a sociedade, os governos e governantes pós

Transcrição

a sociedade, os governos e governantes pós
a sociedade, os governos
e governantes pós-redemocratização
a sociedade, os governos e governantes
pós-redemocratização
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
R311
Recontando a história do Rio Grande do Sul : a sociedade, os
governos e governantes pós-redemocratização / Ricardo Bueno, Karim
Miskulin [editores] – 1. ed. – Por to Alegre : Instituto Voto, 2013.
160 p. : il. (foto) ; 23 x 30 cm.
ISBN 978-85-66806-00-7
Obra em formato luxo com capa dura.
1. Rio Grande do Sul – História. 2. Rio Grande do Sul – Política e
governos. I. Bueno, Ricardo. II. Miskulin, Karim.
CDU 981.65
Ficha Catalográfica elaborada pela bibliotecária Denise Pazetto CRB 10/1216
Patrocínio
Produção Cultural
Apoio
Recontando a história do Rio Grande do Sul: a sociedade, os governos e governantes pós-redemocratização
é um projeto cultural do Instituto Voto, sob número Pronac 114411
Coordenação Executiva
Karim Miskulin – Instituto Voto I www.revistavoto.com.br
Coordenação de Produção
Flavio Enninger – Quattro Projetos I www.quattroprojetos.com.br
Coordenação Editorial
Ricardo Bueno | Alma da Palavra
Coordenação Administrativa
Marcio Regenin
Coordenação Gráfica
Simone M. Pontes – TAB Marketing Editorial I www.tabeditora.com.br
Textos
Antonio Feix (cotidiano)
Hélio Gama Filho (entrevistas, cenário político e economia)
Ricardo Bueno (cultura)
Revisão
José Renato Deitos
Produção
Lisiane Silveira
Mauren Xavier
Impressão
Gráfica e Editora Pallotti
Realização
a sociedade, os governos e governantes
pós-redemocratização
KARIM MISKULIN / RICARDO BUENO
1ª EDIÇÃO
INSTITUTO VOTO
PORTO ALEGRE – RS / BRASIL
NOVEMBRO / 2013
HISTÓRIA , PAIXÃO E MUDANÇAS
Este livro, por ter a responsabilidade de ser o primeiro, foi feito a várias mãos. Um livro
pensado e desejado há anos, em que pediríamos aos leitores que lessem (e refletissem)
sobre os temas aqui abordados alguns minutos a cada dia. Afinal, trata-se de um livro da
história recente do Rio Grande do Sul – o Rio Grande pós-redemocratização.
A análise dos períodos vividos por pessoas que ainda hoje estão entre nós deve ser feita
com a isenção e a transparência que o distanciamento, proporcionado pela passagem
do tempo, oferece no sentido das reflexões sobre os desdobramentos de cada época,
buscando a ampla compreensão dos efeitos sociais, culturais, políticos e econômicos
produzidos. Foi este o principal objetivo deste livro: conhecer a história recente de
nosso estado através de pessoas que a construíram .
Fatos históricos precisam ser registrados para que as pessoas construam suas
identidades, e governos e governantes são figuras essenciais na construção do destino
de cada povo. Nesse contexto, nada mais próprio do que resgatar a voz daqueles que
sonharam em construir um Rio Grande melhor, e que para isso dedicaram parte de suas
vidas e mobilizaram multidões.
A história começa em 1982 (ontem), quando é eleito pelo voto direto o primeiro
governador desde 1962, e segue com todos os governos seguintes, terminando em 2013
(hoje). No começo desta nossa história, os eleitos para qualquer função, nos Legislativos
ou Executivos, e igualmente os seus eleitores, não sabiam com certeza se tomariam
posse e, caso isso ocorresse, se conseguiriam concluir seus mandatos e, finalmente,
se estariam autorizados a participar de outras eleições no futuro. Isso constitui uma
realidade muito diferente da que vivemos hoje.
Nesse período, estivemos todos nós, gaúchos e brasileiros, várias vezes à beira do
abismo econômico. A inflação foi do zero ao infinito, fazendo, neste trajeto, milionários
e miseráveis, enquanto as moedas mudavam frequentemente com um simples carimbo
nas notas “antigas”: do cruzeiro para o novo cruzeiro, de volta ao cruzeiro, depois para
o cruzado, o cruzado novo, de volta ao cruzeiro, e, finalmente, o cruzeiro real e o real.
Mas, acima de tudo, é um livro onde estão presentes o drama e o humor das profundas
mudanças que ocorreram na cultura e na sociedade do Rio Grande do Sul, do Brasil e
do mundo. Nestas três décadas, vimos a força do tempo mudar radicalmente as famílias,
os hábitos culturais, políticos e comerciais. Até mesmo os sucessos musicais passaram
por nós como cometas.
E nesta empolgante viagem pela história recente do Rio Grande, vamos perceber toda
a força do tempo, que passa por nós velozmente, mostrando que tudo pode mudar,
até as convicções. O certo é que vivemos em um estado melhor do que aquele em
que viveram os nossos pais e avós, simplesmente por ser este o nosso tempo, e, sendo
assim, é o único que podemos transformar.
E para as coisas que o tempo não nos permitiu avançar, fica a esperança de que nos
próximos anos, quando as transformações serão ainda mais velozes, a sociedade gaúcha
consiga convergir rumo à equidade e à prosperidade, com a paixão que nos diferencia,
mas com a humildade de ler os recados do passado.
Este livro é uma homenagem àqueles que tiveram a coragem e a grandeza de dedicar
parte de suas vidas ao Estado do Rio Grande do Sul.
KARIM MISKULIN
INSTITUTO VOTO
A história política do Brasil se mistura à do Rio Grande do Sul. Se a década de 1980
ficou marcada no País como um período de redemocratização, a sociedade gaúcha teve
papel fundamental na defesa das liberdades e dos anseios do povo brasileiro.
A partir de 1982, a cultura do Rio Grande do Sul pôde voltar a florescer livremente.
Esta narrativa, que envolve música, literatura, fotografia, economia e política, merecia
ser eternizada. O livro Recontando a história do Rio Grande do Sul o faz com maestria,
através da voz dos oito governadores que, terminado o regime militar, foram eleitos
democraticamente como representantes do povo.
A Souza Cruz muito se orgulha de ter colaborado com o desenvolvimento de um
estado cuja história é tão rica. Há 110 anos no Brasil e 95 anos no Rio Grande do Sul, a
Empresa estabeleceu ali a sua casa. A Souza Cruz assumiu os compromissos dos riograndenses e investiu no estado respeitando sempre o amor à terra, a preocupação com
a sustentabilidade e o apego às tradições.
Apoiar o livro Recontando a história do Rio Grande do Sul é, para a Souza Cruz, mais do
que difundir um material histórico. É uma forma de agradecer ao povo gaúcho, que,
durante quase um século, recebe a Empresa de forma tão afetuosa.
EDUARDO BUTTER SCOFANO
SOUZA CRUZ S.A.
JAIR SOARES 10
PEDRO SIMON 28
46 ALCEU COLLARES
ANTONIO BRITTO 64
OLIVIO DUTRA 82
100 GERMANO RIGOTTO
120 YEDA CRUSIUS
TARSO GENRO 138
Foto: Jefferson Bernardes
JAIR
SOARES
1983
1986
Foto: Jefferson Bernardes
JAIR SOARES
Jair de Oliveira Soares nasceu em Porto Alegre em 26 de novembro de 1933
e, portanto, completa 80 anos em 2013, 30 anos após assumir o cargo de
governador do estado como o primeiro chefe do Executivo escolhido pelo voto
popular desde 1962. Estava com 50 anos quando iniciou o mandato, após ter
vencido as eleições de outubro de 1982. Representando o Partido Democrático
Social (PDS), sucessor da antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena) e
antecessor do atual Partido Popular (PP), Soares derrotou os principais líderes de
alguns dos partidos que, reunidos no Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
estiveram na oposição ao regime militar: Alceu Collares, do Partido Democrático
Trabalhista (PDT); Olívio Dutra, do Partido do Trabalhadores (PT), e Pedro
Simon, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
Casado com Dionéia, tem três filhas. Formou-se odontólogo pediátrico em 1961
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e, depois,
em 1976, graduou-se em Direito na mesma universidade. Atualmente, não exerce
nenhum cargo político, mas trabalha de forma intensa na preparação de suas
memórias. Já editou um livro, Uma vida em ação – Memórias políticas (Vol. I), de
2012, e em 2013 deve lançar o segundo volume. Está preparando a terceira e
última parte, complementando a narrativa de sua longa carreira política que
começou na década de 1950, quando se filiou ao Partido Social Democrático
(PSD), após ter ingressado no serviço público estadual por concurso, no segundo
governo de Ernesto Dornelles (31/1/51 a 24/3/55). Com sólida formação religiosa
católica, Soares desde a infância sempre se destacou por duas características:
disciplina e memória. Estudou no Colégio Anchieta, dos jesuítas. Foi chefe de
gabinete do secretário de Obras Públicas Euclides Triches, no primeiro governo
de Ildo Meneghetti (25/3/55 a 24/3/59). Em seguida, foi chefe de gabinete do então
presidente da Assembleia Legislativa, deputado Gustavo Langsch, em 1960. Logo
depois de formado, foi trabalhar como dentista da Assembleia, cargo que manteve
quando assumiu a chefia do Departamento de Compras do Estado no governo
de Walter Peracchi Barcelos (12/9/66 a 14/3/71) e, no mesmo governo, o cargo
de secretário da Administração. Foi secretário da Saúde do Rio Grande do Sul
durante seis anos, a partir de 1971, no governo Euclides Triches, até 1977, no
governo de Sinval Guazelli, quando se desincompatibilizou para ser eleito deputado
federal, em 1978. Em 1979, foi nomeado ministro da Previdência no governo do
general João Figueiredo. E em 1982 foi eleito governador do Rio Grande do Sul.
Jair Soares é famoso por seus cuidados com a saúde, apresentação sempre
impecável e memória invejável.
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AMBIENTE POLÍTICO | DIFICULDADES EM TEMPOS DE
REDEMOCRATIZAÇÃO
Em 1982, o Brasil comemorou o retorno das eleições diretas e de outras práticas democráticas, como
liberdade partidária e propaganda eleitoral em rádio e televisão. E dessa forma a transição do sistema
autoritário para a democracia plena, conhecida como abertura política, ingressou no seu derradeiro
capítulo, concluído em 1986, com a eleição direta para a Presidência da República e a instalação do
Congresso Nacional Constituinte.
Algumas características especiais da eleição realizada em 15 de novembro de 1982 merecem registro.
Não eram permitidas as coligações partidárias eleitorais, e o voto era vinculado. Ou seja, os eleitores
deveriam votar em um só partido para todos os cargos em disputa. As alianças, após sua introdução,
passaram a ser acertadas com a distribuição explícita de cargos públicos avaliados conforme tabelas de
equivalências conhecidas apenas pelas lideranças partidárias. Não existia, igualmente, o segundo turno
nas grandes cidades, outro recurso criado posteriormente, como no caso das alianças, supostamente
para fortalecer a governabilidade. Jair Soares, por exemplo, foi eleito com 34,1% dos votos válidos.
Outro fato marcante: faltando cerca de seis horas para terminar a apuração, o resultado final era ainda
indefinido, quando então Pedro Simon surpreendeu a todos ao reconhecer, antecipadamente, a vitória
de Soares. Isso, segundo analistas, teria desmobilizado os fiscais de apuração, com possíveis reflexos no
resultado final. Simon ficou com 33,5% dos votos, apenas 0,6% menos do que Jair Soares.
As eleições de 1982 também desmentiram a crença de que a população do Brasil, e do Rio Grande do
Sul em particular, seria majoritariamente contra o governo militar: o PDS elegeu nove governadores e
235 deputados federais de um total de 479. Finalmente, é interessante notar que todos os candidatos
do pleito no Rio Grande do Sul, nos anos seguintes, viriam a governar o estado, mas nenhum deles teria
a oportunidade de exercer um segundo mandato (ao menos até o ano de 2013, quando este livro foi
finalizado).
Nesse contexto, foi eleito pelo PDS o jovem e entusiasmado Jair Soares. Muitos políticos e analistas
da época, baseados na fragilidade da administração anterior, subestimaram a capacidade do novo
governador de comandar com eficiência a pesada máquina pública rio-grandense. Ele contava a seu
favor, porém, com alguns fatores: a diversificada e sólida experiência administrativa; o ambiente político
favorável, que neutralizava em parte as turbulências econômicas; e, ainda, a inexistência de um grande
sistema de controles, formais e informais, que hoje ameaça paralisar a administração pública brasileira,
em geral, e também a do Rio Grande do Sul.
Muitos políticos e analistas da época, baseados na fragilidade da administração anterior,
subestimaram a capacidade de Jair Soares em comandar com eficiência a pesada máquina pública
rio-grandense. Ele contava a seu favor, porém, com uma diversificada e sólida experiência
administrativa; o ambiente político favorável, que neutralizava em parte as turbulências
econômicas; e, ainda, a inexistência de um grande sistema de controles, formais e informais, que
hoje ameaça paralisar a administração pública.
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De fato, na jovem democracia brasileira, apenas
ensaiavam suas primeiras ações partidos,
corporações do funcionalismo e movimentos
ideológicos extremistas, destacando-se, no
caso do Rio Grande do Sul, as mobilizações
que recebiam os rótulos do Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e do
então Centro dos Professores do Estado do
Rio Grande do Sul (CPERS), e que atuavam
sob orientação de facções do Partido dos
Trabalhadores (PT).
O drama de Tancredo e os reflexos no Sul
No âmbito político nacional, o País viveu um trágico
acontecimento que se iniciou em 14 de março
de 1985, com o anúncio da doença de Tancredo
Neves. O vice, José Sarney, no dia seguinte,
assumiu o exercício provisório da Presidência.
Seguiram-se a morte de Tancredo Neves, em 21
de abril, e, finalmente, a confirmação de Sarney
como presidente, em maio de 1985. Logo após
a confirmação de Sarney, também foi aprovada
uma emenda constitucional de importância
fundamental: ela restabeleceu as eleições diretas
para as prefeituras das cidades consideradas como
áreas de segurança nacional, abrandou as exigências
para registro de novos partidos e estabeleceu a
convocação da Assembleia Nacional Constituinte,
para a elaboração de uma nova Carta-Magna.
Mas a ideia de uma Assembleia Constituinte
exclusiva foi abandonada, em troca de um
Congresso com poderes de Constituinte, eleito
em novembro de 1986, empossado em fevereiro
de 1987. Esses fatos relevantes na esfera nacional,
somados à experiência de Soares, livraram
seu governo da polarização extremada que
contaminaria outros governos regionais no futuro.
No entanto, o Brasil mergulhou em uma das
mais graves crises econômicas de sua história,
com inevitáveis reflexos no Rio Grande do
Sul, como a redução dos investimentos e uma
fulminante concentração de renda. Ainda
assim, foram muitas as obras realizadas (confira
na entrevista com o ex-governador). Cabe citar
aqui a ampliação da atividade do Laboratório
Farmacêutico do Estado (Lafergs), que
produzia um grande número de medicamentos,
destacando-se antibióticos, vitaminas e até
ácido acetilsalicílico. O Lafergs chegou a
distribuir mais de 300 milhões de comprimidos.
Imprensa
Foi no governo de Jair Soares que começaram a
ocorrer mudanças importantes na imprensa do
Rio Grande do Sul. Na véspera de completar um
século, deixou de existir a Cia. Jornalística Caldas
Junior, que chegou a ser um dos mais poderosos
grupos de comunicação do País, editora do
Correio do Povo e proprietária da influente Rádio
Guaíba, entre outros veículos. O Correio do Povo
deixou de circular em 16 de junho de 1984 e
só regressaria em 1986 (com rádio e TV), nas
mãos de um commodity broker que também
atuava na industrialização de soja, principalmente
nos Estados Unidos, chamado Renato Ribeiro.
O grupo NH, de Novo Hamburgo, lançou um
tabloide diário muito bem feito, O Estado do Rio
Grande do Sul, em Porto Alegre, mas publicou
apenas 13 edições. O grupo Gazeta Mercantil
criou uma empresa local e lançou um jornal em
tamanho standard, o Diário do Sul, em novembro de
1986, um quality paper que circulou até o final de
setembro de 1988. O jornal deixou de circular, a
despeito de seu sucesso editorial. O projeto previa
a conquista de sócios locais para dar continuidade
ao empreendimento, fato que não se concretizou.
Legislativo
No período de governo de Jair Soares, os
presidentes da Assembleia Legislativa foram
os deputados Antenor Ferrari (PMDB), Carlos
Renan Kurtz e Waldomiro Lima (ambos do
PDT). A Assembleía, por sinal, contava com
16
representantes eleitos apenas pelo PDS, PMDB e
PDT. E durante a legislatura foi criada a bancada
do Partido da Frente Liberal (PFL). Alguns
parlamentares ocuparam importantes funções no
Executivo, destacando-se Adylson Motta, chefe
da Casa Civil até o ano eleitoral, em 1986. Jarbas
Lima assumiu a Secretaria da Justiça em 1984,
e Romeu Martinelli foi secretário da Segurança
Pública. O deputado Horst Volk foi secretário da
Cultura por um ano. Empresário em Gramado,
Volk mais tarde enfrentaria graves problemas nas
suas relações com o fisco.
O PT nesta legislatura não tinha representante
eleito. Mas as bancadas se movimentaram
bastante. O PDS, que começou a legislatura
com 23 parlamentares, apesar de ser governo,
terminou o período com apenas 16. O PMDB
começou e terminou a legislatura com 21
representantes. O PFL, que não existia, terminou
a legislatura com cinco parlamentares. O PDT
começou a legislatura com 12 deputados e
terminou com 14.
Gestão pública
Jair Soares dedicou atenção a alguns temas,
em especial. Universalizou o concurso público
como única forma de ingresso de funcionários
efetivos em qualquer órgão público, incluindo
administração indireta. Em consequência, o
número total de funcionários civis e militares
das administrações direta e indireta, que era
de 210.318 em 15 de março de 1983, caiu para
204.083 em 28 de fevereiro de 1987.
As outras duas prioridades foram educação,
com a construção de 5 mil novas salas de aula,
e a saúde, promovendo a redução da taxa de
mortalidade infantil estadual de 34,45 por mil
crianças nascidas vivas, em 1980, para 26 em
1986, a menor do Brasil. Já a expectativa de vida
foi, em 1986, a mais alta do país: 74 anos para as
mulheres e 66 anos para os homens.
No seu quadriênio, Jair Soares defendeu
insistentemente uma reforma no sistema
federativo. Segundo seus cálculos, em 1986 o
governo da União detinha 62% da arrecadação,
enquanto que os estados e municípios ficavam
com, respectivamente, 22% e 17%, uma
distribuição inviável quando comparada com
as atribuições de cada um dos entes. Pouca
mudança ocorreu desde então. Os dados mais
recentes, de 2010, 27 anos depois, mostram que
a União ficou com 57% da arrecadação, sendo
51,4% disponíveis. Os estados ficaram com
24,7% da arrecadação total, e os municípios,
com 18,3%.
Finalmente, o governo de Jair Soares não
impediu a manutenção de um déficit crescente
em moeda atualizada. De fato, de 1985 para
1986 o déficit caiu de 5,1 bilhões de cruzados
para 3,45 bilhões de cruzados. Mas se a
referência for o real em maio de 2013, ocorreu
um aumento, de R$ 1,5 bilhão em 1985 para R$
2,2 bilhões em 1986.
No seu quadriênio, Jair Soares defendeu insistentemente uma reforma no sistema federativo.
Segundo seus cálculos, em 1986 o governo da União detinha 62% da arrecadação, enquanto que os
estados e municípios ficavam com, respectivamente, 22% e 17%, uma distribuição inviável quando
comparada com as atribuições de cada um dos entes. Pouca mudança ocorreu desde então.
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ECONOMIA | AGRICULTURA
EM QUEDA, TRANSPORTES
EM ALTA
Quando Jair Soares assumiu, em março de
1983, a economia do Rio Grande do Sul vivia
um momento contraditório. Em fevereiro, um
mês antes da posse, o presidente Figueiredo
inaugurara uma obra de imensa importância
regional, o Polo Petroquímico de Triunfo, que
chegou a representar praticamente 4% da
economia gaúcha. Ao mesmo tempo, porém,
como já foi mencionado, o Brasil estava
mergulhado em uma das mais graves crises
econômicas de sua história, caracterizada por
dramático desequilíbrio cambial, hiperinflação
e virtual falência da administração pública. Esse
quadro era agravado pela indiferença da União
em relação a alguns desafios críticos para o País,
em geral, e o Rio Grande do Sul, em particular,
como os conflitos agrários e a decadência dos
serviços públicos de educação, saúde, segurança
e infraestrutura em um país que ostentava uma
das mais assustadoras concentrações de renda
do planeta.
Em 1984, a inflação chegou a 230% ao ano. E
o endividamento externo levou o general João
Figueiredo a bater na porta do Fundo Monetário
Internacional (FMI). Coincidentemente, tendo
adotado algumas das restrições solicitadas pelo
FMI, ainda em 1984 o Brasil saiu da recessão
com crescimento de 7%, explosivo incremento
das exportações e aumento na produção de
petróleo. Mas o País estava longe da estabilidade.
No governo do presidente José Sarney, já
na chamada Nova República, com a inflação
novamente em louca disparada, foram adotadas
medidas modernizadoras, apesar dos fracassos
dos planos econômicos.
O primeiro deles foi o Plano Cruzado, de
fevereiro de 1986, comandado pelo ministro
Dilson Funaro e que mudou a moeda, extinguiu
a correção monetária, introduziu o gatilho
salarial e criou o seguro-desemprego, entre
outras medidas. Mas o cruzado deu com
os burros n’água com a tentativa infrutífera
de tabelar os preços sem que os produtos
sumissem das prateleiras. E também não
funcionou a regra do gatilho salarial, segundo a
qual os salários seriam corrigidos sempre que a
inflação alcançasse 20% acumulados.
Em 1987, quando Soares estava deixando o
governo, foi anunciado o Plano Bresser, que
sucedeu o Cruzado. Mas a inflação voltou a
subir, atingindo 366% no ano e derrubando
o plano e seu mentor, o ministro Luiz Carlos
Bresser Pereira. Na sequência, veio o Plano
Verão, de Mailson da Nóbrega, em 1989, com
o Cruzado Novo. Novo fracasso. E então a
hiperinflação brasileira realmente explodiu
como se fosse uma nave interplanetária. Até o
anúncio do Plano Collor.
No período de Jair Soares, igualmente o Rio
Grande do Sul não conseguiu melhorar no
ritmo desejável a base de sua economia, que é
o agronegócio. A safra do último ano de Amaral
de Souza, colhida no começo do governo Jair
Soares, em 1983, representou 25,11% das 52,431
milhões de toneladas colhidas no Brasil. Então
ocorreu o primeiro sinal de perda de posição.
Na safra plantada no último ano de Jair Soares
e colhida nos primeiros meses de administração
de Pedro Simon, em 1987, as 12,250 milhões
de toneladas colhidas representaram apenas
18,47% da safra brasileira, de 66,308 milhões de
toneladas. Haveria ainda uma reação na última
safra de Simon, colhida no início da administração
de Alceu Collares, em 1991, com 17,360 milhões
toneladas, contra 68,4 milhões do Brasil, ou
25,38%. Mas logo em seguida iniciaria o declínio
para um novo patamar da representação da safra
gaúcha sobre a brasileira.
Transportes
No período de Jair Soares, diretamente ou
através de empreiteiras especializadas, foram
realizados trabalhos importantes nas rodovias,
com 1.392 km de terraplanagem, 842 km de
asfaltamento e ainda 3.100 metros de obras
de arte especiais. E em colaboração com os
municípios foram construídos 1.469 km de
estradas municipais.
Também no setor hidroviário foram realizadas
obras para manter ou expandir o sistema. Nos
Terminal de Conteineres do porto de Rio Grande.
Foto: Jefferson Bernardes / Palácio Piratini
canais de acesso aos portos e para manter
profundidade e assegurar navegabilidade, por
exemplo, foram realizados 4,378 milhões de
metros cúbicos de dragagem. Também foram
fortalecidos os molhes de Rio Grande e, o
mais importante, foi implantado o Terminal de
Contêineres no então chamado Superporto
de Rio Grande, graças a um consórcio entre o
Departamento Estadual de Portos, Rios e Canais
(DEPRC) e empresas privadas. Com o novo
terminal, a movimentação de contêineres cresceu
de 75 mil toneladas em 1980 para 400 mil em 1986.
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Além disso, o Rio Grande do Sul, como o estado
que possui o maior número de aeroportos do
País, realizou, no período de 1983 a 1986, obras
importantes em dez aeroportos, incluindo a
pavimentação de 346.296 m2, além de preparados
os terrenos para a pavimentação de mais 73.700
m2 em outros quatro aeroportos.
Trensurb
A Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre
S.A. (Trensurb) foi criada em abril de 1980 para
implantar e operar uma linha de trens urbanos
no Eixo Norte da Região Metropolitana de Porto
Alegre, atendendo diretamente às populações
dos municípios de Porto Alegre, Canoas, Esteio,
Sapucaia do Sul, São Leopoldo e Novo Hamburgo.
A empresa começou a ser idealizada a partir
de 1976, através de estudos desenvolvidos
pelo Geipot, o respeitado Grupo Executivo
de Integração das Políticas de Transportes
da Empresa Brasileira de Planejamento de
Transportes. O Geipot justificou o projeto pela
perspectiva de redução do fluxo de veículos
na BR-116, já saturada à época, e pela oferta, à
população dos municípios mencionados, de uma
alternativa de transporte com baixo custo e com
maior rapidez, segurança, conforto e capaz de
absorver uma demanda inicialmente prevista na
casa dos 300 mil passageiros por dia.
Entre 1980 e 1985, foram realizadas as obras de
implantação do sistema. Em 1984, desembarcaram
em Porto Alegre os 25 Trens Unidades Elétricas,
adquiridos no Japão. Em março de 1985, foi
inaugurado o primeiro trecho, com 27 quilômetros
de extensão e 15 estações, ligando Porto Alegre
a Sapucaia do Sul e cruzando os municípios de
Canoas e Esteio. Em 1997, a Trensurb chegou à
cidade de São Leopoldo, com a inauguração da
Estação Unisinos, e em 2000 foi aberta a Estação
São Leopoldo. Em julho de 2012, começaram a
operar comercialmente mais duas estações: Rio
dos Sinos, também em São Leopoldo, e Santo
Afonso, já em Novo Hamburgo. Assim, a linha
alcançou uma extensão de 39 quilômetros, e para
isso foram necessários 33 anos.
A conclusão do projeto original, até a área
central do município de Novo Hamburgo, já está
em implantação e prevê a construção de mais
4,4 quilômetros em via elevada e três estações.
Além disso, em Canoas, a empresa terá um
trecho com passagem subterrânea, deixando
de dividir a cidade ao meio em uma região
crucial. E atualmente (2013), a empresa está se
preparando para a construção da chamada Linha
2, dentro de Porto Alegre.
Informações estatísticas
Uma sociedade que não disponha de informações
estatísticas atualizadas e confiáveis anda às
cegas. Assim, uma iniciativa importante adotada
no governo de Jair Soares foi a de determinar
que se iniciasse o acompanhamento sistemático
da economia, com o cálculo dos principais
indicadores, inclusive do PIB, tarefa que coube
à Fundação de Economia e Estatística (FEE). A
FEE divulgou pela primeira vez o desempenho
do PIB gaúcho em 1986, comparado com os
números levantados em 1985. No último ano da
administração Soares, o PIB do Rio Grande do
Sul cresceu 4,7%, contra 7,5% do Brasil. Em 1983,
o PIB gaúcho teve uma variação de 1,0% negativo,
recuperando-se em 1984, com aumento de 5%.
E em 1985 o PIB RS voltou a crescer: 2,3%. No
governo de Jair Soares o crescimento acumulado
do PIB estadual foi de 11,34%.
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COTIDIANO | VIDA PACATA E
POUCA TECNOLOGIA
A gestão de Jair Soares se iniciou em meio a
um cenário de transição democrática, em que
o povo nas ruas clamava por eleições diretas
para presidente da República e as paralisações e
greves começavam a espocar para todos os lados,
a intenção era de revigorar a economia, o que
não foi tarefa fácil nem alcançável, uma vez que,
entre outros motivos, depois da safra recorde em
março de 1983, as outras tiveram queda, o que
prejudicou a tradicional base da economia gaúcha.
No âmbito internacional, ainda sob os ditames
da Guerra Fria entre EUA e a então União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o
governo Ronald Reagan promovia o militarismo,
com suas intervenções, e o papa João Paulo II
corria o mundo, tornando-se fenômeno de mídia
e falando para multidões. No Brasil dos grandes
conflitos sociais, havia 30 milhões de menores
precisando de atendimento. Era o auge do
turismo uruguaio na fronteira gaúcha, e momento
da ascensão internacional de dois jogadores
oriundos da dupla Grenal: o colorado Falcão,
que naquele ano se tornaria o rei de Roma,
com a conquista do título italiano, e o gremista
irreverente Renato Portaluppi, herói do Grêmio
campeão da Libertadores e do Mundo, em 1983.
No tênis, Björn Borg se destacava e Nelson
Piquet tornava-se mais vitorioso do que nunca na
Fórmula-1.
Em um clima de tensão externa mundial, a
discussão em torno do desarmamento e da
retirada de mísseis eram pautas urgentes. Os
conflitos no Chile de Pinochet e na Nicarágua, com
os sandinistas, na América do Sul, intensificam-se.
No campo social, o arrocho salarial e a alta
inflação que se avizinhava diminuem o poder
aquisitivo do trabalhador. Na paisagem urbana,
uma grande novidade: o aeromóvel é testado.
Porto Alegre poderia ganhar nova alternativa
de transporte, o que acabaria ficando para mais
tarde. Nas ruas das grandes cidades, quebraquebra de ônibus, decreto salarial e o movimento
sindical preocupado com a crise. Mais demissões
nas fábricas. Na Polônia, Lech Valesa comanda o
Solidariedade, que inspiraria as lutas sociais em
um Brasil ávido por liberdade e protagonismo.
Muita coisa estava mudando no País. A
construção civil encontrava-se em crise, o Banco
Nacional da Habitação (BNH) era questionado
e o debate sobre o voto distrital voltava. No
ambientalismo, a Associação Gaúcha de Proteção
ao Ambiente Natural (Agapan) se destacava,
servindo de modelo para todo o País. A música
perdia a cantora Clara Nunes, vítima de uma
operação mal-sucedida. Enquanto isso, a bela
atriz Cristiane Torloni brilhava no Festival
de Gramado, e o velho guerreiro Chacrinha
convalescia fora das telas. Nas universidades,
o movimento oposicionista crescia, ao mesmo
tempo em que se abria espaço também a
um modo de convivência mais comunitário e
espontâneo, que se liberava, paulatinamente, da
repressão do regime militar.
O leite contaminado de algumas marcas assustava
as famílias e a sociedade. Os ecologistas se
uniam para salvar o rio Gravataí, e o governo
federal dizia que não queria Copa do Mundo no
Brasil. Mais de 300 mil gaúchos estavam sem
trabalho. Em decorrência disso, crescia o fluxo
migratório para outras regiões do País, com
destaque para Rondônia. Mas nem tudo era
tristeza e dificuldade na conjuntura econômica e
no comportamento social. O inovador Joãozinho
Trinta, “o revolucionário da alegria”, viria a Porto
Alegre para discutir alternativas para o carnaval
gaúcho, em um estado que sofria com enchentes,
vendavais e os problemas gravíssimos do hospital
Santa Casa de Misericórdia, que pouco mais
tarde seriam equacionados.
Na moda, Luíza Brunet arrebatava o Brasil nas
passarelas. Enquanto isso, a relação dos EUA
com a União Soviética ficava estremecida. Na
política interna, o cacique Juruna, que chamou
21
ministros de ladrões, enfrentou pedido de
cassação na Câmara Federal. Liminares contra o
BNH explodem, com os mutuários enfurecidos e
cheios de incerteza quanto ao futuro. No campo
das celebridades, duas perdas significativas: a
do político Teotônio Vilela, um dos símbolos da
abertura política, e a da novelista Janete Clair, que
ajudou a renovar a televisão brasileira e influenciou
costumes, com suas tramas de sucesso.
No dia a dia dos gaúchos, a popularização
do computador viria a modificar a rotina de
atendimento das lojas e o relacionamento com os
clientes. Na moda, o linho e o algodão dão o tom,
sendo que nos modelos, cortes e linhas de inverno
o Rio Grande do Sul influencia, ainda mais, o País.
É a tônica de um estado que discute o médium
Garrincha, de Uruguaiana: milagreiro ou farsante?
Outra polêmica que prenderia a atenção dos
gaúchos no plano dos usos e costumes: a dissolução
do relacionamento de Teixeirinha, o mais popular
dos compositores gaúchos, com Mary Teresinha.
Na TV gaúcha, ninguém era mais conhecido e
reconhecido na época do que a jornalista Maria
do Carmo Bueno, ou apenas Maria do Carmo.
Durante 18 anos, ela foi o rosto e a personalidade
do Jornal do Almoço, na RBS TV, programa que
apresentou até a decisão de entrar para a política.
Eleita deputada estadual com mais de 200 mil votos
no pleito de 1994, foi reeleita no pleito seguinte,
abandonando o parlamento em 2002. Antes, havia
concorrido a vice-governadora na chapa de Nelson
Marchezan, em 1990, e para a prefeitura de Porto
Alegre, em 1996. Ao deixar a Assembleia Legislativa,
trabalhou de 2003 a 2004 na TV Band, seguindo
depois para a Ulbra TV como diretora de jornalismo,
onde ficou até 2009. Atualmente, comanda o
programa Guaíba Revista, na Rádio Guaíba.
A droga, especialmente a cocaína, com as
conexões internacionais que passavam pela
nossa capital, já era problema. A violência
aumentava, sobretudo a decorrente do tráfico.
Roberta Close aparecia, discutindo o direito dos
transsexuais, enquanto que nas Olimpíadas o
nadador Ricardo Prado fazia sucesso. Em Roma,
o Vaticano manda chamar o teólogo Leonardo
Boff, um dos maiores expoentes da Teologia
da Libertação, para interrogatório. Mais tarde,
Boff seria condenado a fazer voto de silêncio,
o que seria um duro golpe nos idealizadores e
seguidores de um movimento que fazia a opção
pelos pobres e o campesinato.
Na medicina, o Rio Grande do Sul entrava de vez
na era dos transplantes de órgãos, tornando-se
referência para o Brasil e a América Latina. Ainda
na área da saúde, os jornais noticiavam que a Aids
chegava ao estado, causando as primeiras vítimas.
Na lendária praia do Rosa, em Santa Catarina,
morre o compositor Carlinhos Hartlieb, enquanto
que por aqui o intrépido juiz Luiz Francisco
Barbosa, o Barbosinha, movimenta o Judiciário
com seu perfil nada convencional e bastante
independente na condução das contendas.
As intempéries e as surpresas climáticas são
marcas do período em que Jair Soares governou
o estado, inclusive com direito a neve até mesmo
em Porto Alegre, no dia 4 de agosto de 1984. O
gaúcho Pedro Simon, que viria a ser o próximo
governador, assume o Ministério da Agricultura no
governo de José Sarney. No Ginásio Gigantinho, 20
mil professores sustentam paralisação clamando
por melhores salários e condições de trabalho
na educação. E enquanto o insinuante cantor
Ney Matogrosso revoluciona costumes com
suas performances andróginas à frente do grupo
As intempéries e as surpresas climáticas são marcas do período em que Jair Soares governou o estado,
inclusive com direito a neve até mesmo em Porto Alegre, no dia 4 de agosto de 1984. No Ginásio
Gigantinho, 20 mil professores sustentam paralisação clamando por melhores salários e condições de
trabalho na educação.
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Secos & Molhados, Lima Duarte faz sucesso na
novela Roque Santeiro. No campo, o conflito entre
fazendeiros e colonos sem terra se acirra, tendo
a Fazenda Annoni como palco principal. Em nível
nacional, o ministro Dilson Funaro introduz uma
série de medidas econômicas que agradam a alguns
setores, mas descontentam a outros, como os
supermercadistas e os proprietários rurais, em
função do tabelamento de preços.
A população fica chocada ao saber que
integrantes da que ficou conhecida como Gangue
da Praça da Matriz assassinaram, a pontapés, um
jovem rapaz que caminhava na rua em Atlântida.
Era a violência chegando também ao litoral.
No plano internacional, François Mitterrand
conduzia a França, e um acidente ambiental
abalava a opinião pública de todo o planeta: a
radioatividade aumentava na Europa, em função
dos danos causados pela explosão da usina
nuclear de Chernobyl, na Rússia. A atenção com
as questões envolvendo a preservação do meio
ambiente, mesmo as mais singelas, como não
jogar lixo nas ruas, começa a crescer.
A revolução sexual das décadas de 1960 e 1970
deixaria suas marcas com a discussão em torno
do casamento, dos relacionamentos afetivos e
de gênero. Não por acaso Fernanda Torres seria
escolhida a melhor atriz no Festival de Cannes
por sua atuação em Eu Sei Que Vou Te Amar, de
Arnaldo Jabor. No Brasil do Plano Cruzado,
é necessária a importação de carros, e os
problemas na pecuária crescem, em função do
tabelamento de preços. No sistema financeiro, a
mudança fica por conta dos bancos, que passam
a abrir em novo horário e mudam a rotina
das cidades. No esporte, o argentino Diego
Maradona consagra-se como o melhor jogador da
Copa de 1986, no México.
Em uma época em que a sociedade e a família
possuíam, no geral, uma estrutura mais
tradicional, a vida era mais pacata. Almoçavase em casa, a liberdade sexual era menor, havia
mais segurança, educação de qualidade e menos
edifícios. Na bucólica Porto Alegre, algumas casas
mantinham as janelas abertas a qualquer hora
do dia ou da noite. Vivia-se mais, com menos
tecnologia, serviços e produtos importados.
Engarrafamentos, só de vez em quando, como se
a modernidade estivesse custando a chegar.
Na vida em sociedade, os clubes ainda faziam as
regras, constituindo-se em local de encontro.
No caso de Porto Alegre, havia as grandes
festas do Leopoldina Juvenil, do Clube do
Comércio, da Sogipa, do União, entre outros.
A sociedade local se mobilizava em torno dos
bailes de debutantes, casamentos, iniciativas de
caridade e eventos esportivos, considerados
grandes acontecimentos, aguardados o ano
todo. Para quem frequentava restaurantes, havia
o costume de optar por trajes mais formais.
Era como se a rotina se revestisse de pompa
e circunstância, com regras preestabelecidas
de convivência, que emprestavam um ar
solene a tudo que se fazia ou dizia. Há três
décadas, em função de uma conjuntura diversa,
que permeava valores e se valia de outros
parâmetros tecnológicos, éticos e culturais,
o cotidiano dos gaúchos era diferente. Talvez
melhor, talvez pior, dependendo de quem avalia,
mas certamente bem diferente.
A sociedade local se mobilizava em torno dos bailes de debutantes, casamentos, iniciativas de
caridade e eventos esportivos, considerados grandes acontecimentos, aguardados o ano todo.
Para quem frequentava restaurantes, havia o costume de optar por trajes mais formais. Era como
se a rotina se revestisse de pompa e circunstância, com regras preestabelecidas de convivência,
que emprestavam um ar solene a tudo que se fazia ou dizia.
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CULTURA | TODOS OS SONS EM UMA ÉPOCA EFERVESCENTE
Os anos 80, no Brasil, de maneira geral, e também no Rio Grande do Sul, foram marcados por muita
efervescência cultural, possivelmente em decorrência do período de maiores liberdades democráticas
que se avizinhava, como se houvesse uma demanda e uma oferta represadas. Simultaneamente à
eleição de Jair Soares para o governo do estado, em pleito realizado em 1982, os gaúchos vivenciaram
de maneira marcante a eclosão de dois movimentos paralelos: o nativismo e a chamada MPG (música
popular gaúcha), que incluía não apenas intérpretes e compositores, como Nei Lisboa, Nelson Coelho
de Castro e Bebeto Alves, mas também dezenas de bandas de rock. Um dos grupos que antecedeu
e influenciou este movimento, mas que se desfez em 1979, foi Os Almôndegas, que reunia os irmãos
Kleiton e Kledir, o primo Pery Souza, mais os amigos Gilnei Silveira e Kiko Castro Neves. Canções como
“Vento negro” (de José Fogaça, futuro prefeito de Porto Alegre), “Haragana”, “Até não mais” e “Canção
da meia-noite” (esta incluída na trilha sonora da versão original da novela Saramandaia, em 1975),
marcaram época, com uma mistura de pop rock sem deixar de lado a cultura rio-grandense.
O ano de 1983 marca o surgimento de ícones da cultura gaúcha, como a Rádio Ipanema FM, focada
em rock’n’roll, o programa Pra Começo de Conversa, na TVE, inicialmente apresentado por Cunha Jr e
sucedido por Eduardo “Peninha” Bueno (já na gestão de Cândido Norberto à frente da emissora), e o
bar Opinião. Também neste ano surge o Musicanto, de Santa Rosa, festival que nasceu com o objetivo
de renovar a música gauchesca, estabelecendo um paralelo mais moderno em relação à Califórnia
da Canção Nativa, que então chegava à sua 13ª edição, sempre destacando a música gauchesca mais
tradicional. Não foi à toa, portanto, que Nelson Coelho de Castro, um compositor tipicamente
“urbano”, venceu a primeira edição do festival de Santa Rosa.
Os primeiros anos da década marcarão, assim, o surgimento de astros da música tanto na seara do poprock quanto do nativismo. Kleiton & Kledir, por exemplo, radicaram-se no Rio de Janeiro e emplacaram
mais de 100 mil cópias de seu terceiro disco, quase simultaneamente à gravação do primeiro LP (long play)
de Renato Borghetti, que chegou ao mercado com 20 mil cópias e logo alcançou também o disco de ouro,
com mais de 100 mil unidades vendidas. De 1983 é o disco de estreia de Nei Lisboa, Pra Viajar no Cosmos
não Precisa Gasolina, mesmo ano em que o poeta Mario Quintana lançou o livro Lili Inventa o Mundo.
Ainda em 1983, em outubro, estreou a peça Bailei na Curva, montagem que no ano seguinte emplacaria
sucessivas temporadas e se transformaria em um clássico do teatro gaúcho, tendo Márcia do Canto como
musa do grupo teatral Do Jeito que Dá. Em 1984, os gaúchos (e o Brasil) comemoraram a reabertura do
Theatro São Pedro, resultado do trabalho incansável de Eva Sopher, que conseguiu devolver à cidade um de
seus mais queridos ícones culturais, passando a atrair para Porto Alegre montagens de renome nacional.
Eram tempos em que os chamados cinemas de calçada funcionavam a pleno vapor e inclusive se
modernizavam, a exemplo do que ocorreu com os cines Cacique e Astor, que em 1984 passaram a
oferecer som Dolby Stereo. Se nas telas faziam sucesso as produções gaúchas como Verdes Anos e Me
Beija, ambos da Z Produtora, não se pode deixar de lembrar que predominavam no cinemas do País
inteiro as produções da chamada Boca do Lixo de São Paulo, especializada em filmes de sexo explícito.
O lançamento das coletâneas Rock Garagem e Música Popular Gaúcha davam conta da profusão de talentos
musicais da época, com mais de 40 bandas fazendo shows quase que diariamente, em mais de 60 casas
noturnas de Porto Alegre com música ao vivo. Replicantes, Astaroth, Garotos da Rua, Valhala, TNT, Os Eles,
Taranatiriça, Bixo da Seda, Cheiro de Vida e Leviatan, para citar apenas algumas, revezavam-se em locais
como Theatro Mágico, Terreira da Tribo, Espaço IAB, Taj Mahal, Vinha D’Alho, Pulperia, Ocidente e Porto
de Elis. Resultado: mais de 60 discos lançados pelas gravadoras como ACIT, Pialo, Quero-Quero e a recém-
24
criada RBS Discos. A propósito da RBS, é deste
período a criação do programa Galpão Crioulo.
Na literatura, Luis Fernando Verissimo ganhava o
Brasil com o surpreendente sucesso de O analista
de Bagé, enquanto Lya Luft ganhava espaço com
Reunião de família, seu terceiro livro de ficção,
depois de As parceiras e A asa esquerda do anjo.
O Instituto Estadual do Livro lançou na época a
coleção “Autores gaúchos”, e em 1984 surge o bar
da Feira do Livro de Porto Alegre, que chegava à
sua 30ª edição, a cada ano com mais sucesso.
Encenação atual de Bailei
na Curva, um dos marcos
culturais do período.
Foto: Marcelo Liotti
O Salão de Atos da UFRGS e o Instituto Goethe
dividiam atenções, ao mesmo tempo em que
a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa)
passava a ocupar as dependências do antigo Teatro
Leopoldina, atraindo a partir de então em média 800
pessoas por apresentação. A música parecia estar
por todos os cantos, seja na voz de cantoras como
Glória Oliveira, Flora Almeida, Marlene Pastro ou,
ainda, com o hino de uma geração, Horizontes, na voz
de Elaine Geissler, e também Adriana Calcanhoto,
talento que começava a desabrochar em
apresentações sempre lotadas nos bares da cidade.
Os festivais Unificado de Rock, no Gigantinho, e
Atlântida Rock Sul Concert faziam parte de uma
programação que em 1985 contabilizou nada menos
que 198 shows no ano e 100 discos gravados.
Em uma época em que Iberê Camargo e Xico
Stockinger destacavam-se no cenário das artes
plásticas gaúchas, o Museu de Arte do Rio
Grande do Sul (Margs) celebrava os 80 anos
de Ado Malagoli, que futuramente emprestaria
seu nome à instituição. Enquanto no cinema
Jorge Furtado e José Pedro Goulart ganhavam
público e reconhecimento com o curta O dia
em que Dorival encarou a guarda, consolidavamse o Ponto de Cinema do SESC e a Cinemateca
Estadual Sala Paulo Amorim, na Casa de Cultura
Mário Quintana, como porto seguro para quem
procurava estar atualizado. No teatro, afirmavamse atores locais e produções que buscavam maior
permanência em cartaz, tendo como destaque as
peças Cabeça Quebra Cabeça, Passagem para Java e
A verdadeira história de Édipo Rei.
Enquanto Nei Lisboa e Vitor Ramil assinavam
contratos com a gravadora EMI/Odeon, Porto
Alegre ganhava espaços dedicados à música
instrumental, como Bogart, Sala Jazz Tom Jobim,
Café Concerto e Cafetarium. Se o Salão de Atos
da UFRGS e o Auditório Araújo Vianna acabaram
fechados para reformas, os Engenheiros do Havaii
estouraram no mercado nacional com o disco
Longe demais das capitais. Adriana Calcanhoto seguia
ganhando terreno e admiradores, com o show “Eu
sei que estou errada”, enquanto as editoras gaúchas
L&PM, Mercado Aberto, Tchê!, Sagra e Luzatto e
Movimento celebravam muitos lançamentos. De
1983 a 1986, como se vê, a cultura esteve em plena
efervescência no Rio Grande do Sul.
25
DEPOIMENTO: JAIR SOARES
Experiência administrativa.
Eu conhecia todos os trâmites burocráticos da administração
pública. Além disso, aprendi certas práticas para fazer a máquina
funcionar, como trabalhar muito próximo dos secretários e visitar
com frequência e sem aviso prévio os mais variados setores da
administração pública. Quando estive na Secretaria de Obras
aprendi com o almoxarife Socialino de Almeida Marques que “é
preciso que todos se sintam observados e vigiados para que cumpram
o horário, executem suas tarefas e mantenham a qualidade do
trabalho”. Foi o que fiz como administrador, ministro e também
governador.
Preferência por ser candidato no estado, deixando o Ministério da
Previdência em razão de dificuldades de relacionamento com o
presidente Figueiredo.
De jeito nenhum. Ao contrário, ele me chamava de “garoto de ouro”
e disse isso para muita gente. A minha divergência sempre foi com o
Serviço Nacional de Informações (SNI), na pessoa do general Otávio
Aguiar de Medeiros, problema que começou no meu tempo como
secretário da Saúde (de 1971 a 1977).
Medida de governo da qual tem muito orgulho.
Lembro de uma iniciativa que parece singela, mas não é. As empresas
de tratamento de água se negavam a introduzir o flúor silicato de
sódio na água a ser consumida pela população. Ora, já era sabido
que ele reduzia em até 63% a incidência de cárie dentária. Consegui
a aprovação de uma lei, e o flúor silicato de sódio passou a ser
obrigatório. Até hoje os pais e avós não sabem por que seus filhos
e netos raramente sofrem com cárie, ao contrário do que acontecia
com eles, mesmo escovando os dentes e tendo uma boa alimentação.
26
DEPOIMENTO: JAIR SOARES
Acompanhamento dos secretários de perto.
As pessoas esquecem que eram outros tempos. No meu governo
existiam apenas cinco secretarias: Interior e Justiça, Fazenda,
Agricultura, Educação e Obras Públicas. A Secretaria de Obras
era uma máquina, pois estava tudo ali: Daer, DEPRC, Aeroviário,
Comunicações/Telefonia, Viação Férrea, Turismo, e até a
participação na Varig.
Recuperação da Santa Casa.
Na verdade, tudo começou quando eu estava no Ministério da
Previdência. Um dia, o cardeal dom Vicente Scherer me procurou e
contou que a Santa Casa não tinha dinheiro para nada e que até os
salários estavam atrasados. E disse que precisava de 1 bilhão de cruzeiros
(equivalentes a R$ 238,7 milhões, hoje). Tranquilizei dom Vicente
sobre o dinheiro, mas sugeri que fosse colocada uma pessoa capaz de
gerir aquele grande empreendimento. A sugestão não foi aceita, mas o
presidente Figueiredo aprovou o pedido. E o dinheiro foi para o ralo.
Assim, em 1983, quando eu estava no governo gaúcho, a instituição
vivia nova crise. Fiz um detalhado levantamento sobre as dificuldades
e, em uma longa conversa com dom Cláudio Cölling, bispo de Porto
Alegre desde a aposentadoria do cardeal dom Vicente, expus a situação
e disse que não deixaria a Santa Casa ir à ruína. Pedi a ele, porém,
que convencesse dom Vicente Scherer para aprovar a indicação de
três profissionais que cuidassem da gestão. Eles assumiram, liberei os
recursos, e então foi iniciada uma revolução que, aos poucos, ganhou
reconhecimento. A Santa Casa conquistou outros apoios e hoje é um
grande empreendimento reconhecido em todo o Brasil.
“
As empresas de tratamento de água se negavam a
introduzir o flúor silicato de sódio na água a ser consumida
pela população. Ora, já era sabido que ele reduzia em até
63% a incidência de cárie dentária. Consegui a aprovação
de uma lei, e o flúor silicato de sódio passou a ser
obrigatório. Até hoje os pais e avós não sabem por que
seus filhos e netos raramente sofrem com cárie.
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Outras iniciativas de destaque no governo.
Vou destacar três. A primeira é o Theatro São Pedro. Um dia,
casualmente entrei no prédio e encontrei a dona Eva Sopher.
Perguntei sobre a demora da obra, e ela disse que faltavam
contribuições. Perguntei: “Quanto é que a senhora precisa para
concluir essa reforma e reinaugurar o teatro?”. Dona Eva não hesitou:
“500 mil”. Prometi que passaria o dinheiro, e fiz isso rapidamente.
As obras terminaram, e o Theatro São Pedro foi reinaugurado.
Também desapropriei o prédio onde funcionou o Teatro Leopoldina,
onde alojei a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa). E
convidei o grande cirurgião Ivo Nesralla, atual diretor-presidente do
Instituto de Cardiologia, para ser o diretor. Ele está lá até hoje, pois
valoriza muito a cultura. E, em terceiro, tenho muito orgulho de
ter construído os últimos dez andares do Centro Administrativo do
Estado.
Pessoas que estiveram próximas e que o ajudaram muito durante o
governo.
No livro O Príncipe, Maquiavel disse que não se deve dar intimidade
para ninguém, nem para a mulher, e vice-versa. Há certa intimidade,
mas tem um limite. Eu sabia que precisava ter alguém, um pequeno
grupo de pessoas, que tivesse a liberdade e a disposição de me dizer o
que se chama de verdade nua e crua. E este grupo felizmente eu tive,
entre os quais lembro Adilson Motta, Gustavo Langsch, Clóvis Jacobi,
Romeu Ramos, José Diogo Cirillo da Silva e o coronel Ubirajara.
Balanço da administração.
No início de meu governo baixei uma ordem de serviço, de número
1, determinando que o ingresso ao funcionalismo só se daria por
concurso público, ficando proibidas as contratações extraordinárias.
Os principais focos do governo foram educação, saúde e segurança. O
efetivo da Brigada era de 33 mil homens (e criei a Polícia Feminina), e
na Polícia Civil, 9 mil. Na educação, foram construídas 5 mil salas de
aula, o que representa 100 colégios do porte do Júlio de Castilhos. E
dei 2,5 salários mínimos para os professores com 20 horas.
Foto: Jefferson Bernardes
PEDRO
SIMON
1987
1990
Foto: Jefferson Bernardes
Pedro Jorge Simon nasceu em Caxias do Sul no dia 31 de janeiro de 1930, tem 83
anos e é senador da República pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB) desde 1990. É descendente de imigrantes libaneses que chegaram a
Caxias do Sul em 1922. Começou a sua atividade política muito jovem, nos bancos
escolares, de início no Colégio Nossa Senhora do Carmo, mais tarde no Colégio
Nossa Senhora do Rosário, em Porto Alegre, onde foi presidente do Grêmio
Estudantil Rosariense (GER), por onde passaram vários líderes políticos do Estado.
Após sua formatura em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS), Simon fez pós-graduação em Economia Política e também se
especializou em Direito Penal. Frequentou seminários na Sorbonne, em Paris, e na
Faculdade de Direito de Roma. Presidiu o Centro Acadêmico Maurício Cardoso, da
PUCRS, e a Federação de Estudantes de Faculdades e Escolas Superiores Católicas
do Brasil. Admirador de Alberto Pasqualini, filiou-se ao Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB). Em 1950, participou de um grupo em que estavam Leonel Brizola,
Sereno Chaise e Fernando Ferrari, para fundar a Ala Moça do PTB. Sua carreira
política se iniciou há 54 anos, em 1959, quando foi eleito vereador em Caxias do
Sul, pelo PTB.
Em 1962, Pedro Simon foi eleito deputado estadual com 18 mil votos, assumindo
sua cadeira na Assembleia em 1963, ano que, como se sabe, foi muito agitado.
Um dos seus projetos, nessa época, foi o da criação da Universidade de Caxias
do Sul (UCS), onde mais tarde seria professor.
Simon permaneceu como deputado estadual do PTB até 1966, quando os
antigos partidos foram extintos e criados outros dois, a Aliança Renovadora
Nacional (Arena), situacionista, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
de oposição, ao qual ele se filiou, sendo reeleito. Permaneceu como deputado
estadual até 1978, quando foi eleito senador. Em 1982, tentou chegar ao Piratini,
mas foi derrotado por Jair Soares. Mas alcançou seu objetivo em 1986, já com
novos partidos na disputa.
Pedro Simon foi o primeiro entre os candidatos derrotados por Jair Soares em
1982 a ocupar o Palácio Piratini. Coincidentemente, ele havia ficado em segundo
lugar naquelas eleições. Foi eleito em 15 de novembro de 1986, com 2 milhões
de votos (41,68% dos votos válidos) e concorrendo com quatro candidatos: Aldo
Pinto (PDT, em coligação com o PDS), com 1,140 milhão de votos (23,65% dos
válidos); Carlos Chiarelli (PFL), com 524,4 mil votos (10,87% dos válidos); Clóvis
Ilgenfritz (PT), com 256,8 mil votos (5,3% dos válidos); e Fúlvio Petracco (PSB),
254,6 mil votos (5,28% dos válidos).
32
AMBIENTE POLÍTICO | SOB FOGO CERRADO DAS
CORPORAÇÕES
A eleição de Pedro Simon ocorreu logo após o início da chamada Nova República e da posse na Presidência
de José Sarney. Com a enorme popularidade do Plano Cruzado, o Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB) de Simon venceu em quase todos os estados do País. A movimentação política haveria
de crescer com a eleição do Congresso Constituinte, composto por 559 parlamentares (487 deputados e
72 senadores), que tomou posse em fevereiro de 1987. Ulysses Guimarães, do PMDB de São Paulo, atuou
como presidente da Constituinte. É importante registrar que o número dos deputados por estado, que não
pode ultrapassar o total de 513, é fixado no ano anterior às eleições pelo Tribunal Superior Eleitoral com
base na distribuição demográfica fornecida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), obedecendo às seguintes regras básicas: nenhum estado terá menos de oito representantes; o
estado mais populoso terá 70 deputados; os territórios federais terão quatro deputados.
A maioria dos membros do Congresso Constituinte era associada ao Centro Democrático (PMDB, PFL, PTB,
PDS e partidos menores), também conhecido como “Centrão”. Eles eram apoiados pelo Poder Executivo
e representavam segmentos denominados como liberais e conservadores da sociedade brasileira, os quais
tiveram uma influência decisiva nos trabalhos da Constituinte e em decisões importantes, tais como a
extensão do mandato do presidente Sarney (de quatro para cinco anos), manutenção da política agrária e o
papel das Forças Armadas. O Centrão também estava muito ligado às grandes corporações do setor público,
que conseguiram obter expressivas vantagens financeiras, consolidando regras em benefício dos funcionários
de elevados rendimentos, popularmente conhecidos como “marajás”.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, promulgada em 5 de outubro, situa-se no
topo do ordenamento jurídico e já passou por 67 emendas, além de outras seis emendas de “revisão”. A
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul igualmente possuía os poderes constituintes para elaborar
a nova Constituição estadual dentro das orientações emanadas pela Carta Magna. A Carta estadual foi
promulgada em 1989.
Foi de grande valia para Simon o bom relacionamento que conseguiu manter com a Assembleia, que esteve
sob a presidência dos hábeis deputados Algir Lorenzon (1987/88) e Gleno Scherer (1989/90), que assumiu o
governo em nove oportunidades. Simon também contava com uma base situacionista que girava em torno
de 38 deputados, já que o PMDB tinha 22 e contava com apoio de partidos que não estavam no governo,
mas não eram oposição, como o PDS (10 deputados), PFL (quatro), PSDB e PTB, com um deputado cada.
No grupo de partidos oposicionistas estavam o PT, com quatro deputados; o PDT, com 11, e o PSB, com
um representante.
Foi de grande valia para Simon o bom relacionamento que conseguiu manter com a Assembleia
Legislativa, que esteve sob a presidência dos hábeis deputados Algir Lorenzon (1987/88) e Gleno
Scherer (1989/90), que, por sinal, assumiu o governo em nove oportunidades. Simon também contava
com uma base situacionista que girava em torno de 38 deputados, já que o PMDB tinha 22 e contava
com apoio de partidos que não estavam no governo, mas não eram oposição, como o PDS (10
deputados), PFL (quatro), PSDB e PTB, com um deputado cada.
33
Isso não impediu a realização de nada menos
que seis Comissões Parlamentares de Inquérito
(CPIs) – da Cohab e da CRT, em 1987; do Sistema
Escolar Estadual, LBA, DEPRC e superporto
de Rio Grande, em 1988, e da Sonegação de
Impostos, em 1989.
O relacionamento com o Parlamento
ajudou Pedro Simon a enfrentar o constante
desequilíbrio no caixa do Tesouro, só aliviado
nos últimos 18 meses de governo, fruto da ação
enérgica do secretário da Fazenda, José Ernesto
Pasquotto, e de seu antecessor, o deputado
Cezar Schirmer.
Também foi possível enfrentar dois episódios
dramáticos. Em um deles, aplicações
especulativas quase levaram à ruína o Banco
Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul
(BRDE) e desgastaram a boa imagem forjada
à custa de um trabalho muito qualificado. A
outra crise envolveu o Banco do Estado do
Rio Grande do Sul (Banrisul), que vivia um
momento difícil no caixa. Inesperadamente, o
Banco do Brasil recusou-se a realizar a operação
diária de socorro, o que literalmente colocava
o banco gaúcho em situação de iliquidez e,
portanto, passível de intervenção do Banco
Central. Alertado, Simon passou algumas horas
ao telefone, em busca de um contato com o
presidente Sarney. Aconselhado pelo presidente
da instituição, Ricardo Russowsky, manteve a
área financeira do banco aberta até perto da
meia-noite. Quando finalmente conseguiu falar
com Sarney, o presidente pegou outro telefone, e
Simon escutou a determinação dada diretamente
ao presidente do Banco do Brasil para que fizesse
a operação necessária e não voltasse a deixar o
Banrisul em situação de aprêmio.
A administração de Simon também enfrentou
intensa pressão do funcionalismo e de setores
sociais, destacando-se as corporações mais
poderosas, como o magistério, que em uma
de suas greves paralisou boa parte das escolas
estaduais por quase 100 dias. Algo semelhante
ocorreu com o Movimento dos Sem-Terra
(MST), que chegou a fazer algumas invasões de
propriedades marcadas por ações violentas.
Esses fatores, dentre outros, naturalmente
contribuíram para impedir o encaminhamento
de várias iniciativas que poderiam ter sido
muito úteis ao estado. Foram os casos, por
exemplo, das propostas descritas no trabalho
de um dos mais brilhantes assessores de Simon,
o economista Cézar Busatto, e publicado no
jornal Diário do Sul com o título Dependência, a
armadilha que prende, e, principalmente, claro,
do extenso trabalho solicitado pela Federação
das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul
(Fiergs), em 1987, a uma equipe de economistas
comandada pelo influente técnico João Sayad. O
trabalho, que ficou conhecido como Relatório
Sayad, fazia um competente diagnóstico do
funcionamento do estado e listava preciosas
recomendações para equilibrar as contas públicas
e, simultaneamente, melhorar a eficiência na
prestação dos serviços. Tais propostas foram
virtualmente varridas pelo fogo pesado da
artilharia das corporações.
Também foi inviabilizada, por falta de recursos da
parte do RS, uma joint venture articulada por Simon
com o secretário de Ciência e Tecnologia de São
Paulo, Luiz Gonzaga Belluzzo, com a aprovação
do governador Orestes Quércia, para criar uma
instituição na área de inovação e desenvolvimento
tecnológico, uma espécie de mistura entre
Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo
(Fapesp) e sua similar gaúcha, a Fapergs. São Paulo,
então, agiu isoladamente e duplicou a transferência
de recursos para a Fapesp, que passaram de 0,5%
da receita estadual para 1%.
Outro caso de oportunidade perdida foi
a ausência de condições financeiras para
concretizar as ações que retirariam o Rio Grande
do Sul de simples ponto extremo do Brasil. A
tese a ser demonstrada era que o estado ocupava
uma posição geográfica estratégica que poderia
ser considerada central, equidistante dos locais
34
mais ricos da América do Sul, representados por
São Paulo e Buenos Aires-Montevidéu. Simon
também defendia a saída para o Pacífico, com a
ligação bioceânica dos portos de Antofagasta, no
Chile, e de Rio Grande. Atualmente, os esforços
neste sentido prosseguem.
O ativo líder empresarial Paulo Vellinho trouxe
da Itália, sem sucesso, uma subsidiária da Coemsa
(que presidia). Vellinho colocou para funcionar
nas proximidades do Centro Administrativo do
Estado a versão demonstrativa de um gerador
de energia eólica. A empresa italiana, interessada
em instalar uma planta no Brasil, estava disposta
a apoiar os estudos e até mesmo a busca de
empreendedor para a instalação de um parque
eólico, em 1988.
A cereja a ser colocada no topo dessas ideias
poderia ser obtida se a Petrobras estendesse
seus olhos na direção da Bacia de Pelotas, na
costa gaúcha, o que fez. O gás natural poderia
dar condições para a utilização do carvão mineral
do Rio Grande do Sul, com autossuficiência
energética, estabilidade de fornecimento e,
ainda, o Brasil poderia contar com um acréscimo
significativo no Sistema Interligado Nacional (SIN).
As dificuldades não impediram que Simon
tomasse várias iniciativas importantes, como
a construção da primeira parte da Rota do
Sol, a RS-453, que liga a Serra gaúcha à BR101 e à Estrada do Mar, a qual foi inteiramente
construída na administração de Simon.
O estilo Simon
Simon tinha um modo muito próprio de
administrar e de se relacionar com seus
colaboradores. Fazia reuniões individuais com os
secretários, mas também gostava de reunir todos
eles, fazendo com que todos falassem. Também
era mestre em guiar-se pelo seu instinto político.
Um de seus ex-secretários lembra um episódio
singular. O governador faria pronunciamento no
final de um congresso que se realizava na sede
da Embrapa, em Pelotas. Simon pediu-lhe, então,
que preparasse as notas para o seu discurso
(ele tinha ojeriza por recados muito longos). O
secretário fez pesquisa cuidadosa e relacionou
uma série de ideias que considerava relevantes.
Os dois foram para Pelotas no avião do governo,
no final da tarde, e no embarque, satisfeito, o
assessor entregou os papéis para o governador,
que os guardou no bolso do paletó. No voo,
Simon não tirou os papéis do bolso; apenas leu os
jornais do Rio e de São Paulo.
Na chegada em Pelotas, antes de se sentar
à mesa principal, Simon cumprimentou as
pessoas e não mexeu nos bolsos. Começaram
os discursos, e nada. Quando chegou a hora
do encerramento, Simon levantou-se e fez um
pronunciamento inflamado, como se estivesse
no palanque de um comício. O secretário
afundou na cadeira, pensando: “Que desastre,
ele não está dizendo nada importante”. Mas
estranhamente o governador foi interrompido
várias vezes pelas palmas da plateia. No final
do discurso, as palmas explodiram. E quando o
silêncio foi tomando conta do salão, um cidadão
sentado na poltrona ao lado virou-se para a
esposa e comentou: “É um gênio”. Quando
regressaram para Porto Alegre, o secretário
não mencionou as anotações que continuavam
bem guardadas no paletó de Simon. Afinal,
pensou, estava mais do que provado que ele não
entendia nada de política.
Pedro Simon renunciou dez meses antes do final
do mandato, no mês de fevereiro de 1990, em
favor de seu vice, o ex-governador Sinval Guazzelli,
para concorrer ao Senado. Assumiu em 1991. Em
2013, completa 22 anos de Câmara Alta.
35
ECONOMIA | O PESO DE UMA
INFLAÇÃO DE 4.800% AO ANO
atingiu 0,907, o mais elevado do Brasil, a mesma
situação da expectativa de vida, que, no mesmo
ano, foi de 72,6 anos.
Se a inflação prejudicou a administração pública
e a economia do Rio Grande do Sul no governo
de Jair Soares, o que aguardava Simon era
muito mais arrepiante que os fantasmas que,
segundo alguns, habitam o Palácio Piratini.
Em 1987, o Plano Cruzado, já em segunda
versão, foi substituido pelo Plano Bresser. Mas
a inflação voltou a subir, atingindo 366% no
ano. Foi arquitetado, então, o Plano Verão, de
Mailson da Nóbrega, em 1989. Uma nova moeda
surgiu, o Cruzado Novo, mas as medidas não
foram suficientes para assegurar a estabilidade
econômica, já que não houve mudanças
estruturais na economia. Em março de 1990, a
inflação alcançou o recorde de 84,23% ao mês e
um índice acumulado nos 12 meses anteriores de
4.853,90%!
No governo Pedro Simon, a produção de grãos
caiu dos 23,8% da produção nacional em 1986/87
para 18,1% em 1989/90. Isso ocorreu porque
a produção brasileira subiu de 62,1 milhões
de toneladas para 88,2 milhões de toneladas,
enquanto que a safra do RS subiu de 14,8 milhões
de toneladas para 16 milhões de toneladas.
O comportamento da economia do Rio Grande
do Sul no quadriênio de Pedro Simon/Sinval
Guazzelli foi sofrível, já que o PIB cresceu 4,1%
em 1987, caiu -1,2% em 1988, voltou a crescer
3,4% em 1989 e despencou catastróficos -6,6%
em 1990. No quadriênio, o PIB gaúcho caiu 0,7%.
Mas em termos de Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), em 1988 o Rio Grande do Sul
É importante registrar que no governo Simon/
Guazzelli foram feitos importantes trabalhos
em benefício da irrigação, a começar pelos
inventários de possíveis locais de barramento e
construção de 1.280 microaçudes, 67 barragensponte de médio porte e três barragens grandes
(VAC-06 e VAC-07 no Arroio das Canas e
VAC-04 no rio Vacacaí, as duas primeiras
localizadas onde hoje é o município de Santa
Margarida do Sul, e a última em São Gabriel).
Os inventários cobrem todas as bacias do Rio
Grande do Sul, exceto o curso superior do
Uruguai-Pelotas (do rio da Várzea e rio Mel
para montante) e a região da Lagoa Mirim, pela
existência do Programa Binacional da Lagoa
Mirim, que já tinha feito os seus inventários.
Foram feitos também os estudos de Centurión e
Talavera, no rio Jaguarão.
É importante registrar que no governo Simon foram feitos importantes trabalhos em benefício
da irrigação, a começar pelos inventários de possíveis locais de barramento e construção de
1.280 microaçudes, 67 barragens-ponte de médio porte e três barragens grandes.
COTIDIANO | EM MEIO A GREVES E PROTESTOS, UM CRIME
PARA A HISTÓRIA
Enquanto no Rio Grande do Sul os professores clamavam por melhores dias, em nível nacional se iniciava
a perseguição aos funcionários fantasmas e marajás, em um país que se mostrava mais e mais indignado
com a desigualdade social e de classes. Privilégios de políticos e altos funcionários ajudavam a incitar
mais e mais reivindicações de diferentes categorias, que, embaladas pelos ventos da redemocratização,
aproveitavam para promover imensas paralisações. Era um país que começava a pensar na nova
Constituição e se encontrava sedento por democracia.
Em um cenário de alta inflação, as pessoas se defendiam como podiam. Só ganhava quem conseguia
especular no mercado financeiro. Muita gente ficou rica ou deixou de trabalhar, graças aos rendimentos
da aplicação de dinheiro. Para a grande massa, sobrava o dissabor de ver o poder aquisitivo do salário
despencar na segunda quinzena do mês, em função da desenfreada subida dos preços. Em um contexto
onde a discussão mais importante parecia ser a duração do mandato do presidente, o dia a dia ia se
consumindo entre altas inflacionárias e paralisações, em sua grande maioria justas, mas que atrapalhavam
o ritmo da economia e o próprio funcionamento das estruturas. Já naquele tempo, aumento de
passagem de ônibus gerava incêndios, saques, feridos e prisões no Rio de Janeiro.
Estrada do Mar.
Foto: Linei Zago
37
No campo, os conflitos aumentam. O palco
principal continuava sendo a Fazenda Annoni, com
as reintegrações de posse na Justiça e as lutas no
centro de Porto Alegre, na Praça da Matriz, lugar
onde também ecoavam as sinetas dos professores,
que tomavam de assalto o espaço e exigiam
melhores condições de trabalho. Enquanto a
União Democrática Ruralista (UDR) ganhava força
e o Centrão engendrava os primeiros acordos,
visando às votações da Constituinte, morria o
gaúcho de Rio Grande e eminência parda do
regime militar, o general Golbery do Couto e
Silva, bem no momento em que se propugnava
pela reabertura do caso Riocentro. No âmbito
estadual, Simon preparava um pacote de medidas
administrativas, com a extinção de órgãos e
dispensa de pessoal, como costuma ocorrer em
governos que se iniciam.
Com muito mais liberdade para opinar, a mídia
descrevia a realidade. José Barrionuevo, com
seus comentários ardilosos e pitadas de ironia,
e Adroaldo Streck se destacavam na política;
Walter Galvani, na cultura; Amir Domingues,
nas entrevistas de rádio, e Hélio Falcão Vieira,
nas abordagens econômicas, que mais tarde
também teriam espaço na voz daquela que, anos
depois, seria eleita governadora: Yeda Crusius.
Na parte social, assinando colunas que cobriam
a movimentação nos clubes e davam dicas de
moda e comportamento, quem dava o tom eram
Célia Ribeiro, Gasparotto e Eduardo Conill. No
caso de Célia Ribeiro, não havia menina que
precisasse debutar ou fazer uma simples festa
de 15 anos que não recorresse a seus livros e
conselhos sobre etiqueta e comportamento.
No campo da comunicação, um novo perfil
surgia: o do profissional multimídia, encarnado
na figura de Lauro Quadros, que passou a atuar,
simultaneamente, em vários veículos (jornal,
rádio e televisão). Era o momento da perda
do jornalista gaúcho e ex-treinador da Seleção
Brasileira, João Saldanha. O RS chorava, também,
um ano da morte de Maurício Sirotsky Sobrinho,
fundador da RBS.
Ao mesmo tempo em que o Rio Grande do Sul se
prepara para incorporar 22 novos municípios, o
tailleur se destacava na moda, enquanto minissaias
ou shorts eram a tendência de mulheres que
desejavam liberdade de expressão e independência.
Atrizes que encarnavam comportamentos
alternativos, como a francesa Beatrice Dalle,
estavam em alta, enquanto Cláudia Ohana,
com seus lindos olhos, e Luma de Oliveira, a
deslumbrante rainha do carnaval, que veio prestigiar
o nosso baile municipal, roubam a cena.
Ronald Reagan, então presidente dos Estados
Unidos, impõe sanções econômicas ao Brasil, não
sem reação de José Sarney. Em paralelo, o País
alinhava um acordo com os credores da dívida
externa. Se o Rio Grande do Sul comemorava
os 30 anos da RBS e os 60 da Rádio Gaúcha, a
Constituinte votava pelo monopólio total do
petróleo: o ouro negro, outra vez, era nosso.
Na condução dos trabalhos, o brilhantismo de
Ulysses Guimarães, que levaria a Carta a bom
termo e negociaria soluções para uma sociedade
em ebulição, que clamava por garantias,
participação e direitos. Porto Alegre convivia
com o aumento do roubo de carros, enquanto o
governo brigava com a Autolatina por causa da
reserva de mercado para a indústria nacional. O
acidente radioativo do césio, em Goiânia, fazia
vítimas e ganhava as páginas dos jornais.
Na União Soviética, em continuidade à política
de abertura, Mikhail Gorbachev prega a
descentralização do poder, e os EUA intervém
no Oriente Médio. Em visita a Porto Alegre, para
palestras e conferências, Alvin Toffler, escritor
norte-americano, afirma que o mundo marcha a
passos largos para a terceira onda, a revolução
tecnológica.
No cinema, destaque para as performances
de Madonna e filmes como Superman, Os
Trapalhões e Gabriela Cravo e Canela, sem contar
o irreverente Diabo no Corpo, produções que
influenciaram o comportamento de várias
gerações. Na música, o show de Sting, cantor
38
inglês que se engajava na causa indígena e na
proteção da floresta amazônica, lotava o Estádio
Olímpico, em uma noite de chuva que marcou
época. Nas rodas sociais, sobretudo no veraneio,
a preocupação com a camada de ozônio e o
câncer de pele ganha o centro das conversas.
Contudo, o veraneio corre leve e solto, apesar
dos problemas. O boom do Litoral Norte havia
chegado ao fim, e nossas praias, com raras
exceções, entravam em decadência sobretudo
no que tange à infraestrutura e aos investimentos
dos poderes municipais. Um alento, no entanto,
estava por chegar: a construção, no governo
Simon, da Estrada do Mar.
Na área social, mais destaques. Na vinda do
cantor espanhol Julio Iglesias a Porto Alegre,
descobriu-se o seu namoro, que ficara em
segredo por oito meses, com Deise Nunes, a
gaúcha que ganhou o Miss Brasil. Nas passarelas
da Europa, a beleza e a competência de nossa
gente entra em evidência, sobretudo na festejada
Milão, importante centro de moda e design.
No campo do trabalho, greves e mais greves, a
todo dia e a cada momento. Na Constituinte,
são discutidos temas para apontar o Brasil
do futuro. O Rio Grande se preocupa com
a perda de espaço no setor da automação
industrial. Acaba a reserva de mercado na
economia. Bem em frente aos nossos olhos, o
velho Guaíba é massacrado com o lançamento
indiscriminado de esgoto e dejetos. Na área
da cultura, os livros mais vendidos são os de
não ficção. É a forte entrada de títulos de
autoajuda e de catálogos de psicologia no Brasil.
No comportamento, o estilo de vida yuppie,
sobretudo na vestimenta, baseado no filme
Nove Semanas e Meia de Amor, dá o tom para os
novos executivos e empresários, que buscam
esteticamente uma maneira mais livre de agir
no mundo dos negócios. Enquanto isso, Vera
Fischer, uma loira brasileira não menos bonita
do que Kim Bassinger, faz sucesso na novela das
8, Mandala, no papel de Jocasta.
Em um estado que já sofria com o problema da
dívida, com a dissolução do Banco Sulbrasileiro,
transformado em Meridional, com a crise na
Habitasul, mais estiagem, secas e enchentes,
a notícia da recessão industrial, que veio
para ficar por longo período, não foi boa. A
sociedade gaúcha era também assolada pelo caso
ambiental da praia do Hermenegildo: vazamento
de detergentes ou algas marinhas? Mas nada,
nessa época, movimentou tanto a opinião
pública quanto o caso Daudt, jornalista gaúcho
cruelmente assassinado a tiros numa noite fria
de inverno. Na linha de investigação da polícia
estava ninguém menos que o deputado e médico
Antonio Dexheimer, do mesmo partido do
governador. Uma história de paixões e suspeitas.
Dexheimer acabaria absolvido mais tarde por
falta de provas pelos desembargadores, em mais
um memorável trabalho do advogado Lia Pires.
No plano internacional, os EUA atacam
novamente o Irã, e a nave Discovery é lançada,
fazendo renascer o programa espacial norteamericano. O mundo está atento também às
Olimpíadas. O brasileiro Robson Caetano ganha
bronze em Seul no atletismo, enquanto no
futebol o goleiro Taffarel faz defesas importantes.
O ecologista gaúcho José Lutzenberger, que
depois seria ministro de Collor, recebe na
Suécia o Nobel alternativo. Na Praça da Matriz,
a Brigada Militar invade a Assembleia, em busca
de manifestantes exaltados. O governador pede
desculpas. Na novela das 8, Vale Tudo, uma
pergunta que não calou por muito tempo: quem
matou Odete Roitman? Na economia, o verão
que se anunciava dava nome a mais um plano
econômico, sem antes contar com o naufrágio do
barco Bateau Mouche no réveillon: nefasto AnoNovo para muitos, em um país que afundava.
Entre motins em nosso superlotado Presídio
Central e os saques na vizinha Argentina, que
declarava estádio de sítio, íamos vivendo nossa
realidade, com 10 mil foragidos andando nas ruas
do estado, que mostra séria desigualdade no
desenvolvimento regional entre o Norte e o Sul.
39
Nas eleições para a Presidência da República,
Brizola e Collor lideravam as pesquisas. Na
classe artística, Malu Mader, na novela Top
Model, e Adriana Calcanhoto se destacam. Mas
o Brasil, que já havia passado pela Constituinte e
promulgado a nova Carta, estava ligado mesmo
era na eleição: debates épicos na TV são travados
entre Lula e Collor. Acusações, vida pessoal
e dossiês dão a tônica do final da campanha.
O País escolhe Collor, e um presidente
pouco convencional, voltado para o tema da
modernidade, assume.
Fernando Collor de Mello inicia sua curta
trajetória e promete um novo país, com carros
adequados e produtos importados de alta
tecnologia: era, na prática, a segunda abertura
dos portos no Brasil. A caça aos marajás, a defesa
dos descamisados e um forte apoio popular, no
início do governo, pareciam criar uma atmosfera
de otimismo e prosperidade. Mas não foi bem
assim. Sem apoio no Congresso, com denúncias
de corrupção, planos confusos e confisco da
poupança, o governo foi cambaleando, até o
impeachment, quando o presidente teve de
apear do poder. Enquanto esteve comandando
o País, não faltaram medidas de impacto. E nem
escândalos na corte, entre eles as rusgas entre
o casal Fernando e Rosane e o famoso affair
envolvendo os ministros Zélia Cardoso de Mello
e Bernardo Cabral.
Em Porto Alegre, sem ter onde colocar o lixo,
o prefeito Olívio Dutra decreta calamidade,
enquanto o ex-prefeito Collares começa a
despontar como favorito às próximas eleições
estaduais. O estado perde um legendário político,
o comunista Luís Carlos Prestes, o cavaleiro da
esperança. Ainda na política, os comunicadores
candidatos são retirados do ar, em função da
legislação eleitoral. A atriz Luiza Thomé desponta
e Cazuza morre aos 32 anos, vítima de Aids.
Outra perda, desta vez especificamente para os
porto-alegrenses e gaúchos, foi a do maratonista
Bataclan, aos 94 anos, atleta das ruas, figura
popular da cidade. A população protesta
contra o fechamento do comércio aos sábados,
retrógada decisão da Câmara Municipal contra o
desenvolvimento dos serviços e o crescimento
da economia, o que reflete certa mentalidade
provinciana que até os dias de hoje, em alguma
medida, subsiste.
CULTUR A | O RIO GR ANDE GANHA
UMA SECRETARIA DE ESTADO
Nos anos 1987-90, com o ex-ministro da
Agricultura Pedro Simon no comando do
governo gaúcho (substituído depois por seu vice,
Synval Guazzelli, em março de 1990, quando
o governador se licenciou para concorrer ao
Senado Federal), foram plantadas as sementes
que resultariam na criação da Secretaria de
Estado da Cultura. Também é desse período o
nascimento da Casa de Cultura Mario Quintana.
Tudo sob o comando de Carlos Appel (que
retornaria ao comando da Sedac anos depois,
no governo de Antonio Britto), que conseguiu
mobilizar mais de 30 setores da comunidade
cultural gaúcha, chamados a opinar em
seminários, e até em um Congresso de Cultura,
sobre os rumos do setor.
A efervescência cultural da primeira metade
da década de 1980 se manteve. Eram tempos
em que novos cinemas de calçada surgiam em
Porto Alegre, como Avenida 2, Guarani, Lido 2
e Baltimore 2. Nas artes plásticas, em meio às
recorrentes dificuldades financeiras, a escultura
se sobressaiu com as figuras de Gustavo Nakle
e Karin Lambrecht, mais o jovem Mauro Fuke,
Irineu Garcia e Luiz Gonzaga. Ainda em 1987,
destaque para o projeto “Missões: 300 anos”,
com uma série de exposições, e “Rever das
Missões”, em que 60 artistas realizaram enormes
painéis em lona vinílica em pleno Parque da
Redenção, com grande participação popular. No
centenário de nascimento de Leopoldo Gotuzzo,
foram vários eventos, com apoio da Secretaria
da Educação e do então Conselho Estadual de
40
Desenvolvimento Cultural, com financiamento de
empresas da iniciativa privada, como Grupo Trafo
e J.H. Santos.
No mesmo ano em que foi publicada a segunda
edição do Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa, que em 11 anos havia vendido 5,2
milhões de exemplares, Lya Luft lançou Exílio e
Luiz Antonio de Assis Brasil, futuro secretário
da Cultura no governo Tarso Genro, publicou
seu Cães da Província, ao mesmo tempo em que
Moacyr Scliar era traduzido nos Estados Unidos e
na França e Mario Quintana tinha diversos livros
editados ou reeditados.
Na música, Engenheiros do Hawaii (A Revolta
dos Dândis), Geraldo Flach e Vitor Ramil, com o
excelente Tango, mais Nei Lisboa, com Carecas da
Jamaica, seguiam como destaques em meio a um
mercado que registrava a produção de 108 discos
em um ano, 70% dos quais dedicados à música
regionalista. O Nenhum de Nós dava seus primeiros
passos, e Adriana Calcanhoto seguia arrancando
aplausos em shows nos bares da cidade. O nome no
cenário nacional era o do controverso e polêmico
Lobão, que no show de lançamento do disco Vida
Bandida reuniu 18 mil pessoas no Gigantinho (com
outras 3 mil ficando do lado de fora).
No teatro, 1987 teve a marca das esquetes que
tomaram conta dos bares e casas noturnas,
algumas das quais viraram peças, como Escondida
na Calcinha, de Patsy Cecato, e Perucas em
Desfile, também com Patsy Cecato, mais Renato
Campão, Jaime Ratinecas e Lila Vieira. O maior
êxito do ano, entretanto, coube a Luiz Artur
Nunes, com A Mãe da Miss e o Pai do Punk.
O ano de 1988 teve a marca da criação da
Coordenadoria de Artes Plásticas, ano em que a
Associação Rio-Grandense Chico Lisboa realizou
o Salão de Porto Alegre, ao mesmo tempo
em que o Núcleo de Gravura do RS conseguiu
realizar várias mostras.
Na literatura, destaque para a indicação
de Carlos Nejar para ocupar uma cadeira
na Academia Brasileira de Letras e para o
lançamento do primeiro romance de Luis
Fernando Verissimo, O jardim do diabo. Na
área dos ensaios e não ficção, apareciam com
frequência nomes como Luiz Pilla Vares, Otto
Alcides Ohlweiller, Tarso Genro e Sérgio da
Costa Franco, que naquele ano lançou o futuro
clássico Guia Histórico das Ruas de Porto Alegre, da
Editora da UFRGS, com apoio da Prefeitura de
Porto Alegre.
Na música, o sucesso de Tangos e Tragédias
no palco virou disco. O 1º Latinomúsica, em
Pelotas, reuniu Chico Buarque e representantes
do Peru, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile,
enquanto o grupo instrumental Raiz de Pedra
comemorava 10 anos de estrada com uma
excursão para a Europa. Ao mesmo tempo em
que nasceu o projeto Blue-Jazz, intensificaram-se
as programações de iniciativas como O Choro é
Livre e Música ao Meio-dia, ambos no Theatro
São Pedro. Legião Urbana (com apresentação
extra), Titãs, Belchior (lotando quatro noites
seguidas o Teatro da Ospa), mais Mercedes
Sosa e Júlio Iglesias (reunindo 50 mil pessoas no
Olímpico), foram os destaques na música nacional
e internacional.
Ao mesmo tempo em que Renato Borghetti
era sucesso com sua participação no Free Jazz
Festival, o restaurante Pulperia festejava cinco
anos e João de Almeida Neto e a dupla Daniel
Torres-Rui Biriva conquistava os principais
prêmios na música nativista. A Ospa, por
sua vez, comemorou a inauguração de sua
concha acústica, e a festejada reabertura do
Salão de Atos da UFRGS, que proporcionaria
apresentações de diversos solistas de nível
nacional e internacional, sofreu críticas, em razão
dos altos preços do aluguel.
A dança teve uma agenda repleta, com as
presenças em Porto Alegre de grupos como
Stagium, O Corpo e Cisne Negro, além de
apresentações internacionais como Antonio
Gades, Pilobolus, Ballet de Stuttgart, Fernando
Casa de Cultura.
Foto: Camila Domingues / Palácio Piratini.
42
Bujones e Mummesnschanz. No teatro, ninguém
foi mais elogiada do que Eliane Steinmetz e seu
hilário Viva a Gorda, apresentado durante todo o
ano, duas terças-feiras por mês.
Se 1989 terminaria com a eleição de Fernando
Collor para a Presidência da República, Adriana
Calcanhoto explodiria de vez, radicando-se no
Rio de Janeiro, onde começaria a gravar seu
primeiro LP. Sob o comando do jovem maestro
Flavio Chamis, então com 33 anos, a Ospa
também ultrapassou as divisas do estado, com
apresentações fora do Rio Grande do Sul.
No cinema, o melhor filme brasileiro do ano
foi um curta-metragem, Ilha das Flores, de Jorge
Furtado. A propósito, foi nesse ano que talentos
até então restritos à bitola Super 8 começaram
a empunhar câmeras de vídeo e conquistar
espaços de destaque, como Carlos Gerbase, Flávia
Moraes, Beto Souza e Alex Sernambi. Vivia-se,
então, o auge do videocassete e das locadoras. A
expressão “agitador cultural” também estava em
alta, definindo o trabalho de nomes como Haydée
Porto, diretora do Salão de Atos da UFRGS,
Fernando Strehlau, diretor da Gaia Cultural Teatro
& Artes, Eva Sopher, à frente do Theatro São
Pedro, Evelyn Berg, ex-diretora do Margs e ligada
ao grupo Iochpe, Marilurdes Franararin, jornalista,
e Geraldo Lopes, da Opus Promoções.
No teatro, Bella Ciao levou quase todos os
prêmios do Troféu Quero-Quero. Além de
melhor espetáculo, destaque para Nestor
Monastério (diretor), Carlos Cunha Filho
(ator) e Lourdes Eloy (atriz). E o ano teve ainda
o lançamento do excelente Suíte Brasileira,
instrumental de Geraldo Flach.
Por fim, em 1990, já com a Secretaria de
Estado da Cultura em funcionamento, a Ospa
comemorou seus 40 anos com 31 concertos e
40 apresentações especiais, enquanto surgiam
os nomes do grupo Bando Barato pra Cachorro,
liderado por Artur de Faria, e de Totonho
(depois Antonio) Villeroy entre os expoentes
da MPG. Já o “videasta” Beto Souza dirigiu um
clipe da banda DeFalla que se tornaria sucesso na
MTV, e a Ipanema FM comemorou a consagração
dos nomes dos comunicadores “Alemão” Vitor
Hugo, Cagê, Claudio Cunha, Nara Sarmento,
Eduardo Santos, Jimi Joe, Mary Mezzari, Julio
Reny e Porã.
No ano em que o mercado editorial nacional
vibrava com a consolidação da toda poderosa
Companhia das Letras, que recém havia lançado
os primeiros dois volumes da coleção “História
da Vida Privada”, a Feira do Livro de Porto Alegre
festejava a comercialização de 213 mil volumes,
batendo o recorde anterior, de 1986. Caso
Daudt, de Daltro Aguiar, foi um dos campeões de
vendas, com 2.600 exemplares.
Nas artes plásticas, destaque para os 50 anos
de carreira de Vasco Prado, em paralelo a
duas mostras da obra de Iberê Camargo. O II
Encontro Latino-Americano de Artes Plásticas
e o IV Congresso Brasileiro de História da Arte
atraíram os olhares para o estado, assim como a
inauguração da Casa de Cultura Mario Quintana,
entregue à comunidade em 25 de setembro de
1990, graças ao trabalho de revitalização do prédio
onde havia funcionado o Hotel Majestic, cujo
hóspede mais famoso foi o poeta Mario Quintana,
que ali residiu entre 1968 e 1980. São 12 mil m2,
com salas de cinema, teatros, galerias de arte,
bibliotecas, além de salas de ensaio e de oficinas
distribuídos em sete pavimentos e duas alas. Por
mês, a CCMQ recebe atualmente 4 mil visitantes.
43
DEPOIMENTO: PEDRO SIMON
Enfrentando problemas desde o primeiro dia.
Dois acontecimentos foram marcantes no começo. Em primeiro
lugar, a greve dos professores, na segunda semana depois que assumi
o governo do estado. A paralisação, de quase cem dias, foi a mais
longa da história do Rio Grande do Sul. O magistério reivindicava
principalmente o cumprimento da lei do governo Amaral de Souza,
do aumento de seus salários básicos para 2,5 salários mínimos.
Também se iniciaram as ações dos movimentos dos sem-terra e
sem-teto. Ocorreram invasões de casas em Gravataí e em Canoas
e até de um loteamento em Novo Hamburgo. Os dois primeiros
ocorreram apenas três dias após a posse. E a invasão de Canoas
foi o maior movimento de guerrilha já feito no Brasil, onde todos
os apartamentos já estavam inclusive com os nomes dos futuros
destinatários definidos. Foi uma invasão monumental. Lembro
que assinei solicitação para retirar aquelas famílias de lá, pois
ocupavam imóveis que já pertenciam a outras pessoas. O juiz de
Canoas autorizou a retirada das famílias e conversou bastante com
o comandante da Brigada, pois havia 5 mil pessoas a serem retiradas
e apenas 300 policiais para cumprir a determinação. Ele estava
preocupado. Mas a Brigada cumpriu a determinação judicial.
Medidas para melhorar a infraestrutura.
No período em que governei, foi praticamente duplicada a malha
rodoviária, com obras de grande importância, como Estrada do Mar,
Rota do Sol, Gramado-Canela, Estrela-Lajeado, e, além de mais de
mil quilômetros de estradas vicinais asfaltadas, a de Restinga Seca,
Passo Fundo-Getúlio Vargas e estradas no interior de Caxias. Em
estradas federais, o estado fez 2.200 quilômetros de melhoramentos,
porque o governo federal não tinha dinheiro. O Rio Grande do
Sul fez um acordo. Faríamos esses 2,2 mil quilômetros de estradas
federais, e eles devolveriam esses gastos para os cofres do RS. Até
hoje, nada. Nessa área de infraestrutura eu incluiria, ainda, a
44
DEPOIMENTO: PEDRO SIMON
construção de presídios, já que fui o último governador a construir
um no Rio Grande do Sul. E foi na minha administração que foi
iniciado o projeto para garantir a irrigação das lavouras e eliminar
as perdas com as estiagens. De fato, foram realizados os estudos que
definiram as regiões necessitadas de barragens, um levantamento
que abrangeu todo o estado. Foram elaborados até alguns projetos
de barragens, como nos casos de Taquarembó e Jaguari. Da mesma
forma, foram construídos muitos açudes, em todo o interior. Os
levantamentos feitos nesse período foram resgatados no governo de
Yeda Crusius, gerando, por exemplo, os quatro projetos de barragens
que estão no PAC II.
As relações com o magistério após a greve.
Sei que, quando terminou o governo, os professores estavam
recebendo o salário básico de 2,7 salários mínimos. Aliás, durante
a greve do magistério estava um pouco irritado e fui até a janela do
Palácio e fiquei observando os professores que estavam em greve.
Depois de um certo tempo, fiquei mais tranquilo e até comentei
com o pessoal que estava comigo ali: “Fui eleito para eles estarem
aí. Infelizmente é contra mim”. Finalmente, devo registrar outra
iniciativa, que foi a criação do Quadro de Professor por Escola. Para
ser nomeado, tinha que ter vaga e ter curso especial.
“
O Rio Grande do Sul fez um acordo. Faríamos esses 2,2 mil quilômetros de estradas federais, e eles
devolveriam esses gastos para os cofres do RS.
Até hoje, nada.
45
Posição a respeito do Mercosul.
Eu era favorável ao Mercosul. E tenho convicção de que contribuímos
positivamente para o estabelecimento de regras que pudessem evitar
conflitos entre vizinhos.
As mudanças no Fundopem.
O Fundopem é um instrumento de grande importância para estimular
os investimentos e atrair novos investidores. Mas ele precisava de
algumas mudanças para desempenhar o seu papel. Ele foi aperfeiçoado,
apenas, e os resultados foram muito interessantes.
Iniciativas na área de reforma agrária.
Na área agrícola, no meu quadriênio, foram adotadas várias iniciativas,
como a intensificação da atividade da Emater e a criação do sistema
conhecido como “troca-troca” de sementes. No caso da reforma
agrária, nós fizemos um acordo com o governo federal: adquirimos
algumas áreas rurais e instalamos os assentamentos. Em troca, eles
nos retornariam os investimentos para que a experiência pudesse ter
continuidade. É outro caso em que até agora estão nos devendo.
Difiuldade de fazer acordos com a União.
Sem dúvida, é muito difícil. No caso da Reforma Agrária, o Brasil já
poderia estar com essa questão superada se a União fosse confiável e
fizesse parcerias com as unidades federativas. Os estados poderiam
proporcionar muito mais agilidade e, ao mesmo tempo, poderiam
avaliar melhor os resultados.
Relacionamento com o Parlamento.
Acho que você recebe o que você dá. Ou seja, se você trata o
Parlamento com respeito e seriedade, recebe o mesmo retorno.
Consegui que os deputados votassem e aprovassem propostas muito
importantes. Nunca fizemos troca-troca e nunca precisei dar um cargo
para obter apoio nas votações.
Foto: Jefferson Bernardes
ALCEU
COLLARES
1991
1994
Foto: Jefferson Bernardes
Alceu de Deus Collares foi, entre os candidatos que foram derrotados por Jair
Soares na eleição de 1982, o segundo a chegar ao Palácio Piratini. Foi o primeiro
negro eleito governador do Rio Grande do Sul. Nasceu em Bagé no dia 12 de
setembro de 1927. Foi também vereador e deputado federal por cinco mandatos.
E também foi o primeiro prefeito de Porto Alegre eleito diretamente, após a
redemocratização, para um mandato de três anos (1986 a 1988), de forma a que o
calendário eleitoral brasileiro fosse ajustado. Outro pioneirismo de Collares: foi o
primeiro governador a vencer as eleições no segundo turno, depois de, em aliança
com PSDB e PCdoB, ter derrotado Nelson Marquezan, do PDS, coligado com PFL,
PL, PRN e PSC; José Fogaça, do PMDB; e Tarso Genro, do PT, aliado ao PSB. Com
o segundo turno, Collares (com seu vice, João Gilberto Lucas Coelho, do PSDB)
também foi o primeiro governador a receber a maioria absoluta dos votos: 2,3
milhões, equivalentes a 61,7% do total.
Collares jamais esqueceu sua origem humilde e o esforço para ter sucesso
profissional e na política. Morador de um bairro muito pobre de Bagé, teve que
abandonar os estudos aos 11 anos, para ajudar a família como quitandeiro. Aos 16,
conseguiu um emprego de carteiro. Resolveu voltar a estudar, e fez concurso para
telegrafista. Tanto gostava e praticava que se tornou profissional reconhecido pela
velocidade com que trabalhava. Terminou o colegial em 1956, com 29 anos, e fez
vestibular para o curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), momento em que se transferiu para Porto Alegre.
Quando da entrevista, às vésperas de completar 86 anos, o ex-governador Alceu
de Deus Collares ostentava não apenas vigor físico e agilidade mental invejáveis,
mas também contagiante alegria, temperada pelo marcante sentimentalismo
típico dos gaúchos nascidos no Pampa. Gosta de mostrar aos amigos os troféus,
diplomas e fotografias que registram sua vida, sua carreira política e a evolução
do trabalhismo. Aliás, de certa forma, Collares participou de um único partido
na vida, originalmente denominado Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Durante
o governo militar, os trabalhistas se homiziaram no Movimento Democrático
Brasileiro (MDB). Na redemocratização, dividiram-se, ficando a sigla histórica do
PTB com o grupo liderado pela deputada Ivete Vargas. Um outro grupo ficou no
MDB, transformado em Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). E
foi criado então o PDT, para abrigar os trabalhistas liderados pelo ex-governador
do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, grupo ao
qual estava ligado Alceu Collares.
50
AMBIENTE POLÍTICO | POLÊMICAS MARCARAM A
IMPLANTAÇÃO DOS CIEPS E DO CALENDÁRIO ROTATIVO
No comando do estado, Alceu Collares enfrentou já em 1991 grave crise econômico-financeira
provocada principalmente pelo desastre da safra de grãos 1990/91, de apenas 10 milhões de toneladas
(veja detalhes no tópico Economia), contra os 15 milhões de toneladas de 1989/1990. As repercussões
foram agravadas pelas medidas drásticas adotadas pelo governo de Fernando Collor através da ministra
da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello. Em ato dramático, em 1991 o governador declarou uma moratória,
suspendendo todos os pagamentos aos fornecedores e priorizando o pagamento do funcionalismo. O
PIB do estado caiu dois anos consecutivos, 6,6% em 1990, no último ano de Simon, e outros 2,2% em
1991, no primeiro ano de Collares. Mas ocorreu uma acentuada recuperação nos anos seguintes.
Prometendo uma revolução na educação, Collares fez desta área a mais conflituosa e polêmica de
seu governo. Nomeou sua mulher, Neuza Canabarro, secretária da Educação, e iniciou a implantação
dos Centros de Ensino em Tempo Integral (Cieps), tal como havia feito na sua passagem pela prefeitura
de Porto Alegre. Os Cieps foram bem recebidos, mas a criação do calendário rotativo, que introduzia
no Rio Grande do Sul três diferentes anos letivos, que se revezavam, criou discórdia e fez cair a
popularidade do governador.
No período de Collares, os presidentes da Assembleia Legislativa foram César Schirmer (PMDB) e
Renan Kurtz (PDT). As bancadas estavam assim distribuídas: o PT elegeu cinco deputados; o PPB,
ex-PDS, elegeu 13; o PMDB elegeu 12 deputados, mas aumentou a bancada para 14; o PDT elegeu 13
deputados, mas perdeu dois; o PTB elegeu oito e aumentou para nove deputados; o PFL elegeu dois,
mas terminou a legislatura com apenas um parlamentar; o PSB elegeu um deputado. E ocorreram ainda
outras mudanças: o PL, que tinha um representante, ficou de fora do Parlamento, e o PCdoB instalou
sua bancada com um parlamentar.
CPIs
O governo foi conturbado por nada menos do que quatro Comissões Parlamentares de Inquérito:
CPI da Corlac, em 1991/1992; CPI de Candiota III, em 1992; CPI do Desperdício do Dinheiro Público,
também de 1992, e, ainda, a rumorosa CPI da Propina, em 1993/94.
A CPI da Propina (de 6/10/1993 a 18/4/1994) foi instalada para investigar denúncias de recebimento
de propina para liberação de financiamentos e fraude em concorrências públicas. Foi a primeira CPI a
ganhar repercussão, com denúncias que envolviam integrantes da Secretaria de Planejamento Territorial
e Obras e do Banrisul. O relatório propôs a reestruturação do Departamento Autônomo de Estradas
O governo foi conturbado por nada menos do que quatro Comissões Parlamentares de Inquérito:
CPI da Corlac, em 1991/1992; CPI de Candiota III, em 1992; CPI do Desperdício do Dinheiro
Público, também de 1992, e, ainda, a rumorosa CPI da Propina, em 1993/94.
51
de Rodagem (Daer), a instauração de nova
CPI para apurar irregularidades no Sistema
Financeiro Estadual e encaminhou mais de 30
temas ao Ministério Público. Quatro tiveram
encaminhamento judicial. O presidente da CPI
foi Flávio Koutzii (PT), tendo como relator José
Octávio Germano (PPB).
Em 1994, o candidato do PDT ao governo do
estado foi Sereno Chaise, que teve votação
inexpressiva. Collares ficou sem cargo eletivo
nos quatro anos seguintes, sendo eleito deputado
federal em 1998, cargo para o qual foi reeleito
em 2002. Nesse período, foi vice-líder do PDT
(1999), vice-líder do bloco PDT/PPS (2001/2002),
presidente da Comissão de Seguridade Social
e Família (1999) e presidente da Comissão
de Relações Exteriores e Defesa Nacional da
Câmara dos Deputados (2006).
Em 2000, candidatou-se a prefeito de Porto Alegre,
com a intenção de acabar com o predomínio
do PT na cidade, que se iniciara em 1989. No
segundo turno, foi derrotado pelo também exprefeito Tarso Genro. Antipetista convicto, apoiou
em 1998 a candidatura de Olívio Dutra ao governo
do estado. Dutra foi eleito, vencendo o sucessor de
Collares, Antonio Britto, então no PMDB. Collares
foi contrário à participação do PDT no governo
petista, apoio que durou pouco mais de um ano.
Nas eleições de 2006, Collares foi
o candidato do PDT ao governo estadual. Ficou
em quinto lugar, com 3% dos votos. Sem nenhum
cargo público, passou a integrar o Conselho de
Administração da Itaipu Binacional.
Em 2010, contrariando o PDT gaúcho, que
indicara Pompeo de Mattos para vice-governador
na chapa de José Fogaça, do PMDB, Collares
apoiou a candidatura do petista Tarso Genro,
justificando esta decisão pela falta de adesão de
Fogaça à candidatura de Dilma Rousseff para a
Presidência da República.
ECONOMIA | BUSCA DE
EQUILÍBRIO E OLHO NA
INTERNACIONALIZAÇÃO
Após os desastres econômicos de 1990 (o PIB
gaúcho foi de -6,6%) e 1991 (PIB de -2,2%), em
1992 a economia do Rio Grande do Sul iniciou
uma fase de recuperação, com Alceu Collares
conseguindo um certo equilíbrio nas finanças
públicas. A safra de grãos, por exemplo, foi de
mais de 17 milhões de toneladas (contra os 10
milhões da safra anterior). E, assim, o governador
colecionou três expressivos desempenhos
do PIB, com crescimento de 8,3% em 1992,
10,8% em 1993, e, ainda, 5,2% em 1994 – um
crescimento acumulado de 23,46%, o melhor
resultado de todos os governos desde a primeira
eleição direta, em 1982, até o governo de Yeda
Crusius, que terminou em 2010.
E também foi no seu período administrativo
que o Mercado Comum do Sul (Mercosul)
atravessou o chamado período de transição,
“fase estratégica que diz respeito às desgravações
tarifárias, aos acordos setoriais e à definição
dos projetos de infraestrutura dentro do
espaço comunitário”. Como nessa época
ganhavam corpo as percepções a respeito
do desenvolvimento sustentável, a questão
ambiental ingressou pela primeira vez nas
discussões. A formulação e a concretização de
políticas ambientais em um projeto multilateral,
no entanto, não foi uma tarefa fácil, e isso
efetivamente se prolongaria, retardando a
evolução do Mercosul, em prejuízo do Rio
Grande do Sul.
É interessante registrar a menção ao governo
Collares que é feita no trabalho A Paradiplomacia
Gaúcha e a Diplomacia do Itamaraty; um Paralelo
no Período 1987-2002 , da pesquisadora Luiza
Peruffo. Segundo ela, na época, “o desafio do
52
Brasil consistia de como se inserir no cenário
internacional pós-Guerra Fria, mais competitivo
e contraditório”. Nesse novo cenário, existiam
duas situações contraditórias e ao mesmo tempo
complementares, refletindo a própria assimetria
do processo:
- globalização (das finanças, economia, valores,
informação etc.);
- fragmentação (das identidades, secessão dos
estados, fundamentalismos, exclusão social etc.).
Segundo a pesquisadora, no governo de Alceu
Collares, diante do expressivo crescimento das
exportações para o Mercosul, verificou-se um
movimento de mudança nas prioridades do estado,
já que não havia mais o receio de que a integração
pudesse prejudicar a economia. Gradualmente,
a promoção comercial, a geração de negócios
e a atração de investimentos passaram a ser as
principais motivações da paradiplomacia. “A gestão
Collares, no contexto da nova ordem internacional,
diante da tendência mundial de globalização de
mercados e, regionalmente, de concretização
do Mercosul, percebia o importante papel da
Secretaria Estadual de Assuntos Internacionais
(Seai) na política de relacionamento do estado e
inserção externa do Rio Grande do Sul”, afirma
Luiza. Desse modo, face à crescente demanda
de ações decorrentes de todo o processo de
integração, o trabalho da Seai foi multiplicado. Em
parceria com a classe empresarial, foi promovido o
“Seminário sobre Potencialidades Econômicas do
Estado do Rio Grande do Sul frente ao Processo
de Integração da América Latina”, que reuniu
representações diplomáticas de 22 países latinoamericanos com o objetivo de demonstrar o
potencial econômico do RS.
Nessa etapa, a Secretaria atuava em três
departamentos:
– o Departamento de Assuntos de Integração,
que em 1991 lançou o programa DisqueMercosul, através do qual atendia consultas
sobre o processo de integração, baseado em um
banco de dados, e a Bolsa de Negócios, sobre
as empresas interessadas em realizar negócios
dos quatro países. Outra ação relevante foi a
criação de comitês setoriais em parceria com
a Federação das Indústrias do Estado do Rio
Grande do Sul (Fiergs), os quais incorporavam
representantes de empresas, sindicatos e
universidades.
– o Departamento de Negócios Internacionais,
que buscou instruir e assessorar as empresas
gaúchas, desenvolveu uma cooperação com o
Banrisul para capacitação dos funcionários para
a área de comércio internacional e do Mercosul
e ficou encarregado do acompanhamento de
missões estrangeiras.
– o Departamento de Cooperação Internacional,
que buscou a cooperação técnica com países
do Primeiro Mundo, como Alemanha, Inglaterra
e Japão, no âmbito da agricultura, do meio
ambiente, do desenvolvimento urbano, da saúde,
da educação, bem como da produtividade e da
competitividade das pequenas e médias empresas.
Paralelamente, o esforço conjunto entre
Seai, Prefeitura de Porto Alegre, entidades
empresariais, bancos e universidades permitiu a
instalação de um Trade Point em Porto Alegre –
vale destacar, o segundo no País. Sinteticamente,
os Trade Points agrupam fisicamente
representantes de alfândegas, bancos, operadoras
de transporte, seguros e câmaras de comércio,
no intuito de facilitar o acesso ao mercado
internacional para pequenas e médias empresas.
Mudanças nas empresas
Na movimentada década dos anos 1990, as
medidas de política econômica mudaram
bastante o País. Essas melhorias naturalmente
ocorreram também no mundo empresarial.
Segundo rigoroso levantamento feito pelo
subchefe da Secretaria de Desenvolvimento
Regional do BNDES, Nelson Siffert Filho, e
53
pela economista Carla Souza e Silva, em seu
importante estudo chamado “As Grandes
Empresas nos Anos 90: Respostas Estratégicas a
um Cenário de Mudanças”, no período 199198 as fusões e incorporações, incluindo as
privatizações, ascenderam a US$ 142 bilhões.
No período de Collares, ocorreram 295 fusões
e aquisições de grandes empresas, inclusive no
Rio Grande do Sul, como nos casos dos grupos
de supermercados Real e Nacional, que foram
adquiridos pelo grupo português Sonae.
A Gerdau é outro exemplo nesse processo
de fusão e aquisição: comprou a Aços Finos
Piratini em 1992 e fundiu suas empresas
siderúrgicas em uma única empresa, a Gerdau
S.A. Posteriormente, obteve participação
societária na Açominas e vem internacionalizando
suas atividades de forma crescente, criando
subsidiárias no Uruguai, Argentina, Chile e
Canadá, além dos Estados Unidos. Também
foi adquirido o Banco Meridional pelo Grupo
Bozzano, Simonsen.
Os pesquisadores do BNDES realizaram, ainda, de
maneira complementar, o exame da composição
da estrutura acionária das 100 maiores empresas
na economia brasileira nos anos de 1990, 1995,
1997 e 1998. E um dos resultados da pesquisa
apontou que as propriedades estrangeira e familiar
nacional detinham, em 1990, a mesma participação
em termos de número de empresas entre as 100
maiores, ou seja, 27 cada, sendo que, no tocante à
participação na receita, os estrangeiros detinham
26% contra 23% da propriedade familiar nacional.
As transformações desses dois tipos de
controladores foram expressivas no período
1990-1997, uma vez que os estrangeiros
passaram a responder por 34 empresas entre
as 100 maiores (40% do total da receita),
contra 26 empresas familiares nacionais
(17% do total da receita). Verifica-se, assim,
que durante o período estudado houve um
avanço significativo da presença de empresas
estrangeiras – das mais diversas nacionalidades
– entre as maiores na economia brasileira,
enquanto que a redução daquelas cujo controle
era familiar foi da ordem de 6% do total das
receitas no mesmo período. Embora a queda
de receita tenha sido significativa, não se pode
desconsiderar a empresa familiar nacional, por
ser uma característica marcante da economia
brasileira em termos societários, em geral, e
particularmente na economia gaúcha. A questão
que desde lá precisa ser enfrentada é avaliar a
capacidade de essas empresas sobreviverem
entre as maiores em um contexto de acirrada
concorrência, como ocorre em 2013.
Uma importante iniciativa de Collares em favor
da economia regional foi a criação dos Conselhos
Regionais de Desenvolvimento (Coredes),
instituídos pela Lei 10.283, de 17 de outubro
de 1994, para funcionarem como um “fórum
de discussão e decisão a respeito de políticas e
ações que visam ao desenvolvimento regional”.
Seus principais objetivos, segundo a referida lei,
“são a promoção do desenvolvimento regional
harmônico e sustentável; a integração dos
recursos e das ações do governo na região; a
melhoria da qualidade de vida da população; a
distribuição equitativa da riqueza produzida;
o estímulo à permanência do homem na sua
região; e a preservação e recuperação do meio
ambiente”. A divisão inicialmente contemplava 21
unidades. Mas nos anos seguintes foram criados
novos Coredes: em 1998, o Metropolitano Delta
do Jacuí; em 2003, mais duas regiões, a do Alto
da Serra do Botucaraí e a do Jacuí Centro; em
2006, outros dois Coredes: Campos de Cima
da Serra e Rio da Várzea; e, finalmente, em
janeiro de 2008, através do Decreto 45.436,
foram criadas as regiões do Vale do Jaguari e
Celeiro. Atualmente, o Rio Grande do Sul possui
28 Coredes. Desde sua criação, os Coredes
têm dado importantes contribuições para a
definição de políticas públicas que, ao contrário
do que acontecia no passado, reduzam as
diferenças regionais, aumentando a velocidade de
desenvolvimento das áreas mais pobres.
Agronegócio
No agronegócio, no período de Alceu Collares,
o começo foi difícil. A safra 1990/91, plantada
durante a administração Simon/Guazzelli, mas
colhida nos primeiros meses do governo de Alceu
Collares, como se sabe, foi muito ruim, com uma
produção de apenas 10,3 milhões de toneladas,
11,8% da colheita do Brasil. É justo mencionar
que a safra seguinte, 1991/92, foi muito superior,
com uma produção de 17,4 milhões de toneladas,
impressionantes 25,3% da produção brasileira,
de 68,4 milhões de toneladas. A produtividade foi
de 2.536 quilos por hectare, 42,7% maior do que
a média brasileira, de 1.777 quilos por hectare.
E, finalmente, embora produção e produtividade
tenham melhorado na safra 1994/95, o Rio Grande
do Sul deixou de utilizar 700 mil hectares em
relação à safra 1990/91. Em 1995/96, a produção foi
de 21% da colheita nacional, e a produtividade foi
30% superior à média brasileira.
COTIDIANO | EM TEMPOS DE
ECO-92, A FEBRE DOS CAFÉS
Quando Alceu Collares assumiu o governo,
transformações significativas aconteciam no Brasil,
no mundo e no Rio Grande do Sul. Enquanto
o governador comprava algumas brigas, como
a do calendário rotativo, o estado parecia ter
recuperado sua vocação para o crescimento,
estimulado por safras melhores e um dólar mais
adequado para a exportação. O clima era de
otimismo. Nas artes, por exemplo, os gaúchos
influenciavam o Brasil, com nomes como Maria
Tomaselli, Alice Brüegemann, Liana Tim, Iberê
Camargo, João Luiz Roth e Vasco Prado, em uma
verdadeira primavera de criatividade.
O Brasil, que assistira recentemente ao affair dos
ministros Zélia e Cabral, à morte do cronista
Rubens Braga e ao desvio do Banco Meridional,
acompanhava, por parte de Portugal, a negativa
Neuza Canabarro na tribuna.
Foto: Elson Sempé Pedroso
55
de unificar a língua portuguesa através do acordo
ortográfico, que mais tarde se concretizaria. Em
paralelo, a Câmara Federal aprovava a extinção
dos manicômios, e o filho de um fazendeiro
confessava, em julgamento, que havia matado
Chico Mendes, o líder seringueiro que virou
ícone da luta ecológica e da proteção à Amazônia.
Nelson Piquet alcançava o segundo campeonato
mundial na Fórmula-1, e a demarcação de
terras no Rio Grande do Sul era oficializada. Os
problemas nessa área, porém, continuariam.
Em uma conjuntura econômica ainda marcada
pela instabilidade social e política, caracterizada,
no entanto, por indicadores claros de retomada
de crescimento, discutia-se, por aqui, a duplicação
da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), a questão
da sonegação fiscal e uma maior eficiência no
serviço público, que em nível nacional tentava
acabar com os marajás, os fantasmas e as
quadrilhas do crime organizado que pareciam
tomar de assalto a Previdência. Enquanto isso, a
Câmara Federal investigava o envolvimento de
deputados com o narcotráfico.
No futebol, o Grêmio, antes campeão do mundo,
agora está na segunda divisão. Nas pesquisas
de intenção de voto, mais uma vez o radialista
e jornalista Sérgio Zambiasi desponta. Outros
profissionais da imprensa são destaque, como
Carlos Urbim e Tabajara Ruas, que enveredam,
também, pelo campo da literatura. Retratando
os fatos do dia a dia, Danilo Ucha, com suas
excelentes reportagens, e Hélio Gama e Marco
Antônio Birnfeld Gama, em suas colunas, dão o
tom. Comentando política e economia, Políbio
Braga e Afonso Ritter demonstram estar sempre
bem informados, apostando em um texto leve e
interessante.
Era um tempo de profunda alteração no cenário
mundial. Não suportando mais as pressões,
Gorbachev renuncia na URSS. O poder é
de Boris Yeltsin, que tem o apoio popular e
organiza o levante contra o ex-presidente e
sua política de abertura. É o fim da união das
repúblicas socialistas, transformadas em Estados
independentes que vão postular autonomia na
área política, econômica e militar. No Brasil, as
personalidades continuam subindo a rampa com
o presidente Collor, e Porto Alegre luta para ser
a capital do Mercosul. A venda de eletrônicos
cresce, e o acordo com o FMI está difícil.
A indústria gaúcha de carne está em crise, com o
fechamento de frigoríficos importantes. Apesar
de dificuldade em alguns setores, a produção
industrial aumenta. É o início de uma década que
não seria tão perdida assim, apesar da dívida,
dos organismos internacionais e do advento do
neoliberalismo, uma tempestade que veio e que
ameaçava nunca mais passar.
Consequência de uma melhor performance
da economia, Porto Alegre ia se habituando à
confortável acomodação dos shopping centers, que
caíam no gosto da população. A cidade contava,
nessa época, com o João Pessoa, Iguatemi, Rua da
Praia, Masson e Praia de Belas, entre outros de
menor expressão ou porte. Era a verticalização
horizontal do sistema de consumo, centralizando
a compra no mesmo lugar, bem ao estilo do
modelo norte-americano.
Corpo e espírito
De fato, Porto Alegre já era uma outra cidade,
tanto para o lado bom quanto para o ruim. A
velha malandragem tinha acabado, dando lugar à
violência urbana. A cada dia, em média, 35 casas
eram arrombadas na Grande Porto Alegre, e os
mecanismos de controle e segurança cresciam. A
cada 12 horas, uma pessoa era atacada e perdia
o seu carro. Era momento, também, da crise
de abastecimento de gás e de preocupações
com o meio ambiente: a reserva do Taim, a
valorização do turismo ecológico, mistérios no
caso da maré vermelha e o pavor mundial com
o desmatamento da Amazônia. O Ocidente
questionava o progresso e a automação,
buscando o crescimento sustentável. Esse seria
o principal mote da Eco-92, conferência das
Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro.
56
No comportamento das grandes cidades, a moda
agora, entre as elites, é cuidar do corpo e do
espírito: ginástica, alimentação saudável, através
de produtos orgânicos, e a prática da meditação,
autênticos movimentos para minimizar o estresse e
o desgaste de uma vida cada vez mais competitiva.
No Congresso, é aprovada a lei do inquilinato, e,
nos pagos do sul, a Expointer não vive um grande
momento. Nos conflitos com parte da sociedade
e com o próprio partido, Collares defende
Neuza Canabarro, e ela diz que não renuncia da
Secretaria da Educação em razão das pressões
contra o calendário rotativo. No auge da crise,
Dilma Roussef assume a Secretaria de Energia e
é recebida com festa pelos militantes pedetistas.
E assim ia o governo trabalhista, demonstrando,
por vezes, capacidade de negociação, ao reunir
vários segmentos da sociedade e conseguindo
significativos avanços, e por outras assumindo
vocação um tanto quanto centralizadora e
vertical. Entre erros e acertos, ficaram legados,
como o asfaltamento de estradas, a construção
de inúmeras escolas, a Avenida Beira-Rio e a Via
do Trabalhador.
Na moda e no estilo urbano, destacam-se as
“peruas”, facilmente reconhecidas nas ruas pelo
look marcado pelo exagero. Bijuterias, acessórios
extravagantes em dourado, cabelo pintado de
louro, roupas brilhantes e excesso de maquiagem
dão a tônica desse tipo de visual, entrecortado por
generosos decotes, roupas colantes e saias curtas
de couro. Na música, o sertanejo ganha força,
sendo chamado, equivocadamente, por alguns
críticos, de “a nova Jovem Guarda”. Enquanto isso,
os carros argentinos chegam ao Brasil, em número
de 18 mil. São os ventos do Mercosul em curso.
No âmbito político, cai o ministro do Trabalho,
Antonio Rogério Magri, acusado de suborno. No
esporte, a Olimpíada de Barcelona traz a eficiência
de Robson Caetano e o merecido ouro à brilhante
equipe de vôlei masculino brasileira.
No comércio, a briga agora é abrir ou não aos
domingos: liminares na Justiça em profusão e
penalidade para o proprietário que colocar
funcionários a trabalhar. O Brasil, por sua vez,
assiste ao nascimento do filho de Chico Anysio
e Zélia Cardoso de Mello. A CPI do caso PC
Farias, principal pivô da queda do governo
Collor, avança. O cantor e compositor Caetano
Velloso chega aos 50 anos, recriando a poesia,
e a beleza de Bruna Lombardi invade a novela
das 8. Na literatura, o escritor José Saramago,
que ganharia depois o Nobel de Literatura
e retornaria a Porto Alegre para o Fórum
Social Mundial, vem à cidade fazer palestra.
O Rio Grande do Sul já contabiliza 36 bebês
de proveta, e a febre da telefonia celular se
inicia no estado. Os aluguéis estão caros, e o
correio eletrônico é implantado pela Procergs.
Ainda na área da informática, os computadores
pessoais ganham novos programas, e o hábito
de marcar reuniões em bares e restaurantes
cresce, sobretudo entre políticos, executivos
e intelectuais. Das conversas aparentemente
informais surgem a clarividência do futuro e
decisões importantes.
No plano internacional, o destaque fica por
conta dos escândalos na família real inglesa, com
a princesa Diana dando o troco e ganhando
apoio popular. No Brasil, com o agravamento da
situação política de Collor, Itamar já está pronto
para assumir e Tarso fica cada vez mais perto da
prefeitura de Porto Alegre. Na continuação do
governo, a partir de Itamar, medidas populares e
a volta do Fusca ganham as manchetes. A cólera
vem para o RS e preocupa. Na moda, os bonitos
e práticos vestidos longos são a alternativa de
verão. A música lembra os 10 anos de morte
da gaúcha Elis Regina. Em São Borja, indigente
tem direito a herança milionária, e os livros de
Pedro Collor e Claúdio Humberto, ex-porta
voz do presidente Collor, são lançados, com
expressivas pitadas de adultério, bruxaria,
drogas, violência e práticas sexuais.
Itamar Franco, empossado presidente, dá
prioridade ao combate à miséria e exibe o
seu lado extravagante em aparições públicas e
57
sociais. Enquanto isso, três décadas de abandono
ameaçam a ponte do Guaíba.
Entre os acertos de Itamar está a ida do
sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC)
para o Ministério da Fazenda. FHC criaria a URV,
o Plano Real e estabilizaria a economia. No Rio
Grande do Sul, a atriz Ingra Liberato, estrela
da novela O Pantanal, participa da Expointer.
Morre o extraordinário cineasta Federico Fellini,
enquanto que os palestinos, na liderança de
Yasser Arafat, reconhecem Israel. Os conflitos
acabam, e a situação no Oriente Médio parecia
ter um final feliz. Não foi por muito tempo.
Entre nós, o tráfico de meninas e a prostituição
infantil preocupam. O estado luta pela duplicação
da BR-386, a chamada Estrada da Produção.
O IBGE aponta a Região Sul como tendo a
melhor qualidade de vida do País. No mundo
das celebridades, destaque para a modelo alemã
Cláudia Schifer, a cinderela dos anos 1990, e para
a insuperável Fernanda Montenegro.
No jornalismo gaúcho, destaque ainda para
jornalistas da imprensa escrita, como Nilson
Mariano, Carlos Wagner e Marcelo Rech, além
do irreverente Eduardo Bueno, o Peninha. Na
imprensa televisiva, brilha Cristina Ranzolin,
filha do narrador Armindo Antonio Ranzolin, na
época apresentadora, junto com Wiliam Bonner,
do Jornal Hoje, na Globo. Em Brasília, os anões
do orçamento enchem as páginas dos jornais, e
Romário é destaque no futebol do Barcelona. O
PIB gaúcho tem o maior crescimento em sete
anos, e a renda volta a ser a estrela da moda,
pronta para seduzir.
No Brasil, a lentidão do setor público, que
começa a instalar programas de qualidade,
atrapalha, mas não impede o avanço do setor
privado. Em Porto Alegre, morre o fantástico
pintor Ado Malagoli, e o Ateliê de Vasco Prado,
no bairro Pedra Redonda, vira escola. Antonio
Britto desponta nas pesquisas para governador.
Para comentar sobre arte, política e cotidiano,
nada melhor do que ir a um café. E é o que
aponta uma acreditada pesquisa, dizendo que os
gaúchos e porto-alegrenses são apaixonados por
supermercados (os melhores do Brasil) e por
cafeterias. Nada mal.
CULTURA | REALIZAÇÕES EM
MEIO A TURBULÊNCIAS
O governo Alceu Collares foi marcado por
inúmeras turbulências, não apenas na área da
educação, com prós e contras com a respectiva
secretaria entregue à primeira dama, Neuza
Canabarro, mas também na cultura. Logo no
primeiro ano de seu governo, Collares vetou uma
proposta de lei de apoio à cultura, e chegou a
cogitar da fusão administrativa do Theatro São
Pedro, Ospa e Instituto Gaúcho de Tradição e
Folclore (IGTF). Houve, também, discordâncias da
comunidade cultural em relação à nomeação de
integrantes para o Conselho Estadual de Cultura,
e ainda em 1991 aconteceu a troca no comando da
TVE, por suspeitas de irregularidades. Saiu Leonid
Streliaev e assumiu Bibo Nunes, que ficou à frente
da fundação até 1993.
A administração de Bibo foi ao mesmo tempo
controversa e modernizadora. É dessa época a
afiliação da TVE com a TV Cultura e, mais tarde,
também com a TVE Brasil. Foram adquiridos
teleprompters e câmeras novas, e também houve
expansão dos transmissores pelo estado. Bibo
lançou e apresentou o programa 7 No Ar, baseado
no Câmera 2, de Clóvis Duarte, que discutia os
assuntos locais do dia em horário nobre. Ao
lado de Bibo, atuavam Vera Armando, Rejane
Noschang, Sérgio Schueller, Lena Kurtz e José
Fontela. No período do meio-dia, foi criado um
programa semelhante ao Jornal do Almoço, da
RBS, inclusive contando com a participação da
então recentemente demitida apresentadora
Maria do Carmo. Também participavam como
comentaristas, entre outros, Eduardo “Peninha”
Bueno e o cineasta José Pedro Goulart.
59
Em determinada ocasião, Neuza Canabarro,
revoltada com um comentário de Tânia
Carvalho, ícone do jornalismo na época, sobre
o governador, invadiu o estúdio onde era
apresentado o programa Mãos à Obra e exigiu,
com sucesso, seu cancelamento imediato.
O programa Radar também marcou época, dando
espaço a bandas de rock gaúchas e visitantes, dicas
para os jovens e informações culturais. Uma de
suas primeiras apresentadoras foi Marla Martins.
Turbulências à parte, 1991 ficou marcado pelo
sucesso de Buffet Gloria, de Élcio Rossini, com
a impagável Ilana Kaplan no elenco. No cinema,
a palavra crise mais uma vez imperou. Entre
os curtas gaúchos, destaque para Esta não é a
sua vida, de Jorge Furtado, e para as mostras e
os ciclos na Sala Eduardo Hirtz e no Ponto de
Cinema/Sesc. A falta de público para o teatro
levou, inclusive, ao cancelamento da exibição de
Antígona, no Theatro São Pedro.
Na contramão, Nei Lisboa lotou o São Pedro
com seu show Petit Subversão, que reapresentou
no final do ano, no Araujo Vianna. Falando em
música, Adriana Calcanhoto arrebatou o Prêmio
Sharp de revelação e lançou um vídeo chamado
Voz e violão. A Ospa, por sua vez, realizou 34
concertos no Teatro Leopoldina, enquanto Paul
Simon, uma das principais atrações internacionais
do ano, levou apenas 4 mil pessoas ao Gigantinho.
Entre as boas notícias de 1991, a inauguração do
Centro Cultural da Usina do Gasômetro. São 18 mil
metros quadrados de área, que abrigam auditórios,
salas multiuso, anfiteatros para vídeo e atividades
múltiplas, laboratório fotográfico, estúdio de
gravação, videoteca, espaços para exposições, centro
de documentação com biblioteca, cinema, teatro e
praça de variedades com restaurante e bares.
Na esfera nacional, a novidade ficou por conta da
aprovação na Câmara Federal do projeto da Lei
Rouanet, que substituiria a Lei Sarney, criando o
Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac).
Usina do Gasômetro, que se transformou em
centro cultural no governo Collares.
Foto: Ivo Gonçalves
60
Em 1992, a Usina do Gasômetro batizou
seu teatro com o nome de Elis Regina, em
homenagem aos 10 anos da perda da grande
intérprete do Brasil. No ano em que o Festival
de Gramado virou mostra internacional, Pedro
Almodóvar levou o Kikito de melhor diretor com
De Saltos Altos. No mesmo ano, o pernambucano
Lenine e o carioca Paulo César Pinheiro
venceram o Musicanto de Santa Rosa, com a
música Candeeiro Encantado.
Eric Hobsbawn atraiu as atenções ao participar
do seminário Polis e Cultura, enquanto o original
grupo DeFalla lançava o disco Kingzobullshit e era
convidado para participar do Hollywood Rock do
ano seguinte.
Em 1993, ano embalado pelo suingue de Jorge
Ben Jor e sua dançante “W Brasil”, Porto Alegre
ganhou um novo espaço, o Solar dos Câmara,
reformado e entregue à comunidade, de imediato
ocupando o espaço para a realização de saraus.
Na segunda edição do Prêmio Açorianos de
Música, destaque para Bebeto Alves e para a
dupla Geraldo Flach-Luiz Carlos Borges, que
ficaram com as principais premiações. Flach, a
propósito, apresentou-se em maio com Nana
Caymmi, no Theatro São Pedro, enquanto GibaGiba finalmente lançou seu primeiro disco, Outro
Um, marcando 25 anos de carreira.
O interior também esteve em evidência, com a
realização da 5ª Jornada Nacional de Literatura,
evento que a cada ano conquistava crescente
importância, e depois de 10 apresentações em
cidades gaúchas, o empresário Doddy Sirena foi
convidado para ser o manager do rei Roberto
Carlos. O show “Sanpoa” levou para a capital
paulista uma troupe de gaúchos integrada por
Totonho (hoje Antonio) Villeroy, Vitor Ramil,
Bebeto Alves, Gelson Oliveira, Nei Lisboa
e Hique Gomes, enquanto os australianos
do Midnight Oil foram das poucas atrações
internacionais a visitarem a capital gaúcha.
Nas letras, Verissimo chegou a 500 mil exemplares
vendidos do best-seller O analista de Bagé, e a Feira
do Livro recepcionou como astros os franceses
Michel Mafesoli e Jean Baudrillard.
As perdas de Mario Quintana, em maio, e de
Iberê Camargo, em agosto, foram as notas tristes
de 1994, ano em que Luis Fernando Verissimo
lançou Comédias da vida privada e Luiz Antonio
de Assis Brasil completou sua Trilogia do
Pampa com Os senhores do século, que ganharia
o Açorianos de Literatura no ano seguinte, a
exemplo do que já havia ocorrido com Pedra da
Memória, vencedor do prêmio em 1993. No 1º
Porto Alegre em Cena, destaque para o retorno
de Bailei na Curva, depois de 10 anos fora dos
palcos, e para Confissões de Adolescente, que
agitou o Theatro São Pedro com atores em meio
ao público, marcadamente jovem, que não se
constrangeu em interagir com aplausos e assovios
durante os espetáculos.
E enquanto o Margs comemorava 40 anos
em meio às muitas queixas sobre goteiras
e infiltrações, a 22ª Bienal de São Paulo era
marcada pela profusão de vídeos e instalações
que demarcavam uma nova visão sobre os
suportes e limites físicos da arte. No mesmo ano,
o uruguaianense Vasco Prado, ao completar 80
anos, virou cidadão honorário de Porto Alegre.
Se a Capital perdeu 12 cinemas, mas ganhou
quatro novas casas, destaque para os curtas A
Festa, de Jaime Lerner, A Matadeira, de Jorge
Furtado, e para o média-metragem Ventre-Livre,
de Ana Luíza Azevedo. Na música, sobressaiuse o lançamento de CDs com a obra de Araujo
Vianna (na interpretação de Olinda Alessandrini
e de Adriana de Almeida), bem como o tributo
a Guerra Peixe, com a Ospa sendo dirigida
por Ernani Aguiar. Já a história do rock e dos
primórdios da música na capital gaúcha foram
retratados em fascículos da coleção A Música de
Porto Alegre.
61
DEPOIMENTO: ALCEU COLLARES
A vida antes de chegar ao governo do estado.
Sempre fui muito metido a besta. E, por isso, embora sem recursos,
era um assíduo frequentador da noite porto-alegrense, namorando,
declamando, cantando e frequentando os restaurantes tradicionais,
como o Dona Maria, ao lado da Galeria Chaves, nos fundos do
famoso Abrigo dos Bondes. Eu era tão exibido que de vendedor de
frutas em Bagé, em 1939/40, cheguei ao governo do estado em 1991.
O futebol e a poesia.
Quando guri, sempre que podia jogava no campinho que tinha ao
lado da igreja São Pedro, de pés descalços, pois era de uma família
muito pobre. Meu pai era um negro humilde que trabalhava como
descarregador de carvão vegetal. E minha mãe era uma índia muito
caprichosa e trabalhadeira, que cuidava bem da casa e dos filhos. E
mantinha uma horta nos fundos da casa, com telhado de santa-fé. Na
frente, tinha um jardim, sempre muito bem arrumado. Assim, trago
no lombo as injustiças que as duas raças, o negro e o índio, sofreram.
A rotina do trabalho desde a adolescência.
Um dia, meu pai decidiu que iria vender uns boizinhos e morar
na cidade, para eles poderem dar educação para os filhos. E
fomos morar em Bagé. Com 13 anos, disse ao meu pai que queria
trabalhar, e consegui meu primeiro emprego como entregador de
telegrama. Eu era considerado metido, mas tinha é ânsia de aprender.
Quando o pessoal da máquina Morse saía, ia bisbilhotar, ver como
funcionava. Com 17 anos era radiotelegrafista. Mas sentia uma
carência de conhecimento, de saber. E como não havia o ginásio
oficial, fui estudar em Rio Grande, no famoso colégio Leão Júnior,
onde terminei o Ensino Médio. Quando retornei a Bagé, a família
Thompson Flores queria que seu filho, Carlos Rodolfo Thompson
Flores, estudasse Direito, mas não que fizesse o secundário em
Porto Alegre. Foi criado, então, o curso colegial com clássico e
científico. Dessa época guardo duas lembranças: foi ali que se iniciou
minha amizade com Mathias Nagelstein, e como eu estudava com
muita paixão, todos os anos era agraciado pela escola com várias
lembrancinhas por estar sempre em primeiro lugar.
“
Eu era considerado metido, mas tinha é ânsia de aprender.
Depois, como eu estudava com muita paixão, todos os
anos era agraciado pela escola com várias lembrancinhas
por estar sempre em primeiro lugar.
62
DEPOIMENTO: ALCEU COLLARES
A vida política.
Logo depois de ter vindo para Porto Alegre, para aumentar a renda,
além do trabalho nos Correios, eu dava aulas de língua portuguesa
na Associação Cristã de Moços (ACM). Foi nessa época que conheci
Leonel Brizola. Mas não falava com ele; ia somente no programa
dele na Rádio Farroupilha para ouvir suas ideias, pois admirava sua
oratória. Sempre dizia aos meus alunos que ele não era um simples
líder, mas um fenômeno. Fui líder da União dos Servidores Postais e
Telegráficos, uma entidade muito forte dentro dos Correios.
Os mandatos.
O primeiro foi em 1964. Fui eleito vereador de Porto Alegre, com
4.800 votos. Em seguida, fiz uma tentativa para deputado federal,
mas não tive sucesso. Logo depois, acabei ganhando um prêmio na
loteria que, em moeda de hoje, seria uns R$ 2 milhões. Fiz alguns
investimentos, mas todos eles fracassaram. Em compensação, em
1970 fui levado à Câmara dos Deputados por 75 mil eleitores.
Depois, seria o primeiro prefeito negro da capital gaúcha, em 1985.
As dificuldades com a safra e a polêmica do calendário rotativo.
Foi difícil, mas em nenhum momento perdi a disposição e o
otimismo. Basta dizer que jogava futebol quase todos os sábados
no ginásio da Brigada Militar. Quando a secretária da Educação
e minha mulher, Neuza, decidiu introduzir o calendário rotativo,
questionei sobre o objetivo do programa. Diante da explicação
de que ela pretendia garantir o aproveitamento pleno das escolas,
porque algo entre 200 mil a 300 mil crianças não tinham vagas,
concordei com o plano. Hoje sou de opinião que as pessoas não
compreenderam foi o nome escolhido para a iniciativa.
A vida fora da política.
Todo homem público, depois de cumprir um mandato, sente
um vazio enorme, e não é raro que alguns entrem em profunda
depressão. Para evitar isso, logo que saí do governo, construí um
campo de futebol no sítio onde me refugio com a família. Mas
gostaria de ressaltar que, embora tivesse minoria na Assembleia,
nunca tive nenhum projeto negado. Tenho muito orgulho da minha
gestão. No meu governo, o estado teve, não um PIBinho, mas sim
63
um PIBizão. Anote aí: 23,45% foi o crescimento acumulado nos
meus quatro anos de governo, contra 14% do Jair, 12% do Olívio,
2,7% do Germano Rigotto, 0,9% do Britto e 0,7% do Simon. A
soma do Simon, Britto e Rigotto não chega a 10%. O PIB nacional
naquele período foi de 11%.
A CPI da Propina.
Estava tomando café da manhã com a Neuza no Palácio quando o
João Luiz Vargas, que era líder do PDT na Assembleia, informou
que o deputado Raul Pont, do PT, estava colhendo assinaturas para
instalar uma CPI para investigar propinas que estariam ocorrendo
em algumas secretarias. Não hesitei: “Vai lá e assina em primeiro
lugar, e faz toda a bancada do PDT assinar, porque CPI é um
instrumento de democracia necessário e um direito das minorias.
Eu não sou Deus para saber o que está se passando em todas as
seções. Quem sabe não vai ser uma grande ajuda que vão dar?”. Era
um discurso ingênuo da minha parte, mas estava com a consciência
tranquila, sabia que não tinha culpa no cartório. Foi um momento
muito violento, transformaram num palanque. O PT não podia
conviver com uma liderança forte como a nossa. Eles eram assim.
O secretariado.
Era excelente, confiava integralmente neles: Walter Nique, no
Planejamento; Orion Cabral, Fazenda; Neuza Canabarro; Geraldo
Gama, na Justiça; delegado Wilson Mülller, na Polícia Civil; e o
coronel Maciel, na Brigada Militar.
Destaques entre as ações de seu governo.
A extinção de duas secretarias e a concessão de isonomia salarial
aos oficiais da Brigada Militar, equiparando os salários com os dos
delegados de Polícia. Assumi e mandei um projeto para a Assembleia,
e eles aprovaram. O Ministério Público entrou no Supremo Tribunal
Federal (STF) alegando a inconstitucionalidade da isonomia salarial,
já que os delegados tinham a isonomia porque eram possuidores de
curso jurídico. Então enviei para a Assembleia um projeto estendendo
esse direito aos coronéis e oficiais, e isso foi consagrado. Além disso, na
época a inflação corroía os rendimentos, com índices de 60% a 70%.
Por isso, como já criara a bimestralidade na Prefeitura, fiz o mesmo no
estado, com o nome de gatilho salarial.
Foto: Jefferson Bernardes
ANTONIO
BRITTO
1995
1998
Foto: Jefferson Bernardes
Em 1994, Antonio Britto Filho, jornalista nascido em Santana do Livramento, na
fronteira com o Uruguai, em 1º de julho de 1952, saiu do Ministério da Previdência
Social com tamanha popularidade que chegou a ser cogitado para ser o candidato
à Presidência pelo PMDB. Ele declinou do convite porque tinha um plano que
considerava necessário realizar antes de qualquer outro: aceitar o fato de ser o
“candidato natural” de seu partido e vencer a eleição para governar o Estado do Rio
Grande do Sul. E essa foi uma das ocasiões em que o “candidato natural” venceu.
No primeiro turno, Britto quase liquidou a eleição, com 49,2% dos votos válidos,
contra 34,7% de seu principal concorrente, Olívio Dutra (PT). No segundo turno,
com o apoio do então PPR (hoje PP) e parte do PDT, obteve 52,2% dos votos,
contra 47,8% de Olívio. A polarização PMDB/PT no Rio Grande do Sul repetir-se-ia
nas eleições de 1998 e de 2002.
Quando foi eleito governador, Antonio Britto não era exatamente um iniciante
na política. Jornalista de carreira exitosa, ele assessorou Tancredo Neves em
sua candidatura à Presidência da República, e, por isso, recebeu o triste encargo
de noticiar à Nação o falecimento do presidente eleito. Convidado por Ulysses
Guimarães, ingressou no PMDB e foi eleito deputado federal em 1986 com votação
consagradora. Mas teve dificuldade para se reeleger em 1990, e indício de que isso
ocorreria foi sua frustrada tentativa para eleger-se prefeito de Porto Alegre em 1988.
Britto havia participado ativamente da Constituinte, onde aprendeu bastante sobre
os problemas previdenciários, e em 1992 o presidente Itamar Franco convidou-o
para assumir o Ministério da Previdência Social, onde concretizou a lei que
assegurava aposentadoria para o trabalhador rural. Afastou-se do ministério em
1994, ano em que foi candidato ao governo do Rio Grande do Sul.
Morando há 12 anos em São Paulo, por razões profissionais, Britto diz que está
longe do cenário político atual, mas isso não o impede de brincar com amigos,
pedindo que respondam “três perguntinhas”: qual o único estado, entre os
principais do Brasil, em que todos os partidos grandes já foram governo? Qual
o único desses mesmos estados que nunca teve reeleição? E, finalmente, desses
estados, qual foi o único que não conseguiu completar nenhum processo de
reforma para lado nenhum? “A resposta é uma só: Rio Grande do Sul.”
68
AMBIENTE POLÍTICO | GOVERNANDO O GOVERNO
O processo sucessório na democracia presidencialista, destacando as eleições para os cargos executivos,
apresenta mistérios que nem mesmo os melhores cientistas políticos do mundo conseguiram decifrar.
Um desses enigmas se apresenta antes da própria campanha eleitoral, quando os partidos precisam
escolher seus candidatos. Antonio Britto foi a escolha natural do PMDB nas eleições de 1994 para
o governo gaúcho. E confirmou o acerto da opção. Ao assumir o cargo, em 1º de janeiro de 1995,
registrou a necessidade de união dos gaúchos, lembrando: “Temos presentes na história das nossas
frustrações coletivas esses momentos em que, perdida a solidariedade com os interesses maiores do
estado, rompem-se os laços de convivência entre corporações, partidos, segmentos ou regiões. E nos
aplicamos, feroz e inutilmente, à mútua cobrança de responsabilidades, sem qualquer resultado prático,
ou, então, lançamo-nos à infrutífera sucessão de promessas sem viabilidade, reivindicações sem realismo,
confrontos sem vencedores”.
E propôs: “Sejamos claros conosco, com a nossa história e com o nosso próprio futuro. O Rio Grande
hoje tem um grave e urgente problema a resolver: o próprio governo do estado, a estrutura da máquina
pública estadual. Visto de dentro, não funciona e condena seus servidores à falta de instrumentos para
agir e, em muitos casos, à falta de dignidade para trabalhar. Visto de fora, igualmente não funciona e
condena cidadãos e contribuintes à falta de qualidade dos serviços que presta. Por isso, digo nesta
cerimônia de posse que o primeiro passo para construir o futuro do Rio Grande é governar o governo.
Essa será nossa mais obstinada tarefa”.
Disse, ainda: “Repensar o governo não pode tomar a forma cosmética de uma simples reforma
administrativa, nem pode ser tarefa apenas do governo. É preciso dar fim à triste rotina das
contabilidades mensais ou anuais que não fecham, da escolha entre atrasar salários ou paralisar obras,
entre tratar mal os servidores ou os contribuintes”. E prometeu: “É preciso ousar, municipalizando
com responsabilidade; ampliando o controle dos atos do governo pela sociedade e pelas entidades
comunitárias; profissionalizando a gestão do setor público; adotando indicadores permanentes de
avaliação do desempenho e da produtividade da administração; perseguindo obsessivamente o corte
de gastos supérfluos, o combate ao desperdício, à sonegação e à corrupção; firmando parcerias com a
iniciativa privada para recuperar a infraestrutura do estado e, em todos esses atos, detendo-se apenas
diante de um e único limite: a afirmação do caráter público do governo. Público no método, aberto à
fiscalização, ao diálogo, ao debate; público no objetivo, de modo a libertar as ações do governo dos
obscuros grilhões que o mantiveram preso a interesses privados, constituídos de dentro ou de fora da
máquina estatal. Governar o governo é fazê-lo sempre e cada vez mais público. Sem isso, o Rio Grande
não aproveitará as oportunidades que tem diante de si”.
Antonio Britto foi o candidato natural do PMDB nas eleições de 1994 para o governo gaúcho.
E confirmou o acerto da escolha. Ao assumir o cargo, em 1º de janeiro de 1995, registrou a
necessidade de união dos gaúchos, lembrando: “Temos presentes na história das nossas frustrações
coletivas esses momentos em que, perdida a solidariedade com os interesses maiores do estado,
rompem-se os laços de convivência entre corporações, partidos, segmentos ou regiões. E nos
aplicamos, feroz e inutilmente, à mútua cobrança de responsabilidades, sem qualquer resultado
prático, ou, então, lançamo-nos à infrutífera sucessão de promessas sem viabilidade, reivindicações
sem realismo, confrontos sem vencedores”.
69
Aliás, na campanha, mesmo em debates, ele havia
dito que era preciso ter coragem para aceitar o
fato de que a estrutura do estado, suas formas
de organização administrativa e também algumas
das práticas políticas em uso não eram mais
adequadas aos desafios que o Rio Grande do Sul
tinha pela frente.
Coincidentemente, no dia da posse de
Britto, Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil
comemoravam o início da plena vigência do
Mercado Comum do Sul (Mercosul). Para o novo
governador, que esperava ampliar as relações
do Rio Grande do Sul com o exterior, o bom
funcionamento do Mercosul era crucial. A
propósito, ele disse que “a vertiginosa sucessão
de acontecimentos mundiais, aproximando
nações, unindo mercados e estabelecendo
uma competição sem precedentes na história
universal, avisa-nos que o Rio Grande não pode
perder mais tempo”.
Na sua gestão, os presidentes da Assembleia
Legislativa foram José Octávio Germano (PPB),
em 1995 e 1996; João Luiz Vargas (PDT),
em 1997, e José Ivo Sartori (PMDB), em
1998. Britto conseguiu administrar com uma
confortável maioria, embora sua base de apoio
oficial contasse apenas com o PMDB com 10
parlamentares, PPB com 13 e PSDB com um,
ou seja, 24 deputados. Mas obteve sempre o
apoio não oficial do PTB, que contava com
uma bancada de 10 deputados e, ainda, os dois
representantes do PFL.
ECONOMIA | OBSESSÃO POR
ATRAIR INVESTIMENTOS
Os planos iniciados no governo Antonio Britto
poderiam, no futuro, ter reflexos importantes
no crescimento econômico do estado. Mas o
fato é que, durante o período de quatro anos de
administração, o crescimento acumulado foi de
apenas 10,1% (-5,0 em 1995, -0,2% em 1996, 5,9%
em 1997 e uma nova queda, de -0,95%, em 1998).
Segundo uma fonte muito próxima de Antonio
Britto, “ele tinha dois planos de governo”. Embora
os dois projetos estivessem presentes em seu
discurso de posse, “um deles passava praticamente
despercebido”. Ocorre que Britto estava
decidido a promover uma verdadeira revolução
econômica no Rio Grande do Sul, mediante a
atração de investimentos externos de todos os
portes. Ele tinha a convicção de que as empresas
internacionais, desde filiais de restaurante
até fábricas de automóveis, traziam grandes
contribuições ao estado.
Segundo essa fonte, passou-se muito tempo
de governo para que as pessoas percebessem
que Britto apostava que, além de empregos
e modernas técnicas produtivas, as empresas
também adotavam boas práticas administrativas
que simplificariam desde as suas relações com
o fisco até o melhor cumprimento das leis
trabalhistas e ambientais. Sem contar suas
preocupações com a inovação. O assessor relata
que compreendeu o projeto de Britto no final
Disse Britto em seu discurso de posse: “Repensar o governo não pode tomar a forma cosmética
de uma simples reforma administrativa, nem pode ser tarefa apenas do governo. É preciso dar
fim à triste rotina das contabilidades mensais ou anuais que não fecham, da escolha entre atrasar
salários ou paralisar obras, entre tratar mal os servidores ou os contribuintes. (...) Governar o
governo é fazê-lo sempre e cada vez mais público. Sem isso, o Rio Grande não aproveitará as
oportunidades que tem diante de si”.
70
do primeiro ano de governo, ainda em 1995: “Em
uma quarta-feira cedo, no dia em que faria uma
palestra na Federasul, o governador recebeu o
telefonema do presidente da Renault brasileira. Ele
disse a Britto que sua empresa instalaria o futuro
Complexo Ayrton Senna em São José dos Pinhais,
ao lado de Curitiba, no Paraná. O governador
educadamente agradeceu o telefonema e desligou.
Acho que foi a única vez que vi Britto tomado
de fúria” (confira a versão de Britto sobre o episódio
em seu depoimento). Nessa oportunidade, Britto
percebeu que o Rio Grande do Sul perderia
outros projetos porque as empresas, mais do que
mão de obra de alta qualidade, incentivos fiscais
e bom clima, exigiam condições adequadas de
infraestrutura. “Elas tinham uma espécie de check
list que a cada encontro era preenchido em algum
item”, disse ele. O Rio Grande do Sul não tinha
telefones, boas estradas, sistema portuário em
GM de Gravataí.
Foto: Nilton Santolin
condições, garantia de fornecimento de energia
elétrica, entre outras deficiências. Britto então
atirou-se obsessivamente a equacionar esses
problemas, de forma a colocar o estado em
posição competitiva.
Ele privatizou a Companhia Rio-grandense de
Telecomunicações (CRT), duas terças partes
da Companhia Estadual de Energia Elétrica
(CEEE) Distribuidora, assinou o contrato de
financiamento federal para a recuperação do
Banrisul, efetuou a absorção da Caixa Econômica
Estadual e criou um programa de concessões
rodoviárias, passando para a gestão da iniciativa
privada quase 1.800 quilômetros de estradas,
dos quais mais de 900 quilômetros de estradas
federais. Embora essas medidas tenham gerado
rápida melhoria em todos os serviços, foram
criticadas asperamente pela oposição.
71
Com esses dados nas mãos, o governo de
Britto, tendo principalmente o secretário de
Desenvolvimento e Relações Internacionais,
Nelson Proença, à frente, intensificou suas
negociações para atrair investimentos, até que
pescou um peixe grande, a General Motors, que
anunciou a instalação de sua montadora mais
moderna do mundo em Gravataí.
Proença trabalhava simultaneamente na atração
de outra montadora e também nas possíveis
oportunidades que se abririam, se isso viesse
a ocorrer. Quando Antonio Britto recebeu o
telefonema da Ford, dizendo que a sede de seu
novo complexo seria o município de Guaíba, o
governo literalmente entrou em frisson, não apenas
porque o investimento da Ford era praticamente
o dobro do da GM, mas também porque ela
prometia instalar, em parceria com o Senai, uma
escola técnica para preparar jovens capacitados a
ingressar no sistema automobilístico, a transferência
das importações de veículos da Ford de Vitória
para Rio Grande (coisa que ela chegou a iniciar) e a
instalação de um centro para o desenvolvimento de
projetos automobilísticos, literalmente transferência
de tecnologia. Tudo isso a Ford fez na Bahia.
Mas era só o começo. O então presidente do
grupo Gerdau, Jorge Johannpeter, confirmou
a Britto que instalaria a primeira fábrica de
aços planos do grupo em Nova Santa Rita. E a
fabricante de pneus Goodyear também anunciou
uma fábrica no estado. Esses novos projetos
teriam impacto direto nos custos das duas
montadoras. Proença, inclusive, sabedor de que
o aço plano local permitiria mais aplicações,
tinha obtido sinal de um grupo internacional
disposto a fabricar no estado seus produtos
72
da chamada linha branca, como refrigeradores,
máquinas de lavar roupas e louças e freezers,
por exemplo. Na esteira dessa indústria,
naturalmente viriam empresas fornecedoras.
Aliás, o parque metalmecânico gaúcho jamais
tomou conhecimento de que esteve a um passo
de um crescimento explosivo.
Criado em 1972 pelo governador Euclides
Triches, o Fundo Operação Empresa (Fundopem)
foi o primeiro instrumento fiscal do Rio Grande
do Sul para apoio a empresas industriais que se
implantassem no estado.
Tímido, o Fundopem original concedia um
incentivo financeiro limitado ao máximo de
50% do incremento que a empresa beneficiária
gerasse na sua arrecadação do ICMS. O recurso
só voltava para a empresa após a arrecadação
do imposto pelo Tesouro. Por isso, o fundo
tradicionalmente foi pouco utilizado. Em 1989,
seu movimento representou apenas 0,03% do
ICMS estadual. Ele só se tornou realmente
importante a partir de 1995, quando foi
reformulado pelo governador Antonio Britto. Em
quatro anos, foram aprovados 660 projetos, em
um total de R$ 8,2 bilhões de investimentos.
Na primeira alteração, o incentivo fiscal foi
limitado a 75% do ICMS incremental gerado pela
empresa. Além disso, o montante do benefício
total não podia ir além de 60% do investimento
que a empresa realizasse.
A grande novidade, introduzida logo depois, foi
o instituto do crédito presumido, que abriu a
possibilidade de as empresas obterem o benefício
no momento do pagamento mensal do seu ICMS,
cujo valor podia cair então a níveis mínimos.
Combinado a financiamentos subsidiados de
até 100% do investimento para “equiparar ao
tratamento de outros estados”, o abatimento do
ICMS reduzia consideravelmente os desembolsos
dos investidores, especialmente em setores como
a petroquímica e a indústria de fumo, favorecidas
por tratamento diferenciado. Como reflexo
disso, o movimento do Fundopem representou
6,74% do ICMS em 1998, o ano com o maior
número de concessões.
No período de 2000 a 2004, mesmo com
poucas concessões, o Tesouro do Estado abriu
mão de uma média de 5% do ICMS em favor de
empresas investidoras.
Nos quatro anos do governo Yeda Crusius
– de 2007 até 2010 –, o Fundopem aprovou
96 projetos, um total de R$ 3,38 bilhões de
investimentos.
No agronegócio, os produtores gaúchos
conseguiram manter as perdas no mínimo
possível. Em termos de produção, entre a safra
1994/95 e 1998/99, a queda foi de 21,1% para
18,8%. Mas a produtividade levou um tombo, pois
caiu de 30,7% acima da média nacional para apenas
4,6% maior do que a produtividade média das
lavouras de grãos do País.
Ambiente
No Brasil e no Rio Grande na época do governo
de Antonio Britto, tudo era efervescência.
Na ordem do dia, os novos conceitos de
administração a influenciar os setores público
e privado: qualidade total, reengenharia e
benchmarking invadem os gabinetes e o chão
das fábricas. Era o esforço de um estado que
precisava crescer e exportar e não tinha dinheiro
para investir, comprometida sua folha com o
pagamento do funcionalismo e a dívida.
Aliás, foi na questão da dívida que Britto deu os
primeiros passos, propondo sua federalização.
Na área financeira, algumas outras medidas
significativas, como a privatização do Banco
Meridional, o famoso plano de demissão
voluntária da Caixa Estadual (que acabou extinta)
e a tentativa de tirar do domínio do estado
também o Banrisul. Com parte da população
defendendo essas medidas, outra parcela
criticando, o governo ia se desenrolando, em
meio a um ambiente em que a população inteira
73
parecia respirar política 24 horas por dia. Os
embates na tribuna da Assembleia Legislativa
e em programas de televisão e rádio eram
permanentes e davam a tônica das visões políticas
diametralmente opostas em permanente tensão.
De um lado, Cezar Busatto, Berfran Rosado,
Mário Bernd e Nelson Proença sustentavam a
defesa de Britto, enfrentando Flavio Koutzii,
Estilac Xavier e Ivar Pavan como principais portavozes da oposição.
COTIDIANO | SURGE O DVD,
RONALDO “SURTA” E BRASIL
PERDE BETINHO
Durante o governo Britto, Ornela Muti e
Jodie Foster, no cinema, brilhavam. Gustavo
Borges se destacava na natação. O melodioso
Djavan se apresentava no Teatro da Ospa. Para
seguir a moda e ficar nos parâmetros mundiais,
mais especificamente europeus, as mulheres
precisavam ser esguias, no padrão de modelos
como Linda Evangelista e Naomi Campbell.
O mundo assistia ao talento de Michael Jordan,
enquanto Mike Tyson deixava a prisão e ficava
novamente livre para lutar. Em Porto Alegre,
estrelas do pensamento liberal debatem o livre
comércio. Um time de primeira linha é reunido:
Paulo Renato Souza, Mario Vargas Llosa, Paulo
Francis e Roberto Campos desfilam suas
ideias no Fórum da Liberdade. Enquanto isso,
emocionando o Brasil ao anunciar que deixaria as
quadras, a jogadora de basquete Hortênsia chora.
Em Brasília, discute-se o monopólio do petróleo.
Além de ampla reformulação da Petrobras, que
envolveria privatização, o governo queria trocar
o nome da empresa para Petrobrax. Com a não
aceitação da opinião pública, acabou deixando
de lado a ideia. Tirando os prós e os contras, o
primeiro governo de FHC seria bem-sucedido, ao
contrário do segundo, do qual se esperava mais.
Por aqui, no futebol o cenário tornava a ficar
azul, com o Grêmio sagrando-se bicampeão
das Américas. Os supersalários consumiam
17% da folha do estado. Aos 65 anos, Rui Spohr
comemorava quatro décadas de uma vida
dedicada à moda. No Passeio da Primavera,
6 mil ciclistas desfilam pela capital. É criada a
TVCom, o canal comunitário da RBS, e lançado
o navegador Microsoft Internet Explorer. Surgem
no Brasil os primeiros provedores de acesso
e o primeiro jornal on-line de internet, o JB.
É assassinado o primeiro-ministro de Israel,
Itzak Rabin. O empresário PC Farias, ex-braço
direito do presidente Collor, é encontrado
morto junto com a namorada, um crime até hoje
misterioso. Na Olimpíada de Atlanta, o Brasil
conquista 15 medalhas, ao mesmo tempo em
que é criada a CPMF. O Quatrilho faz sucesso
internacional, concorrendo ao Oscar de melhor
filme estrangeiro. Bill Gates chega ao Brasil,
queixando-se da pirataria. O País comovese com o fim trágico da alegre e irreverente
banda Mamonas Assassinas, em acidente aéreo.
O estado perderia, ainda, o cardeal dom
Vicente Scherer, figura muito importante no
reerguimento do complexo Santa Casa.
No setor industrial, duas boas notícias: as
previsões de instalação da fábrica da Brahma, em
Viamão, e a da duplicação do Polo Petroquímico,
dois fatos que se confirmariam e seriam
importantes para a Região Metropolitana e para a
economia do estado. Além disso, em Gravataí, o
estado realiza o sonho de ter uma montadora de
automóveis. Era a GM chegando aos pagos.
No mundo, o fato que mais repercute é a
assinatura, pelo presidente Mandela, da nova
constituição da África do Sul, livre, agora, da
opressão. Nos Estados Unidos, Bill Clinton é
reeleito.
Por aqui, a Freeway passa para o controle da
iniciativa privada, enquanto que a Avenida Assis
Brasil, em Porto Alegre, se transforma em
pista de “rachas” durante a alta madrugada.
74
Aumentam os assaltos a ônibus na capital. Tingir
os cabelos, como a cantora do Kid Abelha,
Paula Toller, vira moda. Por falar em moda, a
gaúcha Shirley Mallmann arrasa em Paris, durante
desfile que marcou época. Shakira reúne 15
mil pessoas no Gigantinho. O centro de Porto
Alegre comemora a revitalização do Mercado
Público, que ganha cobertura de metal, escadas
rolantes e bancas remodeladas. O novo e o velho
convivem harmoniosamente, já que a fachada e a
arquitetura foram preservadas.
Novas estatísticas comprovam que a inexistência
de uma política habitacional para as classes
mais baixas condena 20 milhões de brasileiros
à vida em favelas, sob condições degradantes.
Ao completar 25 anos, a Expointer acentua
seu perfil regional e exibe bagagem genética
nobre para atender às exigências mundiais.
Em São Paulo, depois de 30 anos de prisão, é
libertado o lendário bandido da luz vermelha,
que aterrorizou, durante muitos anos, a vida e o
imaginário dos paulistas. No setor de tecnologia,
a máquina imita o homem: o PS-2, primeiro
robô real com forma e características humanas,
reacende o ideal da construção do homem
artificial.
O Brasil perde o sociólogo Betinho, o “irmão
do Henfil”, imortalizado na música “O bêbado
e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc,
interpretada por Elis Regina. Betinho lutou
contra a fome e a miséria, tornando-se uma das
poucas unanimidades nacionais. Mesmo doente,
ele provou que um país solidário possui cura. O
Rio Grande do Sul parece entrar no mapa do
desenvolvimento econômico, com mais avanços
que recuos, mas a população se manifestaria,
depois, nas urnas, contrária à maior parte das
privatizações, à perda de patrimônio por parte
do estado, sua menor capacidade de intervenção
e pela continuidade deste projeto.
Com apoio ou sem, o fato é que o Rio Grande
atraía investimentos, modernizava-se e resolvia
alguns problemas crônicos de infraestrutura.
Freeway.
Foto: Divulgação / Concepa
76
Neste contexto, é inaugurada a ponte entre
São Borja e São Tomé, na Argentina, o que se
somaria a outros investimentos importantes,
como o porto de Rio Grande e o novo
aeroporto. No Brasil, Ivete Sangalo surge e faz
sucesso na banda Eva, enquanto que o tenor
José Carreras arrebata corações nas missões
jesuíticas, um dos grandes símbolos do estado.
As perdas: morrem o educador Paulo Freire
e o antropólogo Darcy Ribeiro, fundador da
Universidade de Brasília. Gustavo Kuerten vence
o torneio de Roland Garros, enquanto o pugilista
Mike Tyson arranca com uma dentada um
pedaço da orelha de Evander Hollyfield, outra
lenda do boxe. O mundo assistiria à devolução
de Hong Kong à China, após 156 anos de
administração britânica. Desaparecem, também,
a princesa Diana e Madre Teresa de Calcutá,
missionária que dedicou a vida aos menos
favorecidos. Porto Alegre sedia a primeira
Bienal do Mercosul, com 842 obras de 275
artistas de sete países. No setor de tecnologia,
é criado o MP3. Por aqui, o IBGE mostra em
suas estatísticas a estagnação do êxodo rural.
O índice no Rio Grande do Sul nunca estivera
tão baixo, o que demonstrava o crescimento
do interior do estado. Essa tendência viria a se
confirmar até os dias de hoje: o interior mais
autônomo e menos dependente da Capital.
No plano mundial, a queda da moeda japonesa,
o iene, inquieta e preocupa, e a Inglaterra
libera a extradição do general Pinochet. No
esporte, o Juventude é campeão gaúcho invicto,
e Romário é cortado da Seleção. No âmbito do
meio ambiente, o navio Bahamas derrama ácido
sulfúrico no porto de Rio Grande e ameaça a
Lagoa dos Patos. A bolsa de Nova York tem
queda histórica, em momento sensível na
economia mundial. Vem à tona a relação entre
o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton,
e sua estagiária, Monica Lewinsky. Em Porto
Alegre, parto realizado no saguão do Hospital
Fêmina põe em cheque nosso sistema de saúde
pública. Em São Paulo, é preso o maníaco do
parque, enquanto a Copa do Mundo de 2002
tem um desfecho conturbado, devido ao caso
do centroavante Ronaldo, que passou mal antes
do jogo. Os jornais levantam que em cada três
farmácias, duas não possuem farmacêuticos
no local, quadro que iria melhorar na década
seguinte.
Chegam ao Brasil os DVDs, enquanto que os
Estados Unidos bombardeiam o Iraque. Pela
primeira vez um papa pisa na Cuba comunista.
Morrem Frank Sinatra e Leandro, da dupla
sertaneja com seu irmão, Leonardo. No Vale
do Rio Pardo, o alerta sobre o uso desenfreado
de agrotóxicos. Mais uma vez a questão do
desenvolvimento sustentável está em pauta, em
um estado que não consegue sequer resolver se
as terras são dos índios ou dos colonos, uma luta
que já se arrastava por 20 anos. Qual a opção e
o modelo a seguir? Industrialização crescente,
fábricas de automóveis, privatizações, aumento da
máquina estatal, proteção ambiental? O mundo
fica mais difícil e complexo, e cada vez mais novos
desafios se colocavam na ordem do dia.
CULTURA | UM PERÍODO DE
GRANDE AGITAÇÃO
O governo de Antonio Britto teve a marca
de uma forte agitação nos meios culturais.
A começar pelo fato de que Carlos Appel, o
secretário à época da criação da Secretaria de
Estado da Cultura e da inauguração da Casa
de Cultura Mario Quintana, voltou ao governo
para substituir Mila Cauduro (secretária na
gestão Alceu Collares). Sua principal tarefa era
a de implementar um mecanismo de patrocínio
cultural com renúncia fiscal nos moldes da Lei
Rouanet, que permitisse dedução de Imposto de
Renda. Appel criou a Lei de Incentivo à Cultura
(LIC-RS), a partir de renúncia de ICMS, mas,
depois de dois anos, pediu seu desligamento da
Sedac, sob o argumento de que já havia ficado
muito tempo à frente da pasta.
77
Quem o sucedeu foi Nelson Boeira, intelectual de
atuação respeitada na academia, que trouxe para
sua gestão o cientista político e posteriormente
secretário da Justiça e do Desenvolvimento Social
no governo Yeda, Fernando Schüller, com quem
Boeira havia trabalhado na Secretaria da Cultura
de Porto Alegre. A passagem de Boeira pela Sedac
ficou marcada, entre outras ações, pela realização
de shows e eventos de grandes proporções,
aproveitando o novo mecanismo de financiamento.
Também foi nesse período que a Bienal do
Mercosul foi lançada e que o Prêmio RGE de
Cinema foi implementado.
Já no início de 1996, tem início o Planeta Atlântida,
iniciativa da Rede Atlântida de rádios, do Grupo
RBS. A rádio, que completava então 20 anos,
realizou a primeira edição do festival de verão na
sede da Saba Campestre. A abertura oficial ficou
por conta de humoristas do extinto Programa X e
da banda Harmadilha, responsável pelo tema oficial
do Planeta. Também tocaram na estreia do festival
Mamonas Assassinas, Charly García, Rita Lee, Titãs,
Maria do Relento, Papas da Língua e Fernanda
Abreu. A partir de 1998, o festival também passou a
ser realizado em Santa Catarina. Em 2013, o Planeta
Atlântida chegou à sua 18ª edição.
Ainda em janeiro, O Quatrilho, de Fábio Barreto,
baseado em livro do escritor gaúcho José
Clemente Pozenato, é indicado ao Oscar de
melhor filme estrangeiro. Nas artes cênicas,
Denise Stoklos, que havia sido vaiada no
encerramento do 2º Em Cena, um ano antes,
teve que cancelar a apresentação de Des-Medeia,
no Theatro São Pedro, por falta de plateia. Já a
peça O Livro de Jó, do grupo Teatro da Vertigem,
fez sucesso ao ser encenada nos corredores da
Beneficência Portuguesa.
Reaberto em 4 de outubro, depois de ter recebido
uma nova cobertura, o Araujo Vianna fechou
novamente em dezembro, após um vendaval que
destruiu a lona e depois de ter sido palco de um
dos melhores shows do ano em Porto Alegre,
com João Gilberto ao violão. No mesmo ano em
que ocorreu a segunda versão gaúcha do Free
Jazz Festival, músicos gaúchos excursionaram a
Montevidéu e também a Sanary, na França.
Nas letras, um ano trágico. Morreram Caio
Fernando Abreu, em fevereiro, aos 47 anos, e Luiz
Sergio Metz, o Jacaré, autor de Assim na Terra,
aos 44 anos. Na contramão das perdas, e graças
a uma parceria entre o Fumproarte e a Editora
Mercado Aberto, foram publicadas obras dos
jovens talentos Adriana Lunardi, Cintia Moscovich
e Max Mallmann Souto-Pereira, que dividiram
atenções com aquele que viria a se transformar em
clássico das letras gaúchas: O maior crime da Terra,
de Decio Freitas, narrando a história dos crimes
da Rua do Arvoredo.
A Sedac esteve à frente de duas importantes
iniciativas: o 1º Conesul/Dança, no Theatro São
Pedro, e o 1º Dança Rio Grande, viabilizando o
pagamento de cachês e ajuda de custo para grupos
do interior e inclusive da capital.
As artes plásticas viveram um ano de ouro em
1997. A viabilização da Bienal do Mercosul mudou
para sempre a posição do Rio Grande do Sul
no cenário brasileiro e internacional. Já em sua
primeira edição, a mostra foi considerada pelo
crítico uruguaio Alberto Torres como “a revisão
mais sólida e rigorosa sobre a arte da região”.
Cerca de 800 obras de 200 artistas ocuparam
12 espaços expositivos e estavam agrupadas em
três vertentes – “Construtiva – A arte e suas
estruturas”, “Política – A arte e seu contexto” e
“Cartográfica –Território e história”, além de dois
segmentos, que reuniam obras de jovens artistas
e uma seleção de obras de coleções públicas e
privadas do Brasil.
Em dezembro, Décio Presser e Renato Rosa
ganharam todos os aplausos ao concluírem um
trabalho de sete anos: o Dicionário das Artes Plásticas
do RS, com nada menos que 1.420 verbetes (453
deles ilustrados) em 440 páginas de uma publicação
assinada pela Editora da UFRGS e apoio do
Fumproarte. Em paralelo, a Companhia das Letras
lançou o volume Romances e contos reunidos, reunindo
toda a obra de João Gilberto Noll.
78
Já uma emenda do então vereador Antônio
Hohlfeldt aprovada na Câmara de Porto
Alegre, que destinou R$ 250 mil para o grupo
Ói Nóis Aqui Traveiz, como parte da política
de descentralização da cultura do município (a
vigorar no ano seguinte), gerou muita polêmica.
O indefectível Fughetti Luz, um dos ícones da
Música Popular Gaúcha (MPG), recebeu seu título
de cidadão honorário de Porto Alegre, como não
poderia deixar de ser, em show no bar Opinião. O
vocalista de bandas históricas, como Bixo da Seda,
Liverpool e Bobo da Corte, foi ovacionado pelo
público, que ao final do evento cantou em coro a
clássica “Campo minado”.
Se a comissão julgadora do Açorianos de Dança
decidiu não entregar prêmio nas categorias melhor
espetáculo e melhor espetáculo de balé clássico,
o filme Anahy de Las Misiones, de Sérgio Silva,
ganhou sete troféus Candango no Festival de
Brasília do Cinema Brasileiro. Enquanto o Festival
de Cinema de Gramado celebrava 25 anos, Zubim
Mehta se apresentou com a Orquestra Sinfônica
de Israel no recém-inaugurado Teatro do Sesi,
junto à sede da Fiergs, na Av. Assis Brasil.
Outro show emblemático, com apoio da novíssima
Lei de Incentivo à Cultura, foi o de Jose Carreras,
comemorativo aos 40 anos do grupo RBS, com
apoio do governo do estado, CEEE e Grupo
Zaffari, com produção da DC Set. A apresentação
comoveu as 20 mil pessoas reunidas junto às
ruínas de São Miguel das Missões.
Os grandes concertos, atraindo nomes
internacionais para o estado, prosseguiram
em 1998, que começou com a realização do
projeto Sons de Verão, na praia de Torres,
reunindo nomes populares como Lulu Santos,
Bando Barato Pra Cachorro, Hard Working
Band, Gilberto Gil, Fernanda Abreu e Luis
Carlos Borges. Em março, a soprano espanhola
Montserrat Caballé se apresentou em Pelotas,
e poucos dias depois, em 4 de abril, Roberto
Carlos e o italiano Luciano Pavarotti lotaram
o Gigante da Beira-Rio, em uma apresentação
antológica. Três dias depois, outro tipo de
público lotou o bar Opinião para ouvir o bardo
Bob Dylan, ídolo do jornalista gaúcho Eduardo
“Peninha” Bueno, que naquele mesmo ano lançou
os dois primeiros volumes da coleção Terra
Brasilis, em que reconta a história do Brasil e que
se transformou em um dos mais retumbantes
best-sellers brasileiros, com mais de 100 mil
exemplares vendidos naquele ano.
Luis Fernando Verissimo também fez sucesso com
seu segundo romance, O clube dos anjos, da coleção
Plenos Pecados, da Editora Objetiva. E Antonio
Skármeta, autor de O carteiro e o poeta, sucesso na
versão para cinema, esteve na Feira do Livro de
Porto Alegre.
Com a criação da Fundação de Cinema do RS
e o lançamento do Concurso RGE/Governo do
Estado, Henrique Freitas Lima, Carlos Gerbase,
Tabajara Ruas e Beto Souza receberam recursos
para viabilizar projetos.
No ano em que surgiu a revista Aplauso, uma
das raras publicações especializadas em cultura
no País, que alcançaria mais de 100 edições,
sempre com apoio da Lei de Incentivo (até ser
descontinuada, em 2013), morreram o cantor
Cesar Passarinho (intérprete de “Negro da gaita”
e “Guri”), o ator Leverdógil de Freitas e, já no
final de 1998, aos 84 anos, Vasco Prado, um dos
maiores expoentes das artes plásticas gaúchas.
Um dos shows emblemáticos da época, com apoio da novíssima Lei de Incentivo à Cultura, foi o de
Jose Carreras, comemorativo aos 40 anos do grupo RBS. Em março, a soprano espanhola Montserrat
Caballé se apresentou em Pelotas, e poucos dias depois, em 4 de abril, Roberto Carlos e o italiano
Luciano Pavarotti lotaram o Gigante da Beira-Rio, em uma apresentação antológica.
79
DEPOIMENTO: ANTONIO BRITTO
A decisão de se candidatar.
Na época, o PMDB gaúcho tinha o nome do deputado e jornalista
Mendes Ribeiro (pai) muito forte para ser o candidato, em nome
do prestígio, qualidades e também em razão de ter visitado muito
o interior do estado. Mas meu nome foi levado à convenção, e
fui escolhido para ser o candidato do PMDB. Naquele tempo, o
quadro era diferente, com menor número de partidos, e as práticas
políticas não eram exatamente as mesmas de hoje. Em razão da
aliança, principalmente com o PSDB, viabilizamos a campanha em
rádio e televisão e com sustentação nos municípios. E convenci a
direção regional a não aceitar a candidatura de Orestes Quércia à
Presidência. Apoiamos Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
A polarização PT/PMDB.
Já na campanha eu achava que o maior problema no Rio Grande
não é ganhar eleição, e sim o que fazer depois. O estado vivia uma
crise econômica que estrangulava o desenvolvimento. A economia
só era competitiva em uma ou duas regiões, o que tornava 25 das
27 regiões dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes)
deficitárias. E uma das consequências era o enfraquecimento da
máquina pública, que não tinha a condição de reverter esse quadro.
Eu não iria conseguir mexer nisso sem fazer algumas reformas, e para
isso precisaria de uma maioria muito sólida. Por isso, na campanha,
fiz questão de visitar os prefeitos de todos os partidos. Quando eles
eram do PT ou do PDT, não se sabia quem estranhava mais, se os que
estavam recebendo ou as pessoas que me acompanhavam. Fazia isso
na crença de que, se vencesse a eleição, o passo seguinte seria formar
uma ampla e sólida aliança para reformar o estado. O primeiro dever
do governador seria o de governar o governo. Mas no estado não tem
campanha amistosa nem para síndico de creche. As palavras “amistoso”
e “Rio Grande do Sul” não combinam muito quando se trata de voto.
“
O primeiro dever do governador seria o de governar o
governo. Mas no estado não tem campanha amistosa nem para
síndico de creche. As palavras “amistoso” e “Rio Grande do
Sul” não combinam muito quando se trata de voto.
80
DEPOIMENTO: ANTONIO BRITTO
Experiência política.
Fui eleito vindo de uma experiência de 10, 12 anos em Brasília. A
minha visão, então, era de que o Brasil ia entrar numa fase nova.
Fui eleito seis meses depois do Real; achava que o mundo tinha
mudado com a queda do muro de Berlim, com a globalização e até
mesmo com o Mercosul, recém-criado. Era preciso rever a situação
do Rio Grande do Sul, que não conseguia oferecer serviços públicos
de qualidade. E para ter condições seria necessário modernizar o
governo. Aliás, a primeira coisa que FHC fez foi criar a primeira
agência regulatória, no Brasil, que trabalhava com contratos de
gestão, secretarias para medir o desempenho dos serviços públicos,
enfrentando privilégios. Era preciso olhar para dentro do governo e
criar mecanismos para atrair investidores. Um outro problema era
que a oposição naquela época ainda não tinha sido governo.
Atração de investimentos.
Certa manhã, recebi uma ligação de Pierre Popeel, presidente da
Renault no Brasil. No telefonema, ele me disse que a Renault tinha
decidido instalar sua montadora brasileira no Paraná, e não no Rio
Grande do Sul. Dei a notícia para o pessoal do governo: “Tudo
bem, vamos lá”. Minha mãe ficou viúva e com três filhos para criar,
mas nunca se queixou da vida. Isso me ajudou a partir para outras
alternativas, como foram os casos da GM, da Ford e da Dell. A
maior importância de ter a Ford no estado estava no fato de que,
junto com a GM, obrigaria o sujeito que vendesse qualquer produto
que passasse perto de um carro a também se instalar no Rio Grande.
Problemas econômicos do estado.
A gente tem uma economia doente, um governo fragilizado (não
estou me referindo ao governo do momento, de Tarso Genro) e
uma qualidade cadente de serviços públicos. O problema do RS é
como manejar esses problemas. O estado é uma pessoa doente, com
alto nível de informação, que consegue saber claramente onde e
quando está doente. Então, reclama ao médico, descreve músculo
por músculo o que está doendo. Mas muda de médico toda hora,
porque rejeita qualquer tratamento, um círculo vicioso em que é
difícil chegar a um final feliz. O Rio Grande do Sul é um estado
conservador e preservou até um conservadorismo de esquerda. Para
que a história deixe de se repetir, será preciso mudar os personagens,
ou seja, é preciso fazer um verdadeiro remake na política estadual.
81
Razões históricas da dificuldade de gerir o estado.
O problema no RS é que nenhum dos projetos consegue virar
a página do caderno. E isso ocorre mesmo com programas
importantes, como foi o caso dos condomínios agrícolas que o
governador Collares tentou criar, o processo de industrialização no
meu governo, a mudança na segurança que o governador Olívio
tentou fazer, o déficit zero da governadora Yeda, sem falar no grande
programa do Rigotto e do Osmar Terra, que é o PIM (Programa
Infância Melhor). É como se uma pessoa fosse para a escola e só
tivesse a primeira aula. Sem continuidade, não se consegue saber
se a escola ensina ou não. E isso acontece com os programas
abandonados. O RS é um estado que tem um passado maravilhoso,
e a melhor forma de homenagear esse passado é conhecê-lo. O Rio
Grande teve capacidade de olhar para frente e quebrar paradigmas.
E a melhor forma para homenagear essas iniciativas é reler os
obstáculos que venceram. Para agir eficientemente, o Rio Grande
do Sul tem que mudar algumas práticas. É preciso perceber que as
contas a serem pagas, em razão de algumas atitudes velhas, vão se
tornando mais pesadas. Essas mudanças não são questões partidárias.
A equipe de governo.
Uma das coisas de que tenho orgulho é que passamos quatro anos
sem fofoca dentro do governo e sem disputa, porque havia um
projeto. A outra coisa importante é que com certeza administrar
gente talentosa, como foi o meu caso, dá bastante trabalho, mas não
é um problema. O brabo é administrar gente ruim.
A derrota.
Quando um governo perde uma eleição, a derrota pode ter várias
causas. A primeira pode ser a má qualidade do candidato. A segunda
pode ser o descompasso entre o que está projetado e o que já está
sendo feito ou já está concretizado. Quando é feita a coisa certa, os
efeitos positivos só aparecem dois ou três anos depois. Já se vão 15
anos que deixei o governo e nunca, nem por um segundo, olhei para
o passado para dizer “que porcaria” ou “que injustiça”. Guardo uma
lembrança prazerosa e honrada.
Foto: Orlando Brito
OLÍVIO
DUTRA
2002
1999
Foto: Orlando Brito
Olívio de Oliveira Dutra nasceu em Bossoroca no dia 10 de junho de 1941.
Formado em Letras, foi funcionário concursado do Banrisul, banco estatal gaúcho,
a partir de 1961. Nessa condição, começa a militar no Sindicato dos Bancários
de Porto Alegre, e chega à presidência da entidade em 1975. Comandou a greve
geral do funcionalismo público de setembro de 1979, motivo pelo qual foi preso
pelo regime militar e perdeu seu mandato sindical.
No contexto da redemocratização brasileira, participa da fundação do Partido
dos Trabalhadores, em Brasília, e da seção gaúcha do PT, da qual foi presidente de
1980 a 1986. Em 1982, na primeira eleição direta para governador em 20 anos, é
lançado candidato pelo PT, ficando em último lugar, com 50.713 votos. Em 1986,
é eleito deputado federal constituinte com 55 mil votos. Enquanto morou em
Brasília, dividiu um apartamento funcional com Luiz Inácio Lula da Silva, também
deputado, liderança nacional do PT e futuro presidente.
Em 1988, contrariando todas as pesquisas, vence as eleições para a Prefeitura de
Porto Alegre com 34% dos votos, derrotando o candidato favorito, o deputado
federal Antonio Britto, que acabou em terceiro lugar, sendo passado pelo
deputado federal Carlos Araújo, candidato pelo PDT do então prefeito e futuro
governador Alceu Collares.
Em 1994, candidata-se pela segunda vez ao governo do Estado, conseguindo
35% dos votos no primeiro turno e 47,79% dos votos no segundo turno, sendo
derrotado por Antonio Britto, que obteve 52,21% dos votos.
Em 1998, Britto tenta a reeleição e enfrenta Olívio nas urnas pela terceira vez.
Em uma eleição em que o PT atacou as políticas de Britto, como a privatização
da CEEE e da CRT, Olívio sagrou-se vencedor, conquistando 50,9% dos votos no
segundo turno, com uma vantagem de 97 mil votos sobre Britto.
Em 2002, ano de eleições, Olívio teve negada a tentativa de reeleição nas prévias
do partido, que escolheu como candidato Tarso Genro, então prefeito de Porto
Alegre. Genro seria derrotado nas urnas por Germano Rigotto, do PMDB. Em
2003, com a posse de Lula como presidente, Olívio Dutra assume o recém-criado
Ministério das Cidades.
Nas eleições de 2006, Olívio foi o candidato do PT ao governo do Rio Grande
do Sul pela quarta vez, quando foi derrotado pela deputada federal Yeda Crusius,
do PSDB, no segundo turno, tendo conquistado 46,1% dos votos (contra 27,5%
no primeiro turno). Encontra-se atualmente sem cargo público e presidindo o
diretório gaúcho do PT. Além disso, tem se dedicado disciplinadamente ao estudo
de latim, buscando livros clássicos editados nessa língua para a sua leitura.
86
AMBIENTE POLÍTICO | DISPOSIÇÃO PARA O ENFRENTAMENTO
O governo de Olívio Dutra, de 1999 a 2003, foi marcado por várias iniciativas. Mas certamente a
mais precipitada foi estabelecida por um núcleo muito radical do novo governo, que interpretou uma
rotineira disputa eleitoral democrática bem-sucedida como a vitória do socialismo no Rio Grande do
Sul. Por algum tempo, inclusive, os telefones do Palácio Piratini atendiam com a afirmação: “Governo
Democrático e Popular do Rio Grande do Sul. Alô”. E também foi adotada a prática de considerar
oficialmente alguns opositores como persona non grata, vedado o seu ingresso no Palácio do Governo.
Outro fato que caracterizou o governo Olívio Dutra foi o desinteresse do governo estadual em
estabelecer relações parlamentares que pudessem impedir o isolamento do Executivo, embora o PT
contasse com uma boa bancada, de 12 parlamentares, alguns dos quais de reconhecidos méritos, como
Ivar Pavan, Flávio Koutzii, Maria do Rosário e Ronaldo Zulke, além de Jussara Cony, do PCdoB, e
Bernardo Gomes de Souza, do PSB. O governo também podia contar com parte da bancada do PDT,
não mais do que três de uma bancada de sete deputados. Com isso, dos 55 deputados, o governo de
Olívio Dutra, na melhor das hipóteses, tinha 17 parlamentares. Na oposição, estavam o PTB, que gostava
de flertar com o Executivo e tinha 10 deputados, o PPB, com 11 deputados, incluindo a rebelde deputada
Maria do Carmo, o PMDB, que iniciou a Legislatura com 10 representantes e terminou com apenas
cinco, o já mencionado PDT, com sete parlamentares, o PPS, que não tinha representação na Assembleia
e concluiu a legislatura com seis parlamentares, e, finalmente, o PFL e o PSDB, com dois deputados cada
um, com um total de 38 deputados. Na prática, porém, o governo conseguia obter um total de cerca de
20 votos.
Os presidentes da Assembleia no período – Paulo Odone (PMDB/PPS), Otomar Vivian (PPB) e Sérgio Zambiasi
(PTB) – fizeram um grande esforço para não permitir que se deteriorassem as relações entre os poderes.
Uma marca do governo de Olívio Dutra foi a suspensão do acordo realizado pelo governo anterior
referente à instalação de duas montadoras no RS. Tal acordo implicava elevadas isenções fiscais e
empréstimos com juros abaixo do mercado, para financiar a instalação das fábricas da GM e da Ford no
estado. Foi apregoada, então, a renegociação dos contratos. Algumas mudanças foram aceitas pela
General Motors, cuja fábrica já estava em construção. A Ford preferiu abandonar seu projeto em Guaíba
e foi para a Bahia. Outros destaques foram a criação da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul
(Uergs), a adoção do Orçamento Participativo no âmbito estadual e os programas Primeiro Emprego,
Agroindústria Familiar, Família Cidadã, Rede de Cooperação e Energia para Todos.
Enfrentando críticas severas de setores oposicionistas que encontraram espaço nos principais veículos
de comunicação do estado e sem maioria na Assembleia Legislativa, o governo sofreu algumas derrotas,
sendo a principal a não aprovação do aumento de alíquotas do ICMS. Outro fator de desgaste foram
denúncias de um esquema de desvio de verbas envolvendo o Jogo do Bicho.
Uma frustração do período diz respeito à taxa de mortalidade infantil do Rio Grande do Sul, que
no quadriênio de Olívio Dutra interrompeu sua tendência de baixa, tendo, segundo a FEE e o IBGE,
registrado 15,0 em 1999; 15,1 em 2000; 15,8 em 2001, e 15,6 em 2002.
Uma marca importante do governo de Olivio Dutra foi a suspensão do acordo realizado pelo governo
anterior referente à instalação de duas montadoras no RS. Tal acordo implicava elevadas isenções
fiscais e empréstimos com juros abaixo de mercado, para financiar a instalação das fábricas da GM e
da Ford no estado. Foi apregoada, então, a renegociação dos contratos.
87
ECONOMIA | CRESCIMENTO,
APESAR DE TUDO
Nos quatro anos do governo Olívio Dutra, o
crescimento acumulado da economia gaúcha,
medido pelo PIB, foi de 12,6% (1,4% em 1999,
4,3% em 2000, 2% em 2001 e 1,7% em 2002),
suficiente para superar o crescimento médio
do PIB brasileiro, que foi de 9,07% no mesmo
período.
Levando-se em conta que o projeto Porto
Alegre Tecnópole foi lançado durante a
administração de Tarso Genro na capital gaúcha,
foi uma consequência natural da evolução desse
projeto que o Centro Tecnológico da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(Tecnopuc) fosse criado em fevereiro de 2002,
quando o governador do estado era Olívio
Dutra, também do PT. E o avanço tecnológico é
um dos pilares do desenvolvimento econômico
no século 21.
O Projeto Porto Alegre Tecnópole compreendia
uma região capaz de articular forças para
promover, mediante a educação, a ciência e
tecnologia e a inovação em todos os domínios,
“um processo de desenvolvimento regional
sustentado e competitivo na economia globalizada
da Sociedade do Conhecimento”. Foram então
realizados vários projetos, como o do Polo de Alta
Tecnologia no Partenon, da Prefeitura de Porto
Alegre, em 1988, entre outros.
Em 1995, a Prefeitura de Porto Alegre, o
governo do Rio Grande do Sul e outras
entidades celebraram um protocolo em torno
de um plano de ação. Na mesma época, os
governos do Brasil e da França formalizaram um
acordo para a instalação do Parque Científico e
Tecnológico da PUCRS – Tecnopuc, no âmbito
do Programa Franco-Brasileiro de Cooperação
em Tecnópoles.
Um Comitê de Coordenação, formado por
representantes das entidades signatárias do
protocolo, passou a articular o Projeto. A
Prefeitura de Porto Alegre aceitou exercer as
funções de secretaria-executiva, enquanto se
decidia a institucionalização da governança.
Igualmente, a legislação e os instrumentos
do governo federal – tais como os incentivos
da Lei de Informática e os Fundos Setoriais,
a partir de meados da década de 1990 –,
passaram a estimular o setor empresarial, órgãos
governamentais, universidade e instituições de
pesquisa a estruturar projetos cooperativos
de pesquisa e desenvolvimento (P&D). O papel
das agências de fomento do governo federal
na área da inovação – em especial a FINEP e
o CNPq –, aliado ao aumento dos recursos
propiciado pelos Fundos Setoriais, foi vital
para viabilizar esses projetos cooperativos e
programas como Escritórios de Transferência de
Tecnologia, Incubadoras de Empresas e Parques
Tecnológicos.
Agronegócio
No governo Olívio Dutra, a agricultura gaúcha
conseguiu alguns bons resultados. Na safra
2002/03, semeada no governo Olívio e colhida
nos primeiros meses do governo Rigotto, a
produção do estado foi de 22,4 milhões de
toneladas, 18,2% da safra brasileira, de 123,2
milhões de toneladas. A área plantada, em
termos percentuais, também registrou resultado
favorável, com 7,8 milhões de hectares, 17,8% do
total (17,3% em 1998/99). E a produtividade ficou
4% acima da média nacional.
89
COTIDIANO | AS TORRES
CAEM, A VIOLÊNCIA CRESCE
O Rio Grande do Sul, entre o que se
consideravam erros e acertos dos governos
Britto e Olívio, seguia conflagrado, numa
polarização entre esquerda e direita que
não ajudava em nada a resolver as históricas
demandas do estado, que continuava com
problemas de caixa, dívida e pagamento da folha
do funcionalismo, sempre consumindo expressiva
parcela da arrecadação.
Mas nem tudo era problema. A economia reagia.
No esporte, Ronaldinho Gaúcho se destacava,
e o talento da ginasta Daiane dos Santos surgia.
Em Porto Alegre, a Seleção Brasileira daria show,
ganhando da Argentina por 4 a 2. A Estância
da Harmonia ganha força, em especial nas
comemorações do 20 de Setembro. A cada ano
que passa, mais gente visita o parque, com seus
bonitos piquetes e o cultivo da tradição.
Os apaixonados por automóveis já sabem
qual o futuro que os espera: o visual terá a
predominância de linhas arredondadas, que
privilegiam a aerodinâmica. Os materiais ficarão
mais leves e resistentes. É a busca, também, por
velocidade e segurança.
No Rio Grande do Sul, vendavais trazem medo e
destruição. Enquanto isso, o Brasil aceita enviar
tropas para o Timor-Leste. Motim e morte
colocam em xeque a nova Febem. As queimadas
reduzem drasticamente as áreas verdes. O
panorama político se agita. Leonel Brizola dá
entrevista e conta como viveu 15 anos no exílio e
o que fez para driblar as tentativas de assassinato.
Por aqui, as propostas de ampliação do Mercosul
seguem. No setor de informática, a preocupação
é com o possível bug na virada do milênio.
No setor empresarial, executivos paulistas,
cariocas, norte-americanos, espanhóis e
portugueses mudam o perfil da economia do Rio
Grande. Sua presença é consequência do ingresso
do fluxo de capitais do exterior para o Brasil. As
empresas que chegam ao estado via parcerias,
aquisições ou privatizações promovem a atualização
de tecnologia e formas de gerenciamento.
O novo Aeroporto Salgado Filho.
Foto: Cecilia Heinem
90
Na área de transportes, a Rede Ferroviária Federal
(RFFSA) diz adeus. Ao silenciar seus apitos, os
trens deixam para trás povoados que haviam se
formado ao longo das estradas de ferro. Mistérios
e intrigas envolvem a morte do banqueiro e
bilionário Edmond Safra, no Principado de Mônaco.
No estado, a agropecuária mais uma vez garante
o crescimento da economia. Para analisar o
cotidiano, surgem novos nomes na imprensa. Além
do tradicional brilho de Paulo Sant’Ana, com sua
consagrada coluna diária em Zero Hora, Juremir
Machado da Silva e David Coimbra fazem sucesso,
com suas crônicas de conjuntura e costumes.
No setor social, o destaque é para o casamento
do jogador Ronaldo Nazário com a rainha das
embaixadinhas, Milene Domingues. Na música,
o Movimento Tradicionalista Gaúcho ataca
abertamente a tchê music e orienta CTGs a
boicotarem os conjuntos do gênero. No esporte,
o Juventude conquista a Copa do Brasil. No
cinema, Central do Brasil é o primeiro filme
brasileiro a receber duas indicações ao Oscar.
No tênis, Guga mais uma vez confirma em Roland
Garros. Estatísticas demonstram que nas últimas
duas décadas foram derrubadas 14% das reservas
naturais da Amazônia. A editora Bloch, de tão
saudosas publicações, vai à falência. A carioca
Ellen Gracie Northfleet, gaúcha por adoção, é a
primeira mulher a ocupar um posto no Supremo
Tribunal Federal (STF), corte da qual se tornaria
presidente, em 2006-2008. Nessa condição,
seria a primeira representante do sexo feminino
a assumir a Presidência da República, ainda que
em caráter provisório, em virtude das viagens do
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do seu
vice, José Alencar, e dos presidentes da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal.
Enquanto isso, a Caravela da Boa Esperança e
29 veleiros partem de Portugal, reconstituindo a
rota feita por Cabral em 1500. No Rio Grande,
a violência muda os hábitos: a recomendação
é de não sair à noite e evitar parar em
sinaleiras durante a madrugada. No esporte,
o Internacional afasta o capitão do tetra,
Dunga, que pega o que tem direito na Justiça
e doa para entidades carentes. Na Olimpíada
de Sidney, André Johanhnpeter se destaca
no hipismo. A música instrumental brasileira
perde o extraordinário violonista Baden Powel.
Paralelamente a isso, o relatório do FMI prevê a
recuperação da economia mundial.
No âmbito da política nacional, Itamar Franco
abre guerra contra o antigo companheiro de
partido, Fernando Henrique Cardoso, a tal ponto
que pede a desapropriação da fazenda de FHC
em Minas Gerais.
O desempenho da indústria gaúcha em 2000 é
o melhor da década. Na política estadual, crise
entre o MST e o Piratini. A aftosa chega aos países
vizinhos e preocupa os pecuaristas gaúchos. O juiz
federal Lalau se entrega à Polícia Federal no Rio
Grande do Sul. Os vereadores de Porto Alegre
aprovam o comércio aos domingos, e a população
gaúcha bate em 10 milhões de habitantes. Na
virada do milênio, a maior parte das profecias são
desautorizadas. Nada é o fim de nada.
A crise entre Grêmio e Ronaldinho ganha o
mundo, e este vai para a Europa. A América
Latina vê o surgimento da Alca, uma espécie
de resposta norte-americana ao Mercosul.
Em Porto Alegre, o Monumento ao Laçador
amanhece tingido por uma substância viscosa
e escura: a estátua era vítima do ataque de
vândalos. Morre o ex-governador Synval
Guazzelli. A retirada desenfreada de areia
ameaça o rio Guaíba. Começa a operar na capital
o novo Aeroporto Salgado Filho, com check-in
compartilhado, pontes de embarque e sistemas
inteligentes.
Uma das grandes novidades durante o
governo Olívio Dutra é a realização do Fórum
91
Social Mundial, movimento das esquerdas e
organizações não governamentais de todo o
planeta contra a globalização e o neoliberalismo.
O evento reuniria, em Porto Alegre, ativistas de
122 países, que se opunham às políticas de Davos
e diziam que um outro mundo era possível.
Não foi. Mas o Fórum acabou se tornando um
símbolo e uma referência histórica e social
contra a opressão dos mais ricos. A cidade de
Porto Alegre, durante as versões aqui realizadas,
encheu-se de estrangeiros e ganhou o colorido
das passeatas, manifestações e cartazes. Era
gente de todo o lado, como se o mundo fosse, de
fato, uma aldeia global.
Ainda em 2001, o mundo ficaria em choque:
com diferença de 18 minutos, as torres gêmeas
do World Trade Center seriam atingidas por
dois Boeings sequestrados, o que acarretaria
milhares de mortes no coração de Nova York.
A organização Al-Kaeda estaria por trás dos
atentados, e Bin Laden passaria a ser o homem
mais procurado do mundo. Sem dúvida, um
marco na história da humanidade. O Ocidente
estava em crise e aterrorizado. Medidas de
segurança são tomadas, e o alerta geral soa.
No Rio Grande do Sul, a ineficiência das
sucessivas administrações e a falta de consciência
da população torna inexpressivos os resultados
dos programas de reciclagem de lixo. Apenas
5% é tratado. Ainda na área ambiental, o Brasil
ratifica o protocolo de Kyoto, que prevê a
redução de 5% das emissões de gases líquidos.
Na contramão de tantos esforços, morre José
Lutzenberger, o maior ambientalista brasileiro.
Entre as personalidades, destaque para os modelos
Daniela Sarayba e Paulo Zulu. O Brasil perde o
diretor de TV Walter Avancini, o escritor Jorge
Amado, criador de inesquecíveis personagens, e
a voz e a personalidade de Cássia Eller, no auge
de sua carreira. Fãs no mundo inteiro choram
a morte do guitarrista dos Beatles, George
Harrison. Os Estados Unidos estudam ataque ao
Afeganistão, e no Brasil uma novela tenta explicar
os costumes islâmicos: O Clone. A Argentina
está em sérias dificuldades. E o Rio Grande do
Sul perde o talento do jornalista Alberto André,
ex-presidente da Associação Rio-grandense de
Imprensa (ARI), aos 85 anos.
A criminalidade dispara. No centro do País, o
crescimento do PCC é visível. Rodrigo Santoro
entra em evidência e consolida sua carreira
como galã de cinema. O presidente George Bush
quer Bin Laden vivo ou morto. Enquanto isso,
mais parquímetros são espalhados pela capital,
e mais carros são roubados. O publicitário
Washington Olivetto e o apresentador
Sílvio Santos são vítimas de sequestros. Vias
alternativas são adotadas, como forma de fugir
aos engarrafamentos, que só ganhariam de fato
grandes proporções anos mais tarde, com o
aumento da produção nacional de veículos e
a ampliação do crédito às novas classes que
entrariam no mercado consumidor.
Capão da Canoa lidera a maior expansão do
mercado imobiliário da história do litoral
gaúcho, em obras que incluem prédios de até
13 andares. Aparece a filha secreta de Pelé,
Flávia Kurtz de Carvalho, e o Brasil conquista
o Pentacampeonato Mundial de Futebol, com
Felipão, Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo como
os maiores destaques. A Venezuela está em
instabilidade política, e Josiane de Oliveira
conquista o Miss Brasil. O medo de ataques
terroristas faz o preço do petróleo aumentar
em todo o planeta. O jornalista Tim Lopes é
assassinado, provocando muitos questionamentos
entre seus pares quanto aos riscos do exercício
da profissão. No Egito, robô vasculha o mistério
das pirâmides. No 20 de Setembro, festa, briga
e polêmica: um Capitão Gay desfila, rouba a
cena e apanha a golpes de rebenque. Atingido
pelo fenômeno El Niño, vindo do Uruguai, o Rio
Grande sofre com destruição de casas e pontes.
92
CULTURA | SURGEM O
SANTANDER E O CENTRO
CULTURAL ERICO VERISSIMO
A exemplo do governo anterior, também na
gestão de Olívio Dutra no Palácio Piratini a
cultura teve dois períodos distintos. Secretário
da Cultura no primeiro governo do PT na
prefeitura de Porto Alegre, o jornalista Luiz
Pilla Vares assumiu a pasta do estado em 1999.
Sua gestão foi marcada pelo sucesso de algumas
instituições, como o Margs (dirigido por Fábio
Coutinho). Defendeu o fortalecimento das
ferramentas de controle do poder público
e inaugurou o Memorial do Rio Grande do
Sul. Saiu depois de dois anos para trabalhar
diretamente no gabinete do governador. Seu
substituto, Luiz Marques, secretário entre 2001
e 2002, defendeu o uso da LIC também em
projetos menores e protagonizados por talentos
jovens e menos conhecidos. Durante sua
gestão, houve a criação de incentivos de menor
impacto financeiro, destinados usualmente a
esse tipo de projeto, como o Prêmio Iecine de
Cinema. Houve o restauro da Casa de Cultura
Mario Quintana e a adequação do programa
de descentralização da cultura, que havia sido
implementado na Capital. A criação do Fundo
de Apoio à Cultura (FAC) como alternativa à
LIC também data dessa gestão, ainda que na
prática não tenha sido implementado.
No primeiro ano (1999) em que a revista Aplauso
recebeu o Açorianos de mídia impressa, a cultura
rio-grandense perdeu Jayme Caetano Braum,
payador e poeta que morreu em 8 de julho, um
dia antes de lançar o CD Êxitus 1. Chegando a
sua sexta edição naquele ano, o Porto Alegre Em
Cena ampliou seu raio de ação, estendendo-se
por duas semanas e tendo alguns espetáculos
exibidos também no interior.
Na segunda edição da Bienal do Mercosul,
presidida por Ivo Nesralla, o grande sucesso
ficou por conta das pinturas, gravuras e
desenhos de Pablo Picasso, que dividiu
atenções com Cândido Portinari, Iberê
Camargo, Diego Rivera, Julio Le Parc, Braque,
Lúcia Kock e Maria Tomaselli. Ainda em 1999,
Danúbio Gonçalves celebrou seus 50 anos
de arte com uma exposição no Margs e o
lançamento do livro Caminhos e vivências. Já
o aniversário do Theatro São Pedro, de sua
Orquestra de Câmara e dos muitos anos de
Eva Sopher na direção da casa foram marcados
com a montagem da ópera O Barbeiro de
Sevilha , dirigida por Walter Neiva. Pela
primeira vez no teatro gaúcho, uma tela lateral
apresentava a tradução dos textos.
No ano seguinte, em 2000, foi entregue à
comunidade gaúcha o Memorial do Rio Grande
do Sul, então sob a direção do historiador e
professor Luiz Roberto Lopes. Nesse mesmo
ano, chegou ao circuito comercial o filme
Tolerância , de Carlos Gerbase, a primeira
grande produção assinada pela Casa de Cinema
de Porto Alegre. O orçamento, de R$ 2
milhões, foi financiado em parte pelo Prêmio
RGE de Cinema. Por sua vez, o artista plástico
Siron Franco trouxe a Porto Alegre a exposição
Casulos, que reuniu no Centro Cultural Aplub
24 impactantes esculturas.
Também datam de 2000 as primeiras tratativas
de viabilização do Complexo Cultural Theatro
São Pedro, obra que avançou, mas que até os dias
de hoje não conseguiu captar todos os recursos
necessários para ser concluída.
No ano em que a banda Bidê ou Balde explodiu
com os hits “E por que não?” e “Melissa”, um
dos maiores sucessos de vendas da editora
L&PM foi o livro Pílulas para viver melhor, do
cardiologista Fernando Lucchese, que vendeu 80
mil exemplares em curto espaço de tempo. O
Açorianos de Literatura, a propósito, foi para A
Cocanha, de José Clemente Pozenato, premiação
que distinguiu também o então jovem talento de
Fabrício Carpinejar e seu livro de poemas Um
terno de pássaros ao sul.
Em 2001, perdas significativas para a cultura
gaúcha: morreram o artista plástico Carlos
Scliar e o idealizador da Orquestra Sinfônica da
Unisinos, José Pedro Boessio. Na contramão,
o jornalista Walter Galvani foi destacado com
o prêmio Casa de Las Americas na categoria
literatura brasileira, com o livro Nau capitânia,
uma biografia de Pedro Álvares Cabral. Também
em 2001, o Margs apresentou a mostra
“Coleção Lila e Rubem Knijnik – Arte Brasileira
Contemporânea: Confrontos e Diálogos”.
Estiveram reunidas obras importantes de autores
não menos relevantes, como Lygia Clark, Amilcar
de Castro, Cildo Meireles, Waltércio Caldas,
Tunga e Frank Krajcberg.
Santander Cultural.
Foto: FGF Fotos
O Projeto Experimental de Cinema da PUCRS,
implantado em 2001, daria o pontapé para a
habilitação profissional na área (o curso de
Graduação surgiria já em 2004), servindo
de incentivo para iniciativas semelhantes na
Unisinos, UFPel e Universidade Federal de Santa
Maria. O bom momento do cinema gaúcho foi
complementado pelo projeto RodaCine, que
com patrocínio da RGE, Pepsi e Iecine levou 30
sessões de cinema ao interior em seu primeiro
ano, tudo proporcionado por um furgão equipado
com projetor 35mm, telão e caixa de som.
A inauguração do Santander Cultural, também em
2001, foi um dos pontos altos da cultura gaúcha
no início do século XXI. A instituição passou
94
a ocupar o prédio originalmente construído
pelo Banco Nacional do Comércio entre
1927 e 1932. Em estilo eclético, que combina
elementos dos períodos neoclássico, art nouveau
e barroco-rococó, a construção passou por
uma transformação impressionante. O arquiteto
Roberto Loeb, em parceria com a Solé &
Associados, executou o projeto de restauração e
adaptação do antigo banco, que deu origem a um
moderno centro cultural. Os espaços originais
foram mantidos, com a incorporação de itens
de segurança, acessibilidade, conforto térmico e
controle de umidade. O Átrio foi o novo espaço
que surgiu com a revitalização. Construído no
antigo fosso de luz, a área de arquitetura arrojada
tem piso de vidro sobre os vitrais especialmente
iluminados e é destinada à realização de
premiações, seminários e shows semanais, entre
outras atividades. Tendo como principal foco de
atuação as artes visuais, o cinema, a música e a
reflexão, o Santander Cultural desenvolve também
importantes iniciativas na área de educação,
além de contar com um Acervo da Moeda, a
loja Koralle Santander Cultural, uma área de
gastronomia (Restaurante Moeda e Café do Cofre)
e um Centro de Capacitação Digital, que promove
a inclusão digital para a terceira idade.
Já em seus primeiros meses de funcionamento,
o Santander integrou-se à 3ª Bienal do
Mercosul, que sob o slogan “arte por toda
parte”, contou com a participação da
Argentina, da Bolívia, do Brasil, do Chile,
do Paraguai, do Uruguai e do Peru, este
como país convidado. A terceira edição ficou
mais conhecida pela criação da “cidade dos
contêineres”. Parte da exposição foi montada
dentro de 51 contêineres para transporte
marítimo de cargas, em uma área de 60 mil
metros quadrados no Parque Maurício Sirotsky
Sobrinho, onde abrigaram instalações de 51
artistas plásticos. A 3ª Bienal instituiu também
um segmento paralelo de mostras especiais,
entre elas a dos dez óleos e gravuras de
Edward Munch e uma exposição de pinturas e
obras em papel de Diego Rivera. Expostas pela
primeira vez na América do Sul, as 44 obras
cobriram mais de 50 anos da produção do
mestre do Muralismo mexicano.
Ainda em 2001, a editora independente Livros
do Mal, de Porto Alegre (que durou apenas até
2007) revelou os talentos de Daniel Galera,
Paulo Scott e Marcelo Benvenutti. Foi ainda o
momento em que a peça Homens de Perto, com
Oscar Simch, Zé Victor Castiel e Rogério Beretta
e direção de Nestor Monastério, chegou a 400
apresentações, em um prenúncio do sucesso que
se estenderia por mais de 10 anos, ganhando,
inclusive, uma nova versão, Homens de Perto 2.
Em 2002, revela-se o talento do violonista
Yamandu Costa, então com apenas 22 anos,
mesmo ano em que se comemoraram os
50 anos de carreira de Lourdes Rodrigues,
conhecida como “a dama da canção”, e os 30
anos do Festival de Cinema de Gramado. E se
na Bienal de São Paulo um dos destaques foi
a obra de Karin Lambrecht, que ganhou uma
sala especial, o ano começou com os olhos dos
gaúchos – e dos brasileiros – grudados na TV,
quando da exibição da minissérie A Casa das
Sete Mulheres, adaptação da obra homônima da
escritora gaúcha Letícia Wierzchowski, com
direção de Jayme Monjardim.
Não menos celebrada naquele ano foi a inauguração
do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo,
que, além da obra do renomado autor gaúcho,
abriga também acervo com a produção de Mario
Quintana, Josué Guimarães, Dyonélio Machado,
entre outros. E o grande nome da Feira do Livro foi
Sérgio Faraco, com seu livro de memórias Lágrimas
na chuva, um dos mais vendidos, juntamente com
Divã, de Martha Medeiros.
A inauguração do Santander Cultural, em 2001, foi um dos pontos altos da cultura gaúcha no início do século
XXI. A instituição passou a ocupar o prédio originalmente construído pelo Banco Nacional do Comércio entre
1927 e 1932. Não menos celebrada naquele ano foi a inauguração do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo,
que além da obra do renomado autor gaúcho, abriga também acervo com a produção de Mario Quintana, Josué
Guimarães, Dyonélio Machado, entre outros.
95
DEPOIMENTO: OLÍVIO DUTRA
A infância.
Eu venho de uma família pobre, com pai carpinteiro e mãe dona
de casa. Tive minha formação na religião Católica Apostólica
Romana e fui vicentino na igreja de São Luiz Gonzaga, onde,
depois da missa, discutiam o que fazer para atender as pessoas mais
necessitadas da região. Fiz o ginásio em uma high school de São Luiz
Gonzaga. Tratava-se, de fato, de um colégio de freis franciscanos
norte-americanos. Minha matrícula só foi possível porque meu
pai prestava serviços para a escola, e os filhos puderam estudar em
troca desses serviços. Por saber que os pais na verdade não podiam
oferecer estudo de tal qualidade, tratei de aproveitar a oportunidade
e fui muito esforçado e interessado pelos estudos, e isso chamou a
atenção dos freis. Os franciscanos me convidaram para ensinar inglês
e, adicionalmente, permitiam que eu usufruísse dos livros da grande
biblioteca que a escola possuía. Hoje eu me defino como um cristão
marxista. Um marxista não é necessariamente ser ateu.
A vida política.
Sou uma liderança política surgida dentro dos movimentos sociais,
desde a década de 1970, quando cheguei a Porto Alegre já como
funcionário com nove anos de Banrisul, onde ingressei em 1961, por
concurso. Minha militância vem da base do Sindicato dos Bancários,
o que me deixa muito orgulhoso, pois tive um aprendizado muito
grande com esta categoria, tendo inclusive presidido a entidade. A
minha visão da política, portanto, vem desses movimentos sociais,
sempre em busca da democracia e defendendo os direitos, sejam
coletivos ou solidários. Vejo a política como a construção do bem
comum, com o protagonismo das pessoas. No final da década
de 1970, participei da criação do Partido dos Trabalhadores e da
primeira direção nacional. Sou da vertente sindical, fazendo parte da
corrente chamada Articulação, que reunia os movimentos sociais, os
sindicalistas. As correntes internas fazem parte do DNA do PT. Isso
faz com que a organização tenha muita discussão interna, mas as
correntes não podem ser maiores do que as instâncias do partido.
“
A minha visão da política vem dos movimentos sociais, sempre
em busca da democracia e defendendo os direitos, sejam
coletivos ou solidários. Vejo a política como a construção do
bem comum, com o protagonismo das pessoas.
96
DEPOIMENTO: OLÍVIO DUTRA
A experiência como deputado constituinte.
Fui eleito deputado federal constituinte pelo PT do Rio Grande
do Sul em 1986. A partir dessa data, o partido tem participado
de todas as eleições, ganhando ou perdendo. A bancada do PT
era pequena, mas participou intensamente dos debates sobre qual
o estado que se queria: um estado sob controle público ou um
estado sob controle privado? O texto da Constituição foi bom. Era
um texto garantidor dos direitos civis e fundamentais da pessoa
humana, mas infelizmente deixou muita coisa mal amarrada para
ser regulamentada. Depois, fui o primeiro prefeito de Porto Alegre
eleito após a Constituição de 1988, sendo encarregado de colocar
em prática todos aqueles pontos importantes que foram discutidos
e aprovados na Constituinte. Foi quando criamos o Orçamento
Participativo.
O período como governador.
Em 1999, a chamada Frente Popular, aliança partidária liderada
pelo PT, chegou ao Palácio Piratini, derrotando a pretensão do então
governador Antonio Britto de obter um segundo mandato. Pegamos
o estado no pico ascendente do neoliberalismo, da privatização do
estado, do achincalhamento das funções básicas do estado. Era um
pensamento hegemônico em nível nacional e também em nível
estadual. Fomos eleitos contra essa corrente neoliberal, defendendo
posição clara, objetiva, de que o estado não era propriedade privada
de ninguém. E que o estado, para funcionar melhor, tinha que
estar sob efetivo controle público. Foram introduzidas as discussões
sobre o orçamento do estado, semelhante ao que se fez no governo
municipal, onde essa experiência já tinha 10 anos.
97
A não implantação do Orçamento Participativo.
Os quase 490 municípios tinham uma política diferenciada daquela
que o governo estadual desejava oficializar. Não foi suficiente a
experiência local que tivemos. Inclusive, a oposição entrou com
mandado de segurança, no Judiciário, para impedir que nós
aplicássemos o Orçamento Participativo aqui no estado. As reuniões
do Orçamento Participativo estadual só puderam ser iniciadas
após a derrubada da liminar na Justiça. As reuniões ocorriam na
maioria dos municípios do Rio Grande do Sul, promovidas pelos
movimentos sociais de cada região. Os Conselhos Regionais de
Desenvolvimento (Coredes) integravam o OP, pois as reuniões não
eram fechadas e nem excludentes, e sempre procuravam encaminhar
as melhores propostas para executar obras pelo estado. Mas, mesmo
sem alcançar o êxito desejado, o Orçamento Participativo foi a
marca do nosso governo. Lamento que não tenhamos sido reeleitos
para ter dado continuidade. O grupo que veio depois de nós tinha
a ver com o projeto anterior ao do nosso governo, ou seja, a linha
neoliberal, do estado mínimo, do estado mais auxiliar dos grupos
privados. É claro que, para esse projeto, não cabia um debate aberto
sobre o orçamento público. No debate aberto do orçamento público
são colocados os interesses dos setores para haver um crescimento,
sem desrespeitar a coisa pública, sem se locupletar com dinheiro
público, sem desrespeitar a natureza, discutindo sempre com as
regiões e as comunidades, encontrando alternativas diferenciadas das
tradicionais, que rezam que quem tem mais leva mais, e quem tem
menos leva menos.
“
O Orçamento Participativo foi a marca do nosso governo.
Lamento que não tenhamos sido reeleitos para ter dado
continuidade. O grupo que veio depois de nós tinha a ver
com o projeto anterior, ou seja, a linha neoliberal, do estado
mínimo, do estado mais auxiliar dos grupos privados.
98
DEPOIMENTO: OLÍVIO DUTRA
Gestão da área tecnológica.
No governo do PT, junto com as universidades, foram criados vários
centros tecnológicos. Também fizemos uma negociação bem-sucedida
com a Motorola, que estava querendo se instalar em São Paulo.
Conseguimos negociar sem abdicar de impostos e qualquer negociação
beneficiatória para instalar no estado um grande centro tecnológico,
o Cientec. Colocamos o Rio Grande no mapa da tecnologia, com
a construção de chips, graças às políticas descentralizadoras e
desconcentradoras, criando também as incubadoras empresariais e
sistemas locais de produção, atendendo pequenas e médias empresas em
várias regiões. E foi graças a essa política descentralizadora que o PIB do
estado cresceu acima da média nacional. Além disso, em um trabalho
realizado com a Companhia Rio-grandense de Saneamento (Corsan),
foram abertos muitos poços artesianos em várias regiões do estado, para
resolver o problema da irrigação no RS. Também no nosso governo
foram criadas as secretarias de Meio Ambiente e de Habitação. E foi
feito um mapeamento detalhado do potencial hidrográfico do rio Jacuí,
para construção de pequenas barragens. Além disso, outra importante
iniciativa do governo foi a criação da Universidade Estadual do Rio
Grande do Sul (Uergs). É uma questão de estado, e não de governo ou
de partido, o Rio Grande do Sul ter a sua Universidade.
A dívida estadual.
A dívida estadual era e continua sendo um problema seríssimo.
Tomamos a iniciativa de organizar no estado uma reunião com a
presença do governo federal e alguns governadores, como Anthony
Garotinho, do Rio de Janeiro, e Itamar Franco, de Minas Gerais.
O estado deve e tem que pagar, mas precisávamos saber por que
essa dívida se deu. Nós achávamos que a nossa função era alterar a
negociação feita no governo anterior, que teve como consequência a
elevação de 9% para 13% do comprometimento da receita líquida do
estado para o pagamento da dívida com a União, o que nos arroxou,
garroteou. O governo estadual também pesquisou para saber o que a
União devia para o estado. E conseguiu recuperar o dinheiro relativo
a uma dívida que existia desde o tempo de Getúlio Vargas, do
extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS).
99
Os incentivos e a guerra fiscal.
O Rio Grande, assim como os demais estados, está pagando
esta dívida que, com os juros, no lugar de diminuir, continua
aumentando. Quando o governo federal, para estimular as vendas,
reduz o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), também
atinge a receita dos estados, pois reduz os recursos do Fundo de
Participação dos Estados (FPE). Da mesma forma, quando o estado
reduz o Imposto de Circulação sobre Mercadorias e Serviços (ICMS)
para uma indústria se instalar, estará reduzindo o ganho das demais.
Nós enfrentamos essa guerra fiscal, reduzindo a renúncia fiscal
enorme que tinha o estado e ainda tem. Esse foi o caso da Ford. Era
inconcebível que nós, sem ter dinheiro para pagar o funcionalismo,
para investir nas micro e pequenas empresas, tivéssemos que repassar
milhões de reais para uma empresa do porte da Ford. Chamamos
a empresa para renegociar, como é legítimo. A GM aceitou alterar
o contrato em R$ 100 milhões. A Ford não aceitou conversar e foi
embora. E o estado não se prejudicou com isso, porque é só ver os
dados da Fundação de Economia e Estatística ( FEE) do período
para ver que a economia do Rio Grande cresceu acima da média
nacional, inclusive o PIB industrial, mais que em outros períodos.
E ela também não beneficiou a Bahia. O governo agiu para obter
o crescimento, com os sistemas locais de produção, incubadoras
empresariais, mexida do Fundopem, e não deixamos de atrair
novos investimentos, como nos casos da Latasa e da Fibraplac
Chapas de MDF, do grupo Isdra, em Glorinha. Nós afirmamos
uma visão republicana, de que o interesse público se sobrepõe ao
interesse privado, particular ou pessoal, e demarcamos um espaço
de construção do orçamento, instigando a cidadania a participar
deste processo. Ou seja, o Executivo, para formatar sua proposta,
antes de encaminhá-la para o Legislativo, vai nas comunidades, nos
municípios e regiões, apresenta dados e números e coloca em debate
para ouvir as sugestões, correções e até contradições para formatar
tecnicamente e politicamente sua proposta.
Foto: Jefferson Bernardes
GERMANO
RIGOTTO
2003
2006
Foto: Jefferson Bernardes
Germano Antônio Rigotto nasceu em Caxias do Sul em 24 de setembro de 1949.
É dentista e advogado, formado pela UFRGS, e um político experiente que iniciou
a carreira em 1976, eleito o vereador mais votado pelo MDB em sua cidade natal.
Depois, foi eleito deputado estadual em 1982. Em 1986, foi reeleito com a segunda
maior votação no estado. Em 1990, chegou à Câmara Federal com 94.077 votos,
sendo reeleito em 1994 e em 1998. Nas três eleições, Rigotto sempre ficou entre
os três mais votados no Rio Grande do Sul. Em 1995, assumiu a liderança do
governo na Câmara, a convite do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 1997,
foi o coordenador da bancada gaúcha e presidiu a Comissão da Reforma Tributária.
Em uma pesquisa realizada em junho de 2002, com vistas à posição dos possíveis
candidatos ao governo do estado no pleito de 6 de outubro, Germano Rigotto
tinha apenas 2% das intenções de voto. A eleição foi disputada por 12 candidatos,
entre os quais estavam alguns pesos pesados da política regional, como o exgovernador Antonio Britto (PPS) e seu vice, Germano Bonow (PFL), da aliança PPS,
PS, PFL e PT do B, o ex-prefeito de Porto Alegre Tarso Genro e seu vice, Miguel
Rossetto, do PT (aliança PT/PCB/PMN/PCdoB), e Celso Bernardi e sua vice, Denise
Fátima Kempf, do PPB. Germano Rigotto, do PMDB, teve como vice Antônio
Hohlfeldt (PSDB), da aliança PMDB/PSDB/PHS.
Rigotto logo percebeu que os três mais fortes candidatos não poderiam evitar o
choque direto. Inferiu que o ex-governador Antonio Britto, que liderava as pesquisas,
seria o alvo preferencial dos demais concorrentes. Refugiou-se, então, na proposta de
uma terceira via, que acenava com a pacificação política, diálogo com todos os setores
da sociedade e com o governo da União, qualquer que fosse o presidente (Lula e
Serra disputavam o Palácio do Planalto). Não por acaso, a marca de sua campanha era
um coração. A mensagem de Rigotto aos poucos conquistou o eleitorado, enquanto
a rispidez dos principais candidatos afugentava os cidadãos. O resultado do primeiro
turno apontou Rigotto em primeiro, com 2,427 milhões de votos, e em segundo,
Tarso Genro, com 2,196 milhões. No segundo turno, Rigotto venceu as eleições com
3,149 milhões de votos, contra 2,830 milhões de Tarso.
Nas eleições de 2006, porém, ele não seria mais a terceira via e, assim, seu adversário
mais difícil não seria o ex-governador Olívio Dutra, do PT, como se esperava. A
terceira via, novamente com uma proposta vitoriosa, seria a ex-aliada de Rigottto,
a economista Yeda Crusius, do PSDB. Em 2010, ele conheceria pela segunda vez o
gosto amargo da derrota, quando não obteve a eleição para o Senado, vencido pela
recém-chegada ao PP, a jornalista Ana Amélia Lemos.
Hoje, Rigotto é um requisitado conferencista e compõe o Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social (CDES) do governo federal, o chamado “Conselhão”.
104
AMBIENTE POLÍTICO | EM NOME DA PACIFICAÇÃO
Germano Rigotto chegou ao poder graças, sobretudo, ao seu espírito conciliador e a uma
personalidade mais flexível do que os mandantes anteriores. No final do primeiro ano de seu governo,
mantinha enorme disposição de cumprir suas promessas, como ele mesmo afirmou: “Em nome do povo,
o governo precisa assegurar o livre exercício de todos os direitos, tolerar os conflitos e divergências.
Mas precisa zelar, também, pela preservação do Estado de Direito, de forma que todos aceitem que os
limites estão na lei. O governo gaúcho mostrou neste primeiro ano de mandato que escutará sempre e
que, portanto, não é surdo; o governo gaúcho escutará e conversará sempre e, portanto, não é mudo;
e o governo gaúcho escutará, conversará e decidirá sempre, na forma que a lei orienta e, portanto, é
comprometido com a lei e a democracia”.
Vale registrar o que ele disse a seguir, no final de 2003: “Quando se fala em pacificar, conviver, ouvir
com atenção a todos, enfim, viver democraticamente, muitos não se dão conta de que, ao fazer isso, os
governantes deixam de ser máquinas, para serem seres humanos que governam outros seres humanos
iguais, pessoas, com nomes, endereços e com problemas que não podem ser considerados simples
números. Essa orientação, que pode ser traduzida como humanização, vem sendo aplicada pelo governo
do estado nas suas relações internas, com os servidores, e nas relações externas, com todos os setores
da sociedade. O respeito e a educação fortalecem a democracia e abrem caminho para trabalharmos
mais unidos na construção de um estado mais próspero e justo. Enfim, recuperam e fortalecem a
confiança do povo nas instituições e no seu futuro”.
Durante o seu governo, Rigotto esteve satisfeito com a aliança dos seis partidos que formou a base
de sustentação política, com PMDB, PSDB, PDT, PFL, PP e PTB, ou seja, nada menos de 39 deputados
de um total de 55. Rigotto avalia que a aliança funcionou “porque os políticos de todos esses partidos
trabalham imbuídos de que o nosso estado precisa de governabilidade e de uma visão construtiva. Com
o apoio dos partidos, o governo dedicou-se por inteiro às suas tarefas, sem perder tempo e energia com
divisões ou conflitos políticos ou partidários”. E, de fato, no primeiro ano da administração, o governo
conseguiu algo inédito: dos 133 projetos aprovados pela Assembleia, oriundos do Executivo, nada menos
de 79 deles obtiveram a unanimidade do Plenário.
Ao cumprir com rigor as promessas de pacificação e de diálogo, Rigotto conseguiu evitar a tradicional
polarização política gaúcha, pois não aceitava as tentativas de radicalização. E isso foi bastante favorável
ao Rio Grande do Sul, tanto nas relações internas da administração como com o empresariado, com
os representantes dos trabalhadores e possíveis investidores e, ainda, com a União (veja o capítulo
sobre economia). Também conseguiu algumas vitórias importantes em termos de progressos sociais e
administrativos. Nos quatro anos de sua gestão, a taxa de mortalidade infantil tornou-se a mais baixa do
País, com 13,1 óbitos a cada mil crianças nascidas vivas (em 1970, eram 48,4 óbitos).
Durante o seu governo, apesar dos eventuais atritos, Rigotto esteve satisfeito com a aliança dos seis
partidos que formou a base de sustentação política. No primeiro ano da administração, conseguiu
algo inédito: dos 133 projetos aprovados pela Assembleia, oriundos do Executivo, nada menos de
79 deles obtiveram a unanimidade do Plenário.
105
Rigotto criou dois programas sugeridos aos
governos pelo economista indiano e Prêmio
Nobel, Amartya Sen, um dos criadores do
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da
ONU: o Programa Primeira Infância Melhor
(PIM), para crianças de 0 a 6 anos, e o programa
especial para as gestantes. Também introduziu
no estado o Programa Saúde da Família. Todos
esses programas, com a feição de política de
estado, tiveram continuidade nas administrações
seguintes, de Yeda Crusius e de Tarso Genro.
Atualmente, apenas no PIM, são atendidas mais
de 60 mil crianças. E a Taxa de Mortalidade
Infantil caiu para 10,1 em 2010, ainda a menor do
País e uma das mais baixas da América Latina,
perdendo apenas para Cuba e Chile.
O governo de Germano Rigotto também foi o
pioneiro do País a implantar o pregão eletrônico,
a Certificação Digital e o ICMS Eletrônico.
Por último, mas não menos importante, Rigotto
atualizou um instrumento de fundamental
importância, o Fundo Operação Empresa do
Estado do Rio Grande do Sul (Fundopem), com a
Lei nº 11.916, de 2 de junho de 2003, atualizada até
a Lei nº 13.843, de 5 de dezembro de 2011. Tratase de “um instrumento de parceria, do Governo
do Estado com a iniciativa privada, visando à
promoção do desenvolvimento socioeconômico,
integrado e sustentável do Rio Grande do Sul”. O
Fundopem/RS não libera recursos financeiros para
o empreendimento incentivado. Este projeto é
apoiado por intermédio do financiamento parcial
do ICMS incremental mensal devido gerado a
partir da sua operação.
O desafio da coesão partidária
Um problema que atrapalhou o desempenho
de vários governos gaúchos a partir da
redemocratização foi o da indisciplina partidária
dos deputados na Assembleia Legislativa do
Rio Grande do Sul. Esse assunto mereceu um
estudo do acadêmico Júlio Canello, do Instituto
Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro
(Iuperj), chamado Disciplina partidária em
legislativos: a literatura sobre América Latina e o
caso da Assembleia do Rio Grande do Sul, que
aborda o período de 2003 a 2006 do Parlamento
gaúcho, durante o governo de Germano
Rigotto. O trabalho demonstra, após detalhado
levantamento, a postura dos deputados estaduais
do Rio Grande do Sul em relação aos seus
partidos em função de suas atuações no Plenário.
O levantamento de Canello revela, em primeiro
lugar, que, em termos de unidade partidária em
geral no Plenário, o PT lidera folgadamente,
seguido do PMDB, com os índices de 97,38 e
95,45 em 2003 e de 94,72 e de 87,23 em 2006,
respectivamente. Ou seja, existe uma forte
tendência para uma queda relevante da unidade
partidária em relação ao partido que está no
governo. No levantamento de Canello, o partido
com menor unidade partidária no período 2003 a
2006 foi o PP, com o índice de 90,24 em 2003 e de
apenas 77,03 em 2006. O PDT e o PTB obtiveram
respectivamente índices de 90,67 e 95,32 em 2003
e de 85,40 e 84,68 em 2006. Na média dos quatro
anos, o maior índice foi o do PT, com 97,20, e o
mais baixo foi o do PP, com 83,79.
O levantamento realizado mostra, de forma
geral, a tendência dos parlamentares gaúchos
a um índice de unidade partidária menor
do que seria desejável. E igualmente grave,
mostra, também, uma acentuada tendência à
não colaboração em Plenário. Destaca-se, no
levantamento, o aumento da não colaboração dos
deputados do partido do governo no decorrer da
administração: o PMDB, do governador Germano
Rigotto, em 2003 tinha uma média de 15,90.
Ela subiu para 18,52 em 2004, 21,33 em 2005, e
22,05 em 2006. São números típicos, aliás, do
comportamento dos parlamentares selecionados
em eleições proporcionais.
Presidiram a Assembleia Legislativa no governo
de Germano Rigotto os seguintes parlamentares:
Vilson Covatti (PP), em 2003 e 2004; Carlos
Eduardo Vieira da Cunha (PDT), de 2004 a 2005;
106
Iradir Petroski (PTB), de 2005 a 2006, e Luiz
Fernando Salvadori Zachia (PMDB), em 2006.
As bancadas estavam distribuídas assim: a
coligação PT/PCB/PCdoB contava com 15
deputados; PP, 10; PMDB, nove; coligação PDT/
PAN, sete; PTB, seis; Coligação PPS/PFL/PTdoB,
quatro; PSDB, três; e PSB, um.
Durante o governo de Rigotto, foi instalada
a chamada CPI das Carnes, que funcionou de
30 de junho de 2003 a 15 de dezembro do
mesmo ano. A CPI teve o deputado Jerônimo
Goergen (PP) como presidente e o deputado
Márcio Biolchi (PMDB) como relator. E teve
por objetivo “apurar as causas da atual situação
econômica e financeira da bovinocultura de
corte e da suinocultura e investigar indícios da
prática de infrações da ordem econômica nas
cadeias produtivas suínas e seus derivados, com
ênfase aos aspectos relacionados à formação do
preço recebido pelos agricultores e pagos pelos
consumidores finais”. A CPI dos Combustíveis,
instalada em 2005 e concluída em 28 de março
de 2006, investigou denúncias de cartelização
de preços dos combustíveis, adulteração e
também sonegação fiscal. A CPI foi presidida pelo
deputado Kanan Buz (PMDB); o vice-presidente
foi o deputado Fabiano Pereira (PT) e a relatoria
foi da deputada Leila Fetter (PP).
Também foi instalada uma Comissão Especial,
em 7 de junho de 2004, para tratar da
realidade e da importância da utilização de
pardais e lombadas eletrônicas nas rodovias
gaúchas. Teve como presidente o deputado
Luiz Fernando Záchia (PMDB), tendo Ronaldo
Zulke (PT) como vice-presidente e João Fischer
(PP) como relator. O relatório, aprovado por
unanimidade pelos deputados integrantes da
Comissão Especial em 4 de novembro de 2004,
traz uma radiografia sobre os equipamentos
eletrônicos instalados nas rodovias gaúchas,
além de sugestões para maior segurança no
trânsito e para melhor aproveitamento dos
recursos provenientes das multas.
ECONOMIA | PROFUSÃO DE
PLANOS E PACTOS
Durante a administração de Germano Rigotto,
apesar de muitas iniciativas importantes, o
crescimento econômico do Rio Grande do
Sul foi menos do que modesto: 1,6% em 2003;
3,3% em 2004; uma recessão em 2005, com
-2,8%; e finalmente a recuperação em 2006,
com um crescimento robusto, de 4,7%. Ou seja,
no quadriênio, o Rio Grande do Sul avançou
apenas 7%. No mesmo período, o PIB do
Brasil acumulou um crescimento – esse sim,
bastante modesto – de 14,7% (a China cresceu
mais de 32%). É importante registrar que as
mudanças feitas pelo IBGE na fórmula do PIB,
com a redução do peso do setor agropecuário e
aumento dos serviços, entre outras alterações,
teve um efeito negativo cumulativo sobre o
índice de desempenho econômico gaúcho,
pois, diferentemente do quadro brasileiro, no
Rio Grande do Sul o setor agropecuário tem
uma representatividade elevada em relação à
economia como um todo.
Na gestão Rigotto, o governo e a sociedade
gaúchos retomaram um intenso debate em busca
de consenso sobre a estratégia a ser adotada em
busca do desenvolvimento econômico e social da
região. O próprio governo mandou produzir um
trabalho de qualidade chamado “RS Rumos 2015”,
de responsabilidade da consultoria Booz, Allen.
Afora sua abrangência e consistência, esse estudo
ganhou relevância por três motivos:
1) pela primeira vez, contou-se com dois cenários
para o ano de 2015, servindo de parâmetros
para uma visualização de futuro para o perfil
da distribuição espacial da riqueza no estado. O
cenário tendencial mostrava como seria esse perfil
se fosse mantida a tendência recente da dinâmica
de crescimento da economia estadual, enquanto
o cenário propositivo apresentava as mudanças que
ocorreriam com a implementação do portfólio de
investimentos propostos para cada região;
Polo Naval de Rio Grande.
Foto: Claudio Fachel / Palácio Piratini
107
2) o estudo avançava muito em relação aos seus
predecessores ao propor, a partir do respectivo
diagnóstico e cenário, uma visão de futuro para
cada uma das regiões analisadas, sustentada por
um conjunto de estratégias, programas e projetos;
3) a metodologia adotada na sua elaboração, com
ampla participação de especialistas setoriais e
regionais, representantes do meio universitário e
lideranças do setor público e privado.
Esse procedimento permitiu que as conclusões
de cada etapa do trabalho fossem submetidas
a um intenso debate com os agentes regionais,
possibilitando não só o enriquecimento
do estudo como, principalmente, a efetiva
apropriação de suas propostas pela região.
Independentemente de sua consistência e da
obtenção de um relativo consenso político
sobre a sua oportunidade, qualquer projeto de
desenvolvimento regional enfrenta enormes
dificuldades na sua fase de implantação. De
um lado, pelas conhecidas restrições das
finanças públicas e ausência de um efetivo fundo
orientado para o financiamento do combate
às desigualdades territoriais. De outro, pelo
fato de que a continuidade das políticas de
desenvolvimento regional (que são, via de regra,
políticas de longo prazo) não resiste a qualquer
mudança de governo.
Na mesma época, foram lançados mais dois
movimentos em prol do desenvolvimento do Rio
Grande do Sul. O “Pacto pelo Rio Grande”, da
Assembleia Legislativa, foi muito ambicioso no
intuito de promover a “mobilização da sociedade
gaúcha para a construção de uma agenda mínima
de ações/soluções voltadas para o enfrentamento
da crise estrutural do Rio Grande do Sul”. Os
parlamentares se mostravam confiantes em
suas capacidades de implementar o projeto com
sustentação nesta “mobilização da sociedade,
por meio de suas lideranças e instituições
representativas”. Tratava-se de um acordo de
ampla representatividade, como mostra a relação
de deputados que participavam da Coordenação
Executiva: César Busatto (PPS), Raul Pont (PT), Jair
Soares (PP), Giovani Cherini (PDT), Luis Augusto
108
Lara (PTB), Ruy Pauletti (PSDB); Reginaldo Pujol
(PFL); Berfran Rosado (PPS); Heitor Schuch (PSB) e
Jussara Cony (PC DO B). E, finalmente, a Federação das Indústrias do
Rio Grande do Sul (Fiergs) e outras entidades
empresariais atraíram vários setores da sociedade
para elaborar o que se convencionou chamar de
“Agenda 2020: o Rio Grande que queremos”.
Essas iniciativas foram facilitadas pela postura do
governador Germano Rigotto e de sua equipe, de
manter permanentemente o diálogo e a busca do
entendimento. Com essa disposição, a despeito dos
problemas financeiros do estado, que se agravaram,
foi possível atrair o interesse do governo federal
em realizar alguns projetos no Sul e, também, atrair
empreendedores privados que manifestaram suas
intenções de investir no Rio Grande do Sul.
Com o apoio da União, por exemplo, foi iniciada
a instalação do Polo Naval em Rio Grande, com
a perspectiva de implantação de vários projetos
ligados à cadeia oceânica (e que vieram a se
confirmar nos anos seguintes). Se o Polo Naval
de Rio Grande tivesse um registro de nascimento
emitido em cartório, esse documento levaria
a data de agosto de 2006, com a decisão de
se instalar o dique seco. Mas, como costuma
acontecer no Brasil, a implementação dos
projetos percorre um longo caminho. O dique
seco nasceu de fato em 2008, com o início
efetivo das obras de instalação, coincidindo com
a construção da Plataforma de Petróleo P-53
pela Quip sobre o casco de um navio enviado de
Cingapura. A partir daí, o polo recebeu novas
empresas, cujas instalações, eventualmente,
foram concluídas por volta de outubro de 2010,
quando finalmente foi inaugurado o dique seco e
anunciadas novas encomendas da Petrobras.
Além disso, o governo estadual estava disposto
a promover o desenvolvimento da cadeia de
base florestal, que, como se sabe, tem início
exatamente com o plantio de florestas. Essa
intenção também facilitou que o governo
conseguisse a decisão de ampliação da antiga
Riocell e, mais, que fossem iniciadas as tratativas
para a instalação de mais um grande projeto
de celulose e papel no estado (veja informações
no capítulo de Economia do governo Yeda Crusius)
comandado pelo grupo Votorantim. As indústrias
de móveis também viveram momento favorável
de modernização e ampliação de suas produções.
O interesse das empresas gaúchas em
estabelecerem vínculos com o mercado
internacional, e do próprio estado, a partir do
governo Antonio Britto, inclusive com a criação
de uma Secretaria para Assuntos Internacionais,
intensificou-se no governo Rigotto e, em seguida,
na administração Yeda Crusius. Gerdau, Randon,
Agrale, Marcopolo, Tramontina e Altus foram
algumas das empresas locais que passaram
à condição de transnacionais ou ampliaram
suas atuações no exterior. Elas não apenas se
expandiram no território brasileiro e exportaram
os seus produtos, mas também instalaram ou
adquiriram plantas industriais em vários países.
Em relação aos planos mencionados, aconteceu
o seguinte: mais uma vez o Rio Grande do
Sul demonstrou sua dificuldade em alcançar a
disposição efetiva em realizar um projeto amplo
em favor de seu desenvolvimento que seja mais
do que algum objetivo pontual e, portanto,
isolado. O “Rumos 2015” aparentemente não
obteve o reconhecimento como um Programa de
estado, estratégico, e sim como mais um projeto
de governo. O “Pacto pelo Rio Grande” afundou
com a velocidade de uma pedra atirada n’água,
demonstrando a incapacidade dos políticos
gaúchos de irem além da retórica, mesmo quando
se trata de desempenhar a contento algo a que
batizam solenemente de pacto, o que implica
algo necessariamente suprapartidário e protegido
das manobras político-eleitorais. Um pacto bem
executado forma estadistas.
A “Agenda 2020 – O Rio Grande que queremos”
foi, diferentemente, o que se pode chamar de
projeto “bem nascido”. A começar pelo fato
de ter sido gerado dentro do Sistema Fiergs. A
primeira boa ideia foi a de iniciar o processo de
109
elaboração do programa mobilizando voluntários
interessados no progresso do estado. Mais de
800 pessoas se apresentaram e, divididas em
grupos, debateram exaustivamente os grandes
temas, para definir as prioridades, ou seja,
para onde vamos, e também as metas a serem
alcançadas: em que ponto queremos chegar. Para
assegurar que o programa teria continuidade,
os coordenadores alojaram a Agenda 2020 em
uma entidade já existente e que precisava de
um grande objetivo, a Polo RS. A Agenda 2020
está viva e suas equipes de voluntários estão
ativas. O que não significa que não enfrente
dificuldades, pois na maioria dos casos, para
atingir os objetivos, torna-se necessário que,
antes, ocorram mudanças culturais.
Uma grande perda
A Viação Aérea Riograndense (Varig), fundada em
1927, foi o grande orgulho da aviação comercial
brasileira, reconhecida no mundo inteiro pelo
requintado tratamento de bordo e, também, pela
qualidade de seu pessoal técnico no comando das
aeronaves e na manutenção das mesmas. Em seus
bons tempos, a Varig, também conhecida como
“A Pioneira”, chegou a contar em sua frota com os
melhores aviões do planeta. Na sua história, a Varig
utilizou 427 aeronaves e transportou mais de 500
milhões de passageiros A existência da empresa
foi virtualmente interrompida em 20 de julho de
2006, quando a empresa começou a viver uma
longa agonia, até hoje juridicamente inconclusa. Em
26 de julho, parte da companhia foi vendida para
uma subsidiária da Gol, e no mesmo dia foram
demitidos 5 mil empregados que estavam quatro
meses sem receber seus salários. A Varig Engenharia
e Manutenção foi transferida para a TAP e é hoje um
dos segredos do sucesso da companhia portuguesa.
Um simulacro da Varig, mas sem a sua marca,
continuou mantendo pouco mais de uma dezena
de rotas no Brasil e em Frankfurt, no exterior. Em
2010, a empresa, conhecida como “velha Varig”, teve
sua falência decretada pelo Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro no dia 20 de agosto. Mas a decisão obteve
um efeito suspensivo do mesmo Tribunal e voltou,
na prática, à situação de empresa “em recuperação
judicial”. A marca Varig é utilizada pela Gol.
Agronegócio
No governo Germano Rigotto também foi mantido
certo equilíbrio na participação do Rio Grande do
Sul na produção brasileira de grãos, fundamentos
de algumas das maiores cadeias produtivas da
economia regional. Alguns degraus abaixo dos 25%
do total brasileiro dos anos 1980, as lavouras da
safra 2006/07, semeadas no governo Rigotto, mas
colhidas no governo de Yeda Crusius, somaram 21,3
milhões de toneladas dos grãos, 16,2% do total de
131,8 milhões de toneladas colhidas em todo o País.
Em termos de área, o Rio Grande do Sul regressou
aos 7,2 milhões de hectares plantados, 15,6% dos
46,2 milhões de hectares do Brasil. E, finalmente,
o estado obteve produtividade de 3.247 quilos por
hectare, 13,9% acima da média nacional, de 2.851
quilos por hectare.
COTIDIANO | O BRASIL NA
ERA LULA
Dentro de sua proposta conciliadora, o
governador Germano Rigotto decidiu manter seu
apoio ao Fórum Social Mundial, contestado por
alguns no início, mas abraçado pela sociedade
porto-alegrense e gaúcha, depois, em razão do
incremento do turismo e divisas para a cidade. A
capacidade de entendimento de Rigotto facilitou
também o relacionamento com Lula, presidente
que iniciava o governo em Brasília. Desde cedo,
conversaram e acertaram quais seriam os
investimentos e as prioridades do estado.
O Rio Grande e o País estavam ávidos por
investimentos, depois da ressaca econômica dos
últimos anos do governo FHC. Apostava-se no
pior, com a volta da inflação e o descontrole
110
do País também no plano institucional. Não foi
o que se viu. Lula manteve, em um primeiro
momento, a inflação estável, fechou a chave do
cofre para novas inversões e apertou o cinto.
Para dar solidez ao processo, colocou Henrique
Meirelles no Banco Central, no âmbito interno,
e manteve bom entendimento com o presidente
norte-americano, no cenário externo. Depois,
começaram as políticas sociais, o crescimento do
País, a parceria com a China, o fortalecimento da
indústria, como a naval, no RS, e o aumento da
autoestima das classes menos favorecidas e do
País, de forma geral.
Muitos eram os problemas do Rio Grande do
Sul, à época. Uma parte daqueles que diziam
respeito à esfera de investimentos da União
foi resolvida. A recuperação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a
duplicação da BR-101, a ampliação da refinaria
Alberto Pasqualini (Refap), o incremento
da indústria naval, entre outros, foram
encaminhados. Mas a Ponte do Guaíba, a RS118, entre Esteio a Viamão, e outros problemas
históricos da capital e do interior ainda teriam
que esperar.
Em meio a este cenário de dificuldades, a modelo
Gisele Bundchen ganhava o cenário mundial,
e Gilberto Gil era o ministro da Cultura.
Dilma Rousseff, que seria depois presidente da
República, assumiu a pasta das Minas e Energia,
passando após para a Casa Civil. Ela, junto
com Lula, direcionou o País para projetos de
desenvolvimento e infraestrutura, alguns ainda
carentes de consecução, mas outros de grande
importância para o crescimento do País. Em
Porto Alegre, o recém-inaugurado Centro
Cultural CEEE Erico Verissimo começava a
funcionar a pleno vapor, enquanto a Fifa escolhia,
pela terceira vez, Ronaldo Nazário como melhor
jogador do mundo.
No contexto mundial, os EUA invadem Bagdá.
Esse já era um processo previsto, em função
do saldo que ficara na relação com o Oriente
Médio, a partir da derrubada das torres gêmeas
Rota do Sol concluída.
Foto: Jefferson Bernardes / Palácio Piratini
112
do World Trade Center e o interesse da
nação norte-americana no petróleo. O grosso
da operação dura poucos dias. Saddam seria
derrubado do poder, e os EUA instalariam no
Iraque um governo provisório. Enquanto isso,
cientistas anunciam a decodificação do genoma
humano. Esta espécie de “mapa” do código
genético promete transformar radicalmente a
medicina e a compreensão de doenças como o
Alzheimer e o câncer. No comércio mundial, o
impasse entre países pobres e ricos leva a reunião
da Organização Mundial do Comércio (OMC) ao
fracasso, sem que se chegue a um acordo para a
redução das barreiras comerciais.
Em nosso meio, pesquisa mostra que 67% dos
brasileiros não entendem o que leem, incluindose, portanto, na categoria de analfabetos
funcionais. A gaúcha Daiane dos Santos, campeã
do mundo na ginástica solo, tem recepção de
celebridade na Capital. O craque Falcão e a
jornalista Cristina Ranzolin se casam. Em uma
festa no Plaza São Rafael, que contou com
a presença do governador, surge a primeira
edição da revista Voto, único veículo dedicado
exclusivamente à política no Sul do Brasil.
Investimentos no estado abrem 11 mil vagas de
emprego. No Brasil, é aprovada a lei de restrição
às armas de fogo, assunto que voltaria à pauta
no plebiscito de 2005. Mais de 300 mil gaúchos
disputam vagas no serviço público, e a receita do
ICMS cresce. Na previdência, a maior expectativa
de vida muda a regra para os novos aposentados.
Aumenta significativamente o número de
transplantes de órgãos no estado, o que é uma
boa notícia. Os pedágios sobem duas vezes mais
do que a inflação, o número de celulares cresce
em 10 milhões somente em um ano e o IBGE
revela que cresce 59,6% o número de divórcios
no País. Ambientalistas comemoram 30 anos do
fechamento temporário da fábrica da Borregaard,
reaberta depois de quatro meses com instalação
dos mais modernos sistemas antipoluentes
da época. Considera-se que nascia, naquele
momento, o ambientalismo gaúcho, pioneiro no
País em diversas questões.
Enquanto isso, no cenário mundial, o Brasil
buscava maior abertura de sua economia. A
solução dos impasses quanto à exportação da
soja para a China demorou, mas veio. Mercosul e
e Europa fecham acordo de livre comércio. Lula
cobra agilidade dos ministros. O ensino superior
e a pesquisa recebem mais investimentos. O
salário mínimo aumenta, e milhares de postos
de trabalho são criados com carteira assinada,
o chamado emprego formal. O Brasil busca
crescimento sustentável, ao mesmo tempo em
que especialistas alertam para a baixa qualidade
do ar no centro de Porto Alegre. O Rio Grande
do Sul produz 88% de toda a soja transgênica
do país. Na moda, a onda é o cor-de-rosa. Para
garantir a paz e a tranquilidade da população
nas horas de crise, Lula cria a Força Nacional de
Segurança Pública.
No momento em que as forças brasileiras
pacificam o Haiti, ondas gigantescas arrasam o
sul da Ásia. Mais de 11 mil pessoas morrem. Por
aqui, Rigotto tenta atrair grandes montadoras, o
que não se mostra tarefa das mais fáceis. Guaíba
teria ainda que esperar. O Rio Grande recebe, no
entanto, investimentos de 230 milhões de dólares
para a geração de energia eólica, a energia limpa,
em Osório, o segundo maior parque do mundo.
Osório festeja, também, o início da duplicação da
BR-101, que iria colaborar para o crescimento do
município e do Litoral Norte gaúcho.
Na política, o destaque é a cassação do
deputado José Dirceu, acusado de comandar
o “Mensalão”, a face negativa do governo
Lula. Na economia, os investimentos não
param, a maioria oriundos do governo federal
ou por conta das políticas deste. A metade
sul do estado se revigora, com as usinas
termoelétricas, o polo naval, a retomada
dos frigoríficos, do comércio, a instalação de
centros técnicos e de ensino. Diminui um pouco
a drástica diferença entre as duas metades
do estado, uma razoavelmente desenvolvida,
a outra em vias de arrefecer a escalada de
empobrecimento e vislumbrar futuro melhor.
113
No cenário internacional, destaque para
Angelina Jolie, a linda atriz, e para a sempre
eterna Gisele, a top entre as tops. No governo
do prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, a
Usina do Gasômetro vira árvore de Natal.
Mas o verdadeiro presente para os gaúchos
e brasileiros é a quitação da dívida com os
organismos internacionais. O Brasil não deve
mais para o Fundo Monetário Internacional (FMI)
e nem para o Clube de Paris, o que, além da
questão simbólica, significa mais autonomia para
as políticas financeiras e de comércio. Ainda na
questão econômica, outra boa notícia: a taxa de
juros cai a um patamar de 15% ao ano, indicador
de que as coisas estavam melhorando. No Rio
Grande, a China aceita financiar Candiota.
Mas em um cenário positivo, de retomada
da autoestima nacional, nem tudo é festa. A
sociedade continua conturbada, cheia de violência,
conflitos éticos e morais. O Brasil assiste ao
julgamento de Suzane Von Richthofen, jovem da
elite que planejou, junto com os irmãos Cravinho,
a morte dos pais. O motivo: queria ficar com a
herança. Cresce o tráfico de armas no Rio Grande
do Sul, e o caos aéreo expõe a face da falta da
infraestrutura de nossos aeroportos. Aumenta a
demanda e faltam serviços adequados.
No plano dos esportes, mais uma Copa se
aproxima. Na Alemanha, Ronaldinho Gaúcho é
candidato a estrela, mas não confirma. O Brasil
sai derrotado. Pesquisa do IBGE mostra que a
Região Metropolitana de Porto Alegre possui a
maior renda per capita do País. Enquanto isso,
nas estradas, crescem as mortes em acidentes de
trânsito, sobretudo entre jovens. O Brasil está
prestes a endurecer a lei que regula o trânsito,
sobretudo na questão do álcool. Por aqui, a Rota
do Sol é concluída, um antigo sonho de ligar a
Serra ao Litoral.
Em alta nas pesquisas, Lula projeta a reeleição,
obtendo vitória. Sua trajetória é destaque
internacional. Quase sem oposição, o presidente
vai para o segundo mandato, montando um
governo de coalizão em que cabem tudo e todos,
inclusive ex-adversários.
No ambiente gaúcho, a preocupação volta a
ser com o Rio dos Sinos, com a saúde abalada
em função do nível de poluição. No entanto, o
Guaíba avança no sonho de tornar todas as suas
praias balneáveis, em um esforço bem-sucedido
de vários governos municipais e estaduais.
Os jornais noticiam que o crack ultrapassou a
cocaína na preferência dos viciados. Introduzida
no estado há uma década, a droga atua como um
motor na onda crescente de assassinatos. Além
disso, a maioria dos usuários sustenta o vício
com roubo e prostituição.
CULTURA | CLÁSSICOS
E NOVIDADES
A gestão da cultura no estado, a partir da
chegada de Germano Rigotto ao Palácio Piratini,
iniciaria uma fase de questionamentos quanto ao
fôlego da Secretaria Estadual da Cultura em dar
conta das necessidades do segmento, em razão
de um certo distanciamento dos gestores na
relação com a comunidade cultural – crítica essa
que, na verdade, ganharia proporções bem mais
dramáticas no governo seguinte, de Yeda Crusius,
tendo Mônica Leal à frente da secretaria. Sob o
comando de Roque Jacoby entre 2003 e 2006,
a Sedac enfrentou inclusive o desgaste de uma
acusação de fraude na gestão dos recursos da Lei
de Incentivo à Cultura – o secretário viria a ser
inocentado no início de 2010.
O problema na época é que havia um passivo
de R$ 14 milhões na Lei de Incentivo à Cultura
(LIC), recursos aprovados pelo Conselho
Estadual da Cultura, mas que não podiam ser
de fato repassados aos produtores culturais,
se houvesse a efetiva captação de patrocínio,
porque excedia o montante previsto pela
lei para a renúncia fiscal. Até que a situação
fosse resolvida, a LIC ficaria paralisada. Jacoby
justificou-se, afirmando que o montante maior
havia sido aprovado a partir da expectativa de
um aumento da verba disponível para renúncia
fiscal. “Se os produtores de fato captam
114
mais do que está disponibilizado, temos mais
condições de reivindicar esse aumento”, disse
na época Jacoby, acrescentando que em sua
gestão foi aprovada a Lei Bernardo de Souza,
que permite que empresas de porte menor
também descontem o valor investido do ICMS
quando do apoio a projetos culturais.
Conflitos e entraves burocráticos à parte, Porto
Alegre conferiu, logo no início de 2003, no
Santander Cultural, a impressionante mostra
“Picasso Gravador”, com nada menos que 95 das
130 obras pertencentes ao Museu Reina Sofia,
de Madri. Nesse mesmo ano, foi celebrado o
lançamento do livro Cartas, de Italo Moriconi,
apresentando a correspondência de Caio
Fernando Abreu com importantes nomes da
cultura gaúcha, como Luciano Alabarse, Adriana
Calcanhotto e Luiz Arthur Nunes, entre outros.
Em 2003, surgiu uma das mais importantes e
duradouras iniciativas na área do cinema (que
perdura até hoje), o CineEsquemaNovo, festival
capitaneado por Gustavo Spolidoro, evento anual
aberto a filmes de qualquer bitota e formato,
desde que tragam a marca da inovação e da
criatividade. E depois de cinco anos em produção,
finalmente chegou ao circuito comercial o filme
Concerto Campestre, de Henrique de Freitas Lima,
reunindo mais de 300 figurantes, efeitos especiais
e figurinos de época.
Outros cinco anos de trabalho árduo foram
concluídos com o lançamento da tradução de
Donald Schuller para o clássico Finnegans Wake,
romance-conceito de James Joyce. A obra foi
apresentada ao público durante a Bienal do Livro
do Rio de Janeiro. A capital carioca, a propósito,
celebrou a entrada de Moacyr Scliar para a
Academia Brasileira de Letras (ABL), depois de
70 livros de crônicas e ficção. A eleição de Scliar
como imortal da ABL ocorreu em 7 de julho.
O ano de 2003 marcou também o início das
obras do Complexo Multipalco do Theatro
São Pedro, ao mesmo tempo em que uma
retrospectiva de Carlos Vergara apresentou 70
obras do gaúcho de Santa Maria reconhecido
nacional e internacionalmente. Mesmo não sendo
gaúcha, a estreia nos palcos de Maria Rita, filha
de Elis Regina, foi um dos grandes momentos do
ano, em apresentações que comoveram a plateia
sul-rio-grandense. Em paralelo, os 20 anos de
carreira de Adriana Calcanhotto também foram
celebrados, com a intérprete e compositora
chegando a 2 milhões de cópias vendidas.
A 4ª Bienal do Mercosul teve a participação do
Brasil, da Argentina, da Bolívia, do Chile, do
Paraguai, do Uruguai e do México, este como país
convidado. A edição contou também com uma
exposição transnacional com artistas de vários
países, como Alemanha, Cuba e Estados Unidos.
Um total de 84 artistas de 16 países participou
da mostra, caracterizada como a edição que teve
a maior participação de não latino-americanos.
E com o privilégio de pela primeira vez ter sido
aberta por um presidente – Luiz Inácio Lula
da Silva esteve em Porto Alegre no dia 4 de
outubro –, a quarta edição da Bienal esmerouse no esforço de integração com a comunidade,
com ênfase na preparação dos mediadores e
supervisores para uma ampla difusão artística.
Com visitação gratuita, atraiu um público recorde,
de mais de 1 milhão de visitas, distribuídas em seus
vários espaços expositivos.
Sérgius Gonzaga chegou ao Instituto Estadual do
Livro, em 2003, onde permaneceu até 2004, e sua
gestão acabou sendo marcada pela interrupção na
circulação da revista cultural Vox, que havia sido
lançada em 2000, no governo anterior, de Olívio
Dutra. Na gestão de Sérgius, com periodicidade
trimestral, a publicação tinha na linha de frente
nomes como os de Luis Augusto Fischer, Voltaire
Schilling, Ana Gruszynski (responsável pelo
projeto gráfico e editoração) e edição de Luis
Augusto Bissón. Foram apenas seis edições.
No início de 2004, mais uma bem-sucedida
temporada dos espetáculos do Porto Verão
Alegre, iniciativa que nos anos seguintes
seguiria encontrando boa acolhida entre os
115
porto-alegrenses, em especial aqueles que
não se mudam de mala e cuia para o litoral,
no período de férias escolares de janeiro e
fevereiro. Clássicos como Bailei na Curva e
novidades como Rádio Esmeralda, dirigida
por Hique Gomes e tendo Simone Rasslan e
Adriana Marques como protagonistas, seriam
os maiores destaques da temporada. Adriana,
a propósito, faleceria prematuramente, em
2009, aos 43 anos, em razão de complicações
provocadas por uma hemorragia interna. E
Simone Rasslan viria a ser destaque no Prêmio
Açorianos de Música 2013, com quatro troféus
para o CD Xaxados e Perdidos.
Também nos palcos, destaque para a montagem
de Antígona, com direção de Luciano Alabarse,
que abriu uma temporada de muitas versões
de textos eruditos, e para a presença de Merce
Cunninhghan, que lotou o Teatro do Sesi com
as coreografias BIPERD e Sounddance. Já os
50 anos do Margs foram marcados por uma
homenagem a Ado Malagoli, seu primeiro
diretor, e que a partir de 1997 teria seu nome
incluído na designação oficial da instituição. E
em outro cinquentenário, o da Feira do Livro,
os amantes das letras puderam aproveitar a
expansão da área ocupada pelas barracas dos
livreiros, que passaram a ocupar também o
cais do porto da capital gaúcha, que a partir de
então concentraria a produção editorial para o
público infanto-juvenil.
No sempre ativo Santander Cultural, destaque
para a mostra “Olho vivo – A Arte da
Fotografia”, reunindo trabalhos de Henri CartierBresson e o acervo do Museu de Arte Moderna
(MAM) de São Paulo.
Março de 2005 ficou marcado pela abertura de
um novo espaço para a cultura em Porto Alegre.
O Studio Clio passou a ocupar um casarão do
início do século XX, na Cidade Baixa, oferecendo
programação de primeira linha, ora de caráter
mais erudito, ora com tom mais popular. No
Santander, outro artista espanhol arrebataria o
público: a mostra “Mirabolante Miró” trouxe à
capital 178 gravuras do mestre catalão,
Na 12ª edição do Porto Alegre Em Cena,
novamente com Luciano Alabarse na organização
(da qual havia se afastado em 2001), a capital
gaúcha seria impactada pelas exibições de Os Dias
Felizes, de Peter Brook, Enderstation Amerika,
de Frank Castorf, e com a presença de Norma
Aleandro na montagem La Señorita, além de ter
vibrado com a versão de Zé Celso Martinez para
Os Sertões. No interior do estado, palmas para
a restauração da casa que pertenceu a Simões
Lopes Neto, em Pelotas.
E em sua quinta edição, em 2005, a Bienal
do Mercosul caracterizou-se pela tarefa de
repensar o modelo em curso, levando em
consideração os parâmetros internacionais de
projetos curatoriais. A mostra reuniu um grande
número de obras inéditas, dando à exposição
um caráter de originalidade e ineditismo. O
tema central foi a multiplicidade das experiências
contemporâneas de espaço: desde o subjetivo,
construído pelo corpo e no corpo, passando pelo
espaço dominante, o urbano, até as novas noções
de espaço impostas pela cultura digital. Um dos
grandes destaques desta edição foi a mostra
do artista homenageado, o mineiro Amilcar de
Castro, um dos maiores nomes da escultura
brasileira da segunda metade do século XX.
Também nas artes plásticas, 2006 marcou a
publicação do “Catálogo Raisonné”, reunindo a
obra completa de Iberê Camargo, em publicação
editada pela Cosac-Naify, sob coordenação
de Monica Zielinsky e patrocínio da Gerdau
e Petrobras. O ano registrou a morte de
Henrique Fuhro, um dos mais importantes
artistas plásticos gaúchos, e viu aflorar o talento
de uma companhia surgida em Pelotas, em
2003: o Grupo Tholl encantou a plateia que
compareceu ao Theatro São Pedro, conferindo
suas coreografias e malabarismos, em seguida
exibidos também em Curitiba.
116
DEPOIMENTO: GERMANO RIGOTTO
Trajetória política.
Foi sempre no MDB/PMDB, mas o início aconteceu no movimento
estudantil e nos clubes sociais. Meu pai era meu maior incentivador.
Em 1976, com 27 anos, fui eleito vereador em Caxias do Sul pelo
MDB com o maior número de votos. Novato e sem estrutura
eleitoral, consegui conquistar o eleitor jovem e de outros setores
sendo visto como uma novidade na política. Em 1982, fui eleito
deputado estadual com quase 38 mil votos, assumindo a liderança
da oposição ao governo de Jair Soares. Mas sempre fui favorável a
uma oposição construtiva. Depois, fui reeleito com 55 mil votos,
segunda maior votação. Fiquei com a responsabilidade de liderar 27
deputados de 55, que eram situação no governo de Pedro Simon,
incluindo lideranças conhecidas, como José Antônio Daudt, Sérgio
Zambiasi, Ruy Carlos Ostermann e Ecléa Fernandes. Não foi fácil.
Enfrentamos uma greve dos professores de quase 100 dias, uma das
maiores da história do magistério. Foram dias muito difíceis, de
enorme pressão, mas de muito aprendizado.
Os anos de governo.
Assumi dizendo que governaria para todos, respeitando a oposição.
Meu governo foi caracterizado pelo diálogo com todos os segmentos.
A oposição foi dura, mas nunca desrespeitosa e nem raivosa. Sempre
que a oposição solicitava, conversávamos com os deputados, assim
como com as lideranças dos movimentos sociais. Lembro muito do
Frei Sérgio: quando acontecia uma invasão, ligava para ele e pedia
ajuda para resolver a questão, para evitar uma intervenção da Brigada
Militar. Um dos momentos mais difíceis ocorreu justamente quando
ruralistas e sem-terra entraram em confronto. Havia também uma
situação financeira duríssima. Quando assumi, não havia dinheiro no
caixa para pagar a folha e, além disso, tinha que pagar à União os
R$ 1,7 bilhão da dívida, perdendo a receita da Lei Kandir. Mas nunca
fui para a imprensa reclamar ou criticar, pois passado é passado.
“
Quando assumi, não havia dinheiro no caixa para pagar a
folha e, além disso, tinha que pagar à União os
R$ 1,7 bilhão da dívida. Mas nunca fui para a imprensa
reclamar ou criticar, pois passado é passado.
117
As safras que não ajudaram.
A safra de 2003 foi razoável, em 2004 caiu, em razão de uma
estiagem muito grande, e em 2005 ocorreu uma queda de 71% da
safra de soja e de mais de 60% da safra de milho. Em 2006, no
último ano de governo, vivíamos sob o efeito dessas duas estiagens,
com a descapitalização do produtor, não tendo ajuda federal e sem
condições de buscar financiamento em outros bancos, por causa do
endividamento. Ocorreu também perda de arrecadação. Mesmo
assim, mantive uma posição clara, de fortalecer o Banrisul sem
privatizá-lo e nem vendê-lo. Mas as dificuldades financeiras não
impediram que iniciássemos um processo de modernização da
gestão. O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado que criou a nota
fiscal eletrônica, o ICMS eletrônico, e foi iniciado o processo da
substituição tributária atingindo combustíveis, cigarros e bebidas,
que passou a ser para outros estados o “pão quente” da arrecadação,
pois não imaginavam que podiam arrecadar muito com isso.
Trouxemos o Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade
(PGQP) para dentro do estado, com o objetivo de modernizá-lo,
utilizando novas ferramentas de administração, pois o Rio Grande
do Sul não funcionava direito. Além disso, como a sociedade é mais
politizada, também cobra mais.
As políticas de atração de investimentos.
Nós dividimos o estado em duas partes, a Metade Sul e a Metade
Norte, aplicando políticas de desenvolvimento voltadas para essas
regiões. Quando assumi o governo, viajei para Estados Unidos
e Europa para apresentar o Rio Grande do Sul aos grandes
investidores, e no período de transição visitara a Espanha, para
sinalizar à empresa eólica que estava interessada em investir no estado
que o Rio Grande do Sul estava aberto a novos investimentos, e
está aí o Parque Eólico de Osório. Com a entrada da Aracruz, da
Votorantim e da Stora Enso, houve o início de investimentos no
reflorestamento. E no Polo Naval, em Rio Grande, houve a decisão
de construir as plataformas petrolíferas offshore. Fomos em busca dos
investidores, e, através do consórcio Quip, foram contratadas quatro
plataformas oceânicas, além da construção do Dique Seco pelo
consórcio liderado pela WTorre.
118
DEPOIMENTO: GERMANO RIGOTTO
Áreas de destaque do governo.
Na saúde, criamos o programa Primeira Infância Melhor (PIM),
destinado a dar todo o apoio necessário para crianças de 0 a 6
anos, do qual me orgulho muito e que foi copiado pelo Brasil
inteiro. Um programa inovador, complementado pela prevenção,
estendendo a atenção para as gestantes. Além de serem decisivos
para o desenvolvimento das faculdades mentais das crianças, os
cuidados também contribuíam para reduzir a mortalidade infantil.
Na educação, criamos o programa Escola Aberta, no qual as escolas
funcionavam nos finais de semana com atividades esportivas e
culturais para alunos e comunidade, principalmente em regiões em
que o índice de violência era maior. No meu governo, na avaliação
da Unesco, o Rio Grande do Sul foi classificado como o estado com
o melhor ensino público. Mas voltando aos investimentos: tenho
orgulho com o grande número de empresas que conseguimos atrair,
em quase todas as regiões, como foi o caso da região de Palmeira
das Missões com a chegada da Nestlé, a Italac em Passo Fundo
e a ampliação da CCGL, em Cruz Alta, caminhando com isso
para sermos a segunda maior bacia leiteira do Brasil. Para isso foi
importante a criação do Integrar RS, programa de incentivo fiscal
para aqueles que se instalassem em regiões menos desenvolvidas,
como era a região noroeste do estado. E valorizamos muito a
agricultura familiar, via RS Rural, programa que dava recursos
para famílias se desenvolverem comprando uma casa, aumentando
sua estrutura, beneficiando aproximadamente 160 mil famílias. E
tivemos ainda a vinda da Schincariol, em Igrejinha; a John Deere,
em Montenegro; os polos de pesquisa, como o da Braskem e da
Souza Cruz (gráfica, call center e centro de pesquisa); e a duplicação
da GM, que foi negociada para poder montar o Prisma em Gravataí.
O aumento da alíquota do ICMS.
Não tinha ideia de como a sociedade reagiria a um aumento de
tributação. Mesmo com toda a aceitação em todo o estado, pois
visitamos 360 municípios, criando a Interiorização, levando o
governo até a população, a reação contrária foi enorme. Só um
governador que tem credibilidade, que tem capacidade de diálogo,
consegue aprovar uma proposta como aquela na Assembleia. O
desgaste pessoal foi enorme, mas eu sabia que não se governa só para
ser simpático. Tive que tomar medidas como essa, desmentindo o
que muitos diziam, que “o Rigotto é confronto zero”.
119
Os momentos marcantes.
Terminei o governo com grande credibilidade, com um carinho
incrível, sem um processo no Ministério Público, sem ter tido uma
CPI na Assembleia Legislativa, sem nada que arranhasse a imagem
do governo. Dois momentos foram marcantes e emocionantes.
O primeiro foi a vitória. Olhar a multidão em frente ao comitê
de campanha, na Avenida Sertório lotada, toda aquela festa, foi
maravilhoso, vibrante e muito emocionante. Eu via uma população
com esperança, com uma expectativa nova. Uma coisa linda que
aconteceu. O segundo momento muito emocionante foi quando
perdi a reeleição (fica com a voz embargada). A saída foi triste,
no sentido de que sabia o que tinha feito, a forma como tinha
governado, o trabalho que tinha realizado, e aí perder uma eleição da
forma como eu perdi... Aquilo doeu muito, machucou muito.
O episódio com Paulo Feijó.
Ele foi meu maior opositor, quando estava na presidência da
Federasul. Até considerava uma pessoa amiga. Mas no segundo ano
de governo, fui convidado para a posse dele, na Leopoldina Juvenil.
Durante o pronunciamento, ele deu uma paulada impressionante
na frente de todo mundo, dizendo que tinha se arrependido de ter
votado em mim. Arrebentou com o Banrisul, disse que o estado
não contratava professores, policiais. A plateia escutava, assombrada
com a agressividade do discurso, e percebi que os olhares estavam
dirigidos a mim, mas fiquei frio. Quando fiz o meu pronunciamento,
não deixei pedra sobre pedra em relação ao discurso dele, que acabou
fazendo uma oposição muito maior do que o próprio PT fazia. Em
contrapartida, meus maiores defensores eram as pessoas que estavam
nas ruas.
Uma nova candidatura.
Não digo nem sim, nem não, mas é muito difícil eu ser candidato a
governador novamente.
Foto: Jefferson Bernardes
2007 YEDA CRUSIUS
2010
Foto: Jefferson Bernardes
Yeda Rorato Crusius nasceu em São Paulo no dia 26 de julho de 1944 e é
economista e política. Formou-se em Economia pela Universidade de São Paulo
(USP) e fez seus cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado pelo Instituto
de Estudos e Pesquisas Econômicas da USP, pelo Programa de Desenvolvimento
Econômico da Universidade do Colorado e na Universidade Vanderbilt, em
Nashville, Tennessee, nos Estados Unidos. Iniciou-se na carreira acadêmica ainda
em São Paulo e seguiu na área em Porto Alegre, para onde se mudou em 1970,
após se casar com o também economista Carlos Augusto Crusius. Tiveram
dois filhos, César e Tarsila, e têm quatro netos. Em Porto Alegre, Yeda lecionou
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde ocupou cargos
de chefia e coordenação, além de ter sido diretora da Faculdade de Ciências
Econômicas entre 1991 e 1992. Está aposentada pela universidade. Também na
área da educação, lecionou na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos),
atuando na área das ciências econômicas.
Entre janeiro e maio de 1993, durante o governo de Itamar Franco, ocupou o cargo
de ministra do Planejamento. Também foi deputada federal pelo Estado do Rio
Grande do Sul por três legislaturas: em 1994, em 1998 e em 2002 – período em que
fez duas tentativas frustradas para ser prefeita de Porto Alegre (em 1996 e em 2000).
Yeda Crusius foi candidata a governadora do Rio Grande do Sul em 2006,
concorrendo pela aliança Rio Grande Afirmativo (PSDB, PFL, PPS, PSC, PL, PAN,
PRTB, PHS, PTC, Prona e PTdoB). Teve um grupo de astros de primeira grandeza
da política gaúcha como adversários: o governador em exercício, Germano Rigotto,
que buscava a reeleição via União Pelo Rio Grande (PMDB, PTB, PMN); o exprefeito de Porto Alegre, ex-governador e ex-ministro das Cidades, Olívio Dutra,
da Frente Popular - A Força do Povo (PT, PCdoB); o ex- prefeito de Porto Alegre
e ex-governador Alceu Collares, do PDT; o ex-ministro da Agricultura Francisco
Turra, do PP; e outros cinco candidatos. Yeda venceu o primeiro turno, com Olívio
Dutra em segundo lugar. No segundo turno, ela obteve 53,94% dos votos, contra
49,06% de Olívio. Tornou-se, assim, a primeira mulher a governar o estado.
Atualmente, Yeda tem se dedicado ao tema da violência e é comentarista da
rádio BandNews.
124
AMBIENTE POLÍTICO | O FOGO CERRADO DE UMA OPOSIÇÃO
SISTEMÁTICA
O governo de Yeda Crusius, ao lado dos fatos positivos, enfrentou três dificuldades que se revelaram
letais para sua administração e decisivas no final de 2010, quando tentou concretizar seu desejo de
conseguir a reeleição: uma mulher assumiu o governo de um estado tido como o mais machista do País,
sendo uma pessoa de temperamento difícil, de um partido que não contava com quadros suficientes
para enfrentar a frente oposicionista; a aliança eleitoral de Yeda do primeiro turno, com 12 deputados,
era minoritária na Assembleia, e a aliança parlamentar majoritária construída para assegurar a
governabilidade mostrou-se frágil em momentos decisivos, além do fato de que o vice-governador, Paulo
Afonso Feijó, rompeu com a governadora e, com ele, três deputados do PFL na Assembleia; foi instalada
uma frente oposicionista poderosa, agressiva e que, embora não fosse majoritária, tinha por objetivo
retirar Yeda do Palácio Piratini antes do final do governo: PT, com 10 deputados; PDT, sete deputados;
PSB, dois deputados; PCdoB, um deputado; e, ainda, os três deputados do PFL, em um total de 23
deputados, que ainda contavam eventualmente com alguns parlamentares do PMDB, bancada com nove
parlamentares, e do PTB, com cinco deputados.
Dessa forma, nem bem Yeda havia formado a equipe de governo, foi montado um verdadeiro campo de
batalha. A primeira CPI já estava em atividade sete meses após sua posse. De um lado, ela irritou seus
opositores promovendo, quase simultaneamente, uma torrente de medidas e projetos que se estenderiam
por todas as áreas do seu governo e que, em muitos casos, foram combatidos e inviabilizados e/ou
representavam potencial ameaça eleitoral. Entre essas iniciativas, destacaram-se o corte inédito nas
despesas correntes, da ordem de 30%, já no primeiro ano de governo, e que foi mantido em 2008 e 2009;
a ideia de solicitar à Assembleia a prorrogação por mais dois anos das alíquotas do ICMS, aumentadas no
governo Rigotto, contrariando compromisso de campanha e provocando a ira de setores influentes da
sociedade; diante da perspectiva de uma grande safra de grãos, foi colocado com sucesso em execução
um plano logístico emergencial para possibilitar o escoamento da safra via Rio Grande e rodovias. Além
disso, Yeda decidiu que só aprovaria investimentos ou despesas que contassem com recursos previamente
assegurados; foi iniciado um programa de irrigação de grande porte e de longo prazo que previa a
construção de cinco barragens e de milhares de micros, pequenos e médios açudes; e foi anunciada a
pretensão de atrair grandes investimentos e de promover a ampliação das empresas locais, inclusive
projetos iniciados no governo anterior, como foram os casos da cadeia produtiva de base florestal, o polo
naval de Rio Grande e a ampliação na produção de frutas, carnes, laticínios e biocombustíveis.
O governo colocou em prática, ainda, ações com os seguintes objetivos: recuperar o sistema hidroviário,
com apoio técnico do governo holandês; fortalecer o sistema financeiro estadual com o cumprimento da
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); ampliar a matriz energética do Rio Grande do Sul, com a instalação
de sistema eólico, conforme planejado no governo anterior, e o gás natural; alterar o perfil da dívida
estadual; montar um sistema autônomo para a previdência pública no estado; promover a reforma do
ensino básico público, começando de baixo para cima, ou seja, pela alfabetização; aumentar os recursos
para investimento; aprovar um projeto que viabilizasse a duplicação ou ampliação de faixas de estradas
estaduais administradas pelo governo ou pelas concessionárias; e, ainda, enfrentar a necessidade de
construção de mais de cem acessos municipais.
Desde o primeiro dia de seu governo, Yeda Crusius enfrentou dificuldades pelo fato de ser a
primeira mulher a governar um estado dito machista. Seu temperamento difícil, combinado com
uma bancada minoritária, frente a uma oposição sistemática, que a partir de determinado momento
passou a incluir até mesmo seu vice, são fatores que dificultaram sobremaneira a concretização de
seu projeto de governo.
125
Também foram planejadas e/ou realizadas
numerosas ações na área social que, entre outras,
incluíam os esforços para ampliar os serviços
iniciados por Rigotto para gestantes e o Programa
Primeira Infância Melhor (PIM), além da redução
da taxa de mortalidade infantil para um número
inferior a dois dígitos. No seu período de governo,
as taxas de mortalidade infantil diminuíram
bastante, saindo dos 13,1 de 2006 (último ano do
governo anterior) para 12,8 em 2007 e em 2008, e
que voltaram a cair, para 11,9 em 2009, e 11,3 em
2010 (11,2, segundo a FEE).
adicional para centenas de agricultores familiares,
sem contar a influência positiva das florestas para
o meio ambiente. Ao mesmo tempo, a burocracia
literalmente trancou o plano de irrigação, que
até o final do governo poderia beneficiar mais de
700 mil hectares de terras localizadas exatamente
nas regiões mais vulneráveis às estiagens e,
também, em várias regiões onde são necessárias
igualmente obras de drenagem para impedir água
em excesso no inverno. Ainda assim, foram feitos
alguns milhares de microaçudes em benefício de
pequenas propriedades.
Como já é tradicional no Rio Grande do
Sul, a máquina burocrática influenciada pelas
corporações com forte espírito oposicionista,
juntamente com instituições da sociedade civil,
virtualmente impediu o avanço de alguns planos,
como foi o caso do programa de irrigação. Um
grande número de produtores rurais não desejava
investir nos equipamentos necessários.
A burocracia e a oposição, no entanto, não
conseguiram impedir o lançamento de ações
preferenciais do Banrisul (sem direito a voto)
e o empréstimo do Banco Mundial, ações que
fortaleceram o banco, melhoraram o perfil da
dívida do estado e deram início ao projeto de
implantação de uma previdência pública no Rio
Grande do Sul. O estado ficou dependente de
uma legislação que estabelecesse as maneiras de
funcionamento do pagamento complementar de
caráter optativo e os percentuais adequados de
contribuição dos funcionários e do governo, além
de fixar o limite de cobertura, pois atualmente os
funcionários aposentados têm assegurado o direito
de receber o total do rendimento que auferiam
quando trabalhavam, até o final de suas vidas.
Vale a pena detalhar melhor a derrota de algumas
propostas. A questão das alíquotas, por exemplo.
Embora antipática, a decisão por sua manutenção
manteria o nível da arrecadação, enquanto que
sua retirada, como ocorreu, determinou uma
perda superior a R$ 500 milhões. A governadora
também foi compelida a retirar a proposta da
chamada Duplica RS, que previa a extensão dos
prazos das concessões rodoviárias, em troca do
aumento de mais de 100% da quilometragem
de estradas duplicadas existentes, construção
de terceiras faixas nas áreas mais perigosas,
redução das tarifas, além da eliminação da
dívida do estado para com as concessionárias,
independente do valor.
No caso da cadeia de base florestal, a guerra foi
de tal porte que, receosas ou sem a obtenção
de autorizações necessárias, as empresas
responsáveis mantiveram em suspenso três
projetos que, somados, representariam
investimentos totais, diretos e indiretos, de quase
US$ 10 bilhões, além do plantio de mais de 200
mil hectares de florestas nativas perenes e renda
De outra parte, na área energética, também
foi possível a instalação do primeiro projeto de
energia eólica no estado, com o qual foi iniciado
um processo que até o final do governo de Tarso
Genro possibilitará a produção de pelo menos 1
mil MW de energia eólica e, ainda, a instalação de
uma indústria fabricante de geradores.
As adequações realizadas pelo governo estadual
no porto do Rio Grande, juntamente com as
iniciativas da Petrobras, viabilizaram não apenas
a modernização portuária, mas, também, a
construção do dique seco e a instalação de
empresas e estaleiros especializados na construção
oceânica que hoje empregam mais de 10 mil
pessoas no Rio Grande e arredores.
126
O estado consome anualmente cerca de 1,5 bilhão
de litros de etanol e 700 mil toneladas de açúcar
refinado. E importa praticamente tudo o que
consome. Para reverter essa situação, o governo
conseguiu que fosse realizado o mapeamento das
regiões que poderiam produzir cana-de-açúcar,
e também foi feito um trabalho rigoroso para a
seleção e cruzamentos das variedades de cana
cujas lavouras pudessem alcançar pelo menos
a produtividade de São Paulo. O resultado foi a
adaptação de variedades que poderão alcançar
essa meta. O plantio, no entanto, terá que ser
incluído nos planos de safra e será preciso que
empresas de porte, além das pequenas usinas
da agricultura familiar, instalem as usinas que
assegurem o consumo da cana. Na outra ponta,
será preciso que a Petrobras e as outras empresas
de combustíveis façam as compras. O Rio Grande
do Sul terá um grande consumidor cativo, via
Braskem, que precisa de mais de 800 milhões de
litros por ano de etanol para o seu plástico verde,
que também chegou ao estado no governo de
Yeda Crusius.
Educação e CPIs
A ideia de promover a reestruturação do ensino
básico, que inclui o ensino fundamental e o
médio, de baixo para cima, também não pôde
ser realizada na sua integralidade. O governo
conseguiu colocar em prática o aumento de
oito para nove anos (uma exigência legal), com o
ingresso de mais de 130 mil crianças de seis anos
no ensino fundamental, concentrando esforços
especiais na primeira série com a preparação
de alfabetizadores e a seleção dos três métodos
considerados como os melhores do País. Objetivo:
alfabetizar todas as crianças até o final da segunda
série, ou seja, sete anos, objetivo que está
sendo alcançado. O projeto, no entanto, incluía
mudanças nas demais séries do curso básico,
com o aumento no número de horas de aula de
quatro para cinco, mais utilização do computador
e ensino de outros idiomas. E, finalmente, estava
planejada também uma profunda reforma no curso
médio. Desses planos, só foram feitas as mudanças
no sistema de matrícula, com o consequente
desaparecimento dos alunos fantasmas, que eram
matriculados mas não frequentavam as aulas,
aumentando a taxa de abandono.
O governo de Yeda Crusius também foi sitiado
por Comissões Parlamentares de Inquérito
(CPIs). A primeira foi a CPI dos Polos de
Pedágios (de 30/5/2007 a 10/10/2007), que
investigou fatos relacionados às licitações,
contratos de concessões rodoviárias, suas
alterações e valores das tarifas. Teve como
presidente Gilmar Sossella (PDT) e como relator
Berfran Rosado (PPS).
No 13º mês de governo foi instalada a demolidora
CPI do Detran (de 7/2/2008 a 3/7/2008), de
enorme cobertura midiática. Tinha por finalidade
apurar fatos levantados pela operação Rodin, da
Polícia Federal, que indicavam desvio de recursos
no Departamento Estadual de Trânsito (Detran)
gaúcho. Investigou a contratação, com dispensa de
licitação, de fundações privadas; o beneficiamento
financeiro de servidores e dirigentes estaduais; o
alto valor cobrado para a realização dos exames
de habilitação; a contratação e o credenciamento
de empresas para execução dos serviços de
remoção, depósito e guarda de veículos. A
CPI sugeriu medidas para o aprimoramento
das ações de controle, a reformulação dos
quadros de carreira do Detran e a revisão de
todos os contratos da autarquia. A bancada do
PT elaborou voto em separado e encaminhou
representação ao Ministério Público Federal.
Essa representação originou investigações que
resultaram no pedido de abertura de processo
judicial contra a governadora e integrantes do alto
escalão do governo. A prisão do então diretor
e de um ex- diretor do Detran, assim como de
Antonio Dorneu Maciel, um dos principais líderes
políticos do PP, na época diretor da CEEE, agitou o
ambiente político. O presidente da CPI foi Fabiano
Pereira (PT), e o relator, Adilson Troca (PSDB). 127
Finalmente, os aliados de Yeda salientam que
a governadora não cultivava a tradição de
manter contatos constantes e informativos
com os parlamentares e seus partidos. E era
acusada de “soberba” pelas lideranças sindicais.
É preciso assinalar, também, que Yeda perdeu
alguns secretários exatamente em razão do mau
relacionamento e/ou mau desempenho do gestor.
Presidiram a Assembleia Legislativa no governo de
Yeda Crusius os deputados Fabiano Pereira, do PT;
Frederico Antunes (PP), Alceu Moreira (PMDB) e
Ivar Pavan (PT).
ECONOMIA | BONS MOTIVOS
PARA COMEMORAR , APESAR
DA CRISE
O desempenho da economia gaúcha durante a
administração de Yeda Crusius foi prejudicado
pela redução do nível de atividade da economia
regional nos anos de 2008 e 2009, como reflexo
da crise econômica internacional de 2007/2008.
Por isso, nos quatro anos de governo a economia
cresceu 16,5%, contra os 25% que eram a meta
daquela gestão. O Brasil, no mesmo período,
cresceu 15,6%, ou 0,9% a menos que o Rio
Grande do Sul. No caso do PIB per capita, o
Rio Grande do Sul, graças ao chamado “bônus
demográfico”, cresceu 14,5%, contra um
crescimento de 11,6% do Brasil, uma diferença de
2,9% nos quatro anos.
Algumas iniciativas do governo Germano Rigotto,
como o Profrutas e o aumento da produção de
carnes, alcançaram resultados interessantes no
governo de Yeda. Assim, a produção de maçãs
do Rio Grande do Sul, por exemplo, que era de
293.572 toneladas em 2001, alcançou em 2007
o volume de 438.556 toneladas, em 2008 subiu
para 528.353 toneladas, em 2009 passou para
574.756 e em 2010 teve pequeno decréscimo,
com 522.629. No conjunto da produção frutícola
nacional, em valor, no ano de 2010, a produção
gaúcha, segundo o IBGE, representou 16,5%, a
terceira produção do Brasil.
Os grãos
No governo Yeda Crusius, os produtores
gaúchos de grãos festejaram o bom volume das
chuvas e conseguiram manter estável a posição
do Rio Grande do Sul em relação à produção
nacional. No ano agrícola 2006/07 (incluindo
verão e inverno), safra plantada no governo
Rigotto e colhida nos primeiros meses de Yeda,
a produção de 21,3 milhões de toneladas foi igual
a 16,2% da produção nacional, de 131,8 milhões;
a área plantada foi de 7,2 milhões de hectares,
ou 15,6% da área de 46,2 milhões de hectares
ocupada pelas plantações de grãos no País; e a
produtividade, de 3.247 quilos por hectare, ficou
13,9% acima dos 2.851 quilos por hectare da
média nacional.
Os resultados foram ainda melhores na
safra 2010/2011, plantada no governo Yeda e
colhida no governo Tarso Genro. De fato, a
produção de grãos do Rio Grande do Sul bateu
seu recorde histórico, com 28,8 milhões de
toneladas, representando, no entanto, apenas
17,7% da produção brasileira, de 162,8 milhões
de toneladas.
No governo de Yeda Crusius, também foram
conseguidos alguns bons resultados na atração
de investimentos ou na ampliação de empresas
locais. No caso do porto do Rio Grande e
seu entorno, é preciso destacar inúmeros
melhoramentos que foram executados,
a começar pelas obras nos molhes e no
aprofundamento do calado, que passou para 20
metros, permitindo o atracamento de navios
de grande porte. Também foi realizada a ligação
elétrica com São José do Norte, viabilizando
No governo Yeda, foram melhorados os portos fluviais, assim como as hidrovias, a exemplo da
linha hidrográfica ligando Porto Alegre a Guaíba através dos modernos catamarãs. No sistema
de transporte, foram construídos dezenas de acessos asfaltados a municípios, recuperados mais
de 5 mil quilômetros de estradas estaduais e modernizados cinco aeroportos regionais.
os investimentos na extensão do porto do
Rio Grande naquela cidade. Foram ampliadas
as bases para a recepção de contêineres e o
terminal de barcaças, além de anunciados e
iniciados vários investimentos, desde o dique
seco até a instalação de estaleiros, em Rio
Grande e São José do Norte, e de indústrias
como a Metasa, e, ainda, o novo terminal do
grupo Bunge. Também foi iniciado o projeto
para a instalação de uma fábrica de cascos de
plataforma, que estará operando em 2020.
Foram melhorados os portos fluviais, assim
como as hidrovias, a exemplo da linha
Colheita.
Foto: Camila Domingues /
Palácio Piratini
hidrográfica ligando Porto Alegre a Guaíba
através dos modernos catamarãs. No sistema
de transporte, foram construídos dezenas de
acessos asfaltados a municípios, recuperados
mais de 5 mil quilômetros de estradas estaduais
e modernizados cinco aeroportos regionais.
Também foram avançadas as obras da RS-471,
a duplicação Rio Grande-Cassino, concluída a
Rota do Sol e equacionado o projeto da RS010, que ligará Sapiranga a Porto Alegre, além
de várias obras que foram fundamentais para
solucionar gargalos dramáticos, como na ligação
da FreeWay com Tramandaí e a Estrada do Mar,
no município de Osório.
129
Ainda na gestão Yeda, foi equacionado o
principal projeto de revitalização do centro de
Porto Alegre, no Cais Mauá, e foram instalados
os dois primeiros parques eólicos do Rio Grande
do Sul. Na área do agronegócio, o Rio Grande
do Sul manteve o programa de expansão leiteira
iniciado no governo de Germano Rigotto, e
que disputa com o Paraná a posição de segundo
maior produtor brasileiro, com 3,8 bilhões de
litros em 2011, 192,3% mais do que os 1,3 bilhão
de litros de 1990.
COTIDIANO | CONSUMO DE
CARNE CAI, MAS O DE CRACK
AUMENTA
Em meio a uma conjuntura complexa e cheia de
desafios, Yeda Crusius assumiu o governo do Rio
Grande do Sul na condição de primeira mulher
a alcançar o Palácio Piratini. Era uma época de
muitas transformações. Pouco antes de se iniciar
o governo de Yeda, havia sido sancionada, e
entraria mais tarde em vigor, a lei Maria da Penha,
que aumentaria o rigor nas punições contra
a agressão às mulheres. O microblog Twitter
dava seus primeiros passos, tornando-se uma
das redes sociais mais importantes do planeta.
Enquanto isso, os conflitos entre mulçumanos e
católicos já haviam se acalmado, depois de algumas
declarações desastrosas do papa Bento XVI. Os
cientistas da Nasa comemoravam a descoberta
de água em Marte, ao mesmo tempo em que
o Internacional ainda festejava a conquista do
Mundial Fifa, disputado no Japão, em dezembro
de 2006, depois do 1 a 0 sobre o implacável e até
então imbatível Barcelona.
No âmbito estadual, o governo definia a criação
dos fundos de previdência e construía açudes
para se defender da seca. O estado, em razão
de suas dimensões geográficas, ainda esperaria
por mais irrigação. No plano federal, o governo
Lula lançava as bolsas e os programas sociais,
sem contar as linhas de crédito consignado para
aposentados e trabalhadores de baixa renda, o
que movimentou a economia e o consumo.
Na área de tecnologia, emissoras e
retransmissoras de televisão negociam com
o BNDES a implantação do sistema digital. A
geração de postos de trabalho bate recorde no
País, e a Rio Fashion Week encanta. As redes
de varejo começam a vender produtos pela
internet, o que altera significativamente o hábito
ao menos de uma parcela de consumidores, que,
aos poucos, aderem mais e mais a esta nova
modalidade de compra, mais rápida e moderna.
A Nestlé investe no estado. Enquanto isso,
a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)
contabiliza 68 agressões a profissionais de
imprensa em apenas um ano.
O governo do estado tem dificuldades para o
pagamento do funcionalismo. O Banco Mundial,
de outra parte, confirma o empréstimo de 1
bilhão de dólares, a fim de aliviar a dívida do
Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo, o IBGE
revela que os pequenos municípios de até 10 mil
habitantes lideram o crescimento nos últimos
10 anos. Oscar Niemeyer, criador de Brasília e
de outros tantos monumentos arquitetônicos,
completa um século de vida e talento. Os bons
resultados dos produtores rurais brasileiros
estimulam o investimento em tecnologia e
mecanização. É o Brasil celeiro do mundo. O Rio
Grande do Sul lidera a produção de combustíveis
ecológicos, o chamado biodiesel, com quatro
grandes usinas instaladas. Enquanto isso, o fim
da CMPF é confirmado, e a brasileira Natália
Guimarães fica em segundo lugar no concurso
Miss Universo.
Julho de 2007 entraria para a história como
mês da maior tragédia da aviação brasileira. O
acidente com o voo 3054 da TAM, que seguia
de Porto Alegre para São Paulo, no final da
tarde, deixou muitas famílias gaúchas enlutadas.
O aparelho ultrapassou o fim da pista do
Aeroporto de Congonhas durante o pouso,
130
vindo a chocar-se contra um depósito de cargas
da própria TAM situado nas proximidades,
no lado oposto da avenida Washington Luís.
Estavam no equipamento 187 pessoas; não houve
sobreviventes. Houve ainda outras 12 mortes no
solo. Entre as dezenas de perdas para os gaúchos,
o deputado federal Julio Redecker (PSDB), o
ex-presidente do Internacional, Paulo Rogério
Amoretty, e o diretor regional do SBT, João
Roberto Brito.
Tanto no âmbito interno quanto externo, o
cenário é de mudanças. A crise do Complexo
Hospitalar da Ulbra ameaça a saúde no RS. O
Inter é o primeiro time brasileiro a sagrar-se
campeão da Copa Sul-americana, enquanto os
catarinenses, nossos vizinhos, estão às voltas
com a calamidade acarretada pelas cheias no
Vale do Itajaí. Os gaúchos mobilizam-se na
ajuda solidária. No extremo sul do continente
americano, uma missão científica comandada pela
UFRGS, a primeira financiada inteiramente no
Brasil, faz sucesso. E o governo Lula atinge 70%
de aprovação.
Em Porto Alegre, o líder da classe médica
Marco Antonio Becker é assassinado a tiros no
bairro Floresta, em um crime com contornos de
mistério até hoje. Conforme o IBGE, brasileiros
casam mais e têm mais filhos. O número de
flanelinhas nas ruas da capital também só faz
aumentar. Mesmo com a estiagem, a safra
2007/08 supera a anterior. A empresa Randon,
de Caxias do Sul, consegue a marca de exportar
para mais de 100 países. Para tentar fazer
frente à crise mundial que se avizinha, Lula lança
uma série de medidas para diminuir impostos,
estimulando o consumo e o crédito.
No futebol, paixão maior dos brasileiros, ao lado
do carnaval, a notícia é a contratação de Ronaldo
Fenômeno pelo Corinthians, clube com a segunda
maior torcida do País. Enquanto o governo
federal adota medidas de estímulo à aquisição da
casa própria, por aqui o Rio Grande do Sul capta
mais investimentos para usinas de gás e carvão,
com projetos para localização no sul do estado.
Mas os Estados Unidos estão no auge da crise
imobiliária, das financeiras e das montadoras. A
GM entra em colapso, e conta com a ajuda do
governo para sobreviver. O Rio Grande cria,
por prevenção, o gabinete da gripe suína, a fim
de manter a moléstia fora de nosso território.
O consumo de crack continua crescendo,
e o estado declara guerra à droga, com o
engajamento da sociedade. Guerra, mais uma vez,
perdida. O IBGE revela a formação deficiente dos
professores no País. Mas o ensino superior aqui
no RS evolui: quatro em cada 10 universidades
gaúchas melhoram a posição no ranking nacional.
No plano mundial, a preocupação agora é com
a Coreia do Norte e seus testes nucleares. Na
inauguração de uma ponte, em São Valentim,
no interior do estado, o palanque cede, e a
governadora cai. A prefeitura de Porto Alegre
assina contrato com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) para despoluir o Guaíba.
No plano do comportamento, uma pérola:
pesquisa aponta que os motoristas se acham
bons e culpam os outros por tudo de ruim
que acontece nas ruas: eles reconhecem
problemas no trânsito, propõem soluções,
mas são incapazes de admitir suas próprias
responsabilidades. O estado recebe mais
investimentos no setor de energia eólica. As
fábricas de semicondutores e de alta tecnologia
começam a chegar ao Rio Grande, com destaque
para a cooperação entre universidade e iniciativa
privada, tanto em Porto Alegre quanto no Vale
do Rio dos Sinos.
Na área ambiental, na conferência climática
da ONU, em Copenhague, o alerta para o
aquecimento global. A atriz gaúcha Leila Lopez
é encontrada morta em um apartamento da
capital paulista. Na economia, a maior rede de
varejo brasileira, a Casas Bahia, vai embora dos
pagos, após cinco anos de atuação por aqui. A
explicação para a despedida foi a incapacidade de
se adaptar ao nosso jeito e modo de consumo.
131
A Copa do Mundo da África do Sul tem Dunga
à frente da Seleção Brasileira, mas o título não
vem. Quem se destaca, na arbitragem, é o gaúcho
Carlos Eugênio Simon. Fruto do acerto de
sucessivas administrações, o município de Canoas
cresce e se desenvolve. Na área da segurança,
começa a utilização de tornozeleiras eletrônicas
para monitoramento dos apenados. Morre José
Saramago, o extraordinário escritor português
que marcou presença no Fórum Social Mundial,
em Porto Alegre, e ganhou o prêmio Nobel.
Cresce a pressão da sociedade por concursos
públicos que eliminem o risco de fraude. É o país
reclamando por isonomia e igualdade.
O centro da discussão política brasileira passa
a ser a briga pelos royalties do pré-sal e os
percentuais a serem destinados à saúde e à
educação. Também de Brasília vem a notícia
de que o governo federal pretende retomar as
estradas pedagiadas do RS. Enquanto isso, em
2010 o Rio Grande do Sul cresce a ritmo chinês,
ultrapassando o problema da seca, que prejudicara
a economia no ano anterior. Pegando carona
no crescimento, o Polo Naval muda o mapa
econômico do estado: o município de Rio Grande
já é o nosso quarto maior PIB gaúcho, atrás apenas
de Porto Alegre, Canoas e Caxias do Sul.
Mudanças nos hábitos alimentares: pesquisa do
IBGE diz que as verduras vêm ganhando espaço
na mesa dos gaúchos. Não por acaso, o consumo
de carne diminui. Mas a preocupação com o
excessivo consumo de açúcar e de gorduras
entre os sul-rio-grandenses se mantém. E cai
o consumo de arroz e feijão, o que é ruim. Na
conjuntura econômica e social, as notícias sobre
emprego são boas: o desemprego é o menor
no País desde 2002, o que altera, inclusive, as
relações de trabalho, com a maior autonomia dos
profissionais contratados, que agora possuem
voz mais ativa e poder de barganha. No futebol,
o Grêmio negocia a volta de Ronaldinho Gaúcho
da Europa, mas se dá mal. O que era para ser
uma fantástica jogada de marketing acaba se
transformando em um tiro que saiu pela culatra
com a decisão do ex-jogador de, em sua volta
para o Brasil, ir jogar no Flamengo, e não no
clube que o lançou. Ronaldinho contrariava,
na última hora, as garantias dadas por vários
jornalistas gaúchos de que a volta aos pagos
era certa. Até caixas de som chegaram a
ser instaladas no Estádio Olímpico para uma
recepção que não chegou a acontecer.
No setor dos transportes, antiga reivindicação
é atendida: a autorização para a implantação da
hidrovia Porto Alegre-Guaíba, via catamarã (o
projeto se concretizaria pouco tempo depois). O
sucesso seria muito maior do que o esperado, e
novos projetos nessa área entrariam em curso.
Entre as perdas, a morte do ilustre advogado
criminalista Lia Pires.
Na política, Lula se despede da Presidência e
Dilma prova a roupa da posse em atelier do bairro
Moinhos de Vento. A moda no círculo presidencial
passa a ter inspiração de Porto Alegre. São as
tendências gaúchas novamente a influenciar o
Brasil, dessa vez não com uma presidente nascida
na terra, mas que fez sua vida política por aqui. O
novo governador, Tarso Genro, ficaria satisfeito
com o alinhamento ideológico e político entre o
estado e Brasília, mas os problemas e desafios que
estariam por ser superados no seu governo seriam
enormes. Alguns restariam resolvidos, outros
teriam que esperar.
CULTURA | O FRONTEIRAS
E A FUNDAÇÃO IBÊRE
CAMARGO
A gestão da cultura no governo Yeda Crusius foi
sem dúvida a mais polêmica desde que as eleições
diretas para governador foram retomadas no
Rio Grande do Sul, nos anos 1980. Já em seu
primeiro ano no Palácio Piratini, a governadora
cogitou da possibilidade de extinguir a Sedac e
integrá-la à Secretaria de Turismo, o que acabou
não se confirmando. A indicação de Mônica Leal
132
como titular da pasta, entretanto, gerou uma
das maiores resistências da categoria que se
tem notícia em tempos recentes. Mônica não
tinha nenhuma relação formal com o segmento
cultural, tampouco qualquer experiência prévia
nessa área. E quando investida no cargo, não
conseguiu estabelecer um diálogo com a cena
cultural gaúcha, que há algum tempo já padecia
de certa letargia.
Mônica chegou a depor no processo movido
contra o secretário da gestão anterior,
Roque Jacoby, em razão do fato de terem
sido aprovados na LIC valores superiores
aos autorizados no orçamento do estado. A
acusação de fraude não se confirmou, Jacoby foi
inocentado, mas a secretaria seguiu quase que
inoperante. A secretária acabou se desligando
da Sedac no mês de março de 2010, para
concorrer a deputada estadual em outubro
daquele ano. Deixou poucas realizações, sempre
sob a alegação de que seu principal papel tinha
sido o de colocar “a casa em ordem”, inclusive
encaminhando o projeto de lei que pretendia
modificar todo o sistema LIC, implementando o
Fundo de Apoio à Cultura.
Questionamentos à Sedac à parte, Porto Alegre e
o Rio Grande do Sul, como um todo, celebraram
a consolidação de uma iniciativa que adotaria,
a partir de 2007, o nome de Fronteiras do
Pensamento. Desde então, através de uma série
anual de conferências, o Fronteiras abre espaço
para o debate sobre a identidade do século XXI,
apresentando pensadores, cientistas e líderes
nacionais e estrangeiros, que estão, cada um a
seu modo, na vanguarda nas mais diversas áreas
de pesquisa e pensamento. A iniciativa teve seu
embrião ainda em 2005, batizada com o nome
4xBrasil, e prosseguiu em 2006, com os projetos
Metamorfoses da Cultura Contemporânea e
Brasil Contemporâneo. O projeto tem como
consultor acadêmico o professor Donaldo
Schüler, como curador, Fernando Schüler, e é
coordenado por Pedro Longui.
Fundação Iberê Camargo.
Foto: Elvira Tomazoni Fortuna
134
YEDA CRUSIUS
A 6ª Bienal do Mercosul, que aconteceu de
setembro a novembro de 2007, marcou o início
de uma nova etapa, com a adoção de um modelo
curatorial que intensificou a internacionalização
da mostra e aplicou um cuidadoso programa
pedagógico ao longo de toda a sua realização.
As atividades do Projeto Pedagógico iniciaramse ainda em abril de 2007, com a realização do
primeiro Simpósio em Arte Educação e com o
início da distribuição do material pedagógico
para bibliotecas e professores das redes públicas
e privadas do Rio Grande do Sul. A partir desse
material foi realizada uma série de ações que
consideraram o envolvimento de professores das
redes pública e privada de ensino. A 6ª Bienal recebeu mais de 500 mil visitas
durante os 79 dias em que esteve aberta ao
público. Mais de 160 mil estudantes vindos
de 172 cidades foram atendidos através do
agendamento para visitas guiadas. O Projeto
Pedagógico realizou 55 encontros de formação
de professores em 42 cidades do Rio Grande do
Sul e quatro cidades de Santa Catarina. Nesses
encontros, foram formados 7.570 professores e
educadores oriundos de 348 municípios. No cinema, destaque em 2007 para o lançamento
de mais um filme de Jorge Furtado, o longa
Saneamento Básico – O Filme. No 14º Porto Alegre
em Cena, o Theatre Du Soleil se destacou com
o espetáculo Les Éphémeres, com 37 atores, dos
sete aos 77 anos, interpretando 50 episódios do
cotidiano, incluindo a preparação de uma refeição
completa.
Em junho, Porto Alegre teve o privilégio de ganhar
o primeiro teatro de shopping do País, o Bourbon
Country, iniciativa do Grupo Zaffari e da Opus
Promoções, agora comandada por Carlos Konrath.
E em maio de 2008 novamente a capital gaúcha
seria manchete internacional quando da inauguração
do prédio da Fundação Iberê Camargo, construção
projetada pelo renomado arquiteto português
Álvaro Siza e que consumiu cinco anos de trabalho,
com investimento de R$ 40 milhões. Menos
imponente, mas ainda assim uma contribuição
importante para a cultura gaúcha, foi inaugurado em
agosto o Teatro do CIEE, com acomodações para
apenas 418 pessoas na plateia, mas infraestrutura e
bastidores à beira da perfeição.
O sesquicentenário do Theatro São Pedro
(inaugurado em junho de 1858) foi comemorado
com festa e lançamento de um livro com a
história da mais conhecida casa de espetáculos da
capital e uma das mais tradicionais do País. Ainda
em 2008, o grupo de teatro Ói Nóis Aqui Traveiz
montou a peça O Amargo Santo da Purificação,
encenação sobre a vida do guerrilheiro Carlos
Mariguella, que foi considerada a melhor do
ano em Porto Alegre, incluindo os espetáculos
internacionais, de acordo com o jornalista
e crítico teatral Hélio Barcellos Jr. E Pelotas
comemorou o apoio da Votorantim na
recuperação da Biblioteca Pública da cidade, com
cerca de 200 mil volumes e inaugurada em 1875.
Em 2009, ano em que Nei Lisboa comemorou
seus 50 anos, um dos principais eventos culturais
foi a mostra “Arte na França – 1860 a 1960”,
que apresentou no Margs mais de 100 obras de
autores renomados, como Courbet, Monet, Van
Gogh, Degas, Renoir, entre outros.
Já a sétima edição da Bienal do Mercosul teve
como diferencial um projeto escolhido através de
um concurso público internacional e que colocou
artistas para ocupar o papel de curadores. Eles
desenvolveram o projeto das exibições e o projeto
pedagógico, conceituaram e coordenaram o projeto
editorial, as publicações, a imagem e a comunicação
da Bienal como um todo. Participaram da edição
338 artistas de 29 países, como Alemanha,
Argentina, Bélgica, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha,
EUA, França, México, Suíça, Reino Unido, Uruguai
e Venezuela. Cerca de 60% das obras foram
produzidas especialmente para a Bienal.
135
DEPOIMENTO: YEDA CRUSIUS
A escolha como candidata.
Na época, o estado estava sem dinheiro para pagar a folha de
pagamento, era uma situação inviável. E em função do que estava
acontecendo em Brasília, com o Lula dando continuidade ao plano
de governo de Fernando Henrique, achávamos que estava na hora
de fazer isso, então, pelo Rio Grande do Sul. E na hora da definição
das candidaturas, reforcei que estava na hora de preparar o PSDB
para isso, que chegava de ser vice, como aconteceu com João
Gilberto no governo Alceu Collares e com Antônio Hohlfeldt no
governo Germano Rigotto. Era preciso buscar a confiança através
do voto, e assim comandar o processo de recuperação do estado,
já que o partido tinha uma grande experiência com a implantação
do Real e estava fazendo um trabalho brilhante em São Paulo,
com o governador Mário Covas. Em razão desse trabalho, fui
escolhida presidente do partido no estado e acelerei as mudanças
no PSDB. Foram deste período a “Caravana 45”, que foi a vários
pontos do estado onde se discutia a política no Rio Grande do Sul,
e a apresentação da técnica do planejamento estratégico. “A vida é
risco, e o risco de ser governadora do Rio Grande do Sul com um
projeto desse tipo, ilustra a honra”, afirmei ao aceitar ser a candidata
pelo PSDB. Sugeri que a coligação fosse a mesma que o Fernando
Henrique teve em 1994, com PFL e PPS. Mesmo considerados
partidos pequenos no estado, foram eles que conquistaram o Brasil,
pelo projeto, pelo entusiasmo. Toparam a parceria um PPS de amigos
e um PFL que eu pensava que era de amigos.
A escolha do vice.
Foi o momento mais pesado de minha vida, como política. As
pessoas não perceberam no momento, mas foi na definição do
vice que o PFL deu a facada pelas costas na minha candidatura e,
principalmente, no futuro governo. E eles fizeram iso jogando o
Paulo Feijó no meu colo como se dissessem “toma que o filho é teu”.
Também enfrentei problemas inesperados durante a campanha,
como os que determinaram a dispensa do Chico Santa Rita, nosso
marqueteiro. Ele simplesmente não acreditava na mulher, nas ideias
da mulher. Mas, apesar de tudo isso, nossos percentuais subiram, e a
confiança dos eleitores aumentou, pois viram que eu seguia tocando
o barco. Se era assim, é porque teria condições de governar o estado.
136
DEPOIMENTO: YEDA CRUSIUS
Os principais nomes.
O governo foi, na verdade, um governo em duas etapas, com equipes
diferentes. Na primeira metade, quando as questões estruturais e
de gestão foram sendo completadas, havia o Grupo Zero (grupo
formulador desde 2005, com o planejamento estratégico conduzido
dentro do PSDB/RS: Fernando Schüler, Carlos Crusius, Daniel
Andrade, Aod Cunha) e os que eu trouxe da experiência tucana
de Brasília: Ariosto Culau (Planejamento), Paulo Fona (porta-voz)
e Tania Fona (agenda). Busquei pluripartidariamente especialistas
de políticas públicas específicas, com larga experiência política, em
áreas como irrigação (Rogerio Porto), saúde (Osmar Terra), educação
(Mariza Abreu), agricultura (João Carlos Machado), segurança
pública (Mendes Ribeiro), desenvolvimento (Nelson Proença).
Quadros da mais alta qualidade pessoal e profissional, além de
vivência política, como para a Casa Civil (deputado Záchia) e militar
com defesa civil. Já na segunda metade ocorreu aquele estrago no
Detran que todos acompanharam. E muitos de nós resistimos.
As principais conquistas do governo.
A principal foi conquistar a autonomia do estado dentro de
um quadro federativo perverso e de uma oposição destrutiva.
Também conquistamos a confiança de todos os atores nacionais e
internacionais de importância, pois conduzimos democraticamente
o estado até cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, que abre
todas as portas para contratos nacionais e internacionais respeitados.
Isso significou investir com recursos próprios e com parcerias
relevantes com o setor privado, nas políticas econômicas e sociais. O
governo pagou as contas, as novas e as antigas, e desenhou políticas
públicas claras, com metas e objetivos transparentes, avaliados
permanentemente. E conquistou o déficit zero em dezembro de
2008, um ano antes do previsto, graças a transformações estruturais
profundas, como o lançamento de ações preferenciais (IPO) do
Banrisul, em 2007, o contrato de reestruturação da dívida com o
Bird, em 2008, e várias leis aprovadas pela Assembleia em diversos
campos. E cresceu, cresceu muito no PIB estadual. E também foram
melhorados os indicadores sociais relevantes, como a redução da taxa
de mortalidade infantil, dee 13,2 em 2006 para 10,1 em 2010.
137
Situação financeira do estado.
Quando assumimos, não era possível pagar sequer a folha de
salários, e quando saímos deixamos repletos os cofres públicos, mais
a capacidade de financiamento através de empréstimos novos, pois
cumpríamos a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Por que ser governadora.
Na política, nenhum cargo eletivo é mais honroso que este,
associado ao servir ao meu estado como política e cidadã. Além
disso, contávamos com experiência pessoal, apoio político e a
confiança do eleitor para aplicar o plano de governo que formulamos
em 2006 e depois aplicamos. Sabíamos que era possível mudar a
situação de baixa autoestima e incapacidade de pagar as próprias
contas, melhorando o desenvolvimento do estado, construindo bases
estruturais de longo prazo para isso.
O maior defensor.
A democracia. No campo da política cotidiana, tivemos em nossa
defesa um conjunto de pessoas independentes, corajosas e livres,
que resistiram comigo, emitindo a opinião, agindo, denunciando.
Resistimos, e pudemos fazer isso graças à liberdade democrática que
conquistamos ao longo dos últimos 25 anos, e da coragem para fazer.
Tivemos o apoio de organizações e instituições livres, que não se
deixaram intimidar pelo incessante e maciço ataque com interesses
políticos. Assim, ficou apenas o custo pessoal.
Momentos mais difíceis.
Sem dúvida, foram dois: o brutal ataque à minha casa e à minha
família e a apresentação daquele jogral dos seis procuradores do
Ministério Público Federal, logo após, pedindo minha destituição
do cargo em entrevista coletiva. Esses dois acontecimentos contaram
com a covarde proteção de núcleos profissionais sediados dentro de
instituições públicas e pela sedenta cobertura de manada da mídia,
salvo exceções raras, como sempre, no processo iniciado em 2007.
Quero ressaltar que o apoio da Assembleia Legislativa, cumprindo
seu papel de defesa democrática e da verdade, foi fundamental para
barrar o processo estilo “news of the world” naquele fatídico 2009.
Foto: Jefferson Bernardes
TARSO
GENRO
2011
2014
Foto: Jefferson Bernardes
Tarso Fernando Herz Genro, nascido em 6 de março de 1947, tem 66 anos, é
advogado e ganhou o governo estadual em sua terceira tentativa. Foi vereador
em Santa Maria pelo MDB. E no PT foi eleito deputado federal constituinte em
1986. Três anos depois, foi eleito vice-prefeito de Porto Alegre, na gestão de
Olívio Dutra. O petista também foi prefeito da capital gaúcha em dois mandatos:
entre 1993 e 1996 e entre 2001 e 2002. Na gestão do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, ocupou posições de alta relevância, tendo sido ministro coordenador
do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), cuja criação
ele sugeriu e que constitui instância de consulta do presidente da República; e
foi ministro da Educação, ministro da Secretaria de Relações Institucionais e,
finalmente, ministro da Justiça – cargo que ele deixou no início do ano de 2010
para concorrer ao governo do Rio Grande do Sul. Tarso não recusa tarefas
espinhosas: em 2005, substituiu José Genoino na Presidência nacional do PT,
impedindo que o partido fosse inoculado pelo escândalo do mensalão.
A vitória de Tarso Genro (PT), da aliança Unidade Popular pelo Rio Grande (PT,
PR, PSB e PCdoB), para o governo do Estado do Rio Grande do Sul, em 2010, foi
arrasadora. Tarso obteve 54,35% dos votos (3.416.450) e dispensou o segundo
turno. Desde a Constituição de 1988, pela primeira vez um candidato conseguia
tal proeza no Rio Grande do Sul.
A disputa para a sucessão de Yeda Crusius foi o que se pode denominar de bem
diferente. Ocorre que o pretendente à reeleição, que normalmente aparece
como favorito, no caso uma candidata, a governadora Yeda (PSDB), da coligação
Confirma Rio Grande (PSDB, PPS, PP, PSC, PRB, PHS, PTdoB e PSL), ingressou
no processo eleitoral, como mostravam as pesquisas, fragilizada após quatro
anos de contundente confronto com a organizada e sistemática oposição liderada
pelo PT. Dessa forma, a eleição ficou limitada à competição da aliança de Tarso
com o ex-senador José Fogaça (PMDB), da coligação Juntos pelo Rio Grande
(PMDB, PDT, PTN, PSDC), que renunciou ao cargo de prefeito de Porto Alegre
para disputar o governo do estado. Fogaça pagou preço alto por ter deixado o
cargo em meio de mandato e ficou com apenas 24,74% dos votos válidos, seguido
de Yeda Crusius, com 18,4%.
142
AMBIENTE POLÍTICO | UM GOVERNO DE MUITAS
EXPECTATIVAS
Leitor fanático e respeitado estudioso de temas filosóficos e sociais, além de articulista competente, Tarso
Genro trouxe para o governo do Rio Grande do Sul o conhecimento que acumulou em Brasília. Inclusive,
a postura pluralista e democrática de Lula, que envolve necessariamente a assimilação de ideias que já
estiveram no índex da esquerda e que hoje são reconhecidas como eficientes para facilitar o desenvolvimento
econômico e social sustentável com equidade. Tarso chegou ao governo entusiasmado com a ideia de vencer
a velha tendência de polarização exacerbada, trocando-a pela convivência reciprocamente respeitosa com
a oposição, acompanhada de amplo diálogo e procura da concertação, termo que preza e que não é outra
coisa senão procurar obter consensos, mesmo que parciais, sobre temas de importância para a sociedade.
Isso é feito com sucesso nas Câmaras Temáticas do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do
Rio Grande do Sul (CDES-RS), ocupado por amplos setores da sociedade. O chamado “Conselhão” deu
importantes contribuições para propostas apresentadas pelo governo.
Tarso Genro foi alçado ao governo do estado em um clima de grande expectativa. Ministro do governo
Lula e ex-prefeito de Porto Alegre, administração que alcançou prestígio inclusive no exterior, Tarso foi
eleito no primeiro turno, desbancando as alianças e os demais candidatos que contra ele se opuseram.
Há muito tempo não se tinha no Rio Grande do Sul um alinhamento tão direto do governo local com o
federal, o que, em princípio, facilitaria a captação de investimentos e a consecução de antigos projetos,
como a ponte do Guaíba, o metrô, obras de infraestrutura, a revitalização de estradas e a vinda de
fábricas para o estado. Algumas dessas iniciativas estão em curso.
Problemas cruciais, como a saúde e a educação, ainda não foram resolvidos. O projeto de canalização da
rede de esgoto, desenvolvido pela Corsan, está acontecendo. As melhorias para a Copa do Mundo, algumas
com participação direta do estado, outras de forma indireta, ainda vão a passos lentos. Aproveitando o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e tentando captar recursos dos organismos internacionais,
Tarso Genro vai levando seu governo, em um estado com 497 municípios e muitos desafios.
Diante das dificuldades, a maior parte delas oriunda da falta de dinheiro, ele chegou a classificar o seu
próprio governo como nota 6. Mesmo assim, o governador se encontra bem cotado nas intenções de voto
para o próximo período, dividindo com a senadora Ana Amélia Lemos (PP) a preferência dos eleitores.
Tarso assumiu com muito discurso e algumas inovações, dentre elas a instalação, no Palácio Piratini, de
um escritório para orientar os prefeitos do interior na realização de projetos e captação de recursos.
Mas as limitações do estado e a própria conjuntura interna e externa não favoreceram muito as
coisas. A começar pelas safras e o agronegócio, que só apresentariam uma perspectiva plenamente
favorável em 2013. De lá para cá, muitas coisas aconteceram. Inclusive, a exemplo de outros governos,
enfrentamentos com os professores, desta vez porque o governador não quis pagar o piso nacional.
O governo Tarso Genro tem sofrido com resistências ideológicas, como a de proteção aos interesses
privados de corporações. Essas pedras no caminho movimentam-se com eficiência e resultam em grande
número de situações que não beneficiam o Rio Grande do Sul, como são os atrasos de soluções nas
áreas da previdência pública, rodovias, educação, saneamento básico, transporte hidroviário e aeroviário,
irrigação e até em segurança pública e entretenimento, como no caso do cais do porto de Porto Alegre.
143
Mesmo em setores que podem ser considerados
cruciais, o governo enfrenta uma máquina pública
que não responde com eficiência. É o caso da
taxa de mortalidade infantil. Em 2010 o Rio
Grande do Sul registrou o índice de 11,2 óbitos
por mil crianças de até um ano, longe da meta,
que era de 10,2. Em 2011, quando se esperava
que o Rio Grande do Sul chegasse muito próximo
de um dígito, o resultado foi decepcionante, já
que a taxa aumentou para 11,4. Sobre 2012, o
governo estadual ainda não forneceu o índice.
Essas dificuldades não impedem que um homem
com a experiência política do governador Tarso
Genro consiga, nos próximos meses, promover
uma recuperação acelerada, que possa garantir
sua reeleição, até mesmo em razão da fragilidade
revelada por seus opositores até o momento.
O governo Tarso Genro vem mantendo boa relação
com o Poder Legislativo, que nesta legislatura, até
o momento, foi presidido por Adão Villaverde (PT),
em 2011; Alexandre Postal (PMDB), em 2012; e está
agora sob a presidência de Pedro Westphalen (PP),
com mandato até 31 de janeiro de 2014.
ECONOMIA |
INVESTIMENTOS E
OSCILAÇÕES NAS SAFRAS
A situação da administração de Tarso Genro,
mencionada no cenário político, com certeza não
passou despercebida pelos empresários forâneos
que estão decidindo onde instalarão seu primeiro
ou próximo empreendimento industrial no Brasil.
É importante registrar que ocorrem importantes
conquistas, como a expansão da Celulose Riograndense em Guaíba no valor de R$ 5 bilhões, a
expansão do grupo Randon, com investimentos
de R$ 2,5 bilhões, a instalação da fábrica de
elevadores da Hyundai, em São Leopoldo, e o
bom andamento dos projetos relativos ao polo
naval de Rio Grande, São José do Norte e em
Charqueadas, que somam mais de R$ 3 bilhões,
entre outros, com um total que, segundo o
governo, em maio de 2013 ultrapassava R$ 25
bilhões. Além disso, há uma grande expectativa
em relação a possíveis projetos na área do carvão
Celulose Rio-grandense.
Foto: Alina Souza / Especial
Palácio Piratini
144
mineral, em Candiota, e de uma montadora da
Hyundai, na Zona Sul do Estado.
Mas também não se pode desconhecer que,
em um número de casos maior do que seria
desejável, o Rio Grande do Sul não tem
conquistado a preferência de empresas no
decorrer da seleção, como foi o caso da
prestigiosa BMW, que preferiu instalar sua
montadora brasileira em Santa Catarina, sem
contar a notícia de que pelo menos em um
grande investimento industrial o Rio Grande
do Sul não aparece sequer entre as inúmeras
alternativas listadas.
Também não pode ser desprezada a queda de
importância do Rio Grande do Sul no âmbito
da Federação. O estado estava esperançoso de
receber grandes benefícios do governo federal
em razão da proximidade de Tarso Genro e seu
governo com a presidente Dilma Rousseff e sua
equipe. No entanto, passada a primeira metade
da gestão, isso não ocorreu da forma esperada.
Atrasados os projetos que poderiam produzir
mais riqueza, justiça social e mais arrecadação,
a situação financeira do estado preocupa. O
governo optou por utilizar o fundo do Caixa
Único e, com isso, setores que têm receitas
próprias, como Daer, portos, inclusive o de
Rio Grande, e até o Zoológico, sem contar
a educação, que recebe recursos federais via
Tesouro Estadual, estão recebendo apenas parte
do que lhes é devido. Foi realizada também
uma subtração de R$ 4,5 bilhões nos depósitos
judiciais, retirada que equivale a empréstimos
bancários ocultos a custos mais baixos. No
caso da Previdência Pública Estadual, está difícil
resolver todas as disputas judiciais a tempo de o
atual governo tomar as providências necessárias
para a concretização de um sistema viável. A
ironia é que no governo anterior o PT impediu a
concretização de uma solução. E neste governo,
o PT não consegue implantá-la porque não quer
fazer o que precisa ser feito. O déficit anual na
Previdência é de R$ 5 bilhões.
Cabe destacar a decisão do governo Tarso de
criar a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR),
que assumiu gradualmente o controle de nove
praças de pedágios gaúchos até então em mãos
de concessionárias. Foram três em fevereiro,
quatro em junho e duas em julho. A arrecadação
da empresa chegou a R$ 27 milhões até agosto
de 2013. Desse montante, R$ 7 milhões foram
aplicados em intervenções nas rodovias e R$ 4
milhões gastos com folha de pagamento, aluguel,
impostos e contratação de prestadores de serviço.
Enquanto o governador dedica sua atenção
e talento nas questões políticas, encontra
dificuldades em avançar na concretização
dos assuntos econômicos e financeiros. É
preciso registrar que o Rio Grande do Sul, na
administração de Tarso Genro, enfrentou dois
anos diferentes em 2011 e 2012. Em 2011, o PIB
gaúcho cresceu 5,1%. Mas em 2012, atingida por
uma rigorosa estiagem que impactou as lavouras
de forma radical, a economia gaúcha afundou,
com uma redução de 1,8% do PIB. E em 2013,
o tempo voltou a ajudar e a safra expandiuse de forma muito significativa, alavancando a
economia gaúcha. Os números divulgados pela
Fundação de Economia e Estatística (FEE) em
setembro de 2013 apontaram um crescimento
de 15% no PIB estadual no segundo trimestre do
ano, na comparação com o mesmo período do
de 2012, sinalizando para a perspectiva do Rio
Grande do Sul crescer o triplo do País no ano.
O crescimento da agropecuária foi de 111,7%,
enquanto a indústria apresentou alta de 3,9%
ante o segundo trimestre de 2012, e o setor de
serviços, elevação de 3,4%.
Agronegócio
Como mencionado, a produção gaúcha de
grãos foi um elemento determinante para a
recuperação da performance da economia do
Rio Grande do Sul no governo de Tarso Genro.
A produção de grãos recorde de 2010/11 não
145
teve sequência na safra seguinte, de 2011/12.
A produção no período, de 20,9 milhões
de toneladas, foi igual a 12,6% da produção
brasileira, de 166,2 milhões de toneladas. A área
plantada, de 7,6 milhões de hectares, esteve
dentro da média dos últimos anos, ou seja, 14,9%
da área de 50,9 milhões de hectares plantados
com grãos no Brasil. A produtividade ficou em
2.757 quilos por hectare, 15,6% abaixo da média
nacional, de 3.266 quilos por hectare.
Os resultados para a safra 2012/13 voltaram a
ser entusiasmantes. Em termos de produção,
o Rio Grande do Sul registra uma safra de 27,1
milhões de toneladas, comemorada como “uma
das maiores da história”. Só não chega a ser
expressiva o suficiente para melhorar o quadro
diante da produção nacional, já que representa
apenas 14,6% da safra de 185 milhões de
toneladas prevista para o Brasil. O aumento
da área plantada para 8 milhões de hectares
elevou a participação gaúcha para 15,1% do
total plantado no Brasil, de 53 milhões de
hectares. E, finalmente, a produtividade do Rio
Grande do Sul, apesar de toda a recuperação
da safra, não superou os 3.400 quilos por
hectare, e por isso ficou 2,6% abaixo da média
nacional, de 3.492 quilos por hectare.
Elemento-chave para melhoria da produtividade é
a ampliação das áreas irrigadas. Nesse quesito, o
governo federal decidiu, finalmente, após afastar
alguns problemas judiciais, dar continuidade às
obras das barragens de Taquarembó e Jaguari, que
estão incluídas no PAC I. Além disso, o governo
estadual poderia dar início a quatro outras
barragens, de Soturno, Passo da Ferraria (no rio
Santa Maria), São Sepé e Estancado (em Sarandi).
Essas barragens estão incluídas no PAC II e,
supostamente, estão com os recursos assegurados.
Além disso, existem mais de 50 projetos básicos
de engenharia para a construção de barragens em
grande parte do estado, especialmente nas bacias
do rio Uruguai e do rio Jacuí.
Atualmente, a política de irrigação do Rio
Grande do Sul ficou dispersa entre a Secretaria
de Obras, Irrigação e Desenvolvimento Urbano,
encarregada das grandes obras e de alguns tipos
de microaçudes, e a Secretaria da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (Seapa), encarregada
de microaçudes para as unidades familiares e
os assentamentos. Além disso, a Secretaria
da Agricultura ficou com a administração da
política de incentivo à compra de equipamentos
de irrigação, através de um subsídio equivalente
à primeira e à última parcela do financiamento,
sendo que reembolsam 100% para os pequenos
produtores, 75% para os médios e 50% para
os grandes. Essa política foi transformada
em lei antes mesmo da criação do Fundo de
Investimento em Irrigação e antes da lei que cria
a política citada nessa lei de incentivo.
COTIDIANO | E AS MASSAS
VÃO PARA AS RUAS
PROTESTAR
No governo de Tarso Genro, o mundo está em
plena metamorfose. O estilo de vida modificase, em todos os segmentos. No campo ou na
cidade, a ampliação do uso das tecnologias de
informação e comunicação (TICs) transforma
os relacionamentos. Se até então o Google e o
e-mail eram as novidades e febres no ambiente
web, vive-se agora a era dos smartphones,
dos tablets e da interação 24 horas por dia,
sete dias por semana, via redes sociais, em
especial Facebook, Twitter e Instagram, ou
trocando mensagens pelo SMS ou WhatsApp.
Estamos todos, o tempo todo, conectados,
fotografando, filmando e compartilhando/
curtindo qualquer tipo de conteúdo e
informação. O celular transformou-se no grande
integrador de conteúdos, mas a infraestrutura
de telecomunicações para dar conta de tanta
ânsia de interação ainda deixa a desejar.
Em Porto Alegre, o hábito de andar de bicicleta
cresce, mas vem acompanhado de descabida
146
violência: um motorista resolve passar por cima
de vários ciclistas que trafegavam na Avenida José
do Patrocínio, bairro Cidade Baixa.
Enquanto isso, a bela Gisele Bundchen, a top
mundial, estreia em outra passarela, a da Sapucaí,
representando a Vila Isabel. No plano ambiental,
enxurrada mata uma dezena de pessoas e
desaloja centenas de famílias em São Lourenço
do Sul. No Japão, mais catástrofe: o maior
terremoto de todos os tempos desencadeia um
maremoto que arrasa uma cidade, mata, produz
cenas impressionantes e deixa o mundo em
apreensão. A explosão de uma usina nuclear,
após o tremor, faz um país inteiro e seus vizinhos
ficarem em pânico, em função da indesejada
liberação de radioatividade.
No Brasil, pesquisa mostra os objetos de desejo
da classe C, que agora passa de 100 milhões de
pessoas, metade da nossa população: moradia,
automóveis, eletrodomésticos, decoração, celular
e viagens. Por aqui, a Rodovia do Parque, ligando
a Capital a Sapucaia, está em obras. E o futebol
perde o craque Sócrates, de tantos passes
precisos, muitos de calcanhar.
Em termos de comportamento, pesquisa traça o
novo perfil da mulher jovem gaúcha. A maioria
prefere conciliar a pressão no trabalho com as
demandas familiares, não abrindo mão de nenhum
dos dois. Elas se preocupam cada vez mais com a
aparência. Cerca de um terço pratica algum tipo
de religião, 65% gostariam de transar mais, 61%
querem fazer cirurgia plástica e 39,4% admitem
que traem, quesito em que os homens deixam de
reinar absolutos.
A Apple lança o iPad 2 e a sonda Messenger
chega à órbita de Mercúrio. Depois, seria a vez
da Microsoft apresentar suas novidades, com o
lançamento do sistema operacional Windows
8. No Rio de Janeiro, ex-aluno assassina 12
pessoas em escola, fato que ficou conhecido
como Massacre do Realengo. A Inglaterra festeja
o casamento real de William e Kate, e Osama
bin Laden, fundador e líder da Al-Qaeda, é
assassinado por militares norte-americanos. Já o
presidente do Fundo Monetário Internacional é
detido em Nova York, em função de acusação de
assédio sexual a uma empregada do hotel onde se
encontrava hospedado.
O ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palloci,
renuncia ao cargo após denúncias de corrupção.
Devido à crise econômica na Grécia, o euro
atinge sua menor cotação. Espanha e Itália
entram também em estado de alerta. É parte
do cenário no chamado Velho Mundo, com a
economia em apuros. No campo das perdas, o
desaparecimento de um gênio da modernidade:
Steve Jobs. Com suas invenções e produtos,
Jobs e a Apple revolucionaram o mercado de
informática e os programas para computadores.
Na televisão, agora no Jornal Nacional, a gaúcha
Patrícia Poeta brilha. A música sertaneja “Ai se eu
te pego” emplaca sucesso mundial. Uma operação
militar sem conflitos, na Rocinha, “pacifica” a
maior favela da América Latina. Conrad Murray é
condenado a quatro anos pela morte do astro do
pop Michael Jackson. Astrônomos descobrem 18
novos planetas fora do sistema solar. É o universo
provando sua grandeza.
E depois da novíssima Arena do Grêmio, é a
vez do Beira-Rio começar a ser repaginado,
para receber cinco jogos da Copa do Mundo.
Mesmo com as obras de infraestrutura atrasadas,
a Capital tenta se adaptar aos incômodos no
trânsito com a duplicação da avenida que costeia
o Guaíba e dá acesso ao estádio, o novo “xis”
da rodoviária, a ampliação da Voluntários da
Pátria, os viadutos da perimetral, o aeromóvel,
a melhoria do aeroporto e tantas outras
providências, a fim de receber da maneira mais
adequada possível os 700 mil visitantes esperados.
Renato Portalupi, que depois voltaria a treinar
o Grêmio em 2013, chora ao se despedir
do clube e do velho Olímpico. Morre o expresidente Itamar Franco, aos 81 anos. O Rio
Grande continua registrando ondas de muito
frio. No Enem, o RS cai de primeiro para quarto
147
lugar. Pesquisas demonstram que Porto Alegre,
proporcionalmente, é a cidade mais vertical do
Brasil. Enquanto isso, Dilma promete R$ 4 bilhões
para enfrentar a epidemia de crack no Brasil.
Muitos outros acontecimentos influenciariam
a conjuntura mundial, nacional e estadual. O
governo muda os rendimentos da poupança
para baixar juros. O STF decide que não é crime
o aborto de feto sem cérebro. No âmbito das
relações, usos e costumes pela internet, um
marco: fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann
caem na rede, e a invasão de privacidade virtual
vira assunto nacional. Cinco meses depois do
episódio, vem a Lei dos Crimes Cibernéticos,
batizada com o nome da atriz. Logo depois, uma
outra importante lei entraria em vigor: a de
acesso à informação, que dá mais transparência
à administração pública brasileira e obriga os
órgãos públicos a fornecerem dados sobre sua
atividade a qualquer cidadão.
Nas telas da TV, todos os olhos se voltam para
Avenida Brasil, a novela das 9 cuja trama mostra
os valores do subúrbio carioca e é exibida em
mais de 120 países. Em paralelo, uma brasileira
de 20 anos leiloa sua virgindade por l,5 milhão
de dólares. No plano internacional, a ONU
reconhece a Palestina como estado e pressiona
Israel. A Europa continua sentindo os efeitos da
crise mundial, ao contrário do Brasil, que passa
ao largo, estimulando o crédito e o consumo,
e dos EUA, que a passos lentos ensaia a
recuperação depois da crise de 2008.
No futebol nosso de cada dia, o Corinthians vence
o Mundial de Clubes, e o gaúcho Tite sobe mais
um importante degrau em sua carreira como
técnico. Ao contrário dos ciclistas, um pouco mais
prestigiados, os carroceiros protestam, pois não
querem sair das ruas. Mas a esfera municipal pensa
diferente. Aproxima-se a Copa das Confederações,
que seria vencida pelo Brasil, com apresentações
convincentes, o que mais uma vez coloca Felipão
em evidência. A chamada Constituição Cidadã, de
Ulysses Guimarães, faz 25 anos e prova, ao longo
de sua vigência, que possui bem mais acertos do
que erros. O Beira-Rio está quase pronto para a
Copa, e a Arena supera os primeiros problemas
operacionais e de fluxo, mas não consegue
as médias de público que o novo conceito de
ocupação de estádios de alto padrão exige.
Na área da saúde, o programa Mais Médicos
tenta resolver o problema das populações
carentes, atraindo profissionais estrangeiros.
O metrô e a Ponte do Guaíba são promessas
cada vez mais próximas, e a travessia, antiga
reivindicação da sociedade gaúcha, parece que
finalmente vai começar a sair do papel. Esperase o início das obras para 2014. No Gasômetro,
o primeiro trecho da orla está por ser
revitalizado, em projeto do festejado arquiteto
e administrador Jaime Lerner, contestado por
colegas por ter sido escolhido por notório saber.
É a cidade de Porto Alegre querendo crescer,
valorizar o seu lago e se tornar mais importante.
No campo político e social, as manifestações
de julho de 2013 dão um novo tom às diretrizes
de um país que clama por mais cidadania,
melhores serviços públicos, mobilidade urbana e
possibilidade de crescimento. Manifestações em
massa, com 1 milhão de pessoas nas ruas, sem
interferência de partidos, criticam o sistema e
exigem mudanças. A violência alcança patamares
indesejáveis nas mobilizações, instabilizando os
centros urbanos brasileiros por dois meses. Era a
juventude na rua, novamente, a exigir mudanças.
No bojo das reivindicações, dentro de sua
característica de organização por rede, a
partir das mídias sociais, destaca-se, no âmbito
da comunicação, o coletivo mídia Ninja, que
cobriu os protestos por todo o País de forma
colaborativa, pautando a mídia corporativa
e os telejornais. As eclosões sociais são uma
autêntica bomba contra a burocracia do setor
público e desnudam a difícil vida da periferia
dos centros urbanos e dos trabalhadores e
estudantes que contam com um transporte
público caro e ineficiente.
148
Ao clamor das ruas, que começou em Porto
Alegre e alcançou seu ápice no Rio de Janeiro,
os governantes tiveram que se adaptar, tanto
em nível federal quanto estadual e municipal.
Ninguém foi poupado. A classe política, em geral,
sofreu forte impacto. Mas as coisas se acalmaram,
ficando a expectativa para 2014, ano de Copa do
Mundo e, depois, eleições. Os brasileiros querem
mais inclusão social e direitos, equipamentos
urbanos adequados e melhores condições para o
seu dia a dia. O experiente político Tarso Genro,
advogado que também foi ministro da Justiça,
considerou justas as reivindicações e elogiou as
vozes das ruas.
A questão é: como encaminhar o atendimento de
tantas demandas em tão pouco tempo? Sabe-se
que a função pública não tem, e não pode ter, a
mesma agilidade da iniciativa privada. Mas o fato
é que o País precisa funcionar melhor. Esse será
o desafio dos próximos governantes, estejam eles
à frente de pequenos municípios ou no comando
dos destinos do País. Um desafio que eclode das
ruas e que precisará ser superado. Afinal, a voz
do povo é soberana.
E não se pode deixar de falar em 2013 sem
lembrar de uma das maiores tragédias já
vividas no estado: o incêndio da boate Kiss,
em Santa Maria, vitimou 242 pessoas, em
sua grande maioria adolescentes e jovens,
ferindo mais de uma centena. O episódio teve
enorme repercussão no cenário nacional e
internacional. O inquérito policial que apura
as responsabilidades pelo ocorrido na fatídica
madrugada de 27 de janeiro aponta imprudência
e más condições de segurança como as
causas do incêndio. Músicos da banda que se
apresentava no momento, e que utilizaram um
siinalizador proibido para aquele ambiente, os
donos da casa noturna e poder público deverão
ser responsabilizados, mas a dor das famílias
mutiladas jamais será apagada.
CULTURA | ASSIS BRASIL
CRIA UM SISTEMA ESTADUAL
A designação do escritor Luiz Antonio de Assis
Brasil como titular da Secretaria da Cultura do
governo Tarso Genro é o que se pode classificar
como uma guinada de 180 graus nos rumos da
pasta, em especial na comparação com o governo
imediatamente anterior, quando Yeda Crusius
entregou a Sedac para uma pessoa sem nenhum
currículo no segmento. A atuação de Assis Brasil
está conceitualmente embasada na visão de que
“a cultura é múltipla e está em contínuo processo,
e, portanto, cabe pensá-la numa tríade operativa:
a estética, a cidadã e a econômica”. Para dar
uma dimensão do trabalho que Assis Brasil vem
realizando desde janeiro de 2011, basta dizer que
o orçamento da Sedac partiu de R$ 16 milhões no
primeiro ano, pulou para R$ 31 milhões no ano
seguinte e tem previstos R$ 52 milhões para 2013.
Sob o comando do secretário, a Sedac se
transformou em uma usina de realizações. Em 2012,
foram lançados editais voltados para modernização
de bibliotecas e visando à criação de 160 pontos
de cultura; no projeto Autor Presente, foram 90
encontros, reunindo mais de 20 mil alunos; 12
livros foram editados pelo IEL/Corag; foi lançado
o Prêmio Moacyr Scliar de Literatura. Ainda em
2011, houve o relançamento da revista Vox, com 64
páginas, tiragem de 5 mil exemplares e distribuição
gratuita, publicação que em seu primeiro número
homenageou Moacyr Scliar, falecido no início de
2011. Em 2012, a Casa de Cultura Mario Quintana
bateu recordes de visitação, enquanto o Margs
comemorou a catalogação completa de seu acervo,
com cerca de 3 mil obras sendo fotografadas. A
Sedac realizou duas edições do Prêmio Instituto
Estadual de Artes Visuais (Ieavi) e esteve à frente de
diversas mostras de cinema, incentivando, também,
o intercâmbio de produtores cinematográficos com
Uruguai e Cuba.
Na LIC, foram aprovados mais de 230 projetos
em 2012, com o limite da isenção fiscal tendo
sido ampliado para R$ 35 milhões, sendo que,
em 16 anos de vigência da lei, nunca este valor
havia ultrapassado R$ 28 milhões. Em 2012,
foram anunciados outros R$ 10 milhões para
o Fundo de Apoio à Cultura, além de Editais
de Desenvolvimento da Economia da Cultura,
destinados a prefeituras, com previsão de
repasse de R$ 5,3 milhões para os municípios.
A construção da Sala Sinfônica da OSPA foi
incluída como projeto estratégico do governo. O
orçamento prevê R$ 19 milhões do Ministério da
Cultura, R$ 6 milhões da Sedac e outros R$ 4,5
milhões a serem captados via LIC, recursos que
já estão sendo investidos nas obras.
Em março de 2013, a Sedac apresentou o
Projeto de Lei que cria o Sistema Estadual de
Cultura do Estado, cujo texto foi sancionado
pelo governador em 30 de setembro. O
instrumento pretende ser um mecanismo de
gestão cultural compartilhada entre estado
e sociedade e tem como elementos-chave
o fortalecimento de conselhos estaduais,
fundos de cultura e formas de participação dos
produtores culturais e da comunidade em geral,
englobando todos os componentes inseridos
na elaboração e execução de políticas do setor:
formação, criação, produção, distribuição,
consumo, conservação e fomento.
Como parte integrante do Sistema, o Plano
Estadual de Cultura, em elaboração desde 2011,
estabelece as políticas de estado que devem
nortear o desenvolvimento cultural do Rio
Grande do Sul ao longo dos próximos 10 anos.
Ainda como parte do sistema estadual, o Rio Grande
do Sul foi o primeiro estado brasileiro a lançar a
plataforma Mapa Digital da Cultura, que reúne
dados importantes como a catalogação de todas as
bibliotecas e museus presentes em território gaúcho.
O mapa funcionará como serviço público ao cidadão
e ao visitante, e também como uma ferramenta de
participação e difusão da cultura, que dialoga com o
contexto atual de rapidíssima alteração dos dados e
com a velocidade das dinâmicas sociais e econômicas
típicas da era da cultura digital.
Araújo Vianna.
Foto: Marcelo Liotti
150
Em meio ao dinamismo implantado por Assis
Brasil na Sedac, os gaúchos até não viram surgir
grandes nomes no cenário artístico, mas em
compensação comemoraram a abertura de novos
espaços para as artes e a cultura. A cidade de
Novo Hamburgo, por exemplo, ganhou em 2011
um novo espaço cultural e multiuso, ambiente
próprio para realização de formaturas e outros
eventos acadêmicos, mas que serve, e muito bem,
de cenário para diversas produções artísticas:
o Teatro da Feevale. Foi o que bastou para
que a região do Vale do Sinos fosse incluída no
roteiro de espetáculos nacionais e internacionais.
Localizado no Campus II da universidade (acesso
pela ERS-239, nº 2.755), o empreendimento iniciou
sua vida cultural no dia 20 de setembro, com a
apresentação do tenor Jose Carreras. Desde sua
inauguração, o teatro já recebeu diversos artistas,
entre eles, Chico Buarque, Rita Lee, MPB4,
Kid Abelha, Marisa Monte, Ney Matogrosso,
Orquestra Buena Vista Social Club, entre outros.
A Opus Promoções, administradora do espaço,
realizou seu primeiro evento no local dois dias
depois (22 de setembro) com a apresentação de
Maria Rita no show “Redescobrir”, que reviveu
canções de sua mãe, Elis Regina, emocionando
o público que lotou a casa. Sobre a Opus, é
importante ressaltar que a produtora, além de
operar no Rio Grande do Sul também o Teatro
do Bourbon Country, abriu novas frentes em São
Paulo, onde gerencia o Teatro Bradesco – eleito
duas vezes como o melhor teatro paulistano –, e
em Natal, Rio Grande do Norte, onde inaugurou,
junto com o Grupo Guararapes, o Teatro
Riachuelo. Em 2013, a empresa pretende lançar
mais um espaço cultural no Shopping Village Mall,
que está sendo construído na Barra da Tijuca, na
capital do Rio de Janeiro.
Também em 2011 foram comemorados os 50
anos do Atelier Livre da Prefeitura, bem como
os dez anos de carreira de Jair Kobe (que pouca
gente sabe ter sido integrante do grupo vocal
Canto Livre, nos idos dos anos 1980 e 1990) e seu
indefectível Guri de Uruguaiana, com as hilárias
versões do “Canto Alegretense” em diferentes
ritmos e melodias.
Seguindo no tema dos shows e arenas multiuso,
em 2012 a capital gaúcha conferiu de perto dois
superstarts da música internacional. Em março,
Roger Waters arrebatou o público com uma
antológica apresentação de The Wall no Beira-Rio
(já em obras de modernização visando à Copa de
2014), enquanto Madonna marcou a despedida do
Estádio Olímpico, no mês de dezembro, evento
que antecedeu a inauguração oficial da nova Arena
do Grêmio, espaço multiuso no bairro Humaitá
que promete abrigar, além do futebol, também
grandes produções artísticas.
Em 2012, novamente em um 20 de setembro (data
comemorativa da Revolução Farroupilha), e agora
rebatizado como Oi apresenta Araújo Vianna, o
tradicional auditório da capital gaúcha foi reaberto
oficialmente com o show “Todas as Gerações no
Araújo Vianna”, que contou com a presença de mais
de 20 artistas gaúchos e um público superior a 3
mil pessoas. O espetáculo teve apresentações de
Antônio Villeroy, Bebeto Alves, Carlinhos Carneiro,
Charles Master, Cláudio Heinz e Júlia Barth, Edu
K, Elaine Geissler, Gelson Oliveira, Glória Oliveira,
Grupo Bom Partido, Hermes Aquino, Hique
Gomez, Júlio Reny, King Jim, Nei Van Soria, Nelson
Coelho de Castro, Nico Nicolaiewsky, Pas-de-Deux
do Samba, Raul Ellwanger, Renan Ludwig, Tiago
Ferraz, Tonho Crocco, Wander Wildner, Wilson
Ney, Zé Caradípia e Elisa Furtado.
O ano de 2012 marcaria ainda a despedida de Tatata
Pimentel, um dos mais queridos e irreverentes
intelectuais do Rio Grande do Sul. Professor,
jornalista e apresentador de TV, Tatata inicialmente
formou-se em Artes Dramáticas na UFRGS, em
1959. Depois, estudou Letras, Direito, Jornalismo
e fez mestrado em Línguas Neolatinas na África, o
que o levou também a uma temporada na Europa.
Depois, ainda fez doutorado em Teoria Literária. Na
Faculdade de Comunicação Social da PUCRS, deixou
por 13 anos sua marca como professor do curso
de Jornalismo até 2000, quando passou a dedicarse somente à TV. Até o fim de 2012, apresentou o
programa Gente da Noite, e desde então participava
da bancada de outro programa, o Café TVCom,
ambos na emissora do grupo RBS, até falecer,
inesperadamente, no dia 24 de outubro, aos 74 anos.
151
DEPOIMENTO: TARSO GENRO
A vida do cidadão Tarso Genro.
Sou uma pessoa de hábitos muito simples. Gosto de caminhar, de ler,
de ir ao cinema e de ficar em casa, são coisas bem acessíveis. Todas
as manhãs faço uma caminhada e alguns exercícios e leio sempre que
tenho oportunidade. Aos sábados, mas principalmente nos feriados,
vou ao cinema, porque a cidade está menos movimentada. Tenho
um convívio grande com as minhas filhas, em especial nos fins de
semana. Além disso, reservo algumas noites para reuniões políticas
no Galpão Crioulo do Palácio Piratini. Também gosto de ir a um
bom restaurante, português de preferência, ou de comida gaúcha.
A escolha como candidato para a eleição de 2010.
Aconteceu a partir de uma equação política do partido, internamente.
Eu era ministro do governo do presidente Lula. Estive realizando
um trabalho que teve reflexo nacional e, portanto, regional
também, como ministro da Educação. Depois, quando estava no
Ministério da Justiça, veio o trabalho que fiz com a Polícia Federal
e a implementação do Programa Nacional de Segurança Pública e
Cidadania. Meu nome começou a ser aventado, mas eu vinha de
uma crise da minha relação com o conjunto do partido, não estava
bem explicada minha candidatura alternativa à reeleição do Olívio,
em razão de uma conjuntura política que praticamente dividiu o PT.
Então, eu não achava adequado concorrer sem conversar com o Olívio
antes, porque o processo anterior foi um erro político que machucou
muito as relações internas do partido. Procurei o Olívio e disse que eu
estava disposto a apoiá-lo, queria que ele fosse o candidato. A forma da
unificação seria homenagear o Olívio, como grande governador que ele
foi e como dirigente do partido com uma enorme abrangência interna.
Olívio disse que não seria candidato, que agora seria a minha vez e
que eu deveria ser o candidato. Meu nome foi apresentado, com apoio
do próprio Olívio, e me tornei candidato. Após a vitória, formamos a
Unidade Popular pelo Rio Grande, que envolve também PDT, PTB,
PPL e PL. Durante a campanha, tive o apoio do PSB e do PCdoB,
ganhando no primeiro turno com esses dois partidos.
O trabalho de administrar o Rio Grande do Sul.
O Rio Grande do Sul tem uma crise estrutural financeira de muito
tempo, que não é originária do governo anterior, nem do anterior,
nem do pré-anterior. Trata-se de uma crise que tem duas vertentes
muito fortes: uma é o passivo da Previdência, que faz o estado tirar
do Tesouro, para complementar a aposentadoria, R$ 5,8 bilhões por
ano. A outra é originária da negociação da dívida da época do governo
Britto, que onerou violentamente o estado. Hoje, nós pagamos quase
152
DEPOIMENTO: TARSO GENRO
R$ 3 bilhões por ano para rolar essa dívida, e ainda temos um estoque
de R$ 40 bilhões. Trata-se de uma dívida impagável. Diante dessas
duas circunstâncias, não nos preocupamos com o pagamento imediato,
mas sim em resolver imediatamente o problema da Previdência. Ao
mesmo tempo, implementamos uma política estratégica, que passa
pelas seguintes variáveis: aumentar o espaço fiscal para endividamento
e arrumar dinheiro para o investimento, e conseguimos; apontar para
a formação de um fundo de capitalização para os servidores. Os que
entrarem depois da formação desse fundo ingressarão em um tipo de
financiamento da sua aposentadoria. Isso foi aprovado. Trata-se de uma
questão de longo prazo que está resolvida no estado; foi solicitado para
a Presidência da República o encaminhamento de questão da dívida
dos estados, reduzindo os juros e extinguindo o passivo em 2027.
Este projeto já está no Congresso Nacional tramitando, será aprovado
e, portanto, a longo prazo essa questão está resolvida; também foi
decidido que seria necessário aumentar a contribuição da alíquota dos
servidores para diminuir o passivo, que é um dinheiro que vai para
eles mesmos. Esta alíquota da Previdência para diminuir o passivo
mensal da Previdência Pública também foi conseguida; reorganizamos a
estrutura da receita pública, qualificando tecnologicamente, melhorando
o processo todo, fazendo um esforço, renegociando a dívida, e estamos
aumentando a arrecadação. Todo esse projeto, naturalmente, tem uma
perspectiva de longo prazo. No curto prazo, estamos manejando as
finanças, para que o estado não fique estagnado. E na minha opinião,
está dando certo, porque o estado está recebendo vultosos investimentos
privados e federais. O estado está alavancado para crescer, e, acredito,
crescerá este ano (2013) o dobro ou o triplo do País.
Dificuldades a enfrentar.
São eminentemente de duas ordens. A primeira: nosso servidor
público estava muito desmotivado, com um arrocho salarial muito
grande. E nós tivemos que melhorar o salário dos servidores, para
remotivar e mostrar que é um governo que tem confiança no
serviço público e que não quer sucatear o estado. Já reorganizamos
o sistema salarial todo, e os servidores estão bem mais satisfeitos
do que estavam antes, basta perguntar para um brigadiano, um
técnico científico, um policial civil e várias outras categorias. A
segunda dificuldade é fazer a máquina se agilizar para a possibilidade
de investimento. Isso não é fácil, porque, por exemplo, o estado está
quintuplicando o número de licitações que fazia antes. E a máquina
pública não estava aparelhada para isso. O estado estava muito
153
emagrecido na sua funcionalidade, tecnologicamente muito atrasado e
tecnicamente pouco preparado para o número de obras que estão em
andamento hoje, como energia, saneamento e estradas.
O excesso de burocracia como obstáculo.
O Brasil, há mais de 20 anos, está submetido a uma espécie de
neurose da corrupção do setor público, que sempre houve e sempre
haverá. Tem governos que combatem mais, outros menos. A
corrupção tem que ser combatida e pode ser diminuída, embora
jamais vá ser extinta. E isso determinou no País uma legislação que
chamo de barroca, que cria impedimentos de toda ordem, desde
impedimentos para se fazer as coisas rapidamente, até uma sucessão
de controles que existem do Ministério Público, do Tribunal de
Contas... Um feixe de controles sob cada ato do governo que muitas
vezes atrasam uma obra um ou dois anos em função desses controles,
tornando, muitas vezes, a obra mais cara. Isso não é culpa nem dos
juízes nem dos auditores. É porque é uma legislação atrasada, que
tem como ponto de partida a visão de que o agente público, seja ele
qual for, tem uma tendência à ilegalidade. Temos que simplificar. Por
exemplo, poderíamos estar com 80 obras viárias em andamento, e
estamos com 40. Há uma enorme dificuldade de repactuar contratos.
Isso deveria ser mais simplificado, com aval do Ministério Público,
para que possamos andar mais rápido.
A equipe de governo.
A equipe de governo é montada a partir de uma relação com
os partidos. Os partidos oferecem seus melhores nomes, mas o
governador é que escolhe. É sempre uma negociação demorada,
cautelosa, às vezes até podemos magoar as pessoas. Felizmente,
tenho uma equipe política e de gestão bastante estável, tanto é que os
secretários que saíram o fizeram em razão de questões pessoais e até
por razões políticas, mas nenhum deles saiu em choque comigo.
O estilo de governar.
Costumo delegar para grupos os temas estratégicos. Essa delegação se
dá em cima da afinidade desses grupos com os temas que estão sendo
tratados. Raramente encarrego apenas um secretário para tratar de uma
questão. Sempre é um secretário, um assessor superior e um técnico de
gestão, sendo às vezes três ou quatro secretários que tratam de um tema,
154
DEPOIMENTO: TARSO GENRO
pela sua natureza transversal. Eu delego, cobro e também estabeleço um
relator principal do assunto, que vai me prestar contas. Costumo cobrar
a partir desse acompanhamento. Eu tenho uma sala de gestão onde
todos os projetos estratégicos são controlados diariamente. Do ponto de
vista político, costumo entrar nos debates mais duros para proteger o
secretariado. As pessoas me dizem que isso é errado, que o secretariado
é que deveria entrar. Eu acho que o governador tem o dever de enfrentar
os temas mais duros, ajudando o secretário e, às vezes, representando um
governo em conflito, para que os secretários possam ser fortalecidos.
A secretaria que mais preocupa.
Atualmente é a de Infraestrutura, não pelo secretário que lá está, e
sim porque é a pasta em que tivemos mais dificuldades para retomar
os trabalhos, dada uma crise estrutural que havia no Daer, que não
era de responsabilidade dos funcionários, e foi superada. As obras de
infraestrutura são obras muito importantes para o nosso plano de
governo, e muito pressionadas para que se realizem pelas comunidades
mais distantes no estado. Esta é a maior preocupação de gestão que
tenho atualmente.
A oposição.
Eu trato a oposição com enorme respeito e carinho. Faço debates, às
vezes até meio acesos, mas de parte a parte não aconteceu nenhum
desrespeito do ponto de vista pessoal. Isso demonstra o alto nível do
debate político aqui no estado. As lideranças de oposição, sempre
que querem, sentam comigo, falam das suas demandas. Também
fazem críticas muito duras ao governo, que todo governante acha
injusta, mas nunca fui desrespeitado e também não o fiz. Acho que
a oposição está sem rumo, não tem uma proposta alternativa para
o estado, porque as recomendações que estão dando ao estado são
recomendações que me levariam para o passado, e não para o futuro.
155
Os projetos mais importantes.
Nossa visão é muito escalonada. O governo trabalha com visão de
curto, de médio e de longo prazos. De curto prazo, já realizamos
todas: reorganização da máquina estatal, melhoria da arrecadação,
concurso para contratar servidores da Brigada e Polícia e também
de outras ordens, retomada de um programa de valorização da
agricultura familiar, a qualidade técnica do assentamento, o impulso
na lavoura do arroz, as políticas para impulsionar o agronegócio
no estado de maneira sustentável com todo o cuidado ambiental, a
desburocratização, que facilitou novos investimentos para o estado. Na
visão de médio prazo, é preciso retomar as obras viárias e deslanchar as
obras de energia e de saneamento, tendo recursos. No caso da visão de
longo prazo, a ideia é a de chegar ao fim do governo com as finanças
públicas com uma perspectiva melhor para o próximo governo. Isso
vai ocorrer com a aprovação desse projeto de lei do governo federal que
reduz os juros e a correção da dívida, extinguindo o passivo, que hoje
estaria em torno de 40 bilhões de reais, que é impagável.
O momento mais difícil.
O momento mais dramático e mais difícil foi o incêndio na boate
Kiss, em Santa Maria. Mas não foi só para mim, mas para todo o
cidadão. Essa tragédia vai marcar o Rio Grande.
O melhor momento.
Eu sou uma pessoa naturalmente otimista. Gosto muito de ouvir
as pessoas que andam na rua, os cidadãos comuns, a respeito do
governo, embora preze as opiniões das entidades, dos empresários,
dos trabalhadores, de associações. Mas eu sempre me interesso por
aquilo que o cidadão comum me diz na rua. Os porteiros do edifício,
as empregadas domésticas que encontro quando estou caminhando,
as pessoas que encontro no supermercado, em um cinema ou em
um teatro. Essas manifestações espontâneas revelam que essas
pessoas, quando se reportam ao governo, se reportam de uma forma
construtiva e com uma certa admiração pelo esforço que estamos
tendo em reerguer o Rio Grande. Estes para mim são os melhores
momentos, muito melhores que solenidades, porque é a voz do
cidadão comum, a voz que reflete, com precisão, como a gente está
atingindo o senso comum e a vida cotidiana do cidadão.
CONTEXTO E CENÁRIOS
No período em que este livro foi finalizado (outubro de 2013), restava mais de
um ano de mandato para o então governador Tarso Genro.
Em ano pré-eleitoral, alguns acontecimentos surpreenderam a política
nacional e gaúcha. Marina Silva e sua Rede, partido com o qual pretendia ser
candidata à Presidência da República, não prosperaram no objetivo de atingir
492 mil assinaturas para o registro partidário. Diante da situação, e estando
como segunda colocada em todas as pesquisas de opinião da época, Marina
protagonizou o maior fato eleitoral do ano, ao filiar-se ao PSB e anunciar
seu apoio ao governador de Pernambuco, Eduardo Campos, pré-candidato
à Presidência em 2014. Os partidos não se fundiram, mas assumiram o
compromisso de trabalhar juntos por uma aliança que seja capaz de renovar
a política brasileira. Como ambos já foram aliados do atual governo federal,
o anúncio agitou o ambiente político. Ainda na corrida presidencial, o PSDB
trabalha forte o nome do ex-governador de Minas Gerais e senador Aécio
Neves, mas José Serra corre por fora, tentando novamente viabilizar sua
candidatura. Dilma Rousseff, mesmo tendo uma brusca queda de popularidade
pós-manifestações de junho, recuperou o prestígio e segue liderando as
pesquisas, de olho na reeleição. Olhos e TVs ficaram ligados de forma inédita
nas sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) que julgava (e condenava) os
réus do chamado “Mensalão”. O caso se tornou emblemático por tratar de
nomes da alta cúpula petista, o que animava opositores e trazia temor ao PT
e ao governo Dilma. Nesse contexto, torna-se popular a figura do polêmico
presidente do STF, Joaquim Barbosa, que com suas crônicas dores nas costas
e temperamento explosivo se tornou praticamente um “pop star”. Não por
acaso seu nome também é cogitado como presidenciável para 2014. Brasil
afora, as manifestações de rua continuam, mas se concentram em São Paulo,
Porto Alegre e especialmente no Rio de Janeiro. Porém, perderam o caráter
contestador e legítimo, transformando-se em movimentos de baderna e
depredação sem um objetivo específico. No Rio Grande do Sul, as definições
quanto às candidaturas ao governo do estado ainda estão em aberto, mas
despontam nas pesquisas (empatados) o governador Tarso Genro (PT) e a
senadora Ana Amélia Lemos (PP). Também circulam como pré-candidatos
os nomes de Germano Rigotto (que declara preferir o Senado) e José Ivo
Sartori pelo PMDB, Vieira da Cunha pelo PDT e Beto Albuquerque pelo PSB.
As novidades ficam por conta da candidatura do jornalista Lasier Martins ao
Senado pelo PDT e da decisão da deputada Manuela D’Ávila (PCdoB), atual
campeã de votos no estado, de não concorrer mais à Câmara dos Deputados
e sim à Assembleia Legislativa. A incógnita fica por conta de Pedro Simon
(PMDB), que ainda não decidiu se concorre a mais um mandato no Senado.
E assim a vida política segue seu curso, com aqueles que se dedicam a ela
buscando no passado as razões e explicações para o momento presente e,
acreditamos, a melhor sinalização para decisões que garantam um futuro
melhor para toda a sociedade.
A minha terra tem o céu azul.
É só olhar e ver.
Recontando a história do Rio Grande do Sul foi composto em
Gill Sans Std, impresso em papel couchê brilho 150 (miolo) e
couchê brilho 170 (capa) na Gráfica Pallotti, em São Leopoldo
(RS), para o Instituto Voto, em novembro de 2013.
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