervalos de tempo. Um outro intervalo de tempo acontece antes do teste final, quando então os participantes são testados sobre a informação a que foram expostos nas duas sessões. De maneira didática, é necessária uma explanação sobre a razão pela qual o intervalo de tempo tem influência positiva na memorização e recuperação de informação. Segundo Reisberg (2001), o sistema cognitivo contém uma rede de associações que ajudam a ativar a memória e uma rede de significados. Como se fosse uma corrente elétrica, um simples estímulo, como uma palavra, por exemplo, pode acionar uma vasta rede de associações, como se fosse uma rede de estradas que conduzem a vários lugares. A rede de conexões precisa de um equilíbrio entre ativação e inibição. Reisberg lembra que à medida que o conhecimento do indivíduo avança, o nódulo-alvo provavelmente receberá insumo de vários outros nódulos e não de um só. Portanto, quanto mais palavras um indivíduo souber, mais conexões ele fará para ativar o esquema apropriado. Isso quer dizer que o acesso rápido à informação armazenada acontece se houver muitos caminhos para um item ou se um caminho for bem trilhado (PROCAILO, 2007). A partir desse entendimento, uma explicação para o benefício do intervalo, ou espaçamento, no processo de memorização e recuperação de informação pode estar na mudança de contexto proporcionada pelo intervalo, criando mais opções de acesso a uma informação armazenada. Kapler et al. (2012) apresentam duas explicações para o fato: Quando nosso cérebro codifica a informação sendo aprendida relaciona-a a outras informações recebidas recentemente e outras dicas contextuais presentes no ambiente de aprendizagem [por exemplo, o tom de voz do professor, a cor do giz, etc.] Se a mesma informação for apresentada duas vezes e as apresentações forem muito próximas (maciça), é provável que a segunda apresentação esteja num mesmo contexto que a primeira, não recebendo, portanto, a mesma atenção e sendo considerada enfadonha (s/p.) 68 Luminária 15 Outra teoria apresentada por Kapler et al. postula que a fase inicial da aprendizagem é geralmente superficial, baseada em características superficiais da informação. Ao ter contato com a informação uma segunda vez, o cérebro tenta reconstruir o ambiente inicial. Quanto maior o intervalo entre a fase inicial e a repetição, mais elaborado será o processo de reconstrução, levando a um armazenamento mais consistente da informação. 3 A SALA DE AULA COMO CAMPO EXPERIMENTAL Parto agora para uma apresentação dos trabalhos mais significativos encontrados a respeito do tópico Prática Distribuída, relacionando-o com o ambiente educacional ou desenvolvido nesse espaço. O efeito da prática distribuída é corroborado por vários autores: Bloom; Shuell (1981); Seabrook et al. (2005); Cepeda et al. (2006), Cepeda et al. (2008) Cepeda et al. (2009); Bird (2010), Sobel et al. (2011), Carpenter et al. (2012); Kornell (2009); Bahrick et al. (1993), “este último desenvolvido ao longo de 9 anos para verificar a retenção de vocabulário na língua francesa por sujeitos que haviam estudado francês algum tempo antes do experimento.” Nesta pesquisa identificaram-se relativamente poucos trabalhos relacionando as descobertas da PC com o contexto de ensino de língua inglesa como LE ou segunda língua. A partir dessa limitação, considero importante relacionar as pesquisas que se detiveram no estudo com língua de maneira geral, língua inglesa como língua materna e com língua francesa como segunda língua. O levantamento identificou artigos científicos que detalham pesquisas desenvolvidas em sala de aula. Carpenter et al. (2012) fazem uma revisão da pesquisa recente sobre o tópico e de suas implicações para a educação. Os autores discutem trabalhos que reforçam a importância do espaçamento entre o momento inicial de exposição a um determinado tópico e sua revisão e corroboram: “A literatura revisada aqui sugere que para promover retenção de conhecimento a longo prazo, os estudantes deveriam receber reapresentação de informação previamente aprendida num espaço de tempo.” (p. 375) e reforçam que essa revisão deve acontecer após várias semanas. O espaçamento entre as repetições é mais eficiente que o número de repetições. (ELLIS, 1995). Para tanto, recomendam o uso de tarefas extraclasse e testes cumulativos, o que levaria o aprendiz a revisar por conta própria. As contribuições de Bloom e Shuell (1981) estão entre as mais relevantes para a pesquisa na área de ensino de segunda língua. Após seu trabalho, um restrito número de pesquisas aplicando a prática distribuída em contextos de ensino se seguiu. Segundo os autores, as variáveis estudadas pela psicologia em laboratórios podem ter poucos efeitos na prática ou sua natureza não corresponde àquelas que o professor pode manipular em sala de aula. Assim, propõem aplicar a prática distribuída e maciça em um curso de francês como segunda língua, frequentado por estudantes de ensino médio. O estudo consistiu em ensinar palavras novas em francês, com a correspondente palavra em inglês. As atividades faziam parte da rotina do curso. Foram selecionados dois grupos de 26 alunos para cada modalidade de prática, distribuída e maciça. Os participantes receberam 20 pares de palavras para serem estudadas somente durante as aulas. O teste seria realizado ao final da semana. A prática distribuída consistia de três sessões de 10 minutos, distribuídas em três dias. A prática maciça concentrou as atividades em uma única sessão de 30 minutos. Dois testes foram aplicados após o trabalho com as palavras: o primeiro logo após a conclusão de cada unidade, conforme anunciado aos participantes, e outro quatro dias após o término das sessões, que não era do conhecimento dos participantes. As práticas consistiam em uma série de três exercícios trabalhados da seguinte maneira: O primeiro era um exercício de múltipla escolha, em que os participantes escolhiam a palavra em francês que correspondia a uma dada em inglês. O segundo tratava-se de uma sentença com lacuna para ser preenchida. O terceiro solicitava a palavra correspondente em francês para uma dada em inglês. Saliente-se que o vocabulário referia-se a profissões, conteúdo pertencente ao currículo do curso (p. 246). Cada exercício correspondia a uma União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 69 sessão, de maneira que a cada sessão os participantes estariam revisando o vocabulário -alvo. Os critérios de correção dos testes seguiram o padrão rotineiro do curso: menos 1 para resposta incorreta ou erro de ortografia e menos 1/2 para erros de acentuação. Os resultados dos dois grupos não tiveram diferenças significativas no teste aplicado logo após cada sessão, o que pode significar que o sucesso na memorização foi equivalente para as duas modalidades de prática. No entanto, o teste ocorrido 4 dias após o término das sessões demonstrou que o grupo que participou da prática distribuída em sessões de três dias, embora também tenha esquecido palavras, conseguiu lembrar um número superior de palavras. O estudo realizado por Bloom e Shuell se destaca pelo intervalo entre as sessões da prática distribuída: acima de uma hora. Os pesquisadores salientam que um intervalo dessa natureza não havia sido investigado até o momento. O pioneirismo da sua pesquisa traz contribuições relevantes para a prática da sala de aula: Ao mesmo tempo em que as presentes descobertas corroboram com vários estudos conduzidos em laboratórios com listas de palavras descontextualizadas [Keppel, 1964, 1967; Underwood & Ekstrand, 1967; Shuell, Nota 1] demonstram pela primeira vez que a prática distribuída pode ser usada em conjunto com atividades regulares para se obter avanços substanciais na prática da memorização de palavras (BLOOM; SHUELL, 1981, p. 247). O estudo pioneiro de Bloom e Shuell significou um avanço para a pesquisa do complexo processo da memorização e aprendizagem. Uma importante observação dos pesquisadores salienta que não está claro se a prática distribuída pode ser estendida a outras formas de trabalho em sala de aula, que sejam mais significativas. O importante é notar que a distribuição da prática contribui para algum tipo de retenção de aprendizagem comumente praticada em ambientes educacionais. Os experimentos de Seabrook et al. (2005) estão entre os mais significativos para o trabalho com línguas. Embora tenham sido desenvolvidos em sala de aula de língua inglesa como língua materna, apresentam-se como um salto que contribui para o aperfeiçoamento de experimentos em ambientes de ensino. O que se destaca é que os experimentos foram realizados com faixas etárias diferentes: estudantes de 5 anos de idade a estudantes de graduação. Outros trabalhos significativos como o de Bahrick et al. (1993), que, embora tenha sido desenvolvido longitudinalmente para verificar a capacidade de retenção de vocabulário pelos sujeitos ao longo de 9 anos, não será detalhado aqui por fugir ao escopo da pesquisa: não foi desenvolvido em sala de aula, embora se refira à aquisição de vocabulário de língua estrangeira. Segundo Seabrook et al. (2005), embora haja comprovação da eficiência da prática distribuída sobre a maciça, há poucos estudos relacionando os benefícios da prática distribuída ao trabalho em sala de aula. Seabrook et al. estabelecem uma ponte entre o laboratório e a sala de aula e apresentam, também, o efeito da interrupção ou espaçamento (spacing effect). O efeito do espaçamento é definido pelos autores como a repetição de determinado item ou informação após transcorrido um intervalo de tempo. Como ilustração, suponhamos que se queira memorizar uma lista de determinadas palavras. A repetição será mais eficiente se houver uma interrupção dessa lista com palavras novas, corroborando o princípio de que a aprendizagem distribuída produz melhores resultados que a maciça. Isto é conhecido como lag effect, ou efeito Melton. Os experimentos de Seabrook et al. (2005) são abrangentes porque apontam diferenças entre faixas etárias, principalmente no que se refere ao intervalo de tempo. Os pesquisadores salientam que o intervalo de tempo entre a apresentação e a repetição para jovens e crianças deve ser mais curto que para adultos. Num total de três descritos pelos autores, o primeiro experimento apresentado no relatório foi realizado em laboratório, segundo os autores, para um maior controle das 70 Luminária 15 variáveis. Assim, o experimento 1, realizado com participantes que variavam entre 5 anos de idade a estudantes universitários, foi realizado em situações mais realistas em laboratório, para depois serem confrontados com os desenvolvidos em sala de aula. Para uma melhor relação dos dados dos participantes com sua capacidade de memória de trabalho, os pesquisadores realizaram testes chamados digit span para medir a capacidade da memória de trabalho dos participantes. A hipótese dos pesquisadores visa replicar resultados da teoria de Wilson (1976): crianças mais novas memorizariam melhor com intervalos de 1 do que de 0 segundos. Porém, não com intervalos maiores. Ao contrário, adultos teriam um desempenho melhor quanto maior fosse o intervalo. Os resultados foram relacionados com a capacidade de memória de trabalho, que varia de indivíduo para indivíduo e com a idade. Para o experimento 1, foram selecionados 119 participantes, de cinco faixas etárias diferentes: 5 anos e meio; 7 anos e meio; 10 anos e sete meses; 13 anos e sete meses; 19 anos e 4 meses. Formaram-se grupos contendo aproximadamente 50 % de participantes masculinos e 50% de participantes femininos, exceto para o grupo de 19 anos, que foi de 19 integrantes masculinos para 5 femininos. Aos participantes foram apresentadas listas de palavras a serem memorizadas. As listas eram interrompidas por palavras novas em intervalos pré-estabelecidos e, então, repetidas novamente. O experimento realizado em laboratório chegou a conclusões diferentes da de Wilson (1976): todas as faixas etárias se beneficiaram dos intervalos entre os itens apresentados e não há diferenças qualitativas entre as faixas etárias. O experimento 1 demonstrou que o espaçamento entre os itens a serem memorizados é igualmente importante para a memória tanto de adultos quanto para a de crianças de todas a idades, independentemente da capacidade de sua memória de trabalho. O experimento 2 contou com a participação de 20 crianças de aproximadamente 6 anos e 16 adultos, a maioria alunos de graduação. Nenhum deles havia participado do experimento 1. As palavras utilizadas no experimento 2 foram retiradas do grupo de palavras do experimento 1. Uma lista de 4 palavras a serem lembradas foi apresentada 4 vezes consecutivas; uma palavra 2 vezes após 4 outras novas (prática distribuída parcial) e uma palavra foi apresentada uma única vez. A lista principal continha 40 palavras. As técnicas resumem-se da seguinte maneira: clustered - um grupo de palavras repetidas em série; massed - uma palavra sendo repetida sem interrupção; distributed - uma palavra sendo repetida após o aparecimento de outra. Nesse experimento os resultados obtidos foram os seguintes: as apresentações distribuídas resultaram em uma recuperação de itens melhor que nas duas outras técnicas: clustered (em grupo) e massed (de maneira concentrada). O resultado foi satisfatório com crianças e adultos. Para os autores, há benefícios em se utilizar a prática distribuída no ambiente educacional. Como ilustração, apresentam brevemente dois programas de leitura no Reino Unido que trabalham com as duas práticas: National Literacy Strategy (NLS), práticas de alfabetização em sessões de 1 hora de duração ao dia em contraste com o programa Early Reading Research (ERR), que distribui as sessões em três vezes de 12 minutos ao dia. E assim o experimento 3 vai à sala de aula. Para comprovar que as sessões de leitura, distribuídas em períodos curtos ao dia, por alguns dias, levarão a um aprendizado melhor, os pesquisadores interferiram na prática de leitura na sala de aula com a ajuda de professores experientes. A prática maciça é raramente utilizada em sala de aula. Portanto, o experimento 3 não a considerou. Utilizou como contraste a prática clustered (concentrada). Os elementos da leitura utilizados neste experimento foram a correspondência entre fonemas e combinações de letras que os representam e leitura de palavras foneticamente regulares. 34 crianças de 5 anos e meio e duas escolas com perfis similares participaram (12 crianças de uma escola e 22 de outra). Os professores das duas escolas seguiram os mesmos procedimentos para ensinar leitura e as sessões aconteciam 3 vezes ao dia. As sessões variavam de uma para outra da seguinte maneira: 3 sessões de 2 minutos por dia (prática distribuída) em uma escola e uma sessão de 6 minutos ao dia (prática clustered). União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 71 Durante o experimento, apesar de as palavras variarem de sessão para sessão, poucas novas palavras eram apresentadas, de maneira que o mesmo material era repetido em cada sessão do experimento. Os resultados demonstraram que as crianças que foram expostas às sessões de prática distribuída apresentaram melhora significativa na leitura, superior às crianças expostas às sessões de prática clustered. Os pesquisadores tentaram demonstrar que, ao aplicar os estudos desenvolvidos em laboratório à prática de sala de aula, foi possível chegar a resultados significativos na aprendizagem e a três conclusões relevantes: Primeira, a de que crianças de todas as idades apresentam o mesmo resultado, ao se aumentar o espaçamento entre a aprendizagem de determinado item, que os adultos; e o resultado não está relacionado a sua memória de trabalho. Segunda, mesmo em ambiente com condições de controle de variáveis em apresentações clustered, a prática distribuída é mais significativa. A terceira conclusão é a de que a prática pode ser aplicada à sala de aula. A pesquisa de Seabrook et al. foi uma das mais relevantes encontradas a respeito do uso da repetição distribuída em sala de aula de língua. Outros trabalhos mais específicos com língua estrangeira serão apresentados na sequência. O trabalho de Bird (2010) está entre os mais citados na discussão da prática distribuída. Sua pesquisa teve como foco os efeitos de diferentes práticas na aprendizagem de gramática em curso de proficiência em inglês para estudantes universitários. Os questionamentos que o levaram a desenvolver o estudo giravam em torno de questões como de que maneira a prática interfere na cognição e no aprendizado, e como otimizar o tempo das práticas na rotina de sala de aula. As dúvidas apontadas por Bird são conflitos diários no trabalho com ensino de línguas. Não raro, o(a) professor(a) se vê entre dois extremos: de um lado, a necessidade de exposição do aprendiz a situações de uso da língua-alvo; de outro, a necessidade de retomar conteúdos, vocabulário já trabalhado para garantir que foi assimilado. Controvérsias surgem, então, na quantidade das repetições e revisões adequadas para uma memorização e recuperação da informação aprendida. Assim, Bird considera que o ambiente de aprendizagem de uma língua estrangeira não se diferencia de nenhum outro ambiente de aprendizagem. Sendo enfadonho e com repetições mecânicas, qualquer outro espaço de aprendizagem será negativamente afetado. Um dos fatores que contribui para que a prática distribuída traga melhores resultados que a maciça é a mudança de ambiente de uma sessão para outra, fazendo com que o aprendiz/participante relacione o conteúdo a ser aprendido a contextos diferentes, enriquecendo os traços ou links na memória, facilitando a recuperação da informação posteriormente. Na literatura, encontramos vários estudos como os de Serrano e Munoz (2007) Não está nas referências e Spada e Lightbown (1989), que comprovam a eficácia dos cursos intensivos para a aprendizagem da língua estrangeira. Nessa realidade, a prática maciça pode ser mais eficaz. Para verificar as afirmações de Serrano e Munoz (2007), Bird propõe desenvolver sua pesquisa controlando o espaçamento entre as sessões de repetição e de teste. O autor esclarece que a prática maciça, peculiar aos cursos intensivos, pode ser positiva quando se realizam testes em um curto intervalo de tempo entre a última prática e o teste. Não contribuiria, no entanto, para uma retenção a longo prazo. Esses intervalos, chamados na psicologia aplicada de Intervalo de Retenção (IR) e Intervalo de Intersessões (IIS), são variáveis que precisam ser consideradas no trabalho de Serrano e Munoz, pois explicam os resultados expostos por Bird: Os resultados de tais estudos têm sido tomados como mérito relativo dos cursos de línguas intensivos comparados com os cursos mais espaçados, mas estes resultados comparativamente altos podem não se aplicar ao IR a longo prazo. A partir dessa característica, a pesquisa de Bird se diferencia de outras pelo controle do espaçamento IIS e IR. Ele explica também que uma pesquisa desenvolvida em um ambiente de aprendizagem de línguas não pode ser comparada a pesquisas normalmente 72 Luminária 15 desenvolvidas pela psicologia, ou seja, a investigação em um ambiente de ensino utiliza-se de tarefas mais abrangentes, diferentes das comumente utilizadas em laboratório. Nesse sentido, a prática distribuída dificilmente poderia ser medida considerando-se a aprendizagem de uma maneira global. Levando-se em consideração esse aspecto, o trabalho de Bird teve como foco a gramática. Sua pergunta de pesquisa foi: “A prática distribuída pode afetar a habilidade dos aprendizes de inglês de maneira que possam distinguir o uso do Simple Present, Present Perfect e Past Perfect em testes de proficiência a curto e longo prazos? “ (p. 442). Dessa maneira, o pesquisador objetivava explorar como a retenção de informação na prática distribuída contribui para a aquisição de conhecimentos mais abstratos e complexos que a memorização de listas de vocabulário. Os participantes de sua pesquisa foram falantes de malaio, acadêmicos dos cursos de Economia e Negócios, que frequentavam cursos de língua inglesa na universidade, e com um escore que indicava um nível intermediário de proficiência na língua-alvo. Bird optou por focar a estrutura gramatical fora dos contextos e tópicos tratados no curso para um maior controle das variáveis. Era preciso certificar-se de que os participantes não dedicassem nenhum outro momento ao estudo dos tópicos abordados no experimento. As frases com tempos verbais eram apresentadas aos participantes, incluindo-se algumas com algum tipo de desvio: tempo ou aspecto. O pesquisador utilizou os intervalos IIS de 3 e 14 dias e os intervalos de teste IR foram de 7 e 60 dias, considerando a característica dos cursos, que duravam um semestre de 14 semanas. Os resultados comprovaram que, para avaliações a curto prazo, a intensidade das repetições (característica da prática maciça) é mais eficiente. Todavia, a grande confirmação refere-se à importância da distribuição da apresentação do conteúdo. Bird concluiu que, para uma retenção da informação a longo prazo, é necessário um intervalo longo entre as exposições ao conteúdo, repetições e, da mesma maneira, um intervalo longo para o teste, confirmando os benefícios da prática distribuída no trabalho com língua estrangeira. Saliente-se, porém, que a pesquisa foi desenvolvida em ambiente controlado, em que os participantes puderam focar sua atenção à forma verbal. Seria isso possível no caso de o foco ser a fluência? Pesquisas que investiguem um ensino de língua estrangeira com foco na comunicação precisam ainda ser desenvolvidas. O estudo de Bird demonstrou que a prática distribuída é mais eficiente quando se trata de conteúdo que exija repetição, como revisão gramatical. O autor coloca como desafio, ainda a ser enfrentado, a comprovação da prática distribuída em contextos autênticos de aprendizagem de LE. Embora tenha sido desenvolvido em ambiente de ensino, o trabalho de Bird está muito distante de refletir uma prática que abarque as complexidades do uso proficiente de uma língua estrangeira. O uso de estruturas gramaticais adequadas em contextos de comunicação reais é uma tarefa um pouco mais complexa. Identificar uma forma gramatical não necessariamente leva ao uso adequado dela na interação. Para que isso ocorra, a prática intensiva parece trazer resultados melhores. O trabalho de Sobel et al. (2011) propõe-se a contribuir para a escassa literatura acerca da aplicação da prática distribuída ao ambiente de ensino. Embora seu experimento tenha sido realizado em sala de aula de ensino de língua inglesa como língua materna, farei uma breve exposição dos resultados. 39 participantes foram selecionados do quinto ano de uma escola de Ontário. Foram apresentadas aos alunos oito palavras em língua inglesa, consideradas novas pelos pesquisadores por não figurarem no currículo do quinto ano. Após a apresentação das palavras-alvo e suas definições e uso em contextos pelo professor em uma projeção, procedia-se à realização de atividades de três páginas: na primeira, constavam as 4 palavras a serem aprendidas, na segunda, apareciam as definições das palavras e na terceira havia espaço para que os aprendizes escrevessem União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 73 a definição da palavra aprendida e usassem-na em uma sentença diferente daquela exposta pelo professor. A repetição da prática ocorreu de maneira maciça, 1 minuto após a primeira sessão e de maneira espaçada, uma semana após. Após um intervalo de 5 semanas após a segunda sessão, procedeu-se ao teste para verificar a retenção. O teste solicitava as definições das palavras apresentadas e praticadas nas duas modalidades. Controladas as variáveis, os resultados demonstraram que as palavras apresentadas e revisadas nas condições de espaçamento de uma semana tiveram um resultado 3 vezes melhor que os resultados na prática maciça, ou seja, realizadas em intervalo de 1 minuto. A revisão realizada em um espaço de tempo maior resultou em uma retenção de vocabulário superior. Os autores atribuem os resultados da prática distribuída à hipótese da variabilidade de codificação de Glenberg (1979), assim definida por eles: A hipótese da variabilidade de codificação propõe que um item é normalmente codificado na memória juntamente com um contexto específico (por exemplo, a entonação do professor durante a leitura das definições, ruídos no ambiente, eventos que precedem o evento do estudo, etc.) Este contexto deixa uma variedade de traços. Quanto maior for a quantidade de traços, mais caminhos de recuperação haverá para lembranças posteriores. Uma vez que a prática distribuída possibilita mais variações no contexto, por ocorrerem em momentos distintos, nesse caso uma semana, a prática distribuída possibilita uma memorização maior (p. 765). Kornell (2009) realizou experimentos com estudantes universitários e fez um levantamento de suas crenças. Os resultados apresentados por Kornell (2009) demonstraram que, apesar da crença dos estudantes de que realizar estudos de forma concentrada antes de um teste contribui para a memorização, a prática distribuída é responsável por uma aprendizagem de longo prazo, que não se encerra no teste. Os experimentos de Kornell foram realizados online e os participantes puderam participar de onde estivessem. Sua pesquisa não será detalhada por não ter sido realizada em sala de aula. No entanto, traz contribuições importantes às discussões. Kornell defende que a prática maciça pode trazer resultados positivos se o objetivo é passar em um teste porque o tempo entre o estudo e a recuperação da informação é curto, não há tempo para o esquecimento. No entanto, os objetivos da educação são de que o aprendizado permaneça na memória do aprendiz por longo período. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Grande parte dos experimentos com prática distribuída e maciça foi realizada em laboratório e com listas de palavras. A aprendizagem de uma língua estrangeira envolve informações e habilidades cognitivas que, do ponto de vista qualitativo, são diferentes dos tipos de conhecimento normalmente testados na maioria dos experimentos com características de muito controle em laboratórios. Muito embora os estudos aqui apresentados como realizados em sala de aula tenham comprovado a eficácia da prática distribuída, demonstram um trabalho bastante controlado, o que não nos permite visualizar como prática rotineira em um ambiente de ensino. Apesar da artificialidade aparente dos estudos aqui levantados, é possível vislumbrar inúmeros benefícios da prática distribuída e do efeito do espaçamento entre a exposição de um determinado assunto, sua retomada e a avaliação. É possível concluir que para uma aprendizagem a longo prazo, o intervalo maior entre essas fases pode levar a uma retenção que vai além do teste. Por outro lado, o uso de drills no trabalho com línguas corresponde à prática maciça. A mera repetição mecânica não demanda atenção e a informação, não sendo distribuída no tempo de maneira que possa haver retenção a longo prazo, assimilada dessa maneira terá uma retenção superficial. 74 Luminária 15 Estendendo as conclusões do estudo para práticas mais comunicativas de língua, equivale a dizer que práticas que envolvam o uso de determinadas funções ou vocabulário serão mais eficazes se não se encerrarem na apresentação e uso imediato. Retomadas após um intervalo de tempo, contribuirão para uma retenção mais sólida da informação e sua consequente recuperação. No entanto, pesquisas acerca de trabalhos com conceitos, com o uso da língua em contextos discursivos necessitam ser desenvolvidos. A partir das descobertas da PC, há a necessidade de a linguística aplicada desenvolver pesquisas que possam levar em conta o uso da língua em contextos de comunicação. Estudar línguas não pressupõe treino para memorização de palavras. Essa pode ser uma etapa da qual se lança mão em casos extremos e pode ser um procedimento muito individual. Não significa, porém, que a memorização seja um tabu. Não raro, necessitamos de truques e técnicas para otimizarmos nossa memória. O presente levantamento demonstrou que o intervalo é nosso aliado. REFERÊNCIAS BAHRICK, H. P.; BAHRICK, L. E.; BAHRICK, A. S.; BAHRICK, P. E.. Maintenance of foreign language vocabulary and the spacing effect. American Psychological Society, v. 4, n. 5, September 1993, p. 316-321. BIRD, S. Effects of distributed practice on the acquisition of second language English syntax. Applied PsychoLinguistics, v.31, 2010, p. 635–650. BLOOM, K. C., SHUELL, T. J. Effects of massed and distributed practice on the learning and retention of second-language vocabulary. Journal of Educational Research, v.74, 1981, p. 245–248. BURDICK, K. J. Effects of massed and distributed practice on the learning and retention of a novel gross motor skill. Master’s Thesis. 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[...] Não é verdade que o texto possa se desenvolver em qualquer direção: há uma necessidade que rege um texto e que vem da relação com a exterioridade (ORLANDI, 2004, p. 14-15). Resumo: Nosso objetivo, com este texto, é colocar a leitura em suspenso, a partir dos pressupostos teórico-metodológicos da Análise de Discurso, de orientação francesa. Nessa perspectiva, a língua funciona por uma base linguística que integra os processos discursivos, marcando, em função disso, a autonomia relativa da língua, do que demanda problematizá-la a partir de dois reais – o da língua e o da história – perguntando pelo lugar da gramática e da historicidade na concepção da leitura como prática discursiva. Para dar conta desse objetivo, realizamos um gesto interpretativo em torno de textualidades midiáticas que enfocaram as manifestações de rua em 2013, considerando os efeitos de sentidos dados pela língua ligada à exterioridade e a relações metafóricas. Palavras-chave: texto, memória, leitura discursiva. READING AND DISCOURSIVITY: THE PLACE OF LANGUAGE AND GRAMMAR Abstract: Our goal, with this text, is to put the reading on hold, from the theoretical and methodological assumptions of Discourse Analysis, from French orientation. In this perspective, the language works through a linguistic basis that integrates the discursive processes, marking, on that basis, the language relative autonomy, which demands problematizing it from two reals - the one of the language and the one of the history - asking for the place of grammar and historicity, in the reading conception as a discursive practice. To realize this goal, we performed an interpretive gesture around mediatic textualities that focused on the street demonstrations in 2013, considering the meaning effects given by the language related to externality and metaphorical relationships. Keywords: text, memory, discursive reading. 1 Doutorado em Letras (UFSM), professora do Departamento de Letras (DELET), Coordenadora do Laboratório de Estudos Linguísticos e Literários – LABELL - e do Mestrado em Letras, da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO. Apoio Fundação Araucária. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 77 1 PRIMEIRAS PALAVRAS: UMA INTRODUÇÃO O que nos move no exercício de leitura proposto, neste artigo, e nos “encoraja” a colocá-la em suspenso é, em primeiro lugar, o funcionamento da mídia na divulgação/ circulação dos acontecimentos da atualidade, atendendo como diz Orlandi (2004 p. 15) à existência “de uma necessidade que rege um texto e que vem da relação com a exterioridade”. A compreensão disso, segundo a mesma autora, decorre da concepção do texto em sua ordem e não em sua organização. Nesse sentido, consideramos ainda, na esteira de Orlandi (2004), que a organização de todo e qualquer texto, em materialidade é, sempre já, um gesto de leitura e isso por várias razões, destacando-se o fato de o sujeito inscrever-se em formações discursivas, que determinam a sua relação com o contexto sócio-histórico, com a exterioridade e a interpelação do sujeito pelo ideológico e o atravessamento pelo inconsciente. Nessa relação, o sujeito ocupa a posição-autor, que “é aqui uma posição na filiação de sentidos, nas relações de sentidos que vão se constituindo e que vão formando redes que constituem a possibilidade de interpretação”, afirma Orlandi (2004, p. 15). No que se refere à leitura, retomamos Orlandi (2004) e nos concentramos na concepção de autoria trabalhada por ela, tendo em vista um mesmo acontecimento discursivisado de modo distinto e circular diferentemente na mídia, o que significa dizer que as memórias mobilizadas não são as mesmas e as filiações são igualmente distintas; consequentemente, os sentidos sempre poderão ser outros. Orlandi (2004, p. 17) destaca que “há formas históricas da função-autor diferentes umas das outras. Não porque a cronologia seja constitutiva, mas porque a relação do sujeito com a linguagem pode se transformar”. Diante dessas considerações e com o objetivo de praticar leitura como exercício interpretativo e de colocá-la em suspenso, colocamo-nos no lugar de analistas e ancoramonos na teoria do discurso. Para isso, recortamos o tema “manifestações de rua”, que povoou o país, no ano de 2013, a partir do mês de junho, propondo a leitura/interpretação/compreensão do funcionamento discursivo desse acontecimento político, por meio de textos que circularam em revistas semanais e em jornais. O recorte em torno dessa temática são palavras de ordem e chavões, que sinalizam para os apagamentos e as visibilidades estruturadoras das textualidades selecionadas em torno desse evento, presentes, sobretudo, no editorial do jornal Diário Catarinense, que se propõe a analisar esse acontecimento político e social. As palavras de ordem e os recortes advêm do corpus constituído por duas capas de revistas: a Revista Isto É, de 2 de dezembro de 2013, referindo-se ao manifestante “sem máscaras”, que foi às ruas de forma “pacífica”; e a capa da Revista Época, de 11 de novembro de 2013, que se estrutura pela afirmação “Os Black blocs sem máscara” e pelo enunciado-imagem de um sujeito-feminino vestido de preto, com capuz e com o rosto descoberto. Recortamos, ainda, além destas duas revistas, sequências discursivas retiradas das matérias sobre as manifestações e os protestos. Nessas materialidades, vale destacar como os manifestantes se definem e como os black blocs marcam as suas posições, mostrando que manifestar-se e protestar constituem-se como duas práticas discursivas distintas. Agregamos a essas duas materialidades uma terceira: o editorial do Diário Catarinense, veiculado no dia 26 de dezembro de 2013, p. 12, intitulado “O Brasil nas ruas”, que trata, assim como as anteriores, das manifestações de rua, incluindo os protestos. Entendemos que essa terceira materialidade, que circulou após as outras duas, retoma a mesma temática e interpreta a ida dos brasileiros às ruas, sustentando, discutindo posições e efeitos de sentidos. Nas análises, destacamos como um texto retoma o outro, constrói redes e sustenta esse discurso. Diante das materialidades destacadas e do que é dito em torno de um mesmo acontecimento – manifestação de rua – em cada uma delas, observamos que nas três matérias ocorre um entrelaçamento e os mesmos fatos são discursivizados, instaurando efeitos de sentidos distintos, resultantes de diferentes gestos de interpretação. Esses gestos têm 78 Luminária 15 origem na mídia, a qual de acordo com Orlandi (2004, p. 16) “é um lugar de interpretação [...] e ela rege a interpretação para imobilizá-la”. A mídia não só imobiliza a interpretação, mas também direciona-a e a encaminha, considerando a política editorial dos veículos midiáticos em que as materialidades circulam e fazem sentido de acordo com as formações ideológicas em funcionamento. O direcionamento do sentido decorre das posições do veículo midiático e atendem a objetivos nem sempre revelados, referendando o posicionamento de Orlandi (2004) quando afirma que os sentidos não são aleatórios, mas encaminham para direções previamente determinadas. Os fios condutores de nossas reflexões são a língua, a gramática e a historicidade, que se materializam por metáforas e instauram ambiguidades, deslocamentos, sinalizando, portanto, para o funcionamento das regras da língua como produtoras de jogos ideológicos, visibilizados por redes, porque por elas/nelas ressoam memórias pelas quais o mesmo se repete e pela repetição instaura o novo, o diferente, a polissemia. É pela memória (interdiscurso) e seus funcionamentos, que acontecimentos se entrelaçam, convocando e fazendo trabalhar discursos inscritos em diferentes domínios por meio de não-ditos, do que ficou a dizer, legitimando e sustentando efeitos de sentidos outros. 2 POSICIONAMENTOS E DISCUSSÕES: LEITURA E DISCURSIVIDADE Na perspectiva do texto e do discurso, o sentido é sempre inacabado e constitui-se como um efeito, dentre outros, sempre possíveis, mas não aleatórios. A possibilidade de o sentido sempre ser outro é dada pelos deslizamentos, pelos pontos de deriva, pela língua em sua falha e falta constitutivas. Isso nos impulsiona a enfocar o funcionamento da língua pelo retorno à gramática e pelos modos como pela metáfora, pela memória e pelas condições de produção de um texto os efeitos de sentidos movimentam-se. Esse movimento ocorre pela relação entre palavras, juntamente com as condições que lhe são próprias/inerentes e fazem com que ressoem memórias e nelas/por elas discursos outros, sinalizando que o emprego de uma palavra convoca acontecimentos e faz funcionar a história, não como dado, mas como historicidade. Orlandi (2004, p. 17) destaca que “o gesto de interpretação fora da história, não é formulação (é fórmula), não é ressignificação (é rearranjo)”, destacando com isso, a exterioridade, como um dos componentes do contexto sócio-histórico, que mostra as materialidades relacionadas umas com as outras porque acontecem em uma formação social e um tempo histórico determinado e relevante para que os efeitos de sentidos se constituam/estruturem. A epígrafe com que iniciamos este texto ancora e legitima nossas posições em torno do texto e da sua relação com a historicidade, pela qual o passado funciona na reatualização/sustentação dos efeitos de sentidos pela língua/linguagem, da gramática e pela sua autonomia relativa. Ainda em relação à epígrafe destacada e o posicionamento da autora em torno do texto, sublinhamos que um dos equívocos em torno da leitura advém de posicionamentos que engendram o texto como podendo ser sempre outro. Orlandi (2004, p. 15) enfatiza o direcionamento dos sentidos dados por demandas que se constituem em cada materialidade. De acordo com a autora, “há uma necessidade que rege um texto e que vem da relação com a exterioridade”. Esse posicionamento referenda a relação entre os efeitos de sentidos e as condições de produção, que envolve cada materialidade e, também, as diferentes qualidades de memórias trabalhadas por Orlandi (2004). Vale destacar que a relação com a exterioridade resulta da língua na história, de acordo com Pêcheux (1997), Gadet e Pêcheux (2004) e entrevista de Pêcheux e Gadet (1991) que se encontra entre os textos do autor, selecionados por Orlandi (2011) e Milner (1987). Nesses textos teóricos, a língua é significada a partir da metáfora, que de acordo com Gadet e Pêcheux, caso fosse analisada em sua literalidade, reduziria a língua à realidade, implicando, segundo os autores, a representação da língua sem distanciamentos, impossibilitando deslocamentos históricos no campo das formulações. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 79 Interessa-nos, no que tange à língua, dar visibilidade ao seu funcionamento a partir de dois reais, aliando nesses dois reais o funcionamento da gramática e o modo como deve/ pode/é trabalhada na escola, bem como suas implicações na leitura. Destacamos a língua permeada pelo real da língua e da história, priorizando efeitos de sentido (definidos por Pêcheux (1997, p. 160) como evidências de que as palavras dizem o que realmente querem dizer), por meio de injunções do histórico e do social. Essas reflexões ancoramse na Análise de Discurso, introduzida por Pêcheux, a partir de 1960 e praticada por Orlandi no Brasil. Demanda, dessa filiação, a necessidade de o estudioso da língua e da linguagem posicionar-se teoricamente, colocando no mesmo eixo esses componentes, tomando-os como processo. Nessa perspectiva, a concepção de língua é aquela que dá conta não só das regularidades com que trabalha a gramática, mas também do seu funcionamento social e histórico, deslocando os sentidos da gramaticalidade. A consequência imediata dessa perspectiva está na língua estruturada por dois “reais”: o da língua e o da história. Pelo real da língua, de um lado, funciona a negação da univocidade e destacam-se as suas regularidades como um modo de instaurar evidências de homogeneidade. O real da história, de outro lado, abarca a impossibilidade de a língua constituir-se como totalidade, tendo em vista o funcionamento da contradição, que afeta a materialidade em seu funcionamento discursivo. Sustentamos nossas posições no pressuposto de que, no âmbito da gramática e de suas regularidades, irrompe o equívoco, sinalizando que há, na língua, espaços para a incompletude, para o impossível, para a opacidade. Nessa direção, vale contrapor a concepção de língua e de linguagem que embasa a gramática tradicional, que irrompe e circula socialmente como um efeito de pré-construído, como “um já dito e significado antes em outro lugar” (PÊCHEUX, 1997, p. 156) e a língua em seu funcionamento social e discursivo, a partir de discursos, que se estruturam por uma base linguística, funcionando como processo discursivo. Tradicionalmente, a gramática inscreve-se como o lugar em que regularidades sustentam o funcionamento da língua como repetição, inscrevendo-a nos domínios da ciência, cujo real “é objeto de regras e quadros que desenham seus lineamentos” (MILNER, 1987, p. 20). Não se trata de aceitar a representação do real da língua e a concepção do repetível em rede como pressuposto e a garantia de que se tem uma gramática, que legitima e ordena o funcionamento da língua no âmbito do social e do discursivo, como linguagem. Trata-se de discutir a questão do real e de pensar na impossibilidade desse real ser tomado em sua literalidade ou como verdade, mesmo considerando as regularidades e as redes que se constituem e sustentam determinadas leituras e não outras. A problematização em torno da gramática assenta-se na tradição gramatical francesa dividida, segundo Milner (1987), em dois ramos distintos e bem delimitados: um que se destina à sala de sala e outro que abarca a língua dos bilhetes, dos jornais. Modernamente, nesse segundo ramo, a língua é praticada em seu funcionamento social e discursivo, que vai além do que se discute na enunciação, quando se fala na gramática centrada, não somente na articulação entre palavras, mas e principalmente, na articulação de ideias. Nesse funcionamento, abarca os sujeitos e as condições de produção do texto, envolvendo a autoria e a inscrição do texto em discurso, dentro das condições sócio-históricas de sua formulação, pelas quais ressoam discursos filiados a tempos mais ou menos longos, que sustentam os efeitos de sentidos e possibilitam mais de uma leitura, mas não qualquer uma. Milner (1987) aceitava apenas o real da língua, ao contrário de Gadet e Pêcheux (2004), que incluem o real da história, significando o modo como a ideologia está na língua e esta se materializa no discurso. Assim, ancorado no real da língua, Milner sustenta que a gramática divide-se em dois ramos, já referidos anteriormente, nesse texto. Nesse sentido, acrescentamos que no primeiro ramo inscreve-se a gramática que se estrutura pela representação do real da língua e circula socialmente por meio de tratados completos 80 Luminária 15 e ordenados, fortalecendo a manutenção da relação intrínseca com a escola e com o transmissível. O segundo nos motiva a adentrar pelo viés do texto e do discurso, abarca textos em circulação, mas não se restringe à representação do real, pois aproxima-se da língua em funcionamento, em uso, conforme defendem Neves (2003) e Travaglia (2003), entre outros estudiosos dedicados à reflexão em torno do binômio gramática/ensino, questionando, em função disso, o ensino da gramática e apontando para a necessidade de enfocar a língua em funcionamento. Os autores acima citados estudam a gramática e, assim como os estudiosos do texto e do discurso, destacam a produtividade de trabalhar com a língua em uso, como prática social, e que os sujeitos que frequentam a escola e devem “aprendê-la”, apagando o fato de que se trata da língua materna e, como tal, constitutiva dos sujeitos. Suas reflexões e pesquisas abarcam os fenômenos linguísticos sem desconsiderar os efeitos de sentidos, os contextos de produção e o funcionamento da memória. Com frequência, o trabalho com a gramática na escola apaga, igualmente, questionamentos em torno de que gramática deveria/poderia ou faz parte da prática em sala de aula. Neves (2003) e Travaglia (2003) destacam que os objetivos do ensino de gramática determinam a gramática a ser praticada em sala de aula e indicam, igualmente, a metodologia de trabalho. Nessa direção, faz parte dos estudos da linguagem um quase consenso, mesmo entre os que se dedicam ao trabalho com a gramática, que saber gramática, enquanto funcionamento linguístico, não garante ao sujeito a competência textual e discursiva. Isso porque os sujeitos comunicam-se por meio de textos e não por regras descontextualizadas e compartimentadas. O trabalho discursivo, considerando o real da língua e o real da história, sinaliza que o processo discursivo da interpretação exige que o sujeito inscreva-se na disputa dos sentidos. Essa prática não prescinde do funcionamento linguístico e da gramática, mas não se restringe a eles, especialmente, quando o ensino centra-se na língua-gramática, a qual de acordo com Mittmann (2007, p. 88), “é tida como verdadeiro instrumento de comunicação, completa, com sentido único e evidente, capaz de transmitir tudo que ser quer comunicar, capaz de desvendar tudo o que o autor quis dizer”, constituindo-se como uma língua comportada, centrada em modelos e exemplos, enfatizando o conhecimento em detrimento do uso social e discursivo da linguagem. Nesse sentido e direção, Neves (2003, p. 30) destaca a relevância de recortar a gramática a partir da qual se está verificando o funcionamento da língua, tendo em vista o seu uso, tanto como mecanismo geral que `organiza as línguas’, quanto como ‘disciplina’ como normatizadora da língua. Entretanto, mesmo que se esteja tratando da disciplina, de acordo com a autora, “não se pode ficar num conceito único, já que são múltiplos os tipos de ‘lições’ que uma gramática da língua pode fornecer”. Que gramática ensinar na escola? É uma das questões que perpassam as obras de Neves. Outra questão, igualmente reiterada, refere-se ao incômodo e à revolta demonstrados pelos sujeitos, que se assentam nos bancos escolares. Entretanto, ocorreram mudanças na sociedade e a disciplina gramática tem sido, ainda em consonância com a autora, “tão avidamente perseguida pelo homem comum, que, agora, a busca e a respeita como algo ‘do bem’ e não ‘do mal’, como antes lhes parecia” (NEVES, 2003, p. 30). Talvez esse destaque deva-se à aproximação entre gramática e o bem-falar e este com as camadas socialmente valorizadas. A divisão da gramática entre o que é do “bem” e o que é do “mal” sustenta a sua normatividade praticada no ensino da língua. Milner (1987) refere que a divisão da língua entre o correto e o errado define os seus limites, a impossibilidade de tudo ser dito, em resumo, de recobrir os fenômenos da linguagem. Neves (2003) referenda a investigação da língua em textos, por meio da observação do contexto sócio-histórico, mas sublinha a necessidade de considerar as unidades menores e a organização hierárquica dessas unidades nos enunciados, destacando o funcionamento da língua como estrutura e o trabalho dessas estruturas de modo hierárquico, enfatizando as funções sintáticas. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 81 Travaglia (2003), assim como Neves, defende a gramática em um ensino plural, que contemple conhecimentos e habilidades com vistas a desenvolver nos usuários competências comunicativas. O questionamento do autor diz respeito ao ensino de gramática e às razões pelas quais são dadas aulas de língua para falantes nativos dessa língua. A resposta encaminha-se no sentido de desenvolver competências, deixando de lado a reflexão teórica em torno da língua como estrutura. A teoria, de acordo com Travaglia (2003), interessa aos analistas da língua, aos demais importa ser comunicativamente competentes. Cabe então, ao professor, atender às necessidades socioculturais, diminuir as atividades com nomenclaturas e utilizar o conhecimento linguístico como auxiliar nos trabalhos com a língua. Ainda em torno da gramática, destacamos Dias (2005), que aborda o ensino da gramática pelo viés da semântica do acontecimento. Para esse autor, a análise de enunciados exige, muitas vezes, a ampliação dos domínios de referência, buscando o discursivo, principalmente, quando há ocorrência de espaços não marcados. Um exemplo que encaminha para essas reflexões pode ser observado no enunciado “É dando que se recebe”, no qual o lugar do objeto está vazio e o preenchimento ocorre pela busca na memória social da origem do enunciado, a qual foi imputada pela Igreja Católica a São Francisco de Assis, inscrevendo-se, portanto, no discurso religioso. Entretanto, segundo o autor, esse enunciado funciona, também, no discurso político. O lugar vazio do objeto permite que ele se inscreva em dois discursos diferentes, fazendo trabalhar, conforme Pêcheux (2002, p. 19), “o acontecimento (fato novo, as cifras, as primeiras declarações) em seu contexto de atualidade e no espaço de memória que ele convoca e já começa a reorganizar”, fazendo com que os discursos adquiram identidade. Nessa perspectiva, é o acontecimento que recorta e preenche os lugares vazios. Não se trata, portanto, de alargamento dos sentidos, que validariam qualquer interpretação. De acordo com Dias (2006), a partir do século XIX, as gramáticas conquistaram o espaço escolar, servindo de modelo aos estudiosos do século XX, mais especificamente, a gramáticos como Celso Cunha e Evanildo Bechara, que continuam servindo de parâmetro para a produção de materiais didáticos. Dias (2006, p. 16) destaca que as gramáticas apresentam a visão integral da língua, abordando aspectos “que compõem uma representação unitária do idioma analisado. Evidentemente, os aspectos que representam a visão integral da língua não são exatamente os mesmos em todas as gramáticas. Eles sofrem variações”. Outro aspecto definitório de gramática, segundo o mesmo autor, é a apresentação de uma diretriz pedagógica, configurando-se, então, como uma das mais importantes funções da gramática, que é a de servir de instrumento no ensino da língua. Na perspectiva do texto e do discurso, a gramática define-se como relativamente autônoma. Pêcheux (1997, p. 159-161) parte do princípio de que “é a ideologia que, através do ‘hábito’ e do ‘uso’ está designando, ao mesmo tempo o que é e o que deve ser, e isso, às vezes, por meio de ‘desvios’ linguisticamente marcados entre a constatação e a norma e que funcionam como a retomada do jogo”. É por meio dela, que se instaura a ilusão de transparência da linguagem e que o autor define como o caráter material dos sentidos das palavras e dos enunciados. Assim, [...] todo sistema linguístico, enquanto conjunto de estruturas fonológicas, morfológicas e sintáticas é dotado de uma autonomia relativa que o submete a leis internas, as que constituem precisamente o objeto da linguística. É pois, sobre a base dessas leis internas que se desenvolvem os processos discursivos, e não enquanto expressão de um puro pensamento, de uma atividade cognitiva, que utilizaria ‘acidentalmente’ o sistema linguístico. (PÊCHEUX, 1997, p. 91) A autonomia relativa da língua e da gramática que a normatiza referenda as reflexões propostas por Pêcheux (1997), em torno do sentido, sinalizando que ele não existe em uma relação transparente com a literalidade do significante. As palavras “mudam de 82 Luminária 15 sentido de acordo com as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem sentidos em referência a essas posições, isto é, em relação às formações ideológicas [...] nas quais essas posições se inscrevem”, (PÊCHEUX, 1997, p. 160). A formação discursiva funciona na produção dos sentidos, pois a partir de posições-sujeito, aquilo que o sujeito pode e deve dizer, ou o contrário, é determinado pela filiação a posições/lugares discursivos. Destacamos, entretanto, que um mesmo sujeito pode ocupar mais de uma posição e que as formações discursivas (FDs) possuem fronteiras movediças e sem delimitação estanque. O sentido das palavras constitui-se em formações discursivas, segundo Pêcheux (1997, p. 161), “nas relações que tais palavras, expressões ou proposições mantêm com outras palavras, expressões ou proposições da mesma formação discursiva”. Entretanto, as mesmas palavras adquirem sentidos diferentes, estruturando e constituindo distintas redes parafrásticas na passagem de uma FD a outra. Destacamos, ainda, que palavras distintas adquirem em determinada FD o mesmo sentido. Pêcheux (1997, p. 161) define o processo discursivo como “o sistema de relações de substituição, paráfrases, sinonímias, etc, que funcionam entre os elementos linguísticos – ‘significantes’ – em uma formação discursiva dada”. Os pontos de estabilização do discurso inscrevem-se em domínios do pensamento e, por meio dessa inscrição, o sujeito se “reconhece” e reconhece o outro, produzindo a cena discursiva e construindo/valorizando os traços identitários entre as formações sociais e aqueles que falam a mesma língua, a qual, devido ao equívoco que a povoa, nunca é a mesma. Nos textos, pelas palavras, identificam-se sujeitos e discursos e constroem-se redes parafrásticas, pelas quais os discursos inscrevem-se em domínios e memórias determinantes para o sentido, pelo interdiscurso, como o real exterior. Nessa direção, o pré-construído abarca o sempre já-aí da interpelação ideológica que “fornece-impõe a ‘realidade’ e seu ‘sentido’, sob a forma da ‘universalidade’ (o mundo das coisas)”, conforme Pêcheux (1997, p. 164). Desse modo, o pré-construído seria um funcionamento do interdiscurso e a articulação-sustentação seria o outro. Os processos metafóricos inscrevem-se na ordem da simetria, do que se repete e coloca em um mesmo eixo memórias de instâncias e domínios distintos, aproximando-as, retomando-as pelo processo de articulação-sustentação, que funciona pelo que retorna. No processo de articulação, há a sintagmatização e no efeito de sustentação (discurso-transverso) isso não ocorre. Nesse último funcionamento, ocorrem atravessamentos de discursos, desencadeados por enunciados que fazem ressoar discursos outros, constituindo identificações. Por esse funcionamento Pêcheux (1997) explica a passagem entre a base linguística e os processos discursivos por meio de três etapas, as quais vão apagando a situação inicial e inscrevendo o processo na direção do interdiscurso. A primeira etapa compreende a passagem do linguístico para o objeto discursivo e permite reconhecer as paráfrases. Na segunda, funciona a relação entre a paráfrase e a sintaxe, dando início, por esse gesto, à descrição; e por fim, a passagem para o discursivo, na qual um dos processos relevantes é a operação parafrástica, que institui um novo procedimento analítico que é a metáfora (transferência) e, por meio dela, podemos observar os deslizamentos, as derivas, as quais dão visibilidade à historicidade e permitem a compreensão do trabalho da ideologia. Esse processo inicia-se na base linguística e encaminha-se para o discursivo, no qual o discurso, definido por Orlandi (2001), em sua materialidade simbólica como efeito de sentidos entre locutores, é o objeto de estudo e traz em seu bojo as marcas da articulação da língua com a história para significar. Nesse funcionamento, a linguística trabalha com formas abstratas e a Análise de Discurso (AD) com as formas materiais (linguístico-históricas), que circulam no mundo, instaurando efeitos de sentidos. O texto é a unidade de análise e a contrapartida do discurso, mas não determina o fechamento do sentido nele mesmo. Ao contrário, o sentido abre-se, enquanto objeto simbólico, para as diferentes possibilidades de leitura, por meio dos discursos a que se filia. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 83 No texto, os processos de textualização de materialidade em discurso acontecem sempre com “falhas”, com “defeitos”, tendo em vista que a relação da língua com a história não é transparente e nem perfeitamente articulada, isso porque resulta do jogo da língua sobre a própria língua, face a sua inscrição na história. De acordo com Orlandi (2001), o equívoco é constitutivo da discursividade e inscreve a falha da língua na história. 3 EXERCÍCIO DE ANÁLISE E DE INTERPRETAÇÃO A capa da Revista Isto É, edição 2298, de 02 de dezembro de 2013, é um texto, que encaminha para discursos, os quais se inscrevem em diferentes domínios, dentre eles, o do funcionamento da língua, pela determinação do que seja “manifestante”. Essa determinação ocorre pela posição-sujeito de quem se coloca como autor e seleciona o que faz parte desse texto, atendendo ao direcionamento dado pela linha editorial da revista e pelo momento sócio-histórico de sua circulação. O mês de dezembro de 2013, sendo o último mês do ano, constitui-se como o tempo de retomados, de revisões e de ressignificações do movimento que, segundo o editorial do Diário Catarinense (2013, p. 12), levou os “brasileiros para a rua” e, de acordo com o título, levou o Brasil, enquanto lugar social em que esses sujeitos se inscrevem. SD 1: O manifestante Sem máscaras e de forma pacífica, o cidadão comum saiu às ruas, fez sua voz ser ouvida e protagoniza um novo momento Brasil Texto-imagem 1, disponível no site: https://www.iba.com.br/revista-digital/ISTO%C3%89-Dezembro-2013-2298-0305f4acda3f85d0fdb75995dd8a6712, acesso em 28 de dezembro de 2013. Interessa-nos, neste artigo colocar em suspenso a leitura e isso demanda aceitar que diferentes leituras de um mesmo texto podem constituir-se, dependendo das redes parafrásticas instauradas e da filiação de sujeitos. Iniciamos o nosso exercício de análise por meio de duas materialidades: os recortes do editorial do Jornal Diário Catarinense e a capa da revista IstoÉ, no. 2298, de 02 de dezembro de 2013, porque entendemos que o texto da revista (capa) e o editorial desenvolvem o mesmo tema: os manifestantes na rua, exercendo o direito de cidadadãos na defesa do bem comum. A partir da nossa filiação teórica buscamos como determinados efeitos de sentidos se constituem e não o conteúdo dos textos. Olhando/lendo a capa da revista como texto e encaminhando-o para discursos, entendemos que pelo processo metafórico os manifestantes passam a representar o Brasil, ou melhor, constituindo-se “como se” eles fossem o Brasil e neles estivessem presentes a maioria dos cidadãos brasileiros. Na constituição desse efeito articulam-se dois domínios: o de um país – nacionalidade/defesa da pátria – e de sujeitos – brasileiros que estruturam esse país e lutam por direitos sociais. O processo metafórico constitui-se e se sustenta pelo enunciado-imagem, no qual o sujeito que estrutura o texto-imagem em tela estampa no rosto a bandeira do Brasil, em todas as suas cores, como se o país estivesse na rua pelo/no sujeito que se manifesta e, com ele, estivessem na rua todos os brasileiros representados, como um país. Reescreve- 84 Luminária 15 mos a sequência discursiva 1 (SD) que apresenta os manifestantes e instaura a relação metafórica entre o sujeito do enunciado-imagem da capa da revista e o Brasil. O manifestante, então não usa máscara, é pacífico e, além disso, faz retornar o enunciado quem sabe faz a hora, pois saiu às ruas e fez a sua voz ser ouvida. Com isso, protagoniza um novo momento do Brasil. Os destaques fazem parte dos traços constitutivos do texto e estão na cor amarela e, no funcionamento do real da língua, estruturam-se por meio de advérbios de modo (sem máscaras e de forma pacífica), destacando pacífica, que passa a determinar não mais a forma como eles foram para a rua, mas o modo como foram, protagonizando um acontecimento, significado como um novo momento do Brasil. Ainda no nível das palavras e de seus funcionamentos, destacamos nesse texto-imagem “O manifestante” bem determinado, ou seja, aquele que não se escondeu atrás das máscaras e que todos sabem quem é. Nesse sentido, um dos efeitos de sentidos do emprego do artigo definido que significa esse sujeito como conhecida é diferenciá-lo, desidentificá-lo com os sujeitos mascarados, violentos que incendeiam carros e quebram bancos, entendendo “quebrar bancos” em mais de um funcionamento, do que podemos entender que além dos black blocs há mais quebradores de bancos e esses nem sempre escondem-se atrás de capuzes e máscaras. Pelo exercício interpretativo, entendemos que a descrição da língua em seu real não é suficiente na prática da leitura discursiva, em primeiro lugar porque a língua em seu real falha e falta e depois porque é pelo funcionamento do real histórico que discursos retornam de um tempo mais distante e aqueles filiados à atualidade sustentam-se entre si, significando o acontecimento – manifestação de rua - como recorrente com repetições, mas também com deslocamentos, do que se pode destacar que dizer funciona contraditoriamente entre o que é dito e o que é apagado, de modo que pelo dito intervem o silenciado. No que tange ao efeito metafórico constituído entre o manifestante e o Brasil, uma possibilidade de leitura é a de que o cidadão comum, que se apresenta sem máscaras e de forma pacífica, identificando-se, por isso, com o país, representa-o e é por ele representado. Retorna pelo enunciado “o Brasil o representa” um discurso recorrente no contexto sócio-histórico brasileiro hoje, quando as desigualdades e as diferenças são postas à prova por sujeitos que falam por/pelas instituições. Por esse sujeito-cidadão comum, que não se esconde, ressoa/resplandece/gritam outros sujeitos-cidadãos, que não são pacíficos e que, ao contrário dos primeiros,usam máscaras e, talvez por inscreverem-se ao lado da subversão, não protagnizam o novo momento Brasil. Esses sujeitos desidentificam-se com o movimento pacífico e aquele que se “traveste” de Brasil – o manifestante - é significado e visibilizado como a personalidade do ano e isso é reforçado na revista IstoÉ, que em seu editorial destaca a democracia que queremos, sinalizando para o direito de protestar, destacando a “pluralidade de ideias” e chamando de “desvios pontuais” o que escapa a essa pluralidade e, acrescentamos, à normalidade. O texto-imagem da Revista IstoÉ e também o texto-imagem da Revista Época referem-se a sujeitos que representam metaforicamente o Brasil e foram para a rua e, por isso, trazemos essa terceira materialidade - o editorial do Diário Catararinsense- que circulou no dia 26 de dezembro de 2013 e destaca que os sujeitos que foram para a rua manifestarse constituem-se como porta-vozes, pois ocupam o lugar discursivo dos que discutem e questionam o momento sócio-histórico que o país atravessa, colocando-se entre os que não vão para a rua e os que vão, sendo que somente esses últimos é que podem mudar o país. Enquanto na primeira materialidade, esses sujeitos, pelo processo metafórico, significam-se como sendo o Brasil, nesse segundo eles são designados de porta-vozes, são parte desse Brasil e do conjunto de sujeitos-cidadãos. Mas não o representam em sua totalidade. O editorial é, acima de tudo, uma interpretação do novo momento Brasil e segue uma linha editorial. Ainda de acordo com o editorial do jornal, esses sujeitos porta-vozes são/foram movidos por reivindicações sociais, dentre elas o alto custo do transporte público, mas não só. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 85 Eles clamam, também, por mudanças mais profundas, o que se constitui como evidência pelas sequências discursivas abaixo: SD2: “[...] não é por vinte centavos, mas pelo meu futuro”, SD 3: “Não é contra a seleção, é contra a corrupção”. SD 4: “Saúde padrão Fifa”. SD 5: “Brasil, mostra a tua cara”. Na SD 2, que se situa na linearidade da materialidade textual, mas se inscreve na história, significando por esse processo a resistência, a transformação, a luta política. Além dos transportes públicos, os manifestantes “miraram os investimentos da Copa”, mas resguardam a seleção brasileira de futebol (SD 3), que assim eles, representa o Brasil, de acordo com memórias que circulam no país como espaço discursivo, como o lugar de todos os brasileiros. Na SD 4, retorna a saúde e o descaso, enquanto a Fifa é sempre valorizada. No resguardo à seleção brasileira, retornam filiações e funcionam formações imaginárias em torno de quem lê o texto e interpreta os manifestantes, tendo em vista a memória em torno do futebol brasileiro e, também, o fato de que o futebol tem se constituído como uma possibilidade de valorizar o Brasil, que é o país, mas que é, sempre e ainda, o povo brasileiro, apresentado em seu todo e apagando possíveis questionamentos. Ainda na linearidade do texto, de acordo com a SD 5, os manifestantes gritam/questionam o tratamento dado à saúde e pedem “padrão Fifa”, e nesse funcionamento “Fifa” é uma instituição e o que é padrão “Fifa” não significa pela palavra ou pela designação, mas pela historicidade e pelos valores sócio-históricos que a significam pela memória que constitui a Fifa como um lugar/espaço privilegiado, em que os sujeitos são bem tratados e não falta dinheiro, nem infraestrutura, como falta na saúde e na educação. Nesse mesmo texto, há destaque para os discursos que retornam e ancoram o Brasil na rua a partir de sequências discursivas que, pelo funcionamento da memória, fazem com que ressoem discursos em torno da resistência, bem anterior aos acontecimentos de 2013. Esses discursos retornam por palavras de ordem já veiculadas em músicas, dentre elas “Brasil, mostra a tua cara” e o enunciado que retorna pela história fazendo com que retorne, também, “o gigante acordou”, e por essas palavras retornam à resistência os movimentos que levaram os brasileiros para a rua, manifestando os seus desejos, só que nesses movimentos não havia mascarados, mas sujeitos – como no movimento “diretas já” e “fora Collor”, pintados com as cores do Brasil, no rosto, nos cartazes, em faixas. A diferença entre esses discursos e os da atualidade é que esses últimos se dizem “apartidários”, não se tratando, então, de lutar contra um governo, mas contra as práticas sociais desfavoráveis. Mas “Brasil muda a tua cara” continua a funcionar e a mudança funciona junto com o refrão “o dia vai raiar sem lhe pedir licença”, construindo evidências de que o povo – quando é Brasil e quando o Brasil é o povo – tem força, constrói um novo momento Brasil, diferenciando-se do advérbio “no Brasil”, que significaria o país somente como um lugar. O contraditório está que esse não é mais um lugar, mas um tempo - momento Brasil – e não é qualquer tempo é o novo. Mas não há determinação em torno do momento e nem do novo, podendo-se constituir concretudes, personificações e sentidos outros. No texto-imagem da revista IstoÉ, no editorial da mesma revista e no Editorial do jornal Diário Catarinense há destaque para os sujeitos – manifestantes ou os que protestam na rua, destacando que eles agem, lutam por mudanças, sustentam-se na historicidade, no antes que sgnifica na atualidade. No primeiro texto-imagem o sujeito saiu às ruas, fez sua voz ser ouvida e protagonizou um novo momento Brasil. Esses efeitos se sustentam 86 Luminária 15 pelos verbos de ação: “saiu”, “fez” e “protagonizou”. Trata-se, portanto, de um sujeito forte e nele/por ele retornam outros acontecimentos de rua, fazendo com que ressoem discursos outros, que circularam em outros tempos. É a democracia “nas ruas, com o povo exercendo seu amplo direito de protestar e manifestando o irrefreável desejo por mudanças”, conforme editorial da revista IstoÉ, que de certa forma completa, satura o texto-imagem de capa. O editorial do Diário Catarinense descreve os sujeitos e o movimento das ruas e pergunta: “Quem nos representa no Brasil?”. Sustenta a pergunta com a descrição do movimento e dos discursos que retornam e que sustentam essa atualidade, sublinhando que não é um movimento isolado e inusitado. A capa da revista Época segue a mesma linha, porque se alinha em torno da descrição dos black blocs. Nessa capa, a cor preta predomina e “sem máscaras” encaminha para dois tipos de máscaras: aquela que cobre o rosto e faz ressoar o lado negativo dos protestos, considerando que “mostrar a cara” é uma virtude, mas nem todos podem, e um segundo efeito de sentido, que inscreve esse discurso no discurso da mídia, na ordem da transparência. Nesse sentido “sem máscaras” constitui efeito de que tudo será dito: quem são os black blocs, como se organizam e quem os financia. Então, de um lado a máscara esconde, dissimula e, de outro, desvenda o que seria sigiloso. Texto-imagem 2. Fonte: disponível no site https://www.iba.com.br/revista-digital/ISTO%C3%89-Dezembro-2013-2298-0305f4acda3f85d0fdb75995dd8a6712, acesso em 28 de dezembro de 2013. As memórias que retornam, no texto-imagem, são as do movimento guerrilheiro de um tempo mais distante e também no espaço urbano, nem sempre se relacionando com a resistência. Retorna como memória um discurso em torno de sujeitos que andam de capacetes ou de máscaras para escapar da identificação, praticando assaltos e atos de violência. Tanto é assim que nos postos de gasolina e lojas de conveniências, especialmente, há cartazes indicando que é proibido entrar com capacetes ou máscaras. Isso faz com que os efeitos de sentidos em torno dos black blocs inscrevam-se mais na violência do que na resistência. A sociedade aprova a reivindicação, mas não a violência, que gera sempre mais violência. De qualquer modo, ainda pelo que retorna como memória, rompendo com a regularidade e o que se inscreve na ‘normalidade’, é o enunciado-imagem de um sujeitofeminino maquiado, que tira a máscara e se mostra, assim como o Brasil, no que é um apelo, fazendo retornar o discurso reiterado pelo enunciado “Brasil, mostra a tua cara” e, “muda Brasil”, em que sujeitos se desnudam e se mostram, reivindicando o mesmo das instituições brasileiras. Outro rompimento que não vem pelo real da língua é o fato União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 87 de a revista Época, conforme sequência discursiva (SD) a seguir, romper com o que seria manifestação, significado como direito a exigir mudanças: SD 6: “Época testemunhou o treinamento dos ativistas que promovem protestos violentos – e revela quem eles são, como se organizam e quem os financia”. Os efeitos de sentidos que ressoam pela SD 6 e pelas palavras que a constituem, especialmente “ativistas” e financiados, distanciam esses sujeitos da luta por um país melhor. Considerando que a palavra ativista inscreve esses sujeitos em uma FD bem delimitada, que se dedica a promover movimentos contestatórios, não por idealismo, mas em nome de uma luta ligada a uma facção política. Vale destacar que a ligação com partidos e movimentos políticos não faziam parte dos objetivos do movimento “vem para a rua”, configurado como um movimento idealista, sem financiamento. A relação black blocs com ativismo, treinamento e financiamento faz com que retornem discursos ligados a “baderneiros”, que se diferenciam dos sujeitos idealistas, que lutam por direitos e por mudanças. A moça da capa é ex-presidiária e “quebra bancos”. O que a constitui é a indignação e os atos de violência, que se naturaliza pela relação metafórica Brasil versus black blocs. Só que o Brasil não é o mesmo Brasil dos que protestam, mas o país em seu lado “negro”, no qual “corruptos roubam e nada acontece”, constituindo o efeito de sentido de que se os políticos agem como “foras da lei”, vale protestar de forma violenta e não sofrer os efeitos. É a lei do “dente por dente, olho por olho”, dos faroestes. Nessas textualidades funcionam, além das visibilidades, os apagamentos. O mais evidente de todos é que não há “o manifestante”, mas manifestantes, e dentre eles, os que protestam. A evidência está no apagamento das diferenças entre “manifestação” e “protesto”, que aparece bem delimitado na revista Época, em que os black blocs tiram as máscaras, e na matéria “Por dentro da máscara dos black blocs” há destaque para o que move os seus encontros. Neles, segundo o testemunho da revista Época, “o clima é de indignação, revolta e impaciência com as promessas dos governantes”. 4 EFEITOS DE FECHAMENTO E DE CONCLUSÃO Aliamos, em nosso texto, a leitura em sua contradição, pensando a língua em seu real, a partir de Milner, e o real da história pelos autores filiados aos estudos do discurso, especialmente Pêcheux, Pêcheux e Gadet e Orlandi. Sublinhamos, também, a questão da gramática, atendendo à definição de texto em sua ordem e organização, relacionada com o que Milner chama de real da língua, referindo-se a estruturas e à necessidade de descrever um objeto material dado a ler, mas que se configura como o impossível. Disso demanda enfocar a gramática e o ensino, pois a gramática pensa a língua em sua organização estrutural e, apesar de muitos autores, dentre eles Neves, Travaglia e Dias destacarem a necessidade de pensar a língua em uso, as regras estão do lado do ramo que Milner designa de língua dos tratados, enquanto a língua da comunicação seria outra, menos estrutural e ligada ao cotidiano. Alie-se a isso o real da história e o funcionamento da historicidade, observando que discursos retornam por memórias de outros tempos e outros movimentos. Mesmo os pesquisadores dedicados ao ensino da gramática e que se desidentificam da prática centrada em nomenclaturas, distanciadas da língua em uso, da língua em funcionamento, da gramática como vivência da linguagem pensam as estruturas, as linearidades. Dentre esses pesquisadores, acrescentamos, além de Neves, Travaglia e Dias. 88 Luminária 15 Travaglia, assim como Neves, destaca o ensino da gramática como plural, isto é, centrado na reflexão em torno da língua e com distanciamentos consideráveis em relação a nomenclaturas e regras, as quais, segundo ele, são produtivas e interessam aos analistas da língua e não aos usuários, aos quais faz sentido a competência comunicativa. Esses dois gramáticos, apesar de proporem a gramática em uso e a reflexão em torno da língua, praticam-na em seu real, isto é, significam-na como possibilidade de dar conta dos sentidos, dos textos e dos discursos, considerando a língua em seu interior. Luiz Francisco Dias, por seu lado, pensa a gramática, menos como ensino e mais como disciplina. O pesquisador inscreve-se na semântica e vê os fatos de linguagem como acontecimentos e a exterioridade como possibilidade de inscrever um mesmo enunciado em domínios discursivos distintos, defendendo não somente a articulação entre palavras, mas também, entre ideias. Outra característica do pesquisador da gramática é o seu debruçamento sobre a gramática como ciência, buscando saber da evolução delas, de suas inovações e transformações. O nosso objetivo, neste trabalho, foi colocar a leitura em suspenso a partir da língua, da historicidade e da gramática. Diante disso, conforme as análises em torno das manifestações de rua observamos que o mesmo acontecimento é diferentemente discursivisado e, por isso, é também lido de modo distinto. Com isso, podemos referendar a produtividade de um ensino de gramática, que priorize a língua e os efeitos de sentido (definidos por Pêcheux (1997, p. 160) como evidências de que as palavras dizem o que realmente querem dizer), por meio de injunções do histórico e do social. Essas evidências, entretanto, desfazem-se diante do real da língua e do real da história, tendo em vista que a língua em seu real sinaliza para o impossível, para a falta, para a falha e para o equívoco. Quanto ao real da história, destacamos os deslocamentos e as faltas determinantes na prática da contradição. As materialidades analisadas permitem-nos destacar que os sentidos não prescindem da gramática e da reflexão em torno da língua e das possibilidades dadas pelas regras, que restringem, falham, mas simulam a homogeneidade. No primeiro texto, é apresentado o manifestante que se identifica com o Brasil e o representa e, por isso, nos representa, enquanto brasileiros. O processo que sustenta essa relação é o processo metafórico em que há a transferência que faz com que dois objetos distintos e inscritos em diferentes domínios assemelhem-se, identifiquem-se. Por meio desse processo de identificação, ilusoriamente total e inquestionável, são apagados muitos dos acontecimentos de rua e, igualmente, a presença daqueles que promovem protestos violentos, conforme texto-imagem 2, e usam máscaras. No segundo texto-imagem, há visibilidade para esses sujeitos e, ao contrário do primeiro texto, eles são desconstruídos, pois são ativistas, isto é, têm uma razão para promover protestos violentos e nem sempre sabem o que e por que o fazem, são financiados e treinados. O efeito de sentido que se constitui é de que se trata de profissionais e não de sujeitoscidadãos que lutam por um Brasil melhor, que dá continuidade à luta desencadeada na rua e protagonizada por aqueles que querem um novo momento Brasil. REFERÊNCIAS Diário Catarinense. 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Mesmo passando regularmente o período da vida letiva dentro de uma escola, somente 26% dos que dela saem conseguem compreender o que lêem (FREGONEZI, 2003, p. 13). Tais dados são resultado de vários problemas que envolvem o mundo da educação. Com base nesses dados que ocorrem já em língua materna, o que se deve esperar do ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras? Com o intuito de não cometer o mesmo equívoco na aquisição de uma segunda língua, abordaremos o ensino-aprendizagem da língua estrangeira a partir de dois focos: leitura e gêneros textuais. Palavras-chave: Leitura, Gêneros textuais, Rótulos. THE SEARCH FOR THE CONSTRUCTION OF MEANING UPON READING IN A FOREIGN LANGUAGE Abstract: The present paper highlights that when it comes to reading, the school has used practices that mask a serious problem, functional illiteracy. Even after going through the regular period of school life, only 26% of those who leave it are able to understand what they read. This is a result of several problems involving the world of education. Based on these data that already occur in the learning of the mother tongue, what should be expected from the teaching / learning of foreign languages? In order not to make the same mistakes in acquiring a second language, we discuss the teaching of foreign languages from two foci: reading and textual genres. Keywords: Reading, Textual genres, Labels. 1 Acadêmica do segundo ano de Letras Português/ Espanhol pela FAFIUV-UNESPAR; bolsista do PIBID. Email: jessika [email protected] 2 Acadêmica do terceiro ano de Letras Português/ Espanhol pela FAFIUV-UNESPAR; bolsista do PIBID. E-mail: [email protected] União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 91 1 INTRODUÇÃO O que você leu ontem? Acreditamos que, mentalmente, deva ter listado uma série de itens, ou mesmo, nenhum. Mas o que dizer das placas de trânsito, do folder de oferta do supermercado, do e-mail, do facebook, dos rótulos dos produtos, da bula do medicamento, da lista de telefones, do bilhete que enviou ou recebeu, da mensagem por telefone, da faixa que comunica, convida, ou parabeniza alguém, colocada de forma estratégica em vias públicas ou residências? Temos certeza de que leu ao menos um, ou vários dos exemplos acima, e no dado momento nem se deu conta de que fazia a leitura, muito menos que aquele texto estava colocado de forma estratégica em vias públicas ou residências. Isso ocorre porque além de tratar-se de uma leitura natural, rotineira, existia um objetivo para tal leitura, onde se deu a construção de sentido, a famosa interpretação. Leitura não se refere somente a alguns tipos de textos, pois tudo aquilo que transmite uma mensagem é um texto, mesmo que não haja vocábulos; ainda assim transmite uma mensagem e necessita de uma leitura visual. Todos os exemplos citados acima e inúmeros outros que não caberiam na lista são os chamados gêneros textuais. Criados para atender determinada necessidade, são relativamente estáveis, parte de um processo histórico que acompanha a evolução da humanidade. Um exemplo simples é a carta, que acabou evoluindo para o e-mail. O que faz um gênero textual ser classificado como tal é o fato de que as pessoas assim o reconhecem; é fácil saber a diferença entre um jornal e um manual de instruções, porque atendem a necessidades diferentes. Mesmo tratando-se de algo fundamental para o convívio social, os gêneros não são tão simples para inúmeras pessoas; por mais que elas reconheçam seus componentes estruturais, não conseguirão compreender a mensagem ali contida. E não são somente as pessoas que nunca frequentaram a escola que possuem essa dificuldade; existem muitos leitores decodificadores na sociedade, que não conseguem construir sentido naquilo que lêem, mesmo tendo concluído sua vida letiva num passado recente. Atualmente o erro se repete. Originado no ensino catequético utilizado no período colonial, as atividades de leitura se resumem a cópia, paráfrase e memorização; visam a alunos proficientes, mas do ponto de vista linguístico talvez essa técnica fosse eficiente, porém em um contexto de mais de 500 anos atrás. Se nada mudar, o futuro está fadado a um novo fracasso educacional, com repetência, evasão, desgosto/frustração, e a inserção de novos analfabetos funcionais na sociedade. Novos métodos de leitura devem surgir na escola, de forma que o aluno não passe a odiar o ato de ler; é preciso relacionar tempo, interesse e espaço na escolha dos materiais pedagógicos. Este trabalho tem por finalidade abordar temas a serem cogitados para uso em função de promover a leitura e aprendizagem no ensino de uma língua estrangeira. Aqui relatamos a experiência desenvolvida no âmbito do PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência na FAFIUV – Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória, campus da UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná. 2 AS VÁRIAS PROBLEMÁTICAS QUE ENVOLVEM A LEITURA Muito se tem falado da escassez da leitura e de suas consequências no contexto brasileiro, e de como fazer para reverter essa realidade. Se nos aprofundamos neste assunto verificamos inúmeras hipóteses do motivo pelo qual ler é uma dificuldade. Começando pelo quadro político: faltam verbas para a educação, e com essa deficiência por parte do poder público que na verdade trata de interesses privados, deparamo-nos com a realidade de professores com baixa remuneração, e outros despreparados ou insatisfeitos. Esses profissionais que não recebem apoio não conseguem cultivar e manter vivo o amor pelo 92 Luminária 15 ensino-aprendizagem porque simplesmente não possuem sonhos e/ou objetivos perante as más condições de trabalho a que são expostos. Já na escola existem alunos de tipos e necessidades diferentes, mas por diversos motivos são tratados da mesma forma. Por fim o resultado individual deixa a desejar; prova disso é o surgimento da classe que conhecemos por analfabetos funcionais. Neste caso, como sanar este problema, visto que o aluno frequentou a escola por vários anos e mesmo assim não compreende o que lê? Quando se fala em dificuldade de compreensão na leitura de textos, refere-se a leituras de textos do cotidiano, básicos, tais como anúncios de emprego, extratos de movimentações bancárias, boletos de cartão de crédito etc; isso ocorre porque, durante a vida escolar, a instrução se dá apenas em localizar respostas óbvias em um texto, o conhecido grifo, e o grifo não exige necessariamente compreensão da leitura, apenas a decodificação: “Só 26% dos alfabetizados sabem o que lêem e escrevem.” (FREGONEZI, 2003 p. 13). Se observarmos, em toda sala de aula existem alunos que gostam e outros que não gostam de ler; por mais que estejam recebendo o mesmo ensino não têm os mesmos desenvolvimentos. A explicação mais óbvia para esse fenômeno é o fato de que os alunos provêm de ambientes diferentes; uns tiveram incentivo, acompanhamento e exemplo por parte dos familiares, outros nunca se depararam com um livro em casa, geralmente porque nesse ambiente não há o hábito da leitura, ou até mesmo pelo fato de muitas vezes os familiares não serem alfabetizados. O progresso destes dois perfis de alunos será diferente, porque eles possuem conteúdos diferentes. Alunos com maior conhecimento de mundo terão maior facilidade para compreensão da leitura, e isso contribui resultando no gosto pela leitura, de forma prazerosa. Uma criança que viu desde muito cedo sua casa cheia de livros, jornais, revistas, que ouviu histórias, que viu as pessoas gastando muito tempo lendo e escrevendo, que desde muito cedo brincou com lápis, papel, borracha e tinta,quando entra na escola, encontra uma continuação do seu modo de vida e acha muito natural e lógico o que nela se faz. (CAGLIARI, 1999, p. 21) Fora da sala de aula, o aspecto econômico também interfere diretamente no hábito da leitura, visto que a aquisição de livros não se reflete na realidade da maior parte da população de baixa renda, e por parte do governo não há indícios de interesse para que isso mude, pois é conveniente que a população não tenha melhores condições de acesso e de escolha de ler o livro de sua preferência; o acesso ao conhecimento ainda é manipulado e dosado. Por que todos os indivíduos não passaram a ser alfabetizados desde o momento em que se inventou a escrita? Porque isto representaria o compartilhamento do saber do poder, e do poder de saber. A igualdade de chances se tornaria perigosa demais para os que quisessem mandar e ter quem lhes obedecesse. Nada melhor que a ignorância para gerar a obediência cega, a subserviência e o conformismo, como destino irrevogável da condição humana. (CAGLIARI, 1999, p. 10) A leitura é imprescindível na vida do homem moderno; é através da leitura que se absorvem informações, que se descobrem outras, que se aprende a conviver no meio social; é impossível enumerar quantas vezes a leitura vai estar presente em nossa vida. Vivemos em uma era em que do sistema: autor-texto-leitor, o elemento mais focado e valorizado é o leitor; tudo está ligado à leitura feita por ele (Teoria da Recepção), e afirma-se que essa leitura tem muito a ver com o conhecimento que o leitor já possui. Exercícios que tentam exercitar a leitura e interpretação, que não valorizam o pré-conhecimento do leitor, e cujas respostas se encontram prontas dentro do texto conduzem a compreensões artificiais, automatizadas, tornam-se um jogo de palavras, pois o aluno União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 93 não precisa ter construído um sentido, nem mesmo conhecer e entender todos os vocábulos que estão expostos; ele responde porque já conhece o molde do exercício, muitas vezes nem faz a leitura e responde diretamente pela facilidade que apresenta. Outra dificuldade encontrada na escola, que chega com a promessa de auxiliar em sala de aula, mas que acaba engessando o professor é o livro didático; ele aborda conteúdos de difícil compreensão, pois estão fora da realidade escolar e do contexto dos alunos. A maioria dos professores não só utilizam religiosamente o material, como não buscam complementos para aplicar em sala de aula; muitas vezes, sem o livro não sabem ministrar. Essa situação, além de preocupante, ainda aponta para outro dado: o professor parou com a sua leitura no tempo, ou nem constituiu um repertório de leitura durante sua vida acadêmica e formação. Não se trata só de professores desinteressados, mas analisando o preço dos livros, que, diga-se de passagem, são altíssimos no Brasil, muitos professores que gostariam de ler e buscar informações, com o salário que ganham ficam na dúvida entre “ler e sobreviver”; é um triste fardo a ser carregado. Todos esses pontos negativos juntos, agindo dentro de uma escola, se não acabam por completo com o interesse do aluno, no mínimo geram um passo incerto para a educação brasileira. Se não se estriba na muleta chamada livro didático, não sabe o que fazer em sala de aula. Se não repete sempre as mesmas ladainhas ou mazelas pedagógicas, as gramatiquices, as fichas padronizadas de leitura, as interpretações cristalizadas no tempo, os protocolos autoritários da leitura escolar, não sabe o que colocar no lugar. (SILVA, 2000, p. 12) Quando se fala em leitura, fala-se de uma caminhada para uma esfera onde, através da aquisição de conhecimento obtido pelo ato de ler, gerem-se maior interação, discussões, debates, atividades escritas, e atividades de compreensão auditiva. Mas para que o professor consiga ministrar uma atividade de leitura com objetivos, é preciso que proporcione a si mesmo melhores condições de leitura sobre a leitura. A falha na educação dos cidadãos está em não se preocupar com o domínio das estratégias de leitura, o que muitas vezes não acontece por motivo de professores desinteressados, mas porque muitos deles não têm formação adequada para conduzir esse tipo de ensino. 2.1 A BUSCA PELA CONSTRUÇÃO DO SENTIDO NO ATO DA LEITURA Até então foram expostas as problemáticas que envolvem a leitura. A partir daqui, serão mencionados fatores que resultam no sucesso da leitura, e que devem ser focalizados e estimulados, tanto no ensino da língua materna quanto no da língua estrangeira. O leitor utiliza seus conhecimentos prévios no ato da leitura, que são: o conhecimento linguístico, o conhecimento textual, e o conhecimento de mundo. Sabendo de sua importância, é necessário estimular e orientar os alunos para que descubram em si estas habilidades, e pratiquem leituras com um olhar mais amplo. Para completar as lacunas presentes na linguagem, para construir a significação do texto, o leitor se utiliza de seu conhecimento prévio. Esse conhecimento prévio (“background knowledge”) por sua vez é constituído por três níveis de conhecimento: o conhecimento linguístico, o conhecimento de mundo e o conhecimento textual. (KLEIMAN, 1989, apud FREGONEZI, 2003, p. 13) O conhecimento linguístico é o nível de conhecimento sobre a linguagem e suas significações (vocabulário). Um texto pode ser considerado de um grau maior de dificuldade quando apresenta palavras que são menos usuais ao leitor. Dependendo dos vocábulos, 94 Luminária 15 para determinado leitor com menor conhecimento linguístico a compreensão pode ser nula. O significado do texto também pode ser extremamente difícil quando o conhecimento de mundo (cultura, conceitos, valores etc.) do leitor não lhe dá pistas que está abordando determinada leitura; é como se estivesse desarmado perante os códigos. O conhecimento de mundo, também denominado “conhecimento enciclopédico”, compreende o saber acumulado por um leitor. Esse conhecimento segundo os estudiosos da cognição está organizado em nossa mente sob a forma de “blocos cognitivos” ou “esquemas”. No momento da leitura, o leitor, para construir significação do texto, tem que acionar esse conhecimento. (FREGONEZI, 2003 p. 14) Quanto ao conhecimento textual, mesmo que inconscientemente, o leitor o ativa de acordo com o material que vai ler. Por exemplo, não lemos da mesma forma um cardápio e uma poesia, ou um rótulo e uma bíblia. Para atingir a compreensão, o professor pode ajudar o aluno com a leitura das entrelinhas que um texto carrega, o que irá ajudar o aluno nas próximas leituras, pois ele terá conhecido mais um método de como ler. Esse auxílio do professor referente às entrelinhas pode ser fornecendo informações sobre o texto de que o próprio texto não fala explicitamente, ou informações implícitas no texto. É interessante também ajudá-los a encontrar diferenças e semelhanças, relacionar causas e efeitos, atentar para casos de ironia e ideologia que o texto/ autor apresenta, dar espaço para mais de um tipo de interpretação, visando estimular a flexibilidade de pensamento. Isso parece ser pouca coisa, mas quando unimos esses métodos às três habilidades, o objetivo da compreensão pode ser alcançado por um número bem maior de leitores. Sabendo que o texto é algo incompleto, onde o leitor irá contribuir para atingir a compreensão, é importante repassar esta imagem para os alunos, usando a analogia de uma máquina: alguém precisa usar de suas habilidades (conhecimentos) e colocá-la para funcionar, e neste caso o operador da maquina será o aluno, e o professor um intermediário entre os dois. Existe apenas uma forma de se aprender a ler, que é lendo, mas uma leitura real, com objetivo, com bons materiais, e qualidade no apoio dado pelo professor. Para que haja evolução no quadro da leitura dentro do contexto escolar é necessária uma movimentação de mudança por parte dos professores, um princípio pelo qual se incentive a leitura, e o que ela pode proporcionar. O aluno precisa descobrir aos poucos que a leitura não corresponde a um castigo imposto pela escola, e sim à oferta de um prato saboroso e inesgotável de conhecimentos. Se a leitura é uma experiência, é porque, de um modo ou de outro, o texto age sobre o leitor. Globalmente, podem-se distinguir as leituras que exercem uma influência concreta (confirmando ou modificando as atitudes e práticas imediatas do leitor) e as que contentam em recrear e divertir. Para isso, não se deve negligenciar a dimensão estratégica de numerosos textos que, por trás dos desafios de prazer explícitos (emocionar e distrair), escondem verdadeiros desafios performativos (informar e convencer). (JOUVE, 2002, p. 123) É preciso pensar na meta de formar leitores competentes dentro da escola, capazes de colocar no ato da leitura os três pontos de habilidades já abordados anteriormente, ou seja, o conhecimento linguístico, o conhecimento de mundo, e o conhecimento textual, para atingir a amplitude da compreensão. Quando o aluno não tiver, ou não desenvolver uma dessas habilidades, cabe ao professor estar atento para identificar a deficiência de aprendizagem e trabalhar determinado ponto. Por mais difícil que seja deve-se trabalhar a leitura, individual ou coletivamente; o que não se pode fazer é vendar os olhos para os problemas que vão surgindo, pois como citado anteriormente as habilidades de leitura só são conquistadas e aprimoradas lendo. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 95 Podemos falar que falta por parte dos alunos fazer inferências durante a leitura, ou seja, juntar informações visuais e não visuais do texto, resultando na construção de um significado, uma estratégia extremamente importante e de prioridade a ser exercitada em sala de aula. As informações visuais são apenas um ponto de partida rumo ao processo da visualização do que não é explícito. Sem que o leitor consiga ativar as informações, o processamento dos dados do texto não acontece. O texto assemelha-se a um iceberg, que tem à flor d’agua uma sequência de elementos linguísticos, resultantes de escolhas feitas em todos os níveis, operadas pelo produtor do texto entre as possibilidades que a língua lhe oferece, mas determinadas pela situação comunicativa, pelo gênero textual, pelo contexto sócio-cultural etc. e, na parte submersa, um enorme conjunto de implícitos que deverão ser inferidos do contexto sócio-cognitivo dos interlocutores [...] (KOCH, 1999, apud FREGONEZI, 2003, p. 55) Grande parte dos alunos dizem que não gostam de ler, acham chato, e vivem fugindo dessa tarefa escolar. Isso prova que a imagem que eles têm da leitura é de uma situação enfadonha e desnecessária, mas é preciso esclarecer aos mesmos que existem tipos de leitura diferentes. Outros propósitos devem orientar a leitura no contexto escolar: parar de ler para memorizar normas gramaticais ou conteúdos cristalizados ou superficializantes e, a passos largos, começar a ler para enxergar melhor o mundo; parar de ler para vomitar matéria ou apenas imitar, na base da osmose, os cânones dos clássicos e, a passos largos, começar a ler para compreender esta nossa sociedade e para nos compreendermos criticamente dentro dela; parar de ler somente às vésperas de exames ou datas comemorativas a fim de reproduzir comportamentos fechados e não-criativos e, a passos largos, começar a ler para descobrir os porquês dos diferentes aspectos da vida. A passos largos, ir desautomatizando, ir desrotinizando os protocolos conservadores que regem a leitura em todos os graus de ensino deste país. (SILVA, 2000, p.13) 2.2 TRABALHANDO COM GÊNEROS TEXTUAIS PARA REAVIVAR O INTERESSE PELA LEITURA A leitura constrói o sujeito de maneira única, por isso deve ter objetivo claro e envolver situações reais, onde o aluno tenha como meta a construção do sentido no ato da leitura do texto. Isso tudo cria também uma função social para com o aluno; trabalhar com gêneros textuais é um ato de inserção na realidade, é induzir o aprendiz a ler naturalmente, e mostrar-lhe uma finalidade para a leitura, visto que se trata de uma leitura que faz parte do contexto de uso da língua estrangeira, e que apresenta contribuições para sua vida como cidadão. É primordial que os alunos tenham em mente as finalidades das leituras que irão fazer, e a importância de saber ler verdadeiramente. Abaixo relacionamos alguns tópicos de formas de leitura de gêneros textuais que fazemos tão naturalmente que nem nos damos conta de que se trata de textos, assim como todos os outros, criados para atender a necessidades: • 96 Ler para conviver socialmente: recorremos o tempo todo a textos que organizam a nossa vida, tais como calendários, agenda, listas de todas as formas, quadro de divisões de tarefas etc. Na escola também há muitos desses gêneros, como por exemplo o quadro de avisos, listas de chamadas, bilhetes, editais de inscrições para cursos, divulgação de feiras, regras da escola; Luminária 15 • Ler para se comunicar: cartas, e-mails, facebook, convites, mensagens, telegramas. A leitura é inseparável de todos estes itens, a comunicação não se dá sem eles; • Ler para descobrir informações: cardápios, rótulos, informações para fazer um trabalho ou para saber os preços dos produtos em um catálogo, para saber qual alimentação é adequada para um determinado animal; • Ler para fazer: receitas, jogos, artesanato, montar brinquedos; • Ler para ter sucesso: em um projeto/empreendimento, para apresentar trabalhos, peças teatrais, fazer um plantio, reproduzir (criar) determinado tipo de animal; para fins comerciais como abrir um estabelecimento, é preciso ler a respeito para conhecer fatores favoráveis e não favoráveis; • Ler para dar alimento à imaginação: poesia, conto, romance, crônica, história em quadrinhos, revistas variadas; é necessário ler por diversão, por prazer, pois na leitura encontramos criatividade, conhecimento sociocultural, e uma variedade, ousamos dizer, que é infinita. Ler é ler escritos reais, que vão desde o nome de uma rua numa placa até um livro, passando por um cartaz, uma embalagem, um jornal, um panfleto, etc., no momento em que se precisa realmente deles em uma determinada situação de vida, “pra valer” como dizem as crianças. É lendo de verdade, desde o início, que alguém se torna leitor e não aprendendo primeiro a ler[...] (JOLIBERT, 1994, p. 15) O uso dos gêneros textuais em sala de aula de línguas traz muitos benefícios; um dos principais é dar oportunidade ao aluno de estar em contato com a língua de maneira contextualizada, ou seja, um processo de imersão, visto que o aluno estará perante um gênero autêntico em circulação. Trata-se de um fenômeno sociodiscursivo, e sabemos que é através da linguagem que se adquire o saber, por isso o aprendiz de língua estrangeira deve ser preparado para ter a capacidade de engajar-se nos mais variados discursos sociais que demandam saber, ação, e que se dão por meio da linguagem. Trabalhando com os gêneros textuais numa proposta discursiva pode-se alcançar também uma dimensão cultural (necessária para a prática da leitura), além de possibilitar que o aluno/aprendiz capte valores, conceitos (conhecimentos também necessários para a prática da leitura), que serão conhecidos a princípio, e mais tarde reconhecidos e até problematizados. As perguntas que não calam são: Como fazer a transposição didática dos gêneros textuais para a sala de aula? Qual gênero textual deve ser escolhido para trabalhar em sala de aula, já que são incontáveis? Em primeiro lugar deve-se ter em mente uma sequência didática (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004) que aborde um diagnóstico, ou seja, uma avaliação do nível de conhecimento do aluno/aprendiz em relação ao gênero a ser trabalhado. É esse diagnóstico que irá orientar a elaboração de atividades diferenciadas que proporcionarão aprendizagem. Com isso, ao mesmo tempo em que teremos um diagnóstico, teremos a oportunidade de inserir na sequência didática ensinamentos relacionados à cidadania, pois a meta abrange também esta faceta. Quanto ao gênero a ser escolhido, este deve ser norteado pelo objetivo que se pretende alcançar, por isso é primordial um planejamento. Não se trata de sobre qual tema se pretende ensinar, indo muito além disso; trata-se de lições de cidadania a serem ensinadas. Também do contexto em que vive o aluno; do contexto em que circula o gênero textual; da faixa etária dos aprendizes; do momento histórico que vivemos; e de qual é a importância desse conhecimento para o aluno/aprendiz, também fora da sala de aula, entre outras coisas. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 97 3 RELATO DA APLICAÇÃO DO PROJETO-PILOTO PIBID: SUBPROJETO GÊNEROS TEXTUIAS NO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Este capítulo destina-se ao relato da primeira aplicação feita em sala de aula da sequência didática desenvolvida pelas autoras e demais acadêmicos bolsistas do PIBID, com o auxílio de suas professoras supervisora e coordenadora, utilizando como base o gênero rótulo para o ensino de língua espanhola. O trabalho desenvolveu-se entre setembro e novembro de 2012. A princípio nos deteremos apenas à descrição da sequência didática aplicada, e posteriormente explicaremos qual foi o eixo norteador que nos guiou na escolha do gênero textual rótulo, bem como o que nos levou a desenvolver determinado planejamento, assim como salientar objetivos alcançados com sucesso e objetivos que poderiam ser mais explorados. Lembramos que se trata de um primeiro contato do grupo com a sala de aula, pois éramos cinco acadêmicos do primeiro e segundo anos de Letras, sem experiência ainda com estágios. O projeto-piloto constituiu-se de seis aulas e foi aplicado em uma turma de 1º Ano de CELEM3 no Colégio Estadual José de Anchieta, localizado no centro da cidade de União da Vitória, PR. O gênero textual escolhido para trabalhar em sala de aula foi o rótulo. Por tratar-se de aulas de língua espanhola, todo o material utilizado foi confeccionado nessa língua. Tínhamos como objetivos: • Evidenciar a importância social de reconhecer e apropriar-se do gênero textual; • Fazer um processo de decodificação e construção de sentido durante a leitura; • Enfatizar os direitos do consumidor; • Exercitar escrita, leitura e oralidade em língua espanhola; • Enfatizar os direitos e também deveres do cidadão; • Desenvolver no aluno a capacidade de fazer uso do gênero em situações reais. 1ª e 2ª aulas No primeiro dia de aplicação, apresentamo-nos e fizemos uma breve explanação do que é o PIBID. O tema da aula, rótulos, foi revelado através de um levantamento de hipóteses respondido pelos próprios alunos. Em seguida aplicamos uma atividade que seria o nosso medidor do nível do conhecimento prévio dos alunos em relação ao gênero textual a ser trabalhado. Tratava-se de uma atividade lúdica denominada “Painel Interativo”. Em um primeiro momento, a turma foi divida em dois grupos, sendo que cada grupo era responsável por um lado do painel (confeccionado com material T.N.T. e anexado ao quadro negro). Em um segundo momento, os componentes de cada grupo, organizadamente, dirigiam-se até as duas carteiras posicionadas em frente ao painel; ambas continham faixas,confeccionadas em material E.V.A. Elas traziam informações verdadeiras e falsas em relação aos componentes do rótulo, como por exemplo: SAC, fecha de validez etc. O desafio lançado a cada grupo era conseguir anexar mais informações verdadeiras possíveis ao painel, sendo que o grupo que acertasse mais informações ganhava a disputa. A correção foi feita oralmente. Após foi feita uma fala sobre o gênero textual rótulo, sua origem, sua evolução, fatores que diziam respeito à história deste gênero textual. 3 O Centro de Línguas Estrangeiras Modernas é uma oferta extracurricular e gratuita de ensino de idiomas, oferecida a toda a comunidade pelo Governo do Estado do Paraná há 27 anos. 98 Luminária 15 Passamos à segunda atividade lúdica, que levou o nome de “Compra a Ciegas”; nela tínhamos como objetivo mostrar à turma qual a importância do rótulo na sociedade e no cotidiano de todos. Deu-se da seguinte maneira: foram expostas, sobre uma mesa, várias embalagens contendo objetos úteis e não tão úteis para os alunos, porém as embalagens não possuíam rótulos; a regra era que eles teriam que tentar fazer uma boa compra sem quaisquer informações, dispondo apenas da intuição. Após todos terem efetuado a “compra” é que se deu a abertura das embalagens por ordem de fila, e cada aluno pôde expor o grau de dificuldade que teve na hora da escolha e o motivo pelo qual escolheu determinada embalagem. 3ª e 4ª aulas Iniciamos apresentando aos alunos uma definição breve e simplificada do que é um gênero textual, através de exemplos expostos numa projeção de slides. Dando continuidade à aula os alunos receberam uma história em quadrinhos, com o título “Derechos del Consumidor” (Anexo 1). Os alunos fizeram a leitura oralmente, foram tiradas as dúvidas de vocabulário e só então seguiu-se para um breve debate do que haviam entendido, assim como uma explanação dos direitos e deveres do consumidor/cidadão. Após expuseram-se todos os componentes primários de um rótulo que são obrigatórios por lei, e que constam do rótulo de qualquer produto, assim como os secundários, que variam de acordo com a linha de produto, e não são obrigatórios. A atividade proposta nesta aula foi um trabalho em duplas ou trios com os rótulos. Cada dupla ou trio recebeu dois rótulos, sendo um autêntico na língua espanhola, das linhas de higiene pessoal ou limpeza, e o outro na língua materna, português, e de linha alimentícia, ou vice-versa.A tarefa consistia em desfragmentar esses rótulos, localizando e comparando em ambos os componentes primários e obrigatórios por lei, assim como os secundários sem obrigatoriedade. Essa atividade foi feita em formato de cartaz, e após a análise, cada dupla ou trio apresentou suas descobertas oralmente para toda a turma em espanhol. 5ª e 6ª aulas A aula iniciou-se com a revisão da aula anterior. Em seguida solicitamos aos alunos que se juntassem nas mesmas duplas ou trios. Disponibilizamos materiais tais como canetinhas, E.V.A., fita adesiva, lápis de cor, embalagens sem rótulos, cartolina, revistas pra recorte etc. A atividade solicitada foi que os alunos criassem com esses materiais seus próprios produtos. As regras consistiam em utilizar a atividade da aula anterior como ponto de partida; eles deveriam ver quais foram os produtos de que haviam recebido os rótulos na aula anterior, e fazer uma fusão do produto da linha de higiene pessoal/ limpeza com o produto de linha alimentícia, criando um novo produto autêntico, e ainda confeccionar seu rótulo com todos os componentes primários obrigatórios por lei, ficando os secundários a critério dos grupos. Os produtos criados não poderiam remeter a produtos já existentes, e tudo deveria ser escrito em espanhol. Após essa confecção, encerramos com a apresentação das criações feitas à turma, oralmente, em espanhol. O eixo norteador para a escolha do gênero textual rótulo foi o fato de o grupo ter chegado ao consenso de que, embora visto como algo corriqueiro, o rótulo não era de fato dominado nem em língua materna por alunos daquela faixa etária; demo-nos conta de que nunca havíamos flagrado um adolescente preocupado com a procedência, a validade, ingredientes, etc, do seu biscoito ou de outro alimento. Assim sendo, eles provavelmente também não saberiam de seus direitos de consumidor em relação ao rótulo, e as vias públicas nos mostravam como muitos não lembravam também de seus deveres de cidadão/ consumidor. Tudo isso era de grande importância também fora da sala de aula, portanto útil para a transposição didática, para cuja elaboração consideramos objetivos relativos à aprendizagem da língua espanhola e também à formação do cidadão. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 99 Os seguintes passos foram seguidos quando da aplicação das aulas: 1. A sequência didática foi dotada, inicialmente, de uma atividade/ diagnóstico, o Painel Interativo, que nos deu um parecer sobre o nível de conhecimento prévio dos alunos, e a partir de então o que deveria ser mais frisado. Tal procedimento é defendido por Schneuwly e Dolz (2004) na apresentação de sua proposta instrucional. 2. A dinâmica “Compra a Ciegas” serviu como experiência e para evidenciar a importância do gênero rótulo e seu papel na sociedade; 3. A história em quadrinhos “ Derechos del Consumidor” foi utilizada para leitura, como parte da explicação do gênero textual, contendo uma aula de cidadania. 4. A primeira atividade feita em duplas ou trios foi a análise e comparação de rótulos em língua materna e em língua espanhola, e tinha como objetivo exercitar a leitura do gênero, a prática de leitura e escrita em língua espanhola, e a instigação do papel do cidadão/consumidor. 5. A segunda atividade feita em duplas ou trios foi a confecção, pelos alunos dos seus próprios rótulos, a partir dos conhecimentos adquiridos nas aulas anteriores; tinha como objetivo a prática dos conhecimentos adquiridos nas aulas anteriores, e era mais uma atividade/diagnóstico para obter um parecer sobre o nível de conhecimento adquirido em âmbito geral pelos alunos. De modo geral, os objetivos foram alcançados com sucesso com relação ao ensino/ aprendizagem, mas essa sequência poderia ainda ser mais explorada, com resultados mais palpáveis. Como sugestão, acreditamos que a sequência didática deve ser mais longa, com mais aulas, pois o gênero textual rótulo abrange muitos temas que podem ser aprofundados, tanto os que são voltados para a cidadania, como o controle da obesidade, alimentação saudável, tipos de doenças que impedem a ingestão de determinado produto, reciclagem etc., como os que poderiam a partir destes serem voltados para o ensino da língua estrangeira. Ainda deve-se levar em conta a criação e o desenvolvimento de atividades individuais, para dessa forma, detectar os alunos que não estão desenvolvendo a aprendizagem. Estes são alguns pontos a serem aperfeiçoados. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se neste trabalho que um dos problemas encontrados pelos professores é referente à fragilidade da leitura eficaz em sala de aula, que se dá primeiramente pela forma como se ensina a leitura dentro das escolas. Há profissionais da área da educação com uma visão mais tradicional de que ler é decodificar. Desta forma a mudança tarda a acontecer, pois se os professores não têm conhecimento das habilidades e objetivos da leitura, não podem oferecer ao aluno conhecimento para facilitar a interpretação. Vários fatores são apontados para a manutenção dessa visão tradicional: desinteresse; falta de tempo; ou mesmo falta de verba para a aquisição de livros recentes que tragam continuidade ao seu aprendizado, pois acabam ficando presos a livros didáticos, e como os mesmos apresentam atividades supérfluas, fragmentadas e descontextualizadas, as aulas se tornam de baixo rendimento, e a leitura que deveria instigar o aluno a novas pesquisas toma forma de tortura diária e passa a ser rejeitada. E o ciclo de ensino/aprendizagem vira um faz-de-conta, como já escreveu Werneck (1992): alunos fingem que aprendem, para agradar o professor, e o professor finge que ensina para agradar aos superiores. Quantos aos alunos que “não gostam de ler”, de nada adiantará forçar severamente a prática da leitura, mas sim optar por um meio em que a aprendizagem seja inserida sem parecer imposta, e a melhor forma de mostrar que a leitura é de fato indispensável, é a abordagem através dos gêneros textuais. 100 Luminária 15 Por que não dar oportunidade ao aluno de fazer a leitura de algo que realmente venha a contribuir com seu conhecimento como aluno e como cidadão? Textos não se tratam só de leituras extensivas, texto é tudo aquilo que passa uma mensagem, uma informação, como as sinalizações de trânsito, conta de luz, ticket de mercado, dinheiro, cheques; todos são gêneros textuais, e mesmo com a modernidade que ameaça o livro, a leitura não corre riscos, porque está presente nas mais inusitadas situações. Sem leitura não haveria as tão famosas redes sociais, por exemplo. Isso comprova que o aluno gosta da leitura, mas aquela que é real, necessária, e que faz sentido aprender; aluno não gosta é do tripé - cópia, paráfrase e memorização - com que é obrigado a conviver na escola. Não podemos subestimar o aluno; por mais que ele não tenha tanto conhecimento teórico, tem capacidade para questionar o porquê de certas atividades, percebe o que é útil e o que é empregado em sala de aula sem objetivo. Ainda há possibilidade de mudança, mas são necessários alguns ajustes na postura do professor e da escola. Apesar de enfrentarmos inúmeros problemas que vão desde a infra-estrutura e falta de material de apoio de qualidade nas escolas, esperar que essa realidade mude é perder muito tempo, é perder a oportunidade de ensinar a muitos alunos. Hoje se aprende a construir sentidos, e amanhã os alunos de hoje possivelmente estarão construindo uma sociedade melhor, valorizando a educação, e não se deixando enganar. Um grande incêndio começa com uma faísca, e cabe aos educadores provocar o atrito necessário na tentativa de inflamar a leitura no ambiente escolar, de forma que o aprendiz, ao se deparar em/com outros contextos, inclusive estrangeiros, seja capaz de ler esse mundo, e agir nele, de forma independente. REFERÊNCIAS CAGLIARI, L. C. Alfabetização e linguística. 10. ed. São Paulo: Scipicione, 1999. SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. FREGONEZI, Durvali Emílio. O professor a escola e a leitura. Londrina: Edições Humanidades, 2003. JOLIBERT, J. Formando crianças leitoras. v. 1. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. JOUVE, V. A leitura. São Paulo: Unesp, 2002. SILVA, E. T. A produção da leitura na escola. São Paulo: Ática, 2000. WERNECK, H. Se você finge que ensina, eu finjo que aprendo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 101 ANEXO Cómic: Derecho del Consumidor 102 Luminária 15 Ideia original: Acadêmicos do PIBID – Espanhol FAFIUV Ilustração final: Vilson Rodrigo Diesel Rucinski União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 103 DIFERENTES CONCEPÇÕES DE CITAÇÃO1 Lilian Salete Alongo Moreira Lima2 Resumo: Este Artigo é parte de tese em andamento e objetiva evidenciar diferentes abordagens da citação por meio de pesquisa bibliográfica. A citação, na Ciência da Informação, é vista de forma quantitativa, gerando dados como o fator de impacto (FI) de periódicos científicos e fornecendo informações que permitem flagrar usos inapropriados do citar, como o “escambo autoral”, o “bairrismo acadêmico”, o plágio e a autocitação. A ABNT-NBR 10520-2002 e os manuais de metodologia preocupam-se de modo geral com a forma e a formatação da citação. Nos estudos da linguagem, a citação é vista como uma manifestação do discurso relatado, seja discurso direto ou indireto. Palavras-chave: citação, ciência da informação, metodologia, discurso relatado. DIFFERENT CONCEPTIONS FOR SERVICE Abstract: This article is part of a thesis in progress and aims to highlight different approaches of quotations by means of bibliographical research. Quotations, in Information Science, are seen quantitatively by generating data as the impact factor (IF) of journals, and providing information which allows the tracking of inappropriate uses of citing, such as the illegal bartering, the “academic parochialism”, plagiarism and self-citation. ABNT -NBR 10520-2002 and manuals of methodology are concerned generally with the shape and format of the citation. In language studies, quotation is seen as a manifestation of reported speech, whether direct or indirect. Keywords: quotation, information Science, methodology, reported speech. 1 INTRODUÇÃO No contexto acadêmico, a citação geralmente é relacionada ao que apresentam os manuais de metodologia científica, baseados na Associação Brasileira de Normas e Técnicas (doravante ABNT): direta (curta e longa); indireta; citação de citação. Essa é a face mais conhecida, contudo há outras possibilidades de encarar a citação que nem sempre são conhecidas pelos pesquisadores e estudantes. Dessa forma, este artigo, que é parte de tese em andamento, pretende mostrar diferentes abordagens da citação por meio de pesquisa bibliográfica. Iniciamos pela Ciência da Informação, em que a citação é um elemento quantificável, gerador de diversos dados, como por exemplo o fator de impacto (FI) dos periódicos científicos; esse campo do saber também nos fornece dados acerca do que a citação não 1 Agradeço à CAPES pela bolsa concedida no período entre abril/2013 e fevereiro/2014, a qual possibilitou a realização desta pesquisa. 2 Professora Assistente da UNESPAR, Campus de União da Vitória, mestre e doutoranda em Estudos da Linguagem. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 105 deve ser (“escambo autoral”, “bairrismo acadêmico”, plágio, autocitação). Depois, abordamos a citação considerando a ABNT-NBR 10520-2002 e os manuais de metodologia, discutindo que essa abordagem não é suficiente para “saber” citar, o que nos leva à visão da citação segundo os estudos da linguagem, ou seja, a citação é uma manifestação do discurso relatado, visão sustentada especialmente em Maingueneau (2008a) e Boch e Grossmann (2002). 2 CITAÇÃO SEGUNDO A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO Os periódicos científicos são avaliados a partir de parâmetros que medem seu fator de impacto (FI), ou seja, a frequência com que um artigo publicado no periódico é citado. Pesquisadores da Ciência da Informação têm questionado a validade e a importância do FI, especialmente por se basear na contagem de citações, isto é, num parâmetro puramente quantitativo (ANDRADE, 2005; ANDRADE; GALEMBECK, 2009). Além disso, avalia-se somente um fator, quando o ideal seria o uso de múltiplos critérios, bem como há casos em que não é a qualidade ou o fator de impacto que distingue as publicações, mas sua visibilidade (ANDRADE; GALEMBECK, 2009). A análise de citações é uma das ferramentas da Bibliometria; esta é um método quantitativo de investigação da ciência e aquela objetiva: [...] medir o impacto e a visibilidade de determinados autores dentro de uma comunidade científica, verificando quais ‘escolas’ do pensamento vigoram dentro das mesmas. Além disso, a análise de citações possibilita a mensuração das fontes de informação utilizadas, como o tipo de documento, o idioma e os periódicos mais citados. Utilizando estes indicadores, é possível saber como se dá a comunicação científica de uma área do conhecimento, obtendo-se, assim, um “mapeamento” da mesma, descobrindo teorias e metodologias consolidadas. (VANZ; CAREGNATO, 2003, p.251– destaques das autoras) Assim, vemos que o entendimento de que o texto acadêmico é construído a partir de outros textos já existentes não é exclusividade dos Estudos da Linguagem; a Bibliometria, por meio de suas ferramentas de análise de citações e estudo de citação, também tem esse entendimento e reconhece que o ato de citar não é mecânico, pois, de certa forma, evidencia o comportamento do pesquisador, ou o comportamento de citação dos autores (VANZ; CAREGNATO, 2003). Alvarenga (1998, p.5) afirma: “Por meio de citações, um autor identifica as relações semânticas entre seu artigo e os documentos citados, considerando-se que os novos artigos que citam os mesmos documentos publicados anteriormente têm em geral relações semânticas entre si.” Meadows (1999, p.61) observa que: [...] a quantidade de literatura científica tem crescido de modo aproximadamente exponencial ao longo do tempo. Se essa literatura for de igual interesse para os pesquisadores, será natural que a distribuição das referências feitas a ela no tempo siga um padrão similar, com um número muito maior de referências de publicações recentes do que antigas. De fato, é isso que acontece, porém, em alguns campos de pesquisa, a proporção de literatura recente citada é até mesmo maior do que o que seria previsível com uma taxa de crescimento exponencial. Vanz e Caregnato (2003) reconhecem que a quantidade de vezes em que um autor é citado representa seu prestígio na comunidade acadêmica, mas chamam atenção também para a subjetividade presente nas citações, revelada pelos hábitos relacionados ao ato de citar, os quais estão sujeitos a fatores socioculturais, políticos e econômicos. Essa subjetividade também é destacada por Alvarenga (1998) como algo a ser considerado pelo pesquisador ao fazer uma pesquisa bibliométrica partindo da literatura tida como 106 Luminária 15 formadora de um campo do saber, pois a construção do conhecimento é “[...] um processo eivado de interesses pessoais e subjetividade, devido aos imperativos que governam a conduta social implícita na construção não somente da ciência, mas dos saberes em geral.” (ALVARENGA, 1998, p.3) Vanz e Caregnato (2003) também sugerem cautela na interpretação de resultados da análise de citação, e, por outro lado, reconhecem que: [...] os estudos de citação são uma importante ferramenta para o entendimento dos processos de comunicação científica nas diferentes áreas do conhecimento humano. Eles nos permitem mapear um campo emergente ou consolidado, identificar seus principais atores e as relações que se estabelecem entre eles e identificar uma série de características do comportamento de uso da informação recuperada. Assim, os estudos de citação constituem um importante indicador da atividade científica, pois contribuem para entender a estrutura e o desenvolvimento da ciência e também identificam as regularidades básicas de seu funcionamento. (VANZ; CAREGNATO, 2003, p.255) Caldas e Tinoco (2004) defendem que a citação traz conceitos fundamentais e ideias discutidas no texto e tem o objetivo de proporcionar ao leitor contato com referências do campo de estudo e com trabalhos precedentes que contribuem com o atual. Para os autores, a análise de citações evidencia quais são as influências teóricas, a área de conhecimento, o raciocínio desenvolvido e o paradigma seguido pelo autor, bem como permite avaliar o impacto, os avanços e os benefícios decorrentes de uma pesquisa científica, de um grupo de pesquisa, de uma instituição ou de um periódico. Alvarenga (1998, p.5) tem visão semelhante aos autores acima, mas vai além quando defende que citar e referenciar outros textos atribui à área de conhecimento “[...] chancela de autenticidade pela obediência aos imperativos institucionais desse campo científico ou do saber”, ratificando suas relações com o jogo de poder intrínseco à construção da ciência, uma vez que: Permeia o ato de citar todo um espectro de implicações psicológicas, sociológicas, políticas e históricas, assim como influências de outras naturezas, tais como o narcisismo (autocitações), influências entre autores e instituições, adesão a paradigmas vigentes. Nas práticas discursivas, o hábito de citar ou fazer referência a um trabalho anteriormente escrito pode ser considerado parte constitutiva do processo de enunciação ocorrida em campos específicos dos saberes. (ALVARENGA, 1998, p.6) Já que na atual configuração do mundo acadêmico para ser bem avaliado é preciso, além de publicar, ser citado, configura-se uma corrida por publicação em quantidade – “produtivismo” – e por citar outros autores e ser citado por eles – “citacionismo” (CASTIEL; SANZ-VALERO, 2007; YAMAMOTO, 2000): “[...] É preciso produzir artigos que gerem citações, ou seja, que sejam publicados e tenham vitalidade para estarem presentes nas outras publicações.” (CASTIEL; SANZ-VALERO, 2007, p. 3043) Esses “ismos” decorrem das demandas da área científica, como pleito por financiamento ou bolsas de pesquisa, sobrevivência acadêmica, avaliação/conceito do programa de pós-graduação, reconhecimento do mérito do pesquisador (ANDRADE, 2005). No entanto, essa pressão não justifica a quebra da ética científica representada pelas consequências desses “ismos” que veremos a seguir. 3 AUTOCITAÇÃO, “ESCAMBO AUTORAL” E “BAIRRISMO ACADÊMICO” Uma das consequências do “produtivismo” e do “citacionismo” é a autocitação ou citação pessoal, quando o pesquisador cita seus trabalhos anteriores (VIRMOND, 2008). Citar a si mesmo não é condenável quando se trata de apontar que a pesquisa atual deUnião da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 107 riva de pesquisas anteriores e, portanto, justifica-se a necessidade de retomar trabalhos próprios já publicados, indicando essa progressão da investigação. Contudo, observa-se muitas vezes a autocitação gratuita, “não essencial, auto-volitiva” (VIRMOND, 2008, p.326), o que pode se aproximar de um “narcisismo acadêmico” (CALDAS; TINOCO, 2004; ALVARENGA, 1998). Castiel e Sanz-Valero (2007) também consideram autocitação quando “[...] um mesmo conteúdo pode aparecer em vários artigos, após receber pequenas mudanças cosméticas. A autocitação pode constituir-se no chamado ‘autoplágio’.” (CASTIEL; SANZVALERO, 2007, p.3042, destaque dos autores) Essa prática é tal que, para evitar que um mesmo artigo seja publicado mais de uma vez, as revistas têm solicitado dos autores a indicação de que o texto não foi enviado para outros periódicos ou que se justifique por que foi enviado a mais de um para avaliação. Outra face da autocitação é o “‘escambo autoral’ (meu nome no teu artigo, teu nome no meu artigo etc.)”, o qual levou ao aumento do número de autores num mesmo artigo (CASTIEL; SANZ-VALERO, 2007, p.3042). Assim, não necessariamente um autor participa da pesquisa e da redação do artigo, mas tem seu nome inserido com a garantia de que o mesmo será feito por ele. Uma das formas de tentar barrar essa prática é a feita no Editorial de Torresi, Pardini e Ferreira (2009, p.197), no qual os editores destacam que a relação de colaboração e coautoria deve estar previamente acordada entre os pares e todos devem assinar um documento concordando com a publicação, bem como não se deve incluir coautores que não tenham participado da pesquisa nem se deve omitir o nome de quem participou. Essa prática de “escambo autoral” pode ser aproximada de outras, o “bairrismo acadêmico” (CALDAS; TINOCO, 2004) e a “autocitação interpessoal” (VIRMOND, 2008). Trata-se da troca de citação entre trabalhos de um mesmo grupo de pesquisa e/ ou de pesquisadores de uma mesma instituição. É uma forma de autocitação, pois autores do grupo citam artigos de outros autores do mesmo grupo, numa forma de “acordo cíclico” que visa a hegemonia desse grupo (VIRMOND, 2008, p. 327). Apontamento semelhante é feito por Caldas e Tinoco (2004), os quais observaram que alguns autores são ignorados por outros, apesar de fazerem pesquisas semelhantes, porque são de programas diferentes dos seus. Assim, esses autores ignorados citam a si mesmos e são citados por pesquisadores da mesma instituição, gerando o que os autores chamam de “[...] ‘bolsões’ de autores que se autocitam e que se isolam da produção feita sobre o mesmo assunto em outros programas ou instituições.” (CALDAS; TINOCO, 2004, p. 101). No entanto, essa prática bairrista pode ir além do simples protecionismo e autofavoritismo, culminando em: [...] um fator deletério adicional quando esses grupos, muita vezes intencionalmente, excluem a produção relevante, para o tema em estudo, de autores de outras instituições. Em um estágio mais avançado de nocividade acadêmica, apresentam conhecimentos importantes e concretos de sua própria lavra, mas sem citar fontes que já introduziram o mesmo tema, na busca de um ineditismo oportuno ou simplesmente, como anteriormente, para negar o crédito a grupos externos. (VIRMOND, 2008, p. 327) Virmond (2008) relaciona essas práticas de autocitação com a emergência do índice H, uma forma de mensuração que considera: [...] o número de citações que o artigo recebe por parte dos pares. Trata-se da relação entre o número de publicações de um pesquisador e o número de citações que ele recebe, com isto, pretensamente estaria se medindo a qualidade científica desse autor. Sem dúvidas, as citações bibliográficas de um determinado autor devem refletir o interesse na comunidade de sua produção, variando este índice internamente de acordo com o interesse gerado sobre uma ou outra de suas contribuições. Portanto, 108 Luminária 15 em uma leitura descomprometida da questão, o índice H pode traduzir a relevância da produção de um pesquisador. Claro, resta saber se a produção de um autor com baixíssimo índice H é totalmente irrelevante ou se o contrário, o elevado índice H para um autor o qualifica como um gênio da ciência. (VIRMOND, 2008, p. 325-326) Ainda que o autor não utilize o termo, mais uma vez emerge em nossa reflexão a questão do produtivismo. Por outro lado, é importante destacar a ressalva feita por Caldas e Tinoco (2004): É verdade que toda análise e crítica feita até agora sobre alta incidência de autocitação e citação à própria instituição precisa ser, na medida do possível, relativizada. Por exemplo, seria possível argumentar que as instituições que dominam um campo de pesquisa apresentem, justificadamente, alta incidência e intensidade de auto-citação e citação à própria instituição. Nesse caso, ainda seria possível argumentar que, uma vez que alguns autores dessa instituição detiveram uma proporção importante da produção nacional sobre um determinado tema, não lhes restaria muita opção a não ser citar a si próprios. (CALDAS; TINOCO, 2004, p. 111) Classificando as citações em essenciais, suplementares e negativas, Meadows (1999) declara: “[...] Provavelmente, se as citações refletem importância, os autores das classificadas como essenciais deveriam receber as maiores glórias. No entanto, mesmo as referências suplementares não se escolhem ao acaso.” Assim, o autor cita a si mesmo (autocitação) ou cita trabalhos indicados por outros e/ou que sejam de fácil acesso (suplementares), daí ser comum citar trabalhos citados em revisões de literatura ou publicados em periódicos importantes encontrados em bibliotecas. Tais fontes, para Meadows (1999) provavelmente contêm pesquisas de qualidade. Para evitar possíveis armadilhas ao considerar a citação como medida de qualidade, Meadows (1999) sugere o exame de outras medidas de qualidade como as recompensas que recebem os autores de trabalhos de alta qualidade (promoções e aumento de salário) e o reconhecimento do ambiente acadêmico por meio de um prêmio (o autor se refere especificamente ao Nobel). Ao pesquisar isso, o autor encontra: “[...] Tais estudos sugerem que existe uma correlação significativa entre essas variáveis, ao ponto de haverem sido feitas tentativas de calcular o valor monetário que cada publicação acarretaria para o pesquisador.” (MEADOWS, 1999, p.92) 4 PLÁGIO O plágio acadêmico, segundo Nery et al. (2013, p.2), se “[...] configura quando um aluno retira, seja de livros ou da Internet, ideias, conceitos ou frases de outro autor (que as formulou e as publicou), sem lhe dar o devido crédito, sem citá-lo como fonte de pesquisa.” Os autores apontam três possibilidades de plágio: 1) integral (cópia integral de trabalho); 2) parcial (“o trabalho é um ‘mosaico’ formado por cópias de parágrafos e frases de autores diversos, sem mencionar suas obras [NERY et al., 2013, p.2]); e 3) conceitual (faz-se paráfrase do original, mas não se faz citação nem referência a ele). A Internet trouxe aos pesquisadores o acesso a pesquisas realizadas em diferentes partes do mundo de forma cômoda e econômica, já que não é preciso sair de casa ou do escritório, não é preciso comprar certos livros nem periódicos como no passado, bem como, em certos casos, não é preciso pegar dados de “segunda mão” (o “apud”), podendo-se ir diretamente ao original. Contudo, essa facilidade de consulta e de cópia de conteúdos (a partir dos comandos “Ctrl C” e “Ctrl V”) tem levado à apropriação indevida de trechos de outros sem a devida citação e referência bibliográfica. Discutindo diversos problemas encontrados em textos acadêmicos, Albuquerque (2009, p. 293) categoriza esses problemas em dois campos: “[...] 1) qualidade da ciência e sua União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 109 apresentação; 2) má conduta na pesquisa científica.” No primeiro campo, encontram-se problemas estruturais, teóricos e metodológicos que levam à rejeição dos trabalhos por parte dos editores. No segundo campo, estão fraudes e condutas antiéticas, dentre as quais o autor destaca o plágio, pois ele tem sido uma constante preocupação. Um exemplo de plágio citado pelo autor e que retomamos aqui é exposto na carta da Comissão Editorial da Revista Psicologia, Ciência e Profissão, escrita em resposta a um psicólogo que comprova o plágio sofrido por ele num artigo publicado pela revista. Na carta, a Comissão Editorial nomeia o artigo em que ocorre o plágio e sua autora, bem como se retrata com o autor e deplora o ocorrido. Por fim, publica a carta enviada pelo psicólogo em que ele identifica os trechos e parágrafos de sua autoria que foram plagiados pela autora. Dessa carta, destacamos o seguinte trecho: [...] Foi com surpresa e satisfação inicialmente, que vi meu livro citado na bibliografia do artigo [...]. Digo ‘inicialmente’ porque, logo após a surpresa tive outra, desagradável, ao reconhecer no referido artigo algumas frases do meu ensaio publicado em 1991, citadas sem aspas. Voltando ao texto, pude constatar atônito, que não se tratava apenas de algumas frases, mas de parágrafos inteiros. [...] o artigo [...] é na verdade uma colagem de trechos do meu ensaio, reproduzidos ipsis literis ou com alterações mínimas. Nenhuma dessas citações está creditada como tal, nem tampouco foram colocadas aspas. (TEIXEIRA, 1998, p.56) Ao comentar esse caso, Albuquerque (2009, p. 294 – grifo nosso) afirma que “[...] O plágio, seja consciente ou até mesmo inconsciente, representa uma desagradável surpresa para o plagiado, uma grave infração ética do plagiador, e um grande desconforto para os editores e revisores da revista que veiculou o plágio.” Em nossa experiência com orientações de trabalhos (Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) e monografias), também tivemos contato com trabalhos em que os alunos fizeram referência ao original, mas, no corpo do texto, não destacaram os trechos citados, configurando plágio. Apesar de na graduação e na especialização haver a disciplina Metodologia Científica, alguns alunos desconhecem ou têm dúvidas quanto às formas de citar, o que justifica o plágio “inconsciente” de que fala Albuquerque (2009) ou “acidental” para Vasconcelos (2007). Por outro lado, há também aqueles que cometem o plágio “consciente” (cf. Albuquerque), numa atitude de má-fé (ou falta de ética) ou, como postula Vasconcelos (2007, p.4) uma “desonestidade acadêmica [...] é também investigada pelas agências de fomento à pesquisa em tais países”. A autora se refere a Estados Unidos e Reino Unido, locais em que o plágio é tido como um problema, visto com seriedade e sujeito a punições. Silva (2008) aponta que, na educação brasileira, historicamente, é comum copiar trabalhos, parcial ou totalmente, omitindo-se a fonte, e isso foi beneficiado atualmente pela tecnologia. Visão semelhante tem Vasconcelos: “[...] se considerarmos a realidade linguística da pesquisa brasileira e a de uma educação voltada para a produção do texto não como instrumento formador de senso crítico e opinião, nos vemos numa situação favorável ao plágio.” (VASCONCELOS, 2007, p.5) Tanto Silva (2008) quanto Vasconcelos (2007) tocam na questão da autoria. A primeira defende que o ensino de produção de texto na universidade deve enfocar o aluno como autor e sua produção deve cumprir sua função social e ser socializada em eventos e/ ou publicações. Já a segunda destaca que: [...] A abordagem do plágio é permeada pelo conceito de autoria e propriedade intelectual. Sendo assim, não se pode negar que culturas que legitimam a condenação da cópia de textos e ideias de outrem sem a devida citação, legitimam a propriedade intelectual do autor, ou seja, a originalidade. (VASCONCELOS, 2007, p.4) 110 Luminária 15 Albuquerque (2009, p.295) apresenta um “sistema de detecção e manejo de casos de plágio proposto pela CIMEL (Revista Ciencia e Investigación Médica Estudantil Latinoamericana). Reproduzido de Rojas-Revoredo et al. (2007)”. Quando abordam o plágio, Castiel e Sanz-Valero (2007) destacam uma prática não abordada pelos autores consultados: [...] Não parece ser incomum a prática de autores, ao utilizarem uma determinada referência consultada e indicada no próprio artigo destes autores, também citarem outra(s) referência(s) presente(s) no artigo citado como citação de seu próprio artigo, sem haver a consulta específica de tal referência. (CASTIEL; SANZ-VALERO, 2007, p.3-42) Essa prática é considerada uma forma de “microplágio” pelos autores. Entendemos o conceito dos autores e concordamos que essa ação é tão nociva quanto o plágio, já que envolve falsidade de dados – supor que o material foi lido, pesquisado, quando na verdade não foi. Se não é possível acesso ao original, existe a possibilidade de citação via “apud”, por exemplo, não sendo necessária tal prática. Outro que encontra uma forma de plágio diferente das comumente observadas é Bessa (2012) que, na análise empreendida por ele, classifica como plágio uma reprodução fiel de palavras sob a forma de modalização em discurso segundo, apresentada no texto analisado em forma de citação indireta. 5 CITAÇÃO SEGUNDO A ABNT E OS MANUAIS DE METODOLOGIA Para definir citação, especialmente quando se trata do texto acadêmico, é necessário consultar a normalização. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), por meio da norma NBR 10520, de agosto de 2002, “[...] especifica as características exigíveis para apresentação de citações em documentos.” (ABNT, 2002, p.1 – grifo do autor) e define: 3.1 citações: Menção de uma informação extraída de outra fonte. 3.2 citação de citação: Citação direta ou indireta de um texto em que não se teve acesso ao original. 3.3 citação direta: Transcrição textual de parte da obra do autor consultado. 3.4 citação indireta: Texto baseado na obra do autor consultado. (ABNT, 2002, p.1-2) Após apresentar essas definições, o documento normaliza a localização das citações (elas podem aparecer no texto ou em notas de rodapé), as regras gerais de apresentação, ou seja, de que modo devem ser feitas as chamadas (fornecimento de informações suficientes para se localizar sua referência ao final do texto bem como permitir a consulta à fonte original da citação: sobrenome do autor, ano da publicação e número da página). É especificada também a forma de apresentação visual das citações no texto (uso de aspas, letras em tamanho e espaçamento diferenciados, indicação de supressões, ênfase ou destaque, inserção de comentários, etc.). Por se tratar de normalização elaborada por um órgão técnico, vê-se que a norma da ABNT focaliza a forma de se fazer citação. Já nos manuais, produzidos especificamente para orientar a produção dos textos acadêmicos e geralmente publicados por editoras de universidades, há uma abordagem mais detalhada do que são as citações. Isso porque tais livros têm o objetivo não só de apresentar a normalização dos textos acadêmicos, mas também de orientar sua elaboração e redação. Müller e Cornelsen (1999, p.22) definem as citações como “[...] elementos retirados dos documentos dos autores pesquisados durante a leitura da documentação” e destacam a utilidade das citações para ratificar as ideias do autor da pesquisa. As autoras chamam União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 111 atenção também para o fato de que as citações bem escolhidas enriquecem o texto, pois mostram preocupação do autor com a pesquisa e a atenção dada aos autores citados, os quais se mostram “relevantes para o assunto”. Quanto aos tipos e formas de apresentação, as autoras seguem a NBR 10520, mas com diferença nas nominações: as citações diretas são chamadas textuais e as citações indiretas são chamadas conceptuais. Por se tratar de um manual, a forma como as autoras condensam e organizam as regras da ABNT merece destaque, visto que se torna mais fácil a compreensão dos tipos e formas de fazer citação: as citações textuais são subdivididas em citações curtas (até três linhas) e citações longas (mais de três linhas). No caso das citações conceptuais, as autoras destacam que elas podem se apresentar de duas formas – por paráfrase e por condensação (MÜLLER; CORNELSEN, 1999, p. 22-25). Suzuki, Steinle e Battini (2009) abordam a citação quando tratam dos elementos textuais do TCC. As autoras utilizam os mesmos nomes da ABNT – citações diretas e indiretas – e seguem a organização de Müller e Cornelsen para subdividir a citação direta em curta ou longa. Apesar de abordarem as diferentes formas de citação e fornecerem exemplos de como devem ser feitas, os manuais de metodologia nem sempre são bem avaliados. Dias (2005) aponta que esses manuais são pouco apropriados por não abrangerem a heterogeneidade das práticas discursivas dos gêneros científicos. Ao focalizar aspectos técnicos e o produto, essas obras não apresentam as possibilidades, os efeitos enunciativos e os significados de recorrer ao discurso de outrem. Visão semelhante têm Boch e Grossmann (2002, p.97): [...] Além do caráter normativo das recomendações (que provocam impasse em relação à heterogeneidade das práticas dos especialistas), os estudantes universitários são colocados frente a exigências contraditórias: citar, mas não muito, dar prova de originalidade, mas se referir permanentemente ao discurso dos professores. Bessa (2011) acredita que as classificações dos tipos de citação e as instruções – o mesmo que as exigências de que falam Boch e Grossmann (2002) acima – denotam a visão da citação como uma ação guiada unicamente por regras de como fazer. Apoiar-se na voz do outro se reduz a uma “questão de medida”, a algo técnico; em vez de questionamento ou resolução de problema teórico, converte-se em mera exigência do texto acadêmico, como se o modelo ideal desse conta das possíveis variações e dos diferentes papéis da citação (BOCH; GROSSMANN, 2002; BESSA, 2011). Bessa (2012; 2011) defende que é preciso conceber a citação no texto acadêmico não como se faz tecnicamente nos manuais de metodologia científica, mas de forma sistemática e com “olhar linguístico”. Dessa forma, pode-se ver que citar vai além das nominações típicas dos manuais – citação direta, indireta e citação de citação – de modo que se possa afastar de um ato de reprodução fiel ou reformulação do texto original para uma forma de reflexão e tomada de posição, assumir-se como autor de seu discurso. Esse será o tema do próximo item. 6 CITAÇÃO COMO MANIFESTAÇÃO DO DISCURSO CITADO Discutindo a questão do “discurso outro”, Bakhtin (1997) assevera que ele, ao mesmo tempo, contém sua própria expressão e a expressão do enunciado que o cita. Apesar de isso ser mais evidente quando o “discurso outro” é citado e aspeado, todo enunciado traz algo do “outro”, ainda que implícito: “[...] Dir-se-ia que um enunciado é sulcado pela ressonância longínqua e quase inaudível da alternância dos sujeitos, falantes e pelos matizes dialógicos, pelas fronteiras extremamente tênues entre os enunciados e totalmente permeáveis à expressividade do autor.” (BAKHTIN, 1997, p. 318) 112 Luminária 15 Assim, a citação pode ser entendida como um processo pelo qual o locutor apropria-se de um conteúdo de um discurso para aplicá-lo em outro, atribuindo-lhe novo significado. Ao colocar um enunciado no interior de outro, ele manifesta-se a respeito desse enunciado, o que implica um comprometimento com o que está sendo dito, mesmo que sejam palavras atribuídas a outro enunciador. Uma definição de discurso citado é: “O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação.” (BAKHTIN, 2006, p.147) A transmissão do discurso do outro adquire sentido dentro do contexto, tem uma finalidade específica e é direcionada a uma pessoa, o que, segundo Bakhtin (2006, p.149), “[...] reforça a influência das forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso”. Para o autor, as formas de apreensão ativa e apreciativa do discurso citado vão além das formas sintáticas típicas do discurso direto ou do indireto, até porque o processo de citação vai além dessas formas padronizadas. Segundo o autor, uma forma é relegada a segundo plano quando as tendências dominantes de compreensão e de apreciação são difíceis de se manifestar sob essa forma, por isso ela é rejeitada. Assim, no estudo do discurso citado, é importante que o pesquisador foque seu estudo na interação entre o discurso citado e o discurso citante, observando a direção em que se desenvolve a dinâmica dessa interação. Por um lado, pode-se delimitar clara e nitidamente o discurso citado de modo a “protegê-lo de infiltração” do discurso citante; criam-se contornos exteriores nítidos. Por outro lado, o discurso citado pode ser apresentado como um monobloco, uma tomada de posição do citante, em que ele “infiltra” seus comentários no discurso do outro, apagando suas fronteiras (BAKHTIN, 2006, p.152-153). No primeiro caso tem-se o estilo linear e, no segundo, o estudo pictórico. Maingueneau (2008b, p.142 – grifo do autor) destaca que, em seu estudo, a atividade enunciativa vem em primeiro plano e o enunciado é visto como discurso, bem como o texto é estudado “[...] como uma atividade enunciativa ligada a um gênero do discurso: o lugar social do qual ele emerge, o canal por onde passa [...], o tipo de difusão que implica etc., não são dissociáveis do modo como o texto se organiza.” Authier-Revuz (2004) assevera que os modos de representação do discurso outro não se limitam ao discurso direto, indireto e indireto livre, já que existem as formas híbridas entre outros fenômenos. Para estruturar o campo do discurso citado, a autora estabelece três oposições fundamentais: i) DR [discurso relatado = discurso direto; discurso indireto] no sentido estrito vs. modalização em discurso segundo; ii) signo padrão vs. signo autônimo; iii) explícito vs. interpretativo. A autora destaca que é essencial entender que o discurso relatado não trata de frase ou enunciado, mas relata “um ato de enunciação” e, por isso, “[...] supõe que e (objeto de M) seja diferente de E [...]. Essa diferença entre e e E pode abarcar todos os parâmetro (L ≠ l, R ≠ r; Tempo ≠ tempo; Lugar ≠ lugar)[...].” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p.145-146) Authier-Revuz (2004) afirma que o locutor explicita em seu discurso o discurso citado por meio do discurso direto e do indireto: É o outro do discurso relatado: as formas sintáticas do discurso indireto e do discurso direto designam, de maneira unívoca, no plano da frase, um outro ato de enunciação. No discurso indireto, o locutor se comporta como tradutor: fazendo uso de suas próprias palavras, ele remete a um outro como fonte do ‘sentido’ dos propósitos que ele relata. No discurso direto, são as próprias palavras do outro que ocupam o tempo – ou o espaço – claramente recortado da citação na frase; o locutor se apresenta como simples ‘porta-voz’. (AUTHIER-REVUZ, 2004, p.12) União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 113 A presença do discurso citado é uma forma de heterogeneidade mostrada, a qual pode se dar por meio de formas não marcadas, identificáveis a partir de índices textuais ou pela cultura do interlocutor (por exemplo: discurso indireto livre, alusões, ironia, pastiche etc.) ou por meio de formas marcadas (discurso direto ou indireto, as aspas, as glosas). (AUTHIER-REVUZ, 2004; MAINGUENEAU, 1997) Souza-e-Silva e Rocha (2008, p.16) apontam as formas do discurso relatado abordadas por Mainguenau (2008) como “conceitos-suporte para uma abordagem discursiva das marcas da heterogeneidade mostrada”. Este autor trata das formas modalização em discurso segundo, discurso direto, discurso indireto, formas híbridas, resumo com citações. Boch e Grossmann (2002) apontam os modos de referência ao discurso do outro como evocação e discurso relatado e, dentro deste, reformulação, ilhota citacional e citação autônoma. A ilhota e a citação entram nas formas de discurso direto e indireto, que abordaremos com base em Maingueneau (2008). De Boch e Grossmann (2002) interessam para nós a evocação e a reformulação. Vejamos, a seguir, as especificidades de cada um dos tipos nomeados acima. 7 DISCURSO DIRETO (DD) Para Authier-Revuz (2004, p.150), o DD corresponde “[...] a uma operação de citação da mensagem do ato relatado”. Segundo Maingueneau: [...] o discurso direto se caracteriza pela aparição de um segundo “locutor” no enunciado atribuído a um primeiro “locutor”. Frequentemente é oposto, de forma um pouco ingênua, ao discurso indireto, alegando que ele pretende reproduzir literalmente as alocuções citadas; seria mais exato ver nele uma espécie de teatralização de uma enunciação anterior e não uma similitude absoluta. Dito de outra forma, ele não é nem mais nem menos fiel que o discurso indireto, são duas estratégias diferentes empregadas para relatar uma enunciação. (MAINGUENEAU, 1997, p.85) Authier-Revuz (2004) considera o DD mais complexo que o DI, pois o DD tem estrutura heterogênea. Maingueneau parece concordar com a autora quando afirma: “[...] o enunciador [...] simula restituir as falas citadas e se caracteriza pelo fato de dissociar claramente as duas situações de enunciação: a do discurso citante e a do discurso citado.” (MAINGUENEAU, 2008, p.140 – itálico do autor) Essa estrutura heterogênea do DD pode ser observada no estatuto semiótico, na estrutura sintática, na modalidade de enunciação, no quadro de indicações dêiticas, na designação por descrições definidas, nos elementos expressivos e nos modos de dizer. Além disso, o DD não é objetivo ou fiel, uma vez que não se pode restituir o ato de enunciação (AUTHIER-REVUZ, 2004). Sobre isso, afirma Maingueneau (2008): [...] Como a situação de enunciação é reconstruída pelo sujeito que a relata, é essa descrição necessariamente subjetiva que condiciona a interpretação do discurso citado. O DD não pode, então, ser objetivo: por mais fiel, o discurso direto é sempre apenas um fragmento de texto submetido ao enunciador do discurso citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar um enfoque pessoal. (MAINGUENEAU, 2008, p.141) Sobre o modo semiótico do DD, afirma Authier-Revuz (2004, p.139): No DD, o enunciador relata um outro ato de enunciação e, usando suas próprias palavras na descrição que faz da situação de enunciação e [...], ou seja, naquilo que chamamos de sintagma introdutor, mas faz menção às palavras da mensagem que relata; o modo semiótico do DD é, assim, heterogêneo: padrão no sintagma introdutor, ele é autônimo na parte “citada”, isto é, mostrada. 114 Luminária 15 Em relação à autonímia, no DD observam-se as propriedades: “a mensagem relatada, colocada entre aspas, tem a função, na frase global, de um SN substituindo as funções de OD do verbo dicendi, qualquer que seja sua natureza sintática.”; “[...] a mensagem mostrada e, DD é dada em sua materialidade significante [...]” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p.139-140). Os introdutores do DD têm duas funções relacionadas ao leitor: 1) indicação de um ato de fala; 2) estabelecimento de fronteira entre discurso citante e discurso citado. A primeira função é satisfeita por meio de: verbos cujo significado indica que há enunciação; grupos preposicionais; ausência de introdutor explícito. A segunda função é marcada tipograficamente: “[...] dois pontos, travessões, aspas e itálico delimitam a fala citada.” (MAINGUENEAU, 2008, p.141) 8 DISCURSO INDIRETO (DI) Segundo Authier-Revuz (2004), “no DI, o enunciador relato um outro ato de enunciação e usando suas próprias palavras, pelas quais ele reformula as palavras de outra mensagem: o modo semiótico do DI é, de maneira homogênea, o modo-padrão.” Dessa forma, a mensagem relatada é uma frase típica da gramática e o que nos permite reconhecer o DI é o sentido, já que o DI enuncia um conteúdo e apresenta apenas uma modalidade de enunciação. O DI é apresentado sob a forma de oração subordinada objetiva direta, antecedida de verbo dicendi, o qual indica a existência do DI, por isso “[...] a escolha do verbo introdutor é bastante significativa, pois condiciona a interpretação, dando um certo direcionamento ao discurso citado.” (MAINGUENEAU, 2008, p.150) De certa forma, o DI opera uma reformulação-tradução, pois é produzido um enunciado que pretende ter o mesmo sentido do ato relatado. Para produzi-lo, é preciso interpretar o enunciado, considerando sua situação de enunciação, e recodificar em um novo enunciado (AUTHIER-REVUZ, 2004). 9 FORMAS HÍBRIDAS Como o próprio nome sugere, as formas híbridas são construídas por formas diferentes de discurso citado numa mesma ocorrência. São elas a ilha textual e o DD com que. 10 ILHA TEXTUAL Ilha textual, também chamada de ilha enunciativa (MAINGUENEAU, 2008), ilhota textual (AUTHIER-REVUZ, 2004) ou ilhota citacional (BOCH; GROSSMANN, 2002) ocorre quando, no interior do DI, o citante isola em itálico ou entre aspas um fragmento do citado, perfeitamente integrado à sintaxe, que é, ao mesmo tempo, utilizado e mencionado. Somente a tipografia (itálico, aspas) permite reconhecer esse fragmento como não assumido pelo citante. Para Authier-Revuz (2004, p.142): [...] é apenas um caso de imagem particular de funcionamento do sinal de modalização autonímica: aquela extremamente frequente na imprensa, em particular, na qual um DI, relatando um outro ato de enunciação num modo que é o seu, ou seja, da reformulação, assinala, localmente, um elemento como “não traduzido”, como fragmento conservado da mensagem de origem [...]. Apesar de não usar essa nomenclatura, Bakhtin (1997, p.162) também identificou casos semelhantes à ilha: União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 115 A tendência analítica do discurso indireto manifesta-se principalmente pelo fato de que os elementos emocionais e afetivos do discurso não são literalmente transpostos ao discurso indireto, na medida em que não são expressos no conteúdo mas nas formas da enunciação. Antes de entrar numa construção indireta, eles passam de formas de discurso a conteúdo ou então encontram-se transpostos na proposição principal como um comentário do verbum dicendi. Authier-Revuz (2004) considera que na ilha também há a homogeneidade que ela apontou anteriormente no DI (cf. AUTHIER-REVUZ, 2004). Enquanto no DD a heterogeneidade se mostra tanto no plano sintático quanto no plano enunciativo, na ilha, assim como no DI, não apresenta ruptura sintática ou enunciativa, mas o fragmento é integrado e homogêneo. 11 DD COM QUE O DD com que é uma forma híbrida em que o DD ocorre depois de introdutor de DI (verbo + que). Maingueneau (2008) observou esse uso na mídia, onde: [...] os jornalistas procuram atuar em relação aos indivíduos de quem falam, mas tentam “colar-se” à sua linguagem e ao seu ponto de vista; não se contentam em comentar acontecimentos, descrever a realidade; eles pretendem restituir o ponto de vista e as palavras dos atores. (MAINGUENEAU, 2008, p.152) 12 O RESUMO COM CITAÇÕES (RCC) O RCC apresenta combinação de DI com fragmentos de DD, mas, nesse caso, faz-se um resumo do conjunto do texto citado: Nesse resumo com citações, as unidades entre aspas são empregadas ao mesmo tempo como no DI, que restitui o sentido, e como no DD, que restitui as palavras empregadas: o leitor apreende o sentido e, ao mesmo tempo, lê as palavras mesmas utilizadas pelo enunciador citado. (MAINGUENEAU, 2008, p.155) Segundo o autor, as palavras citadas se distinguem claramente pela tipografia, seja itálico, sejam aspas. Essa forma de citação é muito comum em textos jornalísticos, nos quais o RCC “[...] pretende efetivamente ter valor documentário, ele se baseia em uma ética da palavra escrita, da objetividade, que faz a voz do discurso citante tornar-se a mais discreta possível.” (MAINGUENEAU, 2008, p.155) 13 MODALIZAÇÃO EM DISCURSO SEGUNDO (MDS) Authier-Revuz (1997) aponta a modalização em discurso segundo como uma das formas marcadas de representação do discurso citado, o qual é marcado por meio de formas da língua, como grupos preposicionais, verbos, entre outras. Na MDS, o enunciador remete ao discurso de outra pessoa e, em certos usos, pode comentar sua própria fala. 14 REFORMULAÇÃO Segundo Boch e Grossmann (2002, p.100), “[...] a reformulação permite ao escritor integrar a fala do outro em seu próprio dizer, assumindo-a do ponto de vista enunciativo.” A reformulação é caracterizada pela “presença de marcas introdutórias de discurso re116 Luminária 15 portado” (semelhantes às da modalização em discurso segundo); pela “ausência de marcas escriturais tais como aspas” e pelo fato de que “o discurso do outro é integrado no discurso de quem escreve e não tem autonomia enunciativa.” (BOCH; GROSSMANN, 2002, p.101). Quando consideram a presença das marcas de discurso reportado, entendemos que os autores chamam de reformulação o mesmo que Maingueneau (2008) e Authier-Revuz (1997) chamam de modalização em discurso segundo. Para nós, reformulação será a ocorrência de DI em que há ausência de marcas tipográficas e o discurso citado aparece integrado ao discurso citante, sendo reconhecido somente pela presença da referência (autor, data) no final do trecho reformulado. 15 EVOCAÇÃO A evocação ocorre quando o citante alude a trabalhos sem resumir seu teor. A evocação “[...] permite colocar em segundo plano os conhecimentos compartilhados, ou os elementos não essenciais ao propósito, inscrevendo, ao mesmo tempo, a pesquisa em um espaço epistêmico identificável [...]” e é identificada por meio da “ausência de marcas introdutórias de discurso reportado”, ausência de desenvolvimento temático do dizer do outro”, “presença de um nome próprio de autor, frequentemente com a data à qual o autor do artigo se refere, sem precisar o teor do texto”. (BOCH; GROSSMANN, 2002, p.100-101). 16 CONSIDERAÇÕES FINAIS O que temos observado nos textos acadêmicos produzidos por nossos alunos de graduação e até de alguns da pós-graduação, é que os autores citados são utilizados mais para sustentar as “poucas” palavras do autor citante do que para estabelecer uma discussão. Pela nossa prática em sala de aula, vemos que o trabalho com a leitura e a escrita, ainda na graduação, não prepara o futuro pesquisador para uma escrita heterogênea em que suas próprias palavras dialoguem, em que suas ideias estejam presentes ou sejam testadas; enfim, desde a graduação, o pesquisador é preparado para ser reprodutor do discurso científico já consolidado. Pesquisas que comparam o uso de citação entre principiantes e pesquisadores experientes demonstram que os iniciantes recorrem mais às citações diretas, apoiando-se nas ideias de autores, enquanto os pesquisadores mais experientes costumam inserir-se como autores de suas ideias, apoiando-se menos nas ideias do outro, atribuindo e avaliando essas ideias (BOCH; GROSSMANN, 2002; BESSA, 2011, 2012; BESSA; BERNARDINO, 2012). Alvarenga (1998) toma como base a bibliometria, relacionando-a à arqueologia do saber foucaultiana, numa busca por convergências e divergências entre ambas. Bessa (2011, p.427) defende que somente o olhar técnico não é suficiente para “[...] dar conta da complexidade do fenômeno da citação [...]”, assim como somente o olhar linguístico não o é também, já que os usos da citação “[...] não dependem de estratégias pontuais dos enunciadores [...]” (BESSA, 2011, p.427). Esse autor afirma que há poucos estudos no campo linguístico acerca da citação em textos acadêmico-científicos. Ele analisa textos de pesquisadores iniciantes e mostra que o ensino não deve se limitar à visão da citação como procedimento técnico, pois o ato de citar envolve aspectos de natureza enunciativa, uma tomada de posição do enunciador frente ao dizer do outro. Os argumentos dos autores acima ratificam a validade de que o olhar linguístico deve se associar a outros conhecimentos quando se intenta compreender profundamente o fenômeno da citação. Foi isso o que se tentou mostrar nesta pesquisa bibliográfica, bem como na tese da qual este artigo faz parte. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 117 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, U. P. de. A qualidade das publicações científicas: considerações de um editor de área ao final do mandato. Opinião, Acta bot. bras. 23(1), 2009, p. 292-296. ALVARENGA, L. 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União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 119 VIRMOND, M. da C. L.; Qualidade e auto-citação. Editorial. Salus Vita, v.27, n.3, 2008, p.325-328. YAMAMOTO, O. H.. Publish or perish: o papel dos periódicos científicos. Estud. psicol., v. 5, n. 1, Natal, jun. 2000, s/p. 120 Luminária 15 A INTERAÇÃO ENTRE DOCENTES DE MESMAS DISCIPLINAS PARA CONSTRUÇÃO DE OBJETIVOS ESPECÍFICOS Camila Caldas1 Carlos Rodrigo de Oliveira2 Resumo: A presente pesquisa sustenta-se na experiência de sucesso vivenciada no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Observamos que a interação entre docentes em serviço na preparação e análise de suas atividades é prática pouco difundida, portanto propusemo-nos a realizar uma pesquisa acerca desse tema. Há pouca interação docente quando se trata de produzir materiais e objetivos de aprendizagem para suas turmas, mesmo envolvendo professores de uma mesma disciplina. Infelizmente, a nosso ver, os professores optam por planejamentos individuais. Esse comportamento tende a comprometer o desenvolvimento do ensino na instituição, o que acarreta uma série de consequências negativas no processo de aprendizagem dos alunos. A organização escolar muitas vezes não facilita o contato entre os profissionais, o que gera uma atuação autônoma, sem considerar opiniões de outros colegas, o que poderia ser uma experiência enriquecedora. Palavras-chave: PIBID, Interação, Docência. INTERACTION BETWEEN TEACHERS OF SAME DISCIPLINES FOR CONSTRUCTION OF SPECIFIC OBJECTIVES Abstract: Our research is based on our successful experience at PIBID (Institutional Program of Scholarships for Teaching Initiation). Since the interaction among teachers in their practice is not widespread, we proposed to conduct a search on this topic. There is little teacher interaction when it comes to producing materials and objectives for their classes, even when involving teachers of the same subject. Unfortunately, we think, teachers opt for individual planning. This behavior tends to hamper the development of education at school, which carries a number of negative consequences in the learning process of students. School organization often does not facilitate contact between these professionals, which generates autonomous actions, without considering opinions of other colleagues, which could be an enriching experience. Keywords: PIBID, Interaction, Teaching. 1 Acadêmica egressa do Curso de Letras Português/Espanhol da FAFIUV-UNESPAR; também bolsista do PIBID durante esse tempo. Email: [email protected]. 2 Acadêmico do quarto ano do curso de Letras Português/Espanhol da FAFIUV-UNESPAR; atualmente também bolsita do PIBID. Email: [email protected]. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 121 1 INTRODUÇÃO As hipóteses levantadas neste artigo conduziram a uma pesquisa de campo investigativa que foi realizada entre docentes de escola pública situada na cidade de União da Vitória – PR, e de diversas disciplinas. A pesquisa proposta foi realizada a partir de um questionário que exige respostas discursivas. A partir dessa coleta de dados, investigou-se a veracidade de nossas hipóteses e quais outros motivos são impeditivos para haver maior interação entre docentes. Vale ressaltar que, inevitavelmente, nessa proposta de planejamento didático admitem-se diferenças entre os conteúdos aplicados por cada professor, principalmente por respeitarmos as particularidades de cada turma e cada mestre, sobretudo considerando que os objetivos específicos sejam sempre os mesmos, preservando uma uniformidade no desenvolvimento socioeducativo de todos os alunos. Afirma-se também que qualquer sugestão ou interferência de cunho escolar aqui proposta estará dentro da possibilidade das instituições, pois o que se almeja é que aos professores da educação pública seja proporcionada esta experiência rica entre docentes, como a que acontece no âmbito do PIBID, tornando-a mais interessante para quem ainda não está habituado a fazê-la, e resultando em, quem sabe, algo mais frequente nas escolas. Nosso grupo de estudos discute temas relevantes, desde metodologias de ensino a teorias de caráter pedagógico. Além dos alunos bolsitas, contamos com a participação de professores coordenadores e professores supervisores, todos ativos em sala de aula. Nossa equipe é formada por alunos da UNESPAR/FAFIUV e professores de escolas da região. Enquanto grupo, nosso principal objetivo é estabelecer metodologias de ensino que sejam eficientes no quesito ensino/aprendizagem. Durante nossas reuniões temos a oportunidade de trocar experiências vividas em sala, compartilhamos tanto o “sucesso” quanto o “fracasso”, tudo nos serve de experiência. Somos um grupo coeso e com o passar do tempo adquirimos o saudável hábito de compartilhar ideias. 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS É de praxe professores da educação pública valerem-se de sua total autonomia durante a preparação de suas aulas, desenvolverem suas próprias metodologias e planejarem seus próprios passos a serem seguidos. Estes profissionais que tomam para si plena responsabilidade de suas aulas, ocasionalmente, deixam de lados seus papéis de educadores e se convertem em verdadeiros pesquisadores. Fruto do sucesso adquirido através da sequência didática ‘gêneros textuais - rótulos’, aplicado em um projeto-piloto no PIBID3, alguns questionamentos surgiram e tornaramse objetos de estudos e pesquisa. O primeiro questionamento serviu de base para iniciar esta pesquisa: Considerando os padrões estabelecidos pelas escolas para elaboração dos planos de aula, como são determinados os objetivos específicos de uma disciplina? E até que ponto o tempo de hora-atividade estabelecido pelas instituições é suficiente para que um professor consiga preparar plenamente suas aulas sozinho? De acordo com tal cenário de autonomia na elaboração de aulas, surgiu-nos a ideia de basear nossa pesquisa na investigação sobre o nível de interação entre docentes de uma mesma disciplina para elaboração de objetivos específicos de suas aulas. Mais do que uma pesquisa acadêmica, nossa intenção é contribuir para a emergência de novas práticas de ensino, baseadas na interação coletiva (professor-professor), visando o crescimento igualitário de cada aluno inserido nesse contexto. Segundo Ferra (2002): 3 O PIBID é um programa federal que tem a finalidade de apoiar a formação de estudantes dos cursos de licenciatura e contribuir para elevar a qualidade da educação básica nas escolas. A pesquisa apresentada neste artigo ocorreu no âmbito do PIBID e foi, portanto, financiada pela CAPES. 122 Luminária 15 Quando a atividade profissional se evolui em grupo, uns colegas se constituem em catalisadores que reforçam a atividade de outros. O trabalho colaborativo é uma necessidade quando a educação se desenvolve em espaços de autonomia e gestão baseados no centro4. (Tradução nossa) 3 A AUTONOMIA NA PRODUÇÃO DE MATERIAL DOCENTE Antes de argumentarmos a favor de um intercâmbio de ideias no ambiente escolar tentaremos esclarecer o valor da autonomia, que segundo o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2001), define-se como “faculdade de se governar por si mesmo”, ou seja, ser capaz de desempenhar determinada função sozinho. Focá-la-emos por defendermos que, de forma alguma, uma possível interação vem a prejudicar no que diz respeito às peculiaridades de cada profissional da educação. Como uma forma de entender os motivos que levam ao cenário atual de insuficiência de contato entre professores, questiona-se como deve ser para os mesmos esta opção de compartilhar conhecimentos, experiências, ideias e materiais com os demais colegas. A formação, enquanto estudantes/acadêmicos, e até mesmo a questão de personalidade nos levou a racionalizar a falta de um parâmetro no que se diz importante para a formação de um profissional sociável. Acredita-se que o desenvolvimento desse educador se dá ao longo do tempo, conforme a sua experiência. Porém, fica claro que ao iniciar sua jornada dentro de uma sala de aula, um professor sente um certo conforto em relação à cobrança que recebia na universidade. Ele passa a ter maior liberdade para manejar o seu conhecimento e, por conseguinte, se auto cobrar. Seu trabalho é fruto de seus estudos e, sendo assim, a autonomia, metaforicamente, acaba por ser um troféu. Este troféu o faz agir sozinho, “deixando de incentivar a troca com seus pares e demais profissionais que trabalham na escola” (DAMIANI apud PORTO; SANTOS; ZAMPERETTI, 2012, p. 6). Por isso, o desenvolvimento como estudante/acadêmico acaba sendo fundamental para as características que este vai adquirir quando iniciar suas atividades profissionais, visto que resultará na eficácia do trabalho que desempenhará. E como avaliar o papel da universidade neste processo? A escola e a universidade produzem movimentos e são resultantes deles. Essas instituições não são lineares e nem mecanicistas [...] são espaços de socialização, de encontros, convivência e colaboração com os outros. Assim, a educação tanto na escola, quanto na universidade envolve (ou deveria envolver) espaços comunicativos que mobilizem os sujeitos em embates e interações para a (res)significação do comum e para a construção da unidade (individual e social). (PORTO apud PORTO; SANTOS; ZAMPERETTI, 2012, p. 3). De tal modo, afirma-se que para que surjam professores mais “interativistas”, é necessário que tanto a escola quanto a universidade disponibilizem ambientes propícios para que os seus alunos assim se desenvolvam. O aluno que se sente livre para falar, sentir-se-á mais à vontade para sanar dúvidas ou para induzir um debate quando for professor. Infelizmente, vê-se com frequência a formação de professores dependentes de experiências desfavoráveis à conversação e à troca de ideias. Podemos apontar fatores como a timidez, o orgulho e a divergência como causadores de um afastamento entre esses profissionais. Mas, tentando driblar a questão da personalidade de cada um, defende4 Cuando la actividad profesional se desarrolla en grupo, unos compañeros se constituye em catalizadores que refuerzan la actividad de otros. El trabajo colaborativo es uma necesidad cuando la educación se desarrolla en espacios de autonomía y gestión basados en el centro. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 123 se que a comunicação induz a um trabalho mais eficaz; os resultados podem também proceder de forma a melhorar o convívio, seguindo a ideia de Porto: [...] essa pedagogia contribui para que o sujeito escolar se converta de agente passivo em sujeito ativo, livre, responsável e crítico dos meios de comunicação, por meio de diferentes formas de expressão criativa - por imagens, códigos, símbolos, relações, intuições, emoções e sensações. Procura recuperar o processo de comunicação/partilha/interlocução no processo educativo, no qual professores e alunos [...] interagem mediante estratégias e instrumentos que possibilitam vivenciar processos, descobrir caminhos, compreender e expressar o mundo para viver melhor e poder, assim, escrever sua história. (PORTO apud SANTOS, 2012, p. 2). Afirma-se que a autonomia só é positiva quando se separa da individualidade. Um professor pode provar para si próprio a sua capacidade, sem a necessidade de criar uma parede entre ele e outros profissionais. Um bom profissional deve saber fazer essa diferenciação. Isolar-se de todos e acreditar que tudo o que sabe é suficiente é um conceito tanto quanto pobre de razão. 4 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO CONTINUADA PARA OS PROFESSORES O atual sistema de organização escolar tem construído professores individualistas, além de não contribuir com o processo, sempre benéfico, da educação continuada. Há um grave equívoco por parte dos professores em atividade que minimizam a importância da educação continuada; e não é preciso consultar as estatísticas, infelizmente este é o cenário pedagógico visível atualmente em vigor em nossas escolas, públicas ou particulares. (...) é importante destacar que a falta de recursos por parte das instituições e o desconhecimento ou o pouco conhecimento dos professores sobre determinadas estratégias dificultam a inovação em sala de aula. Esse fato indica a necessidade de discussões mais profundas sobre a educação continuada para os professores. (HOFER; WEFFORT; PELEIAS, 2005, p.133) O sistema de educação atual, desfavorável à educação continuada, gera profissionais que se julgam completamente competentes para administrar e conduzir suas aulas e planejamentos pedagógicos. O questionamento aqui feito é a respeito dessas práticas, visto que a profissão de quem ensina deveria valorizar e prestigiar ao máximo o maior número de conhecimento adquirido e/ou acumulado. Considerando a “falta de tempo” como o principal fator que impede a continuidade da formação profissional de um educador, observa-se que existe uma urgente necessidade de burlar o sistema de modo que os professores tornem-se constantes aprendizes, tendo em vista um bem maior: a qualidade do profissional, do aprendizado do aluno e da instituição de ensino; a educação continuada é apenas uma das diversas formas eficazes para se desenvolver professores aprendizes. Segundo Sime: (...) entendemos o desenvolvimento docente como um processo protagonizado pelos profissionais da educação nos âmbitos individual e coletivo para compreender e melhorar a prática docente e as condições de trabalho, orientado por um projeto institucional e da sociedade5. (SIME, 2004, p.61) (Tradução nossa). 5 (...) entendemos el desarrollo profesional docente como el proceso protagonizado por los profesionales de la educación en los niveles individual y colectivo para comprender y mejorar su práctica docente y las condiciones laborales, orientado por un proyecto institucional y de sociedad. 124 Luminária 15 O método de ensino colaborativo professor-professor nada mais é do que uma forma contínua de troca de informações úteis para o enriquecimento de suas práticas letivas. O professor aprendiz não precisa de um método de trabalho, mas sim de uma postura, um comportamento, e um entendimento acerca da riqueza que há na troca de experiências entre colegas. O aperfeiçoamento de qualquer profissional requer mudanças, e muitas vezes quebra de paradigmas. O conforto de manter-se adequado ao sistema convencional de orientação curricular muitas vezes é o principal motivo desencorajador para que o professor realize mudanças, tanto em sala de aula quanto na comunidade escolar. Reconhecemos que há uma dificuldade que muitas vezes desmotiva os professores a realizarem determinadas mudanças, considerando que toda mudança, tudo que foge do convencional é trabalhoso e requer esforço. Como encontrar tempo para trabalhar em diversas escolas, dedicarse a novos estudos e propor mudanças? Não há uma fórmula, tampouco uma solução que se encaixe em todas as escolas. Infelizmente, muitos de nossos colegas enfrentam uma rotina que se torna empecilho para tornar o ideal em realidade. Por isso, o trabalho colaborativo deve envolver e comprometer diversos profissionais da escola, e não apenas um professor. A falta de comunicação entre a classe docente acarreta uma perda significativa relativa a inovações metodológicas que poderiam ser aplicadas em sala de aula. Quanto menor é a troca de informações entre a classe em questão, menores são os avanços e descobertas de metodologias de ensino que serviriam de auxílio aos professores e novidade para os alunos. O ambiente escolar precisa ser visto como lugar de aprendizagem também para o professor. O docente não está na escola somente para ensinar, mas, principalmente, para aprender através de trocas mútuas entre os colegas. Devemos considerar que, em sala, o professor naturalmente passa muitas informações que perpassam as questões concernentes aos conteúdos programáticos, mas transmite também valores, e muitas vezes a partir de experiências vivenciadas por ele ou por outrem. 5 A DISPARIDADE DE OPINIÕES NO CONTEXTO ESCOLAR: ATÉ QUE PONTO ISSO É BOM OU RUIM? A partir de experiências obtidas no PIBID, observou-se que a qualidade de um material produzido em grupo é indiscutivelmente melhor do que a do material produzido individualmente. Considerando que pessoas distintas possuem opiniões distintas, deparamo-nos então com processos psíquicos que nomeamos como ‘convergência’ e ‘divergência’. Tais processos psíquicos são gerados a partir de interações pessoais. Para melhor compreensão da importância deles em nosso meio, vamos defini-los segundo Branco e Mettel (1995): Na convergência de objetivos observa-se a existência de compatibilidade entre os dois objetivos dos indivíduos em interação; (...) na divergência, os objetivos de cada uma das partes no processo interativo são incompatíveis. Tais processos são inevitáveis, e mesmo que haja divergências nos objetivos, estas divergências podem conduzir-nos à emergência de objetivos compatíveis através de ajustes e adaptações em conjunto. O planejamento de aulas no PIBID é prova cabal de que esses processos psíquicos acontecem durante as discussões, e reafirma-se a partir disso que mentes divergentes podem se tornar convergentes a partir de determinadas adaptações. Nóvoa (2001) considera que a “atualização e a produção de novas práticas de ensino só surgem de uma reflexão partilhada ente os colegas”. Acredita-se que o trabalho em grupo de toda a equipe docente de uma mesma disciplina tende a contribuir não apenas para o desenvolvimento dos alunos, como também para a interação e organização do ambiente escolar. Uma interação colaborativa permite, entre outras questões: União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 125 Desenvolver uma relação crescente com os demais membros do grupo; permite compartilhar diagnósticos de uma situação; facilita a análise de problemas; ajuda na busca de soluções e preparação de um plano de ação [...] e, sobretudo, facilita o consenso entre os membros do grupo de trabalho6. (FERRA apud FERRERES 1992, p. 35) (Tradução nossa). Fomenta-se a importância de um ambiente interativo, promovendo uma significativa movimentação pedagógica que prioriza o enriquecimento didático. Sob a perspectiva de um mesmo Projeto Político-Pedagógico (PPP) e “condenados” a seguir uma mesma sequência didática, nossa proposta de organização pedagógica oferece aos professores discussões mais recorrentes e planejamentos conjuntos acerca dos objetivos específicos de seus planos de aula, sempre visando o desenvolvimento dos alunos de forma igualitária, de maneira a não favorecer determinadas turmas e prejudicar outras. Contudo, como demonstra a análise recente de práticas pedagógicas em uma variedade de países menos desenvolvidos, a maioria dos professores, neste contexto, não consegue superar a etapa “formal” e o isolamento em sua sala de aula e seguem ensinando como sempre fizeram7. (AVALOS, 2001, p.5) (Tradução nossa). Não há a pretensão de propor a elaboração de objetivos específicos “engessados”, visto que cada turma possui determinado ritmo de aprendizagem, mas facilitar a comunicação e planejamento entre professores de uma mesma disciplina. 6 INTERAÇÃO DOCENTE: ANÁLISE E SUGESTÕES COM BASE NOS RESULTADOS DE NOSSA PESQUISA Como meio de comprovar as hipóteses até aqui explanadas, realizou-se uma pesquisa de campo em uma instituição de ensino público em União da Vitória, no Paraná. Foi entregue para alguns docentes, sem levar em conta a disciplina que lecionam, um questionário com algumas questões discursivas e outras objetivas. Esperavam-se respostas que mostrassem como as escolas lidam com essa ideia de interação entre docentes e o que esses profissionais opinam e esperam sobre essa prática. Abaixo, alguns gráficos dos resultados obtidos. É necessário salientar que antes de adentrar diretamente o assunto da pesquisa, realizou-se um levantamento acerca da carga horária e do histórico de trabalho destes profissionais, para que fosse possível calcular as relações entre uma resposta e outra, e as influências que estas poderiam causar quando uma opinião fosse emitida. 6 Desarrollar una relación creciente con los demás miembros del grupo; permite compartir diagnósticos de una situación; facilita el análisis de problemas; ayuda a la búsqueda de soluciones y preparación de un plan de acción [...] y, sobre todo, facilita el consenso entre los miembros del grupo de trabajo. 7 Sin embargo, como lo demuestra el análisis reciente de prácticas pedagógicas em una variedad de países menos desarrollados, la mayoría de los profesores en estos contextos no logran superar la etapa “formalista” y en el aislamiento de su sala de clases siguen enseñando como siempre lo hicieron. 126 Luminária 15 1. Atualmente, qual é a sua carga horária de trabalho? 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 58% 33% 8% 40h 20h 30h 2. Em quantas escolas você trabalha atualmente? 100 90 80 70 60 50 40 33 % 33% 33% uma duas três ou mais 30 20 10 0 Percebe-se com o gráfico 1 que, entre a grande maioria dos professores, predomina a carga horária de 40 horas semanais de trabalho, e com o gráfico 2 que a maioria (66%) destes profissionais se dividem entre uma escola e outra. A realidade docente está em ter que adaptar-se às condições de precariedade na educação. Vê-se então, professores já empregados preencherem espaços em outras escolas onde faltam profissionais. Este resultado leva a uma reflexão sobre o desconforto por que passam os professores, por terem que dirigir-se de uma escola à outra, além de terem que suportar uma carga enorme de trabalho, sem tempo para preparação adequada. Abaixo, no gráfico 3, constata-se que a maioria dos professores pode falar com convicção sobre como funcionam as escolas da região, visto que já trabalharam em três ou mais instituições. Porém, no gráfico 4, o que nos chamou a atenção foi a desconsideração com a interação entre professores de mesmas disciplinas. Fica evidente que a organização de algumas escolas realmente impossibilita esse contato. 3. Em quantas escolas você já trabalhou anteriormente? 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 58% 24% 8% uma 8% duas União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 três ou mais não responderam 127 4. Nestas escolas em que trabalha/trabalhou, ou na maioria delas, como são distribuídas as horasatividades? 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 66% 25% 8% encaixe geral disponibilidade por matérias 5. O tempo disponibilizado para a hora-atividade é suficiente para a total elaboração dos planos de aula? 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 83 % não é suficiente 8% 8% na maioria das vezes quase sempre Verificando o gráfico 1 e analisando a carga horária destes profissionais, atenta-se também ao problema de que, como mostra o gráfico 5, defendido por 83% dos entrevistados, o tempo destinado à hora-atividade é insuficiente para um professor, principalmente com 40 horas semanais de trabalho. Pergunta-se, então, em que momento o professor preparará o seu material para as suas aulas? À noite, totalizando 60 horas de trabalho, com as últimas 20 não remuneradas? Infelizmente, isso acontece com frequência. 6. Em alguma destas escolas é possibilitado o contato frequente entre os professores de uma mesma disciplina, e de mesmos anos, visando a troca de ideias sobre planos de aula? Se sim, em que momento? * 100 80 66% 60 33% 40 20 0 não sim Embora alguns professores tenham respondido que há contato entre professores de mesma disciplina (gráfico 6), observou-se que o contato considerado pelos professores não deve ser tomado como frequente, uma vez que ele se dá apenas duas vezes ao ano, nos meses iniciais de cada semestre. Ainda que não haja, todos os entrevistados julgam de fundamental importância a interação entre professores da mesma disciplina. Abaixo alguns dos mais interessantes depoimentos obtidos como resposta a esta pergunta: 128 Luminária 15 A INTERAÇÃO ENTRE PROFESSORES DE UMA MESMA DISCIPLINA É IMPORTANTE... Professor 1 “Para que haja o trabalho com mesmos conteúdos e para planejar a continuidade dos conteúdos.” Professor 2 “Para a socialização de práticas pedagógicas.” Professor 3 “Para discussão das dificuldades encontradas.” Professor 4 “Porque cada um tem uma visão diferente sobre um mesmo tema.” Professor 5 “Para o trabalho em conjunto, troca de informações e solução.” Professor 6 “Para trocar experiências, possibilidades e encaminhamentos dentro da disciplina.” Foi feita uma pergunta opinativa, onde os professores poderiam sugerir como poderia acontecer esse contato em ambiente escolar. Abaixo algumas das sugestões mais relevantes dadas por eles. EM SUA OPINIÃO, O QUE DEVERIA SER FEITO PARA QUE HOUVESSE UM MAIOR CONTATO ENTRE ESTES PROFISSIONAIS? Professor 1 “Maior quantidade de horas-atividades e planejar a hora-atividade priorizando o encontro dos professores da mesma disciplina.” Professor 2 “Aumento na hora-atividade e concentração de professores da mesma disciplina.” Professor 3 “Encontros periódicos entre os professores.” Professor 4 “Na hora-atividade, se fosse no mesmo horário.” Professor 5 “Oportunizando momentos para este contato, dentro da carga horária dos professores.” Professor 6 “Que as horas-atividades fossem no mesmo horário.” Professor 7 “Ter mais horas-atividades e responsabilidade no cumprimento das mesmas.” Professor 8 “Hora-atividade com os professores de mesmas disciplinas.” Como exposto acima, fica claro que a hora-atividade é considerada pelos professores como o momento mais oportuno para interação entre os docentes. A partir dos dados coletados, não se observou a organização de hora-atividade entre professores de mesma disciplina, tampouco encontros frequentes para discutirem os conteúdos aplicados em sala. Talvez, se isto ocorresse, poderíamos ver um maior aproveitamento neste tempo destinado à preparação das aulas. A hora-atividade é tão importante, que faz com que União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 129 essa precariedade no tempo torne-se motivo para paralisações e protestos realizados pelos docentes em várias regiões do Brasil, e como sabemos, além dos professores, os maiores prejudicados com tudo isto são os alunos. 7 A FUNDAMENTAL GESTÃO COLABORATIVA Entre a teoria e a prática existe um abismo, que com muita dedicação e parceria, pode ser atravessado. Como dito anteriormente, existem regiões do Paraná onde o planejamento escolar é feito de maneira a privilegiar a qualidade das horas-atividades dos professores e ao mesmo tempo promover encontros frequentes entre eles. O papel do diretor é fundamental para que ocorra interação entre professores. A partir de uma gestão com perfil colaborativo, o regente escolar pode proporcionar aos professores um ambiente favorável para troca de experiências, começando pela organização das horas- atividades. A sugestão aqui dada é que no mínimo dois professores de mesma disciplina compartilhem o mesmo horário de hora-atividade, a fim de realizarem troca de materiais, metodologias, experiências etc. Sobre as pesquisas recentes realizadas acerca do método colaborativo na formação de educadores, Magalhães (apud ARANHA, 2009, p. 33) afirma que: (...) este tipo de pesquisa tem sido utilizada como lócus de discussão, para repensar as necessidades de seu contexto específico, isto é, a cultura tradicional que dita as regras que organizam os papéis da equipe diretiva, de professor e de alunos. Mais ainda, espaços para que a escola, como um todo, discutisse, questionasse e, realmente, trabalhasse contra a alienação e individualidade que, em geral, embasa toda a organização escolar, bem como com os problemas que hoje se colocam como resultado de organizações sócio-histórico-culturais (e.g., a violência, o desânimo, a certeza da falência e os péssimos resultados de avaliações locais, nacionais e internacionais). Em suma, uma metodologia que organizasse os projetos de pesquisa e extensão como “pré-requisito e produto, ferramenta e resultado do estudo”, de forma a possibilitar aprendizagem e desenvolvimento a todos os participantes. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Insistimos que uma prática colaborativa não é mais uma ideia de quem vê a educação do lado de fora. A educação não pode ser pensada e baseada exclusivamente em teorias, mas em práticas e experiências que possam construir estruturalmente um ensino que seja eficiente, e que possa atender aos desafios cotidianos dos cidadãos. Na busca pela emergência de práticas didáticas inovadoras, nossa intenção com este trabalho é mostrar parte real do cenário da educação em nossa região, evidenciando o que pode ser melhorado, e até que ponto podemos nos posicionar em favor de um novo método. É de suma importância destacarmos que todos os dados que foram expostos aqui se referem à determinada região do estado do Paraná. Estamos cientes de que essa prática já acontece em outros locais, inclusive, dentro do próprio estado. Realizar mudanças, principalmente no contexto escolar, é sempre algo que demanda extremo cuidado e dedicação. Uma mudança eficaz exige sinergia, que segundo definição do dicionário Houaiss, significa: 1. Ação ou esforço simultâneos; cooperação, coesão; trabalho ou operação associados. 2. Ação conjunta de empresas, visando obter um desempenho melhor do que aquele demonstrado isoladamente. 3. Coesão dos membros de um grupo ou coletividade em prol de um objetivo comum. 130 Luminária 15 A troca de experiências, e os processos de divergência e convergência que estiveram presentes em nossas reuniões do PIBID, enriqueceram muito nossa aprendizagem, e a partir destas práticas surgiram ideias incríveis, que se não fossem pensadas em conjunto talvez não tivessem tanta significância em sala de aula. Como professores ainda em curso, estamos em fase de aprendizagem e aprimoramento, e pudemos perceber o quão longe podemos chegar ao nos abrirmos para sugestões de ideias de outros profissionais. Não trazemos como propósito simplesmente julgar, criticar, e apontar os erros e defeitos do atual modelo de ensino na educação pública. Entretanto, estamos diariamente dependendo de melhorias e reparos nessa área, e estes podem ser frutos de sugestões e reflexões acerca de como está sendo o resultado da proposta vigente. AGRADECIMENTOS Agradecemos às professoras Karim Siebeneicher-Brito e Adriana Medeiros pelo auxílio tanto na parte estrutural, quanto na parte ideológica deste trabalho. Devemos sobressaltar a importância dos outros professores de escola pública que colaboraram com nossa pesquisa respondendo ao formulário. A eles agradecemos por confiarem em nosso objetivo e por se disporem a nos contar experiências e vivências de seus tempos de trabalho. REFERÊNCIAS AVALOS, B. El desarrollo profesional de los docentes: proyectando desde el presente al futuro. In: UNESCO. Análisis de Prospectivas de la Educación en América Latina y el Caribe. Santiago: UNESCO, 2001. BRANCO, A. U.; METTEL, T. P. L. Canalização cultural das interações criança-criança na pré-escola. Psicologia: Teoria e pesquisa, 1995. Disponível em: https://revistaptp. unb.br/index.php/ptp/article/view/1564/512. Acessado em: 26 Out. 2013. ARANHA, E. M. G.: O papel do diretor escolar: uma discussão colaborativa. Disponível em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=9677.Acessado em: 26 Out. 2013. FERRA, M. P. El docente desde la perspectiva del desarrollo curricular, organizativo y profesional, 2002. Disponível em: http://www.ugr.es/~recfpro/rev61ART3.pdf. Acessado em: 26 Out. 2013. FERREIRA, A. B. de H. Miniaurélio Século XXI - o minidicionário da língua portuguesa. 5ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. HOFER, E.; WEFFORT, E. F. J.; PELEIAS, I. R. Análise das condições de oferta da disciplina contabilidade introdutória: pesquisa junto às universidades estaduais do Paraná. Revista Contabilidade e Finanças [online], v. 16, n. 39, 2005, p. 118 – 135. HOUAISS ELETRÔNICO 3.0. Editora Objetiva Ltda., 2009. SANTOS, L. H. R.: Formação inicial de professores: partilha de saberes e vivências. IX ANPED SUL – Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, 2012. Disponível em:http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/ viewFile/1822/483. Acessado em: 26 Out. 2013. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 131 SIME, L.: Rutas para el desarollo profesional docente. Educación (Revista del Departamento de Educación de la Pontificia Universidad Católica del Perú), v. 13, n. 25, 2004, p. 61-75. NÓVOA, A. Professor se forma na escola. Revista Nova Escola, ed. 142, maio de 2001. PORTO, T. M. E.; SANTOS, L. H. R. dos; ZAMPERETTI, M. P. A comunicação, a partilha e a construção de sentidos na formação de professores. IX ANPED SUL – Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, 2012. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/ conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/380/595. Acessado em: 26 O 132 Luminária 15 LUCIA MIGUEL PEREIRA E O CATOLICISMO DOS ANOS 1930 Josoel Kovalski1 Rodrigo Vasconcelos Machado2 Resumo: Esse artigo procura evidenciar os diálogos travados pela ensaísta Lucia Miguel Pereira na década de 1930, enfocando principalmente a orientação religiosa católica que por um lado enformavam seus escritos, e, por outro, impulsionavam o descontentamento do outro polo do debate, representado principalmente por Jorge Amado. Nosso objetivo está no entendimento do catolicismo enquanto procedimento de análise e julgamento dos pares de Lucia Miguel Pereira, bem como discutir noções religiosas que seu romance Em Surdina provocou na concepção de seus opositores e defensores. Palavras-chave: Ensaísmo, década de 30, catolicismo. LUCIA MIGUEL PEREIRA AND CATHOLICISM IN THE 1930s Abstract: This article tries to highlight the dialogues undertaken by the essayist Lucia Miguel Pereira in the 1930s, mainly focusing the catholic religious orientation which, on one hand shaped her writings, and on the other encouraged the dissatisfaction of the other end of the debate, primarily represented by Jorge Amado. Our aim is in the understanding of Catholicism as a procedure of analysis and judgment by Lucia Miguel Pereira´s peers, as well as discussing religious notions which her roman Em Surdina raised in her opponents´ and her advocates´ conceptions. Keywords: Essayism, 1930s, Catholicism. 1 INTRODUÇÃO Pensar nos caminhos que a cultura brasileira seguiu após a Primeira Grande Guerra é lembrar que uma das décadas mais profícuas, a de 1930, além de depositária da rebeldia da Semana de Arte Moderna, foi também espectadora de revoluções sociais, da Era Vargas, e tinha como missão traçar os caminhos que a arte adentraria. Primeiro, uma negação do ato criativo dos iconoclastas de 1922, depois um aprofundamento em questões sociais ombreado com os que não viam nessas questões mais que uma tentativa de se promover e perpetuar um materialismo responsável, segundo eles, pelo embate armado. Os anos 30 foram palco de debates fecundos, debates esses que apontariam as tendências culturais vindouras. 1 Mestre em Letras pela UFPR. 2 Doutor em Letras pela USP. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 133 Os discursos carregados de ideologias particularistas dessa época por si sós não dão o resultado que estudamos hoje, mas sim, o diálogo saudável entre os opostos sobre a avaliação de nossa condição de brasileiros ante um mundo no qual a ordem social passava por uma transição das mais marcantes. Um dos resultados foi a fecunda tradição romanesca polarizada entre o regional e o urbano, mas também uma poesia espiritualista que escapava às investidas iniciais dos escritores da “geração heroica”, além de uma ensaística reveladora de grandes pensadores de nossa nação. Lucia Miguel Pereira foi integrante desses debates. A ensaísta e romancista esteve presente nos debates ideológicos dos anos 30, sustentando a bandeira do espiritualismo individualista refletido por sua formação católica, travando disputas com o outro lado da polarização, representado pela pessoa de Jorge Amado. Ela que não fora uma católica convertida, como grandes ícones do chamado “intelectualismo católico”, vai paulatinamente abandonando a religiosidade e mais se embrenhando por uma avaliação da cultura a partir do espaço que à mulher era destinado na sociedade. Nosso objetivo é tratar desses primeiros anos da década de 30 para apreciar o conflito que marcou aquela geração e produziu em Lucia Miguel Pereira uma influência marcante em seus escritos, mostrando como muito de seu posicionamento textual se deveu à ideologia naquele momento expressa. 2 LUCIA MIGUEL PEREIRA E O CATOLICISMO NA DÉCADA DE 1930 A trajetória crítica de 1930 comporta de um lado a revitalização de uma consciência literária que se pretendia autônoma, herdeira da Semana, e, de outro, um programático afastamento de Lucia Miguel das ideologias católicas com as quais a escritora se veiculara em início de sua atividade crítica. Esse progressivo distanciamento, além de refletir mudanças de ordem intelectual (seja pela subtil rejeição dogmático-doutrinária dos grupos religiosos de que participara, seja pela apreensão de valores provenientes do diálogo com outros pensadores), marcará a participação de Lucia Miguel Pereira no rol do pensamento literário dos anos 40 e sedimentará, posteriormente, seu lugar de intervenção nas esferas do intelectualismo brasileiro na primeira metade do século XX. Traçando uma trajetória linear na constituição de seu pensamento, verificamos que, além das cediças influências moralizantes de que a escritora foi receptora, os debates que a mesma travou sobre temas os mais vários ajudaram a enformar tanto sua opção pelo papel da mulher, mesmo que sub-reptício, quanto sua adesão à vertente histórica enquanto método de interpretação da literatura nacional. Esses diálogos são o tema do presente estudo. De que lugar enunciativo fala a crítica Lucia Miguel Pereira? Ou em outras palavras, como ela começa a marcar seu território? A partir de que abordagem sua voz passará a ser levada em conta? Ou, além disso, quais são as vozes críticas que dialogaram com Lúcia? Questionamentos como esses, menos que meras perguntas norteadoras de um levantamento histórico-biográfico que busca caracterizar a escritora e definir seu papel no universo crítico, podem e devem ser vistos como instâncias que perpassam a constituição intelectual de nossa escritora. Em primeiro lugar, justo é tentar uma delimitação do objeto, a saber, pensar em que sentido sua instrução, seu não academicismo, seu posicionamento social influíram nas escolhas de temas e de cânones culturais e literários. Lucia Miguel Pereira fazia parte da elite carioca, uma elite que mesmo em declínio era refinada em leituras, constante no desvelamento do ser pela cultura, espécie de pensamento humanista que permeava os intelectuais de sua geração. Claro que tentar uma apreciação pequeno-burguesa do pensamento de Lucia é tarefa, além de simplificadora e reducionista, perigosa por incorrer no crasso erro de julgar seu pensamento como reflexo de um mundo em que se juntava uma aversão ao proletariado no sentido marxista da expressão e uma exacerbação do homem de espírito, entendido aqui como o “farol do mundo”, triste metáfora do pensamento ilustrado. Contudo, necessária se faz uma prévia delimitação desse corpus, posto 134 Luminária 15 que se sua origem não fosse a burguesa, seu pensamento e o valor de sua adesão a determinadas correntes apresentariam certamente um perfil diverso do qual se delinearia pelos anos que seguiram em sua atividade de intelectual. Além de seu status social, Lucia era filha de um médico, Miguel Pereira, um dos principais representantes da elite clínica do Rio de Janeiro. Sendo assim, teve algumas facilidades no que se refere ao acesso a materiais bibliográficos, aprendizado de outros idiomas, acesso a bibliotecas e boas escolas. Por ouro lado, seu engajamento social respondia seu vínculo aos chamados “intelectuais católicos”, posto que estes tiveram uma influência massiva em seu comportamento. Além do mais, as ideologias do Colégio de Sion delinearam muitas de suas atividades: primeiramente como escritora do grupo feminino da revista Elo, depois como professora das classes carentes em educandários do Rio de Janeiro, suportados pelo programa de inserção social desenvolvido pelo grupo cristão, sob orientação de interventores do peso de, por exemplo, Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima3, intelectuais que mais tarde tanto contribuiriam para o debate em torno dos caminhos que se seguiriam à crítica literária brasileira, ramo em que Lúcia Miguel seria uma das intelectuais mais atuantes. De qualquer maneira, válidas se tornam as assertivas em prol das relações travadas, de um lado, pelos detentores da moralidade espiritualista expressa pela corrente dos católicos e, por outra via, pelos debates ocasionados com os “intelectuais do proletariado”, seja para se afastar de um pensamento e consciência iconoclasta, seja para se aproximar da constituição de uma autonomia literária e crítica que se estava formando ou aprofundando. O ano de 1922 é expressivo pela tentativa de se agir contra uma estética passadista que tem na Semana de Arte Moderna seu momento mais importante. Além disso, nesse mesmo ano presencia-se a criação do Partido Comunista do Brasil e a agitação nos quartéis, colocando em cena os movimentos tenentistas (FAUSTO, 2000). Iniciam-se assim as “três grandes revoluções”: a estética, a política e a religiosa, assinaladas por Athayde (1980, p. 554). Nota-se assim que o ano de 1922 marca o ponto de partida dessa abordagem tríplice desenvolvida por Tristão de Athayde e sustentada por ele no decorrer dos decênios subsequentes. Além da “Revolta dos 18” do Forte de Copacabana, movimento desencadeado pelo inconformismo de alguns setores que viam no autoritarismo da política do “café-com -leite” a perpetuação de um governo do qual grande parcela do povo não estaria apta a participar, posto que se restringia somente a alguns, temos também a revolução religiosa. A revolução estética de 22 nascia ligada à Revolução Espiritual, no plano propriamente religioso. Nesse mesmo ano fundou-se o “Centro Dom Vital” [...] (e) publicaram-se duas obras capitais para a renovação do pensamento católico no Brasil: A Igreja, a Reforma e a Civilização de Leonel Franca e Pascal e a Inquietação Moderna de Jackson de Figueiredo. (ATHAYDE, 1980, p. 555) Como camadas importantes da intelectualidade brasileira provinham de uma herança positivista, portanto materialista, e indiferentes ao catolicismo, e vendo que a Igreja era deixada de lado nas tomadas de decisões referentes ao andamento da política brasileira e do consequente inconformismo dos setores especializados, líderes como Jackson de Figueiredo se organizam dando início ao que se convencionou chamar de “reação católica”. Essa reação, sedimentada a partir da criação do Centro Dom Vital, já tinha se formalizado previamente com a criação da revista A Ordem, em 1921. Nessa revista teremos importantes colaborações de Lucia Miguel Pereira. Deve-se salientar que na década de 20, boa parte da elite intelectual brasileira se viu dividida entre duas escolhas: ou a adesão a um socialismo, ou a recusa deste. Estávamos, ao que tudo indica, no particularismo de dois blocos políticos: a esquerda e a direita. 3 Compunham o “Grupo Católico” os chamados “convertidos” Augusto Frederico Schmidt, Octávio de Faria, os já citados Alceu Amoroso Lima e Jackson de Figueiredo, além de contar com simpatizantes como os poetas Murilo Mendes e Jorge de Lima. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 135 De qualquer forma, seja pela situação política interna, seja pelo fato de nossa intelectualidade se sentir ligada à Europa, entre nós também se deu uma falência do liberalismo. A nova geração, formada depois da Primeira Guerra, sentia estar diante de duas opções apenas: a extrema direita ou a extrema esquerda. (BUENO, 2006, p. 34) Assim, muitos dos embates travados entre os críticos literários dos anos 30 foi em torno de suas preferências políticas, porque ideológicas. De um lado, os que defendem a proliferação do chamado “romance social”, engajado, e de outro, os que por opção se afastam dessa vertente, procurando em suas orientações direitistas a sustentação de suas escolhas. Os entraves são inevitáveis e muito que conhecemos da crítica do período foi, em maior ou menor grau, um resultado dessa tensão. Um dos exemplos foi o diálogo literário entre Jorge Amado e Lucia Miguel Pereira. O autor de Cacau faz, no jornal Boletim de Ariel, duras críticas ao romance Maleita, de Lucio Cardoso. Ainda um romance branco, um romance de simples literatura, o que é uma pena. [...] Sei que Lúcio Cardoso não pretende parar nesses romances catolicizantes. Sei que irá mais adiante, mesmo porque sua extraordinária força de romancista não se pode perder em simples livros sem outra finalidade que divertir leitores gordos e ricos.4 A crítica notadamente particularista ao escritor mineiro por si só já revela a tônica com que irá se desdobrar o debate: a opção pela espiritualidade ou o engajamento às causas sociais, ou romances proletários. Lucia Miguel, que via nesses últimos um dique contra o estudo da individualidade que tanto apregoava e que opunha licenciosamente à universalização das consciências denunciadas por ela nas generalizações dos grupos humanos (que os romances de Jorge Amado exemplificam), responde à crítica de Amado: Quanta injustiça num trecho tão pequeno! Em primeiro lugar Maleita não é um “romance de simples literatura”: ao contrário, é um livro singularmente vivido, e um livro que faz pensar. (...) Por último gostaria de saber por que será Maleita um “romance catolicizante”. Se é por estar dentro da ordem social burguesa, a etiqueta de Jorge Amado pressupõe entre a burguesia e o catolicismo uma comunhão que não existe. [...] Quem parece estar desperdiçando admiráveis dotes de romancistas com essa mania de provar, de visar algo, é o próprio Jorge Amado. Os seus livros, nitidamente parciais, livros de propaganda, esses sim, é que se destinam aos “leitores gordos e ricos”.5 Embora concordando com Bueno (2006, p. 202) quando o crítico diz que nesse momento temos “o roto falando do esfarrapado” e que para ambos os autores (Lucia e Jorge Amado) o mundo funcionaria “do modo como o veem, e outra visão qualquer só pode parecer falsificação” (BUENO, 2006, p. 202), é bem verdade que debates francos promovem avaliações sobre as épocas, resultados sentidos mesmo hoje. A querela está, assim, armada. Lucia Miguel sai das imprecações que o romance de Lúcio Cardoso ocasionou em Amado e traz o debate para o campo ideológico. Munidos de suas concepções sobre o romance (como deveria ou não ser) ambos os escritores iniciam um diálogo polarizado, no qual direita e esquerda vão se confrontar, e do qual outros intelectuais vão participar. Jorge Amado responde prontamente, na mesma Gazeta de Notícias, num artigo intitulado “Sobre o romance internacional”6 dizendo que o estudo dela sobre essa forma literária: 4 Citado por Lucia Miguel Pereira na Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 14/10/1934, p. 16. 5 Idem. 6 Possivelmente um erro de grafia. Jorge Amado responde à ideia expressa no prévio ensaio de Lucia no qual a escritora fala sobre o romance intencional de Jorge Amado, sobretudo Cacau. 136 Luminária 15 Traz no entanto funda marca política. Todos sabem que Lucia Miguel Pereira é uma escritora reacionária, comprometida com a religião. Ela escreve em função da moral católica. Os artigos e os romances da autora de Em Surdina são panfletos católicos, bem escritos, equilibrados, mas...políticos. É evidente que eu não me revolto contra essa maneira de ser da ilustre escritora, como é evidente, também, que não concordo absolutamente com as suas ideias religiosas e políticas.7 Lucia, que encontrara nos romances de Jorge Amado (sobretudo em Cacau) os mesmos problemas que o autor baiano criticara em Maleita, tem agora seus próprios romances (Em Surdina e Maria Luíza) colocados no rol do debate. Nessa arena conflituosa vem se juntar Augusto Frederico Schmidt, editor proprietário da Livraria Católica, a qual mais tarde se tornaria a Schmidt Editora, empresa que publicou O País do Carnaval, de Jorge Amado e Maria Luíza, romance de Lucia Miguel Pereira. Schmidt defende abertamente o posicionamento de Lucia Miguel e ataca Jorge Amado, dizendo que ele “não colocou exatamente o problema das relações entre o romance e a política na resposta que deu ao crítico (sic) desse jornal – D. Lucia Miguel Pereira”8. Mais à frente, acusa Jorge Amado de uma traição à essência do romance, exemplificando que em Suor, terceiro livro de Jorge Amado, haveria a “ausência de uma compreensão mais profunda, mais humana, mais realista dos assuntos de que tratam os autores”.9 Assim, o debate vai cada vez mais agregando obras. Retornando ao texto de Schmidt, o poeta sintetiza sua adesão ao posicionamento de Lucia Miguel Pereira: O que D. Lucia Miguel Pereira reprova, certamente, no Sr. Jorge Amado e nos seus companheiros de orientação, é a sua permanência constante no meio do caminho por onde estão passando as figuras do seu romance, é a sua insistência em tangê -las para seu comunismo de fundo tão nitidamente romântico, e que é também um pouco de comunismo de todos nós, vencido, por sentimentos de ordem e de amor à liberdade, aos quais o Sr. Jorge Amado não prestou ainda toda a atenção que merecem.10 Uma semana depois, Jorge Amado responde tanto à Lucia quanto a Schmidt, acusando este último (acusação que se estende também a Octávio de Faria) de estar agindo mais por “prevenção” que por “opinião”11. Ele retoma a crítica ao romance Maria Luíza, dizendo que Lucia Miguel teria torcido o destino da protagonista da história, fazendo com que ela, depois de ter traído o marido, voltasse à religião, isto é, “estragou o romance para fazer com que ele servisse a uma causa”12. Ou seja, quem estaria sendo acusada de intencionalidades agora era Lucia Miguel. É bem verdade que Jorge Amado já havia criticado ambos os romances até então lançados de Lucia Miguel Pereira. Tanto Maria Luíza (escrito provavelmente em 1931, mas publicado dois anos depois) quanto Em Surdina foram publicados um ano antes de esse debate se iniciar. Já no início de 1934 o escritor baiano teria contestado em Lucia Miguel “toda e qualquer aptidão para operar nessa província da literatura”13. A escrita ficcional da escritora seria colocada em dúvida por alguém que via nela apenas os dotes de uma 7 Publicado em Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 26/10/1934, p. 2. A grafia foi, por nós, atualizada. 8 “Romance e política”.Publicado em Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 01/11/1934, p.2. 9 Idem. 10 Idem. 11 “O soneto da novela”. Publicado em Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 08/11/1934, p.2. 12 Idem. 13 Benjamin Lima: “Uma romancista”. Publicado em O Paiz. Rio de Janeiro, 06/2/1934, p.3. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 137 grande ensaísta. Contudo, o romance Em Surdina, o “mais importante romance publicado por um escritor católico em 1933” (BUENO, 2006, p. 200), editado pela Ariel Editora, receberá mais à frente uma crítica positiva de Jorge Amado, dizendo que “é um livro bom, bem feito. Inteiramente executado. É admirável, sem exagero”.14 Notória mudança de posicionamento. Parece mais é que Jorge Amado queria agradar à cúpula do Boletim de Ariel, periódico que desde 1934 tinha em Lucia Miguel Pereira a responsável pela crítica de livros e que tinha a Ariel Editora, a qual tinha a obra Suor no prelo. A mudança de posicionamento de Amado justifica-se mais por uma investida editorial que por uma revisão de suas ideias. A diferença de ideologias entre Pereira e Amado não se restringia somente ao debate acima citado. Jorge Amado chama, num de seus artigos, Lucia Miguel de “senhorita”15, expressão assinalada por Luiz Bueno (2006) como pejorativa, tentando refletir na autora de Em Surdina características de sua protagonista, a solteirona Cecília. Ou seja, Jorge Amado, além de negar em primeira instância os dotes de ficcionista à ensaísta Lucia Miguel, ainda vê muito dela na composição de sua heroína. Também vemos aí um reflexo do posicionamento ideológico do escritor baiano, romancista que apregoava a tomada de decisão por parte do intelectual, de preferência pelas causas sociais. Lucia, ao contrário, lança dois romances fora da temática do proletário, da vida comum e em grupo. Em 1933, quando o romance proletário parecia ser a única forma possível de fazer literatura de ficção no Brasil, ela publicou dois romances que tinham protagonistas femininas vivendo grande crise em relação aos papéis pré-determinados que teriam que exercer vida afora: Maria Luiza e Em Surdina. (BUENO, 2006, p. 303) Plausível, pois, que os ataques e o descontentamento de um intelectual do porte de Jorge Amado se manifestassem. Os autores católicos, que eram vistos como despojados do testemunho social, contribuíram, contudo, para que notássemos como esse tempo era pela relevância que deram à figura feminina em suas obras. Maria Luiza, seu primeiro romance, já traz a tônica da tensão vivida pela autora: defender um posicionamento religioso centrado num Deus institucionalizado pelas correntes da Moral, ou acercar-se do enfrentamento aos valores vigentes numa sociedade onde o pré-configurado imperava. Sabemos que Lucia Miguel Pereira se afastaria paulatinamente do ideário católico. Contudo, justamente num tempo em que ela era acusada de fazer política pela lei da sacristia, suas noções (ou o que seus opositores propagavam) parecem estar abaladas. A primeira parte de seu romance (duas partes bem demarcadas) mostra o ideal religioso totalitário como enformador de um mundo de aparências, visão defendida, por exemplo, pelo narrador do romance – a todo tempo fazendo críticas à heroína. A segunda parte, contudo, perfaz a trajetória da protagonista como superação desse mesmo ideal estancado, mostrando a religião como redentora, mas não mais a religião do medo de não se fazer o que a cultura cosmopolita determina. A religião da Ordem, da Hierarquia, da Moralidade, tudo assim com maiúscula, era a da primeira Maria Luiza, e a conduziu apenas ao orgulho e ao adultério – ao pecado, portanto. A religião do amor, da compreensão de que não é possível ser rígido demais é aquela que toma corpo no final da trajetória da heroína. O aspecto da moral sexual é especialmente significativo nesse romance. Em última análise, é só depois de ceder 14 Esse fragmento da crítica de Jorge Amado aparece na orelha da terceira edição do referido romance, já então editado pela Livraria José Olympio Editora, em 1979. 15 Na época (anos 30) era comum a classe intelectual se dirigir a uma pessoa solteira como “Senhora”, “Dona”, ou simplesmente pelo nome. Cf. Bueno, Uma história do romance de30. EDUSP, 2006. 138 Luminária 15 ao desejo sexual que Maria Luiza pode sair do egoísmo e da vaidade em que se encontrava – e nesse sentido, Lúcia Miguel Pereira está mais próxima de Cornélio Pena do que de qualquer outro romancista católico do período. (BUENO, 2006, p. 314) Luís Bueno (2006) vê no confronto entre narrador e personagem uma das grandes riquezas do romance. Os comentários que o narrador faz, muitas vezes admoestando Maria Luiza sobre suas tomadas de decisões e alertando os leitores sobre a consequência dos atos da protagonista – a traição, por exemplo, são, em vez de complicadores do fluxo da narração, passíveis de conscientização do leitor sobre a tensão que a instituição casamento e o medo de se tornar ou solteirona ou prostituta ocasionavam na época. Maria Luiza volta ao casamento pela mão da religião, uma religião outra, em que todos podem se conhecer e conhecer o outro.16 Em Surdina17 mostra uma visão diferenciada. A protagonista, Cecília, depois de não aceitar vários casamentos que pretendentes lhe propuseram, e fugindo das convenções sociais, opta por ficar solteira. Deus e a religião ficam no romance inteiro acenando de longe, e a dúvida que constantemente aparece nos pensamentos de Cecília é “o que é viver?”. Ceder às convenções sociais por medo de ficar solteira ou encontrar na mulher justamente um afastamento do que a sociedade lhe impõe: esse o problema nuclear desenvolvido pelo romance. Como pano de fundo, temos a decadência de uma família pequeno-burguesa da sociedade do Rio de Janeiro. O patriarca, Dr. Vieira, é um médico que clinica juntamente com um seu genro, do qual é sócio: Décio, cunhado de Cecilia. Cecília é órfã de mãe e uma tia (solteira) é quem faz o papel materno, cuidando da casa e de seus vários irmãos. Temos no romance a degradação paulatina dessa família: alguns morrem, outros vão embora, outras casam, Cecília fica solteira. A presença fantasmática de uma concepção de Deus (e da religião) é mostrada como uma tomada de posicionamento: evitar a religião instituída e abrir-se à nova vida em que um ideal pós-guerra se estava afigurando. Contudo, o livro de vinte capítulos curtos traz um embaraço no último, no vigésimo, onde temos tão somente uma citação de Rilke. Penso que não se pode nunca saber se Deus entra numa história antes dela estar de todo acabada. Mesmo se só faltarem duas palavras, mesmo se não houver mais nada senão a pausa que segue as últimas sílabas do conto, Ele pode sempre chegar ainda. (PEREIRA, 1979, p. 137) Essa última parte do romance mais condiz com uma epígrafe, um deus ex machina, que com um capítulo propriamente dito. Parece que a autora –mais do que o narrador – queria intervir no destino daquela que vivia “sem Deus” colocando o Todo-Poderoso como solução. Uma nota redentora que mais coloca a visão de Lucia Miguel Pereira como ainda vivendo o conflito de que a religião se estava subsumindo inclusive em suas avaliações críticas de ensaísta, mas que devia, ainda como um resquício de sua tão marcante labuta de intelectual do grupo católico, não deixar desaparecer de todo. A verdade é que essa epígrafe (que aparece marcada como um capítulo) desestabiliza, ou pretende desestabilizar, as condições de aceitação do romance. Em resposta a uma crítica de Jorge Amado, Lúcia Miguel Pereira comenta uma passagem desse seu romance. Quanto às objeções que o meu contendor – termo para mim, sinônimo de amigo, porque só discuto com quem aprecio – formula aos meus livros, declaro que sou a 16 Jorge Amado, em crítica já assinalada “O Soneto da novela”, diz que Maria Luiza, pela lógica, deveria continuar traindo, pois a mesma “gostou muito da farra”, e não deveria retornar ao casamento pela mão da religião, fator que segundo ele “estragou o romance”. 17 Atemo-nos aqui somente aos dois primeiros romances de Lucia Miguel Pereira. O ano em que foram publicados (1933) marca a tensão entre o pós-guerra e as inclinações religiosas. Os outros dois romances não são objetos de nosso estudo por trazerem já uma fratura entre religião e comportamento laico bem delineadas, momento em que Lucia Miguel já não era católica praticante. União da Vitória - Paraná - 2º semestre de 2013 139 primeira a reconhecer neles gravíssimos defeitos de técnica. Mas não lhes vejo parcialidade a não ser a que decorra da simples escolha dos temas. Se houvesse, nem Maria Luiza, católica praticante, teria enganado o marido nem teria Cecília, de uma bondade puramente humana, vivendo sem Deus, achado sozinha o caminho que lhe é apontado no final. (PEREIRA, 2005, p. 104)18 Esse “final” a que se refere Lucia Miguel Pereira logicamente não é a citação de Rilke, posto que se fosse sua defesa não faria sentido. A escritora estava na verdade se referindo ao XIX capítulo, lugar onde as ações realmente acabam e onde Cecília reflete sobre sua vida, que tinha realmente vivido e que continuaria a viver. “Uma vida diferente das comuns, talvez, feita de migalhas da existência dos outros” (PEREIRA, 1979, p. 135). Seu irmão conclui, no fim do capítulo: “Nada é mais ridículo do que um santo leigo” (p.136). Nota-se que a própria escritora reconhece por sua crítica o fim do romance no penúltimo capítulo do livro, ficando a citação de Rilke mais como um corpo estranho que poderia ser explicado pela intervenção da autora acenando que sim, Deus deve aparecer. Essas duas correntes ideológicas dominantes na intelectualidade brasileira: os católicos que viam a crise espiritual se alastrando nas condutas humanas e por isso mergulhavam no indivíduo, e os autores de esquerda, que viam que o drama humano tinha origens sociais, precisando por isso estudar o coletivo, marcaram a produção romanesca (de ficção) como os romances de cunho proletário e psicológico-intimista, duas vertentes de um fecundo debate que se apresenta no romance enquanto forma uma possível convergência, posto que o que é psicológico também pode ser social. Lucia Miguel Pereira, talvez por perceber que “a instituição esconde o indivíduo” vai, a partir dos meados dos anos 30, abandonar uma defesa católico-moralizante, notadamente em seus dois últimos romances, Amanhecer e Cabra-cega, mas sobretudo em seus ensaios periódicos. Parece que a partir da metade dessa década a escritora muda o foco do catolicismo enquanto moralizante e redentor da família de classe média carioca para o feminino, a mulher. Lembramos que Lucia Miguel casou-se com um homem desquitado19, uma afronta ao pensamento da época. Justamente nesse pensamento de época subsistiam valores muitos deles herdados da religiosidade institucionalizada, tão forte na época do Império. A mesma corrente que procurava escancarar os problemas sociais era permeada pelo moralizante comportamento que herdaram de uma ideologia que criticavam, a católica. Lucia, que labutara nessa ideologia, foi se afastando da instituição, a ponto de num ensaio encomendado pelo Boletim de Ariel, afirmar: Não sei se fiz bem – perdoem-me falar de mim: esse sacrifício se torna por vezes necessário – em aceitar o convite para escrever para a Ordem um artigo comemorativo do centenário de Machado de Assis. Em primeiro lugar, porque talvez, guardadas as devidas proporções, nem o grande morto nem eu – ai de nós que hesitamos em tantos caminhos desconhecidos – nos possamos inteiramente enquadrar na ordem que esta revista defende, por muito que ela represente para mim. (PEREIRA, 2005, p. 324) A citação acima é de junho de 1939 (os grifos são nossos) e foi retirada da revista A Ordem, de um artigo que Lucia Miguel Pereira escrevia em comemoração ao centenário de Machado de Assis. De fato, Lucia Miguel, que já havia adentrado a crítica histórica com uma biografia crítica do grande romancista20, ia-se mostrando mais e mais afastada das ideologias católicas, o que vem constatar Carlos Drummond de Andrade em seu diário de 1959 (apud MENDONÇA, 1992), “Octavio disse que sua mulher, Lucia Miguel Pereira, também não pratica qualquer credo religioso”. 18 O artigo chama-se “Romance Intencional” e já foi previamente citado. 19 Seu casamento se deu em 1937 com o historiador Otavio Tarquínio de Souza. Ambos pereceram em 1959, num acidente de avião. 20 PEREIRA, Lucia Miguel. Machado de Assis: estudo crítico-biográfico. 1936. 140 Luminária 15 Os anos 40 e 50 não marcam mais a religiosidade como pedra-de-toque da escritora que iniciou sua carreira como assistencialista de um grupo católico, que perto esteve da “revolução religiosa” e que em início de carreira defendeu seu posicionamento direitista perante debatedores do porte de Jorge Amado. Contudo, os debates dos anos 30 delinearam por quais caminhos a orientação literária passaria, e muito da literatura e crítica literária que se seguiu é tributária desses embates. Lucia Miguel Pereira neles ocupou, como vimos, um lugar central. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Lucia Miguel Pereira, quando convidada pelo crítico Álvaro Lins para escrever um dos capítulos de sua projetada História da Literatura Brasileira, debruçou-se somente num período, procurando salientar a importância desse tempo para a história de nossas letras. O resultado foi um estudo marcante por não querer abranger a literatura como um todo, mas a de um período específico. Utilizamos aqui de igual procedimento. Em vez de tentar traçar cronologicamente toda a história da crítica Lucia Miguel, optamos por nos debruçar no período em que a escritora se mostrava por um lado tributária e defensora de uma ideologia católica e por outro já apresentava marcas de afastamento dessa mesma ideologia. É bem sabido que a época mais profícua de Lucia Miguel Pereira foi a do final da sua atuação, depois da composição da famosa Prosa de Ficção. Contudo um revisionismo da época em que o calor das discussões se mostrava mais forte se fez necessário; essa foi a intenção do presente trabalho. Mostramos que por um lado o ideal católico teve, sim, uma força determinante nos escritos e tomadas de posição, não somente de Lucia, mas de outros escritores como Lúcio Cardoso, Octávio de Faria e Alceu Amoroso Lima. Infelizmente a década de 30 muitas vezes é somente estudada como um aprofundamento da Semana e a da chamada segunda geração modernista apresentada como um prolongamento da primeira, geralmente enfocando-se o caráter social – o outro lado do debate – que embora importante não foi o único. A consciência católica, espiritualista ou individualista, por mais que esses três termos às vezes se confundam, marca um lugar outro nos diálogos e representações do homem e do meio num país em que os resquícios da Primeira Guerra exigiam uma reavaliação. Se não houvesse o outro não haveria debate. Entender as transformações que ocorreram em uma escritora do porte de Lucia Miguel Pereira só é possível se avaliarmos as condições das quais ela estava cercada. O abandono da religiosidade em seus escritos não foi uma ruptura, no sentido violento do termo, mas um processo de reavaliação de suas concepções, processo esse em muito devedor, pelo que pudemos constatar, de se voltar a si a partir do lugar que o outro ocupa. Pensar nossa tradição cultural é voltar aos debates e nos lembrar de que a consciência crítica de qualquer nação também se faz pela diferença, pela discordância e pelos outros pontos de vista. REFERÊNCIAS AMADO, J. Sobre Romance Internacional. In: Gazeta de Notícias. 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