Clique aqui para baixar esta edição
Transcrição
Clique aqui para baixar esta edição
ISSN 1517-2422 cadernos metrópole teoria urbana e cidade neoliberal na América Latina Cadernos Metrópole v. 16, n. 31, pp. 1-292 jun 2014 Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–, Semestral ISSN 1517-2422 A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22 1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos. I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles CDD 300.5 Periódico indexado na Library of Congress – Washington Cadernos Metrópole Profa. Dra. Lucia Bógus Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das Metrópoles Rua Ministro de Godói, 969 – 4° andar – sala 4E20 – Perdizes 05015-001 – São Paulo – SP – Brasil Prof. Dr. Luiz César de Queiroz Ribeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Observatório das Metrópoles Av. Pedro Calmon, 550 – sala 537 – Ilha do Fundão 21941-901 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Caixa Postal 60022 – CEP 05033-970 São Paulo – SP – Brasil Telefax: (55-11) 3578.0594 [email protected] http://web.observatoriodasmetropoles.net Secretária Raquel Cerqueira tteoria eoria u urbana r b an na e c cidade idade neoliberal na América n eoliberal n aA m é ric c a LLatina a t in na PUC-SP Reitora Anna Maria Marques Cintra EDUC – Editora da PUC-SP Direção Miguel Wady Chaia Conselho Editorial Anna Maria Marques Cintra (Presidente), Cibele Isaac Saad Rodrigues, Ladislau Dowbor, Mary Jane Paris Spink, Maura Pardini Bicudo Véras, Norival Baitello Junior, Oswaldo Henrique Duek Marques, Rosa Maria B. B. de Andrade Nery, Sonia Barbosa Camargo Igliori Coordenação Editorial Sonia Montone Revisão de português Eveline Bouteiller Revisão de inglês Carolina Siqueira M. Ventura Revisão de espanhol Vivian Motta Pires Projeto gráfico, editoração e capa Raquel Cerqueira Rua Monte Alegre, 984, sala S-16 05014-901 São Paulo - SP - Brasil Tel/Fax: (55) (11) 3670.8085 [email protected] www.pucsp.br/educ cadernos metrópole EDITORES Lucia Bógus (PUC-SP) Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ) COMISSÃO EDITORIAL Eustógio Wanderley Correia Dantas (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Orlando Alves dos Santos Júnior (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Sérgio de Azevedo (Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/ Brasil) Suzana Pasternak (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) CONSELHO EDITORIAL Adauto Lucio Cardoso (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Fani Alessandri Carlos (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira de P. Britto (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Ana Maria Fernandes (Universidade Federal da Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Andrea Claudia Catenazzi (Universidad Nacional de General Sarmiento, Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires/Argentina) Angélica Tanus Benatti Alvim (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Arlete Moyses Rodrigues (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Brasilmar Ferreira Nunes (Universidade Federal Fluminense, Niterói/Rio de Janeiro, Brasil) Carlos Antonio de Mattos (Pontificia Universidad Católica de Chile, Santiago/Chile) Carlos José Cândido G. Fortuna (Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugal) Cristina López Villanueva (Universitat de Barcelona, Barcelona/Espanha) Edna Maria Ramos de Castro (Universidade Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Eleanor Gomes da Silva Palhano (Universidade Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Erminia Teresinha M. Maricato (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Félix Ramon Ruiz Sánchez (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Fernando Nunes da Silva (Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa/Portugal) Frederico Rosa Borges de Holanda (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Geraldo Magela Costa (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Gilda Collet Bruna (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heliana Comin Vargas (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heloísa Soares de Moura Costa (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Jesus Leal (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) José Alberto Vieira Rio Fernandes (Universidade do Porto, Porto/Portugal) José Antônio F. Alonso (Fundação de Economia e Estatística, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) José Machado Pais (Universidade de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Marcos Pinto da Cunha (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) José Maria Carvalho Ferreira (Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Tavares Correia Lira (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Leila Christina Duarte Dias (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Luciana Corrêa do Lago (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luís Antonio Machado da Silva (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Márcio Moraes Valença (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marco Aurélio A. de F. Gomes (Universidade Federal da Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Maria Cristina da Silva Leme (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do Livramento M. Clementino (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marília Steinberger (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Marta Dominguéz Pérez (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) Nadia Somekh (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/ Brasil) Nelson Baltrusis (Universidade Católica do Salvador, Salvador/Bahia/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ricardo Toledo Silva (Universidade de São Paulo, São Paulo/ São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, Curitiba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/ Brasil) Sarah Feldman (Universidade de São Paulo, São Carlos/São Paulo/Brasil) Tamara Benakouche (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Wrana Maria Panizzi (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) sumário 9 Apresentação dossiê: teoria urbana e cidade neoliberal na América Latina Reading Polanyi based on social and solidarity economy in La n America The capitalist city in the neoliberal pa ern of accumula on in La n America Words and things in the La n American city. Epistemological obstacles in Argen nean urban policies A la carte urbanism: theories, policies, programs and other urban recipes for La n American ci es Theore cal frameworks and poli cal uses of the concept of public space under neoliberalism in the city of Cuernavaca, Mexico 17 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América La na José Luis Coraggio 37 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América La na Emilio Pradilla Cobos 61 Las palabras y las cosas en la ciudad la noamericana. Obstáculos epistemológicos en polí cas urbanas argen nas Ana Núñez Jorge Roze 89 Urbanismo a la carta: teorías, polí cas, programas y otras recetas urbanas para ciudades la noamericanas Victor Delgadillo 113 Enfoques teóricos y usos polí cos del concepto de espacio público bajo el neoliberalismo en la ciudad de Cuernavaca, México Carla Alexandra Filipe Narciso Is it possible to talk, in the 21st century, 139 Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo of a La n American model of city or metropolis? la no-americano de cidade ou metrópole? A European’s point of view Ponto de vista de uma europeia Hélène Rivière d’Arc Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 1-292, jun 2014 7 Neoliberal urban reorganiza on and the bus companies in the city of Rio de Janeiro 149 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus na cidade do Rio de Janeiro Igor Pouchain Matela Internal migra ons and their contemporary 169 As migrações internas e seu protagonismo protagonism in the urban imaginaries contemporâneo nos imaginários urbanos of the metropolis of Lima, Peru da metrópole de Lima, Peru Beatriz Silveira Castro Filgueiras Artigos complementares Regional centers in the North of Rio de Janeiro and 195 Polos regionais do Norte Fluminense the Metropolitan Region: poli cal culture e a Região Metropolitana: cultura polí ca in a compara ve perspec ve em perspec va comparada Sérgio de Azevedo Joseane de Souza Fernandes Morphological analysis of urban spaces 219 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias in river basins: analyzing the surroundings hidrográficas: um olhar sobre o entorno of Dilúvio River in Porto Alegre do Arroio Dilúvio em Porto Alegre William Mog Heleniza Ávila Campos Lívia Salomão Piccinini Analysis of the Brazilian assessment 239 Avaliação das metodologias brasileiras methodologies of socio-environmental de vulnerabilidade socioambiental como vulnerability as a result of urban decorrência da problemá ca urbana no Brasil problems in Brazil Mônica Maria Souto Maior Gesinaldo Ataíde Cândido Intra- and inter-metropolitan varia ons 263 Variações intra e intermetropolitanas da desigualdade de renda racial of racial income inequality Leonardo Souza Silveira Jerônimo Oliveira Muniz 289 Instruções aos autores 8 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 1-292, jun 2014 Apresentação Sob o impacto da explosão do crescimento das grandes cidades, no período 1950/1970, surgiu na América Latina um pensamento urbano que buscava encontrar os marcos estruturais-históricos da nossa formação urbana. Marcado pelo debate entre as teorias da dependência, da modernização e do imperialismo e pelo reconhecimento da diversidade das cidades do continente, esse pensamento teve grande influência no debate internacional. Expressava uma atitude intelectual de estabelecer uma relação crítica com as próprias formulações críticas sobre o desenvolvimento capitalista – vale dizer, o marxismo – pela qual as categorias de pensamento necessitavam ser historicizadas diante da experiência histórica dos países latino-americanos, sem o que o pensamento se destituía de sua capacidade cognitiva. Posteriormente, contudo, a partir da institucionalização das disciplinas das ciências sociais e suas especializações sobre os temas urbanos, o vigor intelectual desse debate foi obscurecido pelo poder “geo-cultural“1 das grandes universidades do mundo europeu e norte-americano e sua capacidade de hegemonizar o pensamento urbano na escala global. Uma verdadeira divisão mundial do trabalho se estabeleceu no campo acadêmico, pela qual às instituições e aos pesquisadores dos países do mundo euro-americano caberia a formulação de conceitos e teorias com pretensões de legitimidade universais, enquanto aos posicionados nas periferias e semiperiferias caberiam as tarefas de colocá-los à prova empírica. O presente número da revista Cadernos Metrópole busca abrir espaço para os acadêmicos que em vários países latino-americanos – e em outros continentes – vêm retomando os esforços de reconstrução do pensamento latino-americano sobre a cidade, em diálogo crítico com uma teoria urbana globalizante, nos planos teórico, conceitual e empírico. Ele repercute a iniciativa de um Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 9 Apresentação grupo de pesquisadores2 do continente em criar um movimento intelectual-acadêmico que retome o projeto de pensar a especificidade dos processos de urbanização e de mudanças das grandes cidades latino-americanas. Tal iniciativa está em sintonia com um movimento mais amplo que reúne acadêmicos, pesquisadores e intelectuais de vários países que vêm pensando e discutindo a necessidade de construir uma perspectiva crítica desde o “Sul” sobre a globalização cultural que impera nas ciências sociais em geral e nas disciplinas desse ramo de conhecimento que se dedica aos temas urbanos. A ampla adesão de pesquisadores à proposta editorial dos Cadernos Metrópole evidencia que o tema atende à necessidade do mundo acadêmico latino-americano de encontrar formas ativas de resistência ao poder cultural que criou uma geo-epistemologia global, cujo centro são as grandes universidade do mundo euro-americano. Trata-se de uma batalha tanto mais importante na medida que o controle do conhecimento é hoje a fronteira de expansão capitalista, dada sua importância capital no desenvolvimento das Nações. O continente latino-americano vive um momento especial, que impõe refletirmos sobre os paradigmas com os quais temos analisado as nossas particularidades como periferia da economia mundo capitalista e as nossas possibilidades históricas para encontrar caminhos alternativos na atual fase de crise da “virada neoliberal” iniciada nos anos 1970. Após a recessão dos anos 1980 e as políticas neoliberais dos anos 1990, observa-se em vários países crescimento econômico com diminuição das desigualdades de renda, embora de modo geral os coeficientes de Gini permaneçam muito mais elevados do que a média mundial. Trata-se da combinação de efeitos pró-ciclos do crescimento econômico impulsionado por dinâmica exportadora de commodities e pela expansão do mercado interno. Simultaneamente, surgiram em vários países políticas sociais de transferência de renda, ao mesmo tempo em que os Estados retomaram seus antigos compromissos com os direitos sociais, notadamente na educação e na saúde, o que se expressa no aumento dos gastos sociais. Também surgiram, em vários países da região, políticas de aumento real do salário mínimo e do PIB per capita. Este conjunto de mudanças se associa à crise do projeto neoliberal nos países centrais e ao surgimento de governos que expressam novas correlações de forças, com a maior presença dos partidos e grupos populares. Para muitos analistas, o continente latino-americano ingressou desde os primeiros anos do século XXI em uma etapa de transição marcada por uma crise de hegemonia do modelo liberal3 de desenvolvimento que orientou as políticas econômicas nos anos 1990. Com efeito, a economia mundial atravessou desde 1994 um longo período de crescimento, apesar das frequentes crises, mas simultaneamente acontecem mudanças profundas na direção do enfraquecimento das condições econômicas, financeiras, políticas e ideológicas do projeto neoliberal em marcha desde a segunda metade dos anos 1970. Para vários analistas da cena política dos países latino-americanos, vêm surgindo no continente projetos de enfrentamento da política neoliberal. 10 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 Apresentação O que vem acontecendo nas cidades da América Latina? Segundo o documento Estado das Cidades da América Latina e Caribe, 4 elaborado pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), a taxa de urbanização no Brasil e nos países do Cone Sul chegará a 90% até 2020, só superior às verificadas no norte da Europa (84,4%) e da América do Norte (82,1%). No México e nos países que formam a região andino-equatorial a urbanização chega a 85%. No Caribe e na América Central, as taxas de urbanização são mais baixas, mas em elevação constante, devendo chegar a 83% e 75% da população urbana em 2050, respectivamente. Mas as sociedades urbanas em emergência se expressam também pela enorme concentração da população em grandes cidades, embora em ritmo mais lento do que o verificado no passado. Segundo o mesmo estudo, hoje, 34 % da população da América Latina vive em cidades com mais de 1 milhão de habitantes e 20% em centros metropolitanos, concentrando mais de 5 milhões de pessoas. Mas as cidades na América Latina conformam também o território de concentração dos ativos e dos passivos de seus países. Ainda segundo o documento da ONU/Habitat, cerca de 2/3 do PIB concentram-se nas regiões urbanas e, ao mesmo tempo, há extremados índices de carência, polarização e desigualdades sociais. Com efeito, 111 milhões de pessoas ainda moram em moradias consideradas subnormais em termos de padrões habitacionais, 74 milhões de pessoas (16%) em moradias sem saneamento adequado e menos de 20% do esgotamento da água usada e do resíduo sólido é tratado antes de ser despejado. A polarização e as desigualdades sociais em termos de renda vêm diminuindo nos últimos anos em alguns países – Panamá, México, El Salvador, Honduras, Brasil, Venezuela, Uruguai e Peru – mas mantêm-se em elevados patamares, o que faz das cidades da América Latina as que apresentam os maiores índices de inequidade do planeta. Tal desigualdade da estrutura social traduz-se na constituição de cidades duais, divididas e segregadas como marcas da organização do território urbano, com importantes impactos nos padrões de sociabilidade. Tais números indicam que os países ingressaram em sociedades urbanas, mas com cidades ainda fortemente precárias e improvisadas para cumprir seu papel de espaços sociais fundamentais para a produção e a reprodução da vida. Por outro lado, o mesmo estudo da ONU/Habitat menciona a retomada em alguns países de políticas urbanas e habitacionais regulatórias e de promoção de bem-estar coletivo, praticamente abandonadas no período neoliberal dos anos 1990. Em vários deles surgiram, por exemplo, políticas de provisão de moradia fundadas no subsídio fornecido pelo orçamento público para aquelas famílias que sempre estiveram fora do mercado imobiliário. No Brasil, a constituição de 1988 e a lei federal conhecida como Estatuto das Cidades fixaram, como princípio da política e da gestão urbana, a função social da propriedade privada do solo urbano e da própria cidade. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 11 Apresentação Simultaneamente à retomada de políticas públicas de provisão de moradia de interesse social, observa-se nos países do continente a inexistência de ações públicas de regulação do mercado de terras e de ordenamento do uso e da ocupação do solo. Ao mesmo tempo, em várias cidades latino-americanas vem sendo adotado o modelo de política concebido sob a ótica da competitividade urbana, o que se expressa por projetos que visam ativar e promover reformas urbanas que liberem a cidade dos fatores institucionais, culturais, sociais e urbanísticos que bloqueiam o pleno funcionamento dos circuitos de acumulação urbana. São experimentos regulatórios liberais usando a formulação de Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore no, hoje, famoso artigo Depois da Neoliberalização? publicado nos Cadernos Metrópole, 2012, v. 14, n. 27 – entendidos como ações pontuais realizadas em vários âmbitos da ação do Estado e em suas múltiplas escalas com o poder de impor, intensificar e reproduzir modalidades de políticas e governança urbana focadas na mercantilização da cidade. No plano das cidades, assistimos, portanto, a uma disputa entre modelos de políticas neoliberais e reformistas. Uma das preocupações que orientaram a organização deste número é a de que esta disputa de projeto de cidade e sua experimentação ganham centralidade no atual momento de confronto de projetos políticos nacionais liberais e reformistas, em vários países da América Latina. Disputa marcada, por um lado, pela crise de hegemonia do modelo liberal global, e, por outro, pelas dificuldades das esquerdas de construírem um projeto alternativo com a capacidade contra-hegemônica para conduzir a oportunidade de transição aberta para os países do continente.5 Como afirma Eder Sader (2007), a construção do projeto hegemônico pós-liberal depende do conhecimento das transformações ocorridas na América Latina, em especial da nova estrutura social de recomposição da força de trabalho ocorrida nos períodos liberal e pós-liberal e, ao mesmo tempo, do conhecimento dos elementos e mecanismos pelos quais a concepção liberal de mundo se afirma e se difunde nas sociedades do continente. Em outras palavras, trata-se de entender os mecanismos de construção e de legitimidade do projeto liberal. Traçando um paralelo entre esse período recente com outro momento da história política da América Latina, nossa hipótese é que a crise urbana e suas representações nos campos político, acadêmico, jornalístico e na sociedade civil vêm realizando papel semelhante ao assumido pela crise dos serviços públicos nos anos 1980 e 1990: veículo e mecanismo de construção de consentimento de uma nova rodada de neoliberalização que participa ativamente da fragilização da hegemonia dos projetos antiliberais. Conforma-se, assim, um paradoxo cuja compreensão é fundamental. Enquanto muitas políticas na escala federal parecem mover-se na direção antiliberal, mas em constante conflito com as políticas macroeconômicas ainda de orientação liberal por fundarem-se em seus princípios – metas de inflação, câmbio flutuante e superávit fiscal – experimentos regulatórios liberais na cidade vão afirmando seu contrário, muitas vezes através da associação entre políticas urbanas locais liberais com políticas nacionais com pretensões antiliberais. Ao mesmo tempo, experimentos de políticas urbanas locais claramente neoliberais são difundidos e adotados, ainda 12 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 Apresentação que parcialmente, por escalas supralocais em políticas que se pretendem regulatórias antiliberais.6 O exemplo é o novo modelo de relação entre o Estado e os interesses dos capitais representado pela Parceria Público-Privado. A compreensão dos fundamentos desse paradoxo da cidade exige ir além dos fatos mais imediatos da presente conjuntura. Devemos nos indagar sobre as relações econômicas e políticas entre as forças presentes nas cidades com aquelas que vêm comandando o desenvolvimento das relações capitalistas na América Latina. Tais relações foram sempre biunívocas, especialmente naqueles países que conheceram a expansão do capitalismo industrial. Em outros termos, em muitos países do continente se estabeleceu uma relação orgânica entre o capitalismo industrial e o que poderíamos chamar de “capitalismo urbano”, pela qual pôde se legitimar o padrão liberal do desenvolvimento latino-americano. A cidade foi, portanto, historicamente controlada pelas forças do mercado como fundamento de um bloco de poder que comandou nossa inserção na expansão do moderno sistema capitalista. Este fato político-econômico decorre da acomodação das forças dominantes internas aos países latino-americanos à inserção associada às forças liberais-internacionalizantes que surgem e se expandem desde o século XVI, a partir do núcleo do moderno sistema capitalista. Os textos reunidos no dossiê referem-se a esse debate, evidenciando as distintas manifestações do embate neoliberal em diferentes contextos da sociedade latino-americana. O artigo de José Luiz Coraggio retoma o pensamento e os conceitos elaborados por Karl Polanyi, traçando um paralelo entre o pensamento desse autor e o atual debate contra o neoliberalismo, ressaltando a importância de se fazer uma leitura do continente latino-americano a partir da própria América Latina. Aponta a coerência entre a contribuição de Polanyi e a proposta de construir “outra economia” a partir de práticas de economia social e solidária. Emílio Pradilla Cobos analisa as características da cidade capitalista forjada no contexto neoliberal de acumulação vigente na América Latina. Ressalta suas peculiaridades e adverte para a dificuldade de elaborar análises com conceitos elaborados a partir e para o estudo de cidades do chamado mundo desenvolvido. Para ele, a análise das cidades latino-americanas no neoliberalismo vigente deve considerar a combinação entre o novo e o velho, a existência de um desenvolvimento desigual e combinado e as especificidades históricas de cada uma dessas cidades. Focalizando os processos de produção de teorias e marcos conceituais voltados à análise das cidades latino-americanas e à formulação de políticas urbanas, Ana Núñez e Jorge Roze, a partir do caso das cidades médias da Argentina, propõem a revisão das bases epistemológicas de um pensamento desvinculado das situações empíricas às quais a formulação de políticas urbanas deve estar necessariamente referida. De fato, como aponta Victor Delgadillo, ao longo das últimas décadas surgiram na América Latina em cidades de diferentes países, políticas públicas e "receitas" urbanísticas similares, de eficácia supostamente comprovada, que parecem ignorar tanto as especificidades históricas como os problemas e desafios presentes nos diferentes contextos urbanos. Compreender as Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 13 Apresentação circunstâncias que produzem a formulação e implementação de programas e políticas urbanas semelhantes em contextos políticos com orientações distintas constitui a proposta central do autor. Nesse sentido, o conceito de espaço público tem se tornado polissêmico, ideologizado e idealizado, sobretudo quando se trata de legitimar a estruturação capitalista das cidades e mascarar as desigualdades sociais que, para serem combatidas, necessitam de políticas específicas, adequadas a cada situação concreta. A partir da análise da cidade de Cuernavaca, no México, Carla Alexandra Filipe Narciso discute os usos políticos do conceito de espaço público e a necessidade de sua revisão. Avançando nesse debate e indagando sobre o que se entende, hoje, por cidade neoliberal na América Latina, Hélène Rivière d'Arc apresenta algumas reflexões sobre eventos que pontuaram a história das cidades e identifica algumas categorias de análise utilizadas nas investigações sobre as cidades latino-americanas, desde os anos 1990, e destaca seis paradigmas de análise que orientaram importantes trabalhos de investigação sobre o processo de urbanização em diferentes países latino-americanos, salientando simultaneidades e similaridades desse processo. Passando para outra escala de análise, Igor Pouchain Matela, sobre as empresas de ônibus na cidade do Rio de Janeiro, trabalha com a hipótese de que a reorganização do transporte no Brasil expressa a agudização do processo de neoliberalização e estaria produzindo alterações estruturais na organização espacial vigente. Para esse autor, a modernização das formas de acumulação urbana tende a estabelecer padrões de regulação nos serviços públicos ligados à lógica de mercado. Em artigo sobre as migrações internas no Peru e a explosão urbana de Lima na segunda metade do século XX, Beatriz Silveira Castro Filgueiras investiga o protagonismo desses movimentos populacionais – sobretudo em comparação com outras metrópoles latino-americanas e considerando os diagnósticos característicos do pensamento urbano regional neste início de século – como elemento central nos discursos e imaginários sobre a metrópole contemporânea. Por um lado, trata-se de compreender as especificidades daqueles processos no caso peruano, no marco mais geral da urbanização latino-americana e dos discursos canônicos que marcaram seu entendimento. Por outro lado, em diálogo com estudos mais recentes, destaca-se a persistente centralidade do fenômeno migratório nos discursos contemporâneos sobre a cidade e suas dinâmicas socioespaciais. Os artigos do dossiê são complementados por outros textos cujos temas têm permeado os estudos sobre as cidades na América Latina e constituem, em muitos casos, importantes chaves para a compreensão das diferentes formas de sociabilidade, associativismo e dos movimentos sociais ali presentes. 14 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 Apresentação O artigo de Sérgio de Azevedo e Joseane de Souza Fernandes analisa, numa perspectiva comparada, as semelhanças e diferenças da cultura política da população residente nos polos regionais do Norte Fluminense (Campos dos Goytacazes e Macaé) e na região metropolitana do Rio de Janeiro, identificando seus determinantes a partir tanto de fatores cognitivos como daqueles associados à participação política estrito senso. O estudo aponta para a predominância do associativismo e da mobilização sociopolítica nos polos regionais, quando em comparação com a região metropolitana do Rio de Janeiro, e analisa as condições em que essas diferenças se manifestam. Os textos seguintes abordam os desafios que se colocam à sustentabilidade ambiental urbana. Willam Mog et al. discutem a importância das bacias hidrográficas e de sua preservação, a partir do caso de bacia situada em área de grande densidade populacional, na região metropolitana de Porto Alegre. O trabalho analisa situações consideradas críticas devido aos conflitos entre a população e o meio ambiente e abre caminho para o debate sobre as vulnerabilidades socioambientais e a importância das metodologias de avaliação das mesmas, tal como proposto no texto de Mônica Maria Souto Maior e Gesinaldo Ataíde Cândido. O último artigo deste número, de Leonardo Souza Silveira e Jerônimo Oliveira Muniz, discute a associação entre segregação residencial e desigualdade racial buscando apontar os mecanismos responsáveis pelos diferenciais entre brancos e negros, com destaque para aqueles favoráveis à reprodução das desigualdades, consideradas as especificidades de diferentes regiões metropolitanas brasileiras. O texto apresenta resultados de pesquisa que mostram a variabilidade da desigualdade racial tanto do ponto de vista intrametropolitano quanto intermetropolitano, além de mostrar o quanto as segmentações raciais e espaciais estão atreladas à variabilidade do diferencial de rendimentos entre brancos e não brancos. Além de um convite à reflexão e à realização de novas pesquisas, este conjunto de textos vem contribuir para o debate de alguns dos principais processos em curso nas cidades latino-americanas. Lucia Bógus Luiz César de Q. Ribeiro Editores científicos Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 15 Apresentação Notas (1) O termo geo-cultura foi criado por I. Walerstein para designar as normas e as prá cas discursivas amplamente reconhecidas como legí mas no seio do sistema-mundo e que, como tal, exercem relevante papel de base do poder hegemônico exercido nas relações hierárquicas eistentes no âmbito do sistema interestatal e na divisão mundial do trabalho. Ver Wallerstein, I. (2006). Comprendre le monde. IntroducƟon à l´analyse des systèmes-monde. Paris, La Découverte/ Poche. (2) Sobre a criação de uma Red LaƟnoamericana de InvesƟgadores sobre Teoría Urbana, veja-se www.relateur.org [email protected]. (3) Ver, por exemplo, Sader, E. (2007). Crise hegemônica na América La na. Revista em Pauta, Rio de Janeiro, Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, n. 19. (4) h p://www.onuhabitat.org/ (5) Esta análise está presente no texto de Sader (2007). (6) No caso brasileiro, um bom exemplo é a difusão no tecido ins tucional regulatório a par r da experiência de muitos governos municipais do disposi vo conhecido como Parceria Público-Privado – PPP, através do qual a ação do poder público se orienta para fomentar o financiamento privado de polí cas públicas. Concebido na segunda metade dos anos 1980 com instrumento para a realização de operações de renovação urbana de certos territórios da cidade pela coalisão ad hoc entre governos municipais e empresas de construção de obras públicas e imobiliárias, tornou-se em 2011 (Estatuto da Cidade) instrumento nacional de polí ca urbana e atualmente vem sendo u lizado pelo Governo Federal para a realização de vultosas obras de infraestrutura econômica. 16 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina* Reading Polanyi based on social and solidarity economy in Latin America José Luis Coraggio Resumen Se presentan elementos del pensamiento social y de conceptos desarrollados por Karl Polanyi, en confrontación con el liberalismo económico, haciendo un paralelo con la lucha actual contra el neoliberalismo. Se plantean diferencias que surgen al hacer una lectura desde América Latina: un sesgo que podría calificarse como eurocéntrico, que excluye consideraciones sobre la co-constitución de AMérica y Europa, la heterogeneidad estructural que nos hace economías de mercado incompleta. A la vez se muestra la coherencia entre aportes de Polanyi y la propuesta de construir Otra Economía con el aporte de prácticas de Economía Social y Solidaria de la cual se esbozan algunos rasgos. Abstract This paper presents elements of social thought and of concepts developed by Karl Polanyi, in confrontation with economic neoliberalism, and draws a parallel with the current struggle against neoliberalism. Differences emerge when Latin America is considered: a bias that might be qualified as Eurocentric, which excludes considerations about the co-constitution of America and Europe, the structural heterogeneity that produces an incomplete market economy. However, it is coherent between Polanyi’s contribution and the proposal for building another economy with the collaboration of practices of social and solidarity economy, which is outlined in the present paper. Palabras claves: Polanyi; economía solidaria; neoliberalismo; economía sustantiva. K e y w o r d s : Polanyi; solidarity economy; neoliberalism; substantive economics. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 José Luis Coraggio Introducción Karl Polanyi y la propuesta de que otra economía es posible argumentaremos que hoy Polanyi propiciaría la Economía Social y Solidaria como salida a la crisis de reproducción social. Nos interesa en cambio su autorizada y sugerente contribución crítica al programa de las ciencias sociales en coyunturas de transición epocal como la La obra de Karl Polanyi (2003 e 2008) puede que atravesamos, y es desde adentro de ese contribuir a la elaboración de esquemas programa en construcción que intentaremos mentales que ayuden a desentrañar el sentido pensar.2 y las posibilidades de las prácticas económicas Resumimos la lección de Polanyi: no hay conocidas como de Economía Social y Solidaria una realidad económica necesaria a la que hay que adaptarse o morir, más bien, a partir de cualquier economía empírica, otras economías son siempre posibles. Tambien recogemos su advertencia: aún las acciones más conscientes y bien intencionadas pueden producir resultados opuestos a los buscados.3 Tomamos esto como un sabio consejo: si vamos a hacer propuestas para un cambio societal mayor, es mejor ser cuidadosos, humildes, responsables, conocedores de la historia y reconocedores de la diversidad. La obra de Polanyi permite organizar un argumento contra la naturalización de la economía que pretende introyectar el neoliberalismo en nuestro sentido común.4 Es el siguiente: a ) toda sociedad contiene procesos económicos (actividades económicas recurrentes institucionalizadas) (Polanyi, 2008, pp. 53-78); b) una sociedad no puede perdurar a menos que pueda institucionalizar el proceso económico de tal forma que produzca y reproduzca las condiciones materiales para el sustento de la vida, tanto humana como de la naturaleza externa;5 c) al menos desde la modernidad, las economías son construcciones políticas y no el (ESS). Esto requiere un trabajo previo de esclarecimiento sobre qué es lo económico, cuestión que el redescubrimiento de Polanyi permite retomar.1 Como otros grandes pensadores que no solo escribieron sino que hablaron públicamente a lo largo de épocas de fuertes transformaciones, el conjunto de su obra leído simultáneamente puede ser visto como ambiguo y hasta contradictorio. En todo caso, consideramos que la obra de Polanyi está abierta a desarrollos diversos y es extraordinariamente fértil para pensar en momentos de gran incertidumbre. No buscamos un conocimiento polanyiano def initivo y coherente que pueda ser igualmente válido para caracterizar y explicar las dos mayores crisis del capitalismo global, las diferencias o similitudes en sus orígenes liberales o neoliberales y el período de capitalismo organizado (los treinta gloriosos años) que media entre ambas. No buscamos tampoco una ley general del doble movimiento que pretenda proyectar un posible fascismo o estatismo en un futuro post-neoliberal (posibilidades que están presentes como amenaza en los saltos mentales al vacío que provoca la incertidumbre). Tampoco 18 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina mero resultado natural de procesos evolutivos; 2012). Un proceso que Polanyi visualiza como d) esas construcciones, para ser viables organizado y estabilizado en cada sociedad y no auto-destructivas, deben reconocer la mediante la combinación variable de un base natural transhistórica que toda sociedad conjunto de principios o modelos discernibles humana necesariamente tiene (como parte de de institucionalización, que pautan las la condición humana los sujetos son sujetos conductas con contenido económico de 6 personas y grupos, integrándolas como parte necesitados); e) los intentos de realizar la utopía que reducir la economía moderna a un sistema de mercados autoregulados es destructiva de lo 7 humano y sus bases naturales. de la trama de relaciones constitutivas de esa sociedad. Polanyi limita esos principios a los de redistribución, reciprocidad e intercambio L a responsabilidad que en est as (comercio o mercado), por lo que ha sido afirmaciones le cabe al pensamiento social tachado de circulacionista. En un intento crítico y propositivo fue señalada por Polanyi: de completar ese conjunto de principios el mercado no puede ser reemplazado como cuadro general de referencia mientras las ciencias sociales no logren elaborar un cuadro de referencia más vasto dentro del cual se pueda situar el mercado mismo (Polanyi, 2008, p. 77). de integración social de los procesos económicos, hemos incluido los principios de autarquía (producción para el autoconsumo, mencionado pero finalmente excluido por Polanyi), producción social (relaciones sociales de producción, organización de los procesos de trabajo y su relación con la naturaleza), distribución (apropiación por los productores La institucionalización/ integración de la economía directos o por una clase dominante), consumo (consumismo, consumo prudente de lo necesario), coordinación (mercado, planificación). No vamos a desarrollar tal La institucionalización de lo económico como construcción esquema ampliado en este trabajo.8 En resumen: el sentido de la integración de la economía por la sociedad es Nos ubicamos dentro del amplio espacio que institucionalizar las actividades de producción, abre el concepto sustantivo de economía distribución, circulación y consumo de los propuesto por Polanyi para orientar el miembros de la sociedad de manera que ésta programa de investigación histórica de las mantenga su cohesión como tal y reproduzca condiciones económicas de existencia de sus bases materiales constituidas, en última cualquier sociedad humana: “un proceso instancia, por la vida de los miembros de de interacción de los hombres entre sí y con la naturaleza cuyo resultado es la provisión continua de medios materiales que permitan la satisfacción de las necesidades” (Polanyi, la sociedad y de la naturaleza “externa”. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 Por supuesto que “la sociedad” y “la vida” resultan abstractos. Hay la vida del esclavo y la vida del amo, la vida de los proletarios y la 19 José Luis Coraggio de los capitalistas, la de los colonizados y los de la sociedad. Lo que está en juego entonces colonialistas. Por otro lado, la reproducción es la posibilidad de subsistir como todo social es mucho más que reproducción de la social (esto no implica armonía ni ausencia base material de la vida, pero sin esa base no de contradicciones internas) ante procesos o hay vida social con todas sus contradicciones, políticas expresas que ponen en alto riesgo el ni mundo simbólico. Por lo demás, lejos de ser basamento material de la vida humana. un puro metabolismo, la participación en la Pero no se trata de confirmar la hipótesis economía genera valores, reglas, visiones del observando el fin definitivo de la vida en la mundo, sentimientos, etc. El mero hecho de ser tierra, sino de actuar cambiando de curso una interacción entre hombres supone lenguaje para evitar las graves anticipaciones de ese y modos de comunicación, como Habermas fin. Estamos, al hacerlo, participando en el señala reprochando a Marx no haber tenido movimiento defensivo de la sociedad humana, suficientemente en cuenta este aspecto de las no de la pretendida sociedad de mercado que relaciones sociales de producción (Habermas, lleva a su autodestrucción. Y la Economía Social 1981, pp. 131-180). y Solidaria es una propuesta – entre otras – La institucionalización parece poder para organizar esa defensa de la sociedad. No ser resultado de procesos históricos sin se trata de recalcular la mejor asignación de los sujeto (cristalización de usos o costumbres) recursos con precios “sociales” en un mundo o con sujeto (e.g. el estado moderno o las en incierta transición. Más que racionalidad mismas fuerzas políticas que lo fundan), y exacta se busca institucionalizar la economía puede prospectivamente ser eficaz para la subordinando los comportamientos al principio reproducción social o no serlo. Así, la forma ético de la racionalidad reproductiva de la vida capitalista de institucionalizar la economía de todos, pautar la razonabilidad y prudencia, durante el Siglo XIX en base al modelo de maximizando la seguridad de la reproducción individuación egocéntrica utilitarista de los de la vida de todos, partiendo del principio integrados, y con la pretensión del dominio de que la vida del individuo humano aislado del mercado autorregulado (precios formados es un imposible y que el reconocimiento del en el juego de oferta y demanda agregadas), otro y la valoración de su vida es condición de fue resultado de una construcción política la superación de las tendencias del mercado parte de la cual Polanyi describe en La Gran egocéntrico. En todo esto, el posible final Transformación (LGT) y que el liberalismo de la sociedad humana debe diferenciarse económico condujo a situaciones insostenibles claramente de la discusión sobre el derrumbe que generaron nuevas acciones desde la del capitalismo al sucumbir por las propias política (fascismo, socialismo estatista, contradicciones internas del sistema de socialdemocracia, cada una con su propio acumulación. proyecto social) en un doble movimiento Extraemos de los trabajos de Polanyi que Polanyi interpreta no como movimiento la idea-fuerza de que el liberalismo y el mecánico sino como dirigido con la intención neoliberalismo entran en contradicción mortal de superar las tendencias a la autodestrucción – institucionaliza la economía de manera que 20 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina tiende a destruir la sociedad – generando a un sistema de intercambio administrado o condiciones para una necesaria y posible sujeto a costumbres, que cuida de conservar las reinstitucionalización que, agregamos, puede sociedades que participan. Es de destacar que (socialismo?, economía social y solidaria?) o los activistas de la Economía Social y Solidaria no (fascismo, socialdemocracia) implicar un hablan de comercio justo y no de mercado justo 9 cambio en el Modo de Producción. (que sería un oximoron, pues no hay pretensión de justicia en los principios de comportamiento del mercado). Algunas consideraciones desde la periferia latinoamericana Tal diferenciación, siendo útil, es incompleta cuando se la mira desde la periferia del mundo occidental ( las ex colonias o ámbitos de imperialismo de El comercio colonial Europa y EEUU). Efectivamente, aún si no se utilizaron los mecanismos de formación de Polanyi hace un aporte muy significativo para precios de mercado, el comercio administrado la teoría de la economía social cuando plantea impuesto dentro de una estructura de poder la necesidad de diferenciar entre comercio y colonial puede haber sido coherente con mercado. Por mercado se refiere a un sistema el progreso de las sociedades centrales,10 de intercambio en que se absolutiza el principio pero fue destructivo (más precisamente: no egocéntrico de trocar para ganar, ganar para cuidadoso sino genocida) para las sociedades acumular. La lógica del mecanismo de mercado periféricas.11 En todo caso, en ese casos de tiende a barrer con las diferenciaciones entre comercio administrado ya está instalado el grupos y personas, los vuelve indiferentes – utilitarismo, operando con un poder central conmutables – y a través de la mercantilización que busca cohesionar en un todo asimétrico de todas las dimensiones de la vida destruye las s o cie d a d e s c o n c ul t u ras f u e r t e m e nt e bases de la misma existencia de seres humanos diferenciadas. Se comercia administrando la en sociedad; y lo hace en un proceso de culto distribución asimétrica de las ventajas entre a la ilimitación, como demuestra la lógica de metrópoli y colonia. la acumulación de capital montada en un La posterior posibilidad de comerciar proceso de industrialización, mecanización y libremente (propuganada por muchos de automatización, independizado del sentido nuestro próceres de la independencia), y que de lograr el sustento de todos. Esto a su vez fueran los individuos (personas naturales lleva a modos de individuación que reducen las y personas jurídicas) 12 quienes tomaran la personas a poseedores-consumidores que no iniciativa de ganar mediante el comercio, se hacen responsables por las consecuencias podía entonces aparecer como una liberación de sus acciones sobre otros o sobre la del despotismo de los poderes coloniales naturaleza. En cambio, por comercio se refiere administradores. Sin embargo, aún con libre Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 21 José Luis Coraggio comercio iban a operar otros mecanismos de parentesco, vecindarios, comunidades propios de un sistema-mundo desigual rurales relativamente autárquicas, (intercambio desigual, dependencia) aun comunidades indígenas, que mantienen una cuando hubiera liberación de la esclavitud red de relaciones de autoabastecimiento o la servidumbre, una libertad tan aparente y cuidado fuera del mercado, en defensa como la de los proletarios amenazados por el de su integridad, incluso si la opción del hambre a la que se refiere Polanyi. mercado puede parecer más ventajosa en lo inmediato).15 Igualmente, el peso del Estado y el principio de redistribución (entre sectores y La heterogeneidad estructural clases sociales, entre géneros y etnias, entre ramas de la economía, entre regiones, etc.), Aún hoy, desde la periferia del sistema-mundo, siguen operando efectos, y son atacados donde el proceso de industrialización, de abiertamente cuando son progresivos por individuación y de desarrollo de las condiciones fuerzas políticas (interestatales o nacionales) para el funcionamiento de los mercados como las que promovieron el mercado total, continua lejos de haberse completado, es mientras son impulsados por otras fuerzas (los fácil observar fenómenos que indican algo industrialistas, los sindicalistas, los sectores que tal vez sea menos visible en los países del pobres, movimientos reivindicativos de la centro de occidente: la economía no se reduce tierra y el agua, la lucha contra las leyes de a economía de mercado. Existen sectores propiedad intelectual global, etc.). El estudio de la economía (en sentido sustantivo) no de la economía requiere tomar en cuenta que monetizados, partes importantes de la los principios no se imponen y substituyen naturaleza y del trabajo que no han sido por el mero transcurso del tiempo, sino que mercantilizados, y todos los principios, son asumidos y defendidos como bandera incluido el de administración doméstica, por distintas fracciones de clase o fuerzas tienen peso en una economía plural (Laville sociales.16 plantea esto pero como una posibilidad lógica En adición, dentro de la economía universal, sin diferenciar empíricamente entre dominada por el mercado, y aun con una sociedades del centro y de la periferia…).13 perspectiva empresarialista, se reconocen A pesar del proceso secular de destrucción fuertes segmentaciones y puede diferenciarse violenta-sobreconformación de estructuras un gran sector inorgánico de emprendimientos comunitarias (Ayllu-Encomiendas) mediante mercantiles de la economía popular urbana y 14 el coloniaje despótico y la mercantilización, rural, con relaciones de producción familiares, en la actualidad sobreviven y se reproducen, comunitarias o asociativas (pero informales). i n c l u s o d e m a n e r a a m p l i a d a , f o r ma s Desde nuestra propia perspectiva, las económicas con distinto grado de hibridación, unidades económicas populares no son los p r o pias d e las r e d e s d e mu t ualid a d - emprendimientos mismos,17 que compiten en el reciprocidad y la administración doméstica mercado con las empresas de capital y luchan (familias nucleares o extendidas, redes por sostenerse viables, sino las unidades 22 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina domésticas familiares o comunitarias de los comercio: "Lo que distingue el comercio de la cuales los emprendimientos mercantiles son búsqueda de presas, de un botín, de maderas una extensión articulando prácticas orientadas de esencias raras o de animales exóticos, es por el principio de mercado pero subordinadas la bidireccionalidad del movimiento que le al principio de administración doméstica. confiere también su carácter generalmente Esas unidades domésticas hibridan recursos pacífico y bastante regular".18 También hace y combinan diversas formas de inserción referencias al imperialismo, y explica que económica de sus capacidades y recursos los efectos de degradación y hasta extinción en el sistema de división social del trabajo que provocaba en las poblaciones de las procurando la reproducción ampliada de la regiones semicoloniales contribuían a limitar vida de sus miembros. En esto juega un papel el comercio interno en los países centrales importante la economía pública, proveedora por temor a experimentar consecuencias de bienes y servicios públicos parcialmente similares.19 En efecto, nada de pacífico tuvo o no monetizados en absoluto. Estos bienes el saqueo de América Latina y de África, de pueden verse como una institucionalización de recursos naturales y de personas esclavizadas, lo económico por el principio de redistribución, que es aún hoy una fase o un elemento del pero también como una institucionalización desarrollo del Capital, constituyendo lo que por el principio de reciprocidad/mutualidad Marx denominó “acumulación originaria”, (sistemas de seguridad social de reparto), y el sin la cual el Capital y el Capitalismo no principio de plan (anticipación de necesidades hubieran podido formarse ni podrían hoy sociales de educación, salud, crecimiento de las reproducirse. Pero tampoco fueron sin violencia ciudades, etc.). las formas posteriores que tomó la relación centro/periferia, el imperialismo económico y la dependencia política, los manejos de las Polanyi y la relación Europa-América deudas que fueron desde los bloqueos por flotas extranjeras hasta las condicionalidades Como un subproducto inesperado, nuestra del FMI y el BM. Cabe preguntarse si la lectura de Polayi señala un aparente silencio, acumulación originaria,20 que no sólo se dio que podría ser significativo, en la obra de mediante los cercamientos y las leyes de pobres Polanyi que conocemos hasta ahora, y que en Europa sino en la relación de dominio y puede dar lugar a la circulación de otros exacción de los pueblos americanos y africanos, trabajos de Karl Polanyi, a refutaciones o a fue una fase histórica que ya estaría agotada explicaciones e interpretaciones de tal silencio: porque el capital puede reproducirse sobre la ausencia de consideración, en su análisis del sus propias bases.21 En cambio compartimos surgimiento del sistema-mundo capitalista, del la tesis de Meillasoux (1977) de que la co-nacimiento de Europa y América, del centro acumulación originaria ha acompañado a toda y la periferia de ese sistema-mundo. la modernidad y continúa con formas más o No es que Polanyi no advirtiera menos pacíficas: la minería a cielo abierto o la violencia de la unidireccionalidad del la extracción de petróleo avanzando sobre el Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 23 José Luis Coraggio hábitat indígena o popular, el patentamiento colonial y el esclavismo en base a los derechos de conocimientos ancestrales como propiedad humanos y la definición de ciudadano como privada, la imposición del cobro usurario de propietario.26 Esta relación de co-constitución deudas ilegítimas, o la continuada explotación fue material, política e ideológica. El concepto indirecta del trabajo doméstico de mujeres de progreso así como las utopías europeas de y niños, ahora a escala global, o el uso del los siglos XVI-XVIII no pueden explicarse sin la Estado para consolidar la propiedad privada experiencia de descubrimiento de América.27 de recursos que son patrimonio de pueblos 22 Si el concepto de América fue incluso previo al de Europa, si la formación de los ancestrales o de la humanidad. Desde la perspectiva latinoamericana, Estados Nación y del sistema capitalista mundial es evidente la parcialidad (al menos en los centrado en Europa no pueden comprenderse a trabajos que conocemos de Karl Polanyi) en la cabalidad sin el comercio abiertamente colonial explicación del surgimiento del capitalismo en y luego como intercambio desigual entre las Europa cuando se construye sin considerar la nacientes repúblicas de América y los Estados- relación ya mencionada entre el colonialismo Nación europeos (y posteriormente entre y la formación de Occidente como centro del Estados Unidos de Norteamérica y el resto de 23 Los valiosos América), hay aquí una tarea significativa para análisis que hemos considerado están completar la obra de Polanyi como explicación centrados en la lucha contra el evolucionismo del surgimiento del sistema-mundo capitalista, naturalizador de la economía de mercado y déficit que no es achacable a Polanyi, que no se el homo economicus, en la conjunción de los propuso ese objetivo, sino eventualmente a sus procesos de formación del estado nacional lectores y seguidores. sistema-mundo capitalista. moderno y la creación política de condiciones para que pudiera funcionar un sistema de mercado (mediante la mercantilización de la naturaleza y el trabajo humano). No aparece Principios de integración y modos de producción en cambio registrado el gigantesco proceso de conformación de una economía-mundo Por otro lado, desde las sociedades centrada en la relación Europa-Centro/ altamente heterogéneas de la periferia América-Periferia. De otra manera lo ven no resulta tan fácil admitir que la tópica 24 autores como Aníbal Quijano, que ha dado polanyiana de la pluralidad de principios lugar a una escuela de pensamiento alrededor de integración social habilite la disolución de la colonialidad. Fue la ocupación y saqueo total de la tópica marxista de la Formación 25 de América lo que puso en marcha el proceso Económico Social ( la ar ticulación, en de formación de la modernidad tal como la sociedades concretas, por el modo conocemos, generando a la vez conceptos capitalista de otros modos de producción, fundantes como el de poder-dominio y el de d o n d e c a pit alism o y m e rc ad o no s o n raza, o inspirando la interesada teoría política términos intercambiables). Por lo pronto, es de autores como Locke para justificar la relación importante incorporar el análisis histórico 24 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina que inspira Aníbal Quijano, cuando señala poca referencia a las relaciones de producción,28 que el pensamiento europeo produjo un a la organización del proceso de trabajo en la concepto de tiempo unilineal, en el que transformación material (salvo la referencia ubicó el modo de ser europeo en el presente a la vertiginosidad y voracidad de escala que y futuro, como autoconstrucción (cuando no introdujo la maquinización) y a los modos de podía haberse dado sin la construcción de consumo (definición de las necesidades, su América) y las formas de las altas culturas relación con los deseos, la determinación de americanas como formas “primitivas”, los satisfactores y la tecnología del consumo salvajes, prehistóricas, más como parte de mismo como relación social). la naturaleza que de la humanidad. Y que En todos estos aspectos es preciso las formas de explotación del trabajo no incluir la discusión planteada por la teoría de formalmente capitalistas (como la pequeña la dependencia originada en América Latina y producción campesina o artesanal, las formas la teoría que se inspiró parcialmente en ella: de servidumbre de las comunidades que el Sistema-Mundo de Wallerstein. Aún si pudieron salvarse del genocidio, el esclavismo incorporamos (como creemos debe hacerse) de los negros) fueron en realidad articuladas la tópica de los modelos de integración en un sistema de explotación capitalista, lo social de lo económico, esas otras cuestiones que aún perdura como “nuestro” modo de ser no pueden dejarse afuera, al menos para parte del capitalismo. Esto lleva a pensar si entender lo esencial de la historia de las la reciprocidad que hoy encontramos tiene formaciones sociales de América Latina. Y algo que ver con la reciprocidad ancestral, también para hacer la crítica no sólo de la o si tiene el mismo sentido. De ser un mercantilización del trabajo y la naturaleza modo de organización de la economía para sino de las formas de organizar la producción, asegurar la autonomía, puede haber pasado el met abolismo sociedad -naturaleza y a ser una forma de subsidio al capital en de definir las necesidades, todo lo que la el proceso de reproducción de la fuerza de economía sustantivista permite pone en el trabajo. Y este análisis se potencia cuando centro de atención. se hace en el contexto del conjunto de relaciones de la sociedad. Esto tiene consecuencias además para pensar las alternativas: no se trata meramente Un problema derivado es que, si bien de tomar el poder de la propiedad, de los se define la economía como un sistema mecanismos de redistribución, o de propiciar de producción, distribución (movimiento las relaciones de autarquía o ayuda mutua de apropiación), circulación (transporte, sobre la misma base de cultura productivista almacenamiento, intercambio, compra-venta y consumista que forjó el capitalismo. Otra simultánea o a crédito con formación de Economía implica un cambio civilizatorio, otro deudas), y consumo, el análisis de Polanyi o de sistema de mediaciones, desde la base del sus intérpretes/continuadores se centra en los metabolismo sociedad/naturaleza, desde la modos de distribución (apropiación directa y/o redefinición emancipadora de la división del mediada por un centro) y de circulación. Hay trabajo y del trabajo mismo. 29 Sin una crítica Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 25 José Luis Coraggio al proceso socio-técnico de trabajo capitalista Por su lado, Polanyi parece no apreciar – el dirigido por el capital empresarial o el la teoría del valor-trabajo de formación de que aparenta ser autónomo – no surge la los precios y atenerse a la ley de la oferta y la visión más dialéctica que advierte que el demanda que, sin duda, opera en el corto plazo. trabajo responde a fines utilitarios desde Pero esto nos dejaría en un mundo contingente la perspectiva del capital o del trabajador, sin tendencias discernibles (por hipotéticas que pero “también trabajamos” – declara Mauss fueran) salvo las catastróficas consecuencias de (1924) – “porque tenemos el sentimiento del los intentos de totalización del mercado. Siendo deber, por dignidad, por conciencia, y antes bueno no retomar versiones ideologizadas del que nada porque sentimos y nos alegramos determinismo económico finalista, abandonar de sentir el progreso regular, gradual y la hipótesis de que hay grados y formas cotidiano de nuestras búsquedas” (1969[1924], de determinismo nos dejaría en un mundo p. 635).30 No se trata entonces de recuperar político, sí, pero puramente decisionista. Esto la centralidad del empleo y la generación no puede ser ignorado, y creemos que resulta de ingresos, sino de redefinir el sentido del inevitable el regreso de consideraciones trabajo y de las necesidades humanas. ontológicas críticas, en ningún caso para recaer en un determinismo de las estructuras que no La posible anomia teórica del indeterminismo permite pensar la política. Por otro lado, la autorregulación no es un proceso mecánico cuyo movimiento puede ser anticipado exactamente, sino que Pero hay más cuestiones teóricas. Si los supone que en la sociedad capitalista y en precios son tan importantes en una economía toda sociedad se registran luchas, conflictos de mercado, cabe preguntarse si hay alguna ant a g ó nico s o ag ó nico s , q ue pue d e n ley tendencial que rige su formación. Aquí, efectivamente estar expresados en el mercado mientras Marx reconoce la acción de la (por ejemplo en la lucha por el salario o por oferta y la demanda, postula que subyacen los precios de los medios de vida o de los precios de producción que dependen de la servicios ambientales. Esto es tan importante composición del capital, de su velocidad de como analizar y teorizar qué ocurre en el rotación y de la tasa de explotación y plantea interior de los diversos modelos capitalistas tendencias intrínsecas del modo de producción de organización del trabajo así como subrayar capitalista que se manifestarían en la ley la dimensión emancipadora en la disputa del tendencial a la caída de la tasa de ganancia control del proceso de trabajo que debe ser así como en la tendencia a la pauperización parte del programa de construcción de otra de los trabajadores. O recordemos la tesis de economía.31 Presbish sobre la tendencia en los términos De lo contrario, el conjunto de las luchas del intercambio entre economía industriales y sociales, propio de la política, queda fuera del primario-exportadoras. campo de la indagación de la economía como 26 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina sistema, pues cae en el dominio de la libertad (reproducción ampliada de la vida de todas y de opción de los seres humanos, no sujeta a todos, e intergeneracionalmente). Se retoma leyes determinables. Esto sería paradójico aquí la idea central de Polanyi: las economías para una teoría sustantiva que advierte que modernas son construcciones políticas, sea a hay leyes de lo económico, pero nos limita a cargo de democracias o de dictaduras. Marcar describir y analizar desde la empiria cada caso, como sentido la resolución de las necesidades muñidos de ciertos conceptos que no alcanzan y deseos legítimos de todos implica que se a constituir una teoría (falible, por supuesto) mantiene la idea de Polanyi de que las vías de del movimiento histórico. Un punto no menor institucionalización deben ser procesadas por es que la casuística del doble movimiento una democracia participativa y no por un poder debería incluir no sólo la Revolución Soviética político de elites. y la instauración del modelo fordista- En nuestra visión, las unidades keynesiano, sino otras revoluciones socialistas domésticas populares, sus extensiones ad-hoc de la periferia, fallidas o exitosas, así como las (como los emprendimientos mercantiles) sus grandes manifestaciones democráticas que comunidades y sus asociaciones voluntarias, recientemente experimentaron Venezuela, marcan el contenido material de esa parte Ecuador y Bolivia, que, en los tres casos, de la economía mixta bajo dominación levantan la consigna de una economía capitalista que llamamos economía popular: popular, social, solidaria o comunitaria. la reproducción de la vida de sus miembros (racionalidad reproductiva).33 El trabajo es su principal capacidad, pero cuentan también Sobre la Economía Social y Solidaria con otros recursos y una potencia en acto de producción y reproducción de riqueza (valores de uso producidos o naturales) que queda oculta para la ideología económica hegemónica Vamos a resumir nuestro esquema conceptual pero es de gran peso económico. Es usual la relativo a la Economía Social y Solidaria combinación de inserciones: trabajo para el y su programa de acción, de modo que autoconsumo doméstico, trabajo por cuenta algunas de las convergencias o diferencias propia, asalariado, asociativo, cooperación con el pensamiento de Polanyi puedan ser en la producción, en la comercialización, 32 resaltadas. Adoptamos una definición sustantiva producción para el autoconsumo de bienes públicos a niveles locales, etc. de economía: el sistema de instituciones, A nuestro juicio, el programa de la valores y prácticas que se da una sociedad Economía Social y Solidaria supone reconocer para definir, movilizar, distribuir y organizar como base material de última instancia el capacidades y recursos a fin de resolver de principio de producción humana para el la mejor manera posible las necesidades autoconsumo, desarrollar (complejizar) a partir y deseos legítimos de todos sus miembros de la economía popular y la economía pública Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 27 José Luis Coraggio las prácticas cooperativas, comunitarias y humana pensada como condición individual solidarias, luchar por la redistribución progresiva y por tanto pasible de ser contada y sumada de recursos productivos y bienes públicos, a otras no tiene posibilidad de existencia, impulsar formas democráticas de gestión de los que es siempre vida en sociedad, y que el colectivos de producción y de lo público, ganar reconocimiento del otro es condición de autonomía respecto a la dirección del capital nuestra propia vida como individuos. Cabe y desarrollar la capacidad de regular procesos señalar que el límite entre lo fáctico y lo ético ciegos como el mercado monopolista o el no está claro, pues sería posible proponer competitivo autorregulado, asumiendo como una ética del dominio como condición de objetivo estratégico la reproducción ampliada la existencia de sociedades humanas, aún de la vida de todos y todas (solidaridad reconociendo que el imperio deberá asegurar ad-extra ) (Lisboa de Melo, 2007). Esto no puede limitarse a reconocer y remunerar el trabajo doméstico en su sentido corriente, o a promover emprendimientos familiares a nivel microeconómico, o a focalizarse en determinados sectores de actividad, como los servicios de proximidad. Incluye una búsqueda – desde lo micro, lo meso y lo sistémico – de otra ética y complejidad de la aparentemente contradictoria solidaridad material ( cf. Caillè, 2009), y su objetivo estratégico no es meramente reintegrar los exlcuidos más pobres al mismo sistema de mercado que los excluyo, sino transformar todo el sistema económico. Tampoco se trata de meramente satisfacer las necesidades no cubiertas por el mercado ni el estado, sino de transformar los patrones de consumo y el sistema de satisfactores, resignificando la libertad del consumidor como prosumidor. Se af ir ma una étic a material : la vida debe ser el criterio de evaluación y reinstitucionalización de las actividades económicas. Esto puede parecer idealista cuando vivimos en sociedades que sin duda existen y se reproducen generando decenas de miles de muertes evitables. Aquí Hinkelammert o Dussel afirmarían que la vida el sustento de los diferentes estamentos de la 28 sociedad, y en todo caso en ningún caso de habla de sociedades institucionalizadas de tal manera que sean eternas. Nos parece que aquí es preciso combinar el determinismo natural de la ética (debemos sostener la vida si es que vamos a existir y tener cualquier tipo de fines) con la apuesta a una sociedad democrática que pueda debatir, elaborar y codificar no sólo conceptos particulares de la buena vida sino de la vida social en general. Se trata de continuar y actualizar las críticas Marxiana y Polanyiana del liberalismo, ahora neoliberalismo, que propone resolver la institucionalización de la economía como un sistema de mercados abarcador de cuanta actividad humana pueda ser organizada como negocio individual. Esa economía orientada por la utopía de mercado perfecto produce una ética individualista y socialmente irresponsable, y que hace del crecimiento y la acumulación el criterio de eficiencia económica. La crítica teórica y la evidencia empírica -particularmente en América Latina, donde de manera expresa y conciente se experimentaron en nuestros pueblos esas tesis en condiciones extremas- confirman la tesis de Polanyi de que esa propuesta se Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina basa en falacias y es un discurso elaborado 2) limitar el sometimiento de la tierra para reproducir estructuras de poder de respecto del mercado, hoy planteada por los elites, con dominio (hasta con dictaduras) movimientos indígenas y ecológicos como o con hegemonía (ahora con instrumentos desmercantilización de la naturaleza, respeto a tan poderosos como los medios de masas, los territorios y a los ecosistemas. Por extensión, convertidos en negocios privados). tal como plantea Polanyi, se trata de avanzar en En términos de Polanyi, la Economía la soberanía alimentaria (incluyendo el agua) Social y Solidaria afirma el objetivo posible y energética, que implica desmercantilizar de construir un sistema económico nacional los medios básicos de alimentos y de energía y regional que articule los principios de de los pueblos del mundo. Aquí se conjuga integración antes expuestos atendiendo a la racionalidad reproductiva con un grado las diferentes condiciones de partida (las imprescindible de autarquía en ámbitos a sociedades andinas y mesoamericanas, las definir en cada sociedad; caribeñas, las del Cono Sur) de manera de 3) recuperar de la competencia de los generalizar instituciones democráticas, en las Estados o de organismos interestatales que podamos ir aprendiendo progresivamente controlados democráticamente en relación a a articular libertad e igualdad. Se trata de cuestiones de emisión monetaria, productos ir hacia una sociedad con mercado y no de financieros, orientación del ahorro, el crédito y mercado. En esto es crítico lograr otra relación la inversión, con desarrollo de la capacidad de entre Estado, economía y sociedad y evitar las las ciudadanías para participar en la discusión opciones absolutistas que reiteradamente se de prioridades y vías institucionales, algo tan plantea entre esos términos. actual como cualquier lector de diarios puede Al final de LGT, Polanyi da pautas para advertir. un programa radical de Economía Social y Esta plataforma supera la diferenciación Solidaria. Aunque erró al afirmar que “gran neoliberal entre lo económico (como segunda parte del sufrimiento enorme, inseparable naturaleza) y lo social (dominio de la voluntad del proceso de transición, ha pasado ya” sus política, relativo a la atención de los pobres, lineamientos estratégicos siguen firmes para la excluidos y discriminados) y de ningún modo nueva transición: se limita a promover caminos autogestionarios 1) sacar al trabajo del mercado, de microemprendimientos asociativos, o desprivatizando los contratos de trabajo la ocupación de nichos de necesidades asalariado al instalar como una cuestión social que el mercado y el modelo redistribuidor y política las relaciones sociales de producción asistencialista no atienden. Se trata de capitalista, agregando ahora la expansión mucho más: de encarar la reestructuración y articulación de un sector cada vez más del conjunto del sistema económico, las complejo de ESS basado en organizaciones instituciones jurídicas, de justicia, educativas, autogestionarias de trabajadores vinculadas de protección pública, las definiciones y accesos por redes de cooperación, responsabilidad y plurales a la disposición/propiedad de los solidaridad con el otro; recursos, la reingeniería del sistema financiero Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 29 José Luis Coraggio y bancario, del sistema fiscal y de inversión de construir otra economía se plantea como pública, de las regulaciones laborales, del imperativo ético, basado en la necesidad previa sistema educativo, de la gestión de los recursos de vivir como sociedad para poder discutir qué públicos, de la deuda pública, de controlar abanico de buenas vidas y qué instituciones los sistemas de innovación tecnológica, de distintas admite o quiere cada pueblo. impulsar instituciones participativas en que El programa de la Economía Social y el saber práctico y el científico se encuentren, Solidaria ve a las prácticas de construcción atendiendo a los problemas cotidianos en de Otra Economía como una larga transición, un marco de prospectiva y planificación donde cabe experimentar y aprender de la de los principales procesos del desarrollo experiencia propia y de otros. No hay modelo humano, desde lo local a lo nacional y lo más allá de la necesidad de no absolutizar regional. Esto debe ser hecho no por un poder ningún modelo (ni “mercado solidario”, central omnímodo y esclarecido, sino con la realmente un oximoron, ni homo reciprocans). participación y el continuo aprendizaje de las No hay sujeto histórico pre-visto deducido mayorías populares y sus organizaciones y teóricamente ni ya listo para asumir la movimientos, sea porque toman la iniciativa, propuesta. La construcción de Otra Economía es sea porque refrendan las propuestas iniciadas un proceso político cuyos sujetos emergerán en desde el Estado (las constituyentes de el mismo proceso. La naturaleza de los sistemas Venezuela, Ecuador y Bolivia y sus respectivos de poder es las sociedades capitalistas obliga a procesos democráticos muestran que ese una lucha contrahegemónica cuyas variantes camino es plural, posible, conflictivo y largo). dependerán de la coyuntura, pero en todos Con diferencias entre subregiones, en los casos la lucha cultural prolongada que nos América Latina partimos entonces de una espera incluye como elemento fundamental la economía mixta bajo dominación capitalista, desnaturalización de la economía. donde Otra Economía deberá construirse América Latina está en un inevitable con la convergencia de acciones públicas y la proceso de creación de una pluralidad de autoorganización de una sociedad conciente formas de economía alternativa. Al hacerlo de su potencial y de la imposibilidad de que el hereda y abona un piso firme y fértil basado sistema de mercado reintegre la sociedad con en nuestra propia historia para avanzar justicia y libertad. Según la coyuntura, como por los caminos objetivamente necesarios se dijo, la iniciativa podrá ser inicialmente de construcción de otra economía. Como de los gobiernos (Venezuela) de los actores periferia ex-colonial expoliada de Occidente, colectivos (la guerra del agua en Cochabamba, la propuesta del Estado desarrollista el Movimiento sin Tierra en Brasil) o de la modernizador (la versión para América Latina conjunción de ambos (Ecuador). A ello hay del Estado de Bienestar de los gloriosos que sumar procesos diversos de orientación treinta años de posguerra) no pudo completar popular, el de Argentina o aún menos definido, su tarea. Subsistió y mostró resiliencia un el brasileño. Y esto variando con el proceso de grueso sector de economía popular basada maneras no previsibles. En todo caso, la tarea en el trabajo autogestionado, mercantil y 30 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina no mercantil. Y lo que se avanzó hacia una indigentes), por lo que grandes mayorías de sociedad semi-industrial (dependiente), fue nuestros ciudadanos siguieron apelando a desmantelado en muchos de nuestros países formas no capitalistas de producción para la por dictaduras y democracias neoliberales. Pero supervivencia, manifestado en la perduración no se trata ahora de intentar anacrónicamente de formas campesinas, comunitarias y en el instalar o reinstalar la versión europea del gran sector informal urbano. Nuestro desafío estado social. Lejos de que la mayoría de las es, sin embargo, no limitar nuestras prácticas necesidades fueran resueltas por el mercado a los sectores indigentes – algo a lo que o el Estado, la pobreza estructural – rural tienden las prácticas y hasta las teorías de y urbana – no pudo ser erradicada en la la economía solidaria en la región –, sino mayoría de nuestros países y a ella se sumó lograr la autoconvocatoria (o la convocatoria la nueva polarización de la distribución del desde legítimos gobiernos populares) de poder y la riqueza, con el empobrecimiento comunidades locales heterogéneas y alianzas de las clases medias, alcanzando tasas que tan amplias como se pueda para participar promedian un 50% de pobres (que para los en la pugna por otro desarrollo, por otra estándares de consumo del Norte serían humanidad. José Luis Coraggio Universidad Nacional de General Sarmiento, Instituto del Conurbano. Buenos Aires, Argentina. [email protected] Notas (*) Versión revisada y reducida de la ponencia presentada en la Eleventh Interna onal Karl Polanyi Conference/20th Anniversary of the Karl Polanyi Ins tute of Poli cal Economy Conference, “The relevance of Karl Polanyi for the 21st Century”, Montreal, December 9-11, 2008. (1) Ver: Qué es lo económico... (2) Con las contribuciones de Polanyi se deben ar cular, sin duda, las de otros crí cos del capitalismo, como por ejemplo K. Marx, M. Mauss, I. Wallerstein, A. Quijano, F. Hinkelammert, G. Arrigi, A. Escobar, E. Dussel,… (3) Speenhamland y el socialismo real son dos ejemplos (Polanyi, 2003, p. 129). (4) Polanyi sustenta este argumento en inves gaciones históricas y antropológicas, algunas de las cuales han sido cues onadas, pero ello no invalida sus conclusiones generales. Ver: Caillè y Laville (2008). Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 31 José Luis Coraggio (5) Esta proposición fác ca es corroborable, sujeta a una definición empírica de cómo se especifica en cada momento histórico el sustento, dado que la vida no es meramente biológica, sino vida en sociedad. Sobre esta base empírica es que Hinkelammert deriva el impera vo é co de evitar el suicidio y luchar por la vida. Se en ende que hay que diferenciar una sociedad perdurable de una buena sociedad, pero no puede haber confrontación entre proyectos diversos de buena sociedad sin una sociedad con bases materiales para perdurar. Ver: Hinkelammert (2005, cap. I). Ver también Hinkelammert y Mora (2009). (6) En el mismo sen do, ver: Hinkelammert (1984 y 2005). (7) Como muestra la actual crisis que, aunque anunciada desde las teorías crí cas, no ha dejado de sorprender a los defensores de la economía de mercado libre. (8) El desarrollo de este esquema pude verse en Coraggio (2011). (9) Aunque la perspectiva institucionalista no substituye al concepto marxiano de Modo de Producción agrega un marco rico, menos determinista o más con ngente, para comprender y actuar en el espacio de las prác cas que pretenden mantener o transformar las estructuras sociales existentes. La reins tucionalización puede tanto ser un cambio en la jerarquización y peso de los modelos básicos de integración social de la economía sin salir del modo capitalista de producción (al es lo de la construcción del estado de bienestar, planificador, redistribuidor y regulador del mercado dio lugar al capitalismo organizado y sus “30 años gloriosos”), como ser parte de un proceso de transición societal más profunda. (10) Cabe discu r si esto fue cierto en el largo plazo para España y Portugal. (11) Igualmente, en el Imperio Azteca el comercio tenía un fuerte contenido de tributación asimétrica. (12) Pero sólo para aquellas personas incluidas en las nuevas leyes, claramente no para los indios ni menos aún para los negros. En cuanto a las personas jurídicas, las empresas, pasaban a tener derechos como los seres humanos!! (13) Ver Laville (2006). La versión traducida y revisada está incluida en este volumen. (14) Algo que KP señala con total claridad en LGT para el proceso de construcción de una economía de mercado dentro de Europa en el siglo XVIII, y que Marx denominó acumulación originaria. (15) Esto toma hoy la forma, por ejemplo, del ya mencionado programa de soberanía alimentaria. Evidentemente los países de Europa y EEUU aplican el principio de autarquía cuando subsidian su producción de alimentos o reservan sus fuentes propias de energía fósil evitando depender totalmente del mercado global. (16) Aquí nos estamos refiriendo, como Polanlyi, a la redistribución secundaria, no a la primaria, fuertemente asociada a la propiedad pero también a los poderes asimétricos en los cuasimercados de factores y de bienes. En un análisis más completo deberíamos a) considerar que el principio de redistribución puede ser rever do en su sen do: concentrar para concentrar la riqueza, en cuyo caso cabe reservar el concepto para el caso de redistribución progresiva y ver esta redistribución regresiva como una extensión del principio de maximización egocéntrica de la u lidad al ámbito del Estado; b) ubicar la consideración de los mercados reales, monopólicos, con capitales en capacidad de influir sobre la oferta y la demanda, incluso sobre los deseos, cuyas relaciones enen un contenido no sólo de intercambio libremente pactado sino de redistribución de la riqueza mercantil sin la mediación inmediata de un centro político o de una autoridad simbólica. Esto sólo puede captarse con una visión del conjunto de la estructura económica. 32 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina (17) Ver Coraggio (1998). Para otro punto de vista, ver los trabajos de Luis Razeto en: h p://www. riless.org/inves gadores_desarrollo.shtml?x=24531. (18) “Ce qui dis ngue le commerce de la recherche de gibier, de bu n, de bois d’essences rares ou d’animaux exo ques, c’est la bidirec onnalité du mouvement que lui confère également son caractère généralement pacifique et assez régulier” (Polanyi, 2008, p. 66). (19) Ver Polanyi (2003, p. 275). (20) Para una aplicación del concepto de acumulación originaria al proceso de transición que denominamos Economía Social y Solidaria, ver Cristobal Navarro, La acumulación originaria de la economía del trabajo. Elementos para un debate necesario, Tesis de Maestría, Buenos Aires, 2008. (21) Algo que parece afirmar Caillé (2009). (22) Aquí podemos coincidir con la búsqueda de realismo de Caillè: hablar de economía de la solidaridad o de las virtudes del asocia vismo local sin referirse y proponer acciones rela vas al marco global de explotación, limita y vuelve inverosímiles las profesiones de solidaridad. (23) Margie Mendell afirma (comunicación personal) que Polanyi estaba perturbado por el contraste que había encontrado entre las condiciones económicas y de reproducción cultural tan desfavorables para la clase obrera en Inglaterra y la Europa que había conocido antes de emigrar. El concluyó en que en el proceso de industrialización Inglaterra había sufrido ese experimento social conocido como “laissez faire”, proceso que graficó como los “molinos sátánicos”. (24) Ver su “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América La na”, en Lander (2000, pp. 201-246). (25) Diferenciando entre el Norte, por un lado, y América Central y Sudamérica, en que fueron los reinos de España y Portugal los centros de poder. (26) Ver Hinkelammert (2005, cap. II). (27) Ver Quijano (1988). (28) A nuestro juicio, no alcanza con mencionar que se mercan liza la erra y el trabajo, sin algún concepto elaborado de explotación del hombre y la naturaleza, sobre todo si se rechaza la teoría del valor marxiana. (29) Ver: Postone (2006). (30) Para un estudio del imaginario del trabajo que puede emerger en las experiencias de economía solidaria, ver Veronesse (2007). (31) Aunque la economía solidaria usualmente se prac ca centrada en la integración de los excluidos al mercado que los excluyó y la mejor distribución del valor en el mercado. (32) Hay diversas ver entes y corrientes de economía alterna va en la región. Al respecto pueden verse los trabajos incluidos en Coraggio (2007). (33) Sobre el concepto de racionalidad reproduc va ver Hinkelammert y Mora (2009). Ver también su trabajo publicado en h p://www.riless.org/otraeconomia/ Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 33 José Luis Coraggio Referencias ARICÓ, J. (1982). Marx y América LaƟna. México, Alianza Editorial Mexicana. CAILLÈ, A. (2009). “Sobre los conceptos de economía en general y de economía solidaria en par cular”. In: CORAGGIO, J. L. (org.). Qué es lo económico. Materiales para un debate necesario contra el fatalismo. Buenos Aires, Ciccus. CAILLÈ, A. e LAVILLE, J.-L. (2008). “Actualité de Karl Polanyi. Pos acio”. In: POLANYI, K. Essais de Karl Polanyi. Paris, Seuil. CORAGGIO, J. L. (1998). Economía urbana. La perspecƟva popular. Quito, Abya-Yala. ______ (org.). (2007). La economía social desde la periferia.Contribuciones laƟnoamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira. ______ (2008). Economía Social, Acción Pública y PolíƟca. Buenos Aires, Ciccus. ______ (2011). Economía social y solidaria. El trabajo antes que el capital. Alberto Acosta y Esperanza Mar nez (eds). Quito, Abya-Yala. GAIGER, L. I. (2007). “La economía solidaria y el capitalismo en la perspec va de las transiciones históricas”. In: CORAGGIO, J. L. (org.). La economía social desde la periferia. Contribuciones laƟnoamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira. GARCÍA, R. (2006). Sistemas complejos. Barcelona, Gedisa. HABERMAS, J. (1981). La reconstrucción del materialismo histórico. Madri, Taurus. HINKELAMMERT, F. J. (1984). CríƟca a la razón utópica. San José de Costa Rica, DEI. ______ (2005). El sujeto y la ley. El retorno del sujeto reprimido. Costa Rica, EUNA/Heredia. HINKELAMMERT, F. J. e MORA, H. (2009). Economía, Sociedad y Vida Humana. Preludio a una segunda críƟca de la economía políƟca. Buenos Aires, UNGS/Altamira. LANDER, E. (comp.) (2000). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. PerspecƟvas laƟnoamericanas. Buenos Aires, Clacso/Unesco. LAVILLE, J.-L. (2006). Défini ons et ins tu ons de l’économie. Pour un dialogue maussien. Revue du MAUSS, n. 27. Paris, Découverte. ______ (2008). Los servicios de proximidad en Europa: en perspec va con la economía popular. Otra Economia, n. 3. Disponível em: h p://www.riless.org/otraeconomia/ LISBOA DE MELO, A. (2007). “Economía solidaria: una reflexión a la luz de la ética cristiana”. In: CORAGGIO, J. L. (org.). La economía social desde la periferia. Contribuciones laƟnoamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira. MAUSS, M. (1924). Interven on à la Société Française de Philosophie sur les fondements du socialisme (28 de febrero de 1924). Cohésion sociale et divisions de la sociologie. Œuvres. Marcel Mauss, III, Edi ons de Minuit, 1969 [1924], Marx, Karl, Introducción general a la crí ca de la economía polí ca/1987, Cuadernos de Pasado y Presente, n. 1, Córdoba, 1968. MEILLASOUX, C. (1977). Mujeres, graneros y capitales. México, Siglo XXI. NAVARRO, C. (2008). La acumulación originaria de la economía del trabajo. Elementos para un debate 34 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina necesario. Tesis de Maestría. Buenos Aires. NYSSENS, M. (2000). Les approaches économiques du tiers sector. Les contributions théoriques européennes sur la protec on sociale et l’économie prurielles. Sociologie du Travail, v. 2, n. 4, Paris. PATZI PACO, F. (2005). Sistema comunal. Una propuesta alterna va para salir de la colonialidad y del liberalismo. CEA. POLANYI, K. (2003). La gran transformación. Los orígenes políƟcos y económicos de nuestro Ɵempo (LGT, 1944). México, Fondo de Cultura Económica. ______ (2012). “La economía como proceso instituido”. In: POLANYI, K. Textos escogidos. Buenos Aires, UNGS/Clacso. POLANYI, K. et al. (2008). Essais de Karl Polanyi (EKP). Seuil. POSTONE, M. (2006). Tiempo, trabajo y dominación social. Una reinterpretación de la teoría críƟca de Marx. Madri, Marcial Pons. QUIJANO, A. (1988). Modernidad, idenƟdad y utopía en América LaƟna. Lima. ______ (2000). “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América La na”. In: LANDER, E. (comp). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. PerspecƟvas laƟnoamericanas. Buenos Aires, Clacso/Unesco. SINGER, P. (2007). “Economía solidaria. Un modo de producción y distribución”. In: CORAGGIO, J. L. (org). La economía social desde la periferia. Contribuciones laƟnoamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira. VERONESSE, M. (org.) (2007). Economía solidaria y subjeƟvidad. Buenos Aires, UNGS/Altamira. Texto recebido em 14/out/2013 Texto aprovado em 5/nov/2013 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 35 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina The capitalist city in the neoliberal pattern of accumulation in Latin America Emilio Pradilla Cobos Resumen El desarrollo capitalista es desigual y combinado en el tiempo y territorio; por ello la ciudad latinoamericana tiene características particulares, específicas, que no pueden analizarse mediante conceptualizaciones que explicarían a las del mundo desarrollado. La histórica mundialización del capital – ¿globalización? – no homogeniza a las formaciones urbanas; las diferencia. Explicar la ciudad latinoamericana en el neoliberalismo vigente, implica analizarla en la generalidad capitalista y su particularidad latinoamericana, su combinación de lo nuevo y lo viejo, sus rasgos históricos específicos: subsistencia indígena; urbanización acelerada; industrialización tardía; desindustrialización temprana; terciarización informal; autoconstrucción masiva; mercado informal de suelo y vivienda; desempleo estructural, pobreza, informalidad; regímenes de excepción; baja ciudadanización; diversas posturas gubernamentales ante el neoliberalismo; violencia urbana generalizada; etc. Abstract A combination of unequal capitalist development, time and territory produces Latin American cities with particular, specific characteristics that cannot be analyzed by concepts that are used to explain cities of the developed world. The historical capital globalization does not homogenize urban formations ; rather, it differentiates them. Explaining the Latin American city in the current neoliberal pattern involves analyzing, in the capitalist generality and in its Latin American particularity, its combination of new and old, its specific historical features: indigenous subsistence; rapid urbanization; late industrialization; early deindustrialization; informal outsourcing; massive self-help housing; informal land and housing market; structural unemployment; poverty; informality; emergency regimes; low urbanization; various governmental positions concerning neoliberalism; widespread urban violence, etc. Palabras claves: capitalismo; desarrollo desigual; patrón neoliberal; ciudad latinoamericana; rasgos específicos. Keywords: capitalism; uneven development; neoliberal pattern; Latin American city; specific features. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 Emilio Pradilla Cobos Introducción: el desarrollo desigual del capitalismo y las particularidades latinoamericanas profundidad y el territorio (Pradilla, 2009, cap. I); esta lógica es reconocida ampliamente por Harvey en sus elaboraciones teóricas generales sobre el capitalismo, el territorio y la ciudad (Harvey, [1982] 1990, cap. XIII, 1 y 2; Harvey, [2000] 2003, pp. 93 y ss.). Desde su formación o reconfiguración en Tanto la incisiva crítica teórico- el siglo XVI, las ciudades latinoamericanas metodológica de Kalmanóvitz a los teóricos de estuvieron subsumidas, formal o realmente, al la dependencia latinoamericana de los años proceso de acumulación originaria de capital setenta (Kalmanóvitz, 1977 y 1982, citado en que engendró al capitalismo en las entrañas Pradilla, 1984, pp. 622 y ss.), como la de Singer a del feudalismo (Marx, [1867] 1976, cap. XXIV, Castells sobre su concepción de la urbanización t. 1, v. 3) en el que jugaron un papel sustantivo dependiente y la marginalidad (Singer, 1973; pero subordinado dadas las condiciones de Castells, 1973), nos mostraron hasta la dominación colonial a las que se encontraban saciedad que ni el desarrollo capitalista en sometidas (Pradilla, 2009, cap. I); desde América Latina ni la urbanización que genero entonces, siguieron las determinaciones y han seguido el mismo camino histórico, ni ocuparon los lugares estructurales que les iguales modelos,5 ni ocurrieron en los mismos impusieron los distintos y sucesivos patrones tiempos y ritmos seguidos por estos procesos de acumulación de capital , 1 en su relación dialéctica 2 con las fases específicas de su inserción en la mundialización del capital (Pradilla, 2009, cap. VIII): expoliación colonial hasta las independencias, capitalismo mercantil en el siglo XIX e inicios del XX (patrón primario-exportador), intervencionismo estatal de 1940 a 1980 (industrialización sustitutiva de importaciones), y neoliberal después de 1982. Por ello, desde entonces y a lo largo de su historia, las ciudades latinoamericanas han sido capitalistas 3 y en lo general, se explican a partir de la(s) teoría(s) 4 y leyes generales que explican las formas sociales, la estructura, los procesos y las contradicciones del modo de producción capitalista. Sabemos también, desde Marx, que el desarrollo de las formas y relaciones sociales y de los modos de producción que conforman es desigual, y por tanto combinado, en el tiempo, la intensidad, la en Europa o Estados Unidos en los siglos XIX 38 y XX, ni han dado lugar a ciudades y sistemas urbanos similares. Ningún tratado serio de historia general, económica, social o urbana de los siglos XIX y XX avala la posibilidad de la igualdad mundial del desarrollo. Las razones fundamentales señaladas por Kalmanóvitz y Singer son: a) el papel diferenciado que asumen unas y otras sociedades en sus relaciones (colonizadores o dominantes, colonizados o dominados); b) las diferentes estructuras económicas, sociales, culturales y políticas que se conformaron en unas y otras sosedades, en su relación conflictiva con las sociedades pre-existentes, y las diferencias de sus condiciones de desarrollo; c) el papel activo de las clases sociales colonizadas o dominadas frente a las colonizadoras o dominantes, y sus conflictos, evidentes en la historia; d) las distintas Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina temporalidades de los procesos en unas y otras las naciones del mundo por los organismos sociedades; y e) las diferencias geográficas, multinacionales (FMI, OMC, Banco Mundial) medioambientales y territoriales pre-existentes asignan generalidades y rasgos comunes o que se configuraron en estos procesos. a nuestras ciudades y las del mundo 6 desarrollado, que son explicadas por las teorías neoliberal de la globalización y su derivación generales; pero estos rasgos generales también en el de las ciudades globales (Pradilla, 2009, se combinan con los heredados del pasado, de cap. VIII) han pretendido homogeneizar al la propia historia particular de las formaciones planeta entero, y aplicar así en los países sociales concretas, y los que surgen de sus latinoamericanos, asiáticos o africanos, las desigualdades de desarrollo, que solo pueden mismas recetas de políticas económicas, ser explicados por el análisis concreto de sociales y territoriales engendradas en los las realidades concretas y diferenciadas. países hegemónicos del patrón neoliberal de La presencia histórica en América Latina acumulación, imponer su verdad única, explicar de formas y procesos socio-territoriales sus procesos, incluidos los urbanos, mediante particulares, ausentes en Europa o los EUA, las mismas conceptualizaciones y modelos como la subsistencia de núcleos indígenas en construidos para analizar los suyos propios, en el campo y la ciudad, las formas de propiedad una clara muestra de colonialismo intelectual, colectiva de la tierra periurbana en México8 pasivamente aceptado por muchos en nuestra (1917 a 1992), la urbanización acelerada entre región (Pradilla, 2010b). 1940 y 1980, la autoconstrucción masiva de En la actualidad, el mito ideológico La imposición del patrón neoliberal de vivienda popular generalizada en la región acumulación de capital, en sus tres décadas desde 1940, la formación y presencia actual de historia, ha dado lugar a una creciente de un mercado informal de suelo urbano, la desigualdad del desarrollo capitalista entre llamada informalidad9 como actividad laboral los países hegemónicos imperialistas y los de subsistencia ante el enorme desempleo 7 estructural y la pobreza, la presencia recurrente acentuando la fragmentación y diferenciación de dictaduras militares y regímenes de entre los países y sus formas territoriales; excepción en la región sobre todo en los años aún en las áreas dominadas del mundo, con setenta, la actual diversidad – discursiva o condiciones histórico-sociales homólogas como real – de las posturas gubernamentales ante América Latina, esta diferenciación se acentúa, el neoliberalismo, o la violencia generalizada por ejemplo entre Brasil o México y Haití u en las ciudades en la actualidad debida en Honduras; así, el planeta aparece hoy como gran medida al narcotráfico y su incidencia una combinación caleidoscópica, un mosaico en la vida cotidiana urbana, nos sirven a la de fragmentos profundamente desiguales en lo vez para mostrar: que las teorizaciones y económico, lo social y lo urbano. modelos urbanos globales homogeneizantes dominados y atrasados, y entre estos últimos, La naturaleza capitalista y la vigencia, no tienen validez para nuestra región; y también diferenciada, del patrón neoliberal que existen rasgos generales propios de la de acumulación impuesto a la mayoría de región, gestados históricamente y agudizados Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 39 Emilio Pradilla Cobos en el neoliberalismo, que hacen viable la de operación del patrón intervencionista construcción de explicaciones latinoamericanas estatal de acumulación de capital y el proceso de esas particularidades comunes. Tenemos simultáneo de industrialización sustitutiva que entender también que aún en el de importaciones y urbanización acelerada, contexto regional los procesos entre países, y de cómo se ha venido reestructurando regiones y ciudades son desiguales, y que las con la implantación del patrón neoliberal de conceptualizaciones regionales nos explican acumulación de capital, contamos con un acervo solo los rasgos generales y comunes entre ellos de investigaciones sobre las particularidades y no toda su especificidad. nacionales y urbanas, y los rasgos comunes a la región, que construyen sus conceptos e interpretaciones en el trabajo de análisis de Las ciudades latinoamericanas en el patrón neoliberal de acumulación de capital las realidades concretas latinoamericanas mediante el uso de las teorías generales que explican la estructura, funcionamiento y contradicciones de la sociedad capitalista (ver Ramírez y Pradilla (comps.), 2013); en En las últimas tres décadas, las ciudades este esbozo, nos apoyaremos en una parte, latinoamericanas han sufrido grandes cambios limitada por el tiempo de elaboración y la demográficos, económicos, sociales, políticos, dimensión de este trabajo, de este rico acervo culturales y morfológicos cuya naturaleza y latinoamericano. determinaciones debemos explicar y teorizar, tanto en su generalidad como producto de las relaciones capitalistas dominantes y del tránsito de un patrón de acumulación a otro, Las mutaciones del proceso de urbanización como en su particularidad histórica regional. Estos cambios se han producido a partir La fase más intensa de cambio de la de la aplicación – diferenciada en el tiempo, distribución territorial de la población entre la intensidad y la profundidad en los distintos urbana y rural ocurrió en América Latina, países – que no podemos suponer concluida desigualmente según los países, en el período ni irreversible, de las reformas estructurales 1940-1980, impulsado por la industrialización que han materializado el cambio de patrón por sustitución de importaciones y su correlato, de acumulación de capital en la región, del la penetración del capitalismo en el campo, la intervencionista estatal al neoliberal, las descomposición de las formas agrarias pre- cuales han modificado la arquitectura del capitalistas y la expulsión del campesinado capitalismo y su territorio, acentuando sus hacia las ciudades, que dio lugar a altas tasas rasgos y contradicciones y generando nuevos de crecimiento poblacional en ellas (Pradilla, conflictos socio-territoriales. Para avanzar en 1981); hoy podemos afirmar que la región la caracterización y teorización de la ciudad se acerca a la urbanización relativa casi total capitalista que emergió durante el período (Pradilla, 2009, caps. VI y VII). En las últimas 40 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina décadas, han disminuido sustancialmente grandes mega-conjuntos o por los ocupantes las tasas de crecimiento anual promedio irregulares y autoconstructores; el vaciamiento de la población urbana, en especial en las de población residente de las áreas centrales metrópolis, lo cual no significa que se haya o los corredores terciarios donde la vivienda agotado totalmente el potencial de migración es sustituida por actividades terciarias y por debido a que el crecimiento demográfico en el grandes megaproyectos inmobiliarios mixtos campo, a pesar de ser declinante, ha mantenido destinados a las actividades empresariales y a en él a una masa de población muy grande, vivienda de sectores de altos ingresos (Pradilla, que por lo general subsiste aún mediante 2010b). El resultado son tasas de crecimiento formas pre-capitalistas o capitalistas atrasadas demográfico muy bajas o negativas en las de producción. áreas centrales, mientras en las periferias y en La persistencia de la migración del los asentamientos en proceso de integración campo y los pequeños poblados a las ciudades a las metrópolis se alcanzan tasas muy es motivada por la descomposición de las superiores a la media urbana, lo cual mantiene formas atrasadas de producción agraria aún un crecimiento físico más que proporcional al subsistentes determinada por la pobreza, la demográfico. carencia de servicios, la introducción de nuevas técnicas productivas, la exacerbación de la competencia desigual en el libre mercado con las formas productivas avanzadas internas Las rentas del suelo en los procesos de expansión y re-construcción urbana o externas, la eliminación neoliberal de los subsidios públicos al campo y la continua Los patrones de estructuración urbana en expansión urbana sobre las tierras agrarias. América Latina están determinados, en forma La persistencia de la migración rural y entre compleja, por las lógicas de formación de las ciudades, que se suma al crecimiento natural rentas del suelo urbano tanto en los territorios interno, o la integración de pueblos y pequeñas periurbanos o intersticiales metropolitanos, ciudades a las tramas urbanas, en las nuevas como en las áreas ya integradas donde se condiciones de la acumulación de capital, han articulan las viejas y nuevas condiciones acelerado los procesos de metropolización y estructurales de la acumulación de capital 10 formación de ciudades-región, que se han (Jaramillo, 2009).11 convertido en las formas urbanas características En las ciudades latinoamericanas y dominantes del patrón de urbanización en el funcionan hoy dos mercados de suelo urbano actual período histórico (Pradilla, 2009, pp. 263 con reglas del juego distintas: el formal, y ss.). plenamente capitalista y sometido a las Al interior de las metrópolis, asistimos regulaciones estatales de la propiedad y el también a intensos cambios de la distribución urbanismo; y el informal que domina en las territorial de la población derivados de: la áreas carentes de titulación de la propiedad periferización de la vivienda de interés social que fueron urbanizadas ilegal o irregularmente; construida por el capital inmobiliario en el segundo, articulado y subsumido al primero, Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 41 Emilio Pradilla Cobos entra también en el juego de definición de las grandes infraestructuras viales producidas las rentas del suelo urbano (Calderón, 2006; por el Estado o las empresas privadas, que Eibenschutz y Benlliure, 2008; Abramo, 2011). impulsan el fraccionamiento y construcción Los gobiernos urbanos, desde los tiempos de del suelo aledaño; y la generalización de las la urbanización acelerada han tratado, por la ventajas de aglomeración en los ámbitos de las represión o la regularización, de eliminar el regiones urbanas que permiten la localización mercado informal o de integrarlo al formal, sin casi indiferenciada de actividades económicas que hayan tenido éxito pleno pues la pobreza en sus intersticios rurales (ver nota 10). y la ausencia de una oferta legal adecuada a En el caso de la Zona Metropolitana del los bajos niveles de ingreso, lo reproducen Valle de México, una de las dos mayores de continuamente. la región junto con São Paulo, la expansión La coexistencia de estos dos mercados urbana ha ocurrido siguiendo un patrón de en las ciudades latinoamericanas es uno de tipo cíclico, de expansión – consolidación – sus rasgos específicos que las diferencian expansión territorial (Duhau, 1998, pp. 131 y estructuralmente de las de los países 281; Duhau y Giglia, 2008, p. 116) que, en su hegemónicos e imponen la necesidad de una segundo movimiento implica la saturación elaboración teórico-interpretativa propia. de los terrenos intersticiales dejados libres Las rentas urbanas y su metamorfosis en el movimiento expansivo, por nuevos en precios del suelo inician en la intersección asentamientos irregulares o empresariales. de lo urbano con lo rural, partiendo del nivel A pesar de las particularidades, entre las que alcanzado allí por las rentas agrarias. En destaca la diferencia de tendencias históricas este límite, a los vectores históricos de la hacia la verticalización y la compactación continua expansión urbana, en particular los (Brasil o Argentina), o la expansión con procesos de ocupación irregular de terrenos baja densidad (México), creemos que esta para la autoconstrucción de vivienda popular, característica se repite en diversas ciudades se combinan ahora como factores de la latinoamericanas (Ferreira, 2012, pp. 18 y 22; transformación del uso del suelo de rural a Pradilla, 2011). Este tipo de expansión difiere urbano y de formación e incremento de las estructuralmente del que Dematteis caracteriza rentas urbanas: los cambios en el régimen como disperso o difuso al referirse a las de propiedad de la tierra rural hacia su ciudades anglosajonas de Europa en el pasado, privatización (caso mexicano en 1992) y/o y su generalización actual en ese continente su concentración; la irrupción del capital (Dematteis, 1998), o el patrón disperso de inmobiliario-financiero en la producción de baja densidad históricamente dominante vivienda “de interés social” en las periferias en las áreas de vivienda de las ciudades lejanas para abaratar el costo del suelo, la cual norteamericanas. transforma en urbanos y eleva las rentas en los En el neoliberalismo, en las áreas ya terrenos que quedan libres entre sus proyectos integradas y centrales de las metrópolis, inmobiliarios y el límite urbano anterior (Duhau, las diversas formas de la renta del suelo 2008; Eibenschutz y Goya, 2009, pp. 16 y ss.); (Jaramillo, 2009, cap. IV), están dialécticamente 42 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina articuladas con: los procesos de privatización su acumulación, la necesidad constante y de lo público urbano; los significativos cambios creciente de los capitalistas de integrar a todo en la localización de las actividades urbanas lo producido y aún lo no producido por el (usos del suelo), determinados por los procesos hombre (la tierra, el agua, el aire, los recursos de desindustrialización y terciarización naturales no renovables, etc.) al régimen metropolitana (Márquez y Pradilla, 2004 y mercantil, y el papel del fetichismo de la 2008) y la formación de corredores terciarios mercancía en el ámbito de la ideología como (Pradilla y Pino, 2004; Pradilla, Moreno y encubridor de las relaciones de explotación Márquez, 2012a); y los nuevos procesos de de los trabajadores por el capital (Marx, verticalización emprendidos por el capital [1867] 1975, l. 1, t. 1, cap. II, 4). Se refiere inmobiliario-financiero (Pradilla, 2010a), que también, premonitoriamente, a la tendencia modifican sustantivamente su funcionamiento, a la privatización, mercantilización plena y monto y distribución social, y son características capitalización de las condiciones generales determinantes y dominantes de la lógica actual del proceso social de producción – transporte, de estructuración urbana. comunicaciones y almacenamiento en ese El resultado es un crecimiento sostenido momento, pero que integran a muchos otros en términos reales de las rentas y, por tanto, elementos considerados urbanos hoy en día de los precios del suelo urbano, de múltiple (Pradilla, 1984, cap. II) – en la medida que sentido territorial: de la periferia hacia el el capitalismo se desarrolla (Marx, [1857- centro, del centro hacia la periferia, de la 1858] 1972, v. 2, n. 22, citado en Pradilla, trama de corredores terciarios hacia el interior 2009, p. 125). En tiempos recientes, autores de las áreas de vivienda y otros usos, cuya multicitados por los investigadores urbanos orografía no puede explicarse desde esquemas como Polanyi ([1957] 2003), Wallerstein concéntricos como los de la Escuela de Chicago; ([1983] 1988, cap. 1), o Harvey ([1973] este crecimiento afecta sobre todo a los 1977, pp. 273 y ss.), se refieren ampliamente sectores más pobres de la sociedad, sean ellos al proceso continuo, pero desigual, de compradores o locatarios de vivienda, eleva el mercantilización. Sobra señalar que las costo de la vida en las metrópolis e incide en los mercancías y el mercado en el que se procesos de empobrecimiento en ellas. intercambian, son las piedras claves de la construcción de la teoría económica burguesa, y en particular de su variante neoliberal. La mercantilización y privatización de lo urbano En el patrón neoliberal de acumulación, esta mercantilización se ha acelerado, profundizado, y articulado intrincadamente Marx, al construir su teoría general sobre con la privatización de lo público constituido el modo de producción capitalista en El o construido a partir de la intervención del Capital ([1867] 1975) y muchos otros textos, señala claramente el papel de la mercancía y su realización en el ciclo del capital y Estado – incluyendo a su aparato legislativo12 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 – en etapas históricas anteriores, que constituye una de sus políticas fundamentales 43 Emilio Pradilla Cobos (Valenzuela, 1991, cap. II; Pradilla, 2009, cap. III). La privatización de lo público, que entrega al capital privado a las empresas La desindustrialización y la terciarización informal de las metrópolis productivas, comerciales, de servicios y las condiciones generales de la acumulación y de E n l a s ú l t i m a s d é c a d a s, l o s p a í s e s la reproducción social bajo su control, incluye latinoamericanos, en particular los de mayor a muchos ámbitos públicos urbanos: suelo e peso económico relativo (Brasil, Argentina inmuebles públicos, plazas, parques, reservas y México) han sufrido desigualmente lo que naturales, vialidades, servicios sociales, Pierre Salama denomina desindustrialización áreas recreativas, etcétera, integrándolos a relativa prematura, debida a: la baja un amplio, profundo e incesante proceso de productividad del sector fabril; las altas tasas mercantilización de todos los elementos de la de interés en el mercado especulativo y abierto estructura urbana, incluidos los no producidos de capitales; la apreciación de sus monedas por el hombre. frente a las divisas internacionales; y la baja Paradójicamente, esta privatización competitividad de sus precios de producción ha sido más acelerada, profunda y extensa en el marco del proceso neoliberal de apertura en los países latinoamericanos que en los comercial internacional (Salama, 2012a). capitalistas hegemónicos, sobre todo los Este ha sido el contexto general nacional europeos, debido fundamentalmente a en el que ha ocurrido una desindustrialización la poca capacidad defensiva real de los relativa y/o absoluta de las metrópolis trabajadores y ciudadanos latinoamericanos latinoamericanas industrializadas durante ante las embestidas privatizadoras de sus el período 1940-1980, cuya determinación gobernantes y empresarios neoliberales, que la multifactorial incluye, además de las razones de los ciudadanos europeos con gran tradición generales, el crecimiento de las desventajas histórica de lucha defensiva de sus conquistas (deseconomías) de aglomeración derivadas de sociales y sus condiciones de vida. Estos la saturación vehicular que alarga el tiempo hechos, constatables factualmente, muestran y costo del transporte de materias primas, el carácter desigual de los dos procesos, productos y trabajadores, la contaminación que también se manifiesta entre los países ambiental y el costo de las medidas para latinoamericanos y sus ciudades, en el tiempo, controlarla, la elevación de los precios del suelo la intensidad y la profundidad, lo que obliga a y los impuestos prediales, los más elevados su diferenciación y particularización. niveles salariales; así como de los efectos de Estos dos procesos han sido claves para las políticas públicas desindustrializadoras y la que el capital en su conjunto, en particular el aceptación acrítica de la vocación terciaria de inmobiliario-financiero y constructor, avance las metrópolis (Márquez y Pradilla, 2008). por múltiples caminos en su empoderamiento sobre la economía y el cambio urbanos. 44 La desindustrialización y las políticas pú blic as ur banas en e se sentid o han Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina determinado y /o acentuado la tendencia Los impactos territoriales de ambos estructural hacia la terciarización de las procesos combinados han sido: liberación economías metropolitanas propia de esta de grandes terrenos industriales insertos en etapa del desarrollo capitalista. Sin embargo, la estructura urbana, en muchos casos de en la región, la terciarización ha tenido un alto precio, y cambio de su uso a terciario o carácter espurio, polarizado y dominantemente habitacional para sectores de ingresos medios informal notorio en la mayoría de los análisis o altos; terciarización de los usos del suelo en empíricos, pues en 2002 la fuerza laboral áreas integradas a la trama urbana donde se en la informalidad alcanzaba en América desarrollan los corredores terciarios (ver item Latina el 46,5% (Tokman, 2007, p. 295) “Los cambios en el patrón de estructuración de la población económicamente activa urbana”) reemplazando antiguas áreas de total (PEA), superaba el 34% en algunas vivienda y desplazando a sus habitantes; y de las mayores metrópolis del continente multiplicación de las concentraciones lineales y se concentraba fundamentalmente en el o zonales de comercio en la vía pública y sector terciario (Portes y Roberts, 2005, pp. otras actividades informales, en particular 40-41; Pradilla, 2010a). Esta característica sobre los ejes viales, los corredores terciarios dominantemente informal del sector terciario y áreas e inmuebles de gran flujo de peatones urbano latinoamericano es una diferencia y usuarios como centros comerciales, servicios sustantiva respecto de la señalada por diversos públicos, oficinas gubernamentales, lugares de autores sobre la predominancia de los servicios recreación, etc. especializados a la producción en las grandes metrópolis de los países hegemónicos en la economía mundial. La conjunción de los dos procesos ha La hegemonía del capital financiero y su fusión con el capital inmobiliario tenido consecuencias muy negativas para la vida económico-social metropolitana: pérdida Desde finales del siglo XIX, el capital financiero del dinamismo económico por la desaparición resultante de la fusión del capital bancario del sector industrial, más dinámico que y el industrial y comercial, inició su carrera el terciario; caída de la productividad hacia la hegemonía como fracción del capital urbana media al dominar el sector terciario en el capitalismo; América Latina no fue la informalizado, de más baja productividad del excepción, gracias sobre todo a la penetración capital y del trabajo que el industrial; déficit del capital bancario extranjero y al crédito de la balanza comercial del territorio urbano internacional solicitado por los sectores público específico dada la poca exportabilidad de los y privado. Desde entonces, ha penetrado servicios; incremento del desempleo urbano; profundamente en el funcionamiento de la y caída del nivel de ingresos de los sectores economía en su conjunto y en la vida cotidiana populares al perderse los empleos fabriles urbana a través del crédito a las personas y más mejor remunerados que los terciarios (Márquez recientemente a la proliferación de las tarjetas y Pradilla, 2008). de crédito y débito (Pradilla, 2012). Su carácter Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 45 Emilio Pradilla Cobos abiertamente especulativo y parasitario ha generados colectivamente por el crecimiento estado presente en todas las crisis económicas metropolitano mismo (Pradilla, 2010a). sincrónicas a nivel mundial de las últimas tres Las nuevas políticas neoliberales de décadas, sobre todo en la del 2008 (Rozo, vivienda popular tienden a ubicar el papel de 2010, cap. 1). las instituciones estatales de vivienda, en el La fusión entre el capital financiero lugar de bancos hipotecarios que financian a y el inmobiliario nacional y trasnacional, sus derechohabientes para que compren sus determinada por las características viviendas al capital inmobiliario, convirtiéndose 13 así en sus promotores (Ferreira, 2012, pp. 39 y estructurales del sector de la construcción, se ha convertido en la fracción dominante en ss.; Puebla, 2002; Castro y otros, 2006). la inversión urbana, debido a la disminución La fracción inmobiliaria-financiera en rápida y la pérdida de protagonismo del la producción de vivienda fue el origen de la capital productivo industrial, a que tiende crisis, por sobreproducción, de 2008-2009 a convertirse en el único sector productivo en Estados Unidos, para luego transmitirse de valor en las metrópolis y al hecho de que a otros sectores económicos a través de los crea gran cantidad de empleo, aunque sea de vínculos del capital financiero (Rozo, 2010, baja calificación laboral, de corta duración, cap. 1); ha estado presente en las posteriores estacional e inestable y mal remunerado. convulsiones de las economías europeas; y Por estas razones, los gobiernos urbanos, en México, el sector se enfrenta hoy a una discursivamente de distinta ideología, tienden seria crisis sectorial derivada de la ausencia a otorgar privilegios e incentivar los negocios de compradores para sus viviendas de interés de esta fracción del capital en sus políticas social o su abandono y/o moratoria de pago, urbanas, lo cual, como veremos en la sección por su pésima calidad constructiva y muy mala “Las dinámicas de los movimientos sociales en localización en relación con las ciudades, la las metrópolis”, genera nuevas contradicciones cual está relacionada con la desaceleración urbanas y una modificación de los actores en y bajo crecimiento reciente de la economía 14 los movimientos sociales urbanos. nacional. El capital inmobiliario-financiero expande, casi sin límites, a las ciudades al adquirir terrenos baratos y construir viviendas para distintos sectores sociales, incluido ahora La pauperización de la fuerza de trabajo y la segregación socio-territorial el segmento de viviendas de interés social en mega-conjuntos de micro-viviendas en La aguda desvalorización de la fuerza de las periferias lejanas; al mismo tiempo, re- trabajo asalariada se ha producido por la vía construye las áreas centrales de las ciudades de la reducción del salario real – directo, 15 con sus productos emblemáticos: centros indirecto 16 y diferido 17 – y la eliminación o comerciales, torres de usos mixtos y conjuntos reducción de las prestaciones sociales en los cerrados y segregados, etcétera, apoderándose contratos colectivos de trabajo, la flexibilización de los incrementos de rentas del suelo de la relación laboral – despido discrecional, 46 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina fragmentación de la jornada laboral, reducción de niveles muy bajos, y no ha permitido del escalafón de puestos de trabajo, exigencia la recuperación de lo perdido en las dos de calificación múltiple de los trabajadores, décadas anteriores (Salama, 2012b, p. 648). contratos de corta duración, etcétera –, y la La histórica desigualdad en la distribución privatización de los servicios públicos con del ingreso y su concentración en una minoría elevación de los precios. La eliminación de se han acentuado significativamente en este subsidios y la reducción del gasto público período (Cepal, 2013, p. 78); en este aspecto, social, ha sido un eje básico de la política deberíamos incluir también los efectos del neoliberal en América Latina (Valenzuela, 1991, incremento de los flujos de ganancias al pp. 45 y ss.; Guillén, 1997, pp. 167 y ss.; Pradilla, extranjero derivados de la trasnacionalización 2009, cap. II). Estas políticas se han aplicado del capital y la liberación de los flujos de desigualmente en el tiempo, la intensidad en mercancías y capitales (Cepal, 2013, p. 97), 18 los distintos países. En el contexto de una reducción de pues reducen la reinversión de ganancias y las rentas distribuidas al interior de los países. la inversión para la formación bruta de La segregación socio-territorial en las capital fijo, un bajo crecimiento del Producto ciudades latinoamericanas 19 se fraguó en Interno Bruto desde 1982 y hasta ahora, y su fase de crecimiento acelerado – 1940 a recesiones recurrentes (Cepal, 2004 y 2013, 1980 –, teniendo como vectores articulados pp. 81-86; Pradilla, 2009, pp. 312 y ss.), los dialécticamente, a la desigualdad socio- impactos sociales más inmediatos han sido: económica creciente, la formación de un reducido crecimiento del PIB per cápita rentas y el mercado del suelo, las formas de (Cepal, 2013, p. 74), la elevación de la tasa producción de los soportes materiales urbanos, de desempleo abierto, el crecimiento del en particular la formación de viviendas del sector informal, la caída del salario real sobre tipo vecindad o conventillo en las áreas todo en las décadas iniciales de los ochenta centrales, la ocupación irregular de la tierra y y noventa cuando imperó la hiperinflación, la autoconstrucción de viviendas localizadas la pérdida de participación del salario de los en los terrenos menos construibles y poco trabajadores frente a la ganancia empresarial atractivos para los promotores inmobiliarios en la distribución de la renta nacional, y y los sectores de ingresos medios y altos, los una mínima reducción de los niveles de fraccionamientos de capas medias y altas pobreza e indigencia urbanas a pesar de mediante la producción por encargo (Pradilla, los gastos multimillonarios en programas 2012) y los valores ideológicos imperantes. focalizados en sectores muy vulnerables Durante las tres décadas de políticas de corte fundamentalmente asistencialista neoliberales, el mantenimiento o incremento (Cepal, 2013, p. 78; Tokman, 2007, pp. 294- de la desigualdad y la polarización socio- 296). La mejoría relativa, desigual según los económica, y de la pobreza y la indigencia países, del salario real y la distribución del en los sec tores populares urbanos es ingreso entre salarios y ganancias, registrada uno de los fac tores explicativos de la en la primera década del siglo XXI, partió segregación territorial imperante en las Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 47 Emilio Pradilla Cobos ciudades latinoamericanas de hoy, pero en su articulación dialéctica con otros procesos: La movilidad urbana y el dominio del automóvil los cambios sustantivos en las rentas y los mercados – formal e informal – del suelo, La movilidad y la conectividad se han las modificaciones ocurridas en la estructura convertido en temas predilectos del discurso de las formas productivas de lo urbano de los gobiernos urbanos y de la investigación, (Pradilla, 2012), las nuevas formas urbano- precisamente cuando los recorridos urbanos arquitectónicas impulsadas por el capital han alcanzado una gran extensión y inmobiliario-financiero (megaproyectos de complejidad, la saturación de las vialidades renovación urbana, centros comerciales, y los medios de transporte público llegan a corredores terciarios, clubes privados, edificios niveles críticos y se alarga significativamente mixtos, conjuntos cerrados, macro-conjuntos el tiempo dedicado a los desplazamientos. Los de vivienda de interés social, etc.), y los factores estructurales hay que encontrarlos gobiernos locales: revitalización y renovación en el crecimiento poblacional y la continua urbana, revalorización de centros históricos, expansión territorial de las ciudades, la construcción de vialidades confinadas y otras complejidad alcanzada por las actividades obras viales (Sabatini, 2003, p. 6). Hay también urbanas, la generación de múltiples polos de que añadir el predominio del automóvil atracción de los desplazamientos debido al individual en los desplazamientos urbanos, surgimiento disperso de las nuevas formas la individualización de la vida cotidiana en la urbano-arquitectónicas, el papel protagónico ideología, y la formación de territorios de la de la industria automotriz en las economías violencia creciente.20 regionales y sus prácticas publicitarias y La fragmentación socio-territorial de las de crédito, el rezago y mala calidad del ciudades, que implica a la vez la desigualdad transporte colectivo público o privado, y la social, la segregación territorial y la existencia creciente individualización de la vida cotidiana de barreras físicas o socio-culturales como la acrecentada por la violencia urbana. violencia, a la movilidad, se ha incrementado El transpor te urbano de pasajeros a partir de la multiplicación de los conjuntos es realizado cada vez más en automóvil, 21 cerrados y cercados para clases medias y altas, mientras se acentúa el deterioro e el aislamiento territorial de los mega-conjuntos insuficiencia del transporte colectivo público de interés social, la proliferación de vialidades o concesionado a actores privados, donde confinadas y segundos pisos viales como aún dominan en muchos casos los medios de barreras físicas, y las creadas por los guetos de transporte más irracionales o contaminantes la violencia urbana (Carrión, 2006). como los microbuses o pequeños autobuses 48 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina organizados precariamente en cooperativas o asociaciones atrasadas. A pesar del desarrollo Los cambios en el patrón de estructuración urbana reciente de sistemas como los metro-buses 22 confinados y los trenes subterráneos o de En las grandes metrópolis y ciudades medias cercanía en algunas ciudades, públicos o en expansión, emerge una lógica diferente de privados, de alto precio, el automóvil es estructuración urbana basada en una trama privilegiado por las políticas públicas mediante de corredores terciarios lineales, sobre grandes la continua construcción de vialidades ejes de vialidad y de flujos de personas y confinadas o en segundo piso, distribuidores mercancías, de diversa intensidad de actividad, viales, puentes y subterráneos, en muchos de densidad inmobiliaria y de área de casos realizados y/o administrados por el influencia, que sustituyen a las centralidades capital privado nacional/extranjero, de cuota ampliadas del período de la industrialización y excluyentes, a partir de visiones pragmáticas y al poli centrismo de transición23 (Pradilla y y realistas impregnadas por la ideología Pino, [2002] 2004; Pradilla, Moreno y Márquez, neoliberal de la privatización de lo público. 2012a; Pradilla (coord.) y otros, 2012, cap. VI). Estas obras y sus efectos multiplicadores sobre Las determinaciones de este cambio el uso del auto, impactan negativamente estructural tenemos que encontrarlas en una sobre el funcionamiento del trasporte público, combinación compleja de factores, entre se convierten en barreras de fragmentación ellos: el crecimiento poblacional y físico de las socio-territorial, y afectan la vida cotidiana del ciudades que dispersa a la población en grandes sector mayoritario de la población. extensiones territoriales; las necesidades de Los peatones, en particular los niños, abasto comercial y de servicios en áreas cada mujeres embarazadas, discapacitados y vez más alejadas de la antigua centralidad; la ancianos, son los grandes olvidados por las respuesta privada y pública a este mercado de políticas de movilidad, transporte y vialidad: bienes y servicios territorialmente localizado; la cada vez más tienen que enfrentar barreras libre circulación internacional de mercancías y infranqueables como las vías rápidas y/o capitales; la multiplicación de formas terciarias confinadas, los segundos pisos y distribuidores como centros comerciales, tiendas en cadena viales, los subterráneos y puentes o los y franquicias; las nuevas formas urbano- elevados y distantes puentes peatonales; arquitectónicas desarrolladas por el capital el automóvil, el artefacto más icónico del inmobiliario-financiero nacional y trasnacional capitalismo industrial del siglo XX (¿y XXI?) que se ubican privilegiadamente en estos es el dueño absoluto de la calle y la ciudad corredores de flujos para apropiarse de las (Márquez y Pradilla, 2007). ventajas de aglomeración que allí se forman y/o Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 49 Emilio Pradilla Cobos contribuyen a formar; el dominio del automóvil sectores mayoritarios de trabajadores urbanos privado como medio de transporte urbano; y y acentúan la segregación socio-territorial. las políticas promocionales públicas que los Estas dos desigualdades implican que su consideran ámbitos de desarrollo económico papel en la modificación de aspectos diversos y urbano en la terciarización asumida como del funcionamiento estructural y de la vida vocación de las ciudades. Paradójicamente, los cotidiana urbana sea muy diferenciado y corredores terciarios también se convierten en desigual, lo que nos lleva a dejar de lado las lugares de concentración del comercio informal caracterizaciones generales, a veces propias en la vía pública cuando este es tolerado por de un futurismo sin sustento, y analizar los gobiernos locales, complementando al en lo concreto, en nuestra realidad, sus sector formal en el abasto de los compradores desigualdades y sus efectos específicos y pobres y los empleados formales de bajos particulares. ingresos que no pueden acceder a lo vendido por sus empleadores (Duhau y Giglia, 2008). La desigualdad social en la apropiación de las nuevas tecnologías La extinción de la planeación y la subordinación de las políticas urbanas al capital En el patrón de acumulación con intervención La introducción de los nuevos productos y estatal, la planeación urbana indicativa gozaba procesos resultantes de la aplicación del de legitimidad y contaba con los instrumentos, conocimiento científico y tecnológico, ha limitados, que se derivaban del papel que tenía sido muy desigual en los diversos sectores el Estado en la arquitectura de la actividad de la actividad urbana: por ejemplo, es muy económica, social y política. Sin embargo, su importante en los campos de la comunicación práctica real en el ordenamiento racional de 24 o la salud, la construcción y re-construcción de lo urbano menor pero notoria en el transporte, y muy fue limitada, insuficiente y con frecuencia poco significativa en el suministro de agua inadecuada para enfrentar el crecimiento potable o la eliminación de desechos líquidos urbano acelerado resultante de la acción y sólidos. individualizada, espontánea de los múltiples y trasmisión de la información La apropiación social de estas nuevas actores urbanos. tecnologías es muy desigual, tanto en su acceso Esa planeación no fue sistemática y como en su uso en los procesos productivos, continua en el tiempo; no se aplicó en todos de acumulación de capital o de reproducción los centros urbanos que la requerían; con social, de acuerdo a la ubicación de los sujetos frecuencia fue realizada por agentes privados en la estructura de clases y de distribución (consultores o despachos de urbanismo) del ingreso. Excluyen a sectores productivos, sin conocimiento de las lógicas políticas y comerciales o de servicios como las micro y sin capacidad de decisión; se pensó como pequeñas empresas, y en su adquisición y uso a plan documento estático y no como proceso 50 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina permanente y dinámico; careció de una base científica de análisis de la problemática a resolver; cuando existió, se modificó cada vez que cambiaba el gobierno por lo que careció de continuidad; se subordinó a los intereses de los sectores sociales hegemónicos y del capital inmobiliario; no incluyo la participación ciudadana como elemento de validación y aceptación social; careció Todas aquellas acciones, prácticas o discursivas, que llevan a cabo los distintos poderes del Estado (Ejecutivo, Legislativo, Judicial, militar) en diferentes campos de la actividad económica, social, política, territorial, cultural, etcétera, que tienen efectos directos o indirectos, temporales o duraderos, sobre las estructuras y el funcionamiento de las ciudades. (Pradilla, 2009, p. 198) de los instrumentos de acción suficientes y Las políticas urbanas de los gobiernos adecuados a la problemática a enfrentar y a su locales, poco diferenciadas en términos aplicación, particularmente ante las acciones de la ideología declarada de los partidos irregulares de los promotores inmobiliarios gobernantes, se han hecho pragmáticas para las clases medias y altas y los ocupantes y y en ocasiones banales, 26 responden a los autoconstructores del sector popular (Pradilla, imperativos neoliberales, ideológicos o 2009, pp. 201 y ss.). reales, del libre mercado, la globalización, la En el patrón neoliberal de acumulación, competitividad entre ciudades, la rentabilidad desapareció esta legitimidad ante la ideología del territorio, la vocación terciaria, la y la política dominaste: la desregulación de la conectividad, la movilidad, la gobernanza, vida económica y social, el adelgazamiento etc. En realidad, se someten a las razones del Estado, su cambio de función de o dictados del capital y sus cabilderos: a la interventor a facilitador de la acción privada, privatización y la mercantilización creciente la libre iniciativa y el libre mercado como de lo urbano, a la rentabilidad de los negocios formas de funcionamiento de la economía urbanos, al capital inmobiliario-financiero en el territorio, el fortalecimiento del capital como fracción dominante en la producción de inmobiliario-financiero nacional y extranjero lo urbano y sus intervenciones, a los intereses en el marco del libre flujo internacional de de las trasnacionales automotrices, etcétera, capitales, y el nuevo protagonismo del capital aunque tengan que afectar más a los sectores privado (Pradilla, 2009, pp. 205 y ss.). Aunque mayoritarios o, aún, a sectores medios y altos se mantenga la elaboración de planes de en sus barrios y colonias. desarrollo urbano por cuestiones legales25 o de legitimación discursiva e ideológica, su eficacia y operatividad se desvanece en el aire ante las nuevas condiciones de operación del Estado Las dinámicas de los movimientos sociales en las metrópolis capitalista en el neoliberalismo. De hecho, tanto en el intervencionismo A pesar de la agudización de las contradicciones estatal como en el neoliberalismo, lo que ha sociales urbanas, los movimientos urbanos operado y opera son las políticas urbanas populares se han debilitado relativamente, muy entendidas como: desigualmente en el tiempo y el territorio según Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 51 Emilio Pradilla Cobos los países y ciudades, en lo que se refiere a sus el desplazamiento del discurso político, la reivindicaciones históricas de tierra, vivienda investigación y las prácticas sociales, de los y servicios, bajo los impactos del cambio de movimientos como procesos colectivos, hacia función del Estado, el clientelismo político sobre la participación ciudadana, individualizada, todo de los partidos locales “de izquierda”, las controlada y restringida por el Estado y sus nuevas políticas asistencialistas de vivienda, o regulaciones, sin que este le otorgue un papel la presencia y prácticas desmovilizadoras de decisorio en la gestión urbana, dominada muchas ONGs; sin embargo, aparecen también por burocracias políticas neoliberalizantes; nuevas causas urbanas para su movilización este desplazamiento busca debilitar a los como la reivindicación del derecho a la ciudad, movimientos sociales clasistas, al tiempo o la defensa ante los mega-eventos y sus que evadir la toma de conciencia de una impactos sobre la vivienda popular en Brasil en participación que trasforme a la sociedad y los años 2012 y 2013. la ciudad. 27 La novedad actual es que la articulación estrecha entre gobiernos locales y capital inmo biliario -f inanciero, en los me ga proyec tos urbanos públicos y privados La violencia y la vida cotidiana en la ciudad (grandes conjuntos de usos múltiples y/o cerrados, vialidades confinadas y elevadas, En las tres décadas transcurridas desde la inmuebles y complejos para los mega-eventos, gran crisis económica de 1982, las ciudades etc.), o en las intervenciones privadas de latinoamericanas se han hecho cada vez re-producción, renovación y verticalización más violentas, dando lugar a un imaginario urbana, afecta crecientemente a sectores social del miedo, sobre todo urbano, al medios y altos en sus lugares de vivienda y reconocimiento social de “espacios” del ha llevado a la integración de estos sectores, miedo28 y a modificaciones sustantivas de las puntual y fragmentádamente, a movimientos prácticas sociales cotidianas urbanas en función de oposición, a la vez, al capital inmobiliario de uno y otros: rutas de desplazamiento, y a los gobiernos locales (para la ZMVM, ver lugares de recreación, cierre de calles en áreas Pradilla, Moreno y Márquez, 2012b). de vivienda, multiplicación de inmuebles y En el período, se han operado dos unidades de vivienda cerradas y amuralladas, d e s p l a z a m i e n t o s si g n i f i c a t i v o s e n l a controles de policías privadas, uso de centros reivindicación y la confrontación social comerciales en lugar de la calle y las plazas por razones urbanas o urbanizadas. En públicas, etc. (Carrión, 2006). primer lugar, la aparición de múltiples Aunque no podemos caer en el movimientos interclasistas y/o sectoriales por simplismo lineal de asignar al neoliberalismo reivindicaciones y problemas nuevos como la como patrón de acumulación la causalidad del igualdad de género, la diversidad sexual, la fenómeno de la agudización de la violencia, exclusión social, la ecología, la discapacidad, si podemos constatar que ella ha ocurrido en la violencia urbana, etc. En segundo lugar, este periodo. 52 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina Se habla de la globalización de la nuevo, en una estructura compleja que suma delincuencia organizada en el narcotráfico, y potencia los problemas y contradicciones del el contrabando de armas y muchos otros pasado y el presente, así como las prácticas productos, el tráfico internacional de seres y políticas de los distintos actores según sus humanos, el secuestro de personas, etc., intereses, divergentes u opuestos. Aunque actividades por naturaleza violentas como el patrón neoliberal de acumulación ya ha lo ejemplifican los casos de Colombia en la mostrado sus deformaciones estructurales,29 década del ochenta o México en la actualidad. no es aún posible predecir su sustitución por Su alta rentabilidad y la masa de dinero otro, pues aún es sostenido por los países que mueven las organizaciones criminales, hegemónicos y los empresarios trasnacionales, articuladas trasnacionalmente, les permiten grandes beneficiarios de su carácter penetrar las estructuras políticas y estatales, especulativo y expoliador. usar la corrupción y mediante ella gozar de Lo que se mantiene es el imperativo y las amplios márgenes de impunidad. El incremento determinaciones de las relaciones técnicas y del desempleo, la multiplicación de la sociales del modo de producción capitalista, el informalidad, y la exacerbación de la pobreza, dominio y la explotación del trabajo asalariado en este período, nos permiten explicar por y otras clases dominadas, por el capital, como qué, donde y como encuentran las mafias a la base de la acumulación de riqueza; y por lo sus ejércitos de sicarios, como carne de cañón tanto, el carácter capitalista como lo general de sacrificable. Estas realidades nos explican las formas urbanas en los sucesivos patrones también la multiplicación de la delincuencia de estructuración. incidental, espontánea, que se registra en las Las calles de nuestras ciudades. ciudades capitalistas latinoamericanas que también han asumido diferentes estructuras y morfologías a lo largo de su historia, adquieren ahora las características, A manera de conclusión: lo nuevo y lo viejo, lo común y lo diferente en la lógica de estructuración urbana los rasgos generales del neoliberalismo. Sin embargo, a pesar de que comparten estos rasgos, no podemos confundirlas con las ciudades de las sociedades de los países hegemónicos en el mundo capitalista, porque ellos son formaciones sociales concretas Los países y ciudades de América Latina, se diferentes, con historias distintas, y porque estructuran y funcionan hoy, en términos ocupan una posición distinta, dominante, en la generales, siguiendo las determinaciones del cadena de depredación del mundo capitalista; patrón neoliberal de acumulación de capital, debemos, tenemos que explicarlas en su que tiene ya una edad de más de treinta años, particularidad social e histórica, sin caer en el el cual ha determinado una nueva fase de recurso fácil de utilizar las interpretaciones, su historia. En ella, lo viejo, lo heredado del validas o no, que explicarían a las ciudades pasado, se ha combinado y mutado con lo del capitalismo avanzado, y menos aún las Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 53 Emilio Pradilla Cobos mitologías neoliberales de moda, espuriamente nos remiten a las particularidades nacionales o, generalizadoras. aún, micro-regionales a su interior, resultantes A lo largo de este texto, que se sustenta de las particularidades que diferencian a una en la investigación original desarrollada formación social de otras, y sus desiguales por muchos investigadores urbanos grados y procesos de desarrollo. latinoamericanos, citados algunos, muchos Avanzar en una teorización válida para otros no debido a la dictadura del tiempo y las ciudades de América Latina, ha sido en el la extensión, hemos tratado solamente de pasado y lo seguirá siendo, un trabajo colectivo, articular entre sí algunas de las formas y a veces anónimo, acumulativo y necesariamente procesos económicos, sociales, ideológicos crítico, que no podemos desechar por motivos y territoriales, presentes en las realidades de actualidad, precisamente porque lo viejo y urbanas latinoamericanas, resaltando tanto lo nuevo se combinan en la realidad y, también, sus rasgos comunes como sus particularidades en su explicación. Es de lamentar y hay que y sus diferencias con las formas y procesos criticar que este esfuerzo latinoamericano sea urbanos que se han desarrollado en los países ignorado con demasiada frecuencia por los dominantes del capitalismo y, en algunos casos, investigadores de países desarrollados cuando sus propias diferencias. generalizan sus propias explicaciones al Los rasgos comunes a las diferentes mundo entero, por muchos de nuestros propios ciudades latinoamericanas nos permiten investigadores, y por las grandes editoriales construir una interpretación y teorización de lengua castellana o portuguesa también macro-regional, mientras que las diferencias dominadas por el capital trasnacional. Emilio Pradilla Cobos Universidad Autónoma Metropolitana – Unidad Xochimilco, División de Ciencias y Artes para el Diseño, Departamento de Teoría y Análisis. México DF, México. [email protected] 54 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina Notas (1) Entendemos por patrón de acumulación de capital, a la “arquitectura” que asumen los diferentes componentes estructurales de una formación social concreta en un período determinado y sus reglas de operación, para garan zar la reproducción simple o ampliada del capital. Estos patrones han cambiado, local y/o internacionalmente, en diferentes momentos de la historia del capitalismo, su desarrollo es desigual en diferentes formaciones sociales, y sus resultados y contradicciones también lo son. (2) Como veremos más adelante, las formaciones sociales la noamericanas no han sido, ni son, pasivas en esta relación; sus estructuras y actores sociales han actuado de una forma u otra en ella. (3) En los dis ntos grados de desarrollo determinados por la ubicación de la nación, la región y la ciudad en el patrón de acumulación vigente en ese momento. (4) En aras del debate teórico, podríamos incluir a las teorías burguesas que, desde el punto de vista del capital y los capitalistas, explican su lógica y la de la explotación de la fuerza de trabajo, desde las clásicas hasta las neoliberales. (5) Agregaríamos, en general, que la “modelización” de los procesos socio-territoriales es un ar ficio metodológico espurio, acien fico, para igualar, generalizar y eternizar estructuras y procesos que solo se constatan en casos par culares, históricamente datados. (6) Todo mito ideológico se asienta sobre algunos hechos de la realidad que se sistematizan, se generalizan, se magnifican y se convierten en verdad única e incontestable que no hay que comprobar por que forma parte de la ideología social dominante, aceptada por todos independientemente de su lugar en la estructura económica, social o polí ca, formando parte de la falsa conciencia. (7) Las llamadas economías emergentes, las del grupo BRIC, ejemplifican esta diferenciación del desarrollo capitalista entre los países dominados o atrasados. (8) La propiedad ejidal y la comunal de la tierra rural, restauradas en la Constitución de 1917, intransferibles e inalienables, se mantuvieron así hasta 1992 y tuvieron un papel fundamental en la forma que asumió el crecimiento urbano en el período 1940-1980. (9) Aunque consideramos este concepto inconsistente teóricamente, no conocemos otro alterna vo, ni lo hemos construido, por lo que lo usamos a regañadientes. (10) “Entendemos la ciudad-región como un gran sistema urbano uni o mul -céntrico, como una trama densa pero no necesariamente con nua, de soportes materiales de infraestructuras y servicios, viviendas, ac vidades económicas, polí cas, culturales, administra vas y de ges ón, resultante de la expansión centrífuga de una o varias ciudades o metrópolis cercanas, que ar cula y/o absorbe a otros asentamientos humanos en su periferia o a lo largo de las vialidades y transportes que los unen y a las áreas rurales inters ciales; este conjunto está integrado como un todo único pero contradictorio, por una alta intensidad de relaciones y flujos permanentes de mercancías, personas, capitales, mensajes e informaciones; en esta trama, la localización de ac vidades es rela vamente indiferente en la medida que sus lugares comparten los efectos ú les de aglomeración y las ventajas compara vas” (Pradilla, [1998] 2009, p. 263) (11) El libro de Samuel Jaramillo desarrolla en forma sistemá ca, rigurosa y precisa el funcionamiento de las rentas del suelo agrario, su transformación en rentas urbanas y las formas que asumen estas en la ciudad capitalista de hoy, y en par cular en la ciudad la noamericana. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 55 Emilio Pradilla Cobos (12) Por ejemplo, en la legislación que define al subsuelo, a las corrientes de agua, o a determinadas erras como propiedad de la nación. (13) La larga duración del proceso construc vo de los inmuebles derivada de su ubicación en un si o determinado, como proceso de ensamblaje y el bajo desarrollo de las fuerzas produc vas en el sector; y el largo período de recuperación del precio de producción del inmueble por su alto costo, lo que implica la presencia de un agente financiero diferente al promotor inmobiliario: la banca hipotecaria (Pradilla, 2012). (14) Ver el conjunto de trabajos sobre São Paulo, Buenos Aires, Ciudad de México, San ago de Chile y otras ciudades la noamericanas incluido en la compilación de Pereira (2011). (15) Entregado periódicamente en dinero al trabajador por el empleador. (16) Recibido por el trabajador mediante los servicios públicos estatales subsidiados: agua, energía, transporte, educación, salud, etc. (17) Recibido como prestación social o derecho cuando las condiciones del trabajador lo exigen o permiten, como vivienda, salud, servicios funerarios, etc. (18) La intensidad en su aplicación fue mucho mayor en las décadas de los 80 y 90, cuando se aplicaron simultánea e intensivamente en todos los países, con frecuencia por gobiernos dictatoriales; disminuyó su intensidad en la primera década del siglo XXI en algunos países gracias en parte a la presencia de gobiernos democrá cos y/o de izquierda, discursivamente an neoliberales. (19) Sobre este tema, en lo teórico y factual, ver el trabajo de Francisco Saba ni (2003). (20) Para el caso de la ZMVM, ver: Rubalcava y Schteingart (2012) y Pradilla (coord.) (2013). (21) Una mayoría de automóviles privados subu lizados satura las vialidades y el tránsito, circulando o estacionados, pero transporta a una minoría de los viajeros urbanos. (22) En cada ciudad, iniciando en Curi ba, Brasil, se le ha dado una denominación dis nta a este sistema. (23) Hemos llevado a cabo trabajos empíricos sobre la Zona Metropolitana del Valle de México y observaciones sobre otras ciudades mexicanas que confirman nuestra hipótesis; también los recorridos realizados en algunas metrópolis latinoamericanas nos sugieren que ocurre algo similar en estadios diferentes de desarrollo, para las que habría que llevar a cabo estudios empíricos para confirmarlo. (24) No compartimos las versiones teórico-analíticas que asignan al cambio tecnológico en la informá ca un papel central en la organización social en su conjunto y en la ciudad (modo de producción informacional, sociedad de la información, ciudad imformacional, cibercity, etc.) por considerarlas teóricamente insustentables, no coincidentes con lo real, y preñadas de determinismo tecnológico. (25) En México, por ejemplo, se man ene vigente la Ley de Planeación Democrá ca aprobada en 1983, cuando se iniciaban las reformas neoliberales que la harían ineficaz, la cual contiene la obligación de cada nuevo gobierno Federal, Estatal o Municipal de elaborar Programas Generales de Desarrollo y de Desarrollo Urbano. (26) Poco significa vas en relación con los problemas socio-territoriales a enfrentar, o simplemente resultantes de las modas o mitos del la modernización neoliberal. (27) Sobre estos temas, es muy significa vo y ú l el trabajo crí co de Sergio Tamayo (2010). 56 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina (28) Ciudades enteras consideradas violentas, incluidas en rankings mundiales, como Ciudad Juárez o Monterrey en México, o ámbitos territoriales como los Centros Históricos en general, las favelas en las ciudades brasileñas, Tepito o partes de la Delegación Iztapalapa en la ciudad de México, el bronx bogotano, por ejemplo. (29) La generalizada y profunda recesión económica de 2008-2009, aún no superada, es una muestra de estas deformaciones estructurales y, también, de cómo se cargaron sus costos a todos los ciudadanos a través de los “rescates” gubernamentales de grandes bancos, fondos de inversión, monopolios industriales trasnacionales, y empresarios de naciones enteras, como Grecia y otros (Rozo, 2010). Referencias ABRAMO, P. (2011). “O mercado de solo informal em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes ciudades brasileiras: notas para delimitar um objeto de estudo”. In: NATAL, J. (org.). Território e planejamento. Rio de Janeiro/IPPUR, URFR, UFRJ/Letra Capital. CALDERON COCKBURN, J. (2006). Mercado de Ɵerras urbanas, propiedad y pobreza. Lima, Peru, Lincoln Ins tute of Land Policy, Sinco Editores. CARRIÓN MENA, F. (2006). La inseguridad en la ciudad: hacia una comprensión de la producción social del miedo. EURE, n. 97. San ago, Chile. CASTELLS, M. (1973). “La urbanización dependiente en América La na”. In: CASTELLS, M. (comp.). Imperialismo y urbanización en América LaƟna. Barcelona, Espanha, Gustavo Gilli. CASTRO, J.; COULOMB, R.; LEÓN, P. e PUEBLA, C. (2006). “Los desarrolladores y la vivienda de interés social”. In: COULOMB, R. e SCHTEINGART, M. (coords.). Entre el Estado y el mercado. La vivienda en el México de hoy. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Azcapotzalco y Miguel Ángel Porrúa. COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE (CEPAL) (2004). Una década de desarrollo social en América LaƟna 1990-1999. San ago de Chile, Organización de las Naciones Unidas. ______ (2013). Estudio económico de América LaƟna y el Caribe 2013. San ago de Chile, Organización de las Naciones Unidas. DEMATTEIS, G. (1998). “Suburbanización y peri urbanización. Ciudades anglosajonas y ciudades la nas”. In: MONCLUS, F. J. (ed.). La ciudad dispersa. Suburbanización y nuevas periferias. Espanha, Centre de Cultura Contemporánea de Barcelona. DUHAU, E. (1998). Habitat popular y políƟca urbana. México DF/México, Miguel Ángel Porrúa y Universidad Autónoma Metropolitana-Azcapotzalco. ______ (2008). Los nuevos productores del espacio habitable. Ciudades, n. 79. México DF/México, Red Nacional de Inves gación Urbana. DUHAU, E. e GIGLIA, A. (2008). Las reglas del (des)orden: habitar la metrópoli. México DF/México, Siglo XXI y Universidad Autónoma Metropolitana-Azcapotzalco. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 57 Emilio Pradilla Cobos EIBENSCHUTZ HARTMAN, R. e ESCOBEDO, C. G. (coords.) (2009). Estudio de la integración urbana y social en la expansión reciente de las ciudades en México, 1996-2006: dimensión, caracterísƟcas y soluciones. México DF/México, Cámara de Diputados/Sedesol/UAM-Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa. EIBENSCHUTZ HARTMAN, R. e BENLLIURE B. P. (coords.) (2009). Mercado formal e informal de suelo. Análisis de ocho ciudades. México DF/México, UAM-Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa. FERREIRA, J. S. W. (coord.) (2012). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo. GUILLÉN ROMO, H. (1997). La contrarrevolución neoliberal. México, Era. HARVEY, D. [1973] (1978). Urbanismo y desigualdad social. Madri, Siglo XXI. ______ [1982] (1990). Los límites del capitalismo y la teoría marxista. México, Fondo de Cultura Económica. ______ [2000] (2003). Espacios de esperanza. Madri, Akal. JARAMILLO GONZÁLEZ, S. (2009). Hacia una teoría de la renta del suelo urbano. Bogotá, Universidad de los Andes. KALMANOVITZ, S. (1977). Ensayos sobre el desarrollo del capitalismo dependiente. Bogotá, Pluma. ______ (1982). Cues ones de método en la teoría del desarrollo. Comercio Exterior, v. 32, n. 5. México, Bancomext. MÁRQUEZ LÓPEZ, L. e COBOS, E. P. (2004). Estancamiento económico, desindustrialización y terciarización informal en la Ciudad de México, 1980-2003, y potencial de cambio. InvesƟgación y Diseño, n. 1. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco. ______ (2007). Ciudad de México: el automóvil contra el transporte público. InvesƟgación y Diseño, n. 4. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco. ______ (2008). Desindustrialización, terciarización y estructura metropolitana: un debate conceptual necesario. Cuadernos del CENDES, n. 69. Caracas, Universidad Central de Venezuela. MARX, K. [1857-1858] (1972). Elementos fundamentales para la crí ca de la economía polí ca. Borrador, v. 2. Buenos Aires, Siglo XXI. ______ [1867] (1975). El Capital. México, Siglo XXI. PEREIRA, P. C. X. (org.) (2011). Negócios inmobiliários e transformaciones sócio-territoriais em ciudades da América LaƟna. São Paulo, Universidade de São Paulo. POLANYI, K. [1957] (2001). La gran transformación. Los orígenes políƟcos y económicos de nuestro Ɵempo. México, Siglo XXI. PORTES, A. e ROBERTS, B. R. (2005). “La ciudad bajo el libre mercado”. In: PORTES, A.; ROBERTS, B. R. e GRIMSON, A. (eds.). Ciudades laƟnoamericanas. Un análisis comparaƟvo en el umbral del nuevo siglo. Buenos Aires, Prometeo Libros. 58 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina PRADILLA COBOS, E. (1981). Desarrollo capitalista dependiente y proceso de urbanización en América La na. Revista Interamericana de Planificación, v. XV, n. 57. México, Sociedad Interamericana de Planificación. ______ (1984). Contribución a la críƟca de la teoría urbana. Del espacio a la crisis urbana. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco. ______ (2009). Los territorios del neoliberalismo en América LaƟna. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa. ______ (2010a). Mundialización neoliberal, cambios urbanos y polí cas estatales en América La na. Cadernos Metrópole, n. 24. São Paulo, Educ. ______ (2010b). Teorías y polí cas urbanas: ¿Libre mercado mundial o construcción regional? Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 12, n. 2. São Paulo. ______ (2011). “Zona Metropolitana del Valle de México: una ciudad baja, dispersa, porosa y de poca densidad”. In: COBOS, E. P. (comp.). Ciudades compactas, dispersas, fragmentadas. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa. ______ (2012). Formas producƟvas, fracciones del capital y re-construcción urbana en América LaƟna. México, Universidad Autónoma Metropolitana. PRADILLA COBOS, E. e HIDALGO, R. A. P. [2002] (2004). Ciudad de México: de la centralidad a la red de corredores urbanos. Anuario de Espacios Urbanos. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Azcapotzalco/Gernika. PRADILLA COBOS, E.; GALVÁN, F. M. e LÓPEZ, L. M. (2012a). ”Cambios económicos y morfológicos en la Zona Metropolitana del Valle de México”. In: DUHAU, E. (ed.). Ciudad de México: la construcción permanente de la metrópoli. Quito, Olacchi. ______ (2012b). “Changements économiques, sociaux et mor ologiques dans la zone métropolitaine de la Valée de Mexico (1980-2010)”. In: TELLIER, L-N. e VAINER, C. (comps.). Métropoles des Ameriques en mutaƟon. Quebec, Presses de l´Université de Quebec. PRADILLA COBOS, E. (coord.), CARPYNTEIRO, C. C.; FLÓREZ, L. O. D.; DIEGO, C. H.; CHAPA, F. G. N.; GALVÁN, F. DE J. M.; HIDALGO, R. A. P.; SANTIAGO DE LA CRUZ, C. e RÍOS, C. V. Zona Metropolitana del Valle de México: cambios demográficos, económicos y morfológicos. México, Proyecto Conacyt-UAM parte I, inédito. PRADILLA COBOS, E. (coord.), MEJÍA, H. B.; FLORES, L. O. D.; DIEGO, C. H.; ROBLES, F. F. M.; GALVÁN, F. DE J. M.; HIDALGO, R. A. P. e SANTIAGO DE LA CRUZ, C. Zona Metropolitana del Valle de México: cambios sociales. México, Proyecto Conacyt-UAM parte II, inédito. PUEBLA, C. (2002). Del intervencionismo estatal a las estrategias facilitadoras. Cambios en la políƟca de vivienda en México. México, El Colegio de México. RAMÍREZ VELÁZQUEZ, B. R. e COBOS, E. P. (comps.) (2013). Teorías sobre la ciudad en América LaƟna. México, Universidad Autónoma Metropolitana. ROZO, C. A. (2010). Caos en el capitalismo financiero global. México, Océano/Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 59 Emilio Pradilla Cobos RUBALCAVA, R. M. e SCHTEINGART, M. (2012). Ciudades divididas. Desigualdad y segregación social en México. México, El Colegio de México. SABATINI, F. (2003). La segregación social del espacio en las ciudades de América LaƟna. Washington, Banco Interamericano de Desarrollo. SALAMA, P. (2012a). Globalización comercial: desindustrialización prematura en América La na e industrialización en Asia. Comercio Exterior, v. 62, n. 6. México, Bancomext. ______ (2012b). ¿Cambios en la distribución del ingreso en las economías de América La na? Foro Internacional 209, LII. SINGER, P. (1973). “Urbanización, dependencia y marginalidad en América La na”. In: CASTELLS, M. (comp.). Imperialismo y urbanización en América LaƟna. Barcelona, Gustavo Gilli. TAMAYO, S. (2010). CríƟca de la ciudadanía. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Azcapotzalco/Siglo XXI. TOKMAN, V. R. (2007). Informalidad, inseguridad y cohesión social en América LaƟna. San ago de Chile, Cepal. VALENZUELA FEIJOO, J. (1991). CríƟca del modelo neoliberal. México, Facultad de Economía, UNAM. WALLERSTEIN, I. [1983] (1988). El capitalismo histórico. México, Siglo XXI. Texto recebido em 31/out/2013 Texto aprovado em 20/nov/2013 60 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana. Obstáculos epistemológicos en políticas urbanas argentinas* Words and things in the Latin American city. Epistemological obstacles in Argentinean urban policies Ana Núñez Jorge Roze Resumen El artículo invita al debate sobre los procesos de producción de saberes, teorías y marcos conceptuales que operaron y operan en el conocimiento sobre la ciudad latinoamericana, junto a la formulación de políticas urbanas. Nos adentramos, fundamentalmente, en la constitución de las categorías dominantes que operan en la reflexión, y la construcción de pseudonecesidades como políticas urbanas. Abordamos la revisión de las bases epistemológicas de este pensamiento, hacie n d o o b s e r va b le sus limit a cio n e s , y proponemos un retorno a un conjunto de reflexiones, presentes en las investigaciones que venimos desarrollando desde fines de la década de 1980, ancladas empíricamente en dos ciudades intermedias argentinas. Abstract We propose a discussion about the processes of production of knowledge, theories and conceptual frameworks that have operated and will operate in the construction of knowledge about Latin American cities, together with the formulation of urban policies. We focus on the constitution of the dominant categories that influence the reflection and construction of pseudo-needs as urban policies. We approach the revision of the epistemological foundations of this thought, carefully observing their limitations, and propose a return to a set of reflections present in the research that we have been developing since the late 1980s in medium-sized cities in Argentina. Palabras claves: procesos de conocimiento; obstáculos epistemológicos; estilos investigativos; fetichismos; políticas urbanas. Keywords: knowledge process; epistemological obstacles; investigative st yles; fetishism ; urban policies. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Ana Núñez, Jorge Roze Introducción “El pensamiento surge desde el lugar donde se halla el cuerpo: acomodado, o en conflicto”. Eduardo Rosenzvaig (2004, p. 175) A los efectos de ejemplificar la brecha entre teorías y realidad de la investigación que denominamos como “normal”, en la segunda parte ponemos en movimiento dichas categorías a partir de su anclaje empírico en dos políticas urbanas, desenvueltas en dos ciudades intermedias argentinas. La Este texto plantea una invitación a debatir selección de dichas políticas, las luchas por sobre los procesos de producción de saberes, y con el agua y el saneamiento, en Mar del teorías y marcos conceptuales que operaron Plata, y la construcción de defensas, en torno y operan en el conocimiento de las ciudades a las inundaciones, en Resistencia,1 tiene su latinoamericanas, en general, junto a la fundamento no sólo en la potencialidad de formulación de políticas urbanas en dos su matriz teórico-metodológica y empírica ciudades intermedias argentinas, en particular. para sostener nuestros argumentos, y pensar Nos adentramos en aspectos particulares de las políticas urbanas, sino que han sido esas teorías. Uno de ellos, vinculado con el reconstruidas históricamente por los autores dominio de los estudios sobre las metrópolis, de este texto, pues atraviesan axialmente las donde los problemas urbanos son tratados condiciones de vida de nuestras sociedades. Por como problemas metropolitanos. Otro, sobre último, recuperar su historicidad, en términos la constitución de las categorías dominantes de mediciones cruciales, torna observables que operan en la reflexión, construcción de otros procesos explicativos de lo que se pseudonecesidades como políticas urbanas, denomina “política urbana”, soslayados por la y la fetichización de los sujetos operantes. Es bibliografía latinoamericana, en general. decir, su constitución en un sentido común que tiñe linealmente el pensamiento de los investigadores de la ciencia “normal” y sus derivados, y su emergencia como políticas Apertura del problema2 públicas. Para ello, abordamos en la primera Como planteáramos en un trabajo anterior parte la revisión de las bases epistemológicas (Núñez y Roze, 2011), dos estilos de búsquedas de este pensamiento, haciendo observable de explicación de la realidad parecen dibujarse sus limitaciones, y proponemos un retorno a en el ámbito académico argentino, donde un conjunto de reflexiones, presentes en las constituyen y son constitutivos tanto de lo investigaciones que venimos desarrollando que podríamos denominar el ámbito del desde fines de la década de 1980. Estas descubrimiento, conocimiento, saberes, así reflexiones emergen a partir de invertir y abrir como de las trayectorias, o, mejor dicho, las el problema investigativo y sus categorías, que carreras profesionales en lo que se denomina han operado hegemónicamente en la literatura “la investigación”, con éxitos disímiles entre especializada. los que se inscriben en uno u otro camino. 62 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana Caracterizaremos como “investigación nor mal” p or su c arác ter e x ten did o y existencia de nuestras poblaciones operantes en nuestras sociedades. dominante, aquella que se produce y reproduce En el ámbito de la práctica social, los en las estructuras fuertemente formalizadas, saberes, en distintos niveles de estatalidad, donde conceptos y teorías aplicables a las definen líneas de acción a través de programas, realidades locales tienen, en general, su origen planes, políticas, que afectan de forma directa en lo que se puede denominar los maestros de las condiciones de vida – y la vida misma – de las disciplinas, mayoritariamente provenientes grandes grupos de población. Los saberes del de los caracterizados como centros de hacer de los funcionarios, siempre derivados de excelencia del saber: universidades y centros la investigación normal, es decir, de las teorías de investigación dominantemente americanos de las verdades indiscutidas, se transforman y europeos estrechamente vinculados con las de un simple juego ético en la práctica grandes editoriales que alimentan sin crítica profesional a dar curso y reproducir las formas los saberes de nuestros maestros locales y el más inhumanas devenidas de un orden social conjunto de discípulos sostenidos con becas esencialmente injusto. de las agencias, universidades, fondos de programas. Empero, en ambos estilos investigativos hay que añadir ciertas prácticas bamboleantes Esta investigación normal, consume la entre uno y otro, según convenga a los casi totalidad de los fondos para investigación comisarios del saber. Estos teóricos olvidan la y formación, en tanto los miembros de las riqueza inagotable de la realidad; y olvidan que Comisiones Evaluadoras son tributarios de toda cosa es una totalidad de momentos y de este estilo de investigación donde el éxito de movimientos que se envuelven profundamente, las propuestas está asegurado por las líneas y cada uno de los cuales contiene otros trazadas en el largo proceso de colonización – momentos, otros aspectos, otros elementos que podríamos caracterizar como horizontal –, provenientes de su historia y de sus relaciones. al interior de las disciplinas en Argentina. Todo lo que proclama la superioridad de Al otro estilo de búsqueda de explicación una parte sobre la totalidad proviene de la de la realidad lo denominaremos como de alienación y de sus formas modernas (Lefebvre, “crítica conceptual”, compuesto por un 1971, 2011). conjunto de herejes que intentamos desafiar La literatura académica hegemónica, en esos saberes estructurados, lo que nos lleva a Argentina particularmente, y la investigación la búsqueda de nuevas explicaciones a través de base que la sustenta, independientemente de métodos, instrumentos, marcos teóricos y de las distint as per spe c tivas te órico - conceptuales. En general, el punto de partida metodológicas, articula obstáculos es la crítica de los saberes operativos en epistemológicos ( Bachelard, 1987) que el conjunto de la sociedad y la convicción, cercan un saber cosificado centrado en además, que esos saberes actúan como f ic ticias dicotomías ( centro / periferia ; obstáculos epistemológicos en la posibilidad de legal /ilegal; formal /informal; propietario / una explicación acorde con las condiciones de ocupante; público/privado) que, al mantener Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 63 Ana Núñez, Jorge Roze como inobservable la génesis social del han desaparecido, se han cosificado y problema, redunda en la materialización transformado en inobservables, es decir, donde fetichista de políticas reproductoras de la la tregua establecida por los sujetos aparece desigualdad social (Núñez, 2007, 2011, 2012; como el sistema institucional de ese momento: Roze, 2003). el orden, y, por ende, la política urbana como En otros términos, se ha ido aludiendo, un producto de actores sociales previamente implícita o explícitamente, a un patrón espacial constituidos (mercado, Estado, empresas...), “centro-periferia”, signado por un gradiente naturalizándola en apariencias fetichizadas decreciente en las condiciones sociales, urbanas (Cfr. Pírez, 1995; 2013). En otras palabras, y y de la intervención del Estado en medios de siguiendo a Elías (1982), se abandonaron las consumo social, proceso que se subsumió y preocupaciones teóricas por el estudio de los denominó, junto al de la autoproducción de procesos, tratando a los objetos sociológicos viviendas, como urbanización de la pobreza, como entidades cerradas e independientes sin suturar el hiato entre teoría social y espacio entre sí, omitiendo la conceptualización de las material (Roze, 1995). acciones y las relaciones sociales que vinculan Se trató, en la casi totalidad de los dichos objetos, sólo sentidas en trabajos estudios urbanos latinoamericanos, de una de campo de tipo etnográfico y análisis ficción homogeneizante de sujetos desposeídos documentales, de largo aliento ( Núñez, que viene promoviendo modelos acríticamente 1994, 2000, 2012). Siguiendo a Pradilla replicados de políticas desenraizadas de (2010, pp. 9-10 ), las visiones y políticas las prácticas sociales (Núñez, 2012). Esta importadas y fragmentadas disciplinarmente, naturalización y manera hegemónica de ha llevado a los investigadores a acuñar y abordar el problema, ha permanecido hasta reproducir conceptos (ciudad global, ciudad la actualidad y es realimentada por los informacional, ciudad dual, ciudad estallada, organismos y las agencias internacionales, etc.), que se generalizan y se reproducen tiñendo los diagnósticos y justificando acciones acríticamente en cualquier parte del mundo, que reproducen la desigualdad. referenciando en forma espuria, en nombre En ese contexto, del análisis de la de la globalización, homogeneizando procesos literatura académica, independientemente sociales e ignorando las particularidades de los momentos por los que atravesó y qué socio-territoriales, escamoteando el análisis dimensiones se jerarquizaron, las distintas de la totalidad social como articuladora de la perspectivas pueden vincularse, en general, segregación y la fragmentación, sin dar cuenta a partir de: a) un abordaje fragmentado y de sus causas estructurales (Pradilla, 2010, pp. sesgado; b) una matriz analítica espacio- 16-17; Núñez, 2000; 2012). temporal decreciente centro-periferia en E n s í n t e s i s, n u e s t r a c r í t i c a a l a las inversiones (o ausencias) del Estado, a construcción dominante del problema que su vez reificado, 3 en medios de consumo nos ocupa refiere a tres dimensiones: 1) una social; y c) los determinismos predominantes visión tecno-burocrática que constriñe los ejes muestran la resultante, en la que las fuerzas del debate a la naturalización de la escasez, 64 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana conduciendo la reflexión a la hegemonía de Se trata de reorientar la observación las obras; a materializar objetos, manteniendo sobre el movimiento de la sociedad, para tornar la génesis del problema como inobservable observable que aquella ficción homogeneizante (Cfr. Herzer, Pírez, et al., 1994); 2) aun los que oculta un proceso previo de expropiación, propugnan observar los aspectos socio-políticos por lo que debería hablarse de miserias de la del problema, construyen la identidad social urbanización (Núñez, 2012). del demandante (Castro, 1999), perdiendo de En efecto, ¿Cómo comprender, si no, el vista que, por un lado, no siempre y no toda crecimiento en profundidad y extensión de los carencia material se transforma en demanda denominados asentamientos precarios, que en social (por qué y cómo, nos preguntaríamos), la ciudad de Mar del Plata superan los 200? y, por otro, que la demanda y la apropiación ¿Cómo explicar que la tasa de crecimiento de de las respuestas a esa demanda es una de la población que habita en esa forma social de las formas en que la rutina burocrática, que extrema pobreza denominadas villas creció a descansa omnipotente e infinita sobre la un ritmo más de cuatro veces superior a la tasa propiedad parcelaria, dirá Marx (1998, p. 120), de crecimiento de la población total? Avances diluye, fragmenta y dispersa de esa manera la de actuales investigaciones en distintas lucha social (Holloway, 1994; Lefebvre, 1972, ciudades (Núñez y Ciuffolini, 2011), muestran 1976); y 3) a la ausencia del análisis sobre cuál que un alto porcentaje de los adjudicatarios es el contenido de la expresión de una lucha de de viviendas sociales no reside en ellas porque clases como lucha política, económica y teórica se han vendido hasta cuatro veces, y han (Marín, 1996). retornado a otro asentamiento; un 48% de En todo caso, la pregunta debería los hogares continúa sufriendo hacinamiento reformularse en términos de qué respuestas, a personal, un 24% padece hacinamiento qué demandas y de quién y dónde, para poder familiar, se abandona el trabajo por los costos desentrañar los mecanismos institucionales sociales y económicos que implica el traslado, que operan en la construcción y ordenación pérdida de fuentes de ingreso, se producen normativa de lo que “debe demandarse”. rupturas de relaciones sociales y construcción Concretamente, la desnaturalización de la de otras nuevas, muchas veces bajo la forma demanda conlleva a no considerarla sólo de conflictos de vección horizontal, cambios 4 un derecho, sino una condición esencial en los compor tamientos demográficos, del funcionamiento de las instituciones y su entre otras transformaciones. Es decir, las burocracia (Holloway, 1994). cifras e indicadores socio-habitacionales por Sucintamente, el problema ha quedado todos conocidos, sólo reflejan este proceso encerrado en una naturalización y poco feliz expropiatorio. Se trata de conocer la génesis esquematización que lo fractura en políticas, de los procesos que las generan, oculta bajo su enraizadas en arreglos formales, y necesidades, naturalización. enraizadas en arreglos informales (Cfr. Pírez, Pero argumentemos más detenidamente 2013), perdiendo de vista que todo límite, toda nuestra exposición. A mediados de la década frontera es una relación social. de 1970, concomitantemente con la crisis Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 65 Ana Núñez, Jorge Roze del modelo de acumulación fordista, se de la oferta y, posteriormente, del lado de produjo una ruptura epistemológica en los la demanda, reificando, en ambos casos, el estudios urbanos, a partir de la aplicación producto, el Estado y el mercado. de análisis basados en diferentes enfoques A partir de la década de 1990, las del materialismo histórico. En ese marco, el políticas de ajuste neoconservador, bajo espacio urbano se consideraba un componente denominaciones como la mercantilización de la producción y reproducción de las del consumo, la desregulación del mercado, relaciones sociales capitalistas (Lefebvre, la privatización de los servicios, la reforma 1969, 1972, 1976); de las dinámicas más del Estado y la descentralización, entre otros generales de la acumulación (Lojkine, 1979); procesos, colocaron los problemas urbanos y el locus de la reproducción de la fuerza de de manera muy diferente a las dos décadas trabajo (Castells, 1978),5 siendo la renta del anteriores, y reinsertaron como principal suelo la categoría explicativa de los diferentes tema de investigación en las ciencias sociales, costos de reproducción y de la división social la problemática del Estado, que había sido del espacio (Lipietz, 1979; Topalov, 1979; desplazada en la década de 1980 por estudios Yujnovsky, 1984). sobre la democracia y la sociedad civil. Así, los estudios urbanos Sin embargo, y coincidiendo con Oszlak latinoamericanos, en general, de la década de (1997), buena parte de esa literatura ha 1970 y comienzos de la de 1980, inscriptos en la omitido aspectos significativos, al evaluar corriente francesa de la sociología, movilizaron procesos de reforma sobre modelos de Estado mecanismos estructurales y de naturaleza deseables (Cfr. Herzer, et al., 1994). económica para explicar la conformación Asimismo, los programas de de la ciudad y las políticas urbanas, ya sea modernización del Estado y descentralización, asociándolos al modo de producción o al preconizados e impulsados por los organismos comportamiento económico de los agentes multilaterales de crédito, a través incluso de 6 sociales (Marques, 1997). A lo largo de la cursos de gestión urbana impartidos a través década de 1980, esos determinismos fueron del mundo (Stren, 2001, p. 10), y aceptados reemplazados por otros de nivel micro, e implementados por nuestros académicos y basados principalmente en los actores y los gobiernos de la región, se alimentaron de dos 7 movimientos sociales (Castells, 1988). procesos: 1) la revalorización del municipio; En ambos casos, coincidimos con el y 2) las privatizaciones. 8 Concretamente, análisis de Marques (1997) en que el punto “Ciudades y municipios son la base de ciego de la literatura fue el análisis del Estado, la estructura política de cualquier país en toda su complejidad, y, por ello, las políticas democrático” (Freire, 2001, p. xx); “En algunos urbanas eran explicadas como un producto aspectos importantes, un gobierno local es de procesos externos a él, predeterminadas análogo a un negocio. Proporciona servicios por las necesidades de reproducción del a sus clientes, los residentes. A su vez, los sistema capitalista, basando las reflexiones, residentes deben pagar por los servicios primero, en los procesos localizados del lado que reciben” (Bird, 2001, p. 164), o “...el 66 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana lenguaje de ´reinventar el gobierno´, y aplicar producto de la aplicación de los planes y las experiencias y cultura del sector privado al proyectos de las políticas neoliberales. No gobierno local (...)comenzó a tener coherencia se trata de lo mismo a otra escala, sino de (...)los administradores locales (con el apoyo problemas y fenómenos propios del tipo de de agencias internacionales tales como el configuración que la relación de la ciudad con Programa de Administración Urbana, UNCHS, su entorno, así como la dinámica de las clases UNDP y el Banco Mundial) comenzaron a populares, determina. llamarse “administradores urbanos” (Stren, 2001, p. 188). La ciudad informacional, los barrios cerrados de las burguesías aterrorizadas por En ese contexto, la política urbana y la sociedad que están creando, los shoppings, el Estado van a reaparecer, en los estudios ciudades mundiales, las megaciudades, los urbanos, pero acríticamente naturalizados archipiélagos urbanos... nos entretienen en 9 bajo el término de gestión, especialmente juegos de nuevas palabras, para mirar una 10 ciudad sin detenernos en los sujetos. En y la globalización (Pradilla Cobos, 2009, palabras de Balvé y Balvé (2005, p. 128), 2010), abonando lo que hemos dado en “el fetichismo de los cuerpos y las cosas llamar las miserias de la urbanización, a los organizadas en instituciones corporizadas, sean efectos de conceptualizar la imbricación de éstas sindicatos o movilizaciones, se convierte la mercantilización política, económica y en un obstáculo epistemológico en el proceso teórica, a la vez que problematizar, en una de conocimiento de la realidad”. de los medios de consumo colectivo, irónica inversión, la construcción de la tesis La ciudad, ámbito de enfrentamientos, hegemónica de urbanización de la pobreza lugar de relaciones, espacio de conflictos, (Núñez, 2007, 2012). alianzas, estrategias de supervivencia, se ha Precisamente, las perspectivas del estudio convertido en lugar describible en una práctica de las ciudades – asumiendo que las usinas de entomólogos. Como los “no lugares” la “no del pensamiento dominante en los ámbitos ciudad”. académicos latinoamericanos se importan Esa no ciudad es la ciudad sin de los centros de saber de las metrópolis –, multitudes. Es la ciudad que el pensamiento refieren al dominio de la reflexión sobre las posmoderno funda y refunda todos los días en metrópolis latinoamericanas, donde, al calco sus ilusiones de una sociedad sin trabajo, sin de los estudios de las ciudades globales, dejan masas, sin clases, sin sujetos. Nuestra ciudad de lado el conjunto de ciudades de porte medio latinoamericana es la antítesis, y entenderla es que alojan, en general, la mayor parte de la nuestro rumbo. población de América Latina. Resulta imposible Nuevos fenómenos, son los explicar – con las conceptualizaciones e emprendedores en Pymes11 que se expresan instrumentos de análisis con que se enfocan en le retorno al paisaje urbano de vehículos los problemas metropolitanos –, los fenómenos de tracción a sangre, particularmente carros que impactan, configuran y estructuran las tirado por caballos que circulan a lo largo ciudades intermedias latinoamericanas, del día por las calles céntricas de la ciudad Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 67 Ana Núñez, Jorge Roze en busca de objetos vendibles, madera para combustible, cartón, botellas, etc. D esde la per spec tiva ur banístic a y / o arquitectónica los nuevos espacios Las más avanzadas redes de la ciudad de sociabilidad urbana lo constituyen los informacional, que vinculan (y hacen parte de comedores comunit arios o los nuevos la globalidad) a la mayoría de la población asentamientos donde aparecen espacios tienen su nodos en las agencias internacionales comunes para la alimentación de los caballos. de crédito y llegan a los usuarios a través Lo que queremos poner de manifiesto son dos de programas de distintas instancias de la cuestiones: la primera, ya señalada, sobre el estatalidad bajo la forma de de reparto de cajas uso de las categorías analíticas en las modas de comida, alimentos en comedores escolares, sociológicas. La segunda, y más importante, y comedores comunitarios y, en los últimos que afuera de los circuitos globales de la años, tarjetas de débito, popularización de los información y el dinero, los comportamientos cajeros automáticos, como forma de pago de de los sistemas siguen leyes diferentes, de diversos planes y programas sociales. modo que debemos repensar la dinámica Así, la ciudad informacional y las de nuestras ciudades a partir de nuestros Tecnologías de Información y Comuncaciones hallazgos empíricos y emprender la aventura se nos aparecen en nuestro centro con una de teorizar por nuestra cuenta. notable cantidad de gente con teléfonos Nuestra propuesta es poner en celulares; los bancos y sus redes de cajeros interacción y movimiento los vínculos que automáticos, comercios de artículos de ver tebran tales relaciones, indisolubles computación, cabinas de telecentros, una al hablar de política urbana ; tornando gran empresa de servicios de computación de visibles los procesos de construcción social capitales mixtos y sin que quede mucho por de identidades 12 situándonos, para ello, enumerar los usuarios privados que intentamos en una perspectiva diferente que abra el ser intelectuales globalizados. problema, y partiendo de otra pregunta La mayoría de las escuelas han sido rectora preliminar ¿qué relaciones sociales equipadas con computadoras, pero muchas se ocultan, se construyen y destruyen, de ellas no tienen electricidad o no pueden detrás de la materialidad de los objetos? pagar maestros que enseñen computación a ¿Qué mecanismos de violencia invisible y los chicos, o las maestras, lejos de la cultura cotidiana operan detrás de la racionalidad informática prefieren que no se toquen para técnico-burocrática de una política urbana, que nadie las rompa. y a través de qué dimensión institucional? Tal vez, el único elemento que refleja Así, la política urbana que viene siendo grandes avances en la cultura mediática reificada en una aparente homogeneidad son los políticos y gobernantes, quienes han como producto, nuestra hipótesis de trabajo construido una virtualidad de su imagen y la repiensa como materia prima analítica de sus emprendimientos mientras más de un de las interconexiones en las prácticas tercio de la población está por debajo de la cotidianas de dominación, y como mediación línea de indigencia. de relaciones sociales.13 68 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana En otras palabras, transformamos lo Expresión, más o menos densa, en alguno de que se denomina política urbana, en luchas esos ámbitos centrales, pero nunca en forma sociales, desnaturalizando así la cosificada escindida (Marín, 1996). relación lineal entre “población que aumenta, Así, la perspectiva cambia si una ciudad que se expande y objetos escasos consideramos, como dice Lourau (1980, p. que, corriendo detrás, nunca llegan...” 123), que es el Estado el que nos analiza, el Y esto es lo que permitiría situar el Estado es nuestro inconsciente, a partir de conflicto en el conjunto de la sociedad, en un enfoque que propone reflexionarlo no la lucha de clases, ya que la producción sólo como objeto sino como instrumento de de lo social es ininteligible sin introducir la investigación (el proceso de estatalización), es noción de confrontación, de enfrentamiento, decir, abrirlo, transformarlo en un instrumento de luchas entre existencias...Se ponen en de conocimiento de las fuerzas reales que interacción, así, obediencia y resistencia como operan no sólo en el control sino en el los vínculos que vertebran el conjunto de proceso de construcción del orden social y, relaciones entre clases; de relaciones sociales por lo tanto, de identidades sociales que lo entre sociedad y espacio. sostienen y reproducen (Roze, 2001b, 2003b; Castro, 1999), porque: Abriendo categorías Cuando hablamos de política urbana, una El Estado es una simple película de legitimación sobre la superficie de las sociedades (...) El Estado es el Inconsciente... (Lourau, 1980, pp. 15-19) primera dimensión es el Estado. Pero “¿Se Porque así pareciera ser la forma en que puede analizar el Estado?”, se pregunta Lourau el Estado se nos revela en Marx y Engels, como (1980, pp. 24-25). La premisa básica es que una organización compleja, atravesada por sí es posible analizarlo pero, a partir de ahí, conflictos y luchas: lo que aparece son estudios, de las distintas alternativas, de reificación de un determinado Estado del poder (Lourau, 1980). Está ausente, diría este autor, en las interpretaciones corrientes, el análisis sobre Todas las luchas que se libran dentro del Estado (...) no son sino las formas ilusorias bajo las que se ventilan las luchas reales entre las diversas clases... (Marx y Engels, 1968 , p. 35) cuál es la fuerza que dispara, autoriza o legitima la modificación de las relaciones Esta visión dinámica permitiría articular sociales que condensan esa estabilización. teóricamente lo que se presenta en distintos Pareciera confundirse, en general, el resultado niveles de abstracción, considerando al Estado de la lucha con lo que el contenido de la lucha como un conjunto dinámico, cambiante, y transforma. Porque esa “emergencia” es, en conflictivo de relaciones entre clases, en todo caso, la expresión de una lucha de clases una determinada sociedad, que expresan como lucha política, económica y teórica. la dominación bajo formas aparentes de Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 69 Ana Núñez, Jorge Roze consenso, y a los aparatos del Estado como la forma visible en que esta relación se materializa (Roze, 2003b). Distinción útil, y necesaria, diría el Profesor Paul Bromberg, entre Estado y aparatos del Estado, que permite claridades que, de confundir los términos, no serían posibles14. No conocemos, hasta el momento, mejor operacionalización para avanzar y sortear estériles discusiones, y que nos ayude “Las corporaciones son el materialismo de la burocracia y la burocracia el espiritualismo de las corporaciones. La corporación es la burocracia de la sociedad civil; la burocracia es la corporación del Estado”; y más adelante, “La burocracia (...) es la ´conciencia del Estado´, la ´voluntad del Estado´, el ´poder del Estado´... “La burocracia es el círculo del que nadie puede escaparse a analizar las interconexiones en las prácticas cotidianas de dominación, naturalizadas en Así, esa dialéctica se va a explicar a partir apariencias fetichizadas. Concretamente, de la transfiguración de los intereses (particular creemos más fructífero empíricamente y más y general) y, en esta crítica, la burocracia, como fértil teóricamente, analizar los mecanismos institución de obediencia pasiva, sería una institucionales que dispersan, diluyen y forma de incapacidad para la lucha. fragmentan la lucha de clases, considerando La inversión del problema que al gobierno como el uso de esos mecanismos, proponemos reconoce su origen en que “No en el que compiten los partidos que expresan, existe inicialmente un sujeto, al que se ve, alternativamente, las fuerzas orgánicas propias se nomina, se analiza, y finalmente sobre el del capitalismo (Roze, 2003). que se despliegan un conjunto de acciones Empero, esas instituciones deben (de salvaguarda, de protección, de represión, ser leídas como construidas por fuerzas de exclusión, etc.) sino que las acciones sociales para librar las confrontaciones de que la sociedad ejerce y los procesos de las clases dominantes; instituciones políticas conceptualización con que se nominan, son e instituciones sociales (Marín, 1996), como los elementos configuradores del sujeto, ámbitos del régimen, es decir, de los defensores resultante de esas acciones”, en Roze et al. del orden social y jurídico institucional (Roze, (1999) y Roze (2003). 2003b), a través del interjuego por el cual se Es decir, postulamos que creando, intenta mantener el dominio de los intereses de manipulando y violentando identidades una clase sobre el conjunto. que sustentan un orden permanentemente Las formas en que se organizan estos naturalizado, se genera y nomina población intereses sociales y económicos particulares cautiva, objeto de diversas expropiaciones, desde la dominación capitalista, pueden ser a través de distintas formas de violencia, mejor comprendidas a través de Marx (1968, deambulando por la espacialidad social que pp. 59-61), cuando esclarece las relaciones se configura en una doble dimensión: una entre burocracia y corporación: estatalidad profunda y una estatalidad extensa 70 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana (Núñez, 2012)15. ¿Qué lazos sociales y políticos articulan la estatalidad profunda, (el blindaje16 hacia su interior), y la estatalidad extensa, su permeabilidad hacia y con el exterior? Mediciones cruciales, pseudonecesidades y pseudoidentidades ¿Cómo median las obras en la construcción/ destrucción de esos lazos? Porque, como dice Los estudios sobre política urbana, en general, Marx (1968, pp. 61-62): han abordado los vínculos y las relaciones El espíritu general de la burocracia es el secreto, el misterio guardado en su seno por la jerarquía y hacia fuera, por su carácter de corporación cerrada(...), es la lucha por los puestos más elevados; hay que abrirse camino (...) El burócrata ve en el mundo a un simple objeto de su actividad. entretejidos entre los sujetos involucrados como algo dado, cosificados, y con un énfasis excesivo en la corrupción y en el clientelismo, ambos en sus variadas formas, reificando la burocracia, los vecinos y las empresas, en términos de actores y escenarios. Por otra parte, aun cuando el municipio ha sido el ámbito social clave de las políticas Esta apertura del problema nos permite neoliberales, vehiculizando las reformas salir del círculo vicioso de la tesis hegemónica estructurales emanadas de los organismos de que hay sujetos pobres que se localizan en internacionales de crédito, se ha prestado poca suelos baratos, sin servicios de infraestructura, atención a las formas que asumen las alianzas en ausencia del Estado, desconociendo de las fracciones sociales dominantes locales, que su fuerza radica en poder disimularse y sus acciones, en tanto fuerza política que y, por ende, es esa ficción homogeneizante viabilizó el programa neoliberal. de sujetos desposeídos lo que permite, Por el contrario, las mediciones cruciales precisamente, la acción racionalizadota y (Roze, 1993; Núñez, 2012) refieren, por un justificatoria de los aparatos del Estado y los lado, a distintos ejes de análisis: a) a las intelectuales a la moda. En otros términos, la luchas sociales generadas en el proceso de escasez de equipamiento urbano evidencia el construcción de estructuras organizacionales enfrentamiento de las fuerzas sociales17 en la y su transformación (lucha política); b) a las apropiación de la ciudad y no la ausencia del luchas sociales entre fuerzas progresivas y Estado (Pereira, 1986). del régimen (lucha teórica); y c) a las luchas Ahora bien ¿cómo operacionalizar este sociales interburguesas (lucha económica). andamiaje teórico? A partir de mediciones En t anto a ) hace referencia a la cruciales, por medio de las cuales se hace creación de instituciones políticas, b) y c) a referencia a momentos del proceso social de instituciones sociales, que son atravesadas enfrentamientos, donde emergen los problemas transversalmente por a) y, por lo tanto, devenidos del juego de intereses, que se suponen también momentos diferentes expresan tanto en sus aspectos económicos, de articulación de alianzas de clase y de políticos como teóricos (Roze, 2003). confrontación (Marín, 1996). Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 71 Ana Núñez, Jorge Roze Por otro, a distintos ámbitos de análisis, por los autores de este texto, pues atraviesan que interrelacionamos y abrimos: a) el axialmente las condiciones de vida de nuestras ámbito político burocrático , el de cómo los sujetos definen situaciones de dominación y violencia a través del manejo de las instituciones, de la construcción de normas y de pseudoidentidades que generan población cautiva y excluida, de los dueños del saber y del hacer no se sabe cómo, dueños de las decisiones sobre las condiciones de vida de la mayoría de la sociedad, donde se organizan los intereses económicos y sociales particulares de la condición de dominación capitalista, el de los saberes legítimos, dominantes, que definen el orden de las personas y las cosas; b) el ámbito de la economía, de donde se construye la escasez de recursos económicos y se decide la transferencia que una parte de la sociedad realiza a otra; c) el ámbito de lo barrial, de identidades heterogéneas que oscilan entre la autonomía y la heteronomía, entre el consenso y la indefensión; la obediencia pasiva a la burocracia y la desobediencia; sus fracturas y controversias; y d) el ámbito de las empresas constructoras y su relación con el gobierno, los trabajadores y los vecinos, y la transfiguración de personificaciones. El anclaje empírico del trabajo, a los efectos de ejemplificar la brecha entre teorías y realidad de la investigación que denominamos como “normal”, lo constituyen las luchas por y con el agua y el saneamiento, en Mar del Plata, y la construcción de defensas, en torno a las inundaciones, en Resistencia,18 reconociendo que esta selección de dicho anclaje tiene su fundamento no sólo en la potencialidad teórico-metodológica y empírica para sostener nuestros argumentos, sino que constituyen dos políticas urbanas reconstruidas históricamente sociedades. 72 El punto de partida fue, en el primer caso, comprender la génesis urbana como un momento de la lucha de clases; como forma de resolver un conflicto interburgués, a través de un intercambio de favores y la emergencia del pueblo como un loteo privado aprobado por excepción en 1874 (Núñez, 1994, 2012), pero instaurando la mercantilización del suelo urbano y el orden de la propiedad privada. De aquí se construirán socialmente las pseudoidentidades de ocupante, clandestino, usurpador y otros. En ese desenvolvimiento, la génesis de una institución política como Obras Sanitarias de la Nación, en 1912, fue la forma de resolver un conflicto entre la Iglesia, los higienistas y la estatalidad, pero instaurando los límites del derecho al agua, creando las pseudoidentidades del usuario y el demandante. La bifurcación temporal de la manipulación de esta institución política por las diversas alianzas de clases que se la apropiaron, las fueron traduciendo en distintos dispositivos urbanos, tales como grifos públicos, bombas manuales, bombas eléctricas, etc. (Gráfico 1). En el marco de la confrontación histórica sobre la gestión del agua y el saneamiento de fines de la década de 1980, paradójicamente, el proceso de municipalización ha quedado relativamente soslayado en la literatura especializada, respecto del derrotero que han seguido las diversas formas de privatización. Además de esa invisibilidad, nuestra crítica refiere a que, por un lado, en la bibliografía consultada, aparece el momento de la Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana privatización y el estudio de ese proceso en distintas alianzas de clase que crearon, se términos de condiciones y/o consecuencias del apropiaron, manipularon y transformaron mismo, desde un enfoque, en nuestra opinión, una institución política para vehiculizar sus parcial, aun desde perspectivas teóricas intereses a través del agua y el saneamiento, diferentes. Particularmente en Argentina, construyendo y transfigurando distintas a pesar del lugar de privilegio en que las identidades sociales (Núñez, 2007, 2012). investigaciones en ciencias sociales ubicaron Con esta mirada teórica, genética a los servicios públicos en la década de 1990, y procesual, pudimos tornar observables lo hicieron de una manera fragmentaria y procesos históricos que trabajos sobre los sesgada, obstaculizando la mirada de una servicios públicos soslayan, y que explican, década aludiendo al paso de un servicio precisamente, una política urbana, de los bajo control público, a un servicio privado cuales mencionaremos sólo algunos: a) la no regulado. Se afirmaba que “las correas de creación del cerco urbano, de mediados transmisión entre uno y otro polo (público- de la década de 1930, que por ley limitaba privado) pudieron accionar por las usinas de espacialmente el espacio escaso para la pensamiento neoliberal, por una estrategia inversión pública de agua, condicionando la de cooptación y soborno al sindicato” (Loftus demanda legítima, y por fuera del cual, por y McDonald, 2001) y “por la ausencia de supuesto, la población comenzó a desplegar la sociedad en el proceso de discusión” una multiplicidad de estrategias de resistencia (Aspiazu y Forsinito, 2001). Se ignoraron, y de apropiación del agua. Estrategias de así, los obser vables que le otorgarían desobediencia al cerco, dentro y fuera de significación al proceso, al considerar la él, porque el límite no significó la inversión privatización como un punto de partida y de efectiva. Esto no es sino la construcción llegada, subsumiendo su complejidad en las estatal de la carencia,19 de población cautiva, precondiciones, condiciones y consecuencias que luego será clasificada y homogeneizada, de la participación del capital privado. Sin entre otras nominaciones, como clandestina, embargo, ni la sociedad ni el sindicato sujeta a nuevas expropiaciones; b) el ANDA, estuvieron ausentes en el conflicto por la que ya en 1944 transforma el servicio público transferencia de los servicios, iniciado antes en una ficción, 20 c) la AGOSN, 21 que intenta de 1980. En ese marco, la municipalización del vincular el adentro y el afuera del cerco con servicio de agua y saneamiento fue una forma extensiones atravesantes que supusieron de resolver un conflicto de cuatro años entre relaciones de propiedad y buena vecindad, gobierno y sindicato, que emergió como lucha para confluir en usuarios; d) en 1956, el económica, generando amenazas, chantajes e primer proyecto de privatización de OSN, indefensión a las fracciones sociales excluidas cuando Argentina ingresa al FMI y al BIRF, con de esa confrontación, bajo la forma de “falta la consiguiente apertura al capital financiero de agua” (Núñez, 2007, 2012). internacional, 22 derivando en la creación Siguiendo el Gráfico 1, lo que se conoce del SNAP (1964), 23 donde la alianza con la como OSN fue una sucesión histórica de burguesía extranacional va a permitir a los Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 73 Ana Núñez, Jorge Roze Gráfico 1 – Eje temporal de las bifurcaciones de OSN Fuente: Núñez (2007). 74 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana organismos internacionales conocer dos cartas la terciarización interempresarial; la fundamentales para el juego privatizador de asociación partido-empresa; la asociación 24 las constituciones provinciales y los inter-empresarial; la cartelización. Estas recursos hídricos subterráneos y superficiales relaciones, que nos hablan nuevamente de la de todas las provincias, neutralizando a complementariedad y los difusos límites entre otras fracciones sociales a través de un lo legal/ilegal, entre corrupción y colusión, nos tortuoso camino a la propiedad y al agua, abren los vínculos con los vecinos quienes, según capacidad de pago, e indefensión. también, desplegarán una multiplicidad de Indefensión que se profundiza a partir de estrategias, en defensa de sus condiciones de per versos procesos de construcción de reproducción, resignificando constantemente heteronomía, obediencia pasiva y anticipada, esa identidad, al combinar, en sus acciones, y subordinación. distintas personificaciones. Es decir, los vínculos 1990: En lo que denominamos estatalidad de la estatalidad extensa. profunda, hay que entrar en el espacio ¿Quién y cómo construye la demanda? social de la burocracia de la clase dominante ¿Cómo se establece el juego entre vocero y para encontrarnos con : la migración de representados? ¿Cómo se traduce este juego re cur s os y cono cimientos , té cnicos y en la relación con el campo político y hacia financieros, entre instituciones; la seducción, adentro del campo barrial, en una política captura, migración y desecho de técnicos y urbana?25 funcionarios entre instituciones, y entre éstas A veces, el vecino legítimo, opera y empresas constructoras; apropiación de como intermediario entre quien no tiene la cargos jerárquicos a partir de las prácticas propiedad del suelo y la empresa pública, heteronómicas de los partidos políticos; y construye solidaridades, intercambiando intercambio social clandestino entre el espacio capital económico por el trabajo del vecino público y el espacio privado (colusión); pauperizado. Concretamente, es el vecino absorción gradual y continua de intelectuales legítimo que personifica la empresa, a la vez orgánicos; lealtades que reproducen la que articula acciones para la valorización obediencia anticipada y subordinada ; económica y social del barrio, siendo también, funcionarios cautivos de los ilegalismos, un promotor. Otras veces, la estrategia de intermediarios de la alianza entre el gobierno, cartelización de las empresas, permite entablar las empresas y la universidad, entre otros negocios con el vecinalista, dando lugar a la vínculos. En otros términos, los lazos de lo que colusión y desplazando a la institución política. denominamos territorialidad burguesa. Es decir, es el vecino legítimo, dirigente barrial, A su vez, la heterogeneidad empresarial materializada en el territorio, expresa un que puede ser corrupto, y personificar a la empresa estatal, eludiéndola. conjunto de relaciones sociales que nos Esto lleva a profundizar la fractura hablan de una ficción jurídica de igualdad vecinal debido a que los costos se inflan, en las licitaciones. Algunas de ellas refieren llegando a la denuncia, de otros vecinos, de a la permeabilidad gobierno-empresa; la falsificación del contrato vecino-empresa. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 75 Ana Núñez, Jorge Roze En otros casos, se induce al vecino moroso a las empresas constructoras: “que trabajen los a que arregle con el abogado de la empresa desocupados del barrio...” constructora. Entonces, el vecino corrupto, En fin, las identidades sociales que se transforma en persuasivo legítimo de configuran las acciones en una política urbana, aquellos a quienes introdujo en un conflicto aparecen constantemente resignificadas. Las legal ilegítimo, en función de sus intereses personificaciones son trastocadas y generan particulares, personificando la legalidad. creencias que redefinen interacciones, vulneran Claro está que, otros vecinos, están relaciones sociales pre-existentes y constituyen nutridos de valores diferentes. Son los vecinos nuevas. En otras palabras, ejerciendo una legítimos que, sin cuestionar la heteronomía, violencia simbólica. están apegados a lo instituido y a la moral de la palabra, como capital simbólico, personificando al peticionante obediente pasivo. Pero la construcción compleja de la heteronomía a través de la palabra, de la promesa, crea el vecino capturado por el discurso del gobierno, Los vecinos confían más en un organismo del Estado conducido por políticos, que en un procedimiento autogestionario conducido por sus propios vecinos... (Entrevista a Carlos Katz, ExPresidente de la empresa municipal de agua) que se lo apropia y reproduce, entrando en el juego del campo político-burocrático, aun en Esta aterradora conclusión de un condiciones de máxima precariedad. En estos funcionario, ganado por la ignorancia, sólo intercambios, juega la imagen fetichizada puede apenas comprenderse en el contexto del vecino de creer que pertenece, por un de la compleja construcción de la heteronomía momento, al estado del poder. Es el vecino que hemos intentado objetivar, es decir, la cooptado, personificando un inspector, construcción de la argamasa de violencia y ocupando el lugar de un técnico, desplazado a obediencia en la que se anclan las situaciones su vez, por el funcionario. de dominio de una fracción social, sobre el La contracara, es la fracción social conjunto. que se opone a las obras, obstaculizando la De esta manera, se reproduce el urbanización, pero, a la vez, realimentando discurso oficial y se devela la función negada el desenvolvimiento de otras estrategias, de las instituciones y reproduciendo el orden apropiándose de la potencial renta diferencial y dominante. de la valorización económica y social del barrio, Si en el caso de los servicios públicos aportada por otros vecinos. Nos referimos al hemos visto cómo la vaporosa indefinición de vecino ausente y el vecino terrateniente. la estatalidad profunda y extensa explica la También, la desocupación del otro, provisión selectiva de agua y saneamiento, en su estigmatización, se transforma en el caso de las defensas contra la inundación la moneda de cambio que permite optimizar explican como una pseudonecesidad.26 las propias estrategias de acumulación de Acuñamos ese término a los efectos de capital económico. Es el vecino legítimo que escapar de los encierros que nos planteaban personifica la autoridad legítima, desplazando los conocimientos que la ciencia normal había 76 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana construido como “saberes” alrededor de las sus resultados y consecuencias llevadas inundaciones. adelante tanto por las poblaciones como los Desde la ciencia normal se hacían diversos aparatos institucionales para enfrentar presentes cuatro saberes vinculados con las consecuencias del desborde de las aguas “lo social” – más allá de las “exactitudes” del Río Paraná. de los saberes técnicos o los haceres de los Acciones codificadas, repetitivas, – saberes de la decisión – que buscaron aportar que a lo largo del período permanecen, se a la cuestión. Referían a: 1) la evaluación modifican, o son reemplazadas por otras –, socioeconómica, 2) las estadísticas sociales, de cómo plantear y resolver los problemas 3) la etnografía de la prensa, 4) el saber en derivados del fenómeno natural del desborde auxilio de la reparación. Todos ellos, con de los ríos. un fuerte acento de lo local, por lo que, a Estas acciones produjeron una parte partir de la trascendencia de la catástrofe de lo social, produjeron sujetos, produjeron en 1982-983, nuevamente el saber experto, individualizaciones; produjeron el inundado, hegemónicamente concentrado en Buenos como identidad, como cuadrícula de sujetos Aires, se traslada a prestar colaboración, cuya conducta se nutre de sus estrategias bajo la forma de un equipo de la Comisión de de supervivencia y aquellas esperadas por Estudios Urbanos y Regionales, del Consejo quienes se asumieron dueños del saber de lo Latinoamericano de Ciencias Sociales – público. CLACSO. Catástrofe y encierro, sintetizados Con algún financiamiento, con el en el albergue, fueron los elementos que prestigio y el saber de la corporación determinaron el ámbito de la manufactura latinoameric ana y el e sf uer zo d e los de esta identidad, el lugar donde se hicieron intelectuales locales, – que prestan su observables y observadas las cotidianeidades información a cambio de alguna participación de la pobreza. – se organiza el Saber, con mayúscula, Hemos privilegiado y particularizado los que en última instancia no fueron sino las procesos de conocimiento, reflexionando sobre teorías de los países del norte, prolijamente el saber de las inundaciones. Hemos mostrado traducidas y aplicadas a la situación local que es una larga construcción, producto de (Cfr. Caputo, Hardoy, Herzer y Vargas, 1985; la diseminación social de un conjunto de Caputo y Herzer, 1987; Herzer, 1990). Lo más pensamientos perversos de quienes tuvieron la sobresaliente de las conclusiones del seminario hegemonía del discurso. fueron que “cuando más débil es la estructura Quienes tuvieron y tienen la decisión política, económica y social de una sociedad, y el saber para paliar sus efectos, han mayor es el impacto de la catástrofe” ( Diario Norte, viernes 20-5-1983, p. 4). Ante tanta pobreza conceptual en relación con el fenómeno, estudiamos para cinco situaciones de catástrofes, las acciones, fundado su acción en un conjunto de Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 falacias que estructuraron socialmente una pseudonecesidad. Dicha pseudonecesidad, a lo largo de más de 50 años de enfrentar el problema, tomó 77 Ana Núñez, Jorge Roze la forma de la imperiosa necesidad de construir L a ciu d ad sin d e fe ns as , hu bie ra un rígido sistema de defensas materializado en autoorientado su crecimiento hacia las obras. Así, las falacias que la sustentaron fueron zonas sin afectación; ya por los mecanismos tres: 1) las defensas como única alternativa, 2) propios del mercado, o por las decisiones de que no hay otro saber que el saber técnico, 3) los técnicos que necesariamente deberían que no existen soluciones surgidas de lo local. orientarse hacia las zonas altas. Respecto de la primera, la concepción Sobre la falacia de que no hay otro de las defensas definitivas de la ciudad de saber que el saber técnico, vimos que a Resistencia, planteadas como un gigantesco la par del despliegue del saber técnico de recinto producto de un conjunto de grandes controles estructurales de las inundaciones y obras, constituyó desde su concepción un de cualquier otro tipo de catástrofe a través obstáculo a pensar otro tipo de alternativa y de grandes obras, se fueron desarrollando un bloqueó toda forma de reflexión acerca de la conjunto de saberes respecto de la prevención ciudad. de la catástrofe vinculados con la introducción La necesidad de defensa se ha de acciones racionales en las acciones de constituido como una necesidad “natural” control de asentamientos, en la construcción para la existencia de la ciudad de Resistencia. de edificios, en el tratamiento de los territorios Transformar una cuestión propia de como las llanuras inundables. lo social en “natural” conlleva, entre otras L a emergencia de estos saberes, conclusiones, a su inevitabilidad, así como fueron producto, particularmente, de las también a hacer inobservable su origen, ya que consecuencias no buscadas de las grandes por su naturaleza, se ha generado con la propia soluciones que constituyeron paradigmas ciudad. del saber tecnológico en el control de la La primer falacia – la más difícil de naturaleza, como lo fueron las grandes obras refutar – es acerca de la necesidad misma de hídricas de la cuenca del Rió Mississippi y los defensas. grandes ríos de los EE.UU. 27 ¿Para qué las defensas? El primer Emergieron, también, de la búsqueda de señalamiento que queremos hacer, es que soluciones en situaciones donde los ingentes la concepción de defensas definitivas, actuó gastos en grandes obras constituían una como una profecía que se autorrealiza. Desde utopía y las soluciones debían buscarse con el momento que se planteó que si no se procesos de adecuación a los fenómenos construían defensas definitivas Resistencia naturales. agonizaría con las inundaciones, se pusieron Esos conocimientos, no fueron privativos en marcha mecanismos que hicieron de los de unos pocos, sino que se plantearon como desbordes una catástrofe o se impidieron patrimonio de la humanidad, a través de que se pusieran en marcha los mecanismos los organismos internacionales. El saber autocorrectivos propios de una estructura técnico respecto de las catástrofes no puede sistémica (García; Inhelder, Volnéche, [1977]) ignorarlos, alegando algún tipo de aislamiento ¿A qué nos estamos refiriendo? o dificultad de acceso a la información. La 78 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana orientación del saber es una elección. Lo Una solución a las inundaciones rurales, universal apareció de la mano del lucro de los propuesta en el mencionado seminario que consultores, y se instaló dejando de lado toda consistía en que los productores instrumentaran otra alternativa. Esa situación aún es presente. sistemas locales de defensas, pequeños Por último, la falacia de que no existen terraplenes que podían ser realizados con soluciones surgidas de lo local. Otra vertiente sus máquinas o de sus vecinos, quedó como posible como respuestas a las inundaciones una anécdota de intelectuales y de expertos a lo largo de este período de recurrencia, fue agropecuarios encerrados en sus experimentos. la emergencia de los saberes locales, como (Neif, Patiño y Orfeo; 1987). resultado del ingenio, la acción o la práctica de los afectados, o como preocupación intelectual de los técnicos atentos a nuevas alternativas frente al fenómeno. Reflexiones finales Soluciones improvisadas (colocar ropas y utensilios en grandes bolsas plásticas Desde el momento mismo que, en 1999, semi infladas que flotan, haciendo posible pusimos en marcha el grupo de trabajo sobre transportar grandes volúmenes de ropa y ciudades latinoamericanas en los sucesivos víveres con el agua en la cintura); artefactos congresos de la Asociación Latinoamericana producto de la improvisación y el ingenio de Sociología, evidenciamos la existencia de (mecánicos que construyeron para campos un conjunto de obstáculos epistemológicos en inundados lanchones adecuados a los niveles los estudios urbanos, que no sólo dificultaban de la zona, botes con gomas de autos o comprender el fenómeno de la vida de los tractores, o transportes acuáticos construidos habitantes de las ciudades de América Latina, en base cualquier otro material de desecho), sino también reproducían – fortaleciendo –, pequeñas defensas para impedir la entrada de un pensamiento sin perspectiva alguna para agua en las casas, sistemas caseros de bombeo, superar la llamada “crisis urbana”, a través no fueron sino anécdotas locales. de una gama de posibles intervenciones que Respecto de las soluciones alternativas de técnicos locales, tampoco tuvieron eco aquellas propuestas que tuvieran otro punto de 28 partida que los grandes emprendimientos. no hacían sino profundizar las condiciones adversas de los pobladores. El principal origen de esos obstáculos epistemológicos se encontraba en las formas La posibilidad de defensas por áreas, que había adquirido la producción de verdad la necesidad de establecer códigos para la en el ámbito de la academia y la denominada construcción, la posibilidad de tecnologías “investigación científica” en las comunidades adecuadas a las áreas inundables de las y corporaciones del conocimiento en América costas y de las islas, inclusive, la solución Latina. En relación con la dinámica de la acción de situaciones límites en cuanto a desagües de los diversos grupos sociales, las respuestas siempre críticos con trazados a cielo abierto, no estructuradas en el plano académico no nos alcanzaron siquiera existencia efímera. ofrecían un marco explicativo, particularmente Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 79 Ana Núñez, Jorge Roze en los aspectos relacionales entre las diferentes permanente) de intereses en los planos personificaciones. económicos, políticos o corporativos. La causa, hipotetizábamos ya en aquel Empero, nuestras reflexiones críticas entonces, residía en la raíz de las reflexiones, conceptuales, sostenidas con avances empíricos en la casi totalidad de los casos, cimentada que refutaban rigurosamente aquel “sentido en las políticas neoliberales – en principio – común”, eran un susurro que se mantuvo emanadas desde los organismos financieros históricamente acallado. internacionales y, a continuación, desde los En el contexto de polémicas recientes, investigadores locales alineados en la ciencia este trabajo vuelve sobre la revalorización normal. Es decir, lo que no estaba presente en de las sugerencias de Marx y Engels, Piaget esas reflexiones (aún hoy de uso hegemónico), y Lefebvre, entre otros autores, sosteniendo en los niveles de las acciones sociales, la fertilidad de una mirada que parte de la era la dinámica de las fracciones sociales génesis e historicidad de los procesos, contra directamente involucradas en la acción, en las visiones hegemónicas que naturalizan términos de alianzas y enfrentamientos. el orden social y fetichizan los objetos y las En el desarrollo de los diversos procesos políticas urbanas. de asentamiento, los sujetos actuantes – en Fi n a l m e n t e, a t e n t o s a l o n u e v o, los distintos casos – constituyen conjuntos de pensamos que nuestro desafío de intelectuales relaciones sociales estructurados bajo forma está en construir los instrumentos que en de instituciones o personificaciones, que lugar de desarmarnos intelectualmente en sintetizan, en su corporeidad, determinados teorías de lo imposible o entretenernos en los conjuntos de relaciones, que, en general, juegos de pensamientos ajenos, nos armemos operan bajo una lógica determinada por teórica y moralmente, en nuestros ámbitos, y una sumatoria (variable en sus magnitudes podamos armar a las multitudes en actitudes y contradictorias, por lo tanto en conflicto de autonomía y cooperación. Ana Núñez Universidad Nacional de Mar del Plata, Facultad de Arquitectura, Urbanismo y Diseño, Instituto de Investigaciones en Desarrollo Urbano, Tecnología y Vivienda. Mar del Plata, Província de Buenos Aires, República Argentina. [email protected] Jorge Roze Universidad Nacional del Nordeste, Facultad de Humanidades. Chaco, Corrientes, República Argentina. [email protected] 80 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana Notas (*) Este artículo es la ponencia homónima, presentada en el I Seminario Internacional La ciudad neoliberal en América la na: desa os teóricos y polí cos. Eje (IV) Los modelos de polí ca urbana y el pensamiento neoliberal. Red La noamericana de Inves gadores sobre Teoría Urbana, Río de Janeiro, 5-8 de noviembre 2013. (1) Esta misma matriz teórico-metodológica es el andamiaje de nuestros estudios actuales sobre los programas de construcción de viviendas sociales, en dis ntas ciudades de Argen na. Ver Núñez (2010). (2) Siguiendo a Zemelman (1987, p. 66), “La idea de apertura se corresponde con el planteamiento de la realidad como proceso y exige que el objeto, a parƟr y a través del cual se explica algo, se considere siempre abierto a la constante transformación de sus referentes empíricos. La idea de movimiento en que descansa la noción de apertura, se relaciona con el “cómo es” de lo real y con el “cómo es posible de darse” de lo real...” (sub. nuestro). (3) Cae fuera de los obje vos de esta Introducción, analizar los dis ntos enfoques que, tanto desde la perspectiva “estadocéntrica” como desde la “sociocéntrica”, han contribuido a analizar la relación Estado-sociedad en la definición de polí cas públicas. Ver, para ello, un excelente estado de la cues ón en Viguera (1998) y Marques (1997). (4) Porque, además, siguiendo a Espinosa-Saldaña (1997, pp. 202-207), dentro de las ciencias jurídicas, dos de los puntos más complejos son: a) determinar cuándo estamos o no frente a un derecho fundamental; y b) la definición de cuáles derechos, en concreto, pueden ser considerados como sociales. El di cil acuerdo conduce al regateo de su exigibilidad, tendiendo a negar a algunos derechos de po social su carácter de derecho fundamental, aun cuando los organismos internacionales los reconozcan formalmente. (5) Si bien el Castells de La cues ón urbana alcanza formulaciones de un cierto determinismo al subes mar, en principio, el peso de las contradicciones sociales, su aporte fue fundamental, al menos, al señalar que en los países periféricos el proceso de acumulación y el papel desempeñado en él por el Estado, no repiten el esquema de los países centrales. Ver este tema en Cignoli (1985). (6) Como bien señala Marques (1997), aun introduciendo el conflicto en la explicación de las polí cas urbanas, el Estado aparecía como estructuralmente capturado y el proceso polí co resultaba en la victoria del capital en general. Para un análisis de las perspec vas analí cas que desde el marco histórico-estructural y desde la economía explicaban la intervención del Estado, ver Marques (1997). (7) Para este segundo Castells (1988, p. 79; 1986) “...sólo las luchas urbanas que producen efectos de transformación en la estructura urbana son movimientos sociales urbanos”. Este autor procura caracterizar la contradicción urbana como específica a los problemas de la ciudad, diferenciándola de otros mo vos para la movilización social que ocurren en la ciudad (movimientos urbanos). En este sen do, para Pereira (1986) y Cignoli (1997), la limitación de la contradicción en Castells, es que confronta en la esfera del consumo y sólo indirectamente en la de la producción. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 81 Ana Núñez, Jorge Roze (8) Ver Burki, Perry y Dillinger (1999); y Freire y Stren (2001), ambas publicaciones del Banco Mundial. La nueva estrategia del desarrollo urbano del Banco Mundial difundía que la sustentabilidad de las ciudades debía abarcar cuatro aspectos: ser “habitables” (asegurar una vida decente e igualdad de oportunidades a todos los residentes); ser produc vas y “compe vas”; estar bien gobernadas y ser “financiables” (en: Freire, 2001, p. xxii). (9) A modo de ejemplo, pueden citarse a Dourojeanni (1994); Herzer et al. (1994); Borja y Castells (1997) y la publicación de Antonio Azuela y Emilio Duhau (1993) sobre Ges ón urbana y cambio institucional, donde explicitan “la necesidad de dar un giro a los análisis sobre “políticas urbanas”, aunque “sin descartar la interpretación general del papel del Estado” (p. 12). El debate que concentra dicha publicación creemos que cons tuye un avance respecto a los que se encuadran en la perspec va ar culadora de las funciones del municipio (Cfr. Herzer et al., 1994). (10) Independientemente de su imprecisión, “medios de consumo colec vos” es la expresión que más se ha impuesto y la que se u liza como referencia, entendiendo por éstos una serie de valores de uso que por alguna de sus caracterís cas son di ciles de suministrar por el capital individual y, sin embargo, son indispensables para la acumulación del capital en general. Así, su naturaleza pública es el resultado de procesos sociales concretos, históricamente determinados. Ver Coing (1988, p. 88) y Jaramillo (1988, 1986, pp. 19 y ss.) (11) Categoría censal que en Argentina refiere a “pequeña y mediana industria”, en la que se incorporan los emprendedores individuales y familiares, cuentapropistas, y todos aquellos que no disputan las tasas de ganancias como burguesías consolidadas en empresas. (12) Respecto de las identidades, resulta particularmente pertinente retomar el sentido que le dan, por un lado, Rebón (2007, p. 21), como “concepto que enfa za el carácter social de una personificación, el haz de relaciones que expresa y su relación en términos de funcionalidad con el orden social en el que está inmerso. La conformación de las iden dades sociales no puede comprenderse sin tener en cuenta el desarrollo de la confrontación entre las mismas”. (13) En palabras de Roze (1993), “No se trata de la materialidad de ese elemento de mediación ni de su volumen o costo sino que (la vivienda) enlaza relaciones que hacen a la casi totalidad de aspectos de las condiciones de producción y reproducción de la fuerza de trabajo en nuestras formaciones sociales”. (14) Dice Paul Bromberg (2011), avanzando sobre la definición de Weber (1992, pp. 1056-1057), que “Una “sociedad” decide conformarse como Estado mediante un proceso en el que un grupo, o una alianza de grupos dentro de ella (la sociedad), logran consolidar su capacidad exclusiva para emplear la violencia sica con el fin de hacer valer sus órdenes… Este acuerdo implica, entre otras cosas, que ese grupo o grupos deciden y hacen valer con éxito una frontera territorial (...) El Estado, así pensado, abarca entonces (1) territorio, (2) habitantes y (3) un aparato. Este úl mo concreta, en forma de en dades compuestas por personas con atribuciones establecidas, las reglas definidas por el grupo o por la alianza de grupos para la toma de decisiones que deben ser acatadas por los integrantes de la sociedad, bajo la amenaza del ejercicio de la violencia sica sobre quienes no las acatan.” (Material de clase del Curso de Posgrado Gobierno de la ciudad y polí cas públicas, en el marco de la Especialización en Polí cas y Mercados de Suelo en América La na, Universidad Nacional de Colombia). Sin embargo, para Lourau (1980, p. 29) al servirse de todos los recursos ideológicos para imponer una forma equivalente a todas las relaciones sociales some das a su poder, el Estado dispone de un instrumento de coacción que torna inú l la dis nción entre Estado y aparatos ideológicos del Estado. 82 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana (15) Entendemos por estatalidad profunda (territorialidad burguesa), las estrategias de reproducción adaptativas; trayectorias, vínculos y relaciones sociales en el entramado de instituciones políticas; entre el secreto y la lucha por abrirse camino (Marx, 1968); y por estatalidad extensa a la permeabilidad hacia y con el exterior (burocracia, empresas, vecinos), a la construcción y reproducción de estrategias y categorías que reproducen el orden dominante en las instituciones sociales. Se trata de ver cómo ambas se vertebren y se mantienen en una vaporosa indefinición, en cuanto a límites y contenidos, y así se instala en el imaginario (Lourau, 1980). Ver Núñez (2007). (16) El blindaje, el cierre social, refiere a que determinados grupos sociales se apropian y reservan para sí mismos – o para otros allegados a ellos – ciertas posiciones sociales. En: Ansaldi (1997). (17) Una fuerza social es una alianza de clases, entre fracciones de clases, que enen dis ntos grados de unidad de clase (Roze, 1993, 2003). (18) Esta misma matriz teórico-metodológica es el andamiaje de nuestros estudios actuales sobre los programas de construcción de viviendas sociales, en dis ntas ciudades de Argen na. Ver Núñez (2010). Asimismo, para un análisis más exhaustivo de estas políticas urbanas en Argentina, remi mos al lector a nuestra bibliogra a citada, de manera de no extender este texto. (19) El límite urbano de provisión de agua en la ciudad fue fijado por Ordenanza del 3 de agosto de 1937, Exp. 158-0-1937. Asimismo, la Ley 12140/35 preveía el abastecimiento de provisión de agua mediante grifos públicos. Es decir, la carencia y la precariedad se legislan, se construyen y se ex enden estatalmente. (20) El Decreto 33425/44 fundía Obras Sanitarias de la Nación – OSN y la Dirección General de Irrigación en la Administración Nacional del Agua. Establecía, en uno de sus artículos, la obligatoriedad de pagar a todo propietario cuyo inmueble estuviera localizado dentro del cerco, estuviera o no abastecido de agua. Es decir, se crea el contribuyente no usuario. (21) Se crea por Ley 13577/49, que será la nueva Carta orgánica de OSN, confiriéndole autarquía. (22) La transferencia de OSN era un proyecto dentro del programa de modernización del aparato estatal de la burguesía desarrollista y de la necesidad de divisas para implementar su polí ca. La alianza con la burguesía extranacional, a través de la Alianza para el Progreso, retrotrajo a la población a fines del siglo XIX, reinsertando el miedo a la muerte, pero sembrando el camino al agua con condiciones de propiedad, heteronomía y capacidad de pago. Para el Banco Mundial, la amenaza, la causa de la elevada mortalidad era la intensa presión del crecimiento demográfico. O, en otros términos, la urbanización de la pobreza. (23) Servicio Nacional de Agua Potable, creado por Decreto n. 9762, dentro del Plan Decenal de Salud Pública de la Alianza para el Progreso. En el ámbito local, se profundizó la provisión de grifos públicos y se implementaron préstamos para compra de bombas manuales. (24) No debe olvidarse que, a fines de la década de 1990, los organismos internacionales de crédito promueven la reformulación del sistema polí co y la superación de la crisis de representación alentando la disolución de todo lazo entre representantes y representados, asumiendo que los sectores populares son incapaces de tomar decisiones y de par cipar con autonomía en la definición de su propio des no. El Programa de financiamiento a municipios, con aportes del Banco Mundial – BM y el Banco Internacional de Desarrollo – BID de U$S420 millones en 1999 a la ciudad de Mar del Plata, apunta en esta dirección. (25) Estas iden dades sociales surgieron de entrevistas abiertas en los barrios, que no transcribimos por razones de espacio. Ver Núñez (2007). Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 83 Ana Núñez, Jorge Roze (26) Siguiendo a Piaget y García (1985, p. 81), una pseudo necesidad es un fenómeno corriente que se ubica en los primeros niveles de la génesis del conocimiento y que expresa la dificultad de imaginar otros posibles diferentes y, como tal, cons tuyen una fase de indiferenciación entre lo real, lo posible y lo necesario (Roze, 2003). (27) Un cierto número de conclusiones obtenidas a par r del estudio de campo produjeron un efecto intranquilizador sobre los responsables de la ejecución de programas federales de control de inundaciones, provocando la iniciación de nuevas inves gaciones para indagar más a fondo las cues ones que no habían quedado resueltas. Como resultado de estos nuevos trabajos, se vino a descubrir que mientras los gastos hechos para el control de inundación se habían mul plicado considerablemente, el nivel de daños producidos se había elevado también, por lo que resultaba que, con la ejecución de las obras proyectadas para el control de las avenidas, no se había conseguido alcanzar el obje vo nacional de reducir el tributo que suponían las pérdidas y daños sufridos por el país por tal concepto (White, 1973, p. 291). (28) Cuando en el III Seminario sobre el Impacto de las Inundaciones en Resistencia, se plantea una exposición de este po de tecnologías, la inicia va no prosperó, al igual que toda otra que no supusiera ¡defensas defini vas ya! No queremos con este señalamiento que se pueda inducir que nuestro pensamiento se inscribe en "lo pequeño es hermoso" – tan de moda en décadas pasadas – o en la línea, – fuertemente impulsada del Banco Mundial – de las tecnologías adecuadas o apropiadas. Simplemente, dejamos constancia de la existencia de respuestas locales cuya diseminación debió haber cons tuido una de las tantas alterna vas a la emergencia hídrica y fue también transformada en un inobservable. Referencias ANSALDI, W. (1997). Fragmentados, excluidos, famélicos y, por si eso fuera poco, violentos y corruptos. Revista Paraguaya de Sociología, año 34, n. 98, pp. 7-36. Asunción, Centro Paraguayo de Estudios Sociológicos. Disponível em: h p://catedras.fsoc.uba.ar/udishal/art/fragmentados.pdf AZPIAZU, D. e FORSINITO, K. (2001). La privaƟzación del sistema de agua y saneamiento en el Área Metropolitana de Buenos Aires. Discontinuidad regulatoria, incumplimientos empresarios, ganancias extraordinarias e inequidades distribuƟvas. Mimeo. AZUELA, A. e DUHAU, E. (coords.) (1993). GesƟón urbana y cambio insƟtucional. México, IIS/UAM/IFAL. BACHELARD, G. (1987). La formación del espíritu cienơfico. México, Siglo XXI. BALVÉ, B. e BALVÉ, B. (2005). El ´69. Huelga políƟca de masas. Rosariazo-Cordobazo-Rosariazo. Buenos Aires, RyR/CICSO/Ediciones ryr. BIRD, R. (2001). “Cargos a los usuarios en las finanzas del gobierno local”. In: FREIRE, M. e STREN, R. (eds.). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial # 21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega, pp. 164-176. 84 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana BORJA, J. e CASTELLS, M. (1997). Local y global. La gesƟón de las ciudades en la era de la información. Madri, Taurus. BURKI, S.; PERRY, G. e DILLINGER, W. (1999). Más allá del centro. La descentralización del Estado. Estudios del Banco Mundial sobre América La na y el Caribe. Washington, Banco Mundial. CAPUTO, M. G.; HARDOY, J. E.; HERZER, H. M. e VARGAS, R. (1985). La inundación en el Gran Resistencia (Provincia del Chaco, ArgenƟna) 1982-1983.Desastres naturales y Sociedad en América LaƟna. Buenos Aires, CLACSO. Colección Estudios Polí cos y Sociales. CAPUTO, M. G. e HERZER, H. M. (1987). Reflexiones sobre el manejo de las inundaciones y su incorporación a las polí cas de desarrollo regional. Desarrollo Económico, v. 27, n. 106. Buenos Aires, Ides. CASTELLS, M. (1978). La cuesƟón urbana. México, Siglo XXI. CASTRO, E. (1999). El retorno del ciudadano: los inestables territorios de la ciudadanía en América La na. Perfiles laƟnoamericanos, # 14. México, FLACSO, pp. 39-62. CIGNOLI, A. (1985). Estado e força de trabalho. Introduçao à políƟca social no Brasil. São Paulo, Brasiliense. COING, H. (1988). Serviços urbanos: velho ou novo tema? Espaço & Debates, n. 23. São Paulo. DOUROJEANNI, A. (1994). La ges ón del agua y las cuencas en América La na. Revista de la CEPAL, n. 53, pp. 111-127. San ago de Chile. ELÍAS, N. (1982). Sociología fundamental. Barcelona, Gedisa. Serie Mediaciones. ESPINOSA-SALDAÑA, E. (1997). “Apuntes sobre las dificultades existentes para la protección de los derechos sociales en el modelo de jurisdicción cons tucional español”. In: BIDART CAMPOS, G. (comp.). Economía, consƟtución y derechos sociales. Buenos Aires, Ediar. FREIRE, M. (2001). “Introducción”. In: FREIRE, M. e STREN, R. (eds.). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial #21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega. FREIRE, M. e STREN, R. (eds.) (2001). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial #21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega. GARCÍA, R.; INHELDER, B. e VOLNÉCHE, J. (comps.) (1977). Epistemología genéƟca y equilibración (Homenaje a Jean Piaget). Buenos Aires, Huemul. HERZER, H.; PÍREZ, P. e RODRÍGUEZ, C. (1994). Modelo teórico conceptual para la gesƟón urbana en ciudades intermedias de América LaƟna. San ago de Chile, Cepal, LC/R 1407. HERZER, H. M. (1990). Los desastres no son tan naturales como parecen. Medio Ambiente y Urbanización, año 8, n. 30. Buenos Aires, IEED. HOLLOWAY, J. (1994). Marxismo, Estado y capital. La crisis como expresión del poder del trabajo. Fichas temáƟcas de Cuadernos del Sur. Buenos Aires, Tierra del Fuego. JARAMILLO, S. (1986). Crise dos meios de consumo cole vo urbano e capitalismo periférico. Espaço & Debates, ano VI, n. 18, pp. 19-39. São Paulo, Neru. JARAMILLO GONZÁLEZ, S. (1988). “Crisis de los medios de consumo colec vo urbano y capitalismo periférico”. In: CUERVO, L. e JARAMILLO, S. et al. Economía políƟca de los servicios públicos. Una visión alternaƟva. Bogotá, Cinep. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 85 Ana Núñez, Jorge Roze LEFEBVRE, H. (1969). El derecho a la ciudad. Barcelona, Península. ______ (1971). El materialismo dialécƟco. Buenos Aires, La Pléyade. ______ (1972). La revolución urbana. Madri, Alianza. ______ (1976). Espacio y políƟca. El derecho a la ciudad II. Barcelona, Península. ______ (2011). La noción de totalidad en las ciencias sociales. Telos, v. 13, n. 1, pp. 105-124. Maracaibo, Universidad Rafael Belloso Chacín. LIPIETZ, A. (1979). El capital y su espacio. México, Siglo XXI. LOFTUS, A. e McDONALD, D. (2004). Sueños líquidos: una ecología polí ca de la priva zación del servicio de agua en Buenos Aires. Realidad Económica, n. 183. Buenos Aires, Iade. LOJKINE, J. (1979). El marxismo, el Estado y la cuesƟón urbana. México, Siglo XXI. LOURAU, R. (1980). El Estado y el inconsciente. Ensayo de sociología políƟca. Barcelona, Kairos. MARÍN, J. C. (1996). Conversaciones sobre el poder (una experiencia colecƟva). Buenos Aires, Ins tuto Gino Germani, Oficina de Publicaciones CBC, UBA. MARQUES, E. (1997). Notas crí cas à literatura sobre Estado, polí cas estatais e atores polí cos. BoleƟm Bibliográfico de Ciências Sociais, n. 43. Rio de Janeiro. MARX, C. (1965). El Capital. Buenos Aires, Cartago. ______ (1968). CríƟca de la filosoİa del Estado de Hegel. México, Grijalbo. ______ (1998). El Dieciocho Brumario de Luis Bonaparte. Buenos Aires, Libertador. MARX, C. e ENGELS, F. (1968). La ideología alemana. Montevideo, Pueblos Unidos. NEIF, J.; PATIÑO, C. A. e ORFEO, O. (1987). Pautas para el manejo de plataformas y taludes en áreas inundables. Centro de Ecología Aplicada del Litoral (Cecoal-Conicet). Serie Técnica n. 2. NÚÑEZ, A. (1994). Apropiación de la erra y organización territorial en una ciudad media argen na. El caso de Mar del Plata. Revista Interamericana de Planificación, v. l. XXVII, n. 107-108. Equador, SIAP. ______ (2000)[2012]. Morfología social. Mar del Plata, 1874-1990. Tandil, Grafikart. ______ (2007). Polí ca urbana y proceso de estatalidad. Confluências. Revista interdisciplinar de sociologia e direito, n. 9. Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense. ______ (2010). “Tras el fe chismo de la vivienda digna”. In: ORTECHO, E.; PEYLOUBET, P. e DE SALVO, L. (comps.). Ciencia y Tecnología para el Hábitat Popular. Fortalecimiento del espacio disciplinar en los Sistemas Cienơfico Tecnológicos (seleccionado por referato internacional). Buenos Aires, Nobuko. ______ (2011). Formas socioterritoriales de apropiación del habitar y derecho al espacio diferencial. Revista Territorios, n. 24, pp. 165-192. Bogotá, Universidad del Rosario. ______ (2012) [2006]. Lo que el agua (no) se llevó...PolíƟca urbana: poder, violencia e idenƟdades sociales. Buenos Aires, El Colec vo. NÚÑEZ, A. e CIUFFOLINI, M. A. (eds. e comps.) (2011). PolíƟca y territorialidad en tres ciudades argenƟnas. Buenos Aires, El Colec vo. 86 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana NÚÑEZ, A. e ROZE, J. (2011). Reflexiones sobre falacias conceptuales y acciones concomitantes en polí cas urbanas y sociales en Argen na. Revista Theomai. Estudios sobre sociedad y desarrollo, n. 23, pp. 193-204. Buenos Aires, Universidad Nacional de Quilmes. OSZLAK, O. (1997). Estado y sociedad: ¿nuevas reglas de juego? Reforma y Democracia, Revista del CLAD. Caracas, CLAD. PEREIRA, X. (1986). Valorização imobiliária, movimentos sociais e espoliação. Sinopses, #9. São Paulo, Fauusp. PIAGET, J. e GARCIA, R. (1984). Psicogénesis e historia de la ciencia. México, Siglo XXI. PÍREZ, P. (1995). Actores sociales y ges ón de la ciudad. Ciudades, n. 28, pp. 8-14. Puebla, RNIU. ______ (2013). Perspec vas la noamericanas para el estudio de los servicios urbanos. Cuaderno urbano. Espacio, cultura, sociedad, n. 14. Resistencia, Nobuko/UNNE. POPOLIZIO, E. (en col. con Oscar Bonfan ) (1985). “Bases y criterios para la concepción de obras de infraestructura vinculada con las inundaciones”. In: Inundaciones y Sociedad en el Gran Resistencia, Chaco, 1982-83. Buenos Aires, Ediciones Bole n de medio ambiente y urbanización. CLACSO. PRADILLA COBOS, E. (2009). La mundialización, la globalización imperialista y las ciudades la noamericanas. Bitácora, n. 15, pp. 13-36. Bogotá, Universidad Nacional de Colombia. ______ (2010). Teorías y polí cas urbanas: ¿libre mercado mundial o construcción regional? Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 12, n. 2. São Paulo. REBÓN, J. (2007). La empresa de la autonomía. Trabajadores recuperando la producción. Buenos Aires, Colec vo/P.I.CA.SO. ROSENZVAIG, E. (2004). Pabellón de rurales. Herramienta, Revista de debate y críƟca marxista, n. 27. Buenos Aires, Herramienta. ROZE, J. (1993). Desastres recurrentes y conflictos sociales. Tomas de viviendas en el marco de las inundaciones de 1983 1986. Cuaderno 1, Cátedra de Sociología Urbana. Resistencia, Facultad de Arquitectura y Urbanismo, Universidad Nacional del Nordeste. ______ (1995). Espacio y poder. Una mirada material. Cuaderno Urbano 2. Cátedra de Sociología Urbana. Resistencia, FAU/UNNE. ______ (2001). Las ciudades y la acción sobre las ciudades. AREA – Agenda de reflexión en arquitectura, diseño y urbanismo, n. 9. Secretaría de Inves gación en Ciencia y Técnica, Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo, Universidad de Buenos Aires. ______ (2003). Inundaciones recurrentes: ríos que crecen, idenƟdades que emergen. Ediciones Al Margen. Colección Entasis. La Plata, Fundación IDEAS Ediciones. ROZE, J. et al. (1999). Trabajo, moral y disciplina en los chicos de la calle. Buenos Aires, Espacio. SIR WILLIAM HALCROW e PARTNERS LTD. (1994). Estudio de regulacion del valle aluvional de los ríos Paraná, Paraguay y Uruguay para el control de las inundaciones. Informe final. Buenos Aires, Sub Unidad de Coordinación para la Emergencia/Ministerio del Interior. STREN, R. (2001). “Par cipación del sector privado en el suministro de los servicios públicos” e “Introducción” (a varios capítulos). In: FREIRE, M. e STREN, R. (eds). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial #21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 87 Ana Núñez, Jorge Roze TOPALOV, C. (1979). La urbanización capitalista. Algunos elementos para su análisis. México, Edicol. VIGUERA, A. (1998). Estado, empresarios y reformas económicas. En busca de una perspec va analí ca integradora. Perfiles laƟnoamericanos, año 7, n. 12, pp. 9-51. México, FLACSO. WHITE, G. F. (1973). “La inves gación de los riesgos naturales”. In: CHORLEY, R. J. Nuevas tendencias en geograİa. Madri, Colección Nuevo Urbanismo. Ins tuto de Estudios de la Administración Local. YUJNOVSKY, O. (1984). Claves políƟcas del problema habitacional argenƟno. Buenos Aires, GEL. ZEMELMAN, H. (1987). La totalidad como perspectiva de descubrimiento. Revista Mexicana de Sociología, v. 49, n. 1. México, Ins tuto de Inves gaciones Sociales/UNAM. Texto recebido em 4/nov/2013 Texto aprovado em 15/dez/2013 88 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 Urbanismo a la carta: teorías, políticas, programas y otras recetas urbanas para ciudades latinoamericanas A la carte urbanism: theories, policies, programs and other urban recipes for Latin American cities Victor Delgadillo Resumen En las últimas décadas diversas ciudades latinoamericanas han impulsado un conjunto de similares políticas públicas, programas urbanos y otras “recetas” urbanísticas para: confrontar distintas problemáticas urbanas, generar competitividad económica o construir una buena imagen de la ciudad. Este conjunto de acciones parece constituir un “menú” de “recetas probadas” en distintos contextos urbanos para confrontar “con éxito” algunos problemas y desafíos urbanos. Este artículo revisa sucintamente la circulación de paradigmas y políticas urbanas; compara algunas políticas y programas urbanos realizados recientemente en Buenos Aires, Ciudad de México y Quito e intenta responder algunas preguntas: Porqué alcaldes con orientaciones políticas tan diferentes ejecutan el mismo tipo de políticas urbanas: hay una visión pragmática compartida, coincidencia política, coacción económica o una ideología dominante? Abstract In recent decades, many Latin American cities have launched a similar set of public policies, urban programs and other urban development "recipes" in order to: confront different urban problems, generate economic competitiveness or build a good city image. These actions appear to build a "menu of tested recipes" in different urban contexts to "successfully" confront different urban problems and challenges. This article briefly reviews the circulation of urban paradigms and policies, compares some urban policies and programs which have been recently conducted in Buenos Aires, Mexico City and Quito, and attempts to answer some questions: Why do mayors with different political orientations implement the same type of urban policies? Is there a shared pragmatic vision, a political coincidence, economic coercion or a dominant ideology? Palabras clave: Urbanismo a la carta, teoría urbana latinoamericana, políticas urbanas, circulación de paradigmas urbanos, espacio público Keywords: a la carte planning; Latin American urban theory; urban policies; circulation of urban paradigms; public space. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Victor Delgadillo Introducción a las condiciones locales pueden coadyuvar a la solución de problemas específicos. Sin embargo, en la difusión y reproducción de las En las últimas décadas diversas ciudades políticas, programas y acciones urbanas que latinoamericanas, gobernadas por partidos conforman este “Urbanismo a la carta” actual, con la más distinta orientación política, destacan dos cosas: 1) el papel (más o menos han impulsado un conjunto de similares impositivo) desempeñado por los organismos políticas públicas, programas urbanos y otras internacionales de financiamiento como el “recetas” urbanísticas para: 1) confrontar Banco Mundial y en nuestra región el Banco distintas problemáticas urbanas, 2) generar Interamericano de Desarrollo; y 2) una visión competitividad económica o 3) construir una pro empresarial que a nombre de la creación buena imagen de la ciudad. Este conjunto de de riqueza y empleo, privilegia la actividad políticas, programas y recetas urbanas abarca económica directa e indirecta.1 la recuperación de los centros históricos, la Este artículo 1) se propone abrir introducción de carriles confinados para el nuevas perspectivas en el estudio uso de bicicletas y sistemas de transporte comparado de algunas políticas públicas colectivo rápido, el mejoramiento de barrios y que simultáneamente se aplican en diversas de vivienda, becas para población vulnerable, ciudades latinoamericanas y 2) intenta presupuestos participativos, “playas urbanas”, responder una serie de preguntas: Qué es lo etcétera. Se trata de un conjunto de políticas que hace que alcaldes y gobiernos locales con y acciones urbanas que parecen constituir un orientaciones políticas tan diferentes ejecuten “menú” de “recetas probadas” en distintos el mismo tipo de políticas urbanas (más y/o contextos urbanos para confrontar “con éxito” menos neoliberales), como la introducción de algunos problemas y desafíos urbanos. “playas urbanas”, circuitos confinados para Este artículo reconoce positivamente bicicletas y metrobuses, o la programación que en América Latina hay un sistema de de múltiples eventos culturales en espacios vasos comunicantes que históricamente han públicos que al parecer tienen la intención de permitido el intercambio y la difusión de erosionar la dimensión política y ciudadana políticas públicas y experiencias urbanas, que de esos lugares para convertirlos en sitios han facilitado a las ciudades, sus ciudadanos de entretenimiento para consumidores. ¿La y gobiernos confrontar con dignidad y eficacia promoción de la misma política y el mismo diversos problemas y desafíos urbanos. La tipo de acciones urbanas en distintos contextos difusión de experiencias urbanas desarrolladas responde a una misma visión pragmática, una en otros contextos geográficos y en otros coincidencia política, una coacción económica, momentos históricos son condiciones básicas o hay detrás de ello una teoría y una para la innovación urbana y el aprendizaje ideología dominante que soporte esa toma de mutuo. Por ello, en nuestro quehacer decisiones? Los programas y recetas urbanas profesional promovemos la difusión crítica de que más se difunden ¿Promueven soluciones las llamadas “buenas” políticas que adaptadas de fondo o son simples paliativos para algunos 90 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta problemas urbanos? ¿En ausencia de pan el conjunto de tres ciudades llamaremos la se trata de llevar circo a esas ciudades? ¿Se atención sobre la necesidad de teorizar sobre atienden necesidades de la población o se la reproducción de estas prácticas. En síntesis, favorece la realización de negocios privados? este texto pretende evidenciar las cosas en Este artículo analiza algunas políticas común que tienen tres políticas urbanas públicas en tres ciudades latinoamericanas recientes en tres ciudades latinoamericanas, (Buenos Aires, Quito y Ciudad de México) y cómo éstas son modeladas por la doctrina que han sido elegidas en función de trabajos neoliberal, lo que alcanza a gobiernos de las previos (Delgadillo, 2011). A la manera de una más diversas orientaciones políticas (en el carta de restaurante este artículo propone discurso). El artículo presenta, en la primera analizar una variedad de acciones, programas, parte, una revisión sucinta sobre la circulación políticas, proyectos y megaproyectos urbanos, de paradigmas y políticas urbanas. El apartado así como estrategias de marketing urbano dos presenta una comparación de tres políticas para distintos gustos y precios, lo que abarca urbanas realizadas en las dos últimas décadas la “cocina” típica, regional e internacional. en las tres ciudades objeto de estudio. El El “Urbanismo a la Carta” abarca acciones último apartado presenta las conclusiones y puntuales, planes estratégicos; la realización una agenda de temas para seguir investigando de megaproyectos; la recuperación de centros sobre la teoría urbana que subyace a una serie históricos; así como acciones de marketing de políticas públicas urbanas que se realizan en urbano (con la adopción de slogans públicos más de una ciudad latinoamericana. similares: Ciudad Verde, Ciudad global, Ciudad compacta, Ciudad sustentable, equitativa y competitiva; etcétera). Se trata de un “menú” con diversificado origen de esas “recetas” urbanas, cuyo análisis debe abarcar el papel desempeñado por los consultores foráneos Sobre la circulación de los paradigmas y las políticas urbanas (algunos de ellos promotores del “modelo Barcelona” for export ), las agencias de cooperación internacional y los profesionistas Reproducción de prácticas latinoamericanas locales (en su papel de académicos, consultores o funcionarios públicos) en la difusión de En América Latina hay diversos sistemas este “Urbanismo a la carta”. Por cuestión de de comunicación que históricamente han extensión en este artículo sólo analizamos las permitido la difusión de políticas públicas y políticas del espacio público y de transporte de experiencias urbanas heroicas (como las público en bicicleta y en menor medida las de la población organizada de bajos ingresos políticas de mejoramiento barrial. que ha construido su vivienda, su ciudad y Tenemos conciencia que algunos su barrio), que han facilitado a las ciudades, aspectos de este artículo son bastante obvios sus ciudadanos y gobiernos confrontar con y conocidos, pero creemos que analizados en dignidad y eficacia diversos problemas y Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 91 Victor Delgadillo desafíos urbanos. La difusión de experiencias caso de los Presupuestos Participativos y los urbanas desarrolladas en otros contextos Programas de Mejoramiento Barrial adoptados geográficos y en otros momentos históricos en Cataluña. son condiciones básicas para la innovación urbana y el aprendizaje mutuo. Así por ejemplo: • El movimiento cooperativista uruguayo Reproducción de prácticas foráneas en América Latina de vivienda por ayuda mutua nutrió en la década de 1970 2 una serie de experiencias 3 Nuestra región históricamente ha estado habitacionales en la Ciudad de México y otras vinculada e interesada en los avances ciudades latinoamericanas. En el siglo XXI esta urbanísticos, sociales, tecnológicos, etcétera, experiencia ha sido retomada y renovada en las realizados en Europa desde el siglo XIX, y en áreas urbanas centrales de Buenos Aires por Norteamérica después de la II Guerra Mundial. el Movimiento de Ocupantes e Inquilinos y en Arturo Almandoz (2002) en su bellísimo libro San Salvador por la Fundación Salvadoreña de sobre la planeación urbana de las principales Vivienda Mínima, Fundasal. capitales de la región, realizada entre 1850 y El sistema de transporte colectivo rápido 1950, da cuenta de la transferencia, adopción, Metrobús, en un carril confinado, ideado en adaptación, transformación y enriquecimiento Curitiba, se reprodujo en múltiples ciudades de ideas ur banístic as foráneas. En el latinoamericanas, entre ellas, Quito (1995), tránsito del siglo XIX al XX se trataba de un Ciudad de México (2005), Buenos Aires selectivo préstamo de ideas urbanísticas (2011), etc. europeas, realizado por pequeños grupos • Los programas de mejoramiento barrial sociales (elites, académicos, gobernantes) de Suramérica, impulsados desde la década que buscaban: una identidad cosmopolita, de 1980, se han expandido a México y modernizarse o seguir “perteneciendo” (en Centroamérica en el siglo XXI. términos culturales) a Europa. • El modelo de los presupuestos Tal vez una razón de mayor fondo era participativos brasileiros ha sido adoptado, la búsqueda de alternativas e instrumentos mal copiado o enriquecido en múltiples para confrontar los emergentes problemas ayuntamientos latinoamericanos. urbanos (congestión, hacinamiento, salud • La política de vivienda social chilena, pública, etcétera) derivados del desarrollo construida por el sector privado con los fondos urbano impulsado por la incorporación de las sociales, se expandió de manera colosal, salvaje economías locales al mercado internacional, y abusiva en México, y amenaza con hacerlo en la inversión capitalista local y extranjera, la otros países de la región. irrupción de nuevos sistemas de transporte • Algunas de éstas políticas, programas colectivo (primero tranvías y trenes y después e instrumentos urbanos han trascendido la autobuses), el crecimiento de la población geografía latinoamericana, para ser adaptados (debido a la inmigración del campo) y la en algunas ciudades de Europa, como es el expansión urbana. Al mismo tiempo que se 92 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta buscaba higienizar la ciudad y permitir la gobiernos y casas editoriales difunden masiva y fluidez de los nuevos transportes, se pretendía estratégicamente las “novedades” urbanísticas modernizarla y embellecerla. Así, en el último de sus ciudades, con el propósito de vender cuarto del siglo XIX y la primera mitad del siglo servicios, programas, políticas y proyectos a las XX destacadas figuras del urbanismo europeo urbes del llamado “tercer mundo”. Aquí, para (Forestier, Agache, Bouvard, Le Corbusier, y hacer negocios, se trata de transferir políticas, después Sert) fueron invitados a trabajar o sistemas de planificación estratégica y formas a aportar ideas para la modernización de de gestión que han demostrado su “éxito” en varias ciudades latinoamericanas (Hardoy, las ciudades del “primer mundo”. Esta segunda 1995). Queiroz y Pechman (1996) analizan la actitud coincide con la de los organismos presencia de urbanistas franceses en Brasil. internacionales de financiamiento, como el También pueden mencionarse las iniciativas Banco Mundial y en nuestra región el Banco de algunos arquitectos, como Carlos Contreras Interamericano de Desarrollo, instituciones que (Ríos, 2008) y Karl Brunner (Hoffer, 2003), que promueven un “menú” de “recetas probadas” entre las décadas de 1920 y 1940 intentaban en distintos contextos urbanos para confrontar introducir en los países latinoamericanos la “con éxito” algunos problemas y desafíos planificación urbana practicada en ciudades de urbanos. Estas instituciones de financiamiento los países más desarrollados. fueron actores clave en el período de la guerra Asimismo, otros urbanistas foráneos, fría y tuvieron un papel importantísimo como residentes temporales o permanentes promotores del “desarrollismo” en las décadas d e nue st ra re gión , han ap or t ad o sus de 1950 a 1970, y en la década de 1990 conocimientos y experiencia en la búsqueda participaron activamente en los procesos de de nuevos rumbos para la planificación reformas estructurales (políticas y económicas) urbana, la modernización de las ciudades y la en América Latina. solución de los problemas urbanos locales; y Algunos ejemplos dan cuenta de la han realizado ricas aportaciones teóricas. Por diversidad de prácticas foráneas reproducidas citar a algunos de ellos podemos mencionar a en América Latina, lo que abarca desde Gilbert (1997), Gormsen (1981 y 1989), y Bähr la producción de planes estratégicos, y Mertins (1995). megaproyectos hasta la adaptación de algunos Actualmente las “novedades” instrumentos urbanísticos. urbanísticas europeas y anglosajonas continúan siendo una referencia en América Latina. Se trata de una relación dialéctica y asimétrica. El modelo Barcelona for export Por un lado, algunos arquitectos, urbanistas y gobernantes latinoamericanos buscan ávida y El proceso de transformación urbana de acríticamente emular las “modas” urbanísticas Barcelona con motivo de las olimpiadas del llamado “primer mundo”; en tanto que de 1992, realizado entre 1980 y 1995 fue otros latinoamericanos lo hacen de manera reconocido como un modelo exitoso por crítica. Por otro lado, algunos consultores, diversas agencias internacionales como Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 93 Victor Delgadillo el Programa de Gestión Urbana, el Centro donde los pobres, inmigrantes ilegales y Hábitat de Naciones Unidas, la cooperación marginales han pagado muy altamente el costo alemana GTZ, el Programa de Naciones Unidas en la producción de un “modelo” socialmente para el Desarrollo, etcétera. Este “modelo” excluyente. ha sido ampliamente promovido y difundido en muchas ciudades. En este contexto, Borja y Castells (1997) reconocen el papel de los El Banco Interamericano de Desarrollo (BID) consultores catalanes en el Plan para Puerto Madero de 1990 en Buenos Aires, 4 y en la El BID es una institución que promueve el elaboración de los Planes Estratégicos de Río otorgamiento de créditos para la realización de Janeiro de 1995 y de Bogotá del año 2000, de diversos programas y políticas urbanas en los que el mismo Jordi Borja fue consultor. para confrontar diversos problemas en las Se trata de una gran campaña realizada ciudades y promover el desarrollo: construcción por algunos consultores catalanes para de infraestructura y vivienda, recuperación de conquistar ávidos mercados (es decir, ciudades centros históricos, mejoramiento de barrios, y ayuntamientos) interesados en emular el etc. El otorgamiento de los préstamos del BID éxito vendido por Barcelona. El libro de Puig está condicionado a la adopción de formas (2009), Marca Ciudad, más que académico de gestión y administración de los créditos desde la dedicatoria parece un folleto que adquiridos por los gobiernos nacionales y vende la adaptación del modelo Barcelona locales, para facilitar el funcionamiento del “para las ciudades Latinoamericanas que están libre mercado. Así por ejemplo, en la década rediseñando su futuro”. de 1970 el BID promovía el turismo en las Golda (2007) da cuenta de la aplicación áreas patrimoniales (zonas arqueológicas de de los principios urbanísticos barceloneses en Perú y centros históricos de Cuzco y Panamá), el Plan del Centro de Lima de 1989 con todo mientras que desde la década de 1990 el “el dogma de la multifuncionalidad del espacio BID, igual que el Banco Mundial, reconoce al público” en el que el Parque de la Exposición patrimonio cultural como un capital económico (cuyo origen se remonta a 1872) se transformó capaz de generar riqueza. En el ámbito de la en Parque de la Cultura. En este caso el recuperación del patrimonio cultural esto se promotor del plan fue un arquitecto local que traduce en el impulso a la participación del estudió y trabajó en la capital catalana. sector privado en el financiamiento, rescate Por su parte, un híper crítico local de ese y usufructúo del patrimonio cultural, lo que “modelo” (Delgado, 2007) dice rabiosamente abarca la (des)regulación urbana; la generación que se trata de la “venta de mentiras”: una de condiciones idóneas para la operación del ciudad habitada que ha sido “ordenada”, mercado inmobiliario; y el retorno de la buena maquillada, empaquetada y vendida como si clientela (ver Rojas y De Moura, 1999). Un fuera una mercancía, una top model. Para él, caso paradigmático fue el préstamo otorgado se vende una Barcelona aséptica, bien portada, en 1994 para la recuperación del Centro gentrificada y parquetematizada, una ciudad Histórico de Quito, ciudad que tuvo que crear 94 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta una institución público privada, la Empresa de diseminan al resto del mundo. Esta idea es Desarrollo del Centro Histórico, para operar a menudo constatada al evidenciarse que ese crédito e incorporar al sector privado en la varios políticos, urbanistas, planificadores recuperación y aprovechamiento de la herencia urbanos y arquitectos de la región, con edificada. gusto importan sistemas de planificación y ordenamiento territorial, proyectos, políticas y modelos urbanos foráneos (fundamentalmente Algunos instrumentos para el desarrollo urbano europeos y anglosajones) para intentar confrontar problemas urbanos locales o En materia de instrumentos urbanísticos desarrollar estrategias de competitividad destacan, por ejemplo, las Zonas Especiales urbana; mientras que los académicos y otros de Desarrollo Controlado (Zedec), actuales estudiosos de los temas urbanos con gusto Programas Parciales de Desarrollo Urbano, de adoptan teorías urbanas foráneas para explicar la Ciudad de México, inspiradas en las Zones los procesos urbanos locales.5 de Amenagement Controllé (ZAC o Zonas de Sin embargo, frente a estas visiones Gestión Controladas) de Francia. Mientras que simplistas que reducen la circulación de las los Sistemas de Transferencia de Potencialidad ideas, los paradigmas y las políticas urbanas del Desarrollo Urbano o del Potencial de a esquemáticos procesos lineales (centro- la Capacidad Construible aplicados en las periferia, original-copia) se ha avanzado y Ciudades de México, Río de Janeiro y Buenos actualmente se reconoce que se trata de Aires, están inspirados o son adaptaciones de procesos más complejos (Jajamovich, 2013), los Sistemas de Desarrollo Transferibles de las bien lejos de las visiones eurocentristas 6 y ciudades estadounidenses (ver Rojas et al., reduccionistas: 2004, p. 224). • A m é r ic a L at ina ha mante nid o un diálogo respetuoso y crítico, así como un interés constante con las apor taciones Centro periferia, original y copia, importación y exportación de políticas urbanas teóricas urbanas provenientes de los países hegemónicos (con sus poderosas cadenas editoriales que inundan nuestros mercados de libros con traducciones al español y al En el debate sobre la forma en que circulan las ideas, los paradigmas y las políticas urbanas aún permanecen algunas visiones anglo y eurocentristas, en donde igual que portugués). • La circulación de las ideas se ha acelerado y multiplicado en un mundo globalizado. • Muchos colegas “foráneos” que se en las visiones dependentistas, prevalece han avecindado y radicado temporal o la idea de que las innovaciones urbanas permanentemente en América Latina, han provienen del corazón de occidente (el realizado grandes aportaciones prácticas y primer mundo, las ciudades globales, los teóricas para la comprensión de los procesos países más desarrollados) y desde allí se urbanos locales. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 95 Victor Delgadillo Conviene citar aquí dos críticas a las visiones eurocentristas: en boga. Muchos latinoamericanos hemos estudiado en países del llamado primer • Robinson (2009) señala que la modernidad mundo y a diferencia de muchos colegas más que occidental es cosmopolita, y que monolingües (sobre todo los anglosajones) la idea de la invención, apropiación o copia leemos y nos mantenemos actualizados sobre es una actitud o toma de posición frente al lo que se escribe en otras lenguas sobre el mundo. Ella pone de ejemplo dos ciudades, mundo urbano (hasta traducimos y reseñamos Nueva York y Rio de Janeiro, que a fines trabajos escritos en idiomas foráneos) , del siglo XIX y principios del XX adaptaban pues tenemos un interés en el conocimiento con gusto los modelos ur banísticos y universal y de ninguna manera renunciamos arquitectónicos franceses: la primera se a las aportaciones extranjeras. Sin embargo, asume como ciudad moderna y cosmopolita, retomamos críticamente lo que consideramos y olvidó que su cosmopolitismo urbanístico es que aporta para explicar nuestras y otras una apropiación, copia e imitación de otras realidades urbanas. culturas; mientras que en la segunda, desde la A simismo, vivimos en un mundo década de 1920 se mantiene la idea de que la globalizado en el que (así sea de forma modernidad es foránea y es una copia que no asimétrica) tenemos acceso a un importante ha podido invisibilizar la pobreza urbana. cúmulo d e cono cimiento científ ico, e Este mismo debate se repite en un interactuamos directa e indirectamente libro reciente sobre el nuevo urbanismo con colegas, expertos y profesionistas de colonizador. Atkinson y Bridge ( 20 05 ) los países del norte y/o del sur que van y presentan la idea de establecer una sede vienen a estudiar o son enviados a cooperar del Museo Guggenheim en Rio de Janeiro, y trabajar en el sur (y en menor medida a principios del siglo XXI, como una clara en sentido contrario ) . Estas relaciones evidencia del urbanismo colonizador. Sin (cada quien con su formación profesional, embargo, en ese mismo libro la sede de ese académica, así como con sus paradigmas, museo en Bilbao aparece como una marca visiones urbanas e intereses profesionales y y un modelo exitoso de renovación urbana económicos), que se realizan en el marco de ¿Porqué en Rio una sede del Guggenheim es profundas desigualdades económicas entre una evidencia del urbanismo colonizador y en las partes participantes de estos intercambios, Bilbao no? contribuyen al enriquecimiento científico y al • Es evidente que las teorías surgidas en países foráneos, particularmente los avance de las ciencias sociales en materia de los estudios urbanos. anglosajones, han tenido una influencia en Por ello, en nuestro quehacer la agenda de investigación de la región (el profesional promovemos la difusión crítica postmodernismo, la ciudad global, etc.). Sin de las aportaciones teóricas foráneas y de embargo, rechazamos la idea que coloca a las buenas políticas locales y foráneas que los investigadores latinoamericanos como adaptadas a las condiciones locales pueden actores pasivos que adoptan paradigmas coadyuvar a la solución de problemas 96 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta específicos. Sin embargo, somos críticos ciudades latinoamericanas gobernadas d e l a s ll a m a d a s “b u e n a s p r á c t i c a s”, por partidos políticos con las más diversas especialmente cuando quienes las promueven orientaciones políticas, conducen a plantear son organismos internacionales legitimadores la hipótesis de que existe un “Urbanismo a la del modelo neoliberal. Carta” para confrontar diversos problemas y desafíos urbanos, que se oferta a los gobiernos locales y nacionales por parte de consultores, Políticas, programas y acciones urbanas ¿urbanismo a la carta? bancos de desarrollo, agencias de cooperación internacional, la Organización de Naciones Unidas y otras instituciones internacionales. Este “Urbanismo a la Carta” presenta, cual menú de restaurante, una variedad de entradas, La repetición del mismo tipo de programas ensaladas, platos fuertes y postres ad hoc para y políticas urbanas y la difusión “exitosa” de distintos gustos y precios, lo que abarca la algunas experiencias urbanísticas en varias “cocina” típica, regional e internacional. Urbanismo a la Carta, Menú Acciones puntuales De bajo costo y con una gran visibilidad mediática Programas urbanos diversos De bajo costo que no necesariamente implican la realización de obra pública Formulación de planes estratégicos. Programación de eventos culturales en espacios públicos.7 Introducción de políticas y programas de seguridad pública. Promoción del turismo urbano. Instalación de playas urbanas en el verano. Introducción de carriles confinados para el uso de bicicletas. Proyectos y megaproyectos urbanos Realización de Megaproyectos: recuperación de frentes fluviales, reconversión de zonas fabriles, construcción de proyectos ícono, etc. Recuperación de centros y barrios históricos. Introducción del Sistema de Metrobús en un carril confinado. Otorgamiento focalizado de becas para población vulnerable. Aplicación del ejercicio de los presupuestos participativos.8 Reubicación del comercio informal. Introducción de parquímetros (para ordenar el tráfico y desplazar a los “cuida” autos). Remozamiento y recuperación del espacio público. Introducción de eco bicicletas como sistema de transporte público. Estrategias de marketing urbano Campañas de marketing urbano: Ciudad Verde, Ciudad global, Ciudad compacta, Ciudad sustentable, equitativa y competitiva / Ciudad para todos / Ciudad de la esperanza / Primero los pobres (porque siguen los ricos). Programa focalizado de mejoramiento de barrios. Realización y participación en conferencias internacionales para presentar los “logros” de una “gestión exitosa”. Programas de mejoramiento de vivienda popular con microcréditos. Negociar en foros internacionales para ser la sede de algo: Capital Cultural, Encuentro internacional de Alcaldes, etc. Nota: Los “platillos” del menú pueden cambiar de lugar y ser ofrecidos en paquete (menú completo) o en partes. Un pedido puede no tener entradas o postre. Así por ejemplo el comensal (ayuntamiento, gobernante, inversionista) puede considerar la elaboración de un Plan Estratégico o una campaña de marketing como “el plato fuerte” de su gestión o inversión. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 97 Victor Delgadillo Los chefs o cocineros de este “Urbanismo urbanas considero necesario presentar algunos a la Carta” son destacados académicos datos de las tres ciudades objeto de estudio y consultores foráneos, los organismos para contextualizar las acciones desarrolladas financieros internacionales (en nuestra en ellas. región el BID), las agencias de cooperación internacional y también los profesionistas locales en nuestro papel de académicos, consultores o funcionarios públicos. Algunos datos sobre Buenos Aires, Ciudad de México y Quito Por cuestiones de espacio, en este artículo desarrollamos sólo algunas de las Las tres ciudades han sido sede del poder recetas de este “Urbanismo a la Carta”: político desde la época de la colonia, son el sistema de transporte en bicicleta, las la capital de su respectivo país desde la políticas sobre el espacio público y los independencia y tienen una dimensión programas de mejoramiento de barrios. Las metropolitana, pero son muy diferentes en razones de esta elección responden al énfasis dimensión física, demográfica, formas de actual de la política urbana en la Ciudad de gobierno, origen, función económica, historia, México, en donde este conjunto de políticas etcétera. Así por ejemplo, en términos de públicas se presentan no sólo como políticas población, la zona metropolitana de la innovadoras sino como una invención “local”. Ciudad de México es una vez y media mayor Sin embargo, como se puede comprobar en que la zona metropolitana de Buenos Aires este artículo, se trata de la recreación de y casi nueve veces mayor que el Distrito políticas y programas urbanos que han surgido Metropolitano de Quito. Mientras que sólo antes o de manera casi simultánea en otras la Ciudad de México es tres veces mayor que ciudades latinoamericanas. Asimismo, antes Buenos Aires Capital Federal y 5.4 veces mayor de presentar algunos programas y políticas que la ciudad de Quito. Población y Vivienda 2010 Buenos Aires Ciudad de México Quito Metrópoli Ciudad Metrópoli Ciudad Metrópoli Ciudad Población 12,801,364 2,891,082 20,019,381 8,851,080 2,239,191 1,619,146 Vivienda 4,230,636 1,082,998 5,827,109 2,453,770 763,719 550,265 Fuentes: Elaboración propia con base en datos del Inec (2010); Inegi (2010). 98 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta Sin embargo, las tres ciudades y los tres países presentan problemáticas Introducción de sistemas de transporte en bicicletas económicas, políticas públicas y turbulencias políticas semejantes o coincidentes. Así por ejemplo: 1) En el marco de reformas políticas en 1996 y 1997 las ciudades capital de Argentina y México, respectivamente, eligieron democráticamente a sus gobiernos locales por primera vez en la historia; 2) La economía argentina estuvo dolarizada durante un período de 10 años y la ecuatoriana se encuentra dolarizada desde 2001, en ambos países un mismo personaje fungió, Este apartado está basado en trabajo de campo realizado en febrero de 2013 (Quito), mayo de 2013 ( Buenos Aires) y durante agosto – octubre de 2013 (Ciudad de México), así como en información obtenida en las siguientes páginas de internet, visitadas en oc tubre de 2013 : Gobierno Autónomo d e la Ciu da d d e Bue n o s A ir e s w w w. ecobicibuenosaires.gob.ar; Gobierno de la en diversos momentos, como secretario de Ciudad de México www.ecobici.df.gob.mx; economía; 3) A pesar de procesos locales Gobierno de Quito www.biciq.gob.ec/web. de desindustrialización, las tres ciudades Buenos Aires, la Ciudad de México contribuyen de manera importante a la y Quito han introducido recientemente el economía nacional. En el año 2000 Buenos sistema de transporte público en bicicletas. En Aires aportaba el 25% del producto interno las dos primeras esto ocurrió en los meses de bruto nacional y la Ciudad de México el 22.3%, marzo y febrero de 2010 respectivamente, y mientras que Quito concentraba el 30% de en Quito en julio de 2010. En las tres ciudades la industria nacional; 4) Los tres países han el sistema incluye el confinamiento de padecido fuertes crisis económicas y grandes algunos carriles para la circulación exclusiva cambios políticos desde 1990: en bicicleta, un sistema de disposición de economía mexicana sufrió un crack en bicicletas en préstamo en Buenos Aires, y en diciembre de 1994 y su moneda se devaluó alquiler Quito (25 dólares anuales) y Ciudad fuertemente en el trascurso de 1995; la de México (con costos desde 400 a 90 pesos economía del Ecuador tuvo una fuerte crisis en mexicanos si es por un año o por un día 1999 y en el 2001 se dolarizó; mientras que la respectivamente). • La economía argentina tuvo su crack entre 2001 y 2002 y se desdolarizó ese último año. El sistema más grande es ofrecido en la Ciudad de México con 275 estaciones, cuatro Constantes crisis políticas, económicas y mil bicicletas y 87 mil usuarios; seguido de financieras, generadas por la introducción de Buenos Aires con 28 estaciones, 750 bicicletas políticas de ajuste de la economía y casos de y 70 mil usuarios registrados. Mientras que corrupción, han ocasionado la destitución de en Quito el sistema tenía 25 estaciones y 425 varios presidentes en Ecuador (Bucaram en bicicletas. Buenos Aires pretende incrementar 1997, Mahuad en 2000 y Gutiérrez en 2005) el sistema hasta llegar a 3 mil bicicletas, 200 y Argentina (De la Rúa en 2001, aquí además estaciones y automatizar el servicio para transitaron varios presidentes interinos). funcionar las 24 horas del día. • Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 99 Victor Delgadillo Curiosamente el Gobierno de la Ciudad de México, que se autodesigna de izquierda, es el único que ha concesionado el servicio comparación con las metrópolis del primer mundo. Así: • Mauricio Macri señala que éste es un EcoBici. Aquí el sistema es operado por Clear programa “en línea con las tendencias Channel a través de su división Smartbike mundiales” y con las grandes capitales como (una firma que opera en Oslo, Barcelona, “París, Nueva York, Barcelona y Bogotá” Estocolmo, Verona y otras ciudades) en (Fuente: GCABA Boletín del 22/6/2012). conjunto con una de las empresas de Carlos • En la inauguración de EcoBici en la Ciudad Slim (el inversionista más rico del país) que de México, en febrero de 2010, el alcalde puede cobrar el alquiler de una Ecobici a través Marcelo Ebrard decía que éste sistema “nos del sistema telefónico Telmex. En cambio, en pone al mismo nivel que ciudades como Buenos Aires Mauricio Macri no consiguió Barcelona, París y Washington” (Fuente: El concesionar el sistema Mejor en Bici o Ecobici Universal 16/2/2010). por oposición social y en el parlamento local. Llama la atención que el sistema funciona en la parte bonita o moderna de Políticas sobre el espacio público las tres ciudades (centro de las ciudades, distritos de negocios, centros y barrios El espacio público, como concepto, tiene históricos recuperados), al margen de los múltiples significados y dimensiones: política, barrios populares y bien lejos de los barrios física, urbana y otros más. Algunas visiones periféricos, donde vive la mayor cantidad reducen este concepto al ámbito de la de población. Si bien es cier to que el ideología dominante o a los espacios urbanos discurso en la promoción de este sistema de abiertos. Nosotros reivindicamos una definición transporte público, es justamente contribuir más amplia del concepto que puede inscribirse a la descongestión del tráfico en las áreas en el ámbito de la filosofía política. En una urbanas centrales, curiosamente estos versión sintética, Rabotnikof (2010) define el sistemas no promuevan una cobertura en los espacio público por tres criterios y principios barrios populares céntricos y en las periferias básicos: 1) lo que es de utilidad o de interés urbanas, donde centenas de miles de personas común para todos (una comunidad o colectivo), realizan desplazamientos locales para ir a 2) lo que se hace y desarrolla a la luz del día, la escuela, de abasto y de compras. Tal vez lo manifiesto y lo ostensible, y 3) lo que es de estos programas de transporte no se realizan uso común, lo que está abierto y es accesible en los barrios pobres porque se teme que para todos. Esta definición amplia abarca la la población no pague por el alquiler de la política, la economía, la educación, la ciudad, bicicleta o se la robe para venderla o para su la salud, los medios de comunicación, el medio consumo personal. ambiente, etcétera. Se trata de una definición También es revelador que en los de principios que no necesariamente coincide argumentos oficiales en favor de este con el espacio público que tenemos o hemos sistema aparezca de manera protagónica una tenido. En este sentido se trata (como el 100 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta Derecho a la Ciudad) de un espacio público a para un ciudadano abstracto e ideal, ni (re)conquistar o a construir. tampoco borra las desigualdades sociales. Al Para Merino (2010) el espacio público se contrario, actualmente el espacio público es corrompe, cuando su naturaleza se convierte una ideología que sirve a las construcciones en privada, se oculta lo que debe saberse, y a los negocios que rodea y se llena de los atributos de inclusión y accesibilidad se modo adecuado para los objetivos de los transforman en excluyentes, lo abierto se cierra, inversionistas y los gobiernos. Como si los recursos públicos se utilizan como si fueran hablara de nuestro “Urbanismo a la carta”, privados, la información pública se usa de Delgado señala que las intervenciones en el manera privada, se oculta el origen y destino espacio público son una “guarnición de las de los recursos públicos, se cierran las calles y grandes operaciones inmobiliarias” (algo así plazas en beneficio privado, y el gasto social como una orden de papas fritas para un buen y la política pública se tornan excluyentes e bife). 9 inaccesibles. Delgado (2011) afirma que el espacio Para Borja (2003) el espacio público público es un concepto que recientemente no se reduce a un suelo con un uso y función se puso de moda,10 a partir de los grandes especializados, sino que el espacio público es megaproyectos de reconversión urbana. la ciudad: un lugar abierto y accesible para Se trata de una ideología que sirve para la todos, un sitio significante en el que confluyen reapropiación capitalista de la ciudad, y que todo tipo de flujos, y un lugar político de bajo el argumento del paraíso de la ciudadanía representación y de expresión colectiva de la (cortés, consciente y bien portada) excluye y sociedad. Por su parte, el espacio público en su desplaza los comportamientos inapropiados dimensión física es un espacio funcionalmente de las clases bajas (vendedores ambulantes, polivalente, que articula todo con todo, ordena indigentes, inmigrantes, prostitutas, etc.). la urbe, facilita el encuentro, el intercambio, Justo por ello, las legislaciones y normativas la movilidad y la accesibilidad de los recursos cívicas a nombre de un espacio para todos urbanos, así como la permanencia de las pretenden ordenar y controlar el espacio personas. público, y excluir los malos comportamientos. Para Delgado (2011) el espacio público Se trata de ordenanzas del tipo de la cero es un concepto que tiene una yuxtaposición de tolerancia que intentan construir un estado de concepciones e interpretaciones que abarcan: excepción y excluir u ocultar la pobreza. los lugares de libre acceso, los ámbitos para • Aquí podemos citar como ejemplo, que los vínculos sociales, los espacios de relación el Gobierno de “izquierda” de la Ciudad con el poder, los sitios del público y para las de México, comandado por Andrés Manuel relaciones en público, etcétera. La presencia López Obrador, en 2002 contrató al ex del espacio público ratificaría la democracia alcalde republicano de Nueva York, Rudolf y promovería el encuentro y las reuniones Guliani, para que lo asesorara en materia sociales. Sin embargo, el espacio público de la seguridad pública en dos territorios no es por naturaleza un lugar democrático emblemáticos en proceso de “recuperación”: Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 101 Victor Delgadillo el Centro Histórico y el Paseo de la Reforma. alumbrado público; la arborización y cuidado o En el marco de las recomendaciones de Guliani, creación de áreas verdes y plazas con juegos la mayoría de “izquierda” en el parlamento de agua, aparatos de ejercicios, etc.; o el local aprobó en 2004 la Ley de Cultura Cívica, cuidado y pavimentación de calles. En Quito que otorga instrumentos jurídicos al gobierno esa dependencia se ocupa de la nomenclatura local para combatir el comercio y los servicios y la publicidad; y en Buenos Aires de la basura. informales, el grafiti y los sospechosos. Destacan dos funciones en dos ciudades: • la Autoridad del Espacio Público, en la Ciudad de México, tiene como función la Autoridades y programas de recuperación, construcción y ampliación del “espacio público” mejora del espacio pública para crear las condiciones económicas que incentiven la inversión productiva y fomenten la creación de empleo (AEP, 2012). En las tres ciudades objeto de estudio ha • en Buenos Aires destaca el eslogan de emergido con fuerza, en la última década, Ciudad Verde y el impulso -desde 2008- al el tema del Espacio Público, al grado que los Plan “Guardianes de la plaza” consistente tres gobiernos locales han creado instituciones en un cuerpo de “Intendentes de plaza” que específicas para ello. Lo que no omite que difunde las normas básicas sobre el buen uso antes de ello se hayan realizado proyectos del espacio público, disuade las actividades de mejoramiento del espacio público en prohibidas y denuncia los delitos. Hay 380 barrios y centros históricos, bulevares (como guardianes (en tres turnos) para 88 Espacios la recuperación del Paseo de la Reforma en la Verdes en la capital porteña (GCABA, 2013). Ciudad de México 2000-2006 y de la Avenida de Mayo en Buenos Aires 1991-1993) y de otras calles simbólicas. Entre los proyectos emblemáticos se pueden mencionar: • en Buenos Aires: 1) la Remodelación En efecto, en 2008 se creó la Autoridad del Microcentro, con la peatonalización de del Espacio Público en la Ciudad de México varias calles y la sustitución de redes de (AEP, 2012), mientras que la Gerencia de infraestructura; 2) el Remozamiento de Palermo Espacio Público en Quito dejó de depender de la Viejo, y 3) el remozamiento de una parte (27 Dirección Metropolitana de Territorio y Vivienda de 130 hectáreas) del Parque Indoamericano para pasar a la Empresa Pública Metropolitana inaugurado en diciembre de 2011. de Movilidad y Obras Públicas (Salazar, • en la Ciudad de México la Autoridad del 2011). Por su parte, en 2007 se fusionaron Espacio Público en su corta vida ha realizado dos ministerios en Buenos Aires para formar 15 proyectos, los más emblemáticos son: 1) el Ministerio de Ambiente y Espacio Público el remozamiento de la Plaza, Monumento y (GCABA, 2013). Las tres dependencias públicas Museo de la Revolución, 2) el conjunto de la tienen funciones similares, son órganos de Plaza Garibaldi (con el Museo del Tequila, gestión y realización de obra pública como la el Mercado San Camilito y la Academia del mejora y sustitución de mobiliario urbano y Mariachi); el Corredor peatonal Madero, la 102 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta Azotea Verde y el remozamiento de la Av. Asimismo, es evidente que el Juárez y la Alameda Central, la Av. Pino Suarez remozamiento o creación de espacios públicos y la Plaza Tlaxcoaque. Todos ellos en el centro privilegia selectas áreas urbanas centrales, histórico. sobre todo en la Ciudad de México, en donde • en Quito: 1) la construcción del Bulevar prácticamente toda la intervención pública Avenida Naciones Unidas con la ampliación se concentra en la parte “bonita” del centro y mejoramiento del espacio público, lo que de la ciudad, donde viven o consumen las recupera el prestigio de ese sector; 2) la clases medias y altas. Con ello, se fortalece creación de la Plaza Cultural Quitumbe en el patrón de segregación funcional y social el Sur de la Ciudad; 3) el remozamiento de la ciudad. En cambio, en Quito y Buenos de la Av. Napo, en la zona centro sur; y 4) Aires hay obras simbólicas y puntuales que el mejoramiento del espacio público y la se han realizado en zonas populares como el infraestructura de La Mariscal Sucre, un barrio parque Indoamericano (así sea para ocupar turístico y de servicios. políticamente un territorio invadido en 2010 • en Buenos Aires y la Ciudad de México las autoridades sobre el espacio público también por personas sin techo) y la Plaza Quitumbe respectivamente. rescatan o mejoran los llamados “Bajo puente” Un último aspecto que me interesa o “Pasos bajo nivel” con iluminación, cámaras destacar es el discurso de los alcaldes y de video seguridad y pintura antigrafiti. gobiernos locales sobre el espacio público, así • en Quito esa autoridad es la encargada de la administración de los 9,762 estacionamientos concesionados o privados del área central, como los eslóganes que usan y responden a campañas de marketing: • Macri habla de que "El espacio público mientras que en la Ciudad de México la (…) es el lugar más democrático y el que más autoridad es la responsable de la instalación de necesitan los que menos tienen" y señala parquímetros en algunas colonias centrales de que “El Parque [Indoamericano] recupera su clase media y alta. razón de ser: un espacio público de todos y En las tres ciudades se promueve la realización de exposiciones y eventos culturales al aire libre en los espacios públicos para todos”. Fuente: GCABA: Comunicado del 13/2/2013. • El anterior alcalde de la Ciudad de remozados, creados o ampliados (esculturas México, Ebrard, decía que “El espacio público urbanas, pinturas, murales, etc.). Igualmente en permite reducir la segregación que produce Buenos Aires se realizó en 2011 el Encuentro la economía”, pero que en el centro histórico Internacional Street Art y en la Ciudad de “no se permitirá que haya vendedores México ese mismo año se realizó una actividad ambulantes, porque el espacio público es lo similar a la que acudieron los más famosos que nos hace ciudadanos y nadie tiene derecho grafiteros, stencileros y muralistas del mundo. a apropiárselo por ningún motivo”. Fuente: La Es curioso como el concepto de grafiti tiende Jornada 19/7/2012. • Por su parte, el gobierno local de Quito dice que genera y recupera espacios públicos en la a ser, o ha sido, sustituido por el de murales, esténciles, Street Art y Urban Art. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 103 Victor Delgadillo ciudad (aunque además del megaproyecto Programas de mejoramiento de barrios de la Avenida Naciones Unidas sólo ha emprendido dos más, de menor dimensión e Los programas de Mejoramiento de Barrios inversión) para disminuir los desequilibrios se remontan a las décadas de 1960 y 1970, urbanos acercando los equipamientos y cuando los gobiernos de diversas ciudades servicios a la ciudadanía. latinoamericanas recurrieron a la regularización Marketing urbano, eslóganes de de asentamientos informales y posteriormente gobierno: El Gobierno de Macri agrupa, bajo introducían infraestructuras y otras medidas de el eslogan de Ciudad Verde, varios de los saneamiento. Sin embargo, la versión actual de programas públicos aquí referidos, mientras esta política focalizada se remonta a la década que en toda la publicidad y difusión de los de 1980. El BID es un activo agente que desde programas y políticas de gobierno usa En todo la década de 1980 ha otorgado créditos para estás Vos. Ambos eslóganes son muy parecidos el mejoramiento barrial (hasta 2008 había a los que el actual y el anterior gobierno de la financiado 37 proyectos de mejoramiento Ciudad de México usaban y usan: barrial en 13 países) con el propósito de Marcelo Ebrard (2006-2012) usaba un garantizar la gobernabilidad urbana, evitar anodino eslogan de gobierno “Ciudad en conflictos sociales y combatir la pobreza (Rojas, Movimiento”, tal vez en abierta oposición al 2009). • de su antecesor López Obrador (2000-2006) En Argentina, Ecuador y México es que usaban “La ciudad de la esperanza”, pero evidente el papel protagónico del BID, en cambio su eslogan de desarrollo urbano era institución que otorgó el primer crédito para “competitivo, equitativo y sustentable”. este propósito a Chile en 1986 y cofinanció el por su parte, el actual alcalde, Miguel emblemático programa Favela Bairro desde Ángel Mancera (2012-2018), usa como eslogan 1995. Esta política focalizada, en términos de gobierno “Decidiendo juntos” y para el sociales y territoriales, pretende integrar física desarrollo urbano el de “Ciudad compacta”. y socialmente los asentamientos populares a • Es evidente que los eslóganes de la ciudad a través de un conjunto de acciones gobierno se amparan en las ideas de la físicas, jurídicas y sociales, entre las que atención y participación ciudadana; y los destacan: la dotación de infraestructuras, la de desarrollo urbano en el tema de la recuperación de áreas medioambientalmente sustentabilidad urbana, el urbanismo verde y degradas o no urbanizables; la regularización el desarrollo urbano intensivo. Sin embargo, de la tenencia de la vivienda (esto no aplica en se trata de meros discursos que no resisten la muchas ciudades); y la introducción de servicios mínima prueba de la participación ciudadana sociales y comunitarios. Los programas de más y del desarrollo urbano sustentable, pues a reciente generación también han pretendido menudo bajo estos emblemas se practican incorporar medidas para reducir la violencia políticas públicas en sentido contrario. y combatir la inseguridad pública. Asimismo, 104 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta se ha pretendido incidir en la economía local, que compitieron para ganar los recursos a través de la creación de empleos; facilitar el públicos) y los programas de mejoramiento acceso a créditos a través de la regularización de la imagen urbana abarcaban el 40% de de la propiedad inmueble; y eliminar el estigma los barrios atendidos (pintura de fachadas); socio espacial a través del acceso a una la construcción o rehabilitación de espacios dirección y a un barrio formal. comunitarios alcanzaba una cuarta parte En Argentina el Programa de Mejoramiento Barrial (PROMEBA I) data de (25%); y el mejoramiento de diversas áreas comunes y jardines constituían el resto (22%). 1996 y una segunda fase (PROMEBA II) se Se trata de nobles pero insuficientes realizó a partir de 2007. Este programa no ha políticas públicas que son definidas como operado en Buenos Aires, tal vez porque la universalistas, pero tienen una forma de dimensión de la problemática constituida por operación focalizada. Los barrios pobres deben las llamadas Villas Miseria es insignificante organizarse y concursar por la obtención de comparada con la de las otras 19 provincias fondos públicos, y los escasos recursos se argentinas, o bien porque no ha habido la reparten entre el mayor número posible de intención de reconocer esos asentamientos población y de barrios. En este sentido hay una informales. En cambio, en Ecuador y México serie de preguntas sin respuesta: ¿Se atiende esa política se remite apenas al siglo XXI con a la población más pobre o los beneficios los programas de Apoyo al Sector Vivienda son capturados por los menos pobres? ¿La (2002) y de Mejoramiento Integral de población más pobre tiene capacidad de Barrios (2007); y Hábitat I (2003) y Hábitat II organizarse y concursar un proyecto? (2007) respectivamente. En ambos casos, los asentamientos informales están excluidos de esta política pública. En la capital mexicana ese programa nacional financiado por el BID no opera, porque un gobierno de izquierda “no trabaja” con instituciones neoliberales. Sin embargo, como se verá enseguida, no Algunas conclusiones Para una agenda sobre la teoría urbana en América Latina hay diferencia alguna entre las políticas de mejoramiento barrial financiadas por el BID Este artículo ha pretendido modestamente y el Programa Comunitario de Mejoramiento contribuir a la apertura de una línea de Barrial que desde 2007 y desde la “izquierda” investigación sobre la circulación de las se opera en la capital mexicana. políticas urbanas recientes que de manera E n e f e c t o, l o s b a r r i o s p o b r e s y simultánea o diacrónica se están reproduciendo marginados de Quito y la Ciudad de México se en diversas ciudades de América Latina. Aunque deben organizar para competir por los recursos este artículo se limita a la comparación de tres públicos para mejorar sus barrios. En la Ciudad tipos de políticas urbanas que se realizan en de México en seis años se atendió a 981 tres ciudades, sabemos que estas políticas se barrios (la tercera parte de los 3,328 barrios reproducen, recrean, adoptan y adaptan en Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 105 Victor Delgadillo muchas ciudades de la región. Ello representa consultores en ciudades como Bogotá, Rio de un desafío y una línea de trabajo para futuras Janeiro y Buenos Aires. investigaciones comparadas. En el segundo caso pueden citarse La circulación de ideas y políticas por ejemplo el papel de la Secretaría urbanas se ha intensificado merced a la Latinoamericana de la Vivienda y el Hábitat propagación de las nuevas tecnologías de Popular (SELVIHP), institución creada a fines las telecomunicaciones y a la multiplicación del siglo XX por un conjunto de organismos de los intercambios, reales y virtuales, entre sociales, que constantemente realiza gobernantes, académicos, estudiantes y intercambios en materia de experiencias profesionistas de diversas ciudades, en autogestivas entre sus socios miembros de múltiples escalas: sur-sur, norte-sur, sur-norte, Brasil, Argentina, Uruguay, Chile y Paraguay. etc. Hasta donde alcanzamos a ver la actual Sobre la circulación histórica y actual circulación de paradigmas y políticas urbanas de paradigmas urbanos entre América Latina ocurre en múltiples escalas y en dos circuitos y Europa y Norteamérica se han realizado de manera simultánea y yuxtapuesta: varios y muy ricos trabajos (Almandoz, 2002; • un circuito hegemónico y bien neoliberal, Golda, 2007; Hardoy, 1995; Jajamovich, 2013; promovido por gobernantes, consultores y Queiroz y Pechman, 1996; etc.). Sin embargo, agencias de desarrollo internacional, consideramos que tenemos pendiente la • un conjunto de redes alternativas promovido realización de investigaciones que den cuenta por gobernantes y académicos críticos, cómo han circulado las políticas urbanas y organismos civiles y sociales, que lejos de la las aportaciones teóricas latinoamericanas doctrina neoliberal, y con una actitud universal en la misma región. No conocemos trabajos y abierta al mundo, aprenden de experiencias que de manera comparativa que presenten foráneas (locales, regionales e internacionales) un conjunto de programas urbanos surgidos para intentar confrontar de mejor manera los en el sur que se han propagado en el mismo desafíos urbanos del siglo XXI y las necesidades sur y en el norte, como la política de vivienda de la mayoría de nuestra población. social chilena, los presupuestos participativos En el primer caso destaca el papel desempeñado por el BID que promueve brasileños, el Metrocable de Medellín y el Metrobus de Curitiba. la reproducción de lo que esa institución considera como “buenas prácticas” en otras ciudades y países de la región, como es el caso de los programas de mejoramiento de barrios. ¿Izquierda y derecha? ¿Neoliberal anti neoliberal? También destaca el papel de los consultores catalanes en la elaboración de un conjunto Este trabajo no está en condiciones de de planes estratégicos para distintas partes responder fehacientemente a una de las de diversas ciudades (así por ejemplo, el libro preguntas planteadas en la introducción ¿Qué de Borja y Castells (1997), contiene varios es lo que hace que alcaldes y gobiernos locales recuadros que sintetizan la labor de estos con orientaciones políticas tan diferentes 106 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta ejecuten el mismo tipo de políticas urbanas? • el gobierno de la Ciudad de México que se ¿La misma visión pragmática, coincidencia autodefine como de izquierda y anti neoliberal, política, coacción económica, una ideología es más neoliberal que el conservador gobierno dominante? Consideramos que para responder de Buenos Aires. La Ciudad de México a estas preguntas tendríamos que realizar una es la única de las tres ciudades que tiene investigación en profundidad que en lo posible concesionado el sistema de transporte de abarcara la entrevista con los gobernantes, los bicicletas y de cobro de parquímetros. En esta tomadores de decisiones y los promotores de ciudad, a pesar del discurso universalista, esas políticas. Dicho análisis podría abarcar igualitarista y de izquierda, el programa de algunos aspectos biográficos relevantes, como mejoramiento barrial actúa de facto con las dónde estudiaron o dónde conocieron las reglas de operación del BID sin deberle crédito políticas urbanas que se adoptan. No obstante, alguno: mejoramiento de barrios a través de a manera de hipótesis, estamos de acuerdo concursos, hacer más (mejoramientos) con con Pradilla (entrevistado por Delgadillo, menos (presupuesto), etc. 2013) cuando sostiene que las “mismas” • la correlación de fuer zas políticas políticas urbanas y similares megaproyectos locales en Buenos Aires no han permitido al urbanos son reproducidos en distintas ciudades conservador Jefe de Gobierno privatizar el latinoamericanas por gobiernos con distintas servicio de transporte público en bicicleta. ideologías y orientaciones políticas por tres Mientras que en Quito el sistema de transporte razones fundamentales: 1) después de la público en bicicleta es controlado y subsidiado caída del socialismo real se ha perdido la raíz por el gobierno local. ideológica y el pensamiento neoliberal se ha convertido en un pensamiento hegemónico del cual se alimenta la mayoría de las tendencias políticas actuales, 2) la falta de conocimiento y La modernización selectiva de privilegiados territorios céntricos de ideología en muchos gobernantes y políticos les impide establecer las diferencias, 3) el Las tres ciudades concentran la mayor cantidad pragmatismo ha reemplazado el conocimiento, de sus inversiones y proyectos emblemáticos de igual forma que la planeación estratégico y en las partes centrales de la ciudad, donde los megaproyectos (que tienden a sustituir a la viven y/o consumen la clase media y media planeación urbana tradicional), se concentran altas: los centros de negocios, centros y barrios en algunas partes de la ciudad y no en el todo históricos. Allí, se remoza, recrea y amplía el de la ciudad. espacio público urbano, que además 1) se llena En este artículo, a partir de este análisis de actividades culturales y posibilidades lúdicas sesgado y preliminar, es curioso constatar como para atraer a más población; y 2) es objeto de las orientaciones políticas que se sostienen en nuevas y fuertes medidas de seguridad pública el discurso poco tienen que ver con la praxis. para prevenir y combatir cualquier tipo de Así por ejemplo: delitos. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 107 Victor Delgadillo En estos lugares, bellos, vibrantes, inversión pública no es recuperada. Además, higiénicos y seguros las 24 horas del día al no realizarse este tipo de acciones públicas parece cumplirse la utopía de la equidad social (ni en su dimensión física ni económica) en y territorial; el derecho a una ciudad segura y espacios públicos en los barrios populares saludable donde coexisten respetosamente ni en las periferias distantes dichas acciones las diferentes culturas, etnias y género (como contribuyen a la profundización de la dice la propaganda en Quito); el lugar donde segregación social y espacial de la ciudad. se democratiza la cultura con las exposiciones • Espacios públicos en barrios en barrios y espectáculos culturales abiertos y gratuitos populares se realizan de manera muy puntual al aire libre; y el sitio donde se encuentran los en Buenos Aires (parque Indoamericano) y colectivos locales, nacionales y extranjeros en Quito (Plaza Quitumbe). sus facetas de trabajo, estudio o recreación. • En la Ciudad de México no se realiza (ni Sin embargo, en dichos lugares no caben las siquiera como alibi) ninguna acción de espacio prácticas económicas de los desempleados público en las periferias distantes ni en los y subempleados que representan una gran barrios populares céntricos. cantidad de nuestras ciudades, quienes Ello demuestra una vez más que de se dedican al comercio ambulante, a los nada sirve autonombrarse como gobierno de servicios informales y a otras actividades izquierda y apostar por una ciudad igualitaria, “inadecuadas” para la dignidad de dichos cuando en los hechos se refuerza la histórica espacios urbanos. segregación socioespacial, las grandes La inversión pública no sólo mejora y inversiones públicas se concentran en las amplía los espacios públicos en las áreas más partes privilegiadas de las ciudad y se sigue rentables y visibles de las tres ciudades, sino condenando a la periferia a la ausencia de la que revaloriza la propiedad privada, pero dicha inversión pública. Victor Delgadillo Universidad Autónoma de la Ciudad de México, Colegio de Humanidades y Ciencias Sociales, Academia de Ciencia Política y Administración Urbana. Ciudad de México, México. [email protected] 108 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta Notas (1) Se trata de obras que mejoran el espacio público y la imagen urbana con el propósito de atraer inversión local e internacional. (2) En gran medida esta experiencia fue difundida por el exilio uruguayo, es decir por los coopera vistas perseguidos por la dictadura militar. (3) Las coopera vas Guerrero y Palo Alto en el centro y la periferia urbana respec vamente. (4) Moscato (2000) da cuenta del rechazo de los gremios de profesionales argen nos a la inicial propuesta catalana, por lo que se organizó un concurso público local para definir el plan urbano defini vo. (5) Esta ac tud no es exclusivamente “un problema la noamericano”. Inves gadores de Europa también recurren a la “importación” de conceptos en boga. Recientemente en Francia se puso de moda el concepto del gueto estadounidense para intentar “explicar” la problemá ca de sus barrios étnicos problemá cos ubicados en las periferias urbanas (Wacquant, 2010). (6) No resulta ocioso mencionar un ejemplo: en julio de 2013 estudiantes españoles que volvieron a Madrid después de una estancia de intercambio en Buenos Aires, sostenían que la capital porteña con la realización de Puerto Madero se estaba “desla noamericanizando”. (7) Estas ac vidades pueden ser (co)financiados por las embajadas de países amigos. (8) No se necesita des nar el 17% del presupuesto público territorial como ocurre en Porto Alegre, puede ser el 3% – como se hace en la Ciudad de México – o hasta menos, cuando el obje vo es hacer creer a la población que realmente “par cipa” en la definición de lo público y de la polí ca pública territorializada. (9) Merino (2010) presenta un estado desastroso del espacio público en México: el espacio público electoral ha sido debilitado por los par dos polí cos y los poderes fac cos; el espacio público mediá co es dominado por dos televisoras privadas; la economía mexicana (lejos de ser el lugar del intercambio y la producción) está marcada por la voracidad de los oligopolios; la clase polí ca actúa en su propio beneficio. Por ello, Merino sos ene que el espacio público en México es un territorio secuestrado y excluyente. Aquí, los contenidos del espacio público no son negociados, sino que se han vuelto un negocio. (10) Delgado demuestra que el espacio público es un concepto reciente que en las décadas de 1960 a 1980 casi no era u lizado. Ni Jane Jacobs, ni Jordi Borja, ni Henry Lefebvre usaban este concepto, y cuando lo mencionaban lo hacía como sinónimo de plaza y calle. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 109 Victor Delgadillo Referências AEP – AUTORIDAD DEL ESPACIO PÚBLICO (2012). Ciudad de México, Espacio Público 2009-2012. México DF, AEP-GDF. ALMANDOZ, A. (coord.) (2002). Planning LaƟn America´s Capital CiƟes, 1850-1950. Londres, Routledge. ATKINSON, R. e BRIDGE, G. (coords.) (2005). Gentrification in a Global Context: the new urban colonialism. Oxon, Routledge. BÄHR, J. e MERTINS, G. (1995). Die Lateinamerikanische Gross-Stadt, Verstädterungsprozesse und Stadtstrukturen. Darmstadt, Wissehnscha liche Buchgesellsha . BORJA, J. (2003). La ciudad conquistada. Madri, Alianza Editorial. BORJA, J. e CASTELLS, M. (1997). Local y global, la gesƟón de las ciudades en la era de la información. Madri, UNCHS/Taurus. DELGADILLO, V. (2011). Patrimonio histórico y tugurios: las políƟcas habitacionales y de recuperación de los centros históricos de Buenos Aires, Ciudad de México y Quito. México, UACM. ______ (2013). América La na Urbana: la construcción de un pensamiento teórico propio. Entrevista con Emilio Pradilla Cobos. Andamios, Revista de InvesƟgación Social, v. 10, n. 22, pp. 185-201. DELGADO, M. (2007). La Ciudad MenƟrosa, fraude y miseria del “modelo Barcelona”. Madri, Los Libros de la Catarata. ______ (2011). El espacio público como ideología. Madri, Los Libros de la Catarata. GCABA – Gobierno de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires (2012). Boleơn del 22/6/2012. Disponível em: h p://www.365buenosaires.com/buenos-aires-en-bicicleta_nota820.html ______ (2013). Espacio público en Buenos Aires.Disponível em: h p://www.buenosaires.gob.ar/areas/ med_ambiente/. Acesso em: 31 out 2013. GILBERT, A. (1997). La ciudad laƟnoamericana. México, Siglo XXI. GOLDA, K. (2007). Retracing a relation: Barcelona´s Role as Urban Model for Ibero-American Metropolises – Limas a Case Study. Trialog 93. Darmstadt, pp. 4-11. GORMSEN, E. (1981). Die Städte in Spanischen Amerika; ein zeit-räumliches Entwicklungsmodell der letzten hundert Jahren. Erdkunde, Band 35. Bonn, pp. 290-303. ______ (1989). La rehabilitación de centros históricos en ciudades de América La na y de la península ibérica. Revista Interamericana de Planificación. Guatemala, v. XXII, n. 87 e 88, pp. 233-252. HARDOY, J. (1995). Teorías y prác cas urbanís cas en Europa entre 1850 y 1930. Su traslado a América La na. Dana, n. 37/38, pp. 12-30. HOFFER, A. (2003). Karl Brunner y el urbanismo europeo en América LaƟna. Bogotá, El Áncora Editores/ Corporación La Candelaria. JAJAMOVICH, J. (2013). Miradas sobre intercambios internacionales y circulación intenacional de ideas y modelos urbanos. Andamios, Revista de InvesƟgación Social, v. 10, n. 22, pp. 91-112. MERINO, M. (coord.) (2010). ¿Qué tan público es el espacio público en México? México, FCE/Conaculta/UV. 110 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 Urbanismo a la carta MOSCATO, J. (2000). “El proceso de reconversión de Puerto Madero en Buenos Aires”. In: GUTIÉRREZ, R. (coord.). La otra arquitectura: ciudad, vivienda y patrimonio. México, Conaculta. PUIG, T. (2009). Marca Ciudad, cómo rediseñarla para asegurar un futuro espléndido para todos. Buenos Aires, Paidos. QUEIROZ, L. R. e PECHMAN, R. (orgs.). (1996). Cidade, povo e nação. Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. RABOTNIKOF, N. (2010). “Discu endo lo público en México”. In: MERINO, M. (coord.) ¿Qué tan público es el espacio público en México? México, FCE/Conaculta/UV. RÍOS, C. (ed.) (2008). Carlos Contreras. Revista Planificación 1927-1938. Tres Tomos, 27 números (1ª edición en versión digital). México, Facultad de Arquitectura UNAM. ROBINSON, J. (2009). Ordinary CiƟes. Londres, Routledge. ROJAS, E. (ed.) (2009). Construir ciudades, mejoramiento de barrios y calidad de vida urbana. Washington DC, BID. ROJAS, E. e De MOURA, C. (1999). Préstamos para la conservación del patrimonio histórico urbano, desaİos y oportunidades. Washington DC, BID – Departamento de Desarrollo Sostenible. ROJAS, E.; RODRIGUEZ, E. e WEGELIN, E. (2004). Volver al Centro, la recuperación de las áreas urbanas centrales. Washington DC, BID. SALAZAR, D. (2011). Quito un nuevo Modelo de ciudad. Folleto promocional. Trama Ediciones. WACQUANT, L. (2010). Las dos caras de un gueto. Ensayos sobre marginalización y penalización. Buenos Aires, Siglo XXI. Texto recebido em 20/ago/2013 Texto aprovado em 30/set/2013 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 111 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público bajo el neoliberalismo en la ciudad de Cuernavaca, México Theoretical frameworks and political uses of the concept of public space under neoliberalism in the city of Cuernavaca, Mexico Carla Alexandra Filipe Narciso Resumen Dentro de la construcción de la ciudad neoliberal, el espacio público se ha convertido en un concepto central y de uso generalizado en los discursos y las agendas académicas y políticas. Su uso se ha tornado polisémico, ideologizado e incluso altamente idealizado cuando se trata de legitimar la ordenación capitalista de las ciudades y de ocultar las desigualdades sociales que generan dichas intervenciones. ¿Cómo y para qué sirve al Estado y a los gobiernos neoliberales el concepto de espacio público? La respuesta a esta pregunta se desarrolla a lo largo del documento a través de un estudio de carácter cualitativo cuya metodología es comprender e interpretar para poder transformar (Massey, 1984). Abstract In the construction of the neoliberal cit y, public space has become a central concept with widespread use in academic and political discourses and agendas. Its utilization has become polysemic, ideological, and even highly idealized when it comes to legitimizing the capitalist management of cities and hiding the social inequalities that generate such interventions. What is the use of the concept of public space to the State and to neoliberal governments and how do they use it? The answer to this question is developed throughout the paper through a qualitative study whose methodology is to understand and interpret in order to transform (Massey, 1984). Palabras claves: espacio público; gobierno neoliberal; ideología política; diferenciación social; relaciones socioterritoriales. Keywords: public space; neoliberal government; political ideology; social differentiation, socioterritorial relations. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Carla Alexandra Filipe Narciso Introducción Pero, ¿cómo viven y entienden las poblaciones estos espacios ideológicos?, ¿cuál es la relación entre la forma de las El estudio del espacio público ha sido en los relaciones socio-territoriales y las nociones de últimos años un tema de persistente debate espacio público que construyen los agentes, entre diversas disciplinas, sin embargo, enfatizándose el uso y apropiación que se en él se mantiene una cierta confusión en desarrolla en los lugares, así como la percepción relación con su significado y dimensión, ya que de estos se derivan de forma conjunta y que comúnmente se refiere a una extensión complementaria en la ciudad de Cuernavaca? abstracta de uso común con el que se designa Estas preguntas orientan el presente trabajo, espacio político, opinión pública, vida pública, justificado por el conocimiento sobre el ciberespacio, dominio público y espacios físicos, espacio público de Cuernavaca y cómo este en el caso concreto a describir, las plazas. fue rompiendo y cuestionando con ideas y La evolución conceptual de los conceptos teorías predeterminadas que no se aplican al mencionados ha dado como resultado el que espacio en estudio y cuya definición puede sean tratados como sinónimos dentro de un estar conformada por distintos supuestos marco neoliberal, es decir, hablar de plaza es teóricos asociado a diferentes factores, en la lo mismo que hablar de dominio público o mayoría de los casos, contextos abstractos espacio democrático de la toma de decisiones y homogéneos. Así, ¿cómo ubicarse fuera de de la comunidad. Sin embargo, hay que tener los cánones producidos para pensar de otra en cuenta que la selección léxica que se haga forma el espacio público? Nuestro objetivo no es neutral, está repleta de significados, es generar conocimiento y teoría a partir del ideologías y de legitimización social de los caso empírico de Cuernavaca, a partir de los mismos poderes gubernamentales. Esa inercia agentes que usan, perciben y se apropian del abstracta del concepto procura justificar las espacio público. intervenciones del gobierno que no hacen En esta labor asumimos el concepto de más que aumentar las desigualdades sociales lugar como lugar de identidad y de percepción, a través de una deformación u ocultamiento pero también como una integración de de la realidad que hace creer a las clases espacio y tiempo, como un tejer de historias dominadas que participan del mismo modo en en proceso, como un momento dentro de las la sociedad, mientras las hegemonías se van geometrías del poder y, en proceso, una tarea tornando cada vez más fuertes. Como comenta inacabada (Massey, 2008). Además, si es una Delgado (2011, p. 25), “(…) la dominación no tarea inacabada y en contante construcción, solo domina, sino que también dirige y orienta ¿cómo se puede seguir hablando de un espacio moralmente tanto el pensamiento como la público en abstracto y que se territorializa de acción sociales”. Lo preocupante es que la la misma forma en cualquier contexto? Es esa validez de estos discursos está respaldada por misma concepción del espacio público y como la misma academia y viceversa, así como de se ha viniendo construyendo que hace que organizaciones nacionales e internacionales. se haya tornado un blanco por excelencia del 114 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... poder político, ya que su carácter impreciso y histórica con la que analizan la esfera pública mítico lo ha convertido en un discurso repleto se volvió un sello imperativo en el análisis de ideales e ideologías. del concepto como espacio de la ciudadanía El trabajo se estructura en cinco partes: y de la expresión igualitaria del poder y de en la primera, haremos un breve recurrido por los derechos comunes. Habermas (1984) y la evolución conceptual del espacio público y Arendt (1972) retoman la esfera pública y su correlación con la construcción histórica en privada de la civilización romana y griega la ciudad de Cuernavaca; en la segunda parte respectivamente, configurados a partir del concretamos el análisis a partir de la nueva ágora y el fórum, donde el ciudadano libre y corriente neoliberal y cómo se manifestó en los señores feudales ejercían su poder. Arendt la ciudad; la tercera parte se dedica a analizar (1972) define el espacio público a partir de una las relaciones que los agentes construyen concepción de carácter más simbólico como en los lugares concretos a partir de sus el espacio de las apariencias, la expresión de prácticas cotidianas; posteriormente, en la modos de subjetivación no identitarios, en cuarta parte, analizamos la forma en que los contrapunto a los territorios familiares y de agentes perciben y representan el concepto; identificación comunitaria, pero donde rige la finalmente, ponemos a discusión esa relación libertad y la igualdad. Habermas (1984), por su con el poder político. parte, define lo público como consecuencia y prolongamiento de las relaciones económicas; como el dominio histórico construido a partir La contracara de la concepción teórica del espacio público en la ciudad de Cuernavaca de la controversia democrática y finalmente como el espacio de uso libre y público de la razón. La postura de Habermas fue tomada de Kant que defendía que el espacio público estaba en el corazón del funcionamiento Tradicionalmente, el espacio público fue creado democrático, así como la esfera intermedia que o definido como lugar de expresión política se constituyó históricamente, en el período de y social, de interacción y modos de la vida las Luces, entre la sociedad civil y el Estado. cotidiana de una sociedad, que se expresaba Entonces, el espacio público sería el lugar igualitaria desde una perspectiva teórica. Este accesible a todos los ciudadanos, donde el marco de análisis surge en la modernidad a público se reunía para formular una opinión de partir de los escritos filosóficos de Habermas forma democrática. La posición de Habermas (1984) y Arendt (1972) que cuestionan la lleva a la construcción de un espacio público dimensión pública y privada (esfera pública) idílico que supone la existencia de individuos del espacio público y que, posteriormente, se más o menos autónomos, con capacidad de ha tornado en uno de los principales marcos formar una opinión propia, no “alienados a para su discusión. A pesar de que estos autores los discursos dominantes”, acreditando en no hayan discutido el desarrollo del concepto las ideas, argumentos y no solamente en la de espacio público como tal, la conformación confrontación física. En este contexto, el espacio Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 115 Carla Alexandra Filipe Narciso público sería la autenticidad de las palabras como Sennett (1978); Borja (2003); Giglia que se impone sobre la de los muros, de las (2003); Zukin (2010) y Ramírez Kuri (2009) vanguardias y de los sujetos de la Historia; la empiezan a reivindicar el espacio público idea de un reconocimiento del otro y no su como construcción social y como elemento reducción al estado de “sujeto alienado”; el activo en la comprensión de las relaciones reconocimiento del otro como igual y no como y prácticas sociales en que se especializan, diferente, lo que irreflexivamente marcaba las transformando tanto la estructura, la forma y la pautas de definición entre público y privado. imagen urbana como las actividades humanas Parece ser, en efecto, que era la redefinición de lo privado lo que permitía y el significado de la ciudad vivida por grupos y actores sociales diferentes. al espacio público diseñarse y afirmarse, en Las aportaciones de estos últimos contrapunto, pero siempre en función de autores surgen de la confrontación con la grupos hegemónicos. La definición de los planificación y su cambio de intervención límites entre los espacios públicos y privados funcional a intervención espectáculo y era clara y acentuada por el uso de clase, factor monumental, sumándose aquí la proliferación que, de acuerdo a algunos autores, parece de los centros comerciales, condominios que se ha perdido en varios momentos de la cerrados, pero también por la implementación historia. ¿Será que realmente se ha perdido o de políticas urbanas que fomentan los grandes es un elemento que efectivamente lo define? proyectos de renovación que han originado Las aportaciones de Habermas (1984) y Arendt una pérdida de la identidad y sociabilidad, (1972) y su marco de análisis entre esfera la generación de procesos de exclusión, la pública y privada hacen que, a partir de los privatización de la vida urbana y la desigualdad años setenta aproximadamente, el análisis social (Caldeira, 2007; Low, 2005) despuntando político del espacio público se popularice y la crisis y muerte del espacio público (Borja, gane especial relevancia en su teorización. Lo 2005; Davis, 1992; Sorkin, 2004; Duhau y anterior ha llevado a la acepción de espacio Giglia, 2008). Sin embargo, esta crisis se público como aquel que, adentro del territorio ha cuestionado en el sentido que algunos urbano tradicional, sobre todo en las ciudades rasgos de la sociedad actual ya se observaban capitalistas, donde la presencia del sector en la sociedad moderna: la desigualdad privado es predominante, es del uso común y social, la segregación y fragmentación posesión colectiva, pertenece al poder público urbana. ¿Entonces, hasta qué punto estas y como tal existe para el uso común donde transformaciones urbanas han detonado todos tienen derecho. una crisis del espacio público?, ¿cuáles son Esta imagen idealizada de un espacio los objetivos de estas transformaciones y su público moderno se ve afectada por diversos relación con la modernidad? Lo que podemos cambios urbanos, sobre todo desde una afirmar es que este tipo de transformaciones lógica neoliberal que acentuó procesos de urbanas son resultado de un amplio proceso de fragmentación y privatización. A partir de esto, reproducción de las relaciones de producción desde diferentes latitudes geográficas autores capitalistas y de la necesidad del capital en 116 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... generar excedente. En la modernidad podían ya algo más que simple acceso físico a espacios observarse, pero con otros matices. abier tos de uso colectivo, debe ser un Lo que nos parece pertinente considerar componente fundamental para la organización es el supuesto desde el que dirigimos la de la vida colectiva (integración, estructura) investigación: más que una crisis del espacio y de representación (cultura, política) de la público hubo dos transformaciones clave, por sociedad que construye su razón de ser en la un lado, una refuncionalización a partir de las ciudad. Por otra parte, el segundo atributo que nuevas estructuras urbanas controladas por se defiende como el derecho al espacio público nuevos agentes como el poder municipal y el es el derecho a espacios públicos confortables mercado; y, por el otro, una resignificación y con buena imagen 1 que promuevan la a partir del momento que el espacio público inclusión social (Carrión, 2007) aunque se se asume como un producto que puede ser pueda generar segregación social porque los comercializado desde el ideario de las clases espacios bonitos son para las zonas de ingresos hegemónicas. medios/altos y para las zonas de ingresos Ahora, esta crisis del espacio público bajos, “cualquier cosa sirve”. Estas alocuciones levantó diversos cuestionamientos sobre su denotan cierta ambigüedad y recaen sobre papel en la ciudad y el debilitamiento de los clichés preestablecidos y homogéneos propios espacios de formación de la sociedad, de de un discurso neoliberal. inclusión social, de accesibilidad y movilidad La componente idílica transversal al que se estaban generando. Se empezó, espacio público heredada de la modernidad entonces, a problematizar a nivel mundial se empieza a cuestionar desde diferentes sobre la importancia de espacios dignos posiciones académicas ya que el neoliberalismo para la convivencia y calidad de vida en lo va a detonar como un elemento condiciones de igualdad, es decir, sobre la estructurador y vertebrador del territorio de cuestión del derecho al espacio público como la ciudad, entendido como el espacio físico y un derecho humano. las funciones urbanas que en él se procesan. El Hablar del derecho al espacio público espacio público moderno era una garantía de es hablar de los atributos tangibles e las continuidades que incluía en la ciudad las intangibles del espacio público que han áreas segregadas y acercaba la periferia con el sido defendidos por diversos autores e centro. En estos discursos, el espacio público instituciones (DGOTDU – Direcção Geral do surge como el espacio por excelencia de y en Ordenamento do Território e Desenvolvimento la ciudad, es el espacio en el cual se conoce Urbano, 2008; www.pps.org; Unesco) como la ciudad, capaz de producir ciudad y generar la accesibilidad, el confort, la buena imagen integración social (Carrión, 2007; Borja, 2003; y el entorno amigable, perspectiva asociada Ramírez Kuri, 2009; Jacobs, 1992). en cierta medida a arquitectos y urbanistas. Borja (2003) explica que los valores Entonces, si el adjetivo público evoca a una vinculados a la ciudad – libertad y cohesión accesibilidad generalizada e irrestricta, un social, protección y desarrollo de los derechos espacio accesible a todos debe significar individuales y expresión y construcción Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 117 Carla Alexandra Filipe Narciso de identidades colectivas, de democracia También Ash Amin (s. d.) cuestiona las participativa y de igualdad básica entre sus actuales posturas sobre el espacio público, habitantes – dependen de que el estatuto de para el autor no se puede pensar más como ciudadanía sea una realidad material y no un sitio central de la formación política. Se solamente un reconocimiento formal. Pero, está lejos de los tiempos cuando los espacios ¿qué es la ciudadanía o de cuál ciudadanía públicos de la ciudad central eran un sitio nos habla? Parece ser una definición muy político primordial. Sin embargo, aunque abstracta (Delgado, 2011) la que Borja ofrece, nos parece pertinente la posición de Amin, el además, existen dimensiones importantes autor no hace un análisis más específico de la como la política, temporal e histórica que no historia y también cree en un espacio idílico de son consideradas. integración social, en que todos participaban Por otro lado, el origen de la crisis del por igual. A pesar de su crítica dura, Amin no vínculo social y de la crisis de ciudadanía puede imaginar un lugar desde proyecciones que Borja (2003) argumenta parece estar en comunes del espacio público porque los la pérdida de los valores (democrático) que diferentes contextos tienen representaciones otorga al espacio público, así como de su diferente s . Efe c tivamente, aunque se función relacional que, según el autor, parece construyan bajo procesos similares, los matices ser que no aísla, no segrega a los habitantes, en los que se reproducen espacialmente son pero les da la oportunidad de vivir y participar distintos. Para Amin, el verdadero público son en igualdad en la ciudad. ¿Pero hasta qué los espacios públicos de la calle, de la plaza, punto el espacio público se caracteriza por del jardín, del centro comercial, pero también ser democrático e igualitario?, ¿dónde está la los virtuales. democracia y la igualdad? Nuestra posición es Parece así que estamos frente a un diferente de Borja y más cuando consideramos espacio público con nuevos significados casos empíricos sobretodo de ciudades en – político, ideológico, social y estructural – Latinoamérica cuyas realidades son muy pensado como un recurso, un producto y una diferentes en que la construcción del espacio práctica (cotidiana, política, simbólica). público ha generado desigualdades sociales 2 Desde las distintas posiciones – las muy fuertes, como el caso de Cuernavaca. Por que reivindican la dimensión pública o la otra parte, autores como Fainstein (2005) tejen física – las perspectivas de análisis se han ido toda una crítica a esta conceptualización del entrelazando, la dimensión pública se vuelve espacio público, argumentando que este nunca espacial y viceversa, lo que ha dificultado más fue democrático, ya que no todos participaban su conceptualización, convirtiéndolo así en en los fórums y ágoras del mismo modo, un discurso ideal e ideológico o “una práctica incluso había gente, sobretodo de las clases entendida como una unidad o incluso como una bajas, que no podían asistir. Entonces, ¿dónde política dominada por una misma perspectiva”.3 está la democracia perdida? Como bien señala Delgado (2011, p. 10): 118 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... [...] el espacio público pasa a concebir se como la realización de un valor ideológico, lugar en el que se materializan diversas categorías abstractas como democracia, ciudadanía, convivencia, civismo, consenso y otros valores políticos centrales, un escenario en el que se desearía ver deslizarse a una ordenada masa de seres libres e iguales que emplea ese espacio para ir y venir de trabajar o de consumir y que, en sus ratos libres, pasean despreocupados por un paraíso de cortesía. resignificando y reutilizando. Así, ¿de qué espacio público estamos hablamos? El espacio público de Cuernavaca a finales del siglo XIX era un espacio marcadamente dividido entre la clase baja y la aristocracia; había una clara división socioterritorial entre los espacios públicos que usaban las dos clases. Incluso el mismo uso era diferenciado, ya que no era lo mismo el uso por necesidad del trabajo cotidiano de las clases bajas, a los paseos de la aristocracia que se lucia por los espacios públicos emblemáticos de la ciudad. Esa construcción ideológica lo ha Esta dualidad fue acentuada con la llegada de definido a partir de un espacio contenedor Porfirio Díaz y la inauguración del ferrocarril que parece ser igual y que se define en todos que detonó diversas obras que transformaron los lugares de la misma forma, esto es, la el centro de la ciudad y expulsaron a los experiencia entre diferentes, la posibilidad mercadores que conferían una “mala imagen” de encuentro entre desiguales, la interacción a las zonas centrales y obstruían la “belleza” e integración social, la vivencia de la ciudad de la ciudad. a partir del espacio son procesos comunes a El descontento con la administración del cualquier espacio público. Es en cierta medida presidente Porfirio Díaz levanta la revolución a partir de esta idea del espacio público y la ciudad de Cuernavaca es el palco por contenedor y reflejo, que autores como excelencia de confluencia de los ejércitos. Así, Lefebvre (1974) y, posteriormente, Santos cuando el comando de Emiliano Zapata toma (1986) y Massey (2005) proponen incorporar las calles, plazas y jardines de la ciudad de nuevas dimensiones sociogeográficas y a su Cuernavaca, la aristocracia la abandona y solo vez renovar las perspectivas tradicionales a partir de los años veinte o treinta empieza sobre la conceptualización o significado a regresar, pero va encontrar en el espacio de la categoría del espacio, propuesta privado las funciones que anteriormente que retomaremos para el análisis del depositaba en el espacio público. Este espacio público. Así, a partir del análisis periodo es marcado por una resignificación m e t o d ol ó g ico d e l e sp a cio d e Mas s e y y refuncionalización del espacio público a (2005) nos quedó claro que no podíamos través del abandono de los espacios públicos analizar el espacio público de Cuernavaca de las elites y la apropiación de espacios como un objeto inanimado, sino como un privados y una reapropiación de esos espacios objeto que está directamente relacionado por las clases bajas. El espacio público es con la conformación de la sociedad en sus así reconstruido a partir de la resistencia distintos momentos históricos así como de social y con funciones que sirven al mismo las relaciones socioterritoriales que lo van trabajo, las clases populares al ganar ese Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 119 Carla Alexandra Filipe Narciso espacio lo refuncionalizan de acuerdo a sus los años treinta y por una economía de guerra necesidades que, por un lado, es la necesidad cuyo objetivo era reconstruir las economías y de reivindicación de derechos por la tierra, por resolver la consecuente crisis de acumulación el trabajo, pero también por el esparcimiento. (Pradilla, 2009). El proyecto neoliberal aparece En los años sesenta, Cuernavaca va a así como una forma de lograr la restauración recibir mucha migración por cuenta de la del poder de clase, pero que al mismo tiempo implementación del complejo industrial, sobre hacía más vivos “(…) los efectos redistributivos todo del estado de Guerrero y empieza la y la creciente desigualdad social como un rasgo disputa por las tierras entre los asentamientos tan persistente de la neoliberalizacion para irregulares y los fraccionamientos de lujo. poder ser considerado un rasgo estructural Los diferentes grupos sociales (dentro de una de todo el proyecto” (Harvey, 2007, p. 23). misma clase social) empiezan a apropiarse Esa reconfiguración en pro de la acumulación de los diferentes espacios y a consolidarlos del capital se sienta en una política de a partir de sus prácticas (uso, percepción empresarialismo urbano y de transferencia de y apropiación). Pero esa diferencia entre la competencia de los estados a los municipios espacios es acentuada a partir de los años y al sector privado. noventa cuando el proceso de privatización En este periodo la urbanización gana del espacio en Cuernavaca se realza con las especial protagonismo como un anclaje políticas neoliberales y el surgimiento de las espacializado por excelencia para acumulación primeras plazas comerciales. y reproducción del capital. Sin embargo, Este momento de privatización de la autores como Pradilla (2009) argumentan vida pública despunta un interés en el estudio que el urbanismo a escala urbana tiende sobre del espacio público, tornándose “el a extinguirse, manteniéndose como débil centro del debate sobre las políticas urbanas, al instrumento de regulación mientras ganan ser tomado como un componente urbano capaz importancia el capital inmobiliario y sus de soportar o desencadenar otros procesos grandes proyectos urbanos o megaproyectos. económicos y culturales” (Portas, 2003). Efectivamente, si consideramos la escala de 4 la metrópoli y su importancia en el contexto global, vemos que muchos de los proyectos de renovación urbana y espacio público ¿Cómo se redefine y resignifica el espacio público en el nuevo orden económico neoliberal? se reproducen de la misma forma en esas escalas, lo que significa que se convertirán en elementos de mercantilización. Esta nueva forma de construir ciudad, y a su vez el espacio público, no hizo más que aumentar el número de condominios Una nueva política se hacía adivinar por cerrados, el conservadurismo estilístico, la aportación del intervencionismo estatal la homogeneidad, una imagen general de keynesiano que siguió a la Gran Depresión de intolerancia y el mote de reivindicación de 120 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... un espacio público moderno inexistente. formas de producción y de gestión del espacio No se ofrecieron soluciones para problemas urbano, en los grandes proyectos inmobiliarios existentes, sino soluciones para las clases conducidos por el capital privado, en espacios media y alta. ¿Qué es lo que actualmente hace públicos cerrados y controlados en forma la diferencia en el proceso de construcción privada, en el abandono de espacios públicos social del espacio público? tradicionales por parte de las clases media y En la tarea que el estado delega a los alta y la colonización de los mismos por los municipios, estos últimos se aprovechan sectores populares, entre otros (Duhau, 2003). y, conscientes de sus limitantes, empiezan Sin embargo, este no es un proceso a mostrar y mezclar una serie de intereses nuevo, recordemos las intervenciones de públicos y privados – que puede ir desde los Haussaman en París que, con el objetivo de intereses del propio presidente a agentes sanear e higienizar la ciudad, confina las privados y a grupos sociales hegemónicos. clases bajas a zonas marginadas y al uso del Esa mezcla es visible en la reproducción del cuartier (Sennett, 1978) para que las clases espacio de forma conflictiva, porque posiciona burguesas pudieran disfrutar tranquilamente intereses contradictorios en donde gana lo que de las zonas bonitas de la ciudad sin mezclarse más puede. con las clases populares. Estas intervenciones En este contexto, las infraestructuras fueron posibles gracias al apoyo de “la urbanas se vuelven imperativas para la burocracia capit alina que incentivó la acumulación y regulación neoliberal, incluso reconstrucción de París por Haussmann – cuando en el proceso simultáneamente se acumulación de capital” (Sennett, 1978), al las socava y devalúa: se coloca las ciudades igual que en México con la política económica en las fronteras de la formación de políticas del régimen porfirista. neoliberales al tiempo que son lugares de L a lógic a de poder económico y resistencia concertada a la neoliberalización de embellecimiento urbano de Por firio (Leitner et al., 2007). Díaz también se trasladó a Cuernavaca, En A méric a L atina , la e x p re sión con las carac terísticas de un contex to territorial del neoliberalismo surge a partir latinoamericano, mexicano, del centro del del agotamiento de la industrialización país, la ciudad de la eterna primavera. Lo sustitutiva de importaciones en la década de anterior ha conferido al proceso neoliberal y a los setenta y de la entrada de la economía sus mecanismos de urbanización en la ciudad en la onda larga recesiva consecuencia de la especificidades propias y seguramente muy grave crisis económica de 1982, lo que abrió distintas de otras ciudades. El gobierno de la la puerta política e ideológica a la progresiva ciudad dio continuidad y además profundizó implantación de las políticas neoliberales las metas urbanas neoliberales definidas por y al inicio de la extensión de la planeación Brenner et al. (2009), apoyadas por una clase urbana y del gran urbanismo (Pradilla, 2009, dominante muy fuerte. En este nuevo proceso p. 206). Desde los años noventa, la lógica de entra un nuevo agente, el mercado, y sale el mercado neoliberal se empieza a reflejar en las Estado. La ciudad se queda a la merced del Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 121 Carla Alexandra Filipe Narciso mercado, entra en la lógica de la privatización a la población de espacios dignos para la de los espacios: consumo de las elites (lo convivencia social, evitar el ocio y conductas que ya ocurría pero de otra forma) y el antisociales, además de atraer al turismo control de poblaciones excluidas a diferentes y generar el desarrollo de la economía escalas; promoción de políticas de marketing local. 6 Más que por las intervenciones, este territorial; reducción de los impuestos locales; programa ganó importancia por los discursos establecimiento de corporaciones público- políticos que lo concibieron como un referente privadas y nuevas formas de promoción local. sociourbano idílico, pero también una En 1991 es cuando el proceso gana mercancía y un mecanismo de control utilizado mayores contornos con el surgimiento de la como moneda de cambio para propósitos primera plaza comercial, Plaza Cuernavaca, electorales. que pretendía dar respuesta a los moradores Las obras llevadas a cabo tuvieran como de una de las zonas elegantes de la ciudad: blanco de intervención glorietas y camellones Reforma y Vista Hermosa. En el año de 2001 (principal tipología en que intervinieron), se genera uno de los grandes conflictos en la sobretodo en áreas de ingresos medios- ciudad debido a la construcción de una zona altos y altos o ejes estructurales de la ciudad comercial en Casino de la Selva, lo cual llevó a como Av. Domingo Diez y Av. Morelos. Su la destrucción de una de las zonas naturales y principal característica fue adornar con flores culturales más importantes de la ciudad. y fuentes repitiendo una imagen similar de En 2005 se construye la Plaza Galerías composición espacial en las diversas obras. junto de la autopista México-Cuernavaca, Dentro del programa se destacan dos obras como una forma de dotar a las clases medias- cuya implementación tiene relevancia por los altas de espacios de consumo diferenciados de objetivos y discursos que las acompañaran: la Plaza Cuernavaca que se había popularizado. la primera fue el Parque Tlaltenango, ya que Actualmente se encuentra en construcción no fue una determinación del alcalde sino lo que será lo nuevo centro comercial en la de un grupo de agentes de clase media-alta Av. Domingo Diez, en la zona norte de la que buscaba su propio espacio, marcando ciudad junto a Wal-Mart. Es visible cómo la las pautas de acceso y automáticamente construcción del espacio se lleva a cabo en excluyendo a los moradores de una colonia buena medida en función del mercado y de la popular colindante. La paradoja es que, en los sociedad de consumo. discursos, este era un parque resultado de la En 20 09 surge el programa de 5 “ciudadanía”. embellecimiento de la imagen urbana de El segundo ejemplo fue la construcción la ciudad de Cuernavaca, a través del cual el de la “Fuente de la Eterna Primavera y sus ayuntamiento, impulsor del proyecto, contrajo Cinco Musas” en la Avenida Teopanzolco un préstamo bancario de 600 millones de que, de acuerdo con el nuevo alcalde Sánchez pesos con el objetivo de movilizar la ciudad Gatica, “será un símbolo, una referencia y un a la modernidad y desarrollo. El programa icono (…) situando a la Ciudad de la Eterna tenía beneficios integrales tales como dotar Primavera como un símbolo emblemático a 122 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... nivel mundial". 7 El discurso del alcalde es 8 sea considerado para muchos un académico, respaldado por el diseñador y arquitecto de la autores como Borja (2005, pp. 16-17) han obra, Carlos Benítez Fuentes, tenido un papel fundamental en la función Cuernavaca no es la excepción en cuanto a la necesidad de contar con espacios dignos de convivencia social. El programa (…) ha logrado este objetivo y si hoy involucramos a las bellas artes como elemento significativo, definiéndolas como un fenómeno social, un medio de comunicación, una necesidad del ser humano de expresarse y comunicarse mediante formas, colores, sonidos y movimientos, logramos una simbiosis de estas bellas artes, la arquitectura y la escultura, señaló.9 Se unen así discursos ideológicos a partir de la cultura, como una forma engañosa pública y en las decisiones políticas, así que no es de extrañar que para él: La presentación de las ciudades como lugares nodales, las nuevas oportunidades de los territorios (argumento apoyado en emergencias y reconversiones exitosas) y la prioridad al posicionamiento en las redes globales y, en consecuencia, a su proyección exterior han sido elementos clave de la construcción del vademécum de la buena política urbana. El plan estratégico, a su vez, ha sido la herramienta operativa (o ha pretendido serlo) de las ciudades aspirantes a triunfar en el mundo global mediante el discurso «hipercompetitivo»”. de estimular la condición de exclusión de algunos agentes. Por otra parte, un factor Para el autor, el urbanismo neoliberal muy interesante y que respalda lo anterior debe ser encarado como una forma positiva es que al término de cada obra se hacía una de atraer inversión, de mercantilización de los inauguración, pero no todas las fiestas eran espacios, y esa postura está apoyada por la iguales ya que los agentes eran distintos, misma mercantilización del modelo Barcelona estas se establecían de acuerdo a la clase a varios países de Latinoamérica, del cual Borja social. La inauguración del camellón de la formó parte. Hay que resaltar las interesantes Av. Reforma (zona de ingresos altos) fue aportaciones que ha ofrecido al estudio del muy distinta del distribuidor vial de Emiliano espacio público desde un punto de vista Zapata donde distribuyeron comida y llevaron más conceptual, aunque muchas veces con grupos musicales, lo que llevó a una espantosa discursos contradictorios, entre la academia y afluencia de gente de colonias populares. la función pública. ¿Entonces, de qué espacio público Borja y Forn (1996) creen que el hablan los agentes públicos? Es visible cómo mayor desafío del planeamiento urbano en este marco neoliberal la planificación contemporáneo es aumentar el potencial anda de la mano con los discursos políticos competitivo de las ciudades en el sentido y viceversa, pero también con los privados y de responder a las demandas globales los discursos académicos. Sin embargo, este y atraer recursos humanos y financieros tema ha sido abordado de forma distinta internacionales, sin embargo, de acuerdo entre los diferentes autores, que en algunas con varios ejemplos que hemos observado, ocasiones contradicen sus posturas. Aunque el planeamiento ha sido hecho al margen de Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 123 Carla Alexandra Filipe Narciso la ciudad, en paralelo con los objetivos del de la ciudadanía por un encarcelamiento de capitalismo neoliberal. Su discurso es similar las personas en el ámbito doméstico. ¿Pero, al del alcalde Garrigós de Cuernavaca en el hasta qué punto es correcta esta afirmación? sentido de magnificar las intervenciones en el ¿Se ha abandonado el Zócalo de Cuernavaca, espacio público como forma de regenerar la o el Jardín San Juan, o el Jardín Juárez? Parece ciudad y tornarla competitiva. Aunque ya en la que no, e incluso en un clima de tanta violencia academia, él mismo acaba por reconocer que como el que vive la ciudad de Cuernavaca estos proyectos de renovación urbana como habría muchas razones para este retraimiento proyectos políticos de ciudad pueden “derivar de los ciudadanos, pero los espacios siguen en una cortina de humo llena de buenas vivos. Eso pasa porque estas obras están intenciones sin otra función que legitimar las pensadas para las clases altas de manera practicas del poder” (Borja 2005, p. 17). que los espacios de las clases bajas siguen Es importante referir en este contexto teniendo “vida”. Frente a esto, consideramos que las formas de reproducción de las que este modelo de intervención lo que sí ha políticas neoliberales no han sido siempre las hecho, a través de las nuevas formas urbanas mismas, sino que hubo una reconstitución que generó, fue aumentar las desigualdades y del urbanismo neoliberal. Sin embargo, para disparidades entre la sociedad y bifurcaciones la ciudad de Cuernavaca ha sido un proceso extremas entre la riqueza y la pobreza (Smith, tardío que ha tenido su mayor auge en el 2005). siglo XXI. El imperativo neoliberal básico En este contexto de grandes cambios de movilizar el espacio económico como urbanos, el neoliberalismo implicó la arena para el crecimiento capitalista, para la redefinición de los conceptos, de forma que conversión de bienes y servicios en mercancías autores menos ortodoxos empiezan a plantear y para implantar la disciplina de mercado la veracidad o redundancia de los mismos se ha mantenido como el proyecto político (Ramírez, 2010), entre ellos el espacio público dominante de los gobiernos locales ( Brenner ya no como un contenedor, sino como una et al., 2009). Lo que se ha hecho es introducir construcción de interrelaciones e interacciones el pensamiento estratégico y empresarial en respuesta al espacio absoluto y abstracto a la esfera de la administración urbana, (sin historia), pero que va más allá de su donde consultores “estrategas” difunden la producción idílica. propuesta de que características del paisaje Frente a este proceso de reestructuración urbano deben ser utilizadas como uno de los y reconceptualización no podemos dejar de principales triunfos en la competencia por cuestionarnos: ¿qué representa y cómo se recursos e inversiones. define actualmente el espacio público de Este tipo de intervenciones alienadas Cuernavaca?, ¿cómo se dan las relaciones de su contexto, parece reducir los lazos de socioter ritoriale s en los lugare s y su sociabilidad, de integración social, de no concordancia con los discursos políticos y identificación, además del abandono y pérdida académicos? 124 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... como localización, periodo sociourbanístico, Construyendo nuevas geografías agentes, prácticas, grupos de apropiación, orden público y orden urbano destacamos elementos como la colonia, el entorno, el Lo valioso de una investigación de índole contexto de construcción, la edad, la clase cualitativa es que son los mismos agentes social, el nivel de estudios, el lugar de origen entrevistados quienes generaran la base de los agentes, el uso, la percepción y la teórica para que uno pueda argumentar o apropiación, las relaciones socioculturales, disuadir los diversos planteamientos generales los agentes y cómo entienden su relación con las relaciones entre grupos y su posición en el espacio y, finalmente, la localización en los diferentes tipos de ciudad. Así, con base en los criterios prestablecidos y los elementos que queríamos destacar en nuestra investigación con el afán de comprender las prácticas en el espacio público, elegimos la Plazuela del Zacate, el Parque Cri-cri y las Galerías el poder político. Así, a partir de criterios tales Cuernavaca.10 sobre el tema en cuestión. La aplicación de la teoría fundamentada nos permitió hacer un análisis comparativo y construir tipos u orientaciones de lugares, pero también poner en cuestión el concepto de espacio público desde el punto de vista de cómo lo entienden Mapa 1 – Localización en la estructura urbana de los tres laboratorios de análisis a partir de la delimitación por Ageb Parque cri-cri Galerias Cuernavaca Plazuela del Zacate Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 125 Carla Alexandra Filipe Narciso Para cada espacio público procedemos al vuelve un lugar violento y lleno de borrachos levantamiento de entrevistas semiestructuradas acorde al imaginario de algunos agentes. a los distintos agentes que se encontraron. De Aun así pueden estar tranquilos y convivir, esta forma nos fue posible determinar qué además su centralidad permite la movilidad fenómenos estaban ocurriendo en los lugares a cualquier parte, tornándose muy accesible en un contexto urbano como Cuernavaca, así (física y económicamente). Esa centralidad es como la relación que los agentes tienen con el compartida por la mayoría de los agentes y, espacio público y el poder político. más allá de ser el centro histórico, es centro de servicios, de compras, de rutas (municipios vecinos) y también turístico. Además, es un El espacio público concreto punto de encuentro y de descanso entre los diversos agentes, especialmente en la zona “Generalmente es un espacio en el cual solo donde no están los bares, ya sea por trabajo, atrae a jóvenes a venir echar música fuerte y esperando a alguien o algo, comiendo el tomar alcohol” (Mujer, 24 años, Colonia La almuerzo o aprovechando el receso del trabajo. Pradera, Preparatoria). ¿Qué pasa en Plazuela Aunque exista una diferencia en la percepción del Zacate? Plazuela es caracterizado por ser un del lugar, los que acuden saben a lo que van lugar de copas, de cervezas y de borrachos, su y qué esperan encontrar, lo que hace que se público blanco es mayoritariamente joven con identifiquen entre ellos. un nivel de escolaridad media de licenciatura. En la Plazuela del Zacate resaltan La presencia de los bares es asumida, por un algunos elementos que nos hicieron repensar lado, como un espacio agradable de convivio el papel de este espacio dentro del espacio y encuentro entre los jóvenes pero, por otra público en la ciudad de Cuernavaca, factores parte, refleja una imagen de violencia y vicio, que se puede también trasladar a otras lo que para algunos agentes (sobretodo latitudes geográficas. La centralidad de la personas de mediana edad o mayores) no Plazuela, su conexión con el Zócalo y el convida a su disfrute; simplemente es un lugar valor de la historia que de esta emana, lo de paso pues conecta dos paradas importantes convirtió en un atractivo para el poder político, de rutas, aunque hay quien dé la vuelta para construido como un recurso turístico para no cruzar. reproducción del capital. Como lugar central, La presencia de los bares y las frecuentes físicamente y simbólicamente fue arrastrando alusiones a su representación como un factor una serie de reconversiones urbanísticas que denigrante del lugar es algo común entre los la identifican actualmente como un lugar de diversos agentes, sin embargo su centralidad copas y borrachos, pero que está “bonita”. también hace que muchos lo usen por Su cambio fue fuerte, ya que la plazuela era el necesidad, es decir, por los usos prácticos del lugar donde llegaban los vendedores a vender lugar y sus cualidades físicas. Cabe destacar zacate, pasó de ser conocido por la venta de que lo anterior es posible durante el día ya flores y de vivencia popular a ser tanto un que en la noche la configuración es otra, se lugar para el público mayoritariamente joven, 126 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... influido por la presencia de los bares y como No obstante esta forma directa de un lugar turístico, hecho que se puede apreciar intervención política, los gobiernos tienen en la nota de Diario de Morelos “Tiene fama otros mecanismos de reproducción del capital la Plazuela del Zacate” (Diario de Morelos del en sociedad con empresas privadas, lo que día 9 de noviembre de 2012 en línea: http:// ha fomentado las diferencias sociales en el www.diariodemorelos.com/article/tiene-fama- espacio urbano de la ciudad: el consumo la-plazuela-del-zacate) y la exclusividad se despuntaron en Plaza El poder político hace uso de esa Cuernavaca. En Plazuela del Zacate hace falta imagen exterior como un recurso para el mejorar la basura y los bares, en Galerías: “(…) turismo y por esa razón apoya las sucesivas hacen falta tiendas que desafortunadamente recalificaciones urbanas “ya que está en el solo hay en México, (…) no existe por ejemplo circuito del turibus”, hay que poner “bonito” una tienda Armani, no existe una tienda Vuitton, y reproducir una imagen que se asemeja a no existe una tienda de marcas prestigiadas que contextos de ciudades nacionales o incluso yo creo que sea conveniente que existirán en internacionales focalizadas al turismo, aun una plaza aquí en Cuernavaca” (Hombre, 33 cuando para ellos es igualmente un lugar de años, Colonia Buena Vista, Licenciatura). Lo que borrachos. Esa transformación hace que las puede representar un lugar es necesariamente personas mayores, sobre todo las que nacieron diferente para los distintos agentes, pero en el centro, ya sea que vivan ahí o no, tengan casi siempre hay una asociación con un valor una imagen de un lugar que ya no existe y económico: mientras hacen falta marcas como que se ha perdido, acorde a su experiencia Armani y solamente se le ve un valor comercial y percepción, mientras que para los jóvenes (o posiblemente dependiendo de la clase social es un espacio muy bueno, de identidad y de y de lo que ha alcanzado puede ser un elemento relación con los suyos. Esa transformación que más comercial, de prestigio o ascensión social), diversos entrevistados refieren como algo con para otros es un lugar muy caro, pero no deja de la cual no se identifican y que está indicada ser un lugar de distracción y de paseo familiar. para un público blanco es el resultado de una Lo anterior en palabras de Fiske (1989) estrategia política que se pudo identificar a es porque el consumo no es necesariamente partir del uso, transformación, percepción evidencia de deseo de poseer, sino más bien y apropiación por parte de los agentes un indicio de la necesidad de control que el entrevistados. La Plazuela se ha construido sistema económico niega a los subordinados, a partir de determinantes económicas ya se da así la práctica del vitrineo como una que la frecuencia de visita se debe sobre forma de insertarse en el orden social, de todo a los bares, lo que hace que algunos acercarse a una clase social a la que sabe entrevistados se sientan autoexcluidos en la que no se pertenece, la presencia en el lugar plazuela, por este reemplazamiento de los genera la idealización de algo que no existe. agentes a través de la transformación que Esto es lo que define metafóricamente busca un lugar “boutique” en los términos Brummett (1994) al decir que cada uno asume de Carrión (2012). una posición en lugares como Galerías y uno Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 127 Carla Alexandra Filipe Narciso se asume como comprador o, como decía un comer, comprar e ir al cine, entonces no entrevistado: “parte de la borregada”, aunque es totalmente acertado considerar que las no compre nada. actividades culturales que antes se hacían ¿Pero será que visitar Galerías es una en la plaza pública se hayan recluido en los de las maneras de hacer y practicar ciudad centros comerciales cerrados, convirtiéndose (Cornejo, 2007)?, ¿cómo este lugar puede en una mercancía a la venta, donde la cultura asimilar la vivencia de un contexto urbano existe en forma de experiencia mercantilizada como el centro de la ciudad o incluso de las como lo define Rifkin (2000). periferias?, ¿cómo se representa este espacio en comparación con la Plazuela? Entre la representación del espacio público en el imaginario de los agentes y Galerías Cuer navac a es un lugar lo que debería ser existe un abismo, porque caracterizado principalmente por la práctica Galerías es considerado un lugar para todos, de consumo de las clases media y media-alta y de libre acceso, donde todos pueden acceder de trabajo para los pocos de clase baja. No es libremente sin tener que pagar, sin diferencia un espacio donde se promueva la interacción de clase, es decir, el polo opuesto de lo que social, solamente se reúnen pequeños grupos pasa en realidad en el espacio. Pero cuando o familias que lo acuerdan de antemano. Al se cuestiona cómo debería ser, justo debería contrario de lo que menciona Cornejo (2006) ser como Galerías, esto es, de alguna forma en relación a los centros comerciales, Galerías existe una reivindicación de espacios públicos no ha pasado de ser un lugar anónimo a un como Galerías aunque sus características o territorio construido, apropiado e íntimo. Es los elementos que lo componen no se cuajen un lugar hostil, porque es clara la demarcación a esta tipología. Existe la necesidad de estos social (incluso fue donde los entrevistados espacios exclusivos posiblemente para que no hablaron más de clase social) incluso para los exista mezcla social. agentes que comparten la misma percepción, Por otro lado, su construcción privada ya que no se extendían a hablar del lugar, ya demarcaba su constitución social, su difícil simplemente respondían está “bien”. accesibilidad está pensada para usuarios Se habla del lugar pero no como con coche y en un área de expansión urbana una experiencia propia, más bien como la de oficinas y servicios. A esta relación de experiencia del otro, pues quienes tienen accesibilidad se entrelaza la movilidad y dinero sí se identifican, ellos sí pueden centralidad, ya que Galerías es un lugar acceder, pueden comprar porque tienen céntrico para los usuarios, así que una vez dinero. Esa puede ser una función de Galerías, más podemos inferir que existen tantas no solo satisfacer necesidades individuales centralidades cuantas necesidades y formas a través del consumo, sino relacionar a los de desplazamiento de los diversos agentes, agentes con un orden social que determina lo que hace diferencias de agentes entre la su posición en el lugar. No es un lugar donde semana y fin de semana, entre los locales y los existan actividades culturales, nada más que vienen de fuera. 128 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... Es un espacio multifuncional como lo parque es de todos y una vez dentro es una define López Levi (1997), ya que la mayoría ciudad sin ley, aquí he visto personas que se lo usa con diferentes intenciones. Pero esa drogan, toman y lo demás no se lo digo por multifuncionalidad de prácticas de uso no es discusión, pero hay de todo”(Hombre, 43 años, compartida por todos los agentes debido a que Colonia Buena Vista, Primaria). la condición social es una limitante en acceso a Hablar del Parque Cri-cri después de las tiendas o hasta en el mismo espacio. Es un Plazuela del Zacate y Galerías Cuernavaca lugar de la familia, del paseo familiar, elemento es hablar de un lugar muy distinto, si puede difícil de entender con la sobrevigilancia decirse así, de un verdadero “lugar” público que existe en el espacio con reglas claras de en el sentido de las funciones tradicionales uso. ¿Será que el factor control se entiende como esparcimiento, distracción, descanso, a partir de lo que debe ser la familia, como juego, entre otros, pero también de un lugar algo controlado de jerarquización patriarcal, en el sentido de Massey (2005). Este es un con límites bien definidos? Su configuración lugar fundamental para el bienestar físico y territorial hace que muchos la usen porque psíquico de los agentes porque es un espacio saben lo que los espera: el ser un espacio donde se puede olvidar el trabajo, la rutina semipúblico les da el derecho a no ser del día a día; donde se encuentra tranquilidad, incomodados, a la exclusividad, donde uno donde es posible relajarse, distraerse, jugar, encuentra todo lo que busca, lo que uno en una palabra, cumplen con la función necesita. Pero, ¿será que todos necesitan lo tradicional de un lugar público, de un parque mismo? Esa imagen de exclusividad hace público. Por otro lado, este lugar también es idealizar un espacio patrón que responde a una forma de subsistencia ya que muchos determinada clase social y por eso tiene buena hombres buscan a diario ahí trabajo y hay imagen, pero no resulta cómodo porque hacen quien trabaja directamente en el parque. ¿Qué falta bancas y más espacio. nos dice el Parque Cri-cri? Este lugar en un Es claro que Galerías Cuernavaca está contexto urbano es mucho más que un espacio construido en respuesta al capital y como un de “cohesión social” o de estructuración de la proceso de diferenciación social, tanto para red urbana, es un lugar donde la gente busca los que a ella asisten como aquellos que no trabajo para poder sobrevivir y eso va más allá acceden o no se sienten identificados con el de lo que se conoce del espacio público. lugar. Es un espacio cerrado sobre sí mismo Para las personas que ahí buscan y también sobre la ciudad, no existe una trabajo, el concepto de espacio público conexión con la estructura urbana de la ciudad, seguramente es muy diferente y para nada un o mejor dicho, no existe con ciertos lugares espacio de integración social o regeneradora de la ciudad. Pero el capital no se reproduce del tejido social. El parque Cri-cri es un lugar solamente en espacios como Galerías, también que desde la perspectiva física se encuentra necesita de otros espacios como el Parque Cri- descuidado, además, no es apropiado, hay cri. “Sinceramente hay de parques a parques mucho mal viviente, hombres con mal aspecto, y este es el que tiene más corrupción, pero el drogadictos, hay peleas, los policías tratan Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 129 Carla Alexandra Filipe Narciso mal a los jóvenes y fue tomado por las mujeres Curiosamente, y en oposición a Galerías, prostitutas. Curiosamente, no deja de ser un donde todo apuntaba para que los agentes lugar al cual acuden familias y el monumento se sintieran cómodos, eso no pasó, pero en Escultura de Gabilondo Soler representa la Cri-cri casi todos se sienten bien, se sienten familia: bonito, tranquilo, que está bien, un cómodos, aun cuando tiene mala imagen lugar fresco por los árboles y el viento. Esto provocada por descomposición física y social nos lleva a considerar que el uso no tiene del lugar. La forma de relación con el parque es una implicación directa con la percepción, no muy personal pero también de grupo, porque se usa como se percibe y las características un aspecto relevante de esta cuestión es que físicas del lugar no condicionan el uso. Lo que todos hablaban de su experiencia personal en sí condiciona es la forma como se apropian primer persona, hecho que no ocurrió en los los distintos grupos del lugar: el modo como demás espacios. Por otro lado, hay algo que los se distribuyen en el espacio determina una une e identifica, la clase social, y posiblemente jerarquía o una forma de poder que legitima eso hace que en Cri-cri sea fácil platicar y un grupo y excluye al otro y así sucesivamente. conocerse, que sea posible una relación entre El comportamiento y las características del amistades y conocidos a partir de la frecuencia grupo crea de manera conjunta determinado e intención de uso, sea esta buscar trabajo, estigma en relación a los mismos y eso se servicios de las prostitutas o droga: “Sí, por percibe pero no hace que los demás dejen de lo mismo de que somos de la clase baja usar, porque el mismo lugar tiene demasiados económicamente hablando y sin estudio. Aquí lugares. El parque funciona como uno solo, no hay hijos de Adame o Garrigós” (Hombre, porque aunque hay diferencias entre grupos, el 45 años, Colonia Chipitlán, Primaria) parque es de todos; sin embargo se cuestiona Es importante mencionar que los tres el otro, no se aleja. El Parque Cri-cri es el lugares de análisis tienen públicos muy centro de la ciudad, forma “parte” del centro distintos, fue interesante analizar cómo se de la ciudad, del Zócalo, al cual se acede veían los unos a los otros y constatar que no fácilmente, se encuentra entre dos paradas existe una relación de cercanía entre ellos. Cada de rutas importantes con servicio a cualquier grupo se mueve de acuerdo a su condición parte, sobre todo a los municipios vecinos. social, sus necesidades y su centralidad, no Además, se encuentra cerca del Mercado significa que estos espacios sean nuevas López Mateos, factor importante considerando centralidades, sino que las insuficiencias de que la mayoría frecuenta el mercado o trabaja cada grupo, su movilidad y accesibilidad a los en él. Así, la centralidad de un lugar no lugares es lo que hace céntrico a un lugar. Esa depende de su centralidad histórica sino de movilidad también representa una alienación su accesibilidad y cercanía con los distintos frente a la ciudad porque muchos no tienen servicios, de las necesidades de cada uno y de conocimiento de lo que está ocurriendo en un grupo social con necesidades específicas, los espacios de vida de todos, tienen un es decir, nadie en Galerías va al Mercado conocimiento fragmentado de la ciudad, pero López Mateos a comprar. saben que los gobiernos Municipal y Estatal 130 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... trabajan en función de la clase alta, dejando en en él. Además en su construcción, todas esas el olvido las “colonias”. relaciones y prácticas y todos los intercambios, Así, estamos frente a espacios públicos están llenos de poder social. Son relaciones definidos por las prácticas de los agentes que de poder las que se dan en esos lugares al los usan, factor muy distinto a lo establecido en mismo tiempo que resulta en una arena de las diferentes posiciones académicas y políticas. legitimación social de los poderes políticos. Si para los agentes entrevistados el espacio Este Lugar es un entretejido de relaciones público es un lugar de trabajo, diversión, sociales, en algunas de ellas el lugar tendrá una descanso, familia y un lugar que marca la posición subordinada, mientras que en otras diferencia entre ricos y pobres, para el poder tiene una posición más o menos dominante; es político es el espacio ciudadano en el que se una apuesta política de las clases emblemáticas reproduce una imagen urbana a partir de una de la ciudad para lucirse. Además, son lugares homogeneización idealizada que agudiza la de la multiplicidad, construidos por la lucha diferenciación social y cuyo embellecimiento de poder y control social que marca la 11 diferenciación social, y finalmente está siempre En este contexto, ¿es correcto seguir hablando abierto, siempre en construcción, nunca está de espacio público como un concepto universal acabado. permite controlar socialmente la ciudadanía. y transversal a todas las latitudes geográficas? Para los agentes, el espacio público es sobre todo un lugar, un lugar a veces abstracto donde existe una confusión en relación a lo El espacio público de Cuernavaca es… que es pero no a cómo debería ser. Los agentes no reconocen en el concepto las características de un espacio público, pero si de un Lugar o de Lugares, aun cuando esa relación puede “¡Yo ya no sé qué es un espacio público ya ser conflictiva. Ese lugar en el Parque Cri-cri es todo está controlado por los políticos!”. Las el mismo parque y debe permitir la inserción prácticas de uso, apropiación y percepción en en el mercado laboral, cubrir las necesidades los espacios públicos de la Ciudad nos han básicas de los agentes (agua y baños), permitir llevado a creer que el espacio público no existe el descanso, el usufructo del fresco de la como lo han replanteando diversos estudios, vegetación, que uno se sienta libre y que sea pero sí lugares. Si el análisis de espacios de todos. públicos concretos nos alertó para esta En la Plazuela del Zacate, un espacio cuestión, cuando se preguntó a los agentes público también es un Lugar, un lugar qué era un espacio público y cómo debería accesible y disponible a todos, para toda clase ser, esta alerta se convirtió en una afirmación de gente, que no haya presiones, en el cual que lleva a reconocer el espacio público como se puede uno despreocupar, estar a gusto, un lugar, producto de una mezcla distinta de donde se puede convivir con la familia. Debe todas las relaciones, prácticas, intercambios ser para todos sin distinción, para niños, (entre diferentes agentes) y que se entrelazan limpio, muy bonito, con flores, muy amplio Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 131 Carla Alexandra Filipe Narciso donde predomine el verde. Curiosamente, control por la movilidad que refuerza el poder, en Galerías Cuernavaca el espacio público debilitando otros grupos. El debilitamiento también es un Lugar para todo tipo de hace que cada grupo se mueva de acuerdo a gente, es libre, no cobran, es de todos sin su condición social y sus necesidades, lo que restricciones y sin diferencia de clase, pero genera distintas centralidades. debe de ser sobre todo como Galerías. Así, Galerías no es un espacio público pero lo debe ser porque hay que tener lugares de exclusión, donde la pertenencia de clase sea un marcador social. Son las especificidades de estos espacios lo que los hacen lugares, construidos a partir de “una constelación determinada de relaciones sociales, encontrándose y entretejiéndose en un sitio particular” (Massey, 2012, p. 112), […] la movilidad y el control por la movilidad reflejan y refuerzan el poder. No se trata de una mera cuestión de distribución desigual y de que algunas personas se muevan más que otras. Se trata de que la movilidad y el control de algunos grupos pueden debilitar activamente la de otra gente. La compresión espacio-temporal de unos grupos socava el poder de otros. (Massey, 2012, p. 119). donde los agentes ocupan distintas posiciones. Pero también porque es “el lugar en el que el El modo en que los agentes determinan Estado logra desmentir momentáneamente la sus prácticas en los lugares no es neutro, naturaleza asimétrica de las relaciones sociales refleja su condición a partir de cómo fue que administra y a las que sirve y escenifica pensado el lugar y a quién se espera que el sueño imposible de un consenso equitativo responda. Existen objetivos claros del poder en el que puede llevar a cabo su función político en la consolidación de lugares integradora y de mediación” (Delgado, 2011, con per files diferenciados, porque hay p. 28), es decir, es una extensión material de lo que mantener una jerarquización social y que en realidad es ideología. diferentes formas de anclar al capital, a través de estructuras internas de dominación y subordinación, pero también de legitimación Espacio público y geometrías del poder social. En este proceso, el concepto de espacio público es un blanco ideal por su ambigüedad y carácter “democrático”, encabeza las agendas políticas como un elemento ideal e La forma de las relaciones socioterritoriales idealizado que provoca la ilusión de que lo de los espacios públicos de Cuernavaca que se hace es para la integración social de está determinada por múltiples factores, todos cuando, en realidad, lo que se hace especialmente por la clase social y la capacidad según Marx es camuflar toda la relación de con que el poder político territorializa en los explotación, todo dispositivo de exclusión y lugares esa diferencia de clase a partir de el papel de los gobiernos como encubridores diversos mecanismos de intervención urbana y y garantes de todo tipo de asimetrías sociales de control social. Uno de esos mecanismos es el (Delgado, 2011). 132 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... Una observación muy interesante que en Galerías, pero saben que los que tienen se pudo obtener del análisis comparativo es dinero sí. Implícitamente, en los discursos que que para que un “verdadero” lugar público justifican los proyectos de intervención en el desarrolle las funciones de esparcimiento, “espacio público” se alega el hecho de que diversión, relajación y juego, no siempre es la pérdida de sociabilización es consecuencia condición necesaria que los poderes políticos de la proliferación de espacios privados, pero realicen proyectos de recalificación urbana si pensamos en el Parque Cri-cri y la Plazuela, u otro tipo de intervenciones en el “espacio no podemos decir que eso esté ocurriendo, público”. Parece ser que estas estrategias o son espacios de sociabilidad, de interacción programas de recalificación urbana impulsados social y con dinámicas fuertes al largo de los desde los gobiernos locales, estales y agencias días. Además, esa pérdida de la vida pública internacionales son una falacia. ¿Cómo pueden asociada a la privatización de la vida colectiva estar promoviendo este tipo de programas que como los centros comerciales no se adecua no hacen más que aumentar las desigualdades a la realidad de Cuernavaca, porque no se sociales? Lo que parece aún ser más grave ha perdido la vida pública en los espacios es que no es solamente en los discursos públicos tradicionales, esa pérdida se siente políticos sino también los académicos en justo en Galerías Cuernavaca donde no existe donde comúnmente escuchamos hablar de esa sociabilidad, donde cada quien está en lo la promoción de proyectos cuya finalidad es suyo, donde la clase social es lo que identifica recalificar, reconvertir y recuperar determinados y no el encuentro, como sucede en la Plazuela espacios urbanos o concretamente espacios o el Parque Cri-cri. Este punto puede ser públicos para regenerar los espacios urbanos y una diferencia en relación a las sociedades promover la cohesión e integración social. Las occidentales sobre las que Sennett (1978) agendas políticas suman y siguen las diferentes apuntaba un repliegue de la sociabilidad al formas de tratar este tipo de proyectos, espacio doméstico, al privado, pero no hay que alentando una promoción desmentida de la perder de vista que ese “encarcelamiento” política “social” o responsabilidad “social” de era de las clases altas, las clases bajas siguen gobiernos neoliberales. viviendo los lugares públicos y, además, Aunque el urbanismo tenga como objetivo promover la articulación urbana y los espacios siempre fueron socialmente homogéneos. la equidad social, la forma como se lo ha La utilización de tres unidades de tratado no deja margen de duda de que ha análisis tan distintas nos llevó a considerar sido un anclaje espacial del capitalismo. ¿Quién que el espacio público no existe como tal, se está beneficiando con estas estrategias porque los agentes entrevistados no reconocen de recalificación urbana o intervención ese concepto para el lugar donde están privada? Seguramente no son las clases más desarrollando sus prácticas sociales. Además, desfavorecidas las que alegan su condición es un concepto demasiado ambiguo que de pobreza y su identidad con el lugar por ser puede referirse a cosas tan distintas, con usos, de la misma clase o los que no se identifican significados y representaciones dentro de un Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 133 Carla Alexandra Filipe Narciso contexto urbano tan múltiples que no se puede público y asumimos el de lugar, ya que validar como algo que tenga una aplicación el espacio no existe en la ciudad pero sí común. Aun cuando se repitan acciones como existen lugares, lugares usados por agentes sentarse, pasear, ver, comer, la forma como se distintos que juegan papeles distintos en la hace marca esa diferencia, porque no es lo ciudad, construidos a partir de determinantes mismo sentarse en Galerías que en la Plazuela específicas, conformados y estructurados o en el Parque Cri-cri. por tipologías distintas y que están llenos de A partir de esta reflexión y en el marco poder, así, es un caso para decir “La geografía de análisis de la presente investigación importa” (Massey, 1984), porque cada lugar es resignificaremos el concepto de espacio un lugar. Carla Alexandra Filipe Narciso Becaria del Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología – Conacyt. Ciudad de México, México. [email protected] Notas (1) Esta idea del derecho al espacio público hizo que desde varias organizaciones e ins tuciones nacionales e internacionales hayan elaborado “guías” para la implementación de lo que deben ser espacios públicos de calidad que promuevan la integración social. (2) Veamos los trabajos de Setha Low (2005) sobre Costa Rica y Michael Sorkin (2004) en que varios autores dan el ejemplo de diferentes ciudades estadounidenses. (3) Fernández, Amin y Vigil (2008) hacen una reflexión acerca de cómo fueron cambiando las teorías del desarrollo regional y de cómo se va formando la Nueva Ortodoxia Regional como un discurso, ideas que retomamos para hacer referencia al concepto de espacio público. (4) Considerando un proceso que se da mucho antes en otras la tudes geográficas que en la Ciudad de Cuernavaca. (5) Toda esta estrategia del programa de embellecimiento de la imagen urbana de Cuernavaca respondió también al propósito del alcalde de especular en beneficio propio. Este creó una empresa fantasma, DCA infraestructura, que estuvo encargada de las obras, y cuando estas estuvieran concluidas, la empresa daría la manutención a los espacios de forma gratuita durante un año. Sin embargo, resulta que esa manutención va costar al ayuntamiento 7.5 mdp anuales, a par r de la conclusión de las obras. (6) h p://morelosdiario.com/index.php/destacamos/298-cuernavaca- ene-imagen-digna-gracias-algobierno-municipal-.html 134 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... (7) http://www.stereomundo.com.mx/index.php?option=com_content&view=article&id=20869: inauguran-la-fuente-de-la-eterna-primavera-y-sus-cinco-musas-en-la-avenida-teopanzolco&ca d=81:cuernavaca&Itemid=458 (8) La escultura es de Ricardo Ponzanelli. (9) Ídem. (10) Al iniciar nuestra investigación no habíamos contemplado los espacios comerciales, ya que no lo consideramos como espacio público, sino privado de acceso público (semipúblico), sin embargo en el transcurso de la inves gación nos dimos cuenta de cómo estos espacios tenían una expresión muy significativa en la ciudad al mismo tiempo que se reflejaba en ellos la jerarquización de clases. Como queríamos también analizar la variedad de respuestas por clase social, tuvimos que reconsiderar los espacios comerciales y tomamos como referente Galerías Cuernavaca. (11) Incluso se puede notar una diferencia en la forma como el poder polí co u liza los conceptos, como el caso de ciudadanía. Por un lado, el espacio de la ciudadanía como el espacio de todos, de la democracia y por el otro, el espacio de la ciudadanía que debe ser controlado Referencias AMIN, Ash (s.d.). The poliƟcs of urban public space. Disponible en: h p://es.scribd.com/maria_ zarate_1/d/40469568-Ash-Amin-Poli cs-of-Ubran-Space. ARENDT, H. (1972). La crise de la culture. Paris, Ideés/Gallimard. BORJA, J. (2003). La ciudad conquistada. Madri, Alianza. ______ (2005). “Revolución y contrarevolución en la ciudad global”. In: HARVEY, D. e SMITH, N. (2005). Capital financiero, propiedad inmobiliaria y cultura. Barcelona, Universitat Autónoma de Barcelona/MACBA. BORJA, J. e FORN, M. (1996). Polí cas da Europa e dos Estados para as Cidades. Revista Espaço e Debates. São Paulo, n. 39, pp. 32-47. BRENNER, N.; PECK, J. e THEODORE, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudad y el imperio de los mercados. SUR Corporación de Estudios Sociales y Educación. Temas sociales, n. 66. BRUMMETT, B. (1994). Rhetoric in popular culture. Boston, Bedford/St. Mar n's. CALDEIRA, T. (2007). Ciudad de muros. Barcelona, Gedisa. CARRIÓN, F. (2007). “Espacio público: punto de par da para la alteridad”. In: SEGOVIA, O. Espacios públicos y construcción social. Hacía un ejercicio de ciudadanía. San ago de Chile, SUR. ______ (2012). “Dime quién financia el centro histórico y te diré qué centro histórico es”. In: ZICCARDI, A. (coord.). Ciudades del 2010: entre la sociedad del conocimiento y la desigualdad social. México, Puec-Unam. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 135 Carla Alexandra Filipe Narciso CORNEJO, I. (2006). El Centro Comercial: ¿una nueva forma de “estar juntos”? Revista Cultura y representaciones sociales, año 1, n. 1. ______ (2007). El lugar de los encuentros, comunicación y cultura en un centro comercial. México, Universidad Iberoamericana. DAVIS, M. (1992). Planeta de ciudades miseria. Madri, Foca. DELGADO, M. (2011). El espacio público como ideología. Madri, Catarata. DGOTDU – Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (2008). A idenƟdade dos lugares e a sua representação colecƟva. Bases de orientação para a concepção, qualificação e gestão do espaco público. Série Polí ca de Cidades, 3. DIARIO DE MORELOS (9/11/2012). Disponível em: http://www.diariodemorelos.com/article/ enefama-la-plazuela-del-zacate. Acesso em: 23 nov 2013. DUHAU, E. (2003). “Las megaciudades en el siglo XXI. De la modernidad inconclusa a la crisis del espacio público”. In: RAMÍREZ KURI, P. (2003). Espacio público y reconstrucción de la ciudadanía. México, Flacso/Miguel Ángel Porrúa. DUHAU, E. e GIGLIA, A. (2008). Las reglas del desorden: habitar la metrópoli. México, UAMAzcapotzalco/ Siglo XXI. FAINSTEIN, S. (1994). The city builders. Cambridge, Blackwell. FISKE, J. (1989). Reading the Popular. Londres/Nova York, Routledge/Unwin Hyman. GIGLIA, A. (2003). “Espacio público y espacios cerrados en la ciudad de México”. In: RAMÍREZ KURI, P. Espacio público y reconstrucción de la ciudadanía. México, Flacso/Miguel Ángel Porrúa. HABERMAS, J. (1984). Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro. HARVEY, D. (2007). Breve história del capitalismo. Madri, Akal. JACOBS, J. (1992). The death and life of the great american ciƟes. Nova York, Vintage. LEFEBVRE, H. (1974). The producƟon of space. Oxford, Blackwell. LEITNER, H.; PECK, J. e SHEPPARD, E. (eds.). (2007). ContesƟng neoliberalism: urban fronƟers. Nova York, Guilford. LÓPEZ LEVI, L. (1997). Los centros comerciales como espacios mul funcionales. Argumentos, n. 27, pp. 81-96. LOW, S. (2005). Transformaciones del Espacio Público en la Ciudad Latinoamericana: cambios espaciales y prác cas sociales. Bifurcaciones, n. 5. Disponível em: www.bifurcaciones.cl/005/ Low.htm. Acesso em: 16 abr 2007. MASSEY, D. e ALLEN, J. (1984). Geography maƟers, a reader. Cambridge University. MASSEY, D. (2005). “La filoso a y la polí ca de la espacialidad: algunas consideraciones”. In: ARFUCH, L. (comp.). Pensar este Ɵempo: espacios, afectos, pertenencias. Buenos Aires, Paidós. ______ (2008). Pelo espaço. Brasil, Bertrand. ______ (2012). “Un sen do global del lugar”. In: ALBET, A. e BENACH, N. Doreen Massey. Un senƟdo Global del lugar. Barcelona, Icaria. 136 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público... PORTAS, N. (2003). “Espaço público e cidade emergente”. In: BRANDÃO, P. e REMESAR, A. Design e espaço público, deslocação e proximidade. Lisboa, Centro Português de Design. PRADILLA, E. (2009). Los territorios del neoliberalismo en América LaƟna. México, UAM-X/Miguel Ángel Porrúa. RAMÍREZ, B. (2010). “De la ciudad global a la ciudad neoliberal. Una propuesta teórica y polí ca”. In: ALFIE, M.; AZUARA, I.; BUENO, C.; PÉREZ NEGRETE, M. e TAMAYO, S. (eds). Sistema mundial y nuevas geograİas. México, UAM-Azcapotzalco, UAM- Cuajimalpa y UIA. RAMÍREZ KURI, P. (2009). Espacio público y ciudadanía en la ciudad de México. Percepciones, apropiaciones y prácƟcas sociales en Coyoacán y su centro histórico. México, UNAM-IIS. PUEC/ Miguel Ángel Porrúa. RIFKIN, J. (2000). La era del acceso: la revolución de la nueva economía. Barcelona, Paidós. SANTOS, M. (1986). Espacio y Método. Geocri ca. Cadernos CríƟcos de Geografia Humana. Barcelona, Publicacions i Edicions UB, n. 65. SENNETT, R. (1978). El declive del hombre público. Barcelona, Anagrama. SMITH, N. (2005). “Capital financiero, propiedad inmobiliaria y cultura”. In: HARVEY, D. e SMITH, N. Capital financiero, propiedad inmobiliaria y cultura. Barcelona, Universitat Autónoma de Barcelona/MACBA. SORKIN, M. (ed.) (2004). Variaciones sobre un parque temáƟco, la nueva ciudad americana y el fin del espacio público. Barcelona, Gustavo Gili. ZUKIN, S. (2010). Naked city. The death and life of authenƟc urban places. Nova York, Oxford. Texto recebido em 11/set/2013 Texto aprovado em 23/dez/2013 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 137 Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano de cidade ou metrópole? Ponto de vista de uma europeia Is it possible to talk, in the 21st century, of a Latin American model of city or metropolis? A European’s point of view Hélène Rivière d’Arc Resumo A partir da indagação sobre o que se pode entender por cidade neoliberal na América Latina nos anos 1990, o artigo apresenta algumas reflexões sobre eventos que pontuaram a história das cidades, identificando quais são as categorias do passado que esclarecem as atualmente em uso nas investigações e, principalmente, as referentes aos sistemas que organizam um domínio particular: a metrópole na América Latina. Como em qualquer parte, a cidade neoliberal é a cidade financeirizada, onde a construção sob todas as suas formas, em todo o território urbano que faz agora parte dos ativos bancários, conduz à privatização dos antigos serviços e à difusão de novos serviços quase exclusivamente privados. Esta definição abarca praticamente todas as cidades da América Latina, grandes e médias, e até mesmo cidades tão diversas quanto São Paulo e Tegucigalpa. O texto destaca seis paradigmas de análise, orientadores de importantes trabalhos de pesquisa sobre o processo de urbanização latino-americano, permitindo analisar a simultaneidade e a similaridade desse processo em diferentes países e em diferentes períodos de tempo. Abstract The paper initially asks what can be understood by neoliberal city in Latin America in the 1990s and presents some reflections on events that have marked the history of cities. It identifies the categories of the past that clarify the ones that are currently in use in investigations, mainly those referring to systems that organize a specific domain: the metropolis in Latin America. As in anywhere else, the neoliberal city is the financialized city, where construction, in all its forms, in the entire urban territory which is now part of bank assets, leads to the privatization of old services and to the diffusion of new services, which are almost exclusively private. This definition encompasses practically all the cities of Latin America, large and medium-sized, and even diverse cities like São Paulo and Tegucigalpa. The text highlights six analysis paradigms that have guided important research studies on the Latin American urbanization process, allowing to analyze the simultaneity and the similarity of this process in different countries and in different periods of time. Palavras-chave: neoliberalismo; cidade latino-americana; urbanização. Keywords: neoliberalism; Latin American city; urbanization. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 Hélène Rivière d’Arc Inicialmente, levanto a hipótese de um cultural e intelectual, foram anos dourados modelo de cidade que circula na América La- para as redes de especialistas. Essas redes tina, atribuindo à noção de modelo o sentido fizeram circular suas definições dos riscos e dado pelos economistas quando procuram suas receitas em todos os continentes. Alguns saber qual é o elemento estruturador de um pesquisadores denunciaram, então, uma “des- sistema e as causas da reprodução ou não politização” das questões sociais e econômi- desse último. Porém, tomo a escala espacial cas, criticando indiretamente os especialistas da cidade como substrato do modelo e não a por dissipar as contradições não resolvidas, escala nacional. unicamente com base em sua credibilidade Do ponto de vista metodológico, contu- técnica. Em conclusão, isso remeteria o concei- do, a corroboração dessa hipótese pressupõe to de território urbano apenas à sua materiali- algumas questões prévias. Devemos pensar dade física. qual é o interesse de recorrer à noção de mo- Outros ressaltaram a complexidade e a delo. De fato, essa última permite fugir ao con- dificuldade que representa para as populações texto hegemônico de mundialização para ex- urbanas, principais vítimas desses riscos de to- plicar um processo, pois o reconhecimento de dos os tipos, enfrentar a inflação das medidas um “modelo” permite por sua vez antecipar o burocráticas e/ou jurídicas, inspiradas nas reco- futuro e as possibilidades. mendações e receitas neoliberais. Mas pode-se Saskia Sassen acredita poder reconhecer dizer também que, no outro extremo, o traba- um modelo universal da cidade global, que se lho dos pesquisadores, baseado nessas contin- diferenciaria apenas por ser – em muitos ca- gências do tempo e da história, pode por vezes sos – truncado. Assim, esse modelo nada mais aparecer com uma negação de todo impacto seria do que um retorno à hegemonia exercida de um pensamento ou de uma ação reforma- por algumas cidades e pelas redes de todos os dora, seja ela qual for. Existe aí um dilema, mas tipos, que exercem seus poderes virtuais a par- acredito que a evolução política dos anos 2000, tir dessas cidades. Para um especialista, esse cujos traços marcantes são a aspiração às re- procedimento pode ser satisfatório. Para um fundações nacionais na América Latina e à pro- pesquisador em ciências sociais e econômicas, fundidade da crise na Europa (e também nos ele me parece restritivo, na medida em que o Estados Unidos), pode contribuir para mudar pesquisador considera que o tempo (político, as modalidades dessas circulações temáticas histórico...) é uma contingência das hipóteses sobre a cidade. que ele levanta. Com efeito, propor a existên- Nesse contexto dos anos 1990, o que cia de um modelo de cidade latino-americana foi então entendido como cidade neoliberal (ou mesmo europeia) talvez se deva ao fato na América Latina? Como em qualquer parte, de a primeira década de 2000 ter vivido, aqui mas talvez mais ainda que em outros luga- e lá, momentos políticos e econômicos muito res, trata-se da cidade financeirizada, onde a diferentes. A década de 1990, que presenciou construção sob todas as suas formas, em to- a liberalização e política desenfreadas, priva- do o território urbano que faz agora parte dos tizações, abertura ao intercâmbio comercial, ativos bancários, levam, por sua vez, a uma 140 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano... privatização dos antigos serviços e à difusão de sociólogos, dentre os quais Emilio Duhau, retra- novos serviços quase exclusivamente privados. çaram essa história. Essa definição abarca praticamente todas as ci- Com um pouco de recuo, penso em duas dades da América Latina, grandes e médias, e explicações possíveis para a construção desse até mesmo cidades tão diferentes quanto São modelo espacial: a primeira remete à ausência Paulo e Tegucigalpa. de valor venal dos terrenos nos arredores das Investigar sobre os eventos que pontua- cidades até uma época recente (anos 1980), e ram a história das cidades permite identificar a outra seria o corolário do primeiro, a indefini- quais são as categorias do passado que es- ção prolongada no tempo do status da proprie- clarecem as que estão atualmente em uso e dade urbana. E os diferentes atores que ditam sobre os sistemas que organizam um domínio as regras dessa urbanização selvagem acabam particular: nesse caso, a metrópole na Améri- por ter comportamentos muito parecidos nas ca Latina. diferentes cidades para contornar esses obstáculos. O rápido aumento do valor fundiário e a passagem ao mercado constituirão subse- Alguns paradigmas observados quentemente um dos paradigmas essenciais de nossa análise. O segundo ponto que gostaria de evocar é o que vem a seguir, pois condiciona profun- Neste texto, elenco seis paradigmas que damente as novas formas de gestão das socie- foram objeto de inúmeros trabalhos. Seria dades urbanas. Deve-se vincular a rapidez da preferível atribuir-lhes uma ordem que subli- transição demográfica na América Latina e da nhasse sua importância? Não, pois correspon- aplicação do respectivo modelo teórico com a dem a elementos de análise e períodos bas- urbanização? A leitura dos trabalhos dos anos tante diferentes. 1990 nos incita a isso. Essa transição durou vin- Em primeiro lugar, pode-se notar a simul- te e cinco anos (dos anos 1960 aos anos 1990), taneidade em todos os países da América Lati- e a diferença de comportamento entre as zonas na da mais forte explosão urbana do mundo, metropolitanas e as zonas rurais era mais pro- frequentemente qualificada como espontânea, nunciada do que a diferença entre os países. informal e ilícita (acompanhada, aliás, por fenô- Segundo Maria-Eugenia Cosio, a partir de 1980 menos de implosão urbana). Que interpretação a média do número de filhos por mulher era in- socioeconômica se dava desse processo? Acre- ferior a 2,5. Isso nos faz supor que os imigran- dito ser a seguinte: na verdade, a população tes das zonas rurais mudavam de modo de vida “marginal” nas periferias esperava poder con- assim que se instalavam em zonas urbanas. Os quistar o status de proletário (ou assalariado), demógrafos, incluindo M. E. Cosio, atribuem construindo ao mesmo tempo seus territórios essa transição extremamente rápida que marca específicos que se tornariam rapidamente a fundamentalmente as sociedades latino-ameri- expressão da maior expansão urbana do mun- canas a duas causas essenciais. Primeiro, eles do (o atual sprawl, ou espalhamento). Muitos se referem à importância das políticas médicas Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 141 Hélène Rivière d’Arc na América Latina desde os anos 1930, e de- asseptizada da sociedade, sintetizando a di- pois, à mudança de atitude das famílias pobres versidade dos status profissionais, dos ofícios, urbanas no que diz respeito à fecundidade. De das atividades e das condições sociais. Por isso, fato, a multiplicação de filhos por família não elas parecem ser aceitas como “dados fixos”, seria mais, desde os anos 1980, uma segurança impossíveis de se questionar. “Sou da classe para a sobrevivência da família, mas ao contrá- ‘D’”, especifica um comerciário. Isso deve ser rio, para enfrentar a crise, as mulheres teriam suficiente para explicar seu modo de vida e, sido levadas a um uso generalizado de anticon- ainda mais, seu comportamento. Mas essas ca- cepcionais, à sua disposição em condições de tegorias são, ao mesmo tempo, um instrumento acesso fáceis, sobretudo nas cidades. técnico de urbanismo comum aos arquitetos, Essa mudança coincidiu, em todas as par- promotores e gestores, já que o recurso à sua tes, com uma política de apoio à família urbana existência remete à intervenção no espaço ur- imaginada no México, mas rapidamente difun- bano em construção ou transformação, tanto dida em todo o subcontinente, através de mo- do ponto de visa das infraestruturas, como dos delos bastante próximos e em cuja aplicação a serviços e da moradia. Principalmente, elas re- responsabilidade das mulheres é valorizada. Si- velam o futuro possível de um bairro, pois tra- multaneamente, a esperança de vida aumentou duzem a capacidade de seus habitantes de pa- a um ritmo igualmente rápido, fazendo então gar impostos, mas ainda mais de obter crédito.1 surgir uma sociedade urbana composta por di- O que remete a uma definição de um modelo versas gerações. de cidade "latino-americano” hoje “financeiri- Em outras palavras, as condições de- zado", suportado por um valor fundiário urba- mográficas atuais não contradizem os pressu- no em aumento muito rápido. Esses aumentos postos teóricos considerados universais, mas de preços obrigam as diferentes categorias da os posicionam em uma perspectiva conjun - população a modificar suas estratégias tra- tural com os desvios e divergências em seus dicionais de acesso à moradia como a ocupa- efeitos prováveis. ção e a entrar na batalha do mercado, e aos Há um terceiro paradigma, recorrente empreendedores, bem como às organizações quando se fala de cidades da América Latina: populares, a entrar no que alguns chamam de o do impacto das desigualdades sociais extre- “caça aos espaços”.2 mas existente há décadas, que divide a socie- Há dois tipos de respostas a esse dilema dade em cinco grandes “classes”: A, B, C, D e por parte das populações mais modestas, que E. Elas fundamentam hoje em dia as políticas condicionam a reprodução do modelo espa- urbanas, designadamente a de habitação. cial centro/periferia que aplicávamos tradicio- Criadas por gabinetes de estudos que atuam nalmente nos espaços metropolitanos latino- na esfera nacional ou internacional, substi- -americanos ou, hoje, para seguir alguns atores tuíram as antigas categorias de assalariados, que preferem falar de fragmentação em vez de de “marginais”, e mesmo as que apareceram segregação, o novo modelo “multicentralida- posteriormente, de pobres e ricos. Em relação des/periferias”. Acredito que esses dois tipos a essas antigas categorias, elas dão uma visão de respostas, mesmo que expressas de modos 142 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano... diferentes, estão presentes em inúmeras cidades da América Latina. A primeira é a aceitação do afastamento dos centros das cidades, que Cidade caótica ou cidade neoliberal? são, no entanto, os espaços mais provedores de atividades de todos os níveis de qualificação, Se até os anos 1960 os arquitetos detinham um de atividades precárias, de atividades noturnas, quase monopólio da reflexão sobre o urbanis- com o risco de acumular as horas em todos os mo e as cidades, o crescimento desenfreado meios de transportes públicos ou privados e de dessas últimas, tanto em extensão como em precisar inventar novos modos de vida. A se- população, contribuiu para retomar essa tra- gunda é a invenção de formas de pressão so- dição. Aparecendo primeiramente como vitrine bre os poderes locais para que seja facilitado o da modernização – uma visão que a época de acesso à moradia por meio de um empréstimo autoritarismo se esforçou para tornar oficial adequado ou para que reconheçam o direi- durante duas décadas –, esse crescimento se to das pessoas de permanecerem onde estão. transformou pouco a pouco em crise, em pe- Essa formas de pressão podem ser exercidas sadelo até que atingiu seu ponto culminante na rua, ao mesmo tempo que no interior das nos anos 1980. Contudo, uma crise tão difícil instituições de participação implementadas em de assimilar que as cidades da América Latina quase toda a América Latina, de acordo com ainda façam parte, nos anos 2000, desse Planet um modelo inspirado em experiências de go- of Slums (Planeta das Favelas), um título impactante que transformou o livro do Mike Davis em best-seller. Aliás, as estatísticas internacionais, que associam sempre implicitamente a pobreza e a violência, apresentam constantemente algumas das cidades da América Latina como as mais violentas do mundo. Porém, trata-se de um atalho enganador. A questão merece ser colocada de maneira diferente. Os paradigmas que tentei levantar na primeira parte deste texto, que constituem a essência do neoliberalismo, misturados com histórias diversas, não deixam de interrogar sobre a continuidade de experiências comuns em todo o continente e no tempo, às vezes com uma década de atraso. Em esfera local, a coincidência principal reside em uma certa similitude do discurso político dos poderes locais, cuja fibra social antecede frequentemente a dos governos nacionais, mas que já vivem alternâncias políticas. verno municipal do PT, cujas modalidades rodaram o mundo. A extrema dificuldade dos poderes públicos a dar coerência às políticas de transporte ou a regular as atualmente em vigor me parece, aliás, um dos traços marcantes do modelo latino-americano há anos e um dos mais explosivos das últimas décadas. De fato, pode-se notar que o problema dos transportes está ausente do discurso dos prefeitos que, no entanto, são frequentemente de esquerda ou pelo menos abertos à participação, enquanto ocupa um lugar constante na sociedade urbana, considerando todas as classes. Por outro lado, as instituições municipais parecem estar comprimidas entre a inextricável confusão que reina no antigo setor privado e nos serviços mais recentemente privatizados e um setor público, às vezes presente, mas suplantado pela emergência. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 143 Hélène Rivière d’Arc São o reflexo de atitudes de classes médias Isso quer dizer que esse modelo urbano que não são mais impregnadas pela análise latino-americano se explicaria ainda por meio radical dos intelectuais orgânicos dos anos de duas teses que foram muito propagadas 1990. São os poderes locais que buscam, na nos anos 1960-1980 e que colocavam ambas panóplia das medidas sociais/técnicas propos- o Estado como ator principal do debate. Uma tas pelos fóruns internacionais, inspirações ur- delas, de Manuel Castelles, muito difundidas banísticas e sociais. Reconhecem a similitude na época na América Latina, via o Estado an- dos problemas encontrados em toda a Amé- tes de tudo como a expressão dos interesses de rica Latina. São, aliás, frequentemente perce- classe, uma tese já suplantada, por ele mesmo, bidos apenas como únicos portadores de um aliás. O’Donnell explicava as experiências auto- discurso hoje de esquerda no mundo, que pre- ritárias da época pela incapacidade dos gover- tende criticar um sistema neoliberal aplicado nantes de aprofundar aquilo que podia dina- à gestão do território, mas incapaz de propor mizar o processo de industrialização (pós-ISI). medidas alternativas. Ela também foi suplantada. Acredito que é na Contudo, após o consenso de análise das experiências urbanas que se deve Washington, o custo social das doutrinas neo- continuar a buscar o modelo que se transfor- liberais que sucederam as ditaduras parece ter ma incessantemente, como seria, por exemplo, deixado a desconfiança em relação aos repre- uma análise comparativa em meio urbano das sentantes de Estado se propagar por toda par- normas que regem a distribuição dos bens pú- te, mesmo se personagens carismáticos como blicos e privados. Chávez ou Lula conseguem ampla e temporariamente dar a impressão de que o quadro está mais favorável. Conclusão No que diz respeito à sociedade urbana, a informalidade no trabalho e as ativi- Como conclusão, apresento a síntese de uma dades mudam de sentido. Ela se estende da experiência de pesquisa realizada em São precariedade à transgressão e não é somente Paulo e no México. A experiência consistia em a eventual “desindustrialização precoce” dos uma comparação entre as diferentes formas países, retomando a expressão já adotada pe- de acesso à moradia em um contexto de forte las economias e, por conseguinte, das cidades alta do valor fundiário urbano. Ela se apoiava onde as formas de emprego assalariado tradi- em uma constatação comum entre as duas ci- cional estagnam, a responsável por isso. Po- dades: uma expansão urbana extremamente deríamos até mesmo praticamente dizer que ampla (sprawl ou espalhamento), apesar da ao se aproximar das características dos em- desaceleração do crescimento da população. pregos informais e ao transgredir de maneira Essa constatação revelou uma das necessida- complexa o direito do trabalho, os empregos des mais imperativas da sociedade: a mora- formais se “informalizam”. dia. A questão para as municipalidades que 144 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano... compõem as áreas metropolitanas é, portanto, relativamente recente e é baixo. A bolha imo- a seguinte: como gerenciar e interromper essa biliária para os imóveis de alto padrão atingiu expansão, sem negligenciar as necessidades re- o pico no início dos anos 2000. Em 2007, essa sidenciais mais urgentes e mais consumidoras atividade experimentou uma queda bastante de espaço? brusca. As empresas que trabalhavam para a No México, nos anos 2000, sob os go- categoria de alto padrão voltaram-se, então, vernos de Andrés Manuel López Obrador e para outro mercado, o das classes médias C e de seus sucessores, a fim de tentar restringir D, usando um modelo residencial padronizado. a expansão espacial na circunscrição admi- Os diferentes programas propostos pelo gover- nistrativa do DF, foi elaborado um programa, no central, por meio da Caixa Econômica Fede- o Bando 2, que não durou muito tempo, mas ral, permitem essa reconversão. As construto- que teve consequências imediatas e atraiu ras, por outro lado, ocupam espaços liberados uma grande quantidade de atores. Esse pro- pela demolição de zonas industriais. E, para grama visava impedir a promoção de novos praticar essa reconversão, elas recorrem a dois conjuntos residenciais fora do centro, isto é, raciocínios: um, na escala da zona metropoli- no Bando 2, para impulsionar a requalificação tana, e o outro, na escala do município de São do centro histórico do México. Mas quais são Paulo, deixando à cidade a incumbência de re- hoje os meios de pressão do governo munici- solver a questão da moradia dos trabalhadores pal sobre as construtoras que, por sua vez, se com “menos de cinco salários mínimos”, isto é, beneficiam de um processo de transferência investimentos a fundo perdido. da promoção da moradia para o setor privado, Nos dois casos observados, ou seja, o DF para que invistam no centro da cidade, onde o e o município de São Paulo, encontramos hoje valor fundiário originou um crescimento con- um valor fundiário que aumenta rapidamente, siderável? As consequências desse programa mesmo se de maneira desigual, conforme os foram a emigração das operações de moradia espaços. No DF, é porque não há muita oferta; para fora do Bando 2, em municípios do esta- em São Paulo, porque os espaços eventualmen- do do México, muito satisfeitos em conceder te disponíveis e minuciosamente disputados, terrenos muito baratos a empresas que po- são requalificados para a moradia de uma po- diam se tornar contribuintes. pulação capaz de pagar. Esse resultado bastante próximo, me Diante da financeirização dos espaços parece, da situação madrilena, contribuiu urbanos, estratégias e ações foram modifica- muito para a expansão urbana e para a cons- das, tanto no México, como em São Paulo. A trução de loteamentos muito afastados das zo- ocupação ou a invasão de know-how tradi- nas de atividades do DF. Em suma, uma situa- cional que caracterizou mais de um século de ção que, do ponto de vista social e do relato da urbanização, tanto aqui, como lá, não é mais vida cotidiana dos habitantes, se parece com a a forma de ação dominante. No México, a rei- de São Paulo. vindicação dominante e o tema da mobilização Inversamente, em São Paulo, o inves- mais importante é o do acesso a crédito apro- timento da municipalidade em moradias é priado à situação do devedor. Outra maneira, Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 145 Hélène Rivière d’Arc compatível com a primeira, é a adesão a uma propriedade para ações integradas de maneira associação, cujo líder se incumbe de levar a absolutamente consciente no mercado. Assim, solicitação ao INVI (Instituto Nacional de la Vivienda), ou diretamente junto à prefeitura. A participação, mesmo se é afirmada pelo prefeito da Cidade do México, que alega inspirar-se no modelo das cidades do Brasil, não tem muita influência nas tomada de decisão referentes às questões de moradia. Em São Paulo, O Movimento escolhe três modalidades de ação. Ele participa do Conselho Municipal de Habitação com seus aliados das ONG, mas o orçamento examinado pelo CMH é extremamente baixo em relação às necessidades. Ele procura terrenos que possam ser construídos ou reabilitados por razões diversas3 que ele ocupa simbolicamente, fazendo pressão simultaneamente sobre a prefeitura para que faça valer o direito de preferência ou os adquire a preço baixo. Portanto, são estratégias distintas, porém, com pontos em comum: a financeirização da cidade deslocou as estratégias tradicionais, cujo corolário era o status impreciso da há ainda nesse aspecto a simultaneidade de mudanças marcantes nas duas cidades. Por outro lado, aqui e lá se observa a importância do papel atribuído às corporações e aos meios profissionais no debate, conduzindo à seguinte observação: a consideração das desigualdades sociais extremas como elemento estruturador dos projetos de urbanismo como “dados sociais fixos” leva os profissionais aqui e lá à realização prática de modelos arquiteturais muito similares. A aplicação desses modelos traduz uma mesma combinação de dados, o custo de construção mais baixo possível, enquanto o custo fundiário aumenta. O consenso em torno a um modelo único de casas e apartamentos pequenos (cerca de 40 m2). 4 Mas esse é outro debate. A transformação das cidades latino-americanas durante a última década marca, acredito, a retomada da crença e dos termos das instituições em detrimento dos das redes e da comunicação imposta. Hélène Rivière d’Arc Institut des Hautes Etudes de l’Amérique Latine. Centre de Recherche et de Documentation sur les Amériques. Paris, França. [email protected] 146 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano... Notas (1) Pode-se perguntar, então, por que as metrópoles da América La na não vivenciaram a crise como Cleveland ou Madri; pode ser que, devido à prudência dos promotores e banqueiros, ainda não persuadidos de que a maioria da população urbana já se tornou de “classe média”, ou antes D+ ou C. (2) É assim que um dos líderes da União dos Movimentos, em São Paulo, resume a tá ca de entrada das organizações populares no mercado fundiário. (3) Em geral, an gos terrenos industriais e/ou terrenos abandonados. (4) Curiosidade: a viagem dos empreendedores de São Paulo ao México em 2009, para entender como era possível construir loteamentos tão grandes de casas tão baratas (Ecatepec, Cuau tlan). Texto recebido em 10/nov/2013 Texto aprovado em 15/dez/2013 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 147 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus na cidade do Rio de Janeiro Neoliberal urban reorganization and the bus companies in the city of Rio de Janeiro Igor Pouchain Matela Resumo Em 2010, a prefeitura do Rio de Janeiro realizou a concessão privada de todo o sistema de transporte por ônibus na cidade. Historicamente, os empresários do setor se constituíram numa das principais forças na coalizão de interesses na política urbana. Neste artigo, trabalhamos com a hipótese de que a reorganização do transporte está inserida num contexto de aprofundamento do processo de neoliberalização na escala urbana no Brasil que estaria desestruturando/reestruturando a coerência espacial anterior, implicando em mudanças nas coalizões políticas e em suas relações com o Estado. A modernização das formas de acumulação urbana tende a estabelecer uma regulação nos serviços públicos mais próxima da lógica de um mercado autorregulado. Abstract In 2010, the municipal government of Rio de Janeiro granted the private concession of the entire system of bus transportation in the city. Historically, entrepreneurs of the sector have constituted a major force in the coalition of interests in urban policy. In this paper, we work with the hypothesis that the reorganization of the transportation system is embedded in a context of intensification of neoliberalization in the urban scale in Brazil that would be disorganizing / reorganizing the previous spatial coherence, producing changes in political coalitions and in their relations with the State. The modernization of modes of urban accumulation tends to establish a regulation of public services that is close to the logic of a self-regulated market. Palavras-chave: reestruturação urbana; neoliberalização; transporte público; empresas de ônibus; Rio de Janeiro. Keywords: urban reorganization; neoliberalization; public transportation; bus companies; Rio de Janeiro. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 Igor Pouchain Matela Introdução A hegemonia do modelo rodoviário dominado por empresas de ônibus no sistema de transportes coletivos na cidade do Rio de Ja O transporte na Região Metropolitana do Rio neiro se consolida a partir da década de 1960. de Janeiro se divide basicamente em cinco mo- Desde então, essas empresas reforçaram seu dais: ônibus, metrô, trens, barcas e vans (entre poder econômico e político, tendo grande in- legalizadas e clandestinas). Entretanto, desta- fluência sobre as políticas e os investimentos ca-se a primazia do transporte rodoviário por públicos no setor. Baseadas em permissões da ônibus que pode ser verificada a partir de sua Prefeitura para operar o serviço, as empresas atual participação de cerca de 70% no total atuavam sob um estatuto jurídico precário, sem de deslocamentos realizados na cidade do Rio contratos definidos. Essa forma de regulação de Janeiro – município núcleo e que apresenta vigorou até 2010, quando a prefeitura da cida- alta concentração dos postos de trabalho e da de do Rio de Janeiro realizou, pela primeira vez, renda na região metropolitana (Gráfico 1). Os uma licitação pública para a concessão por 20 ônibus municipais são os únicos sob adminis- anos de todo o sistema de transporte público tração da prefeitura da cidade, enquanto os ou- por ônibus. tros meios se vinculam ao governo estadual e Esta mudança se realiza num contexto passaram pelo processo de privatização no fim de grandes transformações urbanas no Rio dos anos 1990. de Janeiro. A cidade se prepara para receber Gráfico 1 – Movimento de passageiros segundo os modos de transporte no município do Rio de Janeiro (1995-2012)1 Fonte: Armazém de dados do Rio de Janeiro. 150 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus... os dois principais eventos esportivos interna- regulação e a coalizão urbana correspondente. cionais (Copa do Mundo e Jogos Olímpicos) e Mais especificamente, abordaremos a ascensão tal situação é vista pela coalizão política do- das empresas de ônibus e sua consolidação he- minante como uma oportunidade de inserção gemônica no sistema de transporte urbano do competitiva da cidade no mercado mundial. In- Rio de Janeiro. clusive, é um momento em que a própria coa- Na segunda parte, examinaremos a con- lizão política parece se rearticular em torno de cessão privada do transporte por ônibus reali- novos interesses. zado a partir de 2010 pela Prefeitura, a racio- As tradicionais coalizões em torno da nalidade emergente, o sentido da mudança da acumulação urbana no Brasil se organizaram, regulação e como o processo se desenvolve ao longo da segunda metade do século XX sob empiricamente, os conflitos e as adaptações a lógica mercantil, a partir de relações patrimo- verificados até o momento. nialistas com o Estado. Tal fato conformou um Finalmente, tentaremos oferecer uma in- padrão de regulação que bloqueou a moder- terpretação sobre como a reacomodação dos nização capitalista no espaço urbano. As rela- interesses na coalizão urbana implica mudan- ções de poder garantiram privilégios às frações ças/permanências da política de transportes. do capital nacional predominantes nos circuitos Em que medida há uma transição da acumu- de acumulação que envolviam obras públicas, lação mercantil, baseada no patrimonialismo mercado imobiliário e serviços urbanos (es- para uma lógica de mercado, aprofundando a pecialmente os de transporte). Recorrendo às mercantilização dos serviços urbanos. contribuições de David Harvey, podemos afirmar que essas coalizões foram constitutivas da coerência espacial estruturada característica das cidades brasileiras no período. Sugerimos que a recente reorganização do transporte por ônibus no Rio de Janeiro aponta para a hipótese de que presenciamos um processo de neoliberalização nos espaços Coerência urbana estruturada no período nacional-desenvolvimentista e ascensão das empresas de ônibus no Rio de Janeiro urbanos no Brasil que estaria desestruturando/ reestruturando a coerência espacial anterior, implicando mudanças nas coalizões políticas e suas relações com o Estado. Coerências espaciais estruturadas e alianças de classe A partir dessa abordagem, começamos este artigo com uma breve discussão sobre a Os processos de circulação do capital, impul formação de coerências estruturadas, alianças sionados pela necessidade sistêmica de in- de classe e coalizões governantes para, em cessante acumulação, são o fundamento da seguida, fazermos uma caracterização da coe- geografia histórica do capitalismo. Esta ideia- rência urbana estruturada que se formou no -chave desenvolvida com detalhamento pelo Brasil ao longo do século XX, seu padrão de geógrafo David Harvey nos ajuda a interpretar Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 151 Igor Pouchain Matela as formas mais gerais de produção espacial no adquirem o caráter de uma configuração espa- capitalismo. Harvey recupera a ideia concebida cial particular de um ambiente construído para por Marx de que o movimento de acumula- produção, consumo e intercâmbio. E o acesso ção do capital precisa, a cada rodada, superar privilegiado a qualquer conjunto desses ati- as barreiras espaciais a fim de se realizar. Es- vos no ambiente construído se constitui numa sa tendência de “aniquilação do espaço pelo fonte potencial de lucros extraordinários. Essas tempo” se dá pela aceleração do tempo de giro configurações espaciais particulares ou, nos do capital por meio de formas de transporte e termos de Harvey, “coerências estruturadas” comunicações cada vez mais modernas e vol- dão suporte e, ao mesmo tempo, restringem o tadas para a rapidez dos movimentos. O resul- movimento do capital. tado desse processo é a compressão do horizonte espaço-temporal do mundo e tempos de circulação do capital cada vez mais curtos. Mas desse movimento emerge uma contradição: se por um lado o capital deve superar as barreiras espaciais, por outro ele precisa produzir espaços mais adaptados às suas cambiantes necessidades. Os limites geográficos para acumulação do capital têm de ser ultrapassados pela produção de um novo espaço. Com isso, o capitalismo tende a produzir uma paisagem geográfica apropriada a sua dinâmica de acumulação num determinado momento histórico, para que num momento posterior essa paisagem seja destruída para a criação de uma nova, apropriada à acumulação numa nova condição histórica. As infraestruturas físicas e sociais são um recurso espacial complexo de ativos criados para apoiar a produção e o consumo. Elas absorvem grandes quantidades de investimento de capital de longo prazo e requerem mais capital para sua manutenção ao longo de sua vida útil. Dentro desses espaços, a produção, a distribuição, a troca e o consumo, a oferta e a demanda (particularmente de força de trabalho), a luta de classes, a cultura e os estilos de vida se juntam num sistema aberto que, não obstante, exibem algum tipo de “coerência estruturada”. (...) Consciências e identidades regionais, até mesmo lealdades afetivas, podem ser construídas nesta região e, quando sobreposta por algum aparato de governança e poder estatal, o espaço regional pode evoluir para uma unidade territorial que opera como um tipo de espaço definido de consumo e produção coletivos assim como de ação política. A coletividade pode se consolidar assumindo responsabilidade pelo enraizamento de todo tipo de infraestruturas na terra (sistemas de rodovias, facilidades portuárias, sistemas de água e esgoto) e configurando múltiplos suportes institucionais (educação e saúde) que definem uma forma particular de relacionamento com a acumulação de capital assim como com o resto do mundo. (Harvey, 2004, p. 78) O estoque dos ativos de capital incorporado Entendemos, portanto, que a formação nestas infraestruturas fornece uma forma con- de coerências estruturadas é um processo que creta de riqueza que pode ser usada para pro- se dá em diferentes escalas simultaneamente duzir e consumir mais riqueza (Harvey, 1985). e não dependem necessariamente da insti- Dessa forma, as estruturas espaciais conso- tucionalização estatal para serem represen- lidadas a partir do processo acima descrito tadas. Assim, se o Estado nacional delimita 152 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus... uma coerência estruturada mais geral, outras versão mais moderna. A reestruturação da coe- coerências estruturadas (regionais, metropoli- rência espacial cria novas possibilidades para a tanas, urbanas) podem emergir, estando con- reconstrução de uma aliança de classes, tanto tidas numa estrutura escalar e estabelecendo a partir de ligações externas, quanto por meio diversas formas de relações entre si (competi- de novas combinações das forças internas. tivas, cooperativas, controle, subordinação hierárquica, etc.). A ideia de configurações geográficas de longa duração, presente no conceito de coe- Se as coerências estruturadas têm essa rência estruturada, nos permite uma base de dimensão sistêmica-estrutural dada pelas con- análise para as transformações espaciais em dições históricas de acumulação, seu desenvol- curso nas grandes cidades latino-americanas a vimento geográfico desigual também depende partir da emergência do processo de neolibera- da dimensão política específica dada pelas lização. Nos limites deste artigo, pretendemos alianças de classe que se formam articuladas a enfocar em linhas gerais o caso brasileiro para, elas. As coerências estruturadas são base mate- em seguida, oferecer uma interpretação sobre rial para a formação de alianças de classe e, ao as mudanças recentes na política de transpor- mesmo tempo, destas dependem para sua rela- tes por ônibus na cidade do Rio de Janeiro. tiva estabilidade. Há uma lógica política territorial que se apóia em processos vinculados ao espaço. As coerências estruturadas são a mate- O período nacional-desenvolvimentista rialidade que resulta dessa tensão determinada por forças econômicas e políticas. A partir de meados do século XX até os anos O objetivo mais geral das alianças de 1980, se estabelece no Brasil um padrão de re- classe de base territorial é preservar ou aprimo- gulação da acumulação capitalista que alguns rar a coerência estruturada. Assim, elas podem autores classificam como fordismo periférico. assumir uma postura defensiva ou agressiva Este período, que chamamos aqui de nacional- diante de outras regiões, o que interfere so- -desenvolvimentista, se caracterizou por uma bremaneira no tipo de política territorial a ser política industrial com forte incentivo à subs- adotada. Portanto, a aliança de classe é “uma tituição de importações associada a uma mar- força poderosa na formação da paisagem do cante presença de filiais de indústrias de capi- capitalismo, produto da acumulação do capital tal estrangeiro no espaço econômico nacional. e luta de classes que se desdobra no espaço Como vimos anteriormente, tais características geográfico” (Harvey, 1985, p. 148). macroestruturais que regularam a acumulação As alianças de classe, os processos po- de capital nessa época, ajudaram a conformar, líticos e as configurações espaciais acabam, em diferentes escalas, as coerências espaciais e em dado momento, por se tornarem barreiras as alianças de classe no Brasil. inconciliáveis para o desenvolvimento subse- Numa abordagem das especificidades quente do capitalismo. Nesta hora, o capitalis- do capitalismo associado na América Latina mo tem que destruir as formas sócio-políticas- (presença de capitais nacionais e estrangeiros -geográficas que ele criou para recriá-las numa na economia nacional), Lessa e Dain (1982) Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 153 Igor Pouchain Matela afirmam que uma das condições do desenvol- período, podemos destacar a acelerada tendên vimento do capitalismo no Brasil nesse período cia à metropolização e à industrialização com foi o estabelecimento de uma aliança entre os baixos salários. O baixo custo de reprodução da capitais estrangeiros e nacionais que definia força de trabalho teve seus reflexos na econo- duas cláusulas básicas: a primeira consistia em mia urbana e na própria produção do espaço: destinar determinadas esferas de acumulação os circuitos inferior e superior da economia (industrial, bancária, agrária, etc.) para cada (Milton Santos), a informalidade como parte da tipo de capital. Administrado pelo Estado, o nossa modernização e não como atraso (Fran- pacto da “Sagrada Aliança” reservou ao capital cisco de Oliveira) nos ajudam a compreender nacional a acumulação urbana, notadamente as formas de produção, distribuição e consu- os setores imobiliário, de obras e de serviços mo nas cidades. Maricato (2000), por exemplo, públicos (ex.: transportes coletivos). A segunda destaca como nossas cidades se dividem em cláusula do pacto garantia ao capital nacional, espaços incorporados ao mercado formal, alta- marcadamente de caráter mercantil, níveis de mente regulados pelo poder público, enquan- rentabilidade compatíveis com os auferidos pe- to a maior parte se encontra à margem deste lo capital industrial estrangeiro. Para isso, eram mercado e sujeitas à aplicação arbitrária da lei. necessárias formas de acumulação que Lessa Além disso, ressalta o caráter altamente regres- e Dain chamaram de “pervertidas”, baseadas sivo do investimento público, com forte viés de no privilégio, e que podemos relacionar com classe e em favor da especulação imobiliária, e as práticas de acumulação por espoliação, de o alto grau de segregação socioespacial. Milton acordo com conceito cunhado por Harvey. Aqui Santos ilustra bem a organização interna das ressaltamos as relações patrimonialistas entre cidades resultante destes processos: esses capitais mercantis e o Estado, que orien- realizavam sua acumulação. Essas coalizões ti- Nessas cidades espraiadas (...) há interdependência do que podemos chamar de categorias espaciais relevantes desta época: tamanho urbano, modelo rodoviário, carência de infraestruturas, especulação fundiária e imobiliária, problemas de transporte, extroversão e periferização da população, gerando, graças às dimensões da pobreza e seu componente geográfico, um modelo de centro-periferia. (Santos, veram notadamente um viés defensivo, de pro- 1994, p. 95) taram de forma decisiva as políticas e os investimentos públicos. Portanto, é importante notar que a aliança de classes em escala nacional está associada às condições das alianças e coalizões políticas no espaço urbano, assim como as formas de relação entre o Estado e os capitais que aí teção de suas posições alcançadas e de reserva de mercados. Com isso, também foram um A partir desse contexto analítico, pode- fator de bloqueio da modernização capitalista mos esboçar uma leitura da trajetória de con- nos espaços urbanos. solidação da hegemonia das empresas de ôni- Em relação às características distintivas das coerências urbanas estruturadas desse 154 bus no setor de transportes urbanos coletivos do Rio de Janeiro. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus... porém, o maior controle do Estado, restrin- Trajetória das empresas de ônibus e a construção de sua hegemonia nos transportes públicos do Rio de Janeiro gindo a proliferação de empresas, favoreceu a consolidação daquelas já existentes, marcando o primeiro processo de concentração de capital As empresas de ônibus dominam atualmente no setor – o número de empresas se reduz de o setor de transportes coletivos na cidade do 24 em 1934 para 16 em 1939. Segundo Frei- Rio de Janeiro. Sua hegemonia no setor e sua re (2001), na época, o empresariado não tinha importância política na coalizão urbana é re- força política para estabelecer as diretrizes da sultado de uma trajetória construída ao longo política de transportes, por isso a categoria do século XX. As disputas que emergem em adotava um posicionamento defensivo no sen- torno desse serviço são fundamentais para tido de garantir as posições já conquistadas. entender sua ascensão e o controle dos trans- Os empresários independentes de ônibus eram portes coletivos. vistos pelo poder público como desarticulado- Nos registros históricos, a primeira em- res do sistema de transportes. presa de ônibus na cidade do Rio de Janeiro Durante a Segunda Guerra Mundial, as surgiu no ano de 1911, dando continuidade a empresas de ônibus são fortemente afetadas uma linha que, por ocasião das comemorações pela dificuldade de importação de peças e pelo do centenário da abertura dos portos em 1908, aumento do custo dos combustíveis. Tais res- havia sido estabelecida entre a Praça Mauá e trições levaram a uma queda generalizada nos o Passeio Público, passando ao longo da Ave- padrões de qualidade do serviço (veículos su- nida Central (atual Avenida Rio Branco) com perlotados, mal conservados, etc.). Entretanto, eventuais prolongamentos até a Praia Verme- apesar da crise, cresce a participação dos ôni- lha. Nos anos seguintes, outras empresas sur- bus no transporte urbano,3 e o fim do conflito giram de forma ainda muito incipiente, até que marca uma fase de crescimento e consolidação em 1932 é fundada a União das Empresas de desse modal na cidade. Veremos como se deu Ônibus, primeira organização que vai associar esse processo. os empresários privados independentes do se- Ao fim da guerra, com a recuperação tor. Até esse momento, os ônibus eram um ser- econômica, o estreitamento das relações po- viço pouco significativo no conjunto da cidade líticas e comerciais com os Estados Unidos, o e, apesar do forte crescimento nesse tipo de reestabelecimento da capacidade de impor- transporte na década de 1930, não concorriam tação e a normalização do abastecimento de diretamente com o transporte ferroviário (bon- combustíveis, houve a criação de condições 2 para que o transporte rodoviário, com motor A Revolução de 1930 marcou um perío- a explosão, se apresentasse como alternativa do de maior atuação do Estado nas políticas de resolução da crise dos transportes urbanos. públicas no Brasil. Assim, até 1945, foram re- Novos ônibus estadunidenses de maior capaci- correntes as propostas para monopolização dade e velocidade passaram a ser importados, estatal dos transportes coletivos no Rio de favorecidos por financiamentos públicos e pela Janeiro. Tais propostas não se concretizaram, política cambial. des e trens), tendo uma função complementar. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 155 Igor Pouchain Matela Com o fim do Estado Novo, o novo go- das empresas de ônibus começa a se colocar verno assume uma perspectiva mais liberal. também como interlocutor do Estado para a As propostas de unificação e coordenação dos formulação das políticas de transporte, suge- transportes coletivos são descartadas e há o rindo medidas e diretrizes. A Light deixa de ser incentivo à criação de novas empresas rodoviá- o principal agente dos transportes na cidade e, rias para expandir rapidamente a oferta. Novas longe de sua ambição de monopolização dos linhas são criadas, e o serviço cresce de forma serviços, começa seu gradual afastamento do pulverizada e exponencial, principalmente atra- setor (Freire, 2001). vés dos lotações, que passam a competir com 4 os ônibus e bondes. O fim da década de 40 marca o início de uma transição que vai se consolidar nos anos Os lotações eram veículos menores entre 1960. O padrão dominante dos transportes ur- 10 e 21 lugares que haviam surgido durante banos no Rio de Janeiro deixa de ser ferroviário a guerra e foram tolerados devido à crise nos (bondes e trens) para se apoiar fundamental- transportes públicos. Popularizaram-se em fun- mente no modelo rodoviário (ônibus, lotações ção de sua flexibilidade e rapidez e eram ope- e automóveis particulares). É um período de rados por motoristas autônomos e sem itine- muitas intervenções destinadas à circulação rário fixo até início dos anos 50. Fizeram forte rodoviária na cidade (construções de túneis, concorrência tanto com bondes, percorrendo viadutos, vias expressas). Os ônibus se tornam rotas coincidentes, quanto com os ônibus, que o principal meio organizador dos transportes, tinham menor flexibilidade, pois seus itinerá- não mais um serviço complementar, enquanto rios e frequências eram mais regulados pelo bondes e trens gradualmente se deterioram e poder público. perdem sua importância. Ônibus e lotações atendiam as crescen- A transição rodoviária, até o início dos tes periferias urbanas e viabilizavam a expan- anos 1960, vai se desenvolver baseada num são da cidade para vastas áreas não servidas modelo bastante pulverizado a partir da atua- por outros meios de transporte. O modelo ro- ção dos lotações. A multiplicação desse tipo doviário, de certa forma, deu condições para de veículos no transporte urbano criou um uma rápida dinâmica de especulação imobi- ambiente extremamente competitivo e um ex- liária e de periferização da metrópole do Rio cesso de veículos disputando passageiros nas de Janeiro. Além disso, favorecia a autoridade ruas. Uma mesma linha era disputada por vá- municipal ao enfraquecer o poder da Light na rios motoristas autônomos. Estima-se que, no política de transportes (Orrico e Santos, 1999). fim dos anos 1950, mais de 5.000 lotações cir- Portanto, a partir de 1945, há uma nova culassem nas ruas da cidade, principalmente conformação das forças políticas: enfraqueci- entre o centro e a Zona Sul. Havia pouca fis- mento da Light, fortalecimento da posição das calização e poucas obrigações por parte dos empresas de ônibus com legitimação diante operadores desse tipo de transporte. Por conta do poder público e ascensão dos lotações co- disso, Pereira (1987) afirma que os lotações mo concorrentes diretos das empresas esta- foram os desestruturadores do antigo mode- belecidas. A partir desse momento, o sindicato lo. Eles foram responsáveis pelo declínio das 156 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus... antigas empresas de ônibus e dos bondes nas na cidade. Como resultado, houve uma grande principais áreas da cidade e estão na origem onda de fusões e aquisições, principalmente da ordem emergente dos transportes urbanos entre os donos de pequenas frotas de lotações, na cidade na década de 60. A competição im- que se associavam em novas empresas de ôni- posta por eles, à margem dos regulamentos, bus para se adequarem à legislação. Portanto, fez com que várias das antigas empresas for- as novas empresas surgiram exatamente dos mais de ônibus não resistissem à competição antigos proprietários dos lotações ou a partir e quebrassem.5 de cooperativas de motoristas.6 Além dos em- Os lotações criaram as condições para o presários que já atuavam no ramo, as novas surgimento e foram os embriões da segunda empresas de ônibus também contaram na ori- geração de empresas de ônibus que veio do- gem com o investimento de capitais oriundos minar o transporte público na cidade (Pereira, de atividades comerciais (mercantis), o que 1987). De 1958 a 1967, o poder público vol- de certa forma ajudou a influenciar o estilo de tou a atuar de forma mais ativa, e uma série condução dos negócios, tanto na administração regulações no transporte coletivo por parte da interna quanto nas estratégias de expansão. prefeitura deu a base para uma nova confor- A partir dessas medidas emerge a nova mação do setor e para a definitiva hegemonia lógica dos transportes na cidade: prioridade das empresas de ônibus no Rio de Janeiro. para os ônibus; regulação estatal no sentido Em linhas gerais, a regulação estatal foi de limitar o número de empresas e restringir no sentido de estimular e, muitas vezes, deter- a concorrência entre elas; delimitação de área minar a concentração do capital no setor, esta- para cada empresa, criando monopólios espa- belecendo números mínimos para a frota das ciais; e sistema de permissões (Pereira, 1987). empresas. Em 1958, é estabelecido o regime Autores como Orrico e Santos (1999) de permissões para a exploração do serviço e Pereira (1987) apontam a influência dos in- de transporte coletivo. Nesse regime não há teresses da indústria rodoviária nessa nova prazos definidos de validade nem de reavalia- orientação da política de transportes. Fábricas ção, não estão claramente estabelecidos quais de carrocerias, revendedores de chassis, com- os direitos e obrigações do permissionário. Na panhias de petróleo, etc. tinham interesse no prática, a permissão veio favorecer as decisões desenvolvimento do setor, enquanto a indústria sobre o transporte por parte das empresas de automobilística nascente tinha no mercado das ônibus. Nesse mesmo ano, novas licenças para empresas formais de ônibus uma importante lotações foram abolidas. Em 1963, os lotações demanda, reforçada por regulações que estipu- foram definitivamente proibidos, e o ônibus lavam prazos de renovação de frota. passou a ser o único veículo rodoviário no Portanto, a década de 60 foi fundamental transporte coletivo. Em 1964, ocorre a extinção para a história dos transportes públicos no Rio dos bondes elétricos e em 67 é estabelecido de Janeiro, pois finalizou o período de transição que as empresas de ônibus deviam ter uma rodoviária iniciado no pós-guerra e lançou as frota mínima de 60 carros para operar, redu- bases para o domínio e a consolidação do sis- zindo de 121 para 54 o número de empresas tema de ônibus no Rio de Janeiro nas décadas Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 157 Igor Pouchain Matela seguintes. Além disso, Duarte (2003) ressalta das linhas que a primeira empresa repassou que o poder público municipal trouxe para sua às outras. A explicação para isso seria que os esfera administrativa a regulação dos trans- processos de cisão funcionam como uma for- portes na cidade, uma vez que era mais fácil ma de revigorar o modelo estabelecido e ga- estabelecer articulações com os novos grupos rantir a continuidade do sistema, promovendo formados por capitais mercantis locais do que uma repartição do patrimônio e das linhas em com a Light (empresa canadense que controla- muitos casos para acomodar interesses dentro va os bondes) ou com o governo federal (res- da própria família.7 ponsável pelos trens). De acordo com estimativas de Orrico e Desde então, a regulação pública induziu Santos (1999), no ano de 1995, 20 grupos con- cada vez mais a concentração das empresas, trolavam as 34 empresas existentes na cidade. incentivando fusões, aquisições, incorpora- Destes, dois controlavam 31,1% e um controla- ções. Com exigências de frotas mínimas ca- va 24% da frota total. Em toda RMRJ, 4,1% dos da vez maiores (1967=60 carros; 1981=120; grupos controlavam 25% da frota. A distribui- 1982=240) e critérios bastante restritivos para ção geográfica das concentrações das empre- permissão de linhas, tais políticas funcionaram sas revelaria situações próximas a monopólios como impedimento a entradas de novas empre- por áreas e trechos. Assim, após um período de sas no sistema. Em 1994, é abolida a exigência incentivo à concentração empresarial por parte de frotas mínimas, mas o controle do setor por do Estado, a partir dos anos 90 a concentração parte do sindicato patronal tornou quase im- do mercado foi impulsionada a partir dos prin- possível novas entradas não consentidas. cipais grupos privados do setor. Entretanto, o processo de concentração O argumento do poder público e dos não deve ser analisado apenas pela quanti- defensores dos incentivos à concentração de dade de empresas atuantes no setor. A con- capital era que o grande número de empre- centração do capital se desenvolveu através sas competindo entre si seria um obstáculo ao de grupos empresariais que controlam mais planejamento e à reorganização do transporte. de uma empresa. A partir de meados dos 90, Porém, o processo de concentração favoreceu a algumas empresas se dividem, mascarando a consolidação de poucas e grandes empresas de concentração empresarial existente. Caiafa ônibus privadas que se tornaram cada vez mais ( 2002) argumenta que a cisão de empresas poderosas política e economicamente. é uma das formas de expansão de capital e Esse poder está vinculado à posição es- incorporação de novos sócios. Ocorre de em- tratégica que as empresas conquistaram na presas grandes se fragmentarem em outras prestação de um serviço essencial para a vida menores, com novas diretorias e composição nas cidades, como é o caso dos transportes societária diferente. Novos sócios são incorpo- coletivos. Elas se impuseram e se legitimaram rados, mas mantendo os principais acionistas como representantes do setor, influenciando no da empresa anterior. As novas empresas co- legislativo e executivo as políticas e os investi- meçam a operar sem participar de qualquer mentos públicos nas diversas esferas do apare- licitação, sem a retomada por parte do Estado lho de estado. 158 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus... Assim, entre a década de 1970 e o ano recente das relações entre o poder público e de 2010, o poder das empresas estabeleceu um as empresas de ônibus no Rio de Janeiro. O modelo que apresentava entre seus principais primeiro, ao longo dos anos 1960, de forte in- pontos: controle de um mercado praticamente tervenção estatal para promover a criação das fechado, com garantia de rentabilidade e blo- novas empresas de ônibus (maiores, mais ca- queio à entrada de qualquer novo concorrente; pitalizadas e organizadas) em detrimento dos monopólios espaciais em determinadas áreas, bondes e lotações. O sistema foi organizado já que as variações ou mudanças de linhas pas- através da concessão de privilégios: restrição saram a ser feitas pelas próprias empresas que de permissionárias, reserva de mercado por nela já operavam, burlando a exigência legal zonas de operação, estabelecimento de li- de licitações; faturamento à vista sobre milhões nhas e seções rentáveis em concorrência com de viagens por dia, grandes ativos imobilizados outros meios de transporte. O poder público (garagens, terminais rodoviários, oficinas, etc.); organizou o sistema de transportes e conce- garantia do repasse dos custos para as tarifas deu um mercado cativo, de alta liquidez às por meio de planilhas informadas pelas pró- empresas de ônibus, que passaram a atuar no prias empresas; consolidação do caráter jurídi- sentido de manter essa situação. No segundo co de permissionárias. momento, o sistema se consolida em grupos Na prática, o planejamento do sistema crescentemente mais concentrados e pode- também era feito pelas empresas, mesmo que rosos, com um sindicato forte e hegemonia fragmentariamente, através de solicitações de no transporte municipal e metropolitano. As linhas, acréscimos, desmembramentos. A prefei- políticas do setor passam cada vez mais pelo tura apenas autorizava o que era decidido pri- aval das empresas (na verdade, muitas vezes vadamente. O período também foi caracterizado as políticas são formuladas a partir das em- pela resistência a qualquer alteração que não presas). Mais uma vez a preocupação central partisse das formulações das próprias empresas. do setor foi preservar a posição estratégica A organização política da categoria se deu conquistada, com duas linhas de atuação: 1) através dos sindicatos patronais. A Fetranspor ampliar as articulações/relações dentro do (Federação das Empresas de Transportes de Pas- Estado (legislativo, executivo e judiciário); sageiros do Estado do Rio de Janeiro) reúne dez 2) aumentar a eficiência e produtividade em sindicatos de empresas de ônibus no estado do nível microeconômico (com a contratação de Rio de Janeiro e tem um papel de formulação de consultores, profissionalização). estratégias e políticas perante as esferas públi- Entendemos que, a partir de 2010, com a cas. O principal sindicato que compõe a Fetrans- concessão abrangente do sistema de transpor- por é o Rio Ônibus, que representa as empresas te por ônibus no município do Rio de Janeiro, do município do Rio de Janeiro. se estabelece um terceiro momento nessa rela- Resumindo, Pereira (1987) identifica dois momentos fundamentais na história Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 ção entre as empresas e o poder público. É essa questão que procuraremos analisar a seguir. 159 Igor Pouchain Matela Reestruturação urbana neoliberal e rearticulações das coalizões políticas Transição neoliberal A partir dos anos 1990, inicia-se um processo de transformações no capitalismo brasileiro fundado na liberalização da economia. Desde então, esse processo se aprofunda, interpene- em que se articularão as disputas em torno da acumulação. Nessa perspectiva, [...] a neoliberalização deveria ser concebida como um ethos hegemônico de reestruturação, um padrão dominante de transformação regulatória (incompleta e contraditória), e não como um sistema plenamente coerente ou uma forma de Estado tipológica. Como tal opera entre seus ‘outros’ em ambientes de governança múltipla, heterogênea e contraditória. (Peck, Theodore e Brenner, 2012, p. 69) tra as escalas territoriais e alcança com força a produção do espaço urbano a partir da segun- Dessa forma, mesmo que apresen- da metade da década de 2000. Evidenciam-se te características gerais semelhantes (como com mais clareza os processos de financeiriza- sistemas de governança e de regulação pró- ção e globalização da urbanização, com desta- -mercado), a neoliberalização é sempre con- que para o circuito imobiliário (Harvey, 2012). textualizada e convive de forma “parasitária” Nesse mesmo contexto, a chegada de novos em combinações híbridas com as formações agentes e novos circuitos na acumulação ur- sociais locais – diferentes tipos de Estados de bana estaria pressionando a transformação da Bem Estar Social, o socialismo chinês, governos cidade (coerências urbanas estruturadas) e a com viés de esquerda na América do Sul e, no redefinição da coalizão de interesses em torno caso brasileiro, com o ‘lulismo’. É no antagonis- da acumulação urbana em bases distintas do mo às formações sociais locais e na resistência patrimonialismo historicamente estabelecido. social que são forjados os desenvolvimentos Cabe pontuar que entendemos neolibe- geográficos desiguais da neoliberalização de ralização como um processo de aprofundamen- acordo com os contextos. Isso implica um grau to da mercantilização e da adoção da lógica de de variação bastante complexo, que não pode mercado aplicada à regulação estatal dos ser- ser simplesmente resumido entre neoliberalis- viços públicos, nos termos apresentados em di- mo e não neoliberalismo. versos trabalhos por Jamie Peck, Neil Brenner e Portanto, o processo de neoliberalização Nik Theodore. A partir dessa abordagem, a neo- e reestruturação urbana em curso no Rio de Ja- liberalização não é uma coisa ou uma situação neiro possibilita fraturas nas antigas coalizões ideal, mas um processo dependente da trajetó- urbanas fundadas na acumulação mercantil e ria e que se dá de forma variada (variegated) abre oportunidades para novos agentes en- de acordo com as paisagens regulatórias her- trarem no jogo e redefinirem as relações de dadas, gerando formas contextualmente espe- poder. Nesse contexto, emergem formas de cíficas. Da incidência da neoliberalização nos gestão urbana ‘empresarialistas’, ligadas aos espaços concretos singulares resulta uma re- circuitos internacionais de acumulação e aos definição das arenas e dos interesses políticos agentes econômicos e políticos organizados 160 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus... em torno da transformação das cidades em disputas políticas, econômicas, sociais e espa- projetos especulativos: ciais. Os agentes tradicionais procuram manter Pode-se observar nas cidades brasileiras, com efeito, a emergência de uma governança empreendedorista empresarial que mantém as antigas práticas patrimonialistas de acumulação urbana e de representação baseadas no clientelismo, e às vezes incorpora parte do discurso universalista em torno da cidadania, ao mesmo tempo em que promove novas práticas orientadas pela transformação das cidades em commodities .(...) Em síntese, estar-se-ia diante da emergência de uma nova coalização de forças sociais nas metrópoles, expressando um bloco de interesses em torno de uma governança empreendedorista empresarial, em aliança com antigas coalizões dominantes (caracterizadas pelo localismo, paroquialismo e clientelismo), envolvendo também, de forma minoritária, setores dos segmentos populares e progressistas. Essa nova coalizão de forças seria sustentada por frações do capital imobiliário em aliança com frações do capital financeiro, líderes partidários e parte da tecno-burocracia do estado, e estaria fortemente vinculada a algumas formas de intervenção urbana, em especial, vinculadas à reestruturação das áreas centrais, à promoção dos mega-eventos, às grandes obras infraestruturais (como as obras viárias e de saneamento básico), à urbanização e ordenação das favelas, e à infraestrutura vinculada ao turismo imobiliário. (Ribeiro e Santos Junior, 2013, p. 36) suas posições de privilégio e precisam adaptar seus modos de exercer o poder. Portanto, devemos observar empiricamente em que medida esse processo se desenvolve e como os diversos agentes produtores do espaço se posicionam. A reorganização do sistema de ônibus no Rio de Janeiro Em abril de 2010, a prefeitura do Rio de Janeiro anunciou a intenção de realizar uma licitação geral das linhas de ônibus da cidade. De acordo com a explicação oficial, a medida se justificava porque: No Rio de Janeiro, o modelo vigente há décadas, de permissões para as empresas operarem linhas de ônibus, tem prejudicado a organização e a racionalização do sistema e estimulado a concorrência predatória entre os diversos modos de transporte que operam na cidade, em detrimento da integração. (Rio de Janeiro, 2010, p. 62) Assim, em junho, a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) lançava o edital do processo que pretendia reorganizar o transporte por ônibus na cidade, normatizar o serviço e racionalizar as linhas. O anúncio prometia uma transformação radical na circulação das pessoas na cidade, pois, pela primeira vez, a É um processo não linear de moderniza- Prefeitura do Rio de Janeiro realizava uma lici- ção capitalista das cidades brasileiras que leva tação pública, aberta à concorrência interna- a mudanças nos modos de acumulação urbana cional, para a concessão privada de todo o sis- com todo um conjunto de efeitos nas formas de tema de transporte por ônibus. Uma mudança produção do espaço. Obviamente, o resultado fundamental era a que alterava a relação do final desse processo não está dado, depende de poder concedente (prefeitura) com as empresas Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 161 Igor Pouchain Matela de ônibus, que deixaram de ser permissionárias ônibus, garantindo uma área delimitada – e para se tornarem concessionárias. Até então, exclusiva – para a atuação de cada consórcio com o modelo de permissões, cada empresa vencedor da licitação. projetava as linhas de acordo com seus inte- Ao fim do processo de licitação, os qua- resses particulares e apresentava a proposta à tro consórcios que representavam 40 das 47 SMTR, que decidia pela autorização de opera- empresas de ônibus que já operavam no Rio ção. No modelo de concessão, o poder público de Janeiro foram anunciados como habilitados disporia de mais instrumentos de regulação, para a concessão do serviço por 20 anos. De havendo um contrato formal e um planejamen- acordo com estimativas do edital, durante es- to abrangente do sistema de transporte. se período de concessão, as passagens pagas O discurso da Prefeitura centrava-se na pelos usuários somariam R$15,9 bilhões, en- argumentação de que o sistema precisava ser quanto os concessionários deveriam investir racionalizado para que todos na cidade ga- R$1,8 bilhão no serviço. Além disso, a prefei- nhassem com a melhora de eficiência. Ou seja, tura conseguiu aprovar na Câmara de Verea- a adequação da oferta de ônibus à demanda dores projeto de lei no qual do ISS (Imposto de passageiros, abolindo a concorrência nas Sobre Serviços de Qualquer Natureza) do setor ruas, diminuiria o custo das empresas e con- de transportes foi reduzido de 2% para 0,01% sequentemente o valor da tarifa. Em linhas da arrecadação, o que significava, em valores gerais, pode-se dizer que a racionalização sig- da época, uma renúncia fiscal de R$33 mi- nificava reduzir o número de ônibus nas zonas lhões por ano. Sul, Norte, Barra da Tijuca e Jacarepaguá, on- Ficou estabelecido também que os con- de havia excesso de veículos e grande disputa sórcios vencedores da licitação viriam ope- de mercado com linhas sobrepostas, e aumen- rar os futuros corredores expressos de ônibus tar na Zona Oeste, área de escassez na oferta (Bus Rapid Transit – BRT) entre Barra da Tijuca de transporte. e o Aeroporto Internacional do Galeão (Trans- A concessão dividiu a cidade em cinco carioca); entre Barra da Tijuca e Santa Cruz regiões, chamadas de Redes de Transportes Re- (TransOeste); entre Recreio dos Bandeirantes e gionais (RTRs): RTR 1 (Centro e zona portuária), Deodoro (TransOlímpica) e entre Deodoro e o que por ser destino de várias linhas e de uso Aeroporto Santos Dumont (TransBrasil). comum, não entrou na licitação; RTR 2 (Zona A concessão abrangente do sistema de Sul e Grande Tijuca); RTR 3 (83 bairros da Zona transporte por ônibus, com a relação entre a Norte); RTR 4 (Baixada de Jacarepaguá, Barra Prefeitura e as empresas de ônibus regidas por da Tijuca e Recreio); e RTR 5 (Zona Oeste). As um contrato público e com prazo determinado, linhas que integrassem mais de uma região poderia, a princípio, ser apontada como uma estariam vinculadas à RTR com maior número ruptura com o modelo de regulação anterior. de embarques de passageiros. É importante Entretanto, o desenvolvimento do processo na destacar que cada consórcio deveria controlar prática envolve uma série de contradições e uma RTR. Reforçando a concepção de pôr fim complexidades que devem ser observadas para à competição territorial entre as empresas de uma interpretação mais precisa da questão. 162 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus... Após três anos de concessão, a estrutura BRT através de seu braço financeiro, o Banco montada através dos consórcios operadores Guanabara. Os ônibus são comprados na con- e em torno deles indica a manutenção refor- cessionária Guanabara Diesel, também do gru- mulada das tradicionais práticas utilizadas po que, dessa forma, tornou-se credor de várias pelas empresas e de suas relações com o Es- empresas menores. O controle das frotas de tado. Além disso, percebe-se uma tendência ônibus dos consórcios por GPS também é rea- de reforço da concentração de capital, poder lizado por uma empresa da família. e informação. O desenrolar do processo após a Entretanto, a compreensão dos meca- concessão indica a tendência de modernização nismos de controle e concentração de poder do negócio por parte dos grupos empresariais privado no setor passa pela Fetranspor. A par- dominantes como uma estratégia de reposicio- tir de 2010, a federação dos sindicatos criou namento na coalizão política que se atualiza. uma série de empresas para atuar em negócios Tentaremos a seguir embasar essa afirmação. relacionados ao transporte. Entre elas encon- Como ressaltado anteriormente, a or- tram-se agências de publicidade para ônibus ganização empresarial no setor apresenta (MOVTV); uma administradora para os termi- peculiaridades que complexificam a análise: nais rodoviários urbanos (RioTer); participação se no início da concessão 40 empresas for- acionária no transporte por barca (SPTA) e mavam os consórcios, hoje são 42. Dessas, no futuro veículo leve sobre trilhos a ser ins- 15 participam de dois consórcios diferentes e talado na área central da cidade (RioPar Par- duas delas participam de três consórcios. 8 A ticipações). Mas a empresa-chave criada pela maior parte dos empresários tem participação Fetranspor é a RioCard Cartões. Ela foi criada acionária distribuída em duas ou mais empre- para instalar e operar o sistema de cobrança sas e apenas sete delas apresentam sócios de passagem por meio de cartão eletrônico exclusivos. A concentração por grupos indica (Bilhete Único). O controle da Fetranspor foi que os três principais detêm metade da parti- garantido pelo Estado, ao estabelecer que a cipação acionária do conjunto dos consórcios, administração desse sistema deveria ser rea- reafirmando o poder que esses grupos tinham lizada pelas empresas de ônibus ou entidade desde antes da concessão. Os indícios de ir- por elas escolhida. regularidades na licitação e suspeita de acor- Através da implementação da bilheta- do prévio entre as empresas de ônibus que já gem eletrônica (2005), a receita das empresas atuavam na cidade para definir os vencedo- de ônibus passou a ser centralizada na RioCard res da licitação fizeram com que o Tribunal de (não somente a receita das tarifas, mas tam- Contas do Município (TCM) iniciasse uma am- bém receitas obtidas de subsídios da prefeitura pla apuração do processo. para transporte escolar, vale-transporte, etc.). A família Barata, por exemplo, líder do Assim, o grupo de empresários que comanda principal grupo controlador de empresas de a Fetranspor gerencia as receitas e tem acesso ônibus no Rio de Janeiro, também atua no fi- exclusivo a toda contabilidade do sistema. As nanciamento da compra de veículos para a vans legalizadas também pagam uma taxa de maior parte das empresas e para o sistema administração para a RioCard. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 163 Igor Pouchain Matela Ocorre que, com o controle centralizado um “consórcio operacional” com a finalida- da informação, a divisão das receitas arreca- de de operar os BRTs. Esse seria uma espécie dadas no sistema de ônibus e a prestação de de “consórcio terceirizado”, contratado pelos contas são feitas a partir da Fetranspor. Por- consórcios oficiais exclusivamente para gerir o tanto, grupos minoritários de empresários de transporte nos BRTs. A “terceirização” do ser- ônibus acabam não tendo acesso completo viço funcionou como forma de permitir que a aos critérios de rateio das verbas oriundas de escolha das empresas que participam do novo tarifas e outras fontes. Tais grupos perdem consórcio se desse internamente, sem interfe- poder sobre seus próprios capitais e as in- rência do poder público. Não por acaso, as em- formações do sistema. Também para o poder presas operadoras do BRT não pertencem aos público, o controle se torna precário. Relató- grupos dominantes. De acordo com estimati- rio do TCM avaliou que a prestação de contas vas da Prefeitura, quando estiverem em pleno dos consórcios não é confiável, e a Prefeitura funcionamento, 50% das viagens por ônibus não tem informações exatas sobre a rentabi- serão realizadas nos corredores BRT, o que dá lidade do setor. O próprio estudo de cálculo a dimensão de um negócio extremamente pro- para reajuste tarifário não é feito pela Pre- missor para as poucas empresas escolhidas que feitura, mas por consultoria contratada pela irão administrá-lo. Fetranspor e a partir de dados por ela fornecidos. Com imensas dificuldades de controle, o poder público – TCM, vereadores e a própria Prefeitura – dificilmente tem acesso às infor- Considerações finais mações completas do setor. Na prática, a Fetranspor realiza a gestão Interpretamos que o processo de neolibera- privada de todo o negócio que envolve o trans- lização, ao atingir as cidades brasileiras (e o porte público por ônibus no Rio de Janeiro, exemplo mais explícito é o da cidade do Rio um setor fundamental para a vida na cidade e de Janeiro), desestrutura e reestr tura as com uma capacidade enorme de acumulação coerências espaciais herdadas do momento de capital (faturamento anual bruto estimado histórico anterior, além de reconstruir em no- em 2,6 bilhões de reais). A famosa “caixa- vas bases as alianças de classe e coalizões -preta” das empresas de ônibus consiste na de poder. restrição ao acesso das informações do setor. As antigas alianças de classe fundadas A Fetranspor, por sua vez, é controlada por na acumulação mercantil precisam se moder- um pequeno grupo de empresários dominan- nizar e/ou elaborar novas estratégias políticas tes que comandam um complexo esquema de para se articular às formas financeirizadas de privatização das atividades de controle e ope- acumulação. Essas novas coalizões tendem a ração do sistema de ônibus. substituir antigas estratégias defensivas de Outra situação obscura ocorreu em 2012, reprodução de poder por estratégias compe- quando, sem concorrência pública e a partir titivas de empreendedorismo urbano, e utili- de um acordo entre as empresas, foi criado zar a cidade como “máquina de crescimento” 164 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus... (Molotch, 1976). Esse movimento de inserção Mas se falamos em mudanças, enten- competitiva das cidades está em sintonia com demos que em linhas gerais elas se configuram o processo de globalização e financeirização mais como tendências que rupturas. As antigas da urbanização (Harvey, 2012), impulsionado coalizões não se desfazem, mas se repactuam. pela atual crise no capitalismo central que for- A concessão de 2010 marca um momen- çou os excedentes de capital a buscarem novos to de aprofundamento da lógica de mercado espaços de reprodução. Fica claro que o enten- na regulação e operação dos transportes por dimento do processo em questão atravessa vá- ônibus e todas as atividades que dão suporte rias escalas geográficas. a seu funcionamento modernizado. A concen- Em relação ao objeto do presente artigo, tração empresarial e controle do setor passam procuramos pensar as mudanças do modelo por grupos que, ao controlarem crescentemen- historicamente privado de ônibus no contex- te o fluxo de capital e informações, tendem a to da neoliberalização. Várias formas de capi- acumular mais poder. O Estado parece perder tal coexistem no mesmo espaço e se apoiam influência e capacidade nas decisões, emer- mutuamente. O velho capital mercantil das gindo uma forma de regulação que deixa gra- empresas de ônibus se articula com as novas dativamente de se basear no patrimonialismo formas de acumulação urbana dos capitais na- historicamente constituído para aproximar-se cionais e transnacionais. de um modelo mais voltado para uma autor- A circulação de pessoas é um aspecto regulação de mercado. Interpretamos que esse fundamental na cidade e por isso não pode ser processo está inserido especificamente no con- negligenciada pelos esquemas de dominação texto da neoliberalização da coerência urbana econômica e política. A legitimação da coalizão estruturada no Rio de Janeiro, mas também urbana e suas condições de acumulação pas- articulado com transformações gerais das rela- sam por uma organização dos transportes mais ções capital/Estado em escala nacional. Por ou- eficiente. Portanto, interpretamos as mudanças tro lado, e não sendo contraditório, as antigas observadas no setor como necessárias para práticas de acumulação por espoliação, os pri- sustentar a modernização urbana por meio de vilégios de uma regulação baseada no patrimo- uma reestruturação neoliberal. nialismo, não desaparecem, mas se adaptam. Igor Pouchain Matela Geógrafo. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. [email protected] Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 165 Igor Pouchain Matela Notas (1) Não computados neste gráfico os dados rela vos à par cipação das vans legais e clandes nas. Porém, infere-se que a curva descendente a par r do final dos anos 1990 esteja relacionada à concorrência desse po de transporte, o que levou as empresas de ônibus a pressionarem a Prefeitura por ações de repressão e controle. (2) De acordo com Barat (1975), em 1940 o transporte ferroviário (trens e bondes elétricos) nha uma par cipação de 83,47% dos passageiros na cidade. (3) Freire (2001) aponta que entre 1934 e 1944 o aumento do volume de passageiros transportados ultrapassa os 100% (de 48 para 100 milhões). (4) Como exemplo, Freire (2001) aponta que entre 1946-1948 surgem seis novas empresas de ônibus e a frota total passa de 812 para 1.024 carros. (5) Somente quatro empresas de ônibus sobreviveram ao período de concorrência aberta com os lotações. (6) É importante perceber que a origem da formação dessas empresas tem reflexos na composição que elas assumem até os dias atuais: como observa Caiafa (2002), a história das empresas se desenvolveu muitas vezes de acordo com as histórias pessoais de seus donos. As empresas surgem com alguns sócios, que depois se separam, outras vezes se fundem, cedem ou recebem determinadas linhas a outrem, negociam veículos, repassam cotas a herdeiros, etc. (7) O monopólio dos ônibus na cidade do Rio de Janeiro é controlado por um pequeno número de empresários familiares. São grupos familiares que têm grande poder de barganha na polí ca local. (8) h p://www.rioonibus.com/rio-onibus/consorcios-e-empresas/ Referências BARAT, J. (1975). Estrutura metropolitana e sistema de transportes: estudo do caso do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Ins tuto de Planejamento Econômico e Social/INPES. BRENNER, N.; PECK, J. e THEODORE, N. (2012). Após a neoliberalização. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 15-39. CAIAFA, J. (2002). Jornadas urbanas: exclusão, trabalho e subjeƟvidade nas viagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, FGV. DUARTE, R. (2003). Centralidade, acessibilidade e o processo de reconfi guração do sistema de transporte na metrópole carioca dos anos de 1960. Revista Território. Rio de Janeiro, ano VII, n. 11-12-13. 166 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus... FREIRE, A. (2001). Guerra de posições na metrópole: a prefeitura e as empresas de ônibus no Rio de Janeiro (1906-1948). Rio de Janeiro, ALERJ/FGV. HARVEY, D. (1985). “The place of urban poli cs in the geography of uneven capitalist development”. In: HARVEY, D. The UrbanizaƟon of Capital. Bal more, The Johns Hopkins University Press. ______ (2004). “Notes towards a theory of uneven geographical development”. In: Spaces of neoliberalizaƟon. Stu gart, He ner-Lectures v. 8, Steiner Verlag. ______ (2005). “A geografia da acumulação capitalista: uma reconstrução da teoria marxista”. In: HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo, Annablume. ______ (2012). Rebel CiƟes. Londres, Verso. LESSA, C. e DAIN, S. (1982). “Capitalismo associado: algumas referências para o tema estado e desenvolvimento”. In: COUTINHO, R. e BELLUZZO, L. G. M. (orgs.). Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise. São Paulo, Brasiliense. MARICATO, E. (2000). “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: ARANTES, O. et al. A cidade do pensamento único. Petrópolis, Vozes. MOLOTCH, H. (1976). The city as a growth machine: toward a poli cal economy of place. American Journal of Sociology, v. 82, n. 2, pp. 309-332. ORRICO, R. e SANTOS, E. (1999). “Hegemonia privada: da capital do bonde ao ônibus no Rio de Janeiro”. In: BRASILEIRO A. e HENRY, E. (orgs.). Viação ilimitada: ônibus das cidades brasileiras. São Paulo, Cultura Ed. Associados. PECK, J.; THEODORE, N. e BRENNER, N. (2012). Mal-estar no pós-neoliberalismo. Novos Estudos – Cebrap. São Paulo, n. 92, pp. 59-78. PEREIRA, V. (1987). Avaliação da política de transportes públicos no Rio de Janeiro: causas e consequências do modelo privado no transporte por ônibus. Brasília, EBTU. RIBEIRO L. C. Q. e SANTOS JUNIOR, O. A. (2013). Governança empreendedorista e megaeventos espor vos: reflexões em torno da experiência brasileira. O Social em Questão. Rio de Janeiro, ano 16, n. 29, pp. 23-42. RIO DE JANEIRO (2010). Ato de jus ficação da outorga de concessão da prestação de serviço público de transporte cole vo de passageiros por ônibus. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ano XXIV, n. 29, p. 62, 29 abr. SANTOS, M. (1994). A Urbanização Brasileira. São Paulo, Hucitec. THEODORE, N.; PECK, J. e BRENNER, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudad y el imperio de los mercados. Temas Sociales. San ago de Chile, v. 66, pp. 1-12. Texto recebido em 1/set/2013 Texto aprovado em 26/out/2013 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 167 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo nos imaginários urbanos da metrópole de Lima, Peru* Internal migrations and their contemporary protagonism in the urban imaginaries of the metropolis of Lima, Peru Beatriz Silveira Castro Filgueiras Resumo Neste artigo, revisitamos as narrativas construídas sobre as migrações internas no Peru e a explosão urbana de Lima na segunda metade do século XX, de modo a investigar a sua permanência e destacado protagonismo – sobretudo em comparação com outras metrópoles latino-americanas e com os diagnósticos característicos do pensamento urbano regional neste início de século – como elemento central nos discursos e imaginários sobre a metrópole contemporânea. Por um lado, trata-se de compreender as especificidades daqueles processos no caso peruano, no marco mais geral da urbanização latino-americana e dos discursos canônicos que marcaram o seu entendimento. Por outro lado, em diálogo com estudos mais recentes, destaca-se a persistente centralidade do fenômeno migratório nos discursos contemporâneos sobre a cidade e suas dinâmicas socioespaciais. Abstract This paper revisits the narratives about internal migrations in Peru and Lima’s urban explosion during the second half of the 20th century, in order to investigate their permanence and protagonism – mainly in comparison to other Latin American cities and to the diagnoses that are characteristic of regional urban thought at the beginning of this century – as a central element of the discourses and imaginaries about the contemporary metropolis. On the one hand, it explores the specificities of the Peruvian case in the broader context of Latin American urbanization and of the canonical discourses that have marked its understanding. On the other hand, in dialog with more recent studies, it highlights the persistent centrality of the migration process in the contemporary discourses about the city and its socio-spatial dynamics. Palavras-chave: imaginários urbanos; migrações internas; América Latina; Lima Metropolitana; Peru. Keywords: urban imaginaries; internal migrations; Latin America; Metropolitan Area of Lima; Peru. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 Beatriz Silveira Castro Filgueiras Aproximação: migrações internas e urbanização na América Latina única cidade, a capital, em detrimento do restante do território nacional. Em função dessa concentração, a explosão demográfica e territorial das grandes cidades latino-americanas deveu-se também a um O fenômeno migratório e a urbanização explo- intenso fluxo migratório de populações vindas siva durante a segunda metade do século XX do campo ou de outros municípios menores, foi uma realidade em quase, se não em todos em busca de melhores condições de vida so- os países latino-americanos. Lefèbvre, em A nhadas mediante sua incorporação à esfera da Revolução Urbana (escrito na década de 1970), vai mais longe ao afirmar que o processo de urbanização, nestas décadas, consistia num fenômeno planetário. O crescimento econômico e a industrialização – tornados naquele momento as causas e razões supremas do desenvolvimento – estenderam suas consequências ao conjunto dos territórios, regiões, nações e continentes, evidenciando assim a mundialização do fenômeno urbano. Sendo as causas demográficas, as motivações sociológicas e as vantagens econômicas e políticas da cidade as mesmas, “na China e noutros lugares” (Lefèbvre, 1999, p. 107), a urbanização se revelaria, então, um fato mundial e uma tendência global. Na América Latina, de um modo geral, esse processo de urbanização caracterizou-se pela natureza cumulativa na localização dos investimentos modernizadores, conduzindo a região, em poucas décadas, ao fenômeno da macrocefalia; isto é, à elevada (e crescente) concentração das atividades econômicas e políticas mais dinâmicas em alguns poucos pontos do território (Santos, 2005). México, Argentina e Chile, para citar apenas alguns exemplos mais emblemáticos, foram países nos quais, assim como o Peru, a urbanização esteve acompanhada por um violento processo de centralização e o desenvolvimento de uma economia moderna: “o crescimento desmedido 170 da população urbana criou um círculo vicioso: quanto mais a cidade crescia, mais expectativas criava e, em consequência, atraía mais gente, porque parecia poder absorvê-la” (Romero, 2004, p. 361). Desse modo, a urbanização explosiva, calcada em uma pauta civilizatória e um modelo de desenvolvimento transnacionais, haveria implicado uma ruptura com a base cultural camponesa e a destruição dos vínculos antigos com o espaço, ou seja, o desenraizamento e o rompimento dos mapas tradicionais de territorialização (Latouche, 1996; Ortega, 1986). Assim, em curto espaço de tempo – convencionalmente circunscrito entre as décadas de 1940 e 1980 –, as migrações internas inverteriam o padrão de ocupação do território na maioria dos países da região, agora predominantemente urbano; no Brasil, por exemplo, estima-se que cerca de 40 milhões de pessoas trasladaram-se do campo para as cidades neste período (Fontes, 2008 ). Diante desse crescimento ao mesmo tempo pujante e desmedido, sem precedentes na história da civilização ocidental, emergia uma profunda ambiguidade no entendimento e no tratamento da realidade urbana latino-americana. Expressões como “transbordamento popular” Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... (Matos Mar, 2004 ), “enxurrada zoológica”, partir da década de 1920, o impulso industria- “cidade monstruosa”, “cidade de massas” lizador e os investimentos massivos em edu- aparecem como traduções do sentimento de cação, em comunicações e na ampliação da caos e desordem e convivem com exaltações rede viária constituíram os principais esforços ao desenvolvimento urbano da região, ex- fomentados pelo Estado para promover a mo- pressão ao mesmo tempo de progresso e mo- dernização e a integração da economia e do dernidade (Prevôt Schapira, 2001). território nacionais. A transição da sociedade tradicional para No interior do marco teórico e cultural, definido pelas coordenadas nem sempre concordantes do desenvolvimentismo, do funcional-estruturalismo, da planificação regional e da economia espacial, as cidades da região eram percebidas com uma ambiguidade que oscilava entre a esperança e a desconfiança: como acessos preferenciais de uma corrente de ideias e estilos de vida que libertaria a América Latina das amarras do tradicionalismo e do subdesenvolvimento, incorporando grandes massas de população rural às novas pautas econômicas, sociais e políticas da vida moderna, mas, ao mesmo tempo, como parasitas monstruosos, que sugavam toda a seiva vital do interior de nossos países. (Gorelik, 2005, p. 121) a sociedade urbano-industrial supunha mudanças significativas em todas as esferas da vida social. No âmbito político, tal mudança ocorria no sentido da integração das “massas” e seu acesso a direitos políticos e sociais, permitindo a participação mais ampla das camadas populares na cultura industrial-urbana. E a incorporação de grandes setores das classes populares – até então excluídos do projeto político nacional – dependia, sob vários aspectos, da ruptura do isolamento de grandes porções do território e da superação dos limites da comunidade local (Germani, 1965). Rompendo com aquelas geografias dualistas e seus mapas tradicionais de territorialização (Ortega, 1986) – isto é, com a longa Entendidas a partir dessa configuração experiência social da dicotomia entre o campo e de geografias dualistas – isto é, da divisão es- a cidade, entre o rural e o urbano, como matrizes trutural dos territórios nacionais entre o “atra- civilizacionais e modos de vida distintos e so” rural e o “progresso” urbano –, as migra- opostos –, a “explosão” e a visibilidade das ções internas eram vistas como a passagem massas urbanas provocariam a desestruturação de sociedades e culturas tradicionais para as da sociedade urbana tradicional, aristocrática, cidades modernas, transpondo assim, em pou- oligárquica e excludente. O fenômeno migrató- cos dias, “várias épocas de evolução socioeco- rio e a urbanização explosiva transformariam nômica” (Fontes, 2008, p. 26). No movimento radicalmente a fisionomia e a morfologia da de expansão da modernização, moldado pelas cidade, sua estrutura e suas dinâmicas socio- relações centro/periferia características da es- espaciais. A reorganização do espaço urbano trutura da sociedade e da economia dos paí- acentuaria o caráter dual da organização social e ses latino-americanos, o dualismo tradicional/ material das grandes cidades latino-americanas: moderno deveria resolver-se pela universaliza- de um lado, a concentração de infraestrutura, ção do setor modernizador (Gorelik, 2004). A serviços, oportunidades e investimentos Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 171 Beatriz Silveira Castro Filgueiras modernizadores no centro; do outro, a contínua Porém, não se trata de afirmar que esse ocupação da periferia urbana, em terrenos de processo de incorporação foi necessariamen- baixo ou nulo valor de mercado, cada vez mais te “democrático” ou isento de conflitos, am- distantes e, via de regra, desprovidos de infra- biguidades e limitações. O próprio Germani estrutura e bens de consumo coletivos. (ibid.) destacaria, a partir de sua análise do Não obstante a marginalização e a inser- caso argentino, as contradições e assincronias ção precária e conflituosa dos migrantes na ci- que permearam a integração das massas urba- dade, a migração e a urbanização significavam, nas no contexto do populismo peronista, bem concretamente, a incorporação de grandes como sua natureza autoritária e, sob vários setores da população que até então se encon- aspectos, conservadora. Contudo, afirma o au- travam excluídos da maior parte dos aspectos tor, se por um lado as camadas populares não da vida urbano-industrial, do acesso aos direi- puderam avançar no sentido da transformação tos sociais e do exercício efetivo dos direitos estrutural da sociedade argentina, “os resulta- políticos (Germani, 1965). No plano político, dos mais importantes se devem buscar no re- como sujeitos de demandas, os novos habi- conhecimento dos direitos, e na circunstância tantes pressionariam pela universalização dos fundamental de que desde esse momento as direitos até então restritos às elites urbanas massas populares precisam ser levadas em con- tradicionais, demandando a massificação da ta” (Domingues e Maneiro, 2004, pp. 652-653). infraestrutura e dos serviços urbanos, o aces- Assim, podemos afirmar que os setores popu- so à educação, à moradia digna, à saúde, água, lares, e os migrantes em particular, atuaram transporte, etc. (Martín-Barbero, 1991). No pla- diretamente sobre o processo de moderniza- no da cultura, as migrações promoveriam um ção e urbanização, tornando-se atores sociais processo de integração e fusão cultural, no e políticos fundamentais da vida na cidade. A qual a expansão dos meios de comunicação crescente visibilidade das novas massas urba- de massa e o desenvolvimento das indústrias nas se relacionava com a força da sua presença culturais jogariam um papel preponderante, na paisagem, com sua intensa mobilização e dando lugar à emergência de uma nova cultura organização social e política e a publicização popular urbana e à reconstrução dos sentidos de suas insatisfações e demandas com relação do nacional (Martín-Barbero, 2001). Assim, o às carências urbanas, numa cidade em rápido efeito combinado dos processos de moderni- e desordenado crescimento (Fontes, 2008). zação, industrialização e urbanização haveria Apesar do “otimismo” diante da moder- sido duplo: o surgimento de uma nova cultura nização das sociedades latino-americanas, a popular urbana, “de massas”, e, paralelamen- migração massiva rapidamente seria sentida te, a articulação e redefinição dos princípios como um problema, sobretudo pelas elites políticos de soberania popular, nas quais as dirigentes e pelos setores urbanos tradicio- noções de cidadania, progresso, modernidade e nais. A explosiva e desordenada urbanização nacionalidade jogaram um papel fundamental se refletia na saturação dos centros urbanos (Nugent, 2007). e no deterioro dos serviços, na emergência e 172 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... na agudização de problemas relacionados à de modernização desenvolvimentista, ainda moradia, à especulação imobiliária e à infraes- na década de 1970, levariam à reversão das trutura urbana, na visibilidade da pobreza e no taxas de migração e de crescimento urbano aumento da marginalidade e da criminalidade, na maioria dos países da região, momento dos quais era responsabilizada a crescente em que também se assiste ao aumento ex- população migrante (Fontes, ibid.). A cidade ponencial do desemprego e da pobreza, da seria então retratada como um espaço hostil informalidade e da violência e à precarização e sufocante, sujo, degradado, caótico, desor- das condições de vida nas principais cidades denado e decadente, estigmatizando a popu- latino-americanas. Em função dessas transfor- lação recém-chegada e responsabilizando-a mações, convencionalmente adota-se a “déca- diretamente pelo deterioro das condições ur- da perdida” de 1980 como o marco temporal banas e ambientais. Nesta direção, a migração para o entendimento da contemporaneidade massiva provocaria, ademais, o descentramen- do subcontinente, momento que marca uma to e a desestruturação da cidade, de tal ma- inflexão no fenômeno urbano na região, pro- neira que sua centralidade se bifurcaria entre duzida pela acumulação de diferentes proces- duas periferias: uma desde a qual os setores sos – como a democratização e a liberalização populares empreendiam sua “invasão” da ur- econômica, as mudanças significativas nas re- be ; e outra onde crescentemente se refugia- lações entre cidade e projeto nacional, Estado riam as classes médias e altas, de modo a es- e planejamento urbano, a crise inflacionária e tabelecer sua distância da cidade massificada o esgotamento da temática do desenvolvimen- (Martín-Barbero, 1991). to urbano (Prevôt Schapira, 2001) –, abrindo Por fim, a exclusão e a marginalização caminho para que os diagnósticos da “crise de amplos setores da população urbana (nes- urbana” se generalizem e se imponham, desde te contexto, predominantemente de origem então e com sentidos diversos, como o conteú- migrante) não apenas dos circuitos da econo- do fundamental dos discursos sobre as metró- mia formal, mas do próprio acesso à cidade e poles da região (Filgueiras, 2008). seus equipamentos, confeririam à urbanização Assim, a década de 1980 marcaria tam- empreendida pelos setores populares carac- bém o começo de um novo ciclo do pensamen- terísticas distintivas, realçadas e reafirmadas to social sobre o urbano na América Latina. constantemente na oposição entre a cidade Além dos diagnósticos acerca da pobreza, da “formal” e a “informal” e na configuração informalidade, da insegurança e da violência – paradigmática de imagens e imaginários di- fenômenos que, desde então, predominam nos cotômicos da sociedade e do espaço urbanos, diagnósticos, debates e definições sobre o “ca- que ainda informa a produção de discursos e ráter” e a dinâmica social das grandes cidades diagnósticos em muitas das principais cidades do subcontinente –, a globalização econômica, latino-americanas até os dias atuais. a reestruturação produtiva e a atualização par- Apenas na década de 1980 esse proces- cial e estratégica da rede urbana, o aprofunda- so acelerado de urbanização se modificaria. A mento da segregação, a fragmentação e a po- crise econômica e o esgotamento do padrão larização social, a mercadorização da cultura, Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 173 Beatriz Silveira Castro Filgueiras da cidadania e dos mecanismos de proteção social, o enclausuramento do espaço doméstico e a privatização dos espaços públicos (e/ ou sua renovação cenográfica) se tornaram Migrações e urbanização em Lima, Peru: cenas de uma “batalha épica” algumas das questões e palavras-chave para a compreensão e a caracterização das metrópo- Historicamente, o processo de urbanização les latino-americanas na contemporaneidade. peruano tende a ser dividido em duas etapas. E, nesse novo contexto, inaugurado com o A primeira abrange o longo período desde a marco da década de 1980 e intensificado nas conquista espanhola até a primeira metade do décadas seguintes, o fenômeno migratório século XX, de crescimento urbano moderado paulatinamente desapareceria da pauta dos aliado à expansão econômica em função dos estudos urbanos regionais. mercados externos, beneficiando os centros No Peru, e particularmente em Lima, em- administrativos concentrados no litoral, princi- bora – como veremos – a reversão das taxas palmente o eixo Lima-Callao que, desde a colo- migratórias tenha ocorrido tardiamente em nização, se consolidava como o espaço urbano comparação com os demais países da região, mais importante do país. A segunda etapa, por surpreendem a centralidade e a força expli- sua vez, abarca a segunda metade do século cativa que as migrações internas ainda de- XX, caracterizada pelos esforços de desenvol- sempenham nos discursos e nos imaginários vimento industrial e integração da economia contemporâneos sobre a metrópole limenha, e do território nacionais, pela urbanização ex- persistindo como elemento central de compre- plosiva do país e pelo crescimento acelerado de ensão da cidade e de suas dinâmicas espaciais Lima Metropolitana (Inei, 1996). e socioculturais. Mesmo os estudos mais re- Os investimentos feitos para romper centes, embora insiram a cidade no contexto com o isolamento dos mercados regionais, contemporâneo e dialoguem com ele, em sua particularmente no setor de transportes e co- maioria seguem tendo como ponto de partida mu nicação, favoreceram a consolidação do inconteste as transformações decorrentes da centralismo limenho. Nesse sentido, os processos migração massiva na segunda metade do sé- de expansão econômica e integração territorial culo XX. No entanto, antes de discutirmos esse promoveriam a consolidação da capital não protagonismo, buscando compreender as ra- apenas como centro político e administrativo zões dessa permanência, apresentaremos bre- do país, mas também como ponto nefrálgico da vemente as características e especificidades do economia nacional, impondo sua hegemonia fenômeno migratório e da explosão urbana no absoluta sobre o mercado e a economia na- caso peruano e limenho. cionais, concentrando o poder e as instituições 174 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... do Estado e subordinando sua lógica de de- um “crescimento por desenvolvimento”, em senvolvimento a todas as demais regiões do função do aumento da atividade mineradora país. Desse modo, a modernização capitalista e industrial, fruto da política de substituição da sociedade e da economia peruanas não só de importações, e da atração que gerava a ci- reafirmou como expandiu o papel hegemôni- dade pela expectativa de melhores condições co de Lima e do litoral peruano, cristalizando de vida e a possibilidade de incorporação às a tendência histórica, desde a conquista espa- esferas da economia e do consumo modernos. nhola, da sua imposição como eixo de gravita- O período entre 1970 e 1990, por sua vez, foi ção político, socioeconômico e cultural do país, marcado por um “crescimento por crise” (Jo- em oposição aos Andes (Franco, 1989). O Peru seph; Castellanos; Pereyra e Aliaga, 2005), pri- pode ser considerado como cenário de um meiro econômica e depois política, sobretudo dos mais intensos processos de centralização em função do conflito interno deflagrado em do continente, sendo o contrapeso de cidades 1980 que, devido à intensidade da violência intermediárias quase nulo (Ávila Molero, no interior do país, contribuiu para a continui- 1 2001). Devido a este excessivo centralismo, dade da migração massiva da população rural Lima se tornaria o centro distorsionador por e serrana até Lima (Matos Mar, 2004; Portes e excelência da estrutura urbana no Peru, 2 atingindo um índice de primazia urbana entre 3 Roberts, 2005).4 Entre 1950 e 1970, que constituiu o au- os mais altos do mundo (Inei, ibid.). E, assim, o ge das migrações campesinas, a cidade experi- Peru se converteria em um país primordialmente mentou um vertiginoso processo de expansão urbano sem, contudo, resolver os problemas territorial; nesse período, de cada 100 migran- seculares de sua estrutura dualista tradicional. tes 56 se dirigiam à capital (Joseph, 1999). Quase sempre através de imagens de Nesse momento, as invasões de terrenos, o sur- força bélica – como invasão, choque, batalha gimento e a expansão das barriadas – cada vez e conquista – o massivo fenômeno migratório mais distantes do centro urbano – se conver- em direção à capital peruana é reiteradamente teriam, então, no fenômeno mais emblemático entendido como um divisor de águas na histó- do processo de urbanização peruano, transfor- ria da cidade e do país. Nesse período, a popu- mando a paisagem e a morfologia urbana de lação de Lima decuplicou em termos absolutos Lima. Porém, vale ressaltar que não foi somen- e, em termos relativos, passou a albergar um te a população migrante a responsável pela terço da população total do país, convertendo expansão das invasões e urbanizações popula- o Peru em um país predominantemente urbano res. Neste sentido, Riofrío (1978) cita um censo (Joseph, 1999). realizado na barriada pioneira de San Cosme, O processo de urbanização limenho, em 1953, que constatava que 44% de seus mo- resultante do fenômeno migratório ao longo do radores eram nascidos na capital. “Com efeito, século XX, pode ser dividido em dois momentos. na barriada também havia limenhos: limenhos No primeiro, entre a década de 1920 e o final pobres” (Riofrío, ibid., p. 17 nt. 16 – tradução da década de 1960, a migração campesina e a nossa). De todo modo, os principais protagonis- expansão da cidade eram impulsionadas por tas dessa expansão foram, portanto, os setores Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 175 Beatriz Silveira Castro Filgueiras populares que, diante da inoperância e incapa- O processo de expansão das barriadas cidade do Estado de absorvê-los e integrá-los à em Lima pode ser dividido em dois momentos. infraestrutura urbana e/ou ao mercado formal No primeiro, entre 1940 e 1954, as barriadas de trabalho, buscavam resolver, de modo es- estavam concentradas no eixo Lima-Callao, pontâneo e contestatório, a satisfação de suas localizadas “estrategicamente” em zonas con- necessidades (Matos Mar, ibid.). tíguas à área consolidada da cidade. Relativa- Lima constituiria um dos casos mais ex- mente pequenas e fragmentadas, continuavam pressivos, em toda a América Latina, da incon- dependentes da área central para o acesso a testável presença, crescimento e visibilidade produtos e serviços e, apesar do contraste que das novas modalidades de habitação popular, impunham, não constituíam ainda um fenô- fruto das invasões de terrenos e da autocons- meno significativo, mas marginal em relação à trução da moradia – em oposição, por exemplo, dinâmica de crescimento da cidade, como um aos casos de Buenos Aires, São Paulo ou Santia- “anexo pobre da cidade tradicional” (Barreda go, cidades nas quais suas favelas e villas mise- e Ramírez Corzo, 2004, p. 206). Em meados da ria não são vistas com tanta facilidade, muitas vezes despercebidas pelo visitante e mesmo pelo cidadão comum. O caso limenho seria também emblemático na região no que tange à expressividade, à capacidade de mobilização e à força organizativa dos novos moradores para a satisfação de suas próprias necessidades – em especial de moradia e trabalho – no novo contexto urbano (Romero, 2004). Nesse processo “espontâneo” de urbanização, que ocorria à margem da ordem oficial, os setores migrantes – e “populares”, de um modo geral – criavam novos canais de integração que não guardavam relação com a política ou o projeto urbano-nacional das classes dominantes. Enfrentados com a rigidez da estrutura jurídica, social e política do projeto nacional e com a incapacidade do Estado de atender à explosiva demanda por infraestrutura e serviços urbanos, os migrantes campesinos – através de estratégias coletivas de sobrevivência e de inserção no contexto urbano – rompiam com os limites da legalidade e da institucionalidade vigentes, impondo sua presença e forjando seu lugar na urbe. década de 1950, com a intensificação do pro- 176 cesso migratório, as ocupações de terrenos e o crescimento das barriadas ganhariam força e ênfase particulares. Esse segundo momento, entre 1954 e o final dos anos 1980, consistiria no “período clássico” de expansão das barria- das em Lima (ibid.), que começam a localizar-se às margens do tecido urbano consolidado, em terrenos cada vez mais distantes, na maioria das vezes em cerros e areais de baixo ou nulo valor de mercado. A explosão demográfica e a diversificação das pautas de territorialização urbana, decorrentes do processo migratório, implicaram então uma ruptura histórica na trajetória de Lima, visível na mudança da paisagem, na reestruturação do espaço e da dinâmica urbanas e no novo perfil residencial da cidade (Matos Mar, 2004). Se, na década de 1950, as barriadas representavam ainda 10% do total da área urbana de Lima, em 1985, 80% de sua extensão estava ocupada por assentamentos, cortiços e bairros populares (Joseph, 1999). Ao final do século XX, mais de 62% da população de Lima Metropolitana habitava a vasta área que Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... os setores populares urbanizaram a partir da década de 1940. En la práctica, estas invasiones fundaban nuevos polos o núcleos de expansión barrial desde los cuales se ocupan los terrenos adyacentes. Esto hacía que las barriadas continuaran creciendo y, con los años y según se fueron rellenando los espacios entre el casco urbano y las barriadas pioneras, formaron lo que ahora son los conos de la ciudad. Es también a partir de este periodo que podemos hablar de ciudad popular como un fenómeno trascendente y definitorio para la urbe. ( Barreda e Ramírez Corzo, 2004, p. 206 – grifo nosso)5 A partir da década de 1960, o Estado peruano atuaria em distintas frentes em sua política habitacional. Por um lado, programas de erradicação de barriadas e reassentamento de populações, em particular aquelas que estivessem em terrenos de interesse imobiliário e/ ou estatal, nos eixos já consolidados de expansão da cidade. Por outro lado, a fomentação de programas habitacionais que, no entanto, atendiam primordialmente aos setores médios, aos quais foram destinados 91% dos investimentos em moradia nesse período. Assim, por omissão, repressão ou por políticas habitacionais que não eram destinadas aos setores mais carentes e vulneráveis, o Estado – em sua No entanto, de modo a evitar reduzir o ineficiência – terminou se transformando, ele entendimento do crescimento urbano limenho mesmo, em um agente fundador de novas bar- apenas ao fenômeno das barriadas, é neces- riadas, cada vez mais distantes do tecido urbano, como foi o caso emblemático do distrito de Villa El Salvador (ibid.).6 Perante a impossibilidade e/ou a falta de vontade política do Estado de fazer frente às vertiginosas transformações, a modalidade predominante de acesso ao solo foi a invasão e a ocupação dos areais e áreas agrícolas na periferia da cidade. Devido à forte mobilização e articulação política dos setores populares, o Estado terminou por legitimar as invasões como modalidade de acesso ao solo e à moradia, “sempre e quando [...] não afetassem os interesses do capital imobiliário” (Barreda e Ramírez Corzo, 2004, p. 208 – tradução nossa), através da legalização dos terrenos uma vez já consolidada a ocupação e iniciada – pelos próprios moradores – a (lenta) urbanização da área. Da ocupação e loteamento dos terrenos à construção de cabanas de esteira, a moradia será, para esses setores, um projeto familiar em busca de sário compreender, como parte de um único processo de expansão, o crescimento tanto da cidade “formal” como da cidade “informal”. “A urbanização de tipo convencional, assim como a barriada e o cortiço são três modalidades de desenvolvimento das áreas residenciais que se dão simultaneamente” (Riofrío, 1978, p. 6 – tradução nossa). No que tange à atuação do Estado, durante o período de maior crescimento – logo, de maior pressão e demanda habitacional –, se perfilaria claramente uma política de “duas caras”, tanto na questão da moradia quanto no provimento de infraestrutura e serviços urbanos: por um lado, a lógica da acumulação e do desenvolvimento capitalista do mercado, dos grandes empreendimentos privados e da especulação do solo urbano; por outro, uma política de “deixar fazer” com relação às barriadas, revestida com a “demagogia da autoajuda” (Riofrío, ibid., p. 38). Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 177 Beatriz Silveira Castro Filgueiras sua melhoria e sua progressiva construção em fragmentação urbanas e produzindo certo des- tijolos e cimento. Por outro lado, os esforços de membramento da cidade (Sachaedel, 1982). legalização e habilitação urbana foram comu- Em função dessa tendência centrífuga mente um projeto coletivo, pelo menos até a e da contínua urbanização das zonas perifé- década de 1970, assumindo o custo de constru- ricas, Lima se convertia em uma metrópole ção da cidade através do trabalho comunitário policêntrica. Não obstante, apesar do cresci- 7 (Barreda e Ramírez Corzo, 2004). mento e consolidação de novas “centralidades As três grandes áreas onde se estabele- periféricas” nos eixos de expansão da cidade, ceram estas “barriadas periféricas” absorveram o centro limenho conservaria sua força na di- a maior parte da população recém-chegada à nâmica urbana, nos discursos e no imaginá- cidade durante a segunda metade do século rio da cidade, disputado ora como o centro XX. Num processo acelerado de crescimento e “perdido” pela elite criolla ora como o centro urbanização, essas áreas se converteram nos “conquistado” pela população migrante. eixos principais de expansão da cidade, porém Nesse processo, a própria noção de centro em sentido inverso – de fora para dentro –, se transfiguraria, acompanhando a expansão ocupando os espaços intersticiais que as se- urbana e as mudanças de escala implicadas paravam da zona consolidada da cidade e le- na conformação do território metropolitano, vando à conformação dos Cones de Lima (Cone tornando-se referente do “centro expandido” Norte, Cone Leste e Cone Sul) que constituem, da metrópole, também denominado “Lima hoje, as áreas de crescimento mais dinâmico da Centro” – e as variantes “Lima Moderna”, “Lima metrópole limenha. Consolidada”, ou apenas “Lima” em oposição Por sua vez, o centro de Lima passava à “Nova Lima” – que inclui em sua definição, também por intensas transformações, numa além do centro histórico, outros 15 distritos espécie de gentrificação às avessas: com seus de urbanização tradicional. 8 Centro que se “cavalos de tróia”, a massa migrante, que ha- reafirmaria, concreta e simbolicamente, como o via tomado os cerros da capital peruana, final- núcleo articulador da cidade em seu conjunto, mente “conquistaria” seu centro físico e sim- definidor e difusor das pautas urbanas, políticas, bólico (Golte e Adams, 1987). Com a ocupação econômicas, sociais e culturais hegemônicas – do centro pelos setores populares, denunciava- o principal referente normativo da metrópole -se seu acelerado processo de deterioro físico limenha, a partir do qual se estabelecem e de “degradação social”, refletidos na fisio- as distinções entre a cidade “formal” e a nomia e nos hábitos de seus novos usuários, “informal”, a “moderna” e a “popular”. no congestionamento, no encortiçamento e na Enfrentavam-se simbolicamente, então, explosão da economia informal e do comércio duas “Limas”: a Lima invadida – as áreas de ambulante. Finalmente, as classes média e al- urbanização “tradicional”, resultantes da mo- ta consumavam seu abandono (residencial) dernização aristocrática e do projeto nacional da área central e buscavam novas estratégias criollo na virada e início do século XX – e a Lima invasora, isto é, a “Nova Lima” forjada de isolamento, gerando maior segmentação e 178 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... pelos setores populares e pela população mi- então, a reinterpretação da “geografia da grante. E, nesta disputa, evidenciava-se a natu- identidade” peruana (Cánepa, 2007), dando reza essencialmente conflitiva da acomodação lugar a uma narrativa – concebida de maneira desses migrantes na cidade e sua crescente épica – que incluía o deslocamento, entendido marginalização, tornando visíveis e patentes as como a apropriação concreta e simbólica do profundas desigualdades econômicas, sociais, território da nação, como figura retórica para a culturais e raciais presentes na sociedade pe- construção identitária e a imaginação nacional: ruana, impressas no espaço urbano e sensíveis a partir de seu encontro na capital, migrantes na precariedade de condições de vida de seus de todas as regiões do país articulariam planos novos habitantes. de convergência, fortalecendo a conformação No entanto, se, do ponto de vista oligár- de um tecido “verdadeiramente” nacional e quico, a migração massiva e a explosão urba- dessa nova e “autêntica” identidade nacional-- na da capital peruana eram percebidas como popular (Degregori; Blondet e Lynch, ibid.). um processo de decomposição e deterioro, por Paradoxalmente, essa narrativa do “na- outro lado, a migração massiva e a urbaniza- cional-popular” – enunciada, em Lima, para ção empreendida pelos setores populares não referir-se tanto à presença na capital de mi- deixaram de instituir, a seu modo, um proces- grantes andinos e seus descendentes, como so singular de modernização. Nesse sentido, o aos processos políticos, econômicos e culturais fenômeno migratório tendeu a ser compreen- decorrentes dela – serviria não apenas à homo- dido como processo fundante de uma outra geneização e à regulação discursiva de um pro- modernidade peruana (Franco, 1991), como a cesso muito mais complexo, heterogêneo e, por democratização social da metrópole limenha e vezes, contraditório, como também contribuiria o surgimento de uma nova – e agora “autên- à reafirmação da hegemonia limenha sobre o tica” – identidade nacional-popular. Impondo resto do país. Isto é, ao mesmo tempo em que sua presença, a massa migrante nacionalizava a migração era destacada como o mecanismo a capital peruana e a reconstruía democratica- central da transformação cultural e política do mente: ao “conquistar” a cidade hostil e his- país no sentido da sua democratização, sua toricamente alheia ao “Peru real”, os migran- configuração discursiva contribuía para a re- tes forjaram uma “Nova Lima”, em cujo seio produção de uma geografia de identidade cen- emergiria “uma nova peruanidade” (Degregori; tralista (Cánepa, 2007). Blondet e Lynch, 1986). Dessa forma, no marco das profundas Se, até então, as dicotomias étnicas e so- transformações ocorridas desde meados do sé- cioculturais da sociedade peruana e seus ma- culo XX, a centralidade e a hegemonia de Lima pas tradicionais de territorialização coincidiam no contexto nacional peruano se atualizariam, em grande medida com a divisão geográfica então, com um sentido completamente distinto. do país entre a costa e os Andes, a migra- O centralismo limenho passaria a se justificar ção massiva trasladaria o locus do andino do não mais por ser o centro definidor e irradiador campo para o espaço urbano limenho. Dessa do projeto criollo de uma nação moderna, mas forma, o processo migratório haveria implicado, por conter em si – e, logo, ser representativa Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 179 Beatriz Silveira Castro Filgueiras de toda a diversidade étnica e cultural do sociocultural da cidade, pouco significado ou país. Nesse momento, o centralismo de Lima relevância teria para seus novos habitantes. se reinventava encontrando, assim, sua legi- Nessa direção, uma das consequências mais timação “popular” e Lima, mais peruana que marcantes, derivada da convulsão social e cul- nunca, se atualizaria como metáfora e síntese tural decorrentes da migração massiva, seria simbólica e imagética desse novo Peru e de sua um duplo processo de rejeição da cidade e de identidade nacional. sua identidade cultural. Por um lado, os seto- Contudo, a profunda ambiguidade no res urbanos “tradicionais” mitificavam a iden- tratamento da população migrante – ora como tidade limenha criolla que se extinguia com a os sujeitos heróicos da “nacionalização” da “invasão” campesina, mobilizando nostalgica- capital peruana, ora como expressão da po- mente uma identidade que não apenas consti- breza, da desordem e da marginalidade – ex- tuiria expressão da sua rejeição às novas con- punha a polarização da sociedade, revelando figurações espaciais e socioculturais da cidade, a recriação e atualização, no espaço urbano, mas que serviria também como marcador de das seculares representações dualistas do uni- distinções e hierarquias sociais no novo contex- verso cultural peruano. “Da dualidade do país to urbano (Montoya Uriarte, ibid.). Por sua vez, passou-se a falar da dualidade na cidade [...]. aqueles recém-chegados à capital não se iden- Do étnico ao popular, da diferença à desigual- tificariam com essa identidade urbana limenha dade, da oposição ao conflito, o esquema dual nem com a cidade que tal identidade evocava permaneceu” (Montoya Uriarte, 2002, p. 42 – e que, por definição, os excluía. Em oposição a tradução nossa). De todo modo, o que consti- esta “limenhidade” na qual não tinham aco- tuía uma realidade heterogênea e contraditória lhida, os novos habitantes da cidade afirma- tendeu a ser definida através de discursos e riam sua presença e sua singularidade cultural narrativas que enfatizavam a homogeneidade identificando-se não como limenhos, mas co- das experiências urbanas através da concep- mo provincianos, como habitantes de algum ção dicotômica das novas dinâmicas espaciais distrito popular da cidade (nas amplas áreas e socioculturais da metrópole, sintetizadas no invadidas e urbanizadas por eles), cholos9 ou, “choque” e na “batalha” entre mundos incon- simplesmente, peruanos (Degregori; Blondet e ciliáveis e na oposição entre a “Lima” tradi- Lynch, 1986). cional, senhorial e criolla e a “Nova Lima”, de origem migrante, andina e popular. Certamente, a “cholificação” de Lima (Quijano, 1980) não deve ser entendida ape- Nesse sentido, a migração massiva e a nas como um processo de enfrentamento e nova realidade urbana decorrente dela não oposição, mas também como o encontro e a apenas implicaram a transformação radical do articulação entre diversas matrizes e orienta- panorama físico e social da cidade, mas poriam ções culturais, de populações oriundas de todas em cheque a própria definição do “limenho” as regiões do país que converteriam a capi- (Franco, 1989); referente identitário que, ao tal na “cidade de todos os sangues do Peru”. ser fixado como um estereótipo que já não Não obstante, como discurso identitário, o “li- guardava relação com o perfil e a dinâmica menho” como sinônimo do criollo, ainda que 180 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... deslocado no tempo e no espaço pelo impac- retração dos discursos sobre o fenômeno mi- to da migração andina, persistiria como um gratório como um processo definidor da cena importante referente ideológico que recria e e da dinâmica urbanas nas grandes metrópoles reproduz, no espaço urbano, as fraturas e dua- da região. Na contramão dessas tendências re- lidades constitutivas do imaginário e dos dis- gionais, a continuidade do processo migratório cursos acerca da identidade nacional. em direção a Lima até o início da década de Finalmente, com a deflagração do con- 1990 talvez tenha contribuído, num primeiro flito interno, entre 1980 e início da década de momento, para que as migrações internas per- 1990, o crescimento urbano de Lima cobraria manecessem como elemento explicativo cen- outro sentido. As barriadas, como unidade ur- tral das dinâmicas espaciais e sociais da metró- bana de expansão, foram seriamente afetadas pole. No entanto, passadas mais de duas déca- pela desarticulação, intimidação ou pelo assas- das, as migrações internas ainda preservam um sinato das organizações e lideranças comunitá- destacado protagonismo nos diagnósticos, dis- rias que, até então, caracterizavam a constitui- cursos e nos imaginários contemporâneos da ção e a urbanização desses espaços, alterando metrópole limenha e as razões e sentidos dessa seus ritmos de reprodução e adaptação. Por permanência devem ser, portanto, buscadas em outro lado, surgiam novos espaços urbanos outra parte. na extrema periferia da cidade, nos quais se instalaram populações inteiras de refugiados pela violência interna e que, devido à crise generalizada vivida pelo país nesse período, se trasladavam ao contexto urbano em condições de pobreza, precariedade e vulnerabilidade extremas, muito mais agudas que aquelas Lima contemporânea e os sentidos do pertencimento à metrópole: novos processos, mesmos discursos? enfrentadas pelos migrantes do período “clássico” (Matos Mar, 2004). Ademais, a crescente Após as décadas intensas e traumáticas da cri- estigmatização dos territórios populares, sobre- se generalizada que afligiu o país nas últimas tudo os distritos periféricos da cidade – fruto décadas do século XX, Lima se consolidava da identificação desses espaços e de sua popu- como um território metropolitano que alcança- lação com a zona de conflito e com o confli- ria, no início do ano 2000, os 7,5 milhões de to em si, marcados por um forte componente habitantes e uma vasta área conurbada abran- étnico-cultural – aprofundariam as fraturas da gendo, além dos 43 distritos que a compõem sociedade peruana e a tendência generalizada “formalmente”, a Província Constitucional de ao isolamento, ao receio e à hostilidade (Rodrí- Callao.10 A estabilização e a retomada do cres- guez Robles, 1997). cimento econômico – em índices que, na últi- Nesse período, já se constatava a rever- ma década, seriam os mais elevados de toda são das taxas de migração e de crescimento a América Latina (Ludeña Urquizo, 2009) –, a urbano explosivo na maioria dos países da reversão das taxas migratórias e de crescimen- América Latina e, nesse contexto, a paulatina to urbano explosivo, a reabertura democrática Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 181 Beatriz Silveira Castro Filgueiras após quase uma década de um regime autori11 transformando de modo acelerado a paisagem tário, os desafios da reconciliação nacional e da metrópole limenha, que experimenta um a reinserção econômica e cultural do país nos crescimento sem industrialização baseado na fluxos do capitalismo globalizado informariam expansão de grandes centros comerciais, nas a entrada da capital peruana no novo século. grandes obras de mobilidade, na revitalização O processo de transformação contem- cenográfica do patrimônio histórico e cultural,13 porâneo do espaço urbano limenho teve início no desenvolvimento de serviços e estrutura vin- em meados da década de 1990, com o fim do culados à economia de serviços e do turismo e conflito interno, o início da chamada “pacifi- na expansão da intermediação especulativa e cação nacional” e a aplicação de um modelo financeira que alcança também, cada vez mais, radical de reativação econômica (Chion, 2009). os Cones de Lima (Romero Reyes, ibid.). No contexto do choque neoliberal promovido Por um lado, vê-se a proliferação de no- pelo governo de Fujimori, Lima rompia seu iso- vos projetos de modernização urbana vincula- lamento da economia global mediante incen- dos à nova hegemonia dos fluxos globais que, tivos ao investimento estrangeiro, concessões incidindo de maneira desigual sobre o territó- e privatizações de empresas públicas, libera- rio metropolitano, redefinem as relações entre lização do comércio exterior e a manipulação o centro e a periferia limenhos, favorecendo a do câmbio e das taxas de juros para garantir a emergência de uma nova hierarquia espacial atração de capitais (Romero Reyes, 2004). Além metropolitana (Chion, 2009). Em Lima, consti- dos setores financeiro, de energia, transporte tui expressão dessa nova orientação no plane- e telecomunicações, foram favorecidos o setor jamento urbano a consolidação de um “centro comercial e de serviços e as grandes empresas triangular”, que define hoje os espaços e os nacionais e transnacionais, entre as quais se fluxos hegemônicos da economia metropolita- destacam as indústrias extrativistas e o setor na e nacional. Esse centro triangular está con- da construção civil que, desde então, promove- formado por polos de funções especializadas, rá um boom especulativo e imobiliário de gran- conectados por vias de ampla circulação, cujos de impacto na paisagem e na estrutura urbana vértices são: (1) o Cercado de Lima – o centro limenha (Ludeña Urquizo, 2009).12 histórico, político e econômico que concentra Na última década, as orientações im- as sedes do governo central, do legislativo e do postas, fundamentalmente, pela globalização poder judicial, ministérios e banco central; (2) econômica e pela adequação diferenciada da o centro comercial e industrial de Callao, onde atuação e estrutura do Estado, têm um forte estão o porto e o aeroporto mais importantes impacto no conjunto da área metropolitana de do país; (3) o centro financeiro e comercial dos Lima e Callao, produzindo novas diferenciações distritos de San Isidro e Miraflores, que con- pela localização desigual dos componentes centra os fluxos de turismo e de negócios, as da nova economia. Assim, as novas diretrizes instituições financeiras e empresas privadas, que orientam a produção do espaço urbano companhias de seguros e grandes centros co- na contemporaneidade – em Lima como nas merciais (Romero Reyes, 2004). Completa esse principais cidades latino-americanas – estão reordenamento seletivo a criação de um novo 182 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... eixo exclusivo (leste-oeste), com a construção de comércio e serviços, sobretudo pequenas de vias expressas e centros comerciais de luxo e médias empresas de caráter familiar e, em que conectam esses distritos ao aeroporto de sua grande maioria, informais.14 Animados e Callao, ao centro da cidade e às zonas resi- atraídos pela consolidação e efervescência dos denciais de alta renda, da qual o distrito de La distritos populares limenhos, na última década Molina constitui o exemplo mais emblemático crescem os investimentos em grandes empre- (Ludeña Urquizo, 2009). endimentos comerciais nos Cones de Lima, em Por outro lado, em grande medida à mar- função desse dinamismo urbano e econômico, gem dos fluxos hegemônicos desse renovado mas também pela “constatação” de uma de- dinamismo, Lima ingressa num momento de manda de mercado insatisfeita, isto é, de uma consolidação de seu espaço urbano e de novos grande parte da população limenha que ainda processos de diferenciação social que trans- anseia por consumo e “modernidade”. Alber- formam o fenômeno e os rostos da pobreza gando quase dois terços da população metro- urbana nas vastas áreas urbanizadas pelos se- politana, “os ‘cones’ foram se constituindo nas tores populares ao longo da segunda metade economias emergentes da metrópole e não é do século XX (Cabrera, 2009; Riofrío, 2009). gratuito que as grandes empresas comerciais Passado o período de crescimento urbano ex- e cadeias de supermercados tenham visto aí plosivo, muitas barriadas, sobretudo as zonas potenciais mercados de consumo” (Arroyo e de ocupação mais antiga, cresceram e se urba- Romero, 2008, p. 111 – tradução nossa). Nos nizaram, convertendo-se em bairros periféricos Cones de Lima, cuja história de urbanização consolidados, ainda que não necessariamente está associada à mobilização e organização tenham superado a pobreza que os caracteriza. popular para a habilitação comunitária do A consolidação desse espaço urbano “popu- espaço urbano e cujo crescimento se deve ao lar” se evidencia não apenas na infraestrutu- dinamismo alcançado por uma economia ba- ra que agora supre muitas dessas áreas, mas sicamente informal e familiar, seu impacto não também na verticalização, densificação e com- deve ser menosprezado – sobretudo se con- plexificação dos usos do solo, em um dinâmico sideramos que sua construção se dá vertical- mercado imobiliário informal (Riofrío, ibid.), no mente em função de agentes externos e priva- surgimento de uma nova classe média emer- dos, em detrimento da melhoria em infraestru- gente, na construção e consolidação de novos tura e serviços que ainda continua a depender, centros comerciais e de serviços que, pelo seu em grande medida, dos recursos e da atuação dinamismo, despontam e se configuram como dos próprios moradores.15 as novas centralidades “periféricas” da metrópole de Lima. Essas novas tendências na organização do território metropolitano – sua atualização A consolidação e o crescimento econô- parcial e seletiva, o surgimento de novas cen- mico dessas novas centralidades nos Cones tralidades e a proliferação de tipologias/arqui- de Lima – que é também desigual e produtora teturas fragmentadoras do tecido urbano – de novas desigualdades – se apoiam principal- têm por consequência, ademais, o aumento da mente na expansão e diversificação do setor polarização social e espacial, estimuladas não Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 183 Beatriz Silveira Castro Filgueiras apenas pelos renovados processos de diferen- Por sua vez, apesar das transformações ciação intra-urbana – entre bairros da cidade, ocorridas na última década no sentido de uma entre o(s) centro(s) e a(s) periferia(s) –, mas maior dispersão dos espaços de referência da também induzem e promovem novos processos metrópole, o centro de Lima não apenas con- de diferenciação social no interior da periferia serva grande parte de suas antigas funções – urbana. Nesse sentido, observa-se o aprofunda- concentrando quase a totalidade das institui- mento da diferenciação entre a pobreza e a po- ções públicas e dos empregos formais, a infra- breza extrema (Riofrío, 2004) que se evidencia estrutura e os serviços mais modernos –, como nas condições e possibilidades diferenciadas também se redefine, adequando-se às novas de ocupação e apropriação do espaço urbano dinâmicas metropolitanas e às novas deman- e de inserção social. Ocupando os “espaços das introduzidas pela globalização econômica opacos” da metrópole globalizada (Santos, e cultural. Nesse sentido, o centro histórico, 2005), emergem os rostos de uma “nova particularmente, é objeto de intensas refor- pobreza urbana”, marcada pela experiência mas no sentido de sua revitalização urbana e de uma marginalização radical e pela hiper- cultural e do afiançamento de uma renovada periferização da moradia que impedem a identidade local (Vega Centeno, 2009). Em reprodução de estratégias tradicionais de suas diferentes manifestações, a parcialidade sobrevivência e dificultam a organização social evidente na revitalização do centro histórico e política, tornando ainda mais precárias das introduz novas diferenciações socioespaciais condições urbanas de vida (Ribeiro, 2009). e aprofunda antigas, transfigurando a vida de Assim, embora o atual dinamismo urba- relações que o anima, impondo usos e códi- no de Lima esteja nas áreas já ocupadas da gos de comportamento cada vez mais restri- metrópole, continuam a surgir novos bairros e tivos – seja por mecanismos de vigilância e/ assentamentos na extrema periferia, onde não ou regulados pelo consumo individual –, que apenas a construção da moradia, mas também implicam seu alisamento e sua banalização a instalação de serviços e equipamentos urba- como cenário para o entretenimento fácil, a nos resulta ainda mais problemática (Riofrío, contemplação fugaz e o consumo sempre re- 2004). Apenas nos distritos do Cone Sul de Li- novado (Ribeiro, 2004). ma foi estimada, nas últimas duas décadas, a No entanto, o centro de Lima está longe demarcação de mais de 40 mil lotes nos novos de constituir meramente expressão dos novos bairros da extrema pobreza, albergando cerca impulsos e necessidades dominantes. Ape- de meio milhão de habitantes (Riofrío, 2010a). sar dos esforços recentes para a atualização Nessas áreas, onde transparecem o aprofunda- “estratégica” do centro – agora em busca da mento da polarização e da segregação socioes- atração de investimentos, turistas e visibilidade pacial, “mecanismos de reprodução ampliada global –, o centro mantém ainda fortes elemen- do isolamento” contribuem de forma combina- tos simbólicos e identitários para os habitantes da para sua perpetuação (Kaztman e Ribeiro, da metrópole (Vega Centeno, ibid.). Moradia, 2008), definindo os (novos) ganhadores e per- educação, trabalho e oportunidades de renda, dedores da cena urbana contemporânea. mobilizações políticas, intervenções artísticas, 184 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... encontros, lazer, práticas e usos do espaço que, é relativamente acessível (Joseph; Castellanos; à margem e a despeito dos projetos e intenções Pereyra e Aliaga, 2005) – favorecem e apon- hegemônicos, estabelecem outra cartografia tam para novas formas de apropriação do es- social e cultural do centro histórico limenho. paço urbano metropolitano. Os circuitos não Em todo caso, o centro de Lima conti- apenas se tornam mais intensos e complexos, nua, portanto, condicionando os fluxos e as mas também multidirecionais. No entanto, dinâmicas metropolitanas e, neste processo, se persiste a percepção dicotômica entre os es- atualiza e se reafirma como o principal referen- paços representativos da metrópole limenha te normativo da metrópole, a partir do qual se sintetizados, sobretudo, naquela oposição estabelece a oposição entre a cidade “formal” entre “Lima” e a “Nova Lima”; distinção que, e a “informal”, a “invadida” e a “invasora”, a como vimos, se associa precisamente com as “moderna” e a “popular”. Porém, ao atualizar- migrações massivas em direção à capital e seu -se também como o centro “invadido” e “con- crescimento explosivo. quistado” por seus novos habitantes, constitui Nesse sentido, embora o contexto con- um espaço em aberta disputa: a referência mais temporâneo da metrópole já não seja aquele emblemática a partir da qual, ou em oposição a das migrações massivas e da explosão urbana, qual, se elaboram os discursos, os imaginários permanece o imaginário – inscrito nesta opo- e os sentidos da diferença e do pertencimento sição – do “choque cultural” e da cisão entre na metrópole limenha. os “limenhos” e os “migrantes” que, mesmo Como vimos, desde meados do século vivendo há décadas na capital, dificilmente se XX, com as migrações massivas e o crescimen- identificam com ela. Desencontro e dualidade to explosivo de Lima, a estruturação urbana que se reproduzem nas gerações nascidas em e as representações da cidade se articulariam Lima e que, até os dias de hoje, continuam a fundamentalmente pela coexistência, diferen- ser nomeadas “filhos/descendentes de mi- ciação e antagonismo entre dois “mundos” grantes”, “migrantes de segunda, terceira ou e modos distintos de produção da cidade: o quarta geração”, ou apenas “novos limenhos”. espaço “formal” e “moderno”, habitado pe- Adjetivos que servem para a manutenção das los setores urbanos tradicionais e consagrado distinções e hierarquias sociais e para a repro- pelas instituições oficiais; e o “informal”, de dução indefinida de estigmas e estereótipos origem migrante e popular e que carrega o que perpetuam a oposição entre os setores signo da precariedade e da “espontaneidade” criollos tradicionais e os habitantes desta “Nova Lima”, recriando as rígidas fronteiras entre o limenho “puro” e o “invasor”. Nesse embate, não é raro encontrar quem afirme – com certa ironia – que, atualmente, os “limenhos” são minoria, quase uma “espécie em extinção” na capital peruana. Para as gerações mais jovens, a percepção de Lima como parte de sua origem e de sua (Cabrera e Villaseca, 2007). Nas últimas décadas, o dinamismo econômico e cultural dos Cones de Lima, a consolidação de novas centralidades periféricas, a complexificação dos fluxos intraurbanos e a mudança no comportamento das gerações mais jovens – além da mobilidade oferecida por um sistema de transporte que, apesar de extremamente precário, Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 185 Beatriz Silveira Castro Filgueiras identidade aparece, muitas vezes, como uma Dualidade que não apenas permanece vigente contingência, uma casualidade quase formal. Por no plano nacional, mas que se inscreve no es- outro lado, ressignificam e reconstroem seus laços paço, no cotidiano e nos imaginários da metró- com outros lugares de origem – seus próprios, pole e cuja expressão mais visível e contunden- de seus pais ou avós –, nos quais a memória te é precisamente a reafirmação constante da e a cultura jogam um papel fundamental existência de duas cidades: “Lima” e “Nova Li- (Jacinto Pazos, 2007). Transitando entre âmbitos ma”, ou qualquer de suas variantes, a “formal” geográficos e realidades sociais completamente e a “informal”, a “moderna” e a “popular”. distintas – entre memória ancestral, a herança Dualidade que se impõe, finalmente, co- cultural, a contingência do nascimento e a mo o principal eixo articulador das experiên- vivência da metrópole –, a identidade dos “novos cias e dos sentidos da diferença que traçam limenhos” carrega a marca dessa dualidade e, ao mesmo tempo, tencionam as linhas do conflitiva, como evidencia o depoimento de um pertencimento e da exclusão nos imaginários jovem (sem identificação), citado por Ríos Burga contemporâneos da metrópole de Lima. Essa (2006, p. 311 – grifo nosso): polarização, no entanto, não reflete meramen- Me considero limeño, pues nací en Lima, pero mis padres nacieron en provincias y por ende sus padres también, lo cual también me hace en parte de la provincia de donde ellos vienen, pero también me hace limeño legalmente hablando porque la partida de nacimiento explica mi lugar de nacimiento, en conclusión soy limeño y a la vez soy provinciano.16 te uma divisão convencional entre classes nem pode ser reduzida à expressão de desigualdades socioeconômicas ou espaciais; tratam-se, sobretudo, de experiências, sensibilidades e estereotipias que, profundamente enraizadas no sentido comum e inscritas no espaço urbano da metrópole, não são de fácil desconstrução e que tendem a reproduzir-se na medida em que as condições objetivas e subjetivas que susten- Nesse sentido, argumentamos que, nos tam sua vigência permanecerem inalteradas. discursos e nos imaginários contemporâneos Tanto em certo sentido comum como na sobre a cidade, “Lima” constitui um referente maior parte da literatura especializada sobre a anacrônico na medida em que seus sentidos cidade – inclusive estudos mais recentes –, Li- e conteúdos permanecem cristalizados em ma continua sendo definida como uma cidade sua imagem e tradição criollas, circunscritas a senhorial e criolla, invadida por migrantes de uma região específica da cidade, ameaçadas e/ origem rural que ocupam terrenos e impreg- ou perdidas pela invasão migrante. Ademais, nam a urbe com presenças e manifestações “Lima” se revela também um referente ex- culturais de colorido andino. E, nesse quadro, cludente na medida em que serve justamente o fenômeno das migrações internas permane- para a atualização e/ou a denúncia de sua he- ce, em grande medida, como o elemento expli- gemonia e centralismo, reafirmando as fraturas cativo inconteste de sua estrutura e dinâmica e polarizações que, historicamente, ela mesma urbanas, da sua vida social, da totalidade dos institui: aquela entre o mundo criollo e o mun- problemas e desafios que enfrenta a metró- do andino, entre a capital e o “resto do país”. pole. No entanto, essa descrição claramente 186 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... já não corresponde ao contexto econômico e sociedade e da metrópole limenhas, é preciso, político metropolitano, nem à sua realidade portanto, buscar outros discursos e interpre- urbana e social, cujas dinâmicas respondem tações que partam do reconhecimento dessa agora a novos determinantes, sendo 75% de nova realidade urbana, em toda sua especifi- seus habitantes nascidos na capital, jovens cidade, complexidade e dinamismo. Ou, como em sua maioria (Riofrío, 2009 ). Se quisermos adverte Riofrío (2010b), é necessário “reinven- compreender o contexto contemporâneo da tar a cidade”. Beatriz Silveira Castro Filgueiras Socióloga. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. [email protected] Notas (*) Este ar go se baseia e sinte za parte das discussões desenvolvidas na minha tese de doutorado em Sociologia, intitulada Imaginários do urbano, vínculos de urbanidade: a experiência contemporânea da heterogeneidade social na metrópole de Lima, Peru, e defendida em junho de 2013 no Ins tuto de Estudos Sociais e Polí cos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. (1) A segunda maior cidade do país na atualidade, Arequipa, concentra um con ngente populacional onze vezes menor que aquele reunido em Lima Metropolitana. (2) Sem considerar Lima Metropolitana, o Peru tem uma estrutura de cidades bastante equilibrada, prevalecendo, em 88% dos casos, os municípios de pequeno porte (entre 2 e 19.999 mil habitantes). Nos estratos superiores, no entanto, nunca existiu e não existe um número suficiente de cidades de grande e médio porte que possam equilibrar o desenvolvimento concentrado e desigual do país (Inei, 1996). (3) Por primazia urbana entende-se a relação entre a capital e as três cidades seguintes em tamanho e importância. No caso peruano, Arequipa, Trujillo e Chimbote, respec vamente (Inei, ibid.). Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 187 Beatriz Silveira Castro Filgueiras (4) No início dos anos 1980, um contexto de extrema instabilidade polí ca e crise econômica deram lugar a um grave conflito interno no Peru. Os violentos embates entre o Partido Comunista del Peru – Sendero Luminoso (PCP-SL), o Movimiento Revolucionario Túpac Amaru (MRTA) e as Forças Armadas, sobretudo nas áreas rurais mais pobres do país, provocaram a fuga de milhares de pessoas e às vezes comunidades inteiras em direção às cidades da costa e à Lima em par cular. Entre 1980 e 1992, num período em que as principais cidades da América La na inver am suas taxas de crescimento, o processo migratório em direção à capital peruana se transfigurava, com renovada intensidade e violência sem precedentes. (5) Em português, tradução nossa: “Na prá ca, estas invasões fundavam novos polos ou núcleos de expansão urbana a par r dos quais são ocupados os terrenos adjacentes. Isto fazia com que as barriadas con nuassem crescendo e, com o decorrer dos anos e à medida que foram sendo preenchidos os espaços entre o tecido urbano e as barriadas pioneiras, formaram o que agora são os cones da cidade. É também a par r deste período que podemos falar da cidade popular como um fenômeno transcendente e definidor para a urbe”. (6) Villa El Salvador foi o primeiro reassentamento urbano promovido pelo Estado peruano. Em abril de 1971, cerca de 200 famílias invadiram um terreno na localidade de Pamplona, ao sul de Lima; em poucos dias, quase 9 mil famílias já ocupavam o local. Dado o interesse do Estado na área – tornada estratégica em função do crescimento urbano, do esgotamento das áreas disponíveis e da especulação do solo – houve tenta vas de repressão violenta e expulsão dos invasores. Sem sucesso, iniciaram-se as negociações para o reassentamento das famílias em novo terreno designado pelo governo; um “grande bolsão” – um areal sem qualquer infraestrutura, plano de urbanização ou oferta de serviços – no qual o Estado pretendia alojar os invasores e todos aqueles que buscavam moradia nas barriadas que surgiam na capital (Riofrío, 1978). Duas semanas depois, em maio do mesmo ano, aproximadamente 7 das 9 mil famílias foram reassentadas. A criação de Villa El Salvador permi ria ao Estado, durante certo tempo, canalizar o crescimento no eixo sul de expansão da cidade. (7) Não devemos generalizar esta afirmação para todas as barriadas e assentamentos populares em Lima, mas existem casos emblemá cos, como o de Villa El Salvador, que se tornou exemplo de mobilização comunitária e organização autoges onária com a criação da Comunidad Urbana Autoges onaria de Villa El Salvador (Cuaves) e a concepção de um plano de desenvolvimento e gestão urbana comunitários. A experiência inovadora, embora não isenta de conflitos e contradições, seria inclusive reconhecida internacionalmente. (8) Ver mapa em anexo, “Distribuição dos distritos de Lima Metropolitana por zonas”. (9) A expressão cholo(a) faz referência à presença e adaptação, no contexto urbano, da população de origem andina e campesina. Embora o termo carregue forte carga pejora va, serviria também à reafirmação cultural e iden tária da população migrante na cidade consagrado, por exemplo, em um verso clássico do cancioneiro popular-urbano na segunda metade do século XX, “cholo soy y no me compadezcas”. 188 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... (10) De modo a evitar ambiguidades, é preciso esclarecer o recorte territorial que adotamos aqui ao referirmos à “metrópole de Lima”, sobre a qual nem no contexto local existe consenso. As definições de “Lima” são muitas, sobrepostas e contraditórias, evocando escalas e territórios distintos que abarcam de maneira ambígua seu território metropolitano. No que tange à organização polí co-administra va do território, Lima Metropolitana – ou a Província de Lima – abrange 43 distritos, sendo sua capital o Distrito de Lima (ou Cercado de Lima); distrito que, por sua vez, além de referir-se atualmente ao centro histórico da metrópole, é também a capital polí ca e administra va do país. Mas essa definição, embora “oficial”, não é consensual e o próprio Inei (Ins tuto Nacional de Estadís ca e Informá ca) adota uma formulação dis nta que inclui a Província Cons tucional de Callao. Callao, apesar de totalmente integrada à malha urbana conurbada da metrópole limenha – cons tuindo inclusive um dos seus vetores mais estratégicos, estando aí o porto e o aeroporto mais importantes do país – é uma entidade territorial, polí ca e administra va autônoma que elege seus próprios governantes (provinciais e regionais) e que não par cipa, portanto, das decisões que envolvem o conjunto da metrópole e/ou sua administração – inclusive, muitas vezes, dificultando-as. Embora seja necessário reconhecer que, considerando este território conurbado e suas conexões dinâmicas, Callao é parte fundamental das dinâmicas metropolitanas de Lima, convencionamos aqui o uso da definição político-administrativa de Lima Metropolitana, composta por 43 distritos cuja organização social e territorial dis ngue, na metrópole, quatro regiões – Lima Centro, Lima Norte, Lima Leste e Lima Sul –, e cuja população era es mada, em 2012, em quase 8,5 milhões de habitantes (Fonte: “Lima tendría 8 millones 432 mil habitantes en la actualidad, informa Inei”, La República, 18 de janeiro de 2012, versão eletrônica: h p://www.larepublica.pe/18-012012/lima-tendria-8-millones-432-mil-habitantes-en-la-actualidad, acesso em 13/11/2012). Ver mapa em anexo. (11) No início da década de 1990, Alberto Fujimori seria eleito presidente, num contexto de aguda crise inflacionária, paralisia estatal e da crescente ameaça subversiva. Em 5 de abril de 1992, Fujimori declarava o autogolpe de Estado, ins tuindo uma ditadura que duraria quase uma década. Devida à forte pressão internacional (que incluía o bloqueio de emprés mos financeiros ao país), em 1995 Fujimori reins tuiu o processo democrá co, reabriu o Congresso e convocou novas eleições. Legi mado pela rela va estabilidade econômica e, sobretudo, pela derrota da insurgência subversiva, foi reeleito. Contudo, analistas ressaltam o caráter de “fachada” desse processo e a con nuidade do projeto polí co autoritário, até a queda do regime com a fuga de Fujimori do país e sua renúncia, via fax, nos anos 2000 (Burt, 2009). (12) Devido ao excessivo centralismo peruano, a maior parte destes novos inves mentos tenderá a se concentrar quase que exclusivamente em Lima. Com exceção dos grandes projetos de mineração, hidrelétricas e petróleo – que afetam de modo especial as comunidades rurais e indígenas tanto na região andina como amazônica e são, hoje, os principais responsáveis pela deflagração de conflitos sociais no Peru –, todos os setores mais dinâmicos e “modernos” da economia atuam apenas e/ou principalmente na capital. O que não equivale dizer, contudo, que aqueles setores não tenham forte impacto na cena metropolitana, uma vez que têm a capital como seu centro financeiro, administra vo e operacional; principal lugar de residência e estadia das altas classes execu vas que demandam serviços e estrutura especializados, além de ser também aí onde são tomadas todas as decisões de governo acerca dos inves mentos e da polí ca de desenvolvimento nacional. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 189 Beatriz Silveira Castro Filgueiras (13) Projetos de valorização crescentemente incluem também o patrimônio arqueológico que, apesar dos séculos de destruição contínua, continua a imprimir suas marcas na paisagem limenha. Em Lima Metropolitana, existem hoje 217 sítios arqueológicos identificados pelo Ministério da Cultura; incluída a Província de Callao, são mais de 350. No entanto, a grande maioria permanece em estado de abandono e sofre com as pressões do crescimento urbano e da especulação imobiliária. Poucas delas estão habilitadas para visitação – com destaque para o Santuário de Pachacámac (distrito de Lurín), a Huaca Pucllana (distrito de Miraflores) e o complexo circunscrito pelo Parque de las Leyendas (distrito de San Miguel). (Fonte: Perú – Ministerio de la Cultura, disponível em http://www.mcultura.gob.pe/principales-sitiosarqueologicos-de-lima, acesso em 4/3/2013). (14) Nesse cenário, o Cone Norte – em par cular, os distritos de Los Olivos, Comas e Independencia – tem cumprido um papel de destaque e, em função do crescimento pujante do qual foi objeto nas úl mas duas décadas, se transformou no exemplo mais paradigmá co do novo dinamismo econômico das áreas de urbanização popular em Lima. (15) Para citar um exemplo, a instalação do shopping Mega Plaza Norte, no distrito de Independencia em 2002, implicou a quebra e/ou o desaparecimento de mais de 1.500 estabelecimentos comerciais locais (pequenas lojas e bodegas), gerando apenas 800 postos de trabalho ocupados, via de regra, por moradores de outras regiões da cidade. (16) Em português, tradução nossa: “Me considero limenho, pois nasci em Lima, mas meus pais nasceram na província e, portanto, seus pais também, o que me torna também parte da província de onde vieram, mas também me torna limenho legalmente falando, porque a cer dão de nascimento explica o meu lugar de nascimento, em conclusão sou limenho e, ao mesmo tempo, sou provinciano”. Referências ARROYO, R. e ROMERO, A. (2008). “Lima Metropolitana y la globalización: plataforma de integración subordinada o espacio de autodeterminación en América La na”. In: CÓRCOVA MONTÚFAR, M. (coord.). Lo urbano en su complejidad: una lectura desde América LaƟna. Quito, Flacso/Ministerio de Cultura de Ecuador. ÁVILA MOLERO, J. (2001). Globalización, idenƟdad, ciudadanía, migración y rituales andinos des/ localizados: el culto al Señor de Qoyllur Riƫ en Cusco y Lima. Disponível em: h p://bibliotecavirtual. clacso.org.ar/ar/libros/becas/2000/avila.pdf. Acesso em: 3 set 2013. BARREDA, J. e RAMÍREZ CORZO, D. (2004). “Lima: consolidación y expansión de una ciudad popular”. In: ARAMBURU, C. E. et al. Perú Hoy - Las ciudades en el Perú. Lima, Desco. BURT, J-M. (2009). Violencia y autoritarismo en el Perú: bajo la sombra de Sendero y la dictadura de Fujimori. Lima, IEP/SER. CABRERA, T. (2009). “El espacio público en la ciudad popular”. In: CALDERÓN COCKBURN, J. (org.). Los nuevos rostros de la ciudad de Lima: Foro Urbano. Lima, Colegio de Sociólogos del Perú. 190 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... CABRERA, T. e VILLASECA, M. (2007). Presentes, pero invisibles: mujeres y espacio público en Lima Sur. Lima, Desco – Programa Urbano. CÁNEPA, G. (2007). Geopoé ca de iden dad y lo cholo en el Perú: migración, geogra a y mes zaje. Revista Crónicas Urbanas. Lima, n. 12, pp. 29-42. CHION, M. (2009). “Dimensión metropolitana de la globalización: Lima a fines del siglo XX”. In: VEGA CENTENO, P. (ed.). Lima, diversidad y fragmentación de una metrópoli emergente. Quito, Olacchi. DEGREGORI, C. I.; BLONDET, C. e LYNCH, N. (1986). Conquistadores de un nuevo mundo: de invasores a ciudadanos en San Marơn de Porres. Lima, IEP. DOMINGUES, J. M. e MANEIRO, M. (2004). Revisitando Germani: a interpretação da modernidade e a teoria da ação. Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 47, n. 4, pp. 643-668. FILGUEIRAS, B. S. C. (2008). Metrópoles em crise: vida urbana na América La na contemporânea e a problemá ca dos vínculos sociais. Cadernos Ippur/UFRJ. Rio de Janeiro, v. XXII, n. 1, pp. 173-192. FONTES, P. (2008). Um Nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista (1945-66). Rio de Janeiro, FGV. FRANCO, C. (1989). Informales: nuevos rostros en la vieja Lima. Lima, Cedep. ______ (1991). Imágenes de la sociedad peruana: la otra modernidad. Lima, Cedep. GERMANI, G. (1965). PolíƟca y Sociedad en una Época de Transición: de la sociedad tradicional a la sociedad masas. Buenos Aires, Editorial Paidós. GOLTE, J. e ADAMS, N. (1987). Los caballos de Troya de los invasores: estrategias campesinas en la conquista de la gran Lima. Lima, IEP. GORELIK, A. (2004). Miradas sobre Buenos Aires: historia cultural y críƟca urbana. Buenos Aires, Siglo XXI. ______ (2005). A produção da “cidade la no-americana”. Tempo Social – Revista de Sociologia da USP. São Paulo, v. 17, n. 1, pp. 111-133. INEI – Instituto Nacional de Estadística e Informática (1996). Dimensiones y características del crecimiento urbano en el Perú: 1961-1993. Lima, Inei/UNFPA. JACINTO PAZOS, P. (2007). Modernidad, iden dad y representaciones limeñas. Los microempresarios frente a los megamercados. SCIENTIA – Revista del Centro de InvesƟgación de la Universidad Ricardo Palma. Lima, v. IX, n. 9, pp. 59-90. JOSEPH, A. J. (1999). Lima megaciudad: democracia, desarrollo y descentralización en sectores populares. Lima, Alterna va/Unrisd. JOSEPH, A. J.; CASTELLANOS, T.; PEREYRA, O. e ALIAGA, L. (2005). “Lima, ‘Jardín de los senderos que se bifurcan’: segregación e integración”. In: GRIMSON, A.; PORTES, A. e ROBERTS, B. (eds.). Ciudades laƟnoamericanas: un análisis comparaƟvo en el umbral del nuevo siglo. Buenos Aires, Prometeo Libros. KAZTMAN, R. e RIBEIRO, L. C. de Q. (2008). Metrópoles e sociabilidade: os impactos das transformações socioterritoriais das grandes cidades na coesão social dos países da América La na. Cadernos Metrópole. São Paulo, n. 20, pp. 241-261. LATOUCHE, S. (1996). A ocidentalização do mundo: ensaio sobre a significação, o alcance e os limites da uniformização planetária. Petrópolis, Vozes. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 191 Beatriz Silveira Castro Filgueiras LEFÈBVRE, H. (1999). A revolução urbana. Belo Horizonte, Ed. UFMG. LUDEÑA URQUIZO, W. (2009). “Lima de los noventa: neoliberalismo, arquitectura y urbanismo”. In: VEGA CENTENO, P. (ed.). Lima, diversidad y fragmentación de una metrópoli emergente. Quito, Olacchi. MARTÍN-BARBERO, J. (1991). Dinámicas urbanas de la cultura. Disponível em: h p://www.naya.org. ar/ar culos/jmb.htm. Acesso em: 3 set 2013. ______ (2001). Al sur de la modernidad: comunicación, globalización y mulƟculturalidad. Pi sburgh, Ins tuto Internacional de Literatura Iberoamericana – Universidad de Pi sburgh. MATOS MAR, J. (2004). Desborde popular y crisis del Estado. Veinte años después. Lima, Fondo Editorial del Congreso del Perú. MONTOYA URIARTE, U. (2002). Entre fronteras: convivencia multicultural, Lima siglo XX. Lima, Concytec/Sur – Casa de Estudios del Socialismo. NUGENT, D. (2007). “Estado y nación vistos desde los márgenes: la reconfiguración del campo moral en el Perú del siglo XX”. In: LAGOS, M. L. e CALLA, P. (orgs.). Antropología del Estado: dominación y prácƟcas contestatarias en América LaƟna. La Paz, INDH; PNUD. ORTEGA, J. (1986). Cultura y modernización en la Lima del 900. Lima, Cedep. PORTES, A.; ROBERTS, B. R. (2005). “La ciudad bajo el libre mercado: la urbanización en América La na durante los años del experimento neoliberal”. In: GRIMSON, A.; PORTES, A. e ROBERTS, B. (eds.). Ciudades laƟnoamericanas: un análisis comparaƟvo en el umbral del nuevo siglo. Buenos Aires, Prometeo Libros. PREVÔT SCHAPIRA, M.-F. (2001). Fragmentación espacial y social: conceptos y realidades. Perfiles LaƟnoamericanos – Revista de la Sede Académica de México de la Facultad La noamericana de Ciencias Sociales. Ciudad de México, año 9, n. 19, pp. 33-56. QUIJANO, A. (1980). Dominación y cultura. Lo cholo y el conflicto cultural en el Perú. Lima, Mosca Azul. RIBEIRO, A. C. T. (2004). Oriente negado: cultura, mercado e lugar. Cadernos PPG-AU. Salvador, ano 2, pp. 97-107. ______ (2009). “Presen ficação, impulsos globais e espaço urbano. O novo economicismo”. In: POGLIESE, H. e EGLER,T. T. C. (comp.). Otro desarrollo urbano: ciudad incluyente, jusƟcia social y gesƟón democráƟca. Buenos Aires, Clacso. RIOFRÍO, G. (1978). Se busca terreno para próxima barriada: espacios disponibles en Lima 1940-19781990. Lima, Desco. ______ (2004). “Pobreza y desarrollo urbano en el Perú”. In: ARAMBURU, C. E. et al. Perú Hoy - Las ciudades en el Perú. Lima, Desco. ______ (2009). “Imágenes y perspec vas del crecimiento urbano de Lima”. In: CALDERÓN COCKBURN, J. (org.). Los nuevos rostros de la ciudad de Lima: Foro Urbano. Lima, Colegio de Sociólogos del Perú. RIOFRÍO, G. (2010a). Alan García, alcalde de Lima. Perú Hoy – Desarrollo, democracia y otras fantasías. Lima, Desco. ______ (2010b). Reinventar la ciudad. Revista Quehacer. Lima, n. 179, pp. 22-27. 192 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo... RÍOS BURGA, J. R. (2006). Sociología de Lima – Las microculturas en el Centro Histórico: individuación, socialización, idenƟdad, vida coƟdiana e inƟmidades. Lima, Fondo Editorial de la Facultad de Ciencias Sociales. RODRÍGUEZ ROBLES, M. E. (1997). “Migración y violencia: jóvenes ayacuchanos y huancavelicanos en la ciudad de Lima”. In: BALBI, C. R. (ed.). Lima: aspiraciones, reconocimiento y ciudadanía en los noventa. Lima, PUCP. ROMERO, J. L. (2004). América LaƟna: as cidades e as ideias. Rio de Janeiro, Editora UFRJ. ROMERO REYES, A. (2004). La economía urbana de Lima Metropolitana: los procesos y retos de desarrollo. Cuadernos de Desarrollo Económico Local: lecturas de la economía del norte de la ciudad. Lima, Alterna va, pp. 25-52. SACHAEDEL, R. (1982). De la homogenización a la heterogenización. Apuntes – Revista de Ciencias Sociales. Lima, n. 12, pp. 3-17. SANTOS, M. (2005). Da totalidade ao lugar. São Paulo, Edusp. VEGA CENTENO, P. (2009). “Introducción”. In: VEGA CENTENO, P. (ed.). Lima, diversidad y fragmentación de una metrópoli emergente. Quito, Olacchi. Texto recebido em 11/set/2013 Texto aprovado em 8/out/2013 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 193 Beatriz Silveira Castro Filgueiras ANEXO – Mapa de referência: Distribuibuição dos distritos de Lima Metropolitana por zonas Fonte/elaboração: Desco,Observatório Urbano – Programa Urbano,s/d. Disponível em: http://www.urbano.org.pe/downloads/ observatorio_urbano/Zonas%20de%20Lima%20Metropolitana jpg. Acesso em: 12 abr 2013. 194 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 Polos regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana: cultura política em perspectiva comparada* Regional centers in the North of Rio de Janeiro and the Metropolitan Region: political culture in a comparative perspective Sérgio de Azevedo Joseane de Souza Fernandes Resumo O artigo tem como objetivo analisar em perspectiva comparada as semelhanças e diferenças entre a cultura política da população residente nos Polos regionais do Norte Fluminense (Macaé e Campos) e na RMRJ. Este artigo foi também motivado pela necessidade de se identificar os principais determinantes da cultura política dessas localidades, a partir dos fatores cognitivos – representados pelos indicadores de Socialização Secundária e Exposição à Mídia Informativa – e dos fatores relacionados à participação política – representados pelos indicadores de Associativismo e Mobilização Sociopolítica. Abstract The paper aims to analyze, in a comparative perspective, the similarities and differences between the political culture of the population residing in the regional centers located in the North of the State of Rio de Janeiro (Campos and Macaé) and the political culture of the population living in the Metropolitan Region. This paper was also motivated by the need to identify the main determinants of the political culture of these places based on cognitive factors – represented by the indicators Secondary Socialization and Exposure to Informational Media – and on factors related to political participation – represented by the indicators Associations and Sociopolitical Mobilization. Palavras-chave: cultura política; polos regionais; associativismo; mobilização; região metropolitana. Keywords: political culture; regional centers; associations; mobilization; metropolitan region. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes Introdução A partir daquela data, as economias de Campos e Macaé são cada vez mais direta e indiretamente dinamizadas pela atividade pe- Este artigo tem como objetivo analisar em trolífera. Dentre os impactos diretos, destaca- perspectiva comparada as semelhanças e dife- -se o recebimento de expressivas receitas de renças entre a cultura política da população re- rendas petrolíferas (royalties e participações sidente em Campos dos Goytacazes e Macaé – especiais): em 2011, esses dois municípios re- os dois mais importantes municípios da região ceberam 42,87% do total da renda petrolífera Norte Fluminense – e a Região Metropolitana dividida entre os 87 municípios petrorentistas, do Rio de Janeiro (RMRJ). As informações que do Rio de Janeiro; e 27,84%, entre os 1.031 subsidiarão as análises são primárias, coleta- municípios petrorentistas brasileiros, “fato que das através de duas pesquisas de campo, finan- os coloca em situação privilegiada diante da ciadas pela Faperj/CNPq, realizadas pelo Ob- maioria dos municípios brasileiros” (Fernandes, servatório das Metrópoles/Rio de Janeiro que, Terra e Campos, 2013, p. 2). nos polos regionais, contou com a parceria da Como efeitos indiretos, podem-se men- Universidade Estadual do Norte Fluminense – cionar a concentração, principalmente em Darcy Ribeiro (UENF) e da Universidade Cân- Macaé, de empresas de Petróleo e de seus de- dido Mendes (Ucam-Campos). A primeira em rivados, bem como de prestadoras de serviços 2008, com amostras estatisticamente represen- especializados nessa área; e os vultosos inves- tativas para a RMRJ, em seu conjunto; para o timentos na implantação de megaprojetos de município do Rio de Janeiro e para a Baixada infraestrutura de grande impacto regional, co- Fluminense; a segunda, em 2009, em Campos e mo é o caso do complexo Industrial e do Porto Macaé, com amostras representativas para ca- do Açu. Mas, apesar dos benefícios trazidos pe- da um dos municípios isoladamente. Nas duas la atividade petrolífera, esses dois municípios pesquisas foi utilizado o mesmo questionário, continuam apresentando graves problemas garantindo a comparabilidade dos resultados. sociais, especialmente nas áreas de saúde, edu- Campos dos Goytacazes e Macaé são as cação básica, saneamento e habitação popular. duas cidades mais importantes do Norte Flumi- Segundo Fernandes, Terra e Campos nense. Sua economia, tradicionalmente baseada na produção de cana de açúcar, passou, a (2012, p. 5), exploração mineral, em 1977. [...] com maior dinamismo econômico, alguns municípios da região, antes expulsores de população, vêm se tornando mais atrativos para a população migrante, principalmente para aquela à procura de novas e melhores oportunidades no mercado de trabalho. Outro efeito, não menos importante do maior dinamismo econômico é a elevação do poder de retenção populacional por parte desses municípios. 196 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 partir de meados dos anos 70, por uma intensa reestruturação induzida pela estagnação, seguida de forte crise, do setor sucroalcooleiro. Os rumos dessa reestruturação foram determinados pela descoberta de petróleo na Bacia de Campos; pela instalação da Petrobrás em Macaé, em 1974; e pelo início das atividades de Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana Indubitavelmente o desenvolvimento da são consideradas de médio porte, ressaltando- atividade petrolífera tem afetado significativa- -se que se trata de populações eminentemente mente a dinâmica demográfica regional, cha- urbanas. Segundo o Censo de 2010, 98,13% da mando a atenção o comportamento – com ten- população de Macaé residia em áreas urbanas, dência à elevação – das taxas de crescimento sendo de 90,29% o grau de urbanização da po- populacional (Gráfico 1). pulação campista. O município de Macaé, que em 1980 tinha No que diz respeito às questões políti- uma população inferior a 60 mil pessoas, conta- cas, pode-se dizer que uma das consequên- va, em 2010, com 206.728 habitantes após ex- cias dessa rápida reestruturação econômica é perimentar, durante três décadas consecutivas, um maior distanciamento entre as lideranças taxas de crescimento populacional superiores políticas e as novas (e não organizadas) elites a 4% ao ano. Campos dos Goytacazes – que econômicas de fato. Isso porque, as entidades apresentou uma população praticamente es- tradicionais dos empresários locais continuam tagnada, entre 1970 e 1980 (crescimento ab- sendo o locus organizado de interação com os soluto de 2.062 habitantes, a um ritmo médio representantes políticos que atuam na cidade anual de 0,06%) – voltou a crescer nos anos (vereadores, deputados estaduais e federais). 80, embora a taxas expressivamente inferiores Embora ocorra um lento movimento de ingres- àquelas de Macaé. Sua população aumentou de so de parte dos empresários recém-chegados 320.868 para 463.731 habitantes, entre 1980 e nas associações patronais, a elite tradicional 2010. Com tais volumes populacionais, ambas ainda mantém ampla hegemonia política. Gráfico 1 – Campos e Macaé: Taxa Média anual de crescimento populacional (1980-1991; 1991-2000; 2000-2010) 1980-1991 1991-2000 2000-2010 Fonte: FIBGE – Censos Demográficos (1991, 2000 e 2010). Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 197 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes De outro lado temos a Região Metropoli- e urbanos de grande envergadura. Segundo tana do Rio de Janeiro (RMRJ), constituída por o Observatório das Metrópoles (s/d, p. 1), os 17 municípios: Belford Roxo, Duque de Caxias, municípios de Belford Roxo, Guapimirim, Quei- Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Mesquita, mados, Japeri, Tanguá, Seropédica e Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Rio todos pertencentes à Baixada, “têm em comum de Janeiro, São Gonçalo, Seropédica, São João um baixíssimo desempenho econômico e um de Meriti, Tanguá e Queimados. alto grau de precariedade nas condições de re- Em 2010, a RMRJ tinha uma população produção dos seus habitantes e na capacidade de 11.835.708 habitantes, dentre os quais de gestão pública local”; no mesmo documen- 6.320.446 (53,40%) residiam na grande me- to o Observatório das Metrópoles define os trópole e 3.732.108 (31,5%) nos demais mu- municípios de Japeri, Seropédica, Belford Roxo nicípios. A RMRJ se destaca como segunda e Itaboraí como grandes “bolsões de pobreza”, maior região metropolitana brasileira, não na RMRJ. apenas em termos populacionais, mas também Ressalta-se que grande parte dos habi- pelo desempenho de sua economia. Mas, infe- tantes da Baixada dependem das atividades lizmente, assim como as demais RMs brasilei- econômicas do município do Rio de Janeiro e ras, a Grande Rio, como é conhecida, é marca- de Niterói, tendo em vista sua baixa capacida- da por expressivas desigualdades socioeconô- de de absorção da mão de obra. Apenas recen- micas e demográficas. temente essa região vem experimentando cer- De um lado temos a região que com- to dinamismo derivado de algumas atividades preende os municípios do Rio de Janeiro e econômicas importantes, tais como o refino de Niterói. Segundo Oliveira (2005), esses dois petróleo; o fortalecimento do comércio; o cres- municípios apresentam indicadores econômi- cimento de empresas de prestação de serviços, cos, sociais e demográficos muito próximos entre outras. indicando cenários socioeconômicos bastante Do ponto de vista político, o que se repe- similares e de alto padrão, comparativamen- te na quase totalidade dos municípios da Bai- te aos demais municípios da RMRJ. É neles xada Fluminense é a predominância ou grande que se concentram os maiores volumes de importância de um ou mais grupo familístico investimentos produtivos, atraídos principal- no poder local. mente pelas atividades petrolíferas e para- Nesse campo empírico recortado, quais petrolíferas, assim como os equipamentos e seriam as diferenças, em termos de sofisticação os serviços urbanos de melhor qualidade. De política, entre os polos regionais (Campos dos outro lado temos os demais municípios da Goytacazes e Macaé), que apesar dos vários RMRJ dentre os quais apenas três – Tanguá, constrangimentos sociais, apresentam grandes Itaboraí e São Gonçalo – não pertencem à potencialidades de desenvolvimento socioeco- Baixada Fluminense. nômico, e a Região Metropolitana do Rio de A Baixada é uma região que, historicamente vem apresentando problemas sociais 198 Janeiro, um dos núcleos culturais mais sofisticados do país? Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana Cultura política e estrutura econômica o qual somente quando na esfera política e ideológica ocorressem previamente mudanças capazes de tornar majoritário o apoio a uma transformação econômica profunda (no A relação entre cultura lato sensu e estrutura jargão marxista, a substituição de um “modo econômica nas ciências sociais permite uma de produção” por outro) seria possível realizar miríade de abordagens teóricas. Analisada de uma verdadeira revolução. forma descontextualizada, os trade offs entre Reconhecendo as complexas interfaces essas duas dimensões nos levaria ao enigma entre cultura e economia, partimos do pres- popular “do ovo e da galinha”. Mesmo as con- suposto que o surgimento da chamada “Nova tribuições dos clássicos ensejam diferentes Cultura Política” – como muitos outros issues interpretações, não totalmente isentas de am- contemporâneos – está fortemente interrela- biguidades. Se para Weber foi a ética protes- cionado a diversas mudanças estruturais, com tante que – mesmo de forma não intencional, fortes trade offs entre si, que ocorrem, sobre- ao transferir para a vida mundana um com- tudo, nos países capitalistas desenvolvidos a portamento racional – criou as condições pro- partir da segunda metade do século XX. Nesse pícias para o desenvolvimento capitalista no sentido, pode-se citar, entre outras, as seguin- Ocidente, isso não significa que o mesmo não tes transformações no cenário internacional: o seja capaz de germinar em condições culturais crescimento, apogeu e crise do Welfare State; mais adversas. o desenvolvimento e, posterior, perda relativa Em relação a Marx, se a análise canônica de importância do processo fordista/taylorista da conhecida relação entre “infraestrutura e de produção com surgimento do processo de superestrutura” pareceria não deixar dúvidas produção flexível; a crise da sociedade assala- sobre a primazia do econômico sobre o cultu- riada e decrescente papel dos sindicatos com ral, as leituras das mais importantes correntes o consequente sentimento de “desfiliação” da de seus seguidores vão em caminho contrário. população trabalhadora; o enfraquecimento re- Assim os papas da abordagem estruturalistas lativo dos estados nacionais, o fortalecimento (Louis Althusser e Nicos Pollantzas) utilizam o de blocos regionais, a ênfase na política local, conceito de “independência relativa” da supe- a maior visibilidade e preocupação com discri- restrutura, compreendida como formada por minações adscritivas (etnias, religião, imigran- diferentes esferas (política, religiosa, jurídica, tes, etc.); a globalização excludente do merca- artística, ideológica, entre outras) com tra- do; a revolução da informática e das informa- jetórias próprias, para mitigar os efeitos da ções, entre outras. determinação econômica. Os marxistas cultu- Segundo Clark e Hoffmann-Martinot, ra listas, capitaneados por Antonio Gramsci mentores da “Nova Cultura Política”, ela se – mesmo sem questionar explicitamente o caracterizaria por sete elementos-chave: (1) modelo ortodoxo – praticamente invertem modificação da dimensão clássica entre direito a determinação original com a criação do e esquerda; (2) separação explícita das ques- conceito de “hegemonia política”, segundo tões sociais e econômicas-fiscais; (3) maior Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 199 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes crescimento da importância das questões sociais Genericamente falando, a denominada decorrentes da exacerbação da diferenciação “Nova Cultura Política” abarcaria tanto ele- sociocultural do que das demandas econômi- mentos considerados tradicionalmente como cas; (4) crescimento simultâneo do individualis- conservadores – responsabilidade fiscal e polí- mo de mercado e social; (5) questionamento ao tica monetária dura em época de crises – quan- Estado de Bem-Estar Social; (6) emergência de to preocupações consideradas como progres- políticas centradas em questões-chave e a am- sistas, sejam relativas aos chamados “direitos pliação da participação cidadã, por um lado, e o difusos” (meio-ambiente, igualdade de gênero, declínio das organizações políticas hierárquicas, liberdade de orientação sexual, etc.), seja no por outro; (7) as concepções da NCP encontram que diz respeito à maior participação social e seus mais fervorosos defensores entre as so- política não convencionais nos intervalos das ciedades menos hierárquicas e os indivíduos eleições (participação em redes, apoio a ONGs, mais jovens, mais instruídos e os que vivem boicote a produtos nocivos ao meio ambiente, mais confortavelmente (Clark e Hoffmann- denúncias de empresas que utilizam mão de 1 -Martinot, 1998). obra infantil, campanhas humanitárias, etc.). A partir dos autores que defendem esse Além disso, a NCP apresentaria uma agenda enfoque, entre os quais se enquadram, tam- nova com maior preocupação com a eficácia bém, Manuel Vilaverde Cabral e Felipe Car- e legitimidade governamental (governance), reira da Silva (Cabral e Silva, 2006), segundo sem crescimento do aparato burocrático do nossa leitura, a NCP associaria valores pós- Welfare State, como também com as prestações de contas públicas com responsabilidades (accontability). Segundo a abordagem descrita, seria lícito concluir, como afirma Manuel Vilaverde, que, hoje em dia, o exercício dos direitos de cidadania tende a manifestar-se de forma mais expressiva através da “geometria variável” da automobilização do que através do associativismo clássico, vinculado fundamentalmente às formas convencionais de “capital social”.2 Nesse estudo comparativo entre Campos dos Goytacazes, Macaé e RMRJ, vamos avaliar até que ponto haveria um “efeito-metrópole” sobre o exercício da cidadania política. Em outras palavras, uma vez controladas variáveis clássicas como nível de escolaridade, renda, gênero, faixa etária, etc., poder-se-ia isolar um fator residual (formado pelas múltiplas interações de inúmeros issues ) disponível em -modernos, com ênfase na defesa dos direitos individuais, maior tolerância para diferentes padrões de comportamento, abertura para experimentação no plano individual, menor grau de subordinação às normas preconizadas pelo Estado, muitas vezes, acompanhado de postura canônica no referente às políticas econômicas. Nesse sentido, poder-se-ia dizer que, enquanto nas áreas mais urbanizadas, especialmente habitadas por setores homogêneos com maior capacidade de inserção social e econômica, tenderiam a prevalecer traços dessa cidadania pós-moderna, nas demais áreas urbanas, em contraposição, tenderiam a prevalecer os valores da cidadania clássica hegemônica do século passado, composta por suas dimensões jurídica, política e social e sua inerente fricção entre a dimensão civil (direitos individuais) e cívica (direitos coletivos). 200 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana maior escala nas grandes metrópoles, capaz ponderadas pela intensidade de participação de permitir a gestação e expansão progressi- dos indivíduos nas mesmas. va do que se poderia denominar Nova Cultura Política (NCP). Em ambos os fatores de ponderação variaram de 0 (nunca participou) a 3 (partici- Denomina-se, do ponto de vista teórico, pa ativamente), sendo esses os valores de re- como “efeito metrópole”, um complexo resí- ferência que balisaram as análises. Em outras duo de interações entre inúmeras variáveis não palavras, esses índices variam de 0, situação passíveis de serem desagregadas, após serem extrema em que nenhum indivíduo participa de expurgadas, no limite do possível, variáveis nenhuma forma de associativismo ou de mobi- clássicas como renda, educação, classe, gênero, lização política, a 3, que define outra situação etnia, acesso a infraestrutura física, a serviços extrema na qual todos os indivíduos participam de consumo coletivos, saúde, entre outras (Ri- ativamente de todas as formas de associativis- beiro, Azevedo e Santos Junior, 2010; Cabral e mo e mobilização política. Silva, 2006). Nas localidades estudadas, a intensidade de associativismo, independentemente de sua forma, é, em geral, muito baixa (Tabela 1). Associativismo e mobilização em perspectiva comparada Em todos os casos verifica-se o predomínio do associativismo religioso, sendo esse expressivamente maior em Campos e Macaé comparativamente às duas subáreas – Rio-Niterói e As análises do associativismo e da mobiliza- Baixada Fluminense – da RMRJ. Esse fato não ção política em Campos e Macaé e nas duas nos surpreende uma vez que o Rio de Janeiro subáreas da RMRJ basearam-se em índices é a metrópole que possui um maior número de compostos. Para a estimativa desses índices pessoas não filiadas a nenhuma religião (ainda consideramos as informações referentes às que creiam em Deus), e de agnósticos e ateus várias formas de associativismo – participa- (Smiderle, 2011). Esses resultados são corrobo- ção em algum partido político; em sindicato, rados, ainda, por pesquisas realizadas anterior- grêmio ou associação profissional; em igreja mente (Azevedo, Santos Junior, Ribeiro, 2009), ou organização religiosa; em algum grupo que mostraram que o associativismo religioso, despor tivo, cultural ou recreativo; e em ou- diferente dos demais, tende a ser menor nas tra associação religiosa – e de mobilização grandes metrópoles, quando comparados com política – assinar abaixo assinado; boicotar áreas urbanas não metropolitanas. produtos por questões políticas; participar No extremo oposto, a rubrica de menor de manifestação social; participar de comí- participação é do ‘Partido Político’, e tam- cio ou reunião política; contatar políticos ou bém nesse caso a intensidade de associati- funcionários do alto escalão do estado; dar vismo é menor nas duas subáreas da RMRJ, dinheiro ou recolher fundos para financiar comparativamente aos polos regionais. Esse causas públicas; contatar ou aparecer na baixo envolvimento com os partidos políti- mídia; e participar em fóruns pela internet – cos do Brasil – ainda que decorra de diversos Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 201 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes Tabela 1 – Intensidade de associativismo, segundo o tipo de organização Campos, Macaé, Baixada Fluminense, Rio-Niterói e RMRJ Formas de associativismo Campos Macaé Baixada Rio-Niterói RMRJ Partidos políticos 0,29 0,43 0,12 0,20 0,17 Sindicato, grêmio ou associação profissional 0,42 0,57 0,26 0,42 0,36 Igreja ou organização religiosa 1,87 1,88 1,15 1,17 1,16 Grupo desportivo, cultural ou recreativo 0,63 0,74 0,23 0,45 0,37 Outra associação voluntária 0,53 0,83 0,16 0,27 0,23 Média 0,62 0,74 0,38 0,50 0,46 N 398 400 382 621 1003 Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009). Gráfico 2 – Intensidade de associativismo, segundo o tipo de organização Campos, Macaé, Baixada Fluminense, Rio-Niterói Partido político Sindicato, grêmio ou associação profissional Campos Igreja ou organização religiosa Macaé Grupo desportivo, cultural ou recreativo Baixada Outra associação voluntária Rio-Niterói Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009). 202 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana fatores – seria afetado pelo nosso sistema de associações profissionais’ surge como a segun- voto proporcional com “lista aberta”, no qual da mais importante modalidade de associa- o eleitor é induzido a votar em pessoas e não tivismo, seguida pela participação em outras em Partidos.3 associações voluntárias. A diferença de Rio-Ni- O Gráfico 1, confeccionado a partir dos terói em relação a esse padrão está justamente dados da Tabela 1, permite avaliarmos os ní- na inversão entre a segunda e terceira formas veis (dados pelo posicionamento das curvas, no mais importantes de associativismo. par de eixos) e os padrões (dados pelo forma- Ressalte-se que não se enquadrariam na to das curvas) de associativismo. Note-se que ‘NCP’ tipos de associativismo como, por exem- a intensidade de associativismo nos polos re- plo, ‘Partidos Políticos, Sindicatos e organiza- gionais superam as duas subáreas da RMRJ em ções religiosas’. Essas seriam formas clássicas todas as modalidades, com exceção da rubrica de participação política e de associativismo, ‘sindicato, grêmio ou associação profissional’. que tenderiam a predominar em áreas urbanas Apenas nessa modalidade, o índice de Rio-Ni- não metropolitanas. terói iguala-se ao de Campos dos Goytacazes. Considerando esses pressupostos, verifi- Observe, ainda, que com exceção do associati- camos que o associativismo religioso – mes- vismo religioso, praticamente idêntico em Cam- mo que seja majoritário em todas as áreas pos (1,87) e Macaé (1,88), em todas as demais testadas – se encaixa per feitamente nesses formas a intensidade de associativismo é maior preceitos, uma vez que ele se apresenta for- em Macaé. te nos dois núcleos regionais analisados e é Em Campos, a rubrica ‘grupo desporti- significativamente menor nas duas subáreas vo, cultural ou recreativo’ aparece em segun- da RMRJ indicando que os níveis de religiosi- do lugar, seguida pela participação em ‘outra dade são inversamente proporcionais aos de associação voluntária’ e pela participação em “metropolização”. ‘sindicato, grêmio ou outra associação profis- Deve-se chamar atenção, também, para o sional’, nessa ordem. Para Macaé, a segunda fato de que quando cruzamos tipos de associa- maior intensidade associativista se encontra tivismo com diferentes formas de mobilização em “outra associação voluntária”, seguida, sociopolítica, percebe-se outra idiossincrasia respectivamente, pelas rubricas ‘grupo despor- do associativismo religioso, pois apesar de ele tivo, cultural ou recreativo’ e ‘sindicato, grêmio ser o tipo de associativismo majoritário em ou associação profissional’. todas as áreas estudadas as pessoas que dele Assim como acontece nos polos, os pa- participam são as que apresentam – em rela- drões de associativismo das duas subáreas da ção aos demais tipos de associativismos – os RMRJ são bastante semelhantes. Em ambas, a menores percentuais de envolvimento com to- participação em outras associações voluntá- das as formas de mobilização sociopolítica. rias é bastante pequena, superando apenas a Considerando o item “Partidos polí- participação em partidos políticos. Dentre as ticos”, os dois núcleos regionais aparecem localidades estudadas, apenas na Baixada a com índices bastante diferenciados – Campos participação em ‘sindicatos, grêmios e outras (0,29) e Macaé (0,43) –, porém maiores que o Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 203 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes da Baixada Fluminense (0,12) e de Rio-Niterói Garotinho chegou ao poder através do PSB, (0,20). Como a intensidade de associativismo posteriormente se transferiu para o PMDB religioso é relativamente mais baixa na RMRJ, e mais recentemente – após ruptura com o e o associativismo relacionado a “Partidos polí- governador Sergio Cabral, que passou a con- ticos” é maior na metrópole comparativamente trolar o partido – se transferiu para um novo à Baixada Fluminense, pressupõe-se que, no partido, o PR. caso brasileiro, os associativismos clássicos – Em cada uma dessas mudanças apenas dentre eles a participação em “Partidos políti- o alto escalão da “máquina” e as lideranças cos” – ainda predominam entre as populações intermediárias foram instadas a se reinscreve- de maior nível de escolaridade e de melhores rem no novo partido. A força da máquina se condições socioeconômicas. mostra nos resultados das eleições municipais, Como ocorre em situações análogas, o nos quais comparados com a eleição anterior caso em pauta é influenciado por variáveis percebe-se o forte crescimento local da nova independentes e intervenientes. Acreditamos agremiação apoiada pelo casal (seja ela peque- que a menor escala de grandeza permite a na ou forte em nível nacional) e a imensa perda Campos e Macaé vantagens comparativas – de votos do antigo partido (Souza, 2004). maiores facilidades nos contatos pessoais e Em Macaé, o índice de associativismo menor tempo de deslocamento para se chegar político é maior e os votos um pouco mais frag- ao local de destino (casa, trabalho, lazer, dentre mentados porque, na última década, o acele- outros) – para incrementar diferentes tipos de rado crescimento populacional – resultante da associativismos clássicos, em decorrência dos elevação do poder de atração desse município menores “custos de transações” (Coase, 1992). sobre os migrantes – e econômico não permi- Por outro lado, apenas uma parte da diferença tiram ou dificultaram a montagem de estrutu- do associativismo político entre esses dois mu- ras e de “máquinas partidárias” com o grau de nicípios e a RMRJ poderia ser assim explicada. coesão existente em Campos. Esse parece ser Essas diferenças podem ser mais bem compre- um dos principais motivos dessa relativa dilui- endidas a partir da trajetória política recente de ção da competição política de Macaé, em ter- cada um desses municípios. mos comparativos a Campos dos Goytacazes. Campos se caracteriza pela importante Na atual conjuntura, não consideramos prová- hegemonia da “máquina política” capitaneada vel que se possa explicar esse fenômeno em pelo casal Rosinha e Garotinho. Ele foi prefeito Macaé como, por exemplo, “decorrente de dis- de Campos por duas vezes, e também gover- tintas correntes políticas consolidadas”, como nador do Estado; ela foi reeleita prefeita nas ocorre na zonal sul da cidade do Rio de Janeiro eleições municipais de 2012. Nesse caso – co- (Carvalho, Corrêa e Ghiggino, 2010). mo em inúmeros outros pelo Brasil – a ques- Entretanto, o que mais nos surpreende, tão do partido político é vista por esses atores quando comparamos os dois polos regionais apenas como um instrumento operacional. Di- com a RMRJ são as duas últimas formas de zemos isso porque, na última década, movido associativismo da Tabela 2, a saber: “Grupo por mudanças de conjuntura política, o casal Desportivo, Cultural ou Recreativo” (GDCR) e 204 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana “Outra Associação Voluntária” (OAV). Nesses no mesmo sentido do ‘efeito metrópole, não dois casos, mais especificamente no segundo, esquecendo que os efeitos positivos dos “Po- esperar-se-ia – por se tratar de tipos de asso- los Regionais”, são, em parte, decorrentes do ciativismo da “sociedade organizada”, mais ‘efeito metrópole às avessas’ (Azevedo e Sou- afastados do Estado e das Igrejas – uma maior za, 2012, p. 11). intensidade de associação na RMRJ, especial- Tal como ocorreu com as formas de as- mente em Rio-Niterói, onde vive uma popula- sociativismo, as pesquisas sobre mobilização ção mais educada e sofisticada politicamente. sociopolítica mostraram algumas semelhanças Essa expectativa é reforçada através dos da- que reforçam as nossas hipóteses para expli- dos da Tabela 2. Note que os associativismos car alguns resultados não esperados, que se dos tipos GDCR e OAV são mais intensos no repetem na análise comparativa da mobiliza- Brasil Metropolitano comparativamente ao ção sociopolítica. Não Metropolitano. Como se pode observar na Tabela 3, os Para surpresa nossa, os dois polos re- índices de Mobilização sociopolítica de Cam- gionais surgem com índices bem superiores. pos e Macaé são muito próximos (1,07 e 1,08, No caso dos associativismos em pauta, além respectivamente) e significativamente superio- dos menores custos de transação seria inte- res aos estimados para a Baixada Fluminense ressante pensar em um ‘efeito polo regional’ (0,64) e Rio-Niterói (0,70). Tabela 2 – Intensidade de Associativismo, segundo o tipo de organização – Brasil metropolitano e não metropolitano – 2008/2009 Formas de associativismo Brasil metropolitano Brasil não metropolitano Partidos politicos 0,17 0,25 Sindicato, grêmio ou associação profissional 0,5 0,44 Igreja ou organização religiosa 0,99 1,24 Grupo desportivo, cultural ou recreativo 0,58 0,39 Outra associação voluntária 0,34 0,25 Fonte: (1) Azevedo, Santos Junior e Ribeiro (2009). Fontes primárias: (b) Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008). Escalas: (0) Nunca participou; (1) Já participou; (2) Não participa ativamente; (3) Participa ativamente. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 205 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes Tabela 3 – Intensidade de Mobilização Sociopolítica segundo a modalidade de ação política Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói – 2008/2009 Modalidade de ação sociopolítica Campos Macaé Baixada Rio-Niterói RMRJ Assinar um abaixo-assinado 1,76 1,74 1,01 1,18 1,12 Boicotar produtos 0,84 0,90 0,60 0,66 0,63 Participar de manifestação social 0,93 1,15 0,69 0,82 0,77 Participar de comício ou reunião política 1,85 1,66 0,77 0,82 0,80 Contatar políticos/alto funcionário do Estado 0,94 0,89 0,59 0,56 0,57 Dar dinheiro/recolher fundos para causas políticas 0,89 0,96 0,53 0,51 0,52 Contatar ou aparecer na mídia 0,62 0,63 0,46 0,52 0,50 Participar em fóruns pela internet 0,70 0,70 0,47 0,53 0,51 Média 1,07 1,08 0,64 0,70 0,68 N 398 400 382 621 1003 Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009). et rn in la pe er ns ec Fó ru ar Ap Baixada te m na sp sa au rc cia an Fin Macaé íd tic olí lít po ar at Co nt M Campos ia as s ico os íci m aç an ife st ro rp ta Bo ico Co õe to du ad in ss -a xo ai Ab s s o Gráfico 3 – Intensidade de Mobilização Sociopolítica segundo a modalidade de ação política Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói – 2008/2009 Rio-Niterói Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009). 206 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana O que chama atenção nos dados sobre mobilização sociopolítica – tal como ocorreu com as modalidades de Associativismo – é a primazia dos polos regionais em todas as for- A “sofisticação política” nos polos regionais e na grande metrópole mas de mobilização quando os comparamos com as subáreas da RMRJ. “Assinar um abaixo-assinado” aparece como o principal componente da mobilização Para efeitos desse trabalho, a “Sofisticação Política” será analisada a partir de dois índices, a saber: sociopolítica em Macaé, na Baixada Fluminen- 1) Socialização Secundária, aqui enten- se e em Rio-Niterói, destacando-se, em Campos dida como um índice que mede a intensidade dos Goytacazes, como o segundo mais relevan- com que os indivíduos conversam sobre políti- te. Sua importância, muito provavelmente se ca no local de trabalho, em encontro com ami- relaciona ao pouco gasto de energia e envol- gos, em casa com os familiares, em reuniões vimento pessoal. Em Campos, a participação associativas e em conversas com os vizinhos. em comícios ou reuniões políticas foi apontada 2) Exposição à Mídia, aqui definida como como a principal forma de mobilização socio- um índice que mede a intensidade com que os política. “Contatar ou aparecer na mídia” surge indivíduos recebem informações sobre política sempre como o componente menos importan- através de jornais, televisão, rádio e internet. te, apresentando-se mais significativo em Cam- Para possibilitar as comparações diretas, pos (0,62) e em Macaé (0,63) comparativamen- assim como a análise dos principais determi- te à Baixada (0,46) e a Rio-Niterói (0,52). nantes da cultura política, esses índices foram As hipóteses para esses resultados, no estimados obedecendo aos mesmos critérios nosso entender, são as mesmas que utiliza- de ponderação dos índices de associativismo e mos para o caso similar do associativismo, ou mobilização sociopolítica.4 seja, os maiores “custos de transação” (Coase, Campos e Macaé apresentam índices de 1992) das grandes metrópoles em virtude dos socialização secundária – 1,65 e 1,36, respec- constrangimentos e dificuldades decorrentes tivamente – significativamente mais elevados, do tamanho exacerbado das mesmas e, por comparativamente às subáreas da RMRJ (0,97), outro lado, as virtudes dos Polos Regionais em como se pode observar no Gráfico 4. função de alguns “ganhos de escalas” (não Observe, no Gráfico 5, que o índice médio existentes ou de menor porte nas médias e pe- de socialização secundária é maior em Campos, quenas cidades) sem ter que enfrentar os pro- mais baixo em Macaé e ainda menor nas duas blemas da Região Metropolitana, responsáveis subáreas da RMRJ. Em Campos e Macaé, as por gerarem inúmeros “efeitos perversos”, de- conversas sobre política ‘no local de trabalho’, nominados provisoriamente de “efeito metró- ‘em casa com os familiares’ e ‘em encontro pole às avessas”. com os amigos são, nessa ordem, os principais Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 207 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes Gráfico 4 – Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói Índice Médio de Socialização Secundária Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles,Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles,UENF, Ucam-Faperj (2009). Gráfico 5 – Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói Índice de Socialização Secundária No local de trabalho Campos Em encontro com os amigos Macaé Em casa com familiares Em reuniões associativas Baixada Em conversas com vizinhos Rio-Niterói Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009). 208 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana componentes desse índice. Nas duas subáreas três pontos). Em todas as áreas estudadas, os da RMRJ, a socialização secundária dá-se, componentes menos importantes na conforma- principalmente, através de ‘encontros com os ção do índice são as conversas sobre política amigos’; seguida pelas conversas sobre políti- ‘com os vizinhos’, e as ‘reuniões associativas’, cas ‘em casa com os familiares’ e apenas em respectivamente. terceiro lugar pelas conversas sobre política ‘no Assim como no caso anterior, a exposi- local de trabalho’, ressaltando-se que, nesse ção à mídia informativa é maior em Campos caso, comparativamente aos polos regionais, as e Macaé, comparativamente às duas subáreas diferenças entre esses componentes são menos RMRJ, mas, nesse caso, os diferenciais de níveis acentuadas (curva mais suavizada entre esses são menores (Gráfico 6). Gráfico 6 – Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói Índice Médio de Exposição à Mídia Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009). Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 209 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes Outra observação que merece destaque Apesar de Campos apresentar o maior diz respeito à composição interna do índice índice médio de exposição à mídia (Gráfico de exposição à mídia informativa. Nas quatro 6), é em Rio-Niterói e depois em Macaé que áreas estudadas, a população obtém infor- se verificam as maiores intensidades de obten- mações sobre política, principalmente através ção de informações sobre política, através de dos telejornais e de veículos de radiodifusão, leitura em jornais impressos (Gráfico 8). Em respectivamente (Gráfico 7). No entanto, con- Campos, esse é apenas o quarto – e último – sidera-se a leitura de assuntos de política nos componente do índice de exposição à mídia; jornais o elemento mais importante desse ín- em Macaé, em Rio-Niterói e também na Bai- dice, pressupondo-se que as informações dos xada Fluminense (onde a intensidade média de Diários são, em média, mais sofisticadas e de- leitura de jornais é ainda menor comparativa- talhadas quando comparadas às da televisão mente a Campos), esse aparece como o tercei- e do rádio, exigindo maior grau de interesse, ro componente. atenção e compreensão cognitiva por parte dos indivíduos. Os índices de socialização secundária e de exposição à mídia também são maiores nos Lê assuntos de política nos jornais Vê os noticiários na TV – – – Gráfico 7 – Campos, Macaé e RMRJ Índice de exposição à mídia informativa Ouve noticiários na rádio Utiliza a internet para obter notícias e informações políticas Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009). 210 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana Gráfico 8 – Campos, Macaé, Rio-Niterói e Baixada Fluminense Índice Médio de Intensidade de Leitura de assuntos sobre política em jornais Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009). polos comparativamente às duas subáreas da o componente de menor importância ao passo RMRJ. Na socialização secundária, os diferen- que em Macaé, Rio-Niterói e na Baixada Flu- ciais de níveis são maiores, mas as diferenças minense esse seria o terceiro componente do nos padrões de comportamento são menores; referido indicador. na exposição à mídia, apesar do menor dife- Chama a atenção, ainda, o fato de que rencial de nível, há significativas diferenças nos a população de baixa escolaridade residente padrões comportamentais. Dentre elas, chama na Baixada Fluminense busca mais informa- atenção o posicionamento do componente ções sobre política em jornais do que aquela ‘leitura de assuntos sobre política em jornais’ – residente em Campos, em Macaé e, inclusive, considerado o elemento mais sofisticado de ex- na própria região Rio-Niterói. Esses resultados posição à mídia informativa – na conformação sugerem que os resultados relativos à Baixada desse indicador, para as localidades estudadas. Fluminense – área predominantemente popu- Em Campos, localidade onde a exposição lar – possivelmente estejam refletindo os im- à mídia se apresenta mais intensa, esse seria Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 pactos positivos do ‘efeito metrópole’. 211 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes À guisa de um balanço provisório maiores em Campos e Macaé (Gráfico 9), con- Este artigo foi também motivado pela necessi- é maior do que nas duas subáreas da RMRJ, dade de se identificar quais são os principais ressaltando-se que na realidade ela é baixa em determinantes da cultura política de Macaé e todas as localidades estudadas. clui-se que nesses municípios a cultura política da Baixada Fluminense: se os fatores cogniti- Além disso, o Gráfico 9 nos mostra que os vos – aqui representados pelos indicadores de fatores cognitivos associados à cultura política ‘Socialização Secundária’ e ‘Exposição à Mídia são, em geral, mais elevados do que os fatores Informativa’ – ou os fatores relacionados à par- relacionados à participação política. Nas duas ticipação política – aqui representados pelos subáreas da RMRJ – Baixada Fluminense e Rio- indicadores de ‘Associativismo’ e ‘Mobilização -Niterói – os determinantes da cultura política Sociopolítica’. são, em ordem decrescente de importância, o Como os índices de associativismo, mo- acesso à mídia informativa, destacando-se a bilização sociopolítica, exposição à mídia infor- obtenção de informações sobre política nos te- mativa e socialização secundária são sempre lejornais, nos noticiários das rádios e na mídia Gráfico 9 – Campos, Macaé e RMRJ Determinantes da Cultura Política Exposição à mídia Socialização secundária Mobilização sociopolítica Associativismo Campos Macaé Baixada Rio-Niterói Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009). 212 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana impressa, respectivamente; a socialização se- a) os menores “custos de transações” (Coa- cundária, principalmente através de conversas se, 1992), uma vez que nos Polos os constrangi- sobre política em encontros com os amigos e mentos – transporte coletivo saturado, tempo em casa com a família; a mobilização sociopo- de deslocamento elevado, alto custo de mora- lítica, principalmente através de participação dia, enorme contingente de população pobre em abaixos-assinado; e, por último, o associa- nas periferias, entre outros – são menores com- tivismo, com destaque para aquele de nature- parativamente à RMRJ, afetando positivamen- za religiosa. Essa mesma ordenação é obser- te os índices de associativismo e mobilização vada em Macaé. Apenas em Campos há uma sociopolítica; inversão. Nesse município, os determinantes b) os ganhos de escala em relação às “áreas da cultura política são, em ordem decrescente urbanas não metropolitanas”, uma vez que de importância, a socialização secundária, des- nesses municípios há indústrias e comércio tacando-se a importância das conversas sobre mais sofisticados, serviços especializados, política no local de trabalho, em casa com os equipamentos de consumo coletivos, escolas, familiares, e nos encontros com os amigos; a cultura, entre outras. Em decorrência dessa ca- exposição à mídia; mobilização sociopolítica; e racterística, sugerimos como hipótese explora- associativismo. tória pensar em um “efeito polo regional” (no Como se trata de um trabalho explorató- mesmo sentido positivo do denominado “efei- rio restrito a duas subáreas da RMRJ – Baixada to metrópole”), quando se compara os Polos Fluminense e Rio-Niterói – e a duas cidades Regionais com os demais conjuntos urbanos médias – Campos dos Goytacazes e Macaé – não metropolitanos. do norte fluminense, torna-se temerário reali- Esses resultados refletem, ainda, os efei- zar qualquer tipo de generalização do que foi tos perversos da grande concentração popula- aqui discutido, sem a replicação desse tipo de cional – fruto de um crescimento não planeja- estudo para outras regiões do país. do e em grande escala – na RMRJ. A primeira novidade que surgiu de for- Os índices de Socialização Secundária e ma consistente foi a predominância do asso- Exposição à Mídia apresentaram-se, em todas ciativismo – notadamente do religioso – e da as localidades estudadas, superiores aos índi- mobilização sociopolítica – nos “Polos Regio- ces de Associativismo e de Mobilização Socio- nais” em relação à RMRJ. Quando iniciamos política ressaltando-se que apenas em Campos a pesquisa, não imaginávamos que os índices dos Goytacazes, a Socialização Secundária dos Polos Regionais – Campos dos Goytaca- apresentou-se mais intensa comparativamente zes e Macaé – poderiam superar os da RMRJ, à Exposição à Mídia Informativa. considerada um dos maiores centros culturais do país. Considerando a ‘leitura de jornais’ – o componente mais sofisticado do índice de ex- A nosso ver, esses resultados refletem posição à mídia, percebe-se a hegemonia de duas vantagens relativas dos polos regionais, Rio-Niterói (Zona Sul ampliada) sobre os dois a saber: polos regionais e, obviamente, sobre a Baixada Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 213 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes Fluminense. Isso nos permite levantar a hipóte- dos Goytacazes, localidade onde a exposição à se de que Niterói e Rio apresentam uma maior mídia como um todo se apresenta mais intensa. sofisticação política, inclusive nos demais in- Mediante tais considerações é necessário dicadores analisados neste artigo, ainda que, ressaltar que, muito possivelmente os resulta- quantitativamente, esses se apresentem meno- dos relativos à Baixada Fluminense – área pre- res do que nos dos polos regionais. dominantemente popular – estejam refletindo Essa hipótese é reforçada quando, nesse os impactos positivos do ‘efeito metrópole’. Em item de maior sofisticação política, compara- outras palavras, a ligação umbilical com Rio-Ni- mos a intensidade de leitura de jornais, segun- terói – um dos locus culturais mais sofisticados do os menores níveis de escolaridade entre as do país, e onde trabalha grande parte da popu- localidades analisadas. Nesse caso, verifica- lação economicamente ativa residente na Bai- mos que a Baixada Fluminense supera os dois xada – possibilita uma série de trade-offs entre polos regionais, o que poderia ser explicado pe- essas duas localidades, dentre elas, uma maior lo ‘efeito metrópole’. sofisticação de exposição à mídia, à população Em outras palavras, a população de bai- residente na Baixada Fluminense. xa escolaridade residente na Baixada Flumi- Finalmente, acreditamos que os dados nense busca mais informações sobre política apresentados antes de apresentarem resulta- em jornais do que a população com nível de dos conclusivos suscitam uma série de novas escolaridade semelhante, residente em Cam- questões a serem pesquisadas, possibilitando a pos, em Macaé e, inclusive, em Rio-Niterói. elaboração de diferentes tipos de abordagens Além disso, na Baixada, a intensidade dessa e de novas hipóteses. Uma alternativa seria re- leitura entre os indivíduos de baixa escolarida- plicar esse tipo de pesquisa em outras regiões de (0,95) é apenas ligeiramente inferior à in- metropolitanas e em outros polos regionais; tensidade estimada para aqueles com escola- outra possibilidade interessante seria utilizar ridade média (1,01); nas demais localidades as um maior número de indicadores que permi- diferenças são mais significativas entre esses tissem avaliar não somente a quantidade, mas dois segmentos. especialmente a ‘qualidade’ da participação Esses resultados sugerem que, apesar de política. Mesmo na ‘leitura de jornais’, conside- a Baixada apresentar uma menor intensidade rado, nesse artigo, o elemento mais sofisticado de exposição à mídia, para os indivíduos de es- de exposição à mídia, há diferenças imensas colaridade mais baixa essa ocorre de maneira entre jornais de alcance nacional em relação a mais sofisticada se comparada a de Campos diários de circulação restrita aos polos. 214 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana Sérgio de Azevedo Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro de Ciências do Homem, Laboratório de Gestão e Políticas Públicas. Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil. [email protected] Joseane de Souza Fernandes Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro de Ciências do Homem, Laboratório de Gestão e Políticas Públicas. Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil. [email protected] Notas (*) Versão preliminar deste ar go foi publicada nos Anais do XII Seminário da Rede Iberoamericana de Pesquisadores sobre Globalização e Território (RII) e V Encontro da Rede Iberoamericana de Editores de Revistas (RIER), realizado em Belo Horizonte/MG, em outubro de 2012. (1) A nosso ver, valores e comportamentos relacionados à Nova Cultura Polí ca no Brasil, mesmo que venham se fortalecendo nas úl mas décadas, estão longe de se cons tuírem na principal gramá ca cultural existente. Ver a respeito Azevedo, Santos e Ribeiro (2009). (2) Robert Putnam, em seu conhecido trabalho sobre a democracia na Itália, u liza o conceito de “capital social”, definido como “um bem público, representado por atributos da estrutura social tais como a confiança e a disponibilidade de normas e sistemas, que servem como garan a entre os atores, facilitando ações coopera vas”, para explicar as diferenças de par cipação cívica entre as comunidades do norte, consideradas mais democrá cas, em relação às do sul, consideradas mais conservadoras (Putnam, 1996). (3) Ressalte-se que este tema é bastante polêmico na medida em que autores como Wanderley Guilherme dos Santos consideram que os partidos políticos no Brasil pós regime militar apresentam uma curva de fragmentação muito próxima a existentes entre 1950-1959, rela vamente comparável com o tamanho e diversidade encontrada entre par dos de muitos países ocidentais desenvolvidos (Santos, 2004). (4) No caso da socialização secundária, o procedimento para a padronização do índice consis u em subs tuir os pesos tradicionais (Nunca = 1, Raramente = 2, Algumas vezes = 3, Frequentemente = 4) pelos pesos 0, 1, 2 e 3, respectivamente. No caso da exposição à mídia, como havia no ques onário da pesquisa cinco possibilidades de resposta, houve a necessidade de agregar duas possibilidades sob um único peso. Tradicionalmente, esse indicador é calculado com as seguintes ponderações: Nunca = 1, Esporadicamente = 2; 1 a 2 dias por semana = 3; 3 a 4 dias por semana = 4 e Todos os dias da semana = 5. Seguindo o novo critério temos: Nunca = 0; Esporadicamente = 1; 1 a 2 dias por semana = 1; 3 a 4 dias por semana = 2; e Todos os dias da semana = 3. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 215 Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes Referências AZEVEDO, S.; SANTOS JÚNIOR, O. A. dos e RIBEIRO, L. C. de Q. (2009). Metrópoles, cultura polí ca e cidadania no Brasil. Cadernos Metrópole, v. 11, n. 22, pp. 347-366. ______ (2009). Mudanças e permanências na cultura polí ca das metrópoles brasileiras. Dados. Rio de Janeiro, v. 52, pp. 691-733. AZEVEDO, S. de (org.) (2004). Governança democráƟca e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan/Fase. AZEVEDO, S. de e FERNANDES, J. de S. (2012). “Cidade média” versus “periferia metropolitana”: análise comparada entre a cultura polí ca de Macaé e da “Baixada Fluminense”. In: 4º CONGRESSO URUGUAYO DE CIÊNCIA POLÍTICA. “A Ciência Polí ca a par r do Sul”, Asociación Uruguaya de Ciência Polí ca, 14-16 de novembro. AZEVEDO, S. de e GUIA, V. R. dos M. (2004). “Os dilemas ins tucionais da gestão metropolitana no Brasil”. In: RIBEIRO, L. C. de Q. (org.) Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. São Paulo, Fundação Perseu Abramo/Fase/Observatório das Metrópoles. CABRAL, M. V.; CARREIRA, F. e SARAIVA, T. (orgs.). (2008). Cidade & cidadania. Governança urbana e parƟcipação cidadã. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais. CABRAL, M. V. e SILVA, F. C. da (2006). Cidade e Cidadania: o “efeito-metrópole” sobre o exercício da cidadania políƟca. Lisboa, mimeo. CARVALHO, N. R.; CORRÊA, F. S. e GHIGGINO, B. (2010). Entre o Localismo e Universalismo: a Geografia Social dos Votos e a Questão Metropolitana. In: 34º ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS. Anais. Caxambu, Minas Gerais. CLARK, T. N. e HOFFMANN-MARTINOT (1998). The New PoliƟcal Culture. Boulder, Westview Press. COASE, R. (1992). The Problem of Social Cost (El Problema del Costo Social). Estudios Públicos, n. 45, Chile. FERNANDES, J. S.; TERRA, D. C. T. e CAMPOS, M. M. (2012). O migrante na reestruturação do mercado de trabalho na zona da produção principal da bacia de Campos. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS (ABEP). Anais. Águas de Lindóia, São Paulo. ______ (2013). A mobilidade pendular entre os municípios da Ompetro-RJ (2000-2010). In: XV ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL – ENANPUR. Anais. Recife. OLIVEIRA, D. S. de (2005). Região Metropolitana do Rio de Janeiro: confluências e disparidades. A evolução da segregação socioespacial no contexto da RMRJ. In: IV ENCONTRO NACIONAL SOBRE MIGRAÇÕES. Anais. Rio de Janeiro. PUTNAM, R. D. (1996). Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas. ______ (2000). Bowling alone: the collapse and revival of american community. Nova York, Simon & Schuster. 216 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana RIBEIRO, L. C. de Q ; AZEVEDO, S. de e SANTOS JÚNIOR, O. A dos (2008). “A nova cultura polí ca na modernidade periférica: o Brasil em foco”. In: CABRAL, M. V.; SILVA, F. C. da S. e SILVEIRA, T. (orgs.). Cidade e cidadania: governança urbana e parƟcipação em perspecƟva comparada. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, pp. 271-298. ______ (2010). Cidadania na Metrópole Desigual: a cultura polí ca na metrópole fluminense. In: 34º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS. Anais. Caxambu, Minas Gerais. SANTOS JUNIOR, O. A. dos; RIBEIRO, L. C. de Q. e AZEVEDO, S. de (orgs.) (2004). Governança democráƟca e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan/Fase. SMIDERLE, C. G. S. M. (2011). Entre babel e pentecostes: cosmologia evangélica no Brasil contemporâneo. Revista Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, pp. 78-104. SOUZA, J. (2000). A modernização seleƟva: uma reinterpretação do dilema brasileiro. Brasília, Editora da Universidade Nacional de Brasília. ______ (2004). A construção social da sub-cidadania. Belo Horizonte, Editora da UFMG. Texto recebido em 4/nov/2013 Texto aprovado em 15/dez/2013 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 217 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas: um olhar sobre o entorno do Arroio Dilúvio em Porto Alegre Morphological analysis of urban spaces in river basins: analyzing the surroundings of Dilúvio River in Porto Alegre William Mog Heleniza Ávila Campos Lívia Salomão Piccinini Resumo Este artigo busca apresentar reflexões acerca de estratégias de qualificação da Bacia Hidrográfica do Arroio Dilúvio, área densamente ocupada na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). Adota-se inicialmente o método de análise urbana baseado nas contribuições de percepção da cidade desenvolvida por Kevin Lynch, buscando destacar, em três trechos demarcados ao longo de suas margens, situações identificadas como críticas devido aos conflitos que geram entre a população e o meio em que se inserem. Aponta-se, ao final, para a necessária integração entre a recuperação do curso de água e sua conexão com o entorno construído e vivido. Palavras-chave: bacia hidrográfica do Arroio Dilúvio; análise urbana; conflitos; integração; entorno construído e vivido. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 Abstract This paper presents some reflections on the qualification strategies of the Dilúvio River Basin, a high density area in the Metropolitan Region of Porto Alegre. We used the urban analysis method based on the contributions of city perception developed by Kevin Lynch, seeking to highlight, in three demarcated stretches along the river’s margins, critical situations regarding conflicts between the population and the environment. At the end, we argue that there must be integration between the recovery of the watercourse and its connection with the city’s everyday life. Keywords: Dilúvio River Basin; urban analysis; conflicts; integration; city’s life. William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini Introdução O rápido crescimento das cidades brasileiras a partir da segunda metade do século XX foi fun- através de observação da área de estudo, às margens da Av. Ipiranga, destacando pontos focais situados em três trechos com diferentes aspectos morfológicos. dado em uma concepção de desenvolvimento urbano que, em geral, desconsiderou as condições ambientais preexistentes. Os rios e afluentes urbanos se tornaram fontes difusas de poluição, afetando, inclusive, pontos de captação de água para consumo nas próprias cidades. Desde então, cidades já estruturadas tentam buscar soluções para a revitalização de seus cursos d’água, visto que muitos foram parcial ou totalmente canalizados. A cidade de Porto Alegre, a exemplo de outras cidades brasileiras, revela esse processo desigual de ocupação de seu espaço urbano, em que se destaca a Bacia do Arroio Dilúvio como um setor que apresenta diferentes características socioespaciais ao longo de suas margens. Através deste artigo, busca-se discutir os conflitos existentes do direito à água em relação às variadas possibilidades que implica também a água como elemento compositivo da paisagem urbana. Sua estrutura compõe-se dos seguintes itens: o primeiro contém uma breve reflexão teórica sobre a relação da água com o espaço urbano, destacando suas dimensões globais e locais; o segundo item apresenta uma descrição e caracterização da Bacia Hidrográfica do Arroio Dilúvio nas cidades de Porto Alegre e Viamão, apontando também para aspectos históricos relevantes para a compreensão de sua atual configuração espacial; no terceiro, destacam-se os principais impactos socioespaciais da ocupação urbana sobre o espaço do entorno do Arroio Dilúvio verificados 220 Conflitos entre água e espaço urbano no contexto das bacias hidrográficas A água é um dos recursos ambientais que mais deixam visíveis as relações de conflito entre sociedade, território e desenvolvimento (Alvim, Bruna e Kato, 2008). Embora esse reconhecimento esteja presente, não apenas no meio acadêmico científico, mas também em algumas políticas públicas e ações de planejamento, nacional e internacionalmente, a condição da água no espaço urbano ainda se encontra de forma marginal nos investimentos voltados a sua valorização ambiental e paisagística, como decorrência de processos de crescimento extensivo das cidades e regiões metropolitanas. No Brasil, a degradação ambiental decorrente da intensa e desordenada ocupação urbana, a partir da metade do século XX em diante, tem comprometido a qualidade e a ambiência do entorno de rios, lagos e lagunas em áreas urbanas, contrastando de forma profunda com espaços cujos tratamentos sofisticados têm sido promovidos, sobretudo, pelo capital imobiliário ou por ações pontuais do Estado. Tucci (2008) destaca, entre outros problemas vinculados às pressões urbanas sobre as águas: a ocupação irregular de áreas ribeirinhas, quase sempre sujeitas a inundações; a impermeabilização e canalização dos rios urbanos com aumento da vazão de cheia e sua frequência; o Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas despejo de resíduos, seja proveniente das cana- gestão dos espaços urbanos e metropolitanos lizações das construções, seja pelo descarte de tende a fragmentar suas ações voltadas às consumo. Em sua avaliação, Tucci (2008) lem- águas urbanas prejudicando o direto à água bra que o Brasil encontra-se ainda na fase por nos âmbitos citados. Disso decorrem grandes ele denominada higienista, ou seja, momento conflitos principalmente no que se refere ao em que há redução de doenças, mas com a per- tratamento da morfologia urbana como estu- manência de poluição e contaminação de cur- do da integração entre os componentes das sos d´água, com grandes impactos nas fontes formas que estruturam a cidade, sendo um dos de abastecimento e grandes inundações. elementos fundamentais os percursos de rios e Importa considerar que as margens di- as bordas de lagos e lagunas. retamente integradas à água são parte de um Sob a perspectiva dessa complexa rela- complexo sistema identificado como bacia ção entre a água e o espaço urbano, destaca-se hidrográfica que se constitui, segundo Tucci a tese de doutorado de Mello (2008), que traz (1997), em superfícies vertentes e de uma re- à discussão o desempenho de urbanidade dos de de drenagem formada por cursos de água espaços das margens de corpos d’água, utili- que confluem até resultar em um único leito. zando como categorias de análise as chamadas Silva (2002) esclarece que, desde 1997, com a dimensões global e local. A dimensão global diz instituição da Política Nacional de Recursos Hí- respeito às relações que consideram o sistema dricos e do Sistema Nacional de Gerenciamen- urbano como um todo e as características da to de Recursos Hídricos, há um espectro consi- articulação dos elementos entre si, destacando- derável de medidas de planejamento e gestão -se aspectos como: o porte do corpo d´água, passíveis de implementação no âmbito das ba- a localização da cidade em relação ao corpo cias, que podem mitigar as pressões sobre os d´água e sua posição em relação ao centro ur- recursos disponíveis e melhorar o desempenho bano. A dimensão local, mais apropriada para a dos vários sistemas setoriais relacionados a es- análise deste artigo, está relacionada aos atri- ses recursos. A partir desse momento, diversos butos dos espaços convexos de beira-d’água. municípios passaram a estudar as possibilida- Os principais aspectos apontados pela autora des de nortear a gestão urbana com base nas referentes a essa dimensão são: bacias hidrográficas presentes em cada região. a) Domínio: podem ser público ou privado, Segundo Porto e Porto (2008), no en- segundo suas possibilidades de uso e ocupa- tanto, grandes são as dificuldades em se lidar ção. Nessa categoria, Mello (2008) destaca ain- com esse tipo de recorte geográfico, sobretu- da dois tipos de espaço aberto, segundo a na- do quando se trata de gestão de bacias que tureza de sua função: os espaços de encontro ocupam territórios intensamente urbanizados. social e os espaços de função utilitária; Apesar de reconhecida sua importância para a b) Constitutividade: são consideradas as cidade, seja como fonte de abastecimento, seja transições entre espaços aberto e fechados, como espaço de integração e deslocamento, ou considerando-se constituído o espaço quando ainda como composição paisagística, observa- lotes e edifícios lindeiros voltam-se para as -se que a visão setorial do planejamento e margens, definindo-o; Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 221 William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini c) Acessibilidade física: facilidade ou não de acesso aos espaços de margens; 31 municípios que integram a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), inclusive d) Acessibilidade visual: as margens podem Viamão, promove grande concentração popu- apresentar variadas configurações entre es- lacional e de fluxos na cidade. Já o município paços que permitem a visibilidade do corpo de Viamão, apresenta cerca de um sexto da d’água e espaços que impedem a visibilidade população da capital (239.384 habitantes), do corpo d’água; apesar de possuir uma extensão territorial de e) Artificialidade: refere-se ao grau de transformação das margens, podendo identificar 1.497.023 km², aproximadamente três vezes maior do que a de Porto Alegre. como espaços naturalizados ou artificializados. A área de Porto Alegre que compreende Essas categorias propostas são importantes a sub-bacia em questão é uma das mais den- indicações de análise das relações morfoló- samente constituídas na cidade, sendo o eixo gicas existentes no recorte espacial sugerido que margeia o Arroio Dilúvio em quase toda a neste artigo. Aqui se observam, como será vis- sua extensão, a Av. Ipiranga, uma das princi- to mais adiante, as relações entrepostas dos pais vias de fluxo da capital. Logo, ao longo elementos humanos (artificializados) e naturais da história da ocupação urbana, a sub-bacia na composição do cenário que envolve as mar- foi intensamente modificada nesse município gens estudadas. (Menegat, 2006). As porções da bacia localizadas em Viamão se caracterizam basicamente pela ocupação de assentamentos de baixa ren- Aspectos socioespaciais da Bacia Hidrográfica do Arroio Dilúvio da, mais rarefeitos e com baixa qualidade de habitabilidade. O Arroio Dilúvio, embora tenha seu curso praticamente inteiro dentro dos limites da cidade de Porto Alegre, tem suas princi- A ideia de uma estratégia de gestão por bacia pais nascentes em dois pontos da cidade de hidrográfica parte de um desafio metodológico Viamão (as represas Lomba do Sabão e Mãe que confronta condições físico-naturais com as d’Água), localizadas a leste da capital, con- tradicionais abordagens político-institucionais forme a Figura 1. Esse compartilhamento dos do território. No caso da sub-bacia do Dilúvio, recursos hídricos resulta em uma das dificul- verificam-se duas realidades distintas: os muni- dades da aplicação do conceito de bacia hi- cípios de Porto Alegre e de Viamão. drográfica como unidade de gestão, tendo em Porto Alegre é a capital do Estado do Rio Grande do Sul e está localizada, geogra- vista a difícil compatibilidade de planejamento e gestão entre municípios. ficamente, às margens do Rio Guaíba, fonte Ao observar os aspectos que caracte- de captação de água. Apesar de apresentar rizam o que Mello (2008) identifica como di- uma população residente de 1.409.351 ha- mensão global da análise do curso d´ água, bitantes (Censo Demográfico, 2010), o mo- verifica-se que a sub-bacia do Arroio Dilúvio, vimento pendular da população visitante dos em razão da localização estratégica de Porto 222 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas Figura 1 – A Sub-Bacia do Arroio Dilúvio em Porto Alegre e Viamão (RS) Drenagem da Sub-Bacia do Arroio Dilúvio Viamão Fonte: Mapa elaborado por Amanda W. Fadel (2012) e adaptado por William Mog (2013) com base em arquivos shapefiles obtidos em Fepam (2005) e IBGE (2000). Alegre em relação a ela, é a mais importante nascentes que representam a parcela presente do município. Através dela escoam as águas em Viamão estão situadas no limite oeste do 2 de uma área com 83,74 km densamente ha- município. Logo, a relação do Arroio Dilúvio bitada: 446 mil habitantes, representando com a área central da cidade de Porto Alegre cerca de um terço da população total. O curso é mais direta do que com o centro de Viamão, principal, o Arroio Dilúvio, tem uma extensão sendo no primeiro caso a área central parte in- de 17.605 m e importantes afluentes, como os tegrante da sub-bacia na sua porção norte. A arroios Mato Grosso, Moinho, Cascata e Águas Avenida Ipiranga, que margeia o Dilúvio tem Mortas em Porto Alegre. No caso de Viamão, sua foz no Lago Guaíba, importante manancial a localização do município em relação à sub- vinculado ao centro e às faixas de ocupação -bacia do Arroio Dilúvio é periférica, pois as mais antigas da cidade de Porto Alegre. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 223 William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini A canalização e retificação do Arroio Dilúvio entre o final dos anos 1930 e a década fatores influenciaram na atual estrutura do Arroio Dilúvio. de 1980 acontecem entre grandes mudanças De fato, o processo de urbanização da na paisagem e na estruturação do espaço ur- bacia ao longo do século XX veio atrelado ao bano porto-alegrense. O que hoje é conhecido crescente embate da sociedade com as águas como uma “cicatriz” na cidade, à época de de seu território. Conforme Burin (2008 ), por sua concepção, a canalização do Arroio Dilú- volta de 1900, medidas começaram a ser to- vio proporcionou, além de reduções drásticas madas para conter o problema das enchentes. nas constantes enchentes na região, a possibi- Desde então, diversas pesquisas foram reali- lidade de crescimento urbano a regiões onde zadas e, devido ao crescimento populacional antes o acesso não era possível. Sem dúvida, de Porto Alegre entre 1912 e 1914, um grande pode-se afirmar que a Avenida Ipiranga é hoje estudo foi realizado, baseado no que já estava uma das principais vias de acesso, comércio sendo feito na época em São Paulo e Rio de e moradia de Porto Alegre, sendo tudo isso Janeiro. Dentre essas ações, surgiu o projeto possível graças à canalização do antigo Ria- concreto para a retificação do Riacho, com- cho, como era chamado. Apesar dos benefí- preendido no Plano de Urbanização de Porto cios trazidos por essa intervenção, o fato de Alegre em 1943. Assim, deu-se início às obras ter sido realizada a tão longo prazo, conforme de construção da Avenida Ipiranga e retifi- cita Burin (2008), deixou que diversos fatores cação do Arroio Dilúvio, que, por sua vez, só sociais, políticos e econômicos interferissem foram finalizadas na década de 1980, esque- diretamente nas obras de canalização. Tais matizadas na Figura 2. Figura 2 – A canalização do arroio Dilúvio em Porto Alegre Fonte: Burin (2008). 224 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas Por meio de sucessivos Planos Diretores (a primeira proposta é do Plano de 1914, conhecido como Plano Moreira Maciel), diferentes Os impactos do processo de ocupação na área de estudo propostas de percursos e calhas foram criados com objetivos saneadores e higienistas e de Neste item, busca-se desenvolver uma análise mitigação das enchentes que afligiam a cidade. morfológica de um recorte da Bacia do Arroio Mais tarde, com objetivos de resolver o sistema Dilúvio (Figura 4) que abrange o próprio arroio viário e a circulação na cidade, a obra finalizada e seu entorno imediato, considerando a apro- originou a Avenida Ipiranga, modernizando Por- priação e acesso à água, seja físico, seja visual, to Alegre e acabando com os alagamentos que como um direito fundamental nas relações hu- lhe valeu o apelido de Arroio Dilúvio. manas, como ressalta Gleick (1999). Para tal, Embora os Planos Diretores propuses- utilizou-se uma metodologia baseada na per- sem áreas verdes e estudos paisagísticos e ur- cepção urbana conforme propõe Lynch (2008), banísticos para o entorno, as obras realizadas no desenvolvimento de variáveis de análise a não conseguiram efetivar melhorias com esse partir de pesquisa de campo e nos conceitos de enfoque para as áreas urbanizadas ao longo dimensão global e local apontados por Mello da Avenida Ipiranga, pois a preocupação dos (2008) para realizar uma leitura da área. legisladores foi sempre atender às demandas Segundo Gorski (2010), no Brasil até a de fluxos viários e das enchentes, em detri- metade do século XX em geral ainda existia men to dos dispositivos de regulamentação uma relação harmônica de encontro entre as urbanística para espaços públicos. A preocupa- margens dos cursos d’água e a população do ção com a qualificação espacial e com a pai- entorno, contudo a partir desse momento au- sagem não se manifestou concretamente nas mentaram os conflitos entre a sociedade, o ações públicas. desenvolvimento e o meio físico prejudican- O grande crescimento da Região Metro- do o direito da população de acesso à água politana de Porto Alegre também trouxe como e à apropriação dos espaços marginais como consequência uma forte pressão populacional áreas de lazer e de prática esportiva. Essa si- em seus centros urbanos. Atualmente em Por- tuação ocorreu com o recorte estudado da Ba- to Alegre e Viamão, parcelas significativas da cia do Arroio Dilúvio. população total (aproximadamente 20%) são Devido à inexistência de um tratamen- moradores de ocupações irregulares, ou seja, to urbanístico para a antiga Avenida do Ca- habitam as áreas informais, os espaços urba- nal (Avenida Ipiranga), além de sua função nos chamados de vilas ou favelas. Identifica- sanitária, esse trecho da cidade passou por -se desde as nascentes do Arroio, assim como um processo de ocupação lento e irregular ao longo de sua extensão, a presença desses nas ultimas três décadas, e assim as margens espaços informais nas duas cidades. do arroio, ao longo de quase um século de Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 225 William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini estudos e projetos, não desenvolveram uma identidade relevante e significativa para o porto-alegrense. No início do século XX a morfologia da Bacia do Arroio Dilúvio apresentava características desde a sua nascente, passando pela planície com os meandros e banhados até o Rio Guaíba que naturalmente influenciavam o convívio da população do entorno gerando uma imagem para os moradores. No livro Sin- fonia Inacabada, Dreyer (2004) relata a vida e obra do ecologista José Lutzenberger, destacando uma passagem que descreve a paisagem e o cenário urbano de 1935 onde o arroio era um das partes integrantes: Na direção oposta a Redenção, a partir de sua casa, encontravam-se as delícias do arroio Dilúvio. Depois do chalé do vizinho freteiro, a rua fazia uma curva, terminava o calçamento e tinha início uma trilha em meio a campo aberto, verde, vacas pastando, um taquaral, depois de novo algumas casas, casas modestas de operário, ornadas com rendilhados de madeira, e então a ponte sobre o arroio. Perto da ponte não era o melhor lugar de se tomar banho, mas num dos meandros do arroio havia um panelão: uma piscina rodeada por rochas de diferentes alturas, própria para saltos e mergulhos. A gurizada chegava ali nadando por dentro do riacho, chapinhando sobre os cascalhos soltos do leito do Dilúvio, as canelas mergulhadas numa lâmina de água cristalina, sobre a qual se debruçavam languidamente os salsos-chorões. (Dreyer, 2004, p. 51) Naquele período, o Dilúvio estava presente no cotidiano das pessoas do entorno garantindo o direito de acesso à água através de várias ações em que o arroio era o cenário conforme a Figura 3. A primeira imagem mostra o casario como pano de fundo das atividades realizadas no curso de água como pesca e banho e na segunda a importância da Ponte de Pedra como ícone de conexão urbana da época. Figura 3 – Imagens do Arroio Dilúvio, referente às primeiras décadas do século XX Fonte: Pesavento (1992). 226 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas Contudo, com a retificação e o conse- As variáveis citadas caracterizam três quente desenvolvimento desordenado da área trechos definidos desde a nascente até a foz em estudo, essa imagem foi perdida e não foi do Guaíba. Segundo os aspectos morfológicos substituída por outra imagem consistente ao observados, o primeiro trecho inicia na foz e longo das décadas. Os bairros que estabele- vai até as imediações da Terceira Perimetral, cem interface com o Arroio Dilúvio nesse pe- o segundo começa nas imediações da Terceira ríodo ocuparam de forma lenta esse entorno, Perimetral até a Av. Antônio de Carvalho e o principalmente na margem que corresponde à último trecho inicia nessa via e vai até a nas- área atingida pelo antigo traçado do riacho e cente no município de Viamão como mostra a hoje constituída pelos bairros Cidade Baixa e Figura 4. Santana. De fato, a intervenção realizada re- Os três pontos focais representam cada solveu em grande parte o problema sanitário, uma das três realidades morfológicas anali- mas não foi suficiente para melhorar a cidade sadas. Eles são o resultado da estrutura e da em termos do convívio urbano, se comparado dinâmica urbana em cada um dos momentos às condições originais da área. das margens do Arroio Dilúvio. A seguir apre- De fato, a retificação do curso d´água sentam-se as análises do percurso que abran- representou uma barreira urbana, dificultando ge os três trechos e o aprofundamento delas a acesso de uma margem à outra. A partir de partir da imagem resultante das morfologias um levantamento morfológico da ocupação em cada um dos três pontos focais, como es- da área da Bacia do Arroio Dilúvio notam- tudos de caso: -se a desarticulação morfológica e a descon- a) Trecho 1 tinuidade do tecido urbano, considerando Esse recorte do arroio localiza-se entre ambiências (aqui tratadas como variáveis) a foz e as imediações da Terceira Perimetral que participam da composição da paisagem e está mais conectado com a cidade do que consideravelmente ao longo do percurso, tais os demais em função de uma diversidade de como: áreas públicas verdes, vias cruzando o usos, atividades e espaços existentes e per- arroio, pequena escala edificada, equipamen- ceptíveis ao longo do percurso. tos de grande porte, vazios urbanos e ocupa- Esse trecho apresenta 14 cruzamen- ções irregulares. Cada um desses fatores gera tos distribuídos de forma uniforme no trajeto características específicas em cada uma das do arroio gerando boa acessibilidade e uma regiões que compõem o trajeto demonstrando continuidade do tecido, qualificando o espa- que a demanda urbana se altera e a imagem ço urbano. Além disso, as pontes projetadas resultante de cada localidade também (Lynch, pelo arquiteto Christiano De La Paix Gelbert, 2008). Tal fator justifica um estudo particular responsáveis por essas conexões, apresentam de cada zona para uma futura revitalização da características estéticas relevantes em função Bacia do Arroio Dilúvio e para recuperação do dos ornamentos presentes demonstrando uma direito de acesso à água, perdido em função preocupação arquitetônica com o ambiente do crescimento urbano desordenado. construído (Weimer, 2004). Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 227 William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini Figura 4 – Localização da área de estudo do Arroio Dilúvio Fonte: William Mog (2013). Ao comparar as áreas verdes nesse tra- momento com equipamentos de grande por- jeto com as dos demais trechos nota-se que te bem distribuídos: o Anfiteatro Pôr-do-Sol, existe uma maior quantidade de espaços pú- o Shopping Praia de Belas, o Ginásio Tesou- blicos e uma variação maior das escalas des- rinha, o Colégio Júlio de Castilhos, o Campus ses espaços abertos, desde o parque urbano da Saúde da Universidade Federal do Rio como o Marinha do Brasil até a pequena praça Grande do Sul, o Palácio da Polícia e o Hospi- de bairro como a São João no Bairro Santa- tal Ernesto Dornelles. Todos os equipamentos na. Além disso, as margens do arroio são mais estão bem integrados no contexto urbano, arborizadas como mostra a Figura 5. No total pois se encontram junto a cruzamentos im- são 25 áreas públicas bem articuladas com o portantes para a conectividade da área e es- entorno do Dilúvio nesse trecho. tão relacionados com uma praça ou área ver- Em relação ao parcelamento e aos de imediata no caso dos quatro primeiros. Os equipamentos existentes também é possível vazios urbanos são praticamente inexistentes perceber uma diferença bem clara entre os com exceção da interface com a orla do Guaí- trechos, porque o grão de ocupação urbana ba que é um problema recorrente em várias é consideravelmente menor nesse primeiro partes da cidade. 228 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas Figura 5 – Ponto focal do trecho 1 Cruzamento com a Rua Santana Fonte: William Mog (2013). O arroio nesse momento atravessa oito sua posição cruzando os bairros desse trecho bairros com características que os distinguem faz deste curso d´água um elemento integra- entre si. Dentre esses, destacam-se principal- do à paisagem nesse espaço, embora não mente os bairros Santana e Menino Deus que haja uma clara apropriação pela população se constituem em espaços muito utilizados pela usuá ria em função da poluição da água. A população moradora e por visitantes. Cada um ocupa ção qualificada dos oito bairros bem deles apresenta características morfológicas, delimitados e integrados ao arroio, assim, funcionais e de fluxos diferenciados, gerando contribui para a existência de poucas ocupa- uma ocupação do espaço por públicos distintos ções irregulares já que no total são apenas que transitam na região como pode ser visto na cinco vilas de dimensões menores espalha- imagem à direita na Figura 5 onde pessoas cir- das na área que apresenta um grão urbano culam no espaço público junto com os veículos. menor e volumetrias que acompanham um A presença de diversas pontes e traves- padrão de alturas como pode ser visto no skyline da vista panorâmica da Figura 5. sias sobre o Arroio Dilúvio, aliada ao fato de Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 229 William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini Essas condições da estrutura urbana in- imediações da Terceira Perimetral e pela Ave- fluenciam na dimensão local do espaço (Mello, nida Antônio de Carvalho, situa-se no centro 2008) que pode ser observada e caracterizada do eixo estudado. O ambiente é fragmentado no ponto focal destacado na Figura 5. Ao ana- e o convívio no espaço público é praticamente lisar-se o trecho e seu ponto focal, é possível nulo, a partir da Terceira Perimetral. A noção determinar o domínio das margens do dilúvio de quarteirão se perde em razão das propor- como público, contudo não há elementos e ções dos grandes equipamentos institucio- nem condições sanitárias que possibilitem uma nais. Os comentários a respeito dos fatores relação direta com o curso d’água, apesar de e variáveis analisadas no primeiro trecho dão existir junto da Avenida Ipiranga uma diversi- lugar agora para características contrárias às dade de usos que possibilitam a ocupação do qualidades de uma cidade convidativa e in- espaço de diferentes formas como as praças e tegrada ao seu entorno, pois tais elementos, os comércios nesse trecho. Logo, em relação à além de se tornarem mais raros no contexto, constitutividade, existe uma transição gradual não estão articulados entre si, apresentando entre ambientes abertos e fechados em função uma alteração abrupta do padrão de ocupa- de aspectos como o grão menor de ocupação ção urbana do primeiro para o segundo tre- (Figura 5), gerando espaços constituídos e es- cho como pode ser visto na Figura 6. truturados, mas desvinculados do arroio. Os cruzamentos existentes são apenas Do ponto de vista da acessibilidade físi- seis e não apresentam os atributos estéticos ca, as margens do arroio não oferecem grandes presentes nas pontes do trecho anterior como atrativos com exceção da ciclovia recentemen- os ornamentos, os pavimentos ou as escadarias. te instalada nesse trecho e de algumas esca- As áreas abertas, como as praças, não darias junto dos cruzamentos que no passado apresentam relação alguma com o arroio já eram utilizadas para acessar o Dilúvio e hoje que estão concentradas num ponto específico abrigam moradores de rua. Já a acessibilidade no interior da área leste do Bairro Partenon, visual é plena, pois o arroio pode ser contem- como pode ser visto no mapa síntese (Figura plado ao longo de toda a Avenida Ipiranga que 4). Nessa parte do bairro, diferentemente do margeia o curso d’água e de algumas praças restante do trecho, é possível reconhecer uma (Figura 5) que estabelecem uma interface com continuidade de padrões de ocupação. Já as o arroio gerando uma variabilidade visual. Por margens apresentam uma arborização rare- último, a artificialidade é relevante tendo em feita e pontual (Figura 6). vista que o arroio foi retificado nesse trecho, O segundo trecho possui um caráter contudo elementos naturais como as praças e a fragmentado em função dos grandes equipa- arborização das margens contribuem para um mentos existentes que, presentes de forma con- ambiente bem equilibrado entre as formas na- centrada, mostram pouca conectividade com a turais e as formas artificiais. cidade. Entre eles podem ser citados, o Bourbon b) Trecho 2 da Ipiranga, o Campus da PUC/RS (Figura 6) e O segundo trecho do Arroio Dilúvio e da a Garagem da Empresa de ônibus Carris. Tais área do entorno analisado, delimitado pelas equipamentos estão muito próximos entre si 230 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas Figura 6 – Ponto focal do trecho 2 Cruzamento com a Avenida Cristiano Fischer Fonte: William Mog (2013). prejudicando a continuidade do tecido urbano de bairros, fortemente desarticulados entre si de menor escala. Logo, diferentemente do pri- e que apresentam uma tipologia habitacional meiro momento do arroio, esse possui vários voltada para população de rendas médias e al- vazios urbanos junto da margem norte. Essa tas, os conjuntos fechados de alta densidade, interrupção da malha urbana de grão pequeno que parece negar uma relação com o espaço inviabiliza a movimentação de pedestres nas público. Essas configurações habitacionais ge- rotinas diárias como pode ser observado na ram uma ruptura na dinâmica urbana e na pai- imagem à direita da Figura 6 onde o contexto sagem local como pode ser visto no skyline da não contribui para a circulação de pedestres re- vista panorâmica da Figura 6. tirando da área a vivacidade necessária à conexão e ao movimento urbano saudável. A falta de continuidade dos tecidos acarreta a existência de grandes ocupações irregu- A quantidade de bairros com diferentes lares, as quais, não estando integradas à malha características também é reduzida nessa parte urbana “formal”, geram interrupções no movi- da cidade já que são quatro bairros, ou parcelas mento e na circulação geral da população na Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 231 William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini cidade, reforçando a descontinuidade da paisa- e calçadas desertas. A artificialidade das mar- gem, que se torna rompida e ilegível, diferen- gens nesse trecho é a maior, pois o espaço temente do trecho anterior. No total, são três urbano junto do Dilúvio apresenta pouca arbo- manchas de grande porte e uma menor junto rização e nenhuma praça ou parque como mos- da Garagem da Empresa de ônibus Carris. Além tra a vista panorâmica da Figura 6. disso, ao norte do Jardim Carvalho e ao sul do c) Trecho 3 Partenon estão localizadas várias vilas, cuja di- O último trecho do arroio é o mais longo mensão de cada uma corresponderia à área de e caracterizado por uma ocupação urbana ra- um bairro. refeita com algum comércio e serviços ao longo Assim como no trecho anterior, a estru- da via de maior fluxo (Av. Bento Gonçalves). O tura urbana e as variáveis propostas acabam recorte inicia na Av. Antônio de Carvalho e aca- repercutindo na dimensão local citada por ba junto às nascentes em Viamão. Nesse mo- Mello (2008). Contudo, nesse caso a falta de mento o arroio não apresenta mais a relação articulação entre as partes acaba gerando um imediata com uma via de tráfego de veículos panorama fragmentado que pode ser sintetiza- intenso, já que ele está integrado à mata na do a partir do ponto focal na Figura 6. O do- base dos morros que delimitam na outra dire- mínio das margens em questão continua sendo ção o trecho analisado. Existem nessa parcela público, contudo esse trecho há uma ausência apenas dois cruzamentos do curso d’água do de diversidade de elementos junto da Avenida Arroio Dilúvio, e um deles não é pavimentado Ipiranga que impossibilita uma dinâmica de e está junto a uma ocupação irregular, como fluxos variados. mostra a seguir a Figura 7. O acúmulo de grandes equipamentos As áreas públicas de convívio são pra- privados resulta em um espaço desconstituído ticamente inexistentes ao longo desse per- (Figura 6), pois a transição entre espaços aber- curso, em que a diversidade do primeiro tre- tos e fechados é abrupta e pouco convidativa cho é substituída por um repetição de áreas para o encontro, já que as praças e as áreas co- desocupadas, intercaladas com comércio espo- merciais do trecho anterior não estão presentes rádico referente ao perfil viário da Av. Bento junto à avenida que margeia o Dilúvio e é do- Gonçalves: aí, se poderia dizer que a cidade minada por veículos em alta velocidade nesse “não existe mais”. momento. O resultado disso é um ambiente Neste último trecho, em que ocorre a co- com acessibilidade física comprometida já que nexão entre Porto Alegre e Viamão podem-se o arroio não estabelece qualquer relação com encontrar apenas dois equipamentos relevan- seu entorno imediato, o que pouco contribui tes para os fluxos do local: os Campi do Vale para a sua acessibilidade visual. A variabilida- e da Agronomia da Universidade Federal do de de opções visuais que o observador tinha no Rio Grande do Sul (UFRGS). A área é caracteri- primeiro momento agora apresenta-se restrita zada por grandes zonas de mata nativa junto em função da baixa quantidade de cruzamen- dos morros, como pode ser observado na vis- tos e da ausência de espaços abertos, gerando ta panorâmica da Figura 7. Logo, não se pode pouco controle visual, sensação de insegurança dizer que são vazios urbanos, mas espaços de 232 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas Figura 7 – Ponto focal do trecho 3 Cruzamento com o Beco dos Marianos Fonte: William Mog, 2013. interesse ambiental não preservados, tendo em A dimensão local (Mello, 2008) nesse vista a existência recorrente de vilas (favelas) trecho, representada pelo ponto focal junto do na base desses morros (Figura 7) estabelecen- cruzamento com o Beco dos Marianos (Figura do ora uma relação estreita com a topografia 7) apresenta um caráter de grande fragilidade do morro, ora com as bordas do arroio. Essa urbana, pois a estrutura espacial local carece área é ocupada apenas pelo Bairro Agronomia de uma série de elementos urbanos necessá- (em Porto Alegre) e pelo Parque Saint Hilaire rios na criação das dinâmicas de encontro e (em Viamão). Nas duas localidades, o cenário de relação. Nesse ponto do trecho podem ser é sempre muito semelhante: ocupações irre- observados três tipos distintos de interface do gulares entre morros e curso d´água. Contudo, arroio com seu entorno: o domínio é público essas vilas apresentam uma morfologia distin- junto da interface do arroio com o trecho final ta dos trechos anteriores já que elas não são da Avenida Ipiranga; o domínio semipúblico – oprimidas por um contexto urbano consolidado ou público restrito – quando o arroio integra o e apresentam a possibilidade de crescimento Campus da Agronomia da UFRGS, e o domínio com certa organização entre espaços de conví- privado, quando o Dilúvio estabelece interface vio público e particular. com os fundos dos pavilhões localizados na Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 233 William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini Avenida Bento Gonçalves como pode ser visto apresenta a menor artificialidade dos três, na Figura 7. pois a maior parte do curso do Dilúvio nes- A transição entre espaços abertos e fe- se momento não está retificada e ainda está chados é desordenada em função da presen- integrada na natureza apesar de já estar po- ça das ocupações informais junto dos morros luída em função das vilas presentes junto das onde a natureza ainda se mostra fortemente nascentes em Viamão. presente. Em relação à acessibilidade física, A partir das análises realizadas anterior- o acesso às margens do arroio é restrito em mente é possível concluir que existe uma re- função dos pavilhões e das vilas que também lação estreita entre a estrutura urbana e suas bloqueiam a acessibilidade visual. O acesso variáveis e a repercussão dessas na dimensão físico e visual sem obstáculos maiores ocor- local do espaço urbano. A seguir é apresenta- re apenas em uma das margens, entre os do um quadro com a intenção de sintetizar a cruzamentos da Antônio de Carvalho e do relação dos aspectos da dimensão local com os Beco dos Marianos (Figura 7). Esse trecho pontos focais destacados. Quadro 1 – Síntese de aspectos das dimensões locais por pontos focais analisados Dimensões locais Ponto focal 1 Ponto focal 2 Ponto focal 3 Domínio: Espaços abertos ou espaços fechados Público (espaços abertos), mas com pouca apropriação das margens Público (espaços abertos), mas sem apropriação das margens Público, semipúblico (UFRGS) nas bordas e privado (espaços fechados) Constitutividade: Espaços constituídos ou desconstituídos Transição gradual entre espaços abertos e espaços fechados Transição abrupta entre espaços abertos e espaços fechados Transição possui desordem entre espaços abertos e espaços fechados Acessibilidade Física: Espaços de acesso físico fácil ou difícil Pouca acessibilidade: Ciclovia subutilizada e escadarias usadas no passado Sem acessibilidade: O entorno não facilita o acesso físico (PUC e veículos velozes) Acesso desordenado e restrito em alguns pontos: contexto de ocupações informais Acessibilidade Visual: Espaços com ou sem visibilidade Plena acessibilidade: Visuais variadas para o arroio das praças e dos cruzamentos Baixa Acessibilidade: Poucas visuais, pois o entorno contribui pouco (insegurança) Acesso restrito e bloqueado em alguns pontos (pavilhões, vilas e UFRGS) Artificialidade: Espaços naturais ou espaços artificiais Equilíbrio: elementos artificiais (retificação) e naturais (margens arborizadas e praças) Desequilíbrio: poucos elementos naturais (pontuais) e margens retificadas Maioria de espaços naturais: morros com vegetação e curso original do arroio 234 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas Esse quadro demonstra que os aspec- tecido urbano tem se agravado nas últimas tos da dimensão local revelam as fortes dife- décadas. Em parte devido ao arroio e sua via renças presentes nos três trechos analisados, de alta capacidade, mas principalmente pelas com destaque para a baixa acessibilidade física diretrizes urbanas e as opções utilizadas, que e alta capacidade de domínio público do es- determinaram a forma de ocupação e os usos paço urbano deste entorno, porém com difícil da terra do entorno ao arroio, que são os res- condições de apropriação, principalmente nos ponsáveis pelas condições ambientais péssi- trechos 2 e 3. mas desse importante curso de água. A constitutividade também se apre- Nos trechos verificados, é clara a di- senta muito distinta nos três trechos, sendo ferença entre as dinâmicas de cada um. Ao inicialmente gradual, abrupta no segundo tre- comparar o primeiro com o segundo trecho, cho e desordenada no terceiro. Isso revela a nota-se que os tecidos do entorno no primei- descontinuidade do tecido urbano muito em ro caso estão bem integrados e articulados razão da existência de equipamentos de gran- entre si em função das variáveis comentadas de porte (trecho 2) e de ocupações irregula- anteriormente, já no segundo caso a situação res (trecho 3). se altera consideravelmente como pode ser As análises apresentadas permitem con- percebido através da comparação dos pontos siderar que, embora haja diferenças nas formas focais. Contudo, em nenhum trecho o arroio de ocupação ao longo do arroio, os resultados está integrado às atividades cotidianas dos no espaço das margens são sempre preocupan- porto-alegrenses como no passado em função tes gerando conflitos e impactos na qualidade da ausência de um projeto que considerasse da paisagem. o arroio como parte do cenário urbano, além de sua função sanitária. Por isso, o direito de acesso ao arroio e à água nesse recorte de Considerações finais Porto Alegre está longe de ser atendido em função de um problema de conexão urbana: Ao analisar o mapa, as imagens e suas variá- embora inserido no tecido urbano, o arroio não veis, é possível estabelecer uma relação entre está integrado à cidade, a seus moradores e às as diferentes épocas de ocupação territorial e funções urbanas de maneira plena devido ao a crescente fragmentação espacial que se torna crescimento desordenado e segregador que se evidente no entorno da Terceira Perimetral a agrava a partir do segundo trecho. partir de sua dimensão local (Mello, 2008). As Assim, o arroio e suas condições ambien- características que privilegiam a conectivida- tais por si só não são responsáveis pela confi- de das áreas públicas urbanas perdem espaço guração atual da paisagem urbana nos trechos para as ocupações privadas de grande porte estudados, pois há uma grande variabilidade que não se preocupam com sua inserção no entre ambientes mais qualificados e ambientes contexto urbano, como o Campus da PUC/RS. menos qualificados espacialmente, ao longo Logo, as informações tomadas e apresentadas de um curso de água que apresenta de forma aqui demonstram que a descontinuidade do constante condições ambientais depreciadas. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 235 William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini Por isso, o arroio deve ser considerado uma das Nesse sentido, é necessária uma gestão partes do problema que envolve variáveis de pública que considere a bacia hidrográfica do igual e maior prioridade, tais como as ocupa- Dilúvio de forma global e não apenas o curso ções irregulares e todos os demais grandes do arroio como o foco de intervenção na revi- equipamentos do entorno que geram e des- talização urbana. Dessa maneira aumentaria a pejam resíduos sólidos, líquidos, químicos e possibilidade de análise e integração entre as hospitalares no mesmo, e não apontar o arroio variáveis que interferem no entorno e no cur- como foco determinante na requalificação do so de água principal valorizando um recorte espaço, pois as condições urbanas e legais exis- urbano mais abrangente através de múltiplos tentes estão dentro de um quadro em que o projetos mais sustentáveis e conscientes que desenvolvimento não tem contemplado a com- considerariam as relações sociais nesse espaço posição da paisagem como determinante para físico conectado com seu entorno e contempla- o convívio humano na cidade. riam a cidade de maneira ampla. William Mog Porto Alegre/RS, Brasil. [email protected] Heleniza Ávila Campos Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Porto Alegre/RS, Brasil. [email protected] Lívia Salomão Piccinini Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Porto Alegre/RS, Brasil. [email protected] 236 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas Referências ALVIM, A. T. B.; BRUNA, G. C. e KATO, V. R. C. (2008). Polí cas ambientais e urbanas em áreas de mananciais: interfaces e conflitos. Cadernos Metrópole, n. 19, pp. 143-164. BURIN, C. W. (2008). O caso da canalização do arroio Dilúvio em Porto Alegre: ambiente projetado x ambiente construído. Disponível em Lume: h p://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/17323. Acesso em: 18 set 2012. DREYER, L. (2004). Sinfonia Inacabada, a vida de José Lutzenberger. Porto Alegre, Vidicom Audiovisuais. FARIA, U. e PAIVA, E. P. (1937). Contribuição ao Estudo de Urbanização de Porto Alegre. Porto Alegre, Prefeitura Municipal de Porto Alegre. GLEICK, P. (1999). The Human Right to Water. Oakland USA, Pacific Ins tute for Studies in Development, Environment, and Security. GORSKI, M. C. B. (2010). Rios e cidades: rupturas e reconciliação. São Paulo, Editora Senac. LYNCH, K. (2008). A imagem da cidade. São Paulo, Edições 70. MELLO, S. S. de (2008). Na beira do rio tem uma cidade: urbanidade e valorização dos corpos d’água. Tese de doutorado. Brasília, Universidade de Brasília. MENEGAT, R. (2006). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre, Ed. UFRGS. PESAVENTO, S. J. (1992). O Espetáculo da Rua. Porto Alegre, Ed. UFRGS/Prefeitura Municipal. PORTO, M. F. e PORTO, R. L. (2008). Gestão de Bacias Hidrográficas. Estudos Avançados, v. 22, n. 63, pp. 43-60. PORTO, M. L. e OLIVEIRA, P. L. (coords.) (2008). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre, Ed. UFRGS. SILVA, R. T. (2002). “Gestão Integrada de Bacias Hidrográficas densamente urbanizadas”. In: FONSECA, R. B. (org.). Livro Verde: desafios para a gestão da Região Metropolitana de Campinas. Campinas/ SP, Unicamp/IE. SOUZA, C. F. (1995). “Trajetórias do Urbanismo em Porto Alegre 1900-1945”. In: LEME, M. C. da S. (coord.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo, Studio Nobel. SOUZA, C. F. e MULLER, D. M. (1997). Porto Alegre e sua evolução urbana. Porto Alegre, Ed. UFRGS. TUCCI, C. E. M. (1997). Hidrologia: ciência e aplicação. Porto Alegre, ABRH/Editora UFRGS. ______ (2008). Águas Urbanas. Estudos Avançados, v. 22, n. 63, pp. 97-112. WEIMER, G. (2004). Arquitetos e Construtores no Rio Grande do Sul 1892-1945. Santa Maria, UFSM. Texto recebido em 10/abr/2013 Texto aprovado em 31/out/2013 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 237 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental como decorrência da problemática urbana no Brasil Analysis of the Brazilian assessment methodologies of socio-environmental vulnerability as a result of urban problems in Brazil Mônica Maria Souto Maior Gesinaldo Ataíde Cândido Resumo O artigo intenta refletir e analisar as principais metodologias de avaliação da vulnerabilidade socioambiental propostas e aplicadas em contextos específicos no Brasil, através de um ensaio teórico- comparativo utilizando um conjunto de critérios de avaliação retiradas das variáveis existentes nos diversos modelos pesquisados. Os resultados apontam que os modelos foram contributivos para o avanço dos estudos da vulnerabilidade socioambiental no Brasil, possibilitando um diagnóstico preciso dos fatores que contribuem para acentuar e mitigar o fenômeno. No entanto, dadas a dinâmica e complexidade do processo de urbanização e suas implicações, se fazem necessárias constantes adaptações das metodologias criadas, assim como a criação de novas metodologias que consigam traduzir fidedignamente a dinâmica e complexidade da urbanização, sobretudo para as comunidades mais carentes. Abstract The article intends to reflect on and analyze the main methodologies to assess socio-environmental vulnerabilit y that have been proposed and applied to specific contexts in Brazil, through a comparative theoretical essay using a set of assessment criteria extracted from the variables existing in the diverse surveyed models. The results show that the models have contributed to the advancement of socio-environmental vulnerability studies in Brazil; in addition, they have enabled an accurate diagnosis of the factors that contribute to intensify and mitigate the phenomenon. However, given the dynamics and complex nature of the urbanization process and its implications, it is necessary to constantly adapt the established methodologies, as well as to create new methodologies that are able to translate faithfully the dynamics and complexity of urbanization, particularly for poor communities. Palavras-chave: processo de urbanização; vulnerabilidade socioambiental; metodologias; avaliação e indicadores. K e y w o r d s : urbanization process; socioenvironmental vulnerability; methodologies; assessment and indicators. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido Introdução Assim, a vulnerabilidade pode ser entendida como um processo gerado por diversos fatores socioambientais, os quais, em conjunto, fragili- No último século, houve uma diminuição dos zam pessoas, gerando consequências desastro- índices de pobreza na América Latina, mesmo sas como perdas materiais e/ou de vida. assim os modelos que estudam a população Fundamentada em tais teorias, o termo em vulnerabilidade continuam sendo instru- “vulnerabilidade socioambiental” começou a mentos eficazes de análise da situação dos ex- ser construído entre as décadas de oitenta e cluídos latino-americanos, porque são capazes noventa, quando pesquisadores a exemplo de de identificar as características de comporta- D´Ercole (1994), Blaikie et al. (1994), Fournier mento individuais e as mudanças repentinas de (1995), Cardona (1996), Hewitt (1997), Moser ascensão e declínio social, as quais vão além (1998), Kaztman et al. (1999), Gonzáles et al. das questões ligadas à renda. (1999), dentre outros, avaliaram a importância A preocupação dos estudos que envol- do significado das condições sociais na incidên- vem a vulnerabilidade socioambiental, em con- cia, extensão e distribuição das ameaças natu- texto urbano latino-americano, é oferecer um rais. Eles mostraram que a perda e a sobrevi- painel sobre os fatores socioambientais que vência estão relacionadas muito de perto com influenciam e são influenciados pela fixação os padrões e as variações da qualidade de vida da população pobre em áreas de risco, as quais material da sociedade, tanto no que se refere podem gerar danos. Dessa forma, a vulnerabi- à ocorrência de danos e tipos estabelecidos, e lidade socioambiental urbana está vinculada, onde, como e especialmente a quem afetam. também, aos fenômenos de adensamento po- Segundo Cardona (1996), os danos ma- pulacional, à segregação espacial urbana, aos teriais dependem especialmente do uso da ter- processos de exclusão social e às injustiças ra, padrões de assentamento e da concepção ambientais, processos ligados diretamente ao e localização de estruturas construídas, e esses aumento demográfico e à falta de políticas pú- danos são desproporcionalmente concentrados blicas eficazes. em determinados grupos etários, de acordo Especificamente no contexto geográfico brasileiro, desde o século passado, se tem com sexo ou ocupação, níveis de renda e da falta de voz política do povo. presenciado um aumento demográfico urbano Na América Latina e nos países em de- substantivo, o que traz consequências diretas senvolvimento, devido a uma estrutura políti- na estruturação e ordem das principais cidades ca e econômica em constante crise, a ideia de brasileiras, desregulando o sistema socioam- estabilidade não é observada. Essa conjuntura biental, expondo a população citadina a uma dificulta a geração de novas frentes de traba- situação crescente de vulnerabilidade, princi- lho, aumentando a instabilidade socioeconômi- palmente nas áreas centrais de preservação ou ca das famílias, associando a vulnerabilidade à nas periféricas, onde os fatores de riscos am- ideia da falta de oportunidades existente dian- bientais se tornam desastrosos diante da insta- te do desemprego, da precariedade do traba- bilidade socioeconômica da população pobre. lho, da pobreza, da falta de proteção social e 240 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... da fragilidade das relações sociais, problemas as metodologias brasileiras que estudaram o que afetam a todos de um modo geral. fenômeno da vulnerabilidade socioambiental Adicionados aos problemas citados an- até o ano de 2010; 2) identificação dos fato- teriormente, as cidades brasileiras apresentam res estudados em cada metodologia, conside- uma concentração da população de baixa ren- rando as dimensões e indicadores; 3) compila- da de forma desigual, numa mesma extensão ção dos indicadores, buscando identificar sua geográfica, onde se observa a ocorrência de reincidência nos modelos; 4) comparação das eventos naturais como enchentes, desliza- principais características; e 5) reflexões sobre a mentos, desmoronamentos e/ou vendavais, profundidade de abrangência dos modelos pa- que causam perdas e danos de toda ordem ra o contexto brasileiro. Com isso, foi possível (Deschamps, 2004). identificar uma série de variáveis similares e Diante deste quadro, diversos pesquisa- diferentes utilizadas para situações e contextos dores brasileiros vêm desenvolvendo modelos diferenciados e, a partir disso, constatando-se para estudar a vulnerabilidade socioambiental: também que tais variáveis poderiam ser utiliza- Deschamps (2004; 2006), Hogan (2007), Alves das como marco ordenador para novos estudos (2010a), Almeida (2010) e Alves et al. (2010b), e pesquisas relacionados ao tema vulnerabili- os quais trabalham as famílias expostas aos ris- dade socioambientais de comunidades em es- cos socioeconômicos e ambientais. Esses cinco paços urbanos. modelos brasileiros trazem diferentes ferramen- Além deste conteúdo introdutório, o ar- tas de abordagem, e cada uma delas foi aplica- tigo apresenta, nos seus demais itens, uma da considerando fatores ambientais específicos fundamentação teórica sobre vulnerabilidade; para cada espaço geográfico estudado. os resultados, considerando os aspectos rela- Nessa perspectiva, busca-se, por meio cionados aos conceitos e teorias sobre as me- deste ensaio teórico, comparar essas cinco me- todologias da vulnerabilidade socioambiental todologias, utilizando-se os seguintes critérios estudadas; comparação das metodologias; e as de análise: características do método, campo conclusões geradas por este estudo. geográfico de atuação, dimensões mensuradas, variáveis trabalhadas, tratamento dos dados e vínculos com grupos de pesquisa, os quais foram escolhidos para introduzir uma análise Fundamentação teórica mais profícua das aplicações e abrangência dos indicadores utilizados para a realidade socio- Vulnerabilidade ambiental brasileira. Em termos metodológicos, o artigo pode O conceito de vulnerabilidade está correlacio- ser classificado como um ensaio teórico for- nado a uma construção teórica, anterior a ela, mal, para cujo estudo, depois da identificação definida como exclusão social, que serviu de dos principais estudos e pesquisas realizados referência para a caracterização de situações no Brasil, foi estabelecida a seguinte sequên- sociais-limite, de pobreza ou marginalidade, cia metodológica: 1) levantamento de todas e para a consequente formulação de políticas Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 241 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido públicas voltadas para o enfrentamento destas ruptura. Afirma ainda que não somente a falta questões (Dieese, 2007; Busso, 2005; Lavinas, de recursos materiais define os grupos como 2002; Castel, 1997). vulneráveis, mas também a instabilidade de Dessa forma, é importante ressaltar a se- suas relações sociais, que os fragiliza. melhança espacial, histórica e conceitual que Kaztman (1999; 2000) analisa a vulne- envolve a interligação entre esses dois termos. rabilidade a partir da existência, ou não, por A exclusão social teve sua origem na França, no parte dos indivíduos ou das famílias, de ativos século XX, e se estendeu a outros países euro- disponíveis e capazes de enfrentar determina- peus para ressaltar situações que iam além do das situações de risco. Ele trabalha o conceito mercado de trabalho e que representavam rup- de capital para os grupos vulneráveis, que pode turas de vínculos sociais e perdas da base de capacitá-los a aproveitar as oportunidades sustentação da reprodução da vida: a casa, a disponíveis em distintos âmbitos socioeconô- vizinhança e a família (Castel, 1997). micos, e que influencia o estado de respostas Diante dessa conjuntura e como parte de diante das situações de risco. um mesmo campo conceitual, há os que rela- Observa-se que os estudos de Kaztman cionam a perda do vínculo social como resul- não consideram as estruturas de oportuni- tante da perda de solidariedade e aqueles que dades como um fator constante, ao contrá- a vinculam à negação dos direitos sociais esta- rio, essas estruturas variam de acordo com belecidos. Segundo Kowarick (2003), o interes- a área geo gráfica e com os fatores tempo- se pelo campo da exclusão na Europa surge em rais históricos. Ele incorpora na sua ideia de virtude de uma situação de mudanças tecnoló- ativos /vulnerabilidade /estrutura de opor- gicas, reestruturação econômica e desmantela- tunidades o conceito de mobilidade social, mento do estado de bem-estar social, em que o como fator determinante das situações de estado de exclusão caracterizaria um conjunto ascensão e declínio da condição de vulne- de situações marcadas pela falta de acesso aos rabilidade. Segundo o Dieese (2007), essa meios de vida e que afetaria a plena integração noção de vulnerabilidade social, que conside- social até então existente. ra a relação ativos/vulnerabilidade/estrutura Segundo Castel (1997), para se chegar de oportunidades, tem sido adotada para a numa situação de exclusão social, é necessário construção de indicadores sociais mais am- passar por três estágios distintos: uma etapa plos, não se restringindo à delimitação de inicial de integração social, em que se teria uma determinada linha de pobreza. uma situação de estabilidade econômica e Blaikie et al. (1994) afirma que a vulne- social; um momento crítico de vulnerabilidade rabilidade está diretamente associada à ca- caracterizada pela precariedade do trabalho e pacidade de um grupo ou família para resistir a fragilidade dos apoios proporcionados pelas a efeitos nocivos e perigo e de se recuperar relações familiares e sociais; e, finalmente, a facilmente. Assim, a vulnerabilidade envolve chegada ao estágio final – o de exclusão so- uma combinação de fatores que determina o cial. Nessa visão, a vulnerabilidade identifica- grau em que a vida de alguém ou de um grupo ria a fragilidade do vínculo social antes de sua é colocada em risco por um evento discreto e 242 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... identificável (ou uma série de tais eventos), na recursos humanos no seio das famílias, alimen- natureza e na sociedade. tação insuficiente e de má qualidade, alta per- Segundo Hewitt (1997) e Lavell (2000), meabilidade aos serviços sociais, controle de- as ameaças naturais, a destruição e sua distri- ficiente aos cuidados de saúde, falta de redes buição social e territorial podem tornar o even- de reciprocidades e contatos, são alguns dos to físico como um ponto de referência, mas, no fatores que determinam o grau dessa vulnera- final, a perda é determinada pelas diferenças bilidade. Segundo Cardona (1996), no contexto de níveis de exposição e vulnerabilidade da urbano, as zonas de riscos coincidem com áreas população, infraestrutura e produção. Devido a que apresentam condições de marginalidade essa enorme variedade entre diferentes espa- ou subnormalidade, e seus habitantes têm ní- ços e unidades sociais, será consequentemente veis de renda que impossibilitam seu acesso a diferenciada a capacidade dos indivíduos em se instituições de crédito para habitação, quando recuperar, porque, mesmo dentro de um único esse benefício de crédito existe. nível de unidade espacial ou social, serão en- Essas teorias abordadas mantêm uma contrados diferentes níveis de danos que refle- conexão entre o ambiental e o social, as quais tem essa estruturação heterogênea da vulnera- exercem intrínseca influência no meio urbano bilidade social. sobre uma comunidade, grupo social ou fa- D´Ercole (1994) e Blaikie et al. (1994) mílias e, assim, essa conexão socioambiental estabelecem uma relação de causa e efeito influencia o modo de resposta diante de situa- gerada entre a natureza e a sociedade, reco- ções que geram vulnerabilidade. nhecendo que os fatores de risco estão asso- D’Ercole (1994) afirma que a análise da ciados a um certo grau de exposição a uma vulnerabilidade na cidade não pode deixar de situação crítica, natural ou social, que gera contar com uma abordagem sistêmica que in- vulnerabilidade em determinados grupos; es- clua: fatores socioeconômicos (êxodo rural e sas contextualizações incorporam ao fenômeno especulação imobiliária), fatores psicossocio- da vulnerabilidade uma perspectiva temporal lógicos (memória de risco, percepção e cultura de futuro, quando estabelecem que os grupos de risco), fatores ligados à cultura e à história mais vulneráveis são também aqueles que pos- das sociedades expostas (autoconstrução, lan- suem mais dificuldades para reconstruir suas çamento de dejetos), fatores técnicos (preven- vidas após algum desastre; consequentemente, ção), fatores funcionais (gestão de crise) e fato- esses mesmos grupos se tornarão mais vulne- res institucionais (gestão de risco). ráveis aos efeitos de desastres futuros. Na cidade, alguns desses fatores são Kaztman (1999) concorda com esses elementos inerentes ao crescimento urbano, dois autores quando considera que uma má e fortemente integrados à dinâmica urbana, resposta a um evento potencialmente danoso principalmente em países em desenvolvimento, está relacionada ao gradiente de vulnerabili- onde há ausência de controle, má qualidade da dades sociais e econômicas dos indivíduos ou infraestrutura, falta de planejamento e legisla- grupos diante do evento, e que suas condições ção urbana ineficiente, permitindo a expansão precárias de habitação, inadequados ativos de urbana para áreas de preservação e/ou de risco. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 243 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido Vulnerabilidade socioambiental riscos e ameaças dentro do seu sistema. Segundo Fournier (1985), a diferença fundamental Segundo Deschamps (2004), Alves et al. (2008) entre o risco e a ameaça é que a ameaça está e Almeida (2010), o quadro teórico, no qual se relacionada com a probabilidade de que se ma- insere a vulnerabilidade socioambiental urba- nifeste um evento natural ou um evento pro- na, contempla a sobreposição (coexistência es- vocado, enquanto o risco está relacionado com pacial) dos processos de expansão urbana en- a probabilidade de que se manifestem certas volvendo tanto a dispersão espacial de grupos consequências, que estão estreitamente rela- de risco social, degradação ambiental e falta de cionadas, não só com a extensão da vulnera- serviços de infraestrutura urbana. Dessa forma, bilidade da exposição dos elementos sujeitos, não se pode tratar da vulnerabilidade socioam- mas ainda com a certeza que esses sujeitos biental sem considerar a expansão urbana pa- têm de ser afetados pelo acontecimento. Nesse ra áreas periféricas, relacionada à procura por contexto, a vulnerabilidade pode ser entendida habitação em áreas com baixo valor da terra e como a predisposição intrínseca de um sujeito sem infraestrutura. Essa dinâmica da expansão ou elemento a sofrer danos, devido à possibi- urbana, para regiões periféricas e periurbanas, lidade de ações externas e, portanto, sua ava- estabelece uma condição de ocupação dos liação contribui fundamentalmente para o co- pobres e miseráveis de residir em áreas com nhecimento do risco por meio de interações do más condições urbanísticas e de infraestrutu- elemento suscetível com o ambiente perigoso ra – sem abastecimento de água tratada, sem (Cardona, 1996). saneamento, sem coleta de lixo, etc. –, tais co- Cutter (2003) afirma que está embu- mo: terrenos com alta declividade ou próximos tido em toda a discussão sobre a ciência da a cursos d’água e de lixões, geralmente áreas vulnerabilidade socioambiental o requisito públicas e/ou de preservação. Os índices de de antecipar surpresa, capturar a incerteza e pobreza quantificam o grau da exclusão que adaptar-se às mudanças, salientando que se fatores socioeconômicos impõem em um deter- precisa investir ainda muito no conhecimento minado lugar a alguns grupos. sobre essa ciência, havendo a necessidade de O nível de vulnerabilidade em que as fa- conectá-la a um campo teórico mais amplo e mílias estão expostas aos riscos está vincula- a uma arena de ação política comprometida do à capacidade de respostas e ajustes dian- com a justiça social e ambiental. Ela ainda te das condições adversas ao meio, seja pela promove a necessidade de uma confluência capacidade de mobilizar ativos para enfrentar dos conhecimentos sobre as dinâmicas so- as adversidades, por pouco capital humano ou ciais e naturais, condição imprescindível para pouco acesso à informação, ou seja, pelas pou- um diagnóstico e um prognóstico. Assim, a cas habilidades sociais básicas, com falta de re- ciência da vulnerabilidade evoca uma visão lações pessoais e com pouca capacidade para multidimensional associada a seus fenôme- manejar recursos (Deschamps, 2006). nos geradores nos processos de distribuição, A vulnerabilidade deve considerar algumas dimensões que subsidie as análises dos 244 gestão e experiências dos riscos, ameaças e vulnerabilidades. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... Diante do que se expôs sobre as peculia- modelos brasileiros, para conhecer o quadro da ridades geográficas, temporais, socioeconô- sistemática de avaliação da vulnerabilidade so- micas e dos fenômenos a serem estudados, cioambiental para a realidade brasileira. pesquisadores brasileiros como Alves (2008), Deschamps (2004; 2006), Almeida (2010) e Silveira (2010) trabalham com as seguintes dimensões em relação à vulnerabilidade das famílias expostas aos riscos num contexto de Apresentação e análise dos resultados expansão urbana: econômicos, sociais e ambientais. Os autores ainda descrevem características demográficas, que devem ser conside- Apresentação das metodologias estudadas radas na unidade doméstica e que tendem a acentuar a vulnerabilidade: estrutura familiar, Nos meios científicos brasileiros, o estudo da ciclo de vida e aspectos demográficos. Nesse vulnerabilidade socioambiental é tratado em contexto social, as indagações partem da ne- âmbito local, identificando grupos populacio- cessidade de resposta sobre quais os elemen- nais submetidos a um alto grau de risco em tos que mais contribuem para a vulnerabilida- relação a desastres específicos de países em de social e se esses elementos afetam de for- desenvolvimento. Nos últimos dez anos, as ma homogênea os diferentes grupos sociais. pesquisas avançaram, e foram criadas e aper- No contexto ambiental, os principais aspectos feiçoadas metodologias com o duplo objetivo considerados por esses autores são os relacio- de entender como o processo de adensamento nados à infraestrutura urbana, considerando populacional e expansão urbana influenciava e os danos que sua falta pode trazer em termos influencia a situação de risco de forma desigual de saúde e de qualidade de vida. a grupos populacionais específicos. Dentre elas, Os estudos que abarcam a vulnerabilida- cinco se destacam por sua qualidade metodo- de buscam contribuir para avaliação das dife- lógica, pelo impacto gerado e pelo campo de renças socioambientais urbanas, porque abran- pesquisa aberto nos meios científicos. gem todo o sistema atingido pelo adensamento Dentre os modelos analisados todos populacional. Dessa forma, conhecer os mode- partem do método dedutivo, que faz uso do los utilizados, suas ferramentas e seu conjunto raciocínio, a partir de fatos e indícios, para ob- de indicadores, pode apontar a estreita relação ter uma conclusão a respeito de determinadas entre a segregação social urbana, o sistema de premissas. No caso da vulnerabilidade socio- infraestrutura urbana e o processo de adensa- ambiental, os níveis de risco e vulnerabilida- mento. Esse conhecimento servirá para vislum- de são estudados tomando por base a identi- brar soluções específicas em cada localidade, ficação de relações estatísticas significativas porque as cidades apresentam problemas espe- dentre um conjunto de potenciais indicadores, cíficos diante do fenômeno de transbordamento estabelecendo relações com uma proposição urbano. Sendo assim, se faz necessário conhe- geral para, a partir de raciocínio lógico, chegar cer os procedimentos adotados em cada um dos à verdade daquilo que se propõe. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 245 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido Todos os modelos usam um mesmo pro- da população, considerando estudos anterio- cedimento metodológico, baseado em dados res baseados no Censo Demográfico do IBGE do IBGE e da sobreposição cartográfica dos ris- 2000, que já haviam determinado as áreas de cos ambientais com os riscos sociais distribuí- alta vulnerabilidade social (para fins deste es- dos no espaço urbano estudado, utilizando a tudo as áreas de baixa vulnerabilidade social análise multivariada, correlação de indicadores foram descartadas). Em seguida, foi feito um (matriz de correlação de Pearson) – Método de cruzamento dessa população com as áreas agrupamento não hierárquico das k-médias ou de alta e baixa vulnerabilidade ambiental, método do núcleo de Kernel. considerando nesta dimensão o tipo de uso do solo urbano como: assentamentos precários ou não, favelas, conjuntos habitacionais, Modelo de Alves residencial consolidado, áreas urbanizadas e loteamentos irregulares. Em seguida, fez-se A pesquisa de Alves et al. (2010a) foi resulta- o cruzamento dos dados através de análise do de um projeto desenvolvido em parceria quantitativa – em termos de área e percenta- com o Centro de Estudos da Metrópole (CEM – gem de área – da inserção da população de Cebrap) e a Coordenadoria de Observação da alta vulnerabilidade social nas áreas de baixa Terra do Instituto Nacional de Pesquisa Espa- e alta vulnerabilidade ambiental. ciais (OBT-Inpe). O objetivo do trabalho é fazer Os resultados são apresentados num uma análise, em escala intraurbana, das inter- quadro que mostra uma classificação tipoló- relações entre processos de expansão urbana gica de uso do solo urbano em três tipos: as- e situações de vulnerabilidade socioambiental sentamentos não precários – constituído de do distrito de Cidade Tiradentes e seu entorno, conjunto habitacional e residencial consolida- no extremo leste do município de São Paulo. do; assentamentos precários – constituído de Desenvolvida no período de 2000 a 2006, favelas e loteamentos irregulares; e áreas ur- considerando as dimensões sociais e ambien- banizadas – constituídas de indústrias, comér- tais das dinâmicas de urbanização que estão cios e instituições. Essas áreas são classificadas ocorrendo na região hiperperiférica metropoli- percentualmente e em número de quilômetros tana de São Paulo, o foco da pesquisa recai nos quadrados, em dois tipos de vulnerabilidade processos de expansão urbana e nas situações socioambiental: baixa e alta. de vulnerabilidade socioambiental, tendo como O diagnóstico é feito pela comparação pressuposto que a presença de populações de evolutiva da mesma área em períodos diferen- baixa renda em áreas sem infraestrutura, ser- tes, baseado nas percentagens do crescimen- viços urbanos e com risco de degradação am- to de assentamentos não precários, precários biental podem gerar novas situações de vulne- e da área urbanizada, confrontados com as rabilidade socioambiental. áreas de baixa e alta vulnerabilidade ambien- A metodologia utilizada para o desenvol- tal, sendo considerada a mais crítica aquela vimento da pesquisa partiu do levantamento que apresenta um crescimento de assentamen- cartográfico das áreas de risco socioeconômico tos precários em áreas de alta vulnerabilidade 246 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... ambiental. Os resultados são visualizados em janela “b” que define a vizinhança de “x” e os mapas cartográficos. pontos que pertencem à estimação, ou seja, é uma técnica de análise espacial que se baseia na criação de superfícies de densidade. Metodologia de Alves Essa estimativa é apropriada para posições de dados individuais; entretanto, pode-se A pesquisa de Alves et al. (2010b) foi desen- adotar esta técnica se o interesse é mostrar re- volvida, no contexto urbano do Litoral Paulis- giões menos fragmentadas de um determinado ta, formada de 16 municípios, para identificar evento ou conjunto de eventos (Alves, 2010b). áreas com alta vulnerabilidade às mudanças O método pode ser descrito da seguinte climáticas, permitindo assim a construção de forma: se “s” representa uma localização qual- indicadores em escala desagregada, que repre- quer numa região “R” e “s1”, ..., “sn" são as sentem as dimensões da vulnerabilidade – sus- localizações dos “n” eventos observados, en- ceptibilidade e exposição ao risco ambiental – tão a intensidade λ(s), é estimada por: com a integração de dados socioeconômicos, demográficos e ambientais. A pesquisa parte da hipótese de que os problemas recorrentes, associados a eventos extremos causados pe- em que “k” é uma função de densidade biva- la mudança climática, estão relacionados a riada escolhida, conhecida como Kernel, e T o ocupa ções irregulares em encostas ou nas raio de influência. Para isso, foi considerada ca- margens dos corpos de água, falta de abasteci- da unidade de setor censitário como unidade mento de água potável para toda a população de análise, na qual foi estimada a densidade e falta de saneamento básico. de eventos segundo o centróide de cada setor A pesquisa explora a relação entre popu- censitário. Assim, a distribuição de eventos foi lação e meio ambiente, buscando a identifica- transformada em uma superfície contínua de ção e caracterização das áreas de maior risco e vulnerabilidade socioambiental no litoral pau- dos grupos populacionais mais vulneráveis às lista, onde as áreas mais vulneráveis são indi- mudanças climáticas nas áreas urbanas, utili- cadas pelas zonas de cores mais escuras nos zando conjuntos específicos de variáveis socio- mapas cartográficos. econômicas e ambientais. O procedimento estatístico adotado como técnica de análise foi baseado na estima- Metodologia de Almeida tiva da densidade de Kernel, que é um método não paramétrico para estimação de curvas de O estudo desenvolvido por Almeida (2010) tra- densidades, em que cada observação é ponde- ta de pesquisa que explora as vulnerabilidades rada pela distância em relação a um valor cen- socioambientais de rios urbanos na Região Me- tral, o núcleo. A ideia é centrar cada observação tropolitana de Fortaleza/CE. Esse estudo parte “x” onde se queira estimar a densidade, uma da hipótese de que há uma coincidência entre Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 247 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido espaços susceptíveis a processos naturais pe- explicam um percentual representativo da va- rigosos, neste caso inundações, com espaços riabilidade total das variáveis em estudo. Nes- da cidade que apresentam os piores indicado- ta pesquisa, os resultados da análise fatorial res sociais, econômicos e de acesso a serviços basearam-se na matriz de correlação entre as e infraestrutura urbana. Teve como objetivo respostas dos itens. analisar os riscos e as vulnerabilidades socio- Após a determinação das cargas fato- ambientais de rios urbanos no Brasil, tendo a riais de cada indicador, foi estimado para ca- bacia hidrográfica do Rio Maranguapinho, lo- da setor censitário o valor correspondente de calizada na Região Metropolitana de Fortale- cada fator, sendo possível verificar a situação za – RMF, Ceará, como área de estudo de caso desses setores em relação à vulnerabilidade para compreensão das interrelações das vulne- associada aos quatro fatores descritos a se- rabilidades sociais e exposição aos riscos natu- guir: a) fator 1 – está relacionado à vulnera- rais, principalmente as inundações. bilidade decorrente da educação; b) fator 2 – Essa pesquisa foi desenvolvida em 2010 está relacionado à vulnerabilidade decorrente e chegou-se um índice de vulnerabilidade so- das condições de infraestrutura e habitação; cioambiental através da sobreposição de dois c) fator 3 – relacionado à vulnerabilidade em índices: de vulnerabilidade social e de vulne- virtude do contingente populacionalde idosos rabilidade físico-espacial às inundações. Des- (maiores de 64 anos); e d) fator 4 – relaciona- sa forma, foram utilizados dados secundários do à vulnerabilidade decorrente do contingen- do IBGE do Censo Demográfico de 2000, de te populacional de jovens (faixa etária de 10 a acordo com variáveis que caracterizam am- 19 anos). plas dimensões e desvantagens sociais e que Foi possível, ao final, dividir esses seto- correspondem a fatores recorrentes utilizados res censitários de acordo com a média dos fa- pelas ciências sociais. tores sendo esses assim classificados: 1) vulne- A pesquisa trabalha com dois tratamen- rabilidade social muito alta; 2) vulnerabilidade tos diferenciados de acordo com a dimensão social alta; 3) vulnerabilidade social média a pesquisada: social e ambiental. No tratamento alta; 4 ) vulnerabilidade social média a baixa; fornecido à dimensão social, foi realizada uma 5) vulnerabilidade social baixa; e 6) vulnerabi- compilação através da junção de duas ou mais lidade social muito baixa. O intervalo para esse variáveis do Censo 2000, resultando, de 59 in- estudo, das médias dos fatores, ficou compre- dicadores, apenas 21. endido entre – 1,01 a 4,94, sendo os valores Para análise estatística dos dados, inicialmente realizou-se análise fatorial das variá- maiores os que representam os setores com maior vulnerabilidade. veis. O procedimento é uma técnica estatística Os dados encontrados para a vulnera- multivariada que, de acordo com a estrutura bilidade social foram sobrepostos com os en- de dependência existente entre as variáveis de contrados para a vulnerabilidade ambiental, interesse (matriz de correlações ou covariân- resultando através do cruzamento dos grupos, cias entre as variáveis), permite a redução tendo como resultado final seis níveis de vul- da quantidade de variáveis para fatores que nerabilidade socioambiental: muito alta; alta; 248 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... média a alta; média a baixa; baixa e muito devem ser considerados nessa dinâmica, bus- baixa; que podem ser representadas através de cando uma multidisciplinaridade que envolve uma matriz. o tema da população e meio ambiente. Os resultados são apresentados através O trabalho parte de uma tentativa de de mapas com a justaposição dos índices de sistematizar algumas conclusões a respeito do vulnerabilidade social e o de vulnerabilidade sentido e da importância do conceito de vulne- ambiental, indicando com as cores para cada rabilidade para os estudos urbanos, para, em nível o grau da vulnerabilidade socioambiental seguida, buscar sua aplicação empírica a partir ao longo do espaço urbano estudado, mostran- do uso de dados secundários, no caso, o censo do ser uma metodologia de fácil visualização demográfico de 2000, apresentando como re- dos resultados, apesar dos longos cálculos para sultado uma divisão da cidade em “zonas de se chegar aos índices. vulnerabilidade”, cuja importância reside na possibilidade de identificar, no âmbito intraurbano, carências ou vantagens diferenciadas Metodologia de Hogan que, mais além das disponibilidades materiais, possam dar maior poder de resposta ao con- O estudo de Hogan (2007) foi desenvolvido no junto de dificuldades que a cidade desigual im- contexto urbano de Campinas-SP, sob o título põe a seus habitantes. A vulnerabilidade social no contexto metropolitano: o caso de Campinas. A intenção era aprofundar estudos e pesquisas para problemas urbanos que envolvessem as relações da população com o ambiente, e na busca do entendimento dos condicionantes – além da pobreza, da diferenciação das pessoas ou famílias –, estudar a inabilidade de resposta diante dos riscos. Nesse trabalho, o autor parte da hipótese de que há uma coincidência entre espaço suscetível a processos naturais perigosos e os espaços da cidade que apresentam os piores indicadores sociais, econômicos e de acesso aos serviços e infraestrutura urbana, trabalhando numa linha moderada para analisar as relações da dinâmica demográfica, em toda sua complexidade, com a mudança ambiental, considerando importante romper os limites impostos pela questão da população e restringir ou não o progresso, pois outros aspectos mais importantes Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Para desenvolvimento de seu estudo, Hogan vai abordar os conceitos desenvolvidos por Katzman (1999): capital físico – envolvendo todos os meios essenciais para a busca de bem-estar; capital social – inclui as redes de reciprocidade, confiança, contatos e acesso à informação; e capital humano – que inclui o trabalho como ativo principal e o valor a ele agregado pelos investimentos em saúde e educação, os quais implicam maior ou menor capacidade física para o trabalho. Dessa forma ele classifica seus indicadores de acordo com essa nomenclatura. Para cada uma dessas três dimensões de indicadores, foram realizadas análises fatoriais, a partir das quais foram obtidos cinco fatores: dois para o capital físico, um para o capital humano e dois para o capital social. Através da interpretação dada aos fatores identificados, resultante de análise fatorial, é que se poderá analisar e interpretar os resultados obtidos, 249 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido particularmente os que se referem aos escores na determinação de espaços marcados, por fatoriais assumidos por cada uma das áreas de abrigar grupos populacionais socialmente vul- ponderação, chegando ao seguinte resultado: neráveis e expostos a situações de risco. quanto maior o valor de seu escore, ou seja, Nesse trabalho, a autora parte da hipó- quanto mais próximo de 1, piores serão as con- tese de que a intensa mobilidade intraurbana dições relativas ao fator do indicador, na “área faz com que os deslocamentos populacionais, de ponderação”. principalmente de grupos populacionais de Essa metodologia apresenta seus resulta- baixa renda, atinjam áreas sujeitas a riscos dos através de mapas cartográficos sobreposi- ambientais. Assim, parte de uma abordagem cionando as áreas de vulnerabilidade social às que enfatiza a dimensão social dos problemas de riscos ambientais, considerando os fatores ambientais e considera as famílias ou pessoas quantificados pela metodologia. morando numa mesma área como unidade de referência para o desenvolvimento do estudo. Para o desenvolvimento desse trabalho Metodologia de Deschamps foram utilizados somente dados secundários disponibilizados pelo IBGE no Censo Demo- Deschamps (2004, 2006) trabalhou inicialmen- gráfico de 2000, com informações das unida- te em sua tese com a vulnerabilidade socio- des geográficas formadas por agrupamento ambiental na cidade de Curitiba em 2004. No mutuamente exclusivo de setores censitários, entanto, seu trabalho mais significativo nessa obedecendo aos seguintes critérios: 1) tama- área corresponde a um estudo desenvolvi- nho, em termos de domicílios e população; 2) do pelo Grupo de Pesquisa Observatório das contiguidade, garantindo o sentido geográfico; Metrópoles, que comparava a vulnerabilida- e 3) homogeneidade, em relação a um conjun- de socioambiental nas metrópoles brasileiras: to de características populacionais e de infraes- São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Por- trutura conhecida. to Alegre, Brasília, Curitiba, Recife, Fortaleza, A metodologia trabalha com três di- Campinas, Manaus, Vitória, Goiânia, Belém, mensões: econômica, social e ambiental, Florianópolis, Natal e Maringá. Desenvolvi- abordadas na perspectiva de que o risco é um do entre 2004 e 2009, esse estudo integrou o aspecto negativo e causador de danos a de- Projeto Território, Coesão Social e Governança terminados segmentos sociais. Ela mensura a Democrática, financiado pelo CNPq – Conselho dimensão ambiental através da inadequação Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec- dos indicadores urbanos, considerando a au- nológico, sob a coordenação do professor Dr. sência combinada dos três serviços básicos – Luiz César de Queiroz Ribeiro. esgotamento sanitário por rede geral ou fossa Essa pesquisa está inserida no campo séptica, água canalizada em pelo menos um teórico do meio ambiente e desenvolvimento, cômodo e coleta de lixo. Ela justifica a esco- e apresenta os procedimentos para a constru- lha desses indicadores, salientando que eles ção de tipologias de áreas intraurbanas nas são fatores que afetam a qualidade de vida Regiões Metropolitanas brasileiras, avançando numa perspectiva saudável, sabendo que a 250 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... ausência de condições adequadas de saneamento tem importante rebatimento na proli- Comparativo das metodologias de vulnerabilidade socioambiental feração de doenças. A tipologia e o agrupamento das áreas Devido à conjuntura política e socioeconômica das Regiões Metropolitanas foram obtidos praticante na maioria nos países latino-ame- por dois métodos estatísticos multivariados: ricanos, os estudos que envolvem a vulnera- análise fatorial por componentes principais e bilidade socioambiental têm considerado os análise de agrupamento. A análise fatorial por aspectos socioeconômicos como mais impor- agrupamentos avalia as intercorrelações entre tantes que os ambientais. Dessa forma, Blaikie variáveis, com o objetivo de identificar um me- et al. (1996) afirmam que as questões de raça, nor número de fatores que apresentem aproxi- sexo, idade, educação, renda e situação de tra- madamente o mesmo total de informações ex- balho são determinísticas para a condição de presso pelas variáveis originais. Na análise por vulnerabilidade, porque incidem diretamente componentes principais, calculam-se os auto- no poder de resiliência da população. valores e a matriz de correlação entre variáveis originais e os fatores comuns. Os aspectos ambientais, nesse contexto geográfico latino-americano, são refletidos na Como resultado, a metodologia apre- perspectiva do adensamento populacional e senta um quadro da vulnerabilidade socioam- da dinâmica urbana das grandes cidades, que, biental por meio da leitura cruzada da vulnera- devido à interferência dos processos de urba- bilidade social e risco ambiental, mostrando o nização, direcionam essa camada pobre para resultado em quatro quadrantes, classificados as áreas periféricas ou de proteção ambiental, em: 1) combinação de baixa vulnerabilidade como rios e encostas. Não se pode, entretanto, social com baixo risco ambiental; 2) combina- descartar alguns fenômenos naturais específi- ção de baixa vulnerabilidade social com alto cos de alguns países latino-americanos como risco ambiental; 3) combinação de alta vulnera- terremotos, nevascas, vulcões, furacões, dentre bilidade social com baixo risco ambiental; e 4) outros, que de modo esporádico e cíclico oca- combinação de alta vulnerabilidade social com sionam danos. alto risco ambiental. Segundo Abramovay (2002), os estudos Os modelos apresentados neste estudo ancorados na vulnerabilidade na América La- apontam pontos semelhantes e diferentes nas tina foram motivados pela preocupação em abordagens que são significativos e determi- abordar de forma mais integral e completa nísticos para a construção de um quadro de não só os fenômenos da pobreza, mas ainda, avaliação da vulnerabilidade socioambien- as diversas modalidades de desvantagem so- tal nos espaços urbanos. Dessa forma, cabe cial. Tais estudos buscaram observar os riscos especificar, entender o campo teórico e os de mobilidade social que afetam a todos, in- fenômenos estudados, para comparar os fun- dependentemente de sua classe social, abar- damentos necessários para uma adaptação à cando a vulnerabilidade na dinâmica do bem- realidade das diversidades urbanas específicas -estar social atrelada às dimensões associada do caso brasileiro. a esse processo. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 251 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido No Brasil a vulnerabilidade é tratada premissas construídas a partir de pressupostos utilizando uma sobreposição de riscos tanto derivados de um marco teórico consistente, ambientais quanto sociais, considerando que testando-os, coletando dados apropriados e os riscos sociais se relacionam com aspectos explorando as relações entre medidas que ope- ligados, dentre outros, a dinâmica social, se- racionalizam tais conceitos. gregação urbana, injustiças ambientais – os Dessa forma, os modelos partem em sua vulneráveis como vítimas de uma proteção totalidade, do pressuposto de que o processo desigual –, enquanto os ambientais são rela- de expansão urbana impulsiona a fixação de cionados às ameaças naturais ocorrentes em famílias ou grupos populacionais em áreas am- áreas específicas. bientalmente inapropriadas, expondo-as a si- Nessa perspectiva teórica, os modelos tuações constantes de vulnerabilidade, porque brasileiros que estudaram a vulnerabilidade so- esses grupos ficam sem condições socioeconô- cioambiental mostraram uma evolução em sua micas de resposta diante das vulnerabilidades sistematização e ferramentas ao longo do tem- e dos desastres ambientais. po. Observa-se que os pioneiros como Hogan e Deschamps abriram caminhos para esse tipo de estudo, trabalhando suas metodologias com Campo geográfico de atuação enfoque teórico próprio, se mostrando precursores da abordagem. O campo geográfico dos modelos analisados Consciente da importância desses estu- por Almeida (2010), Hogan (2007) e Deschamps dos para o desenvolvimento e aprimoramento (2004) diz respeito a áreas metropolitanas, se das pesquisas que envolvem a vulnerabilidade caracterizando como um estudo local focaliza- socioambiental, serão analisados cinco mode- do em áreas intraurbanas, buscando a articula- los, comparando os aspectos metodológicos ção espacial com a economia, a política, a cul- e seus campos teóricos, buscando uma apro- tura e a dominação socioespacial que o centro ximação entre os mesmos. Considerando seis urbano exerce sobre o restante da cidade. aspectos para análise: 1) quanto à característi- No estudo de Alves (2010a), a análise se ca do método; 2) quanto ao campo geográfico foca no Distrito, reduzindo a área geográfica de atuação; 3) quanto ao foco das dimensões estudada para uma região dentro do espaço mensuradas; 4) quanto às variáveis trabalha- urbano – podendo ser chamada de microrre- das; 5) quanto ao tratamento dos dados; 6) gião –, trabalhando sobre o aspecto das tipo- quanto ao vínculo com grupos de pesquisas. logias de utilização do solo em áreas urbanas, tais como: favelas; conjuntos habitacionais (unifamiliares e multifamiliares) e áreas in- Características do método dustriais/comerciais/institucionais. Analisa, em escala intraurbana, as interrelações entre Os cinco modelos analisados adotam abor- processos de expansão urbana e situações de dagem dedutiva, em que são testadas as vulnerabilidade socioambiental. 252 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... Esse modelo pode ser analisado toman- o de Micklin (1999), que inclui a degradação do-se como referência as teorias de Lefebvre ambiental urbana, entre os grandes desafios (1991), que trata da segregação espacial, pro- ambientais para a América Latina, observa-se curando, em um esforço analítico e empírico, uma semelhança nas preocupações, mas uma uma forma de entender esse fenômeno sob distinção de enfoque por considerar como res- três prismas, ora sucessivos, ora simultâneos: ponsabilidade única da degradação a ação do espontâneos (provenientes das rendas e ideo- homem, que invade áreas de preservação, não logias) – voluntário (estabelecendo espaços considerando, assim, as responsabilidades po- separados) – programado (sob pretexto de ar- líticas e institucionais que levam o homem a rumação e plano). No entanto, percebe-se que, essa invasão. apesar de a pesquisa estudar os espaços urba- Considerando as teorias de Liverman nos produzidos a partir da égide capitalista, em (1990), o estudo de Alves (2010b) concentra que existe uma intencionalidade de ocupação esforços na caracterização da população sujei- do solo urbano por diferentes camadas sociais, ta a risco de desmoronamentos, e considera a não enfatiza os processos sociais, nem econô- vulnerabilidade como risco do lugar – concei- micos que vulnerabilizam a população, como to de Cutter (2003) – e como geograficamente também não relevam na mobilidade social ur- centrada, mas com efeitos diferentes de acordo bana os motivos que trouxeram essa popula- com a capacidade de resposta da população. ção para esse tipo de ocupação. Observa-se que todos os modelos, ape- Dessa maneira, os aspectos relacionados sar do afunilamento do campo geográfico uti- por Cardona (1997), Abramovay (2002), Lavi- lizado por Alves (2010a; 2010b), analisam as nas (2002), relativos à exclusão e vulnerabili- áreas urbanas baseados na apropriação do es- dade social, não são tratados de forma direta, paço por grupos sociais, no processo de trans- e, sim, incorporados às tipologias urbanas exis- bordamento urbano, considerando as áreas pe- tentes na cidade, servindo apenas como meio riféricas e periurbanas. de entender a ocupação urbana sob os aspectos únicos da expansão urbana desassociados dos processos socioeconômicos que vulnerabi- Dimensões mensuradas lizam a população da cidade de Tiradentes. Alves (2010b) trabalha com 16 cida- Os estudos latino-americanos que envolvem des da faixa litorânea de São Paulo, buscando a vulnerabilidade socioambiental, tais como analisar a relação entre a vulnerabilidade am- Barrenechea (2000), Moser (1998), Gonzáles biental, causada pelas mudanças climáticas, e (1998), Blaikie et al. (1996), D´Ercole (1994) o processo de apropriação do espaço urbano, estabelecem que a vulnerabilidade é uma com- pelos grupos populacionais mais vulneráveis binação de características de um grupo social socialmente. As variáveis ambientais conside- derivada de suas condições sociais e econô- radas nesse estudo partem de uma análise ba- micas relacionadas a uma periculosidade es- seada nos efeitos ocasionados à natureza pela pecífica. Dessa forma, a vulnerabilidade socio- ação antrópica. Comparando esse estudo com ambiental precisa interrelacionar a dimensão Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 253 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido socioeconômica da população à dimensão aspecto das dimensões ambientais, vão enfati- ambiental dos fenômenos naturais, os quais zar as questões que são consequentes dos ris- podem ameaçar determinados grupos sociais. cos relativos às mudanças climáticas. Assim, Al- Dos cinco modelos estudados, três tra- ves (2010b) trabalha com os riscos de desmo- balham com duas dimensões: socioeconômica ronamento e Almeida (2010), com enchentes, e ambiental. Em Alves (2010b), Almeida (2010) se aproximando dos estudos de Barrenechea e Deschamps (2004), as dimensões valorizadas (2000) e Gonzáles (1999), as quais trataram recaem no risco socioeconômico, que afligem desses mesmos aspectos na Argentina. grupos ou famílias, sendo as variáveis sociais Apesar das especificidades na aborda- tratadas, através de indicadores como: de- gem dos cinco modelos estudados observa-se mografia, anos de escolaridade, reprodução, que a importância dos indicadores da dimen- questão etária, de gênero e quantidade de de- são socioeconômica recai no pressuposto de pendentes; sendo as variáveis econômicas tra- que, na sociedade moderna, determinadas tadas através de indicadores relativos à renda características das famílias limitam a acumu- e situação de emprego, os quais estão muitas lação de recursos. Nesse viés, os indicadores vezes correlacionados com a questão educa- sociais muitas vezes determinam o nível de cional, e, por fim, os indicadores referentes a qualidade econômica da família, porque criam vulnerabilidade ambiental, que recaem sobre a condições de concorrência para o mercado inadequação construtiva, aspectos de proprie- de trabalho. Assim, as famílias chefiadas por dade do imóvel e aspectos da infraestrutura analfabetos, mulheres, idosos ou adolescen- urbana referentes ao abastecimento de água, tes, estariam em maior vulnerabilidade do esgoto e coleta de lixo. que famílias chefiadas por pessoas com nível O modelo de Hogan (2007) não trabalha educacional mais alto, do gênero masculino com dimensões, e, sim, com o conceito de ca- ou numa faixa etária adulta, porque pressu- pital social, humano e físico desenvolvido por põem condições de rendimento e trabalho Kaztman (1999 ). Alves (2010a) trabalha com melhores, ratificando os estudos produzidos a vulnerabilidade partindo das tipologias ur- por Lavell (2005), Abramovay (2002) e Blaikie banas, considerando os assentamentos precá- et al. (1996). rios – favelas e loteamentos irregulares como Outro aspecto a considerar são os fato- aqueles com maior vulnerabilidade socioam- res que indicam a vulnerabilidade sociodemo- biental devido às características da população gráfica relacionada à quantidade de filhos, que se alojam nesses espaços – assim prioriza agregados, presença de idosos, de jovens e os aspectos urbanísticos tratados nos estudos adolescentes. Esse fator mostra que existe de D´Ercole (1994). uma forte correlação com as desvantagens Os modelos de Alves (2010b) e Almeida socioeconômicas as quais pressupõem po- (2010) se diferenciam dos outros, porque, no breza, baixos rendimentos, informalização do 254 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... trabalho, não sequência escolar e condições inadequadas de moradia. A quantidade em maior número de indicadores sociais e sociodemográficos – 77% – re- Os processos de exclusão social fragi- fletem diretamente nos indicadores econômi- lizam a população de pobres e miseráveis e cos, estabelecendo uma relação biunívoca de influem na capacidade de respostas dos in- causa e efeito, pois as famílias economicamen- divíduos diante de situação de risco. Nessa te vulneráveis precisam que jovens contribuam perspectiva, os aspectos sociais da vulnera- financeiramente e relevem a educação para um bilidade são de grande importância em um segundo plano, criando assim um círculo vicio- país onde as injustiças sociais prevalecem so de causa-efeito na propagação da vulnerabi- (Abramovay, 2002; Lavinas, 2002; Busso, lidade das famílias. 2001), onde os direitos de muitos são colo- Dessa forma, os indicadores econômicos cados em segundo plano para favorecer uma – 13% – utilizados nas metodologias estão, as- minoria, confirmando a necessidade de con- sim, relacionados com outros aspectos da vul- siderar a dimensão social da vulnerabilidade nerabilidade relativos ao mercado de trabalho, em nosso país. Dessa forma, pode-se quanti- ou seja, refletindo a conjuntura econômica do ficar o nível de utilização da dimensão social país, como pessoas sem carteira de trabalho da vulnerabilidade socioambiental no Brasil, assinada, condição da desigualdade de gêne- dada pelos modelos estudados, através do ro, informalidade do trabalho, renda não pro- Gráfico 1. veniente do trabalho e baixos salários. Gráfico 1 – Percentual de indicadores por dimensões trabalhadas nos cinco modelos Indicadores da vulnerabilidade socioambiental Indicadores sociais Indicadores sociodemográficos Indicadores econômicos Indicadores ambientais Fonte: Elaboração própria (2013). Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 255 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido Na dimensão ambiental, a importância parâmetros para apontar certa deficiência nas dos indicadores recai nos fenômenos ambien- abordagens feitas nos cinco modelos, por não tais que foram intensificados com as mudanças considerarem em seu conjunto de indicadores climáticas. No caso do Brasil, alguns fenômenos esses aspectos citados, além de outros, que in- não fazem parte desse repertório, até o mo- fluenciam o processo de vulnerabilidade. mento, como furacões, tornados, terremotos, Considerando o conjunto de indicadores vulcões, dentre outros. No entanto, o Brasil é que compõem a dimensão ambiental, pode- um país rico em bacias hidrográficas e em topo- -se comprovar que houve uma deficiência nas grafia, o que gera grandes riscos de enchentes, abordagens, pois apenas 10% dos indicadores deslizamentos, desmoronamentos e vendavais. se encontravam nessa dimensão (ver Tabela Diante dessa realidade, duas metodo- 1), destacando que esses indicadores só foram logias abarcaram esses aspectos, buscando encontrados em duas metodologias das cinco aprofundar o nível que as vizinhanças próxi- estudadas, as quais buscavam objetivos dife- mas a esses locais sofrem com esses riscos. rentes nas pesquisas. Os vendavais não foram Alves (2010b) vai trabalhar com os riscos de considerados em nenhuma pesquisa, apesar deslizamentos, buscando os indicadores de da maioria das pesquisas serem desenvolvidas altimetria e declividade, e Almeida (2010) vai nas regiões Sul e Sudeste, onde a incidência de trabalhar com os riscos de enchentes, através vendavais precisa ser considerada, pois fazem do tempo de retorno das cheias dos rios. parte do repertório de risco. A metodologia de Alves (2010a) buscou, Autores como Vignoli (2000), Camara- nas tipologias urbanas, o viés da vulnerabili- no e Gahouri (1999) e Moser (1998) discutem dade socioambiental, quando associou essas a possibilidade de uma ciência multidisciplinar tipologias – assentamentos precários, não da vulnerabilidade, que possa abarcar diferen- precários e áreas urbanizadas – aos aspectos tes formas de risco a que a sociedade está ex- econômicos e de qualidade de vida das famí- posta, cujas conexões entre elas formam uma lias moradoras do lugar, fazendo a análise e malha de causa e efeito, uma sobre a outra, considerando apenas os mapas cartográficos. defendendo que não se pode mais analisar a Em nenhum dos modelos explorados vulnerabilidade sobre uma dimensão somen- são utilizadas variáveis que contemplem, em te. Diante dessa afirmação, nota-se a fragili- um único modelo, indicadores mais comple- dade das cinco metodologias aqui expostas, tos relativos à dimensão ambiental, mesmo que não consideram os aspectos ambientais sabendo-se das condições geográficas brasilei- como determinísticos no processo de vulnera- ras ricas em relevo e rios. Esses modelos con- bilidade. Esse estudo reconhece que, no país trariam as teorias de Torres e Marques (2001) com tantas desigualdades sociais, os aspectos que consideram que a vulnerabilidade só pode socioeconômicos são preponderantes, mas ser vista em sua plenitude quando superpon- que os aspectos ambientais também exercem do, em termos espaciais, os indicadores socio- grande influência para tal processo, pois ser- econômicos, com os riscos ambientais e servi- vem como um gatilho agravador da vulnerabi- ços assistenciais, os quais podem nos fornecer lidade socioambiental. 256 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... As características dos indicadores feitas georreferenciados que especificam as situa- pelos autores seguiram os seguintes pressu- ções ambientais e socioeconômicas da popu- postos: a) utilizam variáveis mensuráveis; b) lação estudada. são significativos para o enfoque do estudo; Na análise estatística dos indicadores c) são relevantes para as decisões que orien- sociais e econômicos, em todos os modelos fo- tam as políticas públicas; d) são de fácil co- ram executados três procedimentos: o primei- municação e interpretação; e) permitem um ro, de análise multivariada para escolher quais enfoque integrado e sistêmico; f) são de fácil as variáveis socioeconômicas e sociodemográ- obtenção. Além desses critérios, observa-se, ficas seriam mais relevantes para estabelecer ainda, que a diversidade dos aspectos que en- uma tipologia das áreas estudadas; a segunda, volvem a vulnerabilidade leva à necessidade de análise fatorial, estudando as intercorrela- de abordagens das dimensões e indicadores de ções internas de um conjunto de variáveis; e forma abrangente e integrada. a terceira, buscando uma sumarização dos dados – foi aplicado o método do agrupamento não hierárquico das k-médias para fazer uma Variáveis trabalhadas análise comparativa dos resultados. As análises das variáveis ambientais são Quatro modelos trabalham com dois tipos de feitas baseadas em mapas georreferenciados, variáveis. Uma independente, que se refere ao que estabelecem as áreas urbanas que apre- processo de expansão urbana que impulsiona sentam riscos ambientais, utilizando programas a população a se fixar em áreas impróprias a computacionais específicos para cada caso. Em moradia; e outras dependentes relativas às seguida, os resultados dos dois procedimentos questões socioeconômicas e ambientais rela- são cruzados, estabelecendo as áreas que apre- cionadas com as famílias ou grupos sociais que sentam a vulnerabilidade social cruzada com a estão condicionadas à variável independente. ambiental no mesmo contexto. Observa-se uma correlação dessas variáveis trabalhadas nos cinco modelos brasileiros com os estudos feitos por D´Ercole (1994), o Vínculo com grupos de pesquisas qual incorporou em seus estudos sobre a vulnerabilidade urbana fatores inerentes ao cres- Todos os cinco modelos apresentados fazem cimento populacional que interagem com a parte de grupos de pesquisas consolidados e dinâmica urbana. atuantes no Brasil. Alves (2010a; 2010b) está vinculado ao Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cebrap); Almeida (2010) está vinculado Tratamento de dados ao grupo de pesquisa da UFRN, Dinâmicas Ambientais, Riscos e Ordenamento do Território; Os dados são tratados através de duas fer- Hogan (2007) ao Núcleo de Estudos Populacio- ramentas, uma de base estatística e a outra nais (Nepo) e Deschamps (2004; 2006) ao Ob- através da construção e análise de mapas servatório das Metrópoles (ver Quadro 1). Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 257 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido Quadro 1 – Comparativo dos Modelos Modelos Características Alves (a) Alves (b) Almeida Hogan Deschamps Características do método Dedutivo Dedutivo Dedutivo Dedutivo Dedutivo Campo geográfico de atuação Micro urbano (distrito) Micro urbano (litoral) Cidade Cidade Metrópoles Dimensões mensuradas Socioeconômica e ambiental Socioeconômica e ambiental Socioeconômica e ambiental Capital físico, social e humano Socioeconômica Variáveis trabalhadas Variáveis embutidas nas tipologias urbanas Variável independente e dependente Variável independente e dependente Variável independente e dependente Variável independente e dependente Tratamento de dados Georreferenciamento Vínculo com grupos de pesquisas CEM/Cebrap Georreferenciamento Georreferenciamento Georreferenciamento Georreferenciamento e estatística e estatística e estatística e estatística CEM/Cebrap Dinâmicas ambientais, riscos e ordenamento do território/UFRN Nepo/Nesur Observatório das Metrópoles Fonte: Elaboração própria (2012). Dessa forma, observa-se que os modelos A dimensão socioeconômica, nos cinco apresentados foram contemplados com co- estudos, foi bem abordada contemplando os nhecimentos acadêmicos de seus autores, que principais aspectos que podem aumentar o trouxeram suas experiências profissionais pa- processo de vulnerabilidade das famílias bra- ra o desenvolvimento das teorias e aplicações sileiras, sendo um caminho de diagnóstico e feitas em suas pesquisas, contribuindo para a podendo ser abordada em qualquer localida- elaboração do campo teórico e prático da vul- de geográfica brasileira, pois contempla a rea- nerabilidade socioambiental brasileira. lidade socioeconômica comum em todos os estados e cidades, pois esse tipo de problema é consequência de uma situação genérica na- Conclusões cional, ou seja, de falta de políticas públicas nacionais voltadas para um planejamento em Os cinco modelos foram de grande importância longo prazo que busque erradicar a pobreza de para servir de base aos estudos da vulnerabili- forma nacional e integrada. dade socioambiental no Brasil, permitindo um Esta pesquisa assinala para a necessi- progresso através do uso de novas técnicas e dade de uma evolução nos procedimentos e di- ferramentas, as quais possibilitaram um diag- mensões utilizados, se justificando pela neces- nóstico favorável dos fatores que contribuíam sidade de uma padronização sistemática que para vulnerabilidade socioambiental no con- permita uma análise mais profícua sobre os as- texto brasileiro, em cada especificidade territo- pectos específicos a serem considerados sobre rial e temporal considerada. nossa realidade, não devendo ser descartada a 258 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... evolução dos estudos anteriores feitos por es- mundo, quando o sujeito passa a pautar suas ses pesquisadores. atitudes e suas ações dentro de uma visão de Assim, observa-se a necessidade de mundo baseada em princípios socioambien- aprimoramento da dimensão ambiental, tra- tais, o qual estabelece amplo conjunto de prá- tada de forma superficial nos estudos ana- ticas proativas para a conservação da natureza lisados, e a incorporação de outras variáveis e melhoria da qualidade de vida. para abarcar outras dimensões não con- A dimensão política institucional tam- templadas nesses cinco modelos estudados. bém se apresenta como de grande importância Relacionada às variáveis ambientais, existe para o contexto da vulnerabilidade socioam- a necessidade de considerar os indicadores biental no Brasil, porque identifica as ações relacionados à exposição de risco naturais políticas e administrativas de contenção aos existentes nos espaços urbanos do Brasil: en- fatores de riscos que ameaçam as populações, chentes, desmoronamentos, deslizamentos, servindo como termômetro para mensurar as vendavais, chuva de granizo e ciclones, pois políticas públicas necessárias para o supri- o estudo direcionado a uma só dimensão do mento das necessidades sociais, econômicas, risco ambiental – como os estudados por Al- ambientais e como resposta às revindicações ves (2010b) e Almeida (2010) – desconsidera feitas pela sociedade civil. a existência de outras ameaças que podem Outro aspecto negligenciado, nos estu- ocorrer no mesmo contexto geográfico, e, pior dos analisados, é a especificidade da situação ainda, num período temporal próximo, o que de vulnerabilidade, pois grupos populacionais acarretaria uma maior vulnerabilidade. podem estar sujeitos ao mesmo perigo, mas Observou-se a necessidade de incor- não apresentem o mesmo risco, por não esta- poração da dimensão psicológica referente à rem igualmente em situação de vulnerabilida- percepção ambiental, a qual foi desconsidera- de, assim os indicadores devem ser levantados da em todos os modelos brasileiros. Nas refe- através de dados primários que identificam, no rências teóricas, a percepção ambiental é de lugar e tempo, as fragilidades das famílias que fundamental importância para os estudos de estão expostas aos riscos. vulnerabilidade, porque o nível dessa percep- Observa-se que os modelos utilizados ção faz diferença em seu poder de mitigação e abrem espaço para a elaboração de novas resiliência diante dos riscos socioambientais a abordagens, no entanto, deixam a desejar, que estão expostos. porque não conseguem abranger outras va- A percepção ambiental ajuda na forma- riáveis que são importantes para o contexto ção cidadã de um sujeito ecológico, a qual geográfico e cultural brasileiro, e, quando exerce uma função importante no exercício da aplicadas de forma limitada, não conseguem cidadania e aguça a capacidade de enxergar o contemplar os reais riscos existentes. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 259 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido Mônica Maria Souto Maior Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Unidade Acadêmica de Infraestrutura. João Pessoa/PB, Brasil. [email protected] Gesinaldo Ataíde Cândido Universidade Federal de Campina Grande, Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais. Campina Grande/PB, Brasil. [email protected] Referências ABRAMOVAY, M. et al. (2002). Juventude, violência e vulnerabilidade social na América LaƟna: desafios para políƟcas públicas. Brasília, Unesco-BID. ALMEIDA, L. Q. de (2010). Vulnerabilidade socioambiental de rios urbanos: bacia hidrográfica do Rio Maranguapinho região metropolitana de Fortaleza-Ceará. Tese de doutorado. Rio Claro, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. ALVES, C. D. et al. (2008). Análise dos processos de expansão urbana e das situações de vulnerabilidade socioambiental em escala intra-urbana. In: IV ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS. Anais. Brasília. ALVES, H. P. et al. (2010a). Dinâmicas de urbanização na hiperperiferia da metrópole de São Paulo: análise dos processos de expansão urbana e das situações de vulnerabilidade socioambiental em escala intraurbana. Revista Brasileira de Estudos Populacionais. Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, pp. 141-159. ______ (2010b). Vulnerabilidade socioambiental nos municípios do litoral paulista no contexto das mudanças climá cas. In: XVII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais. Caxambu. BARRENECHEA, J. et al. (2000). Una propuesta metodológica para el studio de la vulnerabilidad social en el marco de la teoria social del riesgo. In: IV JORNADAS DE SOCIOLOGIA FACULDAD DE CIENCIAS SOCIALES-UBA. Anais. Buenos Aires. BLAIKIE, P. M.; CANNON, T.; DAVIS, I. e WISNER, B. (1994). Atrisk: natural hazards, people´s vulnerability, and disasters. London, Routledge. ______ (1996). Vulnerabilidad el entorno: social, políƟco y económico de los desastres. Puerto Limón, Costa Rica. LA RED – Read de Estudios Sociales en Prevencion de Desastres em América La na. BUSSO, G. (2005). Pobreza, exclusión y vulnerabilidad social: usos, limitaciones y potencialidades para el diseno de polí cas de desarrollo y de población. San ago do Chile, Cepal/Celade. CAMARANO, A. A. e GAHOURI, S. (1999). “Idosos brasileiros: que dependência é essa?” In: CAMARANO, A. A. (org.). Muito além dos 60: os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro, Ipea. 260 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental... CARDONA, O. D. (1996). “Manejo ambiental y prevención de desastres”. FERNÁNDEZ, M. A. (org.). CiƟes at Risk. Puerto Limón, Costa Rica, LA RED/USAID. CASTEL, R. (1997). A dinâmica dos processos de marginalização: da vulnerabilidade à “desfiliação”. Cadernos Centro de Recursos Humanos–CRH. Salvador, n. 26, pp. 19-40. CUTTER, S. L. (2003). Vulnerability to environmental hazards. Progress in human geography. Los Angeles, v. 20, n. 4, pp. 529-539. D´ERCOLE, R. (1994). Les vulnérabilités des sociétés et des espaces urbanisés: concepts, typologie, modes d´analyse. Revue de Géographie Alpine. Paris, v. 82, n. 4, pp. 87-96. DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE (2007). Aspectos conceituais da vulnerabilidade social. Projeto de qualificação social para atuação de sujeitos ou grupos sociais na negociação coleƟva e na gestão de políƟcas públicas. Convênio MTE/SPPE/CODEFAT – n. 075/2005 e Primeiro Termo Adi vo. DESCHAMPS, M. V. (2004). Vulnerabilidade socioambiental na região metropolitana de CuriƟba. Tese de doutorado. Paraná, Universidade Federal do Paraná. ______ (2006). Vulnerabilidade socioambiental nas regiões metropolitanas brasileiras. Brasília, Relatório de a vidades do Observatório das Metrópoles. Convênio Ministério das Cidades/ Observatório das Metrópoles/Fase/Ipardes. FOURNIER, d'A. E. M. (1995). The quan fica on of seismic hazard for the purposes of risk assessment. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON RECONSTRUCTION, RESTAURATION AND URBAN PLANNING OF TOWNS AND REGIONS IN SEISMIC PRONE AREAS. Anais. Skopje. GONZÁLES, S. et al. (1999). Riesgos en Buenos Aires. Caracterización preliminar. In: SEMINARIO DE INVESTIGACIÓN EL NUEVO MILENIO Y LO URBANO. Anais. Buenos Aires. HEWITT, K. (1997). Regions of risk. Harlow, Longman. HOGAN, D. J. et al. (orgs). (1999). Migração e ambiente nas aglomerações urbanas. Campinas, Nepo/ Unicamp. KAZTMAN, R. et al. (1999). Vulnerabilidad, acƟvos y exclusión social en ArgenƟna y Uruguay. San ago do Chile, OIT. (Documento de trabalho, pp. 107). KAZTMAN, R. (2000). Notas sobre la medición de la vulnerabilidad social. México: BID-BIRF-Cepal. Borrador para discusión. 5 Taller regional, la medición de la pobreza, métodos e aplicaciones. Disponível em: h p://www.eclac.cl/deype/ no cias/proyectos. Acesso em: 2 jun 2012. KOWARICK, L. (2003). Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil: Estados Unidos, França e Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais – RBCS. São Paulo, v. 18, n. 51, pp. 61-86. LAVELL, A. (2000). “Desastres y desarrollo: hacia un entendimiento de las formas de construcción social de un desastre: el caso del Huracán Mitch em Centroamérica”. In: GARITA, N. e NOWALSKI, J. (orgs.). Del desastre al desarrollo sostenible: Huracán Mitch en Centroamérica. BID-CIDHCS. LAVINAS, L. (2002). Pobreza e exclusão: traduções regionais de duas categorias da prá ca. Econômica. Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, pp. 25-59. LEFEBVRE, H. (1991). The producƟon of space. Oxford, Blackwell. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 261 Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido LIVERMAN, D. (1990).”The regional impact of global warming in Mexico: incertainty, vulnerability and response”. In: SCHMANDT, J. e CLACKSON, J. (orgs.). The regions of global warming: impacts and response strategies. Nova York, Oxford University Press. MICKLIN, M. (1999). “The ecological transi on in La n American and the Caribbean: theore cal issues and empirical pa erns”. In: BILSBORROW, R. E. e HOGAN, D. J. (orgs.). PopulaƟon and deforestaƟon in the humid tropics. Liége, IUSSP. MOSER, C. (1998). La vulnerability framework: reassessing urban poverty reducion stratregies. World development. Grã Bretanha, v. 26, n. 1, pp. 1-19. SILVEIRA, H. (2010). Estudo da degradação e do impacto socioambiental na Bacia do Córrego Osório, Maringá – Paraná. Revista Geografar. Curi ba, v. 5, n. 1, pp. 176-205. Disponível em: h p:// www.ser.ufpr.br/geografar. Acesso em: 6 jun 2012. TORRES, H. G. e MARQUES, E. (2001). Reflexões sobre a hiperperiferia: novas e velhas faces da pobreza no entorno metropolitano. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, pp. 97-128. VIGNOLI, J. R. (2000). Vulnerabilidad demográfica: una faceta de las desventajas sociales. San ago do Chile, Cepal. Texto recebido em 19/maio/2013 Texto aprovado em 8/ago/2013 262 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 Variações intra e intermetropolitanas da desigualdade de renda racial Intra- and inter-metropolitan variations of racial income inequality Leonardo Souza Silveira Jerônimo Oliveira Muniz Resumo Qual é o diferencial de renda entre brancos e negros dentro de uma mesma região metropolitana? Qual situação coloca o indivíduo em maior desvantagem: a cor da pele ou o local de residência? Políticas de mitigação de desigualdades devem ser universais ou locais? Para responder esses questionamentos comparamos os salários de brancos e negros no centro e na periferia de seis regiões metropolitanas utilizando diferentes recortes geográficos. Os resultados obtidos a partir da PNAD (2008) demonstram que a cor da pele tem maior impacto no salário predito dos indivíduos do que a localização dentro da cidade e indicam substancial heterogeneidade espacial nos diferenciais raciais de rendimento. Abstract What is the income gap between blacks and whites within the same metropolitan region? What variable puts individuals in greatest disadvantage: skin color or place of residence? Should mitigating policies against inequality be global or local? To answer these questions we compare the wages of blacks and whites living in the center and in the periphery of six Brazilian metropolitan regions. Results from the PNAD (2008) show that the impact of skin color on wages is larger than that of the geographic location within the city. We also show that there is substantial spatial heterogeneity in income differentials by race. Palavras-chave: segregação; metrópoles; raça; desigualdade; renda. Keywords: segregation; metropolis; race; inequality; income. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz Introdução por exemplo, concentram-se em zonas de pobreza intrinsicamente favoráveis à reprodução de desigualdades. A detecção da concentra- Desigualdade e segregação raciais são temas ção e variabilidade espaciais da desigualdade que dialogam entre si. Os diferenciais raciais de racial, entretanto, não a torna menos penosa renda e de acesso a ocupações de maior prestí- para aqueles que a sofrem, mas contribui pa- gio segmentam o mercado de trabalho a partir ra a mensuração mais precisa dos mecanismos de características adquiridas ao longo do ciclo envolvidos. Sistematizamos o uso da variável de vida – tais como escolaridade, experiência, núcleo/periferia de maneira gradual e fragmen- idade (Becker, 1962), valores morais e redes de tada, trabalhando com subamostras diferentes influência, vulgarmente denominadas capital para os modelos estatísticos utilizados, por re- social (Bourdieu, 1986), e também característi- gião metropolitana e por grupos raciais (bran- cas atribuídas por terceiros – tais como a ra- cos e negros). A intenção é ilustrar a variabili- ça, gênero, beleza, saúde, inteligência, riqueza, dade das desigualdades raciais entre o núcleo origem e etnia (Piore, 2008). Esses atributos e a periferia, já que é esta dicotomização que individuais, por serem socialmente percebidos, fragmenta um espaço tão heterogêneo como dependem das reações de ambientes especí- as regiões metropolitanas brasileiras. ficas a essas características para exercerem Investigamos, portanto, a associação seus efeitos diretos e indiretos e definir como entre a localização intrametropolitana e os ocorrerá o acesso de determinados grupos às diferenciais de rendimentos entre brancos e posições no mercado de trabalho e à respecti- negros, atentando-nos à especificidade con- va geração de renda. Características atribuídas textual de cada região metropolitana. As se- são, portanto, sensíveis à resposta do ambiente guintes perguntas, em particular, norteiam esta no qual se encontram. A localização residencial pesquisa: a segregação residencial aumenta ou desses grupos e a forma como se agrupam e se ameniza as desigualdades? Quão díspares são distribuem no espaço servem então como uma os diferenciais raciais de rendimento entre as variável indutora e reprodutora de desigualda- regiões metropolitanas? Sabemos que, em mé- des. A segmentação influencia não só o acesso dia, brancos ganham mais que negros mesmo a serviços públicos, ao capital social e às opor- depois de controlarmos por heterogeneidades tunidades de escolarização e emprego, mas observáveis e atributos produtivos, mas quais também afeta a atribuição de características o tamanho e a variabilidade desse diferencial sociais (como raça ou cor da pele) vinculadas quando comparamos áreas metropolitanas ao tamanho e dinâmica das desigualdades. do Brasil? Os diferenciais raciais são, em ge- Neste artigo, exploramos a associação entre segregação residencial e desigualdade ral, mais homogêneos nas periferias que nos núcleos metropolitanos? racial, cientes de que a raça de cada indivíduo Os resultados mostram a variabilidade não causa nenhum tipo de diferença, mas es- da desigualdade racial tanto do ponto de vista tá atrelada a mecanismos causadores dos di- intra – núcleo e periferia – quanto intermetro- ferenciais entre brancos e negros. Os negros, politano, além de mostrarem onde e quanto as 264 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial segmentações raciais e espaciais estão atrela- e com desigualdades temporais decorrentes das à variabilidade do diferencial de rendimen- do período escravocrata (Freyre, 1987 [1933]; tos entre brancos e não brancos. Pierson, 1945). A clamada democracia racial, O artigo está dividido em quatro par- entretanto, não persiste além do direto ao su- tes, além dessa introdução e uma conclusão. frágio. Estudos posteriores à década de 1950 Na primeira, são abordados os estudos acerca demonstram a existência de relações raciais das desigualdades raciais no Brasil e estudos marcadas pela hierarquia entre brancos e ne- que evidenciam os impactos de se viver em di- gros na sociedade brasileira (Fernandes, 2008 ferentes locais das grandes metrópoles: há di- [1969]; Hasenbalg, 2005 [1979]; Hasenbalg ferenças nas oportunidades de vida, emprego, et al., 1999) e a sua persistência ao longo do participação, escolaridade, entre outros, para tempo (Soares, 2008a, 2008b; Osório, 2009). quem vive em regiões mais ou menos centrais De fato, as disparidades raciais são reconhe- das metrópoles brasileiras? Com isso busca- cidas como componentes da dinâmica social mos afinidades entre esses dois escopos teó- brasileira, tendo em vista o atual debate acer- ricos, compreendendo-os como diferentes di- ca de políticas afirmativas raciais que se justi- mensões de desigualdades sociais. Na segun- ficam pela redução dessas desigualdades. Es- da parte, apresentamos os três modelos esta- tudos sobre diferenciais de rendimento, mobili- tísticos utilizados. Por meio desses, fazemos dade intergeracional e inserção no mercado de uma análise didático-comparativa sobre como trabalho abordam constantemente a desvan- a escolha de modelos de regressão podem vir tagem dos negros em comparação aos brancos a afetar a mensuração das desigualdades en- (Soares, 2000; Costa Ribeiro, 2006; Henriques, tre grupos raciais intra e intermetropolitanos. 2001; Hansenbalg, 2005), sobretudo entre A terceira parte discute os resultados obtidos as classes socioeconomicamente superiores e tece considerações sobre as incertezas geo- (Bailey et al., 2013; Costa Ribeiro, 2006). Es- gráficas e metodológicas envolvidas na men- ses estudos apontam como pretos e pardos se suração de desigualdades raciais. A quarta encontram em condições desfavoráveis em re- parte, por fim, aponta as contribuições do ar- lação aos brancos, seja pela desigualdade de tigo para a área de estudo sobre desigualdade acesso, de recompensas ou de oportunidades, racial, considerando a segmentação e a segre- mensuradas, por exemplo, por níveis de esco- gação residenciais. laridade, salários ou inserção em posições de classe (Soares, 2000; Santos, 2009). Uma das tradições dos estudos de estrati- Desigualdade racial e segregação residencial no Brasil ficação social consiste em se “medir a discriminação” segundo marcadores sociais como raça, sexo e etnia. Para isso, a praxe dominante tem sido observar pessoas com as mesmas características produtivas (escolaridade, posição no Autores anteriores à década de 1950 viam no mercado de trabalho, idade, experiência), que Brasil uma sociedade racialmente harmônica supostamente justificariam seus salários, e em Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 265 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz seguida assumir que as diferenças remanescen- duas vezes e meia maior que no Nordeste, e tes, não associadas a esses atributos, seriam tem um caráter “elitista” da discriminação, já oriundas de práticas discriminatórias. Esses es- que essa aumenta de acordo com os centis tudos compreendem que essas “características de renda. Cavalieri e Fernandes (1998) tam- atribuídas” (Piore, 2008) seriam determinantes bém encontraram variações nos diferenciais na definição salarial dos indivíduos, já que as de rendimento por raça e gênero em diversas mulheres não teriam suas qualificações reco- regiões metropolitanas do Brasil, demonstran- nhecidas da mesma forma que o homem, nem do a relevância de estudos comparativos que o negro em comparação ao brancos, ou o imi- considerem as especificidades de cada região. grante com relação ao nativo. Eles encontraram variações entre os diferen- Soares (2000), por exemplo, mostra que ciais de rendimentos entre brancos e não bran- homens negros ganhavam, em 1998, R$389,76 cos de nove regiões metropolitanas do Brasil, a menos que os brancos. Desse diferencial, onde o diferencial na região metropolitana de 8,6% deve-se ao fato de os negros estarem São Paulo foi o menor, com brancos receben- ocupados em setores ou terem vínculos infe- do 9,85% a mais que não brancos, ao passo riores aos dos brancos, e o restante deve-se a que na região metropolitana de Salvador esse outras características e processos não obser- valor é de 53,34%. As desigualdades, por- váveis, entre os quais se inclui a habilidade de tanto, variam de forma regional e situacional, mobilização de capital social, a discriminação incorporando características socioeconômi- e desvantagens acumuladas ao longo do ciclo cas, culturais e estruturais em cada uma delas de vida (Hasenbalg e Silva, 2003). Coinciden- (Wilson, 2009). temente, ou não, esses pretos e pardos em des- A análise intermetropolitana se justifica vantagem estariam concentrados em Estados pela especificidade das metrópoles, nas quais mais pobres e fora de regiões metropolitanas. encontramos cenários sócio-ocupacionais mar- É preciso estar atento às diferenças re- cados por dinâmicas distintas. Nos anos 1980, gionais quando se deseja mensurar experiên- por exemplo, houve aumento substancial da cias discriminatórias já que diferenças na com- pobreza nas regiões metropolitanas do Nordes- posição racial dessas populações te, aumento médio em Belo Horizonte e no Rio [...] seguramente influenciam as formas de sociabilidade manifestadas em cada uma delas, não apenas do ponto de vista racial, mas também na perspectiva de outras dimensões de desigualdade e tratamento interpessoal, como classe, gênero e idade, entre outras. (Bastos e Faerstein, 2012, p. 89) de Janeiro, e menor em São Paulo e nas metrópoles do Sul (Lima, 1999). Ou seja, as estruturas econômicas e sociais diferem no espaço, assim com as desigualdades. A literatura acerca da segregação nas metrópoles brasileiras é marcada fundamentalmente por trabalhos publicados a partir da década de 1970 (Maricato, 1977; Bonduki e Campante et al. (2004), por exemplo, cons- Rolnik, 1982), que desencadearam reflexões tataram que o componente discriminatório sobre a configuração dos espaços metropoli- do diferencial de salários no Sudeste é quase tanos no país. Esses seguiam uma abordagem 266 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial marxista que apresentava as cidades como pobreza dos negros residentes em áreas degra- espaços segregados com forte influência do dadas da cidade, contribuindo para a sua per- mercado imobiliário, separadas pelas catego- petuação. Os fatores estruturais seriam aqueles rias analíticas de “centro” e “periferia”, sendo relacionados à macroeconomia e às decisões a primeira marcada pela presença de grupos políticas, que impactam diferentemente os gru- sociais mais abastados, melhores serviços pú- pos sociais, como em situações de aumento de blicos e oportunidades de emprego, ao passo desemprego em que os negros são mais afeta- que as periferias teriam características opostas, dos que os brancos. Essas situações se inten- marcadas pela violência, pobreza, precariedade sificam quando as vagas de emprego se con- das oportunidades econômicas e urbanísticas, centram em locais distantes das residências de e como forma de acesso à moradia pelos mais famílias negras, ou há dificuldade em acessar pobres, apesar de estudos recentes mostrarem essas vagas devido à sua baixa escolaridade. as periferias como locais de maior geração de Os fatores culturais, como crenças e compor- empregos (Lago, 2007), com oferta de mora- tamentos, contrapõem negros e brancos, que dias luxuosas para grupos com maior renda se tornam mais rígidos se eles se encontram (Caldeira, 2003) ou mais presentes nas mani- separados nos espaços metropolitanos. Contu- festações culturais (Andrade e Jayme, 2011). do, esse contexto se distingue do Brasil dada a Contudo, ainda que as periferias tenham localização espacial das inner cities nos centros ganhado mais centralidade (social, econômica, das metrópoles norte-americanas, esvaziados simbólica ou cultural), as metrópoles brasi- de atividades comerciais e com moradias de- leiras permanecem como centros referenciais gradadas, ao passo que no Brasil as periferias compostos por grupos socioeconômicos mais são caracterizadas pela sua localização sim- altos e as periferias mais pobres (Marques et bólica (relacionada à pobreza e marginalida- al., 2008). Apesar da crescente prevalência e de), mas também geográfica, nas bordas das migração de grupos abastados para a periferia, regiões metropolitanas. isso não “desconfigura” o padrão centro-peri- Nos Estados Unidos, aliás, os estudos de feria predominante nas metrópoles nacionais, segregação residencial estão em grande maio- nas quais os espaços intrametropolitanos con- ria relacionados à questão racial. Para Wilson tinuam sendo ocupados de maneira desigual, (1987; 2009), a ascensão social de alguns ne- com os municípios centrais ocupados por gru- gros e a consequente mudança para bairros de pos em posições sociais mais elevadas do que classe média negra, ocasionaram uma situação os que vivem nas periferias1 (Caldeira, 2003; degradante para aqueles que continuaram Ribeiro et al., 2011). nos guetos (ou inner cities ). Ainda nos Esta- As diferenças intrametropolitanas são dos Unidos, é possível encontrar estudos que consagradas nos estudos sociológicos, princi- apontam a dificuldade de negros acessarem o palmente invocando os estudos sobre as inner mercado de trabalho e as barreiras adicionais cities nos Estados Unidos (Wilson, 1987; 2009). Segundo Wilson (2009) existem fatores estruturais e culturais que recaem sob as situações de quando estes estão em bairros segregados Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 (Kain, 1992; Alba e Logan, 1993; Alba et al., 2000; Patillo, 2005). 267 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz O mercado imobiliário, em ambos os Como afirma Lago (2007), a dicotomia contextos – brasileiro e norte-americano – tem centro-periferia representaria a imagem mais extrema importância. Porém, há diferenças acabada de uma metrópole desigual. Portanto, significativas entre eles. Nos Estados Unidos, observamos evidências de que, assim como nos ele é retratado como uma barreira entre os Estados Unidos, também existem nas metrópo- grupos raciais, seja culturalmente, através de les brasileiras mecanismos de reprodução da indisposição entre os grupos, seja por barreiras pobreza dada a concentração de famílias em institucionalizadas, devido à restrição de crédi- situações desfavoráveis no mercado de traba- to, por exemplo. lho. Essa configuração da distribuição espacial Nas cidades brasileiras, o mercado imo- da população nas regiões metropolitanas bra- biliário, sob a conivência do poder público, se sileiras é válida devido ao capital social poten- desenvolveu de maneira que os pobres foram cialmente homogêneo formado nas periferias expulsos dos centros em direção às periferias, e os impactos disso no acesso a informações resultando assim no que chamamos hoje de sobre vagas de empregos (Marques, 2010; Gui- estrutura centro-periferia (Guimarães, 1991; marães et al., 2010). Caldeira, 2003). Essa “dinâmica metropolita- A noção de capital social que utilizamos na” não ocorre de maneira igualitária, mas à aqui carrega uma noção territorial. Quer dizer, custa de periferias com pouca infraestrutura além da noção teoricamente consolidada por urbana, e o baixo custo de seus terrenos se Bourdieu (1986) e Lin (1999), segundo a qual deve às dificuldades encontradas pelos mora- o capital social é um ativo que já se encontra dores – como a necessidade de utilizar mais na rede dos indivíduos e varia por classe ou de uma viagem de ônibus para se chegar ao grupo social, outros autores o incorporaram trabalho ou a falta de serviços na região. aos diferentes espaços nas metrópoles, dando Segundo a hipótese levantada por Kain a ele maleabilidade para variar de acordo com (1968), conhecida como spatial mismatch, a a rede social do local em que o indivíduo está distribuição geográfica dos empregos e a se- inserido. A partir do estudo de Wilson (1987) e gregação residencial (principalmente para o outros que o seguiram abordando o “efeito- caso norte-americano), funcionam como bar- -vizinhança” (Small e Newman, 2001; Andrade reiras para o acesso dos negros ao mercado e Silveira, 2011), mostrou-se que a localização de trabalho. A localização geográfica seria, geográfica tem relação com a perpetuação das portanto, acumulada a outras dificuldades condições socioeconômicas. Estar em locais já existentes de ascensão, tais como aquelas onde há heterogeneidade social tende a trazer em níveis mais altos de escolaridade, posições resultados socioeconômicos favoráveis a seus ocupacionais superiores e melhores salários. moradores, uma vez que a rede social desses Desse modo, a segregação residencial repre- também é heterogênea (Kaztman e Filgueira, sentaria mais do que diferenças de condições 2006; Marques, 2010).2 de habitação, mas também um empecilho ao Pressupomos, então, que haja uma situa- acesso e à permanência no mercado de traba- ção desfavorável para os moradores de perife- lho (Ihlanfeldt, 1994). rias em comparação aos moradores de bairros 268 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial ou municípios mais centrais. Isso, por sua vez, para mostrar que políticas raciais de inclusão atinge brancos e negros diferentemente, de de cunho nacional podem errar o alvo ao des- maneira não aleatória, nem idêntica em todas considerarem as especificidades das desigual- as regiões metropolitanas. Em São Paulo, por dades raciais locais. exemplo, há uma concentração sistemática de O presente trabalho se orienta pela bi- brancos no centro e negros na periferia (Fran- bliografia abordada ao comparar a desigualda- ça, 2010). De forma mais ampla, Telles (1992) de racial em diferentes regiões metropolitanas conclui que as metrópoles brasileiras, em com- (Cavalieri e Fernandes, 1998; Silva, 1999) e traz paração ao padrão norte-americano, têm uma novas evidências para esse tipo de estudo ten- segregação residencial por raça moderada, do em vista as seguintes perguntas: o diferen- dado que não houve uma segregação extrema cial de rendimentos entre brancos e negros é mediada por lei como aconteceu em outros semelhante entre as regiões metropolitanas? locais do mundo, principalmente nos Estados Qual fator tem maior influência nos diferen- Unidos ou África do Sul. A segregação racial ciais de rendimentos, cor da pele ou local de residencial brasileira não pode ser explicada moradia? O diferencial é o mesmo no núcleo e somente por fatores socioeconômicos, como na periferia das metrópoles brasileiras? E quão apontam alguns autores, pois ela ocorre entre sensíveis são as nossas conclusões sobre o ta- grupos raciais do mesmo grupo socioeconômi- manho da desigualdade racial em função do co e aumenta de acordo com as faixas de ren- nível de agregação utilizado na construção dos da – ou seja, à medida que a renda dos indiví- nossos modelos estatísticos? duos aumenta eles tendem a se concentrar em espaços racialmente mais homogêneos (Telles, 1992, 2004). As desigualdades raciais, portanto, além Dados e métodos de variarem segundo o tempo (cf. Soares, 2008) e as formas de classificação racial (Bailey et Este trabalho utiliza a PNAD – Pesquisa Na- al., 2013; Muniz, 2010, 2012; Loveman et al., cional por Amostra de Domicílios de 2008 2011), também variam conforme o espaço em trabalhada pelo Observatório das Metrópoles, que os grupos sociais ocupam, havendo assim que tem o acréscimo das variáveis “núcleo” e uma permeabilidade entre a estratificação so- “periferia”. São compreendidos como “núcleo” cial, racial e espacial. os chamados municípios-polo de cada região A nossa proposta consiste em inserir no metropolitana e, como periferia, os demais mu- estudo dos diferenciais raciais de rendimento nicípios que as compõem.3 A amostra da PNAD uma dimensão intrametropolitana e explorar tem representatividade em nível metropolitano dados que nos aponte o que ocorre nesse ní- e abrange todo o país. vel de análise. Seguindo o apontamento suge- O recorte por regiões metropolitanas se rido por Muniz (2010), o objetivo é explorar a deve ao fato de essas serem aglomerados com variação dos diferenciais de rendimento entre grande concentração econômica, social, políti- brancos e negros, nas regiões metropolitanas, ca e cultural que, ao mesmo tempo, resultam Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 269 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz em profundas desigualdades internas (cf. (Hasenbalg, 2005). 5 Como nos interessa co- Ribeiro et al., 2011). A variável núcleo/peri- nhecer o diferencial de rendimentos dos feria permite testar se a condição de inserção indivíduos no mercado de trabalho, utilizamos e remuneração dos indivíduos no mercado de o “logaritmo natural do salário por hora traba- trabalho varia em nível intrametropolitano. Fo- lhada” como variável dependente. A variável ram selecionadas seis regiões metropolitanas que representa o salário mensal foi dividida representativas no cenário nacional quanto pelo número de horas trabalhadas pelos indi- à composição racial da população: São Pau- víduos, orientando-nos pelo salário mínimo de lo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, com maioria R$415,00 em 2008. branca; Belo Horizonte, com 61% de não bran4 As variáveis independentes são repre- cos; Salvador e Recife, por sua importância sentativas da dinâmica do mercado de traba- no nordeste brasileiro e pela sua composição lho, ou seja, variáveis associadas à definição predominantemente não branca. Desse modo, salarial dos indivíduos como a posse ou não tem-se uma amostra de regiões diversificadas de carteira de trabalho assinada, sexo, esco- conforme a localização no cenário nacional e a laridade (entre 0 e 15 anos de estudo), idade composição racial. e idade ao quadrado, para captar o declínio A Tabela 1 mostra a composição das salarial na renda de indivíduos com idades regiões metropolitanas segundo o número de avançadas. A variável raça, originalmente municípios que se encontram no núcleo e na composta por cinco categorias, foi categoriza- periferia, e a composição racial predominante da da seguinte maneira: os brancos continua- nesses dois locais. A composição racial per se ram com seu formato, ao passo que pardos não é um indicativo de dinâmicas intrametro- e pretos foram agrupados por terem rendas politanas, mas está relacionada à organização médias estatisticamente iguais, e indígenas política ou de conflitos entre os grupos. Po- e amarelos foram excluídos devido ao baixo de indicar, por exemplo, onde houve maior número de casos. O estudo utiliza simulações fluxo de escravos ou da imigração europeia contrafactuais baseadas na comparação de Tabela 1 – Dados descritivos da subamostra das regiões metropolitanas, suas composições raciais e intrametropolitanas Regiões Metropolitanas Número de municípios % Centro % Brancos % Brancos no Centro % Brancos na periferia Número de observações Recife 13 41,4 38,6 41,9 36,3 4.051 Salvador 13 81,2 15,2 15,7 13,0 4.626 Belo Horizonte 34 46,7 38,8 42,6 35,5 4.106 Rio de Janeiro 18 51,9 51,4 56,2 46,2 4.877 São Paulo 39 57,2 58,2 60,9 54,5 6.617 Porto Alegre 31 32,3 80,1 79,1 80,5 5.803 Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores. 270 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial valores preditos provenientes de três modelos é apresentado, entretanto, para fins didático- de regressão de Mínimos Quadrados Ordiná- -comparativos. rios (MQO) com a mesma especificação, mas Para explorar mais a fundo o diferencial baseados em amostras diferentes. O objetivo de rendimentos entre brancos e negros no nú- do uso dos três modelos é observar como o cleo e na periferia das regiões metropolitanas diferencial de rendimentos entre os grupos utilizamos modelos para amostras mais restri- analisados se altera quando olhamos para o tas. No Modelo 2, Metropolitano, são estima- diferencial entre e intrarregiões metropolita- dos coeficientes para cada região metropolita- nas brasileiras. na. Assim, existe uma amostra para os indiví- O Modelo 1, que chamaremos de modelo duos de cada região, visando captar a associa- Global, é composto pelas variáveis independen- ção entre a renda e as covariáveis de interesse tes descritas acima e por variáveis binárias indi- em cada uma delas. Nesse modelo são levadas cadoras da cor da pele e para cada região me- em conta as especificidades e variações entre tropolitana. Levamos em conta toda a amostra as regiões metropolitanas. e permite comparar a renda média de brancos e Por fim, utilizou-se no Modelo 3, Racial- negros, entre o núcleo e a periferia, e em cada -Metropolitano, amostras específicas para ca- metrópole. Essa é a forma de especificação ge- da grupo racial das regiões metropolitanas, re- ralmente utilizada na literatura sociológica para sultando então, em doze subamostras. A pro- “levar em conta” os diferenciais regionais de posta desse modelo é considerar ao máximo a renda (ex. Silva, 1999). Os resultados eviden- especificidade dos grupos raciais, visando tam- ciarão que esse modelo mascara desigualdades bém comparar o diferencial intermetropolitano regionais por referir-se à média global das dife- de rendimentos de negros e brancos no núcleo renças de rendimento entre grupos. O modelo e na periferia. Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 271 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz A comparação entre os três Modelos mais prevalentes na amostra. Esse indivíduo fornece uma dimensão metodológica atrelada típico é do sexo masculino, tem carteira assi- à incerteza envolvida na escolha e na mensu- nada e idade e escolaridade médias, de forma ração do diferencial de rendimentos racial e que possamos isolar nossas variáveis-chave: metropolitano. Ao compararmos os resultados núcleo e periferia. dos três modelos evidenciamos a variabilidade do diferencial de rendimentos entre brancos e não brancos existente em diferentes níveis de agregação geográfica. Resultados Para fins analíticos e comparativos, utilizamos os valores preditos dos salários As perguntas que buscamos responder nes- de brancos e negros no núcleo e na periferia te estudo se baseiam no diferencial de rendi- das regiões metropolitanas. Apresentamos mentos entre brancos e negros, mas também os resultados comparando os salários predi- em quanto esse varia entre e internamente tos ao invés dos coeficientes, para facilitar a às regiões metropolitanas. Consideramos compreensão do que está sendo estudado. Os importante a comparação entre as regiões coeficientes de cada modelo se encontram no metropolitanas, mas também dentro delas, to- apêndice. Os salários preditos são calculados a mando como preceito que as metrópoles são partir de “tipos ideais” com as características ocupadas desigualmente pelos grupos sociais. Tabela 2 – Rendimento mensal médio observado nas regiões metropolitanas, em reais Regiões Metropolitanas Média salarial (R$) (Desvio-padrão) Brancos (1) Negros (2) Razão dos rendimentos (1)/(2) Recife 729,12 (1057,42) 924,93 (1298,53) 605,85 (849,56) 1,52 Salvador 807,26 (1079,31) 1468,24 (1917,37) 688,62 (788,93) 2,13 Belo Horizonte 911,41 (1141,01) 1171,92 (1476,15) 746,27 (698,81) 1,57 Rio de Janeiro 1060,97 (1366,80) 1316,60 (1706,16) 790,79 (790,30) 1,66 São Paulo 1162,67 (1812,41) 1384,30 (1634,06) 854,30 (1994,47) 1,62 Porto Alegre 1012,54 (1278,46) 1086,55 (1392,23) 715,39 (551,91) 1,51 Núcleo 1101,00 (1671,27) 1462,54 (1871,99) 778,92 (1392,74) 1,88 Periferia 829,78 (919,93) 970,20 (1127,73) 678,43 (586,16) 1,43 Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores. 272 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial Observando dados descritivos sobre a mais fidedignas, controlando as rendas predi- renda dos indivíduos presentes na amostra tas pelas características que podem influenciar em estudo, verificamos diferenças nos salários nos diferenciais. médios entre brancos e negros em cada região Utilizando os valores preditos do Modelo metropolitana, e entre os municípios centrais 1, observa-se que a cor da pele e a inserção re- e periféricos. Observamos essas diferenças na gional associam-se ao diferencial de rendimen- Tabela 2. to. Na Tabela 2, o valor do rendimento mensal A maior desigualdade salarial encontra- predito mantém pouca variação de uma região -se em Salvador, onde o salário mensal médio metropolitana para outra. Apesar da pouca dos brancos é 113% maior que o dos negros. variabilidade intermetropolitana do diferencial Em Porto Alegre, esse diferencial é de 51%. de rendimentos entre brancos e negros e entre Como forma de fazer as comparações conside- núcleo e periferia, o modelo atesta a hierar- rando as devidas heterogeneidades, os mode- quia centro/periferia e branco/negro. los de mínimos quadrados ordinários auxiliam A Figura 1 mostra que a disparidade dos na estimação dos salários dos grupos analisa- rendimentos entre brancos e negros é equiva- dos. Esses são adequados para comparações lente nos núcleos e periferias metropolitanas, Figura 1 – Razão entre os rendimentos preditos de brancos e negros, e entre os moradores do núcleo e da periferia das regiões metropolitanas (Modelo Global) Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 273 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz ficando em torno de 19% em todas as regiões estatisticamente distinto, mas as razões são metropolitanas. Se comparados à razão do di- muito parecidas, diferenciando-se a partir da ferencial devido ao “local de moradia”, tanto terceira casa decimal. Ou seja, o salário pre- brancos quanto negros em quaisquer núcleos dito de um branco no centro recifense é de metropolitanos ganham cerca de 10% a mais R$820,94 e de um negro, R$688,05. Em São do que aqueles que residem nas periferias. Paulo, esses mesmos “tipos ideais” têm um sa- Apesar do diferencial entre brancos e negros lário predito de R$1.210,07 e R$1.013,37. As- ser superior ao diferencial de rendimentos dos sim, apesar dos diferentes valores, a razão para moradores do centro e da periferia, não há ambas metrópoles é de 19% (1,19). distinção no diferencial salarial racial entre as No modelo Metropolitano, as regiões regiões. A inserção metropolitana pouco acres- metropolitanas já apresentam maiores varia- centa na diferenciação entre elas. Os modelos ções nas razões dos rendimentos de brancos seguintes, entretanto, alteram esses resultados. e negros, assim como nos locais de moradia. O teste de igualdade de coeficientes Apesar de mantido o “formato” da desigual- demonstrou que esses não eram iguais para dade, ou seja, quem ganha mais e quem as regiões metropolitanas, exceto para Belo ganha menos, a intensidade do diferencial Horizonte e Rio de Janeiro. O que ocorre, de se modifica abruptamente em comparação fato, é que cada região tem um coeficiente, ao modelo anterior. A Figura 2 apresenta os Figura 2 – Renda predita por raça e localização das seis regiões metropolitanas – 2008 274 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial Figura 3 – Razão entre os rendimentos preditos de brancos e negros, e entre moradores do núcleo e da periferia das regiões metropolitanas (Modelo Metropolitano) Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores. diferenciais de rendimento constatados entre Em Porto Alegre, o hiato racial na periferia os negros ou brancos que se encontram no passou de 15% para 39% dependendo do mo- núcleo ou na periferia quando o segundo mo- delo utilizado. delo é utilizado. Os três modelos apresentaram seme- O modelo Racial-Metropolitano, quan- lhanças, quando observamos que a “ordem” do comparado ao segundo modelo, também do diferencial foi mantida, por exemplo, Sal- apresenta diferenciais maiores entre brancos vador teve a maior razão branco/negro em e negros, quando esses estão em uma mesma todos eles, ou Belo Horizonte e Rio de Janeiro região metropolitana. Essa variação de um tiveram o maior diferencial núcleo/periferia. modelo para outro é grande, se considerarmos No Modelo Global, apesar das regiões metro- que o diferencial dobrou ou mais que dobrou politanas não apresentarem diferenças signifi- em muitos casos. Por exemplo, em São Paulo, cativas, em todas foram atestados um diferen- o diferencial entre brancos e negros, no nú- cial entre brancos e negros, e entre núcleo e cleo, que era de 21% no modelo Metropolita- periferia, com valores muito próximos à média no, passa para 47% no Racial-Metropolitano. dos demais modelos. Contudo, nesse primeiro Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 275 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz Figura 4 – Razão entre os rendimentos preditos de brancos e negros, e moradores do núcleo e da periferia das regiões metropolitanas (Modelo Racial-Metropolitano) Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores. modelo não foi possível observar diferenças diferencial entre brancos e negros encontradas substantivas quando feita a análise interme- no núcleo se repetiam na periferia, assim co- tropolitana. O Modelo Metropolitano demons- mo o que acontecia nas razões de brancos no trou variação intermetropolitana nas razões núcleo e brancos na periferia, ou para os ne- dos salários. A partir desse, ficaram explícitas gros. De fato, há diferenças na intensidade das tendências e diferenciações entre as cidades razões encontradas entre eles, mas não nos estudadas, por exemplo, quais tinham estru- caminhos e apontamentos de cada um deles. 6 turas urbanas mais rígidas, em comparação a Eles não são contraditórios entre si, apenas outras que tinham hierarquias por cor de pele expõem dados que são geograficamente mais mais fortes. Porém, nesse modelo as razões de enfáticos que outros. 276 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial Os salários preditos apresentados para novidade e já foi mostrado em trabalhos an- Salvador também tiveram mudanças conside- teriores (Cavalieri e Fernandes, 1998; Lima, ráveis, apesar da variação segundo o local de 1999). Os resultados do terceiro modelo, po- residência permanecer muito baixo. Para os rém, demonstram outra faceta das dimensões brancos localizados no centro, seus salários metropolitanas e raciais: há variações intrame- preditos são 8% maiores, enquanto para os ne- tropolitanas na “intensidade” do diferencial gros não há diferença significativa. A variação entre brancos e negros. conforme a cor da pele, por sua vez, foi incre- Seguindo as perguntas que nortearam mentada de maneira substancial. Assim como este estudo exploratório, verificamos que a re- no modelo anterior, Salvador permanece com a lação entre os grupos raciais é mais desigual maior razão entre salários preditos de brancos nos centros metropolitanos. Esses resultados e negros. Porém, o diferencial de 35% favorá- foram invariáveis nas nossas subamostras. As vel aos brancos no modelo anterior passa para periferias são predominantemente mais pobres 71% no centro e 56% nas periferias ao consi- e homogêneas que os núcleos, pelo menos ra- derarmos o Modelo Racial-Metropolitano. cialmente. Brancos e negros nas periferias são As regiões que apresentaram no Mode- socioeconomicamente mais parecidos que nos lo Metropolitano uma estrutura socioespacial centros, se assemelhando em condições desfa- com maiores impactos nos rendimentos predi- voráveis, mas não na ascensão social. tos, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, mantêm Em consonância com a hipótese do spatial mismatch observamos que, de fato, os que residem em municípios periféricos apresentam considerável desvantagem de renda em relação aos que vivem no centro, ainda que na periferia as desigualdades raciais sejam menores. Os centros têm salários e composição racial branca acima da média. Estar na periferia, portanto, implica não só rendimentos inferiores aos dos brancos, mas também rendimentos absolutamente menores, configurando assim uma situação de dupla desvantagem para os que ali se encontram. Comparando regiões metropolitanas, temos Recife e Salvador com situações opostas e extremas no que concerne à razão dos rendimentos raciais. Essas nos dão espaço para desbancar generalizações regionais, que comparam as macrorregiões, e também para refutar a hipótese de Fernandes (2008), segundo a qual as desigualdades raciais seriam superadas na essa posição no Modelo Racial-Metropolitano. No modelo anterior, porém, a renda predita calculada para os negros residentes do núcleo metropolitano era equivalente à de um branco na periferia, o que não ocorre no Modelo Racial-Metropolitano. Nesse, a associação estatística entre renda e cor da pele é superior àquela da variável núcleo-periferia, e os núcleos se mostram territórios mais diferenciadores do que as periferias, algo que não havia sido tão explicitado no segundo modelo. Discussão Atentando-nos às hipóteses elencadas, inferimos que o diferencial de rendimentos é favorável aos brancos e varia consideravelmente entre as regiões metropolitanas, o que não é Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 277 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz medida em que o país se modernizasse a partir podem ter implicações para políticas públicas da industrialização e da racionalização crescen- locais. Demonstramos que, de fato, há signifi- te do mundo. Se a hipótese de Florestan e seus cância entre a diferenciação centro/periferia. A ex-alunos fosse irrefutável, não observaríamos conclusão que se segue é que a intensidade da o maior e o menor diferencial racial de renda desigualdade que se deve a um ou outro fator em áreas do Nordeste, conhecidamente menos (localização geográfica ou cor da pele) varia desenvolvidas economicamente. consideravelmente por região metropolitana. Comparando entre metrópoles, reafir- Em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, ma-se a ideia de que uma composição racial o diferencial de rendimentos para brancos e majoritariamente negra não ameniza o dife- negros no centro e na periferia são muito pare- rencial, pois Salvador teve diferenciais favo- cidos, pois os brancos ganham 15% a mais que ráveis aos brancos maiores que Porto Alegre, os negros no núcleo e na periferia da capital por exemplo, onde a maioria é autodeclarada mineira, e 17% na capital fluminense. Porém, a branca. No caso específico de Salvador, os re- peculiaridade dessas duas regiões se encontra sultados são coerentes com o clássico estudo quando comparamos as razões à de aspecto de Pierson (1945), que mostra como os bran- territorial. Nesse aspecto, essas duas cidades cos soteropolitanos ocupam posições mais apresentam diferenciais médios de rendimen- prestigiadas que os negros, independente de a tos entre centro e periferia maiores do que nas maioria da população ser negra. Mesmo diante demais metrópoles. A literatura, inclusive, cha- do histórico de militância do movimento negro ma a atenção para a segregação nessas duas em Salvador, não houve melhoria ou redução metrópoles, com centros elitizados e perife- das desigualdades raciais. Entre o centro e a rias pobres, o que é condizente com o que foi periferia de Salvador, não houve diferenças es- encontrado.7 Portanto, o diferencial de renda tatisticamente significativas nas desigualdades entre moradores do centro e da periferia, e pa- raciais observadas. ra negros e brancos é muito parecido, ao con- Qual seria a importância da cor da pe- trário de outras regiões em que o diferencial le vis-à-vis à localização intrametropolitana? por raça era visivelmente maior. Esse ponto é Os resultados obtidos demonstram que a cor importante para mostrar que a desigualdade é da pele tem maior impacto no salário predito distinta entre as regiões metropolitanas. Isso dos indivíduos do que a localização dentro da pode corroborar as ideias de alguns autores cidade. De fato, a razão do diferencial de ren- que mostram Belo Horizonte e Rio de Janeiro da é maior para brancos e negros do que para como metrópoles segregadas, com municípios residentes no núcleo ou na periferia. Contudo, do entorno mais pobres (Marques et al., 2008; a variável núcleo/periferia é estatisticamente Andrade e Mendonça, 2010). Em São Paulo, significante na maioria das regiões, de modo a por exemplo, já se vê um espraiamento dos não ser desprezada. Como chamam a atenção grupos, através dos condomínios fechados nas Campante et al. (2004), as análises nacionais periferias, mesmo que não haja grande intera- ocultam uma série de variações regionais, que ção entre esses (Caldeira, 2003). 278 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial Os resultados sugerem que fatores espe- e metodológicas. No aspecto metodológico, cíficos (quiçá culturais) a cada região metropo- explicitamos como a escolha de modelos esta- litana contribuem para explicar a variabilidade tísticos pautados por distintos níveis de agre- existente entre elas, tanto no que concerne ao gação geográfica amostral é capaz de ressaltar diferencial geral, quanto internamente entre maiores intensidades das dinâmicas que se centro e periferia. Entretanto, se as especifici- busca mensurar, mesmo quando a direção das dades têm papel importante na explicação dos associações constatadas em cada um deles é resultados de cada uma, ambas as divisões têm a mesma. Eles não apresentaram resultados hierarquias demarcadas: brancos com melhores contraditórios entre si, mas corroboraram a in- resultados que negros, assim como centro me- tensidade das diferenças médias entre os ren- lhor que periferia. Portanto, a separação entre dimentos dos grupos raciais investigados. centro e periferia é uma possibilidade explicativa da intensidade dos diferenciais. Nos aspectos teóricos, o trabalho apontou como os diferenciais raciais de rendimentos variam entre as regiões metropolitanas. A composição racial não se mostrou tão influente na Considerações finais variação dos diferenciais, tendo em vista que a ordem das regiões que têm mais brancos não é necessariamente aquela com maiores diferen- Os estudos sobre desigualdade racial, e mais ciais. Outro resultado reafirmado pelos mode- especificamente sobre os diferenciais de ren- los é a “influência” da localização intrametro- dimento, buscam trazer variáveis que expli- politana na definição dos rendimentos preditos, cam os ganhos médios dos grupos raciais. Em tanto no que concerne a comparação entre geral, o que essas variáveis não conseguem indivíduos de mesma cor – brancos no núcleo explicar é atribuído à discriminação na defi- ganham mais que brancos na periferia –, como nição salarial. Contudo, admite-se também entre indivíduo de cores diferentes – o núcleo a existência de fatores não observados que se mostrou mais desigual em termos salariais podem influenciar os diferenciais. Nossos re- do que a periferia. sultados elucidam que existem segmentações Nossa conclusão, por um lado, corrobo- que aumentam ou diminuem o diferencial. ra um resultado prévio já bem estabelecido: Mostramos que a segmentação territorial é características atribuídas, como a cor da pele, uma forma de interação com a variável racial. são fatores-chave na diferenciação salarial. Isso tem implicações relevantes para as políti- Por outro lado, a estrutura socioespacial das cas públicas mitigadoras de desigualdades já cidades brasileiras compreende dinâmicas que que a segregação residencial está associada à lhe são peculiares, nas quais há hierarquias qualificação (principalmente escolaridade) e definidas do centro para periferia, indepen- à angariação de capital social (Flores, 2006; dente da composição racial local. Ou seja, em Andrade e Silveira, 2011). todas elas existem estruturas sociais e geo- Este trabalho utilizou-se de três modelos gráficas definidas, mas que também têm uma que possibilitaram fazer inferências teóricas relação com fatores culturais. Como proposta Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 279 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz exploratória, aprofundamos as possibilidades devem voltar-se às especificidades inter e in- de uso da variável centro-periferia. Assim, es- trametropolitanas para atuarem de forma fo- tudos sobre relações raciais e políticas públi- cada e eficiente, dando a devida atenção às cas que visem a mitigação das desigualdades desigualdades mais desiguais. Leonardo Souza Silveira Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Pesquisas Quantitativas em Ciências Sociais. Belo Horizonte/MG, Brasil. [email protected] Jerônimo Oliveira Muniz Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Sociologia, Centro de Pesquisas Quantitativas em Ciências Sociais. Belo Horizonte/MG, Brasil. [email protected] Notas (1) Marques et al. (2008) utilizam do Índice de Status Socioeconômico Ocupacional (ISEI) para demonstrar como os grupos sócio-ocupacionais estão concentrados nos municípios das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo de maneira “rela vamente radial, concêntrica e segregada, embora com heterogeneidades localizadas significa vas” (2008, p. 228). (2) A heterogeneidade das redes sociais é reconhecida como um a vo dos indivíduos, já que eles podem ter maior variedade de informações a par r dessas, ao contrário de redes homogêneas, nas quais o fluxo de informações e influências tende a ser muito parecidos. Veja, por exemplo, a discussão sobre laços fracos apresentada por Granove er (1973) . (3) Os municípios-polo neste caso são: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. (4) Nas pesquisas censitárias e amostrais, o IBGE se u liza das categorias “preta” e “parda” para coletar a informação sobre raça. Porém, estudos revelam que ao analisar os rendimentos de pretos e pardos provenientes do mercado de trabalho, estes eram esta s camente semelhantes, unindo as duas categorias em uma: negros ou não-brancos. Neste trabalho, com dados da PNAD (2008), os testes de médias indicaram que estas categorias possuem rendimentos estatisticamente iguais, e por isso, elas foram agrupadas. Para uma discussão mais profunda sobre o assunto, ver Silva (1999) e Muniz (2010). 280 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial (5) Bailey e Telles (2006) também apontam que pode haver associação entre a composição racial e a propensão dos indivíduos se declararem em termos ambíguos – como moreno –, na sua autoclassificação. Já no estudo da segregação residencial, Telles (1992) não encontrou associação significa va da imigração europeia. (6) “Estruturas urbanas mais rígidas” implicam maior diferenciação entre núcleo e periferia. Nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, viver no núcleo metropolitano pode representar um rendimento mensal bem superior do que na periferia, ao passo que em outras essa diferenciação não é tão grande. (7) Para Belo Horizonte, ver Guimarães (1991), Villaça (2001), Andrade (2009). Para o Rio de Janeiro, ver Marques et al. (2008). Referências ALBA, R. e LOGAN, J. (1993). Minority proximity to whites in suburbs: an individual-level analysis of segrega on. American Journal of Sociology, v. 98, n. 6, pp. 1388-1427. ALBA, R.; LOGAN, J. e STULTS, B. (2000). How segregated are middle-class African Americans? Social Problems, v. 47, n. 4, pp. 543-585. ANDRADE, L. T. (org.) (2009). Como anda Belo Horizonte. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Metrópoles. ANDRADE, L. T. e MENDONÇA, J. G. (2010). Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais. Cadernos Metrópole, v. 12, n. 23, pp. 169-188. ANDRADE, L. T. e SILVEIRA, L. S. (2011). Explorando o efeito-território. In: XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Anais. Rio de Janeiro. ANDRADE, L. T. e JAYME, J. G. (2011). Centro e periferia: refle ndo sobre seus significados no contexto das grandes cidades. In: IX REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL. Anais. Curi ba. BAILEY, S. e TELLES, E. (2006). Multiracial versus collective Black categories: examining census classifica on debates in Brazil. EthniciƟes, v. 6, n. 1, pp. 74-101. BAILEY, S.; LOVEMAN, M. e MUNIZ, J. (2013). Measures of “race” and the analysis of racial inequality in Brazil. Social Sciences Review, v. 42, pp. 106-119. BASTOS, J. e FAERSTEIN, E. (2012). Discriminação e saúde: perspecƟva e métodos. Rio de Janeiro, Fiocruz. BECKER, G. (1962). Inves ment in human capital: a theore cal analysis. The Journal of PoliƟcal Economy, v. 70, n. 5, Part 2, pp. 9-49. BONDUKI, N. e ROLNIK, R. (1982). “Periferia da Grande São Paulo: reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de trabalho”. In: MARICATO, E. (org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) do Brasil industrial. São Paulo, Alfa-Ômega. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 281 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz BOURDIEU, P. (1986). “The forms of Capital”. In: RICHARDSON, J. (ed.). Handbook of theory and research for the sociology of educaƟon. Nova York, Greenwood. CALDEIRA, T. (2003). Cidade de muros. São Paulo, Edusp/Editora 34. CAMPANTE, F.; CRESPO, A. e LEITE, P. (2004). Desigualdade salarial entre raças no mercado de trabalho urbano brasileiro: aspectos regionais. RBE, v. 58, n. 2, pp. 185-210. Disponível em: h p:// virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/rbe/ar cle/viewFile/874/562. CAVALIERI, C. e FERNANDES, R. (1998). Diferenciais de salários por gênero e cor: uma comparação entre as regiões metropolitanas brasileiras. Revista de Economia PolíƟca, v. 18, n. 1 (69). COSTA RIBEIRO, C. A. da (2006). Classe, raça e mobilidade social no Brasil. Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 49, n . 4, pp. 833-873. FERNANDES, F. (2008). A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo, Globo. FLORES, C. (2006). “Consequências da segregação residencial: teoria e métodos”. In: CUNHA, J. M. P. da (org.). Novas metrópoles paulistas: população, vulnerabilidade e segregação. Campinas, Unicamp/Nepo. FRANÇA, D. S. N. (2010). Raça, classe e segregação residencial no município de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. FREYRE, G. (1987). Casa grande & Senzala. Rio de Janeiro, J. Olympio. GRANOVETTER, M. (1973). The strength of weak es. The American Journal of Sociology, Chicago, v. 78, n. 6, pp. 1360-1380. GUIMARÃES, B. M. (1991). Cafuás, barracos e barracões: Belo Horizonte, cidade planejada. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Ins tuto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. GUIMARÃES, N.; BRITO, M. e SILVA, P. (2010). O acesso a oportunidades de trabalho no Brasil: uma comparação intermetropolitana sobre os mecanismos de circulação da informação ocupacional e a reprodução da desigualdade. Texto para discussão 009/2010, São Paulo, Cebrap. HASENBALG, C. (2005). Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte, Ed. UFMG. HASENBALG, C. e SILVA, N. (2003). Origens e desƟnos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro, Iuperj/Ucam/Topbooks/Faperj. HASENBALG, C.; SILVA, N. e LIMA, M. (1999). Cor e estraƟficação social. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria. HENRIQUES, R. (2001). Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Texto para discussão – Ipea. Rio de Janeiro, Ipea. IHLANFELDT, K. (1994). The spaƟal mismatch between jobs and residenƟal locaƟons within urban areas. Cityscape, Georgia State University. KAIN, J. (1968). Housing segrega on, negro employment and metropolitan decentraliza on. The Quartely Journal of Economics, n. 82, pp. 175-197. ______ (1992). The spatial mismatch hypothesis: three decades later. Housing Policy Debate. Universidade de Harvard, v. 3, n. 2, pp. 371-460. 282 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial KAZTMAN, R. e FILGUEIRA, F. (2006). Las normas como bien público y como bien privado: reflexiones en las fronteras del enfoque AVEO. Montevideo, Universidad Católica del Uruguay, Serie Documentos de Trabajo del Ipes – Colección Aportes Conceptuales, n. 4. LAGO, L. C. (2007). A “periferia” metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitório à cidade plena. Cadernos IPPUR. Rio de Janeiro, UFRJ, ago/dez. LIMA, M. (1999). “Aspectos regionais do mercado de trabalho no Brasil”. In: HASENBALG, C.; SILVA, N. e LIMA, M. Cor e estraƟficação social. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria. LIN, N. (1999). Social networks and status a ainment. Annual Review Sociology. Palo Alto, v. 25, pp. 467-487. LOVEMAN, M.; MUNIZ, J. O. e BAILEY, S. (2011). Brazil in Black and White? Race categories, the census, and the study of inequality. Ethnic and racial studies, pp. 1-18. MARICATO, E. (1977). A proletarização do espaço sob a grande indústria. O caso de São Bernardo do Campo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. MARQUES, E. (2005). “Espaços e grupos sociais na virada do século XXI”. In: MARQUES, E. e TORRES, H. São Paulo: segregação, pobreza urbana e desigualdade social. São Paulo, Senac. ______ (2010). Redes sociais, segregação e pobreza. São Paulo, Editora Unesp/Centro de Estudos da Metrópole. MARQUES, E.; SCALON, C. e OLIVEIRA, M. (2008). Comparando estruturas sociais no Rio de Janeiro e em São Paulo. Dados. Rio de Janeiro, v. 51, pp. 215-238. MUNIZ, J. O. (2010). Sobre o uso da variável raça-cor em estudos quan ta vos. Revista Sociologia e PolíƟca. Curi ba, v. 18, n. 36, pp. 277-291. ______ (2012). Preto no branco? Mensuração, relevância e concordância classificatória no país da incerteza racial. Dados. Rio de Janeiro, v. 55, pp. 251-282. OSÓRIO, R. G. (2009). A desigualdade racial de renda no Brasil: 1976-2006. Tese de doutorado. Brasília, Universidade de Brasília. PATILLO, M. (2005). Black-middle class neighborhoods. Annual Review of Sociology, n. 31, pp. 305-329. PIERSON, D. (1945). Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo, Companhia Editora Nacional. PIORE, M. (2008). “The dual labor market: theory and implications”. In: GRUSKY, D. B. Social straƟficaƟon: class, race and gender in sociological perspecƟve. Colorado, Westview Press. PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2008). Microdados da PNAD 2008. Disponível em: www.ibge.gov.br. RIBEIRO, L. C. Q., SILVA, E. T. e RODRIGUES, J. M. (2011). Metrópoles brasileiras: diversificação, concentração e dispersão. Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curi ba, n. 120, pp. 171-201. SANTOS, J. A. F. (2009). A interação estrutural entre a desigualdade de raça e de gênero no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 24, n. 70. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 283 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz SILVA, N. V. (1999). “Diferenciais raciais de rendimento”. In: HASENBALG, C.; SILVA, N. e LIMA, M. Cor e estraƟficação social. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria. SMALL, M. e NEWMAN, K. (2001). Urban poverty a er ‘The truly disadvantaged’: the rediscovery of the family, the neighborhood, and culture. Annual Review Sociology, Palo Alto, v. 27, pp. 23-45. SOARES, S. (2000). O perfil da discriminação no mercado de trabalho – Homens negros, mulheres brancas e mulheres negras. Texto para discussão n. 769. Brasília, IPEA. ______ (2008a). “A demografia da cor: a composição da população brasileira de 1890 a 2007”. In: THEODORO, M. (org.). As políƟcas públicas e a desigualdade racial no Brasil – 120 anos após a abolição. Brasília, Ipea. ______ (2008b). “A trajetória da desigualdade: a evolução da renda rela va dos negros no Brasil”. In: THEODORO, M. (org.). As políƟcas públicas e a desigualdade racial no Brasil – 120 anos após a abolição. Brasília, Ipea. TELLES, E. (1992). Residen al segrega on by skin color in Brazil. American Sociological Review, v. 57, n. 2, pp. 186-197. ______ (2004). Race in another America. Princeton, Princeton University Press. VILELA, E.; COLLARES, A. e NORONHA, C. (2012). A situação socioeconômica de minorias étnico/raciais no mercado de trabalho brasileiro. In: XXXVI ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS. Anais. Águas de Lindóia/SP. VILLAÇA, F. (2001). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp. WILSON, W. J. (1987). The truly disadvantaged: the inner city, the underclass, and public policy. Chicago: University of Chicago Press, 1990. ______ (2009). More than just race: being Black and poor in the inner city. Nova York, Norton & Company. Texto recebido em 11/dez/2013 Texto aprovado em 4/fev/2014 284 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial ANEXO Coeficientes do Modelo 1, de Mínimos Quadrados Ordinários (Global) Log do salário por hora Modelo restrito Modelo Irrestrito Coeficientes padronizados ª 1,729* (0,0153) 1,802* (0,0166) Idade 0,0211* (0,000392) 0,0212* (0,000392) Idade2 -0,000417* (3,03e-05) -0,000452* (3,01e-05) -0,091937 Carteira assinada 0,148* (0,00950) 0,135* (0,00941) 0,0829118 Homem 0,237* (0,00801) 0,241* (0,00791) 0,1618063 Anos de estudo 0,0958* (0,00135) 0,0943* (0,00132) 0,4801315 Branco 0,216* (0,00778) 0,177* (0,00826) 0,1197016 RM Salvador -0,244* (0,0119) -0,088551 RM Recife -0,389* (0,0120) -0,1272354 RM Belo Horizonte -0,0919* (0,0111) -0,0395204 RM Rio de Janeiro -0,0923* (0,0113) -0,050905 RM Porto Alegre -0,0639* (0,0104) -0,0247199 Intrametropolitano 0,0959* (0,00801) 0,0646598 (Constante) N 30.080 R² ajustado BIC 0,3289549 30.080 0,368 0,391 -256637,496 -257701,812 Obs.: Erros-padrão apresentados dentro dos parênteses. Significância representada por: * p<0,01, ** p<0,05, *** p<0,1. (ª) Coeficientes padronizados são utilizados para que se possa fazer uma comparação entre quanto as covariáveis estão associadas com a variável dependente. Por exemplo, entre os coeficientes acima, a educação tem maior associação com a renda dos indivíduos. Seu coeficiente é dado por sua subtração da média da variável por seu desvio-padrão. Sua interpretação pode ser feita da seguinte maneira: o aumento de um desvio-padrão da variável X1 aumenta a variável dependente em um desvio-padrão. Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 285 Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz Coeficientes do Modelo 2, de Mínimos Quadrados Ordinários (Metropolitano) Log do salário por hora RM Recife RM Salvador RM Belo Horizonte RM Rio de Janeiro RM São Paulo RM Porto Alegre (Constante) 1.355* (0,0356) 1.526* (0.0348) 1.746* (0.0335) 1.820* (0.0325) 1.763* (0.0289) 1.774* (0.0304) Idade 0.0198* (0.00101) 0.0214* (0.000905) 0.0221* (0.000883) 0.0187* (0.000877) 0.0223* (0.000701) 0.0205* (0.000703) Idade2 -0.000158*** (8.51e-05) -0.000219* (7.17e-05) -0.000501* (6.63e-05) -0.000406* (6.49e-05) -0.000508* (5.40e-05) -0.000469* (5.45e-05) Carteira assinada 0.272* (0.0228) 0.176* (0.0205) 0.0497** (0.0213) 0.0970* (0.0208) 0.164* (0.0174) 0.0640* (0.0177) Sexo (Homem=1) 0.157* (0.0202) 0.256* (0.0180) 0.289* (0.0174) 0.175* (0.0179) 0.260* (0.0140) 0.266* (0.0146) Anos de estudo 0.0936* (0.00296) 0.0973* (0.00301) 0.0941* (0.00293) 0.0879* (0.00276) 0.0961* (0.00247) 0.0975* (0.00256) Raça (Branco=1) 0.165* (0.0203) 0.303* (0.0283) 0.138* (0.0182) 0.160* (0.0178) 0.190* (0.0137) 0.145* (0.0166) Centro-Periferia (Centro=1) 0.0818* (0.0198) 0.00327 (0.0214) 0.146* (0.0174) 0.134* (0.0175) 0.0789* (0.0137) 0.0968* (0.0165) N 4.051 4,626 4,106 4,877 6,617 5,803 R² ajustado 0,373 0.382 0.388 0.323 0.390 0.365 -26066,763 -30639,960 -27393,085 -32271,252 -47043,367 -40634,487 BIC Obs.: Erros-padrão apresentados dentro dos parênteses. Significância representada por: * p<0,01, ** p<0,05, *** p<0,1. 286 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 0.158* (0.0330) 0.121* (0.00492) 0.145* (0.0326) Homem Anos de estudo Intrametropolitano -8410,546 -15026,863 0.301 2,486 0.0242 (0.0245) 0.0750* (0.00373) 0.143* (0.0250) 0.308* (0.0270) -0.0001*** (0.000108) 0.0168* (0.00125) 1.523* (0.0434) Negros -3154,945 0.506 704 0.0835 (0.0609) 0.155* (0.00832) 0.308* (0.0515) 0.0948 (0.0651) -0.000595* (0.000200) 0.0335* (0.00255) 1.198* (0.114) Brancos -25644,539 0.307 3,922 -0.00976 (0.0224) 0.0844* (0.00326) 0.244* (0.0188) 0.198* (0.0212) -0.000219* (7.53e-05) 0.0188* (0.000970) 1.641* (0.0363) Negros RM Salvador -8789,658 0.422 1,593 0.187* (0.0313) 0.114* (0.00502) 0.318* (0.0304) 0.0429 (0.0379) -0.000476* (0.000115) 0.0239* (0.00146) 1.648* (0.0634) Brancos -15954,880 0.313 2,513 0.107* (0.0207) 0.0782* (0.00357) 0.260* (0.0205) 0.0702* (0.0205) -0.000520* (7.72e-05) 0.0199* (0.00108) 1.898* (0.0374) Negros RM Belo Horizonte Obs.: Erros-padrão apresentados dentro dos parênteses. Significância representada por: * p<0,01, ** p<0,05, *** p<0,1. BIC 0.427 0.216* (0.0404) Carteira assinada R² ajustado -0.000172 (0.000135) Idade2 1,565 0.0240* (0.00169) Idade N 1.267* (0.0604) (Constante) Brancos RM Recife -14612,497 0.350 2,506 0.190* (0.0258) 0.107* (0.00400) 0.192* (0.0262) 0.117* (0.0312) -0.000469* (9.84e-05) 0.0204* (0.00129) 1.731* (0.0525) Brancos -14398,389 0.213 2,371 0.0735* (0.0232) 0.0648* (0.00379) 0.162* (0.0236) 0.0857* (0.0275) -0.000377* (8.01e-05) 0.0164* (0.00117) 2.057* (0.0400) Negros RM Rio de Janeiro -24880,511 0.418 3,850 0.0937* (0.0191) 0.120* (0.00343) 0.261* (0.0192) 0.156* (0.0247) -0.000554* (7.53e-05) 0.0253* (0.000925) 1.706* (0.0424) -17982,232 0.256 2,767 0.0455** (0.0185) 0.0566* (0.00327) 0.262* (0.0189) 0.188* (0.0233) -0.000474* (7.00e-05) 0.0158* (0.00100) 2.093* (0.0367) Negros RM São Paulo Brancos Coeficientes do Modelo 3, de Mínimos Quadrados Ordinários (Racial-Metropolitano) -31240,778 0.372 4,646 0.0987* (0.0193) 0.106* (0.00296) 0.280* (0.0168) 0.0583* (0.0205) -0.000503* (6.41e-05) 0.0219* (0.000792) 1.835* (0.0340) Brancos -6612,033 0.256 1,157 0.0592** (0.0286) 0.0620* (0.00484) 0.201* (0.0278) 0.106* (0.0337) -0.000301* (9.49e-05) 0.0142* (0.00146) 2.055* (0.0531) Negros RM Porto Alegre Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial 287 Instruções aos autores ESCOPO E POLÍTICA EDITORIAL A revista Cadernos Metrópole, de periodicidade semestral, tem como enfoque o debate de questões ligadas aos processos de urbanização e à questão urbana, nas diferentes formas que assume na realidade contemporânea. Trata-se de periódico dirigido à comunidade acadêmica em geral, especialmente às áreas de Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Geografia, Demografia e Ciências Sociais. A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos da temática urbana, que dialogam com o debate sobre os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema político-institucional das cidades e os desafios colocados à adoção de modelos de gestão, baseados na governança urbana. CHAMADA DE TRABALHOS A revista Cadernos Metrópole é composta de um núcleo temático, com chamada de trabalho específica, e um de temas livres relacionados às áreas citadas. Os textos temáticos deverão ser encaminhados dentro do prazo estabelecido e deverão atender aos requisitos exigidos na chamada; os textos livres terão fluxo contínuo de recebimento. Os artigos podem ser redigidos em língua portuguesa ou espanhola. Os artigos apresentados em outros idiomas serão traduzidos para o português. AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS Os artigos recebidos para publicação deverão ser inéditos e serão submetidos à apreciação dos membros do Conselho Editorial e de consultores ad hoc para emissão de pareceres. Os artigos receberão duas avaliações e, se necessário, uma terceira. Será respeitado o anonimato tanto dos autores quanto dos pareceristas. Caberá aos Editores Científicos e à Comissão Editorial a seleção final dos textos recomendados para publicação pelos pareceristas, levando-se em conta sua consistência acadêmico-científica, clareza de ideias, relevância, originalidade e oportunidade do tema. COMUNICAÇÃO COM OS AUTORES Os autores serão comunicados por e-mail da decisão final, e a revista não se compromete a devolver os originais não publicados. OS DIREITOS DO AUTOR A revista não tem condições de pagar direitos autorais nem de distribuir separatas. Cada autor receberá dois exemplares do número em que for publicado seu trabalho. O conteúdo do texto é de responsabilidade do(s) autor(es). NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS Os trabalhos devem conter: • título, em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e em inglês; • texto, digitado em Word, espaço 1,5, fonte arial tamanho 11, margem 2,5, tendo no máximo 25 (vinte e cinco) páginas, incluindo tabelas, gráficos, figuras, referências bibliográficas; as imagens devem ser em formato TIF, com resolução mínima de 300 dpi e largura máxima de 13 cm; • resumo/abstract de, no máximo, 120 (cento e vinte) palavras em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e outro em inglês, com indicação de 5 (cinco) palavras-chave em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e em inglês; • referências bibliográficas, conforme instruções solicitadas pelo periódico. Os trabalhos submetidos à Cadernos Metrópole devem ser enviados pelo sistema, da seguinte maneira: (1) se o/s autor/es não possuir/em cadastro ainda, favor clicar aqui; (2) no cadastro, preencher principalmente os seguintes campos: nome, e-mail, instituição (vínculo), e no campo “Resumo da Biografia” definir sua titulação mais alta, lugar de trabalho e função de cada um; (3) depois de cadastrado, o autor deve acessar o sistema clicando aqui. Importante: • A autoria NÃO DEVE constar no documento. As informações a seguir devem ser preenchidas no passo 3 da submissão (Inclusão de Metadados): nome do autor, formação básica, instituição de formação, titulação acadêmica, atividade que exerce, instituição em que trabalha, unidade e departamento, cidade, estado, país, e-mail, telefone e endereço para correspondência. • É imprescindível o envio do Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos Autorais, datado e assinado pelo(s) autor(es). O documento deve ser transferido no passo 4 da submissão (Transferência de Documentos Suplementares). Em caso de dúvida, consulte o Manual de Submissão pelo Autor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS As referências bibliográficas, que seguem as normas da ABNT adaptadas pela Educ, deverão ser colocadas no final do artigo, seguindo rigorosamente as seguintes instruções: Livros AUTOR ou ORGANIZADOR (org.) (ano de publicação). Título do livro. Cidade de edição, Editora. Exemplo: CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra. Capítulos de livros AUTOR DO CAPÍTULO (ano de publicação). “Título do capítulo”. In: AUTOR DO LIVRO ou ORGANIZADOR (org.). Título do livro. Cidade de edição, Editora. Exemplo: BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em Salvador”. In: VALLADARES, L. do P. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar. Artigos de periódicos AUTOR DO ARTIGO (ano de publicação). Título do artigo. Título do periódico. Cidade, volume do periódico, número do periódico, páginas inicial e final do artigo. Exemplo: TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28. Trabalhos apresentados em eventos científicos AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e final. Exemplo: SALGADO, M. A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da sociedade civil: mecanismos de controle social, monitoramento e execução, parceiras e financiamento. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/ SAS, pp. 193-207. Teses, dissertações e monografias AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição. Exemplo: FUJIMOTO, N. (1994). A produção monopolista do espaço urbano e a desconcentração do terciário de gestão na cidade de São Paulo. O caso da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo. Textos retirados de Internet AUTOR (ano de publicação). Título do texto. Disponível em. Data de acesso. Exemplo: FERREIRA, J. S. W. (2005). A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil. Disponível em: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/index.html. Acesso em: 8 set 2005. Rede Observatório das Metrópoles Estado Instituição Coordenador Belém Universidade Federal do Pará Simaia Mercês [email protected] Belo Horizonte Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Luciana Andrade [email protected] Brasília Universidade de Brasília Rômulo Ribeiro [email protected] Curitiba Ipardes Rosa Moura [email protected] Fortaleza Universidade Federal do Ceará Clélia Lustosa [email protected] Goiânia Universidade Católica de Goiás Aristides Moysés [email protected] Maringá Universidade Estadual de Maringá Ana Lucia Rodrigues [email protected] Natal Universidade Federal do Rio Grande do Norte Maria do Livramento M. Clementino [email protected] Porto Alegre Fundação de Economia e Estatística Rosetta Mammarella [email protected] Recife Universidade Federal de Pernambuco Angela Maria Gordilho Souza [email protected] Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro Luiz César de Queiroz Ribeiro [email protected] Salvador Universidade Federal da Bahia Inaiá Maria Moreira Carvalho [email protected] Santos Universidade Católica de Santos Marinez Brandão [email protected] São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Lucia Maria Machado Bógus [email protected] Vitória Instituto Jones dos Santos Neves Caroline Jabour [email protected] Cadernos Metrópole vendas e assinaturas Exemplar avulso: R$20,00 Assinatura anual (dois números): R$36,00 Enviar a ficha abaixo, juntamente com o comprovante de depósito bancário realizado no Banco do Brasil, agência 3326-x, conta corrente 10547-3, para o email: [email protected] Exemplares nºs _________ Assinatura referente aos números _____ e _____ Nome ___________________________________________ Endereço ________________________________________ Cidade ____________________ UF _____ CEP _________ Telefone ( Fax ( ) _______________ ) _____________ E-mail __________________________________________ Data ________ Assinatura __________________________