Untitled - Marcello Cerqueira
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Untitled - Marcello Cerqueira
MARCELLO CERQUEIRA MEMORIAL (euesn uMA AuToBrocnnrn) MEMORIAL DE CONCURSO Professor Titular de Teoria do Direito e Direito Constitucional UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE & Editora Revan Copyright @ 1994 by Marcello Cerqueira Revisdo Wilson de Jesus Costa Roberto Teixeira Composigdo, Paginagdo e Capa BAW - Editorag6o Eletr6nica Impressdo Graphos Cerqueira, Marcello, 1939 - Memorial (Quase uma autobiogrtfra de Marcello Cerqueira) / Marcello Cerqueira. - Rio de Janeiro: Revan, 1994, 32p. rsBN 85-7106-065-7 1994 EDITORA REVAN LTDA. Avenida Paulo de Frontin, 163 PBX (021) 293-4495 -Fax: 273-6873 CEP 20260-010 - Rio de Janeiro APRESENTAQAO Al6m da prova did6tica e da apreciagSo dos titulos do candidato, o concurso para Professor Titular da UFF exigiu o julgamento da Tese e de sua defesa, o Memorial e respectiva apresentagio oral. O Memorial 6 o relato dos trabalhos acad€micos j6 realizados,pelo candidato e a sua perspectiva de futuros trabalhos. E tamb6m o resumo de sua vida profissional, uma quase-biografia. Ou melhor, dizem que o Memorial 6 o curriculo do candidato escrito por... sua mie. IsengSo olimpica, j6 se v6. E deve ser lido pelos amigos. Tanto assim, que amie viabilizaram gos que o leram muito me incentivaram grato a a sua publicaqdo. Assim, sou especialmente -Murilo Braga de Carvalho Junior e Jacob Kligerman (meus compadres), e a Renato Guimardes (meu editor). Para mim, foi tdo bom voltar como Professor Titular i Faculdade em que me formei a tantos anos que, logo nesta apresentaqdo, nem conv6m dizer. Vida que segue. Marcello Cerqueira. Santa Teresa, 2l de julho de 1994 ormei-me advogado pela antiga Faculdade de Direi to de Niter6i, em 1965. Deveria formar-me um ano antes, mas o golpe de Estado de 1964 nio deixou. Volto depois de muitos anos. Mas ji agora na expectativa de uma permandncia acad€mica duradoura. Dou como testemunho desse caminho na minha vida meus dois riltimos trabalhos de pesquisa. A tese de concurso, "A Constituigdo e o Direito anterior: Ofen6meno da recepgdo", qve mais adiante voltarei a referir; e o meu mais recente livro, resultado de mais um ano de pesquisa, "A Constituigdo na Hist6ria, Origem & Reforma " (Editora Revan, Rio de Janeiro, 1993,439 p6gs). Desde aquilo que me fez procurar essa faculdade, at6 o sentimento que a ela me traz de volta, no curso de uma longa e atribulada vida pirblica, sinto existir, por assim dizer, um plano oculto que confere sentido aos eventos biogr6ficos, que o Memorial manda narrar: o da luta pelo direito. L6 no inicio, ainda n6o aprendera com Jhering, ser essa luta "um dever para com a sociedade". E certamente n6o poderia saber que esse dever empresta a mais profunda legitimidade i atividade politica. II Comecei no movimento estudantil trabalhando na imprensa universit6ria. Levado pelo escritor Paulo Alberto Monteiro de Barros, hoje deputado Artur da T6vola, ingressei no jornal "O Metropolitano", 6196o da Uni6o Metropolitana de Estudantes, e que circulava aos domingos, como encarte no jornal "Di6rio de Noticias". Al6m do trabalho de redag6o, fui aproveitado como revisor. Paulo Alberto sabia que eu dava aula de Portugu€s desde 1956, no Curso Alfa de admissio, dirigido pela professora Marilia de Moura Diniz Cerqueira, minha mde. Passei a freqiientar a gr6fica do jornal onde entrei em permanente contato profissional como os linotipistas da 6poca, que consultavam dicionirios e liam L€nin; influOncias 6 ambas por mim recebidas. Logo, vi-me na redaqio como rep6rter policial. Dessa experiOncia resultaram-me dois oficios: o de advogado criminal e o de escritor. O advogado, logo no inicio de sua carreira, ser6 defensor de presos politicos, a partir da necessidade de promover a pr6pria defesa nas Auditorias Militares. Mais tarde, ainda, meu romance, O Almogo de Ganso, vai ser ambientado no mundo do crime dos anos sessenta, produto da experiEncia que o jovem rep6rter guardarar. Viveu minha geragdo uma fase muito rica em "O Metropolitano". E que ali se reunia a "cozinha" do movimento cultural que iria agitar aqueles anos. Na seqii€ncia da nova imprensa estudantil surgiram o cinema novo e o teatro popular, nfcleo de um pensamento revolucion6rio que se consolidarri na UNE e no seu Centro Popular de Cultura (CPC). A sede fisica desse movimento entdo se desloca do Calabouqo para a Praia do Flamengo, 132. E que gerag5o not6vel! Os saudosos Oduvaldo Vioninha Vianna Filho, Glauber Rocha, Anecy Rocha, Armando Costa e Leon Hirschman, que ndo est6o mais entre n6s. Cac6 Diegues, Arnaldo Jabor, C6sar Guimardes, Davi Neves, Joaquim Pedro, Eduardo Coutinho, Miguel Borges, Marcos Farias, Fernando Duarte, Afonso Beato, Mario Rocha, Nelson Pomp6ia, Roberto Pontual, Silvio Diniz Gomes de Almeida, Helena Solber, Ana Maria Galano, Carlos Callou, Aloisio Gordo Leite, Rui Mauro Marini, Rog6rio Caos Duarte, Wanderley Guilherme, Carlos Estevio, Luis Werneck Vianna, Ferreira Gullar, Tereza Aragdo, JoSo das Neves, Augusto Boal, Rog6rio Belda, e tantos e tantos outros que, nesse momento, a mem6ria ndo me traz, o que muito lamento. Junto ao CPC da UNE, 6 fundada a Editora Universipor Aldo Arantes, e dirigida por Cac6 Diegues criada t6ria, e logo por Herbert Betinho Jos6 de Souza. A Editora publicava o "Movimento", revista de enorme importAncia cultural i 6poca. Ela foi dirigida por C6sar Guimaries e por mim pr6prio. O que era, at| ent5o, uma atividade cultural se trans- forma em militincia politica, quando Niter6i me elege Vice-Presidente de Assuntos Nacionais da Uniio Nacional dos Estudantes, gestio 1963/1964. Diretoria que viria a ser cassada e perseguida pelo golpe militar. III A UNE tinha enorme influ€ncia politica no contexto da 6poca, influ€ncia que jamais recuperaria mesmo depois do restabelecimento pleno das liberdades democr6ticas. Eramos, entio, pouco mais de cem mil universit6rios que nos exerciamos em clima de absoluta liberdade, 6 certo que constrangidos aqui e ali, como o cerco da UNE, em 1962, promovido pelo governador Carlos Lacerda, que morreria reconciliado conosco, pois participara da "frente-ampla" que, depois do golpe, tentaria uni-lo a Jango e a Juscelino, numa articulagio pela volta ao Estado de Direito. Recordo-me que o "cerco" foi suspenso depois de entendimentos entre o governador e o I Ex6rcito, que cumpria ordens do presidente Goulart, instruido por seu Ministro da Justiga, o saudoso Jodo Mangabeira, que "inventara", segundo Jango, a tese da defesa de "pr6prio federal", exatamente o que era a UNE, desde que fora tomada de um clube alemdo na campanha estudantil contra o Eixo e que passara, a partir de ent6o, a ser um "bem" incorporado ao patrim6nio da Uni6o pelo governo do primeiro Vargas. Al6m do trabalho pr6prio no interior do movimento estudantil com as Unides Estaduais e Diret6rios Centrais, atrav6s de Congressos, e Encontros, Semin6rios, a UNE articulava-se com os demais setores politicos para formar a "Frente oper6rio-estudantil-camponesa", que se ampliava para a Frente Parlamentar Nacionalista, e nem por isso deixava de ser um pacto estreito, mas de cujo acerto ent6o ndo duvid6vamos. Inseria-se a UNE, na politica das reformas de base, com sua reivindicagSo especifica sobre a "reforma universitiria", e apoi6vamos as demais2. Na manhi 8 do golpe eu havia antecipadamente marcado encontro com Vianinha. Quem conta a passagem 6 D€nis de Moraes, em seu Vianinho cimplice da Paixdo (Editorial N6rdica, Rio de Janeiro, 1991, p6g. l27ll28): "Na manhd do dia 31, em meio is noticias de que as tropas dos Generais Olimpio Mourdo Filho e Carlos Luis Guedes marchavam de Minas para o Rio, Vianinha bem cedo tinha lm ponto marcado na buc6lica Praqa Nobel, no Grajari, com Marce llo Cerqueira' Vice-Presidente da UNE e, como ele, membro do PCB. Cerqueira vinha da casa do Deputado Ten6rio Cavalcanti, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, para onde fora em companhia do Presidente da UNE, Jos6 Serra, por insistdncia do tamb6m Deputado Demist6clides Batista. Temiase que os dois dirigentes estudantis fossem presos a qualquer momento. Pgr seguranga, Cerqueira e Serra separaram-se: o primeiro foi para o Grajari e o segundo voltou de 6nibus para a Zona Sul do Rio, onde ficaria perambulando at6 que se reencontrassem mais tarde, pr6ximo ao Bob's de lpanema. Vianinha e Cerqueira conversaram sobre a situagdo do pais enquanto caminhavam at6 a casa do estudante de Medicina e simpatizante do PCB, Jacob Kligerman, localizada a quarteir6es dali. Kligerman se prontificou a esconder o Presidente e o Vice-Presidente da UNE na gargonniire que mantinha num edificio da Rua Ubaldino do Amaral, na Lapa. Sob chuva fina. entraram no velho Volvo de Kligerman para buscar Serra. "Foi uma viagem muito triste aquela", lem- bra Marcello Cerqueira. "Eu me lembrava'daquela mfsica da Maisa, Meu mundo caiu.Era assim que nos sen- tiamos. Nio que o golpe tivesse nos surpreendido, mas s6 quando vem o desenlace 6 que termina o sofrimento". No percurso, falaram sobre a possibilidade de haver uma reviravolta no Rio Grande do Sul, como poderiam resistir no Rio, se era conveniente os dirigentes da UNE estabelecerem, nas pr6ximas horas, contatos para s€ exilar. Na subida da Rua Alice, no Rio Comprido, o motor do Volvo comegou a resfolegar. Vianinha e Cerqueira entreolharam-se apreensivos. Kligerman havia optado por aquele trajeto para n6o ter que cortar o centro da cidade. Como nio existia ainda o Trinel Rebougas, ligando as Zonas Norte e Sul, restava como alternativa a Rua Alice, que dri acesso a Laranjeiras, do outro lado do morro. Era s6 o que faltava disse Vianinha, suando frio. -Cerqueira insistia para -que Kligerman n6o deixasse o carro morrer. Ele apertou o acelerador at6 o fundo, de olho na paisagem: soldados por todos os lados. Se o carro enguigasse, o pior dos mundos estaria i frente deles. A sorte ajudou e o Volvo seguiu viagem. Apanharam Serra no local combinado e foram para a Lapa. Vianinha saltou, a caminho da UNE. Perderia de vista os dois amigos por um bom tempo; depois de uma semana trancados na gargonniire, Serra e Cerqueira conseguiriam asilo junto i Embaixada da Bolivia, atrav6s de gest6es do ex-Presidente Juscelino Kubitschekt. IV O exilio 6 uma prisdo sem grades. Ap6s cumprir um tempo na Bolivia e outro em Santiago do Chile, al6m de atender a compromissos residuais da UNE, mais longe ainda, retorno ao Rio, onde chego nos primeiros dias de janeiro de 1965. E logo deixo-me prender para "legalizar" o retorno, como entdo se dizia. Com a abertura do ano letivo, requeiro normalmente minha matricula na Faculdade e curso a quinta s6rie, sem qualquer obst6culo (muitos estudantes enfrentaram dificuldades). Passo direto em todas as mat6rias mas "fico"na oral de Direito Penal. Os fatos que ent6o se passaram j6 os relatei mais de uma vez. Por f ltimo, ao Egr6gio Conselho de Ensino e Pesquisa da UFF, em requerimento de 30 de outubro de 1993, nos seguintes termos: l0 "... No final do curso' passei direto em todas as mat6rias, d excegio de Direito Penal, o que me deixou preocupado. E com razdo. E que seu titular, o professor Alvaro Sardinha, quando candidato a Reitor dessa Universidade, encontrou forte oposigio no movimento €studantil e me coube, como vice-presidente da UNE, levar ao Ministro da Educagio (Darcy Ribeiro?) e ao Presidente Jodo Goulart a nossa contrariedade i escolha do professor Sardinha, que encabeqava a lista triplice' Tivemos 6xito e o professor Sardinha ndo foi conduzido a um cargo que, certamente, muito almejava' Pois bem, ndo e que fico na oral justamente com o professor Sardinha! Naquele tempo, Niter6i era servido por tr6leibus' Tomei-o nas Barcas e a ficha do dnibus coloquei-a sob o rel6gio (entre o rel6gio e a pele) . Naturalmente estava de terno e gravata, como era dos usos' Quando fui sortear o ponto, o professor Sardinha perguntou-me o que tinha em baixo do rel6gio. "A ficha do 6nibus, profesrespondi' Estava tenso por6m preparado para a perguntoum€ o mestre. "Nenhum", respondi sem hesitar' "Perfei(o senhor est6 aprovado, pode ir disse tamente" embora". Ganhei a aprovagdo e uma li96o de vida' Anos mais tarde, em entrevista que concedi a Sebasti6o Nery, de quem fui por muitas vezes advogado na lei de seguranga nacional, ir Revista Playboy, lembrei o epis6dio' O professor Acrisio Ramos, na minha 6poca Secret6rio da Faculdade, e entdo seu diretor, telefonou-me para dizer que o professor Alvaro Sardinha tinha se emocionado com a entrevista mas dela pouco se recordava' "Fez se1" - "Que crime o senhor cometeu?" prova. o bem e o esqueceu", disse eu ao Acrisio' Retomo meu emprego na Revista "PN", j6 extinta, da qual eram diretores Lricio Abreu, meu compadre, o escritor benival Rabelo e o jornalista Manoel de Vasconcellos, j6 falecido. Ao mesmo tempo, com colegas de meu bairro ie Grajari, Gilberto Cabral e Reynaldo Gayoso, inicio-me no oficio de advogar. Quebrar pedra, como se sabe' ll v T5o logo foi possivel, o "plano oculto" revelou-se mais uma vez. Matriculei-me no curso de doutorado na antiga Faculdade Nacional de Direito e comecei a lecionar Direito Administrativo na Faculdade Cindido Mendes. Com o recrudescimento da repressSo e a Edigio do Ato Institucional no 5 fui compelido a abandonar ambas as atividades. Jri n5o era mais o estudante que perseguiam e sim o advogado de presos politicos. Fui preso v6rias vezes. Mantive minha advocacia em defesa de presos politicos. Dela nio me afastei at6 o fim da ditadura. Paralelamente, passei a trabalhar no escrit6rio do not6vel advogado Jose Leventhal. Por essa 6poca, o professor Anisio Teixeira, de quem eu era advogado e com quem privava, desde que Paulo Alberto namorava sua filha Ana Cristina, relag6es que se aprofundaram no exilio comum, insistiu muito para que eu viesse a cursar o CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS DO ENSINO DO DIREITO (FGV/UEG). E que doutor Anisio, membro do Conselho Diretor da FundagSo Getflio Vargas, proclamava a excel€ncia do curso. Identificava no direito tribut6rio, uma das principais segdes do curso, boa perspectiva profissional para o seu jovem advogado que o Mestre tanto queria incentivar. O ilustre professor Cindido Mendes tamb6m colaborou para o meu ingresso no CEPED. Com doutor Anisio, me coube uma das mais dolorosas passagens de minha vida. Certo dia, doutor Anisio sumiu. O julg6vamos preso, seqiiestrado pela repressSo. Em seu favor, impetrei ordem de habeas corpus junto ao Superior Tribunal Militar, inutilmente. Doutor Anisio havia morrido em circunstincias trSgicas em um acidente banal. Reconheci-lhe o corpo e assisti i sua au- t6psia. Depois, em nome da familia, acompanhei a sindicincia policial que concluiu por morte acidental. Esse doloroso epis6dio, Luis Viana Filho, em sua biografia de Anisio Teixeira, narra quase ao final do livro: "O advogado Marcello Cerqueira, criminalista conceituado, acompat2 nhou o inqu6rito para apurar os pormenores da trag6dia que ningu6m presenciara, e sobre a qual drividas se alastravam. Concluiu-se haver sido em acidente. Uma armadilha do destino" (p6gs. 2041205). Segui o riltimo dos conselhos do doutor Anisio, e avancei na profissSo. VI Essa especializagdo iria permitir-me, mais adiante, a contratagdo, como advogado e depois Consultor Juridico, da "lnvestimentos Brasileiros S/A - IBRASA", empresa subsidiiiria do BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO - BNDE (como ent5o se chamava), convidado por seu diretor-superintendente, um not6vel engenheiro que, em 1990, iria romper comigo porque, na honrosa qualidade de advogado do Doutor Barbosa Lima Sobrinho, eu patrocinara aqio popular contra a privatizaqdo da Companhia Siderfrgica Nacional, que ele entio presidia. Atribuiu meu patrocinio a interesses menores de um politico e ndo aos deveres do advogado, e rompeu comigo. Amizade que perdi, mas quem sabe a recupero? Fiquei uns tempos no BNDE protegido pelo meu nome completo. E que meus pais me batizaram como Marcello Augusto Diniz Cerqueira, e na advocacia politica usava o nome simplificado de "Marcelo Cerqueira", o que at6 hoje fago. Escapando com vida do massacre do PC do B em S5o Paulo (197611977), Aldo Arantes 6 preso e terrivelmente torturado. Impetro um habeas corpus em seu favor e o jornalista Elio Gaspari, j6 viviamos a "abertura lenta, gradual e segura", do general Geisel, consegue "furaf'a censura e sai a noticia na'oVeja", com o meu Rome ... e o meu retratoa. O SNI, entdo, "me descobre no BNDE"e seu agente do Banco, um diretor chamado Abade, opera a minha demissSo, atrav6s de outro diretor, que, mais tarde, quando reuni documentos para requerer minha anistia, se recusou a certificar o ocorrido, negando o testemunho da verdade. Ndo me recordo do seu nome, ou dele nio me l3 quero lembrarn mas a mim nio faltou a declangdo altiva dos engenheiros Marcos Vianna, antigo presidente do BNDES, e Roberto Proc6pio de Lima Neto, exatamente o diretor que me contratara. VII Mas se a ditadura ainda tinha o lado sombrio da cassag6o do meu emprego, na contradigSo natural do processo politico, j6 ostentava a sua fachada aberturista, de resto compelida a tal para nio se submeter trama de sua sujei- i 96o pelo general Frota, Ministro do Ex6rcito por Geisel exonerado, ap6s demitir o general Ednaldo do Comando do II Ex€rcito, em seguida i tortura e morte do jornalista Wladimir Herzog e do oper6rio Manoel Fiel Filho. VIII Desde ent6o, o advogado de presos ser6 pouco solicitado, embora o minist6rio se tenha estendido at6 o governo do general Figueiredo. E comum perguntarem aos advogados de presos, e os tivemos t6o not6veis, quais eram os clientes mais importantes que defenderam. No seriado "Anos Rebeldes", que a TV Globo colono cou ar e que contribuiu para que a juventude cara-pintada fosse ds ruas pela deposigdo do presidente que perdera a confianga da Nag6o que enganava, seus autores me identificaram como o advogado que teria inspirado o personagem que defendia os presos politicos na novela. Fui eu como poderia ser, com muito mais razdo, qualquer dos colegas. Lembro-me que as entrevistas giravam em torno das pessoas importantes que eu defendera. E claro que eu n6o podia sonegar-lhes os nomes mais conhecidos. Mesmo a hist6ria dos perseguidos 6 tomada a partir dos mais importantes, embora o sofrimento a todos tenha sido comum, inclusive aos seus patronos. t4 Outro dia, estando em Brasilia no exercicio de mide Procurador-Geral do INCRA, li nos jorfungdes nhas nais o convite para a missa de vinte anos do falecimento de Raul Nin Ferreira, de quem fui advogado. Raul nem militante era. Guardara em seu apartamento o mimeogrSfo de um amigo, este militante; o DOI-CODI ndo acreditou em sua hist6ria e foi ele morto, ap6s b6rbaro espancamento. Ndo pude ir d missa, pedi d minha filha mais velha que levasse minhas condol€ncias d mde, o pai j6 falecido. A mie comoveu-se com a lembranga, contou-me minha filha. Os clientes desaparecidos. Aonde estar6o Jo6o Massena e Luis Maranhio? Em que estrela habitam? Quando redijo estas notas, recebo o convite para o lanqamento da biografia de Giocondo Dias, o cabo Dias, antigo secret6rio-geral do Partido Comunista Brasileiro, de quem fui advogado. Ndo posso declinar todos os nomes, sio tantos e eles se confundem na minha mem6ria e no meu sofrimento. Mas ndo passa sem registro a lembranqa tdo viva que me ficou de Addo Pereira Nunes, "um velho m6dico da roqa", como ele gostava de definir-se. E ndo seria possivel, neste Memorial, deixar sem gravar o nome de Leila Diniz. Fui seu amigo, conheci-a em familia. inclusive pelo testemunho de sua admirdvel irmd Baby, a cientista politica Ely Diniz, mde de Juliana, minha filha que jri me deu uma neta. Todos sabem o que Leila representou para a liberaqSo das mulheres de sua geraqdo, e foi, em muitos aspectos, uma antevisdo da "nova mulher" de que j6 no inicio do s6culo falava Alexandra Kollantai. Perseguida ap6s entrevista que concedera ao Pasquirn (6rg5o da imprensa alternativa que receberia meu patrocinio por muito tempo), e em fung5o dela, 6 baixada uma nova lei de censura, que imprensa chamaria de "Lei Leila Diniz". Escapou de ser presa e esforqos que desenvolvi junto ao entdo Ministro da Justiga permitiram um acordo: ele suspendia a ordem de prisio e Leila teria de depor. O que foi feito. Leila morreu, em 1972, em Nova Delhi. A mim me coube 16 ir e resgatar seus restos morl5 tais, crem6-los e sepult6-los no Brasil. Dez anos ap6s sua morte, dela falei em discurso na CAmara dos Deputados, e lembro-me que colhi um aparte do deputado Roberto Freire, um irmSo que a vida me deu de presente. IX A abertura me permitir6 o retorno ostensivo i vida politica. Nio ser6 apenas a defesa dos presos e a articula96o necessariamente sigilosa dela. Naquele momento, se inaugurava uma nova etapa da luta pelo direito. E mais ampla. Essa nova etapa me permitir6 o desempenho que procurei faz€-lo marcante, pela redemocratizagdo do pais, no exercicio do mandato de deputado federal, pelo MDB do Rio de Janeiro, na legislatura de 1979 e 1983. Internamente, na C6mara, desde logo, fui trabalhar na Comissio de Justiga, onde permaneci durante todo,o meu mandato. Devo recordar, tamb6m, que logo no inicio da legislatura, o saudoso deputado Fl6vio Marcilio, presidente da Cimara dos Deputados, constituiu, sob sua presid€ncia, uma Comissdo escolhida entre os advogados da Casa, para propor uma Reforma i Carta de 1969. Fui membro dessa Comissio e seu Relator o eminente deputado C6lio Borja. Creio ter participado de todas as lutas que ent6o se feriram. Tamb6m jri nio era mais o militante politico da UNE, mas o calejado advogado que procurava trabalhar para a redemocratizagdo. No livro que recentemente lancei, o jornalista Elio Gaspari e o professor Geraldo Ataliba fazem referdncia d minha atuagdo parlamentar, que o Autor destas notas embora a elas remeta, ndo as pode reproduzir. No curso do mandato, publiquei alguns livros que d6o o testemunho de minha aplicagSo. l6 x Penhor da Liberdade, registra a ag6o parlamentar nos anos de 1979 e 1980. Dois saudosos amigos e not6veis brasileiros apresentam e prefaciam, respectivamente, o trabalho: o doutor Ulysses Guimardes e o Senador Teotdnio Vilela. Os discursos serSo sempre uma intersegio entre a politica e o direito. Se a questdo democrdtica permeia todos os temas, a anislia, por sua importincia imanente, serS o destaque maior da primeira fase do mandato. Acalento a esperanqa de para ela muito ter colaborado. Teot6nio e o dr. Ulysses tamb6m se referem generosamente ao meu desempenho na CAmara. Foi para mim um momento de grande afirmagSo como advogado, parlamentar e cidadSo. Recebia, mesmo, manifestag6es mtltiplas nesse sentido. Mas um travo amargo me impedia de viver o momento em toda a sua plenitude. E que perdera meu pai no curso da campanha. "E a mem6ria de meu Pai 6 uma saudade doendo". XI E assim que abro meu livro Rude Trabalho, apresta96o de contas dos dois riltimos anos do mandato. Mat6rias sobre. direito eleitoral, liberdade sindical, critica censura, a questio racial e a questdo da mulher, o debate sobre a UNE que renascia em que respondo a Con- i sulta que ent6o me fez a Unido Nacional dos Estudantes "sobre as implicag6es legais do inqu6rito administrativo instaurado contra seu presidente, o estudante Francisco Xavier Alfaya, com base na Lei na 6.815/80, alterada pela Lei no 6.964181". Em nome da lideranga do MDB, na sessio em homenagem ao falecido Deputado Djalma Marinho, dou o meu testemunho sobre aquele grande brasileiro. Tamb6m homenageio Glauber Rocha e Cartola, amigos que morreram. Resistindo bravamente ao cAncer, como bravamente viveu a vida, Teot6nio Vilela fala de sua enfermidade no Senat7 do. Respondo na Cimara manifestando-lhe a solidariedade que n6o ficaria confinada d oposiqdo. Mesmo doente, Teot6nio faz questio de escrever a apresentaqdo do Rude Trahalho: e como s6o bonitas suas palavras. Entretando, dois outros temas pela dimensdo politica deles, por assim dizer, tomardo conta do mandato. A lei de estrangeiros e os atentados politicos. XII Designado Presidente da Comiss6o Mista do Congresso Nacional incumbida de examinar e dar parecer sobre projeto de lei, enviado pelo governo federal, que dava nova redagdo d lei de estrangeiros, e ap6s examinar a mensagem e o anteprojeto, denunciei-o como uma manifestagdo de atraso cultural contra os estrangeiros em geral, e em particular contra mission6rios, comunidades cientificas e refugiados do Cone Sul. (Eram ditaduras militares os governos do Chile, Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolivia.) A lei seria a expressdo do entendimento entre esses governos para combater inimigos comuns. A campanha mobilizou amplos setores da opinido ptiblica. Meu livro Nova Lei de Estrangeiros ott Regimento Interno da Bastilha?, registra pronunciamentos que fiz, al6m de trazer projeto alternativo das oposig6es que redigi com o deputado Roberto Freire. Al6m das apresentaqdes de Paulo Alberto Monteiro de Barros e do poeta Thiago de Mello, meu compadre, e do pref6cio do padre Fernando Bastos D'Avila, o livro mereceu uma belissima capa do saudoso cartunista Henfil. irm6o de Betinho XIII Na seqii€ncia de atentados politicos que manifestaram o inconformismo dos setores militares ligados ao DOICODI com a abertura, muitos brasileiros sofreram atentados e talvez um dos mais graves tenha vitimado dona Lida, l8 secreteria da OAB na gestdo do jurista Eduardo Seabra Fagundes. Bancas de jornal, o Rio Centro (que chamei no mesmo dia de "acidente de trabalho" e n6o de "atentado"), a ABI, nada escapava i sanha dos que persistiam em manter o Pais nas sombras. Fui vitima de dois atentados a bomba em minha casa, em Santa Teresa. O registro dos fatos vai no livro Caddver Barato, um retrato do terrorismo. O livro, prefaciado por Antonio Houaiss e apresentado pelo deputado Roberto Freire, traz Parecer com que respondi i Consulta do Doutor Ulysses Guimardes sobre a mat6ria3. xIv Em 1983 n5o me reelejo. Toda derrota 6 uma esp6cie de morte. Mas segue a vida. O "plano oculto" mais uma vez se revela: vou dar aulas de Direito Constitucional na Faculdade C6ndido Mendes. Dessa 6poca tenho o registro tambEm em livro: O Deus Ferido, cujo titulo homenageia Teotdnio Vilela, enteo j6 falecido. O prefiicio 6 do professor C6sar Guimardes, um dos expoentes intelectuais de minha geragio. Nessa coletdnea de trabalhos. dou testemunho de minha vida priblica e profissional na 6rea do direito; na qual abordo quatro "Temas Constitucionais: l. o pluralismo e a profiss6o do advogado, 2. Parlamentarismo e Presidencialismo, 3. a Informitica e os direitos do cidadio,4. A Constituinte levada a s6rio, e 5. Como foram convocadas as constituintes". No primeiro "tema", participo como comentador do texto do saudoso professor Orlando Gomes sobre a "Constituigeo Econ6mica e Constituig5o Politica na Democracia Pluralista" i X Confer6ncia Nacional da Ordem dos Advogados Brasileiros (2219184). O riltimo ("Como foram convocadas as Constituintes") serS ampliado e servir-me6 de base para um ensaio de que mais adiante falarei. Com a eleigdo do saudoso Doutor Tancredo Neves d Presiddncia da Reptblica, sou convidado pelo Ministro l9 Fernando Lyra, amigo querido e antigo colega na CAmara dos Deputados, para exercer as fungdes de Consultor Juridico em seu gabinete. Interrompo, mais uma vez, minhas atividades docentes. XV Nio era s6 a pesada rotina que a Nova Repirblica esperava do Minist6rio da Justiqa, mas a retirada do que se convencionou chamar de "entulho autoritSrio". Foram muitas as comiss6es criadas no imbito do Minist6rio. Algumas presidi, de outras participei, inclusive como representante do MJ em Comiss6es Inter-Ministeriais. Quero ressaltar apenas duas, entre tantos trabalhos que me foram cominados. Primeiro, 6 que a Lei de Estrangeiros que tanto combatera como Presidente da Comissdo do Congresso a que j6 me referi, seria modificada, quiseram os fados, a partir de uma Comiss6o tdcnica que me coube presidir. Segundo, 6 que ampliando os estudos que j6 fizera com relagio d convocagdo das Constituintes anteriores, fui incumbido pelo Ministro Lyra de redigir uma proposta de convocaqdo que refletisse a posigSo dos setores mais avangados, especialmente aqueles articulados com a Ordem dos Advogados do Brasil. Propunhamos uma Constituinte livre, soberana e exclusiva, como ent6o se dizia. Prevaleceu, contudo, a convocagio de um Congresso Constituinte, f6rmula que se aproximava, em parte, daquela empregada pelo governo Linhares para convocar a de 1945. Em ensaio que posteriormente publiquei com apresentaqdo de Evandro Lins e Silva e Enio Silveira, e pref6cio da Raymundo Faoro, sob o titulo Notas ds Constituigdes, assim resumi a proposta: " A novidade da presente convocagdo em face das ante- riores 6 que ela se dard com o Congresso Nacional em pleno funcionamento. O que 6 apontado como dificul20 dade 6 motivo de regozijo. Antes de ser um complicador, este 6 o fator de solugio. O caminho ideal serri aquele que consiga reunir o Executivo e o Legislativo no processo convocatLrio, al6m do judici6rio. E evidente que a Constituigdo nio haveria de conter dispositivo que previsse sua pr6pria superagdo. Assim, 6 absolutamente impossivel procurar na ordem juridica em vigor o que ela nio possui. A f6rmula a ser encontrada deve ser a mais simples do ponto de vista legislativo e a mais eficaz do ponto de vista politico. Simples projeto de lei de iniciativa do Executivo, submeteria ao Congresso Nacional a outorga de poderes constituintes ilimitados aos representantes do povo, eleitos em 1986, para a Assembl6ia Nacional. O mesmo projeto de lei subordinaria esta outorga a referendo popular, que se daria concomitantemente com as eleig6es de 1986. Nessa f6rmula estar6 sempre presente o Poder Judici6rio. E em tr€s momentos relevantes. Seja a exercitar, na sua forma cldssica. o controle da constitucionalidade das leis, pois a lei convocat6ria e seu referendo estio subordinados i eventual declaragio de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal; seja pelo exercicio de sua compet€ncia na regulamentagf,o da lei eleitoral; seja, finalmente, porque competir6 i justiga eleitoral promover as eleigdes, presidi-las, apurri-las e diplomar os eleitos. Ndo hi que buscar velhos precedentes para impedir o futuro." xvI O chamamento da agao eleitoral me iria colher em pleno trabalho no Minist6rio da Justiga. E o apelo me chega pela chama e pela voz de Jo6o Saldanha. Caberia a ele liderar a chapa das esquerdas i Prefeitura do Rio de Janei2l ro, a primeira eleiqdo para as capitais de Estado ap6s encerrar-se o ciclo ditatorial. Entretanto, sua prec6ria safde n6o the permitiria o comando da campanha. Mas aceitaria ser candidato a vice-prefeito numa chapa por mim encabegada. Desde logo, nossa campanha objetivaria afirmar valores e ndo procurar uma improv6vel vit6ria eleitoral, ou melhor, a vit6ria eleitoral seria exatamente a afirmaqdo de valores. Colocada assim a proposta era irrecus6vet. Corn a catorosa concord0ncia de Fernando Lyra licenciei-me no Minist6rio. A campanha realizou aquilo que prometeu: afirmou a democracia como valor universal e defendeu os direitos da populaqdo por uma vida melhor: mais cidadania, menos humilhaqSo social. XVII Logo ap6s as eleig6es sou convidado por Raphael de Almeida Magalhies para assumir a Consultoria Juridica do Minist6rio de que era titular, a Previddndia Social' Diferentemente do Minist6rio da Justiga, a Consultoria da Previd€ncia ndo poderia ser naturalmente uma atividade fim' Mas o gigantesco Minist6rio era um desafio em qualquer de suas 6reas. A Consultoria n6o faltava trabalho' Mais uma vez me encontro com a anistia. Dessa vez concedendo aposentadoria excepcional aos anistiados, antes subordinados ao sistema previdenci6rio comum. Vergado sob uma asfixiante rotina e uma demanda que a confianqa do talentoso Ministro s6 fazia acrescentar, ndo foi sem um certo alivio que afastei-me para disputar as eleig6es ao Congresso Constituinte. XVIII Apesar de colher uma das maiores votag6es do Estado, meu partido, que recusara coligag6es e tivera recusa de outras que pleiteara, n6o alcangou coeficiente eleitoral para eleger-me. Uma das deformag6es da lei eleitoral, entre tantas, 6 que o voto em branco 6 contado como voto 22 v6lido (primeira deformaqdo) e vai valer para a fixagdo do coeficiente eleitoral (deformagio derivada da primeira) e determinar, afinal, as sobras (deformagio resultante), com o que beneficia os maiores partidos, dai por que foi feita e mantida. Al6m disso, fui sabotado internamente. Partido politico refne do militante mais luminoso ao elemento mais tosco: o encapugado que se esconde atr6s da palavra companheiro. Derrotado, de qualquer forma. xIx No curso da campanha para a prefeitura do Rio (1985), a Philobiblion (a mesma editora que langara "Almogo de Ganso") edita, na coleqSo prosa brasileira, um apanhado de crdnicas sobre a cidade, que eu vinha escrevendo na seqdo Coreto da Praga do Jornal de Bairros (editado por Milton Temer) que O GLOBO ent6o mantinha. Sob o titulo de O Jeito do Rio, o livro vai merecer o pref6cio do saudoso Jo6o Saldanha e a apresentagdo do editor Enio Silveira. Algumas cr6nicas inspiram epis6dios que elas evocaram e eu aproveito no romance que entSo comego a escrever, O Beco das Garrafas, de que ji referi em nota de p6 de p6gina e que brevemente entregarei ao editor, pois pronto j6 est6 de muito. Alteragdes na correlagdo de forgas que sustentava o prefeito Roberto Saturnino Braga, meu velho amigo e de quem fora "concorrente" no pleito que ele vencera, levouo a convidar-me para integrar seu Secretariado, convite que aceitei e que me obrigou a pedir licenga das fung6es de advogado que jri vinha exercendo no sistema BNDES, tema que volta a introduzir a questdo da anistia, que em seguida me ocuparei. N6o sem antes consignar que, independentemente dos azares da fortuna, 6 sempre exemplar trabalhar com um homem de bem. 23 xx Pois volto a um tema que nunca abandonei e que nun- ca me abandonou. Desde a primeira articulagdo no Congresso para fazer dela o centro da luta politica, at6 v€-la votada e aplicada, quanta luta, meu Deus! Nas diversas fung6es priblicas que exerci, sempre dei parecer sobre pedidos de anistia, e ao tempo em que redijo estas notas, embora j6 nomeado Procurador-Geral do CADE, ainda ndo me afastei do INCRA, onde o presidente da Comissio da Anistia 6 o seu Procurador-Geral, fun96o que ainda ocupo. Logo ap6s a votaqdo da anistia, colegas do serviqo juridico do BNDES insistiam comigo para que requeresse anistia. Argumentavam que facilitaria outros pedidos. Meu caso era not6rio, assim como not6rio seria o requerente, e aberto estaria o caminho da recuperaqdo de direitos dos ali atingidos. N5o pude concordar, infelizmente. Seria como se estivesse legistando em causa pr6pria, ponderei. N6o pois a anistia 6 a mais queria confundir a luta generosa generosa das lutas politicas e o inicio de um outro ciclo, o com algum tipo de interesse pessoal. E das liberdades nio a requeri. - Mais tarde, com a promulgagdo da Emenda Constitucional que convocava eleigdes para o Congresso Constituinte, a anistia 6 revigorada e n6o tenho drividas em requerer seus beneficios e ver-me readmitido no BNDES, como se dele ndo tivesse saido, como quer a lei. xxI A anistia faz, mais uma vez, manifestar o "plano oculto". Quando de sua votageo, eu mesmo na lei incluira, com esse admir6vel legislador que 6 o senador Nelson Carneiro, a emenda que conferia anistia aos estudantes. Francamente, n6o pensava na interrupgdo do meu doutorado. Tinha presente expulsio de contemporineos do movimento estudantil e mesmo o caso de dois alunos meus da CAndido 24 Mendes, que foram incursos no Decreto 477 e n6o mais retornaram i graduag6o. Como contei antes, Seg6o V, a repressdo fez-me insuport6vel a vida na Faculdade, quer recebendo; quer dando classes. Com a anistia das disposig6es transit6rias da Constituigio em vigor, requeri seus beneficios e apresentei tese i Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Meu requerimento est5 em curso e eu tenho inabal6vel certeza juridica que o seu caminho 6 o deferimento pleno. XXII Antes mesmo de findar o mandato do prefeito Saturnino Braga, volto ao contencioso do BNDES e ao meu escrit6rio de advocacia, do qual pouco falei e onde muito mourejei. Dessa 6poca at6 as eleig6es de 1990, produzi muitos pareceres, comunicagdes a congressos e confer6ncias, al6m de trabalhos publicados em jornais, revistas e livros; destes falarei adiante. XXIII Na passagem do ano para 1989, a trag€dia do Bateau Mouche a todos comoveu. Epis6dio em que a ganincia e a irresponsabilidade disputavam o cetro da "banalidade do mal". Dias depois da trag6dia, sou procurado em meu escrit6rio de advocacia por um antigo e brilhante aluno, o advogado JoSo Tancredo, que se especializara em responsabilidade civil e que tinha, a seu cargo, a defesa das familias das vitimas. O processo iria se desenrolar na justiga criminal comum e na auditoria da Marinha, e precisava-se de um advogado com experi€ncia em ambas. ("Embora afastado de ambas?" perguntei aos meus bot6es). Da Correiqdo Parcial que impetrei junto ao Superior Tribunal Militar para corrigir as imperfeig6es e os desvios corporativistas do processo na Auditoria de Marinha, e que ndo foi provida, resultou o livro Bateau-Mouche: O Nau25 frdgio do Pr.oc'esso. Esse livro tem um significado especial para mim. E que volto ao foro militar como acusador de oficiais que, encobertos, ndo foram alcangados por um IPM mistificador. Eu que tantas e tantas e tantas vezes ali comparecera para defender os presos da ditadura militar e coincidentemente na auditoria em que tramitou o processo da UNE. Al6m de outra profunda significagSo: a apresentaqdo do livro foi feita pelo extraordiniirio jurista Miguel Seabra Fagundes, que o Brasil acaba de perder neste ano de 1993. Na Auditoria Militar da Policia Estadual. esta excresc€ncia da ditadura militar que a avangada Constituigdo em vigor nio se sabe por que manteve, acuso os policiais militares respons6veis pela chamada "Chacina na Serra", crime hediondo que abalou a cidade de Friburgo, onde estudei, menino ainda, no Col6gio Nova Friburgo da Fundagdo Getf lio Vargas. Devia d cidade esse patrocinio. Dele resultou um memorial que publiquei com o nome com que o crime ficou conhecido. XXIV Trabalho mais de folego e que define meu caminho no estudo do direito serh Representagdo & Constituigdo que a Timbre publica, em 1990. A nog5o de representagdo politica, seu surgimento e significaqSo, ir6o dar a partida, por assim dizer, ao livro que o editor ontem me entregou: "A Constituiqdo da Histdria, Origem & Reforma ". Os outros capitulos de "Representagdo ..." abordam "o voto distrital", "a medida provis6ria, " e um ensaio sobre o "parlamentarismo " do qual uma separata ter6 vida propria, prefaciada pelo professor Waldir Pires, antigo Consultor Geral da Repriblica, ex-governador da Bahia e hoje deputado federal por seu Estado. 26 xxv De ent6o, minha pesquisa toma o rumo do direito comparado e nele descubro riquezas insuspeitas para mim. Rogo que a Egr6gia Banca aceite examinar a obra que entrego com este Memorial. O livro 6 apresentado pelo professor Geraldo Ataliba e prefaciado pelo professor Paulo Bonavides, expoentes do mundo juridico brasileiro e com muito acatamento na doutrina estrangeira. A "orelha" e redigida pelo not6vel jornalista Elio Gaspafi. Na quarta de capa, tamb6m comentam a obra os professores Carlos Nelson Coutinho, C6sar Guimardes e Leandro Konder, al6m do historiador Nelson Werneck Sod16. Como o Memorial tem vida autdnoma, a Egrbgia Banca por certo conceder6 que eu aqui reproduza a Introdug6o (que chamei Necess6ria) ao metJ "A Constituigdo na Histiria, Origem & Reforma"(...) xxvl A tese que submeto d Egrdgia Banca, metodologicamente dividida em duas partes: A Constituigdo e o Direito anterior. O Fen6meno da Recepgdo , a primeira parte que vai se desdobrar no Impeachment do Presidente, um Estudo de Caso, na sua segunda parte, procura se valer da hist6ria do direito e do direito comparado. O tema 6 trabalhado a partir de advertdncia que colhi em Kelsen e que procurei desenvolver, aproveitando suas potencialidades ao m6ximo, at6 alcanqar o exame do caso, finalmente. Como disse o historiador Nelson Werneck Sodr6 no coment6rio que enviou i editora Revan sobre o meu "Constituigdo na Hi.stdria... ". "O mais importante, neste trabalho, 6 o esforgo gigantesco para inserir as normas juridicas, a cada caso, no contexto hist6rico, fora do qual elas se tornam, tratadas apenas como t6cnica, frias e mortas (...)". Ndo podia expressar melhor minha perspectiva de trabalho do que dela captou o insigne general. 27 O "plano obscuro" poder6 ent5o ganhar vida plena. Ensinando e aprendendo. XXVII De minha atividade profissional, tenho que registrar que exergo ainda as fungdes de Procurador-Geral do INCRA, lamentando que a Constituigeo e as leis que regulamentaram a reforma agriria sejam mais regressivas, nio falo da liberdade do movimento, que as leis do regime militar. Mensagem do Presidente da Repriblica para exercer as funq6es de Procurador-Geral do CADE, submeteu-me a argtiiqSo em ComissSo Permanente do Senado, onde fui aprovado por unanimidade e, em seguida, referendado pelo Plen6rio sem nenhum voto contra. O Di6rio Oficial do dia 28 de outubro traz a minha nomeagSo pelo Presidente da Repirblica, tudo em obediOncia ao Par6grafo Unico do Art. 14, da lei n. 8.158, de 8 de janeiro de 1991. A Constituiqdo reserva a brasileiros com "notdvel jur[dico" saber as funq6es de juizes nos Tribunais Superiores, exclusive o do Trabalho. Os ministros civis do Superior Tribunal Militar serio escolhidos entre advogados de "not|rio saber.jurldico" (CF, Art. 123, I). Pela Constituigdo, cabe ao Senado Federal "aprovar previamente, por voto secreto, ap6s argiiigdo pirblica a escolha de: a) magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituigeo ... f) titulares de outros cargos que a lei determinar" (Art. 52, lll, CF). Esta letra (0 6 que enquadra as funq6es de Procurador-Geral do CADE que terei a honra de exercer. XXVIII Sem permitir-me o desprop6sito de emular com o not6vel Cl6vis Bevil6qua, creio que estaria a salvo da critica que a ele dirigiu Pontes de Miranda6 quando reprovou o que teria, a seu juizo, prejudicado o C6digo Civil, embora sem compromet€-lo: "um excesso de boa f6, que lhe 2E adv6m de n6o haver advogado, nem ter sido juiz, mas somente professor". Ndo tenho condig6es de avaliar se Mestre Pontes tinha razdo ou se a prefer6ncia por Teixeira de Freitas toldava a sua avaliagio. De mim, pretendo trazer para a vida universitSria as duras lides da vida. Marcello Cerqueira, Santa Teresa,8 de novembro de 1993 Notas l. Almogo de Ganso 6 apresentado por um grande brasileiro, o editor Enio Silveira. lria mais al6m a experiOncia do jovem rep6rter. Plantonista de jornal na delegacia da Hil6rio de Gouveia, era inevit6vel o contato corn a bo0mia da 6poca, especialmente o "Beco das Garrafas", onde tantos cantores se langaram e se apresentavam, como a cantora Dolores Durin, de particular afeiqio do jovem rep6rter. 2. Tamb6nr tenho notas desta 6poca, Fragmentos do "Metropolitano", a coleqdo completa da revista "Movimento", al6m de alguns "salvados" da UNE, como notas oficiais por mim redigidas em dias que antecederam ao golpc e que sdo um primor de radicalismo. Nio renego meu passado, antes tcnho cnorme orgulho dele. Mas creio que a avaliaqio daqucles tempos ajudou-nre a compreender a politica e, quem sabe, influir na corrcado do rumo das forgas de esquerda depois do golpe atd a redemocratizag6o. A dcmocracia, desde entio, muitos de n6s entcn- diamos como o artigo not6vel de Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, que expressa tio bcm a democracia como valor central, inafastdvcl e pcrmancnte da aqio politica. Sobre os acontecimentos politicos quc antcccdcram ao golpc de | 964, concedi entrevista a D€nis ("A esqucrda e o golpc de 1964", Editora Espaqo e Tempo, 1989). Desse periodo, devo aos meus leitores o riltimo livro da trilogia do cicfo de romance que se abre com o Alnogo de Ganso, segue com Beco das Gurral'as c sc l'ccha c<tm l/inte anos ndo i nada. 3. Vianinha faleccu j6 faz tempo. Batistinha, recent€mente, foi assassinado em sua casa. Um crime birbaro que nio conseguimos entender seu m6vel. Jos6 Serra e deputado lcdcral por 56o Paulo e lider do PSDB. de Moracs 29 Jacob Kligermam, padrinho de minha flilha mais velha, € um respeitado cirurgiio c atualmente dirige, com enorme €xito, o llospital do Cdncer. As pcrsonalidadcs refcridas no trecho citado estao todas mortas. 4. Na "orclha" com quc brinda o meu "A Constituigdo na Histiria", o bravo jornalista 6lio Gaspari lembra o epis6dio da prisdo que Fleury impds a Aldo Arantes. mas ndo lhe cita o nome. 5. "lnstauraqio dc inqudrito policial-militar (lPM) para apuragdo de crime previsto na Lei de Seguranqa Nacional. Intelig€ncia do art. ne 54 $ 3', incs. l, ll e lll da Lei no 6.628178. Conceito de militar em servigo. Efeitos do erro de cxecuqdo (art.37 do C6digo Penal Militar). lmpro.priedade da instauraqio. Compet€ncia da Politcia Federal" (Enenta da Consulta do doutor Ulysses, sobre o "acidente de trabalho" do RIOCENTRO, em 9 de junho de l98l). 6. Pontes de Miranda, Fontes e Evolugdo do Direito Civil Brasileiro, Forense, Rio de Janeiro, 2a ed., I 98 | , p|g. 87. 30 neiro. 1993. Literatura: "ALMOCO DE GANSO" (roman- Obras do Autor ce), Philobiblion Livros Por esta Editora: "A CONSTITUICAO NA HtsToRln. oRl(il:M & Rl:F'oRMA"( l list6ria Constitucional. [)ireito Comparado, novembro de 1993,440 pigs.) "tlECO DAS GARRn FAS: UMA LttMBRAN- de Arte. Rio de Janeiro. 1985; "O JEITO DO RIO" (crdnicas da cidade do Rio de Janeiro), Philobiblion Livros de Arte , Rio de Janeiro, 1985. No estrangeiro: "ABAIXO A PICHA- CA (romancc, no prelo). CAO", in "Cr6nicas Brasileiras", Por outras Editoras: sity Press of Florida, Fl6rida, | 994 (Antologia) Tese: "A University of Florida Center for Latin American Studies, Univer- "NOVA LIrl Dl: ITSTRANCEtROS", PLG Editora, Rio de Janeiro, l9tll; "PENll()R DA LlBERDADE". CPCD, Brasilia, I98I: "CADAVEN BARATO", Editora Pallas, Rio de Janeiro, 1982: "RU DE TRA tIALHO", CPCD, Brasilia, l98l; "0 DEUS FERlD()", Brasilia, [:ditora Esco- po, 1986; "RI':PRt.S1TNTACAO & CONSTITU lqAO", Ilditora Timbre. Rio de Janeiro, 1990; "BATEAU MOUCHE: O NAUFRAGIO DO PROCESSO", EditOrA Timbre, 1990 Ensaios: "NOTAS A CONSTITUICAO BRASILEIRA. CoMO F'ORN M CONVOCADAS AS CoNSTITUINTIIS", Rio de Janciro. l9lt6: "SISTITMA I)u GOVIIRNO: PRIISI Dl:NCIALIS- MO OU PARLAMIINTARlSMO". Rio dc Janeiro, | 990: "CttAClNA NA SllRRA", Rio de Janeiro, I S90: "RliF()RMA coNSTITUCIONAL COM QUORUM RIiI)UZtI)O (i (iOLPE DF, ESTADO", Rio de Janeiro, 1992; ..REVISAO E COLPD DE ESTA- DO" Rio dc Janciro. 1992, 'QUIM NA() SAI]1, RIZAR XINCA A DEUS", Rio de Ja- CoNSTTTUICAO g O DIREITO ANTERIOR. O FENOMENO DA RECEPCAO. O IMPEACHMENT DO PRESIDENTE DA REPUBLI- CA: UM ESTUDO DE CASO". (Trabalho com que foi aprovado em Concurso Pfblico de Provas e Titulos para Professor de Teoria do Direito e Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense.) Em preParo: "A CONSTITUICAO NA HISTOORIGEM & REFORMA'', Editora Revan, Segunda Edigdo Revista e A mpli ada ; "REFORMA DO JUDICIARIO CONTROLE EXTERNO DA MAGISTRATU. RA: DE VOLTA A() Pn SSADO" RIA. (tese); .VINTE ANOS NAO E NADA" (romance); "SOU LOUCO POR TI CRAJAU!" (crOnicas): ..NITEROI: CRONICAS DE UMA PAIXAO" (cronicas); ..HEMINGWAY E OS ANOS LOUCOS" (ensaio); "MARQU ES REBELO: A CHAVE DO ROMANCE" (ensaio); "HISTORIA E AUTORITARISMO NO DIRI;ITO BRASILEIRO" (hist6ria cons- titucional).