a viabilidade da tipificação do terrorismo no direito brasileiro
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a viabilidade da tipificação do terrorismo no direito brasileiro
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE WALTER JOSÉ DE AGUIAR MENDES PUNINDO O INDEFINÍVEL: a viabilidade da tipificação do terrorismo no direito brasileiro BELO HORIZONTE 2010 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE WALTER JOSÉ DE AGUIAR MENDES PUNINDO O INDEFINÍVEL: a viabilidade da tipificação do terrorismo no direito brasileiro Monografia apresentada à disciplina Monografia II do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Leandro de Alencar Rangel. BELO HORIZONTE 2010 RESUMO Este trabalho se dedica à discussão do fenômeno do terrorismo e sua conceituação, e tem dentre seus objetivos o de analisar a viabilidade da pretendida tipificação do terrorismo pelo direito brasileiro. Partindo da abordagem da problemática da definição do próprio fenômeno no direito internacional, na teoria e no direito interno de alguns dos países que já prevêem o terrorismo em suas legislações; é então exposto o tratamento dispensado ao terrorismo pelo direito brasileiro, demonstrando a ausência de sua tipificação. Após uma análise das proposições sobre o tema que tramitam no Congresso brasileiro, a tipificação é estudada como um instrumento de combate ao terrorismo, para assim possibilitar as conclusões quanto a sua viabilidade e oportunidade. RESUMÉ Ce travail est dédié à la discussion du phénomène du terrorisme et à sa conceptualisation ayant parmi ses objectifs, celui de l‟analyse de la possibilité, convoitée par le droit brésilien, de typification du terrorisme. À partir de la démarche de la problématique de définition du phénomène lui-même dans le droit international, dans la théorie et dans le droit interne de certains pays qui prévoient le terrorisme dans leurs législations ; il est donc exposé le traitement accordé au terrorisme par le droit brésilien, tout en démontrant l‟absence de sa typification. Après une analyse des propositions sur le thème, qui sont en discussion à l‟Assemblée nationale brésilienne, la typification est étudiée en tant qu‟instrument de combat du terrorisme, afin de permettre des conclusions qui concernent sa possibilité et son opportunité. 4 1 INTRODUÇÃO Ao longo da história da humanidade, a violência - tanto física quanto psicológica - sempre foi utilizada em nome de ideologias, religiões, do personalismo, na repressão de movimentos contendentes, como forma de dominação ou manutenção de poder, entre tantas outras razões igualmente injustificadas. Recorreu-se incontáveis vezes ao uso de torturas, assassinatos e toda sorte de coerção e ameaças, impondo o medo para se evitar ou causar rupturas e combater antagonistas. Até mesmo grupos organizados, inclusive Estados, também se utilizaram – e se utilizam até os nossos dias – de mecanismos e ações para impor medo e terror às populações ou governos. Embora se argumente que deite raízes no terror jacobino da Revolução Francesa, notadamente no século passado é que o terror passou a ser cada vez mais utilizado como aparente forma de ação estratégica e política. Vivemos em um mundo no qual o poderio econômico, militar e até mesmo cultural está distribuído de maneira consideravelmente nítida no sistema internacional, e a balança de poder está delineada de maneira consideravelmente estável - ainda que não tanto como em outros momentos da história. Nesse cenário o terrorismo, independentemente da discussão acerca de seus objetivos, emerge como instrumento reacionário, tendo em vista sua intenção predominantemente desestabilizadora (com relevante exceção no terrorismo de Estado); desfigurando o status quo. Em momentos cruciais, tanto de uma trajetória particular de vida quanto do nosso desenvolvimento como sociedade, é comum que se atente mais à história que nos precedeu do que para o futuro a nós reservado; e a história recente traz provas disso. Um exemplo são dois marcos da chamada era pós-guerra fria: a queda de uma construção, o Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989; e o colapso de outra, as torres gêmeas do World Trade Center, a 11 de setembro de 2001. Em ambos eventos, em termos concretos muito mais se discutiu sobre o momento histórico que ali se encerrava do que sobre a conjuntura que se iniciava. Mesmo tendo sido o nosso passado recente devassado pela mídia e pelos pesquisadores de plantão, nosso futuro permaneceria incerto. Acontecimentos lastimáveis como estes se tornam, desafortunadamente, um marco negativo na história da Humanidade e conduzem-nos à reflexão – não 5 somente o episódio de onze de setembro, mas vários outros como o atentado à bomba em Bali em 2002; o ataque ao metrô de Madri em 2004, o sequestro em Beslan também em 2004; os atentados a Londres, em 2005; e os de Mumbai, em 2006 e 2008, só para citar alguns poucos e omitindo os que quase diariamente ocorrem no Oriente Médio. O temor geral causado pela disseminação de atentados terroristas por diversos países do mundo de fato nos compele a uma reconsideração não só do nosso papel como nação, mas também do caminho que será por nós trilhado na lida com esse tipo de acontecimento. O atual cenário político internacional, fruto também desses infaustos eventos, deixa óbvio que fizemos certas coisas que deveríamos não ter feito, assim como deixamos de fazer outras que deveríamos. Daí decorre, naturalmente, a necessidade do estudo do terrorismo. Até mesmo a profusão de conceitos desse fenômeno, sem que nenhum deles reúna a concordância dos autores, reforça a proficuidade de uma abordagem desse tema. Embora toda a doutrina dedique considerável tempo à discussão do conceito do terrorismo, ainda assim a irresolução é tamanha. O consenso é apenas encontrado, paradoxalmente, na afirmativa da ausência de definições incontroversas. Muitos então vêm se dedicando ao estudo e ao combate ao terrorismo. Os Estados, mais especificamente, vêm utilizando seu aparato para entender, definir, prevenir, tipificar e punir tais condutas. Por se dedicar notadamente à mencionada tipificação, embora partindo de um viés internacionalista, o presente artigo carece de alguns esclarecimentos quanto à ela, ainda à guisa de introdução e sem muito arvorar-se pelos meandros jurídicos. Dentre toda a variedade de fatos, uma pequena parte produz consequências no mundo do direito, sendo eles então denominados fatos jurídicos. Além dos atos e negócios jurídicos permitidos aos indivíduos pelo ordenamento, há aqueles que lhe são contrários: os atos ilícitos, estando o crime, na teoria geral do direito, ocupando relevante posição dentre esses atos. De maneira muito superficial e apenas sob o aspecto formal, pode-se afirmar que o crime é uma ação (seja ela intencional ou não) proibida pela lei penal, porquanto passível de aplicação de pena. Naturalmente, o simples enquadramento do fato aos conceitos formais não o constitui um crime, uma vez que para isso são também observados aspectos materiais e analíticos estranhos ao presente trabalho. 6 O terrorismo, no direito brasileiro, não pode ser considerado um fato típico, consequentemente não constituindo crime (embora obviamente seus resultados sejam puníveis isoladamente). O crime, sob o aspecto jurídico formal, apresenta-se com as características de ser um fato típico e antijurídico. A tipicidade dá-se com o perfeito enquadramento do fato na descrição abstrata contida na norma penal incriminadora. A antijuridicidade ou ilicitude é exatamente a contrariedade às normas jurídicas. Assim, não havendo previsão legal, nem há que se falar em tipicidade e ilicitude, não constituindo o ato terrorista um crime na legislação brasileira. Da possibilidade de se definir e tipificar este fenômeno é que partiram as discussões aqui apresentadas, especialmente do questionamento se a dificuldade em se definir o próprio ato não contaminaria o tipo penal. O desenvolvimento, então, é dividido em quatro partes principais. A primeira aborda a problemática da definição do próprio fenômeno no direito internacional, na teoria e no direito interno de alguns dos países que já prevêem o terrorismo em seus ordenamentos. A segunda dedica-se ao estudo do tratamento dispensado ao terrorismo no direito brasileiro, demonstrando a mencionada ausência de tipificação. A terceira parte dedica-se a uma rápida análise das proposições sobre o tema no Congresso brasileiro; seguida da quarta parte que estuda a tipificação como instrumento de combate ao terrorismo, possibilitando as conclusões que a ela se seguem. 2 DA DEFINIÇÃO DO TERRORISMO 2.1 Problemática Antes mesmo de se debruçar sobre qualquer análise do fenômeno do terrorismo, independentemente do viés adotado, o primeiro problema que emerge é a ausência de uma definição incontroversa. Qualquer estudo que parta de um conceito inadequado de seu objeto está fadado a executar uma análise imperfeita, alcançando alternativas falhas para se lidar com o fenômeno. Se uma série de manifestações criminosas diferentes for reunida sob o mesmo conceito de 7 terrorismo, as possíveis soluções encontradas e a eficácia delas restarão certamente prejudicadas. O termo terrorismo envolve não só direito como política, o que causa problema em sua definição, tanto no âmbito interno dos Estados, como na esfera internacional. Por sua vez, essa ambiguidade quanto à noção de terrorismo tem como consequência o alcance de respostas insatisfatórias para lutar contra este flagelo tanto por parte dos Estados, no quadro de sua legislação, quanto da comunidade internacional. Assim, pode-se afirmar que definir o terrorismo não é apenas um problema de natureza teórica, mas também uma preocupação operacional para os que têm por objetivo eliminá-lo. Se outrora podia ser tratado como um problema regional envolvendo países específicos, atualmente o terrorismo detém uma grande diversidade de aspectos internacionais. As organizações terroristas já têm capacidade para executar ataques em vários países, com vítimas de diferentes nacionalidades. Suas estruturas de comando e controle, bem como seus campos de treinamento, ainda funcionam em vários países – inclusive recebendo apoio indireto de diferentes Estados e recrutando o apoio de diversas comunidades étnicas e fontes de financiamento ao redor do mundo. Desde que o terrorismo tornou-se um fenômeno de dimensões internacionais, passou a exigir respostas na mesma escala. Desenvolver uma estratégia global eficaz requereria um acordo quanto ao problema com o qual se está a lidar, ou seja, era considerada necessária uma definição do terrorismo. Exemplo disso é que, embora vários países tenham assinado acordos bilaterais e multilaterais no que diz respeito a uma grande variedade de crimes, a extradição por ofensas políticas é muitas vezes excluída, e os antecedentes dos atos terroristas são tidos como políticos. Esta fuga à justiça permite que muitos países não cumpram suas obrigações de extraditar indivíduos procurados por atividades terroristas. Além do exemplo recente envolvendo a polêmica situação de Cesare Battisti1 no Brasil, temos também o posicionamento de países como a Itália e a França que já evitaram a extradição de terroristas alegando motivos políticos. Até mesmo os Estados Unidos têm seu caso 1 Julgado e condenado na Itália por quatro mortes na década de 70, quando encabeçava o grupo extremista de esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). No Brasil, recebeu status de refugiado político em janeiro de 2009. 8 emblemático: em junho de 1988, um juiz rejeitou o argumento de um promotor público que pedia a extradição de Mahmoud El-Abed Ahmad, acusado de participar de um ataque contra um ônibus em abril de 1986 matando seis pessoas. A decisão considerou o ataque um ato político integrante dos planos do movimento de insurreição da Organização para a Libertação da Palestina nos territórios ocupados para permitir atingir seus objetivos políticos2. Muito embora se tenha muitas vezes como certa a necessidade da definição do terrorismo (o que também pode ser discutido), não é possível se alcançar um conceito único que sirva a todos os ramos da ciência que pretendem estudá-lo. São muitas e variadas as definições apresentadas, chegando até mesmo a apresentarem pouco em comum. Nietzsche, citado por Laqueur (2002), explica a impossibilidade de se definir certos conceitos de uma maneira tal que se encaixa no concernente ao terrorismo. Segundo ele, seria impossível encontrar uma definição para um conceito que tem uma história, uma evolução ao longo dos tempos. Assim, ao se tentar conceituar o terrorismo, duas dificuldades já surgem de antemão: não há um conceito único do fenômeno tendo em vista sua evolução histórica; e dada a vastidão de formas de atuação em espaços diferentes no mesmo momento histórico. Para além da inovação das técnicas de atuação do terrorismo, é comum encontrar até na mesma década formas de luta diferentes ou mesmo opostas. Podemos nessa seara citar o terrorismo de Estado no Cone Sul das décadas de 1960 a 1980, que coexistia com a resistência dita terrorista. Ademais, como também defende White (2003) também se pode identificar como um dos obstáculos à definição o simples fato de que os próprios terroristas usualmente não se assumem como tais, uma vez que o termo detém uma conotação pejorativa, que degrada política e socialmente os terroristas. O terrorismo anarquista da segunda metade do século XIX e os membros da organização Narodnaya Volya3 são raros exemplos históricos de elementos operacionais que se assumiram como terroristas e que chamavam seu modo de atuação de terrorismo. Atualmente os terroristas preferem intitular-se combatentes pela liberdade ou guerrilheiros urbanos. O grupo judeu Lehi, que agiu durante os anos quarenta, foi descrito como um grupo 2 ESTADOS UNIDOS. United States Court of Appeals, Second Circuit, Mahmoud El-abed Ahmad v. Wigen, Imundi, Baker e Thornburgh, 910 F.2d 1063 (1990). 3 Grupo terrorista revolucionário russo fundado em 1879. 9 criminoso de terroristas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas4 por ocasião do assassinato do Conde Folke Bernadotte - então mediador das Nações Unidas na Palestina - mas escolheu o nome de lutadores pela liberdade de Israel (Lehi é o acrônimo do original em hebraico Lohamei Herut Israel). Da mesma maneira, o ex-deputado federal Carlos Marighella, fundador do grupo armado Ação Libertadora Nacional, que defendeu abertamente o uso do terrorismo, preferiu qualificar sua organização como grupo de guerrilha urbana. Nenhum terrorista gosta de ser definido dessa forma simplesmente porque este termo encerra uma conotação extremamente negativa, que tem por consequência um juízo moral prejudicial que pode retirar razão e apoio da causa. 2.2 No Direito Internacional Quanto à existência de uma definição no direito internacional, Sarah Pellet (BRANT, 2003, p.14) é enfática ao afirmar que “nenhuma convenção internacional definiu o termo terrorismo”. Segundo ela, nesses textos ele é abordado em função de suas consequências. Embora ela inicie sua análise pela Convenção para a Prevenção e Punição do Terrorismo, – a chamada primeira Convenção de Genebra, de 1937 – em numerosas ocasiões desde a década de 1920 a comunidade internacional vem tentando alcançar uma definição genérica do terrorismo com o propósito de proibí-lo e criminalizá-lo, mais uma vez ressaltando a considerável importância dada a sua definição. Embora tenha sido adotada em 1937, nas palavras da própria Organização das Nações Unidas tal Convenção não chegou a ser utilizada5. Seu artigo 1° previa: Na presente Convenção, a expressão „atos terroristas‟ quer dizer fatos criminosos dirigidos contra um Estado, e cujo objetivo ou natureza é de provocar o terror em pessoas determinadas, em grupos de pessoas ou no público. 4 Resolução 57 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 18 de Setembro de 1948. Disponível em <http://www.un.org/documents/sc/res/1948/scres48.htm>. Acesso em 20 nov. 2010. 5 Ver “International Instruments to Counter Terrorism”, disponível em <http://www.un.org/terrorism/instruments.shtml>. Acesso em 20 nov. 2010. 10 O artigo 2°, por sua vez, vinha enumerando os fatos criminosos. No entanto, além de ter sido criticada por parte da doutrina6, a técnica de enumeração simplesmente não explica a noção de terrorismo. Já no âmbito da Organização das Nações Unidas, seguiram-se treze principais convenções e protocolos lidando com o terrorismo. De fato, todas preferem tratar defensivamente do tema e traduzem uma intenção de conter a reação da comunidade internacional após a ocorrência de determinadas ações terroristas, bem aos moldes do funcionamento do próprio Legislativo brasileiro no que diz respeito à produção de leis. Procuravam, então, tais instrumentos, condenar o terrorismo mais do que antecipá-lo. Explica Henri Labayle quanto à metodologia utilizada na negociação desses textos: [...] os debates colocavam em oposição, regularmente, os defensores de uma condenação setorial, específica a cada tipo de infração terrorista, de uma parte, aos partidários de uma exclusão indiferenciada do terrorismo como um todo. (LABAYLE, 1986, apud Pellet in Brant, 2003, p. 15). O desenvolvimento dos trabalhos do Comitê Especial de Terrorismo Internacional (criado em 18 de setembro de 1972 pela Resolução 3.034 da Assembleia Geral das Nações Unidas, para, dentre outros, pesquisar uma definição geral de terrorismo) reflete essa dicotomia, concluídos com a abstenção de uma definição do termo pela impossibilidade do alcance de um posicionamento comum. O terrorismo frequenta a agenda da Organização das Nações Unidas há décadas. Para além das mencionadas convenções internacionais, os Estados membros da Assembleia Geral vêm coordenando seus esforços contra o terrorismo e permanecem no esforço de normatização legal. O Conselho de Segurança também tem sido ativo no embate, através de resoluções e pelo estabelecimento de alguns órgãos subsidiários. Ao mesmo tempo, vários programas, escritórios e agências das Nações Unidas estão engajados em ações operacionais específicas contra o terrorismo e na assistência aos Estados membros em seus esforços. Para consolidar e intensificar essas atividades, os Estados deram início, recentemente, a uma nova fase no combate ao terrorismo ao acordarem em uma estratégia global para o chamado contra-terrorismo. A estratégia, adotada em 8 de 6 Ver, i.e., GUILLAUME, G., “Terrorisme et Droit International”, R.C.A.D.T., vol. 215, 1989, p. 303, apud PELLET, Sarah in BRANT, 2003. 11 setembro de 2006 (na forma de uma resolução e um plano de ação à ela anexo 7), marcou a primeira vez em que vários países passaram a adotar a mesma abordagem estratégica para combater o terrorismo. Tal estratégia consubstanciaria a base para um plano concreto de ação: abordar as condições propícias ao recrudescimento das atividades terroristas; prevenir e combater o terrorismo; adotar medidas suficientes para reforçar a capacidade estatal de combater o terrorismo; fortalecer o papel da Organização das Nações Unidas em tal combate; além de assegurar o respeito aos direitos humanos durante todo esse processo. A estratégia baseou-se no consenso alcançado pelos líderes mundiais no World Summit de setembro de 2005, condenando o terrorismo em todas suas formas e manifestações. É certo que, nesses novos esforços, a busca pela positivação continuará. No entanto, muito embora nas negociações recentes se caminhe para isto, é precipitado afirmar se a definição genérica do terrorismo no Direito Internacional está próxima de ser alcançada. 2.3 Na Teoria Este quadro de indefinição (em seu sentido mais restrito) não é muito diferente nem mesmo na teoria. Parte dos autores adota como marco para definir o fenômeno do terrorismo a forma reiterada e sistemática de atuação violenta de determinados grupos sociais que têm objetivos bem definidos dentre várias motivações, como as religiosas, políticas ou sociais. Partindo daí, inclusive distinguem várias espécies de terrorismo, como o chamado terrorismo de direita – racista, sexista, nacionalista; terrorismo de esquerda – político-revolucionário; e o terrorismo de Estado8. Outros estudiosos, no entanto, concentram-se nas finalidades políticas das ações terroristas. Martin (1985), filiado à primeira orientação, constrói o conceito de terrorismo como um ato de violência ou de ameaça de violência que detenha um caráter intencionalmente público e atenda a interesse ou objetivos conhecidos; e cujos beneficiários sejam outras pessoas, além dos responsáveis pelo 7 Texto disponível em <http://www.un.org/terrorism/strategy-counter-terrorism.shtml>. Acesso em 20 nov. 2010. 8 Há na realidade uma variedade de critérios na caracterização do terrorismo moderno, independentemente da corrente metodológica de definição adotada. 12 ato. Já Philip Heymann (2000), no mesmo sentido embora de maneira mais específica, discorre sobre uma forma ilegal de conflito armado levado à cabo por um grupo clandestino infra ou extra-estatal para mudar políticas, pessoal, estrutura ou ideologia de um governo, ou para influenciar as ações de outra parte da população – que no seu entendimento deve ter identidade suficiente para responder à tal violência seletiva. Por outro lado, na mencionada finalidade política das ações baseia-se, dentre outras, a definição de Harmon (2000), para quem o terrorismo é uma ação deliberada e sistemática por parte de indivíduos, grupos, agentes estatais ou mesmo movimentos insurgentes, que devem ter por resultado mortos e feridos (o que leva à estranha conclusão de que um atentado frustrado não é terrorismo). Ele também aponta como requisitos uma ameaça constante de novos atentados, atingindo pessoas inocentes, no sentido de inspirar medo generalizado sempre com fins políticos. A estratégia do medo generalizado e da violência simbólica conduziria à escolha de alvos civis para as ações criminosas, arruinando, assim, o grau de confiança que o povo deposita em seu governo. O terrorismo, nessa perspectiva, deve ser visto, nos termos de Combs (2005, p.8), como uma “síntese de guerra e teatro, uma dramatização do tipo mais proscrito da violência [...] realizada diante de uma audiência com o propósito de criar um clima de medo, com fins políticos”. Ainda focando-se nos objetivos políticos da ação, Eugenio Diniz desenvolve ao longo de um completo artigo uma definição de terrorismo que ele mesmo resume: [...] emprego do terror contra um determinado público, cuja meta é induzir (e não compelir nem dissuadir) um outro público (que pode, mas não precisa, coincidir com o primeiro) um determinado comportamento cujo resultado esperado é alterar a relação de forças em favor do ator que emprega o terrorismo, permitindo-lhe no futuro alcançar seu objetivo político – qualquer que este seja. (DINIZ, in BRIGAGÃO e PROENÇA, 2004, p. 212). Diante da multiplicidade destas abordagens e definições, Schimid e Jongman (2005) elaboraram extensa pesquisa recorrendo a 109 diferentes definições de terrorismo, coletadas nos escritos de renomados acadêmicos desta área. Analisaram então, os elementos constantes dessas definições, que representam estatisticamente desta maneira: a) violência/força – em 83,5% das definições; b) político – 65%; c) medo, terror – 51%; d) ameaças – 47%; e) efeitos psicológicos e reações antecipadas – 41,5%; f) discrepância entre os alvos e as vítimas diretas – 13 37,5%; g) intencionalidade, planejamento, sistematização, ação organizada – 32%; h) método de combate, estratégia, tática – 30,5%. Sobre que questões na definição de terrorismo continuam por se resolver, os mesmos estudiosos apontaram algumas: a) a fronteira entre o terrorismo e outras formas de violência; b) se o terrorismo de Estado e o terrorismo de resistência são parte do mesmo fenômeno; c) a separação entre terrorismo e simples atos criminais; d) se seria o terrorismo uma subcategoria da coerção, violência, poder ou influência; e) se o terrorismo pode ser legítimo e quais objetivos, nesta hipótese, legitimariam a sua utilização; f) a relação entre guerrilha e terrorismo. Embora nítida a multiplicidade de conceitos dentre os estudiosos do tema, a presença de elementos comuns já nos permite tentar distinguir, mesmo sem uma definição precisa, mas com o amparo dos teóricos, o que pode ou não ser enquadrado como uma conduta terrorista. Utilizando as palavras de Eugenio Diniz (BRIGAGÃO e PROENÇA, 2004) a respeito dos méritos de sua definição, o objetivo é distinguir o terrorismo de outras formas de luta, possibilitando a construção de um modelo de combate a este funesto fenômeno. No entanto, se o objetivo é tipificar uma conduta e pretender-se punir indivíduos, não pode restar subjetividade. Além da profusão de definições e de toda a discussão acerca do tema, mais especificamente o Brasil enfrenta ainda alguns obstáculos no desenvolvimento do estudo do terrorismo; talvez por apenas recentemente nos vermos sujeitos à ele, ou pela rancificação de uma doutrina militar incapaz de bem compreender fenômenos contemporâneos. Alguns dos que aqui se dedicam ao estudo do terrorismo têm posicionamentos que diferem completamente dos estudos alienígenas mais recentes. À guisa de exemplo da disparidade do conhecimento produzido por nossa Escola Superior de Guerra, temos os escritos de André Luís Woloszyn 9 (2006), que inclusive chama de “terrorismo criminal” os atos de grupos criminosos no Brasil. Discorrendo sobre as vulnerabilidades do Brasil perante o terrorismo, dentre outros fatores, como a vastidão de nossas fronteiras, ele ressalta como risco o “aumento no número de imigrantes de origem árabe-palestina em diversos estados brasileiros”: 9 Especialista em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra, em Ciências Penais pela UFRGS e em terrorismo pelo Colégio Interamericano de Defesa (Washington, EUA); foi analista da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (1997/98) e Assessor de Inteligência do Gabinete do Governador do RS (2003/05). 14 De outra forma, podemos constatar estatisticamente um aumento no número de imigrantes de origem árabe-palestina em diversos estados brasileiros. Dados do Departamento de Polícia Federal indicam que somente em São Paulo, vivem 1,5 milhão de imigrantes seguido do Paraná (Foz do Iguaçú/Cidad del L‟este) com aproximadamente 15 mil pessoas, Rio Grande do Sul com sete mil e Pará com uma colônia de cerca de 300 pessoas. A questão é quais seriam os reflexos para a comunidade de imigrantes árabe-palestino no Brasil face aos freqüentes fracassos nos acordos de paz no Oriente Médio e da possibilidade de recrudescimento nos atentados terroristas e retaliações entre israelenses e palestinos e como agiriam frente a atual política externa dos EUA em relação aos países árabes [sic]. (WOLOSZYN, André Luís. Aspectos Gerais e Criminais do terrorismo e a situação do Brasil. Defesanet: Agosto, 2006). Vozes mais lúcidas felizmente identificam a tendência deste tipo de visão deturpada. Nesse sentido, escreveu Rafael Ávila (2007) sobre a contenção do terrorismo chamando a atenção para a negligência com “o ressurgimento do xenofobismo e do nacionalismo” contra os imigrantes. Mesmo assim, a contaminação de uma visão deturpada do fenômeno do terrorismo pode ser facilmente identificada em muitas das justificativas de projetos de lei sobre o tema que tramitam em nosso Congresso, associando-o à guerra do tráfico, às invasões de propriedades e a outros fenômenos que padecem de qualquer motivação política ou intenção de mudança no equilíbrio de forças. 2.4 No Direito Comparado Busquemos então as definições já existentes no direito de alguns países. De maneira geral, o legislador alienígena adota a segunda das orientações metodológicas abordadas, buscando subsumir os objetivos de natureza política. Percebe-se um tratamento do terrorismo, como crime, de maneira generalizada ao ponto de não o cercear a figuras delituosas específicas, facilitando o enquadramento de determinada ação ou omissão como terrorista. Embora tenha por objetivo assegurar o tratamento legal adequado, esta atuação confere muita discricionariedade ao intérprete/aplicador da lei. Explica-se: é que o legislador pode enquadrar determinadas condutas, já tipificadas como crime, no conceito de terrorismo, conforme o objetivo que se pretendia com essa prática – algo como o que fez o legislador brasileiro ao considerar hediondas, na Lei 8.072/90, certas figuras já tipificadas. Por outro lado, 15 pode também elaborar um tipo que não exemplifique os delitos, seja a enumeração numerus clausus ou não, concentrando-se especificamente no objetivo da conduta praticada. Na Itália, por exemplo, o Código Penal define o terrorismo como “atos de violência com o fim de subverter a ordem democrática”, punindo-se a promoção, constituição, organização e direção da associação (art.270 bis), o sequestro (art.289 bis) e o atentado (art.280) com tais fins: Art. 270 bis Associazioni con finalita' di terrorismo e di eversione dell'ordine democratico Chiunque promuove, costituisce, organizza o dirige associazioni che si propongono il compito di atti di violenza con fini di eversione dell'ordine democratico e' punito con la reclusione da sette a quindici anni. [...] Art. 280 Attentato per finalita' terroristiche o di eversione Chiunque, per finalita' di terrorismo o di eversione dell'ordine democratico attenta alla vita od allá incolumita' di una persona, e' punito, nel primo caso, con la reclusione non inferiore ad anni venti e, nel secondo caso, con la reclusione non inferiore ad anni sei. [...] Art. 289 bis Sequestro di persona a scopo di terrorismo o di eversione Chiunque per finalita' di terrorismo o di eversione dell'ordine democratico sequestra una persona e' punito con la reclusione da venticinque a trenta anni. 10 [...] No fim das contas, enquadrar a conduta como terrorista caberá à atividade jurisdicional, uma vez que a lei se refere a esses atos de violência ao mesmo tempo em que, por mais de uma vez, refere-se à “finalidade de terrorismo ou subversão da ordem democrática”, sem que objetivamente defina o terrorismo. Em Portugal, a enumeração de delitos já é mais ostensiva, prevendo o objetivo da prática dos delitos que enumera mas indiferente se ele se presta, por exemplo, a um fim político ou religioso: Artigo 300º Organizações terroristas 10 Art. 270 bis. Associação com finalidade de terrorismo e subversão da ordem democrática: Quem promove, constitui, organiza ou dirige associação que se propõe à prática da violência com fim de subversão da ordem democrática é punido com a reclusão de sete a quinze anos. Art. 280. Atentado com finalidade terrorista ou de subversão: Quem, pela finalidade de terrorismo ou de subversão da ordem democrática atenta contra a vida ou incolumidade de uma pessoa é punido, no primeiro caso, com pena de reclusão não inferior a 20 anos e, no segundo caso, com pena de reclusão não inferior a 6 anos. Art. 289 bis. Seqüestro de pessoa com objetivo de terrorismo ou subversão: Quem, pela finalidade de terrorismo ou de subversão da ordem democrática seqüestra uma pessoa é punido com pena de reclusão de 25 a 30 anos (tradução livre, pelo autor, do original em italiano - as omissões nas citações são referentes ao aumento de pena, agravantes, atenuantes e o concurso de pessoas previsto nas disposições legais referidas). 16 1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação terrorista, a eles aderir ou os apoiar, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos. 2 - Considera-se grupo, organização ou associação terrorista, todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade ou a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupo de pessoas ou a população em geral, mediante a prática de crimes: a) Contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas; b) Contra a segurança dos transportes e das comunicações, incluindo as telegráficas, telefónicas, de rádio ou de televisão; c) De produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, libertação de substâncias radioactivas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou avalanche, desmoronamento de construção, contaminação de alimentos e águas destinadas a consumo humano ou difusão de doença, praga, planta ou animal nocivos; d) De sabotagem; e) Que impliquem o emprego de energia nuclear, armas de fogo, substâncias ou engenhos explosivos, meios incendiários de qualquer natureza, encomendas ou cartas armadilhadas. [...] Artigo 301º Terrorismo 1 - Quem praticar qualquer dos crimes previstos nas alíneas a) a d) do nº 2 do artigo anterior, ou qualquer crime com o emprego de meios referidos na alínea e) do mesmo preceito, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um 11 terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela. [...] Por seu turno, dispõe o Código Penal francês: Titre II : du terrorisme, chapitre premier : des actes de terrorisme Art. 421-1. Constituent des actes de terrorisme, lorsqu'elles sont intentionnellement en relation avec une entreprise individuelle ou collective ayant pour but de troubler gravement 12 l'ordre public par l'intimidation ou la terreur [...] . Depois de declinar o objetivo da conduta criminosa, também colaciona vasta enumeração de delitos, como o atentado à vida, à integridade física, o rapto, o sequestro de pessoas, de aviões, de navios e de outros meios de transporte, roubo, extorsão, destruição, degradação, deterioração de bens, além da introdução na atmosfera, no solo, no subsolo, na água e mar territorial de alguma substância de forma a colocar em perigo a saúde do homem e dos animais ou o meio natural (arts. 421-1; 421-2 e 421-2-2). 11 As omissões são referentes a agravantes; punição de atos preparatórios e causa de diminuição da pena. 12 Constituem atos de terrorismo aqueles dolosamente praticados, individual ou coletivamente, com o objetivo de perturbar gravemente a ordem pública por intimidação ou terror (tradução livre, pelo autor, do original em francês). 17 Do Código Penal suíço, em seu título 13 dos “crimes e delitos contra o Estado e a defesa nacional”, constam tipos em que se poderia enquadrar eventual conduta terrorista, como a “alta traição” (art. 265); “atentado à independência da confederação” (art. 266); “práticas de estrangeiro contra a segurança da Suíça” (art.266 bis); “violação da soberania territorial da Suíça” (art. 269); “atentados à ordem constitucional” (art. 275); “propaganda subversiva” (art. 275 bis); “grupamentos ilícitos” (art.275 ter), dentre outros. No entanto, tal diploma legal apenas refere-se diretamente ao terrorismo – definindo-o como ato de violência com o objetivo de intimidar uma população ou constranger um Estado ou organização internacional a praticar ou abster-se de praticar qualquer ato - ao condenar seu financiamento: Art. 260quinquies 1 Finanzierung des Terrorismus 1 Wer in der Absicht, ein Gewaltverbrechen zu finanzieren, mit dem die Bevölkerung eingeschüchtert oder ein Staat oder eine internationale Organisation zu einem Tun oder Unterlassen genötigt werden soll, Vermögenswerte sammelt oder zur Verfügung stellt, wird mit Freiheitsstrafe bis zu fünf Jahren oder 13 Geldstrafe bestraft . O Código Penal espanhol dedica toda uma seção (seccíon 2) à disciplina do crime de terrorismo, em 10 grandes artigos. O Tribunal Constitucional espanhol, na linha da legislação, desde a “Sentencia nº 199”, do ano de 1987, concebe o terrorismo como atividade sistemática, reiterada e frequentemente indiscriminada que importa em um perigo efetivo para a vida e a integridade das pessoas e para a subsistência da ordem democrático-social. O Terrorism Act 2000, lei britânica de prevenção ao terrorismo considerada por Sarah Pellet (BRANT, 2003, p. 16) “a mais eficaz dos Estados-membros da União Européia”, também concentra-se nos objetivos da ação terrorista: (1) In this Act "terrorism" means the use or threat of action where[…] (b) the use or threat is designed to influence the government or to intimidate the public or a section of the public, and 13 Quem, com a intenção de financiar um ato de violência criminal que objetive intimidar uma população ou constranger um Estado ou organização internacional a praticar ou abster-se de praticar qualquer ato, reúne ou põe à disposição fundos, será punido com uma pena privativa de liberdade de até cinco anos ou com pena pecuniária (tradução livre, pelo autor, do original em alemão). 18 (c) the use or threat is made for the purpose of advancing a political, 14 religious or ideological cause. Os estadunidenses, por sua vez, definem o terrorismo algumas vezes ao longo do chamado United States Code (na verdade a compilação e codificação das leis federais dos Estados Unidos da América, publicada a cada seis anos). A principal dessas definições está no Título 18 (crimes e processo penal), parte 1 (crimes), Capítulo 113B (terrorismo), § 2331 (definições). Dentre outros conceitos, o terrorismo é definido como “atividades que involvam atos violentos ou atos perigosos à vida humana que constituam violação das leis criminais dos Estados Unidos ou de qualquer Estado”. Quanto à motivação, especifica-se que tais atos devem “aparentar ter a intenção” de “intimidar ou coagir uma população civil; ou influenciar as políticas de um governo através da intimidação ou coerção; ou afetar a conduta de um governo através da destruição massiva, assassinato ou sequestro”. Na Turquia, no entanto, a definição legal se amplia de modo a contemplar qualquer movimento contrário ao governo ou à unidade do Estado (art.8°, Lei Antiterror). 3 O TERRORISMO NO DIREITO BRASILEIRO 3.1 Constituição da República O repúdio ao terrorismo está, já no artigo 4° de nossa Constituição, dentre os princípios regentes das relações internacionais do país. Dispõe posteriormente o art. 5°, XLIII: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. 14 Neste ato o terrorismo significa o uso ou a ameaça de ação em que (b) o uso ou ameaça visa a influenciar o governo ou intimidar o público ou uma seção do público; e (c) o uso ou ameaça é feito pelo propósito de avançar uma causa política, religiosa ou ideológica (tradução livre, pelo autor, do original em inglês). 19 Embora a Constituição o eleve à uma condição privilegiada em nosso ordenamento, dentre os princípios, direitos e garantias fundamentais; e inclusive preveja especificidades de natureza processual, o terrorismo não está definido do texto constitucional. Tampouco, embora os reprima com veemência e severidade, não definiu a Carta Magna o que entende por crimes hediondos – aos quais equipara o terrorismo. Enquanto não encontrado o conceito de terrorismo no ordenamento jurídico infra-constitucional brasileiro, as severas previsões constitucionais à ele afetas serão de todo inócuas. O mesmo ocorreria com a tortura, o tráfico de entorpecentes e os chamados crimes hediondos. Assim, sob o comando constitucional, foram aprovadas várias leis no sentido de fazer valer tais previsões, definindo conceitos e tipificando condutas. Resta saber se o terrorismo foi alcançado por alguma delas. Dentre todas, se destaca a Lei n° 8.072/90, mais conhecida como Lei dos Crimes Hediondos. 3.2 Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) Além de definir os crimes ditos hediondos, tal diploma contém várias disposições de cunho penal e processual penal, bem como referentes à execução da pena dos crimes hediondos e dos chamados tipos equiparados ao crime hediondo: a tortura; o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; e o terrorismo. Tal “equiparação” se dá uma vez que, na esteira do inciso XLIII do art. 5° da Constituição, a Lei 8.072/90 estendeu a essas figuras as restrições mencionadas na regra constitucional. Assim, nem os crimes hediondos, nem os delitos a eles equiparados – dentre eles o terrorismo (art. 2° da Lei 8.072/90) - comportam anistia, graça ou a concessão de fiança. Indo inclusive além do texto constitucional, o legislador vedou, na Lei de Crimes Hediondos, a liberdade provisória, o indulto, determinou o cumprimento integral da pena privativa de liberdade em regime fechado e permitiu ao acusado, mediante decisão fundamentada, apelar de sentença condenatória em liberdade; tudo isso com o intuito de reprimir essas condutas. 20 Muito clara a legislação brasileira até este ponto (embora se pugne a inconstitucionalidade de algumas dessas previsões). No entanto, nada mais se encontra que possa fornecer ao menos algum subsídio à definição legal do terrorismo. Busquemos então em outras previsões de nosso infindo ordenamento jurídico. 3.3 Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83) Há quem entenda que o terrorismo está previsto no art. 20 da Lei nº 7.170/83, dentre os quais destacamos Antônio Scarance Fernandes (1990) e Victor Eduardo Gonçalves (2004 e 2005). De fato, em tal diploma legal encontra-se um tipo penal que faz menção ao terrorismo: Art. 20. Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena – reclusão, de três a dez anos. No entanto, a maior parte da doutrina, da qual se destaca o entendimento de Alberto Silva Franco (2005), entende que tal dispositivo, ao referir-se de maneira genérica a “atos de terrorismo”, fere o princípio constitucional da legalidade. Da simples leitura do artigo em tela, de onde é impossível extrair qualquer significado do termo, vê-se que o terrorismo restou novamente indefinido. Em outro sentido, na visão de Gonçalves (2004), o artigo 20 conteria um tipo misto alternativo em que várias condutas típicas se equivalem pela mesma finalidade de inconformismo político ou obtenção de fundos. Em suas palavras: Não se pode exigir que, para constituir delito dessa espécie, a própria lei defina expressamente a palavra terrorismo, sob pena de concluirmos que também não existe crime de tráfico de entorpecentes porque a Lei n. 6.368/76 não usa a palavra „tráfico‟ em seus arts. 12, 14 e 14. (Gonçalves, 2004, p. 88). Não podemos, no entanto, concordar com tal posicionamento. Nele a discussão sobre a existência do conceito legal do terrorismo fica deturpada. O que a 21 doutrina aponta como deficiência do dispositivo legal em tela não é a simples ausência da palavra “terrorismo”: é inegável que o conteúdo do dispositivo é inconclusivo e que a expressão “atos de terrorismo” é genérica. Utilizando da mesma lógica discursiva do respeitável autor, se o art. 20 se referisse a “terrorismo” – em vez de “atos de terrorismo” - haveria que se concluir que o fundamento de toda a doutrina que não encontra na Lei de Segurança Nacional a definição de terrorismo cairia por terra – o que por óbvio não é verdade. Ademais, a Lei n° 7.170/83 é fruto de um conturbado período histórico, sendo que sua genitura e conteúdo não carecem de veementes críticos na doutrina nacional. Nesse sentido, tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei de Crimes contra o Estado Democrático de Direito (a ser abordado posteriormente) visando a introduzir um Título XII no Código Penal, revogando, assim, a Lei de Segurança Nacional – Lei 7170/83. 3.4 Crimes Políticos Quanto ao enquadramento do terrorismo dentre os crimes políticos, da mesma forma a questão se põe de maneira controversa. O crime político objetivo compreende fatos que ofendem um valor político, do Estado ou do cidadão. Sua característica de crime político deriva do bem jurídico que é objeto da tutela penal. O crime político subjetivo, por sua vez, diz respeito a fatos praticados por motivos políticos. Cernicchiaro e Costa Jr. (1991) explicam que parte da doutrina sustenta que o terrorismo estaria compreendido na categoria dos crimes políticos subjetivos, porque a conduta põe em perigo o convívio social, provocando pânico e alarme. No entanto, os estudiosos do assunto e a jurisprudência internacional revelam nítida resistência em qualificar o terrorismo como crime político, para evitar que ele possa receber um tratamento jurídico mais favorável. Muito embora o terrorismo não seja merecedor de regalias semelhantes e sim de um tratamento penal dos mais severos, essa matéria é irrelevante a partir do momento que findamos por não encontrar no ordenamento jurídico brasileiro qualquer conceito de terrorismo. No mesmo sentido interessante também lembrar a previsão da punição da chamada 22 “lavagem de dinheiro”, que, no entanto, pressupõe a existência de uma prática criminosa anterior. Não estando o terrorismo tipificado, a “lavagem” de dinheiro fruto da atividade terrorista – ou que ela financia – tampouco poderia ser incriminada. 3.5 Lei nº 10.744/03 Tal diploma legal tem sua origem fortemente ligada aos atentados de 11 de setembro. Tudo começou em 24 de setembro de 2001, com a Medida Provisória (MP) nº 2. Decorrência quase imediata daquele nefasto evento foram alterações significativas nas coberturas de seguro da aviação civil, notadamente a redução drástica dos seguros de responsabilidade civil em caso de riscos de guerra e terrorismo (reduzidos unilateralmente de montantes superiores a 1 bilhão de dólares estadunidenses para o limite de 150 milhões, na data de 25 de setembro de 2001). Com isso, as companhias aéreas deixaram de atender as coberturas mínimas exigidas pelos países para operação de voos. Na iminência de suspendê-los, o que ocorreu em todo o mundo foi uma operação de socorro em que os Governos Nacionais passaram a cobrir – à época temporariamente – esse risco, até que uma solução se desse via mercado. Tal MP foi convertida em Lei. Em seu texto não havia, entretanto, definição do que seria um ato terrorista. A solução encontrada foi dar ao Ministro da Defesa o poder de “atestar que o sinistro [...] ocorreu em virtude de ataques decorrentes de guerra ou de atos terroristas” (art. 4º da Lei 10.309/01). Como tal assunção tinha um prazo de trinta dias, ela foi sendo prorrogada várias vezes, via decreto, até a edição de novas Medidas Provisórias (a de nº 32, de 18/02/02 e a 61, de 16/08/02), também convertidas em Leis e novamente prorrogadas. Inovação relevante veio apenas com a edição da MP nº 126, em 31 de julho 2003 (convertida na Lei 10.744/2003), já no governo Lula. Mesmo sem retirar do Ministro da Defesa o poder de atestar o que constituiria um atentado, a Lei prevê que “entende-se por ato terrorista qualquer ato de uma ou mais pessoas, sendo ou não agentes de um poder soberano, com fins políticos ou terroristas, seja a perda ou dano dele resultante acidental ou intencional” (art. 1º, § 4º da Lei nº 10.744/03). 23 Bem à moda brasileira e ignorando as já mencionadas dificuldades em se definir o terrorismo, o Poder Executivo – à guisa de Medida Provisória – estabeleceu que qualquer ato, praticado por qualquer pessoa, desde que dele advenha algum dano e tenha finalidade política ou terrorista, é ato terrorista. Dizer que ato terrorista é ato com fim terrorista não ajuda hermeneuticamente. Do conceito resta, então, o objetivo político: basta que qualquer pessoa, movida por um objetivo político, pratique qualquer ato que cause algum dano (acidental ou não) para ter cometido um ato terrorista. Desnecessário analisar a subjetividade da definição ou a insegurança jurídica dela decorrente. De toda forma, embora definido legalmente o terrorismo (ou os atos terroristas) continuou não tipificado; sem cominação de pena. 4 AS PROPOSIÇÕES DO CONGRESSO NACIONAL A esta altura, resta nítida, quiçá óbvia, a esterilidade de demais previsões legais - notadamente as processuais - concernentes ao terrorismo, pelo simples fato de que ele ainda não está tipificado em nossa legislação, porquanto não é punível. Ainda assim, tramitam ou já tramitaram no Congresso várias proposições que se referem ao tema ou sobre ele têm reflexos, como que ignorando a inexistência de tal tipificação. Dentre várias, destacam-se algumas: fixando prazo para prisão processual em se tratando de crime de terrorismo; incluindo dentre os crimes contra a paz pública a “organização criminosa formada por três ou mais pessoas que, de forma estruturada e com divisão de tarefas, valem-se da violência, intimadação, corrupção, fraude ou outros meios assemelhados para cometer delito” (PL 1353/99; PL 2751/2000; PL 2858/2000); proibindo (PL-4232/2004) ou limitando (PL5838/2009; PL-7823/2010) a concessão de livramento condicional nos casos de condenação por terrorismo; permitindo a extradição de brasileiros natos envolvidos em terrorismo (PEC 43/2003); proibindo o trabalho externo dos que cumprem pena por terrorismo (PL 2309/2003); definindo terrorismo biológico (PL 1943/2003); determinando que acusados de terrorismo somente poderão ser assistidos pela Defensoria Pública e impedindo a contratação de advogados (PL 866/2003); vedando o benefício da prisão especial para acusados de terrorismo (PL 4389/2001 24 e PL 2215/1991); vedando a suspensão condicional da pena, substituição de penas e livramento condicional, além de obrigar a decretação de prisão preventiva por ocasião do recebimento da denúncia nos processos por terrorismo (PL 1237/1999, PL 3616/1993); atribuindo à União a responsabilidade pela indenização dos danos causados por atos de terrorismo quando após decorridos seis meses do fato não houver sido identificado seu autor (PL 3400/1980); tornando crime a “simulação de ato terrorista”, capaz de provocar alarme, ou produzir pânico ou tumulto (PL 5659/2001 e 5626/2001); aumentando a pena para o crime de ameaça, quando simular ato terrorista (PL 5614/2001); estabelecendo pena em dobro e cumulativa para a comunicação falsa de ato terrorista (PL 3469/2004); caracterizando como terrorismo a invasão de propriedade alheia com o fim de pressionar o governo (PL 7485/2006). Há inclusive uma Proposta de Emenda Constitucional15, atualmente aguardando um relator na Comissão de Constituição e Justiça, que pretende possibilitar a cominação de pena perpétua para o crime de terrorismo. A justificativa do relator, referendada por 172 assinaturas de seus pares que com ele apresentaram a Proposta, bem reflete a imperante e deturpada lógica pela qual a imposição de penas mais severas refreia o criminoso e tranquiliza a população. Segundo ela, o “espírito liberalizante” da Constituinte, “profundamente incentivado pelo momento histórico em que a nação transitava da ditadura militar para a democracia plena”, teria restringido a visão do tema ao impedir a prisão perpétua em qualquer circunstância. Por isso, nessa lógica, far-se-ia necessária “uma ação específica e dura, capaz de levar uma inequívoca mensagem ao criminoso, dissuadindo-o” além de satisfazer os anseios da própria sociedade, “cansada de observar a liberdade precoce de indivíduos criminosos em vista de mecanismos legais”. Percebe-se que muito embora a legislação não defina o que é um ato terrorista, há a intenção por parte do legislador de punir inclusive a simulação de ato terrorista e aumentar a pena para ameaça ou comunicação falsa de ato terrorista. Para além disso, pretendem possibilitar a prisão perpétua dos condenados por terrorismo. No plano concreto tais previsões, sem a tipificação, obviamente seriam inaplicáveis. 15 PEC nº 421/2009, dep. Sabino Castelo Branco (PTB/AM). <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/713877.doc>. Acesso em 20 nov. 2010. Disponível em: 25 Mesmo assim, alguns desses projetos chegam a ser transformados em normas jurídicas. A Lei nº 10.701/03 (oriunda do Projeto nº 7018/2002), por exemplo, modificou a Lei nº 9613/98 (que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores), fazendo dela constar como conduta criminosa o ato de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: [...] II – de terrorismo e seu financiamento” (art. 1º, III da Lei nº 9613/98). Contraditoriamente, não há crime de terrorismo nem de seu financiamento mas ocultar bens deles decorrentes é conduta criminosa. Além dos projetos que se dedicam a definir o crime de terrorismo, há os que o pretendem por vias indiretas. Um projeto de lei originário do Senado16, que atualmente aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, tem dentre seus objetivos o de definir o crime de “financiamento ao terrorismo”. Por óbvio, para definir o que constitui financiar-se o terrorismo, não há como se esquivar da definição do próprio terrorismo. O projeto então objetiva modificar a Lei nº 9.613, de 1998, definindo como “financiamento ao terrorismo” o ato de “prover, direta ou indiretamente, de bens, direitos ou valores pessoa ou grupo de pessoas que pratique crime contra a pessoa com a finalidade de infundir pânico na população, para constranger o Estado Democrático ou organização internacional a agir ou abster-se de agir”. Ainda que por via “colateral”, percebe-se que o projeto define terrorismo como “crime contra a pessoa com a finalidade de infundir pânico na população, para constranger o Estado Democrático ou organização internacional a agir ou abster-se de agir”. Não só a definição é inadequada como a aprovação de tal projeto teria por consequência a teratologia de se punir o financiamento de algo que não é punível. Especificamente quanto à tipificação do terrorismo, houve parlamentar que até voltou atrás. Em 20/03/2007 foi apresentado o PL nº 486/2007 pelo dep. Eduardo Valverde (PT/RO), definindo o crime de terrorismo e organização terrorista. Quarenta e quatro dias depois, o próprio deputado requereu a retirada de seu projeto. O primeiro parágrafo da justificativa de seu projeto já é bem ilustrativo da já mencionada confusão entre diferentes fenômenos e motivações: 16 PL nº6577/2009, sen. Gerson Camata (PMDB/ES) Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/ integras/728199.doc>. Acesso em 20 nov. 2010. 26 Em face dos atentados praticados por organizações criminosas nacionais (PCC, Primeiro Comando da Capital) contra pessoas inocentes, visando objetivos [sic] similares aos praticados por organizações terroristas internacionais (Al Quaeda) [sic], resta a legislação pátria compreender este fenômeno, dando-lhe contornos jurídicos-fáticos [sic]. Além dos fatos inerentes às condições sócios econômicas [sic] que o país atravessa, que registra a existências [sic] de atos terroristas pautando tão somente no conflito de bandos formados por criminosos comuns contra o poder público (citam-se as ações criminosas contra a Força Pública do Estado de São Paulo) [sic], outros poderão existir, por motivações políticas, considerando o papel do Brasil. no cenário internacional [sic]”. PL nº 486/2007, 17 dep. Eduardo Valverde (PT/RO) . Outros projetos de tipificação foram arquivados ao fim das legislaturas ou mesmo rejeitados pelas Comissões. Considerando os que pretendem tipificar o terrorismo, e que ainda tramitam, destaca-se – em adiantada fase de tramitação – apenas o Projeto de Lei nº 2462/1991. Na verdade, o projeto original está defasado e inclusive já foi rejeitado no mérito. Sobrevive, no entanto, graças aos projetos à ele apensados (PL 6764/2002 e PL 149/2003), estes sim com chances de serem aprovados e transformarem-se em normas jurídicas (muito embora não em um futuro próximo). O Projeto de Lei nº 149/2003 também já recebeu parecer contrário do relator dep. Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG) na Comissão de Constituição e Justiça, sob o argumento de que seus artigos já estão tratados pela Lei de Segurança Nacional. Mesmo assim, já recebeu neste ano um apenso, o Projeto nº 7765/2010, de 17/08/2010, o mais recente a pretender tipificar o terrorismo, nestes termos: Art. 2º Para fins desta lei, considera-se terrorismo qualquer ato praticado com uso de violência ou ameaça por pessoa ou grupo de pessoas com intuito de causar pânico, através de ações que envolvam explosivos ou armas de fogo, com vistas 18 a desestabilizar instituições estatais . Além de ser estatocêntrico e de limitar o terrorismo a ações que envolvam explosivos e armas de fogo (deixando de fora, só para citar os mais óbvios, os gases tóxicos e o apoderamento ilícito de aeronaves), o citado projeto cinge o ato ao intuito de causar pânico. Já o Projeto nº 6764/2002 é fruto de uma discussão mais aprofundada. Oriundo do Poder Executivo, é resultado dos trabalhos da “Comissão de Alto Nível” coordenada pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, e com participação do Dr. Luiz 17 Disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/444044.pdf>. Acesso em 20 nov. 2010. PL nº7765/2010, dep. Nelson Goetten (PR/SC) Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/ integras/796395.pdf>. Acesso em 20 nov. 2010. 18 27 Roberto Barroso, Dr. Luiz Alberto Araújo e Dr. José Bonifácio Borges de Andrada, constituída por Portaria com o intuito de efetuar estudos sobre a legislação de Segurança Nacional e sugerir princípios gerais para nortear a elaboração de Projeto de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. O completo projeto introduz no Código Penal um título específico dedicado aos “crimes contra o Estado Democrático de Direito”, além de revogar a Lei de Segurança Nacional. Dentre várias previsões, como o apoderamento ilícito de meios de transporte, sabotagem, ação de grupos armados e coação contra autoridade pública, tipifica o terrorismo, nos seguintes termos: Art. 371. Praticar, por motivo de facciosismo político ou religioso, com o fim de infundir terror, ato de: I - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou II - apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população: Pena – reclusão, de dois a dez anos. § 1o Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo, mediante acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro meio interfere em sistemas de informação ou programas de informática. § 2o Se resulta lesão corporal grave: Pena – reclusão de quatro a doze anos. § 3o Se resulta morte: Pena – reclusão, de oito a quatorze anos. § 4o Aumenta-se a pena de um terço, se o agente é funcionário público ou, de 19 qualquer forma, exerce funções de autoridade pública. À toda evidência, vê-se que se trata de definição mais abrangente, abarcando inclusive o chamado terrorismo cibernético. Mesmo assim, parte de um pressuposto, hoje já discutido pelos teóricos, que o terrorismo é necessariamente praticado “por motivo de facciosismo político ou religioso”. Ao optar por descrever os atos, corre o risco de deixar algo de fora ou mesmo de se tornar obsoleta. Além disso, em especial seu inciso II dá azo a interpretações flexíveis, podendo inclusive enquadrar manifestações populares como atos terroristas. 19 PL nº6764/2002, Poder Executivo. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/32274. pdf>. Acesso em 20 nov. 2010. 28 5 A TIPIFICAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO DO TERRORISMO Parte-se do pressuposto que à exceção do terrorista, o objetivo de quem se dedica ao terrorismo é exatamente evitar que ele ocorra. Analisamos então sua tipificação como um instrumento de contraterrorismo, para identificar se ela de alguma maneira colabora com este propósito. Assim, se a tipificação do terrorismo se mostrar inútil ao recrudescimento do fenômeno, ela passa a não se justificar, notadamente se, além disso, identificarmos consequências negativas da tipificação. Após analisarmos o atual tratamento do terrorismo no direito internacional, no direito comparado e no direito brasileiro, partimos de algumas hipóteses para identificar eventual préstimo da tipificação. O objetivo é perscrutar as diferentes razões pelas quais seria oportuno tipificar-se a conduta. Estudando-se o que motiva as ações terroristas, tenta-se verificar se uma eventual previsão da legislação – e a imposição de uma pena – têm o condão de dissuadir a prática de um ato terrorista. Identificando quão severamente o nosso ordenamento, em seu estado atual, puniria uma conduta que se enquadrasse como terrorista, pode-se avaliar se a pena eventualmente aplicada deve ser aprimorada, principalmente considerando a necessidade, ou não, de se punir diferentemente o terrorista. Ainda perquirindo a validade da tipificação do terrorismo, passa-se também a analisar os possíveis reflexos benéficos de tal medida, para o Brasil, no ambiente internacional; bem como os riscos advindos da subjetividade que cerca a definição do fenômeno. 5.1 O terrorista e sua motivação Todo ato tem um agente e uma motivação (racionais ou não). Para evitar que o ato ocorra, neste caso o ato terrorista, debrucemo-nos então sobre o agente e sua motivação. Quem é o terrorista e o que o motiva? Inúmeros são os estudos a analisar especificamente o terrorista, inclusive extensos estudos psicológicos levados à cabo com centenas deles. Os cientistas políticos não raro chegam a conclusões diversas quanto a estes indivíduos. 29 Lamentavelmente ignorando muitas peculiaridades destes estudos, pelo bem da concisão, dividimos tais visões em três grupos: os que consideram os terroristas indivíduos psicologicamente perturbados, portanto atores irracionais; os que os consideram racionalmente voltados para a consecução de um objetivo político; e os que os consideram atores racionais que utilizam o terrorismo com objetivos sociais, como a formação de fortes laços entre si. Uma série de estudos psiquiátricos tende a contradizer os que ainda acham que terroristas são indivíduos irracionais sem consciência da gravidade de seus atos e movidos por graves psicopatologias. Louise Richardson (2006, p. 14) deixa claro logo no início de sua obra que estudos empíricos demonstram que terroristas não são irracionais. Na verdade, a essa visão não é dada muita credibilidade acadêmica também porque não colabora ao estudo de medidas preventivas deste fenômeno. Além de simplista, leva-nos à inarredável constatação que, se o terrorismo é fruto de um distúrbio, não há razão para que, à exceção dos psicólogos e psiquiatras, nos dediquemos a seu estudo. Grande parte dos teóricos, no entanto, vêem o terrorista como um ator racional que se vale do terror para alcançar uma determinada plataforma política ou religiosa. Nitidamente, tal visão inclusive é a que norteia os esforços de combate ao terrorismo, a legislação dos Estados no que se refere ao tema e, no caso específico do Brasil, as intenções de tipificação da conduta terrorista. Não coincidentemente, no mencionado estudo de Schimid e Jongman (2005) com uma centena de definições, o elemento mais recorrente – naturalmente após a violência – é a política. Mais recentemente, alguns teóricos se contrapõem a esta ideia dominante. Max Abrahms (2008) faz uma pesquisa detalhada, analisando tendências comuns a várias organizações terroristas ao longo do tempo, no intuito de demonstrar que o modelo estratégico com o qual hoje lidamos com o terrorismo parte de uma convicção de que os terroristas são atores racionais motivados por objetivos políticos, o que na visão dele é contradito por uma série de preponderância de evidências teóricas e empíricas que, sistematizadas em sete tendências de organizações terroristas, ele chama de “seven empirical puzzles” a contradizer o modelo estratégico e demonstrar sua fragilidade empírica. Tais tendências demonstrariam que os indivíduos (não coincidentemente os socialmente isolados) participam de organizações terroristas não para alcançar suas 30 plataformas políticas oficiais, mas sim para desenvolver fortes laços afetivos com os demais terroristas. Dessa maneira, se os terroristas geralmente dão mais importância para os benefícios sociais dos que aos benefícios políticos de se valer do terrorismo, então as estratégias contraterroristas requerem mudanças fundamentais. No âmbito deste artigo, o enquadramento da tipificação do terrorismo nessas mudanças constituiria uma razão a justificá-la, mas não parece ser o caso. 5.2 Os riscos da subjetividade Como discorrido, não existe um consenso na academia acerca do conceito de terrorismo. Pode-se perceber, também, que as definições muitas vezes são criadas para se enquadrar ao ponto de vista ou interesse dos que a cunham. A mesma organização, dependendo de quem a analisa e da definição que utiliza para isso, pode ser um grupo terrorista, um movimento de guerrilha ou um heroico grupo de libertação nacional. Tal subjetividade se dar no plano da idéias é perfeitamente exequível. No entanto, quando se trata de enquadrar a conduta de um indivíduo como terrorista e a ele aplicar severas penas, não há tanto espaço para interpretações. Uma tipificação que dê à quem a opera a faculdade de nela enquadrar toda série de atos, com base tão somente em uma hermenêutica maculada por concepções pessoal ou partidárias, não condiz com um Estado Democrático de Direito. Lamentavelmente, percebemos que em vários países a luta contra o terrorismo vem se dando em detrimento de liberdades individuais e da segurança jurídica de seus cidadãos. Da leitura de muitas definições constantes dessas legislações, percebemos que impera a lógica do “eu saberei que é quando acontecer”, exatamente para dar flexibilidade à interpretação do Estado. No atual cenário brasileiro, de considerável estabilidade das instituições democráticas, é perigosamente fácil deixar-se passar uma previsão legal que nos deixaria sujeitos aos bons auspícios de quem estiver no poder. Não se pode, no entanto, ignorar um passado recente ou iludir-se pela pretensão de não estar o Brasil sujeito a tendências totalitárias que pairam inclusive sobre vizinhos, que hoje padecem com governos de vocação pouco democrática. 31 Além da subjetividade que marca as definições do terrorismo constantes dos ordenamentos alienígenas estudados, e dos mencionados riscos dela derivados, constata-se que ainda assim - mesmo com a previsão legal - julgar e punir o terrorista continua sendo um problema nestes países. Uma completa reportagem do The Washington Post de 13 de novembro de 2010, reverberada em vários países20, retrata este quadro de indefinição. Embora transcorrida quase uma década, o mentor confesso dos atentados de 11 de setembro ainda não foi julgado, devendo continuar detido em prisão militar sem previsão de julgamento. O governo concluiu que a oposição dos congressistas - dos quais depende para fechar Guantânamo - impede que ele seja julgado em um tribunal federal. A opção de retomar os julgamentos militares da prisão em Cuba encontra oposição ainda maior, inclusive dentro do Partido Democrata. A Casa Branca, no entanto, já deixou claro que a decisão final caberá ao próprio Presidente. Mesmo tendo tipificado a conduta, criado toda uma estrutura de enquadramento, detenção e persecução penal, além de submetido todos os estadunidenses à subjetividade de um tipo penal aberto, os Estados Unidos vêem-se diante de um impasse político para julgar um terrorista, o que pode não coadunar com um regime democrático e legalista. Nesse sentido, o fato de a decisão de onde se dará o julgamento caber ao presidente só corrobora a tese da insegurança jurídica a que estão sujeitos até os próprios estadunidenses: não há como afirmar o que constitui ou não um ato terrorista e nem mesmo como será julgado quem eventualmente for acusado de tê-lo cometido. A segurança jurídica é frequentemente invocada nas justificativas dos projetos de lei que pretendem tipificar o terrorismo no Brasil. Mas por este ângulo a tipificação tem um resultado diametralmente oposto. 5.3 O atual tratamento do terrorista no direito brasileiro Em não estando tipificado, porquanto sendo impunível no território brasileiro, como responderá perante a justiça brasileira um terrorista? Por mais improvável que 20 Ver também artigo “Mentor do 11 de Setembro pode ficar sem julgamento, diz jornal”. Folha de São Paulo, 14/11/2010. Mundo, p. A19. 32 tal hipótese possa hoje parecer, não podemos afastar a possibilidade de o Brasil ser alvo de um ataque, notadamente considerando a presença de representações diplomáticas e filiais de empresas oriundas de países considerados inimigos por organizações terroristas. Ao protagonismo pretendido pelo Brasil deve corresponder um maior cuidado com este tipo de fenômeno, haja vista que o terrorismo internacional ignora a existência de fronteiras. Lembremos também que brasileiros já foram, direta ou indiretamente, vítimas do terrorismo ou mesmo de seu combate. Nos ataques a bomba que mataram mais de 200 pessoas em Bali no ano de 2002, morreram os brasileiros Alexandre Watake e Marco Antônio Farias. Em agosto de 2003, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, à trabalho da ONU no Iraque, foi outra vítima de um atentado terrorista em Bagdá. Também no Iraque, no início de 2005, o engenheiro João José Vasconcellos foi sequestrado e morto. Em julho do mesmo ano, Jean Charles de Menezes foi morto no metrô de Londres ao ser confundido com um terrorista. Sem a tipificação do próprio terrorismo, no Brasil quem praticasse esse tipo de ato seria punido apenas pelas consequências dele derivadas. Assim sendo, responderia por homicídio no que se refere às vítimas fatais de seus atos; por lesão corporal, conforme a gravidade, pelos feridos no intento; pelos danos que eventualmente viesse a causar. Por já se tratarem de penas das mais severas de nosso ordenamento, e considerando que, por previsão constitucional, as penas privativas de liberdade estão limitadas a 30 anos no Brasil, inarredável a conclusão de que a cominação de mais penas acabaria surtindo pouco efeito no que diz respeito ao tempo que o indivíduo acabaria privado de sua liberdade. Não se pretende adentrar em uma discussão quanto aos objetivos da pena, mas é consenso que em todo lugar em que foi tipificado, aos atos terroristas foram cominadas penas das mais severas. Então, se o objetivo de fato é aumentar a punição, vemos que em nossa realidade jurídica a tipificação não faria tanto efeito. 5.4 O reflexo da tipificação no ambiente internacional Megalomanias à parte, a relevância do Brasil inegavelmente vem crescendo no âmbito regional e mundial. Em alguns itens da agenda, como as negociações 33 comerciais multilaterais, ele chega a se destacar. Dentre os chamados Brics, o país vem sendo visto como um importante ator na nova configuração da hoje instável ordem econômica mundial. Consabido que o Brasil tem pretensões ainda maiores, a formulação e a execução de nossa política externa naturalmente devem perpassar a identificação das melhores oportunidades externas. Na vasta e complexa agenda do cenário internacional, considerando as especificidades brasileiras há temas que inegavelmente podem proporcionar melhores resultados – leia-se, maior afirmação no plano internacional - com o mesmo nível de esforço. Dispensando análise profunda, a simples constatação de nossas características pode indicar que não serão questões militares e estratégicas que elevarão o Brasil a tal papel relevante. Ademais, os que estão à cargo da política externa de fato já optaram por via diversa. Não fosse assim, o Brasil também estaria agindo mais incisivamente para livrar-se de recentes críticas a apontar certa negligência em matéria de direitos humanos. Na última e recente oportunidade que teve para fazê-lo, o Brasil preferiu não o fazer. No último dia 18 de novembro, o país se absteve de condenar, em uma resolução aprovada no comitê de direitos humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas, a tortura, a alta incidência de aplicação de pena de morte, inclusive contra pessoas menores de 18 anos, a violência contra a mulher e a perseguição contra minorias étnicas. A resolução, patrocinada por 42 países capitaneados pelo Canadá, se originou de discussão motivada pelo célebre caso da iraniana Sakineh, condenada à morte por supostos adultério e assassinato21. No âmbito das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos, o Brasil assinou e ratificou todas as convenções internacionais sobre o terrorismo; além de vir cumprindo todos os protocolos sobre lavagem de dinheiro – assunto que em alguma instância se comunica com o terrorismo. No âmbito regional, inclusive capitaneou algumas iniciativas plurilaterais de prevenção e combate ao terrorismo. Ao ensejo da Declaração de Ministros da Justiça e do Interior do Mercosul (Montevidéo, 28 de setembro de 2001) foi criado o Grupo de Trabalho Especializado sobre Terrorismo22, subordinado à Comissão Técnica encarregada de coordenar os grupos de trabalho especializados do Mercosul. As atividades deste se voltam à 21 Ver também artigo “Brasil de abstém em votação contra Irã”. Folha de São Paulo, 20/11/2010. Mundo 2, p. 1. 22 Compõem o GTE os países-membros do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), os associados (Bolívia, Chile, Peru e Venezuela) e a Colômbia. 34 implementação e coordenação de ações operacionais, em matéria de terrorismo, baseada no Plano Geral de Cooperação e Coordenação Recíproca para a Segurança Regional. Para além disso, há outros dispositivos pertinentes na esfera do Mercosul, como o Protocolo sobre Assistência Judiciária Mútua em Assuntos Penais, de 1996, e o Acordo sobre Extradição, de 1998. Muito embora não tenha tipificado o terrorismo, ao assinar todas as Convenções e sempre se posicionar de maneira clara repudiando tais práticas o Brasil acaba não atraindo pressões internacionais no que concerne a uma atuação mais ferrenha contra o terrorismo. À vista de tudo isto, é exequível afirmar-se que não será simplesmente tipificando o terrorismo que o país alcançará qualquer resultado considerável no que diz respeito a avolumar sua relevância no plano internacional. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O princípio da legalidade está prescrito no art. 5º, II da Constituição da República: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Dele emerge um dos mais relevantes sustentáculos do Estado Democrático de Direito, garantindo ao particular o direito de fazer – ou deixar de fazer – tudo que a lei não proíba. Desta forma, tal garantia constitucional ainda assegura a prerrogativa de rechaçar quaisquer injunções impostas senão pela lei. Graças a este princípio, o indivíduo pode conhecer o que lhe é permitido e vedado, consequentemente sendo lídimo partir-se do pressuposto de que ele sempre age consciente da licitude ou ilicitude de seus atos. Adotada na totalidade dos Estados democráticos e até “nas legislações de outros Estados de menor vocação democrática” (LOPES, 1994, p. 32), no Brasil a legalidade penal está inscrita no art. 5º, XXXIX da Constituição da República e disposta, como elemento basilar do Direito Penal, no art. 1º do Código Penal: “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. No consabido postulado latino, nullum crimen, nulla poena sine praevia lege. Assim, somente uma lei anterior ao fato terá o condão de transmutá-lo de simples fato a uma conduta criminosa, igualmente estabelecendo a sanção dela 35 decorrente. Naturalmente, inexistindo tal lei prévia, não há que se falar nem em delito. Decorre disso que as sociedades apressaram-se a prever as condutas que consideravam reprováveis, sempre no intuito de se proteger delas, dissuadindo os potenciais criminosos e punindo à altura os recalcitrantes. Mas basta a reprovabilidade de um ato para que ele deva ser alçado à categoria de crime? Quando nos vemos diante de um ato tão brutal como o resultante de um atentado terrorista, o sim a tal questionamento é imediato. No entanto, percebemos que há muito a ponderar. O terrorismo, como objeto de estudo, faz parte de um seleto grupo de fenômenos que dizem respeito a todos. Mesmo um país como o Brasil, tradicionalmente pacifista, não pode se permitir dar as costas ao terrorismo; principalmente se de fato tem pretensões de ver-se alçado ao status de potência, protagonizando as grandes discussões de high politics em igualdade com os mais poderosos Estados do planeta. Não obstante tudo isso, e toda a pesquisa dedicada ao redor do mundo à origem do terrorismo, seus meios de atuação e instrumentos de combate, percebemos que nem mesmo uma definição incontroversa existe. Para além disso, não podemos igualmente afirmar se tal definição é de fato necessária – ou mesmo desejável. A verdade que prevalece sem contradição é que em pleno século XXI diuturnamente morrem pessoas em decorrência deste fenômeno que não tem rosto, não tem hora nem lugar para acontecer e muitas vezes é indistinto com relação a suas vítimas. Principalmente limitando-nos às nefastas consequências de suas ações, não é difícil classificar os terroristas como bárbaros, mentes doentias, criminosos da pior estirpe que nada têm a perder. Complicado, isso sim, é perquirir as origens deste fenômeno; o que leva uma pessoa a se matar levando junto centenas ou mesmo milhares de inocentes. Com um seleto grupo de juristas, é também consideravelmente fácil redigir um conceito do terrorismo para daí aprová-lo como lei, aplicando a mais severa das penas. O difícil é não deixar à mercê de quem estiver no poder a decisão do que é ou não terrorismo, constituindo uma poderosa arma não mãos de regimes excepcionais. Desde a década de 1990, e sobretudo após os atentados de 11 de setembro, multiplicaram-se as iniciativas de resposta ao terrorismo, principalmente por parte dos Estados Unidos e dos países da Comunidade Europeia: endurecimento da 36 legislação, reforço da cooperação internacional antiterrorista, ações abertas ou encobertas – não raro violando normas de direito internacional. Os dramáticos e sangrentos efeitos dos atentados de fato conseguiram inibir o julgamento crítico de outras ameaças que algumas destas iniciativas representam para a democracia. Assim, fica nítido que temos muito a aprimorar em nossas respostas. No caso do Brasil, antes de bradar pela tipificação do terrorismo – como muito recentemente o fez inclusive nosso Presidente – precisamos dedicar maior apreço à viabilidade dessa previsão e suas consequências. Se o objetivo da lei é, antes de simplesmente punir a conduta, impedir que ela ocorra; é necessário entender o que motiva um terrorista, por mais difícil que isso possa provar ser, para daí agir adequadamente. Ao longo destes escritos, vemos que os estudiosos, teoricamente os mais bem preparados para definir o terrorismo, não alcançaram uma definição uníssona. As legislações que tipificaram o ato, por melhor que o fizeram, são subjetivas. Mesmo um conceito bem delineado e aparentemente objetivo estará apoiado em outros, mais subjetivos. O que é terror? O que constitui ou não as recorrentes motivações religiosas e políticas? Os projetos brasileiros de tipificação provaram-se limitados, vagos ou mesmo perigosos do ponto de vista democrático. Se nosso esforço legislativo estivesse voltado para atividades preventivas, de inteligência e compartilhamento de informações, talvez normas mais efetivas já poderiam estar à serviços das autoridades brasileiras. Da mesma forma, considerando os reflexos externos de uma tipificação, é difícil vislumbrar que tal atitude se reverterá em capital político ou mesmo algum prestígio para o Brasil no plano internacional. Muita discussão há inclusive acerca do que motivaria um terrorista em seus atos. Percebemos, no entanto, que independentemente da visão à qual se filie, não será a punição o que dissuadirá a mente terrorista em seus intentos. Mesmo em termos práticos, restou exposto que cominar uma pena ao terrorismo seria de todo inócuo no resultado final. Tudo isso, sem se discutir se a motivação política ou religiosa é de fato elemento a agravar a pena, se comparado com um homicídio completamente imotivado; ou motivado pelo mero prazer de matar. Esta pesquisa inicial leva à conclusão de que a tipificação não é tão imperiosa quanto se imaginava, ou mesmo desejável. Dentro de suas limitações, que ao menos dê azo a uma maior discussão do tema, que hoje é tratado com um arriscado automatismo. 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