Transnatural

Transcrição

Transnatural
«O semear é uma arte que tem mais de natureza
que de arte.»
Padre António Vieira
ARTEZ
Paulo Bernaschina
“O futuro é muito tempo”
“The future lasts a long time”
O TRANSNATURAL é um projecto multidisciplinar que tem como tema o Jardim
Botânico da Universidade de Coimbra,
estrutura emblemática a nível nacional e
internacional, que teve a sua origem na
reforma universitária empreendida pelo
marquês de Pombal no século XVIII.
O ano de 2004 ficou marcado pelo início da
mostra de cinema experimental no Jardim
Botânico. Sob o signo da paisagem tempo/
paisagem afecto, delineou-se um conceito
de programação transnatural que articulou
o discurso cinematográfico com a própria
morfologia deste espaço.
As subsequentes edições não só contaram
com a participação de novas vertentes
artísticas, como tornaram a relação com a
paisagem do Jardim mais intrínseca. Com
efeito, introduziu-se uma dinâmica de
encomenda de trabalhos inéditos realizados
no Jardim Botânico. Algumas destas obras
foram parte integrante do transnatural,
concorrendo para uma substancial coincidência com o seu património cultural e
natural.
A presente edição converge para uma
transnaturalidade que associa conteúdos de
índole arquivista com trabalhos de autores
em áreas transversais às ciências e artes.
O itinerário aqui proposto conflui para
uma narrativa integradora da sua própria
temporalidade.
TRANSNATURAL is a multidisciplinary
project on the subject of the Botanical
Garden of the University of Coimbra
– a remarkable structure at national and
international levels, with its origins in
the university reform undertaken by the
Marquis of Pombal in the 18th century.
The year 2004 saw the start of an
experimental film show in the Botanical
Garden. Under the theme landscape
time / landscape emotion, a concept of
transnatural programming was defined in
which the cinematographic discourse was
related to the nature of the space itself.
In subsequent editions, new artistic
dimensions were added and a stronger
connection was established between these
works and the landscape of the garden.
Original works started to be commissioned
on the subject of the Botanical Garden,
some of which took part in transnatural
and contributed substantially to this linking
of the cultural and natural heritage.
This edition of transnatural brings together
works of an investigative nature and texts
by contemporary authors in areas oblique
to the sciences and arts. In the itinerary
suggested here, these all converge in a
narrative that bears witness to the temporal
nature of the Garden itself.
Louis Althusser
Louis Althusser
5
Alexandre Ramires André Cepeda António Júlio Duarte António
Olaio Bénédicte Houart Bernard Plossu Conceição Riachos Francisco
Queirós Graça Capinha HElder Gomes Hugo Santos Joana Brites
João Apolinário João Rasteiro José Maçãs de Carvalho Luís Quintais
Maria Lusitano Santos OSVALDO SILVESTRE Paulo Bernaschina Paulo
Figueiredo Sandra Guerreiro Sebastião J. Formosinho Susana Paiva
Teresa Siza
Francisco Queirós, Índex Seminum et Sporarum, 2006
Braun & Hohenbrg 1572. Colecção António Ramires
El Paraíso Perdido. jardín de coimbra
The Lost Paradise. Coimbra garden
Eugénio d´Ors
Fielmente guardo la memoria de una hora
meridiana, cierto día de mayo en el Jardín
Botánico de Coimbra. Hora lenta y turbia,
de perfumes vegetales y arrullos voluptuosos. Las palmeras esbeltas, ávidas de sol,
subían, dominando desde muy arriba las
frondas, que ahora olvidaban, en la altura
de su palacio de luz; así mujer desvestida
ante el espejo olvida, por el resplandor inteligente de los ojos, las sombras fieras que
el instinto encontrara a media subir… Sí, las
palmeras dominaban a los laureles; pero
las trompetas marciales sonantes en algún
cuartel vecino, no ahogaban el cálido gemir
de las tórtolas.
Voces de tórtolas, voces de trompetas, oídas en un jardín botánico... No hay paisaje
acústico de emoción más característicamente barroca.
Fue en aquella hora primaveral y solar,
cuando me fue dada, en la pereza y en el
recogimiento, la posesión de una verdad fecunda: a saber, que el barroco esta secretamente animado por la nostalgia del Paraíso
Perdido.
I have a memory, which I jealously guard, of
a Mediterranean hour, one day in May, in
the Botanical Garden of Coimbra. It was a
slow slurred hour of vegetal perfumes and
sensuous lullabies. The slender palms, greedy for sunlight, thrust upwards, overpowering the foliage, but then abandoning it
when they reached their palace of light; like
a woman undressed before a mirror, deserted by intelligent burning eyes, the ferocious
shadows that instinct had encountered on
its way up… Yes, the palms dominated the
laurels; but the martial trumpets sounding
in some nearby barracks could not drown
out the warm cooing of the turtledoves.
Voices of doves, voices of trumpets, heard
in a botanical garden… There can be no
soundscape of emotion more characteristically Baroque.
In that primeval sun-filled hour of laziness
and recollection, I came into possession of
a fecund truth - the knowledge that the
Baroque is secretly animated by nostalgia
for the Lost Paradise.
1935
11
jardim de coimbra
The Coimbra Garden
Teresa Siza
O Jardim Botânico abre para nós com o
adequado portão de ornamento fracturado – com esse deliberado prazer em desconstruir as curvas geométricas da normalidade clássica; e aí, a própria regularidade
dos muros que o rodeiam trazem consigo
um sentido dinâmico do movimento das
carruagens urbanas.
Parece convir essa apelação ao enquadramento barroco na luxuriante convivência
da vegetação exótica, na multiplicação das
vidraças e do ver/sem ver, naquela voluptuosidade que arrisca a falsa solidez dos
nenúfares: o Jardim Botânico faz transitar
o iluminismo dos saberes desencontrados e
a liberdade do barroco para um século XIX
que se considerava a si mesmo o século das
luzes e que mer­gulhava, com o olhar do observador no voyeurismo que tanto “espreitava pelo buraco da fechadura” como pelo
microscópico.
Aqui vemos a reconstituição dos seus momentos de crescimento e actualização, os
espécimes que, antes de tudo, proclamam
os constrangimentos do tempo, as aulas
dos maiores, a investigação e os seus sábios
de cátedra, muito progresso e muito aproveitamento cénico do saber, do atrevimento do saber.
Mas o que nos lembram estas fotografias é
a certeza de que com o cuidado dos jardins,
com essa organizada mundividência num
espaço limitado, estava inventada a paisagem e o enquadramento que observamos
nestas imagens. A fotografia também é herdeira desses mundos interiores que são as
paisagens e os jardins e é sobre esta arqueologia do olhar que tratam estas imagens.
Um olhar que constrói uma apetência do
olhar e uma compreensão do deslocamento, mas que, do mesmo modo, fazemos
12
The Botanical Garden opens its gate to us
- all broken ornament, taking deliberate
pleasure in deconstructing the geometric
curves of the conventional classical style,
the very regularity of the surrounding walls
bringing a dynamic sense of movement, like
urban carriages.
It seems fitting, that appeal to the Baroque,
in the luxurious conviviality of exotic
vegetation, the proliferation of glass and the
endless games of now you see me, now you
don’t, in the voluptuousness that gambles
on the deceptive solidity of water-lilies. In
fact, the botanical garden takes us from
the Enlightenment of diverging knowledges
and the freedom of the Baroque into a 19th
century that considered itself to be the
true era if Light, plunging us into a kind of
voyeurism in which the eye of the observer
could spy through the keyhole as easily as it
could look through a microscope.
Here we can see registered all the various
moments of its development and modernization - the specimens, which more than
anything else proclaim the constraints of
time; the lessons; the research; the wisdom
of the professors; and of course, a great deal
of progress and much staging of knowledge,
the recklessness of knowledge.
These photographs remind us that, with the
cultivation of gardens and the organization
of a worldview within a limited space, the
whole concept of the framed landscape
was effectively invented. Photography, too,
is a descendant of those inner worlds of
landscapes and gardens, and it is with this
archaeology of the gaze that these images
are concerned. This is a gaze that constructs
an appetite for gazing and an understanding
of the shift involved; but in the same way, it
is transferred by us into the way we see and
emigrar para o modo como vemos e construímos um pedaço de natureza dominada.
E, portanto, suficientemente útil.
construct a piece of domesticated nature. It
is, therefore, quite useful.
Autor desconhecido, Júlio Henriques, col. Dep. de Botânica UC
13
J. M. Santos, Entrada do Botânico, anos 90 séc XIX. Col. Alexandre Ramires
A. F. Seabra. Estereoscopia. Alameda Júlio Henriques. Anos 50 séc XIX. Col. Alexandre Ramires
A. F. Seabra. Estereoscopia. Estufa do Jardim Botânico. Anos 50 séc XIX. Col. Alexandre Ramires
Autor desconhecido. Jardim Botânico. anos 20 séc XX. Col. Dep. Botânica UC
Autor desconhecido. Estereoscopia. Jardim Botânico. 1870. Col. Alexandre Ramires
Aurélio da Paz dos Reis. Estereoscopia. Aurélio e Homero. Jardim Botânico. 1889. Col. CPF
Uma Visita a Portugal
A visite to Portugal
Hans Christian Andersen
Saindo do claustro e da Igreja, as ruas
sobem em direcção à Universidade — um
vasto edifício que ocupa o terreno mais alto
da cidade. Lá em cima, passamos por um
dos portões da cidade que se encontram
nas paredes arruinadas da fortaleza para
entrarmos no jardim botânico, que é rico
em flores raras e árvores. Enormes palmeiras
e magnólias em flor exibem-se entre folhas
abundantes e "naaletraes": no entanto, não
se via vivalma aqui, e igualmente solitário
estava o agradável passeio que ia do jardim
aos antigos muros da cidade: por toda
a parte crescia erva abundante e trepadeiras viçosas, e à direita do jardim havia
laranjeiras, grandes ciprestes, e sobreiros.
Encontrei alguns estudantes, todos com
o seu trajo medieval: um ia sozinho, a ler;
outros três passaram em conversa alegre,
com a guitarra pendurada ao ombro; as
suas diabruras desenfreadas naqueles sítios
puseram-me de bom humor: era como se
eu estivesse a viver um século atrás; naquela
altura, um poema inteiro formou-se no meu
pensamento, mas o seu vulto não chegou a
tocar o papel.
As you come out of the cloister and the
Church, the roads climb towards the
University, a vast building that occupies
the highest part of the city. Up there, we
went through one of the city gates in the
ruined walls of the fortress and entered
the botanical garden, which is rich in rare
flowers and trees. There were enormous
palms and magnolias in bloom showing
themselves amongst the abundant foliage
and "naaletraes": however, we didn’t see
a living soul there, and our pleasant stroll
through the garden to the ancient city
walls was equally solitary. Everywhere grew
abundant grasses and lush creepers, and
on the right hand side of the garden were
orange trees, large cypresses and cork oaks.
I came across some students, all wearing
their medieval gowns: one was alone,
reading; another three passed in animated
conversation, with guitars slung over their
shoulders; their high-spirited antics put
me in a good mood. It was as if I were living
a century earlier. In fact, a whole poem
formed in my mind while I was in that place,
but it never managed to make its way onto
paper.
1866
traduzido por Margarida Gil Moreira
23
o classificável the classifiable
mata* kills
Sandra Guerreiro
fogo
ar
água terra
fire
air
“The true, greatly misunderstood passion of the collector is always anarchistic, destructive.
For this is its dialectics: to combine with loyalty to an object, to individual items, to things
sheltered in his care, a stubborn subversive protest against the typical, the classifiable.”
Walter Benjamin
*can be both the substantive ‘vegetation’ and the verb ‘to kill’ in the 3rd person singular of the present simple or the 1st person
singular of the imperative
water
earth fogo cego numa estirpe de fendas a respirar pelas
linhas de luz que reflectem dos nós dos dedos
pequenos.
ar leve num cosmos de frisos a levitar pelas têmporas de água que
jorram da pele das válvulas cheias.
água painel de focos de gomos em suadas frestas no cimo dos
ancinhos que se abriram dos corpos.
terra de sangue em sumo de faísca abrindo o lume
que oferece uma golfada de cal. plantada.
blind fire on a root of fractures breathing through
lines of light that reflect from the knuckles of the fingers
small.
light air in a cosmos of trims rising through the temples of water that
gushes out of the skin of the full valves.
water panel of spotlight buds in sweating breaches at the top of the
rakes that opened up from the bodies.
earth of blood in juice of spark opening the flame
that offers a spurt of quicklime. planted
25
Fotografia Académica Conimbricense. Teixeira de Araújo. Jardim Botânico. 1869. Col. Alexandre Ramires
Tílias
Lindens
Luís Quintais
Alguém me fala de tílias. Conheço uma
avenida de tílias. Atravesso-a todos os dias
em direcção ao trabalho. E os dias começam
bem, penso. Percorro esta atmosfera que me
anuncia a manhã. Bem sei que terminarei o
dia dobrado pelo incumprido. Mas agora há
uma voz que me fala de tílias e uma avenida
de tílias e a sagração do que me espera.
Sincero jogo. Precário jogo.
Someone talks to me about lindens. I know
a street lined by lindens. I cross it every day
on my way to work. And I think it’s a good
way to start my day. The atmosphere wraps
me with the feeling of morning. I know I’ll
end the day defeated by what didn’t get
done. But right now there’s a voice talking
about lindens and a street lined by lindens
and the consecration of what awaits me. An
earnest game. A dangerous game.
translated by Richard Zenith
28
Fotografia Académica Conimbricense. Teixeira de Araújo. Jardim Botânico. 1870. Col. Alexandre Ramires
Jardim Botânico de Coimbra: contraponto entre a Arte e a Ciência
Coimbra Botanical Garden: Counterpoint between Art and Science
Joana Brites
O Jardim Botânico de Coimbra nasce com a
reforma pombalina da Universidade, constituindo um dos mais fiéis reflexos do espírito e objectivos que a impulsionaram. Com
efeito, a renovação científica e pedagógica
dos estudos, de acordo com as novas directrizes emanadas do movimento das Luzes
e do experimentalismo, traduziu-se numa
decidida aposta nas faculdades naturais,
necessariamente apoiadas por estabelecimentos capazes de à teoria aliar a prática,
introduzindo no processo de aprendizagem
a observação e a demonstração1.
É certo que o projecto de criação de uma
tal valência na cidade não era novo pois,
durante o longo reitorado de Francisco
Carneiro de Figueiroa, Jacob de Castro Sarmento enviara àquele reitor, um plano, idealizado pelo arquitecto E. Oakley, com data
de 1731, para a realização de um jardim
botânico. O projecto [1] apresentava semelhanças com o Chelsea Physic Garden de
Londres, o que se poderá explicar, não só
pelo facto de Jacob Sarmento ter estado
em Inglaterra, onde foi membro do Real
Colégio dos Médicos, como também pela
familiaridade entre o arquitecto Oakley e o
Jardim londrino, para o qual desenharia, por
esta altura, o projecto das estufas.
Esta proposta pioneira denunciava já o
intuito de articular a modernização da ciência botânica com o desenvolvimento da
medicina. Não passaria, contudo, do papel,
sendo necessário aguardar pelo pragmatismo férreo da «nova fundação» para que
a formulação concreta de um horto botânico no espaço da Universidade visse a luz
do dia.
Os novos Estatutos foram publicados em
1772, na sequência do Compêndio histórico do estado da Universidade, apresen-
Coimbra Botanical Garden dates from the
Pombaline reform of the University, and
faithfully reflects the spirit and aims of
those times. Indeed, it emerged out of the
scientific and pedagogical changes that
were introduced in order to bring the curriculum into line with the values of the
Enlightenment and experimentalism; this
led to investment in science faculties, supported by establishments that emphasized the practical component, introducing
observation and demonstration into the
learning process1.
The idea to create a botanical garden in the
city was not in fact new. A plan for one [1],
drawn up by the architect E.Oakley in 1731,
had been sent to the rector of the University, Francisco Carneiro de Figueiroa, during
his long period in office, by Jacob de Castro
Sarmento. That first pioneering project,
which aimed at forging links between a
modernized botanical science and medicine, bore some resemblance to the Chelsea
Physic Garden in London, which is not surprising if we consider that Jacob Sarmento
had spent some time in England, where he
was a member of the Royal College of Physicians, and that Oakley in fact designed the
greenhouses for that garden at around the
same time. However, it did not get further
than the drawing board. It was necessary
to await the iron pragmatism of the “new
foundation” before any project could properly come to fruition.
In 1772, the new Statutes were published,
following the presentation, in 1771, to the
king of the “Historical Compendium of the
State of the University” by the Literary Providence Committee (which had been charged
in 1770 with analysing the causes of the
University’s decline and suggesting ways in
31
tado ao rei em 1771, pela Junta de Providência Literária, encarregue em 1770 de analisar
as causas da decadência da Universidade e
apontar os meios para a sua reestruturação.
A par da profunda reformulação das faculdades existentes – Teologia, Cânones, Leis e
Medicina –, era extinta a das Artes e criadas
a de Matemática e a de Filosofia, ocupandose esta das Ciências da Natureza. Previa-se
ainda a construção de diversos equipamentos: o hospital escolar, o teatro anatómico, o
dispensatório farmacêutico (anexos à Faculdade de Medicina); o observa­tório astronómico (dependente da Faculdade de Matemática); e os gabinetes de História Natural e de Física Experimental, o Laboratório
Químico e o Jardim Botânico (agregados à
Faculdade de Filosofia).
Com o propósito de complementar o Gabinete de História Natural, os Estatutos preconizavam a indispensabilidade de um jardim
botânico, ditando, desde logo, os objectivos a que este espaço deveria obedecer:
“Ainda que no Gabinete de Historia Natural
se incluem as Producções do Reino Vegetal; como porém não podem ver-se nelle as
Plantas, senão nos seus Cadaveres, secos,
macerados, e embalsamados; será necessario para complemento da mesma Historia o
Estabelecimento de hum Jardim Botanico,
no qual se mostrem as Plantas vivas. Pelo
que: No lugar, que se achar mais proprio, e
competente nas vizinhanças da Universidade, se establecerá logo o dito Jardim: Para
que nelle se cultive todo o genero de Plantas; e particularmente aquellas, das quaes se
conhecer, ou se esperar algum prestimo na
Medicina, e nas outras Artes; havendo o cuidado, e providencia necessaria, para se ajuntarem as Plantas dos meus Dominios Ultramarinos, os quaes tem riquezas immensas,
no que pertence ao Reino Vegetal.”2
No sentido de levar à prática os Estatutos definidos, Sebastião José de Carvalho e
Melo escreve uma carta, a 7 de Novembro
de 1772, dirigida a D. Francisco de Lemos
de Faria Pereira Coutinho, reitor da Uni-
32
which it could be restructured). With these,
the existing faculties (Theology, Canon Law,
Law and Medicine) were radically restructured, the Faculty of Arts was extinguished
and new faculties of Mathematics and Philosophy were created, the last of which was
to concern itself with the Natural Sciences.
The construction of other facilities was also
envisaged, including a teaching hospital,
anatomical theatre, pharmaceutical dispensary (attached to the Faculty of Medicine),
astronomical observatory (subordinated
to the Faculty of Mathematics), and, within
the Faculty of Philosophy, offices of Natural
History and Experimental Physics, a Chemistry Laboratory and the Botanical Garden.
The Statutes emphasised the importance
of the Botanical Garden as a complement
to the Natural History Office, and set forth
its aims as follows: “Although the Office of
Natural History contains examples from
the vegetable kingdom, the plants included
therein are no better than corpses, dried,
macerated and embalmed. A Botanical
Garden is thus a necessary complement to
that History, in order to display living plants.
Hence, such a garden shall be established
in an appropriate place in the neighbourhood of the University, where all manner of
plants shall be cultivated, particularly those
that are known or hoped to offer some benefits to Medicine and other arts. Plants shall
be collected there from my overseas territories, which are immensely rich as regards
the vegetable kingdom.”2
The first step towards putting the Statutes into practice was taken by Sebastião
José de Carvalho e Melo, the Marquis de
Pombal, in a letter dated 7th November
1772 addressed to D. Francisco de Lemos de
Faria Pereira Coutinho, rector of the University and main executor of the reform. The
letter was accompanied by a list of specifications, in which a section of the grounds
of the St Bento College was indicated as the
most suitable site for the Botanical Garden.
This opinion was corroborated by Domen-
versidade e principal executor da reforma,
fazendo-a acompanhar de uma memória
onde se indicava a porção de terreno da
cerca de S. Bento como a mais adequada
para a instituição do «Horto Botânico», opinião corroborada por Domenico Vandelli,
encarregado da direcção do novel Jardim,
que então se encontrava na corte.
A respeito da referida implantação acrescentava ainda que “o Abbade do Collegio de Saõ Bento, e todos os seus Frades;
achando-se possuidos por hum terror
pânico de que lhe hiam tomar parte do seu
Collegio, e toda a sua cerca para se establecer o referido Horto: E querendo sacrificar
huma parte para salvar o todo: Me viéram
offerecer pelo seu Procurador Geral o Terreno, (…) o qual V. S.ª com os Professores da
Faculdade pode hir ver; demarcar, e fazer
murar, logo que se recolherem os Doutores Ciera, e Vandelli”. Rematava apelando
ao uso prudente da referida oferta, a fim de
não se estender para além do indispensável
o Horto que, dizia, em nenhuma parte ter
visto ser “huma Quinta extensa”3.
A 3 de Fevereiro de 1773, o reitor-reformador tranquilizava o ministro, noticiando-o
de que “já se acham n’esta cidade os Doutores Ciera, Vandelli e Dalabella, e com
elles e Franzini irei ámanhã ver o sítio que
V.ª Ex.ª designou para n’elle estabelecer-se o
Jardim Botanico”4. Em resposta, o marquês
de Pombal anunciava a vinda do tenentecoronel Guilherme Elsden, ensamblador ou
marceneiro londrino, estabelecido em Portugal pelo menos desde 1763, que executava serviços de engenharia e arquitectura.
Era este inglês, igualmente responsável por
outros edifícios da reforma pombalina, que
o estadista encarregava de delinear o Jardim
“pelos apontamentos dos professores”5. Aos
docentes cabia, na companhia de Francisco
de Lemos, o reconhecimento do local.
Cumprida com brevidade tal inspecção,
verificou-se, porém, não ser o destinado
sítio o mais apropriado, dada a existência
de acentuados desníveis que implicariam
ico Vandelli, who had been appointed curator of the new garden, and who was at that
time at court.
The letter went on: “The Abbot of the College of St Bento and all his friars, terrified of
that their college and all its grounds would
be taken over for the establishment of the
Garden, and wanting to sacrifice a part to
save the whole, offered me, through their
legal representative, the terrain (…), which
you and your Faculty professors may view,
demarcate and enclose, as soon as Doctor
Ciera and Doctor Vandelli return”. It concluded by urging that the offer be used prudently, not going beyond what was strictly
necessary, for nowhere should the Garden
be perceived as “an extensive estate”3.
On 3rd February 1773, the reformer rector
informed the Marquis that “Doctors Ciera,
Vandelli and Dalabella are now in the city,
and they and Franzini shall go tomorrow
to the site that Your Excellency has designated for the establishment of the Botanical Garden”4. In his reply, the Marquis
announced the arrival of Lieutenant Colonel William Elsden, a joiner or cabinetmaker from London, who had been based
in Portugal since at least 1763, and who performed services in engineering and architecture. Elsden, who was also responsible
for other buildings of the Pombaline reform,
had been commissioned to demarcate the
Garden “from the professors’ notes”5; the
professors, for their part, were to survey the
site in the company of Francisco de Lemos.
However, following the brief inspection, it
was decided that the site was not really suitable for the garden since it contained sharp
differences in level, which would require
“great expense in the creation of terraces
one above the other and even so, would
remain uneven”. The College garden, located
in Alegria, near the so-called ‘Ínsua dos
Bentos’, was considered as a second choice,
but was also rejected as not viable “since it
is very cramped, is exposed to flooding of
the Mondego, would also require extensive
33
“fazer uma imensa despeza em sucalcos uns
acima dos outros, e ainda depois de tudo
isto ficaria sempre irregular”. Ponderada
como segunda possibilidade a ocupação da
horta do Colégio, situada na Alegria, junto
à denominada Ínsua dos Bentos, concluiuse não ser igualmente viável “por ser muito
apertado, ficar exposto ás inundações do
Mondego, necessitar tambem de grandes
sucalcos, e ficar longe da Universidade”.
Finalmente, uma solução reuniu consenso:
“a parte da mesma cêrca [dos monges beneditinos] que confronta de uma parte os
Arcos da cidade, da outra com a estrada que
vae para S. José dos Mariannos, e da outra
com huma vinha dos ditos P.es Mariannos”.
As vantagens de tal escolha residiam na
proximidade da Universidade e dos Arcos,
no fácil acesso a água através do Aqueduto
do convento das freiras de Santa Ana e
também na “circumstancia de ficar o Jardim
visinho a uma estrada, que indireitada e alinhada fórma hum bello e necessario passeio
publico para recreação dos Estudantes”6.
Num ofício de 2 de Março de 1773, acompanhado por uma provisão da mesma
data, o marquês de Pombal elogiava o cuidado posto no exame do terreno destinado
ao dito estabelecimento, determinando
a compra do mesmo, bem como a sua
demarcação. No espaço de meses, os professores italianos enviam para Lisboa uma
sumptuosa planta para o Jardim Botânico
da Universidade de Coimbra. Trata-se, presumivelmente, do desenho a tinta-da-china
e aguada sobre papel [2] que se encontra
na biblioteca do Departamento de Botânica, sem data ou assinatura devido à falha
que apresenta na sua parte central supe-
34
terracing and is a long way from the University”.
Finally, a consensus was reached. It was
decided to construct the garden in “that
part of the same grounds [i.e. of the Benedictine college] that at one side faces the
city Aqueduct, at another faces the road
that goes to S. José dos Mariannos, and
at another a vineyard belonging to those
Marian priests”. The advantages of this site
lay in its proximity to the University and
the Aqueduct, the easy access to water via
the Aqueduct of the convent of Saint Anne,
and also in the fact that "the Garden will be
next to a road, forming a beautiful straight
public promenade for the recreation of the
Students”6.
In an official letter of 2nd March 1773,
accompanied by a writ of the same date, the
Marquis praised the care taken in the examination of the land destined for the Garden,
and announced his decision to purchase it
and order its demarcation. Within months,
the Italian professors had sent a sumptuous plant to Lisbon destined for the Botanical Garden of the University of Coimbra.
This is presumably what is represented in
a Chinese ink and watercolour drawing on
paper [2] in the Botany Department library,
though unfortunately its date and signature
are missing due to the fact that the part of
the paper where this information would
have been given, together with the key to
the plan, is torn.
The massive project for the Garden is
remarkably similar to the undated “Sketch
of the Botanical Garden for the University
of Coimbra” [3] by Júlio Mattiazzi, published together with the other “Sketches
for Works on the University of Coimbra” in
1983 by the Machado de Castro National
Museum. This project was probably prepared after the other, since it is somewhat
simplified in relation to it. It contains fewer
flowerbeds, fountains and sculptures, and
the arboretum is laid out differently, in the
form of a square subdivided into four.
rior, onde se leriam essas informações, bem
como as legendas do plano.
O colossal projecto do Jardim apresenta
uma notória semelhança com o Risco do
Jardim Botânico para a Universidade de
Coimbra [3], não datado, da autoria de
Júlio Mattiazzi, publicado juntamente com
outros Riscos das obras da Universidade de
Coimbra, em 1983, pelo Museu Nacional de
Machado de Castro. Este projecto foi, com
probabilidade, formulado a jusante do primeiro, pois denota em relação a ele alguma
simplificação. As diferenças resultam da
redução do número de canteiros e de fontes
de repuxo, bem como das peças escultóricas. O arboreto evidencia ainda uma disposição distinta, assumindo a forma de um
quadrado, subdividido em quatro.
Ambos os desenhos denunciam fortes paralelismos com o Jardim Botânico de Pádua,
fundado em 1545. Com efeito, o esquema
do círculo de canteiros que envolve o quadrado central, dividido, por sua vez, em
quatro canteiros, é comum aos dois hortos.
A distribuição das fontes de repuxo nesta
zona coincide igualmente, tal como se verifica pelo confronto das respectivas plantas.
Ora, esta «marca» paduana deve ser compreendida à luz do percurso de dois homens,
cujo rumo passou quer por Pádua, quer por
Coimbra. Referimo-nos a Domenico Vandelli e a Júlio Mattiazzi, ambos nascidos na
dita cidade italiana e familiarizados com o
seu Jardim. O primeiro, naturalista de reconhecido prestígio, concluiu os cursos de
filosofia natural e medicina na Universidade
de Pádua em 1761 e manteve correspondência com Lineu entre 1759 e 1773. Chega
a Lisboa, a convite do marquês de Pombal,
em 1764, à partida destinado à docência
no Colégio dos Nobres mas, na realidade,
sem exercício de funções oficiais até 1768,
altura em que aparece nomeado para dirigir
as obras do Jardim Botânico da Ajuda. Em
1772 vem para Coimbra ensinar química e
história natural na recém criada Faculdade
de Filosofia, tendo-se nela graduado gratui-
Both designs have strong parallels with the
Botanical Garden of Padua, founded in 1545.
In fact, the scheme of a circle of flowerbeds
around the central quadrangle, divided in
turn into four beds, is shared by the two
gardens, while the fountains in this area are
distributed in a very similar manner, as comparison of the two plans clearly shows.
This influence must surely be understood in
the light of the careers of two men, whose
path passed through both Padua and Coimbra. We are of course referring to Domenico
Vandelli and Júlio Mattiazzi, who were both
born in Padua and were familiar with its
garden. The former, a naturalist of acknowledged prestige, completed his degrees in
natural philosophy and medicine at the
University of Padua in 1761 and maintained
a correspondence with Linnaeus between
1759 and 1773. He was invited to Lisbon by
the Marquis of Pombal and arrived in 1764,
ostensibly to take up a lectureship at the
College of Nobles, though he did not in fact
perform any official functions until 1768,
when he was appointed to supervise the
works being carried out at the Ajuda Botanical Garden. In 1772 he came to Coimbra
to teach chemistry and natural history in
the recently created Faculty of Philosophy,
graduating from it on 9th October of that
year and on 12th of the same month from
the Faculty of Medicine. The Statutes stipulated that the lectureship in natural history
should entail responsibility for the Botanical Garden, and so he directed it until his
retirement in January 1791, when he was
replaced by Félix Avelar Brotero.
35
tamente a 9 de Outubro desse ano e a 12 do
mesmo mês na Faculdade de Medicina. A
leccionação de história natural acarretava,
cumulativamente, tal como se previa nos
Estatutos, a «intendência» do Jardim Botânico, tarefa que exerceu até Janeiro de 1791,
ano em que se jubilou e foi substituído na
direcção do Jardim por Félix Avelar Brotero.
Vandelli surge-nos associado a outros dois
paduanos que se debruçariam sobre o horto
conimbricense. João António Dalla-Bella,
graduado a 4 de Maio de 1773 na Faculdade
de Medicina e na de Filosofia, onde ensinou
física, integrou, como acima relatámos, o
grupo de professores que, juntamente com
o reitor, visitaram e analisaram o local para
o estabelecimento do Jardim. Mas é sobretudo Júlio Mattiazzi que nos importa destacar, uma vez que, antes de ser trazido por
Vandelli para Portugal, em 1768, para com
ele colaborar em Lisboa e em Coimbra,
desempenhava funções de jardineiro no
Jardim Botânico de Pádua. Não é, por conseguinte, de estranhar que o risco do Jardim
da Universidade por ele executado deixe
transparecer o modelo do da sua cidade
natal.
Permanece incerto o lugar de Guilherme
Elsden no delineamento do inicial programa
do Jardim, não sendo possível assegurar ser
da sua autoria a planta guardada na biblioteca do Departamento de Botânica. Por
um lado, sabe-se que, em Maio de 1773, o
tenente-coronel já havia chegado a Coimbra e, à partida, tudo indica que se tenha
dedicado a tal tarefa, uma vez que o marquês o havia expressamente responsabilizado pela mesma. Aliás, quando, em Fevereiro de 1773, D. Francisco de Lemos escrevia ao ministro sobre a análise do terreno
para o Jardim e o andamento das restantes
obras universitárias, garantia que “fico esperando o tenente-coronel Elsden para com
elle conferir tudo quanto respeita á execução das Plantas que V.ª Ex.ª foi servido
remetter-me, e o mais que for preciso. E
sem elle nada obrarei”7. A própria planta do
36
Vandelli’s name frequently appears associated with two other Paduans that were
also connected to the Coimbra Garden,
João António Dalla-Bella and Júlio Mattiazzi. Dalla-Bella, who graduated on 4th May
1773 from the Faculty of Medicine and Philosophy, where he taught physics, was in
the group of professors that, together with
the Rector, visited and analysed the site for
the Garden, as we have mentioned. But it
is Júlio Mattiazzi that is most deserving of
our attention, since before being brought
to Portugal by Vandelli in 1768 to collaborate with him in Lisbon and Coimbra, had
been the gardener at the Botanical Garden
of Padua. It is therefore not surprising that
his sketch for the University Garden should
reflect features of the model in his native
city.
The role played by William Elsden in the
delineation of the initial programme for
the Garden remains unclear, since we do
not know for certain if the plan kept in the
Botany Department library is in fact by
him. On the one hand, we know that he
arrived in Coimbra in May 1773 and everything indicates at the outset that he was
to undertake the task, since the Marquis
had expressly appointed him for it. Indeed,
when D. Francisco de Lemos wrote to the
minister in February 1773 about the analysis of the terrain for the Garden and the
progress of the remaining university works,
he assured him that he was “awaiting Lieutenant-Colonel Elsden to discuss with him
the plans that Your Excellency has sent me
and anything else that is deemed necessary. Until he comes I shall not proceed”7.
The plan itself, which had been drawn in
the meantime, also reveals ignorance of the
unevenness of the terrain, which could be
explained by the fact that Elsden had not
accompanied the rector and professors on
their visit to the site, having been in Lisbon
at the time “incapacitated with an attack of
gout”8.
On the other hand, we do not have his sig-
Jardim entretanto concebida deixa transparecer um certo alheamento relativamente
ao seu desnivelado terreno de implantação, o que se poderia explicar pelo facto de
Elsden não ter acompanhado o reitor e os
professores na visita ao local, por se encontrar nessa altura ainda em Lisboa, “impossibilitado com um accidente de gota”8.
Por outro lado, não temos a sua assinatura
no projecto depositado na referida biblioteca, presumivelmente o enviado a Pombal,
nem tão pouco a avaliação que dele o ministro fez refere Elsden como autor, sendo
apenas vagamente mencionada “a Planta,
que esses Professores delinearam”, esclarecendo-se, mais adiante, que “os ditos professores saõ italianos” 9. A própria feição
barroca da molduração do plano afasta-se
do traço neoclássico que caracteriza os edifícios projectados por Elsden para a Universidade e, recorde-se ainda, o carácter paduano da planta não poderia resultar da experiência de um engenheiro inglês. Além disso,
no relatório que Elsden dirige a Sebastião
José de Carvalho e Melo, dando-lhe conhecimento dos trabalhos que, no âmbito das
obras da Universidade, executou precisamente entre Julho e Setembro de 1773, não
faz qualquer referência ao traçado da planta
para o Jardim.
Certo é o facto de uma primeira proposta
não ter sido aprovada. Num ofício de 5 de
Outubro de 1773, o estadista rejeita veementemente o “dilatado espaço”, talhado
“pelas medidas da (…) Fantasia”, o qual
“absorberia os meyos pecuniarios da Universidade antes de concluir-se”. Frisando
que “as couzas naõ saõ boas, por que saõ
muito custozas, e Magnificas; mas sim, e taõ
somente, porque saõ proprias, e adequadas
para o uso, que dellas se deve fazer”, ordenava que se delineasse outro plano, “reduzido somente ao numero de Ervas Medicinaes, que saõ indispensaveis para os exercicios Botanicos, e necessarios para se darem
aos Estudantes as noçoens precizas para
que naõ ignorem esta parte da Medicina;
nature on the plan that is in the library
(presumably the one sent to Pombal), nor
does the Marquis’ assessment of it make
any mention of Elsden as author. Instead it
vaguely mentions “the plan that those professors drew up”, clarifying later on that “the
aforementioned professors are Italian”9. The
Baroque flavour of the ground plan is also
quite different from the neoclassical style
of the buildings designed by Elsden for the
University; and of course, the Paduan influence could not have resulted from the experience of an English engineer. Moreover, the
report that Elsden addressed to Sebastião
José de Carvalho e Melo informing him of
the works that he had undertaken at the
University between July and September
1773 made no mention of the plans for the
Garden.
What is clear, however, is that the first proposal was not approved. In an official letter
dated 5th October 1773, the Marquis vehemently rejected the “extensive space”,
shaped “with fantastic dimensions”, which
“would absorb the pecuniary resources of
the University before it is finished”. Adding
that “things are not good simply because
they are very costly and magnificent, but
rather, and only, because they are appropriate and suitable for the use that is to be
made of them”, he ordered another plan to
be drawn up, “reduced only to the number
of medicinal herbs that are indispensable for botany exercises, and necessary to
give the students precise notions so that
they are not ignorant of that part of Medicine; (…) leaving for another time all that
is botanical luxury, at present spreading all
over Europe”.
To dispel any doubts, he explained that
the new design should be no bigger and
no more sumptuous than Chelsea Garden,
which he would certainly have known,
having been stationed in London on diplomatic duty between 1739 and 1743. Finally,
he advised that “a budget be calculated that
is appropriate for a boys’ Study Garden,
37
(…) Deixando-se para outro tempo o que
pertencer ao Luxo Botanico, que actualmente grassa em toda a Europa”.
Para dissipar qualquer dúvida, esclarecia que
a nova concepção não devia ser nem maior
nem mais sumptuosa do que a do Jardim
de Chelsea em Londres, certamente familiar ao marquês que nesta cidade desempenhara funções diplomáticas entre 1739
e 1743. Por fim, recomendava que “se calcule por hum justo Orçamento o que hade
custar o tal Jardim de Estudo de rapazes, e
naõ de Ostentaçaõ de Princepes, ou de particulares, daquelles extravagantes, e Opulentos, que estaõ arruinando grandes Cazas
na Cultura de Brêdos, Beldroégas, e Poejos
da India, da China e da Arabia.”10
Os trabalhos acabariam por se iniciar sob
planos mais modestos, mantendo, todavia, um traço tipicamente italiano. A Universidade tomou conta do terreno a 16
de Janeiro de 1774 e sem demora as obras
foram avançando. Principiou-se a construção da muralha de suporte do lado da cerca
dos Beneditinos, bem como as obras de terraplanagem. Para ambas foram aproveitadas grandes quantidades de pedra e entulho, provenientes de demolições de parte
do edifício dos Jesuítas e do castelo.
Em Novembro desse ano o Horto Botânico estava pronto para receber as primeiras plantas, vindas por mar. Da sua plantação era encarregado Júlio Mattiazzi, jardineiro do Real Jardim Botânico da Ajuda, o
qual deveria regressar à corte após o cumprimento de tal diligência, ficando João Luís
Rodrigues responsável por delas cuidar, tornando-se este, assim, o primeiro jardineiro
do novo Jardim.
Desconhece-se o alcance da acção de Mattiazzi, aquando da sua presença em Coimbra, no âmbito da imposta redefinição
do Jardim exigida por Pombal. Sabemos
que o jardineiro tinha propensão a arquitecto, pois, quando Vandelli caracterizou
o seu desempenho, na parcial administração do Real Museu de História Natu-
38
rather than for the ostentation of princes or
private individuals, that extravagance and
opulence that is ruining the great houses
with the cultivation of amaranth, purslane and pennyroyal from India, China and
Arabia.”10
When the work eventually started, it was
based upon more modest plans, though
retaining typically Italian traits. The University took over the land on 16th January
1774 and work went ahead without delay.
It began with the construction of a support
wall alongside the grounds of the Benedictine College, and with the levelling of the
land. Both operations made use of large
quantities of stone and rubble from the
demolition of part of the Jesuits’ building
and the castle.
In November of that year, the Botanical Garden was ready to receive the first
plants, which were brought in by sea. Júlio
Mattiazzi, gardener for the Royal Botanical
Garden of Ajuda, was responsible for the
planting, but returned to court afterwards,
leaving João Luís Rodrigues in charge of looking after them. It was he who thus became
the first gardener of the new Garden.
The extent of Mattiazzi’s actions as regards
the redefinition of the Garden in accordance with Pombal’s demands is not known.
However, we do know that the gardener
had a certain propensity for architecture,
for Vandelli, describing his compatriot’s
partial administration of the Royal Museum
of Natural History and Botanical Garden of
Ajuda while teaching in Coimbra, specifically mentioned his fascination with architecture. The Paduan’s experience may therefore have resulted in a reconfiguring of the
terrain, although there are no known documents that confirm it. Mattiazzi’s stay was
relatively short, and he was probably on his
way back to Lisbon in January.
We are sure, however, that, shortly after
the arrival of the gardener, alterations were
made to the area and levelling of the Garden.
In fact, the Rector, who wanted to increase
ral e Jardim Botânico da Ajuda durante o
período em que o naturalista assegurava a
docência coimbrã, deixa bem claro a sedução do seu compatriota pela arquitectura.
Da experiência do paduano poderia ter
resultado uma reconfiguração do terreno.
No entanto, desconhece-se qualquer documento que o confirme. A estadia de Matti
azzi foi relativamente curta e, provavelmente em Janeiro, estaria já de volta a
Lisboa.
Resta-nos a certeza de que, pouco depois da
vinda do referido jardineiro, se realizaram
alterações ao nível da área e nivelamento
do Jardim. De facto, entendendo-se necessário aumentar o terreno destinado às culturas, o Reitor estendeu, através da compra
de um olival, a área do Jardim até à estrada
pública e pediu autorização ao Governo
para adquirir mais terreno, com vista a conferir ao Horto uma forma mais regular. Concedida a licença a 7 de Dezembro de 1774,
a compra foi ajustada com os frades marianos, apesar de só muito mais tarde ter sido
realizada.
A partir de 1777, com o falecimento do rei
D. José I e a consequente «morte política»
do marquês, o abrandamento do ritmo das
obras universitárias não deixou de se reflectir também na construção deste estabelecimento, apesar dos esforços movidos por
D. Francisco de Lemos para cativar a atenção da nova rainha, D. Maria I. A Relação
geral do estado da Universidade redigida
pelo reitor-reformador e remetida, em 1777,
à soberana, materializa o intuito de não
deixar cair por terra a reestruturação principiada. Misto de justificação da própria
reforma e de balanço da obra feita e da por
realizar, o texto salienta, na parte referente
ao Jardim, o facto de este continuar longe
de estar terminado pois, à excepção de uma
pequena estufa construída em 1776, os trabalhos e verbas gastas até então (1.349$045
reis) tinham sido essencialmente dedicados
a entulhar as partes baixas, a fim de se obter
no recinto “a igualdade possivel”11.
the amount of land given over to cultures,
bought an olive grove and extended the
Garden as far as the public road; he also
applied for authorization from the Government to acquire more land in order to make
it more regular in shape. After the granting
of the licence on 7th December 1774, the
purchase was negotiated with the Marian
friars, although the deal was only finalized
much later.
From 1777, with the death of the king D.
José I and the consequent political demise
of the Marquis, there was a slackening of
momentum as regards the building works
at the university, reflected also in the construction of the Garden, despite the efforts
of D. Francisco de Lemos to interest the new
queen, D. Maria I, in the project. The “General Report on the State of the University”
drawn up by the reformer rector and sent
to the sovereign in 1777 reflects his intention not to abandon the plan for restructuring. The text, which both justifies the
reform itself and presents a balance of the
works done and still to do, mentions that
the Garden was far from being finished;
with the exception of a small greenhouse
built in 1776, almost all the work and funds
spent until then (1349$045 reis) had been
directed at filling in the low parts in order
to obtain a surface “as level as possible”11.
It is believed that this manuscript was complemented by a volume entitled, on the
binding, Riscos das Obras da Universidade
de Coimbra (“Sketches for Works on the
University of Coimbra”), which included
not only a description of the state of the
new constructions in September 1777 and
a list of expenses, but also a series of thirty
drawings of those constructions. The last
two concern the Botanical Garden: one is
the plan drawn up by Júlio Mattiazzi, which
we have already described; the other is the
“Sketch of the Greenhouses of the Botanical
Garden of the University of Coimbra” [4],
undated and unsigned. Curiously, there is
a very similar drawing to this in the Botany
39
Este manuscrito tinha como complemento,
segundo se crê, um volume intitulado, na
encadernação, Riscos das Obras da Universidade de Coimbra, o qual compreende, além
da descrição do estado em que se encontravam, em Setembro de 1777, os novos estabelecimentos, bem como da enumeração
das despesas, uma série de trinta desenhos,
relativos a essas construções. Os dois finais
dizem respeito ao Jardim Botânico: um é o
plano elaborado por Júlio Mattiazzi, sobre
o qual já nos detivemos; o outro é o Risco
das Estufas do Jardim Botanico da Universidade de Coimbra, sem data ou assinatura
Department.
Entitled Risco das Estufas do Real Jardim
Botânico da Universidade de Coimbra
(“Sketch of the Greenhouses of the Royal
Botanical Garden of the University of Coimbra’) [5], the grandiose project shows,
despite visible deterioration, the ground
plans, elevations and cross-sections of the
greenhouses, with a key on the left hand
side. The ground plan of the main greenhouse shows nine compartments: in the
centre was the “lichen house”, to the left of
which, in the upper half of the building, was
a temperate house, a hot house, another
[4]. Curiosamente, este último encontra
também, na biblioteca do Departamento
de Botânica, um desenho que muito se lhe
assemelha.
Titulado Risco das Estufas do Real Jardim
Botânico da Universidade de Coimbra [5], o
grandioso projecto apresenta, pese embora
a sua visível deterioração, as plantas, alçados
e cortes das estufas, cuja interpretação nos
é facilitada pela legenda à esquerda do conjunto. A planta da estufa principal apresenta
nove compartimentos: ao centro localiza-se
a “caza das liçoens”; à sua esquerda, do meio
para o topo do edifício, prevê-se um tepidário, um “calidário”, um novo tepidário e,
por fim, uma casa destinada à conservação
temperate house and finally, a place for
the conservation of seeds and the “dry herbarium”. To the right of the lichen house is
the same succession of temperate and hot
houses, culminating in a room destined for
the “botanical library”. A “bench of green”
covers the corridor of the stoves which, at
the back of the greenhouses, controls the
temperature of the various sections.
The main façade, which contained eight
doors into the “greenhouse passage”, is
punctuated at intervals, according to neoclassical taste, by a sequence of rounded
arches on rustic-style pillars, on top of
which is a balustrade decorated with alternating vases and statues. The statues are all
40
das sementes e “erbario seco”; à direita da
casa das lições surge-nos a mesma sucessão de tepidários e “calidário”, rematada, no
extremo, por uma divisão destinada a “livraria botanica”. Uma “banqueta de verdura”
cobre o corredor dos fornos que, na parte
posterior das estufas, permitem controlar a
temperatura das várias secções.
A fachada principal, na qual se abrem oito
portas para a “serventia das Estufas”, é ritmada, ao gosto neoclássico, por uma
sequência de arcos redondos assentes
sobre pilares rusticados, encimada por uma
balaustrada decorada por uma alternância
identified by a Latin name carved into the
plinth of each one, confirming the erudite
and symbolic character of this construction.
From right to left, we have the following figures: Avicenna (Arab doctor and philosopher), Galen (one of the greatest doctors of
antiquity), Hippocrates (Greek doctor, considered the “father of medicine”), Bauhino
(Swiss doctor and botanist), Cesalpino (Italian doctor and philosopher), Dioscorides
(Greek doctor and naturalist), Pliny (Roman
soldier, imperial official, historian and scientist, and author of the Historia Naturalis)
and Theophrastus (philosopher and scien-
de vasos e estátuas. Graças ao nome latino
inscrito no plinto de cada escultura, é-nos
possível identificá-las na totalidade, confirmando o carácter erudito e simbólico desta
construção. Da direita para a esquerda
sucedem-se as seguintes figuras: Avicena
(médico e filósofo árabe), Galeno (um dos
maiores médicos da Antiguidade), Hipócrates (médico grego, considerado o “pai
da Medicina”), Bauhino (médico e botânico suíço), Cesalpino (médico e filosofo
italiano), Dioscórides (médico e naturalista
grego), Plínio (militar, funcionário imperial, historiador e cientista romano, autor
da Historia Naturalis) e Teofrasto (filósofo
e cientista sucessor de Aristóteles e autor
de uma vasta produção, onde se incluem
tist that succeeded Aristotle, and author of
a vast oeuvre, including the works History of
Plants and Causes of Plants, which earned
him the epithet of creator of botany). In the
centre of this imposing corpus is a triangular pediment crowned with the Portuguese
royal coat-of-arms, itself flanked by two allegorical figures.
At the right end of the building is the door
leading into the greenhouses on the Bentos
side, overlooked by the sculptures of Avicenna and Petiver (English botanist); at the
opposite end, a statue of Theophrastus and
another of Micheli (Florentine botanist)
complete a window that “overlooks part
of the Mondego”. The pediment over the
door leading into the lichen house, on the
41
as obras Historia das Plantas e Causas das
Plantas, as quais lhe valem o epíteto de criador da botânica). Ao centro deste imponente corpo destaca-se um frontão triangular coroado pelo escudo real português,
ladeado, por sua vez, por duas figuras alegóricas de cada lado.
Na extremidade direita do edifício situase a porta de ingresso para as estufas do
lado dos Bentos, sobrepujada pelas esculturas de Avicena e Petiver (botânico inglês);
no extremo oposto, uma estátua de Teofrasto e outra de Micheli (botânico florentino) rematam uma janela que “cahe p.ª a
parte do Mondego”. A frontaria da porta de
ingresso para a “caza das liçoens”, do lado
dos Bentos, é adequadamente coroada por
quatro estátuas de botânicos que foram
professores em universidades europeias em
finais do século XVII e inícios do XVIII: Pontedera (botânico italiano, professor da Universidade de Pádua e director do Jardim
Botânico desta cidade), Morison (médico
e botânico inglês, professor na Universidade de Oxford), Dillen (botânico alemão,
docente em Oxford) e Lineu (célebre naturalista sueco, professor na Universidade de
Upsala). Concomitantemente, o projecto
prevê a construção de uma estufa de menor
dimensão e modesto acabamento que serviria para as “sementeiras de America e
Africa q dependem de muito calor”.
Comparativamente ao plano das estufas
que acompanharia a Relação geral do estado
da Universidade, este desenho denota
um maior desenvolvimento pois, além da
descrição das construções já mencionadas,
igualmente presentes no projecto enviado
em 1777, contempla mais três edificações:
o portal de entrada para o Jardim da parte
dos Bentos, decorado com a representação
de Hércules, famoso herói grego, e Minerva,
deusa romana da sabedoria, do qual se faria
uma cópia para o ingresso da parte dos
Carmelitas Descalços; o portal de ingresso
ao Jardim pela rua da Alegria, adornado
com uma estátua de Fortuna, deusa romana
42
Bentos side, is appropriately crowned with
statues of four botanists that were professors in European universities at the end of
the 17th and beginning of the 18th centuries: Pontedera (Italian botanist, professor
at the University of Padua and curator of
that city’s botanical garden), Morrison (English physician and botanist, and professor at
the University of Oxford), Dillen (German
botanist and lecturer at Oxford) and Linnaeus (famous Swedish naturalist, professor
at the University of Uppsala). The project
also envisaged the construction of a smaller
greenhouse with more modest finishings
that would serve as “seedbeds for plants
from America and Africa that require a lot
of heat”.
Compared to the plan of the greenhouses
that accompanied the “General Report on
the State of the University”, this one is more
developed, since, in addition to the description of the constructions already mentioned, also present in the project sent in
1777, it includes three more buildings: the
gateway into the Garden from the Bentos
College, decorated with a representation
of Hercules, the famous Greek hero, and
Minerva, the Roman goddess of knowledge, a copy of which was later made for
the entrance from the Barefoot Carmelites;
the gateway into the Garden from Alegria
Street, adorned with a statue of Fortuna,
the Roman goddess of luck, and another of
Ceres, Roman earth mother goddess; and
the ground plan and cross section of the
staircase that allowed access to the Garden
from the public footpath, and the gateway
protecting it, decorated with two sculptures, including Asklepius, the Roman god
of medicine.
A comparison of the two sketches reveals
that the undated drawing from the Botany
Department library was probably executed
before the one in the album “Sketches for
Works on the University of Coimbra” that
was sent to the queen. In fact, it could have
accompanied the first Botanical Garden
do Acaso, e outra de Ceres, deusa maternal
da Terra para os romanos; a planta e corte
da escada que permitiria o acesso ao Jardim
pelo passeio público, bem como o portal
que a resguardaria, guarnecido de duas
esculturas, entre as quais Esculápio, deus
romano da medicina.
Do confronto entre ambos os riscos podese, portanto, concluir que, embora o desenho da biblioteca do Departamento de
Botânica não patenteie uma data, ele terá
sido, com probabilidade, formulado antes
daquele que viria a integrar o álbum Riscos
das Obras da Universidade de Coimbra,
enviado à rainha. Poderia, com efeito, ter
acompanhado o primeiro projecto para o
Jardim Botânico avaliado e recusado, pela
sua sumptuosidade, em 1773 pelo marquês.
Por outro lado, o facto de tanto o plano do
Jardim como o das estufas que se acham na
dita biblioteca encontrarem um «correspondente» nos desenhos enviados em 1777
à soberana, leva-nos a considerar a hipótese de ter havido, da parte do reitor, a tentativa de retomar a configuração outrora
reprovada pelo ministro de D. José. Se assim
foi, o intuito de D. Francisco de Lemos não
vingou uma vez mais, pois nem estas estufas foram construídas, nem o Jardim obedeceu ao grandioso feitio. O remediado plano
seguido parece ter sido, afinal, o resultado
da adaptação das linhas italianas às possibilidades económicas, às sensibilidades
dos que sobre este espaço se foram debruçando, aos condicionalismos do terreno e
das ocasiões e às necessidades pedagógicas que reclamavam um ponto final a este
moroso processo construtivo.
O ano de 1779 assinala a exoneração de D.
Francisco de Lemos, o qual só voltaria ao
governo da Universidade vinte anos mais
tarde. Neste entretanto, correspondente
aos reitorados de D. José Francisco de Mendonça e D. Francisco Rafael de Castro, prosseguiram os trabalhos. Edificou-se uma
casa para as lições de botânica. Em 1790
ficou terminado o terrapleno inferior, ainda
project that had been assessed and rejected
by the Marquis for being too sumptuous.
On the other hand, the fact that the plans
of both garden and greenhouses found in
that library have a counterpart in the drawings sent in 1777 to the queen suggests that
there may have been an attempt on the part
of the rector to revive the earlier configuration rejected by the Marquis. If so, then it
was unsuccessful a second time round, for
the greenhouses remained unbuilt and the
garden did not follow the grandiose design.
The plan that was eventually adopted seems
to have been the result of an adaptation of
Italian lines to the economic possibilities,
the sensibilities of those involved, the limitations of the terrain and circumstances,
and educational needs, which demanded
an end to the longwinded process of construction.
In 1779 D. Francisco de Lemos was discharged from his position as rector, only
returning to govern the University twenty
years later. During this interval, under the
rectorates of D. José Francisco de Mendonça and D. Francisco Rafael de Castro,
the works went ahead. A house was built
for botany lessons. In 1790, the lower level,
still today known as the “central quadrangle”, was completed, as was the tank in the
middle of it and the plumbing system used
for most of the waters. In this period, the
order was also given to construct a larger
greenhouse, as the existing one “would not
satisfy the purposes for which it had been
built”12.
The plan for the greenhouses of the Botanical Garden, signed by Manuel Alves Macomboa and dated April 1791, responds to this
need. This master carpenter, who had been
called by the Marquis in 1773 to work on
the University buildings, had also since 1777
performed the role of master stonemason
and, following the death of William Elsden,
took over the function of architect in 1782.
His designs of the ground plan and elevation of the main façade of the greenhouses,
43
hoje conhecido por «quadrado central», o
tanque situado no meio deste e o encanamento de grande parte das águas. É igualmente desta época a ordem de construção
de uma estufa de maiores dimensões, visto
que a existente “não satisfazia o fim a que
era destinada”12.
O projecto para as estufas no Jardim Botânico, assinado por Manuel Alves Macomboa e datado de Abril de 1791, articula uma
resposta a esta necessidade. Chamado pelo
marquês, em 1773, para as obras da Universidade, este mestre carpinteiro acumula,
desde 1777, os serviços de mestre pedreiro
e, depois do falecimento de Guilherme
Elsden, assume, a partir de 1782, a função
de arquitecto. O desenho que faz da planta
e alçado da fachada principal das estufas,
para o qual apresenta duas propostas divergentes apenas na altura, filia-se num sóbrio
classicismo. Três vãos laterais emolduram
um arco central encimado por frontão
triangular em correspondência com a porta
de entrada, igualmente dotada de frontão
triangular, interrompido por um medalhão com “Busto [que] pode ser de Lineu =
querendo=”13.
Desconhece-se se este traçado veio a
ser executado. No entanto, a julgar pelo
Mapa do terreno que ocupa o Jardim
Botânico da Universidade de Coimbra
[6], elaborado em 1795 por Macomboa,
parece-nos que tal proposta veio a ter,
de forma parcial, seguimento. De facto, a
planta das estufas delineada no dito mapa
assemelha-se à proposta por si avançada
em 1791, indicando-se a parte já acabada
e a somente projectada. Este mapa dá-nos
ainda conta do andamento dos trabalhos,
representando já os lanços de escadas e
parapeitos do grande quadrado inferior que
haviam sido terminados em 1794. Neste ano
foram também concluídos os portões de
acesso ao quadrado central, encontrandose no do lado Este uma inscrição laudatória
a D. Maria com a data de 1791.
Em 1799 o bispo-conde D. Francisco de
44
for which he presented two proposals that
differed only as to height, are in a sober classical style. Three side bays frame a central
arch topped by a triangular pediment, leading to a doorway, also with triangular pediment, decorated with a medallion bearing a
“bust [that] could be Linnaeus”13.
We do not know if this design was ever executed. However, judging by the “Map of the
terrain occupied by the Botanical Garden
of University of Coimbra” [6] drawn in 1795
by Macomboa, it would seem that it was at
least partially followed. In fact, the outline
of the greenhouses in that map resembles
his own proposal put forward in 1791, indicating the part that was already completed
and that which was merely planned. This
groundplan also informs us of the progress
of the works and already shows the flights of
stairs and parapets of the large lower quadrangle that had been finished in 1794. In
that year, the doorways giving access to the
central quadrangle were also finished, with
an inscription in praise of D. Maria, dated
1791, on the eastern side.
In 1799, the bishop-count D. Francisco de
Lemos returned to direct the University,
remaining in the post until 1821. From the
moment he resumed functions, he committed himself to furthering the works on the
Botanical Garden, an effort which unfortunately was less fruitful than in his first
period in office, given the context, marked
by the French invasions and political convulsions on the national scale.
In 1801, he ordered the construction of the
stairs on the second level. The unsigned and
undated design in Chinese ink and watercolour on paper that is found in the General
Library of the University of Coimbra was
probably the project for the stairs linking
the second and third levels of the Garden,
drawn up at the end of the 18th century
and put into practice at the beginning of
the 19th. In fact, this plan was clearly followed since, on both the north and south
sides of the Garden, the staircases leading to
Lemos retoma a direcção da Universidade,
mantendo-se no cargo até 1821. Logo que
reassumiu funções empenhou-se em dar o
maior desenvolvimento às obras do Jardim
Botânico, esforço que, porém, não viria a ser
tão frutífero como no seu primeiro reitorado dado o contexto, marcado pelas invasões francesas e pelas convulsões políticas
nacionais, em que se desenrolou.
Em 1801 ordenou a construção das escadas do segundo plano. O desenho a tinta-da-china e aguada castanha e cinzenta
sobre papel, não datado nem assinado, que
se encontra na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, constitui, com probabilidade, o projecto, guisado no final do
século XVIII e posto em prática no começo
da centúria seguinte, para o levantamento
das escadas entre o segundo e terceiro
plano do Jardim. De facto, da sua observação resulta o reconhecimento que tal plano
veio a ter consecução, uma vez que, quer do
lado Norte, quer do lado Sul do Jardim, as
the third level follow the scheme proposed.
Moreover, of the two solutions put forward
for the endings of the walls, it is precisely
the decoration marked “not suitable” that
seems to have been used, if we look carefully at the present Garden.
In 1807, the purchase of part of the grounds
belonging to the Marian priests, negotiated 33 years before, finally went ahead. It
was also the year when Félix Avelar Brotero (who had been in charge of the scientific organization of the Garden since 1791
and was responsible for the teaching of
botany and agriculture) made his most
decisive pronouncement about the plan
to be followed in the Garden. The report
sent to the rector on 5th March 1807 is of
great importance, not only because in it
Avelar Brotero specifies the definition and
aims of this type of establishment, but also
because he indicates which parts of it were
essential and which secondary [7], accompanied by a survey of what had been com-
45
escadarias que dão acesso ao terceiro patamar obedecem ao esquema proposto. Por
outro lado, das duas soluções avançadas
para o remate dos muretes, é precisamente
o ornato indicado como aquele que “não
serve”, o que irá, segundo nos parece, ter
seguimento, tal como se conclui através de
um olhar atento sobre o Jardim actual.
Do ano de 1807, altura em que realizou
finalmente a compra da parte da cerca dos
Marianos, agendada há já 33 anos, data
o pronunciamento mais decisivo de Félix
Avelar Brotero, encarregado desde 1791
da organização científica do Jardim e da
regência da cadeira de botânica e agricultura, acerca do plano a seguir no Jardim. O
relatório enviado ao reitor, a 5 de Março de
1807, reveste-se da maior importância, quer
pelo facto de nele Avelar Brotero precisar a
definição e os objectivos deste tipo de estabelecimento, quer pela indicação das suas
partes essenciais e secundárias [7], acompanhada do levantamento do que estava feito
e do que havia de o ser. Dela se depreende,
concomitantemente, uma crítica velada às
anteriores restrições pombalinas, as quais,
embora na memória, seriam conveniente e
conscientemente esquecidas com o passar
dos anos e o avolumar de exemplos de similares jardins que outras universidades europeias vinham promovendo.
Da exposição deste naturalista, por muitos
46
pleted and what was still to do. It also offers
a veiled criticism of the previous Pombaline
restrictions, which, though still within living
memory, had been conveniently and consciously forgotten with the passage of the
years and the development of similar gardens in other European universities.
The arguments put forward by this naturalist (whom many called the “Portuguese Linnaeus”) are interesting as regards the Coimbra Garden. In relation to its essential parts,
Brotero highlighted: “ordered beds” (E),
confirming that “this is done with walls, balconies and iron gates”; “Parterre – groups
without any scientific order, contributing to
the decoration and conservation of many
species” (P), adding that this was “almost
finished on the upper level”; “hot and temperate house” (T), of which the temperate
house was ready; “Shelter” (A), “begun on
the eastern side of the temperate house;
“Site for seed beds” (S), “begun on the side of
the arches and only later planted with trees
that demand shelter”; “Avenues and copses”
(L), “1. on the land between the main street
and the wall along the public road; 2. on
the slopes of the hill next to the walls of
the Carmelite and Benedictine grounds;
3. on a portion of the terrain right next to
the northern gate entrance”; “Damp shady
place (the hill next to the grounds of the
Benedictine friars)” and finally, the “water
apelidado de “Linneo portuguez”, interessanos sobretudo sublinhar o que a respeito do
Jardim conimbricense se discriminava. Em
relação às suas partes essenciais, Brotero
destacava: “eschola methodica” (E), confirmando que “está feita com muros, varandas
e portas de ferro”; “Parterre – grupos sem
ordem scientifica, contribuindo para decoração e conservação de muitas especies”
(P), acrescentando estar “quasi estabelecido
no plano superior á eschola”; “Estufa quente
e temperada” (T), estando feita a temperada; “Abrigadouro” (A), “principiado ao
lado oriental da estufa temperada; “Logar
para sementeiras” (S), “começado do lado
dos arcos, sendo depois plantado com arvores que exigiam abrigo”; “Lamedas e bosquetes” (L), “1.º no terreno que fica entre a
rua principal e o muro ao longo da estrada
publica; 2.º nas encostas da collina contigua
aos muros das cercas dos Carmelitas e benedictinos; 3.º numa porção de terreno que
fica logo á entrada da porta septentrional”;
“Logar húmido e sombrio (a collina vizinha
á cerca dos frades bentos)” e, finalmente,
“depositos de agua”14. Quanto às partes
secundárias destacava a aula, o lugar de cultura de plantas medicinais (M), a decoração
(adequada à natureza do local e às possibilidades económicas) e as casas do professor,
do jardineiro e do guarda.
O minucioso exame que acabámos de
transcrever deixa transparecer não só o
pragmatismo do docente, mas também o
seu profundo conhecimento da realidade
do dito recinto. Contudo, os tempos que
se avizinhavam não viriam a permitir que
este relatório assumisse o carácter de programa a levar à prática. Com efeito, aproximavam-se as invasões francesas e, com
elas, todas as obras seriam interrompidas.
O último apontamento que temos do ano
de 1807, um plano do Jardim elaborado por
José do Couto [8], ficaria na gaveta e só seria
retomado após o fim da Guerra Peninsular. Entretanto, Avelar Brotero partiria para
Lisboa para aí dirigir o Jardim Botânico da
tanks”14. As regards the secondary parts, he
indicated the classroom; the place for the
cultivation of medicinal plants (M); decoration (suitable for the nature of the site and
economic possibilities) and the houses of
the professor, gardener and guard.
This careful examination reveals not only
the teacher’s pragmatism but also his profound knowledge of the site itself. However,
in the coming years, it would not be possible for this report to become a programme
to be put into practice. In fact, the French
invasions were at hand, and with them, all
building work was interrupted. The last
notes we have from the year 1807, a ground
plan of the Garden by José do Couto [8],
were shelved and would only be taken up
again at the end of the Peninsula War. In the
meantime, Avelar Brotero left for Lisbon to
run the Ajuda Botanical Gardens, retiring in
1811.
If there were any designs or plans dating
from the period of the French invasions,
they are not known. We do, however, have
the testimony of a contemporary witness
who allows us to imagine what the place
was like at that time. Laura Junot, duchess
of Abrantes and wife of the French ambassador in Portugal, declared in 1808 that “the
Botanical Garden of Coimbra was considerably better than the garden of the king
in Lisbon. Each plant had a plaque with its
classification number, like in the Paris ‘Plant
Garden’, which meant that the strange and
beautiful flora of Portugal could be properly studied”15.
While the botanical merits of the Garden
were recognised, architecturally it had still
to be completed. Work was resumed on it
from 1814 under the direction of António
José das Neves e Mello. Between 1814 and
1821, the land was levelled between the central and upper roads, and work went ahead
on the construction of the outer wall and
railings, with iron brought over from Stockholm for this purpose. In 1822, the gate on
the side of the seminary was built.
47
Ajuda, jubilando-se em 1811.
Do período das invasões francesas, se a
desenhos ou plantas não nos podemos
reportar, temos porém um testemunho
contemporâneo que nos possibilita imaginar o estado em que se encontrava este
espaço. Laura Junot, duquesa de Abrantes e
esposa do embaixador francês em Portugal,
declarava em 1808 que “el Jardín Botánico
de Coimbra era bastante superior al jardín
del rey en Lisboa. Cada planta tenía tablilla
com su nombre de clasificación, como en el
«Jardin des Plantes» de Paris, permitiendo
estudiar perfectamente la curiosa y bella
flora de Portugal”15.
Se do ponto de vista botânico se reconheciam méritos, a parte arquitectónica permanecia por apurar. A ela se dedicariam
os trabalhos, retomados a partir de 1814 e
cuja direcção se entregou a António José
das Neves e Mello. Entre 1814 e 1821 realizaram-se as terraplanagens entre a rua central e a superior e procedeu-se à construção
do muro e gradaria exterior, mandandose vir, para este efeito, ferro de Estocolmo.
Em 1822 foi construído o portão do lado do
48
José do Couto dos Santos Leal’s project for
the main gate of the Garden was approved
in 1818. This is a design in Chinese ink and
watercolour on paper [9], which is preserved in the Machado de Castro National
Museum. It presents two alternative proposals; the columns and pillars are on tall
bases and are topped by an entablature finished off with pronounced volutes, differing mostly as regards the coping. The one
on the right is completed with an allegorical
figure of Nature; the one on the left, which
was approved and executed, develops more
modestly, culminating upwards in two urns
and a pinnacle.
The project was certainly executed before
1839, the date of publication of the famous
watercolour of Saint Anne’s Fountain, lithographed by Louis Hague, which shows the
gateway already built, with only its iron gate
missing. This was placed later, since it has
the date of 1844 on its upper wing and the
name of the locksmith, Manuel Bernardes
Galinha, near the lock.
The gateway near St Sebastian’s aqueduct
was also built in the first decades of the 19th
seminário.
Data de 1818 a aprovação do projecto para
o portal principal do Jardim, da autoria de
José do Couto dos Santos Leal. Trata-se
de um desenho a tinta-da-china e aguada
sobre papel [9] que se conserva no Museu
Nacional de Machado de Castro. Apresenta
duas propostas alternativas – definidas por
um alto envasamento sobre o qual se conjugam colunas e pilastras encimadas por
um entablamento rematado por uma pronunciada voluta – que diferem sobretudo
ao nível do coroamento. A da direita é concluída por uma figura alegórica da Natureza; a da esquerda, aprovada e executada,
desenvolve-se de forma mais modesta, culminando, em ritmo ascendente, com duas
urnas e um pináculo.
O projecto foi certamente realizado ainda
antes de 1839, data da publicação da célebre água-tinta, representando a Fonte de
Sant’Ana, gravada por Louis Hague, na qual
se observa, em segundo plano, o portal já
levantado, faltando-lhe apenas a colocação da sua porta de ferro. Esta é posterior,
patenteando na bandeira a data de 1844 e
o nome do serralheiro responsável, Manuel
Bernardes Galinha, junto da fechadura.
O portal de entrada do lado do aqueduto
de S. Sebastião foi erguido também nas primeiras décadas do século XIX, pois aparece
já representado quer na água-tinta a que
já nos referimos, quer num desenho de D.
Maria José Pereira Forjaz de Sampaio, da
primeira metade do século XIX, representando a parte Norte do Jardim ainda sem as
estufas.
Em Outubro de 1854 foi aprovado o projecto geral da estufa, riscada pelo engenheiro francês Pedro José Pezerat, e um ano
depois já estavam concluídos os seus alicerces. Em Julho de 1857 celebrou-se com
o Instituto Industrial de Lisboa o contrato
para a execução da obra, tendo chegado a
Coimbra, em Outubro de 1859, a primeira
parte da estufa. Iniciados os trabalhos da
sua colocação e armação, por operários
century, since it appears both in the watercolour mentioned above and in a drawing by D. Maria José Pereira Forjaz de Sampaio from the first half of the 19th century,
showing the northern part of the Garden as
yet without the greenhouses.
In October 1854, the general plan for the
greenhouse, sketched by the French engineer Pedro José Pezerat, was approved, and
a year later, the foundations were already
laid. In July 1857, a contract was celebrated
with the Lisbon Industrial Institute for the
execution of the work, and the first part of
the greenhouse arrived in Coimbra in October of 1859. Work began on the structure,
using workers specially recruited in Lisbon
for the purpose, and in July 1860, most of
it was already in place. However, various
problems, particularly the lack of resources,
delayed the completion of the works. The
rest of the greenhouse was only ordered
two years later, from the Massarelos Foundry in Oporto, without any alterations to
the sketches and plans adopted.
In 1865, the greenhouse, consisting of three
sections with different temperatures and
conditions, was finished and the first exotic
plants started to arrive. Work then began
on two smaller greenhouses, “destined for
the propagation and culture of special specimens”16. The gardener Edmond Goëze from
Holstein, who had worked in the gardens of
Kew and Paris, was appointed to oversee
the cultures and greenhouses in 1866.
The years 1854 to 1867, under the curatorship of Henrique do Couto d’Almeida,
saw the construction of flights of stairs on
the southern side, most of the irrigation
tanks, the pilasters and railings of most of
the levels of the Garden. In 1868, the year
Antonino José Rodrigues Vidal took over
as curator, the first Index Seminum (a seed
catalogue that facilitated exchanges and
transfers with similar institutions) was
published. In this period, the grounds of
the now extinct Benedictine College were
definitively incorporated, putting an end to
49
contratados em Lisboa expressamente para
este fim, em Julho de 1860 estava já assente
grande parte. No entanto, dificuldades de
ordem diversa, sobretudo relativas a falta
de meios, atrasaram a finalização dos trabalhos. Só dois anos depois se encomendou o
resto da estufa, sem alteração dos riscos e
planos adoptados, à Fábrica de Fundição de
Massarelos no Porto.
Em 1865, a estufa, composta de três corpos
de temperatura e condições distintas, estava
concluída e começava a albergar as primeiras plantas exóticas. Procedeu-se seguidamente à construção de outras duas pequenas estufas, “destinadas á multiplicação e
a algumas culturas mais especiaes”16. Para
dirigir os trabalhos de cultura das estufas foi
contratado, em 1866, o jardineiro Edmond
Goëze, que era natural de Holstein e havia
trabalhado nos jardins de Kew e de Paris.
Entre 1854 e 1867, período que corresponde à direcção de Henrique do Couto
d’Almeida, foram construídos os lanços de
escadas do lado Sul, grande parte dos reservatórios de água para regas, as pilastras
e grades da maioria dos planos do Jardim.
Em 1868, ano em que Antonino José Rodrigues Vidal passa a chefiar os destinos do
estabelecimento, foi publicado o primeiro
Index Seminum, catálogo de sementes que
tornou possível a permuta com instituições congéneres. Nesta época procedeu-se
ainda à definitiva incorporação da cerca do
extinto Colégio dos beneditinos, pondo-se
fim a um processo que se vinha arrastando
desde 1836. A hoje denominada “mata”,
cujo acesso está vedado ao público, começou por esta altura a ser sistematicamente
plantada, sob a direcção do jardineiro
Gabriel Douverel, e a ser desbravada pela
abertura de várias ruas e atalhos delineados
por António Borges Medeiros.
Em 1873 era confiada a Júlio Augusto Henriques a direcção do Jardim Botânico de
Coimbra. Abria-se, a vários níveis, um novo
capítulo da história deste Jardim que, a
partir de então, afirmaria sem precedentes
a process that had dragged out since 1836.
The area of woodland and thicket known
today as the mata, which is not open to the
public, began to be systematically planted
at this time, under the direction of gardener
Gabriel Douverel, and was opened up with
a number of roads and paths designed by
António Borges Medeiros.
In 1873, Júlio Augusto Henriques took over
as curator of the Botanical Garden and a
new chapter opened in its history. The scientific status of the garden was now confirmed in an unprecedented way. Symbolically, the first step was to transfer the
botany lessons, till then given in the Natural History Museum, to the S. Bento building; the professor also announced his support for a teaching methodology that was
essentially practical in nature, something
he in fact fought for his whole life. With the
scanty resources available, he managed to
furnish the classroom, acquire materials to
use in his lessons and equip the botanical
laboratory that he created. He replaced academic dissertations with practical work in
microscopy, comparative morphology and
herborizations, encouraging the students to
compile little herbariums that would contribute to the Garden’s own collection.
Aware that “the effective teaching of botany
requires not only a garden where the most
important species can be studied, but also
collections of another order, amongst which
an important place is occupied by diverse
vegetal products”17, he set to work organizing the museum, using at first the examples that already existed in the Museum of
Natural History. His model was the Royal
Gardens at Kew, which he visited in 1878,
adapting it the Portuguese context and, of
course, limited resources available.
The museum, which was established in the
old Benedictine refectory, expanded, until
by the end of the century it had spilled over
into two additional rooms, a sign of the
increase in the size of the collection. The
cabinets were made of wood from differ-
51
o seu estatuto científico. Simbolicamente, o
primeiro passo dado pelo lente foi a transferência da aula de botânica, então leccionada no Museu de História Natural, para o
edifício de S. Bento, anunciando a defesa de
um ensino prático, pelo qual pugnaria toda
a sua vida. Dentro dos parcos rendimentos
de que dispunha, conseguiu mobilar a sala
de aula, adquirir material para usar nas suas
lições e para apetrechar o laboratório botânico que criou. Substituiu as dissertações
académicas por trabalhos de microscopia,
de morfologia comparada e por herborizações, incentivando os alunos a compilar
pequenos herbários que contribuíam para a
própria colecção do Jardim.
Por outro lado, ciente de que “o ensino proveitoso da botanica exige, além d’um jardim
onde se possam encontrar os elementos
fundamentaes do seu estudo, collecções
de outra ordem, entre as quaes occupa
de certo logar importante a que for constituida de diversos productos fornecidos
pelos vegetaes”17, empenhou-se em organizar o museu, aproveitando, numa primeira
fase, os exemplares existentes no Museu de
História Natural. Uma visita, em 1878, ao
acervo do Jardim Real de Kew, serviu-lhe
de modelo, o qual procurou depois adaptar à realidade portuguesa e, sobretudo, aos
escassos meios de que dispunha.
Estabelecido no antigo refeitório beneditino,
o museu expandiu-se até ao fim da centúria
por outras duas salas, sinal do aumento da
colecção que detinha. Os armários foram
feitos de madeiras provenientes de várias
colónias portuguesas, designadamente de S.
Tomé, Angola, Moçambique e Índia, constituindo “por si já parte do mesmo museu”18.
Na esteira de uma museologia hoje denominada «tradicional», pretendia-se reunir
no mesmo espaço, de acordo com o âmbito
do museu, “a maior copia de objectos”, não
obstante a preocupação em “dispor e ordenar esses objectos de modo que o todo
cause boa impressão ao visitante, porque
então o exame das partes será feito com
52
ent Portuguese colonies, such as S. Tomé,
Angola, Mozambique and India, and as such
“were themselves part of the museum”18.
Following a museological policy which today
would be called “traditional”, the aim was
to collect together in the same space “the
largest copy of objects”, despite the concern
with “organizing and ordering those objects
in such a way as to make a good impression
on the visitor, so that more attention will be
given to examining the parts”19.
In 1880, Júlio Henriques founded the Broterian Society to further the acquisition and
exchange of plants with different places
in the country, and its first bulletin was
published in 1883. The library, which was
located in the room before the herbarium, was enriched by an exchange scheme
established with numerous foreign journals and publications. The herbarium too,
laid out in the former sacristy of the College of S. Bento and co-directed by Joaquim
de Mariz, an assistant naturalist, was given
an important impulse, immediately evident
in the increase in the number of requests
from other gardens, teaching institutions
and private establishments, and in the need
expressed by the curator in 1887 to construct a gallery above the main group of cabinets in order to accommodate the growing
number of species; these had been donated,
obtained by exchange or through herborizations undertaken in Portugal and its colonies, or were purchased, as happened with
the famous herbarium collected by Heinrich Moritz Willkomm.
In the Botanical Garden itself, there were
reforms on the scientific, aesthetic and
material levels, within the constraints of
the limited budget. At a time when “scientific colonization” was widely supported,
Júlio Henriques, assisted by his head gardener, Adolfo Frederico Moller, encouraged attempts at different cultures and
sent seeds and plants (particularly cinchonas, which were considered to be “sources
of wealth” and “medically precious for many
maior interesse e attenção”19.
Em 1880, com vista à aquisição e troca de
plantas de diversos locais do país, Júlio Henriques fundou a Sociedade Broteriana, cujo
primeiro boletim foi publicado em 1883.
A permuta estabelecida com numerosas
revistas e publicações estrangeiras permitiu
enriquecer a biblioteca, situada na sala que
precedia o herbário. Este, disposto na antiga
sacristia do Colégio de S. Bento e co-dirigido
por Joaquim de Mariz, naturalista adjunto,
conheceu também um decisivo impulso,
desde logo patente no crescimento de solicitações por parte de outros jardins, instituições de ensino e particulares, bem como
na necessidade, expressa pelo director,
em 1887, de construir uma galeria sobre o
corpo principal de armários para acomodar
o número crescente de espécies oferecidas
ou obtidas quer por troca, quer através das
herborizações realizadas no país e nas colónias, quer ainda por compra, como sucedeu
com o famoso herbário coligido por Heinrich Moritz Willkomm.
No Jardim Botânico, as reformas estenderam-se, dentro de um orçamento limitado,
ao campo científico, estético e material.
Numa altura em que ecoava a defesa duma
“colonização científica”, Júlio Henriques,
auxiliado pelo jardineiro chefe, Adolfo Frederico Moller, promoveu o ensaio de várias
culturas e o envio, para a África ocidental, de sementes e plantas, sobretudo cinchonas, consideradas “fontes de riqueza” e
“medicamento precioso para muitas enfermidades”20, nomeadamente para a malária.
Crítico do seu tempo e, particularmente, do
modo como era conduzida a colonização,
não deixou de sublinhar e de fazer chegar
às instâncias superiores a crença de que
“não necessitamos (…) de grandes exércitos,
porque a nossa nacionalidade está garantida pelas condições geraes do equilibrio
europeo; mas temos necessidade de sciencia, que anime as nossas industrias, que
vivifique as nossas colónias, que nos torne
emfim respeitados.”21
infirmities”20, such as malaria) to western
Africa. Critical of his times and particularly
of the way colonization was conducted, he
made sure his superiors knew his belief that
“we don’t need (…) large armies, because
our nationality is guaranteed by the general
conditions of European equilibrium; we do,
however, need science, which animates our
industries, enlivens our colonies and ultimately wins us respect.”21
The central quadrangle, where the plants
had long been arranged in the Linnaean
order in concentric beds with the tank,
was reconfigured to create a “geographical garden”, where the species were placed
in such a way as to represent the different
botanical regions of the earth. Thus, in 1891,
the species that had occupied this space
were replanted in other parts of the Garden,
in accordance with the curator’s guidelines.
The trays immediately above this level were
also modified, receiving ornamental plants
that would therefore frame the roads and
avenues. On the remaining terraces and on
the terrain near the “Avenue of Lindens”,
they were distributed according to natural
families.
As well as sporadic improvements to the
plumbing and greenhouse heating system,
and the repainting of the railings and large
greenhouse, there were also some more
significant changes. Two new greenhouses
were built: one of them, whose iron roof
was finished in 1887, replaced the two older
ones used for orchids and reproduction;
the other, raised in the area of the College
grounds, was destined for the cultivation of
ferns and other plants that required a damp
environment. The enclosure of the inner
zones (such as in the area near the small
greenhouse and on the "Avenue of Lindens")
with stone pillars and iron railings was also
completed, in 1888 and 1891 respectively.
One of the most visible legacies of Júlio
Henriques’ curatorship is the statue of
Félix Avelar Brotero in front of the main
gate to the Garden. This homage had first
53
O quadrado central, onde as plantas haviam
permanecido muito tempo dispostas pela
ordem linneana em canteiros concêntricos
com o tanque, foi reconfigurado, com vista
a constituir um “jardim geográfico”, onde
as espécies fossem colocadas de forma a
representar as diversas regiões botânicas
da Terra. Nesse sentido, em 1891, replantaram-se em outras partes do Jardim as
que ocupavam este espaço, dando início à
concretização das orientações do director.
Os tabuleiros imediatamente superiores a
este patamar foram também modificados,
recebendo plantas ornamentais que, assim,
enquadravam as ruas e alamedas. Nos restantes terraços e no terreno contíguo à
«avenida das Tílias», imperava a sua distribuição por famílias naturais.
A par de melhoramentos pontuais ao nível
da canalização das águas, do aquecimento
das estufas, da repintura da gradaria do
Jardim e da estufa grande, destacam-se
algumas obras significativas. Construíramse duas estufas: uma, concluída em 1887
com a colocação da sua cobertura em ferro,
veio substituir as duas antigas de orquídeas
e de reprodução; outra, erguida na zona
da cerca, foi destinada à cultura de fetos e
outras plantas que exigissem humidade.
Além disso, completou-se a cercadura,
formada pelo gradeamento de ferro e por
pilares de pedra, nas zonas interiores em
falta, nomeadamente na área junto da
estufa pequena, em 1888, e na «avenida das
Tílias», finalizada em 1891.
Uma das heranças mais visíveis da direcção
de Júlio Henriques é a estátua de Félix Avelar
Brotero, erguida em frente do portão principal do Jardim. A proposta desta homenagem remontava a 1876; porém, só a partir
de 1880 se iniciaram as diligências, nomeando-se uma comissão e abrindo-se uma
subscrição com vista a angariar fundos para
a sua efectivação. Definido o material (mármore) e assente que o distinto professor
deveria ser representado com os hábitos
académicos, encarregou-se o escultor Antó-
54
been proposed in 1876; however, nothing was done about it until 1880, when a
committee was appointed and a fund set
up to attract donations. Once it had been
decided that the material would be marble
and that the distinguished professor would
be represented in his academic gown, the
sculptor António Soares dos Reis was commissioned to execute the statue and the
architect Tomás Augusto Soller the pedestal. The whole thing was placed in position
and inaugurated on 1st April 1887.
In 1918, Júlio Henriques retired. He had
made a profound mark on the Garden
during his four decades as curator, and this
was acknowledged. The avenue running
parallel to the main entrance of the Garden
was named after him in that same year,
and in April 1925, following a proposal presented to the Government by the Faculty of
Sciences, a decree was issued determining
that the Coimbra Botanical Garden and its
annexes (herbariums, museum, library and
laboratories) would thereafter be named
the Dr. Júlio Henriques Botanical Institute.
In 1918, the management of the Garden
passed into the hands of Luiz Wittnich Carrisso, who undertook the complex task of
renovation. He regenerated the teaching
staff, the Broterian Society, the library, herbarium and garden, and was also concerned
with the premises of the former Benedictine building, part of which had been given
over to the José Falcão High School, obliging some of the annexes to be relocated and
the limited space to be managed imaginatively.
As regards the garden, Luiz Carrisso was
adept at reconciling the demands of science with landscaping precepts. With the
new curator, more attention was now given
to the visitor, a sign that the space was no
longer conceived as a place for “boys’ study”,
but for the education and enjoyment of
an increasingly broader public. As well as
extending the area that was open to visitors, this period also saw the cultivation of
nio Soares dos Reis de executar a estátua e
o arquitecto Tomás Augusto Soller de delinear o pedestal. O conjunto foi colocado no
devido lugar e inaugurado no dia 1 de Abril
de 1887.
Em 1918, Júlio Henriques jubila-se. A profunda marca deixada no estabelecimento
que dirigiu durante mais de quatro décadas
ser-lhe-ia reconhecida. A alameda paralela
à entrada principal do Jardim receberia o
seu nome nesse mesmo ano e, em Abril de
1925, por proposta apresentada pela Faculdade de Ciências ao Governo, é publicado
um decreto determinando que o Jardim
Botânico de Coimbra e seus anexos – herbários, museu, biblioteca e laboratórios –
passassem a denominar-se Instituto Botânico Dr. Júlio Henriques.
A gerência do Jardim passaria, em 1918, para
as mãos de Luiz Wittnich Carrisso. Cabia-lhe
uma profunda tarefa de renovação. Impunha-se a regeneração do corpo docente, da
Sociedade Broteriana, da biblioteca, do herbário e do Jardim. A estas somava-se a preocupação com as instalações no antigo edifício beneditino, dado que parte deste fora
entregue ao Liceu José Falcão, forçando a
reinstalação de dependências e a gestão da
falta de espaço com imaginação.
No que concerne ao Jardim, Luiz Carrisso
soube conciliar a exigência científica com os
preceitos paisagísticos. A atenção concedida
ao visitante, em progressão ao longo da
história do horto botânico, deu com o novo
director mais um passo, sinal da própria
evolução da concepção deste espaço,
agora não apenas pensado para «estudo de
rapazes», mas também para a educação e
a usufruição de um público cada vez mais
vasto. Além de se aumentar a área visitável,
procedeu-se, nesta altura, ao cultivo de
numerosas plantas ornamentais; criaram-se
viveiros; procurou-se que as várias Escolas
estivessem completas e devidamente
classificadas; ajardinou-se parte da mata
e numa das suas encostas estabeleceuse, em novos moldes, a Escola das
numerous ornamental plants; the creation
of nurseries; the completion and proper
classification of the various sections; and
the landscaping of part of the mata, with
the establishment of a new-format monocotyledon bed on one of its slopes. The
greenhouses were also radically improved
[10], particularly as regards structure, heating and flora cultivated, and the famous
Victoria amazonica was introduced into
the small greenhouse.
However, it was in the area of “scientific colonization” that Luiz Carrisso made the biggest mark, continuing and extending the
work begun by his master. Under his guidance, the Institute’s activities were largely
oriented towards the botanical exploitation
of the colonies, justified as a tool of socioeconomic progress and political legitimation,
but in practice exceeding all these purposes.
In fact, the three expeditions to Angola (the
botanical mission of 1927, the academic
mission of 1929 and the botanical mission
of 1937) resulted not only in the collection
of species that can still be seen today in the
museum, herbarium and garden, and in the
study and divulgation of Angolan plant life,
but also in the production of audiovisual,
written and photographic documents that
are invaluable not only to botany, but also
to anthropology, history and sociology.
Luiz Carrisso lost his life in the Mocamedes
desert on 14th June 1937. His premature
death left a vacuum in the running of the
Botanical Garden, for the Faculty of Science
regulations stipulated that the post had
to be filled by a full professor. Abílio Fernandes, a discipline of Carrisso and at that
time assistant lecturer, performed the functions indirectly, while management was formally attributed to Rui Couceiro da Costa
(chemistry) and José Custódio Morais (mineralogy and geology). Abílio Fernandes only
took over as curator of the Garden in 1942,
after being appointed to the chair of botany;
he occupied the post until 1974.
Thus we move into what has been really the
55
Monocotiledóneas. As estufas receberam
também profundos melhoramentos [10],
nomeadamente ao nível da estrutura, do
aquecimento e da flora cultivada, tendose introduzido na estufa pequena a famosa
Victoria amazonica.
Contudo, foi no âmbito da «colonização
científica» que Luiz Carrisso deixou o cunho
mais forte da sua acção e personalidade,
prolongando e ampliando o testemunho
do seu mestre. Grande parte da actividade
do Instituto foi, sob a sua orientação,
direccionada para a exploração botânica das
colónias, justificada como instrumento de
progresso socio-económico e legitimação
política, e posta em prática extravasando
todos estes os propósitos. Com efeito, as três
expedições organizadas rumo a Angola –
missão botânica de 1927, missão académica
de 1929 e missão botânica de 1937 – não se
saldaram apenas pela recolha de espécies
56
last phase of the construction of the Garden
that we know today. This was a period of
great change as regards town planning
and architecture under the Estado Novo.
From the beginning of the 1940s, plans
were drawn up for the high part of Coimbra, involving the transformation of existing spaces and construction of new buildings from scratch; no mention was made of
the Botanical Garden in the general plan for
the university campus, and despite the fact
that it formally exceeded the remit of the
Administrative Committee for the Works
Planning of Coimbra University Campus
(CAPOCUC), the possibility of improving it
was broached early on.
The first studies in this regard were undertaken in the academic year of 1943-44 and
quickly won the support of the Botanical Institute, which invested in CAPOCUC
its hopes of finally obtaining the financial
hoje passíveis de serem observadas no
museu, herbário e Jardim, ou pelo estudo
e divulgação da fitodiversidade angolana.
Delas resultaram, também, documentos
audiovisuais, escritos e fotográficos de
enorme valor, não apenas ao nível da
botânica, mas também da antropologia, da
história e da sociologia.
Em pleno deserto de Moçâmedes, Luiz Carrisso perde a vida a 14 de Junho de 1937. A
sua morte prematura deixava um vazio na
direcção do Jardim Botânico. Este cargo, de
acordo com o regulamento da Faculdade de
Ciências, tinha de ser desempenhado por
um professor catedrático. Abílio Fernandes, discípulo de Carrisso e então docente
auxiliar, desempenharia tal função indirectamente, sendo formalmente a gerência atribuída a Rui Couceiro da Costa (química) e José Custódio Morais (mineralogia
e geologia). Seria apenas em 1942 que, realizadas as provas e nomeado catedrático do
grupo de botânica, Abílio Fernandes encabeçaria a direcção do Jardim, a qual ocuparia até 1974.
Entramos, assim, naquele que foi, verdadeiramente, o último período construtivo do
Jardim que hoje conhecemos. Esta etapa
inscreve-se na profunda intervenção urbanística e arquitectónica levada a cabo pelo
Estado Novo a partir do início da década de
quarenta na Alta de Coimbra, a qual contemplou, a par de edificações de raiz, transformações nos espaços existentes. Embora
não constando do plano geral da cidade
universitária e formalmente ultrapassar as
atribuições da Comissão Administrativa do
Plano de Obras da Cidade Universitária de
Coimbra (CAPOCUC), a possibilidade de
efectuar melhoramentos no Jardim Botânico irrompeu desde cedo.
Os primeiros estudos arrancaram no ano
lectivo de 1943-44 e depressa granjearam
o apoio do Instituto Botânico que depositou na CAPOCUC as esperanças de vir a
obter, finalmente, os meios financeiros para
empreender as reformas de que o Jardim e
means to implement the reforms that were
so needed in the garden and facilities of the
former St Bento College. Abílio Fernandes’
negotiating skills and above all, the relationship of trust which he seemed to have
established with the director-delegate of
the Committee, the engineer Manuel de Sá
e Mello, smoothed the way for his requests
and suggestions.
The “works of refurbishment and embellishment”, as they were defined by the CAPOCUC, were carried out mostly between
1944 and 195022. They began with the
installation of central heating in the tropical
plant greenhouses, the arborization of the
mata and the opening up of roadways. Also
in 1944, Cottinelli Telmo, head architect of
the Committee between 1941 and 1948,
designed stone benches for the Garden and
planned how they would be positioned.
Six backless double benches were arranged
around the statue of Brotero and twenty
eight simple ones were distributed around
the rest of the garden. An order was also
made for fifty wooden benches and, in
1951, a further twelve stone ones, identical
to those already in existence, were ordered.
The year 1945 was dominated by the launch
of two important projects: the remodelling
of the central quadrangle and the construction of the cold greenhouse. The former,
designed by Cottinelli Telmo and Armand
Van Bellinghen, gardener of the Lisbon
City Council hired in 1944, was justified by
the fact that, according to the authors, the
garden “has a beautiful geometric shape,
but it is flat, without relief (…) and being
largely decorated with seasonal flowers,
cannot permanently retain a desirable decorative appearance, which also brings problems and costs for conservation”.
The solution proposed [11] consisted
firstly in “surrounding all beds with boxwood hedges, descending in height from
the centre”; these, being easy to look after,
would give “the garden a dignity appropriate to its grandeur and broad vistas”. With
57
as instalações no antigo Colégio de S. Bento
careciam. A capacidade de negociação de
Abílio Fernandes com os técnicos responsáveis e, sobretudo, a confiança que parece
ter estabelecido com Manuel de Sá e Mello,
engenheiro director-delegado da Comissão,
facilitaram o acolhimento dos seus pedidos
e sugestões.
“Obras de arranjo e aformoseamento”,
como as definiu a CAPOCUC, centraramse, essencialmente, no que diz respeito ao
Jardim, entre 1944 e 195022. Principiaram
com a instalação de aquecimento central
nas estufas de plantas tropicais, a arborização da mata e a abertura de arruamentos. Ainda no ano de 1944, Cottinelli Telmo,
arquitecto-chefe da Comissão entre 1941 e
1948, se deteve a desenhar bancos de pedra
para o Jardim e a planear o seu posicionamento. Foram dispostos seis duplos sem
costas ao redor da estátua de Brotero e
vinte e oito simples pelo restante Jardim. A
este número se juntou uma encomenda de
cinquenta bancos com réguas de madeira
e, em 1951, o fornecimento de mais doze
bancos de pedra iguais aos existentes.
O ano de 1945 surge dominado pelo arranque de duas obras fundamentais: a remodelação do quadrado central e a construção da estufa fria. A primeira, idealizada por
Cottinelli Telmo e por Armand Van Bellinghen, jardineiro da Câmara Municipal de
Lisboa contratado em 1944, justificavase, no entender dos autores, “porque é um
jardim com um belo traçado geométrico,
sim, mas que se apresenta chato, sem relevo
(…) e porque sendo na sua maior parte
guarnecido por flores de estação não pode
manter permanentemente aquele aspecto
decorativo que seria desejar, acarretando a
sua conservação, ao mesmo tempo, dificuldades e despesas”.
A solução proposta [11] consistia em, primeiramente, “rodear todos os canteiros
com sebes de buxo, de altura decrescente
a partir do centro”, que, sendo de fácil conservação, dariam “ao jardim uma dignidade
58
this layout, “an observer standing near the
lake would, without losing his overview of
the whole, find himself in a more intimate
first zone, limited by higher hedges and
boxwood pyramids instead of a flat open
space, decorated with flowering shrubs and
bushes in accordance with the flavour of
the occasion and fantasy of gardeners – and
when standing at the edge, he would have
a view of the amphitheatre of hedges that
would soften the negative effects of the
digging undertaken to replace the species”.
Secondly, they would create “large areas of
lawn and bright flowers”. Thirdly, they would
place “a statue, with its respective pedestal,
in the lake in the centre”. Finally, they would
lower the height of the border around the
beds and create “a curtain of climbing roses”
to “give interest to the periphery”23.
The project, which was approved by the
director of the Botanical Institute in the
same year, was only completely implemented in April 1949 with the construction
of the monumental fountain, in Outil stone,
on the existing tank. The fountain [12] was,
we believe, designed by the architect Álvaro
da Fonseca, since he had been commissioned for the task and the sketch seems to
show his monogram (the letters A, V and F
entwined) in the bottom right hand corner.
The cold greenhouse was planned by Cottinelli Telmo in the shape of a trapezium,
with a series of pillars and beams in reinforced concrete forming “the skeleton of
a box, with the walls and roof covered in
wooden latticework through which the air
could circulate and the sunlight filter in”. To
implement it “in accordance with the Curator’s wishes”, they chose “an almost treeless area of thicket near the support wall
of the Botanical Garden opposite the main
entrance, in the wall that serves the back of
the Greenhouse”. As regards the aesthetic
appearance of the exterior, the architect
favoured a “picturesque” approach in tune
with the place, reflected particularly in the
materials used. As well as the wood that
em relação com a sua grandeza e com o seu
rasgado traçado”. Com esta disposição, “o
observador colocado junto do lago encontrar-se-ia, sem perder o abrangimento visual
do conjunto, numa primeira zona mais
íntima, limitada pelas sebes mais altas e respectivas pirâmides talhadas no buxo, em
vez de ter diante de si um campo raso, guarnecido de maciços de flores e arbustos ao
sabor da ocasião e da fantasia dos jardineiros – e, quando colocado na periferia – teria
a visão do anfiteatro de sebes que atenuaria o mau efeito das cavas para substituição
de espécies”. Em segundo lugar, criar-se-iam
“grandes zonas de relva e flores vivazes”. Em
terceiro lugar, colocar-se-ia “uma estátua –
lined the “box”, they also added “irregular
slabs of stone, with roughly hewn surfaces”
used for the sills, steps and walls24.
The contracts were awarded in 1945 and
must have been near conclusion by the end
of the following year since, in June 1946, an
invitation to tender was issued for a complementary construction, namely the bridge
connecting the garden with the mata. The
project, which was also signed by Cottinelli,
involved rebuilding in a new style the old
bridge that connected the western side of
the central quadrangle to the arboretum,
while also improving the spot by “‘disciplining’ what is presently no more than a plot of
land with haphazard relief and a few foot-
e respectivo pedestal – no lago do centro”.
Finalmente, reduzir-se-ia a altura excessiva
do lancil que contorna os canteiros e “uma
cortina de roseiras trepadeiras contribuiria
para dar interesse à parte periférica”23.
Aprovado no mesmo ano pelo director do
Instituto Botânico, o projecto só seria totalmente concretizado em Abril de 1949, com
a colocação da fonte monumental, em
pedra de Outil, sobre o tanque já existente.
O desenho da fonte [12] foi, julgamos, elaborado por Álvaro da Fonseca, pois sabe-se
que este arquitecto fora encarregado de a
riscar e o próprio debuxo parece apresentar o seu monograma (entrelaçamento das
letras A, V e F) no canto inferior direito.
A estufa fria foi projectada por Cottinelli
Telmo como um trapézio composto por
uma série de pilares e vigas de betão armado
que constituíam “o esqueleto de uma caixa
cujas paredes e cobertura são fechados por
ripado de madeira por onde circula o ar e a
luz do sol entra coada pelos intervalos entre
as ripas”. Para a sua implantação, escolheuse, “de acordo com o Exmo. Director”, “uma
zona de terreno da mata, quase sem árvores,
junto do muro de suporte do Jardim Botâ-
60
paths”.
“So that the work planned is not simply
utilitarian but also takes account of aesthetics, without losing sight of the economic aspect”, the architect decided to
embellish the reinforced concrete structure with ashlar masonry, trying to make
the new construction tone in with the gateway into the Garden. He also used rough
coursed masonry in the coping of the walls
and balustrades of the staircase and steps.
The whole thing was finished in September
1948 with the fitting of the bridge railings25.
In 1949, the finishing touches were put on
six brick turrets with reinforced concrete
roofs and wooden doors designed for provide shelter for the guards of the mata, and
also on the head gardener’s house, which
had been altered to reflect the model of
the “Portuguese house” using a collage of
formal and decorative elements characteristic of traditionalist eclecticism. In addition, other smaller buildings were scattered
around the garden and wood: public toilets,
staff outhouses, tanks for fertilizer, toolhouses, greenhouses and cold frames.
As regards decoration, CAPOCUC applied
the same policy here as in the much larger
buildings constructed on the University
hill. Sculpture was used to dignify the space
and indoctrinate visitors, both as a tribute
to notable figures and as allegory of knowledge. The first statue to be planned for the
garden was of Júlio Henriques. The contract
for its execution was celebrated in August
1944 with Salvador Barata Feyo, although
it was only actually installed in 1950, opposite the eastern façade of the old Benedictine college.
In July 1946, the sculptor Joaquim Martins Correia was contracted to make an
allegorical statue to botany in plaster. This
was finished in 1948 but was only transferred into stone in 1949, the year when
discussions were held as to where to put it,
eventually opting for the cold greenhouse.
Finally, between April and September 1948,
nico que se opõe à entrada principal deste,
muro que serve de fundo à Estufa”. Relativamente à linguagem estética do exterior,
o arquitecto procurou favorecer, em consonância com o local, “o aspecto pitoresco”,
traduzindo-o sobretudo ao nível dos materiais. À madeira que forrava a “caixa”, acresciam as “lajes irregulares, de superfícies desbastadas grosseiramente” empregues nas
soleiras, degraus, muretes e muros24.
Adjudicados os trabalhos em 1945, deveriam estar perto da conclusão no fim do
ano seguinte pois, em Junho de 1946, era
aberto o concurso para uma construção
complementar a esta: a ponte de ligação
do Jardim com a mata. O projecto, assinado
igualmente por Cottinelli, visava reconstituir, em novos moldes, a antiga ponte que
ligava o lado oeste do quadrado central
ao arboreto, melhorando-se, simultaneamente, este local, “«disciplinando» aquilo
que actualmente não é senão um terreno
com uma orografia de acaso e com caminhos de pé posto”.
“Para que a obra projectada se não resumisse à sua função utilitária mas «juntasse»
a utilidade à estética, sem perder de vista
o aspecto económico”, o autor optou por
enobrecer a estrutura de betão armado com
a utilização de cantaria aparelhada, procurando assim que a nova construção não
destoasse da própria moldura do portal do
Jardim, e com o emprego de pedra de aparelho grosseiro no capeamento dos muretes,
guardas de escada e degraus. O conjunto foi
terminado em Setembro de 1948 com a instalação do gradeamento da ponte25.
Em 1949 foram finalizadas a edificação
de seis guaritas em tijolo com cobertura
de betão armado e porta de madeira para
abrigo dos guardas da mata, bem como a
reforma da casa do chefe dos jardineiros,
onde se afirmou o modelo da «casa portuguesa» através de uma «colagem» de elementos formais e decorativos característicos do eclectismo tradicionalista. Além
destas, outras construções de menor enver-
the sculptor José Pereira dos Santos made
a bronze medallion with a portrait of Luiz
Carrisso to crown the corner opposite the
D. Maria gateway, which had a small tank
where we can still see today a number of
designed pieces, though unsigned and
undated.
Other miscellaneous improvements completed the general effect that was desired
for the Botanical Garden and got rid of the
blemishes left by time “so that the whole
thing would be more harmonious”26. The
stone steps of the main staircase of the
garden were replaced, and the railings,
gates and masonry of the steps of the central quadrangle were restored; a wall was
built alongside the Arch of Betrayal; name
plates were attributed to plants in the different areas, and consideration was given to
the suggestion of installing grandiose lighting in the mata.
As regards the flora, as well as replacing and
fertilizing the earth in the flowerbeds, new
species were introduced which till then had
not existed in the collections. While it is not
surprising that examples should have come
from the colonies and Brazil, it is interesting
to note the naturalness with which CAPOCUC also managed to establish contacts
with horticulturalists and botanical gardens
throughout Europe, with a view to acquiring plants for Coimbra, at a time when the
old continent was embroiled in the Second
World War.
The irrigation system in the Botanical
Garden was one of the aspects that most
motivated Abílio Fernandes to continue
his appeal for state support. By 1944, it had
been generally acknowledged that the existing plumbing was inadequate and in a poor
state of repair, and some improvements
were made to the water system. However,
the situation continued to worsen, as the
curator of the Garden informed the president of CAPOCUC on 20th June 1945,
owing to the expansion of the planted
area, frequent drought and, particularly,
61
gadura pontuaram o Jardim e a mata: instalações sanitárias, dependências para o pessoal, depósitos para adubos e arrecadação
de ferramentas, estufas e estufins.
Ao nível do programa decorativo, a CAPOCUC não deixou de aplicar aqui a mesma
política que seguira nos grandes volumes
erguidos na Alta universitária. À escultura reservou-se o papel de enobrecer o
espaço e «doutrinar» os seus utilizadores,
ora enquanto tributo a «figuras notáveis»,
ora enquanto alegoria do saber. A primeira
estátua pensada para o Jardim foi a de Júlio
Henriques. O contrato para a sua execução
foi celebrado em Agosto de 1944 com Salvador Barata Feyo; porém, só em 1950 seria
assente em frente à fachada Este do antigo
Colégio beneditino.
Em Julho de 1946, ajustou-se, com o escultor Joaquim Martins Correia, a execução em
gesso de uma estátua alegórica à botânica
que, concluída em 1948, só seria passada à
pedra em 1949, altura em que se procedeu
enfim ao estudo do sítio da sua colocação,
optando-se por remetê-la para a estufa fria.
Por último, entre Abril e Setembro de 1948,
o escultor José Pereira dos Santos executou
um medalhão em bronze com o retrato de
Luiz Carrisso, destinado a coroar o recanto
em frente do portal de D. Maria, dotado
de um pequeno tanque, de que subsistem
peças desenhadas, embora não assinadas
nem datadas.
Outros melhoramentos pontuais completaram o efeito geral que se pretendida conferir ao Jardim Botânico, apagando as «mazelas» que o tempo lhe havia impresso “para
o conjunto ficar mais harmonioso”26. Substituíram-se os degraus em pedra da escadaria principal do Jardim, restaurou-se a gradaria, os portões e as cantarias das escadas
do quadrado central, edificou-se o muro
do lado do Arco da Traição, distribuíram-se
placas identificativas de plantas por diversas zonas e chegou ainda a ponderar-se uma
iluminação grandiosa da mata.
No que diz respeito à flora, para além da
62
the obstruction of the underground water
channels, which reduced the Garden’s water
resources to the increasingly restricted
Municipal supply.
Despite odd improvements, in 1949 the situation became unsustainable as a result of
the threat to cut off the water supply by the
municipal services. Abílio Fernandes managed to resist a definitive cut, but the continuation of the drought in 1950 ultimately
led him to make a new appeal to the president of CAPOCUC, urging the construction of a tank near the statue of Avelar
Brotero, under the avenue running parallel to Avenue Júlio Henriques. The site was
considered the most suitable for four reasons: it was the entry point for the waters
from the underground springs; its relative
height meant that it could supply most of
the Garden; it would be simple to connect
the tank to the pipes, and it could be supplied by autotanks, if there were a shortage
of water from the springs.
In February of the same year, the project
was approved. However, the invitation to
tender was only issued in September 1960.
The tank was to be buried, as planned,
between the statue of the former scholar
and the main gate. This “concealment”, justified for “technical reasons”, also overcame
“an architectural problem that was difficult to solve”, as described in the specifications27.
The part of the former College of St Bento
that housed the Botanical Institute also
received attention from CAPOCUC. After
considering various possibilities, it was
decided to reserve it for the Institutes
of Botany and Anthropology. The work
needed to adapt the space and divide it
between the two institutions progressed
slowly with frequent interruptions, and was
only properly finished in the 1970s.
As regards the Botanical Institute, there was
an exchange of correspondence in 1944 and
1945 between Manuel de Sá e Mello and the
Consul of Great Britain in order to obtain
substituição e respectiva adubação da terra
dos canteiros, introduziram-se novas espécies até aí inexistentes nas colecções. Se o
plantio de exemplares das várias colónias ou
do Brasil não nos causa surpresa, é, porém,
interessante constatar a naturalidade com
que a CAPOCUC estabeleceu contactos
com horticultores e vários jardins botânicos
europeus com vista à aquisição de plantas
para Coimbra, numa altura em que o velho
continente se encontrava a braços com a
Segunda Guerra Mundial.
O sistema de rega do Jardim Botânico constituiu um dos aspectos que mais motivou
Abílio Fernandes a continuamente apelar
à intervenção estatal. Já em 1944, o reconhecimento da insuficiência e deterioração
da canalização existente incentivara alguns
progressos na rede de distribuição de água.
Contudo, como relatava o director do
Jardim ao presidente da CAPOCUC em 20
de Junho de 1945, a situação não deixou de
se agravar, em consequência do aumento da
área plantada, da ocorrência de frequentes
períodos de seca e, sobretudo, da obstrução
das minas de água em vários pontos, o que
reduzia os recursos hídricos do Jardim ao
abastecimento facultado, cada vez de forma
mais restrita, pela Câmara Municipal.
Apesar das melhorias pontuais, em 1949 a
situação tornou-se insustentável em virtude da ameaça de suspensão da rega por
parte dos Serviços Municipalizados. Abílio
Fernandes conseguiu suster o corte definitivo, mas a prevalência da estiagem no
ano de 1950 acabaria por conduzir o director a fazer uma nova exposição ao presidente da CAPOCUC, sugerindo a construção urgente de um depósito junto à estátua
de Avelar Brotero, debaixo da alameda que
corre paralela à Avenida Júlio Henriques. O
local era apontado como o mais indicado
por quatro motivos: era o ponto de entrada
das águas das minas; poderia, pela sua elevação, abastecer a maior parte do Jardim; a
ligação do depósito à canalização seria simples e aquele poderia ser abastecido por
information about the facilities and organization of the Kew Botanical Institute “to
be taken into consideration at the Coimbra
Botanical Institute”. Communication problems resulting from the war that was still
in progress meant that contacts between
CAPOCUC and London had to be made via
the Portuguese consul in London. Through
this intermediary, the curator of the Royal
Botanic Gardens at Kew responded to
Abílio Fernandes’ questions and requests
about the facilities in the Garden, its greenhouses, and the structure and disinfecting
of its herbariums28. It is not unreasonable
to suppose, then, that the refurbishment
of the Coimbra Botanical garden was once
again subject to English influence, on the
scientific level.
As well as a large lecture hall and offices for
lecturers and researchers, two big laboratories were created for the general courses and
two smaller ones for the special courses. The
library, museum and herbariums were given
better premises. Inside the building, CAPOCUC tried to recreate an old atmosphere,
ordering for the purpose some reproductions of 17th century tiles showing flowers
and birds, similar to those in the Machado
de Castro National Museum, which were
used to line the corridors, lobbies, hall and
stairs of the Institute.
However, it was in the area adjacent to the
Benedictine complex and the St Sebastian aqueduct that the monumentalism of
the Estado Novo was most felt. Although
inside the Botanical Gardens the neoclassical gigantism of the new buildings was
restrained, using instead of the traditionalist Portuguese suave (“smooth Portuguese”)
style, the exterior clearly reveals the taste
for grandeur, with the glorification of the
monument’s individuality and the “purging” of all animate or inanimate “excrescences” that could reduce it.
In September 1958, the minister for Public
Works, Eduardo de Arantes e Oliveira,
declared the urgent need to expropriate
63
auto-tanques, no caso de a água das minas
se tornar insuficiente.
Em Fevereiro desse mesmo ano era aprovada a organização do respectivo projecto
para ser cumprido. Todavia, só em Setembro de 1960 se abriu o concurso para a sua
arrematação. Ficaria enterrado, como previsto, entre a estátua do antigo lente e o
portal principal. Esta “ocultação”, justificada por “razões técnicas”, deixou também,
como se lê na memória descritiva, “de criar
um problema de ordem arquitectónica de
ingrata solução”27.
O antigo Colégio de S. Bento, em parte do
qual se encontrava já o Instituto Botânico,
recebeu igualmente a atenção da CAPOCUC que, depois da ponderação de várias
hipóteses, acabou por o reservar para os Institutos de Botânica e Antropologia. As obras
de adaptação e de repartição do espaço por
ambos os estabelecimentos foram lentas
e por inúmeras vezes interrompidas, atingindo o seu termo já na década de sessenta.
No que concerne ao Instituto de Botânica, a
documentação consultada revela a troca de
correspondência, nos anos de 1944 e 1945,
entre Manuel de Sá e Mello e o Cônsul da
Grã-Bretanha, com vista a obter referências
acerca das instalações e organização do Instituto Botânico de Kew “para serem tomadas em consideração no Instituto Botânico
de Coimbra”. As dificuldades de comunicação, oriundas do confronto bélico em
decurso, acabaram por determinar que os
contactos entre a CAPOCUC e Londres
se fizessem através do Cônsul de Portugal
nessa cidade. Por intermédio deste, o director do Royal Botanic Gardens de Kew atendeu às solicitações de Abílio Fernandes,
interessado em receber informações sobre
as instalações daquele Jardim, das suas estufas e da estruturação dos seus herbários e
respectiva desinfecção28. Consequentemente, torna-se plausível pressupor a influência inglesa, ao nível científico, na remodelação do Instituto Botânico de Coimbra.
Além de um anfiteatro e de gabinetes para
64
a series of buildings backing onto the St
Sebastian aqueduct as part of the project
to provide access areas to the University
campus, approved in August of that year.
The demolition of the houses built into the
arches began at the end of 1959. The desire
to clear away the space in front of the College and aqueduct to isolate them and display them in all their “purity” also led to the
felling of the trees that obstructed their
view. Ironically, this also coincided with the
demolition in 1959 of the last arch of the
aqueduct, which had for decades been considered a national monument, in order to
link Martim de Freitas Street with the road
that went around the Faculty of Science
buildings.
After the completion of the improvements
to the Botanical Institute and the extinction
of CAPOCUC in 1969, the Garden did not
undergo any further serous intervention
until the end of Abílio Fernandes’ period
as curator, in 1974, the year of the “carnation revolution”. The democratization of
Portuguese society and of the University as
an institution will also have had an impact
upon the strategies and objectives of the
establishment. Today, as always, the conservation and rehabilitation of the cultural and
natural heritage depend upon political and
ideological decisions, the financial resources
available and social pressures. Coimbra’s
Botanical Garden has not escaped this web
of influences, nor will it in future; thus it
constitutes a space par excellence for the
confrontation and conciliation of the various synergies that affect our heritage.
This survey of the Garden’s evolution reveals
that it has developed out of a counterpoint
between Art and Science and represents a
compromise between what was dreamt and
what was achievable, what was desired and
what was possible. It bears traces of the Italian and English influences that characterized Portugal in the Pombaline era, the economic and political vicissitudes of the 19th
century, and the various nationalisms that
professores e investigadores, criaram-se
dois grandes laboratórios para os cursos
gerais e dois mais pequenos para os cursos
especiais. Instalaram-se, por seu turno, condignamente, a biblioteca, o museu e os herbários. No interior do edifício, a CAPOCUC
procurou recriar uma ambiência antiga,
encomendando, nesse sentido, a reprodução de azulejos seiscentistas com flores e
pássaros, semelhantes aos existentes no
Museu Nacional de Machado de Castro,
que passaram a cobrir os corredores, vestíbulos, átrios e escadas do Instituto.
Contudo, foi na zona adjacente ao complexo beneditino e ao aqueduto de S. Sebastião que a acção monumentalizadora do
Estado Novo mais se fez sentir. Se no interior do Jardim Botânico se refreou o gigantismo neoclássico patente nas novos imóveis erguidos, optando-se antes por um
«português suave» de cunho tradicionalista; no exterior, afirmou-se, claramente, a
busca de uma perspectiva grandiosa, exaltadora da individualidade do monumento
e, por conseguinte, «expurgadora» de todas
as «excrescências» animadas ou inanimadas que a pudessem diminuir.
Em Setembro de 1958, o ministro das Obras
Públicas, Eduardo de Arantes e Oliveira,
declarava a urgência em expropriar uma
série de prédios adossados ao aqueduto de
S. Sebastião, de acordo com o projecto das
zonas de acesso à cidade universitária de
Coimbra, aprovado em Agosto desse ano.
A demolição do casario «incrustado» nos
arcos iniciou-se em finais de 1959. O intuito
de «desafrontar» o Colégio e o aqueduto,
isolando-os e exibindo-os na sua «pureza»,
ditou também o corte do arvoredo que
«obstruía» a sua vista. Ironicamente, a
assepsia instaurada coexistiu com a demolição, em 1958, do último arco do aqueduto, há décadas considerado monumento
nacional, em prol da conciliação topográfica entre as Ruas Martim de Freitas e a
que circunda os edifícios da Faculdade de
Ciências.
marked the 20th. As a living witness to all
that, it can best be appreciated, as always,
with knowledge of the circumstances that
contributed to making it what it is today.
1 Fernando Taveira da Fonseca, “O Jardim
Botânico no contexto da Reforma Pombalina
da Universidade de Coimbra (1772)”, paper presented at the conference O Século das Luzes:
Portugal, Brasil e região do Rio Prata, (Berlin,
19th to 24th May 2003).
2 Estatutos da Universidade de Coimbra (1772),
vol. III, Coimbra, Coimbra University, 1972, p.
266-267.
3 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da
reforma pombalina, [Doc. XXXIV. 7th November 1772. Letter from the Marquis of Pombal to
D. Francisco de Lemos], vol. I, 1771-1782, Coimbra, Coimbra University, 1937, p. 52-53.
4 Letter from Francisco de Lemos to the Marquis
of Pombal, dated 3rd February 1773. Quoted by
Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica
portugueza, vol. III, 1700-1800, Lisbon, Royal
Academy of Sciences, 1898, p. 470.
5 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da
reforma pombalina, [Doc. XLIV. 12th February
1773. On the arrival of the machines and instruments for Physics and the demarcation of the
Botanical Garden], vol. I, 1771-1782, p. 69.
6 Letter from Francisco de Lemos to the Marquis
of Pombal, dated 3rd February 1773. Quoted by
Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a instrucção publica
portugueza, vol. III, 1700-1800, p. 479-480.
7 Teófilo Braga, Historia da Universidade de
Coimbra nas suas relações com a instrucção
publica portugueza, vol. III, 1700-1800, p. 477.
8 Teófilo Braga, Historia da Universidade de
Coimbra nas suas relações com a instrucção
publica portugueza, vol. III, 1700-1800, p. 476.
9 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da
reforma pombalina, [Doc. LXV. 5th October
1773. Document about the Botanical Garden],
vol. I, 1771-1782, p. 104.
10 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da
reforma pombalina, [Doc. LXV. 5th October
1773. Document on the Botanical Garden], vol.
I, 1771-1782, p. 105.
65
Realizada a campanha de melhoramentos
no Instituto Botânico e extinta a CAPOCUC em 1969, o Jardim não voltou a ser
objecto de uma séria intervenção até ao
fim da direcção de Abílio Fernandes, a qual
culminou, precisamente, no mesmo ano da
«revolução dos cravos». A democratização da sociedade portuguesa e, por conseguinte, da instituição universitária conimbricense, não deixou, julgamos, de ter um
impacto no campo das estratégias e objectivos deste estabelecimento. Hoje, tal como
desde sempre, a salvaguarda e a requalificação da herança cultural e natural desenvolvem-se a reboque das opções políticas e
ideológicas, das disponibilidades financeiras
e das pressões sociais. O Jardim Botânico de
Coimbra não escapou, nem escapa, a esta
teia de cumplicidades, constituindo, por
excelência, um espaço de confronto e conciliação das sinergias que concorrem para a
modelagem do património.
Do caminho percorrido resulta a consciência de que este Jardim se talhou no contraponto entre a Arte e a Ciência, no equilíbrio entre o sonhado e o alcançado, entre
o desejado e o possível. Correm-lhe, nas
veias, as influências italianas e inglesas que
marcaram o Portugal pombalino, as vicissitudes económicas e políticas que acompanharam o século XIX, bem como os diferentes nacionalismos que percorreram o século
XX. De todos constitui um testemunho
vivo, cuja valorização depende, como invariavelmente acontece, do grau de conhecimento a seu respeito.
1 Sobre este assunto, veja-se Fernando Taveira
da Fonseca, “O Jardim Botânico no contexto da
Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra (1772)”, em O Século das Luzes: Portugal,
Brasil e região do Rio Prata. Actas do Congresso
realizado em Berlim de 19 a 24 de Maio de 2003,
(no prelo).
2 Estatutos da Universidade de Coimbra (1772),
vol. III, Coimbra, Universidade de Coimbra,
66
11 Francisco de Lemos, Relação Geral do Estado
da Universidade (1777), Coimbra, Coimbra University, 1980, p. 132.
12 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. II (1792-1810)”, O Instituto, 2nd series, vol. XXIII, Coimbra, University
Press, July/December 1876, p. 19, 55.
13 Lurdes Craveiro, “A arquitectura da ciência”,
in Laboratório do Mundo. Idéias e saberes do
século XVIII, São Paulo/Lisbon, Pinacoteca/Imprensa Oficial, 2004, [Catalogue], p. 99.
14 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. II (1792-1810)”, p. 58-59.
15 Duquesa de Abrantes, Portugal a principios
del siglo XIX. Recuerdos de una embajadora, 2nd
ed., Madrid, Editorial Espasa-Calpe, 1968, p. 113.
16 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. V (1855-1873)”, O Instituto, 2nd series, vol. XXIII, Coimbra, University
Press, July/December 1876, p. 158.
17 Júlio Henriques, “O museu botanico da Universidade e as collecções de productos de
Macau e Timor”, O Instituto, 2nd series, vol. 30,
Coimbra, 1883, p. 60.
18 Júlio Henriques, “Relatorio do professor da
cadeira de botanica relativo ao anno lectivo
de 1887 a 1888”, Annuario da Universidade de
Coimbra, Coimbra, University Press, 1889, p.
313.
19 “Universidade de Coimbra. O museu botanico”, [Júlio Henriques], Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, University Press,
1888, p. V-VI.
20 Júlio Henriques, “Relatorio do professor da
cadeira de botanica relativo ao anno lectivo
de 1881 a 1882”, Annuario da Universidade de
Coimbra, Coimbra, University Press, 1882, p.
245; Júlio Henriques, “A cultura das plantas que
dão a quina nas possessões portuguezas”, O
Instituto, 2nd series, vol. 22, Coimbra, 1876, p.
189.
21 Júlio Henriques, “Oração de sapiencia recitada na Sala dos Actos Grandes da Universidade
de Coimbra no dia 16 de Outubro de 1894”,
Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, University Press, 1895, p. XXIII.
22 CAPOCUC Files consulted: 114, 114A, 114B,
114C, 148, 167, 169, 172, 180, 198, 197, 198, 199,
200, 210, 219, 243, 548, 613, 622 e 699 da CAPOCUC. Coimbra University Archive.
23 CAPOCUC File 198 – Botanical Garden
(Project for alterations). Coimbra University
1972, p. 266-267.
3 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da
reforma pombalina, [Doc. XXXIV. 7 de Novembro de 1772. Carta do Marquês para D. Francisco de Lemos], vol. I, 1771-1782, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1937, p. 52-53.
4 Carta de Francisco de Lemos, enviada ao marquês de Pombal com data de 3 de Fevereiro de
1773. Citado por Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a
instrucção publica portugueza, tomo III, 1700 a
1800, Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1898,
p. 470.
5 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da
reforma pombalina, [Doc. XLIV. 12 de Fevereiro
de 1773. Sobre a chegada das máquinas e instrumentos de Física e delineamento do Horto
Botânico], vol. I, 1771-1782, p. 69.
6 Carta de Francisco de Lemos, enviada ao marquês de Pombal com data de 22 de Fevereiro de
1773. Citado por Teófilo Braga, Historia da Universidade de Coimbra nas suas relações com a
instrucção publica portugueza, tomo III, 1700 a
1800, p. 479-480.
7 Teófilo Braga, Historia da Universidade de
Coimbra nas suas relações com a instrucção
publica portugueza, tomo III, 1700 a 1800, p.
477.
8 Teófilo Braga, Historia da Universidade de
Coimbra nas suas relações com a instrucção
publica portugueza, tomo III, 1700 a 1800, p.
476.
9 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da
reforma pombalina, [Doc. LXV. 5 de Outubro
de 1773. Ofício sobre o Jardim Botânico], vol. I,
1771-1782, p. 104.
10 Manuel Lopes de Almeida, Documentos da
reforma pombalina, [Doc. LXV. 5 de Outubro
de 1773. Ofício sobre o Jardim Botânico], vol. I,
1771-1782, p. 105.
11 Francisco de Lemos, Relação Geral do Estado
da Universidade (1777), Coimbra, Universidade
de Coimbra, 1980, p. 132.
12 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. II (1792-1810)”, O Instituto, 2.ª série, vol. XXIII, Coimbra, Imprensa da
Universidade, Julho/Dezembro de 1876, p. 19,
55.
13 Lurdes Craveiro, “A arquitectura da ciência”, em Laboratório do Mundo. Idéias e saberes
do século XVIII, São Paulo/Lisboa, Pinacoteca e
Imprensa Oficial, 2004, [Catálogo], p. 99.
Archive.
24 CAPOCUC File 199 – Cold greenhouse.
Coimbra University Archive.
25 CAPOCUC File 210 – Bridge and alterations to the connection between the Botanical Garden and the thicket Coimbra University
Archive.
26 CAPOCUC File 114A – Botanical Garden.
Coimbra University Archive.
27 CAPOCUC File 548 – Adaptation of the St
Bento building into the Botanical Institute.
Coimbra University Archive.
28 CAPOCUC File 114 – Botanical Garden.
Coimbra University Archive.
67
14 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. II (1792-1810)”, p. 58-59.
15 Duquesa de Abrantes, Portugal a principios
del siglo XIX. Recuerdos de una embajadora, 2.ª
ed., Madrid, Editorial Espasa-Calpe, 1968, p. 113.
16 Júlio Henriques, “O Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. V (1855-1873)”, O Instituto, 2.ª série, vol. XXIII, Coimbra, Imprensa da
Universidade, Julho/Dezembro de 1876, p. 158.
17 Júlio Henriques, “O museu botanico da Universidade e as collecções de productos de
Macau e Timor”, O Instituto, 2.ª série, vol. 30,
Coimbra, 1883, p. 60.
18 Júlio Henriques, “Relatorio do professor da
cadeira de botanica relativo ao anno lectivo
de 1887 a 1888”, Annuario da Universidade de
Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1889, p. 313.
19 “Universidade de Coimbra. O museu botanico”, [Júlio Henriques], Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1888, p. V-VI.
20 Júlio Henriques, “Relatorio do professor da
cadeira de botanica relativo ao anno lectivo
de 1881 a 1882”, Annuario da Universidade de
Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1882, p. 245; Júlio Henriques, “A cultura das
plantas que dão a quina nas possessões portuguezas”, O Instituto, 2.ª série, vol. 22, Coimbra,
1876, p. 189.
21 Júlio Henriques, “Oração de sapiencia recitada na Sala dos Actos Grandes da Universidade
de Coimbra no dia 16 de Outubro de 1894”,
Annuario da Universidade de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1895, p. XXIII.
22 Para o estudo da intervenção da CAPOCUC
no Jardim foram consultados os processos 114,
114A, 114B, 114C, 148, 167, 169, 172, 180, 198,
197, 198, 199, 200, 210, 219, 243, 548, 613, 622 e
699 da CAPOCUC. Arquivo da Universidade de
Coimbra.
23 Processo 198 da CAPOCUC – Jardim Botânico (Projecto de remodelação). Arquivo da
Universidade de Coimbra.
24 Processo 199 da CAPOCUC – Estufa fria.
Arquivo da Universidade de Coimbra.
25 Processo 210 da CAPOCUC – Ponte e arranjo
da ligação do Jardim Botânico com a mata.
Arquivo da Universidade de Coimbra.
26 Processo 114A da CAPOCUC – Jardim Botânico. Arquivo da Universidade de Coimbra.
27 Processo 548 da CAPOCUC – Adaptação
68
do edifício de S. Bento a Instituto Botânico.
Arquivo da Universidade de Coimbra.
28 Processo 114 da CAPOCUC – Jardim Botânico. Arquivo da Universidade de Coimbra.
Imagens
Fig. 1 Planta para um Horto Botânico idealizada pelo arquitecto E. Oakley e executada por
B. Cole. Peça desenhada dedicada por Jacob de
Castro Sarmento em 1731 ao reitor da Universidade de Coimbra, D. Francisco Carneiro de
Figueiroa. Biblioteca Geral da Universidade de
Coimbra, Ms. 3377/75.
Fig. 2 Planta para o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Sem autor. 1773 (?). Biblioteca do Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra, Sala E.
Fig. 3 Risco do Jardim Botânico para a Universidade de Coimbra. Júlio Mattiazzi. Sem data.
Reprodução de Riscos das obras da Universidade de Coimbra, Coimbra, Museu Nacional de
Machado de Castro, 1983, p. 55. [Álbum original
pertencente à família Santos Simões]
Fig. 4 Risco das estufas do Jardim Botânico da
Universidade de Coimbra. Sem autor. Sem data.
Reprodução de Riscos das obras da Universidade de Coimbra, Coimbra, Museu Nacional de
Machado de Castro, 1983, p. 56. [Álbum original
pertencente à família Santos Simões]
Fig. 5 Risco das estufas do Real Jardim Botânico
da Universidade de Coimbra. Sem autor. Sem
data (século XVIII). Biblioteca do Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra, Sala E.
Fig. 6 Mapa do terreno que ocupa o Jardim
Botânico da Universidade de Coimbra. Manuel
Alves Macomboa. 1795. Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Ms. 3380.
Fig. 7 Planta do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, com a indicação das partes
essenciais e secundárias, segundo Félix Avelar
Brotero. Reprodução de Júlio Henriques, “O
Jardim Botânico da Universidade de Coimbra.
II (1792-1810)”, O Instituto, 2.ª série, vol. XXIII,
Coimbra, Imprensa da Universidade, Julho/
Dezembro de 1876, s/p.
Fig. 8 Primeiro orçamento fundamental do
risco do Jardim Botânico. [José do] Couto. Outubro de 1807. Biblioteca do Departamento de
Botânica da Universidade de Coimbra, Sala E.
Fig. 9 Projecto para o portal principal do Jardim
Botânico da Universidade de Coimbra. José do
Couto dos Santos Leal. 1818. Museu Nacional
de Machado de Castro. MNMC 2898; DA 37.
Fig. 10 Obras na estufa pequena, Luiz Carrisso,
1934. Colecção do Departamento de Botânica
da Universidade de Coimbra.
Fig. 11 Projecto de remodelação do Jardim
Botânico da Universidade de Coimbra. Cottinelli Telmo e Armand Van Bellinghen. 1945 (?).
Arquivo da Universidade de Coimbra. Processo
198 da CAPOCUC – Jardim Botânico (Projecto
de remodelação).
Fig. 12 Desenho da fonte monumental para o
quadrado central do Jardim Botânico. Álvaro da
Fonseca (?). Sem data. Na margem direita lê-se
“Falta para o Jardim Botânico de Coimbra”. Processo 114B da CAPOCUC – Jardim Botânico.
Arquivo da Universidade de Coimbra.
69
Alexandre Ramires. Jardim Botânico revisitado. 2004.video still
Lévy & ses Fils, 1880. Col. Alexandre Ramires
Autor desconhecido. Anos 10 do séc XX. Col. Dep. Botânico UC
Autores desconhecidos. Finais séc XIX. Col. Dep. Botânico UC
Autor desconhecido.Aula de Júlio Henriques. Finais do séc XIX. Col. Dep. Botânico UC
Autor desconhecido. Restauração interior da estufa. 16 de Maio 1932. Col. Dep. Botânico UC
Autor desconhecido. Restauração da estufa. Julho de 1936. Col. Dep. Botânico UC
Autor desconhecido. A estufa depois de transformada, 3 de Março 1933. Col. Dep. Botânico UC
Autor desconhecido. Wexel e Gossweiler 1934. Col. Dep. Botânico UC
Luiz Carisso. Missão Académica a Angola, 1929. Col. Dep. Botânico UC. cortesia Cinemateca Portuguesa/ANIM
Autor desconhecido. Finais séc XIX. Col. Dep. Botânico UC
Autor desconhecido. Aurélio Quintanilha. Anos 20 séc XX. Col. Dep. Botânico UC
Autores desconhecidos. Herbário. Anos 20 séc XX. Col. Dep. Botânico UC
Autor desconhecido. Curso de micologia. Janeiro 1934. Col. Dep. Botânico UC
Fogo na noite escura*
Fernando Namora
Com a proximidade dos exames, a cidade
transformava-se, ficando enervada e taciturna. Havia por todo o lado uma atmosfera expectante. Pelos jardins, nos recantos
sombrios, viam-se estudantes que se mostravam de um dia para o outro ansiosos e
gra­ves, decorando à pressa, com tortura, as
volumosas páginas que pareciam não ter
fim, e nos cafés ou às mesas das pensões era
ainda o estudo que emergia dos conflitos
ou dos silêncios apreensivos. Aqueles que
pareciam indiferentes à ameaça dos exames
e procuravam continuar uma vida de foliões encontravam-se sós e também esses,
por fim, não sabendo como preencher
a súbita solidão, abriam um livro e decidiam-se a tentar a sua sorte. Estudava-se
em toda a parte e cada um procurava descobrir o método mais eficaz de se defender
da moleza do tempo, da fadiga e das solicitações que os desviassem do trabalho. O
«Formiga Branca» fazia estender na janela
um lençol molhado, a servir de cortina de
frescura, para que o sol que amolengava o
cérebro e a vontade encontrasse nessa barreira um obstáculo difícil. Mas a tardia gana
pelo estudo, mais espectacular do que profícua, não o impedia de ser fiel às suas sestas
e a umas noitadas em casa de uma costureira da vizinhança que, nos últimos tempos,
se tomara muito popular. Seabra tinha um
recurso mais engenhoso ainda: mergulhava
os pés, durante horas, numa bacia de água
fria, garantindo que, desse modo, espevitava a capacidade intelectual amortecida
pelo calor e pelo cansaço. Júlio pouco alterava os seus hábitos, embora o ambiente
acabasse por contagiá-lo. Viam-no sorum-
96
As the exams drew near, the city changed,
becoming nervy and taciturn. There was an
expectant atmosphere everywhere. In the
parks, in every shady corner, students were
anxiously trying to memorise great wads
of seemingly endless pages as fast as they
could, as if under torture; and in cafes or at
the tables in the guesthouses, another kind
of study would emerge out of the conflicts
and apprehensive silences. Those students
that appeared uncowed by the threat of
exams and tried to continue their lifestyle
of revelry suddenly found themselves alone
– until, unable to deal with the unexpected
loneliness, they too would end up opening
a book, deciding to try their luck.
Everywhere people were studying, each one
trying to find the best way of defending
himself against the languor brought on by
the weather, the fatigue and the various
demands that would lure him away from
work. The “White Ant” would hang a wet
sheet out of the window as a fresh curtain to
keep out the sun that so dulled the brain and
the will. But this somewhat belated appetite
for study, which was more spectacular than
it was effective, did not prevent him from
indulging in his habit of an afternoon siesta
or of spending some of his evenings in the
house of a neighbouring seamstress, who
had recently become very popular. Seabra
had found an even more ingenious method.
He would plunge his feet into a bowl of cold
water and leave them there for hours at a
time - this, he assured us, would get rid of
the intellectual torpor brought about by the
heat and tiredness. Júlio scarcely altered his
habits at all, even though the atmosphere
* excerto excerpt
bático e irritadiço. Mariana conseguia estimulá-lo algumas vezes a estudarem Juntos,
metodicamente, à sombra das corpulentas
tílias do Jardim Botâ­nico, onde se juntavam
sempre vários grupos de estudantes, carregados de livros e de material de trabalho.
Nas aulas a assistência ia rareando, visto que
era agora muito mais rendoso e urgente o
estudo individual. Por outro lado, nesses
dias cálidos, as prelecções dos mestres, já
de si desinteressadas, tornavam-se fastidiosas. Em algumas aulas obrigatórias, os rapazes deixavam as janelas abertas e, assim que
surgia uma boa oportunidade, um grupo,
préviamente escolhido de comum acordo,
saltava para a rua. Havia de parte a parte
uma obrigação cumprida à custa de mútuas
e tácitas dissimulações. Mestres e discípulos chegavam ao fim desconhecendo-se ou
receando-se como no primeiro dia; o exame
não era o desfecho de um convívio crescido
na confiança e no afecto, mas sim um tribunal em que juiz e réu se enfrentavam, suspeitosos, para julgar velhas rixas.
0 primeiro estudante da pensão do senhor
Lúcio que entrou em exames consideravase vítima de uma conspiração. Ao contar
depois a sua odisseia aos amigos do café,
frisava especialmente o facto de, nesse dia,
ter almoçado uma boa pratada de bacalhau
com batatas.(...)
1943
did get to him in the end. We saw him going
around looking glum and peevish. Mariana
managed to spur him into work sometimes,
by suggesting that they study together,
methodically, in the shade of the corpulent
linden trees in the Botanical Garden, where
various groups of students would often
meet up, laden down with books and study
material. Attendance at lessons
would drop off at this time, since private
study was now much more urgent and
useful. In any case, on those hot days, the
professors’ lectures, already uninteresting
in themselves, now became fastidious.
In some of the compulsory lessons, the
boys would leave the windows open and
whenever an opportunity arose, a group
of them, previously selected by common
agreement, would jump out into the street.
Here and there a deal was struck with nods
and winks. Masters and disciples arrived at
the end of the year as unaware and fearful
of each other as they had been on the first
day; for the exam was not the conclusion
of a relationship of increased trust and
affection, but rather a tribunal in which
judge and defendant would confront each
other suspiciously to settle old scores.
The first student from Lúcio’s guesthouse
to go into exams thought that he was the
victim of a conspiracy. Later, recounting his
odyssey to his friends in the cafe, he made
special mention of the fact that on that day
he had had a particularly good lunch of cod
and potatoes. (...)
97
Sob as Árvores
Beneath the trees
João Rasteiro
Mas lá ficaram eles ainda em seu sossego
Estendidos, desabotoados, gratos, sob as árvores.
But they still kept their ease
Spread out, unbuttoned, grateful, under the trees.
Seamus Heaney
Uma árvore para ter
a raiz dos ventres incandescentes
um ninho de rizomas ocultos
o sopro inicial habitado
de magnólias cegas de pele.
A tree in order to have
root of incandescent wombs
a nest of rhizomes unseen
the initial breath inhabited
by skin blinded magnolias.
Uma árvore de aguçados dentes
que devora as pedras a memória
a inocência estranguladora
onde se respira a luz o branco
um atalho secreto de narcisos
o olfacto polido dilatado
os braços das cassiopeias
nos favos das lascas nuas
entre o espaço e a respiração.
A tree of sharp teeth
devouring stones memory
the strangling innocence
where we breathe light the white
a secret path of narcissus
dilated smoothed scent
arms of cassiopeiae
on the naked splints honey-combs
between space and breath.
Uma árvore desnudada de aves
sobre a melancolia das açucenas
ou um eco sem contornos
na raiva incolor da borracheira
porque na carne fissurada da terra
entre a folhagem e o fogo
a argila se transmuda.
A tree stripped of birds
on the white lilies melancholy
or an unlimited echo
on the fury of the rubber tree colourless
for in the cracked flesh of the earth
amongst leafage and fire
clay is transmuted.
Um corpo mineral dentro
do ciclo das estações coaguladas
sempre a adoração da árvore
a vergar folhas abertas no voo.
A mineral body inside
the cycle of coagulated seasons
the adoration of the tree forever
bending open leafs in flight.
Um corpo rompendo as membranas
da própria árvore contra o cansaço
o sangue escorrendo às raízes
em fios de água sob as virilhas
na pedra nocturna das cidades
onde a árvore de Judas seduz a fera.
A body the membranes breaking open
of tree itself against exhaustion
blood dripping to the roots
in water lines beneath groins
on the night stone of cities
where the tree of Judas seduces the beast.
Na volátil seiva das árvores
desço às silenciosas cicatrizes da fala
simulando a ressurreição da morte.
On the quick sap of trees
I descend to the silent scars of speech
faking the resurrection of death.
translated by Sandra Guerreiro
Maria Lusitano Santos. O Jardineiro que não tinha projectos. vídeo still. 2003
O espaço como representação do espaço (o saber como encenação
do saber)
Space as a representation of space (knowledge as a staging of
knowledge)
HElder Gomes
A criação de um jardim é um acto de confiança no tempo: no tempo limitado de vida
das plantas e na estabilidade cultural capaz
de lhe assegurar a manutenção, de garantir que, entregue a si mesma, a representação não seja devolvida à natureza da qual
emergiu. Planta-se para o médio ou o longo
prazo, alguns meses, alguns anos, algumas décadas, algumas centenas de anos.
A generalização de técnicas de transplante
de exemplares de grandes dimensões configura uma tentativa de ganhar tempo ao
tempo; mas este é apenas um movimento
de antecipação que não subtrai as plantas
à mutabilidade do próprio tempo. Este, ao
contrário, é o elemento determinante na
constituição do jardim enquanto espaço
representacional; por exemplo, o inevitável
amarelecimento das folhas das caducas no
outono fornece um suplemento vocabular à construção do espaço. Enquanto realidade dinâmica, o jardim está, por natureza,
permanentemente ameaçado por aquilo
mesmo que o constitui: a duração, a mutabilidade e a instabilidade do elemento vegetal. Ainda que sujeito a eventuais podas
de formação, o desenvolvimento das plantas nunca é completamente predeterminável; a interacção recíproca das plantas, das
plantas com o solo, das plantas com o clima
confere à construção do espaço um grau de
autonomia que quase não tem paralelo em
outras formas de representação.
Definido por limites físicos ou simbólicos (o
muro, a grade, a sebe, a morfologia, o pavimento, a vegetação), o jardim é na vivência cultural do espaço uma realidade de
The creation of a garden is an act of trust
in time. It requires trust in the limited
temporal framework offered by the lifespan of plants and trust in the cultural stability necessary to maintain it, to ensure
that, left to its own devices, the representation will not be allowed to return to the
state of nature from which it emerged. Gardens are planted for the medium or long
term, for months, years, decades or centuries. The generally accepted techniques for
transplanting larger specimens represent an
attempt to gain more time; however, they
merely forestall, without exempting plants
from the mutability of time itself. On the
contrary, time is the essential dimension in
the constitution of a garden as representational space; for example, the inevitable yellowing of the leaves of the deciduous plants
in autumn offers a lexical supplement to the
construction of space. As a dynamic reality,
the garden is by definition constantly threatened by the very thing that constitutes it –
duration, mutability and the instability of
the vegetal element. For although plants
may be pruned into shape, their growth can
never be completely determined; the reciprocal interaction between different specimens, and between the plants and their
soil and climate, mean that the space has a
degree of autonomy that is unparalleled in
almost any other kind of representation.
Defined by physical or symbolic boundaries (such as walls, fences, hedges, paths or
vegetation), the garden is an exception in
the cultural experience of space. Whether
public or private, urban or rural, the garden
103
excepção. Público ou privado, em contexto
urbano ou rural, o espaço do jardim é ao
mesmo tempo parte do lugar que o envolve
e um lugar à parte. Entendido como espaço
interior, o espaço do jardim desenvolve com
a realidade cultural uma relação específica.
Embora elemento integrante da paisagem,
o jardim escapa à condição de elemento
indiferenciado da paisagem para se afirmar
como realidade simbólica de natureza paradoxal; ao mesmo tempo natureza e cultura,
significante e significado, a identidade do
jardim vive dos seus limites: o muro, a cerca,
a sebe.
A definição de uma linha de demarcação
corresponde à necessidade de inscrever no
espaço um limite simbólico capaz de lhe
assegurar um outro nível de realidade: uma
realidade da ordem da representação, um
espaço que se assume como representação
do espaço.
Iniciados cerca de 118 d.C., os jardins da
Villa Adriana1, em Tivoli, surgem como o
paradigma do modo como em diferentes
épocas e em diferentes culturas o jardim foi
entendido como um lugar de forte investimento simbólico. Projectados pelo imperador Adriano no intervalo das longas viagens através do império, os jardins da Villa
Adriana são uma reconstrução de espaços
do próprio império. Este é convocado para
o espaço interior pela reapropriação estilizada de locais subjectivamente significativos: a Grécia ou o Egipto surgem representados no jardim pela apropriação do imaginário artístico ou do vocabulário morfológico e vegetal desses lugares. Em articulação
com o complexo habitacional, os jardins são
simultaneamente um espaço à parte e uma
representação daquilo que, do lado de lá
dos limites da Villa, se afigura como mais
amável. Não estamos apenas diante da tentativa de reproduzir à escala ou por aproximação um ou outro edifício, um ou outro
lugar, trata-se, sim, de pela representação
fazer transportar para o interior do espaço
delimitado da Villa e do jardim a existên-
104
is both part of the surrounding environment and a place apart. Perceived as a kind
of inner space, the garden has a specific
relationship with its cultural context. For
although it is integrated into the landscape,
it is nevertheless set apart from undifferentiated countryside and asserts a symbolic
dimension that is paradoxical - simultaneously culture and nature, signifier and signified. Indeed, the identity of the garden
is defined by its boundaries - the wall, the
fence or the hedge.
The demarcation line inscribes a symbolic
limit in space and transports it onto another
level of reality - the order of representation,
a space that is assumed as a representation
of space.
The gardens of the Villa Adriana1 in Tivoli,
begun around 118 AD, are paradigmatic of
the powerful symbolism invested in gardens
in different eras and cultures. Planned by the
emperor Hadrian in the intervals between
his long voyages around his empire, these
gardens are a reconstruction of spaces from
the empire itself. The empire is brought into
the interior space by the stylized appropriation of subjectively significant places:
Greece and Egypt, for example, are represented in the garden by elements appropriated from their respective artistic imaginations and characteristic morphological and
vegetable vocabulary. The gardens, together
with the living quarters, were both a space
apart and a representation of the best of
what could be found beyond the perimeter of the Villa. It was not an attempt at a
scaled reproduction or imitation of particular buildings or places; rather it is a way of
symbolically transporting those places into
the grounds and garden of the Villa through
representation. Here we find the distinctive
traces of all the major cultural trends in an
attempt to remake the real as a representation.
Much more than a mere living space (and
the gardens of the Villa Adriana in fact
served as a retreat for the emperor), the
cia simbólica desses lugares. Encontramonos perante o traço distintivo de todos os
gestos culturais maiores, a tentativa de refazer o real enquanto representação.
Mais do que um local para viver (e os jardins
da Villa Adriana são-no, lugar de retiro do
imperador), o jardim surge como um espaço
cénico no interior do qual o poder, a dor ou
o prazer encontram uma atmosfera propícia. Trata-se de configurar o espaço como
a representação idealizada de si mesmo. O
paradoxal deste projecto é que tenha sido
realizado por aquele que detinha uma relação de poder e de domínio com os objectos representados: é o seu próprio império
que o imperador representa. Não o império
tal como ele é, com a sua multidão de interesses e de conflitos, de ricos ou de deserdados, mas o império tal como ele deveria
ser; uma realidade idealizada por alguém
que, mais do que ninguém, se sabe capaz de
tomar consciência da dificuldade de transformar o próprio real.
As tradições judaico-cristã e islâmica —em
qualquer dos casos, nas suas raízes, culturas do deserto ou ameaçadas pela aridez
que envolve a fertilidade de espaços agrícolas localizados— pensaram o jardim como
uma imagem por excelência do oásis, o
lugar de excepção. De um modo particular, a morfologia dos jardins cruciformes
de tradição islâmica —morfologicamente
de inspiração persa, mas suportados por
modelos religiosos próximos dos descritos
no Génesis— apresenta-se como a representação espacial do próprio Paraíso: idealmente um quadrado no interior do qual se
inscreve uma fonte a partir da qual fluem
quatro canais —os quatro rios que fluem
do Éden— que dividem o espaço em outros
tantos quadrados. O círculo e o quadrado,
entendidos como formas geométricas perfeitas, definem na pedra e na água os limites de um lugar que não constitui já apenas
uma remissão simbólica para uma outra
realidade, mas a sua prefiguração concreta, uma representação habitável, pas-
garden lends itself particularly well to the
staging of power, pain and pleasure. Here
the space is configured as an idealized representation of itself. The paradox of this
project is that it was undertaken by someone that was in a relationship of power
and dominion over the objects represented there. It was his own empire that the
emperor was representing - not the empire
as it really was, with its multiplicity of interests and conflicts, with its wealthy and its
disinherited, but the empire as it should
have been, an idealization by someone who
knew better than anyone how difficult it
was to transform reality itself.
The Judaeo-Christian and Islamic traditions (both of which were desert cultures at
heart, constantly struggling with the barrenness that threatened to overwhelm the few
localized spots of fertile arable land) conceived the garden in the image of the oasis,
the place of exception. The cross-shaped
gardens of the Islamic tradition (which were
originally Persian in inspiration, though
supported by religious models like those
described in Genesis) represented Paradise
itself in form. They were ideally square with
a fountain at the center, from which flowed
four streams (the four rivers that flowed out
of Eden) that divided the space into four
squares. The circle and the square, which
were considered perfect geometric forms,
defined the limits of the place in stone and
water, constituting not only a symbolic shift
into another reality, but also a concrete prefiguration of it, an inhabitable representation, which could be experienced internally.
The Islamic garden was constructed not as
an allegory but as an exception, a space that
could involve the body by appealing to the
senses, in fact anticipating Heaven itself2.
As a cultural artifact, the garden thus has a
clear normative and programmatic purpose:
it is a way of representing reality not as it is,
in its raw state, but as is should or ought to
be. Similarly, the construction of the garden
as an enclosed space in some way translates
105
sível de ser interiormente vivida. O jardim
islâmico é construído não como uma alegoria, mas como uma realidade de excepção,
um espaço capaz de envolver o corpo, apelando aos sentidos e antecipando, de facto,
o Paraíso prometido2.
Enquanto realidade cultural, o jardim comporta, pois, um claro sentido normativo e
programático: trata-se de representar a realidade não como ela é, na sua rudeza, mas
como ela deve, deverá ou deveria ser. Correlativamente, a construção do jardim como
espaço fechado traduz de algum modo a
desistência ou a descrença na possibilidade
de realizar este dever ser fora do espaço definido pelos muros. O jardim entendido como
lugar de excepção não está muito distante
do jardim entendido como lugar de reclusão: o hortus conclusus medieval decorre
de um desejo de protecção face à realidade
exterior que traduz em parte um desejo de
fuga face às ameaças do mundo para lá dos
limites protectores do muro ou do claustro, fossem elas a guerra ou o pecado. Mas
se o jardim existe enquanto lugar de excepção, ele implica em negativo a assunção da
impossibilidade ou da renúncia à sua projecção como ideal de realidade imediata
e concreta: é um lugar privilegiado, para
momentos ou sujeitos privilegiados. Neste
sentido, não existem ou não deveriam existir jardins modernos: enquanto projecto de
mundo, a Modernidade implica a crença
na possibilidade de uma acção transformadora da realidade; uma acção que já não
se restringe ao espaço definido pelos limites de um muro, de uma fronteira, ou de
um momento a vir, mas que se projecta
no todo imediato do próprio mundo. Na
Modernidade, o jardim enquanto realidade
cultural relevante adquire características e
uma natureza muito específicas: se individualismo moderno fundamenta e autoriza
a produção de jardins como espaços privados3, o jardim moderno por excelência é
um espaço público. De espaço de prazer, o
jardim privado ou semi-público transforma-
106
the relinquishing of a belief that this ideal
can be achieved outside the space defined
by the walls. The garden as a place of exception is not so far removed from the garden
as a place of retreat: the medieval hortus
conclusus arose from the desire for protection against the outside world, a wish to
escape the threats of the world beyond its
walls and cloisters, whether war or sin. But
if the garden was a place of exception, then
this implies a renunciation of its projection
as an ideal of the immediate concrete reality: it was a privileged space for privileged
moments or people. In this sense, then,
there can be no modern gardens: for, as a
project of the world, Modernity implies
belief in the possibility of transforming
reality through action. Its kind of action is
not restricted to a space defined by a wall,
border or moment to come, but projects
itself onto the here-and-now of the world
itself. In Modernity, the garden as an important cultural phenomenon acquires very
specific characteristics: for while modern
individualism is based upon and authorizes the production of gardens as private
spaces3, most modern gardens are in fact
public spaces par excellence. The private or
semi-public garden has been transformed
from a place of pleasure into a public space
for the staging of pleasure, power or knowledge.
When not immediately given over to agriculture or defence, the most notable examples of representational investment in
nature or in the landscape prior to Modernity took place within a ritualized experience of space. The symbolic and ontological
distinction bestowed upon some natural
spaces was a consequence of their explicit or
implicit consecration. The identification of
an inside and an outside, an interior and an
exterior, as a condition for transforming the
space into a representational entity, recalls a
mythical experience of the world, according
to which a dichotomy is marked between
sacred and profane space. While this dichot-
se em espaço público, lugar de encenação
do prazer, do poder ou do saber.
Quando não imediatamente subordinados
a fins agrícolas ou defensivos, os exemplos
mais marcantes de investimento representacional sobre a natureza ou sobre a paisagem anteriores à Modernidade inserem-se
no âmbito de uma vivência ritualizada do
espaço. O privilégio simbólico e ontológico
concedido a algumas realidades naturais
decorre da sua explícita ou implícita sacralização. A identificação de um dentro e de
um fora, de um interior e de um exterior,
como condição de realização do próprio
espaço enquanto realidade representacional aproxima o jardim da dicotomia que se
abre entre o espaço sagrado e o espaço profano como modelo de intelecção da experiência de mundo das culturas míticas. Ainda
que esta dicotomia pareça forçada —só um
olhar secularizado pode admitir verdadeiramente um espaço não sagrado—, a sacralização do espaço —um dos mais arcaicos
movimentos de definição de uma relação
simbólica de apropriação, e uma primeira
tentativa de intervenção simbólica sobre o
real— age pela implantação no espaço real
de limites definidores da natureza representacional desse lugar, distinguindo o
sagrado do profano. Tal como na construção de uma catedral, o desenvolvimento
de um jardim coloca-nos perante um processo de espacialização de uma representação. No entanto, e embora correspondendo
à mesma necessidade de definição do limite
como condição de apropriação, a constituição do jardim como espaço fechado age
num movimento inverso: trata-se já não
de inscrever no espaço natural o elemento
simbólico —o templo, o símbolo sacralizador—, mas de transportar simbolicamente
a própria realidade para o espaço fechado,
subordinando o natural à ordem do representacional.
Acompanhando o emergir da Modernidade,
o desenvolvimento do jardim botânico
traduz o desejo de ressacralização —ou
omy seems forced (for only the completely
secular gaze can truly admit a non-sacred
space), the consecration of space (one of
the most archaic forms of symbolic appropriation and a first attempt at symbolically
intervening in the real) acts by marking
out the boundaries of the representational
domain within the real space, thus distinguishing the sacred from the profane. As
in the construction of a cathedral, the creation of a garden involves spatial representation. However, while this corresponds to
the same need to define the boundaries as
a condition for appropriation, the constitution of the garden as enclosed space acts in
an inverse direction: rather than inscribing
the symbolic element (the temple or consecrating symbol) in natural space, it symbolically transports the external reality into the
enclosed space, subordinating the natural
to the representational order.
The development of the botanical garden,
accompanying the emergence of Modernity,
translates the desire for re-consecration (i.e.
representation) of a recently deconsecrated
space. It is about producing a representational correlate that ensures the subordination of the real to the new order of representation, namely reason and science. The
representational relationship almost always
involves the symbolic appropriation of the
thing represented; it implies the translation of the other into an order and meaning compatible with the worldview of the
subject representing it. In this sense, the
relationship that Modernity establishes
with nature is very clearly affirmed in the
botanical garden: it is a question of staging
nature’s subordination to the systematic
order of science.
Descendant of the medieval hortus conclusus4, the botanical garden loses its utilitarian function to become a way of affirming
a relationship with the real that is clearly
modern in nature. It operates by delimiting the symbolic space within the real in a
kind of secular consecration; for the space,
107
seja, de representação— de um espaço
recém dessacralizado: trata-se de produzir
um correlato representacional que assegure
a subordinação do real à nova ordem de
representação: a razão, a ciência. A relação
de representação é sempre ou de forma
prevalecente uma relação de apropriação
simbólica do representado, implica um
movimento de tradução do outro para
uma ordem e um sentido compatíveis com
o mundo do sujeito que representa. É neste
sentido que a relação que a Modernidade
estabelece com a natureza encontra no
jardim botânico um espaço privilegiado
de afirmação: trata-se de encenar a
subordinação da natureza à ordem
sistemática da ciência.
Herdeiro do hortus conclusus medieval4, o
jardim botânico perde a imediata função
utilitária e surge como lugar de afirmação de um modelo de relação com o real
de claro cariz moderno: ele opera a delimitação no real de um espaço simbólico que
é da ordem de uma sacralidade secularizada; um espaço que, mantendo o carácter
de excepção, se define segundo princípios
de ordem racional. Ainda que associada a
uma instituição de investigação, mais do
que lugar de produção do saber, o jardim
botânico cumpre a função de reificar uma
nova ordem de representação: a apropriação simbólica do real pelo conhecimento
racional, a subordinação da natureza à
taxionomia. Neste sentido, o maior perigo
que ameaça um jardim é a mutabilidade
da própria natureza. A ser uma representação, ela assenta numa realidade que permanentemente reivindica a sua autonomia.
Por isso a tentação da pedra: a imposição
da arquitectura e da estabilidade do mineral tenta subtrair a representação à autonomia intrínseca do vegetal.
O trabalho de criação de um jardim é,
antes do mais, um trabalho de ordenação
do espaço; não um trabalho de ordenação de todo o espaço —como a agricultura, que transforma o coberto, a fauna e a
108
while maintaining its exceptional character, is defined according to rational principles. Although associated to research institutions, rather than to places for the production of knowledge, the function of the
botanical garden is to reify a new order of
representation - the symbolic appropriation of the real by rational knowledge, the
subordination of nature to taxonomy. In
this sense, the greatest danger threatening a garden is the mutability of its own
nature. Being a representation, it is based
upon a reality that is constantly clamouring for autonomy. This is why stone offers
such temptation: the imposition of architecture and the stability of the mineral is an
attempt to remove the intrinsic autonomy
of the vegetal from the representation.
The work involved in creating a garden is
above all about ordering space. However, it
is not the whole space that is ordered (as in
agriculture, which transforms the vegetation, fauna and natural shape of the land to
make them compatible with the cultivation
of certain species); rather it is about defining
a space within a space, the delimitation of a
cultural space that is invested with a strong
symbolic charge. Even when the aim is to
produce a natural-looking space, gardening
largely acts against nature, involving clearing and selecting, pruning, killing, leveling,
reshaping. At the same time, however, as a
cultural artifact, it is subject to nature and
maintains with it a delicate symbiotic relationship; for at any moment, that relationship might become unbalanced, yielding to
one or other of its parts, nature or culture.
As a space of representation, the garden is
a place where nature and culture are reciprocally inscribed in each other. The margins
of this relationship are never defined, which
implies the subordination of nature to the
representational dimension; but at the
same time, it demands the work of learning,
a work of subordination of the cultural fact
to the rules of nature.
As a location for the staging of knowl-
morfologia naturais para as tornar compatíveis com o desenvolvimento de determinadas espécies vegetais ou animais—, mas
a definição de um espaço no interior do
espaço; a delimitação de um lugar cultural
que é investido de uma forte carga simbólica. Mesmo que o objectivo seja o de produzir um espaço naturalizado, a criação de
um jardim é, em larga medida, um trabalho
contra a natureza: um trabalho de selecção
e de arroteamento, um trabalho de poda,
de abate, de terraplanagem, de modelação. É um trabalho contra a natureza, mas
ao mesmo tempo um facto cultural sujeito
à própria natureza, estabelecendo com ela
uma relação de simbiose assente num equilíbrio instável, a cada momento ameaçada
de ceder por cada uma das partes, a natureza ou a cultura. Enquanto espaço representacional, o jardim surge, assim, como
um lugar de inscrição recíproca da natureza
na cultura e da cultura na natureza. Esta é
uma relação de margens nunca definidas,
que implica a subordinação da natureza à
dimensão representacional, mas também,
e na mesma medida, exige um trabalho de
aprendizagem, um trabalho de subordinação do facto cultural às regras da natureza.
Enquanto lugar de encenação do saber, o
jardim botânico é um enorme dispositivo
cénico destinado a veicular uma representação de mundo que em larga medida coincide consigo mesma. A imagem de mundo
que subjaz à disposição científica das plantas numa Escola de Sistemática corresponde menos a uma efectiva ordem espacial da natureza do que a uma construção
de ordem cultural. Não apenas em nenhum
lugar da natureza as plantas se agrupam
espacialmente segundo estruturas taxionómicas, como os princípios que subjazem
a essa taxionomia decorrem de um modo
muito próximo de uma representação do
real inerente à racionalidade moderna. Isto
não significa que, dentro dos limites próprios do rigor científico, a organização das
espécies segundo estruturas taxionómicas
edge, the botanical garden is designed to
transmit a representation of the world that
largely coincides with itself. The worldview
underlying the scientific layout of the plants
according to the Systematic School corresponds less to an effective spatial ordering of
nature than to a cultural construction. Not
only is it impossible to find plants in nature
arranged spatially into taxonomic categories, the principles underlying that taxonomy arose from a mode that is very close
to the representation of the real inherent
in modern rationality. This does not mean
that, within the limits of scientific rigour,
the organization of species in accordance
with taxonomic structures should not be
understood as true; it means that, as a logic
of organization in space, the fact of it being
true does not necessarily increase its value,
and that a false taxonomy, but one which
is spatially more operative, might eventually
be preferable5.
Organized according to cataloguing principles, the botanical garden is analogous
to museum in the representation of nature
that is projected within its space. Underlying
it is an image of the world as a vast library
through which the visitor may wander, and
which can be deciphered with the proper
tools. The botanical garden not only presupposes that a comprehensive experience of the real is possible, it also presents
us with nature as a representational object.
What the garden offers is precisely a representation of nature as an explained reality.
Nature is translated into human language,
and the world (for the botanical garden is
part of Modernity’s much larger project
of intellectually mastering the real) is converted into a new reality of a representational order.
Stretching across hectares or confined into
a few square metres, the garden as a representation coincides largely with itself,
despite displaying all the prerogatives of the
symbolic (each of its elements presupposes
a relationship between a signifier and signi-
109
não deva ser entendida como verdadeira.
Significa que, enquanto lógica de organização do espaço, uma taxionomia verdadeira não constitui um valor acrescentado,
podendo eventualmente ser preferível uma
taxionomia falsa, mas espacialmente mais
operativa5.
Organizada segundo princípios de catalogação do real, a representação de natureza que está projectada no espaço de um
jardim botânico é análoga à de um espaço
musealizado, suportada por uma imagem
do mundo entendido como uma vasta
biblioteca passível de, utilizando os instrumentos apropriados, ser decifrada. O jardim
botânico não supõe apenas a possibilidade
de uma experiência compreensiva do real,
apresenta-nos a natureza como um objecto
representacional. Aquilo que o jardim nos
oferece é, precisamente, a representação
da natureza como uma realidade explicada.
Trata-se de traduzir a natureza para uma
linguagem humana, convertendo o mundo
—o jardim botânico é parte de um mais
vasto projecto de intelecção e domínio do
real inerente à Modernidade— numa realidade de ordem representacional.
Expandindo-se por hectares ou confinado a
alguns metros quadrados, o jardim é uma
realidade representacional que, não obstante ostentar todas as prerrogativas das
realidades simbólicas —cada um dos seus
elementos supõe a relação entre um significante e um significado como traço definidor da sua identidade—, coincide em larga
medida consigo mesmo. No jardim botânico, apesar das placas que identificam as
plantas sustentarem um movimento de
reenvio do particular para o geral, transformando cada exemplar num significante de
que o todo é o significado —nesta acepção,
a identidade de cada planta poderia entender-se como da ordem da sinédoque—, o
particular não se esgota nesse movimento
de reenvio. Trata-se de uma representação
habitável, uma realidade a quatro dimensões, dotada de altura, de largura, de pro-
110
fied that is a defining trace of its identity).
Despite the name plates, which effectively
subordinate the particular to the generic,
transforming each example into a signifier
whose signified is the whole species (each
plant may be understood as a kind of synecdoche), the particular is not exhausted
in that shift. It is an inhabitable representation, a four-dimensional reality, with height,
width and depth, and subject to time.
But there is more than a difference of scale
here compared to other representations;
there is also a difference in nature. The
name plate superimposes the representation on the thing and duplicates the thing
in the representation. Our experience of
space and concrete things are transposed
to the representational plane in a Hegelian
movement, as the possibility of merging
the concrete self. This is space representing
space as the possibility of merging its own
experience of space. Similarly, the botanical garden is constructed as knowledge that
stages itself as a concrete object, as the possibility of ensuring an immediate correlate
of reality for knowledge. But if this means
allowing knowledge to produce empirical
correlates that may be experienced as concrete things, that mechanism also implies a
questioning of the discourse of knowledge
itself.
In an important artistic gesture of the
second half of the 20th century, the artist
Joseph Kosuth created a series of works that
drew attention to the problematic relationship between reality and its representations.
Entitled One and Three (hammers, chairs,
cacti, etc), the works juxtapose an object,
its photograph and a dictionary definition
of that thing. In the first instance, it is figured as a discursive procedure that ends up
as tautology or pleonasm. But what confers
value upon these works is that, while the
juxtaposition of a reality with its representations seems to function as a cumulative
movement of the sedimentation of experience as knowledge (in which representa-
fundidade, sujeita ao tempo.
Mas mais do que uma diferença de
escala face a outras representações, é
uma diferença de natureza: a placa de
identificação surge como da ordem da
sobreposição da representação à coisa, da
duplicação da coisa pela representação.
Coloca-nos perante o movimento
hegeliano de transposição da experiência
do espaço e da coisa concretas para o plano
representacional como possibilidade de
fundar o próprio concreto. Estamos diante
do espaço que representa o espaço como
possibilidade de fundar a própria experiência
do espaço. Do mesmo modo, o jardim
botânico constrói-se enquanto saber que se
encena a si mesmo como objecto concreto,
enquanto possibilidade de garantir ao saber
um correlato imediato de realidade. Mas se
isto parece permitir ao saber a produção de
correlatos empíricos experienciáveis como
coisas concretas, tal dispositivo implica
também um questionamento do próprio
discurso do saber.
Num gesto marcante para a arte da segunda
metade do século XX, o artista plástico
Joseph Kosuth desenvolveu um conjunto
de obras que problematizam a relação
entre a realidade e as suas representações.
Intituladas de Um e três (martelos, cadeiras,
cactos, etc.) as obras apresentam-nos numa
relação de estreita proximidade espacial um
objecto, a sua fotografia e uma definição de
dicionário desse mesmo objecto. Encontramo-nos perante aquilo que, num primeiro momento, se afigura como um procedimento discursivo que incorre na tautologia ou no pleonasmo. Ora, o que confere
um valor acrescido a estas obras é que, se
o confronto de uma realidade com as suas
representações parece funcionar como um
movimento cumulativo de sedimentação
da experiência enquanto saber —no qual
as representações concorrem para reificar
a coisa enquanto objecto de experiência—,
ele demonstra sobretudo o modo como a
sobreposição da representação à coisa se
tions compete to reify the thing as object of
experience), it demonstrates above all the
way in which the superimposition of representation upon the thing may be translated
by a process of subtraction of the thing
from its representation, the deconstruction
of the representation by the thing or of the
thing by the representation. Analogously,
while the botanical garden is presented
as a place where reality is appropriated by
the word, it also allows us to perceive the
irreducibility of the thing to the representation. The name plate (indicating species, genus, common name, place of origin)
includes the experience of the natural reality within the totality of the representation.
But at the same time, the juxtaposition of
the real concrete organic plant (with shape,
volume, thickness and colour) and its representation demonstrates the inexorably
artificial nature of the knowledge underlying the taxonomy. There is a constant shift
from plant to representation and from representation to plant in an intricate relationship that affirms the mutually relative character of nature and culture.
Between the individual perception that
always apprehends space in relative terms,
and the constancy of nature itself, the
garden is particularly exposed as a representation: for this representation is subject
to the cycle of the seasons and at the mercy
of the random steps of anyone that passes
through it. It implies a non-linear space
and a time where immediacy and duration,
mutability and constancy converge - the
immediacy of the individual perception and
the duration of that which is subject to the
rules of nature and culture; the mutability
of everything that is subject to time and its
seasons, and the very constancy of time and
the seasons, in an irregularity that is in part
predictable and therefore may partly be
explored and controlled. Even when structured by the most rigorous projects (such as
the great Italian Renaissance gardens or the
French gardens of the 17th century6), the
111
pode traduzir por um processo de subtracção da coisa à representação, de desconstrução da representação pela coisa ou da
coisa pela representação. De maneira análoga, se o jardim botânico se oferece como
lugar de apropriação da realidade pela palavra, ele é também ocasião para a percepção
da irredutibilidade da coisa à representação. A placa de identificação —com a indicação da espécie, do nome do taxiólogo, do
nome comum, do local de origem— integra
a experiência da realidade natural no interior de um todo de representações. Mas ao
mesmo tempo o confronto entre a espessura da planta —uma coisa concreta, orgânica, dotada de forma, de volume, de cor,
etc.— e a sua representação demonstra
o carácter inultrapassavelmente artificial
do próprio saber que subjaz à taxionomia.
Estamos perante um movimento de reenvio permanente da planta para a representação e da representação para a planta,
numa relação de implicação que afirma o
carácter mutuamente relativo da natureza
e da cultura.
Entre a percepção individual que apreende o
espaço sempre de forma relativa e a inconstância da própria natureza, o jardim é uma
realidade representacional singularmente
exposta: é uma representação sujeita ao
ciclo das estações e ao aleatório dos passos
de quem o percorre. Implica um espaço não
linear, e um tempo onde se articula o imediato e a duração, a mutabilidade e a constância. O imediato da percepção individual e a duração daquilo que está sujeito às
regras da natureza e da cultura. A mutabilidade daquilo que está sujeito ao tempo e às
estações, e a constância do próprio tempo
e das estações, numa irregularidade em
parte antecipável e por isso em parte passível de ser explorada ou controlada. Ainda
que estruturado pelo mais rigoroso dos
projectos —como os grandes jardins renascentistas italianos, ou os jardins franceses
do século XVII6—, o jardim é, na relação de
percepção que o sujeito com ela estabelece,
112
garden is a non-linear reality in relation to
the perception that the subject forms of it.
Intrinsically de-structured by the instability
of the plants themselves, the rigour of the
design is subverted by the subjectivity of
the perceiver, affected not only by perspective (even when the project deliberately sets
out to create this by introducing projection
lines and drawing the eye along specific trajectories, thereby conditioning the subject’s
experience in advance) but also by the individual subjectivity.
Inside the garden, understood as a place of
pleasure, subjectivity is affirmed as a constituent part; it is this that transforms and
intensifies the objective fact of plant, stone,
water or bird in a representation that is as
culturally apprehensible as it is pleasurable.
As in any work of art, subjectivity is affirmed
as the last instance of realization of the representation itself. The garden exists as it is
apprehended as a space of representation;
it exists in proportion to the intensity of its
subjective apprehension, demanding that
the subject possesses the information necessary to connect the representations.
In the botanical garden - a place for the
exhibition of knowledge, rationalization of
experience through knowledge, systematization and categorization - subjectivity is paradoxical, an intruder that seems
to threaten the systematic congruence of a
whole order of representation. By definition
the opposite of objectivity, and of the logical rigour of scientific knowledge, and thus
a shadow threatening the evidence of the
truth, subjectivity is nevertheless essential
to the experience of the space expressed in
the form of the botanical garden.
The apparent paradox demonstrates that
the validity of this cultural reality may be
gauged according to the criteria of objectivity and scientific neutrality. The botanical
garden is not a place of knowledge; rather it
is a place for the staging of knowledge. The
theatrical dimension requires the sphere of
strictly scientific representation to be trans-
uma realidade não linear. Intrinsecamente
desestruturado pela instabilidade das próprias plantas, o rigor do desenho é subvertido pela subjectividade de quem o percepciona, sujeita não apenas às transformações
operadas pela perspectiva —mesmo que
o projecto as pretenda determinar, produzindo linhas de fuga, induzindo percursos,
isto é, produzindo prospectivamente o condicionamento da experiência do sujeito—,
mas também às transformações inerentes à
subjectividade individual.
No interior do jardim entendido como lugar
de prazer, a subjectividade afirma-se como
constituinte; é ela que transforma e intensifica o facto objectivo —planta, pedra, água,
ave— numa representação culturalmente
apreensível como aprazível. Tal como em
qualquer obra de arte, a subjectividade
afirma-se como a instância última de realização da própria representação: o jardim
existe enquanto é apreendido como espaço
de representação, existe na proporção da
intensidade da sua apreensão subjectiva,
exigindo para tanto que o sujeito esteja na
posse da informação necessária para operar
tal movimento de articulação de representações.
Ao nível do jardim botânico, lugar de exposição do saber, de racionalização da experiência pelo conhecimento, de sistematização e de taxionomização, a subjectividade
surge como o dado paradoxal, o intruso
que parece ameaçar a congruência sistemática de toda uma ordem de representações.
Sendo, por definição, o oposto da objectividade e do rigor lógico do conhecimento
científico, e surgindo assim como a sombra
capaz de ameaçar a evidência da verdade, a
subjectividade é, no entanto, o dado indispensável à experiência do espaço articulado
enquanto jardim botânico.
O aparente paradoxo demonstra que esta
não é, de facto, uma realidade cultural cuja
validade seja aferível segundo os critérios da
objectividade e da neutralidade científica; o
jardim botânico não é um lugar de saber, é
posed (even when only on the level of educational divulgation) to the sphere of aesthetic representation. This shift to another
order of representation does not imply the
exclusion of the former; rather, it demands
consideration of a complex and plural
notion of cultural experience. The botanical garden arouses in the spectator an experience of space, nature and culture that is
irreducible to any unanimous assertion of
a single exclusive mode of representation,
whether reason, religion, aesthetic sensibility or any other.
1 For a description of the site and characteristics of gardens in the Roman world, see Patrick Bowe, Gardens of the Roman World, Frances
Lincoln, London, 2004.
2 For an exploration of the morphology and
vocabulary of the traditional Islamic garden,
see Arnaud Maurières & Éric Ossart,, Paradise
Gardens, Éditions du Chêne - Hachette Livre,
2000 ; for an interpretation of their importance
for the Portuguese landscaping tradition, see
Helder Carita & Homem Cardoso, «Da tradição
islâmica e da génese do jardim português»,
in Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal, Bertrand Editora/ Quetzal Editores, Venda
Nova, 1998.
3 In fact, many of the most important modernist gardens (although Modernism does not
exhaust Modernity in its broadest sense) are
private; see Jane Brown, The Modern Garden,
Thames & Hudson, London, 2000.
4 For an exploration of this matter, see Rob
Aben & SasKia de Wit, The Enclosed Garden:
History and Development of the Hortus Conclusus and its Reintroduction into the Present-day
Urban Landscape, 010 Publishers, Rotterdam,
1999.
5 In Jorge Luis Borges’ paradoxical narratives,
which are as rigorous as they are apocryphal
(see «O idioma analítico de John Wilkins», in
Outras Inquirições—Obras Completas II, p. 8184, Editorial Teorema, 1998), different possibilities of taxionomic organisations of reality and
different ways of apprehending reality are presented as organized and meaningful, whatever
their defining principles, and even when considered false when perceived from the point of
113
um lugar de encenação do saber. A dimensão cénica exige que se tenha transposto o
âmbito da estrita representação científica
—ainda que apenas ao nível da sua divulgação didáctica— para se situar no âmbito
da representação estética. A remissão para
outra ordem de representação não implica
a exclusão do primeiro nível; exige, sim, que
se considere uma noção de experiência cultural constitutivamente complexa e plural.
O jardim botânico suscita ao espectador
uma experiência do espaço, da natureza e
da cultura, irredutível ao enunciado unívoco de um modo exclusivo de representação, seja este o da razão, da religião, da sensibilidade estética, ou outro.
1 Para uma abordagem do lugar e das características dos jardins no mundo romano, vejase Patrick Bowe, Gardens of the Roman World,
Frances Lincoln, Londres, 2004.
2 Para uma exploração da morfologia e do
vocabulário do jardim de tradição islâmica,
veja-se Arnaud Maurières e Éric Ossart, Paradise
Gardens, Éditions du Chêne - Hachette Livre,
2000 ; para uma leitura da sua importância ao
nível da tradição paisagística portuguesa, vejase Helder Carita e Homem Cardoso, «Da tradição islâmica e da génese do jardim português»,
in Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal, Bertrand Editora/ Quetzal Editores, Venda
Nova, 1998.
3 E, de facto, muitos dos mais relevantes jardins modernistas (embora o Modernismo não
esgote a mais ampla acepção de Modernidade)
são privados; veja-se Jane Brown, The Modern
Garden, Thames & Hudson, Londres, 2000.
4 Para uma abordagem desta questão, veja-se
Rob Aben e Saskia de Wit, The Enclosed Garden:
History and Development of the Hortus Conclusus and its Reintroduction into the Present-day
Urban Landscape, 010 Publishers, Roterdão,
1999.
5 Na sua tão rigorosa quanto apócrifa apresentação de narrativas paradoxais, Jorge Luis Borges
(Veja-se «O idioma analítico de John Wilkins»,
in Outras Inquirições—Obras Completas II, p.
81-84, Editorial Teorema, 1998), recenseia diferentes possibilidades de organização taxionó-
114
view of modern reason.
6 See Clemens Steenbergen & Wouter Reh,
Arquitectura Y Paisaje: La Projectión de los
Grandes Jardines Europeos, Editorial Gustavo
Gili, Barcelona, 2001.
mica da realidade; diferentes possibilidades de
apreender a realidade como algo dotado de
organização e sentido, quaisquer que sejam
os princípios segundo os quais esse sentido se
define, e mesmo que do ponto de vista da razão
moderna eles se afigurem como inverosímeis.
6 Veja-se Clemens Steenbergen e Wouter Reh,
Arquitectura Y Paisaje: La Projectión de los
Grandes Jardines Europeos, Editorial Gustavo
Gili, Barcelona, 2001.
115
Dia Positivo*
Positive Day
Conceição Riachos
*The title DIA POSITIVO means a ‘positive day’ but also, when single word, means ‘slide’ or ‘transparency’
Bent palm-tree balances THE heat, heat, heat
Francisco Queirós, Índex Seminum et Sporarum, 2006
Susana Paiva. Noites Brancas. 2004
Hugo Santos. 2002
Haikus-bambu
Haiku-bamboo
Graça capinha
1.
da terra ao céu uma chuva farta verde ávida
de infinitos dedos um único
ser
2.
pulmão de tubos antes da morte
da mata o clamor único
orgão
3.
de toque sempre renovado
uma velha
única
melodia
1.
from earth to sky rain plenteous green eager
of infinites fingers one
being
2.
lung of tubes before death
of the wood shouting one
organ
3.
of ever renewed touch
one
old
tune
125
Paulo Bernaschina. Desmoralização. 1994
127
Autor desconhecido. Série M, nº 58 e 60. Col. Dep. Botânica UC
Flores e outras espécies sem nome
flowers and other nameless species
Luís Quintais
Nada na natureza tem nome.
Como se de um jardim botânico
sem indicações precisas – em latim de preferência – se tratasse.
Lineu rir-se-ia da minha ignorância feliz –
deste conhecimento que complacente
se diverte no seu desconhecimento.
Formas, cores, a ebriedade dos cheiros,
a insensata vertigem sensitiva de um bosque,
a atmosfera vegetal de uma estufa,
as flores como sexos – são sexos? – abertos
onde perante visitas mergulho.
Atónitos ficariam se soubessem que nada na natureza –
é “natureza” este voluptuoso jogo
de se desconhecer? – tem nome. Tudo é orgânico recorte
que o herbário não contém, desequilíbrio,
sonho do indecifrável que lento se putrefaz
perante a virtuosa ignorância classificatória
em mim se animando.
O jardineiro que não tinha projectos
The gardener who has no causes
Maria Lusitano Santos
Nothing in nature has a name.
As if it were a botanical garden
with only the vaguest indications, preferably in Latin.
Linnaeus would laugh at my happy ignorance,
at this knowledge that blithely
delights in not knowing.
Colors, shapes, inebriating fragrances,
the senseless, sensation-filled vertigo of a forest,
the vegetable atmosphere of a greenhouse,
the flowers like open sex organs – are they
sex organs? – which I dive into as visitors look on.
They’d be shocked to find out that nothing in nature –
is ‘nature’ this voluptuous game
of self-ignorance? – has a name. It’s all organic essence
not found in herbariums, all disproportion,
all a dream of indecipherables slowly rotting
before this virtuous classificatory ignorance
bursting with life inside me.
translated by Richard Zenith
133
Uma releitura de Jorge Luís Borges e de Michael Polanyi a propósito
de uma reconstrução epistemológica entre Arte e Ciência
A Rereading of Jorge Luís Borges and Michael Polanyi with regards
to an Epistemological Reconstruction between Art and Science
Sebastião J. Formosinho
O Livro
Um livro sobre o “Jardim Botânico de Coimbra: Contraponto entre Arte e Ciência”
poderá surpreender-nos por menos oportuno numa época recheada de meios de
tecnologias de informação bem diversificados. Prometo que não os esqueceremos,
mas desde já recordo Jorge Luís Borges:
«De los diversos instrumentos del hombre,
el más asombroso es, sin duda, el libro. Los
demás son extensiones de su cuerpo»1.
Este livro sobre o Jardim Botânico de
Coimbra é acima, de tudo, um preito de
homenagem aos que nos antecederam na
Universidade de Coimbra em busca de uma
renovação pedagógica e científica sob a
acção energética das Luzes — a criação de
um “laboratório natural e observacional”
apropriado para uma ciência muito marcada
pela classificação sistemática mediante
um «reconhecimento de padrões». Com
os matizes e os meios próprios da época,
recordamos as suas memórias, os seus
anseios, as suas imaginações e intuições.
Mas Borges aporta-nos ainda outra faceta
que se prende com a relação de amor com
o Livro: «Continuo imaginando não ser
cego; continuo comprando livros; continuo
enchendo minha casa de livros. Há poucos
dias fui presenteado com uma edição de
1966 da Enciclopédia Brokhaus. Senti sua
presença em minha casa — eu a senti como
uma espécie de felicidade. Ali estavam
os vinte e tantos volumes com uma letra
gótica que não posso ler, com mapas e
gravuras que não posso ver. E, no entanto,
o livro estava ali. Eu sentia como que uma
The Book
A book entitled “Coimbra Botanical Garden:
Counterpoint between Art and Science”
may strike us as less than opportune in an
era filled with diverse information technologies. We will come back to these; but first,
I would like to recall the words of Jorge Luís
Borges: “Of all the various tools created by
man, the most astonishing is undoubtedly
the book. The others are all just extensions
of his body”1.
This book on Coimbra Botanical Garden is
above all a kind of homage to all our predecessors at the University of Coimbra who
sought pedagogical and scientific renewal
in the spirit of the Enlightenment. The
result was the creation of a “natural observation laboratory” for a science characterised by systematic classification based
upon a “recognition of patterns”. With the
resources and spirit of the age, we record
their memories, their longings, their imaginations and intuitions. But Borges also
brings us another facet that has to do with
love of books: “I continue to imagine that
I am not blind; I continue to buy books;
I continue to fill my house with books. A
few days ago, I was offered a 1966 edition
of the Brokhaus Encyclopaedia. I could feel
its presence in my house – I felt it like a
kind of happiness. There were those twenty
and so volumes with their Gothic lettering
that I cannot read, with maps and illustrations that I cannot see. Yet the book was
nevertheless there. I felt a kind of friendly
pull emanating from the book. I think that
books offer one of the chances for hap-
137
gravitação amistosa partindo do livro.
Penso que o livro é uma das possibilidades
de felicidade de que dispomos, nós, os
homens»2. Sem dúvida que para além dos
elementos intelectuais, há elementos físicos
que prendem o leitor ao livro: o folhear,
o passar a mão sobre a encadernação e
as figuras, o sentir o cheiro do papel, da
cola, da tinta, o gosto de ler em voz alta
determinadas passagens, etc.. Mas sem
dúvida Borges não o terá feito com todos
os volumes da Enciclopédia Brokhaus. É
que falta-nos ainda um elemento implícito
(tácito), e de grande importância, o sentir o
livro como um todo.
piness that we, men, have at our disposal?”2.
In addition to their intellectual aspects,
books also clearly have physical aspects
that captivate the reader: we enjoy leafing
through a tome, passing our hand over the
binding and the illustrations, smelling the
paper, the glue, the ink, reading certain passages aloud. But Borges would certainly not
have done that with all the volumes of the
Brokhaus Encyclopaedia. What we are still
lacking is an implicit (tacit) aspect of great
importance, namely the feel of the book as
a whole.
A Beleza
Mas este livro sobre o Jardim Botânico de
Coimbra, para além da relação entre o leitor
e a obra escrita, traz-nos uma outra relação,
a da Arte com a Ciência. E como não há arte
sem criatividade e sem beleza, esta nova
relação transporta-nos para outros horizontes. Comecemos pelo da Beleza.
Segundo Leibniz, «a beleza é um elemento
da teoria do ser e da verdade, isto é, o reconhecimento da harmonia». «A beleza é a
uniformidade da natureza com um excedente de riquezas e de ornamentos». Ao
constituir-se como inteligibilidade, a verdade acompanha-se por um suplemento
que é o belo. Por isso a Beleza é a harmonia
para aquele que compreende. E a arte, em
suma, duplica ou triplica a harmonia universal.
Beleza como sinónimo de bom, do que
nos agrada, da proporção e da harmonia,
das cores, da elegância na função, o que
nos encaminha para a beleza das coisas da
natureza. Claro que tal parece afastar-nos
da íntima relação que se estabeleceu entre
Beleza e Arte. Todavia, este afastamento é
momentâneo, pois de imediato associamos
o Jardim Botânico à poesia, nuns versos simples de Jorge Luís Borges:
Beauty
But this book on the Coimbra Botanical
Garden is concerned not only with the relationship between the reader and the written
work, but also the relationship between Art
and Science. And as there is no art without
creativity and beauty, this new relationship
transports us towards other horizons. I will
begin with Beauty.
According to Leibniz, “beauty is an element
in the theory of being and truth, that is, the
recognition of harmony”. “Beauty is the uniformity of nature with a surplus of riches
and ornaments”. In becoming intelligible,
truth is accompanied by a supplement that
is the beautiful. For this reason, Beauty is
harmony for whoever understands it. And
art, in short, doubles or triples universal
harmony.
Beauty is therefore a synonym of the good,
of what pleases us, of proportion and
harmony, colours, elegance in function,
what leads us towards beauty of things of
nature. Of course this might seem to distance us from the intimate relationship established between Beauty and Art. However,
this distancing is momentary, since we can
immediately associate the Botanical Garden
to poetry, as in these simple lines by Jorge
Luís Borges:
138
«Num declive está o jardim,
Cada arvorezita é uma selva de folhas.
Assediam-no em vão
as estéreis colinas silenciosas
que adiantam a noite e a sua sombra
no triste mar de inúteis verdes.
Todo o jardim é uma luz amena
a iluminar a tarde»3
«On a slope is the garden,
Each little tree is a jungle of leaves.
They harass it in vain,
those sterile silent hills,
which hasten the night and its shadow
on the sad sea of useless greens.
The whole garden is a soft light
illuminating the afternoon»3
«Verdes inúteis», é o poeta a falar, porque
o verde desempenha uma função essencial nas plantas para a captura eficaz da luz
solar no exercício da função da fotossíntese. Mas continuemos a escutar o escritor, Borges, oral, retomando um tema que
o tempo lhe tinha consubstanciado, e que
apresentou na Universidade de Belgrano —
o Livro —: «Dos diversos instrumentos do
homem, o mais assombroso é , indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do
“Useless greens” is the poet speaking; for
in fact the green part of the plant has an
essential function, namely to capture sunlight in the process of photosynthesis. But
let us continue to listen to the writer, Borges,
expounding on a theme that had long been
important for him, and which he presented
at the University of Belgrano, namely the
Book: “Of all the various tools created by
man, the most astonishing is undoubtedly
the book. The others are all just extensions
139
seu corpo. O microscópio e o telescópio são
extensões da vista; …»4. É precisamente o
microscópio que tem permitido ao homem
ir procurar aspectos formais insuspeitos na
natureza da matéria, tal como faz com «a
beleza dos cristais de neve».
É o microscópio de polarização que nos vai
transportar a um outro mundo de beleza
natural, a um Museu — The Micropolitan
Museum. Não vou sugerir que se desloquem a Amesterdão, se bem que algumas
das imagens nos lembrem estampas japonesas e quadros impressionistas de van Gogh.
Os meus leitores nem carecem de ir ou a
Paris ou a Londres ou a Nova Iorque. Iremos
simplesmente à internet ao site: http://www.
microscopy-uk.org.uk/mag/artsep03/bjpolar3.
html
O Curador do Micropolitan Museum, Wim
van Egmond apresenta a mais bela colecção
de obras primas de fotografias de microscópio de polarização de sistemas naturais.
Começo por chamar a atenção do leitor
para as imagens de cristais-líquidos, mormente as que acompanham a mudança de
fase do cristal líquido para o estado sólido.
Estão logo à entrada do Museu. Não são
apenas obras da Natureza. O fotógrafo tem
o seu papel na escolha do ritmo de temperatura para a transição de fase, no recurso
à luz polarizada. No campo de observação,
o artista, porque de um artista se trata, vaise deparando com o desenvolvimento alarmante de formas circulares, que acabam
por obliterar o cristal líquido. Recorrendo a
polarizadores cruzados e a efeitos de compensação, o artista consegue prestar uma
perspectiva tridimensional a muitas das
imagens.
Uma dessas imagens sugere-me o “Pessegueiro Rosa em Flor” (Março de 1888) de
van Gogh. Noutras imagens encontramos
linhas espiraladas e ondulantes, como de
verdadeiros centros de rotação de matéria
e de cores. Mesmo estruturas de turbulência que evocam estruturas auto-organizadas que se geram na mistura de fluidos, ou
140
of his body. The microscope and telescope
extend his view; …”4. Indeed it is precisely
the microscope that has enabled man to
search out forms that he had scarcely suspected existed in matter, such as “the
beauty of snow crystals”.
Let us allow the polarization microscope to
transport us into another world of natural
beauty, to a Museum — The Micropolitan
Museum, in fact. I am not suggesting that
we all take off for Amsterdam, although
some of the images may remind us of
Japanese prints and the impressionist paintings of Van Gogh. For this trip the reader
does not even need to go to Paris or London
or New York; we can simply visit its site on
the Internet (http://www.microscopy-uk.org.
uk/mag/artsep03/bjpolar3.html).
The curator of the Micropolitan Museum,
Wim van Egmond, presents the most
beautiful collection of photographic masterpieces created using polarization
microscopy of natural systems. I begin by
drawing the reader’s attention to the liquid
crystal images, especially those taken during
the change from the liquid crystal to solid
state, right at the entrance to the Museum.
These are not works of Nature alone; the
photographer also plays a part in selecting
the rhythm of the temperature for the transition of phase when using polarized light. In
the field of observation, the artist (because
that is what he is) will notice circular shapes
developing in a startling way, ultimately
obliterating the liquid crystal. Using crossed
polarizers and compensation effects, he
manages to give a three-dimensional perspective to many of these images.
One of these images reminds me of van
Gogh’s painting “Peach Trees in Blossom”
(March 1888). In others, we find spiralling
and undulating lines like centres of rotation
of matter and colour, even turbulence patterns that evoke self-organized structures
generated when fluids are mixed, or flames
that seem to burn the photographer. But
don’t worry, the temperatures have to
labaredas que parecem queimarem o fotógrafo. Mas tranquilizem-se, as temperaturas são muito baixas para manter o estado
de cristal líquido.
Depois recomendo que vão à galeria do
Botanical Garden. Lá encontrarão inúmeras
fotografias com muitos efeitos de cor recorrendo, por exemplo, à iluminação de Rheinberg. Trata-se de um sistema desenvolvido por Rheinberg, cerca de 1895, que faz
recurso a um conjunto de filtros de cores
para produzir distinções entre secções distintas do sistema óptico.
Todos nós somos atraídos pela beleza
macroscópica das árvores e das flores, mas
todas dispõem de estruturas microscópicas escondidas e insuspeitadas para o cidadão comum. Que espectáculo de formas e
de cores! Depois, só posso recomendar que
naveguem por todo o museu, como quiserem. Serão sempre surpreendidos como eu
o fui, na busca de imagens de cristais líquidos na internet. Atenção, a reprodução
destas imagens carece de autorização do
Micropolitan Museum, pelo que lhes reservo
a sensação de surpresa e estranhamento
para a consulta do website. Mas encontramos-lhes ainda a «mesma função de tantas
obras de arte que, através da Beleza, souberam exorcizar a dor, o medo, a morte, o
perturbador e o desconhecido». Mas reafirmam que «beleza, verdade, invenção, criação não existem unicamente numa espiritualidade angelizada, mas têm também a
ver com o universo das coisas que se tocam,
que se cheiram, que quando caem fazem
barulho»5.
Uma epistemologia da descoberta
Borges imagina no seu famoso conto "O
jardim dos caminhos que se bifurcam" um
livro infinito, escrito por um sábio chinês,
que se constitui ao mesmo tempo num labirinto temporal: O jardim dos caminhos que
se bifurcam é uma imagem incompleta, mas
não falsa, do universo tal como o concebia
Ts'ui Pen. A ligação livro/totalidade surge
be very low to maintain the liquid crystal
state.
Afterwards I advise you to go to the Botanical Garden gallery, where there are a
number of photographs with interesting
colour effects. Some of these have been
created with Rheinberg illumination, a
system developed by Rheinberg around
1895 using a series of colour filters to make
distinctions between different parts of the
optical system.
Everyone is attracted by the macroscopic
beauty of trees and flowers, but few of us
suspect that they contain these hidden
microscopic structures. And what a marvellous spectacle of colour and shape this
is! I suggest you navigate through the whole
museum at your leisure. You will always be
surprised, as I was, when you go in search
of liquid crystal images on the net. But be
careful, these images may not be reproduced
without authorization from the Micropolitan Museum, which is why I reserve my
sensations of surprise and strangeness for
my on-line visits. In them we also find “that
function, shared by many works of art, of
being able, through Beauty, to exorcise pain,
fear and death, and overcome what is disturbing or unknown”. But they also reaffirm
that “beauty, truth, invention and creation
do not exist only in some angelic spiritual
realm, but are also present in the universe
of things that we can touch and smell, and
which make a noise when they fall”5.
An Epistemology of Discovery
In his famous tale "The Garden of Forking
Paths” Borges imagined an infinite book,
written by a Chinese sage, which at the
same time constitutes a labyrinth of time:
The Garden of Forking Paths is an incomplete image, though not a false one, of the
universe as conceived by Ts'ui Pen. The
book/totality connection arises in this tale
through the game with time.
Bifurcations are also rival opportunities,
alternative paths, new ways of reasoning
141
neste conto através do jogo com o tempo.
Bifurcações são também oportunidades
rivais, caminhos alternativos, novas racionalidades ou perspectivas. Por isso, a busca
de uma totalidade também nos pode surgir
através da criatividade. As Luzes trouxeram
um modo de conhecer apelidado de objectivo que parece ter perdido a sua componente humana e lidar apenas com robots,
neutros e insensíveis ao próprio conhecimento que constroem.
No conhecimento científico, contudo,
há componentes subjectivas que não são
compatíveis com um ideal abstracto de
uma pura objectividade. A componente
subjectiva não pode ser extirpada do
conhecimento científico, porque é uma
componente intrinsecamente humana,
uma componente de conhecimento pes­
soal. Todo o conhecimento, mormente
o conhecimento fruto da descoberta,
implica um envolvimento pessoal que
não conseguimos justificar plenamente
por palavras ou proposições na altura em
que a ele aderimos, e quando queremos
convencer outros das nossas convicções.
É um acto de paixão epistémica, de fé, de
amor à verdade científica6. Mas é também
uma assunção de risco ao sujeitarmos a
uma tensão elevada as nossas capacidades
perante os puzzles e os mistérios que a
natureza esconde, e perante os «pares»
que se nos vão opor. É uma adesão íntegra
à verdade que nós mesmos criámos, e
não podemos minimizar o esforço pessoal
que um tal empreendimento implica. Por
isso, em Michael Polanyi, «a descoberta
científica é o verdadeiro paradigma da
aquisição do conhecimento em ciência». E
a descoberta científica é um acto com uma
forte criatividade.
Claro que o resultado das intuições e das
convicções pessoais tem de ser sujeito ao
escrutínio da restante comunidade científica. «Mas todo o verdadeiro descobridor está sempre pronto a reivindicar a validade universal das suas convicções inova-
142
or new perspectives. Therefore, the search
for a totality may also arise through creativity. The Enlightenment brought a way
of knowing that was called objective, and
which seemed to have lost its human component and dealt only with robots, neutral
and insensible to the very knowledge that
constructed them. In scientific knowledge,
however, there are subjective components
that are not compatible with an abstract
ideal of pure objectivity. The subjective
component may not be separated from
scientific knowledge, because it is intrinsically human, a component of personal
knowledge. All knowledge, but especially
the knowledge that comes from discovery,
implies a degree of personal involvement
that we cannot completely explain in words
or propositions, while we are implicated in it
or when we want to persuade others of our
convictions. It is an act of epistemic passion,
of faith, love of scientific truth6. But it also
involves risk, as we subject ourselves and
our capacities to the stress of confronting
the puzzles and mysteries of nature, and of
course the “peers” that will oppose us. This
involvement is an integral part of the truth
created by us, and we cannot underestimate
the personal effort that such a commitment
entails. For this reason, in Michael Polanyi,
“scientific discovery is the true paradigm of
acquisition of knowledge in science”. And
scientific discovery is a strongly creative
act.
Of course, the result of these personal
intuitions and convictions has to be scrutinized by the rest of the scientific community. “But all true discoverers are always
ready to vindicate the universal validity of
their innovative convictions, although they
also recognise that such a belief in universality inevitably transcends all the evidence
available”. Polanyi considers such an epistemological leap to be an appeal from God,
a call to a personal mission, in which each
person may be successful for reasons that
are beyond his limited understanding. It is a
doras, se bem que reconheça igualmente
que uma tal adesão à universalidade inevitavelmente transcende toda a evidência
disponível». Polanyi considera um tal salto
epistemológico como um apelo de Deus a
uma missão pessoal, em que cada um talvez
seja bem sucedido por razões que ultrapassam o seu limitado entendimento. Trata-se
de um paradoxo de fé; impele-nos a seguir
um caminho que, em reflexão mais aprofundada, nos parece injustificado, pois é
absolutamente impossível dispor de tempo
e de dados da experimentação para uma
demonstração completa das intuições pessoais7.
Todo o acto de descoberta não é fruto
de um conjunto explícito e articulado de
regras ou algoritmos, mas sim de intuições
e de convicções. Todo o conhecimento
é público e também, em larga medida, é
conhecimento pessoal, pois é fruto de uma
construção humana com as suas emoções
e mesmo paixões. Mas ao ter uma componente social, o conhecimento amalgama-se
com a experiência individual da realidade.
O conhecimento inarticulável antecede em
nós o articulável e por isso é mais fundamental.
Realizado o acto de descoberta, segue-se-lhe o acto de verificação. É mediante este
acto que o ser inteligente reconhece que
ficou habilitado com um novo poder intelectual, morrendo para ele o problema que
suscitou o conjunto de actos que conduziu à descoberta. Perante um problema da
mesma índole, não mais aquele ser inteligente fica perplexo perante o problema, o
que é a prova que adquiriu uma nova capacidade cognitiva.
Há um «hiato lógico» entre os estados antes
e após a descoberta, e a amplitude deste
hiato é proporcional ao engenho que tem
de ser desenvolvido para o ultrapassar. Para
saber distinguir se estamos perante um acto
de descoberta ou perante um mero acto de
melhoramento técnico, o critério é saber se
o resultado poderia ter sido previsto pela
paradox of faith; we are impelled to follow a
path which, upon deeper reflection, seems
unjustified, since it is absolutely impossible
to completely demonstrate our personal
intuitions with the time and experimental
data available7.
All acts of discovery result, not from an
explicitly articulated body of rules or algorithms, but rather from intuitions and convictions. All knowledge is public, but it is
also largely personal, since it is the fruit of
a human construction with its emotions
and even passions. But having a social component, knowledge is amalgamated with
the individual experience of reality. Inexpressible knowledge precedes what is
expressible in us, and is therefore more fundamental.
After the act of discovery we proceed to
verification. With this, the intelligent being
acknowledges that he has acquired a new
intellectual power, and the matter that
prompted him to undertake the various
acts that led to the discovery ceases to exist
for him. When faced with a similar problem,
that intelligent being will no longer be perplexed, which proves that he has acquired a
new cognitive ability.
There is a “logical hiatus” between the states
before and after the discovery, and the size
of that hiatus is proportional to the ingenuity needed to overcome it. The criterion
for distinguishing between an act of discovery and a mere act of technical improvement is whether the result could have
been predicted by the routine application
of “the rules of the art” (i.e. if there is some
logical continuity) or if, in fact, it was unpredictable and therefore aroused surprise
when it was achieved. In all inventive acts,
there is at least one logical hiatus, which,
when overcome, leads us to new rules.
One of the paradoxical characteristics of
the whole act of discovery is that, while the
researcher has not yet found the solution
to the problem, he has a certain inkling
of what that solution will be. The expe-
143
aplicação rotineira das «regras da arte»,
isto é, num caminho de continuidade lógica,
ou se, de facto, o resultado era imprevisível e, como tal, fonte de surpresa quando se
alcança. Em todo o acto inventivo há pelo
menos um hiato lógico que, uma vez ultrapassado, nos conduz a regras novas.
Uma das características paradoxais de todo
o acto de descoberta é que, se bem que o
investigador não tenha encontrado previamente a solução do problema, tem uma
certa concepção dessa solução, tal como
nós temos a concepção de um nome de
uma pessoa conhecida que nos escapa de
momento à memória. Também quando
sentimos o aproximar da solução, sentimo-la da mesma forma que quando temos um
nome esquecido debaixo da língua.
Acresce que a ciência impessoal do positivismo não suscita o contacto suficiente
do observador com a realidade, para criar
“raízes” quer na pessoa quer na própria realidade; limita-se a um contacto frio e tangencial de robots.8 Este modo proveniente
do Iluminismo de entender o conhecimento
humano é uma “versão truncada” do que é
o verdadeiro conhecimento, e leva a uma
desresponsabilização do cientista.
Mas a verdadeira objectividade não é um
desresponsibilizar do observador; comporta
um risco, o da assunção de a nossa adesão
ao que julgamos ser a verdade boa ou má.
O acto de conhecer é fruto de termos conquistado, mediante um conhecimento integrativo, um padrão cognitivo coerente que
nos leva a entrar em contacto com a realidade, e a deixarmo-nos moldar pela própria realidade. Esta, por sua vez, vai exercer,
sobre nós, uma certa autoridade. Os artistas
e escritores exprimem este modo de acção
muito expressivamente quando testemunham que a coerência das suas obras molda
todo o seu esforço de criação9.
Acresce que o desejo de conhecer só se
satisfaz plenamente quando convence os
outros, a comunidade, e esta é a grande
força humana, motor de toda a aventura
144
rience is similar to what we feel when an
acquaintance’s name has temporarily
slipped our mind; when we think we are
drawing close to the solution, it is as if it is
“on the tip of our tongue”.
The impersonal science of positivism does
not allow sufficient contact between the
observer and reality to put down “roots”,
either in the person or in the reality itself;
it is limited to the cold tangential contact
of robots.8 This Enlightenment mode of
understanding human knowledge is a “truncated version” of true knowledge and ultimately relieves the scientist of his responsibility.
But true objectivity does not remove the
observer’s responsibility; it brings with it a
risk, the risk that what we judge to be true
may in fact be good or bad. With complete
knowledge, the act of knowing is the result
of having conquered a coherent cognitive
pattern that allows us to enter into contact
with reality and mould it to our own reality.
This in turn will exert a certain authority
upon us. Artists and writers express this
mode of action very well when they testify
that the coherence of their works moulds
the whole effort of creation9.
It should be added that the desire for knowledge is only fully satisfied when we manage
to convince others (i.e. the community), and
this is the great human effort, the impulse
behind the whole intellectual adventure of
discovery (even when it goes against well
established theories, since it is opening up
new paths of reasoning!) The driving force
behind scientific discovery is very deeply
rooted in the beauty of undertaking scientific enterprises designed to “further our
understanding of Nature”.
Creativity in Architecture
All discovery is intimately bound up with
the cognitive schemes of science and opens
up the way to a profounder knowledge of
nature and its phenomena. Invention, which
can be patented, is also based on experimen-
intelectual da descoberta, mesmo contra
teorias bem estabelecidas, porque é uma
conquista de novos caminhos de racionalidade! A força motriz da descoberta intimamente ligada à ciência, está muito enraizada
na beleza das realizações e dos empreendimentos científicos intimamente associados
a um «entendimento cada vez melhor da
Natureza».
A criatividade em Arquitectura
Toda a descoberta está intimamente ligada
aos esquemas cognitivos da ciência, e abre
entendimentos cada vez mais profundos
sobre os nossos conhecimentos acerca da
natureza e dos seus fenómenos. A invenção,
que é passível de ser patenteada, também
assenta em factos da experimentação e da
observação e no entendimento que temos
sobre a natureza do mundo. Tal como a
descoberta, a invenção também requer
um profundo engenho inovador mas, em
contraste com a descoberta, pretende
somente melhorar a função produtiva, o
que depende das condições económicas de
um dado tempo e lugar10.
Se colocarmos nos vértices do triângulo as
vertentes de descoberta, de impacto económico e a estética de qualquer acto criativo de conhecimento, vemo-nos no último
pólo muito próximos da Arquitectura que,
para muitos, é um bom exemplo da articulação científica entre as estéticas do belo na
organização do espaço e das formas para o
conforto habitacional e de vivência pública
do homem e a tectónica dos materiais e das
artes oficinais.
Como realça Christopher Alexander, a
grande finalidade da arquitectura é a de
criar beleza de formas e de adaptação na
cidade e em ambientes mais rurais. Ou
por outras palavras, a «arquitectura como
procura da satisfação das necessidades do
homem em abrigo e vida cívica». Tal implica
encetar por formas mais eternas, por concepções mais estéticas e funcionais, por
conferir um valor acrescentado à utilização
tation and observation, and on the understanding that we have about the nature of
the world. Like discovery, invention requires
great innovative skill; but, unlike it, only
aims to improve productive functioning,
which depends upon the economic conditions of a particular time and place10.
If discovery, economic impact and aesthetics (the constituents of any creative act
of knowledge) are placed at the points of a
triangle, we find ourselves at the last pole
very close to Architecture, which, for many,
is a good example of the scientific connection between the aesthetics of beauty
(in the organization of space and forms
for habitational comfort and public living)
and the tectonics of materials and craftsmanship.
As Christopher Alexander has pointed out,
the great aim of architecture is to create
beauty from forms adapted to the city or to
more rural environments. In other words,
architecture is “a quest to satisfy man’s
needs for shelter and civic life”. This implies
starting with more eternal forms, with
designs that are more aesthetic and functional, in order to add value to the use of
spaces, with roots that are more anchored
in empirical reality.
Is Architecture a universal counterpoint
between art and science? Or does the
architect see science as a straitjacket to be
rejected for hampering his personal creativity? In Volume 3 of the electronic journal
on classical architecture, Katarxis, Bill Hillier
argues for a better reconciliation between
a science of quantities and of qualities11.
“Theory liberates”, he claims, since it opens
our eyes to new ways of doing things, even
in the field of the arts.
If we look at a beach and watch how the
people naturally organise themselves, we
will see that each person tries to preserve
the physical space of his neighbour, as if
there were some repulsive force operating
between them (unless they are family or
friends, of course, in which case they will
145
dos espaços, com raízes mais ancoradas na
realidade empírica.
A Arquitectura um contraponto universal
entre arte e ciência? Ou será que o arquitecto vê a ciência como um colete-de-forças
a rejeitar por tolher a criatividade pessoal? Se percorrermos a revista electrónica
de arquitectura clássica, Katarxis, no seu
volume 3, encontramos Bill Hillier a advogar
uma melhor conciliação entre uma ciência de quantidades e de qualidades11. Mais
afirma que «a teoria liberta», pois abre os
nossos olhos a novas possibilidades de fazer
as coisas, mesmo no campo das artes.
Olhemos para uma praia e debrucemonos sobre o modo como as pessoas se
organizam. Cada uma procura preservar
o espaço físico do vizinho, como se houvesse uma força repulsiva entre elas. A não
ser que sejam família ou amigos, pois então
organizam-se em grupos como se houvesse uma força actractiva entre elas. Se na
praia houver passadiços, estes criam vias
de conectividade que actuam juntamente
com as outras forças neste palco que é uma
praia. Conceber edifícios é uma coisa, mas
dispô-los de forma a maximizar o seu uso
e criar vias de circulação naturais e apelativas para as pessoas é todo uma outra. Lembrem-se do conceito de as «Rua Direita» de
algumas das nossas cidades antigas. Eram
as vias mais rápidas, e por mor disso, mais
populares de circulação de pessoas e de
comércio.
O erro em muitas concepções urbanas
modernas é que o layout das vias de circulação pedestre é complexo, quebrando
a busca natural de as pessoas procurarem
algo como o caminho mais curto e de menor
esforço que liga A a B. Na busca de melhores layouts, o recurso a formas mais científicas de conceber o uso do espaço para a circulação de pessoas e a colocação de lojas
comerciais e serviços é bem vindo. Com a
utilização de um programa computacional
como o Axman, que faz este tipo de integração da concepção do espaço com o respec-
146
form groups as if there were an attractive
force at work). When there are walkways
on the beach, then these will create paths
of connectivity that act in conjunction with
the other forces on the “stage”. Designing
buildings is one thing, but arranging them
in such a way as to maximise their use
and create natural circulation routes that
appeal to people is an entirely different
matter. Many older Portuguese cities
contain a street called the Rua Direita
(“Direct Street”); these were the fastest
routes, and therefore the most popular
ones for the circulation of people and commerce. The mistake made by many modern
urban designers is that layout of the pedestrian circulation routes is complex, and
thus thwarts people’s natural tendencies to
seek out the shortest and most direct way
of getting from A to B, the route of least
effort. In the search for better layouts,
we welcome the advent of more scientific
methods of designing spaces to be used for
the circulation of people and the placement
of shops and services. With computer programmes such as Axman, which integrates
the design of the space with the use that
is to be made of it, the firm Space Syntax
manages to incorporate some of the components of the physical model of spatial distribution of people on a beach, as well as
other research by the urban architect Bill
Hillier12, in a much more sophisticated way.
Spaces for urban circulation (i.e. roads) may
be alive or dead, safe or crime-ridden, they
may attract people or repel them.
The architect does not use science to
learn what is right or wrong, good or bad,
but rather to improve his understanding
of the choices he makes and to anticipate
the consequences of them. The value of
those choices is always the responsibility
of the scientist or the architect, both of
whom intervene in nature or in the organization of space to better serve men and
women in their daily activities and needs or
provide them with safer and more comfor-
tivo uso, a firma Space Syntax, incorpora, de
um modo muito mais sofisticado, algumas
das componentes do modelo físico da distribuição espacial das pessoas numa praia e
de outras investigações do arquitecto urbanista Bill Hillier12. Os espaços de circulação
urbana, as ruas, podem ser vivos ou mortos,
serem seguros ou facilitarem o crime, atraírem pessoas ou afastarem-nas.
O recurso à ciência não surge ao arquitecto
para dizer o que está certo ou errado, é bom
ou é mau, mas sim para melhor entender as
escolhas que se lhe deparam e quais serão
as consequências de tais opções. O valor e a
responsabilidade das escolhas é sempre da
responsabilidade do cientista ou do arquitecto, mas ambos procuram intervir na
natureza ou na organização do espaço para
servir melhor os homens e as mulheres nas
actividades e necessidades do quotidiano
ou proporcionarem-lhes novos modos mais
confortáveis e seguros de organizarem a
vida. Se o layout de um edifício facilita a
interacção entre as pessoas que nele circulam e trabalham, tal suscita uma busca mais
científica para encontrar as razões de um
tal sucesso na realidade dos padrões da actividade humana. Por exemplo, se transformarmos uma circulação num quadrado na
de um rectângulo, verifica-se que os lados
alongados bloqueiam o movimento e constituem-se em divisórias para as pessoas.
O reconhecimento e a criação de padrões
para os quais quer a Arquictectura quer a
Ciência apelam, faz parte de uma reconciliação entre a quantidade e as qualidades,
entre uma epistemologia do abstracto e do
impessoal e um conhecimento científico
objectivo, mas mais humanizado, e igualmente a uma reconciliação entre ordem e
harmonia, entre simplicidade e holismo.
Basicamente é uma atitude desprovida de
racionalidade o ignorar o papel do nãoracional, ou mesmo do irracional, na interacção da novidade com os pares e com a
comunidade, até mesmo no jogo de interesses que o novo sempre desencadeia.
table ways of organizing their lives. If the
layout of a building facilitates interaction
between the people that circulate and
work in it, then a scientific quest will be
launched to explain that success in the patterns of human activity. For example, if we
transform a square-shaped circulation into
a rectangular one, we will see that the long
sides block movement and set up divisions
between people.
The recognition and creation of patterns
to which both Architecture and Science
appeal is part of a reconciliation between
quantity and qualities, between an epistemology of the abstract and impersonal,
and an objective scientific knowledge that
is more human; it is also a reconciliation
between order and harmony, simplicity and
holism. Basically, it is an attitude stripped of
the rational refusal to acknowledge the role
of the non-rational, or even of the irrational,
in the interaction of the new with peers and
with the community, even in the interplay
of vested interests that is always unleashed
by anything new. However, by providing
transparent and complete information, the
old rule of democratic validity will eventually function.
Architecture may not, however, dispense
with the iconic, the deep symbolic significance present in some of its creations, from
the pyramids to the beautiful Gothic cathedrals (even when these are today religiously
empty, in this European Post-Christianity).
Or, to give a more modern example, we
cannot ignore the “Bilbao effect” of a Frank
Gehry: étonnez-moi!
Scientific relativism, towards which some
of the more extreme currents of postmodernism lead, is marked by “the irrelevance of the experiential fact” in the construction of local versions of pseudo-knowledge. Perhaps the following parable is sufficient to exorcise it. Three famous writers,
Mármol, Groussac and, the most eminent,
Jorge Luís Borges, were directors of the
National Library in Buenos Aires. All of
147
Mas prestando informação transparente e
completa e dando tempo ao tempo, a velha
regra da validade democrática funcionará.
A Arquitectura, porém, não pode prescindir do icónico, do significado simbólico profundo de algumas das suas criações, significado partilhados por muitos, desde as pirâmides às belas catedrais do gótico, mesmo
que hoje religiosamente muito vazias neste
Pós-Cristianismo europeu. Ou, mais modernamente, não pode igualmente prescindir
do «efeito de Bilbau» de um Frank Gehry:
étonnez-moi!
O relativismo científico, que correntes mais
extremas do pós-modernismo nos aportam, traz uma marca de registo: «a irrelevância do facto experimental» na construção de versões locais de um pseudo-conhecimento. Para a exorcizar talvez baste a
seguinte parábola. Três ilustres escritores,
Mármol, Groussac e Borges, o mais eminente (Jorge Luís Borges), foram directores da Biblioteca Nacional em Buenos Aires.
Todos cegos no meio de um milhão de
livros que não podiam ler. Destino comum
que levou Borges a escrever que Deus «com
magnífica ironia lhe deu os livros e a noite
escura». Ciente destas circunstâncias Borges
escreveu um poema à cegueira, “Poema dos
Dons”, um dos seus melhores poemas, em
que vê a própria cegueira como um dom. E
o poema acaba assim:
«Groussac ou Borges, olho este querido
Mundo que se deforma e que se apaga
Numa cinza tão pálida e tão vaga
Que é semelhante ao sono e ao olvido».
Mas o «facto experimental» que é um livro,
mesmo para um invisual, revela-nos que
toda a construção humana, científica ou
artística, está sempre corporalizada e por
via disso têm uma vida própria, vive fora de
nós.
O mesmo exemplo paradigmático encontramo-lo no Jardim Botânico de Coimbra.
148
them were blind amidst millions of books
that they could not read. Their common
destiny led Borges to write that God “with
excellent irony gave me at once both
books and night”. Aware of these circumstances, Borges wrote a poem dedicated to
blindness, “A Poem of Gifts”, one of his best
poems, in which he sees his very blindness
as a blessing. The poem finishes thus:
Groussac or Borges, eye of this dear
World that is deformed and extinguished
In an ash so pale and so vague
That it is like a dream and oblivion.
But the “experiential fact” that is a book,
even for the visually challenged, reveals
the whole human, scientific or artistic construct; it is always embodied and thus, has
its own life, existing outside us.
We find the same thing here in the Coimbra
Botanical Garden. The philosophical
changes occasioned by the Enlightenment,
and which brought the garden into being,
do not obscure this perspective.
1 Translated from the Portuguese version. Jorge
Luís Borges, “O Livro”, in Obras Completas, Vol.
IV (1975-1988), Círculo de Leitores, Lisbon, 1998,
p. 171.
2 Marco Antônio de Almeida, “O Personagem
Livro”,
http://www.escritoriodolivro.org.br/
leitura/marco.html; accessed 24th June 2006.
3 Translated from the Portuguese version. Jorge
Luís Borges, “Fervor de Buenos Aires”, in Obras
Completas, Vol. I (1923-1949), Círculo de Leitores, Lisbon, 1998, p. 32.
4 Translated from the Portuguese version.
Borges, Obras Completas, Vol. IV, op. cit..
5 Translated from the Portuguese. Umberto
Eco, “A História da Beleza”, Círculo de Leitores,
Lisbon, 2005, p. 402.
6 E. L. Meek, Longing to Know. The Philosophy
of Knowledge for Ordinary People”, Brazos
Press, Grand Rapids, MI, 2004, pp. 58, 59, 62
7 Scott & Moleski, op. cit., pp. 214, 215, 218.
As modificações filosóficas do Iluminismo
que o viu nasceu, não enevoou esta perspectiva.
1 Versão portuguesa, Jorge Luís Borges, “O
Livro”, em Obras Completas, tomo IV (19751988), Círculo de Leitores, Lisboa, 1998, pág.
171.
2 Marco Antônio de Almeida, “O Personagem
Livro”, http://www.escritoriodolivro.org.br/leitura/marco.html; acesso 24 Junho 2006.
3 Jorge Luís Borges, “Fervor de Buenos Aires”,
em Obras Completas, tomo I (1923-1949), Círculo de Leitores, Lisboa, 1998, pág. 32.
4 Borges, Obras Completas, tomo IV, ob. cit..
5 Umberto Ecco, “A História da Beleza”, Círculo
de Leitores, Lisboa, 2005, pág. 402.
6 E. L. Meek, Longing to Know. The philosophy
of knowledge for ordinary people”, Brazos Press,
Grand Rapids, MI, 2004, págs. 58, 59, 62
7 Scott e Moleski, ob. cit., págs. 214, 215, 218.
8 Meek, “Longing to Know”, ob. cit., pág. 143.
9 Meek, “Longing to Know”, ob. cit., pág. 148.
10 M. Polanyi, “Academic and Industrial”, Journal of the Institute of Metals, 89, 401-406 (196061); http://www.compilerpress.atfreeweb.com/
A...emic%20and%20Industrial%20JIM%201961.
htm; 12/09/2005
11 http://www.katarxis3.com/ acesso 30 Junho
2006; NEW SCIENCE, NEW URBANISM,
NEW ARCHITECTURE?
12 Space Syntax, http://www.spacesyntax.com;
e
www.spacesyntax.org/publications/changingface/changingface.htm ; acessos em 28 de
Junho 2006.
8 Meek, “Longing to Know”, op. cit., p. 143.
9 Meek, “Longing to Know”, op. cit., p. 148.
10 M. Polanyi, “Academic and Industrial”, Journal
of the Institute of Metals, 89, 401-406 (1960-61);
http://www.compilerpress.atfreeweb.com/A...e
mic%20and%20Industrial%20JIM%201961.htm;
12/09/2005
11 http://www.katarxis3.com/ accessed 30th
June 2006; NEW SCIENCE, NEW URBANISM,
NEW ARCHITECTURE?
12 Space Syntax, http://www.spacesyntax.com;
and www.spacesyntax.org/publications/changingface/changingface.htm; accessed on 28th
June 2006.
Imagem Col. Dep. Botânica UC
149
Madrugada no jardim botânico de coimbra
Dawn in the botanical garden of coimbra
almeida garrett
Como é grato o passeio entre boninas
Aljofradas das lágrimas da Aurora!
Filint
Neste sagrado a Flora, almo recinto,
Trono e delícias dela,
Aqui onde o perfume saudável
Respiro de mil flores,
Como sinto embeber-se-me a existência
Em cada trago destes
Que os sequiosos pulmões, te'qui só fartos
De ar pestilente e mau.
Deste suave e puro ávidos sorvem,
E com ele o remédio
Ao trabalhado, enfraquecido peito,
Ao mui pausado sangue!
Quanto é doce à fagueira, amena sombra
Dos variados arbustos,
Coa fresquidão das plantas rociadas
Das lágrimas da Aurora,
Nos prazeres cevar da Soledade
O descansado espírito!
Como então pela mente se revolvem
Já passadas ideias,
E vêm umas trás outras, acudindo
À lembrada memória!
Como depois no espaço desmedido
Se espraiam do futuro!
A cada objecto… Aqui esta palmeira:
Da eternidade o símbolo
Lhe chamou a sabida Antiguidade.
Vêde-a; a cabeça airosa
Sobr'ergue altiva ao circunstante povo
Das variegadas plantas.
Qual jazem nas solidões do Egipto ou Grécia
Desparzidas, confusas
152
Aqui, ali ruínas venerandas,
Já sem nome esquecidas;
Passa o viajante e indiferente as olha:
Mas se entre elas alçar-se
Coríntio mármore vê, coluna dória,
Que em pé sem medo ao tempo
Parece desafiar a eternidade
E desdenhar dos séculos,
Então pára, respeita a mão dos homens,
Folga de ser um deles.
Tal entre o imenso vegetal cortejo
Que me rodeia agora,
Involuntária a vista só contempla
A nobre, alta rainha
Do vicejante império. Alma se expande,
Se engrandece como ela.
Sinto crescer-me, avigorar-se o espírito:
E o coração no peito
Pulsa com mais vigor, bate mais forte.
Homem! a natureza
Quão grande te criou! quanto puderas
Se não fugisses dela!
Quanto és grande se à voz caroável sua
Prestas ouvidos sempre!
Aqui junta à frieza desta serra
A palmeira do Oriente!
Como puderam dar-lhe vida e pátria
Em tão distante clima?
Longe, longe talvez dos seus amores
A triste se amesquinha;
Talvez, surdos queixumes espalhando
Aos solitários ventos,
Lamente o fértil pó neles perdido,
Que levaria a vida,
O gérmen da existência a novos filhos.
Homem, sê mais piedoso,
Concede um companheiro aos seus amores.
Quão terno, quão sensível
Foste, Lineu divino! tu que às filhas
Da amena Primavera,
A flor lhe deste que a existência doira,
O favo dos prazeres.
Cora ao desabrochar, tinge-se a rosa
De virginal pudor
Já pressentindo os ósculos lascivos
Do voluptuoso amante;
Sorri no cálix a açucena, o lírio
153
Ao sentir o bafejo
Da aura lasciva que lhe traz nas asas
O penhor suspirado
De seus ternos, castíssimos amores.
Fugi, fugi, ruidosos,
Crus ministros de horrendas tempestades:
Lá na deserta Líbia,
Queimadores Suões, bramantes Euros,
Lá na torrada Arábia
Rolai sem medo os movediços pegos
Da infrutuosa areia:
Gire em nossos vergéis suave e puro
Zéfiro amigo e doce,
Que ao consórcio gentil das lindas flores
Ajude prazenteiro.
Não tenham que chorar a pátria amada
As hóspedas fragrantes
Que de Ásia os montes, de Colombo os plainos
Deixaram saudosas
Por vir embalsamar co activo aroma
Nossos jardins e orná-los,
E a dar-nos vida, restaurar saúdes,
Co próvido específico.
Lineu! e a pátria, o mundo agradecido
De rojo aos pés não viste?
E aqui teu busto, o de Brotero e Serra
Não vejo colocados!
Ah gente indigna, ah povo desalmado!
Pátria… — Não, pátria é deles
A Europa e o mundo que os conhece e admira.
Ide co sacro louro,
Que ao mérito, à ciência, que à virtude,
Com mão roubastes ímpia,
Coroar os simulacros odiosos.
Ao despotismo, à inércia,
À cruel ambição, à hipocrisia,
À sórdida ignorância.
Ide; queimai-lhe o incenso da vileza:
Ide... sois dignos deles.
Coimbra – Março de 1821
154
How agreeable to walk amidst daisies
Dripping with the tears of Dawn!
Filint
Here in this floral sanctuary,
With its throne of delights,
Here amidst wholesome scents
I breathe in a thousand flowers,
Feeling the drunkenness of life,
In each inrush of air –
My parched lungs, overtaxed
By pestilent breeze. This
Is to be avidly quaffed, soft and pure,
And like a cure
It works my fragile chest,
My sluggish blood!
How sweet the caressing shade
Of the myriad woody plants,
Filtering their greeny freshness of leaves
Laden with dawn’s own tears
For the pleasure of our dream-fattened...
Our loafing soul!
How through the mind revolve
Ideas long dissolved,
Coming in a rush, one upon another, thronging
Unforgotten recollection.
And then in unmeasured openness
They scatter afterwards!
And each thing... Like this palm tree:
A symbol of eternity
Vested by wise Antiquity.
Look at it! Its graceful plume
Reigns over the surrounding nation.
A legion of trees.
Just as timeworn ruins, here and there,
Unruly, unordered,
Spot the wastes of Egypt and Greece,
Nameless and forgotten;
The traveler passes by, vaguely takes them in:
But if he sees a Corinthian marble,
Or Doric order soar above him,
Still standing, uncowed by time,
Outdaring eternity,
Abhorring the centuries,
155
He’ll stop and praise the works of men,
Gladdened to count himself among them.
So here, in the wide vegetal pageant
That wraps around me,
The eye can’t help but contemplate
This sheer queen
Of verdant empire. My soul
Spreads and nobly swells.
I grow and my spirit is braced:
In my chest my heart
Pounds with new vigor, beats more strongly.
You mankind! Look how imperious nature
Made you! And how fit you were,
As long as you didn’t shun it!
How masterful, when you listened
To nature’s careful voice!
Here on this frigid slope,
An Eastern palm!
How give it life, country,
In such a distant clime?
Far, far from its loves,
Saddened and humbled;
Maybe even, spreading deaf plaints
On lonely winds,
It laments the fertile sands
Scattered through the air that bring
To life the seed of new generations.
You mankind! Be more clement!
Bring love to one who loves.
How tender, how sensile,
You were, divine Linnaeus! Who
Gave the life-gilding flower,
The honeycomb of fancies,
To children of mild Spring.
Blushing as it blooms, the rose
Colors with virgin coyness,
Already guessing at the lickerish kisses
Of some voluptuous lover; the white lily
In its calyx smiles, the iris,
Feels the breath,
The tart aura which lifts on its wings
The whispered pledge
Of tender, undefiled charities.
Blow, blow you noisy ones.
Cruel ministers of appalling blusters:
There in Libyan sands, the burning
Simoon, the screeching Eurus
156
Shift fearlessly
Across torrid Arabia, shifting chasms
Of barren sand:
Coil, kind Zephyr, sweet
Through our soft, pristine orchards.
And let the gentle consortium of beautiful flowers
Gaily assist.
You mustn’t cry, you fragrant guests,
For your belovéd home…
You who’ve parted Asian hills, and plains of Colombo –
Though they fill you with longing –
It’s so you’d come, with special
Providence, to perfume our gardens,
Adorn them and give us
Life.
Linnaeus, can’t you see the whole country,
the thankful world spread at your feet?
And your bust, or Brotero’s, or Serra’s
I don’t see them anywhere!
Ah worthless people, soulless people!
Country… — No, theirs is
Europe and the world that knows and admires them.
Go, Country, with the sacred laurels,
That from merit, from science, from virtue
You have stolen with impious hands,
Crown the hateful semblances
To despotism, to inertia,
To cruel ambition, to hypocrisy,
To sordid ignorance.
Go; burn the incense of vileness:
Go… you are worthy of it all.
Coimbra – 1821, March
translated by Martin Earl
157
Autor desconhecido. Maria Cecília e Maria Carlota. Anos 30 séc XX. Col. Dep. Botânica UC
Autor desconhecido. Início séc XX. Col. Dep. Botânica UC
160
Autor desconhecido. Autochrome. Início séc XX. Col. Dep. Botânica UC.
161
João Apolinário. Sem título. 2005
José Maçãs de Carvalho. S/ Título (Botânico, Coimbra). vídeo, cor, som. 2006
163
André Cepeda. Closer. 2002
165
António Olaio. Telepathic Agriculture. 2004. vídeo stills
167
António Júlio Duarte. Estufas. 2005
(Hoje)
a Georges Houart
(Today)
Bénédicte Houart
Começou hoje a primavera
Mais uma menos uma
O passado não passou o futuro não acabou
As folhas dos outonos continuam a cair eis uma eis outra
Os verões a secar dentro de mim aqui um ali outro deixai-os regressar
Os meus mortos agitam-se no meu coração e mal me deixam respirar
O vosso sangue jorra por todos os poros do meu corpo tão inábil
A minha pele é um vestido que dispo de cada vez que me recordo
As estações amadureceram encolheram definharam alimentam-me como se
Como se fossem minha única dieta a minha predilecta
Trago a boca tão aberta como ontem e tão ontem como outrora
Quando ainda nem nascido era e nem os meus pais se tinham ainda unido num corpo só
Nem menos nem mais talvez até mais, mas eu nem aprendi como dizer
Depois de tantos anos a soletrar palavras solenemente
Pasmo de cada vez que me levanto e de cada vez que adormeço
Abro os olhos e nunca sei se é neste mundo que continuo ou nos muitos outros que
Desperto e me deito
Afio os dentes no que vejo e no que nunca verei são muitas as sombras e está certo
Ainda que os meus dentes já não cortem tão bem como antes
A verdade é que agarram muito mais do que as minhas duas mãos que tremem
Não de pavor mas de amor por tão pouco tempo me faltar
Ganhei o meu pão quantas vezes perdi a minha vida e a dos outros que amava
O vinho mudou-se em água; o pão, em nada, está certo ainda e sempre
Deus não era capaz do único milagre que me contentaria
Corro apoiado num braço que não vejo e numas pernas que mal sinto a não ser que
Doem de todos esses anos que andei por esta terra demasiado grande para todo o meu
Deslumbramento
Tal e qual como, mas basta de comparações basta de comparações
As velhas primaveras nascem hoje também
E morrem hoje de novo
Hoje é já o primeiro dia do outono que virá
E de todos os que se lhe sucederão mesmo sem mim
É o último dia desta primavera e das outras
Em que de cada vez amei fui amado como se caísse
E pudesse de uma vez por todas entender a vida
Tudo isto tudo isto a perder de vista
Pensava um velho vacilando vacilando vacilando de árvore em árvore
De flor a flor aguardando a sua verdadeira idade
Estendendo a mão ao seu destino e
Encostando aos troncos das palmeiras o ouvido que desentendeu
Teimando em desconhecer só mais uma vez sim só mais esta vez
Línguas estranhas que nunca serão minhas mas que outros como eu algures entoarão
to Georges Houart
Spring started today
One more one less
Past didn¹t pass future isn't over
The leafs of  autumns continue to fall here one there
Summers are drying inside here one there let them return
My dead turn in my heart and I can hardly breathe
Your blood gushes from all the pores of my body so incapable
My skin is a dress that I undress each time I remember
Seasons matured shrank withered feed me as if
As if they were the only food my favourite
My mouth so open as yesterday and so yesterday as at one time
When not even born and not even my parents become one single body
No less no more maybe even more, but I did not learn how to say
After so many years spelling words solemnly
I wonder each time I get up and each time I fall asleep
I open my eyes and never know if it is in this world or in the many others
I awake in and I lay in
I sharpen my teeth in what I see and in what I will never see many are the shadows and it's
[alright
Even if my teeth cannot cut again as they used to
The truth is that they grab much more than my two trembling hands
Not in dread but in love because I have left so little time
I earned my bread so many times I lost my life and those that I loved
Wine changed into water;  bread into nothing, it's still alright and
God was always not capable of the only miracle that would make me happy
I run on one arm that I cannot see and on legs that I barely feel unless they
Hurt from all those years that I wandered on this earth large for all my
Dazzlement
Exactly so, but enough of comparisons enough of comparisons
Old springs are also born today
And they die again today
Today is already the first day of  autumn
And of all those that will come after even without me
It is the last day of this spring and of others
In which each time I loved was loved as if I would fall
And could once and for all understand life
All this all this losing sight of
An old man was thinking hesitating hesitating hesitating from tree to tree
From flower to flower waiting for true age
His hand reaching out to his destiny and
Leaning on trunks of the palm-trees the ear misunderstood
Insisting on not knowing just once again yes just this once
Strange tongues that will never be mine but others like me somewhere will chant
Bernard Plossu. Fragments d’un discours amoureux. 1987
175
178
Sumário Contents
Prefácio 005 Autores 007 Francisco Queirós Índex Seminum et Sporarum 009 e
121 Braun & Hohenbrg 1572 010 Eugénio D´Ors El Paraíso Perdido, Jardin de Coimbra
011 Teresa Siza Jardim de Coimbra 012/013 ? Júlio Henriques 013 J. M. Santos Entrada
do Botânico 014/015 A. F. Seabra Alameda Júlio Henriques, Estufa do Jardim Botânico 016
? Jardim Botânico 017 ? Estereoscopia Jardim Botânico 018/019 Aurélio da Paz dos Reis
Estereoscopia Jardim Botânico 020/021 Hans Christian andersen Uma visita a Portugal
023 Sandra Guerreiro o classificávelmata [translated by Sandra Guerreiro] 024/025
Teixeira de Araújo Fotografia Académica Conimbricense Jardim Botânico 026/027 e
029 Luís Quintais Tílias 028 Joana Brites Jardim Botânico de Coimbra: Contraponto
entre a Arte e a Ciência Coimbra Botanical Garden: Counterpoint between Art and Science
030/069 ALEXANDRE RAMIRES Jardim Botânico Revisitado 071 Lévy & ses Fils ? 1880
072/073 Departamento de Botânica UC Anos 90 séc XIX 074/075 Dep Bot UC Finais
séc XIX 076/077 Dep Bot UC Aula de Júlio Henriques Finais séc XIX 078/079 Dep Bot UC
Restauração da estufa 1932 080/081 Dep Bot UC Restauração da estufa 1936 082 Dep Bot
UC Estufa depois de transformada 1933 083 Luiz Carisso Missão Académica a Angola
[fotogramas 35mm] 1929 084 DEP BOT UC Wexel e Gossweiler 1934 085 DEP BOT UC
Finais séc XIX 086/089 DEP BOT UC Aurélio Quintanilha 090 DEP BOT UC Herbário anos
20 092/093 DEP BOT UC M.me Westerdijk e M. Buisman, Curso de Micologia 1934 094/095
FERNANDO NAMORA Fogo na noite escura 096/097 João Rasteiro Sob as árvores
[epigraph translated by Rui Carvalho Homem] 100 maria Lusitano Santos O Jardineiro
que não tinha projectos 099, 101 e 132/133 Helder Gomes O espaço como representação
do espaço (o saber como encenação do saber) Space as a representation of space (knowledge
as a staging of knowledge) 103/115 DEP BOT UC Cycas Revoluta, quadrado grande, Junho
1920 118/119 Conceição Riachos DIA POSITIVO [translated by Sandra Guerreiro] 120
SUSANA PAIVA Noites brancas 122/123 HUGO SANTOS 124 Graça Capinha HaikuBambu [translated by Sandra Guerreiro] 125 PAULO BERNASCHINA Desmoralização
126/127 DEP BOT UC Série M, nº 58 130 Série M, nº 60 131 Luís Quintais Flores e outras
espécies sem nome 132/133 PAULO FIGUEIREDO S/ Título 134/135 e 150/151 SEBASTIÃO
J. FORMOSINHO Uma releitura de Jorge Luís Borges e de Michael Polanyi a propósito de
uma reconstrução epistemológica entre Arte e Ciência A Rereading of Jorge Luís Borges and
Michael Polanyi with regards to an Epistemological Reconstruction between Art and Science
137/149 Almeida Garrett Madrugada no Jardim Botânico de Coimbra 152/157 DEP
BOT UC Anos 30 séc XIX 158/159 DEP BOT UC Victória Régia 160 DEP BOT UC Autochrome
Régia 161 João Apolinário S/ Título 162 JOSÉ MAÇÃS DE CARVALHO S/ Título 163
André Cepeda Closer 164/165 António Olaio The Telepathic Agriculture 166/167
António Júlio Duarte Estufas 168/169 Bénèdicte Houart Hoje [translated by
Sandra Guerreiro] 172/173 Bernard Plossu Fragments d’un discours amoureux 174/175
180
Agradecimentos Anabela Amaral Angel D’Ors António Pedro Pita António
Ramires Arquivo da Universidade de Coimbra Biblioteca Geral da Universidade de
Coimbra Blues Photography Studio Carlos Fiolhais Catarina Lélis César Cerqueira
Cinemateca Portuguesa Dina Luís Diogo Cabrita Edições Ulmeiro Editora Arcádia
Editorial Tecnos Gabinete Técnico da FCTUC Galeria VPF Cream Helena Freitas
Helena Parente João Gouveia Monteiro João Paulo Dias Lello & Irmãos Editores
Livros Cotovia Maria João Viegas Museu Nacional de Machado de Castro Oficina
de Poesia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Richard Zenith Teresa
Gonçalves Visual Dados Vitor Murtinho
182
Título Transnatural
Autor Paulo Bernaschina
Design Pedro Formosinho e Paulo Bernaschina
Edição de Imagem André Cepeda
TRADUÇÃO Karen Bennett
Editora Artez
ISBN 972-99912-2-7
Depósito Legal xxxxxxxxx
©Paulo Bernaschina
Apoios Instituto das Artes Fundação para a Ciência e Tecnologia Reitoria da
Universidade de Coimbra Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
de Coimbra Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra Instituto de
Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra Centro Português de
Fotografia Fundação Calouste de Gulbenkian
foi impresso na Gráfica Sersilito
no mês de Outubro de Dois Mil e Seis