Vicente`14 natureza, templo e abismo - EZ Manager
Transcrição
Vicente`14 natureza, templo e abismo - EZ Manager
Vicente’14 Natureza, Templo e Abismo o mundo na óptica do utilizador Nature, Temple and Abyss The world in the user’s perspective Entidade promotora | Promoting Entity Projecto Travessa da Ermida Direcção de Projecto | Project Direction Eduardo Fernandes Gestão de Projecto | Project Manager Fábia Fernandes Equipamentos e Montagens | Equipments and Assemblage José Vaz Fernandes Conceito e Curadoria | Concept and Curator Mário Caeiro Design Projecto editorial Vicente 2014 Design Editorial Project Vicente 2014 Diogo Trindade Tradução | Translation Fábia Fernandes Autores fólio | Authors folio Paulo Pereira | José Tolentino Mendonça | Fernando Melo Nelson Guerreiro | Agata Wiorko | Manuel J. Gandra | Raoul Kurvitz Artistas fólio | Artists folio Isabel Baraona | Marta Soares Impressão | Print Tipografia Lousanense Tipografia | Typeface Andrade Pro • DSType Sobre Papel | On Paper Print Speed 120 g/m2 ISBN 978-989-8277-34-3 Depósito Legal | Legal Deposit 379878/14 Edição de 200 Exemplares | Edition of 200 Copies Exposição | Exhibition Ermida Nossa Senhora da Conceição 6 de Setembro – 26 de Outubro 2014 6th September – 26th October 2014 Instalação | Installation Raoul Kurvitz (Estónia/Estonia) Performance Krzysztof ‘Leon’ Dziemaszkiewicz (Polónia/Poland) | João Abel (Portugal) Programa | Program • Lisboa na Rua | Com’out Lisbon Apoios | Support EGEAC | CML | Junta de Freguesia de Santa Maria de Belém Enoteca de Belém | Palavrão Associação Cultural Embaixada da Estónia em Lisboa • Estonian Embassy in Lisbon República da Estónia – Ministério da Cultura/Ministério dos Negócios Estrangeiros • Republic of Estonia – Ministry of Culture/Ministry of Foreign Affairs | The Cultural Endowment of Estonia Agradecimento | Acknowledgement S. Exa. o Embaixador da Estónia, Anders Rundu • His Excellency Anders Rundu the Ambassador of Estonia Indrek Leht | Miguel Honrado | Pedro Moreira CONTACTOS | CONTACTS Travessa do Marta Pinto 12, 1300-390 Lisboa 00 351 213 637 700 [email protected] TRAVESSADAERMIDA.COM Reinventando Reinventing O mito, the myth, Desde 2011 since 2011 INTRODUÇÃO Projecto Travessa da Ermida por Mário Caeiro Primeiro, a invocação. Vicente nos dê asas. Vicente nos diga o agora. Vicente nos acompanhe no dia que rasga a noite e, já agora, na noite que acorda o dia. No espaço disponível para o encontro com o místico; Manuel J. Gandra, outro mestre, desvenda mistérios espectaculares como quem acrescenta um ponto à mitografia urbano que cada geração entrega à seguinte. No corpo do cidadão que quer saber mais sobre as origens remotas e futuras da sua cidade. Em 2014, VICENTE, volta a inspirar-se em aspectos da mitografia de S. Vicente para continuar a pensar a relação sempre crítica entre mundo e cultura, natureza e símbolo, de Portugal; o poeta José Tolentino Mendonça introduz-nos em mistérios da fé; enquanto Fernando Melo nos coloca sobre a mesa a complexidade da cultura do vinho; misturando ideias como nas melhores – e melhor bebidas! – conversas. Depois, a nossa vocação: todos os anos, aportar a Lisboa novas camadas de uma realidade mítica e de uma energia história e espírito. Com o título Natureza, Templo e Abismo, propõe-se um mosaico de questões que são outras tantas direcções para a reflexão e que estabelecem entre si curiosos nexos. O lado mais universal dos mitos é sempre o mais simbólica ancestral capaz de ir ao encontro das dinâmicas da cultura contemporânea. Anualmente desde 2011, o Projecto Travessa da Ermida, a Belém, continua a invocar o potencial criativo em torno do mito (do) fundador da actual; e mais vital, se aspiramos a uma contemporaneidade identidade da cidade de Lisboa. O objectivo é continuar a mais completa. O artista convidado a intervir na Ermida N. Sra. da Conceição é Raoul Kurvitz, que abre um novo programa de encontros internacionais, desenhados para levar a nova mitologia motivar um conjunto de inusitados encontros culturais entre criadores e investigadores portugueses e internacionais, numa iniciativa que procura revelar os segredos da história, dar a conhecer nuances críticas do pensamento filosófico de VICENTE mais longe. Com o apoio da Embaixada da Estónia, uma Tallinn neo-pagã, como que trasladada para atual e que promove a sua própria casta de uma arte contemporânea de olhos postos no horizonte. a Ermida N.ª Sr.ª da Conceição à Travessa do Marta Pinto em Belém, é por assim dizer um surpreendente espelho para vermos a nossa Lisboa a outros olhos. O Projecto VICENTE chega à quarta edição sob o mote Natureza, templo e abismo – o mundo na óptica do utilizador. Este é o início de uma segunda sequência de No âmbito da performance, o Vicente-corpo-imagem-presente de João Abel e dos textos-passeios- programação, dedicada ao encontro com a diversidade da cultura europeia. Vicente está mortinho por receber visitas -guiões de Nelson Guerreiro passa o testemunho a um novo avatar: polaco, transexual, libertário, e trocar cromos. Em 2015, a quinta edição – e segunda deste díptico – terá por mote: Sagrado, corpo e imagem. Até lá, comecemos por nos deixar surpreender por um… Krzysztof ‘Leon’ Dziemaszkiewicz é o nome impronunciável deste agente provocador que vem para dar literalmente corpo ao manifesto. Num breve ensaio, Agata Wiorko ajuda-nos aqui a entrar no universo de ‘Leon’, precisamente a propósito dos desenhos inéditos que o artista realiza para pensar as suas personae. Quanto ao território da arte do livro, esta edição de VICENTE é valorizada por projectos editoriais originais das artistas Isabel Baraona (caderno de ilustração) e Marta Soares (caderno de fotografia) que são respectivamente uma intrincada interpretação do (que pode ser) desenho e uma espirituosa proposta d(o que pode ser) a pintura. Os textos principais são quatro: Paulo Pereira apresenta o ponto de vista de uma história da arte profunda, paganismo… tão natural como a nossa sede? Em suma, para o ano, a luta continua (Tolentino), já que seremos sempre actores na paisagem lunissolar (Pereira) que nos vai legando a já longa viagem deste mito do Sul. Até lá. Até já. introduction Projecto Travessa da Ermida by Mário Caeiro First, the invocation. Let Vicente take us on a flight. Let Vicente tell us about our present. Let Vicente accompany us along the day that tears the night, and, by the way, The main texts are four: Paulo Pereira presents his vision of a deep History of art, ready to encounter the mystic; Manuel J. Gandra, another master, reveals spectacular during the night that wakes the day. In the urban space each generation delivers to the next one. In the body of the citizen who wants to know more about the remote and future origins of his/her city. In 2014, VICENTE, once again, is inspired by the scents of the mythography of St. Vincent, in order to rethink the mysteries as if adding new layers to the mythography of Portugal; poet José Tolentino Mendonça introduces us to the mysteries of faith; while Fernando Melo puts the complexity of wine culture on the table, mixing ideas as in the best conversations – those accompanied by generous quantities of… wine. always critical relation between world and culture, nature and symbol, history and spirit. Under the title Nature, Temple and Abyss, we propose a mosaic of issues pointing out directions for reflection Now our vocation: every year, offering Lisbon new layers of mythical reality and of ancestral symbolic energy capable of resonating the dynamics of contemporary culture. Annually since 2011, Projecto Travessa da Ermida, in Belém, establishing peculiar connections between themselves. If we continues to invoke the creative potential around the myth are to aspire to a more complete contemporaneity, the most universal side of a myth is always the most actual; and, as well, the most vital. Raoul Kurvitz is the guest artist invited this year to make of the founder of the identity of Lisbon. The objective is to continue motivating a set of unusual cultural encounters between creators and researchers, both Portuguese and International, in an initiative which tries to reveal the an intervention at Ermida N. Sra. da Conceição. It is the first step in a new programme of international encounters, secrets of history, presenting critical nuances in today’s philosophical thinking and finally promoting its own brand designed to take the mythology of VICENTE further on. With the support of Estonian Embassy, it’s as if a neo-pagan Tallinn is to be translated to the Ermida at Travessa do of a contemporary art looking into the horizon. Project VICENTE arrives to its fourth edition under the motto Nature, Temple and Abyss – the world in the Marta Pinto in Belém, becoming a surprising mirror for us to see our Lisbon in a different way. user’s perspective. It’s the beginning of a new programme sequence dedicated to the encounter with the diversity of On the performance field, the Vicente-body-present-image developed by João Abel and the scripts by Nelson Guerreiro gives way to a new avatar: Polish, European culture. Vicente is anxious to host guests and exchange news. In 2015, the fifth edition’s theme – and the second of this diptych – will be entitled Sacred, Body transsexual, libertarian, Krzysztof ‘Leon’ Dziemaszkiewicz is the unpronounceable name of this agent provocateur and Image. Until then, let us be surprised… naturally… by paganism. who comes – literally – to offer his body to the manifest. In a brief essay, Polish Agata Wiorko helps us entering the universe of ‘Leon’ precisely a propos unpublished drawings Summing-up, next year the battle goes on (Tolentino), as we will be always actors on the lunisolar landscape (Pereira) whose legacy – this Southern myth's long journey – is given made by the artist to carry out his personae. Concerning the territory of the art book, this edition of to us. Until then. See ya. VICENTE is enriched by original editorial projects by artists Isabel Baraona (eight pages of illustration) and Marta Soares (eight pages of photography) which are respectively a complex interpretation of what drawing might be and a witty proposal about what painting can be. 5 SAGRES E S. VICENTE: TEMPLO. ABISMO. ENIGMA Paulo Pereira 1.OS INTERDITOS. DOS MENIRES AOS “MOLEDROS” Onde tudo acaba e recomeça. É este o sinal de um dos mais importantes finisterras europeus, em que se assiste ao declínio do astro-rei e ao cair misterioso da noite, num ciclo ininterrupto de carácter lunissolar. Na realidade, trata-se de dois finisterras que a tradição acaba por associar: o cabo de Sagres e o cabo de S. Vicente. O sinal da imensidão cósmica levou à sacralização destes dois extremos monumentais do mundo e a sua posição geográfica era tão evocativa que esta síntese se fazia já desde a antiguidade clássica. Os geógrafos antigos gregos e latinos descreveram o lugar como limite absoluto e marco da topografia sagrada atlântica. Por isso o promontório se encontra saturado de referências pré-históricas, históricas, míticas e simbólicas e é já referido nessas fontes da antiguidade como cabo sagrado. Os gregos dão-no como Ieron Akroterion. Passa a ser quase que invariavelmente descrito como Promontorium Sacrum, lugar de cultos antigos a Saturno (sacra Saturni) ou a Hércules, marcado ainda por ritos de interdição nocturna, por sua vez associados a vestígios pré-históricos nas imediações. Quando Estrabão descreve o sítio do Promontório Sacro, faz referência a “pedras organizadas em grupos de três ou quatro, as quais, segundo um antigo costume, são viradas ao contrário pelos que visitam o local e depois de oferecida uma libação são recolocadas na sua posição anterior” (Estr. III, 1, 4). Esta alusão será um equívoca referência a recintos constituídos por pedras à volta dos quais se movimentavam sacerdotes e crentes, verdadeiros recintos megalíticos sendo certa a existência de importantes vestígios de há cerca de 5.000 a.c., nas imediações de Sagres, constituídos por menires de pequenas dimensões. Aliás, o Algarve parece ter constituído, juntamente com franjas do litoral alentejano e Estremadura, uma das áreas de penetração precoce do neolítico através de estabelecimentos de povos portadores de uma nova economia e de cerâmica cardial. Mas também se assevera distintivo o megalitismo menírico do Barlavento do Algarve. Um dos exemplos mais interessantes é o da estação arqueológica da Caramujeira1 em Lagoa. Num contexto do neolítico antigo ou médio foram encontrados 25 pequenos menires de calcário branco e amarelado, 1Escavada em meados dos anos 70 por Mário Varela Gomes, Pinho Monteiro e Cunha Serrão. Ver também: Cromeleques; Megalitismo; Menires; ver também vols. IV, VI. Cf. GOMES, Mário Varela et allii, “A estação arqueológica da Caramujeira. Trabalho de 1975-76” in Actas das III Jornadas Arqueológicas, Lisboa, 1977; Valcamonica Symposium, III, 1979. Ver também GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987; idem, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987; idem, “Megalitismo no Barlavento Algarvio- Breve Síntese” in Setúbal Arqueológica, vol. XII-XIII, 1997. Para os levantamentos territoriais ver GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987; GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987. Distribuição dos menires agrupados ou isolados na Península de Sagres e S. Vicente (a partir de GOMES et allii, 1987) material desconhecido no local, dispostos em redor, e no âmbito de um povoado de superfície. Alguns deles encontram-se decorados por bandas de cordões que vão da base ao topo, sendo este marcado por relevo representando o meatro uretral, conjugando uma simbólica que podemos associar à polaridade feminina (os cordões, constituídos por ovais unidas entre si com um traço a meio, evocando vulvas) e a polaridade masculina através da morfologia patentemente fálica dos menires. Alguns dos menires da Caramujeira revelaram restos de pintura vermelha. A este conjunto associam-se núcleos de menires do mesmo tipo – isolados, em alinhamento ou em “cormeleques”, situados não muito longe: Vale Sobral, Areia das Almas, Porches, Raposeira (Monte da Pedra Branca, Padrão) e, claro, as de Sagres, com a estação do Monte dos Amantes e muitos outros, já detectados por Mário V. Gomes e Tavares da Silva2. Trata-se quase sempre de áreas que entregam vestígios de exploração e de 2Levantamentos e reconhecimento territoriais mais recentes de David Calado continuaram a identificar a associação de povoados a pequenos menires (ou restos destes) na região do sudoeste Algarvio. Por exemplo, Quinta da Queimada, de Odiáxere, Pinheiral, Monte Alto, Figueiral, Montinho da Rocha, Maranhão Novo, Monte do Castanheiro, Sabrosa, Montes Juntos ou Palmares Cf. CALADO, David, “Poblados con menhires del extremo SW peninsular” in Revista Atlántica-Mediterrânea de Prehistoria y Arqueología Social, vol. III, 2000, pp. 47-99. Menir do Padrão Vestígios de recinto ou alinhamernto megalítico no terraço de Sagres/Vila do Bispo/Raposeira 7 8 ocupação, sazonal ou mais duradoura, eventualmente datáveis de finais do VI milénio mas com provável ocupação até ao IV milénio. De toda a maneira acentuam a precocidade Existiam, portanto e ainda, nos finais do século em finais do século XIX, verdadeiros interditos espaciais na zona do Cabo, que não deveriam, pelo menos estes, diferir em muito do fenómeno menírico, que se associam a estes povoados como delimitadores de áreas e referência dominial. A sua pequena altura (entre os 0,60 e os 3,50 m – por vezes mesmo, a sua modéstia) parecem indicar que se destinavam a funcionar como marcadores territoriais, associados a uma função sagrada à maneira dos “bétilos” do que se passava na pré- e na proto-história. Como locus sacer de longa duração e persistente tradição, é bem provável que os interditos remontem, até, aos tempos neolíticos. É, pois, provável que por via do sincretismo religioso se tenha promovido ao longo do tempo uma sedimentação de cultos. Em S. Vicente e em Sagres, ou só em S. Vicente ou dos “ídolos”. É assim provável que os menires da zona costeira se encontrassem associados a povoados, acampamentos ou assentamentos eventualmente ligados às primeiras explorações agrícolas da zona ainda que fortemente marcadas por uma economia recolectora (ou só em Sagres…) poderá ter sido destinado um lugar de culto a uma entidade divina assimilável ao Baal fenício ou ao Kronos grego, e especialmente ao Saturno romano. Baal Hammon era o consorte da deusa Tanit dos fenícios e ficaria conhecido como “aquele que está escondido”, “epimesolítica”, com uma componente temporária (e portátil) ou semi-sedentária. Não custa imaginar a reunião, à noite, de uma pequena comunidade em redor de uma lareira, iluminando um círculo em redor, delimitado ou pontuado por dois ou mais pequenos bétilos vermelhos e brancos, por o que se adequa a um culto de raízes solares num local onde, precisamente, se esconde até ao recomeço do ciclo diário. Por sua vez, Estrabão mencionava que “ali não há nenhum templo de Hércules, como falsamente afirmou Éforo, nem qualquer altar a ele dedicado ou a qualquer outro deus” sua vez objectos de libações rituais ou de manifestações de homenagem idolátrica em alturas propícias do ano. Avieno, no século IV a.c., descreve o território dos Cinetes (Estr. III, 1, 4) o que, quanto a nós, não retira o carácter sagrado ao local, apenas o define como santuário informal proveniente dos tempos neolíticos ou calcolíticos, como o ou dos Cónios dando-lhe como limite o cabo Cinético. Diz dele ser o lugar “onde declina a luz sideral” a que se segue atesta a profusão de vestígios arqueológicos no aro de Sagres – e a referência a Hércules, um semi-Deus, conforma-se “um promontório, que assusta pelos seus rochedos, também ele consagrado a Saturno. Ferve o mar encrespado e o litoral rochoso prolonga-se extensamente”. Vale a pena lembrar a a uma tradição pré-helénica e pré-fenícia. É, de resto, fascinante a recente proposta de Graham Robb3, ensaísta, viajante, escritor e arqueólogo amador, relação etimológica que o etnónimo Cinete ou Cónios possui com a palavra oKeaNos, com o mesmo radical em KN. Para a definição do lugar enquanto locus sacer (ou acerca da existência de um alinhamento de grandes lugar sagrado), Estrabão, que diz não existir um santuário propriamente dito (supomos que Estrabão se refere a um templo, formalmente instituído) assevera que ali, naquele cabo, “Não é permitido oferecer sacrifícios nem aí pernoitar pois dizem que os deuses o ocupam àquelas horas. Os que o vão visitar pernoitam numa aldeia próxima, e depois, de dia, entram ali levando água, já que o lugar não o tem” (Estr. III, 1, 4). Leite de Vasconcelos aponta uma explicação de etnografia comparativa, baseando-se numa visita sua ao cabo (in Religiões da Lusitânia): “Em todo o cabo ninguém duvida que as pedras do Promontório tinham significação mágica (…) No extrema do Cabo, perto do pharol e das ruinas do convento de S. Vicente, há vários montículos de pequenas pedras, que o povo chama moledros (…). A propósito d’ esses moledros colhi da boca do povo as duas seguintes noticias: “a) quando se leva do moledro uma pedra, e se deixa num sitio, ahi a pedra anoitece e não amanhece: isto é, vae-se de manhã ao sitio em que à noite se deixou a pedra, e esta já lá não está, e reapparece no moledro; é D. Sebastião quem de noite retira a pedra pa’a o moledro. / “b) quando se leva do moledro uma pedra, sem ninguém saber, e se colloca debaixo do travesseiro, apparece lá, ao outro dia um soldado, que logo desapparece, para ir outra vez, já transformado em pedra, collocar-se no moledro. dimensões, que atravessa na diagonal a Península Ibérica, em linha recta, começando no Cabo de Sagres e atravessando os Pirenéus. Segundo Robb, esta linha recta corresponderia à Via Herakleia, obedecendo a um alinhamento solsticial (alinhado pelo nascer do sol de Verão no solstício) que ligaria o extremo ocidental da Europa – Sagres, lugar de cultos de Hércules/Melkart – à Gália, e dando nascença, ou servindo de espinha dorsal à instituição da cultura céltica. Bem sei que nos encontramos nesse domínio abissal e medonho (segundo os académicos, de que faço parte, aliás!), das especulações: mas quantas delas não se asseveraram já confirmadas pela arqueologia, fazendo depois a arqueologia tábua rasa das propostas arrojadas (e às vezes, aparentemente delirantes) dos diletantes. Esta Via Herakleia, que os geógrafos da antiguidade certificam, seria a que foi seguida por Hércules, após roubar os bois de Gerion, subindo até às terras gaulesas através do Matrona “pass” dos Pirenéus: também se chamava a esta linha a coluna do Sol, porque acompanhava o curso do astro-rei, desde o seu nascente no solstício de Verão (a NE) ao pôr do sol no solstício de Inverno (a SO), lugar de medos e trevas, o fim do mundo, em suma: Sagres. As criticas à tese de Robb são muitas: com efeito, o Caminho ou Via de Hércules, histórica e arqueologicamente considerada, e seguida por Aníbal e pelos exércitos 3 ROBB, Graham, The Ancient Path, Londres, Picador, 2013. A Via Herkleia segundo ROBB, 2013 cartagineses na Guerras Púnicas, anda ziguezagueante, a partir de Cádiz (a antiga Gades/Gadeira, ou Gadir) pelo levante espanhol acima, num traçado perfeitamente normal e cheio de reviravoltas. Mas o que me interessa aqui na intuição de Robb é precisamente este facto: o caminho “histórico”, teria o seu contraparte num caminho “conceptual”, sagrado e ritual, que corresponderia a esta Via Herakleia, calculada a regra e esquadro. Sem nos aventurarmos nos pretensos conhecimentos dos druidas ou sacerdotes pré-históricos – celtas, segundo ele, sendo o trajecto muito antigo, talvez neolítico, fixado entre 800 e 600 a.c. – é um facto que a linha vai estabelecendo ao longo do seu percurso vários lugares (e cidades) cujo nome original é mediolanum (a “terra do centro”)4. Muitas são as cidades por ele identificadas com este nome antigo dentro deste percurso e das suas consequentes declinações geográficas – eu diria arqueo-topográficas – na Gália, Inglaterra e Itália (Portugal, infelizmente não entra nas contas dele, a não ser em Sagres, ponto de partida de tudo…). 4 Já fiz este exercício para Portugal, O conceito de “centro”, no sentido tradicional, não se subsume no seu estrito alcance “geométrico”, geográfico ou geodésico, abrangendo sim os domínios do sagrado. O centro é, igualmente, o ponto de onde irradiam as “quatro direcções do espaço”, é eixo do mundo , o omphalos ou “umbigo do mundo”, o focus, em latim, com dimensão doméstica, o lugar onde se conserva o “fogo sagrado” indispensável à vida. A tradição ocidental da antiguidade clássica, grega, etrusca e romana coincide com um santuário, através do sistema dos amphictionies e dos dodecapólos,. Os lugares “centrais” são denunciados pela toponímia: Milão, (Mediolanum) – terra do meio – Meriden (Inglaterra), Midlothian (de middle Lothian,, na Escócia, onde se situa a capital, Edimburgo), Meath ou terra de Middhe (actual County Meath, na Irlanda). Na França, no centro geográfico do “hexágono”. Em Portugal teremos os topónimos de Meadas, Mealhada, Midões, que remetem para a função de centro e “meio” e de labirinto e de Luz (a “amêndoa” – dos Almendres). Segundo as fontes bíblicas, a palavra Luwz = Luz (palavra original hebraica lwz/zwl). Na Bíblia (Génesis, 28, 10-19) está escrito: “(…) Jacob exclamou: ‘O SENHOR está realmente neste lugar e eu não o sabia!’Atemorizado, acrescentou: «Que terrível é este lugar! Aqui é a casa de Deus, aqui é a porta do céu’ No dia seguinte de manhã, Jacob agarrou na pedra que lhe servira de travesseiro e, depois de a erguer como um monumento, derramou óleo sobre ela. Chamou a este sítio Betel, quando, originariamente, a cidade se chamava Luz.”. Hoje, do ponto de vista geodésico, o centro perfeito de Portugal, é Melriça, no cume da Serra da Melriça, no concelho de Vila de Rei, grande marco geodésico de forma piramidal, erguido em 1802, com 9, 1 m de altura, acrescentado aos 592 m de altitude do Picoito da Melriça, perfaz uns canónicos 600 m de altitude. (Latitude 39º 42’ N/Longitude 8º 8’ W). 9 Estas teses não são novas. Para quem anda nisto há muito tempo sabe das diversas especulações de amadores como Alfred Watkins5 (o “inventor” das ley lines, alinhamentos de monumentos e acidentes na paisagem, “estradas direitas” dedicadas ao comércio de antanho – e que afinal parecem ter mesmo existido, embora sem a extensão e o conteúdo prosaico que ele lhes atribui mas antes no quadro – ainda mais assombroso – do estabelecimento de paisagens rituais na pré-história – e usadas até aos tempos históricos!). Ou as de Xavier Guichard6, que estabeleceu um conjunto de meridianos de lugares, vilas e cidades com o nome derivado dos radicais aLS (Alesia), e que chegam a Portugal (a Alijó, por exemplo) 10 e a que ele chamaria “linhas do sal”. Também o germânico Willelm Teudt se debruçou sobre este tipo de alinhamentos a grande distância (a acautelar por causa das simpatias nazis pelas suas teses…), ou mais recentemente Louis Charpentier7, que repegou no mito de Hércules, para descobrir uma espiral virtual geograficamente instita, e abrangendo os topónimos em LU, apontando para os Lígures como povo civilizador no neolítico: o seu guia seria Hércules e, sem exagerarmos, o roubo do gado, seria uma maneira mitológica de explicar a expansão do neolítico e do fenómeno da domesticação de animais e plantas, registado desde tempos imemoriais. A isto podem juntar-se os estudos mais sofisticados das geografias sagradas grega e romana da autoria de Jean Richer. Fantasias, claro. No caso de Robb, este magnífico alinhamento justificaria, também a unidade da cultura céltica. Se Hércules “civilizador” começou este périplo terrestre em Sagres, não sabemos, mas miticamente bem poderá ter sido assim, com contactos entre populações neolíticas – das mais antigas do ocidente europeu – nesta ponta ocidental da Península. Curiosamente, para quem estranhe esta associação do sudoeste ibérico aos celtas, esclareço que os Cinesi ou Cinéticos (que ocupavam o E podemos então fazer a pergunta: e se o périplo do corpo de Vicente, santo, nascido em Saragoça (Cesare Augusta) – por onde passaria a Via Heraklea “conceptual”, proposta por Robb – e martirizado em Valência, não fosse mais do que um regresso do herói (agora santo) ao lugar de origem da sua mítica viagem, uma revivescência, marítima – como doravante será sempre marítima a saga dos seus despojos –, à terra onde tudo acaba e recomeça? OS CORVOS ORACULARES Já no tempo dos árabes, conhecido o lugar de onde se encontravam as relíquias de S. Vicente, o Cabo de Sagres será nomeado Chakrach, continuando a ser um lugar de peregrinação. A Igreja do Corvo, associada ao acolhimento dos despojos sagrados daquele santo parece ter desempenhado, de facto, um papel fundamental na própria fundamentação do reino português, ou não tivesse D. Afonso I organizado duas expedições para resgatar o corpo do santo, trazendo-o para Lisboa (que mantém a barca que transportou o féretro e os dois corvos que o terão acompanhado, no seu escudo de armas). Mas o que acontece de mais impressionante é a manutenção do culto, em período pós-romano, desta vez substituído pelo de um santo que foi, também, já como cadáver, movendo-se sobre as águas, um viajante (aparentemente) involuntário para ocidente – onde aportou – e que a lenda dá associado aos corvos, aves negras que simbolizam simultaneamente a vida e a morte, mas também a luz, eventuais substitutos de símbolos ou atributos divinos dos deuses que ali se veneraram. Em termos iconográficos S. Vicente é representado, geralmente, com aparência jovem, vestindo os trajes Cabo Cinético) segundo os geógrafos gregos, eram vizinhos dos Keltoi (Célticos) do Alentejo – assim descritos pelos romanos: e vermelhos de diácono, associado a diversos atributos, como os corvos, uma nau ou caravela (as “armas” da cidade de o que é mais é que os arqueólogos avançam hoje (Simon James8, Barry Cunliffe9) com a hipótese extraordinária da língua kéltica Lisboa, das mais enigmática e fascinantes do ocidente europeu…!) – o veículo que transportou o féretro – uma corda, relacionada com a tentativa de resgate do corpo, e em cenas historiadas que relatam o martírio, especialmente os ou céltica, ter sido difundida da Ibéria Ocidental para o resto da Europa, num movimento contrário ao que era comumente aceite! Sabe-se hoje que as famosas estelas em escrita dita tartéssica, são afinal a adopção do silabário fenício a uma língua que não é mais do que um ramo das línguas célticas… 5 WATKINS, Alfred, Early British Trackways, Moats, Mounds, Camps and Sites, Simpkin, Marshall, Hamilton, Kent & Co. (London); The Watkins Meter (Hereford), 1922; idem The Old Straight Track, 1925 (reeditado: Abacus, 1988). 6 GUICHARD. Xavier, Eleusis Alesia: Enquête sur les origines de la civilisation européenne, 1936. 7 CHARPENTIER, Louis, Os Gigantes e os Mistérios das Origens, Lisboa, Bertrand, (reed.), 1974. 8 JAMES, Simon, The Atlantic Celts, British Museum Press, Londres, 1999. 9 CUNLIFFE, Barry, Britain Begins, Oxford, Oxford Univ. Press, 2013; v. também CUNLIFFE, Barry, Europe Between the Oceans: 9000 BC-AD 1000, Yale, 2011; idem, Facing the ocean: The Atlantic and its peoples, 8000BC – AD1500, Oxford, Oxford Univ. Press, 2001. momentos relativos à sua fustigação na cruz, ao lançamento do corpo com a mó e ao cadáver protegido pelos corvos. Em Portugal, onde o culto assumiu grande proporções, encontram-se em grande profusão representações do santo, especialmente entre a pintura de inícios do século XVI, sendo certo que anteriormente, quer na escultura quer em tábuas pintadas entretanto desaparecidas, era frequentemente representado. De entre todas as peças de arte mais representativas, contam-se os famosos Painéis de S. Vicente ou Painéis das Janelas Verdes, nos quais o santo, duplamente representado, se encontra associado a uma corda (a seus pés), a dois livros (um aberto, o outro fechado) e a um caixão (onde foi enterrado). Estes painéis associavam-se a outros, que compunham um retábulo na capela-mor da Sé de Lisboa, representando cenas do martírio. 2.PÉRIPLO MARÍTIMO O corpo incorrupto do mártir, é um dos aspectos a ter em conta numa análise tradicional ou esotérica deste culto. O facto dos corvos se encontrarem associados à iconografia vicentina –à sua história- tem permitido aproximar o seu culto do culto pré-histórico do deus Lug, precisamente simbolizado pelo corvo, ave da luz e das trevas. S. Vicente seria assim um avatar de um culto ancestral, que manteve, inclusivamente, o símbolo dessa entidade –a mesma que teria dado origem aos cultos de Baal ou Saturno. Esta faceta da hagiografia vicentina parece ser de toma em conta e, pese embora ser por enquanto impossível provar a precedência do culto de Lug, não parece deslocada a proposição, sabendo o alcance e importância deste Deus entre os povos pré-celtas e celtas. Tão importante é a própria história vicentina. Na realidade trata-se de uma história que contém no seu seio aspectos que vertem de arquétipos que encontramos, de forma igualmente simbolizada na doutrina hermética e na própria alquimia. De facto, o que a hagiografia nos conta é o transporte de um corpo que não se corrompe, mas que se encontra morto, num vaso, acompanhando o sentido do Sol; fá-lo sobre as águas, isto é, em regime de dissolução. O seu atributo mais evidente será o corvo, de cor negra, precisamente a ave escolhida no complexo sistema simbólico e hieroglífico da alquimia para assinalar o momento inicial da realização da chamada “Grande Obra”, correspondente ao “solve”, à morte, à caveira ou caput mortem (as relíquias?): o nigredo. Naturalmente que o arquétipo desta viagens simbólicas será a do Osíris egípcio. Lugar de culto moçárabe, Sagres acolheria, depois outras lendas mais ou menos infundamentadas, como a de ter sido o assento da “escola” de navegadores criada pelo Infante D. Henrique, que ali (ou nas vizinhas povoações de Vila do Bispo e Raposeira) estadiava frequentes vezes. A longa diacronia do estabelecimento humano é documentável na fortaleza e no antigo convento do vizinho Cabo de S. Vicente (hoje farol)10. O Cabo de Sagres viu a fundação da chamada Vila do Infante em Terçanabal, mas o futuro de Sagres haveria de ser, formalmente, o de uma fortaleza marítima, construída entre meados do século XV e somente acabada no século XVIII, em 1794. 10Do complexo “continental” deste cabo do mundo, fazem parte itinerários costeiros que conduzem a Lagos, passando pela Raposeira (com a sua velha ermida de Nª. Sª. de Guadalupe). Desenho da armada de Francis Drake: “Cape Saker”, com a representação da Fortaleza de Sagres (1587). 11 12 Levantamento da “rosa-dos-ventos”, segundo a interpretação astronómica de José A. Madeira (MADEIRA, 1961) 3.A “VILA DO INFANTE” NO CÍRCULO GRADUADO DE SAGRES Entre 1433 e 1437, com o começo das estadias do Infante D. Henrique no Algarve, e especialmente desde cerca de 1448, este terá observado a necessidade de conceder apoio aos mareantes de passagem pela zona, quando das (por vezes obrigatórias) interrupções da navegação durante a passagem do Mediterrâneo para o Atlântico, mandando edificar a Vila do Infante11, cuja localização tem sido objecto de controvérsia. Do que não parece restar dúvidas é da importância da Trasfalmenar árabe (ou ponta “do farol” ou “da vigia”), topónimo muito antigo identificável com a zona do Cabo de S. Vicente, ou do Terçanabal árabe (ou “tarif anabal”, o “cabo de Aníbal”), este melhor identificável com o Cabo de Sagres e o seu respectivo complexo de enseadas, a oriente. A doação ao Infante D. Henrique, por parte do seu irmão o Infante D. Pedro do “Cabo de Trasfalmenar” remonta a 27 de Outubro de 1443, o que estará na origem da intervenção naquele finisterra., dando continuidade a uma ocupação humana, traduzida pela existência de povoações e estabelecimentos de origem árabe ao qual a política do Infante quis dar continuidade na perspectiva do apoio aos navegantes. Já o chamado gnomon de Sagres pode relacionar-se com a agrimensura e com a gromática. Trata-se da enigmática figura circular, raiada, desenhada no solo, com cerca de 43 m de diâmetro, conhecida como “rosa-dos-ventos” de Sagres construída no plano horizontal da fortaleza, sobre a terra e a rocha do promontório, com terra batida e seixos acumulados, desenhando um círculo completo no qual se inscrevem 24 diâmetros maiores ou segmentos compostos por seixinhos. Foi interpretada como um grande relógio solar, ao qual falta agora o gnomon, ou seja, a vara ou stilo que se erguia ao alto para projectar a sua sombra. Mas entre um quadrante solar e uma rosa-dos-ventos não existem concordâncias: uma rosa-dos-ventos divide-se em oito direcções e subdivide-se sucessivamente até ao número de trinta e dois segmentos determinados por outros tantos raios. Neste caso, o círculo graduado divide-se em doze partes, alargadas a 24 diâmetros (ou seja, possui 48 raios). Face às muitas dúvidas existentes levantei outra hipótese para a função da figura raiada no solo de Sagres. Com efeito, o grande círculo poderá ter desempenhado a função de “afinador” das agulhas de marear, para a posição do 11V. carta datada de 19 de Setembro de 1460, escrita em Sagres pelo próprio Infante D. Henrique, onde o príncipe fala concretamente da “qual vila eu fiz”. extremo Sul. Já Rafael Moreira12, propõe a função de “platea”, na sequência de uma leitura muito precoce de Vitrúvio, regulando a fundação da famosa mas nunca materializada “vila ideal” conhecida como Vila do Infante. Chamo a atenção para um facto deveras intrigante que, tanto quanto sei, tem passado despercebido: numa gravura oitocentista, aparece um pequeno edifício de planta circular localizado no lugar onde hoje se encontra a “rosa-dos-ventos”, presumivelmente no seu centro. Qual a relação deste objecto arquitectónico com a “rosa-dos-ventos”, eis algo que praticamente ninguém assinalou e que permanece no domínio do desconhecido. A inexistência de trabalhos arqueológicos concludentes e com uma metodologia moderna aquando da redescoberta da figura radial comprometeram a sua interpretação. Mas esta construção, mesmo sendo tardia, não deixa de estar relacionada com o programa das “torres dos ventos” vitruviana… É que existe, para mais, um eventual paralelismo no Algarve para uma estrutura com esta função, e bastante conspícua nos seus propósitos: trata-se da Torre dos Ventos da Herdade da Horta dos Cães, em Faro, recentemente estudada por Francisco Lameira e J.E. Horta Correia13. Ter-se-á ficado a dever ao mecenato de Veríssimo de Mendonça Manuel, o desembargador dono da propriedade, e pode datar de meados do século XVIII, com obras executadas por Diogo Tavares e Ataíde (1711-1765). Conhecida por “Celeiro de S. Francisco” (porque serviu tardiamente a função de celeiro), trata-se uma torre octogonal, com dois andares, com o piso térreo abobadado e o superior 12 13 “A ideia do Infante era criar ex nihilo uma vila nova no próprio lugar de Sagres, no alto da falésia rochosa que se sobrepõe à pequena enseada, a última do Ocidente europeu. Fundo-a à volta de 1448 com o nome árabe de “Terçanabal” (provavelmente de Tarf Anabal, “cabo de Aníbal”), logo em 1451 mudada do cabo de S. Vicente para o vizinho cabo de Sagres com o nome definitivo de “Vila do Infante”, depois “vila de Sagres” como ficaria até hoje conhecida. Compunha-se de uma muralha no istmo do promontório, uma igreja para cemitério dos mortos e conforto dos vivos, casa do capitão, cisterna, e séries de moradias iguais dispostas em ruas paralelas – as correntezas – com ampla chaminé e espaço para actividades industriais (como o fabrico e conserto de cordas e velas): uma verdadeira “vila ideal” de carácter utilitário/portuário, sob o influxo dos técnicos italianos que recebia. À entrada, de cada lado da rua marcando o eixo, duas amplas praças: uma com o habitual pelourinho, símbolo da autonomia municipal, a outra com uma estranha rosa-dos-ventos de 48 metros de diâmetro, traçada no solo com marcação de pequenas pedras e um mostrador ao centro com orifício para a inserção de um poste, o gnómon, de modo a servir tanto de indicador da direcção dos ventos como de relógio solar (descoberta em 1938, juntamente com moedas de D. Afonso V contemporâneas do Infante). Tratava-se de um perfeito observatório astronómico, destinado a indicar aos mareantes que aguardavam dentro dos seus barcos o momento exacto de se fazerem ao Oceano e de rumar ao sítio pretendido (…).“Pois a rosa-dos-ventos de Sagres tem 32 rumos – o que significa não só que Vitrúvio aí foi tomado plenamente a sério, como a sua invenção ampliada em mais oito raios, até chegar muito perto da moderna rosa de 36 rumos, que não se divulgará antes do século XVIII.” Cf. MOREIRA, Rafael, “A mais antiga tradução europeia de Vitrúvio. Pedro Nunes em 1537-1541“ in Tratados de Arte em Portugal/Art treatises in Portugal, MOREIRA, Rafael e RODRIGUES, Ana Duarte, dir.), Lisboa, Scribe, 2011. HORTA CORREIA, José Eduardo, “A Torre da Horta dos Cães”, Monumentos, 24, Março 2006, pp.106-115. Cesare Cesariano, Vitruvii De architectura., fls. XXVI, XXVII e XVIII 13 14 Gravura publicada na revista O Panorama, representando a fortaleza de Sagres com a correnteza de casas delimitando o terreiro ou “praça de armas”, as muralhas em “dente de serra” e os baluartes modernos. No lugar onde hoje se encontra a “rosa-dos-ventos”, vê-se o que parece ser uma capela (ou uma torre?), com cúpula gomeada. servindo de miradouro. Em baixo cada faceta da torre recebeu um rasgamento de um óculo elíptico e em cima janelas de verga recta. A decoração inclui figuras em relevo “de massa”: um Índio, com a legenda “CABO DA BOA ESPERANÇA ADAMASTOR” e Hércules com os seus atributos, igualmente legendado (“Hércules”), inspirados em gravura do álbum Iconologia de Cesare Ripa. O edifício é notável, não pela sua monumentalidade, mas pelo seu grau de ineditismo. E mostra um traço da cultura tardo-barroca portuguesa, que passou pela valorização de Vitrúvio mas com o conhecimento já da autêntica Torre dos Ventos de Atenas por via da sua difusão pela imagem gravada, sendo dela uma revisitação “arqueológica” e culta, no que poderá ser a chave para uma idêntica revisitação do tema em Sagres. Mais tarde a contemporaneidade irá apropriar-se do local para fazer dele um ponto de projecção mítica da própria história de Portugal. Sem nos determos por agora nos aspectos históricos, cabe perceber que o cabo de Sagres passou a ser um fascinante “lugar de memória”, no qual se pretendeu remontar parte da história de Portugal, se necessário fosse através da sua monumentalização, como ficou patente nos três concursos lançados para este propósito pelo Estado Novo nas décadas de 30 a 50. 1977 O Infante D. Henrique, com o qual -mal ou bem-, se identificam os descobrimentos portugueses contribuiu para a justa fama do lugar e para a construção ou “reconstrução” da sua mitologia, especialmente em períodos de Cesare Cesariano, Vitruvii De architectura. fls. XXV; fl. XXIV celebração. Curiosamente, por coincidência ou talvez não (certamente que não...), a figura do Infante D. Henrique consagrada pela história mítica de Portugal é uma figura contemplativa e melancólica, sentada e em meditação, olhando o oceano, Torre da Horta dos Cães, Faro. Alçados e plantas (seg HORTA CORREIA, 2006) gizando a estratégia militar e técnico-científica dos descobrimentos. Vestido de preto – a côr de Saturno –, com o seu largo chapeirão, o Infante D. Henrique, como que de propósito, encarna, modernamente, a figura quase faustiana daquele deus. Ou seja, nos cultos políticos da pátria, um dos principais lugares é ocupado por um filho de Saturno. E as próprias etapas dos descobrimentos podem ser entendidas como a substituição simbólica dos trabalhos de Hércules. Não andamos, afinal de contas, longe dos geógrafos antigos... Bibliografia ANDRADE, Luis, O Infante de Sagres, Porto, 1894. AVIENO (ed. De José Ribeiro Ferreira), Orla Marítima, Lisboa, 1992. BARATA, Maria Filomena Barata, “O Promontorium Sacrum e o Algarve entre os escritores da antiguidade” in Noventa Séculos entre a Terra e o Mar, Lisboa,, 1996. CORREIA, Vergílio, “Iconografia de S. Vicente” in Terra Portuguesa, nº 42, 1927. CORTEZ, José, “Paços do Infante no Sacro Promontório?” in Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes, nº 9, 2ª série, Lisboa, 1956. COSTA, Abel Foutora da , “Vila do Infante, antes Terçanabal e Sagres depois”, Arquivo Histórico da Marinha, vol. 1, 1933-1936. CUNLIFFE, Barry, The extraordinary voyage of Pytheas de Greek, Londres, 2001. DIAS, Jacinto Palma, “Cristianismo mçárabe e cristianismo romano nos primeiros séculos de nacionalidade portuguesa” in Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa, 1990. ESPÍRITO SANTO, Moisés, A Religião Popular Portuguesa, Lisboa, 1984. GANDRA, Manuel Joaquim (coord.), Da vida, da morte e do sagrado na região de Mafra, Mafra, 1998. GANDRA, Manuel Joaquim, Da Face Oculta do Rosto da Europa, Lisboa, 1997. GARCIA, J. Manuel, CUNHA, Rui, Sagres, Lisboa., 1990. GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987. GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987. GOMES, Mário Varela, “Megalitismo no Barlavento AlgarvioBreve Síntese” in Setúbal Arqueológica, vol. XII-XIII, 1997. JAMES, Simon, The Atlantic Celts, Londres, 1998. JANA, Ernesto, “Vila do Infante” in Dicionário de História dos Descobrimentos, Lisboa, 1994. LEITE DE VASCONCELOS, J. , Religiões da Lusitânia, Lisboa, 3 vols. 1897-1913. MADEIRA, José António Madeira, “Estudo histórico-científico, sob o aspecto gnómico da figura radiada de pedra tosca suposta coeva do Infante D. Henrique, existente na antiga ‘Vila de Sagres’ “ in Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, vol. II, Lisboa, 1960. MICHELL, John, The dimensions of Paradise, Londres, 1988. MICHELL, John,. RHONE, Christina, Twelve tribe nations, Londres, 1991. Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa, 1990. NASCIMENTO, Aires do, “Milagres de S. Vicente” (excerto) in Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa, 1990. RICHER, Jean, Géographie Sacrée dans le Monde Romain, Paris, 1994. RICHER, Jean, Sacred Geography of the Ancien Greeks, Paris, 1989. VICENTE, E.P., MARTINS, A.S., « Menires de Portugal » in Ethnos, vol. VIII, 1979. 15 SAGRES AND S. VICENTE: TEMPLE. ABYSS. ENIGMA Paulo Pereira 1. INTERDICTS. FROM MENHIRS TO “BOULDERS” Where everything ends and starts over. This is the sign of one of the most important European capes demarcating the end of a region, where the astro-king sunset and the mysterious night fall are seen, on an nonstop lunar-solar cycle. In reality, it’s all about two capes demarcating the end of a region that tradition ends up associating: the cape of Sagres and S. Vincent’s cape. The hugeness cosmic sign conducted to the sacralization of this two world’s monumental extremes and its geographic position was so evocative that this synthesis was being made already since classical antiquity. Greek and Latin geographers have described the place as the absolute limit and mark of the Atlantic sacred topography. Therefore the promontory is saturated of pre-historical, historical, mythical and symbolic references and is already referred as sacred cape in those antiquity sources. Greeks present it as Ieron Akroterion. It starts almost invariably being described as Promontorium Sacrum, place of ancient cults to Saturn (sacra Saturni) or to Hercules, branded also by night interdiction rites, on its turn associated to pre-historical remains on its surroundings. When Strabo describes the Sacred Promontory place, he mentions “organized stones in groups of three or four, in which, according to an old habit, are turned upside down by those who visit the place and after being offered a libation are collected into its anterior position” (Estr. III, 1, 4). This allusion will be a misapprehensive reference to enclosures built by stones around which believers and clergyman would move, real megalithic enclosures being certain the existence of important remains of somewhat 5.000 b.C, in Sagres surroundings, constituted by small dimensions’ menhirs. Alias, Algarve seems to have constituted, together with some fringes of the Alentejo and Estremadura coast, one of the premature areas of penetration of the Neolithic throughout the establishments of populations carriers of a new economy and cardial ceramics. It can also be assured the distinctive menhiric megalithism of Algarve’s Barlavento. One of the most interesting examples is the archaeological station of Caramujeira1 in Lagoa. In a ancient or medium Neolithic context it were found 25 small 1 Distribution of gathered or isolated menhirs of the Peninsula of Sagres and Saint Vincent (from GOMES et allii, 1987) Dug in early 70’s by Mário Varela Gomes, Pinho Monteiro and Cunha Serrão. See also: Cromeleques; Megalitismo; Menires ;see also vols. IV, VI. Cf. GOMES, Mário Varela et allii, “A estação arqueológica da Caramujeira . Trabalho de 1975-76” in Actas das III Jornadas Arqueológicas, Lisboa, 1977; Valcamonica Symposium, III, 1979. See also GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987; idem, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987; idem, “Megalitismo no Barlavento Algarvio- Breve Síntese” in Setúbal Arqueológica, vol. XIIXIII, 1997. To territorial survey GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987; GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987. menhirs of calcareous white and yellow, unknown material in that place, placed all around, and in range of a surface’s hamlet. Some of them are decorated by string bands that go from foot to top, being this one marked by distinction representing the ureter meatus, uniting a symbology that we can associate to feminine polarity (the bands, constitute by ovals united in-between each other with a trace in the middle, evoking vulvas) and the masculine polarity throughout the patently phallic morphology of menhirs. Some of the menhirs of Caramujeira have revealed remains of red painting. To this group are associated nucleus of menhirs of the same type – isolated, in line or in “cromlechs”, situated not too far: Vale Sobral, Areia das Almas, Porches, Raposeira (Monte da Pedra Branca, Padrão) and, of course, the ones from Sagres, with Monte dos Amantes station and many others, already detected by Mário V. Gomes e Tavares da Silva2. 2A more recent survey and territorial recognition of David Calado continue to identify the association of hamlets to small menhirs (or rests of them) on the south west region of Algarve. For exemple, Quinta da Queimada, de Odiáxere, Pinheiral, Monte Alto, Figueiral, Montinho da Rocha, Maranhão Novo, Monte do Castanheiro, Sabrosa, Montes Juntos ou Palmares Cf. CALADO, David, “Poblados con menhires del extremo SW peninsular” in Revista Atlántica-Mediterrânea de Prehistoria y Arqueología Social, vol. III, 2000, pp. 47-99. Padrão (pattern) Menhir Remains of enclosure or megalithic alignment on the terrace of Sagres/ Vila do Bispo Raposeira 17 Mainly areas that deliver remains of seasonal or longer lasting exploration and occupation, eventually from the VI millennium but with occupation most likely until the IV millennium. Anyway they enhance the precociousness of the menhirs’ phenomena, associating themselves to this hamlets as delimiters of domanial reference areas. Its short height (between 0,60 and 3,50 m – at times even, its modesty) seem to indicate that they were destined to work as territorial markers, associated to a sacred 18 disappears, to again, already transformed in stone, places himself at the boulder. It existed, therefore and still, in the end of the XIX century, true spatial interdicts in the cape area, that should not, at least these ones, differ a lot of what happened in pre and proto history. As locus sacer of long term and persistent tradition, it is probable that the interdicts ascend, until, the Neolithic times. It is, then, probable that through the religious syncretism function to the”Beith-el” or “idols” style. This way it’s probable that the coast menhirs were found associated to hamlets, campings or settlements eventually connected to the first agricultural explorations of the area even if strongly influenced by a “epimesolithic” recollecting economy, with a cult sedimentation has been promoted throughout times. In Sagres and in Saint Vincent, or only in Saint Vincent (or only in Sagres …) a place of cult to a divine entity, assimilable to the Phoenician Baal or the Greek Cronus and specially to the Roman Saturn, could have a temporary component (and portable) or semi sedentary. It is not difficult to imagine the meeting, at night, of a small community around a fireplace, illuminating a round circle, delimited or punctuated by two or more small red and white “Beith-el”, on its turn ritual libations or manifestations been destined. Baal Hammon was the consortium of the Phoenician goddess Tanit and would be known as “the one objects of idolatrous homage at certain times of the year. Avieno, on IV b.C., describes the Cinetes’ or Cónios’ territory giving it the Cinético cape as limit. He considers Hercules temple, as falsely stated Éforo, nor any altar to him dedicated or to any other god” (Estr. III, 1, 4) what, his the place “where the stellar light declines itself” to what it follows “a promontory that scares through its rocks, also It consecrated to Saturn. the crispy sea boils and the rocky coast extensively extends itself”. It’s worthy to remember the etymologic relation that the Cinete or Cónios ethos possesses with the word oKeaNos, with the same radical in KN. To the place’s definition as locus sacer (or sacred place), Strabo, that says that there isn’t really a sanctuary (we suppose that Strabo is referring to a temple, officially established) assures that in there, in that cape, “it is not allowed to offer sacrifices nor there spent the night because it is said that the gods occupy it at those hours. The ones visiting it spend the night at a nearby village, and after, during the day, go there with water, as the place doesn’t have it” (Estr. III, 1, 4). Leite de Vasconcelos shows an ethnographic comparative explanation, based on a visit he did to the cape (in Religiões da Lusitânia): “In the whole cape nobody doubts that the Promontory stones have magical significance (…) on the cape’s extreme, close to the lighthouse and the ruins of Saint Vincent’s Monastery, there are various molehills of small stones, that people call of boulders (moledros) (...). To what concerns those boulders I collected from the peoples mouth the two following news: that is hidden”, what fits to a solar roots’ cult in a place where, precisely, is hidden until the start over of the daily cycle. On his turn, Strabo said that “there isn’t there any in our idea, does not take the sacred character to the place, only defines it as informal sanctuary from the Neolithic or Chalcolithic times, as the profusion of archaeological remains accredits on the Sagres’ ring – and the reference to Hercules, a semi-god, settles for a pre-Hellenic and pre-Phoenician tradition. That said, it is, fascinating the recent proposal of Graham Robb3, essayist, traveller, writer and amateur archaeologist, about the existence of an alignment of great dimensions, that crosses on the diagonal the Iberian Peninsula, in straight line, starting on Sagres Cape and crossing the Pyrenees. According to Robb, this straight line, would correspond to the Via Herakleia, obeying to a solsticial alignment (aligned by the Summer sunrise on the solstice) that would link Europe’s western extreme – Sagres, cult place of Hercules/Melkart – to Gaul, and giving birth, or being used as backbone to Celtic culture institution. I do know that we find ourselves in that abyssal and scary domain (according to the academics, of whom I am a part of, for that matter!), of speculations: but how many of those did not have been certified by archaeology, making afterwards archaeology the blank slate of the dilettantes’ daring proposals (and sometimes apparently delirious). This Via Herakleia, certified by antiquity geographers, would be the one followed by Hercules, after stealing the “a) when one stone is taken from the boulder, and it’s left at one place, there the stone grows dark and do not dawn: that is, vae-se (goes) in the morning to the place that at night the stone was left, and this stone is not there anymore, and reappears at the boulder: it is D. Sebastião oxen of Gerion, climbing to the Gaul lands through the Pyrenees Matrona “pass”: this line was also called the sun who at night takes the stone to the boulder./ “b) when one stone is taken from the boulder, without nobody knowing it, and it is placed under the pillow, it appears there, the other day a soldier, that immediately of the world, meaning: Sagres. column, because it followed the astro-king path, since its origin on the Summer solstice (to NW) until the sunset on Winter’s solstice (to SE), place of fear and darkness, the end 3ROBB, Graham, The Ancient Path, Londres, Picador, 2013. Via Herkleia according to ROBB, 2013 The critics to Robb’s thesis are many: actually, the Caminho or Via de Hércules, historically and archaeologically considered, and followed by Aníbal and the Carthaginian armies in the Punicum wars, walks zigzagging, from Cádiz (the old Gades/Gadeira, or Gadir) through the Spanish East upwards, on a perfectly normal trace and full of upheavals. But what matters to me in Robb’s intuition is this fact: the “historical” path, would have his counterpart on a “”conceptual”, sacred and ritual path”, that would correspond to this Via Herakleia, calculated by rule and level or straight. Without adventuring on the supposed druid’s or clergymen’s knowledge – Celtics, according to him, being the path very old, fixed between the 800 and 600 b.C. – is a fact that the line establishes several places throughout its course (and cities) whose original name is mediolanum (the “earth of the centre” or Middle Earth as he calls it, reminding us of Tolkien!) 4. Many are the cities by him identified with this ancient name inside this route and its resultant geographic declinations – I would even say archae-topographic – in Gaul, England and Italy (Portugal unfortunately doesn’t enter in his accounts, except Sagres, starting point of everything...). 4I have done this army to Portugal. The concept of “centre”, on a traditional sense, do not resumes itself to its strict “geometric” range, geographic or geodesic, embracing yes the sacred domains. The centre is, equally, the point from where the “four directions of space” irradiate, is the “world’s axis” the omphalos or “world’s navel”, the focus, in latin, with domestic dimension, the place where the essential to life “sacred fire” is preserved. A classical antiquity Western tradition agrees with a sanctuary, through the system of amphictionies and of dodecapólos,. The “central” places are accused by toponomy: Milan, (Mediolanum) – land of the middle – Meriden (England), Midlothian (middle Lothian,, in Scotland, where Edinburgh, the capital is situated), Meath or land of Middhe (actual County Meath, in Ireland). In France, in the geographic centre of the “hexagon”. In Portugal we’ll have the toponomy of Meadas, Mealhada, Midões, that refer to the function of centre and “middle” and of labyrinth and Light (the “amêndoa” (almond) – of Almendres). According to biblical sources, the word S Luwz = Luz (light) (original Hebraic word lwz/zwl). In the Bible (Génesis, 28, 10-19) it is written: “(…) When Jacob awoke from his sleep, he thought, “Surely the Lord is in this place, and I was not aware of it.” 17 He was afraid and said, “How awesome is this place! This is none other than the house of God; this is the gate of heaven.” 18 Early the next morning Jacob took the stone he had placed under his head and set it up as a pillar and poured oil on top of it. 19 He called that place Bethel,[c] though the city used to be called Luz.”. Today, from the geodesic point of view, the Portugal perfect centre is Melrica, on top of the Serra da Melrica, on Vila de Rei (Village of King) great pyramidal geodesic mark, built in 1802, with 9, 1 m height, adding to the 592 m altitude of Picoito da Melriça, makes some canonical 600 altitude. (Latitude 39º 42’ N/Longitude 8º 8’ W). 19 These thesis are new. Those who work on this since long time are aware of the various speculations of amateurs like Alfred Watkins5 (the “creator” of ley lines, monument alignments and passage accidents, “straight roads” dedicated to the yesteryear commerce – and that, seem to really have existed after all, even if without the extension and prosaic content that is attributed to it but on board instead – even more scary – of the establishment of ritual landscapes in pre-history – and used until the historical times!). Or those of Xavier Guichard6, that established a group of place meridians, villages and towns with the name derivative from the radicals aLS (Alesia), and that arrive to Portugal 20 ( Alijó, for example) and that he would call “lignes du sel”(lines of salt). The Germanic Willelm Teudt has also studied this long distance alignments (ought to be careful due to his Nazi sympathy in his thesis …), or more recently Louis Charpentier7, that picked up on Hercules’ myth, to discover a virtual spiral geographically instita, and embracing the toponyms in LU, pointing to the Ligures as Neolithic civilizing people: their guide would be Hercules and, with no overstatement, the cattle theft, would be a mythological way that would explain the expansion of the Neolithic and the phenomena of animal and plant domestication, registered since immemorial times. To this it can be added the most sophisticated studies of the Greek and Roman sacred geographies by Jean Richer. Fantasies, of course. In Robb’s case, this magnificent alignment would justify, also, the unity of the Celtic culture. We don’t know If Hercules the “civilizer” started this earthly circuit in Sagres, but mythically it could have been this way, with contacts between Neolithic populations – from the most ancient of the European Western – in this Peninsula’s Western end. Curiously, to those who admire this association of the Iberian South to the Celtics, I make clear that the Cinesi or Kinetics (that occupied the Kinetic cape) according to Greek geographers, were neighbours of the Keltoi (Celtics) from Alentejo – described that way by the Romans: and more so what the archaeologists advance today (Simon James8, Barry Cunliffe9) with the extraordinary hypothesis of the Celtic or kéltica language, to have been spread from Western Iberia to the rest of Europe, on a contrary movement of what was normally accepted! It is known today that the famous 5 WATKINS, Alfred, Early British Trackways, Moats, Mounds, Camps and Sites, Simpkin, Marshall, Hamilton, Kent & Co. (London); The Watkins Meter (Hereford), 1922; idem The Old Straight Track, 1925 (reedited: Abacus, 1988). 6 GUICHARD. Xavier, Eleusis Alesia: Enquête sur les origines de la civilisation européenne, 1936. 7 CHARPENTIER, Louis, Os Gigantes e os Mistérios das Origens, Lisboa, Bertrand, (reed.), 1974. 8 JAMES, Simon, The Atlantic Celts, British Museum Press, Londres, 1999. 9 CUNLIFFE, Barry, Britain Begins, Oxford, Oxford Univ. Press, 2013; v. também CUNLIFFE, Barry, Europe Between the Oceans: 9000 BC-AD 1000, Yale, 2011; idem, Facing the ocean: The Atlantic and its peoples, 8000BC – AD1500, Oxford, Oxford Univ. Press, 2001. steles written in tartessian writing, are after all the adoption of the Phoenician spelling book to a language that is no more than a branch of the Celtic languages... And then we question: If the circuit of Vincent’s body, saint, born in Saragossa (Cesare Augusta) – through where touches the “conceptual” Via Heraklea, proposed by Robb – and martyred in Valencia, wouldn’t be more than the return of the hero (now saint) to the origin place of his mythic voyage by sea – as from now on will always be by sea the saga of his remains -, to the land where everything starts and restarts? THE ORACLE CROWS Already in Arabic times Sagres cape will be named Chakrach, known place where the Saint Vincent’s relics were found, continuing to be a pilgrimage spot. The Igreja do Corvo (crows’ church), associated to the shelter of the sacred remains of that saint, seems to have performed, indeed, an essential part in the Portuguese kingdom’s foundation, wouldn’t king D. Afonso I have organized two expeditions to get the saint’s body, bringing him to Lisbon (that keeps the barque that transported the coffin and the crows that have come along, on its arms escutcheon). But, the most impressive is the cult’s maintenance, in pos roman period, this time replaced by a saint that was, also, as corpse, moving above the waters, a traveller unintended (apparently) westwards – where he came ashore – and that the legend associates to the crows, dark fowls that symbolize simultaneously life and death, but also light, eventual replacements of divine symbols or attributes of the gods worshiped there. In iconographic terms Saint Vincent is represented, generally, with young appearance, dressed in red deacon suits, associated to various attributes, as the crows, or a vessel or caravelle (the “arms” of the city of Lisbon, one of the most fascinating and mystic cities of the European Western…!) – the vehicle that transported the corpse – a rope, related with the attempt of rescue of the body, and in history reported scenes that account the martyrdom, specially the moments about his cross punishment, to the launching of the body with the millstone and the corpse protected by the crows. In Portugal, where the cult has understood great proportions, representations of the saint are found in great abundance, specially between the XVI century paintings, being certain that it was frequently represented previously, either in sculpture either in painted blanks meanwhile disappeared. Among the most representative pieces of art, are accounted the famous Saint Vincent panels at Janelas Verdes, in which the saint, doubly represented, is associated to a rope (at his feet), two books (one opened, one closed) and a coffin (in which he was buried). These panels were associated to others, that composed an altarpiece in the chancel chapel of Sé de Lisboa, representing the scenes of the martyrdom. 2.SEA CIRCUIT One of the aspects is the uncorrupted body of the martyr, to account on a traditional or esoteric analysis of this cult. The fact that the crows are associated to the Vincent’s iconography – to its history – has allowed the proximity of his cult to the god Lug’s pre-historical one, precisely symbolized by a crow, light and dark fowl. Saint Vincent would be this way an avatar of an ancestral cult, that maintained, inclusive, that identity symbol, – the same that originated the cults of Baal or Saturn. This face of Vincent’s hagiography seems to be important and, even if for now impossible to prove Lug’s cult precedence, the proposition doesn’t seem like out of place, knowing the range and importance of this God among the pre-Celtic and Celtic people. So important is the Vincent’s history. In reality is a history that in its essence has aspects flowing from archetypes we find in an equally symbolized hermetic doctrine and in alchemy itself. In fact, what hagiography shows us is the transportation of a uncorrupted body, but indeed dead, in a pot, following the sun’s route; he does it above the waters, meaning, in dissolution regimen. His most obvious attribute will be the crow, black, precisely the chosen fowl in the alchemy’s complex symbolic and hieroglyphic system to sign the initial moment of realization of the so called “Great Work”, correspondent to “solve”, death, skull or caput mortem (relics?): the nigredo. Naturally the archetype of this symbolic voyages will be the Egyptian Osiris. Place of Mozarabic cult, Sagres would further on shelter other more or less unsupported legends as the one of being the settlement of the navigator’s “school” created by Infante D. Henrique, that there (or in the surroundings of Vila do Bispo and Raposeira) stayed countless times. The long diachrony of human settlement is documentable in the fortress and in the old monastery of the neighbour Saint Vincent’s cape (today lighthouse)10. The Sagres cape has seen the foundation of the called Vila do Infante in Terçanabal, but Sagres future would be, formally, one of sea fortresses, built in the beginnings of XV century and only finished in the XVIII century ,in 1794. 10 Of the “continental” complex of this world’s cape, make part coast itineraries that lead to Lagos, passing by Raposeira (with its old chapel of de Nª. Sª. de Guadalupe). Drawing of Francis Drake’s armada: “Cape Saker”, with the representation of Sagres Fortress (1587). 21 22 Compass rose survey, according to the astronomic interpretation of de José A. Madeira (MADEIRA, 1961) 3.THE “VILA DO INFANTE” THE GRADUATED CIRCLE OF SAGRES Between 1433 and 1437, when D. Henrique started staying in Algarve, and specially since 1448, he would have observed the necessity of giving support to the passing sailors, when navigation interruptions (sometimes obligatory) during the Mediterranean passages to the Atlantic, and had Vila do Infante built.11, whose location has been a controversy object. No doubts are left about the importance of the Arabic Trasfalmenar (or “lighthouse” end or “guard”), very old toponym identifiable with the Saint Vincent area, or of the Arabic Terçanabal (or “tarif anabal”, or “Aníbal cape”), this better identifiable with Sagres cape and its respective complex of coves, eastwards. The “Trasfalmenar Cape” donation to Infante D. Henrique, by his brother Infante D. Pedro ascends 27th october 1443, what will be in the origin of the intervention in that important European cape, giving continuity to an human occupation, brought by the Arabic origin to which the Infante politics wanted to give continuity in the perspective of being supported by the sailors. The so called Sagres gnomon can be related with the surveying and gromatic. It’s all about the enigmatic round figure, striped, drawn on the soil, with approximately 43 m diameter, known as Sagres’ “compass rose” built on the fortress’ horizontal plan, over the earth and the rock of the promontory, with dirt and accumulated pebbles, drawing a complete circle in which are registered 24 bigger diameters or segments composed by little pebbles. It was interpreted as a great solar watch, where the gnomon is missed, that is, the stick or stilo that rose above to project its shadow. But between a solar quadrant and a compass rose there are no agreements: a compass rose is divided in eight directions and subdivided successively until the number of thirty two segments is determined by as many other rays. In this case, the graduated circle is divided in twelve parts, broaden to 24 diameters (meaning containing 48 rays). Facing the many existent doubts I rose another hypothesis to the stripped figure function on Sagres soil. In fact, the great circle could have had the steer needle “tuner” function, to the extreme south position. 11 19th September 1460 V. dated letter, written in Sagres by own and only Infante D. Henrique, where the prince talks concretely about “qual vila eu fiz”(what village I built). Rafael Moreira12, on his side, suggests the “platea”, on the sequence of a very premature reading of Vitruvius, regulating the foundation of the famous but never materialized “ideal village” known as Vila do Infante. I call the attention to an intriguing fact that, as much as I know, have been unnoticed: a little building of round plan located in the place where today the compass rose can be found appears an eighteen century gravure, possibly in its centre. The relation of this architectonic object with the compass rose is something that nobody has ever pointed and that remains in the unknown domain. The non existence of conclusive and with modern methodology archaeological works at the time of the rediscovery of the stripping figure compromised its interpretation. But this construction, even coming late, is related with the Vitruvius “wind towers” program… The thing is that an eventual parallelism exists in Algarve to a structure with this kind of function, and greatly notable in its aims: it is the Torre dos Ventos of Herdade da Horta dos Cães, in Faro, recently studied by Francisco Lameira and J.E. Horta Correia13. It would have been due to the patronage of Veríssimo de Mendonça Manuel, the magistrate owner of the property, that can be dated to the XVIII century, with constructions executed by Diogo Tavares and Ataíde (1711-1765). Known as “Celeiro de S. Francisco” (S. Francisco barn because it served later on as barn), is an octagonal tower, with two floors, with arched ground floor functioning the superior as viewpoint. Down below, each tower’s face were torn with an elliptic eyeglass and, over that, straight stick windows. The decoration includes figures salient in “mass”: an Indian, with the legend “CABO DA BOA ESPERANÇA ADAMASTOR” 12“The Infante’s idea was to create an ex nihilo, a new village in Sagres, on top of a rocky cliff that superimposes itself to the litltle cove, the last one of the European Western. He founded it around 1448 with the arabic name “Terçanabal” (probably from Tarf Anabal, “cape of Aníbal”), right in 1451 moved from the cape S. Vicente to the neighbour cape of Sagres with the final name of “Vila do Infante” and after “vila de Sagres” as it would be known until today. It was composed by a wall at the isthmus of the promontory, a church towards the graveyard of death and confrontation with the living, captain’s house, cistern, and series of equal houses ordered in parallel streets – the streams – with wide chimney and space for industrial activities (as the production and restoration of ropes and veils): a true “ideal village” of utilitarian/port character, under the influx of the Italian technicians it received. At the entrance, on each side of the street marking the axis, two wide squares: on with the usual pelourinho, symbol of municipal autonomy, the other with a strange compass rose of 48 diameters’ meters, drawn on the soil and marked by small stones and a demonstrator in the centre with a hole for the insertion of a post, the gnomon, in order to serve as well as wind direction indicator as solar watch (found in 1938, together with coins of D. Afonso V contemporary of the Infante). It was a perfect astronomic observatory, destined to the sailors that waited inside their boats the exact moment to go on sea and set course to the aimed destiny (...). “Well, the compass rose has 32 courses – what means that not only Vitruvius was there taken seriously, as his amplified vision in eight more rays, until he came very close to the modern rose of 36 courses, that will be not revealed until before the XVIII century.” Cf. MOREIRA, Rafael, “A mais antiga tradução europeia de Vitrúvio. Pedro Nunes em 1537-1541“ in Tratados de Arte em Portugal, /Art treatises in Portugal, MOREIRA, Rafael e RODRIGUES, Ana Duarte, dir..), Lisboa, Scribe, 2011. 13HORTA CORREIA,. José Eduardo, “A Torre da Horta dos Cães”, Monumentos, 24, Março 2006, pp.106-115. Cesare Cesariano, Vitruvii De architectura., fls. XXVI, XXVII e XVIII 23 24 Gravure published on the magazine O Panorama, representing the fortress of Sagres with the stream of houses delimiting the yard or “arms square”, the walls in “saw teeth” and the modern bastions. In the place that today is found the compass rose, it can be seen what seems to be a chapel (or a tower?), with a gummed cupola. and Hercules with his attributes, equally subtitled (“HERCULES”), inspired in the gravure of the album Iconology of Cesare Ripa. The building is remarkable, not by its monumentality, but by its singularity degree. And shows a trace of the Portuguese late-baroque culture, that had Vitruvius’s gentrification but with the knowledge of the already authentic Tower of Winds of Athens through the propagation of its engraved image, to it belonging an “archaeological” and cultured re-visitation, in which it can be the key to an identical re-visitation of the theme in Sagres. Later on, contemporaneity will appropriate the place to transform it in a mythical projection point of Portugal’s own history. Without delaying ourselves on history aspects, it is time to understand that Sagres’ cape has become a fascinating “memory spot”, in which it was pretended to be made allusion to part of Portugal’s history, if necessary through its monumental aspect, as it was patent on the three exams launched by the Estado Novo on the 30’s and 40’s decades. 1977 Infante D. Henrique, with whom – for the better or worst -, the Portuguese discoveries are identified, contributed to the fair fame of the place and to the construction or “reconstruction” of its mythology, especially on celebration occasions. Curiously, by coincidence or not (certainly not…), the Infante D. Henrique figure consecrated by the mythical history of Portugal is a contemplating and melancholic figure, seated and in meditation, looking over the ocean, chalking up the military and scientific-technical strategy of the discoveries. Dressed in black – the Cesare Cesariano, Vitruvii De architectura. fls. XXV; fl. XXIV Saturn’s colour -, with its large hat, The Infante D. Henrique, as if on purpose, incarnates, mildly, the almost faustian figure of that god. That is, on the political cults of the nation, one of the main places is occupied by a Saturn’s son. And the Tower Horta dos Cães, Faro. Plans and elevations (according HORTA CORREIA, 2006) own stages of the discoveries can be understood as symbolic substitution of Hercules works. We are not, after all, faraway of ancient geographers… Bibliography ANDRADE, Luis, O Infante de Sagres, Porto, 1894. AVIENO (ed. De José Ribeiro Ferreira), Orla Marítima, Lisboa, 1992. BARATA, Maria Filomena Barata, “O Promontorium Sacrum e o Algarve entre os escritores da antiguidade” in Noventa Séculos entre a Terra e o Mar, Lisboa,, 1996. . CORREIA, Vergílio, “Iconografia de S. Vicente” in Terra Portuguesa, nº 42, 1927. CORTEZ, José, “Paços do Infante no Sacro Promontório?” in Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes, nº 9, 2ª série, Lisboa, 1956. COSTA, Abel Foutora da , “Vila do Infante, antes Terçanabal e Sagres depois”, Arquivo Histórico da Marinha, vol. 1, 1933-1936 CUNLIFFE, Barry, The extraordinary voyage of Pytheas de Greek, Londres, 2001. DIAS, Jacinto Palma, “Cristianismo mçárabe e cristianismo romano nos primeiros séculos de nacionalidade portuguesa” in Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa, 1990. ESPÍRITO SANTO, Moisés, A Religião Popular Portuguesa, Lisboa, 1984. GANDRA, Manuel Joaquim (coord.), Da vida, da morte e do sagrado na região de Mafra, Mafra, 1998. GANDRA, Manuel Joaquim, Da Face Oculta do Rosto da Europa, Lisboa, 1997. GARCIA, J. Manuel, CUNHA, Rui, Sagres, Lisboa., 1990. GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987. GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987. GOMES, Mário Varela, “Megalitismo no Barlavento AlgarvioBreve Síntese” in Setúbal Arqueológica, vol. XII-XIII, 1997. JAMES, Simon, The Atlantic Celts, Londres, 1998. JANA, Ernesto, “Vila do Infante” in Dicionário de História dos Descobrimentos, Lisboa, 1994. LEITE DE VASCONCELOS, J. , Religiões da Lusitânia, Lisboa, 3 vols. 1897-1913. MADEIRA, José António Madeira, “Estudo histórico-científico, sob o aspecto gnómico da figura radiada de pedra tosca suposta coeva do Infante D. Henrique, existente na antiga ‘Vila de Sagres’ “ in Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, vol. II, Lisboa, 1960. MICHELL, John, The dimensions of Paradise, Londres, 1988 MICHELL, John,. RHONE, Christina, Twelve tribe nations, Londres, 1991. Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa, 1990. NASCIMENTO, Aires do, “Milagres de S. Vicente” (excerto) in Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa, 1990. RICHER, Jean, Géographie Sacrée dans le Monde Romain, Paris, 1994. RICHER, Jean, Sacred Geography of the Ancien Greeks, Paris, 1989. VICENTE, E.P., MARTINS, A.S., « Menires de Portugal » in Ethnos, vol. VIII, 1979. 25 Às vezes luto com Deus, às vezes danço José Tolentino Mendonça Há uma passagem do salmo 144, no versículo primeiro, que diz o seguinte: “Bendito seja o Senhor, meu rochedo. Ele prepara as minhas mãos para a luta e dá aos meus incessantemente: “não somos nós, não somos nós”. E a ansiedade com que pedimos às criaturas “falem-nos de Deus, digam-nos pelo menos alguma coisa acerca Dele”, dedos a arte do combate.” O Senhor prepara-nos como se preparam os que avançam para as lutas. Mas que lutas são estas? É a luta interior, o combate espiritual. O poeta Arthur Rimbaud dizia que este é tão violento e arriscado como uma encarniçada batalha. Olhando para a tradição cristã, percebemos que a preparação para o combate é o retrato da nossa vida. Buscamos a Deus sem O ver, acreditamos Nele sem O experimentar, escutamos a Sua voz sem verdadeiramente O ouvir. Deus não está em parte alguma. Tateamos o Seu rosto no vazio, na ausência, no silêncio. E, contudo, estes são lugares que misteriosamente insinuam uma presença. No filme “Nostalgia” de interior faz parte das suas prioridades. Não há fé trabalhada, burilada, purificada, adensada que não atravesse o território do combate. Um ensaio famoso de Miguel de Unamuno, intitulado “A Agonia do Cristianismo”, mostra o sentido André Tarkovski, há uma cena lancinante onde se vê um grupo humano que anda desencontrado, uma multidão que se move de um lado para o outro, numa demanda labiríntica. Ouve-se então uma voz, a voz de um narrador duplo que tem “agonia”: por um lado, está ligada à paixão que rompe o silêncio com este grito: “mas diz alguma coisa e à morte, mas, por outro, evoca o combate, o jogo, o desafio. A crença é isso: uma actividade, um movimento agónico, um traço, um confronto, um entusiasmo árduo e inacabado. Senhor, diz-lhes uma palavra, eles andam à procura, não vês que têm o desejo de Ti?”. A voz de Deus faz-se ouvir com esta resposta: “E se Eu disser uma palavra, achas que eles poderão entender?”. As vozes da natureza e o inaudível de Deus Esta luta é antes de tudo com o próprio Deus, ou melhor, Caminhamos como se víssemos o invisível com o silêncio de Deus. Aquela palavra do Evangelho de S. João, “a Deus nunca ninguém O viu” (1 Jo 4,12), trazemo-la como uma ferida. Nenhum de nós viu a Deus. E, contudo, Ele dá sentido à vida. Este paradoxo, que constitui uma fonte de esperança, não deixa de ser O silêncio é uma disciplina do coração: calar, calar, calar, pensamentos, imagens, desejos. Como recomenda um espinho. A maior parte do tempo, experimentamos apenas o desencontro de Deus, o Seu extenso silêncio. Santo Agostinho conta-nos isso num dos capítulos das Confissões: “Perguntei à Terra e ela disse-me: eu não sou – e tudo que nela existe respondeu-me o mesmo. de luta e espera. Somos em grande medida habitados pela possibilidade de Deus, pela sua interminável interrogação. Interroguei o mar, os abismos, os répteis animados e vivos e responderam-me: não somos o teu Deus, busca-O acima de nós. Perguntei aos ventos que sopram, e o ar com os seus habitantes respondeu-me: Anaxímenes está enganado, eu não sou o teu Deus. Interroguei o Céu, o Sol a Lua as isto é, somos os Ínfimos, aquilo que não vale. E, de facto, a experiência crente não é uma experiência creditada. Nenhum tribunal natural ou da razão nos pode creditar esta experiência. Ela vive unicamente assegurada por uma desmesurada confiança. Nesse sentido, a fé tem a forma Estrelas e disseram-me: nós também não somos o Deus que procuras. Disse a todos os seres que rodeiam as portas da carne: já que não sois o meu Deus falai-me do meu Deus, dizei-me ao menos alguma coisa Dele”. Esta é a condição peregrinante. Ouvimos as vozes da natureza a dizerem-nos de uma hipótese. A fé é expectativa. Caminhamos às apalpadelas, como se víssemos o invisível, segundo a bela o apotegma famoso do Padre do Deserto: “Cala e foge”. É um conselho importante, que ajuda a aplanar declives. Porém, sabemos que o silêncio ainda não é Deus. O silêncio é lugar Apenas isso podemos dizer. Quanto ao mais, os crentes têm de ser humildes. Na Primeira Carta aos Coríntios S. Paulo diz: “nós somos a escória, o lixo do Mundo” (1 Cor 4,13), formulação da Carta aos Hebreus (Heb 11,7). A vizinhança de Deus da nossa história não anula a dimensão purgativa, a experiência agónica e interrogativa da própria existência. Não entramos num estado de isenção, numa cápsula de neutralidade. A fé expõe-nos desassombradamente à contemplação, ao silêncio, às idas e vindas sem entender nada, ao fazer e ao refazer. A dúvida e a dificuldade de crer não descaraterizam a fé. Pelo contrário, são um seu elemento fundamental. A fé é um abismo desamparado mas estranhamente realizado como um salto confiante. Uma fé construída como dança Lutando com Deus, também dançamos com Ele. A dança é uma atividade humana curiosa. Na dança percebemos que estão presentes o corpo, o coração e o espírito. A dança leva-nos a perceber que as atividades humanas que mais expressam a totalidade de nós são aquelas em que estamos por inteiro. A fé é uma dança. Abraão mostra-nos isso, porque a este ancião avançado em anos, Deus convoca-o para o movimento peregrinante. Deus diz a Abraão: “Sai da tua terra, sai da tua parentela e vai para o lugar que Eu te indicar” (Gen 12,1). Este sair de si para o desconhecido é uma verdadeira dança. Habitualmente, quando saímos de um lugar, já temos outro em vista. E, por isso, o nosso movimento torna-se demasiado utilitário, condicionado pelos mapas que antecipadamente traçamos. Ora, a fé é um movimento diferente. Sabemos de onde saímos, mas não sabemos para onde vamos. “Vai para a terra que Eu te indicar”. Mas onde é essa terra? Abraão não sabe, e vai morrer sem saber. Contudo, vai viver na viagem, vai passar a habitar o movimento. E isso é a fé. Quando Deus lhe diz em seguida, “Olha para o Céu e vê as estrelas. Conta as estrelas se as podes contar” (Gen 15,5), é uma situação algo irónica porque as estrelas do Céu escapam à possibilidade de contagem. Então o que é que o mandato de Deus significa? Significa: “olha o incontável, descreve-o”. Quer dizer: “habita o infinito, viaja para lá de tudo o que se pode prever”. A fé de Abraão é assim uma fé construída como uma dança. Não é uma fé utilitária. A fé de Abraão não lhe “serve” para nada, não é uma fé previsível. É uma fé que vem a contra ciclo, como uma grande surpresa. Uma dança que transforma toda a sua existência. Se não puder dançar, esta não é a minha revolução Há um slogan conhecido de uma anarquista americana, inspiradora do feminismo contemporâneo, Emma Goldman. Ela repetia: “Se não puder dançar, esta não é a minha revolução”. Mas o que é a dança? A resposta a esta pergunta deve ser procurada no interior de tudo aquilo que existe, na exposição ao próprio real que numa fração de segundos coloca à frente dos nossos olhos movimentos e fluxos coreográficos, imperfeitos, inacabados mas também infinitos. Tudo dança, tudo é dança. As nossas cabeças dançam, os nossos corpos dançam em movimentos subtis, a natureza (a nossa e a das coisas) manifesta-se em movimentos que se calhar não vemos. É interessante constatar que o pensamento sobre a dança explora precisamente isso: a possibilidade de articulação da pluralidade de experiências, de movimentos conscientes e inconscientes, de tráficos em constante reconfiguração. Yoshida, uma grande bailarina japonesa, escreve o seguinte “A dança não é um campo exclusivo de ninguém. Dá alegria e euforia a todos aqueles que participam como dançarinos ou espectadores. A linguagem da dança não conhece fronteiras. Está para lá das classes sociais, das instruções, dos países e dos credos. O seu vocabulário é infinito pois é a emoção humana que ressoa no seu movimento. A dança enriquece a alma, eleva o espírito. A dança vive no interior de tudo aquilo que vive”. Se transpusermos a imagem da dança para aquilo que é o processo espiritual: “tudo é dança e todos dançam”. Tudo nos revela Deus, tudo é lugar da Sua teofania, tudo e todos. Levanta-te e dança “Levanta-te e dança” é uma frase de Martha Graham, que revolucionou a dança no século XX. A dança clássica estava tentada pelo voo. Os bailarinos andavam em bicos de pés e os corpos tentavam exprimir a ascensão. Para Martha Graham, a dança é o contato com o chão, a profunda conexão entre a nossa respiração rente à terra e o nosso movimento. É uma mudança paradigma. Nós também damos por nós a insistir de forma idealizada numa espiritualidade que tenta o voo, a subida sem fim. Porém, na humilde articulação entre o respirar e o prosseguir alguma coisa se constrói da vida espiritual. E recorda Martha Graham: “A dança é a linguagem escondida da alma, a dança é uma canção do corpo, uma canção de alegria e de dor. A dança é descoberta, descoberta, descoberta… a dança aprende-se com a prática. Trata-se de aprender a dançar fazendo experiência como aprendemos a viver fazendo experiência da vida. O principio é o mesmo. Os maiores bailarinos não são grandes pelo seu nível técnico, são grandes pela sua entrega, pela sua paixão. Os nossos braços têm origem nas costas porque há um tempo atrás foram asas. Para ninguém importa se és forte, se tens um conseguimento na dança. Importa apenas isto: levanta-te e dança”. 27 Sometimes I fight with God, sometimes I dance José Tolentino Mendonça There’s a passage on psalm 144, verse one, that says: “Blessed be the LORD, my rock, Who trains my hands for war, And my fingers for battle”. The Lord prepares us as the ones who battle are prepared. But which battles are these? The internal, the spiritual battles. Arthur Rimbaud, the poet, used to say that this battle is so violent and risky as a bloodthirsty one. When we look at Christian tradition, we understand internal battle preparation as part of our priorities. There’s no elaborated faith, engraved, purified, condensed, that doesn’t cross the battle’s territory. A famous essay of Miguel de Unamuno, entitled “The Agony of Christianity”, shows the double sense that “agony” contains: on one hand, it is connected to passion and death, but, on the other, evokes the combat, the game, the challenge. That’s what belief is all about: an activity, an extreme movement, a feature, a conflict, an arduous and unfinished enthusiasm. The voices of nature and the inaudible of God This battle is above all with God himself, better said, with the silence of God. The quote of Saint John’s Gospel, “No one has ever seen God! (1 Jo 4,12), is carried like a wound. No one of us has ever seen God. And, nevertheless, He gives sense to life. This paradox, that gives us hope, is however a thorn. Most of the time, we experiment only God’s disagreement, His extensive silence. Saint Agostinho tells us just that in one of the chapters of Confessions: “I asked the earth, and it answered me, “I am not He”; and whatsoever are in it confessed the same. I asked the sea and the deeps, and the living creeping things, and they answered, “We are not thy God, seek above us.” I asked the moving air; and the whole air with his inhabitants answered, “Anaximenes was deceived, I am not God. “ I asked the heavens, sun, moon, stars, “Nor (say they) are we the God whom thou seekest.” And I replied unto all the things which encompass the door of my flesh: “Ye have told me of my God, that ye are not He; tell me something of Him.”. This is the peregrinator condition. We hear the voices of nature incessantly telling us:”It’s not us, It’s not us”. Is the anxiety with which we ask the creatures: “Ye have told me of my God, that ye are not He; tell me something of Him.”, is the mirror of our life. We pursuit God without seeing him, we believe in Him without experiencing Him, we hear His voice without truly hear Him. God is nowhere. We feel for His face in emptiness, in absence, in silence. And, however, these are places that mysteriously suggest a presence. In the movie “Nostalgia” of André Tarkovski, there’s a excruciating scene of a (dis)encountered human group, a crowd that moves from one side to another, on a labyrinthine demand. It is then heard a narrator’s voice that breaks the silence yelling: “but say something Lord, tell them one word, they are pursuing you, can’t you see they have the desire of You?”. God’s voice is heard with the following answer: “And if I say a word, do you think they will understand?”. We walk as if we saw the invisible Silence is a subject of the heart: quieten, quieten, quieten, thoughts, images, desires. As the famous apothegm of one of the Desert Fathers: “Quieten and run”. It’s an dancing. It is not an utilitarian faith. Abraham’s faith has no “use” for him, is not a predictable faith. Is a faith arriving against the normal cycle as a great surprise. A dance that transforms all its existence. important advice, that helps smoothing slopes. But, we know that silence is not yet God. Silence is place of battle and expectation. In great measure we are inhabited by the possibility of God, by His endless interrogation. That’s all we can say. About the rest of it, the believers have to be There’s a well known slogan of an American anarchist, an inspirer of contemporary feminism, Emma Goldman. She used to repeat: “If I can’t dance, this is not my revolution”. humble. On the first letter to the Corinthians Saint Paul says: “We have become as the scum of the world, the dregs of all things, even until now.” (1 Cor 4,13), meaning, we are the Pitiful, what is not worthy. And, in fact, the believer experience is not credited. No jurisdiction, natural or of But what is dancing? The answer to this question shall be searched inside everything existing, in the exposure to the real that in one fraction of a second puts in front of our eyes choreographic movements and fluxes, not perfect ones, unfinished but also infinite. Everything dances, everything cause can credit this kind of experience. It lives merely assured by an excessive trust. In that sense, faith has the shape of an hypothesis. Faith is expectation. We walk guessing, as if we saw the invisible, according to the great formulation of the Letter to the Hebrews (Heb 11,7). Our is dance. Our heads dance, our bodies dance in subtle movements, nature (our and of things) expresses itself in movements we don’t even see most of time. It is interesting to become aware that the thought of dancing explores just that: the articulation of the plurality of experiences’ history’s surroundings of God does not nullify the purgative dimension, the painful and interrogative experience of existence itself. We do not enter in a state of exemption, in a neutrality scale. Faith exposes us fearlessly to contemplation, silence, the back and forward without having a clue, doing possibility, of conscious and unconscious movements, of traffic in even reconfiguration. Yoshida, a great Japanese ballerina, wrote: “dancing is nobody’s exclusive field. It grants joy and euphoria to all that participate in it as dancers or mere viewers. Dance language and redoing. Doubt and difficulty of believing do not desecrate faith. They are its essential element. Faith is an has no borders. It is beyond social status, the instructions of the countries and creeds. Its vocabulary is infinite because unassisted abysm strangely conceived as a confident leap. human emotion is the one expressed in its movement. Dance enriches the soul, rises the spirit. Dance lives inside Faith build like dance Fighting with God, we also dance with Him. Dancing is a curious human activity. In dancing are present the body, the heart and the spirit. Dancing leads us to the understanding that the human activities that mostly express our totality as human beings are the ones that we are in as a whole. Faith is equal to dancing. Abraham proves that because this ancient, advanced in years, is convoked by God to the peregrinator movement. God says to Abraham: “Leave your country, your people and your father’s household and go to the land I will show you.”(Gen 12,1). This coming out of oneself to the unknown is a true dance. Usually, when we leave one place, we already have another to go to. And, therefore, our movement becomes too much utilitarian, conditioned by maps previously designed. Well, faith is a different movement. We know where we came from but we don’t know where we are heading. “Go to the land I will show you”. But where is that land? Abraham doesn’t know, and he is going to die without knowing. He is, however, going to live on travelling, he is going to start inhabiting the movement. And that is faith. When God tells him “Now look toward the heavens, and count the stars, if you are able to count them” (Gen 15,5), the situation becomes ironic because the stars of Heaven cannot be counted. What does then the order of God means? It means: “have a look to the countless, describe it” It means: “inhabit the infinite, travel beyond everything predictable”. Abraham’s faith is, this way, a faith build like If I can’t dance, this is not my revolution of everything alive”. If we move the image of dancing to the spiritual process:”everything is dance and everybody dances”. Everything reveals us God, everything is a place of His theophany, everything and everybody. Get up and dance “Get up and dance” is a Martha Graham’s quote, the woman that revolutionised dancing in the XX century. Classic dance was tempted by flying. Dancers were on top of their feet and tried to express uprising. To Martha Graham, dancing is the contact with the floor, the profound connection between our breath flat with the ground and our movement. Is a paradigm shift. We can also see ourselves insisting ideally on a spirituality that essays flying, the endless uprising. However, our spiritual life is built on the humble articulation between breathing and pursuing something. And Martha Graham reminds us: “Dancing is the hidden language of the soul, dance is a song of the body, a song of happiness and pain. Dancing is finding, finding, finding… I believe that we learn by practice. Whether it means to learn to dance by practicing dancing or to learn to live by practicing living, the principles are the same. Great dancers are great because of their passion. Our arms start from the back because they were once wings. Nobody cares if you can’t dance well. Just get up and dance.”. 29 Vicente, quantos és? Fernando Melo Começo com a confissão de uma ambição totalmente banal. Ainda não desisti de ter uma iluminação súbita a olhar para os painéis de S. Vicente, serenamente expostos no Museu Nacional de Arte Antiga, e ser-me concedido ver uma qualquer coisa que não fazendo falta nunca ninguém tenha visto. Fiz um trabalho incompleto e superficial sobre “o olhar nos painéis de S. Vicente” parar uma cadeira que nem sequer era minha e andei bastante excitado com as simetrias verticais e o espaço tridimensional que as trajectórias dos diferentes olhares geravam. O trabalho teve a nota máxima da parte escrita, o resto teria de ser discutido na oral, que não calhou bem porque a pessoa em causa não sabia identificar os capitéis jónico, dórico e coríntio, esqueceu-se de estudar “essa parte”. Hoje sei que não merecia nota alguma, não passava de uma ponte possível, um divertimento inconsequente com espaços compactos e mapeamento conforme; qualquer coisa que ainda me ocupou duas ou três janelas da vida em anos seguintes. Mas nunca mais me livrei de lucubrar e inventar sempre que espreitei os painéis. Tenho a certeza de que ninguém está à espera de mim para avançar no conhecimento do difícil e misterioso políptico, pelo que é sem qualquer sentimento de culpa que me entrego, diletante, ao que me surge. E constato que foi a minha insistência geométrica que sempre me impediu de olhar para factos, números e datas que sempre ali estiveram. Dei com mais uma coincidência talvez cósmica, que a muitos pouco dirá mas que em mim bate fundo. 1445 é a data consensual e estabelecida para a conclusão dos painéis que tiveram na Sé de Lisboa a primeira morada e que a certa altura terão sido passados para igreja de S. Vicente de Fora desaparecendo depois. Fiquei surpreendido por terem sido redescobertos no ano de 1882, o ano em que Wagner estreia Parsifal no Festival de Bayreuth. Acontecimentos totalmente descorrelacionados? Talvez, mas o tempo é também uma dimensão e é possível ver de repente uma estrutura maior a partir de uma nova base. Passa a nada ou tudo, nivelando com o conhecimento histórico. Parsifal foi um dos cavaleiros da Távola Redonda, os puros demandantes do Graal e logo no final do primeiro acto, o dito Graal é mostrado ao jovem Parsifal – cuja matriz etimológica podia significar “tonto puro” – num contexto mágico e sublime, em termos musicais; certamente uma das mais belas páginas da história da música, a da transformação. Monsalvat, o lugar onde eles se encontram, é onde, segundo Gurnemanz, um dos reis eméritos do Graal, “o tempo se transforma em espaço” (a força da memória simbólica) sempre que a invocação é feita pelos cavaleiros de coração puro. Parsifal é convidado a ficar para assistir; Amfortas, o rei dos cavaleiros do Graal, moribundo por se ter deixado ferir pela própria espada, havia tido uma visão de que tudo se poderia salvar no dia em que o “tonto puro, movido pela compaixão”, o resgatasse. No final da cerimónia, de pura e intensa magia, Parsifal confessa que não percebeu nada, pelo que pode e vai ser o herói da história. Em Ravello, não longe de Pompeia ergue-se lá em cima um promontório maravilhoso sobre o Mediterrâneo, mostrando, entre outros, que é um imenso mar e não o pequeno lago onde espero que por abuso de linguagem se considera haver hoje uma só “dieta” e uma só gastronomia. Lá de cima, olhamos para sul e sabemos que está o Egipto, viramo-nos para nascente e sabemos estar o Líbano. A poente está, depois de Gibraltar – que quase toca o Norte de África –, o Atlântico. Tudo menos simples, reduzir a uma “coisa” só. Até à destruição horrível pelo vulcão Vesúvio em fúria, Pompeia era a capital do vinho e da vinha, considerado excepcional e vendido a peso de ouro para toda a parte. Caro, mas muito bom. A Campania – língua costeira que abraça Nápoles e a costa amalfitana e que inclui Sorrento, Positano, Ravello, todos esses lugares mágicos –, do tempo do Império arrasaria hoje, em comparação, Bordéus e Borgonha juntas, em qualidade e valor. Wagner passava férias e temporadas longas em Ravello, em casa de um amigo, lá nos cocurutos. Chamava “jardins de Klingsor” àquela maravilha. Klingsor, a propósito, é, no Parsifal, um candidato que falhou a admissão junto do corpo dos cavaleiros porque se castrou a si próprio, o que retira o valor à virtude da castidade. Dedicou-se à magia a partir daí e criou figuras femininas disfarçadas de flores à volta de Monsalvat, para seduzir os cavaleiros. Foi assim que conseguiu que o próprio rei se detivesse numa mulher linda, aproveitando para lhe roubar a espada e feri-lo com ela. Quem for a Ravello, como eu fui, e visitar esta casa prodigiosa vai perceber tudo. A Campania vínica era há apenas 2 mil anos a capital da vinha e do vinho do mundo inteiro que não sendo comprovadamente ainda redondo, era já muito grande, estendido ao limite pelos romanos. Se o vinho foi, e tudo indica que sim, trazido pelos gregos para Itália, foram os fenícios que deram o primeiro grande impulso à cultura da vinha e os romanos quem a sistematizaram. Onde e como tudo começou é impossível dizer. Até em Portugal temos castas autóctones que sobreviveram nas vinhas dormentes do período pré-glaciar! Muito de facto por descobrir. É absolutamente central a cultura do vinho para entender as gastronomias mediterrânicas. Parece que foi Mago, especialista cartaginês, quem escreveu o mais importante manual de viticultura, cerca do Séc. II a.C., traduzido para latim e grego para ser adoptado por todos os que visavam estabelecer-se como produtores de vinho. Cerca de 170 anos antes da era Cristã, foi o tempo em que os romanos, além de copiar a traça das casas senhoriais gregas, aglutinaram terras e passaram a concentrar-se em cidades, com Roma à cabeça. Grassaram as padarias e as pessoas começaram a comer pão; até aí, comia-se papas de cereais ou fazia-se o pão em casa, mas no campo; a “pólis” puxava pela concentração de recursos e por um certo mundo moderno. A conselho do tal Mago, começou a substituir-se o reticulado de pequenas vinhas por outras, em extensão e colocadas nos melhores locais, em termos de solo e clima; o que hoje, afinal, conhecemos como terroir. Estávamos na alvorada do conceito de “grand cru”. Confesso que tenho uma enorme curiosidade em saber como era, a que sabia e a que cheirava o vinho da última ceia de Cristo com os apóstolos. Que vinho enchia os cálices da gloriosa Pompeia. Com que celebravam esses primeiros do vinho? Há pistas muito concretas que nos dão bons indícios. Bebidos nos “kalyx-krater” gregos, feitos em terracota e primorosamente decorados, o vinho de então e o vinho dos nossos tempos, em comum só tinham mesmo o nome. Os gregos misturavam água do mar ou água com especiarias maceradas previamente no vinho antes de o beber, diluindo-o. Lê-se no livro “Oxford Companion to Wine que o grau alcoólico do preparado desse tempo era entre 3% e 6%. Duas partes ou apenas uma de vinho para três de água do mar. Como é evidente, o costume foi adoptado por Roma e era o anfitrião que decidia que diluição dar ao vinho antes de o servir. Os celtas e os gauleses bebiam o vinho puro – como nós! – e por isso eram considerados selvagens, sem maneiras. Dava tudo para ser mosca e viajar no tempo para assistir a uma dessas festas, ou sentar-me à mesa com um grupo 31 32 e observar bem as coisas do vinho. É mais que certo, pelo que disse, que no tempo dos romanos não havia vinho tinto. Mas havia vinhas de grande qualidade, de uvas tintas. Difícil do latim “edere”. Esta última é a raiz por exemplo da palavra comércio, que quer dizer “fazer alguma coisa com alguém”, enquanto a primeira é um reforço da mensagem de “comer de aceitar, mas a vida tem mesmo coisas assim. No tempo do império de Augusto, que durou cerca de 300 anos, até 14 d.C., Itália já tinha vinhas plantadas e em produção de grandes vinhos. Exportava para a Grécia – pormenor que não deixa de ser curioso – e para a Macedónia, mas cedo começou a exportar para o mundo inteiro. O maior mercado, com alguém”. A mesa é para os portugueses um espaço de partilha, no qual tudo é para partilhar. “Erere” quer dizer alimentar-se. Nasce no Séc. III na aragonesa cidade de Saragoça, Vicente. Terra de vinhas temporãs, em que as uvas cresciam mais cedo – Tempranillo quer dizer exactamente isso – já contudo, era Roma. Havia, mesmo assim, um certo complexo de inferioridade entre os romanos, para quem os vinhos gregos eram melhores que os seus. Gregos que por regra faziam a vindima com os cachos sem o amadurecimento completo, que depois punham ao sol para secar e concentrar os fenícios e os romanos conheciam bem os seus solos e, ciosos como eram, deviam ali ter montado sede vitivinícola; mais uma. Foi viver para Valência onde conheceu um fim mais que temporão, mesmo assim envolvido numa névoa prodigiosa, num corpo que havia de dar à costa no Algarve, os açúcares. Os romanos adoravam tudo o que era doce. Entre Roma e Pompeia, na já citada Campania, era onde Itália tinha os melhores vinhos e também os mais caros. Tudo parecia definido de forma estável, até que em 79 d.C. o impensável acontece: o Vesúvio entra em erupção reza a lenda que protegido por um corvo, impedindo os abutres de se aproximar. Foi no Cabo de São Vicente que conheceu finalmente sepultura, aí sendo erguida a primeira igreja da sua dedicação. Para nós S. Vicente é o padroeiro dos navegantes, por violenta, sacudindo e matando tudo e todos. O negócio não podia parar e as movimentações para plantar vinha noutras paragens, incluindo no lado de lá do Mediterrâneo. razões óbvias, mas em França é o padroeiro dos vignerons. A palavra Vincent pode ser decomposta para “vin+sang”, evocando a transformação de vinho em sangue da eucaristia É o momento de ouro da península ibérica, em que chega à ribalta Lucius Columella, génio de Cádiz, especialista católica. O dia que lhe calhou no calendário litúrgico – 22 de Janeiro – nada tem a ver, contudo, com vindima nem vinho, em vinha, que no seu tratado “De Re Rustica” estabelece praticamente tudo o que ainda hoje praticamos. Publicado no ano 65 d.C., imagine-se. Foi aí que os romanos foram em termos populares. Tem a ver, e muito, com o tempo da poda da vinha e é aí que está a essência de Vicente, o santo. Estar na génese de todas as coisas, no princípio de tudo. beber conhecimento, fundindo-o habilmente com os seus costumes e hábitos. Já sabiam o que queriam. Vinhos essencialmente de colheita tardia – obsessão pelo doce, já E na protecção contra as geadas e nevoeiros. Saint Vincent, notre patron. | Protégez nos bourgeons | Des brouillards et des glaçons. referida -, quando não o levavam a ferver, para evaporar parte da água, ou lhe juntavam mesmo mel, assumindo a fixação pela gostosura doceira. Plínio e o grande Apícius Foi no cálice a transformação que foi dada a ver a Parsifal, tinha sido no Kalyx que os primeiros gregos pressentiram a perfeição. Sempre que elevarmos um copo, levemo-lo ao juntam-se a Columella para formar o trio que há que estudar com afinco para se entender bem as bases mediterrânicas coração, como faziam os Cavaleiros, e depois estendamo-lo em direcção ao outro. Que tudo isto podia nem sequer ter existido. das diversas cozinhas que criou. Galeno, médico grego especialista em antídotos de veneno, talvez por isso mesmo médico pessoal do imperador Marco Aurélio, construiu todo um receituário à base de vinhos e ervas e – imagine-se! – advogava os vinhos brancos secos. A sua lista de grandes vinhos era 100% constituída por vinhos brancos. O tinto era para as tabernas, dizia. Será sempre um desafio perceber a dualidade dos romanos quanto à comida e os prazeres da mesa, mas foram na história e gente mais obcecada com os frutos, ervas aromáticas, cozeduras e frescura de todos os ingredientes, além de desenvolver receituário que inclui molhos, marinadas, compotas e mesmo sobremesas. É preciso notar que não havia ainda açúcar, como hoje conhecemos. Em total oposição a este paraíso estão a orgias, as festas romanas, em que se cultivava o excesso. E no entanto, olhemos para as nossas mesas num dia normal, em família, ou num dia festivo. Toda a cozinha tradicional portuguesa é uma cozinha de festa, em que queremos todos à mesa. A palavra “comer” tem um duplo significado. Vem de “cum edere” e também Isabel Baraona Vicente, how many are you? Fernando Melo I start by confessing a totally trivial ambition. I have yet not given up a sudden illumination contemplating Saint Vincent panels quietly exhibited at “Museu Nacional de Arte Antiga”1, and having the pleasure of seeing something that, not being a necessity to anyone, nobody has ever seen. I’ve made an unfinished and superficial work about “the look upon Saint Vincent’s panels” paralyse a discipline (class) that wasn’t even mine and became really excited with the vertical symmetries and the three-dimensional space that the trajectories of the different contemplations were creating. The work got the maximum grade on the written part of it, the rest would be discussed on the oral exam, that didn’t go well at all because the person at stake could not identify the Ionics, Doric and Corinthian columns, had simply forgotten to study that part. I know now that no grade should have been given at all, It was not more than a possible bridge, an inconsequent amusement with compact spaces and accordingly mapping; something that has occupied me two or three windows of life on the following years. But I never got rid again of hard studying and supposing about what concerns the panels and me contemplating them. I’m sure that no one expects me to advance on the mysterious and difficult polyptych knowledge and, this way, is with no sense of guilt that I surrender, dilettante, to whatever comes to me. And I realize that my geometric persistence has been holding me back to look at facts, numbers and dates that have always been there. I came across one more coincidence, maybe a cosmic one, that has no meaning to most people but deeply touches me. 1445 is the consensual and established date of the panels that have had on the Sé de Lisboa its first address being moved at a certain point to São Vicente de Fora’s Church and disappearing afterwards. I was quite surprised by their rediscovery in 1882 same year Wagner has his Parsifal opening at Bayreuth Festival. Completely unrelated events? Maybe, but time is also a dimension and it is possible to suddenly see a bigger structure from a new ground. It goes from nothing to everything, levelling with historical knowledge. Parsifal was one of the Knights of the Round Table, Graal’s pure claimants, and right after the first act the Graal is shown to the young Parsifal – whose etymological matrix could mean “pure fool” – on a magnificent and magical context in musical terms; certainly one of the most beautiful pages of music history, the transformation one. Monsalvat, the place where they meet, is where, according to Gurnemanz, one of the emeritus kings of Graal, “time becomes space” (the symbolic memory’s strength) every time invocation is made by a pure hearted knight. Parsifal is invited to stay and watch: Amfortas, the King of knights’s Graal, dying because he let himself be hurt by his own sword, had had a vision that everything could be saved on the day that the “pure fool, moved by compassion, “rescued him. On the pure and intense magical 1 National Museum of Ancient Art – http://www.museudearteantiga.pt/ ceremony ending, Parsifal confesses he has not understood a thing meaning he can and will be the hero of the story. In Ravello, not far from Pompeii is raised a wonderful promontory over the Mediterranean, showing, among other things, an immense sea and not the little lake where I hope that, due to language abuse, existed nowadays one only “diet” and one only gastronomy. From above, we look southwards and we know Egypt is there, we turn eastwards and we know Lebanon is there. Westwards is, after Gibraltar – that almost touches the North of Africa -, the Atlantic. Everything else is less simple, to be reduced to a single “thing”. Until the horrible destruction of the furious Vesuvius volcano Pompeii was the wine and vine capital being the wine considered exceptional and sold at a very high price everywhere. Expansive, but very good. Campania – coast language that embraces Naples and the Amalfi coast including Sorrento, Positano, Ravello, all those magic places-, from the Empire times would crush, in comparison, Bordeaux and Burgundy together in quality and value. Wagner had long holidays and seasons in 42 Ravello, at a friend’s house, on top of the hill. He used to call that wonder “Klingsor gardens”. Klingsor is, by the way, in Parsifal, a candidate that failed to be admitted to the Knights because he castrated himself which takes the value off chastity. He dedicated himself to, since then, magic and created feminine figures disguised as flowers around Monsalvat to seduce the Knights. That way he managed the king to detain himself before a beautiful woman, steal his sword and wound him with it. The one visiting Ravello, as I did, and this prodigious house will understand it all. The wine Campania was, only 2 thousand years ago, the wine and vine capital of the entire world, not proved to be round yet but very big extended to the limit by Romans. If wine was, and everything points that way, brought by Greeks to Italy, It were the Phoenicians that impelled the wine and vine culture being the Romans the ones putting it in order. Where and how everything began is impossible to say. Even in Portugal we have surviving aboriginal grapes of the sleeping vines of the pre-glacier period! A lot to discover indeed. Wine culture is absolutely central to understand the Mediterranean gastronomies. It seems that it was the Mago, Carthaginian specialist, who wrote the most important viticulture manual around the II b.C century, translated to Latin and Greek and adopted by all who wanted to become wine makers. About 170 years before the Christian era Romans, besides copying Greek lord houses’ features, united lands and started concentrating in cities, with Rome leading. Bakeries propagated and people started eating bread; until then, only cereal mush was eaten or, on the country side, bread was homemade; the “polis” attracted the resources’ concentration and a certain modern world. On Mago’s advice, the nettled small vines started to be replaced by others in extension and placed in better locations with better climate and soil; what we today acknowledge as terroir. The “grand cru” concept dawn was rising. I confess I have great curiosity to know how it was, what it tasted and smelled like the wine at Christos’s last supper with the Apostles. What wine filled the glorious Pompeii calyxes? With what celebrated those wine first ones? There are very concrete indicating leads giving us good hints. Drunk in Greek terracotta made and gracefully decorated “kalyx-krater”, those times wine and our times one only had the name in common. Greeks previously blended sea water or water with macerated spices in the wine before drinking it, diluting it. It can be read on Oxford Companion book that the alcohol degree of the formula was between 3% and 6%. Two parts or only one of wine to three of sea water. Obviously, the procedure was adopted by Rome and hosts decided which dilution the wine would have before pouring it. Celtics and Gaul drank the wine pure – as we do! – and, due to that, were considered rude, with no manners. I would give everything to be a fly and time travel to one of those parties or seat at the table with a group observing well the wine “things”. It is more than certain, by what I said, that on Roman’s era there was no red wine. But there were great quality red wine vines. Difficult to accept but that’s life. On Augustus empire, that lasted about 300 years, until 14 a.C., Italy had already planted vines producing great wines. Exported to Greece – curious detail- and to Macedonia, but soon started to export grew earlier – “Tempranillo” means exactly that – already the Phoenicians and Romans knew their soils and, careful as they were, should have had settled viticulture headquarters; to the whole world. However the bigger market was Rome. There was nevertheless a certain inferiority complex among Romans, to whom the Greeks had better wines than them. Greeks by rule harvested before the bunches were completely mature and laid them on the sun to dry and concentrate the sugars. Romans adored everything sweet. one more. He moved to Valencia where he met a more than premature ending, even if involved in a prodigious fog, in a body that would land in Algarve, protected by a crow as the legend says, keeping the vultures away. It was on Cape Saint Vincent that he finally knew his grave being built there the first church in his honour. Between Rome and Pompeii, in the already quoted Campania, Italy had the better and more expansive wines. Everything seemed to be defined in a stable way, until 79 a.C. when the unthinkable happens: Vesuvius erupts violently, destroying everything in its way. Business could For us Saint Vincent is the sailing patron, for obvious reasons, but in France is the “vigneron’s” patron. The word Vincent “vin+sang”, evokes the wine to blood transformation of the catholic Eucharistic. His day on the liturgical calendar – 22nd January – nothing has to do with harvesting or wine, not stop and vine plantations moved to other places including the other side of the Mediterranean. It’s the golden moment of the Iberian Peninsula, the moment Lucius Columella, genius of Cádiz, specialist in vine, that in his “De Re Rustica” treaty establishes almost every rule still on popular terms. It has to do a lot with the vine pruning and Vincent’s essence is right there, the saint. To be the in genesis of all things, in the beginning of everything. And in the protection against frost and fog. Saint Vincent, «notre patron. | Protégez nos bourgeons | Des brouillards et des glaçons». in practice today, reaches the limelight. Published 65 a.C., imagine that. It was then Romans started drinking knowledge, fusing it skilfully with their practices and habits. It was in calyx the transformation shown to Parsifal, It was in Kalyx the first Greeks foresaw perfection. Every time we raise a glass let’s get it close to the heart as the Knights and then let’s They knew what they wanted. Late harvest wines essentially – obsession for the sweet already named -, when they didn’t reach it towards the other. All this could have not existed. boil it, to evaporate some of the water, they would add honey assuming their taste for sweet pleasure. Plínio and great Apícius joined Columella forming the triad bound to be studied deeply for good understanding of the Mediterranean bases of the various cuisines it has created. Galeno, Greek doctor specialist in poison antidotes, surely for that reason Marco Aurélio’s personal doctor, built a whole prescription based on wines and herbs and – imagine that! – recommended white and dry wines. His list of great wines was 100% constituted by white wines. Red was for taverns he said. It will always be a challenge to understand the duality of Romans about food and the table pleasures but in History they were the most obsessed people in fruits, aromatic herbs, boiling and freshness of all ingredients besides the development of prescriptions including sauces, marinates, jellies and even deserts. We have to take notice that sugar as we today know it didn’t exist. Opposing totally this paradise are the orgies, the Roman parties, in which excess was cultivated. And, despite this, let’s have a look to our tables on a normal day, in family, or on a celebration’s occasion. All traditional Portuguese cuisine is a merry cuisine, in which everybody’s presence is requested and wanted. The word “comer” (to eat) has a double meaning. It derives from “cum edere” and also from the Latin “edere”. This last one being the root, for example, of the word “comércio” (trade), which means “making something with somebody”, whereas the first is a reinforcement of the message “eating with somebody”. The table is, to Portuguese people, a space of giving in which everything is to be shared. “Erere” means to get fed. On the III century in the aragonese city of Saragossa Is born Vicente. Land of premature vines, in which grapes 43 A Conquista do Corpo de Leão Agata Wiorko No que diz respeito ao Santo Padroeiro de Lisboa – São Vicente (vincentius, o conquistador) – a dicotomia é o seu maior atributo. Noite e dia, branco e preto, vida e morte. Neste sentido, a natureza e o templo excluem-se e complementam-se em simultâneo, assim como o corpo humano está em constante contradição entre sagrado e profano. É um facto que durante o processo de criação (corpo e alma incluídos), o corpo tem sido seguramente negligenciado e menosprezado. Está escrito na Bíblia Sagrada: E o Verbo se fez carne... , mas entretanto, é como se o corpo tivesse perdido muito da sua dimensão sagrada, obtida nesse passado remoto, no momento crucial em que se tornou humano e pecaminoso. Afinal, será que nos tornamos profanus quando chamarmos ao corpo o templo do eu? … Vicente – Leon Uma vez mais, e porque as coisas nunca são a preto e branco, sabendo que o ser humano é um enigma e que os mitos nunca são contados apenas uma vez, gostaria de recordar a ideia de eterno retorno em Eliade. O conceito, com base no regresso cíclico ao(s) tempo(s) mítico(s), permite-nos – a cada um e a todos nós, espectadores dos nossos corpos – tornarmo-nos continuamente VICENTE, contemporâneo e atual, e a cada vez com (pelo menos) mais uma camada enriquecendo os strata culturais do mito. ‘Leon’ em Lisboa. Uma vez mais, nova camada do mito universal é improvisada por um performer cujos objetivos são combinar contrastes e colocar questões sobre as fronteiras entre – de novo a mesma dicotomia – humanidade e animalidade, por via daquilo a que o performer chama de abordagem transgénica e transsexual da arte. O corpus de Leon, incrivelmente rico e diverso em imagens inspiradoras, tem vindo desde há algum tempo a conduzir-me a pensamentos fragmentários sobre as relações entre o corpo, a religião e o teatro. Aqui estão eles. En route. … corpo – religião Nós não despimos o corpo: inventámos o corpo, e este é a nudez; não há outro, e o que é é algo mais estranho que Qualquer «estranho» corpo estrangeiro.1 Jean-Luc Nancy O corpo é um dos símbolos do Cristianismo – refere-se ao corpo sagrado de Jesus, que sacrificando-se pela humanidade, ofereceu o seu Corpus Christi como caminho para a salvação. Corpus aparece logo no começo da Bíblia Sagrada 1 Jean-Luc Nancy, Corpus, trans. Richard A. Rand, Fordham University Press, New York, 2008, p.9. No original: We didn’t lay the body bare: we invented the body, and nudity is what it is; there isn’t anything else, and what it is is something stranger than Any «strange» foreign body. quando lemos sobre a criação humana e o que é nela é salientado: que Deus criou o homem à Sua semelhança. Isto é um assunto um tanto provocatório, dada a relação ambivalente que a Igreja mantém com o corpo, em particular o corpo nu. O Cristianismo encara o Ser Humano como a maior criação de Deus, criação essa empoderada pelo espírito e o livre arbítrio. Na prática contudo, a Igreja – digamos que na maior parte das vezes – nega a nudez e, claro, muitas das suas imagens, tratando-as como uma visão inapropriada. Um pecado. Krzysztof ‘Leon’ Dziemaszkiewicz quer que a sua arte seja livre e que aconteça em todo a parte. Um animal de palco, tomando conta do pavimento do cimo dos seus saltos altos à Kreuzberg. A sua inflexibilidade em relação às expectativas sociais da maioria cria uma linguagem única, numa afirmação artística que toca instintos e emoções. ‘Leon’ considera a sinceridade a chave da sua arte, algo que dá origem à nudez como manifesto de espontaneidade e alegria pura. ‘Leon’ é alguém que vive a sua arte através do seu corpo, dia a dia, e (re)cria-se continuamente de uma forma que acredita ser em nome da liberdade humana. Em parte, segue o antigo ideal grego de estética e ética – καλός καί αγαθός – que significa a combinação do bem e do belo. Mas nem sempre. A nudez – nela incluamos as suas máscaras – é em todo o caso o âmago de uma conceptualização paradigmática, misturando a clareza da mente (o aspeto luminoso da experiência religiosa grega) com a visão atlética do ser humano (um trajeto de vida que aspira a glória e a Vitória). … nudez – pornografia Nas formas de expressão artística que incluem a nudez, pode reconhecer-se facilmente a relação com o sacrum e a complexa linha de fronteira que o separa do profanum. Tal observação encontra-se em Georges Bataille, que em Death and Sensuality nos lembra que, em tempos remotos, o acto sexual se comparava ao sacrifício religioso. Na sua descrição da felix culpa, Bataille conta-nos o quão profundamente ambivalente é a relação entre o corpo-alma-mente e o corpo-fé-social. Os tabus que se opõem à sexualidade humana assumem realmente formas particulares; afetam por exemplo o incesto e a menstruação, mas também podem ser encarados de uma maneira geral, por exemplo de um modo que certamente não existia em tempos remotos […], um modo ainda hoje relativo à questão da nudez. […] Todos nos apercebemos hoje da absurda relatividade, do quão desnecessário é o tabu da nudez, do facto de que tem sido condicionado por eventos históricos; todos nos apercebemos de que o tabu da nudez e a transgressão desse interdito constituem a essência genérica do erotismo, ou seja, a sexualidade transformada em erotismo […]. Como acontece com as chamadas complicações neuróticas e com qualquer tipo de vício, esta noção é sempre significativa. O vício pode ser pensado como a arte de nos entregarmos ao sentimento de transgressão, de forma mais ou menos maníaca.2 Assim sendo, o próprio corpo não parece ostentar quaisquer elementos negativos ou dissolutos – apenas a transgressão dos limites maníacos, a transgressão para além da mente clara, conduz à mudança no valor do corpo. Isto relaciona-se com a fina linha que separa o Nu de uma imagem pornográfica. A nudez pode ser usada para diferentes fins: neutralidade, altivez, bem como perversão; pode tornar-se um disfarce ou um véu, ou ainda um símbolo de inocência. Ou da verdade. Na teoria de Eros e Dionísio de Nietzsche, o erotismo não pode ser excluído do palco – isto apenas conduziria à propaganda. Eros era o Deus que simbolizava um encontro prematuro, fresco e virgem – imediatamente anterior ao momento em que um humano experienciaria a sua dimensão hedonista.3 2 George Bataille, Death and Sensuality, Walker and Company, Nova Iorque, 1962, p.256-257. 3 Włodzimierz Staniewski, Hidden territories: The Theatre of Gardzienice, Routledge, Nova Iorque e Londres, 2003, p.80. 45 46 … religião – teatro O teatro nasceu e desde sempre que evoluiu a par da prática religiosa. Com estruturas e objetivos similares, ambas estas esferas de vida ambicionam apaziguar as tristezas humanas, as dificuldades diárias e a dor da existência. No estado de arrebatamento espiritual, pode derramar-se uma lágrima de alegria, bem como de tristeza, e as emoções assim vividas terão certamente um carácter terapêutico. Tanto o teatral como o religioso partilham ligações com a antiga experiência da katharsis. As pessoas vão à igreja ou ao teatro para celebrar a sua própria crença, alcançar a paz interior e sofrer uma paixão. É esperado que o público acredite no que está a acontecer no palco, tanto como no altar, experienciando as transformações dos significados e das pessoas em corpos simbólicos. Hoje, na performance contemporânea, abre-se um amplo espaço para o explorar do sacro, precisamente através da ferramenta da nudez. Como o faz ‘Leon’, desta vez recorrendo também ele às imagens de múltiplas camadas na vida de Vicente. … teatro– flanêrie O movimento é a afirmação da vida. Eu trato-o como vida, por isso é também reflexão da minha vida. Abre a minha existência, generaliza-a, expande-a e simultaneamente enriquece-a. Por isso presto tanta atenção ao movimento e por isso quero construir o meu teatro através do movimento.4 orientais da Europa para alcançar Lisboa, onde o Velho Continente outrora terminava. A duração da viagem física simboliza um mergulhar profundo na alma. Uma espécie de flâneur pós-moderno, o performer torna-se (mais um) Vicente, um estrangeiro que vem para descobrir a cidade de Lisboa por via da sua curiosidade, tocando os perenes pavimentos, cheirando a atmosfera multicultural e indo ao encontrando dos transeuntes; e mais, no caminho, deparando-se com o Vicente português, um Vicente clássico e contemplativo! No palco das ruas de Lisboa, a expressão artística de ‘Leon’ terá para o público comum o carácter de uma experiência voyeur. Mas não deixa de trazer consigo a individualidade, espiritualidade e a interpretação subjetiva – polaca – do mito, inspirando-se em preciosas diferenças na cultura, na história, nos valores de vida. O seu interesse pela transgressão e debate sobre o corpo como templo natural, introduz-nos outras histórias fascinantes, possivelmente provocando-nos o exercício de repensarmos as nossas próprias crenças e dúvidas. Com esta performance, ‘Leon’ adiciona mais uma camada pessoal ao espaço lisboeta. Como escreve Michel de Certeau: As histórias acarretam um trabalho que constantemente transforma sítios em espaços e espaços em sítios.5 Henryk Tomaszewski Em busca do tempo mítico de Vicente, ‘Leon’, agent provocateur cosmopolita cujo coração pulsa com os ritmos estáticos de Berlim, parte em viagem, partindo das fronteiras 4 Janina Hera, Henryk Tomaszewski i jego teatr, Państwowy Instytut Wydawniczy, Warszawa 1983, p.63. 5 Michel de Certeau, The Practice of Everyday Life, University of California Press, Berkeley, Los Angeles e Londres, 1984, p.118. The Conquer of the Lion’s Body Agata Wiorko Concerning the Patron Saint of Lisbon – St. Vincent (vincetius, the Conquering one), dichotomy is his most visible attribute. Night and day, black and white, death and life. Following that, nature and temple exclude and complement each other simultaneously, just as the human body is in constant contradiction between sacred and profane. It’s a fact that during the process of creation (mind and soul included) the body has been certainly neglected and deprecated. It is written in the Holy Bible: And the Word became flesh… but meanwhile, it seems that the body lost much of its sacred dimension once obtained in the crucial moment of becoming a sinful human. We have lost what we painfully obtained. Therefore, would we become profanus once calling the body the temple of the self? … Vicente – Leon Again, never leaving things black and white, knowing that a human being is a riddle and that myths are never told only once, I want to recall the idea of the eternal return in Eliade. His concept, based on the cyclic coming back to mythical time(s), allows one – each and everyone, all of us spectators of our bodies – to continuously become the contemporary and actual VICENTE, each time with (at least) one more layer enriching the myth’s cultural strata. “Leon” in Lisbon. Once again, the universal myth layer is improvised by a performer whose aims are to combine contrasts and to put questions about the borders between – again a dichotomy – humanity and animalism, through what the performer calls his transgenic and transsexual approach of art. “Leon’s” incredibly rich and diverse corpus of inspirational images have for some time led me to fragmentary thoughts about the relations between body, religion and theatre. Here they are. En route. … body – religion We didn’t lay the body bare: we invented the body, and nudity is what it is; there isn’t anything else, and what it is is something stranger then Any «strange» foreign body.1 Jean-Luc Nancy The Body is one of the symbols of Christianity – it refers to the sacred body of Jesus, who by sacrificing himself for humanity, offered his corpus Christi as the way to salvation. Corpus appears already in the beginning of the Holy Bible when we read about human’s creation and what’s important there: that God created man in His own image. Such is a quite thought-provoking matter due to the 1 Jean-Luc Nancy, Corpus, trans. Richard A. Rand, Fordham University Press, New York, 2008, p.9 ambivalent relation of the Church towards the body, in particular the naked one. Christianity calls the Human the biggest creation of God, powered by spirit and free will. In practice though, the Church – let’s say for the most – neglects nudity and of course many of its images, treating it as an inappropriate vision. A sin. Krzysztof “Leon” Dziemaszkiewicz wants his art to be free and to happen everywhere. A stage animal, taking over the cobblestones from the top of his high Kreuzberg heels. His inflexibility toward mainstream social expectations creates the unique language of an artistic statement touching instincts and emotions. In person. “Leon” understands Sincerity as the key for his art, something which often leads to nudity as a manifest of spontaneity and pure joy. “Leon” is someone who lives his art through his body every day and continuously (re)creates himself in a way he believes to be in the name of human freedom. He might be following the ancient Greek ideal of ethics and aesthetics καλός καί αγαθός – meaning the perfect combination of good and beauty. Or not. Nudity – including its masks – is 48 anyway the core of a paradigmatic conceptualization, blending clarity of mind (the luminous aspect of Greek religious experience) with the athletic vision of the human being as a life path aspiring to glory and Victory. … nudity – pornography In the artistic forms of expression including nudity you can easily see a relation to sacrum and the very complex border line separating it from profanum. Such observation is described by Georges Bataille, who in Death and Sensuality reminds us about how close in the ancient times the sexual act could be compared to the religious sacrifice. While describing felix culpa , Bataille tells us about how profoundly ambivalent are the relations between soul-mind and faith-social body. The taboos against human sexuality really have specialized forms; for example they affect incest or menstruation, but they can also be thought of in a general way, as for example a way which certainly did not exist in the earliest times (…), a way even now called into questionnakedness. In fact the taboo on nakedness is today simultaneously very strong and in question. Everybody realizes the absurd relativity, the gratuitousness of the taboo on nakedness, the fact that it has been conditioned by historical events; everybody realizes also that the taboo on nakedness and the transgression of that taboo make up the general stuff of eroticism, I mean sexuality turned into eroticism (…). With so-called neurotic complications and with vice of one sort or another, this notion is always significant. Vice can be thought of as the art of giving oneself the feeling of transgression in a more or less maniac way.2 The body then itself doesn’t seem to have any negative or dissolute elements – only the transgression of the maniac go to the church or the theatre to celebrate their own belief, achieve inner peace and suffer a passion. It is expected the public to believe in what’s happening on stage as well as on the altar – experience the changes of meanings and of people into symbolic bodies. Today, in contemporary performance, there is a wide space for exploring sacrum with the tool of nudity. Like Leon does, now also using the images of Vicente’s multilayered layered lives. … theatre – flanêrie The movement is the affirmation of life. I treat it as life, so it’s also my life’s reflection. It broadens my existence, generalizes it, spreads and simultaneously adds up. Hence I pay so much attention to the movement and therefore I want to build my theatre throughout the movement.4 Henryk Tomaszewski In the search of Vicente’s mythical time, Leon, a cosmopolitan agent provocateur with the ecstatic rhythms of Berlin in his heart, goes on a journey, coming from the east borders of Europe in order to reach Lisbon, where the old continent ended few centuries ago. The duration of the physical travel stands for a deep dive into the soul. As some sort of after-modernist flâneur, the performer becomes one more Vicente, a foreigner, who comes to discover the city of Lisbon with curiosity, touch the ageless cobbles, smell the multicultural air and encounter passers-by, moreover the classic, contemplating, Portuguese Vicente on his way! “Leon’s” artistic expression visible on the stage of borders, the transgression beyond the clear mind leads to a change of the body’s value. That is similar to the thin line dividing a nude and a porn picture. Nudity can be used for many different objectives: neutrality, loftiness, as well Lisbon streets seem to be a voyeur experience for the random public. He brings polish individuality, spirituality and subjective interpretation of this myth inspired by the precious differences in culture, history, life’s values. His as perversion; it can also become a costume or a veil, or a symbol of innocence. Or of truth. In Nietzsche’s Eros and Dionysus theory, eroticism cannot be excluded from the stage – this would only lead to propaganda. Eros was the god symbolizing the pre-mature interest in transgression and discussing the body as the natural temple introduces us to other fascinating stories, level encounter, unspoilt and fresh – just in the moment before a human experienced the hedonistic dimension of it.3 carry out a labor that constantly transforms places into spaces or spaces into places.5 possibly provoking us to rethink our doubts and believes. With his performance he adds another personal layer to the space of Lisbon. As Michel de Certeau writes: Stories thus … religion – theatre Theatre was born and always evolved close to religious practice. Including similar structures and objectives, both of these spheres of life aim to quell people’s sorrows, everyday’s difficulties and the pain of existence. In a state of spiritual rapture, one can shed a tear of happiness as well as one of sadness, and such lived emotions certainly have a therapeutic character. Both the theatrical and the religious share links with the ancient experience of katharsis. People 2 George Battaile, Death and Sensuality, Walker and Company, New York, 1962, p.256-257. 4 Janina Hera, Henryk Tomaszewski i jego teatr, Państwowy Instytut Wydawniczy, Warszawa 1983, p.63. 3 Włodzimierz Staniewski, Hidden territories: The Theatre of Gardzienice, Routledge, New York-London, 2003. p.80. 5 Michel de Certeau, Practice of Everyday Life, University of California Press, Berkeley – Los Angeles – London, 1984 , p.118 49 Vicente, 2014 (14,5%) Uma Light-Fiction de Nelson Guerreiro 0. Aperitivo explicativo, qual marcador degustativo (de uma página de vida – podendo ser muitas consoante os copos tomados, tanto as páginas como as vidas). Depois desta composição titular, acredito que aclarei sem possibilitar efeitos colaterais hermenêuticos erráticos à expressão iniciática – a palavra derradeira será assaz fundamental neste texto. Prossiga à sua vontade. Um conselho inevitável: se bebeu leia. Iniciando a narrativa de acordo com os compromissos autorais por mim proferidos outrora (que é como quem diz há um ano atrás – em texto lavrado em cadernos de notas abundantes como modos de vida ou – recitando essa obra máxima de Georges Perec: “ A vida: Modo de Usar”- como apontamentos questionantes do sentido do hoje que é igualmente feito com acumulações do passado e com a vertigem do vácuo numa contínua simultaneidade de ironia e angústia, sonorizadas a rigor pelos Chromatics e pelos Glass Candy e há uns anos atrás pelos Portishead e pelos Tindersticks e há uns anos atrás pelos Cure e pelos Smiths e há uns anos atrás por Lee Hazelwood e mesmo que o passado esteja sempre no nosso caminho delimito porque há limites para tudo, teclado em computador para que se afixe a partilha e a inteligibilidade do texto, impresso em papel para que se celebre o gosto pela leitura material e tipográfica através do livro (esse amante nunca atrasado depois de possuído – mesmo que seja por interposta pessoa, doado ou emprestado – e se acometa nesse gesto humanitário – sem se ser falsa e karmicamente altruísta – a passagem do tempo à sua voracidade tão necessitada de resistências hirtas – e /ou se a ponha no seu lugar essa mesma passividade existencial nas dimensões espaciais e temporais – e (re(e)-dito a passear) já que o texto foi deixado em 2013 com uma promessa reiterada: a retoma (palavra nada influenciada pelo zeitgeit) de um final deixado aberto para o terminar no início do novo texto a ser partilhado em 2014. 1. Aqui e agora, de trás para a frente Lá chegado e aqui teletransportado para esse futuro seguinte já vivido enquanto personagem, mas não reconhecido enquanto acção e matéria lectural – caríssimos leitores -, importa recapitular que Vicente – homem à sua procura em busca de si – se viu perante um caleidoscópio produzido por vários rolos de papel higiénico encontrados numa casa de banho de um clube nocturno – naturalmente reconhecível para quem é de Lisboa. Nessa pré-e-simultaneamente-pós-visualização múltipla e fascinante, Vicente deteve-se a contemplá-los que é como quem diz e fez a desenrolá-los. Nesse compasso incompatível com o tempo médio de uso de casas de banho em clubes nocturnos ditados para não haver abusos nos usos de gestos abstrusos e ao seu olhar obtusos – certificados por entidades reguladoras em regime diurno como agentes de segurança máxima – e tardando mais do que fisiologicamente seja esperado em quaisquer figurações humanas e mesmo pós-humanas, alguém bate à porta. Não respondendo à primeira e depois indução de sentimentos, pesares, mentalidades e energias quotidianas e diárias radioactivas. Volvidos trezentos e sessenta e cinco dias, cinco horas de alguma insistência, Vicente apercebe-se que as batidas fortes das palmas das mãos aflitas e que as palavras hostis de alguém com uma voz rude por detrás da porta – seguramente vestido de negro – são dirigidas a si. Abriu a porta e trouxe consigo cerca de trinta metros de rolo de papel higiénico às cores. Lembrando-se que era uma e quarenta e oito minutos e quarenta e oito segundos aproximadamente – como eu, autor que por vezes aparece sem dizer ai, nem ui gosto de ouvir tudo isto findando com a palavra aproximadamente – Vicente irrompe pela pista e espanta-se com a quantidade de pessoas que lhe oferecem o rabo para que ele o limpe em modo “United Colours noite especial renovada cromaticamente nas texturas que permitiriam novas sensações – bastante absorventes – da libertação escatológica dos utilizadores das casas de banho, Vicente saiu com altivez e não permitiu reacções, pois não reconhecia a urgência das invasões bárbaras dos sanitários. of Benetton”, que é como o faz aquecendo os motores para começar a espetar vassouras nos rabos das pessoas à espera que isso resulte numa fotografia espampanante; espalhafatosa, espaventosa e claro muito vistosa – deva-se assumir aqui a apropriação totalista dos significados da Cagou de alto sem querer para quem queria realmente cagar e lavou dali as suas mãos, dando de frosques (mal sabe ele que o autor é desviante no modo como encara o respeito imaculado de certos escritores pela manutenção de uma certa coerência estilística como trata as suas palavra espampanante no dicionário mais consultado via dedos na internet. personagens!). Adiante. Retome-se a narrativa do ano passado: “A estupefacção dá lugar ao silêncio e permite-lhe chegar à pista já se auto-conhecendo um pouco melhor. seu rosto, pois queria assegurar-se da conquista de espaço que vislumbrava enquanto rememorava por instantes a sua regurgitação sobre a sanita impiedosamente. Eclipse. Na Verdadeiramente feliz, Vicente diz: Viva a alegria! O resto da história é segredo, mas será desvelada para o ano!” pista e desembrulhando-se a pouco e pouco, olha em redor. O que vê? A resposta a esta pergunta será dada como se “Vicente, estupefacto, sem saber para onde se virar, sorri e envolve-se no papel. Enrola-se sobretudo ao nível do estivesse a falar com o seu melhor amigo no dia seguinte. Ponto de situação: assim acabava o texto do ano passado. Vicente: Imagina um sítio onde confluem pessoas 2. Aqui e agora e daqui para a frente será sempre a virar folhas de calendários mensais não apenas de marcas de pneus expostos em barbearias suburbanas, como se de vários estilos e ocupações: heróis de plasticina, dançarinos maníacos, super-amantes místicos, culturistas dóceis, traficantes extravagantes e cheios de classe não houvesse ontem e como se o (nosso) tempo, mais concretamente este mês de julho, este mês de agosto ou mesmo este mês de setembro fosse um corpo aloirado com casquinha-de-ovo, veteranos de guerra apaziguados com o seu passado, mestres do hedonismo, vegans sexuais (cujas cópulas passam pela utilização de cenouras, umas mamas salientes pouco disfarçado por um fato de banho de lycra vermelho Ferrari à espera de ser chamado courgettes, pepinos e em casos extremos beringelas que podem chegar a ser beterrabas, no caso de já não haver), 72 pela Goodyear para a próxima prova do Mundial de Fórmula 1 para abrir e fechar mini-chapéus de sol aos pilotos de bólides supersónicos – de preferência no circuito do Mónaco, onde a temperatura média é mais aprazível e onde hours party-people, valentins de fim de semana, pessoas pertencentes a famílias disfuncionais, modelos glamorosos decadentes, ladrões de lojas bem sucedidos – inspirados na lírica da canção “Shoplifters of the World Unite” dos The existe a maior percentagem de velhos decrépitos solteiros multi-milionários à espera que lhe lavem o rabo assim vestidas recitando a revista “Playboy” ao vivo e a carnes frias, já que todas as tentativas de superação da sua vontade do impossível – a vertigem do prazer através do orgasmo Smiths, punks budistas, campeões do chat facebookiano, impulsionadores de negócios rentáveis, designers que imprimem uma burocracia entre nós e os objectos, caçadores de bacanais, jovens e promissores poetas, assassinos de mosquitos, filósofos modernos folclóricos, antieuropeístas – serão pneus acabados de esvaziar pela sua própria mão. Cumprindo a menção anterior, e que parecerá muito lá atrás, de não exclusividade relativo à imagética dos calendários, importa acrescentar que também poderemos e deveremos agenciar paisagens bucólicas e travessas de marisco bem vestidos de Ermenegildo Zegna, artistas activistas fake, pessoas solitárias que estão mesmo com elas. Por outras palavras e para citar um título de uma canção pop bastante a propósito: “Common People”. arranjadas nessas representações gráficas de calendários inúteis do tempo em lugares de gravoso silêncio sempre que não há assunto motivado por alguém leitor do “Correio da Manhã” e, observada a sua co-presença incontrolada, de escorreita, estridente, vocifera e histriónica decantação da Vicente, depois de se ter tornado personagem-homem-pessoa deixando de ser santo, viu-se sujeito às acrisias da condição humana. Tinha-se dito que se retiraria do mundo quando sentisse o seu corpo fora de si. Nessa reencarnação, Vicente estava obstinado por sentir o seu corpo dentro actualidade por via desses anais do sensacionalismo e da de si, mesmo que estimulado por algo, fosse corpo, fosse 51 música, fosse drogas, fosse álcool, fosse uma imagem, fosse uma palavra. O seu corpo desobedeceu naturalmente a esse desígnio, como se por dentro, e no fundo do seu espírito Vicente cambaleando, suprime-se a um canto onde escrevinha impressões. Vicente é agora um interstício de figuração. É uma figura desfigurada. Esta frase foi escrita algo lhe dissesse que lhe ia acontecer um tal cruzamento com alguém, em que as suas forças energéticas produzirão uma dinâmica centrífuga. Nada mais teria a declarar por agora. Adiante. para o autor. Passe à frente caro/a leitor/a. Redescoberto na sua introspecção, Vicente é encaminhado pela bacante para a rua. A bacante de seu nome Simone propõe-lhe que se recolham para um quarto de hotel com mais uma mulher desejante de ardores vaginais. Vicente regozijado acede a essa manifestação do A imprecisão dos seus desejos embarcaram-no para um 52 lugar onde se celebra a euforia num ambiente obscuro, qual alegoria decadente e pós-moderna da caverna. Nesse lugar efémero, os corpos estão entregues à luxúria das suas sensações. Vicente pagaria o que fosse preciso para nele entrar. Não foi preciso. A porteira simpatizou com desejo a que se seguiu uma paragem numa loja de vinhos onde compraram mais uma garrafa de vinho branco, desta vez um vinho com um aroma algo fechado e tímido, sendo tido apresentado por alguém especializado como passível de ser aproximado a tisana e a frutos secos, entre nozes ele. Foi muito feliz. O tempo passou. A vida continuou. O seu corpo foi embalado sem contra-gosto numa azáfama sensacionista. Vicente abraçou muitas pessoas e sentiu que essas pessoas eram feitas de proximidade. Nesse lugar onde trocou olhares mudos que pareceram escutar e não observar, e avelãs. Aberta a garrafa, Vicente sentiu que na sua boca tudo surge, leve e elegantemente fumado, relembra-se de regiões chamadas Douro e Alentejo. A sua pauta bocal propulsionava uma excelente acidez. Vicente, numa retórica transformadora, diz a si próprio que o néctar era complexo Vicente sentiu essas co-presenças como despertadores da sua sensibilidade e deixou-se coabitar nos seus espíritos. Nesse sítio, avistou uma mulher olímpica que o fitou de e indizível numa leveza e simplicidade incisiva com longo e atraente final. forma intensiva e com favos de mel a desbotar da sua boca. Vicente sentiu uma vertigem fulgurante transmissora de um Vicente era agora um homem aberto aos sabores da vida. Vicente não mais se deixou estar fora de si. Insistiu, por fim, arrepio entre a sua garganta e o seu pénis. É provável que tenha sido esta a primeira vez que Vicente tenha sentido o seu primeiro entesoamento. Palpitante, tamanho máximo, nessa operação existencial que premiava que por dentro é que deveria procurar os seus movimentos de sensibilidade. Vicente é agora um corpo disponível. Aproxima-se da mulher que o fitava. Esta ao se ver acossada diz: – Quem és tu? Vicente não tem resposta e não tendo visto nem lido Vicente sentia-se embriagado mas a clarividência das suas derivas de pensamento faziam com que ele abraçasse o seu estado ébrio com requintes de existencialismo. Queria a peça “Frei Luís de Sousa” de Almeida Garrett que lhe poderia inspirar a devolução adequada da pergunta, fica sem palavras. Recuperando deste assombro fisiológico, Vicente, ser uma pessoa da rua capaz de reproduzir a eloquência das pessoas com quem se cruzou nos bairros mais castiços da cidade. Vicente disse pela primeira vez: Foda-se! Caralho! solicita dois copos de vinho branco, sentindo que a apetência pelos vinhos brancos redobra na Primavera. Ela abrilhantou o seu pedido com um olhar provocador. Disse-lhe antes de brindar que era uma herdeira espiritual e vivencial de Baco. Ele não se atemorizou. Aquele sítio que mais tarde, veio a saber, se chamava: after, tinha-lhe possibilitado a experimentação de sensações nunca por sim imaginadas. Pelo corpo de Vicente, perpassavam estas palavras sob um fundo sonoro electrónico: – Sucedem-se dentro de mim duas realidades que atendo como sensações. O meu pensamento segue para o corpo dela, para os seus movimentos púbicos em forma de sussurros provocantes e incitantes ao seu prazer e à sua inundação. Vicente sentia a gravidade e a sua percepção estava imbuída dos efeitos da frescura do vinho que lhe escorria pela garganta. Pergunta-se: – Para onde irá o meu pensamento? De copo em riste, Vicente invade a pista e o seu corpo já só quer sentir a busca da sua excitação. Aquela mulher bacante tinha induzido o seu ritual mediúnico de passagem. Vicente sente-se a desmear uma frase produtora de novas emoções: – Para onde irá o meu pensamento? Escreve em desacordo ortográfico Julho de 2014 Vicente, 2014 (14,5%) A Light-Fiction by Nelson Guerreiro 0. Explaining starter, what tasting marker (of a life’s page – it can be many according to what was drunk, pages as much as lives). After this entitled composition, I believe I clarified without making wrong collateral hermeneutic effects possible to the initial expression – the ultimate word will be considerably fundamental in this text. Go on as you wish. An inevitable advice: if you have drunk please read. Initiating the narrative according to the copyright compromises uttered by me once (meaning a year ago – on cultivated text in generous note books as ways of life or – reciting the Georges Perec maximal work: “Life: A User’s Manual” – as questioning notes of today’s sense also made of accumulations of the past and with vacuum vertigo on a continuous synchronism of irony and agony, rigorously sound tracked by the Chromatics and by the Glass Candy and some years ago by the Portishead and by the Tindersticks and some years ago by the Cure and by the Smiths and some years ago by Lee Hazelwood and even if the past always is on our delimit way because everything has limits, as a keyboard on a computer so sharing and the text’s intelligibility is fasten, printed on paper so the material and typographic reading taste is celebrated through the book (the lover never late after being possessed – even if by an intermediary person, given or borrowed – caught on that humanitarian gesture – without being false and karmic selfless – passage of time to its so needed voracity that so much needs stiff resistances – and/or can be placed in its place with the same existential inactivity in spatial and time dimensions – and (re(e)-dited while strolling) as the text was left unfinished in 2013 with a repeated promise: retrieving (word not at all influenced by zeitgeit) a final left opened to be ended on the beginning of a new text to be shared in 2014. 1. Here and now, back to forward Arrived and teleported to that following future, already lived as a character, but not recognized as action and copyright subject – dear readers -, it matters to review that Vicente has seen himself before a kaleidoscope produced by several toilet paper rolls found on a night club’s toilet. In that multiple and fascinating visualization, Vicente withheld himself beholding them, which in this context means he unrolled them. In that beat, incompatible with the medium usage time of toilets at night clubs, and taking a much longer time than is physiologically expected, somebody knocks on the door. Not answering at first and after some insistence, Vicente realizes that the strong knocks of the agonized palms of the hands and the hostile voices of somebody with such rude voice are addressed to him. He opened the door and carried approximately thirty meters of coloured toilet paper. Reactions were not allowed. Washed his hands and got the hell out of there (he does not have a clue that the author is deviating in his way of facing the immaculate respect of certain writers for the maintenance of a certain stylistic coherence as he treats his characters!). That said. Let’s go back to last year’s narrative: “Stupefaction gives place to silence and allows him to arrive at the dance floor already knowing himself a little better. Truly happy Vicente says: Sheer happiness! The rest of the story is a secret, but it will be revealed next year!”. Status: that’s how last year’s text ended. 2. Here and now and in the future it will be continuously turning monthly calendar layers not only of tire brands exhibited in suburban barbers’ shops, as if yesterday didn’t exist and as if (our) time, concretely this July month, august or even September was a “blonded” body with some outstanding boobs not so well hidden by a Ferrari red lycra swimming suit waiting to be called by Goodyear to the next Formula 1 world championship to open and close mini-sunshades to 54 supersonic bolid pilots – preferentially on Monaco’s circuit, where the medium temperature is more pleasant and where it can be found a considerable amount of old decrepit and single multi-millionaires waiting for their ass to be washed by them dressed that way reciting “Playboy” magazine live and the cold fleshes, as every other attempt to overcome their will for the impossible – pleasures’ vertigo through orgasm – will become emptied tires by their own hands. Accomplishing my former intention, that now can seem to be really back there, of non exclusivity related to the calendar imagery, it matters to add that we could and should promote bucolic landscapes and trays of seafood well set on those useless graphic representations of time in places of deep silence every time that no subject is motivated by some reader of “Correio da Manhã”1 and, observed is his uncontrolled, non error, harsh, shouting and melodramatic decant of actuality by those annals’ sensationalisms and feeling’s induction, sorrows, mentalities and daily radioactive and quotidian energies. Three hundred and sixty five days passed, five hours and forty eight minutes and forty eight seconds approximately – oooh the joy of hearing all this ending with the word approximately – Vicente hits the dance floor and gets amazed by all the people offering their buts for him to clean in a “United Colours of Benetton” style. Vicente, astonished, without knowing even where to turn to, smiles and involves himself with the paper. He wraps himself with it to his face level, as he wanted to make sure of conquering the space that he gazed at while he debited with no mercy over the toilet. On the dance floor and unwrapping himself slowly, he looks around. What does he see? The answer to this question will be given as if he was talking to his best friend the following day. Vicente: Imagine a place where people with various styles and occupations converge: plasticine heroes, maniac dancers, mystical super lovers, sweet body builders, extravagant and all mighty classy dealers “casquinha-de-ovo”2, war veterans in peace with their past, hedonism masters, sexual vegans (whose copulas are performed with the usage of courgettes, carrots, cucumbers and in extreme cases aubergines that can be substituted by beetroots in case of lack of stock), 72 hours party people, weekend valentines, dysfunctional family members, decadent glorious models, successful shoplifters – inspired by the lyrics of The Smiths song “Shoplifters of the World Unite”, Buddhist punks, champions on “facebookian” 1Portuguese newspaper. 2Portuguese expression meaning fragile. chat, profitable businesses’ entrepreneurs, designers printing a bureaucracy between us and objects, gangbang hunters, young and promising poets, mosquito assassins, modern folkloric philosophers, anti-Europeanist, dressed as Ermenegildo Zegna, fake activist artists, lonely people that really are alone with themselves. On other words and quoting a name of a pop song on purpose to this matter: “Common People” and so on. gravity and his perception was imbued by the effects of the wine that was passing through his throat. He asks himself: – Where is my thought going? With the glass raised, Vicente invades the dance floor and his body only wants to feel the search for its excitement. Vicente feels himself producing a producer of new emotions sentence: – Where is my thought going? Vicente walking unsteadily, holds to a corner where Vicente, after having become character-man-person not being a saint anymore, was submitted to the acrisia of human condition. It had been said that he would retire from the world when he felt his body out of himself. In that reincarnation, Vicente was decided to feel his body he scribbles impressions. Vicente is now an interstice of figuration. Is a disfigured figure. This sentence was written to the author. Go ahead and proceed dear reader. in himself, even if stimulated by something, that could be a body, music, drugs, alcohol, an image, a word. His body disobeyed naturally to that design, as if inside, and at the bottom of his spirit something was telling him what would happen in such intersection with somebody, in which his by the bacchante. The bacchante, named Simone, suggests they check in a hotel room. Vicente, delighted, accepts this desire manifestation followed by a stop in a wine store where they bought another white wine bottle, this time a wine with a shy and closed aroma, dry barley, dry fruit, in the mouth energetic strengths will produce a dynamic centrifuge. Nothing else to declare now. everything emerges, light and smoky elegant, excellent acidity, complex and unspeakable on a sharp lightness and simplicity with long and attractive ending. The inaccuracy of his wishes took him to a place where dark euphoria is celebrated in an atmosphere similar to the Rediscovered in his introspection, Vicente is lead outside Vicente was now a man opened to the flavours of life. allegory of the cave. In that ephemeral place, the bodies are given to the luxury of their sensations. Vicente would pay whatever necessary to get in there. He didn’t need to. Vicente has never more stopped being outside himself, it was in the inside his search for his sensibility movements. The door maid sympathized with him. He was very happy. Time flied. Life continued. His body was packed with no contradiction on a sensational bustle. Vicente hugged a lot of Vicente felt drunk but the clairvoyance of his thoughts’ drifts made him embrace his drunkard state with existentialism refinements. He wanted to be a person of the people and felt that they were made of proximity itself. In that place where he exchanged deaf looks that seemed to ear and not observe, Vicente has felt those co-presences as alarms of street able of reproduce the eloquence of the people with whom he engaged on the most authentic neighbourhoods of the city. Vicente said for the first time: Foda-se! Caralho!3 his sensibility and left himself co-inhabit in their own spirits. In that place, he has seen an Olympic woman that starred at July 2014 him intensely. Vicente has felt a flashing vertigo transmitting the creeps between his throat and his penis. It is possible indeed that this was the first time Vicente has felt how it was to be aroused. Thrilling , Vicente is now an available body. He approaches the starring woman. Realizing she is being beset she says: – who are you? Vicente has no answer as he has not seen neither read Almeida Garrett’s play “Frei Luís de Sousa” that could inspire him to give return to the question in a proper manner. Speechless Vicente, begs for two glasses of white wine, feeling that the preference for white wines grows stronger in spring. She embellished his request with a provocative look. She said to him before toasting that she was a spiritual and living heir of Bacchus. He didn’t get frightened. That place that later, he was told, was called: after, has allowed him to experiment sensations he has never imagined. Through Vicente’s body, this words lightly passed under an electronic sound background: – Two realities that I attend to as sensations live inside me. My thought proceeds to her body, to her pubic movements shaped as provocative and inciting to its pleasure and flood. Vicente was feeling the 3Portuguese typical swear words. Literally: Fuck! Cock! 55 APROXIMAÇÕES AO IMAGINÁRIO SOTERIOLÓGICO HISPÂNICO Manuel J. Gandra Proémio Plataforma giratória de escatologias tão arcaicas quanto as remontando ao Paleolítico, a Península Ibérica foi palco do afrontamento de três religiões proféticas durante mais de um milénio. Seria, porém, no seio do cristianismo que as disputas teológicas mais haviam de suscitar sequelas, mormente entre trinitários e monofisitas1, culminando na suposta supremacia daqueles, em consequência da apostasia de Recaredo, no concílio de Toledo de 5892. Doravante, a crescente instabilidade política, os constantes conflitos fratricidas e as insanáveis cisões e excomunhões, resultantes de divergências doutrinais, haviam de minar o outrora vigoroso ecumenismo, ora periclitante, e gerar as condições propícias para a intervenção muçulmana, de resto, solicitada por algumas comunidades ameaçadas e negociada, consoante tem sido asseverado, pelo conde Julião e pelo bispo Hopas. * Em 711, a vanguarda muçulmana, comandada por Tarik ben Siad, desembarcada na Hispânia e constituída por berberes de duvidosa ortodoxia, não terá forçado, nem sequer exigido, a conversão ao Islamismo das distintas comunidades que encontrou. Os naturais terão podido escolher livremente, consoante as suas próprias natureza e inclinações, entre adoptar o islamismo ou conservar a sua religião, fosse esta pagã, cristã, ou mosaica. Sem embargo, eram bastante tentadoras as vantagens concedidas àqueles que abjurassem do seu credo, uma vez que os conversos estavam isentos de qualquer tributação especial, circunstância susceptível de explicar as numerosas conversões que ocorreram de imediato. Para um servo, ou escravo, abraçar a nova fé representava uma significativa melhoria de estatuto, muitas vezes garantindo-lhes a liberdade. Estes hispanos islamizados foram denominados de dois distintos modos, a saber: Musalima (convertido, novo muçulmano) e Muwalladun (renegado, qualificativo aplicado apenas aos descendentes dos novos muçulmanos). Nos primeiros tempos da presença muçulmana o seu estatuto foi idêntico ao dos autênticos muçulmanos (Mu’minín = crentes). Todavia, progressivamente, acabariam por ser segregados para o grupo distinto dos Muladis (correspondente ao baixo-latim, Maulidines, Muzlitas, Mulados, etc.), i. e., dos convertidos ao Islão. 1 Negavam a divindade substancial de Cristo. 2 Tal supremacia foi apenas aparente, porquanto não significou a conversão em massa dos Suevos ao cristianismo latino. Aqueles que conservaram as suas crenças, gozando da proteção da administração islâmica, mediante o pagamento de um tributo, eram chamados Ahl ad-Dimma. A tais E mais adiante, relata um acontecimento que terá deixado verdadeiramente espantados os chefes cruzados: os mouros, ao defenderem os seus haveres contra a cobiça dos tributários, independentemente do respectivo credo, foi também aplicado o nome colectivo de ‘Ayam (alguém que fala mal o árabe, estrangeiro, estranho, não muçulmano). Já os cristãos eram conhecidos por Nasara, Mu’ahid (confederado), ‘Ily (cristão e renegado), Mami (estrangeiro), etc. Quanto à designação de moçárabe, quase universalmente salteadores, que iam a caminho da Terra Santa, morriam beijando cruzes e clamando “Maria bona! Maria bona!”5. aceite e geradora de inúmeras e (convenientemente arregimentadas) manipulações, não constava da nomenclatura adoptada, não passando, por conseguinte, de um termo de pura conveniência, sem qualquer aplicação histórica ou filológica, não obstante as opiniões em contrário3. Na verdade, moçárabe e moçarabismo são termos equívocos e pejorativos destinados a intencional e expressamente, depreciar o cristianismo monofisita, predominante na Hispânia durante séculos, mercê do relacionamento privilegiado desta com Cartago (em desfavor de Roma). Tal relacionamento, muito anterior ao advento do cristianismo, favoreceu o trânsito até à Península Ibérica da Boa Nova, ainda apenas grega, bem assim como de escatologias de cariz gnóstico oriundas da Síria e do Egipto, de onde lhe chegou também o monaquismo. A reconquista dita cristã não passou, portanto de uma guerra santa fratricida entre os dois credos, trinitário e unitarista, este acantonado sob a protecção do Islão. A vantagem militar ditou a repressão e, finalmente, o progressivo aniquilamento de todas as formas de cristianismo heterodoxo, i. e., distintas da ortodoxia romana. As duas fontes de que me socorro, em abono do afirmado, são incontroversas: – Osberno, cruzado inglês, que integrou a força militar que pôs cerco a Lisboa e a expugnou para Dom Afonso Henriques, ao descrever, minuciosamente, as acções bélicas empreendidas, no seu De expugnatione Olisiponis4, afirma que, antes de se iniciarem as hostilidades, e com o finalidade de evitar o derramamento de sangue, os chefes cruzados – Na Chronica de D. Afonso Henriques, composta cerca de três centúrias após a morte do sobredito rei, Duarte Galvão, baseando-se em documentos coevos que, conforme declara, considera autênticos e dignos de crédito, refere que assistindo o rei, em companhia de Dom Teotónio, prior de Santa Cruz, à entrada, em Coimbra, de um significativo contingente de prisioneiros capturados durante uma batalha (que Galvão supõe ser a de Ourique), e notando o Dom Prior que eles eram tratados desumanamente, increpou severamente o rei, entendendo não ser justo tratar assim aqueles homens que, no fim de contas, eram tão cristãos quanto o monarca e ele próprio! * Os Ahl ad-Dimma hispânicos, cristãos e judeus, revelaram ser as minorias étnico-religiosas melhor organizadas do mundo muçulmano, excepção feita aos Qibt egípcios. A gente do Livro (ahl al-Kitab) disfrutava de absoluta liberdade religiosa, em consonância com os preceitos jurídico-religiosos do Islão6. A antiga estrutura eclesiástica monofisita manteve-se incólume, os seus mosteiros e santuários foram preservados, sem embargo da interdição de toda e qualquer manifestação exterior de culto7. Seja como for, numerosos lugares de devoção cristãos mantiveram-se activos. Persistiram também importantes peregrinações, tendo-se tornado algumas delas, destino de inúmeras comunidades trans-supra-regionais. De todas tais peregrinações, as mais proeminentes foram, indubitavelmente, as concorrentes a Ossonoba (Faro) e ao cabo de S. Vicente. decidiram enviar parlamentários propondo a rendição à cidade sitiada. O arcebispo de Braga e o bispo do Porto, presentes no exército do monarca fundador, foram os escolhidos, tendo ambos os prelados subido a encosta do castelo, para se avistarem com o alcaide e o bispo da cidade e outros notáveis dela. O mesmo Osberno, revoltado contra os excessos cometidos pelos cruzados flamengos e alemães, durante o saque que se seguiu à capitulação, acusa-os de terem assassinado o bispo, um ancião respeitável, quando este se 5 O inaudito episódio atesta que as vítimas da pilhagem dos cruzados eram cristãos monofisitas, acusados pelo clero latino, ou rumi, de inimigos da cruz, por não a terem nos seus templos, nem a consideraram emblema do cristianismo, bem assim como de desrespeito pela Virgem, por não a venerarem enquanto mãe de Deus. 6 Tal tolerância institucional datando do ano 713, consubstanciava o pacto firmado entre Teodomiro, primeiro godo independente de Múrcia e ‘Abd al-Aziz, filho de Musa, chefe da primeira vaga de muçulmanos a desembarcar na Península. Aliás, não interessava ao Islão a ocorrência de conversões maciças, porquanto isso significaria a redução da cobrança do tributo denominado Chizya. 7 A única grande diferença consistiu na circunstância de Toledo se ter convertido no grande centro cristão da península, todavia, perdendo para Córdova a autoridade eclesiástica. opunha a que roubassem as alfaias do culto. 3 Segundo alguns dos proponentes, moçárabe derivaria de Musta’rib. 4 Transcrito por Alexandre Herculano nos Portugaliae Monumenta Historica. 57 As opiniões sempre divergiram quanto à origem do carácter sacral, do Dayr ou Kanisat al-Gurab8, subsistindo na actualidade o impasse relativamente à mais remota natureza desta finisterra do mundo, a qual poderá, eventualmente, recuar à Atlântida, como, de resto, pretendeu Frei Bernardo de Brito, o qual chegou mesmo a admitir que Noé e Tubal jaziam sepultados no Promontório Sacro: “E tal foi o amor que lhe tiveram, que nunca se perdeu a memória da sua sepultura, antes a visitavam e veneravam como coisa santa; e introduzindo-se depois a idolatria e superstição gentílicas [...] ficou ainda uma lembrança nos moradores da terra, e sem atinarem a causa, pelo tempo a ter sepultado, tinham tanta veneração àquela parte da terra [...]”9. As únicas informações consensualmente consideradas fidedignas de que se 58 dispõe acerca do local durante a antiguidade, veiculadas por Estrabão, foram por ele bebidas em Artemiodoro que terá visitado o local no século I a. C. Asseverou o alexandrino, abonando-se no viajante helénico, que “[…] não se vê lá nenhum santuário de Héracles como Ephoro inexactamente dissera, nem altar dele ou de algum outro deus, mas em muitos sítios há grupos de três e quatro pedras que são pelos visitantes voltadas, em virtude de um costume tradicional, e deslocadas, depois deles fazerem libações […]”, acrescentando ainda que “[…] não é permitido sacrificar, nem ir de noite àquele lugar, porque se assevera que os deuses lá estão; mas que os que vêm para os ver pernoitam em uma aldeia vizinha, e entram nele depois, durante o dia, levando consigo água, por causa da falta dela”. Apesar de tudo, admite-se hoje que possa ter existido, de facto, um templo pré-romano no Promontório Sacro, porventura dedicado a Melqart (correspondente ao Kronos-Saturno greco-latino), e que o culto betílico de cunho fenício ou, quando muito, púnico, característico desse tipo de santuários, direccionado para pedras meteóricas (caídas do céu) às quais era creditado um poder hierofânico, possa ter constituído, a partir dos séculos V e IV a. C., o sucedâneo de uma devoção megalítica e astral, evidenciada pela mega concentração de menires, cromeleques e alinhamentos identificada nas proximidades dos cabos de Sagres e de São Vicente (actual concelho de Vila do Bispo)10. Outra devoção local está relacionada com uma circunferência radiada, medindo 43 m de diâmetro, composta por montículos e alinhamentos (com dimensões desiguais) de pedras toscas que partem de um centro comum, remanescente mais que provável de uma roda medicinal – calculador astronómico, eventualmente remontando ao Neolítico ou, quando muito, à Idade do Ferro11. 8 O local era frequentado concomitantemente por peregrinos cristãos e por crentes do Alcorão. Em Sagres chegou a existir uma mesquita. 9 Cf. Monarquia Lusitana, liv. I, cap. 3. 10 Até ao presente foram identificadas algumas centenas de menires, alguns integrados em recintos ou em pequenos alinhamentos, nas imediações de ambos os promontórios, como, a título meramente exemplificativo: Adreneira (3), Alto das Barradas (1), Amantes I (17), Amantes II (10), Aspradantas (3), Bem Parece (1), Budens (1), Carriços (5), Casa do Francês (6), Cerro do Camacho (5), Figueira (8), Guadalupe (1), Gasga (6), Ladeiras (2), Marmeleiros (3), Marreiros I (3), Marreiros II (4), Milrei (21), Morgados (1), Padrão (15), Pedra Escorregadia (3), Santo António (2), Santo António de Cima (1), Serra da Borges (4), Vale do Gato de Cima (3), Vale de Oiro (2). 11 Tem-se querido ver nesse conjunto, reconhecido em 1928, e desenhada no solo, entre o alinhamento das casas e a muralha, uma enorme Rosa dos Ventos, contemporânea do Infante Dom Henrique. Porém, a sua quase meia centena de raios, constituiria um número excessivo de rumos, para mais não equidistantes, se efectivamente se tratasse de uma Rosa-dos-Ventos. Os autóctones do aro de Sagres e de São Vicente persistem em chamar a essas pedras moledros ou moledro, quando reunidas em montículos, mesclando o respeito por elas com crenças de carácter sebastianista12. A propósito de tais montículos, informava Leite de Vasconcelos, em 1894, que: 1. Quando se retira deles uma pedra que, depois, se abandona, na manhã seguinte já se não encontra no local, reaparecendo no moledro: é Dom Sebastião quem de noite a devolve à sua proveniência. 2. Quando se retira do moledro uma pedra, sem ninguém saber, e se coloca debaixo do travesseiro, aparece aí, no outro dia, um soldado de Dom Sebastião, o qual logo desaparece para ir outra vez, já transformado em pedra, colocar-se no moledro. * A excepcional abrangência da entidade tutelar do Promontório Sacro supõe um compromisso, decerto arcaico, entre povos mediterrânicos (indo-europeus, semitas, etc.) e autóctones (neolíticos e célticos, entre outros), todos partilhando idêntico sistema cosmogónico – heliolátrico, fundado no sacrifício ou agonia solar diária, a poente13. Com efeito, os ingredientes que compõem o psicodrama de Vicente, derradeiro dos seus avatares, ocorrido quando das perseguições de Diocleciano (302 d. C.), apontam-no como vera reencarnação (Vincens = o vitorioso) de uma entidade solar, psicopompa e dispensadora de luz. Ora, o “mártir”, que sucumbiu por não abjurar a fé, mesmo quando submetido a brutais torturas, atraía multidões, justamente mercê da incorruptibilidade do seu corpo e das respectivas virtudes luminotécnicas. Acresce ainda que, enquanto dispensador de luz, S. Vicente se faz acompanhar por corvos, aves de vocação apocalíptica com a capacidade de conceder ou retirar a visão (provocar a cegueira). Além disso, o chão do santuário que tutela não é habitado, estando interdita a visita ou estadia nele durante a noite (justamente durante a ausência do astro alvo da heliolatria). 12 No extremo do cabo, perto do farol e das ruínas do convento de São Vicente, observam-se ainda outros moledros, estes em tudo semelhantes aos pequenos montes de pedras lançadas sobre os túmulos, noutras regiões designados por fiéis-de-Deus. 13 Na costa da Galiza ficam situadas as ilhas Sagres e, na Cantábria, a Peña Sagra, termo cuja afinidade com as vozes bascas zarga, zarka e zakar, exprimindo o conceito de velhice, poderá ser uma alusão ao local onde a humanidade primordial terá surgido (a palavra grega, sarka, significa natureza humana). Circunferência radiada do Promontório Sacro 59 60 Laje Erguida (Magoito, Sintra) Monumento heliolátrico (destruído) em outra finisterra ocidental Finalmente, aquilo que, com efeito, tornava singular a romaria ao santuário de São Vicente era a oferta aos romeiros de uma refeição ritual, ou adiafa, consistindo na ingestão do corpo do próprio “santo”, transubstanciado num peixe, sintomaticamente denominado corvina (feminino de corvo). Creio por demais evidente, pelo que dispenso qualquer comentário adicional, o sentido da resposta competitiva, quer do cristianismo romano, mediante a criação ex nihilo (apenas durante o século IX) da peregrinação a Santiago (de Compostela), quer de D. Afonso Henriques, quando fez trasladar para Lisboa, em 1173, as relíquias do Santo. * No dealbar do século VIII a igreja suévica ainda não recuperara das grandes polémicas causadas pelo arianismo e pelo priscilianismo, entre outras heresias. A crise espiritual que perdurou durante as duas centúrias subsequentes teve como causa remota o vazio dogmático provocado pela presença muçulmana, potenciada pela chegada ao Al-Andalus, a partir de 740, de várias comunidades cristãs sírias, as quais haviam de tornar-se o esteio de inúmeros sobressaltos proféticos e milenaristas heterodoxos. Por seu turno, a presença Almorávida e Almóada, ulteriormente, perturbou inexoravelmente o sincretismo e coabitação das distintas confissões religiosas vigente no Gharb, até então habituado ao seu literal paganismo, às suas romarias, bem como às suas peculiares fórmulas escatológicas e apocalípticas, em mais de uma ocasião conducentes a atitudes radicais e comportamentos caracterizados pelo fanatismo. Os escritos adopcionistas de Apríngio de Beja e do Beato de Liébana foram dos que mais robusteceram a esperança soteriológica dos cristãos monofisitas peninsulares. Apesar de tudo, o episódio mais dramático, que culminou com o martírio de Santo Eulógio e de vários dos seus discípulos, ocorreu quando estes, convictos de que, por culpa dos seus pecados, já haviam chegado os últimos dias da 4.ª besta apocalíptica, admitiram que blasfemar contra o Islão, enquanto religião do Anticristo, constituía a única forma de lograr a salvação das suas almas… O Pseudo-Metódio e o Imperador dos Últimos Dias A Revelatio S. Methodii De Temporibus Novissimus, também denominada Apocalipse de Pseudo-Metódio, ou, simplesmente, Pseudo-Metódio, é uma obra de indiscutível origem bizantina originalmente redigida em siríaco, durante a segunda metade do século VII d. C. (644-691 d. C.), no contexto da queda de Jerusalém em poder, primeiro, dos persas (614 d. C.) e, imediatamente depois, dos muçulmanos (638 d. C.). Dois momentos distintos a constituem: os capítulos 1-9, de índole histórica (descrevendo a expulsão de Adão do Paraíso, etc.), teológica e lendária; e os capítulos 10-14, eminentemente apocalípticos. Esta segunda parte espelha um clima de medo e de terror face aos filhos de Ismael (Islão), considerados “cruéis bárbaros que não são progénie do género humano senão da desolação”, os quais “profanarão os lugares santos dos cristãos”, enfatizando a necessidade de estes recuperarem Jerusalém. Pseudo-Metódio atribui à história um âmbito de seis mil anos e poucos séculos, dando grande destaque à sucessão dos quatro impérios: 1.º Babilónia, 2.º Média, 3.º Pérsia, 4.º Grego-romano-bizantino. Alexandre Magno foi o fundador deste 4.º império, assumindo-se como Primus Rex Gregorum. O Pseudo-Metodio confia no próximo advento do último Imperador que recuperará Jerusalém para a Cristandade, feito a que se seguirá o Anticristo e, finalmente, a assunção do poder por parte de Deus, ele próprio, desde a sua Cidade Santa. O Rei dos gregos e dos romanos, ou Imperador dos Últimos Dias14, será descendente de Alexandre e da Casa Real da Etiópia15, cuja superlativa importância se deduz das duas citações do Salmo 67: 32: “A Etiópia se adiantará a estender as suas mãos para Deus” (cap. 9 e 14). O Pseudo-Metódio elenca uma sequência de oito acontecimentos, ou sinais precursores do advento do Anticristo (cap. 10-13)16, a saber: 1) Apostasia, de que se ocupa Paulo em 2 Tessalonicenses [2: 3]; 2) Levantamento dos filhos de Israel contra os romanos; 3) Conquista da terra da promissão pelos filhos de Ismael, em consequência dos pecados de seus habitantes (principalmente a sodomia); 4) Diminuição do espírito dos santos e negação por muitos da verdadeira fé; 5) Irrupção desde o mar da Etiópia do rei dos gregos ou dos romanos que logrará vencer os sarracenos blasfemos que pensavam os cristãos incapazes de recuperar os territórios perdidos; 6) Indignação do rei dos romanos contra os que renegaram Cristo [1 Tessalonicenses 5: 3]; 7) Depois da paz, abrir-se-ão as portas do Aquilão e delas sairão as 23 raças imundas, lideradas por Gog e Magog, ali encerradas por Alexandre, mas volvida uma semana, o Senhor enviará um exército que as derrubará; 14 Em Daniel 7: 27, o quarto império é o Macedónio, tal qual como na tradição portuguesa, anterior a António Vieira. 15 Khuset, princesa etíope, mãe de Alexandre, após a morte deste casou com Byzas, fundador lendário de Bizâncio. Desse casamento nasceu Bizântia que foi dada em casamento a Rómulo (também denominado Armaleu pelo Pseudo-Metódio), rei de Roma. Ambos tiveram 3 filhos, Armaleo que herdou Roma, Urbano que herdou Bizâncio e Cláudio que herdou Alexandria. 16 Colón assinalou com o desenho de uma mão apontando o texto dos oito preâmbulos e anotou na margem esquerda do seu Libro de las Profecias, citando o Liber de Viris Illustribus: “Jerónimo diz que Metódio, o Mártir, escreve muitas coisas sobre o fim dos tempos”. Cf. Cristóbal Colón, Livro das Profecias, apresentação e notas de Manuel J. Gandra, Mafra, 2013. 61 8) O rei dos romanos residirá durante uma semana e meia (isto é, dez anos) em Jerusalém, finda a qual surgirá o filho da perdição. Em suma: no 4.º Império (Daniel 7: 27), macedónios, gregos, romanos e bizantinos achar-se-ão unidos sob a hegemonia do Império Bizantino, o qual ligado ao reino cristão da Etiópia terá o Imperador dos Últimos Dias como único rei. Entretanto, uma invasão dos filhos de Ismael provocará muitas desgraças e destruição durante “dez semanas de anos”. Também os 23 povos imundos (liderados por Gog e Magog), livres da reclusão a que Alexandre Magno os confinara, causarão muita destruição. Para os deter, Deus enviará um comandante do céu, “príncipe da milícia divina” (Jesus Cristo), que sem o auxílio do Imperador os vencerá. No momento em que os invasores disserem “os cristãos não têm salvador” surgirá o rei que os aniquilará. O advento deste será súbito e inesperado, em 62 pleno caos e desespero, destruindo os muçulmanos e reinando sobre a terra17. O Imperador residirá em Jerusalém durante 10 anos e meio até que seja revelado o filho da perdição (Anticristo). Então o Imperador subirá ao Gólgota, colocará a sua coroa sobre a cruz, erguerá as mãos aos céus e entregará o seu reino Cristão a Deus, cumprindo assim a palavra de David18. Uma vez concretizada a profecia, o espírito do Rei abandonará o seu corpo e este morrerá. O Pseudo-Metódio, chegou à península Ibérica em finais do séc. VII, ainda na sua versão siríaca ou grega, tendo sido traduzido para latim no início da centúria seguinte. A sua presença aqui pressupõe contactos entre o Oriente e a Hispânia, igualmente evidentes no comércio, nas artes e nas letras, desde períodos muito anteriores à invasão muçulmana, e cujo fluxo não seria interrompido por ela19. A influência que exerceu é patente em diversos escritos cristãos peninsulares, designadamente na denominada Crónica Profética também consignada no Códice de Roda e que aponta o fim do mundo para o dia de S. Martinho do ano de 883 (170º aniversário da invasão muçulmana)20, alimentando a polémica anti-maometana, cujo auge na Hispânia ocorreria durante o séc. IX, simultaneamente com o crescimento exponencial da apostasia entre os cristãos21. Transcrevo agora, para geral conhecimento, uma versão portuguesa do Pseudo-Metódio (São Metódio em um seu livro, falando dos tempos futuros diz), a partir de trecho consignado numa miscelânea sebástica da minha colecção22: “E passadas as tribulações destes dias, que serão feitas pelos filhos de Ismael e desolada por eles toda a terra, serão eles mui ricamente vestidos de ouro e de prata e de púrpura, assim como as esposas, quando estão no tálamo, e dirão não cuidem 17 Colón advoga o “fim de Mafoma” e a vitória sobre o Anticristo na Carta ao Rei e à Rainha (1501), in LP, transcrevendo com o mesmo propósito Daniel 2: 18 (LP: fl. 42v) e Isaías 2: 2,3 (LP: fl. 54v). 18 Salmo 68: 32: “Reinos da terra, cantai a Deus, cantai louvores ao Senhor”. 19 Ver a este propósito: Paul J. Alexander, Byzantium and the migration of Literary Works and Motifs: the legend of the Last Roman Emperor, in Medievalia et Humanistica, nova série, n. 2 (1971), p. 47-82 e The Medieval Legend of the Last Roman Emperor and its Messianic Origin, in Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, v. 41 (1978), p. 1-15; Andrew Palmer, Sebastian Brock e Robert Hoyland, The Seventh Century in the West-Syrian Chronicles: including two seventh-century Syriac apocalyptic texts, Liverpool, 1993. É indiscutível a presença de sírios, conhecidos como transmarini negotiatores, na Hispânia, os quais traziam consigo pessoas, ideias religiosas e científicas e bens, incluindo elementos irânianos pré-islâmicos que haviam de influir fortemente na vida religiosa (nestorianismo em Córdova, etc.), literária e artística da Península Ibérica. Cf. Sefarad, n. 5 (1954), p. 83s. 20 Antes da Crónica Profética, já Álvaro e Eulógio haviam anunciado o fim do domínio muçulmano na Hispânia. José Eduardo Lopez, Ob. cit., p. 253-261. 21 M. C. Diaz y Diaz, Textos antimahometanos mas antigos en códices españoles, in Archives d’Histoire Doctrinale et littéraire du Moyen Âge, v. 37 (1970), p. 163-164. 22 Fl. 264-265. 63 D. Sebastião, enquanto Imperador e Novo Artur, recebe menagem de Alexandre Magno, o qual lhe transmite o testemunho do Quinto Império (iluminura do Sucesso do Segundo Cerco de Diu de Jerónimo Corte-Real, 1574). Figura D. Sebastião revestido da majestas imperial dos Romanos, em clara figuração e prolongamento do tópico dos Antigos e da Antiguidade como único termo possível de comparação para os portugueses e seus feitos. É plausível que a cena igualmente se destine a representar o Desejado (rodeado por doze cavaleiros) como um Novo Artur, ideia que tem antecedentes no Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda (1567) de Jorge Ferreira de Vasconcelos e adquire consistência canónica numa passagem da I Epístola de S. Pedro (I, 4-5): “Para uma herança incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar, guardado no céu para vós, que mediante a fé, estais guardados na virtude de Deus, para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo”. O velho andrajoso, em primeiro plano, é Alexandre Magno, o qual passa o testemunho (do Quinto Império) a um dos 12 cavaleiros do Desejado. O soberano ostenta coroa fechada ou imperial, adoptada uns quantos anos antes da partida para Alcácer (1578). Diante de si, jazem por terra três figuras femininas, indicativas de outros tantos impérios caídos. Na circunstância, seria recomendado a Jerónimo Corte-Real e a D. João de Mafra e outro fidalgo não identificado que concebessem o timbre das novas armas do Desejado, acordando eles entre si que o soberano elegesse duas pirâmides à semelhança de colunas (idênticas às da Empresa do Infante Dom Henrique!), ambas ligadas pelas letras Amor, Fé, Amor. No Canto XXI (fl. 207) do Sucesso do Segundo Cerco de Diu “Mostra-se em profecia o nascimento do invictíssimo Rei D. Sebastião. Declara-lhe algumas coisas que ainda estão por vir”. 64 os Cristãos que hão-de ser livres de nossas mãos e gloriarse-ão em o vencimento que deles houveram e dirão ai que vencimento houvemos na terra! Entonces o Senhor acordar- oito anos e depois disto virá o filho de perdição, que se chama Anticristo, e nascerá em Chorozain e será criado em Bethzaida e reinará em Capharnaum. Portanto diz Cristo no se-á da sua grande Misericórdia, a qual prometeu aos que o amam e ele livrará a todos aqueles verdadeiros Cristãos em ele crentes, das mãos dos sarracenos. Entonces, levantar-se-á um Rei dos Cristãos sobre eles e pelejará contra os infiéis e matá-los-á com cutelo e as suas mulheres levará cativas e os filhos deles serão degolados. Evangelho, etc. E depois de aparecer o filho de perdição, que é dito Anticristo, levantar-se-á o Rei dos Romanos e dos Gregos em Gólgota, em aquele lugar onde Cristo Senhor Nosso teve por bem de ser crucificado e morto por nós outros e o Rei dos Romanos tomará a Coroa de sua cabeça e pô-la-á sobre E assim os filhos de Ismael viverão em grande tribulação e aflição e dar-lhes-á o Senhor deus todos os males que eles fizeram aos Cristãos. E virão sete batalhas de cavalos súbito sobre eles e serão degolados muitos e assim serão trazidos em as mãos e poderio do Rei dos Romanos. E serão cativos uma Cruz e levantará suas mãos ao Céu e dará seu espírito em as mãos de Nosso Senhor. E entonces aparecerá um sinal de Cruz em o Céu. E depois disto o filho de perdição, que é o Anticristo, pensando que ele é assim como Deus, fará muitos sinais e maravilhas sobre a terra, etc. Depois disto Senhor e perecerão muitos por fome. As mulheres e filhos deles serão também cativos e todos os males que eles fizeram aos Cristãos em sete tanto grado os haverão eles e dobrados. Entonces, o Reis dos Cristãos será exaltado sobre todos os Reinos e terá grande domínio sobre todos os infiéis, enviará a seus servidores limpos, convém a saber, Henoc e Elias, que para aquesto foram guardados e reservados, etc. Salvar-se-á aquele que for achado no livro da Vida”. em tanto que eles e as mulheres que ficarem cativas serão servidoras dos Cristãos, os quais pelo contrário irão até ali, e isto em sete grados mais. Entonces, serão pacíficas as terras, as quais por eles serão destruídas e os moradores Cristãos serão tornados às suas próprias terras com própria liberdade. E assim serão multiplicadas as gentes sobre as terras que deles eram destruídas. Entonces, o Rei dos Romanos será indignado muito contra aqueles que negaram a Jesus Cristo. E porquanto os moradores das terras do Egipto e da Ásia negaram a Jesus Cristo todos serão queimados e destruídos do Rei dos Romanos. A terra das areias, que é assim chamada, será despovoada e será grande paz e grande tranquilidade, a qual não foi antes, nem depois e juntamente não será depois que vier a postimeira dos fins dos segres e será a alegria e paz sobre a terra. E folgarão todos os homens dos males e tribulações dos infiéis e aquesta será a segurança e paz da qual diz o Apóstolo S. Paulo, etc. E será em seus dias a vinda de God [sic] e de Magod [sic], quando forem em aquesta paz e abrir-se-ão as portas de Cáspio, que estão ao lado do Aguião e todas as gentes que ali estão saírão de God [sic] e Magod [sic], e conquistarão a terra. E logo todos os moradores sobre a face da terra com grande temor se espantarão e se esconderão sobre as alturas dos montes e em as covas por fugir do acatamento deles. E aquelas gentes são linhagem e geração de Jafé [sic] e trespassará além da Província que é além do Aguião, a qual tem por nome Tubea. E estas gentes são tanto sujas que comerão carnes de homens, de serpentes e de bestas, e as mulheres deles comerão os partos que lançarem ao nascimento das criaturas. E não haverá nenhum que possa ser contra eles. E depois de sete anos que isto durará, tomarão a cidade de Jopsoem e enviará Deus um de seus Príncipes, a saber um Anjo do Céu, e feri-lo-á e com pedra, enxofre e fogo em espaço de um momento serão queimados. E depois disto virá o Imperador dos Gregos e assentar-se-á em a Cidade de Jerusalém e estará em ela por espaço de Os Oráculos Sibilinos e o Imperador dos Últimos Dias Os Oráculos Sibilinos foram redigidos no Egipto, no seio das comunidades judaicas de Alexandria, antes do séc. VIII. De facto, foram os judeus alexandrinos os primeiros a utilizar a literatura sibilina, anunciando a devastação do mundo pagão e o advento do Messias, para expressarem os seus sentimentos de indignação contra os gentios. Os cristãos assenhorear-se-iam dela com o mesmo intuito. No Ocidente, o Pseudo-Metódio e as profecias dos Oráculos Sibilinos23, circularam associados, pelo menos, desde o séc. VIII24, sempre que foi sentida a urgência de uma figura soteriológica susceptível de combater com êxito os muçulmanos que se haviam apoderado de Jerusalém25. O título de Imperador dos Últimos Dias do PseudoMetódio é substituído nos Oráculos Sibilinos pelos equivalentes de “Rei vindo do Sol” e de “Homem abençoado vindo do Céu”, nos livros 3 e 5, respectivamente. 23 Cf. Ernst Sackur, Sibyllinische Texte und Forschungen: Pseudometodius, Adso und die Tiburtinische Sibbyle, Halle, 1898, p. 73-93; Eric Gruen, Jews, Greeks and Romans in the Third Sibylline Oracle, in Martin Goodman (ed.), Jews in a Graeco-Roman World, Oxford, 1998. 24 Em Portugal, o Pseudo-Metódio e a Sibila Eritreia alcançaram notável difusão entre os joaquimitas quinhentistas e seiscentistas, graças à Expositio magni propheta Joachim in librum beati Cyrilli ou Libellus de magnis tribulationibus [...] compilatus a Theolosphoro de Cusentia (Veneza, 1516 e Lião, 1663). Ver Manuel J. Gandra, Joaquim de Fiore, Joaquimismo e Esperança Sebástica, Lisboa, 1999, p. 2022. 25 Após a morte de Carlos Magno, coroado Imperador romano no ano de 800, a expectativa do advento do Carolus Redivivus teve significativa expressão, constando que seria ele o grande Imperador que consumaria as profecias. Continuação na página 73 O diário de viagem do Vicente Vinsang (Le cahier de Vinsang, o Vicente) Marta Soares No livro 3, o Salvador é denominado “Rei vindo do Sol”, e surgirá súbita e inesperadamente, impondo a paz pela força das armas: Continuação da página 64 “E então Deus enviará um Rei vindo do Sol que dará fim a toda a guerra maligna na terra, matando alguns, impondo juramentos de lealdade a outros; e ele não fará todas as ditas coisas por sua própria vontade, mas em obediência aos nobres ensinamentos do maravilhoso Deus” [3: 652-656]. No livro 5, é apelidado de “Homem abençoado vindo do Céu”, surgindo, também, súbita e inesperadamente, após a destruição do Templo: “[…] Ele [o “Homem abençoado vindo do Céu”] destruiu todas as cidades desde os seus fundamentos com muito fogo e queimou as nações de mortais que eram claramente más […]” [5: 418-419]. De todos os Oráculos Sibilinos, a profecia da Sibila Eritreia26 seria a mais difundida no âmbito peninsular e, depois, no nacional. Originalmente, aplicada ao Imperador bizantino lsaac Angelos, “cujus nomen quinque apicibus scriptum est” (cujo nome se escreve com cinco ápices)27, estou convicto que Colón aplicou o vaticínio a si próprio, na justa medida das cinco sílabas do seu pseudónimo: Cris-tó-bal-Co-lón28, de resto, tal como os sebastianistas o haviam de ajustar a Dom Sebastião (Se-bas-ti-a-nus)29. O cristão peninsular, predestinado reconstrutor de Jerusaléme do Monte Sião Este vatícinio joaquimita30, também denominado Oraculum Turcisco (Oráculo Turquesco), e inspirado no Salmo 141, foi reiteradamente mencionado por Cristobal Colón31, decerto porque identificava a missão desse predestinado com aquela de que ele próprio se cria investido. O paradigma equivale na perfeição ao Encoberto peninsular, título que Lúcio de Azevedo supôs suscitado pelas Coplas de Frei Pedro de Frias32, não obstante já anteriormente aplicado a um monarca de Avis, cujas aspirações ao Império Universal foram registadas pelo terceiro duque de Bragança, D. Fernando33, 26 Vaticinium Sybillae Erythrea ou Prophetia Sibyllae Herithreae, Veneza, 1515 e 1525 27 Ed. O. Holder-Egger, in Neue Archiv für ältere Deutsche Geschichtskunde, v. 15 (1889), p. 155-173. Ver Bernard McGinn, Joachim and the Sibyl: an early work of Joachim of Fiore from Ms 322 of the Biblioteca Antoniana in Padua, in Citeaux, n. 24 (1973), p. 97-138. 28 Ocorre em inúmeras miscelâneas [BN: cod. 7693, fl. 63; BA: 51-VI-2, fl. 437-443; etc.]. Também incluída no livro de Rusticano (Veneza, 1516, fl. 52r-54v). Nos escritos de um apoiante do Cavaleiro da Cruz, Frei Fernandes de S. Paulo, surge citada, entre outras profecias, a da Sibila Eritreia [AGSimancas: Estado França, K 1677, G. 6]. Cf. Manuel J. Gandra, Joaquim de Fiore, […], p. 26-27. 29 Cf. Manuel J. Gandra, Hagiografia de D. Sebastião: de desejado a encoberto, Mafra, 2014. 30 Cf. Prophetia de Summis Pontificibus et Anselmi Episcopi Marsicani Vaticinia sive Prophetiae Abbatis Joachim et Anselmi Episcopi Marsicani cum imaginibus (diversas edições dos séculos XVI e XVII: Bolonha, Lião, Pádua e Veneza). Para a difusão e repercussão deste apócrifo, em Portugal, cf. Manuel J. Gandra, Ob. cit, p. 23-25. 31 Cf. Carta ao Rei e à Rainha (1501), in Consuelo Varela, Ob. cit., p. 252-256 e PL: fl. 4-6; Relação da 4ª Viagem (1503), in Consuelo Varela, idem, p. 302; LP: fl. 67v (Carta dos delegados genoveses aos Reis de Espanha, Barcelona, 1492). 32 “Acontecerá no mês de Outubro / esta escritura não se engana / obterá a vitória, guerreando, / um rei que não se mostra”. As Coplas foram impressas em Valença, no ano de 1520. 33 Carta de 19 de Outubro de 1468: “[...] Se Deus tem al ordenado, não somente havereis o reino de Castela, mas conquistareis o de Granada e tirareis a espada de Fez e com ela conquistareis 73 e por Cristóbal Colón e parecem indiciar as tábuas que compõem o denominado Políptico das Janelas Verdes, atribuído a Nuno Gonçalves, exposto no Museu Nacional de Arte Antiga. Com efeito, uma crónica anónima do séc. XV declara que D. Afonso V de Portugal34 havia de cumprir as profecias de Santo lsidoro, no ano de 1475, entrando Encoberto em Castela montado num cavalo de madeira, para instaurar um reinado de ordem e virtude35: “Chegada a hora e cumprindo-se as profecias das desventuras de Espanha, o rei D. Afonso de Portugal entrou pela Codosera nos Reinos de Castela, o qual para que as gentes tivessem motivo de crer que ele fosse o Encoberto, segundo uma profecia que de Santo Isidoro se publicava, que o Encoberto havia de entrar em Castela em cavalo de madeira, este rei, fingindo vir doente, ou porventura sendo 74 certo, entrou em andas, cuidando muito que aos olhos das gentes as cerimónias se conformassem o mais possível às profecias; e como a gente castelhana, habituada à tirânica liberdade, era inimiga de se ver senhoreada por algum rei, aos inocentes que daquelas encobertas profecias não tinham conhecimento faziam-lhes crer que pelos sinais aparecidos, este rei D. Afonso era o Encoberto, trazendo muito em prática as suas virtudes e grandezas, e louvando-o de muitas coisas excelentes, que ele, na verdade, tinha”36. Profecia da Sibila Eritreia Desenho à pena de Félix da Costa, Tesouro Descoberto (códice sebástico da Biblioteca do Congresso, Washington: P-83) Também os sebastianistas haviam de ler sílaba por ápice e destinar o vaticínio a D. Sebastião, cujo nome conta, em latim (Sebastianus), as mesmas cinco sílabas. Vieira leu pontos nos ii por ápice e aplicou-a a D. João IV (ioannes iiii). Convém, todavia, recordar que as expectativas quanto à origem peninsular do predestinado restaurador de Jerusalém remontam ao paganismo, tendo sido retomadas, a partir de finais do séc. XIII, por Arnaldo de Vilanueva (c. 1250-1312), no seu De cymbalis ecclesiae37, obra na qual , este diplomata joaquimita ao serviço de Jaime II de Aragão e Frederico III de Sicília, prognostica o início do Armageddon no ano de 137838. todo o mundo, e uma ou outra não deveis de errar. [...]”. 34 Casado em segundas núpcias com D. Joana, a Excelente Senhora, herdeira de Henrique IV de Castela, que competiu pelo trono de Espanha com Isabel, a Católica. 35 O vaticínio 27 da Profecia dos Papas, apócrifo do abade Joaquim, sintetiza as qualidades do Encoberto e as circunstâncias do respectivo advento, aqui na versão do Jardim Ameno [ANTT: cod. 774, fl. 13-13v]: “Morto e esquecido, o seu rosto conhecerão muitos, ainda que nenhum o veja. Pela divindade será manifestado este justo, terá os ceptros do Império. Justamente será descoberto e declarado. No céu bradará três vezes muito, o invisível pregoeiro, dizendo: ide com muita pressa à parte ocidental que tem sete montes e acharás um homem ali morador amigo meu, este levai e metei-o de posse do Trono Real. Os sinais que tem e por onde o haveis de conhecer são estes: é calmo, manso e brando, de grande entendimento, agudíssimo de engenho para ver principalmente as coisas futuras. Em ti terás e possuirás o Império e Monarquia dos sete montes”. 36 Cronica Incompleta de los Reis Católicos, ed. Julio Puyol, 1934, citada Fidelino de Figueiredo, Sebastianismo, in Civilização, n. 80 (Ago. 1935), p. 12. 37 Jose Pou y Marti, Visionarios, beguinos y fraticelos catalanes (siglos XIII-XIV), Vich, 1930. 38 Ver El Enlogium, in Arnaldo de Vilanova, Escritos condenados por la Inquisición, Madrid, 1976, p. 65-87 e Magister Arnaldus de Vilanova super facto Adventud Antechristi, in Ana Martínez Arancón, La Profecia, Madrid, 1975, p. 115-136. Cf. Joaquín Carreras Artau, La Polémica Gerundense sobre el Anticristo entre Arnau de Vilanova y los domínicos, in Anales del Instituto de Estudios Gerundenses del Patronato “José Mª Quadrado”, (1950). APPROACH TO THE HISPANIC SOTERIOLOGICAL IMAGINARY Manuel J. Gandra Proem Gyratory platform of so archaic scatologies as those ascending the Palaeolithic, Iberian Peninsula was stage of confrontation of three prophetic religions during more than a millennium. It would be, nevertheless, in Christianity’s heart that theological disputes mostly would evoke sequels, mainly between Trinitarians and Monophysitism believers1, culminating on their supposed supremacy, in consequence of the apostasy of Recaredo, in the 589 council of Toledo2. Hereafter, the growing political instability, the ongoing fratricide conflicts and the incurable splitting and excommunication, resultant of doctrinal divergences, would undermine the formerly, however perilous, vigorous ecumenism and generate the needed conditions to Muslim intervention, for that matter, solicited and negotiated by some threatened communities, according to what has been alleged by Count Julião and Bishop Hopas. * In 711, the Muslim forefront, commanded by Tarik ben Siad, landed in Hispania and, composed by Berbers of doubtful orthodoxy, wouldn’t have forced, or even demanded, the conversion to Islam of the different communities that has found. The natives would have been able to choose freely, according to their own nature and inclination, between adopting Islamism or preserve their religion, that being Pagan, Christian or Mosaic (Law of Moses). The advantages conceded to those who renounced their creed were, however, pretty tempting, as the converted were free from any special taxation, circumstance susceptible of explaining the numerous conversions that immediately occurred. To a servant, or slave, to embrace the new belief would represent a significant status upgrade, many times granting them freedom. This converted to Islam Hispanics were named in two different ways: Musalima (converted, new Muslim) and Muwalladun (renegade, qualifying only new Muslim’s descendents). The first times of Muslim presence their status was identical to authentic Muslims (Mu’minín = believers). Still, progressively, they would be segregated to the distinct group of Muladis (correspondent to low-Latin, Maulidines, Muzlitas, Mulados, etc.), that is, of those converted to Islam. Those conserving their beliefs, enjoying protection of Islamic administration, by paying a tax, were named Ahl ad-Dimma. To those tributaries, independently of the respective creed, was also given the collective name of ‘Ayam (somebody 1 Denied the substantial divinity of Christos 2 Such supremacy was merely apparent, whereas it didn’t mean the massive conversion of the Suevis to Latin Christianity. speaking Arab badly, foreigner, strange, not Muslim). Yet Christians were known by Nasara, Mu’ahid (allied), ‘Ily (Christian and renegade), Mami (foreigner), etc. To what concerns the designation of Mozarab, almost universally accepted and generator of countless (conveniently regimented) manipulations, wasn’t counted on the adopted terminology, being only, therefore a pure convenience term, not historical or philological, regardless contradictory opinions3. In fact, Mozarab and Mozarab doctrine, are mistaken and pejorative terms aimed to intentionally and explicitly, depreciate the Monophysitism Christianity, predominant in Hispania during centuries, at the mercy of the privileged relationship that it had with Cartago (in Rome’s disfavour). Such relationship, long previous to Christianity’s advent, favoured the traffic until Boa Nova (good news) Iberian Peninsula, yet only Greek, as well as of Gnostic character scatology from Syria and Egypt, from where monasticism also derived. The so called Christian re-conquer was not more, therefore, than a saint 76 fratricide war between to creeds, Trinitarian and Unitarian, this one under Islam’s protection. The military advantage dictated repression and, finally, the progressive annihilation of all forms of Heterodox Christianity, that is, different of Roman Orthodoxy. The two sources I resort to, favouring what is stated, are indubitable: - Osberno, English crusader, part of the military force that besieged Lisbon and expugned it to Dom Afonso Henriques, describing, in great detail, the bellicus actions undertaken, in his De expugnatione Olisiponis4, claims that, before hostilities were initiated, and aiming avoiding blood shedding, the crusader chiefs decided to send parliamentarians proposing surrender to the besieged city. Braga and Oporto’s archbishops, present in the founder monarch army, were chosen, having both prelates gone up the castle’s hill, to be seen together with the alcalde and the city’s bishop and its other nobles. Same Osberno, angry against the excesses committed by the Flemish and German crusader, during the pillage that followed capitulation, accuses them of having the bishop, a respectable elder murdered, when he opposed the cult adornments’ robbery. And furthermore, narrates an event that would have left the crusader’s chiefs truly astonished: the moors, defending its belongings against the bandit’s greed, that passed by on the way of the Holy Land, died kissing crosses and claiming “Maria bona! Maria bona!”5. - In D. Afonso Henriques Chronica, composed about three centuries after the death of the mentioned king, Duarte Galvão, grounded in contemporary documents by him considered legit and credit worthy, refers that the king, together with Dom Teotónio, Santa Cruz’s prior, assisting, in Coimbra, at the entrance of a significant contingent of prisoners captured during a battle (that Galvão considers being of Ourique), Dom Prior noticed that they were treated mercilessly and reprimanded severely the king, considering that treatment not be fair , to those that, in the end, were as Christians as himself! 3 According to some of the proponents, Mozarab derivates from Musta’rib. 4 Transcribed by Alexandre Herculano in Portugaliae Monumenta Historica. 5 The unprecedented episode confirms that the crusader’s pillage victims were Monophysitism believers, accused by the Latin clergy, or rumi, of being enemies of the cross, because they didn’t have it in their temples, or considered it emblem of Christianity, as well as of disrespect for the Virgin Mary, because they wouldn’t worship her as mother of God. * The Hispanics, Christians and Jews Ahl ad-Dimma, have revealed themselves to be the Muslim’s world best ethnicreligious minorities, exception made to the Egyptian Qibt. The people of the Book (ahl al-Kitab) enjoyed absolute religious liberty, in harmony with Islam’s juridical-religious principles6. The old ecclesiastic structure of the Monophysitism has been maintained unharmed, its monasteries and sanctuaries were preserved, nevertheless the interdiction of any and all cult manifestation7. Whatever it may be, numerous Christian devotion places have been maintained active. Also important pilgrimages resisted, some of them having become destination of countless trans-supra-regional communities. Of all those pilgrimages, the most prominent were, doubtlessly, the ones competing with Ossonoba (Faro) and S. Vincent’s cape. Opinions always differed about the Dayr ou Kanisat al-Gurab8 sacral character origin, still surviving the impasse concerning the most remote nature of this cape of the world, which can, eventually, retreat to Atlantis, as, for that matter, Monk Bernardo de Brito intended, the one even admitting that Noah e Tubal lied dead and graved in the Sacrum Promontory: “And such was the love that they had for him, that his grave’s memory was never lost, they used to visit and worship it as holy thing; and being thereafter introduced gentilic superstition and idolatry [...] a remembrance was still left in the land’s inhabitants, having such worship to that land cause they didn’t succeed the cause by the time of the burying [...]”9. its anterior position after libations are made […]”, adding that “[…] it is not allowed to offer sacrifices nor there spend the night because it is said that the gods occupy it at those hours. The ones visiting it spend the night at a nearby village and, after, during the day, go there with water, as the place doesn’t have it”. Nevertheless, it is admitted today that it could have existed a pre-roman temple in the Sacred Promontory, probably dedicated to Melqart (correspondent to the Latin Greek Cronus-Saturn), and that the Beit-El cult of Phoenician origin or, at the most, Punic, typical of those kind of sanctuaries, directed to meteoric stones (fallen from heaven) to which a hierophantic power, could have constituted, from the V e IV b. C. centuries, the substitution of a megalithic and astral devotion, enhanced by the mega menhiric concentration, cromlechs and alignments identified in the Sagres and Saint Vincent capes proximity (nowadays Vila do Bispo municipality)10. Another local devotion is related to a striped circumference, measuring 43 m of diameter, composed by molehills and alignments (with unequal dimensions) of rough stones departing from a common centre, reminder of a medicinal wheel – astronomic calculator, eventually ascending the Neolithic or, at most, to the Iron Age11. Sagres’ and Saint Vincent’s aboriginal ring keeps on calling those stones boulders or boulder, when reunited in molehills, blending the respect for them with beliefs of sebastianism character12. About such molehills, Leite de Vasconcelos, in 1894, informed that: The only available reliable information consensus about the local during antiquity, transmitted by Strabo, were by him drunk in Artemidorus, visited by him on the century I b. C. The one from Alexandria assured, abandoning himself to the Hellenic traveller that: “[…] it is not to be seen any Heracles sanctuary as wrongly said by Ephor, nor even his altar or of any other god, but, in many places, there are organized stones in groups of three or four, which are, according to an old traditional habit, turned upside down and relocated and afterwards are collected into 6 Such institutional tolerance dating the year 713, consubstantiated the pact between Theodemir, first independent Goth of Murcia and ‘Abd al-Aziz, son of Musa, chief of the first Muslim group to landing in peninsula. Alias, it was of no interest to Islam the occurrence of massive conversions, as it would imply the reduction of the tax called Chizya. 7 The only great difference consisted in the circumstance of Toledo being converted in the great Christian centre of peninsula, however, losing to Cordoba the ecclesiastic authority. 8 The place was at the same time visited by Christian pilgrims and believers of Quran. In Sagres a Mosque have even existed. 9 Cf. Monarquia Lusitana, liv. I, cap. 3. 1. when from them is taken a stone, being, thereafter, abandoned, on the following morning, it will be not found, reappearing in the boulder: it is Dom Sebastião who, during the night, gives it back to its provenience. 2. when is taken from the boulder a stone, without nobody knowing, and is put under the pillow, it appears, on 10 Until now hundreds of menhirs have been identified, some inserted in little alignments or enclosures, nearby both promontories, as some of this examples: Adreneira (3), Alto das Barradas (1), Amantes I (17), Amantes II (10), Aspradantas (3), Bem Parece (1), Budens (1), Carriços (5), Casa do Francês (6), Cerro do Camacho (5), Figueira (8), Guadalupe (1), Gasga (6), Ladeiras (2), Marmeleiros (3), Marreiros I (3), Marreiros II (4), Milrei (21), Morgados (1), Padrão (15), Pedra Escorregadia (3), Santo António (2), Santo António de Cima (1), Serra da Borges (4), Vale do Gato de Cima (3), Vale de Oiro (2). 11 It has been wanted to see in that group, recognized in 1928, and drawn on the ground, between the houses alignment and the wall, a huge Compass Rose, contemporary of Infante Dom Henrique. However, its almost half hundred rays, would constitute an excessive number of routes, not even equidistant, if effectively it would be a Compass Rose. 12 On the capes extreme, nearby the lighthouse and the Saint Vincent Monastery ruins, other boulders are observed, this ones in everything similar to the small hills of stones launched over the tombs, in other regions designated as faithful-to-God. 77 78 Radial circumference of the Sacred Promontory the following day, a soldier of Dom Sebastião, immediately disappearing to once again, transformed in stone, put himself in the boulder. * An exceptional range of the Sacred Promontory tutelary entity supposes a compromise, surely archaic, among Mediterranean people (indo-Europeans, Semite, etc) and aboriginal (Neolithic and Celtics, among others), all sharing a similar cosmogonist-heliolatrical system, founded on the daily solar sacrifice or agony, westwards13. With effect, the ingredients composing Vincent’s psychodrama, ultimate of his avatars, occurred at the time of Diocletianus (302 a. C.), point him as true reincarnation (Vincens = the victorious) of a solar entity, psychopompós and light dismissive. Now, the “martyr”, that perished because he didn’t renounced faith, even when submitted to brutal tortures, would attract crowds, precisely at the mercy of his incorruptible body and his luminous-technical virtues. Also to add that, while light dismissive, Saint Vincent makes himself be accompanied by crows, fowls of apocalyptic vocation with the capacity of grant or take vision (provoke blindness). Besides that, the sanctuary’s floor that he patronizes is no longer inhabited, being interdicted the visit or staying in it during the night (precisely during the absence of heliolatry’s astro target) . Finally, what, with effect, made the pilgrimage to the Saint Vincent’s sanctuary singular was a ritual meal offer to the pilgrims, or adiafa, consisting in the ingestion of the body of the “saint” himself, transformed in a fish, symptomatically named corvina (feminine of crow in Portuguese). I believe evidently, and therefore dismiss any additional comment, in the sense of competitive answer, either of the Roman Christianity, under the creation ab nihilo (only during the IX century) of pilgrimage to Santiago (of Compostela), or of D. Afonso Henriques, when he had the relics of the Saint, moved to Lisbon in 1173. 13 On Galizia’s coast Sagres islands are situated and, in Cantábria, Peña Sagra, term whose affinity with the Basque voices zarga, zarka and zakar, expressing the oldness concept, could be an allusion to the place where primordial humanity would have appeared ( the Greek word sarka, means human nature). * On the VIII century the Suevi church had not yet recovered from the great controversies caused by Arianism and Priscillianism, among other heresies. A spiritual crisis that lasted during the two subsequent centuries had as remote cause the dogmatic emptiness caused by Muslim presence, potentiated by the arrival of various Christian Syrian communities to Al-Andalus, since 740, that would become the support of countless prophetic and heterodox millennialism alarms. On its turn, Almoravids and Almohad presence, later on, disturbed the relentless syncretism and cohabitation of the different religious confessions valid in Garb, used until then to its literal paganism, its pilgrimages, as well as its eschatological and apocalyptic, in more than one occasion conducting to radical attitudes and behaviours characterized by fanaticism. The Apríngio of Beja and of Beato of Liébana adopcionism writs were the ones that mostly strengthened the Monophysitism Christians soteriological hope for the peninsula. Despite all this, the most dramatic episode, that culminated with the Saint Eulogius martyrdom and several of his disciples that occurred when they would have arrived to the 4th apocalyptic beast, sure that, by fault of their sins, admitting that blaspheming against Islam, while Anti-Christi religion, would be the only way of increasing the salvation of their souls ... The Pseudo-Methodius and the Last Days’ Emperor The Revelatio S. Methodii De Temporibus Novissimus, also named Pseudo-Methodius Apocalypse, or, simply, Pseudo-Methodius, is a work of unquestionable Byzantine origin originally composed in Syrian, during the second half of the VII a. C. (644-691 a. C.), in the context of Jerusalem’s power seizure, first by Persians (614 a. C.) and, immediately after, by Muslims (638 a. C.). Two different moments constitute it: chapters 1-9, of historical nature (describing Adam’s expulsion from paradise, etc), theological and legendary; and chapters 10-14, eminently apocalyptic. This second part mirrors a fear and terror climate before Ishmael’s (Islam) sons, considered “ cruel barbarians that do not progeny of the human gender but of desolation”, enhancing the necessity they had to recover Jerusalem. Raised gravestone (Magoito, Sintra) Heliolatrical monument (destroyed) in other western finis terrae 79 Pseudo-Methodius attributes to history a six thousand years and some centuries range giving great highlight to the succession of the four empires: 1º Babylon, 2º Middle, 3º Persia, 4º Greek- Roman- Byzantine. Alexander the Great was the founder of this 4th Empire, assuming himself as Primus Rex Gregorum. Pseudo-Methodius trusts the next advent of the last emperor that will recover Jerusalem to Christianity, accomplishment followed by the Anti-Christi and, finally, the assumption of power by God, himself, from his Holy City. The Greek and Roman’s King, or the Last Days’ Emperor14, will be descendant of Alexander and the Royal House of Ethiopia15, whose superlative importance is deduced from Psalm 67: 32 two quotes: “Ambassadors shall come out of Egypt: Ethiopia shall soon stretch out her hands to God.” (chapter 9 and 14). Pseudo-Methodius casts a sequence of eight happenings, or preceding signals of the Anti-Christi advent (chapter 10-13)16, to be known: 80 1) Apostasy, which Paul occupies himself with in two Thessalonians [2: 3]; 2) Raising of Israel sons against Romans; 3) Conquest of the sons of Ishmael promised land, in consequence of its inhabitants’ sins (mainly sodomy); 4) Abatement of the Saint’s spirit and denial of true faith by many; 5) The King of Greeks and Romans breakout from the Ethiopian sea being able to win over the blaspheming Saracens that thought the Christians were incapable of recovering the lost territories; 6) The king of Romans resentment against those who denied Christos [1 Thessalonians 5: 3]; 7) After the peace, the North Wind doors will open and from them 23 dirty races will come out, commanded by Gog and Magog, incarcerated by Alexander and a week after the Lord will send an army to defeat them; 8) The Roman king will stay for a week and a half (meaning ten years) in Jerusalem, and that being over a king of ruin will appear. In sum: In the 4th Empire (Daniel 7: 27), Macedonian, Greek, Romans and Byzantines will be united by the hegemony of the Byzantine Empire, the one connected to Ethiopia Christian Kingdom will have the Last Days’ Emperor as only king. Meanwhile, an invasion of Ishmael sons will provoke many disgraces and destruction during “ten weeks of years”. Also the 23 dirty people (commanded by Gog and Magog), free from Alexander’s reclusion, will cause great destruction. To stop them, God will send a commander of heaven, “prince of divine militia” (Jesus Christ), who, without the emperors support, will defeat them. In the moment invaders say “Christians have no saviour” the king who will annihilate them will appear. His advent will be sudden and unexpected, in plain chaos and despair, destroying Muslims and ruling over the Earth17. The Emperor will live in Jerusalem during ten years and a half until the sun of ruin be revealed (Anti-Christi). Then the Emperor will climb Golgotha placing his crown over the 14 In Daniel 7: 27, the fourth empire is the Macedonian, as in Portuguese tradition, previous to António Vieira. 15 Khuset, Ethiopian princess, mother of Alexander, after his dead married Byzas, legendary founder of Byzantium. Of that marriage Bizântia was born and was given to marry Rómulo (also named Armaleu by Pseudo-Methodius), king of Rome. Both had three children, Armaleo that inherited Rome, Urbano that inherited Byzantium and Cláudio that inherited Alexandria. 16 Colón has marked with the drawing of a hand point the eight forewords text and took note on the left white, quoting Liber de Viris Illustribus: “Hieronymus says that Methodius, the Martyr, writes a lot of things about the end of times”. 17 Colón advocates the “End of Mafoma” and the victory over the Anti-Christi in the Letter to the king and Queen (1501), in LP, transcribing with the same purpose Daniel 2: 18 (LP: fl. 42v) and Isaiah 2: 2,3 (LP: fl. 54v). cross, raising his hands to the heavens above and will grant his Christian kingdom to God, fulfilling David’s word18. Once more, prophecy accomplished, the King’s spirit will abandon his body and he will die. Pseudo-Methodius, arrived to Iberian Peninsula in the end of the VII century, still in his Syrian or Greek version, being translated to Latin in the beginning of the following century. His presence here assumes contacts between East and Hispania, equally evident in commerce, arts and literature, since previous periods of Muslim invasion, and whose flux would not be interrupted by it19. The influence it had is valid in various peninsular Christian writs, namely in Chronica Prophetica also named Roda Codex and points out the end of the world to Saint Martinho of the year 883 (170º anniversary of the Muslim invasion)20, feeding the anti-Mahomet controversy, which peak in Hispania would occur during the IX century, simultaneously with the exponential growth of apostasy among Christians21. I transcript now, to general knowledge, a Portuguese version of Pseudo-Methodius (Saint Methodius in a book of his, speaking of future times says), from a section of my collection consigned on miscellany darkness22: (It is an editorial option not to translate it) “E passadas as tribulações destes dias, que serão feitas pelos filhos de Ismael e desolada por eles toda a terra, serão eles mui ricamente vestidos de ouro e de prata e de púrpura, assim como as esposas, quando estão no tálamo, e dirão não cuidem os Cristãos que hão-de ser livres de nossas mãos e gloriar-se-ão em o vencimento que deles houveram e dirão ai que vencimento houvemos na terra! Entonces o Senhor acordar-se-á da sua grande Misericórdia, a qual prometeu aos que o amam e ele livrará a todos aqueles verdadeiros Cristãos em ele crentes, das mãos dos sarracenos. 18 Psalm 68: 32: “Sing unto God, ye kingdoms of the earth! O sing praises unto the Lord, Selah”. 19 See to this purpose: Paul J. Alexander, Byzantium and the migration of Literary Works and Motifs: the legend of the Last Roman Emperor, in Medievalia et Humanistica, new serie, n. 2 (1971), p. 47-82 and The Medieval Legend of the Last Roman Emperor and its Messianic Origin, in Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, v. 41 (1978), p. 1-15; Andrew Palmer, Sebastian Brock and Robert Hoyland, The Seventh Century in the West-Syrian Chronicles: including two seventh-century Syriac apocalyptic texts, Liverpool, 1993. It is unquestionable the Syrian presence, known as transmarini negotiatores, in Hispania, the ones bringing people with them, religious and scientific ideas and goods, including PreIslam Iranian elements that would influence strongly the religious, literary and artistic Iberian Peninsula life (nestorianism in Cordoba, etc). Cf. Sefarad, n. 5 (1954), p. 83s. 20 Before the Prophetic Chronicle, already Álvaro and Eulogium would have announced the end of the Muslim domain in Hispania. José Eduardo Lopez, Ob. cit., p. 253-261. 21 M. C. Diaz y Diaz, Textos antimahometanos mas antigos en códices españoles, in Archives d’Histoire Doctrinale et littéraire du Moyen Âge, v. 37 (1970), p. 163-164 22 Fl. 264-265. Entonces, levantar-se-á um Rei dos Cristãos sobre eles e pelejará contra os infiéis e matá-los-á com cutelo e as suas mulheres levará cativas e os filhos deles serão degolados. E assim os filhos de Ismael viverão em grande tribulação e aflição e dar-lhes-á o Senhor deus todos os males que eles fizeram aos Cristãos. E virão sete batalhas de cavalos súbito sobre eles e serão degolados muitos e assim serão trazidos em as mãos e poderio do Rei dos Romanos. E serão cativos e perecerão muitos por fome. As mulheres e filhos deles serão também cativos e todos os males que eles fizeram aos Cristãos em sete tanto grado os haverão eles e dobrados. Entonces, o Reis dos Cristãos será exaltado sobre todos os Reinos e terá grande domínio sobre todos os infiéis, em tanto que eles e as mulheres que ficarem cativas serão servidoras dos Cristãos, os quais pelo contrário irão até ali, e isto em sete grados mais. Entonces, serão pacíficas as terras, as quais por eles serão destruídas e os moradores Cristãos serão tornados às suas próprias terras com própria liberdade. E assim serão multiplicadas as gentes sobre as terras que deles eram destruídas. Entonces, o Rei dos Romanos será indignado muito contra aqueles que negaram a Jesus Cristo. E porquanto os moradores das terras do Egipto e da Ásia negaram a Jesus Cristo todos serão queimados e destruídos do Rei dos Romanos. A terra das areias, que é assim chamada, será despovoada e será grande paz e grande tranquilidade, a qual não foi antes, nem depois e juntamente não será depois que vier a postimeira dos fins dos segres e será a alegria e paz sobre a terra. E folgarão todos os homens dos males e tribulações dos infiéis e aquesta será a segurança e paz da qual diz o Apóstolo S. Paulo, etc. E será em seus dias a vinda de God [sic] e de Magod [sic], quando forem em aquesta paz e abrir-se-ão as portas de Cáspio, que estão ao lado do Aguião e todas as gentes que ali estão saírão de God [sic] e Magod [sic], e conquistarão a terra. E logo todos os moradores sobre a face da terra com grande temor se espantarão e se esconderão sobre as alturas dos montes e em as covas por fugir do acatamento deles. E aquelas gentes são linhagem e geração de Jafé [sic] e trespassará além da Província que é além do Aguião, a qual tem por nome Tubea. E estas gentes são tanto sujas que comerão carnes de homens, de serpentes e de bestas, e as mulheres deles comerão os partos que lançarem ao nascimento das criaturas. E não haverá nenhum que possa ser contra eles. E depois de sete anos que isto durará, tomarão a cidade de Jopsoem e enviará Deus um de seus Príncipes, a saber um Anjo do Céu, e feri-lo-á e com pedra, enxofre e fogo em espaço de um momento serão queimados. E depois disto virá o Imperador dos Gregos e assentar-se-á em a Cidade de Jerusalém e estará em ela por espaço de oito anos e depois disto virá o filho de perdição, que se chama Anticristo, e nascerá em Chorozain e será criado em Bethzaida e reinará em Capharnaum. Portanto diz Cristo no Evangelho, etc. E depois de aparecer o filho de perdição, que é dito Anticristo, levantar-se-á o Rei dos Romanos e dos Gregos em 81 82 D. Sebastião’s figure coated by imperial Roman majestas, in a clear figuration and extension of the Ancient and Antiquity topic as only possible term for comparison to the Portuguese and their deeds. It is acceptable that the scene can be equally destined to represent the Desired one (surrounded by twelve knights) as a New Arthur, idea with precedents in Jorge Ferreira de Vasconcelos’ Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda (1567) acquiring great canonical consistency in a passage of I Epistle of Saint Peter (I, 4-5): “and into an inheritance that can never perish, spoil or fade. This inheritance is kept in heaven for you5, who through faith are shielded by God’s power until the coming of the salvation that is ready to be revealed in the last time”. The old scraggly, in the first plan, is Alexander Magnum, who passes testimony (of the Fifth Empire) to one of twelve knights of the Desired One. The overlord flaunts a closed or imperial crown, adopted a few years before the departure towards Alcácer (1578). Before him, lie by land three feminine figures, indicative of other fallen empires. In circumstance, it would be recommended to Jerónimo Corte-Real and D. João de Mafra and some other not identified noble to conceive the coat of arms of the Desired One new weapons, agreeing among themselves that the overlord would elect two pyramids resembling columns (identical to Infante Dom Henrique Enterprise), both connected by the letters Amor, Fé, Amor (Love, Faith, Love). On corner XXI (fl. 207) of Success of Second Enclosure of Diu “It is shown in prophecy the birth of the invincible King. It is declared some of things yet to come.”. Gólgota, em aquele lugar onde Cristo Senhor Nosso teve por bem de ser crucificado e morto por nós outros e o Rei dos Romanos tomará a Coroa de sua cabeça e pô-la-á sobre uma Cruz e levantará suas mãos ao Céu e dará seu espírito em as mãos de Nosso Senhor. E entonces aparecerá um sinal de Cruz em o Céu. E depois disto o filho de perdição, que é o Anticristo, pensando que ele é assim como Deus, fará muitos sinais e maravilhas sobre a terra, etc. Depois disto Senhor enviará a seus servidores limpos, convém a saber, Henoc e Elias, que para aquesto foram guardados e reservados, etc. Salvar-se-á aquele que for achado no livro da Vida”. The Sibylline Oracles and the Last Days’ Emperor The Sibylline Oracles were composed in Egypt, in the centre of Jew communities in Alexandria, before the VIII century. In fact, it were the Jews from Alexandria the first ones using sibylline literature, announcing the devastation of the pagan world and of the Messiahs advent, to express their feelings of indignation against gentiles. Christians would appropriate it with the same intent. On the west, Pseudo-Methodius and the Sibylline Oracles prophecies23, circulated associated, at least, since the VIII century24, it was always felt the urgency of a soteriological figure susceptible of fighting successfully Muslims that had taken over Jerusalem25. The Pseudo-Methodius title of Last Days’ Emperor is replaced in the Sibylline Oracles by the equivalents of “King coming from the sun” and “Blessed man coming of the sun”, in the books 3 and 5 respectively. In book 3, the Saviour is named “King coming from the sun”, and will appear sudden and unexpectedly, dictating peace by force of arms: “And then God will send a King coming from the sun that will put end to all devilish war in earth, killing some, dictating loyalty oaths to others; and he will not do all things said by his own will but by obeying to the noble words of God” [3: 652-656]. In book 5, he is named “Blessed man coming of the sun”, coming, also, sudden and unexpectedly, after the Temple’s destruction: “[…] He [the “Blessed man coming of the sun” destroyed all cities since their foundations with a lot of fire and burned mortal nations that were clearly evil […]” [5: 418-419]. lline Oracles, the Eritrea Sibyl26 would be the most propagated in the peninsular range and, after, in the national one. I am convinced that that Colón applied the prediction to himself, in fair 23 Cf. Ernst Sackur, Sibyllinische Texte und Forschungen: Pseudometodius, Adso und die Tiburtinische Sibbyle, Halle, 1898, p. 73-93; Eric Gruen, Jews, Greeks and Romans in the Third Sibylline Oracle, in Martin Goodman (ed.), Jews in a Graeco-Roman World, Oxford, 1998. 24 In Portugal, the Pseudo-Methodius and the Eritrea Sybil achieved the notable propagation between five and six hundred Joachimites, thanks to Expositio magni propheta Joachim in librum beati Cyrilli or Libellus de magnis tribulationibus [...] compilatus a Theolosphoro de Cusentia (Veneza, 1516 e Lião, 1663). See Manuel J. Gandra, Joaquim de Fiore, Joaquimismo and Esperança Sebástica, Lisboa, 1999, p. 20-22. 25 After Carolus Magnus’ death, crowned Emperor in the year 800, the expectation of the Carolus Redivivus advent had significant expression, being known that he would be the great emperor that would consummate the prophecies. 26 Vaticinium Sybillae Erythrea ou Prophetia Sibyllae Herithreae, Veneza, 1515 e 1525 83 measure of the five syllable of his pseudonym: Cris-tó-bal-Co-lón27, originally, applied to the Byzantine Emperor lsaac Angelos, “cujus nomen quinque apicibus scriptum est” (whose name is written with five apexes)28, such as the sebastianists would adjust it to Dom Sebastião (Se-bas-ti-a-nus)29. The peninsular Christian, Jerusalem and Mount Zion predestined reformer This Joachimite prediction30, also named Oraculum Turcisco, and inspired in Psalm 141, was repeatedly mentioned by Cristobal Colón31, surely because it identified 84 that predestined mission with the one he believed he have had invested himself. The paradigm is equivalent in perfection to the peninsular Encoberto, title that Lúcio de Azevedo supposed having been evoked by the Frei Pedro de Frias’ Coplas32, despite of previously given to a monarch of Avis, whose aspirations to the Universal Empire were registered by the third Bragança Duke, D. Fernando33, and by Cristóbal Colón and seem to indict the blanks that compose the denominated Polyptych of Janelas Verdes, attributed to Nuno Gonçalves, exhibited in Museu Nacional de Arte Antiga. Effectively, an anonymous chronicle of the XV century claims that D. Afonso V of Portugal34 would accomplish the prophecies of Saint lsidoro, in the year of 1475, entering Encoberto in Castile riding a wooden horse, to found a kingdom of order and virtue35: “When it was time, and accomplishing the misfortune’s prophecies of Spain, the king D. Afonso V of Portugal entered by Codosera in the kingdoms of Castile so the people would believe him to be the Encoberto, entering in Castile in a 27 Occurs in various miscelanius [BN: cod. 7693, fl. 63; BA: 51-VI-2, fl. 437-443; etc.]. Also included in the Rusticano book (Veneza, 1516, fl. 52r-54v). In the writs of a Cross Crusader supporter, Frei Fernandes de S. Paulo, appears quoted, among other prophecies, the one of Eritrea Sybila [AG Simancas: Estado França, K 1677, G. 6]. Cf. Manuel J. Gandra, Joaquim de Fiore, […], p. 26-27. 28 Ed. O. Holder-Egger, in Neue Archiv für ältere Deutsche Geschichtskunde, v. 15 (1889), p. 155-173. Ver Bernard McGinn, Joachim and the Sibyl: an early work of Joachim of Fiore from Ms 322 of the Biblioteca Antoniana in Padua, in Citeaux, n. 24 (1973), p. 97-138. 29 Cf. Manuel J. Gandra, Hagiografia de D. Sebastião: de desejado a encoberto, Mafra, 2014. 30 Cf. Prophetia de Summis Pontificibus et Anselmi Episcopi Marsicani Vaticinia sive Prophetiae Abbatis Joachim et Anselmi Episcopi Marsicani cum imaginibus (several editions of XVI e XVII centuries: Bolonha, Lião, Pádua e Veneza). To the propagation and repercussion of this apocryphal, in Portugal, cf. Manuel J. Gandra, Ob. cit, p. 23-25. 31 Cf. Letter to the King and Queen (1501), in Consuelo Varela, Ob. cit., p. 252-256 e PL: fl. 4-6; Relação da 4ª Viagem (1503), in Consuelo Varela, idem, p. 302; LP: fl. 67v (Letter of the Genovese delegates to the Kings of Spain, Barcelona, 1492). 32 “It will happen in October month / this writ is not mistaken / It will obtain victory, making war / a king that does not show himself”. The Coplas were printed in Valencia in 1520. 33 19th October 1468 letter: “[...] If God have ordered such, you will not only have the Castile kingdom, but conquer Grenada’s and take the sword of Fez and with it you’ll conquer the whole world, and one and another shall not be missed. [...]”. 34 Married in second wedding with D. Joana, the Excellent Lady, heir of Henrique IV of Castile, that competed for the throne of Spain with Isabel, the catholic. 35 The prediction 27 of The Popes Prophecies, foreword of abbot Joachim, resumes the Encoberto’s qualities and the circumstances of the respective advent, her in Jardim Ameno version[ANTT: cod. 774, fl. 13-13v]: “Dead and forgotten, his face many will know, even if not seen by anyone. For the divinity this just, he will have the Empire’s sceptres. Fairly he will be found and declared. On heaven will shout the invisible announcer, three times, saying: hurry up and go to the west side that has seven hills and you’ll find a man who lives there, a friend of mine, take him and put him to possess of the Royal Throne. The signals he has and by which you’ll recognize him are these: he is calm, quiet and gentle, of great understanding, sharp in seeing mainly future things. In you you will have and you will possess the Empire and Monarchy of the seven hills.”. wooden horse, according to Saint Isidoro’s published prophecy about Encoberto, this king, pretending to be ill, or being certain by chance, entered in stilts, being careful about the ceremonies and obeying, at the peoples’ eyes, as much as possible to the prophecies; and, as the Castilians, used to tyrannical freedom, were enemies of seeing themselves ruled by any king, the innocents that had no knowledge of those covered prophecies, would be forced to believe, by the shown signals, that this king D. Afonso was Encoberto, bringing to practice his virtues and greatness, and praising him for the excellent qualities he, indeed, had.”36. It is, however, necessary to remember that expectations about the peninsular origin of the predestined reformer of Jerusalem ascend paganism, being retrieved, from the end of XIII century, by Arnaldo de Vilanueva (c. 1250-1312), in its De cymbalis ecclesiae37, work in which, this Joachimite diplomat serving Jaime II of Aragon and Frederico III of Sicily, foretells the beginning of Armageddon in 137838. 85 Eritrea Sybil Prophecy Also the sebastianists would read syllable by apex and destine Dom Sebastião’s prediction, whose name counts, in Latin (Sebastianus), the same five syllables. Vieira read dots in the ii by mistake and applied it to D. João IV (ioannes iiii). 36 Cronica Incompleta de los Reis Católicos, ed. Julio Puyol, 1934, citada Fidelino de Figueiredo, Sebastianismo, in Civilização, n. 80 (Ago. 1935), p. 12. 37 Jose Pou y Marti, Visionarios, beguinos y fraticelos catalanes (siglos XIII-XIV), Vich, 1930. 38 Ver El Enlogium, in Arnaldo de Vilanova, Escritos condenados por la Inquisición, Madrid, 1976, p. 65-87 e Magister Arnaldus de Vilanova super facto Adventud Antechristi, in Ana Martínez Arancón, La Profecia, Madrid, 1975, p. 115-136. Cf. Joaquín Carreras Artau, La Polémica Gerundense sobre el Anticristo entre Arnau de Vilanova y los domínicos, in Anales del Instituto de Estudios Gerundenses del Patronato “José Mª Quadrado”, (1950). Project Vicente | Projecto Vicente Raoul Kurvitz Esta obra de arte é inspirada numa série de diferentes semelhanças estruturais entre o Cristianismo Europeu e o paganismo Pré-Cristão, os quais se fundiram durante e desenvolvidos pelas fantasias pessoais do artista, bem como suas práticas ritualísticas-mitológicas. Com base em trabalhos anteriores do artista com plantas naturais, séculos, sob formas desde então percepcionadas e praticadas em diferentes combinações folcloricamente criativas. Vários dias festivos pagãos foram renomeados de acordo com santos Cristãos, e contos de fadas e mitos em que as personagens têm os traços de santos Cristãos e fadas pagãs são exemplos de tais combinações. Este projecto foca-se nos pontos de igualmente passíveis de serem interpretados como pagãos, a urtiga surgiu como elemento metafórico central. A urtiga é uma planta que é considerada uma erva extremamente desagradável, já que irrita a pele e obstrói o crescimento das ‘plantas culturais’. No entanto, a urtiga é uma planta muito bela, quase como uma flor, com a sua contacto entre as lendas de S. Vicente nas tradições culturais portuguesas e a figura do ferreiro nas tradições paganísticas estónias. Na atmosfera cristianizada, o ferreiro é uma espécie de líder espiritual e mestre, um vencedor mítico, estética dura; a urtiga é igualmente uma planta extremamente saudável uma vez cozinhada em sopa e fustigarmo-nos com ramos de urtigas fortaleceria notavelmente a nossa imunidade a doenças, incluindo a historicamente mais correspondendo ao Vicente no folclore Nórdico-Báltico. temível – a peste. Mesmo não fazendo gande esforço para No entanto, não é apenas no folclore e nas lendas que as tradições Cristâs e pagãs se fundiram; há testemunhos de rituais e práticas particulares, e as dos ferreiros Nórdicos-Bálticos são das mais interessantes. Na cultura encontrar provas históricas acerca do seu uso ritualístico, poderíamos intuitivamente afirmar que a urtiga é ‘uma planta inteiramente pagã na sua essência’. Um facto especificamente importante é o de que a urtiga é extremamente rica em ferro estónia, um ferreiro era um especialista extremamente importante e útil, sem o qual a actividade comunal e (ferrum), uma vez que cresce especialmente em locais onde o solo contém mais ferro; ora, muito significativamente, produtiva mal seria possível; ao mesmo tempo, acreditava-se que o ferreiro estava em contacto com as mais assustadoras forças espirituais – uma posição única, que os tornava existiam muitas urtigas em volta das antigas ferrarias. A urtiga torna-se assim uma metáfora para ligar paganismo e industrialismo, aportando conteúdos historicamente ‘feiticeiros legais’. Ao mesmo tempo, quando chegaram as massivas perseguições às bruxas por toda a Europa, os mitológicos à realidade dos dias de hoje, caracterizada pelo ritualismo tecnológico da civilização globalizada. ferreiros estónios não foram forçados e frequentarem a igreja; por defeito podiam recusar baptizarem-se, e a sua ‘colaboração’ com Vanapagan (o Diabo na língua estónia) era A forma da obra de arte há-de ser a de uma instalação total. Um ambiente, baseado na estrutura em forma de aceite, já que se acreditava que assim ficava ‘sob controle’; o ferreiro cria sair do contrato com o Diabo sempre como capela do espaço existente [Ermida N. Sra. da Conceição]. Será criada uma capela ou cripta feita de urtigas, e portanto um vencedor – tal como Vicente. Também existiam muitas lendas acerca de ‘missas da meia-noite’ em igrejas Católicas ou Luteranas; estórias como a de um viajante que observa será realizado um desvio estilístico: um espaço sacral Cristão ganhará uma imagem pagã, com arcos parabólicos no lugar de Românicos ou Góticos. O ambiente deverá incluir as janelas de uma igreja com as luzes acesas, escutando um órgão a tocar estranhas melodias pagãs, mas que, elementos de luz e som, e uma vez que as urtigas têm uma ligação metafórica e física com o ferro, será utilizada uma ao aproximar-se, nada encontra…; também de criptas subterrâneas e rituais secretos em moinhos… quantidade de elementos em ferro, como se a estrutura de urtigas tivesse crescido a partir deles, ‘alimentada’ por eles. Este projecto não é um trabalho de investigação científica, o que exigiria verdade histórica. É uma compilação poética e artística, em que diferentes motivos folclóricos são reunidos This artwork is inspired by a number of different structural similarities between European Christianity and Pre-Christian paganism, these having merged into diseases, including the historically most dreadful one – the plague. Even not trying to make too much effort to find historical evidence about it´s ritualistic use, one might each other for centuries, in ways ever since perceived and practiced in different, folklorically creative combinations. Various pagan celebration days were renamed according to Christian saints, and fairy tales and myths in which the characters have the features both of Christian saints and pagan fairies, are examples of such combinations. This intuitively say that the nettle is ‘an entirely pagan plant in it´s essence’. A specifically important fact here is, that nettles are extremely rich in iron (ferrum), as they grow especially well on spots where the soil contains more iron; now, most significantly, the surroundings of ancient blacksmitheries are extremely full of nettle-plants. Thus, the nettle-plant project focuses on structural encountering-points between the legends on S. Vincent in Portuguese cultural traditions, and the figure of the blacksmith in Estonian pagan traditions. In the Christianized environment, the blacksmith is a sort of spiritual leader and teacher, a mythical winner, becomes a metaphor to link paganism and industrialism, bringing a historically mythological content into the present-day reality of the technological ritualism of the globalized civilization. correspondent to Vicente in Nordic-Baltic folklore. However, not only folklore and legends are the space where Christian and pagan traditions have merged into each other; there are evidences about particular rituals and practices, and those of the Nordic-Baltic blacksmiths are The form of the artwork shall be a total installation. An environment, based on the existing, chapel-like structure of the exhibiting-place [Ermida N. Sra. da Conceição]. A chapel or a crypt made of nettles shall be created, thus a stylistic shift is to be accomplished: a Christian sacral space shall possibly the most interesting ones. In Estonian cultural traditions, a blacksmith was an extremely important and useful specialist, without whom communal or productive get a paganistic look, with parabolic arches instead of the Romanic or Gothic ones. The environment shall include as well elements of light and sound, and since the nettle-plants activity would hardly be possible; at the same time, he was believed to be in close contact with the most dreadful have both a physical and metaphorical connection with iron, an amount of rusty iron elements shall be used, as if the spiritual forces – a unique position, which made them ‘legal sorcerers’. At the same time, when there were massive witch-hunts all over Europe, the Estonian blacksmiths nettle-structure had grow out of them, ‘fed’ by them. weren’t forced or expected to go to church; by default they could refuse to be baptised, and their ‘collaboration’ with Vanapagan (the Devil in Estonian language) was accepted, as it was believed to become ‘under control’; the blacksmith believed to come out from the contract with the Devil always as a winner – just like Vincent. Also, there have been a lot of legends about secretive ‘Midnight Missas’ in regular Catholic or Lutherian churches; stories such as the one in which a traveller sees the windows of a church in full lights and hears the organ playing weird paganistic tunes, but, when getting close to it, discovers nothing…; also tales about underground crypts and secret rituals in wind-mills… This project is not a scientific research work, which would claim for historical truth. It is a poetic, artistic compilation, where different folkloristic motifs meet and get developed by the artist´s personal fantasies and ritualistic-mythological practices. Based on the artist´s former works with other natural plants, also possible to be interpreted as pagan, the nettle has emerged here as the central metaphorical element. The nettle is a plant, which is considered to be a nuisant and extremely unpleasant weed, as it hurts the skin and obstructs the growth of the ‘cultural plants’. However, the nettle is a very beautiful plant, almost like a flower, having its tough aesthetics; the nettle is also an extremely healthy plant when boiled into a soup, and whipping oneself with nettle bunches would remarkably strengthen one´s immunity to 87 PROJECTO TRAVESSA DA ERMIDA BELÉM, LISBOA 6 Paulo Pereir a 26 José Tolentino Mendonça 30 Fernando MELO 33 Isabel Bar aona 44 Agata Wiorko 50 Nelson Guerreiro 56 Manuel J. Gandr a 65 Marta Soares 86 R aoul Kurvitz