COMCIÊNCIA No. 151

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COMCIÊNCIA No. 151
COMCIÊNCIA No. 151 - 10/09/2013
REPORTAGEM
Soluções inovadoras para o conforto acústico em ambientes urbanos
Cristiane Delfina
Analisar e dominar o som é um interesse multidisciplinar no mundo inteiro há muito tempo.
Organizações científicas voltadas para estudos e experimentos em acústica, como a Acoustical
Society of America, fundada em 1929 na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, já
envolviam pesquisadores focados em diversas áreas como engenharia, arquitetura, física,
psicologia e música. Diante dos novos desafios apresentados pelo rápido desenvolvimento
urbano, conforme o excesso de som se tornou ruído nocivo – trazendo implicações para a
saúde das populações – e graças a pressões da sociedade, cada vez mais pesquisadores,
empresas e administradores públicos buscam meios de reduzir a poluição sonora.
Os estudos visando à busca por novas técnicas e materiais de isolamento acústico e análises
de propagação de ruídos tornaram-se um foco importante de convergência entre as áreas
especializadas. Em 1974, forma-se o International Institute of Noise Control Engineering (IInce), do qual a Sociedade Brasileira de Acústica (instituída em 1984) passa a fazer parte em
1985. Em 1993 o The World Forum for Acoustic Ecology é fundado, contando com países
afiliados na Europa, América e Oceania.
A Organização Mundial da Saúde, em relatório publicado em 2006, sobre os fatores de risco
ambientais para a saúde e medidas preventivas possíveis – “Preventing disease through
healthy enviroments - towards an estimate of the environmental burden of disease” –, aponta a
exposição a ruídos como uma das maiores causas de insônia e surdez, mas agrupa esses
problemas em casos que podem ser evitados com "grande gama de normas, intervenções,
tecnologias e muito conhecimento".
Em 2012, no último Congresso Inter-Noise, organizado em Nova York pelo I-Ince e
considerando o maior encontro de profissionais e pesquisadores em controle de ruído para a
qualidade de vida, foram apresentados mais de mil trabalhos. O evento contou ainda com a
presença de cerca de 1.400 participantes de 63 países, sendo que o Brasil, representado por
42 profissionais de acústica, foi o sexto país com maior participação. Em 2013 o Congresso
acontece em Innsbruck na Áustria, de 15 a 18 de setembro.
No Brasil, com o surgimento do Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama, em 1982,
foram deliberadas políticas para preservação e recuperação do meio ambiente e, em 1990, foi
instituído o Programa Silêncio, através da resolução Conama nº 2, de 08 de março do mesmo
ano, com o intuito justamente de estabelecer programas educacionais e parcerias que efetivem
o controle de produção e emissão de ruídos prejudiciais à saúde das populações urbanas.
Segundo Marco Antonio Nabuco de Araujo, do Laboratório de Ensaios Acústicos do Instituto
Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) – que, em 2010, estabeleceu uma
parceria de 5 anos com o programa –, a iniciativa alavancou o controle de ruído no Brasil. "Os
programas de etiquetagem de eletrodomésticos, de homologação de veículos e de certificação
de brinquedos implicaram na elaboração de inúmeras normas brasileiras, na criação de pelo
menos cinco novos laboratórios de acústica e, principalmente, em um aumento significativo da
consciência da sociedade para o problema da poluição sonora, identificado facilmente no
aumento das reclamações e das ações na justiça contra a exposição a níveis de ruído
elevados", avalia.
Esse controle dos níveis de ruído, no entanto, deve ser feito pelos estados e municípios. A "Lei
do Silêncio", por exemplo, nome popular para as leis que estabelecem restrições objetivas para
a geração de ruídos, durante o dia e a noite, é de âmbito municipal e deve sua eficiência às
ações de cada prefeitura.
De acordo com o texto descritivo do Programa Silêncio, "a Resolução Conama nº 1, de 08 de
março de 1990, estabelece que a emissão de ruídos em decorrência de quaisquer atividades
industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política, não devem
ser superiores às considerados aceitáveis pela Norma NBR 10.151 – “Avaliação do ruído em
áreas habitadas visando o conforto da comunidade” –, da Associação Brasileira de Normas
Técnicas - ABNT". Essa norma NBR 10.151 foi revisada em 2012 e apresenta a tabela a seguir
com os limites em decibéis (dB) aceitáveis para determinadas áreas e atividades:
Tipos de área
Áreas de sítios e fazendas
Vizinhanças de hospitais (200m além da divisa)
Área estritamente residencial
Área mista, predominantemente residencial,
sem corredores de trânsito
Área mista, com vocação comercial e
administrativa, sem corredores de trânsito
Área mista, com vocação recreacional e
administrativa, sem corredores de trânsito
Área mista até 40m ao longo das laterais de um
corredor de trânsito
Área predominantemente industrial
Diurno Noturno
40
35
45
40
50
45
55
50
60
55
65
55
70
55
70
60
Com o respaldo do artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) e das resoluções do
Conama citadas acima (incluindo também a NBR 10.152 – “Níveis de ruído para conforto
acústico”), universidades brasileiras de diferentes estados realizam pesquisas e executam
projetos e parcerias com instituições públicas e privadas que visam compreender e solucionar a
propagação de ruídos em ambientes internos e externos.
Considerando o limite seguro à exposição sonora em 65dB, o engenheiro Paulo Henrique
Zannin, líder do Laboratório de Acústica Ambiental da Universidade Estadual do Paraná,
publicou, a partir de 2002, artigos com dados de sua pesquisa sobre a poluição sonora na
cidade de Curitiba, coletados em 2001. Na análise de 892 questionários aplicados entre
moradores da capital paranaense, todos apontaram alguma fonte de ruído, e as principais
reações a ele foram: irritabilidade (55%); baixa concentração (28%); insônia (20%) e dor de
cabeça (19%). Esses efeitos são sintomáticos para problemas de saúde que podem ser sérios,
como doenças cardíacas, respiratórias, neurológicas, além, é claro, de surdez.
Os ruídos mais frequentes em grandes cidades são aqueles gerados pelo transporte
rodoviário, ferroviário e aeroviário, além do barulho da vizinhança. As soluções que
minimizariam essa poluição sonora não estão apenas na tecnologia para a modernização dos
motores dos veículos e no respeito entre vizinhos, mas também na melhoria da qualidade
acústica das edificações em relação ao isolamento sonoro, especialmente de fachadas.
Pesquisas como as de Zannin, através de medições subjetivas (entrevistas com a população
afetada) e objetivas (realizadas com equipamentos de medição) revelam as realidades sonoras
dos ambientes e permitem a busca por soluções efetivas em conforto ambiental.
O Grupo de Estudos em Ruído Aeroportuário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por
determinação do Ministério Público e intermédio da Empresa Brasileira de Infraestrutura
Aeroportuária (Infraero), analisou curvas de ruído nos aeroportos Pinto Martins, em Fortaleza, e
Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Segundo a pesquisadora Tarcilene Helena, que participou
do estudo nos dois aeroportos, em Fortaleza o problema era muito complexo, o que levou à
organização de um evento para a discussão do assunto, o 1º Congresso Multidisciplinar de
Ruído Ambiental Urbano e Ruído Aéreo, realizado em 2012. Uma das medidas tomadas foi a
elevação da altura de alguns voos para que ficassem mais distantes das áreas afetadas. A
Agência Nacional de Aviação Civil ainda analisa outras medidas. No caso do Santos Dumont,
foi proposta a mudança de procedimentos de rota da cabeceira 2, que já foi efetivada em 2011.
Também após pesquisas e mapeamentos, o pesquisador Ricardo Oliveira Filho, líder do Grupo
de Controle de Vibração e Ruído Industrial e Ambiental da Universidade Federal do Triângulo
Mineiro, levantou a necessidade de instalação de barreiras acústicas às margens dos trilhos da
Linha 3 (Vermelha) do Metrô de São Paulo, visando diminuir o barulho dos trens, muito
incômodo para os moradores dos prédios vizinhos ao trecho de passagem.
"A Isobrasil nos forneceu o projeto da estrutura do elevado, e a partir dela foi necessário
projetar o fechamento acústico para uma situação crítica de 2 metrôs se cruzando a
velocidades de 100 km/h. Para as paredes, foram utilizadas estruturas especiais, que
consistem em uma camada externa de isowall, revestimento interno de isopet e uma chapa de
aço perfurada. Os visores foram confeccionados em vidro duplo com 5mm de espessura e
espaçamento entre as placas de vidro. No teto foram instaladas telhas termoacústicas. A
proposta de projeto foi vencedora da licitação, e então executada", conta Oliveira Filho.
Isowall e isopet são materiais utilizados no Brasil e no exterior para isolamento acústico. O
primeiro foi desenvolvido inicialmente no Canadá e consiste em uma espécie de "sanduíche"
feito de uma placa de poliestireno expandido com uma camada de resina e outra camada de
malha de poliéster. Já o isopet é um bloco leve desenvolvido no Brasil em 2000, pelo
pesquisador Ely Costa Cardona de Aguiar e seus alunos Cássio Daniel Valenga Silvério,
Luciano Alves Pereira e Rodrigo Cézar Kanning, do Departamento de Construção Civil do
Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná. Material de baixo custo, bom
desempenho termo-acústico e ecológico, o isopet é produzido de resíduos de garrafas PET e
isopor.
Outro bom revestimento acústico desenvolvido a partir de motivações ecológicas são a manta e
as placas de fibra de coco. Na busca pelo aproveitamento do resíduo deixado do envase da
água de coco, muito consumida e exportada pelo Brasil, um convênio de cooperação entre a
Universidade Federal do Pará, através do Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia
(Poema), e a Daimler Chrysler AG (então Daimler – Benz AG) foi iniciado, em 1993, com um
projeto piloto de processamento de fibra de coco na Ilha do Marajó, na comunidade de Praia
Grande e no município de Ponta de Pedras.
Lã de vidro, lã de rocha, vermiculita (mineral formado essecialmente por silicatos hidratados de
alumínio e magnésio), espumas elastoméricas (espumas de materiais flexíveis), borracha
sintética, piso vinílico e carpetes são outros materiais comumente utilizados em projetos de
conforto acústico. As pesquisas atuais que visam o desenvolvimento de novas técnicas e
materiais estão frequentemente associadas à busca por matérias-primas e procedimentos
sustentáveis, que podem não somente solucionar problemas de poluição sonora, como
também de acúmulo de resíduos ou consumo de recursos não renováveis, como água.
Pesquisas em busca de inovações tecnológicas e estruturais envolvendo novos materiais e
técnicas de construção permitem o melhor aproveitamento de espaços que poderiam se tornar
inabitáveis pela insalubridade sonora, interna e externa, ou extremamente prejudiciais à saúde
dos que estão ali. É o caso de construções que ocupam zonas de tráfego aéreo, por exemplo.
Uma solução encontrada por escolas inglesas nessa situação foi a adoção de projetos
desenvolvidos pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) para a construção de habitações
lunares, que adaptadas, tornaram-se áreas de convivência de alunos. Trata-se de pequenas
cavernas de sacos revestidas de areia, que são praticamente à prova de ruídos externos e
ficam dispostas nos jardins das escolas para que os alunos possam conversar durante o
recreio em meio ao som do tráfego constante de aviões.
Além dos investimentos em materiais e técnicas nas próprias construções, que são
imprescindíveis para o controle do fluxo sonoro de fora para dentro dos ambientes e também
internamente, empresas fabricantes de eletrodomésticos, brinquedos, eletroeletrônicos,
computadores e outros produtos de uso cotidiano também são pressionadas a investir em
novas tecnologias que reduzam os ruídos produzidos.
Também como resolução do Conama, em 1994, foi instituída a obrigatoriedade de implantação
do Selo Ruído em eletrodomésticos, produzidos no Brasil ou importados, que geram ruído no
seu funcionamento, fornecendo os dados de emissão de sons dos produtos e dando a opção
ao consumidor de utilizar esse critério na hora de escolher o que comprar. Mais uma forma de
pressão da sociedade, essa informação disponível antes da compra aumentou a
competitividade e os investimentos das empresas em tecnologias de redução de ruído em
produtos motorizados que atendam às exigências cada vez maiores dos consumidores por
mais qualidade de vida, com menos barulho e um pouco mais de paz.