A gaita e os centros de ensino - Asociación de Gaiteiros Galegos
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A gaita e os centros de ensino - Asociación de Gaiteiros Galegos
A gaita e os centros de ensino Quando la gaita gallega El pobre gaitero toca No sé lo que me sucede Que el llanto a mis ojos brota (....) Ventura Ruíz Aguilera, 1860. Este artigo pretende ser uma reflexão sobre o ensino da gaita na actualidade. O déficit de métodos ou a falta de ideias claras do caminho a seguir por parte dos centros de ensino oficiais e não-oficiais, faz com que os aparentes triunfadores do mesmo sejam estruturas de poder piramidais que tão só se preocupam de pôr a mão ao poder político. Entretanto, aos alumnos dá-se-lhes o rebuçado da técnica, do “boom”, em troca de os converter em autênticos analfabetos no seu instrumento, na sua própria cultura musical. Eu penso que a música é um meio de expressão. Acompanha ao homem desde que nasce, com uma canção de berce; até que morre e o seu espírito é despedido polos sinos da igreja. Pode-se entender de muitas maneiras, mas antes de mais é um processo comunicativo. A música sem comunicação, sem ouvintes, ao igual que a literatura sem leitores, não são nada. Acho, então, que a comunicação pública da aprendizagem é fundamental na educação musical. Sem dúvida alguma, a gaita é o instrumento musical de mais relevo social no ámbito galego. A qualquer celebração à que acodamos encontraremos gaiteiros, se bem estes estarão muitas vezes supeditados a papéis secundários dentro da própria festa. O mesmo ocorre com o ensino do instrumento. Há muito, mas escasso método ou consenso. A quantidade e variedade de escolas não é parelha à qualidade das mesmas. Um pouco de História ... De um tempo a esta parte, o ensino da gaita reduzia-se praticamente a níveis de oralidade, tanto no que se refere à comum ignorância da grafia musical como à própria transmissão. Não é por acaso que grupos de gaitas de diferentes épocas como “os Trintas de Trives”, “os Soutelos de Montes”, “os Campaneiros de Vila-garcia”, “os Irmãos Portela”, “os Tempranos de Eiris” “os Brisas da Crunha” “os Matos” “os Morenos de Lavadores”, “os Areeiras de Catoira”, “os Montes de Lugo” e um sinfim deles mais; foram grupos formados fundamentalmente em círculos familiares próximos. É nas cidades, e em torno aos Coros galegos, secção feminina, etc; onde começa haver os primeiros síntomas e demanda de um ensino mais amplo. Ensino, no entanto, com evidente falta de método. Assim por exemplo, o intitulado Gaiteiro Maior do Reino da Galiza, o velho Dom Emílio Corral, começou a impartir aulas no que foi antiga Fábrica de Armas da Rua da Torre, posterior colégio Curros Enríquez e actual Escola de Música Municipal de A Corunha. O primeiro dia das aulas, Dom Emílio Corral contou com uns trinta alumnos aos que turnou a soprar nos quatro únicos punteiros de que dispunha. Dom Emílio tinha pragmatismo, génio e método. O segundo dia o problema não era tal, unicamente se atreveram a continuar após a experiência inicial quatro alumnos. Quatro alumnos para quatro punteiros. Método radical mas efectivo. Dom José Casal, dava aulas de gaita na Associação “os Gaiteiriños” de A Corunha, e ameaçava aos seus alumnos quando se zangava com lhes dar com o ronco na cabeça, por ver se assim trabalhavam mais. Ainda com um método tão primitivo, conseguiu ter alumnos de mérito. Existia, por outro lado, um escasso diálogo entre músicos de carácter culto interessados polo instrumento e gaiteiros de a vida toda. Esta falta de diálogo, impediu às vezes a colaboração na procura de acções comuns para uma metodologia adequada ao ensino. Quando Rogélio de Leonardo Bouça, apresentou ou seu septimínio gaitístico na Corunha, contou para tocar as gaitas com músicos da banda municipal, não-gaiteiros, polo que a interpretação e afinação foram desastrosas. Isto molestou a certos gaiteiros da cidade. Pepito Temprano, Miguel Paradela e José Casal; escreveram uma crítica em prensa que Dom Rogélio contestou acedamente. Nos primeiros métodos esse escasso diálogo é patente. No método de Rodrigo A. De Santiago colaborou activamente Emílio Corral, mas nem aparece mentado. Dom Henrique Outeiro, começou a dar aulas num ámbito académico. Foi o primeiro professor de gaita do Conservatório de Vigo, trabalho que compartia com o de clarinetista na banda municipal e para o que fez um método específico. Ao se sentir constantemente discriminado no Conservatório e considerado professor de um “instrumento menor”, quando chegou a lei de incompatibilidades, decidiu renunciar ao Conservatório e ficar na banda. Anos mais tarde, ao sair a praça do Conservatório a concurso público, Dom Henrique apresentou-se, aprobou e, renunciou por segunda volta, com aquele de senhorio... Eis algo significativo, que alguém que sempre se caracterizou pola procura da dignificação do instrumento renuncie por duas vezes a uma praça no Conservatório. Factos como estes, somados à desconfiança com que muitos conhecidos mestres gaiteiros assumiram o ensino, a transmissão dos seus saberes; fez com que os primeiros métodos de ensino para gaita não fossem além de conteúdos descritivos, acumulativos, junto com certa base teórica (exceptuando talvez o primeiro deles, o de Rodrigo de Santiago de 1964, publicado em Galaxia). Evidentemente, nem todo foi mau. Existiram cada vez mais grandes mestres fora de ámbitos familiares, que exerciam a docência a título individual ou em pequenas escolas e que deixaram a sua pegada bem firme. Assim, Constantino Belhão em Ferrol, que em vez do clarinete numa banda de música convencional, porfiou pola gaita e polo seu ensino; constitui um exemplo. Moxenas, de Vigo, é outro claro exemplo. Casal em Corunha, outro. Existiram também artesãos que fizeram com que o instrumento fosse, polo menos, afinando. O labor entre outros, de Basílio Carril em Santiago, de Bao na Corunha (que dirigido por Leonardo Bouça começou a investigar diferentes tonalidades para os punteiros), José Seivane em Ribeira de Piquim e sobretodo, o mais divulgativo, de Antom Corral em Ortigueira, na Deputação de Lugo e no Conservatório de música popular de Vigo (patente nesse magnífico duplo disco, que descrebe os instrumentos populares galegos, e mais no talher-escola); permitiram certas melhoras. Conforme este novo ensino coalha, aparecem quartetos jovens de grande qualidade como os Muxicas em Vigo (com Moxenas à frente), Xiada ou Asubío na Corunha, Raparigos em Ferrol, etc; e concursos desde finais da década de 60, que faziam ver que algo estava a passar. Em Maio de 68, coincidem no concurso da Ascensão de Santiago o velho Basílio Carril, com os novos Raparigos, alumnos de Belhão. Em Ourense, no mesmo ano, coincidem Pepe Temprano, Miguel Paradela, Basílio Carril, Casal, Malhou, Primitivo Díaz, “Os Montes”, “Os Amigos”... e no júri, Avelino Cachafeiro, o gaiteiro de Soutelo. O instrumento começava a adquirir novos ámbitos de uso, começava a ser aceite polos jovens citadinos. Jovens gaiteiros, que sabiam lêr música e tinham a gaita como instrumento principal. Nas décadas de 70 e 80 e paradoxalmente, como herança directa do movimento folque norteamericano, começam a surgir uma série de festivais, escolas, e directamente relacionadas com estas, novas formações até então desconhecidas como as bandas de gaitas. O ensino além de ámbitos familiares se consolida. Faz-se patente a necessidade de algum método escrito, que rentabilice o ensino para um número elevado de novos gaiteiros. A primeira tentativa séria de dar a conhecer a gaita a um público amplo é o velho tratado teórico de Cobas Pazos: La gaita gallega (esbozo de un estudio) Porto y Cia Editores, 1955; descatalogado e ainda não estimado o suficiententemente, mas não se pode considerar como um método de gaita. A 29 de Fevreiro de 1964 sai do prelo na editorial Galaxia o primeiro e curiosamente, para nós melhor método gaitístico publicado até o de agora, o Método Completo de Gaita, do mestre Rodrigo A. De Santiago, director da banda e orquestra sinfónica municipal de A Corunha, subdirector e professor de armonia e composição no Conservatório, director de El Eco, académico de Belas Artes e da Real Academia Galega. Este método, descatalogado, ainda a dia de hoje é desconhecido para grande parte dos mestres gaiteiros da actualidade. Opta polo sistema Ré. Em 1971, na Editorial Casa Garijo, Rodrigo A. De Santiago publica o seu menos esquecido Manual práctico de gaita gallega, engraçado por engadir também a percussão, por optar polo Sistema Dó, e por uma escrita com linhas adicionais justificada para ele, a respeitar o som real do instrumento. É em realidade, uma adaptação do método completo (insustituível) para bandas militares de cornetas e tambores, que devem teimar em incorporar o instrumento. São de sublinhar as palavras do proémio, asinadas por um desconhecido editor: El propósito que ha guiado la escritura del MANUAL PRÁCTICO DE GAITA GALLEGA no ha sido otro que el de facilitar, principalmente, a las Bandas de Cornetas y Tambores de los ejércitos de Tierra, mar y Aire los elementos indispensables de estudio que faciliten la incorporación a los reseñados conjuntos rítmicos, de la Gaita Gallega, completando así la misión iniciada al dar cabida a la gaita en las Bandas de Música Militares, con lo que complementa una idea feliz llevada a cabo a raíz de la terminación de la guerra de liberación española (sic) (A obrinha semelha ser feita mesmo por encomenda do regime franquista. Este método é confundido por muitos com o de Miguel de Santiago). Miguel De Santiago, músico que se movia em torno ao círculo de Basílio Carril em Compostela (foi mesmo o seu alumno gaiteiro) publica em 1978 o seu Método de Gaita por cifra y música. No mesmo ano, Henrique Outeiro Covelo, do Conservatório de Vigo, as suas Leccións de Gaita. Método não publicado, mas que merece especial menção é o de Rogélio de Leonardo Bouça, que escreve dous manuscritos em 1979, um dedicado a uma linguagem musical aplicada para a gaita, e outro que é propriamente um método de gaita. José Lois Foxo, fundador de Toxos e Xestas em Lugo e Barcelona, e depois director da Escola de gaitas da Deputação de Ourense, publica em 1979 a primeira edição de Os segredos de gaita; e José Manuel Estévez em 1987 (após Henrique Outeiro Covelo, o seguinte professor de gaita do Conservatório de Vigo) o seu A gaita no eido da música, editado polo centro de ensino musical Mayeusis, onde opta e justifica o emprego do Sistema Dó. O ensino, hoje... A fazer balanço, nenhum método de gaita dos publicados até o de agora foi valorizado consensuada e positivamente por um número de gaiteiros de relevo. A maior parte dos mestres gaiteiros, não utilizam nenhum destes métodos, mas sim a sua própria experiência. O ensino então, é um ensino não-normalizado. Actualmente, a docência de um instrumento como a gaita, encerra em sí uma problemática que a converte em mais difícil, se calhar, que a dum instrumento digamos, normalizado; mas também muito mais apaixonante pola enorme criatividade que implica. A evidente falta duma metodologia adequada, delega nos professores o método a seguir. Os centros de ensino musical que contemplam a gaita, dividem-se em oficiais e não-oficiais, públicos e privados. Há mestres que apostam por um ensino individual e outros que preferem um ensino colectivo. O ensino oficial Entendo por ensino oficial, aquele que pode dar uma titulação do Estado. É dizer, os conservatórios estatais de música. São os únicos centros que contemplam a profesionalização como primeiro objectivo. Os professores têm a obriga de estar titulados. Lamentavelmente, do meu ponto de vista, estão obrigados a seguir uns parámetros de ensino instrumental individualizado e arcaico. A informação musical é dada em compartimentos ilhados. Os alumnos recebem aulas de linguagem musical, de instrumento, de história, de armonia, estética, etc; conteúdos que só depois de muitos anos o alumno chega a interrelacionar ou a esquecer definitivamente. As aulas individuais de instrumento, debilitam as potenciais criações de grupos e fomentam a competitividade, que faz que muito do alumnado abandone a prática musical de puro aborrecidos, uma vez finalizados os estudos; e paradoxalmente metidos de cheio no mundo do ensino, a fazer o que lhes fizeram. A música, apenas tem comunicação pública. Além de mais, creio, o problema agudiza-se relativamente à gaita. As matérias a estudar nestes centros não estão pensadas desde uma óptica da música tradicional. Assim por exemplo, um alumno pode perfeitamente ter finalizado os seus estudos de gaita no Conservatório, após estudar as formas clássicas, sem ter a mínima ideia das formas tradicionais galegas. Pode saber muito de um rondó, uma sonata ou um minué, mas sem conhecer a estrutura e definição de uma muinheira, foliada ou alalá. Eis o grave. Mas o pior destes centros, é que quando se ofereceu a possibilidade de dar aulas nos Conservatórios, houve muito músico não-gaiteiro (clarinetistas, saxofonistas) que se apontou ao pastel de impartir aulas de gaita. Daí que, grande parte do alumnado dos Conservatórios, sejam gaiteiros já formados, que habitualmente tocam melhor que o seu próprio professor, e que realizam as provas de acceso a Grao Meio. Além disso, o plan LOGSE não tem o mesmo valor que o plan do 66. Este último equivale a uma diplomatura, o plan LOGSE não. Por outro lado, grandes mestres gaiteiros por méritos próprios, vão aos poucos sendo afastados do ensino por não terem uma titulação oficial. O ensino não-oficial Entendo por ensino não-oficial a todo aquele que não pode dar titulação do Estado. É dizer, Escolas de Música Municipais, Conservatórios específicos de música tradicional, associações culturais, diferentes centros públicos ou privados, etc. Os Conservatórios oficiais procuram a profesionalização, vão dirigidos fundamentalmente a rapazes e para entrar há que superar certas provas. Os centros não-oficiais, embora, vão dirigidos a todo tipo de público, sem importar a idade. Creio que estes últimos podem provar e optar por uma metodologia própria para a gaita, ao não estarem atados a um sistema de estudos rígido como o dos Conservatórios. Dos Conservatórios oficiais podem sair os titulados oficiais, destes centros não-oficiais pode sair a verdadeira dinamização do ensino da música tradicional. O ensino individualizado Esta dinamização deve fugir, do meu ponto de vista, de um ensino instrumental individualizado. O ensino individual de instrumento tem vários problemas que podem levar a o não-cumprimento dos objectivos propostos: Em primeiro lugar, o ensino individual é caro. Uma só pessoa ocupa o tempo lectivo do professor. Se essa pessoa faltar por qualquer motivo um dia (cousa que acontece normalmente várias vezes durante o curso académico), o tempo lectivo perde-se inutilmente, os potenciais resultados desse tempo, também. Se se quiser ter um número elevado de alumnos, deve-se reduzir o tempo lectivo de uma hora a trinta ou vinte minutos e mesmo assim, resulta caro. Por outro lado, tem o professor a possibilidade de trabalhar aspectos técnicos do instrumento duma maneira individualizada, mas é um ensino que tende à atomização. Não há dinamismo, comparação. O alumno que recebe aulas individuais vai ao centro normalmente uma vez por semana. A comunicação pública da sua aprendizagem é nula ou quase nula. As aulas individuais, para ser economicamente rendíveis, costumam ocupar todo o horário lectivo do professorado, sem deixar lugar a que esse professorado tenha horário para fazer outras actividades. O ensino não-individualizado No entanto, se o centro apostar segundo as suas possibilidades por um ensino instrumental de tipo colectivo, a procura dessa dinamização resulta mais fácil: O ensino colectivo resulta rendível economicamente. O ideal, do meu ponto de vista, é distribuir ao alumnado em grupos de três pessoas homogéneos (ou mais, sempre a respeitar um limite de qualidade e segundo as possibilidades do centro em questão. Nunca de duas, polo temível efeito espelho). Essa homogeneidade dos grupos virá dada polos diferentes níveis e idades do alumnado. Nunca se deverá aqui focar as aulas de maneira individual, repartindo por exemplo vinte minutos de sessenta entre cada um dos três alumnos. Se um alumno faltar, o tempo lectivo aproveita-se com os outros dous. Assim, os mesmos alumnos que tinhamos antes, os agrupamos agora em menos horas. Fica então espaço no horário do professorado para outras actividades de tipo colectivo: aulas de linguagem musical, teoria e sobretodo, a criação de grupos que fomentem essa comunicação pública do ensino como objectivo principal. Os alumnos, por em vez de passar uma hora ou menos no centro cada semana, podem agora vir à sua aula de instrumento, a diferentes combos, optativas ou aulas colectivas numerosas de todo tipo. Passarão muito mais tempo no centro com idênticas cuotas ou mesmo com uma rebaixa nas mesmas. Duma dependência única com o seu professor, a sua aprendizagem passa a depender também dos outros alumnos ou de outro professorado. O centro dinamiza-se. Se existem professores de diferentes instrumentos, podem-se adequar os horários dos combos para coincidir nos mesmos. Evidentemente, o objectivo principal das agrupações deve perseguir a comunicação pública da aprendizagem, mas esta comunicação não se deve traduzir numa explotação abussiva dos alumnos em actuações públicas ou mesmo em propaganda política por parte da instituição. A prevalência dum ensino colectivo sobre um individual vem avalada historicamente desde a formação das bandas de gaitas. É, sem dúvida, destas escolas colectivas, donde sairam os melhores métodos de ensino (por acaso, nunca publicados) e grande número de gaiteiros com boas técnicas digitativas (Vid. Xarabal, Ancoradoiro...) Ainda assim, um ponto de vista estrito, na procura unicamente das actuações, levou em certas ocasiões a que os gaiteiros só soubessem a sua voz de turno e tivessem uma visão parcelar do instrumento, sem a mínima ideia da sua história ou de onde saia o que aprenderam, aculturizados no mesmo. As bandas de gaitas, converteram em muitas ocasiões aos alumnos em “barbies” ao serviço da instituição de turno, e criaram estruturas de poder piramidal que algum dia se hão-de derrubar, polo seu próprio peso. As agrupações a formar numa escola devem-se considerar, uma aula de instrumento ampliada. Assim por exemplo, se as bandas fugiram dos quartetos, na procura de arranjos e tímbricas espectaculares; eu considero que se pode tratar grande parte do ensaio de uma banda como se for o de um quarteto, como um repasso de repertório abundante aprendido. A matéria interrelacionada Entendo que toda a formação que um alumno de gaita receba deve estar interrelacionada. Assim, a imprescindível linguagem musical, deverá ser aplicada, sempre harmonizada e entonada; e idealmente com o instrumento (no caso de gaita, com flautas adaptadas). É dizer, a linguagem musical que receba um gaiteiro deverá estar baseada preferentemente no córpus da música tradicional que está a estudar. Se ademais, faz-se com o instrumento, as sempre aborrecíveis aulas de linguagem musical serão divertidas e dinâmicas. Em realidade, todas as aulas que receba o alumno irão orientadas à sua perfeição prática-teórica no instrumento. Isto implica, no referente à linguagem musical, a elaboração dum método específico por parte do professor. Os progressos do alumnado avalam sem dúvida esse trabalho. O desconhecimento da grafia musical, junto com a falta de metodologia, faz com que a maior parte do repertório gaitístico utilizado nas escolas esteja adulterado ou mal transcrito, simplificado. A matéria prima a estudar, é dizer, o repertório gaitístico; deverá ser seleccionado com estrema cautela, a utilizar sempre fontes directas, indicando ao alumno a origem das mesmas. Assim, se o repertório fosse cantado, a partitura entregue deverá ir acompanhada da correspondente letra. Essa matéria prima, deverá abarcar repertório que esteja dentro do córpus tradicional ou que deva pertencer por méritos próprios ao catecismo gaitístico. Deverá ir acompanhado duma base teórica importante, tanto diacrónica como sincrónica sobre o instrumento ou a música que ele ocupa. O centro deverá actuar como um centro multi-cultural, a fomentar a apresentação de livros, discos, concertos, aulas abertas, conferências, intercâmbios com outras escolas, etc. A percussão Qualquer escola de gaitas deve impartir, necessariamente, aulas de percussão tradicional. A gaita e a percussão são a base fundamental para a formação das agrupações. Engadir mais instrumentos é fácil, mas se faltar essa base haverá problemas. Pode-se dar o caso de não haver um número suficiente de alumnado para a contratação dum professor específico. É de enorme interesse ofertar aos alumnos de gaita essa matéria como optativa, com um incremento moderado no preço das cuotas, de maneira que entre alumnos específicos e optativos de percussão cubram a contratação do professorado. De esta maneira, a potencial formação de diferentes quartetos vera-se multiplicada, ao poder turnar a diferente alumnado com a percussão, ademais de receber este uma formação mais ampla. Objectivos O alumno deverá decidir por sí, após a sua educação musical, se manter uma linha continuista ou romper com o córpus tradicional estudado (ainda que neste sentido, realmente, as preferências do professor quase sempre vão prevalecer) É importante, no entanto, fornecer ao alumno de toda a informação possível. Do que se trata, é de que um alumno de gaita, ao finalizar os seus estudos no centro tenha tocado numa aula de quartetos, numa banda de gaitas, numa aula de folque ou em qualquer outra agrupação que permita a comunicação pública da sua aprendizagem. Que saibam procurar a matéria prima, as fontes directas da música tradicional, o unto e substância do repertório. Que adquiram uma visão o mais ampla possível do instrumento, as suas técnicas, a sua história... Que tenham a informação suficiente para escolher a linha a seguir à hora de tocar. Que sejam amais de instrumentistas, gaiteiros. Coda A minha aposta na procura de um ensino de tipo colectivo, basea-se na minha experiência durante três cursos, como professor de gaita e coordinador do Módulo de Música Tradicional na Escola de Música Municipal de A Corunha. O primeiro curso, as aulas foram individuais de uma hora por alumno. Não havia dinamização. Não havia percussão. O segundo curso, por problemas fundamentalmente económicos, as aulas passaram a ser de três alumnos. Criaram-se agrupações e contratou-se a uma professora de percussão. Os alumnos de gaita tinham a opção de percussão como optativa e as potenciais combinações agrupacionais multiplicaram-se. O êxito deste sistema, vem avalado hoje polo próprio alumnado. Nenhum dos alumnos matriculados em gaita actualmente, escolheu a opção de cuota reduzida, que impede a sua participação nas agrupações. Faz-se necessaria uma reunião urgente de Escolas de Música Tradicional não-oficiais num foro de debate, onde defendam a sua metodologia e conheçam outras, assim como a posta em comum de ideias que levem à procura de objectivos compartidos. Este artigo foi publicado e escrito na revista Enclave no ano 2001, por encomenda de Xabier Paz, que queria fazer um número dedicado à Música Galega. Posteriormente, houvo uma reunião em Compostela entre a Escola de Música Tradicional Ourensã, o Conservatório Popular de Vigo, o Conservatório Folque de Lalim e a Área Tradicional da Escola de Música Municipal de A Corunha. Acordou-se nela começar a fazer um contacto com outras Escolas que procurassem linhas paralelas de actuação, é dizer, a fugir do modelo foxista, mas a cousa ficou por aí; digamos que não se respirou conexão suficiente entre as diferentes partes naquela breve reunião, mas desconfiança. Passado o tempo, só engadiria ao artigo uma conclusão polémica: o ensino da gaita deve ser “caro”. É inconcevível a dia de hoje que uma aula de gaita numa Associação Cultural duma vila custe 6 euros. Surge assim o intrusismo (há numerosos gaiteiros sem a suficiente preparação que impartem aulas); a falta de meios: inexistência da linguagem musical, da pizarra, de instrumentos adequados; e as dificuldades para poder professionalizar-se no ensino do instrumento, mália ser sem dúvida o que mais alumnado tem e o mais tocado em Galiza. O que não é lógico comparativamente é o preço duma aula de gaita e uma de piano. Nem tanto nem tão pouco. Por outro lado evidentemente, o ensino da nossa música deveria ter subsídios suficientes e repartidos. Não permitir que os nossos governantes utilizem o dinheiro público unicamente em propaganda musical alheia para as suas tomas de possessão. A cultura é deficitária. Eduardo Méndez Baamonde 19-01-2005