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ESPAÇOS DA MEDIAÇÃO:
A ARTE E SEUS PÚBLICOS
Universidade de São Paulo
Museu de Arte Contemporânea
Programa de Pós-Graduação Interunidades em
Estética e História da Arte
ESPAÇOS DA MEDIAÇÃO:
A ARTE E SEUS PÚBLICOS
Organização
Carmen S. G. Aranha
Katia Canton
São Paulo
2013
© 2013 – Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da
Arte/Universidade de São Paulo
Rua da Praça do Relógio, 109 A
05508-050 – Cidade Universitária – São Paulo/SP – Brasil
Tel./Fax: (11) 3091.3327
e-mail: [email protected]
Depósito Legal – Biblioteca Nacional
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Lourival Gomes Machado
do Museu de Arte Contemporânea da USP
Simpósio Internacional Estratégias do Ensino da Arte
Contemporânea em Museus e Instituições Culturais (2., 2013,
São Paulo.)
Espaços da mediação : a arte e seus públicos / organização
Carmen S.G. Aranha, Kátia Canton. São Paulo : Museu de
Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2013.
XX p. ; il.
ISBN 978-85-7229-059-3
1. Arte-educação. 2. História da Arte. 3. Estética (Arte).
I. Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação
em Estética e História de Arte. II. Aranha, Carmen S.G. III.
Canton, Kátia.
CDD – 700.7
Capa: Leon Ferrari, Autopista do Sul, 1982.
Heliografia s/ papel. Acervo MAC USP.
A presente documentação é um desdobramento do II Simpósio Internacional
“Estratégias do Ensino da Arte Contemporânea em Museus e Instituições
Culturais” – Espaços da Mediação: A Arte e seus Públicos, realizado nos dias 5,
6, 7 e 8 de novembro de 2013 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade
de São Paulo, organizado pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em
Estética e História de Arte / Universidade de São Paulo.
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II Simpósio Internacional
“Estratégias do Ensino da Arte Contemporânea em Museus e Instituições Culturais”
Espaços da Mediação: A Arte e seus Públicos
Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte – PGEHA
Comitê Científico
Jacques Lenhardt
Sylvia Valdés
Lisbeth Rebollo Gonçalves
Katia Canton
Carmen Aranha
Ana Paula Cattai Pismel
Guilherme Weffort Rodolfo
Comissão Geral do Simpósio
Águida Furtado Vieira Mantegna
Ana Paula Cattai Pismel
Andréa Amaral
Andréa Pacheco
Carmen Aranha
Evandro Nicolau
Guilherme Weffort Rodolfo
Joana D’Arc Figueiredo
Katia Canton
Paulo Cesar Lisbôa Marquezini
Sara Vieira Valbon
Revisão:
Divulgação:
Projeto Gráfico:
Diagramação da Capa:
Diagramação:
Produção Editorial
Organização:
André Henriques Fernandes Oliveira e
Paulo Cesar Lisbôa Marquezini
Sérgio Miranda e
Guilherme Weffort Rodolfo (PGEHA)
Elaine Maziero
Roseli Guimarães
Paulo Cesar Lisbôa Marquezini e
Tarlei E. de Oliveira
Águida Furtado Vieira Mantegna e
Paulo Cesar Lisbôa Marquezini
Carmen S. G. Aranha e
Katia Canton
Apoio
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Ensino Superior – CAPES
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP
Museu de Arte Contemporânea – MAC USP
Pró-Reitoria de Pós-Graduação – USP
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Sumário
Apresentação ........................................................................... 11
TADEU CHIARELLI
Introdução ............................................................................... 13
CARMEN S. G. ARANHA e KATIA CANTON
Departamentos de educação em museus .................................. 19
MARIA JOÃO RODRIGUES DE ARAÚJO
Public art as evidence of our culture ........................................ 39
JACK BECKER
Project “Rudolf Laban: Visual Art and Dance” ....................... 57
JEAN KIRSTEN e SABINE FICHTER
Where the Public (St)art: Public Art and the role of
the audience ........................................................................ 63
HANNES NEUBAUER
O museu de arte como o lugar da educação: memória,
imaginação e pensamento ................................................... 77
CARMEN S. G. ARANHA e EVANDRO NICOLAU
Deslocamentos de um viajante ................................................. 89
STELA BARBIERI
O Meu, o vosso e o nosso sonho ............................................. 95
ANA AMÁLIA TAVARES BASTOS BARBOSA
8
|
Famílias no museu de arte e formação de hábitos
culturais de crianças e adolescentes ................................... 123
ANDREA ALEXANDRA DO AMARAL SILVA E BIELLA
Temas da arte contemporânea e Mundo de artista:
a narrativa como método para o ensino da arte ................ 135
KATIA CANTON
A formação de educadores como mediadores culturais .......... 151
REJANE GALVÃO COUTINHO
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu .......... 167
MARIA ANGELA SERRI FRANCOIO
O museu como lugar de formação ......................................... 199
ROSA IAVELBERG
Teoria e história da metaescritura: uma proposição para
criação artística na era digital ........................................... 217
ARTUR MATUCK
A arte contemporânea no acervo do MAC USP ..................... 233
SILVIA MEIRA
Arte para o Brasil .................................................................. 253
MÔNICA NADOR
Coleção Arte à primeira vista: um projeto editorial para a
formação em artes ............................................................. 259
RENATA SANT’ANNA e VALQUÍRIA PRATES
Estruturação do Self de Lygia Clark: território ambíguo ....... 277
EDUARDO AUGUSTO ALVES DE ALMEIDA e
ELIANE DIAS DE CASTRO
Espaços expositivos e mediação: Experiências possíveis ........ 291
CAROLINE MOREIRA BACURAU e JANEDALVA PONTES GONDIM
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As manifestações ambientais de Hélio Oiticica e a
Fenomenologia: referências para a interdisciplinaridade
em museus e espaços culturais ........................................... 303
LUCIANA PASQUALUCCI
Preservação e a mediação da ação institucionalizada ............ 315
ANTONIO DE PADUA RODRIGUES e ARTHUR HUNOLD LARA
Espaços públicos urbanos como cenários artísticos:
arte como resistência ......................................................... 329
EVERTON NAZARETH ROSSETE JUNIOR e NELSON POPINI VAZ
A difusão da arte na era dos museus virtuais ......................... 339
HELOISA PINTO URURAHY
Universidade de São Paulo – USP – MAC – PGEHA ............. 351
Índice de Autores ................................................................... 357
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Apresentação
TADEU CHIARELLI*
No ano de seu 50º aniversário, e em plena ocupação de sua
nova sede, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de
São Paulo prossegue em sua meta de consolidar-se como um espaço
universitário, voltado para a pesquisa e a extroversão de seu acervo
tão significativo.
Dentro dessa atividade, projetar e levar a público a segunda
edição do Simpósio Internacional “Estratégias do Ensino da Arte
Contemporânea em Museus e Instituições Culturais” é certificar
que o MAC USP está no caminho correto, no sentido de
potencializar o debate acadêmico para a esfera coletiva.
O Museu agradece a todos que colaboraram para o sucesso
desta publicação que reúne os textos das conferências, palestras e
debates ali ocorridos.
* Diretor MAC-USP
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Introdução
CARMEN S. G. ARANHA
KATIA CANTON
O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
(MAC USP) possui um dos mais importantes acervos artísticos da
América Latina. Entretanto, para além do valor de sua coleção,
coloca-se como um museu universitário e, portanto, como um lugar
privilegiado de pesquisa e experimentação. Sendo assim, o MAC
USP é um espaço propício às questões que nutrem o debate sobre
os sentidos da educação da arte contemporânea.
Neste ano de 2013, temos o prazer de sediar e coordenar a
segunda edição do Simpósio Internacional “Estratégias do Ensino
da Arte Contemporânea em Museus e Instituições Culturais” –
Espaços da Mediação: A Arte e seus Públicos, que tem como
característica fundamental o debate sobre arte e educação contemporâneas, iniciado na primeira edição. Por outro lado, este novo
Simpósio traz outro enfoque às discussões, que estão ligadas às especificidades dos desenvolvimentos trazidos pelo próprio campo de
pesquisa, assim como à nova realidade museológica do MAC USP.
Na primeira edição, realizada em 2011, apresentamos reflexões
sobre conceitos e estratégias vigentes nos diversos museus e espaços
culturais da cidade de São Paulo. Assim, estiveram representados
aqui os Serviços Educativos da Pinacoteca do Estado de São Paulo,
do Museu de Arte de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da
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Carmen S. G. Aranha e Katia Canton
Universidade de São Paulo, ITAÚ Cultural, Fundação Bienal de São
Paulo, Paço das Artes e Museu de Arte Moderna de São Paulo. Dois
convidados internacionais mostraram o que estava sendo realizado
na área, na Inglaterra e nos Estados Unidos, por meio da apresentação de projetos específicos de coordenação dos palestrantes.
De fato, após o primeiro seminário, a discussão sobre “mediação da arte nos espaços dos museus e das instituições culturais”
ganhou novos contornos. O próprio MAC USP possui, agora, um
espaço de 13.000 metros quadrados, multiplicando em dez vezes o
tamanho de sua sede na Cidade Universitária. Lá, a equipe da
Divisão de Educação recebe diariamente a comunidade em geral e
o público escolar, tanto do ensino formal quanto do informal, além
de universitários, professores, coordenadores e pesquisadores em
arte.
Pensando nisso, o II Simpósio Internacional “Estratégias do
Ensino da Arte Contemporânea em Museus e Instituições Culturais” – Espaços da Mediação: A Arte e seus Públicos se dirige fundamentalmente às discussões em torno do visitante, do espectador
da obra de arte, principalmente, uma vez que muito se diz da importância do público visitante do museu, da necessidade de cooptá-lo
e proporcionar-lhe o acesso ao patrimônio cultural. No entanto, é
preciso dar as ferramentas necessárias para que esse mesmo público
aproxime-se da obra de arte, crie uma relação vivencial com tal
horizonte de significados. E que ferramentas são essas?
Quando falamos em arte, falamos, antes de tudo, de uma
faculdade intrínseca ao ser humano que é a da fruição estética: há
uma potencialidade da criação simbólica que ativa a emoção, a memória e a imaginação. Além disso, as novas propostas metodológicas, no campo da educação da arte em museus e instituições
culturais, abarcam formas de ativação do espectador como um
cocriador da interpretação artística. Acrescenta-se a isso que deve-
Introdução
| 15
mos compreender a obra de arte como um recorte da cultura e,
portanto, como possibilidade de conhecimento que se constrói,
também, na apreensão dos seus códigos próprios. Nossa principal
intenção, desse modo, é colocar o espectador no centro do debate
como um ser autônomo e plenamente equipado de relacionar-se
com o objeto artístico.
O MAC USP procura, atualmente, propor algumas ideias para
a construção de um pensar criador a ser oferecido aos processos
da educação em museus e instituições de arte contemporânea. Estas
linhas de pensamento também nortearam o II Simpósio Internacional “Estratégias do Ensino da Arte Contemporânea em Museus
e Instituições Culturais” – Espaços da Mediação: A Arte e seus
Públicos. As mesas, palestras e oficinas do evento objetivam refletir
um pensar sobre a pesquisa em arte, educação e cultura
contemporânea como resultado de múltiplas formas que as
atualizem em seus diálogos com o mundo atual.
Nessa edição, o Simpósio conta com a participação dos educadores do MAC USP como Andrea Amaral Biella, Evandro Carlos
Nicolau, Maria Angela Serri Francoio, Renata Sant’Anna, Silvia
Miranda Meira e Sylvio Coutinho, que foram convidados a apresentar seus trabalhos desenvolvidos dentro da instituição.
Lembramos aqui que a Divisão Técnico-Científica de Educação e
Arte do Museu de Arte Contemporânea da USP, coordenada por
Evandro Carlos Nicolau, tem uma longa tradição na constituição
do pensamento e de metodologias do ensino da arte em museus,
onde as ações educativas estão presentes desde 1963, quando da
fundação do Museu. Andrea Amaral e Maria Angela Francoio apresentam programas desenvolvidos para crianças junto as suas
famílias e escolas. Renata Sant’Anna e Valquíria Prates mostram
como se pode pensar a mediação entre o museu e o livro de arte.
Silvia Meira apresenta reflexões sobre a arte contemporânea
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|
Carmen S. G. Aranha e Katia Canton
aplicada aos programas de graduação de universidades paulistas e
Silvio Coutinho oferece workshop sobre o papel da tecnologia aplicada à educação no Museu de Arte Contemporânea.
Além dos membros internos, o conjunto de mesas, palestras e
workshops do evento foram pensados no sentido de apresentar os
vários lugares da educação artística contemporânea e suas múltiplas
possibilidades e formas que tomam nos espaços nos quais a mediação acontece.
Para tanto, convidamos pesquisadores da área, artistas e educadores que tratam dos diversos públicos de arte, como é o caso de
Ana Amália Barbosa, que congrega experiências com crianças e
jovens especiais. Sua palestra “Além do corpo: uma experiência
em arte-educação” abrirá as discussões e será apresentada como
pesquisa realizada levando-se em conta outros públicos de museus
e instituições culturais.
Outras palestrantes nacionais, destacadas no II Simpósio, são:
Rosa Iavelberg, ex-diretora do setor educativo do Centro Cultural
Maria Antonia da Universidade de São Paulo (2006-2010) – neste
período, ela desenvolveu a pesquisa O desenho da criança e do
jovem como aprendizagem e cultura; Rejane Coutinho, professora
do Instituto de Artes da UNESP e, atualmente, coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Artes, desenvolve a pesquisa A
formação de educadores e a mediação cultural; Mirian Celeste, exprofessora do Instituto de Artes da UNESP e coautora de Teoria e
Prática do Ensino da Arte, publicação que faz parte do Programa
Nacional Biblioteca da Escola-Professor do Ministério da Educação; Stella Barbieri, diretora da Ação Educativa do Instituto Tomie
Ohtake, desde 2002, e curadora do Educativo da Fundação Bienal
de São Paulo, desde sua 29ª edição.
As quatro pesquisadoras convidadas representam parcela importante do pensamento atual sobre a educação artística brasileira
Introdução
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e, certamente, suas palestras trarão contribuição significativa para
a discussão que objetivamos realizar.
Além das professoras citadas, a artista Mônica Nador estará
junto ao convidado internacional Hannes Neubauer, mostrando a
construção de outro lugar da arte: o JAMAC – Jardim Miriam Arte
Clube –, ONG fundada pela artista que abarca uma metodologia
educacional artística que já dura 9 anos, e o projeto Participatory
artworks and the role of the audience, do professor Neubeuer.
Entre os palestrantes internacionais, Hannes Neubauer desenvolve projetos em Arte Pública propondo a construção de um saber
artístico que pode ser usufruído em todas as comunidades. Jack
Becker, convidado a compor parte do livro do conteúdo do evento,
é artista-escultor e desenvolve, há 10 anos, projetos temporários
que se voltam para a organização de uma metodologia de mediações
educativas e documentação, que permite a manutenção e sobrevivência desses projetos e é editor da revista Public Art Review, fundada em 1989.
Já a professora Maria João Rodrigues de Araujo é pesquisadora
associada da Faculdade de Música da Universidade de Oxford,
Reino Unido, e Consultora para a Área da Educação do Museu de
Arte Contemporânea da Universidade de Navarra, Espanha. A
palestra a ser proferida pela pesquisadora, Expandindo-se: arte
educação e qualidade de vida no museu e fora dele e a instituição
cultural, objetiva mostrar que parcerias entre a universidade e instituições culturais promovem a transferência de conhecimento entre
a pesquisa feita na academia e os programas de atividades dos
departamentos de educação. Assim, museus, instituições culturais
e centros de artes, por meio de um programa educacional especial,
podem desenvolver a percepção pública para essas formas de arte
em meio às pessoas de todas as idades e históricos de vida.
A palestra seguida de performance dos artistas alemães Jean
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Carmen S. G. Aranha e Katia Canton
Kirsten e Sabine Fichter encerram os trabalhos do II Simpósio
Internacional “Estratégias do Ensino da Arte Contemporânea em
Museus e Instituições Culturais” – Espaços da Mediação: A Arte e
seus Públicos apresentando os estudos que desenvolvem em relação
às proposições de Rudolf Laban.
Acreditamos que as palestras, mesas-redondas e oficinas, assim
como os textos que ficarão registrados no nosso livro, serão de
grande contribuição para o enriquecimento do debate sobre arte e
educação contemporâneas, dentro e fora do âmbito acadêmico.
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Departamentos de educação em museus
MARIA JOÃO RODRIGUES DE ARAÚJO*
Este ensaio se insere num projeto de investigação em curso
sobre Arte e Educação em instituições culturais. Pretende ser um
texto informativo sobre o funcionamento de quatro departamentos
de educação em Museus de Arte Contemporânea no que se refere
à organização da equipe educativa e à planificação das diferentes
atividades. Os museus em análise são: Museu de Serralves (Porto),
Tate Gallery (Londres), Serpentine Gallery (Londres) e MUDAM
(Luxemburgo). Após uma breve análise de cada museu, apresento
quadros comparativos entre as quatro instituições como sumário
da informação exposta. O material usado neste ensaio advém de
entrevistas pessoais com o responsável dos museus ou com o respon-
* É bacharel em Música pela King’s College, Universidade de Londres, Reino
Unido; possui Licenciatura em Musicologia pela Universidade Nova de Lisboa,
Portugal e Doutorado em Música pela Universidade de Oxford, Reino Unido.
Foi diretora de Educação e Pesquisa na Casa da Música, Porto, Portugal, membro
da Comissão Diretiva do RESEO (Rede Europeia para Educação em Dança e
Ópera), Bruxelas e professora visitante na ESMAE, Porto, Portugal. Como
diretora de Pesquisa, coordenou a publicação de vários livros e partituras. Seus
textos sobre Wagner incluem “A Recepção de Wagner em Portugal”, “A Recepção
de ‘Tristão e Isolda’ na Cultura Musical” (Lisboa, 2003). Senior Researcher na
Faculdade de Música da Universidade de Oxford e responsável pela área educativa
do Museu Universidade de Navarra.
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Maria João Rodrigues de Araújo
sável pelo departamento de educação, assim como da minha observação pessoal junto das entidades aqui em causa.
Museu de Serralves, Porto
O Museu de Serralves foi fundado em 1996, na cidade do Porto,
sendo a autoria do edifício da responsabilidade do arquiteto Siza
Vieira. Insere-se num parque de 18 hectares pelo que os seus serviços
educativos também abrangem as áreas da energia e o ambiente.
Tem um público anual de 440.000 visitantes por ano, sendo que
140.000 participam em atividades educativas. O Museu organiza
dois grandes eventos anuais: a Festa de Outono, em outubro, e a
Serralves em Festa, em junho, com cerca de 25.000 participantes
em cada edição.
O Serviço Educativo propõe diferentes modos de aprofundar
o contato com o patrimônio de Serralves, na perspectiva de uma
relação cada vez mais cúmplice e dinâmica. Esta ação assenta em
estratégias pedagogicamente orientadas, de longo prazo, que
valorizam processos e parcerias, potencializam o cruzamento de
referências transversais, procurando incentivar o conhecimento e
o gosto pela fruição dos espaços culturais. Sendo o Museu um elo
privilegiado de ligação com a comunidade, pretende-se que o encontro com as obras de arte seja inspirador, valorize a diversidade de
pontos de vista e de interpretações, para uma apreensão crítica e
criativa da cultura contemporânea. Na área do Ambiente, privilegiase a formação de cidadãos conhecedores e intervenientes, de modo
a contribuir para alterar comportamentos, no sentido de uma cidadania ativa, participada e responsável.
O Museu de Serralves possui uma equipe educativa com formação profissional e acadêmica em diferentes áreas disciplinares (artes
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Departamentos de educação em museus
visuais, história da arte, sociologia, arquitetura, biologia, engenharia, entre outras). No organograma geral da instituição, o coordenador do Serviço de Educação reporta ao Diretor do Museu.
Diretor Geral
Diretor do
Museu
Outras direções
Coordenador
dos Serviços
Educativos Arte
A equipe educativa de Serralves fixa é constituída por seis pessoas que se organizam pelas seguintes tarefas:
2
Coordenador
(Arte e
Ambiente)
Marcações
Produção
Produção/Comunicação
Produção/Comunicação
Para além desta equipe fixa, a equipe educativa inclui trinta
educadores que não fazem parte da equipe permanente do museu
e que são pagos por cada hora de trabalho. No início de cada temporada, estes animadores recebem uma ‘open call’ para apresentar
22
|
Maria João Rodrigues de Araújo
as suas propostas de projetos que são depois analisadas pela equipe
permanente. Esta equipe de educadores recebe formação regular
que é dada por uma consultora do Museu. Assim, a equipe educativa
do Museu, incluindo o staff temporário, é constituída por 39 pessoas e outros consultores adicionais.
2 Coordenadores
30 educadores
Marcações
Produção
Produção /
Comunicação
Consultores externos
(publicações, etc)
Produção /
Comunicação
Consultor
(escolas e
professores)
Investigador
Atividades educativas em Serralves
As atividades do serviço educativo estão divididas pelas seguintes áreas: Escolas; Adultos; Necessidades Especiais; Crianças/Jovens/
Famílias; Projetos e Parcerias; Publicações.
Em relação às escolas, o Museu pretende criar relações de
cooperação com vista a:
• Estimular o desenvolvimento de projetos e parcerias criativas;
• Identificar potencialidades pedagógicas na articulação das propostas com os conteúdos programáticos;
• Utilizar os espaços de Serralves para a orientação de atividades
organizadas pelos próprios professores;
• Analisar e refletir em conjunto sobre o decorrer das atividades
realizadas;
• Debater perspectivas e possibilidades de futuras colaborações.
Departamentos de educação em museus
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As atividades desenvolvidas com a comunidade escolar têm
como referência os seguintes princípios orientadores:
• A valorização da identidade e da diversidade cultural;
• A valorização de diferentes formas de conhecimento e expressão;
• O desenvolvimento da curiosidade, do gosto pelo saber, do
sentido crítico;
• A valorização das dimensões relacionais da aprendizagem;
• A valorização do experimentalismo e da criatividade.
As atividades para escolas incluem: Visitas (exposições, arquitetura e parque), Visitas-Workshops (museu, arquitetura e parque),
Workshops de Arte, Workshops de Ambiente, Projeto Anual, Semanas da Ciência em Serralves, Semana da Energia e Biodiversidade,
Festa do Ambiente.
As atividades para crianças e famílias incluem Atividades de
Fins de Semana, Férias Escolares (4 aos 12 anos), Comemorações
Especiais tais como Festa de Outono e Natal em Serralves.
As atividades para Jovens e Adultos incluem visitas, cursos,
seminários e debates. Nestas sessões, investigadores, curadores e
artistas dialogam com o público numa discussão crítica em torno
das artes visuais e da cultura contemporânea.
As atividades de inclusão, destinadas a crianças e jovens em
risco e grupos com necessidades especiais incluem visitas e programas especiais tais como: Ciências para todos (sessões mensais)
e Sentidos em ação (música, pintura, construção tridimensional e
movimento). No âmbito de projetos pontuais, nomeadamente aqueles que envolvem um trabalho próximo com grupos em contextos
desfavorecidos, o Serviço Educativo de Serralves se desloca às escolas para aí realizar um conjunto de atividades com vista a motivar
a participação e o envolvimento nos projetos.
24
|
Maria João Rodrigues de Araújo
Tate Modern, Londres
Desde a sua abertura, em maio de 2000, mais de 40 milhões
de pessoas visitaram a Tate Moderm, numa média de 7 milhões de
visitas anuais. É uma das três principais atrações turísticas em
Londres.
A Educação é algo muito importante na Tate. Isso fica evidenciado pelo museu possuir um Diretor of Learning (Diretor de
Aprendizagem) que pertence ao Conselho de Diretores da Tate,
reportando diretamente ao Head (Responsável) da Tate National.1
Reportando ao Diretor of Learning, a área educativa tem dois
responsáveis: um Head of Learning Programmes and Resources
(Coordenador de programas de aprendizagem e recursos) e um
Head of Learning Practice, Research and Policy (Coordenador da
prática de aprendizagem, investigação e políticas).
Head of Tate
National
Director of
Learning
Head of Learning
Programmes and
Resources
Head of Learning
Practice, Research
and Policy
1. A Tate National é constituída por quatro galerias: Tate Modern, Tate
Britain, Tate St. Ives e Tate Liverpool.
| 25
Departamentos de educação em museus
O departamento educativo da Tate tem por objetivo ajudar o
público a aprender melhor através de uma aprendizagem experiencial. Se, no passado, educação na Tate era sinônimo de interpretação com ênfase nos resultados, agora educação é sinônimo de
aprendizagem com ênfase no processo.
A equipe educativa fixa que trabalha tanto na Tate Modern
como na Tate Britain é constituída por 55, organizadas por
públicos-alvo ou projetos específicos com quatro membros da
equipe dedicados a dar apoio administrativo.
A equipe educativa da Tate:
„ ADULTOS (inclui programas para
comunidades)
• 1 coordenador da equipe
• 5 curadores
• 4 curadores assistentes
• 1 educador artista para
comunidades
• 1 administrador
„ JOVENS (13-25 anos)
• 1 responsável da equipe
• 1 curador
• 1 coordenador do programa
Circuit
• 1 assistente do programa Circuit
• 1 programador Late at Tate
„ ESCOLAS E PROFESSORES
• 2 responsáveis da equipe
• 2 curadores
• 3 curadores assistentes
• 1 supervisor de marcações
• 2 marcações
• 2 coordenadores de recursos
„ FAMÍLIAS E INFÂNCIA (até 5
anos)
• 1 responsável da equipe
• 1 curador
• 3 curadores assistentes
„ INTERPRETAÇÃO (textos e
materiais educativos informais)
• 1 responsável da equipe
• 2 curador
• 3 curadores assistentes
„ APRENDIZAGEM DIGITAL
• 1 curador
• 1 curador assistente
„ PROJETOS INTERNACIONAIS
• 1 curador projeto
Turbigeneration
• 1 curador assistente
„ APOIO ADMINISTRATIVO
• 1 assistente do Diretor
• 1 administrador de projeto
• 1 administrador da equipe (Tate
Modern)
• 1 administrador de equipe (Tate
Britain)
26
|
Maria João Rodrigues de Araújo
ENTRA
GRÁFICO
Departamentos de educação em museus
ENTRA
GRÁFICO
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Maria João Rodrigues de Araújo
As atividades educativas na Tate Modern
As atividades educativas na Tate são denominadas de Tate
Events (Eventos Tate) são divididas para adultos, jovens, famílias,
escolas e professores.
As atividades para adultos incluem filmes, palestras e discussões, simpósios, cursos e workshops.
A Tate Jovem é um espaço para os jovens criativos descobrirem,
partilharem e discutirem arte com vários debates e workshops. O
site Young Tate possui muitos materiais educativos, tais como
materiais para ajuda em provas, ‘Escola de Arte’, ‘Artistas on-line’
e jogos.
Em relação às famílias, destaca-se uma zona na Tate para crianças menores de 5 anos de idade onde estas e seus acompanhantes
exploram de forma criativa, física e sensorial temas inspirados pela
arte cubista. Existem também guias multimídia para crianças com
arte animada através da música, vídeos e jogos de entretenimento.
A Tate oferece às escolas workshops liderados por artistas cujos
temas são o Espaço, Processo, Ideias e Tempo, assim como visitas
independentes às exposições, proporcionando materiais educativos
desenhados pelos artistas para preparar estas visitas.
A Tate investe no trabalho com os professores fornecendo vários cursos de pequena duração (study days ou twilight sessions)
com tópicos tais como: Getting to know Tate Modern; Critical and
contextual thinking; The building as a resource; Art and special
educational needs; Contemporary art in the classroom; New media
in art; Collect and collate; Art in language; etc.
Oferece também, anualmente, aos professores dois cursos de
três dias de duração: a Escola de Outono, para aqueles interessados
em desenvolver o seu trabalho como artistas e explorar como este
desenvolvimento poderá mudar a sua prática como educadores; e
Departamentos de educação em museus
| 29
a Escola da Páscoa com artistas, curadores e membros da equipe
educativa da Tate explorando as relações entre história de arte e a
obra do artista.
Destaca-se, na Tate, o projeto Unilever series: turbigeneration,
um projeto de colaboração internacional que conecta escolas,
galerias, artistas e organizações culturais por todo o mundo
permitindo explorar cultura e partilhar obras de arte on-line. O
tema anual do projeto está relacionado com a comissão anual que
convida um artista para fazer uma obra para o Turbine Hall da
Tate Modern.
Serpentine Gallery, Londres
A Serpentine Gallery foi inaugurada em 1970, e apresenta cinco
exposições anuais de cerca de oito semanas, contemplando arte,
design e arquitetura, atraindo uma média de 800.000 visitantes
anualmente. Os seus programas educativos chegam a cerca de
111.000 pessoas por ano.
A visão da Serpentine é de uma perspectiva integrada da programação e da integração das equipes de modo a que as exposições,
as atuações e os programas educativos sejam concebidos e funcionem como um todo. Esta aproximação facilita para que tanto os
curadores como artistas adotem uma aproximação pedagógica da
programação para os públicos. Um bom exemplo desta perspectiva
são as Serpentine Park Series, que à semelhança de Night School
de Anton Vidokle no New Museum de Nova Iorque, são apresentadas como projetos de curadoria embora espelhem o trabalho e a
função dos departamentos de educação e aprendizagem nas galerias.
O organograma da Serpentine Gallery espelha esta concepção
integrada da programação, sendo que a equipe educativa está total-
30
|
Maria João Rodrigues de Araújo
mente integrada na equipe de programação da galeria, dependendo
da Head of Programmes (Responsável de Programas). Toda a
equipe da programação se reúne semanalmente para analisar a
programação e as áreas de intersecção.
Diretor e Co-Diretor
Responsável de
Programas
Curador
assistente
Manager da
galeria
Assistente
do Manager
da galeria
3
Produção
2
Curadores
da
Exposição
Curador de
projectos
educativos
Assistente
do projecto
Edgware
Road
Curador de
educação
Estágios
Curador de
Programas
Públicos
Equipa
extra para a
‘Maratona’
As atividades educativas na Serpentine Gallery
Os programas educativos e para públicos da Serpentine Gallery
estão divididos em três grandes áreas: a primeira ‘Aprendendo
através da arte’, a segunda ‘ Programas públicos’ e a terceira
‘Projetos’.
O programa ‘Aprendendo através da arte/Learning through art’
inclui quatro áreas: projetos em parceria com instituições educativas; programas para famílias; projetos de longa duração em que,
por exemplo, trabalham com o mesmo grupo desde os 11 anos até
aos 18 anos de idade; e programas para jovens dos 12 aos 20 anos.
Estes programas juvenis acontecem em pequenos grupos de cerca
de quinze pessoas e os participantes são envolvidos nas decisões
do projeto, que, em geral, abrange filme, dança, música, etc.
Os programas públicos são dirigidos aos adultos e incluem
palestras, cinema, música, atuações e conferências. São organizados
Departamentos de educação em museus
| 31
quatro simpósios anuais; todos os sábados de tarde há uma
conferência ou atuação, assim como festas ao sábado à noite de
caráter performativo, no Pavilhão de verão. Aqui, destaca-se a
Maratona anual, que se realiza no final do verão. Durante dois dias,
cerca de 70 convidados (artistas ou oradores) são assistidos por
aproximadamente 800 pessoas.
Os projetos educativos são projetos que surgem no seguimento
do programa ‘Aprendizagem através da arte’. Nos últimos dez anos,
organizaram-se cinquenta e dois destes projetos. Geralmente, pedese a artistas para realizarem um trabalho em colaboração e em
resposta ao contexto social ou político de uma população fora da
Galeria.
O projeto educativo com maior notoriedade é Edgware Road
Project, que conecta artistas locais e internacionais com pessoas
que vivem e trabalham nesta zona de Londres. Deste projeto faz
parte a Biblioteca Beduína com livros, filmes e jornais que traçam
a evolução da Arte do Oriente Médio.
MUDAM, Luxemburgo
MUDAM (Musée d’Art Moderne Grand-Duc Jean), em
Luxemburgo, foi inaugurado em julho de 2006 e recebe cerca de
70.000 visitantes por ano.
O serviço educativo denominado ‘Públicos MUDAM’ tem uma
equipe de 8 pessoas, três delas trabalham em part-time, sendo que
o coordenador de Educação depende do Responsável do
Departamento Cultural.
32
|
Maria João Rodrigues de Araújo
Diretor Geral
Responsável do
Departamento
Cultural
Coordenador de Educação
(responsável por programas
para adultos)
Mediador
(Crianças)
Mediador
(Marcações)
Mediador
(Jovens)
1 Professor (20h)
1 Investigador/escritor
(1/2 time)
Mediador da Galeria
(3 dias/semana)
Bibliotecário do Museu
As atividades educativas no MUDAM
A programação educativa está dividida em três grandes áreas:
MUDAMINI (6-12 anos); ARTE FREAK (12-19 anos); MUDAM
& ADULTOS.
MUDAMINI é o programa de atividades e descoberta para
crianças dos 6 aos 12 anos que inclui: visitas guiadas, Guia
Mudamini, workshops e Mudam Go!. Este último é um guia
desenvolvido para cada exposição que ajuda os pais e crianças a
aprenderem sobre as obras expostas. Mudam Go! está disponível
na entrada do museu.
ART FREAK é o programa de atividades dirigido a jovens dos
12 aos 19 anos. As atividades são: Workshops Art Freak (quatro
workshops por ano); Verão Art Freak, quando vários workshops
simultâneos são seguidos de uma apresentação e um churrasco de
Departamentos de educação em museus
| 33
convívio com amigos e familiares; Art Freak Akademie Squat, em
que adolescentes se juntam ao programa da Academia dos adultos;
Art Freak Trabalho de Campo, em que detectam uma cena artística
da Grande Região do Luxemburgo; e Art Freak Editors, uma série
de sessões de trabalho em que produzem o conteúdo de uma futura
publicação.
O programa MUDAM & ADULTOS inclui uma série de visitas
guiadas em vários formatos, assim como conferências e outras
atividades de formação. Destaca-se a Mudam Akademie que, em
parceria com o Ministério Educação, oferece um curso de História
de Arte do Século XX em dez sessões.
QUADROS COMPARATIVOS DOS MUSEUS
1. Nome do departamento dedicado às atividades educativas:
TATE
Learning /Aprendizagem
SERPENTINE GALLERY
Education and Public Programs/Programas
educativos e públicos
SERRALVES
Serviço Educativo
MUDAM
Públicos MUDAM
34
|
Maria João Rodrigues de Araújo
2. O posicionamento do responsável do departamento de educação
2. no organograma global da instituição:
Museu
Serralves
Tate
Serpentine
Mudam
Nível 1 Diretor Geral Responsável da Diretor da
Tate Nacional
Serpentine
Diretor Geral
Nível 2 Diretor do
Museu
Responsável
do Depto.
Cultural
Diretor de
Aprendizagem
Nível 3 Coordenador
de Educação
Codiretores
Responsável
Coordenador
de Programas de educação
3. A organização da equipe educativa:
Tate Modern e Serpentine Gallery organizam a equipe de acordo
com o público-alvo:
TATE (55)
SERPENTINE (5+extra)
Programas Adultos: 12
Jovens: 7
Escolas e professores: 14
Famílias e infância: 5
Interpretação: 6
Aprendizagem digital: 2
Programas públicos: 1
(equipe extra para a Maratona)
Projetos internacionais: 2
Apoio administrativo: 4
Curador de educação: 1
(mais estagiários)
• Instituições educativas (incluindo
• escolas e professores)
• Famílias
• Jovens
Projetos educativos: 2
| 35
Departamentos de educação em museus
MUDAM (6+1)
SERRALVES (6+30)
Marcações: 1
Mediador (crianças): 1
Mediador (jovens): 1
Mediador (adultos): 1
Marcações: 1
Produção: 1
Produção/Comunicação: 1
Produção/Comunicação: 1
Organização flexível: cada
mediador dedica mais tempo a
um público-alvo, mas sem
exclusividade
Organização por tipo de trabalho
4. Divisão das Atividades:
TATE EVENTS PÚBLICO
MUDAM
SERPENTINE
SERRALVES
Cinema
Palestras &
Discussões
Simpósios
Cursos &
Workshops
MUDAM &
Adultos
Programas
Públicos
(adultos)
Adultos
Tate Jovem
Famílias
Art Freak (12-19)
Mudam Go! (6-12)
Mudamini (6-12)
Escolas
'Aprendendo
Crianças/Jovens/
através da arte' Famílias
(inclui escolas,
famílias, jovens)
Escolas e
Professores
Projetos
Escolas e
professores
Projetos e parcerias
Necessidades
especiais
36
|
Maria João Rodrigues de Araújo
A Tate não apresenta uma secção para adultos como tal, mas as
várias atividades por separado.
5. Atividades
TIPOS DE ATIVIDADE
Tate
Mudam
Serpentine Serralves
Palestras/Seminários
X
X
Conferências
X
Cursos
X
X
Visitas
X
X
Workshops
X
X
Performances
X
X
Cinema
X
X
Aprendizagem on-line
X
X
Dias Família
X
X
Festas Ocasiões especiais
(ex.: Natal)
X
Materiais para as famílias
X
X
Workshops para crianças
X
X
ADULTOS
X
X
X
X
X
X
X
X
X
FAMÍLIAS E CRIANÇAS
Jogos para crianças on-line
Visitas para famílias
X
X
TateKids
X
X
X
X
X
X
X
X
JOVENS
Workshops
Materiais on-line
Young Tate
Projetos Especiais
X
X
| 37
Departamentos de educação em museus
ESCOLAS
Visitas
X
X
X
Workshops relacionados com
a exposição
X
X
X
Workshops programa fixo
X
X
Projetos
X
X
X
PROFESSORES
X
X
X
Visitas
X
Encontro anual
Projetos escolares
X
Cursos
X
Workshops relacionados
com a exposição
X
Workshops programa fixo
X
Materiais para Professores
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
NECESSIDADES ESPECIAIS
Visitas
X
Workshops
X
X
Projetos
X
X
Estes quatro modelos de departamentos educativos refletem
as diferenças dos respectivos museus, nomeadamente quanto à visão
estratégica, à importância da educação na instituição e ao contexto
social e populacional. A Tate Modern com os seus sete milhões de
visitantes por ano possui uma grande equipe educativa e um plano
de atividades extenso e diversificado se posiciona na liderança. À
semelhança do que acontece atualmente nas instituições culturais
de maior referência educacional, o departamento educativo tem um
Diretor que pertence ao Conselho de Diretores da Instituição. Isto
também ocorre, por exemplo, na Royal Opera House, em Londres,
38
|
Maria João Rodrigues de Araújo
na Cité de la Musique, em Paris, ou no Carnegie Hall, em Nova
Iorque. Na Tate, o termo Diretor de Aprendizagem (Diretor of
Learning) reflete a preferência pelo termo 'aprender' (learning) em
relação ao termo 'educação' (education).
Vemos ser também esta a tendência na Serpentine Gallery, com
o programa 'Learning through art' – (Aprendendo através da arte).
Em um futuro próximo, com a abertura da Serpentine Sackler
Gallery – a nova filial da Serpentine Gallery –, o responsável pela
educação passará a chamar-se Responsável de Aprendizagem (Head
of Learning). Esta preferência pelo termo 'aprender' traduz a crescente ênfase no processo de aprendizagem e na transformação pela
experiência participativa. Neste contexto, o papel do profissional
que trabalha no museu é ser 'facilitador', programando e organizando atividades para que possa ocorrer a mais abrangente e profunda aprendizagem.
| 39
Public art as evidence of our culture
JACK BECKER*
Public art is about people-artists and communities, audiences
and creators of experiences-in an experimental dialogue. It’s about
beauty, joy and delight. Public art is a collaborative engagement of
people working toward common goals, and common good. It’s
about co-creating a sense of pride in the places we call home. It’s
the visible evidence of our culture.
I got my start in the public art field after graduating as a sculptor
from the Minneapolis College of Art & Design in 1976, where I
studying under such luminaries as Siah Armajani and Kinji
Akagawa. I was hired through a federal jobs program in the US
called CETA – the Comprehensive Employment Training Act. The
program put 60 artists to work for one year-half time in our studio
and half time in the community. I was given a desk and phone in
Minneapolis Arts Commission offices in City Hall and a job title:
Gallery Director. The only catch was there was no gallery. The city,
I was told, is the gallery-the parks, plazas, library and government
center; the public spaces that everyone used on a daily basis.
I learned the art of bureaucracy, which is not unlike foundobject sculpture. It’s about connecting and putting together the raw
materials of the city to make things happen. I simply connected
* Pesquisador, artista e editor da revista Public Art.
40
|
Jack Becker
artists-with their ideas, energies and talents-with spaces. Each space,
of course, comes with its own audience, so I began to think of my
job as a kind of dating service between artists and audiences in the
community. Beyond audiences, the community is full of participants
in the public art process. Today we are in the midst of a global
trend called Participatory Culture.
Out of the CETA program, Forecast Public Art was born
(www.ForecastPublicArt.org) – a “gallery without walls”. We operated on a next-to-nothing budget, going project by project for 10
years, including outdoor sculpture exhibitions, vacant storefront
installations, and dozens of temporary projects and events around
Minneapolis and St. Paul (the Twin Ciites). Since our projects were
temporary, we put a great deal of effort into documentation, the
only aspects of our work that survives. We have never owned or
maintained any public art, so we don’t have a “collection,” in the
traditional sense. Rather, we facilitated public art and enabled others
to create works in many different ways, in all kinds of places, and
collected the images and stories to share with others.
Now in our 35th year, Forecast’s mission is “to strengthen and
advance the field of public art-locally, nationally, and internationally-by expanding participation, supporting artists, informing
audiences and assisting communities.”
In 1989 we established Public Art Review. Our magazine is
now 24 years old. With a recent grant from the National
Endowment for the Arts, we partnered with the University of
Minnesota Library to digitize and archive all the back issues of
Public Art Review and all of Forecast’s documentation going back
to 1978. We now hope to engage research fellows to mine the
contents of back issues and find new ways to share the growing
number of stories about contemporary public art around the world.
One idea, for example, is geocoding the projects documented in
Public art as evidence of our culture
| 41
our digital archives and creating a smart phone app that allows
users to view the content and access the stories of public art projects
in communities on location-wherever the art lives.
Other online resources have already been created, including a
toolkit for artists and communities exploring the field. New content
is being added to the toolkit every year, including resources for
educators seeking tools for teaching public art in the classroomfor learners of all ages.
Over the past two years we’ve been partnering with the University of Shanghai, publisher of the Chinese magazine Public Art. We
have been engaged in an international research effort to catalogue
exemplary projects involving public art and placemaking. The data
collected will be shared with educators, researchers and anyone
interested in best practices. Placemaking, like public art, is a term
that is hard to define, yet considered essential to improving our
quality of life. At the core of both fields is a desire to create
meaningful spaces in the public realm, inspire social interactivity
and a sense of caring about daily life.
As one of several organizations committed to producing online,
digital content, we see an opportunity to connect with other content
producers as well as content organizers-the library and cataloguing
communities. Our shared goal is to establish standardized metadata
vocabularies that will help anyone find the kinds of public art
they’re interested in when using search engines, such as Google, or
cataloguing institutions, such as the Getty Archives or the Library
of Congress. We hope to have a “Librarian-in-Residence” to help
us catalogue the thousands of projects covered in our magazine over
the past 24 years, and help others tag their own content so interested
audiences can find it more easily.
Through our Artist Services Program, started in 1989, Forecast
provides grants, technical assistance and training for artists
42
|
Jack Becker
throughout the state of Minnesota with support from Jerome,
McKnight and the Regional Arts Councils. We offer grants for
emerging and mid-career artists to explore the public realm. This
isn’t a commissioning program, like most of the public art programs
in the world. This is about supporting independent artists to develop
projects of their own choosing, reaching whatever audience they
like, wherever they like and whenever they choose. We offer grants
for research and development of projects and well as implementation of new work. On our website we post dozens of short video
documentaries capturing the broad range of projects funded.
As a result of publishing the leading public art magazine and
building a database of artists interested in working in the public
realm, we started offering Consulting Services. Today we have
dozens of clients, including city planners, developers, community
groups, artists, foundations and others. We have seen a marked
growth of the public art ecosystem in our community as awareness,
interest and participation continues to expand.
In 2008, the voters of Minnesota passed a ballot initiative to
increase sales tax by 1/8 of one percent for the next 25 years. The
initiative, called the Clean Water, Land and Legacy Amendment,
generates more than $90 million a year for improving the environment, as well as supporting arts and cultural heritage projects
throughout the state. As a result, the field of public art is growing
in ways that we could not have predicted.
In the U.S., there are more than 350 government-run public
art programs. They have ordinances and policies affecting more
than 100 million people every day. There are dozens of non-profit
organizations and a growing number of educational institutions
connecting artists with communities throughout America. Artists
are working with and influencing the community-building world,
designing new cities and contributing to the development of
meaningful new places.
Public art as evidence of our culture
| 43
Public art is not an art form. It’s a field of inquiry, not unlike
medicine or science. There are artists who are specialists and artists
who are general practitioners. The practice of public art is one of
trial and error, cause and effect. There are no standards, no license
is required; you don’t even need a degrees to succeed. You can pretty
much write your own job description. If you work in public art,
you’re in the experience business. There are, however, many
cautionary tales, and those who learn from their mistakes are
rapidly taking leadership roles in the field.
Artists are citizens, like everyone else. Public artists are citizens
who have learned how to use their creativity and ability to
collaborate as a catalyst for civic and community change. Artists
are community change agents. When artists and art are brought
into a place it’s usually for the better. Arts reanimate spaces, build
communities, and invigorate our lives. Where there’s public art,
there’s civic engagement. The arts bring people together and
stimulate dialogue. Art helps us all respond to and deal with our
changing world, and our changing global culture.
I believe there’s a cultural revolution taking place in the U.S.
and around the world as more and more communities recognize
that cultural resources are essential to thriving communities. Over
the past decade the public art field has moved from the margins to
the center of this important cultural shift. As such, “public art” is
no longer defined as just murals, monuments, and memorials. Today
it’s a broad spectrum of activities-a vibrant realm of possibility that
directly connects artists with people-in communities large and small,
rural and urban. Public art is about connecting creative practices
with the needs and concerns and aspirations of communities,
helping build a more caring, capable and sustainable world-not
because art intrinsically contributes to that end, but because art
has been successfully used to advance specific social, economical
and cultural definitions of community health.
44
|
Jack Becker
We find ourselves in an emerging local/global continuum of
innovative work that is redefining the very notion of what public
art is and what it can do. Over the past few years, we’ve been
fortunate to witness an explosion in the field, and with it, a shift in
interest by foundations, corporations and philanthropists. Greater
attention is being paid to artists working in and with communitiesto revitalize and rebuild them. Several major foundations have
reprioritized their grant-making to focus on the role of the arts in
community-development and placemaking.
ArtPlace, a partnership effort involving multiple foundations
and federal agencies spurred by the NEA, have, over the past three
years, invested more than $70 million in arts-driven community
enhancement efforts. The Knight Foundation has a new initiative
called “Random Acts of Culture”. The Kresge Foundation just
launched its own creative placemaking initiative. The NEA has
grown its Our Town program, supporting cities partnering with
the arts. Across our country, efforts are being made to put the arts
at the center of economic development.
In St. Paul, Springboard for the Arts, an economic and
community development organization serving artists, received a
three-year grant of $750,000 to support hundreds artists working
in communities along the new Central Corridor, a light rail line
connecting the Twin Cities-now nearing completion. According to
Springboard’s executive director Laura Zabel, the program seeks
to “demonstrate that artists are a powerful, creative force to be
mobilized during major infrastructure projects like this. We know
that these creative people who live and work along the Corridor
can engage communities and build lasting cross-sector relationships
through projects that are practical, fun and surprising. Ultimately,
we think this can be a model for cities across the country.”
Cities with more traditional public art programs, on the other
Public art as evidence of our culture
| 45
hand, are facing severe financial problems. Some programs have
cut their staff; others have been eliminated due to budget cuts. There
are numerous aging collections with inadequate maintenance
budgets. Some programs are searching for ways to reinvent
themselves, revise their ordinances and adapt to the changing times.
Some are now embracing temporary projects and events.
It’s important to note that much of what is happening in the
field is not publicly funded, nor managed by government agencies.
Art Commissions and Departments of Cultural Affairs, however,
can play an extremely important role in facilitating large civic
projects. Embracing the new frontiers of public art requires
embracing a new paradigm for how public art is valued and
supported.
There is also a critical role for private nonprofits, educational
institutions, liturgical entities and corporate partners. There are
grants and fellowships, independently produced efforts, and selftaught folk artists-visionaries forging their own paths. Indeed,
pioneering artists are expanding the definition of public art
everyday.
Public art serves as a kind of barometer of the cultural climate.
When I travel and look at public art in different cities around the
world, the art I see tells me a great deal about the place, and the people
who live there. In Bemidji, Minnesota, for example they have a giant
Paul Bunyan and Babe the Blue Ox-a folk art masterpiece from the
30s. They value the mythical stories about the Great North Woods
and embrace cultural tourism. In St. Louis they have the Gateway
Arch, a bi-centennial landmark, a “gateway to the west.” The arch
is synonymous with St. Louis, and it speaks to their civic pride.
When a city has no public art, what does that say? Perhaps
they haven’t figured out how to express themselves, they don’t value
creativity, they lack civic pride. Perhaps they don’t care what visitors
46
|
Jack Becker
think! Or maybe they simply don’t know where to begin. What is
public art, how do we get good public art and avoid controversy?
This raises the big question: What makes good public art? My
answer: It depends who you ask. Some of the most controversial
public art has later become the most beloved and admired. The
Gateway Arch, Vietnam Veterans Memorial, Eiffel Tower, Statue
of Liberty all were controversial. Perhaps controversy and even
contempt early on is a sign that the art is great, but give it a decade
or more; maybe it’s a diamond in the rough.
Each of us perceives the world differently, however slightly our
perceptions may vary. We all judge things differently, too. An
important conversation in the public art world today is assessing
public art. How do we measure what constitutes “good” in public
art when we have no empirical yardstick? What might be considered
good public art in New York City might not be so in Chicago or
Sao Paulo. The old lady at the bus stop has a different opinion of
an artwork than the businessman she stands alongside. There are
few studies that have focused on evaluating public art and
measuring the changes it can bring to a place. The evidence
defending the importance of public art is mostly anecdotal. Some
attempts have focused specifically on the economic impact, but this
doesn’t tell the whole story, or even the most important stories.
Public art is not for sale, so talking about it in monetary terms
is not very useful. This notion stands in opposition to the kind of
art sold in galleries or performed in theaters that sell tickets. It isn’t
about capitalism or selling products in the marketplace. Public art
is about the free sharing of ideas and opinions in the public realmit’s democracy at its creative best.
How can we measure the experiencing of art in the community?
How can we assign value to the emotional impact of a Vietnam
Veterans Memorial?
Public art as evidence of our culture
| 47
It’s the stories behind and about public art-and the stories that
good public art generates in the community-that tell us who we
are, who we want to be, and what’s important in the world.
Today, more artists are engaging in public practice, social
engagement, and community-building experiments. Civic engagement and manifesting our democracy is a recurring theme in
public art, as relevant today as it was 250 years ago in America
when the Constitution was drafted.
There’s a Commons Movement underway-a growing social and
political movement that believes the commons is a crucial sector
of the economy and society and useful prism for talking about
resources that should be shared. Libraries and parks are prime
examples. Starbucks is another; common spaces don’t have to be
publicly owned and maintained.
The privatization of public spaces is more pervasive now than
ever. What does this do to our sense of the commons? There are
privately owned parks and sculpture gardens open to the public
24/7. We see more private control of public space, more security,
more monitoring.
Many cities are using cultural tourism strategies involving
public art, such as large plastic animals on the sidewalks of
American cities. Since Chicago’s Cows on Parade almost 20 years
ago, we’ve seen dozens of flora and fauna on the streetscape, painted
by artists, sold at auction and serving some cause such as children
with cancer. We even have “Doughnuts on Parade,” underwritten
by Krispy Kreme.
In response to the growing need for improving this burgeoning,
unwieldy field of public art, I offer up the following guidelines:
1. Place art and artists at the center of the public art sphere, and
be supportive of all artistic disciplines-permanent and
temporary.
48
|
Jack Becker
2. Consider the common good, our shared environment, and
enjoyment by the public.
3. Honor all participants in the process and promote mutual
respect-be mindful, ethical, professional and open to different
opinions.
4. Utilize fair contracts that provide adequate time, compensation,
clear scope, and decent working conditions for artists and
clients.
5. Documentation, promotion and criticism should fairly
represent the work, and be freely accessible for educational
use.
6. The content of a public art project should consider its context.
7. Use all materials and technology wisely.
8. Do not commission art that cannot properly be maintained
within its appropriate lifetime.
9. Be thoughtful when siting a work of art and don’t expect artists
to fix every problem or address every issue.
10. Pursue the creation of high quality public art with originality,
innovation, spirit, vision and courage, and strike a chord in
the hearts and minds of broad and diverse audiences.
Grand scale, amazing technical achievement, poetic beauty,
reference to local history. Artist developed new software to translate
digital images to mosaic.
Public art as evidence of our culture
Josh Sarantitis – mosaic mural in Philadelphia.
Nancy Ann Coyne - Speaking of Home, in Minneapolis skyways.
| 49
50
|
Jack Becker
This features 26 photographs of immigrants who
moved to Minnesota from
different parts of the world.
These are their own photographs that the immigrants
brought with them, enlarged to
monumental scale and printed
on scrim, and installed for
several months. This is the first
project to show how skyway
bridges can be used for art, and
suggesting many other
possibilities.
Ned Kahn & Tom Oslund – Wind Veil on
Target Plaza (collaboration in placemaking
outside new baseball stadium in
Minneapolis.)
This is a kinetic wind veil that is always changing, very
theatrical, including computer-programmed LED lighting at night.
It faces a welcoming plaza that is also very artful, playful, and works
well in different seasons. Ned Kahn is now traveling around the
world creating wind-activated art.
Public art as evidence of our culture
| 51
Candy Chang - Before I Die…
A stencil mural kit allows communities around the world to
make their own, allowing neighbors to share their deepest secrets
and forge bonds.
POSSIBLE SIDE BAR:
Trends in public art
Public artists work in a big laboratory; the city is their playground. The practice of public art is one of trial and error, cause
and effect. It’s a grand experiment, with many cautionary tales.
There are no standards, licensing requirements, or even degrees
required. You can pretty much write your own job description.
Some public art is publicly funded and managed, and some is
not. The private sector is responsible for much of the art experiences
we have outside of museums and galleries-in corporate lobbies and
52
|
Jack Becker
plazas, outside churches, in alternative spaces and unexpected
places. Indeed, pioneering artists of all stripes are expanding the
definition of public art everyday. Here are many of the trends I see
in the public art field today:
• Of the 350 or so public art programs in the US, many are facing
severe financial problems. They may have funds for art, but are
losing staff; they may have staff but their budgets for art have
dried up. There are numerous aging collections with inadequate
maintenance budgets. Several are trying to reinvent themselves.
• There’s a population explosion among the younger generation
of creatives working outside of traditional venues, a decadesold hip-hop subculture that embraces dance, music and visual
arts, street art and Do-It-Yourself efforts, Flashmobs-now you
can “Plank” and Tweet at the same time!
• A growing number of artists of color have found an outlet in the
public art field, a voice with which to address issues and confront
the status quo. More women and minorities have gained a
foothold in this field as a career, compared with the commercial
gallery world.
• More artists are engaging in public practice, social engagement,
and community-building experiments.
• The privatization of public spaces is more pervasive. There are
privately owned parks and sculpture gardens open freely to the
public. There is more private control of public space, more security, more surveillance monitoring.
• The Commons Movement is a growing social and political
movement that believes the commons is a crucial sector of the
economy and society and useful prism for talking about resources
that should be shared. More “We” and less “Me.”
Public art as evidence of our culture
| 53
• There is a growing trend toward a “Participatory Culture,” in
which art is a vehicle for involving or engaging the audience,
allowing them to add their voice, co-create the work (for example
Candy Chang’s I wish this was, or Before I Die… projects).
• Two words: Plastic Animals. Since Chicago’s Cows on Parade,
there have been dozens of flora and fauna on the sidewalks,
painted by artists, sold at auction and serving some cause. There
also big red balls, big rubber ducks and giant doughnuts. This is
a public-art-as-cultural-tourism strategy.
• Educational efforts are growing. There are several degree
programs for artists and administrators. A wide array of courses
being taught, and more attention is being paid to the field by the
College Art Association.
• Art and Infrastructure (streets, bridges, benches), Art and Transportation (airports, light rail train stations, etc), Art and Sporting
Arenas, Art and Parks, Art and Parking…
• Art Parks. Since Millennium Park opened in Chicago in 2004, it
influenced the creation of 20 or more urban sculpture parks
around the U.S. St. Louis, Des Moines, Miami, and Minneapolis
all have successful art parks.
• Public Art on TV. Great Britain has a reality show called Big
Art, and Bravo has Work of Art. Public art makes good
storytelling.
• We’ve seen a surge in expensive coffee table books, monographs,
survey books, and magazines. In addition to Public Art Review,
China has a public art magazine, as does Japan, South Korea
and Great Britain.
• Web-based resources and digitized online archives are growing.
If you Google “graffiti” you get 36 million hits in .17 seconds.
54
|
Jack Becker
There’s CultureNow, “Wikipedia Saves Public Art,” Start Seeing
Art, podcasts, TED-casts, Webinars, etc.
• Biennials are growing in numbers around the world. The U.S.
has them now, in New Orleans and Miami. BIG ART contests,
like in Grand Rapids, Michigan, uses online voting and big cash
prizes.
• There’s a growth in wild and wonderful events like Burning Man,
Nuits Blanche (all night festivals), art parades, art cars, art bikes,
etc.
• Sustainability rules. “Green” criteria are used more frequently
in judging public art proposals. For example, lighting with LED
is common; fabricators using renewable energy; recycling materials; LEED certification, etc.
• There’s a steady growth in memorials and commemorative
projects. Memorial making is reinventing itself to keep up with
the times.
• A continued interest in international exchanges and artists’
residencies. New variations are cropping up all over.
• Improvements in glass art techniques and fabrication have
increased the use of glass in public. It’s durable, colorful and low
maintenance.
• In addition to exploring new materials, such as Teflon, fiber optic
cable and photovoltaic cells, there’s a Yarn-bombing movement
and a return to old-school techniques.
• More communities are hosting forums and symposia. People
really want to discuss public art!
• In addition to American’s Public Art Network, there are regional
coalitions of public art administrators throughout the U.S. An
Public art as evidence of our culture
| 55
international Institute for Public Art (IPA) was started this year
to pursue research and recognition.
• “Urban screens” is now a term referring to large video monitors
set in public places or on sides of buildings. Many artists are
exploring projection, building makeshift stages, and creating
platforms for programming. Billboards are being used for more
than advertising.
• Research and evaluative studies are sought after. Surveys, reports,
master plans, pilot projects and demonstration projects proliferate. Most major cities have public art master plans, or want
them.
• More attention is being paid to artists working in and with
communities. The NEA’s Our Town initiative and ArtPlace are
examples of newfound interest among funders.
• New and alternative funding models are being explored,
including:
–
–
–
–
–
–
–
–
Billboard tax
License Plate fees
Hotel/motel tax
Gambling proceeds
Tax return check box
Postage stamps
Microgrants and crowd-funding, such as Kickstarter
Meals hosted to fund projects. Admission fees pay for dinner
and helps fund crowd-selected projects.
– Re-granting programs allow nonprofits to receive foundation
support and then re-grant it to individual artists.
– Auctions-online and in person.
– Percent of private development fees go toward public art. Sometimes these are pooled to fund projects at critical locations.
56
|
Jack Becker
– A “Golf tax” is used in Portland, Oregon, where $1 from each
bag rented goes to the arts.
– Graffiti abatement funds are used in Minneapolis (and
elsewhere) to support public art that helps deter more graffiti.
– Corporate sponsorships
– Private gifts and loans
– Trading your art for other art
– Bartering with artists
• Smart phone gaming, Alternate Reality, Virtual reality,
geocaching, mapping public art, interpretive handheld
technology, QR codes, etc. This trend holds great promise for
educators, marketers and artists alike as the trend of stealing
brass plaques and cast metal works (to sell as scrap) continues
to plague outdoor works of art.
• Many museums are now taking a page from the public art
playbook, hosting major exhibitions about street art,
experimenting with social practice and curating projects outside
their white walls. Alternative curatorial practices are spreading
around the world-outside the white cube.
| 57
Project “Rudolf Laban: Visual Art and Dance”1
JEAN KIRSTEN*
SABINE FICHTER**
As a visual artist I have always been interested in knowing how
other artists work with themes like rhythm, shape and space. Since
my studies in the ‘90s at the University of Fine Arts Dresden, I have
investigated intensively the works of the composer Carl Orff, the
theater artist Einar Schleef, music pedagogue Jacques Dalcroze and
dancer Rudolf Laban.
Rudolf Laban (1879-1958) was one of the most important and
most charismatic personalities of the German expressionist dance.
1. The project is kindly supported by Motus Humanus, USA.
* Jean Kirsten born in Dresden in 1966, studied Painting and Graphic Art
at the Dresden University of Fine Arts from 1990 to 1995 followed by two years
of postgraduate studies (Meisterklasse). From 1998 to 2004 he was an Assistant
professor at the same university. He has had more than 40 solo shows and
participated in 50 group exhibitions in Germany and worldwide.
** Sabine Fichter born in the South of Germany in 1965, studied modern
and contemporary dance in Duesseldorf, Berlin and at the European Dance
Development Centre (EDDC) in Arnhem (Netherlands). For more than ten years
she had been working as a dancer with companies such as Neuer Tanz, Frey Faust
Dance Company, Telos Dance Company and Exis Dance. She has presented her
own choreographic work in Berlin, Kiel, Bremen and Dresden.
In 1997 she was certified as a Movement Analyst (CMA) by the Laban/
Bartenieff Institute of Movement Studies (LIMS, New York) and is now a guest
58
|
Jean Kirsten e Sabine Fichter
He was a dancer, educator and choreographer, movement researcher
and inventor of the dance notation system which has been named
after him. The list of his students includes famous names like Mary
Wigman, Kurt Jooss, Lola Rogge and Dussia Bereska. Laban
developed a system which enables us to identify various aspects of
movement, to analyze and express them and to notate them in
symbols. Today his movement principles build the basic knowledge
for every dancer, choreographer, dance teacher or dance movement
therapist. Laban combined his interest for the visual arts and
architecture with his fascination for movement and the expressive
potential of the human body. He examined the relationship between
movement and space. Especially in the movement “neuer
künstlerischer Tanz” (“the new artistic dance”) he was looking for
regularities of inner motivation and outer expression.
Inspired by the five platonic solids (tetrahedron, octahedron,
cube, icosahedron and dodecahedron) Laban undertook inquiries
on the moving body and its relationship to space. He called these
studies “Choreutics”, that means “Space Harmony”. Proceeding
teacher on the European CMA training. In 2004 she received her Master Degree
in LMA and Somatic Studies from Surrey University, UK. Since September 2004
she has taught somatic based movement classes, composition and Laban
Movement Analysis at London Metropolitan University, the University of
Limerick, Ireland and the Palucca Dance University in Dresden, where she has
also worked as a research associate for InnoLernenTanz, a project which
investigates innovative teaching and learning strategies.
She has been working as a somatic practitioner/movement therapist with
children and adolescents at the Psychiatric Department of the Carl Gustav Carus
Hospital, Dresden, for the past 14 years. Her main focus in the therapeutic work
is on body oriented therapy for patients with eating disorders.
In September 2012 Sabine became director of the dance program at the
Accademia dell’Arte in Arezzo, Italy, where she teaches Laban based movement
classes to dance and theatre students.
Project “Rudolf Laban: Visual Art and Dance”
| 59
from the principle that movement in 3-dimensional space follows
certain rules and that space and movement always build a harmonious unity.
In the field of “Eukinetics”, the study of “harmonious movement”, Laban inquired about the dynamics of movement. They can
be structured in the components of flow, time, spatial orientation
and the degree of muscular tension or relaxation, the strength
(“weight”) that a dancer needs to perform a certain movement.
The space surrounding the mover will determine the movement and
will therefore serve as an external stimulus to which the body will
be required to adjust. Contrasting to the surrounding space is the
“inner space” of the dancer. Here is where impulses and emotions
exist and where “inner movement” originates. This inner movement
is manifest in physical dynamics. Hence inner motivation will find
an outer form that uses the space, but also has to adjust to
regularities and the laws of gravity. Movement always happens
between opposite poles of mobility and stability, between activity
and pause, between exertion and relaxation, between symmetry and
asymmetry.
Spatial orientation is provided by the dimensions, different
directions and levels, planes and diagonals which build a challenging
terrain for the dancer. Both, inner sensation and outside space offer
inspiration and take shape in the design and dynamic expression
of the moving body.
In 2009 I met dancer, dance teacher and Laban specialist Sabine
Fichter. She invited me to come to London and to visit her lectures
in Laban Movement Analysis at Metropolitan University in 2009
and 2010
During this time I took more than 400 photos of the dancers
and the group of students and I also started to read a lot about
Laban’s theories. For an exhibition in 2011 I tried to use the photos
60
|
Jean Kirsten e Sabine Fichter
like sketches for pictures. I worked in the medium of screen printing
but also experimented with new techniques. I was looking for titles
for the works in the exhibition and decided to use the space signs
of Labanotation to describe the main movements in the pictures. I
was so impressed by the decorative shapes of these signs that I
started my Series for L.
Working only with the space signs, I arranged the prints,
drawings, paintings, reliefs and sculptures. At first glance these
works look like abstract paintings, but people who know something
about Labanotation will also find information about spatial
orientation in them. For the R.L. project Sabine Fichter transformed
the symbolized information of one of my paintings and created a
dance piece. Since the symbols hold information of specific points
in space they provide a frame work or “scaffold” for a sequence of
movements whereas the dynamic of the movements is free to the
interpretation of the dancer as well as the form of the movement
itself. Thus, the visual art work is transformed back into its initial
medium and the source of its inspiration, the dance. The project
aims to unite two different art forms. It emphasizes the fact that
perception and perspectives vary on the background of a specific
knowledge, experience or expertise in a certain medium, whereas
the very essence of the art work remains the same. Therefore the
process of transformation opens new ways of seeing and perceiving
the art.
Project “Rudolf Laban: Visual Art and Dance”
| 61
Work from series “For L.” 2011, ink, acrylic and screen print on hard board,
100 x 70 cm.(© VG Bild-Kunst Bonn)
| 63
Where the Public (St)art: Public Art and the role
of the audience
HANNES NEUBAUER*
“Art is not a purpose in itself, but a
medium for communication with people.”
(MUSSORGSKY)
Between still existing imaginations of “the artist as single
genius” which undoubtedly come along with the ongoing
production of “art heroes” by the art market, in opposition to the
various “grassroots” and “art and collaboration movements”;
between the atomization of the artistic fields as opposed to the “art
and diversity ideas”; between the “scientification” of the arts which
is seen by the increasing number of PHD-programmes and the often
meaningless international art press jargon, the “International Art
English”…
The world of art is studded with “betweens” and sometimes
paradoxes in itself. It is obvious to see that things and phenomena
* Hannes Neubauer, alemão, é artista conceitual, escultor e inventor que
se especializou em arte pública em um contexto internacional. Desde 2005, ele
tem criado esculturas, assim como performances interdisciplinares. Combina suas
habilidades técnicas de graduado como Designer de Metais nas artes com
estratégias artísticas contemporâneas.
64
|
Hannes Neubauer
there turn upside down. But what would a physicist feel if he sees
an apple flying from the ground to the branch?
Mussorgsky’s quotation seems like it could stand for everyone
working in the fields of the arts, communication is never a bad idea,
but looking honestly around the world, there is still a sensation
that what artists mean by “people” is either their own colleagues
or their clients. This critique and the discussion is nothing new and
also exists in other fields, indicated by sayings like “architecture
for architects” or “the academic institution is an ivory tower - a
purpose in itself”. But this “purpose in itself” creates another
paradox:
One the one hand, there is no art without audience, but on the
other hand, there is no discussion about the audience’s role in the
arts.
So let us look to the physicist and his apple: For him, the
medium is the physics and the object is the apple with its action
(falling) in its space (the tree) and he could say “Physics is not a
purpose in itself, but a medium for communication with an apple”.
He will analyze different apples and trees in different surroundings,
and, as apple-specialist Newton did, he will come to the conclusion
that different things fall differently, depending on its surrounding,
for example that an apple will fall slower on the moon.
This may be a good start for the arts, but overlooks two main
problems: Firstly, that in the arts an apple can literally fall from
the ground to the branch. Secondly, an audience is not an object, it
is a group of self acting subjects, in which every individual has its
own way to act and react.
In the traditional art places, like museums or galleries, both
problems were hardly discussed: That an apple can fall from the
bottom to the branch is indeed no question, probably this has
already been realized as an artwork. Also the traditional system of
Where the Public (St)art: Public Art and the role of the audience
| 65
artist as producer or actor affects the audience as consumers (but
not the other way round) or how an artwork affects the recipient
(but again, not the other way round) was generally only questioned
in the field of art education.
But within the democratization of art, especially in the public
art with all its different manifestations like “participatory art” or
“interactive performances”, the role of the audience changed
completely, they can respond directly. By this, directly communication is put in motion.
Public art in its process
After the Second World War, new democratic processes started
in the Occident which naturally affected the culture sector as well.
In the seventies, through slogans like “Culture for everyone!”
(Hilmar Hoffmann), or “Everyone is an artist” (Joseph Beuys), the
art world was no longer seen as an exclusive club but more directly
as part of the society.
Also in the context of sculpture, concepts changed: In
Hannover, Germany, for example, the city started one of the first
urban art projects and bought the “Nanas”, large-scaled sculptures
of Nikki de Saint Phalle. The purchasing and placement directly
into the city, was discussed in the ensuing public controversy. Within
a short time about 20,000 citizens signed a petition against it. The
resulting discussions about this kind of concept did not only reach
the citizens, but the art world as well.
But even when the sculptures were set up in the public space,
the concepts refer more to an outside gallery. As if a conceptual
wave calls: “Art, go out of the museum now, the room is too small!”
With the placement of so-called drop sculptures, sculptures which
66
|
Hannes Neubauer
gave the impression that they were thrown out of a helicopter and
landed by coincidence on a place, in these cases, the art did not
really refer to the site, neither in its architectural, nor its cultural
context.
Together with Joseph Beuys and Alan Kaprow, who based their
artistic strategies with Happenings in the 1960’s more to the place
where an artwork was put in motion, this caused a new discussion
in which the term site-specific gained its importance.
“What is happening around?”, “What is the situation?”, “What
does the space, the culture, the history tell us?”, “How can I express,
act and react to a specific place in a specific situation?” Answering
these questions were the first part of the new homework for the
artist, before choosing material and format.
Because of the specific time in a specific place, in a specific
society, this concept became a direct opposite to the concept of the
white cube, the room which was created for separating an art piece
from its surrounding. In contrast to this timeless and idealized room,
the public space is specified by sometimes visible, sometimes
invisible, but always ever-changing agreements and discourses.
Consequently the questions and artistic answers for acting in
place changed within the years: The sensation and meaning of the
term site-specific evolved from simply referring to the architectural
surrounding and in context of the aesthetics, to encompass the
political, social or economical coherencies in its processes.
Artists combined their creative knowledge with social questions
and initiated, mostly in groups or together with city planners and
social workers, projects to react directly to social problems. For
example, the Austrian artist group “Wochenklausur” focuses on
intervention, to solve long standing social problems in cities directly
within six to eight weeks. Or the project “Park Fiction” in
Hamburg, Germany, which created a completely new architectural
Where the Public (St)art: Public Art and the role of the audience
| 67
concept with the participation of the citizens. This movement which
once was named once by Susanne Lacy as “New Genre Public Art”
had mainly the goal to bring the society back to look to their
immediate surroundings.
In the last two decades, the urban and street art, from graffiti
art to guerrilla planting or self-organized flash-mobs, has increased
from grassroot movements. Nowadays, these manifestations are
accepted by both the public and the “art society”.
All kinds of these artistic expressions are nowadays supported
and curated in big art events, like in the 7. Berlinale in Germany
2012, where mainly political activist groups, like the Occupation
Movement were invited and should reflect social processes by its
format. It:
… did not pursue the type of curatorial concept that communicates
a particular idea through a physical arrangement of artworks in a
space. Rather it was the question how art can allow citizens to
influence reality and foster critical attitudes in society.1
This attempted to bring together the groundswell of political
grassroots movements and combine it with formalised, curated art
events.
To conclude the historic development, you could say that the
main change for art in public has been the way to view the public
space itself. Where it was firstly seen as a box with content, planned
and constructed by a handful “chosen ones”, like politicians,
architects, city planners (and artist as well), so is it now defined as
a space which defines and reconstructs itself anew in an ongoing
process, caused by the society itself. Matthias Schamp, Philosopher,
1. http://www.berlinbiennale.de
68
|
Hannes Neubauer
writer and conceptual artist summarizes in his essay “Public Space
as the Space of Collective Consciousness”:
With so much disparity, it is almost a wonder that the space of
the collective conscious does not disintegrate every single moment.
But in a way, it is doing just that: It continuously disintegrates and
reconstitutes itself. The cement that holds the shop together is
called an inter-subjective arrangement. It arises from the communicative structure of our society, which is basically founded on
exchange - and not only intellectually2
The Artists in context
Like there are different types of strategies to start a communication, for example questioning or confrontation up to waiting
for a start of the counterpart, the type of the artistic format can
vary as well. There is no “right” or “wrong”. A shocking short
time performance to visualize an existing problem which has not
seen before in the public can have the same plausibility as the
initiation of a funding pot for an already visible social problem.
How plausible an artwork in its context is depends mostly on the
experience of the artist himself, mainly how deep and fast he can
“read the room”. That is, how he gets an understanding of a place,
culture etc. Even if there are no “rights” and “wrongs” for the
format, there might be traps in entering a new space, like a hiker
who has to take care when he steps in unknown terrain. I have
often experienced two main traps: The first was to build up too
much imagination and expectation of a new space beforehand, and
2. http://www.okkupation.com
Where the Public (St)art: Public Art and the role of the audience
| 69
therefore drawing a wrong outline which can cause conflicts with
the available time and budget.
The other main trap is the lack of communication with to the
audience, or to communicate with the “wrong” audience during
the realization process. Especially in interactive formats one could
consider the questions: “To who do I address my ideas or
artwork?”, “How do I specify the audience?”, “What makes this
audience to my audience?”, “Can I expect / Do I want direct
reactions?”, “Can my audience change or can I change my
audience?”, and finally “Will the reactions affect me in my artistic
concepts?”
I noticed that coming up with these questions causes immediate
skeptical, and sometimes defensive, attitudes and reactions and
often counter questions about the “freedom of the art” and its
“autonomity” (a term which is questioned in the last decades). Also
the role of “the artist as a servant” is strongly discussed but the
question can be raised, whether or not every artist can be seen as a
“servant for cultural development”.
However, if you go a little bit deeper and even dare to refer to
economy strategies, wherein the well analyzed term of the “target
group” plays an important role for every kind of innovation and
therefore it might be worth a look for stealing knowledge, you feel
like you have to arm yourself with rhetorical weapons before.
Indeed, in the context of the “economization of the arts”, the topic
can be easily seen as a trap for it, but only if you load up the topic
with artistic business strategies, not with general knowledge about
structuring artistic ideas.
70
|
Hannes Neubauer
The audiences in context
Noticing that in other creative fields, like theater, design and
especially media, the science of the audience and the interaction is
already a strongly integrated part in theory and practice, there may
be value in thinking about the audience within a public art project.
For this, it might be useful to question at first who is generally
affected by it. In the field of integration management, you would
call these groups or individuals the “stakeholders”. Independently
from the format or intention of the work, there can be different
individuals or groups who are involved:
Because every work starts somewhere, we have initiators,
persons or groups which put an action in motion. A public artist is
often seen as the first one, but this is only partly the truth. A work
can be initiated by cultural institutes or their members, citizens’
initiative, politicians, or even enterprises.
Secondly, there are participants. Everyone who helps directly
or indirectly to realize a project is part of that group. This can be
cultural institutions, sponsors, other helpers and citizens. Also the
function of media as participants should not be overlooked.
Then we have general attendants which we usually call audience. Inside the audience, there might also be recipients. I see it as a
necessity to note, especially in the art which often is based on
“signs” which are difficult to “decode”, that not everyone who
attends an artwork is a recipient. Especially in the public space, it
requires a special sense for that difference, because it needs to deal
with attendees who sometimes do not want to be part of the
audience or simply cannot decode the work at all. Therefore there
is no communication happening, but these people are affected
somehow and require recognition as well. Also by reflecting the
complete process, other audiences come immediately in mind:
Where the Public (St)art: Public Art and the role of the audience
| 71
A project often starts with a presentation in front of an audience, like a jury or parts of the public in order to get funding or to
communicate the proposition. Also after the work is done, there
might be audiences involved, for example, at an exhibition or a
catalogue.
These different types of audiences are mainly divided in a
mediate and immediate audience. The main difference is the media
between: An immediate audience is an audience which is directly
face-to-face with the speaker, or in a wider sense in this context
with an artwork in the public space. The mediate audience is
affected by the speaker / artist or also in this context an artwork,
through a media between (for example film, photography or text
during an exhibition).
Also different places and the different time play an important
role and therefore require a deeper look: An audience during a
presentation of a process-based and site-specific project in another
place, in another time can never have the same sensation as those
in attendance.
The next group could be named as actors. By actors, I mean
people who are acting directly during the art work, like “artists”.
This is of course the artist themself (or the art group), but, in the
field of interactive and/or participatory artworks, that might
change: the audience can become participants or even actors. Also
the actor can become an audience member.
This morphing of individuals or groups can occur between any
of the stakeholders and I call this “transformation of the audience”,
“transformation of the artist” and so forth.
Within an example of a participatory artwork in public space,
I want to illustrate this variety of transformations, but concentrating
on the audience and artist.
72
|
Hannes Neubauer
A case study
The project COFFEEBEAN was
planned and realized in Ibague,
Colombia, 2010. The realization was
collaboration with University CUN,
especially with Professor Andrés
Francel and some of his students.
The basic idea was, to illustrate the
spontaneous associative imaginations of the people and the surroundings by participation of the citizens.
Based on a word association game, a pedestrian on the street (attendant) was told a term by the students
and he/she should say, immediately, what comes to his/her mind.
The attendant becomes recipient (and was part of the audience as
well).
Where the Public (St)art: Public Art and the role of the audience
| 73
Afterwards the recipient should write his term on a wooden
plate in the shape of an arrow. Therefore the recipient becomes
participant of the installation and (because he materialized his
imagination by writing) can also be seen as an actor or even artist.
The students helped fixing the panels on a place, for example, on a
palm tree or street light. Through this process, the students were
participants but transformed into audience of the actors (the
pedestrian selecting the word). A couple of meters further on, the
next passer-by was asked to refer to that term in the same way. At
the end, a site-specific “story”, (the artwork), was written along
the streets, which illustrated the thoughts of the citizens.
Initially, the project started very well. After some hours,
approximately sixty words were already installed. By taking care
that the recipients referred only to the last term (which was really
necessary to communicate) the audience itself participated and had
interesting imaginations which ended up in a story which indeed
reflects the personalities in their social environment.
But then policemen arrived and forbid the action. The
policemen had in this context a double role: They were attendants
(therefore part of the audience) but not recipients because they did
not decode the happening, what will be seen later. Also they can be
seen as a group of anti-participants, because they try the opposite
of supporting, they try to destroy.
So we needed to stop the project and went to the responsible
authority, an office for public affairs. A student had a remote
connection to an officer there, so we luckily got an appointment in
the same day. We explained the situation and with rhetorical devices
(“this German artist is well known”, “this project could represents
the city later in the whole world”) as well as describing the
happening with documented photos in a very positive way, we
managed even to get on the same day the required permission (and
74
|
Hannes Neubauer
even more official friendly handshakes with some leading
politicians). The officers / politicians transformed from an
intermediated audience (because of the presentation) also into
participants, because they helped to keep the project in motion.
But on the next day, all plates were taken down by the police
during the night. We contacted them and showed our permission,
but they neither wanted to talk with us nor to give the panels back.
One day later, when we had started anew, they brought the plates
back, but they all were mixed together and the words did not refer
to each other. That means, they did not decode the artwork and
therefore stayed in their role as simply attendants.
After our first conversation with the police, we had decided to
start again directly and by this a very interesting phenomenon
appeared: Even though we did not change the place and had also
the same variety of audience / participants, the increasing story was
not fundamentally as poetic as it was the day before. It felt mystic,
that the written words were much less significant, sometimes not
connected to each other and the completely “flow” in the story
and the process crashed down.
I tried to find strongly what kind of conditions might have
changed, for example the weather which affects the mood, different
acting by the students caused by the police shock before or other
happenings in the street which could stand in opposition to our
action… but could not find them.
This phenomenon might echo the changes of audience in a
cinema, wherein in the same showings of the same film cause
different “vibes”. But this has often more to do with the way individuals can act in masses. In this case, the audience was not a mass but
single passengers in movement so this comparison is flawed.
Because neither the format changed, nor the space, nor the
acting of the participants, one could describe it as a visible
Where the Public (St)art: Public Art and the role of the audience
| 75
transformation of what Walter Benjamin described once with the
“aura”. Whatever the reason was, I perceived another phenomenon
at this time: I transformed myself from the initiator and artist into
the role of the audience: In the moments of the process, I watched
the participants, and the actors (the writers) and how the story
increased. But neither as a “controller”, nor as a “manager”: I found
myself observing with recipients eyes. “How do the students ask
the recipients to participate and how is the reaction?”, “How are
the movements of the participants when they start acting”, “Which
terms were written and what do they reflect?” And finally: “Would
it be different in my culture, in Germany? “
That means I try to decode the (cultural) codes of the space,
by the artwork in its action and manifestation in the written terms,
therefore the imaginations of the people in their culture. Also I
caught myself questioning and criticizing the actors due the quality
of their imaginations compared to others, like they were really
“artists” or actors in a film and me a critical visitor of it.
Was I experiencing what French literary theorist Roland Barthes
meant when he wrote “the modern writer (scriptor) is born
simultaneously with his text”?3
Conclusion
Outside of the more secure art places like museums or galleries,
an artist can step into a terrain, where the process and the result
are not only in his own hand.
Even with a good sensitivity for the space paired with analytic
strategies, for example the awareness of a Plan B, this uncertain
3. In Roland Barthes: “The death of the author”, 1976
76
|
Hannes Neubauer
travel or experiment can end up in a totally different result which
was expected – sometimes positive, sometimes negative but in any
case developmental.
Working in a public space which “disintegrates and reconstitutes itself” means also to deal constantly with those changes. To
build up an own long-term artistic strategy or a general artistic
statement can easily become invalid. But it becomes valid to learn
dealing with processes of action and reaction in the same time and
to question not only the own personality, but the “others” with
their actions and reactions, for a better understanding of the specific
moment of the specific space.
Exploring and working in the public space means always
exploring and working with different types of communication and
this requires a deeper look to the counterpart of the art, the
audience.
| 77
O museu de arte como o lugar da educação:
memória, imaginação e pensamento1
CARMEN S. G. ARANHA*
EVANDRO NICOLAU**
Diante da obra de arte no contexto de um museu, o que esse
mero objeto artístico frente aos olhos nos suscita? As obras, muitas
vezes localizadas na categoria “arte contemporânea”, impõem um
distanciamento que nos reporta aos sentidos de vivências de algum
modo inscritos na memória, revivida e imaginada. Assim, podemos
nos ater em uma lembrança de objetos da época evocados e, de
1. Este artigo contou com a colaboração valiosa da pesquisa de Josias
Padilha, em sua participação no desenvolvimento do curso de Formação de
Educadores do Museu do Café, em Santos, ao longo do ano de 2012.
* Professora Associada do Museu de Arte Contemporânea da Universidade
de São Paulo. Doutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade
de São Paulo e Livre Docente em Teoria e Crítica de Arte pela Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Atuou nos Ensinos
Fundamental e Médio como professora de Artes Visuais e História da Arte durante
dezoito anos. Foi professora da Fundação Armando Álvares Penteado, entre 1982
e 1993, na cadeira de Metodologia do Ensino para Professores de Arte.
Atualmente, coordena o Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética
e História da Arte da Universidade de São Paulo. É autora do livro: Exercícios
do Olhar. Conhecimento e Visualidade, 2008, Editoras UNESP e FUNARTE.
** Educador e artista. Mestre pelo Programa Interunidades em Estética e
História da Arte da Universidade de São Paulo. Graduado em Licenciatura Plena
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Carmen S. G. Aranha e Evandro Nicolau
algum modo, também nas suas materialidades ali depositadas. Acessamos a memória, recordamos, imaginamos e, diante do objeto
artístico preservado e exposto no museu, construímos relações de
tempo e espaço por meio de imagens construídas na vivência e imagens apreendidas nos recortes da cultura de cada época.
Gravadas em nossa consciência, as imagens nos inspiram e nos
transportam às várias dimensões das culturas, ampliando nossos
horizontes de significados que, por fim, subsidiam a compreensão
e interpretação da linguagem artística criadora.
Como que é possível, então, na presença da arte, termos a noção
que a apreensão de uma cultura já passada pode transportar-nos
para imagens futuras? Ao ativarmos um processo de imaginação
que remonta ao já vivido, será que poderemos, ao mesmo tempo,
ativar uma forma de memória do futuro? Para o observador da
obra de arte, poderia haver dois momentos concomitantes e contraditórios? Como os espectadores de um espaço de memória, que é o
museu, podem ser capazes de ativar imagens futuras? A partir das
correlações que a arte possibilita, como imaginar o que ainda não
existe e que não está situado no tempo passado? Como transcendemos as imagens que são emergências de outrora para a construção
do não pensado, do não imaginado?
em Educação Artística pelo Instituto de Artes da UNESP, São Paulo. É
coordenador da Divisão de Educação e professor de desenho em cursos de
extensão universitária no Museu de Arte Contemporânea da USP, onde atua como
Educador desde o ano de 2004. Mantém um trabalho artístico nas áreas de artes
visuais, música, vídeo e literatura. Produz e faz curadoria de exposições, além de
escrever e publicar ensaios teóricos sobre educação e arte visual contemporânea.
É autor do livro A Filosofia pelo desenho ou um livro sem citações, 2012, Editora
ComArte.
O museu de arte como o lugar da educação: memória ...
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O lugar da memória
Os museus nascem da homenagem ao templo das musas. Musas
são seres que inspiram, dão aos homens o sopro – spiritus –, que faz
nascer ideias, conceitos, a arte ou o desenho do mundo. Musas são
filhas da memória – Mnemosine. Nasceram do amor de Zeus pela
memória e que deram à humanidade a cultura e os prazeres estéticos.
Cabe aqui uma digressão sobre a história de Zeus. Nascido de
Cronos e Reia, Zeus é um sobrevivente. Narra a mitologia grega
que Cronos se alimentava de seus filhos por medo que se cumprisse
profecia que um de seus descendentes iria destroná-lo. O Titã impede, então, que sua prole leve suas vidas adiante. Porém, é a sobrevivência de Zeus que funda a cultura ocidental: ao se livrar da
maldição do pai, Zeus dá aos homens a possibilidade da existência
da história e das artes; o vivido passa a ser preservado pela linguagem, falada e escrita, e pela imagem. Isso nos leva a interpretar
que a representação do fenômeno substitui o acontecimento, ou
seja, a potência da entidade – ta onto – se lança a um momento,
reapresentando-o em forma de linguagem, construção de imagens
e, desse modo, na linguagem da arte. Revive-se, então, uma situação, uma forma, uma memória.
Distante do passado, nossa experiência se reaviva na imaginação por permitir o deslocamento do nosso ponto de vista para
o do criador e, com essa movimentação, lançarmo-nos às dimensões
ainda não vividas.
Relançar olhares ao que já existiu é uma das formas de aprender. Transpor-se a outros espaços e tempo pode conduzir-nos ao
encontro, dentro de nosso repertório imaginário, de condições de
compreensão de situações, não necessariamente vividas, porém, que
nos dão aquele sopro que faz nascer ideias, conceitos, arte ou o
desenho do mundo.
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Carmen S. G. Aranha e Evandro Nicolau
Imagem e pensamento
O século XIX foi um período em que muito se tratou da questão
da imaginação. O pensador francês Jean-Paul Sartre, ao fazer uma
revisão de autores do período que refletiram sobre o tema, comenta
a compreensão de Henri Bergson sobre o assunto:
[...] Toda realidade tem um certo parentesco, uma analogia, uma
certa relação com a consciência; é por isso que todas as coisas que
nos cercam são chamadas imagens [...]. (SARTRE, 2008, p. 41)
Vemos que Bergson pensa o universo como um mundo de imagens, ou seja, não apenas a realidade visível ou perceptível é imagem,
mas todo um universo abstrato é passível de ser representado.
Diz o filósofo:
Para que uma imagem exista em ato, é preciso que ela possa ser
isolada das imagens que reagem sobre ela, é preciso que, “em vez
de permanecer encaixada no ambiente como uma coisa, destaquese dele como um quadro”. (SARTRE, 2008, p. 41)
Em um museu de arte, todo o discurso ali veiculado deveria
ser evocado e construído por imagens. São as obras de arte o lugar
da imagem, ou seja, da expressão artística visual, território por excelência da representação. Sartre ainda comenta que, para Bergson,
“todo objeto é passível de uma representação” (SARTRE, 2008, p.
41). Ora, a arte localiza-se nesse campo interpretativo.
As imagens são necessárias à formação dos conceitos, não há um
único conceito que seja inato. A abstração tem precisamente por
objetivo, em sua função original e geradora do inteligível, elevarnos acima da imagem e permitir-nos pensar seu objeto sob uma
O museu de arte como o lugar da educação: memória ...
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forma necessária e universal. [...] Toda matéria suscetível de ser
explorada pela inteligência é de origem sensorial e imaginativa.
(PEILLAUBE, 1910, apud SARTRE, 2008, p. 33)
A obra de arte produz a possibilidade do exercício da reflexão
por imagens, não só as vividas como também as pensadas. Como
dissemos anteriormente, em primeira instância, as imagens ativam
a memória e as associações representativas que, por sua vez, excitam
o pensar, a reflexão.
[...] Em consequência de quais condições ele (pensamento) pode
nascer? [...] Seja como for, ele fez sua aparição, fixou-se desenvolveu-se. Porém, como uma função só pode entrar em atividade
sob a influência de excitações que lhe são apropriadas, a existência
de um pensamento puro trabalhando sem que nada que o provoque
é a priori, inverossímil. Reduzido a si mesmo, é uma atividade que
dissocia, associa, percebe relações, coordena. Pode-se mesmo supor
que essa atividade é, por sua natureza, inconsciente e só adquire a
forma consciente pelos dados que elabora [...] para concluir, a
hipótese de um pensamento puro, sem imagens e sem palavras é
muito pouco provável e, em todo caso, não está provada. (RIBOT,
1914, apud SARTRE, 2008, p. 36)
Imagem e pensamento são indissociáveis, segundo Sartre e
Bergson.
[...] Assim como não há digestão sem alimentos, não há pensamento sem imagens, isto é, sem materiais vindos do exterior [...].
(RIBOT, 1914, apud SARTRE, 2008, p. 37)
Com essas premissas, o presente artigo pretende articular a possibilidade de movimentações essenciais no espaço de uma exposição
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Carmen S. G. Aranha e Evandro Nicolau
de arte na compreensão e interpretação de utopias futuras: as imagens e a reflexão sobre o olhar são instrumentais fundamentais para
a construção dessa possibilidade. Nossa hipótese se dirige à ideia
que espectadores de um espaço de memória, como o museu, com
as correlações de imagens que a arte possibilita, podem imaginar o
que ainda não existe na construção de um até então “não pensado”.
Imagem, pensamento, utopias futuras: desafios
didáticos no museu de arte
O museu é um conjunto, uma totalidade, visível em seu edifício
e nas unidades de suas exposições. Ao se iniciar uma visita, estamos
originando um processo de conhecimento, ou seja, de análise, observação dos objetos e organização das novas informações que se
apresentam. Inicia-se a formulação de um novo conceito para,
posteriormente, realizar-se uma síntese da experiência vivida na
exposição. Uma visita é um caminho que parte de um todo desconhecido, segue por pormenores e retorna ao todo, iluminando-o.
Resistência, receio, afirmações como “museu, não conheço, não
entendo”, fazem-nos propor maior reflexão, análise, estímulo para
que se veja o pormenor, a procura de correlações que mobilizem o
relembrar.
Partindo da proposição reflexiva que não há pensamento sem
imagem, como afirmamos anteriormente com Sartre e Bergson,
vemos que uma ordem metodológica possível, no campo da educação em museu de arte, seria ensinar a ver e pensar o ver as
imagens.
Associar imagens observadas às imagens lembradas, projetando-as no caminho que se pode percorrer ao se construir, e propor
uma visita à exposição de arte são movimentações conceituais que
O museu de arte como o lugar da educação: memória ...
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se apoiam na tentativa de se estabelecer uma metodologia da memória, da imaginação e do pensamento de ver.
Olhar-pensar
Segundo o filósofo Merleau-Ponty, precisamos, na verdade, de
acreditar que há um olhar que pode desmanchar os pensamentos
tecidos somente com a razão (CHAUI, 2002, p. 5). Esse olhar-pensar
deve criar argumentos visuais sobre não coincidências e irrazões
(CHAUI, 2002, p. 4), objetivando olhar as coisas do mundo ao invés
de lê-las. Um exercício, nesse caso fundamental, é o exercício do
olhar que tece o conhecimento criador e objetiva trazê-lo à luz no seu
sistema de correlações (ARANHA, 2011, pp. 11-12). Ver os objetos
do mundo, correlacioná-los visualmente e criar uma interpretação
com os elementos que caracterizam e organizam a linguagem das
artes visuais é um processo de conhecimento. Ao fazer esse exercício, estamos oferecendo a construção de um saber, certamente mais
orgânico que a leitura da imagem, ou seja, sua adequação a um texto: para além de qualquer enunciado, há o olhar-pensar a arte, uma
espiral de aproximações que pode resgatar ordens de visualidades.
Eu teria muita dificuldade de dizer onde está o quadro que olho.
Pois não o vejo como se olha uma coisa, não o fixo em seu lugar,
meu olhar vagueia como nos nimbos do Ser, vejo segundo ele ou
com ele mais do que o vejo. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 18)
Apoiados nessas reflexões sobre a compreensão de um olharpensar que dilui racionalidades diante da obra de arte, algumas
ideias-guias serão agora situadas, objetivando mostrar movimentações possíveis para os processos educativos em museus de arte.
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Carmen S. G. Aranha e Evandro Nicolau
Sob as asas de motivações que acreditamos essenciais, apontamos para algumas orientações baseadas em nossa própria experiência em relação aos horizontes da criação artística, objetivando
um sentido novo para a apreensão da obra de arte.
As orientações a seguir procuram absorver a imagem artística
como linguagem em si, clara e compreensível (ARANHA, 2011, pp.
11-12):
¾ O visitante se movimenta no espaço da exposição; essa experiência vivida é habitada por uma visão que junto se move.
¾ Esses deslocamentos inquietam o visitante e podem ser por ele
decodificados em cifras visuais dessa vivência: o olhar-pensar
vai desmanchando pensamentos apenas construídos com a razão
e argumentos visuais, sobre não coincidências e irrazões,
relacionam imagens.
¾ Nessa formação, o pensamento de ver carrega-se de sentidos
visuais, ou seja, codifica-se em elementos das artes visuais, nos
próprios indícios da organização de um sistema de correlações
como possibilidade de construção da nova imagem: refletimonos em muitos diálogos, nas linguagens artísticas, nas mais diversas formas e nos mais variados conteúdos da arte.
¾ E, assim, a visão das imagens que se movimentam na procura
de origens e, nesse passeio, codificam seus encontros nos exercícios do olhar-pensar.
Algumas pontuações sobre mediação e cultura atual
Mediar a relação entre espectador e objeto museológico buscando construir novas formas de pensar o campo das instituições
culturais na contemporaneidade é um desafio. Desafio esse que tem
O museu de arte como o lugar da educação: memória ...
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pela frente o crescimento das informações do cyberespaço, onde a
lógica narrativa, discursiva, cronológica se dissolve e se pulveriza;
lugar em que a cultura num mundo em crise se transforma e aponta
para múltiplas identidades e reivindicações de uma nova geração
que surge. As formas de comunicação começam a misturar a tradicional concepção de seu processo, fundado na estrutura emissormensagem-receptor, criando um processo em rede, dês-hierarquizado e horizontal de troca de informações. Na comunicação
contemporânea, os discursos se mesclam; a polifonia (NICOLAU,
2011, pp. 149-166) ganha espaço e o que era público-espectador,
pura e simplesmente, ganha voz e se torna coautor de mensagens.
Neste aspecto, mais que a imaginação que se lança ao passado, fazse urgente imaginar o futuro, o porvir, de uma sociedade plural,
global, “pós-histórica” e digital.
Em que medida os espaços culturais poderiam contribuir com
essa construção, inclusive originadas no seio de uma cultura aristocrática e dominante?
A ideia de preservar e expor, em grande volume de mostras e
exposições, muitas vezes, sobrepõe-se a de educar. As instituições
normatizam por meio de teorias, curadorias e pesquisas o poder
de dirigir o olhar e até mesmo o de afirmar o que é boa ou má
cultura. Esgota-se a capacidade de imaginar um mundo.
Num momento em que se clama por soluções que considerem
a participação de novos autores, faz-se necessário um olhar-pensar
atento que busca imagens genuínas e, também, compreender para
quem falamos, quem é nosso público: para uma real compreensão
desse interlocutor, é necessária a existência do diálogo, da escuta
dessa voz, que hoje se torna participativa.
O discurso erudito e oficial da instituição, muitas vezes, não é
compartilhado pela forma de comunicação que tem se constituído
na cultura atual, principalmente, entre os jovens. Há que se
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Carmen S. G. Aranha e Evandro Nicolau
conquistar uma adaptação dessa fala, de se procurar as razões de
fato que validem a existência das instituições museológicas e sua
importância na formação individual e coletiva da sociedade.
Para que se encontrem possíveis formas de leitura, de aproximação do objeto e de uma exposição, é preciso ter claro qual é o
discurso do museu? De que forma ele interfere ou contribui com o
método da visita? E, o mais importante: o público que ouve também
fala?
É justamente nesta conjuntura que entra, estrategicamente, a
educação, os serviços educativos, os programas de atendimento e
recepção de público. É, nesse momento, que o fundamental é considerar o papel da educação em museus de arte.
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Deslocamentos de um viajante
STELA BARBIERI*
As experiências com a arte, os estados de arte e as relações de
arte podem trazer experiências de deslocamento, assim como as
brechas que as viagens podem nos trazer, brechas em nós mesmos,
deslocamentos físicos, simbólicos, afetivos. A mobilização de estar
em outro lugar, a viagem nos chama atenção/tensão, nos deixa
esticados, despertos/espertos, presentes. Assim como os encontros,
é uma experiência que fica encarnada em nós, que faz parte da nossa
corrente sanguínea. Walter Benjamin dizia que em cada gesto está
contida toda nossa biografia, que não temos como negar o que
vivemos, porque isso está no nosso jeito de fazer as coisas, no nosso
olhar para o que vemos.
As obras de arte precisam do outro para viver. Nelson Leirner
disse, em um vídeo que assisti, onde falava sobre seu trabalho: eu
sou um homem pela metade, o mundo me completa.
Somos todos metade que precisamos do mundo e dos outros
para ser.
Estamos sempre no meio do caminho, no meio do processo,
no meio de nossas urgências, imersos no que a vida nos provoca
agora.
* Curadora do Educativo da Bienal de Artes de São Paulo.
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Stela Barbieri
Projetos de ação educativa trabalham com relações, com troca,
com conflitos, com ativação da percepção e do sensível, um trabalho
de colaboração e educação mútua, onde podemos desfrutar do estar
junto aprendendo com o outro, um espaço que pode ser instaurado
para por perguntas em contato, explicitar urgências, crenças e descrenças, ambientes que podem ativar outras possibilidades de nossos
dispositivos relacionais e nos por em movimento, corpo e
pensamento.
Estar junto é uma chance de mudar de posição. Estamos vivos!
Podemos pensar a cidade com essa possibilidade educadora,
deslocamentos dentro da cidade, olhar para a arquitetura, perceber
que também fazemos parte da cidade.
Quando enfrentamos o trânsito, quando andamos de ônibus,
quando olhamos o movimento da cidade nas obras públicas, isso é
uma maneira de participar, mas só se tomarmos consciência disso.
Viver os estados da arte na cidade. Viver as várias gramáticas de
cada espaço e/ou contexto.
É recorrente, no fluxo alucinante da vida contemporânea, as
reações serem mecânicas e, com frequência, as pessoas reagirem
da mesma maneira a diferentes contextos, como shopping, escola,
museu, templo, casa, estádio de futebol. É importante que as
crianças aprendam que podemos ser muitos e usar os diferentes
dispositivos que temos para nos relacionar com diferentes realidades. Que percebam que as instituições culturais são lugares para
sentir, perceber, pensar, expressar, conversar e trocar, lugares da
concentração, da presença.
Perceber os ambientes e tomar consciência de como este estar
do lugar nos afeta e que reação podemos ter ao lugar, para que
possamos estar em estado de percepção. Isso vai nos trazendo os
matizes de nós mesmos, nuances desmecanizantes, vai criando um
universo diferenciado para cada pessoa. Se temos recursos,
Deslocamentos de um viajante
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chegamos em um lugar e sentimos como interagir com ele. Não
precisamos ser os mesmos o tempo todo.
Nós somos muitos em nós. Com uma determinada amiga,
morremos de rir. Com outra, ficamos mais silenciosos. No nosso
trabalho, somos concentrados e na nossa casa, cantamos. Essa
diversidade que existe em nós precisa ter lugar. As crianças, às vezes,
acham que a vida é só videogame, televisão, escola sentada na cadeirinha. Não pode ser assim! A escola também precisa ter esse lugar
da diversidade. Está na moda falar em diversidade, mas exercê-la
é muito difícil. No nosso ambiente de trabalho, é difícil exercer
esse lugar daquele que aceita o outro como ele é, mesmo ele sendo
tão diferente de mim e acreditando em coisas que eu não acredito.
Por outro lado, existe um lugar da viagem na nossa imaginação.
Quando um ilustrador, por exemplo, vai fazer um castelo russo sem
nunca ter ido à Rússia, ele pode recorrer aos livros, mas ele precisa
imaginar aquele lugar. Na Bienal, por exemplo, é recorrente, quando
os professores das crianças chegam, perguntarmos: “Você achava
que aqui era assim mesmo?”. Geralmente os professores dizem que
não, que imaginavam algo bem diferente. Essa expectativa pode ser
uma qualidade, de entusiasmo, de curiosidade, de algo que você vai
alimentando dentro de você. E quando você imagina um lugar, você
se transporta para ele também. Por exemplo, o mundo árabe, com
seus palácios e a Amazônia, com aquela floresta incrível.
A natureza é incrível. Uma vez eu fui com um grupo de professores a uma floresta perto de Parauapebas. Quando voltamos, as
professoras falaram: “Puxa, a natureza é muito mais ousada do
que nós, porque tem plantas de tronco branco, folhas vermelhas e
roxas, e nós não deixamos nossos alunos pintarem as árvores com
cores diferentes”.
A natureza é inusitada, ela tem folha vermelha, roxa, amarela.
Essa possibilidade de imaginar. Imaginar é também construir. A
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Stela Barbieri
cidade foi feita pelos homens. Todos esses lugares por onde andamos
foram feitos por mãos humanas. Mesmo esse espaço onde estamos,
tudo isso foi feito por pessoas. A roupa que vestimos, tudo faz parte
de um sistema humano. Isso faz com que nós tenhamos outra
relação com as coisas, com o ambiente, com as roupas que vestimos,
com as comidas que comemos.
Aristóteles dizia que a imaginação vem do mesmo lugar da alma
que a memória. Quanto mais experiências ricas tivermos, mais
recursos teremos para imaginar, mais possibilidades imaginativas
e, portanto, mais possibilidade de ações diferenciadas. Mas é importante que as relações sejam prazerosas. Muitas vezes, assumimos
o lugar do não. Outras vezes, o lugar do sim. Qual é essa tenacidade
do lugar que ocupamos?
Existem muitas formas de viajar e a viagem é algo que nos põe
em alerta, em estado de atenção. Nós podemos viajar para dentro
de nós, através da literatura, das histórias que nos contam, da nossa
imaginação, e para fora de nós, pelos deslocamentos. Também podemos viajar na nossa casa. Vocês já repararam que, quando vamos
receber visitas, reparamos em tudo o que está empoeirado, desarrumado e damos aquela arejada? Muitas vezes, nossa casa vai ficando
com uma energia parada e não percebemos isso. A escola também.
Muitas vezes, percebemos a sala de aula arrumada, com as cadeiras,
as mesas e os móveis, mas não damos vida àquilo. A vida é da nossa
própria energia, é de poder movimentar as cadeiras e fazer um círculo, poder arrumar o armário de outro jeito, é colocar nossa singularidade nas coisas.
Não tem como nos abstermos disso, porque fazemos as coisas
do nosso modo, não tem como fazer as coisas do modo do outro.
Por mais que tentemos, pegamos a receita de bolo de outro e fazemos do nosso jeito. Embatuma, fica mais saboroso, fica com algo
diferente, não tem jeito, fazemos do nosso modo. É importante
Deslocamentos de um viajante
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assumirmos isso conscientemente e perguntarmos: De que modo
estou fazendo?
Esses deslocamentos acontecem, também, sem sair do lugar,
no espaço onde estamos, dentro da nossa imaginação. É importante
colocarmos um foco de luz. O que estamos valorizando no nosso
dia-a-dia? O que valorizamos nesses deslocamentos, em nós, no
outro, nas nossas relações? É importante iluminar esses lugares com
consciência, que os relevos que criamos no nosso dia-a-dia e os
materiais que recebemos tenham uma intencionalidade, um vigor,
temperatura e tempero.
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O Meu, o vosso e o nosso sonho
ANA AMÁLIA TAVARES BASTOS BARBOSA*
Antes de começar, quero deixar claro que, apesar de meus
alunos terem paralisia cerebral, ou melhor, dizendo, terem lesões
cerebrais, ou mais modernamente falando encefalopatia congênita,
não sou arte-terapeuta, não faço e nem pretendo fazer arte-terapia.
Sou arte/educadora e o que eu faço é arte/educação. Porém, acredito
que todo fazer artístico tem função terapêutica.
Com Umbertina Conti Reed (1997, p. 305), aprendi que o
“quadro motor sequelar da paralisia cerebral varia num mesmo
indivíduo quanto à natureza semiológica e quanto à intensidade”.
A autora ressalta o fato de as lesões não serem progressivas, o que
é um elemento facilitador da educação.
Em Arte/Educação, vislumbrei a possibilidade de trabalhar com
o que Nitrini (1997, p. 12) chama de receptores sensoriais, apoiada
em Susanne Langer (1980), que considera os sentidos os órgãos da
mente.
* Ana Amália Tavares Bastos Barbosa é artísta plástica e arte/educadora
formada pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP/SP), em 1991. Estudou
História da Arte na Texas University at Austin, Design na School of Visual Arts
e Litografia na Columbia University, em New York/USA. É doutora pela Escola
de Comunicações e Artes da USP.
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
Os sistemas exteroceptivos, são responsáveis pela sensibilidade a
estímulos externos e incluem a visão, audição, a sensibilidade
cutânea, o olfato e o paladar.
Os sistemas proprioceptivos relacionam-se às noções de posição
do corpo no espaço e dos segmentos do corpo em relação aos demais. Os sistemas interoceptivos responsabilizam se pela sensibilidade a estímulos provenientes de vísceras, vasos sanguíneos e
outras estruturas internas.
Um dos objetivos que determinei para meu trabalho foi estimular a sensibilidade proprioceptiva e a sensibilidade exteroceptivas. Comecei a trabalhar com as crianças a partir do corpo no
espaço (sensibilidade proprioceptiva). A minha própria experiência
comprovava a importância do reconhecimento do corpo em relação
ao espaço.
Quando voltei a pintar, um dos meus primeiros trabalhos foi
um autorretrato. O meu médico, o Dr. Ayres Teixeira, que procura
sempre me estimular, fez-me ficar em pé amarrada em uma cama
ortostática frente a um espelho na vertical, para que eu me visse
inteira. Ele me dizia: “olhe, seu corpo não se move, mas você tem
corpo, você não é só cabeça”.
Realmente! Eu posso não mexê-lo, mas tenho corpo. A cadeira
é um instrumento e não a extensão do meu corpo. Não foi o primeiro profissional a me fazer encarar o espelho, mas foi “quando
deu o clique”. Eu tinha que estimular as percepções sensoriais, corporal e espacial nas crianças. Elas precisam ter domínio do próprio
corpo, apesar de ele ser manipulado por outros. Esse é o princípio
da autonomia!
O Meu, o vosso e o nosso sonho
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Esta experiência em relação à negação de meu próprio
corpo coincidiu com o início do
trabalho com as crianças. Uma
das primeiras atividades que
projetei para elas não era nenhuma novidade metodológica,
mas aprendi com a Abordagem
Triangular (B ARBOSA , 1992,
B ARBOSA e C UNHA , 2010): a
experiência da arte na educação
não é a novidade que temos que
priorizar, mas o contexto, e as
necessidades do grupo com o
Figura 1. Autorretrato de Ana Amália,
qual se trabalha. Pedi para co2006
locarem um rolo de papel Kraft
no chão e propus às crianças deitarem sobre o papel enquanto seus
cuidadores desenhavam o contorno de seus corpos no papel, depois
recortá-los e pintá-los e, por fim, construir cenas. Nestas cenas, as
representações de seus corpos se inter-relacionam uns com os
outros, dialogam, brincam, exploram o espaço como não podem
fazê-lo na vida real, pois estão presos a cadeiras de rodas. Através
da representação e da imaginação, eles vão além das limitações que
lhes são impostas.
Carmela Gross (1984, p. 110) já havia trabalhado com o contorno dos corpos dos alunos em uma atividade na Pinacoteca do
Estado nos anos 80, quando o diretor era Fábio Magalhães. A diferença é que as crianças desenhavam o contorno dos corpos umas
das outras, o que as crianças com quem eu trabalho não podem
fazer. Portanto, para uma percepção mais aguda do corpo no espaço, acrescentamos o trabalho de criação de diferentes cenas com
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
os desenhos dos corpos das crianças. Foi uma atividade muito prazerosa e divertida para eles e também valiosa para desenvolver a
relação uns com os outros e com o espaço. A ida ao Instituto Tomie
Ohtake para verem, perceberem o movimento de seus corpos e da
cadeira de rodas, instrumentalização de seus corpos, em relação
ao espaço expositivo e ao movimento das esculturas de Tomie
Ohtake, assim como a ida ao Parque da Luz, também foram guiadas
pelo mesmo objetivo, desenvolvimento da sensibilidade proprioceptiva para mobilizar a mente, ampliar o campo de referências e
estimular o interesse cultural.
Recentemente houve um grande retorno ao estudo do desenho
em relação ao desenvolvimento para investigar a forma de
relacionamento intercerebral que o desenho provoca.
Nos dias 28 a 30 de outubro de 2011, houve no Departamento
de Arte/Educação do Teachers College da Columbia University,
onde estudei e com o qual me mantenho em comunicação, um
encontro de pessoas que pesquisam o desenho como forma de
pensamento. Estão criando na Inglaterra um robô que seja capaz
de demonstrar as funções cerebrais que um desenho mobiliza. Um
dos trabalhos feitos neste encontro foi deitar as pessoas em papel
Kraft, como eu fiz com as crianças, e propor que elas desenhassem
com as duas mãos ao redor de si mesmas sem se levantar; só
desenhar até aonde seus braços e mãos tivessem alcance ao redor
de si. O objetivo era outro: mostrar como as soluções gráficas
variam de indivíduo para indivíduo. A pesquisa com o robô é muito
complexa para dar conta desta diversidade.
Portanto, uma mesma atividade proposta também varia de
acordo com a diversidade dos objetivos a serem atingidos,
tornando-se outra atividade, semelhante apenas na forma.
Outros trabalhos, como o brincar com as cores, foram
programados para estimular a sensibilidade exteroceptiva,
O Meu, o vosso e o nosso sonho
| 99
responsável pela captação de estímulos externos que incluem a
visão, audição, a sensibilidade cutânea, o olfato e o paladar.
É muito difícil determinar a amplitude da cognição, da capacidade de aprender de crianças que nasceram com paralisia cerebral.
O sistema escolar tende a rejeitá-las ou a abandoná-las na sala de
aula. Pelo que aprendi com Jerome Bruner e Elliot Eisner (não posso
citar seus livros, pois os li antes do AVC e minha biblioteca foi roubada por quem ficou em minha casa) que a melhor atitude pedagógica é alternar atividades muito simples com outras de mais alta
complexidade. Assim, a capacidade cognitiva da criança filtra aquilo que pode aprender. Eu garantia a mobilização cognitiva com as
atividades muito simples, como colocar cores diferentes com um
pincel no papel uma experiência que todos podiam processar; e a
ida aos espaços culturais proporcionava experiências mais complexas, em que eu não sabia até onde nem o que eles poderiam
processar.
A ideia era garantir o mínimo e ousar o máximo, nunca nivelar
por baixo com a desculpa de que eles não entendem. Na videografia
internacional, há vários documentários de mães lutando para que
as autoridades escolares reconheçam que seus filhos com paralisia
cerebral têm capacidade de aprender mesmo se não conseguem falar.
O mais impressionante deles é o As autoridades estão sempre certas,
apresentado no Festival Assim Vivemos de 2009, no CCBB de São
Paulo. A película mostra a luta da mãe de um menino que teve
paralisia cerebral ao nascer para matriculá-lo em uma escola inglesa
de crianças normais. Seu filho fora encaminhado para uma escola
de deficientes mentais. Quando consegue vencer juridicamente,
depois de anos a decisão chega tarde, o menino acabara de morrer.
O site E-HOW procura mostrar o que devem os professores
saber sobre a Paralisia Cerebral. Neste site, Dr. Greene, no artigo
“Cerebral Palsy Source: Teaching”, diz que 75% das crianças com
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
paralisia cerebral tem inteligência normal. Ele menciona relatos de
mães, como a mãe que é entrevistada no vídeo inglês acima mencionado, demonstrando que há enorme dificuldade em se aceitar que
eles podem aprender. Minha mãe tem esta experiência. Mesmo
pessoas eruditas a olham com piedade quando ela afirma que eu
tenho a cognição e a memória perfeitas. A próxima pergunta do
interlocutor é quase sempre: “Ela entende o que eu digo?”...
Pronunciado com evidente incredulidade.
Uma recomendação que o Dr. Greene faz é que nunca devemos
presumir que uma criança com paralisia cerebral não pode fazer
ou entender alguma coisa. “Many times the child will surprise you
with what they can indeed accomplish, despite disabilities”1
Ele acrescenta que a maior parte das crianças com paralisia
cerebral pode se desempenhar tão bem ou possivelmente melhor
do que estudantes de capacidade média. Como muitas vezes eles
não podem falar, como a maioria dos meus alunos, ficam impossibilitados de facilmente demonstrar suas capacidades cognitivas.
Outros podem lutar mais por causa de déficits mentais, mas eles
devem ser encorajados a atingir altas expectativas também.
Outro dos meus objetivos foi a ampliação do campo cultural
dos alunos como já me referi anteriormente. A Pedagogia vem dando muita ênfase ao desenvolvimento cultural como fator propiciador do desenvolvimento cognitivo com bases em Vygotsky, Paulo
Freire e outros culturalistas.
A “privação cultural” vem sendo apontada como uma das
causas das dificuldades de aprendizagem. Meus alunos tem dificuldade de locomoção, seus pais trabalham e têm pouco tempo para
1. GREENE, Dr. What Should Teachers Know About Cerebral Palsy?
Disponível em: <http://www.ehow.com/about_5266377_should-teacherscerebral-palsy.html>. Acessado em: 07 Nov. 2011.
O Meu, o vosso e o nosso sonho
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levá-los a entretenimento e espaços culturais. São pais com uma
sobrecarga enorme de trabalho doméstico e responsabilidades. Para
vencer a “privação cultural” e assim ampliar o desenvolvimento
cognitivo não é necessário apenas expô-los a cultura, mas levá-los
a pensar sobre ela, a se conscientizarem dos valores culturais aos
quais são expostos.
Isto é tarefa da escola que deve se constituir em um laboratório
de experiências.
No site Le Sueur Consultoria e Cursos a Distância, encontrei
um texto sobre o trabalho de Reuven Feuerstein2 com crianças órfãs
dos campos de concentração nazistas depois da segunda guerra
mundial. Infelizmente o texto não tem autor nem bibliografia, mas
diz categoricamente: “Feuerstein (1997) rompe com os paradigmas
de que a idade e fatores orgânicos como a herança genética, anomalias cromossômicas, emocionais, sejam impeditivos para a modificabilidade cognitiva e afetiva, sejam irreversíveis e a causa central
da falta de aprendizagem”.3
Realmente ele vem trabalhando com mediação cultural ou com
a consciência cultural como fator gerador de desenvolvimento
cognitivo, nos cargos de pesquisador e diretor do Internacional
Center for the Enchancement of Learning Potencial, em Jerusalém.
No site citado há um relato atribuído a Feuerstein
Durante a Segunda Guerra, vivi em campos de concentração e depois em prisões nazistas. A guerra acabou e dediquei-me às crianças
sobreviventes do holocausto. Elas foram para Israel depois de
2. Le Sueur Consultoria e Cursos a Distância. Disponível em: <http://
www.cursosadistancia.pro.br/teorias_aplicadas/cursos_a_distancia_reuven_
feuerstein.htm>. Acessado em: 15 dez. 2011
3. (Idem).
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
passarem três, quatro anos nos campos de concentração. Seus pais
haviam morrido em câmaras de gás. Algumas chegaram em Israel
como esqueletos. Eram totalmente analfabetas aos oito, nove anos
de idade. Eu não podia aceitar que fossem retardadas ou idiotas.
Passei mais de sete anos trabalhando com essas crianças. Não
conseguiam organizar o pensamento, nem suas ações. Uma noite,
em Jerusalém, um dos meninos, com oito anos, deitou-se ao meu
lado e então começamos a ler filosofia juntos. A mudança era
possível.4
Este é o relato de um caso extremo de privação cultural e de
todos os direitos humanos, mas a Pedagogia Cultural (TREND,
1992), baseada em Paulo Freire e Henry Giroux, vem demostrando
no cotidiano escolar a força da cultura conscientizada para o desenvolvimento da cognição.
Como surgiu a pesquisa?
Em meados de 2007, como parte do meu tratamento de reabilitação junto à terapia ocupacional no Instituto de Medicina Física
e de Reabilitação IMREA do Hospital das Clinicas HC da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo FMUSP, antiga
DMR, Divisão de Medicina de Reabilitação, comecei a ministrar
oficinas de arte. Eram adultos com alguma deficiência física. Eu
preparava a aula por escrito, imprimia uma cópia para cada aluno
e levava. O professor responsável que me acompanhava lia junto
com os alunos. Eles pegavam o material e trabalhavam. No fim,
olhávamos todos os trabalhos, eu levantava algumas questões, mostrava a obra de algum artista e conversávamos.
Eu não imaginava que seria possível retomar a docência, afinal,
eu estava tetraplégica e muda. A convivência com os alunos foi uma
4. (Idem).
O Meu, o vosso e o nosso sonho
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reviravolta na minha vida. Como não posso comer, usava uma sonda nasoenteral que me dava aspecto de doente. Depois das oficinas
que dei no IMREA, fiz a gastrostomia para poder tirar a sonda
nasoenteral e retomar um aspecto mais saudável.
Na mesma época, inscrevi-me para o doutorado na ECA-USP.
No início de 2008, a Marisa Hirata (terapeuta ocupacional que
me atende desde 2004) e a Suely Katz (gerente da ONG Nosso Sonho)
me chamaram para lecionar arte a um grupo de seis crianças, três
meninos e três meninas, na Associação Nosso Sonho. São crianças na
pré-alfabetização, cadeirantes, todos com déficit visual e de força
muscular, tetraparesicos sendo um diparético. Cinco delas são mudas, as que foram diagnosticadas com paralisia cerebral, uma é hidrocefálica. Duas tiveram anoxia de parto, uma delas sequela de bilirrubina, outra sequela de toxoplasmose e um prematuro e gêmeo.
Fiquei em pânico, mas extremamente desafiada. Afinal, tanto
a faixa etária (na época em que iniciamos elas tinham 7, 8 ou 9
anos, hoje são pré-adolescentes) quanto a paralisia cerebral me eram
totalmente desconhecidas. Estudei, respirei fundo e aceitei. O meu
médico Dr. Ayres Teixeira me deu uma bibliografia sobre disfunções
cerebrais. Dessa bibliografia o que mais me ajudou foi o livro de
Ricardo Nitrini, A Neurologia que todo médico deve saber (1997).
No começo eu dava aula acompanhada da arte-terapeuta, da
terapeuta ocupacional e da coordenadora pedagógica. Aos poucos
elas foram me deixando sozinha com a professora. Não me apavoro
mais, tenho meus artifícios como a buzina (que eu aciono com a
cabeça e que eu uso para que prestem atenção a algo). Paralelamente, eu estava cursando as disciplinas do doutorado e o projeto
foi sendo alterado até chegar ao projeto que deflagrou o trabalho
com as crianças que apresentei.
Trata-se de pesquisação colaborativa, com a participação de
especialistas das diversas áreas da escola, especialmente da profes-
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
sora de classe. Associei à pesquisação a Arts Based Research in Art
Education, abordagem metodológica lançada por Elliot Eisner nos
anos oitenta e revista nos anos dois mil por Ricardo Marin (2010),
que a vem praticando com seus orientandos na Universidade de
Granada, Espanha. Trata-se de pesquisa que seja explicitada através
da imagem. O que apresento aqui é uma pesquisa em que o relato
integra texto e imagem de forma a ambas as linguagens se integrarem e se completarem para o entendimento do leitor.
Algumas vezes citei textos que escrevi no meu Blog, no calor
da hora, imediatamente depois da experiência, porque dele também
veio muita resposta positiva e muito estímulo nos momentos mais
difíceis desta jornada em direção a um pensamento mais estruturado. Pesquisação é pesquisa qualitativa e sua qualidade essencial
é a transparência da subjetividade do pesquisador. No exame de
qualificação, perguntaram-me onde eu estava, dando a entender
que eu devia mostrar mais integralmente minha ideias e circunstancias, não apenas o resultado do trabalho com os alunos.
À primeira vista, meu trabalho de doutorado não tem relação
com minha pesquisa anterior de mestrado, que foi sobre a interdisciplinaridade possível entre o ensino de inglês e ensino de arte.
Minha pesquisa agora não é a interdisciplinaridade de conteúdo,
mas introjetei a interdisciplinaridade como atitude definida por
Ivaní Fazenda (1994):
[...] uma atitude diante de alternativas para conhecer mais e melhor,
atitude de espera ante os atos consumados, atitude de reciprocidade que impele à troca, que impele ao diálogo -ao diálogo com
pares anônimos ou consigo mesmo, atitude de humildade diante
da limitação do próprio saber, atitude de perplexidade ante a
possibilidade de desvendar novos saberes, atitude de desafio –desafio perante o novo, desafio em redimensionar o velho -Atitude de
envolvimento e comprometimento com os projetos e com as
O Meu, o vosso e o nosso sonho
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pessoas neles envolvidos atitude, pois, de compromisso em construir sempre da melhor forma possível, atitude de responsabilidade
mas, sobretudo, de alegria, de revelação, de encontro, enfim de
vida. (FAZENDA, 1994, p. 31.)
Minha experiência de retornar a ensinar Arte depois de cinco
anos de mudez e tetraplegia, resultado de um AVC de tronco cerebral, foi fundamental para a reabilitação da identidade perdida de
professora que marcou minha vida desde os 15 anos de idade. Na
época, eu dava aulas de Arte nas praças de São Paulo com um grupo
de professoras da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
em um projeto de Educação Popular.
Aquelas eram aulas para crianças nos tempos do modernismo
expressionista em Arte/Educação bem diferentes das aulas que eu
planejava para a oficina de artes do IMREA mais informadas
culturalmente e mais contextualizadas.
Como já disse, no IMREA eu preparava a aula e levava escrito
para os alunos. O professor responsável já sabia por e-mail do que
se tratava e providenciava o material com antecedência. Os alunos
eram adultos, com algum déficit motor, sequelas menos severas que
as minhas e a dos alunos com quem convivo hoje. A seguir algumas
aulas no IMREA:
OBSERVAÇÃO
VAMOS TENTAR OLHAR TUDO QUE NOS RODEIA DE FORMA
DIFERENTE, COMECEMOS COM UM OBJETO COMUM, O
PREGADOR DE ROUPA.
ANTES DE DESENHAR, PEGUEM UM PREGADOR E SINTA O PESO,
A TEXTURA E VEJA COMO ELE FUNCIONA.
AGORA, COM UM LÁPIS, DESENHE, DETALHADAMENTE, UM
PREGADOR. VC TEM 5 MINUTOS.
MUDE A POSIÇÃO DO PREGADOR E DESENHE DENOVO, AGORA
VC TEM 1 MINUTO.
106
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
MUDE A POSIÇÃO E DESENHE MAIS UMA VEZ. AGORA VC TEM
30 SEGUNDOS.
AGORA DESENHEM, NOVAMENTE, POR 5 MINUTOS.
OLHEM OS DESENHOS DOS OUTROS.
VAMOS CONVERSAR UM POUCO:
– VC JÁ TINHA VISTO UM PREGADOR DE ROUPA?
– QUANTAS VEZES VC OLHOU ATENTAMENTE PARA UM
PREGADOR DE ROUPA?
– QUE OUTROS OBJETOS OU PESSOAS VC GOSTARIA DE OLHAR
DE UM JEITO DIFERENTE?
VÁRIOS ARTISTAS TRABALHARAM A PARTIR DE OBJETOS
COMUNS. O ARTISTA QUE EU ESTOU MOSTRANDO EH APENAS
UM.
ANA AMÁLIA
26/09/07
Apresentava então a obra de Claues Oldenburg que eu introduzia assim:
Figura 2. Obra de Claues Oldenburg.
Depois de estimular a observação de um objeto de uso cotidiano, um dos mais baratos no
mercado de utilitários domésticos, busquei impulsionar a
imaginação:
O Meu, o vosso e o nosso sonho
| 107
VCS JÁ FIZERAM DESENHO DE OBSERVAÇÃO E DE MEMORIA
DOS PREGADORES.
TEM UM ARTISTA, O CLAUS OLDEMBURG, QUE FEZ UMA
ESCULTURA GIGANTE DE UM PREGADOR.
E VC O QUE FARIA? USE SUA IMAGINAÇÃO E CRIE UM DESENHO
EM QUE APAREÇAM PREGADORES. USE COR SE QUISER, E TODO
O ESPAÇO DO PAPEL.
ANA AMÁLIA 31/10/2007.
Estas oficinas me fizeram reacreditar no poder organizador da
arte para mim e para os adultos com quem trabalhei.
Fiquei tão entusiasmada que propus um projeto de desenho
para todos os usuários da piscina do IMREA. Segundo Maurício
Koprowski Garcia diretor da hidroterapia do IMREA, que introduziu no Brasil o método Halliwick:
Mais de mil pessoas com deficiência foram atendidas pelo Projeto
Halliwick na piscina da unidade Lapa do IMREA desde sua implantação há 4 anos.
O controle da respiração, do equilíbrio e dos movimentos na água
são os principais objetivos do Método. As atividades são elaboradas levando-se em consideração a habilidade de cada grupo,
portanto o programa inclui todos, independentemente de sua
deficiência.
Com apoio da Associação Halliwick Internacional e Associação
Brasil Halliwick este é um projeto pioneiro no Brasil. Foram mais
de 68 mil atendimentos e inúmeros benefícios aos usuários, exclusivamente pessoas com deficiência. (Maurício Koprowski Garcia
em depoimento a Ana Amália Barbosa, em 2008)
108
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
Maurício Koprowski Garcia é não só muito competente, mas
muito cuidadoso com os pacientes. Quando minha mãe desesperadamente procurava hidroterapia para mim e fui recusada em
todos os lugares, inclusive na AACD, ela ligou para o então Secretário de Estado da Saúde, Dr. Barradas, que garantiu que em quinze
dias iria conseguir o melhor hidroterapeuta do Brasil para mim.
Era Maurício Koprowski Garcia que acabava de ser contratado por
Dra. Linamara Batistella para o IMREA, naquele tempo chamado
DMR. Realmente Maurício é o melhor profissional que eu poderia
ter encontrado. Ele e Moacir Simplício, meu colega e amigo de todas
as horas, foram os principais colaboradores do projeto de desenho
e júri do processo de avaliação e escolha.
O tema era “Como você se sente estando na piscina”. Nós, a
totalidade dos usuários das piscinas do IMREA, não temos piscina
em casa. Para mim, estar na água é uma libertação. Meu corpo
torna-se tão leve que qualquer membro pode ser manipulado a vontade do terapeuta.
Ao contrário, fora da água, minhas mãos se fecham a ponto
de doerem muito e para alguém dobrar minha perna; muitas vezes
é impossível. As aplicações de toxina botulínica melhoram muito
as dores, mas a piscina é potencializadora dos efeitos positivos da
toxina botulínica. Imaginava que outros usuários como eu tinham
na piscina uma fonte de prazer.
Entregamos a cada usuário papel sulfite A4, um lápis HB2,
borracha e estojo de lápis de cera com cores primárias para levarem
para casa, pois pensei também em estimular que continuassem a
trabalhar autonomamente com desenho. Chegaram quase 150
desenhos. Os participantes haviam sido avisados que haveria um
júri para seleção dos desenhos que iriam fazer parte de um grande
painel, impresso em plotagem e material plástico e exibido “pro
tempore” na piscina da sede da Lapa.
O Meu, o vosso e o nosso sonho
| 109
A seleção dos trabalhos foi realizada, tomando como base critérios artísticos previamente determinados pelo júri. Classificamos
em três grupos: GRUPO 1: Desenhos mais expressivos, menos estereotipados e mais pessoais; GRUPO 2: Desenhos que apenas
respondem nossa pergunta; e GRUPO 3: Desenho de usuários que
mandaram mais de um desenho, que não responde nossa pergunta,
ou que apenas descrevem o espaço.
Na inauguração do painel na Lapa, estavam presentes os
participantes, suas famílias, o júri, Dra. Linamara Batistella (Secretária das Pessoas com Deficiência do Governo do Estado de São
Paulo) e sua equipe e até o Secretário de Estado da Saúde, Dr. Barradas, um grande incentivador dos meios de Reabilitação propostos
pela Dra. Linamara. Foi muito estimulante.
Figura 3. Painel dos desenhos
Quando, no início de 2008, a Marisa Hirata Terapeuta Ocupacional me propôs levar a experiência de Arte para uma classe do
Nosso Sonho, eu estava muito estimulada pelo trabalho que o
IMREA me levou a fazer para minha própria reabilitação.
Marisa justificou sua indicação e descreveu a minha atividade
da seguinte maneira:
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
O trabalho da terapia ocupacional iniciado com Ana Amália
Barbosa, em setembro/2004, baseou-se no retorno às atividades
como artista plástica, propondo adaptações para viabilizar maior
autonomia. A avaliação motora sugeriu o uso do queixo para
realização da pintura, concomitantemente a base (mesa) necessitou
de ajustes para melhor percepção do espaço e controle do pincel.
Sua evolução motora caminhou junto com suas perspectivas
enquanto artista plástica, possibilitando a proposta de reinserção
no mercado de trabalho, não em intensidade que lhe permita a
sobrevivência econômica, pois isto seria impossível, mas que lhe
permita se sentir útil na sociedade.
Crianças com paralisia cerebral com comprometimento motor e
bom nível de compreensão foram beneficiadas com seu trabalho.
Ana Amália contou com outros profissionais para execução do seu
trabalho. A terapia ocupacional teve uma participação mais efetiva
no início através da indicação e elaboração das adaptações dos materiais utilizados pelos alunos e também nas alterações da proposta
de trabalho para que houvesse maior participação dos alunos.
O resultado foi evidenciando não só a nível gráfico como também
no aspecto afetivo, emocional e motor. É visível o interesse e a
atenção de cada aluno, mesmo aqueles com déficit visual e
observou-se a evolução das crianças mais comprometidas
motoramente, não somente nas aulas de artes como também no
desempenho de outras atividades. (Depoimento de Marisa Hirata
a Ana Amália Barbosa, em junho de 2011.)
No dia do convite para dar aula na Associação Nosso Sonho,
escrevi no blog através do qual me comunico com os amigos que
restaram e os novos que muito me estimulam, mas que não têm
tempo para um constante contato presencial.
O Meu, o vosso e o nosso sonho
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29/01/2008
HOJE DE MANHÃ FUI À ASSOCIAÇÃO NOSSO SONHO. FUI
CONHECER O GRUPO DA EDUCAÇÃO INFANTIL, SÃO CRIANÇAS
LINDAS E COM PARALISIA CEREBRAL, UM DESAFIO E TANTO!
LEMBREI DE QUANDO COORDENAVA OS MEDIADORES DA
EXPOSIÇÃO DO CASTELO RA-TIM-BUM. SEMPRE QUE VINHA UM
GRUPO DE CRIANÇAS DA A.A.C.D., EU DAVA UM JEITO DE SUMIR.
EU NÃO QUERIA ASSUMIR MINHA IGNORÂNCIA. HOJE EM DIA
ADICIONO A ISSO, UM MEDO, GIGANTESCO, DE FRUSTA-LOS.
NA DMR FAZ PARTE DO MEU TRATAMENTO, E EH MAIS FÁCIL
COM ADULTOS. (http://amaliabarbosa.zip.net)
Começamos com as cores primárias e secundárias e com o
Expressionismo Abstrato. Eis os trabalhos finais do primeiro semestre de 2008.
Figuras 4, 5, 6 e 7. Trabalhos do primeiro semestre de 2008.
No segundo semestre, trabalhamos o corpo como instrumento
e suporte. Foram várias atividades, duas se destacaram: uma em
que pintaram os contornos dos corpos.
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
Figura 8. Contornos dos corpos.
E outra em que, a partir da performance de Yves Klein (que
eles assistiram via Youtube5), eles usaram seus corpos para pintar.
Figuras 9, 10, 11, 12, 13 e 14. Crianças trabalhando
suas pinturas.
5. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=x0mYZbYdIpU>.
Acessado em: 16 set. 2013.
O Meu, o vosso e o nosso sonho
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Em 2009 começamos com as formas, orgânicas e geométricas.
Fizemos um móbile.
Figuras 15, 16 e 17. Imagens do móbile.
Minha intenção era de irmos ver o móbile do Calder, mas o
local era inacessível. Resolvi, então, levá-los a uma exposição de
Tomie Ohtake, no Instituto Tomie Ohtake.
Figuras 18, 19, 20, 21, 22 e 23.
Imagens da visita à exposição.
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
Figuras 24 a 41. Imagens da visita ao Jardim das Esculturas.
O Meu, o vosso e o nosso sonho
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Em 2010, introduzi o tridimensional (usamos argila, massa de
biscoito e chocolate) e fomos ao Jardim das Esculturas, no Parque
da Luz.
Na volta, recebemos a visita do Caito (um dos artistas que tínhamos visto). Ele fez a escultura conosco usando massa de biscoito
e, “à la Oswald de Andrade”, comemos os biscoitos.
Eu tinha pensado em irmos de trem ao Parque da Luz, mas não
deu. No segundo semestre, conseguimos e, depois de estudarmos o
Impressionismo, fomos de trem da Barra Funda à Estação da Luz.
Figuras 42 a 52. Imagens da visita de Caito e trabalho com a massa de biscoito.
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
Figuras 53 a 70. Imagens da visita de Caito e trabalho com a massa de biscoito.
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Figuras 71 a 82. Imagens da visita de Caito e trabalho com a massa de biscoito.
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Ana Amália Tavares Bastos Barbosa
Figuras 83 a 94. Imagens da visita à Estação da Luz.
Agora, cabe a você tirar suas conclusões a partir da minha experiência. Eu continuo no nosso sonho. É um prazer ver essas crianças
se desenvolvendo.
O Meu, o vosso e o nosso sonho
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Famílias no museu de arte e formação de
hábitos culturais de crianças e adolescentes
ANDREA ALEXANDRA DO AMARAL SILVA E BIELLA*
Apresentação
Existem várias maneiras de aprender as coisas. A mais
convencional delas é a do discurso pedagógico, a fala
organizada que pretende nos ensinar o que precisamos
saber. Mas aquela que nos marca de modo mais profundo
e duradouro é sempre a da observação do gesto do outro,
o exemplo do qual somos testemunhas e cujo significado
reconhecemos visceralmente.
CACÁ DIEGUES1
Recentemente visitando um museu numa outra cidade, nos
arredores de um jardim botânico, encontrei uma família com uma
criança de cerca de três anos que corria incessantemente para todos
os lados enquanto os pais tentavam se concentrar na exposição.
Incomodada com os pais que não a pegavam no colo, não lhe davam
a mão (pensando na postura adequada) ou podiam tirá-la dali
(pensando na insatisfação da criança, demonstrada pela correria e
* Mestra em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo; educadora do Museu de Arte Contemporânea da USP.
1. Cacá Diegues. In: COLOMBINI, 2006, p. 5.
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Andrea Alexandra do Amaral Silva e Biella
sons altos que fazia), ouço da pequena: “aqui está chato” e do pai:
“museu é chato, mas é bonito”. E ele continuou a visitar a exposição
e deixou a criança correr mais, aos gritos de euforia, atrapalhando
os demais visitantes como eu.
Concordo com a fala da criança. Ali estava chato, ninguém
dava atenção a ela, em sua tentativa de despertar seu interesse para
o que os adultos que a conduziram até ali estavam fazendo naquele
espaço. Do lado de fora, um jardim ensolarado a esperava e ela
ali, sem atenção dos pais e sem participar de algo para sua idade.
O museu naquele momento estava chato, mas ir ao museu não é
necessariamente chato. Além disso, o pai não atendeu ao chamado
da criança, não a envolveu ao que tanto ali interessava a ele. O
museu, como ele disse, também não tem que apresentar o que é
bonito; a beleza muitas vezes pode estar sublimada nas reflexões
que podem despertar no visitante, através de peças ou cenas tristes,
de sofrimento, até feias.
No entanto, aquela família estava fazendo algo fundamental:
inserindo a criança, desde pequena, em seus hábitos de frequentação
de museus nos momento de lazer. Faltou aos adultos a preocupação
com a qualidade desta ação, a habilidade em passar menos tempo
na exposição seguindo o ritmo de concentração da criança, darlhe atenção e conduzi-la pelo espaço, não simplesmente deixandoa à parte, correndo como se estivesse num parque. A formação de
hábitos de frequentação de museus de crianças e jovens está vinculada à sua condução por adultos, sejam responsáveis das escolas
de educação básica, ou como nesse caso, a família.
Famílias no muse de arte e formação de hábitos culturais ...
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Introdução
Nesse texto, será abordado o papel da família na criação do
hábito de crianças e adolescentes na frequentação de museus de
arte, a partir de dados coletados em recente pesquisa realizada para
dissertação de mestrado pelo programa de pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da USP.
A pesquisa investigou o que leva os adultos a buscarem atividades num museu de arte nos momentos de lazer com a família.
Foram verificadas as influências da família de origem (pais dos
adultos acompanhantes dos mais jovens ao Museu) na formação
de hábito de visitação a exposições de artes visuais, assim como
experiências sociais da vida adulta e a incidência de visitas destes
adultos com e sem a sua família atual.
De qualquer modo, a qualidade da experiência no museu é fator
importante para o acesso voluntário continuado de frequentação
de exposições pelo público, ou seja, na criação desse hábito.
Antes de tratar das informações acerca do papel das famílias
entrevistadas, é preciso delinear o que se compreende por família.
Sarti (1996, pp. 85-86), apesar de se referir a camadas específicas da população, aponta-nos à possibilidade de compreensão
dos agrupamentos familiares em geral que certamente estiveram
presentes no programa educativo do MAC-USP estudado:
A família, para os pobres, associa-se àqueles em quem se pode
confiar. Sua delimitação não se vincula à pertinência a um grupo
genealógico, e a extensão vertical do parentesco restringe-se
àqueles com quem convivem ou conviveram, raramente passando
dos avós. [...] Como não há status ou poder a ser transmitido, o
que define a extensão da família entre os pobres é a rede de obrigações que se estabelece: são da família aqueles com quem se pode
contar, isto quer dizer, aqueles que retribuem ao que se dá, aqueles,
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Andrea Alexandra do Amaral Silva e Biella
portanto, para com quem se tem obrigações. São essas redes de
obrigações que delimitam os vínculos, fazendo com que as relações
de afeto se desenrolem dentro da dinâmica das relações descritas
neste capítulo.
A noção de família define-se, assim, em torno de um eixo moral.
Suas fronteiras sociológicas são traçadas a partir de um princípio
da obrigação moral, que fundamenta a família, estruturando suas
relações. Dispor-se às obrigações morais é o que define a
pertinência ao grupo familiar. A argumentação deste trabalho vai
ao encontro da de Woortmann (1987), para quem, sendo necessário um vínculo mais preciso que o de sangue para demarcar quem
é parente ou não entre os pobres, a noção de obrigação torna-se
central à ideia de parentesco, sobrepondo-se aos laços de sangue.
Essa dimensão moral do parentesco, a mesma que indiferencia os
filhos de sangue e de criação, delimita também sua extensão
horizontal. Como afirma Woortmann (1987), a relação entre pais
e filhos constitui o único grupo em que as obrigações são dadas,
que não se escolhem. As outras relações podem ser seletivas, dependendo de como se estabeleçam as obrigações mútuas dentro da
rede de sociabilidade. Não há relações com parentes de sangue,
se com eles não for possível dar, receber e retribuir.
No contexto do programa educativo, sempre foram considerados como familiares os agrupamentos de adultos com crianças
ou jovens, independente do grau de parentesco, sendo considerados
dados seus vínculos afetivos como prioridade.
Famílias no muse de arte e formação de hábitos culturais ...
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Alguns dados da pesquisa sobre as famílias
frequentadoras do programa “Interar-te” do MAC USP
Para a pesquisa, foram entrevistadas as famílias que frequentaram o programa “Interar-te” do MAC-USP, por mais de uma vez,
no período de seu início até o fim da gestão de diretoria, na qual
foi criado, ou seja, outubro de 2006 a abril de 2010. O programa
ainda é oferecido mensalmente aos sábados à tarde, de janeiro a
novembro, com algumas exceções. O enfoque são as obras em exposição no Museu, seguidas de proposta prática ou reflexiva, na qual
todos familiares são envolvidos. O papel dos adultos varia, às vezes
são assistentes dos menores, ora parceiros na produção. O momento
final de socialização promove aproximações e conhecimento fora
do contexto cotidiano.
Das 103 famílias presentes nas 43 programações oferecidas no
período delimitado para estudo, 18 participaram do “Interar-te”
mais de uma vez e formaram os agrupamentos selecionados como
amostra. Destas, 12 responderam ao chamado de participação da
pesquisadora.
Dos 12 agrupamentos familiares entrevistados, obteve-se depoimento de 13 adultos, 9 crianças com idade entre 5 e 11 anos e 6
jovens com idade entre 13 e 20 anos. Das 17 crianças e jovens que
participaram mais de uma vez do “Interar-te” no período estudado,
15 foram entrevistados. Entre os adolescentes, alguns já estavam
com idade entre 18 e 20 anos à época da entrevista.
A maioria destas famílias residia próximo ao bairro do Museu:
58,3% até 6 km de distância, 8,3% de 6 a 12 km. Destas, 84%
utilizaram como meio de transporte o veículo particular automotivo; 8% outro tipo de veículo próprio ou a pé; 8% transporte
público. O índice de classificação econômica utilizado apontou que
75% correspondia à classe A e 25% à classe B.
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Andrea Alexandra do Amaral Silva e Biella
Os eixos centrais da pesquisa foram investigar: 1. a origem do
contato dos adultos desses agrupamentos familiares com a arte em
geral, se estaria nos hábitos das famílias de origem ou em experiências da vida escolar ou adulta; 2. se os adultos entrevistados estavam
proporcionando conhecimento em artes visuais e formação de
hábito de frequentação a exposições de arte às crianças e jovens
nas atividades conjuntas de lazer que lhes proporcionam; e 3. se o
programa “Interar-te” do MAC-USP contribuiu na promoção do
conhecimento sobre artes visuais e proporciona a formação de hábitos de frequentação a instituições culturais.
Estas três questões centrais foram distribuídas nos instrumentos
de investigação e na coleta de dados junto às famílias, ou seja: nas
entrevistas semiestruturadas com adultos, crianças e jovens; e, com
as crianças até 12 anos, desenhos como estratégia de apoio. Também
foram entrevistados os educadores assistentes da equipe e a diretora
do Museu no período.
Comentaremos aqui dados coletados referentes aos dois primeiros eixos, dado ser a família o enfoque deste texto. Demais
informações podem ser consultadas, na íntegra, na pesquisa disponível em sítio eletrônico citado na nota de rodapé do Resumo.
Das 23 atividades de lazer citadas de infância e adolescência
dos 13 entrevistados adultos, a de cunho artístico-cultural mais
recorrente foi o cinema (30,4%). Depois apontaram assistir TV
(13%), ir ao teatro (13%), à biblioteca (4,3%), ouvir música
(8,7%), visitar exposições (8,7%) e ir a espetáculos de dança
(4,3%).
Os responsáveis pela condução a estas atividades relacionadas
às artes em geral foram apontadas pelos entrevistados como sendo
tanto pela família (61,7%) quanto pela escola de educação básica
(61,7%; apontaram uma ou ambas referências, que totalizaram o
valor indicado ao serem contabilizados separadamente). Os 8
Famílias no muse de arte e formação de hábitos culturais ...
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adultos (61,5% dos entrevistados) que se referiram à influência da
escola em sua iniciação à frequentação de atividades artísticoculturais destacaram aulas de literatura e idas ao teatro. Acerca do
que indicaram a condução por familiares, 25% apontou ser pela
mãe, 25% pelo pai, 25% por pai e mãe, 25% pelos irmãos mais
velhos e 12,5% por irmãos mais velhos e pai.
Estes dados nos permitem afirmar que a família de origem2
exerceu influência significativa nos hábitos culturais dos adultos
entrevistados. Este levantamento se refere ao contato inicial com
as artes. Porém, sabe-se que a formação de hábitos culturais
artísticos está relacionada à continuidade do contato e da frequência
e, certamente, outras pessoas estão implicadas.
O segundo eixo da pesquisa se refere às artes visuais e à atuação
dos adultos na formação de hábitos culturais de sua família atual.
Verificou-se que ir aos museus é mais frequente para os entrevistados com os menores do que sozinhos; assim, pode-se inferir que
este é um valor sobre formação de hábitos de cultura e educação
das famílias. Ir a exposições com as famílias (69,2%) superou ir
ao cinema (61,5%), em relação às atividades de lazer externas em
geral citadas.
Foi verificado quem escolhe as atividades das famílias: obtevese, dos 50% respondentes a esta questão, como maior índice serem
sempre os adultos (33,4%); escolhas em comum (8,3%) e “depende
da atividade” (8,3%) empataram; e foi apontado não deixarem a
opção às crianças ou adolescentes (0%).
Estas informações já permitem a afirmação de que os adultos
visam proporcionar atividades em museus com o propósito de for-
2. Pais e irmãos de uma pessoa; em geral, refere-se à família nuclear original
de um adulto. NICHOLS & SCHWARTZ, 1998, p. 486.
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mação de hábito de cultura. Para eles, a força que teve ir ao cinema,
hoje, no contexto de um grande centro urbano, com ampla e diversa
programação cultural, para o recorte da população que estes adultos
representam como amostra da pesquisa, é, sem dúvida, um valor a
estes adultos.
Ainda foi indagado o motivo da opção em participar da
atividade no MAC-USP. Foram obtidas as respostas: busca de
conhecimento sobre arte e cultura (83,3%), formação de hábito
de cultura desde a infância e juventude (41,6%), poder estar com
a família (33,3%), mediação com educador do museu (25,0%), atividade prática em oficina (16,6%) e status (8,3%).
Mas qual a percepção das crianças e dos adolescentes? Para a
maioria dos entrevistados que vai a exposições pela programação
escolar, ir com a família é diferente (46,7%); destes, 85,7% prefere
ir com a família do que com a escola. Para os adolescentes, estar
com os colegas de classe os distraem e tiram sua atenção do contato
com as obras, além de seguirem uma proposta orientada pelos professores, não por eles próprios, como quando estão com familiares.
Algumas crianças apontam que o que mais lhes marcou, nas
participações do programa “Interar-te”, foi não só conhecer obras,
mas o ambiente e o contato com pessoas diferentes; como proposto
no Modelo de Experiência Interativa (FALK &DIERKING, 2011, p.5),
os contextos físico e social são apontados como relevantes aos visitantes de museus.
Considerações finais
Ao participar do programa “Interar-te”, além de promover esta
vivência às crianças, os adultos também participam e se transformam. As atividades não são mecânicas, não visam à aprendizagem
Famílias no muse de arte e formação de hábitos culturais ...
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de procedimentos técnicos, mas o modo, utilizado pelos artistas,
de materializar ideias, percepções, questionamentos, provocações.
A convivência familiar é valorizada e estimulada, assim como
a troca de opiniões, de papéis – muitas vezes adultos, crianças e
adolescentes discutem seus trabalhos como colegas, como iguais,
apesar de suas diferenças. Ou seja, investe-se na qualidade da
experiência no museu – não só do contato com a arte, mas da relação que se estabelece entre visitantes, familiares, a equipe de educadores e demais grupos que se encontram neste espaço, que é
institucional.
O objetivo da pesquisa foi conhecer o perfil do público adulto
que frequentou um museu com a família em busca de lazer, assim
como o impacto dessas ações na qualidade das relações e vínculos
no interior de cada família. Porém, não há dúvidas de que, nesse
ínterim, promove-se conhecimento sobre arte. Afinal, o que move
o programa são as exposições em cartaz no Museu de Arte Contemporânea, instituição que abriga mostras de arte moderna e contemporânea tanto de seu acervo quanto de demais procedências
(colecionadores, outras instituições públicas ou privadas, artistas,
etc.).
Para o trabalho com um público tão diverso, são utilizadas
estratégias diferentes a cada sessão. No entanto, o excesso de recursos, de referências ou mesmo de atividades são desnecessários quando substituem a experiência do contato com as obras. Reconhecemos que, bem dosados, estes elementos facilitam a contextualização
e podem favorecer o conhecimento e a experiência do público com
as exposições. Mas uma análise como a da Profa. Maria Isabel Leite,
da Universidade do Extremo Sul Catarinense, em relação à qualidade das propostas de atividades em museus, norteia as ações do
programa “Interar-te”. Para a professora, que é contundente na
crítica ao uso de recursos de apoio à visita de uma exposição,
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Andrea Alexandra do Amaral Silva e Biella
Alguns museus, ao se abrirem explicitamente ao público infantil,
esmeram-se em recursos quase circenses e pirotécnicos para atraílo. Quando se objetiva levar crianças às exposições, normalmente
se cria uma atividade anterior, um “chamariz”, uma “sedução”
para atrair a presa à sua jaula – teatros, danças, filmes, brincadeiras
ligadas ao pintor cuja obra está exposta... Será que precisamos
criar “iscas” ou “disfarces” para as crianças se interessarem pelos
espaços culturais? Parece que a obra como tal não é suficientemente atrativa. Mas coloco uma questão: os fins justificam os
meios? Isto é: devemos fazer teatro de fantoches, jogos etc. e atrair
o público abrindo uma possibilidade de experiência estética com
as obras de arte, ou permanecer firmes no princípio de que as obras,
por si, devem continuar sendo o foco central e serem atrativas por
elas próprias? (LEITE & OSTETTO, 2005, p. 29)
É prioridade do programa, além da integração familiar, o contato de qualidade com obras de arte originais que proporcione
conhecimento acerca da arte. São usadas estratégias lúdicas em
algumas sessões, mas sempre dosadas para evitar que o estar no
museu possa ser substituído por ações que poderiam ser feitas em
qualquer outro lugar. Afinal, este é um lugar diferenciado, entre
tantos outros em grandes cidades com programação cultural
diversificada.
Encerro retomando o relato da vivência da criança da família
citada no início dessa conversa. Os adultos fazem bem ao inserir a
criança na rotina familiar. Porém, precisam considerar ser uma
atividade com a criança, respeitando seu ritmo, interesses, procurando adaptar sua participação nos momentos em família. Ir ao
museu com uma criança é diferente de ir ao museu com adultos. E
o museu, se pretende receber as crianças e jovens, deve também se
preparar para tal, não só com pessoal qualificado, mas com um
espaço de diálogo com estes públicos, o que envolve as diversas
Famílias no muse de arte e formação de hábitos culturais ...
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áreas de comunicação de uma exposição: do conceito curatorial
aos recursos expográficos.
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| 135
Temas da arte contemporânea e Mundo de
artista: a narrativa como método para o ensino
da arte
KATIA CANTON*
Neste texto procurarei explicar como cheguei ao processo de
sistematização do ensino da arte contemporânea através de temas.
Antes de qualquer coisa, gostaria de afirmar que este método,
resultado de uma longa pesquisa, não se pretende único ou definitivo, convivendo com formas de aprendizado que enfocam o
ensino cronológico (histórico) ou se organizam a partir dos suportes
utilizados na prática artística: pintura, escultura, gravura, desenho,
objeto, instalação, entre outros.
* Possui graduação em Comunicação Social/Jornalismo, pela Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (1986), mestrado em
Performance Studies, pela Tisch School of the Arts, New York University (1989)
e doutorado em Artes Interdisciplinares pela Faculdade de Artes Visuais e
Educação, da New York University (1993). É livre-docente em Teoria e Crítica
de Artes pela ECA USP, com tese baseada em sua pesquisa e curadoria,
Autorretrato, Espelho de Artista, examinando as potências da arte na educação.
Já foi chefe da Divisão de Exposições Temporárias, da Divisão de Curadoria e
da Divisão de Arte e Educação do Museu de Arte Contemporânea da USP.
Atualmente, é professora associada deste museu, atuando na Divisão de Arte e
Educação. É docente do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética
e História da Arte da Universidade de São Paulo.
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Katia Canton
A sistematização de uma forma de ensino temática e narrativa
se inicia com meu ingresso como docente do Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), em
1993. Nesse momento, regressava ao país, após quase oito anos
de ausência. Vivi em Nova York, trabalhei como jornalista e escritora e segui carreira acadêmica na New York University, com
mestrado e doutorado em Artes Interdisciplinares. Em meu retorno,
transformei uma enorme curiosidade acerca do panorama da arte
contemporânea emergente no país numa pesquisa acadêmica, que
se construiu em diferentes etapas, entre 1993 e 2010.
Em 1993, a convite da Profa. Ana Mae Barbosa e do professor
João Alexandre Barbosa, passei a coordenar o projeto “Visualidade
Nascente”, que teve como objetivo selecionar e expor o trabalho
de artistas emergentes. Permaneci na coordenação, organizando
portfólios, comissionando jurados e organizando exposições de arte
até 2004.
A convivência com artistas emergentes e a curadoria das
exposições dos então novíssimos expoentes da arte brasileira, como
de José Rufino, Rosana Paulino, Alexandre da Cunha, Regina
Carmona, Tonico Lemos, entre tantos outros que se tornaram
referências do panorama nacional, lançaram-me no projeto seguinte, subsidiado pela FAPESP, intitulado Tendências Contemporâneas.
Em um primeiro momento, o projeto inaugurou um “banco
de artistas”, recebendo portfólios, entrevistando artistas jovens,
acompanhando suas trajetórias e sua forma de produção. Do banco,
foram selecionados 70 artistas, de várias partes do Brasil, que se
submeteram a uma consistente pesquisa qualitativa, com questionários, entrevistas, gravações, visitas a ateliês. Uma dos questionários submetidos a esses artistas perguntava sobre o conceito de arte
e as heranças ou referências para seus próprios trabalhos. O resultado inicial desse mapeamento, sistematizado a partir de abril de
Temas da arte contemporânea e Mundo de artista: a narrativa ...
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1996 e interpretado em 1997, deu origem à série de exposições intituladas Heranças Contemporâneas, cuja primeira edição aconteceu
no Museu de Arte Contemporânea do Ibirapuera, em abril/maio
de 1997. O projeto foi aprovado e apresentado em catálogo pela
então diretora do MAC, Profa. Lisbeth Rebollo Gonçalves, que, a
partir de então, teve duas sequências anuais na gestão do Prof. Teixeira Coelho e o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa, em 1998 e 2000.
Heranças Contemporâneas é um projeto de pesquisa que relaciona as obras de artistas da geração 90/2000 com suas referências,
retiradas do próprio universo da arte contemporânea brasileira a
partir dos anos de 1960/1970. Substituindo a noção de exposição
delineada apenas pela visão do curador, Heranças Contemporâneas
se estabeleceu como um projeto curatorial articulado junto com
os artistas, a partir do que eles apontaram como referências e
influências para o desenvolvimento de sua obra e de suas poéticas.
A curadoria, no caso, teve o papel de organizar e refletir sobre conceitos e escolhas apontadas pelos próprios artistas como sendo as
motivações ou molas propulsoras para sua produção.
Uma das principais considerações da pesquisa foi a constatação
de que, no contexto contemporâneo de transição de século e milênio, a noção de originalidade, ideal moderno perseguido por artistas
durante todo o século 20, foi substituída por um interesse pela história; pela noção de linhagens e percursos; pelas relações presente/
passado; e pelos diferentes discursos ou temas que se inscrevem no
decorrer do tempo e no cruzamento dos espaços de produção dessa
geração chamada de 1990/2000 (a geração de artistas que inicia
uma profissionalização a partir de meados dos anos 90).
O próximo passo da pesquisa foi o lançamento, em dezembro
de 2000, do livro: Novíssima Arte Brasileira um Guia de Tendências
(uma coedição Iluminuras MAC-USP e FAPESP). Ali, a produção
e a conceituação de arte pensada pelos 70 artistas estudados durante
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Katia Canton
cinco anos (de 1995 a 2000), dentro do projeto Tendências
Contemporâneas, resultaram nesse guia, que indicou claramente
um método de trabalho e pensamento baseado em conceituações
temáticas.
Buscando situar a arte no contexto de seu tempo, articulando
artistas, tendências e fatos históricos, a pesquisa registrada no livro
se organizou de maneira sintética. Essa opção estrutural, buscando
clareza e simplicidade, espelhou justamente uma tentativa de evitar
ou rebater uma visão hermética da arte, muitas vezes vista como
algo que compõe “um mundo à parte”. Ao contrário, a pesquisa
procura jogar luz em conceitos e acontecimentos vitais para o
mundo contemporâneo, que também nutrem a produção artística
atual.
Narrativas Enviesadas
Uma das conclusões mais contundentes da pesquisa publicada
no livro Novíssima Arte Brasileira foi a constatação de que os
artistas contemporâneos buscam, mais do que a inovação, um
sentido. Um sentido para o fazer artístico, que pode levar em conta
as preocupações formais que se sofisticaram no desenvolvimento
dos projetos modernistas da arte do século 20, mas que finca seus
valores na compreensão (e apreensão) da realidade atual, infiltrada
dos meandros da política, da economia, da ecologia, da educação,
da cultura, da fantasia, da afetividade.
As relações de dualidade entre identidade e alteridade, corpo e
espírito, tempo, história e memória, a tensão entre espaço público
e privado e a busca de uma atuação política fora dos limites partidários foram interpretadas na pesquisa e publicadas de forma clara,
demonstrando serem esses grandes temas que dão corpo à produção
Temas da arte contemporânea e Mundo de artista: a narrativa ...
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dessa geração. Os temas se estruturam a partir de arranjos formais
e construções conceituais: formam narrativas não lineares, enviesadas, que levam em conta a sofisticação da estruturação de materiais e meios, oriundos dos projetos desenvolvidos pela vanguarda
modernista, que marcou grande parte do século 20, mas que não
se bastam (ao contrário da busca modernista por autonomia).
A produção contemporânea, portanto, não é uma produção
de criação da arte pela arte, como foi a produção moderna de vanguarda. As experimentações realizadas no percurso do século 20
foram aprendidas pelos contemporâneos da geração 1990/2000.
No entanto, essa liberdade e expansão do fazer artístico se materializam à medida em que respondem à busca de sentido que se
liga às especificidades de um novo contexto sócio-histórico. Quer
dizer, as heranças recebidas pelo modernismo – a abstração, a valorização dos aspectos formais da obra de arte, a não linearidade das
estruturas de pensamento, a valorização dos mecanismos que compõem os processos de concepção de uma obra de arte – são elementos que foram incorporados pela nova geração. Porém, soma-se a
eles uma relação de sentido, significado ou mensagem, criando, nos
processos aglutinadores da obra contemporânea, uma narrativa
fragmentada, indireta, que desconstrói possibilidades de uma leitura
única e linear. É a esse processo que dou o nome de “narrativa
enviesada”.
Sem ser impulsionada por um projeto sociopolítico específico
e sem o respaldo de movimentos ou manifestos, a ação artística
contemporânea se engaja em tentativas de restabelecer na arte uma
conexão com o observador de forma a incitar nele algum tipo de
postura diante do mundo e da vida.
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Katia Canton
Tendências Contemporâneas e suas Mediações
Em 2006, novamente com bolsa de pesquisa FAPESP, debruceime sobre um projeto que deu continuidade e expandiu os resultados
obtidos anteriormente. Intitulado Tendências Contemporâneas e
suas Mediações, o projeto buscou analisar e posteriormente sistematizar a produção contemporânea através de temas relevantes à
produção desses artistas, buscando compreender as principais motivações que mobilizavam a geração anos 90/2000 através de entrevistas, encontros em ateliês, pesquisas in loco.
Nessa nova etapa de trabalho, procurei organizar essa compreensão dos princípios que motivam a produção contemporânea,
criando materiais que pudessem ser utilizados em aulas e pesquisas
de professores, estudantes e de artistas. No decorrer do tempo dessa
fase da pesquisa, dois anos, o projeto Tendências Contemporâneas
e suas Mediações propôs a organização das temáticas abordadas
pelos artistas em seis núcleos, que seriam posteriormente adaptados
para coleções de seis livros de pequeno formato, formando uma
série intitulada Temas da Arte Contemporânea.
De fato, Tendências Contemporâneas e suas Mediações expandiu o âmbito desse diálogo entre a arte e a vida contemporânea.
Extroverteram-se seus resultados de forma mais ampla e viva,
oferecendo a um público extenso – estudantes universitários,
professores do Ensino Fundamental e Médio, crianças e jovens –
meios de conhecer e questionar a arte contemporânea; além de
acrescentar suas próprias poéticas e singularidades ao material
apresentado, relacionando-se mais intimamente com a produção
artística atual.
Os materiais documentais, constituídos prioritariamente de
entrevistas gravadas em vídeos nos ateliês dos artistas que formavam o elenco da amostragem analisada no livro Novíssima Arte
Temas da arte contemporânea e Mundo de artista: a narrativa ...
| 141
Brasileira, complementados com referências teóricas, foram
organizados através dos respectivos núcleos temáticos:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Do moderno ao contemporâneo
Narrativas enviesadas
Tempo e Memória
Espaço e Lugar
Corpo, Identidade e Erotismo
Da Política às micropolíticas
Um ano depois, em 2009, a partir da transcrição e edição dos
vídeos e discussão da revisão da literatura teórica sobre as discussões
abordadas, recebi a bolsa do programa de apoio à cultura (ProAC),
da Secretaria do Estado da Cultura, para a publicação final do
material.
Numa parceria com a editora WMF Martins Fontes, foi lançada
então uma coleção de seis livros em pequenos formatos (pocket
books), publicada sob o título de Temas da Arte Contemporânea.
O conteúdo dos livros seguiu exatamente a organização das
entrevistas e referências bibliográficas constituídas no projeto.
Em linhas gerais, o livro inaugural da coleção, Do Moderno
ao Contemporâneo, traça um panorama da transição da arte
moderna para a contemporânea. Narrativas enviesadas explica este
conceito, cunhado por mim a partir das pesquisas que demonstram
um interesse renovado das novas gerações de artistas pela narrativa;
ainda que esta se apresente de um modo muito diverso daquele
modo tradicional e linear, considerando-se que a narrativa enviesada
é fragmentada e não obedece a um tempo cronológico. Tempo e
Memória discute a dedicação de artistas contemporâneos a questões
da memória, em contrapartida à sensação avassaladora da
passagem de um tempo rápido e turbilhonado, que parece apagar
os vestígios que construíram a história, o passado. Espaço e Lugar
142
|
Katia Canton
contrapõe os dois conceitos, de modo que o espaço se apresenta de
forma genérica, enquanto que o lugar é o espaço personalizado e
preenchido de memórias. É justamente a transformação do espaço
em lugar, um dos movimentos importantes que caracterizam a arte
pública contemporânea (o grafite, a pichação e todas as manifestações de arte urbana, incluem-se no processo). Corpo, Identidade
e Erotismo aborda as várias mudanças que o momento contemporâneo traz para assuntos como identidade e alteridade, corporeidade
e virtualidade e a questões de gênero e erotismo. Finalmente, Da
Política às micropolíticas discute como a noção de política partidária perde sentido em um mundo não é mais organizado em capitalismo e comunismo e dá lugar a outro tipo de política: a micropolítica. Em sua dimensão miniaturizada, a micropolítica se desdobra
em questões cotidianas, ligadas às singularidades das vidas de cada
ser humano e seus engajamentos com questões tais como ecologia,
violência doméstica, educação, políticas de gênero, entre tantas
outras.
Cada um dos seis livros que traduzem a pesquisa pode ser lido
separadamente e, ainda assim, fazer sentido ou em conjunto,
fornecendo um panorama dos principais temas recolhidos e analisados anteriormente. Os livrinhos se destinam a um público amplo:
professores, artistas, universitários e alunos do Ensino Médio.
A coleção Mundo de Artista e o Desenvolvimento
integrado da Atividade Curatorial e Educativa
Juntamente à coleção Temas da Arte Contemporânea, outra
coleção de livros de arte foi criada a partir de uma metodologia
baseada em temas: Mundo de Artista. Essa coleção, publicada pela
editora CosacNaif, é dedicada aos alunos e professores do Ensino
Temas da arte contemporânea e Mundo de artista: a narrativa ...
| 143
Fundamental e pode ser lida e experienciada visualmente em muitas
camadas diferentes.
A série iniciou-se em 2002, com minha própria tese de livredocência baseada no autorretrato como discussão sobre relações
entre corpo, identidade e alteridade na arte e na educação
contemporâneas.
Autorretrato, Espelho de Artista foi o tema de uma ampla mostra exibida na Galeria do SESI/FIESP, pelo MAC-USP, e acompanhou esse primeiro livro da série. A ideia era conjugar a pesquisa
temática do ensino da arte com produtos educativos que pudessem
apresentá-la tanto aos professores como ao público infanto-juvenil;
de forma lúdica, através de livros-cadernos com leituras poéticas,
letras de canções, jogos, propostas de estudo e atividades convidativas, que aludissem à liberdade da experiência artística.
Essa pesquisa, um work in progress, em constante andamento,
visa à ampliação do público e a aproximação com a arte através
de um sentido, potente e vivo, de pertencimento. Mundo de Artista
parte do entendimento de como os artistas contemporâneos articulam alguns temas recorrentes na história da arte ocidental de forma
particular. Estabelece através deles uma ligação de continuidade
com a tradição e, ao mesmo tempo, uma forma de ruptura, já que
a cronologia é quebrada em favor de associações mais livres, temáticas e de compreensão mais imediata por aqueles que não têm
necessariamente um contato prévio com as imagens que formam o
acervo da história da arte ocidental.
Além de enfocarem grandes temas ou gêneros da história da
arte, esses livros apresentam obras de diversos períodos da história,
contrapondo diferentes atitudes em relação a um mesmo tema, a
uma mesma ideia. Trata-se de um jeito contemporâneo de apresentar arte (ainda que a arte mostrada ali pertença a todos os tempos
e não se restrinja ao momento atual). Ou seja, o que há de
144
|
Katia Canton
contemporâneo ali é uma sistemática de ver, de compreender e sentir
a arte.
Depois de Espelho de Artista (Autorretrato), foram publicados
outros volumes. O volume seguinte, Mesa de Artista (Naturezamorta) também acompanhou uma ampla exposição na Galeria do
SESI. Assim como no livro Espelho de Artista, Mesa de Artista conta
um pouco da história do gênero artístico da natureza morta, compara várias versões de artistas de épocas e lugares diferentes e
propõe atividades práticas e criativas, envolvendo a história da
alimentação e seus desdobramentos.
Mundo de Artista gerou um terceiro livro, intitulado Bicho de
Artista. Considerando-se que as inscrições rupestres se iniciam nas
cavernas pré-históricas com imagens de animais e também levando
em conta a ampla coleção do MAC-USP exibindo figuras de
animais, criei esse outro livro-caderno, que relaciona obras de
Mario Marini, Fulvio Penacchi, Oswaldo Goeldi, Miró, Tarsila,
Leda Catunda, Lia Menna Barreto, Donald Baetchler, Heiner
Kielhoz, Siron Franco, Wesley Duke Lee, Regina Silveira e muitos
outros artistas de lugares e tempos diferentes, que são articulados
no livro a partir de uma perspectiva temática.
Recentemente, publicamos Beijo de Artista, que contém um
panorama amplo e nada convencional da história do beijo na arte,
desde a Grécia Antiga até os dias de hoje.
De maneira geral, todos os livros acompanham projetos lúdicos
e unem poemas e letras de música com breves textos históricos,
imagens e propostas de atividades, fazendo deles espécies de livroscadernos ou articuladores de uma forma afirmativa de pensar (e,
por que não, recriar arte). A interdisciplinaridade aqui, particularmente pensada na relação texto e imagem, propõem-se a reforçar
as possibilidades de tornar o público leitor um criador, participante
das ideais apresentadas, potencializador de suas poéticas, propo-
Temas da arte contemporânea e Mundo de artista: a narrativa ...
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nente de novas questões. É, portanto, através dessa forma de organizar livros e exposições tematicamente, lançando mão das narrativas como buscas de sentido mais amplas, que tenho construído
uma base para, a meu ver, sistematiza e potencializa o ensino
contemporâneo da arte.
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A formação de educadores como
mediadores culturais1
REJANE GALVÃO COUTINHO*
A questão da formação de educadores como mediadores
culturais tem sido, nos últimos dez anos, um dos enfoques de minha
atuação profissional. Refiro-me especialmente a formação de
educadores que atuam no contexto de ações educativas em museus
e centros culturais. A partir dessa experiência, busco neste texto
inicialmente refletir sobre alguns pressupostos que atravessam esse
campo de práticas para tecer considerações sobre o perfil do
educador como mediador cultural e problematizar algumas
dimensões do processo de formação desse profissional.
O campo das práticas de mediação cultural que trato aqui é o
campo que lida com o segmento exclusivo da alta cultura, ou seja,
1. Esta é uma versão atualizada do texto “Questões sobre a formação de
mediadores culturais” apresentado e publicado nos anais do 18º Encontro da
Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas - ANPAP. Salvador:
EDUFBA, 2009.
* Doutora em Artes pela ECA/USP e professora do Instituto de Artes da
UNESP, onde atua na Graduação e Pós-graduação. Membro do Arteducação
Produções e de grupos de pesquisa do CNPq. Tem publicado artigos em periódicos
e livros, incluindo o Artes Visuais: da exposição à sala de aula, São Paulo, Edusp,
2005 em coautoria com Ana Mae Barbosa e Heloisa Margarido Sales; e Arte/
Educação como mediação cultural e social, São Paulo, Editora UNESP, 2009
organizado em parceria com Ana Mae Barbosa.
152
|
Rejane Galvão Coutinho
com obras de arte, objetos e bens culturais patrimoniais que se colocam em exposição em museus e centros culturais. Segmento esse
que tem, nos últimos anos, no Brasil, recebido incentivos de renúncia fiscal em nome da ampliação do acesso de todos aos bens
culturais sob a bandeira da “democratização das artes e da cultura”.
Esta ampliação de acesso aos bens culturais é uma das justificativas
institucionais para a presença dos mediadores nas exposições. Situar
este contexto é fundamental para compreender as complexas
questões que se imbricam na mediação cultural e, consequentemente, dizem respeito aos sujeitos que impulsionam as ações.
Neste campo de práticas, é comum partir do pressuposto de
que a mediação levada a cabo nas instituições culturais é sempre
uma ação que visa o benefício de todos os cidadãos. Pouco se questiona este pressuposto, pois ao colocá-lo em xeque se estará, de
certa maneira, ameaçando um campo de práticas ainda incipiente,
em processo de consolidação. Por esta via, segue grande parte das
pesquisas realizadas no Brasil até o momento, sobretudo as
pesquisas oriundas do meio da arte/educação (BENVENUTTI, 2004;
GRISPUM, 2000; MARTINS, 2005; MARTINS, SCHULTZE, EGAS, 2007;
MOURA, 2007; ORLOSKI, 2005; RIZZI, 1999, entre outras). Elas
partem do pressuposto de que as ações de mediação são imprescindíveis para o acesso aos bens patrimoniais, reforçando assim a
premissa da “democratização das artes e da cultura”.
Qual o lugar da mediação cultural no
contexto brasileiro?
A breve história da mediação cultural no Brasil vem nos mostrando o quanto as ações educativas foram fortemente moldadas e
vinculadas ao campo da arte e da alta cultura elitizada. Em sua
A formação de educadoes como mediadores culturais
| 153
origem, essas práticas buscavam reforçar as distinções socioeconômicas de cunho elitista através das heranças culturais previamente
adquiridas. Os museus e bens patrimoniais, até bem pouco tempo,
eram para usufruto exclusivo da mesma elite que os produzia. Sob
esse modelo foram se assentando as práticas da “democratização
do acesso aos bens patrimoniais”, que, contraditoriamente, queriam
(e ainda querem) reduzir as desigualdades de acesso. Grande parte
dessas práticas, mesmo usando o slogan da democratização, vêm
contraditoriamente assumindo e reforçando o discurso da elitização.
Observamos que não é suficiente abrir as portas dos museus e
instituições culturais para o grande público. Assim como, não é
suficiente oferecer ônibus e lanche para estudantes de escolas públicas, entre outras tantas ações que visam aumentar o número de
público atendido em uma exposição ou em uma instituição para
justificar os incentivos. Nada disso surtirá efeito, se não houver
uma preocupação com a qualidade desta ação mediadora. Esta
percepção é corroborada por outros pesquisadores observadores
de contextos distintos como Darras (2008), na França, e Aguirre
(2008), na Espanha. Eles consideram que uma mediação que busca
aproximar o público leigo da alta cultura com ações, fazendo uso
de um discurso elitista, reprodutor de mecanismos de distinção,
apenas confirma para o grande público que esta parcela da cultura
não lhe pertence.
Por outra via, trazendo a questão da mediação para o âmbito
educacional, pode-se encontrar outros modos de operar o acesso à
cultura, ou seja, pensar uma mediação cultural que busque, como
já alertava Bourdieu (2007), compensar (pelo menos parcialmente)
as desvantagens daqueles que não encontram em seu meio familiar,
social e cultural a incitação a esta específica prática. Esta tem sido
uma perspectiva tomada por algumas instituições e projetos que
querem romper com o ciclo da exclusão.
154
|
Rejane Galvão Coutinho
No entanto, há aqueles que tecem críticas a este modo de operar, ou seja, o modo de fazer da visita a uma exposição uma ação
educativa. Os críticos são geralmente aqueles que já possuem seu
capital cultural garantido (artistas, produtores culturais, críticos
de arte, curadores, historiadores, etc.). Pondera-se que, ao trazer a
questão da mediação para o campo educacional, corre-se o risco
de reduzir as práticas “diletantes” da cultura, ou o “prazer da experiência estética”, a uma “escolarização” excessiva, sem esquecer
que o próprio sistema educacional é também responsável pelo mesmo processo de reprodução das desigualdades.
Por isso, quando se desloca a questão da mediação para o campo educacional, é imprescindível tomar como referência uma perspectiva crítica e emancipadora de educação e, sobretudo, de arte/
educação, abrindo-se ao diálogo com outros campos de conhecimento. As saídas para este impasse podem estar justamente nas
inter-relações de práticas e trânsitos disciplinares.
Para abrir este campo minado das práticas artísticas, temos que
ser cautelosos. Na condição de agentes mediadores, neste contexto,
cabe então nos perguntar: para quem fazemos a mediação? Qual o
foco prioritário deste trabalho?
Se pensamos no público, é preciso buscar identificar e situar
quem é este público. Abrir, por esta via, um complexo campo de
pesquisa, pois o público não é uma entidade abstrata. Se buscamos
ampliar o acesso desse público aos bens culturais, é necessário reposicionar nossa ação e refletir sobre as nossas próprias concepções
de arte e de cultura e sobre as concepções que norteiam os projetos
educativos das instituições. E aqui não podemos ignorar que os
projetos educativos também fazem parte das estratégias
promocionais das instituições, que, com esses projetos, justificam
parte do capital investido.
A formação de educadoes como mediadores culturais
| 155
Assim, penso que é urgente, em nosso contexto brasileiro,
refletir sobre as ações educativas que tenham por finalidade favorecer aproximações com a arte e a cultura; sobretudo aquelas que
têm como foco os sujeitos que historicamente foram apartados desses conhecimentos. A partir destas considerações sobre o campo
da mediação como um espaço de enfrentamento de concepções
sobre a arte, a cultura e a educação, adentro o tema deste texto
deslocando a discussão para as implicações destas questões sob os
agentes mediadores deste processo.
Qual o perfil do mediador cultural em atuação?
Para pensar a formação desse educador mediador é preciso
conhecê-lo. Em pesquisa realizada por Valéria Peixoto de Alencar,2
temos dados que nos fornecem algumas características desses sujeitos que nos permitem delinear um perfil dos mediadores culturais
no contexto da cidade de São Paulo. São dados de uma pesquisa
de campo realizada entre os meses de setembro e novembro de 2006,
com cem (100) educadores/mediadores que atuavam na ocasião nos
principais museus e centros culturais da Cidade. É importante
salientar que este número de educadores representava na época o
equivalente a um terço do total de educadores atuantes no mercado.
Observamos inicialmente no quadro 1 alguns dados3 básicos
sobre a idade desses sujeitos que estão agrupados por faixa etária
2. Valéria Peixoto de Alencar, O Mediador Cultural. Considerações sobre
a formação e profissionalização de educadores de museus e exposições de arte”,
dissertação (Mestrado), orientação de Rejane Galvão Coutinho, Instituto de Artes
da UNESP, São Paulo, 2008.
3. Alencar, 2008, p.42.
156
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Rejane Galvão Coutinho
e podem ser lidas a partir das seguintes etapas que compõem a vida
profissional de um educador, segundo António Nóvoa (1995).
Quadro 1 – Faixa etária e etapa de vida profissional
Faixa etária
Educadores
Etapa da vida profissional
18 a 22 anos
17
Período de formação inicial
23 a 27 anos
20
Início da vida profissional
28 a 32 anos
21
Relativa experiência e busca
de estabilidade profissional
33 a 37 anos
12
Relativa experiência e busca
de estabilidade profissional
Acima de 40 anos
6
Estabilidade profissional
Não revelaram a idade
24
Os dezessete (17) educadores que se encontram no período de
formação inicial eram na ocasião estagiários da Bienal de 2006. Por
esta amostragem, temos claro que a maior parte dos educadores mediadores atuantes se encontra na faixa etária do início da vida profissional (20) e, sobretudo, no período de busca de estabilidade
profissional (33). Isto revela um campo que está em processo de profissionalização, apesar da falta de reconhecimento de grande parte
das instituições, dos problemas de contratação temporária, da falta
de perspectiva de carreira e outros problemas observados por aqueles que trabalham na área e confirmados na pesquisa de Alencar.
Sobre a formação desses educadores, a pesquisa de Alencar4
revela que, dos cem educadores que responderam ao questionário,
4. Idem, p.45
A formação de educadoes como mediadores culturais
| 157
vinte e seis (26) eram estudantes de graduação e trabalhavam como
estagiários. Dos setenta e quatro (74) graduados, treze (13) tinham
uma graduação concluída e dezenove (19) tinham duas graduações
ou estavam concluindo a segunda graduação. Os quarenta de dois
(42) restantes, além da graduação, eram pós-graduados ou estavam
na ocasião cursando uma pós-graduação. Entre esses últimos: sete
(7) estavam cursando uma especialização; dezenove (19) já eram
especialistas (incluindo-se aqui dois com duas especializações); três
(3) cursavam o mestrado; dez (10) já haviam concluído o mestrado;
dois (2) eram doutorandos; e um (1) já havia concluído o doutorado.
Os dados confirmam a hipótese. Os setenta e quatro (74) educadores mediadores que estavam em processo de ampliação de suas
experiências e busca de estabilidade profissional se encontravam
também em processo de especialização e formação qualificada em
suas áreas de atuação como demonstram os dados acima de pósgraduandos, pós-graduados, assim como aqueles com duas
graduações.
Para complementar o perfil desse profissional, vale a pena
observar o teor das formações iniciais. Aqui os dados apresentados
estão em porcentagens, pois se tratam dos setenta e quatro (74)
sujeitos que possuíam graduação concluída. A pesquisa de Alencar
revela que 70% dos graduados haviam concluído cursos na área
de artes e afins. Em nota,5 a pesquisadora especifica que entende
como cursos afins, os de fotografia, cinema, publicidade, moda,
teatro, arquitetura, desenho industrial e design. Quanto ao restante,
22% concluíram cursos na área de ciências humanas com uma
maior concentração em História, e 8% em outras áreas.
Entre aqueles que se formaram na grande área de artes e afins,
39% eram licenciados e 61% haviam concluído bacharelados. A
5. Alencar, 2008, p.45.
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Rejane Galvão Coutinho
variedade de nomenclaturas dos cursos nas respostas ao questionário da pesquisa de Alencar evidencia a complexidade da área de
formação para as artes do contexto brasileiro. Aparecem as licenciaturas em Educação Artística, Artes Plásticas, Artes Visuais e Artes
Cênicas. Os bacharelados são em Artes Visuais, Artes Plásticas,
Cinema, Arquitetura, Artes Cênicas, Desenho Industrial, Moda e
Fotografia.
Este quadro evidencia que em torno de um terço (39%) dos
educadores mediadores em atuação naquele momento tiveram em
sua formação inicial nos cursos de licenciatura, disciplinas relativas
ao campo da educação, preparando-os para lidar com os processos
pedagógicos inerentes às ações educativas. No entanto, aqui temos
que ponderar que os cursos de licenciatura em geral tratam muito
pouco da questão da educação não formal nos conteúdos de suas
disciplinas pedagógicas. Os cursos ainda são centrados na preparação dos professores, educação formal, apesar do mercado cada
vez mais evidenciar que o campo de atuação do educador na área
de artes se amplia em direção a ações não formais.
Com relação aos bacharelados, é importante ponderar que, em
nosso contexto universitário no âmbito dos cursos de artes e afins,
reproduz-se nesses cursos a ideologia do campo da arte que menospreza o ensino de artes, reproduzindo vários preconceitos e reforçando uma elitização do campo.
Vejamos agora no quadro 2 as áreas que os educadores mediadores têm procurado para se qualificar em cursos de pós-graduação.
Reproduzimos aqui a tabela de profissionalização da pesquisa de
Alencar6.
6. Alencar, 2008, p.46.
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A formação de educadoes como mediadores culturais
Quadro 2 – Áreas de qualificação dos educadores mediadores
Especialização
Mestrado
Doutorado
Artes e áreas afins
17
5
1
Ciências humanas
4
4
2
Educação
1
1
Museologia
4
Outros
2
O quadro revela que os educadores mediadores em atuação
têm buscado se qualificar majoritariamente na grande área de artes
e afins, ou seja, em consonância com as especificidades do campo
de atuação. Porém, é importante ponderar também que muitas vezes
“escolhemos” cursos para nos qualificar diante das possibilidades,
do que nos é oferecido em nosso contexto. Assim sendo, as áreas
de ciências humanas, educação e museologia podem também ser
consideradas áreas correlatas no processo de qualificação.
Diante dos dados e considerações sobre esse perfil do mediador
cultural, especialmente sobre o teor das formações iniciais e qualificações em pós-graduações, percebe-se que o campo da mediação
cultural está sendo exercido e, consequentemente, constituído por
conhecimentos de áreas afins e correlatas ao campo da arte. Por
um lado, as intersecções e complementaridades de conhecimentos
diversos podem enriquecer as mediações e por outro gera a necessidade de encontrar pontos comuns que ajudem a situá-las.
A pesquisa de Valéria Peixoto de Alencar evidencia o que estamos observando no contexto das ações educativas e reforça a importância da formação em serviço ou formação continuada do mediador cultural. Uma formação em consonância com a prática, que
procure extrair o melhor da complementaridade dos conhecimentos
160
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Rejane Galvão Coutinho
dos sujeitos envolvidos e enfrente os desafios de constituir este
campo interdisciplinar.
Qual a formação necessária ao mediador cultural?
A partir de minha experiência com a formação de mediadores
culturais, quero tecer alguns comentários e apontar algumas dimensões fundamentais que acredito devem ser cuidadas em processos
de formação.
Sabe-se que todo projeto de ação educativa é precedido de um
curso preparatório para os educadores antes da exposição (no caso
das exposições temporárias) ou ao longo do processo de trabalho
(no caso das coleções permanentes). Em geral, o foco desse curso é
a pesquisa e o aprofundamento nos conteúdos e contextos da exposição para que o educador possa constituir seu discurso acerca desse
universo, tendo como base conhecimentos de história e teoria crítica
da arte. Não pretendo me ater em detalhes a esta dimensão do processo, pois ela me parece ser ponto de concordância geral e privilegiada nos processos de formação. Chamo atenção apenas para o
direcionamento dado a esses cursos que pode reforçar discursos
reprodutores (quando o educador é incitado a reproduzir o discurso
do curador, por exemplo) ou estimular uma participação crítica
na constituição de discursos mais autorais. Isto leva a crer que a
concepção que orienta a ação educativa deve ser não apenas evidenciada no debate de ideias, mas exercida nos modos como o curso é
organizado.
No processo de formação, é importante ressaltar as competências ou dimensões do campo educacional e do campo comunicacional que se entrelaçam na ação mediadora. Resumidamente,
pode-se dizer que são as competências para se relacionar com o
A formação de educadoes como mediadores culturais
| 161
público. Porém, sabemos que o público se constitui de sujeitos
diversos, com diferentes demandas e necessidades, pertencentes a
diferentes comunidades interpretativas. Ou seja, quando falo da
dimensão comunicacional, não me refiro apenas à capacidade de se
comunicar, de colocar a voz, de ter atenção com sua postura corporal, seu olhar, seus gestos, enfim sua presença em relação ao grupo
e ao próprio espaço expositivo, questões importantes; mas chamo
a atenção, sobretudo, para a capacidade de flexibilizar a comunicação para os diferentes públicos, além da sensibilidade de escuta para
perceber as diferentes demandas, para identificar, sem estereotipar,
os diferentes contextos de origem dos sujeitos. Em suma, capacidade
de articular e adequar seu discurso para os diferentes públicos.
Como estimular estas competências? Poderia dizer que não
conheço fórmulas exatas, mas tenho alguns exemplos oriundos de
experiências que podem servir como pretexto para considerações.
Podemos começar com uma prática que tem sido exercida em vários
contextos de aprendizagem, e que nem sempre é realçada como
processo de formação: trata-se do processo de aprendizagem através
da observação e acompanhamento de práticas. No caso de uma
ação educativa, dá-se quando um educador menos experiente
acompanha a visita de um educador mais experiente para aprender
com este último. O acompanhamento de visitas, se entendido como
possibilidade de formação, pode ser um momento de trocas entre
todos os agentes envolvidos. Para que isto aconteça, é necessário
legitimar o processo com orientações específicas quanto às questões
a serem observadas. Esta legitimação é importante para abrir
espaço/tempo na jornada de trabalho dos educadores para discussão
sobre a experiência vivida. As orientações são importantes, pois
nem sempre os educadores têm sua atenção voltada para aspectos
da dimensão comunicacional e educativa da performance de quem
conduz o processo de mediação, por exemplo.
162
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Rejane Galvão Coutinho
Por conta da riqueza da experiência de aprendizagem que pode
ocorrer no acompanhamento de uma visita, foi experimentada pela
equipe do Arteducação Produções no ano de 20077 uma dinâmica
dialógica de acompanhamento, legitimada como processo de
formação. Nessa experiência, um educador/formador foi destacado
para acompanhar os demais educadores em suas visitas, funcionando como um “espelho perceptivo” de cada processo de mediação. Nesse caso, o educador/formador tinha, obviamente, um maior
repertório de experiências com mediação para enfrentar o desafio.
O ideal era que ao longo do projeto todos os educadores fossem
observados mais de uma vez para que as questões fossem retomadas
e analisadas em diferentes situações. Ao final de cada acompanhamento de visita, os dois educadores, o formador e aquele que foi
observado, discutiam o processo experienciado: apontando os
pontos positivos e negativos das performances de ambos, sobretudo
da condução da visita; as posturas; o andamento do percurso; as
dinâmicas propostas; os materiais utilizados; os processos e recursos
de leitura de obras; e, principalmente, as reações do grupo a toda
essa experiência. Em alguns casos, a experiência de acompanhamento pôde também ser enriquecida com registros fotográficos e/
ou em vídeos do desenrolar da visita como meio de retomar algumas questões relativas à performance do educador.
Voltando às considerações sobre processos de formação, podemos apontar algumas questões do campo educacional, especificamente do campo da arte/educação que merecem ser tratadas no
processo de formação em dinâmicas de grupo ou a partir de leituras
7. A experiência em questão aconteceu no Programa Educativo do Centro
Cultural Banco do Brasil, no ano de 2007, quando a equipe contava com a
coordenação de Aberto Tembo e tendo como educador-formadores Christiane
Coutinho Orloski e Auber Bertinelli.
A formação de educadoes como mediadores culturais
| 163
e discussões de textos. Esse espaço de formação, ao longo do desenvolvimento de uma ação educativa, deve ser garantido pela estrutura
de trabalho. Uma reunião semanal coletiva com tempo adequado
para discussão de um tema, levando-se em conta a necessidade de
conversas sobre questões do cotidiano, pode ser suficiente. A condução desses encontros pode ser atribuição do coordenador da ação
educativa, de assessores especialistas convidados, ou ainda pode
se dar em sistema de rodízio entre os próprios educadores que podem se engajar na proposição de temas de seu interesse e competência relativos ao contexto da exposição e/ou questões sobre
mediação. Ao engajar os educadores no processo de formação, além
de estimular seu comprometimento com o trabalho e com o próprio
processo de formação, reforçam-se as complementaridades das
formações iniciais em direção a um processo interdisciplinar de
formação coletiva.
Aponto alguns temas que são, a meu ver, importantes nesse
processo de aprofundamento e reflexões:
• Discutir diferentes concepções de arte, cultura e educação, buscando situar e refletir sobre suas próprias concepções;
• Entender os processos de construção de conhecimentos em arte;
• Buscar instrumentos para avaliar os diferentes níveis de compreensão estética (de crianças, jovens e adultos leigos);
• Pesquisar e exercitar diferentes abordagens de leitura de imagens;
• Trabalhar as diferenças de percepção e recepção dos diferentes
públicos, incluindo aqueles com necessidades especiais;
• Exercitar processos de criação em arte de forma relacionada com
o contexto da exposição.
164
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Rejane Galvão Coutinho
E aponto ainda outras dimensões do processo que devem ser
exercidas nas mediações formativas, como o estímulo e respeito à
autonomia crítica dos educadores, o exercício de posturas reflexivas
para enfrentamento dos conflitos vivenciados por sua função, e o
exercício da flexibilidade diante de diferentes pontos de vista.
Todo esse processo de formação precisa ser permeado por uma
reflexão consciente sobre seu posicionamento profissional em
relação às instituições e as suas políticas educacionais e promocionais. Não dá mais para encarar a mediação cultural de forma
ingênua ou romântica, ignorando os pressupostos ideológicos que
as orienta. Enfim, este é um trabalho que demanda uma formação
específica e profundamente comprometida, pois é fundamental ter
clareza de seus posicionamentos em relação a sua função.
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| 167
Arte conceitual em jogo de loto:
experiência no museu
MARIA ANGELA SERRI FRANCOIO*
Apresentação e justificativas
No MAC-USP, as ações educativas desenvolvidas na recepção
do visitante escolar, infantil e juvenil, apresentam, em sua maioria,
estratégias lúdicas (FRANCOIO, 2000). O estudante, das séries iniciais
ao Ensino Médio, demonstra um nível de atenção para as obras
que indica, com frequência, necessidade de recursos pedagógicos
no sentido de instigar seu interesse e ampliar, com qualidade, o seu
tempo de presença no espaço museológico. Diferente do expectador
adulto, se familiarizado com as artes visuais, que se deixa envolver
pelas questões inerentes a elas, os alunos requerem do educador
uma atenção mais cuidadosa.
Nesse sentido, estratégias apropriadas às diversas faixas etárias
aguçam a percepção e a participação dos alunos. Com estes objetivos, o percurso da visita ao museu envolve as produções artísticas
* Mestrado em Artes Plásticas, Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, 2000, Curso de especialização Lato Sensu Museu,
Educação e Arte, MAC-USP, 1992, Graduação na Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto, USP (Saúde Pública), 1979. Educadora no MAC-USP, desde 1993,
idealizadora e coordenadora do Programa MEL – Museu: Educação Lúdica, desde
1997, e coordenadora do Programa Acervo: Roteiros de Visita, desde 2006.
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Maria Angela Serri Francoio
observadas em diálogos e as outras experiências (BONDÍA, 2002)
que mesclam os conteúdos e a poesia da arte em atividades e jogos
lúdicos. Busca-se o equilíbrio entre esses momentos de interação
social e cultural que se complementam.
As atividades lúdicas desenvolvidas no MAC podem ser classificadas dentro dos parâmetros dos jogos tradicionais de regras, de
construção, e do jogo de faz de conta, entre outras. Estas atividades
configuram a metodologia lúdica que anima propostas que desafiam
a criança a ver, ver de novo, pensar e estabelecer sentidos diante
das obras de arte. Além disso, há a possibilidade para tocar e
experimentar materiais preparados nesse laboratório de ensinar e
aprender, que consistem os museus (BARBOSA, 2004).
Essa metodologia de ensino fundamenta o programa de ações
educativas MEL,1 da Divisão de Educação e Arte no MAC. Por
meio deste, são organizadas propostas de ensino, pesquisa e de
extensão à comunidade. O MEL, nesses anos, tem se caracterizado
como uma experiência de resistência da educação em museu, pois
permanece em desenvolvimento apesar das mudanças nas políticas
culturais comuns em instituições públicas.
Nesse sentido, espaços educativos denominados Educação e
Arte estão garantidos junto às exposições organizadas na nova sede
do MAC USP, no Parque do Ibirapuera. São áreas específicas para
a educação e ligados a cada mostra. Eles significam um diferencial
entre os museus de São Paulo, pois firmam a função de educação
e, consequentemente, o reconhecimento e a valorização da presença
dos diversos públicos. Apontam para uma atuação em equipe do
corpo de funcionários, uma vez que curadoria, educação e
museografia “caminham” juntas e se complementam.
1. MEL – Programa educativo da Divisão Técnico-científica de educação e
arte do MAC-USP, desde 1997.
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
| 169
Nos espaços Educação e Arte das exposições O Agora, O
Antes, no sétimo andar, José Antonio da Silva em dois tempos, no
sexto andar e Os Volpis do MAC, no quinto andar, propostas
educativas do programa MEL foram adaptadas a estas novas áreas.
Os espaços lúdicos, próprios do MEL, foram ampliados, mantendose as museografias projetadas por Alícia Krakowiak2, nos anos de
1997 a 2002. Na metodologia lúdica, o objetivo desses espaços
organizados com jogos e brincadeiras é proporcionar vivências
significativas ao público, seja durante as visitas agendadas, com a
presença do educador, seja em visitas espontâneas, de crianças,
jovens e adultos. Essas vivências, por sua vez, podem cativar um
público de museu que fique à vontade para usufruir dos materiais
disponibilizados e reorganizá-los para os próximos visitantes.
Para exemplificar a metodologia citada, segue um relato da
elaboração de jogo de loto3 a partir de obras do acervo de Arte
Conceitual do MAC. As obras estiveram na mostra Redes
Alternativas,4 na sede da Cidade Universitária, entre junho de 2011
e setembro de 2012.
2. Designer do MAC que atuou junto aos programas educativos da DTCEA.
Realizou as museografias das exposições educativas e dos respectivos espaços
lúdicos, no Programa MEL, de 1997 a 2002. Posteriormente, a funcionária projetou os espaços dos professores, nos quais as apresentações dos pôsteres e fichas
didáticas divulgavam o Programa Acervo: Roteiros de Visita.
3. As fichas desafios que compõem o jogo de loto foram realizadas em
parceria com os bolsistas do Programa Aprender com Cultura e Extensão, da
Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP. São graduandos da Universidade e
estagiários nos programas educativos MEL e Acervo: Roteiros de Visita: Daniele
A. Santos Freitas e Graciela Zapatta. Bolsistas do programa de Atendimentos ao
Público também participaram da elaboração desse jogo: Natalia Bressan, Gabriela
Dias de Melo e Cristiane M. Pereira.
4. Curadoria Profa. Dra. Cristina Freire, MAC-USP – Cidade Universitária,
2011-2012. Outras informações podem ser encontradas no link: <http://
www.mac.usp.br/mac/EXPOSI%C7OES/2011/redes_alternativas/index.htm >.
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Maria Angela Serri Francoio
A construção do jogo – Estudo e adequação
Tradicionalmente, o jogo de loto ou jogo de tômbola apresenta
cartões numerados de 1 a 90 que vão sendo marcados pelos
jogadores à medida que esses números, impressos em pedrinhas de
madeira ou de outro material, são sorteados ou tirados ao acaso.
Vence aquele que primeiro preencher os cinco números de uma linha
ou, se combinado, o cartão todo.
Na adaptação do jogo para os conteúdos da arte, o cartão com
números foi substituído por obras de arte, mais especificamente,
por sete imagens da exposição Redes Alternativas. A seleção das
obras para compor o jogo não seguiu critérios pré-estabelecidos, e
aconteceu a partir dos interesses dos bolsistas envolvidos. Porém,
o conjunto das obras deveria ser representativo das ações e registros
dos artistas presentes na exposição. Por exemplo, não poderia faltar
a videoarte e, por isso, as performances de Paulo Herkenhoff e
Letícia Parente fazem parte do jogo.
Os números em pedrinhas, do jogo tradicional, foram
substituídos por fichas desafios. Cada obra gerou um conjunto de
seis a oito fichas desafios5. As fichas apresentam textos e imagens
que sugerem relações com as obras que fazem parte do jogo. Os
textos definem a Arte Conceitual; informam sobre as obras e os
artistas, sobre os contextos, social e político, da época da realização
dos trabalhos; apresentam pontos de vistas diversos sobre as ações
artísticas; possibilitam proximidades com outras obras do acervo
do MAC; abordam assuntos que extrapolam aquele específico da
arte; e se aproximam de outras áreas de conhecimentos, sempre
5. Durante a exploração do material didático, os professores dos alunos
visitantes ficavam estimulados a criar possibilidades semelhantes após observarem
a participação dos seus estudantes.
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
| 171
tangenciando aspectos das performances e seus registros. Há, ainda,
as fichas com textos mais complexos para certos grupos de visitantes, assim como textos simples e curtos e imagens que indicam
direta ponte com as obras e dão agilidade para a partida do jogo.
As fichas também incluem aquelas denominadas coringas, que
apresentam relações com quase todas as obras escolhidas para
compor o jogo. E, finalmente, não faltam as famosas fichas Jogue
mais um vez ou Fique uma vez sem jogar.
Antes da partida, o educador deve selecionar as fichas desafios
de acordo com a faixa etária dos visitantes, ou seja, o grau de
complexidade das fichas pode ser definido previamente.
Objetivo geral: o jogo como estratégia para conhecer
Arte Conceitual e refletir sobre ela no museu
Na mostra Redes Alternativas, as obras, em sua maioria, eram
registros de performances e ações dos artistas. Esses registros foram
realizados por diversos meios, tais como: fotografias P&B, sobre
papel, em tamanho A4, filmagens6 e textos manuscritos e datilografados em papel tamanho ofício ou A4, etc.
Essas obras e também documentos da produção conceitual dos
anos de 1960 e 1970 exemplificam a atuação de artistas que não
estão preocupados com o apelo estético de suas produções, e sim
com as ideias que elas comunicam.
Com uma museografia convencional, a exposição Redes
Alternativas não era atraente para o público escolar. As fotos P&B,
os textos nas dimensões do papel A4, nas paredes e em vitrines,
6. Constituem exemplares importantes da videoarte, modalidade da arte
conceitual que surgiu nos anos de 1960.
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Maria Angela Serri Francoio
provocavam certa aridez visual, aspecto que ganhava evidência em
relação às obras na galeria ao lado – a mostra Fotógrafos da cena
contemporânea,7 com fotos a cores e em grandes dimensões. Assim,
a observação atenta e a leitura das obras e documentos, ou seja,
uma fruição intelectual pelos visitantes escolares não acontecia
espontaneamente em Redes Alternativas. Embora, por outro lado,
as videoartes,8 atraiam o público. Sentados nos bancos da exposição, observavam as performances de Letícia Parente e Paulo
Herkenhoff com graus variados de espanto.
A exposição apresentava artistas da América Latina, inclusive
do Brasil, e de países do Leste Europeu. Esses artistas viviam em
sistemas de governos militares e ditatoriais nos seus países de
origem, em sua maioria. Suas obras chegaram ao Museu por Redes
Alternativas, ou seja, pelos correios, numa surpreendente rede de
contatos para a época. Dessa forma, eles driblavam o sistema oficial
das artes e a censura política. O primeiro diretor do MAC, Prof.
Walter Zanini, teve fundamental importância na gestão do museu
(FREIRE, C., 1999) naqueles anos de 1960 e 1970, quando propôs
mostras e eventos no MAC, que ainda hoje seriam inovadores, e
reuniu obras que constituem o acervo de arte conceitual do Museu.
A proposta de um jogo de loto como instrumento de mediação
criou uma situação de interesse e de envolvimento entre as pessoas,
visando à elaboração do material. Educadora e bolsistas9 se reuniram
em torno de um objetivo comum, para além daquele da própria exposição. Por outro lado, na recepção dos alunos bolsistas atualmente
7. Curadoria da profa. Dra. Helouise Costa
8. Na mostra as obras estavam disponibilizadas no modo looping em
monitores de telas planas.
9. Graduandos da Universidade: História, Filosofia, Artes Plásticas, Letras,
Ciências sociais etc.
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
| 173
estagiando nos programas MEL e Acervo: Roteiros de visita, o jogo
foi explorado como um material de estudo sobre o acervo do museu.
Objetivos específicos do jogo:
• Abarcar a densidade conceitual própria dessa coleção do acervo
e da exposição numa proposta lúdica adequada aos alunos do
Ensino Fundamental II e Médio.
• Destacar os diversos pontos de vistas e áreas de conhecimentos
presentes nas obras.
• Evidenciar as possibilidades de desdobramentos da visita ao museu nas escolas e, por consequência, favorecer o envolvimento
dos professores.
• Demonstrar características predominantes desse acervo: a arte
conceitual não privilegia o aspecto estético, e sim a ideia na produção artística, os materiais e suportes utilizados são precários.
O artista é o propositor da ação e empresta o seu próprio corpo
para esse exercício; “[...] É o processo criativo do artista e não
seu resultado que se coloca em primeiro plano.[...]” etc. (FREIRE,
C., 2006)
• Favorecer a familiaridade do público infanto-juvenil com essa
vertente da produção dos anos 1960-1970-1980.
• Ampliar o tempo do grupo na exposição a fim de ver as obras e
pensar sobre elas provocados pela dinâmica e desafios propostos
pelo jogo.
O uso do jogo na exposição Redes Alternativas
Anteriormente à dinâmica do jogo, os visitantes faziam um passeio pela exposição. Eram estimulados a percorrerem as obras livremente, em silêncio e sem a companhia próxima dos colegas.
Esperava-se, assim, que os alunos se aproximassem das produções
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Maria Angela Serri Francoio
que “os chamassem”, como uma espécie de “aquecimento” do olhar
e do intelecto. O educador estabelecia um tempo para esse primeiro
contato com as obras.
Em seguida, reunidos observavam os registros das ações e
performances em diálogos com os colegas e o educador. E, posteriormente, participavam de uma partida do jogo, e se houvesse
tempo, mais uma, o que raramente ocorreu.
É importante destacar que, nessa etapa da visita – o momento
do jogo, o grupo, ou pelo menos algumas pessoas, já possuíam informações que permitiriam a exploração do material com autonomia;
embora, a presença do educador fosse positiva, tanto para esclarecer
possíveis dúvidas dos jogadores, como para destacar possibilidades
menos evidentes do material.
Para o início da partida, os alunos eram organizados em circulo,
sentados em almofadas e agrupados em duas ou três pessoas. As
cartelas com as reproduções das obras eram distribuídas aleatoriamente aos subgrupos. As fichas desafios ficavam embaralhadas
no centro da roda, em um monte. Os jogadores sorteavam a ordem
de jogadas e cada subgrupo pegava uma ficha do monte. Um representante lia o texto em voz alta ou mostrava a imagem para os demais participantes. Em diálogos, os jogadores definiam as possíveis
relações entre os conteúdos daquela ficha e as obras em jogo. O
confronto de pontos de vistas favorecia a verbalização de ideias,
aumentando a exposição dos estudantes às aprendizagens. Para
alguns alunos, a leitura e a compreensão dos textos se tornaram
exercícios, por si só.
A forma de jogar podia ser cooperativa ou competitiva. Os
alunos, de forma geral, preferiam a forma competitiva do jogo, ou
seja, as fichas desafios voltavam para o monte quando não apresentavam relações com a imagem da cartela dos jogadores que as
sortearam. A partida, assim, demandava maior tempo em relação
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
| 175
à cooperativa, pois neste caso, sempre há um destino para as fichas
desafios entre os jogadores, elas não retornam para o monte. O
tempo que o grupo tinha para a visita ao Museu determinava a
forma de jogar, e quase sempre era necessária a cooperatividade.
A finalização da partida acontecia quando um subgrupo reunisse seis fichas a respeito da obra que tinha em mãos e assim ganhava a partida, ou melhor, reuniu mais conhecimentos sobre a obra.
O jogo seguia até o término das fichas desafios.
As orientações para o jogo são apresentadas na parte interna
da tampa da caixa que o acondiciona e estão reproduzidas a seguir,
com um formato que as diferencie do restante desse texto. Elas eram
lidas pelos grupos antes da partida.
Jogo de Loto Arte Conceitual10 – Exposição
Redes Alternativas
REGRAS
Apresentação e Objetivos:
O Jogo de loto Arte Conceitual é uma proposta de atividade
educativa do MAC-USP. É uma adaptação do jogo tradicional de
loto ou do azar, ou ainda, jogo de tômbola. Apresenta obras da
exposição Redes Alternativas.
O objetivo principal é complementar ou revisar ideias, interpretações e conceitos comentados durante a visita à exposição em
diálogos com os visitantes/ jogadores. Essa visita deve acontecer
antes da partida.
10. Elaboração: Divisão Técnico-Científica de Educação e Arte, programa
educativo MEL, coordenação educadora Maria Angela Serri Francoio,
colaboração de bolsistas do Programa Aprender com cultura e extensão da PróReitoria de Cultura e Extensão.
176
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Maria Angela Serri Francoio
MATERIAIS QUE COMPÕEM O JOGO:
Cartelas com reproduções de obras: sete reproduções de obras
da exposição Redes Alternativas, em tamanho A4.
Fichas desafios: fichas em pequenos formatos, contendo imagens e textos informativos sobre as proposições dos artistas, sobre
arte conceitual, ou sobre o período da ditadura no Brasil, assim
como perguntas, exercícios e propostas interativas etc.; imagens
que apresentam detalhes das obras, ou que possibilitam analogias;
imagens de obras do acervo que têm alguma relação com as obras
em jogo.
Fichas coringas: Os conteúdos podem se relacionar com todas
as obras que fazem parte do jogo.
Fichas surpresas: Jogue novamente e Fique uma vez sem jogar.
Observação: um CD com gravações das músicas citadas nas
fichas desafios faz parte do material; textos e imagens referentes
às obras que estavam na exposição compõem o conjunto de materiais do jogo: Metamorphose, de Felix Psodiadly – as traduções dos
textos escritos sobre as dezesseis fotos; Constelação da Tartaruga,
de Artur Barrio – um texto e a sequência completa das fotos da
performance; Morfologia da Nova Realidade, de Anna Kutera –
as traduções das legendas das fotos e os textos da artista que acompanham fotos complementares da performance.
PUBLICO ALVO:
Alunos do Ensino Fundamental II e Médio, adultos, ou grupos
de visitantes que o educador considerar conveniente o uso do jogo.
Os níveis de dificuldade do jogo podem ser determinados pela
seleção prévia das fichas desafios.
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
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ORGANIZAÇÃO DOS MATERIAS NA PARTIDA:
No centro dos jogadores ficam as reproduções das obras,
viradas para baixo. Ao lado, as fichas desafios referentes às obras
em jogo ficam embaralhadas e viradas de cabeça para baixo,
somadas às fichas coringas.
NÚMERO DE JOGADORES POR PARTIDA:
Mínimo de jogadores: quatro, em duplas.11
COMO JOGAR:
Início da partida: Cada dupla pega, aleatoriamente, uma cartela
com reprodução de obra de arte, que deve ficar diante da dupla
virada para cima. Decide-se a ordem das jogadas. O primeiro
jogador pega uma ficha desafio no centro da roda ou da mesa.
Compartilha o conteúdo da ficha com os demais, mostra a imagem
ou lê em voz alta o texto da ficha. Verifica com os demais jogadores
se há relação entre a ficha e a obra que pertence à dupla. Se positivo,
fica com a ficha e a deposita ao lado da obra, virada para cima.
Joga novamente. Se negativo, volta a ficha para o fundo do monte,
virada para baixo, no centro da roda.
Alternativa de regra para um jogo cooperativo: Se negativo,
os jogadores decidem em consenso com qual dupla deve ficar a
ficha. O próximo a jogar continua a partida.
Final da partida: a dupla que obtiver seis fichas referentes à
obra que tem em mãos (pode haver coringas entre elas) cumpriu
11. O jogo no museu acontece com duplas de alunos para favorecer o confronto de pontos de vistas. Esse confronto amplia a possibilidade de aprendizagem. Além disso, as crianças se sentem mais confortáveis e menos expostas se
acompanhadas por um colega.
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Maria Angela Serri Francoio
sua missão e já conhece um pouco mais sobre uma obra da
exposição Redes Alternativas do MAC. O jogo poderá ser
finalizado, ou os demais jogadores seguem a partida, até a última
dupla completar seis fichas.
OBSERVAÇÕES:
• Os jogadores podem decidir quantas obras fazem parte da
partida, sete ou menos, porém deve ter uma videoarte.
• Cada partida deve ter a quantidade de fichas coringas de acordo
com o número de duplas.
Cartelas do jogo: A seguir são reproduzidos exemplos das
cartelas que apresentam as reproduções das imagens das obras de
arte na frente e no verso o título do jogo e da exposição para o
qual o jogo foi preparado.
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
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Verso da Ficha desafio
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Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
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Fichas desafios (exemplos) referentes à obra de Artur Barrio,
Constelação da Tartaruga
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Fichas desafios (exemplos) referentes à obra de Feliks Podsiadly,
Metamorphose
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
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Fichas desafios (exemplos) referentes à obra de Anna Kutera,
Morfologia da Nova Realidade
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Fichas desafios (exemplos) referentes à obra de Paulo
Herkenhoff, Estômago embrulhado.
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Fichas desafios (exemplos) referentes à obra de Marta Minujin,
Nido Gigante.
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Fichas desafios (exemplos) referentes à obra de Letícia Parente,
Marca Registrada
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
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Fichas desafios (exemplos) referentes à obra de Fernando
Cochiarale, Sequela.
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Fichas coringas (exemplos).
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Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
Fichas para o público adulto (exemplos).
Fichas surpresas
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Registros fotográficos dos grupos explorando o jogo no Museu
Bolsistas recém-chegados no MAC para estagiar nos Programas MEL e Acervo
Roteiros de Visita – (agosto 2013) utilizam o material em estudo do acervo.
Detalhes do jogo de loto – Arte conceitual, cuja diagramação gráfica foi realizada por Alícia Krakowiak, em 2012.
Detalhe: Versos das fichas desafios viradas para baixo. Apresentam o nome
da exposição Redes Alternativas e o
logo do MEL.
Alunos da rede pública estadual de ensino visitando a exposição Redes
Alternativas, durante observação inicial, e em seguida jogando loto – programa
Vivendo a USP – Novos Talentos (2012)12.
12. Os alunos do programa Novos Talentos permanecem no museu das 9
h às 17 h. Esses grupos visitavam a exposição Redes Alternativas, exploravam o
jogo e em seguida participavam de uma atividade em ateliê, em subgrupos, onde
criavam registros fotográficos de ações utilizando os próprios corpos, em espaços
do museu e do campus ao redor do museu e a partir de alguns critérios prédeterminados e escolhidos pelos grupos.
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
Alunos da rede pública estadual
jogando no ateliê, após visitarem a
exposição (2012)
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Professores participantes do curso de
extensão à comunidade, Arte no mês
de julho – visitas ao MAC USP – Programa USP Escola (15 a 19 de julho de
2013 – das 9:00 às 17 horas). Exploração do jogo de loto diante das obras
de Anna Kutera e Felix Podsiadly, na
exposição “O agora o Antes”, na nova
sede do Museu.
Verbetes das obras que compõem o jogo.
Esses textos foram apresentados próximos às obras, nas paredes
e dentro das vitrines, na exposição Redes Alternativas. Transcrevemos a seguir aqueles referentes às obras que fazem parte do jogo.
• A Constelação da Tartaruga, 1981/1982 (Artur BARRIO – Porto,
Portugal, 1945)
Registro fotográfico realizado por Paul van der Toorn, de
um projeto de Artur Barrio realizado entre 1981 e 1982,
em Amsterdam, (Holanda). Neste trabalho, o artista realiza
uma ação previamente elaborada, onde o casco de tartaruga serve de suporte para uma solução de mercúrio que é
despejada em sua parte interna. O projeto foi registrado
em vídeo, filme super 8, gravação em fita cassete, livro (4
volumes), cadernolivro e em 80 diapositivos.
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Maria Angela Serri Francoio
• Metamorfose, 1977 (Féliks PODSIADLY – Polônia, 1936)
A experiência da transculturalidade, questões levantadas
pela antropologia e os limites da identidade do próprio
artista estão presentes nesta série de fotografias do polonês
Féliks Podsiadly, em que o europeu se transforma em africano por uma metamorfose de carga intensa e expressiva.
Os retratos do artista têm uma aura que é explicitada pela
carta que acompanha o trabalho, na qual escreve: “A
inspiração para este trabalho surgiu dos quatro anos em
que vivi na África. A forma do trabalho não me interessa.
Eu estou interessado é na mudança de um homem no decorrer de seu desenvolvimento mental.”
• Morfologia da nova realidade, 1976 (Anna KUTERA – Polônia –
1952)
Nessa série, a artista anexa textos manuscritos à fotografias
do próprio rosto, procurando legendar as faces esvaziadas
de capacidade expressiva. Depois reúne tais imagens, em
folhas fotocopiadas, a um texto em que discute a realidade
contemporânea e a reações que provoca.
• Estômago Embrulhado, 1975 (Paulo HERKENHOFF – Brasil, 1949)
Jejum, 1975 P/b, mudo, 07’20", Sobremesa, 197P/b, som, 02’41"
Em Jejum, o artista mastiga notícias de jornal sobre a
censura até engasgar, então engole a mistura regada de
saliva e tinta de impressão, finalmente absorvendo o
conteúdo das notícias em seu corpo.
Já Sobremesa, propõe a deglutição de uma obra de arte.
O trabalho escolhido foi Pintor ensina Deus a Pintar da
série Clandestinas, impressa no jornal O Dia em, 1973.
Segundo o artista, a decisão do uso do vídeo foi ideológica.
Ele buscava, com esta escolha, atingir simultaneamente os
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
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dois meios mais importantes de comunicação em massa
do momento: a televisão e a imprensa.
• Nido gigante, 1976 (Marta MINUJÍN – Argentina – 1943)
Este trabalho pretende incitar a reflexão sobre a interação
colaborativa dos artistas na gestação das vanguardas na
América Latina. Neste projeto, Marta Minujín colocou
terra extraída de Machu Pichu em caixas de vidro que enviou a diversos artistas latino-americanos para que estes a
misturassem a um pouco da terra de sua localidade e
voltassem a enviá-la à artista em Buenos Aires. Em seguida,
a terra devolvida foi misturada e depositada no lugar de
onde havia sido extraída originalmente. A experiência foi
registrada em vídeo e apresentada em televisores dentro
de um ninho de João-de-barro gigante construído pela artista, o qual aparece registrado nestas fotografias.
• Marca Registrada, 1975 (Letícia PARENTE – Brasil, 1930-1991)
Os primeiros trabalhos em vídeo do Brasil são caracterizados pelo seu radicalismo no uso de imagens do corpo
político e social em contraste a um narcisismo auto-referencial. Neste trabalho a artista borda a inscrição Made
in Brazil na sola de seu pé com uma agulha.
• Sequela, 1974 (Fernando França COCCHIARALE – Brasil, 1951)
Neste trabalho o artista toma o corpo como suporte para
sua proposição, apreendendo, por meio da fotografia, o momento da ação e a marca dela resultante em uma seqüência
estática a que o observador, induzido pelo título da obra,
agrega mentalmente a idéia de conseqüência, de sequela.
194
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Maria Angela Serri Francoio
Considerações finais
O jogo redimensionou, de certa forma, a densidade conceitual
e visual da exposição, tendo em vista o público escolar. As dinâmicas
na mostra buscaram ampliar a acessibilidade às riquezas reflexivas
escondidas na aridez visual das fotos, em P&B, e dos textos, manuscritos e datilografados, difíceis para um público com pouco convívio
com propostas artísticas desta natureza. Essa visualidade está longe
de atrair um público jovem, acostumado a ser assediado pela sociedade do espetáculo, das mídias e vendas a qualquer custo.
O material educativo favoreceu uma atividade de roda de
conversa no espaço expositivo. Isso possibilitou que os alunos do
Ensino Fundamental II, do Ensino Médio e seus professores, junto
com os educadores e bolsistas do museu compartilhassem ideias,
dúvidas, leituras de textos, desconfortos e até, para alguns, recordações de fatos vividos durante a ditadura e lembrados com emoção, durante a observação das obras.
As fichas desafios provocaram revisões de definições e de
aspectos pertinentes e recorrentes no conjunto das obras de Redes
Alternativas. Evidenciaram analogias e interpretações nas ações dos
artistas. Um aluno, diante da pequena e única foto P&B da performance, Nido Gigante, da artista argentina Marta Minujin, foto
exposta dentro de uma das vitrines da exposição, disse que a artista
estava discutindo a presença das fronteiras entre os países. E completou sua fala dizendo que os pássaros não respeitam as fronteiras
territoriais. Na foto da performance, a artista está dentro de um
ninho gigante de João-de-barro, o pássaro símbolo da Argentina.
Nos diálogos diante das obras, muitas vezes, a atualidade de
algumas performances em relação a questões contemporâneas,
ficava em evidência. Diante da videoarte Marca registrada, de
Letícia Parente, por exemplo, os jovens trocavam ideias sobre
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
| 195
hábitos, costumes e até linguagens, adquiridos sem atenção ou
crítica na vida cotidiana. O corpo como objeto, um modo de vestir,
o idioma inglês, a vulnerabilidade das pessoas diante de mídias
poderosas eram assuntos que mobilizavam os alunos. Durante a
partida do jogo, logo após esses diálogos, alguns percebiam e
ampliavam as conexões entre os assuntos discutidos em roda, as
obras e as fichas do jogo. A concentração ou a dispersão dos estudantes, nas conversas ou no jogo, norteavam seus modos de acessos
e participação. Fora de uma situação estimulada, como o jogo,
alguns perceberiam pouco, ou quase nada, a partir das obras.
Na exploração de um material como esse, há um aspecto que
diz respeito às habilidades, características e interesses dos alunos
que são mobilizados por estratégias diversas. Por exemplo, com o
jogo se potencializa a participação daqueles que se sentem pouco a
vontade durante a visita ao museu. Eles são cooptados quando
convidados para uma atividade interativa diversa daquela na qual
a iniciativa em participar é espontânea e enfrenta o grupo como
um todo, como acontece na visita dialógica. No jogo, as expectativas do grupo não recaem sobre uma pessoa, elas se diluem nas
atuações em duplas, no fator sorte ou azar, na vez de jogar, situações
essas fora do controle das pessoas.
Os alunos preferiam a forma competitiva do jogo. Era notória
a participação esfuziante dos alunos no sentido de criar argumentos
que justificassem, de qualquer forma, a pertinência da ficha, retirada
do monte, em relação à obra que pertencia à dupla ou trinca de
jogadores. A partida cooperativa, porém, possibilitava o envolvimento do grupo como um todo e a criação de argumentos mais
coerentes entre a ficha retirada e as obras da exposição.
O jogo estimulou o levantamento de opiniões dos alunos frente
a acontecimentos sociais e políticos atuais, tanto na escola, como
no bairro, na cidade ou mesmo, no Brasil. A Comissão da Verdade,
196
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Maria Angela Serri Francoio
recentemente criada no Brasil, foi um tema recorrente nas rodas
de conversas durante as partidas do jogo. Recortes de notícias de
jornal durante o ano de 2011 e 2012 ajudaram a contextualizar as
ações e performances dos artistas. Alguns ensaios para projetos de
performances foram tangenciados nas falas dos alunos.
Como na maioria das ações educativas desenvolvidas no museu,
as observações realizadas durante as experiências com o jogo de
loto Arte Conceitual na exposição Redes Alternativas permitem afirmar, apenas, que a arte produzida num período histórico, social e
político, que não pode ser esquecido, foi acessada por alguns dos
jovens participantes das visitas ao MAC.
Após o término da exposição Redes Alternativas, o jogo continua sendo explorado, confirmando a possibilidade de extensão do
uso do material para outras situações de ensino e aprendizagem da
arte conceitual.
Assim, na recepção dos novos alunos bolsistas estagiários nos
programas MEL e Acervo: Roteiros de visita, em agosto de 2013,
o jogo foi útil como material de estudo sobre o acervo do museu.
Observações escritas pelos bolsistas após a exploração do jogo estão
transcritas a seguir:
As fichas desafios se tornam oportunidades para que um espaço
de discussão seja aberto. Esse espaço é parte vital do exercício de
compreensão de uma obra conceitual, e faz com que a sensibilidade
crítica desse movimento artístico seja mais bem absorvida pelos
jogadores/alunos. Uma atividade lúdica como este jogo de loto
retira o espectador da passividade e o insere, mesmo que em outras
proporções, na atividade de construção da obra.13
13. Beatriz Tadioto, estagiária no Programa MEL, com bolsa do Programa
Aprender com cultura e Extensão.
Arte conceitual em jogo de loto: experiência no museu
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[...] A organização das fichas de modo bem orientado pelo monitor
responsável pela atividade permite que o jogo de Loto possa ser
aplicado com crianças em idade escolar e com professores, baseado
na possibilidade de se jogar com análises introdutórias e em debates
mais aprofundados sobre as obras e artistas presentes no material.
[...]14
O jogo também está sendo retomado com o público visitante
da mostra o Agora, o Antes,15 na nova sede do Museu, pois duas
obras do conjunto que compõem o material, Metamorphose e
Morfologia da nova realidade, fazem parte desta curadoria.
As experiências de construção e exploração do loto Arte Conceitual se somam àquelas que constituem a metodologia lúdica na
educação no MAC e são referências para a criação de novas abordagens desse acervo específico, visando à recepção educativa dos
diversos públicos no Museu.
Referências bibliográficas
BARBOSA, A. M. Museus laboratórios do ensino da arte. Revista Museu.
2004. Disponível em: <http://www.revistamuseu.com.br/artigos/
art_.asp?id=3733>. Acesso em: 16 set. 2013.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de
experiência. Trad. João Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de
Educação. n. 19, pp. 20-28. jan-abr. 2002. Linguística. Disponível
em: <http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE19/RBDE19_04_
JORGE_LARROSA_BONDIA.pdf>. Acesso em: 16 set. 2013.
14. Silas Couto, estagiário no Programa Acervo: Roteiros de Visita, com
bolsa do Programa Aprender com Cultura e Extensão.
15. Exposição O Agora, O Antes, curadoria Prof. Dr. Tadeu Chiarelli,
MAC-USP, nova sede Parque do Ibirapuera, 2013.
198
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Maria Angela Serri Francoio
DIAS, M. C. M. Saberes essenciais ao educador da primeira infância: uma
reflexão na perspectiva dos seus protagonistas. São Paulo, 1997, Tese
de doutorado, Faculdade de Educação USP.
FRANCOIO, M. A. S. Museu de Arte e Ação Educativa: Proposta de uma
metodologia lúdica, dissertação de mestrado, São Paulo, ECA USP,
2000.
. Ciranda de Formas: Bichos – Jogos, brinquedos e brincadeiras.
Catálogo e Apostila do Professor. São Paulo: MAC USP, 2004.
FREIRE, C. Poéticas do Processo: arte conceitual no museu. São Paulo:
Iluminuras, 1999.
. Arte Conceitual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
pedagógica. S. Paulo: Editora Paz e Terra, 1996.
MACEDO, L. Jogos e sua importância na escola. São Paulo: Cortez,
Fundação Carlos Chagas, Cadernos de pesquisa no. 93, 1995.
Sites:
www.mac.usp.br. Consultar “Cursos e eventos”; “Programas educativos”;
“MEL Museu: Educação Lúdica”; “Jogos educativos”; “Semana de
1922”.
www.mac.usp.br. Consultar “Cursos e eventos”; “Programas educativos”;
“Acervo: Roteiros de Visita”; clicar em um dos artistas da lista – as
fichas podem ser impressas.
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O museu como lugar de formação
ROSA IAVELBERG*
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica –
DCNs (MEC, SEB, DICEI, 2013) são obrigatórias e seguem os
ajustes propostos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
– LDB 9349/96 na área de Arte, a partir dos governos do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e no da presidente Dilma Rousseff. Hoje,
Arte continua sendo componente curricular obrigatório, pois, desde
1996, é concebida como área de conhecimento em oposição à
atividade, como foi considerada na LDB 5692/71, instaurada no
período da ditadura militar. As DCNs e os PCNs de Arte,1 juntamente com outros documentos de referência2 não obrigatórios,
* Professora do Departamento de Metodologia de Ensino da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo. Autora dos livros: Para gostar de
aprender arte: sala de aula e formação de professores, Artmed, 2003; O desenho
cultivado da criança: práticas e formação de educadores. Porto Alegre: Zouk,
2006; Desenho na educação infantil. São Paulo: Melhoramentos, 2013. Líder
do Grupo de pesquisa Formação de Professores e Aprendizagem em Arte (CNPq).
1. Nos PCNs, grava-se “Arte” como área do currículo e “arte” nos demais
casos.
2. Documentos de Temas Transversais (Ética, Meio Ambiente, Orientação
Sexual, Pluralidade Cultural e Saúde); Referenciais Curriculares Nacionais de
Educação Infantil; Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Médio e ainda
de Educação de Jovens e Adultos no que se refere ao Ensino Fundamental de 1ª
a 8ª série da época.
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Rosa Iavelberg
publicados na mesma época pelo Ministério da Educação e a Secretaria do Ensino Fundamental – MEC/SEF, na gestão do presidente
Fernando Henrique Cardoso, são os textos do governo federal feitos
com o objetivo de orientar o ensino de arte nas escolas e redes e
podem ser consultados online no Portal do MEC.3
Iniciamos escrevendo sobre esses documentos orientadores da
escrita curricular, porque neste texto defendemos a ideia de que,
ao fazer interface com escolas da educação formal nos segmentos
de Educação Infantil e do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental,
recorte escolhido para nossa reflexão, cabe ao educador de museu4
conhecer como se concebe Arte na educação escolar para concretizar uma integração satisfatória em um trabalho junto aos professores e alunos.
Ministramos a disciplina de graduação Metodologia do Ensino
da Arte, no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP. Nela, propomos, como estágio
para o futuro pedagogo, pesquisa em dois setores educativos de
museus de arte da cidade de São Paulo para, a posteriori, realizar
a análise comparativa das duas concepções diferentes com o objetivo de redigir um relatório reflexivo e planejar uma apresentação
da experiência para os colegas, futuros pedagogos. O estágio, feito
em pequenos grupos, promove a aprendizagem compartilhada na
pesquisa e no momento do relato dos estágios, uma vez que todos
podem tomar conhecimento dos projetos educativos não visitados
e verificar outros pontos de vista sobre os museus percorridos,
3. Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte de 1ª a 4ª e de 5ª a 8ª
série foram optativos, eram adotados pelos Estados e Municípios que se
identificavam com a proposta; já os Referenciais Curriculares Nacionais da
Educação Básica são obrigatórios.
4. Deve-se entender que o texto se refere tanto a museu como a instituições
culturais de artes visuais (aquelas que não possuem acervo e reserva técnica).
O museu como lugar de formação
| 201
porque pode coincidir de diferentes agrupamentos de alunos irem
às mesmas instituições.
Recorremos a essa modalidade de estágio ao verificar que as
propostas de arte-educação, em muitos museus, são estruturadas e
atualizadas e, como isto ainda não ocorre na maioria das escolas
públicas em relação às aulas de arte, optamos pelos estágios em
museu. Outro fator que corrobora nessa decisão é que a interface
da escola com o museu é uma demanda do ensino de arte nos currículos contemporâneos.
Entre as orientações dadas aos alunos para a realização do estágio, pedimos que agendem, de preferência, uma entrevista com o
coordenador ou outro profissional habilitado para investigar a proposta das ações educativas e a interação do setor com os profissionais do museu. Sugerimos que verifiquem como se realizam as visitas
orientadas, quais são os materiais de apoio oferecidos aos professores, enfim, nosso objetivo é que os alunos da pedagogia tomem
ciência dos fundamentos e das práticas de cada setor educativo.
A arte-educação promovida nos museus não é regulamentada
pelo Ministério da Educação – MEC e nem pelo da Cultura – MinC;
não segue documentos ou diretrizes obrigatórias, portanto, as
propostas são muito diversificadas. Porém, isto não significa que
carecem de socialização, conceituação e sistematização na efetivação dos projetos educativos. De nossa prática nesta modalidade
de estágio associada à disciplina da graduação, pareceu-nos que
existem tantas formas e formações profissionais no trabalho educativo nos museus quantas são as instituições visitadas. Existe uma
variedade de propostas, apesar da concordância entre todos os
educativos contemporâneos de que a experiência do aluno no espaço
expositivo é autoral e interativa com produções artísticas e mediadores. É desejável, e isto não acontece em todos os casos, que
quando o aluno vai ao museu possa aprender sobre as produções
202
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Rosa Iavelberg
artísticas expostas, sobre o sistema de interação profissional do
museu e a história de cada instituição, bem como compreender
como interagem os profissionais que trabalham em cada projeto e
verificar que a escolha de ações dos museus varia conforme a cultura
instalada em cada um deles.
Verificamos, por intermédio de material coletado nos estágios,
a existência de educadores de museu que agem separadamente e,
depois da ação curatorial, a reboque desta, outros realizam curadoria educativa em parceria com os curadores das mostras. Em
relação à mediação, alguns educadores consideram ser desnecessário
informar o que não é perguntado pelo aluno visitante, e outros,
que sabem o que querem ensinar a priori, mas seguem a dinâmica
da interação para introduzir os conteúdos. Alguns educadores
planejam jogos e atividades práticas com arte, como forma de
mediação, e materiais de apoio sobre as mostras para os professores.
Na realidade, hoje, em todas as propostas atualizadas, não se quer
falar sobre produção artística e seu contexto sem dialogar com o
que o aluno sabe e pode aprender; sem verificar como ele recebe e
transforma o que experimenta durante a ida ao espaço expositivo;
e, inclusive, organizam-se visitas mediante demandas traçadas pelos
professores e também realizadas por estes com seus alunos depois
de orientados pelos educadores do museu.
Passamos a discorrer sobre aqueles educadores que querem
ensinar conteúdos das obras e do museu nas visitas e preservam a
consideração pela cultura do outro, professores e alunos, nos atos
de mediação junto ao público escolar, como forma de inclusão de
diferentes públicos e trabalhos desenvolvidos na sala de aula. Isto
denota que as orientações dos educativos, nesses casos, coincidem
com as orientações didáticas das escolas, e, assim sendo, o ensino
de arte no museu é um ato de ensino e aprendizagem, baliza-se pelo
aprender com significado do aluno visitante e leva em conta os
O museu como lugar de formação
| 203
conhecimentos prévios desse público. Neste sentido, trata-se de uma
proposta pedagógica, sem medo de sê-la, construtivista, porque verifica as aprendizagens trazidas durante a visita e a construção autoral
do aluno frente aos objetos de conhecimento. Quanto às aprendizagens que se quer promover no museu, nesta esteira de pensamento, tem-se como princípio envolver e implicar o aluno naquilo
que aprende na visita, para que ele se interesse e goste de arte,
porque conhece e sabe fruir. Isso desperta o desejo de frequentar
museus com domínio de saberes sobre arte, das relações que perpassam o acesso ao que está sendo exposto.
A partir da diversidade das experiências nos estágios, os alunos
da Pedagogia levantam perguntas que tentam responder no relatório, como: Qual é a natureza da interação entre os alunos das
escolas visitantes e o educador de museu? A visita é um encontro
de ensino e aprendizagem apesar de diferente da sala de aula? É
um encontro de fruição livre do aluno para que possa aprender como proceder em um museu? É um acontecimento extraescolar que
precisa ser prazeroso para promover o gosto por arte e o hábito de
frequentação? Significados atribuídos e extraídos das obras e do
contexto museológico pelos alunos precisam ser considerados ou
o educador deve orientar a reflexão para os conteúdos planejados?
O museu se mostra como um excelente espaço de formação
em arte do pedagogo que futuramente poderá ministrar aulas em
creches (0 a 3 anos), Educação Infantil (3 a 6 anos) e no Ensino
Fundamental I, do 1º ao 5º ano (6 a 10 anos). Nestas etapas escolares, a maioria dos professores regentes, não especialistas, ministram as aulas de arte, ao passo que, do 6º ao 9º ano, as aulas são
ministradas por especialistas que assumem o componente Arte.
A relação do museu com as escolas de Educação Infantil é muito
pouco explorada e as justificativas recaem sobre a dificuldade de
transporte e adequação espacial dos museus a esse tipo de mediação.
204
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Rosa Iavelberg
Visitar um museu ou uma instituição cultural pode ser algo desinteressante para as crianças pequenas. Entretanto, se a equipe do
setor educativo tiver uma proposta para a faixa etária, os alunos
se beneficiarão de aprender no espaço onde se situam obras originais (IAVELBERG, 2013, p. 117).
Acreditamos que professores que atuam na Educação Infantil
e educadores de setores educativos de museus deveriam se debruçar
para resolver de modo inventivo os ditos impedimentos a essas
visitas, pois talvez sejam superáveis. Sabe-se que a arte é aprendida
desde cedo na vida da criança e que a relação com quem educa e
cuida neste segmento escolar é de suma importância no desenvolvimento da criação e compreensão da arte.
O educador de museu e o ensino
A escola tradicional e as visitas em espaços expositivos que
despejam conteúdos nos alunos, sem considerar a necessidade de
diálogo dos saberes que trazem com a informação, provocaram
aversão à transmissão no ensino. Pensa-se, acertadamente, que a
informação por si não leva à experiência primordial frente à obra,
que é a de fruição e desenvolvimento artístico e estético no fazer e
no conhecer arte. Isto dito, queremos discorrer a favor do ensino
de conteúdos relativos à arte em moldes diferentes do ensino
tradicional – pois na escola renovada pouco se levou alunos a exposições – sem medo de comprometer o gosto por frequentar o museu
e aprender sobre arte e o sistema funcional dos museus, ao contrário, promovendo-os. A proposta de ensino que defendemos é
construtivista, guia dos PCNs e de muitas pesquisas em diversas
áreas do conhecimento escolar e também em Arte, que pode ser
O museu como lugar de formação
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assimilada nos museus porque considera os objetos das culturas
como fontes da aprendizagem e do desenvolvimento dos alunos.
Abigail Housen (2011), destacada pesquisadora americana, tem
uma proposição construtivista em suas investigações sobre o desenvolvimento estético, o que significa que considera a fala do aluno
diante da imagem como a resposta possível que expressa seu alcance
de compreensão. Housen considera, ainda, que perguntas adequadas a cada etapa do desenvolvimento estético mobilizam o aluno a
elaborar significados sobre arte.
A nível restrito, estava interessada no processo momento a momento através do qual os observadores organizam o significado de uma
obra de arte. Ao aprender matemática na escola, senti a influência
dos professores que me obrigaram a acompanhar o processo de
elaboração de uma resposta e não apenas a resposta a que chegava.
Eles consideravam que o processo de pensar revela mais do que
apenas a conclusão a que se chega. A minha abordagem para
compreender a experiência estética tem sido, consequentemente,
perguntar como que uma pessoa elabora o significado? Quais são
os pensamentos momento a momento da experiência estética. [...]
é um pressuposto meu que uma abordagem construtivista e de
desenvolvimento é o melhor guia para a apreciação estética.
Basicamente, esta premissa postula que o ensino adequado implica
mais do que transmitir informação pré-digerida que não é relevante
para o aluno. A aprendizagem do aluno ocorre quando o discípulo
faz activamente novas construções, elaborando novos tipos de
significado em novos moldes (HOUSEN, 2011, p. 151-152).
Na perspectiva da investigação feita pela autora, a pergunta
não pode ser aplicada mecanicamente, mas gerada pelas ideias
verbalizadas do espectador frente às obras e em sua presença.
Se isto serve à pesquisa, que estruturou níveis de compreensão
estética a cada momento desse desenvolvimento do visitante, desde
206
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Rosa Iavelberg
a infância até a idade adulta, seu uso nas situações de ensino percorre procedimentos didáticos que observam cada nível. Uma vez
que conhece os modos de o aluno atribuir significados frente a
imagens, o educador pode expandir as possibilidades de intelecção
e fruição das obras de um contexto e também da arte como produção humana situada social e historicamente e, sobretudo, na vida
do aluno.
Esta é uma das funções do museu na educação em arte na parceria com as escolas e requer dos agentes educativos e demais profissionais envolvidos a valorização da memória histórica das produções artísticas, como base de humanização e conscientização. Hoje,
o aluno no museu pode aprender sobre objetos de arte entendidos
de modo amplo, como narrativas, ou seja, como produções de pessoas comuns da comunidade que mostram as materializações artísticas do seu cotidiano em museus para que estas sejam conhecidas
e desfrutadas. Esta inclusão, para além das obras de arte que já
são expostas e que também são narrativas contextualizadas, expandiu o conceito de museu ou espaço expositivo nas últimas décadas,
quando mostras passam a ser organizados também a partir das
narrativas de arte do cotidiano das e nas comunidades com a participação de seus membros. Se estas produções pertencerão a algum
acervo, não se pode prever. Quem poderia supor que a produção
narrativa em Registros de Minha Passagem pela Terra, de Arthur
Bispo do Rosário, interno de instituição psiquiátrica, estaria entre
as histórias. Suas narrativas, grandes obras, podem dar a conhecer
suas histórias ordenadas em conjuntos de faturas materializadas,
com meios e formas inusitados para o contexto onde foram geradas,
e completamente adequadas às concepções da arte contemporânea.
Ou, ainda, que a produção dos meninos do Morro do Pereirão,
que inicialmente fizeram uma maquete para brincar representando
os morros do Rio de Janeiro e viram a fatura transformar-se em
O museu como lugar de formação
| 207
obra: Morrinho. Ela já foi reconstruída em vários museus, fez parte
de trabalho feito com a artista Paula Trope, por intermédio de fotos
em pin-hole tiradas pelos próprios meninos, Prêmio Marcantonio
Vilaça, foi montada na 52a Bienal de Veneza, entre outros espaços
e eventos expositivos, e segue incorporada em mostras até hoje fora
e dentro da comunidade onde foi criada.
A memória da arte do passado e sua diversidade dá sentido à
do presente e abre portas para a ideia de transformação permanente
da arte e do museu e ainda das relações do museu com a arte. Por
isso, é fundamental situar o estudante na linha da memória histórica
para que tome consciência daquilo que o constitui. Tal contextualização é tarefa do ensino da arte nas escolas e nos museus, em
relação ao público escolar, e parceria de educação compartilhada
entre educadores e professores aperfeiçoa essas aprendizagens.
O encontro do aluno visitante com o que está sendo exposto
no museu pode ser simultaneamente de diferenciação e identidade,
estranhamento e familiaridade, em outras palavras, de geração de
uma mobilização poética e crítica como possibilidade de participação social perante as produções artísticas e o entorno que as
circunscreve.
O aluno, ao entrar na narrativa de Arthur Bispo do Rosário
ou na potência das criações artísticas cotidianas de distintas
comunidades, estabelece relações entre essas poéticas e as de outros
artistas contemporâneos, do mesmo tempo, em igualdade de
valoração e compreensão. E ainda deixar ressoar em si esta experiência, fruindo e atribuindo significados informados pelas culturas
da arte.
O que se mostra e como se educa no museu estão sempre em
movimento. Se a maioria da população brasileira não frequenta
museus e grande parte dos adultos não leva crianças a museus nos
momentos de lazer, incluir diferentes públicos se torna um desafio
208
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Rosa Iavelberg
para o qual a educação pode ser a porta de entrada e mudança,
que incita novas concepções sobre espaços expositivos.
Se aceitamos o desafio da educação na parceria entre museu e
escola, conferimos um papel social ao educador de museu, figura
imprescindível às novas didáticas da arte e às transformações desejáveis no desfrute dos bens e do patrimônio culturais.
Ensinar conteúdos nas visitas não se reduz à transmissão como
procedimento didático. O que importa no modelo construtivista é
que o aluno estabeleça relações com uma quantidade substantiva
de coisas que já sabe, não só de arte, mas também de outras áreas
de conhecimento e experiências. Assim, ele não esquecerá e terá
na memória o conteúdo novo e a qualidade da experiência da qual
participou no museu como conhecimento permanente.
A apreciação artística e cognitiva estão bem adequadas uma para
a outra. Mesmo se o prazer de adquirir conhecimento é uma parte
importante da apreciação, a satisfação ou prazer são secundários
para o conhecimento. Por outras palavras, o prazer é o resultado
de se adquirir uma nova percepção. O conhecimento é, consequentemente, o foco dos esforços educacionais (FUNCH, 2011, p. 118).
O educador de museu e a pesquisa
As visitas escolares são parte significativa do público dos museus e compõem um grupo com o qual o museu cumpre o propósito
de promover a inclusão e a participação social no mundo da arte
na vida presente e futura desses visitantes. Isto posto, a formação
do educador de museu não pode prescindir de postura investigativa
e prática de sistematização dos projetos em seu planejamento,
desenvolvimento e avaliação.
O museu como lugar de formação
| 209
É necessário que esse educador, além do conhecimento de arte
e museu, abrace teorias de ensino e aprendizagem em arte, referentes
ao público escolar que atende. Também é preciso que conheça ou
produza pesquisas para promover a arte-educação no museu por
intermédio de participação nos fóruns sociais que discutem educação em museus.
O conhecimento que vem da simples experiência do educador
de museu é insuficiente para que possa ser um propositor de
situações de fato educativas nas visitas, que podem ser avaliadas
do começo ao fim com bons resultados de aprendizagem e
transformação da percepção dos alunos sobre arte e a experiência
de frequentação. Qualquer professor que queira ensinar hoje nas
escolas precisa compreender os fundamentos e as articulações
teóricas que regem sua prática para não perder sua autonomia. O
mesmo se passa nos museus. Isto não retira a arte, o estilo e a
intuição da mediação, mas a acresce de bases sólidas que a guiam
com propósitos de promoção de conteúdos didáticos e sociais a
cada visita.
Observamos a consciência da necessidade de base teórica proveniente de pesquisa no depoimento de Philip Yenawine, educador
de museu americano que, entre outras coisas, coordenou por dez
anos o Serviço de Educação do Museu de Arte Moderna de Nova
York – MoMA:
[...] Até essa altura, eu era muito uma pessoa pragmática e de ação.
Considerava que podia atingir uma total compreensão das questões, refletindo sobre a minha experiência, e falando com outros
profissionais. À medida em que fui cooperando com Abigail
Housen, não só vim a compreender a sua teoria, como também
perceber como a teoria – modos cuidadosamente construídos de
explicar fenômenos e comportamentos – pode, de uma maneira
geral, proporcionar uma base racional mais interessante e válida
210
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Rosa Iavelberg
para tomadas de decisão do que as teorias baseadas, apenas, na
experiência e no instinto (YENAWINE, 2011, p. 194).
Esta consciência da perspectiva teórica alinhavando as ações
educativas garante que a aprendizagem do aluno em uma visita seja
diferente da que ele alcançaria sem a intervenção do educador e a
interação com seu grupo/classe. A experiência se completa com a
assimilação do que o aluno ainda não sabe e não pode aprender
por si. Apenas, a experiência com a materialidade da obra ou o
que é percebido dela diretamente e das narrativas do espaço
expositivo (ação curatorial, textos, ordenação das obras no espaço)
são insuficientes para que ele alcance tudo que pode aprender em
uma visita.
Pode-se deixar o aluno inicialmente livre para falar sobre as
obras com o objetivo de observar o que sabe, levantar os conhecimentos prévios para instigar aprendizagens e expandir a percepção
e a compreensão das obras e do sistema curatorial (educativo e
artístico) da exposição. E, em relação ao museu, saber da preservação, das interações profissionais, da documentação e da política
de aquisição da instituição que os alunos visitam.
Pode-se aprender por intermédio de jogos no espaço expositivo,
por exemplo, localizar partes ou conceitos das imagens. Porém, os
propósitos do que se quer ensinar com eles deve ser claro. Pensa-se
o jogo tornando lúdica a aprendizagem, pelo menos desconstruindo
didáticas tradicionais, mas ele pode ser tão tradicional como outra
prática qualquer. Assim sendo, é preciso que se mantenha a
perspectiva construtivista também nas atividades com jogos.
O museu como lugar de formação
| 211
O educador, o aluno, as obras e o museu
Para que as aprendizagens se deem na perspectiva dos alunos,
pressuposto do construtivismo, o educador de museu precisa estar
atento à voz de cada um na visita, à troca entre eles e à orquestração
que precisa ser feita nesta complexa situação de aprendizagem.
Validar a fala do aluno significa deixá-lo dialogar com o educador
e com os pares na interação com os conteúdos que no museu se
quer comunicar. A visita só ganha existência e significado a cada
construção didática orientada e reorientada pelo educador frente
àquilo que é trazido à cena no recorte da interlocução educador/
alunos.
Na realidade, o que foi planejado ganhará diferentes encaminhamentos do educador, porque sua ação é aberta à especificidade
do grupo de alunos, mas tem os contornos daquilo que intenciona
ensinar guiado pela cultura do setor educativo e do museu. Estas
escolhas de conteúdos não são aleatórias, um conjunto de pesquisas,
leituras de textos e conversas com os curadores da mostra – e em
alguns casos com os artistas – norteiam a seleção do que é relevante
comunicar em um projeto educativo.
Assim como a formação do educador de museu é orientada
para estas atividades não permanentes, que dependem de projetos
com obras do acervo ou de outra procedência, é interessante pensar
que dentro das ações educativas cabem ainda ações que deem a
oportunidade de ida contínua do público escolar ao museu. Deste
modo, é interessante que se planejem situações que garantam a interação com as escolas em todos os períodos do ano, que nem sempre
coincidem com os das mostras, instigando também os alunos a irem
com colegas e familiares por conta própria para comunicar a
experiência e expandir a cultura familiar e dos pares de seu
cotidiano.
212
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Rosa Iavelberg
Uma programação mais ampla pode ser entregue ao aluno nas
visitas. Para as atividades permanentes, um conjunto de obras selecionadas pode servir a esse propósito, assim como prática em ateliê,
fundamental e complementar às visitas, porque se pode ensinar sobre
conteúdos das obras por intermédio do fazer artístico. Os meios e suportes são muito importantes nos ateliês, os modos de fazer do artista
podem ser alvo da aprendizagem do aluno, porque seu estudo leva a
perceber que a fatura obedece a um sistema da linguagem visual que
se transforma no tempo e nos diferentes contextos de produção.
Assim, compreender os mistérios procedimentais das faturas
dos artistas ensina sobre a memória de uma época, de um estilo,
de um artista, que podemos nos aproximar, não por tentar compreender sua fatura por intermédio de uma leitura, releitura ou cópia,
porque estas práticas não levam ao aprendizado planejado e isso
pode condicionar a criação do aluno. O que propomos é uma tentativa de refatura do que fez o artista para entender que cada um e
cada época criam procedimentos próprios ao agir dentro do sistema
da linguagem visual. Muitos artistas usam deste procedimento para
desvelar os atos de criação técnica de uma época ou de um artista.
Podemos citar o artista David Hockney, que operou estas refaturas
e as narrou em seu livro O conhecimento secreto: redescobrindo
as técnicas perdidas dos grandes mestres (2001) e estão em vídeos
da BBC de Londres, cujos sites são aqui citados na bibliografia.
A(s) história(s) da arte são narrativas que carregam valores,
visões de arte, de sociedade, de artista. É tarefa do educador de
museu, portanto, relativizar a crença na existência de apenas uma
história da arte, e saber selecionar historiadores, críticos, filósofos,
curadores e arte-educadores com os quais se identifica para ensinar
sobre a diversidade da produção artística e sobre a não neutralidade
da reflexão e das práticas dos profissionais ligados ao sistema da
arte, inclusive dos educadores de museu.
O museu como lugar de formação
| 213
O educador, o professor e os conteúdos do ensino
O educador de museu pode, na parceria com professores, apoiálos no desempenho curricular enfatizando o valor dos originais no
ensino da arte e de sua articulação com as reproduções estudadas
nas escolas. Um material de apoio didático elaborado nos setores
educativos do museu, além de informar professores e alunos sobre
conteúdos do mundo da arte, pode se consolidar como um produto
de documentação da arte para professores e alunos que têm pouca
familiaridade e acesso a livros e textos de arte.
Se é relevante oferecer oficinas de criação artística para aprender sobre arte para alunos, o é também para professores. Importante
também são oficinas de construção de materiais de apoio didático
junto aos professores para que possam aprender os procedimentos
de estruturação dos materiais, ganhando liberdade em seu uso e
discernimento nas escolhas.
Voltando aos nossos alunos do curso de Pedagogia, aos quais
nos referimos no começo do texto, eles analisam diferentes materiais
de apoio dos museus e participam, no nosso curso, além de práticas
em oficinas de arte, de uma prática de dar aula de história da arte
em grupo aos pares, para a qual precisam pesquisar e planejar uma
ação didática. Isto os torna conscientes do papel do professor e
das ações investigativas necessárias para ensinar com autonomia.
O mesmo se passa com professores que constroem materiais didáticos em ateliês de museus, pesquisando e trabalhando em grupos,
ou seja, apoiados na discussão e na ação. Ensinar os professores a
produzir materiais de apoio didático, ou seja, ensinar a fazer um
dos instrumentos de sua prática de ensino, promove a aproximação
do professor com o museu e a autonomia na autoria nos materiais
que usa.
214
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Rosa Iavelberg
A parceria museu-escola é uma chave para a arte-educação de
qualidade que aproxima o museu da realidade das escolas e as escolas dos equipamentos culturais das cidades.
Museu e escola, como instituições de naturezas distintas, têm
muito a aprender uma da outra para que um equilíbrio do saber e
da troca se explicite de modo que os professores possam ensinar
os educadores dos museus e vice-versa.
Referências bibliográficas
ARANHA, Carmen; CANTON, Katia. (Orgs.). Espaços da mediação. São
Paulo: PGEHA, MAC/USP, 2011.
. Desenhos da pesquisa: novas metodologias em arte. São Paulo:
MAC/USP, 2012.
FUNCH, Bjarne Sode. Tipos de apreciação artística e sua aplicação na
educação de museu. In: FRÓES, João Pedro. (Coord.). Educação
estética e artística: abordagens transdisciplinares. 2. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, p. 111-147.
HOCKNEY, David. O conhecimento secreto: redescobrindo as técnicas
perdidas dos grandes mestres. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
HOUSEN, Abigail. O olhar do observador: investigação, teoria e prática.
In: FRÓES, João Pedro. (Coord.). Educação estética e artística:
abordagens transdisciplinares. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2011, p. 149-170.
IAVELBERG, Rosa. Desenho na educação infantil. São Paulo:
Melhoramentos, 2013.
. A formação de professores de arte: alcances e ilusão. In:
PESSOA DE CARVALHO, Anna Maria. (Org.). Formação de
professores, múltiplos enfoques. São Paulo: Sarandi; FAFE/FEUSP,
2013, p.181-192.
O museu como lugar de formação
| 215
YENAWINE, Philip. Da teoria à prática: estratégias do pensamento visual.
In: FRÓES, João Pedro. (Coord.). Educação estética e artística:
abordagens transdisciplinares. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2011, p. 193-214.
Sites Consultados
BBC David Hockneys Secret Knowledge 1 of 2 DivX MP3 MVGForum.
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=JKbFZIpNK10>.
Acessado em: 10 Aug. 2013.
BBC David Hockneys Secret Knowledge 2 of 2 DivX MP3 MVGForum.
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=MDIiVkoTik8>.
Acessado em: 10 Aug. 2013.
| 217
Teoria e história da metaescritura: uma
proposição para criação artística na era digital
ARTUR MATUCK*
Níveis de autoria no processo de criação
O conceito de Escrituras Mediáticas fundamenta-se numa perspectiva do processo de autoria desenvolvido em muitas obras contemporâneas de arte e tecnologia. Este conceito desdobra o processo
de criação em estágios distintos e sucessivos: o primeiro, chamado
metatexto, atua como gerador, determinador do segundo, o texto
propriamente dito, que atualiza o metatexto, realizando o projeto
enunciado.
Propõe-se, assim, uma metodologia de criação e produção
mediática. No primeiro nível, estabelece-se um metadiscurso, uma
espécie de partitura mediática, que determina, planeja e direciona
* Docente da ECA USP, Artur Matuck tem atuado no Brasil, Estados Unidos,
Canadá e Europa como professor, pesquisador, escritor, artista plástico, diretor
de vídeo, performer, produtor de eventos de telearte e mais recentemente como
filósofo da comunicação contemporânea e organizador de simpósios
internacionais. Desde 1977, tem apresentado conferências, oficinas, e projetos,
nacional e internacionalmente, em tópicos diversos tais como Artes Mediáticas,
Arte e Tecnologia, Telecomunicações e Artes, Televisão Interativa, Arte
Performance, História da Arte, Arte Combinatória, Direitos Autorais, e Criação
Textual Computacional.
218
|
Artur Matuck
as interfaces operacionais entre o criador, seus processos escriturais,
seus instrumentos, programas e eventuais colaboradores.
Segundo este protocolo, os trabalhos a serem realizados seguirão diretrizes pré-determinadas de ordem processual, conceitual,
tecnológica e computacional, que constituem o metatexto. O metatexto tem, portanto, a função de orientar atos performáticos de
expressão estética, procedimentos de organização de informações,
processos generativos de sequências significantes ou sistemas de
produção coautorada, ou mesmo o metatexto pode orientar a
produção de outros metatextos que por sua vez desencadearão processos escriturais.
Esta conceituação do processo criativo busca evidenciar um
estágio implícito do pensamento, o esquema estruturador de uma
obra, tornando-o explícito. Ao mesmo tempo, o metatexto constitui-se num texto autônomo com linguagem, estilo, grafia e estética
próprios ainda em processo embrionário enquanto forma reconhecida no universo estético. Ainda assim o metatexto poderá ser considerado como um elemento do discurso final em sua totalidade.
Neste processo autoral, um autor atua inicialmente como metaautor, concebendo e escrevendo o metatexto em sua forma definitiva. Posteriormente, como artista procedimental, o mesmo autor
ou os coautores produzem o trabalho, isto é, escrevem o texto
segundo o projeto metatextual.
As diretrizes do projeto metatextual, no entanto, não têm que
necessariamente propor restrições: as estratégias processuais sugerem, orientam ou modificam os fluxos criativos, mas apenas parcialmente podem pré-determinar conteúdos finais, desde que estes estão
sujeitos à contingência de situações escriturais.
É previsível ainda que durante o processo de se produzir o texto,
de se atualizar as diretrizes previstas no metatexto, a prática atue
reflexivamente, provocando uma possível reelaboração do metatex-
Teoria e história da metaescritura: uma proposição ...
| 219
to. Neste caso ocorre um processo de realimentação que enriquece
e aprimora o metatexto original que pode incorporar processos antes imprevistos.
Além disso, podem ser identificados diversos níveis de metatextos, textos, e pós-textos, que se desdobram em níveis hierárquicos
na gradativa construção das informações. São escrituras que
determinam novas escrituras, planejamentos que orientam planejamentos mais detalhados, processos que sugerem procedimentos
de criação individual ou coletiva, que são, ao final, editados,
revisados, preparados para serem exibidos, divulgados em conferências, exposições, concertos, publicações impressas, CD-Roms
ou sítios computacionais.
Por uma Historia da Arte Combinatória
Uma investigação acerca da utilização de procedimentos metaautorais para a criação implica necessariamente em uma reflexão
sobre a fundamentação combinatória da expressão. Por esta razão
esse estudo apresenta uma possível história desta linguagem buscando inventariar as principais produções resultantes de processos
matemáticos e combinatórios.
A escrita como combinatória
O I-Ching, conhecido como Livro das Transformações, representa o primeiro exemplo de literatura combinatória na antiguidade.
A combinação sucessiva de elementos simples leva a criação de um
sistema de enunciados. Elementos binários, traços inteiros e interrompidos, formam 8 trigramas que recombinados dois a dois
formam 64 hexagramas.
220
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Artur Matuck
Leibniz, filósofo e matemático alemão do século XVII, foi um
dos primeiros ocidentais a conhecer o I-Ching, mas o interpretou
erroneamente como sendo uma manifestação da linguagem
numérica binária, que os antigos chineses dominariam, e que o próprio Leibniz procurava estabelecer.
Muitas formas de escrita visual se utilizaram de processos combinatórios, como por exemplo, os quadrados mágicos e as fórmulas
de encantamento com palavras escritas ao inverso. A própria invenção da escrita e posteriormente do alfabeto seria uma forma de
criação textual combinatória. Os silabários inauguraram a representação nãopictográfica de coisas ou eventos. Mas, ao representar
os sons de uma língua, requeriam centenas de sinais separados.
Os alfabetos foram além, abstraindo das sílabas individuais
elementos separados e constantes, isolando um número restrito de
letras para representar sons consonânticos. A criação do alfabeto
deve assim muito à evolução da escuta, a um crescente discernimento dos fonemas.
O alfabeto grego, adaptado do fenício, foi o primeiro a incorporar as vogais. Os gregos adaptaram consoantes guturais fenícias,
que não existem no grego, para representar vogais. A estrutura combinatória da língua foi aperfeiçoada e a ambiguidade interpretativa
resultante da escrita puramente consonantal diminuiu. Os nomes
das letras, que antes indicavam elementos da vida quotidiana, deixaram de ter significado próprio, puderam ser memorizadas mediante o recitado e reconhecidas de maneira automática.
As primeiras manifestações da escritura grega exibem uma disposição gráfica muito livre. Escrevia-se indistintamente da esquerda para a direita, da direita para a esquerda ou ‘boustrophedon’,
ou seja, alternadamente, de um lado para outro, como o boi ao
arar o campo. Também se escrevia de baixo para cima ou de cima
para baixo e de formas irregulares.
Teoria e história da metaescritura: uma proposição ...
| 221
A Cabala e o alfabeto consonântico
A conexão entre a linguagem, o número e a magia marca uma
corrente da mística judaica, a Cabala. Para o Judaísmo esotérico,
como é relatado no “Sefer Yetzirah” (“O Livro da Criação”), as
letras teriam participado da criação do universo e o aprendizado
de suas possibilidades combinatórias aproximaria o homem da
Divindade. O “Sefer Yetzirah”, provavelmente escrito no início da
era cristã, foi interpretado pelos cabalistas.
A Cabala difundiu-se principalmente no sul da França e da
Espanha entre 1200 e princípios do século XIV, desenvolvendo
estratégias de reinterpretação de textos bíblicos: a Gematria, uma
numerologia das letras, provê para cada palavra uma soma numérica; Notarikon utiliza técnicas acrósticas de abreviação, substituição e permutação; Temurah recombina as letras formando
anagramas. Numa perspectiva gemátrica, as palavras ‘lahson’ (linguagem) e ‘zeruf’ (combinação) seriam equivalentes, desde que,
ambas teriam a mesma soma numérica de 368.
O alfabeto hebreu, puramente consonântico, permitia ao leitor
grande liberdade de interpretação, na medida em que apenas no
ato da leitura as vogais eram determinadas. Por esta razão o leitor
do hebraico aprende a tolerar ambiguidade, a gerar mais interpretações textuais e a resistir a noção de verdades e respostas únicas.
Mesmo os textos sagrados do Judaísmo teriam uma instabilidade intrínseca: “Pois o Deus anulará a presente combinação de
letras que formam as palavras de nosso Torá atual e recombinará
as letras em outras palavras que formarão novas sentenças falando
de outras coisas”.
Considera-se, portanto, que as peculiaridades do alfabeto
hebraico teriam ajudado a cultura judaica a desenvolver uma firme
resistência à autoridade e ao consenso. Inscrito no Judaísmo estaria,
222
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Artur Matuck
portanto, o impulso à reinterpretação, o que teria proporcionado
a capacidade expressiva e inovadora que caracterizaram, por exemplo, o pensamento de Marx, Freud e Einstein, e hoje, especialmente,
no que se refere à linguagem, de Jacques Derrida.
O método linguístico-filosófico de Derrida, segundo David
Porush, se constituiria através de compulsivos jogos com palavras.
Ao permutar e recombinar letras, ao recuperar as raízes etimológicas das palavras, associando-as a outras, Derrida inaugura um
espaço para interpretação e permutação, associação e combinação:
“Neste ambíguo território semântico aberto por este jogo irrelevante, aleatório, trivial e irracional, na proliferação de novas palavras, signos e conteúdos semânticos, relações novas, antes ocultas,
são reveladas. [Este método] é epistemologicamente potente, revelando relações ocultas mas preservadas nos signos gramatológicos.”
A estratégia linguística de Abraham Abulafia, um judeu espanhol do século XIII, que desenvolveu uma complexa técnica de
meditação através da combinação de letras, tem ressonâncias derrideanas. Este método alfabético e mântrico colocaria a mente num
estado de abertura e receptividade.
De acordo com a doutrina de Abulafia, que ele chama
“Hokhmath ha-Tseruf”, ou “ciência da combinação das letras”,
todas as coisas existem só em virtude de seu grau de participação
no grande Nome de Deus. Esta meditação seria nada menos que a
“lógica mística” que corresponde à harmonia interna de pensamento em seu movimento em direção à Schechina, o espírito de Deus.
O sistema rotatório de Ramon Lull
Figura essencial no desenvolvimento da ‘Ars Combinatória’
Ramon Lull, ou Raimundo Lúlio, filósofo catalão do século XIII,
Teoria e história da metaescritura: uma proposição ...
| 223
absorveu elementos da cultura judaica, árabe e cristã. Nascido em
Palma de Malorca em 1233, teve, aos trinta anos, uma experiência
lucificadora na qual contemplou os atributos de Deus. Suas visões
o conduziram à vida religiosa e missionária e a escrever obras
dedicadas à conversão dos infiéis, judeus e muçulmanos.
A Arte de Lull parte de conceitos centrais representados através
de letras inscritas em figuras geométricas indicando possibilidades
permutacionais.
Os conceitos centrais se subdividem em princípios absolutos e
relativos. Os primeiros, chamados “dignidades”, designam qualificações divinas aceitas pelas três religiões monoteístas. Desde que
as “dignidades” refletem-se na Criação proporcionam um
conhecimento de Deus e do mundo.
Na “Ars Ultima”, de 1308, as “dignidades” foram reduzidas
a nove: bondade, grandeza, eternidade, poder, sabedoria, vontade,
virtude, verdade e glória. Os nove princípios relativos, diferença,
concordância, contrariedade, início, meio, fim, maioridade, igualdade e minoridade, estabelecem as relações possíveis entre os
princípios absolutos. As nove letras do alfabeto latino B, C, D, E,
F, G, H, I, K designam as duas séries de princípios, absolutos e
relativos: B = bondade e diferença, C = grandeza e concordância, e
assim por diante.
As figuras conectam os significados das letras através de uma
linguagem lógica e permutacional. Na versão definitiva da “Ars
Ultima”, há quatro figuras. A figura A representa o princípio absoluto. Consiste de um círculo dividido em setores identificados pelas
nove letras. Dentro do círculo, linhas retas sugerem inter-relações
entre os conceitos. A letra ‘A’, ao centro, representa, nas palavras
de Lull, “o Deus, nosso Deus”.
A segunda, figura T, é composta de três triângulos sobrepostos,
inscritos em um círculo, no qual as mesmas letras surgem nova-
224
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Artur Matuck
mente. Os ângulos dos triângulos identificam os trios dos princípios
relativos.
A terceira figura é formada por trinta e seis compartimentos –
chamados “câmaras” – preenchidos pelas combinações duas a duas
entre as nove letras.
A quarta figura consiste de três círculos divididos contendo as
nove letras repetidamente. Sua simplicidade é apenas aparente.
Trata-se da representação de um mecanismo que possibilita, através
do movimento, a visualização de combinações radiais. Para se
operar, dois círculos móveis devem ser girados em torno de um
círculo fixo.
Ainda que creditasse sua obra à inspiração divina, esta última
figura se originou da reelaboração de um objeto divinatório árabe,
o Zairjat al’ alam, ou “quadro circular do universo”. Ibn Khaldûn,
em sua obra “Prolegômenos”, descreve a za’irja como uma evoluída
“máquina” de pensar os acontecimentos:
“A construção da za’irja é de um artifício surpreendente. (…)
tem a forma de um grande círculo que encerra outros círculos
concêntricos, uns se referem às esferas celestes e outros aos elementos, às coisas sublunares e aos seres espirituais, aos acontecimentos de todo gênero e a conhecimentos diversos. As linhas que
formam cada divisão estendem-se até o centro do círculo e têm o
nome de raios. Sobre cada raio vê-se escrita uma série de letras e
cada uma tem um valor numérico”.
Do mesmo modo, a “Ars Magna” luliana propunha um método
de formular enunciados a partir de combinações de conceitos
identificados por letras inscritas ao longo de círculos concêntricos
giratórios. O mecanismo luliano tem sido considerado, por historiadores da ciência, como a primeira máquina de pensar ou de enunciar sentenças, formadas radialmente através da leitura de letras
em movimento potencial ao redor de um centro.
Teoria e história da metaescritura: uma proposição ...
| 225
O método de Lull almejava uma sistematização do saber,
buscando estabelecer o maior número possível de combinações entre
os conceitos e deste modo colocar todas as questões possíveis.
Posteriormente os enunciados corretos ou possíveis seriam separados dos falsos ou contraditórios. Lull esforçou-se por construir
um mecanismo que pensasse automaticamente, independente do
agente humano. Suas proposições desencadearam um processo irreversível de descoberta das possibilidades combinatórias da linguagem e do pensamento.
A obra de Lull, compilada após sua morte, em 1315, por seu
discípulo Thomas Le Méyser, veio a exercer forte influência no
pensamento europeu ainda que muitas vezes através de textos
apócrifos.
A combinatória e a imagem, instrumentos da magia
Giordano Bruno, filósofo e mago italiano da Renascença, foi
um leitor assíduo de Lull. Além de conhecedor da teologia de
Aquino, Bruno retorna ao princípio do neoplatonismo e ao hermetismo pré-cristão. Aplica-se também na Arte da Memória, na Arte
Luliana, e ainda na técnica de compor imagens, na qual confluem
as artes dos emblemas e hieróglifos e dos talismãs astrológicos.
Bruno via em Lull o inventor de uma arte lógica que ele desejava
levar à perfeição. Esta lógica alcançaria seu ideal ao conceber um
mecanismo capaz de potenciar até um grau máximo a invenção
racional. Na medida em que forjamos novas combinações estaríamos realmente ampliando nosso conhecimento, pensava o Nolano.
A imagem desempenha um papel fundamental na obra bruniana, Para ele, a atividade intelectual só pode ocorrer através das
imagens. A imaginação seria também um venerável método de se
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Artur Matuck
comunicar com Deus. “Para contemplar as coisas divinas é preciso
abrir os olhos através de figuras”.
O filósofo árabe Abenjaldun, ainda que afirmasse que a imaginação podia influenciar o psiquismo, condenava esta prática como
ímpia. Ficino, humanista cristão, no entanto, recomendava-a como
meio para curar afecções nervosas. O médico Avicena assinalava
que palavras, signos e símbolos podem ajudar no restabelecimento
da saúde. A medicina mágica se servia de imagens para exaltar
forças profundas do doente, levando-o assim a modificar e curar
seus órgãos.
Bruno assume esta iconoatria como fundamento de seu plano
de reforma do psiquismo. As imagens, acreditava Bruno, são capazes de afetar o homem em todo seu ser. Não apenas a inteligência
aprende ao contemplá-las, mas todas as outras faculdades e órgãos,
como a sensibilidade, a imaginação e o afeto, vibram e se comovem
em sua presença.
Gomez de Liano explana que, para Bruno, “(…) o homem é
um magnum miraculum, um ser projetado ao infinito, cujo progresso tem como objeto a união com a divindade. O amor intelectual é o princípio deste progresso espiritual, que ‘não é esquecimento (…) mas sim memória’. Por ser a memória o instrumento
desta conversão do homem para e na divindade, Bruno se dedicou
durante toda sua vida a desenhar assombrosos artifícios
mnemônicos”.
Em “De lullian specierem scrutinio”, conjuga a combinatória
com uma mnemotécnica. As nove letras do alfabeto luliano são
associadas com nove nomes de personagens conhecidos: B com
Brutus, C com Cesar.
Em “De Umbris Idearum”, Bruno utiliza o princípio dos círculos giratórios para criar instrumentos para a evolução do homem.
Cada círculo inscreve as vinte e cinco letras do alfabeto latino, mais
Teoria e história da metaescritura: uma proposição ...
| 227
quatro gregas e três hebraicas, completando trinta signos. Bruno
associa cada letra com as cinco vogais, obtendo 150 câmaras. Descreve ainda trinta “intenções de sombras” e outros tantos “conceitos
de ideias” como elementos a serem inter-relacionados, ressaltando
que sua combinatória destina-se não apenas ao pensamento mas
também a descoberta das possibilidades do psiquismo.
O lulismo exponenciado: Kircher
A permanência do lulismo e da combinatória como prementes
questões intelectuais na Europa do século XVII levaram o imperador da Áustria, Fernando III, a submeter àquele considerado o
mais sábio do país, o jesuíta Athanasius Kircher, duas questões.
Primeiro, poderia a Arte de Lull resultar em algum proveito na
aquisição das ciências? Segundo, valeria a pena perder tempo em
aprendê-la e porventura haveria outro método mais rápido e mais
eficiente?
Detentor de muitos saberes e desejoso de responder ao imperador, Kircher, depois de ler e reler a “Ars Magna” de Lull, declarou:
“(…) por detrás dos princípios lulianos escondem-se tesouros
científicos, cuja revelação poderia enriquecer o país. No entanto,
torna-se necessário um método de aplicação prática para melhor
adaptação de seus princípios às diversas artes e ciências”, de outro
modo a Arte não estaria ao alcance do homem.
Kircher produziu então sua obra “Ars Magna Sciendi”, na qual
reelabora o método luliano, descrevendo várias espécies de
combinações. Concebe, ainda, o ‘ábaco polísofo’, ou epítome universal dos conhecimentos humanos, e o ‘ábaco pantósofo’, um
repertório geral dos tópicos para argumentar sobre qualquer
matéria que se proponha.
228
|
Artur Matuck
Ainda que criticasse a pretensão dos lulistas, que sustentavam
que apenas com a arte de Lull, e sem ajuda de nenhuma ciência,
até crianças poderiam se tornar senhores muito ilustrados, Kircher
acreditava que, segundo as regras da Arte que acabara de criar,
qualquer assunto poderia ser explicado sistematicamente, sem ajuda
de outros livros.
Apesar de ter sido considerado como extremamente imodesto
e exagerado em seus delírios barrocos, Kircher manteve extensa
correspondência e fascinou aquele que absorvendo o projeto combinatório daria um avanço extremamente significativo para o pensamento: Leibniz.
Linguagem e matemática leibnitianas
Em 1660, Gottfried Wilhelm Leibnitz (ou Leibniz), ainda com
catorze anos, concebe a ideia matriz do que seria sua “Dissertatio
de Ars Combinatória”, atualizada seis anos depois. Na “Dissertatio” esboça uma lógica inventiva, matemática, da qual a “Ars”
luliana seria uma precursora. Elabora, no entanto, críticas à obra
de Lull, que não teria explorado toda a potencialidade de seu
modelo.
Leibniz, por exemplo, almeja conhecer o número máximo de
enunciados que se podem formular usando um alfabeto finito de
24 letras. Estaria, segundo Eco, “fascinado pela vertigem da
descoberta”, pelos infinitos enunciados que um simples cálculo lhe
permite conceber, por jogos combinatórios que possam enunciar
proposições ainda desconhecidas.
Sua proposta para uma Língua Universal buscava um método
capaz de expressar toda espécie de conhecimento, mas que deveria
ainda atuar como um instrumento para novos descobrimentos.
Teoria e história da metaescritura: uma proposição ...
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Esta escritura puramente racional deveria proceder analiticamente, reduzindo conceitos compostos a elementos simples: “Desde
que todas as coisas que existem ou que podem ser pensadas se
compõem de partes, sejam reais, sejam conceituais, a lógica da
invenção deverá esforçar-se, por um lado, por achar os termos simples de todas as coisas e, por outro lado, em derivar de tais termos
simples suas combinações ou composições”.
A construção de uma nova lógica inventiva não se limitaria,
no entanto, a uma simples reforma dos sistemas anteriores. A complexidade do problema exigia a aplicação de normas concretas:
“Análise de um termo dado em suas partes, e destas partes em
outras, até obter termos simples, irredutíveis e indefiníveis; ordenação destes em classe; adoção de um sistema convencional de signos;
formação de sínteses binárias, ternárias, quaternárias, etc.”.
Seu pensamento matemático abriu-lhe possibilidades impensadas e um método de ordenar a conceituação criativa: “Em filosofia, encontrei um meio para abrir caminho a todas as ciências,
mediante uma arte combinatória”.
Caderno de anotações
Abstrato analítico e concreto sensível
A questão fundamental para uma reflexão sobre objetos
de arte e para sua análise adequada consiste em dispor
de alguns métodos de modo a formular de novo e explicar,
a níveis mais formais ou mais abstratos, o material que
se oferece à experiência, desprendendo-se progressivamente do sensível, em quanto este se dá de uma maneira
imediata em sua qualidade. Desta maneira um modelo
rítmico pode servir tanto para a dimensão sonora de um
filme como para sua dimensão visual.
230
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Artur Matuck
Poder-se-ia pensar que a realidade autêntica de uma obra
fílmica ou de qualquer outro tipo está precisamente neste
nível mais abstrato (de hipótese formal construtiva) e que
sua manifestação concreta seja não essencial.
Mas, precisamente, o sensível, enquanto se organiza em
percepção e em semiose, enquanto é captado como um
complexo estruturado de elementos, somente pode
justificar-se fora do sensível ou de sua pura qualidade por
meio de referência a modelos.
Assim, pois, captamos identidades e diferenças, estabelecemos analogias e oposições, instituímos uma fina rede
de relações e de correlações no âmbito do material sensível, e somente desta maneira este é para nós verdadeiramente sensível.
GARRONI, Emilio. Proyecto de Semiótica, Barcelona:
Gustavo Gilli, 1973.
Searle sobre a lingua e o mundo
Deve-se admitir uma invenção da língua e do mundo,
invenção paralela que, apesar de sua opacidade, as faz
se interpenetrar e designar reciprocamente. Autonomia
da língua. Autonomia daquilo que a língua tenta designar.
Em sua interação, afirma-se a possibilidade dessa disjunção e, portanto, a possibilidade quase infinita de recomposição e de intervenção.
SFEZ, Lucien. Critica da Comunicação. São Paulo:
Edições Loyola, 1994.
O signo como diferença
No breve escrito De organo sive arte magna cogitandi,
de Leibniz, procurando poucos pensamentos a partir da
combinatória dos quais todos os outros possam ser deri-
Teoria e história da metaescritura: uma proposição ...
| 231
vados, como acontece com os números, estabelece a matriz combinatória essencial na oposição entre Deus e o
nada, a presença e a ausência. Desta dialética elementar
é maravilhosa similitude o cálculo binário.
ECO, Umberto. Signo (verbete). Enciclopédia Einaudi.
Lisboa: Imprensa Nacional, 1994.
Referências bibliográficas
As informações deste texto foram sintetizadas a partir de
pesquisa realizada nas seguintes publicações:
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Artur Matuck
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| 233
A arte contemporânea no acervo do MAC USP
SILVIA MEIRA*
Considerações de Atualidade
Em um campo ampliado de possibilidades, os conceitos artísticos dos últimos 50 anos transgridem a conhecida filiação estética1
da arte e nos obrigam a pensar sobre a natureza simbólica da arte
e sua função, na atualidade. O mundo da arte contemporânea contextualizado numa lógica de autonomia descreve, no presente, uma
mudança de configuração de relações que o legitima. O abandono
das regras conhecidas do fazer artístico tradicional, em prol de práticas independentes dos artistas, tem demonstrado como o conceito
arte é construído através da circulação entre instituições sociais,
em que as obras têm o seu lugar; e através do circuito da arte, nos
meios que compõem o sistema de informação, divulgação, recepção
e respectivo mercado.
* Livre Docente pela ECA/USP, Doutora em História da Arte séc. XX pela
Universidade Paris IV – Sorbonne, Especialista em Pesquisa em Arte
Contemporânea
1. Entende-se por estética a ciência do conhecimento da representação do
sensível, segundo Jimenez (2001, p. 21). A reflexão aqui proposta pressupõe que
o objeto arte seja definido como uma ação ou atividade humana que articula
razão e sensibilidade.
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Silvia Meira
A alteração da linguagem artística de questões de “aparência”
para questões de “concepção” é a grande diferença da época
contemporânea aos séculos precedentes. O modelo pós-moderno
de arte (DUVE, 2003) é entendido por operar através de noções
‘atitude-prática-desconstrução’, em que fica esclarecida a estratégia
de “não lugar” da atividade artística.
As formas e as cenas artísticas da contemporaneidade, instaladas em lugares não convencionais, ampliam-se em discursos, em
que a obra plástica, arquitetônica e teatral se coloca como uma
obra-evento. As obras-intervenções inscritas em territórios abertos
se colocam em um modo outro de se organizar enquanto arte. Anônimas e dessacralizadas apresentam uma vacilante natureza em seu
modo provisório2 de ser. As noções de autenticidade e originalidade,
herdadas da noção clássica de arte, não fazem mais sentido.
A ausência de critérios pré-estabelecidos em relação aos
atributos físicos no tocante à forma de arte e à vasta abordagem
dos discursos, relativos aos conteúdos apresentados, caracteriza a
intervenção contemporânea como sendo livre de um único conceito.
A produção de uma experiência in situ se torna primordial no fazer
artístico, uma situação estimulada que mobiliza emoções e relações.
(MICHAUD, 2008, p. 169)
As intervenções artísticas colocam categorias e conceitos convencionais, como a perspectiva e os tratados da luz como prática
no campo ampliado. Um exemplo disso é a obra do Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP): o
Paradoxo do Santo, de 1994, de Regina Silveira (B ASBAUM;
LAGNADO, 2009) (veja figura 1, ao final do texto). A artista justapõe
2. O provisório menciona um ciclo de referencias que “não fala do todo,
mas não oculta o seu sentido, manifestando-se por um indicio”. (ESPARTACO,
p. 9)
A arte contemporânea no acervo do MAC-USP
| 235
a sombra agigantada de um monumento equestre, a um pequeno
santo de madeira – uma escultura popular da Guatemala que representa Santiago Apóstolo, patrono militar da América Espanhola
do período colonial.
A sombra é uma distorção da silhueta do monumento do patrono militar brasileiro, Duque de Caxias, situado em praça pública,
no centro de São Paulo. A obra alude às relações recorrentes entre
poder, militarismo e religião, na América Latina. A artista aloca a
sombra do santo como estratégia artística para sua reflexão crítica.
Perturba e provoca o espectador com sua imagem desviada, transformando a imagem visual comum, colocando-a em dúvida e em
questionamento. O debate contemporâneo, a partir de conceitos
tradicionais, cria diferentes relações, como prática, e introduz outros significados às antigas convenções.
Da escrita de seu conceito (projeto de curadoria) ao mis en scène
(solução ou prática), as intervenções contemporâneas, passando por
ambientações que dão a visualidade e o valor cultural à delimitação
da mediação e ao papel da crítica, inserem-se na cultura. A concepção desconhecida e frágil do “isto é arte?” circula entre a apropriação de teorias e normas que conceituam a arte e a contextualização com disciplinas afins; aspectos que, embora diversos em
seus estatutos, esclarecem a aparente desmedida do contemporâneo.
(MEIRA, 2010)
Deve-se lembrar de que uma das consequências do movimento
da contracultura, e das culturas marginais dos anos 60, movimento
que se colocou em oposição à cultura erudita, foi o de reivindicar
o lugar de uma cultura popular. Assim, foi ampliada a noção de
entendimento de cultura, relacionando-a não só a estética, mas a
outros regimes do saber. O funcionalismo moderno teria modificado
o antigo conceito de arte para um organismo atuante na sociedade.
A síntese das artes teria introduzido o diálogo com o lugar arqui-
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|
Silvia Meira
tetônico e possibilitado a introdução de objetos ao fazer artístico;
a predominância da cultura de massa teria introduzido a cultura
no consumo diário.
Ao transgredirem os contornos tradicionalmente conhecidos
da arte, as intervenções contemporâneas abriram opções, ao entorno, àquilo que se introduz entre os objetos e ao que se descobre
nas escritas do espaço. A situação em que a arte contemporânea se
revela necessita de indícios sobre o lugar, sobre o estatuto e sobre
a estratégia da enunciação: uma descrição que possibilita o
entendimento e o exercício do olhar aproximado.
A obra Sem titulo n.123, 1983 do MAC-USP, de Cindy Sherman
(veja figura 2), apesar de parecer ser um autorretrato fotográfico,
parcialmente em naturalidade (B ARTHOLOMEU , 2009), é uma
encenação da artista, que, numa atitude diferenciada, calcada em
objetos e olhares, apresenta um disfarce.
Retirado como interpretação do mundo, a pose teatral da
artista traz indícios ao espectador de estereótipos femininos a serem
desvendados. No falso real, o simulado é armadilha, onde a consciência visual apela à lógica do que se vê. As séries de Cindy Sherman
são constituídas de pequenos arquivos elaborados pela artista em
performances fotografadas, tematizando questões de uma cultura
pós-moderna (simulacro, fragmentação, questões de identidade,
entre outros).
Os múltiplos significados que se interligam na estrutura artística
contemporânea obrigam a ampliação do entendimento dos signos
artísticos, fazendo do museu um lugar participativo. A transmigração dos símbolos de uma época, como por exemplo, a noção
do Ideal de Belo, representado classicamente pelos renascentistas,
entre outros, deve ser reformulada no território contemporâneo.
A figura humana não é só representada pela proporção e simetria,
mas por uma pose diferente do corpo. O humano é evocado em
A arte contemporânea no acervo do MAC-USP
| 237
sua atitude, incomoda ou inconveniente, a exemplo o trabalho fotográfico de Cindy Sherman. O enfoque do olhar estabelece outra
fundamentação na prática artística, insere um processo de reflexão
crítica.
A arte pós-moderna, com sua recusa de compromissos e de
soluções autorizadas, desengajada, coloca, para o entendimento de
seus objetos independentes, a necessidade de informação antecipada
acerca do conceito de arte e dos conceitos desenvolvidos pelo artista.
O entrecruzamento dos vários elementos presentes no processo de
interação com o momento arte e dos vínculos estabelecidos indicam
as qualidades da troca. Olhar as obras contemporâneas reivindica
a descoberta de analogias na impressão da experiência.3
A ordem do discurso
A arte em diálogo com diferentes abordagens necessita de olhar
cuidadoso em relação a essa ordem arriscada de discurso (MEIRA,
2009). Segundo Bourriaud,(2001), a ausência de um discurso
teórico nas praticas artísticas, desde os anos 90, dificulta a percepção do pertencimento da obra, sua relação com a sociedade, com a
história e com a cultura. As intervenções contemporâneas começam
a estabelecer pesquisas específicas, ligadas a conhecer per se argumentos especulativos incrustados às temáticas das intervenções, que
possibilitam dar ênfase a determinados conteúdos conceituais,
compreendidos como estudos da possibilidade do significado da
intervenção.
Esses ensaios, como modelo estratégico do artista, do informe,
ou ainda, como documento da obra, são norteadores para a crítica,
3. FABRO, 2006; BUREN, 2006; SERRA, 2006; MEIRELES, 2006.
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Silvia Meira
da ordem da partida do enunciado arte, agregam uma episteme à
nossa época. O interesse do modelo estratégico, como menciona
Yve-Alain Bois (2009, p. 310), reside naquilo que nos permite pensar historicamente os conceitos revelados por outros modelos, bem
como os laços que eles mantêm entre si, em um dado momento
histórico. Porém, a questão, como explicita Bois, é a relação entre
o objeto da arte e o modelo teórico que se inventa ou se importa
para a ocasião.
A sólida e estável tradução histórica é destronada pela mobilidade das ordens constitutivas da prática artística. A história da arte
tradicional baseada em uma narrativa literária, na direção do que
se constituiria um mesmo ponto de referência, sedimento ou resíduo
do passado no presente, deve ser flexibilizada pelos novos sentidos.
As especificidades do contexto em que os objetos são apresentados enquanto arte ordenam as imprecisas relações da situação
(RIBAS, 2008) e introduzem o discurso. A singularidade das operações artísticas deve ser entendida a partir dos antecedentes conceituais do repertório artístico e da dimensão dos códigos envolvidos.
As disciplinas alocadas na intervenção arte devem ser circunscritas,
como um princípio a priori, facilitando a compreensão das possibilidades particulares do discurso, validando o enunciado e o sujeito
que fala. (FOUCAULT, 2009, p. 36)
No mundo múltiplo, complexo e rápido da contemporaneidade, as estruturas duráveis não fazem mais alusão à condição da
existência humana. As proposições artísticas evocam a definição
dos símbolos que elas contêm:
[...] a ligação por analogia é a lei ou princípio constituinte do pensamento metafórico, o seu nexo, já que o significado só surge através
do contexto causal pelo qual um signo responde por, toma o lugar
de, traz à tona, é um paralelo, o campo de ligação [...]. (KOSUTH,
2006, p. 214)
A arte contemporânea no acervo do MAC-USP
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É o universo simbólico que possibilita o reconhecimento do
trânsito fluido e difuso, separando o discurso verdadeiro do simulado, e os discursos fundamentais da reaparição da crítica ou da
teoria.
Os modelos teóricos aceitam de maneira notável a coexistência
de diversos significados, mas devem colocar em dúvida os que não
consideram a matéria objetiva, segundo Schapiro, apesar de ser
capaz de identificar com precisão o referente do signo em questão.
As qualidades físicas e formais da intervenção como em um
espetáculo (DEBORD, 1992) intimidam o espectador pelo inusitado
da obra, da qual decorre um modelo de engajamento, o ativar o
outro.4 Os sentidos elásticos que instigam os processos de significação, como um lugar de acolhimento, são da ordem de um conhecimento relativo e subjetivo.
A história não narrada, ou delimitada, transforma-se, como
evidencia Bruce Nauman em 1969, em Abrindo a Boca, consciência
de saber olhar, ao integrar os recursos tecnológicos à linguagem
artística. Os artistas passaram a criar enunciações a partir de seus
depoimentos, a exemplo de Advertência, de Daniel Burren (2006),
Deslocamento, de Richard Serra (2006), Impregnação, de Cildo
Meireles (2006), Discursos, de Luciano Fabro (2006), ou Instauração, de Tunga. (LAGNADO, 2001, p.134.) A produção artística
contemporânea, ao ser contextualizada pelos documentos críticos
dos artistas, preenche a lacuna da contemporaneidade de que é preciso reconstruir o que se anuncia, no sentido oculto que se atravessa.
O passado histórico da arte baseado em testemunhos materiais
de diferentes culturas, na iconografia de diferentes épocas, em estilos
como expressão, no contexto como interconexão entre imagens,
4. Proposição dos “Quase-cinemas” de Helio Oiticica, ideia fundamental
na elaboração dos Blocos-experiências in Cosmococas.
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Silvia Meira
símbolos e signos; serve como mapeamento da tradição, que permite
uma linguagem de referência ao fazer contemporâneo. Os jardins
da história estão sendo substituídos por sites do tempo, menciona
Smithson (2006, p.188).
A escrita no espaço e a participação
ativa do espectador
O espaço, entendido como um contorno do grande horizonte,
como medida da extensão, e o tempo, indicando a duração finita,
são apontados pela critica de arte,5 nos anos 60, como fundamentais
para o entendimento das novas relações que instauram a arte
contemporânea.
A utilização de diferentes locais pela arte teria obrigado a crítica
a repertoriar outro tipo de enquadramento para a obra de arte,
potencializando o espaço como suporte: o que não era paisagem
nem arquitetura. O ensaio crítico de Rosalind Krauss, publicado
em 1979, Escultura no Campo Ampliado, revelava a mutável
função e significação das novas esculturas, delineando o campo
estendido.
Carlito Carvalhosa aloca, no espaço continuo do anexo original
da nova sede do MAC-USP, um território invadido de remotas
árvores, em tensão, entre os harmoniosos pilotis de Niemeyer.
As árvores, antigos postes de madeira que um dia serviram de
‘rede elétrica’, animam no espaço interior todo branco a percepção
e sensibilidade do visitante. Sua instalação de postes que nunca estão
na vertical, denominada Sala de Espera (veja a figura 3), estabelece,
5. A poética da Obra Aberta, de Umberto Eco, já explicitava tal fato em
1962.
A arte contemporânea no acervo do MAC-USP
| 241
através do volume, comprimento e posição, uma relação visual e
lúdica, participativa e conscientizadora, que só “faz sentido no
campo da experiência e da contemplação”.6 Carlito pensa sua obra
“como vestimenta”: o espaço anexo é preenchido pela intervenção,
onde o uso e a experiência consolidam o significado de sua
intervenção (SERRA, 2006, pp. 325-329).
A reflexão teórica de Morris, nos seus escritos dos anos 60, já
fazia uma distinção fundamental sobre a experiência imediata de
percepção do espaço: a presentidade7 (MORRIS, 2006, pp. 401-420)
– descrição de um estado de ser, aspecto mencionado por ele em
seu ensaio crítico O tempo presente do espaço, em que enfoca a
ampla configuração que se abria a partir da escultura e da arquitetura nos anos 60. Ao perceber o espaço arquitetônico, o espaço
próprio de quem percebe não é distinto do percebido, revelando as
possíveis articulações do espaço mental com o espaço externo. A
memória e imaginação atuam no eu dinâmico reconstituído no mim,
a partir dos indícios do relembrado evocado. O espaço não é apenas
um lugar, torna-se ativo, shapped (HUCHET, 2005, p. 68), pelo
engajamento do espectador às circunstâncias apresentadas.
Hoje o conceito de território, em que a experiência tem lugar na
arte, engendra a prática das diferentes lógicas estruturais, locus do
fenômeno artístico. O território apresenta os referentes na enunciação, sugere as estratégias e os parâmetros da relação adotada, demarca identidades específicas e os discursos relativos, ou alocados.
6. Pérez-Oramas, L. curador de Carlito Carvalhosa no MOMA, NY, em
2012.
7. Para Morris existe uma distinta conexão entre a ocupação da arte pelo
espaço arquitetônico, que implica no ser circundado, e a escultura onde quem
percebe é que circunda, o que Robert Morris definiu como o tempo presente do
espaço. Morris menciona que ao perceber o espaço arquitetônico, o espaço
próprio de quem percebe não é distinto, mas coexiste com aquilo que é percebido.
242
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Silvia Meira
A obra Autorretrato com Modernos Latino-Americanos e
Europeus, de 2005/10, de Albano Afonso (veja a figura 4), apresenta
uma composição misturada de fotografias, imagens perfuradas,
impressão digital, espelhos e outros meios na elaboração da imagem
do artista de si mesmo. Numa operação que confunde o reconhecimento do que se vê, alternada pelo flash fotográfico, a imagem
do artista se mistura com reproduções de autorretratos de grandes
mestres da pintura moderna ocidental, perfuradas por esferas. O
efeito de ilusão ou de alteração da profundidade dos campos coloca
a referencia tradicional do retrato na história da arte em conexão
com a imagem do artista, que é coberta sempre pelo flash, instigando nos a pensar na mudança de referencias e nas possíveis
associações e conexões entre o passado e o presente com a história
da arte.
As formas de objetos de épocas distintas escolhidas por Marcelo
Silveira para compor sua instalação Tudo ou nada, de 2005 (veja a
figura 5), estão encaixadas em pedaços de madeira umas às outras,
em uma estrutura articulada a uma arquitetura precária, próxima
ao desmanche. Elas remetem a utensílios, a uma contra classificação, menciona Moacir dos Anjos (2005). Trata-se de um ajuntamento de coisas criadas que, embora evoquem formas de objetos
conhecidos, não são mais que volumes desprovidos de significados,
dialogando uns com os outros e espalhados em prateleiras largas.
Expõem a fragilidade das distinções das trocas simbólicas por onde
as ideias se movem, situações incertas e duvidosas (AMARAL, 2003).
Anunciando a imprecisão e o distanciamento do reconhecimento
das regras de aliança e filiação, diálogo e negociação, que estruturam a prática artística contemporânea.
Desde os anos 60, menciona Oiticica, não se trata de impor ao
espectador um acervo de ideias e estruturas acabadas, mas de propor
ao homem a possibilidade de “experimentar a criação”; de descobrir
A arte contemporânea no acervo do MAC-USP
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pela participação as diversas ordens, algo que possua significado
(OITICICA, 1986); ou ainda, analisando o trabalho de Lygia Clark,
Obras móveis, mutáveis, com múltiplas configurações, que, se
movimentam criando infinitas combinações, se abrem para a ação
do sujeito, obras que, abandonando o repouso da escultura
tradicional, se tornam objetos relacionais. (MEIRA, 2008, p. 47)
As estruturas de alumínio dos Bichos ganham forma de acordo
com a manipulação do público. Os suportes conhecidos característicos de uma obra de arte tradicional que exigiam a contemplação, não satisfazem mais, nem mesmo a ideia de imobilidade e
permanência, que deles deriva.
O espaço vivencial criado pela obra contemporânea passa a
funcionar como mobilizador do desejo do espectador, que, através
da interação com objetos independentes, elabora uma liberação de
sua imaginação criativa, tornando o processo e não a obra o centro
das atenções. O “não objeto” definido por Ferreira Gullar, “é corpo
transparente ao conhecimento fenomenológico, nasce diretamente
no e do espaço e se apresenta diante do espectador como inconcluso
oferecendo os meios de ser concluído.”8 (apud AMARAL, 1977, p. 85)
A forma relacional da arte contemporânea, descrita nos anos 90
como uma teoria da forma por Nicolas Bourriaud (2001), demonstrava que a prática artística teria se encaminhado a criar situações
com uma experiência vivencial. Como nas interações humanas, a
arte hoje configura relações intersubjetivas de maneira a torná-la um
lugar de encontro, de ligação e de convivência com o sensível.
8. Teoria do Não Objeto apareceu numa edição do Suplemento Dominical
do Jornal do Brasil como contribuição à II Exposição Neoconcreta, realizada no
salão de exposição do Palácio da Cultura, Estado da Guanabara, de 21 de
novembro a 20 de dezembro de 1960.
244
|
Silvia Meira
O dispositivo artístico contemporâneo instala a memória ao
olho na operação complexa, divertida, fascinante e obscura da
impressão de experiência,9 que os significantes interativos ativam
no espectador. A integração do mundo da vida à arte situa a
operação artística numa viabilidade existencial, que é da ordem
da interioridade. A instalação engaja o espectador que redimensiona
sua interação a partir dos arranjos escolhidos pelo artista, onde a
encenação é a principal estratégia visual do artista.
A cultura visual ou a civilização da imagem ocupa hoje um
lugar de relevância enquanto lógica de percepção do mundo. O êxito
tecnológico acrescentou à produção de imagens o encontro de uma
série de procedimentos, materiais, técnicas e formas criando abundantes combinações. Os lugares e discursos da arte contemporânea
oriundos de universos técnicos e narrativos distintos se tornaram
processos de mestiçagem. (CATTANI, 2004, p. 67)
A obra Pele para Ingres, 1998, de Waltércio Caldas (veja a
figura 6), a partir de estruturas de fios e simetrias entre linhas que
conservam uma unidade, faz alusão a um objeto mediador no
espaço, milimetricamente calculado. Não é corpo, nem ideia, mas
introduz o vazio, que tem um peso fundamental em sua obra.
No canto de seus volumes, há uma imagem de uma tela
neoclássica de Ingres, convidando-nos a olhar além dela e, por assim
dizer, a tirar conclusões, “o que é mostrado, de fato, não é tanto
um objeto, quanto uma distância ou uma relação” menciona
Mammi.10
9. FABRO, 2006; BUREN 2006; SERRA, 2006; MEIRELES, 2006.
10. Mammi, L. Waltercio Caldas, 1/1/1995.
A arte contemporânea no acervo do MAC-USP
| 245
O sistema arte
Os princípios de lucro e de concorrência do mercado econômico
invadem os sistemas de difusão da arte. O poder estratificante
pertencente ao local em que as obras são contempladas. Exposições,
museus, instituições públicas reconhecidas e, até mesmo, a própria
crítica de arte intervêm nos discursos que tentam justificar a possibilidade de inserção de alguns artistas ao meio artístico, ou criam
uma normalidade hegemônica ao desenvolvimento irregular e às
histórias diferenciadas.
A globalização da arte lança na atualidade o discurso de reconhecer o outro, compreendendo campos sem fronteiras de transações de signos, em que a trajetória de manuseio e a manipulação
de imagens possibilitam a transposição de códigos de uma cultura
à outra.
O multiculturalismo, característica da arte contemporânea,
passou a veicular nas últimas décadas, em uma mesma escala
planetária, parte dos discursos críticos da arte de países considerados outrora periféricos. Intensificando o local com o global, o
diálogo entre culturas na arte enfrenta hoje a dialética de uma visão
não mais unilateral e eurocêntrica, mas sob o ponto de vista da
presença de memórias distintas. Sendo assim, algumas ‘interrogações’ se evidenciam a respeito das condições em que certos discursos artísticos e históricos foram engendrados ou descartados.
Assim o naif do Brasil.11 é caracterizado na obra de José
Antonio da Silva (veja a figura 7), com considerável abrangência e
pertinência. Suas telas privilegiam o mundo físico de regiões pouco
conhecidas, exprimem se poeticamente, de maneira ingênua e com
11. O termo francês naif deriva do latim nativus e significa original, natural
e inato.
246
|
Silvia Meira
identidade própria, incorporando a cultura contemporânea o folclórico, o incomum, o primitivo.
A simplicidade e humilde de sua proposta, com a riqueza de
nossas cores, faz-nos sentir, a pureza de seu olhar, e retrata outro
mundo contemporâneo, sem normas, academicismo ou intelectualidade. Relatam o lirismo e a identidade popular brasileira esquecidos pelo meio artístico nacional e que afloram hoje de maneira
espontânea no Brasil contemporâneo.
Rememorar não significa apenas evocar o passado, mas
transformá-lo segundo uma visão de mundo do nosso tempo. Um
novo rumo para se pensar a história de países considerados outrora
periféricos, como o Brasil, é necessário estabelecendo novas relações
com os modos de ver a arte, independente dos contextos colonizadores do passado, de tendências ou influências seguidas; refletindo
sobre uma existência que venha recompor a alienação cultural de
outrora e revelar a imensa diversidade do Brasil de hoje.
A ordem do discurso crítico na arte hoje instaura falas suscetíveis às questões próprias a cada cultura, situando especificidades,
deslocadas e fora do eixo do conhecido, e, faz emergir as mestiçagens; lança a ideia de um reordenamento das culturas e traduz o
mundo das diferenças.
A interpretação do contemporâneo, a partir da montagem de
uma estratégia, suscetível de tornar manifesto seus vínculos, permite
a coexistência de diversos discursos simultaneamente, já que as
obras nos induzem a entendê-las como um instante fugidio, que
não se finda ali, mas continua em outro lugar.
Os sistemas e estratégias escolhidos pelos artistas hoje sinalizam
outros sentidos na cadeia intenção-enunciação-interpretação ao
tomar ações e histórias visíveis, como figuração de conceitos. A
encenação das formas de arte contemporânea ativa o espectador a
significar o simbólico nos vestígios expressos espacialmente. A
A arte contemporânea no acervo do MAC-USP
| 247
cenografia ambiental em situações arte envolve e mergulha o
observador numa quase-sensação que o inquieta a compreender a
impressão de realidade.
Segundo Durand, a instalação contemporânea inaugurou uma
estética situacional em que o que importa são “as relações com os
diversos sistemas que a atravessam, ou que a beiram, os elementos
da cultura que nela afloram, ou ainda o contexto artístico, que intervêm como componente da obra.” (apud HUCHET, 2006, p. 308)
As apropriações de imagens de Rosângela Rennó (ver figura
8) nos dá exemplo de peças do quebra-cabeça que a artista monta
e que poderia ser montado para uma investigação. Em uma poética
do não dito, a artista, a partir de imagens de arquivo, reconstrói,
através de provas fotográficas, em um anonimato fotográfico, uma
estória que coloca em evidência o esquecimento de identidades.
Deve-se lembrar de que uma das consequências da Segunda
Guerra Mundial foi o descrédito do ideal da razão como organizadora da construção sociopolítica da sociedade, colaborando
para um certo direcionamento da arte. O mal estar do pós-moderno
(BAUMAN, 1998, pp. 13-26) surge da presunção de um entendimento
do mundo através de um padrão ideal da condição humana, de
progresso, justo, conveniente e harmônico, onde reinaria uma visão
de coerência, clareza e solidez. A liberação do peso de uma ideologia
na arte de hoje, que modela os universos possíveis nas situações
construídas, alterando, misturando e recombinando fragmentos,
retrata um mundo supostamente tolerante, sem utopias, indefinível
e incontrolável; revela uma falta de previsibilidade instaurada pelo
desmantelamento da ordem tradicional, herdada e recebida, durável
e resistente.
248
|
Silvia Meira
Fig. 1 - Regina Silveira. Acervo MAC
– Paradoxo do Santo, 1994. Madeira
pintada e placas de poliestireno, 450
x 700 x 500 cm
Fig. 2 - Cindy Sherman. Acervo MAC
Untitled n°123, 1983, fotografia em
cores, 170,8 x 125,7 cm
Fig. 3 - Carlito Carvalhosa. Acervo
MAC, Sala de Espera, 2013. Instalação
do anexo do MAC nova sede.
Fig. 4 - Albano Afonso, Acervo MAC.
Autorretrato com Modernos Latinoamericanos e Europeus, 2005/10.
Fig. 5 - Marcelo Silveira. Acervo MAC.
Tudo ou Nada, 2005. Madeira, vidro,
tecido, acrílico, lâmpadas, fio de cobre,
fio de couro, aço inox e palha.
Fig. 6 - Waltercio Caldas. Acervo
MAC. Pele para Ingres, de 1998.
A arte contemporânea no acervo do MAC-USP
Fig. 7 - José Antonio da Silva. Acervo
MAC. Repouso, 1955. Óleo sobre tela,
1955.
| 249
Fig. 8 - Rosângela Rennó. Acervo
MAC. Venetian Tour Scrapbook,
2009/10. Impressão digital em cores
sobre papel.
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Silvia Meira
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| 253
Arte para o Brasil
MÔNICA NADOR*
Nunca é demais lembrar que, no Brasil, não aconteceu a Revolução Francesa. Faz 123 anos que a escravidão foi extinguida e,
mesmo assim, ainda temos trabalho escravo.
Os jovens pobres são, em princípio, suspeitos de serem criminosos. Se são negros, a suspeita se transforma em certeza. A taxa
de mortalidade na periferia de São Paulo é altíssima: morre mais
gente do que em muitas guerras pelo mundo afora. As maiores vítimas são justamente os homens entre 13 e 28 anos, afrodescendentes;
executados pelas mãos da polícia ou assassinados por qualquer
bobagem, entre eles mesmos.
Quero dizer que os pobres são esquecidos pela “cidade formal”.
Não existe, ou melhor, não existiam equipamentos culturais na
“cidade informal”, na verdade não existe nem esgoto na periferia.
Assim, depois de muita desconstrução de verdades eternas,
como a arte de ponta não deve se preocupar com a situação social
do seu entorno, e sim somente com a sua própria estrutura interna,
* Mônica Nador é pintora, desenhista e gravadora, formada em artes
plásticas pela Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP-SP e mestre pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, com a dissertação “Paredes
Pinturas”, sob orientação de Regina Silveira. Junto com outros artistas, fundou,
em 2004, o Jardim Miriam Arte Clube, uma espécie de ateliê aberto à população,
no Jardim Miriam, em São Paulo.
254
|
Mônica Nador
ou ainda depois da notícia da origem da palavra museu vir de
mausoléo, em 1996, resolvi dar menos atenção ao circuito estabelecido das artes plásticas. Entendi que estas estimulam a atuação
somente dentro da cidade formal e daí para fora do país. Contrõese, então, uma rede de pessoas que discutem as mesmas questões
seja em Istambul, Nova Iorque, Cidade do México ou qualquer
outro lugar, e que contribui para a transformação e reiteração desse
modo de vida, que transforma o mundo todo no playground do
primeiro mundo, onde quer que esteja esse primeiro mundo. Porque
assim como existe certa pobreza por aqui ou na Europa, existem
vários primeiros mundos nas periferias, também.
E nenhum primeiro mundista enxerga de fato o flagelo que
sofrem os pobres ou, quando muito, satisfaz-se em documentar os
tristes fatos. É importante dizer isso para que se compreenda por
que fazemos o trabalho que vamos mostrar.
As constatações acima me levaram a desenvolver, a partir de
1996, o projeto “Paredes Pinturas”. Hoje em dia, graças a uma
nova superintendência da Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano (CDHU) do Estado de São Paulo, ele está
se transformando em política pública. A esta experiência com a
CDHU pertence o vídeo que vamos apresentar: o Paredes Pinturas
no Jardim Santo André, de 2008. (https://www.youtube.com/
watch?v=3fccSzyg-UM)
No final de 2003, mudei-me para a periferia de São Paulo, com
intenção de desenvolver esse projeto no bairro do Jardim Miriam,
local que escolhi para atuar. Meu atelier ali serviria também para
mostrar um outro tipo de vida para aquelas pessoas, serviria para
recebê-los num espaço diferente de tudo que conheciam. Outras
possibilidades de vida.
Este atelier desempenha hoje um importante papel no bairro
em que está localizado. Pôde articular algumas iniciativas que
Arte para o Brasil
| 255
aconteciam de maneira irregular e dispersa pela região, além de
ter gerado outras: como a oficina Traquitanas – uma oficina de
confecção de aparelhos para suporte de filmagens em versão
econômica, organizada por alunos egressos do nosso curso de
cinema digital, o Jamac (www.jamac.org.br).
O curso de cinema foi proposto, em 2008, por integrantes que
já não fazem parte do Jamac. Porém, eles trouxeram outras pessoas
do próprio bairro que ja trabalhavam com cinema, mas na cidade
vizinha, Diadema, por conta da falta de equipamentos culturais
na região. Até 2013, tínhamos um curso de animação além de
workshops com especialista.
Além do Cinema, temos, desde 2006, a realização dos Cafés
Filosóficos – atividade exigida pelos membros da comunidade para
quem apresentei, primeiramente, o projeto do atelier aberto no
bairro. Os Cafés Filosóficos são palestras dadas por especialistas
em assuntos escolhidos pela própria comunidade, graças a uma
parceria que fizemos com estudantes de filosofia da USP. A comunidade escolhe o palestrante dentre os acadêmicos e produzem o
evento, uma vez ao mês. O formato dado a estes encontros já está
sendo replicado em ao menos dois outros locais, sendo um deles
em outra cidade.
Essas pessoas me haviam sido recomendadas por amigos militantes dos movimentos sociais, conectados que são com todas as
lideranças locais de São Paulo. No princípio eram muito desconfiados de minhas intenções: “qual será a verdadeira intenção da
cara pálida?” Mas, depois, qual não foi minha satisfação ao reparar
na inclusão do ítem “cultura” na agenda destes mesmos militantes
que antes reivindicavam ‘somente’ hospitais. (http://
parqueparabrincarepensar.blogspot.com.br/)
É claro, eles entenderam, a partir da experiência do Jamac, o
importantíssimo papel que a cultura desempenha enquanto elemen-
256
|
Mônica Nador
to formador de redes de sociabilidade, para além das igrejas e bares,
únicas opções disponíveis até então.
Depois de nossa qualificação como Ponto de Cultura, em 2010,
pudemos receber um coletivo de artistas, o “Contra-filé”, que desenvolveu, durante o primeiro semestre de 2011, uma ação em uma
localidade indicada por nós.
O lugar fica abaixo da instalação de fios de alta tensão da distribuidora de energia elétrica, a Eletropaulo. A delicadeza da empresa
no trato com a população é digno de nota: sob estes fios não é
permitido que se construa, mas as pessoas ocuparam o terreno mesmo assim. Pois bem, a Eletropaulo passou tratores por cima de todas
as casas, sem substituir a moradia destas pessoas, deixando um
Iraque para trás ao não remover o entulho gerado, abandonando
as conexões de esgoto abertas, fazendo assim com que o lugar se
transformasse num perigoso esgoto a céu aberto.
De janeiro a julho deste ano, realizamos uma exposição no
Pavilhão da Culturas Brasileiras: “Mônica Nador: Autoria Compartilhada”, estampando em público tecidos com 6 metros de
extensão, usando como repertório para a confecção destes estênceis
a coleção de arte popular que o pavilhão abriga. Usamos aqui o
mesmo procedimento que no Paredes Pinturas: os participantes são
coautores na medida em que selecionam os objetos que vão
desenhar, compõem as estampas e escolhem cores que serão
aplicadas. (http://www.youtube.com/watch?v=v2fYQTlzDwY)
Enfim, temos sim que usar a arte para reconstruir o tecido social
e, principalmente, abusar do potencial educativo que tem a arte.
Este maravilhoso instrumento nos obriga a construir um visão de
mundo particular constituída num discurso artístico, uma vez que
o artista é a pessoa que se coloca no mundo como sendo alguém
que fala, que tem o que dizer.
Arte para o Brasil
| 257
O que mais precisamos no Brasil, enquanto sociedade, é
educação de qualidade, quesito abandonado pós-golpe de 64 e que
ainda não conseguimos recuperar. Ainda mais nós, filhos de Paulo
Freire. Aprendi com ele (e com meu próprio processo) que é absolutamente importante valorizarmos os referenciais culturais que
cada indivíduo traz consigo, para uma verdadeira emancipação do
mesmo.
Proponho para nós, artistas e agentes culturais, um papel mais
efetivo e menos simbólico/descritivo do que temos tido por estes
tempos.
| 259
Coleção Arte à primeira vista: um projeto
editorial para a formação em artes
RENATA SANT’ANNA*
VALQUÍRIA PRATES**
“O livro é a primeira galeria de arte que
uma criança pode visitar.”
KVETA PACOVSKA
Porque criar uma coleção de livros de
arte para crianças
O mercado editorial brasileiro, durante a década de 1990, promoveu a publicação de inúmeros livros que têm como objetivo
apresentar as artes visuais para o público infantil. Muitas coleções
internacionais foram traduzidas e lançadas no Brasil, nesse período,
marcando o início de um novo segmento na literatura infantil. Este
processo provocou um aumento significativo na edição e produção
desses livros, que foram lançados por várias editoras, dentre as
* Mestre em Artes – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo / [email protected]
** Mestre em Educação – Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo / [email protected]
260
|
Renata Sant‘Anna e Valquíria Prates
quais: Paulinas, CosacNaify, Companhia das Letrinhas, Berlendis
&Vertecchia, Callis, Moderna, DCL. (SANT’ANNA, 2000)
A circulação destas produções ganhou força a partir dos mecanismos de compra e distribuição dos títulos, por meio dos programas de incentivo à leitura e criação de bibliotecas (como, por
exemplo, Fome de Ler e Programa Nacional Biblioteca da Escola).
Estas ações promoveram, simultaneamente, a inserção destas
edições na instituição escolar e a utilização dessas publicações como
recurso pedagógico no ensino da arte.
Tendo por ponto de partida este dado, podemos afirmar, com
base em nossa atuação junto a crianças e professores em museus e
escolas (públicas e particulares), que os livros de arte para crianças
podem se tornar um recurso fundamental no processo de aprendizagem e formação do repertório em artes, num contexto em que
existem alguns fatores de limitação para o trabalho dos professores
de artes. Exemplos dessas limitações são: a escassez de recursos
materiais;1 a falta de formação e informação para professores acerca
dos processos de aprendizagem em artes na infância; e as dificuldades de acesso da escola a instituições culturais.2 Esse são motivos
pelos quais muitas escolas não desenvolvem um trabalho sistemático de visitação às exposições, deixando de promover a participação de seus alunos em espaços da arte.
1. Dentre os inúmeros exemplos que poderíamos citar, convém apontar a
falta de verba destinada à compra de materiais artísticos ou ainda a realização
de investimentos para a criação de ateliês onde os alunos possam realizar
experimentações com diversos materiais e linguagens artísticas.
2. Dentre as dificuldades de acesso das unidades escolares às instituições
culturais, podemos citar a necessidade de criação de políticas de incentivo
(TEIXEIRA, 2008) que contemplem verbas para o desenvolvimento de estudos
curriculares fora das unidades escolares, incluindo transporte, lanche e orientação
adequada para que os grupos de professores e alunos possam tirar maiores
proveitos deste tipo de experiência em todo o Brasil.
Coleção Arte à primeira vista: um projeto editorial ...
| 261
Desta forma, o ensino da arte para crianças é frequentemente
limitado à aprendizagem e replicação de técnicas artísticas utilizando materiais didáticos inadequados e, muitas vezes, sem relação
alguma com a produção dos artistas em foco. Privadas de um contato com a arte em seus poucos espaços, o livro pode tornar-se a
única oportunidade de contato da criança com obras de arte.
Retomando e atualizando a pesquisa de mestrado de Sant’Anna
(2000) acerca das edições de livros de arte para crianças, constatamos que, embora classificadas numa mesma categoria, essas
publicações se diferem muito entre si. Há inúmeros projetos editoriais que estão relacionados aos diversos conceitos de arte apresentados pelo autor ou editor, exibindo diferentes maneiras de abordar
a história da arte e de apresentar as obras para esse público. Apesar
do crescimento dessas edições de livros infantis nos últimos anos,
a maioria dos títulos ainda se dedica a apresentar a arte moderna,
com ênfase nas biografias de pintores estrangeiros. As produções
nacionais existem em menor número, sendo a maior parte concentrada em mostrar a pintura brasileira.
A dissertação aponta ainda que:
• O número de livros em catálogo e circulando em livrarias e venda
online voltados à arte contemporânea brasileira é restrito;
• São poucos os títulos que abordam linguagens artísticas como
desenho, gravura, escultura, fotografia, instalação e vídeo;
• São raríssimas as publicações sobre artistas que utilizam diferentes espaços e mídias, ou que tenham por foco artistas e obras
que circulem e atuem fora dos lugares convencionais da arte.
Nossas práticas em programas públicos de educação e formação em artes em instituições culturais diversas, especialmente
os dedicados à prática de professores e mediadores de arte, permitiram-nos acompanhar a dificuldade que o corpo docente das
262
|
Renata Sant’Anna e Valquíria Prates
escolas tem em abordar os conceitos da arte contemporânea junto
a seus alunos. A falta de experiências neste sentido naturalmente
leva ao afastamento entre os públicos escolares e a produção
artística atual.
Os livros adotados e os temas da arte na sala de aula, em sua
maioria, limitam-se à Arte Moderna (com ênfase em alguns artistas
que participaram da Semana de 22 na arte nacional e no
Impressionismo e Cubismo na arte internacional). As editoras
mantêm a tendência de acompanhar essa demanda e, assim,
circunscrevemos o conhecimento no ensino das artes plásticas ao
trabalho de poucos artistas, limitando a experiência visual das
crianças.
Diante desse panorama, consideramos também a importância
de provocar o interesse do público infantil ou iniciante em arte pela
produção artística atual, como uma das formas de compreender o
pensamento e as manifestações culturais da sociedade contemporânea. Buscando apresentar a produção artística atual para esse
público, criamos a pioneira Coleção Arte à primeira vista.
Desse modo, pretendemos contribuir para diminuir a lacuna
editorial no que se refere a publicações dessa natureza que se
constituem em um recurso fundamental para o contato e a
aprendizagem em artes.
A coleção Arte à primeira vista: objetivos,
fundamentos, metodologia e justificativa
Iniciada em 2005, a Coleção Arte à primeira vista tem por
princípio apresentar os diferentes conceitos, propostas, suportes e
espaços das obras de artistas contemporâneos cuja produção se
destaca na construção da história da arte brasileira.
Coleção Arte à primeira vista: um projeto editorial ...
| 263
São objetivos da coleção:
• Apresentar o processo de criação e a obra de artistas brasileiros
contemporâneos;
• Promover uma leitura reflexiva sobre a arte contemporânea e
suas proposições, discussões e indagações;
• Estimular os processos de desenvolvimento de habilidades de
leitura de imagem;
• Apresentar as transformações nos conceitos de arte e obra de
arte;
• Ampliar o repertório visual da criança;
• Propor ao leitor um percurso de exercícios de criação inspirado
nas pesquisas e interesses plásticos e conceituais de cada artista,
por meio das atividades dos cadernos-ateliê.
O público-alvo dos títulos da coleção são as crianças e jovens
entre 7 e 14 anos (1° ao 5° ano do Ensino Fundamental I; 6° ao 9°
ano do Ensino Fundamental II), que percorrem na educação formal
um momento particularmente interessante para investir em processos de alfabetização visual calcados na experimentação prática
e vivências que retomem fenômenos sociais ou científicos existentes
no mundo (VIGOTSKY, 1934). Nessa fase de suas vidas, a maioria
dos estudantes já passou por experiências visuais, sensoriais e linguísticas que, de maneira organizada ou não, constituem um repertório formado por um arcabouço de conceitos. Estes podem ser
retomados e ampliados infinitamente por meio das experimentações,3 envolvendo processos cognitivos, da memória, da linguagem; e toda uma gama de emoções e sentimentos previamente
3. Para aprofundar este aspecto da psicolinguística infantil, recomendamos
os estudos de Vigostsky acerca do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal
(ZDP). (VIGOTSKY, 2001)
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Renata Sant’Anna e Valquíria Prates
experimentados, diretamente ou por meio de manifestações artísticas ou da mídia em suas mais diversas linguagens – filmes, desenhos animados, imagens em revistas, jornais, livros, outdoors,
textos ou quaisquer outras formas de retomar a realidade
circundante (TEIXEIRA, 2008).
Como público secundário, percebemos paulatinamente que
existe uma adesão de muitos pais e professores que estimulam a
leitura das obras, especialmente para crianças de idade inferior à
citada. Aos poucos, passamos a sugerir a leitura acompanhada e
orientada por pais, professores, bibliotecários ou educadores, para
ampliar as possibilidades de leitura promovidas por cada livro, cujo
design valoriza o encontro entre os textos e as imagens das obras.
Outro público que tem buscado apoio na leitura dos livros da
coleção são os estudantes “iniciantes” de artes, que se aproximam
das obras devido ao caráter de “apresentação” da arte contemporânea presente nos textos. Isso nos leva a retomar a pesquisa de
doutorado de Abigail Housen (1996) acerca dos níveis de intimidade, conhecimento e fruição do público com as obras de arte.
A partir de sua pesquisa, podemos considerar que a relação dos
indivíduos com os objetos artísticos independe de sua idade. Ela
tem por principal fator para apreciações e leituras mais densas
(tanto das obras quanto da realidade que os circunda) a constante
experimentação com as obras, conceitos artísticos e o contexto em
que foram produzidas (YENAWINE, 1998). Neste sentido, muitos
professores têm se tornado público da coleção, em busca de ampliação de repertório em artes e de material pedagógico que os
permita levar para a sala de aula recortes que privilegiem a diversidade de expressões plásticas na contemporaneidade e a autonomia
na interpretação dos trabalhos apresentados.
Considerando as reflexões acerca do livro de arte para criança
(SANT’ANNA, 1999), da psicolinguística infantil (VIGOSTKY, 1937)
Coleção Arte à primeira vista: um projeto editorial ...
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e dos níveis de aprendizagem da arte (Houses, 1996), desenvolvemos o projeto editorial da coleção Arte à primeira vista, num
processo que envolve três etapas distintas, descritas a seguir.
A seleção dos artistas
Ao selecionar a produção de um artista para cada título da coleção, buscamos explorar a diversidade de conceitos, propostas,
suportes, espaços e temáticas relevantes para a história da arte
brasileira, priorizando a segunda metade do século XX.
Inicialmente selecionamos: Lygia Clark, Frans Krajcberg,
Leonilson, Regina Silveira, Geraldo de Barros, Mira Schendel, Hélio
Oiticica e Waldemar Cordeiro, tendo publicado os títulos referentes
aos quatro primeiros artistas. Os livros dedicados à obra de Mira
Schendel e Geraldo de Barros têm lançamento previsto para segundo
semestre de 2014, enquanto os volumes sobre Hélio Oiticica e
Waldemar Cordeiro estão em fase de pesquisa e preparação.
Seleção das obras
Os artistas selecionados apresentam uma vasta produção, tanto
no que diz respeito à sua temática, quanto na exploração de diferentes materiais e técnicas por meio dos quais exploram a construção de trabalhos aplicados na pesquisa e no processo em
determinadas linguagens artísticas. Desta forma, a cada título é
preciso fazer uma seleção de obras que nos permitam destacar e
enfatizar alguns dos aspectos predominantes na produção e
percurso do artista. Essa é uma difícil tarefa, mas premente no que
se refere à produção do texto, já que não pretendemos produzir
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Renata Sant’Anna e Valquíria Prates
um texto enciclopédico, com datas, participações em exposições e
movimentos, viagens realizadas etc. Nossa proposta é dar a ver
aspectos dos processos de criação e produção, das escolhas artísticas
e das poéticas que surgem no curso de suas práticas.
O primeiro título da série, Lygia Clark – linhas vivas, apresenta
um recorte da importante produção da artista mineira que iniciou
seu percurso com a investigação de linguagens tradicionais da arte
(como a pintura e o desenho), mas aos poucos foi desenvolvendo
uma pesquisa que a levou a realizar objetos a partir da exploração
de materiais pouco convencionais para a arte na década de 1960.
Para seu livro, foram escolhidas treze obras, organizadas de modo
sequencial em famílias de trabalhos que, seguindo a característica
de criação da própria artista, se relacionam a partir da maneira de
fazer de cada um destes grupos. Por meio da observação dessas
obras, a criança é levada a perceber as inovações das propostas de
Lygia e a maneira como a artista conduziu sua produção artística
no sentido de transformar a relação entre o público e a obra,
chegando à ideia de que o observador passa a ser um coautor da
obra e não mais apenas um espectador.
Em Frans Krajcberg – a obra que não queremos ver, selecionamos dezoito trabalhos, mostrando não apenas as esculturas e
objetos tridimensionais, mas também as fotografias e gravuras realizadas pelo artista, exibindo a sua relação com a natureza:
1) A obra como denúncia da destruição ambiental, criando a
partir de elementos e fragmentos da natureza já sem vida os objetos
e esculturas monumentais;
2) O registro e a valorização de aspectos do belo no meio
ambiente (com seus minerais e vegetais) ao criar pinturas, gravuras
e fotografias que exploram as diversas potencialidades dos materiais, lugares e características (físicas e gráficas) dos elementos
naturais.
Coleção Arte à primeira vista: um projeto editorial ...
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No terceiro volume da coleção, Gigante com flores – Leonilson,
apresentamos dezessete obras, priorizando a diversidade de procedimentos e linguagens: pinturas, bordados, objetos e instalações,
em um repertório autobiográfico que se revela por meio dos escritos
em suas obras. Em alguns de seus trabalhos, a delicadeza da matéria
e do resultado visual se contrapõe às duras constatações de sua vida
diante da morte.
O olho e o lugar – Regina Silveira, quarto título publicado, foi
construído com a participação da artista, que contribuiu com a escolha de quatorze obras que mostram parte de sua vasta produção.
Regina explora diferentes caminhos no que se refere a uma prática
que faz uso de diversos suportes, desde o desenho e a gravura, até
a construção de espaços e ambientes que nos envolvem como parte
integrante de um lugar irreal, alterando a relação entre corpo/
espaço. Desta maneira, destacamos nesse volume, os trabalhos que
priorizam as diferentes formas que a artista desenvolveu para
interferir nos espaços, apresentando aos leitores outras maneiras
de pensar a arte e o nosso lugar diante dela.
Organização da informação
Os títulos da coleção são organizados em dois volumes complementares, contendo um livro sobre a produção do artista e o Caderno-ateliê, um volume com propostas de experimentação.
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O Livro
No livro, um conjunto de obras do artista reverenciado é apresentado ao leitor, que pode acompanhar o desenrolar de ideias,
processos, práticas e poéticas do artista, percorrendo dois aspectos
importantes:
• A evolução de conceitos e trabalhos, bem como as possíveis
relações entre as diferentes obras produzidas pelo artista (aspectos
da construção de sua poética);
• As diversas linguagens, materiais, processos e técnicas empregadas na realização das obras e as soluções formais encontradas pelos
artistas para a criação de trabalhos que suscitam pensamentos,
emoções e reflexões acerca do mundo, da vida e da própria arte.
A construção do texto
Integrando palavras e imagens, os textos, de estrutura e teor
literário e poético, buscam disparar leituras mais abertas das obras,
provocando o olhar, a busca e a descoberta da poética do artista.
Elaborados para provocar leituras que não apenas informem,
mas que favoreçam o contato com as obras de forma prazerosa, os
textos desencadeiam questionamentos e não oferecem respostas
limitadoras. Com isso, incitam a curiosidade dos leitores, favorecem
descobertas individuais e, principalmente, estimulam leituras
autônomas dos objetos artísticos.
Este contato busca estimular as zonas de desenvolvimento
proximal (VIGOTSKY, 1937), antecipando parte da experiência que
pode vir a ser retomada por leitores que tenham a oportunidade
de encontrar, posteriormente, algumas das obras em visitas a
exposições de arte.
Coleção Arte à primeira vista: um projeto editorial ...
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É importante esclarecermos que acreditamos que a leitura do
livro não substitui o contato com as obras originais. Entretanto,
para aqueles que não têm acesso às instituições culturais, a publicação pode se constituir em uma forma de mediação entre a arte e
o leitor.
Ao final de cada livro é apresentado um resumo biográfico
sobre o artista, com informações referentes à sua formação, ao
desenvolvimento de sua carreira artística e seu papel na história
da arte brasileira. Desta forma, pretendemos desmitificar a visão
mais popular e comum que circula entre os públicos de arte que
estão ainda em processos iniciais de formação: o artista como um
“gênio criador” (pensamento oriundo do Renascimento que se
perpetua no imaginário coletivo), inacessível, que “sofre todas as
dores do mundo com uma alma atormentada” (ideia bastante
difundida durante o Romantismo e as produções do século XIX),
cuja vida foi marcada por “fatos extraordinários”. Esta é uma visão
romantizada e muito distante da realidade contemporânea, embora
perpetuada na maioria das biografias sobre artistas de todos os
tempos, oferecidas aos públicos em formação.
A presença da biografia ao final do livro pode auxiliar o leitor
a fazer conexões entre a sua percepção da obra e a relação com a
vida do artista: se estudou – e onde, se ensinou, se viajou. Essas
informações auxiliam o leitor a contextualizar a relação entre a
vida e a obra do artista; enfatiza a concepção de que ser um artista
é uma escolha profissional e como tal exige dedicação, pesquisa e
comprometimento com o trabalho, um ofício de uma pessoa que
escolheu trabalhar criando obras artísticas que capazes de promover
reflexões acerca da vida, do mundo e da própria arte.
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Renata Sant’Anna e Valquíria Prates
O Caderno-ateliê
No Caderno-ateliê, as crianças podem experimentar, por meio
de exercícios e atividades diretamente ligados às pesquisas de
criação do artista em foco, às etapas de concepção e produção de
cada obra, num processo que as conduz a um aprofundamento
investigativo. Trata-se de proposições de atividades reflexivas a
partir da produção dos artistas, que se apresentam a título de
exercícios práticos e reflexivos, sempre enfatizando a distinção entre
o processo vivido pelo artista (ou seja, o que o artista fez) e a
atividade proposta pelas autoras. É importante salientar que o fato
de fazer ou reproduzir questionamentos presentes nas atividades
não é o que torna o leitor um artista – e nem seria esta a intenção.
Por isso, buscamos enfatizar que as atividades são experimentações
para aproximar os leitores dos “caminhos e escolhas” percorridos
pelo artista em suas investigações.
Os cadernos oferecem páginas em branco para que o leitor
possa continuar seus registros e projetos de arte de maneira
independente após experimentar as propostas apresentadas.
O caráter não consumível do livro e o teor das atividades
permitem que professores de escolas públicas e seus estudantes
possam realizar em conjunto todas as propostas sugeridas ainda
que a biblioteca local tenha apenas um volume dos títulos no acervo.
O Projeto gráfico
Nossa compreensão de livro de arte para crianças se baseia em
pesquisas e na exploração e conhecimento de vários volumes produzidos em diferentes países, com propostas bastante diferentes
entre si. A partir da análise de coleções e volumes que se propõe a
Coleção Arte à primeira vista: um projeto editorial ...
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apresentar as artes visuais para crianças, criamos uma coleção que
se difere prioritariamente na maneira pela qual apresentamos a vida
e obra dos artistas selecionados. Para que nossa proposta não
esbarrasse em diferentes maneiras de pensar o livro como “um objeto integrado por texto e imagem”, pensamos o design do livro “como imagem” e como relações espaciais entre leitor e obra. Para isso,
além do texto literário, construímos projetos gráficos que estejam
alinhados de forma coerente com a produção de cada artista.
Desta maneira, o design de cada título considera as escolhas
formais dos artistas, seus processos e procedimentos plásticos.
Após a leitura do texto e da pré-seleção das obras, as autoras
realizam os ajustes entre forma e conteúdo na busca da criação de
projetos que sugiram ritmos de leitura, associações de imagens e
interpretações possíveis entre leitor, texto e imagens e, principalmente, entre a produção do artista e o suporte livro. A escolha de
papéis, formatos de páginas, cores, obras e cortes nos livros é
realizada a partir de um estímulo ou de uma necessidade imposta
pelas formas de abordar a obra do artista ou seu processo de
investigação, evitando o uso de recursos gráficos ou de design
desvinculados de propostas de leitura, apenas pelo mero efeito que
poderiam causar. Todas as escolhas estão vinculadas ao trabalho
do artista/título.
Podemos citar, a seguir, como exemplos mais concretos destas
escolhas, alguns recursos que marcam cada uma das obras.
Em Lygia Clark – linhas vivas, escolhemos uma das esculturas
da série Bicho para a capa do título. O verniz sobre determinadas
partes da obra sugere movimento e projeção de partes da obra.
Dentro do livro, temos em uma das páginas duplas centrais uma
série de dobras e deslocamentos de texto, que promovem a
exploração da página de papel, evocando os movimentos que o
público faz ao manipular os Bichos da artista.
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Renata Sant’Anna e Valquíria Prates
A textura áspera que marca a imagem da obra da capa, em
Frans Krajcberg – a obra que não queremos ver, remete os leitores
à textura de árvores ou galhos. O uso de papel reciclado está diretamente relacionado à postura ideológica do artista e seu comprometimento político de defesa da natureza, bem como o ciclo textual,
que tem início com um incêndio e termina com a imagem de uma
planta que brota num local coberto por cinzas, enfatizando o processo de criação de Frans, que utiliza materiais naturais sem vida,
em obras que ganham uma nova circulação na arte. Essas escolhas
trazem para as páginas do livro a intenção do artista de mostrar
que a arte pode transformar morte em vida.
Em Gigante com Flores – Leonilson, a capa de tecido listrado
tem como referência o material utilizado na obra que empresta
sentido ao título, apresentando aos leitores a sensação tátil que pode
ser evocada diversas vezes durante a leitura quando se apresentam
outros trabalhos realizados em diferentes tecidos. Além disso,
criamos uma tipografia com traços semelhantes aos bordados escritos pelo artista e valorizamos a costura dos cadernos do livro como
elemento significativo de determinados momentos da leitura, em
especial em uma das últimas páginas duplas da obra, em que as
linhas brancas constituem o elemento mais importante da composição e complementam, poeticamente, a leitura do texto “o tempo
passa, a linha escapa, o fio borda o fim”.
Para O olho e o lugar – Regina Silveira, a inspiração veio das
maquetes de instalações criadas pela artista. A sobrecapa em acetato
é parte de uma construção que se dá pelo ato de desdobrar as capas
de frente e verso, levantar a página dupla do meio da obra e nela
encaixar um suporte (que é também uma página dupla), construindo simultaneamente quatro simulações de maquetes das instalações
da artista. O modelo de um pequeno homem (“homem-escala”,
conforme define a artista) pode ser recortado, montado e colocado
Coleção Arte à primeira vista: um projeto editorial ...
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dentro dos espaços do livro, favorecendo a percepção do lugar do
corpo no espaço transformado pela intervenção da artista.
O livro Atravessura – Mira Schendel foi inspirado num livro
de imagens de Eva Furnari – Quem cochicha, o rabo espicha, que
oferece leituras simultâneas de dois cadernos brochura, unidos por
uma capa. O cuidado em separar obras de Mira do texto em duas
brochuras diferentes surgiu diante da percepção de que a obra da
artista, que inclui pequenos textos e letras, poderia ocasionar uma
confusão entre texto de artista e o texto do livro. Para enfatizar a
ocupação dos espaços, as transparências e a ênfase nos vazios da
obra de Mira, buscamos criar múltiplas possibilidades de leituras,
utilizando materiais comuns nos trabalhos da artista (como o papel
vegetal), que permitem ao leitor construir o texto ao virar a página.
O caderno com os textos explora as transparências, texturas do
papel e sentidos das construções textuais, tão presentes na obra de
Mira. As imagens das obras estão dispostas em famílias de trabalhos
nas páginas duplas da segunda brochura. Com essa separação,
oferecemos ao leitor uma nova configuração da relação entre texto
e imagem e a construção de uma nova leitura a partir da combinação
das páginas duplas dos dois cadernos.
O livro Entre – Geraldo de Barros se apresenta como uma
sanfona, em branco e preto, com as obras de duas importantes séries
do artista: Sobras e Fotoformas. O uso do formato sanfona foi
inspirado na maneira como a artista Kveta Pakovska construiu
livros em que o leitor poderia montar um espaço para entrar, levando ao extremo a ideia de que os livros ilustrados são de fato a primeira galeria que as crianças acessam. Desta forma, o livro se torna
uma espécie de maquete de um espaço expositivo: suas páginas se
desdobram em pequenos painéis onde as obras seguem uma sequência de leitura sem ordem definida, possibilitando ao leitor uma nova
construção desse espaço entre obra e texto poético. Para compor o
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Renata Sant’Anna e Valquíria Prates
volume, elaboramos uma sobrecapa que se transforma em uma
câmera escura de papel com a qual o leitor poderá explorar os
fenômenos óticos de inversão e projeção, experimentando ainda
os processos de composição e enquadramento da imagem
fotográfica.
As ações formadoras
A partir de nossas constatações em relação às dificuldades do
ensino da arte contemporânea, consideramos que, para o livro se
constituir em um elemento de aproximação entre a produção
artística atual e o leitor, é importante que sejam realizadas ações
formadoras para professores, educadores e bibliotecários, oferecendo cursos e oficinas com o objetivo de familiarizá-los com os
temas, conceitos e propostas da arte contemporânea brasileira.
Para tanto, as autoras têm promovido cursos em museus e
workshops em feiras literárias em diversas cidades brasileiras,
apresentando a Coleção Arte à primeira vista e a importância do
ensino da arte contemporânea nas escolas. Nesses encontros, são
apresentadas informações sobre as transformações dos conceitos
de arte do século XX, as diferentes formas de produção e apresentação dos trabalhos, as mudanças no papel dos artistas na sociedade
e na participação do espectador. O curso apresenta um quadro
teórico sobre essas mudanças por meio de aulas expositivas,
exibição de vídeos sobre as obras dos artistas e realização de
exercícios de observação e discussão sobre as obras, acompanhados
de atividades práticas.
Além dos cursos de formação em diversas instituições, as
autoras criaram um programa de exposições especialmente organizadas para o público infantil e juvenil com o intuito de divulgar o
Coleção Arte à primeira vista: um projeto editorial ...
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trabalho dos artistas títulos dos livros em mostras monográficas
ou coletivas, exibindo suas obras em várias cidades do interior de
São Paulo: Araraquara, São Carlos, Sorocaba; e de outros estados:
Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza e Salvador.
Assim, unindo livro e caderno nas mãos das crianças e pais;
realizando encontros de formação de professores, educadores e
bibliotecários; circulando a obra dos artistas por meio das
exposições itinerantes e promovendo a discussão sobre a importância do livro de arte para crianças nas publicações do site do
programa (www.arteaprimeiravista.com.br); pretendemos convidar
todos os leitores para “um primeiro olhar para a arte contemporânea”, acreditando que introduzir as crianças no universo das artes
pode garantir sua presença na construção de um mundo que
reconhece, na cultura, a fonte de seus valores essenciais.
Referências bibliográficas
HOUSEN, Abigail. The Eye of the Beholder: Measuring Aesthetic
Development. Harvard: Ed.D. Diss., Harvard University, 1983.
HUNT, Peter. Crítica Teoria e Literatura Infantil. São Paulo: Cosac Naify,
2010.
LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro-ilustrado. São Paulo: Cosac
Naify, 2010
SANT’ANNA, Renata. Páginas de história: a criança, o livro e a arte.
Dissertação de Mestrado em Artes Visuais – Programa de Pós
Graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo. São Paulo, Brasil, 2000.
SCOTT, Carole e NIKOLAJEVA, Maria. Livro ilustrado:palavras e
imagens. São Paulo. Ed. CosacNaify, 2011.
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Renata Sant’Anna e Valquíria Prates
TEIXEIRA, Valquíria Prates. Acessibilidade como fator de equiparação
de oportunidades na conquista do direito universal à Educação.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós Graduação
da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo,
Brasil, 2008.
VIGOTSKY, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:
Ed. Martins Fontes, 2001.
YENAWINE, Philip & Housen, Abigail, Nancy Lee Miller. Reports on
Audience Research 1991-1993. New York: Museum of Modern Art,
1993.
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Estruturação do Self de Lygia Clark:
território ambíguo
EDUARDO AUGUSTO ALVES DE ALMEIDA*
ELIANE DIAS DE CASTRO**
Fazia apenas dois anos que a artista Lygia Clark retornara em
definitivo ao Brasil, após sua terceira e mais prolongada temporada
na França.1 Neste último período, entre outras atividades, ministrou
aulas na Faculdade Saint Charles da Sorbonne, Paris. Naquele contexto, sua obra passou por transformações profundas, culminando
numa relação estética bastante peculiar com o “participante”,
conforme ela chamava o público de suas proposições artísticas, que
em breve seria rebatizado de “cliente”. Tais transformações não
foram premeditadas, mas consequência do próprio processo criativo, conforme explica:
** Especialista em História da Arte, mestrando do Programa Interunidades
de Pós-Graduação em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo
(PGEHA/USP).
** Docente do Curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina
da USP e orientadora do Programa Interunidades de Pós-Graduação em Estética
e História da Arte da Universidade de São Paulo (PGEHA/USP). Ensina e pesquisa
temas relacionados ao corpo, a arte e ações na interface arte, saúde e cultura, e
desenvolve projetos de arte e cultura com populações em situação de
vulnerabilidade social.
1. Lygia Clark viveu em Paris entre 1950 e 1952, durante um breve período
em 1964 e, por fim, entre 1968 e 1976.
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Eduardo A. Alves de Almeida e Eliane Dias de Castro
Na primeira aula eu tive uma só aluna inscrita. Na semana seguinte, eu tinha cinco. Dez dias depois, eu já tinha vinte, trinta e foi
aumentando, quarenta... No final eu tinha a Sorbonne inteira. [...]
Notei que com o tempo começaram a acontecer coisas [...], houve
no grupo uma transformação pessoal muito intensa e regressões
[...]. Então eu vi que realmente era uma terapia de grupo o que eu
estava propondo e fazendo; eu não sabia que era uma terapia, mas
o descobri. [...] A experiência era muito profunda porque se repetia
várias vezes e todo mundo criava junto. [...] Minha pintura estando
acabada, o corpo entrou e substituiu a obra de arte. [...] Minha
proposta de trabalho começou criativa, como sempre foi. Continua
criativa e agora é terapêutica. As duas coisas... (CLARK, 2006, p.
59).
Ao regressar ao Brasil, em 1976, aquela experiência em grupo
se viu num contexto diferente das aulas na universidade e precisou
se readequar. Em pleno regime ditatorial, Lygia Clark encontrou
diversos amigos sob pressões vivenciadas nos âmbitos da macro e
da micropolítica – alguns deles, inclusive, em tratamento psiquiátrico.2 Porque a ação macropolítica incide sobre a realidade visível
e dizível percebida pela coletividade. Sua concepção está ampliada
de modo a abranger o contexto social, em que os indivíduos se encontram, suas relações e tensões compartilhadas – pensando sempre
num sujeito singular (individualidade) compartilhando e sendo
compartilhado num conjunto (coletividade).
2. Numa carta de outubro de 1970, Hélio Oiticica já a alertava: “Fora do
Brasil pensa-se somente em matar saudades, etc., mas é que o tempo passa e a burrice-opressão aumenta. Muitos amigos de Caê [Caetano Veloso] e [Gilberto] Gil,
meus, etc., uns se mandaram, outros presos, outros loucos, internados; é horrível
tudo isso, somado ao folclore local! Rogério Duarte, a quem amo demais, ficou
atacado e pediu-me que desse solução: fez tratamento [no hospital psiquiátrico
Pedro II] em Engenho de Dentro durante duas semanas.” (CLARK, 1998, p.174)
Estruturação do Self de Lygia Clark: território ambíguo
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São relações de dominação, opressão e/ou exploração onde a vida
daqueles que se encontram no polo dominado tem sua potência
diminuída por se converterem em objeto instrumentalizado daqueles que se encontram no polo dominante. A ação macropolítica
inscreve-se no coração desses conflitos, num combate por uma
redistribuição de agenciamentos e lugares, visando uma configuração social mais justa (ROLNIK, 2008).
A ação micropolítica, por sua vez, incide sobre a realidade invisível e indizível, apreendida de maneira subjetiva. Diz respeito à
presença do outro e à maneira como ela afeta os corpos; aos colapsos de sentido; às crises de subjetividade, que muitas vezes buscam
na arte um meio de expressão.
Do lado da macropolítica, estamos diante das tensões dos conflitos
no plano da cartografia do real visível e dizível (plano das estratificações que delimitam sujeitos, objetos e suas representações);
do lado da micropolítica, estamos diante das tensões entre esse
plano e o que já se anuncia no diagrama do real sensível, invisível
e indizível (plano de fluxos, intensidades, sensações e devires). O
primeiro tipo de tensão é acessado sobretudo pela percepção e o
segundo pela sensação (ROLNIK, 2008).
Portanto, a mesma questão incide macro e micropoliticamente
sobre o sujeito. São diferentes faces de uma tensão cuja origem se
encontra no exterior e que repercute na interioridade; realidade
compartilhada que afeta a realidade sensível e singular do corpo.
São diferentes camadas perceptíveis do mundo em que se está posto
– no qual somos sujeitos e sujeitados. São políticas ambíguas, porque se diferem ao mesmo tempo em que se confundem e se complementam; porque permitem que a mesma dada realidade produza
polissemias.
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Eduardo A. Alves de Almeida e Eliane Dias de Castro
Esse campo de tensões requer a instauração de um novo espaço
cultural. Ainda que Lygia Clark não se posicionasse a priori contra
as instituições artísticas,3 o desenvolvimento de seu trabalho na
direção do campo terapêutico revela certa insuficiência dos museus
e galerias como lugares de mediação para a prática da Estruturação
do Self. Esta, assim como uma terapia propriamente dita, ocorria na
forma de sessões de uma hora de duração, três vezes por semana,
compostas por uma sequência de experiências que tentava dar conta
de todo o corpo do cliente. A artista chamava carinhosamente de
“consultório” o espaço criado em seu apartamento para a prática da
Estruturação do Self (WANDERLEY, 2002, p. 22), sistematização de
método terapêutico (CLARK, 1980, p. 51) com que trabalhou nos
seus últimos dez anos de vida, entre 1978 e 1988. Para ela, “o processo se torna terapêutico pela regularidade das sessões, que possibilita a elaboração progressiva da fantasmática4 provocada pelas
potencialidades dos ‘objetos relacionais’.” (CLARK, 1980, p. 50)
3. Em 1971, ela comenta com Hélio Oiticica: “Não é que eu seja contra
galerias, não sou a priori contra nada. Não quero criar nova elite. [...] Quero é
gente, não importa cor, idade, nacionalidade, estado de sanidade mental,
burgueses, proletários, crianças, não importa, eu quero é gente e gente é que é
importante, o sistema que se foda!” (CLARK, 1998, p. 213)
4. Os fantasmas que assombram o corpo são pré-conceitos – noções préconcebidas, redutoras, cegantes – que o impedem de se relacionar com o mundo
sensível, diminuindo ou mesmo frustrando a manifestação de certa potência poética. Suely Rolnik explica que o termo “fantasmática” é uma tradução “do conceito freudiano de phantasie em alemão. Tal conceito é suscetível de um amplo e
variado emprego em psicanálise. A contribuição mais interessante de Lygia Clark
a este respeito é a ideia que ela formula já nos anos 1970 de uma fantasmática
‘do corpo’ (além da proposta que consiste em elaborá-la no próprio corpo). Assinalemos aqui que a artista teve a coragem e a liberdade de propor esta concepção
no contexto da psicanálise francesa daquela década, que corresponde ao auge
do lacanismo na França, fenômeno que teve com um de seus efeitos negativos o
Estruturação do Self de Lygia Clark: território ambíguo
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É curioso observar que, nessa fenda surgida entre as instituições
culturais e as clínicas tradicionais – entre museus, consultórios, hospitais psiquiátricos, galerias e universidades –, tenha se desenvolvido
um novo lugar, criado pela artista em seu próprio apartamento no
Rio de Janeiro, onde as sessões poderiam se realizar de maneira
apropriada. Uma experiência que, resumidamente, tratava de sensibilizar o corpo dos participantes – agora chamados de “clientes” –
por meio do toque de Objetos Relacionais. Pois, segundo Lygia,
[...] ao manipular o ‘objeto relacional’ o sujeito vive uma linguagem
pré-verbal. O ‘objeto relacional’ toca diretamente o núcleo psicótico do sujeito, contribuindo para a formação do ego, este digerido,
metabolizado e transformado em equação simbólica. (C LARK,
1980, p. 50)
Mais curioso ainda é perceber que essa vontade de se posicionar
na fenda aberta entre territórios já estabelecidos – e de forçá-la a
se expandir para outras possibilidades criativas – já estava presente
no trabalho de Lygia Clark desde suas pinturas neoconcretas, na
década de 1950. Naquele momento, ela descobre a “linha orgânica”, ou seja, esse espaço potencial (e relacional) localizado entre
os planos das figuras geométricas que viria a se evidenciar anos
depois. Espaço que, ao invés de ser fabricado na mente do espectador, precisava ser penetrado e vivenciado como um organismo
(CLARK, 1954).
Sabemos que cada maneira de localizar a obra de arte é também
uma maneira de produzir discurso a respeito dela. Michel Foucault
nos ajuda a entender esse extenso campo de análise com a
fato de tornar grande parte do meio psicanalítico local inteiramente refratário,
senão hostil, à questão do corpo e à sua comunicação intensiva.” (ROLNIK, 2005,
nota 40)
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Eduardo A. Alves de Almeida e Eliane Dias de Castro
conferência “De Outros Espaços”, proferida em 1967, na qual
propõe a apreensão do mundo por meio de pontos de intersecção,
constituintes de uma grande rede, na qual tudo está, de alguma
maneira, conectado e presente simultaneamente. O filósofo envereda pelo que denomina “utopias” (espaços fundamentalmente
irreais) e “heterotopias”. Estas nos interessam em especial, por
serem definidas como “espécies de utopias realizadas nas quais
todos os outros sítios reais dessa dada cultura podem ser encontrados, e nas quais são, simultaneamente, representadas, contestadas e invertidas.” (FOUCAULT, 1967)
Estar deslocado da realidade comum, participando dela ao
mesmo tempo em que a entrevê de maneira crítica, é algo que
Giorgio Agamben (2009) classificará como comportamento próprio
do pensamento contemporâneo, ajudando-nos a localizar a obra de
Lygia Clark num espaço-tempo não exatamente determinado. Por
ora, convém perceber que Foucault designa este espaço-tempo como
um lugar de “nenhures”, que na tradução portuguesa se contrapõe
a “algures”. Transferindo esses conceitos, de modo que o significado
proposto fique mais evidente, podemos chamar “algures” de
“algum lugar” e “nenhures” de “lugar algum”. A inversão dos
termos parece bastante pertinente. Porque não se trata, em qualquer
um dos casos, de um “lugar nenhum”; ambos são lugares em que os
estímulos do mundo podem ser localizados, sejam eles uma proposição artística, um espelho (exemplo citado pelo autor) ou outra
situação semelhante. Em suma, são espaços/formas de existência.
A ideia de heterotopia, e de seus cinco princípios,5 permite
perceber a posição delicada da Estruturação do Self nos diferentes
contextos que poderiam acolhê-la. Porque o lugar heterotópico se
5. Michel Foucault (1967) propõe uma descrição sistemática das heterotopias, que chamou de heterotopologia, dividida em cinco princípios. O primeiro
Estruturação do Self de Lygia Clark: território ambíguo
| 283
localiza fora de todos os lugares, apesar de podermos apontar sua
posição na realidade – é, portanto, diferente dos lugares que reflete
e discute (FOUCAULT, 1967); porém, se mantém dentro de uma
relação com eles. Um lugar de inversão. O que nos é caro, justamente, é perceber que a Estruturação do Self, como obra de arte,
não é exatamente uma obra de arte; como terapia, não é exatamente
uma terapia; disposta num ateliê/consultório que não é exatamente
ateliê ou consultório, e assim por diante. Esse sutil deslocamento
do lugar exato vale para tudo que a envolve. Desse modo, pode-se
refletir criticamente a imagem que nela se imprime, exercendo um
tipo de ação contrária à posição que ocupa.
Em suma, a Estruturação do Self pode ser localizada em diversos territórios: arte contemporânea, ditadura militar brasileira,
apartamento da artista no Rio de Janeiro (ateliê/consultório), Casa
princípio afirma que não há cultura no mundo que deixe de criar suas heterotopias, podendo ser classificadas em duas categorias: de crise (lugares privilegiados,
sagrados ou proibidos, aonde recorrer nos referidos casos) e de desvio (locais
onde são colocados os indivíduos que se afastam do padrão social vigente). De
acordo com o segundo princípio, cada heterotopia tem uma função determinada
na sociedade em que se insere, e essa função pode variar no caso de uma transposição para outra sociedade, em acordo sincrônico com a cultura. O terceiro
princípio diz que a heterotopia consegue sobrepor, num só espaço real, diversos
espaços que por si mesmos seriam incompatíveis (em nosso caso, por exemplo,
temos a arte, a clínica e o museu). O quarto princípio tem relação com o tempo
e se aproxima de certo conceito de contemporaneidade, para o qual o auge funcional de uma dada heterotopia só é alcançado quando o homem rompe com a sua
tradição temporal. Foucault também trata dos tempos acumulados em museus e
bibliotecas, assim como os tempos fugazes que dão outro sentido à própria ideia
de tempo. Por fim, em seu quinto princípio, as heterotopias pressupõem um sistema de abertura e encerramento que as torna tanto herméticas como penetráveis,
num halo de ambiguidade. É o caso da Estruturação do Self, que se mostra aberta
ao público, embora as pessoas escolhidas passem pelo crivo da artista, de modo
que essa abertura é relativa.
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Eduardo A. Alves de Almeida e Eliane Dias de Castro
das Palmeiras6 e Espaço Aberto ao Tempo7 (clínicas), museus ou
centros culturais, memória (como nas entrevistas realizadas por
Suely Rolnik ou nos relatos de caso que a artista registrava em
diários), crítica (produção subsequente) e assim por diante. São
lugares – ou camadas diferentes de um mesmo lugar – de ativação
da obra que convivem ao mesmo tempo em que se distinguem, numa
ambiguidade única. Cada um concede a ela um significado particular, um tipo de abordagem, uma possibilidade de relação e experimentação. A proposição habita esses lugares e, quando está posta,
os lugares também a habitam, transformando-a. Porque, conforme
explica Foucault, “a heterotopia consegue sobrepor, num só espaço
real, vários espaços que por si só seriam incompatíveis” (1967).
Os lugares coexistem, ou seja, a Estruturação do Self não ocupa
um por vez, mas todos ao mesmo instante, onipresente; somos nós
6. Devido ao alto número de reinternações em hospitais psiquiátricos na
época, com média de 17 a cada 25 doentes, a Dra. Nise da Silveira idealizou
“uma instituição que funcionasse como espécie de ponte entre o hospital e a vida
na sociedade”, conforme ela própria explica (2008, p. 211). A Casa das Palmeiras
foi inaugurada em 23 de dezembro de 1956. “Representava um degrau
intermediário entre a rotina do sistema hospitalar, desindividualizada, e a vida
na sociedade e na família, com seus inevitáveis e múltiplos problemas, onde a
aceitação de egresso não se faz sem dificuldades.” (SILVEIRA, 2008, p. 214)
7. Lula Wanderley conduz há muitos anos a experiência denominada Espaço
Aberto ao Tempo nas instalações de uma antiga enfermaria do hospital Pedro II,
no Rio de Janeiro. Seu objetivo é instaurar um dispositivo terapêutico de acolhida
e afeto, que se transforma continuamente de acordo com as necessidades dos
frequentadores. Nessa experiência sem estrutura teórica definida, a noção de criatividade, prazer e alegria operam como fatores de crescimento, e não há figura
de um líder coordenando e centralizando os processos, todavia “uma unidade
subjacente está permanentemente sendo construída pelo livre movimento dos
afetos: um corpo coletivo” (WANDERLEY, 2002, p. 149). Detalhes podem ser encontrados no livro escrito pelo próprio psiquiatra, que possui um capítulo dedicado
ao Espaço (WANDERLEY, 2002, p. 139-150).
Estruturação do Self de Lygia Clark: território ambíguo
| 285
que lidamos com a individualidade deles, porque é assim que somos
capacitados; alguns lugares são ocupados ativamente, fisicamente,
outros em forma de história ou potência.
No caso específico do apartamento da artista, onde a prática
se desenvolveu e onde foi realizada até 1988, uma série de questões
éticas e estéticas são postas em discussão.8 Uma das mais interessantes é, justamente, a própria necessidade de se criar um novo
espaço de mediação para a arte. Espaço este que não serve para
todas as propostas contemporâneas, mas somente para uma experiência específica, que se realiza por meio de um tipo de relação
específica com um público também específico, numa situação
determinada. Porque é próprio do contemporâneo exigir sempre
uma reinvenção dos conceitos que tentam apreendê-lo. É também
próprio deste manifestar não uma teoria geral, mas fragmentos
críticos que deem conta de poéticas singulares.
Sabemos que, de acordo com o segundo princípio das heterotopias, deslocar deve implicar uma resignificação. Mesmo um
deslocamento no tempo, ou seja, a cada vez que a Estruturação do
Self assume nova posição, ela assume também outra função. Porque
uma sociedade,
[...] à medida que a sua história se desenvolve, pode atribuir a uma
heterotopia existente uma função diversa da original; cada heterotopia tem uma função determinada e precisa na sua sociedade,
8. É válido esclarecer que não foi apenas naquele apartamento que a
Estruturação do Self se realizou. Na época, a sistematização de método terapêutico
criada por Lygia Clark já era utilizada em instituições psiquiátricas como a Casa
das Palmeiras e, depois, o Espaço Aberto ao Tempo. A artista incentivava tais
expansões e até mesmo treinava pessoas para realizá-las (BORJA-VILLEL, 1997,
p. 336), chegando a afirmar que achava mais importante quando lidavam com
“psicóticos de ambulatório” (CLARK, 2006, p. 60).
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Eduardo A. Alves de Almeida e Eliane Dias de Castro
e essa mesma heterotopia pode, de acordo sincrônico com a cultura
em que se insere, assumir outra função qualquer. (FOUCAULT, 1967)
Tanto que a Estruturação do Self manifesta um apelo poético
próprio quando realizada no apartamento de Lygia Clark diferente
da postura psiquiátrica assumida quando levada à clínica. Do
mesmo modo, não é absurdo imaginar que, se por acaso a proposição se fizer possível num centro cultural – considerando-se a continuidade do processo que lhe é inerente, entre outras características
–, ela revelará um novo aspecto, como se assumisse uma nova
personalidade ou se comportasse de maneira diversa – maneira esta
que hoje adormece em sentido potencial. Porque o contexto transforma a obra, assim como a obra deverá transformá-lo.
Mais importante talvez seja o fato de que essa percepção do
contexto somente é possível, quando proposição, transportada para
ele, perturba sua estrutura original e revela características até então
ocultas, porém existentes, essencialmente. Fica claro também que,
de acordo com esse ponto de vista, a obra jamais se esgota.
Maria Alice Milliet também observou certa heterotopia em
Lygia Clark, quando escreve que ela abandona a arte para encontrar
um novo lugar, que depois será reapropriado e receberá a mesma
denominação de arte. Quer dizer, o “não lugar” de que fala é justamente um novo lugar – ainda em formação – da arte mesma. Nesse
sentido, ela fundamenta um território. Da utopia à atopia para,
enfim, a chegar a um tipo de heterotopia:
Levada pelo inconformismo, [Lygia Clark] abandona a arte na tentativa de encontrar uma expressão coincidente com o que de mais
íntimo e entranhado há no homem – esta a grande utopia – e que
escapa ao discurso. Nessa busca, seu recurso é o deslocamento,
portanto uma atopia, um não-lugar porque se trata de uma deriva.
Ainda assim, sua trajetória é referida como coerente, o que se deve
Estruturação do Self de Lygia Clark: território ambíguo
| 287
à transferência de conhecimento de um estágio para outro, de uma
área para outra. (MILLIET, 1992, p. 179)
Por fim, resta saber que os lugares da heterotopia não são abertos à visitação indiferente. É possível caminhar pela arte contemporânea – imagine-se no pavilhão da Bienal de São Paulo – sem
participar efetivamente dela, sem compartilhar das suas propostas,
sem perceber as constelações que se formam naquele espaço – em
princípio – infinito, caótico e expansivo. Caminhar por ela não significa participar nem ativar seus trabalhos. Está além de “entendêlos”, no sentido lógico do termo. No geral, a arte contemporânea
exige uma participação ativa estabelecida por entrega, abertura e
troca. São dispositivos que, portanto, exigem disposição e
disponibilidade.
Quando nos referimos à Estruturação do Self, essa participação
se torna ainda mais complexa. Afinal, a obra se coloca aberta à
interpretação do público ao mesmo tempo em que se restringe aos
poucos escolhidos da artista e durante o tempo que ela determinar.
“Se à primeira vista pareçam ser aberturas, servem de forma velada
a curiosas exclusões”, escreve Michel Foucault (1967) a respeito
de determinadas heterotopias. Porque elas “pressupõem um sistema
de abertura e encerramento que as torna tanto herméticas como
penetráveis.”
Podemos repensar essa abertura, agora distanciados no tempo
e no espaço, habitando outra política e outra estética – ainda que
estejamos sob as sombras do contemporâneo, tanto nós quanto a
Estruturação do Self, contemporâneos de Brasil e de tudo mais que
parecer conveniente. A obra está e não está num lugar, assim como
nós estamos e não estamos; todos envolvidos por uma rede de relações cujas intersecções convivem sem serem necessariamente vistas
ou apreendidas. Mais do que uma rede, um universo, um campo
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Eduardo A. Alves de Almeida e Eliane Dias de Castro
de três dimensões em que se penetra para participar. Pois, “no momento em que o artista é cada vez mais digerido pela sociedade em
dissolução, lhe resta, na medida de seus meios, tentar inocular uma
nova maneira de viver”, diz Lygia Clark (1980, p. 37). O trabalho
se coloca à disposição nesse território indefinido, que só podemos
habitar quando definimos o nosso próprio lugar, no sentido de que
ser significa estar. De modo que o espelho fique diante de nós e nos
permita vislumbrar toda a realidade ao redor por meio de um novo
olhar, de outro ponto de vista; realidade que, num lampejo de ficção,
parecerá um tanto quanto diferente.
Referências bibliográficas
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Trad.:
Vinicius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2009.
BORJA-VILLEL, Manuel J. (org.). Lygia Clark. Catálogo da exposição
organizada pela Fundació Antoni Tàpies, Espanha (21 de outubro a
21 de dezembro de 1997), que excursionou por Marselha, Porto e
Bruxelas no ano seguinte. Curadoria de Manuel J. Borja-Villel.
Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 1997.
CLARK, Lygia. A descoberta da linha orgânica. 1954. Disponível em: <
http://www.lygiaclark.org.br/arquivo_detPT.asp?idarquivo=6 >.
Acesso em: 16 set. 2013.
. Encontro de Lygia Clark com psicoterapeutas (entrevista). In:
DISERENS, Corinne; ROLNIK, Suely (org.). Lygia Clark: da obra
ao acontecimento. Somos o molde. A você cabe o sopro. São Paulo:
Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2006.
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. Lygia Clark – Helio Oiticica: Cartas, 1964-74. Rio de Janeiro:
UFRJ, 1998.
Estruturação do Self de Lygia Clark: território ambíguo
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FOUCAULT, Michel. De outros espaços (1967). Disponível em:
<www.virose.pt/vector/periferia/foucault_pt.html>. Acesso em: 11
nov. 2012. Texto para palestra.
MILLIET, Maria Alice. Lygia Clark: Obra-Trajeto. São Paulo: EDUSP,
1992.
ROLNIK, Suely. Desentranhando futuros. Com Ciência, 10 jun. 2008.
Disponível em: < http://www.comciencia.br/comciencia/?section=
8&edicao=36&id=423 >. Acesso em: 19 out. 2012.
. Lygia Clark, do Objeto ao Acontecimento: Projeto de Ativação
de 26 Anos de Experimentações Corporais (série de 65 entrevistas
realizadas desde 2002, que teve uma parte exibida na Pinacoteca do
Estado de São Paulo em 2006 e também publicada junto com um
livreto sob o título de Arquivo para uma Obra-Acontecimento). São
Paulo: SESC, 2012. 20 DVDs.
. Uma terapêutica para tempos desprovidos de poesia (2005).
Disponível em: <www.pucsp.br/nucleodesubjetividade>. Acesso em:
fevereiro de 2011.
SILVEIRA, Nise. Que é a Casa das Palmeiras (1986). In: FERREIRA,
Martha Pires (org.). Senhora das imagens internas: escritos dispersos
de Nise da Silveira. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional,
2008.
WANDERLEY, Lula. O dragão pousou no espaço: arte contemporânea,
sofrimento psíquico e o Objeto Relacional de Lygia Clark. Rio de
Janeiro: Rocco, 2002.
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Espaços expositivos e mediação:
Experiências possíveis
CAROLINE MOREIRA BACURAU*
JANEDALVA PONTES GONDIM**
Arte contemporânea: instaurando novos
espaços expositivos
Tudo pode ser... Temos uma certeza apenas: há que
haver disposição para o encontro com a obra! Vale
dizer, há que haver o desejo, muitas vezes a coragem,
de ficar frente a frente com a obra, pois, ao ficar
diante da obra, pode acontecer a experiência da
alteridade: eu encontro o outro e recebo sua
diferença, e, então, encontro-me comigo mesmo.
(LEITE; OSTETTO, 2010, p. 15)
Enraizada na vida coletiva e individual do ser humano, a arte
contemporânea se mostra polimorfa e digna de títulos como
** Concluinte do curso de Artes Visuais e professora de Artes do Ensino
Fundamental I. Atuou como mediadora educativa de exposições do SESC-Petrolina, fez parte de grupo de estudos sobre Arte, Educação e Infância, atuando também, em projeto de extensão na área. Atualmente, estagia na Diretoria de Arte,
Cultura e Ações Comunitárias da Universidade Federal do Vale do São Francisco.
** Doutoranda em Sociologia. Mestre em Educação. Professora do Colegiado do Curso de Artes Visuais. Desenvolveu projetos de pesquisa e extensão a
partir das discussões sobre Arte, Educação e Infância.
292
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Caroline Moreira Bacurau e Janedalva Pontes Gondim
“100modelos”. É o que sugeriu Danto (2006), por exemplo, quando
a percebeu não como um período, mas como o que se sucedeu a
ausência de uma narrativa mestra, sendo mais um estilo de usar
estilos do que um estilo de se fazer arte. Transitando pelos caminhos
infinitos que a experiência humana permite, da contemplação e
êxtase até a repulsa, incompreensão ou indiferença, a arte parece
não mais ser comportada pelos tradicionais museus onde se costumava observar de longe o sacralizado objeto de arte.
Arte urbana, intervenções, performances e tantas outras linguagens, convidam o público a lapidar e construir em matéria e significados o que denominamos “arte”. Galerias populares, as ruas
passam a desmitificar o objeto de arte e o próprio artista, configurando também um novo olhar de recepção para o público.
Cada vez mais diluída no universo da cotidianidade, muitas
vezes é esquecida, não vista ou ignorada. A arte contemporânea
não se nega a ocupar e preencher galerias e museus, tão pouco receia
em recobrir muros, calçadas, praças e parques, seja como materialização efêmera de uma performancel, seja como marca agredida
pelas intempéries em grafites e demais intervenções urbanas.
Para Piacentini e Fantin (2010), a obra de arte mobiliza o ser
humano em virtude dos sentidos provocados no seu confronto com
o público: o que diz respeito à necessidade que temos de compreender o que está a nossa volta; o que faz parte de nossas experiências
de vida como seres singulares, únicos.
Outra situação da híbrida produção contemporânea, apontada
por Cauquelin (2005), é que mesma, apesar do aumento na produção de obras de arte, criação de museus e galerias, mantém-se
tão afastada do público, levando a interpretações como a sensação
coletiva de inadequação ou desapropriação do mundo da arte. A
autora ainda sugere que uma possível explicação para esse panorama por conta de tal produção ser mal apreendida pelo público,
ersitário é permeado por trânsito de alunos e
aspecto está presente também nos municípios
Petrolina/PE. Embora em Estados diferentes,
cterística de “espaços de passagem”, seja pela
as instituições de nível superior e técnico, seja
s de trabalho que a região apresenta, configumanos que saem, chegam ou permanecem.
Petrolina/PE se configuram como cidades irmãs
aço, sendo separadas pelas margens do rio São
xto escolhido, então, foi esse: lugar (ou lugares)
gráficos se estabelecem pelo fluxo dinâmico de
enta uma confluência cultural que, mais do que
sertão de Pernambuco e da Bahia, faz emergir
epções acerca de Juazeiro/Petrolina”
e Brito, sob orientação da professora Janedalva
colaboração do professor Ricardo Guimarães.
se configurou como a comunidade universitária
os administrativos, professores e alunos), bem
olas das redes municipais e estaduais, associações
comunitários, além de outros agentes da comustraram interesse.
exposição no campus da UNIVASF possibilitou
entarem a prática educativa que permeia os espaoferecer um novo viés para que a Universidade
comunidade.
mesmo que seja incitado a considerá-la um elem
à sua integração na sociedade.
Vidal (2013), nesse sentido, afirma existir u
dos museus, ocasionado pela falta de investim
de público. A autora afirma que “o acesso a
culturais sempre foi quase que exclusivamente d
de maior poder aquisitivo” (2013, p. 30), fazend
ria da população ainda se sinta excluída desses
Parece-nos existir uma lacuna entre os esp
em discussão (galerias e museus) e a esfera educ
se os frequentadores desses espaços já possuísse
todos os meios necessários para usufruir dos a
união entre educação para as artes e cultura ain
nosso país, segundo Ana Mae Barbosa (2011). P
nhecimento da importância dos departament
museus de arte sofre resistência de críticos, curad
que não consideram esse espaço como educacion
sa forma, os educadores como profissionais de
Considerando que é perceptível a necessid
acesso do público às obras de arte expostas em mu
tros culturais, o que dizer então dos processos de
nos cenários onde os expectadores são tão certos c
como as ruas? Seria a arte disposta nos espaços
mediada pelas próprias circunstâncias em que se
Problematizar tais questões não nos levará
e cômodas para a educação em arte nesses espaç
como educadores e artistas, devemos pensar em
cício da significação dessas novas propostas, se
sa e Extensão, esses são os três pilares que sustenes. O ensino se dá principalmente nos processos
r da Instituição de Ensino Superior (IES). A
nte emerge durante o processo de ensino cullhos de conclusão ou, atrela-se a órgãos fomenextensão diz respeito aos diálogos travados entre
s: a universidade e a comunidade, buscando torinstituição promotoras de contribuições para a
como, tornar os espaços das IES interessantes e
sidade e a mediação educativa
culado à apreensão do objeto. Para eles, só aquilo
onceito pode nos agradar. Nesse sentido, o prazer
a aprendizagem que se daria pela familiaridade
r frente à arte.
artigo, visamos apresentar a proposta curatorial
volvidas na exposição “Olhares em Trânsito”,
vidade curricular da disciplina Prática de Ensino
III do curso de Artes Visuais da Universidade
São Francisco. Tal proposta expositiva foi conceocente do citado curso, sendo instalada não em
spaço expositivo, mas na área física do prédio do
o. Uma área ampla de trânsito de alunos e docenhavendo sido palco de pequenas mostras, ainda
matizada como galeria de Artes Visuais no tocancuratorial e educativo para o público visitante.
foi concebida visando atender às demandas da
em seu nome, o Vale do rio São Francisco. De
ser interestadual, ocupa atualmente as margens f
da Bahia, Pernambuco e Piauí e conta com 23 cu
rior e seis mestrados. Entre as graduações ofertad
ciaturas, ou seja, debruçam-se sobre a formaç
como é o caso do curso de Artes Visuais.
O curso de Artes Visuais está sendo ofertad
semestre de 2009, tendo como objetivo primor
dores na área, que possam atuar de forma críti
educacionais formais e não formais e que com
ricidade existente nas inter-relações entre Arte, C
Nesse sentido, percebemos que o amplo p
extrapola os muros e recortes físicos do espaço
se é inegável que escolas promovem a educaçã
lado inverdade que os processos educativos acont
delas.
A educação não formal é aquela transvestid
carrega em si outras estratégias e objetivos educ
portante que também seja planejada, embora
currículos e processos de avaliação mais rígidos
formal.
Acreditamos que a formação de um educad
necessidades desses variados espaços onde o pr
zagem acontece, no intuito de ampliar para al
suas possibilidades de construir conhecimentos
Dessa forma, entre 04 e 26 de abril de 2013
exposição temporária no interior do prédio d
, penso que estimular a problematização sobre
e sua criação de significados pode desenvolver a
sicionamento crítico de recepção; bem como,
ridade e interesse frente à extensa e variada
mporaneidade.
nga história onde a estética clássica cristalizou
utado no belo, requerendo avaliações no tocante
equilíbrio, simetria e proporções; para uma rica
s visuais hoje, esses critérios são insuficientes.
10), a partir do século XX, a arte sofre um esfamite a qualquer objeto ser denominado de obra
la intenção do artista, ao menos por sua intermínima. É necessário, assim, possibilitar âmbitos
ação, é necessário readequar o olhar para a época
arte propicia o desenvolvimento do pensamento
ercepção estética, que caracterizam um modo prór e dar sentido à experiência humana: o aluno
sensibilidade, percepção e imaginação, tanto ao
artísticas quanto na ação de apreciar e conhecer
uzidas por ele e pelos colegas, pela natureza e nas
ras. (BRASIL, 1997, p. 19)
ucação em artes não é formar artistas na escola,
exercício atento e crítico das produções de arte:
recendo a ruptura com uma fórmula passiva de
que se recebe a informação e não se constrói o
Pensar a arte contemporânea exige um olh
tizar diferenciado dos outros períodos da histó
ela visa romper com a conceituação que restring
tica à ação do artista somente ou à obra em si.
rimental, questionadora, desconstrutora de par
possibilidades de perspectivas interpretativas s
simbólico(s) que permeia os espaços geográficos
turais com suas múltiplas referências, trata-se de
e aberto de desconstrução e construção, de aná
Nesse sentido, a exposição “Olhares em Trâ
contemporânea como veículo consistente par
sujeitos a problematização desse(s) lugar(es), p
Conceito Curatorial: “Canteiro de obr
de caminhos, os trânsitos
entendendo que a forma como a temática
apreensões seria melhor “revelada” por um “mo
modelos.
Que olhares, sempre em trânsito, congel
percepções sobre esse lugar? Quais as possibili
tações emergem desse espaço? Que imagens, me
tornam esse lugar familiar para cada um de nós
ponder, buscamos deixar que essas questões se
em imagens e construções plásticas, permitind
um corpo abrangente de repertórios culturais s
Petrolina/PE.
mediação não se dá pontualmente no contato
cepção da obra, mas se inicia de forma sutil nas
entos e expectativas que se acumulam anteriorcom a exposição. Nesse sentido, cada indivíduo
a “lente” única de interpretação das obras que
posições do artista e das escolhas conceituais e
das pelo curador e mediador.
scurso da exposição, atuei como educadora, seja
ccionar estratégias para mediação, seja por atuar
s públicos durante as visitas. Por ser também
ofertar aos meus alunos do 5º ano do Ensino
a visita ao acervo durante as aulas semanais de
que a riqueza do contato com as obras seria fator
xpectativas que os alunos poderiam ter, na aula
rsidade, escola e exposição:
interseções mediativas
tes nesse objeto de estudo.
conceito da exposição “Olhares em Trânsito”,
ropriou-se de outras áreas do conhecimento para
– “canteiro de obras” e “trajetos/caminhos”;
lhares interpretativos (as percepções) se apresennte em construção dinâmica, munindo-se de
ste, presente tanto na arte contemporânea como
. Aproximados nesse caso, pelo evidenciar de
rimentar de percursos.
como deveriam se portar para tornar a visita m
As percepções e referências que os alunos tin
expositivos de arte estavam limitadas ao espaç
duções de pintura fixadas nas paredes. Tais
confirmadas nos desenhos que produziram acerc
ver na exposição que em breve visitariam.
A visita à exposição teve como público ce
durou em torno de uma hora. Ao todo, havia 1
alunos e artistas-docentes do curso de Artes Visua
variadas linguagens: pintura, fotografia, insta
escultura e estêncil. Para receber os alunos, esta
espaço expositivo, os estudantes Antônio G
Thamíris Santana Cavalcanti, que apresentaram
posta e guiaram o público em dois grupos distint
las obras, provocando os alunos com perguntas
Após o circuito nas obras, foi realizada um
titiva entre quatro grupos de cinco alunos, ten
guntas subjetivas sobre as obras expostas. N
alunos participaram avidamente. Para encerrar
foi convidado a deixar sua própria impressão
BA e Petrolina/PE, na forma de desenho ou tex
Na semana posterior, nas atividades da aula
exibi fotografias de algumas das obras que
pareceram trazer referências importantes do te
além de representarem a variedade de linguagens
os alunos a se dividirem em cinco grupos, em que
uma numeração referente a uma das obras f
equipe deveria inventar um título para o traba
ntico são registros distinguidos por Heidegger (2001), para
parceria pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo, pelo
o Ibirapuera e pela Secretaria Municipal do Verde e Meio
ições ocorridas no ano de 2008. Eleito pela Revista Época
e programas mais interessantes da cidade de São Paulo, na
p. 208.
va, que colocou as pessoas em contato com a
róximo e com a possibilidade de construírem
percebido. A atividade, desenvolvida no período
dores do Parque do Ibirapuera, consistia em um
s, sons e cheiros sucessivos, sugeridos por
cretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente e
ucadores do MAM-SP. Estes, por sua vez,
onteúdos acerca da arquitetura e história do
pantes, munidos de lampiões, puderam perceber
dos sons e das texturas da flora, das construções
as esculturas e dos caminhos do parque. No
s participantes cantaram, brincaram, choraram
s para os demais. A atividade foi finalizada nos
etário, onde o público pôde observar a lua e as
ílio de equipamentos apropriados e o acompanomos.
que integrou meio ambiente, astronomia e arte,
u o diálogo com registros ontológicos2 de acone a construção de conhecimentos, sem ser uma
onteudista. Os participantes se reconheceram
ntes de um mundo repleto de mistério e poesia,
BARBOSA, A. M. Educação para as Artes Visuai
Balanço das Águas. In. ARANHA, C.; CANTO
da mediação. São Paulo: PGEHA/Museu de Art
Universidade de São Paulo, 2011.
Referências bibliográfica
Embora com discursos simples e objetivos,
priaram das obras criando outros novos significa
ao seu próprio público: os alunos dos demais gr
à explanação.
Compreender que as propostas da arte co
embebidas em várias questões que tocam no indi
de todos nós pode corroborar com o acesso a
acesso, segundo proposição de Teresinha Sueli
a apreensão da obra de arte em maior nível de co
ditamos que tal desenvoltura é paulatinamente
dida que o exercício da recepção é vivenciado
espaço onde a arte se faça presente. A riqueza
é de responsabilidade das instituições culturais e
devem promover diálogos estreitos entre si.
artística precede e condiciona necessariamen
dos instrumentos de percepção estética, tra
trabalhosa já que se trata de minar um tipo de c
e substituí-la por um outro tipo, por um novo
rização forçosamente longo e difícil (BOURDIE
: uma vastidão de histórias contadas para quem?
r, ano 1, n. 4, 2013.
.; FANTIM, M. Museu do brinquedo como centro
l In. LEITE, M. I.; OSTETTO, L. E. (orgs.) Museu,
ura: encontros de crianças e professores com a arte.
: Papirus Editora, 2010. (Coleção Ágere)
ETTO, L. E. (orgs.) Museu, educação e cultura:
rianças e professores com a arte. 3.ed. Campinas:
, 2010. (Coleção Ágere)
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. O.; HERNÁNDEZ, F. (Org.) A formação do
sino das artes visuais. Santa Maria: Ed. UFSM, 2005.
s o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites
d.: Saulo Krieger. São Paulo: Odysseus Editora, 2006.
rte Contemporânea: uma introdução. Trad.: Rejane
Paulo: Martins, 2005. (Coleção Todas as artes)
da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
arâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Brasília:
. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico.
úblico Trad.: Guilherme João de Freitas Teixeira. 2.
ditora da Universidade de São Paulo; Porto Alegre:
* Mestranda no Programa de Educação: Currícul
A trajetória profissional da pesquisadora p
volvimento de ações que, entre outras, tinham int
construções de conhecimentos e construções de
de práticas que reunissem arte em diferentes áre
tividade. Formada em Artes Plásticas pela FAA
Psicopedagogia pela PUC-SP, trabalhou dura
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP
e coordenadora do setor educativo. Estabeleceu
tuições culturais e educacionais e com profission
do conhecimento para pesquisar relações entre
do saber, bem como realizar ações que promov
diversas para o público geral.
Introdução
LUCIA
referências para a interdisciplinarida
e
Oiticica e a Fe
As manifestações ambientais de Hélio Oiticica e a Fenomenologia ...
| 299
além de vivenciarem uma situação de aprendizagem criativa e coletiva. “A interdisciplinaridade decorre mais do encontro entre indivíduos do que entre disciplinas.” (FAZENDA, 2011b, p. 86)
Essa foi uma experiência que, na sua concepção, fundamentouse na fenomenologia e nas proposições ambientais de Oiticica –
referências tidas por nós como primordiais para a atitude interdisciplinar almejada no desenvolvimento de seu trabalho.
No ano de 2009, a autora teve a oportunidade de atuar como
coordenadora de projetos do grupo multidisciplinar ococodinossauro – estudos e composições coreográficas,3 aproximando-se, então,
das sutilezas da linguagem corporal. Durante a elaboração do projeto Festim,4 que agregou poesia e dramaticidade à coreografia,
foram pesquisadas possibilidades de interlocução junto ao público,
com a intenção de que ele vivenciasse uma experiência coletiva, e
não somente apreciativa. Como estratégia de comunicação, em
decorrência de elementos de valor simbólico, foi escolhida a poesia.
Foram selecionados alguns autores5 e seus dizeres, disponibilizados
ao público em pequenos pedaços de papel, antes do início da apresentação do espetáculo. As pessoas foram convidadas e ler as poesias
e oferecê-las às outras. Alguns dos participantes “traduziram” as
poesias para uma linguagem coloquial, compartilhando alguns de
seus possíveis sentidos. “Interdisciplinaridade não é categoria de
conhecimento, mas de ação.” (FAZENDA, 2011b, p. 89)
3. Grupo existente desde 1998. Denominado como Grupo Surto até abril
de 2009. Atua sob direção geral da mestra de dança Ruth Rachou e da coreógrafa
e bailarina Juliana Rinaldi, em São Paulo-SP.
4. Elaborado pela autora em parceria com a coreógrafa Juliana Rinaldi.
5. O tema norteador foi a coletividade, conceito abordado por Reine Maria
Hilke (2001, p. 99), autor de Festim.
300
|
Luciana Pasqualucci
Utilizando formas de expressão e convivência, as apresentações6
possibilitaram trocas intersubjetivas, favorecendo, aos participantes, o movimento de reconstrução de parte das representações sobre
estar junto e viver em comunidade.
O imaginário que conduzia o experimental de Oiticica é aquele
que se interessa pela função simbólica das atividades – o que implica a suplantação da imaginação pessoal em favor de um imaginário coletivo – e não pelos simbolismos da arte. O requisito para
que isto se cumpra é que as atividades, as ações, devem supor uma
adequada perspectiva crítica para a identificação das práticas
culturais com efetivo poder de transgressão – o que, por sua vez,
provém da confrontação dos participantes com as situações.
(FAVARETTO, 2007b, p. 227)
Nossa intenção, neste artigo, é estabelecer interlocução com
pesquisadores da área de arte e educação com a finalidade de refletir
e questionar a prática interdisciplinar pretendida em nosso trabalho.
Denominamos “interdisciplinar” muitas das ações educativas desenvolvidas dentro e fora do espaço museológico.
Como saber se estas foram mesmo interdisciplinares? Como
saber se as referências de Hélio Oiticica e da fenomenologia podem
auxiliar o exercício da atitude interdisciplinar pretendida em nossa
prática profissional? De modo geral, do ponto de vista ético, tratase de avaliar a distância entre nosso desejo e nossa prática efetiva.
A atitude interdisciplinar é, segundo professamos, condição
para que ações educativas fundamentadas na postura fenomenológica e na essência das Manifestações Ambientais de Oiticica
tenham legitimidade e sentido. E vice-versa: ações educativas decor6. Realizadas no Espaço de Dança Ruth Rachou, em junho de 2009, e no
Parque Villa Lobos, em novembro do mesmo ano.
As manifestações ambientais de Hélio Oiticica e a Fenomenologia ...
| 301
rentes da postura fenomenológica e da essência das Manifestações
Ambientais de Oiticica só podem acontecer, de fato, se a atitude
do propositor for interdisciplinar. Acreditamos na importância desta
pesquisa para que os conceitos de fenomenologia, antiarte e
interdisciplinaridade sejam refletidos e praticados e, então, afirmados com propriedade.
Conceitos abordados
A fenomenologia não se refere ao mundo como um objeto passível de trato objetivamente matemático, físico ou em quaisquer
das ciências naturais. A postura fenomenológica não possibilita
falar do mundo de um ponto de vista externo ao próprio corpo,
antes de sua origem na experiência perceptual (MERLEAU-PONTY,
1990). Isso não significa que o mundo permanece no campo privado
da experiência de cada um, mas sim que a percepção é o primado da experiência. Segundo Merleau-Ponty (ibid.), há sempre um
polo da experiência centrado no indivíduo que percebe e outro
centrado no que é percebido. A percepção é o encontro entre as
forças de ambos. A fenomenologia, assim, concebe o homem como
ser que vive posicionado pela percepção e, esta, por sua vez,
demanda do ser humano uma posição paradoxal, que é apreender
os fenômenos objetiva e subjetivamente. Essa dimensão exige a
coexistência do objetivo e do subjetivo para que o si mesmo possa
acontecer de maneira integrada.
A concepção fenomenológica de homem, como ser postado na
primazia do ato perceptivo, que apreende as coisas num campo
objetivo e estabelece relações entre a apreensão e sua vida de um
modo pessoal, considera-o como um ser em ação, em devir, que
pergunta pelos sentidos das coisas. O homem da fenomenologia é
302
|
Luciana Pasqualucci
caracterizado pelo gesto. Compreender o ser humano como um ser
que é gesto, criação, significa compreender que o ser humano é um
ser inacabado. É este fato que possibilita inventar e reiventar-se.
A compreensão do ser humano como um ser de ação e de gesto,
que impõe rupturas, cria o inédito e possibilita a constituição de
si, do outro e do mundo, relaciona-se à compreensão do ser humano
como criativo e livre: ser criativo, ser de liberdade, de responsabilidade (de responder à sua existência), ser que emerge como ruptura.
Visto sob essa perspectiva, o ser humano acontece em meio à precariedade e ao desamparo, o que faz com que necessite do acolhimento do outro. Ser homem é acolher o semelhante em sua
jornada de significações e ser acolhido pelos demais em sua chegada
ao mundo. “O homem só realiza, só se conhece no ‘encontro’ com
o outro” (FAZENDA, 2011b, p. 55).
A fenomenologia considera o mundo percebido como o fundante dos sentidos que o humano constrói à sua existência e aos
fenômenos com os quais se depara e alça como facetas originárias
da condição humana: a percepção, a intencionalidade, o gesto e a
condição de ser em devir. Isso entendendo origem como aquilo a
partir do qual e através do qual uma coisa é o que é, e como é
(HEIDEGGER, 1977). Nesse sentido, a experiência do estabelecimento
de si mesmo é a experiência de perceber, criar, conviver (SAFRA,
2004).
A pesquisa apresentada por meio deste artigo tem como premissa a ideia de que as concepções da fenomenologia acerca da visão
de homem, criatividade, percepção e gesto se relacionam com as
proposições de Hélio Oiticica, em especial, com as Manifestações
Ambientais.
As Manifestações Ambientais (FAVARETTO, 2000, p. 128), que
materializam a antiarte de Oiticica, não buscavam explicar os fenômenos do mundo ou apresentar significações preestabelecidas. Eram
As manifestações ambientais de Hélio Oiticica e a Fenomenologia ...
| 303
acontecimentos disparadores, não fechados em si próprios, nem
autorreferenciados, mas que buscavam deixar o homem em contato
com a própria possibilidade criativa.
Sobre a antiarte, Favaretto (1993, p. 33) diz:
A antiarte transforma a concepção de artista: não mais um criador
de objetos para a contemplação, ele se torna um ‘motivador para
a criação’. […] Seu campo de ação não é o sistema da arte, mas a
visionária atividade coletiva que intercepta subjetividade e significação social. A antiarte, entendida como série de ‘proposições
para a criação’, tem pois como princípio a participação.
Compreendem-se esses acontecimentos, que reuniam experiências coletivas e individuais, como propostas para a tomada de consciência dos eventos do mundo pelo indivíduo e disparadoras da
experiência de serem o estabelecimento de si. Por serem essas –
experiência de criação, comunidade e consciência de si – proposições que atuam em instâncias inerentes à condição humana, a
hipótese aqui apresentada é a de que a antiarte ambiental de Oiticica
dialoga com regiões ontológicas de acontecimento humano, concepção fenomenológica que propomos investigar.
O Parangolé, proposição com que Oiticica formula a sua ‘antiarte ambiental’ (FAVARETTO, 2000), é um bom exemplo para elucidar
a aproximação entre as proposições do artista e da fenomenologia.
Seguem algumas das observações do autor sobre a experiência:
O Parangolé é a invenção de uma nova forma de expressão: uma
poética do instante e do gesto; do precário e do efêmero. […] Os
Parangolés ampliam e intensificam o tempo da participação, liberando o imaginário, com ações que não se limitam a manipulações.
[…] Na ‘vivência-total Parangolé’ desenvolve-se um espaço
intercorporal, criado pelo desdobramento da estrutura-Parangolé,
304
|
Luciana Pasqualucci
executada pelo participante e pelos elementos da situação. A participação atualiza, como ‘vivência mágica’ algumas das relações
possíveis no espaço em que se desenvolvem as ações: é uma ‘participação ambiental’ (FAVARETTO, 2000, pp. 105-107).
Da perspectiva fenomenológica, o Parangolé é uma experiência
que afeta o registro ontológico do participador, possibilitando também, por exemplo, que se construa um conhecimento sobre a cor.
Ver vermelho é ter uma impressão de vermelhidade. Fenomenologicamente, o Parangolé pode ser considerado não como possuidor
de qualidades de cor, mas como possibilitador do surgimento dela
pela participação do indivíduo. O vermelho é uma sensação e uma
qualidade de algo externo àquele que percebe. “O sujeito da sensação não é nem um pensador que nota uma qualidade, é uma
potência que co-nasce em um certo meio de existência ou se sincroniza com ele.” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 285). As Manifestações Ambientais de Oiticica provocam experiências que não se
fecham, mas se abrem para o não dito.
O contexto social e político (PECCININI, 1978) da produção de
Oiticica relegava as Manifestações Ambientais a espaços de transgressão e ruptura, que rompiam paradigmas artísticos e sociais –
além de possibilidades de resgate ontológico que, fenomenologicante, são imanentes a ela. Como é possível atualizar a essência
das proposições de Oiticica, que não só apresentavam um sentido
em si enquanto acontecimentos, mas provocavam, no ser humano,
a experiência do estabelecimento de si?
A essência da antiarte ambiental de Oiticica favorece a atitude
interdiscilinar? Podemos, com esta investigação, vislumbrar uma
possível teoria de interdiscilinaridade no trabalho desta
pesquisadora?
As manifestações ambientais de Hélio Oiticica e a Fenomenologia ...
| 305
A metodologia interdisciplinar parte de uma liberdade científica,
alicerça-se no diálogo e na colaboração, funda-se no desejo de
inovar, de criar, de ir além e exercita-se na arte de pesquisar – não
objetivando apenas uma valorização técnico-produtiva ou material, mas, sobretudo, possibilitando uma ascese humana, na qual
se desenvolva a capacidade criativa de transformar a concreta
realidade mundana e histórica numa aquisição maior de educação
em seu sentido lato, humanizante e liberador do próprio sentido
de ser-no-mundo. (FAZENDA, 2011b, pp. 69-70)
As proposições sensoriais de Oiticica permitem ao participador
entrar em contato com a materialidade que o constitui e com o
espaço físico que ocupa no mundo. Esse contato, fundado no gesto
e na experiência de liberdade, permite alcançar a possibilidade de
ser o que se é. “Eu sou no espaço e no tempo, meu corpo aplica-se
a eles e os abarca” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 195). É preciso ser
para relacionar-se, criar e desejar. Portanto, perceber-se como pessoa
precede qualquer ato criativo e relação com o mundo. “É a substância corporal que dá ao ser humano a possibilidade de ser uma
individualidade” (SAFRA, 2004, p. 54).
Recorremos a Fazenda (1991) quando ela afirma que a educação interdisciplinar é uma forma de compreender e modificar o
mundo. A força das práticas interdisciplinares e a abertura que elas
proporcionam como possibilidades de aprendizagens significativas
numa educação socializadora do saber nos provocam a refletir,
enquanto pesquisadores, sobre a ação educativa que podemos
realizar em museus e espaços culturais. Considerando-os lugares
onde a circulação de saberes e o encontro entre as diversidades são
disparados através das relações estabelecidas entre o sujeito e a cultura, pensar em possíveis práticas interdisciplinares é pensar em
como favorecer a troca, a intersubjetividade e a reflexão sobre o
mundo em constante transformação.
306
|
Luciana Pasqualucci
A construção de uma didática interdisciplinar baseia-se na possibilidade da efetivação de trocas intersubjetivas [...] a construção
de uma didática transformadora ou interdisciplinar deverão
promover essa possibilidade de trocas, estimular o autoconhecimento sobre a prática de cada um e contribuir para a ampliação
da leitura de aspectos não desvendados das práticas cotidianas.
(FAZENDA, 2011b, p.79)
Compartilhamos ainda com os escritos de Fazenda (2011a)
quando percebemos que viver a interdisciplinaridade é viver a
própria aprendizagem. A busca pela interdisciplinaridade, segundo
Fazenda , evidencia-se pela atitude do educador, propositor ou por
aquele que planeja ou coordena ações educativas: “Uma atitude
interdisciplinar se identifica pela ousadia da busca, da pesquisa,
da transformação” (2006, p. 73). Pesquisar e exercitar a atitude
interdisciplinar em museus e espaços culturais significa indagar as
certezas e praticar a cooperação, a humildade e o desapego.
A realização de um projeto interdisciplinar requer um projeto
inicial coerente e detalhado, bem como o envolvimento das pessoas
nele envolvidas. Não podemos construir uma única teoria da
interdisciplinaridade e não existem fórmulas para a atitude interdisciplinar. Não existe um modelo interdisciplinar. Existem
possibilidades.
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Universidade de São Paulo, 2000.
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do Instituto de Artes-Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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As manifestações ambientais de Hélio Oiticica e a Fenomenologia ...
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FAZENDA, I. C. A. (org.). Didática e Interdisciplinaridade. Campinas:
Papirus, 2011a.
FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: História, Teoria e Pesquisa.
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HEIDEGGER, M. Ensaios e conferências. Trad.: Emanuel Cerneiro Leão,
Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Vozes,
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Rio de Janeiro: Edições 70, 1977.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. Trad.: Carlos
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por Luciano Figueiredo, Lygia Pape e Waly Salomão. Rio de Janeiro:
Rocco, 1986.
PECCININI, D. Objeto na Arte: Brasil anos 60. São Paulo: FAAP, 1978.
RILKE, R. M. Cartas a um jovem poeta: A canção de amor e de morte;
Do porta estandarte; Cristóvão Hilke. São Paulo: Ed. Globo, 2001.
SAFRA, G. A Pó-ética na Clínica Contemporânea. São Paulo: Idéias e
Letras, 2004.
| 309
Preservação e a mediação da
ação institucionalizada
ANTONIO DE PADUA RODRIGUES*
ARTHUR HUNOLD LARA**
Introdução
O modelo de urbanização em São Paulo se delineou a partir
de um modelo proposto para toda a industrialização da América
Latina. Na década de 1940, o Brasil recebia incentivos para montar
um parque industrial nas periferias das grandes cidades. O modelo
de industrialização estava voltado para a mobilidade individual
(automóvel). A grande extensão territorial deveria ser integrada por
rodovias e, em São Paulo, criaram-se cidades industriais em volta
do centro da capital, que passava a concentrar os serviços e o sistema
** Artista Plástico graduado em Artes Plástica pela Fundação Armando
Álvares Penteado FAAP, com especialização em História da Arte. Leciona no
Instituto Criar de TV Cinema e Novas Mídias. Trabalha com Cenografia e Direção
de Arte na Rede TV.
** Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e orientador
do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte
(PGEHA USP). Arquiteto e Artista Plástico graduado pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo FAU-USP, com especialização em arte-educação,
mestrado e doutorado pela Escola de Comunicação e Artes ECA-USP. Desenvolve
pesquisa em Arte Urbana e Design Digital. É colaborador do Centro de Estudo
e Pesquisa em desastres (CEPED) da USP.
310
|
Antonio de Padua Rodrigues e Arthur Hunold Lara
bancário. A ideia era passar rapidamente de um país agrário e
exportador de matérias primas para um país industrializado.
A dispersão territorial da população de baixa renda, que se
distribuía fora do centro, fez com que o ônibus fosse relacionado
com a mobilidade das classes pobres e suas linhas determinassem
a urbanização das áreas ocupadas, muitas vezes, de forma irregular
e precária. Grandes periferias, o centro – onde se concentravam os
equipamentos e investimentos das classes médias e altas, como as
cidades industriais eram interligadas por rodovias.
Com o crescimento industrial acelerado para legitimar o longo
período em que o Estado era o gestor e controlador, em quase toda
a America Latina, São Paulo teve um crescimento rumo à periferia,
degradando rapidamente seu centro. A classe média e alta se viu
obrigada a deixar o centro se estabelecendo em “enclaves fortificados”,1 segundo a antropóloga Tereza Pires do Rio Caldeira.
A convivência conflituosa dos condomínios de classe alta nas
periferias segregou a cultura, aumentou a violência e distribuiu as
classes desfavorecidas ainda mais longe dos centros urbanos, em
territórios precários. Caldeira identifica três modelos ao longo do século XX de segregação social em São Paulo. A primeira se estendeu
do final do século XIX até os anos 40 e produziu uma cidade con-
1. Os enclaves fortificados, segundo a antropóloga Tereza Pires do Rio
Caldeira (2000), fazem parte de uma ampla categoria de empreendimentos
urbanos que incluem desde conjuntos de escritórios a lazer e moradia. Cada vez
mais procura se adaptar espaços existentes a este modelo como escolas, parques
e hospitais. Aliado a amplo uso de tecnologia, ele é flexível podendo se instalar
em qualquer espaço. Todo tipo de enclave fortificado possui características básicas
de segurança e vigilância ostensiva voltada para a preservação e valorização do
privado em detrimento do que é público e voltado para a cidade. Estabelecem
uma relação com o interior rejeitando explicitamente a relação com a rua ou a
vida pública embora possa se avizinhar de qualquer localidade.
Preservação e a mediação da ação institucionalizada
| 311
centrada, onde os diferentes grupos sociais se comprimiam numa
área urbana pequena. Assim, os bairros periféricos estavam segregados por tipos improvisados de moradia. A segunda ocorreu até a
década de 80. Foi uma época quando grupos sociais estavam separados por grandes distâncias: as classes média e alta concentraram
nos bairros centrais com boa infraestrutura e os pobres vivem nas
precárias e distantes periferias. A terceira, e atual, é dos enclaves fortificados: as classes não se misturam e há barreiras impedindo a
circulação e interação em áreas comuns. (CALDEIRA, 2000, p. 211)
Os condomínios e lugares protegidos como Shoping Centers
substituíram as praças e os equipamentos dos antigos centros urbanos do primeiro modelo. O encortiçamento do centro e as ações
higienistas de revitalização das áreas centrais paulistas se estendem
até os dias de hoje com o poder público interferindo e segregando
pobres, imigrantes e dependentes químicos para longe do centro.
A população imigrante sempre se abrigou em locais centrais
como pontes, viadutos, prédios e marquises. Assim que se inserem
no mercado de trabalho, procuram as periferias onde podem se acomodar de modo menos precário.
O movimento sindical paulista ganhou força política no declínio das cidades-fábricas com a crise e a posterior globalização dos
mercados. No rastro do movimento sindical, surgiram as organizações políticas sociais como o Movimento dos Sem-Terra e posteriormente o Movimento dos Sem-Teto.
Michel de Certeau chama de “corpo estranho” produzido pela
lógica disjunta da compartimentalização do coditiano e da cultura
que ativa as “táticas populares” de um lado e, do lado do sistema,
pela generosidade e pela obrigação de dar de “benevolência”. Tratar
assim as estratégias cotidianas seria praticar uma “arte ordinária”:
um roubo do trabalhador que desvia material da fábrica e põe em
cheque a concorrência entre ele e própria fábrica, o desvio que
312
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Antonio de Padua Rodrigues e Arthur Hunold Lara
perturba o sistema liberal. Fazer “sucata” é uma estratégia desviacionista. (CERTEAU, 1998, p. 86-90)
O ato de produzir sucata poderia levar a um processo de autogestão, segundo o filósofo Gilles Lipovetsky (2005). O jogo de sedução e a atual tendência das democracias de compactuar um jogo
de descentralização produzem uma “reconversão centrífuga” destinada a diminuir a rigidez burocrática, revalidando o “país”, promovendo de certa maneira uma “democracia de contato”, de
proximidade através de uma nova determinação territorial com
personalização regionalista. Lipovetsky afirma que a autogestão é
uma força que suprime os relacionamentos burocráticos do poder
e, assim, transfere para o indivíduo a sedução.
A autogestão desobriga as instituições da liquidação da
mecânica do poder clássico e da ordem linear ao mesmo tempo em
que promove a “espetacularização da cultura”. A nova ordem não
vê na natureza um tesouro a ser pilhado; almeja o emprego de
técnicas suaves, não poluentes e a reimplantação de pequenas
unidades industriais e da população – pequenas fábricas autoadministradas e de porte reduzido, integradas às comunidades
em escala humana. “A cosmologia ecológica” não consegue escapar
dos encantos do humanismo, o filósofo aponta na sedução uma
forma de strip-tease integral e generalizado, que funciona através
da comunicação, do feedback da iluminação social sem tréguas.
(LIPOVETSKY, 2005, p. 9-10).
Mediação para a preservação
O que se preserva e o que se deixa de preservar é uma questão
que esbarra na adoção de estratégias de gestão das iniciativas cívicopedagógicas para “democratização da cultura”. Predominan-
Preservação e a mediação da ação institucionalizada
| 313
temente, há uma visão de viés “intervencionista” e “centrista” das
dinâmicas sociais. Estas dinâmicas são lidas na via de mão única
de um Estado e de setores sociais portadores de saberes e práticas
postas à disposição de uma população tida, em sua maioria, como
inoperante, inculta e, cada vez mais, perigosa. (BARBIN BERTELLI,
2012, p. 217)
A aparência da plebe, potencializado pelo espetáculo da mídia,
permite que as forças da ordem construam a percepção histérica
de que as ruas são perigosas, insalubres e inúteis – o que para
Caldeira (2011) se constitui na fala do crime. As ruas e os espaços
públicos em geral estão em ruínas, de relações, de estruturas e de
funcionalidades sociais. Com a promessa de segurança, hordas de
ingênuos são atraídas para os espaços públicos privatizados como
os Shoppings Centers e demais retiros dedicados ao consumo, o
que inclui alguns espaços para a disseminação da cultura, ao preço
da renúncia da liberdade. (CRITICAL ARTE ENSEMBLE, 2001, p. 32)
A quem pertence a rua? Quem está na rua? O público alienado
e cerceado pela forma de poder nômade,2 que lhes comunica através
da autoexperiência da mídia eletrônica. As formas de ativismo cultural próprio das ruas como a panfletagens, cartazes, teatro de rua
e a arte pública estabelecem um território sedentário e ineficiente
num universo determinado pela fluidez dos meios eletrônicos. “A
velocidade com que as estratégias de subversão são cooptadas, indica que a adaptabilidade do poder é muitas vezes subestimada”.
(CRITICAL ARTE ENSEMBLE, 2001, p. 22)
2. Conceito trabalhado pelo grupo CRITICAL ARTE ENSEMBLE para identificar
uma estrutura de poder dominante que repousa em uma zona ambígua, sem
fronteiras, desterritorializada, onde apenas os sinais do poder fluem em transição entre a dinâmica nômade e estruturas sedentárias – entre a hipervelocidade
e a hiperinércia.
314
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Antonio de Padua Rodrigues e Arthur Hunold Lara
Apropriando-se da autoridade legitimada de “criação artística”, os artistas se engajaram nas questões das políticas culturais
que auxiliam no isolamento e precarização de setores inteiros da
sociedade, atraídos pelas novas fronteiras ditadas pelo ciberespaço.
Apropriam-se de suas potencialidades e criaram o ativismo cultural,
tornado a arte eletrônica contemporânea um discurso crítico com
forte carga política. Derivando desta consciência própria do ativista
cultural, inúmeros grupos de ação urbana usam as novas tecnologias
como meio para estabelecer um fórum público para discutir
modelos de resistência à falsa produção de identidade dentro da
tecnocultura emergente. (CRITICAL ARTE ENSEMBLE, 2001, p. 35)
As operações de mediação podem descentralizar tais modalidades da ação política do lugar naturalizado de legitimidade, que
a práxis social hegemônica lhe confere. Elas também alertam para
a necessidade de articular novas formas de legibilidade da política
cultural, reconfigurando os vínculos conflitivos através dos quais
se constituem a norma e desvio, o familiar e o estranho, o legítimo
e o ilegítimo, o centro e a periferia.
Por outro lado, observa-se a degradação dos espaços e das relações sociais sendo relegados à indigência. Neste caso, a reestruturação pressuporia o resgate de valores humanos, sociais e cívicos, como
necessidade premente para o investimento do setor público, ressaltando que os recursos são aplicados a partir de propostas culturais.
Para este processo, são necessários dispositivos de mediação que
produzam o sujeito de significação – elemento que promove a articulação entre a experiência compartilhada e a matriz discursiva que
a anuncia, no seu confronto com o ordenamento do espaço público.
O outro viés, neste mesmo contexto, que cria o espaço negativo,
parece sobressair valores urbanísticos, arquitetônicos e imobiliários,
priorizando a construção de vitrines para plataformas políticas, sobrevalorização da área e espaços para os chamados Megaeventos.
Preservação e a mediação da ação institucionalizada
| 315
O fator cultural parece servir para legitimar qualquer tipo de
inferência e transpira uma mediação bem negociada.
O espaço rearranjado pela mediação institucionalizada3 não
exclui a preferência no sentido de determinar conteúdos e nem a
autoridade para impor uma decisão. Isto conduz a uma ética de
valores, em que a hierarquia só atende a pequena variável da equação. É inegável a implantação da beleza arquitetônica e do espaço
agradável.
Cabe refletir se a operação de recuperação simplesmente não
troca uma degradação por outra, na medida em que exclui parâmetros estéticos, arquitetônicos e sociais advindos do próprio desejo
local ou de uma vocação genuína do espaço que uma urbanização
consciente poderia perceber.
Na sociedade hipermoderna, o modelo de mercado e seus critérios
operacionais, conseguiram imiscuir-se ate na conservação do patrimônio histórico... As obras do passado não mais são contempladas em recolhimento e silêncio, e sim, “devoradas” em alguns
segundos, funcionando como objeto de animação de massa,
espetáculo atraente, maneira de diversificar o lazer e matar o tempo. (LIPOVETSKY, 2004, p. 87, 88)
Lipovetsky afirma que as mazelas do capitalismo desorganizado4 não excluem a potência social de formação de identidade e
3. O processo de institucionalização ocorre, via de regra, às avessas. Em
outras palavras: negligencia-se o fator social necessário à legitimação do instituto
a ser incorporado no ordenamento; despreza-se o necessário debate democrático
e a consagração empírica do que está prestes a vigorar por força de lei. Conforme
será visto, não parece ser esse o melhor caminho para o estímulo e desenvolvimento da mediação.
4. Conceito desenvolvido por Boaventura de Souza Santos, em sua obra
“Pelas mãos de Alice”, e por Claus Offe, em “Capitalismo desorganizado: transformações contemporâneas do trabalho e da política”.
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Antonio de Padua Rodrigues e Arthur Hunold Lara
esta procura se inscrever através da valorização de elementos do passado, como exemplo o conceito vintage e o rétro. Na medida em que
o presente é diluído em várias formas de consumo, os pequenos registros do passado surgem como base para o indivíduo em suas relações. Inserido num sistema global que dinamiza qualquer aspecto do
gosto ou do desejo, conformando produtos, o momento se caracteriza como “era da indústria do patrimônio”, o cidadão tendo que ceder o passo ao homo consumérico. (LIPOVETSKY, 2004, p. 87)
Onde esta a identidade da cidade? No centro. Mas a quem pertence o centro?
Neste contexto, surgem os museus temáticos que se aproveitam
da face comercial desta busca de identidade. Apoiados na moderna
tecnologia, produz-se o espaço para o “turismo da memória”, onde
são reencontrados tantos os personagens e objetos tornados ícones
de uma cultura de massa, como histórias que, através de simulação
virtual, criam um apêndice artístico com características de
incontestabilidade.
Parece que a ênfase das propostas para espaços de preservação
da memória recai sobre projetos que selecionam parte da memória
que podem ser aproveitadas como vitrines, excluindo ao mesmo
tempo as que abrem espaços de ventilação e de landscape. Elementos estes que podem trazer qualquer traço de contestação. A mediação, neste caso, é conduzida por valores institucionais em detrimento dos sociais, utilizando-se da preferência e da autoridade.
Esta reflexão parte da observação da única fachada que permaneceu da demolição de um conjunto de construções antigas e degradadas, na esquina da Avenida São João com Vale do Anhangabaú,
em São Paulo, para na construção da Praça das Artes.5 Esta uma
5. Projeto da Brasil Arquitetura, de Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci,
com MarcosCartum, a Praça das Artes é um centro voltado às artes musicais e
Preservação e a mediação da ação institucionalizada
| 317
única fachada permaneceu como uma porta de entrada e display a
um monumento de concreto absolutamente estável.
Fig. 1 – Praça das Artes, Fachada do Vale
do Anhangabaú. Foto: Antonio Rodrigues
Fig. 2 – Perspectiva artística do
edifício sede da Praça das artes.
Projeto Brasil Arquitetura.
Cidades fortificadas e muros defendendo territórios são uma
constante na história da civilização. Quando barreiras naturais não
são suficientes para conter o outro, defesas extras são erigidas.
As fortificações não pressupõem somente a defesa, mas principalmente o contágio que inutiliza as fronteiras construindo culturas. Assim a fortificação traz o pressuposto do domínio sobre a
cultura. Na cultura contemporânea, juntamente com o apelo à globalização de determinado tipo de cultura, paradoxalmente se dissemina uma profusão de muralhas dos mais variados tipos. Muralhas
cercando ou dividindo cidades, cercando os guetos dentro do espaço
urbano.
do corpo, que integra várias instituições ligadas ao Theatro Municipal e também
contribui para a revitalização da região central de São Paulo. O complexo ocupa
uma área localizada entre a Avenida São João, a Rua Conselheiro Crispiniano e
o Vale do Anhangabaú.
318
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Antonio de Padua Rodrigues e Arthur Hunold Lara
As construções não mais são executadas segundo restrições
técnicas tradicionais, o projeto passa a ser concebido em função
dos riscos de contaminação e ataques terroristas. As muralhas se
tornam fluidas e imanentes, as vias de acesso à cidade deixam de
ser os portões ou arcos do triunfo para se transformarem em sistemas de audiência eletrônica.
Não se trata mais, como no passado, de isolar pelo encarceramento
o contágio ou o suspeito, trata-se, sobretudo, de intercepta-lo em
seu trajeto a tempo de auscultar seus trajes e bagagens, daí a súbita
proliferação de câmeras, radares e detectores nos locais de
passagem obrigatórias. (VIRILIO, 2008, p. 8)
Os habitantes do centro da cidadela, antigos residentes privilegiados, perdem espaço para interlocutores em “trânsito” permanente, que geram rupturas de continuidades pela série de
interrupções e deslocamentos. As rupturas provocam incessante
reorganização industrial, que constantemente remodela o centro
urbano ao ponto de provocar o declínio e a degradação dos locais,
contribuindo para a ruína generalizada das relações humanas locais.
A superfície limite sofreu alterações assumindo a condição que
exclui o tête-à-tête em favor da interface, nova interação que nos
coloca sempre dentro da cidade e jamais diante dela.
A localização e a axialidade do dispositivo urbano já perdera
parte de sua evidência material. A oposição intramuro e extrâmero
se dissipou com a revolução dos transportes e os meios de comunicação. A franja urbana se tornou uma nebulosa. A opacidade e o
peso dos materiais de construção foram substituídos pela leveza e
transparência. A interface, por outro lado, sem espessura, passa a
ganhar profundidade representando a nova visibilidade sem o têteà-tête que integrava a antiga confrontação de ruas e avenidas.
Preservação e a mediação da ação institucionalizada
| 319
Privado dos limites objetivos, o elemento arquitetônico passa a
estar a deriva, a flutuar em um éter eletrônico desprovido de
dimensões espaciais, mas inscrito numa temporalidade única de
uma fusão instantânea. (VIRILIO, 2008, p. 10)
Os obstáculos físicos e as grandes distâncias não são mais suficientes para separar o que a interface dilui. Na simultaneidade do
aqui e do distante, o espaço construído participa de uma topologia
eletrônica. O enquadramento do ponto de vista e a trama da imagem digital renovam a dimensão do conceito de urbanidade.
Aos tambores das portas sucedem-se os bancos de dados, tambores
que marcam o rito de passagem de uma cultura técnica que avança
mascarada, pela imaterialidade de seus componentes, de suas
redes, vias e redes diversas cujas tramas não mais se inscrevem no
espaço de um tecido construído, mas nas sequencias de uma
planificação imperceptível do tempo na qual a interface homem/
máquina toma o lugar das fachadas dos imóveis, das superfícies
dos loteamentos... Unidade de lugar sem unidade de tempo, a
cidade desaparece então na heterogeneidade do regime de temporalidade das tecnologias avançadas. (VIRILIO, 2008, p. 10)
A demarcação do espaço urbano, que expressava sua materialidade e situava o local no espaço e no tempo, com entradas, saídas
e logradouros, cede terreno em favor de uma nova forma de
expressão baseada na programação de horários: os habitantes são
confrontados com o tempo.
As fachadas trazem uma perspectiva de “Trompe L’oeil”6 e em
seus interiores a transmissão suplanta o povoamento do espaço
6. Trompe-L’oeil é uma técnica artística que se utiliza principalmente do
desenho e da pintura plana, com truques de perspectiva, para criar uma ilusão
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Antonio de Padua Rodrigues e Arthur Hunold Lara
habitado. A aparência da superfície esconde uma transparência
secreta, uma espessura sem volume, uma quantidade imperceptível.
O tempo das longas durações históricas, marcado pelas perspectivas
sólidas das fachadas, identifica-se cada vez menos com a vocação
social do centro da cidade. Estes monumentos que resistem respiram
o ar de um tempo de duração técnica, perdendo a ligação com as
atividades e com a memória coletiva. A duração técnica contribui
para a instauração do presente permanente, cuja intensidade sem
futuro destrói os ritmos da sociedade que são necessários para a
produção de cultura.
Os monumentos restaurados passam a agregar construções
suntuosas para dar conta de albergar atividades de mundos distantes, que produzem imagens de autorreferência e legitimação ideológica. Uma desmontagem da realidade perceptiva substituída por
formas de avaliação eletrônica do tempo e do espaço sem ligação
com o passado que as fachadas representam. Assim, permanecem
numa ociosidade a espera de prestação de serviços frente aos
aparelhos eletrônicos (VIRILIO, 2008, p. 10). Desta forma, o espaço
do centro urbano perde sua realidade geopolítica formada por
características de seu complexo estrutural e humano para beneficiar
um sistema de trocas culturais e deportações sistêmicas, cuja
intensidade eletrônica perturba as estruturas sociais.
As superfícies produzem uma sensação de espessura sem volume, quantidades imperceptíveis que escondem e exibem uma transparência secreta. A transparência avança no sentido de substituir
a aparência, na medida em que a estética do desaparecimento
de ótica simulando a existência de objetos ou formas em três dimensões. Provém
de uma expressão em língua francesa que significa engana o olho e é usada
principalmente em cenários teatrais e arquitetura. Também pode ser relacionado
a objetos representados esvaziados s de seus significados.
Preservação e a mediação da ação institucionalizada
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acelerado vai substituindo a estética da emergência progressiva das
formas, das figuras e das bases materiais onde se inscrevem. À
estética da aparição de uma imagem estável analógica, persistente
em seu sentido físico, sucede-se uma estética do desaparecimento,
a imagem instável, digitalizada, presente mais pela sua fuga e cuja
persistência é apenas retiniana (VIRILIO, 2008, p. 27).
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Espaços públicos urbanos como cenários
artísticos: arte como resistência
EVERTON NAZARETH ROSSETE JUNIOR*
NELSON POPINI VAZ**
A cidade como produto espetacularizado
Na sociedade globalizada atual, tudo virou mercadoria espetacularizada (DEBORD, 1997). Desde produtos cotidianos a elementos
culturais, modos de vida em geral, entre outros: tudo é concebido
como mera imagem a ser consumida rapidamente. Com a cidade
não seria diferente: a competição acirrada – principalmente na disputa pelo turismo – fez com que as cidades se tornassem produtos
cenográficos, marcas a serem divulgadas e vendidas (JACQUES,
2004). Uma competição não mais entre Estados, mas entre empresas
(SANTOS, 2000), e vários acontecimentos ao longo da história vêm
contribuindo para tal situação, preparando o terreno para a cidade
como mero cenário.
Esta tendência de tornar as cidades em cenários ocorre desde
o mascaramento das paupérrimas e fétidas ruas das cidades operá-
** Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e
Arquitetura da Cidade (PGAU-Cidade), UFSC. [email protected]
** Professor Doutor do Programa de Pós-graduação em Urbanismo, História
e Arquitetura da Cidade. (PGAU-Cidade) UFSC. [email protected]
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Everton N. Rossete Junior e Nelson Popini Vaz
rias inglesas do século XVIII descritas por Engels (2010) – estas
tinham seus acessos camuflados por lojas e fachadas preparadas
para esconder a pobreza e não ofender os olhos e os nervos da burguesia. Com o surgimento de novas tecnologias, como o rádio e a
televisão, a vida operária, que era basicamente pública, tornou-se
privada praticamente. O sentido de coletividade expresso na vida
pública, que a pobreza ajudara a construir, a prosperidade e a privatização do lazer ajudaram a destruí-lo (HOBSBAWM, 1995).
Aliado a isto, o fato de que aqueles que expõem suas emoções
em público, como artistas ou políticos, serem tidos como seres
especiais ou privilegiados, faz com que os que cumprem a função
de plateia percam seu sentido como força ativa, tendo seu papel
resumido ao de expectador, ou seja: a personalidade em público
destrói o público. Essa condição associada à retração do contato e
da exposição ajudou a diminuir o que foi chamado de cultura
pública (SENNETT, 1988). As desigualdades sociais são varridas para
debaixo do tapete e a, até então, vida pública se torna essencialmente privada.
Mais adiante, com a pós-modernidade, acentua-se a necessidade da novidade, o novo pelo novo: as aparências tendem a
superar o conteúdo e a essência, e
É forte a tentação de entender essa predominância da representação sobre o real para outros campos. O da moda, por exemplo,
onde se poderia observar uma liberdade sexual muito mais representada, sugerida, do que efetivamente praticada; onde se poderia
notar, em termos mais gerais, a ascendência do parecer sobre o
ser, numa fórmula já consagrada. (TEIXEIRA COELHO, 2001, p.35)
Com essa sujeição do ser pelo parecer, das funções da cidade
restaram a do trabalho – massacrante –, a do morar – indigno – e
a do deslocar-se – eterno (TEIXEIRA COELHO, 2001). Estes fatores
Espaços públicos urbanos como cenários artísticos ...
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reforçam a ausência de campos para conflitos, excluídos ou sufocados na sociedade do espetáculo (DEBORD, 1997).
O período designado como pós-modernidade representa
fundamentalmente, de acordo com Jameson (2002), um estágio
multinacional do capitalismo, em que a globalização é uma característica essencial. Vê-se, claramente, a expressão desses sintomas nos
meios de comunicação e entretenimento, onde uma forma de cultura
se sobrepõe às outras, tendendo a uma nova cultura mundial, condicionando boa parte da produção cultural doméstica. Esta, por
sua vez, se não se vê forçada a desaparecer, acaba sendo compelida
a englobar essa nova realidade – “é bem certo que, hoje, é em escala
mundial que se manifesta a tensão entre pensamento universal e
pensamento da territorialidade” (AUGÉ, 1994, p.103). Nessa transformação do cultural em econômico (e do econômico em cultural),
reforça-se a constatação de que tudo vira produto, até a cidade.
Nessa situação pós-moderna, o espaço urbano se assume como
algo independente e autônomo e, “na superfície, ao menos, parece
que o pós-modernismo procura justamente descobrir maneiras de
exprimir essa estética da diversidade” (HARVEY, 1992, p.76). Situação que permite dar uma imagem determinada às cidades, com sua
paisagem espetacularizada, como forma de atrair capital e pessoas,
numa fase de competição interurbana e de empreendedorismo urbano intensificados. Neste processo, o poder é desagregador, excludente e aniquila a autonomia do resto dos atores (SANTOS, 2000).
O enfraquecimento de barreiras físicas, o avanço da globalização e a padronização do global sobre o doméstico contribuiu
para que a pós-modernidade fosse produtora de não lugares, como
afirma Augé (1994). Segundo o autor, há espaços onde o indivíduo
se torna apenas espectador, sem importar de fato a natureza do
espetáculo, como se sua posição de espectador por si só já caracterizasse seu próprio espetáculo. Esta afirmação corrobora com a
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Everton N. Rossete Junior e Nelson Popini Vaz
ideia de Sennett (1988) de que a plateia, como tal, perde seu sentido
como força ativa. Os não lugares reforçam a ideia de inexistência
de conflitos – conflitos urbanos tão omitidos pela cidade-imagem
e tão necessários na configuração da cidade democrática – e de
relações políticas. Nestas há uma relação contratual (materializada
em um ingresso, passaporte, passagem, dinheiro, cartão de crédito,
entre outros), que deve provar a participação dos usuários ou
transeuntes, que se resguardam em seus relativos anonimatos.
Já que parte da cultura da cidade “foi apropriada pelo capital
financeiro privado nesta atual fábrica de imagens consensuais”
(JACQUES, 2009), há que se pensar em máquinas de guerra como
possibilidade de ação política crítica, de resistência, como coexistência de diferenças, de divisões, ou “partilhas do sensível”
(RANCIÈRE apud JACQUES, 2009). Desta forma, a arte pode ser vista
também como ação de divergência, como forma de explicitar os
conflitos abafados pelo simulacro de vida urbana dominante, como
modo de resistência que expõe as tensões no espaço público,
principalmente diante da estetização despolitizada. Cumpre
inclusive, de acordo com Cardoso (2008), um papel relevante para
a própria dinâmica social da cidade em processo de transição
política, principalmente quando a obra de arte – representada neste
trabalho pelos eventos de teatro – passou a ser apresentada no
espaço público, aliada aos movimentos de caráter político.
A potencialidade da arte teatral no espaço público
Claramente, a ideia da arte, como forma de explicitar diferenças, desacordos e descontentamentos, não constitui proposta de se
instaurar no espaço urbano um clima agressivo, mas sim como forma de se opor à pacificação artificial e segregadora que ocorre nas
Espaços públicos urbanos como cenários artísticos ...
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cidades (JACQUES, 2009). O consenso e a omissão dos conflitos
despolitizam; enquanto o desentendimento e a exposição das
diferenças existentes se mostram como forma ativa de ação política,
de resistência.
Essa proposta de intervenção artística apontada por Jacques
(2004, 2009) como resistência visa se apropriar do espaço público
para relativizar a imagem apaziguadora e pacificada do espaço
urbano forjada pelo espetáculo do consenso. A arte surge com papel
promissor, já que a exploração das relações entre corpo e cidade, o
homem e o espaço, a arte e a política, tem papel determinante para
a exposição, ou até mesmo criação, de tensões no espaço da cidade.
De locais como as favelas, por exemplo, podem surgir narrativas alternativas, uma vez que, nesses locais, a cultura e a arte se
revelam cada vez mais como um caminho onde estas emergem. A
existência do espaço da pobreza permite o desenvolvimento de uma
reflexão sobre seu próprio lugar no mundo: “por meio delas
cidadãos artistas cultivam um estado de luta capaz de contrariar a
força das estruturas dominantes, e do pensamento único”
(COUTINHO, 2011, p.126). Há aí uma possibilidade dos cidadãos
se redescobrirem mais críticos e mais autores (ou atores) do que
meros espectadores de seus destinos.
A arte, especificamente o teatro, pode promover o encontro
entre personagens de rua do passado e do cotidiano contemporâneo,
permitindo ao público reviver a cidade de outra época. É o que
acontecia no projeto Cenas Carioca. Este visava rememorar a cidade
através da história de suas ruas e praças, trazendo através da
narrativa teatral novos significados para determinados lugares da
paisagem urbana carioca (CARDOSO, 2008). O teatro se mostra, sob
esse aspecto, perturbador ao sugerir uma nova relação do transeunte
com sua cidade.
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Everton N. Rossete Junior e Nelson Popini Vaz
Com a era da mobilidade digital, a internet móvel aproxima o
homem do desejo de onipresença. Com o soerguimento de uma nova
cultura telemática (LEMOS, 2005), práticas contemporâneas de
agregação social são facilitadas. Um exemplo é a reunião de várias
pessoas que se encontram para a realização de um ato em conjunto
e depois se dispersam (flash-mobs). Estas mobilizações podem ter
finalidades artísticas ou de cunho declaradamente político-ativista.
Segundo Lemos (2005), a rede virtual se torna espaço mediador de
organização, a rua aparece como espaço de encontro e a arte crítica
um instrumento em potencial, que revela ou até cria tensões no
espaço público, tornando visível o que o consenso dominante tenta
ocultar (JACQUES, 2009). Marcas da pós-modernidade, como
hedonismo, ativismo global, micropolítica e nonsense, ficam então
evidenciadas.
É importante notar, contudo, que “a era da conexão não é
necessariamente uma era da comunicação” (LEMOS, 2005, p.9); a
novidade é instrumental – o uso de tecnologias digitais móveis como
forma de agregar multidões. Deve-se cuidar, então, para não criar
uma visão ingênua de um falso ineditismo do fenômeno.
Outros diversos exemplos de espetáculos artísticos teatrais de
rua resgatando o caráter público da cidade podem ser encontrados,
como é o caso das apresentações do Auto da Estrela-Guia, realizado
pela Áprika Produção em Arte, entre 1998 e 2003, no Centro de
Florianópolis. De acordo com Naspolini (2011), tratou-se de um
espetáculo cênico que visou estabelecer relação intensa com o ambiente urbano, de forma a provocar um diálogo com monumentos
históricos e a identidade local. Buscou-se proporcionar uma forma
diferenciada de olhar para espaços frequentados no dia a dia.
Pode-se atuar teatralmente no espaço urbano de diversas
formas, como por exemplo, com técnicas do Teatro Fórum ou do
Teatro do Invisível. No Teatro Fórum, como explica Boal (2012
Espaços públicos urbanos como cenários artísticos ...
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[1998]), há um tipo de luta, ou jogo, que visa aprender por quais
mecanismos se dá uma opressão, descobrindo estratégias de evitála, com o ensaio dessas práticas. Já no Teatro do Invisível, “o
espectador torna-se protagonista da ação, um espect-ator, sem que,
entretanto, disso tenha consciência. Ele é o protagonista da realidade que vê, mas ignora sua origem fictícia” (BOAL, 2012, p. 49).
Na realidade, o ser humano pode se apropriar aos poucos de qualquer espaço que existir e, ao interagir com as estruturas urbanas,
ele gera condições para a teatralização do local (PINHEIRO, 2006).
A utilização de espaços cênicos fora do “edifício do teatro”
(como na cidade, suas ruas e praças), como “lugar teatral”, não é
nenhuma novidade em si. Diversas vezes na história, desde a Grécia
Antiga, “a cidade foi o próprio lugar do espetáculo; o teatro sempre
manteve relações estreitas com a cidade” (NASPOLINI, 2011, p.45).
A cidade com seus fluxos podem inclusive conformar uma base
dramatúrgica e “ao recuperar uma das formas essenciais da vida
coletiva, presente na polis grega, o teatro feito na rua hoje pode
abrir a perspectiva de diálogo entre mundos segmentados de uma
mesma cidade.” (NASPOLINI, 2011, p. 49)
Imagem: Espetáculo de rua “Júlia” (A aleijada que dança).
Fonte: Arquivo pessoal do Grupo “Cirquinho do Revirado” (2013).
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Everton N. Rossete Junior e Nelson Popini Vaz
Ao se inserirem no espaço da rua, os artistas buscam a construção de um jogo entre elementos que aspira à contemplação da relação entre ator, público e espaço, fazendo com que todos participem
da construção de ideias expostas no ambiente urbano (PINHEIRO,
2006). Além disso, utilizar a rua como cenário aproxima a obra de
arte do seu ideal de civilidade, já que a obra teatral viabiliza o
desfrute desses aspectos pelo coletivo, favorecendo uma reconstrução imagética, procedente desse contato com uma leitura nova do
já então conhecido (BORGES, 2011).
Vê-se então que a cidade pode servir como espaço de mediação
para manifestações artísticas de diversas formas, não sendo sua ação
limitada a espaços preestabelecidos para tal. Outros exemplos de
práticas artísticas vistas como instrumentos de resistência puderam
ser encontrados em outubro de 2008, no encontro CORPOCIDADE, quando artistas produziram intervenções em espaços públicos
de Salvador, Bahia, sob diversas formas (BRITTO; JACQUES, 2009).1
Conclusão
Ao se notar a perda e o declínio da vida pública nas cidades,
novas formas de sociabilidade se fazem necessárias, devido à tendência ao desaparecimento do espírito público e do contato real
entre cidadãos. Os conflitos urbanos, omitidos pela cidade-imagem
do espetáculo passivo, são necessários na consideração de uma
cidade mais democrática. É importante saber trabalhar com tais
conflitos, assumir a tensão existente entre eles. Com a mediação
1. Na página do evento (http://www.corpocidade.dan.ufba.br), podem ser
encontrados debates sobre tal encontro, sobre os dissensos, conflitos e tensões
do mesmo.
Espaços públicos urbanos como cenários artísticos ...
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dos espaços virtuais e cibernéticos, o espaço urbano surge também
como campo para a arte crítica: os artistas já são familiarizados
com tais “zonas de tensão” e podem nos auxiliar na reinvenção de
um urbanismo comprometido com um espaço público mais familiarizado com a divergência e, portanto, mais incorporado e ativo
na vida urbana contemporânea.
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TEIXEIRA COELHO, J. Moderno Pós Moderno: modos e versões. 4 ed.
São Paulo: Iluminuras, 2001.
| 333
A difusão da arte na era dos museus virtuais
HELOISA PINTO URURAHY*
As primeiras fases do museu na internet
Os hábitos de vida atuais dos cidadãos, integrados às novas
tecnologias, geraram outro modo comunicação com o mundo ao
seu redor. Mudaram as relações sociais – pessoais e profissionais –
e, especialmente, a forma de contato que se tem com a informação
e a cultura. Hoje, as relações espaço-tempo se confundem. Conteúdos, antes somente disponíveis em bibliotecas e museus, agora
podem ser acessados e conhecidos em quase todo o planeta.
O uso das novas tecnologias na difusão cultural é um processo
em constante evolução na sociedade acompanhado há algum tempo
pelos estudiosos. Para García Canclini, antropólogo argentino e
pesquisador dos novos hábitos culturais:
As fusões multimídia e as concentrações empresariais na produção
de cultura correspondem, no consumo cultural, à integração de
rádio, televisão, música, notícias, livros, revistas e internet. Devido
à convergência digital destes meios, se reorganizam os modos de
* Mestranda do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e
História da Arte na Universidade de São Paulo. Artista, radialista, cineasta e
pesquisadora. Graduada bacharel em Audiovisual pela Universidade de São Paulo.
E-mail: [email protected]
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Heloisa Pinto Ururahy
acesso aos bens culturais e às formas de comunicação (…) Nem
os hábitos atuais dos leitores-espectadores-internautas, nem a fusão de empresas que antes produziam de forma separada cada tipo
de mensagem, ainda permite conceber como ilhas separadas os
textos, as imagens e sua digitalização. (CANCLINI, 2007, p. 49-50)
Atualmente, os mais importantes museus conhecidos se
destacam com páginas web ricas em conteúdos e formatos inovadores de interatividade. No entanto, é desde o começo dos anos
90, com a chegada dos primeiros softwares de navegação,1 que as
grandes instituições artísticas já começavam a criar seus primeiros
sites na internet. A princípio, seus maiores objetivos estavam focados somente na publicidade e divulgação de suas atividades a um
número maior de pessoas além da comunidade localizada a sua
volta e de seus visitantes habituais.
Nesta primeira fase dos museus na web, as próprias instituições,
e em especial seus departamentos de ação cultural e educacional,
identificaram que suas funções primordiais haviam aumentado,
aproveitando a potencialidade difusora da internet. Às tradicionais
atribuições de coleção, preservação, investigação e exposição,
acrescentar-se-iam os novos deveres de educação e comunicação.
A rede vinha para permitir que se superasse o afastamento
geográfico, facilitando o acesso individual e descentralizado do
público com reproduções eletrônicas de obras de arte e também a
sua contemplação de maneira não presencial (GANT, 2001, p. 233).
As páginas web dos museus, até então, contentavam-se em disponibilizar informações sobre as atividades e o que mais houvesse
em seu espaço físico. Encontrávamos nesses sites, por exemplo, a
1. O primeiro software de navegação popularmente conhecido se chamava
Mosaic e data, imprecisamente, de algo entre 1993 e 1994.
A difusão da arte na era dos museus virtuais
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sua localização, preços, horários e serviços, parte ou toda coleção
digitalizada, históricos das instituições, programação e calendários,
publicações, loja virtual, departamento de imprensa e informações
sobre programas de difusão e educação presenciais. Havia ainda,
alguns tipos de serviços bidirecionais que permitiam o contato do
usuário com a empresa, como listas e fóruns de discussão, bases de
pesquisa, e-mail para a gerência e questionários de sugestões ou
satisfação.
Através desses primeiros esforços, as instituições conseguiram
ampliar a divulgação e promoção de suas coleções, exposições, programas e atividades, tanto para o público local, como também para
um público internacional antes não atingido; e ainda aproximarse mais de seus usuários pelos canais de comunicação direta, como
os fóruns de discussão e e-mail. A internet afeta, primeiramente, a
projeção externa do museu, melhorando o acesso à informação,
ao catálogo virtual e o enlace a recursos externos. Ela também
favorece o desenvolvimento de novas técnicas de mercado que
aumentam o número de visitantes reais e a aparição de novas
atividades que geram novas demandas ao local (PRADO, 2000 apud
GANT, 2001 p. 231).
Essas atividades iniciais dos museus na rede priorizavam a
divulgação de informações esperando uma possível visita ao museu
físico, funcionando como um catálogo eletrônico que promovia a
democratização cultural com a exposição, divulgação e promoção
da instituição e seus produtos na rede. Ainda, as redes se viram
com a possibilidade de conectar seus acervos, facilitando a busca
do usuário e o acesso a conteúdos separados fisicamente, mas
unidos em catálogos virtuais gerais.
A internet quebra a antiga característica isolacionista dos
museus, substituída pela conexão de distintos museus entre si e ao
usuário final, facilitando o acesso à informação (ANDERSON, 1999
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apud GANT, 2001, p. 233-234). Todavia, ainda eram percebidos
novos desafios para a utilização do espaço da internet pelas instituições artísticas. Já se sabia que o website não substituiria o prédio
físico do museu. No entanto, o maior desafio era transformar o
museu da rede em um lugar para situações que só poderiam ser
vividas ali e não um lugar de transposição dos acontecimentos na
sede real de exposições. Numa segunda fase do uso da internet pelos
museus, observa-se, principalmente, a preocupação com um novo
tipo de arte sendo criado: a arte imaterial.
A atividade que nos chama mais a atenção foi a busca pela
utilização da internet para a divulgação de obras e exposições feitas
especialmente para a web. A arte feita para a internet, programada
em softwares de tecnologia computacional, agora seria exposta nos
websites dos museus e não apenas em totens de computadores
montados em exposições dentro das galerias. Os museus tiveram
que se transformar para acomodar essa nova arte, com a necessidade de uma grande troca entre instituições, curadores, artistas,
obras e espectadores. O objetivo era aproveitar as propriedades
particulares das novas mídias para ampliar o público da arte (PAUL,
2008, p. 53).
No fim dos anos 90, entramos no momento da aparição dos
sites de realização. Páginas cujo objetivo principal não era apenas
disponibilizar e divulgar obras feitas para a plataforma web, mas
também colecioná-las. Esses sites surgem na tentativa de resolver
– ou ao menos expandir – algumas das principais preocupações
das instituições naquele momento: Como manter a página do museu
interessante para o visitante que também irá ao museu físico, além
daquele que apenas o acessará de sua casa? Como atrair o espectador para a web-art, se ele experimentará apenas uma das configurações possíveis daquela obra e não a obra completa (já que na
arte interativa cada acesso resultaria uma obra diferente)?
A difusão da arte na era dos museus virtuais
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Um dos sites mais interessantes de coleção de obras de webart, ou seja, páginas feitas especialmente para serem vinculadas na
internet, foi o portal E-space,2 do San Francisco Museum of Modern
Art. O museu foi um dos primeiros a adquirir esse tipo de arte para
sua coleção e ainda patrocinar artistas para a criação de obras para
seu portal. Apesar de o portal estar fora do ar atualmente, o San
Francisco Museum of Modern Art continua com suas pesquisas e
com o desenvolvimento nas novas práticas artísticas e mantém um
acervo de arte eletrônica disponível em seu site. Outro exemplo
deste tipo de iniciativa é Dia Art Foundation,3 de Nova York. A
página se mantém desde 1995 até os dias atuais no exercício de
suas atividades de patrocínio de artistas convidados para a criação
de projetos exclusivamente para a internet. Todas as obras
realizadas pelos artistas patrocinados, desde o começo do projeto,
estão disponíveis para acesso pelo site.
No entanto, novas questões surgem quanto ao aproveitamento
do potencial da internet na difusão artístico-cultural. Os museus
entendem que devem manter sua realidade física com diversificadas
oportunidades e, ainda, ser um emissor de informações de grande
adaptabilidade às circunstâncias de produção e usufruto da arte
em um mundo cada vez mais dependente das redes digitais de comunicação e de telepresença (GANT, 2001, p. 246). A maior variável
envolvida na equação seria o novo tipo de espectador do museu
virtual: o que querem esses novos espectadores que não atuam mais
apenas de forma passiva diante ao acesso digital das informações?
2. E.SPACE. Disponibilizado em: <sfmoma.org/espace/espace_overview.
html>. Fora do ar.
3. DIA CENTER FOR THE ARTS. Disponível em: <diacenter.org>. Acesso
em jul/2013.
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Heloísa Pinto Ururahy
Museu, internet e o novo espectador
A relação do espectador com a obra de arte tem mudado. Com
as possibilidades infinitas de reprodutibilidade, as obras chegam
cada vez mais próximas de um número maior de pessoas, através
de réplicas originais, dos designs exclusivos e também da difusão
de acervos eletronicamente, em arquivos digitais. Foi abandonada
a ideia de que as pessoas só poderiam ter “uma relação única com
a arte desde uma subjetividade incondicionada” (CANCLINI, 2007,
p. 2007). A difusão da arte está se voltando aos espectadores concebidos na era digital interativa e planejando uma comunicação
baseada em novas tecnologias: “No futuro a arte será mais das massas do que nunca. O êxito de uma obra de arte se medirá em função
dos seus resultados na rede.” (ARAGONESES, 1995 apud GANT,
2001, p. 37)
O novo público dos museus, tanto em seu espaço físico, mas
especialmente em seu formato virtual, é esse espectador multifunção
que não se satisfaz apenas com a relação bidirecional de receptor
da obra. Ele deseja – ou apenas exerce naturalmente – a função de
receptor-emissor, criador-difusor, não atuando mais de forma
passiva diante ao acesso de múltiplas informações, mas gerindo e
reconstruindo outros significados a elas. Para Christine Paul, o meio
digital acaba por envolver mais o público no processo curatorial e
autoral: “apesar de um novo modelo precisar de tempo para se
desenvolver completamente, ele sugere o potencial das tecnologias
digitais como uma fonte aberta para a criação e apresentação da
arte” (PAUL, 2008, p. 74).
Desta terceira fase de ‘descoberta’ das possibilidades da internet
pelas instituições artísticas e culturais, temos exemplos nos principais museus de arte contemporânea do mundo. Um dos que aproveitou bem a onda da economia criativa no desenvolvimento de
A difusão da arte na era dos museus virtuais
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novas relações com o público de sua página na internet é o Museu
de Arte Moderna de Nova York4 (MOMA-NY). O museu possui
um site bastante complexo, altamente atualizado e com uma incrível
variedade de aplicativos para o usufruto do espectador. Além do
conteúdo tradicional (informações básicas para visitas físicas, sobre
o espaço e sua programação; base de dados com a coleção e as publicações do museu; área para ações educativas direcionadas a diversos
públicos; associações de amigos e patrocinadores da instituição; e
loja virtual), a página conta com uma série de atrações interativas
de toda a sorte de ‘novidades’ do mundo virtual.
Em uma opção do menu, denominada Explore, o MOMA-NY
oferece uma plataforma chamada MOMAmultimedia. Nela encontramos uma atração interativa de visualização 3D das exposições
programada em Flash; links para webpages de exposições em cartaz
e antigas; tutoriais para professores, jogos interativos sobre arte
para crianças e adolescentes; além de trailers de suas mostras de
filmes e vídeos promocionais de exposições.
No mesmo menu Explore, estão disponíveis o link para um
blog do museu, no qual internautas recebem e interagem com
notícias constantemente atualizadas sobre a instituição, organizadas
entre as mais vistas, as mais recentes, ou as especialmente selecionadas pelo moderador. No blog, ainda são indicados links importantes relacionados às artes e as opções de seguir o museu em
praticamente todas as redes sociais mais populares do momento,
como Foursquare, Facebook, Twitter, Flickr, YouTube, além de
iTunes e RSS. Essas redes também estão separadas e organizadas
entre outras em uma opção dentro do menu Explore específica para
elas: a Online Communities.
4. MUSEUM OF MODERN ART – NEW YORK. Disponível em:
<moma.org>. Acesso em jul/2012.
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Em outra parte deste mesmo menu Explore, chamada MOMA
mobile, está a área mais atual do site. Nela são disponibilizados,
para download gratuito, aplicativos para iPhone e Android, nos
quais o usuário tem acesso a informações exclusivas do museu.
Também há aplicativos para iPad, no qual é possível acessar mapas
multimídias das exposições, assistir vídeos em alta resolução, ler
inúmeras publicações do museu em formato ibook e compartilhar
todos esses arquivos com colegas através de redes sociais.
Na corrida pelas atualizações tecnológicas, incluindo as novas
regras da internet de criação e compartilhamento de conteúdo
personalizado, o MOMA-NY também criou uma plataforma
própria de organização do acervo pelo usuário para fins de coleção
e difusão à sua rede de conexões. No espaço Share: MOMA mobile,
o internauta se conecta ao portal e pode montar e editar sua própria
coleção de obras para compartilhar com os amigos através das redes
sociais ou de dispositivos móveis.
Os desafios do museu ubíquo
A utilização dos dispositivos móveis e de telepresença, aparentemente a ‘bola da vez’ no investimento em comunicação sendo
feito pelos museus e instituições artístico-culturais, deve-se a sua
característica de linha direta com o dia a dia do sujeito atual,
constantemente conectado a essas tecnologias. Com a possibilidade
de acessar o conteúdo dos museus em qualquer lugar, desde sua
casa, trabalho ou ambiente de lazer, o espectador traz a vivência
museológica para sua vida cotidiana, concretizando a antiga
idealização do museu-sem-paredes5. O especialista em museologia,
Konstantinos Arvanitis, realça também a importância da participação inversa, da vida cotidiana das pessoas entrando no museu:
A difusão da arte na era dos museus virtuais
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O cotidiano é um lugar de multiplicidade, onde a percepção das
pessoas de seu redor toma a forma de conhecimento efêmero. As
mídias móveis podem ‘dar voz’ à vida cotidiana e possibilitar os
museus a se abrir à existência cotidiana que torna as pessoas quem
elas são, como elas veem e compreendem o mundo a sua volta.
(ARVANITIS, 2010, p. 175)
Essa obrigação de se atualizar aos novos modos de comunicação pode confundir as instituições quando mesclam sua responsabilidade social às suas necessidades de marketing. Christine Paul
lembra que estamos em uma sociedade do espetáculo digital, que
precisa satisfazer seus consumidores com efeitos especiais cada vez
mais sofisticados, e que artistas e instituições que trabalham com
novas tecnologias estão sujeitos a esses mesmos requisitos (PAUL,
2008, p. 72). Para o inglês Peter Lewis, o importante é que não se
pode oferecer ao público dos museus o que eles querem e tratá-los
como simples consumidores, mas sim se deve oferecer o que é
entendido que eles precisam, tratando-os como usuários e
participantes (LEWIS, 1993, p. 26).
A informação e a cultura estão se transformando em fatores
muito relevantes economicamente na sociedade, devido a sua grande
influência nos comportamentos das pessoas. Os museus adentraram
o mundo da internet com o objetivo de ganhar maior visibilidade
social. Com o passar do tempo, percebem que sua própria função
na sociedade poderia se expandir através desse meio. A cultura e a
arte passam a ser um bem social acessível a todos, valorizado e
incentivado por instituições, governos e indivíduos. HooperGreenhill define o futuro dos museus: “o pós-museu é um lugar de
mutualidade, no qual o conhecimento é construído, em vez de transmitido, através do acúmulo de múltiplas subjetividades e identidades” (HOOPER-GREENHILL, 2000 apud ARVANITIS, 2010, p. 171).
Watkins e Russo comentam que as novas mídias possibilitam
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Heloísa Pinto Ururahy
programas de colaboração interinstituições com o potencial de criar
uma rede compartilhada e confiável de herança cultural na qual os
visitantes podem seguir temas e associações livres do ditado pelas
instituições individuais (RUSSO; WATKINS, 2007, p. 155).
Neste momento, é cada vez mais necessário que agentes tenham
interesse em criar formatos que possam realmente aproveitar a função informativa e educativa do meio virtual. Os museus devem entender que o novo modelo de interação instituição-espectador
permite a criação de um conteúdo muito mais amplo, ao anexar uma
grande variedade de informações geradas constantemente pela própria comunidade de usuários ao seu grande acervo institucional, formando assim, um gigantesco mapa de herança cultural da sociedade.
Russo e Watkins salientam que as instituições não devem se
preocupar com a autenticidade ou qualidade de um material gerado
por fontes tão variadas, já que ele derivaria de interpretações distintas da cultura, representando um maior número de pontos de
vista. O novo papel dos museus, possibilitado pela rede, não é mais
o de grandes centros de conhecimento, e sim o de facilitadores de
conexões de informações validadas e confiáveis (RUSSO; WATKINS,
2007, p. 156).
Para terminar, é preciso comentar algumas questões levantadas
pelo especialista em internet Henry Jenkins sobre a falsa democracia
nos mecanismos da web. Ainda que as buscas na rede sejam
impulsionadas pelo apoio de outros usuários, as perspectivas
minoritárias podem se manter escondidas por ela. A mesma fartura
de informações que parece um suprimento inesgotável de conteúdo
gerado pelos usuários pode nos desencorajar a questionar que tipo
de material não se encontra ali. (JENKINS, 2009, p. 164)
Muitas são as pesquisas atuais para o aproveitamento das
tecnologias, agora tão cotidianas, na inserção das instituições
artístico-culturais e da própria arte no dia a dia das pessoas. E prin-
A difusão da arte na era dos museus virtuais
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cipalmente, após um recente entendimento, mais ainda tem sido
feito para inserção da vida cotidiana das pessoas e da sociedade na
produção da herança cultural que é reservada, alimentada e protegida pelos espaços museológicos.
Os museus caminharam pela internet em uma primeira fase
para uso e distribuição de informações a um público mais amplo;
uma segunda fase, na qual se preocupava em oferecer aos visitantes,
conteúdos diferentes dos que havia nos museus físicos, investindo
na arte computacional; até chegar a uma fase atual, em que as instituições se dispõem a compartilhar a criação e organização de seus
acervos com os usuários e a comunidade.
Uma poderosa memória cultural da humanidade tem sido perenemente construída, de forma coletiva, pela população mundial.
No entanto, o desafio das grandes instituições é incluir uma grande
parte da população que ainda não tem acesso às possibilidades de
interação com a arte e a cultura que as novas tecnologias têm trazido
à sociedade atual.
Referências bibliográficas
ARVANITIS, Konstantinos. Museums outside walls: mobile phones and
the museum in the everyday. In: PARRY, Ross (Ed.) Museums in a
age digital. USA: Routledge, 2009, p. 170-175.
CANCLINI, Néstor García. Lectores, espectadores e internautas.
Barcelona: Editoral Gedisa, 2007.
DIA CENTER FOR THE ARTS. Disponível em: <diacenter.org>.
E.SPACE. Disponível em: <sfmoma.org/espace/espace_overview.html>.
Acesso em: 16 Sep. 2013.
GANT, María Luisa Bellido. Arte, museos y nuevas tecnologías. Gijón:
Ediciones Trea, 2001.
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Heloísa Pinto Ururahy
JENKINS, Henry. O que aconteceu antes do YouTube? In: BURGUESS,
Jean; GREEN, Joshua. YouTube e a revolução digital. São Paulo:
Aleph, 2009. p. 143-164.
LEWIS, Peter. The role of marketing. In: AMBROSE, Timothy;
RUNYARD, Sue (Ed.). Forward planning: a handbook of business,
corporate and development planning for museums and galleries.
London: Routledge, 1993, p. 26-31.
MUSEUM OF MODERN ART NEW YORK. Disponível em:
<moma.org>. Acesso em: 16 Sep. 2013.
PAUL, Christiane. Challenges for a Ubiquitous Museum. In: ________.
From the White Cube to the Black Box and Beyond, 2008.
RUSSO, Angelina; WATKINS, Jerry. Digital cultural communication:
audience and remediation. In: CAMERON, Fiona; KENDERDINE,
Sarah (Ed.). Theorizing digital cultural heritage: a critical discourse.
Cambridge: The MIT Press, 2007, p. 149-164.
| 345
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor: João Grandino Rodas
Vice-Reitor: Hélio Nogueira Cruz
Vice-Reitor Ex. Adm.: Antonio Roque Dechen
Vice-Reitor Executivo de Relações Internacionais: Aluisio
Augusto Cotrim Segurado
Pró-Reitora de Grad.: Telma Maria Tenório Zorn
Pró-Reitor de Pós-Graduação: Vahan Agopyan
Pró-Reitor de Pesquisa: Marco Antônio Zago
Pró-Reitora de Cultura e Ext. Univ.: Maria Arminda do N.
Arruda
Secretário Geral: Rubens Beçak
MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
CONSELHO DELIBERATIVO
Ana Gonçalves Magalhães; Carmen Aranha; Cristina Freire;
Eduardo Morettin; Eugênia Vilhena; Georgia Kyriakakis;
Helouise Costa; Katia Canton; Tadeu Chiarelli; Vera Filinto
DIRETORIA
Diretor: Tadeu Chiarelli
Vice-diretora: Cristina Freire
Assessoras: Helouise Costa; Ana Maria Farinha
Secretárias: Ana Lucia Siqueira; Mônica Nave
DIV. DE PESQUISA EM ARTE – TEORIA E CRÍTICA
Chefia: Helouise Costa
Suplente de Chefia: Ana Gonçalves Magalhães
Secretárias: Andréa Pacheco; Sara Vieira Valbon
Docentes e Pesquisa: Cristina Freire; Helouise Costa; Ana
Gonçalves Magalhães
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DIVISÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA DE ACERVO
Chefia: Paulo Roberto A. Barbosa
Suplente de Chefia: Rejane Elias
Secretária: Maria Aparecida Bernardo
Documentação: Cristina Cabral; Fernando Piola; Marília
Bovo Lopes
Arquivo: Silvana Karpinscki
Cons. e Restauro Papel: Rejane Elias; Renata Casatti
Apoio: Aparecida Lima Caetano
Cons. e Restauro Pintura e Escultura: Ariane Lavezzo;
Márcia Barbosa
Apoio: Rozinete Silva
Técnicos de Museu: Fábio Ramos; Mauro Silveira
DIV. TÉCNICO-CIENTÍFICA DE EDUCAÇÃO E ARTE
Chefia: Evandro Nicolau
Suplente de Chefia: Andréa Amaral Biella
Docentes e Pesquisa: Carmen Aranha; Katia Canton
Secretárias: Carla Augusto; Miriã Martins
Educadores: Andréa Amaral Biella; Evandro Nicolau; Maria
Angela S. Francoio; Renata Sant’Anna; Sylvio Coutinho
Esp. em Pesquisa de Apoio em Museu: Silvia M. Meira
Apoio: Luciana de Deus
SERV. DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO LOURIVAL
GOMES MACHADO
Chefia: Lauci B.Quintana
Documentação Bibliográfica: Anderson Tobita; Josenalda
Teles; Vera Filinto
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ASSISTÊNCIA TÉCNICA ADMINISTRATIVA
Chefia: Nilta Miglioli
Secretária: Regina Pavão
Contador Chefe: Francisco I. Ribeiro Filho
Contador: Silvio Corado
Chefia MAC Ibirapuera: Júlio J. Agostinho
Secretária MAC Ibirapuera: Sueli Dias
Almoxarifado e Patrimônio: Lucio Benedito da Silva; Edson
Martins
Compras: Eugênia Vilhena; Nair Araújo; Waldireny F.
Medeiros
Pessoal: Marcelo Ludovici; Nilza Araújo
Protocolo, Expediente e Arquivo: Cira Pedra; Maria dos
Remédios do Nascimento; Maria Sales; Simone Gomes
Tesouraria: Rory Willian Pimentel; Rosineide de Assis
Copa: Amarina Ribeiro; Regina de Lima Frosino
Loja: Liduína do Carmo
Audiovisual: Maurício da Silva
Manutenção: André Tomaz; Luiz Antonio Ayres; Ricardo
Caetano
Transportes: José Eduardo da Silva; Anderson Stevanin;
Jarbas Rodrigues Lopes
Vigilância Chefia: Marcos de Oliveira
Vigias: Acácio da Cruz; Affonso Pinheiro; Alcides da Silva;
Antoniel da Silva; Antonio C. de Almeida; Antonio Dias;
Antonio Marques; Carlos da Silva; Clóvis Bomfim; Custódia
Teixeira; Elza Alves; Emílio Menezes; Geraldo Ferreira; José
de Campos; Laércio Barbosa; Luis C. de Oliveira; Luiz A.
Macedo; Marcos Prado; Marcos Aurélio de Montagner;
Osvaldo dos S. Maria; Raimundo de Souza; Renato Ferreira;
Renato Firmino; Vicente Pereira; Vitor Paulino
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IMPRENSA E DIVULGAÇÃO
Jornalista: Sergio Miranda
Equipe: Beatriz Berto; Carla Carmo
SEÇÃO TÉCNICA DE INFORMÁTICA
Chefia: Teodoro Mendes Neto
Equipe: Roseli Guimarães; Marilda Giafarov
SECRETARIA ACADÊMICA
Analista Acadêmico: Águida F. V. Mantegna
Técnico Acadêmico: Paulo C. L. Marquezini
Técnico Acadêmico (PGEHA): Joana D´Arc Ramos S.
Figueiredo
PROJETOS ESPECIAIS E PRODUÇÃO DE EXPOSIÇÕES
Chefia: Ana Maria Farinha
Produtoras Executivas: Alecsandra M. Oliveira; Beatriz
Cavalcanti; Claudia Assir
Editora de Arte, Projeto Gráfico e Expográfico: Elaine Maziero
Editoria Eletrônica: Roseli Guimarães
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES EM
ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE - PGEHA
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES – ECA USP
Diretora: Margarida Maria Krohling Kunsch
Vice-Diretor: Eduardo Henrique Soares Monteiro
ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES – EACH USP
Diretor: José Jorge Boueri Filho
Vice-Diretor: Edson Roberto Leite
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FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO – FAU USP
Diretor: Marcelo de Andrade Roméro
Vice-Diretora: Maria Cristina da Silva Leme
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS
HUMANAS – FFLCH USP
Diretor: Sérgio França Adorno de Abreu
Vice-Diretor: João Roberto Gomes de Faria
MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA – MAC USP
Diretor: Tadeu Chiarelli
Vice-Diretora: Maria Cristina Machado Freire
COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO – PGEHA
Membros Docentes:
Artur Matuck
Carmen Sylvia Guimarães Aranha
Helouise Lima Costa
Denise Dias de Barros
Lisbeth Rebollo Gonçalves
Membro Discente:
Eunice Maria da Silva
Programa de Pós-Graduação Interunidades
em Estética e História da Arte
Rua da Praça do Relógio, 160 – Anexo – sala 01
05508-050 – Cidade Universitária – São Paulo/SP
Tel./Fax.: (11) 3091.3327
[email protected] – www.usp.br/pgeha
| 351
Índice de autores
Ana Amália Tavares Bastos Barbosa ....................................... 95
Andrea Alexandra do Amaral Silva e Biella .......................... 123
Antonio de Padua Rodrigues ................................................ 315
Arthur Hunold Lara ............................................................. 315
Artur Matuck ....................................................................... 217
Carmen S. G. Aranha ....................................................... 13, 77
Caroline Moreira Bacurau .................................................... 291
Eduardo Augusto Alves de Almeida ..................................... 277
Eliane Dias de Castro ........................................................... 277
Evandro Nicolau .................................................................... 77
Everton Nazareth Rossete Junior ......................................... 329
Hannes Neubauer ................................................................... 63
Heloisa Pinto Ururahy .......................................................... 339
Jack Becker ............................................................................. 39
Janedalva Pontes Gondim ..................................................... 291
Jean Kirsten ............................................................................ 57
Katia Canton .................................................................. 13, 135
352
|
Luciana Pasqualucci ............................................................. 303
Maria Angela Serri Francoio ................................................ 167
Maria João Rodrigues de Araújo ............................................ 19
Mônica Nador ...................................................................... 253
Nelson Popini Vaz ................................................................ 329
Rejane Galvão Coutinho ...................................................... 151
Renata Sant’Anna ................................................................. 259
Rosa Iavelberg ...................................................................... 199
Sabine Fichter ......................................................................... 57
Silvia Meira .......................................................................... 233
Stela Barbieri .......................................................................... 89
Tadeu Chiarelli ....................................................................... 11
Valquíria Prates .................................................................... 259