2008 ainda nao acabou mas certamente vai entrar para a
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2008 ainda nao acabou mas certamente vai entrar para a
"We believe this combination of our two companies, both known for exceptional customer service and pristine credit quality, will generate superior long-term growth” Ken Thompson, CEO Wachovia Corporation, ao anunciar a compra do Golden West. Daniel Seixas de Paula 2008 ainda não acabou, mas certamente vai entrar para a história como um dos anos mais intensos das últimas décadas. Daqui a algum tempo, quando os livros de história do século XXI começarem a serem escritos, penso que o capítulo sobre 2008 será bem interessante. Enquanto essa data não chega, neste exercício de “arqueologia antecipada”, buscamos sumarizar fatos de dimensão estratégica que estão se desenrolando e que ganharão importância histórica em breve. 2008 foi somente o começo. A bolha de crédito que turbinou a economia americana explodiu. A citação que abre esse texto fez parte do anúncio feito por Ken Thompson, até então CEO do Wachovia Bank (5º maior banco americano em 2007), ao adquirir o banco Golden West, em maio de 2006, por cerca de 26 bilhões de dólares cash. Menos de 18 meses depois, a aquisição se provou desastrosa, custou a Ken Thompson o cargo máximo na empresa, e lhe rendeu o apelido de “o maior company killer” dos últimos tempos. Em outubro de 2008, sob o comando de um novo CEO, contrariando o que Thompson previu, o Wachovia Bank divulgou o maior prejuízo em um único trimestre de toda a história do setor financeiro dos EUA: 24 bilhões de dólares, além de estimar até 22 bilhões de dólares em potenciais perdas adicionais no decorrer de 2009. É importante parar e observar a dimensão dos números para compreender o tamanho da miopia coletiva que se revelou presente em 2008. É verdade que o sistema financeiro americano como um todo participou da festa do subprime lending, mas o caso do Wachovia Bank é exemplar pela dimensão, e pela conseqüência brutal do erro de avaliação causado por essa miopia que se instalou nos mercados. A carteira de crédito do banco Golden West baseava-se no princípio de que os ativos imobiliários sempre aumentariam de valor. Alem disso, os padrões para concessão de crédito foram sendo relaxados, turbinados pela ideologia do governo americano de universalizar o acesso à casa própria, símbolo maior do “American Dream”. Um dos absurdos que se criou durante a bolha foram os produtos conhecidos como Pick-a-Pay, traduzindo, “escolha-quanto-você-quer pagar”. Isso mesmo: o banco concede um empréstimo para financiamento da sua casa e todo mês você escolhe o quando você vai pagar de prestação. Qualquer valor: amortização negativa, positiva ou nenhuma amortização. Vale tudo. Too good to be true. Fonte de lucros durante o período em que a renda e os valores dos imóveis não paravam de subir em todo os EUA, o produto Pick-a-Pay revelou-se a fórmula do veneno que derrubou o 5º maior banco dos EUA. Outras vítimas foram (até o momento): Countrywide Financial e Merril Lynch, ambas adquiridas pelo Bank of America; Freddie Mac and Fannie Mae, instituições de economia mista socorridas pelo Tesouro Americano; Washington Mutual, adquirido pelo JP Morgan; e a gigante seguradora AIG, também socorrida pelo governo dos Estados Unidos. Nos primeiros nove meses de 2008, ocorreu tamanha consolidação no setor financeiro americano, que foi superior à que havia sido observada nos últimos 70 anos. Ao que tudo indica, os próximos anos serão marcados pela existência dos mega-bancos (agora com vários trilhões de dólares em ativos), no entanto, muito mais conservadores na concessão de crédito. O consumidor americano acordou do American Dream e viu que viver dependente de crédito é delicioso até o dia em que o crédito não existe mais. Depois desse ponto, o sonho vira pesadelo. A miopia coletiva foi curada, e os investidores entenderam que os preços de imóveis não sobem eternamente (correções acontecem sempre), e que a boa e velha disciplina na concessão de crédito faz muito bem. O pânico nas bolsas criou uma das maiores oportunidades de compra das últimas décadas. Em outubro de 2008, o bilionário Warren Buffet escreveu para o jornal The New York Times um editorial com o titulo Buy American. I am. Algo como “Compre empresas americanas. Eu estou comprando”. Adepto do “contrariarismo”, Buffet sempre investiu pesado no momento em que a maioria entra em pânico e vende em massa. Nos últimos três anos, sua empresa, a Berkshire Hathaway, carregou no balanço, em média, 40 bilhões de dólares cash. Dinheiro parado, risco zero e retorno zero. Buffet assistiu à miopia coletiva e esperou em 2005, esperou em 2006, esperou em 2007. Nos primeiros nove meses de 2008, investiu cerca de 30 bilhões de dólares em participações em diversas empresas, socorrendo, inclusive, o banco Goldman Sachs, com 5 bilhões de dólares. Outras participações e aquisições no decorrer de 2008 incluíram Constellation Energy Group ($ 4.7 bilhões), Dow Chemical ($ 3 bilhões) e General Electric ($ 3 bilhões). De maneira brilhante, Buffet ensina que nos seus anos como investidor viu os EUA passarem por duas guerras mundiais e outras guerras igualmente traumáticas e custosas; pela Grande Depressão na década de 30; por uma dúzia de recessões e momentos de pânico no mercado financeiro; pela crise do petróleo; e pela renúncia de um Presidente e, indiferente a tudo, o índice Dow Jones subiu de 244 pontos para 9,200 pontos entre 1930 e 2008. Parece impossível que alguém tenha perdido dinheiro no mercado em um período em que o índice variou dessa maneira. Mas muitas pessoas perderam porque entraram em pânico. Buffet conclui o artigo confirmando que, apesar não ter a menor idéia do que vai acontecer no curto prazo, acredita que o desemprego vai de fato subir e a atividade econômica vai esfriar, gerando uma série de notícias negativas nos jornais. Mas, profetiza, a grande maioria das empresas vão estabelecer lucros recordes nos próximos 5, 10 e 20 anos. Numa eleição histórica, os EUA elegem Barack Obama, mudando o foco do militarismo para a inovação como fonte de vantagem competitiva. Trata-se de um evento histórico ocorrido em 2008: um Senador brilhante, formado em Harvard, negro, eleito presidente da maior potência do mundo. Barack Obama disparou nas pesquisas abrindo uma margem que, na reta final, variou entre 10 e 12 pontos, dependendo de quem publicava a pesquisa. Um momento histórico observado nesta eleição presidencial em 2008. Trata-se de uma mudança no perfil do eleitorado que algumas metodologias de pesquisa ainda não incorporaram e que o GOP (Partido Republicano) ainda não entendeu. Num país onde o voto é direito e não dever, portanto, facultativo, os Negros, Latinos e jovens conectados online como nunca, compareceram em massa às urnas. E nestes segmentos do eleitorado, o suporte aos ideais do Partido Democrata e à pessoa de Barack Obama são fortíssimos. Tradicionalmente, a taxa de comparecimento desses grupos é pequena, se comparada aos mais velhos, brancos e moradores das áreas mais abastadas. Estes últimos sempre votaram, e continuarão comparecendo. Porém, mesmo entre estes grupos, o suporte a Obama cresceu. Mais do que a pessoa de sucesso que representa, Obama muda a perspectiva ao redirecionar o foco para a classe média, e ao questionar o militarismo exacerbado de Bush, apresentando um plano para desocupar o Iraque. Muda a perspectiva também, ao prometer investir para transformar a economia americana no que chamou de green economy¸ enfatizando a criação de tecnologia e inovação focadas na geração de energia alternativa, reduzindo o impacto ambiental e, mais importante, a dependência externa do petróleo do Oriente Médio. Uma coisa que não se perdeu em 2008 foi o potencial inovador da economia americana. Donos do maior e melhor sistema universitário e de pesquisa do mundo, não se trata de mera coincidência que Microsoft, Apple, Google, Pfizer, HP, IBM, Dell, Yahoo!, Wal-Mart, Amazon.com, e-Bay, Starbucks foram todas criadas e continuam centradas em território americano, apesar de globalizadas na forma de operação. Os próximos anos serão caracterizados pelo domínio de empresas inovadoras, não somente focadas na inovação de produtos e processos, mas na criação de modelos de negócio inteiramente inovadores. A vantagem competitiva do Google não se trata de sua capacidade de desenvolver o algoritmo de busca mais preciso. Trata-se de sua incrível capacidade de construir um modelo de negócios que permite a inovação em série. A empresa desenvolve em média um novo produto de sucesso a cada 4 meses. E em outubro de 2008 anunciou lucro recorde. De maneira semelhante, o que faz a Apple uma empresa de sucesso é sua capacidade de inovar, desenvolvendo conceitos e produtos com design atraente que criam uma verdadeira legião de consumidores fanáticos, a ponto de idolatrarem o CEO Steve Jobs. Exemplos como estes serão mais numerosos sempre que o incentivo à inovação crescer. Inovação sim. Bolha de crédito, miopia e pânico não. Daniel Seixas de Paula é estudante de MBA na University of North Carolina e consultor de empresas. Atua nos EUA desde 2003.