“Hoppípolla” e as novas imagens do envelhecimento
Transcrição
56 “Hoppípolla” e as novas imagens do envelhecimento Barbara Tancetti Ruth Gelehrter da Costa Lopes O envelhecimento A idade, bem como o envelhecimento, está ligada a fenômenos biológicos e determinada e pontuada por estes, mas seu significado é determinado social culturalmente. A abordagem do ciclo biológico como estágios da vida surgiu partir do séc. XX, graças às grandes mudanças na estrutura econômica social das sociedades ocidentais a partir da industrialização. é e a e Com o surgimento da infância e da adolescência como fases da vida, alvos de estudos de diversos setores (bem como de legislação e demarcação dentro da sociedade e do mercado), a velhice se tornou proeminente como outra fase, distinguindo-se suas necessidades daquelas da meia idade. Seu rito de passagem é a aposentadoria, que instituiu a idade média do início da velhice em um padrão de 65 anos. Dessa forma, essa diferenciação acarretou uma determinação das funções sociais e econômicas, de acordo com a idade, aumentando a segregação e distinção destes grupos. Mas as necessidades desta nova etapa também se evidenciaram por outros fenômenos, como a alteração da estrutura familiar – com famílias cada vez menores e, principalmente, a transformação e a redefinição de seus valores, o que incluiu a diminuição da interdependência entre membros da família. Isto teve como principais efeitos: a maior segregação do idoso também dentro do próprio núcleo familiar, e a institucionalização do cuidado dos seus membros mais necessitados, resultando na adoção do asilo como o lugar de cuidado para os idosos. Desta forma, estas construções históricas e sociais contribuíram consideravelmente para que, gradualmente, a imagem da velhice fosse ligada a estereótipos negativos, de decadência, incapacidade, inutilidade e exclusão. Este fenômeno, associado ao crescente culto à juventude, cada vez mais evidente na atualidade, e que também decorre do mesmo processo de segregação de faixas etárias, ajuda a reforçar ainda mais essa imagem. REVISTA PORTAL de Divulgação, n.8, Mar. 2011 - http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php 57 A entrevista A realização da entrevista foi precedida da exibição do videoclipe da música “Hoppipolla” do artista Sigur Rós, para contextualizar a reflexão. Foi entrevistado o designer Jairo Neto, 23 anos, pós graduando em Cinema, Video e Fotografia: Comunicação em Multimeios. Quais são, de maneira geral, as principais impressões causadas pelo vídeo e a música? A faixa passa uma sensação de alegria e aparente esperança. Acho que isso se vê muito pelos timbres utilizados nela, com um crescendo de sinos que atinge o clímax com um conjunto de metais e cordas. Acho que esse expediente musical ajuda nessa leitura "favorável" da composição. O nome da música em sua tradução ao português significa "pulando" (do islandês hoppipolla). Se ouvirmos direito o andamento e tempo da percussão, percebemos que lembram algum saltitar. Esta música é tão boa que foi utilizada em trailers, como do filme "Filhos da Esperança" e em programas de tevê, nos documentários do Discovery Channel. Só mais um comentário que, talvez por ser em islandês e quase ninguém entender o que eles falam, a melodia se sobressai, tornando a música mais universal. Que aspectos da velhice são retratados?/ Que imagem da velhice é abordada no vídeo? Acho que de um descompromisso ou falta de medo. Talvez, uma procura por uma alegria diferente. Só somos apresentados a ações dos grupos de velhinhos, então pouco conseguimos saber ou concluir do passado deles, mas pelo o que é apresentado já é suficiente para tirá-los de dentro da visão usual que temos da velhice, que precisa ser aquela coisa recatada e senil. Acho que ainda mais pelo descompromisso das ações do grupo. O que você considera como velhice? Quais as principais perspectivas para esta fase da vida? Velho e sábio. Talvez. Acho que tenho uma perspectiva de ter lido muitos livros ou de ter mais tempo para ler mais livros. Ou até de ir mais vezes ao cinema. Quem sabe, ter mais certeza das coisas da vida. Ou não. O que me dá mais medo é ser afetado por alguma doença misteriosa que me impeça de fazer atividades básicas. Ou que me impeça até de lembrar memórias recentes ou até antigas. Acho que é medo de ficar privado de pensar e raciocinar direito. Você considera essa imagem retratada no vídeo condizente com aquela predominante na sociedade? Por quê? Não, ainda mais pelos velhinhos terem atitudes condizentes com as de adolescentes rebeldes. Acho que a sociedade espera que uma pessoa idosa tenha uma vida mais recatada e fechada. Até mais limitada se é possível dizer assim. Claro que talvez a velhice traga maiores limitações físicas e psicológicas. Ainda mais que a sociedade deixa isso claro ao estabelecer REVISTA PORTAL de Divulgação, n.8, Mar. 2011 - http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php 58 maiores facilidades e comodidades em locais públicos, como vagas em estacionamentos e caixas especiais. Só não creio que o idoso precise se acomodar tanto a estes pressupostos. Que tipo de reflexões este outro conceito da velhice suscita? Que a sociedade é calcada por padrões comportamentais que mais nos prendem do que nos libertam. É bom ver o quanto alguns idosos podem ter vidas tão saudáveis quanto adolescentes. Existem alguns que fazem academia de manhã, natação a tarde e mais outras atividades que nem eu tenho tempo de fazer. Talvez, por alguns aspectos, a velhice não seja uma fase tão ruim como se pensa. Reflexões Podem ser traçados muitos paralelos entre a construção da imagem atual da velhice e os dados fornecidos pela entrevista. O vídeo traz, na junção de todos seus elementos, como música, título, letra e ritmo, uma leveza e um ar infantil que não condiz, a princípio, com os idosos que atuam nele. Estes, armados de brincadeiras, brinquedos e ar infantil, agem como crianças no auge de sua energia e força de espírito, correndo, pulando em poças d’água e atirando balões e bombinhas. Esta imagem é ainda reforçada pela música, que em um crescente escalar e adicionar de força e instrumentos traz a ideia de vida, esperança. Esta imagem, reforçada também pelas primeiras impressões relatadas por Jairo, traz uma oposição muito forte e muito aparente com a imagem de velhice que predomina em uma sociedade que prefere o que é jovem e belo. A velhice, carregada de estereótipos de caráter negativo, como decadência, feiura, impossibilidades e, principalmente, a morte, choca frontalmente com o que é passado pelo vídeo: a velhice também é vida, velhice também é juventude. Este paradoxo, portanto, leva a uma reflexão e um requestionamento de valores a respeito da imagem de velhice e as próprias perspectivas a respeito desta fase da vida. Isto pode ser percebido durante a entrevista, já que este questionamento e esta reflexão vieram à tona quando Jairo, ao comparar sua visão de velhice como “velho e sábio” e aquela abordada no vídeo, chega a questionar a respeito das verdadeiras limitações do idoso e aquilo que é imposto como limitação pela sociedade através das comodidades. A imagem de velhice, por quem não tem experiência direta, se dá, primeiramente, à distância e sob a configuração da ótica de certa construção social. Desta forma, antes que haja alguma reflexão, podem-se perceber claramente traços em comum com essa imagem segregada e decadente da velhice. Em contraponto, quando se entra em contato com outras imagens, que ilustram o oposto daquela convencional, e se reflete a respeito da própria colocação e da própria entrada neste estágio da vida, a imagem se altera, tornando-se mais amena e mais realista. REVISTA PORTAL de Divulgação, n.8, Mar. 2011 - http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php 59 No caso da entrevista, esta reflexão se fez clara a medida que as perguntas suscitavam questões. A princípio, Jairo chegou a explicitar a maneira convencional que o idoso é visto - a forma “recatada e senil” - e, em seguida, demonstrar temor a respeito da própria impossibilidade na velhice, reforçando a questão da restrição desta fase. Em seguida, foi possível perceber uma elucidação das restrições determinadas pela própria sociedade a partir das imagens impostas e, em contraposição, uma melhor percepção das verdadeiras capacidades dos idosos, que fica explicitada na frase “Existem alguns que fazem academia de manhã, natação à tarde e mais outras atividades que nem eu tenho tempo de fazer. Talvez, por alguns aspectos, a velhice não seja uma fase tão ruim como se pensa.”. Este final exprime uma maior esperança e uma quebra, assim como a proporcionada pelo vídeo, da ideia de impossibilidades decorrentes da velhice, retratando esta fase como um vislumbre de outras possibilidades que a idade e a situação da velhice proporcionam, como o tempo, a disposição, a oportunidade de fazer coisas que não puderam ser feitas anteriormente, que foram adiadas para este período. Concluindo, “Hoppípolla” mostra que a velhice não se constitui apenas de declínios e quedas, mas pode ser vista também como um saltitar em direção a uma nova fase, com novas perspectivas e novas possibilidades. Ficha Técnica Diretor: Arni & Kinski Artista: Sigur Rós Ano: 2005 Elenco: Kjartan Sveinsson (tecladista), Jón Þór Birgisson (guitarrista e vocalist), Orri Páll Dýrason (baterista), Georg Holm (baixista). Referências HAREVEN, TAMARA K. Novas Imagens do Envelhecimento e a Construção Social do Curso da Vida. Cadernos PAGU, Campinas, v. 13, p. 11-35, 1999. Sigur Ros – Hoppípola (2005). Disponível http://www.youtube.com/watch?v=4L_DQKCDgeM . Acesso em 11/2010. REVISTA PORTAL de Divulgação, n.8, Mar. 2011 - http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php em
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