Transnatural
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Transnatural
«O semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte.» Padre António Vieira ARTEZ Paulo Bernaschina “O futuro é muito tempo” “The future lasts a long time” O TRANSNATURAL é um projecto multidisciplinar que tem como tema o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, estrutura emblemática a nível nacional e internacional, que teve a sua origem na reforma universitária empreendida pelo marquês de Pombal no século XVIII. O ano de 2004 ficou marcado pelo início da mostra de cinema experimental no Jardim Botânico. Sob o signo da paisagem tempo/ paisagem afecto, delineou-se um conceito de programação transnatural que articulou o discurso cinematográfico com a própria morfologia deste espaço. As subsequentes edições não só contaram com a participação de novas vertentes artísticas, como tornaram a relação com a paisagem do Jardim mais intrínseca. Com efeito, introduziu-se uma dinâmica de encomenda de trabalhos inéditos realizados no Jardim Botânico. Algumas destas obras foram parte integrante do transnatural, concorrendo para uma substancial coincidência com o seu património cultural e natural. A presente edição converge para uma transnaturalidade que associa conteúdos de índole arquivista com trabalhos de autores em áreas transversais às ciências e artes. O itinerário aqui proposto conflui para uma narrativa integradora da sua própria temporalidade. TRANSNATURAL is a multidisciplinary project on the subject of the Botanical Garden of the University of Coimbra – a remarkable structure at national and international levels, with its origins in the university reform undertaken by the Marquis of Pombal in the 18th century. The year 2004 saw the start of an experimental film show in the Botanical Garden. Under the theme landscape time / landscape emotion, a concept of transnatural programming was defined in which the cinematographic discourse was related to the nature of the space itself. In subsequent editions, new artistic dimensions were added and a stronger connection was established between these works and the landscape of the garden. Original works started to be commissioned on the subject of the Botanical Garden, some of which took part in transnatural and contributed substantially to this linking of the cultural and natural heritage. This edition of transnatural brings together works of an investigative nature and texts by contemporary authors in areas oblique to the sciences and arts. In the itinerary suggested here, these all converge in a narrative that bears witness to the temporal nature of the Garden itself. Louis Althusser Louis Althusser 5 Alexandre Ramires André Cepeda António Júlio Duarte António Olaio Bénédicte Houart Bernard Plossu Conceição Riachos Francisco Queirós Graça Capinha HElder Gomes Hugo Santos Joana Brites João Apolinário João Rasteiro José Maçãs de Carvalho Luís Quintais Maria Lusitano Santos OSVALDO SILVESTRE Paulo Bernaschina Paulo Figueiredo Sandra Guerreiro Sebastião J. Formosinho Susana Paiva Teresa Siza Francisco Queirós, Índex Seminum et Sporarum, 2006 Braun & Hohenbrg 1572. Colecção António Ramires El Paraíso Perdido. jardín de coimbra The Lost Paradise. Coimbra garden Eugénio d´Ors Fielmente guardo la memoria de una hora meridiana, cierto día de mayo en el Jardín Botánico de Coimbra. Hora lenta y turbia, de perfumes vegetales y arrullos voluptuosos. Las palmeras esbeltas, ávidas de sol, subían, dominando desde muy arriba las frondas, que ahora olvidaban, en la altura de su palacio de luz; así mujer desvestida ante el espejo olvida, por el resplandor inteligente de los ojos, las sombras fieras que el instinto encontrara a media subir… Sí, las palmeras dominaban a los laureles; pero las trompetas marciales sonantes en algún cuartel vecino, no ahogaban el cálido gemir de las tórtolas. Voces de tórtolas, voces de trompetas, oídas en un jardín botánico... No hay paisaje acústico de emoción más característicamente barroca. Fue en aquella hora primaveral y solar, cuando me fue dada, en la pereza y en el recogimiento, la posesión de una verdad fecunda: a saber, que el barroco esta secretamente animado por la nostalgia del Paraíso Perdido. I have a memory, which I jealously guard, of a Mediterranean hour, one day in May, in the Botanical Garden of Coimbra. It was a slow slurred hour of vegetal perfumes and sensuous lullabies. The slender palms, greedy for sunlight, thrust upwards, overpowering the foliage, but then abandoning it when they reached their palace of light; like a woman undressed before a mirror, deserted by intelligent burning eyes, the ferocious shadows that instinct had encountered on its way up… Yes, the palms dominated the laurels; but the martial trumpets sounding in some nearby barracks could not drown out the warm cooing of the turtledoves. Voices of doves, voices of trumpets, heard in a botanical garden… There can be no soundscape of emotion more characteristically Baroque. In that primeval sun-filled hour of laziness and recollection, I came into possession of a fecund truth - the knowledge that the Baroque is secretly animated by nostalgia for the Lost Paradise. 1935 11 jardim de coimbra The Coimbra Garden Teresa Siza O Jardim Botânico abre para nós com o adequado portão de ornamento fracturado – com esse deliberado prazer em desconstruir as curvas geométricas da normalidade clássica; e aí, a própria regularidade dos muros que o rodeiam trazem consigo um sentido dinâmico do movimento das carruagens urbanas. Parece convir essa apelação ao enquadramento barroco na luxuriante convivência da vegetação exótica, na multiplicação das vidraças e do ver/sem ver, naquela voluptuosidade que arrisca a falsa solidez dos nenúfares: o Jardim Botânico faz transitar o iluminismo dos saberes desencontrados e a liberdade do barroco para um século XIX que se considerava a si mesmo o século das luzes e que mergulhava, com o olhar do observador no voyeurismo que tanto “espreitava pelo buraco da fechadura” como pelo microscópico. Aqui vemos a reconstituição dos seus momentos de crescimento e actualização, os espécimes que, antes de tudo, proclamam os constrangimentos do tempo, as aulas dos maiores, a investigação e os seus sábios de cátedra, muito progresso e muito aproveitamento cénico do saber, do atrevimento do saber. Mas o que nos lembram estas fotografias é a certeza de que com o cuidado dos jardins, com essa organizada mundividência num espaço limitado, estava inventada a paisagem e o enquadramento que observamos nestas imagens. A fotografia também é herdeira desses mundos interiores que são as paisagens e os jardins e é sobre esta arqueologia do olhar que tratam estas imagens. Um olhar que constrói uma apetência do olhar e uma compreensão do deslocamento, mas que, do mesmo modo, fazemos 12 The Botanical Garden opens its gate to us - all broken ornament, taking deliberate pleasure in deconstructing the geometric curves of the conventional classical style, the very regularity of the surrounding walls bringing a dynamic sense of movement, like urban carriages. It seems fitting, that appeal to the Baroque, in the luxurious conviviality of exotic vegetation, the proliferation of glass and the endless games of now you see me, now you don’t, in the voluptuousness that gambles on the deceptive solidity of water-lilies. In fact, the botanical garden takes us from the Enlightenment of diverging knowledges and the freedom of the Baroque into a 19th century that considered itself to be the true era if Light, plunging us into a kind of voyeurism in which the eye of the observer could spy through the keyhole as easily as it could look through a microscope. Here we can see registered all the various moments of its development and modernization - the specimens, which more than anything else proclaim the constraints of time; the lessons; the research; the wisdom of the professors; and of course, a great deal of progress and much staging of knowledge, the recklessness of knowledge. These photographs remind us that, with the cultivation of gardens and the organization of a worldview within a limited space, the whole concept of the framed landscape was effectively invented. Photography, too, is a descendant of those inner worlds of landscapes and gardens, and it is with this archaeology of the gaze that these images are concerned. This is a gaze that constructs an appetite for gazing and an understanding of the shift involved; but in the same way, it is transferred by us into the way we see and emigrar para o modo como vemos e construímos um pedaço de natureza dominada. E, portanto, suficientemente útil. construct a piece of domesticated nature. It is, therefore, quite useful. Autor desconhecido, Júlio Henriques, col. Dep. de Botânica UC 13 J. M. Santos, Entrada do Botânico, anos 90 séc XIX. Col. Alexandre Ramires A. F. Seabra. Estereoscopia. Alameda Júlio Henriques. Anos 50 séc XIX. Col. Alexandre Ramires A. F. Seabra. Estereoscopia. Estufa do Jardim Botânico. Anos 50 séc XIX. Col. Alexandre Ramires Autor desconhecido. Jardim Botânico. anos 20 séc XX. Col. Dep. Botânica UC Autor desconhecido. Estereoscopia. Jardim Botânico. 1870. Col. Alexandre Ramires Aurélio da Paz dos Reis. Estereoscopia. Aurélio e Homero. Jardim Botânico. 1889. Col. CPF Uma Visita a Portugal A visite to Portugal Hans Christian Andersen Saindo do claustro e da Igreja, as ruas sobem em direcção à Universidade — um vasto edifício que ocupa o terreno mais alto da cidade. Lá em cima, passamos por um dos portões da cidade que se encontram nas paredes arruinadas da fortaleza para entrarmos no jardim botânico, que é rico em flores raras e árvores. Enormes palmeiras e magnólias em flor exibem-se entre folhas abundantes e "naaletraes": no entanto, não se via vivalma aqui, e igualmente solitário estava o agradável passeio que ia do jardim aos antigos muros da cidade: por toda a parte crescia erva abundante e trepadeiras viçosas, e à direita do jardim havia laranjeiras, grandes ciprestes, e sobreiros. Encontrei alguns estudantes, todos com o seu trajo medieval: um ia sozinho, a ler; outros três passaram em conversa alegre, com a guitarra pendurada ao ombro; as suas diabruras desenfreadas naqueles sítios puseram-me de bom humor: era como se eu estivesse a viver um século atrás; naquela altura, um poema inteiro formou-se no meu pensamento, mas o seu vulto não chegou a tocar o papel. As you come out of the cloister and the Church, the roads climb towards the University, a vast building that occupies the highest part of the city. Up there, we went through one of the city gates in the ruined walls of the fortress and entered the botanical garden, which is rich in rare flowers and trees. There were enormous palms and magnolias in bloom showing themselves amongst the abundant foliage and "naaletraes": however, we didn’t see a living soul there, and our pleasant stroll through the garden to the ancient city walls was equally solitary. Everywhere grew abundant grasses and lush creepers, and on the right hand side of the garden were orange trees, large cypresses and cork oaks. I came across some students, all wearing their medieval gowns: one was alone, reading; another three passed in animated conversation, with guitars slung over their shoulders; their high-spirited antics put me in a good mood. It was as if I were living a century earlier. In fact, a whole poem formed in my mind while I was in that place, but it never managed to make its way onto paper. 1866 traduzido por Margarida Gil Moreira 23 o classificável the classifiable mata* kills Sandra Guerreiro fogo ar água terra fire air “The true, greatly misunderstood passion of the collector is always anarchistic, destructive. For this is its dialectics: to combine with loyalty to an object, to individual items, to things sheltered in his care, a stubborn subversive protest against the typical, the classifiable.” Walter Benjamin *can be both the substantive ‘vegetation’ and the verb ‘to kill’ in the 3rd person singular of the present simple or the 1st person singular of the imperative water earth fogo cego numa estirpe de fendas a respirar pelas linhas de luz que reflectem dos nós dos dedos pequenos. ar leve num cosmos de frisos a levitar pelas têmporas de água que jorram da pele das válvulas cheias. água painel de focos de gomos em suadas frestas no cimo dos ancinhos que se abriram dos corpos. terra de sangue em sumo de faísca abrindo o lume que oferece uma golfada de cal. plantada. blind fire on a root of fractures breathing through lines of light that reflect from the knuckles of the fingers small. light air in a cosmos of trims rising through the temples of water that gushes out of the skin of the full valves. water panel of spotlight buds in sweating breaches at the top of the rakes that opened up from the bodies. earth of blood in juice of spark opening the flame that offers a spurt of quicklime. planted 25 Fotografia Académica Conimbricense. Teixeira de Araújo. Jardim Botânico. 1869. Col. Alexandre Ramires Tílias Lindens Luís Quintais Alguém me fala de tílias. Conheço uma avenida de tílias. Atravesso-a todos os dias em direcção ao trabalho. E os dias começam bem, penso. Percorro esta atmosfera que me anuncia a manhã. Bem sei que terminarei o dia dobrado pelo incumprido. Mas agora há uma voz que me fala de tílias e uma avenida de tílias e a sagração do que me espera. Sincero jogo. Precário jogo. Someone talks to me about lindens. I know a street lined by lindens. I cross it every day on my way to work. And I think it’s a good way to start my day. The atmosphere wraps me with the feeling of morning. I know I’ll end the day defeated by what didn’t get done. But right now there’s a voice talking about lindens and a street lined by lindens and the consecration of what awaits me. An earnest game. A dangerous game. translated by Richard Zenith 28 Fotografia Académica Conimbricense. Teixeira de Araújo. Jardim Botânico. 1870. Col. Alexandre Ramires Jardim Botânico de Coimbra: contraponto entre a Arte e a Ciência Coimbra Botanical Garden: Counterpoint between Art and Science Joana Brites O Jardim Botânico de Coimbra nasce com a reforma pombalina da Universidade, constituindo um dos mais fiéis reflexos do espírito e objectivos que a impulsionaram. Com efeito, a renovação científica e pedagógica dos estudos, de acordo com as novas directrizes emanadas do movimento das Luzes e do experimentalismo, traduziu-se numa decidida aposta nas faculdades naturais, necessariamente apoiadas por estabelecimentos capazes de à teoria aliar a prática, introduzindo no processo de aprendizagem a observação e a demonstração1. É certo que o projecto de criação de uma tal valência na cidade não era novo pois, durante o longo reitorado de Francisco Carneiro de Figueiroa, Jacob de Castro Sarmento enviara àquele reitor, um plano, idealizado pelo arquitecto E. Oakley, com data de 1731, para a realização de um jardim botânico. O projecto [1] apresentava semelhanças com o Chelsea Physic Garden de Londres, o que se poderá explicar, não só pelo facto de Jacob Sarmento ter estado em Inglaterra, onde foi membro do Real Colégio dos Médicos, como também pela familiaridade entre o arquitecto Oakley e o Jardim londrino, para o qual desenharia, por esta altura, o projecto das estufas. Esta proposta pioneira denunciava já o intuito de articular a modernização da ciência botânica com o desenvolvimento da medicina. Não passaria, contudo, do papel, sendo necessário aguardar pelo pragmatismo férreo da «nova fundação» para que a formulação concreta de um horto botânico no espaço da Universidade visse a luz do dia. Os novos Estatutos foram publicados em 1772, na sequência do Compêndio histórico do estado da Universidade, apresen- Coimbra Botanical Garden dates from the Pombaline reform of the University, and faithfully reflects the spirit and aims of those times. Indeed, it emerged out of the scientific and pedagogical changes that were introduced in order to bring the curriculum into line with the values of the Enlightenment and experimentalism; this led to investment in science faculties, supported by establishments that emphasized the practical component, introducing observation and demonstration into the learning process1. The idea to create a botanical garden in the city was not in fact new. A plan for one [1], drawn up by the architect E.Oakley in 1731, had been sent to the rector of the University, Francisco Carneiro de Figueiroa, during his long period in office, by Jacob de Castro Sarmento. That first pioneering project, which aimed at forging links between a modernized botanical science and medicine, bore some resemblance to the Chelsea Physic Garden in London, which is not surprising if we consider that Jacob Sarmento had spent some time in England, where he was a member of the Royal College of Physicians, and that Oakley in fact designed the greenhouses for that garden at around the same time. However, it did not get further than the drawing board. It was necessary to await the iron pragmatism of the “new foundation” before any project could properly come to fruition. In 1772, the new Statutes were published, following the presentation, in 1771, to the king of the “Historical Compendium of the State of the University” by the Literary Providence Committee (which had been charged in 1770 with analysing the causes of the University’s decline and suggesting ways in 31 tado ao rei em 1771, pela Junta de Providência Literária, encarregue em 1770 de analisar as causas da decadência da Universidade e apontar os meios para a sua reestruturação. A par da profunda reformulação das faculdades existentes – Teologia, Cânones, Leis e Medicina –, era extinta a das Artes e criadas a de Matemática e a de Filosofia, ocupandose esta das Ciências da Natureza. Previa-se ainda a construção de diversos equipamentos: o hospital escolar, o teatro anatómico, o dispensatório farmacêutico (anexos à Faculdade de Medicina); o observatório astronómico (dependente da Faculdade de Matemática); e os gabinetes de História Natural e de Física Experimental, o Laboratório Químico e o Jardim Botânico (agregados à Faculdade de Filosofia). Com o propósito de complementar o Gabinete de História Natural, os Estatutos preconizavam a indispensabilidade de um jardim botânico, ditando, desde logo, os objectivos a que este espaço deveria obedecer: “Ainda que no Gabinete de Historia Natural se incluem as Producções do Reino Vegetal; como porém não podem ver-se nelle as Plantas, senão nos seus Cadaveres, secos, macerados, e embalsamados; será necessario para complemento da mesma Historia o Estabelecimento de hum Jardim Botanico, no qual se mostrem as Plantas vivas. Pelo que: No lugar, que se achar mais proprio, e competente nas vizinhanças da Universidade, se establecerá logo o dito Jardim: Para que nelle se cultive todo o genero de Plantas; e particularmente aquellas, das quaes se conhecer, ou se esperar algum prestimo na Medicina, e nas outras Artes; havendo o cuidado, e providencia necessaria, para se ajuntarem as Plantas dos meus Dominios Ultramarinos, os quaes tem riquezas immensas, no que pertence ao Reino Vegetal.”2 No sentido de levar à prática os Estatutos definidos, Sebastião José de Carvalho e Melo escreve uma carta, a 7 de Novembro de 1772, dirigida a D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, reitor da Uni- 32 which it could be restructured). With these, the existing faculties (Theology, Canon Law, Law and Medicine) were radically restructured, the Faculty of Arts was extinguished and new faculties of Mathematics and Philosophy were created, the last of which was to concern itself with the Natural Sciences. The construction of other facilities was also envisaged, including a teaching hospital, anatomical theatre, pharmaceutical dispensary (attached to the Faculty of Medicine), astronomical observatory (subordinated to the Faculty of Mathematics), and, within the Faculty of Philosophy, offices of Natural History and Experimental Physics, a Chemistry Laboratory and the Botanical Garden. The Statutes emphasised the importance of the Botanical Garden as a complement to the Natural History Office, and set forth its aims as follows: “Although the Office of Natural History contains examples from the vegetable kingdom, the plants included therein are no better than corpses, dried, macerated and embalmed. A Botanical Garden is thus a necessary complement to that History, in order to display living plants. Hence, such a garden shall be established in an appropriate place in the neighbourhood of the University, where all manner of plants shall be cultivated, particularly those that are known or hoped to offer some benefits to Medicine and other arts. Plants shall be collected there from my overseas territories, which are immensely rich as regards the vegetable kingdom.”2 The first step towards putting the Statutes into practice was taken by Sebastião José de Carvalho e Melo, the Marquis de Pombal, in a letter dated 7th November 1772 addressed to D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, rector of the University and main executor of the reform. The letter was accompanied by a list of specifications, in which a section of the grounds of the St Bento College was indicated as the most suitable site for the Botanical Garden. This opinion was corroborated by Domen- versidade e principal executor da reforma, fazendo-a acompanhar de uma memória onde se indicava a porção de terreno da cerca de S. Bento como a mais adequada para a instituição do «Horto Botânico», opinião corroborada por Domenico Vandelli, encarregado da direcção do novel Jardim, que então se encontrava na corte. A respeito da referida implantação acrescentava ainda que “o Abbade do Collegio de Saõ Bento, e todos os seus Frades; achando-se possuidos por hum terror pânico de que lhe hiam tomar parte do seu Collegio, e toda a sua cerca para se establecer o referido Horto: E querendo sacrificar huma parte para salvar o todo: Me viéram offerecer pelo seu Procurador Geral o Terreno, (…) o qual V. S.ª com os Professores da Faculdade pode hir ver; demarcar, e fazer murar, logo que se recolherem os Doutores Ciera, e Vandelli”. Rematava apelando ao uso prudente da referida oferta, a fim de não se estender para além do indispensável o Horto que, dizia, em nenhuma parte ter visto ser “huma Quinta extensa”3. A 3 de Fevereiro de 1773, o reitor-reformador tranquilizava o ministro, noticiando-o de que “já se acham n’esta cidade os Doutores Ciera, Vandelli e Dalabella, e com elles e Franzini irei ámanhã ver o sítio que V.ª Ex.ª designou para n’elle estabelecer-se o Jardim Botanico”4. Em resposta, o marquês de Pombal anunciava a vinda do tenentecoronel Guilherme Elsden, ensamblador ou marceneiro londrino, estabelecido em Portugal pelo menos desde 1763, que executava serviços de engenharia e arquitectura. Era este inglês, igualmente responsável por outros edifícios da reforma pombalina, que o estadista encarregava de delinear o Jardim “pelos apontamentos dos professores”5. Aos docentes cabia, na companhia de Francisco de Lemos, o reconhecimento do local. Cumprida com brevidade tal inspecção, verificou-se, porém, não ser o destinado sítio o mais apropriado, dada a existência de acentuados desníveis que implicariam ico Vandelli, who had been appointed curator of the new garden, and who was at that time at court. The letter went on: “The Abbot of the College of St Bento and all his friars, terrified of that their college and all its grounds would be taken over for the establishment of the Garden, and wanting to sacrifice a part to save the whole, offered me, through their legal representative, the terrain (…), which you and your Faculty professors may view, demarcate and enclose, as soon as Doctor Ciera and Doctor Vandelli return”. It concluded by urging that the offer be used prudently, not going beyond what was strictly necessary, for nowhere should the Garden be perceived as “an extensive estate”3. On 3rd February 1773, the reformer rector informed the Marquis that “Doctors Ciera, Vandelli and Dalabella are now in the city, and they and Franzini shall go tomorrow to the site that Your Excellency has designated for the establishment of the Botanical Garden”4. In his reply, the Marquis announced the arrival of Lieutenant Colonel William Elsden, a joiner or cabinetmaker from London, who had been based in Portugal since at least 1763, and who performed services in engineering and architecture. Elsden, who was also responsible for other buildings of the Pombaline reform, had been commissioned to demarcate the Garden “from the professors’ notes”5; the professors, for their part, were to survey the site in the company of Francisco de Lemos. However, following the brief inspection, it was decided that the site was not really suitable for the garden since it contained sharp differences in level, which would require “great expense in the creation of terraces one above the other and even so, would remain uneven”. The College garden, located in Alegria, near the so-called ‘Ínsua dos Bentos’, was considered as a second choice, but was also rejected as not viable “since it is very cramped, is exposed to flooding of the Mondego, would also require extensive 33 “fazer uma imensa despeza em sucalcos uns acima dos outros, e ainda depois de tudo isto ficaria sempre irregular”. Ponderada como segunda possibilidade a ocupação da horta do Colégio, situada na Alegria, junto à denominada Ínsua dos Bentos, concluiuse não ser igualmente viável “por ser muito apertado, ficar exposto ás inundações do Mondego, necessitar tambem de grandes sucalcos, e ficar longe da Universidade”. Finalmente, uma solução reuniu consenso: “a parte da mesma cêrca [dos monges beneditinos] que confronta de uma parte os Arcos da cidade, da outra com a estrada que vae para S. José dos Mariannos, e da outra com huma vinha dos ditos P.es Mariannos”. As vantagens de tal escolha residiam na proximidade da Universidade e dos Arcos, no fácil acesso a água através do Aqueduto do convento das freiras de Santa Ana e também na “circumstancia de ficar o Jardim visinho a uma estrada, que indireitada e alinhada fórma hum bello e necessario passeio publico para recreação dos Estudantes”6. Num ofício de 2 de Março de 1773, acompanhado por uma provisão da mesma data, o marquês de Pombal elogiava o cuidado posto no exame do terreno destinado ao dito estabelecimento, determinando a compra do mesmo, bem como a sua demarcação. No espaço de meses, os professores italianos enviam para Lisboa uma sumptuosa planta para o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Trata-se, presumivelmente, do desenho a tinta-da-china e aguada sobre papel [2] que se encontra na biblioteca do Departamento de Botânica, sem data ou assinatura devido à falha que apresenta na sua parte central supe- 34 terracing and is a long way from the University”. Finally, a consensus was reached. It was decided to construct the garden in “that part of the same grounds [i.e. of the Benedictine college] that at one side faces the city Aqueduct, at another faces the road that goes to S. José dos Mariannos, and at another a vineyard belonging to those Marian priests”. The advantages of this site lay in its proximity to the University and the Aqueduct, the easy access to water via the Aqueduct of the convent of Saint Anne, and also in the fact that "the Garden will be next to a road, forming a beautiful straight public promenade for the recreation of the Students”6. In an official letter of 2nd March 1773, accompanied by a writ of the same date, the Marquis praised the care taken in the examination of the land destined for the Garden, and announced his decision to purchase it and order its demarcation. Within months, the Italian professors had sent a sumptuous plant to Lisbon destined for the Botanical Garden of the University of Coimbra. This is presumably what is represented in a Chinese ink and watercolour drawing on paper [2] in the Botany Department library, though unfortunately its date and signature are missing due to the fact that the part of the paper where this information would have been given, together with the key to the plan, is torn. The massive project for the Garden is remarkably similar to the undated “Sketch of the Botanical Garden for the University of Coimbra” [3] by Júlio Mattiazzi, published together with the other “Sketches for Works on the University of Coimbra” in 1983 by the Machado de Castro National Museum. This project was probably prepared after the other, since it is somewhat simplified in relation to it. It contains fewer flowerbeds, fountains and sculptures, and the arboretum is laid out differently, in the form of a square subdivided into four. rior, onde se leriam essas informações, bem como as legendas do plano. O colossal projecto do Jardim apresenta uma notória semelhança com o Risco do Jardim Botânico para a Universidade de Coimbra [3], não datado, da autoria de Júlio Mattiazzi, publicado juntamente com outros Riscos das obras da Universidade de Coimbra, em 1983, pelo Museu Nacional de Machado de Castro. Este projecto foi, com probabilidade, formulado a jusante do primeiro, pois denota em relação a ele alguma simplificação. As diferenças resultam da redução do número de canteiros e de fontes de repuxo, bem como das peças escultóricas. O arboreto evidencia ainda uma disposição distinta, assumindo a forma de um quadrado, subdividido em quatro. Ambos os desenhos denunciam fortes paralelismos com o Jardim Botânico de Pádua, fundado em 1545. Com efeito, o esquema do círculo de canteiros que envolve o quadrado central, dividido, por sua vez, em quatro canteiros, é comum aos dois hortos. A distribuição das fontes de repuxo nesta zona coincide igualmente, tal como se verifica pelo confronto das respectivas plantas. Ora, esta «marca» paduana deve ser compreendida à luz do percurso de dois homens, cujo rumo passou quer por Pádua, quer por Coimbra. Referimo-nos a Domenico Vandelli e a Júlio Mattiazzi, ambos nascidos na dita cidade italiana e familiarizados com o seu Jardim. O primeiro, naturalista de reconhecido prestígio, concluiu os cursos de filosofia natural e medicina na Universidade de Pádua em 1761 e manteve correspondência com Lineu entre 1759 e 1773. Chega a Lisboa, a convite do marquês de Pombal, em 1764, à partida destinado à docência no Colégio dos Nobres mas, na realidade, sem exercício de funções oficiais até 1768, altura em que aparece nomeado para dirigir as obras do Jardim Botânico da Ajuda. Em 1772 vem para Coimbra ensinar química e história natural na recém criada Faculdade de Filosofia, tendo-se nela graduado gratui- Both designs have strong parallels with the Botanical Garden of Padua, founded in 1545. In fact, the scheme of a circle of flowerbeds around the central quadrangle, divided in turn into four beds, is shared by the two gardens, while the fountains in this area are distributed in a very similar manner, as comparison of the two plans clearly shows. This influence must surely be understood in the light of the careers of two men, whose path passed through both Padua and Coimbra. We are of course referring to Domenico Vandelli and Júlio Mattiazzi, who were both born in Padua and were familiar with its garden. The former, a naturalist of acknowledged prestige, completed his degrees in natural philosophy and medicine at the University of Padua in 1761 and maintained a correspondence with Linnaeus between 1759 and 1773. He was invited to Lisbon by the Marquis of Pombal and arrived in 1764, ostensibly to take up a lectureship at the College of Nobles, though he did not in fact perform any official functions until 1768, when he was appointed to supervise the works being carried out at the Ajuda Botanical Garden. In 1772 he came to Coimbra to teach chemistry and natural history in the recently created Faculty of Philosophy, graduating from it on 9th October of that year and on 12th of the same month from the Faculty of Medicine. The Statutes stipulated that the lectureship in natural history should entail responsibility for the Botanical Garden, and so he directed it until his retirement in January 1791, when he was replaced by Félix Avelar Brotero. 35 tamente a 9 de Outubro desse ano e a 12 do mesmo mês na Faculdade de Medicina. A leccionação de história natural acarretava, cumulativamente, tal como se previa nos Estatutos, a «intendência» do Jardim Botânico, tarefa que exerceu até Janeiro de 1791, ano em que se jubilou e foi substituído na direcção do Jardim por Félix Avelar Brotero. Vandelli surge-nos associado a outros dois paduanos que se debruçariam sobre o horto conimbricense. João António Dalla-Bella, graduado a 4 de Maio de 1773 na Faculdade de Medicina e na de Filosofia, onde ensinou física, integrou, como acima relatámos, o grupo de professores que, juntamente com o reitor, visitaram e analisaram o local para o estabelecimento do Jardim. Mas é sobretudo Júlio Mattiazzi que nos importa destacar, uma vez que, antes de ser trazido por Vandelli para Portugal, em 1768, para com ele colaborar em Lisboa e em Coimbra, desempenhava funções de jardineiro no Jardim Botânico de Pádua. Não é, por conseguinte, de estranhar que o risco do Jardim da Universidade por ele executado deixe transparecer o modelo do da sua cidade natal. Permanece incerto o lugar de Guilherme Elsden no delineamento do inicial programa do Jardim, não sendo possível assegurar ser da sua autoria a planta guardada na biblioteca do Departamento de Botânica. Por um lado, sabe-se que, em Maio de 1773, o tenente-coronel já havia chegado a Coimbra e, à partida, tudo indica que se tenha dedicado a tal tarefa, uma vez que o marquês o havia expressamente responsabilizado pela mesma. Aliás, quando, em Fevereiro de 1773, D. Francisco de Lemos escrevia ao ministro sobre a análise do terreno para o Jardim e o andamento das restantes obras universitárias, garantia que “fico esperando o tenente-coronel Elsden para com elle conferir tudo quanto respeita á execução das Plantas que V.ª Ex.ª foi servido remetter-me, e o mais que for preciso. E sem elle nada obrarei”7. A própria planta do 36 Vandelli’s name frequently appears associated with two other Paduans that were also connected to the Coimbra Garden, João António Dalla-Bella and Júlio Mattiazzi. Dalla-Bella, who graduated on 4th May 1773 from the Faculty of Medicine and Philosophy, where he taught physics, was in the group of professors that, together with the Rector, visited and analysed the site for the Garden, as we have mentioned. But it is Júlio Mattiazzi that is most deserving of our attention, since before being brought to Portugal by Vandelli in 1768 to collaborate with him in Lisbon and Coimbra, had been the gardener at the Botanical Garden of Padua. It is therefore not surprising that his sketch for the University Garden should reflect features of the model in his native city. The role played by William Elsden in the delineation of the initial programme for the Garden remains unclear, since we do not know for certain if the plan kept in the Botany Department library is in fact by him. On the one hand, we know that he arrived in Coimbra in May 1773 and everything indicates at the outset that he was to undertake the task, since the Marquis had expressly appointed him for it. Indeed, when D. Francisco de Lemos wrote to the minister in February 1773 about the analysis of the terrain for the Garden and the progress of the remaining university works, he assured him that he was “awaiting Lieutenant-Colonel Elsden to discuss with him the plans that Your Excellency has sent me and anything else that is deemed necessary. Until he comes I shall not proceed”7. The plan itself, which had been drawn in the meantime, also reveals ignorance of the unevenness of the terrain, which could be explained by the fact that Elsden had not accompanied the rector and professors on their visit to the site, having been in Lisbon at the time “incapacitated with an attack of gout”8. On the other hand, we do not have his sig- Jardim entretanto concebida deixa transparecer um certo alheamento relativamente ao seu desnivelado terreno de implantação, o que se poderia explicar pelo facto de Elsden não ter acompanhado o reitor e os professores na visita ao local, por se encontrar nessa altura ainda em Lisboa, “impossibilitado com um accidente de gota”8. Por outro lado, não temos a sua assinatura no projecto depositado na referida biblioteca, presumivelmente o enviado a Pombal, nem tão pouco a avaliação que dele o ministro fez refere Elsden como autor, sendo apenas vagamente mencionada “a Planta, que esses Professores delinearam”, esclarecendo-se, mais adiante, que “os ditos professores saõ italianos” 9. A própria feição barroca da molduração do plano afasta-se do traço neoclássico que caracteriza os edifícios projectados por Elsden para a Universidade e, recorde-se ainda, o carácter paduano da planta não poderia resultar da experiência de um engenheiro inglês. Além disso, no relatório que Elsden dirige a Sebastião José de Carvalho e Melo, dando-lhe conhecimento dos trabalhos que, no âmbito das obras da Universidade, executou precisamente entre Julho e Setembro de 1773, não faz qualquer referência ao traçado da planta para o Jardim. Certo é o facto de uma primeira proposta não ter sido aprovada. Num ofício de 5 de Outubro de 1773, o estadista rejeita veementemente o “dilatado espaço”, talhado “pelas medidas da (…) Fantasia”, o qual “absorberia os meyos pecuniarios da Universidade antes de concluir-se”. Frisando que “as couzas naõ saõ boas, por que saõ muito custozas, e Magnificas; mas sim, e taõ somente, porque saõ proprias, e adequadas para o uso, que dellas se deve fazer”, ordenava que se delineasse outro plano, “reduzido somente ao numero de Ervas Medicinaes, que saõ indispensaveis para os exercicios Botanicos, e necessarios para se darem aos Estudantes as noçoens precizas para que naõ ignorem esta parte da Medicina; nature on the plan that is in the library (presumably the one sent to Pombal), nor does the Marquis’ assessment of it make any mention of Elsden as author. Instead it vaguely mentions “the plan that those professors drew up”, clarifying later on that “the aforementioned professors are Italian”9. The Baroque flavour of the ground plan is also quite different from the neoclassical style of the buildings designed by Elsden for the University; and of course, the Paduan influence could not have resulted from the experience of an English engineer. Moreover, the report that Elsden addressed to Sebastião José de Carvalho e Melo informing him of the works that he had undertaken at the University between July and September 1773 made no mention of the plans for the Garden. What is clear, however, is that the first proposal was not approved. In an official letter dated 5th October 1773, the Marquis vehemently rejected the “extensive space”, shaped “with fantastic dimensions”, which “would absorb the pecuniary resources of the University before it is finished”. Adding that “things are not good simply because they are very costly and magnificent, but rather, and only, because they are appropriate and suitable for the use that is to be made of them”, he ordered another plan to be drawn up, “reduced only to the number of medicinal herbs that are indispensable for botany exercises, and necessary to give the students precise notions so that they are not ignorant of that part of Medicine; (…) leaving for another time all that is botanical luxury, at present spreading all over Europe”. To dispel any doubts, he explained that the new design should be no bigger and no more sumptuous than Chelsea Garden, which he would certainly have known, having been stationed in London on diplomatic duty between 1739 and 1743. Finally, he advised that “a budget be calculated that is appropriate for a boys’ Study Garden, 37 (…) Deixando-se para outro tempo o que pertencer ao Luxo Botanico, que actualmente grassa em toda a Europa”. Para dissipar qualquer dúvida, esclarecia que a nova concepção não devia ser nem maior nem mais sumptuosa do que a do Jardim de Chelsea em Londres, certamente familiar ao marquês que nesta cidade desempenhara funções diplomáticas entre 1739 e 1743. Por fim, recomendava que “se calcule por hum justo Orçamento o que hade custar o tal Jardim de Estudo de rapazes, e naõ de Ostentaçaõ de Princepes, ou de particulares, daquelles extravagantes, e Opulentos, que estaõ arruinando grandes Cazas na Cultura de Brêdos, Beldroégas, e Poejos da India, da China e da Arabia.”10 Os trabalhos acabariam por se iniciar sob planos mais modestos, mantendo, todavia, um traço tipicamente italiano. A Universidade tomou conta do terreno a 16 de Janeiro de 1774 e sem demora as obras foram avançando. Principiou-se a construção da muralha de suporte do lado da cerca dos Beneditinos, bem como as obras de terraplanagem. Para ambas foram aproveitadas grandes quantidades de pedra e entulho, provenientes de demolições de parte do edifício dos Jesuítas e do castelo. Em Novembro desse ano o Horto Botânico estava pronto para receber as primeiras plantas, vindas por mar. Da sua plantação era encarregado Júlio Mattiazzi, jardineiro do Real Jardim Botânico da Ajuda, o qual deveria regressar à corte após o cumprimento de tal diligência, ficando João Luís Rodrigues responsável por delas cuidar, tornando-se este, assim, o primeiro jardineiro do novo Jardim. Desconhece-se o alcance da acção de Mattiazzi, aquando da sua presença em Coimbra, no âmbito da imposta redefinição do Jardim exigida por Pombal. Sabemos que o jardineiro tinha propensão a arquitecto, pois, quando Vandelli caracterizou o seu desempenho, na parcial administração do Real Museu de História Natu- 38 rather than for the ostentation of princes or private individuals, that extravagance and opulence that is ruining the great houses with the cultivation of amaranth, purslane and pennyroyal from India, China and Arabia.”10 When the work eventually started, it was based upon more modest plans, though retaining typically Italian traits. The University took over the land on 16th January 1774 and work went ahead without delay. It began with the construction of a support wall alongside the grounds of the Benedictine College, and with the levelling of the land. Both operations made use of large quantities of stone and rubble from the demolition of part of the Jesuits’ building and the castle. In November of that year, the Botanical Garden was ready to receive the first plants, which were brought in by sea. Júlio Mattiazzi, gardener for the Royal Botanical Garden of Ajuda, was responsible for the planting, but returned to court afterwards, leaving João Luís Rodrigues in charge of looking after them. It was he who thus became the first gardener of the new Garden. The extent of Mattiazzi’s actions as regards the redefinition of the Garden in accordance with Pombal’s demands is not known. However, we do know that the gardener had a certain propensity for architecture, for Vandelli, describing his compatriot’s partial administration of the Royal Museum of Natural History and Botanical Garden of Ajuda while teaching in Coimbra, specifically mentioned his fascination with architecture. The Paduan’s experience may therefore have resulted in a reconfiguring of the terrain, although there are no known documents that confirm it. Mattiazzi’s stay was relatively short, and he was probably on his way back to Lisbon in January. We are sure, however, that, shortly after the arrival of the gardener, alterations were made to the area and levelling of the Garden. In fact, the Rector, who wanted to increase ral e Jardim Botânico da Ajuda durante o período em que o naturalista assegurava a docência coimbrã, deixa bem claro a sedução do seu compatriota pela arquitectura. Da experiência do paduano poderia ter resultado uma reconfiguração do terreno. No entanto, desconhece-se qualquer documento que o confirme. A estadia de Matti azzi foi relativamente curta e, provavelmente em Janeiro, estaria já de volta a Lisboa. Resta-nos a certeza de que, pouco depois da vinda do referido jardineiro, se realizaram alterações ao nível da área e nivelamento do Jardim. De facto, entendendo-se necessário aumentar o terreno destinado às culturas, o Reitor estendeu, através da compra de um olival, a área do Jardim até à estrada pública e pediu autorização ao Governo para adquirir mais terreno, com vista a conferir ao Horto uma forma mais regular. Concedida a licença a 7 de Dezembro de 1774, a compra foi ajustada com os frades marianos, apesar de só muito mais tarde ter sido realizada. A partir de 1777, com o falecimento do rei D. José I e a consequente «morte política» do marquês, o abrandamento do ritmo das obras universitárias não deixou de se reflectir também na construção deste estabelecimento, apesar dos esforços movidos por D. Francisco de Lemos para cativar a atenção da nova rainha, D. Maria I. A Relação geral do estado da Universidade redigida pelo reitor-reformador e remetida, em 1777, à soberana, materializa o intuito de não deixar cair por terra a reestruturação principiada. Misto de justificação da própria reforma e de balanço da obra feita e da por realizar, o texto salienta, na parte referente ao Jardim, o facto de este continuar longe de estar terminado pois, à excepção de uma pequena estufa construída em 1776, os trabalhos e verbas gastas até então (1.349$045 reis) tinham sido essencialmente dedicados a entulhar as partes baixas, a fim de se obter no recinto “a igualdade possivel”11. the amount of land given over to cultures, bought an olive grove and extended the Garden as far as the public road; he also applied for authorization from the Government to acquire more land in order to make it more regular in shape. After the granting of the licence on 7th December 1774, the purchase was negotiated with the Marian friars, although the deal was only finalized much later. From 1777, with the death of the king D. José I and the consequent political demise of the Marquis, there was a slackening of momentum as regards the building works at the university, reflected also in the construction of the Garden, despite the efforts of D. Francisco de Lemos to interest the new queen, D. Maria I, in the project. The “General Report on the State of the University” drawn up by the reformer rector and sent to the sovereign in 1777 reflects his intention not to abandon the plan for restructuring. The text, which both justifies the reform itself and presents a balance of the works done and still to do, mentions that the Garden was far from being finished; with the exception of a small greenhouse built in 1776, almost all the work and funds spent until then (1349$045 reis) had been directed at filling in the low parts in order to obtain a surface “as level as possible”11. It is believed that this manuscript was complemented by a volume entitled, on the binding, Riscos das Obras da Universidade de Coimbra (“Sketches for Works on the University of Coimbra”), which included not only a description of the state of the new constructions in September 1777 and a list of expenses, but also a series of thirty drawings of those constructions. The last two concern the Botanical Garden: one is the plan drawn up by Júlio Mattiazzi, which we have already described; the other is the “Sketch of the Greenhouses of the Botanical Garden of the University of Coimbra” [4], undated and unsigned. Curiously, there is a very similar drawing to this in the Botany 39 Este manuscrito tinha como complemento, segundo se crê, um volume intitulado, na encadernação, Riscos das Obras da Universidade de Coimbra, o qual compreende, além da descrição do estado em que se encontravam, em Setembro de 1777, os novos estabelecimentos, bem como da enumeração das despesas, uma série de trinta desenhos, relativos a essas construções. Os dois finais dizem respeito ao Jardim Botânico: um é o plano elaborado por Júlio Mattiazzi, sobre o qual já nos detivemos; o outro é o Risco das Estufas do Jardim Botanico da Universidade de Coimbra, sem data ou assinatura Department. Entitled Risco das Estufas do Real Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (“Sketch of the Greenhouses of the Royal Botanical Garden of the University of Coimbra’) [5], the grandiose project shows, despite visible deterioration, the ground plans, elevations and cross-sections of the greenhouses, with a key on the left hand side. The ground plan of the main greenhouse shows nine compartments: in the centre was the “lichen house”, to the left of which, in the upper half of the building, was a temperate house, a hot house, another [4]. Curiosamente, este último encontra também, na biblioteca do Departamento de Botânica, um desenho que muito se lhe assemelha. Titulado Risco das Estufas do Real Jardim Botânico da Universidade de Coimbra [5], o grandioso projecto apresenta, pese embora a sua visível deterioração, as plantas, alçados e cortes das estufas, cuja interpretação nos é facilitada pela legenda à esquerda do conjunto. A planta da estufa principal apresenta nove compartimentos: ao centro localiza-se a “caza das liçoens”; à sua esquerda, do meio para o topo do edifício, prevê-se um tepidário, um “calidário”, um novo tepidário e, por fim, uma casa destinada à conservação temperate house and finally, a place for the conservation of seeds and the “dry herbarium”. To the right of the lichen house is the same succession of temperate and hot houses, culminating in a room destined for the “botanical library”. A “bench of green” covers the corridor of the stoves which, at the back of the greenhouses, controls the temperature of the various sections. The main façade, which contained eight doors into the “greenhouse passage”, is punctuated at intervals, according to neoclassical taste, by a sequence of rounded arches on rustic-style pillars, on top of which is a balustrade decorated with alternating vases and statues. The statues are all 40 das sementes e “erbario seco”; à direita da casa das lições surge-nos a mesma sucessão de tepidários e “calidário”, rematada, no extremo, por uma divisão destinada a “livraria botanica”. Uma “banqueta de verdura” cobre o corredor dos fornos que, na parte posterior das estufas, permitem controlar a temperatura das várias secções. A fachada principal, na qual se abrem oito portas para a “serventia das Estufas”, é ritmada, ao gosto neoclássico, por uma sequência de arcos redondos assentes sobre pilares rusticados, encimada por uma balaustrada decorada por uma alternância identified by a Latin name carved into the plinth of each one, confirming the erudite and symbolic character of this construction. From right to left, we have the following figures: Avicenna (Arab doctor and philosopher), Galen (one of the greatest doctors of antiquity), Hippocrates (Greek doctor, considered the “father of medicine”), Bauhino (Swiss doctor and botanist), Cesalpino (Italian doctor and philosopher), Dioscorides (Greek doctor and naturalist), Pliny (Roman soldier, imperial official, historian and scientist, and author of the Historia Naturalis) and Theophrastus (philosopher and scien- de vasos e estátuas. Graças ao nome latino inscrito no plinto de cada escultura, é-nos possível identificá-las na totalidade, confirmando o carácter erudito e simbólico desta construção. Da direita para a esquerda sucedem-se as seguintes figuras: Avicena (médico e filósofo árabe), Galeno (um dos maiores médicos da Antiguidade), Hipócrates (médico grego, considerado o “pai da Medicina”), Bauhino (médico e botânico suíço), Cesalpino (médico e filosofo italiano), Dioscórides (médico e naturalista grego), Plínio (militar, funcionário imperial, historiador e cientista romano, autor da Historia Naturalis) e Teofrasto (filósofo e cientista sucessor de Aristóteles e autor de uma vasta produção, onde se incluem tist that succeeded Aristotle, and author of a vast oeuvre, including the works History of Plants and Causes of Plants, which earned him the epithet of creator of botany). In the centre of this imposing corpus is a triangular pediment crowned with the Portuguese royal coat-of-arms, itself flanked by two allegorical figures. At the right end of the building is the door leading into the greenhouses on the Bentos side, overlooked by the sculptures of Avicenna and Petiver (English botanist); at the opposite end, a statue of Theophrastus and another of Micheli (Florentine botanist) complete a window that “overlooks part of the Mondego”. The pediment over the door leading into the lichen house, on the 41 as obras Historia das Plantas e Causas das Plantas, as quais lhe valem o epíteto de criador da botânica). Ao centro deste imponente corpo destaca-se um frontão triangular coroado pelo escudo real português, ladeado, por sua vez, por duas figuras alegóricas de cada lado. Na extremidade direita do edifício situase a porta de ingresso para as estufas do lado dos Bentos, sobrepujada pelas esculturas de Avicena e Petiver (botânico inglês); no extremo oposto, uma estátua de Teofrasto e outra de Micheli (botânico florentino) rematam uma janela que “cahe p.ª a parte do Mondego”. A frontaria da porta de ingresso para a “caza das liçoens”, do lado dos Bentos, é adequadamente coroada por quatro estátuas de botânicos que foram professores em universidades europeias em finais do século XVII e inícios do XVIII: Pontedera (botânico italiano, professor da Universidade de Pádua e director do Jardim Botânico desta cidade), Morison (médico e botânico inglês, professor na Universidade de Oxford), Dillen (botânico alemão, docente em Oxford) e Lineu (célebre naturalista sueco, professor na Universidade de Upsala). Concomitantemente, o projecto prevê a construção de uma estufa de menor dimensão e modesto acabamento que serviria para as “sementeiras de America e Africa q dependem de muito calor”. Comparativamente ao plano das estufas que acompanharia a Relação geral do estado da Universidade, este desenho denota um maior desenvolvimento pois, além da descrição das construções já mencionadas, igualmente presentes no projecto enviado em 1777, contempla mais três edificações: o portal de entrada para o Jardim da parte dos Bentos, decorado com a representação de Hércules, famoso herói grego, e Minerva, deusa romana da sabedoria, do qual se faria uma cópia para o ingresso da parte dos Carmelitas Descalços; o portal de ingresso ao Jardim pela rua da Alegria, adornado com uma estátua de Fortuna, deusa romana 42 Bentos side, is appropriately crowned with statues of four botanists that were professors in European universities at the end of the 17th and beginning of the 18th centuries: Pontedera (Italian botanist, professor at the University of Padua and curator of that city’s botanical garden), Morrison (English physician and botanist, and professor at the University of Oxford), Dillen (German botanist and lecturer at Oxford) and Linnaeus (famous Swedish naturalist, professor at the University of Uppsala). The project also envisaged the construction of a smaller greenhouse with more modest finishings that would serve as “seedbeds for plants from America and Africa that require a lot of heat”. Compared to the plan of the greenhouses that accompanied the “General Report on the State of the University”, this one is more developed, since, in addition to the description of the constructions already mentioned, also present in the project sent in 1777, it includes three more buildings: the gateway into the Garden from the Bentos College, decorated with a representation of Hercules, the famous Greek hero, and Minerva, the Roman goddess of knowledge, a copy of which was later made for the entrance from the Barefoot Carmelites; the gateway into the Garden from Alegria Street, adorned with a statue of Fortuna, the Roman goddess of luck, and another of Ceres, Roman earth mother goddess; and the ground plan and cross section of the staircase that allowed access to the Garden from the public footpath, and the gateway protecting it, decorated with two sculptures, including Asklepius, the Roman god of medicine. A comparison of the two sketches reveals that the undated drawing from the Botany Department library was probably executed before the one in the album “Sketches for Works on the University of Coimbra” that was sent to the queen. In fact, it could have accompanied the first Botanical Garden do Acaso, e outra de Ceres, deusa maternal da Terra para os romanos; a planta e corte da escada que permitiria o acesso ao Jardim pelo passeio público, bem como o portal que a resguardaria, guarnecido de duas esculturas, entre as quais Esculápio, deus romano da medicina. Do confronto entre ambos os riscos podese, portanto, concluir que, embora o desenho da biblioteca do Departamento de Botânica não patenteie uma data, ele terá sido, com probabilidade, formulado antes daquele que viria a integrar o álbum Riscos das Obras da Universidade de Coimbra, enviado à rainha. Poderia, com efeito, ter acompanhado o primeiro projecto para o Jardim Botânico avaliado e recusado, pela sua sumptuosidade, em 1773 pelo marquês. Por outro lado, o facto de tanto o plano do Jardim como o das estufas que se acham na dita biblioteca encontrarem um «correspondente» nos desenhos enviados em 1777 à soberana, leva-nos a considerar a hipótese de ter havido, da parte do reitor, a tentativa de retomar a configuração outrora reprovada pelo ministro de D. José. Se assim foi, o intuito de D. Francisco de Lemos não vingou uma vez mais, pois nem estas estufas foram construídas, nem o Jardim obedeceu ao grandioso feitio. O remediado plano seguido parece ter sido, afinal, o resultado da adaptação das linhas italianas às possibilidades económicas, às sensibilidades dos que sobre este espaço se foram debruçando, aos condicionalismos do terreno e das ocasiões e às necessidades pedagógicas que reclamavam um ponto final a este moroso processo construtivo. O ano de 1779 assinala a exoneração de D. Francisco de Lemos, o qual só voltaria ao governo da Universidade vinte anos mais tarde. Neste entretanto, correspondente aos reitorados de D. José Francisco de Mendonça e D. Francisco Rafael de Castro, prosseguiram os trabalhos. Edificou-se uma casa para as lições de botânica. Em 1790 ficou terminado o terrapleno inferior, ainda project that had been assessed and rejected by the Marquis for being too sumptuous. On the other hand, the fact that the plans of both garden and greenhouses found in that library have a counterpart in the drawings sent in 1777 to the queen suggests that there may have been an attempt on the part of the rector to revive the earlier configuration rejected by the Marquis. If so, then it was unsuccessful a second time round, for the greenhouses remained unbuilt and the garden did not follow the grandiose design. The plan that was eventually adopted seems to have been the result of an adaptation of Italian lines to the economic possibilities, the sensibilities of those involved, the limitations of the terrain and circumstances, and educational needs, which demanded an end to the longwinded process of construction. In 1779 D. Francisco de Lemos was discharged from his position as rector, only returning to govern the University twenty years later. During this interval, under the rectorates of D. José Francisco de Mendonça and D. Francisco Rafael de Castro, the works went ahead. A house was built for botany lessons. In 1790, the lower level, still today known as the “central quadrangle”, was completed, as was the tank in the middle of it and the plumbing system used for most of the waters. In this period, the order was also given to construct a larger greenhouse, as the existing one “would not satisfy the purposes for which it had been built”12. The plan for the greenhouses of the Botanical Garden, signed by Manuel Alves Macomboa and dated April 1791, responds to this need. This master carpenter, who had been called by the Marquis in 1773 to work on the University buildings, had also since 1777 performed the role of master stonemason and, following the death of William Elsden, took over the function of architect in 1782. His designs of the ground plan and elevation of the main façade of the greenhouses, 43 hoje conhecido por «quadrado central», o tanque situado no meio deste e o encanamento de grande parte das águas. É igualmente desta época a ordem de construção de uma estufa de maiores dimensões, visto que a existente “não satisfazia o fim a que era destinada”12. O projecto para as estufas no Jardim Botânico, assinado por Manuel Alves Macomboa e datado de Abril de 1791, articula uma resposta a esta necessidade. Chamado pelo marquês, em 1773, para as obras da Universidade, este mestre carpinteiro acumula, desde 1777, os serviços de mestre pedreiro e, depois do falecimento de Guilherme Elsden, assume, a partir de 1782, a função de arquitecto. O desenho que faz da planta e alçado da fachada principal das estufas, para o qual apresenta duas propostas divergentes apenas na altura, filia-se num sóbrio classicismo. Três vãos laterais emolduram um arco central encimado por frontão triangular em correspondência com a porta de entrada, igualmente dotada de frontão triangular, interrompido por um medalhão com “Busto [que] pode ser de Lineu = querendo=”13. Desconhece-se se este traçado veio a ser executado. No entanto, a julgar pelo Mapa do terreno que ocupa o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra [6], elaborado em 1795 por Macomboa, parece-nos que tal proposta veio a ter, de forma parcial, seguimento. De facto, a planta das estufas delineada no dito mapa assemelha-se à proposta por si avançada em 1791, indicando-se a parte já acabada e a somente projectada. Este mapa dá-nos ainda conta do andamento dos trabalhos, representando já os lanços de escadas e parapeitos do grande quadrado inferior que haviam sido terminados em 1794. Neste ano foram também concluídos os portões de acesso ao quadrado central, encontrandose no do lado Este uma inscrição laudatória a D. Maria com a data de 1791. Em 1799 o bispo-conde D. Francisco de 44 for which he presented two proposals that differed only as to height, are in a sober classical style. Three side bays frame a central arch topped by a triangular pediment, leading to a doorway, also with triangular pediment, decorated with a medallion bearing a “bust [that] could be Linnaeus”13. We do not know if this design was ever executed. However, judging by the “Map of the terrain occupied by the Botanical Garden of University of Coimbra” [6] drawn in 1795 by Macomboa, it would seem that it was at least partially followed. In fact, the outline of the greenhouses in that map resembles his own proposal put forward in 1791, indicating the part that was already completed and that which was merely planned. This groundplan also informs us of the progress of the works and already shows the flights of stairs and parapets of the large lower quadrangle that had been finished in 1794. In that year, the doorways giving access to the central quadrangle were also finished, with an inscription in praise of D. Maria, dated 1791, on the eastern side. In 1799, the bishop-count D. Francisco de Lemos returned to direct the University, remaining in the post until 1821. From the moment he resumed functions, he committed himself to furthering the works on the Botanical Garden, an effort which unfortunately was less fruitful than in his first period in office, given the context, marked by the French invasions and political convulsions on the national scale. In 1801, he ordered the construction of the stairs on the second level. The unsigned and undated design in Chinese ink and watercolour on paper that is found in the General Library of the University of Coimbra was probably the project for the stairs linking the second and third levels of the Garden, drawn up at the end of the 18th century and put into practice at the beginning of the 19th. In fact, this plan was clearly followed since, on both the north and south sides of the Garden, the staircases leading to Lemos retoma a direcção da Universidade, mantendo-se no cargo até 1821. Logo que reassumiu funções empenhou-se em dar o maior desenvolvimento às obras do Jardim Botânico, esforço que, porém, não viria a ser tão frutífero como no seu primeiro reitorado dado o contexto, marcado pelas invasões francesas e pelas convulsões políticas nacionais, em que se desenrolou. Em 1801 ordenou a construção das escadas do segundo plano. O desenho a tinta-da-china e aguada castanha e cinzenta sobre papel, não datado nem assinado, que se encontra na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, constitui, com probabilidade, o projecto, guisado no final do século XVIII e posto em prática no começo da centúria seguinte, para o levantamento das escadas entre o segundo e terceiro plano do Jardim. De facto, da sua observação resulta o reconhecimento que tal plano veio a ter consecução, uma vez que, quer do lado Norte, quer do lado Sul do Jardim, as the third level follow the scheme proposed. Moreover, of the two solutions put forward for the endings of the walls, it is precisely the decoration marked “not suitable” that seems to have been used, if we look carefully at the present Garden. In 1807, the purchase of part of the grounds belonging to the Marian priests, negotiated 33 years before, finally went ahead. It was also the year when Félix Avelar Brotero (who had been in charge of the scientific organization of the Garden since 1791 and was responsible for the teaching of botany and agriculture) made his most decisive pronouncement about the plan to be followed in the Garden. The report sent to the rector on 5th March 1807 is of great importance, not only because in it Avelar Brotero specifies the definition and aims of this type of establishment, but also because he indicates which parts of it were essential and which secondary [7], accompanied by a survey of what had been com- 45 escadarias que dão acesso ao terceiro patamar obedecem ao esquema proposto. Por outro lado, das duas soluções avançadas para o remate dos muretes, é precisamente o ornato indicado como aquele que “não serve”, o que irá, segundo nos parece, ter seguimento, tal como se conclui através de um olhar atento sobre o Jardim actual. Do ano de 1807, altura em que realizou finalmente a compra da parte da cerca dos Marianos, agendada há já 33 anos, data o pronunciamento mais decisivo de Félix Avelar Brotero, encarregado desde 1791 da organização científica do Jardim e da regência da cadeira de botânica e agricultura, acerca do plano a seguir no Jardim. O relatório enviado ao reitor, a 5 de Março de 1807, reveste-se da maior importância, quer pelo facto de nele Avelar Brotero precisar a definição e os objectivos deste tipo de estabelecimento, quer pela indicação das suas partes essenciais e secundárias [7], acompanhada do levantamento do que estava feito e do que havia de o ser. Dela se depreende, concomitantemente, uma crítica velada às anteriores restrições pombalinas, as quais, embora na memória, seriam conveniente e conscientemente esquecidas com o passar dos anos e o avolumar de exemplos de similares jardins que outras universidades europeias vinham promovendo. Da exposição deste naturalista, por muitos 46 pleted and what was still to do. It also offers a veiled criticism of the previous Pombaline restrictions, which, though still within living memory, had been conveniently and consciously forgotten with the passage of the years and the development of similar gardens in other European universities. The arguments put forward by this naturalist (whom many called the “Portuguese Linnaeus”) are interesting as regards the Coimbra Garden. In relation to its essential parts, Brotero highlighted: “ordered beds” (E), confirming that “this is done with walls, balconies and iron gates”; “Parterre – groups without any scientific order, contributing to the decoration and conservation of many species” (P), adding that this was “almost finished on the upper level”; “hot and temperate house” (T), of which the temperate house was ready; “Shelter” (A), “begun on the eastern side of the temperate house; “Site for seed beds” (S), “begun on the side of the arches and only later planted with trees that demand shelter”; “Avenues and copses” (L), “1. on the land between the main street and the wall along the public road; 2. on the slopes of the hill next to the walls of the Carmelite and Benedictine grounds; 3. on a portion of the terrain right next to the northern gate entrance”; “Damp shady place (the hill next to the grounds of the Benedictine friars)” and finally, the “water apelidado de “Linneo portuguez”, interessanos sobretudo sublinhar o que a respeito do Jardim conimbricense se discriminava. Em relação às suas partes essenciais, Brotero destacava: “eschola methodica” (E), confirmando que “está feita com muros, varandas e portas de ferro”; “Parterre – grupos sem ordem scientifica, contribuindo para decoração e conservação de muitas especies” (P), acrescentando estar “quasi estabelecido no plano superior á eschola”; “Estufa quente e temperada” (T), estando feita a temperada; “Abrigadouro” (A), “principiado ao lado oriental da estufa temperada; “Logar para sementeiras” (S), “começado do lado dos arcos, sendo depois plantado com arvores que exigiam abrigo”; “Lamedas e bosquetes” (L), “1.º no terreno que fica entre a rua principal e o muro ao longo da estrada publica; 2.º nas encostas da collina contigua aos muros das cercas dos Carmelitas e benedictinos; 3.º numa porção de terreno que fica logo á entrada da porta septentrional”; “Logar húmido e sombrio (a collina vizinha á cerca dos frades bentos)” e, finalmente, “depositos de agua”14. Quanto às partes secundárias destacava a aula, o lugar de cultura de plantas medicinais (M), a decoração (adequada à natureza do local e às possibilidades económicas) e as casas do professor, do jardineiro e do guarda. O minucioso exame que acabámos de transcrever deixa transparecer não só o pragmatismo do docente, mas também o seu profundo conhecimento da realidade do dito recinto. Contudo, os tempos que se avizinhavam não viriam a permitir que este relatório assumisse o carácter de programa a levar à prática. Com efeito, aproximavam-se as invasões francesas e, com elas, todas as obras seriam interrompidas. O último apontamento que temos do ano de 1807, um plano do Jardim elaborado por José do Couto [8], ficaria na gaveta e só seria retomado após o fim da Guerra Peninsular. Entretanto, Avelar Brotero partiria para Lisboa para aí dirigir o Jardim Botânico da tanks”14. As regards the secondary parts, he indicated the classroom; the place for the cultivation of medicinal plants (M); decoration (suitable for the nature of the site and economic possibilities) and the houses of the professor, gardener and guard. This careful examination reveals not only the teacher’s pragmatism but also his profound knowledge of the site itself. However, in the coming years, it would not be possible for this report to become a programme to be put into practice. In fact, the French invasions were at hand, and with them, all building work was interrupted. The last notes we have from the year 1807, a ground plan of the Garden by José do Couto [8], were shelved and would only be taken up again at the end of the Peninsula War. In the meantime, Avelar Brotero left for Lisbon to run the Ajuda Botanical Gardens, retiring in 1811. If there were any designs or plans dating from the period of the French invasions, they are not known. We do, however, have the testimony of a contemporary witness who allows us to imagine what the place was like at that time. Laura Junot, duchess of Abrantes and wife of the French ambassador in Portugal, declared in 1808 that “the Botanical Garden of Coimbra was considerably better than the garden of the king in Lisbon. Each plant had a plaque with its classification number, like in the Paris ‘Plant Garden’, which meant that the strange and beautiful flora of Portugal could be properly studied”15. While the botanical merits of the Garden were recognised, architecturally it had still to be completed. Work was resumed on it from 1814 under the direction of António José das Neves e Mello. Between 1814 and 1821, the land was levelled between the central and upper roads, and work went ahead on the construction of the outer wall and railings, with iron brought over from Stockholm for this purpose. In 1822, the gate on the side of the seminary was built. 47 Ajuda, jubilando-se em 1811. Do período das invasões francesas, se a desenhos ou plantas não nos podemos reportar, temos porém um testemunho contemporâneo que nos possibilita imaginar o estado em que se encontrava este espaço. Laura Junot, duquesa de Abrantes e esposa do embaixador francês em Portugal, declarava em 1808 que “el Jardín Botánico de Coimbra era bastante superior al jardín del rey en Lisboa. Cada planta tenía tablilla com su nombre de clasificación, como en el «Jardin des Plantes» de Paris, permitiendo estudiar perfectamente la curiosa y bella flora de Portugal”15. Se do ponto de vista botânico se reconheciam méritos, a parte arquitectónica permanecia por apurar. A ela se dedicariam os trabalhos, retomados a partir de 1814 e cuja direcção se entregou a António José das Neves e Mello. Entre 1814 e 1821 realizaram-se as terraplanagens entre a rua central e a superior e procedeu-se à construção do muro e gradaria exterior, mandandose vir, para este efeito, ferro de Estocolmo. Em 1822 foi construído o portão do lado do 48 José do Couto dos Santos Leal’s project for the main gate of the Garden was approved in 1818. This is a design in Chinese ink and watercolour on paper [9], which is preserved in the Machado de Castro National Museum. It presents two alternative proposals; the columns and pillars are on tall bases and are topped by an entablature finished off with pronounced volutes, differing mostly as regards the coping. The one on the right is completed with an allegorical figure of Nature; the one on the left, which was approved and executed, develops more modestly, culminating upwards in two urns and a pinnacle. The project was certainly executed before 1839, the date of publication of the famous watercolour of Saint Anne’s Fountain, lithographed by Louis Hague, which shows the gateway already built, with only its iron gate missing. This was placed later, since it has the date of 1844 on its upper wing and the name of the locksmith, Manuel Bernardes Galinha, near the lock. The gateway near St Sebastian’s aqueduct was also built in the first decades of the 19th seminário. Data de 1818 a aprovação do projecto para o portal principal do Jardim, da autoria de José do Couto dos Santos Leal. Trata-se de um desenho a tinta-da-china e aguada sobre papel [9] que se conserva no Museu Nacional de Machado de Castro. Apresenta duas propostas alternativas – definidas por um alto envasamento sobre o qual se conjugam colunas e pilastras encimadas por um entablamento rematado por uma pronunciada voluta – que diferem sobretudo ao nível do coroamento. A da direita é concluída por uma figura alegórica da Natureza; a da esquerda, aprovada e executada, desenvolve-se de forma mais modesta, culminando, em ritmo ascendente, com duas urnas e um pináculo. O projecto foi certamente realizado ainda antes de 1839, data da publicação da célebre água-tinta, representando a Fonte de Sant’Ana, gravada por Louis Hague, na qual se observa, em segundo plano, o portal já levantado, faltando-lhe apenas a colocação da sua porta de ferro. Esta é posterior, patenteando na bandeira a data de 1844 e o nome do serralheiro responsável, Manuel Bernardes Galinha, junto da fechadura. O portal de entrada do lado do aqueduto de S. Sebastião foi erguido também nas primeiras décadas do século XIX, pois aparece já representado quer na água-tinta a que já nos referimos, quer num desenho de D. Maria José Pereira Forjaz de Sampaio, da primeira metade do século XIX, representando a parte Norte do Jardim ainda sem as estufas. Em Outubro de 1854 foi aprovado o projecto geral da estufa, riscada pelo engenheiro francês Pedro José Pezerat, e um ano depois já estavam concluídos os seus alicerces. Em Julho de 1857 celebrou-se com o Instituto Industrial de Lisboa o contrato para a execução da obra, tendo chegado a Coimbra, em Outubro de 1859, a primeira parte da estufa. Iniciados os trabalhos da sua colocação e armação, por operários century, since it appears both in the watercolour mentioned above and in a drawing by D. Maria José Pereira Forjaz de Sampaio from the first half of the 19th century, showing the northern part of the Garden as yet without the greenhouses. In October 1854, the general plan for the greenhouse, sketched by the French engineer Pedro José Pezerat, was approved, and a year later, the foundations were already laid. In July 1857, a contract was celebrated with the Lisbon Industrial Institute for the execution of the work, and the first part of the greenhouse arrived in Coimbra in October of 1859. Work began on the structure, using workers specially recruited in Lisbon for the purpose, and in July 1860, most of it was already in place. However, various problems, particularly the lack of resources, delayed the completion of the works. The rest of the greenhouse was only ordered two years later, from the Massarelos Foundry in Oporto, without any alterations to the sketches and plans adopted. In 1865, the greenhouse, consisting of three sections with different temperatures and conditions, was finished and the first exotic plants started to arrive. Work then began on two smaller greenhouses, “destined for the propagation and culture of special specimens”16. The gardener Edmond Goëze from Holstein, who had worked in the gardens of Kew and Paris, was appointed to oversee the cultures and greenhouses in 1866. The years 1854 to 1867, under the curatorship of Henrique do Couto d’Almeida, saw the construction of flights of stairs on the southern side, most of the irrigation tanks, the pilasters and railings of most of the levels of the Garden. In 1868, the year Antonino José Rodrigues Vidal took over as curator, the first Index Seminum (a seed catalogue that facilitated exchanges and transfers with similar institutions) was published. In this period, the grounds of the now extinct Benedictine College were definitively incorporated, putting an end to 49 contratados em Lisboa expressamente para este fim, em Julho de 1860 estava já assente grande parte. No entanto, dificuldades de ordem diversa, sobretudo relativas a falta de meios, atrasaram a finalização dos trabalhos. Só dois anos depois se encomendou o resto da estufa, sem alteração dos riscos e planos adoptados, à Fábrica de Fundição de Massarelos no Porto. Em 1865, a estufa, composta de três corpos de temperatura e condições distintas, estava concluída e começava a albergar as primeiras plantas exóticas. Procedeu-se seguidamente à construção de outras duas pequenas estufas, “destinadas á multiplicação e a algumas culturas mais especiaes”16. Para dirigir os trabalhos de cultura das estufas foi contratado, em 1866, o jardineiro Edmond Goëze, que era natural de Holstein e havia trabalhado nos jardins de Kew e de Paris. Entre 1854 e 1867, período que corresponde à direcção de Henrique do Couto d’Almeida, foram construídos os lanços de escadas do lado Sul, grande parte dos reservatórios de água para regas, as pilastras e grades da maioria dos planos do Jardim. Em 1868, ano em que Antonino José Rodrigues Vidal passa a chefiar os destinos do estabelecimento, foi publicado o primeiro Index Seminum, catálogo de sementes que tornou possível a permuta com instituições congéneres. Nesta época procedeu-se ainda à definitiva incorporação da cerca do extinto Colégio dos beneditinos, pondo-se fim a um processo que se vinha arrastando desde 1836. A hoje denominada “mata”, cujo acesso está vedado ao público, começou por esta altura a ser sistematicamente plantada, sob a direcção do jardineiro Gabriel Douverel, e a ser desbravada pela abertura de várias ruas e atalhos delineados por António Borges Medeiros. Em 1873 era confiada a Júlio Augusto Henriques a direcção do Jardim Botânico de Coimbra. Abria-se, a vários níveis, um novo capítulo da história deste Jardim que, a partir de então, afirmaria sem precedentes a process that had dragged out since 1836. The area of woodland and thicket known today as the mata, which is not open to the public, began to be systematically planted at this time, under the direction of gardener Gabriel Douverel, and was opened up with a number of roads and paths designed by António Borges Medeiros. In 1873, Júlio Augusto Henriques took over as curator of the Botanical Garden and a new chapter opened in its history. The scientific status of the garden was now confirmed in an unprecedented way. Symbolically, the first step was to transfer the botany lessons, till then given in the Natural History Museum, to the S. Bento building; the professor also announced his support for a teaching methodology that was essentially practical in nature, something he in fact fought for his whole life. With the scanty resources available, he managed to furnish the classroom, acquire materials to use in his lessons and equip the botanical laboratory that he created. He replaced academic dissertations with practical work in microscopy, comparative morphology and herborizations, encouraging the students to compile little herbariums that would contribute to the Garden’s own collection. Aware that “the effective teaching of botany requires not only a garden where the most important species can be studied, but also collections of another order, amongst which an important place is occupied by diverse vegetal products”17, he set to work organizing the museum, using at first the examples that already existed in the Museum of Natural History. His model was the Royal Gardens at Kew, which he visited in 1878, adapting it the Portuguese context and, of course, limited resources available. The museum, which was established in the old Benedictine refectory, expanded, until by the end of the century it had spilled over into two additional rooms, a sign of the increase in the size of the collection. The cabinets were made of wood from differ- 51 o seu estatuto científico. Simbolicamente, o primeiro passo dado pelo lente foi a transferência da aula de botânica, então leccionada no Museu de História Natural, para o edifício de S. Bento, anunciando a defesa de um ensino prático, pelo qual pugnaria toda a sua vida. Dentro dos parcos rendimentos de que dispunha, conseguiu mobilar a sala de aula, adquirir material para usar nas suas lições e para apetrechar o laboratório botânico que criou. Substituiu as dissertações académicas por trabalhos de microscopia, de morfologia comparada e por herborizações, incentivando os alunos a compilar pequenos herbários que contribuíam para a própria colecção do Jardim. Por outro lado, ciente de que “o ensino proveitoso da botanica exige, além d’um jardim onde se possam encontrar os elementos fundamentaes do seu estudo, collecções de outra ordem, entre as quaes occupa de certo logar importante a que for constituida de diversos productos fornecidos pelos vegetaes”17, empenhou-se em organizar o museu, aproveitando, numa primeira fase, os exemplares existentes no Museu de História Natural. Uma visita, em 1878, ao acervo do Jardim Real de Kew, serviu-lhe de modelo, o qual procurou depois adaptar à realidade portuguesa e, sobretudo, aos escassos meios de que dispunha. Estabelecido no antigo refeitório beneditino, o museu expandiu-se até ao fim da centúria por outras duas salas, sinal do aumento da colecção que detinha. Os armários foram feitos de madeiras provenientes de várias colónias portuguesas, designadamente de S. Tomé, Angola, Moçambique e Índia, constituindo “por si já parte do mesmo museu”18. Na esteira de uma museologia hoje denominada «tradicional», pretendia-se reunir no mesmo espaço, de acordo com o âmbito do museu, “a maior copia de objectos”, não obstante a preocupação em “dispor e ordenar esses objectos de modo que o todo cause boa impressão ao visitante, porque então o exame das partes será feito com 52 ent Portuguese colonies, such as S. Tomé, Angola, Mozambique and India, and as such “were themselves part of the museum”18. Following a museological policy which today would be called “traditional”, the aim was to collect together in the same space “the largest copy of objects”, despite the concern with “organizing and ordering those objects in such a way as to make a good impression on the visitor, so that more attention will be given to examining the parts”19. In 1880, Júlio Henriques founded the Broterian Society to further the acquisition and exchange of plants with different places in the country, and its first bulletin was published in 1883. The library, which was located in the room before the herbarium, was enriched by an exchange scheme established with numerous foreign journals and publications. The herbarium too, laid out in the former sacristy of the College of S. Bento and co-directed by Joaquim de Mariz, an assistant naturalist, was given an important impulse, immediately evident in the increase in the number of requests from other gardens, teaching institutions and private establishments, and in the need expressed by the curator in 1887 to construct a gallery above the main group of cabinets in order to accommodate the growing number of species; these had been donated, obtained by exchange or through herborizations undertaken in Portugal and its colonies, or were purchased, as happened with the famous herbarium collected by Heinrich Moritz Willkomm. In the Botanical Garden itself, there were reforms on the scientific, aesthetic and material levels, within the constraints of the limited budget. At a time when “scientific colonization” was widely supported, Júlio Henriques, assisted by his head gardener, Adolfo Frederico Moller, encouraged attempts at different cultures and sent seeds and plants (particularly cinchonas, which were considered to be “sources of wealth” and “medically precious for many maior interesse e attenção”19. Em 1880, com vista à aquisição e troca de plantas de diversos locais do país, Júlio Henriques fundou a Sociedade Broteriana, cujo primeiro boletim foi publicado em 1883. A permuta estabelecida com numerosas revistas e publicações estrangeiras permitiu enriquecer a biblioteca, situada na sala que precedia o herbário. Este, disposto na antiga sacristia do Colégio de S. Bento e co-dirigido por Joaquim de Mariz, naturalista adjunto, conheceu também um decisivo impulso, desde logo patente no crescimento de solicitações por parte de outros jardins, instituições de ensino e particulares, bem como na necessidade, expressa pelo director, em 1887, de construir uma galeria sobre o corpo principal de armários para acomodar o número crescente de espécies oferecidas ou obtidas quer por troca, quer através das herborizações realizadas no país e nas colónias, quer ainda por compra, como sucedeu com o famoso herbário coligido por Heinrich Moritz Willkomm. No Jardim Botânico, as reformas estenderam-se, dentro de um orçamento limitado, ao campo científico, estético e material. Numa altura em que ecoava a defesa duma “colonização científica”, Júlio Henriques, auxiliado pelo jardineiro chefe, Adolfo Frederico Moller, promoveu o ensaio de várias culturas e o envio, para a África ocidental, de sementes e plantas, sobretudo cinchonas, consideradas “fontes de riqueza” e “medicamento precioso para muitas enfermidades”20, nomeadamente para a malária. Crítico do seu tempo e, particularmente, do modo como era conduzida a colonização, não deixou de sublinhar e de fazer chegar às instâncias superiores a crença de que “não necessitamos (…) de grandes exércitos, porque a nossa nacionalidade está garantida pelas condições geraes do equilibrio europeo; mas temos necessidade de sciencia, que anime as nossas industrias, que vivifique as nossas colónias, que nos torne emfim respeitados.”21 infirmities”20, such as malaria) to western Africa. Critical of his times and particularly of the way colonization was conducted, he made sure his superiors knew his belief that “we don’t need (…) large armies, because our nationality is guaranteed by the general conditions of European equilibrium; we do, however, need science, which animates our industries, enlivens our colonies and ultimately wins us respect.”21 The central quadrangle, where the plants had long been arranged in the Linnaean order in concentric beds with the tank, was reconfigured to create a “geographical garden”, where the species were placed in such a way as to represent the different botanical regions of the earth. Thus, in 1891, the species that had occupied this space were replanted in other parts of the Garden, in accordance with the curator’s guidelines. The trays immediately above this level were also modified, receiving ornamental plants that would therefore frame the roads and avenues. On the remaining terraces and on the terrain near the “Avenue of Lindens”, they were distributed according to natural families. As well as sporadic improvements to the plumbing and greenhouse heating system, and the repainting of the railings and large greenhouse, there were also some more significant changes. Two new greenhouses were built: one of them, whose iron roof was finished in 1887, replaced the two older ones used for orchids and reproduction; the other, raised in the area of the College grounds, was destined for the cultivation of ferns and other plants that required a damp environment. The enclosure of the inner zones (such as in the area near the small greenhouse and on the "Avenue of Lindens") with stone pillars and iron railings was also completed, in 1888 and 1891 respectively. One of the most visible legacies of Júlio Henriques’ curatorship is the statue of Félix Avelar Brotero in front of the main gate to the Garden. This homage had first 53 O quadrado central, onde as plantas haviam permanecido muito tempo dispostas pela ordem linneana em canteiros concêntricos com o tanque, foi reconfigurado, com vista a constituir um “jardim geográfico”, onde as espécies fossem colocadas de forma a representar as diversas regiões botânicas da Terra. Nesse sentido, em 1891, replantaram-se em outras partes do Jardim as que ocupavam este espaço, dando início à concretização das orientações do director. Os tabuleiros imediatamente superiores a este patamar foram também modificados, recebendo plantas ornamentais que, assim, enquadravam as ruas e alamedas. Nos restantes terraços e no terreno contíguo à «avenida das Tílias», imperava a sua distribuição por famílias naturais. A par de melhoramentos pontuais ao nível da canalização das águas, do aquecimento das estufas, da repintura da gradaria do Jardim e da estufa grande, destacam-se algumas obras significativas. Construíramse duas estufas: uma, concluída em 1887 com a colocação da sua cobertura em ferro, veio substituir as duas antigas de orquídeas e de reprodução; outra, erguida na zona da cerca, foi destinada à cultura de fetos e outras plantas que exigissem humidade. Além disso, completou-se a cercadura, formada pelo gradeamento de ferro e por pilares de pedra, nas zonas interiores em falta, nomeadamente na área junto da estufa pequena, em 1888, e na «avenida das Tílias», finalizada em 1891. Uma das heranças mais visíveis da direcção de Júlio Henriques é a estátua de Félix Avelar Brotero, erguida em frente do portão principal do Jardim. A proposta desta homenagem remontava a 1876; porém, só a partir de 1880 se iniciaram as diligências, nomeando-se uma comissão e abrindo-se uma subscrição com vista a angariar fundos para a sua efectivação. Definido o material (mármore) e assente que o distinto professor deveria ser representado com os hábitos académicos, encarregou-se o escultor Antó- 54 been proposed in 1876; however, nothing was done about it until 1880, when a committee was appointed and a fund set up to attract donations. Once it had been decided that the material would be marble and that the distinguished professor would be represented in his academic gown, the sculptor António Soares dos Reis was commissioned to execute the statue and the architect Tomás Augusto Soller the pedestal. The whole thing was placed in position and inaugurated on 1st April 1887. In 1918, Júlio Henriques retired. He had made a profound mark on the Garden during his four decades as curator, and this was acknowledged. The avenue running parallel to the main entrance of the Garden was named after him in that same year, and in April 1925, following a proposal presented to the Government by the Faculty of Sciences, a decree was issued determining that the Coimbra Botanical Garden and its annexes (herbariums, museum, library and laboratories) would thereafter be named the Dr. Júlio Henriques Botanical Institute. In 1918, the management of the Garden passed into the hands of Luiz Wittnich Carrisso, who undertook the complex task of renovation. He regenerated the teaching staff, the Broterian Society, the library, herbarium and garden, and was also concerned with the premises of the former Benedictine building, part of which had been given over to the José Falcão High School, obliging some of the annexes to be relocated and the limited space to be managed imaginatively. As regards the garden, Luiz Carrisso was adept at reconciling the demands of science with landscaping precepts. With the new curator, more attention was now given to the visitor, a sign that the space was no longer conceived as a place for “boys’ study”, but for the education and enjoyment of an increasingly broader public. As well as extending the area that was open to visitors, this period also saw the cultivation of nio Soares dos Reis de executar a estátua e o arquitecto Tomás Augusto Soller de delinear o pedestal. O conjunto foi colocado no devido lugar e inaugurado no dia 1 de Abril de 1887. Em 1918, Júlio Henriques jubila-se. A profunda marca deixada no estabelecimento que dirigiu durante mais de quatro décadas ser-lhe-ia reconhecida. A alameda paralela à entrada principal do Jardim receberia o seu nome nesse mesmo ano e, em Abril de 1925, por proposta apresentada pela Faculdade de Ciências ao Governo, é publicado um decreto determinando que o Jardim Botânico de Coimbra e seus anexos – herbários, museu, biblioteca e laboratórios – passassem a denominar-se Instituto Botânico Dr. Júlio Henriques. A gerência do Jardim passaria, em 1918, para as mãos de Luiz Wittnich Carrisso. Cabia-lhe uma profunda tarefa de renovação. Impunha-se a regeneração do corpo docente, da Sociedade Broteriana, da biblioteca, do herbário e do Jardim. A estas somava-se a preocupação com as instalações no antigo edifício beneditino, dado que parte deste fora entregue ao Liceu José Falcão, forçando a reinstalação de dependências e a gestão da falta de espaço com imaginação. No que concerne ao Jardim, Luiz Carrisso soube conciliar a exigência científica com os preceitos paisagísticos. A atenção concedida ao visitante, em progressão ao longo da história do horto botânico, deu com o novo director mais um passo, sinal da própria evolução da concepção deste espaço, agora não apenas pensado para «estudo de rapazes», mas também para a educação e a usufruição de um público cada vez mais vasto. Além de se aumentar a área visitável, procedeu-se, nesta altura, ao cultivo de numerosas plantas ornamentais; criaram-se viveiros; procurou-se que as várias Escolas estivessem completas e devidamente classificadas; ajardinou-se parte da mata e numa das suas encostas estabeleceuse, em novos moldes, a Escola das numerous ornamental plants; the creation of nurseries; the completion and proper classification of the various sections; and the landscaping of part of the mata, with the establishment of a new-format monocotyledon bed on one of its slopes. The greenhouses were also radically improved [10], particularly as regards structure, heating and flora cultivated, and the famous Victoria amazonica was introduced into the small greenhouse. However, it was in the area of “scientific colonization” that Luiz Carrisso made the biggest mark, continuing and extending the work begun by his master. Under his guidance, the Institute’s activities were largely oriented towards the botanical exploitation of the colonies, justified as a tool of socioeconomic progress and political legitimation, but in practice exceeding all these purposes. In fact, the three expeditions to Angola (the botanical mission of 1927, the academic mission of 1929 and the botanical mission of 1937) resulted not only in the collection of species that can still be seen today in the museum, herbarium and garden, and in the study and divulgation of Angolan plant life, but also in the production of audiovisual, written and photographic documents that are invaluable not only to botany, but also to anthropology, history and sociology. Luiz Carrisso lost his life in the Mocamedes desert on 14th June 1937. His premature death left a vacuum in the running of the Botanical Garden, for the Faculty of Science regulations stipulated that the post had to be filled by a full professor. Abílio Fernandes, a discipline of Carrisso and at that time assistant lecturer, performed the functions indirectly, while management was formally attributed to Rui Couceiro da Costa (chemistry) and José Custódio Morais (mineralogy and geology). Abílio Fernandes only took over as curator of the Garden in 1942, after being appointed to the chair of botany; he occupied the post until 1974. Thus we move into what has been really the 55 Monocotiledóneas. As estufas receberam também profundos melhoramentos [10], nomeadamente ao nível da estrutura, do aquecimento e da flora cultivada, tendose introduzido na estufa pequena a famosa Victoria amazonica. Contudo, foi no âmbito da «colonização científica» que Luiz Carrisso deixou o cunho mais forte da sua acção e personalidade, prolongando e ampliando o testemunho do seu mestre. Grande parte da actividade do Instituto foi, sob a sua orientação, direccionada para a exploração botânica das colónias, justificada como instrumento de progresso socio-económico e legitimação política, e posta em prática extravasando todos estes os propósitos. Com efeito, as três expedições organizadas rumo a Angola – missão botânica de 1927, missão académica de 1929 e missão botânica de 1937 – não se saldaram apenas pela recolha de espécies 56 last phase of the construction of the Garden that we know today. This was a period of great change as regards town planning and architecture under the Estado Novo. From the beginning of the 1940s, plans were drawn up for the high part of Coimbra, involving the transformation of existing spaces and construction of new buildings from scratch; no mention was made of the Botanical Garden in the general plan for the university campus, and despite the fact that it formally exceeded the remit of the Administrative Committee for the Works Planning of Coimbra University Campus (CAPOCUC), the possibility of improving it was broached early on. The first studies in this regard were undertaken in the academic year of 1943-44 and quickly won the support of the Botanical Institute, which invested in CAPOCUC its hopes of finally obtaining the financial hoje passíveis de serem observadas no museu, herbário e Jardim, ou pelo estudo e divulgação da fitodiversidade angolana. Delas resultaram, também, documentos audiovisuais, escritos e fotográficos de enorme valor, não apenas ao nível da botânica, mas também da antropologia, da história e da sociologia. Em pleno deserto de Moçâmedes, Luiz Carrisso perde a vida a 14 de Junho de 1937. A sua morte prematura deixava um vazio na direcção do Jardim Botânico. Este cargo, de acordo com o regulamento da Faculdade de Ciências, tinha de ser desempenhado por um professor catedrático. Abílio Fernandes, discípulo de Carrisso e então docente auxiliar, desempenharia tal função indirectamente, sendo formalmente a gerência atribuída a Rui Couceiro da Costa (química) e José Custódio Morais (mineralogia e geologia). Seria apenas em 1942 que, realizadas as provas e nomeado catedrático do grupo de botânica, Abílio Fernandes encabeçaria a direcção do Jardim, a qual ocuparia até 1974. Entramos, assim, naquele que foi, verdadeiramente, o último período construtivo do Jardim que hoje conhecemos. Esta etapa inscreve-se na profunda intervenção urbanística e arquitectónica levada a cabo pelo Estado Novo a partir do início da década de quarenta na Alta de Coimbra, a qual contemplou, a par de edificações de raiz, transformações nos espaços existentes. Embora não constando do plano geral da cidade universitária e formalmente ultrapassar as atribuições da Comissão Administrativa do Plano de Obras da Cidade Universitária de Coimbra (CAPOCUC), a possibilidade de efectuar melhoramentos no Jardim Botânico irrompeu desde cedo. Os primeiros estudos arrancaram no ano lectivo de 1943-44 e depressa granjearam o apoio do Instituto Botânico que depositou na CAPOCUC as esperanças de vir a obter, finalmente, os meios financeiros para empreender as reformas de que o Jardim e means to implement the reforms that were so needed in the garden and facilities of the former St Bento College. Abílio Fernandes’ negotiating skills and above all, the relationship of trust which he seemed to have established with the director-delegate of the Committee, the engineer Manuel de Sá e Mello, smoothed the way for his requests and suggestions. The “works of refurbishment and embellishment”, as they were defined by the CAPOCUC, were carried out mostly between 1944 and 195022. They began with the installation of central heating in the tropical plant greenhouses, the arborization of the mata and the opening up of roadways. Also in 1944, Cottinelli Telmo, head architect of the Committee between 1941 and 1948, designed stone benches for the Garden and planned how they would be positioned. Six backless double benches were arranged around the statue of Brotero and twenty eight simple ones were distributed around the rest of the garden. An order was also made for fifty wooden benches and, in 1951, a further twelve stone ones, identical to those already in existence, were ordered. The year 1945 was dominated by the launch of two important projects: the remodelling of the central quadrangle and the construction of the cold greenhouse. The former, designed by Cottinelli Telmo and Armand Van Bellinghen, gardener of the Lisbon City Council hired in 1944, was justified by the fact that, according to the authors, the garden “has a beautiful geometric shape, but it is flat, without relief (…) and being largely decorated with seasonal flowers, cannot permanently retain a desirable decorative appearance, which also brings problems and costs for conservation”. The solution proposed [11] consisted firstly in “surrounding all beds with boxwood hedges, descending in height from the centre”; these, being easy to look after, would give “the garden a dignity appropriate to its grandeur and broad vistas”. With 57 as instalações no antigo Colégio de S. Bento careciam. A capacidade de negociação de Abílio Fernandes com os técnicos responsáveis e, sobretudo, a confiança que parece ter estabelecido com Manuel de Sá e Mello, engenheiro director-delegado da Comissão, facilitaram o acolhimento dos seus pedidos e sugestões. “Obras de arranjo e aformoseamento”, como as definiu a CAPOCUC, centraramse, essencialmente, no que diz respeito ao Jardim, entre 1944 e 195022. Principiaram com a instalação de aquecimento central nas estufas de plantas tropicais, a arborização da mata e a abertura de arruamentos. Ainda no ano de 1944, Cottinelli Telmo, arquitecto-chefe da Comissão entre 1941 e 1948, se deteve a desenhar bancos de pedra para o Jardim e a planear o seu posicionamento. Foram dispostos seis duplos sem costas ao redor da estátua de Brotero e vinte e oito simples pelo restante Jardim. A este número se juntou uma encomenda de cinquenta bancos com réguas de madeira e, em 1951, o fornecimento de mais doze bancos de pedra iguais aos existentes. O ano de 1945 surge dominado pelo arranque de duas obras fundamentais: a remodelação do quadrado central e a construção da estufa fria. A primeira, idealizada por Cottinelli Telmo e por Armand Van Bellinghen, jardineiro da Câmara Municipal de Lisboa contratado em 1944, justificavase, no entender dos autores, “porque é um jardim com um belo traçado geométrico, sim, mas que se apresenta chato, sem relevo (…) e porque sendo na sua maior parte guarnecido por flores de estação não pode manter permanentemente aquele aspecto decorativo que seria desejar, acarretando a sua conservação, ao mesmo tempo, dificuldades e despesas”. A solução proposta [11] consistia em, primeiramente, “rodear todos os canteiros com sebes de buxo, de altura decrescente a partir do centro”, que, sendo de fácil conservação, dariam “ao jardim uma dignidade 58 this layout, “an observer standing near the lake would, without losing his overview of the whole, find himself in a more intimate first zone, limited by higher hedges and boxwood pyramids instead of a flat open space, decorated with flowering shrubs and bushes in accordance with the flavour of the occasion and fantasy of gardeners – and when standing at the edge, he would have a view of the amphitheatre of hedges that would soften the negative effects of the digging undertaken to replace the species”. Secondly, they would create “large areas of lawn and bright flowers”. Thirdly, they would place “a statue, with its respective pedestal, in the lake in the centre”. Finally, they would lower the height of the border around the beds and create “a curtain of climbing roses” to “give interest to the periphery”23. The project, which was approved by the director of the Botanical Institute in the same year, was only completely implemented in April 1949 with the construction of the monumental fountain, in Outil stone, on the existing tank. The fountain [12] was, we believe, designed by the architect Álvaro da Fonseca, since he had been commissioned for the task and the sketch seems to show his monogram (the letters A, V and F entwined) in the bottom right hand corner. The cold greenhouse was planned by Cottinelli Telmo in the shape of a trapezium, with a series of pillars and beams in reinforced concrete forming “the skeleton of a box, with the walls and roof covered in wooden latticework through which the air could circulate and the sunlight filter in”. To implement it “in accordance with the Curator’s wishes”, they chose “an almost treeless area of thicket near the support wall of the Botanical Garden opposite the main entrance, in the wall that serves the back of the Greenhouse”. As regards the aesthetic appearance of the exterior, the architect favoured a “picturesque” approach in tune with the place, reflected particularly in the materials used. As well as the wood that em relação com a sua grandeza e com o seu rasgado traçado”. Com esta disposição, “o observador colocado junto do lago encontrar-se-ia, sem perder o abrangimento visual do conjunto, numa primeira zona mais íntima, limitada pelas sebes mais altas e respectivas pirâmides talhadas no buxo, em vez de ter diante de si um campo raso, guarnecido de maciços de flores e arbustos ao sabor da ocasião e da fantasia dos jardineiros – e, quando colocado na periferia – teria a visão do anfiteatro de sebes que atenuaria o mau efeito das cavas para substituição de espécies”. Em segundo lugar, criar-se-iam “grandes zonas de relva e flores vivazes”. Em terceiro lugar, colocar-se-ia “uma estátua – lined the “box”, they also added “irregular slabs of stone, with roughly hewn surfaces” used for the sills, steps and walls24. The contracts were awarded in 1945 and must have been near conclusion by the end of the following year since, in June 1946, an invitation to tender was issued for a complementary construction, namely the bridge connecting the garden with the mata. The project, which was also signed by Cottinelli, involved rebuilding in a new style the old bridge that connected the western side of the central quadrangle to the arboretum, while also improving the spot by “‘disciplining’ what is presently no more than a plot of land with haphazard relief and a few foot- e respectivo pedestal – no lago do centro”. Finalmente, reduzir-se-ia a altura excessiva do lancil que contorna os canteiros e “uma cortina de roseiras trepadeiras contribuiria para dar interesse à parte periférica”23. Aprovado no mesmo ano pelo director do Instituto Botânico, o projecto só seria totalmente concretizado em Abril de 1949, com a colocação da fonte monumental, em pedra de Outil, sobre o tanque já existente. O desenho da fonte [12] foi, julgamos, elaborado por Álvaro da Fonseca, pois sabe-se que este arquitecto fora encarregado de a riscar e o próprio debuxo parece apresentar o seu monograma (entrelaçamento das letras A, V e F) no canto inferior direito. A estufa fria foi projectada por Cottinelli Telmo como um trapézio composto por uma série de pilares e vigas de betão armado que constituíam “o esqueleto de uma caixa cujas paredes e cobertura são fechados por ripado de madeira por onde circula o ar e a luz do sol entra coada pelos intervalos entre as ripas”. Para a sua implantação, escolheuse, “de acordo com o Exmo. Director”, “uma zona de terreno da mata, quase sem árvores, junto do muro de suporte do Jardim Botâ- 60 paths”. “So that the work planned is not simply utilitarian but also takes account of aesthetics, without losing sight of the economic aspect”, the architect decided to embellish the reinforced concrete structure with ashlar masonry, trying to make the new construction tone in with the gateway into the Garden. He also used rough coursed masonry in the coping of the walls and balustrades of the staircase and steps. The whole thing was finished in September 1948 with the fitting of the bridge railings25. In 1949, the finishing touches were put on six brick turrets with reinforced concrete roofs and wooden doors designed for provide shelter for the guards of the mata, and also on the head gardener’s house, which had been altered to reflect the model of the “Portuguese house” using a collage of formal and decorative elements characteristic of traditionalist eclecticism. In addition, other smaller buildings were scattered around the garden and wood: public toilets, staff outhouses, tanks for fertilizer, toolhouses, greenhouses and cold frames. As regards decoration, CAPOCUC applied the same policy here as in the much larger buildings constructed on the University hill. Sculpture was used to dignify the space and indoctrinate visitors, both as a tribute to notable figures and as allegory of knowledge. The first statue to be planned for the garden was of Júlio Henriques. The contract for its execution was celebrated in August 1944 with Salvador Barata Feyo, although it was only actually installed in 1950, opposite the eastern façade of the old Benedictine college. In July 1946, the sculptor Joaquim Martins Correia was contracted to make an allegorical statue to botany in plaster. This was finished in 1948 but was only transferred into stone in 1949, the year when discussions were held as to where to put it, eventually opting for the cold greenhouse. Finally, between April and September 1948, nico que se opõe à entrada principal deste, muro que serve de fundo à Estufa”. Relativamente à linguagem estética do exterior, o arquitecto procurou favorecer, em consonância com o local, “o aspecto pitoresco”, traduzindo-o sobretudo ao nível dos materiais. À madeira que forrava a “caixa”, acresciam as “lajes irregulares, de superfícies desbastadas grosseiramente” empregues nas soleiras, degraus, muretes e muros24. Adjudicados os trabalhos em 1945, deveriam estar perto da conclusão no fim do ano seguinte pois, em Junho de 1946, era aberto o concurso para uma construção complementar a esta: a ponte de ligação do Jardim com a mata. O projecto, assinado igualmente por Cottinelli, visava reconstituir, em novos moldes, a antiga ponte que ligava o lado oeste do quadrado central ao arboreto, melhorando-se, simultaneamente, este local, “«disciplinando» aquilo que actualmente não é senão um terreno com uma orografia de acaso e com caminhos de pé posto”. “Para que a obra projectada se não resumisse à sua função utilitária mas «juntasse» a utilidade à estética, sem perder de vista o aspecto económico”, o autor optou por enobrecer a estrutura de betão armado com a utilização de cantaria aparelhada, procurando assim que a nova construção não destoasse da própria moldura do portal do Jardim, e com o emprego de pedra de aparelho grosseiro no capeamento dos muretes, guardas de escada e degraus. O conjunto foi terminado em Setembro de 1948 com a instalação do gradeamento da ponte25. Em 1949 foram finalizadas a edificação de seis guaritas em tijolo com cobertura de betão armado e porta de madeira para abrigo dos guardas da mata, bem como a reforma da casa do chefe dos jardineiros, onde se afirmou o modelo da «casa portuguesa» através de uma «colagem» de elementos formais e decorativos característicos do eclectismo tradicionalista. Além destas, outras construções de menor enver- the sculptor José Pereira dos Santos made a bronze medallion with a portrait of Luiz Carrisso to crown the corner opposite the D. Maria gateway, which had a small tank where we can still see today a number of designed pieces, though unsigned and undated. Other miscellaneous improvements completed the general effect that was desired for the Botanical Garden and got rid of the blemishes left by time “so that the whole thing would be more harmonious”26. The stone steps of the main staircase of the garden were replaced, and the railings, gates and masonry of the steps of the central quadrangle were restored; a wall was built alongside the Arch of Betrayal; name plates were attributed to plants in the different areas, and consideration was given to the suggestion of installing grandiose lighting in the mata. As regards the flora, as well as replacing and fertilizing the earth in the flowerbeds, new species were introduced which till then had not existed in the collections. While it is not surprising that examples should have come from the colonies and Brazil, it is interesting to note the naturalness with which CAPOCUC also managed to establish contacts with horticulturalists and botanical gardens throughout Europe, with a view to acquiring plants for Coimbra, at a time when the old continent was embroiled in the Second World War. The irrigation system in the Botanical Garden was one of the aspects that most motivated Abílio Fernandes to continue his appeal for state support. By 1944, it had been generally acknowledged that the existing plumbing was inadequate and in a poor state of repair, and some improvements were made to the water system. However, the situation continued to worsen, as the curator of the Garden informed the president of CAPOCUC on 20th June 1945, owing to the expansion of the planted area, frequent drought and, particularly, 61 gadura pontuaram o Jardim e a mata: instalações sanitárias, dependências para o pessoal, depósitos para adubos e arrecadação de ferramentas, estufas e estufins. Ao nível do programa decorativo, a CAPOCUC não deixou de aplicar aqui a mesma política que seguira nos grandes volumes erguidos na Alta universitária. À escultura reservou-se o papel de enobrecer o espaço e «doutrinar» os seus utilizadores, ora enquanto tributo a «figuras notáveis», ora enquanto alegoria do saber. A primeira estátua pensada para o Jardim foi a de Júlio Henriques. O contrato para a sua execução foi celebrado em Agosto de 1944 com Salvador Barata Feyo; porém, só em 1950 seria assente em frente à fachada Este do antigo Colégio beneditino. Em Julho de 1946, ajustou-se, com o escultor Joaquim Martins Correia, a execução em gesso de uma estátua alegórica à botânica que, concluída em 1948, só seria passada à pedra em 1949, altura em que se procedeu enfim ao estudo do sítio da sua colocação, optando-se por remetê-la para a estufa fria. Por último, entre Abril e Setembro de 1948, o escultor José Pereira dos Santos executou um medalhão em bronze com o retrato de Luiz Carrisso, destinado a coroar o recanto em frente do portal de D. Maria, dotado de um pequeno tanque, de que subsistem peças desenhadas, embora não assinadas nem datadas. Outros melhoramentos pontuais completaram o efeito geral que se pretendida conferir ao Jardim Botânico, apagando as «mazelas» que o tempo lhe havia impresso “para o conjunto ficar mais harmonioso”26. Substituíram-se os degraus em pedra da escadaria principal do Jardim, restaurou-se a gradaria, os portões e as cantarias das escadas do quadrado central, edificou-se o muro do lado do Arco da Traição, distribuíram-se placas identificativas de plantas por diversas zonas e chegou ainda a ponderar-se uma iluminação grandiosa da mata. No que diz respeito à flora, para além da 62 the obstruction of the underground water channels, which reduced the Garden’s water resources to the increasingly restricted Municipal supply. Despite odd improvements, in 1949 the situation became unsustainable as a result of the threat to cut off the water supply by the municipal services. Abílio Fernandes managed to resist a definitive cut, but the continuation of the drought in 1950 ultimately led him to make a new appeal to the president of CAPOCUC, urging the construction of a tank near the statue of Avelar Brotero, under the avenue running parallel to Avenue Júlio Henriques. The site was considered the most suitable for four reasons: it was the entry point for the waters from the underground springs; its relative height meant that it could supply most of the Garden; it would be simple to connect the tank to the pipes, and it could be supplied by autotanks, if there were a shortage of water from the springs. In February of the same year, the project was approved. However, the invitation to tender was only issued in September 1960. The tank was to be buried, as planned, between the statue of the former scholar and the main gate. This “concealment”, justified for “technical reasons”, also overcame “an architectural problem that was difficult to solve”, as described in the specifications27. The part of the former College of St Bento that housed the Botanical Institute also received attention from CAPOCUC. After considering various possibilities, it was decided to reserve it for the Institutes of Botany and Anthropology. The work needed to adapt the space and divide it between the two institutions progressed slowly with frequent interruptions, and was only properly finished in the 1970s. As regards the Botanical Institute, there was an exchange of correspondence in 1944 and 1945 between Manuel de Sá e Mello and the Consul of Great Britain in order to obtain substituição e respectiva adubação da terra dos canteiros, introduziram-se novas espécies até aí inexistentes nas colecções. Se o plantio de exemplares das várias colónias ou do Brasil não nos causa surpresa, é, porém, interessante constatar a naturalidade com que a CAPOCUC estabeleceu contactos com horticultores e vários jardins botânicos europeus com vista à aquisição de plantas para Coimbra, numa altura em que o velho continente se encontrava a braços com a Segunda Guerra Mundial. O sistema de rega do Jardim Botânico constituiu um dos aspectos que mais motivou Abílio Fernandes a continuamente apelar à intervenção estatal. Já em 1944, o reconhecimento da insuficiência e deterioração da canalização existente incentivara alguns progressos na rede de distribuição de água. Contudo, como relatava o director do Jardim ao presidente da CAPOCUC em 20 de Junho de 1945, a situação não deixou de se agravar, em consequência do aumento da área plantada, da ocorrência de frequentes períodos de seca e, sobretudo, da obstrução das minas de água em vários pontos, o que reduzia os recursos hídricos do Jardim ao abastecimento facultado, cada vez de forma mais restrita, pela Câmara Municipal. Apesar das melhorias pontuais, em 1949 a situação tornou-se insustentável em virtude da ameaça de suspensão da rega por parte dos Serviços Municipalizados. Abílio Fernandes conseguiu suster o corte definitivo, mas a prevalência da estiagem no ano de 1950 acabaria por conduzir o director a fazer uma nova exposição ao presidente da CAPOCUC, sugerindo a construção urgente de um depósito junto à estátua de Avelar Brotero, debaixo da alameda que corre paralela à Avenida Júlio Henriques. O local era apontado como o mais indicado por quatro motivos: era o ponto de entrada das águas das minas; poderia, pela sua elevação, abastecer a maior parte do Jardim; a ligação do depósito à canalização seria simples e aquele poderia ser abastecido por information about the facilities and organization of the Kew Botanical Institute “to be taken into consideration at the Coimbra Botanical Institute”. Communication problems resulting from the war that was still in progress meant that contacts between CAPOCUC and London had to be made via the Portuguese consul in London. Through this intermediary, the curator of the Royal Botanic Gardens at Kew responded to Abílio Fernandes’ questions and requests about the facilities in the Garden, its greenhouses, and the structure and disinfecting of its herbariums28. It is not unreasonable to suppose, then, that the refurbishment of the Coimbra Botanical garden was once again subject to English influence, on the scientific level. As well as a large lecture hall and offices for lecturers and researchers, two big laboratories were created for the general courses and two smaller ones for the special courses. The library, museum and herbariums were given better premises. Inside the building, CAPOCUC tried to recreate an old atmosphere, ordering for the purpose some reproductions of 17th century tiles showing flowers and birds, similar to those in the Machado de Castro National Museum, which were used to line the corridors, lobbies, hall and stairs of the Institute. However, it was in the area adjacent to the Benedictine complex and the St Sebastian aqueduct that the monumentalism of the Estado Novo was most felt. Although inside the Botanical Gardens the neoclassical gigantism of the new buildings was restrained, using instead of the traditionalist Portuguese suave (“smooth Portuguese”) style, the exterior clearly reveals the taste for grandeur, with the glorification of the monument’s individuality and the “purging” of all animate or inanimate “excrescences” that could reduce it. In September 1958, the minister for Public Works, Eduardo de Arantes e Oliveira, declared the urgent need to expropriate 63 auto-tanques, no caso de a água das minas se tornar insuficiente. Em Fevereiro desse mesmo ano era aprovada a organização do respectivo projecto para ser cumprido. Todavia, só em Setembro de 1960 se abriu o concurso para a sua arrematação. Ficaria enterrado, como previsto, entre a estátua do antigo lente e o portal principal. Esta “ocultação”, justificada por “razões técnicas”, deixou também, como se lê na memória descritiva, “de criar um problema de ordem arquitectónica de ingrata solução”27. O antigo Colégio de S. Bento, em parte do qual se encontrava já o Instituto Botânico, recebeu igualmente a atenção da CAPOCUC que, depois da ponderação de várias hipóteses, acabou por o reservar para os Institutos de Botânica e Antropologia. As obras de adaptação e de repartição do espaço por ambos os estabelecimentos foram lentas e por inúmeras vezes interrompidas, atingindo o seu termo já na década de sessenta. No que concerne ao Instituto de Botânica, a documentação consultada revela a troca de correspondência, nos anos de 1944 e 1945, entre Manuel de Sá e Mello e o Cônsul da Grã-Bretanha, com vista a obter referências acerca das instalações e organização do Instituto Botânico de Kew “para serem tomadas em consideração no Instituto Botânico de Coimbra”. As dificuldades de comunicação, oriundas do confronto bélico em decurso, acabaram por determinar que os contactos entre a CAPOCUC e Londres se fizessem através do Cônsul de Portugal nessa cidade. Por intermédio deste, o director do Royal Botanic Gardens de Kew atendeu às solicitações de Abílio Fernandes, interessado em receber informações sobre as instalações daquele Jardim, das suas estufas e da estruturação dos seus herbários e respectiva desinfecção28. Consequentemente, torna-se plausível pressupor a influência inglesa, ao nível científico, na remodelação do Instituto Botânico de Coimbra. Além de um anfiteatro e de gabinetes para 64 a series of buildings backing onto the St Sebastian aqueduct as part of the project to provide access areas to the University campus, approved in August of that year. The demolition of the houses built into the arches began at the end of 1959. The desire to clear away the space in front of the College and aqueduct to isolate them and display them in all their “purity” also led to the felling of the trees that obstructed their view. Ironically, this also coincided with the demolition in 1959 of the last arch of the aqueduct, which had for decades been considered a national monument, in order to link Martim de Freitas Street with the road that went around the Faculty of Science buildings. After the completion of the improvements to the Botanical Institute and the extinction of CAPOCUC in 1969, the Garden did not undergo any further serous intervention until the end of Abílio Fernandes’ period as curator, in 1974, the year of the “carnation revolution”. The democratization of Portuguese society and of the University as an institution will also have had an impact upon the strategies and objectives of the establishment. Today, as always, the conservation and rehabilitation of the cultural and natural heritage depend upon political and ideological decisions, the financial resources available and social pressures. Coimbra’s Botanical Garden has not escaped this web of influences, nor will it in future; thus it constitutes a space par excellence for the confrontation and conciliation of the various synergies that affect our heritage. This survey of the Garden’s evolution reveals that it has developed out of a counterpoint between Art and Science and represents a compromise between what was dreamt and what was achievable, what was desired and what was possible. It bears traces of the Italian and English influences that characterized Portugal in the Pombaline era, the economic and political vicissitudes of the 19th century, and the various nationalisms that professores e investigadores, criaram-se dois grandes laboratórios para os cursos gerais e dois mais pequenos para os cursos especiais. Instalaram-se, por seu turno, condignamente, a biblioteca, o museu e os herbários. No interior do edifício, a CAPOCUC procurou recriar uma ambiência antiga, encomendando, nesse sentido, a reprodução de azulejos seiscentistas com flores e pássaros, semelhantes aos existentes no Museu Nacional de Machado de Castro, que passaram a cobrir os corredores, vestíbulos, átrios e escadas do Instituto. Contudo, foi na zona adjacente ao complexo beneditino e ao aqueduto de S. Sebastião que a acção monumentalizadora do Estado Novo mais se fez sentir. Se no interior do Jardim Botânico se refreou o gigantismo neoclássico patente nas novos imóveis erguidos, optando-se antes por um «português suave» de cunho tradicionalista; no exterior, afirmou-se, claramente, a busca de uma perspectiva grandiosa, exaltadora da individualidade do monumento e, por conseguinte, «expurgadora» de todas as «excrescências» animadas ou inanimadas que a pudessem diminuir. Em Setembro de 1958, o ministro das Obras Públicas, Eduardo de Arantes e Oliveira, declarava a urgência em expropriar uma série de prédios adossados ao aqueduto de S. Sebastião, de acordo com o projecto das zonas de acesso à cidade universitária de Coimbra, aprovado em Agosto desse ano. A demolição do casario «incrustado» nos arcos iniciou-se em finais de 1959. O intuito de «desafrontar» o Colégio e o aqueduto, isolando-os e exibindo-os na sua «pureza», ditou também o corte do arvoredo que «obstruía» a sua vista. Ironicamente, a assepsia instaurada coexistiu com a demolição, em 1958, do último arco do aqueduto, há décadas considerado monumento nacional, em prol da conciliação topográfica entre as Ruas Martim de Freitas e a que circunda os edifícios da Faculdade de Ciências. marked the 20th. As a living witness to all that, it can best be appreciated, as always, with knowledge of the circumstances that contributed to making it what it is today. 1 Fernando Taveira da Fonseca, “O Jardim Botânico no contexto da Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra (1772)”, paper presented at the conference O Século das Luzes: Portugal, Brasil e região do Rio Prata, (Berlin, 19th to 24th May 2003). 2 Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), vol. III, Coimbra, Coimbra University, 1972, p. 266-267. 3 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da reforma pombalina, [Doc. XXXIV. 7th November 1772. Letter from the Marquis of Pombal to D. Francisco de Lemos], vol. I, 1771-1782, Coimbra, Coimbra University, 1937, p. 52-53. 4 Letter from Francisco de Lemos to the Marquis of Pombal, dated 3rd February 1773. Quoted by Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza, vol. III, 1700-1800, Lisbon, Royal Academy of Sciences, 1898, p. 470. 5 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da reforma pombalina, [Doc. XLIV. 12th February 1773. On the arrival of the machines and instruments for Physics and the demarcation of the Botanical Garden], vol. I, 1771-1782, p. 69. 6 Letter from Francisco de Lemos to the Marquis of Pombal, dated 3rd February 1773. Quoted by Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza, vol. III, 1700-1800, p. 479-480. 7 Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza, vol. III, 1700-1800, p. 477. 8 Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza, vol. III, 1700-1800, p. 476. 9 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da reforma pombalina, [Doc. LXV. 5th October 1773. Document about the Botanical Garden], vol. I, 1771-1782, p. 104. 10 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da reforma pombalina, [Doc. LXV. 5th October 1773. Document on the Botanical Garden], vol. I, 1771-1782, p. 105. 65 Realizada a campanha de melhoramentos no Instituto Botânico e extinta a CAPOCUC em 1969, o Jardim não voltou a ser objecto de uma séria intervenção até ao fim da direcção de Abílio Fernandes, a qual culminou, precisamente, no mesmo ano da «revolução dos cravos». A democratização da sociedade portuguesa e, por conseguinte, da instituição universitária conimbricense, não deixou, julgamos, de ter um impacto no campo das estratégias e objectivos deste estabelecimento. Hoje, tal como desde sempre, a salvaguarda e a requalificação da herança cultural e natural desenvolvem-se a reboque das opções políticas e ideológicas, das disponibilidades financeiras e das pressões sociais. O Jardim Botânico de Coimbra não escapou, nem escapa, a esta teia de cumplicidades, constituindo, por excelência, um espaço de confronto e conciliação das sinergias que concorrem para a modelagem do património. Do caminho percorrido resulta a consciência de que este Jardim se talhou no contraponto entre a Arte e a Ciência, no equilíbrio entre o sonhado e o alcançado, entre o desejado e o possível. Correm-lhe, nas veias, as influências italianas e inglesas que marcaram o Portugal pombalino, as vicissitudes económicas e políticas que acompanharam o século XIX, bem como os diferentes nacionalismos que percorreram o século XX. De todos constitui um testemunho vivo, cuja valorização depende, como invariavelmente acontece, do grau de conhecimento a seu respeito. 1 Sobre este assunto, veja-se Fernando Taveira da Fonseca, “O Jardim Botânico no contexto da Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra (1772)”, em O Século das Luzes: Portugal, Brasil e região do Rio Prata. Actas do Congresso realizado em Berlim de 19 a 24 de Maio de 2003, (no prelo). 2 Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), vol. III, Coimbra, Universidade de Coimbra, 66 11 Francisco de Lemos, Relação Geral do Estado da Universidade (1777), Coimbra, Coimbra University, 1980, p. 132. 12 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. II (1792-1810)”, O Instituto, 2nd series, vol. XXIII, Coimbra, University Press, July/December 1876, p. 19, 55. 13 Lurdes Craveiro, “A arquitectura da ciência”, in Laboratório do Mundo. Idéias e saberes do século XVIII, São Paulo/Lisbon, Pinacoteca/Imprensa Oficial, 2004, [Catalogue], p. 99. 14 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. II (1792-1810)”, p. 58-59. 15 Duquesa de Abrantes, Portugal a principios del siglo XIX. Recuerdos de una embajadora, 2nd ed., Madrid, Editorial Espasa-Calpe, 1968, p. 113. 16 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. V (1855-1873)”, O Instituto, 2nd series, vol. XXIII, Coimbra, University Press, July/December 1876, p. 158. 17 Júlio Henriques, “O museu botanico da Universidade e as collecções de productos de Macau e Timor”, O Instituto, 2nd series, vol. 30, Coimbra, 1883, p. 60. 18 Júlio Henriques, “Relatorio do professor da cadeira de botanica relativo ao anno lectivo de 1887 a 1888”, Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, University Press, 1889, p. 313. 19 “Universidade de Coimbra. O museu botanico”, [Júlio Henriques], Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, University Press, 1888, p. V-VI. 20 Júlio Henriques, “Relatorio do professor da cadeira de botanica relativo ao anno lectivo de 1881 a 1882”, Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, University Press, 1882, p. 245; Júlio Henriques, “A cultura das plantas que dão a quina nas possessões portuguezas”, O Instituto, 2nd series, vol. 22, Coimbra, 1876, p. 189. 21 Júlio Henriques, “Oração de sapiencia recitada na Sala dos Actos Grandes da Universidade de Coimbra no dia 16 de Outubro de 1894”, Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, University Press, 1895, p. XXIII. 22 CAPOCUC Files consulted: 114, 114A, 114B, 114C, 148, 167, 169, 172, 180, 198, 197, 198, 199, 200, 210, 219, 243, 548, 613, 622 e 699 da CAPOCUC. Coimbra University Archive. 23 CAPOCUC File 198 – Botanical Garden (Project for alterations). Coimbra University 1972, p. 266-267. 3 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da reforma pombalina, [Doc. XXXIV. 7 de Novembro de 1772. Carta do Marquês para D. Francisco de Lemos], vol. I, 1771-1782, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1937, p. 52-53. 4 Carta de Francisco de Lemos, enviada ao marquês de Pombal com data de 3 de Fevereiro de 1773. Citado por Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza, tomo III, 1700 a 1800, Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1898, p. 470. 5 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da reforma pombalina, [Doc. XLIV. 12 de Fevereiro de 1773. Sobre a chegada das máquinas e instrumentos de Física e delineamento do Horto Botânico], vol. I, 1771-1782, p. 69. 6 Carta de Francisco de Lemos, enviada ao marquês de Pombal com data de 22 de Fevereiro de 1773. Citado por Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza, tomo III, 1700 a 1800, p. 479-480. 7 Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza, tomo III, 1700 a 1800, p. 477. 8 Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica portugueza, tomo III, 1700 a 1800, p. 476. 9 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da reforma pombalina, [Doc. LXV. 5 de Outubro de 1773. Ofício sobre o Jardim Botânico], vol. I, 1771-1782, p. 104. 10 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da reforma pombalina, [Doc. LXV. 5 de Outubro de 1773. Ofício sobre o Jardim Botânico], vol. I, 1771-1782, p. 105. 11 Francisco de Lemos, Relação Geral do Estado da Universidade (1777), Coimbra, Universidade de Coimbra, 1980, p. 132. 12 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. II (1792-1810)”, O Instituto, 2.ª série, vol. XXIII, Coimbra, Imprensa da Universidade, Julho/Dezembro de 1876, p. 19, 55. 13 Lurdes Craveiro, “A arquitectura da ciência”, em Laboratório do Mundo. Idéias e saberes do século XVIII, São Paulo/Lisboa, Pinacoteca e Imprensa Oficial, 2004, [Catálogo], p. 99. Archive. 24 CAPOCUC File 199 – Cold greenhouse. Coimbra University Archive. 25 CAPOCUC File 210 – Bridge and alterations to the connection between the Botanical Garden and the thicket Coimbra University Archive. 26 CAPOCUC File 114A – Botanical Garden. Coimbra University Archive. 27 CAPOCUC File 548 – Adaptation of the St Bento building into the Botanical Institute. Coimbra University Archive. 28 CAPOCUC File 114 – Botanical Garden. Coimbra University Archive. 67 14 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. II (1792-1810)”, p. 58-59. 15 Duquesa de Abrantes, Portugal a principios del siglo XIX. Recuerdos de una embajadora, 2.ª ed., Madrid, Editorial Espasa-Calpe, 1968, p. 113. 16 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. V (1855-1873)”, O Instituto, 2.ª série, vol. XXIII, Coimbra, Imprensa da Universidade, Julho/Dezembro de 1876, p. 158. 17 Júlio Henriques, “O museu botanico da Universidade e as collecções de productos de Macau e Timor”, O Instituto, 2.ª série, vol. 30, Coimbra, 1883, p. 60. 18 Júlio Henriques, “Relatorio do professor da cadeira de botanica relativo ao anno lectivo de 1887 a 1888”, Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1889, p. 313. 19 “Universidade de Coimbra. O museu botanico”, [Júlio Henriques], Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888, p. V-VI. 20 Júlio Henriques, “Relatorio do professor da cadeira de botanica relativo ao anno lectivo de 1881 a 1882”, Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1882, p. 245; Júlio Henriques, “A cultura das plantas que dão a quina nas possessões portuguezas”, O Instituto, 2.ª série, vol. 22, Coimbra, 1876, p. 189. 21 Júlio Henriques, “Oração de sapiencia recitada na Sala dos Actos Grandes da Universidade de Coimbra no dia 16 de Outubro de 1894”, Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1895, p. XXIII. 22 Para o estudo da intervenção da CAPOCUC no Jardim foram consultados os processos 114, 114A, 114B, 114C, 148, 167, 169, 172, 180, 198, 197, 198, 199, 200, 210, 219, 243, 548, 613, 622 e 699 da CAPOCUC. Arquivo da Universidade de Coimbra. 23 Processo 198 da CAPOCUC – Jardim Botânico (Projecto de remodelação). Arquivo da Universidade de Coimbra. 24 Processo 199 da CAPOCUC – Estufa fria. Arquivo da Universidade de Coimbra. 25 Processo 210 da CAPOCUC – Ponte e arranjo da ligação do Jardim Botânico com a mata. Arquivo da Universidade de Coimbra. 26 Processo 114A da CAPOCUC – Jardim Botânico. Arquivo da Universidade de Coimbra. 27 Processo 548 da CAPOCUC – Adaptação 68 do edifício de S. Bento a Instituto Botânico. Arquivo da Universidade de Coimbra. 28 Processo 114 da CAPOCUC – Jardim Botânico. Arquivo da Universidade de Coimbra. Imagens Fig. 1 Planta para um Horto Botânico idealizada pelo arquitecto E. Oakley e executada por B. Cole. Peça desenhada dedicada por Jacob de Castro Sarmento em 1731 ao reitor da Universidade de Coimbra, D. Francisco Carneiro de Figueiroa. Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Ms. 3377/75. Fig. 2 Planta para o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Sem autor. 1773 (?). Biblioteca do Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra, Sala E. Fig. 3 Risco do Jardim Botânico para a Universidade de Coimbra. Júlio Mattiazzi. Sem data. Reprodução de Riscos das obras da Universidade de Coimbra, Coimbra, Museu Nacional de Machado de Castro, 1983, p. 55. [Álbum original pertencente à família Santos Simões] Fig. 4 Risco das estufas do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Sem autor. Sem data. Reprodução de Riscos das obras da Universidade de Coimbra, Coimbra, Museu Nacional de Machado de Castro, 1983, p. 56. [Álbum original pertencente à família Santos Simões] Fig. 5 Risco das estufas do Real Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Sem autor. Sem data (século XVIII). Biblioteca do Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra, Sala E. Fig. 6 Mapa do terreno que ocupa o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Manuel Alves Macomboa. 1795. Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Ms. 3380. Fig. 7 Planta do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, com a indicação das partes essenciais e secundárias, segundo Félix Avelar Brotero. Reprodução de Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. II (1792-1810)”, O Instituto, 2.ª série, vol. XXIII, Coimbra, Imprensa da Universidade, Julho/ Dezembro de 1876, s/p. Fig. 8 Primeiro orçamento fundamental do risco do Jardim Botânico. [José do] Couto. Outubro de 1807. Biblioteca do Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra, Sala E. Fig. 9 Projecto para o portal principal do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. José do Couto dos Santos Leal. 1818. Museu Nacional de Machado de Castro. MNMC 2898; DA 37. Fig. 10 Obras na estufa pequena, Luiz Carrisso, 1934. Colecção do Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra. Fig. 11 Projecto de remodelação do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Cottinelli Telmo e Armand Van Bellinghen. 1945 (?). Arquivo da Universidade de Coimbra. Processo 198 da CAPOCUC – Jardim Botânico (Projecto de remodelação). Fig. 12 Desenho da fonte monumental para o quadrado central do Jardim Botânico. Álvaro da Fonseca (?). Sem data. Na margem direita lê-se “Falta para o Jardim Botânico de Coimbra”. Processo 114B da CAPOCUC – Jardim Botânico. Arquivo da Universidade de Coimbra. 69 Alexandre Ramires. Jardim Botânico revisitado. 2004.video still Lévy & ses Fils, 1880. Col. Alexandre Ramires Autor desconhecido. Anos 10 do séc XX. Col. Dep. Botânico UC Autores desconhecidos. Finais séc XIX. Col. Dep. Botânico UC Autor desconhecido.Aula de Júlio Henriques. Finais do séc XIX. Col. Dep. Botânico UC Autor desconhecido. Restauração interior da estufa. 16 de Maio 1932. Col. Dep. Botânico UC Autor desconhecido. Restauração da estufa. Julho de 1936. Col. Dep. Botânico UC Autor desconhecido. A estufa depois de transformada, 3 de Março 1933. Col. Dep. Botânico UC Autor desconhecido. Wexel e Gossweiler 1934. Col. Dep. Botânico UC Luiz Carisso. Missão Académica a Angola, 1929. Col. Dep. Botânico UC. cortesia Cinemateca Portuguesa/ANIM Autor desconhecido. Finais séc XIX. Col. Dep. Botânico UC Autor desconhecido. Aurélio Quintanilha. Anos 20 séc XX. Col. Dep. Botânico UC Autores desconhecidos. Herbário. Anos 20 séc XX. Col. Dep. Botânico UC Autor desconhecido. Curso de micologia. Janeiro 1934. Col. Dep. Botânico UC Fogo na noite escura* Fernando Namora Com a proximidade dos exames, a cidade transformava-se, ficando enervada e taciturna. Havia por todo o lado uma atmosfera expectante. Pelos jardins, nos recantos sombrios, viam-se estudantes que se mostravam de um dia para o outro ansiosos e graves, decorando à pressa, com tortura, as volumosas páginas que pareciam não ter fim, e nos cafés ou às mesas das pensões era ainda o estudo que emergia dos conflitos ou dos silêncios apreensivos. Aqueles que pareciam indiferentes à ameaça dos exames e procuravam continuar uma vida de foliões encontravam-se sós e também esses, por fim, não sabendo como preencher a súbita solidão, abriam um livro e decidiam-se a tentar a sua sorte. Estudava-se em toda a parte e cada um procurava descobrir o método mais eficaz de se defender da moleza do tempo, da fadiga e das solicitações que os desviassem do trabalho. O «Formiga Branca» fazia estender na janela um lençol molhado, a servir de cortina de frescura, para que o sol que amolengava o cérebro e a vontade encontrasse nessa barreira um obstáculo difícil. Mas a tardia gana pelo estudo, mais espectacular do que profícua, não o impedia de ser fiel às suas sestas e a umas noitadas em casa de uma costureira da vizinhança que, nos últimos tempos, se tomara muito popular. Seabra tinha um recurso mais engenhoso ainda: mergulhava os pés, durante horas, numa bacia de água fria, garantindo que, desse modo, espevitava a capacidade intelectual amortecida pelo calor e pelo cansaço. Júlio pouco alterava os seus hábitos, embora o ambiente acabasse por contagiá-lo. Viam-no sorum- 96 As the exams drew near, the city changed, becoming nervy and taciturn. There was an expectant atmosphere everywhere. In the parks, in every shady corner, students were anxiously trying to memorise great wads of seemingly endless pages as fast as they could, as if under torture; and in cafes or at the tables in the guesthouses, another kind of study would emerge out of the conflicts and apprehensive silences. Those students that appeared uncowed by the threat of exams and tried to continue their lifestyle of revelry suddenly found themselves alone – until, unable to deal with the unexpected loneliness, they too would end up opening a book, deciding to try their luck. Everywhere people were studying, each one trying to find the best way of defending himself against the languor brought on by the weather, the fatigue and the various demands that would lure him away from work. The “White Ant” would hang a wet sheet out of the window as a fresh curtain to keep out the sun that so dulled the brain and the will. But this somewhat belated appetite for study, which was more spectacular than it was effective, did not prevent him from indulging in his habit of an afternoon siesta or of spending some of his evenings in the house of a neighbouring seamstress, who had recently become very popular. Seabra had found an even more ingenious method. He would plunge his feet into a bowl of cold water and leave them there for hours at a time - this, he assured us, would get rid of the intellectual torpor brought about by the heat and tiredness. Júlio scarcely altered his habits at all, even though the atmosphere * excerto excerpt bático e irritadiço. Mariana conseguia estimulá-lo algumas vezes a estudarem Juntos, metodicamente, à sombra das corpulentas tílias do Jardim Botânico, onde se juntavam sempre vários grupos de estudantes, carregados de livros e de material de trabalho. Nas aulas a assistência ia rareando, visto que era agora muito mais rendoso e urgente o estudo individual. Por outro lado, nesses dias cálidos, as prelecções dos mestres, já de si desinteressadas, tornavam-se fastidiosas. Em algumas aulas obrigatórias, os rapazes deixavam as janelas abertas e, assim que surgia uma boa oportunidade, um grupo, préviamente escolhido de comum acordo, saltava para a rua. Havia de parte a parte uma obrigação cumprida à custa de mútuas e tácitas dissimulações. Mestres e discípulos chegavam ao fim desconhecendo-se ou receando-se como no primeiro dia; o exame não era o desfecho de um convívio crescido na confiança e no afecto, mas sim um tribunal em que juiz e réu se enfrentavam, suspeitosos, para julgar velhas rixas. 0 primeiro estudante da pensão do senhor Lúcio que entrou em exames consideravase vítima de uma conspiração. Ao contar depois a sua odisseia aos amigos do café, frisava especialmente o facto de, nesse dia, ter almoçado uma boa pratada de bacalhau com batatas.(...) 1943 did get to him in the end. We saw him going around looking glum and peevish. Mariana managed to spur him into work sometimes, by suggesting that they study together, methodically, in the shade of the corpulent linden trees in the Botanical Garden, where various groups of students would often meet up, laden down with books and study material. Attendance at lessons would drop off at this time, since private study was now much more urgent and useful. In any case, on those hot days, the professors’ lectures, already uninteresting in themselves, now became fastidious. In some of the compulsory lessons, the boys would leave the windows open and whenever an opportunity arose, a group of them, previously selected by common agreement, would jump out into the street. Here and there a deal was struck with nods and winks. Masters and disciples arrived at the end of the year as unaware and fearful of each other as they had been on the first day; for the exam was not the conclusion of a relationship of increased trust and affection, but rather a tribunal in which judge and defendant would confront each other suspiciously to settle old scores. The first student from Lúcio’s guesthouse to go into exams thought that he was the victim of a conspiracy. Later, recounting his odyssey to his friends in the cafe, he made special mention of the fact that on that day he had had a particularly good lunch of cod and potatoes. (...) 97 Sob as Árvores Beneath the trees João Rasteiro Mas lá ficaram eles ainda em seu sossego Estendidos, desabotoados, gratos, sob as árvores. But they still kept their ease Spread out, unbuttoned, grateful, under the trees. Seamus Heaney Uma árvore para ter a raiz dos ventres incandescentes um ninho de rizomas ocultos o sopro inicial habitado de magnólias cegas de pele. A tree in order to have root of incandescent wombs a nest of rhizomes unseen the initial breath inhabited by skin blinded magnolias. Uma árvore de aguçados dentes que devora as pedras a memória a inocência estranguladora onde se respira a luz o branco um atalho secreto de narcisos o olfacto polido dilatado os braços das cassiopeias nos favos das lascas nuas entre o espaço e a respiração. A tree of sharp teeth devouring stones memory the strangling innocence where we breathe light the white a secret path of narcissus dilated smoothed scent arms of cassiopeiae on the naked splints honey-combs between space and breath. Uma árvore desnudada de aves sobre a melancolia das açucenas ou um eco sem contornos na raiva incolor da borracheira porque na carne fissurada da terra entre a folhagem e o fogo a argila se transmuda. A tree stripped of birds on the white lilies melancholy or an unlimited echo on the fury of the rubber tree colourless for in the cracked flesh of the earth amongst leafage and fire clay is transmuted. Um corpo mineral dentro do ciclo das estações coaguladas sempre a adoração da árvore a vergar folhas abertas no voo. A mineral body inside the cycle of coagulated seasons the adoration of the tree forever bending open leafs in flight. Um corpo rompendo as membranas da própria árvore contra o cansaço o sangue escorrendo às raízes em fios de água sob as virilhas na pedra nocturna das cidades onde a árvore de Judas seduz a fera. A body the membranes breaking open of tree itself against exhaustion blood dripping to the roots in water lines beneath groins on the night stone of cities where the tree of Judas seduces the beast. Na volátil seiva das árvores desço às silenciosas cicatrizes da fala simulando a ressurreição da morte. On the quick sap of trees I descend to the silent scars of speech faking the resurrection of death. translated by Sandra Guerreiro Maria Lusitano Santos. O Jardineiro que não tinha projectos. vídeo still. 2003 O espaço como representação do espaço (o saber como encenação do saber) Space as a representation of space (knowledge as a staging of knowledge) HElder Gomes A criação de um jardim é um acto de confiança no tempo: no tempo limitado de vida das plantas e na estabilidade cultural capaz de lhe assegurar a manutenção, de garantir que, entregue a si mesma, a representação não seja devolvida à natureza da qual emergiu. Planta-se para o médio ou o longo prazo, alguns meses, alguns anos, algumas décadas, algumas centenas de anos. A generalização de técnicas de transplante de exemplares de grandes dimensões configura uma tentativa de ganhar tempo ao tempo; mas este é apenas um movimento de antecipação que não subtrai as plantas à mutabilidade do próprio tempo. Este, ao contrário, é o elemento determinante na constituição do jardim enquanto espaço representacional; por exemplo, o inevitável amarelecimento das folhas das caducas no outono fornece um suplemento vocabular à construção do espaço. Enquanto realidade dinâmica, o jardim está, por natureza, permanentemente ameaçado por aquilo mesmo que o constitui: a duração, a mutabilidade e a instabilidade do elemento vegetal. Ainda que sujeito a eventuais podas de formação, o desenvolvimento das plantas nunca é completamente predeterminável; a interacção recíproca das plantas, das plantas com o solo, das plantas com o clima confere à construção do espaço um grau de autonomia que quase não tem paralelo em outras formas de representação. Definido por limites físicos ou simbólicos (o muro, a grade, a sebe, a morfologia, o pavimento, a vegetação), o jardim é na vivência cultural do espaço uma realidade de The creation of a garden is an act of trust in time. It requires trust in the limited temporal framework offered by the lifespan of plants and trust in the cultural stability necessary to maintain it, to ensure that, left to its own devices, the representation will not be allowed to return to the state of nature from which it emerged. Gardens are planted for the medium or long term, for months, years, decades or centuries. The generally accepted techniques for transplanting larger specimens represent an attempt to gain more time; however, they merely forestall, without exempting plants from the mutability of time itself. On the contrary, time is the essential dimension in the constitution of a garden as representational space; for example, the inevitable yellowing of the leaves of the deciduous plants in autumn offers a lexical supplement to the construction of space. As a dynamic reality, the garden is by definition constantly threatened by the very thing that constitutes it – duration, mutability and the instability of the vegetal element. For although plants may be pruned into shape, their growth can never be completely determined; the reciprocal interaction between different specimens, and between the plants and their soil and climate, mean that the space has a degree of autonomy that is unparalleled in almost any other kind of representation. Defined by physical or symbolic boundaries (such as walls, fences, hedges, paths or vegetation), the garden is an exception in the cultural experience of space. Whether public or private, urban or rural, the garden 103 excepção. Público ou privado, em contexto urbano ou rural, o espaço do jardim é ao mesmo tempo parte do lugar que o envolve e um lugar à parte. Entendido como espaço interior, o espaço do jardim desenvolve com a realidade cultural uma relação específica. Embora elemento integrante da paisagem, o jardim escapa à condição de elemento indiferenciado da paisagem para se afirmar como realidade simbólica de natureza paradoxal; ao mesmo tempo natureza e cultura, significante e significado, a identidade do jardim vive dos seus limites: o muro, a cerca, a sebe. A definição de uma linha de demarcação corresponde à necessidade de inscrever no espaço um limite simbólico capaz de lhe assegurar um outro nível de realidade: uma realidade da ordem da representação, um espaço que se assume como representação do espaço. Iniciados cerca de 118 d.C., os jardins da Villa Adriana1, em Tivoli, surgem como o paradigma do modo como em diferentes épocas e em diferentes culturas o jardim foi entendido como um lugar de forte investimento simbólico. Projectados pelo imperador Adriano no intervalo das longas viagens através do império, os jardins da Villa Adriana são uma reconstrução de espaços do próprio império. Este é convocado para o espaço interior pela reapropriação estilizada de locais subjectivamente significativos: a Grécia ou o Egipto surgem representados no jardim pela apropriação do imaginário artístico ou do vocabulário morfológico e vegetal desses lugares. Em articulação com o complexo habitacional, os jardins são simultaneamente um espaço à parte e uma representação daquilo que, do lado de lá dos limites da Villa, se afigura como mais amável. Não estamos apenas diante da tentativa de reproduzir à escala ou por aproximação um ou outro edifício, um ou outro lugar, trata-se, sim, de pela representação fazer transportar para o interior do espaço delimitado da Villa e do jardim a existên- 104 is both part of the surrounding environment and a place apart. Perceived as a kind of inner space, the garden has a specific relationship with its cultural context. For although it is integrated into the landscape, it is nevertheless set apart from undifferentiated countryside and asserts a symbolic dimension that is paradoxical - simultaneously culture and nature, signifier and signified. Indeed, the identity of the garden is defined by its boundaries - the wall, the fence or the hedge. The demarcation line inscribes a symbolic limit in space and transports it onto another level of reality - the order of representation, a space that is assumed as a representation of space. The gardens of the Villa Adriana1 in Tivoli, begun around 118 AD, are paradigmatic of the powerful symbolism invested in gardens in different eras and cultures. Planned by the emperor Hadrian in the intervals between his long voyages around his empire, these gardens are a reconstruction of spaces from the empire itself. The empire is brought into the interior space by the stylized appropriation of subjectively significant places: Greece and Egypt, for example, are represented in the garden by elements appropriated from their respective artistic imaginations and characteristic morphological and vegetable vocabulary. The gardens, together with the living quarters, were both a space apart and a representation of the best of what could be found beyond the perimeter of the Villa. It was not an attempt at a scaled reproduction or imitation of particular buildings or places; rather it is a way of symbolically transporting those places into the grounds and garden of the Villa through representation. Here we find the distinctive traces of all the major cultural trends in an attempt to remake the real as a representation. Much more than a mere living space (and the gardens of the Villa Adriana in fact served as a retreat for the emperor), the cia simbólica desses lugares. Encontramonos perante o traço distintivo de todos os gestos culturais maiores, a tentativa de refazer o real enquanto representação. Mais do que um local para viver (e os jardins da Villa Adriana são-no, lugar de retiro do imperador), o jardim surge como um espaço cénico no interior do qual o poder, a dor ou o prazer encontram uma atmosfera propícia. Trata-se de configurar o espaço como a representação idealizada de si mesmo. O paradoxal deste projecto é que tenha sido realizado por aquele que detinha uma relação de poder e de domínio com os objectos representados: é o seu próprio império que o imperador representa. Não o império tal como ele é, com a sua multidão de interesses e de conflitos, de ricos ou de deserdados, mas o império tal como ele deveria ser; uma realidade idealizada por alguém que, mais do que ninguém, se sabe capaz de tomar consciência da dificuldade de transformar o próprio real. As tradições judaico-cristã e islâmica —em qualquer dos casos, nas suas raízes, culturas do deserto ou ameaçadas pela aridez que envolve a fertilidade de espaços agrícolas localizados— pensaram o jardim como uma imagem por excelência do oásis, o lugar de excepção. De um modo particular, a morfologia dos jardins cruciformes de tradição islâmica —morfologicamente de inspiração persa, mas suportados por modelos religiosos próximos dos descritos no Génesis— apresenta-se como a representação espacial do próprio Paraíso: idealmente um quadrado no interior do qual se inscreve uma fonte a partir da qual fluem quatro canais —os quatro rios que fluem do Éden— que dividem o espaço em outros tantos quadrados. O círculo e o quadrado, entendidos como formas geométricas perfeitas, definem na pedra e na água os limites de um lugar que não constitui já apenas uma remissão simbólica para uma outra realidade, mas a sua prefiguração concreta, uma representação habitável, pas- garden lends itself particularly well to the staging of power, pain and pleasure. Here the space is configured as an idealized representation of itself. The paradox of this project is that it was undertaken by someone that was in a relationship of power and dominion over the objects represented there. It was his own empire that the emperor was representing - not the empire as it really was, with its multiplicity of interests and conflicts, with its wealthy and its disinherited, but the empire as it should have been, an idealization by someone who knew better than anyone how difficult it was to transform reality itself. The Judaeo-Christian and Islamic traditions (both of which were desert cultures at heart, constantly struggling with the barrenness that threatened to overwhelm the few localized spots of fertile arable land) conceived the garden in the image of the oasis, the place of exception. The cross-shaped gardens of the Islamic tradition (which were originally Persian in inspiration, though supported by religious models like those described in Genesis) represented Paradise itself in form. They were ideally square with a fountain at the center, from which flowed four streams (the four rivers that flowed out of Eden) that divided the space into four squares. The circle and the square, which were considered perfect geometric forms, defined the limits of the place in stone and water, constituting not only a symbolic shift into another reality, but also a concrete prefiguration of it, an inhabitable representation, which could be experienced internally. The Islamic garden was constructed not as an allegory but as an exception, a space that could involve the body by appealing to the senses, in fact anticipating Heaven itself2. As a cultural artifact, the garden thus has a clear normative and programmatic purpose: it is a way of representing reality not as it is, in its raw state, but as is should or ought to be. Similarly, the construction of the garden as an enclosed space in some way translates 105 sível de ser interiormente vivida. O jardim islâmico é construído não como uma alegoria, mas como uma realidade de excepção, um espaço capaz de envolver o corpo, apelando aos sentidos e antecipando, de facto, o Paraíso prometido2. Enquanto realidade cultural, o jardim comporta, pois, um claro sentido normativo e programático: trata-se de representar a realidade não como ela é, na sua rudeza, mas como ela deve, deverá ou deveria ser. Correlativamente, a construção do jardim como espaço fechado traduz de algum modo a desistência ou a descrença na possibilidade de realizar este dever ser fora do espaço definido pelos muros. O jardim entendido como lugar de excepção não está muito distante do jardim entendido como lugar de reclusão: o hortus conclusus medieval decorre de um desejo de protecção face à realidade exterior que traduz em parte um desejo de fuga face às ameaças do mundo para lá dos limites protectores do muro ou do claustro, fossem elas a guerra ou o pecado. Mas se o jardim existe enquanto lugar de excepção, ele implica em negativo a assunção da impossibilidade ou da renúncia à sua projecção como ideal de realidade imediata e concreta: é um lugar privilegiado, para momentos ou sujeitos privilegiados. Neste sentido, não existem ou não deveriam existir jardins modernos: enquanto projecto de mundo, a Modernidade implica a crença na possibilidade de uma acção transformadora da realidade; uma acção que já não se restringe ao espaço definido pelos limites de um muro, de uma fronteira, ou de um momento a vir, mas que se projecta no todo imediato do próprio mundo. Na Modernidade, o jardim enquanto realidade cultural relevante adquire características e uma natureza muito específicas: se individualismo moderno fundamenta e autoriza a produção de jardins como espaços privados3, o jardim moderno por excelência é um espaço público. De espaço de prazer, o jardim privado ou semi-público transforma- 106 the relinquishing of a belief that this ideal can be achieved outside the space defined by the walls. The garden as a place of exception is not so far removed from the garden as a place of retreat: the medieval hortus conclusus arose from the desire for protection against the outside world, a wish to escape the threats of the world beyond its walls and cloisters, whether war or sin. But if the garden was a place of exception, then this implies a renunciation of its projection as an ideal of the immediate concrete reality: it was a privileged space for privileged moments or people. In this sense, then, there can be no modern gardens: for, as a project of the world, Modernity implies belief in the possibility of transforming reality through action. Its kind of action is not restricted to a space defined by a wall, border or moment to come, but projects itself onto the here-and-now of the world itself. In Modernity, the garden as an important cultural phenomenon acquires very specific characteristics: for while modern individualism is based upon and authorizes the production of gardens as private spaces3, most modern gardens are in fact public spaces par excellence. The private or semi-public garden has been transformed from a place of pleasure into a public space for the staging of pleasure, power or knowledge. When not immediately given over to agriculture or defence, the most notable examples of representational investment in nature or in the landscape prior to Modernity took place within a ritualized experience of space. The symbolic and ontological distinction bestowed upon some natural spaces was a consequence of their explicit or implicit consecration. The identification of an inside and an outside, an interior and an exterior, as a condition for transforming the space into a representational entity, recalls a mythical experience of the world, according to which a dichotomy is marked between sacred and profane space. While this dichot- se em espaço público, lugar de encenação do prazer, do poder ou do saber. Quando não imediatamente subordinados a fins agrícolas ou defensivos, os exemplos mais marcantes de investimento representacional sobre a natureza ou sobre a paisagem anteriores à Modernidade inserem-se no âmbito de uma vivência ritualizada do espaço. O privilégio simbólico e ontológico concedido a algumas realidades naturais decorre da sua explícita ou implícita sacralização. A identificação de um dentro e de um fora, de um interior e de um exterior, como condição de realização do próprio espaço enquanto realidade representacional aproxima o jardim da dicotomia que se abre entre o espaço sagrado e o espaço profano como modelo de intelecção da experiência de mundo das culturas míticas. Ainda que esta dicotomia pareça forçada —só um olhar secularizado pode admitir verdadeiramente um espaço não sagrado—, a sacralização do espaço —um dos mais arcaicos movimentos de definição de uma relação simbólica de apropriação, e uma primeira tentativa de intervenção simbólica sobre o real— age pela implantação no espaço real de limites definidores da natureza representacional desse lugar, distinguindo o sagrado do profano. Tal como na construção de uma catedral, o desenvolvimento de um jardim coloca-nos perante um processo de espacialização de uma representação. No entanto, e embora correspondendo à mesma necessidade de definição do limite como condição de apropriação, a constituição do jardim como espaço fechado age num movimento inverso: trata-se já não de inscrever no espaço natural o elemento simbólico —o templo, o símbolo sacralizador—, mas de transportar simbolicamente a própria realidade para o espaço fechado, subordinando o natural à ordem do representacional. Acompanhando o emergir da Modernidade, o desenvolvimento do jardim botânico traduz o desejo de ressacralização —ou omy seems forced (for only the completely secular gaze can truly admit a non-sacred space), the consecration of space (one of the most archaic forms of symbolic appropriation and a first attempt at symbolically intervening in the real) acts by marking out the boundaries of the representational domain within the real space, thus distinguishing the sacred from the profane. As in the construction of a cathedral, the creation of a garden involves spatial representation. However, while this corresponds to the same need to define the boundaries as a condition for appropriation, the constitution of the garden as enclosed space acts in an inverse direction: rather than inscribing the symbolic element (the temple or consecrating symbol) in natural space, it symbolically transports the external reality into the enclosed space, subordinating the natural to the representational order. The development of the botanical garden, accompanying the emergence of Modernity, translates the desire for re-consecration (i.e. representation) of a recently deconsecrated space. It is about producing a representational correlate that ensures the subordination of the real to the new order of representation, namely reason and science. The representational relationship almost always involves the symbolic appropriation of the thing represented; it implies the translation of the other into an order and meaning compatible with the worldview of the subject representing it. In this sense, the relationship that Modernity establishes with nature is very clearly affirmed in the botanical garden: it is a question of staging nature’s subordination to the systematic order of science. Descendant of the medieval hortus conclusus4, the botanical garden loses its utilitarian function to become a way of affirming a relationship with the real that is clearly modern in nature. It operates by delimiting the symbolic space within the real in a kind of secular consecration; for the space, 107 seja, de representação— de um espaço recém dessacralizado: trata-se de produzir um correlato representacional que assegure a subordinação do real à nova ordem de representação: a razão, a ciência. A relação de representação é sempre ou de forma prevalecente uma relação de apropriação simbólica do representado, implica um movimento de tradução do outro para uma ordem e um sentido compatíveis com o mundo do sujeito que representa. É neste sentido que a relação que a Modernidade estabelece com a natureza encontra no jardim botânico um espaço privilegiado de afirmação: trata-se de encenar a subordinação da natureza à ordem sistemática da ciência. Herdeiro do hortus conclusus medieval4, o jardim botânico perde a imediata função utilitária e surge como lugar de afirmação de um modelo de relação com o real de claro cariz moderno: ele opera a delimitação no real de um espaço simbólico que é da ordem de uma sacralidade secularizada; um espaço que, mantendo o carácter de excepção, se define segundo princípios de ordem racional. Ainda que associada a uma instituição de investigação, mais do que lugar de produção do saber, o jardim botânico cumpre a função de reificar uma nova ordem de representação: a apropriação simbólica do real pelo conhecimento racional, a subordinação da natureza à taxionomia. Neste sentido, o maior perigo que ameaça um jardim é a mutabilidade da própria natureza. A ser uma representação, ela assenta numa realidade que permanentemente reivindica a sua autonomia. Por isso a tentação da pedra: a imposição da arquitectura e da estabilidade do mineral tenta subtrair a representação à autonomia intrínseca do vegetal. O trabalho de criação de um jardim é, antes do mais, um trabalho de ordenação do espaço; não um trabalho de ordenação de todo o espaço —como a agricultura, que transforma o coberto, a fauna e a 108 while maintaining its exceptional character, is defined according to rational principles. Although associated to research institutions, rather than to places for the production of knowledge, the function of the botanical garden is to reify a new order of representation - the symbolic appropriation of the real by rational knowledge, the subordination of nature to taxonomy. In this sense, the greatest danger threatening a garden is the mutability of its own nature. Being a representation, it is based upon a reality that is constantly clamouring for autonomy. This is why stone offers such temptation: the imposition of architecture and the stability of the mineral is an attempt to remove the intrinsic autonomy of the vegetal from the representation. The work involved in creating a garden is above all about ordering space. However, it is not the whole space that is ordered (as in agriculture, which transforms the vegetation, fauna and natural shape of the land to make them compatible with the cultivation of certain species); rather it is about defining a space within a space, the delimitation of a cultural space that is invested with a strong symbolic charge. Even when the aim is to produce a natural-looking space, gardening largely acts against nature, involving clearing and selecting, pruning, killing, leveling, reshaping. At the same time, however, as a cultural artifact, it is subject to nature and maintains with it a delicate symbiotic relationship; for at any moment, that relationship might become unbalanced, yielding to one or other of its parts, nature or culture. As a space of representation, the garden is a place where nature and culture are reciprocally inscribed in each other. The margins of this relationship are never defined, which implies the subordination of nature to the representational dimension; but at the same time, it demands the work of learning, a work of subordination of the cultural fact to the rules of nature. As a location for the staging of knowl- morfologia naturais para as tornar compatíveis com o desenvolvimento de determinadas espécies vegetais ou animais—, mas a definição de um espaço no interior do espaço; a delimitação de um lugar cultural que é investido de uma forte carga simbólica. Mesmo que o objectivo seja o de produzir um espaço naturalizado, a criação de um jardim é, em larga medida, um trabalho contra a natureza: um trabalho de selecção e de arroteamento, um trabalho de poda, de abate, de terraplanagem, de modelação. É um trabalho contra a natureza, mas ao mesmo tempo um facto cultural sujeito à própria natureza, estabelecendo com ela uma relação de simbiose assente num equilíbrio instável, a cada momento ameaçada de ceder por cada uma das partes, a natureza ou a cultura. Enquanto espaço representacional, o jardim surge, assim, como um lugar de inscrição recíproca da natureza na cultura e da cultura na natureza. Esta é uma relação de margens nunca definidas, que implica a subordinação da natureza à dimensão representacional, mas também, e na mesma medida, exige um trabalho de aprendizagem, um trabalho de subordinação do facto cultural às regras da natureza. Enquanto lugar de encenação do saber, o jardim botânico é um enorme dispositivo cénico destinado a veicular uma representação de mundo que em larga medida coincide consigo mesma. A imagem de mundo que subjaz à disposição científica das plantas numa Escola de Sistemática corresponde menos a uma efectiva ordem espacial da natureza do que a uma construção de ordem cultural. Não apenas em nenhum lugar da natureza as plantas se agrupam espacialmente segundo estruturas taxionómicas, como os princípios que subjazem a essa taxionomia decorrem de um modo muito próximo de uma representação do real inerente à racionalidade moderna. Isto não significa que, dentro dos limites próprios do rigor científico, a organização das espécies segundo estruturas taxionómicas edge, the botanical garden is designed to transmit a representation of the world that largely coincides with itself. The worldview underlying the scientific layout of the plants according to the Systematic School corresponds less to an effective spatial ordering of nature than to a cultural construction. Not only is it impossible to find plants in nature arranged spatially into taxonomic categories, the principles underlying that taxonomy arose from a mode that is very close to the representation of the real inherent in modern rationality. This does not mean that, within the limits of scientific rigour, the organization of species in accordance with taxonomic structures should not be understood as true; it means that, as a logic of organization in space, the fact of it being true does not necessarily increase its value, and that a false taxonomy, but one which is spatially more operative, might eventually be preferable5. Organized according to cataloguing principles, the botanical garden is analogous to museum in the representation of nature that is projected within its space. Underlying it is an image of the world as a vast library through which the visitor may wander, and which can be deciphered with the proper tools. The botanical garden not only presupposes that a comprehensive experience of the real is possible, it also presents us with nature as a representational object. What the garden offers is precisely a representation of nature as an explained reality. Nature is translated into human language, and the world (for the botanical garden is part of Modernity’s much larger project of intellectually mastering the real) is converted into a new reality of a representational order. Stretching across hectares or confined into a few square metres, the garden as a representation coincides largely with itself, despite displaying all the prerogatives of the symbolic (each of its elements presupposes a relationship between a signifier and signi- 109 não deva ser entendida como verdadeira. Significa que, enquanto lógica de organização do espaço, uma taxionomia verdadeira não constitui um valor acrescentado, podendo eventualmente ser preferível uma taxionomia falsa, mas espacialmente mais operativa5. Organizada segundo princípios de catalogação do real, a representação de natureza que está projectada no espaço de um jardim botânico é análoga à de um espaço musealizado, suportada por uma imagem do mundo entendido como uma vasta biblioteca passível de, utilizando os instrumentos apropriados, ser decifrada. O jardim botânico não supõe apenas a possibilidade de uma experiência compreensiva do real, apresenta-nos a natureza como um objecto representacional. Aquilo que o jardim nos oferece é, precisamente, a representação da natureza como uma realidade explicada. Trata-se de traduzir a natureza para uma linguagem humana, convertendo o mundo —o jardim botânico é parte de um mais vasto projecto de intelecção e domínio do real inerente à Modernidade— numa realidade de ordem representacional. Expandindo-se por hectares ou confinado a alguns metros quadrados, o jardim é uma realidade representacional que, não obstante ostentar todas as prerrogativas das realidades simbólicas —cada um dos seus elementos supõe a relação entre um significante e um significado como traço definidor da sua identidade—, coincide em larga medida consigo mesmo. No jardim botânico, apesar das placas que identificam as plantas sustentarem um movimento de reenvio do particular para o geral, transformando cada exemplar num significante de que o todo é o significado —nesta acepção, a identidade de cada planta poderia entender-se como da ordem da sinédoque—, o particular não se esgota nesse movimento de reenvio. Trata-se de uma representação habitável, uma realidade a quatro dimensões, dotada de altura, de largura, de pro- 110 fied that is a defining trace of its identity). Despite the name plates, which effectively subordinate the particular to the generic, transforming each example into a signifier whose signified is the whole species (each plant may be understood as a kind of synecdoche), the particular is not exhausted in that shift. It is an inhabitable representation, a four-dimensional reality, with height, width and depth, and subject to time. But there is more than a difference of scale here compared to other representations; there is also a difference in nature. The name plate superimposes the representation on the thing and duplicates the thing in the representation. Our experience of space and concrete things are transposed to the representational plane in a Hegelian movement, as the possibility of merging the concrete self. This is space representing space as the possibility of merging its own experience of space. Similarly, the botanical garden is constructed as knowledge that stages itself as a concrete object, as the possibility of ensuring an immediate correlate of reality for knowledge. But if this means allowing knowledge to produce empirical correlates that may be experienced as concrete things, that mechanism also implies a questioning of the discourse of knowledge itself. In an important artistic gesture of the second half of the 20th century, the artist Joseph Kosuth created a series of works that drew attention to the problematic relationship between reality and its representations. Entitled One and Three (hammers, chairs, cacti, etc), the works juxtapose an object, its photograph and a dictionary definition of that thing. In the first instance, it is figured as a discursive procedure that ends up as tautology or pleonasm. But what confers value upon these works is that, while the juxtaposition of a reality with its representations seems to function as a cumulative movement of the sedimentation of experience as knowledge (in which representa- fundidade, sujeita ao tempo. Mas mais do que uma diferença de escala face a outras representações, é uma diferença de natureza: a placa de identificação surge como da ordem da sobreposição da representação à coisa, da duplicação da coisa pela representação. Coloca-nos perante o movimento hegeliano de transposição da experiência do espaço e da coisa concretas para o plano representacional como possibilidade de fundar o próprio concreto. Estamos diante do espaço que representa o espaço como possibilidade de fundar a própria experiência do espaço. Do mesmo modo, o jardim botânico constrói-se enquanto saber que se encena a si mesmo como objecto concreto, enquanto possibilidade de garantir ao saber um correlato imediato de realidade. Mas se isto parece permitir ao saber a produção de correlatos empíricos experienciáveis como coisas concretas, tal dispositivo implica também um questionamento do próprio discurso do saber. Num gesto marcante para a arte da segunda metade do século XX, o artista plástico Joseph Kosuth desenvolveu um conjunto de obras que problematizam a relação entre a realidade e as suas representações. Intituladas de Um e três (martelos, cadeiras, cactos, etc.) as obras apresentam-nos numa relação de estreita proximidade espacial um objecto, a sua fotografia e uma definição de dicionário desse mesmo objecto. Encontramo-nos perante aquilo que, num primeiro momento, se afigura como um procedimento discursivo que incorre na tautologia ou no pleonasmo. Ora, o que confere um valor acrescido a estas obras é que, se o confronto de uma realidade com as suas representações parece funcionar como um movimento cumulativo de sedimentação da experiência enquanto saber —no qual as representações concorrem para reificar a coisa enquanto objecto de experiência—, ele demonstra sobretudo o modo como a sobreposição da representação à coisa se tions compete to reify the thing as object of experience), it demonstrates above all the way in which the superimposition of representation upon the thing may be translated by a process of subtraction of the thing from its representation, the deconstruction of the representation by the thing or of the thing by the representation. Analogously, while the botanical garden is presented as a place where reality is appropriated by the word, it also allows us to perceive the irreducibility of the thing to the representation. The name plate (indicating species, genus, common name, place of origin) includes the experience of the natural reality within the totality of the representation. But at the same time, the juxtaposition of the real concrete organic plant (with shape, volume, thickness and colour) and its representation demonstrates the inexorably artificial nature of the knowledge underlying the taxonomy. There is a constant shift from plant to representation and from representation to plant in an intricate relationship that affirms the mutually relative character of nature and culture. Between the individual perception that always apprehends space in relative terms, and the constancy of nature itself, the garden is particularly exposed as a representation: for this representation is subject to the cycle of the seasons and at the mercy of the random steps of anyone that passes through it. It implies a non-linear space and a time where immediacy and duration, mutability and constancy converge - the immediacy of the individual perception and the duration of that which is subject to the rules of nature and culture; the mutability of everything that is subject to time and its seasons, and the very constancy of time and the seasons, in an irregularity that is in part predictable and therefore may partly be explored and controlled. Even when structured by the most rigorous projects (such as the great Italian Renaissance gardens or the French gardens of the 17th century6), the 111 pode traduzir por um processo de subtracção da coisa à representação, de desconstrução da representação pela coisa ou da coisa pela representação. De maneira análoga, se o jardim botânico se oferece como lugar de apropriação da realidade pela palavra, ele é também ocasião para a percepção da irredutibilidade da coisa à representação. A placa de identificação —com a indicação da espécie, do nome do taxiólogo, do nome comum, do local de origem— integra a experiência da realidade natural no interior de um todo de representações. Mas ao mesmo tempo o confronto entre a espessura da planta —uma coisa concreta, orgânica, dotada de forma, de volume, de cor, etc.— e a sua representação demonstra o carácter inultrapassavelmente artificial do próprio saber que subjaz à taxionomia. Estamos perante um movimento de reenvio permanente da planta para a representação e da representação para a planta, numa relação de implicação que afirma o carácter mutuamente relativo da natureza e da cultura. Entre a percepção individual que apreende o espaço sempre de forma relativa e a inconstância da própria natureza, o jardim é uma realidade representacional singularmente exposta: é uma representação sujeita ao ciclo das estações e ao aleatório dos passos de quem o percorre. Implica um espaço não linear, e um tempo onde se articula o imediato e a duração, a mutabilidade e a constância. O imediato da percepção individual e a duração daquilo que está sujeito às regras da natureza e da cultura. A mutabilidade daquilo que está sujeito ao tempo e às estações, e a constância do próprio tempo e das estações, numa irregularidade em parte antecipável e por isso em parte passível de ser explorada ou controlada. Ainda que estruturado pelo mais rigoroso dos projectos —como os grandes jardins renascentistas italianos, ou os jardins franceses do século XVII6—, o jardim é, na relação de percepção que o sujeito com ela estabelece, 112 garden is a non-linear reality in relation to the perception that the subject forms of it. Intrinsically de-structured by the instability of the plants themselves, the rigour of the design is subverted by the subjectivity of the perceiver, affected not only by perspective (even when the project deliberately sets out to create this by introducing projection lines and drawing the eye along specific trajectories, thereby conditioning the subject’s experience in advance) but also by the individual subjectivity. Inside the garden, understood as a place of pleasure, subjectivity is affirmed as a constituent part; it is this that transforms and intensifies the objective fact of plant, stone, water or bird in a representation that is as culturally apprehensible as it is pleasurable. As in any work of art, subjectivity is affirmed as the last instance of realization of the representation itself. The garden exists as it is apprehended as a space of representation; it exists in proportion to the intensity of its subjective apprehension, demanding that the subject possesses the information necessary to connect the representations. In the botanical garden - a place for the exhibition of knowledge, rationalization of experience through knowledge, systematization and categorization - subjectivity is paradoxical, an intruder that seems to threaten the systematic congruence of a whole order of representation. By definition the opposite of objectivity, and of the logical rigour of scientific knowledge, and thus a shadow threatening the evidence of the truth, subjectivity is nevertheless essential to the experience of the space expressed in the form of the botanical garden. The apparent paradox demonstrates that the validity of this cultural reality may be gauged according to the criteria of objectivity and scientific neutrality. The botanical garden is not a place of knowledge; rather it is a place for the staging of knowledge. The theatrical dimension requires the sphere of strictly scientific representation to be trans- uma realidade não linear. Intrinsecamente desestruturado pela instabilidade das próprias plantas, o rigor do desenho é subvertido pela subjectividade de quem o percepciona, sujeita não apenas às transformações operadas pela perspectiva —mesmo que o projecto as pretenda determinar, produzindo linhas de fuga, induzindo percursos, isto é, produzindo prospectivamente o condicionamento da experiência do sujeito—, mas também às transformações inerentes à subjectividade individual. No interior do jardim entendido como lugar de prazer, a subjectividade afirma-se como constituinte; é ela que transforma e intensifica o facto objectivo —planta, pedra, água, ave— numa representação culturalmente apreensível como aprazível. Tal como em qualquer obra de arte, a subjectividade afirma-se como a instância última de realização da própria representação: o jardim existe enquanto é apreendido como espaço de representação, existe na proporção da intensidade da sua apreensão subjectiva, exigindo para tanto que o sujeito esteja na posse da informação necessária para operar tal movimento de articulação de representações. Ao nível do jardim botânico, lugar de exposição do saber, de racionalização da experiência pelo conhecimento, de sistematização e de taxionomização, a subjectividade surge como o dado paradoxal, o intruso que parece ameaçar a congruência sistemática de toda uma ordem de representações. Sendo, por definição, o oposto da objectividade e do rigor lógico do conhecimento científico, e surgindo assim como a sombra capaz de ameaçar a evidência da verdade, a subjectividade é, no entanto, o dado indispensável à experiência do espaço articulado enquanto jardim botânico. O aparente paradoxo demonstra que esta não é, de facto, uma realidade cultural cuja validade seja aferível segundo os critérios da objectividade e da neutralidade científica; o jardim botânico não é um lugar de saber, é posed (even when only on the level of educational divulgation) to the sphere of aesthetic representation. This shift to another order of representation does not imply the exclusion of the former; rather, it demands consideration of a complex and plural notion of cultural experience. The botanical garden arouses in the spectator an experience of space, nature and culture that is irreducible to any unanimous assertion of a single exclusive mode of representation, whether reason, religion, aesthetic sensibility or any other. 1 For a description of the site and characteristics of gardens in the Roman world, see Patrick Bowe, Gardens of the Roman World, Frances Lincoln, London, 2004. 2 For an exploration of the morphology and vocabulary of the traditional Islamic garden, see Arnaud Maurières & Éric Ossart,, Paradise Gardens, Éditions du Chêne - Hachette Livre, 2000 ; for an interpretation of their importance for the Portuguese landscaping tradition, see Helder Carita & Homem Cardoso, «Da tradição islâmica e da génese do jardim português», in Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal, Bertrand Editora/ Quetzal Editores, Venda Nova, 1998. 3 In fact, many of the most important modernist gardens (although Modernism does not exhaust Modernity in its broadest sense) are private; see Jane Brown, The Modern Garden, Thames & Hudson, London, 2000. 4 For an exploration of this matter, see Rob Aben & SasKia de Wit, The Enclosed Garden: History and Development of the Hortus Conclusus and its Reintroduction into the Present-day Urban Landscape, 010 Publishers, Rotterdam, 1999. 5 In Jorge Luis Borges’ paradoxical narratives, which are as rigorous as they are apocryphal (see «O idioma analítico de John Wilkins», in Outras Inquirições—Obras Completas II, p. 8184, Editorial Teorema, 1998), different possibilities of taxionomic organisations of reality and different ways of apprehending reality are presented as organized and meaningful, whatever their defining principles, and even when considered false when perceived from the point of 113 um lugar de encenação do saber. A dimensão cénica exige que se tenha transposto o âmbito da estrita representação científica —ainda que apenas ao nível da sua divulgação didáctica— para se situar no âmbito da representação estética. A remissão para outra ordem de representação não implica a exclusão do primeiro nível; exige, sim, que se considere uma noção de experiência cultural constitutivamente complexa e plural. O jardim botânico suscita ao espectador uma experiência do espaço, da natureza e da cultura, irredutível ao enunciado unívoco de um modo exclusivo de representação, seja este o da razão, da religião, da sensibilidade estética, ou outro. 1 Para uma abordagem do lugar e das características dos jardins no mundo romano, vejase Patrick Bowe, Gardens of the Roman World, Frances Lincoln, Londres, 2004. 2 Para uma exploração da morfologia e do vocabulário do jardim de tradição islâmica, veja-se Arnaud Maurières e Éric Ossart, Paradise Gardens, Éditions du Chêne - Hachette Livre, 2000 ; para uma leitura da sua importância ao nível da tradição paisagística portuguesa, vejase Helder Carita e Homem Cardoso, «Da tradição islâmica e da génese do jardim português», in Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal, Bertrand Editora/ Quetzal Editores, Venda Nova, 1998. 3 E, de facto, muitos dos mais relevantes jardins modernistas (embora o Modernismo não esgote a mais ampla acepção de Modernidade) são privados; veja-se Jane Brown, The Modern Garden, Thames & Hudson, Londres, 2000. 4 Para uma abordagem desta questão, veja-se Rob Aben e Saskia de Wit, The Enclosed Garden: History and Development of the Hortus Conclusus and its Reintroduction into the Present-day Urban Landscape, 010 Publishers, Roterdão, 1999. 5 Na sua tão rigorosa quanto apócrifa apresentação de narrativas paradoxais, Jorge Luis Borges (Veja-se «O idioma analítico de John Wilkins», in Outras Inquirições—Obras Completas II, p. 81-84, Editorial Teorema, 1998), recenseia diferentes possibilidades de organização taxionó- 114 view of modern reason. 6 See Clemens Steenbergen & Wouter Reh, Arquitectura Y Paisaje: La Projectión de los Grandes Jardines Europeos, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2001. mica da realidade; diferentes possibilidades de apreender a realidade como algo dotado de organização e sentido, quaisquer que sejam os princípios segundo os quais esse sentido se define, e mesmo que do ponto de vista da razão moderna eles se afigurem como inverosímeis. 6 Veja-se Clemens Steenbergen e Wouter Reh, Arquitectura Y Paisaje: La Projectión de los Grandes Jardines Europeos, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2001. 115 Dia Positivo* Positive Day Conceição Riachos *The title DIA POSITIVO means a ‘positive day’ but also, when single word, means ‘slide’ or ‘transparency’ Bent palm-tree balances THE heat, heat, heat Francisco Queirós, Índex Seminum et Sporarum, 2006 Susana Paiva. Noites Brancas. 2004 Hugo Santos. 2002 Haikus-bambu Haiku-bamboo Graça capinha 1. da terra ao céu uma chuva farta verde ávida de infinitos dedos um único ser 2. pulmão de tubos antes da morte da mata o clamor único orgão 3. de toque sempre renovado uma velha única melodia 1. from earth to sky rain plenteous green eager of infinites fingers one being 2. lung of tubes before death of the wood shouting one organ 3. of ever renewed touch one old tune 125 Paulo Bernaschina. Desmoralização. 1994 127 Autor desconhecido. Série M, nº 58 e 60. Col. Dep. Botânica UC Flores e outras espécies sem nome flowers and other nameless species Luís Quintais Nada na natureza tem nome. Como se de um jardim botânico sem indicações precisas – em latim de preferência – se tratasse. Lineu rir-se-ia da minha ignorância feliz – deste conhecimento que complacente se diverte no seu desconhecimento. Formas, cores, a ebriedade dos cheiros, a insensata vertigem sensitiva de um bosque, a atmosfera vegetal de uma estufa, as flores como sexos – são sexos? – abertos onde perante visitas mergulho. Atónitos ficariam se soubessem que nada na natureza – é “natureza” este voluptuoso jogo de se desconhecer? – tem nome. Tudo é orgânico recorte que o herbário não contém, desequilíbrio, sonho do indecifrável que lento se putrefaz perante a virtuosa ignorância classificatória em mim se animando. O jardineiro que não tinha projectos The gardener who has no causes Maria Lusitano Santos Nothing in nature has a name. As if it were a botanical garden with only the vaguest indications, preferably in Latin. Linnaeus would laugh at my happy ignorance, at this knowledge that blithely delights in not knowing. Colors, shapes, inebriating fragrances, the senseless, sensation-filled vertigo of a forest, the vegetable atmosphere of a greenhouse, the flowers like open sex organs – are they sex organs? – which I dive into as visitors look on. They’d be shocked to find out that nothing in nature – is ‘nature’ this voluptuous game of self-ignorance? – has a name. It’s all organic essence not found in herbariums, all disproportion, all a dream of indecipherables slowly rotting before this virtuous classificatory ignorance bursting with life inside me. translated by Richard Zenith 133 Uma releitura de Jorge Luís Borges e de Michael Polanyi a propósito de uma reconstrução epistemológica entre Arte e Ciência A Rereading of Jorge Luís Borges and Michael Polanyi with regards to an Epistemological Reconstruction between Art and Science Sebastião J. Formosinho O Livro Um livro sobre o “Jardim Botânico de Coimbra: Contraponto entre Arte e Ciência” poderá surpreender-nos por menos oportuno numa época recheada de meios de tecnologias de informação bem diversificados. Prometo que não os esqueceremos, mas desde já recordo Jorge Luís Borges: «De los diversos instrumentos del hombre, el más asombroso es, sin duda, el libro. Los demás son extensiones de su cuerpo»1. Este livro sobre o Jardim Botânico de Coimbra é acima, de tudo, um preito de homenagem aos que nos antecederam na Universidade de Coimbra em busca de uma renovação pedagógica e científica sob a acção energética das Luzes — a criação de um “laboratório natural e observacional” apropriado para uma ciência muito marcada pela classificação sistemática mediante um «reconhecimento de padrões». Com os matizes e os meios próprios da época, recordamos as suas memórias, os seus anseios, as suas imaginações e intuições. Mas Borges aporta-nos ainda outra faceta que se prende com a relação de amor com o Livro: «Continuo imaginando não ser cego; continuo comprando livros; continuo enchendo minha casa de livros. Há poucos dias fui presenteado com uma edição de 1966 da Enciclopédia Brokhaus. Senti sua presença em minha casa — eu a senti como uma espécie de felicidade. Ali estavam os vinte e tantos volumes com uma letra gótica que não posso ler, com mapas e gravuras que não posso ver. E, no entanto, o livro estava ali. Eu sentia como que uma The Book A book entitled “Coimbra Botanical Garden: Counterpoint between Art and Science” may strike us as less than opportune in an era filled with diverse information technologies. We will come back to these; but first, I would like to recall the words of Jorge Luís Borges: “Of all the various tools created by man, the most astonishing is undoubtedly the book. The others are all just extensions of his body”1. This book on Coimbra Botanical Garden is above all a kind of homage to all our predecessors at the University of Coimbra who sought pedagogical and scientific renewal in the spirit of the Enlightenment. The result was the creation of a “natural observation laboratory” for a science characterised by systematic classification based upon a “recognition of patterns”. With the resources and spirit of the age, we record their memories, their longings, their imaginations and intuitions. But Borges also brings us another facet that has to do with love of books: “I continue to imagine that I am not blind; I continue to buy books; I continue to fill my house with books. A few days ago, I was offered a 1966 edition of the Brokhaus Encyclopaedia. I could feel its presence in my house – I felt it like a kind of happiness. There were those twenty and so volumes with their Gothic lettering that I cannot read, with maps and illustrations that I cannot see. Yet the book was nevertheless there. I felt a kind of friendly pull emanating from the book. I think that books offer one of the chances for hap- 137 gravitação amistosa partindo do livro. Penso que o livro é uma das possibilidades de felicidade de que dispomos, nós, os homens»2. Sem dúvida que para além dos elementos intelectuais, há elementos físicos que prendem o leitor ao livro: o folhear, o passar a mão sobre a encadernação e as figuras, o sentir o cheiro do papel, da cola, da tinta, o gosto de ler em voz alta determinadas passagens, etc.. Mas sem dúvida Borges não o terá feito com todos os volumes da Enciclopédia Brokhaus. É que falta-nos ainda um elemento implícito (tácito), e de grande importância, o sentir o livro como um todo. piness that we, men, have at our disposal?”2. In addition to their intellectual aspects, books also clearly have physical aspects that captivate the reader: we enjoy leafing through a tome, passing our hand over the binding and the illustrations, smelling the paper, the glue, the ink, reading certain passages aloud. But Borges would certainly not have done that with all the volumes of the Brokhaus Encyclopaedia. What we are still lacking is an implicit (tacit) aspect of great importance, namely the feel of the book as a whole. A Beleza Mas este livro sobre o Jardim Botânico de Coimbra, para além da relação entre o leitor e a obra escrita, traz-nos uma outra relação, a da Arte com a Ciência. E como não há arte sem criatividade e sem beleza, esta nova relação transporta-nos para outros horizontes. Comecemos pelo da Beleza. Segundo Leibniz, «a beleza é um elemento da teoria do ser e da verdade, isto é, o reconhecimento da harmonia». «A beleza é a uniformidade da natureza com um excedente de riquezas e de ornamentos». Ao constituir-se como inteligibilidade, a verdade acompanha-se por um suplemento que é o belo. Por isso a Beleza é a harmonia para aquele que compreende. E a arte, em suma, duplica ou triplica a harmonia universal. Beleza como sinónimo de bom, do que nos agrada, da proporção e da harmonia, das cores, da elegância na função, o que nos encaminha para a beleza das coisas da natureza. Claro que tal parece afastar-nos da íntima relação que se estabeleceu entre Beleza e Arte. Todavia, este afastamento é momentâneo, pois de imediato associamos o Jardim Botânico à poesia, nuns versos simples de Jorge Luís Borges: Beauty But this book on the Coimbra Botanical Garden is concerned not only with the relationship between the reader and the written work, but also the relationship between Art and Science. And as there is no art without creativity and beauty, this new relationship transports us towards other horizons. I will begin with Beauty. According to Leibniz, “beauty is an element in the theory of being and truth, that is, the recognition of harmony”. “Beauty is the uniformity of nature with a surplus of riches and ornaments”. In becoming intelligible, truth is accompanied by a supplement that is the beautiful. For this reason, Beauty is harmony for whoever understands it. And art, in short, doubles or triples universal harmony. Beauty is therefore a synonym of the good, of what pleases us, of proportion and harmony, colours, elegance in function, what leads us towards beauty of things of nature. Of course this might seem to distance us from the intimate relationship established between Beauty and Art. However, this distancing is momentary, since we can immediately associate the Botanical Garden to poetry, as in these simple lines by Jorge Luís Borges: 138 «Num declive está o jardim, Cada arvorezita é uma selva de folhas. Assediam-no em vão as estéreis colinas silenciosas que adiantam a noite e a sua sombra no triste mar de inúteis verdes. Todo o jardim é uma luz amena a iluminar a tarde»3 «On a slope is the garden, Each little tree is a jungle of leaves. They harass it in vain, those sterile silent hills, which hasten the night and its shadow on the sad sea of useless greens. The whole garden is a soft light illuminating the afternoon»3 «Verdes inúteis», é o poeta a falar, porque o verde desempenha uma função essencial nas plantas para a captura eficaz da luz solar no exercício da função da fotossíntese. Mas continuemos a escutar o escritor, Borges, oral, retomando um tema que o tempo lhe tinha consubstanciado, e que apresentou na Universidade de Belgrano — o Livro —: «Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é , indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do “Useless greens” is the poet speaking; for in fact the green part of the plant has an essential function, namely to capture sunlight in the process of photosynthesis. But let us continue to listen to the writer, Borges, expounding on a theme that had long been important for him, and which he presented at the University of Belgrano, namely the Book: “Of all the various tools created by man, the most astonishing is undoubtedly the book. The others are all just extensions 139 seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; …»4. É precisamente o microscópio que tem permitido ao homem ir procurar aspectos formais insuspeitos na natureza da matéria, tal como faz com «a beleza dos cristais de neve». É o microscópio de polarização que nos vai transportar a um outro mundo de beleza natural, a um Museu — The Micropolitan Museum. Não vou sugerir que se desloquem a Amesterdão, se bem que algumas das imagens nos lembrem estampas japonesas e quadros impressionistas de van Gogh. Os meus leitores nem carecem de ir ou a Paris ou a Londres ou a Nova Iorque. Iremos simplesmente à internet ao site: http://www. microscopy-uk.org.uk/mag/artsep03/bjpolar3. html O Curador do Micropolitan Museum, Wim van Egmond apresenta a mais bela colecção de obras primas de fotografias de microscópio de polarização de sistemas naturais. Começo por chamar a atenção do leitor para as imagens de cristais-líquidos, mormente as que acompanham a mudança de fase do cristal líquido para o estado sólido. Estão logo à entrada do Museu. Não são apenas obras da Natureza. O fotógrafo tem o seu papel na escolha do ritmo de temperatura para a transição de fase, no recurso à luz polarizada. No campo de observação, o artista, porque de um artista se trata, vaise deparando com o desenvolvimento alarmante de formas circulares, que acabam por obliterar o cristal líquido. Recorrendo a polarizadores cruzados e a efeitos de compensação, o artista consegue prestar uma perspectiva tridimensional a muitas das imagens. Uma dessas imagens sugere-me o “Pessegueiro Rosa em Flor” (Março de 1888) de van Gogh. Noutras imagens encontramos linhas espiraladas e ondulantes, como de verdadeiros centros de rotação de matéria e de cores. Mesmo estruturas de turbulência que evocam estruturas auto-organizadas que se geram na mistura de fluidos, ou 140 of his body. The microscope and telescope extend his view; …”4. Indeed it is precisely the microscope that has enabled man to search out forms that he had scarcely suspected existed in matter, such as “the beauty of snow crystals”. Let us allow the polarization microscope to transport us into another world of natural beauty, to a Museum — The Micropolitan Museum, in fact. I am not suggesting that we all take off for Amsterdam, although some of the images may remind us of Japanese prints and the impressionist paintings of Van Gogh. For this trip the reader does not even need to go to Paris or London or New York; we can simply visit its site on the Internet (http://www.microscopy-uk.org. uk/mag/artsep03/bjpolar3.html). The curator of the Micropolitan Museum, Wim van Egmond, presents the most beautiful collection of photographic masterpieces created using polarization microscopy of natural systems. I begin by drawing the reader’s attention to the liquid crystal images, especially those taken during the change from the liquid crystal to solid state, right at the entrance to the Museum. These are not works of Nature alone; the photographer also plays a part in selecting the rhythm of the temperature for the transition of phase when using polarized light. In the field of observation, the artist (because that is what he is) will notice circular shapes developing in a startling way, ultimately obliterating the liquid crystal. Using crossed polarizers and compensation effects, he manages to give a three-dimensional perspective to many of these images. One of these images reminds me of van Gogh’s painting “Peach Trees in Blossom” (March 1888). In others, we find spiralling and undulating lines like centres of rotation of matter and colour, even turbulence patterns that evoke self-organized structures generated when fluids are mixed, or flames that seem to burn the photographer. But don’t worry, the temperatures have to labaredas que parecem queimarem o fotógrafo. Mas tranquilizem-se, as temperaturas são muito baixas para manter o estado de cristal líquido. Depois recomendo que vão à galeria do Botanical Garden. Lá encontrarão inúmeras fotografias com muitos efeitos de cor recorrendo, por exemplo, à iluminação de Rheinberg. Trata-se de um sistema desenvolvido por Rheinberg, cerca de 1895, que faz recurso a um conjunto de filtros de cores para produzir distinções entre secções distintas do sistema óptico. Todos nós somos atraídos pela beleza macroscópica das árvores e das flores, mas todas dispõem de estruturas microscópicas escondidas e insuspeitadas para o cidadão comum. Que espectáculo de formas e de cores! Depois, só posso recomendar que naveguem por todo o museu, como quiserem. Serão sempre surpreendidos como eu o fui, na busca de imagens de cristais líquidos na internet. Atenção, a reprodução destas imagens carece de autorização do Micropolitan Museum, pelo que lhes reservo a sensação de surpresa e estranhamento para a consulta do website. Mas encontramos-lhes ainda a «mesma função de tantas obras de arte que, através da Beleza, souberam exorcizar a dor, o medo, a morte, o perturbador e o desconhecido». Mas reafirmam que «beleza, verdade, invenção, criação não existem unicamente numa espiritualidade angelizada, mas têm também a ver com o universo das coisas que se tocam, que se cheiram, que quando caem fazem barulho»5. Uma epistemologia da descoberta Borges imagina no seu famoso conto "O jardim dos caminhos que se bifurcam" um livro infinito, escrito por um sábio chinês, que se constitui ao mesmo tempo num labirinto temporal: O jardim dos caminhos que se bifurcam é uma imagem incompleta, mas não falsa, do universo tal como o concebia Ts'ui Pen. A ligação livro/totalidade surge be very low to maintain the liquid crystal state. Afterwards I advise you to go to the Botanical Garden gallery, where there are a number of photographs with interesting colour effects. Some of these have been created with Rheinberg illumination, a system developed by Rheinberg around 1895 using a series of colour filters to make distinctions between different parts of the optical system. Everyone is attracted by the macroscopic beauty of trees and flowers, but few of us suspect that they contain these hidden microscopic structures. And what a marvellous spectacle of colour and shape this is! I suggest you navigate through the whole museum at your leisure. You will always be surprised, as I was, when you go in search of liquid crystal images on the net. But be careful, these images may not be reproduced without authorization from the Micropolitan Museum, which is why I reserve my sensations of surprise and strangeness for my on-line visits. In them we also find “that function, shared by many works of art, of being able, through Beauty, to exorcise pain, fear and death, and overcome what is disturbing or unknown”. But they also reaffirm that “beauty, truth, invention and creation do not exist only in some angelic spiritual realm, but are also present in the universe of things that we can touch and smell, and which make a noise when they fall”5. An Epistemology of Discovery In his famous tale "The Garden of Forking Paths” Borges imagined an infinite book, written by a Chinese sage, which at the same time constitutes a labyrinth of time: The Garden of Forking Paths is an incomplete image, though not a false one, of the universe as conceived by Ts'ui Pen. The book/totality connection arises in this tale through the game with time. Bifurcations are also rival opportunities, alternative paths, new ways of reasoning 141 neste conto através do jogo com o tempo. Bifurcações são também oportunidades rivais, caminhos alternativos, novas racionalidades ou perspectivas. Por isso, a busca de uma totalidade também nos pode surgir através da criatividade. As Luzes trouxeram um modo de conhecer apelidado de objectivo que parece ter perdido a sua componente humana e lidar apenas com robots, neutros e insensíveis ao próprio conhecimento que constroem. No conhecimento científico, contudo, há componentes subjectivas que não são compatíveis com um ideal abstracto de uma pura objectividade. A componente subjectiva não pode ser extirpada do conhecimento científico, porque é uma componente intrinsecamente humana, uma componente de conhecimento pes soal. Todo o conhecimento, mormente o conhecimento fruto da descoberta, implica um envolvimento pessoal que não conseguimos justificar plenamente por palavras ou proposições na altura em que a ele aderimos, e quando queremos convencer outros das nossas convicções. É um acto de paixão epistémica, de fé, de amor à verdade científica6. Mas é também uma assunção de risco ao sujeitarmos a uma tensão elevada as nossas capacidades perante os puzzles e os mistérios que a natureza esconde, e perante os «pares» que se nos vão opor. É uma adesão íntegra à verdade que nós mesmos criámos, e não podemos minimizar o esforço pessoal que um tal empreendimento implica. Por isso, em Michael Polanyi, «a descoberta científica é o verdadeiro paradigma da aquisição do conhecimento em ciência». E a descoberta científica é um acto com uma forte criatividade. Claro que o resultado das intuições e das convicções pessoais tem de ser sujeito ao escrutínio da restante comunidade científica. «Mas todo o verdadeiro descobridor está sempre pronto a reivindicar a validade universal das suas convicções inova- 142 or new perspectives. Therefore, the search for a totality may also arise through creativity. The Enlightenment brought a way of knowing that was called objective, and which seemed to have lost its human component and dealt only with robots, neutral and insensible to the very knowledge that constructed them. In scientific knowledge, however, there are subjective components that are not compatible with an abstract ideal of pure objectivity. The subjective component may not be separated from scientific knowledge, because it is intrinsically human, a component of personal knowledge. All knowledge, but especially the knowledge that comes from discovery, implies a degree of personal involvement that we cannot completely explain in words or propositions, while we are implicated in it or when we want to persuade others of our convictions. It is an act of epistemic passion, of faith, love of scientific truth6. But it also involves risk, as we subject ourselves and our capacities to the stress of confronting the puzzles and mysteries of nature, and of course the “peers” that will oppose us. This involvement is an integral part of the truth created by us, and we cannot underestimate the personal effort that such a commitment entails. For this reason, in Michael Polanyi, “scientific discovery is the true paradigm of acquisition of knowledge in science”. And scientific discovery is a strongly creative act. Of course, the result of these personal intuitions and convictions has to be scrutinized by the rest of the scientific community. “But all true discoverers are always ready to vindicate the universal validity of their innovative convictions, although they also recognise that such a belief in universality inevitably transcends all the evidence available”. Polanyi considers such an epistemological leap to be an appeal from God, a call to a personal mission, in which each person may be successful for reasons that are beyond his limited understanding. It is a doras, se bem que reconheça igualmente que uma tal adesão à universalidade inevitavelmente transcende toda a evidência disponível». Polanyi considera um tal salto epistemológico como um apelo de Deus a uma missão pessoal, em que cada um talvez seja bem sucedido por razões que ultrapassam o seu limitado entendimento. Trata-se de um paradoxo de fé; impele-nos a seguir um caminho que, em reflexão mais aprofundada, nos parece injustificado, pois é absolutamente impossível dispor de tempo e de dados da experimentação para uma demonstração completa das intuições pessoais7. Todo o acto de descoberta não é fruto de um conjunto explícito e articulado de regras ou algoritmos, mas sim de intuições e de convicções. Todo o conhecimento é público e também, em larga medida, é conhecimento pessoal, pois é fruto de uma construção humana com as suas emoções e mesmo paixões. Mas ao ter uma componente social, o conhecimento amalgama-se com a experiência individual da realidade. O conhecimento inarticulável antecede em nós o articulável e por isso é mais fundamental. Realizado o acto de descoberta, segue-se-lhe o acto de verificação. É mediante este acto que o ser inteligente reconhece que ficou habilitado com um novo poder intelectual, morrendo para ele o problema que suscitou o conjunto de actos que conduziu à descoberta. Perante um problema da mesma índole, não mais aquele ser inteligente fica perplexo perante o problema, o que é a prova que adquiriu uma nova capacidade cognitiva. Há um «hiato lógico» entre os estados antes e após a descoberta, e a amplitude deste hiato é proporcional ao engenho que tem de ser desenvolvido para o ultrapassar. Para saber distinguir se estamos perante um acto de descoberta ou perante um mero acto de melhoramento técnico, o critério é saber se o resultado poderia ter sido previsto pela paradox of faith; we are impelled to follow a path which, upon deeper reflection, seems unjustified, since it is absolutely impossible to completely demonstrate our personal intuitions with the time and experimental data available7. All acts of discovery result, not from an explicitly articulated body of rules or algorithms, but rather from intuitions and convictions. All knowledge is public, but it is also largely personal, since it is the fruit of a human construction with its emotions and even passions. But having a social component, knowledge is amalgamated with the individual experience of reality. Inexpressible knowledge precedes what is expressible in us, and is therefore more fundamental. After the act of discovery we proceed to verification. With this, the intelligent being acknowledges that he has acquired a new intellectual power, and the matter that prompted him to undertake the various acts that led to the discovery ceases to exist for him. When faced with a similar problem, that intelligent being will no longer be perplexed, which proves that he has acquired a new cognitive ability. There is a “logical hiatus” between the states before and after the discovery, and the size of that hiatus is proportional to the ingenuity needed to overcome it. The criterion for distinguishing between an act of discovery and a mere act of technical improvement is whether the result could have been predicted by the routine application of “the rules of the art” (i.e. if there is some logical continuity) or if, in fact, it was unpredictable and therefore aroused surprise when it was achieved. In all inventive acts, there is at least one logical hiatus, which, when overcome, leads us to new rules. One of the paradoxical characteristics of the whole act of discovery is that, while the researcher has not yet found the solution to the problem, he has a certain inkling of what that solution will be. The expe- 143 aplicação rotineira das «regras da arte», isto é, num caminho de continuidade lógica, ou se, de facto, o resultado era imprevisível e, como tal, fonte de surpresa quando se alcança. Em todo o acto inventivo há pelo menos um hiato lógico que, uma vez ultrapassado, nos conduz a regras novas. Uma das características paradoxais de todo o acto de descoberta é que, se bem que o investigador não tenha encontrado previamente a solução do problema, tem uma certa concepção dessa solução, tal como nós temos a concepção de um nome de uma pessoa conhecida que nos escapa de momento à memória. Também quando sentimos o aproximar da solução, sentimo-la da mesma forma que quando temos um nome esquecido debaixo da língua. Acresce que a ciência impessoal do positivismo não suscita o contacto suficiente do observador com a realidade, para criar “raízes” quer na pessoa quer na própria realidade; limita-se a um contacto frio e tangencial de robots.8 Este modo proveniente do Iluminismo de entender o conhecimento humano é uma “versão truncada” do que é o verdadeiro conhecimento, e leva a uma desresponsabilização do cientista. Mas a verdadeira objectividade não é um desresponsibilizar do observador; comporta um risco, o da assunção de a nossa adesão ao que julgamos ser a verdade boa ou má. O acto de conhecer é fruto de termos conquistado, mediante um conhecimento integrativo, um padrão cognitivo coerente que nos leva a entrar em contacto com a realidade, e a deixarmo-nos moldar pela própria realidade. Esta, por sua vez, vai exercer, sobre nós, uma certa autoridade. Os artistas e escritores exprimem este modo de acção muito expressivamente quando testemunham que a coerência das suas obras molda todo o seu esforço de criação9. Acresce que o desejo de conhecer só se satisfaz plenamente quando convence os outros, a comunidade, e esta é a grande força humana, motor de toda a aventura 144 rience is similar to what we feel when an acquaintance’s name has temporarily slipped our mind; when we think we are drawing close to the solution, it is as if it is “on the tip of our tongue”. The impersonal science of positivism does not allow sufficient contact between the observer and reality to put down “roots”, either in the person or in the reality itself; it is limited to the cold tangential contact of robots.8 This Enlightenment mode of understanding human knowledge is a “truncated version” of true knowledge and ultimately relieves the scientist of his responsibility. But true objectivity does not remove the observer’s responsibility; it brings with it a risk, the risk that what we judge to be true may in fact be good or bad. With complete knowledge, the act of knowing is the result of having conquered a coherent cognitive pattern that allows us to enter into contact with reality and mould it to our own reality. This in turn will exert a certain authority upon us. Artists and writers express this mode of action very well when they testify that the coherence of their works moulds the whole effort of creation9. It should be added that the desire for knowledge is only fully satisfied when we manage to convince others (i.e. the community), and this is the great human effort, the impulse behind the whole intellectual adventure of discovery (even when it goes against well established theories, since it is opening up new paths of reasoning!) The driving force behind scientific discovery is very deeply rooted in the beauty of undertaking scientific enterprises designed to “further our understanding of Nature”. Creativity in Architecture All discovery is intimately bound up with the cognitive schemes of science and opens up the way to a profounder knowledge of nature and its phenomena. Invention, which can be patented, is also based on experimen- intelectual da descoberta, mesmo contra teorias bem estabelecidas, porque é uma conquista de novos caminhos de racionalidade! A força motriz da descoberta intimamente ligada à ciência, está muito enraizada na beleza das realizações e dos empreendimentos científicos intimamente associados a um «entendimento cada vez melhor da Natureza». A criatividade em Arquitectura Toda a descoberta está intimamente ligada aos esquemas cognitivos da ciência, e abre entendimentos cada vez mais profundos sobre os nossos conhecimentos acerca da natureza e dos seus fenómenos. A invenção, que é passível de ser patenteada, também assenta em factos da experimentação e da observação e no entendimento que temos sobre a natureza do mundo. Tal como a descoberta, a invenção também requer um profundo engenho inovador mas, em contraste com a descoberta, pretende somente melhorar a função produtiva, o que depende das condições económicas de um dado tempo e lugar10. Se colocarmos nos vértices do triângulo as vertentes de descoberta, de impacto económico e a estética de qualquer acto criativo de conhecimento, vemo-nos no último pólo muito próximos da Arquitectura que, para muitos, é um bom exemplo da articulação científica entre as estéticas do belo na organização do espaço e das formas para o conforto habitacional e de vivência pública do homem e a tectónica dos materiais e das artes oficinais. Como realça Christopher Alexander, a grande finalidade da arquitectura é a de criar beleza de formas e de adaptação na cidade e em ambientes mais rurais. Ou por outras palavras, a «arquitectura como procura da satisfação das necessidades do homem em abrigo e vida cívica». Tal implica encetar por formas mais eternas, por concepções mais estéticas e funcionais, por conferir um valor acrescentado à utilização tation and observation, and on the understanding that we have about the nature of the world. Like discovery, invention requires great innovative skill; but, unlike it, only aims to improve productive functioning, which depends upon the economic conditions of a particular time and place10. If discovery, economic impact and aesthetics (the constituents of any creative act of knowledge) are placed at the points of a triangle, we find ourselves at the last pole very close to Architecture, which, for many, is a good example of the scientific connection between the aesthetics of beauty (in the organization of space and forms for habitational comfort and public living) and the tectonics of materials and craftsmanship. As Christopher Alexander has pointed out, the great aim of architecture is to create beauty from forms adapted to the city or to more rural environments. In other words, architecture is “a quest to satisfy man’s needs for shelter and civic life”. This implies starting with more eternal forms, with designs that are more aesthetic and functional, in order to add value to the use of spaces, with roots that are more anchored in empirical reality. Is Architecture a universal counterpoint between art and science? Or does the architect see science as a straitjacket to be rejected for hampering his personal creativity? In Volume 3 of the electronic journal on classical architecture, Katarxis, Bill Hillier argues for a better reconciliation between a science of quantities and of qualities11. “Theory liberates”, he claims, since it opens our eyes to new ways of doing things, even in the field of the arts. If we look at a beach and watch how the people naturally organise themselves, we will see that each person tries to preserve the physical space of his neighbour, as if there were some repulsive force operating between them (unless they are family or friends, of course, in which case they will 145 dos espaços, com raízes mais ancoradas na realidade empírica. A Arquitectura um contraponto universal entre arte e ciência? Ou será que o arquitecto vê a ciência como um colete-de-forças a rejeitar por tolher a criatividade pessoal? Se percorrermos a revista electrónica de arquitectura clássica, Katarxis, no seu volume 3, encontramos Bill Hillier a advogar uma melhor conciliação entre uma ciência de quantidades e de qualidades11. Mais afirma que «a teoria liberta», pois abre os nossos olhos a novas possibilidades de fazer as coisas, mesmo no campo das artes. Olhemos para uma praia e debrucemonos sobre o modo como as pessoas se organizam. Cada uma procura preservar o espaço físico do vizinho, como se houvesse uma força repulsiva entre elas. A não ser que sejam família ou amigos, pois então organizam-se em grupos como se houvesse uma força actractiva entre elas. Se na praia houver passadiços, estes criam vias de conectividade que actuam juntamente com as outras forças neste palco que é uma praia. Conceber edifícios é uma coisa, mas dispô-los de forma a maximizar o seu uso e criar vias de circulação naturais e apelativas para as pessoas é todo uma outra. Lembrem-se do conceito de as «Rua Direita» de algumas das nossas cidades antigas. Eram as vias mais rápidas, e por mor disso, mais populares de circulação de pessoas e de comércio. O erro em muitas concepções urbanas modernas é que o layout das vias de circulação pedestre é complexo, quebrando a busca natural de as pessoas procurarem algo como o caminho mais curto e de menor esforço que liga A a B. Na busca de melhores layouts, o recurso a formas mais científicas de conceber o uso do espaço para a circulação de pessoas e a colocação de lojas comerciais e serviços é bem vindo. Com a utilização de um programa computacional como o Axman, que faz este tipo de integração da concepção do espaço com o respec- 146 form groups as if there were an attractive force at work). When there are walkways on the beach, then these will create paths of connectivity that act in conjunction with the other forces on the “stage”. Designing buildings is one thing, but arranging them in such a way as to maximise their use and create natural circulation routes that appeal to people is an entirely different matter. Many older Portuguese cities contain a street called the Rua Direita (“Direct Street”); these were the fastest routes, and therefore the most popular ones for the circulation of people and commerce. The mistake made by many modern urban designers is that layout of the pedestrian circulation routes is complex, and thus thwarts people’s natural tendencies to seek out the shortest and most direct way of getting from A to B, the route of least effort. In the search for better layouts, we welcome the advent of more scientific methods of designing spaces to be used for the circulation of people and the placement of shops and services. With computer programmes such as Axman, which integrates the design of the space with the use that is to be made of it, the firm Space Syntax manages to incorporate some of the components of the physical model of spatial distribution of people on a beach, as well as other research by the urban architect Bill Hillier12, in a much more sophisticated way. Spaces for urban circulation (i.e. roads) may be alive or dead, safe or crime-ridden, they may attract people or repel them. The architect does not use science to learn what is right or wrong, good or bad, but rather to improve his understanding of the choices he makes and to anticipate the consequences of them. The value of those choices is always the responsibility of the scientist or the architect, both of whom intervene in nature or in the organization of space to better serve men and women in their daily activities and needs or provide them with safer and more comfor- tivo uso, a firma Space Syntax, incorpora, de um modo muito mais sofisticado, algumas das componentes do modelo físico da distribuição espacial das pessoas numa praia e de outras investigações do arquitecto urbanista Bill Hillier12. Os espaços de circulação urbana, as ruas, podem ser vivos ou mortos, serem seguros ou facilitarem o crime, atraírem pessoas ou afastarem-nas. O recurso à ciência não surge ao arquitecto para dizer o que está certo ou errado, é bom ou é mau, mas sim para melhor entender as escolhas que se lhe deparam e quais serão as consequências de tais opções. O valor e a responsabilidade das escolhas é sempre da responsabilidade do cientista ou do arquitecto, mas ambos procuram intervir na natureza ou na organização do espaço para servir melhor os homens e as mulheres nas actividades e necessidades do quotidiano ou proporcionarem-lhes novos modos mais confortáveis e seguros de organizarem a vida. Se o layout de um edifício facilita a interacção entre as pessoas que nele circulam e trabalham, tal suscita uma busca mais científica para encontrar as razões de um tal sucesso na realidade dos padrões da actividade humana. Por exemplo, se transformarmos uma circulação num quadrado na de um rectângulo, verifica-se que os lados alongados bloqueiam o movimento e constituem-se em divisórias para as pessoas. O reconhecimento e a criação de padrões para os quais quer a Arquictectura quer a Ciência apelam, faz parte de uma reconciliação entre a quantidade e as qualidades, entre uma epistemologia do abstracto e do impessoal e um conhecimento científico objectivo, mas mais humanizado, e igualmente a uma reconciliação entre ordem e harmonia, entre simplicidade e holismo. Basicamente é uma atitude desprovida de racionalidade o ignorar o papel do nãoracional, ou mesmo do irracional, na interacção da novidade com os pares e com a comunidade, até mesmo no jogo de interesses que o novo sempre desencadeia. table ways of organizing their lives. If the layout of a building facilitates interaction between the people that circulate and work in it, then a scientific quest will be launched to explain that success in the patterns of human activity. For example, if we transform a square-shaped circulation into a rectangular one, we will see that the long sides block movement and set up divisions between people. The recognition and creation of patterns to which both Architecture and Science appeal is part of a reconciliation between quantity and qualities, between an epistemology of the abstract and impersonal, and an objective scientific knowledge that is more human; it is also a reconciliation between order and harmony, simplicity and holism. Basically, it is an attitude stripped of the rational refusal to acknowledge the role of the non-rational, or even of the irrational, in the interaction of the new with peers and with the community, even in the interplay of vested interests that is always unleashed by anything new. However, by providing transparent and complete information, the old rule of democratic validity will eventually function. Architecture may not, however, dispense with the iconic, the deep symbolic significance present in some of its creations, from the pyramids to the beautiful Gothic cathedrals (even when these are today religiously empty, in this European Post-Christianity). Or, to give a more modern example, we cannot ignore the “Bilbao effect” of a Frank Gehry: étonnez-moi! Scientific relativism, towards which some of the more extreme currents of postmodernism lead, is marked by “the irrelevance of the experiential fact” in the construction of local versions of pseudo-knowledge. Perhaps the following parable is sufficient to exorcise it. Three famous writers, Mármol, Groussac and, the most eminent, Jorge Luís Borges, were directors of the National Library in Buenos Aires. All of 147 Mas prestando informação transparente e completa e dando tempo ao tempo, a velha regra da validade democrática funcionará. A Arquitectura, porém, não pode prescindir do icónico, do significado simbólico profundo de algumas das suas criações, significado partilhados por muitos, desde as pirâmides às belas catedrais do gótico, mesmo que hoje religiosamente muito vazias neste Pós-Cristianismo europeu. Ou, mais modernamente, não pode igualmente prescindir do «efeito de Bilbau» de um Frank Gehry: étonnez-moi! O relativismo científico, que correntes mais extremas do pós-modernismo nos aportam, traz uma marca de registo: «a irrelevância do facto experimental» na construção de versões locais de um pseudo-conhecimento. Para a exorcizar talvez baste a seguinte parábola. Três ilustres escritores, Mármol, Groussac e Borges, o mais eminente (Jorge Luís Borges), foram directores da Biblioteca Nacional em Buenos Aires. Todos cegos no meio de um milhão de livros que não podiam ler. Destino comum que levou Borges a escrever que Deus «com magnífica ironia lhe deu os livros e a noite escura». Ciente destas circunstâncias Borges escreveu um poema à cegueira, “Poema dos Dons”, um dos seus melhores poemas, em que vê a própria cegueira como um dom. E o poema acaba assim: «Groussac ou Borges, olho este querido Mundo que se deforma e que se apaga Numa cinza tão pálida e tão vaga Que é semelhante ao sono e ao olvido». Mas o «facto experimental» que é um livro, mesmo para um invisual, revela-nos que toda a construção humana, científica ou artística, está sempre corporalizada e por via disso têm uma vida própria, vive fora de nós. O mesmo exemplo paradigmático encontramo-lo no Jardim Botânico de Coimbra. 148 them were blind amidst millions of books that they could not read. Their common destiny led Borges to write that God “with excellent irony gave me at once both books and night”. Aware of these circumstances, Borges wrote a poem dedicated to blindness, “A Poem of Gifts”, one of his best poems, in which he sees his very blindness as a blessing. The poem finishes thus: Groussac or Borges, eye of this dear World that is deformed and extinguished In an ash so pale and so vague That it is like a dream and oblivion. But the “experiential fact” that is a book, even for the visually challenged, reveals the whole human, scientific or artistic construct; it is always embodied and thus, has its own life, existing outside us. We find the same thing here in the Coimbra Botanical Garden. The philosophical changes occasioned by the Enlightenment, and which brought the garden into being, do not obscure this perspective. 1 Translated from the Portuguese version. Jorge Luís Borges, “O Livro”, in Obras Completas, Vol. IV (1975-1988), Círculo de Leitores, Lisbon, 1998, p. 171. 2 Marco Antônio de Almeida, “O Personagem Livro”, http://www.escritoriodolivro.org.br/ leitura/marco.html; accessed 24th June 2006. 3 Translated from the Portuguese version. Jorge Luís Borges, “Fervor de Buenos Aires”, in Obras Completas, Vol. I (1923-1949), Círculo de Leitores, Lisbon, 1998, p. 32. 4 Translated from the Portuguese version. Borges, Obras Completas, Vol. IV, op. cit.. 5 Translated from the Portuguese. Umberto Eco, “A História da Beleza”, Círculo de Leitores, Lisbon, 2005, p. 402. 6 E. L. Meek, Longing to Know. The Philosophy of Knowledge for Ordinary People”, Brazos Press, Grand Rapids, MI, 2004, pp. 58, 59, 62 7 Scott & Moleski, op. cit., pp. 214, 215, 218. As modificações filosóficas do Iluminismo que o viu nasceu, não enevoou esta perspectiva. 1 Versão portuguesa, Jorge Luís Borges, “O Livro”, em Obras Completas, tomo IV (19751988), Círculo de Leitores, Lisboa, 1998, pág. 171. 2 Marco Antônio de Almeida, “O Personagem Livro”, http://www.escritoriodolivro.org.br/leitura/marco.html; acesso 24 Junho 2006. 3 Jorge Luís Borges, “Fervor de Buenos Aires”, em Obras Completas, tomo I (1923-1949), Círculo de Leitores, Lisboa, 1998, pág. 32. 4 Borges, Obras Completas, tomo IV, ob. cit.. 5 Umberto Ecco, “A História da Beleza”, Círculo de Leitores, Lisboa, 2005, pág. 402. 6 E. L. Meek, Longing to Know. The philosophy of knowledge for ordinary people”, Brazos Press, Grand Rapids, MI, 2004, págs. 58, 59, 62 7 Scott e Moleski, ob. cit., págs. 214, 215, 218. 8 Meek, “Longing to Know”, ob. cit., pág. 143. 9 Meek, “Longing to Know”, ob. cit., pág. 148. 10 M. Polanyi, “Academic and Industrial”, Journal of the Institute of Metals, 89, 401-406 (196061); http://www.compilerpress.atfreeweb.com/ A...emic%20and%20Industrial%20JIM%201961. htm; 12/09/2005 11 http://www.katarxis3.com/ acesso 30 Junho 2006; NEW SCIENCE, NEW URBANISM, NEW ARCHITECTURE? 12 Space Syntax, http://www.spacesyntax.com; e www.spacesyntax.org/publications/changingface/changingface.htm ; acessos em 28 de Junho 2006. 8 Meek, “Longing to Know”, op. cit., p. 143. 9 Meek, “Longing to Know”, op. cit., p. 148. 10 M. Polanyi, “Academic and Industrial”, Journal of the Institute of Metals, 89, 401-406 (1960-61); http://www.compilerpress.atfreeweb.com/A...e mic%20and%20Industrial%20JIM%201961.htm; 12/09/2005 11 http://www.katarxis3.com/ accessed 30th June 2006; NEW SCIENCE, NEW URBANISM, NEW ARCHITECTURE? 12 Space Syntax, http://www.spacesyntax.com; and www.spacesyntax.org/publications/changingface/changingface.htm; accessed on 28th June 2006. Imagem Col. Dep. Botânica UC 149 Madrugada no jardim botânico de coimbra Dawn in the botanical garden of coimbra almeida garrett Como é grato o passeio entre boninas Aljofradas das lágrimas da Aurora! Filint Neste sagrado a Flora, almo recinto, Trono e delícias dela, Aqui onde o perfume saudável Respiro de mil flores, Como sinto embeber-se-me a existência Em cada trago destes Que os sequiosos pulmões, te'qui só fartos De ar pestilente e mau. Deste suave e puro ávidos sorvem, E com ele o remédio Ao trabalhado, enfraquecido peito, Ao mui pausado sangue! Quanto é doce à fagueira, amena sombra Dos variados arbustos, Coa fresquidão das plantas rociadas Das lágrimas da Aurora, Nos prazeres cevar da Soledade O descansado espírito! Como então pela mente se revolvem Já passadas ideias, E vêm umas trás outras, acudindo À lembrada memória! Como depois no espaço desmedido Se espraiam do futuro! A cada objecto… Aqui esta palmeira: Da eternidade o símbolo Lhe chamou a sabida Antiguidade. Vêde-a; a cabeça airosa Sobr'ergue altiva ao circunstante povo Das variegadas plantas. Qual jazem nas solidões do Egipto ou Grécia Desparzidas, confusas 152 Aqui, ali ruínas venerandas, Já sem nome esquecidas; Passa o viajante e indiferente as olha: Mas se entre elas alçar-se Coríntio mármore vê, coluna dória, Que em pé sem medo ao tempo Parece desafiar a eternidade E desdenhar dos séculos, Então pára, respeita a mão dos homens, Folga de ser um deles. Tal entre o imenso vegetal cortejo Que me rodeia agora, Involuntária a vista só contempla A nobre, alta rainha Do vicejante império. Alma se expande, Se engrandece como ela. Sinto crescer-me, avigorar-se o espírito: E o coração no peito Pulsa com mais vigor, bate mais forte. Homem! a natureza Quão grande te criou! quanto puderas Se não fugisses dela! Quanto és grande se à voz caroável sua Prestas ouvidos sempre! Aqui junta à frieza desta serra A palmeira do Oriente! Como puderam dar-lhe vida e pátria Em tão distante clima? Longe, longe talvez dos seus amores A triste se amesquinha; Talvez, surdos queixumes espalhando Aos solitários ventos, Lamente o fértil pó neles perdido, Que levaria a vida, O gérmen da existência a novos filhos. Homem, sê mais piedoso, Concede um companheiro aos seus amores. Quão terno, quão sensível Foste, Lineu divino! tu que às filhas Da amena Primavera, A flor lhe deste que a existência doira, O favo dos prazeres. Cora ao desabrochar, tinge-se a rosa De virginal pudor Já pressentindo os ósculos lascivos Do voluptuoso amante; Sorri no cálix a açucena, o lírio 153 Ao sentir o bafejo Da aura lasciva que lhe traz nas asas O penhor suspirado De seus ternos, castíssimos amores. Fugi, fugi, ruidosos, Crus ministros de horrendas tempestades: Lá na deserta Líbia, Queimadores Suões, bramantes Euros, Lá na torrada Arábia Rolai sem medo os movediços pegos Da infrutuosa areia: Gire em nossos vergéis suave e puro Zéfiro amigo e doce, Que ao consórcio gentil das lindas flores Ajude prazenteiro. Não tenham que chorar a pátria amada As hóspedas fragrantes Que de Ásia os montes, de Colombo os plainos Deixaram saudosas Por vir embalsamar co activo aroma Nossos jardins e orná-los, E a dar-nos vida, restaurar saúdes, Co próvido específico. Lineu! e a pátria, o mundo agradecido De rojo aos pés não viste? E aqui teu busto, o de Brotero e Serra Não vejo colocados! Ah gente indigna, ah povo desalmado! Pátria… — Não, pátria é deles A Europa e o mundo que os conhece e admira. Ide co sacro louro, Que ao mérito, à ciência, que à virtude, Com mão roubastes ímpia, Coroar os simulacros odiosos. Ao despotismo, à inércia, À cruel ambição, à hipocrisia, À sórdida ignorância. Ide; queimai-lhe o incenso da vileza: Ide... sois dignos deles. Coimbra – Março de 1821 154 How agreeable to walk amidst daisies Dripping with the tears of Dawn! Filint Here in this floral sanctuary, With its throne of delights, Here amidst wholesome scents I breathe in a thousand flowers, Feeling the drunkenness of life, In each inrush of air – My parched lungs, overtaxed By pestilent breeze. This Is to be avidly quaffed, soft and pure, And like a cure It works my fragile chest, My sluggish blood! How sweet the caressing shade Of the myriad woody plants, Filtering their greeny freshness of leaves Laden with dawn’s own tears For the pleasure of our dream-fattened... Our loafing soul! How through the mind revolve Ideas long dissolved, Coming in a rush, one upon another, thronging Unforgotten recollection. And then in unmeasured openness They scatter afterwards! And each thing... Like this palm tree: A symbol of eternity Vested by wise Antiquity. Look at it! Its graceful plume Reigns over the surrounding nation. A legion of trees. Just as timeworn ruins, here and there, Unruly, unordered, Spot the wastes of Egypt and Greece, Nameless and forgotten; The traveler passes by, vaguely takes them in: But if he sees a Corinthian marble, Or Doric order soar above him, Still standing, uncowed by time, Outdaring eternity, Abhorring the centuries, 155 He’ll stop and praise the works of men, Gladdened to count himself among them. So here, in the wide vegetal pageant That wraps around me, The eye can’t help but contemplate This sheer queen Of verdant empire. My soul Spreads and nobly swells. I grow and my spirit is braced: In my chest my heart Pounds with new vigor, beats more strongly. You mankind! Look how imperious nature Made you! And how fit you were, As long as you didn’t shun it! How masterful, when you listened To nature’s careful voice! Here on this frigid slope, An Eastern palm! How give it life, country, In such a distant clime? Far, far from its loves, Saddened and humbled; Maybe even, spreading deaf plaints On lonely winds, It laments the fertile sands Scattered through the air that bring To life the seed of new generations. You mankind! Be more clement! Bring love to one who loves. How tender, how sensile, You were, divine Linnaeus! Who Gave the life-gilding flower, The honeycomb of fancies, To children of mild Spring. Blushing as it blooms, the rose Colors with virgin coyness, Already guessing at the lickerish kisses Of some voluptuous lover; the white lily In its calyx smiles, the iris, Feels the breath, The tart aura which lifts on its wings The whispered pledge Of tender, undefiled charities. Blow, blow you noisy ones. Cruel ministers of appalling blusters: There in Libyan sands, the burning Simoon, the screeching Eurus 156 Shift fearlessly Across torrid Arabia, shifting chasms Of barren sand: Coil, kind Zephyr, sweet Through our soft, pristine orchards. And let the gentle consortium of beautiful flowers Gaily assist. You mustn’t cry, you fragrant guests, For your belovéd home… You who’ve parted Asian hills, and plains of Colombo – Though they fill you with longing – It’s so you’d come, with special Providence, to perfume our gardens, Adorn them and give us Life. Linnaeus, can’t you see the whole country, the thankful world spread at your feet? And your bust, or Brotero’s, or Serra’s I don’t see them anywhere! Ah worthless people, soulless people! Country… — No, theirs is Europe and the world that knows and admires them. Go, Country, with the sacred laurels, That from merit, from science, from virtue You have stolen with impious hands, Crown the hateful semblances To despotism, to inertia, To cruel ambition, to hypocrisy, To sordid ignorance. Go; burn the incense of vileness: Go… you are worthy of it all. Coimbra – 1821, March translated by Martin Earl 157 Autor desconhecido. Maria Cecília e Maria Carlota. Anos 30 séc XX. Col. Dep. Botânica UC Autor desconhecido. Início séc XX. Col. Dep. Botânica UC 160 Autor desconhecido. Autochrome. Início séc XX. Col. Dep. Botânica UC. 161 João Apolinário. Sem título. 2005 José Maçãs de Carvalho. S/ Título (Botânico, Coimbra). vídeo, cor, som. 2006 163 André Cepeda. Closer. 2002 165 António Olaio. Telepathic Agriculture. 2004. vídeo stills 167 António Júlio Duarte. Estufas. 2005 (Hoje) a Georges Houart (Today) Bénédicte Houart Começou hoje a primavera Mais uma menos uma O passado não passou o futuro não acabou As folhas dos outonos continuam a cair eis uma eis outra Os verões a secar dentro de mim aqui um ali outro deixai-os regressar Os meus mortos agitam-se no meu coração e mal me deixam respirar O vosso sangue jorra por todos os poros do meu corpo tão inábil A minha pele é um vestido que dispo de cada vez que me recordo As estações amadureceram encolheram definharam alimentam-me como se Como se fossem minha única dieta a minha predilecta Trago a boca tão aberta como ontem e tão ontem como outrora Quando ainda nem nascido era e nem os meus pais se tinham ainda unido num corpo só Nem menos nem mais talvez até mais, mas eu nem aprendi como dizer Depois de tantos anos a soletrar palavras solenemente Pasmo de cada vez que me levanto e de cada vez que adormeço Abro os olhos e nunca sei se é neste mundo que continuo ou nos muitos outros que Desperto e me deito Afio os dentes no que vejo e no que nunca verei são muitas as sombras e está certo Ainda que os meus dentes já não cortem tão bem como antes A verdade é que agarram muito mais do que as minhas duas mãos que tremem Não de pavor mas de amor por tão pouco tempo me faltar Ganhei o meu pão quantas vezes perdi a minha vida e a dos outros que amava O vinho mudou-se em água; o pão, em nada, está certo ainda e sempre Deus não era capaz do único milagre que me contentaria Corro apoiado num braço que não vejo e numas pernas que mal sinto a não ser que Doem de todos esses anos que andei por esta terra demasiado grande para todo o meu Deslumbramento Tal e qual como, mas basta de comparações basta de comparações As velhas primaveras nascem hoje também E morrem hoje de novo Hoje é já o primeiro dia do outono que virá E de todos os que se lhe sucederão mesmo sem mim É o último dia desta primavera e das outras Em que de cada vez amei fui amado como se caísse E pudesse de uma vez por todas entender a vida Tudo isto tudo isto a perder de vista Pensava um velho vacilando vacilando vacilando de árvore em árvore De flor a flor aguardando a sua verdadeira idade Estendendo a mão ao seu destino e Encostando aos troncos das palmeiras o ouvido que desentendeu Teimando em desconhecer só mais uma vez sim só mais esta vez Línguas estranhas que nunca serão minhas mas que outros como eu algures entoarão to Georges Houart Spring started today One more one less Past didn¹t pass future isn't over The leafs of autumns continue to fall here one there Summers are drying inside here one there let them return My dead turn in my heart and I can hardly breathe Your blood gushes from all the pores of my body so incapable My skin is a dress that I undress each time I remember Seasons matured shrank withered feed me as if As if they were the only food my favourite My mouth so open as yesterday and so yesterday as at one time When not even born and not even my parents become one single body No less no more maybe even more, but I did not learn how to say After so many years spelling words solemnly I wonder each time I get up and each time I fall asleep I open my eyes and never know if it is in this world or in the many others I awake in and I lay in I sharpen my teeth in what I see and in what I will never see many are the shadows and it's [alright Even if my teeth cannot cut again as they used to The truth is that they grab much more than my two trembling hands Not in dread but in love because I have left so little time I earned my bread so many times I lost my life and those that I loved Wine changed into water; bread into nothing, it's still alright and God was always not capable of the only miracle that would make me happy I run on one arm that I cannot see and on legs that I barely feel unless they Hurt from all those years that I wandered on this earth large for all my Dazzlement Exactly so, but enough of comparisons enough of comparisons Old springs are also born today And they die again today Today is already the first day of autumn And of all those that will come after even without me It is the last day of this spring and of others In which each time I loved was loved as if I would fall And could once and for all understand life All this all this losing sight of An old man was thinking hesitating hesitating hesitating from tree to tree From flower to flower waiting for true age His hand reaching out to his destiny and Leaning on trunks of the palm-trees the ear misunderstood Insisting on not knowing just once again yes just this once Strange tongues that will never be mine but others like me somewhere will chant Bernard Plossu. Fragments d’un discours amoureux. 1987 175 178 Sumário Contents Prefácio 005 Autores 007 Francisco Queirós Índex Seminum et Sporarum 009 e 121 Braun & Hohenbrg 1572 010 Eugénio D´Ors El Paraíso Perdido, Jardin de Coimbra 011 Teresa Siza Jardim de Coimbra 012/013 ? Júlio Henriques 013 J. M. Santos Entrada do Botânico 014/015 A. F. Seabra Alameda Júlio Henriques, Estufa do Jardim Botânico 016 ? Jardim Botânico 017 ? Estereoscopia Jardim Botânico 018/019 Aurélio da Paz dos Reis Estereoscopia Jardim Botânico 020/021 Hans Christian andersen Uma visita a Portugal 023 Sandra Guerreiro o classificávelmata [translated by Sandra Guerreiro] 024/025 Teixeira de Araújo Fotografia Académica Conimbricense Jardim Botânico 026/027 e 029 Luís Quintais Tílias 028 Joana Brites Jardim Botânico de Coimbra: Contraponto entre a Arte e a Ciência Coimbra Botanical Garden: Counterpoint between Art and Science 030/069 ALEXANDRE RAMIRES Jardim Botânico Revisitado 071 Lévy & ses Fils ? 1880 072/073 Departamento de Botânica UC Anos 90 séc XIX 074/075 Dep Bot UC Finais séc XIX 076/077 Dep Bot UC Aula de Júlio Henriques Finais séc XIX 078/079 Dep Bot UC Restauração da estufa 1932 080/081 Dep Bot UC Restauração da estufa 1936 082 Dep Bot UC Estufa depois de transformada 1933 083 Luiz Carisso Missão Académica a Angola [fotogramas 35mm] 1929 084 DEP BOT UC Wexel e Gossweiler 1934 085 DEP BOT UC Finais séc XIX 086/089 DEP BOT UC Aurélio Quintanilha 090 DEP BOT UC Herbário anos 20 092/093 DEP BOT UC M.me Westerdijk e M. Buisman, Curso de Micologia 1934 094/095 FERNANDO NAMORA Fogo na noite escura 096/097 João Rasteiro Sob as árvores [epigraph translated by Rui Carvalho Homem] 100 maria Lusitano Santos O Jardineiro que não tinha projectos 099, 101 e 132/133 Helder Gomes O espaço como representação do espaço (o saber como encenação do saber) Space as a representation of space (knowledge as a staging of knowledge) 103/115 DEP BOT UC Cycas Revoluta, quadrado grande, Junho 1920 118/119 Conceição Riachos DIA POSITIVO [translated by Sandra Guerreiro] 120 SUSANA PAIVA Noites brancas 122/123 HUGO SANTOS 124 Graça Capinha HaikuBambu [translated by Sandra Guerreiro] 125 PAULO BERNASCHINA Desmoralização 126/127 DEP BOT UC Série M, nº 58 130 Série M, nº 60 131 Luís Quintais Flores e outras espécies sem nome 132/133 PAULO FIGUEIREDO S/ Título 134/135 e 150/151 SEBASTIÃO J. FORMOSINHO Uma releitura de Jorge Luís Borges e de Michael Polanyi a propósito de uma reconstrução epistemológica entre Arte e Ciência A Rereading of Jorge Luís Borges and Michael Polanyi with regards to an Epistemological Reconstruction between Art and Science 137/149 Almeida Garrett Madrugada no Jardim Botânico de Coimbra 152/157 DEP BOT UC Anos 30 séc XIX 158/159 DEP BOT UC Victória Régia 160 DEP BOT UC Autochrome Régia 161 João Apolinário S/ Título 162 JOSÉ MAÇÃS DE CARVALHO S/ Título 163 André Cepeda Closer 164/165 António Olaio The Telepathic Agriculture 166/167 António Júlio Duarte Estufas 168/169 Bénèdicte Houart Hoje [translated by Sandra Guerreiro] 172/173 Bernard Plossu Fragments d’un discours amoureux 174/175 180 Agradecimentos Anabela Amaral Angel D’Ors António Pedro Pita António Ramires Arquivo da Universidade de Coimbra Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra Blues Photography Studio Carlos Fiolhais Catarina Lélis César Cerqueira Cinemateca Portuguesa Dina Luís Diogo Cabrita Edições Ulmeiro Editora Arcádia Editorial Tecnos Gabinete Técnico da FCTUC Galeria VPF Cream Helena Freitas Helena Parente João Gouveia Monteiro João Paulo Dias Lello & Irmãos Editores Livros Cotovia Maria João Viegas Museu Nacional de Machado de Castro Oficina de Poesia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Richard Zenith Teresa Gonçalves Visual Dados Vitor Murtinho 182 Título Transnatural Autor Paulo Bernaschina Design Pedro Formosinho e Paulo Bernaschina Edição de Imagem André Cepeda TRADUÇÃO Karen Bennett Editora Artez ISBN 972-99912-2-7 Depósito Legal xxxxxxxxx ©Paulo Bernaschina Apoios Instituto das Artes Fundação para a Ciência e Tecnologia Reitoria da Universidade de Coimbra Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra Centro Português de Fotografia Fundação Calouste de Gulbenkian foi impresso na Gráfica Sersilito no mês de Outubro de Dois Mil e Seis