O SISTEMA MANDALA DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS

Transcrição

O SISTEMA MANDALA DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS
O SISTEMA MANDALA DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: UMA
ESTRATÉGIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA
FAMILIAR
Renata Knychala Martins
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
[email protected]
Nathália Salgado Silva
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
[email protected]
Maiara Oliveira Fernandes
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
[email protected]
Jaluza Maria Lima Silva Borsato
Universidade Federal de Uberlândia – UFU
[email protected]
Resumo
O presente artigo tem por objetivo analisar como o Sistema Mandala de Produção de Alimentos
pode ser uma estratégia para o desenvolvimento da agricultura familiar. Como metodologia
realizou-se uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa, por meio de um estudo de caso
na Associação dos Mandaleiros de Uberlândia – MG. Os resultados mostraram que o Sistema
Mandala na produção de alimentos em Uberlândia é um projeto inovador, que além de trabalhar
com produção orgânica por meio da agricultura familiar, possibilita às famílias rurais da região
uma melhor condição de vida, do ponto de vista econômico e social.
Palavras-chave: Agricultura Familiar, Sistema Mandala, Desenvolvimento Rural.
Introdução
Segundo Wanderley (2001), a agricultura familiar caracteriza-se por ser uma forma de
produção, na qual, a família, além de ser dona da terra, é responsável pelo trabalho
desenvolvido em sua propriedade. Ela se baseia no cultivo de terras por pequenos
proprietários rurais, sendo que a mão de obra é essencialmente proveniente do núcleo
familiar, ao contrario da agricultura patronal que se utiliza de trabalhadores contratados
em propriedades médias ou grandes.
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A prática da agricultura familiar atualmente encontra inúmeras dificuldades para
manter-se em uma sociedade capitalista, cujos modelos produtivos seguem um padrão,
que muitas vezes, o pequeno proprietário e sua família não possui condições de
acompanhar.
Dentre estas dificuldades estão a falta de regulamentação das pequenas propriedades
rurais, a insuficiência de meios de se produzir e comercializar os produtos cultivados
pelo pequeno produtor, a insuficiência da renda obtida através da comercialização dos
produtos, a falta de instrução dos agricultores com relação ao processo produtivo e
principalmente, a falta de espaço e oportunidade ao pequeno produtor de se manter
dignamente no campo, se mantendo fiel aos princípios herdados da agricultura familiar
(BASTOS, 2010).
Apesar das dificuldades, a partir da década de 1990 aumentou as discussões sobre a
importância social, econômica e cultural da agricultura familiar na sociedade
contemporânea, propiciando um ambiente favorável para o debate da importância
dessas unidades produtivas para a agricultura e para a sociedade.
Segundo a lei brasileira, de número 11.326 de 24 de julho de 2006, agricultor familiar é
aquele que pratica atividades no meio rural, não detenha área maior do que quatro
módulos fiscais predomine mão de obra da própria família, tenha a renda familiar
predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio
estabelecimento, e que a gerencia do empreendimento seja feita pela família.
Este tipo de agricultura é de grande importância para o Brasil, já que cerca de 60% dos
alimentos que os brasileiros consomem são originados por este setor familiar. É possível
verificar a importância da agricultura familiar em setores como a de produção de
mandioca, já que são responsáveis por 87% da produção brasileira, feijão, com 70%,
milho, com 46%, café, 38%, arroz 34%, trigo 21%, e na pecuária, 60% do leite (IBGE,
2006).
Segundo dados do Censo Agropecuário (2006), 84,4% do total de propriedade rurais
brasileiras pertencem a grupos familiares. Aproximadamente 4,4 milhões de unidades
produtivas, sendo que a metade esta na Região Nordeste.
O interesse na agricultura familiar e crescente a partir dos anos de 90. Este interesse foi
materializado na formação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF) e na criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
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Apesar da criação de programas e ministérios voltados para a agricultura familiar, não é
este setor que recebe intensos apoios do Governo Federal, visto que 70% dos incentivos
são destinados para a agricultura patronal.
A agricultura familiar gera mais de 80% da ocupação do setor rural. Ela utiliza-se de
praticas produtivas rurais ecológicas, como o não uso de produtos químicos e a
diversificação de cultivos.
Essa atenção às práticas ecologicamente corretas, segundo Wanderley (2001) mostrou
que o meio rural sempre visto como fonte de problemas, hoje parece como portador de
soluções, vinculadas à melhoria do emprego e da qualidade de vida.
Tendo em vista todos os benefícios que a agricultura família é capaz de fornecer tanto
para o meio ambiente, quando para o desenvolvimento econômico rural, é de se desejar
uma maior relevância por parte do governo para este setor, proporcionando subsídios
financeiros, assistência técnica e na comercialização dos produtos provenientes deste
setor.
O Sistema Mandala é uma forma de produção de alimentos, onde o plantio é feito de
forma circular. Neste sistema de produção, a horta é plantada em círculos concêntricos
que representam a natureza, onde tudo é arredondado. Os plantios em círculos,
diferentes dos desenvolvidos pela agricultura convencional, permitem às plantas se
ajudarem mutuamente, trabalhando com conceitos de cortinas quebra ventos, de plantas
repelentes a insetos, de plantas melíferas e uma série de segredos que a natureza nos
ensina e que também colaboram com a recuperação da biodiversidade e do controle
ecológico de insetos pragas assim como de doenças e plantas invasoras.
É um sistema simples que consiste da produção em vários canteiros em torno de uma
única fonte de água para irrigação, distribuída uniformemente para plantações
diferentes, permitindo um melhor aproveitamento de recursos como a água e o solo. É
possível realizar este método de produção em áreas pequenas, e com poucos recursos,
proporcionando assim a subsistência e até renda de quem o adota, sendo direcionado
para pequenos proprietários ou associações rurais.
De acordo com Ehlers (1994), o Projeto Mandala baseia-se em princípios ecológicos,
como a reciclagem de nutrientes, o reuso da água e a variedade de culturas produzidas.
Assim, o sistema mandala de produção de alimentos está intimamente relacionado com
o desenvolvimento rural da região, sendo considerado um estimulante para a agricultura
familiar.
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Atualmente o desenvolvimento rural sustentável é uma questão bastante discutida,
principalmente relacionado aos recursos naturais que encontram-se em escassez.
Para que haja um desenvolvimento rural é importante inserir novas técnicas que
atualizem os produtores de forma saudável e educativa, e assim entra o projeto mandala,
que possibilita aos pequenos produtores diferentes alternativas de produção de
alimentos, englobando aspectos ecológicos, econômico e social.
Neste contexto o presente estudo tem por objetivo analisar como o Sistema Mandala de
produção de alimentos pode ser uma estratégia para o desenvolvimento da agricultura
familiar em Uberlândia – MG.
Referencial teórico
Agricultura Familiar
De acordo com Wanderley (2001), a agricultura familiar é uma forma de produção, na
qual, a família, além de ser dona da terra, é responsável pelo trabalho desenvolvido em
sua propriedade. Caracteriza-se pela produção em pequenas áreas, em que a família é a
principal mão de obra e a renda familiar tenha origem predominante dessa produção.
No Brasil ela representa a maioria dos pequenos e médios produtores rurais do país,
sendo responsável pelo fornecimento de 60% dos alimentos que os brasileiros
consomem. Percebe-se a importância da agricultura familiar em setores como a de
produção de mandioca, já que são responsáveis por 87% da produção brasileira, feijão,
com 70%, milho, com 46%, café, 38%, arroz 34%, trigo 21%, e na pecuária, 60% do
leite (IBGE, 2006).
Um estudo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura (FAO) e o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em 1994, define a agricultura
familiar baseada em três características: a) a gerência da propriedade rural é feita pela
família; b) o trabalho é desempenhado na sua maior parte pela família; e c) os fatores de
produção pertencem à família (exceção, às vezes, à terra) e são passíveis de sucessão em
caso de falecimento ou aposentadoria dos gerentes.
Uma grande dificuldade da agricultura familiar nos dias de hoje é o modelo de produção
do sistema capitalista. Acontece que, na maioria das vezes, os pequenos e médios
produtores não conseguem se adequar e acompanhar tal ritmo. Outra dificuldade é a
falta de assistência técnica, de regulamentação e meios para comercializar os produtos.
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Segundo Lamarche (1993),em estudo sobre a agricultura familiar, estabelece uma
comparação internacional entre cinco países: França, Canadá, Brasil, Tunísia e Polônia,
no qual ressalta que apesar das dificuldades econômicas e políticas que a exploração
familiar teve de enfrentar, ela está presente em toda parte do mundo, graças a sua
capacidade de adaptação. Desse modo, a agricultura familiar necessita de apoio do
governo e de outras instituições interessadas, conseguindo assim driblar essas
dificuldades.
No Brasil, a afirmação da agricultura familiar no cenário social e político ocorreu
quando o Estado criou o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF) em 1996. O programa surgiu com a finalidade de prover crédito agrícola e
apoio institucional as categorias de pequenos produtores rurais que eram excluídos das
políticas públicas já existentes (SILVA, 2011).
No contexto de políticas públicas para o meio rural brasileiro nas últimas décadas, o
PRONAF foi um dos acontecimentos mais marcantes, pois segundo estudos de
Schneider, Mattei e Cazella (2004), o programa representa o reconhecimento e a
legitimação do Estado, em relação às especificidades de uma nova categoria social dos
agricultores familiares.
Além disso, o PRONAF também visa o fortalecimento da agricultura familiar, mediante
apoio técnico e financeiro, para promover o desenvolvimento rural sustentável.
Segundo Menegetti (2009), o desenvolvimento rural concebido como sinônimo de
modernização teve implicâncias sérias na questão da sustentabilidade, tanto
econômicas, como social e ambiental, dentro da agricultura de um modo geral, e
principalmente, dentro da agricultura familiar. Este conceito de desenvolvimento rural a
partir da modernização foi responsável pela marginalização de muitas famílias de
pequenos agricultores que não conseguiram se inserir nos mercados. Desta forma, este
desenvolvimento rural estruturado sobre o paradigma da modernização dá sinais de que
não é sustentável, e deixa uma série de consequências que fazem repensar o processo de
desenvolvimento rural.
Ainda segundo o autor, por uma questão de justiça social, e porque a organização dos
sistemas produtivos e a lógica econômica da agricultura familiar induzem a uma melhor
gestão dos recursos naturais, esta deve ser fortalecida e tida como base social no
processo de desenvolvimento rural dentro de um novo paradigma, fundamentado na
sustentabilidade socioeconômica, técnica e ambiental.
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Baseado neste novo paradigma, Almeida, Cordeiro e Petersen (1996) elencaram no
Quadro 1, algumas razões pelas quais a agricultura familiar possibilita melhores
condições de sustentabilidade, desde que lhe sejam dadas condições.
Quadro 1 – Razões de a agricultura familiar proporcionar melhores condições de
sustentabilidade
Por ser uma ocupação econômica que combina a exploração familiar e a organização de
profissionais, ela incorpora uma estratégia de equilíbrio entre parâmetros econômicos, sociais e
ambientais;
O funcionamento econômico da agricultura familiar não se fundamenta na maximização da
rentabilidade do capital e na geração de lucro no curto prazo, mas está orientado para o
atendimento das necessidades das famílias e para a manutenção do potencial produtivo da terra,
percebido como um patrimônio;
A propriedade familiar é uma unidade de produção e consumo, por este motivo ela valoriza a
diversidade, os policultivos, criações, distribuídos de forma equilibrada no espaço e no tempo;
A unidade de produção familiar pela sua extensão, pela organização do trabalho, favorece os
cuidados técnico nas operações de manejo, na medida em que é ela que toma as decisões e
também as coloca em prática;
A agricultura familiar mantém uma relação de simbiose com a terra que ela conhece e controla.
Ela valoriza as potencialidades do meio implementando nele suas estratégias de reprodução
econômica.
Dentro da perspectiva ambiental, a agricultura familiar favorece uma maior e melhor
distribuição territorial das atividades de exploração do meio, pela melhor possibilidade de
adaptação e circunscrição das mesmas a unidades ecológicas mais definidas e homogêneas;
A agricultura familiar é portadora de grande eficácia coletiva. Através da pluriatividade ela
encoraja e favorece o planejamento, o desenvolvimento local e a gestão coletiva dos recursos
naturais, sua distribuição eqüitativa e sua administração mais equilibrada e sustentada.
Fonte: Adaptado de Almeida, Cordeiro e Petersen (1996)
A partir destes fatores, percebe-se que a agricultura familiar representa a
democratização do acesso aos recursos naturais, a terra, a água e outros, bem como o
fortalecimento da mesma, é uma necessidade social e um fator de melhor gestão,
conservação dos recursos naturais, além prover uma melhor organização econômica
daquele
ambiente,
sempre
dentro
de
uma
perspectiva
de
sustentabilidade
(MENEGETTI, 2009).
Produção Orgânica de Alimentos
Durante as últimas décadas, a agricultura tem mudado suas características pelo
desenvolvimento de novas tecnologias. Os agricultores, preocupados com o meioambiente, desenvolveram métodos e processos agrícolas seguros e sustentáveis. Os
métodos de cultivo utilizados afetam diretamente a qualidade do solo, o equilíbrio do
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vegetal e a qualidade de vida do homem que dela se alimentam. Há duas formas
distintas de cultivo, chamados de “agricultura convencional” e “agricultura orgânica”,
que se diferenciam pelo rendimento da colheita e o uso de defensivos agrícolas e outros
insumos (LEORO, 2007; IFOAM, 1998).
Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), agricultura
orgânica visa o (a): i) oferta de produtos saudáveis e de elevado valor nutricional,
isentos de qualquer tipo de contaminantes que ponham em risco a saúde do consumidor,
do agricultor e do meio ambiente; ii) preservação e a ampliação da biodiversidade dos
ecossistemas, natural ou transformado, em que se insere o sistema produtivo; iii)
conservação das condições físicas, químicas e biológicas do solo, da água e do ar; iv)
fomento da integração efetiva entre agricultor e consumidor final de produtos orgânicos;
e v) incentivo à regionalização da produção dos produtos orgânicos para os mercados
locais.
O sistema de produção orgânica baseia-se no (a): i) produção de alimentos de boa
qualidade e em quantidade suficiente; ii) interação “sadia” com sistemas e ciclos
naturais; iii) consideração do impacto social e ecológico do sistema de produção e
processamento orgânicos; iv) melhoramento dos ciclos biológicos dentro do sistema de
produção, envolvendo microorganismos, flora, fauna do solo, plantas e animais; v)
desenvolvimento de um ecossistema sustentável; vi) manutenção e aumento da
fertilidade dos solos a longo prazo; vii) manutenção da diversidade genética do sistema
de produção e suas redondezas, incluindo proteção das plantas e habitat selvagem; viii)
promoção do uso apropriado dos recursos hídricos; ix) utilização de recursos renováveis
em sistemas de produção localmente organizados; x) criação de um equilíbrio
harmônico entre agricultura e pecuária; xi) minimização das formas de poluição; e xii)
processamento de produtos orgânicos com a utilização de recursos renováveis e
biodegradáveis (IFOAM, 1998).
Em relação aos alimentos orgânicos, Buainain e Batalha (2007) afirmam que estes são
produtos, de origem animal ou vegetal, livres de agrotóxicos ou qualquer outro tipo de
produto químico. Sendo que o seu cultivo e suas práticas devem ser preservacionistas,
estabelecendo o equilíbrio ecológico do sistema agrícola.
No Brasil, as informações sobre produção da agropecuária orgânica são escassas, e
estão dispersas nas organizações certificadoras, nas associações de agricultores e nas
ONGs, não existindo órgão federal que faça um controle sistemático. Em alguns
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Estados o controle está sendo iniciado por meio das Secretarias Estaduais de
Agricultura, como é o caso do Paraná que há seis anos realiza levantamento anual
(MAPA/ACS, 2009).
Segundo Buainain e Batalha (2007), a produção orgânica utiliza grandes extensões de
área na atividade de pecuária, porém excluindo esta atividade, a agricultura orgânica no
Brasil é uma atividade conduzida por pequenos produtores, de caráter familiar. Por esta
característica, é importante direcionar esforços para que esses empreendimentos tenham
condições de absorver e incorporar as inovações técnicas de produção e gestão
associadas ao modelo de produção familiar. Mesmo que a produção orgânica seja mais
adequada à realidade de sistemas de produção familiares, os custos de conversão e
certificação representam barreira importante para o ingresso de pequenos produtores na
atividade e ainda um entrave para a sua permanência, enquanto produtor, neste setor.
Beltrão (2009) afirma que os agricultores familiares, por necessitarem de diversificação
da produção, têm maior facilidade de adaptação aos princípios da agricultura orgânica,
cujos princípios são: diversificação, integração da propriedade, indução do equilíbrio
ecológico, reciclagem de nutrientes, insumos caseiros, conservação do solo e o controle
de pragas e doenças na maneira ecológica.
Para Campanhola & Valarini (2001). a agricultura orgânica, para o pequeno produtor,
oferece diversas vantagens, destacando-se: a viabilidade em pequenas áreas, o
favorecimento à diversificação produtiva no estabelecimento, a geração de um maior
número de empregos do que a convencional, a menor dependência dos insumos
externos, a eliminação do uso de agrotóxicos, o fato de que os produtos são mais
valorizados e a adoção é mais fácil.
Aroeira e Fernandes (2009) reforçam os argumentos de que para a agricultura familiar a
produção orgânica poderia ser uma boa alternativa. Os argumentos utilizados pelos
autores são a baixa dependência em relação a insumos externos, o maior valor agregado
ao produto, permitindo um aumento da renda para o agricultor, permitindo ainda a
conservação dos recursos naturais. Os autores também apontam para o fato de que uma
das principais vantagens para a agricultura familiar é o fato de que a produção orgânica
demanda grande quantidade de mão de obra, recurso que normalmente é disponível na
propriedade familiar.
Sistema Mandala de Produção de Alimentos
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O Sistema Mandala consiste no consórcio de produção agrícola bastante difundido em
pequenas comunidades rurais, cujo objetivo principal é diversificar as atividades
agrícolas com a finalidade de melhorar o padrão alimentar das famílias e aumentar a
renda através da introdução de tecnologia apropriada de baixo custo de produção
(ABREU et al, 2010).
Foi desenvolvido pelo Dr. Willy Pessoa Rodrigues com o propósito de viabilizar a
produção de alimentos de maneira sustentável em regiões semi-aridas, visando garantir
o sustento das famílias de pequenos produtores, em uma área pequena e com poucos
recursos, conseguindo assim assegurar comida e renda para o agricultor.
O Sistema Mandala ou Projeto Holístico de Produção e Sustentabilidade Ambiental
Mandala é baseado na filosofia indiana, e caracteriza-se por ser um sistema de irrigação
comunitária baseado em canteiros ao redor de uma fonte de água.
Este sistema reproduz a estrutura do Sistema Solar. No centro, representando o sol,
existe um reservatório de água com dimensionamento circular e em forma de funil,
rodeado de nove círculos. Este reservatório, além do fornecimento de água, serve para a
criação de peixes, patos e marrecos, que enriquecem organicamente a água do
reservatório. Trata-se de um processo modular onde, com baixo custo, inicia a produção
no primeiro círculo, e somente quando ele estiver produzindo, inicia o processo nos
outros círculos até chegar ao último.
Os três primeiros círculos são denominados “Círculo de Melhoria da Qualidade de Vida
Ambiental”, e destina-se ao cultivo de hortaliças e plantas medicinais, atendendo às
necessidades de subsistência da família. Os cinco anéis seguintes formam os “Círculos
da Produtividade Econômica”, e se destinam a culturas complementares diversas, como
milho, feijão verde, abóbora e frutíferas, cuja produção em maior escala permite criar
excedente para comercialização, gerando renda para o agricultor. O último anel da
Mandala é denominado “Círculo do Equilíbrio Ambiental” e destina-se à proteção do
sistema, com cercas vivas e quebra-ventos, como forma de melhorar a produtividade e
prover parte da alimentação animal, além da oferta dos nutrientes necessários à
recuperação do solo (ABREU et al, 2010).
Quanto ao controle de pragas, galinhas podem ficar soltas no meio dos canteiros. Elas
ciscam e se alimentam de insetos que atacam as plantas.
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Conforme publicado na Revista Globo Rural, em junho de 2010, em relação ao sistema
Mandala, Willy, um administrador de empresas com formação holística, que estuda o
assunto há 30 anos diz não se trata apenas de abrir buracos no chão e formar canteiros
em volta. "O objetivo é resgatar a dignidade do homem do campo a partir da injeção de
informações e viabilizar a pequena propriedade com soluções simples, de baixo custo".
Segundo Rodrigues (2005), a agricultura baseada na tecnologia de Mandalas tem-se
revelado um excelente meio de geração de emprego e renda na agricultura familiar,
especialmente em assentamentos rurais, com excelentes resultados econômicos,
financeiros e sociais para as comunidades rurais e para a economia do município como
um todo. A Mandala é uma estrutura de produção consorciada de plantas e animais que
garantem a subsistência familiar, além de favorecer a produção de excedentes e a
inserção da família em empreendimentos sociais que consiste num método participativo
para o planejamento e a organização da produção, que se expande em círculos
concêntricos para promover a melhoria da qualidade de vida, da produtividade
econômica e das condições ambientais do campo e das cidades a partir de unidades
rurais de produção familiar
Aspectos metodológicos
Em termos de metodologia, as pesquisas são classificadas em três grandes grupos:
exploratórias, descritivas e causais. De acordo com Selltiz et al (1975), os estudos
formuladores ou exploratórios têm como objetivos de pesquisa a familiarização com o
fenômeno ou conseguir nova compreensão deste, frequentemente para poder criar um
problema mais preciso de pesquisa ou criar novas hipóteses, sendo a principal
acentuação à descoberta de ideias e intuições. Os estudos descritivos são aqueles que
apresentam precisamente as características de uma situação, um grupo ou um indivíduo
específico. Os estudos causais são aqueles que verificam uma hipótese de relação causal
entre variáveis.
Para o desenvolvimento deste estudo realizou-se uma Pesquisa Descritiva com
abordagem qualitativa, utilizando como método de procedimento o estudo de caso em
uma propriedade rural na cidade de Uberlândia.
Para Beuren (2004), na pesquisa qualitativa concebem-se análises mais profundas em
relação ao fenômeno que está sendo estudado. Além disso, abordar um problema
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qualitativamente pode ser uma forma adequada para conhecer a natureza de um
fenômeno social. Este estudo é preferido pelos pesquisadores que desejam aprofundar
seus conhecimentos a respeito de um determinado caso específico.
Para Yin (2005), os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se
colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco
controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.
Análise de resultados
Apresentação do Projeto
O Sistema Mandala de Produção de Alimentos em Uberlândia teve início em 2007. Até
o ano de 2009 o projeto direcionou seus esforços na captação de recursos, sendo a
montagem das Mandalas iniciadas em 2010, quando começou a produzir.
Para o desenvolvimento do projeto, o requisito básico para ter o apoio da prefeitura
local, era que o perfil do produtor enquadrasse nos conceitos da agricultura familiar
regulamentados na Lei 11.326 de 24 de Julho de 2006.
O processo de construção das Mandalas dividiu-se em quatro etapas, sendo que nas três
primeiras fases foram construídas 13 Mandadas em cada uma, e na última fase,
concluída em 2012, foram montadas 7, totalizando 46 Mandalas em todo o processo.
Com este volume de Mandalas, a prefeitura de Uberlândia, visando facilitar a gestão do
processo com 46 Cadastros de Pessoas Físicas (CPF), incentiva a formação da
Associação dos Mandaleiros de Uberlândia, cujas atividades tiveram início em 28 de
maio de 2009, e seu presidente é o Sr. Ismael, proprietário da Fazenda Tangará, objeto
de estudo desta pesquisa.
A Fazenda Tangará é uma propriedade de 15 hectares, e seu proprietário conheceu o
Sistema de Mandala no Nordeste, e quando veio para Uberlândia deparou-se com o
projeto na prefeitura de produção de mandalas na região. Interessado na proposta
vislumbrou na cidade uma oportunidade de investimento, estimulado pelo fato da
cidade e região não ter produção orgânica, e todos os hortigranjeiros serem
convencionais plantados com adubo químico e defensivos agrícolas. Além disso, o
produtor já tinha experiência na área rural com gado e galinhas, e tem uma tradição de
não usar agrotóxicos desde o inicio de sua propriedade.
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Atualmente, com todas as mandalas em plena produção, a sua capacidade produtiva é de
100kg/dia, mas ocorre uma grande variação desse valor para baixo. Essa oscilação
ocorre por fatores adversos como o solo, o clima, época do ano, variedades plantadas
entre outros.
Os mandaleiros de Uberlândia atuam como hortifrutigranjeiros, pois a criação de
animais ainda não iniciada. Os peixes criados são apenas para consumo. Eles trabalham
mais com hortaliças do tipo folhas (90%) e tubérculos (batatinhas, cenouras,
beterrabas), e alguns frutos como jiló, tomate e quiabo. Esta alta produção de hortaliças
folhosas torna-se bastante delicada já que elas são altamente perecíveis.
Os produtos mais rentáveis da produção são a alface, a couve, o cheiro verde e a rúcula.
Antes de iniciar a produção animal, os produtores devem focar realmente nas hortaliças,
pois há ainda muitos fatores a serem vencidos para seus produtos serem diferenciados e
chamativos para as donas de casa, que são seu público alvo.
As expectativas são de que os produtos consigam ser remunerados porque sem um
retorno financeiro há um desanimo generalizado, e o projeto torna se economicamente
inviável.
Resultados do Projeto
O projeto da Associação de Mandaleiros de Uberlândia juntamente com a prefeitura da
cidade, por meio do Sistema Mandala de Produção de Alimentos proporcionou uma
melhor condição de vida para os produtores, além de estimular o desenvolvimento rural
sustentável da região através da agricultura familiar.
A partir do desenvolvimento do projeto, a associação obteve várias conquistas para os
produtores e para a região.
Desde o início do projeto de instalação das mandalas, foi prometida uma banca para a
comercialização dos produtos no Mercado Municipal de Uberlândia, mas por mudanças
nas políticas públicas impossibilitou que isso ocorresse até no ano de 2012, quando os
mandaleiros conseguiram se estabelecer no local, pagando aluguel. Esta conquista,
apesar do pagamento de aluguel do espaço, proporcionou um aumento nas vendas, por
se tratar de um ponto com localização privilegiada na cidade.
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Além da loja no Mercado Municipal, eles também vendem cestas com um mix de
hortaliças para mais ou menos 10 pessoas, e afirmam que a renda proveniente destas
venda, é o que proporciona maior retorno financeiro.
A produção do ponto de vista agronômico é considerada alta, pois produtos orgânicos
são bem mais exigentes do que os convencionais. A área de produção, que não é muito
grande, apenas 15 hectares, produz em torno de 100kg/dia de hortaliças.
Outro ponto positivo do projeto de mandalas em Uberlândia é a produção orgânica.
Atualmente os produtos orgânicos são bem vistos pela população, já que não utiliza
defensivos agrícolas no controle de pragas e doenças. Além disso, o fato de não haver
produção orgânica na região de Uberlândia faz com que o projeto seja inovador e
diferenciado.
Os produtos agrícolas originados dos mandaleiros são vendidos com preços inferiores
ao preço dos produtos convencionais comercializados nas feiras livres da cidade, isso
porque os mandaleiros ainda não tem certificação de produto orgânico. Por um lado isso
é positivo pois os consumidores dão preferência aos produtos orgânicos, especialmente
se esses forem mais baratos do que os convencionais. Por outro lado a falta de
certificação dos produtos orgânicos não dá o valor merecido aos produtos, isto é, os
produtos poderiam ter maior valor agregado com a certificação.
Por ser um processo que depende de fatores ambientais, e por não se utilizar de recursos
alternativos como herbicidas e inseticidas, a produção torna-se mais vulnerável, já que
não se pode controlar a natureza.
O fato de não existir um manual com instruções que auxiliem na produção de orgânicos
dificulta o trabalho, fazendo-se necessário adquirir conhecimentos e estudo sobre o solo,
a região, e das hortaliças por parte do produtor.
Outro fator que dificulta a produção é a falta de apoio técnico, pois não há instituição do
governo de apoio ao produtor rural que seja especialista em agricultura orgânica. Além
disso, este tipo de agricultura na região não é explorado.
Existem outras dificuldades a se enfrentar depois do processo da produção em si, como
a logística, a comercialização e o mercado de vendas devido a concorrência.
A necessidade em termos financeiros é muito grande. Há muita dificuldade, não há
capital para transporte, para processamento mínimo, infra estrutura de higienização e
sanitização, e para aquisição de esterco, pois utiliza se de adubo orgânico que é mais
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caro e não há recursos para investir na compostagem. Isso influencia diretamente na
qualidade de produção.
Do ponto de visa do tripé da sustentabilidade, este sistema atende as necessidades
sociais por envolver os agricultores familiares. A questão ambiental por se tratar de uma
produção orgânica, e fica pendente a questão econômica, para que este tipo de produção
seja capaz de garantir não só a sustentabilidade e a subsistência é necessário também a
geração de lucros para esses pequenos produtores.
Para proporcionar a estes produtores um maior retorno financeiro de sua produção, é
importante investir em cursos de capacitação, voltados para a comunidade e aos
pequenos produtores, em agroecologia como há em outros estados. E também tornar a
banca do mercado mais competitiva a partir de investimentos em divulgação de seus
produtos para a população uberlandense.
Considerações finais
O presente trabalho procurou analisar como o Sistema Mandala de produção de
alimentos pode ser uma estratégia para o desenvolvimento da agricultura familiar em
Uberlândia – MG.
O Projeto Mandalla é um projeto de agricultura sustentável e consiste em desenvolver
na agricultura familiar, o lado social, econômico e ambiental de forma integrada.
Raramente encontram-se projetos que abordem todos estes valores. É um processo
inovador de desenvolvimento sustentável amparado na filosofia de harmonia holística e
sistêmica ambiental. Sugere diversas soluções viáveis e sustentáveis para a diminuição
da miséria, da fome e da exclusão social em nosso país e no mundo.
Em Uberlândia, o projeto do sistema mandala de produção de alimentos, com a parceria
da Associação dos Mandaleiros de Uberlândia e da Prefeitura Municipal, proporcionou
aos produtores rurais uma possibilidade de produção que atendesse as necessidades de
subsistência e com seu excedente gerar retorno financeiro para o sustento de suas
famílias.
Percebem-se também algumas deficiências no projeto de sistema de mandalas, como a
falta de assistência técnica. Como não há um histórico de produção orgânica na região
de Uberlândia, falta apoio do governo nesse quesito, de promover cursos de capacitação
para os produtores, bem como estrutura administrativa, financeira e operacional para
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que os mandaleiros possam competir no mercado. Os agricultores do projeto são de
pequeno porte, o que dificulta a questão financeira. É necessário capital para transporte,
insumos e outros gastos.
Portanto, o sistema mandala de produção de alimentos em Uberlândia é um projeto
inovador, o qual possibilita às famílias rurais uma melhor condição de vida, do ponto de
vista econômico e social.
Referências
ABREU, Y. V.; OLIVEIRA, M. A. G.; GUERRA, S. M. G. Energia, Economia, Rotas
Tecnológicas: Textos Selecionados. Funcionamento do Sistema Mandala, 2010.
Disponível
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