da concorrencia desleal
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DA CONCORRENCIA DESLEAL José Lobo d'Avila Lima Doutor em Direito COIMBRA IMPRENSA DA UNIVERSIDADE 1910 Ao Illustríssimo e Excellentissimo Senhor Homenagem de muito respeitoso affecto e indelevel reconhecimento do AUCTOR Dissertação para o concurso ao magisterio na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. INTRODUCÇÃO A orientação livre dos factores economicos das sociedades modernas gerou este assumpto de ambito tão impreciso e tão rude açambarcamenlo: a concorrencia desleal. Melhor deduzido e mais salientemente revelado no embate das forças de producção economica, o problema da concorrencia desleal denuncia-se outrosim em outros aspectos da actividade social, onde quer que o pleno e concorrente exercício das faculdades humanas, seja na estricta area das puras utilidades materiacs ou na elevada esphera das artes e letras, dêem margem á insidia, ao sophisma, a quaesquer perfidos manejos de sempre desleal adulteração... Assim, pois, a liberdade degenerou em licença, á medida que taes factos foram assumindo, por seu numero e importancia, uma feição claramente altentatoria das garantias individuaes. El desde esse momento e se bem que, na expressão pittorescamenle grave de EECKHOUT (1), a liberdade continuasse e continue a ser (i) EECKHOUT, La répression de la concurrence déloyale en Allemagne, 1905, pag. 1-2. VIII «a base official da legislação economica moderna», surgiu a necessidade duma nova disciplina jurídica, chamada a compellir os abusos, os ímprobos e multiplicados artifícios da concorrencia desleal. Tal a apresentação do problema, cuja analyse nos propuzemos em um dos seus mais melindrosos e vastos capítulos: a propriedade industrial. Por nossa parte não alimentamos duvidas ácerca da temeridade do emprehendimento: este trabalho modestíssimo pretende ter tão sómente o benefico intuito de appellidar a allenção de outrem mais esclarecido para um ramo do saber jurídico, tão clamoroso quanto inexplorado. E já agora valha-nos, á guiza de attenuante a declaração de VIDAM (1) de que «questo delia concorrenza sleale è uno dei temi piú difficile di diritto industriale. Criteri sicuri e generali non vi sono affato, a meno di contentara di vaghe generalilà che conchiudono assai poco e nulla insegnano alla stregua dei fatti». (1) VIDARI, Corso di diritto commerciale, XIV, cot. 29. IX * * * Não queremos terminar estas breves linhas sem confessar que um sincero empenho patriotico nos attrahiu á analyse do presente assumpto. Portugal, dés que perfilhou moldes ultra-proteccionistas para estimulo e defesa de suas energias industriaes, complementarmente organisou e applaudiu aquellas medidas que, nos domínios do Estado português ou no mais amplo perímetro da sociedade internacional, successivamente teem sido votadas para segurança da propriedade industrial e repressão dos expedientes da desleal-concorrencia. Desses expedientes, um particularmente nos importa: as indicações de falsa proveniencia, atlentá a sua intima e frequente incorporação com os productos vinícolas. Os vinhos são a nossa maior riqueza, o mais poderoso factor do nosso activo mercantil. A sua pro-ducção, distribuída pelas treze regiões vinícolas do continente e ilhas e que actualmente se póde compuB lar sem exaggero em 8 milhões de hectolitros, assignala-nos, no mappa da producção mundial, o sexto logar em quantidade, e em valor (24:000 contos) o quinto ou facilmente o quarto, uma vez que as cotações se mantenham no seu nivel normal(1). Os productos vinícolas constituem, pois, o artigo primeiro da nossa exportação, (1) No que toca á producção vinícola, a galhardia do solo português é immensa, opulentamente attestada por cêrca de 300 castas de videira ou postos, originando a mais exhuberante variedade de vinhos, desde as castas fidalgas e de eleição, os vinhos generosos e licorosos—vinhos príncipes—e os vinhos communs, genuínos, de pasto ou de consumo directo até aos de lote, com que por largos annos o commercio de Bordéus preparou os seus vinhos de exportarão, e os vinhos de caldeira, de queima ou proprios para distillação (Cf. sohre o problema vinícola: SB. CINCINNATO DA COSTA, Producção e commercio dos principaes generos agrícolas de Portugal, 11)08, pag. 7 e seg.; Sn. SERTORIO DO MONTE PEREIRA, A producção vinícola, apud Notas sobre Portugal, vol. 1, pag. 331 e seg.; SR. D. Luiz DE CASTRO, Semente lançada á terra, 1909, pag. 69 o seg.; idem La crise viticole en Portugal, separata da Recue d'économie politique, 1908; idem, Aspectos economicos do projecto vinícola, conferencia realisada a 27 de janeiro de 1907 na Sociedade de sciencias agronomicas de Portugal). XI a plataforma do nosso commercio externo, merecendo como taes a attenção de todos aquelles que pretendam trazer a lume aspectos oteis da vitalidade econoomica da nossa terra. Demais, as ameaças são frequentes (1), reclamando uma constante e energica vigilancia: é ver o zelo e sobre-aviso, com que a França acompanha e assegura a marcha mercantil dos seus vinhos (2). Identico procedimento se nos impõe tanto mais que, consoante a conclusão numericamente documentada do SR. CINCINNATO DA COSTA, as quantidades ex(1) Adiante teremos ensejo de nos referir mais largamente á importante questão do vinho da Madeira (Cf. Usage illicite du nom de Madère—procédure, plaidoiries, jugements, arrêts et documents— 1900), que constituiu uma das mais importantes ameaças contra o nosso patrimonio vinícola. Já, após tal litigio, houve a chancella-ria portuguesa de occupar-se de uma nova e importante tentativa de concorrencia-desleal, uma falsificação das nossas marcas vinícolas por parte de negociantes hespanhoes (Cf. Livro branco, de 1905, parte III, «apprehensão no Rio de Janeiro de vinhos hespanhoes falsamente denominados portugueses», pag. 5 e.seg.). (2) MAURICE LAIR, Le problème viticole français, apud Revue économ. int., vol. II, n.° 1, pag. 34 e seg. XII portadas de vinhos do Porto diminuíram no período 1904-1907, decrescendo bem assim os valores totaes da exportação para esta classe de vinhos generosos, sendo a causa de tal facto «a concorrencia illicita que, nos mercados de consumo, estão fazendo as imitações aos verdadeiros vinhos do Porto e da Madeira, sendo sobretudo para notar-se que é nos mercados do Brazil e da Inglaterra, que os vinhos de imitação teem tomado boa parte do logar que de direito só pertence aos vinhos genuínos de Portugal, com prejuízo dos produclores, do commercio sério, e dos consumidores» (1). Só o vinho do Porto conhece estas curiosas modalidades : Porto-Tarragona, Porto-Hamburgo, AustralianPort e Palestina-Port! Até os Logares Santos rivalisam com os maravilhosos amphithealros durienses... No dia em que os nossos agentes commerciaes lograrem exterminar, com o apoio insophismavel dos (i) SR. CINCINNATO DA COSTA, obr. cit., pag. 17; e artigo Vinhos, no Portugal Agrícola, de fevereiro de 1909, pag. 39 e seg. XIII accordos internacionalistas e a resolução energica da chancellaria portuguesa, as variadas mixordias, que correm por esse mundo apregoando descaradas adulterações das mais preciosas marcas vinícolas da nossa terra, ler-se-ha marcado um grande e fecundo triumpho para a economia nacional. INDICE PARTE I THEORIA DA CONCORRENCIA DESLEAL CAPITULO I Deducção e critica da livre-concorrencia Pag. 1. A evolução da troca e a livre-concorrencia. — 2. Apreciação do phenomeno da livre-concorrencia: o optimismo individualista. — 3. A critica socialista.... 1—12 CAPITULO II A concorrencia desleal: essenoia e fórmas 4. A livre-concorrencia e a concorrencia desleal. Como definir aconcorrencia desleal ? Opiniões de EECKHOUT, GIANNINI e POUILLET.—5. Classificação das fórmas de concorrencia desleal. O seu enunciado jurídico, consoante a opinião de LAURENT e GIANNINI.—6. So luções apresentadas sobre a natureza do direito de propriedade industrial: a) representa um elemento constitutivo da individualidade de seu sujeito; b) deve ser equiparado ao direito de auctor; c) é de natureza especial, constituindo uma creação jurí dica moderna........................................................... 13-24 XVI CAPITULO III O instituto da propriedade e a propriedade industrial Pag. 7. omportancia sociologica do instituto da propriedade. Elle acompanha e integra-se na evolução de toda a phenomenalidade social, diz CARLE : é a lei de orien tação mental de suas transformações. — 8. As theorias sobre a origem da propriedade: concepções aprioristicas de GUMPLOWICZ, Grocio, BURLAMAQUI, PUFFENDORFF e ROUSSEAU; o racionalismo de KANT, LOCKE e AHRENS. — 9. Systemas negativos: «a propriedade é um roubo» clama PROUDHON. — 10. As ideias collectivistas e a reforma da proprie dade privada, segundo ANTON MENGER.—11. A propriedade é uma instituição existente e como tal deve ser apreciada. A evolução da propriedade e as suas raizes sociologicas: a necessidade, o trabalho e o interesse. —12. Estes mesmos elementos justi ficam a propriedade industrial. Caracter relativo das garantias jurídicas deste instituto............................ 25-53 CAPITULO IV A concorrenoia desleal e o abuso do direito 13. O direito de livre-concorrencia e suas limitações. — 14. A theoria do abuso do direito: essencia e razões de sua acceitacão. — 15. Criterio regulador da mesma theoria. — 16 Integração da concorrencia desleal na theoria do abuso do direito .......... 55-80 PARTE II MOVIMENTO HISTORICO-LEGISLATIVO CAPITULO V Legislações estrangeiras 17. Os mais recuados vestígios histOricos da propriedade industrial: As investigações de MAILLARD DE MABAFY, BRAUN e KOHLER. —18. A propriedade industrial na Edade-Média: o regimen terrorista dos edictos. — 19. A Revolução FrancÊsa e as suas consequencias economicas e sociaes. — A physiocracia: laissez-faire e... era a plena liberdade de fraude. — A moderna elaboração legislativa em França.—20. Allemanba.—21. Austria-Hungria. — 22. Inglaterra. — 23. Italia. — 24. Belgica. — Estados-Unidos.—26. Hespanha. — Outros países. CAPITULO VI Legislação portuguêsa 27. Traços historicos da legislação portuguêsa sobre pro priedade industrial.—28. O codigo civil: deducção do nosso direito commum sobre concorrencia desleal: —29. Legislação especial.—30. Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria: organisação actual............................................................. CAPITULO VII Propriedade industrial internacionalista 31. A sociedade dos Estados c a propriedade industrial. — 32. A mais recuada elaboração: as convenções sobre propriedade industrial accessorias dos tra- XVIII Pag. tados de commercio. — 33. O Regimen das Uniões: os congressos de Vienna (1873) de Paris (1878, 1880 e 1883). — A convenção de 30 de março de 1883: importancia e fins.—34. A conferencia de Roma de 1886. — 35. A conferencia de Madrid de 1890. Suas resoluções: a) convenio concernente á repressão das indicações de falsa proveniencia; b) idem registo internacional de marcas; c) protocollo respeitante á dotação da repartição interna cional da união protectora da propriedade indus trial. — 30. As conferencias de Bruxellas de 1897 e 1900. Actos addicionaes: resolução concernente á concorrencia desleal................................................ 139—160 PARTE III LEGISLAÇÃO ESPECIAL CAPITULO VIII Objecto da concorrencia desleal 37. Enumeração legal dos casos de concorrencia desleal. 163-166 § 1 º Semelhança de aspecto. 38. Classificação dos casos de concorrencia desleal: as marcas...................................................................... 167-168 SECÇÃO I Das marcas de fabrica e de commercio em geral 39. Conceito e objectivo das marcas.—40. Seus caracteres fundamentaes. — 41. Collocação das marcas.— 42. Especies de marcas.—43. Propriedade da marca: systemas declarativo c altributivo.—44. Ca tegorias do marcas...................................................... 169-197 XIX SECÇÃO II Denominações e nomes Pag. 45. Denominações: conceito e especies. — 46. Nomes.— 47. Homonymia ...................................................... 198-211 SECÇÃO III Emblemas, envolucros, recipientes, etc. 48. Emblemas, envolucros, recipientes, etc........................... 212-220 SECÇÃO IV Fórmas do producto 49. Fórmas do produeto ..................................................... 221-223 §2º Indicações de falsa proveniencia 50. Natureza e fundamento da indicação do logar de proveniencia. — 51. Alcance de tal designação. — 52. Restricções ao direito de indicação do logar de proveniencia. —53. Nomes ou denominações gene ricas. —54. As indicações do logar de proveniencia e os produetos vinícolas.—55. Poder-se-ha usar, indifferentemente e com identica protecção legal, das indicações dos legares de producção ou fabrico dos produetos vinícolas?............................................. 224-251 §3.° Usurpação de formulas, modelos e segredos de fabrica 56. Segredos de fabrica. - 57. Formulas e modelos.... 252-258 CAPITULO IX Procedimento judicial e penalidades 58. Competencia.—59. Processo. - 60. Penalidades. 259-269 PARTE I THEORIA DA CONCORRENCIA DESLEAL CAPITULO I Deducção e critica da livre-concorrencia 1. — A evolução da troca e a livre-concorrencia. 2. — Apreciação do phenomeno da livre-concorrencia: o optimismo individualista. 3. — A critica socialista. 1. O culminante aspecto do viver economico das sociedades modernas—a concorrencia —tem desafiado a analyse dos representantes do pensamento sociologico por forma tão abundante e alcance tão recuado, que facil tarefa é hoje ao estudioso reconstituir seus antecedentes. Perante o deficit natural das aptidões humanas em confronto com as suas necessidades, o individuo, ao qual exclusivamente anima o movei sociologico de interesse, começa de praticar uma rudimentar permuta (i), (1) DE GREEF, Lois sociologiques, pag. 153 e seg.; MIRAGLIA, 4 sob cuja inspiração egoisla (1) cada qual combate, na medida de seus recursos, a soffreguidão das exigencias economicas, gerando-se, presupposla a utilidade differencial dos produclos, a troca ou seja a presiação e conlra-prestação de utilidades ou mercadorias, incluindo a mercadoria-trabalho (2). A troca, localisada com penosa investigação nos tempos primitivos (3), assume uma significação diversa nos differentes períodos da evolução economica. Acompanhando a classificação de KARL BÜCHER, modificada por EUGEN VON Philippovich (4), patenteiam-se racioFilosofia del Diriytto, pag. 322 e seg.; FONTANA-RUSSO, Traité de Politique Commerciale, (trad. de FÉLIX POLI), 1908, pag. 1 e seg. (1) CHARLES GIDE, Cours d'Êconomie Politique, 1909, pag. 37 e seg.; YVES GUYOT, La Science Économique, 1907, pag. 74. GUYOT formula um conceito altruísta da troca, em virtude do qual cada um produz não o que lhe é precizo mas aquillo de que os outros têm necessidade. (2) SR. DR. MARNOCO E SOUZA, A troca e o seu mecanismo, pag. 98 e 99; MAHAIM, Économie politique, (prelecções, Liège, 1907), pag. 7 e seg. (3) LEROY-BEAULIEU, Traité théorique et pratique d'économie politique, tomo III, pag. 3 e seg.; BROCA, MORTILLET, QUATREFAGES E JOHN EVANS concluem da exhumação de fragmentos de remota proveniencia, coevos, em sua simples factura, das mais longinquas manifestações do engenho industrial dos homens, a existencia da troca nos tempos prehistoricos. Seja assim. (Cf. SR. DR. MARNOCO E SOUSA, ob. cit., pag. 169-171). (4) EUGEN VON PHILIPPUVICH, Grundriss der Politischen Ocko 5 nalmenle as phases de tal evolução, trazida desde a inicial economia domestica (Antiguidade e Edade-Média até seculo XI), caracterisada fundamentalmente pelo facto de todo o processo economico se realizar no circulo da familia, percorrendo cada producto todo o cyclo da extracção da materia prima até ao seu acabamento, e passando ao consumo sem intervenção de qualquer intermediario; seguindo-se a economia urbana, typicamente desenvolvida nas cidades da Edade-Media, e na qual a producção, accenluada a divisão do trabalho, se realiza directamente para o consumidor, apresentando o consumo dos productos um caracter local, visto não passar geralmente da cidade e immediações; e succedendo-lhe, como effeito das tendencias de concentração politica manifestadas nos fins da Edade-Media, a economia nacional, politica economica esta que encontra uma affirmação plena na pratica das ideias mercantilistas, adquirindo a troca, neste período, um caracter geral, breve, porém, suffocado pela multiplicidade de prescripções regulamentares derivadas da intervenção exaggeradamente minuciosa dum regimen cada vez mais absoluto e centralisado. Mas a tal regimen, posto á prova durante largos annos, impossível se tornava conter a expansão do nomie, pag. 22 e seg., (apud SB. DR. MARNOCO E SOUSA, ob. ctí., pag. 174 e seg.). 6 progresso industrial e commercial das sociedades. Um generoso individualismo doutrinario, apregoando as beneficencias dum regimen natural e livre, acalentava uma forte reacção na ordem economica e politica, pela acceitação dos postulados francamente naturalistas da physiocracia. A liberdade economica, consagrada na orientação doutrinal, obtem seu complemento pratico; a troca revigora-se pelo desapparecimento de todos os obstaculos que se oppunham ao seu desenvolvimento, bem como o credito, a industria, o commercio e os mercados, que assumem definitivamente um caracter internacionalista, pelo nivelamento da producção e do consumo nos diversos paizes (1); e, na verdade, desde então se regista na historia economica da humanidade um novo e rasgadissimo período de evolução — a troca mundial —em que a troca Iransmille ao phenomeno da concorrencia a sua maxima intensidade e a sua expressão mais ampla e verdadeiramente moderna. 2. Assim claramente deduzida duma transformação livre da estructura economica e social, a concorrencia é originariamente a grande lei sob a qual se realiza a producção e a troca ou seja, no melhor con(1) Sr. DR. MARNOCO E SOUSA, ob. cit., pag. 177 e seg., e 186 e seg.; GHINO VALENTI, Principii di Scienza Economica, pag. 224 e seg.; Loria, La Sintesi Economica, 1909, pag. 1 a 3. 7 ceito de MOLINARI, BULLOCK, BEAUREGARD, RAYNAUD E SR. DR. MARNOCO E SOUSA, a competencia que se estabelece entre os indivíduos, que aspiram ás mesmas vantagens e porfiam em as obter. Como resultante, pois, do livre estadio do commercio e da industria, a concorrencia, com um caracter de necessidade que levou o individualista LEROY-BEAULIEU a dizer que ella representa para o mundo organico o que a gravitação é para o mundo inorganico, seguiu seu curso natural, garantido e ampliado pela proclamação da liberdade dogmatica do trabalho, pelos progressos incessantes da grande industria e pelas conquistas do engenho do homem em lodos os ramos da actividade economica. As consequencias da applicação natural da livreconcorrencia, a cuja sombra se têm suscitado os mais clamorosos conflictos que agitam o capital e o trabalho, têm desafiado apaixonadamente a apreciação de todos as escolas economicas. Merece as hosannas e a calorosa defeza dos individualistas, desde a feição moderada dos eclecticos-liberaes até as radicaes exigencias de ÀMMON, HAEKEL e SPENCER—unanime e fervorosamente convictos da efficaz constituição dum meio livre, como diz MOLINARI (1), em que as leis naturaes da (i) MOLINARI, ob. cif., pag. 23 e seg., e Journal des Économistes 8 concorrencia, — poderoso fermento social, prestigiosa e fecunda força do mundo economico, cuja descoberta, na opinião de LEROY-BEAULIEU (1) foi a suprema gloria da escola scientifica do seculo XIX — exerçam seguramente e sem sophismas as beneficas consequencias da sua acção reguladora. D'onde, taes considerarem o regimen da concorrencia como o mais perfeito de lodos os que se podem conceber, assegurando a cada productor a melhor remuneração do seu trabalho, garantindo aos consumidores o justo preço do producto, estabelecendo o equilíbrio constante entre a producção e o consumo, constituindo o estimulo mais energico que pode existir na humanidade, tornando possível a applicação á industria da lei do mínimo esforço e promovendo no mais alto grau o progresso technico da producção (2). Assim faliam os individualistas, cujos mais avançados espíritos emittem sobre a concorrencia uma extranha apreciação: o darwinismo social. A analyse biologica (novembro de 1907), artigo Le monopole-La concurrence productive et économique. (1) LEROY-BEAULIEU, ob. cit., pag. 624 e seg.; LÉON SAY e Chailley, Nouveau Dictionnaire d'Economie Politique, tomo II, artigo Liberté Economique de ANDRÉ LIESSE, pag. 166 e seg. (2) SR. DR. MARNOCO E SOUSA, ob. cit., 193 e seg.; GIDE, Cours d'Economie Politique, cit., pag. 146 e seg.; SUPUNO, Economia Politica, pag. 159 e seg. 9 denunciou a constante porfia das especies, debatendose em sua diversa vitalidade, no triumpho das unidades mais fortes, adaptaveis e uteis. E, transpostos os limites do mundo sociologico, as preoccupações naturalistas atlenlam na mesma selecção, apontando no viver social uma identica conflagração de elementos existentes, qual o mais forte, mais bem dotado ou mais são, animados das mesmas tendencias selectoras, traduzindo-se desta forma e desapiedadamente as sociedades numa formula de destruição sob a regencia imperiosa duma lei negativa. A concorrencia, encarada pelos naturalistas sob uma forma optimista, será o pleno triumpho dos melhor adaptados, o rigido preceito á sombra do qual não terá medida nem termo a onda da desgraça, da anniquilação e da dôr! (1). (i) GRAZIANI, Istituzioni di Economia Politica, 1908, pag. 526 e seg.; VARRI, Lezioni de Filosofia del Diritto, pag. 390 e seg.; VACCARO, La lotta per 1'esistenza, pag. 30 e seg.; ALFRED FOUILLBE, Le socialisme et la sociologie réformiste, 1909, pag. 283 e seg.; HERBERT SPENCER, Príncipes de Sociologie, tomo II, pag. 261 e seg.; SCHATZ, L'individualisme économique et social, pag. 7 e seg.; La Grande Encyclopédie, vbo concurrence, tomo XII, pag. 324; FELIX LE DANTEC, La lutte universelle, pag. 282 e seg.; PIETRO CHIMIENTI, II diritto di proprietá, pag. 19 e seg.; CESAREO CONSOLO, Lavoro e Capitale, Socialismo e Democrazia, pag. 423 e seg., e 494 e seg.; G. SERGI, La Sociologia di Herbert Spencer, apud Rivista Italiana di Sociologia de setembro - dezembro de 1903, pag. 479 e seg. 10 3. Mas a livre-concorrencia tem sido, por egual, o alvo de todos os ataques socialistas, que nella apontam um dos mais nefastos vehiculos da oppressão das classes proletarias, flagelladas pelo triumpho da grande industria, pelo exito crescente das mais fortes e exclusivistas formulas monopolisadoras do capitalismo, pela diminuição uniforme do custo da producção, pela baixa progressiva dos salarios e consequente depreciação da mercadoria-trabalho. E estas palavras de dura accusação repetem-se pertinazmente no texto dos generosos theoricos collectivistas, num supremo appello á pratica da funcção regulamentadora do Estado, escorrendo sinceramente e com límpida fluencia da bocca dos tribunos da plebe, a quem compele a missão prestigiosa de conduzir as legiões do trabalho por essa larga estrada da vicloria, na esperança remota duma egualitaria e bem remunerada democracia... Para esses a concorrencia apresenta (1) não menos inconvenientes que vantagens, attento que ella exige um (1) SUPINO, ob. ct., pag. 165 e seg.; SR. DR. MARNOCO E SOUSA, ob. cit., pag. 195 e seg.; GIDE, ob. cit., pag. 147 e seg. Em nossos dias a concorrencia atravessa uma interessantissima phase negativa, denominada pelos economistas o suicidio da concorrencia, visto que tal elemento do dynamismo economico se 11 perfeito conhecimento do estado do mercado, o que é quasi impossivel; suppõe nos concorrentes um proce estagna e condensa nas mais exorbitantes e accrescidas formulas do monopolio e da socialisação. A concorrencia, cuja essencia a alguns economistas se affigurava de perenne combatividade — eterna conservação de deseguaes energias, diz GIDDINGS — provoca nos limites da producção um verdadeiro estado de equilíbrio pela confluencia das forças productoras, polarisadas em colligações de producção — trusts, carteis, pools e comptoirs —; colligações de especulação — corners; e ainda syndicatos financeiros de maior ou menor extensão e varia organisação interna. A concorrencia determinando o armistício da producção, a sua propria paralysia-eis um extranho phenomeno, mas em summa, pbenomeno claramente incluído nos tramites da evolução economica, originado na grande empreza e na consequente concentração capitalista, perante a qual e Estado deve desempenhar um papel de preventiva e rigorosa vigilancia. A monopolisação das industrias, na sua feição característica e norte-americana do trust, seguirá seu curso; e, a não ser que novas e repetidas borrascas financeiras as ameacem subverter num formidavel crak, as grandes potencias argentarias continuarão seu prestigioso mando, e já agora ROCKEFELLER, se Deus lhe dér vida e saude, não terá de alterar o seu primeiro cuidado matutino de fixar o preço do petroleo em toda a parte do mundo.. .. (Cf. SR. Da. MARNOCO E SOUSA, ob. cit., pag. 202 e seg.; GIDE, ob. cit., pag. 200 e seg.; RIPLEY, Trusts, pools and corporations, pag. 21 e seg.; MONTEMARTINI, Municipalizzazione dei publici servigi, pag. 172 e seg.; MARTIN SAINT-LÉON, Cartells et trusts, pag. 14 e seg.; MAU-RICE BOURGUIN, La concentration industrielle et commerciale, apud Révue Économique Internationale, anno 1, vol. I, n.° 2.°, pag. 404 e seg.). 12 dimento leal e correclamente moralista, bem como a eguialdade de condições entre os mesmos; estabelece feroz contenda entre as grandes e pequenas emprezas, nem sempre assegura o melhor preço dos productos,— inconvenientes estes que se aggravam com o progresso industrial. CAPITULO II A concorrencia desleal: essencia e fórmas 4.—A livre-concorrencia e a concorrencia desleal. Como definir a concorrençia desleal? Opiniões de EECKHOUT, GIANNINI E Pouillet. 5. —Classificação das fórmas de concorrencia desleal. O seu enun ciado juridico, consoante a opinião de LAURENT e GIANNINI. 6.—Soluções apresentadas sobre a natureza do direito de proprie dade industrial: a) representa um elemento constitutivo da individuali dade de seu sujeito; b) deve ser equiparado ao direito de auctor; c) é de natureza especial, constituindo uma creação jurídica moderna. 4. As transformações do regimen da troca até ao esladio contemporaneo da livre-concorrencia melhor, porém, se comprehendcm pela evolução dos factores commercio e industria, sem que tal implique a confusão dum e outro phenomeno (1). (1) Tal confusão existia manifesta no animo e nos escriptos da economia classica, dos plhysiocratas, emquanto consideravam a concorrencia como a liberdade do trabalho e do commercio, a ausencia 14 O absorvente rigorismo, que foi a essencia das condições do trabalho no período da meia-edade e nos primeiros seculos da epoca moderna, eslava naturalmente condemnado, pela força de factores historicos de varia monta, cujo impulso demolidor successivamenle se patentearia na esphera economica como no mundo politico, mercê da intensa propaganda individualista. Ensejo teremos de apreciar mais documentadamente 'as vastas transformações, que o ultimo quartel do seculo XVIII assignalou na historia do trabalho e da pessoa humana. Para a apresentação sociologico-juridica do phenomeno da concorrencia desleal, basta-nos por ora e tão sómente registar que essa evolução se realisou num sentido plenamente livre, provocando os largos limites adentro dos quaes se agita a concorrencia desleal em seus multiplos aspectos (1). de restricções e a suppressão do toda e qualquer regulamentação imposta á livre actividade do homem. «A liberdade do commercio c da industria, conclue o SR. Dr. MARNOCO E SOUSA, é uma condição para que se possa dar este phenomeno na ordem economica, mas o phenomeno não se póde confundir com ella. Ainda assim, Schmoller na Allemanha, MARSHALL na Inglaterra e LEROY-BEAULIEU em França continuam a considerar a concorrencia como a liberdade economica, em harmonia com o criterio da theoria classica» (Cf. SR. DR. MARNOCO E SOUSA, A troca e o seu mecanismo, pag. 191 e segg.). (1) «Qu'est-ce que la concurrence déloyale? pergunta EECKHOUT. II est assez témeraire d'en hasarder une définition. Affranchie des 15 Defini-la com rigor, confessam-no os tratadistas, é uma verdadeira e temeraria dificuldade. Dados os numerosíssimos alvitres (1) a que recorre em sua colosrègies que trace la probité, ia concurrenee a suscité une variété iufinie de procédés indélicats; elle recourt aux artífices les plus divers, et couvre la fraude d'apparences toujours changeantes. Tantôt le concurrent peu scrupuleux attribuc à ses produits des qualités purement imaginaires. tantôt it trompe le consommaleur sur la quantité des marchandises vendues, ou bien il sollicite l'acheleur par 1'apparence avantageuse de prix artificieux; un tel offre des produits frclatés; un autre denigre perfidement son rival; tons, pour s'attirer la faveur du public, suscitem les confnsions et provoquent les méprises» (EECKHOUT, La répression de la concurrence déloyale en Allemagne, pag. 2). (1) Taes alvitres assim os expõe GIANNINI: «Industriali e commercianti corrono il palio per allargare la cerchia dei committenti o dei compratori, e si afffretano a cogliere ogni occasione e a profittare di ogni mezzo per attirare gli aguardi del pubblico sovra se stessi e i loro prodotti e per alletarlo aaa'aquisto. Le Esposizioni diventate ogni di piú frequenti e speciali, offrono modo per mettersi in evidenza; i commessi viaggiatori percorrono le Pro-vincie e gli Stati, e battono a tutte le porte; i negozi, le succursale degli. stabilimenti o degli empori si aprono com vere solemnità inaugurali. Non anno altro scopo che quello di cattivari l'attenzione e la benevolenza del pubblico, le elargizioni benefiche e le somministrazione gratuite fatte dei commercianti. Nessun mezzo rimane intentato; dagli annunzi e dagli articoli abilmente laudativi sopra i giornali, ai manifesti grandi e piccoli distribuiti per le vie e portati in giro per la città, affissi al impalcature deite costruzioni, ai muri, alle vetture pubbiche, alle tele dei teatri, dalle circolari, dà cataloghi disseminati ai migliaia, ai regali di oggetti di uso quotidiano, 16 sal expansão o industrialismo moderno, claramente se comprehende uma larga area de deslealdade commercial, feita das praticas e artifícios mais ou menos adulterados, de que a má fé dura concorrente lança mão, já para lesar o patrimonio industrial doutrem já para illudir e mystificar o consumidor — o publico. Por isso observa com justiça EECKHOUT que a concorrencia desleal é essencialmente movele variavel, emquanto o seu exilo está na razão directa da multiplicidade e rapidez de suas transformações. Os vícios da concorrencia são, pois, innumeros; tão bastos que o jurisconsulto POUILLET se permittiu um elegante arrojo litterario, denominando-a ura Proteu de fórmas illimitadamente variaveis (1), phrase que GIANche sotto variatissime forme, rammentano il nome di un fabbricanto, dei suo prodotto o del suo stabilimento. Questa invazione dei giornali, del pareti cittadine, delle orecchie del pubblico constituisce quello che con parola espressiva, e senza equivalente in italiano, si dice réclame «la tromba di raimé che senza cessa soffia ai quattro venti per attirare 1'attenzione universale». Questi mezzi, accanto al credito, al buon nome, alla modicità relativa dei costo, sono i fattori odierni della prosperità commerciale: essi constituiscono da ieri le armi e gli strumenti di una lotta ignota ad epoche, nelle quali neppure essi erano conosciuti» (Cf. GIANNINI, Concorrenza Sleale, pag. 22-23). (1) «La concurrence déloyale, escreve POUILLBT, esl un véritable Protée. Ses armos sont innombrables, souvent ingénieuses, toujours 17 nini repula mais repleta de poesia que de exactidão, vendo antes como indispensavel construir uma classificação tão rigorosa e systemalizada quanto possível das numerosas e complexas modalidades da mesma concorrencia. Isso nos habilitará ao menos a affirmar se possível é definir com rigor — a concorrencia desleal. 5. Varias lêem sido as classificações das fórmas de concorrencia desleal apresentadas pelos tratadistas (1). O systema mais commummente adoptado procura perfides; sa forme est parfois presque insaisissable et c'est même lá, pour certains commerçants, qu'est l'habilité. «Nous n'avons ni la prétention ni 1'espoir d'énumerer toutes ses transformations; celle d'hier n'est pas celle d'aujourd'hui» (Cf. POUILLET, Traité des marques de fabrique et de la concurrence dé-loyale, edição de 1906, introduct., pag. VIII). (1) Escriptores mais recuados, taes como BLANC, MATER, WAELBROECK, aggrupam os factos da concorrencia desleal consoante o seu objecto: nomes, emblemas, marcas, etc. ALLART, seguido por DARRAS, assim divide os factos da concorrencia desleal: 1.°) factos provocadores de confusão entre estabelecimentos; 2.°) idem, entre mercadorias; 3.°) factos causadores de desvio de clientela; 4.°) factos de concorrencia attentatorios de contractos realizados. ÉMILE BERT acompanha outrosim tal classificação, reduzindo-a, porém, emquanto funde as duas primeiras: factos provocadores de confusão entre estabelecimentos e productos. (BERT, Traité théorique et pratique de la concurrence déloyale, pag. 24). THALLER distribuo os actos da concorrencia desleal por esta fórma: o) actos cujo objectivo é provocar o descredito doutro concorrente 2 18 condensar suas categorias, apontando uma situação de concorrencia desleal: a) quando se provoca confusão ou troca entre o proprio estabelecimento ou producto e o estabelecimento ou producto de outrem, mediante a confusão, casual ou intencionada, e modernamente tão facil, de todos aquelles meios—nomes, etiquetas, emblemas, marcas, formas e involucros do producto — destinados a tutelar e garantir aos olhos do consumidor a identidade duma cousa ou pessoa. Em taes casos c seja qual fôr o meio executorio da confusão ou troca, o effeito essencial é induzir em erro ácerca da qualidade e natureza dos objectos, mediante uma substituição verdadeiramente desleal que ou da sua mercadoria por meio de falsas declarações com o fim de lhe usurpar a clientela: é a antiga actio injuriarum; b) actos hypocritas com o fim de confundir dois estabelecimentos, empregando indevidamente um concorrente meios attractivos da clientela de outrem (Cf. THALLER, Traité élémentaire de Droit Commercial, pag. 19). Dentre os tratadistas, porém, nenhum mais radical que VALLOTON sustentando sem rebuço a inutilidade e exactidão de qualquer prurido systematisador: «les formes de la concurrence délovale sont innombrables, los moyens qu'elle employe sont si divers, que nous sommes obligés de les réunir tant bien que mal d'une manière artificielle et souvent peu systématique, nous le craignons» (VALLOTON, La concurrence déloyale et la concurrence illicite, pag. 83). 19 furta ao consumidor as probabilidades duma escolha livre e consciente; b) quando se procura impor as proprias mercadorias e estabelecimento, attribuindo-lhes títulos de evidencia legitimamente adquiridos e privativos de outro concorrente; c) quando ainda por outros meios se tenta desviar a clientela de outrem, mediante a appropriação dum segredo de fabrico, suborno de artífices (embauchage d'ouvriers), alarde de recompensas que se não possuem, suppressão do nome ou etiqueta dos competidores, etc; d) e finalmente na hypothese de violação dum contracto, por força do qual se estipulou renuncia á concorrência. Tal póde ser o caso do transferente dum estabelecimento, que a despeito de se ter obrigado a não explorar identico commercio na visinhança não duvida quebrar deslealmente o pacto realisado (1). GIANNINI criticando a classificação exposta não esconde quanto de arbitrario e de praticamente inutil acompanha sua deducção. Aparte a categoria ultima (i) Ás citadas categorias accrescentam alguns auctores uma outra, inspirada na lei allemã de 27 de maio de 1896, e comprehendendo factos desleaes por que se pretende dar a uma mercadoria qualidades desmedidamente vantajosas e quiçá inverosímeis (Cf. EECKHOUT, obr. cit., pag. 153; e GIANNINI, obf. cit., pag. 31). 20 — violação dum pacto realisado, por virtude do qual mais nítida se revela a iniciativa duma acção por perdas e damnos que um facto de evidente concorren cia desleal — as restantes correspondem objectiva mente a uma mera enumeração e, no que respeita a seus agentes, tal importa uma serie de razões de or dem recondita—a bem dizer o mecanismo psychologico da altenção. A essa enumeração empírica—verdadeira mythologia jurídica como incisivamente a denomina REULING — importa substituir outra directriz de analyse, attenlo que o assumpto pelo seu caracter latitudinario (1) difficilmente soffre os termos precisos duma definição ou duma escala. Dar-se-ha, porventura, um passo logico, mas delle resultará apenas e em ultima analyse um debate meramente escolastico. E assim que MAYER (2) escreve: «Comprehende-se vulgarmente sob a rubrica de concorrencia desleal uma variedade infinita de factos que se não podem considerar legitimamente derivados do direito de livre- (1) «Questo delia concorrenza sleale, confessa VIDAM, é uno dei temi piú difficile di diritto industriale. Criteri sicuri e generali non vi sono affato, a meno di contentarsi di vaghe generalità che con-chindono assai poco e nulla insegnano alla stregua dei fatti» (Cf. VIDARI, Corso di diritto commerciale, XIV, col. 29). (2) MAYER, Die concurrence déloyale, n.° 36. 21 concorrencia»; para BROWNE (i) a expressão concorrencia desleal traduz todos os meios de perfida e deshonesta rivalidade no campo mercantil, e segundo SAVATIER (2) ella é a conquista do exito pela pratica de meios nem sempre conformes á moral social e attentatorios dos direitos de outrem ou do interesse publico. Conceitos estes que mais ou menos gravitam em torno da definição hoje classica de POULLET : «la concurrence déloyale, le mot lui-même 1'indique, est celle qui emploie des moyens détournés, frauduleux, des menées que la droiture et 1'honêteté reprouvent». E adeante: «si les moyens sont varies à l'ínfini, le but reste toujours le même: c'est le détournement de la clientèle d'autrui. Qu'elle usurpe une marque, un nom ou une enseigne, ou bien qu'elle se pare de qualilés qu'elle n'a pas, la concurrence déloyale cherche, dans tous les cas, à s'emparer indúment de la faveur du public et, par suite, a s'altirer une clienlèle. qui, sans ces manoeuvres, pourrail s'adresser ailleurs. A ce signe, quel quesoit son masque, il est facile de la reconnaitre». Todos estes tratadistas proseguindo o intuito de apresentar uma noção, ponlo de parlida para a analyse do phenomeno jurídico da concorrencia desleal, a verdade (1) BROWNE, Treatrise on the Law, apud GIANNINI, obr. cit, pag. 39. (2) SAVATIER, La concurrence déloyale, pag. 12. 22 é que pouco mais logram que affirmar; a concorrencia é desleal... quando não c leal. Taes noções são demasiado theoricas e vagas. E deixando tão sómente trasladada a fórma como o industrialismo moderno suscita com frequencia o facto da concorrencia desleal, busquemos sua figuração jurídica, concluindo com LAURENT e GIANNINI : a concorrencia desleal representa o abuso dum direito e a violação do direito de outrem. Determinar qual seja tal direito é bem o enunciado do problema jurídico presente á nossa analyse. 6. Os termos objectivos do problema juridico, que acabamos de enunciar, deduzem-se da situação e complexa iniciativa do agente mercantil. O commerciante, escreve GIANNINI, áparte a mercadoria e o capital, dispõe duma serie de meios (propaganda) que estabelecem e garantem o seu contacto com o publico. Marcas de fabrica, etiquetas, firmas, denominações de phantasia e demais especies de reclame são outros tantos elementos postos em pratica para individualisar peranie o consumidor o seu estabelecimento e os seus productos. São taes recursos de emprehendimento mercantil que tomam espaço como objecto do direito, sanccionando-os uma triumphanle corrente de jurisconsultos como uma categoria jurídica, tornada já, como 23 adeante mais largamente apreciaremos, uma vasta preoccupação legislativa. Qual é, porem, a natureza desse direito? Confrontemos os varios pareceres. a) Auctores ha para os quaes o direito cm questão representa puramente um elemento constitutivo da in dividualidade do seu sujeito. Distingue o, caracteriza o, a elle perlence por completo, sendo, em summa, uma emanação da sua propria personalidade. A expressão sociologicamente mais definida desta theoria traduzem-na aquelles que apresentam o direito em analyse como um legitimo corollario dos direitos fundamentaes do individuo, como uma consequencia necessaria da sua liberdade e da livre afirmação externa de suas iniciativas individuaes. Em todos os tempos a lei o reconheceu: a actio doli e a adio injuriarum longe o confirmam. b) Para outros o direito de propriedade industrial é equiparado ao direito de auctor: ambos devem ser juslamente catalogados como direitos inlellectuaes, allento que o seu commum objecto é uma creação da intelligencia, reclamando da lei uma tutela por egual efficaz. Tal theoria, pois, não cura de medir e ponderar o differente esforço intellectual que patenteiam as creações mais diversas do campo litterario, artístico ou simplesmente industrial. Para taes auctores, a Venus de Milo e o rotulo dum frasco de conservas são uma e a mesma coisa... 24 c) Finalmente, ainda para outros tratadistas e não são os menos numerosos, o direito em questão tem uma natureza especial. Para taes escriptores a trilogia do velho Digesto é insufficiente; sendo mistér accrescentar-lhe esta nova categoria juridica: a de direito sobre a marca commercial, do direito de producção intellectual nas suas diversas modalidades. Em todos os citados pareceres encontra GIANNINI um pronunciado e nebuloso sabor germanico: são demasiado subtis e doutrinarios, e o auctor italiano aconselha prudencia. Qual a natureza e razão de ser do direito de propriedade industrial? Interpretá-lo imporia abordar um dos mais latos problemas antepostos â moderna analyse sociologica. Tentá-lo-hemos, para uma completa deducção. CAPITULO III O instituto da propriedade e a propriedade industrial 7.—Importancia sociologica do instituto da propriedade. Elle acompanha e integra-se na evolução de toda a phenomenalidade socia], diz CARLE : é a lei de orientação mental de suas transformações. 8. —As theorias sobre a origem da propriedade: concepções apriorísticas de GUMPLOWICZ, GROCIO, BURLAMAQUI, PUFFENDORFF e ROUSSEAU; o racionalismo de KANT, LOCKE e AHRENS. 9 .— Systemas negativos: «a propriedade é um roubo» clama PROUDHON, e as apostrophes communistas perdem-se no deserto. 10. — As ideias collectivistas e a reforma da propriedade privada, segundo ANTON MENGER. 11. — A propriedade é uma instituição existente e como tal deve ser apreciada. A evolução da propriedade e as suas raízes sociologicas: a necessidade, o trabalho e o interesse. 13. — Estes mesmos elementos justificam a propriedade industrial. Caracter relativo das garantias juridicas deste instituto. 7. Ha nos domínios da sociologia e na controvertida historia das instituições humanas um problema que, pela sua complexidade e primacial importancia, 26 tem arrastado os espíritos ao mais desencontrado e difficil debate: o problema da propriedade. Elle tem gerado as mais diversas e apaixonadas theorias c prendido a attenção culta dos historiadores, que porfiam cm recompor a sua primitividade; tem inspirado os mais estranhos systemas de reacção, reforma e demolição resoluta; e como certo é que a ordem economica tem na propriedade o seu mais amplo fundamento, influenciando os mais encarecidos e melindrosos aspectos do viver social, o mesmo instituto occupa um proeminente logar na sciencia sociologica, constituindo de todos os tempos uma funda preoccupação de philosophos, economistas, jurisconsultos, estadistas e sociologos. Representando, pois, a essencia dos mais importantes litígios, que pendem no campo economico e jurídico (1), a propriedade tem provocado modernamente uma vasta e notavel elaboração scientifica. Á sombra do irrefragavel principio da transformação social, cumprida não dum modo brusco e interrupto mas numa medida contínua de racional e evolutiva successão, CARLE (2) não tardou cm formular uma lei que, inte(i) Loria, Les bases économiques de la constitution sociale, trad. de BOUCHARD, pag. 95 e seg.; CARLE, La vida del derecho en sus relaciones con la vida social, trad. do FLOREZ LAMAS e GINER DE LOS RIOS, tom. II, pag. 317 e seg. (2) CARLE, Le origine del diritto romano, pag. 62 e seg. 27 grando o instituto da propriedade no complexo de todos os institutos e phenomenos sociaes, que como elle nascem, subsistem e vingam uma natural sequencia, consubstanciou o extensivo principio de que a propriedade tem acompanhado em seus metamorphismos os tramites evolutivos de toda a organsação social. 8. Desta fórma nova luz incidiu sobre a confusa origem da propriedade, desde logo submettida a uma investigação concreta, puramente deduzida dos factos e vestígios da mais recuada primitividade, recolhidos em longos annos pela paciente tenacidade dos investigadores. Pretendeu-se banir todo o arbítrio, repudiar de vez as concepções depuradamente doutrinarias, que vinham assignalando ao instituto da propriedade bases e motivos de existencia perfeitamente artificiaes. Não era assaz explicação da propriedade considerá-la em sua origem, como simples resultante de uma disputa, repartição ou conquista de gente forte, sequiosa de posse e dominio, como queria GUMPLOWICZ ; ou como um facto de comprehensão aprioristica, justificando-se, como entendiam GROCIO e BURLAMAQUI, a primeira relação entre o individuo e os bens do mundo physico, por uma decisão prompta daquelle a assumir a feição juridica de occupante; ou ainda ligando a um convencionalismo mais ou menos artificial a causalidade do instituto da propriedade, erguido do nada por um es- 28 tranho accordo dos primeiros homens—accordo que poderia ser a convenção da propriedade de PUFENDORFF, O contracto social de ROUSSEAU, OU uma singela o das exigencias materiaes da harmonica vida do Estado — derivando-se da lei, numa incomprehensivel petição de principio, a primordial razão de ser do instituto da propriedade (i). Para outros, que assenlam seu raciocínio numa sincera coordenação das garantias e forças do individuo e da sociedade, a propriedade, como a interpretavam KANT, HEGEL, LOCKE, KRAUSE, FICHTE e AHRENS, era uma deducção das mais fundamentaes condições de existencia e progresso sociaes, um indispensavel complemento da liberdade individual, affirmando-se externamente pela appropriação e posse de bens materiaes. Theoria esta, em que os economistas se apressaram em introduzir a interferencia do agente economico, attrahindo ao patrimonio individual e modificando (1) GUMPLOWICZ, Derecho politico filosofico, pag. 496 e seg.; BORVie des sociétés pag. 200 e seg.; SR. DR. MARNOCO E SOUSA, Historia das instituições do direito romano, peninsular e português, pag. 309 e 313 e seg.; ROUSSEAU, O contracto social, trad. pelos redactores do Compilador, pag. 18 e seg., e 26 e seg.; SPENCER, Príncipes de Sociologie, tomo III, pag. 715 e seg.; CARLE, La filosofia del diritto nello stato moderno, tomo I, pag. 76 e seg.; GroTIU8, De jure belli ac pacis, liv. II, cap. II, § VI; VELARDITA, Prin-cipii di Sociologia, pag. 193 e seg. DIER, 29 pelo cunho de sua iniciativa laboriosa esses elementos destacados da natureza (1). Taes as ideias que apresentava a mais ingenua philosophia do direito, num completo desprendimento dos factos e de sua exclusiva significação, dando azo a que contemporaneamente medrassem nos limites duma explendida divagação theorica as mais avançadas concepções demolidoras da propriedade, ao tempo em que MORE, CAMPANELLA, ROBERT OWEN e CABET (2) navegavam de animo leve para a Icaria, dispostos resolutamente a lançar na ilha da Utopia os alicerces da mais excelsa promiscuidade (3). (1) LAVELEYE, La propriété et ses formes primitives, pag. 543 e seg.; LILLA, Manual di filosofia del diritto, pag. «130 e seg.; WAGNER, Grundlegung der Politischen Oekonomie, pag. 150 e seg.; FRANCK, Philosophie du Droit Civil, pag. 117 e seg.; AHRENS, Cours de Droit Naturel, tomo II, pag. 146 e seg.; FRANCESCO DE LUCA, La Sociologia di fronte alla Filosofia del Diritto, pag. 77 e seg.; PIETRO CHIMIENTI, IL diritto di proprietà, pag. 4 e seg. (2) RAMBAUD, Histoire des doctrines économiques, pag. 375 e seg. e 415 e seg.; BOUCTOT, Histoire du communisme et du socialisme, pag. 1 e seg. e 54 e seg.; SR. DR. MARNOCO E SOUSA, Sciencia economica, pag. 237 e seg. (3) Schönberg, Handbuch der politischen Oekonomie, pag. 12 e seg.; YON SCHEEL, Socialismus und Kommunismus, pars prima, cap. III; LICHTENBERG, Le socialisme au XVIII siècle, pag. 7 e seg., e 28 e seg.; KAUTSKY, Thomas More und seine utopie, pag. 6 e seg.; e PAUL LOUIS, Les étapes du socialisme, pag. 15 e seg. 30 9. O factor culminante dessa facção negativa é PROUDHON, o estoico e elevado Proudhon, que afastava de suas doutrinas os communistas artificiosos, proclamadores da religião da miseria, com o mesmo gesto de superior desdem com que relegava para o nada a philosophia dos homens e a religião dos deuses—julgando a divindade a suprema nephelibatice destes pobres mortaes. PHOUDHON, para quem ROBESPIERRE era ainda assim um aristocrata talon rouge, é o mais altivo e nobre demolidor que regista a historia dos systemas economicos de todos os tempos, e o proudhonismo é na verdade o mais forte libello que se tem articulado contra a propriedade. Dizendo-se interprete dos sentimentos e aspirações da humanidade, elle pretendeu pulverisar os fundamentos da propriedade, atacando-a em suas bases jurídicas de occupação e trabalho, attribuindo-lhe os mais nefastos effeitos corrosivos da egualdade humana, concluindo energicamente pela abolição dessa suprema espoliação social, e substituindo-a pela posse commum, egual e permanente para todos os homens (1). (1) PHOUDHON, Systhème des contradictions économiques, pag. 179 e seg., e 248 o seg.; De la création de l'ordre dans l'humanité, pag. 7 e seg.;»Qu'est-que la propriété?» pag. 31 e seg., e 131 e seg.; RAMBAUD, obr. cit., pag. 430 e seg.; FRANCK, obr. cit, pag. 157 31 A magnifica obra intellectual do grande pensador não tardou, porém, em expirar na fallencia da Banque du Peuple, e a sociedade burgueza não esqueceu conduzir mansamente PROUDHON perante as justiças, condemnando-o em tres mezes de prisão e quatro mil francos de multa! 10. A critica da propriedade assume feição mais moderada nas proposições colleclivistas, cujas imposições economicas, gravitando em torno da appropriação collectiva dos meios de producção, revestem na hora presente uma plausível viabilidade, pois que nos parlamentos se escutam já as reclamações do proletariado, o que é para muitos um symptoma seguro e um primeiro passo para o estabelecimento do Estado popular do trabalho. Interessa-nos um aspecto particular do doutrinarismo colleclivista: a parte com que a seita socialista concorre para a discussão do problema da propriedade. Em face da evolução dos systemas socialistas e tendo e seg., e 181 e seg., obra onde se contém uma bem deduzida critica ás tremendas allegações do grande revolucionario; CHARLES GIDE ET CHARLES RIST, Histoire des doctrines économiques, 1909, pag. 332 e seg.; M. LAIR, »Proudhon»: père de 1'anarchie, nos Annales des Sciences Politiques, de 15 de setembro de 1909. 32 em vista aa mais recentes affirmações de seus propugnadores, o colleclivismo procura revestir em nossos dias moldes praticos e transitorios, que lhe permitiam apresentar-se claramente como uma aspiração legitima e remodeladora da actual sociedade capitalista. Elles não desdenham da mentira convencional da urna, que faz ascender os seus corypheus ás cadeiras das assembleias parlamentares; e conscios da irrealisação de qualquer advento impetuoso, que subverta calastrophicamente os elementos vigorosos das sociedades constituídas de seguro direito, accommettem num plano pacifico, gradual e habilidoso, convergindo suas forças n'uma obra de sereno e commedido ataque. Não são já revolucionarios, são reformistas; acceilam a parlilha do poder e por essa fórma arrostam de bom grado com as incongruencias do seu mais radical doutrinarismo (1). (1) GEORGES SOREL, Réfléxions sur la violence, 1908, pag, 23 c seg., 125 e seg., e 141 e seg.; MILLERAND, Socialisme réformiste, pag. 5 e seg.., e La politique sociale sous la troisième republique, apud Revue politique et parlementaire, 1906, II, pag. 6 e seg.; GEORGES DEHERME, La démocratie vivante, pag. 220 e seg.; HESSE, Le parti socialiste et les réformes, apud Revue socialiste, de setembro de 1908, pag. 221 e seg.; MARC SANGNIER, La lutte pour la démocratie, pag. 6 e seg., e 59 e seg.; CHALLAYE, Syndicalisme révolutionnaire et syndicalisme réformiste, 1909, pag. 7 e seg.; OSTROGORSKY, La démocratie et les partis politiques, tomo II, pag. 516 e seg.; VICTOR 33 Assim, pois, o socialismo transita habilmente para uma organisação pratica; e como quer que o fulcro dos seus programmas seja a reforma da propriedade, importa summariamente apreciar as suas contestações. Os systemas collectivistas condemnam unanimemente a propriedade privada. ANTON MENGER, trasladando nas paginas dum bello e notavel livro a estructura do futuro «Estado socialista», esplana lucidamente o objecto e Gns de tal reivindicação. A organização juridica da sociedade actual está ainda profundamente embuida do espirito romanista, na influencia poderosa duma absorvente tradição historica (1). A propriedade é um dos mais vivos e palpitantes exemplos: ella é ainda o poder illimiíado attribuido ao individuo sobre uma cousa. A accumulação pratica dos effeitos jurídicos de tal preceito cimentou, no decorrer das edades historicas, o triumpho das minorias opulentas, das soberanias argentarias... RocKEFELLER com a sua brutal finança é o legitimo e insupportavel successor do duque de Borgonha, que em tempos medievaes foi o mais nobre senhor feudal de GRIFFUELHS, L'action syndicaliste, pag. 21 e seg.; TABBOUBIECH, La cité future, pag. 10 e seg.; FOUÍLLÉE, Les erreurs sociologiques et morales des démocraties, apud Revue des Deux-Mondes de 15 de novembro de 1909, pag. 315 e seg.; SOMBABT, Sozialismus und soziale Bewegung, pag. 12 e seg. (1) Cf. YON IHERING, Der Zweck tn Recht, tomo I, pag. 519 e seg. 3 34 vastas terras de regadio, forte pelas homenagens de seus abundantes vassallos. Essas fórmulas de Direito, a despeito das succumbidas e humanitarias aspirações dos fins do seculo XVIII, reflectiram-se amplamente nas falseadas garantias do regimen contractual c do direito successorio, geraram o mal social, a suffocação das energias do proletario, eternamente oppresso pelas exigencias do hyper-trabalho de MARX. E os socialistas tal não puderam ver, sem que os olhos se mareassem de lagrimas: abaixo a propriedade privada ! Como substituir, porém, o edifício da propriedade dos Estados modernos, tão profundamente barbaricos em sua organização, injustos senhores duma terra, arrancada a seus legítimos possuidores na violencia extrema duma longínqua invasão de raça? MENGER distingue para tal effeito e dentro da propriedade privada tres categorias de bens: bens consumíveis, bens de uso e meios de producção. A propriedade privada dos bens consumíveis, que são aquelles cuja utilisação implica a sua destruição completa ou pelo menos a destruição sensível de sua substancia, deve ser mantida na futura organização socialisla, em suas disposições essenciaes, plenamente reproduzidas quanto ao direito de uso, e quanto ao direito de disposição ou alienação, apenas com certas restriçcões derivadas do preceito de que nenhumas relações 35 de divida poderão subsistir entre particulares no Estado popular do trabalho, mas tão sómente entre o Estado e o cidadão. Os bens de uso, ou sejam as riquezas que são para o individuo objecto de utilidade immediata, sem consumpção, isto é, sem destruição ou diminuição sensivel de sua substancia, podendo assim ser utilisadas simultanea ou successivamente por multiplas pessoas,—taes bens devem ser em principio retirados do domínio privado, cuja essencia é incompatível tanto com os chamados bens de utilidade publica como em larga escala com a especie de bens de uso, dispostos por sua natureza a serem usufruídos pelos indivíduos ou pelas famílias. O uso destes poderá ser concedido ao particular pelo Estado ou outra organização publica, numa esphera, porém, restricta, sem a livre disposição dos fructos e colheitas, que se devem considerar um meio de producção, e por isso tão somente por fórma passageira, incompleta e simplificada, sem as monstruosas exigencias formalistas do actual cadastro. E quanto aos meios de producção, cujo fim normal é produzir, com ou sem cooperação do homem, novas utilidades e facilitar a repartição das existentes? Os meios de producção ou instrumentos de trabalho (1), (1) Entre os meios de producção devem particularmente incluir-se os seguintes, com suas partes componentes e accessorias: 1.° os 36 como em geral são designados pela lilteratura socialista, repellem por sua natureza a propriedade privada. A importancia capital, diz MENGER, que têem na vida economica do Estado os meios de producção, impede necessariamente a sua exclusiva apropriação por qualquer individuo no futuro Estado popular do trabalho. A propriedade de todos os meios de producção deve pois reverter exclusivamente para Estado e para as outras corporações publicas (1), libertando taes meios bens naturaes e terrenos, reproductores de novas utilidades, como campos, florestas, minas, rios e mais cursos d'agua; 2.° fabricas e demais estabelecimentos industriaes; 3.° meios de transporte, em seu mais vasto sentido, comprehendendo não só os caminhos de ferro, vias maritimas, estradas e cursos navegaveis de agua mas ainda os armazens e instituições accessorias destinadas á distribuição normal das riquezas; 4.º as materias primas destinadas á producção (MENGER, L'Etat Socialiste, pag. 129 e 130). (1) MENGER refuta assim implicitamente a admissão dos collectivismos parciae, como sejam o collectivimo agrario (HENRY GEORGE, Progress and Poverty, livro VIU, cap. I e seg.; RUSSEL WALLACE, Land Nationalisation, pag. 1 e seg.; RAMBAUD, Histoire des doctri-nes économiques, pag. 612 e seg.), o collectivismo industrial (RAMBAUD, ob. cit., pag. 466 e seg.; Schäffle, Quintessence du socia-lisme, pag. 10 e seg., e 20 e seg.), e o collectivismo municipal (MONTEMARTINI, Municipalizzazione dei publici servigi, pag. 47 e seg., 56 e seg., e 91 e seg.), e bem assim o neo-collectivismo, em-quanto este admilte, com intuitos opportunistas, a pequena propriedade; (Cf. SR. DR. MARNOCO E SOUSA, Sciencia Economica, pag. 288 e seg.; e CHARLES GIDE, artigo Le Neo-collectivisme, na Revue d'Eco- 37 de todas as formas de adquisição constitutivas do direito privado, e banindo-os por completo da influencia da mais nociva inimiga de qualquer systhema juridico racional: a prescripção. Áo individuo, pois, nem simples direito de uso dos meios de producção deve ser concedido, attento que a sua fruição, no Estado popular do trabalho, constituirá um mero estado de facto, tal qual o que hoje é dado ao salariado industrial ou rustico, e sempre por conta e domínio directo do Estado e mais entidades publicas. Consequentemente, os meios de producção estarão fóra da area economica da troca, e MENGER conclue que será até a estricta observancia e cumprimento de tal preceito juridico a condição essencial de exito da futura organisação collectivista (1). nomie Politique, tomo VIII, pag. 423 e seg.). O collectivismo de ANTOH MENGER traduz pois mais caracteristicamente as ideias amplas do collectivismo integral de BENOIT MALON (Socialisme integral, tomo I, pag. 200 e seg., 253 e seg. e 304 e seg.), se bera que numa condensação mais lucida, numa analyse mais rigida e justaposta á maclúna do futuro Estado popular do trabalho. (1) MENGER, Ob. cit., pag. 107 e seg., 111 e seg., 126 e seg., e 129 e seg.; WANDERVELDE, El Colectivismo, trad. de Roberto Robert, bijo, pag. 22 e seg., 115 e seg., 140 e seg., e 174e seg.; FODILLÉE, La propriété sociale et la démocratie, pag. 10 e seg.; EDMONO VILLEY, Socialismo contemporain, pag. 78 e seg.; DESLINIÈRES, L'application du système collectiviste, pag. 23 e seg.; DIEHL, Uber Socialismus, pag. 5 e seg., e 34 e seg.; JEAN GRAVE, La so- 38 E cremos ter condensado pela palavra de alguns de seus mais notaveis tratadistas, auclorisados e esclarecidos combatentes, a ponderavel argumentação dos so cialistas contra a radicada e secular instituição da propriedade. 11. Que pensar deste extremado conflito de opiniões ? Poder-se-ha attribuir á propriedade uma origem puramente derivada das conveniencias dos indivíduos ou dos aggregados sociaes, uma razão de ser abstracta e universal, que bem pode ser o peccado original, como quer a mais sobrenatural theologia ? Ou pelo contrario ser-nos-ha forçoso desistir de toda a invesligação em busca dum terreno primario, que seja os alicerces de justiça da propriedade privada, apontando-a como uma fonte de iniquidade e permanente oppressão social ? Até em materia scientifica se nos adigura a tolerancia uma grande virtude. A custo apercebidas as forças e leis do todo sociologico, admitte-se que uma sociologia natural existe, tão firme e poderosamente ciété future, pag. 10 e seg.; TABBOURICH, Essai sur la propriété, pag. 21 e seg.; FOUILLÉE, Le socialisme et la sociologie réformiste, 1909, pag. 325 e seg.; BONNAUD, L'État Socialitte, no Journal des Économistes de 15 de setembro de 1909, pag. 326 e seg.; LORIA, Verso la giustizia sociale, pag. 446 e seg.; CESAREO CONSOLO, Lavoro e Capitale, Socialismo e Democrazia, pag. 370 e seg. 39 cumprindo sua missão, como firmes e poderosas são as mais palpaveis e urgentes leis naturaes. A sociedade, sendo a manifestação concreta do instincto da sociabilidade, é no domínio psychologico a mais extensa e por isso a menos remunerada das necessidades individuaes: a autonomia do individuo dilue-se nas exigencias da colleetividade, que mais póde e melhor se impõe pelo numero e pela somma das suas vontades e energias constitutivas, cumprindo os preceitos duma demarcada marcha social, numa relação constante entre a abscissa e a ordenada e como resultante complexa de todos os factores de civilisação. Eis porque o socialismo nos não surprehende e ante a sua passagem sinceramente nos descobrimos, saudando nelle uma legitima, proxima e quiçá proveitosa illação do processus historico-evolutivo. São ideias novas, de original conteúdo, é a rajada impetuosa dum Direito nascente que quer demolir desapiedadamente as velhas formulas, arrancar de raiz as seculares instituições, e como certo é que o communismo era já uma bella figura de rhetorica tecida sob o portico philosophico de PLATÃO, o socialismo, sua attenuada succedanea, pode bem ser a humanidade que vem de retôrno, mais numerosa e esclarecida, dignificada pelo trabalho e pela cruciante selecção de muitos e dolorosos annos... Elles pretendem arrazar para todo o sempre a propriedade privada; mas ella é uma instituição viva e 40 amplamente frondosa, é o fundamenta) terreno jurídico de todas as nacionalidades e civilisações, reflecte a sua constituição em todos os ramos da actividade sociologica e tem ainda o culto e confirmação unanimes de todos os codigos e legislações. A mais vasta investigação historica esplana com a precisão possível os tramites da sua evolução, adaptando a regra abstracta de suas transformações—no conceito de CARLE, que atraz citamos, e que, como bem observa o Sn. DR. MARNOCO E SOUSA, importancia tem como lei de orientação mental e não como lei historica — ás transformações mesmas das communidades humanas. A mais recuada formula será assim, pois, a communidade de aldea, seguida da communidade de família, e finalmente a propriedade individual, libertada, em sua motivada fragmentação, do domínio colleclivo, pela affirmação da posse individual (1). (1) LAFARGUE, L'origine e l'evoluzione delia proprietá, pag. 12 e seg. 124 e seg.; COGKETTI DE MAIITUS, Le forme primitive della evoluzione economica, pag. 10 e seg.; GUMPLOWICZ, Sociologie et politique, pag. 168 e seg.; SR. Dr. MARNOCO E SOUSA., ob. cit., pag. 321 seg., 327 e 339 e seg ; TARDE, Les Transformations du Droit, pag. 64 e seg.; D'AGUANNO, La genesi e l'evoluzione del diritto civile, pag. 03 e seg.; KOWALEWSKY, Le passage historique de la propriété collective à la propriéeté individuelle, nos Annales de l'institut International de Sociologie, tomo II, pag. 175 e seg. LETOURNEAU, 41 Qual será a mais racional explicação sociologica da genese da propriedade ? Plenamente integrado no quadro evolutivo de todas as instituições humanas, o pheuomeno social da propriedade desdobra-se, a nosso ver, em dois elementos: o objectivo, ou seja a sua base material, os bens e cousas do mundo exterior, e o elemento subjectivo, que se cifra fundamentalmente e em todos os tempos nos motivos associados da neces-sidade, trabalho e interesse. E, na verdade, a analyse do phenomeno da propriedade, ainda em sua mais recuada feição communitaria, demonstra que é uma mais urgente necessidade de subsistencia, de fixação, um laço puro e simples de ordem economica, que prende a collectividade e o homem á terra, ligando-se numa communhão tão natural e legitima, como legitimas e naturaes são as demais instituições da humanidade — a familia, a arte, a religião, a moral e a politica.... L'evolution de la própríété, pag. 30 e seg.; MORASSO, Evoluziane del diritto, apud Sr. Dr. MARNOCO E SOUSA, ob. cit., pag. 37 e seg.; SPENCER, Justice, pag. 110 e seg., e 313 e seg.: o grande pensador combate a theoria do communismo primitivo, sustentando que entre as mais recuadas populações se encontram vestígios da propriedade individual e privada. NARDI GRECO, Sociologia giuridica, pag. 33 e seg., 124 e seg., e 171 e seg.; LESTER WARD, Pure Sociology, pag. 233 e seg.; BARTHÉLEMY TERRAT, DU régime de la propriété dans le rode civil, apud Livre du Centenaire do codigo civil francês, vol. I, pag. 332 e seg. 42 Certo é, não o contestamos e antes o admittimos como irrefragavel principio, que a propriedade é uma cathegoria historica (1), no sentido de que as transformações successivas das sociedades lhe têm imprimido uma differente organisação. Mas nas suas mais variadas modalidades, tornada commum ou de estricta posse individual (2), na desmedida vigencia de sua absorpção por esta ou aquella classe — hontem cifrando-se no feudalismo nobiliarchico, hoje no do capital, e amanhã no do Estado (que as aspirações socialistas consagram, a nosso ver, o feudalismo do Estado-providencia), a propriedade terá sociologicamente e sempre identica justificação e fundamento na necessidade economica de fruir suas uti(i) Assim pensaram SPENCER, Príncipes de Sociólogie, pag. 717 e seg., e LASSALLE., Capital et travail, pag. 15 e seg., apud Sn. Dn. CAEIRO DA MATTA, O Direito de Propriedade e a utilidade publica, pag. 28. (2) A analyse positiva, escreve o Sn. Dn. CAEIRO DA MATTA, vendo na propriedade, não uma instituição sagrada, nem um roubo, mas simplesmente um phenomeno, indica como causas que provocaram a genese e determinaram o desenvolvimento da propriedade o augmento progressivo da população e do numero e intensidade das necessidades. E a natureza da cultura intensiva, as exigencias do trabalho humano, o desenvolvimento da familia, do individuo e do Estado, explicam a transformação da propriedade collectiva em individual e livre, a unica que, no dizer de CAUWÉS, pode prestar á actividade economica a força de expansão indefinida que o progresso das sociedades reclama, (ob. cit., pag. 29-30). 43 lidades, adjudicadas ao individuo, a uma classe ou a toda a aggremiação numa reduzida faculdade de uso. Mas a propriedade, uma vez no patrimonio privado, tem um consolidado reagente de transformação: é o trabalho no estimulo directo do interesse. O trabalho individualisa a propriedade e fecunda-a, arranca á materia prima todas as suas energias productivas, é energia e força, gera as industrias, multiplica as utilidades; e porque util é a producção de qualquer especie (1) —util é uma norma de moral, como uma concepção de arte, como uma manufactura — o tra balho é, em ultima analyse, o nobre, fertil e comple mentar motivo de legitimidade do instituto da proprie dade no seio dos estatutos de lei e em face das exigencias collectivas. Tal a theoria sociologica da propriedade que reputamos mais racionalmente acceitavel. 13. Os estadios mais ou menos vinculados da pessoa humana são-nos revelados pela evolução mesma da propriedade, desde as formulas communitarias da collectividade primeira (2) até á sua expressão livre, (1) Cf. YVES GUYOT, La Science Économique, 1907, pag. 13 e seg,, 57 e seg,, e 74 e seg. (2) Cf. SUMMER MAINE, Études sur 1'ancien droit et la coutume primitive, pag, 383 e seg.; BRUGÍ, La Proprietá, 1908, pag. 10 e 44 surgindo do concurso dynamico e da complexa influencia das necessidades, tornadas mais extensas e exigentes, tal qual como a população, o solo, a família e o Estado (1). No ambiente da organisação social moderna e a despeito da critica que vimos ser-lhe dirigida, o instituto da propriedade restaura a sua feição plenaria e a bem dizer absolutista do velho dominium romano. A construcção juridica da propriedade privada de novo traduzindo-se como uma plena in re poíesías reconhece e garante a completa autonomia do direito do proprietario, cifrando-se numa relação directa e immediata entre o titular e a cousa, facto economico e social, cujos effeitos jurídicos residem com o caracter passivo de dever nas demais unidades sociaes (2). seg., 31 e seg.; Sn. Dr. MARNOCO E SOUSA, Historia das instituições do direito romano, peninsular e português, 1904, pag. 418 e seg.; LAVELEYE, De la propriété et de ses formes primitives, pag. 5 e seg. (1) LILLA, Manual di filosofia del diritto, pag. 140 e seg.; XÉNOPOL, Sociologia e historia apud Rivista Italiana di Sociologia, fase. de maio-agosto de 1905, pag. 308 e seg.; DE LUCA, ob. cit., pag. 79 e seg. (2) A opinião de que os direitos reaes assim se resolvem numa relação entre sujeitos, tal qual como os direitos pessoaes, tem sido vivamente impugnada por alguns jurisconsultos; (Cf. SR. DR. GUILHERME MOREIRA, Instituições do Direito Civil Português, pag. 123 e 331 e seg.; Duguit, L'État, le droit objectif et ta loi positive, 45 Assim resurgiu, em principio, o extremo conceito individualista da propriedade, abrangendo em sua area e sob uma mesma rubrica — bona — não só aquellcs valores integrados nas cousas corporeas materialmente consideradas, como os direitos denominados cousas in- tomo I, pag. 175 e seg.; CAPITANT, Introduction à l'étude du droit civil, pag, 78. Em sentido contrario: MICHAS, Le droit réel considéré comine une obligation passivement universelle, pag. 66 e seg.; PLANIOL, Traité élémentaire de droit civil, tomo I, pag. 679 e seg.; SR. DR. CAEIRO DA MATTA, O direito de propriedade e a utilidade publica, pag. 32 e seg.). «Un rapporto d'ordine giuridico, escreve SORGE-VADALA no seu recentíssimo trabalho: «I Rapporti di vicinato», non puó esistere fra una persona e una cosa, sarebbe un controsenso: dare un di-ritto all'uomo sulla cosa equivarrebbe a imporre una obbligazione alla cosa verso 1'uomo, il che é assurdo. Un diritto reale qualunque é portanto un rapporto giuridico stabilito fra una persona come «soggetto attivo» e tutti gli altri come «soggetto passivo». »E ció giustamente, perché che cosa è il diritto? Tra quali enti puó esistere il diritto? II diritto è ordine degli interessi umani, é un rapporto tra persone; il diritto esiste solamente fra personne; jus est realis atque personalis proportio «hominis ad hominem» diceva DANTE ; é impossible dunque concepire un diritto existente fra una persona ed una cosa, perché mentre nel primo caso, ché il vero, il reale, ad ogni diritto dal lato attivo corrisponde necessariamente una obbligazione dal lato passivo, nel secondo caso tale corrispon-denza non ci sarebbe, né potrebbe esserci, perche la cosa per sua natura non potrebbe avere dei doveri. Tale era pure il conceito del KANT, dello IHERING, del FOUILLÉE», etc. (Cf. I Rapporti di vicinato, 1909, pag. 53-54). 46 corporeas e que sobre essas mesmas cousas se podem exercer (1). Seja, porém, qual fôr o aspecto sujeito á analyse, crêmos que as bases sociologicas da teoria succintamente supra-exposla justificam a propriedade privada em qualquer de suas modalidades: tanto a propriedade material como a propriedade industrial, luterana e artística. A necessidade é o seu permanente fundo sociologico, valorisado pelos títulos do trabalho e do interesse, na garantia dos preceitos positivos de lei. A natureza, legitimidade e limites juridicos da propriedade industrial (2) têm, não obstante, concitado a (1) SR. DR. GUILHERME MOREIRA, ob. cit., pag. 336-339; GRASDe la classification scientifique du droit, pag. 12; DERNBURG, Pandekten, pag. 48; ROGUIN, La Règle du Droit, n.° 119 e seg.; OLIER, De la distinction des droits réels et des droits personnels, na SERIE, Recue critique, 1896, pag. 470 e seg. (2) Referimo-nos capitalmente á propriedade industrial, attento que ella, ao menos em algumas de suas modalidades, constituirá posterior objectivo da nossa analyse. Sobre a rubrica de propriedade industrial se podem incluir, em latitudinaria comprehensão, todos os problemas relativos á propriedade emanada de qualquer fonte de acquisição de origem industrial ou de industria: a propriedade industrial, diz MIRAGLIA por uma forma vaga e assaz imprecisa, tem sua origem na manufactura, denominada, em especial sentido, industria (Filosofia del Diritto, pag. 293}. Nesta ordem de ideias a propriedade industrial abrangerá questões do mais lato alcance, como sejam as que dizem res- 47 critica a um amplo debate. Contra ella se têem deduzido os mesmos argumentos, expendidos em largo alcance demolidôr ou reformista contra o instituto da propriedade. Não falta, outrosim, quem derive sua natureza e fundamentos jurídicos de mera convenção ou simples essencia de lei, como BÉDARRIDE, OU a considere como RENDU uma criação espontanea de direito natural (1). peito aos elementos da producção, ao insaciavel conflicto entre o capital e o trabalho. A propriedade industrial acceita, porém, uma interpretação restricta, incluindo-se sob tal epigraphe tão somente os títulos de propriedade de patentes da invenção e introducção de novas industrias, marcas de fabrica e de commercio, nomes industriaes. E egual distincção cabe em materia legislativa, no duplo aspecto de: legislação do trabalho propriamente dita ou legislação social, e legislação sobre propriedade industrial. Impunha-se-nos estabelecer tal desdobramento, aliás legitimo, pois que a nossa analysc se reporta ao segundo aspecto. (1) BÉDARRIDE, Brevets d'invention, tomo III, pag. 62 e seg.; BRAUN, Nouveau traité des marques de fabrique et de commerce, du nom commercial et de la concurrence déloyale, n.° 10; RENDU, Codes de la propriété industrielle, tomo III: Marques de fabrique et de commerce, n.° 113; MIRAGLIA, Filosofia del Diritto, pag. 294 e seg.; LÉON SAY E CHAILLEY, Nouveau Dictionnaire d'Économie Politique, tomo II, vbo propriété, pag. 641 e seg.; DEVILLENEOVE, MASSÉ ET DUTRUC, Dictionnaire du Contentieux commercial et industriei, vbo Propriété industrielle; POUILLET, Traité des marques de fabrique et de commerce, pag. 106, n.° 77; LUCIEN BRUN, Les marques de fabrique et de commerce, pag. 292 e seg.; POUILLET, MARTIN SAINT LÉON ET PATAILLE, Dictionnaire de la propriété industrielle, artistique et litteraire, vbo Propriété industrielle. 48 Razões estas já conhecidas, cuja apreciação atraz deixámos summariamente expressa. Contrariamente, atlribuimos á propriedade, e agora extensivamente a qualquer de suas modalidades, motivos mais fundos de sua existencia sociologica, totalmente inspirados no primacial factor de necessidade, completado pelo tra~ bailio e interesse individuaes. A propriedade industrial é legitima, a despeito da má Tontade de PHOUDIION, LOUIS BLA.NC, CHEVALIER e CAREY (1), cujas opiniões extremas pretendem conduzir (1) PBOUDHON (Majorats litteraires), Louis BLANC (Organisation du Travail), e CAREY (Lellers on International Copyright) dirigem especialmente seus ataques á propriedade litteraria e artística, julgando-a incompatível com qualquer remuneração material, cuja offerta, no dizer de PROUDHON, é aviltante, rebaixando a uma escala mercantil a cathegoria dos creadôres das coisas bellas, justas e verdadeiras (!), ou mesmo injusta, pois que, conforme pensa CABEY, os trabalhadores intellectuaes vão buscar seu peculio e materia ao fundo commun dos conhecimentos humanos, como quem tece capellas com as flôres colhidas no jardim de outrem .......... Crêmos piedosamente que GAREY foi o primeiro a renegar a sua theoria. Com vista ao assumpto são interessantes e dignas de leitura as paginas escriptas por ALEXANDRE HERCULANO no tomo II dos Opusculos, (Questões publicas): A Propriedade litteraria, pag. 55-114, e Appendice, pag. 115-150. «Se o auctor de qualquer invenção ou descoberta, diz COMTE, adquirisse ipso facto a propriedade exclusiva da mesma invenção ou descoberta, seguir-se-hia que desde esse momento ninguem, senão elle, a poderia pôr em pratica. 0 primeiro homem, que ti- 49 a uma cominam espoliação, falsamente egualitaria e improductiva. E se certo é que praticamente se não demonstra uma egual interferencia da intelligencia do individuo que forneça base para uma equiparação da propriedade litteraria e artística á propriedade individual, nem por isso é menos de attender e respeitar o fundo material, que concretisa o objecto de taes institutos, e quanto de actividade intellectual estes diversamente representam, reclamando uma justa compensação juridica. Ao inventôr ou ao industrial devem, pois, em principio garantir-se os títulos de propriedade de suas descobertas, marcas, nomes e recompensas, etc, como tal é assegurado ao titular de bens puramente materiaes, e bem assim ao creadôr e legitimo usufructuario duma obra litteraria ou duma execução de arte (1). vesse e executasse a ideia de transformar um pedaço de páu num par de tamancos, ou um pedaço de coiro em um par de sandalias., ficaria com o direito exclusivo de calçar o genero humano». Apud ALEXANDRE DE SEABRA, A propriedade, pag. 181. (1) «La propriété des ceuvres de l'esprit, escreve ALLART, n'est-ellc pas la plus légitime de toutes, surtout si l'on suit les idées modernes suivant lesquelles le travail seul doit fonder la propriété? L'invention, 1'ouvrage d'art ne sont-ils pas au plus haut point 1c fruit du travail? Dès lors pourquoi en protéger la propriété moins que celle portant sur d'autres objets? L'oeuvre de 1'esprit est 1'émanation de ce qui est le plus personnel, le plus intime chez 1'homme, elle est le fruit de sa pensée, elle est 1'homme lui-méme. Comment dès lors lui 4 50 Mas a propriedade industrial e suas constitutivas garantias jurídicas não são absolutas — é uma segura conclusão inspirada na propria essencia de todo o principio de lei. refuser une protection énergique? Plas que toute nutre elle y a droit. La violer c'est porter atteinte non seulement à la propriété, mais à la personnalité de 1'auteur. C'est lai prendre ce qui soavent est 1'oeuvre do sa vie entière, sa propre histoire, avec tout son cortège de souvenirs, de déboires et d'espérances. L'auteur est tout entier dans son oeuvre et c'est pour cela que violer 1'une, c'est violer 1'autre. lntérêt moral, intérét matériel, voilà ce que représente pour son auteur 1'oeuvre de 1'esprit. Osera-t-on dire que l'on en puisse faire abstraction dans une législation qui protége l'homme dans ses biens, comine dans sa personne? Est-ce bien le moment de venir parler de 1'intérét national? Et d'ailleurs celui-ci a-t-il avantage à ce qu'une impunité scandaleuse couvre et encourage ces actes de déprédation commis à 1'encontre des inventeurs et des auteurs? N'y a-t-il pas au contraire un interêt primordial à ce que la loyauté règne partout? Le commerce comme les arts, ('industrie comme le niveau intellectuel du pays, ne se ressentent-ils pas de la bonne foi qui y règne ? Que deviendront-ils si 1'inventeur voit sa découverte mise au pillage, si 1'auteur voit son oeuvre vilipendée et déslionorée par des reproductions grossières qui, outre ses intéréts matériels, lèsent ce qui lui est plus cher encore, sa réputation et sa gloire? N'aboutira-t-on pas à decourager les uns et les autres, pour le plus grand dommage de 1'intérét public? Cesont là, nous semble-t-il, des raisons suffisantes à justifier pour la contrefaçon la répression pénale, parce qu'elle est la plus énergique do toutes les sanctions. Cf. ALLART, Traité théorique et pratique de la contrefaçon, 1908, pag. 6 e 7. 51 A norma juridica, como garantia coactiva para satisfação das necessidades collectivas, é ura preceito de caracler universal, gerado nos confins. soberanos do Estado, cujo supremo prestigio auctoritario não é filho do arbítrio, mas concepção justa dictada pela consciencia do maior numero. Por isso a justiça se não pode comprehender como creação fortuita ou de mera elaboração do enlevado capricho duma suffocada minoria, derivando antes seu poder do complexo das mais lídimas aspirações sociaes, redundando por seu accôrdo na força obrigatoria do Direito. É esta a condição intrínseca da vitalidade de todos os institutos jurídicos, e consequentemente a da propriedade, que não é uma instituição no espaço, erguida pelo arbítrio e ambição dum pleno senhor. Á funcção de seu utilitarismo implica, quatenus juris ratio patitur, rcstricções de ordem convencional ou legal, limitações positivas ou negativas, que representam a base de sustentação do equilíbrio e harmonia das sociedades, para que, na coexislencia das capacidades jurídicas individuaes, lodos os direitos conjunclamente se satisfaçam e se não subvertam (1). (1) COCCHIA, I limiti delia propriélá, pag. 3 c seg.; DUGIÍT, L'État, le droit objectif et la loi positive, tomo 1, pag. 80 e seg.; GROPPALI, IL problema del fundamento intrínseco del diritto nel positivismo moderno, pag. 176 e seg.; NOYELLE, Lesrestrictions appor- 52 É relativa a propriedade industrial, pois seria contrariar a essencia juridica do mesmo instituto e as livres c concorrentes tendencias do mondo economico moderno ceder ao industrial ou ao inventor a eterna, absoluta e illimitada posse, uso e fruição dos objectos de seu dominio. E consequentemente se por um lado é licita a qualquer a valorisação jurídica de seus títulos de propriedade industrial, não menos certo é que taes títulos e tal propriedade se devem comprehender e praticar com as necessarias restricções inspiradas nas imposições livres do mundo economico e do meio social, porque a lei não cria e não contem a essencia innata da existencia das multiplas manifestações da actividade social, mas sim delias resulta, reconhecendo-as e patrocinando-lhes as condições de seu racional e progressivo desenvolvimento (1). E agora que demonstrada deixamos a legitimidade sociologica do instituto da propriedade industrial, mais segura e lucidamente nos encaminhamos para a sua tées au droit de propriété dans 1'intérêt prive, pag. 20 e seg.; SORGEVADALA, I Rapporti di vicinato, 1909, pag. 50 e seg. (1) ÉMILE DESCHAMPS, Étude sur la propriété industrielle, pag. 5 e seg.; LAMBERT, Manuel de la propriété industrielle et commerciale, pag. 10 e seg.; DR. OSTERRIETH, Lehrbuch des gewerblichen Rechtsschutzes, 1908, fase. 1.°, pag. 1 e seg. 53 apreciação no campo jurídico, procurando delimitar com maior rigôr sua essencia e seus justos termos. É agora o momento de apreciar a conciliação juridica do instituto da propriedade industrial com as tendencias da livre concorrencia moderna. CAPITULO IV A concorrencia desleal e o abuso do direito 13. — 0 direito de livre-concorrencia e suas limitações. 14. — A theoria do abuso do direito: essencia e razões de sua acceitação. 15. — Criterio regulador da mesma theoria. 16. — Integração da concorrencia desleal na theoria do abuso do direito. 13. Uma vez lograda a justa demarcação do instituto da propriedade industrial na vasta área e influencia do phenomeno da concorrencia-livre, ter-sehão formuladas as bases jurídicas da concorrencia desleal. Vimos como por uma gradual emancipação de suas fundamentaes garantias ao individuo foi dado transmittir ao corpo social a sua liberrima feição economica e parallelamente o não menos livre reconhecimento de sua legitima posse e fruição dos bens. Dum mesmo passo, pois, e convergentemente se pôz a lume a justificação sociologica da propriedade em qualquer dos 56 seus aspectos e as transformações do mundo economico num sentido plenamente desembaraçado. A essencia dum e outro instituto, porém, se não pode dilatar ao infinito, attento que ambos contêm interesses, conteúdo de direitos, cuja reciproca limitação (1) é uma condição primaria da harmonia social. O direito da livre-concorrencia, emanando da basilar garantia da liberdade individual, conheceu necessariamente restricções (2), gerando direitos e deveres, pois (1) «Tout droit individuel, diz Huc, est limité par le droit égal et semblable appartenant á autrui». «Non ci sono, observa SORGEVADALA, diritti illimitati, perché se la natura umana si porta a questa concezione indefinita, il potere sociale, che ha il compito di frenare e di rigolare 1'istinto individuale, deve assicurare la limitazione e la regolamentazione dei diritti privati». «Non si puó concépire, escreve HABTMANN, la proprietá come diritto per ('individuo assolutamente isolato ed astraendo da qualsiasi societá umana: quindi il potere individuale deve trovare i suoi limiti negli interessi prevalenti di cotesta comunitá, e non esiste proprietá assoluta, libera da ogni riguarto sociale. La proprietá è il piu ampio e intenso dei diritti reali, ma non é un potere illimitato: essa comporta non solo, ma esige limiti licitamente tracciati nell' interesse sociale.» (Cf. SORGE-VADALA, ob. cit., pag. 56-57 reportapdo-se a Huc, Court de Code Civil, n.°9.; e HARTMANN, Jahrbücher für Dogmatike», XVII, pag. 124 e seg.). (2) «La concurrence, sans doute, escreve EECKHOUT, est le droit de tous. La liberté industrielle ouvre un même champ au déploiement de toutes les activités, et nul ne peut revendiquer un domaine exclusif sur ce terrain, oú toutes les forces individuelles 57 que a sua extensão infinitesimal seria a permanente e desenfreada lucta, o chaos, a subversão da mesma liberdade e concomitantes direitos do cidadão, dados solemnemente á luz no anno historico de 1789 (1). O abuso da livre-concorrencia é a concorrencia desleal, já o deduzimos. Na inspiração dessas consequencias sociologicamente lastimaveis a critica juridica teceu a moderna teoria interpretativa dos razoaveis limites do exercício de qualquer direito, procurando formular o criterio da sua mais justa e util efectivação. E assim, ao passo que nos codigos, herdeiros da soberba elaboração jurídica de Roma, se foram judiciosamente inscrevendo preceitos de plena garantia e protecção de lei para aquelle que seu direito exerce, parallelamente se retomou com fertil alcance uma outra maxima romanista, por virtude da qual o direito se deve considerar como uma força essencialmente rela- sont appelées á s'exercer et á se combattre. Mais la liberté de cba-cun doit se concilier avec les droits personnels d'autrui; celui qui provoque les confusions et s'approprie ainsi la réputation commer-ciale ou le crédit d'un rival, celui qui dénigre un concurrent ou déprécie ses produits, empiéte injustement sur la personnalité d'au-trui, et viole un droit prive» (Cf. EECKHOUT, ob. cit., pag. 25—26). (i) DUGUIT, Droit Constitutionnel pag. 477 e seg. 58 tiva, uma formula não só de vida mas de convivencia social, uma garantia, em summa, que levada ao extremo será abuso, será supremo desacato social: summum jus, summa injuria. Desde logo a doutrina, procurando estabelecer os equitativos limites do exercicio de qualquer direito, demarcou-lhe primeiramente as indiscutíveis restricções do interesse geral, da utilidade publica e da equidade, uma vez transladadas em textos de lei. Essa affirmação foi por muitos julgada superior a qualquer debate, como constituindo intangível e suficiente medida do perimetro social do direito; mas não tardou a analyse jurídica em demonstrar que ella era, na verdade, susceptível de contemporisar com situações prejudiciaes por seu desenvolvimento, attento que a circumstancia exclusiva de se não conhecer opposição de lei ao pleno exercicio dum direito justificaria por parte de seu auctor o ser causa de damno, quando ampliando desmesurada e emulativamente o conteúdo desse mesmo direito. Dahi surgiria a collisão, o desequilíbrio, o mal estar social, e consequentemente a necessidade de regular por modo geral a effectivação dos direitos, mediante a consagração dum criterio mais salutarmente equitativo. Tal a origem da teoria do abuso do direito que, a despeito da opposição de alguns jurisconsultos, se vac 59 assignalando por uma triumphante e progressiva acceitação (1). (i) A theoria do abuso do direito tem sido, de facto, objecto de viva impugnação por parte de alguns jurisconsultos. JOSSERAND syntetisa essas criticas adversas, distribuindo-as por duas categorias: a critica adjectiva ou os críticos de fórma, que affirmam ser a nova expressão jurídica-inutil e sem sentido; e os críticos de substancia, que atacam a essencia do doutrinarismo em questão reprovando in limine as suas tendencias como attentatorias de toda a organisação jurídica. Julgam os primeiros a teoria do abuso do direito uma formula inane e dispensavel, visto que as situações jurídicas, que tal teoria pretende remediar, cabem lestamente na alçada dos princípios geraes da responsabilidade civil. A theoria do abuso do direito é, pois, simplesmente superflua. E os críticos com tal orientação entram num verdadeiro malabarismo terminologico, apontando uma expressa e absurda contradicção na phrase mesma — abuso do direito. «Os jurisconsultos e legisladores modernos, escreve PLANIOL, pronunciam-se no sentido de que o uso de um direito pode tornar-se num abuso e constituir portanto uma injuria... Esta nova doutrina baseia-se por completo numa linguagem viciosa; «uso abusivo de direito» é uma logomachia, porque se uso do meu direito, o meu acto é licito, e se é illicito é porque excedo o meu direito e sem elle procedo — injuria, como dizia a lei Aquilia. Negando o uso abusivo dos direitos, não é de modo algum intuito meu justificar a pratica de certos actos prejudiciaes que a jurisprudencia reprimiu sob tal rubrica; pretendo apenas observar que todo o acto abusivo, por isso só que é illicito, não é o exercício dum direito, e que o abuso do direito não constitue uma categoria distincta dos actos illicitos. Não nos illudamos com palavras, conclue o jurisconsulto francês: o direito cessa, onde o abuso 60 14. Poi a empolgante e modernisada noção da solidariedade humana (1) que, bafejando todo o viver social, veio impulsionar decisivamente para tal senda a elaboração juridica. A noção de direito, despida de toda a abstracção, encerra em sua finalidade o prose- começa, não podendo haver «uso abusivo» de qualquer direito, pela razão irrefutavel de que um só e mesmo acto não pode ser ao mesmo tempo conforme e contrario ao direito». (Cf. PLANIOL, Traité élémentaire de droit civil, 3.ª edição, tomo II, pag. 284). Os criticos de substancia, esses, como já dissémos, vão ao extremo radicalismo: «Ceux qui les (taes criticas) formulent, escreve JOSSERAND, ne se contentem pas de dénier á la théorie de Tabus des droits toute originalité, toute valeur théorique; ils désapprouvent les solutions concrétos auxquelles elle aboutit; ce n'est pas seule-ment la manière qu'ils jugent inopportune ou dangereuse, ce sont les dócisions jurisprudentielles qu'ils déplorent et, avec elles, la tendance subjective et moralisatrice dont elles procèdent: à leur gré, il conviendrait de faire table rase de celle-ci comme de celles-lá pour en revenir à la saine et stricte application des droits dont l'exercice, même malicieux, ne doit pouvoir donner lieu à des dom-magesintérèts. (Cf. JOSSERAND, De 1'abus des droits, pag. 83). (1) Cf. GIDE, Cours d'économie politique, 1909, pag. 35-37; BOUGLÉ, Le solidarisme, 1907, pag. 5 e seg.; BOURGEOIS, La solidarité, pag. 3 e seg,; FLEURANT, La solidarité, 1907, pag. 9 e seg.; GARCIA MARTI, Ensayo sobre la solidaridad social, 1909, pag. 3 o seg.; e para mais amplas refencias, cf. Pic, Traité élémentaire de législation industrielle, 1908, pag. 44 e seg.; CHARLES GIDB ET CHARLES RIST, Histoire des doctrines économiques, 1909, pag. 671 e seg.; Duguit, L'État, le droit objectif et la loi positive, 1901, tomo I, pag. 23 e seg. 61 guimento dum legitimo interesse de qualquer ordem. E visto que em direitos ou interesses redunda toda a susceptibilidade do individuo ou pessoa jurídica, comprehende-se como indispensavel se torna uma coordenação, para que as unidades componentes possam realisar harmonicamente seus fins, dando a cada um o que lhe pertence e doseando com equidade os benefícios e garantias sociaes (1). Uma vez que o conservador criterio da limitação expressa da lei se manifestou insuficiente, outro surgiu mais amplo, circumscrevendo a extensão dos direitos pela interferencia do seu fim economico e social, termo de legitima aspiração (2) que não póde manifestamente (1) Cf. CAPITANT, Introduction à 1'étude du droit civil, pag. 328 e seg.; FRANCK, Philosophie du droit civil, pag. 9 e seg.; VANNI, Lezioni di filosofia del diritto, pag. 119 e seg., 338 e seg., e 369 e seg.; MIRAGLIA, Filosofia del diritto, pag. 133 e seg., e 155 e seg.; GIORGIO DEL VECCHIO, I presuposti filosofici della nozione del diritto, pag. 95 e seg.; GRAZIANO GRAZIANI, Verso 1'eguaglianza, pag. 49 e seg.; CICALA, Rapporto giuridico—Diritto subiettivo e pretesa, 1909, pag. 43 e seg., 78 e seg., e 162, nota. (2) Aspiração ou motivo legitimo, que JOSSERAND classifica de leitmotif da teoria do abuso do direito e que deve ser apreciado por fórma evolutiva de molde a rasgar á mesma teoria os seus mais latos limites: «Ainsi s'illimite la théorie de 1'abus des droits, escreve JOSSERAND. en liant ses destinées à la notion du motif légitime;, par là méme elle s'assure, outre un rayonnement sur le droit tout entier, un avenir indéfini et une perpétuelle opportunité, car, sui- 62 ser a de causar um damno, molestando as unidades sociaes circumvizinhas e perturbando repercutivamenle o equilíbrio social. vant les besoins de l'époque et suivant les préjugés, conformément aux nécessites économiques et aux aspirations sociales, le motif légitime se modifiera ou méme se transformera et avec lui la notion de Tabus des droits. Ordinairement, c'est dans le sens d'une plus grande précision que l'évolution se produira; le progrès consiste à assigner aux prérogatives individuelles un sens toujours mieux determiné, à le causer toujours plus exactement; c'est ainsi que la liberté de contracter comme le droit de résilier unilatéralement certains contrais ont revétu, au cours du sièole dernier, une physionomie plus précise, des limites subjectives leur ayant été assignées par la jurisprudence ou par la loi. «Grâce à cette flexibilité, le motif légitime fait de la notion de 1'abus des droits une force évolutivo de premier ordre, un instrument de progrès et d'assouplissement qui permet d'adapter aux besoins de la société toujours em marche des institutions vieillies mais, grâce à lui, sans cesse rajeunies. Les formes juridiques ne se figeront plus dans une immobilité qui leur serait bientôt mortelle; elles gardent le contact avec le monde des réalités; elles vivent et elles se réa-lisent dans le milieu pour lequel furent créés. Ainsi comprise, la théorie de Tabus anime véritablement les droits en les causant; elle convie le législateur, le juge et Tinte-prète a scruter les diffèrentes prérogatives concédées aux individus pour en découvrir et en fixer le ressort. Et cet examen de cons-cience n'est pas pour demeurer stérile; il est bon de savoir Tessence des droits comme il importe de connaitre le tempérament des individus, afin de pressentir la direction dans laquelle doivent se pour-suivre leurs destinées». (Cf. JOSSERAND,, De l'abus des droits, pag. 5859). 63 Se difficil é á analyse o determinar com precisão os extremos confins da iniciativa juridica pertinente a cada individuo, não soffre contestação que ella cessa palpavelmente uma vez manifestado o damno, como fim exclusivo do exercício dum direito, cuja expansão recua racionalmente perante o effeito prejudicial (1). (1) Cf. PORCHEROT, De l'abus de droit, pag. 5 e seg., 72 e seg., 86 e seg., e 148 e seg.; JOSSERAND, De l'abus des droits, pag. 43 e seg., e 68 e seg.; SALEILLES, Étude sur la théorie générale de l'obligation d'après te premier projet de code civil pour 1'empire allemand, pag. 356 e seg. e De Vabus de droit, estudo inserto no Bullet. de la Soc. d'études législatives, IV, 1905, pag. 325 e seg.; GIERKE, Der Rechtsgrund des Schutzes gegen unlauteren Wettbewerb, apud Zeitschrift für Gewerblichen Rechtschutz, 1895, pag. 109; CHARMONT, L'abus du droit, na Revue trimestrielle de droit civil, 1902, pag. 112 e seg.; KOHLER, Ueber den unlauteren Wettbewerb und seine Behandlung in Recht, apud Neue deutsche Rundschau, de dezembro de 1894, pag, 1221; BUTTIN, L'usage abusif du droit, pag. 221 e seg.; WINDSCHEIDO, Pandette, tomo I, pag. 475 e seg.; SR. DR. GUILHERME MOREIRA. Instituições de direito civil português, 1907, pag. 632 e seg. e Estudo sobre a responsabilidade civil, A responsabilidade civil e o abuso do direito, apud Revista de Legislação e Jurisprudencia, vol. 39.°, pag. 353 e seg., e 369 e seg.; BIAGIO BRUGI, Istituzioni di diritto civile italiano, 1905, pag. 188 e seg.; MANZINI, Trattato di diritto penale italiano, vol. I, pag. 130 e nota, e 366; SALANSON, De l'abus du drott, 1903, pag. 22 e seg.; NOTO-SARDEGNA, L'abuso del diritto, 1907, pag. 7 e seg., e 41 e seg.; MARC DESSEBTEAUX, ABus de droit ou conflit de droits, apud Rev. trimest. de Droit Civil, tomo 5.°, n.° 1, pag. 119 e seg.; SORGE-VADALA, obr. cit., pag. 151 e seg.; JEAN BOSC, Essat sur les élements constitutifs du délit civil, pag. 76 e seg. 64 Taes os fundamentos c racionalissimos intuitos da teoria do abuso do direito, por cujo exilo militam razões, a nosso ver irrefutaveis, e as quaes JOSSERAND assim resume suggestivamente: «C'est d'abord le succès mème de la théorie, 1'essor rapide qu'elle a pris tant dans la pratique et la législation françaises qu'à 1'étranger; lorsqu'une idée s'empare du monde c'est qu'elle est actueillement nécessaire; en fait, nous ne possédons pas un plus sur critérium de la légitimité de nos institutions. «Cest aussi 1'heureuse symétrie, la filiation certaine qui existe entre la théorie nouvelle et une théorie voisine, celle du détournement de pouvoir en droit administratif. Un administraleur ne peut pas user de ses pouvoirs en vue d'un objectif quelconque; comment donc les particuliers, plus favorisés, seraient-ils admis à exercer dans toutes les direclions les droits qui leur ont été confies? En definitivo, et au travers de multiplos difféerences de détail, tous les droits se ressemblent dans leur essence; tous, ils constituent des prérogatives concédées par le pouvoir social; dès lors ils doivent tous être exercés socialement, conformément à 1'esprit de 1'institution, ceux des particuliers aussi bien que les pouvoirs des administrateurs, pouvoirs qui ne sont en somme que 1'expression concrète des droils des personnes morales publiques, État, départements, communes, etc. 65 «C'est encore cette considéralion décisive qu'un droit n'est pas une abstraction, mais une réalité, qu'il ne représente pas un aboulissant, mais bien un moyen qui, si on le sépare de son but, n'a plus de raison d'être et ne saurait plas constiluer qu'un péril social; il ne peut pas davantage aller contre sa finalité qu'un cours deau ne peut remonter à sa source: conféré aux individus pour fortifier la famille, il ne doit pas pouvoir être utilisé afin de la détruire; reconnu aux écrivains pour assurer le triomphe de 1'idée juste, la manifestation de la vérité, il ne saurail être mis au service de rancunes ou d'intérêts égoïstes: en aucun cas, sous aucun prétexte, il ne doit se prêter à une parodie éminemment périlleuse qui compromettrait à jamais son auctorité. «Toutes ces considérations, et quelques autres encore, ont été déjà indiquées el c'est pourquoi noos nous conlenterons, pour elles, de ce bref rappel. Mais, sur le domaine rationnel, il est un argument auquel nous n'avons pas fait allusion jusqu'ici et qui peut paraltre à bon droit péremptoire: le moment est venu de le présenter. «Il se rattache à une distinclion des droits, hier encore inobservée, aujourd'hui bien établie et coaramment admisse: la distinction entre les droits définis el ceux qui, n'ayant pas encore acquis d'individualilé, se confondent, pêle-mêle, dans la liberté. 5 66 «Les droits définis sont ceux qui ont revêtu des limites précises, une physionomie particulière, qui ont conquis leur autonomie. Tels le droit de propriété, le droit d'esler en justice, le droit de grève. On les appelle encore droils détermines, droits posilifs: nous les qualifierions volontiers de droils nommés. « On leur oppose les droits qui, privés d'individualité, n'étant pas parvenus à 1'autonomie, se résument en une même prérogative, la plus large et la plus sacrée qui se conçoive: la liberté. Liberté que le droit de circuler à sa guise; liberlé que le droit de penser et d'agir. Toutes ces prérogatives sont encore imprécises; elles consliluent ce qu'on pourrait appeler des droits innomés. «Or, il est uni versellement admis que la liberlé est susceptible d'abus. Nul esprit sensé ne soutiendra que la liberté de chacun des membros d'une collectivité puisse ètre illimilée: fatalement, elle doit être comprimée par la liberté d'autrui. Notamment, elle ne saurait être utilisée méchamment, dans un but nocif: tout usage malicieux qui en est fait engage la responsabililé civile, et parfois pénale du coupable. La jurisprudence a bien souvent mis en oeuvre cette idée. Voilà par exemple un patron qui fait défense à ces ouvriers de fréquenter tel établissement; en édiclant celle prohibition, il n'use pas d'un droit précis mais il manifeste sa liberlé: le proprietaire de 1'élablissement visé va-t-il 67 pouvoir lai réclamer une indemnité à raison da préjudice résultant pour lui de cette mise à 1'index? Tout dépend du mobile qui inspira la décision du patron: ce mobile était-il légitime? La prohibition l'est ellemême et l'immunilé de celui qui l'a portée est complète. Si au contraire le patron a agi méchamment, dans la pensée de nuire à 1'établissement visé, sa responsabilité est engagé, parce qu'il a réalisé anlisocialement sa liberté, parce qu'il en a fait abus. «Ainsi tant qu'un droit fait corps avec la liberté il est assurément susceptible d'abus. Et alors, toute la question revient à savoir s'il en est autrement losqu'il a conquis son individualilé et qu'il est parvenu à l'état de droit défini, de droit nommé. Et vraiment la queslion est parmi celles dont on a coulume de dire que, les poser, c'est aussi les résoudre. Car, un droit a beau se préciser, il ne change pas d'essence; toujours il constituie une émanalion de la liberté. Si, lorsqu'il se confondait avec elle, il ne pouvait pas être exercé dans une pensée quelconque et par exemple méchamment, la même réserve doit continuer à limiter son exercice lorsqu'il a revêlu sa physionomie particulière et conquis son individualilé. L'eslampille officielle n'a pas dû faire de lui une arme pour la malveillance, sans quoi il faudrait regretter qu'ellc lui eut été conférée. La précision n'a dú lui être donnée que dans un désir de plus grande clarté, de plus complète sécurité sociale: com- 68 ment aurait-elle pu faire de lui un instrument antisocial ? «La distinction que l'on prélendrait élablir entre les droits innommés serait d'autant plus regrettable qu'il n'est pas toujours facile de savoir si une prérogative doit être rangée dans l'une ou dans l'autre catégorie. Soit par exemple le droit de libre concurrence: doit-on y voir un droit suffisament spécialisé ou bien ne convient-il pas de le confondre encore avec la liberté ? Les liens qui unissent un droit à la source commune et première ne se brisent pas d'un seul coup; il se relâchent peut à peu à mesure que se dessine plus nettement sa physionomie: à quel moment pourra-t-on les considérer comme complètement rompus et que déciderait-on, pendant la période de transition, pour la question de l'abus ? «Admettre l'abus de la liberté (et il n'est pas possible de le nier) c'est donc admettre du même coup Tabus des droits, puisque la liberté n'est autre que le droit souche, la malière première sur laquelle tous les droits nommés sont pris et dont ils ne sont en définitive que la monnaie ayant cours certain et légal». 15. Serão, porém, a ausencia dum fim legitimo e o concomitante damno objectivo os elementos essenciaes para qualificar o abuso do direito? Nem lodos os seus sequazes assim pensam, ligando ainda capital impor- 69 tancia ás intenções do seu agente, reclamando por tal fórma a indispensavel interferencia do elemento culpa para constituição do abuso e consequente responsabilidade. Taes auctores pretendem avultar o caracter essencialmente subjectivo do abuso do direito, cujo criterio deve assentar não nos resultados damnosos verificados ou seja na intensidade do damno alheio, mas antes no estado de alma do seu agente: o abuso do direito é, em ultima analyse, um phenomeno de volição... Esta tendencia, que parece reflectir um exaggerado receio de invasão do domínio da responsabilidade civil pelas teorias objectivas ou eliminadoras da culpa (1) (1) Cf. ORLANDO, Saggio di una nuova teorica sul fondamento giuridico delia responsabilità civile a proposito delia responsabilità diretla dello Stato, no Archivio di diritto publico, 3.° anno; SAINCTELLETE, Responsabilité et garantie, pag. 141 e seg.; SR. DR. GUILHERME MOREIRA, obr. cit., pag. 587 e seg. e Estudo sobre a responsabilidade civil, apud Revista de Legislação e Jurisprudencia, vol. 37.° 38.° e 39.°; Sn. DR. PINTO COELHO, Da responsabilidade civil baseada no conceito da culpa, pag. 21 e seg.; COVIELLO, La responsabilità senza colpa, na Rivista italiana per la science giuridiche, XXIII, 1807, pag. 208 e scg.; JOSSERAND, De la responsabilité du fait des choses inanimées, pag. 3 e seg.; P LANIOL, obr. cit., tonto II, pag. 278 e seg.; GONARIO CHIRONI, LO stato di necessità nel diritto pri-vato, pag. 87 e seg.; IHERING, La faute en droit prive pag. 45 e seg.; PUGLIESE, IL rischio professionale; contributo alla teoria delia responsabilità oggetiva, 1909, pag. 11e seg. 70 suscitou justamente a mais vigorosa critica, salientando-sc contra ella GÉNY, SALEILLES e entre nós o SR. DR. GUILHERME MOREIRA. «Rien n'est plus dangereux, en effet, escreve SALEILLES, ou sinon rien n'est plus inutile, que de voir s'en remeltre uniquement à la psychologie individuelle le soin de fournir le critérium de l'abus de droit: il n'est personne qui ait, en pareil cas, Tingenuité d'avouer qu'il n'avait d'autre but que de nuire à autrui. Il sera toujours facile d'alléguer un intérêt individuei». E o illustre jurisconsulto conclue: «La véritable formule serait celle qui verrait Tabus de droit dans Texercice anormal d'un droit, exercice contraire à la destination économique ou sociale du droit subjectif» (1). «Je suis, quant à moi, escreve por sua vez GÉNY, plutôt porté à croire que Ton ne découvrira la mesure, jusle et vraie des droits individueis, qu'en scrutant leur but économique et social, et en comparant son importance à celui des intérèts, qu'ils conlrarient» (2). «O elemento subjectivo ou a intenção do agente não (1) SALEILLES, Théorie générale de 1'obligation, pag. 370. Registemos lealmente quo o illustre jurisconsulto francês se converteu posteriormente ao criterio subjectivo, por elle tão lucidamente criticado nas palavras transcriptas (Ct. JOSSERAND, obr. cit., nota a pag. 44). (2) GÉNY, Méthode d'interprétation et sources en droit privé positif, pag. 544. 71 é, opina o SR. DR. GUILHERME MOREIRA, O elemento a que se attende para determinar se no exercício do direito houve ou não a intenção de causar prejuízo. Essa intenção resulta do proprio exercício do direito, quando, tendo-se em consideração todas as circunstancias, elle só póde explicar-se pelo intuito de causar um damno. É por isso que no codigo civil suisso se diz (1) abuso manifesto e que no codigo allemão se declara (2) que o exercício não póde ter outro fim senão o de causar prejuízo. «E assim que, se o aclo realisado se póde explicar por outra cousa que não seja a de causar damno, não haverá abuso do direito. «E sem duvida deve ser permittido, a quem exerce um direito, allegar e provar quaesquer factos por que prove que não teve só por fim causar damno, mas realisar um interesse legitimo. Dando-se esta circunstancia e provando-se, o aclo praticado não deve considerar-se illicito, embora a pessoa que exerceu o direilo (1) No codigo civil suisso de 19 de dezembro de 1907, que deve começar a vigorar em 1 de janeiro de 1912, declara-se (art. 2,°) que «todos são obrigados a exercer os seus direitos e executar as suas obrigações em harmonia com as regras da boa fé» e que «o abuso manifesto do direito não é protegido pela lei». (2) «L'exercice d'un droit n'est pas admissible, lorsqu'il a seulement pour but de nuire à autrui» (Cod. civil allemão, trad, de LA GRASSERIE, art. 226.°), 72 tivesse a consciencia de que ia prejudicar os interesses doulrem. Desde que se usa dos poderes attribuidos pela lei, e dentro dos limites por ella fixados, para realisar um interesse legitimo, o facto praticado não póde considerar-se illicito, não ha abuso de direito, e consequentemente não póde imputar-se ao seu auctor a responsabilidade por quaesquer prejuízos que desse facto resultem. «A figura-se-nos que, nos termos expostos, a teoria do abuso do direilo deve ser sanccionada. Se na sua applicação ha um certo arbilrio por parte dos tribunaes, esse arbítrio de modo algum póde considerar-se um perigo social, desde que a organisação do poder judicial corresponda á elevada funcção que elle exerce. E, perante a manifesta incompetencia dos parlamentos para o exercício da funcção legislativa, o facto de se attribuir ao poder judicial, quanto a cerlas relações jurídicas, a faculdade de apreciar os factos e decidir em harmonia com as circunstancias, contribuirá sem duvida para o progresso das instituições jurídicas» (1). 16. Cremos que uma integral applicação da teoria do abuso do direito nos conduz á inslallação jurídica do phenomeno da concorrencia desleal nas suas relações com o instituto da propriedade industrial. (1) SR. DR. GUILHERME MOREIRA, obr. cit., pag. 638-639. 73 Paginas atrás, apreciando os varios pareceres apresentados pelos tratadistas no intuito de caracterisar os factos da concorrencia desleal, concluímos antes com LAURENT e GIANNINI que o enunciado do problema jurídico da concorrencia desleal melhor se traduzia por esta fórma: a concorrencia desleal representa o abuso dum direito e a violação de direito de outrem. Após a exposição feita, afigura-se-nos que nos é dado recorrer mais comprehensivelmente aos elementos demonstrativos da affirmação feita. A concorrencia desleal representa o abuso dum direito: o direito de liberdade, na sua mais ampla accepção economico-social, enfeixando a serie de fundamentaes garantias que assistem a cada individuo para sua conservação e para seu desenvolvimento e perfectibilidade social. Este conceito latitudinario, tão extensivamente deduzido no domínio da pura sociologia, urgia corrigi-lo, mediante o racional criterio expendido — a teoria do abuso do direito. Direito de liberdade—tal se comprehende e se justifica, emquanto acompanhando a directriz normal dum direito, no proseguimento dum fim legitimo e util; direito de liberdade, emquanto effectivando-se nos limites do verdadeiro raio de actividade jurídica do seu possuidor, sem que o seu abusivo exercício redunde em perturbação da liberdade alheia ou em violação do direito de outrem; direito de liberdade, 74 em summa, mas condicionado pelas restricções impostas pelo interesse collectivo ou seja pelas liberdades alheias. Em materia de propriedade industrial, a livre-concorrencia conhece restricções, sejam as derivadas dos fundamentaes preceitos inscriptos nos codigos com o fim de determinar a area de vigencia dos chamados direitos absolutos (1), sejam ainda aquellas restricções, que a necessidade regulamentadora tem successivamente transladado em normas especiaes. Qualquer ataque ou lesão da propriedade industrial, provocado por um excesso delictuoso da livre-concorrencia, v. g., a usurpação duma patente ou a contrafacção duma marca nas suas innumeras modalidades — deve caber na vigencia de taes disposições, gerando uma relação de direito, constituindo por fórma generica um facto illicito, do qual deriva uma situação de responsabilidade, filiada na injuria objectiva ou seja na offensa dos interesses alheios—o quantum mihi (1) Cf. ORLANDO, Primo tratatto completo di diritto amministrativo italiano, tomo I, pag. 115 e seg.; LONGO, La teoria dei diritti publici subiettivi, pag. 1 e seg.; GIORGIO DE VECCHIO, I presupposti filosofici della nozione del diritto, 1905, pag. 31 e seg.; JELLINEK, L'Êtat moderne et son droit, trad. de GEORGES FARDIS, 1904, pag. 159 e seg.; DOGUIT, obr. cit., vol. I, pag. 303 e seg.; PERREAU, Des droits de la personnalité, apud Rev. trimest. de Droit Civil, n.° 3 de 1909, pag. 501 e seg. 75 abest, quantumque lucrari potui — e ainda e em principio na imputabilidade causal da mesma injuria, tornando seu auctor uma origem culposa de damno(i). (1) Cf. SR. DR. GUILHERME MOREIRA, Instituições do direito civi português, 1902-1903, pag. 161 e seg., e 192 e seg.; e obr. cit-, pag. 375 e seg. e 585 e seg.; SR. DR. DIAS DA SILVA, Estudo sobre a responsabilidade civil connexa com a criminal, vol. I, pag. 1-2, 25 e seg., 110 e seg., e 191 e seg.; PLANIOL, obr. cit., tomo II, pag. 278 e seg.; GONARIO CHIRONI, obr. cit., pag. 55 e seg., e 87 e seg.; JEAN Bosc, Essai sur les elements constitutifs du délit civil, pag, 8 e seg., e 57 e seg.; SALEILLES, Théorie générale de 1'obliga-tion, pag. 359 e seg.; BRUNETTI, Il delitto civile, 1906, pag. 190 e seg.; BRUSA, Dell'illecito civil e dell'illecito penale, 1907, pag. 5 e seg.; VENEZIAN, Danno e risarcimento fuori dei contratti, n.° 27 e seg.; HENRI LEROY, Du voisinage, 1908, pag. 245 e seg. Apresentando no texto o problema juridico da concorrencia desleal na sua maxima generalidade e procurando fixar as suas bases em harmonia com os princípios mais vulgarmente acceites sobre responsabilidade civil, entendemos não reportar os fundamentos do mesmo problema aos da teoria do locupletamento á custa alheia. De facto, afigura-se-nos, em face da justa interpretação que esta ultima e referida teoria tem merecido á critica jurídica, que estranhos lhe são por sua natureza os casos abusivos do direito de livre-concorrencia no domínio da propriedade industrial. Taes casos representam, como já dissemos, uma expansão nociva e imputavel dum direito, gerando legitimamente uma bem caracterisada situação de responsabilidade. Ora a teoria do não locupletamento á custa alheia, observa o SR. DR. GUILHERME MOREIRA, assenta em principio diverso da responsabilidade civil. Nesta, a obrigação de indemni-sação tem a sua causa num facto illicito considerado não só objectivamente mas subjectivamente, e a indemnisação abrange todos os 76 Taes factos illicilos poderão acarretar mera responsabilidade civil ou, quando revestindo por sua natureza e alcance um caracter mais complexamente lesivo, reclamar consequEncias jurídicas de ordem penalista — caso em que o facto illicito origina, por força de preceito expresso, uma saneção de dupla ordem, integrando-se o illicito civil com o illicito penal (1). Damnos que desse facto hajam sido consequencia, quer o lesante se haja locupletado, quer não pelo facto illicito. A teoria do não locu-plotamento à custa alheia, fundando-se em principio na illegitimidade duma situação de facto objectivamente considerada, mas que não póde, pela falta de culpa, considerar-se subjectivamente um facto illicito, apenas obriga a restituir o que, havendo sido indevidamente recebido, alguem tenha em seu poder ou lhe haja servido de proveito, augmentando o seu patrimonio ou conservando-o. (Cf. Sr. DR. GUILHERME MOREIRA, obr. cit., pag. 621 e seg., e o estudo do citado professor A responsabilidade civil e o não locupleta/mento á custa alheia, apud Revista de Legislação e Jurisprudencia, vol. 39.°, pag. 337 e seg.; PAUL CIIAINE, L'enrichissement sans cause datis le droit civil français, 1909, pag. 5 e seg. e 31 e seg.). (1) MANZINI assim escreve, justificando a tutela penal de um direito ou interesse privado: «Vi sono fatti lesivi di norme giuridiche disciplinanti interessi e rapporti individuali, che ora non escono dall'ambito del diritto privato, ora invoco sono repressi ancho dal diritto penale; cosi che le conseguenze giuridiche civili dei fatti illeciti servono talora a supplire l'effetto dela sanzione di diritto penale e talora ad accrescorlo. Si tratta di fatti dolosi o colposi, o presunti civilmente tali, di quelli cioè commessi con la volontà di violare un comando giuridico. «Si suol dire che, logicamente, la cosciente rebellione alla legge 77 Estes se nos afiguram ser os termos teoricos, que dovrebbe costituire sempre violazione d'uno di quei precetti di mo-rale mínima che sono indispensabili alla civile convivenza d'un popolo politicamente organizzato, e che quindi ogni lesione dolosa di diritti privati dovrebbe essere colpita dal diritto penale. Se non che, come abbiamo già dimostrato, la trasformazione giuridica del minimo etico viene com piuta da tutto il diritto obiettivo dello Stato, e non dal solo diritto penale, il quale, per il rigore stesso che gli è proprio, si limita a raccogliere il minimo del minimo. E questo processo di selezione etico-giuridica e di distribuzione giuridica avviene in base a criteri storici e politici, che mancano di quella determina-tezza e generalità che sono proprie dei criteri giuridici. «La politica penale può indurre a incriminare un fatto doloso o colposo lesivo di diritti privati sia per impossibilita di applicargli le sanzioni civili, sia perchè queste sole sarebbero inadeguate allo scopo, sia perché si riconosce 1'insuficenza del privato a difendersi da sè contro fatti fraudolenti o violente lesioni al suo diritto, sia per la importanza del bene giuridico aggredito, sia per la frequenza con cai certe specie illecite si manifestano, sia in base a nuove scoperte scientifiche insalubritá di certe sofisticazioni di derrate alimentari; efficacia pellagrogena del mais guasto, ecc). E inoltre lo stesso fatto può dar luogo a sanzioni penali o civili a seconda che i mezzi adoperati per eseguirlo si reputano o no pregiudizievoli, oltre che al privato, anche alla collettivittà. «Insomma, l'incriminazione avviene sempre quando il cosi deito legislatore si persuade che, oltre aU'interesse privato, vi è un interesse sociale da tutelare, consista questo semplicemente nella opportunità di assicurare 1'ordine giuridico con sanzioni adeguate ed idonee, che il dirilto privato non potrebbe da solo fornire, o nella convenienza di reagire il piú energicamente posible contro fatti ledenti privati, le cui conseguenze si repercuotono dannosa-mente sul tutto sociale. E d'altra parte, il criterio politico può far 78 melhor comportam os fundamentos jurídicos da concorrencia desleal (1). Si che un fatto doloso o colposo rimanga nell'àmbito del dirilto pri-vato o perchè tenue è l'interesse leso, o perchè il danno è sicuramente e facilmente risarcibile, o perchè, pur esscndo irreparabile il danno, viene richiesta al privato una straordinaria diligenza nel provvedere ai propri affari, come accade in materia commerciale, o perchè la punizione recherebbe maggior danno dell'impunitâ come nel furto tra parenti, ecc. «É appunto in base a un criterio politico che i fatti colposi ven-gono solo cccezionalmcntc incriminati, mentre di regola essi danno luogo soltanto a responsabilità civile. Ed anche quando può aversi un reato colposo, questo è punibile solo allora che si riconosca nel rapporto di produzione un nesso immediato di causa ad effetto». (Cf. MANZINI, obr. cit., pag. 125-126). (1) Melhor diriamos da concorrencia desleal strictu sensu, em homenagem á distincção dos tratadistas, a qual tambem se infere da nossa exposição: a) factos de concorrencia desleal previstos expressamente em leis especiaes; b) e factos não particularmente previstos e cuja repressão procurámos fundamentar na mais moderna teoria interpretativa da area de licita actividade jurídica do individuo. É ácerca da referida distincção, que ÉMILE BERT, já ha um par de annos, assim dizia no seu excellenle Traité théorique et pratique de la concurrence déloyale: «Nous avons vu que diverses lois (as leis especiaes) ont érigé en délits certains faits qui tendent à attirer frauduleusement la clientèle d'autrui. Ces dispositions législatives ont pour but de protéger d'une façon effcace les inventions brevetées,. les dessins et modèles de fabrique, les marques de fabrique, les médailles, et récompenses industrielles. En prononçant des sanctions pénales, qui laissent place d'ailleurs aussi à des dommages-intéréts 79 Resta-nos, portanto, apontar o corpo legislativo vigente em materia de propriedade industrial no que ou réparations civiles, la loi a fait, des droits ainsi protégés, des monopoles au profi t des particuliers, monopoles parfaitement justofiès par la nécessité d'une protection dont la pratique avait de jour en jour plus impérieusement démontré la nécessité. Lorsqu'une atteinte est portée aux droits privatifs reconnus en ces diverses matières, il y a done un véritable délit classé dans la législation pénale et don-nant lieu à une aclion publique et à une action privée. Les faits que ces lois ont pour but de réprimer peuvent rentrer dans la concurrence déloyale envisagée lato sensu ; observons toutefois que la concurrence n'est pas seulement alors déloyale, mais qu'elle est aussi illégale ou délictueuse. «Mais ce ne sont pas là les faits de concurrence déloyale dont nous voulons parlei. Ils restent en dehors de la théorie de la concurrence déloyale telle que nous avons à 1'étudier et constituent ce que l'on appelle les délits de la contrefaçon. La concurrence déloyale dont nous entreprenons d'exposer la théorie s'entend des faits que aucune loi n'a réprimés, mais qui cependant peuvent motiver des poursuites fondées, en vertu des principes généraux du droit, soit sur une idée d'équité, soit sur les conventions intervenues entre les parties. Nous verrons qu'il est intéressant, spécialement au point de vue de la compétence, de distinguer les uns des autres les faits de la contrefaçon et les faits de concurrence déloyale proprement dite. «On comprend que le champ d'application de la théorie de la concurrence déloyale, telle que nous 1'entendons, c'est-à-dire restreinte aux faits non définis, ait dú se trouver diminué chaque fois que des lois nouvelles sont venues ériger en droits privatifs des facultés ou des avantages qui jusqu'alors n'auraient pas été protégés à ce titre». 80 respeita á livre concorrencia, ou seja a evolução legislativa referente á concorrencia desleal, para depois e mais detalhadamente entrarmos na analyse de suas di-posições em relação ás diversas categorias suscitadas. A historia da concorrencia desleal será—visto que esse é o aspecto que nos interessa—a historia mesma da propriedade industrial. Uma acompanha a outra, cm seus primordios longínquos, em sua lata expansão contemporanea. PARTE II MOVIMENTO HISTORICO-LEGISLATIVO CAPITULO V Legislações extrangeiras 17. — Os mais recuados vestígios historicos da propriedade industrial: As investigações de MAILAARD DE MARAFY, BRAUN e KOHLER. 18. — A propriedade industrial na Edade-Média: o regimen terrorista dos edictos. 19. —A Revolução Francêsa e as suas consequencias economicas e sociaes.—A physiocracia: laissez-faire e... ora a plena liberdade de fraude. — A moderna elaboração legislativa em França. 20. —Allemanha. 21. — Austria-Hungria. 22. —Inglaterra. 23. —Italia. 24. — Belgica. 25. —Estados-Unidos. 26. — Hespanha. —Outros países. 17. Por entre a vastissima bibliographia, com que se tem trazido á luz da critica a mais completa e variada esplanação de todos os aspectos de propriedade 84 industrial, não se dirá com verdade que o aspecto his torico lenha sido menosprezado. Citam-se com justiça os nomes de BRAUN, KOHLER, DUPINEAU e do conde MAILLARD DE MARAFY, que versando pacientemente o assumpto em trabalhos exhaustivos se abalançaram, com mais curioso que util estimulo, a rebuscar no passado, na leitura das inscripções appostas nos fragmentos materiaes recolhidos dos escombros, um testemunho interessante do mais recuado e concorrente engenho industrial dos homens. As marcas de fabrica e de commercio, presupposta a longínqua genese sociologica do phenomeno da concorrencia, serão, pois, e de bom grado, de lodos os tempos... MAILLARD DE MARAFY, O de mais ousada investigação que nos foi dado topar, conta-nos sobre o caso fundas revelações: bem longe, na epocha da pastoricia, marcas animaes existiram para distinguir os rebanhos; uso identico se installou entre as errantes populações dos pampas e as gentes nomadas da Arabia, que faliam das marcas como duma instituição divina, gratamente transmittida aos filhos do deserto por seu pae commum Ismael; e MARAFY conclue convictamente que os pastores chaldaicos, antes de inventar a astronomia, inventaram com certeza as marcas...(1). (1) MAILLARD DE MARAFY, Antiquité des marques, apud Grand 85 Da antiguidade classica sobrevivem numerosos vestígios, extrahidos da historia economica da Grecia e Roma. De longa data se lançou mão de nomes, signaes figurativos e variadas composições lineares, applicados pelos commerciantes e artífices cm seus objectos e mercancias, como estygma duradouro de propriedade. Relíquias numerosas da fastigiosa opulencia artística de CORINTHO, PARTHENOPE, CARTHAGO E SYBARIS compro- vam-nos claramente o facto, tendo as descobertas archeologicas recolhido até hoje, segundo refere BRAUN (1), mais de seis mil signaes distinctivos (sigillum), gravados em preciosos exemplares existentes, principalmente de faiança, registando timbres da mais extranha e variada concepção (2). Entre os romanos o uso das marcas era geral. MARAFT transportou-se a Pompeia em paciente investigação. Mal era dobrada a quina da rua Cavecanen deparou-se-lhe no n.° 8 um thermopolium, em cuja entrada eslão duas dolia de terra-cota, com marca de fabrica figurativa; e perto da porta Stabia é a locanda dum tal Lucius Volusus Faustus, que Dictionnaire international de la propriété industrielle, tomo 1, pag. 595 e seg. (1) BRAUN, Traité des marques de fabrique, pag. pag. 23. (2) Collecções artísticas contém exemplares de faiança grega, marcados com os nomes dos artífices ou com marcas figurativas, v. g., um caduceu, uma abelha ou uma cabeça de leão. 86 vendia entre outras uma bebida condimentada por um dos seus predecessôres, donde a seguinte marca nominal impressa nas amphoras: » liquorem optimum M. Volusi». Pelo que respeita ás garantias jurídicas do uso e fruição duma determinada marca, o emprego do nome doutrem com intuito fraudulento constituía um falum (1) e diz KOHLER, que não se podendo affirmar dum modo preciso que a usurpação de qualquer marca fôsse, como a do nome, punida penalmente, em virtude da lei Cornelia — de falsis —, dava pelo menos e com certeza direito a intentar uma acção civil, que era, segundo os casos, actio injuriarum ou actio doli (2). 18. Em tempos mais modernos, uma assaz abundante documentação historica attesta a pratica geral das marcas de fabrica e de commercio. Assim o demonstra DUPINEAU, num curioso estudo retrospectivo publicado em 1725, e onde se contêm claras referencias ao amplo uso por parte dos mercadores e artífices de signa insígnia, appostos nos productos de sua arte e fabrico, citando-se a proposito textos de (1) La Propriété industrielle, (numero de 1 de março de 1885). Artigo Les marques de fabrique et de commerce autrefois et aujourd'hui, pag. 17. (2) KOHLER, DU Droit des marques, pag. 39. 87 ULPIANO e BARTHOLO, que comprovam inilludivelniente tal usança (1). Nas corporações medievais regista-se o emprego duma marca de novo genero, qual era a chancella official impressa por delegação do corpo de mistér, constituindo um meio seguro de verificar que o producto correspondia ao typo regulamentar. O espirito das legislações de trabalho de então conduziu naturalmente a uma larga diffusão de marcas tornadas obrigatorias em muitos mistéres, como o provam numerosos estatutos de corporações, taes como as dos padeiros de Verona e Novara, os artífices de Sienne, os fabricantes d'arbalete de Lubeck, os ourives de Amiens e Abbeville e os fabricantes de pannos e tapeçarias de Strasburgo, Corbie. Flandres, Munich e Mantua (2). Naquelles tempos a marca individual pretendia mais fixar a propriedade pessoal do que constituir propria- (1) DUPINEAU, Coutumes du pays et duché d'Anjou, tomo II, pag. 805, apud EUGÉNE POUILLET, Traité des marques de fabrique et de la concurrence deloyale en tous genres, pag. 1 e seg. (2) La Propriété industrielle, volume, anno e artigo citados, pag. 18; MARAFY, Grand Dictionnaire, vbo marque, tomo V, pag. 389 e seg., e artigo citado, tomo I, pag. 496 e seg.; DR. HOMEYER, Berlim, 1870, Die haus und hofmarker, na parte historica; LACOUR, Des fausses indications de provenance, introduction historique, pag. 8 e seg. 88 mente uma base de selecção industrial por parte do consumidor. A concorrencia desleal era severamente punida, sendo os contrafactores sujeitos a penalidades extremas; a apposição de marca falsa nas manufacturas a ouro tinha pena de morte, e delidos similares arrastavam sem difficuldade os inculpados ás algemas ... Facto é que já naquella epocha a pratica industrial de marcas estava largamente disseminada; BRAUN conclue em resumo que o regimen economico da edade-media não prohibia o emprego de marcasparticulares, largamente radicado nos usos e costumes dos principaes países e remotamente collocados ao abrigo da lei (1). POUILLET, não querendo levar tão longe as presumpções de BRAUN que não duvida affirmar serem as marcas de fabrica conhecidas e objecto de regulamentação desde os tempos medievaes e em quasi todos os (1) BRAUN, ob. cit., pag. 23 e seg. — Este auctor cita entre outros um livro de commercio de DANTZIG, de 1420, que contém relação do curso de marcas de numerosos commerciantes de Hollanda (Amsterdam), Inglaterra e Italia (Genova); e extracta passagens do livro Systhema jurisprudentiae opificiariae, do jurista allemão GOTTLIEB. STRUBIUS, que nos dam as mais completas e curiosas informações sobre aquella recuada phase do regimen das marcas de fabrica, particularmente pelo que respeita aos precedentes histericos do direito industrial allemão. 89 países da Europa, volta as suas attenções particularmente para a França, onde reconhece o seu uso, garantido mais por normas puramente consuetudinarias do que na salvaguarda de leis precisas. Não obstante, já desde o seculo XIII se encontra o primeiro traço de legislação positiva, tendo-se em vista o facto de usurpação, não só como motivo de indemnisação pelo damno causado mas tambem como verdadeiro crime, punido com penas corporaes. E esta doutrina se infere de varios edictos reaes da epocha, da França e outros paizes, merecendo especial menção um dum Eleitor palatino do seculo xIv e outro de Carlos V de 16 de maio de 1544 que continham estatuídas taes clausulas condemnatorias—transladadas com todo o seu espirito de severidade extrema a um edicto real em vigor em França desde 1564 e cujo texto foi mais tarde reproduzido com moderação nos artt. 10.° da ordenança de julho de 1681 e 43.° da declaração de 18 de outubro de 1720,—que condemnavam os contrafactores, em primeira culpa, á multa de mil libras e pena de cinco annos de galés, e a pena perpetua de galés, em caso de reincidencia! Todavia o caracter de taes edictos, observa POUILLET, conduzia apenas á previsão de factos especiaes, particulares, commettidos em determinada industria, de forma que a usurpação duma marca constituía crime tão sómente em certa 90 industria, sendo em qualquer outra uma simples manifestação de concorrencias desleal (1). Este regimen de exorbitante rigorismo estava naturalmente condemnado; e o determinismo das circunstancias historicas não tardou em pôr-lhe definitivo e amplo termo, como se vae succintamente demonstrar. 19. Motivos de varia ordem viriam remodelar fundamentalmente as condições economicas, politicas e sociaes, no triumpho pleno duma elaboração doutrinal, preparada passo a passo na divulgação dos escriplos e ideias demolidôras dos publicistas, generosamente impellidos á factura dum novo estadio social. No campo economico era a manifesta demonstração de repudio dos methodos corporativos, tornados insupportaveis em face das prédicas livres da philosophia natural da escola escoceza, da propaganda intellectual dos encyclopedicos encaminhando sem rebuço uma sociedade, que se subvertia nos artifícios do mercantilismo e consequentes phantasias de (1) POUILLET, ob. cit., pag. 5 e seg.; LACOUR, ob. eit., pag. 10 e seg.; LUCIEN BRUN, Les marques de fabrique et de commerce, pag. XV e seg.; DUFOURMANTELLE, Code Manuel de Droit Industriel, Livro V, Marques de fabrique et de commerce, pag. 59 e seg. 91 Law, e na decadencia das formulas politicas, para uma transformação desassombradamente individualista. CONDORCET vertial o genial SMITK, e MONTESQUIEU reflectia na ordem moral o doutrinarismo livre do LOCKE. OS philosophos economistas VAUBAN, ESPINAS, BOISGUILBERT e CANTILLON faziam escola, lançando, num estudo scientifico dos phenomenos economicos, as bases theoricas do systema physiocrata, culminante em QUESNAY e GOURNAY (1). Todas as preoccupações economicas da nova seita gravitam em torno do individuo e da sua actividade, voltados os olhos carinhosamente a terra; num falso conceito exclusivista dos factores da producção, que Surra melhor corrigiu e ampliou a todas as industrias — sob a denominação de tra-bolho. Assim pois a atmosphera social estava assaz disposta a gerar as mais livres resoluções. Não admira, portanto, que a Revolução Franceza fizesse, pelo que (1) THIERS, Histoire de Law, pag. 9 e seg.; SR. DR. MARNOCO E SOUSA., Sciencia Economica, (prelecções de 1902-1903), pag. 161 e seg., e 182; RAMBAUD, Histoire des doctrines économiques, pag. 71 e 93 e seg.; BRISSON, Histoire du travail et des travailleurs, pag. 93 e seg., 120, 171 e seg.; SALVEMINI, Le cause sociali della Rivoluzione francese, na Rivista Italiana di Sociologia, tomo VIII, janeiro de 1904, pag. 13 e seg., 24 e seg.; TOCQUEVILLE, L'Ancien régime et la Révolution, pag. 134 e seg.; CASIMIR STRYENSKI, Le dix-huitiième siècle, 1909, pag. 310 e seg., 338 e seg. 92 respeitava ao suffocante regimen da propriedade industrial e como diz POUILLET, tabula rasa do passado. Levaram-se ao extremo os preceitos da liberdade economica, tão seductoramente delineados pela physiocracia. E nesta ordem de ideias, ao regimen anterior, na verdade oppressivo sob muitos pontos de vista, succedeu bruscamente uma pratica livre e desenfreada, a qual, como justamente observou o relator da lei belga sobre marcas de fabrica, não foi menos nociva á industria que a rigorosa oppressão de que o industrialismo acabava de se libertar. A lei de 27 de março de 1791, que proclamou a liberdade de industria, sanccionou intrinsecamente, como bem commenta MAILLARD DE MARAFY, a liberdade de fraude. Os interessados não tardaram, porém, em reconhecer a sua falsa e perigosa situação, reclamando immediatas providencias legislativas. Estas foram, além de uma primeira disposição especial do anno IX que garantia a propriedade das marcas aos fabricantes de quinquilharia e cutelaria, resoluções mais geraes — taes como a lei de 25 do germinal anno XI, promulgada com o fim de pôr quaesquer barreiras á concorrEncia e fazer desapparecer as absurdas desegualdades das leis anteriores a 1789 — medeante a garantia de uma protecção uniforme ás marcas de todas as industrias. 93 O artigo 16.° da referida lei dispunha que os contravenlôres eram obrigados a reparar perdas e damnos ao legitimo proprietario da marca usurpada e incriminados como falsarios e sujeitos a pena de reclusão. Disposições estas que foram mais tarde appropriadas pelo Codigo Penal francês (art. 142), e cujo espirito POOILLET commenta assaz acremente, dizendo que taes leis ultrapassavam exaggeradamente seus fins, tornando por seu excessivo rigorismo quasi inapplicaveis as penalidades. As estancias legislativas, vendo assim sophismadas numa larga pratica as severíssimas normas promulgadas, introduziram em 1824 benovolas modificações á legislação existente. Foi a lei de 28 de julho de 1824, que remodelou a lei do germinal, reduzindo a usurpação de nome, de fabricante ou localidade a proporções de simples delicio, correspondendo-lhe uma punição correccional. Taes disposições foram mais tarde completadas em seus effeitos pela lei de 25 de junho de 1857, que de todo revogou a lei do germinal, tornando a lei de 1824 applicavel a todas as marcas sem excepção. Acerca da lei de 1857, dizia o relator, que ella viera preencher, no justo momento, as lacunas da legislação sobre marcas, fazer cessar a desharmonia existente entre diversas disposições, determinar a jurisdicção duma maneira uniforme, e dar á penalidade um grau sufficicntemente efficaz e energico. 94 As leis de 5 de julho de 1844 (patentes), modificada pela lei de 7 de abril de 1902, e de 25 de junho de 1857 (marcas de fabrica e commercio) modificada pela lei de 3 de maio de 1890, conslituem actualmente, a par de outras disposições (1), os diplomas — (1) Além dos diplomas citados, compõem a legislação franceza relativa ao assumpto (os artigos citados referem-se especialmente a materia de concorrencia desleal): lei de 26 de novembro de 1873 sobre timbres ou sinêtes especiaes (artt.°S-6.° e seg.); lei de 28 de julho de 1824 relativa ao nome commercial; ordenanças de 27-29 de agosto de 1825 sobre desenhos e modelos de fabrica; o art. 15.° da lei de 11 de janeiro de 1893, sobre indicações de proveniencia; as leis de 23 de maio de 1858 e de 30 de abril de 1886 ácerca de exposições publicas e recompensas industriaes; e a lei de 1 de agosto de 1905 relativa á repressão das fraudes na venda de mercadorias e bem assim ás falsificações dos generos alimenticios e productos agrícolas. E para as colonias: o decreto de 5 de julho de 1850 que providenciou sobre a materia de patentes de invenção na Argelia; a portaria de 21 de outubro de 1848 que tornou extensivas ás colonias francesas as disposições da lei de 5 de julho de 1844 sobre patentes; o decreto de 8 de agosto de 1873, promulgado com identico fim e em relação á lei de 23 de junho de 1857 sobre marcas e seu regulamento de 26 de julho de 1858; os decretos de 28 de outubro de 1902 (patentes) e de 19 de fevereiro de 1903 (marcas) para Madagascar; o decreto de 24 de julho de 1893 (patentes e desenhos) para a Indo-China; o decreto de 26 de dezembro de 1888 (patentes) e a lei de 3 de junho de 1889, modificada pelo decreto de 22 de outubro de 1892 (marcas), para a Tunísia. Estas sam as normas especiaes sobre propriedade industrial, contendo preceitos applicaveis á concorrencia desleal. Na alçada dos artt.os 1382.° (Art. 4382.°: «Tout fait quel- 95 bases relativamente á materia de propriedade industrial, contendo as disposições applicaveis á concorrencia desleal. 20. Na Allemanha — terreno de eleição para o desenvolvimento da concorrencia desleal, diz EECKHOUT — o assumpto permaneceu por largo tempo na viconque de l'homme, qui cause à autrui un dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer») e 1383.° (Art. 1583.°: «Chacun est responsable du dommage qu'il a causè non seulement») par sou fait, mais encore par sa négligence ou im-prudence; tem a jurisprudencia comprehendido os casos genericos e qualificados de concorrencia desleal, não previstos com partieular sancção nas providencias citadas. (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 8-10, 915 e seg.; BRUN, Les marques de fabrique et de commerce, pag. XVIII e seg.; BÉDARRIDE, Commentaire des lois sur les brevels d'in-vention, les noms des fabricants et les marques de fabrique, pag. 11 e seg.; HUARD, Répertoire de legislation, de doctrine et de jurispru-dence en matière de marques de fabrique, noms, enseignes et designa-tions, pag. 21 e seg.; LACOUR, Des fausses indications de provenance, 1904, pag. 17 e 18; BERT, Traité theorique et pratique de la con-currence déloyale, pag. 9 e seg.; VALLÉ, La fausse indication de provenance des produits vinicoles et spécialement des vins de Cham-pagne, 1904, pag. 10 e seg.; ALLART, Traité théorique et pratique de la contrefaçon, 1908, pag. 21 e seg.; EECKHOUT, ob. cit., pag. 22 e seg.; PATAKY, Les bis sur les brevets d'invention et marques de fabrique des principaux pays, 1907, pag. 1 e seg.; e boletins de La Propriété industrielle, de 1885, pag. 11 e seg.; 1890, pag. 66 e 79; 1891, pag. 46). 96 gencia de disposições por demasiado vagas e insuficientes. Eram, áparte algumas disposições dispersas, os preceitos communs do direito civil e do direito penal, cuja essencia não continha sufficiente remedio e garantia para reprimir os abusos crescentes da livre-concorrência, e preceitos, para mais, commentados cora extrema e quasi ridicula restricção por parte da magistratura allemã, cuja timidez, feita duma completa e propositada ignorancia das necessidades da vida commercial, persistia na interpretação litteral dos textos legaes, deixando o commerciante á mercê de todas as espoliações (1). Foi então que KOHLER e GIERKE ergueram brado auctorisado contra a pratica allemã—cuja prudencia, no dizer de GIERKE, era verdadeiramente pusillanime e cujas pretensões confinavam com o pedantismo—lançando as bases de uma teoria jurídica da concorrencia desleal, na affirmação de que os institutos da propriedade industrial constituem emanação dos mais legítimos direitos da personalidade humana, cuja extensão (1) «Insuffissante en droit pénal, escreve EECKHOUT, la répression de la concurrence déloyale par la voie civile était donc nulle; la liberté absolue de la concurrence était de principe et, en dehors des dispositions formelles de quelque loi positive, la jurisprudence ne lui reconnaissait pas des limites» (Cf. EECKHOUT, ob. cit., pag. 21). 97 todavia deve ser comprehendida na medida dos demais direitos ou interesses sociaes. KOHLER e GIERKE esboçavam clarividentemente a teoria do abuso do direito, cuja applicação ao objecto de nossa analyse perfilhámos, procurando surprehende-la na sua mais moderna interpretação. Por essa fórma, os jurisconsultos allemães elaboravam a regra civil mais geral para fundamento da repressão da concorrencia desleal, sem que por esse facto menos reconhecessem a concorrencia de leis especiaes reguladoras do assumpto com o fim de assegurar consequencias de ordem jurídica penalista para certas modalidades da mesma concorrencia. O movimento eslava lançado a despeito do acolhimento quasi hostil que mereceram as ciladas opiniões, tendo-se o debate prolongado ainda por alguns annos, por entre reluctancias de varia ordem. E finalmente, a 27 de maio de 1896, após ruidosa discussão, o Reichstag e o Conselho Federal dotavam o imperio germanico com uma lei repressiva da concorrencia desleal, que começou a vigorar em 1 de julho do mesmo anno (1). (1) Anteriormente á lei de 1896, as disposições applicaveis aos abusos da concorrencia desleal (disposições não revogadas, alias, pela presente lei) eram as seguintes: leis de 11 de junho de 1870 e 9 de janeiro de 1876 sobre direitos de auctor; lei de 11 de ja7 98 21. O movimento legislativo referente ao capitulo de direito que nos interessa tem preoccupado todos os Estados, em cujas legislações se encontram ou providencias especiaes ou garantias juridicas de caracter mais generico. Sem nos lançarmos numa mais ampla esplanação, não queremos deixar de registá-lo succintamente. No imperio austro-hungaro, a materia de concorrencia desleal achava-se simplesmente regulada pelo art. 1295.° do Codigo civil, disposição analoga em sua essencia 'ao citado art. 1382.° do Codigo francês, mas neiro de 1876 sobre desenhos e modelos de industria; lei de 16 de janeiro de 1876: protecção de productos photographicos; lei de 25 de maio de 1877, modificada pela de 7 de abril de 1891: patentes de invenção; lei de 1 de junho de 1891: protecção dos modelos; lei de 12 de maio de 1894: marcas de fabrica; artt. 16.°-27.° do codigo commercial, visando a usurpação de firmas; art. 125.° do codigo de industria, que pune o engajamento de artífices de outro concorrente; lei de 15 de maio de 1879: falsificação de generos alimentícios; e, finalmente, algumas disposições do codigo penal, punindo a usurpação de títulos, mercês honorificas (art. 360.° § 8.°), diffamação e descredito (art. 187.°), dolo (art. 263.°). Cf. EECKHOUT, obr. cit., pag. 13 e seg.; KOHLER, Das Recht des Markenschutzes, pag. 77 e seg.; Dr. OSTERRIETH, Lehrbuch des gewerblichen Rechts-schutzes, 1908 (erstes Heft), pag. 38 e seg.; GIERKE, Das Rechts-grund des Schutzes gegen unlauteren Wettbewerbe, apud Zeitschrift fur gewerbl. Rechtschutze, 1895, pag. 108 e seg.; POUILLET, obr. cit., pag. 10191021, La propriété industrielle, de 1896, pag. 133 e 136, e de 1905, pag. 111. 99 á qual a jurisprudencia fornecia uma interpretação diversa, num sentido bem mais restricto. De preferencia se ia buscar applicação ás disposições vigentes sobre propriedade industrial (1). Taes providencias eram, porém, insuficientes para reprimir os abusos da concorrencia desleal e particularmente as indicações de falsa proveniencia. Dahi a necessidade duma urgente reforma legislativa, recentemente (8 de outubro de 1907) levada a cabo, cujas disposições no aspecto que nos interessa são capitalmente as seguintes: todo aquelle que fraudulentamente appuser sobre as mercadorias ou seu involucro uma indicação de falsa proveniencia, exceptuadas as designações geographicas tornadas genericas, lançar qualquer producto no mercado nessas circunstancias ou ainda de tal expediente usar em seus prospectos ou facturas, pratica uma contravenção, incorrendo na pena (1) Para a Austria: as disposições da lei sobre patentes, de 11 de janeiro de 1897 (artt. 95.°, 111.° e 113), da lei ácerca de desenhos e modelos (artt. 2.°, 12.°-14.°) e da lei de 6 de janeiro de 1890, modificada pela lei de 30 de julho de 1895, sobre marcas (artt. 3.°, 6.°, 10.°, 23.°, 25.° e 28.°). Cf. Da. PAUL ABEL, System des österreichischen Markenrechtes, 1908, pag. 425 e seg.; Pouillet, obr. cit., pag. 1022-1023; PATAKY, obr. cit., pag. 81 e seg., 121 e seg. e 328 e seg.; La propriété industrielle, de 1892, pag. 43; 1897, pag. 24, 70, 85, 102, 137, 153 e 170; 1905, pag. 138; e Rec. gén. de la prop. ind., tomo IV, pag. 50. 100 de prisão de uma semana até tres mêses ou cumulativamente em multa de 500 florins ou pena pecuniaria de 5 a 500 florins; o ministro do commercio pode prescrever que certas mercadorias lenham a indicação expressa de sua origem ou logar de proveniencia. Quanto á Hungria o assumpto da concorrencia desleal não conhecia outrosim disposições especiaes; regulavam-no os artt. 58.° e 157.° da lei de 1884 sobre industrias e a lei de 30 de junho de 1893. Providencias de identico teor ás supra-citadas acabam, porém, de obter sancção legislativa. 22. O Reino-Unido não possue, é certo, disposições legislativas especiaes sobre materia de concorrencia desleal. Não obstante, ella é severamente punida, particularmente as indicações de falsa proveniencia, pela applicação dos preceitos referentes ao assumpto e insertos nos diplomas legislativos da propriedade industrial e por effeito ainda da protecção efficaz que a jurisprudencia inglêsa lhe garante nas disposições da common law. Os artt. 28.°, 29.°, 31.°, 35.° e 105.° da nova lei sobre patentes de 1902 prevêm expressamente todos os ataques lesivos ou violadores de qualquer patente legitimamente adquirida, facilitando a seu possuidor todos os meios de defesa e procedimento judicial: e os artt. 66.° e 67.° da lei de 11 de agosto de 1905, que 101 codificou com modificações toda a legislação referente a marcas de fabrica, preveniram egual procedimento no que respeita a qualquer acto de concorrencia desleal nos domínios do citado aspecto da propriedade de industria (1). 23. Semelhantemente á França, não possue a (1) O art. 104.° da citada lei de patentes prevê a sua applica-ção ás colonias britannicas, algumas das quaes possuem providencias especiaes sobre propriedade industrial: Federação australiana: lei de 22 de outubro de 1883 sobre patentes, e leis de 27 de agosto de 1884, 12 de julho de 1886, 10 de setembro de 1894 e regulamento de 16 de novembro de 1895, sobre marcas. (Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1021-1022; PATAKY, obr. cit., pag. 222 e seg.; La prop. ind., 1895, pag. 76; 1899, pag. 120; 1900, pag. 102 e 1905, pag. 136); Canadá: lei de 15 de maio de 1879, após fundida nos estatutos revistos de 1886 e modificada em 1890-1891, e regulamento de 9 de maio de 1887, sobre marcas (Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1026; Prop. ind., de 1892, pag. 131, 1893, pag. 127, 1894, pag. 174 e de 1905, pag. 144); Indias inglêsas: a contrafacção fraudulenta de marcas cabe na alçada da lei de 1 de março de 1889 (Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1038; Prop. ind., de 1898, pag. 24, 1899, pag. 136 e 1905, pag. 43); Colonia do Cabo: lei de 8 de agosto de 1891 e regulamento de 1 de março de 1893, sobre marcas, e lei de 25 de julho de 1888, sobre nome commercial e suas contrafacções (Cf. POUILLET; obr. cit., pag. 1026; Prop. ind., de 1899, pag. 126, 1905, pag. 144); Transwaal: lei de 31 de maio de 1892, sobre marcas, cujas disposições, após a annexa-cão, uma ordenança tornou mais severas visando sobretudo as contrafacções (Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1051; Prop. ind., de 1892, pag. 139, 1899, pag. 150, 1900, pag. 74 e 94), etc. 102 Italia normas particulares e respeitantes ao objectivo da concorrencia desleal: o art. 1151.° do codigo civil, que reproduz textualmente o art. 1382.° do codigo francês, é a disposição a que recorre a jurisprudencia, e algumas disposições applicaveis se deparam outrosim na legislação italiana sobre propriedade industrial. Essa legislação compõe-se: do decreto real de 31 de janeiro de 1864, n.° 1657, que approva o regulamento executorio (ia lei sobre privilegios industriaes, modificado pelo decreto real de 16 de setembro de 1869, n.° 5274 (§§ 94.° e seg.); quanto a marcas, ha a lei sarda de 12 de março de 1855, tornada executoria em toda a Italia em 1864, e a lei posterior de 30 de agosto de 1868, completada e esclarecida pelo regulamento de administração publica de 7 de fevereiro de 1869 (1). A concorrencia desleal, na fórma de indicação de falsa proveniencia, tem na Italia a sancção energica dos artt. 295.° e 297.° do codigo penal de 30 de junho de 1889, os quaes punem tal delicto com prisão até seis mêses e multa até 3000 liras (art. 295.°), ou, tratando-se duma indicação de falsa proveniencia de (1) Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1039; PATAKY, obr. cit., pag. 329 e seg.; Prop. ind., de 1885, pag. 31, 40, 42, 51 e 59,1890, pag. 90, 1894, pag. 50, 1896, pag. 141, 1897, pag. 128, 1898, pag. 51 e 1899, pag. 136. 103 origem estrangeira (art. 297.°), prisão até dois annos e malta de 50 a 5000 liras. 24. Na Belgica o maior numero de casos de concorrencia desleal conhece apenas a sancção dos preceitos genericos dos artt. 1382.° e 1383.° do código civil,o adequado á repressão dos factos abusivos da livreconcorrencia mediante uma jurisprudencia sequaz da interpretação do cdigo napoleónico (1). (1) EECKHOUT assim expõe o teor de tal jurisprudencia, cuja orientação nos pareceu interessante de registar: «La responsabilité á raison d'un délit ou d'un quasi-délit de concurrence déloyale suppose un acte illicite et un dommage. «Il ne suffit pas de démontrer 1'existence d'nn préjudice pour établir le droit à une réparation, car la concurrence elle-même est un droit, et le préjudice est une conséquence inévitable de la concurrence : or nul ne peut étre tenu de réparer un dommage causé par le seul exercice légitime d'un droit. Mais la concurrence est le droit de tous, et le droit de chacun trouve une limite nécessaire dans 1'exercice légitime da droit d'autrui. Toute modalité de concurrence qui porte atteinte aux droits d'un rival, cesse d'étre l'exercice légitime d'un droit, constitue un acte illicite, et donne naissance à la responsabilité. «Mais dans 1'infinie variété des formes de la concurrence jusqu'oú va 1'exercice de cette faculté légitime, ou commence l'abus? Cest la probité commerciale qui trace la limite entre la concurrence permisse et les actes défendus. La pratique loyale du commerce a son code dont on ne saurait, à priori, déterminer les règles, mais dont le juge s'inspire dans 1'apréciation des faits qui lui sont soumis». (Cf. EECKHOUT, obr. cit., pag. 9-10). 104 Certas manifestações mais salientes da concorrencia desleal mereceram, todavia, ao legislador particular attenção, encontrando-se nas normas reguladoras da propriedade industrial algumas disposições repressivas applicaveis, já no interesse dos concorrentes já do consumidor (1). 25. Da federação norte-americana só, que nos conste, o Estado de Nova-York possue lei especial repressiva da concorrencia desleal: a lei de 1899 que visa a publicação de annuncios fraudulentos. Ao assumpto dizem, porém, respeito varios preceitos insertos nos diplomas respeitantes á propriedade industrial (2). (1) Taes normas são: lei de 18 de março de 1806, para protecção de desenhos e modelos de industria; lei de 24 de maio de 1854, sobre patentes (artt. 4.°, alínea b, 5.° e 6.°); e lei de 1 de abril de 1879, sobre marcas (artt. 8.° e 9.°). Os artigos do codigo penal, que protegem o nome commercial (art. 191.°), punem a divulgação de segredos de fabrica (art. 309.°), a fraude sobre a identidade, natureza, origem ou quantidade das cousas vendidas (artt. 498.° e seg.). (Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1023-1024; PATAKY, obr. cit., pag. 131 e seg. e 136 e seg.; EECKHOUT, obr. cit., pag. 8 e seg.; MESNIL, Des marques de fabrique et de commerce et du nom commercial dans les rapports internationaux, pag. 459; La prop. ind., de 1897, pag. 120 è 139, 1885, pag. 19, 21 e 22; 1899, pag. 122). (2) Taes são as secções 4901 e 4918 a 4934 da lei sobre patentes (texto dos Estatutos refundidos, publicados em 1878 e modifica- 105 26. Não queremos terminar esta breve resenha sem dar logar no texto a uma referencia á nação vi- dos pela lei de 3 de março de 1897}; e artt. 16.° a 23.° da lei de 20 de fevereiro de 1905 sobre marcas. A lei aduaneira de 24 de julho de 1897 contém, nas secções VIII e XI, as seguintes disposições ácerca de indicações de falsa proveniência : «Section VIII — Tons articles de fabrication étrangère, qni, usuellement ou à 1'ordinaire, sont marqués, timbrés, marqués au feu ou étiquetés, et tous colis contenant de tels articles ou d'autres articles importés, devront respectivement étre clairement marquês, timbrés, marquês au feu ou étiquetés en mot anglais, lisibles, de façon à indiquer leur pays d'origine, et les quantitês qu'ils contiennent; et il ne seront pas délivrés à 1'importateur avant d'avoir été ainsi marquês, timbrés, marquês au feu ou etiquets». «Section XI—Nul article importé sur lequel seront copiés ou imités le nom ou la marque de fabrique d'une manufacture ou d'un manufacturier nationaux ne sera admis à 1'entrée par aucun bureau de la douane des États-Unis». E a circular expedida em 14 de fevereiro de 1898 aos recebedores de alfandega, dispõe: «Les officiers des douanes doivent refuser 1'entrée à tons les articles portant le nom d'un fabricant national bien connu, on un nom fictif étant censé étre celui d'un fabricant national, ou les mots «États-Unis», ou le nom d'un Êtat, d'une cité on d'une ville des États-Unis, étant indeférent que le nom d'un pays d'origine étranger figure ou ne figure pas sur les dits articles. Le nom de 1'importateur ou du commerçant de ce pays (en dehors des cas prévus plus haut) peut y figurer si le nom du pays d'origine est apposé sur les articles d'une manière tout aussi lisible. Tous les cas de violation de la loi 106 sinha, que possue sobre o problema jurídico que nos occupa, providencias modernas e completas. Constam ellas da lei de 16 de maio de 1902, lei de conjuncto que conglobou disposições ácerca de patentes, marcas, desenhos, nomes commerciaes e recompensas de industria. Na citada providencia se contém numerosos preceitos sobre concorrencia desleal: o titulo X tem a rubrica de concorrencia illicita; nos tres capítulos do titulo XI se especialisaram disposições attinentes á repressão dos ataques desleaes aos diversos institutos da propriedade industrial; e as indicações de proveniencia são objecto de destacados preceitos (tit. IX, artt. 124.°-130.0) (1). Nos demais Estados mundiaes a concorrencia desleal não conhece por via de regra normas particulares. A sua sancção reside ou nas disposições de direito commum vigente ou nos preceitos especiaes, com que sur ce point devront ètre rapportés au Département pour qu'il donne les instructions nécessaires». (Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1033-1034; PATAKY, obr. cit., pag. 193 e seg., e 209 e seg.; Prop. ini., de 1495, pag. 85, 1897, pag. 33, 124, 140 e 198, 1899, pag. 130). (1) Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1032; PATAKY, obr. cit., pag. e seg.; VALLÉ, obr. cit., pag. 239; La prop. ini., de 1887, pag. 85, 93, 1888, pag. 3, 1897, pag. 124, 1899, pag. 130 e 1902, pag. 146. 107 por toda a parte e em mais ou menos larga medida se tem procurado garantir a propriedade industrial (1). (1) A Russia, Suissa, Hollanda, Noruega, Dinamarca, Suecia, Roumania, Servia, Grecia, Bulgaria, Turquia, Japão, Brazil, etc, não possuem leis especiaes sobre concorrencia desleal, cuja repressão é repartida, com maior ou menor latitude, pelos respectivos preceitos de direito commum e pelas disposições legislativas elaboradas em materia de propriedade industrial (Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1025, 1029, 1036, 1040, 1043, 1044, 1047, 1049, 1050 e 1052; PATAKY, obr. cit., pag. 149, 354, 373, 382, 896, 403 e 417; La prop. ind.. de 1897, pag. 132, 1899, pag. 148 e 223 (Russia), 1897, pag. 101 e 132, 1899, pag. 24, 44 e 152, 1900, pag. 22, 23 e 24 (Suecia), 1885, pag. 70 a 77, 1893, pag. 155, 1897, pag. 140 e 1899, pag. 144 (Hollanda), 1888, pag. 71, 121, 124, 1890, pag. 123, 1891, pag. 26 e 99, 1894, pag. 2 e seg., 1897, pag. 134 e 140, 1899, pag. 152 (Suissa), 1886, pag. 61, 71, 1886, pag. 53, 1897, pag. 130, 140, 1899, pag. 142, 1900, pag. 162 (Noruega), 1894, pag. 53, 71, 74 e 149, 1897, pag. 122, 139, 1899, pag. 133, 128, 1900, pag. 73 (Dinamarca), 1885, pag. 26, 1899, pag. 161, 164,177 e 181 (Japão), 1888, pag. 96, 1893, pag. 29, 43, 59, 73, 118,129, 141, 1897, pag. 122, 1899, pag. 124 (Brazil), etc. CAPITULO VI Legislação portuguêsa 27. —Traços históricos da legislação portuguêsa sobre propriedade industrial. 28.—0 codigo civil: deducção do nosso direito commum sobro concorrencia desleal. 29.—Legislação especial. 30.—Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria: organisação actual. 27. Pelo que respeita ao nosso país, são escassas as indicações relativas ao passado historico do aspecto da legislação referente á propriedade industrial, como porventura bem resumidas foram as preoccupações legislativas com tal objectivo. O translado historico fornece-nos apenas raras e genericas informações, as quaes, porém, dada a similitude de condições mesologicas, admittem uma elucidação complementar medeante o estudo e confronto das instituições de ordem economica e social das nações do meio-dia e sul da Europa. Assim é que na incipiente chronologia monarchica 110 se nos depara a reduzida actividade economica das populações portuguésas cingida ao arbitrio dos reis, delegando-se no sopremo senhor uma universal tutela, que descia ao pormenor de taxar o preço das merca orias no intituito de proteger o consumidor contra a carestia das coisas necessarias à vida. Doutrina esta, que dominava geralmente tanto no conselho dos reis como nas juntas populares, sendo as posturas municipaes de Coimbra de 1145 o primeiro exemplo conhecido da applicação de tal principio em Portugal (1). Rudimentar, pois, devia ser essa phase de concorrencia, attento que nenhum cuidado se dava às artes e officios, voltadas todas as actividades á agricultura, no tempo em que o reino de Portugal, conforme se lê. no preambolo da lei das sesmarias nas Ordenações affonsinas (2), entre todas as terras e províncias do mundo soia ser mui abstado de trigo e cevada. Ainda depois, nos culminantes periodos de prosperidade da economia nacional, na fomentada epoca de Fernando I, em que Lisboa guiava da reputação de ser uma das mais acreditadas praças da Europa, e mais tarde nos annos de abastança e posse do Oriente, nos apresenta 111 o historiador SR. GAMA BARROS numerosas resoluções de identico teor, na inspiração do mesmo regimen restrictivo, integrados já os nucleos dos artífices na rigida organisação das corporações medievaes, de cuja exis tencia entre nós existe um largo traço regulamen- tar(1). Demais, iniciativa fabril, pouca ou nenhuma nos foi dado manifestar, para sempre suffocada a nossa acanhada producção manufactureira pelas clausulas do tratado de Metwen, mau grado as ephemeras providencias de Pombal, implantadas á má-cara e revogadas sem demora por esse documento nefasto para a industria nacional, que foi o tratado de 11 de fevereiro de 1810 (2). Assim, pois, nunca o estimulo e consequente concorrencia de artes e industrias, que jámais se pronunciaram com algum significado, foram de molde a fornecer exigente base economica para qualquer elaboração legislativa. FERREIRA BORGES chama-nos a attenção, no ponto reslricto que nos interessa, para o § 6.°, cap. 17.° do alvará de 16 de dezembro de 1756, que, como se sabe, criou a Junta do Commercio; o texto em questão refere-se antes a prescripções fiscaes para a rubrica (1) SR. GAMA BARROS, obr. cit., pag. 188 e seg. (2) COELHO DA ROCHA, obr. cit., pag. 134 e seg. e 197 e seg. 112 official de transito aduaneiro de determinadas merca dorias (1). Em 7 de maio de 1834 foram extinctas, com seus privilegios, as Corporações de artes e officios e a Casa dos 24. Inauguraram-se então entre nós, na consagração effectiva dos princípios liberaes, garantias desafogadamente livres, reflectindo as origens e o espirito de renovação francêsa, e vingando em principio na lei constitucional de 1826. Esta garante o direito de propriedade em toda a sua plenitude; e, como norma generica reguladora do livre exercício do direito de propriedade industrial, dispõe ainda: que nenhum genero de trabalho, cultura, industria ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança e saude dos cidadãos; que os inventores terão a propriedade de suas descobertas ou das suas producções, assegurando-lhes a lei um privilegio exclusivo temporario ou remunerando-os em resarcimento da perda que hajam de soffrer pela vulgarisação (§§ 21.°, 23.° e 24.° do art. 145.°). No Codigo commercial de 1833, encontramos ape(1) FERREIRA BORGES, Diccionarío juridico-commercial, vbis. marca e marcas de fabrica, pag. 243; Collecção de legislação portuguêsa, 1750-1762, Estatutos da junta do commercio; SR. ESTEVES PEREIRA, A industria portuguesa, seculos XII a XIX, pag. XV e seg. e XXIV e seg. 113 nas duas disposições referentes ao assumpto que nos interessa: a que prescreve «que os sêllos e marcas escriptas, de fogo, ou outras, que os commerciantes usam nos pacotes, sacas, caixas, fardos, pipas ou outros volumes, são muitas vezes presumpção c meio de prova da propriedade do objecto marcado, que a lei reconhece, deixando ao arbitrio do juiz a graduação do seu pêso, segundo as circunstancias (art. LI do tit. V, liv. III da parte 1)>; e ainda a disposição (art. LX1II da secç. II do tit I do liv. I da parte 1), que determina, relativamente aos negociantes de commissão que «o commissario não póde alterar as marcas dos effeitos comprados ou vendidos por conta alheia, salvo lendo para isso ordem expressa do committente». 28. O Codigo civil português, publicado annos depois, introduziu em larga medida novas e importantes providencias sobre o assumpto. Neste historiar espaçado da legislação patria referente ao problema juridico que nos interessa, attingimos agora um ponto de maior importancia: a analyse das disposições do nosso mais notavel e complexo monumento juridico, as quaes é mistér extrahir e conjugar de molde a obter a deducção do direito commum, que entre nós deve presidir e sanccionar os casos de concorrencia desleal não previstos nas normas especiaes, 8 114 que a seu tempo nos será dado apontar. Assim formulámos o enunciado problema juridico da concorrencia desleal, assim lhe buscaremos logica e salisfactoria solução. Dado que por 1867 o liberalismo, importado dalém Pyrineus, obtivera uma decisiva e historica implantação de sangue na terra portuguêsa, não é de surprehender que o corpo de leis então elaborado ratificasse em multiplos de suas disposições aquellas garantias de profundo sabôr individualista, que o espirito da epoca vinha pertinazmente aconselhando. A individualidade juridica da creatura humana mereceu uma consagração plena: o art. 359.°, que parece escripto pelo cálamo dum rígido encyclopedista, é uma homenagem rasgada e sincera á natureza humana, parturiente de direitos ab ovo, por obra e graça do velho direito natural, direitos que são causa causarum pois que da sua multiplicação derivam todas as possíveis e licitas conquistas do viver jurídico. O legislador português foi minucioso e explicito: a escala dos direitos originarios vai desde o direito primeiro de existencia até ao licito recurso de defesa, direitos esses cuja melhor syntese se encontra no pleno exercício da liberdade humana em qualquer de suas manifestações. Para que o homem fosse livre, indispensavelmente se sanccionaram as garantias attinentes á sua integridade physica e moral, á desimpedida ini- 115 cialiva de seus braços como de seu pensamento, pois que só a liberdade, declama-o o romantismo sociologico, dignifica a creatura humana, escancarando-lhe a senda da perfectibilidade social... Do mesmo passo que a lei contemplava o individuo com a posse das inalienaveis garantias originarias de sua conservação e desenvolvimento, assegurava-lhe a directriz tranquilla e, em principio, illimitada dessas mesmas garantias, afóra as exclusivas reslricções de lei formal ou expressa (art. 368.°) ou bem assim de regulamentos administrativos auclorisados por lei (art. 567.°, § unico). E tamanho se apresenta o generoso ciume do legislador que, nas primeiras linhas, ao mesmo tempo que expressamente garantia ao individuo os meios indispensaveis para o exercício do seu direito reconhecido por lei (art. 12.°), lhe assegurava outrosim a mais lala expansão de tal direito, isentando-o em letra redonda de toda e qualquer responsabilidade damnosa superveniente da pratica do mesmo direito (art. 13.°). A livre-concorrencia parece, portanto, ter encontrado no Codigo civil português a mais plausível e completa consagração individualista. Dir-se-ha, após a leitura de taes preceitos — e não falia quem auclorisadamenle assim pense (1) — que a nossa legislação civil rejeitou (1) «No exercício dos seus direitos, escreve o SR. DR. GUILHERME 116 in limine a teoria do abuso do direito, tal como a formulámos e modernamente se entende. Baldadamente MOREIRA, a pessoa só tem as limitações que são impostas por lei. Desde que proceda em harmonia com esta e dentro dos limites do direito, não responde pelos prejuízos que causar (art. 13.°): qui jure suo utitur nemini facit injuriam. Se eu, construindo um muro, tiro as vistas ao predio do meu visinho, não tenho de o indemnisar do prejuízo que soffre, porque pratiquei um acto licito. «As restricções que a lei impõe ao exercício dos direitos baseiam-se não só no interesse geral ou na utilidade publica, mas ainda na equidade. E assim que a pessoa que exerce um direito, tendo por fim interesses, deve em collisão e na falta de providencia especial, ceder a quem pretende evitar prejuízos (art. 14.°). «São estas as normas que, dum modo geral, limitam o exercício dos direitos segundo o nosso codigo civil. «A regra formulada no art. 13.° inspira-se no conceito de direito subjectivo formulado no art. 2.°, segundo o qual esse direito representa a liberdade garantida pela lei. Para que não haja esta garantia, é necessario que a lei prohiba um determinado facto, pois que, não havendo essa prohibição, implicitamente se reconhece a faculdade de o praticar (carta constitucional, art. 145.°, § 1.°). «Sendo assim, um direito não póde ter outros limites que não sejam os que resultam do seu proprio conteúdo e os que são estabelecidos por disposição da lei, que, fundando-se nos interesses collectivos, coordenando as diversas actividades sociaes, póde restringir expressamente esse conteúdo, como são as normas respeitantes ao uso das aguas, as relações entre predios contíguos, ao exercício das industrias incommodas, insalubres e perigosas, á concorrencia industrial. Quando o conteúdo dum direilo é expressamente determinado pela lei, quando esta fixa os limites dentro dos quaes elle deve ser exercido, quem, excedendo esses limites, causar 117 se procurará construir sobre seus preceitos o direito commum da concorrencia desleal, cuja repressão, afóra os casos previstos pelas normas especiaes, será, pelos modos, um impossível juridico ? Refusamos tal parecer. Ha em seu desfavor e primeiramente uma funda razão de ordem sociologica, um damno, praticará um facto illicito, incorrendo em responsabilidade civil. Não havendo, porém, essas limitações, e não sendo o acto praticado prohibido dum modo geral pela ordem juridica, quem, exercendo um direito, causar um damno, e embora com tal exercício só tenha por fim esse damno, não auferindo proveito algum, não é obrigado a reparar o damno causado. «A nossa lei não prohibe portanto os chamados actos emulativos. A disposição consignada no art. 14.° não é applicavel a estes actos. «Este artigo respeita aos casos em que, para exercer um direito, se tem de lesar outro direito, pois só em tal caso haverá collisão. Esta, porém, desapparece logo que a lei, para se evitar um prejuízo imminente, que de outro modo se não possa evitar, auctorisa o exercicio do direito causando prejuízos em cousa de outrem, como nas hypotbeses dos artt. 2396.° e 2397,° «Uma verdadeira collisão de direitos, em que o titular dum procure interesses e o de outro evitar prejuízos, afigura-se-nos impossível. Dentro dos limites em que cada um póde desenvolver livremente a sua actividade, não ha responsabilidade pelos prejuízos causados. Esses prejuízos não correspondem a interesses que sejam garantidos pela lei, não ha a lesão dum direito e consequentemente responsabilidade civil, embora esses prejuízos hajam sido intencionalmente causados». (Cf. Sn. DR. GUILHERME MOREIRA, obr. cit., pag. 632-634). 118 deduzida da opinião daquelles (1) que vieram vivificar inlensamenle a interpretação legislativa sustentando a vitalidade intrínseca e contínua do corpo de lei, cuja apreciação se não deve fazer por uma fórma anatomica e isolada mas antes inspirada num fecundo criterio, por cuja essencia o direito deve ser encarado como uma fórmula de vida, julgada necessariamente no seu conjuncto e sob tal impulso acompanhando racionalmente as transformações do meio social. Em torno ao texto dum codigo apparentemenle glacial e immutavel, o perscrutar da critica e as reivindicações sobrepostas duma sociedade vão accumulando factos e innovações, gerando um ambiente naturalmente progressivo, cujas aspirações a doutrina e a jurispru(1) Cf. ESMEIN, La jurisprudence et ta doctrine, apud Recue trimestrielle de droit civil, 1902, tomo I, pag. 5 e seg.; LAMBERT, Une réforme nécessaire des études de droit civil, apud Rev. int. de l'enseignement. 1900, tomo IX, pag. 216 e seg.; La fonction du droit civil comparé, tomo I, pag. 32 e seg.; LANGLOIS, Essai sur le pouvoir prétorien de la jurisprudence, 1897, pag. 1 e seg.; SALEILLES, De la déclaration de volonté, 1901, pag. 194 e seg.; GÉNY, Metodo de interpretacion y fuentes en derecho privado positivo, trad. hesp., 1903, prologo, pag. IX e seg., e 232 e seg.; MORNET, Du rôle et des droit de la jurisprudence en matière civil (thèse pour le doctorat), 1904, pag. 7 e seg.; ISAMBERT, L'êvolution des études juridiques vers 1'observation sociale, apud La Science social, de fevereiro de 1897, tomo 23, pag. 94 e seg.; BRUGI, Scienze giuridiche e scienze sociali, apud Rivista italiana di sociologia, de maio-agosto de 1909, pag. 305 e seg. 119 dencia assignalam em seus conceitos e a que importa adaptar a obra do legislador. E não se diga que tal criterio, que foi fundamentalmente a mais fertil concepção da escola historica (1), venha originar uma interpretação absurda, (1) «Al método silogístico y dogmático,"escreve GÉNY, que sacaba de la codificación una vida completamente fictícia y completamente fuera de lo real, paralizada en su desarrollo y como definitivamente acabada desde que la construcción de conjunto se completó, se ha intentado sustituir con un método de vida orgánica ó de evolución histórica, interno y no externo como el primero, cuya característica está en vivificar los códigos, no por la propia sustancia, sino mediante la aportación de todos los elementos de vida ulterior externa. En vez de encerrarse en si mismo, se abre al mundo exterior, aun cuando sin dejarse invadir ó dominar por él, sino para dominado, adaptado, clasificarlo en su propia disciplina, y convertir en moneda jurídica, imprimiéndole su sello, todas las relaciones que brotan de la realidad. «En este método de evolución historica, que puede considerarse como intermediario entre las dos anteriores, todavia se mantiene en principio que todo tiene su puesto en la ley escrita, considerada, no como la única fuente viva de derecho, sino como el único marco cientifico y jurídico que tiene valor ante los tribunales. No es que pretenda nadie que el derecho es creación del legislador; aun los partidarios mismos más obstinados de las antiguas concepciones, no niegan la influencia orgánica de la costumbre y la doctrina, tanto desde el punto de vista de la creación, como de la propagación de los hechos y las nociones jurídicas. Pero á estas creaciones subjetivas y espontáneas no puede reconocérseles el que se impongan legalmente; de lo contrario, liabría arbitrariedad, incertidumbre en 120 demolidora da fórmula legal e do pensamento do legislador. las relaciones privadas y un procedimiento inorgânico y harto primitivo de adaptación jurídica. Para que adquieran el valor de un derecho objetivo eficaz, es necesario que esas creaciones tengan un lugar en la ley, que se armonicen con el conjunto de la construcción jurídica, tomada en su totalidad, que se vivifiquen en esta fuente superior, de la cual recibirán el carácter de un derecho nacional, estahleciendo la continuidad de una evolución logica y concordante, en voz de las espontáneas fantasias de lo puramente individual. «Y al mismo tiempo que la ley atrae las creaciones de naturaleza doctrinal ó consuetudinaria, éstas, á su vez, influyen sobre el derecho escrito, modificando poco a poco la interpretación primitiva de las fórmulas legales, dotándoles de una vida refleja, creadora de nueva armonía entre ellas. Entre las concepciones vivas que el texto contiene y lo que del esterior se le une, procedente de la vida económica y del medio social, se opera um incesante cambio de acciones y reacciones, mediante el cual se realiza el progreso juridico; sin sacudimientos profundos, sin bruscos cambios ni revoluciones, gracias á la sola intervención de la jurisprudencia, encargada ya, no de sujetarse á un texto muerto, sino de realizar la función de desenvolver uno eternamente vivo. A ella corresponde acomodar al texto ias espontâneas manifestaciones que ofrezca la práctica de los negocios, y al mismo tiempo, acomodar el texto á las nuevas necesidados que lo solicitan, el dar elasticidad á las formulas, el despojado de los princípios oscuros y fundir el todo en un conjunto armónico, cuya lógica causa la certidumbre para los intereses privados, al mismo tiempo que desafia la arbitrariedad, que es la amenaza constante de todo método subjetivo. «Queda en la apariencia el conjunto de la construcción tal cual es en la concepción dogmática: un edifício muy sólido, en el cual 121 Uma vez promulgada, a lei vive vida propria e independente e, sem que por esse facto a sua formula succumba ou o pensamento do legislador seja atraiçoado, o que é necessario é imprimir ao corpo legal um permanente andamento ao calor da evolução collectiva — isto numa sabia e progressiva medida, dictada pela mais esclarecida jurisprudencia (1). se encuentra todo, y donde, mediante la lógica vulgar, se clasifican los problemas todos que puedan presentar-se. Pero si un momento dado de la evolución jurídica, la apariencia es la misma, los elementos que componen el edificio están tomados del exterior y se renuevan si rosar. No es un palacio construído, segun plan previamente dispuesto y al cual no pueda tocarse; es un conjunto de construeciones arquitectónicas, renovadas continuamente, cuidando de que las unas guarden relación con las otras y formen un todo armónico. < A esta método, de indole histórica indubablemente, pero que aun quiere plegar las ereacines históricas al plan jurídico y al cüno legal, se le reprocha esta parte de ficción que conserva, consistente en atribuir á ley lo que no procede de ella. Por quê no dejar circunscrito al domínio de la ley solo lo que de ella procede, y reconocer à la vez otras fuentes paralelas, que tengan, si no el mismo valor, por lo menos ano juridico positivo? La costumbre, la tradicion doctrina y cientifica, en vez de ofrecer al intérprete sólo creaciones amorfas, que debe transformar en fórmulas jurídicas por su enlace con la ley, que den origen inmediatamenle, permitaseme la frase, á derecho positivo, apto desde luego para la circulación y la sanción judicial». (Gény, obr.cit., prólogo, pag. vIII e xI). (1) «Pero si debo hacerme cargo aqui, por al contrario y con más insistencia, diz GÉNY, de una tendencia salida de una idea 122 Postas taes permissas, baixemos á analyse da legislação portuguêsa no aspecto que nos occupa. Em face completamente opuesta, que yo no he tratado sino aludiéndola superficialmente, y que á pesar del opuesto origen lleva á veces á resultados igualmente peligrosos que el sistema anterior, aun cuando en otro sentido: una á modo de reacción contra aquél, despertada por la escuela histórica. Sabido es que, según Savigny y Puchta, la fuente última, íntima y única de las reglas de derecho positivo, reside en la conciencia popular, y la ley escrita no es más que, como la costumbre y el derecho cientifico, uno de los arroyos nacidos de este origen común, para poner en circulación, en la vida práctica, los fecundos gérmenes que sólo se encuentran en aquélla. Desde este punto de vista, la legislación no tiene más valor que en tanto que traduce con fidelidad la conciencia popular. Y Savigny insiste sobre la necesaria desproporción que hay entre la fórmula legal y la institución jurídica, «cuya naturaleza orgànica no puede agotar una regia abstracta», y senala como mision dei intérprete la de «reconstruir el conjunto orgánico, del cual no muestra la ley más que una sola fase». «Indudsblemente, aun cuando un poco vagas, estas consideraciones pueden conciliarse con un respecto, al menos aparente, de la fórmula legal. Pero si el pensamiento del legislador tal cual se desprende del sentido recto y natural del texto, en la opinión personal del interprete, repugna con lo que considera expresion de la conciencia colectiva del pueblo en el momento en que aquélla debe aplicarse, no debe vacilar en optar sobre la imperfecta traducción, por la revelación directa de esta fuente común y más profunda. Acerca del modo de hacer esto, teniendo en cuenta simultáneamente el texto legal que le viene impuesto como autoridad formal é inexcusable, la antinomia, pretenden resolverla ciertos sucesores de Savigny al tenor siguiente. Después de formulado el texto de la ley, 123 de suas disposições, deveremos estacar na opinião daquelles que genuflectem perante a interpretação litteral de alguns de seus preceitos, concluindo pela legitimidade incontroversivel do uso do direito até ao abuso, até ás consequencias damnosas? Qual será o indice de correcção do art. 13.°? Nas disposições mesmas em que deparámos uma tão accentuada consagração individualista dos direitos originarios, lê-se como um leitmotif este correctivo immediato á expansão desses direitos: «o que delle (direito de expressão, direito de acção, direito de associação, elc), abusar, em prejuizo da sociedade ou de outrem, será responsavel na conformidade ou nos termos das leis» (artt. 3C3.°, 364.° e 365.°). se destaca del pensamiento del legislador para vivir vida propia é independíente. Hasta puede dicirse que en la ley nada hay de la personalidade del autor, y que el contenido de su disposiciones no expresa más que lo que cu ellas descubrirá la conciencia popular, en la diaria interpretación. En todo o caso hay que tomar la ley como una entidad independiente en lo sucesivo de su fuente originaria, evoluciouando por si misma y subordinada esencialmente ai medio social cuyos movimientos ha de seguir conforme lo exige su naturaleza: esto justifica que el intérprete, no sólo descuide la intención del legislador, sino que violente y tuerza el sentido del texto cifanto sea necesario para deducir de el cosa muy ajena á lo que el legislador quiso poner, y para encontrar quanto necesita y lo que pareceu requerir las exigencias de la vida». (Gény, (obr. cit., pag. 232-234). 124 Sem que por qualquer fórma violentemos o texto legal, afigura-se-nos que as palavras transcriptas simultaneamente contém uma correcção indispensavel do latitudinario preceito do art. 13.° e o pleno reconhecimento — em prejuízo da sociedade — daquellas normas de convivencia e harmonia social, cuja interferencia se torna absolutamente acatavel em materia de interpretação de lei. Assim, pois, os direitos por lei reconhecidos—affirma-o racionalmente o preceito legislativo—devem ser entendidos, em sua intensidade e extensão, consoante melhor aconselha esse doutriharismo, que vai crescentemente apregoando o respeito e supremacia dos interesses da collectividade sobre os do individuo, sem que tal implique uma absorpção deste, mas apenas e em seu termo a melhor conjugação dos esforços solidarios das unidades no sentido da mais vasta e harmonisada prosperidade do todo social. Vimos como a teoria do abuso do direito tão efficazmente traduz essa orientação. As palavras citadas da lei portuguêsa ractificam-na inilludivelmente; o conteudo dos direitos originarios conhece, acima das restricções previstas por lei, um mais lato correctivo: os interesses da sociedade. Objectar-se-ha, porventura, que não sendo em tal teoria elemento primacial a intenção do agente mas sim o fim exclusivo de causar um damno, essa teoria 125 predominantemente objectiva irá brigar com as normas da nossa legislação sobre responsabilidade civil. Como admitir, em face de suas disposições, responsabilidade sem culpa ? Ao formular os precisos termos da teoria do abuso do direito, não contestámos ao agente damnoso o direito de allegar e provar quaesquer factos por que prove que não teve só por fim causar damno mas realisar um interesse legitimo. Isto esbate já e em larga medida o alcance da objecção supra. E demais que tal teoria não vai contrariar fundamentalmente o systema e disposições do codigo português sobre responsabilidade civil, isso se deduz não só das multiplas situações em que o codigo reconhece manifestamente a atlribuição de responsabilidade objectiva ao auctor do damno (1) mas ainda da generalidade do art. 2361.° E esse e tão claramente o espirito da nossa legislação civil, que ainda mesmo que o exercício abusivo e consequentemente damnoso dum direito se realise para evitar algum prejuízo imminente, o auclor incorre em responsabilidade civil, sendo obrigado, por expressa indicação de lei, a indemnisar os prejuízos causados (Cf. art. 2396.° e 2397.°). (4) Cf. artt. 2314.°, 2318.°, 2323.° § 2.° e 2338.°, 2377.° e § unico, e 2379.° e § unico. 126 Á luz da melhor e mais progressiva interpretação legislativa concluamos, pois, que a teoria do abuso do direito licitamente se deprehende e incluo na nossa legislação civil. A pratica abusiva de qualquer direito tem nella uma sancção satisfactoria. Assim o denuncia o texto legal e quer a elaboração doutrinaria. A liberdade abusiva da orbita dos direitos proprios ou alheios é um absurdo, hoje mais que nunca. A menos que se pretenda fazer face ás crescentes exigencias da vida jurídica moderna com a esteril proclamação duma obstinada paralysia do corpo legal. Quantas situações, socialmente monstruosas, ficariam sem solução (1)? Não seriam as de menor vulto os casos deturpadores da livre-concorrencia, as viciadas situações da concorrencia desleal... 29. Assentes os princípios do direito commum, que em nosso modesto entender devem regular a materia da concorrrncia desleal no aspecto da propriedade (1) Tal seria, por exemplo, e frisantemente a constituição duma empreza monopolista, factos que algumas legislações consideram como um manifesto delicto (Cf. COLLIEZ, Trusts, cartels, corners, 1904, pag. 442 e seg.; em sentido contrario: LAUR, De l'accaparement, 1900, pag. 71 e seg.). Entre nós, a não admittir-se a licita enxertia da teoria do abuso do direito em nossas disposições civis, a installação dum trust farse-hia a coberto de qualquer responsabilidade civil ! 127 de industria (1), entremos no capitulo da legislação especial. Datam de ha pouco mais de meio seculo as prir meiras e mais importantes providencias das estancias officiaes sobre propriedade industrial. Em 31 de dezembro de 1852 foi promulgado um decreto, corrigindo deficiencias das anteriores e insuficientes medidas de 16 de janeiro de 1837, e contendo multiplas e syslematizadas disposições sobre privilegios de invenção e introducção de novas industrias e estatuindo a annulação de privilegios nos casos de manifesta concorrencia desleal (artt.os 31.° a 34.° e 36.° a 41.°). Em 4 de dezembro de 1883 foi promulgada uma lei sobre marcas de fabrica ou de commercio, seguida de regulamento approvado por decreto de 23 de outubro do mesmo anno. Esta providencia estava em vigor ao tempo em que foi publicado o Codigo Com-mercial de 1888, sendo esta, por ventura, a razão porque no referido Codigo se não inseriram disposições especiaes referentes á propriedade industrial. (1) A propriedade dos inventos, confinante com a materia de propriedade litteraria e artística, mereceu especial attenção ao legislador civil, que lhe dedicou o capitulo III do livro I da parte II do codigo. Essas disposições vieram revogar o decreto de 31 de dezembro de 1852. 128 Em 1892, na inspiração da intensa corrente proteccionista que então deu alma a numerosas medidas legislativas no sentido de estimular a actividade do país no campo industrial, foi promulgado um novo decreto, com data de 30 de setembro do referido anno, concedendo amplas facilidades e especiaes garantias á introducção de novas industrias. O regulamento para execução do referido decreto foi publicado em 1 de fevereiro de 1893 (1). Data de 1894 a mais notavel e completa providencia legislativa elaborada pelos poderes governativos em favor da propriedade industrial. No relatorio que precede o decreto de 15 de setembro de 1894, de iniciativa ministerial do então titular da pasta das obras publicas, SR. CAMPOS HENRIQUES, apontam-se as muitas deficiencias e atrazo da nossa legislação sobre propriedade industrial e a imperiosa necessidade da sua remodelação em face dos progressos das correlativas legislações extrangeiras e das crescentes exigencias da expansão industrial do nosso paiz (2). Não (1) Os artt.os 15.°, 16.° e 17.° eram de evidente applicação a casos de concorrencia desleal, respondendo pela reparação dos damnos causados além de ficar sujeito ás comminações do codigo penal aquelle que lesasse o encartado no exercíiio do seu direito, fabricando no paiz ou dentro da respectiva zona mineira os productos a que a mesma patente se referisse. (2) São palavras do relatorio: «Como acto de collaboração pa- 129 foram por isso esquecidos varios aspectos do complexo problema da propriedade industrial. triotica para este grande e elevado fim (o de fortalecer e activar as forças vivas da nação — no dizer official), temos a honra de submetter á illustrada apreciação de Vossa Magestade o presente projecto de decreto, nascido do convencimento de que a nossa legislação industrial, não obstante o que se tem feito, e mau grado de todos, tem ainda grandes deficiencias, a que é de evidente necessidade prover-se. Este interessante capitulo do direito moderno, formado lentamente num trabalho penoso de evolução, até nos paizes em que o Estado julgou dever antecipar-se ás reivindicações do operariado, ou em que as questões -industriaes attingiram maior importancia, não constituo por emquanto um corpo de doutrina harmonico e completo. Nem tal falta é muito de estranhar-se desde que se attenda á grande difficuldade que ha em bem regular, e de uma vez, assumptos que dizem respeito a questões sociaes de tamanha complexidade. Muito ha que fazer ainda sobre a legislação do trabalho; no que, porém, respeita á propriedade industrial, as grandes linhas geraes acham-se traçadas e os seus principios fundamentaes obtiveram já a consagração da experiencia e a dos tratados internacionaes. 0 nosso paiz, supposto que a sua legislação industrial lhe não tenha merecido por emquanto o cuidado que tem dedicado a outros assumptos, não se tem deixado distanciar muito das outras nações. Algumas providencias salutares se tomaram para beneficio das classes trabalhadoras e desde 1837 nas nossas leis se introduziram disposições com relação á propriedade industrial, tendo nós procurado sempre acompanhar, quanto possível, os aperfeiçoamentos que se íam realisando lá fóra, e prestado a nossa sincera adhesão ás convenções internacionaes. Está, todavia, incompleta a nossa legislação, e ainda não po9 130 Em cumprimento do disposto no decreto de 1894, e em harmonia com o seu artigo 236.° foi publicado em 28 de março de 1895 um regulamento para completa execução do referido decreto. Logo, porém, no anno seguinte, a 21 de maio de 1896, emanava das estancias officiaes nova providencia legislativa sobre materia de propriedade industrial, em que mutatis mutandis(1) se reproduziram as disposições demos satisfazer completamente o compromisso que contrahimos numa dessas convenções na parte referente aos títulos de propriedade de desenhos e modelos. Urgia, por isso, completar as lacunas existentes e não só corresponder á crescente complexidade de relações e factos economicos com novas providencias reguladoras, como codificar e corrigir o que se acha estabelecido, mas disperso, em diversos diplomas — procurando tambem assim attrahir aos cofres do Estado uma receita que póde vir a ser importante e que é já attendivel». (Relat. cit., pag. 4-5). (1) Constam de impresso, que temos presente, as alterações introduzidas pela lei de 21 de maio de 1896 ao decreto com força de lei de 15 de dezembro de 1894. Muitas delias são meras modificações de texto ou correcções de dizer — importantes bastas vezes em materia de interpretação legislativa. Em 1 de março de 1901 o ministro das obras publicas Sr. VARGAS publicou um decreto contendo uma tabella em substituição da tabeli]la II para registo de marcas industriaes e commerciaes annexa ao regulamento de 28 de março de 1895. Essa tabella, organisada pelo actual e illustre chefe da secção de registo de marcas da repartição da Propriedade Industrial, SR. D. HENRIQUE D'ALARCÃO, é mais 131 do decreto de 1894. Assim, pois, lemos' como legislação vigente sobre propriedade industrial entre nós; a carta de lei de 21 de maio de 1896, esclarecendo a sua execução o regulamento anterior de 28 de março de 1895 (1). ou menos inspirada na tabella similar da Repartição Central de Berne. Por franca indicação de seu redactor consignemos que nella se nota um lapso de traducção: a palavra franceza légumes cujo sentido, como se sabe é vario, figura nella em duplicado e em classes differentes (1.ª e 63.ª), o que algumas confusões pode pro-vocar, attento que na classe 63.*, que tem a epigraphe geral de VIII — alimentação, tal palavra tem o sentido de hortaliças. (1) Em conformidade com a lei de 21 de maio de 1896 a propriedade industrial e commercial é reconhecida por titulos de patente, de registo e de deposito, concedidos pelo governo, depois de satisfeitas as competentes formalidades (art.° 1.°). Os titulos de patente são de duas especies: patente de invenção e patente de introducção de novas industrias (art.° 2.°, n.°s l.° e 2.°). São quatro as classes de titulos de registo: de marca industrial; de marca commercial; de recompensas; de nome industrial ou com-mercial (art.° 3.°). Ha duas classes de titulos de deposito: titulo de deposito de desenhos industriaes; titulo de deposito de modelos industriaes [art.° 4.°, a) e b)]. Regula estes titulos e respectiva propriedade a citada lei de 21 de maio de 1896, excepto pelo que respeita aos titulos de patente de introducção de novas industria», que continuam a conceder-se nos termos do decreto de 30 de setembro de 1892 e respectivo regula-mento approvado por decreto de 1 de fevereiro de 1893, hoje 132 E afóra as citadas disposições mencionemos ainda, no que respeita á parte processual, á cerca das quaes substituído pelo de 19 de junho de 1901, salvas as alterações introduzidas pela lei de 1896 (art.° 57.° e seus numeros) e seu regulamento de 28 de março de 1895 (art.° 65.°). A concessão de privilegios de introducção de uso de inventos era regulada nas províncias ultramarinas pelo decreto de 21 de maio de 1892; mais tarde porem o decreto de 28 de julho de 1898 suspendeu a sua execução. Outros diplomas ha dispersos e referentes á propriedade indus trial: uma portaria de 1897 ordenando a remessa de exemplares de marcas para o Centro Commercial do Porto (Diario do Governo, n.° 82.° de 14 de abril de 1896); portaria do mesmo anno acerca da restituição de taxas (Diario do Governo, n.° 145 de 5 de julho de 1897); dita sobre a applicação de motores a novas industrias (Diario do Governo, n.° 82 de 13 de abril de 1898); dita sobre os avisos no Boletim e no Diario do Governo (Diario do Governo n.°s 226 e de 21 de outubro de 1898 e n.° 275 de 7 de dezembro de 1898); lei sobre o uso do emblema da Cruz Vermelha (Boletim da Propriedade Industrial, n.° 16, 2.ª serie, 13.° anno, agosto de 1896, pag. 102 e Diario do Governo, n.° 117 de 26 de maio de 1896); regulamento para a execução da carta de lei de 21 de 1896 sobre a concessão do uso do emblema da Cruz Vermelha (Boletim n.°" 26 e 42, 2." serie, 15.° anno, de novembro de 1898, pag. 82); sobre novas industrias: decreto de fevereiro de 1907, fixando a zona mineira relativa aos minerios de nickel para o effeito de concessão de patentes de introducção de novas industrias (Diario do Governo n.° 43 de 23 de fevereiro de 1907 e Boletim n.° 2 de fevereiro de 1907, 3.ª serie, pag. 33), e decreto de março de 1909 fixando uma unica zona mineira para os minerios de uranio (Diario do Governo, n.° 53 de 29 de março de 1909, e Boletim 133 se suscitam graves duvidas de que a seu tempo darêmos menção, os preceitos applicaveis do codigo de processo commercial (artt.os 87.° a 106.°). n.° 3 de março de 1909, pag. 55); portaria do abril de 1905 sobre as marcas da Companhia Portugueza dos Phosphoros (Diario do Governo n.° 83 de 16 de abril de 1905 e Boletim n.° 4 de abril de 1906, 3.ª serie, pag. 130); decreto de 17 de dezembro de 1903, ampliando ás províncias ultramarinas, districto autonomo de Timôr e territorios sob a administração das Companhias de Moçambique e Nyassa as disposições sobre propriedade industrial (Diario do Governo n.° 294 de 30 de deuembro de 1903 e Boletim n.° 12 de dezembro de 1903, pag. 305); portaria de 5 de abril de 1904, determinando que o chefe da repartição da propriedade industrial faça parte da 1.ª Secção do Conselho Superior do Commèrcio e Industria, quando reunindo com outras Secções do mesmo Conselho ou do Conselho Superior de Agricultura, com o fim de dar parecer sobre marcas de commercio ou de fabrica (Diario do Governo n.° 81 de 14 de abril de 1904 e Boletim n.° 4 de abril de 1904, 3." serie, pag. 89); decreto de 16 de março de 1905, approvando e ordenando que sejam postas em execução as disposições regulamentares para serviço da propriedade industrial (Diario do Governo n.° 74 de 1 de abril de 1905 e Boletim n.° 4 de abril de 1905, serie 3.ª, pag. 83); portaria de setembro de 1905 regulando a entrada de documentos na 1.* Secção de Repartição de Propriedade Industrial (Diario do Governo n.° 212 de 20 de setembro de 1905 e Boletim n.° 9 de setembro de 1905, 2.ª serie, pag. 243); sobre a nomeação de agentes de marcas e patentes: decreto de agosto de 1895 acerca da nomeação de 6 dos referidos agentes (Boletim n.° 5 de 9 de agosto de 1895, 2/ serie, 12.° anno, pag. 46), e decreto de julho de 1909 nomeando 3 agentes de marcas o patentes (Diario do Governo n.° 169 de 31 de julho de 1909). 134 O titulo VIII da lei de 1896 (artt.os 198.° a 210.°) e bem assim os artt.os 255.° a 258.° do regulamento de 1895 contém as disposições especiaes particularmente referentes á concorrencia desleal (1). 30. A esta enumeração legislativa pareceu-nos util accrescentar a indicação das fundamentaes disposições organicas da Secretaria da Estado das Obras Publicas, attento que na mesma secretaria reside a estancia official a que directamente compelem a organisação e registo da propriedade industrial. Obras publicas, Agricultura, Commercio e Industria e correlativos ramos de ensino, Correios, Telegraphos e Caminhos de ferro, tudo recahe no exclusivo e supremo ambito duma pasta ministerial, para cuja alçada integralmente se transferem os mais fundamentaes aspectos e elementos da economia nacional, cujas exigencias num paiz como o nosso, são mais de crear do que secundariamente de gerir. O problema não tem, todavia, agora o seu mais propositado debate (2). (1) Em 19 de agosto de 1908 o ex-ministro das Obras Publicas SR. CALVET DE MAGALHÃES apresentou ao Parlamento uma proposta de lei (n.° 57-H) sobre reforma da propriedade industrial. Se bem que ficasse dormindo o somno dos justos, a ella teremos ensejo de nos referir mais largamente. (Cf. Diario do Governo, de 20 de agosto de 1908 e Boletim n.° 9 de setembro de 1908, 3.ª serie, pag. 265-284). (2) Consignemos que na ultima sessão legislativa foi apresen- 135 Consta do decreto de 21 de janeiro de 1903 a ultima e vigente organisação da secretaria de Estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria. A organisação de 1903, que substituiu a de 28 de dezembro de 1899 (ELVINO DE BRITO) foi de iniciativa do ministro SR. VARGAS, que procurou codificar todas as medidas anteriores relativas á organisação da referida secretaria d'Estado. Esta ficou sendo constituida pelas seguintes direcções geraes: Direcção geral das obras publicas e minas; direcção geral da Agricultura; direcção geral do commercio e industria e direcção geral dos correios e telegraphos (art.° 2.°), cujos serviços foram distribuídos por differentes repartições, subdivididas em secções. E assim que, reportando-nos ao que capitalmente nos interessa, é de mencionar que a Direcção Geral do Commercio e Industria é constituida por quatro repartições: repartição do commercio, repartição de trabalho industrial, repartição da propriedade industrial, e repartição do ensino industrial e commercial (art.° 15.°). Incumbem á Repartição da propriedade industrial os assumptos relativos a essa especie de propriedade, sendo tal repartição constituida por duas secções, que tada pelo ex-ministro das Obras Publicas SR. D. Luís DE CASTRO uma proposta de lei tendente ao desdobramento dos serviços a cargo da referida secretaria d'Estado. 136 têm respectivamente a seu cargo os seguintes serviços: (art.0 18.°) l.a secção: todos os assumptos relativos ao registo de marca de fabrica e de commercio; apuramento das receitas provenientes desse registo; archivo relativo a esses serviços. 2.a secção: todos os assumptos relativos á concessão de patentes de invenção, de introducção de novas industrias e de novos processos; depositos de desenhos e modelos de fabrica; convenções, tratados e conferencias relativas á propriedade industrial; publicação do Boletim da Propriedade Industrial; apuramento das receitas provenientes dos serviços incumbidos a esta secção; archivo relativo a esses serviços; serviço de expediente e de secretaria do Conselho Superior do Commercio e Industria. A cada uma das secções das quatro Repartições da Direcção Geral do Commercio e Industria compete o contencioso relativo aos respectivos serviços, a elaboração, registo e expedição de todos os diplomas que lhes digam respeito, compilação de elementos estatísticos e preparação de leis e regulamentos dos serviços que lhes são inherentes (art.0 20.°). O serviço da secretaria de Estado das Obras Publicas, Commercio c Industria é desempenhado por: a) pessoal do quadro privativo da secretaria de Estado; b) pessoal dos quadros dos serviços externos do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria; c) pessoal menor (art.0 27.°). Do pessoal do quadro 137 privativo devem servir, além doutros, um director, dos quaes um subordinado a esta direcção como chefe da 1.ª secção da Repartição da Propriedade industrial (art.° 31.°). 0 decreto de 1903 estabelece a competencia dos directores geraes (art.° 69.°, n.os 1-23) e, especialisando suas attribuições, determina que ao Director Geral do Commercio e Industria compete tambem, entre outras allribuições: auctorisar a publicação dos documentos relativos aos pedidos de patentes de inlroducçào de novas industrial e o levantamento da importancia das cauções relativas aos mesmos pedidos ou dos juros dessas cauções, nos termos da legislação vigente, e bem assim assignar as patentes passadas pela Repartição da Propriedade industrial, com excepção das que são concedidas por alvarás (art.0 71.°, n.° 1). Junto da Direcção Geral do Commercio e Industria funcciona, como corporação consultiva, o Conselho Superior do Commercio e Iudustria (art, 156.°), dividido em três secções: do commercio, da industria e do ensino industrial e commercial (art.0 174.°), sob a presidencia do respectivo director geral (art.0 175.°, § unico. O chefe da Repartição da Propriedade Industrial faz parte da secção de industria (art.0 177.°, lettra K). As funcções do Conselho Superior do Commercio e Industria são consultivas, competindo-lhe dar parecer 138 fundamentado sobre assumptos de varia ordem e caracter, e entre elles os que digam respeito á propriedade industrial, marcas de fabrica e de commercio, patentes de invenção é de introducção de novas industrias ou de novos processos (art.° 173.°, n.° 2). CAPITULO VII Propriedade industrial internacionalista 31. — A sociedade dos Estados e a propriedade industrial. 32. — A mais recuada elaboração: as convenções sobre propriedade industrial accessorias dos tratados de commercio. 33. — O Regimen das Uniões: os congressos de Vienna (1873) de Paris (1878, 1880 e 1883). — A convenção de 20 de março de 1883: importancia e fins. 34. — A conferencia de Roma de 1886. 35. — A conferencia de Madrid de 1890. Suas resoluções: a) convenio concernente á repressão de indicações de falsa proveniencia; b) idem registo internacional de marcas; e) protocollo respeitante á dotação da repartição internacional da união protectora da propriedade industrial. 30. —As conferencias de Bruxellas de 1897 e 1900. Actos addi-cionaes: resolução concernente á concorrencia desleal. 31. Na historia da crescente solidariedade dos povos (') compete á propriedade industrial um capitulo, (1) Cf. sobre a historia e organisação da sociedade internacional: SR. DR. ALVARO VILLELA, Relações juridicas internacionaes de ca- 140 cujos limites, já hoje notaveis, plenamente se justificam perante a natureza e alcance do mesmo instituto. E, porventura, numa forte repercussão das ideias mitigadas do materialismo historico (1) que os internacionalistas nos apontam, em logica introducção, o edificar continuo da communidade dos Estados, o movimento osmotico das civilisações compenetrando-se racter privado, 1907-1908, pag. 3 e seg., e Estudo sobre as convenções da Haya de direito internacional privado, 1908-1909, pag. V c seg.; SCHUCKING, L'organisation internationale, apud Revue de Droit international public, 1908, pag. 5 e seg.; DESPAGNET, Cours de Droit international public, 1905, pag. 2 e seg.; DE GREEF, Introduction a la sociologie, tomo I, pag. 177 e seg.; LARE MARGHINOTTI, Introduzione al diritto internazionale publico, 1908, pag. 3 e seg., 14 e seg., e 48 eseg.; DUPLESSIX, L'organisation internationale, 1909, pag. 6 e seg.; ANDRÉ WEISS, Manuel de Droit international prive, 1909, introduction — RAPISARDI MIRABELLI, IL diritto internazionale amministrativo e le granai Unioni fragli Stadi, 1907, pag. 111 e seg. (1) Cf. LABRIOLA, Essais sur la conception materialiste de l'histoire, 1902, pag. 10 e seg.; SR. DR. MARNOCO E SOUSA, Sciencia economica, 1902-1903, pag. 52 e seg., e A troca e o seu mecanismo, 1904-1905, pag. 70 eseg.; KRAUZ, Qu'est-ce que le matérialisme économique apud Annales de L'Institut de Sociologie, tomo VIII, pag. 50 e seg.; LEBON, Lois psychologiques de 1'évolution des peuples, pag. 51 e seg., 99 e seg., 127 e seg.; XÉNOPOL, Sociologia e storia apud Rivista Italiana di Sociologia, de maio-agosto de 1905, pag. 308 e seg.; LORIA, Les fondements du materialisme historique apud Annales cit., pag. 114 e seg. 141 mais e mais pela acção dos diversos factores da phenomenalidade social e predominantemente pela influencia poderosa do factor mercantil (1) — a camada densa dos interesses economicos, ultrapassando fronteiras e constituindo o sub-solo do viver universal (2). A sua força é irresistível: «On pouvait croire, es(1) «Si les auctorités législatives et judiciaires, dans l'organisation actuelle de 1'humanité, diz JITTA, sont territoriales, la vie active de 1'humanité ne saurait être parquée rigoureusement dans les divers territoires, qui partagent la surface du globe. Cette vie active est universelle, elle déborde toutes les froutières. Depois que le monde a une histoire, le commerce a rapproché les hommes les uns les autres. Si donc les premiers temps qui ont vu le commerce pacifique succéder au pillage et a la piraterie, les échanges ont eu lieu prudemment de la main à la main, on peut dire que dans un état de civilisation un peu plus avancé, 1'execution d'une promesse a du parfois être differèe, et que dès ce moment, un principe de confiance, 1'attente de 1'éxecution loyale de la promesse sérieusemente faite et acceptée, a remplacé 1'antique défiance. Le commerce a été et est ancore la source principale des obligations, mais la vie active de 1'humanité ne se borne pas aux rélations commerciales et contractuelles, elle embrasse tout ce qui peut donner à l'homme des moyens d'existence par un travail utile et honnête, et tous les devoirs d'homme à homme qui ont leur source dans 1'état de société». (JITTA, La substance del obligations dans le droit international privé, tomo I, pag. 4). (2) Cf. VON INAMA STERNEGG, Les présents aspects du dévoloppement de 1'économie mondiale, apud Rev. Econ. Int., anno 3.° vol. II, pag. 39 e seg. 142 creve FONTANA-RUSSO (1), que la constitulion politique des peuples, 1'émulation des races et les jalousies économiques avaient suffi à fractionner le marché mondial; mais celui-ci, au contraire, en dépit d'une répartilion artificielle, se présente souvent comme un tout indivisible; comme si la nature, par sa puissance et ses ressources, voulail rendre vains les efforts particularistes des hommes, leurs rivalités ineptes et leurs néfastes conflits. Toute cette floraison de barrières protectionnistes n'empêche pas les Continents et les États de mulliplier leurs échanges et de relier, par de nouvelles et généreuses artères, des marches que la nature elle-même essaya vainement de séparer par des océans, et que les hommes tentèrent inutilement de morceler avec les douanes. Au-dessus du particularisme, qui fleurit sur les antagonismes de la politique et des races, s'étend souventes fois la solidarité économique. Elle fait que les produclions d'outre-mer arrivent à point pour conjurer les disettes, autrefois impossibles à combattre. Grâce à elle, les matières exotiques alimentent 1'aclivité de nos fabriques, ranimant ainsi la produclion manufacturière, provoquant une meilleure rémunération du travail, un plus large (1) FONTANA-RUSSO, TRaité de politique commerciale (trad. de FÉLIX POLI), pag. 2-3. 143 profit pour le capital. Les courants commerciaux contemporains subissent peu 1'influence des tarifs protecteurs contre lesquels ils réagissent, et franchissent victorieusement les barrières artificielles que le protectionnisme veut leur opposer». E foi no vehiculo das transacções mercantis, que de povo a povo começaram de soprar tenues, depois mais pronunciadas e contemporaneamente impetuosas as correntes de transfusão intellectual, communicando sentimentos, aspirações e escolas, numa marcha intensa para o ideal supremo da paz mundial (1). Nesse percurso, a propriedade industrial tem a sua parcella; tem naturalmente caminhado na larga esteira da approximação mercantil dos povos, por isso que mercantil é a sua essencia como os seus intuitos. Já hoje lhe dizem respeito algumas das mais importantes conquistas internacionaes, porque já alguns annos são passados depois que ÉmilE BERT formulou com vaga (1) Cf. EUGÈNE D'EICHTAL, La Paix dam les États et la Paix Armée entre les Nations apud Bevue Blene de 20 de junho de 1908, pag. 769 e seg.; FOLLIN, La marche vers la paix, 1903, pag. 2 e seg.; LAFARGUE, L'orientation humaine, 1904, pag. 5 e seg.; RUYSSEN, La philosophie de la paix, 1904, pag. 10 e seg.; STENGEL, Weltstaat und Friedemproblem, 1909, pag. 21 e seg,; ÉDOUARD DRIAULT, Le monde actuel, 1909, pag. 345 e seg. 144 esperança a aspiração de ver edificada uma propriedade industrial internacional (1). E seja pelo voto das conferencias e congressos seja pela proclamação solemne dos textos o aspecto internacionalista da propriedade industrial vae-se evidentemente cimentando no impulso da progressiva interdependencia dos mercados mundiaes, campo de desmedida livre-concorrencia, onde os ataques á mesma propriedade no phenomeno da concorrencia desleal assumem as proporções duma melindrosa e mais exigente perturbação. 33. A mais recuada elaboração internacionalista em materia de propriedade internacional encontra-se incorporada nos entendimentos commerciaes de caracter bilateral, estipulados de povo a povo com o fim de obter a equiponderação de seus interesses mercantis. As convenções sobre propriedade industrial figuram em taes accordos sob a forma de disposições accessorias, dizendo principalmente respeito a marcas e desenhos de industria (2). (1) ÉMILE BERT, ob. cit., pag. 137. (2) Assim era que, do conhecimento de PELLETIER e VIDALNAQUET, e áparte a convenção unionista de 20 de março de 1883, a 145 A pratica dos tratados de commercio era, porém, manifestamente imperfeita e precaria (1), constituindo que no texto farêmos mais lata menção, apenas e até então (190.2) o tratado austro-allemão de 16 de dezembro de 1878, successivamente renovado em 1881 e 1891, e o tratado francomexicano de 27 de novembro de 1886 continham clausulas relativas ás patentes de invenção (Cf. PELLETIER E VIDALNAQUET, La convention d'Union pour la protection de la propriété industrielle du 20 mars 1883 et les conférences de revision postérieures, 1902, pag. 8). (1) «Le plus souvent, escrevem PELLETIER e VIDAL-NAQUET, les conventions relatives à la propriété industrielle n'ont pas d'exis-tence propre; elles se trouvent insérées dans les traités de com-merce sons forme de dispositions accessoires. Cest ainsi, par exemple, qu'on trouve dans le traité franco-italien du 3 novembre 1881, dans le traité anglo-français du 28 février 1882, dans le traité franco-autriclhien du 7 novembre 1881, des clauses relatives à la proteclion de la propriété industrielle en faveur des sujets des parties contractantes. Cette pratique est défectueuse. Par suite de leur caractère se-condaire, ces clauses sont peu développées. En outre, elles n'ont qu'une existence brève et précaire. En effet, les traités de commerce sont, par leur nature, contractés pour un court laps de temps; ils sont passés en vue d'une situation économique déterminée, d'ou ils tirent leur inspiration. Que cette situation change, ils sont remplacés par d'autres traités, et les clauses accessoires qui visent spécialement la propriété industrielle ont le même sort que les dispositions principales réglant d'autres questions. Cette précarité est profondément regrettable en ce qui concerne la proteclion de la propriété industrielle. Celle-ci est régie, dans 10 146 certamente um mais avançado passo o emprehendimento de alguns accordos internacionaes sobre propriedade industrial, com existencia e autonomia proprias (1). A essa phase, ainda incerta e insuficiente, succederia a breve trecho o regimen das Uniões, de mais progressivo caracter e mais eficaz alcance, emquanto vinha imprimir ás normas internacionaes da proprie chaque pays, par des lois; elle repose done sur des assises solides qni ni devraient pas lui faire défaut dans lo domaine interna-tional. Il est donc préférable d'assurer la protection internationale de la propriété industrielle par des traités spéciaux, contenant des clauses nettes, précises et détaillées, et offrant des garantias sérieuses de durée. Ce serait, toutefois, un progrès assez mince et de pure forme que de faire des traités distincts des traités de commerce, mais pourtant solidarisés avec eux comme la pratique diplomatique en donne des exemples. Le Congrès de la proprióté industrielle réuni à Paris en 1878 s'en est à ce point rendu compte qu'il a émis le voeu, sur la proposition de M. Lyon-Caen, de voir les traités rela-tifs à la propriété industrielle complètement indépendants des traités de commerce> (PELLETIER ET VIDAL-NAQUET. ob. cit., pag. 5-6). (1) Taes foram: o tratado franco-suisso de 23 de fevereiro de 1882; e as convenções concluídas entre a França e: Guatemala (12 de novembro de 1895), Perú (16 de outubro de 1896) e Costa-Rica (8 de julho de 1896) para protecção de marcas, nome com-mercial e indicações do proveniencia. (Gf. PELLETIER e VIDAL-NAQUET, ob. cit., pag. 6). 147 dade industrial uma maior generalidade e fixidez, encaminhando-as para a sua definitiva unificação, 33. Foi no congresso de Vienna de 1873 que pela vez primeira se apresentou um alvitre no sentido de lançar as bases duma legislação internacional sobre propriedade industrial. Era apenas questão das patentes de invento, mas o congresso na debandada deixou após si tão sómente o rasto platonico de muitos bons desejos, sem quaesquer resultado praticos. Annos depois, a ideia voltou a ser presente ao congresso da propriedade industrial de 1878 em Paris: o seu comité de organisação formulou o programma de estudos, cujos intuitos — une sorte d'assurance mutuelle, dizia concisamente no seu discurso de abertura o ministro do commercio TEISSERENC DE BORT, contre le plagiat et la contrefaçon — gravitando em torno do minimum de unificação, LYON-CAEN assim luminosamente apontava para obtenção de sua pratica viabilidade: «Il ne faut pas espérer, dans 1'état actuei des choses, arriver à avoir dans tous les pays des lois sur la propriété industrielle qui soient communes sur tous les points; c'est une utopie. Ce qu'on peut espérer seulement, c'est que les nations s'entendent pour avoir des lois communes sur les points principaux, et je crois que 1'objet essentiel de ce Congrès est de déterminer ces points principaux sur lesquels les nalions 148 peuvent s'entendre. Ce qui rend impossible la confection de lois unifiées absolument, dans tous les pays, sur ces matières, c'est qu'elles se rattachent étroitement au droit civil, à la procédure civile, au droit commercial, au droit pénal et à la procédure criminelle. Il faudrait que toutes les branches de la législation fussent uniformisées, pour qu'on pût unifier complètement les lois relalives à la propriété industrielle, et ce n'est pas possible». O problema estava, pois, racional e nitidamente formulado; tambem, por isso e sem duvida, o congresso de Paris foi de mais fecundos resultados que o de Vienna. Logo em setembro de 1878 se resolveu crear uma commissão permanente para dar cumprimento ás aspirações da assembleia e bem assim levar a cabo a realisação duma conferencia internacional com o fim de lançar as bases duma convenção. A 18 e 19 de setembro do mesmo anno a referida commissão votava um ante-projecto, elaborado pelo delegado suisso BODENHEIMER. Eram, porém, de tamanha exigencia as suas clausulas, que não podia haver duvidas sobre o seu insuccesso... O delegado francês JAGERSCHMIDT introduziu-lhe, por isso, modificações, e foi nesses termos que elle foi expedido em 1879 ás chancellarias extrangeiras, incluindo um convite para uma nova reunião em Paris. A 4 de novembro de 1880 realisáva-se a sessão 149 inaugural do novo congresso, sob a presidencia do ministro dos extrangeiros BARTHÉLEMY- SAINT-HILAIRE com a assistencia do ministro do commercio TIRARD e a comparencia dos representantes da Argentina, Austria-Hungria, Belgica, Brazil, Estados-Unidos, França, Inglaterra, Guatemala, Italia, Luxemburgo, Hollanda, Portugal, Russia, Sardenha, Suecia-Noruega, Suissa Turquia, Uruguay e Venezuela. A conferencia de 1880 redigiu, tomando por base o ante-projecto de JAGERSCHMIDT, um novo projecto de convenção completado com um prolocolo de encerramento, contendo algumas clausulas interpretativas e destinado a ser subscripto pelas potencias adherentes. Esse projecto, contendo fundamentalmente algumas disposições communs e inspirado numa extrema tolerancia das diversas legislações, foi communicado aos differentes governos, para que procedessem á nomeação de seus delegados á conferencia destinada a concluir o programma emprehendido. Assim se fez, dando a nova assembleia começo a seus trabalhos a 6 de março de 1883 em Paris. Onze d'entre as potencias assistentes á conferencia de 1880 deram a sua immediata adhesão: Belgica, Brazil, Hespanha, França, Guatemala, Italia, Hollanda, Portugal, S. Salvador, Servia e Suissa; e até nossos dias o referido pacto como suas posteriores modificações registam mais o apoio da: Allemanha, Ingla- 150 terra (e a Nova-Zelandia e Queensland), Suecia, Noruega, Estados-Unidos, Dinamarca (e ilhas Féroé), Japão, Tunísia, republicas do Equador e Dominicana (1). O objectivo da notavel conquista internacionalista então realizada foi e é a protecção da propriedade industrial nos seus multiplos aspectos. Para effectivar seus propositos e como nucleo de sua engrenagem burocratica deliberou a convenção (art.° 13.°) crear em Berne uma Repartição Internacional da União protectora da propriedade industrial, estipendiada pelos Estados pacluantes e destinada a centralisar todas as informações referentes á mesma propriedade industrial, organizar e distribuir as respectivas estatisticas, estudar quaesquer assumptos de interesse da União ou de seus membros, tomar a iniciativa da publicação dum orgão especial — ta Propriété industrielle— e acompanhar os trabalhos preparatorios das futuras reuniões. (1) A Republica Dominicana abandonou a União em 15 de março de 1889, renovando, porém, a sua adhesão a 11 de julho de 1890. Allegando ausencia de interesse bastante por parte de seus nacionaes revogaram sua adhesão o Equador (a 21 de dezembro de 1886), S. Salvador (a 17 de agosto de 1886) e Guatemala (a 8 dej novembro de 1894). A União registou posteriormente a adhesão dos seguintes Estados: Allemanha, Austria, Hungria, Mexico, Cuba, Federação Australiana, alguns em datas bem recentes. 151 Pelo que respeita ao conteudo jurídico da convenção de 20 de março de 1883, ora que nos propuzémos apenas um bosquejo hislorico-legislativo, consignemos tão sómente que o referido pacto, que é ainda hoje o estatuto-base da propriedade industrial internacionalista, vasou em 19 artigos de texto, accrescidos de 7 clausulas do seu protocolo de encerramento, providencias de assaz lato alcance sobre os multiplos aspectos da mesma propriedade industrial, o que a seu tempo nos será dado, esperamos, apreciar mais amplamente. Ácerca dos diversos capítulos da propriedade industrial — patentes, marcas e nomes commerciaes — contem a convenção de 20 de março de 1883 normas de caracter commum, estipulando a seus titulares garantias de efficaz protecção, clausulas essas que a jurisprudencia tem avultadamente esclarecido e completado. A convenção de 20 de março de 1883(1) consagrou, pois, as primeiras medidas de extensão e defeza internacionalistas da propriedade industrial, se bem que no que propriamente respeita á concorrencia (1) A convenção assignada em Paris em 20 de março de 1883 foi confirmada e ratificada em Portugal por carta régia de 17 de abril de 1884. (Cf. Legislação sobre propriedade industrial, pag. 15). 152 desleal a sua elaboração fosse reduzidíssima, limitando-se o seu artigo 8.° a dispôr que «le nom commercial será protégé dans tous les pays de 1'Union sans obligation de dépôt, qu'il fasse ou non partie d'une marque de fabrique ou de commerce». Posteriores revisões, realizadas, consoante a faculdade do art.° 14.° da convenção, nalguns dos Estados unionistas, vieram corrigir e aperfeiçoar o texto da convenção de 1883. Por effeito de taes conferencias o organismo internacionalista da propriedade industrial logrou benefícios, cercando-se o referido instituto de mais minuciosas e fortes garantias—o que é o ataque indirecto aos abusos da livre-concorrencia — e bem assim adquirindo vulto e inicio de sancção a concorrencia desleal. Isto foi obra das conferencias effectuadas após a convenção primeira de 20 de março de 1883. 34. Três annos depois, Roma, capital duma das potencias signatarias, era séde duma nova conferencia, realisada de 29 de abril a 11 de maio de 1886. Os seus resultados, digamo-lo desde já, foram exclusivamente theoricos.... Discutiu-se largamente a necessidade de revisão, apoiada pelos delegados franceses e vivamente combatida pelo delegado hollandês SYNDER, que argumentou pouco mais ou menos nestes termos claros e plebêus: quem não estiver bem — retire-se, denuncie a convenção....; votaram-se três 153 artigos addicionaes (sobre indicações de proveniencia) á convenção de Paris de 1883; e ao fechar da porta fizeram-se votos para que «les États faisant partie de l'Union, qui ne possèdent pas de lois sur toutes les branches de la propriété industrielle, devront compléter dans le plus court délai possible leur législation sur ce point. Il en sera de même pour les États qui entreraient ultérieurement dans 1'Union». As resoluções da conferencia de Roma se bem que não fossem ratificadas, representaram, como observam PELLETIER e VIDAL NAQUET, um importante trabalho preparatorio, devidamente apreciado e concluído na futura conferencia de Madrid. 35. A segunda conferencia diplomatica effectuouse na capital hespanhola de 1 a 14 de abril de 1890 com a assistencia dos representantes da Belgica, Brazil, Hespanha, Estados-Unidos, França, Grã-Bretanha, Guatemala, Italia, Hollanda, Portugal (1), Servia, Suecia-Noruega, Suissa e Tunisia. A Allemanlia, ao tempo ainda não adherente á União, enviou como delegado BOJANOWSKI, chefe da repartição de patentes. As resoluções da nova assembleia foram de grande (1) Por parte de Portugal acompanharam os trabalhos da conferencia de Madrid o conde de CASAL RIBEIRO, ao tempo nosso representante junto da côrte hespanhola, OLIVEIRA MARTINS e o Sn. CONSELHEIRO ERNESTO MADEIRA PINTO. 154 alcance e importancia. Para facilitar os seus trabalhos e conclusões, deliberou a conferencia apresentar seus alvitres sob a fórma de convenios independentes, de molde a evitar qualquer rejeição em bloco: o insuccesso de Roma. Tal orientação—constituir uniões dentro da União — era claramente auctorisada pelo art. 15.° da convenção de 1883(1) e produziu uteis resultados, ao menos para aplacar difficuldades de momento (2), (1) «11 est entendu que les hautes parties contractantes se resèrvent respectivement le droit de prendre séparément entre elles des arrangements particuliers pour la protection de la propriétè industriolle, en tant que cos arrangements ne contraviendront pas aux dispositions de la présente convention». (Art. 15.° da Convenção de 20 de março de 1883). (2) Referindo-se á tactica das Uniões parciaes, adoptada na conferencia de Madrid no uso da faculdade do artigo 15.° da convenção de 1883, essim escrevem PELLETIER e VIDAL NAQUET com justo commentario: «C'est une sage prudence qui a fait adopter ce texte (o art. 15.° citado). L'Union ne constitue qu'un minimum de protection. Le désir de satisfaire tous les pays adhérents, la nécessité ou l'on se trouvait de respecter certains principes admis dans quelques législations étrangères, n'ont pas permis d'aller aussi loin qu'on l'aurait voulu. Des concessions réciproques ont été faites, ainsi qu'en témoignent les travaux préparatoires. Pourquoi, dès lors, plusieurs pays n'auraient-ils pu se consentir des avantages plus grands que ceux concédés par la Convention elle-même? Leur exemple pouvait entraîner d'autres pays à les imiter. «Ce sont ces raisons qui ont fait admettre les Unions restreintes. Les services qu'elles peuvent rendre sont évidemment très grands, 155 permittindo aos Estados unionistas concluir separadamente accordos, consoante melhor aconselhassem as suas conveniencias no campo da propriedade industrial. mais il convient, pensons-nous, de n'y avoir recours qu'avec une extrême prudence, sous peine de compromettre le but poursuivi par la Couvention. Pratiqué sans mesure et sans circonspection, ce système menacerait la Convention elle-même. «En effet, on a préféré le régime de 1'Union à celui des traités particuliers, parce qu'il rendait des services beaucoup plus considé-rables par suite du grand nombre de puissances contractantes. On a cherché à faire, pour tous les États adhérents, une sorte de charte obligatoire; on se trouve en face d'un contrat passè entre, un grand nombre de puissances, d'une véritable loi commune. C'est une sort d'assurance universelle contre la contrefaçon que l'on a voulu réaliser, et 1'Union, dans l'esprit de ceux qui l'ont constituée, doit comprendre, dans un avenir plus ou moins proche, sinon tous les États du monde, du moins les plus importants. «Si le régime des traités particuliers se trouve pratiqué sans discernement entre les États unionistes, ceux-ci n'auront plus in-térét a modifier leur législation pour la mettre en harmonie avec celle de la majorité des États de 1'Union. Au lieu de subordonner sa législation à celle des voisins, dans 1'intérét commun et dans l'in-térét supérieur de la propriété industrielle, chacun des États cher-chera, avant tout, à s'assurer des avantages, et, dans ce but, pas-sera avec d'autres États adhérents des traités particuliers. Les Unions pourraient ainsi devenir de plus en plus restreintes pour arriver à n'être plus que des traités entre des pays. «Notre conclusion sur ce point est done que les Unions restreintes ne peuvent produire de féconds resultais qu'à la condition d'étre pratiquées avec une grande reéerve». 156 Assim, após larga e interessante discussão, foram ratificados os seguintes convenios: a) convenio concernente á repressão das indicações de falsa proveniencia das mercadorias, concluído entre o Brazil, Hespanha, França, Grã-Bretanha, Guatemala, Portugal, Suissa e Tunísia. Foi a obra capital da conferencia, constando de seis artigos, que vieram introduzir importantes e progressivas modificações na convenção originaria. «De 1'avis de tous, dizem PELLETIER e VIDAL NAQUET, le premier arrangement de Madrid est 1'oeuvre capitale de la conférence. Désormais, la tromperie sur la fausse origine des produits, qui constituo la concurrence la plus déloyale et la plus dangereuse, sera sinon impossible, du moins rendue fort difficile». E foi tambem ácerca do primeiro convenio elaborado em Madrid que VALLÉ escreveu em seu relatorio: «Ce premier protocole est un acte de haute probité commerciale. Il n'a pas réuni 1'adhesion de tous les États de 1'Union, c'est vrai, mais la civilisation n'est pas la même partout, et 1'exemple donné par les huit puissances contractantes fera tomber un jour ou 1'autre la résistence des récalcitrants. La contagion du bien a déjà fait d'autres prodiges». b) convenio concernente ao registo internacional das marcas de fabrica ou de commercio, concluído entre a Belgica, Hespanha, França, Guatemala, Italia, Hol- 157 landa, Portugal, Suissa e Tunísia (1). Consla de doze arligos, por força dos quaes se creou em Berne a repartição de registo internacional de marcas, e se estipularam as condições e garantias do mesmo registo, cujo movimento tem sido lisongeiramente ascendente; c) protocolo concernente á dotação da repartição internacional da União protectora da propriedade industrial, concluído entre a Belgica, Brazil, Hespanha, Estados-Unidos, França, Grã-Bretanha, Guatemala, Italia, Noruega, Hollanda, Portugal, Suecia, Suissa e Tunísia. Estipulou que «as despesas da repartição internacional, insliluida pelo art. 13.° da convenção de 1883, serão a cargo commum dos Estados contrahentes, não podendo em caso algum exceder a somma de 60:000 francos por anno» (2). A conferencia de Madrid elaborou ainda um outro protocolo, contendo varias disposições interpretativas para a applicação da convenção de 1883. Não foi, porém, ratificado. 36. De 1 a 14 de dezembro de 1897 reuniu em (1) O Brazil deu a sua approvação ao regulamento do registo internacional por decreto de 17 de dezembro de 1897. (2) Os referidos convenios e protocollos assignados em Madrid a 14 e 15 de abril de 1891 foram confirmados e ratificados em Portugal por carta regia de 11 de outubro de 1893. 158 Bruxellas a terceira conferencia de revisão, com a comparencia dos representantes de lodos os Estados unionistas, com excepção apenas da republica Dominicana, e de alguns ainda não unionistas: Allemanha, AuslriaHungria, Chili, Equador, Japão, Mexico e Turquia. O programma da nova conferencia era vasto: a revisão de todas as disposições elaboradas, desde a convenção de 1883 aos convenios de Madrid. Talvez por esse facto, e a despeito dos bons officios de NYSSENS, ministro dos negocios estrangeiros da Belgica, o assumpto, áparte algumas resoluções parciaes e não ratificadas, Picou para segunda leitura, a qual se realisou na segunda sessão da conferencia, effectuada em Bruxells de li a 14 de dezembro de 1900. Das conferencias de Bruxellas resultaram dois actos addicionaes: um á convenção de 20 de março de 1883, assignado a 14 de dezembro de 1900; e outro ao convenio de Madrid de 14 de abril de 1891 sobre registo internacional de marcas, o qual foi assignado em 14 de dezembro de 1897 (1). Os referidos actos conteem modificações e accres- (1) Consignemos que os actos addicionaes de Bruxellas ainda não registam a integral adhesão dos Estados unionistas: em 1902, no momento em que PELLETIER e VIDAL NAQUET, publicavam o seu commentario, apenas os Estados-Unidos e Portugal (lei de 9 de maio de 1901) os tinham ratificado. 159 eitnos ao texto dos citados diplomas.; nenhum, porém, é para nós tão digno de registo e offerece maior interesse que a innovação volada e constante do art. 10.° bis, inserta no acto addicional de 1900, tendente á introducção na convenção de 1883 da seguinte clausula supplementar: Art. 10.° bis. Les ressortissants de la Convention (artt. 2,° e 3.°) jouiront dans tous les États de l'Union de la protection accordée aux nationaux contre la concurrence déloyale. Esta disposição, votada sem qualquer difficuldade, representam a primeira sancção directa da concorrencia desleal no seu aspecto internacionalista (1). (1) Cf. Dr. PAUL ABEL, System des österreichischen Markenrechtes, 1908, pag. 378 c seg.; Pouillet. abr, cit., pag. 999 e seg.; PATAKY, obr. cit., pag. 49 e seg.; PELLETIER e VIDAL NAQUET, obr. cit., pag. 3 e seg., 20 e seg., 315 e seg., 339 e seg.. 415 e seg. e 458 e seg.; POINSARD, Études de droit international conventionnel, pag. 534 e seg.; LUCIEN BRUN, obr. cit., pag. 136 e seg., 291 e seg.; LACOUR, obr. cit., pag. 144 e seg. e 167 e seg.; VALLÉ, La fausse indication de provenance des produits vinicoles, 1904, pag. 155 e seg. e 206 e seg.; BARBREROT, De la protection industrielle dans les rapports internationaux, pag. 11 e .seg.; ANDRÉ WEISS, Manuel de droit internalional privé, 1909, pag. 269 e seg.; BOZÉRIAN, La convention internalionale du 20 mars 1883; A. CAHEN ET LYON CAEN, La convention internationale de 1883; CONSTANT, L'Union internationale pour la propriété industrielle, 1901, pag. 6 e seg.; e numeros da Propriété industrielle, 1892, pag. 71, 1885, pag. 5, 1886. pag. 59 e 67, 1895, pag. 76 (artigos e textos referentes á convenção 160 A obra está em seu inicio, e deste como dos constantes progressos da approximação dos Estados são de esperar futuras e completas providencias ácerca do instituto de propriedade industrial e bem assim do problema da concorrencia desleal nas suas mais vastas e complexas manifestações, competindo cada vez mais á boa cooperação dos Estados edificar normas que simultaneamente garantam o pleno desenvolvimento de uma e a repressão dos abusos da outra. de 1883); 1890, pag. 45, 55, 63, 77, 87, 97, 109, 121 e 123, 1892, pag. 67, 87 e 106, 1891, pag. 57 (conferencia de Madrid); 1897, pag. 189,1898, pag. 2 e 6, 1899, pag. 46 (conferencias do Bruxellas). PARTE III LEGISLAÇÃO ESPECIAL 11 CAPITULO VIII Objecto da concorrencia desleal 37. — Enumeração legal dos casos de concorrencia desleal. 37. 0 tilulo VIII da lei de 21 de maio de 1896, que tem a rubrica de concorrencia desleal, é necessariamente modesto de intuitos (1), o que sobejamente se (1) Identica observação merece a EECKOUT, a lei allemã: «La loi allemande enumère une série de formes particulières de la concurrence déloyale; elle n'a pas entendu en réprimer les innombrables variétés. Pas plus en cette matière que dans les autres manifestations de la vie sociale, le législateur ne peut se flatter d'extirper tous les abus. «Au système forcément incomplet de l'énumération détaillée, on a opposé les avantages d'un principe général analogue à 1'article 1382 du Code Napoléon. Mais, en France, cette notion relativement précise de la concurrence déloyale n'avait pu se dégager que d'une jurisprudence quasi-séculaire. Uue définition générale devait, longtemps encore, laisser planer une fâcheuse incertitude sur la portée de la loi. Le souci de faire oeuvre pratique a fait prévaloir une solution toute d'empirisme, mais que avait le mérite d'établir une démarcation précise entre la concurrence légitime et les artifices défendus. «La loi se borne donc à frapper certains procédés particulièrement nuisibles au commerce loyal». (Cf. EECKHOUT, obr. cit, pag. 3435). 164 comprehende em face da amplitude e variabilidade das situações e alvitres que a concorrencia desleal abrange e suscita. Curando de elaborar sobre o problema da concorrencia desleal a sua mais urgente sancção jurídica, não se propôs manifestamente o legislador sanar e reprimir lodos os abusos da livre-concorrencia no que respeita á propriedade industrial, mas tão sómente alvejar em suas normas especiaes os casos salientes da mesma concorrencia. E essa, de resto, a orientação de todas as legislações referentes ao assumpto (1) e foi esse o espirito que presidiu á confecção do: «Art. 201.° São considerados casos de concorrencia desleal, e como taes puniveis: 1.° Aquelles em que se fazem indicações de falsa proveniencia; 2.° Aquelles em que o industrial ou commerciante usa de taboletas, pinta a fachada do seu estabelecimento, o dispõe ou o installa de modo a estabelecer confusão com outro estabelecimento da mesma natureza, contíguo ou muito proximo; (1) Cf. artt. i.°, 4.°, 6.°, 7.° e 8.° da lei allemã. A lei hespanhola deu-se o cuidado de definir concorrencia illicita como toda e qualquer tentativa feita com o intuito de appropriação indevida das vantagens resultantes da reputação industrial ou commercial adquirida por outrem e legalmente protegida (art. 131.°), apresentando, em seguida, uma enumeração dos casos de concorrencia desleal, mencionando as suas mais salientes categorias. 165 3.° Aquelles em que o industrial ou commerciante attribue os seus productos a ura fabricante differente do verdadeiro, sem a devida auctorisação; 4.° Aquelle em que o industrial ou commerciante simula ter depositado ou registado os seus productos no estrangeiro, sem o ler feito; 5.° Aquelle em que o fabricante diz: «preparado pela fórmula, ou segundo o processo de...», ou cousas equivalentes, quando não possa produzir documento comprovativo da auctorisação concedida para esse efTeito, ou quando a Formula ou processos se não tenham tornado publicos; 6.° Aquelles em que o industrial ou commerciante, para acreditar os seus productos, invoca, sem auctorisação, por qualquer fórma ou maneira, o nome, a marca ou o estabelecimento de outro industrial ou commerciante, que fabrique ou faça commercio com productos analogos; 7.° Aquelles em que o fabricante português põe nos seus productos nomes, marcas ou rotulos estrangeiros, verdadeiros ou ficlicios, de fórma a fazer acredilar que são productos estrangeiros; 8.° Aquelles em que o industrial, por suborno, espionagem, compra de empregados ou operarios, ou por outro qualquer meio criminoso, consegue a divulgação de um segredo de fabrica e o ulilisa; 9.° Aquelles em que se faz a eliminação da marca, 166 não registada, de um certo produclo, e a sua substi tuição por outra marca». A enumeração da lei portuguêsa é manifestamente prolixa (i). A indicação de proveniencia é fundamentalmente uma marca, como teremos ensejo de apreciar, e desde logo se comprehende que só redundantemente tal categoria é destacada do n.° 0.°, que por sua vez e desnecessariamente se repete nos n.os 7.° e 8.° Isto é, porém, uma questão de fórma e ninguem procure limites precisos na materia de concorrencia desleal. Por nossa parle e apenas por um simples prurido didactico vamos tentar uma systematisação menos confusa dos casos de concorrencia desleal, arrumando-os e distribuindo-os pelas suas culminantes categorias.. (1) O art. 162.° da proposta de lei de 20 de agosto de 1908 era mais conciso, assim dispondo; «São considerados casos de concorrencia desleal: «1.° As falsas indicações de proveniencia; «2.° O uso illicito de recompensas; «3.° O uso de taboleta, de fachada ou de installação de modo a estabelecer confusão com outro estabelecimento da mesma natureza, contíguo ou no mesmo arruamento; «4.° A offensa aos direitos dos proprietários de títulos de Propriedade industrial; «5.° O uso de. designações, signaes ou indicações de qualquer natureza tendentes a illudir o consumidor ou de que possa resultar prejuízo de terceiro». § 1.° Semelhança de aspecto 38.—Classificação dos casos de concorrencia desleal: as marcas. 38. «Art. 201.° São considerados casos de concorrencia desleal, e como taes puniveis: «2.° Aquelles em que o industrial ou commerciante usa de taaboletas, pinta a fachada do seu estabelecimento, o dispõe ou o installa de modo a estabelecer confusão com outro estabelecimento da mesma natureza, contiguo ou muito proximo; «6.° Aquelles em que o industrial ou commerciante, para acreditar os seus productos, invoca, sem auctorisação, por qualquer fórma ou maneira, o nome, a marca ou o estabelecimento de outro industrial ou commerciante, que fabrique ou faça commercio com productos analogos; «7.° Aquelles em que o fabricante português põe nos seus productos nomes, marcas ou rotulos estrangeiros, verdadeiros ou fictícios, de fórma a fazer acreditar que são productos estrangeiros; «9.° Aquelles em que se faz a eliminação da marca, 168 não registada, de um certo producto, e a sua substituição por outra marca». Os textos transcriptos da lei portuguêsa enumeram o mais lato objectivo da concorrencia desleal: invocação illicita do nome, marca ou estabelecimento doutro industrial ou commerciante, nas condições prescriptas na lei. Taes hypotheses trazem a campo os mais importantes capítulos da propriedade industrial, motivo sobejo para que succintamente nos occupemos de tal instituto, expondo suas fundamentaes noções, como introducção necessaria ao nosso estudo e sequente comprehensão dos preceitos da concorrencia desleal. Comecemos pelas marcas, o seu mais vaslo e complexo capitulo; SECÇÃO I Das marcas de fabrica e de commercio em geral 30.—Conceito e objectivo das marcas. 40.—Seus caracteres fundamentaes. 41. —Collocação das marcas. 43.—Especies de marcas. 43.—Propriedade da marca: systemas declarativo e attributivo. 44.—Categorias de marcas. 39. 0 instituto das marcas de fabrica e de commercio desempenha, nas suas estreitas relações de dependencia do organismo economico, capitaes funcções de garantia e utilidade geral. As marcas dizem respeito ás individualidades do productor, do commerciante e do consumidor, que encontram nas providencias legislativas attinentes a este ramo da propriedade industrial as indispensaveis e justas garantias de sua actividade, credito e prosperidade mercantil. O productor e o intermediario teem assim um meio seguro para abrigo e protecção da legitimidade de origem ou proveniencia de seus fabricos, individualisando a mercadoria, distinguindo-a das concorrentes, valorisando-a no estygma material da marca. O consumidor adquiriu gradualmente vantagens correlativas. E dizemos gradualmente, porque só em tempos 170 mais chegados as legislações sobre marcas a dentaram previdentemente na sua entidade, num alcance mais largo e equitativo, attribuindo-lhe faculdades de defesa e repressão, que a sua posição e importancia economicas vinham de ha muito reclamando. Este desideratum patenteou-se claramente no Congresso de 1878, em que o assumpto foi objecto de proveitoso debate, inspirando suas conclusões uma nova phase das legislações, cujos relatores se apressaram em consignar o preceito de que o consumidor deve usufruir protecção egual á do productor ou intermediario, em materia de propriedade industrial. E foi a Suissa a primeira nação que introduzia abertamente em suas leis essa reivindicação, preceituando por egual que tanto o comprador como o proprietario poderão perseguir, medeante acção civil ou penal, o usurpador de marcas ou aquelle que usar indicações falsas de proveniencia (1). Dada a importancia numerica do consumidor no campo economico, assim deve ser, facultando-se-lhe o poder seleccionar livremente as melhores ou mais acreditadas mercadorias, e conjunctamente tirar o justo (1) Lei federal de 26 de setembro de 1890—reguladora da protecção ás marcas de fabrica e de commercio, indicações de proveniencia e menção de recompensas industriaes (art. 27.°, n.°s 1.° e 2.°) — inserta em PATAKY, obr. cit., pag. 305 e seg. 171 desforço judicial de qualquer manejo prejudicial ou de má fé por parte dos productores ou commerciantes. Satisfazendo seus effeitos economicos e juridicos no mais livre circulo da concorrencia, em que se expande a actividade industrial de nossos dias, sem criterio teorico, pois, que possa rigidamente demarcar a orbita de emprehendimento do engenho humano, a apresentação dum conceito preciso de marca offerece dificuldades, que, a pratica, as leis e a jurisprudencia teem sobejamente reflectido em suas oscillantes quando não contradictorias tentativas de definição. Na comprehensão justa da funcção negativa que as leis são chamadas a desempenhar em soccorro das ameaçadas garantias da condição individual, os tratadistas, legisladores e jurisconsultos limitam-se a expor noções vagas, de essencia exemplificativa, dando margem, por seu caracter transitorio, ás introducções incessantes da pratica. Nesta ordem de ideias, POUILLET, BRUN, DUFOURMANTELLE e THALLER difinem marca o meio material de garantir ao comprador a origem ou simples proveniencia da mercadoria, ou qualquer signal destinado a individualisar os productos dum fabricante ou as mercadorias dum commerciante (1). (1) POUILLET, obr. cit., pag. 11 e 12; BRUN, obr. cit., pag. 1 e 2; DUFOURMANTELLE, obr. cit., pag. 57-59; THALLER, Traité élémentaire de droit commercial, pag. 72; MARAFT, Grand Diction- 172 É este fundamentalmente, o conceito que deparamos transladado no limiar das legislações sobre marcas dos differentes países, das que tentam definir tal categoria, naturalmente e sempre dum modo impreciso, pois que, como observa BRUN, a lei não tem nem póde ter a pretensão de enumerar todos os signaes, possivel objecto da marca, mas tão sómente os principaes e os de mais corrente uso. É assim que a lei francesa (1) considera, como marcas de fabrica ou de commercio: os nomes sob fórma distincliva, denominações, emblemas, vinhetas, lettras, cifras, etc, e quaesquer outros que sirvam para distinguir os productos duma fabrica ou objectos dum commercio. A lei hespanhola é mais explicita: marca é todo o signal ou meio material, de qualquer fórma ou genero, destinado a marcar os productos da industria ou naire, tomo V, pag. 389 e seg.; Dictionnaire du commerce et de la navigation, tomo I), pag.. 562 e seg.; Dictionnaire de 1'économie politique, publié sous la direction de COQUELIN ET GUILLAUMIN, tomo II, verb. Marque de fabrique et de commerce, pag. 135 e seg.; Diccio-nario de la administracion española, por D. MARGELLO MARTINEZ ALCUBILLA, tomo VIII, artigo: Propriedad industrial: Patentes ou privilegios de invencion; Marcas industriales ó de comercio, pag. 182 e seg. (1) Lei de 25 de junho de 1857 (tit. l.°, art. l.°). 173 trabalho, para que o publico os conheça ou distinga e não os confunda com outros da mesma especie (1). A lei portuguêsa, traduzindo neste ponto litteralmente a belga, considera marca industrial ou commercial qualquer signal que sirva para distinguir os productos duma industria ou os objectos dum commercio (art. 60.°); accrescentando adiante que a marca industrial ou commercial se distingue do nome commercial, em que este só se applica em taboletas, bandeiras, fachadas, vidraças e papeis de escripturação ou correspondencia do estabelecimento, emquanto aquella é collocada nos objectos produzidos ou entregues ao consumo ou nos seus envolucros (art. 107.°) (2). Registando taes indecisões, aliás justificadas, melhor nos parece definir caracterisando, ou seja deduzir de seus intuitos economico-juridicos uma noção positiva das marcas de fabrica e de commercio. Taes intuitos, vimos já, serem a protecção equitativa das entidades economicas do productor, do commerciante e do consumidor, cuja existencia obtem dessa fórma as mais solidas ga- (1) Lei de 16 de meio de 1902 (art. 21.°). (2) Ê de notar que o regulamento de 1895 diz no art. 68.°: »Podem considerar-se marcas os nomes industriaes ou commorciaes, quaesguer figuras, sêllos, timbres, divisas, tarjas, sinetes, cunhos, gargantilhas, fachas, cintas, legendas, monogrammas, lettras ou algarismos combinados dum modo distincto». 174 rantias de bem-estar e progresso. Por isso CALMELS diz, com verdade, que a marca é a garantia da liberdade commercial, a protecção do commerciante honrado contra o espoliador, podendo accrescentar-se que ella conslitue tambetn o mais facil elemento da livreescolha e defesa economica do consumidor. Marca será, pois, o meio objectivo e legal de proteger, individualisar e garantir a producção, venda e consumo das mercadorias, na sua origem, proveniencia e qualidade (1). 40. Determinada, sem preoccupações de rigorosa delimitação de conceito, a essencia da marca, imporia deduzir os caracteres fundamentaes do mesmo instituto, naturalmente derivadas de suas funcções economicas, e logo traduzidos nos preceitos capitães dasa legislações referentes ao citado aspecto da propriedade industrial. A marca de fabrica ou de commercio é essencialmente facultativa, dcclaram-no em principio e com jus(1) Esclarecendo o termo mercadorias, inserto nos preceitos geraes de algumas legislações, e entre ellas a allemã (§ 1.°), depara-senos uma curiosa delimitação na jurisprudencia germanica. Esta, em resoluções varias, diz deverem ser considerados como mercadorias os objectos, que tenham individualidade e possam circular de mão em mão, em contrario das coisas que não possam ser deslocadas, v. g., um edifício ou qualquer outro objecto de fixação material (Patentblatt, 2, pag. 186, e 8, pag. 193, apud PATAKY, obr. cit., pag, 493). 175 tificados motivos as legislações. E na verdade outro preceito não poderiam aconselhar os moldes amplamente livres da constituição economica dos nossos dias, regimen de plena e debatida concorrencia, como vimos, erguido nas bases individualistas da liberdade do commercio e da liberdade da industria, e em que consequentemente se concedem aos agentes da actividade economica as mais largas e desembaraçadas condições de expansão e desenvolvimento. Satisfazendo, pois, seus fins, no mundo livre da concorrencia, como poderia a marca não ser facultativa? A lei é sociologicamente uma consequencia, uma resultante e traducção das exigencias do meio social em qualquer dos seus decompostos aspectos, e a norma que sanccionasse irracionalmente tal preceito iria manifestamente contrariar as tendencias do actual viver economico, falseando por completo os seus intuitos. Demais, o caracter facultativo attribuido ás marcas de fabrica e de commercio só redunda em proveito e vantagem daquellas entidades, mais directamente interessadas no uso e pralico desse instituto. Aparte o facto de que a obrigatoriedade da marca representaria claramente um attentado contra a liberdade individual do productor ou commerciante, o consumidor só poderia colher desvantagens de tal orientação. Com effeito, tornar obrigatoria a marca, o mesmo é que desvalorisá-la, desvirtuá-la em seu significado, que passará a 176 ser nullo, visto que o mais elementar raciocínio levará o consumidor, interessado na escolha, á impossibilidade de o fazer, em face da illimitada multiplicação de marcas, circulando não por seu valor especifico mas apenas por obrigação de lei. Ao passo que, com a marca facultativa, só os bons fabricantes usarão de taes distinctivos, appostos aos productos de reconhecida e superior qualidade e constituindo desta fórma um seguro indice de selecção e compra para o consumidor. Além de que, como observava o relator da lei francêsa de 1857, ha um grande numero de objectos, em que difficil, se não impossível, se torna a imposição obrigatoria de marcas, ou porque só possam ser, em taes objectos, extremamente moveis e de facil desapparecimento, como, v. g., nas rendas, lenços, crystaes, elc, ou porque apenas seja possível marcá-los nas extremidades, v. g., em pannos e outras mercadorias susceptíveis de venda a retalho, ou ainda porque seja praticamente impossível o uso de marca com tal latitude, v. g., em artigos de diminuta factura, como agulhas, alfinetes elc., nos quaes a exteriorisação do distinctivo de industria ou commercio só no envolucro é viavel (1). (1) POUILLET, obr. cit., pag. 14 e seg.; BRUN, obr. cit., pag. 3 e 4; DUFOURMANTELLE, obr. cit., pag. 63; THALLER, obr. cit., pag. 74. 177 Não admira, pois, que as legislações consagrem em principio o caracter facultativo das marcas de fabrica e de commercio. Declaram-no expressamente as leis francêsa (art. 1.°), russa (1) e austríaca (§ 6.°), e affirmam-no, no contexto de suas disposições, as leis allemã, belga, inglesa, suissa, bespanhola, sueca (2), dinamarqueza(3), noruegueza (4), americana e outras, medeante a auctorisação mais ou menos ampla que concedem aos respectivos nacionaes, para o uso e pratica garantida das marcas de fabrica ou de commercio, uma vez cumpridas as formalidades e respeitadas as excepções da lei. A lei portuguêsa consigna expressamente que o uso das marcas industriaes é facultativo (art. 58.°, § unico). E este o caracter fundamental do instituto que vimos apreciando. Tal principio, porém, não é absoluto. Logo a lei francesa dispõe na segunda parte dos citados artt. 1.° (1) Lei de 36 de fevereiro e 9 de março de 1896. É de notar que a Finlandia tem uma lei especial de 11 de fevereiro de 1889, que começou a vigorar em 1 de maio do mesmo anuo. (2) Lei de 5 de julho de 1884, modificada pelas leis de 5 de março de 1897 e 16 de junho de 1905, e pelos decretos de 31 de dezembro de 1895 e 25 de junho de 1897. (3) Lei de li. de abril de 1890, modificada pela lei de 29 de março de 1904. (4) Lei de 26 de maio de 1884. 12 178 e 9.° que, não obstante o caracter facultativo attribuido á marca, esta poderá ser obrigatoria para os productos determinados em decretos com fórma de regulamentos de administração publica. E BRUN observa a tal proposito, que por taes decretos e regulamentos se comprehendem não só os posteriores á lei de 1857, mas ainda os de data anterior, cujas disposições não tenham, sido revogadas pela nova lei (1). É de notar, que as taxativas restricções ao caracter facultativo das marcas de fabrica e de commercio e principalmente a sua justificação economica teem provocado entre os tratadistas uma assaz divergente polemica. O systema da marca obrigatoria, defendido em toda a sua amplitude por numerosos economistas, sinceramente convictos de sua efficacia no sentido de prevenir fraudes contra a origem e qualidade dos productos — donde as marcas obrigatorias: de origem, e nomi(1) BRUN, obr. cit., pag. 4 e seg.; POUILLET, obr. cit., pag. 407 e seg. Estes auctores contém uma lista das marcas obrigatorias em França, entre os quaes se incluem a obrigação do seu emprego por parte dos joalheiros e lavrantes de prata, e da mesma fórma a obrigação dos editores de pòrem o seu nome e endereço em todas as obras por elles impressas. A lei belga dispõe similhantemente, resalvando as marcas especíaes impostas por motivos de garantia publica, como sejam principalmente as leis aduaneiras e as relativas ao commercio de armas de fogo (art. 17.°). Identicos preceitos contém as leis hespanhola (art. 29.°) e russa (art. 2.°). 179 naes, sendo estas referentes á qualidade—merece os ataques dos economistas-liberaes, apontando na obrigatoriedade da marca prejudiciaes defeitos. Entre as duas. opiniões extremas é por isso a unica defensavel, a que, admittindo o principio facultativo e livre da marca, lhe oppõe certas e determinadas excepções, filiadas em razões de puro interesse e utilidade publicas, como sejam as que deixamos apontadas no translado dos preceitos de algumas legislações. Tanto mais que, como expõem POUILLET e BRUN, a adopção obrigatoria por parte dum fabricante duma determinada marca não obsta ao uso pelo mesmo productor de outra marca facultativa, que melhor individualise a origem e qualidade de seus produclos (1). Nesta mais razoavel orientação seguiu o legislador português, que ao preceito generico do § unico do art. 58.° accrescentou a titulo de excepção, que para certos objectos a marca póde ser declarada obrigatoria por lei ou regulamento especial (2). (1) POUILLET, obr. cit., pag. 408 e seg.; BRUN, obr. cit., pag. 5; DUFOURMANTELLE, obr. cit., pag. 63; Pic, Législation industrielle, pag. 491 e seg.; HUARD, artigo inserto na Propriété industrielle, n.° 133; MARAFY, Grand Didionnaire, artigo sobre Marques obli-gatoires, pag. 410 e seg. (2) Quaes são esses objectos e taes regulamentos? A carta de lei de 27 de julho de 1882, que subordinou á Casa da Moeda o serviço de garantia e fiscalisação do fabrico e commercio de barras e obras 180 0 caracter especial da marca, fundamentalmente preceituado nas legislações, intuitivamente se deduz e de prata e oiro, preceituou: que o toque legal é garantido pela marca de contraste, e a responsabilidade do fabricante ou negociante pela marca de fabrica e pelo registo do commercio, feito na contrastaria respectiva, salvos os casos especiaes em que as marcas tenham de ser substituídas por certidões (art. 2.°, alin. 3.°); que os typos de marca de toque serão estabelecidos pela Casa da Moeda, e que as marcas de fabrica conservar-se-hão devidamente registadas na contrastaria (alin. 4.*); determinando ainda que o governo fixaria o prazo dentro do qual as obras de oiro e de prata existentes á venda, qualquer que seja a sua procedencia, deverão receber a marca do seu toque, devidamente fixada para todo o reino pela Casa da Moeda (art. 3.°), Nos termos do art. 2.° do decreto, que acabamos de citar, foi publicado o regulamento de 10 de fevereiro de 1886, para o serviço das contrastarias e do fabrico e commercio de barras e obras de oiro e prata, para cujo ensaio creou duas repartições de contrastaria, uma em Lisboa o outra no Porto. Estabeleceram-se duas especies de punções de contrastaria: punções de garantia exacta, destinadas a marcar sobre as barras ou obras de oiro ou prata o toque determinado pelo ensaio geral; e punções de garantia approximada, destinadas a marcar o toque determinado pelo ensaio visual. E álem destas, outras punções para marcar obras usadas, as de proveniencia estrangeira, objectos falsos e de plaqué, e os trabalhos de exportação, e ainda uma punção provisoria, para remarcar todas as obras de oiro ou prata expostas á venda. O regulamento especifica os symbolos figurativos de taes punções, e, prohibindo a venda de objectos fóra das prescripções regulamentares, preceitua a sua ap-prehensão e mais consequencias penaes de sua exposição illegitima. As disposições do cap. VIII do regulamento de 10 de fevereiro 181 justifica perante a natureza c fins desse instituto. Uma vez que a marca é destinada a constiluir um signal de 1886 foram modificadas pelo decreto de 1 de junho do mesmo anno, publicado para satisfazer as reclamações justas da Associação Benefica dos ourives do Porto, em que se allegava a difficuldade de fabricar algumas obras de oiro com a tolerancia preceituada pela legislação em vigor, o elevado preço do ensaio e marca dos artefactos de prata, e os prejuízos soffridos em consequencia de se per-mittir a venda de obras estrangeiras com qualquer toque. Attcn-dendo taes reclamações e com intuitos proteccionistas o decreto de 1 de junho do 1886 estabeleceu medida legal de toque e exigencia de punções de obras estrangeiras de importação. Posteriormente, o decreto de 9 de julho de 1891 alargou o ambito das disposições do regulamento de 1886, sujeitando ás suas instru-cções relativas a punções e mais exigencias legaes de venda, os relogios de algibeira, de importação ou fabrico nacional (Collecção de legislação, annos de 1882, 1886 e 1891). Diz respeito á aferição de pesos e medidas a outra categoria de marcas obrigatorias, assumpto regulado pelo decreto e regulamento de 23 de março de 1869. Determinou esta providencia o aferimento de pesos, balanças e outros quaesquer instrumentos de medição, que foram sujeitos a punção com uma letra do alphabeto, que o governo todos os annos designará, estabelecendo para tal effeito em cada concelho do reino um ou mais aferidores, nomeados pela camara municipal respectiva. Compete a esses fnnccionario enviar no principio de cada anno ao chefe da Repartição industrial uma relação com os nomes, profissões e residencias de todos os indivíduos, que para serviço de sua industria ou commercio tiverem apresentado medidas para afilar, durante o anno anterior; coadjuvar as auctoridades competentes nas correições e em todo o serviço do fiscalisação, especialmente 182 distinctivo da individualidade da mercadoria, imporia por isso mesmo que ella se distinga de qualquer outra, que seja especial de fórma, se não confunda e antes facilmente seja reconhecida. Tal condição, como bem nota DUFOURMANTELLE, é essencial, visto que a confusão de marcas acarretaria prejudicialmente a dos productos ou mercadorias respectivas. E assim o teem entendido os legisladores, consignando tal exigencia, negando registo a qualquer marca, de cujo exame se infira uma difficil discriminação de quaesquer outras. Já em França o decreto de 20 de fevereiro de 1810 dispunha, que para um commerciante poder reivindicar perante os tribunaes a propriedade de sua marca, indispensavel era que tivesse adoptado marca assás distincta e inconfundivel. E assim julgam tambem as leis modernas (1), e entre ellas a lei portuguêsa nos mercados e feiras; e dar contas mensalmente ao chefe da repartição districtal de todas as occorrencias no serviço de pesos e medidas (Colleeção de legislação de 1869). A portaria de 31 de janeiro de 1906 ampliou o praso estabelecido no § 1.° do art. 6.° do regulamento citado, fixando-o durante o tempo de cinco meses. Decorrido este termo serão fiscalisados pela auctoridade competente todos os estabelecimentos em que se faça uso de instrumentos de pesar e medir, e punidos os donos daquelles onde se verificar não haverem sido cumpridas as respectivas pres-cripções da lei (Collecção de legislação de 1906). (1) Leis allemã(§§6.°e 9.°); dinamarquesa (art. 7.°); russa (art. 8.°); sueca (art. 3.°); suissa (art. 6.°); e ingleêa (n.° 9, e) 183 de cujo espirito se deduz claramente a exigencia de tal requesito (1). Neste ponto, porém, larga esphera de apreciação compete aos tribunaes, julgando as multiplas hypotheses e situações concretas, que se podem offerecer. Devendo ser especial a marca deve correlativamente apresentar o caracter de novidade, sem o que não poderia ser distincta. A exigencia de novidade não que, enumerando os elementos esscneiaes da marca, frizam como indispensavel e commum o caracter distinctivo, isto é, que a marca seja prppria para distinguir as mercadorias de seu proprietario das| outras. A jurisprudencia allemã estabeleceu de fórma peremptoria que a marca deve ser tal que produza no espirito do publico uma impressão immediata, particular, susceptível de se gravar na memoria (Entscheidungen des Reichsgerichts in Civilsachen, 18, pag. 85, e 22, pag. 93), e que o seu contexto figurativo seja original em absoluto (Patentblatt, 3, pag. 13, apud PATAKY. obr. aí., pag. 494 e 495). (1) É assim que a lei apresenta entre outros motivos de recusa, o seguinte: «quando no exame summario a que se proceder, se reconheça que ha outra marca que com ella se confunde» (artt. 85.°, n.° 9.°, e 91.°), e o regulamento de 28 de março de 1895 dispõe no art. 82.° que a pessoa que pedir o registo da marca deve, no seu proprio interesse, verificar se ella é distincta das outras que se acham registadas para a mesma classe de objectos, consultando para isso os albuns, que estarão á disposição do publico no archivo das marcas e patentes. E outra disposição do mesmo regulamento diz, que se podem considerar marcas os nomes indústriaes ou commerciaes, quaesquer figuras, sêllos, timbres, etc, combinados de um modo distincta (art. 68.°). 184 significa, porém, invenção pura, inedita, totalmente original, mas antes é essencialmente relativa, no sentido que POUÍLLIÍT e BRUN esclarecem, de que póde ser objecto de marca o signal mais vulgarisado d'este mundo comtanto que não tenha sido empregado como marca na mesma industria. Por isso se póde adoptar como distinctivo, submetter a registo uma marca composta de elementos já empregados por outrem, até uma marca abandonada ou usada em outro ramo industrial, visto que é ao conjuncto da marca que se deve attender e por elle se deve julgar da sua legitimidade. A questão, porém, como acima dissemos, é mais de facto, devendo ter-se em vista as circumstancias concretas que se podem suscitar bem como as razões de boa ou má fé por parte dos requerentes industriaes ou commerciantes (1). 41. Aspecto discutido pelos especialistas e pela jurisprudencia é o que diz respeito á collocação das marcas: se devem ser appostas com palpavel exteriorisação — apparentes, ou se os mesmos distinctivos se devem jus apôr aos productos, que individualisam — adherentes. A doutrina, as legislações e a jurisprudencia teem (1) POUILLET, obr. cit., pag. 21 e seg.; BRUN, obr. cit., pag. 7 e seg.; DUFOURMANTELLE, obr. cit., pag. 64. 185 resolvido taes duvidas por fórma clara. A localisação da marca, tanto pelo que se refere a sua mais ou menos facil apprehensão como pelo que diz respeito á sua situação material, é regida pelo mesmo principio facul tativo, que regula a mesma marca. Que a marca seja ou não de facil reconhecimento, faça ou não corpo com o producto, a quem importa isso capitalmente? Mani festamente que ao productor, de preferencia ao con sumidor, allento que os interesses de offerta do ven dedor, que as marcas de fabrica e de commercio auxiliam, superam sob este ponto de vista os interesses da procura ou sejam os do comprador. Neste ponto e para o industrial, o melhor criterio resultará manifes tamente do seu proprio interesse, não sendo, pois, para admirar que as legislações entreguem taes resoluções ao arbítrio dos mais directamente interessados — dos productores e commerciantes—legitimando as marcas não apparentes e permittindo a impressão de marca no producto ou no seu envolucro. Nesta orientação se exprimem as leis allemã (§ 12.°), austríaca (§ 11.°), dinamarqueza (art. 29.°), noruegueza (art. 1.°), russa (art. i.°), suissa (art. l.°, n.° 2.°), etc. (1). Identico liberalismo anima a lei portuguesa, que ao citar os signaes, possivel objecto de marca industrial (1) POUILLET, obr. cit., pag. 16-18; BHUN, obr. cit., pag. 6 e 7; DUFOURMANTELLE, obr. cit., pag. 64; PATAKY, obr. cit. 186 ou commercial, dispõe que taes signaes podem ser typographados, lytographados, cunhados, modelados, gravados, embutidos, tecidos, mettidos na massa, feitos a fogo, reproduzidos ou impressos por qualquer fórma nas rolhas, rotulos, capsulas e capas, nos proprios objectos, nos seus envolucros parciaes, ou em globo (art. 60.°, § unico): e o regulamento da mesma lei preceitua, que as marcas serão collocadas nos proprios objectos, nalguma das suas peças ou partes, ou nos seus envolucros, ou simultaneamente nos objectos e envolucros (art. 70.°). 42. Apontados os caracteres fundamentaes e accessorios das marcas de fabrica e de commercio, facilmente se deduz uma classificação de taes distinctivos. Às legislações assignalam em suas epigraphes duas categorias de marcas: as de fabrica e de commercio. E um criterio inspirado na identidade economica do individuo, fabricante ou commerciante, e que os tratadistas justificam, affirmando que a marca de fabrica é especialmente a marca do fabricante, daquelle que cria a manufactura ou producto, ao passo que a marca do commercio c a do intermediario, que recebe do fabricante o producto manufacturado, com o fim de o apresentar ao consumo, pela troca e venda das mercadorias. POUILLET e RENDU(1), analy(1) POUILLET, obr. ctt., pag. 12; RENDU é citado por este auctor. 187 sando as vantagens de tal distincção, observam que identicos e uteis desejos de defesa e de bom nome, eguaes aspirações de individualisação de origem e qualidades dos objectos de iniciativa industrial ou commercio convidam as entidades economicas e differenciadas do fabricante e do intermediario mercantil á pratica e apropriação de signaes protectores da legitimidade e superior acceitação das mercancias, que constituem sua actividade e interesses (1). (1) E a proposito das categorias economicas de indivíduos, que que podem usufruir marcas, occorre-nos elucidar um ponto que não escapa á analyse e commentario de POUILLET : Será a marca applicavel a todas as industrias? Suggere esta duvida a natural distincção das funcções e complexos aspectos da producção economica, que originariamente se traduz nas industrias extractiva, agrícola e manufactureira e logo assume novo aspecto e accrescida valorisação mediante as industrias transportadora e commercial. Tendo em vista, pois, o sentido vulgar e restricto que podem ter as palavras fabrica e commercio e attenta a solidariedade organica que liga em interdependente cooperação todas as industrias, deve-se francamente concluir pela adopção facultativa das marcas para qualquer ramo ou agente de producção, sem o que, nos parece, se iria injustificadamente contrariar o regimen livre e resolutamente individualista, que dirige e impulsiona toda a actividade economica de nossos dias. Esta ideia anima as legislações, com applauso da jurisprudencia, e não faz excepção a lei portuguêsa, estabelecendo que todo o industrial, agricultor ou commerciante, quando tenha satisfeito ás exigencias legaes, tem o direito de usar e fazer registar as marcas industriaes e commerciaes de seus productos (art. 58.°). É de reparar que a lei portuguêsa emprega as designações 188 As marcas são cm principio e naturalmente facultativas, mas podem ser obrigatorias, em especie e categoria excepcionalmente prescriptas por lei ou regulamento, como tivemos ensejo de apreciar. A intervenção do Estado é legitima, quando inspirada em motivos de interesse publico, que imprime ás marcas tal caracter e denominação, que aliás não tem escapado ás criticas dalguns escriplores, como MARAFY, que reputa tal designação abusiva, e impropria, julgando que as marcas de tal especie melhor se denominariam: timbres de garantia (1). Em face dos preceitos livres que regem a esphera actual de actividade economica, sem duvida que as marcas obrigatorias só se podem admittir e justificar a titulo de excepção — como já tivemos occasião de verificar no translado das disposições de algumas legislações. Não nos parece, porém, que o caracter obrigatorio de marcas industriaes e commerciaes, em contrario da designação geralmente perfilhada de marcas de fabrica e de commercio. MARAFY, criticando a ultima denominação apontada, propõe-lhe uma addenda: as marcas de producção (Grand Dictionnaire, tomoV, pag. 394). Já agora melhor nos parece que se adoptasse uma designação generica e mais simples: marcas industriaes, tudo e todas abrangendo. Isto, porém, é mero reparo teorico, pois de bom grado vamos com a designação consagrada: marcas de fabrica e de commercio. (1) MARAFY, obr. cit., pag. 395 e seg. 189 imposto a determinada marca desvirtue, até ao ponto que affirma MARAFY, a essencia e intuitos que este instituto desempenha. O producto ou mercadoria é pela mesma fórma e effeito individualisado e garantido para o consumidor, cujos interesses de origem e legitima proveniencia são por egual efficazmente protegidos ao mesmo tempo que se satisfazem exigencias da policia e interesse publicos, como no caso das puncções impostas aos objectos de ouro ou prata, etc. (1). Segundo a sua extensão, pode a marca ser geral ou especial, consistindo a primeira num signal dislinctivo, figurativo em regra, que o industrial põe em todos os productos de seu fabrico ou objectos de seu commercio, e sendo a segunda destinada a individualisar um determinado producto. A ampla tolerancia das legislações não briga com tal distineção, exigindo-se apenas da parte do industrial uma indispensavel precisão dos fins a que deslina a marca, cuja propriedade prelende (1) Além dos artigos citados e de outros, como armas de fogo, cujo consumo melindroso pede uma especial vigilancia ofíicial de fabrico, é de notar a manifesta tendencia das estancias officiaes de alguns países, para submetter á chancella e exame officiaes a circulação e consumo dos generos alimenticios, cujas falsificações crescem tão desmedida e perniciosamente. De taes providencias offerecem exemplo quasi todos os países (Pic, obr. cit., pag. 494; MARAFY, obr. cit., pag. 400 e seg.). 190 adquirir (1). A lei inglesa, mais minuciosa neste ponto, trata em separado das marcas de fabrica especiaes, consagrando-lhe uma secção, em que reconhece a faculdade do Board of Trade admittir a registo e conceder a propriedade de determinadas marcas, que qualquer individuo ou associação julguem dever usar, mencionando, pelas suas qualidades caracteristicas, os artigos de cutelaria de Scheffield e as marcas algodoeiras de Manchester (2). O instituto das marcas offerece ainda a distincção entre marcas nacionaes e marcas iníernacionaes, distineção que corresponde a um dos mais importantes aspectos da evolução jurídica da instituição, cuja analyse nos propuzemos, atlento que a materia da propriedade industrial fornece já hoje ao direito internacional um dos seus mais vastos e diligentes capítulos, elaborado á sombra da crescente penetração e interdependência das actividades eeonomicas das differentes nacionalidades, como já tivemos mais lato ensejo de apreciar (3). (1) Assim, dispõe a lei portuguêsa que o direito de propriedade de uma marca é limitado á classe de objectos para que foi registado (§ unico do art. 62.°). (2) N.os 62 e seg. (apud PATAKY, obr. cit., pag. 299 e seg.). (3) As legislações privativas de cada país, orientados no seu maior numero no systema da reciprocidade, consagram em termos mais ou menos francos a faculdade de registo de marcas e suas garantias aos subditos de nações estrangeiras. Assim prescre- 191 E constituem um vasto capitulo as chamadas marcas imaginativas, ou sejam puramente as denominações de fantasia ou, mais complexamente, as marcas figurativas com mais complicado arranjo e mais ampla objectivação. 43. Apresentado o conceito e modalidades da marca, vejamos como se adquire a sua propriedade. vem a lei francesa (artt. 5.° e 6.°), allemã (§ 23.°), austriaca (§ 32.°), belga (art. 6.°), dinamarquesa (art. 14.°), hespanhola (artt. 26.° e 31.°), italiana (art. 4.°), norueguesa (art. 15.°), russa (art. l.°), inglesa (n.° 65.°), suissa (artt. 35.° o 36.°), norte-ame-ricana (artt. 4.° e 27.°), e portuguesa segundo a qual as marcas industriaes e commerciaes de portugueses residentes no estrangeiro serão registadas nas mesmas condições em que o são as dos portugueses ou estrangeiros residentes em Portugal, quando apresentadas pelos interessados ou seus procuradores na repartição competente ou para ali enviadas em carta registada (art. 76.°); e que as marcas dos estrangeiros residentes fóra de Portugal serão registadas nas mesmas condições que as dos portugueses, se as convenções diplomaticas ou a legislação interna do país a que pertencerem ou em que tiverem estabelecimentos industriaes e commerciaes estabelecerem a reciprocidade para os subditos portugueses (§ unico), preceituando ainda que o registo das marcas internacionaes será feito nos termos do convenio de Madrid de 14 de abril de 1891, e ratificado em 11 de outubro (art. 77.°). Tal a summaria confirmação legislativa da existencia e legitimidade das marcas internacionaes, a que as notaveis e rubricadas tentativas de uniformisação citadas no art. 77.° da lei portuguesa e outras vieram imprimir mais harmonico e garantido desenvolvimento. 192 «La proprieté d'une marque, diz POCILLET, appartient au premier occupant. Celui qui, le premier, s'en empare se 1'approprie légitimement et pcut en interdire 1'usage aux autres. Celte propriété d'une espéce toute parliculière n'est d'ailleurs soumise á aucune formalité; pour être retenue et conservée elle n'exige aucun acte, aucune déclaration, aucun titre; son existence est un fait, et ce fait, précisement parce qu'il est apparent, s'impose de lui-même a tous. La loi permêt, il est vrai, de déposer les marques; mais ce dépôt n'est en aucune façon attributif de la propriété; il n'en est qu'une manifestation extérieure et ne sert qu'á assurer au propriétaire de la marque des garanties spéciales». Salvo o devido respeito, parecc-nos que as palavras do eminente jurisconsulto encerram doutrina insustentavel. Certamente que, em principio, a iniciativa e uso da marca são livres, fóra de qualquer imposição de lei, como nesta não encontra sua primordial razão de ser a propriedade da mesma marca: these que esplanada deixámos ao apresentar, paginas atraz, a justificação sociologica do instituto da propriedade e implicitamente da propriedade industrial. Poder-se-ha, porém, inferir que a propriedade da marca seja um facto incontroverso — qui s'impose de lui-même a tous, como quer POUILLET—independentemente de qualquer formalidade? 193 Affigura-se-nos que tal conclusão iria subverter toda a organisação legislativa sobre propriedade industrial. Para este instituto admitte a critica dois systemas: o allributivo e o meramente declarativo de propriedade. POUILLET-, pelos modos, não reconhece a primeira orientação ; e ainda e tão sómente nos limites do systema meramente declarativo, forçoso é reconhecer que a opinião do illustre jurisconsulto é absurda, pois que jámais uma legislação de caracter defensivo e protector poderá deixar de reconhecer a supremacia da marca registada sobre a marca livre, uma vez decorridos os prazos legaes de reclamação por parte de qualquer lesado. É neste sentido que a lei portuguêsa dispõe que < é permitlido o uso de marcas industriaes e commermerciacs, embora não lenham sido registadas, quando não prejudiquem os direitos de quem tiver feito os registos competentes». Na collisão, pois, só a propriedade ratificada por lei ou assegurada pela prioridade do registo subsiste, porquanto doutra fórma as taes garantias especiaes, que POUILLET não esquece mencionar, seriam uma vacuidade. E, consequentemente, o registo com effeito declarativo ou allributivo (1) que ratifica a de propriedade (1) Occorre perguntar qual seja o effeito do registo em face da 13 194 duma marca, cujas demais garantias fundamentaes de defeza contra qualquer facto illicito de concorrencia desleal residem na conformidade de seus elementos lei portuguesa: attributivo ou meramente declarativo de propriedade? Nem no relatorio que precede o docroto do 15 de dezembro de 1894 nem nas disposições da presente lei de 21 de maio do 1890 se nos depara uma declaração nitida a tal respeito. Só da leitura o confronto de taes disposições so poderá, pois, extrahir uma con-| clusão. E esta affigura-so-nos sor a do que o efleito do registo de marca em face da lei portuguesa é attributivo da propriedade, uma vez, é claro, decorrido o prazo (um anno: art. 89.°) dentro do qual ha logar para qualquer reclamação (art. 90.°), E dizemos que após tal termo o efleito do registo é attributivo (a duração do privilegio exclusivo, que deriva do facto do registo, diz o art. 67.°, é de dez anuos; podendo, porém, renovar-se, accrescenta o seu § unico, indefinidamente por períodos de dez annos, mediante pedido de renovação, feito durante o ultimo anno) porquanto a miudo a lei so refere ao proprietario da marca (artt. 65.°, 81.° o 86.°) e no art. 61.° claramente dispõe que a marca, uma voz registada, é considerada propriedade exclusiva, a qual é garantida (art. (64.°) pelos prazos supracitados. O systema que se infere das disposições da lei portuguesa é, pois, attributivo de propriedade ou, como so diz no relatorio da proposta de 20 de agosto de 1908, que nesto ponto alterava fundamentalmente as disposições vigentes — um systema mixto, isto é, declarativo, durante um certo prazo em que terceiros podem fazer valer os seus direitos, o attributivo, depois de decorrido aquelle prazo, o quando, dentro delle, não tiver sido feita opposição justificada contra o deposito. 195 constitutivos cora os preceitos legaes e doutrinarios que, tivemos ensejo de expôr (1). (1) «É considerada marca industrial ou commercial, diz o art. 60.°, qualquer signal que sirva para distinguir os productos de uma industria ou os objectos de um commercio. «Podem ser adaptados para este fim: «1.° As razões industriaes ou commerciaes e firmas; «2.° Os nomes completos ou abreviados dos industriaes ou com-merciantes, os fac-similes das assignaturas; «3.° As denominações de phantasia ou especificas; «4.° Os emblemas, sêllos, timbres, divisas, sinêtes, cunhos, tarjas, figuras, desenhos e relevos; «5.° As letras e algarismos combinados de um modo distincto; «6.° O nome de uma propriedade agricola ou urbana que pertença ao industrial ou commereiante. «§ unico. Estes signaes podem ser typographados, lithographados, cunhados, modelados, gravados, embutidos, tecidos, mettidos na massa, feitos a fogo, reproduzidos ou impressos por qualquer fórma nas rolhas, rotulos, capsulas e capas, nos proprios objectos, nos seus envolucros parciaes. ou em globo». (Cf. as seguintes disposições similares das leis extrangeiras; franceza, art. 1.°; allemã, § 1.°; austriaca, § 1.°; belga, art. 1.°; dinamarqueza, art. 1.°; hespanhola, art. 21.° e 22.°; ingleêa, parte I, n.°s 3, 8, 9,10; russa, art. 1.°; servia, art. 1.° (lei de 30 de maio de 1884); suissa, artt. 1.° e 2.° da lei de 26 de setembro de 1890, etc). «Será recusado pela repartição de industria, dispõe por sua vez o art. 85.°, o registo de marca: «1.° Quando o pedido não for feito nos termos prescriptos, ou acompanhado dos respectivos documentos; 196 44. Entrar na apreciação detalhada e concreta dos factos illicitos da concorrencia desleal em qualquer capitulo da propriedade industrial e muito particularmente no das marcas de fabrica e commercio é em«2.° Quando a repartição da industria verifique que não ha igualdade nos exemplares apresentados; «3.° Quando a marca offenda os bons costumes ou a religião; «4.° Quando tenha figuras representando chefes de estados, membros das famílias reinantes, brazões, armas, condecorações, sem que se prove que foi concedida uma permissão especial pelas pessoas a quem se refere, ou que se tem o direito de usar d'esses brazões ou armas; «5.° Quando tenha nomes individuaes, firmas ou nomes do collectividades que o requerente não possa legitimamente usar; «6.° Quando tenha desenho de condecorações concedidas pelo governo portuguez; «7.° Quando apresente desenhos de medalhas ou se refira a diplomas ou menções honrosas a que não tenha direito; «8.° Quando faça falsas indicações de proveniencia; «9.° Quando no exame summario a que se proceder, se reconheça que ha outra marca que com ella se confunde. «§ unico. A recusa da repartição da industria será por ella communicada ao interessado, o qual poderá recorrer para o tribunal do commercio de Lisboa no praso de tres mezes. Não havendo sido interposto recurso dentro desse praso, a recusa tornarse-ha effectiva». (Cf. leis extrangeiras: alemã, § 4.°; austriaca, § 3.°; dinamarqueza, art. 4.°; hespanhola, art. 28.° ; norte-americana, art. 5 °; inglesa, n.° 68.°; norueguesa, art. 4.°; russa, art. 3.°; servia, art. 3.°; sueca, art. 4.°; suissa, art. 3.°). 197 prehendimento que se póde reputar singelamente impossível. A objectivação da marca é illimitada, varia ao infinito ao sabôr da imaginação humana, cujos confins ainda nenhum psychologo se permiltiu apontar. Por isso neste ponto as legislações se contentam com uma enumeração negativa, catalogando os casos de recusa da marca, e, quanto ao mais, a um exemplificativíssimo «podem ser adoptados para este fim.» Mais não é possível: extraclar as fórmas de materialização das marcas seria qualquer coisa praticamente comparavel aquella estafada labuta de esvasiar os toneis das estafadissimas Danaides... Nomes, firmas, fac-similes de assignaturas, emblemas, sellos, timbres, divisas, sinêtes, cunhos, tarjas, figuras, desenhos relevos, combinações distinclas de lellras e algarismos e ainda o inexgottavel dominio.das denominações de phantasia—tudo isto póde ser objecto de marca; e como quer que o seu calculo não seja conhecido, POUILLET entendeu crear uma divisa e um criterio: a semelhança do aspecto na base da confusão. Não se póde dizer mais em menos palavras. Sob tal rubrica vamos apreciar as categorias de manifestações da concorrencia desleal no aspecto que ora nos occupa e consoante a melhor distribuição aconselhada pelas predominantes fórmas de materialização e possível objecto da marca. SECÇÃO II Denominações e nomes 45. — Denominações: conceito e especies. 46.—Nomes. 47. — Homonymia. 45. Denominações. — A denominação é uma das fórmulas distinctivas mais praticadas pelos industriaes para designação de seus productos. E a propria. denominação, independentemente de sua fórma ou disposição, que, como observa POUILLET, conslitue a marca. Importa, porém, distinguir: as denominações genericas e as de phantasia ou arbitrarias. Tal differenciação é fundamental, attento que as primeiras são por sua natureza do domínio publico emquanto que as denominações de phantasia podem licitamente constituir objecto de domínio privado (1). (1) Designações genericas ou necessarias constituem uma das questões de maior vulto e alcance, que se suscitam em materia de concorrencia desleal. «La dénomination nécessaire, escreve POUILLET, est celle qui tient à la nature même de la chose désignée, et qui s'y est si intimement incorporée qu'elle en est devenue le nom propre et véritable; elle devient vulgaire, quand, consacrée par 1'usage, elle est 199 Só, pois, estas podem ser elemento dum facto de concorrencia desleal, sendo indevidamente appropriadas entrée dans le langage. M. Blanc ajoute que la désignation n'est nécessaire qu'autant qu'elle est 1'appellatian unique de l'objet, et, en cela, il nous parait aller trop loin. Il se peut qu'une désignation ne soit pas 1'unique désignation d'un objet et qu'elle soit pourtant 1'expression la plus simple, la plus vraie, la plus naturelle et la plus précise, auquel cas il nous parait que les tribunaux pourraient sans scrupule et en toute légalité, en interdire 1'emploi exclusif. Comprendrait-on, par exemple, qu'un fabricant pùt avoir le mo-nopole des mots: benzine parfumée, corsets sans coutures, cartes opaques ? Ce sont là des désignations lirées de la nature et des propriétés de 1'objet, et les exprimant d'une façon si simple et si précise que toule autre désignation (il est certain qu'il y en a) pa-raîtra longue, confuso, embarrassée. La solution devient plus dou-teuse quand, au lieu d'étre empruntée au langage vulgaire, la désignation se présente sous la forme concrète que fournit la science étymologique; il se peut alors que la dénomination soit vraie, simple, naturelle, et désigne même avec un rare bonheur d'ex-pression 1'objet auquel elle s'applique. Dira-ton, dans ce cas, que la dénomination est néeessaire, et par suite en pourra-t-on con-tester 1'usage exclusif à celui qui aura eu le mérite de 1'imaginer? Ce sont là des questions fort délicates et que l'on ne peut résoudre en thèse. C'est dans les faits particuliers de chaque espèce qu'il faut chercher la solution. Ajoutons seulement que, lorsqu'il s'agit d'une dénomination tirée de la nature même de la chose, les tribunaux doivent apporter la plus grande circonspection et ne pas en concéder trop facilement 1'usage exclusif; ils doivent être, au contraire, portés â en permettre à tous 1'usage. Nous trouvons, à cet égard, dans un jugemeut du tribunal de la Seine, une règle qui nous parait excellente et qui, dans nombre de cas, permettra de 200 para sequente desvio da clientela d'outrem, o que é, aliás, o constante e verdadeiro fim da concorrencia desleal, sejam quaes forem os seus meios... E relativamente ás denominações, multiplas são as situações em que tal concorrencia se póde manifestar, desde a apposição da denominação, indevidamente appropriada, na mercadoria ou em prospectos e circulares até seu uso em simples facturas, manuscriptos ou annuncios. E POUILLET prevê e inclue ainda o caso extremo do simples emprego oral da denominação usurpada com o fim patente de mystificar o consumidôr: tal será o résoudre la difiiculté: ce jugement décide, en principe, qu'une dénomination inexacte ne saurait jamais être considérée comme né-cessaire, et il est juste, en effet, d'admettre que la désignation est arbitraire, toute de fantaisie, quand elle désigne antre chose que 1'objet auquel elle s'applique ou du moins ne s'y rapporte pas d'une façon exacte. Commente serait-elle nécessaire quand elle est de nature à tromper sur le caractère même de 1'objet qu'elle désigne? C'est d'ailleurs au fabricant à ne prendre pour dénominations de ses produits que des expressions caractéristiques, moins propres à dèfinir 1'objet lui-même qu'à s'mposer à la mémoire du consom-mateur par leur originalité et leur fantaisie». Avultadissimo é o corpo de jurispudencia francêsa referente ao assumpto; e de facto só á jurisprudencia compete a apreciação exclusivamente concreta dos casos occorrentes. (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 70 e seg., e 537 e seg.). A tal respeito as legislações podem tão sómente enunciar preceitos geraes, e esse foi o intuito da lei portuguesa ao apontar como objecto da marca apenas as denominações de phantasia ou especificas (art. 60.°, n.° 3.°). 201 caso dum caixeiro-viajanle que de terra era terra recolha encommcndas duma mercadoria, deslealmente recorrendo ao prestigio de uma denominação, que lhe não pertence (1). (1) É ainda assaz reduzido o corpo de jurisprudencia portar guêsa em materia de propriedade industrial. Delia procuraremos fazer menção completa quanto possível. Pelo que respeita a denominações de phantasia são de registar os seguintes casos julgados insertos, como é preceito de lei (art. 210.°) no Boletim da propriedade industrial: sentenças do Tribunal do Commercio de Lisboa de: 8 de agosto de 1903 dando provimento ao recurso interposto da decisão do Director Geral do Commercio e Industria, a qual indeferira o pedido de registo de uma marca figurativa contendo a palavra Victorioso e outra consistindo apenas na denominação de phantasia — Victorioso (Boletim n.° 9 de setembro de 1903, pag. 251); idem de 21 de dezembro de 1903: admittindo o registo a denominação de phantasia Primar-cial embora registada houvesse outra Primordial (Boletim n,° 3 de março de 1904, pag. 65); idem de 21 de maio de 1904 negando registo á denominação Aguia Imperial com o fundamento de possível confusão, attenta a generalidade da designação Aguia na classe de productos para que fôra requerida; idem de 5 de julho de 1904 negando registo, com identico fundamento, à denominação Aguia e Serpente (Boletim n.° 7 de julho de 1904, pag. 187 e 188); idem de 6 de agosto de 1904 admittindo a registo a denominação Commendador com o fundamento de prioridade de registo; idem de 31 de agosto de 1904 negando ainda registo á denominação Aguia pelos fundamentos supraexpostos (Boletim n.° 9 de setembro de 1904, pag. 251); idem de 4 de fevereiro de 1905 negando registo da denominação Castello com o fundamento de confusão com 202 46. Nomes. — O nome commercial (1) ou seja, no marca de identica designação, anteriormente registada (Boletim n.° 2 de fevereiro de 1905, pag. 5); idem de 19 de dezembro de 1904 concedendo registo da marca Tabloid destinada a todos os productos pharmaceuticos, a despeito de tal designação ser empregada em pharmacia para designar as pastilhas comprimidas (Boletim n.° 3 de março de 1905, pag. 63); idem de 12 de novembro de 1905 admittindo a registo a denominação Rheumatin e, contrariamente, recusando-e á denominação Saloquinine por tal não constituir verdadeira denominação de phantasia (Boletim n.° 7 de julho de 1905, pag. 173); idem de 24 de janeiro de 1907 concedendo registo à marca-denominação de phantasia Luz de Pharol com o fundamento de tal não se confundir com a denominação anteriormente registada Luz do Sol Russo. (1) Dizemos commercial, pois deste sómente é aqui questão. «Le nom, escreve POUILLET, peut être envisagé à un double point de vue: civil et commercial. Au point de vue civil, on peut dire du nom qu'il est la propriété la plus absolue; elle est imprescriptible, inaliénable, en dehors de toute spéculation, telle enfin que la société n'en peut, dans aucun cas, demandor le sacrifice, même dans un but d'utilité publique. S'identifiant avec l'individu, dont il résume la personnalité, le nom rappelle le souvenir, la gloire des ancêtres, et impose à celui qui le porte le devoir de le transmettre sans tache à ses enfants. Cest le seul héritage qu'on ne puisse répudier. Le fils du criminel, pas plus qu'un autre, n'échappe à cette nécessité sociale; celui qui veut changer de nom doit se pourvoir devant le Conseil d'État et obtenir une autorisation régulière. «Le nom, dit M. Mayer, est la marque sociale de la personne, le signe de son identité et de son individualité». Au point de vue commercial, il devient une enseigne; «il est, dit M. Calmels, le signe de ralliement 203 conceito de THALLER, a designação sob o qual o commercianle exerce seu commercio ou qualquer outra especie de producção ou trafego, é um dos mais eficazes elementos de individualisação do mesmo agente mercantil (i). de la clientèle, le thermomètre de son crédit». (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 431). Referindo-se ao nome commercial escreve ainda THALLER : «Il n'est pas soumis au régime du nom civil ou patronymique: Ce-lui-ci résulte de 1'état civil; avec le prénom qui 1'accompagne il rattache 1'homme á sa famille en determinam la place qu'il s'y occupe. On ne change pas de nom selon son gré. Usurper notre nom, c'este usurper notre état civil, faire acte d'intrusion morale, peut-étre même pécuniaire, dans le milieu ou nous a placés la nais-sance, le mariage ou 1'adoption». (Cf. THALLER, ob. cit., pag. 40). (1) Nos termos do art. 105.° da lei de 21 de maio de 1896 «consideram-se nomes industriaes ou commerciaes: «1.° Os nomes pessoaes dos industriaes, agricultores ou com-merciantes, completos ou abreviados; «2.° As razões industriaes ou commerciaes e firmas; «3.° As denominações sociaes de companhias por acções, de sociedade anonymas e em commandita, ou de nome collectivo; «4.° Nomes que não são os dos proprietarios do estabelecimento; «5.° Nomes abreviados dos societarios com designações simi-lhantes a estas «& C.a, & Filhos, & Irmãos»; «6.° As denominações de phantasia ou especificas; «7.° Os nomes da propriedade agrícola, industrial ou commercial». Impõe-se-nos uma explicação. Subordinános a materia do 204 O nome commercial, que póde ser em especie mais restricta o nome individual, completo ou abreviado do commerciante (1) ou uma designação a capricho ou pseudonymo, constitue manifestamente um dos mais prestigiosos recursos de contacto entre o commerciante e o publico-consumidor. Medeante tal designação, o agente mercantil cria a sua reputação e credito, fortifica a sua propriedade commercial (2) e vae por essa fórma accrescentando nome commercial á rubrica geral de marcas, atlento que estas, como vimos, se podem objectivar na adopção daquelle, e sem que tal implique, em principio, a confusão duma e outra categoria. «O nome industrial ou commercial, diz o art. 107.°, distin-gue-se da marca industrial ou commercial, em que esta é collocada nos objectos produzidos ou entregues ao consumo, ou nos seus envolucros, e aquella só se applica em taboletas, bandeiras, fachadas, vidraças e papeis da escripturação ou correspondencia do estabelecimento». No caso do nome ter uma applicação dupla, exige a lei que se façam dois registos (art. 110.°). (1) Será então e propriamente a firma, consoante a noção que traduz o art. 20.° do nosso codigo commercial. (2) Propriedade commercial, cujo amplo conceito GIANMNI aponta por esta fórma: «Il commerciante, nel senso lato delia parolla, oltre alie merci, alle macchine, alle fabbriche, ai veicoli, la capitale circolante, i quali formano la proprietà materiale sua, à sempre una proprietà immateriale, piú o meno estesa, piú o meno complessa, ma inseparabile da qualunque traffico anche modesto, che non sia quello del merciaio ambulante, e profícua non meno 205 e robustecendo aquelle corpo de clientela, que é necessaria e proveitosa consequencia de seu nome e cujo desvio ou subtracção constitue o capital intuito do facto de desleal concorrencia. «L'enseigne fait la chalandise» dizem os francêses; que o habito faz o monge, conclue-se em Portugal com mais pilloresco e expressivo dizer... Seja, pois, qual fôr o objecto (1) do nome commer della proprietà materiale. Tutti i segui che servono a mettere in rapporto i commercianti cot pubblico, a farlo conoscere ed apprez-zare e distinguere da tutti gli altri, e con 1'aiuto dei quali può spíegare utilmente la sua attivitá (come fa il coltívatore mercê gli strumenti rurali) formano una vera proprietà sotto le svariatissime forme di insegna, ditta, emblema, ononficenze ecc. ecc., oltre a quelli specialissimi ad alcune aziende, come il Titolo per il giornale. «Tuttí questí seguí concorrono a costituíre con la proprietà materiale, quella universalità di fatto che si chiama 1'azienda, univer-salità di mezzi concorreu ti allo stesso fine, ed aventi valori di scambio in quanto sono collegatti tro loro e con la proprietà materiale. Tutti i segni del commerciante spettano a lui in proprietà, e il complesso loro forma la proprietá commerciale che deve, come tale, essere protetta contro ogni usurpazione». (Cf. GIANNINI, ob. cit., pag. 65). (1) Como elementos de objectivação do nome commercial mencionámos a firma e pseudonymo ou designação convencional. POUILLET, no seu monumental e exhaustivo trabalho, entende, porém, ainda apreciar formulas mais simplistas: as iniciaes e as combinações numericas. Digamos desde já que tanto uma como outra modalidade cabem 206 cial-firma ou designação arbitraria—e afóra a hypolhese licita de tal designação assumir o caracter necessario (1), a sua usurpação constitue um manifesto delicto de concorrencia desleal. á vontade na lei portuguêsa: o art. 60.° em seus n.°* 2.°, 4.° e 5.° prevê e enumera como possível objecto de marca os nomes completos ou abreviados dos industriaes ou commerciantes, os fac-si-miles das assignaturas, os emblemas, sellos, timbres, divisas, sinetes, cunhos, tarjas, figuras, desenhos, relevos e as lettras e algarismos combinados de um modo distincto. Tambem não vêmos maior embaraço em arredar do capitulo do nome commercial as combinações numericas, que melhor se catalogarão nas denominações de phantasia: phantasias arithmeticas ! Vamos, porém, ás iniciaes. Poderão ser assimiladas ao nome commercial, fruindo identica protecção? A jurisprudencia francêsa tem divergencias: BLANC opinou no sentido affirmativo, vendo nas iniciaes o diminutivo do nome verdadeiro, e deste bem mais proximas que o nome convencional... POUILLET combate tal parecer porquanto ás iniciaes não pôde ser attribuido o effeito designativo, especial e individualisadôr que acompanha o pseudonymo ou o nome patronymico. As iniciaes podem tão sómente ser objecto duma marca. (Cf. BLANC, Traité de la contrefaçon et de sa poursuite en justice, pag, 775 e POUILLET, ob. cit., pag. 437-438). A discussão é absolutamente inutil perante os preceitos da lei de 21 de maio de 1896. Classifiquemse as iniciaes de marca figurada ou de legitimo nome commercial, a lei tudo comprehende em parallelas garantias. (1) «Si, en príncipe, escreve POUILLET, le nom constitue une propriété inaliènable et imprescriptible, il peut cependant se présenter des cas spéciaux ou, par un long usage et par le consentement exprès ou tacite de 1'intéressé, lo nom devient comme la seule 207 E usurpadôr é não só aquelle que põe o nome doutrem nos objectos de seu fabrico, mas ainda o que tal nome invoca em suas relações commerciaes, dando uma coisa por outra e mystificando claramente o consumidor, cujo erro assim se provoca ou alimenta. O nome identifica o productor e seus productos; usurpa-lo constitue, pois e sempre um ataque directo á sua propriedade e ao seu prestigio commercial (1). désignation usuelle et recue de tel procédé de fabrication ou de tel produit tombé dans le domaine public, et ou il peul dès lors, mais exceptionnellement, appartenir à d'autres que le propriétaire du nom de s'eu servir pour désigner, non plus l'origine indus. trielle du produit fabriqué, mais le système ou le mode de fabrication. Les héritiers et descendants de Bretelle ou de Quinquet pourraient-ils reprendre au domaine public les noms de leur au-teur, passés dans la langue usuelle, et devenus les noms communs, vulgaires, des objets qu'ils désignent? En pareil cas, il n'y a plus de nom patronymique, et la langue s'est en réalité enrichie d'un mot nouveau. Les tribunaux, du reste, ne sauraient autoriser une telle dérogation aux règies ordinaires qu'en constatant ou recon-naissant que le nom en litige est devenu la désignation usuelle et nécessaire du produit, en prenant, de plus, les précautions con-venables pour que toute confusion sur 1'origine industrielle des pro-duits soit évitée, et pour que 1'emploi du nom du fabricam, permis a d'autres, ne devienne pas le moyen d'une concurrence illicite á son préjudice». (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 440). (1) POUUXKT menciona os seguintes casos julgados da jurisprudencia francêsa, que transcrevemos, attento traduzirem a sancção de algumas situações culminantes de concorrencia desleal pela usurpoção de nome: <i.° qu'il y a concurrence déloyale à s'attribuer, 208 47. Uma das hypotheses mais melindrosas e inmême verbalement, le nom d'un concurrent voisin et, par ce fait, do retenir un acheteur, qui, sans cela, irait dans 1'autre maison (Tríb. comme. Seine, 30 sept. 1830, Lepère, cite par Gastambide p. 467); 2.° que le commissionnaire de transport, qui accepte, pour les expédier, des remises faites par erreur dans ses bureaux, en laissant croire qu'elles sont dèposées dans le bureau d'un autre commissionnaire dont le bureau est tout à fait voisin, et que l'ex-pédition en sera faite par ce dernier, commet un acte de concur-rence déloyale qui le rend passible de dommages-intérêts (Trib-comm. Seine, 30 janv. 1855, Loisel, Le Hir, 55.2.567); 3.° qu'il y a concurrence déloyale de la part d'un commerçant qui s'adresse, pour vendre ses produits, au représeutant d'une maison rivale et laisse sciemment ce représentant écouler lesdits produits sons le nom de cette autre maison, profitante ainsi d'une réputation qui ne lui appartient pas (Douai, 11 juin 1865, SixDuduve, Ann., 66.305); 4.° que le fait de vendre comme provenant d'une fabrique, dont lo produit est expressément demandé par 1'acheteur, une mar-chandise qui n'en provient pas, constitue le délit prévu et puni par Part. 423, C. pén.; ce fait constituo, en effet, une tromperie sur la nature conventionnelle résultant du contrat, de la marchandise spécialement demandée par 1'acheteur, qui trovait ou croyait trouver dans le produit, préparé par le fabricant qu'il désignait, des garan-ties qu'à ses yeux n'offrait pas le même produit, provenant do toute autre fabrique (Grenoble, 31 aout 1876, Nègre, Ann., 76.225); 5.° qu'il y a concurrence déloyale dans le fait de donner à un produit le nom d'un lieu ou il ne se fabrique pas, mais où, en re-vanche, est établi un concurrent (Douai, 6 juillet 1876, Lonquety, Ann., 76.317); 6.° qu'il y a concurrence déloyale par un agence do voyage a mettre sur son prospectus «Near Cook's agency» (Trib. comm. Seine, 14 novembro 1896, Edwards et Franks, J. Trib. comm., 98.172). (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 549-550). 209 teressantes que se suscitam relativamente ao nome commercial é a da homonymia. Dado que dois commerciantes, exercendo a mesma industria, tenham ou usem o mesmo nome commercial, como resolver a situação? POUILLET enuncia o problema com uma generalidade, que se póde afoitamente classificar de maxima, e nestes termos: < Chacun est libre propriétaire de son nom et maître d'en user comme il 1'entend. Si donc un individu, portant le même nom qu'un négociant déjà établi, entre dans le même commerce et fonde sous son propre nom une maison rivale, il use de son droit. On ne peut lui retirer la faculté de porter ce nom, qui est intimement lié à son individualilé; le nom constitue, en effet, une propriété d'une espèce toute particulière que rien ne peut détruire; c'est même plus qu'une propriété, c'est une partie de 1'individu lui-même, et c'est pourquoi le nom est imprescriptible. On porterait alleinte à la personnalité de cel individu si on le privait du droit d'user de son nom. Posons donc en principe, sauf à voir si la règle ne subit pas des exceptions, que, lorsque deux personnes portant le même nom exercent la même industrie, toules deux ont inconteslablement le droit de se servir d'un nom qui leur apparlient légalement». Este é o preceito generico, contendo, todavia, excepções que o jurisconsulto francês não tarda em 14 210 acautelar. Cada qual é livre e legitimo senhor do seu nome — é certo e respeitavel; porém, não menos acatavel é a regra de que a ninguem é licito crear sua prosperidade á custa de outrem, viciando deslealmente a concorrencia... Como conciliar taes princípios, de essencia por egual e plenamente razoavel? A reputação e o credito honesta e laboriosamente adquiridos por um commerciante não podem estar á mercê do acaso, da superveniencia de um rival homonymo, e como tal promovendo a confusão dos estabelecimentos e o sequente desvio de clientela: isso é um facto evidente de concorrencia desleal (1). E a conclusão justa e integra a (1) São de reproduzir as seguintes e lucidas reflexões, insertas num relatorio de MESTADIER apresentado á Cour de Cassation: «C'est disait-il, un intérêt très grave pour les commerçants et les industrieis d'avoir un nom qui ne permette ni retard, ni embarras, ni équivoque dans les correspondances et relations commerciales; cela est évident. Qu'un établissement du même genre se fasse dans la méme localité, nul doute que ce serait une attaque directe, une atteinte, un attentat méme contre la possession et la propriété préexistente, que d'arborer la méme enseigne, de prendre le méme nom. Gela fut tenté souvent, mais toujours réprimé par la justice. Sans doute, la liberté de 1'industrie est portée jusqu'à la dernière limite, mais salvo jure alieno, et le nouveau commerçant, libre de cotnbattre par tous les moyens légitimes de succès, ne peut cependant pas combattre sous la bannière de celui qu'il trouve déjà établi; il est forcé d'arborer un autre drapeau. En vain dira-t-on que, par une singularité piquante, le défendeur, ayant les mêmes 211 deduzir é que em taes casos, o commerciante homonymo e superveniente deverá tomar a iniciativa do emprego de meios que evitem toda e qualquer confusão, sem o que o seu procedimento será manifestamente prejudicial e attentalorio das praticas de lealdade commercial. (nom et prénoms que le demandeur, ne peut pas être force d'y re noncer. Cela est certain; mais, faisant le même commerce, il est obligé d'adopler une différence, une addition a son nom, un signe distinctif qui prévienne les méprises et conserve tous les droits avec franchise et loyauté...» (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 566-567). •I SECÇÃO III Emblemas, envolucros, recipientes, etc. 48. — Emblemas, envolucros, recipientes, etc. 48. Emblemas, envolucros, recipientes, etc. Apreciamos a denominação e o nome ou sejam as fórmulas materialmente mais simples de objectivação das marcas A marca é, porém, susceptível duma maior complexidade; já não c apenas uma palavra mas um conjunto de signaes: emblemas, sellos, timbres, divisas sinetes, cunhos, tarjas, figuras, desenhos e relevos, que podem ser lypographados, lithographados, cunhados, modelados, gravados, embutidos, tecidos, mettidos na massa, feitos a fogo, reproduzidos ou impressos por qualquer fórma nas rolhas, rotulos, capsulas e capas, nos proprios objectos, nos seus envolucros parciaes, ou em globo. Tal a enumeração dcscripliva da linguagem official — elementos estes, cujo theor póde assumir a mais diversificada fórma e as mais exlranhas figurações (1). (1) POUILLET esclarece e precisa algumas das capitaes fórmas do objectivação, de que nos estamos occupando. Assim escreve dos 213 Numa situação de concorrencia e perante taes elementos distinctivos, resultantes ou da figuração ma emblemas e vinhetas. «On comprend, sans explications, ce que c'est que 1'emblème ou la vignette: 1'emblème est un signe tel qu'une croix, une étoile, une ancre, un navire; la vignette est plutôt un dessin comprenant un ensemble de figures, une composition plus ou moins artistique; mais elle doit s'entendre aussi même d'un dessin sans sujet déterminé, par exemple d'un disposition de ligues formant encadrement à une inscription. Il est bon, dès à présent, de remarquer, sauf à y insister en son lieu, que, dans 1'emblème, ce qui constitue essentiellement la marque, c'est la nature même de cet emblème, et non pas seulement sa Forme particulière; de telle sorte que l'emploi par un concurrent da même emblème, encore que la forme en soit modifiée, le constitue nécessairement contrefacteur. Il arrivera même parfois, qu'à raison de 1'usage universelle-ment répandu parmi les commerçants d'une même ville, d'apposer sur leurs produits et factures un même emblème ou une même vignette, 1'emblème devienne impropre à spécialiser à lui seul, en dehors d'autres signes distinctifs, ou d'agencements particuliers, les produits d'une maison de commerce de cette localité. Toutefois, en matière d'emblème et de vignette, on se souviendra de la règle que nous avons rappelée plus haut et qui, à 1'occasion, peut avoir sou utilité». Das etiquetas: «L'étiquette, on peut le dire, est une sorte d'en-seigne apposée, non sur 1'établissement commercial luimême, mais sur la marchandise fabriquée. On n'attend pas de nous que nous donnions une définition de l'étiquette: chacun sait ce qu'il faut entendre par là; ce qui distinguera 1'étiquette et en fera une véri-table marque de fabrique, ce cera sa forme, sa couleur, la disposition des caractères typographiques ou des encadrements, les 214 terial de um emblema ou envolucro (1) ou de outros factores de identificação de egual theor, como seja o mentions ou le dessin qu'elle portera; )e plus sonvent même, ce sera tout cela à la fois, la marque consistant alors dans 1'ensemble même de l'étiquette, dans sa physionomie, dans son aspect parti-culier. Nous ne comprenons pas comment M. Rendu s'est laissé aller à examiner et à discuter la question de savoir si l'étiquette constituo ou non une marque ,de fabrique. Cela ne peut pas faire question, et le silence de la loi à 1'égard de ce genre de marque n'a rien de déterminant, en présence de ce passage du rapport, qui déclare que la loi énumère, non pas tous les signes pouvant servir de marque, mais les plus usités et les principaux parmi eux, et de 1'indication, dans cette énumération, des enveloppes, qui compren-nent presque nommément les étiquettes». «Rappelons que l'étiquette peut ètre apposée, soit directement sur le produit, soit sur l'enveloppe, vase, boite ou flacon». E ácerca dos envolucros: «Le mot «enveloppe» s'entend ici, dans son sens le plus étendu, de tout ce qui contient la marchandise. Il signifie, dit M. Rendu, tous les récipients quelconques, depuis les simples enveloppes de papier jusqu'aux boites de bois ou de métal, et jusqu'aux bouteilles de verre et aux flacons de cristal». (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 37, 46 e 48). (1) A proposito de envolucros uma questão se suscita: em face da lei portuguêsa poderão elles constituir objecto de marca ? Não falta quem se pronuncie pela negativa, encontrando fundamentos para tal parecer na pretensa caracterisação de marca que se infere do art. 107.° da lei de 21 de maio de 1896 ao afirmar que «a marca é collocada nos objectos produzidos ou entregues ao consumo ou nos seus envolucros», e ainda no caracter taxativo do art. 60.° da mesma lei. Duvidas estas que inspiraram ao relator da proposta de lei de 19 de agosto de 1908 as seguintes considerações e inno- 215 uso de determinados uteusilios ou ainda o aspecto externo dum estabelecimento com particular arranjo; vação: «A confusão entre o modelo de fabrica e a marca consistindo em recipiente ou envolucro, temse manifestado não raras vezes nos pedidos de registo na Repartição da Propriedade Industrial. Pelo disposto na carta de lei de 21 de maio de 1896, as marcas admit-tidas a registo são apenas as que podem ser appostas nos productos ou nos envolucros destes. Não ha motivo para excluir do registo, como marcas, os recipientes ou envolucros destinados a produetos em que a adherencia da marca é materialmente impossível. «Pcr-mitte-se por isso no presente projecto o registo, como marcas, desses recipientes ou envolucros, quando lenham os sufficientes elementos característicos». Affigura-se-nos que a doutrina, que se pretende inferir da presente lei, não tem razão de ser. O argumento do art. 107.° não procede, attenlo que o que em tal preceito se pretendeu estabelecer foi uma differenciação saliente entre marca e nome commercial e de fórma alguma uma definição rigorosa e precisa de marca. Quanto á natureza da enumeração do art. 60.° pa-rece-nos que não é taxativa, para o que basta attentar na extensiva generalidade das palavras introductorias do preceito em questão: «é considerada marca industrial ou commercial qualquer signal que sirva para distinguir os produetos de uma industria ou os objectos dum commercio», palavras, digamos ainda, que são traducção litteral da ultima parte do art. l.° da lei francêsa sobre marcas e acerca do qual escreve auctorisadamente POUILLET : «les expressions de la loi sont générales et embrassent — elle le dit ex-pressément—tous signes quelconques servant á distinguer les pro-duits. L'enumération de 1'art. 1.er n'est done pas limitative; elle est, au contraire, simplement énonciative et, si elle mentionne les 216 em todos estes casos a confusão é possível e consequentemente o effeito da concorrencia desleal. E para que tal effeito assim se qualifique, não ha mistér duma imitação completa ou copia servil de todos os elementos constitutivos da marca figurativa, sendo apenas necessaria a demonstração dum effeito parcial de confusão, originado na reproducção de certos caracteres da mesma marca. O que tudo redunda afinal em outras tantas hypotheses de exclusiva interpretação concreta, relegada á criteriosa apreciação dos julgadores: «il est impossible, conclue POUILIET, de formuler des principes, puisque tout dépend de l'appréciation du juge (1): signos le plus ordinairement usités comme marques, elle n'exclut pas los autres». (POUILLET, ob. cit., pag. 37). As razões adduzidas são assaz concludentes, tanto mais que a marca-envolucro não tem praticamente quaesquer motivos de inexistencia, uma vez que o artificio a saiba crear em bases suficientemente distinctivas. (1) Respigamos de POUILLET as seguintes e mais interessantes resoluções da jurisprudencia francesa, referentes aos varios aspectos da categoria de marcas, presentemente analysadas: Il a été jugé dans cet ordre d'idées: qu'il y a concurrence déloyale: Semelhança de etiquetas, envolucros, etc.: 1.° «a) à employer des étiquettes dont la forme et la couleur imitent les étiquettes d'un concurrent, et que, d'ailleurs, on y a joint un nom de fantaisie burlesque qui, par la composition de ses syllabes, reproduit presque entièrement le nom de ce concurrent (Trib. comm. Seine, 25 mars 1851., Delacourcelle, Le Hir, 51.2.265); b) de la part du négociant qui imite 1'enve-loppe adoptée par un autre négociant, sinon dans ses détails mé- 217 il doit pourtant ne jamais perdre de vue que les commerçants loyaux trouvent cent façons différentes de mes, du moins dans 1'aspect général (couleur jaune de 1'enveloppe, couleur rose et ornements du propectus annexé, couleur verte de la bande), et s'efforce ainsi d'établir une confusion entre les pro-duits des deux maisons (Lyon, 16 janv. 1852, Lecoq, Dall., 54.2.137); c) que le droit d'annoncer les produits sous le même nom qu'un concurrent ne doit pas dégénérer en abus, c'est-à-dire procurer le moyen de faire une concurrence déloyale; on ne doit, par aucun subterfuge, jeter dans le public de 1'incertitude sur la vraie proveuance de la fabrication: spécialement, le fait d'employer des plaques ou cachets de papier métallique, des éti-quettes, des ligatures, des enveloppes de forme et de couleur ana-logues, de nature à faire illusion à la première apparence, constitue un acte de concurrence déloyale (Nancy, 7 juill. 1856, Verly, J. Pal., 26.2.196); d) qu'il y a concurrence déloyale de la part de celui qui met sur des factures, cartes et circulares, des emblèmes semblables ou analogues à r,eux emploxés par un concurrent, et, en tous cas, de nature à opérer une confusion entre ses produits et ceux de son concurrent (Trib. comm. Seine, 6 fév. 1856, Mongin, Teulet, 6.434); e) qu'il faut voir un acte de concurrence déloyale dans le fait par un commerçant d'apposer sua sa voiture la marque d'un fabricant dont il ne vende pas les produits, alors surtout qu'il met sur les prospectus et sur les articles vendus le nom du commerçant en grosses lettres, précédé du mot «système» en lettres mi-nuscules»; 2.°—idem de caixas, frascos, etc: <a) qu'il n'est jamais permis à un commerçant d'employer les moyens déloyaux pour faire concurrence à ceux qui vendent des marchandises de même nature, et qu'on doit considerer, comme moyens illicites, ceux qui sont de nature à induire le public en erreur; en conséquence, celui qui adopte la méme forme de bouteille, de cachet, et la méme 218 distinguer leurs marchandises de celles de leurs concurrents, et que la ressemblance, en cette matière, conleur de cire qu'un concurrent, et cela dans 1'intention évidente de faire confusion, se rend coupable de concurrence déloyale et se voit avec raison interdire 1'usage des signes entrainant la confusion; toutefois, il suffi d'ordonner les mesures nécessaires pour empêcher que les marchandises ne soient confondues, sans qu'il faille interdire 1'emploi, par exemple, d'une forme de boutcille dont 1'usage est pour ainsi dire universel; <b) à emprunter à un concurrent la même forme de flacon, la même manière de le boucher et do le cacheter, la même forme d'étiquette, et, à 1'aide de cette similitude, a produire une confusion de nature à tromper les acheteurs; c) lorsqu'un commerçant a adopté, pour ses pro-duits, une boite d'une forme déterminée, sur laquelle il met, comme signe distinctif, le portrait d'un homme célèbre (dans 1'espèce, le portrait de Humboldt), à prendre à son tour les mêmes boites et le même portrait (Paris, 9 mai 1863, Alexandre, Ann., 63.253)»; d) qu'en matière de concurrence déloyale, c'est à la forme exté-rieure de 1'objet, à son apparence générale qu'il faut s'attacher pour voir si la confusion est possible; spécialement, il y a concurrence illicite dans le fait d'employer, pour loger ses produits, une forme de récipient (dans l'espèce, une bouteille carrée) déjà adoptée par un concurrent pour les mêmes produits et qui, bien qu'en soit dans le domaine public, n'avait jamais été appliquée auparavant à ce genre de marchandises; e) qu'il en est ainsi, alors même qu'il existerait entre les deux récipients certaines differences, si d'ail-leurs ces differences, appréciables quand les deux objets sont placés à côté l'un de 1'autre, ne sont pas assez sensibles pour étre rete-nus et constatées aux yeux des acheteurs ou des consommateurs nom prévenus, quand les objets ne sont pas en présence (même arrêt)»; 3.° idem de signais materiaes: «a) que 1'adoption d'une plaque 219 quand elle n'est commandée ni par un usage ancien ni par la nature des produits, est toujours une faute, de voiture semblable à celle qui est employèe par une entreprise rivale peut motiver, de la part de cette entreprise, un action en dommages-intéréts, alors même que les noms écrits sur 1'exergue sont différents; b) qu'il y a concurrence déloyale à apposer sur ses produits une certame lettre de 1'alphabet qu'un concurrent employait antérieurement pour distinguer ses produits (Trib. civ. Lyon, 19 mai 1861, Mon, Lyon, 5 oct.); c) qu'il y a concurrence illicite dans le fait de placer sur une marchandise (dans 1'espèce, des savons) une grande étoile entourée d'autres plus petítes, alors qu'un concurrent désigne le même produit sous le nom de Savons de Étoile; une confusion, en effet, peut naître, si des demandes de la marchandise sont faites sans aatre désignation que celle des marques»; 4.° idem de frontespicios de estabelecimentos: «a) que si la liberté commerciale est érigée en un príncipe sacré auquel il faut se garder de porter atteinte, cette liberté ne comporte pas 1'emploi de moyens que ne sauraient avouer la bonne foi et la loyauté, sans lesquelles la considération commerciale serait perdue; en fait, il y a concurrence déloyale de la part du commerçant qui, pour établir une confusion inévitable avec un concurrent voisin, donne a son magasin un aspect extérieur tellement semblable, qu'une partie de la clientèle soit, par une immanquable erreur, détournée à son profit (Paris, 29 déc. 1882, Parlongue, J. Pal., 53.1.335); b) qu'il y a concurrence déloyale de la part du commerçant qui expose dans ses vitrines des objets provenant de la fabrication d'un autre commerçant demeurant dans la même rue, en les accompagnant de brochures publiées par ce dernier, mais sur lesquelles il a effacé le numéro de la maison, pour faire croire au public que son magasin est celui même où se fabriquent ces 220 quand elle n'est pas un calcul. Il va de soi que l'adjonction par 1'imitateur, de son propre nom, ne serait pas nécessairement une raison d'écarter la concurrence déloyale, si, malgré cela, la confusion restait possible». objets (Paris, 24 nov. 1861, Dehaut, Teulet, 9.106)»; Cf. POUIL-LET, ob. cit., pag. 552, 553, 555, 556, 558, 560 e 561). Pelo que respeita á jurisprudencia portuguesa, escassos são os seus casos julgados. Mencionemos: sentença do Tribunal do Commercio de Lisboa de 11 de janeiro de 1903 recusando a uma marca figurativa constante de: «como figura principal, collocada no primeiro plano, uma mulher numa praia, com o fato de ova-rina, carregando aos hombros com um peixe e tendo do lado di-reito um cão da Terra Nova, tendo no alto os seguintes dizêres — Oleo puro de fígados de bacalhau da Terra Nova e aos pés das fi-guras principaes — Industria Portuguesa, Lisboa» — com o fundamento de confusão com outra anteriormente registada; sentença que foi revogada por accordão da Relação de Lisboa de 23 de dezembro de 1903, ordenando o registo da citada marca com o fundamento de não existirem motivos de inconfundibilidade (Cf. Boletim da Propriedade Industrial n.° 6 de junho de 1904, pag. 151-153); sentença do Tribunal do Commercio de 30 de novembro de 1904, dando provimonto a um recurso concernente a uma marca figurativa consistindo principalmente «num circulo contendo ao centro as letras A O» e negando registo a outra marca posterior de egual desenho com o fundamento de confusão possível {Boletim n.° 1 de janeiro de 1905, pag. 5). SECÇÃO IV Fórmas do producto 49. — Fórmas do producto. 49. Fórmas do producto. —É questão assaz debatida entre os jurisconsultos francêses, se as fórmas do producto poderão constituir objecto de marca. POUILLET pronuncia se afirmativamente «avec celle restriction qu'il ne s'agira pas d'un produit dont la forme est nécessaire, voulue par la force même des choses, commandée par les besoins de la fabrication». Afóra taes hypotheses, nada justifica a exclusão da forma do producto como motivo de distincção ou marca do mesmo producto, antes tal fórma é de natureza a chamar particularmente a atlenção do comprador, e bem assim a desvendar qualquer manejo de desleal concorrencia. «Quel intérèt, escreve ainda POUILLET, peut donc inspirer le fabricant qui copie la forme spéciale qu'un de ses concurrents aura donnée à ses produits ? N'est-il pas certain que son but est de créer une confusion entre les produits de son concurrent et les siens? Qu'importe au commerce, qu'importe au consommateur que le produit ail lelle ou lelle forme, quand cette forme ne produit par elle-même aucun ré- 222 sullat spécial, et n'a d'aulre effet que de spécialiser, que de singulariser le produil! Nous ne voyons aucune raison plausible de soustraire à la protection de la loi de 1857 la forme mêtne du produit, et nous pensons que, dans nombre de cas, cette forme, si elle nouvelle et spéciale, constituera au contraire une marque três caractéristique (1). D'onde facilmente se deduz e comprehende (2) que a (1) De opinião contraria a POUILLET é PATAILLE que ainda assim confessa que «1'imitation de la forme d'un produit peut seulement être, d'après les circonstances, un des elements constitutifs d'une concurrence déloyale et rien de plus»; e do mesmo parecer é RENDU dizendo: «Il ne peut pas être admis qu'il y ait des objets que leur nature empêche de participer à la protection de la loi, dès lors qu'il existe en réalité un moyen de les distinguer des objets similaires. S'ils ne peuvent être caractérisés par un signe apposé, ils peuvent 1'étre et ils le sont, en réalité, par leur configuration, qui ne permet pas de les confondre avec les produits d'autres fabríques. Cette configuration a le même but, la même valeur, le même effet que la marque proprement dite; c'est bien, lato sensu, un signe servant à distinguer, c'est donc en réalité une marque de fabrique». (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 54). (2) Neste sentido tem julgado a jurisprudencia francêsa: «1.° que, lorsqu'un industriel adopte, comme signe distinctif de ses produits, une couleur spéciale combinée à une disposition de lignes droites formant un quadrillé, il y a concurrence déloyale de la part du commercant qui emploie la même nuance et la même disposition de lignes pour des produits similaires (Paris, 21 janv. 1850, Leperdriel, Dall., 51.2.123); 2.° qu'un ovale, ménagé au centre du verre dépoli dont se compose une lanterne, ne constitue pas une 223 marca-fórma do producto possa ser alvo de usurpação, dando azo a qualquer facto de concorrencia desleal marque de fabrique; toutefois, un pareil signe constitue, au profit de celui qui eu a le primier fait emploi, un sorte d'enseigne qui peut étre interdite à ses concurrents (Trib. comm. Seine. 17 fév. 1852, Aubineau, Teulet, 1.40): 3.° mais qu'il importe peu qu'un produit soit vendu sous une forme qui ait quelque analogie avec la forme dejà adoptée par un concurrent, si, en fait, il y a, dans la dimension et la couleur d'enveloppe, des différences telles, que la confusion soit impossible (Trib. comm. Seine, 26 sept. 1854, Vinit, le Droit, 28 sept.); 4.° jugé toutefois, d'une façon absolue, qu'une forme géométrique (dans 1'espèce, la forme cylindrique donné à un cahier de papier a cigarettes) ne peut isolément, et en dehors d'autres éléments, constituer une concurrence déloyale (Paris, 24 juin 1865, Prudon, J. Pal, 65.1125). Cf. sobre as materias expostas: POUILLET, ob. cit., pag. 37 e seg., 533 e seg.; BRUN, ob. cit., pag. 2 e seg.; DR. PAUL ABEL, ob. cit., pag. 27 e seg.; AUBIN, Du nom eommercial, pag. 23 e seg.; DARRAS, Traité théorique et pratique de la concurrence déloyale, pag. 10 e seg., e 52 e seg.; AUSCHIZKY, Le nom commercial, 1909, pag. 21 e seg.; PLOCQUE, De la concurrence déloyale par homonymie, pag. 3 e seg.; ÉMILE BERT, ob. cit., pag. 25 e seg., 44 e seg., 51 e seg., 77 e seg.; SUDRE, Le droit au nom, 1903, pag. 11 e seg.; THALLER, ob. cit., pag. 67 e seg.; GIANNINI, ob. cit., pag. 80 e seg., 162 e seg.; Études sur les denominations et les marques verbales apud Prop. Indust. 1891, pag. 83 e seg. § 2.° Indicações de falsa proveniencia (1) 50. —Natureza e fundamento da indicação do logar de proveniencia, 51. — Alcance de tal designação. 52. —Restricções ao direito de indicação do logar de proveniencia. 53. —Nomes ou denominações genericas. 54. —As indicações do logar de proveniencia e os productos vinicolas. 55. —Poder-se-ha usar, indiferentemente e com identica protecção legal, das indicações dos legares de producção ou fabrico dos productos vinícolas? 50. < Art. 201.° São considerados casos de concorrencia desleal, e como taes puníveis: «1.° Aquelles cm que se fazem indicações de falsa proveniencia; (1) A lata e preponderante importancia, que as indicações de proveniencia assumem dentro da propriedade industrial e da deslealconcorrencia, aconselhou-nos a tratar mais amplamente dessa capital modalidade da marca. . Foi sem duvida tendo em vista o alcance do referido distinctivo que a lei de '41 de maio de 1896, a exemplo de outras legislações estrangeiras, entendeu fazer-lhe especial e destacada menção. 225 A expressão indicações de falsa proveniencia tem merecido á critica e á jurisprudencia uma bem diversa interpretação. Reduzido ás suas proporções mais simples, o facto licito cuja deturpação no campo das livres iniciativas da propriedade industrial dá margem a esse abuso: a indicação de falsa proveniencia, é singelamente o uso dum nome de região ou localidade como elemento identificador duma determinada mercadoria (1). Logo, porém, o parecer dos tratadistas diverge quanto á essencia e extensão de tal direito. «Le droit au nom de localité, escreve LACOUR, n'est qu'une branche, peut-être serait-il plus vrai de dire une annexe, un complément du droit au nom commercial. N'est-il pas d'usage constant que les commerçants, dans les lettres; factures, prospectus, etc, indiquent leur adresse à.côlé de leur nom ? Tout le monde sent combien ils sont intéressés à graver, pour ainsi dirc, cette adresse dans l'esprit et la mémoire de leur clicntèlc, abslraclion faite de la réputation particulière qui peut être allachée, pour certains genres de produits, au nom de la localité. L'adresse, joint au nom, achève d'individualiser la mai(1) É nesta rigorosa orientação que a lei portuguêsa define: «a indicação de proveniencia consiste na designação de uma localidade ou região que se tem tornado conhecida pelos seus productos» (art. 199.°). 15 226 son de commerce. C'est un des signes, assez nombreux dans la pratique, dont chacun se sert pour distinguer son établissement ou ses produits». Das palavras transcriptas do jurisconsulto francês deduz-se claramenle a importancia e alcance, que para o industrial ou commerciante tem o nome de logar ou indicação de proveniencia, acompanhando com sua supremacia a mercadoria em trajecto. A sua influencia congregada com a de outros elementos assegura ao proprietario a identificação e prestigio maximos do producto, e é certamente com tal pensar que LACOUR concluo que «le droit au nom de localité est accessoire à 1'achalandage des fonds de commerce». Tal direito tem uma essencia e significação precisas, fundamentadas nas mais plausíveis razões economicas como nas suas bem destacadas consequencias nos dominios da concorrencia desleal. A historia do industrialismo humano, capitulada de povo a povo, de província a província e até de burgo em burgo, está repleta destes traços de profunda caracterisação particularista: aqui nasceu a industria A, além surgiu o producto B... As aptidões singulares duma terra ou o engenho aperfeiçoado duma geração de artífices produzem ou edificam inconfundivelmente um produeto ou uma industria, effeito mercantil cuja utilidade e supremacia se consolidam e prolongam, identificando a região e a sua resultante 227 economica. É uma interessante digressão que vai desde a sêda de Lyon a uma zaragoza, duma renda de Bruxellas a um pedaço de rude estamenha portuguêsa, a çamarra de grisé em que Fr. Nuno de Santa Maria, o ex-condestabre, envolveu durante os ultimos oito annos de sua vida o corpo glorioso de cem batalhas; de um Gobelino a um Arrayolos, de um Falerno ou Champagne a um Porto ou Madeira, de uma faiança de Sèvres a um barro das Caldas, traduzindo a mais ironica e genial gargalhada de Raphael Bordallo Pinheiro .. São coisas que se não confundem, como confundir se não podem o templo de Karnak ou o Parthenon de Athenas com a cathedral de Burgos ou o Escoriai, Cleopatra com a rainha Victoria, Carlos Magno com D. João VI, Bismark com o conselheiro Accacio... São produclos de ambientes tão diversos, que não será exaggero apontá-los como specimens de civilisação antípodas ... Assim tambem no campo do livre-industrialismo um producto indica uma região, respirando todas aquellas boas e privativas qualidades, que lhe consolidaram nos mercados uma situação de vantagem. Esse resultado, consagra-o a indicação de proveniencia (1). (1) «Un nom de ville, ou plus généralement, un nom de localité, escreve POUILLET, peut commo un nom patronymique, servir de 228 51. Qual será, porém, a licita medida da indicação de logar de proveniencia ? Logar de proveniencia, estabelece a critica, é uma expressão da maior amplitude: nella se póde incluir a designação dum paiz inteiro, como duma região, duma cidade ou ainda dum simples logarejo. «D'une part, escreve LACOUR, il peut être employé pour désigner des territoires très vastes, tels que ceux d'une région, d'une ancienne province, comine la Bourgogne ou la Champagne (1'observation présente un intérêt parliculier, lorsqu'il s'agit d'exploitations vinicoles): il est même susceptible de s'appliquer à toute l'étendue d'un pays. Une industrie française, prise en bloc et abstraction faite du domicile parliculier de chacun de ceux qui l'exercent, n'esl-elle pas sérieusement intéressée à ce marque de fabrique; toutefois, ici encore, c'est à la condition que le nom se présentera sous une forme distinete, spéciale, toujours la même: c'est cette physionomie particulière qui fait la marque et non pas le nom pris isolément et pour lui-même» (Cf. POUILLET, obr. cit.j pag. 91). Quanto á primeira parte, de accordo: as indicações de logar de proveniencia constituem uma categoria de marcas. Dado, porém, que a marca-logar seja uma legitima e authentica indicação, de proveniencia e não uma denominação imaginaria ou de phantasia, afi-gura-se-nos, salvo o devido respeito, que o eminente jurisconsulto attende mais á fórma externa que ao conteudo, visto que em taes casos o que individualisa a mercadoria é a sua essencia mesma, as suas qualidades, que o rotulo mais não faz que apregoar... 229 qu'on ne lui altribue pas des produits de fabrication étrangère, dont la qualité est souvent três inférieure? et les manoeuvres destinées à créer une pareille confusion ne portent-elles pas atteinte au droit de propriété qui lui appartient sur le nom même de la France, envisagée comme lieu de fabrication? < D'autre part, il faut reconnaître que le terme loca-lité s'appliquera plus fréquemment à une ville, à un village, même à un quartier ou faubourg, à un hameau, à un lieu dit. Peu importe 1'exiguïté du territoire qu'on a en vue, pourvu qu'il soil susceptible d'être le siège de plusieurs établissements produisant des objets simi-laires». Até este ponto a opinião do jurisconsulto francês parece inspirar-se num criterio interpretativo da expressão logar de proveniencia que é, digamo-lo, puramente arithmetico: pouco importa que tal logar seja uma nêsga de terra, o que é indispensavel é que seja séde de varios estabelecimentos de similar producção — «peu importe 1'exiguité du territoire qu'on a en vue, pourvu qu'il soit susceplible d'être le siège de plusieurs établissements produisant des objets similaires». Distincção que se nos afigura insustentavel. Não a exige a generalidade dos preceitos legislativos, não a tem confirmado a jurisprudencia, e é, em principio, absolutamente incongruente. Que importa, de facto, que uma indicação de proveniencia tenha por 230 ambito os confins mais vastos dum país, duma provincia ou duma simples granja particular, e que o uso dum distinctivo logar de proveniencia pertença a milhares de indivíduos ou apenas a um proprietario (1), uma vez que a indicação de proveniencia seja cabalmente justificada pela essencia e privativas qualidades do produclo que acompanha? (2) Não ha motivo para limitações (3), como, no caso do uso da indicação de (1) De resto, isso mesmo admitte LACOUR, abrindo clara exce pção á regra supra-transcripta: «Le principe en question cesse naturellement de s'appliquer, lorsque le nom de lieu designe un domaine particulier. Le nom d'un pareil domaine appartient exclusivement à la personne qui en est proprietaire: aucune autre ne peut s'en servir». POUILLET, por sua vez, apreciando a hypothese-limite do nome de localidade corresponder a um dominio privado, a firma claramente : «Il est clair, qu'en pareil cas, le propriétaire du domaine a seul le droit de se servir du nom de son domaine ou de permettre qu'un tiers s'en serve. Son droit est absolu et dérive de la nature même dos choses». (2) VALLÉ transcreve em tal sentido uma interessante decisão de Grenoble (do 11 de fevereiro de 1870) em que se contém a seguinte fórmula, na verdade pouco jurídica, mas praticamente justa: «le nom d'un terrain appartient à la marchandise et nom au commerçant» (VALLÉ, Obr. cit., pag. 36 e nota). (3) «En príncipe, escreve VALLÉ, tous ceux qui habitent une localité et y exercent leur industrie peuvent marquer leurs produits du nom de cette localité. «Il y a là comme une sorte de propriété colleclive où tous ses propriétaires ont des droits égaux. C'est a ce point que celui-là 231 proveniencia pertencer a multiplos industriaes duma localidade, motivos não encontramos que prejudiquem a adopção duma marca collectiva (1), devolvendo-se même qui, le premier, a su acquérir à un centre une renommée pour les produits qu'il y fabrique, ne peut exciper contre ses con-currents d'aucun droit d'antéríorité». Ideía que a lei hespanhola expressamente sancciona ao affirmar que «o nome dum logar de producção pertence colléctivamente a todos os productores estabelecidos nesse mesmo logar» (art. 124.°. in fine). (1) Por marcas collectivas entendem-se os signaes figurativos adoptados por auctorídades publicas, corporações officiaes, syndicatos de productores ou associações de classe para serem affixados nas mercadorias e indicar que estas foram produzidas ou fabricadas em determinado país, região ou localidade. «Vem de longe, escreve o Sn. CONSELHEIRO MADEIRA PINTO, O USO, em alguns países, de marcas collectivas. Muitas das antigas corporações industriaes tiveram marcas privativas. Na Austria ha exemplos disso; na França existe a marca dos fabricantes de sedas de Lyon e a sociedade denominada União dos fabricantes de França criou uma marca que cada um dos seus associados póde applicar aos seus productos, isolada ou juntamente com a sua marca individual; os fabricantes allemães teem o direito de estampar nos seus produetos e na respectiva embalagem a aguia imperial: nos Estados Unidos da America tende a generalisar-se o uso de marcas collectivas dos syndicatos operarios de producção, como meio de propaganda e de reclame; em Portugal encontram-se ainda, em alguma das suas industrias, vestígios da existencia remota de marcas collectivas. Isto demonstra que em muitos casos se reconheceu, desde longa data, a vantagem das marcas collectivas, nacionaes, regionaes ou locaes, destinadas a mostrar a verdadeira proveniencia das mercadorias. Em relação a muitos produetos, póde haver mais con- 332 unanimemente a attribuição de tal distinctivo a uma entidade, syndicato ou municipalidade, interprete e deveniecia para o consumidor em conhecer o país ou a localidade da verdadeira proveniencia delles do que em saber o nome dos prodadores». (SB. CONSELHEIRO MADEIRA Pinto, Relatorio do Congresso de Berlim de 1904—7.° CONGRESSO da associação internacional para a protecção da propriedade- industrial, pag. 8). «On peut soulenir, diz DONIEL (Commentaire dela Convention internationale du 20 mars 1883, pag. 49), qu'il y a deux sortes de marques, en élargisseat le sens strictement légal de ce mot: la marque individuelle, qui peut consister dans tout signe, quel qu'il soit, servant à distinguer la personnalilê d'un eommerçant ou d'un fabricant, marque protégée par la loi du 23 juin 1857, et la marque collective des fabricants d'une contrêe ou d'une ville réputêe spêcialement pour an produit determiné: cette dernière consiste... à accoler au nom individuel du fabricant le nom du lieu indiquant la provenance». O uso, mais ou menos geanralisado dum certo distinctivo determina, portanto, uma categoria e sentido das marcas collectivas. Estas, porém, oferecem um não menos lato aspecto, considerado o seu uso e fruição por parte das collectividades, ou sejam as multiplas aggremiações de caracter organico, areadas á sombra da lei e com variados intuitos de actividade. Neste caso as marcas dir-sehão collectivas, não já em virtude de seu uso disperso por muitos individuos ou productores isolados, mas como pertinentes e apropriadas por entidades corporativas, resultantes da cooperação harmonica e anilaria dos esforços e forças individues. Sob este ponto de vista, a marca collectiva, traduzindo a attribuição dum direito ás formulas de sociabilidade, que representam na sua mais exteriorisada feição as pessoas sociaes, implicitamente convida ao debate sobre um dos mais arduos e melindrosos problemas que tem suscitado a analyse 233 positario dos interesses mercantis duma região. Tal pratica, sympaticamente collectivista, é racional, util e interpretação dos phenomenos sociologicos, qual é o da existencia e natureza das mesmas pessoas sociaes. Sem mais delongas e ao revez das theorias de ficção, inclínamo-nos a admittir com VANNI e OTTO MATER uma absoluta identidade entre a pessoa moral e a pessoa natural, sob um criterio unico e commum: o do interesse, singular ou multiplo, por egual animando taes entidades e bem assim fundamentando e caracterisando as pessoas collectivas ou seja essa resultante sociologica—a personalidade collectiva. Em materia de propriedade industrial são legítimos requerentes as collectividades de qualquer especie e racional organisação. As legislações assim o confirmam e reconhecem, algumas com mais expressa referencia como: a lei inglêsa, usando por egual dos termos pessoa ou associação (n.° 62); a suissa, auctorisando o pedido do registo de marcas feito pelas associações de industriaes, productores e commerciantes, civilmente capazes (art. 7.°, n.° 3); a lei norteamericana estabelecendo que os termos pessoa e proprietario e correlativos se applicam ás casas de commercio, corporações e associações como ás pessoas physicas (art. 29.°); e ainda a lei hespanbola que permitte expressamente o uso de marca collectiva: aos syndi-catos ou collectividades não commerciantes, para distinguir os prodnetos do trabalho de todos os membros do grupo—aos concelhos municipaes, para os productos de sua arca e as deputações provin-ciaes, para os das respectivas províncias (art. 25.°). E assim estabelece tambem a lei portuguêsa, dizendo que as marcas podem ser registadas a favor de uma pessoa, de uma firma social, de uma sociedade anonyma, de uma corporação ou collectividade (art. 66.°). (Cf. VANNI, Lezioni di filosofia del diritto, pag. 339 e seg. e 348; OTTO MAYER, Le droit administratif alemand, 234 e tem o apoio decidido das velozes correntes contemporaneas de socialisação das indoslrias. Appropriada singular ou colleclivamente, pois que sob o ponto de vista extensivo nenhuma reslricção se nos afigura, em principio, razoavel pelo que respeita ás indicações de proveniencia, o que se impõe como requisito indispensavel e fundamental é que o proprietario ou proprietarios de tal direito offereçam garantias de probidade mercantil: é a «necessité d'on établissement sérieux», de que falla VALLÉ. Em que consiste tal probidade? Em o fabricante ser sincero ao affirmar a indicação de proveniencia dum producto, realmente produzido, trabalhado ou modificado, consoante os termos da lei portuguêsa, em determinada localidade, e não lançar mão do estratagema, por demais verificado, de ter uma séde commercial na região com o fim de justificar apparentemente o aso da indicação de proveniencia e de facto manufacturar algures o artigo em questão (1). Esta é, pois, uma eletomo IV, pag. 254; SR. DR. GUILHERME MOREIRA, A personalidade collectiva, apud Rev. de Leg. e Jurisp., vol. XL, pag. 450 e seg. e vol. XLI, pag. 2 e seg.; LACOUR, obr. cit., pag. 21 e 36 e seg.; VALLÉ, obr. cit., pag. 36 e 73). (1) Depois de ter apresentado o requisito ou obrigação que impende sobre o industrial de ter no logar de proveniencia um estabelecimento serio, VALLÉ escreve documentadamente: »Il faut ajouter que, malgré la loi, le stratagème, si blâmable soit-il, est 235 mentar e indispensavel exigencia no que loca ao exercício do direito de indicação de logar de proveniencia. 52. Nos princípios expostos se cifra, a bem dizer, a these geral do direito ao uso de indicação do logar de proveniencia. Não comportará ella, porém, quaesquer restricções? Não haverá situações em que licito seja ao industrial appôr na mercadoria um nome de localidade, sem que tal implique uma relação originaria? Responde-se afirmativamente para duas categorias de casos, uma das quaes a lei portuguêsa a[onta expressamente na primeira parte da excepção feita ao art. 198.°: «exceptua-se o caso em que o nome geotrés fréquemment employé. M. Duras, juge au tribunal do commerce de Cognac, constatait dans sa répouse a la circulaire ministérielle du 28 mars 1888, sur le projet de loi concernant les marques de fabrique qu'à Cognac seulement, environ deux cents maisons faisant le commerce des spiritueux, mais étrangères à la localité, recevaient à la poste de cette vílle des correspondances de toutes sortes comme si elles y avaient un établissement commercial quelconque. Et il ajoutait que ces correspondances leur étaient ensuite réexpédiées sans frais à leur domicile commercial réel par l'Admínistratíon des Postes même, cúmplice inconsciente d'une fraude considérable. Cependant la jurisprudence n'a jamais manqué l'occasion de flétrir de semblables procédés» (Cf. VALLÉ, obr, cit., pag. 37-38). Adeante teremos ensejo de nos referir a orna causa celebre neste assumpto: ao processo do vinho da Madeira, instaurado e vencido pela firma Blandy Brothers. 236 graphico perde o caracter restricto para designar um typo de productos conhecidos por aquella denominação no commercio» (§ unico do art. 198.°). Esta é a categoria dos nomes genericos; outra, porém, existe: a das denominações de phantasia, já do nosso conhecimento. A denominação de phantasia ou indicação de phantastica proveniencia póde resultar por duas fórmas: a) absolutamente fictícia, não correspondendo a região alguma (v. g. liquor du Mont-Carmel); b) ou denominação apropriada duma localidade existente, mas na qual não haja nenhuma fabrica de productos similares (v. g. sabão do Congo). a) A primeira especie apontada é pura e simplesmente uma denominação de phantasia: phantasia geographica, digamos, e como tal, já delia nos occupámos sufficientemente, e por fórma geral nas paginas atrás. b) Quanto ás denominações apropriadas duma localidade exislente, vimos que essas obedecem á condição de não haver na citada localidade qualquer estabelecimento similar: <il faut, commenta LACOUR, que dans la localilé il n'existe aucun établissement manufacturant de semblables produits et interésé à s'en réserver le nom». Nestas circunstancias, o emprego de taes denominações não póde ser um facto de concorrencia desleal, tanto no que respeita a outros productores como ainda 237 relativamente aos consumidores «qui seraient inexcusables, observa LACOUR, de prendre ces noms de fantaisie pour des indications de provenance». Uma hypothese. porém, se suscita e que importa acautelar: a do estabelecimento de um industrial de productos similares na localidade apropriada como denominação de phantasia «Nous pensons, assim resolve LACOUR a dificuldade, que, dans ce cas, il faudrait reconnaitre au propriétaire du nouvel établissement le droit d'employer le nom de la localité pour désigner ses marchandises. Et même son concurrent, malgré 1'antériorité dont il essaierait de se prévaloir, pourrait être obligé, sur sa demande, de renoncer à 1'emploi d'une marque qui, à partir de ce moment, aurait l'inconvénient grave dexposer le public à une erreur sur 1'origine des produits qu'il fabrique. On ne saurait donc trop conseiller aux industriels, pour éviter toute difficulté de ce genre, de n'adopter, comme désignation de fantaisie, un nom de pays ou de localité, qu'autant qu'ils peuvent être certains que jamais, en ce lieu, une maison concurrente ne viendra s'élablir». 53. A categoria dos nomes ou denominações genericas inspira-se no caso assás frequente do nome de uma região ou localidade, originariamente empregada como indicação de proveniencia dum producto, acabar por ser unanimemente considerada como designando o 238 proprio producto, por effeito de associação de ideias ou habito inveterado de linguagem. Obter-se-ha então uma designação generica de uso geral, susceptível de ser empregada por todos aquelles que, em qualquer parte, fabricam tal producto: c o caso da agua de Colonia, do fio de Escossia, das rouenneries, azul da Prussia, couro da Russia, das rendas de Malines e as valenciennes, etc. Em taes casos, o nome de logar cai no dominio publico, não podendo consequentemente constituir propriedade exclusiva de alguem. Ponto está em saber qual seja o momento em que tal nome assume feição generica: questão deveras delicada e de bem difficil, se não impossível solução... «Il est difficile, escreve VALLÉ, et même impossible de le préciser. Les tribunaux, maîtres absolus de se prononcer sur cette question, n'ont pas trouvé de critérium indiscutable pour justifier leurs décisions. Ils ont tendance à ne pas reconnaitre facilement qu'un nom de localité est devenu générique, sans doute dans le désir de sauvegarder les industries locales; mais quand ils le font, ils se décident par des arguments de fait et d'espèce». Á jurisprudencia, pois, compete a ultima e soberana apreciação dos factos. Conclusão veridica, é certo, porém não menos commoda e que não impediu razoavelmente LACOUR de entrar numa analyse mais detalhada 239 do assumpto, procurando formular os seus justos fundamentos doutrinarios. No parecer do illustre jurisconsulto, para que um nome de localidade revista o caracter de denominação generica é necessario o concurso das seguintes condições: 1.a) que a expressão empregada constitua a denominação unica e necessaria dum determinado producto; 2.a) que os fabricantes de tal localidade tenham renunciado, expressa ou tacitamente, ao direito privativo que originariamente lhes pertencia sobre o mesmo nome. Analysêmo-las por sua ordem. E indispensavel, em primeiro logar, que a expressão empregada constitua a denominação unica e necessaria dum certo producto, «de telle sorte, explica LACOUR, que le public ne puissc, pour désigner ce produit, en employer aucune autre» (1). Por outras palavras: a denominação deve apresentar-se ao espirito em bloco, inseparavelmente, traduzindo sem confusão possível a ideia do proprio produclo, em sua natureza e essencia e independentemente do seu logar de proveniencia ou designação (2). (1) La dénomination, commcnta VALLÉ, est unique et nécessaire—les mots l'indiquent—quand aucune autre ne peut la remplacer, ce qni oblige à l'employer chaque fois qu'il est question du produit. L'expression ne revèle plus sa provenance, mais simplesment sa nature» (VALLÉ, obr. cit., pag. 52). (2) LACOUR exemplifica frisantemente: «Par exemple, l'eau de 240 As ideias expostas fornecem de promplo margem a ama excepção plenamente justificada e relativa aos productos naturaes, cuja indicação do logar de proveniencia nunca podera transformar-se em denominação generica. As razões são obvias. Esses productos ou sejam, como quer LACOUR, OS resultantes das industrias extractivas e agrícolas, recolhem todo o seu valor da terra unica de sua naturalidade; desta lhe advêm a sua essencia e demais elementos caracteristicos, todas as qualidades, em summa, que lhes asseguram inconfundível prestigio no mercado e os recommendam poderosamente ao consumo (1). E tal excepção, applica- Cologne se distingue par un odeur qu'on ne rencontre dans aucun autre liquide à 1'usage de la toilette. La Valencienne presente une contextura toute spéciale, différente de celles des autres variètés do dentelles.. Au contraire, les expressions drap d'Elbeuf, vinaigre d'Orléans, ne caractérisent pas la natura même d'un produit; on peut, en employant les mêmes matières premiéres et les mêmes procédés industriels, faire, n'importe en quel lieu, du drap qui ressemblera à celui des fabriques d'Elbeuf, du vinaigre qui aura les mêmes qualités que celui d'Orléans. Dans la première catégorie d'hypothèses, 1'expression employée correspond à 1'idée du produit luimême, dans sa nature propre et essentielle, indépendamment du lieu où il a été fait: dans la dernière, c'est, au contraire. 1'origine, la provenance de 1'objet qu'elle désigne indubitablement». (1) «En effet, observa LACOUR, les caractères par lesquels se distinguent ces produits, les qualités qui les racommandent au choix 241 vel, portanto, a todas as riquezas do referido teor (1) des consommateurs, leur nature et leur essence même dépendent nécessairement da terrain d'oú ils ont été extraits, ou à la surface duquel ils ont été récoltés. Ainsi, les marbres tirés de deux carriéres différents ne sont jamais complèlement semblables, non plus que les charbons de diverses mines; suivant le lieu ou il a été récolté, chaque vin a une saveur particulière et des qualités propres. Le public serait donc trompé sur la nature méme des marçhandises qu'on lui offre, s'il était permis de vendre, par exemple, comme charbon de Charleroi de la houílle qui n'a pas été extraite de eette mine, ou comme vin de Bourgogne du vin qui n'a pas été fait dans cette province». (LACOUR, obr. cit., pag. 31). (1) Uma das hypotheses mais interessantes que se suscitam e que a jurisprudencia francêsa tem largamente ventilado é a que respeita ás aguas mineraes artificiaes e que POUILLET, assim enuncia nitidamente: «Le nom d'une eau thermale appartient exclusívement á son propriétaíre, de telle sort qu'une eau d'autre provenance ne pourrait étre, sans délit, vendue sous le méme nom. Toutefois ce droit va-t-il jusqu'à empécher celui qui fabrique artificiellement la méme eau de 1'annoncer sous le nom de l'eau naturelle qui lui convient, à la condition de prevenir toute confusion avec l'eau naturelle elle-même? S'il en était autrement, le propriétaire de l'eau naturelle n'étendrait-il pas abusivement son droit sur l'eau artifi-cielle et ne confisquerait-il pas à son profit une partie du progrès industriei ?«. DARRAS defende a opinião de que é licito aos fabricantes de aguas mineraes artificiaes usar do nome das fontes naturaes, apenas com a seguinte condição: «que les débitants d'eaux artificielles doivent prendre toutes les mesures nécessaires en vue de bien établir que les produits par eux vendus ne sont pas des produits naturels D. De identico parecer foi por largo tempo POUILLET e bem assim a Cour 16 242 offerece capital importancia respeitantemente a uma categoria de productos naturaes, a que adeante farêmos de Lyon julgando que em taes circunstancias <ce nom devait étre considéré comute la désignation nécessaire de 1'eau artificiellement composée, et que le fabricant de cette eau pouvait 1'employer, à condition de prendre des précautions pour rendre toute confusion impossible, par exemple, d'inscrire sur les étiquettes: eau factice de...». Tal opinião teria, porém, de baquear perante os progressos scien-tificos, concluindo abertamente pela impossibilidade de imitação das aguas mineraes artificiaes e inspirando a reforma do Codex da Pharmacopéa francêsa, de cuja lista foi riscada a denominação con-demnada: aguas mineraes artificiaes. E POUILLET não tardou em registar o significado de taes conclusões, escrevendo com esclarecida lealdade nas ultimas edições do seu magnifico trabalho: «En pré-sence d'une opinion aussi formelle de la science, le jurisconsulte ne peut que s'incliner. Si nous admettions que celui qui imilait une eau minérale avait le droit de prendre le nom do l'eau naturelle pour désigner sa composition artificielle, c'est que nous admettions en même temps que de l'eau factice était semblable à 1'eau naturelle et en reproduisait les propriétés. Dès 1'instant que cette idée doit étre abandonnée, dès l'instant qu'il est reconnu que los eaux minérales naturelles défient toute imitalion, il faut en méme temps proscrire 1'emploi du nom de 1'eau naturelle pour designer la prétendue pré-paration artificielle, sous peine d'autoriser de véritables tromperies sur la nature de la marchandise vendue. Nous n'hésitons pas, par suite, à condamner une opinion, que la science a jugée fausse et qu'elle proscrit. Ceux qui feront de ces préparations donneront à leur produit, véritable médicament, le nom qu'ils jugeront convenable et qu'ils tireront à leur gré, comme pour tout autre médicament, soit de ses propriétés, soit la pure fantaisie». (POUILLET, obr. cif., pag. 471-473). 243 especial referencia: os productos vinicolas. Antes, porém, importa completar a analyse, que nos propuzémos, extrahindo uma primeira e importante conclusão: a denominação unica e necessaria só póde revestir o caracter generico relativamente aos productos ou objectos fabricados. Isto vem, evidentemente, simplificar em larga medida o problema em questão. Relativamente a taes objectos, uma outra condição, como vimos, se torna indispensavel para que o nome de localidade possa transformar-se numa denominação generica: que os fabricantes d'essa localidade abandonem voluntariamente a propriedade do nome. Abandono esse que póde manifestar-se, como já dissémos, ou mediante uma renuncia expressa, ou tacitamente desde que os fabricantes lenham durante largos annos tolerado a usurpação do nome da localidade por outros concorrentes, significando por tal modo e inacção o seu consentimento á apropriação do nome de outrem (1). A prescripção assignalará, então, o termo legal do direito ao nome de localidade. (1) Lê-se nos motivos que precedem uma decisão da Cour Suprême de 24 de dezembro de 1855: «Il peut arriver, dans certains cas, que par un long usage et par suite du consentement, soit exprès, soit tacite, do l'intéressé, le nom du fabricant devieune comme la seule désignation usuelle et reçue de tel ou tel procédé de fabrication tombé dans le domaine public; en ce cas, il est permis à 244 54. A apreciação da categoria dos nomes genericos leva-nos naturalmente a apreciar uma especie de productos naluraes, que nesta materia de indicações de proveniencia offerecem muito particular importancia: os productos vinícolas. O problema occupa uma situação de particular melindre c destaque na materia de concorrencia desleal, dizendo-lhe respeito alguns dos seus mais interessantes capítulos; sobre elle se têm travado perante os tribunaes os mais complexos e ruidosos litígios da propriedade industrial; e para a terra portuguêsa elle constituo uma questão de capital vitalidade. Posto isto, vejamos: póde a indicação de proveniencia pelo que respeita aos productos vinícolas assumir caracter generico ? Resposta prompta nos dá a lei portuguêsa na segunda parte do § unico do art. 198.°: <esta excepção (a dos casos genericos) não se applica aos productos vinícolas>. A questão foi largamente debatida na conferencia de Madrid de 1891, cujas resoluções firmaram sobre o assumpto a opinião supra exposta, com applauso da jurisprudencia e de algumas legislações. A esse debale, pois, vamos recorrer, extractando as razões justificatid'autres qu'au propriétaire du nom de s'en servir pour designer, non 1'origine du produit, mais le procédé ou le mode de fabrication» (apud LACOUR. obr. eit., pag. 33). 245 vas de tal parecer, razões para mais deduzidas com brilho e esclarecido patriotismo por esse grande espirito que foi OLIVEIRA MARTINS. O art. 3.° do ante-projecto do convenio concernente ás indicações de falsa proveniencia tinha esta generalisada redacção: «Les tribunaux de chaque pays auront a décider quelles sont les appelations qui, à raison de leur caractère générique, échappent aux dispositions da présent arrangement». O caracter amplo e impreciso do citado artigo provocou a intervenção do delegado português, nos termos que assim constam do relato oficial: «Le délégué du Portugal, M. de OLIVEIRA MARTINS, en proposant d'introduire dans le texte une exception en faveur des produits agricoles, la justifiait de la façon suivante: «Le terme caractère générique, employé dans cet article, s'applique à des produits de nature tout à fait différente; les dénominations telles que eau de Cologne, cuir de Russie, etc., comprennent, il est vrai, des noms de localités ou de pays, mais 1'emploi de noms géographiques a une portée tout autre quand ils servent à désigner des produits industrieis, que quand ils s'appliquent a des produits agricoles, comme par exemple, dans la dénomination vin de Bordeanx. Dans le premier cas, la dénomination est de nature abstraite; dans l'autre, elle désigne spécialement un produit qui ne peut être obtenu que dans une contrée determinée». 246 «Les dénominations de produits agricoles dont la contrefaçon est générale correspondent toujours à des conditions particulières de climat et de territoir, qui ne sauraient être changées ni transporlées. II y a donc une différence cssentielle entre les produils agricoles et les produits industrieis dont il est tenu comple dans l adjonction proposée». A proposta do delegado português foi considerada como demasiadamente ampla. Porventura, OLIVEIRA MARTINS pediu o mais, para obter alguma coisa... E essa conquista consistiu, com a apoio decidido da delegação francêsa, na remodelação do texto-projecto pela fórma que consta do art. 4.° do convenio vigente: «Les tribunaux de chaque pays auront à décider quelles sonl les appelations qui, à raison de leur caractère générique, echappent aux dispositions du présent arrangement, les appellations régionales de provenance des produits vinicoles n'etant cependant pas comprises daus la réservent statuée par cet article». E por virtude de tal disposição, se firmou decisivamente (1) a opinião de que não é permittido o uso (1) Apesar das ratificadas opiniões da conferencia de Madrid, a questão voltou a ser discutida nas sequentes conferencias de Bruxellas, tomando no debate parte activa e devéras brilhante o delegado português SB. JAYME DE SÉGUIER (Cf. Documentos apresentados ás Cortes na sessão legislativa de 1899, secç. I, pas. 262 e seg.). 247 247 duma denominação generica relativamente aos productos vinícolas (1). (1) Como valioso esclarecimento da doutrina exposta no texto e ainda por se tratar dum debate sobre interesses portuguêses, pareceu-nos util referir os capitaes considerandos da sentença pronunciada no tribunal do Havre a 27 de janeiro de 1899 sobre o litigio, tornado celebre, dos vinhos da Madeira, ameaçados pelas falsificações hespanholas. Após a citação e transcripção.de alguns artigos do Convenio de Madrid concernentes ás indicações de falsa proveniencia, assim se lê na alludida sentença: «Attendu, en premier lieu, que les conditions énoncées en l'article 10 in fine de la Convention de 1883, à savoir 1'adjonction au nom de lieu d'un nom commercial fictif ou emprunté dans une intention frauduleuse, n'étant pas reproduites par 1'article ler de l'Arrangement de Madrid, se trouvent par là même supprimées; «Attendu qu'en second lieu, 1'article 4 de 1'Arrangement de Madrid crée au profit des appellations régionales de provenance des produits vinicoles un véritable régime de faveur; «Attendu qu'il résulte en effet de 1'article 4 que, lorsqu'il s'agit d'appellations régionales de provenance de produits vinicoles, les Tribunaux n'ont plus le même pouvoir d'appréciation que lorsqu'il 8'agit d'appellations régionales de provenance d'autres produits; que, dès 1'instant qu'ils ont constaté que la dénomination sur laquelle puisse s'agiter un débat, constituo une appellation régionale de provenance de produits vinicoles, ils sont obligés de réprimer les usurpations qui ont pu étre commises, sans avoir à rechercher s'il y a ou non une appellation générique; «Attendu que cette nouvelle disposition s'expliquc aisément: que les vins, en effet, doivent leur goút, leur parfum, leur arome propres, c'est-à-dire leurs qualités essenticlles, au terrain et au climat de leur pays d'origine; que cc sont là des éléments que l'on ne peut 248 55. No que respeita á indicação de proveniencia dos productos vinícolas, suscitam ainda os tratadistas changer ní transporter d'une région dans une autre, de telle sorte que l'on ne conçoit pas cominem 1'appellation d'un produit vinicole pourrait devenir généríque et désigner des produits issus d'un autre terrain et sous un climat différent; «Attendu qu'il est constam que, depuis un temps presque immé-morial, 1'ile de Madère produit un vin spécial universellemen connu et apprecié; «Attendu que le nom de Madère est bien une appellation régio-nale de provenance de produits vinicoles; «Que ce nom est donc la propriété exclusive des viticulteurs de 1'ile de Madère et ne peut étre apposé que sur les vins provenant de cette ile; que c'est donc avec raison que Blandy frères reprochent aux défendeurs davoir placé le mot: «Madère» ou «Madeira» sur des fûts remplis de vins d'Espagne; «Attendu qu'en réponse à cette argumentation, les défendeurs objectent tout d'abord que le mot de «Madère» est depuis longtemps tombé dans le domaine public, qu'il n'est plus aujourd'hui indicatif que d'un genre de vin fabriqué en France et en Espagne comme a Madère, et non d'un vin d'origine; «Attendu que cette objection est sans valeur; «Attendu qu'en droit le mot «Madère», constituant de toute évidenciei et par lui-même une appellation régionale de produits vinico-les, ne peu plus, aux termes de l'article 4 de 1'Arrangement de Madrid, étre considéré comme une appellation générique» [Cf. Fausses indications de provenance — Usage illicite du nom de Madère (procé-dure, plaidoiries, jugements, arrêts et documents de 1'affaire Blandy Frères et G.ie et autros négociants et viticulteurs de Funchal contra divers négociants de Jerez, Port-Saint-Marie e Malaga), 1900, pag. 161 e seg.]. 249 uma outra hypothese, cujo alcance é importante: poderse-ha dar a um producto vinicola indifferentemente e com identica protecção de lei o nome da região ou localidade em que foi colhido mas não fabricado e viceversa? O caso tem sido largamente debatido perante a jurisprudencia francêsa (1), cujos pareceres divergem, e digamos francamente que não falta quem o julgue in(1) São celebres as questões: Olry Roeder contra Champion ácerca dos vinhos da Champagne que esta firma entregava ao commercio com essa designação de origem, se bem que fossem engarrafados na Lorena, o que lhe valeu uma sentença desfavoravel; e a dos licores da Grande- Chartreuse, cuja designação os imitadores pretenderam sophismar em seu proveito, adegando que a destillação se. effectuava em Fourvoirie e não no celebre mosteiro. Litigio este, plenamente esclarecido por interessantes decisões de jurisprudencia, taes como a do tribunal civil de Lyon (sentença de 11 de dezembro de 1879) declarando que «le lieu de la fabrication était bien le monastère de la Grande-Chartreuse, oú les liquers reçoivent, sinon toutes leurs manipulations, du moins la préparation spéciale qui constituo le secret tant cherché pour la concurrence», e a resolução ainda mais explicita do tribunal civil de Grenoble (sentença de 1 de agosto de 1885), assim lucidamente fundamentada: «Attendu que, la fabrication d'une liquer ne consistant pas uniquement dans sa distilation, mais dans toutes ses manipulations promières, on doit considérer comme lieu de fabrication, non seulement le lieu oú on la prépare, mais encore le lieu oú se rccoltent les plantes et sues qui entrent dans sa composition; qu'il est constant que le mélange des divers sues de plantes a lieu au couvent de la Grande-Chartreuse, et non à Fourvoirie, oú se trouve seulement la distillation, etc». 250 soluvel (1) attento que o assumpto abrange um lato aspecto technologico, que melhor decifrarão os entendidos ... E se o debate é já por si melindroso, maior melindre lhe veio acarretar o texto da lei portuguêsa tornando licito o uso duma indicação de proveniencia, uma vez que o objecto a que se applica tenha sido realmente ali produzido, trabalhado ou modificado. A despeito de disjuncliva, parece-nos que o originario prestigio de qualquer região vinicola e bem assim os interesses do consumidor uma só opinião aconselham: a protecção do logar de producção. O vinho é um producto natural e não fabricado, não sendo, portanto, licito que o logar de mera fabricação se valha da indicação de verdadeira proveniencia para recommendar os seus resultados puramente industriaes. E isto o que dieta a boa-fé, como corollario das ideias que temos exposto. E a melhor maneira dos proprietarios vinícolas se garantirem contra qualquer abuso de suas marcas originarias por parte de simples fabricantes será ainda e talvez a adopção duma marca collectiva, efficaz e energicamente protegida pelos poderes publicos e con(1) «Nous n'avons pas, quant à nous, confessa francamente VALLÉ, à prendre parti dans cette discussion, jusqu'il ne s'agit jamais que d'une question de fait et d'espèce» (VALLÉ, obr. cit., pag. 68). 251 stituindo o unico elemento de authenticidade e identificação de seus productos (1). Mesmo assim... (1) Cf. LACOUR, obr. cit,, pag. 28 e seg., e 55; DARRAS, obr. cit., n.° 277 e seg.; BLANC, Traitié de la contrefaçon em tom genres, pag. 709 e seg.; MOREAU, De la répression des fausses indications relatives aux lieux de fabrication et de production, pag. 63 e seg.; VALLÉ, obr. cit., pag. 49 e seg., 51 e seg. e 6 e seg.; IZELIN, Rapport au Congrès de Vienne sur les indications de provenance, apud Annales de l'ass. Int. pour la protection de la propriété industrielle, 1897, pag. 267 e seg.; POUILLET, obr. cit., pag. 67 e seg., 455 e seg. e 475 e seg.; PELLETIER e VIDAL NAQUET, obr. cit., pag. 343 e seg. § 3.° Usurpação de formulas, modelos o segredos de fabrica 56.—Segredos de fabrica. 57.—Formulas e modelos. 56. <Art. 201.° São considerados casos de concorrencia desleal, e como taes puniveis: <5.° Aquelle em que o fabricante diz: «preparado pela fórmula, ou segundo o processo da fabrica de...» ou cousas equivalentes, quando não possa produzir documento comprovativo da auclorisação concedida para esse effeito, ou quando a fórmula ou processos se não tenham tornado publicos; «8.° Aquelles em que o industrial, por suborno, espionagem, compra de empregados ou operarios, ou por outro qualquer meio criminoso, consegue a divulgação de um segredo de fabrica e o ulilisa». Consoante a enumeração da lei portuguesa, que temos fielmente acompanhado, resta-nos analysar as suas ultimas categorias: usurpação de segredos de fa- 253 brica (1), e bem assim a de formulas « processos industriaes. N Que se entende por segredo de fabrica? POUILLET procurando pôr em destaque a differença entre invento e segredo de fabrica, define este: «le secrel de fabrique s'entend, à nolre sens, de tous délails de fabrícation même (nous serions presque tentes de dire surtout), de ces tours de main qui, sans être une invention caraclerisée susceplible d'être protégée par un brèvet, sont en usage dans une manufacture, à 1'insu des concurrenls, et, par cela même,. lai assurenl, ou seulement semblent lui assurer, sur eux une certaine superiorilé» (2). (i) Disposição similar, alvejando expressamente a usurpação de segredos de fabrica, contém a lei allemã da concorrência desleal, cujo art. 9.° assim dispõe: «Est pàssible d'une amende pouvant s'élever à 3000 Marks ou d'un emprisonnement d'un an au pias, qaiconque comme employé, ouvrier ou apprenti, communique illicitement à des tiers, pendant la durée de ses fonctions, des secrets de commerce ou de fabrícation qui lai ont ,été confies à raison de ses fonctions, ou qui lui ont été connus autrement, dans un but de concurrence déloyale, ou en vue de nuire au propriétaire de l'entreprise». (Cf. EECKHOUT, (Ar. eit., pag. 158). (2) «Nous pensons, diz PATAILLE, qu'il faut prendre les expressions: secrets de fabrique dans le sens usuel et qu'clles s'appliquent à tout mode de fabrícation qu'un industriei emploie en secret pour obtenir un produit ou un résultat avantageux, ce qui peut se rencontrer dans les précautions accessoires prises pour un mcillear. • 254 Quanto ao objecto do segredo de fabrica, não se torna indispensavel que elle seja, por sua essencia e como pretendem CHAVEAU e FAUSTIN HÉLIE, de absoluta novidade. «11 faut, observa BLANC, que le procédé, objet du secret, soit nouveau, sinon. d'une façon absolue, au moins quant à 1'usage spécial auquel il est employé». E nestes lermos, o segredo de fabrica poderá fundamentar legitimamente um direito de propriedade, reemptore d'un appareil ou d'un procédé breveté» (apud POUILLET, obr. cit., pag. 898-899). POUILLET menciona interessantes resoluções da jurisprudencia francesa, e que sobremaneira elucidam o significado e alcance da categoria de propriedade industrial — segredos de fabrica. Assim: «Jugé que, pour apprécier 1'existence prétendue dun secret do fabrique, il n'y a pas lieu de rechercher si les éléments dont il se compose sont brevetables ou non; il ne s'agit pas, en effet, en pareil cas, de statuer sur une prévention de contrefaçon et de prononcer sur la validité ou la nullité d'un brevet; mais il y a lieu d'apprécier tous ces procédés, brevetables ou non, tous ces moyens de fabrication propres à chaque fabricam, et, même jusqu'à ces pratiques manuelles, si minimes en apparence et souvent si importantes quant à leurs eiTets, qu'on a appelées des tours de main (Paris, 20 fèv. 1863, Régis, Ann., 63.363). «Jugé cependant que ne constituent point un secret de fabrique les modifications d'ordre três secondaire, apportées par un fabricant à 1'outillage nécessaire pour la confection de produits suivant un mode connu et éxécuté de très ancienne date, telle que la centexture à points noués de tapis veloulés (Douai, li juin 1890, Rombeau, Am., 91.160). (ibidem). 255 cahindo no domínio privado com caracter exclusivista, susceptível de ser impugnado apenas por motivos de anterioridade, a qual, na opinião de POUILLET, «doit être certaine, indiscutable, et resulter, non de la connaissance secrète qu'une autre fabrique aurait recue du même procédé. Il ne suffit pas qu'un autre sache, s'il garde lui-même le secret, et si, dès lors, le public n'est pas à même de savoir». A opinião do eminente jurisconsulto visa tão sómente os casos de estricta applicação das disposições penalistas francesas (cod. penal, art. 418.°), pois desde o momento que ò segredo de fabrica tenha verdadeiro caracter reservado e essencia dislincta, desde que corresponda a um processo com assás feição de novidade e original emprego, a sua usurpação e sequente denuncia, ainda mesmo cingida a uma simples communicação de fabrica a fabrica, constituirá um facto de concorrencia desleal, como expressamente o reconheceu o n.° 7.° do art. 201.° da lei de 21 de maio de 1896 (1). (1) E isso, seja qual for a importancia do segredo de fabrica revelado : «il importe peu, observa POUILLET, que la fabrique soit petite ou grande, que la fabrication ait peu ou beaucoup d'importance; le secret, dès qu'il existe, dès qu'il appartient à une fabrique, doit être respecté et est protégé. Ajoutons même, avec un arrét, que les secrets d'une industrie naissante méritent d'autant plus la protection des lois» (POUILLET, obr. cit., pag. 903). 256 O facto attentatorio da justa posse do segredo de fabrica pode revestir diversas modalidades, attinen-tes ao fim exclusivo de toda a manifestação de concorrencia desleal: construir um concorrente a sua prosperidade e supremacia mercantis mediante a illicita usurpação das vantagens doutro. O segredo de fabrica é manifestamente uma dessas vantagens criadas, e o seu confisco poderá effectuar-se por maneiras diversas, algumas das quaes a lei portuguesa especifica: «suborno, espionagem, compra de empregado ou operarios», accrescentando-lhe, porém, o termo generico: «ou por qualquer meio criminoso». Comprehende-se que o artifice ou empregado seja o peio mais geralmente empregado para obtenção illicita dum segredo de fabrica. Pertence-lhe, em certa escala, a liberdade ampla de disposição do seu mister (1), se bem que o preço da mão-de-obra oscille mais intensamente entre as offertas dos patrões e os demais elementos de livre-concorrencia, cujos excessos a legislação social vae effícazmentc corrigindo e regularisando com progressivo appiauso de lodos os povos (1) Cf. JULIEN HAYEM, La loi et le contrat de travail, 1908, pag. 29 e seg.; SCHÖNBERG, Handbuch der politischen Oekonomie, vol. II, pag. 632 e seg.; PAUL Pic. Traitè élémentaire de législation industrielle, edição de 1903, pag. 629 e seg.; PIERRE COLOMB, La liberté du travail et le collectivisme, 1908, pag. 15 e seg. 257 cultos (1). E desde que o empregado ou operario não traga apenas o licito concurso do seu trabalho, mas seja tambem portador dum segredo de fabrica doutrem, o patrão corruptor marcará um triumpho mais largamente remunerado... A verdade, porém, é que a essencia do contracto de trabalho repudia tal viciação, não podendo effectuar-se com esses intuitos, que caracterisam á evidencia um facto de desleal-concorrencia. 57. Similar, em sua essencia, á usurpação do segredo de fabrica é a invocação dum processo ou formula, quando o fabricante não possa produzir documento comprovativo da auctorisação concedida para esse effeito, ou quando a formula ou processos se não tenham tornado publicos. Em taes casos, o industrial consuma um ataque ao objecto legitimo da propriedade industrial de outrem, já attribuindo a seus productos uma falsa essencia, já divulgando um processo fabril alheio, e sempre praticando um fact de manifesta concorrencia desleal. E (1) Cf. PAUL LOUIS, L'ouvrier devant l'État, pag. 7 e seg.; PAUL Pic, La législation ouvrière, nas Questions pratiques, de 1900, 11, e Traité élémentaire de législalion industrielle, 1903, pag. 409 e seg. e 496 e seg.; ALDO CONTENTO, La legislazione operaia, pag. 20 e seg.; LORIA, Corso completo di Economia Politica, 1910, pag. 352 e seg.; etc. 17 258 sob tal epigraplie cabem os casos denominados abusos de réclame ou sejam as mil modalidades e expedientes de que um industrial se prevalece, apregoando desmesuradamente seus productus e creando o seu prestigio á custa e detrimento dos de outrem, as variadas circumstancias em que um concorrente intrepidamente e de má fé se reveste dos benefícios e vantagens industriaes dum rival, os multiplos sophismas que o texto da lei portuguesa pretendeu, porventura, abranger nas palavras «ou cousas equivalentes...» Por maior que seja, porém, a elasticidade que se pretenda attribuir ás normas especiaes repressoras da desleal-concorrencia, ellas patentear-se-hão insuficientes perante os infindos processos de sophismação, de ludibrio e falso expediente, que a livre-concorrencia suggere e alimenta. E talvez por isso que MAYER, transigindo em curiosa medida, não duvida confessar que «entre concurrenls, on ne peut poursuivre le mensonge simple; chacun est libre de vanter ses marchandises, leur qualité et leur bon marché; mais toute allégalion qui directement, dans sa forme, tend à déprécier les produils d'une maison rivale, pourra être relevée comme un procédé frauduleux, quelle qu'en soit la vérité, l'intérêt du public n'étant pas en cause» (1). (1) Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 730 e seg. e 898 e seg.; ALLART, obr. cit., pag. 155 e seg. CAPITULO IX Procedimento judicial e penalidades 58. — Competencia. 59. — Processo. 60. — Penalidades. Acabamos de enumerar, numa syslejmatisação harmonisada quanto possivcl com o texto legal, os factos de desleal-concorrencia previstos na lei de 21 de maio de 1896. De varia importancia e maior ou menor extensão, as citadas providencias especiaes entenderam visa-los, como salientes moveis de adulteração ou sophisma da livre-concorrencia e consequente ataque á propriedade industrial legitimamente adquirida: <o estado garante a propriedade industrial e commercial pela comminação de penas aos que a ofendam e prejudiquem por meio da concorrencia desleal (art. 5.°)». 260 Da pratica de taes factos se deduz, pois, uma situação de responsabilidade, cujos meios processuaes de proseguimento e bem assim a sua necessaria e complementar sancção por força das respectivas disposições comminatorias nos resta analysar. 58. Competencia. — Paginas atraz, ao apontarmos o corpo de normas especiaes, que regem entre nós a propriedade industrial, dissémos serem graves as duvidas suscitadas em tal materia no ponto de vista processual. A primeira se nos depara: qual é a estancia jurisdiccional competente para conhecer das questões referentes á concorrencia desleal? (1) (1) A questão do juízo competente para conhecer das acções sobre concorrencia desleal foi tambem objecto de debate por parte dos jurisconsultas francêses tendo-se, porém, a jurisprudencia fixado, consoante refere POUILLET, na opinião de que taes acções são da compet eência do fôro commercial. E neste sentido que PATAILLE escreve: «1'action en dommages-intérêts, introduite par un com-merçant contre un autre commerçant, est commerciale, alors même qu'elle este basée sur un quasi-délit, toutes les fois que le fait qua-lifié de dommageable s'est produit à 1'occasion de 1'exercice du commerce des partics, et, spécialement, lorsqu'il s'agit d'un fait de concurrence déloyale, tel que l'usurpation d'un nom, d'un en-seigne ou d'une désignation de produits» (POUILLET, ob. cit., pag. 885-786). Ainda no que se refere à competencia, consignêmos que a lei hespanhola prevê e estipula (art. 145.°) a organisação de jurys 261 A lei de 21 de maio de 1896, que por está e outras razões o SR. DR. DIAS DA SILVA justamente qualifica de «um bom exemplo da precipitação, leviandade e incompetencia com que se tem legislado neste país» (1), entendeu não dever pronunciar-se sobre o assumpto, cavando em seu texto e por tal fórma uma importante lacuna. Perante tal omissão, teremos, pois, de nos reportar ás regras geraes da competencia, devendo, assim, as acções de indemnisação de perdas-damnos sobre concorrencia desleal ser instauradas no fóro commercial, quando digam respeito a actos praticados por commerciantes no exercicio da sua proGssão, e reclamando como taes a justa applicação do art. 4.° do codigo de processo commercial (2). Esta disposição que, como se sabe, enuncia a competencia geral do juízo commercial, devolve até expressamente ao referido juizo as causas sobre marcas induslriaes ou commerciaes, respectivas indemnisações de industriaes, aos quaes deverá attribuir-se a jurisdicção ora pertinente ás estancias ordinarias e relativamente aos litígios de propriedade industrial. (1) SR. DR. DIAS DA SILVA, Processos especiaes civis e commerciaes, processo criminal, 1903, pag. 505. (2) E embora, é claro, o acto seja mercantil só em relação a uma das partes (Codigo commercial, art. 99.° e codigo de processo commercial, art. 4.°, § unico). 262 perdas e damnos; ora em taes causas cabem manifestamente e por sua natureza as que dizem respeito, á concorrencia desleal... De resto, que esse foi o pensar do legislador, isso se deduz ainda não só das disposições da lei de 21 de maio de 1896, em que tal competencia é claramente estabelecida respeitantemente a outros capítulos da propriedade industrial (1), o que tornaria incongruente ou mesmo absurda a excepção relativamente á concorrencia desleal, mas tambem de algumas disposições em que o legislador revelou, se bem que incompletamente, o seu pensamento, como sejam o § unico do art. 204.° (2) e o art. 255.° do regulamento de 28 de março de 1895 (3). (1) Cf. òs seguintes artigos da lei de 21 de maio de 1896, nos qnaes a competencia do fóro commercial ó claramente estabelecida em relação aos varios capítulos da propriedade industrial: artt. 55.° (patentes), 102.° (marcas), 131.° (nomes), 154.° (recompensas), 196.° (desenhos e modelos); e do regulamento de 28 de março de 1895: artt. 28.° (patentes), 100.°. 101.° e 105.° (marcas), art. 15.° § unico (nomes), 190.° e 193.° (recompensas), 231,° 236.° e 237.° (desenhos e modelos). (2) «A apprehensão será ordenada pelo tribunal do commercio a requerimento da parte interessada, a favor da qual reverte o seu producto» (art. 204.°, § unico). (3) «O chefe da repartição da industria (actualmente o director geral do commercio e industria), sempre que o proprietario de uma patente de invenção, do registo de uma marca, nome;- recompensa ou deposito, seja prejudicado pela pratica de um acto de concorren- 263 Por todos estes motivos affigura-se-nos, pois, que é o fóro commercial o competente para conhecer das acções de indemnisação de perdas e damnos sobre concorrencia desleal, o que, aliás, é a pratica seguida. Tal a doutrina, que nos parece a unica defensavel nas referidas circunstancias, e exceptuados, claramente, os casos traduzindo actos de mera industria, pois nessas condições as acções de perdas-damnos supervenientes devem ser propostas nos tribunaes civis, perante a falta de disposições de lei que estabeleçam expressamente outro fôro (1). Quanto ás acções penaes, attenta a omissão de disposições especiaes, deverão evidentemente remetter-se aos tribunaes communs, demarcando-se a sua competencia consoanie os preceitos geraes e a natureza do processo mais adequada. 59. Processo. — Dado que as disposições legaes cia desleal, comprehendido no titulo viu do decreto de 15 de dezembro de 1894, e tenha disso conhecimento directo ou por queixa do interessado, que deverá fornecer todos os elementos de apreciação exigidos, fará a necessaria communicação ao director geral das alfandegas ou ao represente do ministerio publico junto do tribunal do commercio, segundo o caso de que se tratar» (Reg. cit., art. 255.°). (1) SR. DR. BARBOSA DE MAGALHÃES, Codigo de processo commercial annotado, vol. I, pag. 68-69. 264 não estabelecem processo especial para as questões de indemnisação de perdas-damnos sobre concorrencia desleal, deverão estas dirimir-se medeante o processo ordinario (cod. de proc. com, art. 57.°). O processo especial constante dos artt.0 87.°-106.° não é applicavel ás acções sobre concorrencia desleal, uma vez que tal processo diz respeito tão sómente a uma limilada parle da propriedade industrial, ou seja á acção de indemnisação de perdas-damnos resultantes : da falsificação e imitação de marcas e carimbos, da exposição á venda dos objectos assim marcados ou carimbados e de qualquer uso fraudulento dessas marcas ou carimbos (1). Ora taes bypotheses correspondem aos casos previstos nos artt. 94.°-102.° da lei de 1896, e não nos parece que nestes se possam integrar quaesquer factos de concorrencia desleal, sem o perigo de se incorrer na respectiva nullidade insupprivel. No que respeita ás acções penaes, a natureza do processo depende da importancia das penalidades a applicar, assim: processo de policia correccional quando a multa não exceda a 500$000 réis (decr. n.° 2 de 29 de março de 1890, art. i.°); processo correccional, (1) Cf. SR. DR. DIAS DA SILVA, ob. cit., pag. 499 e seg.; SR. DR. BARBOSA DE MAGALHÃES, ob. cit., vol. II, pag. 169 e seg. 265 se o montante da multa for superior a tal quantia e até 1.000$000 réis, (decr. cit, art. 3.° e processo ordinario ou de querela, quando a multa exceder essa importancia (1). 60. Penalidades.—A comminação geral, que as disposições da lei de 21 de maio de 1896 estabelecem para os factos de concorrencia desleal, é a indemnisação de perdas-damnos. A tal sancção accrescem multas, podendo assim distribuir-se os respectivos pre(1) O processo ordinario ou de querela regulado pelos artt. 864.° e seg. da Nov. Reforma Judiciaria e com as alterações feitas pelas leis posteriores (decreto de 10 de dezembro de 1852, art. 8,°; lei de 18 de agosto de 1853, art. 2.°; decr. de 29 de março de 1890 art. 3.° n.° 3 e decreto n.° de 15 de setembro de 1892) é, como se sabe, applicavel a todos os crimes a que corresponda alguma das penas maiores ou sejam as mencionadas nos artt. 55.° e 57.° do codigo penal. Percorrendo tal enumeração vé-se que ha duas penas que ficam excluídas daquellas formulas geraes de processo: a malta excedente a um conto de réis e a demissão, que não devem ser consideradas como penas maiores. Não obstante e não havendo excepção expressa na lei, como ha no decreto de 27 de setembro de 1901, pondera o SR. DR. ASSIS TEIXEIRA, os crimes a que tiverem de ser applicadas taes penas devem ser processados e julgados pelo processo ordinario ou de querela. (SR. DB. ASSIS TEIXEIRA, Manual do processo penal, pag. 6; e SR. DR. PEREIRA DO VALLE, Annotações ao livro primeiro do codigo penal português, pag. 247 e seg.). 266 ceitos que visam os casos de concorrencia desleal, previstos e enumerados no art. 201.°: a) os contraventores do disposto nos n.°s 4.°, 5.° e 9.° do referido artigos (ou sejam os casos «em que o industria] ou commerciante simula ter depositado ou registado os seus productos no estrangeiro, sem o ter feito;» «em que o fabricante diz: «preparado pela formula, ou segundo o processo da fabrica de . . . », ou cousas equivalentes, quando não possa produzir documento comprovativo da auctorisação concedida, para esse effeito, ou quando a formula ou processos se tenham tornado publicos»; e «em que se faz a eliminação da marca, não registada, de um certo producto, e a sua substituição por outra marca») incorrem na multa de 100$000 réis a 500$000 réis (art. 205.°), accrescendo, no caso de eliminação ou substituição de marca, a pena de quinze a sessenta dias de prisão (art.0 208.°, § 2.°); 6) os contraventores do disposto nos n.os 2.°, 3.°, 6.°, 7.° e 8.° do art. 201.° (ou sejam os casos «em que o industrial ou commerciante usa de laboletas, pinta a fachada do seu estabelecimento, o dispõe ou o installa de modo a estabelecer confusão com outro estabelecimento da mesma natureza, contiguo ou muito proximo»; «em que o industrial ou commerciante attribue os seus productos a um fabricante differente 267 do verdadeiro, sem a' devida auctorisação «; «;em que o industrial ou commerciante, para acreditar os seus productos, invoca, sem auctorisação, por qualquer fórma ou maneira, o nome, a marca ou o estabelecimento de outro industrial ou commerciante, que fabrique ou faça commercio com productos analogos»; «em que o fabricante português põe nos seus productos nomes, marcas ou rolulos estrangeiros, verdadeiros ou fictícios, de fórma a fazer acreditar que são productos estrangeiros»; «em que o industrial, «por suborno, espionagem, compra de empregados ou operários, ou por outro qualquer meio criminoso, consegue a divulgação de um segredo de fabrica e o utilisa») incorrem na multa de 200$000 réis a 1.000$000 réis; no caso dos n.os 3.°, 6.° e 7.° os productos serãoapprehendidos (art. 206.°); c) ás indicações de falsa proveniencia, consagrou a lei disposições mais explicitas. Os seus agentes incorrem em multa de 200$000 réis a 1.000$000 réis, (art. 206.°), multa que será duplicada, quando o prejudicada tenha a sua marca ou nome registado, patente ou deposito (art. 207.°). Os objectos com indicações tendentes a fazer suppôr que foram produzidos no reino mas fabricados em país estrangeiro serão apprehendidos pelas alfandegas (art. 202.°), presumin-dose a falsa indicação de origem quando, sendo importados de um país estrangeiro, á excepção dos 268 Estados-Unidos do Brazil (1), tragam uma marca portuguêsa ou designações escriptas, tecidas, impressas, cunhadas ou postas por qualquer fórma em língua portuguêsa (art. 202.°, § i.°), resalvando-se, porém, a hypothese em que seja bem visível a indicação do país em que se fabricou, e em que se prove por documento authentico que esse nome ou marca foi posto com annuencia do commerciante nacional ou estrangeiro mencionado (art. 200.°). A apprehensão dos objectos com falsas indicações de proveniencia, no acto da importação, far-se-ha: 1.° Independentemente de qualquer requerimento, pedido, ou denuncia, quando o país, cuja proveniencia se pretende indicar, é Portugal; 2.° A requerimento da parte interessada, provando que se dá uma falsa indicação de proveniencia, ou por declaração do chefe da repartição da industria, quando a parte interessada tenha a sua marca, nome, desenho, modelo ou patente registados ou depositados, seja qual for o país cuja falsa proveniencia se indicar. Do preceito do art. 202.° são, porém, exceptuados « 1.° os objectos que, sendo analogos aos de producção nacional, e lendo marcas similhantes, trazem ao mesmo tempo um signal bem patente de haverem sido fabri(1) Identica disposição contem a lei hespanhola, resalvando analogamente os países hispano-americanos (art. 129.°). 269 cados no estrangeiro; 2.° as mercadorias em transito; 3.° os objectos para os quaes se prove que houve primeiramente exportação. As mercadorias estrangeiras nas quaes, depois de importadas, se façam falsas indicações de proveniencia, para que se supponham nacionaes, ou em que a nacionalidade se altere, serão apprebendidas; compelindo ao tribunal do commercio ordenar a apprehensão, diligencia que será feita a requerimento da parle interessada, a favor da qual reverte o seu producto (art. 204.°, § unico). Na hypothese especial do art. 204.° — apposição de falsas indicações de proveniencia em mercadorias estrangeiras, depois de importadas — o seu agente incorre, além da responsabilidade de perdas-damnos, em moita de 100$000 réis a 300$000 réis (art. 209.°). 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