Leitura das Escrituras no Contexto Bíblico
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Leitura das Escrituras no Contexto Bíblico
8 RESUMO Esse trabalho teve como objetivo localizar as diversas maneiras de como a Bíblia foi lida e em como ela foi compreendida através dos tempos. Não se presta a ser um tratado de teologia, mas simplesmente apontar os fatos que a levaram a atravessar os tempos e chegar até os dias atuais. A preocupação de origem do trabalho é com o papel que ela vem desempenhando nas comunidades evangélicas. Essa pesquisa mostrou que a Bíblia foi amplamente estudada e manejada através dos tempos, muita vezes de forma obscura e outras de modo mais apropriado. A metodologia consistiu em realizar uma busca por livros e textos e expor os resultados sistematicamente. O fato é que as Escrituras chegaram até os dias atuais e se tem livre acesso a ela. É possível estudá-la, interpretá-la, e retirar de sua preciosa fonte ensinamentos para abastecer e alimentar a fé. Por ser Palavra de Deus, ela foi consumida e abusada, mas nunca perdeu esse caráter de ser Palavra de Deus. Nesse quisto, ela é mestre em dar respostas para humanidade independente de seus múltiplos contextos. Mesmo sendo lida em situações de dores, angústia, dúvidas, desejos e pecados ela terá sempre a autoridade de Palavra de Deus. Mesmo dissecando-a, arrancando dela o que ela não quer falar ela falará acerca de Deus e sua vontade para sua criação. A Bíblia é o caminho que o Senhor deixou para que sua criação se aproxime Dele. Palavras-chave: Bíblia, Interpretação 9 Introdução Com o advento da Reforma, a Bíblia tomou seu lugar no meio do povo. Esse fato trouxe consigo uma forma livre de interpretação dos textos sagrados. Nunca a Bíblia foi tão difundida e lida em toda a sua história. Há hoje inúmeras publicações como, Bíblia da mulher, Bíblia de estudo, Bíblia do jovem, versões corrigidas e atualizadas, revista e corrigia etc. Mas nunca a Bíblia foi lida por tantas pessoas e interpretada de forma tão equivocada como nos dias atuais. Mas será que a Bíblia, ao ser lida a partir das inquietações humanas, não produz sentido para esse alguém, mesmo que sua interpretação não seja a mais correta? Seria correto engessar essa capacidade bíblica de falar sobre Deus? Em que circunstância o ensino da Reforma protestante de que o Espírito Santo ilumina a todos indistintamente é real? Qual o papel da Bíblia na vida cristã e na vida das Igrejas? – São muitas as interrogações acerca da Bíblia que demandam estudo e pesquisa para que se possa esclarecê-las. Nos dias atuais as igrejas, principalmente as pentecostais, não têm muita preocupação com a interpretação correta dos textos bíblicos, mas com aquele sentido que parte mais do sentimento do que da razão. Mesmo nas Igrejas históricas que possuem ênfase na doutrina correta, muitas vezes essas doutrinas são estranhas à Bíblia e correspondem muito bem às tradições humanas. Não que as tradições humanas sejam ruins, somente não são universalizantes, fazem parte do específico de cada grupo ou povo. Mas muitas vezes essas tradições são passadas como se fossem algo genérico, valendo igualmente para todos. As interpretações que predominam no meio eclesial são aquelas alegóricas, que desprezam o fundo histórico dos textos bíblicos, portanto, as aproximações com a vida no mundo. Elas não produzem efetivamente um conhecimento de Deus que transforma a vida. Resultam assim, cristãos incapazes de entender e dialogar com sua própria fé. Pessoas incapazes de resolverem seus próprios problemas com base nessa fé, pois são ensinadas geralmente a levarem tudo para a esfera divina e espiritualizar tudo. A Bíblia não se apresenta como uma revelação direta de verdades atemporais, ou seja, que não está relacionada à época nenhuma, mas como a afirmação escrita de uma série de intervenções pelas quais Deus se revela na 10 história humana. Sua mensagem está solidamente enraizada na história. Daí o dinamismo da Bíblia. Embora sua escrita remota em tempos idos, seus ensinamentos são perfeitamente válidos para os dias de hoje ou vindouros, mas sem que com isso seja necessário viver os costumes estranhos aos tempos e cultura atuais. Essa pesquisa se ocupa das varias formas de interpretação ao longo dos tempos. Percebe-se que nesta preocupação alguns alegorizavam em demasia e outros literalizavam demais os textos bíblicos,o que revela que sempre houve erros no modo de se ler e interpretar a Bíblia, o que não difere do tempo presente. O erro humano sempre transparece ao se interpretar um texto bíblico gerando tendências, interesses diversos, etc. Conscientes disso deve-se aproximar do texto bíblico com cautela, para não se impor idéias à Escritura, mas humildemente e em oração receber o que ela diz. Aprender a interpretação apropriada da Escritura requer graça, submissão e oração. Para isso, entende-se como necessário fazer o uso de discernimento, aprender a julgar e reter o que de melhor se tem das várias formas de interpretações existentes. Não se pode esquecer a importância do testemunho do Espírito Santo para a leitura bíblica. Pois é o Espírito quem produz a fé nas Escrituras e a percepção dos fatos espirituais dos quais as escrituras atestam. É o Espírito Santo quem dirige a Jesus Cristo. Almejar realmente levar a sério as Escrituras como divinas e inspiradas, torna-se imperativo depender humildemente do Espírito Santo. É a iluminação do espírito de Deus o caminho para uma correta interpretação bíblica. 11 1LEITURA DAS ESCRITURAS NO CONTEXTO BÍBLICO Nesse capítulo tratar-se-á da formação e origem das escrituras. O modo como ela foi lida e atualizada no período antes de Jesus Cristo. A pesquisa abordará as fontes, dos escribas, das tradições, da atualização das escrituras por parte de Jesus Cristo. Trata-se de uma análise não exaustiva, mas panorâmica dos fatos que trouxeram a Bíblia à atualidade de forma segura e guiada pelo Espírito Santo. 1.1 A LEITURA DAS ESCRITURAS NO ANTIGO TESTAMENTO Antes de entrar na leitura da Bíblia no contexto do Antigo Testamento é necessário um breve relato da origem das Escrituras, embora esse assunto já tenha sido amplamente difundido tanto nos meios acadêmicos como eclesiais. 1.1.1 Origem e formação das Escrituras As origens mais remotas da Bíblia estão nas "tradições orais", transmitidas de pais para filhos. Essas, na falta de registros escritos, possuíam antigamente mais validade e autoridade do que na atualidade. As primeiras dessas tradições remontam ao tempo de Moisés, treze séculos antes de Cristo. Para os judeus - que só possuem o que chamamos de Antigo Testamento, ela ficou pronta dois séculos antes de Cristo. Para os cristãos, a datação segue geralmente até o final do século I de nossa era, com o último livro do Novo Testamento, o Apocalipse. No entanto, tais datas de autoria não são de consenso entre os pesquisadores, mas isso não é objeto de discussão dessa pesquisa. A composição da Escrituras abrange, portanto, nada menos que um milênio, e nenhum de seus autores sabiam que estavam escrevendo a Bíblia. O povo israelita foi o primeiro a reconhecer que esses escritos foram inspirados por Deus para revelar aos homens a sua vontade, isso fez com que atribuíssem a esses escritos o caráter de texto sagrado. O procedimento de formação da Bíblia e da religião de Israel foi viabilizado institucionalmente nos textos do Antigo Testamento. Esses textos são os pontos geradores dos novos textos do Novo Testamento. O cerne da Bíblia se deve ao cânon, pois foi através dele, sob inspiração divina, que o homem deu unidade ao Livro Sagrado. No judaísmo o processo de afirmação do cânon, o ajuizamento das 12 coleções de escritos sagrados, anteriores e posteriores às tradições rabínicas estão situados entre os séculos II a.C. e II d.C. e marca uma divisão no concilio de Jabne em 90 d.C., entre judeus e cristãos. A partir da metade do século II d.C. inicia o cânon neotestamentário, completado no século IV d.C. neste caso, separando o que é sagrado do que passou a ser considerado herético, originando a Bíblia cristã. O texto canônico torna-se com isso texto sagrado. Antes mesmo da adoção de um cânon, os cristãos tinham métodos e critérios de leitura que os diferenciavam da sinagoga, isto era realizado na comunidade por uma pessoa – aqui mantém-se o critério da sinagoga! – autorizada. Os elementos balizadores do cânon do Antigo testamento foram autoridade e antiguidade (origem mosaica e profética); quanto ao cânon do Novo Testamento, os critérios são mais teológicos: (1) a mensagem e a figura de Jesus, (2) a mensagem da Igreja primitiva, (3) os tratados teológicos doutrinários acerca daquela mensagem (as epístolas); o núcleo são os escritos apostólicos, cuja lista de Atanásio (296-373) é apresentada no concilio de Calcedônia (451). É caro afirmar que “cânone” é uma unidade, modelo exemplar e canônico, sagrado; seguindo parâmetro das 1 comunidades de fé, a Bíblia é Escritura . 1.1.2 A leitura das Escrituras na época do Antigo Testamento Nos tempos antes do Senhor Jesus Cristo, a arte de escrever era restrita a poucos. Utilizavam, para isso, peles secas de animais ou papiros, o que tornava o processo muito dispendioso. Poucos sabiam ler e escrever. A difusão dos acontecimentos e tradições eram atualizados de geração em geração por via oral. A compilação dos textos sagrados se deu somente dezenas, até mesmo centenas, de anos depois. Ao ler e atualizar suas histórias, os leitores da era anterior a Cristo procuravam descobrir a presença do Deus único nos fatos históricos e na vida do povo. Para os biblistas libertacionistas a história do êxodo adquiriu suma importância teológica e simbólica e nunca mais se perdeu, sendo transmitida ao longo de gerações.2 Essa memória deu vida e alicerçou as tribos da época. A história do êxodo orientou o labor e decisões dessas tribos. O tempo tribal do povo israelita é marcado pela lembrança do êxodo e foi ele o fator desencadeador do processo de libertação vivenciado pelo povo de Israel. Neste caso, os profetas foram a memória andante do êxodo, atualizavam-no, interrogando o presente baseado no Deus do êxodo. Para compreender os profetas é preciso entender seus entusiasmos pela historia do êxodo, a criatividade com que 1 SANTOS, João Batista Ribeiro. Diciontmdnário Bíblico: Conhecendo e entendendo a palavra de Deus. São Paulo: Didática Paulista, 2006. p.84-85. 2 MOSCONI, Luiz. Para uma leitura fiel da Bíblia. 3.ed. São Paulo: Loyola, 1996. p.37. 13 eles atualizavam e valiam-se desse fato, para proteger a vida, os oprimidos e marginalizados. Conforme Mosconi, no período do Antigo Testamento há várias atividades populares religiosas de luta e resistência. Essas atividades eram vivenciadas pelo simbolismo do êxodo. O livro de Deuteronômio é visto como obra desses movimentos, num período de duzentos anos e é o resultado e depoimento escrito de um movimento popular religioso liderado pelos levitas3. Esses levitas eram missionários itinerantes que freqüentavam os clãs e pequenos grupos a fim de manter viva a memória de Deus. Nas festas principais eram esses levitas que carregavam a arca, símbolo máximo da memória do êxodo. Mantinha-se assim viva a passagem do êxodo, sendo essa uma forma de leitura da aliança de Deus para com seu povo. (Js 3:3). Nessa ótica, o livro de Deuteronômio é um livro a favor dos necessitados e camponeses sem propriedades, é a memória de um povo reprimido e essa lembrança era passada de pais para filhos (Dt, 6:20-25). Essa memória, segundo Mosconi4, foi escrita ainda no tempo do Antigo Testamento. Os movimentos surgiam em torno do pensamento e vida de profetas importantes como o caso do movimento religioso isaiânico (740-500 a.C). Da mesma maneira as primeiras comunidades cristãs se inspiraram muito na mística e pratica desse movimento que girava em torno das memórias do profeta Isaias. Houve vários movimentos populares criados com base nas reminiscências de outros profetas. Tais movimentos faziam uma constante atualização de textos escritos anteriormente. Segundo Mosconi5, Amós 9:11-15 é uma atualização da mensagem do profeta feita por seus seguidores duzentos anos depois de sua morte. Conforme essa compreensão a Bíblia é um livro coletivo, feita por muitas mãos, sob a iluminação divina, e concepção progressiva de sua sacralidade que é o que confere o caráter inspirativo do texto. Em síntese, pode-se afirmar que o Antigo Testamento é um livro que foi crescendo aos poucos. Trata-se de um livro que conta a história de fé do povo de Israel. A cada geração surgiam novos questionamentos resultado da fé de um povo a um só Deus e de como Ele agia na história desse povo. Cada geração respondia a esses questionamentos e os documentou de diversas formas nos textos que estão 3 MOSCONI, Luiz. Para uma leitura fiel da Bíblia. 3.ed. São Paulo: Loyola, 1996. p.37. Ibidem. p.38. 5 Ibidem. p.38. 4 14 reunidos no Antigo Testamento. Nos primórdios desse processo de crescimento está a palavra falada, ou seja, a transmissão era transmitida oralmente. As historias foram contadas e recontadas através dos tempos antes de serem fixadas por escrito. Nesse percurso, logicamente, houve alteração na descrição desses escritos, novas formas e características foram sendo acrescentadas. Alguns traços perderam a importância para cada geração nova. Essas histórias foram pronunciadas em uma determinada ocasião histórica de forma oralmente antes de alcançarem sua forma literária conhecida hoje. Por serem mais fáceis de decorar, as formas literárias contidos dos cânticos se mantiveram muito tempo gravado na memória do povo e são as mais antigas narrativas que se conhece, conforme exemplos: Canção de vitória de Miriam”, em Êx 15:21, que canta a destruição dos egípcios no mar. Outro é a canção de Lameque, em Gn 4.23-24, uma “fanfarronada” que fala de cruel vingança de morte; ou, então, a “canção do poceiro” em Nm 21.17-18, que se deve imaginar cantada durante escavação de um poço. Mas também canções mais extensas, como p. ex. a 6 magnífica canção de Débora em Jz 5, provêm de tempos remotos . Nos textos sapienciais, mais especificamente nos provérbios populares, estão conservadas as tradições mais antigas de Israel. Este é um fenômeno que ainda hoje acontece. No antigo Israel esses provérbios eram citados diversas vezes principalmente depois do trabalho diário, quando as pessoas se reuniam para as passagens das tradições. Posteriormente, esses provérbios adquiriram formas artísticas na corte, conforme relatos do tempo de Salomão (1 Rs 5:11-12)7. Os estudos da critica Bíblica apontam ainda as “sagas” como meios de transmissão das tradições de geração em geração. Conforme os estudiosos dessas correntes exegéticas, tais sagas narravam os acontecimentos mais marcantes do povo de Israel. Essas narrações não tinham um interesse histórico, querendo tão somente fixar as seqüências desses acontecimentos. Apresentavam os fatos da época, dos personagens, da cultura conforme estavam gravados na mente do povo. As sagas não eram simplesmente contos de coisas passadas. Eram um “manual” de onde o povo atualizava suas histórias e tradições. Esse passado estava presente na história do povo que as contavam e as ouviam. Era o perfil do conhecimento do passado e do presente da sociedade de Israel. 6 7 RENDTORFF, Rolf. A formação do Antigo Testamento. 5. Ed. São Leopoldo: Sinodal, 1998. p.9. Ibidem p.9. 15 As leis também foram uma forma de transmissão e orientação da vida em Israel. Foram transmitidas leis de diferentes tipos, e que abrangiam quase toda a vida social e religiosa de Israel. Essas regras regulavam desde a forma de cultuar o Deus único até as pequenas coisas do dia-a-dia da população, até mesmo da forma exata da vestimenta dos sacerdotes. As leis casuísticas regiam os litígios do cotidiano das pessoas e eram destinadas a comunidade que aplicavam essas normas. Essa comunidade se reunia em praça publica para julgar um processo. As sentenças casuísticas eram transmitidas de geração a geração. A comunidade judicial pode ser muito bem compreendida como descrito no capitulo 4 de Rute8. E por fim, o Antigo Testamento coleta e comunica a fé do povo israelita. Os relatos ali descritos são os depoimentos vivos da fé do povo de Israel. Nele está contida a aliança do Criador para com esse povo e conta o revelar de Deus na historia de seu povo, dirigindo-o com suas leis, instruindo-o no seu dia-a-dia, e, acima de tudo, criando a identidade de um povo escolhido. Esta breve análise formal do processo de transmissão e construção das Escrituras em Israel, ainda que conforme descrita pelas pesquisas da critica bíblica, revelam o caráter dinâmico e vivencial do surgimento da Bíblia. 1.1.3 Uma breve história das tradições bíblicas O passado distante da Bíblia se situa no tempo quando a escrita estava em sua fase inicial, e a comunicação era basicamente oral. Nessa época, as tradições que existiam eram transmitidas aos mais novos pelos mais velhos de forma oral, em reuniões diárias ao redor de uma fogueira ou em reuniões nos templos. Pelo que se tem conhecimento, nesse tempo, só eram transmitidos os conhecimentos dos acontecimentos no deserto (Sinai) e da Aliança de Deus com o povo de Israel. Devido à curiosidade dos jovens, houve necessidade de compor as histórias antes disso. As antigas e recentes histórias eram passadas oralmente de pai para filho tanto nos lares como, principalmente, nos santuários. Essa forma de comunicação predominou na transmissão até os tempos do rei Davi. Mas, como já havia sido desenvolvida a escrita não é adequado inferir que até essa época já havia varias produções escritas dessas histórias orais. 8 RENDTORFF, Rolf. A Formação do Antigo Testamento. 5.ed. São Leopoldo: Sinodal, 1998. p.12. 16 A tradição oral predominou até 550 a.C., quando foram escritas do modo como eram contadas. Como os fatos narrados eram baseados na tradição popular, isso fez com que muitas coisas se perdessem através do tempo. As narrativas históricas desses livros não possuem a mesma importância de outras narrativas posteriores a 550 a.C. que foram baseadas em documentos que contavam os fatos do reino. Sabe-se também que por muito tempo, os profetas foram os conselheiros do povo de Deus. Os conteúdos dos Livros proféticos resumem os seus ensinamentos e foram escritos pelos seus seguidores, por volta do ano 200 a.C. Através da tradição oral, a revelação de Deus aos Profetas e Patriarcas, foi guardada por muito tempo antes de ser compilada em um manuscrito. Essa revelação se manteve sem o auxilio da escrita, já que tal tarefa era difícil de ser executada e cara. Por isso, os antigos raramente escreviam. Na tradição verbal acontece a transmissão através de cantos, poesias pregação de tudo o que Israel experimentava de Deus. De geração a geração, de pais para filhos, Israel foi construindo suas narrativas e dando significados as experiências no seu dia a dia. A repetição contínua dos acontecimentos na memória do povo manteve a fonte para futuras gerações conforme palavras de Johan Konings:9 Não apenas em relação ao Pentateuco, mas à Bíblia inteira, devemos dizer que os livros bíblicos não caíram do céu. São condensações de uma vivência e de uma consciência que foi se formando e se expressando muito antes de ser cristalizada em forma de livros. Já antes de Moisés, os “filhos de Israel”, nas estepes da Síria e da Palestina, e os “hebreus”, no Egito, tinham seus textos não-escritos: fórmulas rituais para expressar sua relação com a divindade, mitos ou narrações para estruturar o universo cultual e cultural, sagas, lendas, poesias, etc. podemos imaginar que todo esse “saber” se transmitia, ao anoitecer, em volta da fogueira do acampamento, ou por ocasião das festas ou da iniciação dos jovens. 1.1.4 A Pesquisa das Fontes Documentais A teoria do teólogo alemão Julius Welhausen (1844-1918)10, que assinala para o fato em que o Pentateuco teria recebido quatro fontes distintas na sua elaboração, foi formulada na segunda metade do século XIX. Em 1876, Welhausen a publica em Die Composition Dês Hexateuchs. Embora não sendo seu descobridor, Welhausen foi quem deu visibilidade a essa teoria. Para Julius há a fonte Javista (J), 9 KONINGS, Johan. A Bíblia Nas Suas Origens e Hoje. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 1998. p.78-79 TOKASHIKI, Ewerton Barcelos. Pentateuco. Disponível http://www.monergismo.com/textos/at/pentateuco.htm . Acesso em 27/06/2009. 10 em 17 escrita no século IX a.C. no reino do sul, que atribuía conceitos antropomórficos11 a Deus, a fonte Eloísta (E), que é a narrativa da tradição do reino do norte, escrita praticamente na mesma época da fonte Javista e inserida a esta por volta do ano 722 a.C. (JE). Na época, por volta de 721 a.C., momento em que Samaria foi destruída pelos assírios, a maioria dos sacerdotes se refugiaram no sul levando consigo as suas tradições. Há também fonte Deuteronomista(D), encontrada em 622 a.C por trabalhadores de um templo de forma casual e que corresponde ao livro de Deuteronômio da atual Bíblia. Essa fonte é inserida às fontes Javista e Eloísta, por volta do ano 586 a.C (JED). E por fim há narração Sacerdotal, escrita por volta do ano 550 a.C. A fonte Sacerdotal reunia as tradições do antigo Israel e possuía o conceito de que Deus é poderoso, que está acima de todas as coisas. É inserida às fontes Javista, Eloísta e Deuteronomista, por volta do ano 400 a.C. (JEDP), formando, o que se conhece hoje como Pentateuco. A redação do Pentateuco se deu por volta de 398 a.C. e é a primeira parte da Bíblia judaica. 1.2 A LEITURA DA BÍBLIA NO NOVO TESTAMENTO Os escribas do tempo do Senhor Jesus Cristo, liam com freqüência a Lei. Estudavam constantemente os livros sagrados, analisando sobre cada palavra e letra. Faziam anotações de assuntos de pouca importância tais como: qual o versículo que ficava exatamente no meio do Antigo Testamento, que versículo estava na metade do meio, e quantas vezes aparecia determinada expressão, e até mesmo quantas vezes aparecia determinada letra, qual o tamanho da letra. Eles nos legaram para a posteridade um grande acúmulo de anotações sobre as palavras da Sagrada Escritura12. Eram, no entanto, assíduos leitores da Lei. Argüiam o Senhor Jesus Cristo sobre qualquer questão concernente a lei, porque a levavam na ponta da língua e estavam dispostos a usá-la contra o Senhor Jesus Cristo. 1.1.2 A Leitura da Bíblia feita porJesus O Senhor Jesus Cristo desde pequeno foi ensinado sobre como ler e entender as Escrituras. Sendo pobre Ele não seguia a maneira dos escribas e 11 Do grego, antropomorfos, de forma humana. Atribuição de qualidades humanas ao ser divino. Como ler a Bíblia. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/7015336/Evangelico-Charles-HaddonSpurgeon-Como-Ler-a-biblia. acesso em 22/08/2009. 12 18 doutores da Lei para interpretar as Escrituras. Certamente, Maria e Jose pertenciam à comunidade dos pobres e foram eles que transmitiram os primeiros ensinos ao Senhor Jesus Cristo. Como todas as crianças do sexo masculino de Nazaré, aos seis anos começou a frequentar a escola da sinagoga. As meninas eram proibidas de participar. Como havia poucos livros era necessário que tudo fosse decorado. Os escribas liam os versículos, e os alunos os decoravam. Somente depois da memorização de um versículo é que se passava para outro. Com tudo isso, percebe-se claramente nos evangelhos que o Senhor Jesus Cristo conhecia muito as Escrituras. (Cf.: Mt 5:17,27,46; Mt 12:8; Lc 7:22,23; Lc 24:27; Jo 7:15). De acordo com Mosconi o Senhor Jesus Cristo adotou o esquema do Midrash13, mas com um olhar diferente dos doutores da lei. Jesus defendia primeiro a vida e não as leis. Na há duvida que quando o Senhor Jesus cristo ia às Escrituras ele a interpretava em grande maioria das vezes, com resultados opostos aos dos doutores da Lei. O senhor Jesus Cristo por ser um profundo conhecedor das Escrituras condenou duramente a interpretação legalista e racista das Escrituras (Marcos 7:113). Ele demonstrava que as Escrituras deveriam ser lidas e atualizadas a partir dos pobres e marginalizados14. Essa novidade foi grande e revolucionaria. De qualquer forma o conhecimento das escrituras apresentado por Jesus Cristo permitiu desmascarar as falsas imagens de Deus produzidas pelos escribas (João 8:39-47). O Senhor Jesus cristo interpretou as Escrituras a partir da realidade de vida dos mais simples que era a dele própria. Fez uma leitura dirigida pela completa fidelidade a Deus, com ternura e amor e um total vigor em defesa da vida. Sua interpretação colocou as realidades da época em seu devido lugar. Ele denominou os doutores da lei de guias cegos, fanáticos que travavam a vida do povo (Mateus 23:1-23). O Senhor Jesus, ao ir às escrituras não só as atualizavam, mas apelava sempre para a conversão do ouvinte. Censurou os doutores da lei e os fariseus que as conheciam e não as colocavam em pratica (Mateus 23:1-2). Outra vez elogiou aqueles que ouviam: “felizes os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em pratica” 13 Midrash (do hebraico )מדרשé uma forma narrativa criada por volta do século I a.C. na Palestina pelo povo judeu. Esta forma narrativa desenvolveu-se através da tradição oral (ver Talmud) até ter a sua primeira compilação apenas por volta do ano 500 d.C. no livro Midrash Rabbah. 14 Essa é a compreensão de Mosconi a partir da Teologia da Libertação. 19 (Lucas 11:28). “Aquele que põe em prática a palavra de meu Pai entrará no reino do Céu” (Mateus 7:21). A partir da situação real de cada um, a palavra de Deus interpretada fielmente exigia a conversão a Deus e ao seu Reino e era isso que o Senhor Jesus ensinava com amor e bondade. Não há duvida que o Antigo Testamento fosse a Bíblia usada por nosso Senhor Jesus Cristo. De um modo geral a palavra Escritura empregada no Novo Testamento referia-se ao Antigo Testamento com exceção de 2Pe 3.16 onde o autor coloca no mesmo plano as cartas de Paulo. Nas primeiras décadas após Jesus Cristo existiam somente relatos fragmentados de sua existência e de seus ensinos. A base para as pregações e ensinos feitos pelo Senhor Jesus foi o Antigo Testamento, logicamente com um reinterpretarão tanto por Ele e seus primeiros seguidores. O senhor Jesus Cristo sempre reconheceu a autoridade do Antigo Testamento, mas reservava para si o direito de ser seu verdadeiro interprete. Mesmo que o Senhor Jesus Cristo debatesse com os lideres judeus em muitos assuntos, o Novo Testamento não registra nenhuma dissensão sobre a inspiração ou a autoridade do Antigo Testamento. O Senhor Jesus Cristo muitas vezes recorria ao Antigo Testamento para argumentar seus ensinos. Uma boa ilustração que prova que o Senhor Jesus Cristo não era contra a autoridade do Antigo Testamento pode ser lida em Mateus 4.1-11. Ele usa três vezes a expressão está escrito. O senhor Jesus Cristo seguia os seus compatriotas judeus na confiança no Antigo Testamento como palavra de Deus. Tanto que esse povo seduzido pela revelação que continham tais palavras, entesouraram em forma de relatos escritos as palavras e os atos divinos. Nasce dessa forma uma literatura autorizada entre os israelitas. Essa literatura narra às leis, historia do passado desse povo, oráculos e profetas, ensinos de seus sábios e hinos e oração de seu culto. Embora o Senhor Jesus Cristo tivesse a mesma atitude de muitos judeus de seus dias em relação à autoridade desses escritos, a interpretação dada pelo Senhor Jesus cristo era de modo muito diferente. Assim como os profetas o Senhor Jesus Cristo sentia o vazio de grande parte do legalismo judaico. Como verdadeiro profeta o nosso Senhor Jesus Cristo reinterpretou a lei no Sermão do Monte. O Senhor Jesus Cristo rejeitou as interpretações erradas muito comuns da lei. O Senhor Jesus Cristo, sendo a Palavra, deu o verdadeiro significado aos temas proféticos que os mestres judeus haviam negligenciado. O senhor Jesus Cristo deu 20 destaque ao amor, o perdão e a todas aquelas características do Reino de Deus por ele anunciado. O senhor Jesus Cristo insistia que ele era o cumprimento pessoal do Antigo Testamento. Ele é seu tema principal. Em Lucas 4.21 quando na sua cidade natal e na sinagoga ele declara “Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir” pode se ponderar ser a reivindicação de que Nele se cumpria o que estava escrito. Neste fato surgiu o conflito com o comando judaico e modelou a maneira de seus seguidores em relação ao Antigo Testamento (Lucas 24.44). O Senhor Jesus Cristo inovou a explanação do Antigo Testamento juntando em si mesmo varias linhas de ensinos e as transformando-as em uma única forma de interpretação. Como profeta e sacerdote ele tornou absoleto todas as normas do templo (Mateus 12.6; João 2.13-15). No Senhor Jesus encontrava-se: O rei sábio, “maior que Salomão” (Mt 12.42); o filho e o Senhor de Davi, o herdeiro legitimo do trono de Israel (Mc 12.35-37; 15.2); o triunfante Filho do homem (Dn 7.13ss.; Mc 13.26); e o servo sofredor (Is 53; Mc 10.45). Os 15 principais temas da esperança foram nele consumados . O estilo do Senhor Jesus Cristo em relação ao Antigo Testamento era de dinamismo e não estático. Ele tratava a Lei não como um catálogo de princípios fixos e regulamentadores da conduta religiosa, mas um registro inspirado e autorizado da atividade divina na história. Essa atividade atinge seu auge no reino que se avizinhava com a vinda do Senhor Jesus Cristo. Como as palavras do Senhor Jesus Cristo são espírito e vida (Jo 6.63), o Antigo Testamento visto a partir de sua percepção, torna-se um manual para a vida (Jo 5.39) e para a fé. O Senhor Jesus Cristo legitimou os profetas como intérpretes legítimos da Torá, e ao focar a revelação do Antigo Testamento em si mesmo, alterou os padrões de interpretações bíblicas adotados pelos escritores apostólicos. Pode-se se citar o exemplo de Mateus na correspondência entre os fatos da vida do Senhor Jesus Cristo e a profecia do Antigo Testamento. Diz ele: “para que se cumprisse o que fora dito...” (1:22; 2:15, 17, 23; 4:14; 12:17; 13:35; 21:4; 27:9). João oferece muitas comparações explicitas e implícitas entre Moisés e O Senhor Jesus Cristo: (1:17; 3:14; 5:45-47; 6:32; 17:19). O Senhor Jesus Cristo ao ir as Escrituras com suas palavras e gestos inicia uma nova tradição. Radicaliza a interpretação da Escritura. O senhor Jesus Cristo 15 LASOR, William S.; HUBBARD, David A.: BUSH, Frederic W. Introdução ao ANTIGO TESTAMENTO. São Paulo: Vida Nova, 1999. p.638 21 abre Lei e tradições antes fechadas e absolutizadas, cuja única finalidade era a realização de uma vida religiosa. Agora o Senhor Jesus Cristo as direciona para a vontade de Deus e aos corações dos homens. O seu agir e o seu pregar constituem o inicio de um novo conhecimento. Sendo portador da Revelação e da salvação o Senhor Jesus Cristo fala e age como tal. O eu vos digo, do Senhor Jesus Cristo como idéia oposta a interpretação da lei (Mt 5:21ss) e unido a sua autoridade, prepara e reivindica o Senhor Jesus Cristo como salvador dos homens e mulheres segundo a postura destes assumida em relação a Ele. Segundo Caio Fabio16 sendo o Verbo, como Jesus não conheceria um derivado da Palavra, que é a Escritura? A questão, porém, é outra: Como Jesus lia as Escrituras? Ou como ouvia as palavras dela? Caio Fabio fala do modo como Jesus interpretou as Escrituras, e do espírito de entendimento que Ele nos dá a fim a discernirmos a Palavra na Escritura. Isto porque Jesus diz que Suas palavras são a Palavra, e nos recomenda que as percebamos como espírito e vida, e não como letra estática, morta, mumificada, e que se oferece para exumação aos “Caçadores de Múmias”, nos quais se tornaram muitos exegetas e hermeutas da Escritura.17 16 Caio Fábio d'Araújo Filho (Manaus, 15 de março de 1955) é um pastor evangélico e escritor brasileiro 17 FILHO, Caio Fábio d'Araújo. Jesus Lia as Escrituras. Disponivel em: htt://sitecristão.com/textos/reflexões/jesusliaasescrituras.htm. acesso em 29/06/2009. 22 2 LEITURA DA BÍBLIA NOS PERÍODOS ANTIGO E MEDIEVAL Nesse capitulo serão tratados a importância do período Patrístico, o método de leitura alegórico da Bíblia feito pela a Escola de Alexandria e o método literal utilizado pela a Escola de Antioquia. Tratar-se-á também do importante legado desse período. 2.1 A LEITURA DA BÍBLIA NO PERÍODO PATRÍSTICO Segundo Kenneth Scott Latourette,18 um dos fatos mais marcantes e expressivos da história é que, no período de cinco séculos de sua origem, o cristianismo conquistou a fidelidade indiscutível da maioria da população do Império Romano e alcançou a base do Estado romano. Principiando aparentemente como uma obscura facção do judaísmo, e honrando como vulto central aquele que foi morto pelo aparato de Roma. Apesar de ter sido longamente proscrito por esse governo e eventualmente tendo o completo peso do Estado lançado contra si, o cristianismo comprovou de longe ser vitorioso a ponto de o império procurar aliança com ele e ser um cidadão romano se tornava quase parecido a ser um cristão. Além das influências originárias da racionalidade greco-romana, não se pode negar o lugar de origem da cultura Oriental na qual nasceu o Cristianismo, tanto como movimento religioso como atividade racional, já que, essa “Ferveção cultural” muito contribuiu para o firmamento do pensamento cristão. Por isso, a necessidade de se transcorrer também pelo “mundo judeu” como forma de entender as principais linhas entre esses dois movimentos: Cristianismo e Judaísmo e mundo helênico que será bastante citado nesse tópico. O ano 70 d.C. foi, talvez, um dos períodos mais difíceis para a cultura judaica do século I, já que, é neste que acontece a destruição de Jerusalém pelos romanos, levando os judeus a se dispersarem por diversas regiões. Tal evento ficou conhecido como a Segunda Diáspora Judaica19. 18 LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do Cristianismo.Tradução de Heber Carlos de Campos. São Paulo: Hagnos, 2006. p.85 v.1. 19 A palavra grega Diáspora aparece várias vezes na Bíblia Grega como tradução de várias palavras hebraicas que significam “dispersão” e se referem às comunidades judaicas espalhadas pela Babilônia, Egito e o litoral mediterrâneo depois da destruição de Jerusalém em 586 a.C. (MARCUS e COHEN, 1965. p. 43.) 23 Com a dispersão dos judeus, muitos elementos da cultura helênica puderam ser conhecidos e até assimilados pelo Judaísmo. As influências do novo ambiente tiveram como repercussão o abandono da língua materna o Koiné20 e a adaptação da língua universal: língua grega ou clássica, incluindo-a também, no culto sinagogal. A Diáspora também contribuiu para a interculturação entre o mundo oriental judaico e o Ocidental grecoromano. Desde o ano 63 a.C. , quando Roma interveio na Palestina sob o julgo de Pompeio21, as lutas pelo trono já indicavam as influências exteriores no mundo judaico. Estas tiveram prosseguimento, durante todo o reinado de Herodes, o Idumeu22, e os cinqüenta anos que durou o governo dos procuradores de Roma. Até que em 66 d.C. uma revolta judia contra os romanos levou estes a tomar medidas drásticas contra os revoltosos: a invasão e destruição de Jerusalém23. Contudo, segundo Marcus e Cohen esta miscigenação cultural, vista de forma ampla, não se efetivou, apenas, como uma prevalência dos elementos helenísticos sobre o Oriente, isto é, em nenhum momento a religião Oriental foi totalmente subsumida pela cultura helenística, como se o elemento mais fraco se submetesse ao mais forte. Prova disto é o nascimento de diversas formas de religiões desta época: o judaísmo rabínico, o Cristianismo, o Mandeísmo, o Maniqueísmo, o Gnosticismo, os Cultos Mistéricos, os Orfismos, os Hermetismos e os Neopitagorismos. Sendo Objeto desse estudo somente o cristianismo. Nesta perspectiva, Jedin24 percebe que a Diáspora Judaica possui uma ligação muito forte com a formação do próprio Cristianismo nascente. Primeiro, pelo reconhecimento da “versão dos setenta”, como tradução oficial utilizada nos primórdios do Cristianismo; segundo pela incorporação do conceito monoteísta 20 O Coiné (330 a.C – 330 d.C) é caracterizado como uma língua popular do período helenístico e tem como atribuições específicas a qualidade “temporal” de ser pós clássica, a qualidade “comum” de não ser dialética e a qualidade de ser “comum ou vulgar”. 21 Pompeu Magno nasceu em 29 de setembro, 106 a.C. Foi um general e político romano, conhecido também como “Pompeio, o Grande”. Disponível em: http://web.mac.com/heraklia/Caesar/contemporaries/pompey/index.html. acesso em 22/08/2009 22 Herodes, o Grande, filho de Antípater. Nasceu em 72 a.C. e faleceu em 4 a.C. Foi rei da Judéia entre 37 e 4 a.C. CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 7.ed. São Paulo: Hagnos, 2006. P.100 v.3. 23 MARCUS, Ralph e COHEN, Gerson D. Grandes Épocas e Ideas del Pueblo Judio. La epoca helenistica e la epoca talmudica. Buenos Aires: Paidos, 1965.p.32 24 JEDIN, Hubert. Manual de Historia de la Iglesia. Barcelona: Herder, 1966,p.31 v.1. 24 judaico na constituição do conceito da divindade cristã; e terceiro a fundamentação da moral cristã com os preceitos normativos do Decálogo (lei mosaica). Nosso senhor Jesus cristo, nasceu e morreu antes da diáspora. Como judeu viveu num mundo sócio-político e espiritual do judaísmo impregnado pela cultura helênica. Nesse contexto e principalmente após sua morte foi atribuída a Ele a imagem do Messias ou a de Cristo25. Sua pregação teve por característica o incondicional amor a Deus e um amor ao próximo que abraça aos homens de toda raça26. Seus seguidores judeus conhecidos como “Seita dos Nazarenos” pelos seus adversários, devido ao rompimento da legalidade farisaica, os judeu-cristãos, se reuniam em Jerusalém em comunidade que mais tarde passaram a se chamar o “povo de Deus reunido no deserto”, que Segundo Jedin27 pode ser traduzido como comunidade ou congregação. Eram homens simples que se reuniam em catacumbas para discutir e estudar as Escrituras e até mesmo a ordem política, econômica e social do mundo romano. O cristianismo primitivo se constituía por essas pessoas simples provindas do judaísmo e que possuíam pouco nível cultural, o que não os impediam de abraçar a nova fé, sem se preocupar com as coerências filosóficas ou não destes. A religião greco-romana já não respondia aos novos anseios que almejavam o homem helênico, o que abria uma lacuna do qual o pensamento cristão encontrou seu sustentáculo: dar uma nova resposta moral e escatológica a um mundo movido pela desilusão e falta de esperança. Inspirado no Judaísmo, do qual era inicialmente “uma seita” o Cristianismo acabou por se converter em uma nova maneira de se conceber a realidade, graças, primeiramente, a Paulo de Tarso28. Com ele, este novo fenômeno foi implantado em ambiente helênico, o que muito contribuiu para a percepção cristã da estrutura racional de tal ambiente. Os desafios da “missão paulina”, como expressa Jedin se 25 GIORDANI, Mário Curtis. História de Roma. Antiguidade clássica II. 8 ed. Petrópolis p.313 JEDIN, Hubert. Manual de Historia de la Iglesia. Barcelona: Herder, 1966. P.28. v.1. 27 Ibidem p.136 28 Paulo, de procedência da diáspora judia, nasceu em Tarso de Cilicia, onde seu pai era fabricante de selas, ofício este que aprendeu também. Contudo, uma antiga tradição conta que seus antepassados procediam da Galiléia. seu porém, possuía o direito hereditário de cidadão romano, cujos privilégios pôde apelar diante do tribunal romano. Em sua cidade, Tarso, Paulo conheceu uma rica manifestação cultural e comercial da vida helenística, principalmente a Koiné, língua que havia se imposto como universal, bem como o aramaico de sua tradição familiar. Apesar se sua convivência com a cultura helênica, foi fiel às suas tradições judaicas, tanto que, pertencia ao grupo legalista dos fariseus. (JEDIN, 1966, p.167.). 26 25 configuraram principalmente do ponto de vista da linguagem, já que, o “neopensamento” era dirigido a um povo que estava unido por uma mesma cultura e língua: o koiné e é com este intuito que, acontecem, portanto, as primeiras mudanças significativas do Cristianismo judeu primitivo. O ponto estratégico para esta abertura foi a cidade de Alexandria, centro cultural helênico, onde convertiam várias culturas num grande intercâmbio inter-racial. Para que os chamados “pagãos”, pudessem abraçar esta nova forma de pensamento, Paulo teve que sacrificar alguns conceitos judaicos, principalmente no tocante da moralidade, como a lei mosaica e circuncisão. Este ato gerou grandes embates entre os judeu-cristãos palestinenses, também chamados de “judaizantes” 29, considerando Cristo como “O Filho de Deus”. Paulo dá as condições para aquilo que Vaz30 chama de “Querela do Particularismo e Universalismo”. Este embate ideológico no seio do Cristianismo tem de um lado os judaizantes (os judeu-cristãos do Particularismo) que tentam conservar a tradição judaica na íntegra; do outro estão os heleno-cristãos Universalistas, subjazendo nas idéias de Paulo configuram mudanças nas antigas tradições. Outro representante da abertura do Cristianismo ao mundo greco-romano foi o apóstolo João. Por meio de seus dois escritos: o Evangelho e o livro de Apocalipse, no final do século I, em grego, demonstrava esta abertura lingüística do Cristianismo ao mundo helênico. No Evangelho, a figura de Cristo é descrito como o Verbo Divino, conforme a hermenêutica de Jedin, que existe desde toda a eternidade e se fez carne habitando entre os homens. O desenvolvimento do pensamento de Paulo, juntamente com os escritos joaninos, sobre a visão judaizante de Pedro causou diversos outros confrontos internos. Assim, o Cristianismo se depara com o problema da ortodoxia judaica sobre a heterodoxia helênica31, problema este que perpassará todo século II e III32. Dentro desta seqüência de ideologias que buscam cruzar o pensamento cristão com 29 De acordo com Jedin (1966, p. 170), os judeu-cristãos possuíam divisões internas baseadas em algumas convicções que se acreditava serem essenciais para o Cristianismo. Os judaizantes, partido extremo dos judeu-cristãos palestinenses, defendiam como base ideológica a circuncisão. 30 VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia IV. Introdução à ética filosófica I. São Paulo: Loyola, 2002. 31 Este problema iniciado no século I vai se configurar num verdadeiro embate dentro movimento cristão com duas correntes: aqueles que defendem o uso da filosofia na justificação cristã como Justino e Atenágoras, no século II e Clemente e Orígenes no século III; e aqueles que defendem a fé pela fé, sem o uso filosófico, como Teófilo e Hermes no segundo século e Tertuliano no terceiro século (Cf. FRAILE, 1986, p. 75 e 76). 32 JEDIN, Hubert. Manual de Historia de la Iglesia. Barcelona: Herder, 1966, p.202. v.1. 26 o helênico têm-se nos limiares dos séculos I e II, os movimentos chamados, gnóstico33, marcionita34, e montanista35, sendo o primeiro o que causou mais dano na forma e se entender a os ensinos de Jesus. As argumentações dos gnosticos, marcionistas e montanistas, segundo Kenneth Scott Latourette, induziram os primeiros cristãos a procurar determinar e tornar inconfundivelmente claro o que o Evangelho é, para tanto, procuraram voltar ao próprio Cristo. Buscaram resgatar o que Nosso Senhor Jesus Cristo fora, seus ensinamentos, o que Ele fez, tentaram também, de modo inteligível descobrir o que havia sido dito pelos amigos mais chegados de Cristo, os apóstolos, aqueles que eram tidos como comissionados por Ele para eternizar e difundir os Seus ensinos. A forma de fazer isso foi a averiguação da linhagem de bispos que estava direta e sempre em sucessão desde os apóstolos e poderiam ser tidos como transmissores dos ensinos apostólicos. Procurou também determinar quais eram os registros dos apóstolos ou que claramente continham os ensinos deles e os juntaram em uma coleção fixa e normativa. Os cristãos daqueles tempos estabeleceram de modo mais claro e breve quando possível os ensinos dos apóstolos de modo que os cristãos, mesmo os iletrados comuns dentre eles, pudessem conhecer o que era a fé cristã, especialmente nos pontos em que a Igreja católica diferia dos gnosticos e marcionistas. Abordar as origens do Cristianismo é um problema que tem como categoria de abordagem inevitável a historiografia, já que esta deveria ser considerada como prova verdadeira e testificada como tal. De acordo com Giordani36, o que se tem são três grupos: os Livros do Novo Testamento (as epístolas de Paulo e os quatros evangelhos), com a vida de Cristo e sua doutrina; os Manuscritos do Mar Morto 33 De Gnose (conhecimento) – filosofia como instrução reveladora das coisas de Deus, que leva ao entendimento do mistério da salvação. Na Escritura pode ser identificado o gnosticismo baseado na filosofia helenística e nos sábios judeus, em quem originaram os “cultos de mistérios” dos místicos. Os gnósticos não priorizavam apenas o conhecimento, a mortificação da carne, o que dificultava a crer que Deus veio em carne por Jesus cristo, mesmo fazendo parte da igreja (1ª Jo 4,1-3; 2º Jo 7). 34 Liderado por Marcião, o movimento marcionita sustentava que os Evangelhos foram lamentavelmente distorcidos pela Igreja da forma que ele conhecia. Esse movimento tem alguns pontos em comum com o movimento dos gnóticos, porém acreditavam que a salvação fosse por meio da simples fé naquilo que Marcião acreditava ser o Evangelho. (LATOURETTE, volume 1 p. 167). 35 Movimento que nada possuía de semelhança com os gnóticos e marcionitas, nome emprestado de Montano, da Frígida, na Ásia Menor. Representavam um reavivamento dos profetas proeminentes nas primeiras décadas da Igreja, uma chamada aos cristãos para uma vida mais estrita, e uma crença vívida num final próximo do mundo, na segunda vinda de Cristo, e no estabelecimento da sociedade ideal na Nova Jerusalém. (LATOURETTE, volume 1 p. 170). 36 GIORDANI, Mário Curtis. História de Roma. Antiguidade clássica II. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 1972.398p. 27 encontrados em 1947, que relatam em seus fragmentos a mentalidade religiosa na Palestina Contemporânea de Cristo; e os escritos de autores pagãos como o governador da província romana Bitínia (atual Turquia) Plínio o jovem, segue anexo transcrição de sua carta a Trajano governador de Roma, Tácito37, Suetônico38 e Flávio Josefo39 (37 ou 38 d.C.). Senhor: É regra para mim submeter-te todos os assuntos sobre os quais tenho dúvidas, pois quem mais poderia orientar-me melhor em minhas hesitações ou me instruir na minha ignorância? Nunca participei de inquéritos contra os cristãos. Assim, não sei a quais fatos e em que medidas devem ser aplicadas penas ou investigações judiciárias. Também me pergunto, não sem perplexidade: deve-se considerar algo com relação à idade, ou a criança deve ser tratada da mesma forma que o adulto? Deve-se perdoar o arrependido ou o cristão não lucra nada tendo voltado atrás? É punido o nome de "cristãos", mesmo sem crimes, ou são punidos os crimes que o nome deles implica? Esta foi a regra que eu segui diante dos que me foram deferidos como cristãos: perguntei a eles mesmos se eram cristãos; aos que respondiam afirmativamente, repeti uma segunda e uma terceira vez a pergunta, ameaçando-os com o suplício. Os que persistiram mandei executá-los pois eu não duvidava que, seja qual for a culpa, a teimosia e a obstinação inflexível deveriam ser punidas. Outros, cidadãos romanos portadores da mesma loucura, pus no rol dos que devem ser enviados a Roma. Bem cedo, como acontece em casos semelhantes, com o avançar do inquérito se estendia também o crime, apresentando-se diversos casos de tipo diferente: Recebi uma denúncia anônima, contendo grande número de nomes. Os que negavam ser cristãos ou tê-lo sido, se invocassem os deuses segundo a fórmula que havia estabelecido, se fizessem sacrifícios com incenso e vinho para a tua imagem (que eu havia mandado trazer junto com as estátuas dos deuses) e, se além disso, amaldiçoavam a Cristo coisas estas que são impossíveis de se obter dos verdadeiros cristãos achei melhor libertá-los.Outros, cujos nomes haviam sido fornecidos por um denunciante, disseram ser cristãos e depois o negaram: haviam sido e depois deixaram de ser, alguns há três anos, outros há mais tempo, alguns até há vinte anos. Todos estes adoraram a tua imagem e as estátuas dos deuses e amaldiçoaram a Cristo, porém, afirmaram que a culpa deles, ou o erro, não passava do costume de se reunirem num dia fixo, antes do nascer do sol, para cantar um hino a Cristo como a um deus; de obrigarem-se, por juramento, a não cometer crimes, roubos, latrocínios e adultérios, a não faltar com a palavra dada e não negar um depósito exigido na justiça. Findos estes ritos, tinham o costume de se separarem e de se reunirem novamente para uma refeição comum e inocente, sendo que tinham renunciado à esta prática após a publicação de um edito teu onde, segundo as tuas ordens, se proibiam as associações secretas.Então achei necessário arrancar a verdade, por meio da tortura, de duas escravas que eram chamadas ministrae, mas nada descobri além de uma superstição irracional e sem medida. Por isso, suspendi o inquérito para recorrer ao teu conselho. O assunto parece-me merecer a tua opinião, principalmente por 37 Político, de família senatorial, Tácito (56-120 d. C.) não foi um observador frio da vida pública romana, segundo Comby e Lemonon (1987, p. 21) ele representa a aversão dos senadores aos imperadores romanos. É também umas das testemunhas mais antigas sobre Cristo e os Cristão. 38 Suetônio (69 – 155 d. C.?) foi encarregado pelo imperador Adriano dos serviços do secretariado e escreveu A vida dos doze Cézares.Apos o ano de 122 onde se envolveu em uma série de intrigas não se tem conhecimento mais de sua vida. (COMBY e LEMONON, 1987, p. 34) 39 Flávio Josefo nasceu em Jerusalém (37 ou 38 d. C – 100 ou 103 d.C.), de uma rica família sacerdotal de asmonéia. 28 causa do grande número de acusados. Há uma multidão de todas as idades, de todas as condições e dos dois sexos, que estão ou estarão em perigo, não apenas nas cidades mas também nas aldeias e campos onde se espalha o contágio dessa superstição; contudo, creio ser possível contêla e exterminá-la. Com certeza, sei que os templos desertos até há pouco, começam a ser novamente frequentados; que as solenidades sagradas até há pouco interrompidas, são retomadas; e que, por toda a parte, voltam a vender-se a carne das vítimas, até há pouco sem compradores. Disto podese concluir que uma multidão de pessoas poderia ser curada se fosse aceito 40 o arrependimento delas . Como tais fontes não são objetos dessa pesquisa, seguir-se-á com o assunto da Bíblia nos primeiros séculos. Quando a Bíblia foi escrita, cada rolo foi produzido em separado. Podemos observar Jesus, na sinagoga, pedindo “o rolo do profeta Isaías” (Lc 4.17). É evidente que os primeiros seguidores de Jesus não tinham acesso a esses rolos e também é evidente que os primeiros cristãos dependiam dos apóstolos e de outros para entenderem o Antigo Testamento. O que fazer quando esses não mais existiriam? A resposta como sempre está em Deus, através de seu Espírito. Os agrupamentos dos rolos, para a formação da Bíblia e a definição de quais possuíam, de fato, autoridade divina, foi um processo guiado por Deus através de concílios. Por volta de 100 a 500 d.C surgiram várias seitas no “seio” do cristianismo provocando vários problemas e confusões, sem contar o surgimento de várias heresias. Para se chegar a uma “regra” ou “norma” foi necessário que religiosos e estudiosos se juntassem nesses concílios para definirem a lista dos livros sagrados e canônicos. A palavra cânon, deriva do grego kanõn (”cana, régua”) como já foi citado no início dessa pesquisa, que por sua vez, se origina do hebraico kaneh, palavra do Antigo Testamento que significa “vara ou cana de medir” (Ez 40.3). Para tamanha empreitada foi necessário amplo debate para definição de quais livros estariam nessa lista. Após acordo e orientação do Espírito Santo a lista ficou pronta, e os livros que não entraram na lista foram chamados apócrifos41. Assim surgiu a Bíblia. Há, porém algumas diferenças entre a Bíblia usada pelos protestantes e a usada 40 BITÍNIA, Plínio o Moço governador da. Apostolado Veritatis Splendor: PERSEGUIÇÕES 1: CARTA DE PLÍNIO O MOÇO AO IMPERADOR TRAJANO. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/1225. em 17/07/2009. 41 O termo "apócrifo" foi cunhado por Jerônimo, no quinto século, para designar basicamente antigos documentos judaicos escritos no período entre o último livro das escrituras judaicas, Malaquias e a vinda de Jesus Cristo. São livros que não foram inspirados e que não fazem parte de nenhum cânon. São também considerados apócrifos os livros que não fazem parte do cânon da religião que se professa. 29 tradicionalmente pelos católicos romanos. Sendo essa ultima contendo alguns livros a mais. Para aqueles que crêem na Bíblia como palavra de Deus, isso nada afeta a canonicidade do Livro Sagrado. A partir do Cânon iniciam-se uma escrita maciça de comentários bíblicos, segundo Mosconi iniciados pelos Padres da Igreja (Pais da Igreja), Justine42 e o bispo Irineu43. No século I, o Novo Testamento teve uma recepção progressiva como ocorreu em relação ao Antigo testamento. Porém a fixação e aceitação foram mais rápidas. Os primeiros sinais de recepção pela comunidade encontram-se na fase da tradição oral, que segundo Konings está na constituição de coleções de sentenças, milagres, etc., de Jesus – o “evangelho antes dos evangelhos”. Ainda segundo Konings, a origem dos evangelhos sinóticos mostra a aceitação que gozavam, por volta do ano 70, o evangelho de Marcos e a coleção de sentenças de Jesus: Todavia, existiam dúvidas em relação a muita coisa que estava circulando a respeito de Jesus, como mostram as observações críticas de Lucas no 44 início de seu evangelho (LC 1.1) . Nos primeiros séculos da história da igreja houve momentos na qual a luz da Bíblia tornou-se pálida ou ofuscada, por causa dos brutais ataques do inimigo. Mas Deus trouxe as Escrituras em segurança através daqueles tempos, e orientou homens e mulheres para preservá-la, expurgá-la e mantê-la pura das alterações que o inimigo tinha introduzido. Um desses períodos abrangeu o segundo e o terceiro séculos, quando heréticos introduziram corrupções doutrinárias em muitos manuscritos. No entanto, o Espírito de Deus guiou Seu povo a rejeitar aquelas corrupções, e a pura Palavra de Deus prevaleceu. Uma dessas corrupções, por que não dizer heresia, já citado anteriormente, o gnosticismo, foi combatido pelo apóstolo Paulo. Os primeiros séculos foram extremamente difíceis para a nova religião que surgia. O mundo até então dominado por Roma, refreava qualquer tentativa de culto a um deus único. O mundo helênico era um celeiro fértil para as questões filosóficas, porém ainda mais fértil para a adoração a deuses pagãos. O primeiro sinal de acessibilidade do Cristianismo ao mundo helênico se deu com as missões paulinas. Tais missões se caracterizavam pelo desafio de Paulo em 42 Justino, também conhecido como Justino Mártir (100 - 165 d.C.) foi um teólogo do século II. Padre da Igreja, teólogo e escritor cristão que nasceu, segundo se crê, na província romana da Ásia Proconsular - a parte mais ocidental da actual Turquia - provavelmente Esmirna. 44 KONINGS, Johan. A Bíblia Nas Suas Origens e Hoje. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 1998. P177. 43 30 entender a lógica grega, se bem que o desafio maior era entender a ruptura do judaísmo-cristão na questão da não observância da circuncisão. Estes fatores encerram no debate do particularismo judeu-cristão contra o universalismo helenocristão.45 Mas a cultura helênica é bem mais forte que o movimento simplista que estava começando. Os escritos joaninos dão uma idéia da incorporação e da mudança de mentalidade Cristológica no cristianismo, a começar pela língua, escrito em grego, e a idéia de Jesus Messiânico é substituída para o Verbo Divino, isto é a cristianização da razão46. David Bosch47 também comenta sobre esse assunto em seu livro Missão Transformadora nas paginas 238 a 260. O processo helenizante do Cristianismo traria sérias consequências no domínio interno da nova religião. O embate entre cristãos ortodoxos48 e as doutrinas heterodoxas49 refletem a força da expurgação grega. Trava-se neste cenário o combate ao Gnosticismo e a formação intelectual do Cristianismo. Além de lutar contra o judaísmo e o Gnosticismo, os primeiros cristãos sofreram ferrenha perseguição encetada pelos romanos. Esses ataques aos cristãos tornaram-se imperativo a necessidade de uma estruturação e organização do pensamento cristão como discurso apologético50. A partir do século II há preocupação de se arquitetar as primeiras escolas filosóficas cristãs. Com esse fim, se dá o processo de possibilidades da racionalização dos elementos característicos da fé cristã. Justino e Atenágoras são os preconizadores desse processo51. A fim de encerrar o assunto “a Bíblia nos seus primeiros quinhentos anos” e tornar menos maçante essa leitura encerra-se esse tópico com a seguinte citação: A historia da difusão do cristianismo em seus primeiros cinco séculos não pode ser contada, porque não possuímos dados suficientes para escrevê-la. Especialmente nossa informação com respeito à parte primitiva do período é provocantemente fragmentaria. Isto não deveria nos surpreender. O que nos espanta é que tanta informação chegou até nós. O cristianismo começou como numericamente uma das religiões menores de todas as religiões que, tendo origem no Oriente, foram levadas para o império... As lacunas em nosso conhecimento são mais intrigantes pelas sugestões que 45 VAZ, Henrique C. de Lima. Escritos de Filosofia IV. Introdução à ética filosófica I.São Paulo: Loyola, 2002. p.167. 46 JEDIN, Hubert. Manual de Historia de la Iglesia. Barcelona: Herder, 1966, v.1. p.196. 47 BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de paradigma na teologia da Missão. Tradução de Geraldo Korndorfer. 2.ed. São Leopoldo: Sinodal, 2002. 690p. 48 O termo "ortodoxa” em grego, significa doutrina reta. 49 Heterodoxo: opinião diferente, diferente do senso-comum. 50 Às vezes denominada erística, apologética é a defesa formal da fé cristã. 51 GABRIEL, Moisés Nascimento. Métodos de Leitura Bíblica: FATE-BH, 18 jun. 2007. 1f. Notas de Aula. 31 nos são dadas sobre o que um registro completo revelaria. Nas narrativas da vida de Jesus nos Evangelhos nos são dados vislumbres de centenas, talvez milhares de seguidores na Galiléia, todavia temos somente uma menção superficial da presença dos cristãos primitivos que nos daria base para inferir que desde os primitivos discípulos de Jesus ali surgiram comum 52 idades cristãs continuadas naquela região. 2.2 AS ESCOLAS DE ALEXANDRIA E ANTIOQUIA – LITERAL X ALEGÓRICA Método é uma palavra de origem grega que significa caminho certo para chegar a um determinado objetivo.53 Na tarefa de se interpretar corretamente a Palavra de Deus, vários caminhos podem ser utilizados. Alguns mais adequados que outros, porém não existe um método que seja perfeito, ou que contenha todos os caminhos adequados para uma boa interpretação. O exegeta da Bíblia deve procurar identificar o que há de melhor em cada método utilizado ao longo dos anos para a interpretação dos Textos Sagrados. A seguir daremos um breve panorama de dois importantes métodos utilizados na idade Média. O método da Escola de Alexandria (alegórico) e o método da Escola de Antioquia (literal). 2.2.1 A escola de Alexandria Alegorizar é procurar um sentido oculto ou obscuro nas entrelinhas do texto. Mas, para alegoriar é necessário partir do sentido literal desse texto. Na Idade Média, a alegoria se prestou aos serviços de muitos teólogos para defenderem suas posições e ir além das duvidas, duvidas essas que sem esse recurso os levariam a muitas heresias. O que, aliás, não deixou de acontecer. Alegorizar ou literalizar demais tem suas conseqüências. Um dos ícones que defendia a alegoria foi Santo Agostinho, autor de Cidade de Deus, defendia que Bíblia deveria ser lida não de forma literal, mas de forma alegórica. Para ele a alegoria não está nas palavras, mas o alegórico deve ser encontrado nos acontecimentos históricos. Ao homem não é permitido o conhecimento literal e imediato das escrituras. Seria complicado explicar de forma literal textos muitos complicados das Escrituras, principalmente, do Antigo Testamento. Discorrer sobre a interpretação bíblica desse longo período situado na Idade Média em poucas linhas é incorrer ao risco de se tornar muito simplista um assunto 52 LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do Cristianismo.Tradução de Heber Carlos de Campos. São Paulo: Hagnos, 2006.923 p. v.1. P.85 e86. 53 MOSCONI, Luiz. Para uma leitura fiel da Bíblia.3.ed. São Paulo: Loyola, 1996. P.104. 32 tão importante. Será necessário deixar de lado muitos fatos importantes e de rico teor teológico o que pode esvaziar um assunto tão respeitável para a teologia. A escola de Alexandria utilizava o que se pode chamar de método “alegórico” defendido por Orígenes, que segundo Augustus Nicodemus Lopes, é a figura mais importante desse período: Orígenes Adamâncio provavelmente nasceu em Alexandria, no Egito, em cerca de 185 d.C. Seu primeiro mestre na fé cristã foi seu próprio pai. Na escola, seus mestre foram Clemente de Alexandria, e, provavelmente, Amônio Saccas, o qual também foi mestre do famoso filósofo-teólogo neoplatônico, Plotino. Essa proximidade com as raízes do neoplatonismo tem feito alguns suporem que Orígenes, o teólogo cristão e 54 Orígenes, o filósofo neoplatônico, na verdade foram a mesma pessoa . Foi o primeiro que defendeu uma teoria de interpretação da Bíblia. Recebeu influências de Filo de Alexandria55 e do platonismo. Defendia que havia um sentido mais profundo, que era o real por trás do sentido literal. Assim, ao interpretar a entrada triunfal em Jerusalém, Orígenes afirma que Jesus teria tido uma atitude indigna de um Filho de Deus se tivesse tido necessidade de uma jumenta e de um jumentinho; que Ele teria sido estúpido se tivesse se agradado do fato de terem colocado túnicas sobre os animais, e que o colocar ramos no seu caminho só podia atrasá-lo (“ comentário sobre João” x.17s). o relato, conseqüentemente, deve ser alegorizado: Jesus, como a Palavra de Deus, faz entrada na alma,. O jumento é o sentido literal do AT, o jumentinho é o sentido literal do NT. Estes se tornam, então, um veiculo para a Palavra de Deus ao serem soltos pelos dois discípulos, os quais são para Orígenes representativos das duas 56 fases do sentido mais profundo, a saber, o sentido moral e o espiritual . Para Orígenes o conhecimento acontecia de forma lenta e com segurança para todos os homens, mesmo para aqueles que não tinham contato com o cristianismo. O logos, nesse caso Jesus Cristo, não estaria reservado a uma organização ou cultura. As questões difíceis das Escrituras foram interpretadas simbólica ou alegoricamente por Orígenes, principalmente questões do Antigo Testamento. 54 CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 7.ed. São Paulo: Hagnos, 2004. P.626. v.4. 55 Filo de Alexandria, cerca de 20 a.C. – 50 d.C. lê a Escritura alegoricamente. Sua interpretação associa à Escritura significados previamente não conectados com ela: Filo, primeiro, reduz a sabedoria clássica a uma forma conceitual anônima; segundo,ao ler a Escritura alegoricamente, apresenta aquela sabedoria como a verdade subjacente ao sentido da Escritura. Moisés tem prioridade sobre os autores clássicos, tornando-se o filósofo original. A Escritura torna-se, assim, uma “re-escritura” de significados clássicos, uma “re-escritura” que é, paradoxalmente, vista como escrito original. A leitura alegórica de Filo é usada para reinterpretar o cosmos, a história, a sabedoria filosófica clássica e a realidade social de Alexandria; ela não procurava dissolver a identidade judaica na cultura helenística, mas era central para a identidade e sobrevivência da comunidade judaica em meio a um contexto hostil. A interpretação alegórica do Antigo Testamento de Filo de Alexandria. Disponível em: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf/st5/Adriano%20Filho,%20Jose.pdf. Acesso em 25/07/2009. 56 FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que Lês. São Paulo: Vida Nova, 1984.p.239. 33 Embora rejeitasse a narrativa em sentido literal, principalmente em questões relativo ao sacrifício humano, Orígenes tirava dessas narrativas lições para explicar a suprema dedicação de Deus. Para Russell Norman Champlin, Orígenes postulava três níveis de interpretação: literal, simbólico ou alegórico e místico. Conforme ele as mais intensas necessidades da alma só poderiam ser contentadas com a interpretação mística. Orígenes foi sem duvida uma das figuras centrais desse movimento, se é que podemos chamar esse método de interpretação alegórico de movimento, mas enfim foi também Orígenes com o seu conceito de “eterna Geração” do filho que ajudou a formulação da doutrina da Trindade. Para Augustus Nicodemus, pais da Igreja como Dionísio o Grande, Eusébio de Cesaréia, Ciro de Alexandria, e Didimo receberam as influencia alegóricas de Orígenes. Este tinha grande estima pelas as Escrituras , mas protegeu, sistematizou e promoveu uma norma de interpretação que ao fim diminuía o costume histórico de algumas passagens e que não dispunha de controle adequado contra o subjetivismo57. Como veremos a seguir Orígenes não estava sozinho. Outros seguidores da escola de Alexandria preocupavam com o crescimento espiritual das comunidades, liam a Bíblia como pastores e não como estudiosos. Essa escola teve como um dos seus primeiros representantes João Cassiano (? 435 a.D). É atribuída a ele a distinção entre os quatros sentidos da Bíblia. O histórico ou literal, ou seja, o sentido claro do texto. Alegórico ou cristológico, o mais profundo, quase sempre apontando para Cristo. O sentido tropológico ou moral, que rege a condulta do cristão e suas obrigações. E por fim o sentido anagógico ou escatológico , que apontava para as coisas do futuro. Esses quatros sentidos também receberam o nome de “quadriga” que também foi atribuída a Agostinho, conforme relata Augustus Nicodemus. Dela surgiu a rima “moralis quid agas; quo tendas analogia; littera gesta docet; quid credas allegoria” ( Moral, o que fazes; o que esperas, anagogia. Literal gera docência; o que crês, alegoria) 58. Clemente de Alexandria também instruía que as Escrituras possuíam uma linguagem alegórica para despertar a curiosidade das pessoas e isto acontecia 57 História da Interpretação Cristão da Bíblia. Disponível http://www.monergismo.com/textos/hermeneuticas/he_augu1.pdf. Acesso em 22/08/2009. 58 História da Interpretação da Bíblia. Disponível http://www.monergismo.com/textos/hermeneuticas/he_augu2.pdf. Acesso em 22/07/2009. em: em: 34 porque nem todos deveriam entendê-la. Para ele o método literal desenvolvia uma fé muito elementar. Foi o primeiro a aplicar o método alegórico na interpretação do AT e a sugerir o princípio de que toda Escritura deve ser entendida alegoricamente. Tal método de interpretação parece prevalecer em muitas das nossas igrejas atuais. Nota-se sem muita dificuldade que muitas seguem pelos mesmos caminhos, porém de forma rudimentar. Para manter acessa a chama e porque não dizer uma quenturinha em muitos corações de crentes, pastores espiritualizam sobremodo as Escrituras muitas das vezes com total conhecimento. Criam dessa forma crentes fracos e dependentes. Esses pastores passam a ser tratados quase como gurus pelo seu rebanho, só ele tem o conhecimento e autoridade sobre a Palavra. Através deles esse rebanho acredita possuir o meio mais rápido para se chegar a Deus. Esses pastores, em sua grande maioria, adotam essa forma de interpretar por acharem que é mais segura do que ensinar a igreja a pensar, e a maioria dos crentes acham que é mais conveniente terem alguém que pense por eles. Assim, vários elementos estranhos, por causa do exagero das alegorias estão sendo levados para os cultos e contaminando o meio evangélico. É muito mais fácil, trabalhar com o misticismo que não se explica do que com a razão que exige mais estudos. Além do que, nos dias atuais, a tão falada modernidade, as pessoas não possuem mais tempos para se ocuparem com estudos de algo tão subjetivo como o espiritual ou Deus. Sidney Sanches resume muito bem essa questão: Nada mais interessa (ao indivíduo), sua experiência humana de estar no mundo é apenas a dele e de mais ninguém. Isso é bom na medida em que cada pessoa decide o que vai ser o que vai fazer e onde vai estar por si mesmo, porém pode fazer com que ela possua responsabilidade apenas para consigo mesma e para com mais ninguém mais. Por outro lado, esse indivíduo nem sempre está preparado para viver dessa maneira por isso irá procurar alguém que lhe diga como ser, fazer e estar.... Escolhe-se para tal 59 aquele indivíduo identificado pela palavra metáfora PASTOR. O mesmo que acontece hoje na Igreja aconteceu no passado. Os cristãos, no afã de entender o que é somente para ser sentido, procuram alegorias onde o assunto se mostra totalmente literal, e literal quando o assunto é alegórico. Ou seja, na hora de ler na Bíblia que o cortar a mão ou cegar um olho o assunto é alegórico, e o é, ninguém demonstra dificuldade em entender isso, mas vêem dificuldade em entender de forma alegórica que Deus lhe dará nações por possessão, nesse caso um grande número prefere ler o texto de forma literal. Outro texto que se pode citar 59 SANCHES, Sidney de Moraes. Perplexos mas não desanimados! Belo Horizonte: Lectio, 2006. P.28-29. 35 como exemplo é de Josué “eu e minha casa serviremos a Deus”. (Jos 24:15) Quantos crentes não estão aí se sentindo culpados porque muitos dos seus estão morrendo e a sua casa não está servindo a Deus como deveria. 2.2.2 A escola de Antioquia A escola de Antioquia foi fundada por Luciano de Samosata (240-312 AD), teólogo cristão que deu origem a uma tradição de estudos bíblicos que ficou conhecida pela erudição e conhecimento das línguas originais. Atribui-se a Luciano, embora sem evidência concreta, uma recensão e padronização dos textos gregos da sua época, dando origem ao texto bizantino ou Sírio, que foi o texto grego do Novo Testamento adotado pela igreja até meados do século 20. Essa escola era mais voltada para o sentido literal do texto Bíblico. De acordo com o Prof. Moisés Gabriel “Defendiam a verdade dos fatos assim como contados na Bíblia” 60. Seus analistas mais famosos foram: Teodoro de Mopusuéstia (360-428 d.C), São João Crisóstomo (344-407 d.C) e São Jerônimo(347-420 d.C) este é considerado o pai da exegese, também traduziu toda a Bíblia para o latim entre outros textos61. Aliás, foi essa abordagem literal das Escrituras fundada nos primórdios do século IV que a tornou famosa. Segundo Augusto Nicodemus,62 seus princípios de interpretação são desenvolvidos e utilizados pelos seus representantes da seguinte forma: sensibilidade e atenção ao sentido literal do texto; desenvolvimento do conceito de teoria (estado mental dos profetas em que recebiam as visões em oposição à alegoria); não negavam o caráter metafórico de algumas passagens (reconheciam que havia um sentido mais profundo nas profecias do Antigo Testamento); buscavam determinar a intenção do autor (pela atenção cuidadosa ao sentido histórico das palavras em seu contexto original) e eram contra descobertas arbitrarias de Cristo no Antigo Testamento, como as feitas pela alegorese Alexandrina. 60 GABRIEL, Moisés Nascimento. Métodos de Leitura Bíblica: FATE-BH, jun. 2007. 1f. Notas de Aula. Ibidem 62 Augustus Nicodemus Lopes é paraibano e pastor presbiteriano. É bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (Recife), mestre em Novo Testamento pela Universidade Reformada de Potchefstroom (África do Sul) e doutor em Interpretação Bíblica pelo Westminster Theological Seminary (EUA), com estudos no Seminário Reformado de Kampen (Holanda). É chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro. É autor de vários livros, entre eles O Que Você Precisa Saber Sobre Batalha Espiritual (CEP). http://pt.wikipedia.org/wiki/Augustus_Nicodemus_Lopes. Acesso em 27/06/2009. 61 36 A Escola de Antioquia opunha-se fortemente ao método alegórico de interpretação da Escola de Alexandria. Os adeptos dessa escola empregavam o método gramático-histórico. Porém, esse método era aplicado de diversas maneiras, expressando dessa forma muitos pontos de vista. Sua cristologia, todavia aproximava-se quase sempre da dos nestorianos63. Conforme Champlin, seus principais líderes foram Deodoro de Tarso, Teodoro de Mopsuéstia, Teodoreto de Cirro e Nestor. Seus ensinos nos séculos IV e V d.C. foram a base para a Escola de Antioquia. Com Deodoro começa o que historicamente se conhece como Escola de Antioquia. Ele tinha o conceito de dupla personalidade da pessoa de Cristo, mas não desenvolveu a doutrina da unidade da natureza divina e humana em Jesus Cristo. Um de seus Alunos foi João Crisóstomo, homem de grande eloqüência no discurso e na palavra escrita, tendo sido um dos maiores pregadores do cristianismo. Segundo Champlin, a contribuição de Teodoro de Mopsuéstia foi de colocar a exegese sobre as bases textuais e históricas. Teodoreto deu prosseguimento ao seu trabalho, cuja cristologia foi influenciada por Nestor. Este enfatizava a humanidade de Cristo e ensinava que a união do divino e do humano em Jesus era um arranjo voluntário, embora reconhecesse que houvesse apenas uma pessoa em Jesus, ninguém jamais encontrou solução para esse dilema, muito menos Nestor. Nestor se recusava a chamar Maria como mãe de Deus, cujo titulo já era popular em seu tempo. Sua evidência recaia sobre a separação de pessoas em Cristo, sua veemência causou entraves entre ele e outro teólogos. O concílio de Constantinopla, em 553, chamado Quinto Concílio Ecumênico, condenou os escritos da Escola de Antioquia, tiveram como base citações distorcidas. A separação entre a igreja imperial dos bispos e os seguidores de Nestor produziu o cisma nestoriano e a captura de Antioquia, em 637, por forças islâmicas, pôs fim ao desenvolvimento dessa escola teológica. 2.3 PATRÍSTICA Com o nome de patrística entende-se o período do pensamento cristão que se seguiu à época neotestamentária, e chega até ao começo da Escolástica: isto é, 63 Seita, cujo santo e herói foi Nestor, prosseguiu ainda durante dois séculos após sua morte. Levaram o Evangelho à Arábia, à Índia, ao Turquistão e à China. Eles adotaram o titulo de cristãos cadeus. Foram perseguidos pela a Igreja ortodoxa na Pérsia, na Arábia e na Mesopotâmia.(Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia, volume 4. p.489). 37 os séculos II-VIII da era moderna. Este período da cultura cristã é designado com o nome de Patrística, porquanto representa o pensamento dos Padres da Igreja, que são os construtores da teologia católica, guias, mestres da doutrina cristã. Portanto, se a Patrística interessa sumamente à história do dogma, interessa assaz menos à história, em que terá importância fundamental a Escolástica64. Os escritos provenientes desse período ajudaram a sistematizar e a colocar de forma racional a doutrina do Cristianismo. O período patrístico vai até os séculos VII-VIII. Não ha um concordância absoluta de uma data especifica sobre o seu fim, mas pode-se dividi-lo, essencialmente, em duas vertentes: Oriental e Ocidental. No que se refere à igreja Oriental (Grega), data, o seu fim, por volta de 754 com a morte de João Damasceno. E, no que se refere à igreja Ocidental (Latina), em 753 com a morte de Isidoro de Sevilha65. Nesse período o terreno era fértil para os perigos contra a fé e às indagações coerentes do tempo, para combatê-los nasce um conjunto de textos ordenados sobre a doutrina, sobre o cristianismo e suas diretrizes de fé. Por tanto, a patrística não se refere somente a um momento histórico, mas a esse conjunto de textos doutrinais que guiavam a fé dos cristãos. Estes textos não são de qualquer autoria, mas autoria de pensadores chamados “padres” da Igreja cristã e suas elaborações doutrinárias. Graças a eles, concretizou os ensinos da Igreja em seus aspectos principais, e foram vencidas as heresias e as controvérsias doutrinárias que ameaçavam a integridade da fé Esses pais da igreja se ocuparam principalmente, com a relação entre fé e a razão, a natureza de Deus, da alma, da moral e da vida. Seus fundamentos se encontram na filosofia platônica, que colabora com a base para a necessidade de mais rigor para a ética, para a renúncia, se bem que se torna cada vez mais raro alguém abrir mão de algo por vontade própria, e a necessidade do controle das paixões e de todas as mazelas que sempre fizeram parte da humanidade. A Patrística também é a designação para o ramo da teologia que estuda os escritos e as doutrinas dos primeiros e mais importantes líderes pensadores da 64 A Patrística Pré-Agostiniana. Disponível em http://www.mundodosfilosofos.com.br/patristica1.htm. Acesso em: 31/07/2009. 65 Vídeo: Patrística- A origem da tradição cristã vol.1 Paulus 47 min. vhs.ntsc 38 Igreja cristã. Esses pais da igreja são divididos em patrísticos ante-micenos e patrísticos pós-micenos, ou seja, sãos os pensadores teólogos cuja vida e obra se localizam antes e depois do Concilio de Nicéia em 325. Os patrísticos ante-nicenos também são chamados de “Pais Apostólicos”, pois tiveram contato direto ou então foram mencionados pelos apóstolos. Destacamse entre eles Clemente de Roma, Clemente de Alexandria, Policarpo e Inácio. Seus escritos são denominados escritos dos pais apostólicos. Sendo Clemente, Pataeno e Orígenes considerados os primeiros pais da igreja em Alexandria. Outros cujos escritos são também considerados patrísticos e também pais Apostólicos foram Tertuliano, Cipriano, Novaciano, Irineu e Hipólito. Os pais pósnicenos foram grandes para a teologia. Esses teólogos fizeram copias à mão dos escritos dos “Pais Apostólicos” que foram lidos, estudados, alguns com mais influencias teológicas, outros com menos. Mas, sem duvida nomes como Ário, Atanásio de Alexandria, Teodorio de Mopsuéstia, Jerônimo, Agostinho e João Damasceno contribuíram muito pelo fazer teológico de sua época e suas contribuições se estendem até os dias atuais. Orígenes foi o que teve maior influencia teológica sobre a Igreja Oriental. Agostinho foi a maior influencia sobre o pensamento teológico da Igreja Ocidental. Ambos tiveram algumas divergências no modo de interpretar algumas doutrinas cristãs. Orígenes enxergava nas Escrituras três níveis de leitura. O literal, que está na superficialidade do texto, percebido mesmo para os mais simples de mente. O moral, que edifica aqueles que percebem a “alma” das Escrituras, e o nível espiritual, o mais importante e mais difícil, que contém um significado “escondido” sob o que é superficialmente desprezível para a consciência ou para o intelecto, se discernido, pode ser explicado através de alegoria. Agostinho foi um teólogo cujas bases estavam fincadas no platonismo. Segundo estudioso de sua obra, boa parte de sua teologia foi expressa através das idéias platônicas. Baseado na Bíblia, a filosofia platônica não seria anti-bíblica. Sua teologia fundava-se principalmente em Deus e alma. É sua frase “desejo conhecer Deus e alma. Nada mais? Nada mais.” Em confissões escreve “Ó Deus, Tu és sempre o mesmo. Oxalá eu conhecesse a mim mesmo e conhecesse a Ti.” Agostinho escreveu contrapondo o maniqueísmo defendeu a autoridade das Escrituras. Abordou assuntos como a origem do mal, sobre a criação, o livre-arbítrio e foi grande defensor da predestinação, já citado anteriormente. Resumindo a 39 doutrina agostiniana a respeito do mal, seria: o mal é, basicamente, privação de bem (de ser); este bem pode ser não devido (mal metafísico) ou devido (mal físico e moral) a uma determinada natureza; se o bem é devido nasce o verdadeiro problema do mal; a solução deste problema é estética para o mal físico, moral (pecado original e Redenção) para o mal moral (e físico)66. Lutou contra o pelagianismo, que principalmente negava o pecado original e aceitavam o livrearbítrio afirmando que o homem podia vencer o pecado por si só. Agostinho moldou praticamente todas as formas de pensar a fé do mundo Ocidental. Estudou e aprendeu com Ambrósio o método alegórico de interpretar as passagens bíblicas, principalmente as do Antigo Testamento que eram de difícil compreensão. Isso trouxe mais conforto para sua alma. A partir da afirmação de que se vê o amor vê a Trindade, Agostinho afirma que o amor intratrinitário produz a união entre Deus e os crentes e dos crentes com o seu próximo. Destacou não as pessoas em separado, mas a unidade do ser divino. Deus deveria ser considerado suma essência. Tudo o que dissesse a respeito à divindade deveria ser anunciado no singular. Foi a partir desse ponto que se passou a falar da pessoa de Deus. 2.4 LEITURA BÍBLICA DURANTE A IDADE MÉDIA - ESCOLÁSTICA Este período do pensamento cristão se designa com o nome de escolástica, porquanto era a filosofia ensinada nas escolas da época , pelos mestres, chamados, por isso, escolásticos. O esboço da leitura na época escolástica proporcionou intensas transformações. A “leitura” vai tornar-se um exercício de aprendizagem, regida por leis que lhe são próprias. O principal lugar onde se exercerá essa atividade será, portanto a escola, seguida pela universidade. Enquanto na Alta Idade Média, a leitura se situava nos mosteiros, durante o período escolástico constatamos uma renovação radical da própria compreensão de se ler. Verifica-se que essa época obedece a uma tomada de consciência do ato de ler. Daí em diante, a leitura não será mais idealizada sem certa organização. A partir daí não se aborda mais um livro de qualquer modo. Existe a necessidade de se compreender o método seguido para realizar a leitura de um texto. Esse preparo da leitura vai criar necessidades 66 Santo Agostinho. Disponível em: http://www.mundodosfilosofos.com.br/agostinho.htm. Acesso em 01/08/2009. 40 novas. É preciso que o leitor possa encontrar facilmente o que procura em um livro, sem ter de folhear as páginas. Por isto, começa-se a formação do aluno leitor e a se estabelecer as divisões, as marcas, os parágrafos, a dar títulos aos diferentes capítulos a criar tabelas e índices alfabéticos que promove a consulta rápida de uma obra. Essa leitura escolástica vai de encontro ao método monástico orientado para uma abrangência lenta e rigorosa do conjunto da Escritura. Durante a Alta Idade Média, a leitura da Sagrada Escritura formava a base da espiritualidade monástica e era genuinamente o alimento espiritual dos monges. Alguns autores chegaram a chamar de ruminatio67 a este tipo de leitura que objetivava a assimilação e meditação dos ensinamentos bíblicos. O ruminatio era um tipo de leitura pausada e regular, feita em profundidade. Havia, ainda, em certos momentos, a prática da leitura em voz alta. Nessa época, distinguiam-se três tipos de leitura: a leitura silenciosa, a leitura em voz baixa, chamada murmúrio ou ruminação e a leitura em voz alta que se aproximava muito do canto. Durante a Idade Média, a prática da leitura concentrou-se no interior das igrejas, das celas, dos refeitórios, dos claustros e das escolas religiosas, geralmente restritas às Sagradas Escrituras. Com o códex, na Alta Idade Média surge a maneira silenciosa de ler, sobretudo textos religiosos que exigiam uma leitura meditativa. A leitura silenciosa se estabelece através da relação íntima, secreta e mais livre do leitor com o livro, tornando mais ágil a 68 leitura. Surge aqui, o "leitor extensivo". A grande modificação que ocorre no quadro da leitura escolástica reside na importância que essa prática terá no ensino. Toda a pedagogia medieval baseia-se na leitura de textos, e a escolástica universitária institucionaliza e amplia este trabalho. Pode-se falar de leitura escolástica como sendo diferente de todas aquelas vistas até então. Como a produção literária não cessa de crescer, é preciso encontrar outros métodos de leitura mais rápidos que permitam aos intelectuais tomar conhecimento de um grande número de obras. Para isto, os medievais sempre recorreram às auctoritates69 em suas próprias composições literárias. Tratase de frases, de citações ou de passagens extraídas da Bíblia, dos padres da Igreja ou dos autores clássicos, destinadas a dar mais peso à sua própria argumentação. 67 Ruminatio significa, literalmente, repetição. CHARTIER, Roger; CAVALLO, Guglielmo. A História Da Leitura No Mundo Ocidental. Disponível em http://resumos.netsaber.com.br/ver_resumo_c_47166.html. Acesso em 17/06/2009. 69 As “autoritates” são os argumentos, os ditos tirados da Escritura e dos teólogos recentes para provar uma tese. 68 41 Essa efervescência intelectual da Escolástica, que abrangeu o período do começo do século IX até o fim do século XVI, contribuiu de forma profunda para o crescimento teologico. A teologia se tornou uma importante fonte de estudo, sendo até mesmo chamda de “a rainha das ciencias”. Era o assunto do momento. O inicio da Escolástica se deu no “revivamento” intelectual e religioso sob os carolíngios70 e sua primeira figura de destaque foi João Scoto Erígena. O mestre carolíngio introduz o conceito de participação partindo do entendimento que as criaturas existem porque participam da natureza divina e dela recebem seu ser, pois fora dela nada existe propriamente, assegurando a condição criadora e de autocriação de Deus. Com esse conceito o irlandês esclarece a controversa questão panteística71. No seculo XI, ele renovou alguns monastérios, principalmente o de Bec, na Normandia, e as escolas mantidas sob apoio financeiro das catedrais. Paris era o centro principal, mas não o unico da teologia escolástica. As universidades se multiplicaram nos seculos XIII e XVI e disputavam os grandes mestres da teologia. Eram principalmente fundações esclesiasticas, obtendo a linceça do papa72. Conhecidas mais pelas suas escolas de Direito e outras pela a escola de medicina, a teologia era uma matéria de destaque nessas universidades. Um dos principais objetivos dos escolasticos foi determinar a relação entre a fé e a razão. Esse problema acompanhava os pensadores cristãos muito antes. A busca do Escolasticismo era a organização racional das verdades aceitas, para que, vindo ela da revelação através da fé ou da razão pela filosofia pudessem ser um corpo harmônico. Segundo Kenneth Scott: O escolasticismo empregou o aparato intelectual que herdara do mundo pré-cristão grego romano. Era a filosofia grega, e, especialmente, o que fora escrito por Platão e Aristóteles. No começo, poucos dos escolásticos tentaram o latim. Somente porções das obras de Aristóteles e dos escritos da tradição platônica estavam disponíveis a eles no latim. Entretanto, o suficiente de Aristóteles era acessível para capacitá-los a empregar a lógica aristotélica. Foi por meio dessa lógica ou dialética com seus silogismos que eles se envolveram na atividade intelectual. Eles também tinham 73 familiaridade com uma obra escrita pelo neoplatônico Porfírio. 70 Carolíngios ou Carlovíngios é o nome da dinastia franca que sucedeu aos merovíngios (751), com Pepino, o Breve, e restabeleceu o Império Romano do Ocidente de 800 a 887 (principalmente sob Carlos Magno). Seus últimos representantes reinaram na Alemanha até 911 e na França até 987. 71 Doutrina segundo a qual só Deus é real e o mundo é um conjunto de manifestações ou emanações. 72 LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma história do Cristianismo.Tradução de Heber Carlos de Campos. São Paulo: Hagnos, 2006. p 666. v.1. 73 Ibidem p. 667. 42 A atividade teológica desse período tornou-se marcantemente diferente daquela dos primeiros 500 anos do cristianismo. O gnosticismo não mais existia. O rígido dualismo de Marcião estava presente nos cátaros74·, mas não fazia mais diferença para os cristãos do Ocidente. O vinculo de Cristo com o Pai e o equilíbrio entre o divino e o humano em Jesus já estava definido nos credos históricos da Igreja Católica Romana. Porém os grandes nomes da Escolástica como Anselmo e Tomas de Aquino estavam longe de serem repetidores de assuntos teológicos estabelecidos. De intelectos apurados, na investigação sobre fé e razão eles persistiam pelejando com assuntos básicos como as que foram apresentadas pelos gnóticos, marcionistas, arianos75 e monofisistas76. Usando as conclusões de gerações anteriores eles perguntavam se estas poderiam ser validadas de novo ou deveriam se colocadas de modo novo, como o significado na morte de Cristo. Mas, eles estavam mais preocupados com o caráter e os atributos de Deus do que seus predecessores. 74 O catarismo (do grego καϑαρός [katharós], "puro") foi uma seita cristã politeísta, principal motivo pelo qual foi considerada como heresia, surgida no Languedoc e no norte da península Itálica ao final do século XI. 75 O arianismo foi uma visão Cristológica sustentada pelos seguidores de Arius nos primeiros tempos da Igreja primitiva, que negava a existência da consubstancialidade entre Jesus e Deus, que os igualasse, fazendo do Cristo pré-existente uma criatura, embora a primeira e mais excelsa de todas, que encarnara em Jesus de Nazaré. Jesus então, seria subordinado a Deus, e não o próprio Deus. Segundo Ário só existe um Deus e Jesus é seu filho e não o próprio. 76 O Monofisismo (do grego µονο = único) é uma doutrina cristológica do século V e admitia em Jesus Cristo uma só natureza, a divina. Foi elaborada por Eutiques em reação ao Nestorianismo e foi considerada também uma heresia para os segmentos majoritários do cristianismo (os católicos e os ortodoxos). Esta doutrina era originária do Egito e estendeu-se progressivamente à Palestina e à Síria. 43 3 LEITURA DA BÍBLIA NA REFORMA PROTESTANTE ATÉ OS DIAS ATUAIS Neste capitulo Três a Bíblia retoma seu lugar de destaque entre o povo, conduzida pela a Reforma Protestante na Europa. Nessa divisão serão tratados alguns fatos da vida de alguns dos mais importantes reformadores e de algumas propostas de leitura bíblica feitas por alguns movimentos surgidos com a Reforma. Para Augustus Nicodemus, a Reforma Protestante foi em muitos sentidos um movimento hermenêutico. Representa um momento crucial na história da interpretação cristã das Escrituras. Sob os auspícios de reformadores como Lutero e Zuínglio, os séculos de interpretação baseada no método alegórico chega ao fim no século XVI77. Para Alderi Souza de Matos78 a Reforma Protestante foi importante para o cristianismo porque atraiu a atenção para fatos doutrinários e práticas bíblicas que haviam sido perdidas ou distorcidas pela Igreja Medieval. Não foi um movimento inovador, mas restaurador das afirmações e ênfases do cristianismo original. Seus principais tributos foram: retorno às Escrituras; a centralidade de Cristo; a salvação vista como dádiva da graça de Deus, a ser recebida por meio da fé; a Igreja não é a instituição ou a hierarquia, mas o povo de Deus – cada cristão é um sacerdote. Um dos principais pontos que levou a Reforma foi à rejeição por partes dos reformadores quanto à hierarquia da Igreja, já que não aceitavam que ela fosse a única com autoridade em questões religiosas, principalmente concernente a interpretação da Bíblia. Eles romperam com a Igreja de Roma e rejeitaram a autoridade do papa, embora nem todos, muitos preservaram a hierarquia sem o papa. Mas todos consideravam a Escritura como normativa, mas nenhum deles concedeu ao papa o direito de dar interpretações as Escrituras que mantivessem os cristãos amarrados a uma questão. Para os reformadores a Bíblia era o juiz supremo 77 LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes: Uma breve história da interpretação. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. p.159. 78 Alderi Souza de Matos é professor de História da Igreja e coordenador da área de Teologia Histórica do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, em São Paulo. É mestre em Novo Testamento pela Andover Newton Theological School, Massachusetts, EUA, e doutor em História da Igreja pela Boston University School of Theology. Alderi é ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil e historiador oficial dessa denominação. http://www.mundocristao.com.br/autordet.asp?cod_autor=177. Acesso em 23/09/2009. 44 de todas as polêmicas religiosas, ela era intérprete de si mesma e, portanto, estava apta a responder sobre essas questões. Para os lideres desse movimento a Bíblia era o ponto principal na prática cristã, e não secundária como ocupava até então no catolicismo romano. Ela foi resgatada e trazida de volta ao seu lugar de honra e a partir desse evento, a Reforma, os cristãos passaram a recorrer a ela para resolver questões teológicas e principalmente para responder questões relativas à fé e a prática da Igreja. Antes somente o clero estava habilitado a manuseá-la. Para alguns dos reformadores a interpretação da Bíblia só poderia ser feita dando ênfase no sentido literal, gramático e histórico do texto. Para eles cada texto possuía um só sentido, ou seja, o literal, a não ser que o contexto ou o texto requeresse uma interpretação no sentido figurado. Alguns romperam definitivamente com as alegorias que prevalecia até aquele momento. A Reforma se caracterizou por utilizar principalmente o sentido literal, que inclui vários elementos, como noção de gramática, conhecimento de fundo histórico do texto, análise do conteúdo do texto bíblico, além da necessidade da iluminação espiritual do intérprete. 3.1 LUTERO Lutero foi a pessoa mais conhecida da Reforma, porém não a mais importante. Iguala-se nesse quesito a figura de Zuínglio, teólogo suíço e principal líder da Reforma Protestante na Suíça. Para muitos, o fato mais significativo de sua vida foi ter traduzido para o alemão o Novo Testamento em 1522 a partir da Vulgata. Esse fato permitiu que pessoas pobres, ricas, de maior ou menor intelecto pudessem tomar conhecimento direto da Palavra de Deus, sem a necessidade de intermediação. Há que se levar em conta que atribuir demasiado valor somente a esse fato na trajetória de Lutero seria diminuir a importância de uma das figuras mais eminentes da história do cristianismo. Lutero se debruçou sobre a Bíblia a maior parte de sua vida. Ela transformou sua vida. Graças a sua dedicação e empenho contribuiu para uma enorme mudança na cristandade. No seu tempo, o povo em geral não tinha acesso ao livro sagrado. Foi por meio de sua leitura e estudos e estudo sobre o livro de Romanos que ele descobriu a verdade evangélica que estava esquecida – a verdade de que as pessoas são justificadas por graça e fé. Que Deus acolhe as pessoas de forma gratuita independente de obras. 45 Esta descoberta tornou-se o coração da Reforma Protestante no século XVI. A partir dela é que os reformadores fixaram quatro expressões que se tornaram a marca da Reforma: somente Cristo, somente fé, somente a graça, somente a Escritura. Um fato importante: ele traduziu a Bíblia do hebraico e grego para a língua do povo, o alemão. Isso desencadeou um movimento impressionante porque todas as pessoas podiam ler e interpretar a Bíblia livremente. Para incentivar essa prática Lutero defendeu a criação de escolas que ajudassem na formação das pessoas. Para Lutero a Bíblia é a única autoridade na igreja e a chave de leitura é Jesus Cristo. A Bíblia precisa ser lida tendo sempre como fio vermelho aquilo que promove Cristo. Nas palavras de Lutero: “Aquilo que não ensina Cristo não é apostólico, mesmo que Pedro ou Paulo o ensinem; inversamente, aquilo que prega Cristo é apostólico, mesmo que Judas, Anás, Pilatos ou Herodes o façam”79. A tradução da Bíblia para o alemão se tornou referência para a formação da língua alemã até os dias de hoje. Lutero escreveu dezenas de comentários sobre os mais diversos livros da Bíblia. Foi um pregador notável. Suas pregações podem ser lidas hoje em inúmeras línguas, inclusive em português. A tradução da Bíblia feita por Lutero foi concluída e impressa em 153480 e coincidiu com a invenção da imprensa, fato esse, que permitiu a edição em série em línguas vernáculas. Tal evento deu viabilidade para por a Bíblia em contato com as pessoas menos favorecidas e menos cultas. Para aprimorar a sua tradução, Lutero revisou nos anos seguintes a “sua” Bíblia com o objetivo de não perder nenhuma de suas nuances e em pouco tempo levou sua tradução a superar o numero de edições da Bíblia anteriores. Ao traduzir a Bíblia a partir da Vulgata Latina, Lutero observou os principais princípios de que o tradutor deve se cercar: estar atento ao caráter da língua para qual se traduz; dar a devida atenção ao linguajar do homem/mulher comum a fim de facilitar seu entendimento. Lutero teve o cuidado de observar o contexto original em que foi escrito o texto original da Bíblia. O líder da Reforma Protestante na Alemanha foi de suma importância para o protestantismo, pois foi ele quem teve maior sucesso na investida contra Roma, 79 SHUNEMANN, Rolf. Lutero [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por [email protected] em 27 ago.2009. 80 SANT ANNA, Floriano.História do Cristianismo Antigo e Medieval: FATE-BH, jun. 2007. 1f. Notas de Aula. 46 embora Lutero quisesse a Reforma e não o rompimento com Roma. Foi ele o desbravador da volta das Escrituras ao seu lugar de merecimento. Lutero se envolveu profundamente e durante toda a sua existência com as Sagradas Escrituras. Dela extraiu respostas para seus questionamentos e também nela encontrou paz para por fim a flagelação que impunha a sua vida. Lutero, como poucos, foi interprete da Bíblia e pode-se dizer que foi o introdutor do estudo da Bíblia, não para poucos momentos, mas estudo para toda uma vida. Mas, se por um lado ele popularizou o estudo da Bíblia, por outro também facilitou que muitos a interpretassem de forma equivocada. Naqueles tempos e hoje as pessoas não mais procuram o especialista para ajudá-lo a interpretá-la, como acontece com alguém que procura um médico para a cura de uma doença qualquer. Toda a sociedade seja ela rica ou pobre, de vasta gama cultural ou não, se acha apta a interpretar fatos que ocorreram há milhares de anos e dão resposta segundo as suas necessidades. Mas, não se pode negar que Lutero resgatou a Bíblia como norma de fé e prática. Ele definitivamente alterou a forma de pensar e “mexeu” na trajetória da historia do mundo. Seguindo seu exemplo, pessoas de diversos países também promoveram reformas e, em pouco tempo, quase toda a Europa estava rendida à Reforma. Esse é o legado de Lutero e também o de trazer de volta a supremacia das Escrituras sobre as tradições, a superioridade da fé sobre as obras, a supremacia da missão de cada cristão sobre o sacerdócio exclusivo de um líder. Deve-se a Lutero um retorno à leitura bíblica, não só pela elite e sim por todo o povo que ansiava e até hoje anseia por conhecimento para responder questionamentos do porque foram criados, porque da sua existência e principalmente para onde irão quando seus olhos carnais se fecharem para ultima vez. 3.2 ZUÍNGLIO Ulrico Zuínglio foi o líder da reforma na Suíça, muitas vezes denominado, junto com Lutero e Calvino, um dos mais influentes reformadores protestantes. Estritamente compromissado com o texto bíblico, Zuínglio recusou a posição de Lutero da consubstanciação em relação à presença de Cristo na Eucaristia, argumentando e defendendo uma visão memorialista. Zuínglio também destacou as Escrituras. Ele abordou a importância de pregar diretamente da Bíblia, de aprender apenas das Escrituras e a necessidade dos pastores usarem uma cópia do Novo 47 Testamento grego. “Sola Scriptura” - bandeira de todos os reformadores. Zuínglio também inspirou o inicio do movimento anabatista, mas posteriormente se afastou dele81. Porém Sidney de Moraes Sanches82 em seu artigo A Liberdade do Individuo no protestantismo discorda dessa afirmação. Segundo ele os Anabatistas já existiam antes de Zuínglio: Originalmente, o Anabatismo se relacionou com duas correntes da vida medieval. Uma foi a corrente social, pois desde a segunda metade do século XV eram comuns os levantes sociais, entre camponeses e artesãos, marcados por motivos religiosos. A reforma os avivou e os anabatistas são parte desse processo. A outra corrente foi religiosa, pois antes da eclosão da Reforma, muitos grupos anti-clericais se organizavam como comunidades pacifistas para o culto público, onde faziam oração e leitura da Bíblia e estimulavam a prática da vida piedosa, à semelhança dos Luteranos pietistas do século XVII e dos Anglicanos wesleyanos do século XVIII. Com a eclosão da Reforma, em 1517, a partir de 1524 essas comunidades se organizaram de forma eclesiástica definida. Entre os anabatistas, denominaram-se irmãos e separaram-se das igrejas papal e reformadas, prepararam um guia para a vida cristã e uma declaração de 83 princípios que pensavam refletir as orientações neotestamentárias . A Reforma na Suíça começou em Zurique. Em janeiro de 1519, Zuínglio passou a pregar sobre o Evangelho de Mateus, um capítulo a cada domingo. Nos anos subseqüentes, os Conselhos da cidade decidiram não aceitar quaisquer determinações eclesiásticas que não tivessem clara base bíblica. Seguiram-se ações iconoclastas84 e, na Quinta Feira Santa de 1525 a missa foi substituída por uma Ceia do Senhor com liturgia simplificada. Esta passou a ser celebrada apenas quatro vezes por ano: Natal, Páscoa, Pentecostes e no dia 11 de setembro, dia do padroeiro de Zurique85. Para Timothy George a reforma de Zuínglio foi mais radical do que a iniciada por Lutero na Alemanha. As autoridades católicas ficaram chocadas com o estado com que ficaram as igrejas, muitos altares foram postos abaixo além de outras depredações engendrada pela turma de Zuínglio. E como citado acima ele acabou com o formato tradicional da missa. Escrevendo sobre o papel das escrituras para Zuínglio e sobre o novo padrão radical de pregação radical 81 GRENZ, J. Stanley; GURETZKI, David; NORDLING. Dicionário de Teologia. Tradução de Josué Ribeiro. São Paulo: Editora Vida, 1999. P142. 82 Doutor em Teologia do Novo Testamento (ISI/FAJE), Mestre em MIssiologia (CEM/Viçosa) e professor de Exegese do NT e Cristologia do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrx. 83 SANCHES, Sidney de Moraes. A LIBERDADE DO INDIVÍDUO NO PROTESTANTISMO. Disponível em: http://www.teologiaemissao.com.br/artigoteologico_3.html#_ftn1. Ace sso em 23/09/2009. 84 Destruição de imagens sagradas e obras de arte, monumentos etc.(Dicionário Houaiss) 85 KLEIN, Carlos Jeremias. A substância católica e o princípio protestante no presbiterianismo. Apontamentos. Disponível em: http://www.metodista.br/ppc/correlatio/correlatio10/a-substanciacatolica-e-o- rincipio-protestante-no-presbiterianismo-apontamentos/. Acesso em 28/08/2009. 48 iniciado por esse reformador no púlpito da Grande Catedral de Zurique em 1519, Timothy comenta: Zuínglio abandonou o lecionário tradicional a favor da exposição das Escrituras capítulo por capitulo. Zuínglio recusava-se a “cortar em pequenos pedaços o Evangelho do Senhor”. Zuínglio pregou sem nenhum acréscimo humano e sem nenhuma hesitação ou vacilação por causa dos contraargumentos. Ele estava não apenas pregando da Bíblia, mas também 86 permitindo que a Bíblia falasse diretamente a ele e à sua congregação . Zuínglio manteve apenas dois sacramentos, o Batismo e a Ceia do Senhor, tal como Lutero. Mas, ao contrário de Lutero, o reformador de Zurique não considerou os sacramentos como meios de graça, mas apenas atos de obediência ao mandato de Cristo. A Ceia do Senhor era um ato de lembrança do sacrifício de Cristo na cruz. Zuínglio igualmente, não quanto Lutero, foi influente por meio da doutrina do batismo. Para Zuínglio, o batismo não retirava a culpa do pecado original, logo as crianças que morriam sem o batismo não iam para o “limbo”, mas eram salvas, caso tivessem os pais salvos. Contudo, não via problemas nos batismos de crianças, já que a Bíblia não condenava tal prática. 3.3 CALVINO Para Calvino, a Bíblia está no cerne da vida da igreja, para ser ininterruptamente lida e estudada por toda pessoa que faz parte do povo de Deus. Ela deve ser ensinada na igreja, que é por ele apresentada como a “mãe” e “escola” para nossa fé. “Nossa fraqueza não permite sermos despedidos de sua escola até que tenhamos sido alunos por toda a vida” (Institutas)87. O imperativo de lutar pela definição do texto, com a ajuda da noção histórico e científica de sua era, e a força da Palavra de Deus para discorrer novamente a cada geração permanece de forma exemplar. João Calvino foi um dos mais importantes exegetas da Bíblia e aplicava como ninguém o método histórico-gramatical, criando com seus estudos das Escrituras um novo modelo para a interpretação bíblica protestante após o seu tempo. Como complemento às institutas, Calvino reportava os leitores a seus comentários bíblicos. Com base nesse comentário, Josepph Scalinger, o 86 GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. Tradução Gérson Dudus; Valéria Fontana. São Paulo: Vida Nova, 1993. P127. 87 João Calvino Institutas 4 tradução do latim. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/6915096/Joao-Calvino-Institutas-4-traducao-do-latim. Acesso em 24/06/2009. 49 grande erudito clássico, proclamou Calvino como “a maior inteligência que o mundo já conheceu desde os apóstolos”. Da mesma forma, Jacobus Arminius, que modificou diversos princípios da teologia de Calvino, recomendava os comentários junto à Bíblia, pois Calvino “é incomparável na 88 interpretação das Escrituras . Esse líder eclesiástico estudou filosofia, direito, mas era acima de tudo um teólogo de mente brilhante. Nutria pelas Escrituras um profundo respeito, o que dava credibilidade às suas criticas as interpretações bíblicas medievais, que abusavam nas alegorizações. Além do que foi um excelente comentarista da Bíblia. Porém esse mestre possuía suas posições nada cristãs e segundo seus estudiosos ele era ranzinza e muito severo. Calvino defendia a pena de morte para os hereges. Ele era conhecido por suas explosões de ira, que ele mesmo denominava de “a fera”. Portanto, novamente temos o duo: Grandes homens, grandes vícios. Reputação de Calvino muito sofreu, e com justiça, por seu envolvimento nas execuções 89 capitais e banimentos . Contudo não se pode negar a importância de Calvino para o estudo bíblico. Esse mestre sempre persistiu na unidade e harmonia do ensino bíblico, e evitava o erro tão comum hoje em dia de interpretar versículos ou capítulos das Escrituras não levando em consideração o contexto em que estava inserido. 3.4 OS ANABATISTAS Os anabatistas eram compostos em sua maioria por camponeses e artesões de pouca representação política. Ganharam fama ao longo dos séculos XVI e XVII e possuuíam a característica principal de que ao ir as Escrituras faziam uma interpretação de forma livre geralmente para tornar válida a luta por uma sociedade mais eqüitativa. Foram participantes da Reforma, mas procurou respostas para uma igreja avessas a mudanças como a Igreja oficial de Roma de uma forma mais radical. Muitas vezes essas respostas iam de encontro às idéias da Igreja da Reforma Luterana, pois achavam que as mudanças desse movimento aconteciam muito lentamente. O movimento anabatista logo atraiu grande oposição, tanto por parte dos católicos como dos reformadores. Ainda que essa oposição se expressasse comumente em termos teológicos, o fato é que os anabatista foram perseguidos porque eram considerados subversivos. Apesar de todas as 88 GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. Tradução Gérson Dudus; Valéria Fontana. São Paulo: Vida Nova, 1993. P186-187. 89 CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 8.ed. São Paulo: Hagnos, 2006 p606. v.1. 50 reformas, Lutero e Zuínglio continuaram aceitando os termos fundamentais da relação entre cristianismo e a sociedade que se havia desenvolvido a partir de Constantino. Nem um nem outro interpretava o Evangelho de 90 maneira a ser uma provocação radical a ordem social . Foram diversos os movimentos anabatistas e não há consenso preciso de quando se deu o seu surgimento. O anabatismo não se originou de um único tronco teológico, mas de diversos. Não se pode falar de uma origem única dos anabatistas. O ponto que unia esses movimentos era a censura à prática usual do batismo de crianças e a adoção de um batismo de pessoa adulta, precedido por confissão de fé. Por essa razão, foram apelidados de "anabatistas" ou "batistas". Comum a eles era, também, o fato de que, onde apareciam, havia agitação da ordem pública, de modo que sempre quem os estudar irar se deparar com as forças diversas perseguindo-os. Muitos anabatistas reuniam-se às ocultas, e liam a Bíblia sem acompanhamento “oficial”. As perseguições que sofreram foram terríveis. Eram homens, viúvas, jovens, mulheres grávidas, que, lançados em prisões, apodreciam, na maioria das vezes, sem renunciar às suas convicções. Eram marginais, sofrendo o martírio. É verdade, que, as bases doutrinais para sua prática batismal, para o martírio e o acossamento que sofriam eram tão delicadas, que não forneciam base para uma concordância mínima. Restou para eles a marca de reformadores anárquicos. Mas não se pode negar que neles se encontravam a concepção da luta atual por liberdade de opinião e de consciência. 3.5 EXEGESE BÍBLICA PROTESTANTE – BREVE RELATO Durante a Reforma Protestante, com sua mentalidade de retorno à Bíblia, onde a Bíblia seria interprete de si mesma, ou seja, a interpretação de um texto mediante a outro texto bíblico - A Escritura interpreta a Escritura – a exegese decorrente desse movimento ganhou força. Essa exegese postulava que um determinado texto deve ser interpretado à luz do ensinamento do resto da Escritura. Essa exegese surgiu do justo protesto de alguns cristãos contra o domínio proclamado pela Igreja de Roma, a qual se aquilatava ser a única capaz de integramente interpretar as Escritura. 90 GONZALES, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo. A Era dos Reformadores. Tradução de Itamir Neves de Sousa. São Paulo: Vida Nova, 1995. P.99 vol.6. 51 Embora a Reforma tenha propiciado um estudo mais acentuado da Bíblia, em alguns pontos os reformadores não eram muito diferentes dos estudiosos católicos romanos. Os reformadores também tinham seus preconceitos, não se tendo livrado das tradições e idéias doutrinárias dogmáticas e fixas. Nisso eles não se distanciavam muito dos interpretes católicos romanos, apesar dos protestos 91 em contrário . A exegese protestante caracteriza-se pelo balanceamento resultante do peso do caráter divino-humano das Escrituras. Por causa disso, os intérpretes desta corrente reconhecem a necessidade da orientação do Espírito falando através da própria Bíblia, ao mesmo tempo em que aceitam a necessidade de explicação gramatical e histórica das Escrituras. A explanação protestante rejeita, por um lado, a alegorização indevida das Escrituras e, por outro, recusa uma postura primariamente crítica com relação a elas. Deixar a Bíblia interpretar a própria vida, esse parece ser o principal lema da exegese dos reformadores. Este princípio teve sua origem na Reforma Protestante. O significado mais claro e mais simples de uma passagem explica outra passagem com sentido mais complexo e mais confuso, ou seja, as resposta para uma interpretação correta da Bíblia está na própria Bíblia. Por isso a exegese protestante possibilitou a retirada da Bíblia das mãos da elite e colocou nas mãos do pobre e do humilde. Ao traduzir a Bíblia para o alemão, Lutero permitiu que ela viesse ao encontro da pessoa comum, e essa pessoa comum passou a ter autoridade para interpretar as Escrituras. O estudo bíblico passou a ser feito pela comunidade e não para a comunidade. A partir da reforma Protestante, a Bíblia ocupou seu lugar, que é estar no meio do povo, dando resposta de fé para esse povo. A bíblia passa ser o que ela realmente é, um livro inspirado do qual não são necessários muitos esforços para seu entendimento. Ela fala com cada pessoa a sua maneira trazendo esperança, consolo e consolidando fé. Isso é o legado da exegese protestante. 3.6 LEITURA PIETISTA DA BÍBLIA 91 CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 8.ed. São Paulo: Hagnos, 2006.p.618. v.2. 52 Historicamente, o pietismo como um movimento organizado, teve inicio entre os luteranos da Alemanha, no final do século XVII92, principalmente com Philip Jakob Spener. Esse movimento dava ênfase na conversão pessoal e a santificação, ou seja, perfeccionismo e experiência religiosa. August Hermann Franke93, notável discípulo de Philip Jakob Spener, afirmava que em todo discurso que os homens proferem, está presente o afeto, pela própria destinação do espírito do qual ele procede. Para os pietistas, para entender a Escritura, é necessário entregar-se ao estado da alma que nela se proclama. Interpretar é enxergar na letra seu completo sentido espiritual, isto é, reconstruir o que a palavra traz consigo, sendo assim é compreensível que o pietismo estabeleceu em primeiro plano o movimento afetivo da palavra. O afeto não é apenas uma manifestação complementar. Ele é a alma do discurso, é aquilo que se quer passar ao leitor durante a leitura e nele devese traduzir o sentido da Escritura para a alma dos membros da 94 comunidade . A vida das pessoas ligadas a esse movimento era voltada principalmente para atitudes realmente piedosas e eram contra, de forma benéfica, as interpretações dogmáticas à qual estavam inseridos, mas, conforme Berkhof: Insistiam no estudo da Bíblia em suas línguas originais e sob a influência esclarecedora do Espírito Santo. Mas o fato de, na sua exposição, almejarem primariamente a edificação, conduziu-os gradualmente a um desprezo pela ciência. Na sua visão, o estudo gramatical, histórico e analítico da Palavra de Deus simplesmente favorecia o conhecimento do invólucro externo dos pensamentos divinos, enquanto que o estudo porismático (aquele que tira conclusões para repreensão) e prático (que 95 consiste em orar e lamentar) penetra no cerne da verdade . Johann J. Rambach, um dos principais mensageiros dessa escola, foi um dos primeiros a insistir na necessidade da interpretação psicológica, no sentido de que a emoção do intérprete deveria estar em acordo com a emoção do escritor que desejava entender96. Os pietistas realizavam uma leitura sistemática das Escrituras 92 CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 8.ed. São Paulo: Hagnos, 2006. P.272. v.5. 93 Líder religioso protestante, educador e reformador social que foi um dos principais promotores do Alemão Pietismo, um movimento de renovação espiritual que reagiram à preocupação doutrinária do luteranismo contemporânea. http://www.britannica.com/EBchecked/topic/216914/August-HermannFrancke. Acessado em 31/08/2009. 94 GRONDIN, Jean. Introdução à hermenêutica filosófica. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1999.p114115. 95 BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000. p.29. 96 Ibidem p.29 53 e seus modelos doutrinários emanavam da Bíblia, ainda que o Catecismo97 de Lutero devesse ser ensinado às crianças e aos adultos 3.7 LEITURA RACIONALISTA E CRÍTICA DO PERÍODO ILUMINISTA O iluminismo surgiu no inicio do século XVIII e segundo Augustus Nicodemus, foi em muitos aspectos uma rebelião contra o domínio da religião institucionalizada e contra a religião em geral. As suposições desse movimento foram baseadas no racionalismo98 de Descartes e no empirismo99 de Locke100. Segundo esse ultimo o exame da verdade era a razão, no sentido de conformidade com o senso comum Essas duas filosofias concordavam que Deus tem que ficar de fora do conhecimento humano. A conseqüência é que as duas causaram um intenso choque na hermenêutica bíblica. Podemos destacar diversos importantes resultados da influencia do Iluminismo sobre a interpretação bíblica. O principal, sem duvida, foi a negação da intervenção divina, quer na história, quer nos registros bíblicos. A história passou a ser vista como simplesmente uma relação natural de causas e efeitos. O conceito de que Deus se revela ao homem e de que intervém e atua sobrenaturalmente na história humana foram excluídos a priori. As conseqüências deste conceito para a hermenêutica foram de 101 tremenda importância . O iluminismo produziu uma sensível mudança no procedimento da sociedade cristã em face do alcance de suas idéias. Essa influência foi mais presente na Europa continental, comprometendo muito pouco, pelo menos inicialmente, as novatas colônias inglesas na América, que na conjuntura do século 17 estava profundamente impregnada de religiosidade. Ainda que tenha havido algumas contribuições favoráveis à sociedade, o iluminismo provocou graves e revolucionárias implicações na vida da igreja, dentre 97 Escrito por Lutero em 1529 com a intenção de dar introdução às crenças cristãs. Lutero o escreveu no inicio da Reforma em resposta a ignorância do povo alemão nessas questões. Foi elaborado em forma de perguntas. As respostas são curtas e diretas. Catecismo Menor. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/19037171/Catecismo-Menor-de-Martinho-Lutero. Acesso em 02/09/2009. 98 O racionalismo é a crença de que é possível o homem obter a verdade contando unicamente com a razão, ou, pelo menos, principalmente por meio da razão, ainda que com a ajuda de outros métodos. CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 8.ed. São Paulo: Hagnos, 2006. P544. v.5. 99 O empirismo é a tese que diz que todo conhecimento, excetuando as proposições puramente lógicas, como a matemática, está alicerçado sobre a experiência. CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 8.ed. São Paulo: Hagnos, 2006.p357. v.2. 100 John Locke foi um importante filósofo inglês. É considerado um dos líderes da doutrina filosófica conhecida como empirismo e um dos ideólogos do liberalismo e do iluminismo. Nasceu em 29 de agosto de 1632 na cidade inglesa de Wrington. 101 LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes: Uma breve história da interpretação. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. P184. 54 as quais a descrença, a decadência da fé e o amortecimento da vida religiosa. No campo teológico-eclesiástico, tendeu a transformar, e até mesmo extinguir, as ortodoxias confessionais protestantes. Os teólogos do iluminismo chamados de racionalistas defendiam a questão de que a benevolência em Deus não poderia diferir em essência da benevolência no homem e, por conseguinte, Deus não poderia fazer o que para o homem seria imoral. Embora, em sua grande maioria, pelo menos até o final do século 18 os racionalistas aceitassem os milagres do Evangelho, eles suspeitavam de tudo que não se conformava com sua visão mecanicista do universo. Para David J. Bosch, com a realidade do iluminismo a razão foi além da fé como ponto de partida. A teologia passou a ser uma disciplina qualquer, diferindo somente quanto ao seu objeto de estudo. Através desse movimento se tornou difícil achar um lugar para Deus em seu sistema, em vez do homem dever sua existência a Ele, no iluminismo alguns afirmavam o contrário: Ele somente existia por causa do ser humano. Em um mundo totalmente antropocêntrico, não existia mais lugar para Deus. Era óbvio que a política, a ciência, a ordem social, a economia, a arte, a filosofia, a educação, etc. teriam que evoluir unicamente de acordo com seus próprios critérios imanentes. Os seres humanos ainda tinham fé... em si próprios e na razão. Não era mais mister um deus forte para salvá-los de sua fraqueza. A conseqüência inevitável era a religião fenecer 102 gradualmente . O Racionalismo causou um choque no seio da Igreja, principalmente na área da interpretação das Escrituras. Estudiosos da Bíblia, entusiasmados pelo racionalismo, seguiram diversos estilos em sua maneira de interpretar. Eles renunciaram o conceito de que Deus se faz conhecer e participa da história e intervém nos acontecimentos humanos. Manifestação e ação milagrosas na história foram abandonadas à priori. Como efeito, as narrativas dos Evangelhos acerca da atividade milagrosa de Jesus passaram a ser desabonadas, deviam ser simplesmente mitos e idéias de cristãos incultos. Herberto de Cherbury103, religioso filosofo, apresentou a ideia que há uma religião natural, comum a todos os homens e independente de revelação, pela qual o homem pode tornar-se bem-aventurado mesmo sem conhecimento da revelação. 102 BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de paradigma na teologia da Missão. Tradução de Geraldo Korndorfer. 2.ed. São Leopoldo: Sinodal, 2002. P328. 103 1583-1648. Foi um filosofo inglês. Tornou-se conhecido como o fundador do deísmo. CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 7.ed. São Paulo: Hagnos, 2006. p.87 v.3. 55 Segundo ele Deus existe e pode ser cultuado pelo arrependimento e por uma vida digna, que a alma imortal recebe a recompensa eterna e não o castigo. Assim como Cherbury, John Tolandt104 foi importantes deísta105. Ambos afirmavam que o cristianismo não era mistério e poderia ter sua autenticidade verificada pela razão. E tudo que não pudesse ser provado pela razão deveria ser recusado. Para Tolandt: Somente a razão convence os homens da inspiração das Escrituras; e dessa maneira, condenou, absolutamente, o antiintelectualismo. Não via problema algum em crer em milagres e prodígios, somente através da razão. Também foi ele quem cunhou o vocábulo panteísmo, que ele 106 reputava uma religião natural, e na qual via algum valor . Os racionalistas críticos davam aval à sua abordagem imparcial, sem pressupostos das Escrituras afirmando que a Igreja Cristã, pelos seus conjuntos de princípios e leis, obscurecia o correto sentido das Escrituras. O principal critério aplicado para a interpretação bíblica seria a razão, que os racionalistas compreendem como medida soberana da verdade. As ferramentas a serem empregadas seriam aquelas produzidas pela crítica bíblica, como crítica da forma, crítica literária, entre outras. Os estudiosos responsáveis pelo aparecimento e desenvolvimento inicial deste método racionalista de ler a Bíblia tentaram sustentar ao mesmo tempo sua fé em Deus e nas Escrituras e um compromisso com o racionalismo. Tais racionalistas articulavam que, na ocorrência dos Evangelhos, os dogmas a respeito da divindade de Jesus haviam ofuscado a sua figura humana, e tornou impraticável, durante muito tempo, uma historiografia da sua vida. 3.8 LEITURA DA BÍBLIA NOS DIAS ATUAIS NO CONTEXTO BRASILEIRO Nesse ultimo capítulo teve-se a pretensão de tratar da leitura feita pelo povo brasileiro através do método de leitura popular da Bíblia e mostrar em poucas linhas a forma que a Bíblia responde aos anseios desse povo, sofrido, vilipendiado, religioso e, ao mesmo tempo, tão esperançoso com um novo amanhã, e, aqueles que tem fé, esperançosos com a volta de Nosso Senhor Jesus Cristo. 104 1670-1722. CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 7.ed. São Paulo: Hagnos, 2004. P449. v.6. 105 Enfatizavam que o conhecimento sobre questões religiosas e espirituais vem através da razão, e não através da revelação, a isso se chama religião natural, em contraste com a religião sobrenatural. CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. 8.ed. São Paulo: Hagnos, 2006.p38. v.2. 106 Ibidem P.449. v.6. 56 O chamado protestantismo de missão trouxe ao Brasil, juntamente com a fé evangélica, a leitura tradicional da Bíblia, orientada por uma fé bastante confessionalista e doutrinária, a partir das quais as Escrituras deveriam ser lidas. Juntamente com a Teologia Latino-americana, no século XX surgiu a Leitura Popular da Bíblia e é sobre essa que se pretende tratar em relação à realidade brasileira. Pode-se dizer que na leitura popular da Bíblia o que vale não é tanto entender a Bíblia exegeticamente, mas entender a vida, localizando na Bíblia a luz indispensável. Esferas reacionárias criticam esse método, nomeando-o de marxista, por partir da realidade que deve ser julgada pela Palavra de Deus, no caso da teologia evangélica, também compreendida por ela. Como se as pessoas pudessem ler as Escrituras volitando com um par de asas, acima de suas realidades. Assim, a narrativa do povo com seu Deus seria totalmente despropositada, se ao ler o texto bíblico esse mesmo povo não levasse a Ele suas vidas, suas histórias e anseios. A leitura popular da Bíblia completa e corrige a leitura histórico-crítica. É importante salientar aqui que essa leitura se beneficia das contribuições das ciências sociais tanto para a compreensão da realidade sócio-histórica, como do próprio texto bíblico. No estudo do contexto, por exemplo, costuma se levar em conta o aspecto econômico, social, político e ideológico. Ao ler a Bíblia, o povo das Comunidades traz consigo a sua própria história e tem nos olhos os problemas que vêm da realidade dura da sua vida. A Bíblia aparece como um espelho, "sím-bolo" (Hb 9,9; 11,19), daquilo que ele mesmo vive. Estabelece-se uma ligação profunda entre Bíblia e vida que, às vezes, pode dar a impressão de um concordismo superficial. Na realidade, é uma leitura de fé muito semelhante à que faziam as primeiras comunidades 107 (cf. At 1,16-20; 2,29-35; 4,24-31) e os Santos Padres . Segundo Carlos Mesters108, principal hermenêuta da leitura popular da Bíblia no Brasil, a Bíblia é adotada e acolhida pelo povo como Palavra de Deus. Esta certeza já existia antes do advento do que se convencionou chamar de leitura popular. É nesta origem antiga que se introduz todo o trabalho com a Bíblia junto do povo. Sem esta certeza, todo o método teria de ser diferente. No método da leitura popular da Bíblia, o povo estabelece um relacionamento intenso com as Escrituras. A leitura é baseada mais na fé e não tanto para entender de forma exegética o que esse ou aquele texto tem a dizer, se bem que o povo faz 107 MESTERS, Carlos; OROFINO, Francisco.Sobre Leitura Popular da Bíblia no Brasil. Disponível em: http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=12¬iciaId=132. Acesso em 05/09/2009. 108 Carlos Mesters é frade Carmelita, formado em Teologia Bíblica e doutor em especialidade de Apocalipse. É natural da Holanda, Países Baixos e atualmente mora em Angra dos Reis -RJ. 57 sua própria exegese, essa fundamentada em sua realidade. Há um esforço de correspondência das suas realidades de vida e o texto bíblico. Existe, portanto uma ligação entre a Bíblia e suas vidas e essa ligação faz com que esse povo constituído pelo operário, o camponês, o índio, o negro, a mulher, os jovens, todos os marginalizados e oprimidos percebam o relacionamento de Deus com eles. Esse relacionamento se dá a partir da percepção de que se Deus se relacionou com o pobre no passado, também se relaciona com o pobre no presente. Assim sendo, o povo usa o texto bíblico para entender e comunicar a Palavra de Deus que está presente e se relacionando com ele. Ao fazer uma releitura do texto através de seu contexto esse povo transcende ao próprio texto bíblico trazendo libertação para discernir sua realidade e compreendê-la. Nesse processo se alcança o que se costuma chamar de sentido espiritual da Bíblia, que é o sentido que o texto assume quando usado para descobrir a Palavra de Deus na história atual e para comunicar essa Palavra a outras pessoas109. Esse processo hermenêutico está bem defino por Sidney Sanches: A melhor imagem para identificar o tratamento que o texto bíblico recebe nestas hermenêuticas é a do depósito. Ora o texto bíblico é um depósito espiritual onde o leitor busca as verdades, orientações e recursos de que necessita; ora ele é um depósito moral e doutrinário, um guia para a conduta e a confissão dogmática do leitor; ora ele é um depósito de conhecimento histórico-literário, uma enciclopédia do mundo e da literatura antiga. Nenhuma destas hermenêuticas, portanto, valoriza a cultura dos leitores latino-americanos do texto bíblico. A Hermenêutica popular latinoamericana, surgida na década de 80, procurou abordar esse leitor desde um viés sócio-econômico da categoria de povo. De acordo com Milton 110 Schwantes, nesta hermenêutica se buscava o protagonismo de um novo sujeito leitor: o povo, em uma nova realidade vivida: popular, em uma 111 situação eclesialmente ecumênica: a igreja popular . No Brasil, constituído em sua grande maioria por pobres de pouco estudo, há um grande preconceito contra um estudo mais profundo das Escrituras. Não que o método popular de leitura da Bíblia não possui seus méritos. Mas um estudo mais denso das Escrituras exige uma busca de diálogo com outras ciências já que só a teologia não responderia a todos os questionamentos. O método de Leitura Popular da Bíblia não se preocupa com essa problemática, pois sua preocupação é, além de ser acessível, corresponder à vida em seu acontecimento no mundo e na história. 109 MESTER, Carlos; SCHWANTES, Milton; RICHARD, Pablo; TAMEZ, Elsa. Leitura Popular da Bíblia. Por uma Hermenêutica da Libertação na America Latina. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988. P12. 110 SCHWANTES Milton. “Caminhos da Teologia Bíblica”. In: Estudos Bíblicos 24 (1989) 9-19. 111 Teologia da Missão Integral. Disponível em: http://www.teologiaemissao.com.br/pesquisa_8.html. Acesso em 23/09/2009. 58 CONCLUSÃO A Bíblia foi escrita no contexto de mundo do povo hebreu. Houve uma tentativa por parte desse povo de privatizar a revelação para eles, o que é chamado de “exclusivismo religioso de Israel”. Mas, com o passar dos tempos, o próprio Deus assegurou na história que a sua Palavra não se restringisse a esse povo, e tornou-a universal. Ela é para todos que observam a Deus como Senhor e criador de todas as coisas. Muito embora, na historia da humanidade tenha havido tratamentos diversos e de interpretação das Escrituras, Deus a conduziu em segurança até os dias atuais. E ela continua sendo e sempre será a palavra de Deus, que fala com o pobre com o iletrado, com o negro, com a prostituta com o homossexual. E ensina a cada um desses grupos o verdadeiro caminho para se chegar a Deus. A Bíblia é simples, o ser humano é que a complica. Todo seu conteúdo vem de Deus e Ele quer falar às suas criaturas através dela, não somente a teólogos e exegetas. Tudo quanto a Bíblia ensina vem de Deus, o problema está nas interpretações humanas que são sempre falhas. No entanto, uma leitura que acesse o conhecimento de Deus que a Bíblia anuncia, somente é possível com a ajuda iluminadora do Espírito Santo, conforme está escrito em Hebreus 4;12- porque a Palavra de Deus é viva e eficaz. É o Espírito Santo que dá vida à letra, dando à Bíblia essa maravilhosa característica de transformar vida. A Bíblia por si só não tem a finalidade de provar a existência de Deus, pois seu conteúdo não é exatamente apologético, mas querigmático visa anunciar a Deus que se revelou plenamente em Jesus Cristo. Mas a palavra que a Bíblia expressa se situa também no tempo e no espaço, é palavra divina e palavra humana. Quem de fato aceita Jesus, também aceita a Bíblia como a Palavra de Deus, pois mesmo Espírito que o convence acerca de Cristo é aquele que convence acerca da Palavra de Deus. Jesus é o tema central da Bíblia, ao se acolher a Palavra se conhece a Cristo e vice e versa. Ele é o ápice das Escrituras. No Antigo Testamento tudo apontava para a sua manifestação. E no Novo Testamento, tudo conta da sua maravilhosa obra, doutrina e volta. Passando livro a livro, sempre o encontraremos. Em Gênesis, Ele é o descendente da mulher. Em Apocalipse é o Alfa e o Ômega. Para que se conheça a Cristo é preciso conhecer a palavra de Deus, pois é principalmente através dela que Deus fala ao seu povo. 59 Bibliografias: AQUINO, Rubim S. Leão de; FRANCO, Dense de Azevedo; et. al. História das Sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro:\ Ao livro técnico, 1980. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 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