Made In Brazil
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Made In Brazil
& AFINS Ruriá Duprat: a produção musical do ganhador do Grammy Eliane Elias Ano 2 - Número 14 - Junho 2015 www.teclaseafins.com.br A pianista fala sobre o novo álbum, que marca seu retorno ao estilo que a consagrou Sidinho Leal Referência nas redes sociais fala sobre carreira e consultoria E mais: Como manter os dedos em forma Análise estrutural e harmônica Canção americana em bossa nova Os pioneiros do Hammond no Brasil MOOG MODULAR A recriação dos dinossauros materia de capa NILTON CORAZZA © Philippe Soloman Eliane Elias: de volta às origens 28 / junhO 2015 teclas & afins materia de capa Made In Brazil Eliane Elias construiu uma sólida carreira internacional explorando de forma muito particular - como poucos se propõem a fazer - as confluências e as possibilidades da bossa nova e do jazz, representadas no disco que marca o retorno da artista ao estilo que a consagrou O novo álbum de Eliane Elias atingiu o primeiro lugar em audições no iTunes e no Amazon.com e estreou em terceiro lugar na Billboard Traditional Jazz Chart, nos Estados Unidos. Também atingiu o topo em paradas da França, da Espanha e de Portugal. Nada mal para a paulistana que há mais de 30 anos mudou-se para Nova York. E, também, nada surpreendente. Desconhecida do grande público no Brasil, a pianista e cantora foi para os Estados Unidos, com 21 anos, para tocar teclas & afins jazz. E fez isso tão bem que se tornou a primeira mulher instrumentista a ganhar uma capa da Downbeat, mais importante publicação do gênero no mundo. Com cinco indicações ao Grammy e quatro discos de ouro, ganhadora três vezes do prêmio de melhor disco vocal no Japão e primeiro lugar em vendas na França, com todas as gravações entre os top five na Billboard Jazz Charts, Eliane Elias conquistou definitivamente um lugar no rol dos gigantes da música. junho 2015 / 29 materia de capa intitulada Amanda, em 1984, com Randy Brecker, com quem se casou. Pouco tempo depois começou sua carreirasolo, assinando com a Blue Note Records e lançando o álbum Illusions, de 1987, com Steve Gadd e Stanley Clarke. No ano seguinte, foi eleita Melhor Novo Talento em Jazz pela revista Critics Poll. Na sequência vieram Cross Currents, com Eddie Gomez e Peter Erskine, e So Far So Close, produzido por Eumir Deodato. Foi indicada pela primeira vez ao Grammy em 1995, pelo álbum Solos and Duets, gravado com Herbie Hancock. De lá para cá, Eliane, cada vez mais, adicionou canções brasileiras a seu repertório, notadamente da bossa nova além de suas próprias composições, criando o estilo que a consagrou e influenciou artistas do porte de Diana Krall. © Daniel Flavia Camargo Azoulay Mariano Eliane Elias começou a estudar piano erudito aos 7 anos, influenciada pela mãe Lucy, também pianista. Aos 12, transcrevia os solos de grandes mestres do jazz. Três anos mais tarde, era orientada por ninguém menos que Amilton Godoy, ícone da música brasileira que a influenciou de maneira indelével. A carreira profissional se iniciou aos 17, trabalhando com Toquinho e Vinícius de Moraes e no circuito de jazz, apresentando composições próprias. Após uma turnê em 1981 com o baixista Eddie Gomez, foi encorajada a se mudar para Nova York, onde continuou seu aperfeiçoamento na Juilliard School of Music. Surgiu então o convite para se juntar à banda Steps Ahead, ao lado de Mike Mainieri, Michael Brecker, Peter Erskine e Eddie Gómez. Seu primeiro álbum foi uma colaboração Eliane Elias: inspiração para Diana Krall 30 / junhO 2015 teclas & afins Made In Brazil marca o retorno da pianista a esse estilo que a consagrou, que mistura as raízes brasileiras e sua voz sensual e atraente com o jazz instrumental consistente e suas habilidades de composição. O álbum tem repertório dividido por meia dúzia de composições autorais (criadas há dois anos, durante as férias em São Paulo) e outro tanto de clássicos da MPB, como “Aquarela do Brasil”. Gravado em São Paulo e com participações de artistas como Roberto Menescal, Ed Motta, Take 6, Amanda Brecker e a Orquestra Sinfônica de Londres, o álbum apresenta as várias facetas da pianista/cantora, que atuou também como arranjadora, compositora, letrista e produtora. Conversamos com Eliane Elias, que nos contou um pouco mais sobre o disco e o mercado fonográfico atual. Qual foi o conceito que norteou a produção desse álbum dedicado ao Brasil? Esse álbum traz um pouco da história de nossa música, começando com Ary Barroso, passando por Tom Jobim e Menescal, e com minhas composições, que são mais contemporâneas. A ideia foi gravar no Brasil. É a primeira vez que gravo no Brasil desde que me mudei para Nova York, em 1981. Foi uma gravação especial para mim. © Philippe Soloman materia de capa Estilo: cosmopolita com toques tropicais imaginei. As músicas retratam exatamente o que pensei. Made In Brazil é um álbum feito nos moldes de superprodução, prática não tão comum nos dias de hoje. Por que essa opção? O que faço musicalmente e a opção que faço de produção são baseados no que imagino, no que eu espero escutar em cada uma das músicas e dos arranjos. Podendo, ou seja, estando em uma situação em que eu possa fazer o que fiz - ter orquestra, Você acumulou várias funções na produção cordas adicionais etc -, é claro que vou desse álbum: pianista, cantora, arranjadora, atrás do som que imagino. produtora etc. Como é atuar em diferentes frentes? Quais as dificuldades e as vantagens Como foi feita a escolha do repertório nesse tipo de trabalho? não inédito? Em todos os meus álbuns trabalho em Foi feito de forma orgânica. Existe várias frentes. A dificuldade é que tenho um material muito vasto, uma grande que trabalhar demais, usar muitos chapéus quantidade de músicas que tenho vontade (risos), tomar conta de muitas coisas, de de tocar, cantar e gravar. Depende muito muitos aspectos da gravação. A vantagem do momento em que estou selecionando é que o resultado sonoro é o que eu o material, criando a ideia da produção, do teclas & afins junho 2015 / 31 © Bob Wolfenson materia de capa Mais que marketing: classe e beleza a serviço da música álbum. Aí, as músicas vão vindo. É claro, que estando no Brasil, no nosso clima, escutando nosso idioma, a coisa foi puxando mais para o Brasil e para certas músicas que eu tinha vontade de fazer, como “Você”, “Aquarela do Brasil”, “Tabuleiro da Baiana”, “Águas de Março”. Mas fazer como idealizei. “Vida (If Not You)” e “Driving Ambition” parecem apresentar uma abordagem um tanto diferente da música brasileira em comparação com as demais faixas do álbum. Quais foram as influências atuais da música brasileira que te inspiraram nas composições do disco? A música brasileira, como tudo, tem passado por uma transformação. Este 32 / junhO 2015 álbum traz o lado mais tradicional de nossa música, samba exaltação e bossa nova. “Vida” e “Driving Ambition” trazem o que chamamos de straight eight notes, em uma mistura com backbeat. Mas ainda tem elementos da bossa nova. Antes de gravar “Vida”, telefonei para Ivan Lins. Disse a ele: “Ivan, que tal uma música que acabei de fazer que deveria ter sido sua? !”. Roubei a frase que Jobim disse a alguém (risos). É uma música que tem aquela levada, aquela coisa de Ivan Lins. Ele é uma pessoa muito querida, um músico com o qual tive a oportunidade de trabalhar por várias vezes. Apesar de ter a participação de Ed Motta, acho que “Vida” vem da inspiração daquela época de Ivan Lins, o que é maravilhoso. teclas & afins materia de capa Então, tem a ver com a música brasileira, mas não só com a bossa nova e o samba, mas com outro aspecto de nossa música. “Driving Ambition” também. Não que tenha a ver com Ivan Lins, mas com o backbeat misturado com bossa nova e com uma levada tipo calango, uma coisa interessante misturada com ritmo brasileiro. Um calango bem mais lento, mas com aquela antecipação do contrabaixo com a bateria que pode levar as pessoas a pensarem que tem mistura com música latina também. Nesse disco há menos ênfase na improvisação e mais nas melodias e nos arranjos. Por que essa escolha? Foi minha intenção. Este não é um disco de jazz. É o 25° disco que faço e cada um tem sua história, sua intenção. A intenção deste era o de trazer essas músicas e mostrar esses arranjos. Ainda há momentos de improvisação, mas são mais curtos. Estou em uma fase de minha vida, já há alguns anos, em que acredito que essas improvisações de cinco chorus, hum... Acredito que consegui me especializar em entregar a mensagem em um chorus apenas, se for o caso. Uma coisa que sempre quis fazer é poder contar uma história naquele chorus. Não preciso ficar cinco ou seis chorus improvisando. Isso se torna mais agradável para o ouvinte e me dá oportunidade de fazer mais músicas em vez de fazer músicas tão longas com tantas improvisações. A presença de um cast de notáveis músicos brasileiros foi para oferecer o “sabor” daqui ao público internacional ou se deveu à necessidade de ter gente ambientada aos ritmos? Ainda há dificuldade de músicos de fora daqui, notadamente os americanos, de reproduzirem a rítmica brasileira? A rítmica brasileira não é representada ou reproduzida por americanos nem por músicos de lugar algum do mundo. Nossa autenticidade continua vindo do Brasil, com os brasileiros, especialmente quando se fala de instrumentos como violão, piano e bateria. No contrabaixo. tenho o Marc Johnson. Não existe outro contrabaixista acústico que eu possa imaginar fazendo o que ele faz. Porque ele não é somente um virtuose, mas traz aquela conversação, aquele diálogo do jazz, ainda mantendo os ritmos brasileiros. Johnson trabalha comigo há mais de 25 anos. Fora ele, não conheço nenhum músico estrangeiro que tenha esse suingue, especialmente quando falamos de instrumentos rítmicos e harmônicos como piano e violão. É diferente em instrumentos-solo como o trompete, que podem tocar sobre o ritmo. Jazz e bossa nova têm muitas interseções e até mesmo se influenciaram mutuamente. Para uma pianista que já trafegou por várias linguagens, essa ligação ainda é muito forte? Claro. Minha raiz é brasileira. O Jazz é fortíssimo dentro de mim. Essa interseção sempre vai existir. teclas & afins junho 2015 / 33 materia de capa Em Made In Brazil, você utilizou tanto o piano acústico quanto o Fender Rhodes. Como foi isso? Escolhi onde usar de acordo com cada música, com o som que tinha em mente. Não tenho usado Fender Rhodes por anos. Fazia tempo que não usava keyboard, teclado algum em gravações e shows. Mas, neste disco, achei bonito usar essa cor. A bossa nova ainda é o principal produto musical da exportação do Brasil e o estilo que melhor o caracteriza para o público mundial? O que o público americano conhece hoje de música brasileira? Falo não só de público americano, mas também de europeu. Eles conhecem Jobim e alguma coisa de Ary Barroso, por causa dos filmes de Walt Disney. Mas amam muito nosso ritmo e nossa harmonia, principalmente a beleza da música brasileira da época da bossa nova. Faço em média 220 dias de turnê por ano e levo nossa música para o mundo inteiro, juntamente com o jazz. Por conta disso, me tornei um nome importante em termos de representação dessa mistura de música brasileira com jazz. Faço um tratamento especial nos arranjos das músicas que entrego, que dão a chance para os instrumentistas, a pianista que sou e os virtuoses que trabalham comigo, também poderem se destacar com improvisações e com seus solos. É um show muito interessante. O mercado fonográfico está em crise há alguns anos. Qual sua opinião a respeito da distribuição digital de música? Como esse processo influencia na carreira de artistas e, principalmente, de instrumentistas? Está em crise, sim. Os CDs não vendem como antes. Mas, nem a música digital. As pessoas fazem streaming no Spotify e no Youtube e escutam o que querem no momento que querem. Para os músicos, é necessário sair e tocar ao vivo. Então, as pessoas que são capazes de criar álbuns porque contam com as enormes facilidades que os softwares oferecem, como refazer gravações, afinar as vozes, arrumar os solos, podem fazer um disco. Mas, como é preciso sair e tocar ao vivo... A prova fica aí. O que acaba sobrevivendo é o músico que realmente pode se apresentar ao vivo, que tem a capacidade de tocar tanto em gravações quanto no palco. Os que criam músicas que são boas para vender discos, tudo arrumadinho, feito de forma, às vezes, com todos os recursos da tecnologia, não vão viver da venda desses álbuns. O músico tem que estar apto, ter a capacidade de trabalhar ao vivo, para ser querido, ser chamado, contratado e poder apresentar seu trabalho. © Daniel Azoulay NA REDE 34 / junhO 2015 teclas & afins