Ágora Palestra - Git Extremadura

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Ágora Palestra - Git Extremadura
Ágora
Palestra
UMA FESTA, DUAS TRADIÇÕES:
OS TOUROS DE MORTE EM PORTUGAL
UMA FESTA, DUAS TRADIÇÕES:
OS TOUROS DE MORTE EM PORTUGAL
ANA OLIVERA
Director
JUAN ÁNGEL FRANCO GARCÍA
GORA PALESTRA, espaço reservado a assuntos de actualidade e
especial polémica ou repercussão nas relações entre Espanha e
Portugal, foi dedicado desta vez ao tema dos touros de morte em
Portugal. Na manhã de 27 de Maio, quando a semana de encontros estava
prestes a concluir-se, reuniram-se na Aula de Cultura da Caja de Extremadura
de Cáceres personalidades importantes do mundo taurino, tanto espanholas
como portuguesas, assim como autoridades implicadas no conflito de
Barrancos. Nesta mesa redonda abordaram-se as diferenças e semelhanças da
festa taurina em Espanha e Portugal, explicou-se a origem comum da festa,
analisou-se a figura dos forcados (homens que imobilizam o touro sem outra
ajuda que não seja a dos seus corpos, como prova de destreza e valentia), aludiu-se à eterna questão do sofrimento do animal e consagrou-se grande parte
do debate à polémica surgida em torno do caso de Barrancos, única localidade portuguesa em que se dá morte ao touro.
À maneira de introdução, Juan Ángel Franco, crítico taurino do diário
Hoy, da Cadena Cope e da Rádio Nacional, e Francisco Morgado, comentador taurino da Rádio Televisão Portuguesa, realizaram uma brilhante exposição sobre a origem e a história da festa; explicaram-nos com grande profusão de dados os aspectos políticos e religiosos que deram lugar a tradições
diferentes nos dois países. Estas diferenças resumem-se basicamente ao facto
de em Espanha se praticar o toureio a pé e se matar o touro e em Portugal
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predominar o toureio a cavalo, se introduzirem os forcados e não se matar
o animal durante a lide.
Segundo parece, há uma certa controvérsia a respeito da origem da festa,
mas a maioria dos historiadores situam o seu início na Idade Média. As primeiras fontes escritas de que temos notícia datam de 1135 e são também desta
mesma época os antecedentes taurinos em Portugal. O toureio nasce como
jogo de perseguição a cavalo praticado pela nobreza para mostrar a sua força
e o seu poder.
No século XVI as festas do touro começam a adquirir carácter de espectáculo como tal nos dois países, construindo-se recintos fechados. Já a partir
desse momento surgem as primeiras vozes de detractores, tendo sido os reis e
os papas a iniciar as proibições. Os dois comentadores contaram-nos anedoctas e curiosidades, como a de Afonso X O Sábio que permitiu deserdar aqueles que se dedicavam ao ofício de lancear touros, ou a de Isabel A Católica
que, depois de ter presenciado a morte de dois homens e de vários cavalos
numas festas realizadas em sua honra, ordenou que os touros fossem embolados. O Papa Pio V, com a sua bula “De salutis egregis”, publicada em 1565,
proferiu o ditame segundo o qual se alguém morresse na arena ficaria sem
sepultura eclesiástica e proibiu aos clérigos a assistência a espectáculos taurinos, sob pena de excomunhão. Inicialmente esta bula não foi tomada em
conta nem em Espanha nem em Portugal, mas em 1571 o arcebispo de Évora
publicou-a em Portugal e o rei D. Sebastião ordenou que os touros fossem
lidados com as pontas dos cornos cortadas, o que acarretará as primeiras diferenças entre os dois países.
Os séculos XVI e XVII são os séculos de apogeu do toureio a cavalo.
Quanto ao toureio a pé, alguns especialistas assinalam que surgiu a princípios
do século XVIII de forma espontânea, quando uns moços se confrontaram
com um touro para ajudar uns nobres que tinham sido apeados. A partir do
século XIX o toureio a pé consolida-se em Espanha, enquanto que em
Portugal o toureio a cavalo manteve a sua hegemonia.
Depois da introdução histórica, Juan Ángel Franco explicou o caso peculiar de Barrancos, localidade portuguesa situada na fronteira do Baixo
Alentejo, que segue uma postura fiel às suas mais ancestrais tradições e realiza
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uns festejos em que se dá morte ao touro.Apesar de não se editarem cartazes,
a assitência a estas festas é multitudinária por parte dos habitantes da localidade e das povoações limítrofes. Ninguém se atreve a acabar definitivamente
com a festa devido ao forte enraizamento que esta tem entre a população, mas
a verdade é que infringe a legislação portuguesa e não pode realizar-se. A
polémica começou em 1997 quando a Sociedade Protectora dos Animais
denunciou a festa e o governo português se viu obrigado a efectuar detenções
e a aplicar multas. Posteriormente os naturais de Barrancos, em defesa de um
estatuto de excepção para o seu território, pediram ao Parlamento Europeu
que se respeite a tradição popular de matar nas corridas de touros atendendo
à “identidade cultural das populações fronteiriças”.
A seguir passou-se a um animado debate em que, para além de Juan
Ángel Franco e Francisco Morgado, intervieram António Terreno,
Presidente da Câmara Municipal de Barrancos, Rui Bento Vasques, matador
de touros, José Coutinho García, empresário taurino, Santiago Mapica
Castañón, veterinário, e Luis Carlos Franco, cirurgião e presidente da
Federação Taurina Extremenha. Lamentavelmente, e apesar de lhe ter sido
dirigido convite, não acudiu nenhum representante do governo português,
pelo que não houve oportunidade de escutar a sua opinião a respeito do
conflito de Barrancos.
António Terreno, Presidente da Câmara Municipal, vaticinou que o fim
da festa de Barrancos pressuporia o fim da festa dos touros em Portugal.
Explicou que esta costume local tinha persistido apesar da lei porque sempre
se contou com a cumplicidade das autoridades. Criticou que fossem
condenados a pagar multas tão altas que chegavam a alcançar a soma de 600
milhões de escudos por festejo e o uso eleitoralista que se estava a fazer do
tema. Por último agradeceu o apoio recebido por parte de presidentes da
câmara espanhóis e de aficionados deste lado da fronteira, que chegaram
mesmo a deslocar-se a Lisboa para apoiar as suas reivindicações.
O matador de touros português estabelecido em Salamanca, Rui Bento
Vasques, condenado há dois anos por ter morto com uma estocada dois touros numa festa privada, reconheceu estar frustrado por não poder realizar-se
no seu país com a profissão que escolheu, e propôs manter a tradição portu~213~
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guesa do toureio a cavalo e dos forcados, mas oferecer anualmente algumas
corridas com a morte do touro.
Segundo o empresário José Coutinho, existe procura de espectáculos de
toureio a pé em Portugal. Assinalou que os aficionados portugueses acodem
em massa às corridas de touros espanholas e até se instalam pontos de venda
em localidades fronteiriças. A respeito da introdução do toureio a pé em
Portugal, partilhava a opinião de Rui Bento e propôs um número limitado de
festejos.
Francisco Morgado, por seu turno, sustentou que no mundo actual em
que as distâncias se vão encurtando cada vez mais, e estando Madrid ou
Sevilha ou muitos outros lugares a poucas horas de Lisboa, o correcto seria
que cada país mantivesse a sua tradição e os aficionados se deslocassem a um
país ou a outro. Também mencionou os tradicionais receios em relação à
Castela invasora como possível motivo pelo qual não se aceita o toureio a pé
em Portugal, mas houve quem discordasse entre o público, com o argumento de que esses receios eram águas passadas.
Santiago Mapica, veterinário taurino, abordou o tema do sofrimento do
touro. Destacou que o touro, se for bravo, não sofre durante a lide e afirmou
que sofre mais em Portugal, já que é transportado ferido para um matadouro
e frequentemente não é sacrificado até ao dia seguinte. Em sua opinião, o
touro sofre menos em Espanha, ao morrer imediatamente de uma estocada.
Luis Carlos Franco, Presidente da Federação Taurina Extremenha e cirurgião taurino, destacou as características especiais do aficionado português e
assinalou que os festejos taurinos atravessavam um momento muito difícil em
Portugal. Em sua opinião, se se quiser a festa íntegra dos touros em Portugal,
será imprescindível melhorar as condições sanitárias das praças.
Francisco Morgado, a pedido de Juan Ángel Franco, traçou-nos um perfil dos forcados.A figura do Forcado é um exclusivo de Portugal e surgiu pela
necessidade de apanhar os touros para serem vendidos ou para uso medicinal.
Posteriormente os forcados foram incluídos no festejo ao terminar a lide, e a
sua presença obteve protagonismo porque realizavam também a tarefa de
fechar a trincheira que dava passagem ao camarote onde se encontravam os
nobres e o rei. A esta acção de se colocarem ali e impedirem a passagem do
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touro chamava-se fazer uma “casa de guardas”. Pouco a pouco o povo foi
pedindo as actuações dos forcados, até que estas se introduziram de forma
normalizada nos festejos. Actualmente não ganham pelas suas actuações, apenas obtêm dinheiro para gastos e deslocações. A arte dos forcados não é
questão de força, mas sim de uma técnica muito precisa que consiste em que
quando o touro vem direito ao corpo há que controlar a investida e acoplarse em fila, até que se consegue imobilizar o animal. Neste tipo de faenas os
touros têm sempre os cornos embolados ou cortados.
Como conclusão, Juan Ángel Franco ressaltou o facto de a festa ter nascido de um mesmo tronco em mãos da nobreza, se ter separado e ter continuado nos dois países porque se enraizou fortemente entre o povo, com
maior fidelidade na época barroca no caso português, que continua a respeitar até o traje.A respeito do conflito de Barrancos, sugeriu que lhe fosse concedido um estatuto especial e deu como exemplo o caso do Sudoeste
francês, território onde se permite a morte do touro e as corridas gozam de
grande popularidade.
Em minha opinião, o debate deixou claro que no mundo taurino o
entendimento entre espanhóis e portugueses está muito acima das divergências e demonstrou, uma vez mais, que só um profundo conhecimento do passado nos permite compreender o presente, neste caso, o estado actual das nossas tradições e peculiaridades como povos. ❖
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