simbolismo
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SIMBOLISMO As experiências literárias de Poe, Whitman, Baudelaire, Lautrèamont, Rimbaud e Mallarmé assinalam na poesia ocidental os pontos de ruptura estética e temática que, somados ou desenvolvidos, motivaram o aparecimento de vários grupos de vanguarda na poesia europeia do início deste século. Com a enorme repercussão de seu simbolismo, Paris se tornou o centro cultural de maior evidência na Europa, refletindo por um lado a euforia de sua “belle époque” [*] e, por outro, o pessimismo decadentista do “fin de siècle”. No meio, como um sistema de equilíbrio, a tendência renascentista, revalorizadora das tradições culturais do latinidade. As ideias filosóficas e sociológicas, bem como o desenvolvimento científico e técnico da época, contribuíram para a inquietação espiritual e intelectual dos escritores, divididos entre as forças negativas do passado e as tendências ordenadoras do futuro, que afinal predominaram, motivando uma pluralidade de investigações em todos os campos da arte e transformando os primeiros anos deste século no laboratório das mais avançadas concepções da arte e da literatura. (Gilberto Mendonça TELES. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro.) Gustave MOREAU (1826-1898). Phaeton. (1877) 1 Odilon REDON (1840-1916). Olhos fechados. (1890) Belle époque Grosso modo, a chamada belle époque, refere-se basicamente ao período europeu compreendido entre 1870 a aproximadamente 1914, enfeixando, sob o ponto de vista literário, à pluralidade de tendências científicas, filosóficas, sociais, comportamentais e de oposição, em literatura, à camisa de força representada pelo Realismo/Naturalismo. Nesse curto período, à exceção da Revolução Russa e contendas de fronteira na Alemanha não houve guerras no continente Europeu. Época de criação de novas arquiteturas estéticas e teorias culturais, publicação de uma série de revistas, panfletos, manifestos fundamentalmente, pelas ideias de Baudelaire, Rimbaud, Verlaine, Mallarmé (esses três últimos chamados de Três Reis Magos da Poética Moderna), Whitman, Poe etc. - Eric Hobsbawm apresenta uma reflexão extremamente rica e importante acerca do período, antes e depois do fim do século XIX: Era dos extremos: o breve século XX: 19141991; A era dos impérios. 1875-1914; Sobre história; A escrita da história: novas perspectivas. Movimento simbolista: características gerais (...) não é menos certo que a nossos olhos humanos, ou seja, aos olhos dessas orgulhosas sombras de seres puros a viver na inconsciência de sua condição ilusória e no animado engodo do espetáculo falacioso das tangibilidades, não é menos certo, dizíamos que a nossos olhos míopes os objetos aparecem quase sempre apenas como objetos, independentemente da sua significação simbólica – a ponto de, por vezes, não podermos imaginálos enquanto signos, apesar de sinceros esforços. (H. B. CHIPP. Teorias da arte moderna.) 2 Se alguma vez eu reencontrar a tensa força e a energia que já possuí algumas vezes, então darei vazão à minha cólera em livros que hão de despertar indignação. Quero que toda a raça humana fique contra mim. Isso me daria um prazer tão grande que me compensaria por tudo. Charles BAUDELAIRE. Lettres à sa mère. Para ter sapatos, ela vendeu a sua alma; Mas o bom Deus riria se, ante infâmia tal, Eu desse de tartufo e macaqueasse o Senhor, Eu que vendo o pensamento e quero ser autor. BAUDELAIRE. Soneto dirigido à musa que pode ser comprada: La muse vénale.# “O típico da poesia de Baudelaire é que as imagens da mulher e da morte se interpenetram numa terceira, a de Paris. A Paris de seus poemas é uma cidade submersa, mais submarina do que subterrânea. Aí estão bem marcados os elementos primevos da cidade – a sua formação topográfica, o antigo leito abandonado do rio Sena. O decisivo em Baudelaire é, no entanto, um substrato social, no ‘idílio fúnebre’ da cidade: o moderno. O moderno é um acento primordial de sua poesia. Com o spleen ele deixa o ideal em pedaços (‘Spleen et idéal’ ). Mas é exatamente o moderno que sempre cita a história primeva. Isso ocorre aí através da ambigüidade inerente às relações e aos eventos sociais da época. Ambigüidade é a imagem visível e aparente da dialética, a lei da dialética em estado de paralisação. Essa paralisia é utópica e, por isso, a imagem dialética é uma quimera, a imagem de um sonho. Tal imagem é presentificada pela mercadoria enquanto fetiche puro e simples. Tal imagem é presentificada pela prostituta, que, em hipostática união, é vendedora e mercadoria”. Walter BENJAMIN. Baudelaire ou as ruas de Paris. Paris, capital do século XX. In: Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985, p.39-40.# Para que falar, se já não podemos mais enganar um ao outro? (August STRINDBERG. Sonho.) 3 (...) ser um outro Espírito para o arrojar na tempestade repregar-lhe a divisão e passar altivo apartado do segredo que guarda invade a cabeça escoa barba submissa direito do homem sem nau não importa onde vã. (Stéphane Retrato de Stéphane Mallarmé. Édouard MANET. MALLARMÉ. Um jogo de dados jamais abolirá o acaso.) (...) só o misticismo poderá salvar nossa sociedade do embrutecimento, do sensualismo e do utilitário. (...) Dentro de cem anos seremos uns brutos cujo único ideal consistirá na cômoda satisfação das funções orgânicas; graças à ciência positiva, voltaremos à animalidade pura e simples. É preciso reagir. É preciso voltar a cultivar em nós as superiores qualidades da alma. (G.-Albert AURIER. Ensaio sobre um novo método de crítica.) Paul GAUGUIN (pintor pós-impressionista 1848-1903). Cristo Amarelo (1889). 4 Ao iniciar uma reflexão acerca do chamado movimento simbolista em arte, é pertinente apresentar algumas considerações preliminares afirmando, de saída, que a partir de 1880 nada mais, em arte, seria tão absoluto e único quanto aparentemente o fora até então. Fosse pelas novas formulações teóricoconceituais em filosofia, em política, em psicologia, nas ciências e sobretudo em artes... fosse pelos movimentos de independência e/ou de criação de novas Repúblicas. Grosso modo (e desconsiderando as produções populares, na maior parte das vezes), até o desenvolvimento do movimento realista pode-se dizer que os movimentos, escolas, tendências artísticas de elite eram praticados de modo relativamente harmônicos, “exarados” que eram pelos países hegemônicos. Isto é, havia uma determinada tendência hegemônica em arte que, com algumas variações, era desenvolvida internacionalmente, buscando, através dos artistas locais, uma repetição obediente, atenta e absolutamente calcada na original. No sentido de esclarecer, desde já, determinadas questões acerca da ideologia, Marilena Chaui referindo-se à ideologia, estabelece alguns parâmetros, fundamentados em teses gramscianas. Evidentemente, no concernente ao conceito, a perspectiva marxista se diferencia da Romântica e da Ilustrada porque sua base central não se alicerça na abstração povo-popular – ainda que seu ponto de vista seja o do povo como plebe explorada, dominada e excluída –, mas no de luta de classes. Entre a exploração econômica e a dominação política, para Marilena Chaui, de acordo com os postulados aqui apresentados: (...) instala-se uma mediação fundamental que permite legitimar e naturalizar as duas primeiras. Essa mediação, Marx designou com o nome de ideologia, produção da universalidade imaginária e da unidade ilusória numa sociedade que pressupõe, põe e repõe as divisões internas das classes. A novidade gramsciana inclui o de cultura como processo social global que constitui a “visão de mundo” de uma sociedade e de uma época, e o conceito de ideologia como sistema de representações, normas e valores da classe dominante que ocultam sua particularidade numa universalidade abstrata. Todavia, o conceito de hegemonia ultrapassa aqueles dois conceitos: ultrapassa o de cultura porque indaga sobre as relações de poder e alcança a origem do fenômeno da obediência e da subordinação: ultrapassa o conceito de ideologia porque envolve todo o processo social vivo percebendo-o como práxis, isto é, as representações, as normas e os valores são práticas sociais e se organizam como e através de práticas sociais dominantes e determinadas. Pode-se dizer que, para Gramsci, a hegemonia é a cultura numa sociedade de classes. Hegemonia não é um “sistema”: é um complexo de experiências, relações e atividades cujos limites estão fixados e interiorizados, mas que, por ser mais do que ideologia, tem capacidade para 5 controlar e produzir mudanças sociais. Numa palavra, é uma práxis e um processo, pois se altera todas as vezes que as condições históricas se transformam, alteração indispensável para que a dominação seja mantida. Como cultura numa sociedade de classes, a hegemonia não é apenas conjunto de representações, nem doutrinação é manipulação. É um corpo de práticas e de expectativas sobre o todo social existente e sobre o todo da existência social: constitui e é constituída pela sociedade sob a forma da subordinação interiorizada e imperceptível. (CHAUI, 1989: 21-22.) De modo mais ou menos consensual, em diferentes períodos da história, os países hegemônicos, por meio do incentivo de seus ideólogos ou por seus artistas apropriavam-se das produções artísticas para recriá-las de acordo com certos interesses, e não apenas estéticos. Mario Pedrosa, em inúmeras oportunidades, referiu-se a este fato. Em um de seus ensaios Arte culta e arte popular (1980: p.22), Pedrosa, um dos maiores críticos de artes plásticas do Brasil, afirma: O mercado de arte é um dos que mais claramente expressam o que significa, na sociedade individualista, o fenômeno da acumulação de capital e o sistema de símbolos de prestígio em que se afirma a luta pelo status nesta sociedade. (...) com o passar do tempo, a arte erudita reivindica para si toda a criatividade humana, convertendo toda obra em arte burguesa – até mesmo as provenientes de sociedades pré-capitalistas (inclusive as que nasceram como “artesanais”) – na medida em que transforma esses objetos em valores de troca. Desenvolvidas por segmentos ou estratos da população ligados à elite, a apropriação de certas manifestações e modos populares de produzir arte, como a commedia dell’arte, por exemplo, a partir de um mesmo modelo esquadrinha e fixa as antigas formas, mais ou menos, de acordo com uma série de interesses: classistas, estéticos, políticos, ideológicos, técnicos irradiando-as para o resto do mundo. Nesse processo de retomada, sobretudo ideológico, com conservação aparente da forma, o objetivo centra-se na cópia do modelo pelos artistas locais nos quais a forma conseguiu chegar. Ainda que com pequenas modificações, medra, nos artistas locais, o modelo-padrão. Não são poucos os historiadores das artes a referirem-se a esse tipo de conduta como manifestação arquetípica de uma tendência do “império do simulacro”. Dessa forma, ao longo de todo o chamado processo civilizador – conceito aqui utilizado de acordo com a definição apresentada por Norbert Elias (1994) –, “sempre houve uma série de artistas, que a despeito de falarem várias línguas e com os mais diferentes costumes, crenças, modos de vida que realizavam, em arte, uma “mesma e única ‘desengonçada (porque fora do lugar)’ coisa”. De 6 excelentes análises sobre esta questão, e aqui priorizando a cultura brasileira, Roberto Schwarz – que cunhou a célebre expressão: “ideias fora do lugar” – apresenta em Nacional por subtração (Que horas são?: ensaios. 1987) excelentes pistas. Outras fontes bastante interessantes podem ser encontradas, também, nas reflexões desenvolvidas por Néstor García Canclini. A socialização da arte; teoria e prática na América Latina. (1980) e em Las culturas populares en el capitalismo. (1982). Apesar de não haver mística nenhuma, a não ser no sentido do barateamento do entendimento – e de modo oposto como defendem ardorosa, vazia e abstratamente os crédulos e fanáticos, por qualquer ordem/força/”coisa” dita transcendental, inexplicável de todos os tempos – em finais de século parecem agudizar-se os vaticínios apocalípticos acerca da vida. Nomeou-se de belle époque ao período que vai da unificação da Alemanha, em 1870, ao início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Essa designação otimista deveu-se ao fato de não ter havido, pelo menos nesse momento, nenhuma guerra na Europa. Apesar de o estado ser de aparente calmaria, Paris foi o epicentro do movimento simbolista. Apresentando contundentes esbarrões aos movimentos realista e naturalista e aos seus cânones, e “de certo modo” à classe que os criara, os simbolistas eivados por certo tédio e descrença com relação ao mundo e suas relações fraturam e condenam a cópia para fazer incondicional apologia ao sonho. Talvez daí, mas naturalmente a partir de Paris, tenha tomado corpo a ideia segundo a qual, nas manifestações eruditas, a arte não tem bandeira. O locus do simbolismo passa a ser o onírico. Há uma intensa, diferenciada e antagônica produção artística em nascimento e/ou em desenvolvimento em fins do século XIX e início do século XX. Nesse contexto, medra uma efervescente e provocativa produção cultural, posteriormente chamada de vanguardista. Os movimentos ligados às chamadas vanguardas históricas, assim como o Simbolismo, tinham como alvo criticar, como já mencionado, o Naturalismo. Desse modo, ao retomar vários dos expedientes do Romantismo na literatura (poesia, sobretudo), nas artes plásticas, em teatro o Simbolismo, lastreado na proposição de l’art pour l’art, prepara um espaço para o caráter enigmático e polissêmico nas artes. Como ocorre em qualquer manifestação artística, mesmo naquelas ligadas à estética hegemônica, realismo/naturalismo encontravam-se em crise, principalmente pelo fato de a crise corresponder àquela do próprio positivismo, que amparava filosoficamente os pressupostos estratégicos, sociais, tecnicistas e racionalistas dos dois movimentos. Concernente a isso, afirma Hauser (s/d: 1059): Os inimigos da República são também, e no mais alto grau, inimigos do 7 racionalismo, do materialismo e do naturalismo; atacam o progresso científico e esperam que um renascimento religioso origine também um renascimento intelectual. Falam da “‘bancarrota da ciência”, do “fim do naturalismo”, da “mecanização da cultura, que sufoca a alma”, mas é à Revolução, à República e ao liberalismo que querem referir-se quando se arrojam contra a pobreza intelectual da época. Ainda a esse respeito, no sentido de aprofundar algumas dessas questões, afirma Eduardo Subirats (1991: 20): O vazio simbólico e vital, a angústia e o niilismo gerados pela civilização técnico-científica lá onde sua ordem racional e instrumental se impôs com maior consistência, colocam – tanto para a arte e arquitetura, como para a reflexão estética e filosófica – exigências novas que sob os paradigmas políticos, estéticos e morais das vanguardas históricas não são solúveis. Certamente, tal perspectiva assume como realidade radical a crise da modernidade, embora no seu sentido mais profundo: o de uma cultura que constantemente gera sua autodissolução e sua reformulação, o de uma negatividade e uma crise que impulsionam sempre à criação de novos valores e à renovação das formas culturais. O conflito do desenvolvimento econômicotecnológico, o sentimento geral de uma ausência de valores vitais na cultura, suscita precisamente aquele impulso de ruptura e inovação que define de maneira essencial a modernidade. Pois a modernidade é a figura de uma cultura crítica que tem que constantemente questionar-se a si mesma: a modernidade só existe como projeto emancipador por aqueles que hoje a negam em sua opressora positividade. Por mais paradoxal que possa parecer, era muito mais interessante ao Estado francês aturar e mesmo controlar um pequeno e “inocente” grupo de artistas de elite, que declarava – com produções difíceis de serem apreendidas mais imediatamente – ser a sociedade decadente. Em tese, outras questões serão ainda apresentadas posteriormente, o conceito decadentismo ligou-se inicialmente àquele referido por Mallarmé que pressentia todas as coisas ligadas a uma abstrata apreensão de queda. O conceito de decadente, entretanto, decola a partir de Longueur (Extensão, Demora) de Paul Verlaine (1844-1896) que afirmava: “Eu sou o Império no fim da decadência.” Após algum tempo, com o estudo de Paul Bourde, Paul Verlaine, Jean Moréas (1856-1910) e Stéphane Mallarmé foram apresentados como poetas decadentes ou decadentistas. [*] 8 DECADENTISMO O termo decadência, normalmente acompanhado e associado ao conceito de “mal de fim de século” perde sua sugestão característica, por meio da conotação que Jean Moreás (Johannes Papadiamantopoulos) lhe dará pela publicação de um manifesto – e, naturalmente influenciado por Nietzsche, que já havia usado pejorativamente o termo: contra a burguesia, o cristianismo e o racionalismo – em 18/09/1866, no Le Figaro, denunciando a tentativa de substituir em poesia a realidade pela ideia. Posteriormente, pela influência de Paul Verlaine, Anatole Baju (de fato Bajut, 1861-1903) fundou um jornal chamado Le Décadent Littéraire et Artistique, publicando na primeira página seu manifesto, fazendo apologia ao conceito aos leitores. Acompanhada à ideia da autodenominação “decadentismo” é preciso que se diga que os artistas pertencentes à esta tendência, acreditavam na arte como um fazer diletantista, a partir de uma atitude essencialmente contemplativa e de gozo hedonista. Dessa forma, e de acordo com as teses defendidas por alguns de seus apologistas, a arte caracterizar-se-ia na única possibilidade de compensação e preenchimento dos desapontamentos da vida (daí a recorrente atitude de esgar e de deformidade). Assim, à luz das “explicações” apresentadas no manifesto, o próprio Moréas proporá a substituição do termo por Simbolismo. A respeito dos cultuadores do sentimento de tédio, mal estar, incomunicabilidade etc, o ensaio de Walter Benjamin. A Paris do Segundo Império, notadamente o flâneur. In: Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985, pp.65-92, é extremamente revelador e estimulante. Ao contestar e ao condenar a sociedade burguesa, as estratégias dos simbolistas são diferenciadas daquelas dos artistas naturalistas. Em tese, os simbolistas negam seu tempo e história e, fora dos discursos, criam obras tantas vezes inacessíveis. Ao contrário disso, não foram poucos os naturalistas a aderir aos ideais socialistas e à luta proletária. Desse modo, o Estado francês preocupava-se muito mais com os naturalistas do que com os simbolistas. Assim, sabendo ou não, os simbolistas, com sua “contestatória estética” acabaram – de modo perverso e indireto, cooptados que foram pela profissão de fé na arte simbólica ou “florestas de símbolos” a atender os interesses do Estado. A expressão floresta de símbolos, criada por Charles Baudelaire, pode ser apreendida pelas imagens mais recorrentes apresentadas em sua obra Correspondências. Dentre essas imagens podem ser destacadas: A natureza é um templo em que vivas pilastras deixam sair às vezes obscuras palavras; o homem a percorre através de florestas de símbolos que o observam com olhares familiares. (...) Há perfumes saudáveis como carnes de crianças, doces como os oboés, verdes como as campinas, 9 - e outros, corrompidos, ricos e triunfantes, tendo a efusão das coisas infinitas, como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso, que cantam os êxtases do espírito e dos sentidos.1 Hugo SIMBERG (artista finlandês, 1873-1917). O anjo ferido (1903); O jardim da morte (1896). Em ambas as obras o trânsito com o inusitado e o improvável. A realização de tais paisagens são possíveis não na realidade empírica, mas no universo dos sonhos. Muito significativo, também, no sentido proposto é o texto de Arthur Rimbaud (1854-1891), Alquimia do verbo, em cujo excerto abaixo apresenta imagens sinestésicas e surpreendentes. Atenção. A história de uma de minhas loucuras. (...) Eu inventei a cor das vogais! – A negro, E branco, I vermelho, O azul, U verde. – Regulei a forma e o movimento de cada consoante, e, com os ritmos instintivos, me vangloriei de inventar um verbo poético acessível, mais cedo ou mais tarde, a todos os sentidos. Eu reservava a tradução. Isto foi de início um estudo. Eu escrevia os silêncios, as noites, amontoava o inexprimível. Fixava as vertigens. Eu me habituei à simples alucinação: via claramente uma mesquita no lugar de uma usina, uma escola de tambores feita por anjos, caleças nas estradas do céu, um salão ao fundo de um lago; monstros, mistérios; um título de comédia levantava pavores diante de mim. Depois expliquei meus sofismas mágicos com a alucinação das palavras! Acabei por achar sagrada a desordem do meu espírito. (...) 1 Apud http://www.nossacasa.net/arte/texto.asp?texto=51 consulta em 07/03/2009, 20h39. 10 Eu amei o deserto, os vergéis queimados, as lojas fechadas, as bebidas tépidas. Eu me arrastava pelos becos fétidos e, com os olhos fechados, me oferecia ao sol, deus de fogo. (...) Eu me tornei uma ópera fabulosa: vi que todos os seres têm um destino de felicidade: a ação não é a vida, mas uma maneira de estragar alguma força, um enervamento. A moral é a fraqueza do cérebro. O Estado francês já mostrara anteriormente sua força ao ter esmagado o movimento conhecido como a Comuna de Paris. Desse modo, a crítica ao Naturalismo era cada vez mais contundente e Émile Zola (1840-1902), o maior promotor e incentivador do movimento, acabou por transformar-se no grande bode expiatório de um contra-movimento de escritores e intelectuais de cultura acadêmica, liderados, ao que tudo indica por críticos como Paul Bourget (1852– 1935): escritor que ao publicar Ensaios de Psicologia Contemporânea (1883) acabou por filiar-se ao grupo intelectual de cultura acadêmica, levando-o a recusar a ideologia e a estética preconizada pelos naturalistas. Aprofundando sua oposição aos cientificistas e reiterando sua apologia à ideologia burguesa escreveu algumas obras substituindo o romance de costumes pelo romance psicológico. Ferdinand Brunitière (1849-1906): considerado como paradigma da crítica aristocrática e conservadora na França e também como um dos mais conservadores críticos que o teatro francês conheceu no século XIX. Ao adotar proposições como graça, nobreza e elevação espiritual, o crítico condenou duramente o impressionismo e, sobretudo, o naturalismo, propondo a exumação de muitas obras e recomendando o “banimento” aos conspurcadores da arte verdadeira. Suas idiossincrasias podem ser acompanhadas em Estudos Críticos (1880-1925). Maurice Barrès (1862-1923): trata-se de um escritor e político francês. Eleito deputado por Nancy, de 1889-91, desenvolveu uma campanha nacionalista e apologética em prol da pátria e de seus mártires. Sua obra literária, paradoxalmente às suas convicções burguesas, é marcada por um espírito individualista e apaixonado e pela necessidade positivista de ordem e disciplina.. A quase totalidade dos artistas franceses do período, e mesmo aqueles que haviam participado intensamente do movimento naturalista em outros tempos (acabaram, também, por diferentes motivos a, naquele momento, “enterrá-lo”), concordava com a exageradíssima tese segundo a qual: O naturalismo, (...) era uma arte indelicada, obscena, a expressão de uma filosofia materialista, insípida, o instrumento de uma propaganda democrática inepta, grosseira, um conjunto de banalidades maçadoras, triviais e vulgares, uma representação da realidade que, ao retratar a sociedade, só se ocupa do 11 que no homem há de animal indomável, esfomeado, indisciplinado, e só se ocupa da desintegração, da dissolução das relações humanas, do enfraquecimento da família, da nação e da religião. (HAUSER, s/d: 1061-2) Muitos outros artistas resistentes – para além dos citados no parágrafo anterior, como Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé, Marcel Proust (1871-1922), pendendo entre o Naturalismo, o Impressionismo e o Simbolismo e muitos outros (digamos franco-atiradores, não ligados a nenhum dos grupos citados) – rotulavam não só os artistas-cientistas-intrusos do período de decadentistas, bem como a sociedade burguesa como um todo. Desse modo, de acordo com os vaticínios destes, propuseram os “resistentes” que os apologistas à sociedade e à arte cientificistas fossem encerrados em seus laboratórios, distantes do que chamavam de “arte verdadeira”, intentada e materializada pela capacidade de sonhar. Verlaine, por exemplo, chamou seus inimigos, em ato de fervor, de “assassinos das preces”. O poeta, artista plástico e crítico Albert Aurier (1865-1892), dentre outras reflexões, apresenta uma análise sobre a teoria simbolista no ensaio incompleto Essai sur une nouvelle méthode critique (1890-3). Na citada obra e em outros espaços afirmou que a arte tinha uma dupla alma e que a única forma possível de entendê-la seria por meio do amor (e não da ciência). Realizá-la, portanto, pressuporia transformar-se em seu amante. Esse mesmo autor – numa atitude rigorosamente escapista [*]– pontificava, ainda, aos seus eventuais detratores que somente o misticismo poderia salvar a humanidade por meio de um abstrato “culto aos valores superiores da alma”: temática recorrente à totalidade dos autores. Em sua crítica, Aurier afirma: (...) sem dúvida, a arte realista, cuja única finalidade é a representação das exterioridades materiais, das aparências sensíveis, constitui uma manifestação estética diferente. De certa forma, ela nos revela, por contragolpe, a alma de quem a faz, porquanto nos mostra as deformações sofridas pelo objeto ao atravessá-lo. Por outro lado, ninguém contesta que o realismo, se por um lado tem sido pretexto para muita fealdade impessoal e banal como a fotografia, por outro lado também tem produzido incontestáveis obras-primas, que brilham no museu de todas as memórias. Mas não é menos indiscutível que, para quem de fato deseja refletir com lealdade, a arte ideísta surge mais pura e elevada – com toda a pureza e elevação que separam a matéria da ideia. (AURIER apud CHIPP, 1996: 85) 12 ESCAPISMO Por escapismo, no contexto que aqui se apresenta, deve-se entender uma atitude neoromântica, significando uma fuga do mundo real e concreto. Tal atitude direcionava para a criação de idealizados e refinados “paraísos artificiais”, cujo locus, naturalmente era aquele do sonho. Os artistas simbolistas contestaram os naturalistas afirmando o tédio de suas teses racionais e cientificistas que os teriam induzido à criação de um facsímile do mundo pretensamente real (simulacro). Dessa forma, em caminho inverso, a arte simbolista – ao recuperar os subjetivismos do último romantismo – teria levado seus artistas a fazer uma apologia incondicional ao anímico, ao incognoscível e aos sonhos. Por meio dessa profissão de fé no inefável, buscavam os simbolistas “exprimir os seres absolutos” medrados, diretamente, do mundo das ideias. De outro modo, pode-se afirmar que essa evocação instaurava o ser absoluto na condição de signos. Nessa perspectiva, não interessava aos artistas ligados ao movimento simbolista retratar os objetos tal e qual eles poderiam ser encontrados na realidade empírica. Interessava e a busca se pautava, fundamentalmente, em evocar os objetos, por intermédio de determinados aspectos que pudessem suscitar os (por ele denominados) estados de alma: fruto do subjetivismo e do subconsciente. Nessa perspectiva, a visão onírica, idealizada e prenhe de simbologia caracterizar-se-ia na única possibilidade a partir da qual a arte poderia ser concebida e/ou alcançada apresentando o oculto (pré-lógico), o transcendente e o inexorável: que corresponderiam aos sentimentos verdadeiros e ideais. Baudelaire, por exemplo, acatando e repetindo Hegel, considerava que o prazer pelo artificial (ou seja, aquilo produzido pelo homem) era infinitamente superior, posto que a natureza era moralmente inferior. Pode-se dizer, então, que por meio de seu entusiasmo pela artificialidade, as obras daí resultantes representaram uma nova abordagem ao escapismo romântico. Por esta senda, Baudelaire afirmava que o mal era espontâneo (natural) e que, ao contrário disso, o bem seria sempre produto da intenção e do propósito construído pelo homem artista. Tendo em vista a necessidade de esclarecimento, com relação ao conceito de símbolo, Hauser (s/d) afirma que o símbolo, representaria a expressão indireta de um significado impossível de dar diretamente, posto ser indefinível e inesgotável. A principal diferença entre símbolo e alegoria no período teria sido apresentada por Mallarmé, que concebia a alegoria como tradução de uma ideia abstrata, em forma de uma imagem concreta. Assim, ao se descobrir a ideia contida por “detrás” da alegoria poder-se-ia lê-la e traduzi-la, posto que a 13 traduzibilidade faria parte de sua constituição. Em oposição à alegoria, o símbolo reuniria a ideia e a imagem em uma unidade indivisível, de modo que a transformação da imagem arrastaria consigo a metamorfose da ideia, posto que o conteúdo de um símbolo não poderia ser traduzido de outra forma. Dentre os vários textos que discutem o símbolo, Hegel (Estética: a arte simbólica) afirma: O símbolo é algo de exterior, um dado direto e que diretamente se dirige à nossa intuição: todavia, este dado não pode ser considerado e aceite tal como existe realmente, para si mesmo, mas num sentido muito mais vasto e geral. É, assim, preciso distinguir no símbolo o sentido e a expressão. Aquele referese a uma representação ou um objeto qualquer que seja o seu conteúdo; esta constitui uma existência sensível ou uma imagem qualquer. Antes de tudo, o símbolo é um sinal. Mas na sua simples presença, o laço que existe entre o sentido e a expressão é puramente arbitrário. Esta expressão que aqui temos, esta imagem, esta coisa sensível representa tão pouco por si mesma que desperta em nós a ideia de um conteúdo que lhe é completamente alheio, com o qual ela não tem, para falar com propriedade, nada de comum. (...) A arte implica, pelo contrário, uma relação, um parentesco, uma interpenetração concreta de significação e de forma. (HEGEL, s/d: 16) Nesse sentido, Baudelaire, antecessor mais notável da poesia simbolista e o criador da lírica moderna em geral, foi o paradigma e condutor de um grupo de artistas que regressou a alguns dos expedientes do Romantismo (metáfora como célula primal e repúdio a toda poesia anterior). O poeta francês concilia o novo misticismo à velha devoção fanática pela arte de élite, por intermédio da utilização, ao paroxismo, de símbolos. Nesse estado, o movimento, pode-se afirmar, caracterizou-se por uma busca, posto que a arte seria sua própria realidade, não refletindo nada. Em consonância às ideias dos impressionistas, pode-se entender que para os simbolistas, a realidade não era um estado, mas um processo e não podia ser concebida como um ser, mas como um devir. Nesse sentido, Mallarmé afirma: “o simbolista não deve retratar o objeto, mas o efeito que este produz.” Maria Sílvia Betti (2004), tomando algumas teses de Raymond Williams lembra que o simbolismo reforça a ideia de que é um plano transcendental que determina e organiza a existência humana, e não a forma concreta de sobrevivência do homem dentro da sociedade e do trabalho. Com isso, o simbolismo, a despeito de seu inegável fôlego inovador no que diz respeito ás técnicas de concepção e caracterização, aponta para uma visão de mundo 14 identificada aos setores mais conservadores e menos interessados na transformação social. Obras de Alphonse OSBERT. A musa ao nascer do sol, 1918. Embaixo, Ao cair do sol, 1894. 15 Movimentos d’alma: desenvolvimento do Simbolismo (...) embora o movimento fosse explicavelmente antiburguês, em sentido geral quanto formal, era também, em nível mais profundo, o auge da mais fraca tendência da época burguesa: a almejada estabilização, em novo tipo de abstração da sociedade e da história, do mistério dos processos humanos em geral: mistério agora, finalmente, localizado – e eis aí seu caráter burguês, em oposição às formas metafísicas anteriores – dentro do indivíduo. Raymond Williams. Cultura. Não gostamos nem da arte nem dos artistas... ignoramos Mallarmé, sem ódio, mas ele está morto. Não conhecemos mais Apollinaire - PORQUE - desconfiamos que faz arte com grande conhecimento de causa, conserta o romantismo com fio telefônico e não conhece dínamos. Os ASTROS ainda desligados! – é enfadonho e depois às vezes eles não falam sério! Um homem que crê é curioso. MAS VISTO QUE ALGUNS NASCERAM CABOTINOS... Jacques VACHÉ. Lettres de guerre. Apud Maurice NADEAU. História do surrealismo. Apollinaire, em 1914. O verbete Simbolismo, no Dicionário de teatro de Luiz Paulo de Vasconcellos, apresenta a seguinte definição: Movimento artístico e literário ocorrido na França no fim do século XIX. Seu principal precursor foi Charles Baudelaire (1821-1867), com a publicação, em 1857, de Fleurs du mal. Inicialmente, os adeptos do novo movimento, foram chamados de “decadentes”. A origem desse nome está na crença de seus participantes de que todas as instituições da sociedade se encontravam em estado de decadência. A tônica do movimento é o tédio e o pessimismo, embora a diretriz estética seja uma reação ao fac-similar do NATURALISMO. Esta reação se expressa na ênfase dada ao subjetivismo, ao subconsciente e às imagens pré-lógicas que existem nos sonhos e nas alucinações. A representação desse universo onírico e atormentado só se faz possível através do uso de uma simbologia complexa, capaz de traduzir a 16 espiritualidade e o misticismo do movimento. Patrice Pavis (1999: 360-1), item número 4, do verbete Símbolo, afirma: Um movimento literário, no final do século XIX, o simbolismo, generalizou a noção de símbolo fazendo dele o código da realidade; ele procura “vestir a ideia de uma forma sensível” (Jean Moréas). Autores (...) servem-se de símbolos para inventar uma linguagem que se basta a si mesma. Esta estética ainda se encontra hoje naquilo que B. DORT chama de representação simbolista: “A tentativa de constituir, no palco, um universo (fechado ou aberto) que tome alguns elementos emprestados da realidade aparente mas que, por intermédio do ator, remeta o espectador a uma realidade outra que este deve descobrir”. Os simbolistas defendiam a tese de criação de um “teatro da mente”. De certo modo, tal proposição dava conta de que o texto teatral teria sua concretude ao ser lido. Representá-lo seria menos importante, portanto. Para muitos dos autores inseridos no movimento, o texto teatral funcionaria como um pretexto para sonhar! O texto escrito, ao ser lido, intentaria muito mais a imaginação do leitor. Por meio das palavras, o leitor construiria todas as paisagens, tanto geográficas como humanas. Decorrente dessa nem tanta novidade (para Aristóteles a parte menos importante da tragédia era o espetáculo: opsis), e dos inúmeros enigmas constitutivos das obras escritas, era necessário surgir novos expedientes para viabilizar a encenação. À luz de novos desafios, a encenação naturalista sofreu um processo radical de ruptura, fundamentalmente porque a estrutura dramatúrgica clássica que lhe dava sustentação, fundamentada no reprodutivismo da realidade empírica. As experimentações simbolistas, segundo interessante expressão, deram início a um processo conhecido como “desdramatização”. De modo esquemático, tal conceito diz respeito à supressão do embate de vontades que caracterizaria o elemento fundamental do gênero que é o conflito. De acordo com a teoria teatral hegemônica, o conflito é considerado como a “essência” do drama. Dessa forma, a noção de curva dramática apresentada por Hegel em sua poética acabou por ser questionada pela própria cultura e concepção de elite. A respeito dessa discussão, dentre outros autores Anatol Rosenfeld (O teatro épico) e Peter Szondi (Teoria do drama moderno – 1850-1950) apresentam excelentes e esclarecedoras reflexões. Dessa forma, aos artistas do movimento interessava a criação de ATMOSFERAS e de CLIMAS, a partir dos quais os espectadores e/ou fruidores passariam, no chamado processo de recepção, a ter a função de decodificar a obra, cujo “caráter” preponderante seria o de obra polissêmica. Tal princípio foi 17 defendido por um dos representantes do movimento Théodore de Banville (18231891), sendo que sua peça mais ambiciosa foi O ferreiro (Le forgeron – 1887). Banville, defensor empedernido da arte pela arte, escreve em 1857 Odes funambulescas, com a qual tenta demonstrar a tese segundo a qual a criação poética deveria aglutinar e conciliar os conceitos de poesia e artifício, que acabou por levá-lo a ser chamado de “acrobata do verso”. Em 1872 escreve Pequeno tratado de versificação francesa. Segundo as ideias de Banville, o teatro seria tanto para o público como para o sujeito solitário. Este último, nessa concepção o teatro subordinar-se-ia à ideia wagneriana, sustentada por aquela de Schopenhauer, segundo a qual a obra dirigir-se-ia aos movimentos interiores da alma. A estética simbolista inicia-se com Mallarmé, também conhecido como “príncipe dos poetas”, um dos maiores artistas do movimento que, dentre outras ideias, sonhava com a criação de um teatro soberba (e não paradoxalmente) realista, no concernente à capacidade do fantasiar humano, representando por excelência pelo espaço anímico. Dessa forma, o poeta elogiou um conceito em voga no período de “espetáculo numa poltrona”, sendo suas principais ideias acerca desse e outros pontos de vista podem ser encontrados em duas fontes: Revue Indepéndante (1886-87) e no Le livre. Segundo a crítica especializada, o autor – para ele a poesia era a anunciação de todas as imagens suspensas oscilantes e em constante processo de evanescência – criou e recriou sempre a partir de um determinado conjunto de ideias. Acreditava e defendia o poeta, que nomear um objeto representava destruir três quartos do prazer existente no adivinhar gradual da sua verdadeira natureza. Assim, a “evocação da realidade” representava a evocação como ideia, e esta seria sempre um símbolo. A “evocação da realidade” pode ser encontrada em obras como Parnaso contemporâneo. Por meio de uma sintaxe insólita Mallarmé criou: A tarde de um fauno, Túmulo de Edgar Poe e Um lance de dados jamais abolirá o acaso. Além desses livros de poemas, tem suas obras em prosa publicadas no livro Divagações, de 1897. Muitas das ideias preconizadas por Mallarmé aprofundadas por meio de muitos de seus “discípulos”. acabaram por ser De todos os seus neófitos, o mais conhecido foi Charles Morice (1861-1919), que escreveu La littérature de tout à l’heure (A literatura de daqui a pouco), publicada em 1889. Nesta obra, segundo a crítica especializada, Morice defende ser difícil ater-se e desenvolver as remotas e genéricas ideias wagnerianas, segundo as quais o teatro deveria ser concebido “como templo para os ritos da religião”. Os outros discípulos de Mallarmé encontravam-se divididos em dois grupos, defendendo 18 ideias opostas de uma estética simbolista no teatro, mas fundamentados no princípio de que seria necessário conciliar o componente físico da representação teatral com a visão abstrata do poeta. O primeiro desses grupos, liderado por Saint–Pol Roux (1861-1940), autodenominava-se IDEORREALISTAS (combinação de aspectos do realismo com o idealismo). O segundo grupo, liderado por Camile Mauclair (1872-1945), tentou impor sua concepção ou visão simbolista em março de 1892, por meio da Revue Indépendante de Littérature et d’Art, com o ensaio Notes sur en essai de dramaturgie symbolique. Nessa obra, Mauclair apresentou uma nova definição do drama que, para ele, seria dividido a partir de três concepções, sendo: a primeira como a visão mais moderna do ponto de vista psicológico – o teatro positivista de Henri Becque e Jean Jullien; a segunda o teatro metafísico de Maurice Maeterlinck, considerado pelo autor como mais filosófico do que dramático; e, o terceiro que concebia o drama predestinado a criar “entidades filosóficas intelectuais”, com personagens sobre-humanas num cenário emocional e sensual. Esta última concepção, bastante abstrata em sua formulação, requereria atitudes inusitadas para o cenário e para as personagens, cujas protagonistas representariam “encarnações das ideias”, premido, portanto, pela alegoria ou pelo símbolo; quanto às secundárias – à semelhança do Coro grego – deveriam ser concebidas de modo realista, posto que sua função seria de ajudar o público a entender o texto. Com relação ao cenário, por exemplo, para muitos dos artistas inseridos no movimento, o espaço não deveria ser vazio, mas, isso sim, evitar todos os detalhes específicos. Nessa perspectiva, e de acordo com a percepção desses artistas, uma simples sombra verde daria uma melhor impressão do que papelões (telões) pintados imitando florestas. Em tese, a concepção teatral dessa segunda tendência ou grupo, preconizava um idealizado teatro estático, altamente abstrato e semelhante a um transe, transformando-se: “(...) em espaço de jogo ou de sonho, o cenário simbolista propõe uma nova concepção da COR (...) ela assume agora uma função simbólica.” (ROUBINE, 1982: 32) Nessa perspectiva, nada deveria neste teatro ter uma função decorativa, posto que todos os elementos deveriam confluir para criar uma visão: - diretamente ligada àquilo que eles qualificavam/denominavam como sendo a alma; - sublinhar um determinado efeito: normalmente de ordem metafísica; - evocar, de todos os modos, o intraduzível, o imprevisível, o onírico. Stanislavski, em sendo um homem-artista de seu tempo, apropriou-se de 19 muitas das sugestões propugnadas pelos simbolistas, sobretudo a aludida criação de atmosferas que pudessem induzir os espectadores a penetrar nos ambientes, através da evocação imaginativa. Assim, o diretor, em muitas de suas encenações, criava de modo perfeccionista, ruídos característicos, índices exteriores no sentido de remeter e envolver organicamente os espectadores para o além da peça (ou para o contexto emocional do locus da obra). Desenvolvimento das ideias simbolistas e o surgimento da reteatralização do teatro Os fundamentos teóricos do esteticismo moderno, como filosofia da atitude absolutamente passiva, contemplativa, perante a vida, podem filiar-se em Schopenhauer, que define arte como a emancipação da escravidão imposta pelo querer, o sedativo que reduz ao silêncio os apetites e as paixões. A filosofia do esteticismo julga e avalia toda a vida do ponto de vista desta arte, liberta de querer e de paixão. O seu ideal é um público inteiramente constituído por artistas reais ou potenciais, de naturezas artísticas para quem a realidade é apenas o substrato da experiência estética. Considera o mundo civilizado como o estúdio de um grande artista, e o próprio artista o melhor perito em arte. (...) Tudo o que é simples e claro, instintivo e sem requinte perde o seu valor; a capacidade de percepção, o intelectualismo e o que há de não-natural na cultura, eis o que se busca com fervor. Arnold HAUSER. História social da literatura e da arte. Toda obra-prima é um símbolo, e o símbolo nunca pode suportar a presença ativa de um homem. M. MAETERLINCK. Apud M. CARLSON. Teorias do teatro. A arte não é criada para o povo. Ela é essencialmente complexa, composta de matizes, enquanto o povo só aprecia as mais diretas, claras e simples representações da vida. (...) [O drama para o povo] apenas um meio de propaganda de idéias chamadas filantrópicas ou dos interesses dos políticos [em suma], apenas uma paródia da arte. Georges RODENBACH. Figaro de 17/09/1896. Apud M. CARLSON. Teorias do teatro. Appia, G. Craig, Meyerhold, Tairov e tantos outros, foram os paladinos dessa exigência de reforma; todos eles se inspiravam no que se convencionou chamar de teatro teatral. Os novos ideais fazem vacilar as próprias bases do realismo. O que esses autores combatem é precisamente a ideia de ilusão cênica, tudo aquilo que pretende fazer do palco a própria realidade; lutar por um teatro teatral é lutar por algo que aceita o teatro por aquilo que ele é: teatro. É verdade que os reformadores defendem as suas ideias com um ardor nem sempre isento de contradições, com uma radicalidade que se pretende 20 total, mas que descamba às vezes para a utopia; de qualquer forma, o seu denominador comum é o ideal da “reteatralização” do teatro. Gerd BORNHEIM. O sentido e a máscara. Anna Balakian afirma que nas histórias do movimento simbolista pouca atenção foi (é) dada ao teatro que dele se originou. Lembra a pesquisadora, ainda, que a despeito de haver alguns estudos interessantes a respeito de LugnéPoe e alguns outros; do ponto de vista teatral, o que, de fato, a autora se ressente liga-se à ausência de estudos com relação à dramaturgia simbolista e à sua poética. Desse modo, afirma Balakian essa produção precisa ser considerada como precursora dos movimentos de vanguarda, cuja poesia, bastante sinestésica intentaria interesse sobretudo em: “(...) determinar em que extensão ele [o movimento] conseguiu se desviar da convenção dramática a fim de dirigir o teatro para novos campos, nos quais o artista dramático da metade do século XX está mais apto a florescer.” (BALAKIAN, 1985: 99) Afirma, ainda, Anna Balakian que: As mutações que o simbolismo realizou na escritura do verso nada são, com efeito, quando comparadas aos assaltos feitos à forma dramática. (...) porque na verdade existe um certo anulamento do ator exigido pelo dramaturgopoeta, que está em todas as suas personagens e está procurando um médium em vez de um intérprete. (...) Aqui está, pois, “o primeiro defeito” do teatro simbolista: nenhuma caracterização e nenhuma oportunidade de interpretação. (BALAKIAN, 1985: 99) Em 1890, Paul FORT (1872-1960), opondo-se fortemente às ideias de André Antoine e à produção desenvolvida no Théâtre Libre, funda o Théâtre de l’Art, convidando os poetas simbolistas franceses e, especificamente, Aurelian LugnéPoe (1869-1940) – um dos atores do Théâtre Libre – para incorporar-se ao elenco do novo grupo. Segundo Paul Blanchard (s/d) Lugné-Poe atuou na primeira peça montada pelo novo teatro A intrusa, posteriormente, em Os cegos e Pelléas e Mélisande, todas de Maurice Maeterlinck. Inicialmente, os artistas reunidos em torno de Fort (que defendia a tese de criação de um teatro que funcionasse como tribuna para os simbolistas e) para quem era preciso: “purificar o ambiente de mau cheiro que emanava das autênticas peças de carne no palco do Teatro Livre”, formaram um movimento de arte impressionista, como necessidade de oposição ao Naturalismo, preconizando a necessidade do retorno do subjetivismo em arte. Apesar de o movimento não ter surgido com o drama, o grupo inicia suas atividades “teorizando” acerca da necessidade, também, de um “teatro do sonho” ou de um “teatro da alma”. Essas 21 proposições idealizadas em teatro alicerçavam-se no princípio de uma dramaturgia/encenação deveria ter como mote não o conflito humano (segundo os padrões postos desde, principalmente, Hegel), mas um idealizado e abstrato, por eles denominado, “conflito da alma”. Em algumas fontes encontra-se a informação de que o movimento teria prosperado quando o dramaturgo prosperou Jules Renard (1864-1910) apresentou Paul Fort a inúmeros intelectuais e artistas do movimento que se interessaram pelas ideias apresentadas pelo jovem artista. O espetáculo de estreia foi Fausto de Christopher Marlowe (1564-1593), em 18/11/1890. Sem sede fixa, por iniciativa de Fort, o grupo montou vários espetáculos, todos eles contando, também, com o trabalho de artistas plásticos, simpatizantes do movimento. Gaston Baty afirma a respeito de Fort: Por ser ele próprio essencialmente poeta e trabalhar com poetas, pôde considerar-se o salvador de dois naufrágios: o da poesia e o da palavra. Paul Fort resgatou-as com coragem e decisão, à custa do movimento e do jogo cênico, que desapareciam sob a influência das palavras, das rimas, dos ritmos e das melodias poéticas. (BATY apud REDONDOJr., s/d: 69-70) O teatro fundado por Fort troca seu nome para Théâtre de l’Oeuvre, em 1893, e estreia em 22/05/1893 Pelleas et Melisande de Maeterlinck. A partir dessa data o teatro passa a ser dirigido por Lugné-Poe até 1914, que consegue montar mais de cem espetáculos. Com ideias próprias e mais imaginativas – Lugné-Poe transformou o novo espaço, definitivamente, no templo do teatro simbolista. Além disso, o diretor abriu as portas do novo teatro aos dramaturgos estrangeiros e às obras que desde então foram chamadas de obras de avant-garde. Em tese, quando da criação do novo espaço, Lugné-Poe afirmou que o teatro teria dois objetivos, sendo que o primeiro deles ratificava os pensamentos de Mauclair, com relação ao texto: “lutar, criar a partir das correntes de ideias, de controvérsias, rebelar-se contra a inércia dos espíritos que tendem a ser um pouquinho delicados, fazer uso da nossa juventude não mais para desculpar experiências, mas para viver violenta e apaixonadamente por meio de nossas obras.” (POE apud CARLSON, 1997: 284) O segundo dos objetivos – tendo presente que Poe deplorava as ideias de Zola –, bastante influenciado por Appia, preconizava, a criação de um teatro protagonizado por figuras-sombras, maiores do que o modelo humano, assemelhadas a marionetes em espetáculos pantomímicos e macabros, próximos às imagéticas criadas pelos contos de fadas. Apesar das tentativas, Lugné-Poe não conseguiu realizar seus intentos, mas acabou por montar espetáculos de Ibsen. Segundo algumas fontes, dentre as quais a já citada obra de Marvin Carlson, por intermédio das montagens de 22 Lugné-Poe, Ibsen acaba por entrar na moda. Além disso, o diretor montou também Gorki e novos autores. Dentre esses novos autores, podem ser citados: a dramaturgia nacionalista de Gabriele D’Annunzio (1868-1938); a dramaturgia do desespero, de apologia ao horror, carregada de alegorias fantásticas e abstratas de Leonid Andreiev (1871-1919); a dramaturgia de sugestões e de atmosfera e de imaginação intensa de Maurice Maeterlinck. O autor, em seus “cuidados e zelos" característicos sugeria a substituição do ator por figuras de cera esculpidas, marionetes ou sombras. Recomendava, ainda, o uso de máscaras para substituir o rosto do ator vivo. Estas e outras ideias do dramaturgo foram apresentadas no ensaio: Le tragique cotidien, em que, mais especificamente, no capítulo Le trésor des humbles (Tesouro dos humildes) defende a criação de um tipo de drama estático de ação e reflexão internas. Conclui o autor, que a vida interna do ser só poderia ser apresentada por meio de palavras e não de ações. Além desses autores, considerados mais significativos (por parte da crítica), foram montados, também, textos de William Butler Yeats, Oscar Wilde, Villiers de L’Isle Adam etc. Para se ter idéia do processo de experimentação e de “movimento desarmônico da produção artística” francesa do período, basta que se diga que, em 1897, é levada à cena a obra atípica (posto que fora de todas as tendências e padrões do momento histórico) de Edmond de Rostand (1868-1918): escrita em verso e apresentando como protagonista, um mosqueteiro – soldado e poeta galante que viveu na França do século XVII – chamado, Cyrano de Bergerac. A obra estreia no Théâtre de la Porte Saint-Martin, em Paris, e acaba por se transformar em um dos maiores sucessos teatrais franceses de todos os tempos. Vale destacar, ainda, que esse é um período em que, de modo relativamente harmonioso, convivem, por exemplo: - o Impressionismo em pintura, cujo nome foi dado em decorrência da obra homônima de Claude Monet – exposto em 1874 – “Impression au soleil levant”; - novas concepções em dança criadas por Isadora Duncan, que criava a chamada “dança livre”; - as esculturas de Rodin, que esculpia suas amantes no branco do mármore; - período de Proust, Baudelaire, Rilke que escreviam, “esgrimindo” palavras, a memória, as imagens dos sonhos e dos pesadelos; - as novas proposições cenográficas que questionavam e, contraditoriamente, apostavam na ideia de um “teatro total”; - a (futura) dança de Nijinski, que incorporaria Mallarmé e Debussy... Trata-se, enfim, de um período extremamente rico, sobretudo, no que concerne à experimentação e à quebra do conceito-prática de um movimento único, mobilizando todos os artistas. 23 Um dos companheiros de viagem de Lugné-Poe, em suas experimentações, foi um dos mestres da chamada antiliteratura – considerado precursor do teatro surrealista e, também, do absurdo – Alfred Jarry (1873-1907). Jarry foi um dos críticos mais contundentes do Naturalismo – para quem esse movimento não passava de um empobrecido-empobrecedor simulacro – tendo sua obra mais importante estreada no Théâtre de l’Oeuvre, Ubu rei, em 10/12/1896. Esta obra apresenta uma crítica impiedosa ao burguês, que é apresentado como um selvagem, idiota e poltrão. A partir da criação da personagem Ubu, Jarry – com atitudes que buscavam sempre chocar e provocar o gosto mais conformado da burguesia – acaba criando o conceito de patafísica: que corresponderia a uma “ciência – bem humorada e repleta de non-sense – das soluções anárquicas e imaginativas”. Oposta, portanto, ao Naturalismo, Ubu rei, segundo o autor, contrapunha-se ao hipócrita e construído comportamento burguês. Além de Ubu rei, o autor escreveu: César anticristo, 1895; Ubu acorrentado, 1900; Ubu cornudo, 1901 (numa clara e paródica alusão à trilogia de Prometeu; ou: Prometeu porta fogo, Prometeu acorrentado e Prometeu libertado e da qual só se conhece a segunda delas); o romance Supermacho (paródia do conceito de super-homem de Nietzsche), 1902; crônicas burlescas Gestos e opiniões do Dr. Faustroll, patafísico (paródia do mito de Fausto) 1898, publicadas até 1911 etc. Além desta intensa produção (o autor morreu jovem), Jarry foi, também, um dos colaboradores do Mercure de France. Apesar de a experiência ter sido relativamente curta, Lugné-Poe – sem espaço fixo, montou de 1893 a 1914 mais de duzentas obras (trata-se de um número absolutamente significativo), muitas delas para serem apresentadas em numerosas viagens feitas pelo grupo –, construiu muitas de suas encenações fundamentadas nas teses apresentadas por Appia. Por intermédio de suas obras, Lugné-Poe conseguiu, por intermédio de seus espetáculos, impressionar e influenciar inúmeros encenadores contemporâneos, dentre eles, especialmente, E. Gordon Craig, na Inglaterra e William Butler Yeats, na Irlanda. Paul Blanchard (1985) afirma que Lugné-Poe adiantou-se a Max Reinhardt (1873-1943) e Firmin Gémier (1869-1933) montando em um circo Medida por medida, de Shakespeare, em 1898. Quando da montagem de Solness, o construtor de Ibsen, com cenários criados por Edouard Vuillard (1868-1940) teria provocado grandes protestos do público pela utilização de um trampolim de plano inclinado sobre cavaletes. Precursores da encenação moderna Um aforismo dos mais perigosos induziu-nos e continua a induzir-nos em erro. Homens dignos de fé afirmaram-nos que a arte dramática era a reunião 24 harmoniosa de todas as artes; e que, se ainda não foi possível conseguir-se, deveria tender para a criação, no futuro, da obra de arte integral. Chamaram, até, provisoriamente a esta arte: a obra de arte do futuro. Adolphe APPIA. A obra de arte viva. Adolphe Appia(1862-1928) Algumas das características básicas para existência e desenvolvimento do espetáculo simbolista muito deverá e/ou será viabilizada por meio de uma publicação apresentando, com detalhes, as teorias de Adolphe APPIA. Trata-se de La mise en scène du drame wagnérien (A encenação do drama wagneriano,1895) – que foi traduzida em 1899 para o alemão chamando-se Die musik und die insceniering – nesta obra o autor defende a tese de que cada drama determinaria seu próprio cenário e que ele deveria brotar da própria obra e não da convenção ou da realidade externa. Além disso, Appia (que tinha, então, profunda admiração por Richard Wagner), afirma que o cenário ideal de uma obra seria aquele CONDICIONADO pela música. Segundo Appia, depois do ator, a música seria o elemento mais importante da encenação, tendo a sua “pintura” definida pela iluminação, concebida como o elemento mediador do espetáculo. Nesta perspectiva, ambas, a música e a iluminação, deveriam destacar o ator (a base do teatro) – que a despeito de sua importância capital, também –, faria parte da Partitur (Partitura) colocado em um espaço neutro, tridimensional e capaz de “agigantá-lo” e destacá-lo no cenário. A ênfase à música, dada por Appia, parece ter como matriz o pensamento de Arthur Schopenhauer (1788-1860), segundo o qual: “A música em e por si mesma nunca expressa os fenômenos, mas apenas a essência íntima do fenômeno” e, também, em Friedrich Schiller (1723-1796), para quem: “(...) quando a música alcança seu poder mais nobre, converte-se em forma”. (SCHILLER apud CARLSON, 1997: 287) Nessa perspectiva, o aprofundamento de suas teorias, esboçadas na obra supracitada, foram aprofundadas através de A obra de arte viva, publicada em 1921, em que esse chamado renovador da cena moderna aprofunda muitas de suas teses com relação ao trabalho de encenação. A partir desta publicação, Appia apresentou, também, uma série de esboços e desenhos de concepções para a montagem de espetáculos – em que as figuras geométricas dominam o cenário – centrando-se fundamentalmente na questão da tridimensionalidade. Nesse sentido, o ator que continuaria a ser o elemento mais importante do teatro deveria ser percebido a partir de um novo enquadramento, considerando-se que ele tinha volume e possuir tridimensionalidade. Dessa forma, em A obra de arte 25 viva Appia estabeleceu uma série de reflexões tentando demonstrar esse propósito ou essa nova tese. O primeiro aspecto a ser destacado por Appia dizia respeito, portanto, ao corpo do ator, assim afirma o autor: O corpo, vivo e móvel, do ator é o representante do movimento no espaço. O seu papel, portanto, é capital. Sem texto (com ou sem música) a arte dramática deixa de existir; o ator é o portador do texto; sem movimento, as outras artes não podem tomar parte na ação. Numa das mãos, o ator apodera-se do texto; na outra, detém, como um feixe, as artes do espaço; depois reúne, irresistivelmente as duas mãos e cria, pelo movimento, a obra de arte integral. O corpo vivo é, assim, o criador dessa arte e detém o segredo das relações hierárquicas que unem os diversos fatores, pois é ele que está à cabeça. É do corpo, plástico e vivo, que devemos partir para voltar a cada uma das nossas artes e determinar o seu lugar na arte dramática. O corpo não é apenas móvel: é plástico também. Essa plasticidade coloca-o em relação direta com a arquitetura e aproxima-o da forma escultural, sem poder, no entanto, identificar-se com ela, porque é móvel. (...) Diante de um raio de luz, de uma sombra, pintados, o corpo plástico conserva-se na sua própria atmosfera, nas suas próprias luz e sombra. (APPIA, s/d: 31-2 ) (...) o corpo humano vivo se desfaz do acidente da personalidade e torna-se puramente um instrumento para a expressão. (CARLSON, 1997: 287) Cenário desenhado em 1892 por Appia para A Valkíria. À direita pode-se perceber a importância da luz, os planos e os volumes. A partir do princípio da plasticidade do ator, Appia repensou o espaço arquitetural de encenação destacando a importância da luz (elétrica “inventada” e incorporada ao teatro em 1898), afirmando que por intermédio da luz o espetáculo ganharia 26 em “tangibilidade”, em consonância à pintura, à arquitetura e à escultura. Dessa forma, o teatro repousaria no ator e no movimento da luz. Aprofundando as questões a esse respeito, Appia afirmava que a essência do drama seria, pois, o movimento e o ritmo: Todas três – pintura, escultura, arquitetura – são imóveis, escapam ao tempo. A pintura, não sendo plástica, escapa, além disso, ao espaço e, através dele, à luz efetiva. Os seus grandes sacrifícios são compostos pelo poder de evocar o espaço numa ficção de escolha; e a sua técnica autoriza-a a um número quase ilimitado de objetos que ela tem meio de fixar sugerindo contexto do instante escolhido. A sua participação na ideia de duração é, de qualquer maneira, simbólica. – A escultura é plástica, vive no espaço e participa, assim, da luz viva. Como a pintura, pode evocar o contexto dos movimentos da sua escolha, que ela imobiliza; e, não apenas num símbolo fictício, mas uma realidade material. A arquitetura é a arte de criar espaços determinados e circunscritos, destinados à presença e às evoluções do corpo vivo. Exprime este fato, tanto em altura como em profundidade e, por uma sobreposição de elementos sólidos cujo peso assegura a solidez. É uma arte realista; (...) A arquitetura contém o espaço por definição e o tempo na sua aplicação. (APPIA, s/d: 44-5) Dessa forma, ao propor uma realidade específica, a cena não deveria reproduzir a natureza, posto que o teatro deveria reduzir-se à pura harmonia de cores, sons e volumes, que por meio do da intervenção imaginativa do encenador concorreriam para formação do espetáculo. Como lembra e ratifica Léon Moussinac (s/d) a tese que daria sustentação a esta nova proposição e que será adotada pelos simbolistas, fundamenta-se no conceito segundo o qual o corpo humano já havia abandonado a preocupação de ser reflexo da realidade, posto que ele se caracterizaria em sua própria realidade. Nessa perspectiva, também a luz deveria corresponder e levar a efeito esta nova realidade. Da obra capital de Appia, há um conceito fundamental que orientará muito dos encenadores e seus pósteros que afirma o seguinte: A arte dramática dirige-se, como as artes representativas, aos nossos olhos, aos nossos ouvidos, ao nosso entendimento – em suma, à nossa presença integral. Por que reduzir a nada – e antecipadamente – qualquer esforço de síntese? Saberão os nossos artistas informar-nos? O poeta, de caneta na mão, fixa o seu sonho no papel. Fixa o ritmo, a sonoridade e as dimensões. Dá a ler, a declamar, o que escreveu; e, de novo, fixa-se no aspecto do leitor, na boca do declamador. – O pintor, com os pincéis 27 na mão, fixa a sua visão tal como a quer interpretar; e a tela ou a parede determinam as dimensões; as cores mobilizam as linhas, as vibrações, as luzes e as sombras. – O escultor para, na sua visão interior, as formas e os seus movimentos, no momento exato em que o deseja; depois, imobiliza-as no barro, na pedra ou no bronze. – O arquiteto fixa, minuciosamente, pelos seus desenhos, as dimensões, a ordem e as formas múltiplas de sua construção; depois realiza-as no material conveniente. – O músico fixa nas páginas da partitura os sons e o seu ritmo; possui o mesmo, em grau matemático, o poder de determinar a intensidade e, sobretudo, a duração; enquanto o poeta não poderia fazê-lo senão aproximadamente, pois o leitor pode ler, a sua vontade, depressa ou devagar. (APPIA, s/d: 29-30) (Consultar – http://images.google.com/images?q=Adolphe+appia&rls=com.microsoft:ptbr:IE-SearchBox&oe=UTF-8&sourceid=ie7&rlz=1I7GZHZ_pt-BR&um=1&ie=UTF8&ei=rDa4Sc6YA4-EtgfNxfyqCQ&sa=X&oi=image_result_group&resnum=4&ct=title ). Edward Gordon Craig (1872-1966) O simbolismo é, na verdade, muito convencional; é saudável, é metódico e está universalmente espalhado. Não tem nada de teatral, se por isso se entende qualquer coisa de ostensivo, e, no entanto, é a própria essência do Teatro se desejamos fazer figurar a Arte do Teatro em seu lugar, entre as Belas-Artes. (...) Alguns têm medo do simbolismo (...) essas pessoas coram e pretendem que não gostam mesmo nada do simbolismo porque ele tem qualquer coisa de mórbido e de desprezível em si. (...) Porque não apenas o simbolismo é a origem de qualquer arte, mas é também a própria fonte de toda a vida; só com a ajuda de símbolos a vida nos é possível e não deixamos de recorrer a eles. Gordon CRAIG. Da arte do teatro. Habitue-se a desenhar as maquetes em pequeno e em grande e a copiá-las, fielmente, para o cenário. Gordon CRAIG. Da arte do teatro. A contribuição de Gordon Craig para a chamada encenação moderna desenvolveu-se, inicialmente, na Inglaterra – amparadas em muitas das teses e teorias de Richard Wagner e de Adolph Appia – espalhando-se para todo o mundo. Craig iniciou sua carreira no teatro como ator da companhia de Henry Irving. Posteriormente, dedicou-se à criação de cenários e, também, à uma nova estética teatral, formulando conceitos ligados ao teatro simbolista. Em suas proposições fundamentou-se na ideia, bastante recorrente naquele momento de 28 “teatralidade pura”. Como não poderia deixar de ser, tais proposições fundamentavam-se em uma oposição às tendências hegemônicas em voga no teatro, principalmente aquelas ligadas ao teatro naturalista. Desenho criado por Craig para a montagem de Hamlet pelo Teatro de Arte de Moscou, 1911-12. Em 1905, Craig tem publicado seu livro A arte do teatro (On the art of the theatre) apresentado na forma de um diálogo entre um diretor e um espectador. Reunindo uma série de textos escritos em diferentes momentos e em diferentes contextos, muitos dos quais já haviam sido publicados em jornais e em revistas especializadas. Em A arte do teatro, Craig, assim como Appia já o fizera anteriormente, atribui grande importância à iluminação e à cor. Nessa obra, dentre outros aspectos, Craig afirmava que o teatro caracteriza-se em: - linhas e cores: que ele chamaria de cenário e cenografia; - em palavras: que ele considerava o corpo da peça; - em gesto: que ele considerava a alma da interpretação; e, - em ritmo: que ele considerava a essência da dança. A partir de tais preceitos, amparado no conceito wagneriano de “teatro como obra de arte total” (gesamtkunstwerk), segundo os quais “ações, palavras, linhas, cor e ritmo” deveriam criar uma fusão, Craig, ao rejeitar o Realismo em conteúdo e forma característicos, afirmava ser necessário adotar exclusivamente o estilo. [*] 29 ESTILO Apesar de ser referido a outro encenador (Meyerhold) – mas com preocupações bastante semelhantes àquelas de Craig – Elia Kazan teria afirmado: “(...) entendo por estilização não a reconstituição exata do estilo de uma época ou de um acontecimento (...) mas associo-lhe a ideia da convenção, de generalização, do símbolo. Estilizar significa exteriorizar a síntese interior de uma época ou de um acontecimento, com auxílio de todos os meios de expressão, reproduzir os seus caracteres ocultos”. (REDONDO Júnior, s/d: 36-7). Patrice PAVIS (1999: 147), dentre outras coisas, afirma no verbete estilização que se trata de um: Procedimento que consiste em representar a realidade sob uma forma simplificada, reduzida ao essencial de seus caracteres, sem detalhes demais. A estilização, como a abstração, designa um certo número de traços estruturas gerais que põem em evidência um esquema diretor, uma apreensão em profundidade dos fenômenos. (...) A estrutura dramática e cênica apela à estilização a partir do momento em que renuncia a reproduzir mimeticamente uma totalidade ou uma realidade complexa. Toda representação, mesmo que naturalista ou verista, baseia-se numa simplificação do objeto representando e numa série de convenções para significar o objeto representado. (...) O ator substitui o ato real por um ato significante que não se dá por real, mas é assinalado como tal, em virtude de uma convenção. Paradoxalmente, é muitas vezes na medida em que é estilizado que o ato passa a ser teatralmente válido e verossimilhante. Assim, não é constrangedor ver os atores fazerem uma refeição em travessas e pratos vazios. A estilização ajuda mesmo ao fascínio do jogo teatral, na medida em que devemos superpor ao ato cênico um ato real, no interior da ficção. Na medida em que a essência do dramático residiria na ação, caberia ao encenador (concebido como uma espécie de demiurgo: ator, pintor de cenário e de fatos, dramaturgo, músico...) o papel de criador único do espetáculo. Para complementar, insiste Craig, de modo salutarmente radical, que a função do encenador seria: Ao receber o original das mãos do autor, o encenador compromete-se a interpretar fielmente, segundo o texto. Depois, lê a obra e, logo da primeira leitura, deve surgir, nitidamente, no seu espírito, a cor, a tonalidade, o movimento e o ritmo que deverão caracterizar o seu trabalho. Quanto às indicações cênicas feitas pelo autor, não deve, de maneira alguma, prender-se com isso, porque não serão de qualquer utilidade. O essencial é que a encenação se harmonize com os versos ou a prosa do texto, com a sua beleza, com o seu espírito. Qualquer que seja o quadro que o autor pretenda pôr-nos diante dos olhos, só conseguirá elucidar-nos completamente através dos diálogos e não das rubricas. (REDONDO Jr., s/d: 87) 30 Há que se fazer uma distinção entre o texto escrito e a obra representada. Quando um texto é completo por si mesmo – como as peças de Shakespeare, por exemplo –, a interpretação teatral nada lhe pode acrescentar e o teatro do futuro deve afastar-se dessa literatura e buscar textos que só sejam completos quando representados. O novo teatro, portanto, se baseará não só na arte do dramaturgo, mas na do diretor de cena, que controlará, ainda que não o crie especificamente, cada elemento de produção. (CARLSON, 1997: 296-7) Em todas as suas encenações, Craig propõe uma cena de planos horizontais e verticais, praticáveis geométricos, escadas (à semelhança do conceito de volumes de Appia), sendo que o ator em seus espetáculos seria um “elemento móvel” do décor. Ao defender o princípio de que o palco seria um “trampolim do movimento” e não uma casa de tolerância, esse novo ator, segundo Craig, deveria ater-se aos seguintes pontos: ao representar, o ator deveria fazê-lo de modo a dominar a emoção (e não o contrário); lembrar-se que estilo e símbolo eram típicos da arte; necessidade de o ator ter consciência de que seria preciso conhecer a profissão antes de subir ao palco: sendo que essa aprendizagem deveria durar seis anos e que esse aprendizado não poderia dar-se em público; de que seria vital fugir ao vício dos atores de tradição que expunham as explosões de sua intimidade diante das pessoas; lembrar-se que em interpretação não se deveria reiventar a roda, posto que seria possível aprender a partir da experiência de outros atores; rejeitar o conselho e experiência dos atores mais velhos quando estes concebiam a cena de maneira a colonizá-la; aprender a ser mais visual do que sonoro, por meio de um determinado estilo (que rejeitasse a interpretação naturalista que era mais sonora). A esse respeito cf. de Gordon CRAIG. Da arte do teatro. (s/d: 10), a partir do relato de Etienne Decroux. Tal proposição ao supervalorizar o movimento, a dança e a mímica preconizaria uma nova forma de interpretação e de ator, que deveria rejeitar a interpretação naturalista e buscar um certo estilismo que levou-o, por fim, a conceber o ator ideal. Esse ator ideal, em oposição àquele preso à interpretação naturalista, que se caracterizava em elemento perturbador numa peça, Craig nomeia de SUPERMARIONETE (SURMARIONETTE, ÜBERMARIONETTE). De modo mais didático, a supermarionete caracterizava-se em uma interpretação anti-realista, simbólica, anti-emocional em oposição à naturalista, representando, portanto, uma emoção sem comover ou uma EXPRESSÃO SIMBÓLICA. Contemporâneo de Craig, o crítico inglês Arthur Symons (1865-1945), defende a tese, estendendo a metáfora do conceito de supermarionete, em Plays, acting and music (cit. por Marvin CARLSON, 1997: 295 e ss.), afirmando que os atores seriam viciados em ação física e que existiam três tipos de atores: 31 (...) os de tipo Réjane, que buscam a realidade e parecem retratar as pessoas reais em situações reais; os do tipo de Bernhardt e Irving, que se afastam da natureza com soberba habilidade e técnica; e os do tipo Duse, que não “atuam” em absoluto, mas simplesmente refletem o caráter essencial ou a alma do drama. Estes últimos, naturalmente, funcionam para o texto como marionetes ideais e são para Symons os maiores artistas. Duse “pensa no palco”; “(...) cria a partir da própria vida uma arte que ninguém antes havia jamais imaginado: não o realismo, não uma cópia, mas a própria coisa, a evocação de uma vida ponderada. (...) quando uma peça toca as profundezas da condição humana a arte de Duse é muito mais profunda do que qualquer coisa que a brilhante superfície técnica de Bernhardt pode realizar. (...) O ator, tal como o conhecemos, ligado à natureza, deve desaparecer; em seu lugar deve vir a “figura inanimada – o Über-marionette”, figura da visão simbolista que “não competirá com a vida”, mas “ir além dela”, ao transe e à visão. (...) um ator humano, se for despojado do acidental, poderia cumprir esse papel. (...) Só a máscara, assevera Craig em The Artists of the Theatre of the Future (Os artistas do teatro do futuro, de 1911), pode efetivamente representar “as emoções da alma”, os estados de espírito essenciais da humanidade. Ainda no concernente a esse assunto e na mesma fonte bibliográfica, encontram-se as seguintes informações: Estabeleceu-se a discussão entre os Diretores dos teatros e as pessoas que protestam. Tudo leva a crer que a verdade depressa surgirá. Suprima-se a árvore autêntica que se colocou em cena, suprima-se o tom natural, o gesto natural e chegar-se-á igualmente a suprimir o ator. É o que acontecerá um dia e gosto de ver certos Diretores de teatros encarar desde já essa ideia. Suprima-se o ator e arrebatareis a um grosseiro realismo os meios da cena florescer. Não haverá mais personagem viva para confundir no nosso espírito a arte e a realidade; personagem viva em que as fraquezas e frenitos da carne sejam visíveis. O ator desaparecerá e em seu lugar veremos uma personagem inanimada que usará, se quereis, o nome de “Sur-marionettes” – até que tenha conquistado um nome mais glorioso. Já muito se escreveu sobre a “marionette” em bastantes boas obras. Inspirou, até, várias obras de Arte. Nos nossos dias, a “marionette” atravessa uma era de desgraça – muita gente a considera uma espécie de ordem superior, derivado do boneco. Mas é um erro. A “marionette” é a descendente dos antigos ídolos de pedra dos templos, é a imagem degenerada de um Deus. Amiga da infância, ainda sabe escolher e atrair os seus discípulos. Que um de vós desenhe uma “marionette” e fará dela uma figurinha gelada e grotesca. É que se toma por uma placidez imbecil 32 e uma angulosa deformidade o que é a gravidade da máscara e a imobilidade do corpo. Porque mesmo as nossa “marionettes” modernas são seres extraordinários. Quer que os aplausos estourem em trovoada ou se percam isolados, a “marionette” não se comove; os seus gestos não se precipitam nem se confundem; que se cubra de flores e de louvores, a heroína conserva um rosto impassível. (...) ela é para mim o último vestígio da arte nobre e bela de uma civilização passada. Mas como a arte se avilta entre mãos grosseiras, assim as “marionettes” já não são mais do que grotescos, vulgares e histriões. (...) O seu corpo rígido perdeu a graça hierática de outrora. (...) precisamos de criar uma “Sur-marionette”. Esta não rivalizará com a vida, mas irá além dela; não figurará o corpo de carne e osso, mas o corpo em estado de êxtase, e enquanto emanar dela um espírito vivo, revestir-se-á de uma beleza de morte. (...) Que esse símbolo regresse e tão depressa apareça conquiste tantos corações que vejamos renascer a antiga alegria das cerimônias, da celebração da Criação, do hino à vida, da divina e feliz invocação da Morte. (CARLSON, 1997: 109-120) Segundo a crítica historiográfica foram relativamente poucas as encenações de Gordon Craig, todas elas acabaram por propor um certo furor e as mais acaloradas discussões entre os artistas (e não exclusivamente entre aqueles do teatro). Quando de sua estada no Teatro de Arte de Moscou, ao dirigir Hamlet, a utilização de seus famosos biombos no espetáculo e mesmo a própria encenação teria levado muitas pessoas ao êxtase. Dessa forma, Craig acabou por influenciar muitos dos encenadores modernos que seguramente ficaram atentos e levaram à prática muitas das sugestões do encenador (fundamentalmente aquelas sugeridas, mas não experimentadas por ele). Assim, dentre os mais influenciados podem ser citados: Leopold Jessner (1878-1945), Alexander Yakovlevich Taïrov (1885-1950), V. Meyerhold, Yevgeny Bagrationovich Vaktanghov (1883-1922), Max Reinhardt (1873-1843), JeanJacques Copeau (1879-1949), Gaston Baty (1885-1952), Jean-Louis Barrault (1910-1994) etc. Vsevolod Emilievitch Meyerhold (1874-1940/2?) (...) criador de formas e um poeta da cena (...) escrevia com gestos, com ritmos, com toda uma linguagem teatral que inventou para as necessidades da sua causa e que fala tanto aos olhos como o texto se dirige aos ouvidos. C. DULLIN. Apud REDONDO Jr. Panorama do teatro moderno. O ensino da biomecânica deve fornecer ao autor a plástica biológica perdida. O ator deve estar fisicamente preparado – isto é – ser sensível a tudo e em 33 todos os momentos dar-se conta do centro do seu próprio apoio: o seu equilíbrio corporal. Sendo a arte do ator uma “criação de formas plásticas no espaço” deve aprender e aperfeiçoar a “mecânica do seu corpo”. V. MEYERHOLD. A experiência do Teatro Estúdio. O simbolismo (...) desempenhou papel muito mais importante na Rússia, tanto diretamente quanto como estímulo para uma posterior teoria anti-realista do teatro. As traduções e estudos de escritores como Baudelaire, Mallarmé, Wilde e Nietzsche, durante a década de 1890, prepararam o caminho. Nas páginas do Mundo da arte, revista publicada em São Petersburgo de 1898 a 1904, Serge Diaghilev (1872-1929) e Alexander Benois (1870-1960) contestaram o pressuposto crítico geral de que a arte deve ter um fim utilitário; eles preconizavam a “expressão pura” em linha, massa e cor; a obra de arte total à maneira de Wagner; e o exemplo evocativo, não referencial da música como modelo de toda arte à maneira de Mallarmé. Na Rússia, como em toda parte, os simbolistas, mesmo os que viam o drama como a mais elevada das artes, quase sem exceção voltaram a maior parte de sua atenção criativa e crítica para a poesia lírica. No entanto, eles produziram grande quantidade de peças notáveis e um corpo de teoria que exerceu grande influência sobre a brilhante geração de diretores teatrais que despontou no início do novo século. Marvin CARLSON. Teorias do teatro. Meyerhold foi chamado por muitos de seus contemporâneos como o profeta da teatralidade. O diretor entendia e insistia que o espetáculo teatral (universal e festivo “intoxicaria o espectador com a taça dionisíaca do eterno sacrifício”) caracterizava-se numa espécie de performance em que o público – um quarto criador, junto com o autor, diretor, ator – não deveria esquecer-se que se encontrava em um teatro. Esse quarto criador era chamado e instigado a participar emocionalmente do espetáculo. Para Meyerhold, a aludida participação emocional do espectador pressuporia o trabalho com a imaginação criativa, com o objetivo de que ele pudesse preencher todos os detalhes que estivessem sendo SUGERIDOS no palco. Suas encenações transfiguravam-se em conjuntos de imagens dinâmicas a partir das quais os atores exprimiam-se mais pelos gestos, pelas suas atitudes (algo semelhante àquilo que Brecht, posteriormente, chamará de gestus) e pelo movimento, como estátuas animadas (alusão às supermarionetes de Craig), do que pelas palavras. Tal propósito esbarraria nos propósitos de seu antigo mestre Stanislavski cujos espetáculos, elaborados a partir de um rigoroso naturalismo, propunham o esquecimento do contexto e a entrega catártica ao espetáculo. Segundo CARLSON (1997: 305): 34 O poeta e teórico Valery Bryusov (1873-1924) é considerado o inaugurador do movimento contra o naturalismo no teatro russo; seu artigo A verdade desnecessária, publicada no Mundo da arte em 1902, constitui a maior declaração dessa revista sobre o teatro e uma espécie de manifesto do novo movimento. (...) Em A verdade desnecessária ele exortou o teatro a afastar-se do tipo de reprodução da realidade oferecida por Stanislavski em favor de uma estilização consciente. Em vez de atravancar-se com os detalhes da vida diária, o teatro deve proporcionar apenas “o que é necessário para ajudar o cenário requerido pelo enredo da peça”. (...) A ideia de Bryusov frutificou no teatro quando Vsevolod Meyerhold (...), insatisfeito com a ênfase dada por Stanislavski ao realismo psicológico no Teatro de Arte de Moscou, estabeleceu sua própria companhia na Ucrânia. Dados para uma cronologia:2 ←1898-1902 – período em que Meyerhold trabalhou como ator do Teatro de Arte de Moscou, destacando-se como ator em muitas das personagens criadas; ←1904-05 – depois de significativo período de estudos estéticos e de uma viagem à Itália, retorna à Rússia tentando desenvolver um conceito abstrato em arte que ele chama de ‘convencionalismo’ ou ‘condicionalismo’ (sofrendo influência das propostas encetadas por alguns encenadores modernos); ← 1905 – dedica-se à concepção e criação de um ‘teatro místico’ que corresponderia ao simbolismo maeterlinckiano encenando do autor A morte de Tintagiles. ← 1906 – desenvolve um conceito de música aplicada à forma dramática, pela introdução do ritmo bailado ao movimento do ator. Elimina do teatro o pano de boca e o proscênio, buscando aproximar o espectador do espetáculo. Associa-se à famosa atriz e encenadora Vera Feodorovna Komisarjevskaya (1864-1910) para a montagem de espetáculo cujo propósito era sua “desmaterialização”, buscando, assim, exprimir o “mistério” da peça (mistério utilizado no sentido da “decodificação” de símbolos, a partir dos quais o espetáculo se estruturasse, influenciado pelas ideias e proposições básicas do Simbolismo). Nessa montagem de Irmã Beatriz, dentre outras coisas, o ator representava como uma escultura projetada num fundo decorativo; ← 1907 – Meyerhold vai para Berlim com Vera Feodorovna conhecer e estudar o trabalho realizado por Max Reinhardt. Retornando à Rússia, Meyerhold monta de 2 De boas biografias sobre Meyerhold talvez a mais completa seja a publicada em V.MEYERHOLD. Fundamentos, 1982, p.11-23. 35 Teoría teatral. Madri: Editorial F. Wedekind O despertar da primavera,3 usando vários praticáveis em planos diferentes ; ← 1908-10 – aprofunda suas experiências teatralistas, iluminando inclusive a plateia (que tenderia a ampliar a percepção do espectador); utiliza telas no lugar de cenários; insistindo na utilização e estilização das formas esculturais, com a revalorização do corpo. Período de aproximação do teatro japonês e grego. Em 1909 assina encenação renovadora de Tristão e Isolda, de Wagner; ← 1912-13 – dirige em Paris peça de D’Annunzio e organiza um estúdio para o ensino da técnica da commedia dell’arte. Nesse período Meyerhold defende a tese de que o teatro deveria sempre procurar seus efeitos mais profundos e constitutivos, como a marionete, a pantomima, a magia (prestidigitação), a máscara e a ação improvisada. Assim: Com esses meios o drama pode sugerir as “vastas e insondáveis profundezas” que se encontram por baixo da realidade visível. Particularmente útil é o grotesco – conceito que Meyerhold usa, de um modo que lembra Hugo, para defender uma dialética de opostos, a farsa contra a tragédia e a forma contra o conteúdo, de modo a forçar o espectador, mediante reações ambivalentes, a ter uma visão mais profunda da realidade e a tentar “decifrar o enigma do inescrutável”.4 ← 1914-17 – rompe definitivamente com o psicologismo (que tendia a ‘aprisionar’ o espectador, encenadores e cenógrafos) e com o simbolismo ao utilizar-se do conceito de construção ao invés de decoração, para a montagem de O desconhecido de Alexandre Blok. Durante este período mantém o Teatro Estúdio. Em 1914 encena em Petrogrado Mistério Bufo, de Maiakovsky. Inicia, de modo mais sistemático, um processo de experimentação de teatralidade tomando o popular, o music-hall e o circo como bases essenciais, utilizando malabaristas, choques físicos inusitados entre atores, recursos cenográficos mais esquemáticos. A partir desse momento, pode-se dizer que seu teatro começa a se politizar, fundamentalmente por ele ser partidário dos bolcheviques; Frank Wedekind (1864-1918) situa-se entre o Realismo e o Simbolismo, sendo considerado, também, como um dos precursores do teatro Expressionista. Seus textos são repletos de estranheza, violência e carregados por um tom apaixonado, traçando um perfil da burguesia do período. O texto O Despertar da primavera, de 1891, segundo a documentação historiográfica, causou mais escândalos e polêmicas que os de Ibsen e Hauptmann. Além do já citado, seus outros textos importantes são: O espírito da terra (1895), Caixa de Pandora (1904) e A dança dos Mortos (1906). 4 M. CARLSON. Op.cit., p.313. Pela utilização dos recursos supracitados, então, pode-se dizer que Meyerhold será um dos precursores do chamado teatro épico que será desenvolvido em período posterior, na Alemanha, por Erwin Piscator e Bertolt Brecht. 3 36 1918-19 – período difícil da Revolução, Meyerhold sai de Moscou e vai para a Criméia com a mulher e os três filhos, ficando preso durante um longo tempo. Sendo libertado pelo Exército Vermelho, volta a Moscou e filia-se ao Partido Comunista, questionando o individualismo, busca expressar em suas encenações uma nova concepção alicerçando-se no conceito do coletivismo e apontando a necessidade da industrialização (período de fascinação pela máquina e pela dinâmica moderna). Dirige, a partir do conceito de construção/construtivismo 5 espetáculos ao ar livre, sobretudo textos de Maiakovski: buscando harmonizar seu gosto esteticista às propostas políticas e cubo-futuristas do poeta. Aprofundamento das teorias próprias e daquelas herdadas por Appia, valorizando a tridimensionalidade do ator, concebido em sua dimensão escultural. No sentido de imprimir um sentido menos abstrato, bastante comum quando se fala em construtivismo, o próprio Meyerhold afirma que esse movimento, surgido em 1920, através de uma declaração pública de Trabalho dos Construtivistas tinha por objetivo rechaçar toda a herança cultural idealista do passado e guiar-se por proposições do materialismo. Apesar de ser um movimento mais afeito à arquitetura e às artes plásticas, Meyerhold entende que por meio dele muitos dos problemas referentes à proletarização da arte poderiam ser resolvidos. Dessa forma, foram alguns dos pontos do programa do construtivismo que o levaram a formular a teoria da ‘biomecânica’. ← 1920 – nomeado chefe do Departamento Teatral do Comissariado de Instrução; fundação do Teatro da República dos Sovietes (em 1923 muda de nome para Teatro Meyerhold). A partir desse ano, Meyerhold entrega-se ao estudo e experimentação do sistema de treinamento dos atores, por ele denominado de ‘biomecânica’: segundo o qual o ator passa a ser concebido como atleta, malabarista, dançarino, ‘máquina animada’. Esse sistema (fundamentado no estudo e prática de várias modalidades esportivas, técnicas de circo e da commedia dell’arte) pressupunha que o ator teria a função de desenhar com seu corpo o espaço com movimentos e gestos acrobáticos e cujo resultado fosse estilizado (anti-naturalista). Aprofunda algumas experimentações anteriores através da utilização de construções verticais, utilização de molduras escalonadas por diferentes planos e compartimentos agrupados: para representação de cenas simultâneas e alternadas. Começa, também, a utilizar-se de filmes cinematográficos como elemento descritivo. Data deste período, também, o No sentido de imprimir um sentido menos abstrato, bastante comum quando se fala em construtivismo, o próprio Meyerhold afirma que esse movimento, surgido em 1920, por meio de uma declaração pública de Trabalho dos Construtivistas tinha por objetivo rechaçar toda a herança cultural idealista do passado e guiar-se por proposições do materialismo. 5 37 processo de proletarização da cultura por meio, dentre outros aspectos, do Proletkult. Das grandes encenações de Meyerhold podem ser citadas: Le cocu magnifique, de Crommelynck, em 1922; O Inspetor Geral, de Gogol, em 1926; O percevejo, de Maiakovsky, em 1929; Os banhos, de Maiakovsky, em 1930 etc. Do encenador são também duas obras que discutem e buscam refletir sobre o teatro O papel do ator, 1922 e A reconstrução do teatro, 1930. Meyerhold ‘morreu de morte não natural’; isto é, as causas e circunstâncias de sua morte até hoje não foram esclarecidas. Sabe-se que foi assassinado (talvez em uma execução) e que seu nome na Rússia foi reabilitado somente depois da morte de Stalin. Max (Goldmann) Reinhardt (1873-1943) Na realidade, deveríamos dispor também de um terceiro teatro. (...) uma cena enorme, apta para desenvolver nela uma grande Arte de efeitos monumentais. Um teatro de festivais, que em nada recorde o cotidiano; uma sala consagrada à luz e ao fervor, construída segundo o espírito grego. (...) Arte monumental de todos os tempos, construída em forma de anfiteatro, isenta de telões e bambolinas. E, no centro da mesma, apoiado única e exclusivamente na sua personalidade e tão somente no vigor da palavra, o ator confundido com o público convertido em povo, transformado em parte da ação. Sempre me opus a considerar indispensável o marco que separa o palco do mundo exterior. Max REINHARDT. Manifesto do Kleine Theater. Nunca ninguém se sentiu menos ligado do que Reinhardt a fronteiras nacionais e temporais. (...) Enquanto indivíduo, ele é tão cheio de vida que tudo só consegue ver, inclusive o mais longínquo e o mais distante no tempo, como um momento da vida. Ele nada vê numa perspectiva histórica, pois vê de modo imediato – e tudo com a fantasia do homem de teatro. Uma personalidade artística estrangeira, numa época estrangeira – tais limites não existem para ele. Hugo von HOFMANNSTHAL. Apud BORNHEIM. Brecht: a estética do teatro. Mágico da luz e da cenografia, Max Reinhardt, ator e diretor alemão de origem austríaca, influencia por suas inovações cênicas o teatro e o cinema 6 dos anos vinte e trinta, principalmente na Alemanha. M. COURVIN. Dictionnaire encyclopédique du théâtre. Apesar de nascido na Áustria desenvolveu totalmente sua carreira como Cf. Lotte H. EISNER. A tela demoníaca: as influências de Max Reinhardt e do expressionismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Instituto Goethe, 1985, especialmente pp.39-49. 6 38 ator e encenador na Alemanha. Inicia-se no teatro como ator do Deutsches Theater de Otto Brahm, sendo consagrado por papéis de personagens idosas (principalmente em textos de Ibsen e de Hauptmann) e considerado, a partir desse trabalho, como um dos melhores atores do teatro alemão. Deixa o Deutsches em 1903 (por discordar dos preceitos naturalistas, tendo em vista que certos textos que o inquietavam não poderiam ser montados dentro dos pressupostos do movimento), passando a fazer um estudo em profundidade da iluminação cênica a partir do cotejo desta às obras pictóricas de vários períodos da história. Desse estudo, o diretor acabará por aplicar a alguns de seus espetáculos os mesmos princípios de luz e sombra utilizado em obras pictóricas, criando, assim, efeitos e atmosferas mágicas e encantatórias a partir do uso da iluminação teatral. Com a aplicação prática desses estudos de iluminação em seus espetáculos, muitos acabarão por chamá-lo de “Rembrandt da luz”. Por conta disso, a escolha pela epígrafe de Courvin, posto ser esta a qualidade mais ressaltada de suas contribuições – além da monumentalidade de inúmeras de suas encenações – para o teatro contemporâneo. Ao lado deste estudo, Reinhardt monta (como foi traduzido o nome do texto no Brasil) Ralé, de Gorki, considerado como montagem-símbolo de seu novo estilo: grandioso e perseguindo o conceito de ‘obra de arte total’ à la Richard Wagner. Em 1901, funda, com um grupo de atores, pintores e autores, um círculo, fundamentado no conceito de Cabaré Literário, cuja companhia é batizada e conhecida por Schall und Rauch (Ruído e Fumo ou Som e Fumaça). Este círculo apresentou espetáculos (mais próximos ao intimismo) simbolistas, de grande sucesso, durante dois anos aproximadamente, recebendo reconhecimento público e da crítica o que o levou, a partir desse período a ser considerado como um dos mais promissores diretores teatrais da Alemanha. Como o empreendimento foi bem sucedido, o grupo resolve construir um novo teatro sob a direção de Reinhardt chamado Kleine Theater (Pequeno Teatro). Reinhardt, quando da fundação do novo teatro, apresenta um manifesto cujas intenções eram: Compreendo que as pessoas estão fartas de encontrar-se continuamente com a própria miséria, todas as vezes que vão ao teatro e que sintam a nostalgia das cores mais vivas e de uma vida superior. Isto não significa que pretenda prescindir das grandes conquistas da Arte teatral naturalista, nem da verdade e legitimidade que lhe são próprias, aliás nunca logradas. (...) O que pretendo é continuar essa educação, para empregá-la de maneira diferente, algo que não se limite à descrição de situações e de ambientes. Posso adaptar esse 39 alto grau de veracidade ao essencialismo humano, mediante uma Arte profundamente anímica e refinada, capaz de oferecer a vida do lado em que não seja negação pessimista e que, com a sua alegria e cor, resulte igualmente real. (...) Devo ainda acrescentar: para mim, o Teatro significa mais do que um mero auxiliar de outras artes. Creio que o Teatro tem uma única razão de ser: o Teatro. E também creio que deve existir um teatro que seja propriedade exclusiva do ator teatral. (...) O Teatro dá ao ator o direito de não se subordinar unicamente a uma doutrina literária determinada e a liberdade de agir em todos os sentidos e dar rédea solta ao prazer de atuar e transformar-se. Conheço as qualidades mímicas e criadoras dos atores e mais uma vez sinto desejos de salvar para a nossa época, demasiado disciplinada, parte da velha Commedia dell’Arte, unicamente para proporcionar ao ator a oportunidade de improvisar, de vez em quando, e saltar as barreiras que lhe são impostas. (REDONDO Júnior, s/d: 76-80) Retorna ao Deutsches em 1905, na condição de seu diretor artístico, apresentando como primeiro trabalho a montagem de Sonho de uma noite de verão de Shakespeare em que as árvores naturais invadiam toda a área do público, com o duplo objetivo de buscar um novo enquadramento e imprimir um clima onírico exigido pelo espetáculo. Dessa forma, a partir desta encenação, além de unir algumas das proposições de Appia e Craig junta a magia da ilusão, do sonho e da poesia, que caracterizarão seu estilo grandioso. Assim, em 1906, dando seqüência às reformas e reformulações encetadas desde o ano anterior, dota o novo teatro com um palco giratório e com maquinarias sofisticadas e complicadas, com o objetivo de realizar cenas de grande efeito. Constrói uma sala de câmara com trezentos lugares: Kammerspiele, anexa ao teatro, na qual apresentou um repertório eclético. É considerado o primeiro grande encenador moderno a realizar, de fato, o chamado espetáculo total. Seu teatro foi rigorosamente formalista e grandiloqüente apresentado em praças, igrejas, circos etc., sendo também um dos iniciadores do teatro popular de massas. Nesse sentido, toda a documentação iconográfica consultada a respeito de suas montagens expressa a grandeza e o fausto (que se aproxima muito do conceito de féerie) das encenações de Reinhardt. Inúmeros são os historiadores de teatro que afirmam que o estilo cenográfico despojado de Leopold Jessner, oposto à grandiosidade de Reinhardt, pelo uso de escadas (ou degraus - spieltreppe) tenha se desenvolvido exatamente para estabelecer contrapontos ao seu contemporâneo. Do conjunto de suas montagens, a encenação do texto medieval Auto de Todo-o-Mundo, apresentada na Catedral de Salzburgo, expressava uma 40 grandiosidade raramente vista em outros períodos históricos. Por conta disso, ou seja, da grandiosidade a partir da qual seus espetáculos foram montados, muitos artistas o criticaram, fundamentalmente (e segundo a ótica desses), por seu teatro ser palatável ao gosto e “padrão culinário” da burguesia. Assim, dentre aqueles que o criticou, afirma Piscator (1968), em Teatro político, citando Herbert Jehring: Max Reinhardt: um genial esbanjador do teatro. Um apreciador de seus efeitos. Um degustador de seus encantos. Max Reinhardt, a mais colorida vocação teatral de todos os tempos, um intuitivo, um improvisador generoso, suscetível a sugestões, distribuidor de sugestões. Max Reinhardt apresentavase para um público que aceitava o teatro como um luxo, como uma preciosidade, como a mais bela jóia da existência, genial conclusão do teatro e da grande burguesia, incomparável em suas realizações, inesgotável em sua flexibilidade artística. Mais dedicado às montagens, Reinhardt escreveu pouco; entretanto, parece ter sido o primeiro entre os seus colegas diretores a escrever um livro de roteiros de direção (Regiebuch), em que apresenta esquemas de seus trabalhos de direção. Dentre esses textos, apresentando as convicções de Reinhardt, pode ser encontrada em Bornheim. Não há uma forma de teatro que seja a única forma artística verdadeira. Deixam o bom ator trabalhar hoje num celeiro ou num teatro, amanhã numa estalagem ou numa igreja, ou então em nome do diabo, até mesmo num palco expressionista. (BORNHEIM, 1992: 116) As informações historiográficas dão conta de que Reinhardt utilizava-se dos textos teatrais “traindo-os”. Isto é, adotava-os como um ponto de partida para um teatro de transgressão, uma vez que lhe interessava o espetáculo e o espetacular. Pela utilização de espaços não teatrais, Reinhardt, ao criar novos enquadramentos, acabou por explodir tanto o conceito tradicional de recepção da obra, posto que o espectador passou a fazer parte do espetáculo, como as clássicas delimitações que separavam a área do público daquela da encenação. Tais experimentações do diretor fundamentavam-se no princípio segundo o qual o teatro precisaria atingir o público “de hoje em termos de hoje”, alavancado em propósitos em que o irracional, o sentimento, o fascínio, o maravilhoso e a plenitude da vida interior pudessem vir à tona: sem a menor probabilidade de reprodução da vida. Reinhardt preocupava-se e fugia do perigo de seu teatro transformar-se em um museu, daí a opção por um teatro (além de grandioso e 41 teatral) eclético, rejeitando qualquer tipo de estética normativa. Desse modo, afirmava o grande renovador: Não escreva prescrições, mas dê ao ator e a seu trabalho a atmosfera na qual possa respirar mais livremente e mais profundamente. Não economize as possibilidades do palco e da maquinaria sempre que necessárias, mas sem impô-las a uma peça tal como era montada por seu autor ainda em vida. Estabelecer tais fatos é tarefa do historiador erudito, e só tem valor para o museu. Decisivo para nós é saber como tornar viva uma peça para o nosso tempo. À luz do exposto, pode-se considerar o encenador como um dos maiores inovadores da linguagem teatral pela criação de uma espécie de realismo poético e, nessa medida, as cenas de multidão criadas por Reinhardt são tidas como geniais e raríssimas vezes superadas no teatro de todos os tempos. Vivendo em uma Berlim, enlouquecida pelos problemas pré e pós-guerra, o encenador foi parceiro de Erwin Piscator e Leopold Jessner, formando uma espécie de trio de diretores considerados amantes das experiências teatrais e que consideravam o teatro como algo para além do entretenimento e como simples arte. Para os três, teatro representava uma força essencial na vida humana. A respeito da situação alemã do período, Reinhardt considerava o ator como o sujeito privilegiado para que o teatro pudesse cumprir seu papel, e assim ele destaca: O teatro hoje em dia está lutando por sua existência, e não apenas devido a problemas econômicos; estes são gerais. Está sofrendo, sim, de anemia. Nem nutrientes literários, dos quais foi exclusivamente alimentado por tempo demais, e nem uma dieta puramente teatral podem ajudá-lo... A salvação só pode vir do ator, pois é ele, e somente ele, quem possui o teatro. Todos os grandes dramaturgos, quer tenham ou não pisado na ribalta, nasceram atores... A arte do ator [não somente sua manifestação de emoção] liberta o homem do palco convencional da vida, pois a arte do ator é expor a vida e não suprimi-la. Em nossa época podemos voar e nos comunicar de um para outro lado do oceano, mas o caminho para nós mesmos e para nossos vizinhos permanece infinito. Um ator caminha nessa trilha. Com a luz do poeta ele explora o abismo não mapeado da alma humana, ele misteriosamente se transforma, assim como suas mãos, olhos e boca cheia de milagres, e depois reaparece... O ator é ao mesmo tempo artista e obra de arte; ele está na fronteira entre realidade e fantasia... Abandonado por seus bons espíritos, o teatro pode afundar até o nível da prostituta. Mas a paixão pelo teatro, por representar, é um dos impulsos 42 básicos do homem. É esse impulso que sempre levará atores e público ao teatro, que é a mais nobre e satisfatória educação do homem. Todos, quer o saibam ou não, têm ânsia de se transformar. Nós todos trazemos em nós o potencial para todas as paixões, para todos os destinos, para todas as formas de vida interior. “Nada que é humano é estranho a nós.” Se não fosse assim, não poderíamos compreender outros homens, nem na vida nem na arte... (ECKARDT; GILMAN, 1996: 77-79) Continuando na verdadeira profissão de fé no trabalho e importância do ator, para Reinhardt – filho da velha, barroca e católica Áustria – todo bom profissional de teatro: diretor, dramaturgo, produtor, músico etc eram considerados como atores (e o ator como poeta), posto que: Existiria como que uma espécie de vida implícita, dotada de “milhares de possibilidades”; a maioria destas adoece e acaba doendo. Isso vai tão longe que “os códigos sociais modernos aleijaram o ator”: “os pés se movem, mas a alma não dança; o coração permanece frio”. E o ator, que é “ao mesmo tempo escultor e escultura”, teria como missão remediar tal estado de coisas e reavivar no homem a máxima extensão de suas possibilidades. O homem, feito à “imagem de Deus”, alberga em si “a arte do ator originada na mais terna infância da raça”. Esse “pálido primo” do teatro que é o cinema nasceu na cidade grande, e não corresponde, como o teatro, a um “desejo elementar da humanidade”. O teatro vincula-se à “verdade, não à verdade exterior, ao naturalismo de todos os dias, mas à verdade última da alma”. Entende-se, por aí, que a formação do ator deva ser feita em tom de exaltação: a dança para o corpo e o canto para a voz. (BORNHEIM, 1992: 117) Reiventando procedimentos, expedientes e novos espaços, Reinhardt buscou sempre novas alternativas para que seus espetáculos pudessem ser vistos por públicos diferentes em espaços diferentes; assim, um desses espaços atípicos foi o picadeiro, em que o encenador montou, por exemplo, no Circo Schumann, em 1910, O rei Édipo. Além do aspecto de experimentação de novos espaços, ao buscar o circo, Reinhardt objetivou amenizar as críticas que lhe eram feitas segundo as quais os altos preços cobrados no Kammerspielle, tornariam o teatro de Reinhardt inacessíveis à totalidade da população. Em 1919, já firmemente estabelecido e inspirado pela promessa da revolução de uma cultura popular, Reinhardt, no antigo Circo Grosses Schauspielhaus, espaço com cerca de cinco mil lugares, montou um conjunto de obras notáveis, podendo-se destacar o espetáculo de estreia que foi A Oréstia, de Ésquilo. O Grosses Schauspielhaus havia sido originalmente um mercado 43 transformado numa arena de circo, conhecido por Zirkus Schumann. A transformação do circo em espaço teatral ficou a cargo do arquiteto Hans Poelzig: considerado como o jovem líder de uma concepção expressionista visionária. Grosses Schauspielhaus. Berlim, 1919 Poelzig transformou a arena numa caverna de estalactites, um fantástico tour de force destinado a concretizar o sonho de Reinhardt de transpor o abismo entre o ator e público e tornar o espectador participante da ação. (ECKARDT; GILMAN, 1996: 79) Em 1920, o encenador lançou o Festival de Salzburgo e que, segundo a historiografia, até os dias atuais vem sendo produzido, em cada verão, assim como o seu Everyman (Auto de Todo-o-Mundo), do mesmo modo como concebido por Reinhardt. Neste período afirma Gerd Bornheim: O comportamento aberto, determinado a reiventar a experiência teatral, tornava-o apto a assimilar tudo o que havia de significativo: entusiasmou-se com Gordon Craig, e foi o primeiro a profissionalizar as ideias cenográficas de Appia; fez-se o mago da luz e do som, e sentia o gosto das inovações técnicas, ainda que atento aos riscos da desmedida. E tudo estava a serviço da celebração coletiva, e, para atingir tal objetivo, procurava reduzir ao mínimo a distância entre o espetáculo e público. (BORNHEIM, 1992: 116) Apesar da grande contribuição desenvolvida por Reinhardt para o teatro 44 internacional (mais de cinquenta grandes montagens), para a vanguarda alemã dos anos vinte – em que Futurismo, Dadaísmo, Expressionismo, Surrealismo... – disputavam espaços, ações e público, o encenador foi considerado por alguns de seus parceiros como adequado aos padrões conservadores e ultrapassados de teatro. O primeiro desafio bem-sucedido à preeminência de Reinhardt veio de Leopold Jessner. Em dezembro de 1919, menos de um mês após a inauguração da ‘caverna’ de Poelzig, Jessner encenou, no Staatliches Schauspielhaus, o Guilherme Tell de Schiller, (...) No passado, Tell havia sido representado como untuoso melodrama, uma espécie de Robin Hood dos Alpes suíços. Jessner retirou o pathos da produção, montando-a num palco vazio dominado pelas hoje famosas ‘escadas de Jessner’. (...) Era, então, o cenário – ou, melhor, a ausência ou pelo menos a abstração do cenário – que anunciava essa abordagem ao teatro. As escadas de Jessner libertaram o teatro de Berlim – e com ele o teatro ocidental – do cenário de representação e de encenar suas exigências. À semelhança da pintura, o teatro passara do impressionismo, e mais tarde do expressionismo de Reinhardt, para o domínio da arte abstrata. (ECKARDT; GILMAN, 1996: 81-2) EXCERTOS: Manifesto Simbolista, de Jean Moréas, publicado no Le Figaro de 18/09/1886. Como todas as artes, a literatura evolui: evolução cíclica com as voltas estritamente determinadas que se complicam com as diversas modificações trazidas pela marcha dos tempos e pelas revoluções dos meios. Seria supérfluo fazer observar que cada nova fase evolutiva da arte corresponde exatamente à decrepitude senil, ao inelutável fim da escola imediatamente anterior. (...) É que toda manifestação da arte chega fatalmente a se empobrecer, a se esgotar; então, de cópia em cópia, de imitação em imitação, o que foi pleno de seiva e de frescura se desseca e se encarquilha; o que foi o novo e o espontâneo se torna o vulgar e o lugar comum. Assim, o Romantismo, após soar todos os tumultuosos alarmas da revolta, após haver tido seus dias de glória e de batalha, perdeu sua força e sua graça, abdicou de suas audácias heroicas, se fez organizado, céptico e cheio de bomsenso; na honrosa e mesquinha tentativa dos Parnasianos, ele esperou falaciosos renovadores; depois finalmente, tal como um monarca deposto na infância, ele se deixou depor pelo Naturalismo, ao qual não se pode conceder seriamente senão 45 um valor de protesto legítimo, mas imprudente, contra a insipidez de alguns romancistas então na moda. Uma nova manifestação de arte era portanto esperada, necessária, inevitável. Esta manifestação, preparada desde muito tempo, acaba de aparecer. E todos os anódinos gracejos dos jornalistas confiantes da imprensa, todas as inquietações dos críticos graves, todo o mau humor do público surpreendido na sua indolência imitadora, não fazem senão afirmar cada dia mais a vitalidade da evolução atual nas letras francesas, esta evolução que os juízes apressados chamaram, por uma inexplicável antinomia, de decadência. Observem, portanto, que as literaturas decadentes se revelam essencialmente teimosas, emaranhadas, medrosas e servis: todas as tragédias de Voltaire, por exemplo, são marcadas por essas manchas de decadência. E que se pode reprovar, que se reprova na nova escola? O abuso da pompa. O estranhamento da metáfora, um vocabulário novo em que as harmonias se combinam com as cores e as linhas: características de toda renascença. Já propusemos a denominação de Simbolismo como a única capaz de designar razoavelmente a tendência atual do espírito criador em arte. Esta denominação pode ser mantida. (...) Dizemos, portanto, que Charles Baudelaire deve ser considerado o verdadeiro precursor do movimento atual; o senhor Stéphane Mallarmé, o empossado do sentido do mistério e do inefável; o senhor Paul Verlaine quebrou em seu benefício os cruéis entraves do verso que os dedos prestigiosos do senhor Théodore de Banville haviam amaciado antes. Entretanto o Suprême enchantement não está ainda concluído: seu trabalho pertinaz e invejoso espera os recém-chegados. (...) Inimiga do ensino, da declamação, da falsa sensibilidade, da descrição objetiva, a poesia simbolista busca: vestir a Ideia de uma forma sensível que, entretanto, não terá seu fim em si mesma, mas que, servindo para exprimir a Ideia, dela se tornaria submissa. A ideia, por seu lado, não deve se deixar ver privada das suntuosas amarras das analogias exteriores; porque o caráter essencial da arte simbólica consiste em não ir jamais até à concepção da Ideia em si. Assim, nessa arte, os quadros da natureza, as ações dos homens, todos os fenômenos concretos não saberiam manifestar-se: estão aí as aparências sensíveis destinadas a representar suas afinidades esotéricas com as Ideias primordiais. A acusação de obscuridade lançada contra uma tal estética pelos leitores inconsequentes nada tem que possa surpreender. Mas que fazer? (...) Pela tradução exata de sua síntese, é necessário ao Simbolismo um estilo 46 arquetípico e complexo: vocábulos impolutos, o período que se sustenta alternando com o período de desmaios ondulados, os pleonasmos significativos, as misteriosas elipses, o anacoluto em suspenso, todo tropo audacioso e multiforme: enfim, a boa língua – instaurada e modernizada, – a boa e luxuriante e irrequieta língua francesa antes dos Vaugelas e dos Boileau-Despréaux, a língua de François Rabelais e de Philippe de Commines, de Villon, de Rutebeuf e de tantos outros escritores livres e dardejando o termo agudo da linguagem, (...) O RITMO: a antiga métrica avivada; uma desordem sabiamente ordenada; a rima brilhante e martelada como um escudo de ouro e de bronze, perto da rima as fluidezas absconsas; o alexandrino em paradas múltiplas e móveis; o emprego de certos números ímpares. (...) A concepção do romance simbólico é polimorfa: por vezes uma personagem única se move nos meios deformados por suas alucinações, seu temperamento: nessa deformação aloja-se o único real. Os seres de gestos mecânicos, de silhuetas enubladas, se movem em torno da personagem única: não são senão pretextos dele para sensações e conjeturas. Ele mesmo é uma máscara trágica ou um palhaço, de uma humanidade às vezes perfeita, se bem que racional. – Por vezes, as multidões, superficialmente afetadas pelo conjunto das representações ambientes, procedem com alternativas de choques e de estagnações rumo aos atos que permanecem inacabados. Por momento, as vontades individuais se manifestam; se atraem, se aglomeram, se generalizam para um fim que, atingido ou frustrado, dispersa-os em seus elementos primitivos. (...) Assim, desdenhoso do método pueril do Naturalismo – o senhor Zola foi salvo por um maravilhoso instinto de escritor, - o romance simbólico construirá sua obra de deformação subjetiva, alentado por este axioma: a arte não saberia procurar no objetivo senão um simples ponto de partida extremamente sucinto. Prefácio ao poema, “Um lance de dados...”, Stéphane Mallarmé. “Gostaria que não lessem esta Nota ou que, lida, até a esquecessem; ela ensina, ao Leitor hábil, pouca coisa situada além de sua penetração: mas pode perturbar o ingênuo que deve aplicar uma olhada nas primeiras palavras do Poema, para que as seguintes, dispostas como estão, o conduzam às últimas, tudo sem novidade a não ser um espargimento da leitura. Os ‘brancos’, com efeito, adquirem importância, chocam de início; a versificação os exigiu, como silêncio em torno, ordinariamente, até o ponto em que um trecho, lírico ou de poucos pés, ocupe, no centro, a terça parte mais ou menos de uma folha: não 47 transgrido esta medida, apenas a disperso. O papel intervém cada vez que uma imagem, por si mesma, cessa ou se oculta, aceitando a sucessão de outras e, como não se trata, agora e nunca, de traços sonoros regulares ou de versos – mas antes, de subdivisões prismáticas da Ideia, o instante de aparecer, e que dura o seu concurso, em qualquer que seja a encenação espiritual exata, é em lugares variáveis, perto ou longe do fio condutor latente, em razão da verossimilhança, que se impõe o texto. A vantagem, se posso dizer assim, literária, dessa distância copiada que mentalmente separa grupos de palavras ou palavras entre si, parece por vezes acelerar ou amortecer o movimento, escandindo-o, intimando-o mesmo segundo uma única visão simultânea da Página: tomada esta por unidade, como o é também o Verso ou linha perfeita. A ficção surgirá e se dissipará, rapidamente, de acordo com a mobilidade do escrito, em volta das pausas fragmentárias de uma frase capital desde o título introduzida e continuada. Tudo se passa, de modo geral, em hipótese; evita-se o relato. Acrescente-se que deste emprego desnudo do pensamento com contrações, prolongamentos, fugas, ou até seu desenho, resulta, para quem quer ler em voz alta, uma partitura. A diferença dos caracteres de imprensa entre o motivo preponderante, um secundário e outros adjacentes, dita sua importância à emissão oral e seu alcance no meio, acima ou no fim da página, indicará que sobe ou baixa a entonação. Somente certas direções muito atrevidas, as usurpações etc, formando o contraponto desta prosódia, permanecem numa obra, que carece de precedentes, no estado elementar: não que eu leve em conta a oportunidade das tentativas tímidas; mas não me pertence, por mais importante, gracioso e convidativo que se mostre um jornal às belas liberdades, agir contrariamente ao uso, exceto numa paginação especial ou num volume meu. Eu teria, entretanto, incluído no Poema anexo, mais do que o esboço, um ‘estado’ que não rompe inteiramente com a tradição; levada sua apresentação, em muitos sentidos, tão longe que não ofusque ninguém: o suficiente para abrir os olhos. Hoje ou sem presumir do futuro o que sairá daqui, nada ou quase uma arte, reconheçamos facilmente que a tentativa participa, com imprevisto, de investigações particulares e caras a nosso tempo, como o verso livre e o poema em prosa. Sua reunião se verifica sob uma influência, eu o sei, estranha, a da Música ouvida em concerto; encontrando nela muitos meios que me parecerem haver pertencida às Letras, eu os retomo. O gênero, que venha a ser um, como sinfonia, pouco a pouco, ao lado do canto pessoal, deixa intacto o antigo verso, ao qual rendo meu culto e atribuo o império da paixão e dos sonhos; enquanto que este seria o caso de tratar, de preferência (assim como segue), tais assuntos de imaginação pura e complexa ou intelecto: que não fica razão alguma para 48 excluir da Poesia – única fonte”. 49 BIBLIOGRAFIA APPIA, Adolphe. A obra de arte viva. Lisboa: Editora Arcádia, s/d. BALAKIAN, Anna. O simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 1985. BENJAMIN, Walter. Baudelaire ou as ruas de Paris. Paris, capital do século XX. In: Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985. BETTI, Maria Sílvia. Movimentos do teatro. 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