análise sobre práticas tradicionais na cultura cigana, com enfoque
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análise sobre práticas tradicionais na cultura cigana, com enfoque
ANÁLISE SOBRE PRÁTICAS TRADICIONAIS NA CULTURA CIGANA, COM ENFOQUE NA QUIROMANCIA E NO NOMADISMO. Luciana De Assiz Garcia1 RESUMO: O presente trabalho objetiva fazer algumas análises e discussões acerca dos impactos que práticas tradicionais dentro da cultura cigana vêm sofrendo, tanto positivos quanto negativos, e em que medida essas práticas estão sendo abandonadas ou substituídas por outras formas que sejam compatíveis à sobrevivência da própria essência da cultura cigana. A problemática torna-se instigante a partir do momento em que é feito a análise do surgimento e desenvolvimento dessa cultura ágrafa e milenar, para tanto fez-se necessário levantamentos e estudos bibliográficos. Após a discussão torna-se nítido o processo de alteração e perda em que se encontram algumas praticas que são compõem a identidade desse povo e como alternativa de resgate e sobrevivência pode-se considerar o registro escrito um dos mecanismos mais eficazes e viáveis. PALAVRAS-CHAVE: Antropologia, Cultura, Ciganos, Quiromancia. INTRODUÇÃO Desde os primórdios da humanidade o ser humano vem se tornando cada vez mais consciente e questionador em relação à existência do “outro”, isso por diversos motivos. Essa percepção caracterizada e instigada pela curiosidade em entender o distinto, o diferente faz parte do pensamento antropológico, pensamento este que vem contribuindo cientificamente para a transformação e quebra de paradigmas muitas vezes obscuros e baseados apenas no senso comum. O multiculturalismo e a extensa diversidade cultural presente no mundo sempre foram objetos de reflexões e análise por estudiosos de muitas áreas, tanto ligadas a humanas quanto exatas sendo que, não cabe questionar no presente artigo a validade dessas formulações teóricas que em muitas épocas tiveram sua aceitação e sua legitimação, bem como sua refutação em outros momentos. É importante entender e perceber que uma teoria nunca “se cria” isolada de seu contexto. Portanto analisar a 1 Graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Sociais, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Naviraí e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET). 1 validade de determinadas correntes teóricas seria o mesmo que analisar todo o contexto histórico em que as mesmas se formularam o que levaria um estudo mais aprofundado. A Antropologia vem se tornando de grande importância através de registros etnográficos, na preservação cultural de práticas de povos tradicionais, que devido ao processo globalizante e expansivo do capitalismo encontram-se em um processo de aculturação danoso, gerando o abandono principalmente por parte dos mais jovens de elementos essenciais para a continuação da tradição. Com isso o presente trabalho tem como foco, analisar o momento histórico e decisivo de práticas tradicionais dentro da cultura cigana, porém é de suma relevância entender como esta cultura se formou e em que medida, se estabelecem as relações sociais dentro da mesma. CULTURA E SUAS VÁRIAS FACES Em todos os momentos de nossa vida deparamos com uma palavra que não sai da boca do “povo” esta que por sua vez tem sido muito discutida e teorizada dentro dos meios acadêmicos. Muito se tem dito acerca do termo cultura em diversas áreas do saber cientifico bem como do senso comum, todos possuímos na ponta da língua uma definição limitada para descrever, teorizar ou defender o que entendemos ser a definição mais correta para o termo, porém em um ponto as idéias se convergem, na relação de coletivo que o termo carrega consigo, não há cultura sem relações sociais, a cultura é construída, aperfeiçoada na medida em que há um conjunto de pessoas se interagindo. O homem é um, porém ao mesmo tempo é múltiplo, pois além de ser fruto de suas expressões coletivas só existe dentro das relações estabelecidas com seus semelhantes e que são possíveis através da cultura. Hoje entendemos o sentido de cultura como algo universalizante todos os povos independente da etnia tem sua definição de cultura, porém alguns pesquisadores elencam que em alguns momentos históricos a cultura era compreendida como sinônimo de erudição, cultura neste sentido seria possuir conhecimento e demonstrar refinamento social, sendo que esse conhecimento estaria em algumas áreas especificas do saber tais como á literatura, á filosofia, á historia. O refinamento social seria verificado através do comportamento, sendo a “etiqueta social” caracterizada como atributo de classe superior. Esta é a acepção original da palavra cultura tal como foi concebida pelos romanos, cultura palavra latina que vem do verbo colere, ou seja, cultivar é perceptivel em algumas falas até hoje o resquício 2 dessa definição, sendo bem comum ouvir alguém dizendo “fulano é inteligente, ele é culto”, neste sentido seria possível entender de onde se origina essa visão de cultura como um refinamento social. Porém através da Antropologia que é a ciência que estuda a lógica do homem somos capazes de mergulhar mais além e entender a cultura como as manifestações coletivas, a identidade de um povo, são os hábitos e os costumes que norteiam as ações, o que organiza e estabelece as relações sociais de um coletivo através da transmissão e assimilação de um conjunto de valores morais e éticos que possibilitam a compreensão de ações padronizadas, e que sempre vão se formando em torno de elementos simbólicos compartilhados pelos indivíduos pertencentes ao grupo. A cultura é, portanto, a chave para a compreensão do pensamento antropológico, pois é através da Antropologia tal qual a concebemos hoje que o outro se torna distinto na mesma proporção em que também nos tornamos o outro, ou seja, a Antropologia passa a ser compreendida através da capacidade de tornar o outro uma parte do grande todo que nos forma e do qual somos também apenas um fragmento, então entender o outro, é entender um terço do todo do qual somos menos que um quinto. No entanto é importante lembrar que o pensamento antropológico não se instituiu nesse viés, hoje possuímos uma visão distinta da perspectiva dos primeiros escritos antropológicos. O importante antropólogo brasileiro Mércio Pereira Gomes assim discorre acerca do assunto: Apesar de sua etimologia, não foram os geniais gregos, criadores da filosofia, que inventaram a Antropologia. Eles se consideravam tão superiores aos povos e nações vizinhos, seus contemporâneos, a quem chamavam de “bárbaros”, que mal tinham olhos para ver os ver e os apreciar. Para surgir a Antropologia – cuja característica mais essencial é mirar o Outro como um possível igual a si mesmo – seria preciso um tempo de dúvidas e ao mesmo tempo de abertura ao reconhecimento do valor próprio de outras culturas. Tal tempo só surgiria séculos depois, quando a Europa, em vias de perder sua velha identidade medieval, ainda incerta sobre o que viria a ser, duvidou de si mesma e pôde assim olhar e conceber outros povos, ao menos teoricamente, como variedades da humanidade, cada qual com seus próprios valores e significados. (GOMES, 2008, p. 11) Com isso, percebe-se que o surgimento da disciplina esta arraigado no bojo da superação e na quebra de paradigmas vistos principalmente com o objetivo de dominação e expansão territorial é importante salientar que os estudos antropológicos surgem no século XVIII consolidando-se como disciplina a partir do século XIX. A Antropologia nasce trazendo e reproduzindo em seu bojo a essência de dominação, ou seja, conhecer o outro, entender o seu modo de ser e de agir no mundo para posteriormente posicioná-lo dentro da hierarquia da humanidade mas é 3 preciso levar sempre em consideração que tudo na vida, e nada está isento de valores nem mesmo as teorias, sempre estará condicionado a um contexto histórico sendo então tudo transitório e histórico, e com o passar do tempo as teorias antropológicas foram se desenvolvendo e tornando-se uma ferramenta revolucionária capaz de permitir ao ser humano distanciar-se de si, forçando-o a superar seus próprios preconceitos fazendo com que a diferença caminhe em um patamar de igualdade e de compreensão, é a cultura do outro tomando voz, sendo respeitada e interpretada, é a possibilidade de dialogo das distintas vozes, é o entrelaçamento dos múltiplos olhares, é a troca mútua de curiosidade. O CASO DE UMA CULTURA ÁGRAFA A escrita é algo extremamente importante em nossa sociedade capitalista, o simples esforço que requer nossas capacidades mentais em imaginar como seria viver em um meio onde todos os conhecimentos, valores enfim onde a educação é transmitida através da oralidade se torna difícil para nossa compreensão. No entanto algumas sociedades tradicionais sobreviveram e vêm sobrevivendo devido a sua complexa e sólida estrutura lingüística, é o caso no Brasil das sociedades indígenas e ciganas, dentre outras. Podemos afirmar que para muitos estudiosos a língua condensa toda a identidade de um povo e a morte de uma língua equivale a morte de uma cultura, e por isso é um ramo muito estudado dentro da antropologia e que, ultimamente vem ganhando grande espaço, pois atualmente com o sistema capitalista a cada dia mais dominante e expansivo, e sempre se impondo em relação a algumas culturas minoritárias e ágrafas, muito está se perdendo, no entanto esse é um ponto que será abordado posteriormente. A oralidade, ou melhor, a língua, o idioma, neste sentido se torna o responsável pela manutenção da tradição, pois acima de tudo o principal meio de comunicação e dialogo e é através dele que são transmitidos os valores e a cultura em si. Porém aqui cabe esclarecer um ponto importante, a distinção entre cultura e tradição. Segundo o autor Mércio Pereira, podemos destacar: A palavra tradição é freqüentemente usada como se fora um sinônimo de cultura. Para a Antropologia, é uma palavra de cunho genérico, de significado vago e não operacional que aproxima do conceito de cultura, como se fora um dos seus aspectos. Tradição seria uma dimensão temporal da cultura, que se reporta à sua formação no passado. Tradição seria tudo aquilo cultural que uma coletividade reconhece como sendo essencial para sua identidade, e que vincula sua existência atual com o seu passado. Portanto, quando se fala em tradição, fica subentendido o sentimento de lealdade ou deslealdade a ela. Isto é, tradição é uma noção que 4 implica uma ética, a exigência de uma atitude perante a cultura. Acreditamos que esse é o sentido que lhe dá o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), desenvolvido também por outros filósofos, como Hans-Georg Gadamer (1900-2002), um dos principais teóricos da hermenêutica, ou a filosofia da interpretação, a qual tem tido muita influência num importante setor da Antropologia da atualidade. (GOMES, 2007,p.48) Com essa definição podemos situar a língua como um dos elementos tradicionais mais importantes dentro do modo de vida de um povo que há séculos vem perambulando mundo afora, e que até hoje estão presentes em nossa sociedade, estamos falando da cultura cigana. É muito difícil encontrar pessoas mesmo nas menores cidades que não tenham ouvido falar, não tenham visto na televisão ou internet alguma matéria sobre esse povo, ou em algum momento tenha se deparado com ciganas sentadas ou abordando pessoas na rua oferecendo seus dons de adivinhação em troca de algum dinheiro. O mistério que nos distancia dessa cultura talvez esteja na mesma proporção em que instiga nossa curiosidade em relação a suas roupas, sua língua, seu modo de vida livre, seu nomadismo, seus oráculos de adivinhação, e o principal, sua resistência em relação ao contato mínimo com os Gadjes2. É uma cultura como abordaremos posteriormente com regras rígidas de comportamento, o que também pode variar de etnia para etnia, não deixando nunca de levar em conta essas variações bem como a analise do todo que compõem a coletividade cigana.Para melhor compreender essa cultura é essencial analisá-la principalmente partindo do coletivo. É impensável um cigano isolado de seu contexto isto é fora do condicionamento sociocultural de sua etnia. Mas quem são eles? De onde vieram? O que pretendem? Essas e outras perguntas ultimamente principalmente dentro de áreas como História, Sociologia, Antropologia, Lingüística dentre tantas outras disciplinas vem deixando muitos teóricos de cabelo em pé ao tentar responder algumas dessas questões. A Ciganologia (surge na Europa a partir do século XIX, mas se consolida no século XX) termo que vem sendo designado para nomear estudiosos desse povo vem contribuindo e muito para a compreensão e registro de diversas práticas tradicionais dentro da cultura cigana, obviamente que esses estudos estão condicionados a sua própria limitação, o que não impede que de uma maneira morosa ou não, haja avanços. Mas o que os distingue do restante da população? Para responder tanto a essa indagação quanto as anteriores precisamos fazer uma breve exposição de algumas teorias que explicam como surgiu 2 Pessoas não ciganas em romaní. 5 o povo ROM3. Ressaltando que há e sempre haverá duas definições que muitas vezes se antagonizam na explicação dos fatos que são elas, a científica e a popular, é importante buscar e com isso tentar fazer o diálogo entre ambas, porém nem sempre isso se torna possível, a explicação sobre a origem dos ciganos por conta disso se torna complexa e muitas vezes até bagunçada e contraditória, no entanto é necessário levar em consideração que estamos falando de um povo com tradições orais e que falam de suas histórias através de lendas transmitidas dos mais velhos para os jovens. Deve-se levar em conta que qualquer texto está condicionado a interpretação de quem o produziu então toda a construção teórica acerca da origem exata dos ciganos sempre esbarrará nessa limitação porque são não-ciganos falando da cultura dos ciganos. É interessante analisar que esse cenário vem mudando, hoje ao menos no Brasil é perceptível a produção teórica de ciganos nos meios acadêmicos e podemos citar a produção cientifica do cigano de origem Sinti e presidente da Embaixada Cigana do Brasil, Nicolas Ramanush. A grande maioria dos estudiosos acreditam que a origem dos ciganos está na região do Punjab, no noroeste da Índia, isto devido a vários elementos interiores e exteriores, tais como, as roupas, a língua, o nomadismo, as práticas de adivinhação como a quiromancia, a cor da pele, rituais antes e após o casamento, a valorização da virgindade antes do casamento bem como outros elementos que os identificam com alguns povos da Índia. Porém, estudiosos como a antropóloga Maria de Lourdes B. Sant’Ana afirma que o reconhecimento de muitos pesquisadores acerca dessa “suposta” origem hindu ainda deixa muitas lacunas que precisam ser questionada, há também os que sugerem que a Índia talvez possa ter sido apenas uma etapa mais duradoura na caminha dos ciganos no entanto a as pesquisas mais coerentes remontam a uma origem hindu.4 Para melhor nos situarmos nessa discussão trago para o texto duas citações de autores renomados nas discussões acerca da Ciganologia. A primeira da pesquisadora carioca e uma das pioneiras nas discussões acerca do povo cigano Cristina da Costa Pereira as duas apontando uma origem hindu, vejamos: O origem dos ciganos e o porquê de sua dispersão pelo mundo são assuntos tão discutidos quanto não resolvidos. Na atualidade, a maioria dos ciganólogos afirma que os ciganos se originaram do Noroeste da Índia, atual Paquistão, e alguns dizem que se dispsersaram por não se submeterem mais ao sistema de castas. Esse endurecimento político – a chegada dos árias por volta de 1.500 a.C empurrou o cigano a regiões mais inóspitas, levando as tribos a se nomadizar ainda em solo hindu e se especializar em ofícios 3 Palavras que significa homem cigano, ou povo cigano. PEREIRA,Cristina da Costa. Os ciganos ainda estão na estrada. Rio de Janeiro: Rocco,2009. 4 6 comuns aos errantes. Séculos depois, as invasões muçulmanas expulsaram os ciganos da Índia e então se teria iniciado a sua peregrinação pelo mundo. (COSTA,2009 . p.19) Segundo a autora os ciganos pertenceriam ao grupo dos párias, o que se pode perceber e confirmar através dos ofícios que alguns grupos ciganos desenvolviam e vem desenvolvendo durante muitos séculos, tais como amestradores de animais, ferreiros e forjadores de metal e a quiromancia. As castas superiores da Índia Antiga teriam aversão a esse tipo de oficio, os árias além da invasão e da dominação, transformaram e reestruturaram todo o sistema teológico e social da Índia, os ciganos que pertenciam a classe dos párias uma classe inferior por não aceitar esse sistema começaram o processo migração.5 Alguns aspectos dessa teoria possuem muita coerência, o sistema de castas na Índia estava dividido em uma hierarquização extremista na organização social e econômica dessa sociedade e até hoje há essa divisão. Os árias seriam povos pertencentes ao subgrupo dos indo-europeus que se estabeleceram no planalto iraniano no terceiro milênio a.C e que por volta de 1500 a.C povoaram a Península da Índia vindos do norte pelo Punjab, o sistema de castas indiano pode ser analisado a partir das próprias escrituras sagradas desse povo os livros bramânicos em especial o Código de Manu. No entanto essa discussão levaria muito tempo e não cabe neste artigo se aprofundar, neste sentido o último apontamento a fazer é que uma das características mais marcantes desse sistema de castas e que e acho pertinente mencionar é o caráter endógamo das relações sociais um elemento muito encontrado em diversos grupos ciganos até hoje. A segunda citação que trago para a discussão é do professor pesquisador Antonio Moacir Locatelli que também aborda sobre a origem Indiana dos ciganos, vejamos o que ele diz: Apesar de uma indefinição sobre uma raça, a mais provável parece ser a jingani que existiu no ano de 50 d.C. na índia. Nômades, depois de percorrerem todo o país, decidiram ir para a Pérsia, onde chegaram no século V. Segundo o poeta persa Firdusi (930- 1020), o rei Sassânida Bahrãm Gor (421 - 438) teria importado 12 mil menestréis jat da Índia para a Pérsia, os quais seriam os antepassados dos modernos ciganos. Existem algumas provas de que vaguearam pelo Oriente Médio, por volta dos anos 800 da era de Cristo. Mesmo nesta época eram objeto de grande hostilidade, e continuaram viajando, parece que, inicialmente, em pequenos grupos, ao invés de uma massa única. (LOCATELLI,1981,p.34). É perceptível que nas duas citações há um ponto em comum entre os autores, porém com variações. Os dois afirmam a origem Indiana dos ciganos e na obra “Os ciganos ainda estão na estrada” da autora citada acima há menção a essa teoria e a 5 PEREIRA,Cristina da Costa. Os ciganos ainda estão na estrada. Rio de Janeiro: Rocco,2009. 7 confirmação da existência de ciganos presentes na Pérsia sendo que eram considerados talentosos músicos. Diversos etnólogos e antropólogos reforçaram e vem reforçando essa teoria partindo do principal pressuposto de que o Romaní a língua oficial dos ciganos seria muito semelhante ao Sânscrito bem como o misticismo fortemente presente nesta cultura e aqui poderia elencar diversas características utilizadas por esses estudiosos, no entanto importante é entender que encontrar definitivamente a origem dos ciganos não preenche todas as lacunas relacionadas ao mistério que o cerca, algumas outras questões dariam muito pano pra manga tais como o que os teria levado ao nomadismo e a que casta ou grupo pertenciam dentre outros questionamentos e inquietações. A primeira diáspora6 migratória dos ciganos assinala alguns estudiosos da área começa no século X, quando eles começam a caminhar partindo para o Oeste por motivos misteriosos chegando até a Pérsia onde está localizado o atual Irã, sendo que nesse primeiro contato há uma mescla lingüística do Romaní com o Farsi que é o idioma Persa Antigo e com o Árabe. É exatamente na Pérsia que acontece a segunda diáspora migratória cigana, porém agora divididos em dois grupos, um ruma para o Oeste partindo da Armênia para a Grécia e em seguida atravessa o rio Danúbio chegando posteriormente por volta de 1370 às províncias de Moldávia e Valáquia a atual Romênia* (Ao chegar nessa região foram escravizados pelos voivodas (proprietários de terras), pelo Estado e pelo clero somente a parir de 1855 é que foram libertados), o outro ruma para o Sul e passa pela Síria, Palestina e Egito. Entre os séculos XIV e XV os ciganos foram se espalharam por todo o continente, porém somente a partir do século XIV é que os ciganos começam a ser referidos em documentos escritos nesse continente. É interessante destacar que “os grupos já começaram então a se diferenciar por meio de vivências culturais diversas e, como esponjas, vão assimilando maneiras de vestir, vocábulos, cerimoniais religiosos, hábitos culinários e artes musicais das regiões onde pousavam e por onde passavam” (PEREIRA, 2009). A história do povo cigano é marcada pela perseguição, preconceito e ódio, sendo considerados muitas vezes como raça maldita, por despertarem um sentimento de liberdade e exotismo. Diversas nações até mesmo as mais conhecidas por sua liberdade e aqui podemos trazer o exemplo da Suécia tratavam os ciganos com brutalidade, tentado inibi-los de permanecerem no país, usando de estratagemas desumanos e deploráveis, neste país qualquer cigano do sexo masculino, encontrado solto, tinha como penalidade a forca, na França policiais recebiam carta branca para 6 Diáspora no sentido de dispersão. 8 exterminarem com homens ciganos, sendo que as mulheres e crianças tinham suas cabeças raspadas, na Alemanha foram perseguidos como animais chegando ao extremo de serem queimados depois de cruéis torturas. Esse cenário monstruoso só foi mudar, no sentido de diminuir e não de extinguir, a partir do século XIX. No século XX, os países no qual estavam localizados ciganos, buscaram encontrar alternativas para “dar um jeitinho” nos problemas causados pela presença dos mesmos, a primeira tentativa veio com a proibição de uma prática inerente a cultura cigana o nomadismo, essa lei tornou-se impraticável pelo simples fato de que eles continuavam perambulando de forma livre por onde bem queriam ir. Outra tentativa sem resultado foi realizada pelo império austro-húngaro que criou alojamentos especiais para tornar acessível às crianças ciganas freqüentarem a escola e a Igreja de maneira continua, regular. Porém o fato mais marcante para a história da cultura cigana neste período é a ascensão de Hitler e a implantação do nazismo na Alemanha, o autor Moacir Antonio Locatelli assim descreve o episódio conhecido como Porrajmos na língua Romaní: A ascensão de Hilter na Alemanha foi desastrosa para os ciganos. Principalmente quando teóricos nazistas declaravam : “Os judeus e os ciganos estão hoje em dia muito distanciados de nós (racialmente), porque as suas origens asiáticas são completamente diferentes dos nossos antepassados nórdicos”. E logicamente a conclusão que adveio disso: eram eles de nível inferior e que tinham permitido a mestiçagem da qual era prova viva sua habitual peregrinação. A maneira mais fácil de se verem lvires dos ciganos era explulsá-los. Porém, esse método foi um fracasso como nos demais países anteriormente estudados. E a solução apareceu com alguns carrascos ilustres como: Heirich Himmler, Rinhard Heydrich e Adolf Eichmann, e empilhados em grande lotes foram encaminhados para a morte nos campos de concentração. Conforme indicação de Peter Mass foram mais de um milhão e 400 mil que pereceram nas câmeras de gás e outras formas de genocídio que a era hitlerista inventou. Além disso, 500 mil ficaram presos até 1953 nas prisões de Josef Stalin na URSS. (LOCATELLI, 1981,p. 39) Esse episódio conhecido pelos ciganos como Porrajimos palavra em Romaní que corresponde ao sentido de Holocausto, dizimou com um número exorbitante de ciganos. Neste sentido é compreensível e justificável a desconfiança e o receio em se misturar com os Gadjos que obviamente se intensificou depois desse período. PRÁTICAS TRADICIONAIS NA CULTURA CIGANA Anteriormente fez-se necessário o esboço e a contextualização acerca das discussões em torno da origem dos ciganos, podemos perceber que mesmo diante de tantos conflitos não deixaram de ser quem eram mesmo que o preço a pagar fosse a 9 própria vida, e continuam subsistindo como um grupo étnico até os dias de hoje. Pode ser que essa resistência se justifique devido ao fato de serem tão apegados as tradições, a ponto de preferirem a morte ao abandono de sua identidade. Para ciganos a tradição é lei e deve ser cumprida e respeitada. Os ciganos possuem diversas tradições que os distingue do resto dos povos a língua oficial, por exemplo, o Romaní é inteiramente oral, um idioma muito semelhante ao Sânscrito, no entanto possuem uma habilidade incrível de adaptação com outras idiomas, devido principalmente ao fato de estarem sempre viajando e com isso sendo obrigados desenvolver essa facilidade em lidar com línguas diferentes até mesmo para poder se comunicar ao comprar alimentos ou fazer negócios. Há também que levar em considerações os dialetos existentes devido as multiplicidade étnica que compõe a cultura cigana. Estima-se que haja cerca de 60 dialetos no continente europeu, e como exemplo podemos citar o dialeto Calon. Estes dialetos foram surgindo devido a necessidade de readaptação ou substituição de outras palavras na língua romaní, sendo que cada grupo dependendo da localização geográfica modificou conforme necessitava. A constituição da família é o elemento tradicional mais central na vida do cigano, como já foi citado anteriormente os ciganos vivem para o coletivo, independente da variação étnica do subgrupo a que o cigano pertença este será um traço em comum entre todos, o apego e o respeito a família. A romi, mulher cigana sempre será vista como dependente do marido, no entanto no que se refere ao ambiente doméstico ela será fundamental dentro dessa cultura, salienta-se que estamos falando de uma cultura patriarcal. É responsabilidade da mulher cuidar das filhas até o casamento, bem como cuidar dos filhos e das noras.Cada família possui uma liderança femina a phuriday ou seja a mãe da tribo, a matriarca que será sempre consultada antes de qualquer decisão importante.(PEREIRA,2009). A presença e o respeito aos mais velhos é algo essencial nessa cultura, o puro e a puri 7 são responsáveis pela transmissão de toda a tradição para os mais jovens, sendo sempre respeitados e nunca abandonados. O homem cigano segundo Cristina da Costa: O ROM, chefe de família, é o defensor da honra, do prestigio social e da coesão da família. O homem cigano decide sobre questões de política interna, tais como o casamento e a boa realização do mesmo, ou seja, ele contribui para que o negócio seja concretizado com sucesso e os rituais sejam mantidos. Também compete ao homem a função de zelar pela palavra dada nos mais variados negócios. Em questão de política externa, cabe ainda ao homem cigano resolver quaisquer assuntos com os não-ciganos. Se sua importância 7 Homem mais velho, mulher mais velha. 10 é destacada entre os sedentários, isto é, os que têm residência fixa, o mesmo acontece entre os nômades, pois entre eles o homem cigano, pai de família cigana, o homem, com seus ofícios – comerciantes, artesão, artista circense, mecânico, profissional liberal, músico, industrial- é responsável pelo sustento econômico da família. (PEREIRA, 2009,P.62) Ou seja, é perceptível que há uma hierarquização social que ao mesmo tempo que distingue, também equilibra as funções desempenhadas por cada um dentro das relações sociais estabelecidas nesse meio cultural. O cigano só terá verdadeira importância dentro da cultura cigana a partir do momento que constituir família através do casamento e tiver filhos, há uma super valorização da reprodução feminina, pois os filhos servirão de defesa e ajuda aos pais na velhice bem como de amparo as mulheres. Com isso o nascimento é muito festejado e a mulher grávida tratada com zelo, respeito e muitos cuidados no que se refere a “superstições” tais como evitar ver pessoas defeituosas, evitar ouvir conversas sobre temas cruéis ou monstruosos como assassinatos, mortes, somente a partir do sexto mês a mãe começara a preparar o enxoval pois se fizer antes pode atrair o azar. A criança cigana terá três nomes, o nome secreto só de conhecimento da mãe, o nome do batismo cigano que é do conhecimento do clã, e o nome do batismo católico. O casamento é realizado na fase jovem dos ciganos, iniciando dos 13 anos em diante e ainda possuem a prática do casamento “arranjado” pelos familiares. Nesse meio o casamento é muito valorizado sendo que homens e mulheres que permanecem solteiros possuem uma posição de desprestigio por se encontrarem nessa condição. Outro fator é a questão da virgindade que é a condição básica para que o casamento de fato se concretize e as relações entre as famílias também se efetivem. Pode-se elencar outros elementos presentes na tradição cigana, como o amor á musica, a oralidade como já foi citado, os rituais fúnebres, a culinária que apresenta resquícios indianos sendo que o apreço por chá exemplifica isso, as roupas coloridas, a cartomancia, o amor a liberdade, dentro outros. Neste trabalho há o enfoque em duas praticas o nomadismo e a quiromancia, no entanto a análise das práticas tradicionais dentro da cultura cigana são ilimitadas, devido tanto a sua complexidade quanto a sua capacidade de readaptação. Anteriormente fez-se uma explanação acerca da origem dos ciganos, de onde vieram e como conseguiram se espalhar por todo o mundo há tantos séculos atrás, resistindo até hoje como uma das minorias étnicas mais marginalizadas e estigmatizadas no mundo. Nenhum povo ficou tão marcado por suas andanças quanto este, o motivo que os levou a dar inicio a primeira migração é desconhecido há uma grande dificuldade em reconstruir de forma exata a história na integre dos ciganos. 11 Há certas suposições do porque saíram da Índia e começaram o processo de Nomadismo como por exemplo a suposição de que eram povos sedentários, porém devido as ocupações e expansões de outros grupos em suas terras foram perseguidos em sua terra de origem mesmo sendo que foi neste momento que se viram diante da necessidade de sair da Índia rumo a Pérsia e com isso iniciou-se o processo de nomadismo.(VANELLI, 2010) Há em também a suposição de que com a chegada dos Arias e a implantação do sistema de castas uma parcela dos grupos que passaram a ser denominados inferiores ao se oporem a esse sistema partiram rumo a Pérsia enfim há muitas suposições, mas até hoje não se sabe ao certo o qual foi o motivo do inicio desse nomadismo na cultura cigana. Com o advento da Revolução Industrial á condição dos ciganos nômades tornou-se delicada, primeiramente porque com essa transformação histórica foram praticamente ainda mais marginalizados socialmente e economicamente, devido á seus ofícios serem principalmente manuais e voltados ao comércio de cavalos, há relatos de que neste período uma parcela do povo cigano se tornaram sedentários, enquanto outros continuaram e até hoje continuam nas estradas, porém aqui no Brasil em especifico percebemos que os ciganos que ainda continuam com a prática do nomadismo ou semi-nomadismo são em grande maioria, da etnia Calon.8 Dos poucos ciganos nômades que restaram, pode-se dizer que se encontram na grande maioria em condições precárias. Excluídos da sociedade cada dia que passa se tornam os maiores alvo de preconceito por parte da população, até mesmo por parte de ciganos9 de outras etnias e descaso por parte principalmente poder público que não consegue garantir a efetivação das políticas publicas já existentes. É nítido que não há um equilíbrio quando se trata da relação entre direitos e deveres de um cidadão para com a instituição que o representa, o Estado. Pois a partir do momento em que os ciganos, por exemplo, estão em território brasileiro independente de sua etnia espera-se que ele respeite e cumpra a legislação regente no país, isso é seu dever enquanto cidadão, no entanto por se tratar de um ser humano, cigano e cidadão também é digno de desfrutar dos direitos comuns a todos os seres humanos tais como direito a saúde, a educação, direito a ser quem são com suas particularidades culturais, direito a seguir suas tradições enfim direitos que o Estado 8 Importante ressaltar que a primeira família cigana a chegar ao Brasil na condição de degredados de Portugal foi à família do cigano João Torres da etnia Calon. 9 Importante salientar que os povos ciganos são divididos em sub-grupos. Não são uma cultura homogênea, cada grupo possui uma origem distinta, um dialeto próprio efilosofias distintas. No Brasil encontram-se três grandes grupos, os ROM, os CALON e os SINTI. 12 tem por obrigação não só disponibilizar como garantir. Assim a professora Marta Vanelli discorre: Contudo, a mais problemática situação dos ciganos nômades é o seu reconhecimento como indivíduo, já que parcela desta população simplesmente não possui certidão de nascimento, o principal registro civil ao acesso aos direitos e à cidadania na sociedade gadjé, por uma exigência legal, que não contempla a realidade das tribos nômades: ter um endereço fixo. Desde 2005, existe a reivindicação dos povos ciganos sobre a revisão da Lei 6.015/73, que define as regras de registro público, mas ainda sem progresso (SEDH, 2010). Não possuir um endereço fixo, além do impedimento ao registro civil de nascimento, impacta aos que possuem outros enfrentamentos, como o acesso aos benefícios dos programas federais à elevação da renda familiar e aos serviços de saúde, exceto em casos notificados como de emergência. Tudo porque na sociedade gadjé os ciganos nômades são socialmente invisíveis, o que demonstra a discriminação étnica. (VANELLI,2010,p.263) Faz-se notar que quando não são invisíveis são coagidos devido ao preconceito, a não lutarem por seus direitos como cidadãos. Aqui neste artigo não cabe problematizar se o cigano devido a sua tradição deve ou não recorrer ao mundo do Gadjó em busca de médico, por exemplo, o que elenco é que independente se vai haver procura ou não, há uma lei que garante que eles sejam atendidos em suas necessidades quando bem acharem pertinente. É direito do cigano como cidadão e como ser humano, que em contradição a própria lei vem sendo negado há muito tempo. QUIROMANCIA ENTRE OFICIO, IDENTIDADE E MISTICISMO O homem em suas diversas fases históricas sempre teve uma consciência religiosa acerca da existência de uma força superior acima dos humanos, e com os ciganos isso não seria diferente. Não há uma religião especifica cigana, no entanto há uma religiosidade intrínseca a esse povo, assim discorre a autora Cristina acerca da religiosidade cigana: Pode-se dizer que a maioria dos ciganos acreditam em um só Deus, e eles costumam adotar a religião predominante na região onde moram ou no país onde caminham. Se é fato que eles cumprem os ritos das religiões que adotam, paralelamente, mantém algumas das suas crenças tradicionais como: cartomancia, quiromancia (leitura das linhas das mãos), oculomancia (leitura dos olhos), leitura do destino na borra do café e do chá, no jogo de moedas e, sobretudo, na observação dos sinais da natureza – inclusive no vôo das aves. Para os ciganos, em tudo pode-se ver um reflexo da vontade de Deus que, para eles, está acima de tudo. (PEREIRA,2009). 13 Percebe-se que há a crença em um único Deus (Devel), bem como a dualidade entre bem e mal (sendo o mal representado por beng, que significa demônio em romaní), há também uma grande valorização do respeito à natureza, assim como a ligação explicita com o misticismo que acompanha os ciganos desde sua saída da Índia, e a prática da Quiromancia evidencia este fato. A quiromancia é uma prática milenar muito usual na Índia Antiga, portanto familiar aos ciganos desde sua origem, bem antes das diásporas de migração deste país para a Pérsia. Por trabalharem com metal e fogo e praticarem a leitura das mãos, eram amaldiçoados, sendo que um dos termos pelos quais são chamados até hoje, boêmios tem suas raízes lingüísticas no sânscrito que significa boaha mi ou seja afaste-se de mim. (PEREIRA, 2009) A prática da leitura das mãos se concentra em sua grande maioria no domínio feminino, as mulheres ciganas exercem a prática da quiromancia como oficio, ou seja, como trabalho, tanto as ciganas sedentárias quanto as nômades. Os ensinamentos ocultos dessa prática são transmitidos da mãe para a filha após o primeiro ciclo menstrual. Essa prática ainda é um mistério quando analisada dentro da cultura cigana, há raríssimos estudos científicos acerca tanto da prática em si, com dela dentro da cultura cigana. No entanto ressalta-se a importância em desenvolver estudos acerca da Quiromancia, principalmente no que tange a importante contribuição que esta pode fornecer para a compreensão da identidade cigana. Segundo a quiróloga Karine Maria com base em escritos de King (1983) aponta: Segundo King (1983) é possível encontrar registros históricos de seus estudos nas escrituras de diversos povos antigos como os caldeus, tibetanos, chineses, babilônicos, sumérios, hebreus, egípcios, indianos e persas. Entre esses registros, os mais antigos que descrevem a técnica de leitura de mãos (que se aproxima da técnica propagada no Ocidente) encontram-se no Shariraka Shastra e no Samudrika Shastra, textos dos livros sagrados do hinduísmo, os Vedas, que datam aproximadamente 3000 anos a.C (VEDIC, 2005). A quirologia védica, portanto, é aquela de acordo com os ensinamentos ditados nos Vedas, a literatura sagrada dos Hindus, que é tida como uma “revelação de Deus”. (ZANCANARO, 2011) É nítido ao se aprofundar cada vez mais, como os traços da identidade e da cultura cigana estabelecem a ligação entre eles e a Índia o exemplo da quiromancia pode ilustrar bem esse fato, a história da leitura das mãos esteve vinculada, e ainda está vinculada a trajetória dos ciganos pelo mundo, pois foram eles os principais 14 responsáveis pela divulgação e viabilização dessa prática. No mesmo texto a autora traz discussões acerca de estudiosos da quirologia10 e continua: É de domínio popular a informação de que a quiromancia ou quirologia foi esparzida pelos ciganos. Segundo Charles Godfrey Leland (2000), que no século XVIII tornou-se membro de uma Sociedade de Sabedoria Cigana e publicou um tratado de quiromancia atualmente publicado pela editora Madras, em que cogita-se a possibilidade da quirologia ter sido introduzida no ocidente por intermédio das migrações ciganas. Krumm Heller, que escreveu “Tratado de quirologia médica”, livro teórico, afirma que os ciganos só atribuem descrédito a prática, visto que justificavam seus acertos interpretativos a seus poderes divinatórios. Porém, segundo Leland (2000), se por um lado os ciganos desvirtuaram a possibilidade de um desenvolvimento científico da quirologia, por outro, possuem o mérito de mantê-la viva, através dos tempos, pois, transmitindo seus conceitos de boca em boca, evitaram que a mesma caísse no ostracismo. O autor também pontua que tão importante foi a contribuição dos ciganos que muitos quirólogos modernos iniciaram suas pesquisas a partir dos fundamentos da Quiromancia Cigana. (ZANCARANO, 2011) De uma forma ou de outra, o que percebemos é a nítida ligação dos ciganos com essa prática que vem acompanhando-os há séculos, é surpreendente que desde suas origens até a atualidade mesmo com suas ilimitadas andanças pelo mundo ainda a preservem, independente se ela continua intacta em sua essência original ou não. O que de fato impressiona é que essa prática acabou se tornando praticamente um dos aspectos que mais os identificam e os distinguem do restante da sociedade. Moacir Locatelli (1981) aborda que “além da língua o segundo e também importante motivo pelo qual ainda podemos identificar algumas das raízes indianas dos ciganos é a obstinação com que, ao longo dos séculos em diversas circunstancias , ainda são capazes de manter seus costumes” e é essa obstinação em manter suas tradições principalmente por parte dos mais velhos que os tornam tão especiais e dignos de no mínimo respeito. Ao analisar as práticas tradicionais como a quiromancia dentro da cultura cigana em nossa atualidade percebe-se que elas obviamente não são como em outros tempos no entanto apesar de todas as dificuldades vivenciada pelos ciganos ao longo de sua história, é nítido que eles continuam sobrevivendo e compondo o conjunto das minorias étnicas mais estigmatizadas e vulneráveis sócio-economicamente falando em diversos países inclusive o Brasil. Mesmo estando situados na “era da tecnologia” 10 Neste momento se faz importante a distinção entre Quiromancia e Quirologia, a primeira se refere a adivinhação através das mãos sendo caracterizada como um oráculo, e a segunda é o estudo lógico e sistemático dos elementos que compõem as mãos, como dedos, unhas, o tamanho das unhas dentre outros. 15 é admirável ver como diversos grupos ainda se mantêm fieis a suas tradições milenares. Segundo a estudiosa e pesquisadora Cristina da Costa: Entre os estudiosos da questão e mesmo entre os ciganos, há duas posições distintas sobre a permanência da tradição cigana no século XXI: alguns acham que a cultura cigana para sobreviver tem de se manter à margem do sistema dos gadjé, insistindo, a duas penas, em preservar seus valores; outros pensam que o melhor meio de os ciganos sobreviverem etnicamente é a inserção no sistema dos não11 ciganos, sem que isso acarrete a perda da romanipen. (PEREIRA,2009 .p 41) Não há como prever o futuro da cultura cigana, seria muito audacioso e perigoso partindo de uma perspectiva antropológica e sociológica afirmar que ela talvez esteja em vias de extinção, até mesmo porque as culturas muitas vezes não se acabam simplesmente vão se transformando, se readaptando ao meio ao qual estão inseridas, sendo que o registro etnográfico de determinadas práticas vem contribuindo e muito para, não só a sobrevivência mais os marcos de transformações temporais pelos quais toda cultura esta condicionada a passar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto e da contextualização histórica tanto da origem dos ciganos como de suas práticas tradicionais conclui-se que a cultura cigana se encontra em um momento conflituoso e delicado em relação a permanência de determinados elementos tradicionais. O capitalismo com sua cultura globalizante e massiva, a cada dia que passa se expande impondo, da maneira mais sutil possível sua ideologia consumista, atingindo até os rincões mais isolados do mundo, inclusive a cultura cigana. Esses impactos causam um processo que em certa medida se tornam irreversível dentro da cultura cigana, inclusive o abandono dos mais jovens por praticas consideradas tradicionais tais como alguns ofícios, o nomadismo, a quiromancia dentre outros. No entanto o que se averigua é o imenso conflito que surge nesse abandono entre a tradição e o novo. Após a discussão torna-se nítido como processo de alteração e aculturação e em certo sentido “perda” e transformação que se encontram algumas práticas torna-se danoso na medida em que causam o afastamento de alguns ciganos em relação á práticas que podem ser caracterizadas como elementos de identidade de seu povo. 11 Palavra que significa tradição cigana em romaní. 16 Como alternativa de resgate e sobrevivência pode-se considerar o registro escrito (em se tratando de uma cultura ágrafa) um dos mecanismos mais eficazes e viáveis, antes mesmo que o tempo trate de engolir práticas de tamanha importância e riqueza para o entendimento da diversidade cultural que nos cerca, levando em consideração a própria limitação do estudo por se tratar de uma pesquisa em andamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FILHO, Mello Moraes. Os ciganos no Brasil e cancioneiros dos ciganos.São Paulo: Universidade de São Paulo,1981. GEVERGIR, Rodrigo. Ciganos denominação: língua e etnia. Disponível em: <http://thegypsyhistory.blogspot.com.br/2008/03/ciganos-denominao-lngua-eetnia.html >. Acesso em: 19 maio 2014. GOMES, Mercio Pereira. Antropologia: ciência do homem, filosofia da cultura. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2011. LOCATELLI, Moacir A. O ocaso de uma cultura. Santa Rosa: Barcellos Livreiro,1981. MOONEM, Frans. Políticas Ciganas no Brasil e na Europa. 2. ed. Recife: [s.n.], 2013. MOSCOVICI, Serge. Os ciganos entre perseguição e emancipação. Sociedade e Estado, Brasília, v.24 , n.3. p.653-678, set. 2009. PEREIRA, Cristina da Costa. Os ciganos ainda estão na estrada. Rio de Janeiro: Rocco,2009. ZANCANARO, Karine Maria. Do conhecer-se a ti mesmo ao desconhecimento de si, olhar descontínuo sobre a quirologia. Disponível em: <http://karinemaria.wordpress.com/2011/02/>. Acesso em: 19 maio 2014. 17
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