Trauma de Abuso Sexual Infantil
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Trauma de Abuso Sexual Infantil
Trauma de Abuso Sexual Infantil: consequências no fluxo da energia criativa Autora: Anna Leite Originalmente publicado em : Energy & Character, volume 33, edição de Setembro de 2004 I. Introdução Ao revisar a literatura especializada que aborda o tema do trauma decorrente do abuso sexual na infância, em especial ao focar na leitura da obra de Jodie Davies – Tratando o/a Sobrevivente Adulto de Abuso Sexual Infantil, surpreendi-me ao constatar quão reduzida ainda encontra-se a produção de análises geradas a partir de uma perspectiva psicanalítica. Consequentemente, a discussão especializada dentro do campo de estudos psicanalíticos permaneceu limitada. Surpreendeu-me sobremaneira não somente a limitada produção desta abordagem teórica acerca da categoria de trauma de abuso sexual como também a literatura concernente ao fenômeno do trauma em geral, além do relativo silêncio acerca da prática clínica relacionada a estas questões específicas. Minha curiosidade e a motivação para proporcionar atendimento efetivo a meus clientes levaram-me a pesquisar outros autores versados no assunto, temática que é considerada enquanto uma das feridas de mais difícil resolução terapêutica, mesmo para Barbara [Brennan]. Decidi compartilhar minhas descobertas, as quais foram geradas a partir de pesquisas bibliográficas, ou emanadas a partir de estudos e de práticas conduzidas durante o aprendizado adquirido ao frequentar a Barbara Brennan School of Healing, ou derivadas de minhas observações na prática clínica de meu consultório. Iniciarei com a definição de incesto, avançarei com incursões na esfera da história do trauma sexual conforme este foi abordada por diferentes perspectivas das principais escolas de pensamento da psicanálise, e encerrarei com algumas das descobertas atuais e perspectivas contemporâneas na esfera da pesquisa sobre o trauma. O conceito de trauma proposto por Sándor Ferenczi será enfatizado, juntamente com sua teoria sobre a “confusão de linguagens” ente o adulto e a criança, onde o autor localizou a origem dos danos psíquicos. Em 1926 Ferenczi foi o primeiro praticante e estudioso da psicanálise a apontar a necessidade de intervenção corporal, antes mesmo que as terapias corporais fossem difundidas como o são hoje, após o legado de Wilhelm Reich. Outros aspectos incluem as vastas sequelas e a manifestação dos amplos efeitos retardados decorrentes do abuso sexual, que incluem desordens físicas. A razão pela qual a memória é altamente afetada, não somente enquanto lembrança, recordação ou reminiscência do evento em si, mas também no cotidiano corriqueiro da vítima: o interminável e severo estresse crônico suprime o funcionamento do hipocampo, tornando as memórias indisponíveis para a recuperação linguística. Podemos olhar para o fenômeno e sentirmo-nos avassalados pela sua complexidade. Contudo, ao contrário, intenciono trazer uma esperança para a cura. De acordo com Davies e segundo declarações de Bárbara [Brennan] estes sintomas possuem uma origem comum. Uma ferida severa que bloqueia o fluxo de energia criativa, a qual pode ser liberada e curada através de novas abordagens, como por exemplo o EMDR (método de dessensibilização e reprocessamento de experiências emocionalmente traumáticas por meio de estimulação bilateral dos hemisférios cerebrais) e, especialmente, através da Ciência Curativa do método Brennan, em função de sua ampla ação nos níveis físico, emocional, psíquico e espiritual. II. Definindo incesto e abuso sexual infantil O que é incesto? Literalmente , incesto é “o intercurso sexual entre duas pessoas demasiado aparentadas ou relacionadas a ponto de não poderem se casar legalmente”. Sue Blume propõe uma nova definição: “Incesto pode ser encarado como a imposição de atos sexualmente inapropriados, ou de atos com conotações sexuais, pelo uso de uma criança menor de idade, a fim de atender a necessidades sexuais ou a necessidades emocional-sexuais de uma ou mais pessoas que derivem autoridade através continuados laços emocionais com a referida criança”. Podemos denominar de incesto aberto qualquer coisa que ocorra quando há contato sexual em qualquer relação de dependência, sendo os casos mais óbvios e danosos os casos que se dão entre progenitores e a criança. Contudo, outros tipos de relacionamentos dependentes podem ser emocionalmente experienciados entre pais e filhos em função de que a natureza da interação nestes relacionamentos também pode ser sentida como incestuosa. É considerado incesto encoberto ou camuflado quando uma relação parental muito próxima serve às necessidades e aos sentimentos do progenitor ao invés de servir às necessidades da criança ou em detrimento das necessidades da criança. Identificar o incesto neste caso é mais difícil, já que o contato sexual direto não ocorreu. Não obstante, de acordo com Kenneth Adams, dinâmicas semelhantes e sentimentos similares ocorrem da mesma forma nestas circunstâncias. Incesto encoberto ocorre quando a criança torna-se o ´objeto´ da afeição e afeto dos pais, ou de seu amor, paixão e preocupação. O progenitor, motivado pela solidão e pelo vazio causado por uma relação ou casamento disfuncional, transforma a criança em parceiro substituto. O limite entre cuidar e experimentar amor incestuoso é cruzado quando a relação com a criança existe para suprir as necessidades do progenitor ao invés do suprimento das necessidades da criança. A diferença entre incesto aberto e encoberto é a de que, enquanto a vítima do incesto aberto sente-se abusada, a vítima do incesto encoberto sente-se idealizada, privilegiada. Sob esta máscara jaz o mesmo trauma da vítima de incesto aberto: raiva, vergonha e culpa. Diana Russel revela que se a experiência tem um significado sexual para o(a) cuidador(a), em lugar de uma proposta nutridora em prol do benefício da criança, esta experiência então constitui-se num abuso. Se não for desejada, se é inapropriada para a idade ou para o relacionamento, então é abuso. III. Panorama histórico dos estudos acerca do trauma de abuso sexual na infância Conforme J. Davies apontou “ao longo de sua história a psicanálise debateu-se com vistas a decidir qual importância deveria ser atribuída de fato ao papel da traumatização infantil, e especialmente do abuso sexual na infância, na gênese e no tratamento da psicopatia adulta. A psicanálise descobriu, negou, redescobriu, voltou a negar, e vem atualmente descobrindo ainda outra vez a significância deste trauma. Quando pensadores analíticos haviam entrado em concordância acerca do fato de que o trauma precoce se trata de um importante fenômeno patogênico eles, por sua vez, haviam discordado no que tange à questão de como os eventos traumáticos são internalizados pela criança e de como são expressados pelo adulto. Assim, os modelos variam amplamente”. É fácil compreender que a discussão do fenômeno no passado foi percebida enquanto um tabu sexual e, em alguma medida, permanece enquanto um tabu mesmo nos dias de hoje. Porém, por outro lado, é também surpreendente e lastimável verificar quão pouco avanço foi feito acerca da temática em questão, o que impediu que as vítimas sobreviventes pudessem ser auxiliadas apropriadamente. Em sua obra Davies demonstrou como o pensamento freudiano alterou-se a partir da Teoria da Sedução rumo ao Complexo de Édipo, no qual o pensador havia baseado sua afirmação de que as neuroses estavam etiologicamente incorporadas nas fantasias inconscientes do(a) paciente. “A fantasia perturba a realidade enquanto ligação causal rumo às neuroses , e o cenário estava montado para que Freud e seus sucessores interpretassem relatos de vitimização sexual precoce como se se tratassem de fantasias ativadas pelos supostos desejos infantis inconscientes dos(as) pacientes adultos(as). Tal renúncia foi motivada por fatores idiossincráticos da vida e da psique de Freud”. A incapacidade de Freud em lidar com seu ponto cego o impediu de abordar o assunto a partir de uma perspectiva mais adequada. Em um exemplo de dissidência, Alice Miller abandonou a Associação Internacional de Psicanálise (AIP) por considerar que a teoria e a prática psicanalíticas, centradas na fantasia, não levam em consideração o fato de que os(as) pacientes se tratam de crianças feridas: eles(as) não conseguiam libertar-se das consequências das feridas que lhes foram infligidas. Nos primeiros tempos da psicanálise foi Ferenczi, aluno e amigo de Freud, quem acreditou que o trauma sexual precoce de fato constituía-se uma ocorrência comum, frequentemente associado com a psicopatia adulta. Ferenczi considera que o trauma seja produzido pela incidência de um evento que mobiliza a psique – que pode varias desde a imposição e o treinamento de normas de higiene até o abuso sexual infantil propriamente dito. O trauma enquanto evento inexorável na vida humana é algo inevitável, e em certa medida necessário para o processo de estruturação da psique. O trauma patológico é aquele que se apresenta como impossível de ser metabolizado e integrado pelo indivíduo. Ferenczi enumerou algumas das consequências patológicas do trauma sexual precoce: identificação com o agressor, culpa e vergonha penetrantes, disfunção sexual e perversão, assim como a profunda cisão do ego e a dissociação, que discutiremos abaixo. Em seus escritos acerca da prática psicanalítica Davies afirma que esta abordagem do trauma pode ser dividida em quatro correntes de pensamento: a clássica, a psicologia do ego, a relação de objeto, e a psicologia do self. A Escola Clássica, descendente direta do posicionamento de Freud. Defende que mesmo quando ocorre trauma sexual na pré-puberdade, a significância desse traumatismo assenta-se na reativação de fantasias ocorridas em exposições anteriores– primariamente formuladas de forma sado masoquista – das experiências da cena primal. Nesta linha de pensamento o caráter patogênico do trauma deriva nem do ego avassalado por eventos reais inadministráveis e de impossível manejo nem tampouco de uma traição profunda de laços relacionais, mas, ao invés disso, deriva de uma regressão de fantasias intensamente sado masoquistas. Em outras palavras, o patogênico é localizado intrapsíquicamente, ao invés de ser encarado como algo relacional. Tanto quanto Freud, Phyllis Greenacre entende a exposição à cena primal como o protótipo para toda a experiência traumatogênica. Contudo, de acordo com a visão de Davies, o entendimento de Freud e de Greenacre fracassa não somente em incorporar os efeitos desorganizadores do abuso sexual, mas também parece ver o abuso enquanto relacionado ao fato de que as pacientes eram pequenas menininhas “sedutoras”, implicando as instigadoras involuntárias como a causa e agentes de seus próprios molestamentos. A perspectiva da escola de pensamento da Psicologia do Ego incorpora não somente o significado inconsciente dos eventos traumáticos mas também enfatiza a extensão pela qual o ego é avassalado e devastado e tornado disfuncional pela estimulação excessiva inerente ao trauma precoce. Anna Freud, ao tentar determinar o que é e o que não é traumático, enfatizou a completa incapacitação do ego e a experiência fenomenológica de desamparo em face daquilo que é percebido pelo indivíduo como sendo perigo ameaçador à vida. Davies comenta que o que permanece insuficientemente trabalhado neste modelo é “a extensão pela qual experiências traumáticas não simbolizadas – incrustadas num núcleo primitivo de terror impossível de ser comunicado, de ideação intrusiva e de sensações somáticas – existem isoladas por um cordão de segurança dentro da própria psique do(a) paciente, onde encontram-se indisponíveis para os processos verbais auto-reflexivos e o tradicional exame analítico.” A perspectiva da escola Relação de Objeto caracteriza-se pelo fato de que, ainda que leve em consideração a incapacitação do ego e o desamparo psíquico, enfatiza também que o trauma precoce significa a traição da criança por um ou mais objetos precoces importantes. Aqui ocorre uma convergência com o pensamento dos desenvolvimentistas na ênfase da primazia dos laços de apego precoces a objetos significativos. Aqui os temas centrais não se tratam da magnitude da super estimulação inerente ao abuso sexual, ou a mediação fantasiosa do evento traumático, mas a extensão pela qual o comportamento abusivo, especialmente em se tratando dos progenitores enquanto abusadores, representa para a criança um abandono psíquico e uma profunda traição: um relacionamento com um mau objeto não é somente doloroso para a criança, é também vergonhoso para a criança. Neste modelo a repressão tem lugar não a fim de censurar os impulsos instintivos, mas, ao invés disso, para defender ´o self contra a consciência de suas deficiências vergonhosas”. Nem Michael Balint nem Donald Woods Winnicott, representantes desta escola, trataram de fato diretamente do trauma. Seus modelos de tratamento afirmam que os pacientes devem, a fim de obterem a cura, regressar, durante os tratamentos, até uma área de “falta/defeito básico” na qual a interpretação verbal é, no melhor dos casos, desprovida de sentido e, no pior dos casos, excessivamente intrusiva a ponto de ser percebida como um assalto ou ataque. Balint e Winnicot, entre outros, retiraram a ênfase da interpretação verbal e da abstinência analítica tradicional, sublinhando, ao invés destas, a importância das funções de contenção do(a) terapeuta, na qual a aceitação não verbal e o manejo da regressão são cruciais. A perspectiva da corrente de pensamento da Psicologia do Self ressalta os aspectos relacionais do trauma, insistindo que o trauma de desenvolvimento ocorre dentro de um campo intersubjetivo que consiste da combinação do self e do self-objeto; é a profunda perturbação entre a criança (self) e o cuidador (self-objeto) que torna a ocorrência um fato traumático. Eles citam a dissociação, o crônico duvidar de si mesmo(a), a instabilidade efetiva, o pessimismo, a eterna busca de aprovação e a autoculpabilização enquanto características dos sobreviventes do trauma. Esta corrente de pensamento coloca o trauma dentro de um contexto relacional, no qual são enfatizados tanto o evento real como o significado inconsciente do evento real, que são sempre mediados pela vítima do trauma. Da mesma forma que os representantes da corrente da psicologia da relação de objeto, eles veem a relação analítica e as constelações de transferência e de contratransferência emergindo dentro desta enquanto aspectos centrais da terapia. O que não parece ser enfatizado é a regressão extensiva que é geralmente exigida no trabalho com pacientes traumatizados, conforme apontado por Davies. Seu questionamento consiste em verificar se a realidade do evento traumático é perturbadora para o funcionamento posterior, ou se as vicissitudes complexas da internalização simbólica do evento traumático é que são perturbadoras do funcionamento posterior. Ou, se o que levou à patologia é o impacto do trauma no self internalizado e no mundo objetal do(a) paciente, significados por padrões complexos de identificação projetiva e introjetiva. A autora propõe que a patogenicidade do trauma sexual infantil deriva de todos esses fatores além de fatores adicionais. “Em adição ao que temos aprendido acerca do raciocínio psicanalítico, descobrimos importantes insights adicionais acerca do trauma precoce e de suas sequelas - que vão além daqueles atualmente disponíveis na literatura sobre o trauma. É somente através da combinação de conceitos psicanalíticos que emergem de cada uma das principais escolas de pensamento do campo – os quais devem ser somados à literatura que foca exclusivamente nos fenômenos traumáticos – que podemos chegar a uma conceitualização integrada do abuso sexual infantil de suas sequelas e de seu tratamento”. Eu também anteciparia que podemos atingir um tratamento efetivo e curar esta ferida através da combinação de outros conceitos e de práticas terapêuticas emergentes, como a Ciência de Cura de Barbara Brennan e o EMDR (Desensitização e Reprocessamento dos Movimentos Oculares), e de terapias que incluem trabalhos corporais. Ainda de acordo com Davies, o interesse no impacto do trauma na psicologia individual e na fisiologia data de pelo menos tão cedo quanto os trabalhos de Pierre Janet acerca da dissociação (1889, 1894, 1898, 1907, 1911). Em paralelo ao que ocorria dentro do campo da psicanálise após Freud ter repudiado a teoria da sedução, a maior parte do trabalho no campo do trauma foi suspensa por muitos anos após a publicação das contribuições de Pierre Janet. A atenção ao assunto foi resgatada em meados dos anos setenta, com o foco em traumas de guerras, após a Guerra do Vietnã. Além disso, pesquisadores do trauma investigaram as sequelas traumáticas de eventos como o Holocausto, o bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki, desastres naturais e desastres provocados pelo homem, ciúmes, estupros, e, mais recentemente, abuso infantil, incluído aí o abuso sexual. É interessante perceber que os sobreviventes de traumas muito diversificados apresentam e compartilham entre si muitas sequelas agudas e de manifestação de longo prazo, sugerindo que existem alguns padrões de resposta ao choque e ao trauma que são típicos de nossa espécie. Os resultados dessas pesquisas acerca do trauma produziram o conceito de DSPT ou TEPT – Desordem do Estresse Pós-Traumático ou Transtorno do Estresse Pós-Traumático. Mais recentemente, Herman (1992) propôs uma nova categoria, DEPT complexa, reservada para os sobreviventes de trauma prolongado e repetido, tal como o que abate reféns, prisioneiros de guerra, mulheres que apanham e sofrem de violência doméstica, e vítimas de abuso físico ou sexual infantil. E diz mais: trauma sexual infantil repetido afeta cada aspecto do funcionamento de um indivíduo - aspecto cognitivo, afetivo, auto-experimental, relacional e comportamental. Francine Shapiro, em sua teorização acerca do EMDR, refere-se àqueles eventos percebidos como ameaçadores à existência (combate, crimes, sequestros, desastres naturais) como “T” , trauma com letra maiúscula. Os sintomas de TEPT abrangem duas classes de comportamentos simultâneos e diametralmente opostos. Em um tipo de classe, a pessoa traumatizada não consegue afastar-se de seu trauma: é forçada a reviver o evento original através de sintomas intrusivos, como flashbacks (memórias retrospectivas que retornam involuntariamente), pesadelos, ataques de pânico e pensamentos obsessivos. Na outra classe, a pessoa não consegue aproximar-se da memória traumática: é compelida a insular-se de tudo aquilo que relembra o trauma através de sintomas de evitação tais como o isolamento social, o anestesiamento e entorpecimento emocional, bem como o abuso de substâncias químicas. As vítimas também apresentam reações fisiológicas, tais como insônia, hipervigilância, e a tendência de serem facilmente ativadas e disparadas para a desorganização e desestruturação por qualquer coisa que possa relembrar o evento traumático, tais como um som ou um toque particular. Shapiro diferencia o “T” dos “t” (traumas com letra minúscula) à medida que estes últimos ocorrem nas experiências inócuas porém aborrecedoras do cotidiano da vida. O trauma psicológico possui um efeito desorganizador na capacidade do indivíduo para processar códigos – através da assimilação e acomodação de algumas memórias do evento traumático. Por definição, o trauma avassala e devasta. Parte do que é avassalado em uma criança traumatizada é a habilidade de conter cognitivamente e de processar a enormidade da traição relacional e a usurpação física com a qual ela se defronta. A codificação da memória envolve o sistema taxonômico, o qual codifica a informação de acordo com a qualidade, e também envolve o hipocampo, o qual amadurece mais tarde e localiza as memórias no tempo e no espaço. Estresse severo ou prolongado suprime o funcionamento do hipocampo e fortalece o sistema o sistema taxonômico, levando a uma codificação des-simbolizada e desprovida de contexto das experiências traumáticas, a qual torna as memórias indisponíveis para posterior resgate linguístico. O(a) terapeuta deve permitir o(a) sobrevivente adulto a reviver sensomotoramente as memórias traumáticas, através da memória corporal, e deve auxiliar o(a) paciente a simbolizar essas memórias pela primeira vez. São cruciais a abreação e as descargas sensório-motoras, assim como a transformação e a integração simbólicas. Obviamente, a simbolização pode somente proceder do ato de reviver a experiência ou partes dela. Todavia, o reviver abreativo sem simbolização e integração é retraumatizante. Entre outras coisas, ele engendra hiperativação e hiperestimulação fisiológica sem a compensatória estruturação da experiência. Davies também apontou que os(as) sobreviventes possuem uma habilidade bifurcada para fantasiarem. Com frequência o(a) paciente é capaz de engajar-se na transformação sublimatória de fantasias sobre aspectos de sua vida, tais como trabalho, que são associativamente desengajados da história traumática. Nestas áreas o(a) paciente pode usar a fantasia para planejar, para exercitar a solução de problemas e para experimentação geral. Quando a atividade mental volta-se para áreas da vida ligadas com traumas anteriores (relações sexuais ou a expressão da agressão diante de figuras de autoridade) então descobrimos os padrões bifásicos. O (a) paciente é alternativamente avassalado e dominado por versões não simbolizadas do trauma e então se defende rigidamente, e desliga-se de qualquer atividade mental. Em adição ao impacto sobre a memória e sobre a fantasia, também resulta em uma constelação de sintomas cognitivos, incluindo esquematizações cognitivas inflexíveis, pensamentos intrusivos, flashbacks traumáticos, atribuição incorreta de culpa e de responsabilidade para eventos passados e presentes, e um sentido de futuro abreviado. As pesquisas acerca do trauma tem identificado um padrão de resposta afetiva característico de sobreviventes de traumas psicológicos de todos os tipos. O padrão é marcado pela alternância do(a) sobrevivente entre estados de anestesia afetiva e estados de intensa hiper estimulação afetiva. A incapacidade para modular estímulos em geral leva a descargas motoras inapropriadas ou a uma ansiedade intolerável quando o indivíduo está super estimulado ou super excitado, e a uma semelhantemente inapropriada constrição emocional e psicomotora no estado de entorpecimento psíquico. O(a) sobrevivente incapaz de discernir entre graus reais de raiva responde a muitos fatores estressantes com hiper estimulação automática, a qual pode resultar em reações comportamentais aparentemente inexplicáveis, tais como ataques temperamentais ou retirada súbita causada por estados aterrorizados. Pesquisadores sugerem que neurotransmissores e opióides endógenos também estão envolvidos na incapacidade do(a) sobrevivente de traumas em modular estímulo e resposta afetiva. Por exemplo, o esgotamento das neropinefrinas e da dopamina, resultantes do estresse inescapável, deixa o indivíduo traumatizado psicologicamente hipersensível a estímulos posteriores. Além disso, organismos sujeitos a estresse prolongado desenvolvem uma dependência fisiológica de analgesia resultante da liberação de opióides endógenos que são estimulados pelo trauma. Isso pode levar a uma busca ativa por estímulos estressores a fim de atingir-se um estado de calma restauradora, ou mesmo de entorpecimento. À medida que o efeito dos opióides endógenos diminui, o organismo sofre de sintomas consistentes com o efeito de abstinência de opióides, incluindo ansiedade ou demonstrações agressivas. -IV – O conceito de Ferenczi sobre trauma no abuso sexual infantil Destaco a teoria da sedução de Ferenczi devido a seu claro entendimento e em decorrência de suas aplicações terapêuticas, as quais estão à altura dos conhecimentos disponíveis atualmente. A primeira imagem de Ferenczi acerca do trauma é a da catástrofe, o que coincide com as descobertas das pesquisas recentes. O principal ponto de sua teoria encontra-se em seu texto “Confusão de linguagens entre adultos e a criança”, no qual ele opta pelas palavras paixão e ternura para lidar com as diferenças e confusões de linguagens entre adultos e crianças. A palavra paixão é por ele utilizada significando algo excessivo, uma expressão adulta que está conectada à genitalidade enquanto modo de erotização de seu próprio corpo e do corpo da criança, uma sensação que a criança ainda não conhece. O adulto perde seus limites, tornandose “ de um certo modo enlouquecido”. Ferenczi refere-se, por um lado, a um comportamento passional de um adulto louco ou enlouquecido e, por outro lado, à ternura da criança. “Se nesse momento de ternura é imposto à criança mais amor ou um amor diferente daquilo que ela quer, isto pode trazer consequências patogênicas , mais ainda do que uma privação de amor pode causar. A consequência pode ser a confusão de linguagens”. Conectada a esta “confusão” estão a culpa, a vergonha, a identificação com o agressor, a divisão do ego e a dissociação, o segredo e a imposição do sigilo e do silêncio, a negação e a falta de confiança. Ferenczi considera a negação crucial para este trauma, a qual é enfrentada pela criança repetidamente: pelo perpetrador, que necessita manter tudo relacionado ao evento em segredo e pelo(a) adulto(a) que irá escutar seu relato e considerá-lo-á uma fantasia ou um a mentira. A negação dos adultos interdita o processo de introjeção pela criança. A criança somente pode ter sua própria palavra quando intermediada por uma relação com um adulto. Ela toma emprestadas as palavras dos adultos e ela as dirige a estes a fim de obter uma confirmação e aprovação. É através do adulto (apoiando as introjeções) que a sua fala é autorizada a existir. No abuso sexual ela não compreende o que aconteceu porque lhe falta a correta percepção do que foi feito a ela. O adulto escutará, geralmente tratando seu relato como uma ficção e não como um evento real, porque é difícil para o adulto sentir-se a si mesmo confrontado com o trauma. Outro aspecto importante é o efeito surpresa do evento para a criança: primeiramente, ter que lidar com um evento nunca antes encarado, uma linguagem adulta de paixão desconhecida por ela; em segundo lugar, lidando com a culpa do adulto, a qual ela não pode captar ou entender; e em terceiro lugar, lidando com a reação dos outros adultos quando lhes fala sobre o evento. Freud enfatiza o efeito-surpresa como a chave para a constituição do trauma. A culpa do adulto obrigará a criança a sentir-se culpada acerca de alguma coisa desconhecida para ela que ela não percebe como má. A culpa do adulto vem do ato proibido, a despeito da perpetração. O ato proibido é um ato sexual com uma criança inocente que não pode entender o que aconteceu e que não possui essa interdição enquanto inscrição ou gravação no seu entendimento. Este é o contexto da “confusão de linguagens” de Ferenczi: a idealização do adulto mantida pela criança na esperança de introjeções e a divisão da representação objetal. Quando as introjeções ficam impossibilitadas a criança estará tomada de desespero e terá de abandonar o objeto idealizado sentindo-se envergonhada por ter sido maltratada . A fim de preservar-se de ter de abandonar o objeto ela irá cindir-se a si mesma. É menos doloroso para a criança tornar-se culpada do que perder o adulto idealizado. O ego tem a função de antecipar a representação do mundo, a fim de evitar surpresas e, portanto, propiciar e favorecer a unidade narcísica. Na experiência traumática o adulto não assume a função do objeto de introjeções e a criança não pode representar o evento. Confrontada com a negação a criança fica confusa: é o adulto confiável ou não? É mais seguro aceitar o sentimento de culpa ao invés de encarar a impossibilidade de introjeções que representam para ela o risco de aniquilação. O agressor invade o espaço do ego, assumindo o discurso da criança: dá-se a identificação com o agressor. De acordo com Teresa Pinheiro, a “confusão de linguagens” é também responsável pela interdição de transmissões de todos os tipos – as regras e tabus impostos pela sociedade cujo transmissor é o adulto. No abuso sexual, este adulto, que é responsável por garantir o respeito à lei, é quem viola a lei. A referida autora também afirma que a complexidade dos sentimentos do adulto suplanta a capacidade da criança em absolvêlos. Algo proibido foi cometido. A magnitude desta interdição está implícita, já que ninguém acredita na criança. O protótipo de toda a confusão é “sentir-se perdido(a)” quanto a poder confiar em uma pessoa ou em uma situação. Sentir-se perdido(a) é sentir-se preso(a) em uma armadilha. A confusão corresponde ao momento entre a surpresa e a nova adaptação. V – Efeitos retardados do abuso sexual a. Tumulto psíquico e Cisão - Ferenczi descreve-o enquanto um estado póstrauma, quando a criança está “fora-de-si-mesma”. Os sintomas deste estado consistem em: ausência de reação de sensibilidade, cãibras musculares, paralisação generalizada, estado de congelamento, sensação de estar fora do corpo. O sofrimento é tão enorme que é necessário criar uma ferramenta emergencial para enfrentar a catástrofe iminente. O tumulto psíquico opera entre dois momentos: o evento do trauma e o restabelecimento do equilíbrio. Tais movimentos, disparados por um sofrimento extremo, têm o objetivo de apagar o evento. De acordo com Ferenczi, a criança transforma seu corpo em um campo de batalhas a fim de cessar o ato de pensar. Já que se pode tolerar a dor física mais facilmente que a dor psíquica, o corpo torna-se o lugar do sofrimento. Dessa forma, o corpo, devido a seu caráter mecânico, concreto e visível, permite um entendimento da extensão da agonia. Ao transferir o que aconteceu no íntimo para o corpo, a psique pode obter a distância necessária pra encontrar uma finalização da dor. O corpo mostra aos demais ao redor aquilo que está acontecendo, na esperança de que alguém possa vir e auxiliar. O corpo abandonado, aparentemente desprovido de vida, permanece paralisado, desprovido de sensibilidade, fazendo contrações de um modo mecânico. A reclusão e recuo foram necessários para sair de si mesmo(a); foi denominada por Ferenczi de “alucinação negativa”. b. Alucinação negativa - De acordo com Pinheiro, a noção de ser uma vítima ou um objeto de agressão desaparece através desta alucinação. Ao fundir-se com o agressor, tornando-se a criança o agressor, ela é o agente do evento, e não o paciente passivo. Tornando-se seu próprio agressor a criança protege a si mesma da ideia de ser ferida por um adulto idealizado. A inversão da situação permite à criança retornar à condição anterior ao trauma. Incorporar a culpa do agressor significa não somente proteger o agressor adulto de toda a responsabilidade, mantendo o objeto idealizado, mas igualmente significa evitar a dor psíquica de ter sido um objeto receptor de agressão. Pinheiro também afirma que a criança não é mais dependente de um objeto intermediador, um mediador, e transforma a ausência desagradável no prazer de tornar-se a si mesmo no objeto mediador para o adulto. Ela está condenada a cuidar dos adultos que a cercam. A criança, através desse exercício de maternagem, tem o prazer de sentir-se a si mesma como uma vencedora. O sentimento maternal é uma mensagem falsa. Uma introjeção que de fato nunca realmente aconteceu. Sabedoria é a característica da parte de si mesma que se torna adulta e protetora. Esta sabedoria é o embrião do ego que deve manter sua psique e sua ternura interior e que deve preservá-la de invasões. A inteligência é uma palavra menor para tão enorme trabalho: a sabedoria de estar dentro e fora ao mesmo tempo. De um lado, o ego cindido tem sabedoria e culpa, e de outro, tem ternura, compondo dois seres no mesmo corpo. Desprovida de uma inscrição psíquica o corpo mantém-se em seu domínio sensório e quando a esfera psíquica fracassa, o organismo começa a realizar e a expressar o pensamento. O trauma passa a ser feito de carne – símbolos mnêmicos corporais. Ferenczi escreveu: “A memória é comprimida no corpo e somente é lá que ela pode ser evocada e despertada. Não há justificativa para requisitar a recuperação consciente de algo que nunca foi consciente ou nunca esteve conscientizado. É importante que o corpo possa expressar-se de uma maneira que reconheça que o evento traumático deu-se no passado. A falta de memória do(a) paciente vibra em algum lugar do corpo sem contudo encontrar alguma tradução possível para seus conteúdos e discurso”. Quanto ao tópico da dissociação adulta, Sue Blume afirma que, durante a época do evento traumático, muitos sobreviventes fizeram um esforço consciente de separarem-se do que estava ocorrendo em seus corpos. O(a) sobrevivente adulto(a) de incesto pode perder o controle desta técnica e “cindir-se” quando experiencia estresse ou em resposta a alguma experiência que lhe recorde o incesto. A dissociação pode facilmente tornar-se aterrorizante, fora de controle. Ela pode fazer com que qualquer um(a) se sinta insano(a), e geralmente leva ao diagnóstico equivocado de deserdem de personalidade limítrofe ou de esquizofrenia. Diferentemente da repressão, que é uma divisão horizontal no âmago dos conteúdos mentais conscientes e inconscientes, a dissociação envolve uma cisão vertical do ego que resulta de dois ou mais estados do self que são mais ou menos organizados e que funcionam independentemente. Tais estados dissociados estão indisponíveis para o resto da personalidade e não podem estar sujeitados a operações psíquicas de elaboração. Eles tendem a tornar sua presença sentida através da emergência de imagens intrusivas recorrentes, representações violentas ou simbólicas, sensações somáticas inexplicáveis, pesadelos recorrentes, reações ansióticas e condições e desordens psicossomáticas. De fato, a literatura sobre o trauma (Spiegel, 1986) sugere que, frequentemente, é somente quando o(a) sobrevivente adulto(a) pode suportar readentrar no estado afetivo de confusão primitiva, quando pode sentir a aniquilação iminente , assim como sentir o desamparo, que as memórias traumáticas podem ser resgatadas e clamadas, e serem codificadas simbolicamente pela primeira vez, e assim integradas nas consciência do paciente adulto. c. Demais efeitos retardados – Outros autores, tais como Davies, Blume e Adams, forneceram-nos uma muito enriquecedora lista de sintomas pós-traumáticos: a criação de fantasias, identidades, mundos amigáveis ou alter-egos; depressão; suicídio; dificuldade em recordar-se de certas experiências. Blume enfatiza que uma resposta específica a ameaças e a favores revela a verdadeira culpa do(a) sobrevivente. Em sua culpa, ele/ela move sua raiva contra si mesmo(a), removendo-a de seu abusador(a) e culpando-se a si mesmo(a). Estas circunstâncias combinam-se com a vergonha, que também é intrínseca ao abuso sexual. A vergonha da vítima é exacerbada pela necessidade da manutenção do segredo quanto ao ocorrido, manifestada pelo abusador, que fala com a criança em termos de sussurros; ele faz o que faz privadamente, atrás de portas trancadas; ele parece agitado caso exista a ameaça de descoberta; e ele quer que ela não conte a ninguém, e assim a criança percebe que há algo sujo, mau e constrangedor naquilo que estão fazendo. Mais tarde ela irá associar este sentimento com o que ela sente ao pensar em ser descoberta enquanto ela estiver experimentando sexualmente com seu próprio corpo ou com um parceiro de sua escolha; sexo pode ser sujo em todas suas formas. O segredo é a mola mestra do abuso sexual; ele é imposto pelo perpetrador através de ameaças e promessas que garantem a aquiescência da criança. Em decorrência de sua baixa autoestima e falta de assertividade, o sobrevivente de incesto não pode entender quando outras pessoas saem de suas trajetórias e rotinas somente para ajudá-la fazendo algo por ela sem esperar nada em retorno. Muito mais difícil é conseguir pedir algo. Um desejo de ser invisível também começa com o abuso: “Se ela for invisível talvez o abusador não irá molestá-la. Ela espera ser invisível aos olhos dos outros, o que pode impactar as relações duradouras. Um(a) sobrevivente de incesto pode , ao invés disso, tentar ser perfeito(a), uma supercompensação para sua negativa visão de si mesmo(a), uma forma de encobrir sua falta de autoestima, ou então ser perfeitamente mau(má), rebelde, fora de controle. Medo ansiedade, terror e fobias servem para proteger a vítima amedrontada. Blume aponta outros medos: medo do escuro; medo da hora de dormir; medo de enclausuramento em ambientes fechados. A criança não pode associar circunstâncias atuais com seu medo. Ela não pode declarar que o mundo é inseguro porque não há evento associado com sua reação; seus medos generalizam-se na imprecisão da ansiedade. Para o(a) sobrevivente de incesto o mundo é um local perigoso, e ponto final. Ou ela(ele) entra em pânico, é acometido(a) por um excesso de carga de adrenalina, com palpitações cardíacas, pulsação rápida, etc., ou ele(a) pode experienciar agarofobia quando sentir-se totalmente desamparado(a). De acordo com Blume, vícios e adições, comportamentos auto-mutilantes, desordens compulsivo-obsessivas, fobias e ataques de pânico apresentam-se como sintomas independentemente, mas com certeza são os primeiros aspectos a serem trabalhados. A autora afirma que “muitos clínicos negam a existência comum da experiência de incesto porque simplesmente lhes falta o conhecimento sobre as vastas consequências do incesto”. Vícios e compulsões são outras formas de negar ou evitar a dor. Surtos bulímicos (empanturrar-se e em seguida provocar vômitos) e anoréxicos (passar fome) entorpecem os sentimentos do indivíduo, distraindo-o(a) do que quer que seja que ele(a) está tentando não encarar. Já nos casos de alimentação compulsiva a comida pode servir como um substituto para a amizade ou para a nutrição emocional, pode servir de conforto ou recompensa, como uma atividade enquanto alguém sente-se entediado, ou como um substituto de amor ou de atenção que esteve faltando durante a infância. E os comportamentos obsessivo-compulsivos são tidos como uma tentativa de controlar uma vida que é percebida como fora de controle. Outros sintomas comuns incluem a vitimização, a autodestruição e a automutilação. Bessel van der Kolk (1989) conclui que, em parte em decorrência dos déficits de apego e da hiper estimulação crônica que decorre do abuso infantil, os sobreviventes adultos podem requerer maiores doses de estimulação externa dos sistemas endógenos de opióides a fim de neutralizar a hiperestimulação e atingir um estado de calma. Assim, eles desenvolvem uma adição química e psicológica para com a exposição frequente a situações traumáticas que de algum modo imita o viciado em drogas. Além da repetição compulsiva do trauma, as alterações entre hiper estimulação e hiper excitação e entre entorpecimento psíquico, mediadas pelo sistema neurobiológico resultam em mudanças de comportamento aparentemente imprevisíveis. Quando na fase de hiper estimulação, um(a) paciente normalmente plácido(a) e retraído(a), pode tornar-se abertamente agressivo(a) , lançando ataques verbais ao terapeuta ou a outrem, e apresentando efeitos de descargas motoras. O(a) mesmo(a) paciente, quando em estado de entorpecimento, pode tornar-se rígido(a), retraído(a) e virtualmente sem resposta às tentativas de estabelecimento de contato. Em função de, em geral, as histórias de incesto serem difíceis, e de frequentemente permanecerem ausentes da memória explícita, Blume nos oferece alguns sinais de alerta quanto à presença de efeitos retardados, os quais, de acordo com a autora, são indicadores de incesto ou de outro abuso ou de trauma severo. Específico ao incesto, ela lista o comportamento automutilador, um histórico de representação de papéis sexuais, promiscuidade, ou desejo sexual inibido. Ela desenvolveu uma lista de checagem, para além dos sintomas de TEPT (transtorno de estresse pós-traumático), que pode auxiliar a identificar o sobrevivente de incesto. Finalmente, podemos encontrar uma variedade de sintomas físicos que são relacionados a problemas corporais e a dificuldades sexuais. O corpo que atrai o perpetrador é projetado a dar prazer aos outros à custa do conforto do(a) sobrevivente. Ódio contra si mesmo(a), vergonha, feiura e alienação são efeitos e atitudes comuns com relação a seu corpo. VI - Energia, Libido, Energia Criativa Antes de adentrarmos na esfera dos efeitos retardados e da cura sob uma perspectiva energética, gostaria de apresentar um panorama da evolução dos estudos científicos acerca dos campos de energia no Universo. No século XIX as descobertas físicas sobre a termodinâmica influenciou as mentes científicas. Enquanto estudava no laboratório de Ernst Brücke, médico e anatomista alemão, Sigmund Freud foi apresentado às ideias da termodinâmica de Johann Friedrich Herbart, filósofo alemão com trabalhos relvantes no campo da filososfia espiritual. Na época de herbart a energia temporal e as forças eram às vezes utilizadas como se se tratassem de coisas assemelhadas. Naquele tempo muitos cientistas utilizavam os conceitos de força e poder significando energia, e assim o fez Freud: “Se a libido é geralmente descrita enquanto uma energia de instinto sexual, nos escritos de 1926 ela era explicada enquanto uma manifestação da força de Eros.” Herbart desenvolveu uma doutrina justapondo as noções de representação, instinto e repressão, baseado na idéia de um inconsciente com uma dinâmica própria, o que inspirou os primeiros tópicos de Freud. Reich estava determinado a descobrir a natureza física da energia libidinal proposta por Freud. Ele realizou algumas experiências e empenhou-se em vários experimentos a fim de medir os componentes elétricos de várias formas de interação sexual. Outras pesquisas subsequentes levaram à descoberta do “bion” – unidades básicas de energia vital – e inaugurou um novo campo de estudos: a biofísica e a energia vital do orgone. A teoria do orgone estabelece que o orgone é encontrado na atmosfera, penetrando em todos os espaços enquanto “éter”; é absorvido por todos os organismos e é responsável pelo movimento – expansão e contração – de todos os seres viventes. A energia do orgone flui através dos organismos vivos, criando um campo energético em torno deles, e pode ser transmitida de uma organismo para outro - por exemplo, através do toque de mãos de humanos para humanos. Ela governa o organismo em sua totalidade e se expressa nas emoções e nos movimentos biofísicos. No orgasmo sexual dá-se uma grande descarga de orgone cuja função biológica é a de restaurar e equilibrar energeticamente o organismo. Se acaso o fluxo de orgone encontra-se bloqueado de modo antinatural, doenças podem aparecer. A energia do orgone é difícil de ser mensurada porque ela não possui nem inércia nem peso. Ela pode ser encontrada em todo o lugar, mesmo no vácuo. Ela é o meio que propicia as atividades eletromagnéticas e gravitacionais e o meio no qual a luz se move. Está em constante movimento e pode ser observada através de certas condições. Contradizendo a lei da entropia, de acordo com a qual o calor e a eletricidade manifestam seus fluxos das potências mais elevados rumo aos potenciais mais baixos, o fluxo do orgone vai dos potenciais inferiores rumo às potências mais elevadas. Além disso, forma unidades ou entidades cujos focos estão direcionados à atividade criativa e possui um ciclo de vida. A matéria é criada através da energia orgônica. A energia orgônica é responsável pela vida, pois consiste na energia vital, e nesta qualidade é a responsável por características especiais que diferenciam os seres viventes dos não viventes. Reich concentrou seu foco na função energética do orgasmo, a qual ele considerava a energia chave para a regulação bioenergética, através da qual é descarregado o resíduo da energia vital não consumida em outras atividades. Além disso, ele considerava que o orgasmo poderia trazer uma sensação de bem-estar e de prazer que tornam a vida agradável. Ele também considerou que a descarga da energia excedente é necessária para atingir-se um orgasmo saudável. Ele acreditava que orgasmos inadequados iriam acumular a energia excedente no corpo, o que poderia produzir efeitos colaterais e doenças. As conclusões as quais Reich chegou após város experimentos são que todos os organismos vivos são feitos de uma estrutura de membranas que encapsulam e contém uma quantidade de orgone nos fluidos corporais – ou seja, são constituídos por um sistema orgônico. Ele concluiu, igualmente, que a energia está presente em todos os organismos, que a absorvem da atmosfera. Reich definiu a diferença entre eletricidade e orgone: a primeira é bipolar, constituída de movimentos rápidos e angulares; a segunda é unificada, constituída de movimentos lentos e ondulantes. Barbara Brennan sustenta uma visão holográfica do universo, de acordo com a qual todas as coisas estão interconectadas. Ela também defende a idéia de que somos compostos por campos energéticos, cada peça representando uma representação exata do todo, a qual pode ser utilizada para reconstruir o holograma em sua inteireza. Em adição aos conceitos de Reich, a visão científica de Brennan é também apoiada pelos progressos científicos da Física moderna, cujos conceitos mais relevantes são: • o universo está preenchido por campos que criam força e interagem uns com os outros – explicando nossa capacidade de afetar-nos mutuamente à distância; • o espaço não é tridimensional, e o tempo não é uma entidade separada. Ambos estão intimamente conectados e formam um continuum quadrimensional “tempo-espaço”. Não existe um fluxo universal de tempo, ou seja, o tempo não é linear nem absoluto. O tempo é relativo. A matéria e a energia são intercambiáveis. A matéria é completamente mutável, e, no nível subatômico, a matéria não existe em graus de certeza em espaços definidos, mas, ao invés disso, apresenta uma “tendência” a existir. A massa não é nada mais que uma forma de energia, energia lentificada e cristalizada. Nossos corpos são energia.E, ainda assim, estas “partículas subatômicas” estão conectadas de uma maneira que transcendem espaço e tempo, de forma que qualquer coisa que acontece com uma partícula afeta outras partículas imediatamente e não necessita de “tempo” para ser transmitida. A ressonância mórfica dos campos energéticos, a conecção superluminosa na qual as coisas ou eventos estão mais “correlacionadas” em um nível mais elevado da realidade vibrando em frequências acima da nossa, e o campo áurico são outros conceitos trabalhados por Brennan. Nossos corpos superiores são de uma ordem/frequência mais elevada e estão mais conectados aos corpos superiores dos outros do que estão nossos corpos físicos. À medida que nossa consciência avança rumo a frequências mais elevadas nós nos tornamos mais e mais conectados, até eventualmente sermos unos com o Universo. Barbara Brennan define o Campo da Energia Humana (CEH) enquanto todos os campos e emanações que formam o corpo humano. Muitos de seus componentes têm sido medidos em laboratório, como componentes eletrostáticos, magnéticos, eletromagnéticos, sônicos, termais e visuais. Os campos energéticos são os veículos para o processo criativo. É através dos campos de energia que as situações da vida, os eventos e as experiências , assim como o mundo material, são criados. As forças criativas possuem várias dimensões. Nossa linguagem é muito limitada para descrever adequadamente as diferenças nestas dimensões. Na perspectiva de Bárbara, existem pelo menos quatro dimensões dentro de cada ser humano: a física, a áurica, a hárica e o nível da estrela do âmago. A primeira dimensão: O mundo físico é mantido intacto pelo subjacente mundo da energia e da consciência. A segunda dimensão: Composta pelos campos de energia nos quais existe a aura ou o Campo de Energia Humana. Tudo o que é criado no mundo físico deve primeiro existir ou ser criado no mundo dos campos da energia da vida. Esta dimensão carrega as energias de nossa personalidade. Cada sentimento que temos existe no nível dos campos da energia vital. A terceira dimensão: O nível hárico é o nível no qual ancoramos nossas intenções e este nível é muito importante no processo criativo. Quando temos intenções inconscientes, mescladas ou opostas, lutamos contra nós mesmos e perturbamos o processo criativo. A quarta dimensão: É a dimensão do núcleo central do nosso ser, o nível da estrela do âmago ou a nossa fonte interna, a divindade localizada dentro de nós, a essência. É a partir desta fonte interior que toda a criatividade brota do âmago. O pleno processo criativo natural requer a emergência de energias e da consciência da estrela do âmago, que perpassará todas as referidas dimensões. Considerando que o corpo físico surge do campo energético, um desequilíbrio ou distorção neste campo irá eventualmente causar uma doença no corpo físico. O processo criativo que se origina dentro do nosso âmago sempre começa com dois ingredientes. O primeiro é a intenção positiva, ou intenção divina. O segundo é o prazer positivo. Cada ato criativo toma o curso de sua jornada no físico; ele se manifesta primeiramente enquanto consciência no âmago, depois enquanto intenção no nível hárico, depois enquanto energias vitais no nível áurico e, posteriormente, irá manifestar-se no universo físico. É com a “luz emergente” do nosso âmago que criamos nossa experiência em todos os níveis dos nossos seres. Quando bloqueamos as energias criativas emanadas de nossa estrela do âmago nós eventualmente criamos dor em nossas vidas. Podemos deduzir quão danosa é a energia mal utilizada da criança abusada sexualmente, resultando em bloqueios severos ao livre fluxo de sua energia criativa. VII – Contemplando os efeitos retardados do abuso sexual na infância a partir da perspectiva da Ciência da Cura Uma criança com idade inferior aos sete anos ainda não possui todos os chakras e níveis áuricos estruturados e desenvolvidos. Dessa forma, o impacto do abuso sexual em toda a estrutura do modelo quadridimensional dos seres humanos – físico, aura e chakras, linha do Hara e estrela do âmago – será de grande magnitude. Isto nos auxilia a compreender o motivo pelo qual uma alto espectro de efeitos retardados são identificados nestes casos. O abuso direcionado a uma criança que ainda não possui seu Campo de Energia Humana suficientemente amadurecido, com limites e fronteiras energéticas estruturadas, inevitavelmente resultará em graves efeitos para seu desenvolvimento físico, psíquico, emocional e espiritual. A energia da estrela do âmago não pode fluir de seu modo natural e algumas formas de suas manifestações criativas não podem ser expressas. O dano está lá. Na observação clínica torna-se fácil entender por que encontramos tantos desequilíbrios nos chakras e nos níveis do campo, tais como: No primeiro chakra, o giro é afetado, ou o chakras é dilacerado, resultando em pouca quantidade de energia física. A disposição para viver na realidade física é afetada, resultando na falta de enraizamento e de assentamento, no enfraquecimento da energia e na depressão. A defesa de retirada e de recuo do(a) sobrevivento , e seu comportamento evitativo de atividades físicas, tornam dificultada a recarga dos chakras. O chakra pode estar dilacerado , demandando reestruturação de chakra. Tais aspectos abrem o acesso para a entrada de doenças. O prazer físico, a saúde e as sensações são afetadas. No segundo chakra (2 A) , os atos de dar e receber prazer e preenchimento e plenitude são seriamente afetados. O dano pode ser expresso ou através da evitação ou do uso extremo das atividades relacionadas a este chakra, com o risco de infligir danos. Este desequilíbrio reforça a separatividade e inibe a experiência de unidade. No chacra 2 B, a força sexual pode ser fraca, com a tendência de evitação das atividades sexuais e de nutrição insuficiente nesta área. O(a) sobrevivente não recebe a nutrição psicológica a partir da comunhão e do contato corporal com outro ser. Ou, ao contrário, o(a) sobrevivente pode ficar com sobrecarga nessa área, resultando em uma sexualidade distorcida e sem amor. O relacionamento com o próprio self é afetado como resultado da falta de autoaceitação, baixa autoestima e problemas com as relações sexo-afetivas. O chakra 3 A também é profundamente afetado em seu funcionamento do entendimento mental das emoções e da definição da realidade, tornando a vida uma experiência avassaladora. A membrana protetora sobre este chakra pode estar dilacerada, levando à perda de controle, com grave externalização descontrolada das emoções. Em casos de giros fechados, os sentimentos podem ficar bloqueados, assim como a consciência do significado das emoções, desconectando e dissociando o (a) sobrevivente de seu self e de sua singularidade. O terceiro chakra é um importante centro de conectividade, que em caso de abuso ficará severamente afetado, criando um bloqueio entre o coração e a sexualidade, e separando as suas funções. Este chakra está associado com o prazer e a expansividade, com a sabedoria espiritual e com a consciência da universalidade da vida e com a consciência de quem somos nós. Todos esses aspectos ficam distorcidos na pessoa vítima de abuso, sendo que o que, todavia, permanece fortemente preservado com relação às funções deste chakra é o funcionamento da mente racional. A disfunção do chakra 3 B transforma em uma tarefa muito difícil para o(a) sobrevivente manter a intenção direcionada ao cuidado pessoal e à saúde física. O entendimento claro, racional e linear dos eventos, sobretudo aqueles eventos relacionados aos aspectos emocionais, permanecem confusos e obscuros. O quarto chakra, o chakra do coração, também irá afetar o fluxo da energia do quarto nível, a conectividade com outros e a habilidade de amar. A abertura para a vida e para o amor aos outros é distorcida, criando dificuldades nos relacionamentos. O chakra 4 B , que comanda a vontade do ego e a ação no mundo físico, fica afetado, devido à cisão egóica. Às vezes a pessoa tem a percepção de que as pessoas estão contra a sua vontade, ou percebe o universo enquanto um lugar hostil no qual somente potentes agressores sobreviverão. O(a) sobrevivente possui um desequilíbrio de poder, por vezes sentindo-se muito poderoso(a) , por vezes sentindo-se muito fraco(a). No quinto chakra são afetadas as funções de assimilação e de aceitação, o que representa dificuldades em tomar responsabilidade pelas necessidades pessoais, preenchimento e nutrição. Em decorrência do abuso, o(a) sobrevivente tem uma expectativa negativa sobre o que está vindo em sua direção, em geral encarando o que chega enquanto uma hostilidade, violência ou humilhação, ao invés de amor ou nutrição. A aceitação torna-se distorcida, prevalecendo a postura crítica e as atitudes de culpabilizar os outros. A autoaceitação também é distorcida. No chakra 5 B o aspecto de uma expressão profissional , que não é profundamente afetado pelo trauma, parece preservado, considerando-se que o fluxo de energia criativa pode perpassá-lo. Contudo, pode também ainda ocorrer uma sensação de não se perceber enquanto uma pessoa verdadeiramente exitosa e bem-sucedida. Orgulho, dor e desespero necessitam ser liberados. Podem manifestar-se ou como medo do fracasso e podem revelar-se através da necessidade de manutenção de segredos e de invisibilidade. Também nesse nível são perturbadas a harmonia com sua intenção de falar e de agir de acordo com sua verdade interior. No sexto chakra a habilidade da visualização e da compreensão de conceitos mentais é de alguma forma preservada. Todavia, também pode se verificar uma habilidade para a geração de ideias negativas, e para a criação de confusão e de desordem em suas próprias vidas. A capacidade de colocar ideias em prática também parece manter-se preservada, porém quando estiverem relacionadas a outros assuntos que não os assuntos emocionais. O sexto nível parece permanecer preservado enquanto um lugar para ser utilizado para a trajetória para fora do corpo, ou a uma busca de espiritualidade em oposição à vida material, que pode ser considerada como má. Não obstante, o contato com a função de amor incondicional deste campo precisa ser fortalecido a fim de trazer junto a função do amor incondicional para o mundo físico e para o(a) sobrevivente. Finalmente, no sétimo nível, em decorrência da cisão, existem dificuldades quanto ao senso individual de inteireza, paz e fé e o propósito de sua existência. A integração entre os aspectos físicos, emocionais, mentais e espirituais é afetada. O sentimento de serenidade é afetado pela crença do medo da aniquilação, do abandono e da invasão, ou do opinar sobre si mesmo, como se se tratasse de uma pessoa má. Considerando-se que aqui é o nível no qual estão contidas todas as crenças, aquelas registradas pelo evento traumático do abuso devem ser limpas e exigem “restauração de nível” (uma técnica de cura) a fim de auxiliar a pessoa a liberar e transcender as velhas crenças. De acordo com minha experiência, a descoberta corriqueira na prática clínica é a de que, inicialmente, todos os chakras encontram-se completamente distorcidos e alteram-se durante o decorrer do tratamento, porém desequilíbrios tendem a permanecer nos chakras 2,3,4,5 A , e 3B e 4B, por um certo período de tempo. Os últimos a serem estabilizados são o 2 A, o 4 A e o 3 B e 4B. O campo áurico tende a estar um tanto elevado ou suspenso, em decorrência de um padrão predominantemente mental. Outra tendência é o vazamento da energia, existindo buracos nos níveis estruturados, e também energia escura e suja nos níveis fluidos. Parece que não somente a invasão, mas também as descargas emocionais rompem as camadas ou tramas energéticas dos níveis estruturados. A maioria dos níveis do campo energético são profundamente afetados enquanto consequência do abuso sexual. Os campos estruturados – o1, o 3, o 5 e o 7 – apresentam suas linhas enfraquecidas, quebradiças ou quebradas, e algumas vezes arregaçadas ou enroladas, necessitando serem carregadas e reestruturadas. O fortalecimento de todos os níveis estruturados irá auxiliar o tratamento, pois proporcionará o container depositário para a estruturação do ego, e tal fortalecimento também será de grande auxílio geral, ao permitir que os níveis fluidos do campo da energia humana – os níveis emocionais – sejam limpos e adequadamente envoltos por estruturas que lhes ofereçam a moldura de suporte apropriada. Nos(as) sobreviventes de abuso os níveis emocionais são repletos de nuvens e de muco áurico – de cores acinzentadas ou de cores escuras, em tonalidades que evocam detritos, e às vezes de cores pálidas. A limpeza e a retirada da energia obstruída ajudará a pessoa a clarear os sentimentos negativos, derivados do evento traumático, que ela ainda mantém em seu campo áurico. Considerando o modelo de Estrutura de Caráter utilizada por Bárbara Brennan, a combinação mais comum encontrada em clientes com este tipo de traumatização é a Esquizoide, Oral e Masoquista/Psicopática. A esquizoidia, ocorrida em função do medo de aniquilação poderá ou não recobrir uma nova ferida. Ferenczi descreve a comoção psíquica após o trauma como uma criança “fora-de-si-mesma”. A oralidade vem com o medo do abandono, predominantemente pela mãe, com enfraquecimento de energia. E a característica masoquista , em função do medo da invasão, de ser utilizada para preencher as necessidades de outros, de ser controlada por outros, conforme Ferenczi se refere à invasão do ego da criança pelo agressor. O encolhimento pela defesa psicopática dá-se em função do medo da traição e de uma defesa agressiva que parece emprestada da identificação com o agressor, e pode auxiliar a ameaçar e a manter distante o invasor. O caráter rígido pode manifestar-se ou como sendo apenas uma cobertura para as defesas principais, já que não se encontra refletido no todo da estrutura corporal, ou somente em algumas partes enquanto músculos espásticos, ou pela presença de defesa energética de armadura de rede, etc. Este fica mais evidenciado nos níveis mentais, vindo em auxílio para a pessoa em seus esforços empreendidos através do entendimento mental, e igualmente para auxiliar o(a) sobrevivente a evitar a desintegração psíquica. De uma maneira geral, verifica-se um fluxo altamente complexo percorrendo todos esses sistemas, e parece ser uma tarefa monumental para o(a) terapeuta não cônscio(a) da magnitude deste tipo de trauma. E, finalmente, encontramos a linha do Hara afetada, entortada, enfraquecida por interrupções que impactam o fluxo de energia na corrente vertical, na conexão com a energia da Terra, na intencionalidade e na tarefa de vida. VIII – Esperança e Cura A conclusão de Davies é a de que a Psicanálise tem progredido quanto a seu entendimento do tema, porém uma combinação dos conceitos das respectivas abordagens de todas as correntes de pensamento no campo psicanalítico, adicionada do domínio de uma literatura específica sobre o trauma, será necessária para lidar com todos os aspectos do trauma precoce de abuso sexual. A abordagem da Ciência de Cura de Barbara Brennan, através de seu Modelo das Quatro Dimensões, trabalha com a cura nos níveis físico, áurico, hárico e da Estrela do Âmago. Como ele funciona? A cada vez, desde a infância, quando paramos o fluxo de energia em um evento doloroso, nós congelamos em termos de energia e tempo. O trabalho de cura é um trabalho que envolve a liberação dos pequenos blocos de tempo psíquico congelados. Fruto da ativação inerente ao trauma, a energia aumentada liberada para dentro do campo áurico, por sua vez, automaticamente começa a liberar os outros pequenos segmentos de conglomerados de tempo porque estes comportam-se tal como a energia. Uma vez que estas partículas da psique humana – que não foram amadurecidas com o resto da personalidade – são liberadas, elas iniciam um processo de maturação que pode levar de poucos minutos até alguns anos, dependendo do quão profundo, forte e permeável foi o impacto da/na energia-consciência. Estas energias são integradas através do Campo da Energia Humana e são liberadas para retornarem ao processo criativo. A forma de relembrarmos quem somos, de criar nossas vidas do modo que queremos que elas sejam, preenchidas de saúde e de um senso de segurança, é conectarmos outra vez com nossa essência. O modo de realizar isso é encontrar e observar nossas imagens e liberar os conglomerados de Tempo Psíquico (as cápsulas de tempo) a ela associadas, de forma que possamos ir para a fonte de todas as imagens, a nossa ferida original. Significa ir através e atravessar nosso sistema de defesas e clarear os sentimentos negativos e todas as camadas de dor imaginadas em torno da ferida original. Por que é a Ciência de Cura de Brennan efetiva no tratamento no tratamento do abuso sexual precoce? Porque ela trabalha diretamente no Campo da Energia Humana, no corpo físico e na inscrição sensorial – “os símbolos corporais mnêmicos do trauma”, conforme definido por Ferenczi. Ela opera sem palavras e além de palavras que poderiam ser amedrontadoras para uma pessoa cuja voz foi negada e vem sendo negada. Ela trabalha com o Campo da Energia Humana e com o corpo físico, desbloqueando a cápsula temporal da experiência traumática, trazendo-a para o fluxo do sistema. Consequentemente, a pessoa pode resgatá-la e integrá-la para o interior de sua consciência, e então pode falar a respeito desta experiência. É também efetiva porque pode fazer uma pessoa fora-do-corpo retornar a ele, restabelecendo o fluxo da energia e a unidade, curando a cisão. Uma vez que o (a) curador(a) tenha trabalhado com a energia em todos os níveis dos campos sutis e nos níveis físico e celular do(a) paciente , pode vir a restabelecer seu contato interno e seu pulso vital saudável, auxiliando a resolver a cisão e a separação interior. Além disso, alinhando a intenção no nível do Hara, do amor e da conexão do coração, e ressoando a qualidade de aceitação e de compaixão, a pessoa necessita curar a separação de seu self e o mundo. O amor é a chave aqui, o antídoto à violência sofrida pelo cliente. O (a) curador(a) , sustentando o Amor Incondicional, cria um espaço seguro e uma matrix relacional que ressoa no campo do cliente, auxiliando(a) a sentir-se seguro(a), a reconstruir a confiança e a desenvolver a autoaceitação e o amor que ele(a) perdeu com a violência do abuso sexual. Finalmente, a Ciência Curativa de Brennan possui várias técnicas apropriadas para curar traumas de “T” maiúsculo, por exemplo, a Cura das Cápsulas Temporais, que segue-se à onda da regressão e liberação da memória traumática, a Reestruturação dos Níveis e dos Chakras, a Cura dos Cordões Relacionais, a Cura do Hara e a Cura da estrela do Âmago. Minha observação após ter trabalhado com a a Cura das Cápsulas Temporais foi a de que as pacientes ficaram aptas pela primeira vez a recuperar a memória de terem sido abusadas sexualmente. E eu pude experienciar uma aceleração da autoconsciência por parte destas clientes assim como a transformação de alguns sintomas, como por exemplo a melhora de sua autoestima, um melhor equilíbrio do sistema neuro-vegetativo, respostas de luta-e-fuga, e de terem tornado-se aptas a falar e a liberar as emoções bloqueadas associadas ao abuso. De acordo com minha experiência, o processo de cura pode ser aperfeiçoado quando, após o trabalho com Cápsulas Temporais, nós associamos um novo tratamento desenvolvido por Francine Shapiro, chamado EMDR – De acordo com Shapiro, o EMDR reconecta o evento armazenado com o sistema físico de processamento de informações no cérebro. Minhas observações incluem casos em que sintomas de pânico involuntário, assim como hiper excitação fisiológica sempre presente ao deparar-se com agressão e fobias, foram dissolvidos após poucas sessões com a utilização do método. A técnica de EMDR consiste simplesmente na estimulação dos olhos ou do corpo, conduzida pelo(a) terapeuta através de movimento das mãos enquanto o cliente visualiza a cena do trauma. Na constatação de Shapiro, quase sem exceção, aqueles submetidos a tratamento com essa técnica resolveram com sucesso sua memória traumática. A técnica também auxilia os(as) sobreviventes com relação ao modo como se sentem com relação a si mesmos , já que sua negação, seu medo, sua culpa, sua vergonha, e sua raiva são substituídos por emoções de autoestima, confiança, perdão, aceitação, etc. Shapiro questiona-se por que a técnica do EMDR funciona tão rapidamente. O que exatamente o movimento dos olhos faz? A resposta de Shapiro é : “A verdade é que nós ainda não sabemos. Os cientistas ainda não captaram o suficiente acerca da complexidade do processo cerebral. Talvez o trauma cause uma super excitação sobre o sistema nervoso, e talvez o movimento dos olhos cause um sistema inibitório (ou relaxante) que contrabalance isso”. Este modelo de acelerado processamento de informações parece corresponder ao que os neurobiólogos sabem sobre a fisiologia do cérebro. Parece que dentro de cada um de nós existe um sistema de processamento de informação e ação que tem por função processar eventos perturbadores, de modo que possamos manter um estado de saúde mental. Quando algo traumático nos acontece, todavia, esse sistema de processamento pode colapsar. Nossas preocupações acerca do terrível evento podem ficar presas e estagnadas em nosso sistema nervoso da mesma forma como quando a experienciamos originalmente , e assim serem expressas através de pesadelos, flashbacks, memórias e pensamentos intrusivos, etc. No EMDR a pessoa é convidada a pensar sobre o evento traumático e então o sistema de processamento de informação da pessoa é estimulado de forma que a experiência traumática possa ser adequadamente processada e digerida. Dessa forma, através do processo curativo natural, o trauma é digerido, e as feridas mentais podem ser curadas. Supomos que a técnica restabelece o funcionamento fisiológico que foi lesado pelo trauma, o qual então apoiará a cura através de seu processo de integração do passado em uma nova realidade. A cura em geral pode levar várias sessões, já que é difícil limpar e remover tudo de uma única vez. Definitivamente assim é o caso de abuso sexual precoce. Porém, a Ciência de Cura de Barbara Brennan, associada ao EMDR (Desensitização e Reprocessamento dos Movimentos Oculares), auxilia a restabelecer as camadas da personalidade, reconectando o que estava cindido. IX – Conclusão Trauma é uma ocorrência inevitável e necessária para a estruturação da psique, porém o abuso sexual é um evento em si mesmo sobremaneira excessivo e avassalador, que inexoravelmente ocasiona severas consequências ao desenvolvimento da psique. Assim, são compreensíveis as razões pelas quais este tipo de trauma afeta diretamente o fluxo de energia criativa, causando uma grave perturbação psíquica, emocional e física no desenvolvimento da criança. Além disso, não podemos esquecer ou desprezar as dificuldades sociais e culturais para lidar-se com matérias sexuais, e isto, associado à falta de familiarização de muitos terapeutas e médicos com relação às sequelas e efeitos retardados de tal trauma, pode constituir-se, por vezes, num fardo demasiado pesado para vida do(a) sobrevivente. Afortunadamente, podemos encontrar contribuições como a de Ferenczi, Blume e Davies. Ferenczi acreditava que o trauma sexual precoce era uma ocorrência corriqueira. Suas abordagens permanecem atualizadas, corroboradas pelas novas descobertas emergentes nesta área. Davies questionou profundamente se era a realidade do evento traumático do abuso sexual precoce ou as complexas vicissitudes de sua internalização simbólica que era tão perturbadora para o posterior funcionamento da psique, ou se é o impacto do trauma no self internalizado e no mundo objetal do paciente que leva à patologia. A autora acredita que se trata de uma combinação derivada de todos estes fatores e muito mais, e que é necessário empreender-se uma combinação das análises produzidas por todas as escolas de pensamento psicanalíticas adicionais a todas as novas descobertas científicas acerca do Trauma, como o conceito de TEPT (transtorno do estresse Pós-Traumático), para que possamos mais habilmente lidar de forma efetiva com todos os aspectos deste tipo de trauma, e, consequentemente, determinarmos a intervenção terapêutica apropriada. Desde Ferenczi os limites da terapia verbal e a necessidade de interferência no corpo foram já identificados, e posteriormente confirmados, por diversos autores, como Winnicott, Davies, Shapiro e por Barbara Brennan. Torna-se evidente os motivos pelos quais a Ciência de Cura de Brennan é tão eficiente no tratamento de pacientes sobreviventes desta categoria de trauma. Não somente pelo emprego de suas técnicas, e pelo alinhamento do curador ressoando compaixão e aceitação, mas também, certamente, pela própria natureza do trabalho, que foca diretamente na energia, trabalhando com a energia, dispensando palavras, liberando o que estiver bloqueado e restabelecendo a pulsação vital saudável da energia, a qual havia sido perdida em decorrência dos efeitos do trauma. BIBLIOGRAFIA DE APOIO: ADAMS, Kennet M. Silently Seduced: When Parents Make their Children Partners/Understandong Covert Incest, 1991. BASS, Ellen & DAVIES, Laura. The Courage to Heal: A Guide fro Women Survivors of Child Sexual Abuse, Harper, 3rd ed, 1994. BLUME, E. Sue. Secret Survivors: Uncovering Incest and Its Aftereffects in Women, Ballantine Books, 1990. BRENNAN, Barbara Ann. Hands of Light, New York: Bantam, 1979. ______. 1998-1999 Student Workbook: Sophomore Year, Publicado por Barbara Brennan School of Healing (BBSH), 1998. DAVIES, Jody M. & FRAWLEY, Mary. Treating the Adult Survivor of Childhood Sexual Abuse, Basic Books, 1994. FERENCZI, Sandór. Obras completas, Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992. MILLER, Alice. La souffrance muette de lénfant, Edition Aubier, 1990. PINHEIRO, Teresa. Ferenczi: Do Grito à Palavra, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed/EdUFRJ, 1995. REICH, Wilhelm. The Function of the Orgasm. New York: Farrar/Editora Brasiliense, 19th edition, 1995. ROUDINESCO Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise, Jorge Zahar Editor, 1998. SÁ, Alvaro de. “Contatos de Freud com os Conceitos Energéticos e o Saber Termodinâmico”, In: No. Três, A Outra, Colégio Freudiano do Rio de Janeiro, 1988. SHAPIRO, Francine & FORREST, Margot Silk. EMDR: Eye Movement Desensitization & Reprocessing, B. Books, 1997. PERFIL DA AUTORA: Anna Maria da Silva Leite, nascida no Rio de Janeiro, Brasil, é psicóloga desde 1978. Trabalha como Psicoterapeuta e Curadora (graduada pela Faculdade da Ciência de Cura Barbara Brennan, EUA), atuando na área desde sua aposentadoria antecipada da IBM-Brazil, ocorrida em 1995. Suas atuações prévias como Pesquisadora em Psicologia e como Gerente de Recursos Humanos constituíram-se em experiências enriquecedoras que atualmente a auxiliam enquanto curadora e facilitadora na transmissão das Teorias de Barbara Brennan no Rio de Janeiro. Sua prática clínica também integra conhecimentos de EMDR (método de dessensibilização e reprocessamento de experiências emocionalmente traumáticas por meio de estimulação bilateral dos hemisférios cerebrais) e de psicanálise. e-mail: [email protected]