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Coleção Fortuna Critica da INTERCOM Consultoria: Adolpho Queiroz, Marialva Barbosa, Rosa Maria Dalla Costa Coordenadores: Aline Strelow, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi e Tyciane C. Vaz Vol. 1 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Jornalismo e Midiologia Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi, org. (2013) Vol. 2 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Teoria e Pedagogia da Comunicação Iury Parente Aragão, Sônia Jaconi, Osvando J. de Morais, org. (2013) Vol. 3 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Comunicação, Universidade e Sociedade Clarissa Josgrilberg Pereira, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi, org. (2013) Vol. 4 – Fortuna Crítica da Intercom – José Marques de Melo Clarissa Josgrilberg Pereira, Eduardo Amaral Gurgel, Iury Parente Aragão, Osvando Morais, org. (2014) Vol. 5 – Fortuna Crítica da Intercom – Visionários Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Roseméri Laurindo, Tyciane Cronemberger Viana Vaz, org. (2014) Vol. 6 – Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Roseméri Laurindo, Tyciane Cronemberger Viana Vaz, org. (2014) Vol. 7 – Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Clarissa Josgrilberg Pereira, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, org. (2014) Fortuna Crítica da Intercom Timoneiros Coleção Fortuna Critica da INTERCOM Consultoria: Adolpho Queiroz, Marialva Barbosa, Rosa Maria Dalla Costa Coordenadores: Aline Strelow, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi e Tyciane C. Vaz DIRETORIA EXECUTIVA - TRIÊNIO 2014 2017 Presidência – Marialva Carlos Barbosa (UFRJ) Vice-Presidência – Ana Silvia Lopes Davi Médola (UNESP) Diretoria Financeira – Fernando Ferreira de Almeida (METODISTA) Diretoria Administrativa – Sonia Maria Ribeiro Jaconi (METODISTA) Diretoria Científica – Iluska Maria da Silva Coutinho (UFJF) Diretoria Cultural – Adriana Cristina Omena dos Santos (UFU) Diretoria de Projetos – Tassiara Baldissera Camatti (PUCRS) Diretoria de Documentação – Ana Paula Goulart Ribeiro (UFRJ) Diretoria Editorial – Felipe Pena de Oliveira (UFF) Diretoria de Relações Internacionais – Giovandro Marcus Ferreira (UFBA) Diretoria Regional Norte – Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues (UFAM) Diretoria Regional Nordeste – Aline Maria Grego Lins (UNICAP) Diretoria Regional Sudeste – Nair Prata Moreira Martins (UFOP) Diretoria Regional Sul – Marcio Ronaldo Santos Fernandes (UNICENTRO) Diretoria Regional Centro-Oeste – Daniela Cristiane Ota (UFMS) Conselho Fiscal Elza Aparecida de Oliveira Filha (UP) Luiz Alberto Beserra de Farias (USP) Osvando J. de Morais (UNESP) Raquel Paiva de Araujo Soares (UFRJ) Sandra Lucia Amaral de Assis Reimão (USP) Conselho Curador – quadriênio 2013-2017 Presidente – José Marques de Melo Vice-Presidente – Manuel Carlos da Conceição Chaparro Secretária – Cicília Maria Krohling Peruzzo Conselheiro – Adolpho Carlos Françoso Queiroz Conselheira – Anamaria Fadul Conselheiro – Antonio Carlos Hohlfeldt Conselheiro – Gaudêncio Torquato Conselheira – Margarida Maria Krohling Kunsch Conselheira – Maria Immacolata Vassallo de Lopes Conselheira – Sonia Virginia Moreira Secretaria Executiva Intercom Gerente Administrativo – Maria do Carmo Silva Barbosa Web Designer – Genio Nascimento Assistente de Comunicação e Marketing – Jovina Fonseca Fortuna Crítica da Intercom Timoneiros Direção Editorial Felipe Pena de Oliveira Presidência Muniz Sodré (UFRJ) Conselho Editorial – Intercom Alex Primo (UFRGS) Alexandre Barbalho (UFCE) Ana Sílvia Davi Lopes Médola (UNESP) Christa Berger (UNISINOS) Cicília M. Krohling Peruzzo (UMESP) Erick Felinto (UERJ) Etienne Samain (UNICAMP) Giovandro Ferreira (UFBA) José Manuel Rebelo (ISCTE, Portugal) Jeronimo C. S. Braga (PUC-RS) José Marques de Melo (UMESP) Juremir Machado da Silva (PUCRS) Luciano Arcella (Universidade d’Aquila, Itália) Luiz C. Martino (UnB) Marcio Guerra (UFJF) Margarida M. Krohling Kunsch (USP) Maria Teresa Quiroz (Universidade de Lima/Felafacs) Marialva Barbosa (UFF) Mohammed Elhajii (UFRJ) Muniz Sodré (UFRJ) Nélia R. Del Bianco (UnB) Norval Baitelo (PUC-SP) Olgária Chain Féres Matos (UNIFESP) Osvando J. de Morais (UNESP) Paulo B. C. Schettino (UFRN/ASL) Pedro Russi Duarte (UnB) Sandra Reimão (USP) Sérgio Augusto Soares Mattos (UFRB) Fortuna Crítica da Intercom Timoneiros Vol. 7 – Coleção Fortuna Crítica Osvando J. de Morais Clarissa Josgrilberg Pereira Iury Parente Aragão (Orgs.) São Paulo Intercom 2014 Coleção Fortuna Crítica Vol. 7 – Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Copyright © 2014 dos autores dos textos, cedidos para esta edição à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM Editor Osvando J. de Morais Projeto Gráfico e Diagramação Mariana Real e Marina Real Capa Mariana Real e Marina Real Revisão Carlos Eduardo Parreira Ficha Catalográfica Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros / Organizadores, Osvando J. de Morais, Clarissa Josgrilberg Pereira, Iury Parente Aragão. – São Paulo: INTERCOM, 2014. Coleção Fortuna Crítica; vol. 7 307 p. ; 23 cm ISBN: 978-85-8208-074-0 Inclui bibliografias. 1. Comunicação. 2. Comunidade. 3. Intercom. 4. História. 5. Cultura. 6. História da Comunicação. 7. Crítica. 8. Biobibliografia. 9. Ex-presidentes. 10. Diretoria. 11. Memória. I. Morais, Osvando J. de. II. Pereira, Clarissa Josgrilberg. III. Aragão, Iury Parente. IV. Título. CDD-079.09 CDD-302.23 Todos os direitos desta edição reservados à: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM Rua Joaquim Antunes, 705 – Pinheiros CEP: 05415 – 012 – São Paulo – SP – Brasil – Tel: (11) 2574 – 8477 / 3596 – 4747 / 3384 – 0303 / 3596 – 9494 http://www.intercom.org.br – E-mail: [email protected] Sumário Prefácio........................................................................................................ 12 Ofelia Elisa Torres Morales Prólogo........................................................................................................ 14 Esnél José Fagundes Introdução................................................................................................... 17 Clarissa Josgrilberg Pereira Iury Parente Aragão 1. Marialva Barbosa: Comunicação e história.............................................. 19 Igor Sacramento Herica Lene Leticia Cantarela Matheus 2. Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades................................................................................... 46 Elza Oliveira Filha 3. Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso?......................................... 64 Paulo B. C. Schettino 4. Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros.......................................... 78 Maria Érica de Oliveira Lima 5. Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento!................................................................... 88 Simone Antoniaci Tuzzo 6. Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação.................................................................................. 111 Jane A. Marques Fernanda Chocron Miranda Suzana Cunha Lopes Suellen Miyuki Alves Guedes 7. Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional.............................................................................. 139 Maria Alice Bragança Paula Regina Puhl 8. Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores............................................................................................. 156 Jhonatan Mata 9. Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico ................................. 174 Paulo Vitor Giraldi Pires 10. José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte ............................................................................ 194 Ary José Rocco Jr 11. Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação........................................................................................ 215 João Carlos Picolin 12. Raquel Paiva: A comunidade em questão............................................ 236 Guilherme Moreira Fernandes Marcello Gabbay 13. Edgard Rebouças: Engajamento e labor............................................... 258 Rose Mara Vidal de Souza 14. Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade nas narrativas escritas e audiovisuais.......................................................... 270 Poliana Lopes 15. Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico................................................. 279 César Bolaño Joanne Mota 16. Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio....................................................................................................... 292 Eliane Muniz Maria Moraes Luz Prefácio Ofelia Elisa Torres Morales1 PREFÁCIO Este livro surge inspirado no reconhecimento de uma geração de pesquisadores das ciências da comunicação que marcou, pela sua determinação profissional, curiosidade investigativa e pluralidade visionária, o universo comunicacional brasileiro contemporâneo. Trata-se de uma comunidade dinâmica que muito contribuiu na consolidação de diversas instituições de pesquisa na área. Uma delas, a INTERCOM, experimentou a efervescência transformadora de um grupo comunicacional de cientistas “timoneiros” que, com seu espírito inovador, trouxe dinamismo no campo de estudos midiáticos, identificando-se nuances e diversidades, não somente de temáticas e visões, como também, revelando variedade regional significativa. Como os timoneiros que indicam os caminhos seguros no alto mar, a relevância de cada um dos especialistas revelados nesse 1. Pós-Doutora em Comunicação Social pela Cátedra UNESCO da Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Doutora em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ECA-USP. Mestre em Rádio e Televisão pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ECA-USP. Graduada em Ciências da Comunicação – Habilitação Cinema, Rádio e Televisão pela Universidade de Lima, Peru. 12 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros projeto editorial é expressiva, principalmente, pelo incentivo no aprofundamento de linhas de investigação e estudos, assim como na orientação e formação de novos pesquisadores na área comunicacional. A inspiração ética e a dignidade profissional são traços das identidades dos produtores de ciência apresentados nessa publicação. A convivência de ideais em comum, no sentido de mergulhar no amplo oceano de expressões que a comunicação traz, é um elo dos “timoneiros”. O cerne da questão é a busca pela densidade do conhecimento científico, partindo do pluralismo acadêmico e da crítica investigativa, presente nos intelectuais referenciados nesse projeto editorial. Mostra disso, é a multiplicidade de objetos de estudo e correntes interpretativas identificadas nas opções de vida no campo das descobertas científicas de cada um deles. Orientando, guiando e buscando novos horizontes, a repercussão dos investigadores “timoneiros” não somente impacta nos cursos de graduação e pós-graduação nos quais eles desenvolvem suas atividades acadêmicas, mas, sobretudo, nas novas gerações, criando núcleos de pesquisa e desenvolvimento regional em áreas estratégicas da comunicação. Da mesma forma, seus trabalhos na academia aliam teoria e prática, nos diversos projetos de ensino, pesquisa e extensão, desenvolvidos por muitos desses estudiosos. As produções intelectuais, realizadas pelo grupo comunicacional identificado como “timoneiros”, expressam rigor científico, reforçando, assim, a legitimidade dos discursos da ciência desenvolvidos no país e, dessa forma, fortalecendo a ampliação e repercussão da comunicação nos cenários nacionais e internacionais. Nesse sentido, a publicação apresenta múltiplas perspectivas de saberes midiáticos, a partir dos olhares de uma geração, inspirada nos ensinamentos do mestre José Marques de Melo, exemplo de vida e dedicação profissional. Ao longo de seu desenvolvimento, o livro reúne textos reveladores de cada pensador, formando um grupo comunicacional representativo pelo seu esforço, pujança e determinação. A estrutura desses artigos, registrados por autores conhecedores das trajetórias desses “timoneiros”, combinam o registro biográfico e a análise do posicionamento investigativo dos mesmos, revelando-se, também, a importância de suas experiências profissionais no mercado da comunicação. O presente projeto editorial destaca, de forma abrangente, o perfil pessoal e profissional de cada um dos integrantes desse grupo emblemático de pesquisadores expressivos, assim como seus cenários e produções investigativas, mostrando sua essência identitária, revigorando e potencializando a construção do conhecimento científico, nos contextos democráticos contemporâneos. É ampliando esses horizontes que os “timoneiros” navegantes vão ao encontro de novos caminhos na imensidão do mar, desbravando aventuras midialógicas, orientando e revelando a complexidade dos universos midiáticos. Salve, navegantes timoneiros! Prefácio 13 Prólogo Esnél José Fagundes1 PRÓLOGO O projeto Coleção Fortuna Crítica foi idealizado com o objetivo de registrar a produção intelectual de autores no espaço em que um homenageado é editorado por outro profissional da área da comunicação. É de se admirar a responsabilidade dos editores que em poder de um conhecimento adquirido por meio da leitura dos textos dos homenageados se dispuseram e ousaram elaborar um novo texto expondo sua linha de pensamento sem perder o senso crítico e ético profissional. Ter a coragem de se expor e analisar a obra de outro colega merece sem sombra de dúvidas o respeito de todos. Por outro lado, deve-se reconhecer também a mesma ousadia e coragem a disponibilidade dos autores em colocar nas mãos de seus pares os seus textos para serem averiguados, explorados e criticados. O projeto Coleção Fortuna Crítica destaca-se na medida em que somos conhecedores de que para escrever o autor necessita de “farta dose de entrega, de abandono, de devassamento, e 1. Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP; Formado em Relações Públicas pela Universidade Federal do Paraná, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Maranhão. 14 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros impõe um combate contínuo contra o orgulho, o desespero e a solidão, destino que faz dos escritores, quase sempre, seres suscetíveis e irrequietos, que carregam sonhos além de suas forças”2, mesmos aqueles que escrevem cientificamente. Dentre os objetivos da obra destacam-se o de inventariar a produção acadêmica da vanguarda literária produzida pela INTERCOM, com o propósito de disponibilizar às novas gerações referências biográficas e bibliográficas que permitam o resgate das ideias dos autores abordados. Outro dos objetivos daqueles que organizam esta coletânea sempre foi que o público interessado na produção literária de comunicação conhecesse as obras e o perfil de vários autores e como estes são percebidos por outros pesquisadores da área. Assim, como a área de comunicação tem muitas interfaces optou-se por organizar a obra em temas que estivessem interligados. Portanto, este projeto possui uma vasta importância para a área da comunicação uma vez que privilegia quem lê o resultado deste embate sadio entre autor e editor. Previamente, sabiam os organizadores que seriam necessários vários volumes para atender às produções da literatura de comunicação dos últimos anos. Esse conhecimento sempre ficou evidente no próprio projeto da coletânea. Outro ponto de suma importância desta coletânea é que existe um resgate de obras que muitas vezes ficam em zonas sombrias impostas pelo mercado editorial, pela crítica, pela vaidade de muitos colegas e principalmente pela dificuldade de circulação que os livros ainda enfrentam. Os textos reunidos neste volume perpassam por áreas distintas, porém se imbricam de forma a dar ao leitor uma visão clara do pensamento de autores consagrados, discutidos e criticados nas esferas profissional e acadêmica, permitindo desta forma que ao ler todos ou apenas alguns dos textos o leitor perceba que por mais variados que sejam os assuntos se complementam. Esta edição expõe de maneira clara e sistemática recentes desenvolvimentos no campo da teoria e prática da comunicação no Brasil, e assim torna-se capaz de abrir novas perspectivas para os que se interessam pela área. Escrito por renomados autores discutem os efeitos da comunicação nas áreas profissionais e acadêmica. Percebem-se claramente as constantes e aceleradas mudanças que invadiram a área da comunicação, nestes últimos anos, e que continuam maravilhando e às vezes apavorando os estudiosos da área. Neste volume da Coleção Fortuna Crítica encontramos os mais variados temas relacionados à comunicação como a questão histórica que trabalha a co- 2. CASTELLO, José. Inventário das sombras. 3ª Ed. Rio de Janeiro; Record, 2006 Prólogo 15 municação nos tempos das novas tecnologias, suas interfaces, correlações e evolução; a influência do jornalismo na sociedade e o tratamento, pela imprensa, dos conflitos sócios, políticos e econômicos, numa visão imparcial; os estudos de conteúdo e suas perspectivas em tempos de tecnologia; a radiodifusão suas normas, evolução e a participação da sociedade; as questões sempre atuais sobre comunicação, cidadania, ética e a mídia; o jornalismo esportivo as suas características e a evolução do processo midiático como ferramenta para o exercício da cidadania, dentre outros. Longe de uma interpretação romântica da área homenageados e editores demonstram nesta edição a luta travada nas arenas profissional e acadêmica, enfatizando a velha e conhecida discussão sobre teoria e prática. O maior valor desta coletânea está em permitir a reflexão da área da comunicação por meio da veracidade da nossa produção literária. 16 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Introdução Clarissa Josgrilberg Pereira Iury Parente Aragão INTRODUÇÃO Segundo os dicionários, “timoneiro” é quem dá a direção e o ritmo aos navegadores. Dessa forma, este livro, como o próprio nome sugere, busca identificar e homenagear os pesquisadores da vanguarda da INTERCOM, os quais têm trazido grande contribuição para a área da comunicação, essencialmente, pelo incentivo e dedicação às novas gerações de estudantes. Mais que uma homenagem, a presente obra expõe sobre a linha de pesquisa de cada um dos personagens, assim como suas produções e contribuições acadêmicas, reunindo importantes informações e referências para os novos pesquisadores da área da comunicação. A proposta desse livro, assim como de todo o projeto Fortuna Crítica, é fazer um levantamento a respeito das reflexões de importantes pensadores brasileiros da comunicação, compondo riquíssima fonte de pesquisa para os estudantes do campo. Neste livro, todos os perfis foram escritos por orientandos e/ ou colegas de profissão que tiveram contato direto com cada um dos personagens homenageados e, por isso, conhecem de perto cada pesquisa, cada trabalho e cada traço da personalidade e da trajetória deles, o que, certamente, reflete em toda a contribuição dada às pesquisas da comunicação. Aliás, em todo o projeto Fortuna Crítica os traços biográficos foram Introdução 17 levados em consideração, o que mostra não só a relação do indivíduo com o que produz, mas também o lado humanístico da ciência. Os personagens aqui homenageados refletem diversificadas regiões do país, nos permitindo inferir que esta obra traz o ritmo do velejo da comunicação de grande parte do território brasileiro. Os dezesseis homenageados: Marialva Barbosa, Rosa Dalla Costa, Osvando Morais, Moacir Barbosa, Ana Carolina Temer, Maria Ataide, Paula Cundari, Iluska Coutinho, Maria Cristina Gobbi, José Carlos Marques, Fernando Ferreira de Almeida, Raquel Paiva, Edgard Rebuças, Paula Puhl, ValérioBrittos e Nelia del Bianco, representam Rio de Janeiro, Brasília, Paraná, São Paulo, Pará. Rio Grande do Norte, Goiás, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Ao resgatar o pensamento de estudiosos que estão à frente, como verdadeiros timoneiros da comunicação e que objetivam fortalecer essa área como um campo autônomo de pesquisa, estamos certos de que tal iniciativa recrutará cada vez mais marinheiros que queiram velejar nesse mar de águas revoltas, que, no entanto, oferece possibilidades de muitos portos. Boa leitura! 18 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Marialva Barbosa: Comunicação e história Igor Sacramento1 Herica Lene2 Leticia Cantarela Matheus3 1º CAPÍTULO Marialva Carlos Barbosa nasceu no dia 19 de junho de 1954. Viveu sua infância e adolescência em Piedade, bairro do subúrbio carioca, mas estudou no Colégio III-XIV Goiás no Encantado, um bairro vizinho. Em seguida, por um breve período, estudou na Escola Piedade. Cursou o antigo ginásio na Escola Estadual José do Patrocínio, em Inhaúma, e concluiu os estudos na Escola Normal Carmela Dutra, em Madureira. Nessa época, ela já tinha se mudado de Piedade para o Jardim América. Em 1973, aos 17 anos, ingressou no curso de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Nesse momento, a opção pelo Jornalismo se tornou mais certa. Marialva foi aluna de professores como Muniz Sodré, Nilson Lage e Antonio Teodorio de Barros. Logo após concluir o curso, em 1979, ela passou num concurso para uma vaga de professora auxiliar. Nessa época, pa- 1. Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ e bolsista de pós-doutorado pela mesma instituição. 2. Doutora em Comunicação pela UFRJ, mestre em Comunicação pela UFF e professora do curso de Comunicação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB. 3. Doutora em Comunicação pela UFF e professora da Faculdade de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UERJ. Marialva Barbosa: Comunicação e história 19 ralelamente à dedicação ao ensino, ela trabalhou como repórter na Rádio Tupi (1975 – 1976) e no jornal Última Hora (1977 – 1979) e como gerente de marketing e relações públicas na Sul América Seguros e na Telerj (1979-1991). Em 1989, Marialva iniciou o mestrado em História. Com dissertação intitulada “Operários do Pensamento: Visões de Mundo dos Tipógrafos do Rio de Janeiro (1880-1920)”, ela dava início ao estabelecimento de interfaces entre os campos da Comunicação e o da História, iniciativa e programa de pesquisa que a define como investigadora. O trabalho, apresentado em 1992, desvenda o cotidiano e o universo do trabalho dos tipógrafos a partir diversos textos, especialmente aqueles publicados pelo jornal O Gráfico. Os textos abordam temas acerca das péssimas condições de trabalho, da falta de higiene nas oficinas, das doenças que acometiam os operários e das necessidades de organização social do grupo. Um dos objetivos da pesquisadora na dissertação foi mostrar como as práticas e as condições cotidianas daqueles operários forneciam elementos indispensáveis para os tipógrafos se pensarem como um grupo, estabelecerem elos de identidade e formarem reivindicações. Para a sua tese de doutorado, “Imprensa, poder e público: os diários do Rio de Janeiro (1880-1920)”, a pesquisadora analisa as mudanças ocorridas nos principais jornais diários da cidade no período – Jornal do Commercio, O Paiz, Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Gazeta de Notícias, apontando para os modos como os jornais passaram ocupar mais espaço na vida dos mais diferentes grupos sociais, letrados e iletrados. Essa diversidade de público foi possível, porque a palavra impressa inseria-se como um forte elemento de normatização da sociedade, e os jornais passavam a ganhar expressiva credibilidade no modo de simbolização dos acontecimentos do mundo. Marialva, a partir da noção de circuito social da comunicação, esboçada por Robert Darnton (1990), investiga não apenas a estrutura administrativa e econômica dos períodos, mas também o que eles eram em aspectos formais e editoriais, como trabalhavam os profissionais envolvidos, como eles se popularizavam e chegavam ao público. Em 2000, ela publicou a sua tese em formato de livro, sob o título Os donos do Rio: imprensa, poder e público. Em 1994, Marialva foi aprovada no concurso para professora titular do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Nesse momento, Marialva Barbosa já vinha despontando como uma das importantes pesquisadoras do campo da Comunicação no Brasil e uma das principais especialistas em História da Comunicação. Em 1996, se tornou chefe do Departamento de Comunicação Social e, nessa condição, estruturou a proposta de um curso de mestrado em Comunicação, Imagem e Informação. A proposta foi aprovada, e o curso entrou em funcionamento em 1997. 20 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Entre 1998 e 1999, ela realizou pós-doutorado no Centre National des Recherches Scientifiques. Sua pesquisa, intitulada “Meios de comunicação, memória e tempo: a construção da redescoberta do Brasil”, abriu uma nova área de investigação na trajetória intelectual de Marialva: as construções memoráveis e temporais pelos meios de comunicação. Tomando como objeto empírico os jornais e programas de televisão sobre as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, Marialva explicou o processo de presentificação do passado realizado pelas narrativas midiáticas. No retorno às atividades na UFF, ela se empenhou no projeto de criação de um curso de doutorado em Comunicação, Imagem e Informação, que foi aprovado pela Capes em 2002, tendo início em 2003. Como professora da UFF, ela escreveu obras de grande valia para os estudos históricos da comunicação no Brasil. Cabem destacar “Percursos do Olhar: Comunicação, Narrativa e Memória”, “História Cultural da Imprensa – Brasil (1900-2000)” e “História Cultural da Imprensa – Brasil (1800-1900)”. Em 2010, Marialva se aposentou na UFF. Atuou entre 2010 e 2011 como professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti Paraná (UTP). Em 2012, foi aprovada, novamente, num concurso para professor titular. Atualmente, ela é professora titular de Jornalismo da Escola de Comunicação da UFRJ e vice-presidente da Intercom. Desenvolve com bolsa do CNPq a pesquisa “Comunicação, História, Testemunhos e Valor: Modos de comunicação e escravos do século XIX” e prepara a publicação do livro com os resultados desta investigação, enquanto aguarda a publicação de “História da Comunicação no Brasil”. Numa proposta inédita, ela não considera apenas os sistemas midiáticos, mas também os orais, manuscritos e escritos, para narrar histórias da comunicação no país. Neste texto, em ordem cronológica, dispomos uma síntese dos principais conceitos desenvolvidos pela autora ao longo de sua trajetória. Jornalismo Marialva Barbosa (2005a e 2005b) registra que o jornalismo como a história conta histórias. No primeiro caso, o passado seja remoto ou recente, próprio ou de outrem, é o relato. A história é uma história (HELLER apud BARBOSA, 2005a, p.3). Também o jornalismo é uma história, já que se valendo de um sentido de tempo presente, conta histórias em relação ao aqui agora. Contar uma história, acrescenta Heller (apud BARBOSA, 2005), significa estar no mundo. É dessa forma que se organiza a informação a respeito do munMarialva Barbosa: Comunicação e história 21 do em que o evento ocorreu, podendo-se a partir dessa organização informar de modo coerente sobre o que, como e por que o evento ocorreu daquela forma. Barbosa coloca que, se o jornalismo faz exatamente esse exercício, no desvendamento de sua ação interpretativa, o pesquisador deve recuperar na sua análise a questão da narratividade ou, como enfatiza Paul Ricouer (1995), reflexões em torno do tempo de contar e do tempo contado. Ao relatar um acontecimento ou ao transformar um evento em acontecimento, a partir de sua publicização, o jornalismo instaura – tal como o texto ficcional também o faz – o mundo contado. Esse mundo contado é estranho ao locutor (no caso o jornalista) e ao ouvinte. O jornalista presente no palco do acontecimento relata o que viu ou ouviu, mas não é ele em si mesmo construtor da ação. É através da sua narrativa que o leitor se insere no mundo das coisas contadas. Por outro lado, a perspectiva de locução marca na narrativa, pelo emprego dos tempos verbais, a diferença entre o tempo do ato (o que ocorreu) e o tempo do texto (tempo contado). Esta é uma das razões pela qual o jornalismo utiliza invariavelmente nos textos informativos tempos verbais que marcam a defasagem da ação em relação à produção do texto (passado simples, por exemplo). A ação descrita pelo jornalista no presente é, por outro lado, retrospectiva, fazendo com que o passado se prolongue no aqui agora. Comentando os fatos passados, o jornalismo retém esses mesmos fatos no presente, ainda que seja fundamental acrescentar nos textos do mundo contado marcas que distinguem a verdade da ficção: os documentos (tudo o que está revestido de uma função de registro e fixação do real presumido, tal como os testemunhos, os textos de todas as ordens, os monumentos e também os vestígios inscritos em inúmeros objetos), por exemplo. O texto jornalístico, portanto, é uma narrativa que recupera um tempo vivenciado por um outrem, narrado por um locutor, que instaura o tempo das coisas contadas. Esse mesmo narrador seleciona de um conjunto de acidentes uma história completa e una, ou “tece a intriga”, diz Barbosa utilizando a expressão cara a Paul Ricoeur (1994). Pressupor, portanto, a questão da narrativa nos estudos de jornalismo é, diz Barbosa (2005a e 2005a), instaurar uma discussão fundamental em torno da questão da temporalidade e das convenções narrativas formadas em regimes de historicidades precisos. O que o jornalismo pretende é compor um texto que reproduz o que se passa no mundo. Os jornalistas, ao produzirem um discurso digno de ser publicado, isto é, oficializado, constroem também distinção em relação a outros grupos (BARBOSA, 2004b, p.2). Como produtores de discursos, a eles é dado o direito de 22 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros falar de fatos, eventos, ocorrências que não foram registrados em sua presença, sendo pois considerados produtores de um discurso credível. Suas palavras são aceitas como verdadeiras. E se a igreja, o Estado, a ciência puderam ao longo de séculos falar do passado, sendo seus discursos considerados críveis, aos jornalistas hoje é dado o estatuto de produção do discurso do presidente acreditado como verídico. O relato jornalístico é revestido da característica de crível antes de qualquer outra presunção. Quando se descobre que um relato foi inventado, a notícia assume a proporção de um verdadeiro escândalo. Não existe possibilidade de invenção da realidade no mundo do jornalismo, em função de ser atribuída aos produtores desse discurso à outorga de poder realizar, somente, um discurso tido como verídico (BARBOSA, 2005b, p.109). História Ao abordar o conceito de História, Marialva Barbosa (2004c) destaca que a operação historiográfica deve ser pensada como um processo, no qual estão envolvidos não apenas os grandes nomes, as grandes datas, os grandes feitos singulares, mas, sobretudo, os particularismos, as repetições, os vestígios, os restos que o passado legou ao presente. E, sobretudo, os anônimos. É a partir de restos e vestígios que chegam do passado ao presente também que se pode recontar as histórias que envolvem prioritariamente as ações comunicacionais do passado. Muitas vezes nessas ações, o objetivo último é prefigurar os sistemas de comunicação existentes em dado momento e lugar. Nesse instante, a história que afinal é comunicação, se torna história da comunicação (BARBOSA, 2007b). A História, para ela, é comunicação. “Se considerarmos que toda história refere-se ao fracasso ou ao sucesso de homens que vivem e trabalham juntos em sociedades ou nações, com pretensão ou ao verdadeiro ou ao verossímil, a história é, na verdade, o fragmento ou o segmento de um mundo da comunicação” (BARBOSA, 2007, p. 3). São os atos comunicacionais dos homens do passado o que se pretende recuperar como verdade absoluta ou como algo capaz de ser acreditada como verídico. É, nesse sentido, que Barbosa afirma que a história é sempre um ato comunicacional. Ela destaca a questão da interpretação como o principal postulado da historiografia: não se trata de recuperar o que de fato ocorre (até porque o que de fato ocorre não pode jamais ser recuperado), mas interpretar – a partir da subjetividade do pesquisador – as razões de uma determinada ação social (BARBOSA, 2005b, p. 3). Marialva Barbosa: Comunicação e história 23 Em sua concepção, só haverá entendimento se a história puder ser seguida por aquele que a lê, a decifra e a interpreta. Mas as histórias só merecem ser narradas e seguidas se a sua temática se referir a interesses e a qualidades humanas. Há sempre um nexo com os sentimentos nas histórias que contamos. Com isso, Barbosa não quer retirar da história o seu estatuto de ciência, construído como um lugar emblemático de sua fala e fundamental para o desenvolvimento da disciplina histórica. Também não nega toda a discussão que governou o século XX e que procurou construir novos parâmetros e novas bases para a disciplina, privilegiando a estrutura e a conjuntura nos tempos de longa duração. Marialva Barbosa (2007b, p.15; 2009, p.10) diz que construir a história da comunicação é, pois, fazer mesmo movimento da “escrita da história” (CERTEAU, 1982). É perceber a história como processo complexo, no qual estão engendradas relações sociais, culturais, falas e não ditos. Compete ao historiador perguntar pelos silêncios e identificar no que não foi dito uma razão de natureza muitas vezes política. Pensar historicamente pressupõe contextualizar os espaços sociais numa cadeia de fatos, eventos, ocorrências, costumes, instituições que se conformam como um fluxo (antes e depois). Barbosa (2004c) insere a produção de uma história da comunicação dentro de um campo claramente configurado e que se denomina história cultural. Difícil de ser definida, sendo muitas vezes confundida com história das ideias ou dos pensadores ou outras vezes com história das práticas culturais, a história cultural deve, na definição de Roger Chartier (1990), identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma dada realidade é construída, pensada e dada a ler. Quando enfatiza a expressão “dada a ler”, Chartier coloca em relevo a questão da interpretação, fundamental na operação historiográfica. Barbosa (2004c) destaca que é preciso perceber que qualquer história é reinterpretação, reinvenção, reescritura. Não há possibilidade de recuperação do passado tal como ele se deu: o passado é inteligível nas fimbrias das narrativas que ele mesmo compôs. O que o historiador faz é um ato ficcional, não no sentido de que aquilo que descreve não tenha se dado, mas considerando sempre o grau de invenção, composição, interpretação, inserção do sujeito pesquisador que compõe a história a ser interpretada. Não há possibilidade de isenção diante de qualquer construção humana (Ibid.). Barbosa (2009, p. 10) segue a metodologia proposta por Robert Darnton (1990), que propõe a realização de uma história social e cultural da comunicação impressa. Assim, o estudo dos meios de comunicação no seu sentido histó24 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros rico deve envolver todo o processo de sua construção e este movimento termina na interpretação dos leitores. Ao escrever a história da imprensa, destaca ela, é fundamental visualizar a invenção criadora do público no instante em que realizam o processo de recepção e também caracterizar práticas que se apropriam de modo diferente dos materiais que circulam em determinadas sociedades, identificando-se as diferenças. Fazer história da comunicação, em sua visão, é estudar um corpus específico de textos ou de textualidades, considerando também a relação dos leitores com esses objetos culturais. Assim, Barbosa (2004c; 2007b; 2011) faz uma proposta teórica e metodologicamente para a construção de uma história da comunicação: em primeiro lugar, levar em conta as premissas da escrita da história e, em segundo lugar, considerar as especificidades de estar se lidando com textos e textualidades. Seguindo o modelo proposto por Robert Darnton (1995), Marialva Barbosa (2009, p.10; 2011, p. 23-24) afirma que é preciso desvendar, quando se fala em história da comunicação, quem escrevia nesses jornais, como procuravam se popularizar – ou seja, que estratégias, apelos e valores esses veículos invocavam no seu discurso -, como funcionavam essas empresas e de que forma esses textos chegavam ao público. Percorrido esse caminho é preciso ver ainda como os leitores entendiam os sinais na página impressa, quais eram os efeitos sociais dessa experiência. Por outro lado, as inovações devem ser pensadas não apenas como circunstancias de natureza política, econômica e tecnológica, mas, sobretudo, na relação direta com o público. Ela defende ainda como um aspecto que pode ser altamente positivo para a pesquisa histórica: a imersão do pesquisador no seu objeto. Longe de postular um distanciamento artificial, porque construído sobre parâmetros de uma ideia de ciência há muito tempo desconsiderada, o pesquisador deve se inserir no seu próprio relato. Isso porque em qualquer pesquisa está presente a subjetividade do sujeito que a constrói. Fazer história neste sentido, enfatiza, é construir a nossa própria história. A história, portanto, não fala do passado, mas do presente, tal como a operação de memória. O que ela possibilita é uma dada reconstrução desse passado, feita através de um diálogo que ajuda, sobretudo, a entender melhor o presente. Barbosa destaca que a história não fala do tempo de ontem, mas possibilita apenas a sua reconstrução. Fazer uma história que envolva os meios de comunicação, conclui ela, não é apenas informar ou analisar o que esses meios publicavam; não é tão somente discorrer sobre as estratégias discursivas dessa imprensa; não é também se limitar a alinhar os grandes nomes e os grandes feitos dos homens de imprensa. É Marialva Barbosa: Comunicação e história 25 dar conta de um processo comunicacional que envolve sempre o que foi produzido, quem produziu, porque produziu, para quem produziu. Como eram essas mensagens produzidas; como circulavam esses impressos; que materialidades possuíam; que atores estavam envolvidos ao longo do processo. E, por último, a quem eram destinadas. Mas não basta completar esse circuito com o momento em que esses impressos chegavam aos leitores. É preciso mais: é preciso compreender e perceber de que forma esse público realizava a interpretação de um texto que sempre chega ao mundo e a ele volta no momento em que produz compreensão. Nesse instante, gera um outro texto, uma apropriação crítica, uma transformação (BARBOSA, 2009, p.17). Sistemas de comunicação Marialva Barbosa vem consolidando no Brasil a história dos sistemas de comunicação (BARBOSA, 1997 e 2010). Tal projeto compreende a iniciativa de não se limitar a dar voz aos produtores das mensagens, mas também aos sujeitos sociais concretos que receberam e se apropriaram delas de diferentes maneiras, participando, assim, da produção de sentido. Essa perspectiva tem no trabalho de Robert Darnton forte inspiração. Em 1982, o jornalista e historiador norte-americano elaborou o modelo do “circuito das comunicações” para entender os modos como os livros surgem e se espalham na sociedade: do autor ao leitor, passando pelo editor (se o livreiro não assume esse papel), pela impressora, pelo carregador, pelo livreiro e chegando ao leitor. Os sentidos produzidos no processo são concebidos como rotas que passam da ideia para escrever à letra imprensa e que podem permitir uma nova ideia. Nessa concepção, a história do livro diz respeito a cada fase do processo e o processo como um todo, em todas as suas variações no espaço e no tempo e suas relações com outros sistemas: o econômico, o social, o político e o cultural. Desse modo, Darnton parte do pressuposto de que somente uma visão holística do livro como um meio de comunicação pode evitar as fragmentações de sua história em especialidades esotéricas (a história dos autores, dos editores, dos livreiros, dos carregadores, dos leitores). Para ele, a história do livro se faz da conjunção de todas essas histórias. Sendo assim, não bastaria somente investigar as materialidades (o o que da questão), mas principalmente considerar os atores envolvidos na produção, na circulação e na recepção dos livros (o quem, portanto) e os seus propósitos, ações e projetos. Desse modo, também é possível analisar os agentes e os sentidos envolvidos nos sistemas midiáticos – sejam eles jornais, revistas, livros, filmes, programas de televisão – como partes de circuitos comunicacionais. 26 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Em seu trabalho, Barbosa visualiza o processo da comunicação como um sistema, no qual têm importância o conteúdo e o produtor da mensagem, bem como a forma como o leitor/espectador entende, nos limites de sua cultura, os sinais desse sistema. Considerando o texto histórico também como um artefato literário, a comunicação enumera os pressupostos teórico-metodológicos indispensáveis para a construção de uma história dos sistemas de comunicação. Essa proposta se inscreve no campo de estudos da história da cultura renovada pelos contatos com os estudos sobre os processos de produção social dos sentidos. Privilegia-se o estudo das mídias contemporâneas através da delimitação dos seus circuitos sociais de produção, circulação, consumo e agenciamento de produtos, experiências estéticas e processos culturais. Tem como objetivo principal definir os processos da produção de sentido no mundo contemporâneo, através de seus efeitos, seus suportes, vetores e mediadores. Uma história dos sistemas de comunicação, portanto, deve articular a mensagem aos produtores e receptores, visualizando a face desse receptor, as formas como realizavam leituras diferenciadas e, sobretudo, a singularidade ao se apropriarem dessas mensagens. A comunicação é um processo que envolve a produção da mensagem, a sua emissão e a sua apropriação por alguém que é, acima de tudo, um sujeito histórico concreto. Visualizar a história dos sistemas de comunicação é perceber todo esse circuito e só assim realizar uma reinterpretação que possibilite recuperar formas culturais inscritas num passado. Qualquer compreensão desse sistema depende, também, fundamentalmente da forma como esta comunicação chega ao leitor/espectador. Nenhum processo comunicacional existe fora do suporte que lhe confere legibilidade. Para Marialva, estabelecer a complexidade dos estudos dos objetos de comunicação como um sistema, ao mesmo tempo histórico e cultural, exige, pois, que se considere o texto/emissão, o objeto que o comunica e o ato que o apreende. Sensacionalismo Marialva Barbosa deslocou o conceito de sensacionalismo de uma concepção normativa sobre o jornalismo, preferindo a ideia de jornalismo de sensações. Embora ela faça uso do termo sensacionalismo, ele não remete, em sua obra, a um gênero jornalístico de “baixa” qualidade ou mesmo como desvio de sua suposta função iluminadora, mantendo sempre o cuidado de rejeitar classificação de ordens discursivas em compartimentos para estanques. Para ela, o sensacionalismo é uma prática de comunicação que se dá quando repórteres, redatores e editores optam por configurar e encadear as narrativas Marialva Barbosa: Comunicação e história 27 jornalísticas de modo a acentuar seus mecanismos narrativos que acionam as sensações no leitor-espectador. Caracteriza-se pelo uso de recursos de expressão – tanto pelo conteúdo, mas principalmente pela forma – que mobilizam asco, arrepio, susto, excitação, choro, despertando sentimentos como medo, surpresa, piedade, dor, ira etc. Trata-se de um jornalismo sensorial, herdeiro de formas populares de comunicação, ligadas ao universo oral. Chamamos habitualmente de jornalismo sensacionalista um tipo de notícia que apela às sensações, que provoca emoção, que indica uma relação de proximidade como fato reconstruído exatamente a partir de uma memória dessas sensações (BARBOSA, 2007a, p.122). Sua concepção de sensacionalismo tem como base o princípio de Martín-Barbero segundo o qual o popular sobreviveu e sobrevive integrado aos produtos massivos, como um movimento de longa duração daquilo que Barbero (2001) chama de matriz cultural do popular. Não há, portanto, em Barbosa, fronteiras nítidas entre as culturas “alta” e “baixa”, considerando que elas circulam pela sociedade, como em Bakhtin (1996). Evidentemente que, quando estamos considerando o jornalismo como sensacionalista, ou melhor, de sensações, não o fazemos apenas porque esses textos apelam para as sensações físicas e psíquicas. As sensações a que nos referimos encontram-se na relação da leitura com o extraordinário, com o excepcional, aproximando esse tipo de notícia do inominável. São sensações contidas nas representações arquetípicas do melodrama e que continuam subsistindo nos modos narrativos dessas tipologias de notícias. Tal como os gostos e anseios populares – formados na longa duração – também as sensações desse tipo de narrativa mesclam os dramas cotidianos – os melodramas – em estruturas narrativas que apelam ao imaginário que navega entre sonho e realidade (BARBOSA, 2007a, p.123, grifo original). O interesse de Barbosa pelo tema do sensacionalismo foi despertado quando em sua pesquisa de doutorado em História Social, defendida em 1996 na Universidade Federal Fluminense, ela descobriu que os jornais só se popularizaram graças às “notas sensacionais”, na virada do século XIX para o XX, no Rio de Janeiro. A partir daquele momento, surgem inclusive periódicos totalmente voltados para os escândalos e os crimes, como “Manhã”, de 1925, e “Crítica”, de 1928, ambos fundados por Mário Rodrigues. 28 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Esses diários integram uma cultura popular mais ampla, que excede as fronteiras do jornalismo, ao mesmo tempo tão inflamada por ele. Eles ajudam a construir mitos urbanos, e se tornam importantes simuladores da experiência cotidiana, na medida em que o sensorial materializa a experiência narrativa ao fazê-la retornar ao plano da oralidade. Pelo sensacionalismo, a relação com o ambiente urbano e com a comunicação se torna concreta, atrelada ao corpo. Marialva recupera o jornalismo de sensações de um limbo desviante que o mantêm como um objeto “menor” na Comunicação e o traz à superfície da história como um dos pilares do jornalismo, ao lado do jornalismo político, responsável pela ampliação do público leitor. Radicalizando, é possível extrair da obra de Barbosa que o jornalismo deve ao sensacionalismo a formação do seu público. É justamente da análise do jornalismo de sensações que a autora encontra os primeiros desafios que a demarcação de fronteiras entre realidade e ficção frequentemente impede os pesquisadores de avançar. Ao elaborar seus princípios norteadores sobre a narrativa, adotando uma concepção de Ricouer que trata a formação da intriga como um exercício da imaginação produtora, Barbosa expande essa compreensão para todo o seu pensamento sobre a comunicação e rompe a fronteira entre verdade e ficção, por meio da construção da verossimilhança. Assim, o tratamento dado ao sensacionalismo em suas análises alcança outra dimensão. O irracional é a marca principal dessas narrativas. Entretanto, como pertence ao mundo do jornalismo, é necessário mesclar o ficcional e o imemorial como dados de uma pretensa realidade objetiva (BARBOSA, 2007a, p.128). Memória e usos do passado A questão da memória, nas suas múltiplas conceituações e apropriações, tem sido um tema frequente nos estudos de Marialva Barbosa desde a década de 1990. Na sua interseção com a problemática do jornalismo, enfatiza ela, a questão da memória possibilita uma série de reflexões que ajuda a compreender as inter-relações fundamentais entre imprensa e poder. Afinal, ao ser portadora de um discurso válido que pode ser transformado em documento para o futuro, a mídia se configura como um dos “senhores da memória” da sociedade (BARBOSA, 2004, p.1). Para a pesquisadora (2004a; 2004c; 2005a; 2005b), falar de memória é se referir a quatro problemas fundamentais: ela é sempre uma ação do presente. Nessa ação estão envolvidas escolhas, ou seja, pressupõe a dialética lembrança e esquecimento. É se referir às disputas em torno da fixação das chamadas memóMarialva Barbosa: Comunicação e história 29 rias válidas, o que enseja necessariamente a questão do poder. E, por último, é também construir uma ideia de projeto. A memória é projetiva, no sentido que se direciona sempre a uma ideia de futuro. Apropriação seletiva do passado, apoiada num feixe de subjetividades, do qual o tempo faz parte, a memória coloca em destaque, em seu caráter plural, também a noção de agentes de memórias, de pluralidade de funções e de significações. A memória é uma construção e não um dado, destaca ela. Seletiva reconstrução do passado, baseada em ações subsequentes, não localizadas nesse passado, em percepções e em novos códigos, é através da memória que se delineia, simboliza e classifica do mundo. O passado é, pois, universo de significados, disputados conflitivamente no presente. Ao explicar as diferenças entre memória e história, Barbosa (2004c) ressalta que: memória é um conceito tecido nas disputas e diálogos com que inúmeros autores desde o século XIX tentam dar conta da complexa teorização em torno de uma problemática importante para diversos campos do conhecimento. História, por outro lado, define-se por ser um campo de conhecimento, uma disciplina, uma prática, uma escrita com função simbolizadora que permite a sociedade situar-se, abrindo espaço para o próprio passado (ibid., p.107). Em seus estudos, Barbosa dialoga com inúmeros autores que se ocuparam nos últimos 100 anos em tecer esse conceito em toda a sua complexidade: os estudos pioneiros de Sigmund Freud (1889; 1899; 1925), passando pela conceituação de Henri Bérgson (1959); a percepção de memória na sua dimensão social realizada por Maurice Halbawchs (1990); sem falar em outros pesquisadores que mais recentemente não deixaram de se referir à memória, acrescentando outros postulados fundamentais. Neste sentido, Barbosa (2004a, p.107-108) destaca a obra de Pierre Nora (1979) e seu conceito polêmico e, ao mesmo tempo, desafiador, de “lugares de memória”; os estudos de Michel Pollack (1989); as aproximações entre memória e identidade, realizadas por Gérard Namer (1987) e Jöel Candau (1998); as reflexões em torno da relação memória e poder, das memórias silenciadas e esquecidas em contraposição às memórias publicizadas e oficializadas, realizadas por Jacques Le Goff (1990), Georges Duby (1989) e Andréas Huyssen (2000), entre outros. Barbosa (2004c, p.108) afirma que toda a conceituação realizada em torno da questão da memória se configura extremamente importante para os pesquisadores da comunicação. Não apenas porque a mídia trabalha quotidianamente com a dialética fundamental da memória, lembrança e esquecimento, ao valorizar alguns elementos em detrimento de outros, os meios de comunicação reconstroem de maneira seletiva o presente, contribuindo hoje a história desse presente e fixando para o futuro o que deve ser lembrado e o que precisa ser esquecido. 30 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Retendo assuntos que, em princípio, guardariam alguma identificação com o leitor, ressalta ela, os meios de comunicação selecionam o mundo a partir de critérios subjetivos, classificando-o para seu público. Desorganizando a realidade e apresentando o mundo como um amontoado de fatos desconexos, sem nenhuma lógica racional interna, colocam lado a lado, crimes, ganhadores de prêmios milionários, espetáculos populares, jogos inesquecíveis, disputas políticas e as turbulências do mercado econômico. Ao selecionar fatos para os leitores, em detrimento de outros que passam à categoria do esquecimento, dão ao público a impressão de que ele participa daquele mundo. E os jornalistas fazem a memória, na medida em que é papel da mídia reter assuntos que, guardando identificação com o leitor, precisam ser permanentemente atualizados. Ao selecionar temas que devem ser lembrados e ao esquecer outros, produzem, a partir de critérios altamente subjetivos, uma espécie de classificação do mundo para o leitor (BARBOSA, 2004c, p.1-2). O jornal retém em sua estrutura assuntos que, em princípio, guardariam alguma identificação com o leitor. Entretanto, como não se pode informar a totalidade, seleciona e hierarquiza as informações tomando por base critérios subjetivos. A própria distribuição das notícias em eixos centrais de análise, onde informações em rubricas específicas produzem uma classificação permanente do mundo social para o leitor, mostra esta tendência. Ao produzir o acontecimento como ruptura algo que emerge na duração – a partir de um modelo de normalidade ou anormalidade considerado a priori, os meios de comunicação tornam-se espécies de “senhores da memória” da sociedade, sendo detentores do poder de fixar o presidente para um futuro próximo ou distante. Ao legitimar o acontecimento, divulgando-o e tirando-o de zonas de sombras e de silêncio, impõem uma visão de mundo que atua outorgando poder (BARBOSA, 2004a, p.108-109). Acontecimento Marialva Barbosa (2002) discute esse conceito que envolve abordagens na história, na filosofia e nas ciências sociais e qual o papel dos meios de comunicação na construção ou constituição de acontecimentos, dialogando com vários autores (BRAUDEL, 1978; KOSELLECK, 1990; LACOUTRE, 1990; BURKE, 1992; WHITE, 1994; RICOUER, 1994; e NORA, 1979). Ela registra que múltiplas definições emergiram desde o início dos anos 1970, quando as reflexões sobre o acontecimento se desenvolveram e se aprofundaram. De um lado, os estruturalistas debatiam as relações entre estrutura e Marialva Barbosa: Comunicação e história 31 acontecimento, que na história ganha, por vezes, definições imprecisas: estruturas históricas profundas, de um lado, fatos de superfície, de outro; história “acontecimental” e história fundamental profunda. Em um texto de 1974, o historiador francês Pierre Nora (apud BARBOSA, 2002) distinguiu o que chama acontecimento moderno e localizou seu aparecimento nos últimos 30 anos do século XIX. Para ele, a sensação de que o presente já é possuído de um sentido histórico, existente na contemporaneidade, produz a percepção de que existiria uma circulação generalizada dessa percepção histórica no presente, o que culminaria com um fenômeno novo: o acontecimento. A partir daí, houve um movimento duplo: de um lado, os positivistas procurando fazer do acontecimento passado a matéria-prima da história, que, assim, se tornaria responsável pelo encadeamento desses acontecimentos e, de outro, os mídias promovendo um verdadeiro retorno da história, na medida em que nas sociedades contemporâneas seria por intermédio deles que o acontecimento marcaria a sua presença. O texto de Nora registra um momento singular de apagamento da memória do acontecimento do “ofício dos historiadores” e, ao mesmo tempo, o liga aos meios de comunicação (BARBOSA, 2002, p. 181). Nas ciências sociais, paralelamente ao campo da história, desenvolveram-se uma série de estudos buscando a conceituação de acontecimento a partir de uma explicação construtivista. A ideia central nas pesquisas construtivistas é que os meios de comunicação não descrevem a realidade objetiva, existente em si mesma, mas que a constroem. Assim, o mundo configurado pelas notícias é sempre uma realidade construída. Barbosa (2002) considera, pois, que o acontecimento não se resume a uma simples ocorrência espacial e temporal. Não comporta em si mesmo uma significação determinada e não fixa, a priori, a descrição que se faz de um evento. Ao ser editado, selecionado, escolhido, o acontecimento midiático recebe sentidos atribuídos pelos chamados operadores da mídia. Nessa perspectiva, portanto, os acontecimentos públicos seriam produtos ou resultados das atividades, das práticas rotineiras e das estratégias de um certo número de atores sociais. Perceber que a mídia eleva um fato a categoria de acontecimento parece importante, mas Barbosa destaca que, sem dúvida, o mais relevante é caracterizar o próprio acontecimento contemporâneo: imprevisível, dramático, violento. Quais as razões dessa configuração? Sem dúvida, é resultado de uma lenta estruturação cultural e de fatos sociais reais: a emergência de um jornalismo especializado, o debate cultural em torno de um assunto presentificado, uma nova apreensão temporal do mundo contemporâneo e a configuração do imaginário social, entre tantas outras nuanças. O acontecimento tem, registra a pesquisadora, um sentido de ruptura com relação aos meios de comunicação. Barbosa (2004b) explica que os jornalistas, produ32 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros zindo um discurso digno de ser publicado, isto é, oficializado, constroem distinção em relação a outros grupos. Produzem o acontecimento como algo que emerge na duração, a partir do pressuposto de que este fugiria aos padrões de normalidade. O acontecimento como ruptura seria algo que produziria no público uma espécie de estranhamento. Passaria a ser nesta ótica tudo aquilo que se materializa via publicização dos meios de comunicação. Mas não é só a escolha do fato que transforma o acontecimento em algo seletivo, já que a ação mesma de narrar pressupõe uma seleção. Não é possível a qualquer narrativa apreender tudo o que se produz em torno do narrador, uma vez que a percepção é sempre seletiva e a atenção reflexiva. Ela explica que o narrador escolhe os elementos do seu relato, mesmo quando pretende que nada lhe escape. O conjunto de unidades registradas será sempre um subconjunto do que realmente se passou. Assim, os meios de comunicação registram, de preferência, fatos que os jornalistas estão convencidos de terem visto ou compreendido e decompõem o tempo vivido em uma sequência de unidades individualizadas. Cada unidade individualizada do tempo vivido corresponde a uma mudança que o espectador percebe em torno de si mesmo, a uma passagem de um estado a outro, a uma descontinuidade em relação ao momento anterior, resultado do aparecimento ou desaparecimento de algo ou da rearrumação dos elementos que estão à volta. A mudança que o público percebe a sua volta é o acontecimento, no sentido que se dá a esta palavra na literatura histórica. Mas para que haja acontecimento não basta a presença do espectador. É preciso que haja a mudança e que ela seja acessível a uma pluralidade de espectadores virtuais, capazes de comunicar reciprocamente os resultados de suas recepções. E são os meios de comunicação que tornam essa mudança acessível. Para ser percebida é preciso que seja perceptível. Para isso é necessário que o acontecimento se produza no espaço visível do público. E são mais uma vez os meios de comunicação que tornam o acontecimento visível. Barbosa (2004b) explica que a narrativa do acontecimento, entretanto, não é apenas a descrição das mudanças que se percebeu. O jornalista confere significação àquilo que fala, mesmo quando não existe propósito deliberado para isso. Acontecimento seria, assim, não a mudança perceptível no tempo e no espaço, mas a descontinuidade construída a partir de um modelo de normalidade e anormalidade construído. Do ponto de vista da caracterização temporal, embora o acontecimento seja atual, evidencia um tempo de natureza cíclica. Os fatos narrados hoje são repetidos amanhã, ainda que envolvendo outros personagens, outros lugares. O tempo da narrativa jornalística mostra uma repetição sistemática da quebra de normalidade. Marialva Barbosa: Comunicação e história 33 Cerimônias e comemorações Marialva Barbosa também discutiu em seus estudos a questão da relação dos meios de comunicação com as cerimônias e comemorações, fazendo reflexões relacionadas principalmente à televisão. Ao reproduzir o mundo sob a forma de narrativa, diz Barbosa (2004a), a televisão está construindo a memória do presente para um futuro. Por outro lado, ao incluir na sua programação momentos de interrupção para as chamadas emissões ao vivo que se reatualizam sem cessar – as chamadas cerimônias midiáticas –, evocando como contraponto o passado imemorial, está se constituindo em um outro lugar de memória: a memória do passado possível em relação a um presente em permanente atualização. Ao construir comemorações reatualiza o passado, mas por uma ótica que inclui não apenas o presente, mas, sobretudo, o futuro. A memória, portanto, se configura na televisão não apenas nas notícias do quotidiano, mas nas comemorações e nas cerimônias midiáticas. Citando Dayan (1996), diz que o primeiro lugar de materialização de uma dada memória da sociedade, organizada como memória dominante pelos meios de comunicação, são as chamadas cerimônias televisivas. Nessas emissões procede-se a uma espécie de suspensão do tempo e a inclusão do público como comunidade interpretativa. Cria-se uma espécie de sentimento de comunhão entre aqueles que partilham a experiência de visualizar a mesma emissão, em conjunto com outros que também veem o desenrolar dos acontecimentos que se atualizam sem cessar, naquele mesmo momento e lugar, graças à ação da mídia. Mas essas transmissões são também, segundo ela, arquivos memoráveis construídos para um futuro possível e também a mídia recorre a elas sempre que necessita relembrar um passado memoriável. Por outro lado, é preciso considerar que a cerimônia transmitida ao vivo pela televisão possui todas as características de um ritual. Os personagens, por outro lado, situam-se entre o real e o fictício, solicitando do público a crença coletiva. Cria-se, portanto, em torno dessas cerimônias uma série de artifícios narrativos, nos quais a escolha de imagens, o apagamento do contexto, a repetição dos efeitos e a lentidão dos movimentos dos personagens assumem papel central. Cria-se uma espécie de festa coletiva, nos quais os rituais são extremamente importantes e para os quais se pede também a participação do público, também ator da cerimônia. Outro aspecto a ser considerado é o da simultaneidade das transmissões, em tempo real. Inaugura-se assim um regime de imprevisibilidade, criando uma permanente expectativa em relação ao próprio desenrolar dos acontecimentos. 34 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Essa atualização permanente produz memórias fluidas, voláteis desses acontecimentos, ao mesmo tempo em que as emissões apelam a todo instante para a memória: ao mesmo tempo em que mudam as imagens do ao vivo, intercalam-se essas imagens com arquivos de um passado pertencente ao personagem central da emissão. Assim, constroem-se dois arquivos para o presente e a para o futuro e os meios de comunicação se constituem não apenas em arquivos para o futuro, mas em arquivos permanentes do presente. E a narrativa não é mais apenas a mescla do ficcional com o informacional, mas a narrativa histórica do imediato. Após relatar com minúcias os detalhes daquele acontecimento singular que produz a interrupção do fluxo narrativo convencional, a própria emissão vai preparando o seu esquecimento e preparando o público para voltar ao ritmo e ao quotidiano de suas existências. A narrativa começa a fazer uso do recurso do flash-back e das sínteses que resumem as horas de transmissão em eventos considerados significativos. Gradativamente esses restos, vestígios, espécies de relíquias fabricadas não são apresentados como cenas diretas. Assume o controle da emissão as performances de estúdio, até que gradativamente sai de cena. E a mesma televisão que produziu a cerimônia também produz o seu esquecimento, através dessas estratégias narrativas que apelam à síntese ou à idealização de momentos construídos como clímax. Construída como evento memorável, a cerimônia é depois direcionada para o esquecimento. As comemorações são outro tipo de evento midiático que coloca em relevo a questão da memória. Espécies de marcos que reatualizam o passado, são um importante instrumento utilizado pela prática jornalística, para construir uma dada memória da sociedade. Se a narrativa jornalística é marcada pela identidade com o instante é preciso, também, criar mecanismos em que se elimine o déficit existente em relação ao passado. Presentificando o passado, a retórica jornalística da comemoração estabelece em relação ao acontecimento, difundido como informação e como espetáculo, a materialização de uma dada memória através da montagem de uma verdadeira indústria da comemoração. Para isso mistura-se o presente e o passado, razão pela qual tornam-se os meios de comunicação verdadeiros guardiões das comemorações contemporâneas e construtores de uma dada materialização da memória. As comemorações fazem parte de um processo de construção de poder, no qual o interesse político de dominar o tempo assume papel fundamental. Possibilita também a construção do acontecimento e a sua valoração pública, o que leva os detentores deste poder a serem publicamente proprietários de sua criação. Marialva Barbosa: Comunicação e história 35 Não se pode esquecer também o caráter comercial desses eventos. Transformada em produto, a comemoração é uma comercialização lucrativa, ao mesmo tempo em que se torna integradora do sagrado e do profano. As festas comemorativas possuem, pois, essas duas dimensões: a praça pública subversiva, profana e a dimensão sagrada dos atos oficiais. E são essas duas dimensões que são veiculadas pelos meios que se tornam, assim, na contemporaneidade guardiões da única memória válida da sociedade. Para Marialva Barbosa (2006a), as comemorações talvez sejam o momento mais emblemático como aparecem não apenas essas expectativas de futuro na construção dos meios de comunicação, como também a política deliberada do esquecimento como figuração da memória. Ela é construída como acontecimento, restabelecendo a lógica narrativa no qual o passado pode ser utilizado concomitantemente ao presente e moldando uma realidade diferente daquela da transmissão direta, que por si só não cria este tipo de identificação. Mas na presentificação do passado ocorrida nos jogos comemorativos, os meios de comunicação apresentam também uma expectativa de futuro. Dando visibilidade as comemorações, os meios de comunicação desenvolveram a ideia de passado como fato incomum, transformando-o em algo que pertence ao regime do excepcional. Conectando o passado ao presente, por outro lado, tornam-se guardiãs do fluxo temporal, atrelado a pratica do instante. Os promotores dos gestos comemorativos assumem explicitamente uma função política, reafirmando-se, simbolicamente, como herdeiros do passado. Mas cada gesto comemorativo aponta para o futuro, reforçando a ideia de integração. Isso ocorreu, por exemplo, nas comemorações dos 500 anos do Brasil, em 2000, quando a Rede Globo se instaurou como verdadeira guardiã do ato celebratório e responsável direto pelo discurso de redescoberta e integração do Brasil, através da criação e da divulgação de gestos comemorativos. A televisão aparecia na construção discursiva como a única capaz de integrar um país com a extensão de um continente. Barbosa destaca que cada comemoração se inscreve numa tensão entre dois pontos: um responde a uma preocupação de sociabilidade, de construção ou de afirmação de uma identidade e outro é de natureza pedagógica, cuja preocupação é transmitir, fazer conhecer e incitar. Cada comemoração é, pois, misto de sociabilidade e de pedagogia. A mídia ao ser criadora da comemoração e, nesse sentido, inventora de um passado memorial toma para si o papel de promotora da identidade nacional e local e o sentido pedagógico do gesto comemorativo. 36 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Narrativa O conceito de narrativa com o qual Marialva Barbosa opera deriva de sua filiação fenomenológica em Paul Ricoeur e não se confunde com a questão de gênero. Não se trata de identificar quais textualidades podem ou não ser caracterizadas como narrativas, como “molduras do discurso” (BARBOSA, 2004a, p.2). Em Barbosa, narrativa é um operador teórico substitutivo ao conceito de discurso, com a finalidade de dar conta das tessituras linguísticas (verbais e não-verbais) no mundo social. Sua opção conceitual se deve à necessidade de acentuar o aspecto temporal da comunicação, garantindo coerência no seu sistema de pensamento. Esse conceito faz emergir a questão do tempo nos objetos preferenciais de Barbosa, entre eles, a narrativa televisual. O ato de narrar integra o tempo da narração e o tempo histórico. O conceito também permite à autora acentuar três de suas principais preocupações: a ação do público, a dimensão ficcional do discurso e a presença da história, como atualização de múltiplos passados, nos meios de comunicação. Portanto, não existe, em Barbosa, uma função narrativa específica do discurso. A narrativa se encontra como metáfora para vida, assim como em Ricoeur. Por isso, outro conceito chave para compreender a concepção da autora de narrativa é o de experiência, pois “o que está em cena é o lugar de fala do sujeito e a sua própria experiência frente ao mundo” (BARBOSA, 2004a, p.2). Essa concepção deriva, evidentemente, de Benjamim, mas também de Ricoeur. Para ela, a narrativa “produz a transição entre a experiência que precede a construção do texto e a que lhe é posterior e só ganha sentido quando passa a figurar nesse novo mundo.” (BARBOSA, 2007c, p.12) Dessa maneira, inspirada na tríplice mimese de Ricoeur (1994), Barbosa toma a narrativa como modelo para o processo comunicacional, mantendo forte compromisso antiestruturalista. Para ela, narrativa é o processo de comunicação, no qual fica evidenciada a ação do público ao fazer o texto retornar ao mundo social. Ao produzir sentido sobre o texto, o público lhe dá nova vida e novo ciclo comunicacional, nunca idêntico ao anterior, como no modelo do espiral em Ricoeur, isto é, do arco hermenêutico. Através da narrativa re-atualizamos permanentemente nossa experiência solitária e muda. Mas isso só se dá se houver a re-configuração textual através da experiência temporal. Assim, falar em narrativa pressupõe se referir a uma forma que é trans-cultural e que coloca em evidência o caráter temporal da experiência humana (RICOEUR, 1994: 85 apud BARBOSA, 2007c, p.11). Marialva Barbosa: Comunicação e história 37 Segundo a autora, essa unificação entre tempo e narrativa se dá por uma operação mimética. Nesse sentido, o texto se torna a ponte entre o vivido e o narrado (RICOEUR, 1987). Segundo ela: Produzimos inúmeras definições do ato de narrar, transformando-o em gêneros plurais, fez com que se produzisse também uma dicotomia básica entre os textos: de um lado, as narrativas que têm pretensão à verdade (o discurso da ciência e do Jornalismo, por exemplo) e de outro, as narrativas ficcionais, sejam as que utilizam a linguagem escrita (literatura), sejam as que utilizam a imagem (filmes, fotografia, telenovelas, etc.) (BARBOSA, 2006b, p. 2). Barbosa não rejeita os gêneros, mas não é a preocupação com as classificações o que vigora em seu pensamento quando ela trata da narrativa. Por coerência teórica, ela privilegia os modos de ver, as formas comunicacionais e a ação do público sobre o texto, que são sua interpretação e sua apropriação, isto é, a produção de sentido. Mais uma vez, evidencia-se o parentesco entre comunicação e história através do viés narrativo na obra de Barbosa. A necessidade de evitar as classificações discursivas é radicalizada no apagamento das fronteiras entre verdade e ficção, especialmente caro à autora ao tratar da importância das narrativas televisuais na cultura brasileira. A narrativa da TV particulariza objetivos, causas e acasos reunidos numa unidade temporal de uma ação total e completa (RICOEUR, 1994: 9-20). Mas qualquer narrativa coloca em cena a intriga, o novo, o inédito, o não dito, as peripécias, os acasos, articulando a ação humana no tempo (BARBOSA, 2007b, p. 4). As narrativas televisuais são inscritas no cotidiano do público de modo ritualizado numa rotina diária, mesclando referências ficcionais à experiência prática. Essa intensa narratividade atende a uma necessidade de expressão dos sentimentos e da vida privada. A televisão se traduz não apenas numa tecnologia de comunicação, mas possui seu significado completado pelos usos que se fazem dela, especialmente como utensílio doméstico. Segundo Barbosa, o fato de a televisão ter sido absorvida no âmbito privado foi fundamental para definir como o público se relacionaria com esse meio (BARBOSA, 2007b, p.7). Uma característica importante acentuada nas reflexões de Barbosa sobre as narrativas televisuais diz respeito à oralidade, como expressividade prioritária que é materializada tanto na imagem quanto nos ambientes que reproduzem 38 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros cenas de experiências orais primárias. Mesmo nos telejornais, “os locutores-jornalistas apresentam-se sempre em duplas, reproduzindo um diálogo no qual o público é peça fundamental. Falam olhando diretamente para o telespectador que é imaginado na cena” (BARBOSA, 2007c, p.137). Além disso, a televisão é onde se encontra a simultaneidade plena entre do tempo levado para contar e do tempo contado, articulado pela narrativa. Assim, os acontecimentos podem ser narrados durante sua própria produção, tendo a televisão com um dos agentes engajados na ação que ela mesma participa e apresenta, assumindo assim o papel de narradora da experiência. Tempo A categoria do tempo exerce três funções na obra de Marialva Barbosa. Além de recurso metodológico, opera como ponte possível entre Comunicação e História, e se constitui num problema sensível em relação aos fenômenos midiáticos. O primeiro ponto que se deve ter em mente é que as reflexões de Barbosa sobre o tempo partem de sua preocupação com o excessivo presentismo nos estudos em torno da comunicação, vinculado, na maior parte das vezes, a uma perspectiva de fundo que se pauta pela lógica da pós-modernidade. Tal perspectiva teria resultado, na Comunicação, em explicações frequentemente rasas em relação aos fenômenos relativos aos processos de comunicação, compostas, principalmente, por teses tautológicas que explicam as mudanças pela mudança. Como antídoto contra esse efeito teórico, Marialva Barbosa foi buscar na História Cultural, especialmente nos fundamentos da École des Annais, uma concepção que lhe permita repartir metodologicamente o tempo social em processos históricos de curta, média e longa duração. Assim, as explicações mais imediatistas para os fenômenos comunicacionais, focadas nas transformações visíveis, não são invalidadas pela a pesquisadora, mas redimensionadas como versões possíveis e necessariamente parciais, de modo a proteger o conhecimento de princípios monocausais. O que Barbosa coloca em cena são, portanto, outras estratificações para essas explicações, segundo as quais alguns dos níveis causais são mais duradouros, perdurando por médios e longos tempos. Esse princípio de organização do pensamento científico de Barbosa parte de sua plena consciência e domínio sobre a lógica das permanências, isto é, das continuidades na história. Em Barbosa, os modos de comunicação não se transformam exclusivamente de forma acelerada no fluxo na história, mas também permanecem em longos processos de continuidade e de lentas transformações imperceptíveis ao pesquisador que Marialva Barbosa: Comunicação e história 39 insiste em construir objetos a partir recortes estreitos de tempo. Portanto, o refinamento metodológico introduzido pela professora Marialva no campo da Comunicação torna sua obra teoricamente complexa e densa, especialmente ao tratamento que ela confere ao tempo. No que concerne especificamente à história da comunicação, sua perspectiva sobre o tempo se apresenta como a opção teórica mais fértil. Sua proposta é relativizar o princípio da origem que governa os estudos históricos em comunicação. A ideia de gênese serve, segundo ela (BARBOSA, 2008a e 2010), a um tipo de escrita da história que se confunde com os mitos fundadores. A concepção metodológica tripartite do tempo é uma ponte mais nítida entre Comunicação e História, na qual a professora transita, porém não a única. Se o tempo social e a relação do homem com o tempo constituem objetos privilegiados da História, não se poderia buscar referência em outro campo que não o historiográfico. Mas esse parentesco íntimo entre os processos de comunicação e o processo histórico é sintetizado por Marialva na questão da narrativa, outra chave de leitura fundamental em sua obra, sob a inspiração da fenomenologia de Paul Ricoeur. A narrativa é o processo de produção de sentido que evidencia a relação entre comunicação e história, a partir da dimensão temporal da existência. Os homens inscrevem suas ações, significativas, na duração. A sobrevivência de atos de comunicação, que são afinal vestígios da história, dá-se pelo encadeamento entre passado, presente e futuro expresso na narrativa. Além disso, os modos de narrar se encontram submetidos à própria historicidade. É o que Ricoeur chama de tempo contado e tempo do contar. Por fim, o último aspecto bastante relevante e que igualmente tensiona comunicação e história é a questão do acontecimento. Se a narrativa une epistemologicamente Comunicação e História, o acontecimento marca as diferenças entre as duas ciências na medida em que os critérios acontecimentais de uma de outra são diferentes, o recorte temporal dos acontecimentos históricos e midiáticos ou jornalísticos, na forma da notícia, por exemplo, podem ser até antagônicos, embora a narrativa reenvie o acontecimento à dimensão significante, como textualidade mas também como peripécia dos “textos” do processo histórico. Mais do que uma chave de leitura para sua obra, é possível afirmar que o tempo é, para Barbosa, um conceito fundante da Comunicação. E, na sua reflexão, essa categoria analítica se apresenta de forma especialmente cara nos estudos sobre o jornalismo e sobre a cultura das múltiplas mídias em geral. “O jornalismo, particularmente, está situado em uma tensão permanente entre o mundo e o tempo. Os acontecimentos ganham sentido pela apropriação e interpretação dos grandes sistemas de mediação, movimento obrigatório para chegar ao público que, assim, forma opinião e uma representação do mundo” (BARBOSA, 2007c: 79). 40 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Segundo ela, o “tempo-mídia” instaura uma noção de simultaneidade que potencializa a ação do indivíduo à distância, amplificando o presente, ao mesmo tempo em que lhe confere o aspecto de transitoriedade absoluta. Nesse sentido, constrói-se a ilusão de uma temporalidade direta, como imagem do real. A virtualidade foi acrescentada à lógica da interatividade que produz ilusão de ter a imagem em tempo real e o poder de modificá-lo por controle direto. Com isso, cria-se a certeza de ser capaz de construir não apenas o futuro, mas o presente, já que este pode ser modificado, a partir de um ato de vontade. A interatividade tem, pois, uma relação intrínseca com as novas lógicas temporais (BARBOSA, 2007c, p. 83). Outro aspecto levantado por Barbosa é o caráter ritualístico do consumo das mídias. Desde o rádio, na década de 1920, até se consolidar com a televisão, Barbosa aponta para o funcionamento da mídia como uma espécie de relógio contemporâneo, cujo tempo particularizado rege a vida cotidiana. “Jantamos antes ou depois do jornal das oito, saímos para o trabalho antes ou depois do noticiário da manhã e marcamos nossos encontros após a emissão das telenovelas” (BARBOSA, 2007c: 84). Oralidade e letramento Ao analisar a relação dos escravos com o mundo dos impressos do século XIX, em suas mais recentes pesquisas, Marialva Barbosa (2009) considera os processos de transição da oralidade à escrita e de transformações decorrentes da passagem de uma oralidade primária (ONG, 1982) para uma secundária e a entrada no mundo do letramento. Também Paul Zumthor (1993) reconhece da mesma maneira esta oralidade secundária e primária, mas ajunta uma terceira oralidade: a mista. Cada uma delas correspondendo a situações culturais diferentes. A primária seria aquela existente em sociedades sem qualquer contato com a escrita. Mas outros tipos de oralidade coexistem dentro do grupo social com a escrita. Dá o nome de oralidade mista, quando a influência do escrito é externa, parcial; a segunda se constitui a partir da escritura no entorno, debilitando os valores da voz no uso e no imaginário. Já a oralidade mista precede a existência de uma cultura escrita; a oralidade segunda de uma cultura erudita (em que toda a expressão está mais ou menos condicionada pelo escrito). O projeto de pesquisa de Marialva engloba, ainda, reflexões sobre modos de comunicação orais, escritos, letrados, impressos, no mundo comunicacional Marialva Barbosa: Comunicação e história 41 de misturas do século XIX e questões relativas aos processos cognitivos existentes em sociedades e culturas de oralidade primária e das transformações que ocorrem a partir da introdução da escrita/impressão. No projeto, ela coloca importantes questões: “Os escravos eram leitores de primeira, segunda e terceira natureza e, sobretudo, eram sujeitos imersos em novos modos de comunicação. É necessário tentar reconstruir os contextos dessas leituras e escrituras. Como aprendiam a ler e a escrever? Por que aprendiam a ler e a escrever? Qual era o significado de saber ler e escrever nessa sociedade? Será que a leitura e a escrita não eram meramente vistas como mais uma habilidade? O que era saber escrever nesta sociedade? Saber escrever textos complexos ou apenas assinar o nome? O que era saber ler nessa mesma sociedade? Conseguir decifrar signos isolados ou saber formular um sentido a partir da leitura?” (BARBOSA, 2011). Referências BAKHTIN, Mikhail M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, Ed. da Univ. de Brasília, 1987. BARBOSA, Marialva. A narrativa, a experiência e o acontecimento fundador de novos regimes de visibilidade da TV brasileira. Tempo, Rio de Janeiro, nº 17, pp. 153-172, 2004a. ____. “Comunicação, História, Testemunhos e Valor: modos de comunicação e escravos do século XIX”. Projeto de Pesquisa/CNPq, 2011. (mimeo). ____. História Cultural da Imprensa – Brasil – 1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007a. ____. História Cultural da Imprensa – Brasil – 1800-1900. Rio de Janeiro: Maud X, 2010. ___. 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A trajetória da professora Rosa Maria Cardoso Dalla Costa, diretora Cultural da INTERCOM nas gestões 2008-2011 e 2011-2014, pode ser descrita neste universo de determinações e opções transformadoras. Nascida em Santo André, no ABC paulista no início da década de 1960, ela acompanhou de perto – em seu local de origem e no auge da juventude – as mobilizações que contribuíram de forma decisiva para mudar a face do Brasil: as greves operárias do final dos anos 70, o surgimento do Partido dos Trabalhadores, a força das comunidades eclesiais de base (CEBs). Todo seu percurso posterior 1. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professora na Universidade Positivo. 46 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros mostra um engajamento que remete ao conceito marxista de práxis: ela mantém permanente o propósito de articular produção intelectual, docência e ativismo nas organizações – incluindo a INTERCOM. Filha única de um casal de feirantes, que enxergava na educação de qualidade a alternativa de garantia de um futuro melhor, Rosa Maria teve oportunidade de estudar em um dos melhores colégios católicos da região, o Sagrado Coração de Jesus e, mais tarde, graduar-se em Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo. Ali, entre os anos de 1980 a 1984, teve o privilégio de conviver com grandes nomes do pensamento comunicacional brasileiro, um segmento acadêmico que lutava então por seu reconhecimento e legitimação: Carlos Eduardo Lins e Silva, Ismar de Oliveira Soares, Regina Festa, Fernando Santoro, José Manoel Morán e Luiz Roberto Alves foram alguns de seus professores. A acadêmica Rosa Maria dividia seu tempo entre os estudos de jornalismo, as atividades como professora e funcionária administrativa da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e uma intensa militância, ligada sobretudo às CEBs e ao nascente PT. Esta aproximação com os movimentos sociais foi marcante e definidora de suas opções profissionais; assim como a experiência de educadora – iniciada aos 14 anos como professora do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). O resultado destas atuações da adolescência e juventude forjou caminhos e fomentou inquietações que são inspiradoras de projetos de pesquisa e definem uma postura específica, diretamente identificada com os segmentos populares da sociedade. Em 1987 ocorreu a mudança para o Paraná. Em um primeiro momento residindo em Francisco Beltrão, na região Sudoeste do Estado, Rosa Dalla Costa desenvolveu um trabalho de educação de lideranças sindicais rurais, que se estendia por toda a região Sul e alcançava o Mato Grosso. Um ano depois, transferiu-se para Curitiba onde atuou como jornalista em algumas redações, ao mesmo tempo em que continuava dando aulas e prosseguia a formação acadêmica no curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Paraná. A dissertação, “A Dimensão Pedagógica do telejornal Aqui Agora”, foi defendida em 1993, com orientação da professora Acácia Zeneida Kuenzer. O próximo passo foi o doutorado na França, para onde se mudou na companhia do marido, também doutorando, e de dois filhos pequenos. O doutorado foi desenvolvido entre os anos de 1995 e 1999, com orientação de Geneviève Jacquinot, da Universidade Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Intitulada Le role des Journaux télévisés au Brésil: une étude de réception chez les ouvriers de la ville de Curitiba, a tese aprofundou a linha de estudos voltada para a recepção de produções televisivas. Entre 2008 e 2009, Rosa Maria desenvolveu seu pós-doutorado na Maison des Sciences de l’Homme, novamente em Paris. Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades 47 Os estudos formais, no entanto, ganharam uma derivação no período mais recente: em 2012 a pós-doutora completou uma nova graduação, em Direito, pela Associação de Ensino Novo Ateneu de Curitiba – prova de sua constante busca por conhecimento e da amplitude de suas áreas de interesse. A atuação profissional está, há 14 anos, vinculada diretamente à Universidade Federal do Paraná, na qual a professora Rosa Maria ingressou em 1998, no curso de Comunicação Social. Hoje, além de ministrar disciplinas nesta graduação, ela trabalha nos programas de pós-graduação em Educação e em Comunicação Social da UFPR, onde orientou duas dezenas de dissertações de mestrado e tem duas teses de doutorado atualmente em processo de orientação. Grande impulso à Diretoria Cultural Primeira paranaense2 a integrar a diretora da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), Rosa Dalla Costa assumiu a Diretoria Cultural da entidade durante o Congresso Nacional realizado em Natal, em setembro de 2008. Na opinião da própria professora, aquela gestão se caracterizou por uma efetiva divisão de tarefas entre os diretores, operando com uma conotação mais institucional e favorecendo a ampliação das atividades, inclusive da Diretoria Cultural. Por exemplo, a partir de 2010 a diretoria assumiu a tarefa de organização do Prêmio Luiz Beltrão, uma das mais importantes promoções da INTERCOM que anualmente homenageia duas pessoas físicas (maturidade acadêmica e liderança emergente) e duas instituições (grupo inovador e instituição paradigmática), em solenidade que ocorre como parte da programação dos congressos nacionais. Este evento, realizado no mês de setembro, é o coroamento de um trabalho iniciado muitos meses antes quando abre-se o período de apresentação de candidaturas para as quatro modalidades. Todo sócio da INTERCOM pode indicar pessoas e/ou instituições e o prêmio é definido por um júri composto pelo presidente e ex-presidentes da INTERCOM, e pelos vencedores da categoria maturidade acadêmica nos anos anteriores. As tarefas de receber indicações, enviar as justificativas dos proponentes para todos os membros do júri, recolher e computar os votos, comunicar o resultado aos ganhadores e garantir suas presenças no congresso nacional, além organizar 2. Embora nascida em São Paulo, Rosa Maria desenvolveu sua carreira acadêmica no Paraná e pode ser considerada uma legítima curitibana, tal seu apego à cidade. 48 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros a festa de premiação, são cumpridas pela Diretoria Cultural. Nos últimos anos, as solenidades têm contado com apresentações de vídeos sobre os agraciados, conferindo maior brilho às homenagens. Em 2012, quando se comemorou 35 anos de fundação da INTERCOM e 15 do Prêmio Luiz Beltrão, foi lançado o livro “Paradigmas Brasileiros em Ciências da Comunicação”, tendo com organizadores José Marques de Melo, Rosa Maria Dalla Costa e Jovina Fonseca. A obra destaca as instituições que receberam a homenagem, ao longo dos anos, completando os dois volumes dedicados aos pesquisadores agraciados: “Teoria da Comunicação – Paradigmas Brasileiros”. Para a diretora Cultural da entidade, o prêmio representa o amadurecimento teórico metodológico da pesquisa nacional em uma das áreas mais complexas da sociedade contemporânea. A personalidade ou grupo contemplado com o prêmio incorpora o reconhecimento da comunidade científica por todos aqueles que de alguma forma fazem parte do contexto no qual este homenageado se insere. Todo este processo evidencia o caráter diferenciado do Prêmio Luiz Beltrão, que prestigia os expoentes da área, a partir dos critérios de qualidade dos seus pares, dos seus leitores e de um corpo de jurados com aguçado espírito crítico e de conhecimento da comunicação social (DALLA COSTA, 2012b, p. 47). Semelhante rito de envio de trabalhos e recolhimento de votos é feito anualmente em outra promoção da Diretoria Cultural: os prêmios estudantis3. Os trabalhos são selecionados, em uma primeira fase, pelos coordenadores de Grupos de Pesquisa das várias Divisões Temáticas da INTERCOM, entre os papers apresentados no congresso nacional. No início do ano seguinte, uma comissão de cinco sócios da entidade, representando as diversas regiões brasileiras, é indicada para compor o júri de cada uma das categorias. “Os júris são trocados anualmente para dar oportunidade de participação a um maior número de sócios”, explica a diretora Rosa Maria, acrescentando que, nesta fase, são escolhidos os três melhores trabalhos concorrentes em cada prêmio. Finalmente, durante o congresso nacional da INTERCOM, ocorre a última etapa: um júri acadêmico, integrado por cinco diferentes pesquisadores, acompanha a defesa oral dos trabalhos pré-selecionados e define os vencedores. 3. São quatro modalidades: Prêmio Freitas Nobre, para alunos de doutorado; Francisco Morel, para os de mestrado; Lígia Averbuck, para os estudantes de especialização e Vera Giangrande para os de graduação. Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades 49 Ainda nos congressos nacionais acontece, desde 2010, a premiação do Concurso Cartum Universitário que recebe, anualmente, mais de uma centena de trabalhos de estudantes do Brasil e de Portugal. Trata-se de uma promoção conjunta da INTERCOM e do Museu Nacional de Imprensa, localizado no Porto, em Portugal. As duas entidades indicam os membros do júri e os trabalhos abrangem categorias de charge, cartum, tiras em quadrinhos e caricaturas. Em 2012 uma novidade foi acrescida aos prêmios coordenados pela Diretoria Cultural: uma parceria entre a Globo Universidade e a INTERCOM possibilitou o lançamento de uma premiação especial para a melhor tese de doutorado sobre teledramaturgia defendida no País. Também em parceria com a Rede Globo, realiza-se anualmente um Seminário organizado em conjunto pelas diretorias Cultural e Científica que leva ao Rio de Janeiro um conjunto de pesquisadores de várias regiões brasileiras que tem a televisão como objeto de estudo. A cada ano, uma nova temática integra a programação do evento que conta com palestras e visitas às dependências da Globo. No Paraná, há quatro anos ocorre um evento na mesma linha, fruto de um acordo entre a Diretoria Cultural da INTERCOM e o Grupo Rede Paranaense de Comunicação (GRPCom). Professores e estudantes de pós-graduação têm oportunidade de conhecer as instalações da TV Paranaense (afiliada da Rede Globo) e conversar com funcionários da emissora, em especial os da central de jornalismo, sobre os trabalhos desenvolvidos. Finalmente o Café INTERCOM – que soma mais de uma dezena de encontros realizados em variados estados nos últimos dois anos – completa o leque de atividades da Diretoria Cultural. A promoção foi iniciada em São Paulo e, estimulada pela diretora, expandiu-se para todo o País. A proposta é reunir professores, pesquisadores e estudantes de comunicação para eventos como lançamentos de livros, palestras etc. “O objetivo é manter a atividade da INTERCOM durante o ano todo, e não somente nos congressos regionais e no nacional. Temos conseguido organizar os cafés, sempre com a colaboração dos diretores regionais da entidade e de voluntários, em todas as regiões brasileiras e em um número significativo de estados”, comemorou a professora Rosa Maria. Um exemplo edificante ocorre em Pernambuco, onde o professor Rogério Luiz Covaleski (da UFPE) não apenas promoveu uma série de edições do Café INTERCOM PE, como editou um livro – “Café INTERCOM UFPE, Caderno 1”- com os textos das palestras proferidas nos encontros, que foi lançado durante o Congresso Nacional de Fortaleza em 2012. O segundo número deve estar pronto para o congresso de Manaus em 2013. 50 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Produção acadêmica O trabalho voluntário dos diretores da INTERCOM é intenso e muitas vezes desgastante, mas os ocupantes dos diversos cargos da entidade – na condição de docentes e pesquisadores – preservam e mesmo ampliam suas atividades de produção acadêmica. Não apenas por força dos mecanismos de avaliação institucionais, mas incentivados pela própria INTERCOM, que favorece as trocas intelectuais e os contatos com instâncias de pesquisa em todo o País e no exterior. Na sequência deste texto, a produção intelectual da professora Rosa Maria Dalla Costa será apresentada, de forma resumida, em três distintos tópicos com base nos objetos e/ou temáticas que têm merecido maior atenção e reflexão por parte da autora: o ensino das teorias da comunicação, as teorias da recepção e a educomunicação. Esta visita parcial aos textos será limitada às publicações em português, o que deixa de fora importantes contribuições como um número da revista acadêmica francesa Distances et savoirs, organizada por Rosa Maria em conjunto com Laan Mendes de Barros e que traz um panorama do ensino a distância no Brasil, reunindo artigos de vários pesquisadores. A opção pelo recorte bibliográfico em torno dos três eixos mencionados acima, por outro lado, deixa igualmente de fora outros textos produzidos com temáticas diferenciadas. Por exemplo, o capítulo sobre a história institucional da pesquisa em comunicação no País, publicado no volume 3 da coleção “Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil” (2012), organizado por José Marques de Melo e Daniel Castro. Neste estudo, a professora Rosa Dalla Costa faz um resgate histórico do percurso do ensino e da pesquisa na área da comunicação no Brasil, sempre vinculando os processos nacionais com os dos demais países latino-americanos. O foco do texto é a institucionalização da pesquisa que vai se desenvolver ligada, direta ou indiretamente, às regulamentações profissionais e educacionais da área, bem como ao próprio aprimoramento e expansão do setor econômico das comunicações. São ressaltadas também as associações científicas organizadas pelos pesquisadores, cujo crescimento é expressivo a partir da década de 1990. “A criação dessas entidades reflete e ao mesmo tempo é consequência da multiplicação dos cursos de graduação e de pós-graduação da área, bem como da sua maior profissionalização” (DALLA COSTA, 2012a, p.70). Nas considerações finais do texto, a teórica destaca que a história da institucionalização da pesquisa em comunicação no Brasil acompanha a evolução política no País nos últimos 60 anos: “Uma sociedade que sempre teve a luta pela liberdade política e individual como uma das suas aspirações tem sua produção Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades 51 acadêmica determinada pela constante inquietação” (idem, p.73). Neste curto espaço de pouco mais de meio século, o Brasil e vários países latino-americanos passam de uma sociedade majoritariamente rural e analfabeta, na qual uma minoria tinha acesso aos meios de comunicação, para uma sociedade conectada à internet e às mais avançadas tecnologias da informação e da comunicação, demandando a formação de profissionais e regulamentações jurídicas para o setor. A pesquisa em comunicação se institucionaliza nesta ebulição de aspirações, projetos, legislações e desafios. Neste contexto é fortemente influenciada pelos movimentos sociais e populares e entidades que os apoiam, como a Igreja, por exemplo, que nos anos mais críticos da Ditadura Militar, abrigou muitos pesquisadores, abrindo espaço para suas discussões e debates. Sofre as consequências de regulamentações precárias, de falta de apoio financeiro para projetos e grupos de pesquisa e conquista maturidade e consistência (DALLA COSTA, 2012a, p.74). Ao destacar o reconhecimento internacional que os pesquisadores brasileiros adquiriram, sobretudo nas últimas décadas, Rosa Dalla Costa não deixa de enxergar os desafios para as entidades da área “tais como a diminuição dos desequilíbrios regionais, o aprofundamento teórico e o aperfeiçoamento de metodologias que deem conta de um objeto assim tão complexo como o da comunicação, o apoio de políticas públicas que reconheçam o papel estratégico da comunicação na sociedade do século XXI e a busca permanente por autonomia” (DALLA COSTA, 2012a, p.75). O diagnóstico preciso demonstra a maturidade da pensadora e sua (auto)consciência teórica. Teorias da Comunicação Desde que iniciou sua carreira docente no ensino superior, em 1989 na Universidade Estadual de Ponta Grossa, a 120 quilômetros de Curitiba, a professora Rosa Maria trabalha com a disciplina Teoria da Comunicação. Na Universidade Federal do Paraná, há quase 15 anos ela ministra a cadeira para turmas das três habilitações que integram o Departamento de Comunicação: Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas. Uma das produções que a própria pesquisadora identifica como entre suas principais obras é justamente um livro, de caráter didático, elaborado em conjunto com alunos da disciplina. A proposta inicial do volume “Teoria da Comunicação na América Latina: da herança cultural à construção de uma identidade 52 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros própria” (Editora UFPR, 2006) foi apresentada em 1998 quando os estudantes matriculados foram estimulados a desenvolver pesquisas a respeito de algum autor importante das diversas correntes teóricas da comunicação que eram apresentadas em sala de aula, seguindo uma ordem cronológica. Durante o ano letivo, os acadêmicos mostraram os resultados de suas pesquisas e foram construindo um acervo inicial de informações: Sem a pretensão de dar conta da totalidade do que foi produzido na área da comunicação, procurou-se fazer um levantamento de autores indispensáveis, segundo critérios de um professor de teoria da comunicação de um curso de graduação, à compreensão do pensamento comunicacional (DALLA COSTA, 2006, p. 8). Foram considerados mais expressivos os autores de obras relevantes em suas áreas, com destaque nas escolas a que pertenceram, capazes de influenciar estudiosos das gerações seguintes e ainda os que participaram em associações científicas, como a INTERCOM. Um ano depois, a atividade da disciplina transformou-se em um projeto de pesquisa registrado na UFPR e contando com dois alunos pesquisadores: Daniele Siqueira e Rafael Costa Machado, que assinam o livro em coautoria com a professora Rosa Maria. O trabalho durou seis anos e reuniu um grande volume de informações a respeito de 31 importantes nomes da pesquisa comunicacional desde o início do século XX. O livro está dividido em duas partes: A primeira reúne os principais pesquisadores ligados a escolas clássicas como o funcionalismo, a Escola de Frankfurt e o estruturalismo, que representam as primeiras sistematizações teóricas sobre o fenômeno da comunicação de massa e exercem influência nas pesquisas desenvolvidas na América Latina a partir da segunda metade do século XX (DALLA COSTA, 2006, p. 9). Cada autor mereceu uma biografia resumida e a compilação de suas principais ideias no âmbito da pesquisa em comunicação. As correntes teóricas foram apresentadas em ordem cronológica, assim como os autores no interior de cada linha de pesquisa. Um capítulo à parte reuniu os autores que não podiam ser enquadrados em nenhuma escola específica. A segunda parte do livro é composta pelos autores da América Latina, com uma separação entre autores hispano-americanos e brasileiros, e seguindo a mesma lógica de apresentação: biografia resumida, principais ideias e obras. Tanto na parte dedicada às escolas clássicas como na que se debruça sobre a pesquisa latino-americana, textos adicionais como os dedicados a Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades 53 Herbert Marcuse e Jürgen Habermas ou o quadro explicativo sobre o Culturalismo complementam o conteúdo principal. Para interligar as duas partes em que se divide o livro e os teóricos nele reunidos; situar o aluno-leitor em relação ao contexto teórico-metodológico no qual se insere cada pesquisador abordado e, ao mesmo tempo, justificar a seqüência desta apresentação, foram inseridos ainda textos que explicam as características gerais das diferentes correntes teóricas, bem como uma introdução específica para a segunda parte do trabalho, que reúne autores latino-americanos (DALLA COSTA, 2006, p. 9-10). O livro tem sido empregado, desde seu lançamento, como complemento didático por professores de Teoria da Comunicação em várias instituições. O fato de mapear correntes teóricas e autores, em especial os latino-americanos, oferecendo um conjunto de informações devidamente contextualizadas a respeito de cada pensador e de suas mais importantes reflexões, torna o volume uma contribuição valiosa para os docentes. O trabalho evidencia a capacidade da professora Rosa Maria desenvolver, ao mesmo tempo, o processo de pesquisa, de docência e de expansão da reflexão sobre a comunicação, em um esforço por articular teoria e prática – e aqui enxerga-se um bom exemplo de práxis. Na apresentação do livro, a autora ressalta o rigor metodológico e teórico que o campo da comunicação exige para seu estudo: A comunicação é um conceito amplo e complexo que pode ser estudado das mais diferentes formas e sob a luz de diversas perspectivas teóricas. Esta amplitude, entretanto, não a torna menos instigante – pelo contrário. A comunicação é uma das características determinantes da sociedade humana, seja do ponto de vista antropológico, técnico ou social. Sua história está diretamente ligada à história da humanidade, a capacidade do homem de representação e de raciocínio, de desenvolvimento técnico e de organização política e cultural (DALLA COSTA, 2006, p. 7). A lista de autores brasileiros, que engloba 12 nomes, foi feita com objetivo de destacar os pioneiros no estudo da comunicação no País “e aqueles cujas obras representam as primeiras publicações nacionais da área estudadas nos cursos de graduação na década de 1980” (idem, p. 129). Todos desenvolveram reflexões adequadas ao contexto socioeconômico e cultural local, contribuindo para o reconhecimento internacional dos trabalhos brasileiros da área. Muitos pesquisadores mais recentes ficaram de fora da seleção pela impossibilidade efetiva de contemplar todos os nomes importantes que ajudaram a consolidar 54 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros uma “comunidade científica nacional que não para de gerar novas produções” (DALLA COSTA, 2006, p. 130). A preocupação com o ensino da Teoria da Comunicação gerou, ademais, uma pesquisa, publicada em 2008, na qual a professora Rosa Maria mapeia conteúdos e referências bibliográficas utilizadas pelos professores da disciplina em várias instituições de Curitiba, inovando ao colocar o próprio ensino da comunicação como objeto de estudo. De acordo com ela, os cursos de Comunicação Social, embora tenham história recente no Brasil, são complexos em especial pelo seu caráter inter e multidisciplinar. Sempre no limite entre o técnico, específico e o teórico, abrangente, incorporam questões gerais do ensino superior, como a dicotomia entre teoria e prática, público e privado, e questões específicas como a sistematização e incorporação de novas linguagens decorrentes de novos meios introduzidos no mercado ou de novas representações advindas da ação dos meios na trama social (DALLA COSTA, 2008a, p. 154). Nas considerações finais do trabalho, a autora aponta algumas dificuldades constatadas no ensino da disciplina identificando, como um primeiro elemento, a visão fragmentada e incompleta a respeito dos estudos de Teoria da Comunicação, “ora entendidos como estudo da comunicação humana, ora como estudo da comunicação de massa, ora como estudos de linguagem ou de aspectos sociológicos da comunicação, como a relação da ideologia e o poder, ou o consumo e a representação da realidade” (idem, p. 169). A pesquisa constatou também uma ausência de estudos sobre a especificidade da Teoria da Comunicação na América Latina e a utilização de bibliografia desatualizada. Inserida que está no atual estágio de desenvolvimento da pesquisa brasileira em comunicação, que por sua vez, se relaciona com as profundas mudanças do ensino superior e suas implicações locais no mercado de trabalho, esta análise demonstra que teoria e prática permanecem distantes uma da outra. O ensino da Teoria da Comunicação nos cursos de graduação pode aumentar ou diminuir esse fosso. O desafio está em descobrir até onde as pesquisas da área se conectam, elas próprias, com a realidade e dão conta de explicar de que forma nela atua o fenômeno da comunicação (DALLA COSTA, 2008a, p. 171-172). Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades 55 Pesquisas de recepção Em sua dissertação de mestrado e na tese de doutorado, a teórica Rosa Dalla Costa desenvolveu estudos de recepção. Fiel às suas origens em um bairro operário do ABC, ela localizou as duas pesquisas em comunidades periféricas de Curitiba, tendo como foco telespectadores/trabalhadores. A dissertação de mestrado – “A Dimensão Pedagógica do telejornal Aqui Agora” – teve como objeto uma experiência de telejornalismo popular da Rede SBT entre 1991 e 1997, que alcançou grandes índices de audiência em alguns momentos, ameaçando a Rede Globo. O telejornal “Aqui e Agora” tinha como pautas centrais o noticiário policial, mas uma das seções do noticiário que mais fez sucesso – e foi analisada como uma das dimensões pedagógicas do programa pela dissertação – foi a relativa à defesa do consumidor. Em março de 1991 havia entrado em vigor no País o Código de Defesa do Consumidor como um instrumento inovador nas relações entre empresas, prestadores de serviço e consumidores. Os dispositivos da nova legislação eram diariamente reafirmados em reportagens do “Aqui e Agora” – que lançou o atual deputado Celso Russomano como especialista na área e projetou seu nome na política. Na época da pesquisa de mestrado da professora Rosa Maria o telejornal estava no auge de seus índices de aceitação pública e parecia indicar uma nova alternativa ao telejornalismo brasileiro. Na tese de doutorado defendida na França – Le role des Journaux télévisés au Brésil: une étude de réception chez les ouvriers de la ville de Curitiba – o objeto de estudo foi o Jornal Nacional da Rede Globo, que se mantém na liderança de audiência desde a década de 1970 e é apontado, até hoje, como um modelo bem sucedido do telejornalismo brasileiro. Os aportes das teorias de recepção foram compartilhados pela professora com vários de seus orientandos nos programas de pós-graduação, que realizaram pesquisas dentro nesta abordagem. A própria pesquisadora publicou, em 2008, o artigo “Estudos de Recepção: uma metodologia de análise dos meios de comunicação e a cultura escolar”, no qual promove uma reflexão interligada de duas das suas áreas de especialidade: os estudos de recepção e a educomunicação. Vivemos em uma sociedade determinada pela presença desses meios [de comunicação] e tecnologias, que ditam opiniões, costumes, necessidades de consumo e modelos de felicidade e de prazer. À escola – que prepara os indivíduos para serem autônomos e sujeitos ativos dessa sociedade – cabe inserir a discussão desses meios em seu cotidiano, 56 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros que também é caracterizado pela maneira como alunos e professores recebem e interpretam as mensagens midiáticas (DALLA COSTA, 2008b, p. 96). De acordo com a autora, os estudos de recepção representam a principal contribuição dos pesquisadores latino-americanos para a Teoria da Comunicação e esta perspectiva tem sido uma das mais utilizadas nos estudos que trafegam na interface comunicação e educação. Ao mapear, historicamente, o emprego educativo dos meios de comunicação ela constata: “Se é correto afirmar que cada nova tecnologia de comunicação e de informação traz consigo uma expectativa educacional, em países nos quais os indicadores sociais apontam a fragilidade do sistema de ensino, esta expectativa é ainda maior” (DALLA COSTA, 2008b, p. 98). E acrescenta um raciocínio presente em outros escritos – entre os quais o volume sobre Teorias da Comunicação na América Latina: no contexto socioeconômico-político dos países latino-americanos do pós-guerra, destaca-se uma ligação direta entre a explosão do fenômeno da comunicação de massa e o modelo capitalista de produção, que buscava conquistar o mercado consumidor e percebeu o poder de convencimento dos meios eletrônicos junto a populações com elevados índices de analfabetismo. No mesmo texto, a pesquisadora discute os conflitos teórico-metodológicos que permearam os estudos da comunicação ao longo de várias décadas, como um reflexo da disputa ideológica entre os blocos capitalista e socialista de um mundo dividido pela guerra fria. No plano das teorias da comunicação, este conflito opõe a Escola de Frankfurt e o Funcionalismo norte-americano, panorama que começa a ser alterado apenas no final da década de 1970, quando os militares são removidos do poder em vários países do continente. A própria evolução das Teorias da Comunicação começa a apontar para a complexidade do processo comunicacional e supera o dualismo e o radicalismo retórico entre Funcionalismo versus Teoria Crítica. No continente latino-americano, os estudos de Jesús Martín-Barbero sobre as mediações culturais e a influência dos estudos culturais ingleses passam a fundamentar as novas pesquisas em comunicação, que privilegiam a recepção (DALLA COSTA, 2008b, p. 101-102). A recepção passa a ser compreendida como um processo e os estudos da área “permitem uma melhor compreensão do papel dos meios de comunicação Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades 57 na sociedade, quer se trate de sua organização política e social, da apropriação individual de sentido ou da construção de um novo imaginário coletivo” (DALLA COSTA, 1999, p.67, apud DALLA COSTA, 2008b, p.106). No entendimento da autora, e com base em diversificadas referências bibliográficas, os estudos de recepção devem incluir uma análise do polo emissor, da mensagem e do receptor. Ainda no artigo, é apresentado um resumo de algumas pesquisas de recepção realizadas em escolas de Curitiba e Região Metropolitana, desenvolvidas na linha Cultura, Escola e Ensino do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. “De uma maneira geral, a grande questão que se coloca é a de analisar como a escola (professores e alunos) está lidando com a presença hegemônica dos meios de comunicação de massa na sociedade brasileira e de que maneira esta presença se manifesta nas suas práticas cotidianas e interfere ou não no processo de ensino e aprendizagem” (DALLA COSTA, 2008b, p. 110). Educomunicação Responsável pela orientação de pelo menos duas dezenas de dissertações de mestrado na interface entre comunicação e educação, a professora Rosa Dalla Costa é uma entusiasta desta área de pesquisa e defende a sistematização destes estudos e “seu arcabouço conceitual para a compreensão do papel dos meios de comunicação na sociedade e o seu sentido cada vez mais presente no cotidiano escolar” (DALLA COSTA, 2008b, p.115). Estão igualmente atrelados ao binômio comunicação/educação os principais projetos de pesquisa nos quais a professora desenvolve atividades. Alguns deles: “A indústria cultural e a produção de programas educativos”, iniciado durante os estudos de pós-doutorado, em 2008, tem como objetivo analisar a produção de programas educativos pela indústria cultural brasileira, seus autores, suas características e sua relação com o desenvolvimento econômico dessas empresas; “Fundamentos teórico-metodológicos da inter-relação comunicação educação”, que faz um estudo teórico da relação comunicação e educação, os conceitos que a definem e suas principais implicações teórico-metodológicas na pesquisa da área; “Comunicação e Educação Popular”, que analisa as experiências de comunicação-educação realizadas pelos movimentos populares e sociais de Curitiba e Região Metropolitana, partindo de um diagnóstico das práticas de educomunicação sob diversos aspectos, do papel desempenhado 58 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros pelos educomunicadores, ao sentido dado às mensagens pelos receptores das mensagens veiculadas4. Em conjunto com dois orientandos que participaram destes grupos de pesquisa, Elizandra Jackiw e Luis Otávio Dias, Rosa Dalla Costa assina o artigo “TV Multimídia e sua relação com a comunicação, a escola e a juventude”, publicado em 2011. O texto reconhece o papel fundamental que os jovens assumiram no campo da comunicação na contemporaneidade e destaca que os professores admitem a necessidade de aproximar os meios de comunicação de suas aulas, sobretudo com a incorporação das linguagens audiovisuais. “O que se percebe é que, enquanto nossos alunos, em especial os das gerações mais jovens, chegam à escola carregados de emoção, de imaginação e de interatividade, a prática adotada no campo do ensino ainda se prende a uma racionalidade científica que acaba expulsando este sujeito que convive com os fenômenos midiáticos em todas as outras esferas da sua vida” (DALLA COSTA, 2011a, p. 78). Os autores reforçam a necessidade de todas as práticas realizadas no espaço escolar serem pautadas pela comunicação e pelo diálogo, não apenas entre os atores, mas também entre os conteúdos, as disciplinas e as teorias. Os alunos estão inseridos hoje em um amplo universo digital que transforma as maneiras de comunicação por meio da leitura e da escrita, e ainda a produção e o armazenamento das informações. Ao estudar a incorporação de tevês multimídias nas escolas públicas paranaenses, percebe-se que “a introdução das tecnologias no ensino convencional, além de contribuir para a autonomia do estudante e a eficiência do processo de ensino e aprendizagem, também exige a redefinição do papel do professor quanto à sua responsabilidade na escola atual” (DALLA COSTA, 2011a, p. 84). A discussão do papel do professor neste novo ambiente escolar é feita, ainda, pela pesquisadora francesa Geneviève Jaquinot-Delaunay, entrevistada pela professora Rosa Dalla Costa – de quem foi orientadora do doutorado. A entrevista foi publicada originalmente na revista Comunicação & Educação, ano XII, n.3, set/dez 2007 e republicada no livro “Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento,” organizado por Adílson Citelli e Maria Cristina Costa. 4. O vínculo da teórica com os movimentos populares não se restringe às atividades de pesquisa. A professora muitas vezes presta consultoria ou atua efetivamente em atividades de educomunicação, demonstrando uma inquietação com a realidade de uma sociedade que requer mudanças para ser justa (será esta busca por justiça a mola propulsora do esforço para concluir a formação em Direito?). Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades 59 Penso que os professores e educadores deveriam ser formados de maneira diferente, precisariam aprender a ser flexíveis, disponíveis e abertos a um ambiente tecnológico que eles devem administrar tanto no plano técnico como no dos usos. É necessário que compreendam que não se pode dissociar o fenômeno midiático do conjunto do processo de desenvolvimento social. Quanto aos antigos professores... é indispensável que admitam essa conversão... ou que peçam aposentadoria! (JAQUINOT-DELAUNAY apud DALLA COSTA, 2011b, p. 224-225). Uma das pioneiras na integração escola/televisão na França, na segunda metade da década de 1960, Jaquinot descreve sua vasta experiência no desenvolvimento de projetos e programas educativos para a tevê em seu país e em nações africanas, antes de ingressar na pesquisa e no ensino, em 1985. Ela lamenta que na escola francesa, depois de um período inicial de aproximação entre a atividade docente e os meios de comunicação, houve um movimento contrário, “uma espécie de esquizofrenia do audiovisual educativo” (idem, p.221). A partir da década de 1990, com a expansão das novas tecnologias de comunicação e informação, a escola deixa de ser instância de legitimação e entra em concorrência com os meios de grupos de pertencimento. Diante desses fenômenos e para fazer frente às lógicas de mediatização dos modos de transmissão das informações e dos saberes, e resistir a uma concepção empresarial da comunicação e da educação, os dois setores de atividades começam a se aproximar e a compreender que não podem passar um sem o outro [...] as coisas começam a mudar em relação ao que chamamos crise da escola, que corresponde a uma disjunção sempre maior entre certa concepção elitista de cultura e uma desvalorização da cultura de massa; sem levar em conta o que uma nova corrente sociológica considera não mais como indústrias culturais mais ou menos alienantes, mas como novas práticas e representações do mundo, ou seja, as médiacultures (JAQUINOT-DELAUNAY apud DALLA COSTA, 2011b, p. 222-223). Ao definir a sociedade pós-moderna como caminhando para um tipo de hedonismo cotidiano em que “o que é primordial, é o sentimento de vida, a sensação de viver” (idem, p. 223), a professora lembra que os jovens, muitas vezes, são identificados como bárbaros pelos adultos, por terem outros hábitos e uma outra linguagem. De acordo com ela, os meios de comunicação “têm papel determinante nas novas práticas culturais, mas não são os únicos responsáveis. 60 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros A escola não soube integrar os novos interesses e as novas maneiras de aprender” (p.224). Este é, justamente, um aspecto essencial nas reflexões e na atuação dos pesquisadores e professores que adotam a perspectiva da educomunicação, uma expressão que, segundo Citelli (2001, p.7) “não apenas indica a existência de uma nova área que trabalha na interface comunicação e educação, mas também sinaliza para uma circunstância histórica, segundo a qual os mecanismos de produção, circulação e recepção do conhecimento e da informação se fazem considerando o papel de centralidade da comunicação”. Considerações Dois orientandos da professora Rosa Maria Dalla Costa, um de doutorado e outro de mestrado, foram convidados a escrever breves depoimentos a respeito das suas experiências de trabalho e convivência com a diretora Cultural da INTERCOM. Luis Otávio Dias, que defendeu sua dissertação de mestrado em 2012, afirmou: Como é bom se deparar com pessoas iluminadas! É um momento ímpar, marcante, que fez, faz e continua fazendo a diferença, por diversos motivos. Assim foi o meu encontro com a professora Rosa Maria Cardoso Dalla Costa, como minha orientadora no mestrado em Educação da UFPR.A professora Rosa fez valer o significado da palavra orientação na medida certa, sempre comprometida em ensinar e mostrar as oportunidades que o universo acadêmico pode nos proporcionar. Generosa, ao apontar os caminhos para o crescimento intelectual, mas também severa e perfeccionista nos compromissos que a relação aluno/professor exige. Graças a ela, por exemplo, pude expandir a minha rede de contatos com profissionais de diversas áreas, professores doutores, muitos deles, minhas referências. Grandes nomes que serviram de inspiração para o meu projeto de mestrado na área da Educomunicação e para os artigos que apresentei em congressos e os publiquei (DIAS, 2013). A doutoranda Iris Yae Tomita, que está com sua pesquisa em andamento, escreveu: Mil Rosas Marias em uma: é assim que podemos ver a professora Rosa. Sempre com mil afazeres, mil compromissos, mil atividades concentraRosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades 61 das em uma só pessoa. Em cada uma das atividades, trabalha com toda a atenção para fazer o melhor e deposita todo seu profissionalismo, mas sempre com um toque de carinho e dedicação. Num momento em que as fronteiras tornam-se cada vez mais tênues, a professora Rosa faz seu papel acadêmico misturar-se com a afetuosidade pessoal, sem perder de vista todo compromisso profissional. Ter a orientação da professora Rosa é ter o privilégio de ter alguém segurando as mãos. Sua generosidade acadêmica é como a de um anfitrião que abre as portas de sua biblioteca e compartilha seus conhecimentos como quem compartilha um bom momento de um café. Entre as mil Rosas, temos uma Rosa única, uma Rosa nota mil (TOMITA, 2013). Estes depoimentos ilustram a competência e seriedade profissional da professora Rosa Maria Dalla Costa e indicam uma outra característica enaltecida por todos que têm o privilégio de conviver com ela: a postura acolhedora e carinhosa com a qual cerca familiares, amigos/as, colegas de trabalho, alunos/ as – seja por meio da elaboração de delícias culinárias em sua bem equipada cozinha, da confecção de alguma peça artesanal em uma de suas várias habilidades neste segmento ou em inúmeros outros gestos de afeto que encantam e dão sentido à vida. Referências CITELLI, Adílson e COSTA, Maria Cristina Castilho. Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011. CNPQ. Plataforma Lattes. Currículo de Rosa Maria Cardoso Dalla Costa. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv. do?id=K4799128A5>. Acesso em: 10 fev. 2013. DALLA COSTA, Rosa Maria, MACHADO, Rafael Costa e SIQUEIRA, Daniele. Teoria da Comunicação na América Latina: da herança cultural à construção de uma identidade própria. Curitiba: Editora UFPR, 2006. DALLA COSTA, Rosa Maria. O ensino de Teoria da comunicação nos cursos de graduação de Comunicação Social. In GARCIA, Tania Maria Braga, BUFREN, Leila Santiago e BAIBICH-FARIA, Tania Maria (orgs). Saberes e Práticas no Ensino Superior. Ijuí: Ed. Unijuí, 2008a. 62 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros DALLA COSTA, Rosa Maria. Estudos de Recepção: uma metodologia de análise dos meios de comunicação e a cultura escolar. In SCHMIDT, Maria A., GARCIA, Tania Maria F. Braga e HORN, Geraldo B.(orgs). Diálogos e perspectivas de investigação. Ijuí: Ed. Unijuí, 2008b. DALLA COSTA, Rosa Maria, JACKIW, Elizandra e DIAS, Luiz Otávio. TV Multimídia e sua relação com a comunicação, a escola e a juventude. In Conexão – comunicação e cultura. Vol 10, n.19 (jan/jun 2011), Caxias do Sul, RS: Educs, 2011ª. DALLA COSTA, Rosa Maria. A escola, o fenômeno midiático e o processo de evolução social: Geneviève Jaquinot-Delaunay. In CITELLI, Adílson e COSTA, Maria Cristina Castilho. Educomunicação: construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011b. DALLA Costa, Rosa Maria e BARROS, Laan Mendes (Orgs), Distances et savoirs. Formation à distance au Brésil. Vol.9, n.2/2011. Paris: Ed. Lavoiser, 2011. DALLA Costa, Rosa Maria. História institucional. In. CASTRO, Daniel e MELO, José Marques (orgs). Panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil. Vol.3. Brasília, Ipea, 2012ª. DIAS, Luis Otávio. Depoimento pessoal, 2013. MELO, José Marques, DALLA COSTA, Rosa Maria e FONSECA Jovina (orgs). Paradigmas brasileiros em ciências da comunicação. São Paulo: Intercom, 2012b. TOMITA, Iria Yae. Depoimento pessoal, 2013. Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades 63 Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso? Paulo B. C. Schettino1 3º CAPÍTULO O que se seguirá é fruto de meu intento em reproduzir neste texto literário que me encontro a produzir um elemento da linguagem cinematográfica que já para mais de cem anos introduziu a narrativa dupla em paralelismo que a princípio curvava-se à dependência do verbal quando necessitava usar como recurso cartelas com palavras escritas, chamadas Intertítulos, com os dizeres: Enquanto isso, para ações simultâneas – de um lado cá estarei eu me projetando nas palavras que ao verter transformam-se em minha narração e, do outro lado alternadamente cedo a palavra à narração em primeira pessoa de minha personagem. Falar sobre o cidadão brasileiro Osvando José de Morais conforme me foi solicitado aceitei prontamente a tarefa, pois, a princípio, depois de anos de convívio com o preclaro me coube uma tarefa de fácil execução. Ledo engano! Esquecera-me das sábias palavras do poeta ao dizer que a alma de outrem é outro universo sobre a qual, no fundo, somente podemos aventar algumas suposições a partir de algumas semelhanças com o que imaginamos. Mas, resolver a questão, 1. Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). 64 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros como??? Após anos de convívio achei e ousei afirmar que eu poderia dizer que o conheço melhor que ninguém. Novamente, ledo e lerdo engano! Com efeito! Pessoa tinha razão, e em um átimo percebi que me enganara. Mas como, se me parece tão fácil produzir uma biografia, como as tantas que faz mais de muitos e muitos anos viram best sellers, além de rentáveis, a ponto de se constituir em um subgênero literário? De repente sobreveio a famosa e desejada inspiração, que segundo outro poeta mais popular ainda tratar-se de uma ‘luz que chega de repente com a rapidez de uma estrela cadente que acende a mente e o coração’. Lembrei-me do uso que se faz de textos preexistentes de modo geral daqueles reconhecidos como universais da cultura que justo por essa razão dispensam pagamento de direitos autorais. Voltei-me como faz um grande contingente de escritores para os livros bíblicos e tive o insight para iniciar minha viagem em torno do indivíduo Osvando ao recordar o ensinamento que a “árvore se conhece pelos seus frutos”. Daí ter feito minha opção de Narrador e decidido, ao invés de enveredar pelo interior de sua pessoa – viagem inócua e invasiva – tentar a reconstrução de sua personalidade a partir de suas obras, que visíveis e à disposição de quem se interessar, conformam e narram o herói e sua história a escrever por meio de suas ações. Que é oriundo dos Goiás, com ascendência dispersa pelas Gerais e que migrou, nos anos da década de 1970 para o estado de São Paulo pode-se verificar facilmente em seu currículo da plataforma Lattes, pesquisador acadêmico humanista que se tornou após transitar anos a fio pelas salas de aulas e pelos corredores das faculdades de Letras e de Comunicação da Universidade de São Paulo – SP. Antes passara pelo vetusto Caetano de Campos passo inicial de trânsito quando envereda pela metamorfose de cidadão goiano à paulista e paulistano. Interior e capital de seu estado de adoção foram cenários de suas ações na trajetória de um jovem e ingênuo e despreparado chegante e migrante vindo do interior do coração do Brasil. - Corte. Para um hiato preenchido para a lembrança, anos mais tarde, de ter vivenciado sua emoção ante a cena protagonizada pelo grande ator Mamberti quando se emociona ao atingir “o coração do Brasil” (nos Goiás, é claro) vivida pela personagem de Antonio Callado em seu livro “Quarup” agora personagem do cineasta Ruy Guerra em seu filme “Kuarup” que Osvando manuseava. Todo o sentimento de Mamberti fluindo da tela e invadindo o operador técnico a ponto de quase perder a compostura profissional exigida pelo trabalho que o jovem goiano de origem exercia. Sim, pois já estudante universitário das Letras uspianas, também se meteu no fazer cinematográfico. Já bem antes participara das confluências de Letras e Cinema também vivenciando a intertextualidade de Clarice Lispector e Suzana Amaral provocadas pela personagem de ambas Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso? 65 – Macabéia – do também de ambas “A Hora da Estrela”, livro e filme cinematográfico, respectivamente. Mas, não nos percamos no labirinto que esse relato teima em ser. É hora de ceder a palavra para a nossa personagem principal: o cidadão brasileiro Osvando! Deixemos que ele nos dê a sua versão. Nasci em um 10 de outubro na cidade de Anicuns, Município do Estado de Goiás, onde cursei o primeiro grau. Filho de pais mineiros, tive uma infância tipicamente rural, envolvido na realidade interiorana goiana, tal qual a espelhada na Literatura de ambos os Estados. Com uma avó contadora de “causos”, fui um misto do menino de engenho e do seu amigo de infância, o moleque Ricardo, retraduzidos do universo de José Lins do Rego pelo compositor Milton Nascimento em sua longa e descritiva letra da canção Morro Velho. Ah! Como bem me recordo do sentimento profundo que porejava visível e latejante no moleque Osvando provocado pela emoção sentida da copiosa letra narrativa do bardo mineiro. Revia seu “tipo inesquecível” da velha avó matriarca que deixara para trás ainda viva perdida nos espaços gerais dos Goiás cuidada pelo tio solteirão, os jovens pais finados ainda jovens, os irmãos e as tias e tios que tinha em profusão, os irmãos dispersos após a morte dos pais acolhidos nas casas dos parentes nem sempre acolhedores, e, principalmente, aquela gana descrita pelo mestre Lins do Rego corporificada na sua “Moleque Ricardo” – a necessidade de cair no mundo. E lembrava suas leituras posteriores ao sentir reverberar em sua cabeça o som insistente a reproduzir a voz do irmão de Ricardo: – “Cardo! Cardo! Não vai pro mundo que o mundo te come!”. Porém o que se deu, o próprio Osvando continua a nos contar quando declara peremptoriamente para nós a sua opção primeira – o fascinante universo das Letras: Transferi-me para a cidade de São Paulo em 1980. Matriculei-me na EEPSG “Caetano de Campos”, onde concluí o 2º grau, período em que se definiu em mim uma tendência natural para as disciplinas das Ciências Humanas, em detrimento das Exatas; daí a tendência aos estudos das Letras. Após completar o curso do ensino médio, ingressei na FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – USP, fato que transformou a vida de um garoto notadamente interiorano em um esboço, inda que tênue, de vida voltada para as Letras e ambientada às preocupações de uma vida acadêmica, cujos anseios 66 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros convergiam para a pesquisa de tudo que estivesse ligado às Literaturas. Durante o curso de Graduação, transitei pelos Departamentos de Línguas Clássicas e Vernáculas e pelo de Línguas Orientais, pois ingressara no Curso de Português/Russo, e no segundo semestre de 1991concluí o curso de Bacharel em Letras, colando grau em 22 de janeiro de 1992. O seu interesse pelo Cinema a princípio como entretenimento imiscuído aos seus estudos literários universitários de maneira involuntária começa a crescer cada vez mais, e aos poucos começa a se esboçar em sua cabeça algo que somente mais tarde irá identificar e tornar-se-á definitivo como um dos campos de sua futura investigação científica ainda sequer sonhada: a Intertextualidade descoberta paulatinamente entre os textos verbais e imagéticos. Dá-nos a conhecer em viva voz essa sua premonitória passagem/travessia. Paralelamente aos meus estudos universitários, ainda ao final da década de 1980, participei da fundação da 786 / Sete-Oito-Meia Produções Vídeo Cinematográficas Ltda., empresa especializada em assessoria e execução de finalizações e trucagens para filmes cinematográficos de curta, média e longas-metragens. Desta fase destacam-se entre outros, os trabalhos executados para os filmes: “A Hora da Estrela”, “Anjos do Arrabalde”, “A Dança dos Bonecos”, “O Milagre das Águas” e “Kuarup”, entre outros. Foi fundamental o trânsito nas Literaturas para a minha contribuição em produtos cinematográficos apoiados em trabalho de adaptação de obras importantes da Literatura Brasileira – principalmente no caso do filme “A Hora da Estrela”, realizado pela diretora, então iniciante, Suzana Amaral, longa-metragem que propõe a releitura da última obra em vida, talvez a mais popular, da escritora Clarice Lispector. Como a humildade é inerente ao caráter do humanista Osvando, como testemunha ocular de parte de sua história que aqui me propus a narrar, devo dizer do respeito profissional e do carinho mútuo que ambos, Osvando e Suzana, estão a manter e dispensar entre si desde então e que perdura até hoje. E sobre o seu sadio orgulho e satisfação de ter trabalhado a relação entre Quarup e Kuarup, prefiro que ele fale com suas próprias palavras. No caso específico de “Kuarup”, filme do diretor Ruy Guerra, resultado de um trabalho de adaptação para roteiro cinematográfico da obra “Quarup” de Antonio Callado, a minha vivência da região dos cerrados encontrou ressonância em vários episódios, envolvendo os povos indíge- Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso? 67 nas, o cenário do sertão goiano e, principalmente, a mítica do coração do Brasil, tudo transposto com rara delicadeza para as telas do cinema. Importante dizer que é, para mim, motivo de orgulho ter, de certo modo, inda que pequena a participação, ter contribuído para o último grande filme que encerrou um ciclo da história do Cinema Brasileiro ao anteceder o período negro, não só para o Cinema, também para as Artes e Literaturas em geral, que teria início em terras brasileiras no alvorecer da década de noventa – a última do século passado. Osvando também faz questão de destacar a sua atuação profissional em um filme muito importante quase “feito em casa” para um seu vizinho de apartamento e amigo muito querido, laços que se estenderiam a toda família do doce Carlão, como era chamado carinhosamente no círculo formado por seus amigos e familiares, recentemente falecido. Embora os trabalhos acima mencionados fossem mais adequados à minha formação em Literatura Brasileira, foi-me também muito prazeroso participar de uma produção cujo texto apoiava-se em um roteiro original, como foi o caso do filme escrito e dirigido pelo cineasta Carlos Reichenbach – “Anjos do Arrabalde – as professoras”. A cada novo trabalho, novos desafios enfrentados com um misto de coragem e atrevimento não se furtando a experimentação de novos caminhos que propiciava em sua mente laboriosa aproximar ainda mais as relações entre os dois universos em que se especializava – o literário apreendido nas aulas e o imagético na prática do fazer cinematográfico que animal jovem e vivo empreendia sua metamorfose ao trocar de suporte para as imagens sonhadas e as narrativas desnoveladas. Em 1990, adaptei e roteirizei, a partir de um texto infantil americano, o curta-metragem infantil homônimo “A Árvore Rabugenta”, utilizando, pela primeira vez, a técnica da captação de imagem em suporte eletrônico. Traduziu-se em experiência fundamental a possibilidade de transcriar a partir de imagens literárias, resultando em expressivo corpus visual materializado no produto final do vídeo. Importante como experiência processar a mudança de suporte para uma imagem implicando em alterações nos processos técnicos de edição, buscando o sequenciamento no eixo narrativo. 68 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros É agora, que perseguindo o percurso narrativo de nosso herói tomaremos ciência por meio de suas próprias palavras, com satisfação nossa daqui e a personagem falando metalinguisticamente de lá como teria sucedido e com sucesso a interação dos dois mundos em que vivia cindido, dividido, após a fissão frutificada na derivação de duas veredas palmilhadas em paralelo. Agora, finalmente a fusão ou a integralização das funções aparentemente diferenciadas que exercia, tal qual as personagens literárias Jeckil e Hyde de Stevenson, ou as cinematográficas de Eva, que em final feliz hollywoodiano veem suas “máscaras” reunidas em uma só. Nosso herói Osvando, a personagem principal de nossa narrativa, irá finalmente encontrar apoio, e que apoio!, em seu professor para ousar levar para o nicho das Letras o universo mais do que proscrito, proibido mesmo, da Televisão. Tarefa impossível não fosse o apoio recebido de seus professores para tamanha ousadia. No segundo semestre de 1992, ingressei no programa de Pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo – USP, departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, com um projeto orientado, inicialmente, pelo Prof. Dr. Alfredo Bosi, que por motivo de saúde sugeriu a transferência da orientação para o Prof. Dr. João Adolfo Hansen, na área de concentração em Literatura Brasileira, nível de Mestrado. O projeto centrou-se na tradução intersemiótica do romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, idealizada e realizada por Walter George Durst para a televisão como produto final um audiovisual em formato de minissérie composto de 25 episódios. O trabalho da gênese da escrita do roteiro literário televisivo, empreendido por Durst, passou a ser o principal foco de interesse da longa pesquisa que foi necessária para o cotejamento dos dois textos literários: o romance, como texto de partida e o roteiro televisivo, como texto de chegada, que antecede as imagens. O roteiro literário de um produto audiovisual, seja cinematográfico ou televisivo, pode ser considerado como um texto de passagem, ponte entre as imagens literárias e a concretização do visual na tela. É sabido que por mais que o autor se esconda ou procure disfarçar termina por deixar traços seus em suas personagens afinal o material utilizado nas construções de narrativas é parte constituinte do universo interior do narrador. Tanto é que somente ao se conhecer a pessoa Clarice Lispector é possível perceber em sua tão esdrúxula criatura Macabéia nuanças e reflexos como pegadas de sua criadora e autora. Também é de conhecimento a partir de fonte insuspeitada que somente ao contar sua circunstância o narrador se torna universal. Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso? 69 Desse modo, é impossível que fosse diferente com o Osvando, filho misto das gerais das Minas e dos Goiás, as veredas e veios e caminhos por ele palmilhados haveriam mais dia menos dias de confluírem para o mar de Guimarães Rosa. Não deu outra! Vê-se por sua escolha de objeto de pesquisa de Mestrado e conforme veremos a seguir também de Doutorado. Defendi, em 02/06/97, a dissertação de Mestrado intitulada “Grande Sertão: Veredas – O Romance Transformado. Abordagens do processo e a técnica de Walter George Durst na construção do roteiro televisivo.”, tendo como banca examinadora os professores doutores: Marcello Giovanni Tassara, Mariarosaria Fabris, João Adolfo Hansen (orientador), obtendo a média de 10,0 (dez inteiros). À vista do resultado, e tendo cumprido todas as exigências regimentais do Curso de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo -USP, foram acrescentados os conceitos Com Distinção e Louvor. Em 2000 ocorre a edição de seu livro intitulado “Grande Sertão: Veredas – O Romance Transformado” – EDUSP/FAPESP, com lançamento em 13 de dezembro de 2000 – São Paulo – Centro Cultural Maria Antônia – USP. O Prefácio, generosamente produzido por Alfredo Bosi. Ave pregoeira de Rosa em que transformara, por sua vez, participa do II Seminário Internacional Guimarães Rosa, de 27 a 31 de agosto de 2001, na PUC-Minas, em Belo Horizonte, MG, quando apresenta a comunicação “Da Tradução Interlingüal à Tradução Intersemiótica do Romance GRANDE SERTÃO: VEREDAS para a Televisão: Abordagens e Aproximações à Semiótica da Cultura”, além de constar na programação do evento também com o oportuno lançamento do Livro “Grande Sertão: Veredas – O Romance Transformado”. O nosso herói achou o seu veio e mergulha de cabeça no universo rosiano a ponto de se transformar em autoridade em “Grande Sertão: Veredas” mergulhado que se encontra nas águas profundas do “sertão que virou mar”, aquele mesmo que conhecera na infância e reconhecera nas letras de Rosa. Apaixona-se por Riobaldo e Diadorim e seu amor impossível, as guerras dos jagunços, a música das palavras... e os “causos” que insistiam em reverberar a fala de sua avó – identificação total. E prossegue em sua vereda calcando seus passos lembrados sobre as pegadas deixadas por Rosa – agora transformado em seu mentor à moda virgiliana para um temeroso e respeitador iniciado dantesco – por favor: atente ao sentido. Era inevitável que acontecesse o que a seguir nos faz saber 70 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Em 11 de setembro de 2002 defendi Tese de Doutoramento junto a Escola de Comunicações e Artes – ECA, da Universidade de São Paulo – USP, com o tema Imagens em Grande Sertão: Veredas – Da palavra impressa no romance à imagem eletrônica-televisiva – Semiótica da Imagem. Obtive o título de Doutor a partir da aprovação da Banca Examinadora assim constituída: Prof.ª Dr.ª Mariarosaria Fabris (orientadora), Profs. Drs. Marcello Giovanni Tassara, Mauro Wilton de Sousa, Aurora Fornoni Bernardini e Boris Schnaiderman. O ano 2003 foi fabuloso destacando-se a publicação do texto “Da Tradução Interlingual à Tradução Intersemiótica do Romance Grande Sertão: Veredas”, no livro “Veredas de Rosa II”, de Lélia Pereira Duarte. A obra, editada pela PUC-Minas de Belo Horizonte, e o texto encontra-se da página 606 até a página 611. O mesmo material que se tornara capítulo de livro fora apresentado – constando dos anais – no 2º Seminário Internacional Guimarães Rosa, realizado em Belo Horizonte/MG. Volta a participar, em 2004, agora na 3ª edição do Seminário Internacional “Guimarães Rosa”, em Belo Horizonte. Para essa edição, preparou a comunicação “Imagens e Palavras: matrizes operadoras da reconstrução visual de Grande Sertão: Veredas”. O resumo do trabalho encontra-se publicado na página 158 dos anais do Congresso. A comunicação transformada em artigo, sob o título “Imagens e Palavras: Matrizes Operadoras da reconstrução visual do romance Grande Sertão: Veredas” tornou-se capítulo do livro “Veredas de Rosa III”, de Lélia Parreira Duarte. A obra foi publicada pela PUC Minas. Corte para sua participação durante o 1º e 2º Semestres de 2005 de reuniões preparatórias do grupo de estudos da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade de Sorocaba (UNISO), com objetivo de produzir a solicitação perante a CAPES/MEC de credenciamento de Curso de Pós-Graduação Multidisciplinar. Em paralelo, participa da criação e coordenação do Curso de Pós-Graduação lato sensu, nível de Especialização – “Literaturas & Audiovisual”, em parceria com o Prof, Dr. Paulo Braz Clemencio Schettino, na Universidade de Sorocaba (UNISO). Em março de 2006, deu-se início à primeira turma. Acontecem também no início de 2006, no âmbito da Universidade de Sorocaba (UNISO), sob sua batuta, a criação e a coordenação dos eventos abaixo destacados, com participação, como convidados externos, de professores-doutores de expressão nacional objetivando atrair juízos favoráveis à instituição e apoio ao credenciamento do novo Programa de Mestrado: I Seminário Avançado de Comunicação e Cultura; e, I Simpósio Regional Mídia, Comunicação e Cultura. Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso? 71 Ainda no decorrer do ano da graça de 2006, também ainda no seu 1º semestre, graças aos esforços por ele envidados e pela influência e apoio recebido de seus convidados, contrariando o representante da Área de Ciências Aplicadas I – Marcius Freire, a direção do CTC/CAPES houve por bem aprovar a solicitação do novo curso da Universidade de Sorocaba (UNISO). Com as seguintes alterações: mudança de Mestrado Multidisciplinar para Mestrado Acadêmico na Área de Ciências Aplicadas I – Comunicação; Coordenação por Acadêmico titulado Doutor em Ciências da Comunicação; autorização para funcionamento a partir do 2º semestre de 2006. Essa foi a gênese do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Comunicação e Cultura, nível de Mestrado da Universidade de Sorocaba (UNISO). Essas foram as contribuições de Osvando, tendo assumido a Coordenação do Programa por duas gestões consecutivas, sendo que as linhas de pesquisa escolhidas para Orientação de Projetos de Pesquisa foram: “Teorias da Comunicação e da Cultura” e “Análises de Processos e Produtos Midiáticos”. Também, no ano da graça de 2006, foi aprovado, pelo colegiado do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília-UNB, seu projeto de pesquisa de Pós-Doutoramento, na Grande Área de Ciências Sociais Aplicadas, Área da Comunicação, Subárea da Teoria da Comunicação – um ano depois, interrompido em face das crescentes obrigações e compromissos assumidos frente ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura, nível Mestrado, da Universidade de Sorocaba. E assim se passaram sete e não dez anos, como um dia cantou em tom de bolero a “favorita da Marinha”. Hoje, em 2013, informei ao biografado a minha intenção de escrever sobre ele e a sua trajetória de vida pelo viés profissional e acadêmico. Não que a resultante de meu texto pretendesse ser uma “biografia autorizada”, coisa que jamais faria por achar seus similares mais que obscenos, não mais que pura contrafação – uma ação entre amigos em que o lesado é o leitor. Apenas indaguei quais seriam os pontos principais que destacaria ao olhar para trás volvendo o olhar para esses sete apolíneos anos. Após titubear apenas por instantes me fez saber do orgulho sadio de ter colocado filhos acadêmicos no mundo. “– Não deixe de falar deles!”, reafirmou enfaticamente a sua satisfação, de um modo ou d’outro, por ter colaborado na formação particular de cada um de seus agora “orientados” – seja de TCC, de Iniciação Científica ou de Mestres que ajudou a colocar no mundo. Retornando ao insight recebido quando do início da produção deste texto – caso tenha esquecido, lembramos: “A árvore se conhece pelos frutos”. E, é por isso que atendendo ao seu pedido destacamos como hors concours, dado nossa 72 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros personagem professor professar ser o Aluno a razão de ser da Escola e estar em segundo plano o exercício de toda profissão de Magistério, o registro de Orientação de Pesquisa Acadêmica, stricto sensu, que proporcionou a formação e titulação de Mestres, elencados a seguir por ordem de ‘saída do forno’: A) Lucas Augusto Giavoni. “A Fórmula 1 e as Teorias da Comunicação: Transformações Culturais. 2012”. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Orientador: Osvando José de Morais. B) Raquel Brosco. “Teorias da Comunicação: Cultura, Memória e Transcendência pelo Foto-Realismo de Gerhard Richter – Aura e Ruína do Século XX Alemão”. 2012. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. C) Cesar Augusto Dionísio. “Teoria comunicacional auditiva e a ocularidade da cultura do Impresso: De como o livro se amplifica em audiolivro”. 2011. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. D) Mariana Domitila Padovani Martins. “Comunicação, Cultura e Sociabilidade: imagem pessoal do jovem no Orkut e liberdade paradoxal nas redes sociais”. 2011. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. E) Caio Fausto de Almeida Giannone. “Videogame, a Teoria do Meio e a Comunicação: novos meios, novos ambientes, novas habilidades – análise de DJFFNY, um encanador e a(s) identidade(s)”. 2011. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. F) Giovani de Arruda Campos. “Teorias da Comunicação e Interatividade: conceitos, modelos e tecnologias na cultura da informação”. 2011. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. G) Rosângela Araújo Pires Vig. “O Processo Comunicativo da Arte: Uma Abordagem da Estética Cubista em Guernica”. 2010. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso? 73 H) Cyro Augusto Pachicoski Couto. “Comunicação do Medo: Os Ataques do PCC. 2009”. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. I) Eduardo Cerqueira Roberto. “A Nova Resistência: Rock Antropofágico nos Meios Alternativos de Sorocaba”. 2009. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. J) Milton Pimentel Martins. “Comunicação, Propaganda Política e Ideologia nos Tempos de João Goulart”. 2009. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. K) Robson José dos Santos. “Shopping Center – Uma Cidade dentro da Cidade”. 2009. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. L) Patrícia Aparecida Amaral. “Telejornalismo no Cerrado – a busca pela audiência na primeira afiliada da Rede Globo (Rede Integração/MG”). 2008. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. M) Susi Berbel Monteiro. “A Indústria cultural e os meios de comunicação de massa amplificando a persona”. 2008. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais. N) Silvio Cesar Silva. “A representação do malandro em ‘A grande família’: das relações ideológicas e culturais à comunicação de massa”. 2006. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Coorientador: Osvando José de Morais. O) Maria Soledade Ferreira. “A leitura crítica do ‘Grotesco’ e do ‘Silêncio’ no romance ‘Vidas Secas’ de Graciliano Ramos”. 2005. Dissertação (Mestrado em Literatura e Crítica Literária) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo. Orientador: Osvando José de Morais. P) Pedro Santos da Silva. “Afonso Henriques de Lima Barreto e o Mito da Brasilidade”. 2004. Dissertação (Mestrado em Literatura e Crítica Literária) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo. Orientador: Osvando José de Morais. 74 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Q) Vera Helena Saad Rossi. “Discursos possíveis de Clarice Lispector (As entrevistas de uma escritora jornalista”). 2004. Dissertação (Mestrado em Literatura e Crítica Literária) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Orientador: Osvando José de Morais. R) Berilo Luigi Deiró Nosella. “A Narrativa no Drama Pirandelliano: uma análise dialética do fenômeno ‘forma’”. 2004. Dissertação (Mestrado em Literatura e Crítica Literária) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coorientador: Osvando José de Morais. Satisfeito foi o desejo de nosso herói em alardear a contribuição prestada à formação de seus ‘filhos acadêmicos’, agora Mestres metamorfoseados em vetores a disseminar o que apreenderam de seu ecletismo manifesto na liberdade com que passeia e flui nos caminhos/métodos das diferentes veredas percorridas por seus pupilos – a sabor do interesse de cada um pelo tema de seu interesse. Agora vamos nós mesmos assinalando e destacando os pontos luminosos que acreditamos havermos encontrado quando palmilhamos a trajetória de nosso biografado. Como Primeiro Destaque apontamos para a sua formação acadêmica que mesclando graduação em Letras – Mestrado também em Letras com “Distinção e Louvor” (FFLCH-USP) e seu enveredar-se pela COMUNICAÇÃO – Doutoramento em Ciências da Comunicação (ECA-USP) nos fornece subsídios para comprovar a sua capacitação para que ao longo do exercício profissional de Professor pudesse ministrar disciplinas de Leitura e Produção de Textos para alunos dos cursos de habilitação profissional em Publicidade e Propaganda, Rádio-TV, Relações Públicas e Jornalismo nas diversas instituições de ensino superior por onde andou: FKB-Itapetininga, ESAMC/ESPM-Campinas e Santos, PUCSP – Graduação e Pós-Graduação em Letras, UNISO/Sorocaba – Graduação e Pós-Graduação em Comunicação e Cultura, ECA/USP – Faculdade de Jornalismo. Como Segundo Destaque, já que somos testemunha-ocular da história, chamamos a atenção do leitor para a participação ativa de nosso herói, em todos os passos: na criação; luta pelo credenciamento junto a CAPES; condução como timoneiro e luta pela consolidação do programa – autêntico labor sisífico ou quixotesco – na função inglória de 1º Coordenador do Programa de Pós-Graduação, stricto sensu, nível de Mestrado em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (UNISO), em um longo período de tempo jacóniano: agosto de 2006 a julho de 2012. “Quem há de dizer...”, como cantou o poeta gaúcho, das armadilhas, alçapões, rasteiras, de que foi vítima o nosso herói! E, “quem há de dizer da dor que mora...”, como também disse um outro poeta... no coração Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso? 75 de nosso herói vilmente atraiçoado que labutando e aspirando pela luminosa Raquel lhe foi imposta a pálida Lia. Emulando o herói bíblico apaixonado, este nosso como aquele teria dado mais sete anos... Terceiro Destaque para o exercício, em segundo mandato, do cargo de Direção Editorial da Sociedade de Estudos Interdisciplinares de Comunicação – INTERCOM, junto à sua Diretoria Nacional. Voltou-se por inteiro à produção de Livros, por imposição do cargo ocupado na Direção Nacional da INTERCOM, estudando conteúdos dos autores e pesquisando a melhor forma a escolher para o melhor resultado do produto final. Osvando sem saber, talvez, jamais imaginara que estava se tornando um Editor de livros de “mão cheia”, e que em futuro próximo ousaria e tomaria para si a competência da reedição da “História da Imprensa”, obra máxima de Nelson Wernek Sodré. Duas primas obras: o texto revisitado e reeditado de Werneck Sodré, e a primorosa edição realizada por Osvando. Quarto Destaque para a criação e gestão de Editora Universitária (EDUNISO), editora da Universidade de Sorocaba (UNISO). Responsável pela editoração dos livros em catálogo da editora (desde o primeiro), e por edições seguintes em parceria com outras editoras universitárias. Trabalho insano: pesquisar editoras e seus regulamentos; afunilar a pesquisa para a especificidade de intentar uma editora universitária; análise comparativa dos propósitos que particularizam e tornam singular uma editora de livros que se propõe à divulgação dos resultados acadêmicos de uma instituição de ensino superior; o acuro e esmero na produção final do livro; as pessoas – estudantes em sua maioria – de que se cercou e instruiu, profissionalizando-os através da práxis e, principalmente, nas análises teóricas dispendidas nas reuniões de trabalho – outros filhos acadêmicos que colocou no mundo e indicou um caminho/método de realização profissional. Quinto Destaque para a participação na criação e atuação como Coordenador de Programa de Pós-Graduação no projeto apresentado ao PROCAD – Programa Nacional de Cooperação Acadêmica, em atendimento ao Edital Procad N° 01/ 2007, CAPES. Com o tema central: Teoria da Comunicação, proposto pela Universidade Federal da Bahia/Faculdade de Comunicação/Programa de Pós-Graduação em conjunto com os Programas de Pós-Graduação das Instituições participantes: UFBA (coordenadoria geral), PUC-RS, UNB, UNISO. Responsável pela produção do primeiro livro que resultou fruto das reuniões, encontros, seminários entre os participantes do programa nos quatro cantos do país – Porto Alegre/ RS, Sorocaba/SP, Brasília/BR, e Salvador/BA. Sexto Destaque pela iniciativa de chamar e sediar o primeiro encontro dos Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em Comunicação do Estado 76 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros de São Paulo com vistas à criação do Fórum Permanente dos Programas de Pós-graduação em Comunicação do Estado de São Paulo. O fracasso em termos de continuidade muito se deveu a uma intensa guerra de egos encontradiça nos meios acadêmicos – porém isso pouco ou nada tem de interesse. O que importa foi o chamamento lançado pelo nosso biografado em sua certeza no intento primeiro: a necessidade de colaboração entre programas e acadêmicos do estado de São Paulo. Sétimo Destaque além de Programa de Pós-Graduação stricto sensu, apontamos para a criação também de Cursos de Pós-Graduação, lato sensu, nível de Especialização e Cursos de Extensão Universitária; incluindo destaque para nossas publicações (individuais e de outrem); e para a atividade de produção e realização de Eventos – desde Palestras, Seminários Avançados, Simpósios, e Congressos; dispersos e nominados na cronologia aberta ao público de seu currículo exposto na plataforma Lattes. Paremos por aqui. Qual uma nau de velas pandas lançada em mar alto, Osvando sem medo ou temor, cada vez mais “livreiro”, cada vez mais envolto nas discussões sobre a Comunicação e a Cultura, por sua vez mais experimentado após enfrentar disputas como as que acima apenas em parte desvelamos, continua: mais maduro, muito mais sábio – inda que humilde, muito, mas muito mais mesmo, e cada vez mais... humano. Quixote, Sísifo, Brasileiro Cordial, Humanista por fé, Professor por opção... Osvando J. de Morais! Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso? 77 Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros Maria Érica de Oliveira Lima1 4º CAPÍTULO Introdução Em maio de 2006 fiz concurso para professor adjunto no Departamento de Comunicação Social (DECOM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Depois de doze anos morando no estado de São Paulo, onde cursei da Graduação, Jornalismo, na PUC-Campinas, até o Doutorado, em Comunicação Social na Universidade Metodista de São Paulo, era chegada a hora de voltar para o Nordeste, e de preferência para o Ceará, meu estado natal, ou mais próximo possível. Foi daí que o Rio Grande do Norte surgiu em minha vida. A primeira oportunidade da volta, da feliz volta quando finalmente fui aprovada no concurso cuja banca foi presidida pelo professor Doutor Moacir Barbosa – homem sério, organizado, concentrado e que muito bem soube conduzir o processo, juntamente com os professores Gerson Martins, na época ainda da UFRN, depois solicitou permuta a UFMS 1. Professora associada do Departamento de Comunicação Social (DECOM) e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PPgEM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Contato: [email protected]. Presidente da Rede de Pesquisadores em Folkcomunicação (2013-2015) www.redefolkcom.org 78 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros para ficar mais junto de sua família, e o professor doutor e membro externo Alfredo Viseu (UFPE). Portanto, foi em maio de 2006 que tive o primeiro contato, distante, porém muito profissional, em processo de avaliação, com o professor Moacir Barbosa. Na época fazia o mesmo concurso o professor Doutor José Carlos Aronchi que também foi aprovado e que infelizmente, depois de um ano e meio de UFRN, por questões de família e adaptação teve de nos deixar. O professor Aronchi desenvolvia um trabalho maravilhoso com os alunos de Rádio e Televisão em busca da profissionalização e criação de novos programas no cenário local. Juntamente com o professor Moacir Barbosa foi grande incentivador e apoiador durante os preparativos do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – INTERCOM 2008 – que aconteceu na UFRN, Departamento de Comunicação Social e que sem dúvida ficou para a história. Tenho certeza, na área de Comunicação na UFRN, o DECOM talvez não organize outro Congresso tão singular, grandioso, relevante e de visibilidade nacional e internacional, como foi o INTERCOM 2008. A convite do professor Moacir também fui integrante da comissão local e a partir daí travamos importantes batalhas internas para que o evento pudesse acontecer. Na época, 2008, a UFRN faria 50 anos de existência e, portanto, teve muito apoio por parte da Reitoria ter no seu calendário de comemoração um Congresso da envergadura do INTERCOM. Mas nem tudo era racional, lógico e civilizado no âmbito acadêmico, principalmente no DECOM cujo humor, inveja, infantilidade e até mesmo ingenuidade insistia prevalecer entre meia dúzia de professores que foram contra o Congresso. Durante o anúncio de que o DECOM fora convidado a realizar o INTERCOM, cuja finalidade única era promover a discussão, a reflexão, a divulgação das pesquisas em Comunicação, e principalmente, motivar o DECOM a continuar escrevendo sua história, motivar alunos, professores, situar a cidade de Natal no cenário nacional de importantes eventos, movimentar a economia local, etc., tivemos que ouvir, durante meses, movimentações de boicote nas reuniões departamentais, comentários sem fundamentos, fofocas infundadas, e muito pouca adesão por parte dos colegas. Contudo, os que aderiram fizeram um belíssimo e importante trabalho que, sem dúvida, marcou um período de sua vida profissional. Aos demais, o desígnio da frustração, da falta de perspectiva de olhar para o futuro com tranquilidade e o apedeutismo – sem dúvida marcaram o íntimo dos que nos infernizaram... pois tudo mudaria depois, naturalmente. É preciso lembrar que há vida para além dos muros acadêmicos, a instituição não é nossa propriedade extensiva, ao contrário, enquanto servidor público, temos de servir pensando em prol do bem comum. Que as relações pudessem ser no mínimo diplomáticas, justas e racionais entre os pares. Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros 79 Neste sentido, o professor Moacir Barbosa muito sofreu neste período. Diria que padeceu antes, durante e depois. Bem sei que não foi fácil para ele, principalmente, ter o compromisso de assumir nacionalmente a coordenação geral local do INTERCOM 2008, com mais de quatro mil inscritos, ter de administrar e levantar apoio de verbas, patrocínio, etc., já sabendo da dificuldade econômica que o Brasil tem em apoiar, mediante agências de fomentos, o campo das ciências e da educação. Sem dúvida, o mais incongruente ainda era a falta de anuência dos pares, que travestidos de opiniões democráticas e guardiões da liberdade de expressão e pensamento, eram contrários ao Congresso sem saber o do que estavam falando. Muito primordial foi o apoio do nosso então chefe de departamento, professor Newton Avelino, homem de visão, grande apoiador do INTERCOM de 2008, e que hoje se encontra a desfrutar de sua aposentadoria. Mas enfim, posso dizer que o exercício do Congresso INTERCOM 2008 foi, sem dúvida, o precursor para instaurar a maturidade no DECOM. Atualmente, contamos com um Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PPgEM), e temos outras visões de pesquisa e ensino. Novos e outros professores de várias partes do Brasil passaram a integrar o quadro de docentes permanente, trazendo, assim, a diversidade, riqueza de experiências e know how. Nupérrimo, o DECOM da UFRN já realizou e apoia eventos importantes de âmbito nacional e internacional sem que ninguém mais seja irritadamente contrário ao entusiasmo e à efervescência de proporcionar aos alunos a capacidade do renovado conhecimento. Ao professor Moacir Barbosa, especialmente, lanço a minha gratidão de ter sido, durante três anos, o tutor a acompanhar meu trabalho em âmbito do DECOM e avaliar com natureza técnica e certame o meu processo de estágio probatório. Agradeço também à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM – pela indicação e confiança de expressar aqui passagens e fragmentos em forma de deferência ao seu ex-Diretor secção Nordeste, que sem dúvida, contribuiu para a história da entidade científica. Perfil Nesta parte do ensaio acerca da pessoa e do profissional Moacir Barbosa de Sousa, é importante biografá-lo para, assim, sabermos um pouco mais deste particular professor e pesquisador que nasceu na cidade de Catende, Pernambuco, em 1º de agosto de 1948. Filho de Maria Barbosa de Sousa, dona de casa e doméstica, e de Raul Duarte de Sousa, funcionário público federal. Casou com Maria Auxiliadora Lira de Sousa, professora aposentada da Universidade Fede80 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros ral da Paraíba, da área de Geografia. Teve três filhos, Ramadir Lira de Sousa, professor de Música e Maestro no Instituto Federal de Ciências e Tecnologia do Acre – IFAC – Mestre em Etnomusicologia pela UFBA; Ramayana Lira de Sousa, professora de Cinema na Unisul, Florianópolis; pós-doutorado na Universidade de Leeds, Inglaterra e o caçula Ramady Lira de Sousa, Publicitário e professor substituto no curso de Comunicação da UFRN, Mestre em Comunicação pela UFPB. O professor Moacir começou sua carreira em emissoras de Rádio da cidade do Natal (Emissora de Educação Rural, nos anos 1960 – atual Rádio Rural, da Rede Canção Nova – cargos: operador de som, programador musical, locutor) e João Pessoa (Rádio Arapuan, anos 1970 – cargos: redator de notícias, programador musical e operador de som. Rádio Tabajara – anos 1970 – cargos: programador musical e produtor de programas. Rádio Correio da Paraíba – anos 1960/70 – cargos: noticiarista, programador musical e técnico de som). Registro profissional como radialista – nº 4100, DRT-PB. Além do Rádio, o professor Moacir é muito apreciador e estudioso do Cinema. Aos 18 anos, em Natal, foi presidente do Cine Clube Tirol, entidade pioneira do cine clubismo na região. Sonorizou o curta-metragem “O Coqueiro” (1976), em Super-8, do cineasta paraibano Alex Santos, premiado em Festival da SUDENE. Participou do “inacabado” “Arribação”, em 16 mm, também de Alex Santos. Em 1979, produziu, fotografou e editou “A Praça é do Povo”, em Super-8, dirigido por Jorge Carlos, em Rio Branco, no Acre. De 1977 a 1979, de 1981 a 1984 e de 1987 a 1989, dirigiu o setor de Extensão Cultural da Universidade Federal do Acre, Rio Branco, quando organizou e coordenou, com o patrocínio da Funarte, Salões de Artes Plásticas, Festivais de Música (FAMP – Festival Acreano de Música Popular) e Festivais de Cinema na bitola Super-8. Nos anos 1970/80, ministrou oficinas de história do cinema nos Festivais de Areia, Paraíba. Atualmente ocupa a cadeira número 7, da Academia Paraibana de Cinema, entidade fundada em 2009. Foi professor da Universidade Federal da Paraíba onde exerceu cargos de chefe de departamento e coordenador do curso de graduação em Comunicação Social. Tem experiência na área de Radiodifusão, atuando também no campo da história da mídia, tecnologias digitais, jornalismo, cinema, publicidade e propaganda, língua portuguesa/inglesa e literatura anglo-americana. Publicou os livros “Palavras Cruzadas” (poesia concreta – 1986); “Dicionário de rádio e som” (1992); “Do Gramofone ao satélite – evolução do rádio paraibano” (2005) e “Tecnologia da Radiodifusão de A a Z” (2010). Capítulos de livros como: “Mídia Cidadã” (Rádios Comunitárias: a luz no fim do túnel?); “Rádio brasileiro: episódios e personagens” (As primeiras transmisMoacir Barbosa: Para além de títulos e livros 81 sões de rádio na Paraíba); “Mercado e Comunicação na sociedade digital” (O tamanho do fosso: a distância entre o mercado e a academia”); Rádio (“Antônio Maria o ‘tomba’ cardisplicente”). Pesquisador da história da mídia radiofônica, das tecnologias digitais, som e indústria fonográfica, presidiu comissão de elaboração da habilitação Publicidade e Propaganda e presidente de avaliação concursos públicos. Fez parte da Comissão Assessora do Enade INEP-MEC) e da Comissão Elaboradora dos Referenciais dos cursos de Graduação do MEC. Também o professor Moacir foi avaliador institucional e de cursos do INEP-MEC. Atualmente aposentou em 25 de agosto de 2013 como Professor Associado III da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Departamento de Comunicação Social). Formação A formação do professor Moacir Barbosa o revela em sua erudição entre idiomas, literatura, personagens imortalizados pelo cinema. Graduado em Letras (Língua Inglesa e literatura anglo-americana) pela Universidade Federal do Acre, tem Mestrado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba com dissertação sobre o vampirismo na obra do escritor norte-americano Edgar Allan Poe “Blood, Horror and Morbidity – a study of vampirism in the literary world of EAP”, orientado pelo professor doutor Michael Harold Smith. Segundo o autor, a obra não é um estudo do vampirismo em si, com dráculas dotados de caninos pontiagudos sugando o sangue das vítimas, mas um estudo psicológico dos personagens que se relacionam vampirescamente em algumas das obras do escritor norte-americano Edgar Allan Poe. Esse estudo demonstra a singularidade do professor e pesquisador Moacir Barbosa. Fluente em língua inglesa e de humor também inglês – sério, porém brincalhão ao mesmo tempo – creio que poucos conhecem dessa sua especialidade que fascina jovens, cinema, literatura, artes plásticas, música, rádio, televisão, etc. Com Doutorado em Ciências da Comunicação, área de Rádio e Televisão, pela Universidade de São Paulo, com a tese “Evolução do rádio paraibano”, teve como orientador o professor Doutor Antônio Luis Cagnin, um estudo pioneiro sobre as origens do rádio paraibano. Outra característica peculiar à carreira do professor Moacir foi sua dedicação e vocação à gestão pública interna. Sabemos que nem todos os docentes possuem esse perfil, apesar de muitos equivocadamente acreditarem no poder a partir daí; mas ser gestor é, acima de tudo, na Universidade pública brasileira, um paradoxo aos que imaginam ou sonham com o poder. Moacir foi chefe de 82 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros departamento em dois mandatos na Universidade Federal da Paraíba, e coordenador de curso em quatro mandatos nas universidades federais da Paraíba e Rio Grande do Norte. Por essa quantidade se imagina o quanto de trabalho ofereceu à gestão, e mais: o quanto do domínio e conhecimento da burocracia acadêmica ele tem... Quanta paciência do professor Moacir Barbosa! Na pesquisa, com experiência na área de radiodifusão, atua nos seguintes temas: radiodifusão, história da mídia sonora, indústria fonográfica, tecnologias, jornalismo, marketing e história do cinema. E ele tem atuação importante como Diretor Regional Nordeste da INTERCOM, e é associado do Fórum Nacional dos professores de Jornalismo, Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, Associação Paraibana de Imprensa e Sindicato dos Radialistas da Paraíba. Entrevista Recentemente pensei na melhor forma de ilustrar um pouco mais nosso homenageado. Também de conhecê-lo a partir de uma perspectiva menos formal do que a partir de títulos, livros, cargos, pesquisas. Como se sairia Moacir numa rápida e curiosa entrevista? Inspirada talvez em “Caras” ou “Contigo”! São essas entrevistas que mais gostamos de ler, pelo menos os seres mais surpreendentes gostam, pois sabemos muito mais do outro em sua particularidade, circunstância. No caso do Moacir, melhor ainda, pois se revelou ágil, bem humorado, econômico, certeiro e com aquele gostinho de que a entrevista poderia ter rendido muito mais perguntas. Para vocês, um pouco mais do nosso homenageado: Maria Érica: Você teve irmãos? Quantos e onde estão? Infelizmente (ou felizmente) meus pais não conseguiram ir além de mim. Durante algum tempo isso foi uma grande dúvida existencial, até pensei em psicoterapia, mas vi que era frescura, pois a sobrevivência do dia-a-dia se sobrepunha a isso, e aqui estou intacto ainda. ME: Quantos netos têm? Filhos de quem? Até a presente data, uma netinha de 13 anos, filha do primogênito. ME: Quantos animais de estimação? E quais? São 5 adoráveis criaturinhas: dois cães (uma cocker spaniel – Nina – com QI abaixo de zero – mas mesmo assim muito amada – e um pinscher super inteligente e amigo – Balú) e três gatos (Luc – intelectual, daí o nome em homenaMoacir Barbosa: Para além de títulos e livros 83 gem ao Luc Besson – Neko e Chaninha – coitada). Provavelmente vai chegar mais um felino, a Lucrécia, irmã do Luc). ME: Quantos anos morou no Acre? 12 anos. ME: Quantos anos morou na Paraíba? Ao todo mais de 30 anos. ME: Há quanto tempo mora em Natal? 8 anos. ME: Quais os seus hobbies? Cinema e música (erudita, por favor). ME: Qual a comida favorita? Agora que estou num regime depois das crises de apneia obstrutiva do sono, deixei de ser um gourmetido. ME: Principal qualidade? Tentativas (quase sempre fracassadas) de fazer humor (pelo menos tento ser bem-humorado). ME: Quais seus defeitos? Todo nascido em Leão se acha o máximo... ME: O que mais admira no ser humano? Quem tem bom humor, sem ser um Chico Anysio da vida. ME: Qual ou quais foram os grandes desafios na vida? Resistir e resistir. ME: Livro de cabeceira? Como diz o matuto: tem uma ruma na mesinha ao lado da rede (durmo em rede – não na net, entenda-se, mas naquele grande pedaço de pano pendurado de um lado ao outro do quarto ou sala). No momento concluo a leitura da vida de Dolores Duran, a cantora dor de cotovelo, um excelente trabalho de Rodrigo Faour. ME: Que artes tocam o coração e o emocionam? Música, música, música (a erudita, como já disse acima). 84 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros ME: Quais projetos não realizados e gostaria de tê-los feito? Ter uma rádio com o padrão das Rádios Cultura Brasil (AM) e Cultura (FM), da Fundação Padre Anchieta, de São Paulo. ME: Que projeto ainda pretende realizar? Viver mais um pouco. ME: Quais ensinamentos para a nova geração de radialistas e jornalistas? Conhecimento, ética, bom senso, e bom gosto. ME: O que acha dos filhos terem seguido as mesmas carreiras sua e da sua esposa Auxiliadora – também professora universitária? Tem hora que eu penso “coitados”, mas vejo que decidiram tendo como modelo o que eu e mãe deles passavam e praticavam na frente deles. E decidiram pelo caminho da honestidade e da ética, sem jamais ferir alguém, por méritos próprios; isso nos orgulha em termos sido o modelo. ME: Quais manias? Cinemaníaco (passada para a filha do meio, que acaba de fazer pós-doutorado em Leeds, Inglaterra, em cinema). ME: É um homem de poucos amigos ou não? Seletivo, e por isso mesmo, poucos. ME: Como considera seu humor? Sujeito a chuvas e trovoadas. ME: Tem fé? Tem religião? É praticante? Como disse um certo filósofo americano (citando aqui um colunista da Folha de S. Paulo, que não recordo agora quem foi): “I don’t believe in God, that bastard!”. ME: Quais surpresas você teve no mundo? Já vi muita coisa e acho que vou ver mais ainda. ME: Quais decepções você viu no mundo? A desigualdade e a pobreza. ME: Tem medo da morte? Tenho mais medo da sua representação, aquela figura esquelética vestida de andrajos pretos com uma foice no ombro. Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros 85 ME: No Brasil, o que mais lhe incomoda? A hipocrisia, a falsidade e a cara de pau dos políticos, principalmente dessa laia no poder. ME: O que foi superado por você? A morte de minha cadela Hannah, anos atrás, uma pastor-alemão inteligentíssima. Tivemos de fazer eutanásia devido à avançada idade e a gravidade da doença. ME: O que não consegue superar? A hipocrisia, a falsidade e a cara de pau dos políticos... ME: O que acha do provérbio romano: “quando não houver vento, reme” e da frase de Seneca: “O homem que sofre antes de ser necessário, sofre mais que o necessário”. Respondo com um provérbio inglês: “don’t cross bridges until you reach them”. ME: Quais filmes marcaram sua vida? Não teria espaço suficiente, mas aqui vão alguns, sem ordem de importância (a propósito, são parte de um livro que estou escrevendo com um grande amigo de João Pessoa): “O Poderoso Chefão 1”, “Assim Caminha a Humanidade”, “Homem que Matou o Facínora”, “Sonhos”, “Os Incompreendidos”, “Um dia um gato”... (Todos os filmes de Ingmar Bergman). ME: Melhores diretores? Pelos sobrenomes, sem ordem de importância, alguns: Kurosawa, Truffaut, Glauber, Ford, Stevens (a lista é só de defuntos). ME: Cidade que mais gostou de conhecer? Por quê? Gosto sempre mais daquela em que estou no momento. ME: O que é ser professor da universidade pública no Brasil? Tem uma canção cafonérrima dos anos 50 homenageando as mães (coisa que a indústria fonográfica deixou de produzir): “ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração”. ME: O que é o tempo para você? Meu background existencialista. ME: O que é ser pesquisador? Acima de tudo, ser curioso, perfeccionista e disciplinado. 86 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros ME: Somos meros reprodutores/copiadores do pensamento? Depende de sua (nós) genialidade. ME: Ainda assiste TV aberta? O que? Não. Odeio. Principalmente aos domingos à tarde. Acho que preciso de psicoterapia, pois o domingo à tarde me é traumático. ME: Ainda lê jornal? Que editoria e assunto? Qual jornal? Sim, os eletrônicos. Política, Cultura, Humor e Economia. ME: Como se dá com a tecnologia? Agradeço a ela muita coisa boa na atualidade (e maldigo em outras). Considerações finais Quando recebi o convite da Sociedade Brasileira – INTERCOM – para escrever um texto acerca do professor Moacir Barbosa, não hesitei em fazê-lo, primeiro, pelo carinho sem interesse que o tenho; segundo, pelo respeito e admiração ímpar a quem muito fez à Universidade pública e também demais extensões no campo do ensino. Onde quer que esteja – veja bem, ele já passou pelo Acre, Paraíba, Rio Grande do Norte – ele tem muita história a contar e certamente essas páginas não conseguiram traduzir todo o seu trabalho e suas características. Contudo, foi uma alegria saber um pouco mais do colega de Universidade professor Moacir Barbosa. É bom descobrir as pessoas ao ponto de nos surpreenderem tão positivamente, tão especialmente. Poderia ter feito um ensaio mais técnico, mais “acadêmico”, recheado de citações de seus livros, análises, referenciais... mas pensei: gostaria de homenageá-lo jornalisticamente, de fazer um texto mais livre, aberto, descritivo nos fatos e narrativo nos importantes acontecimentos. Ao professor Moacir, desejamos anos vindouros de contribuição junto à pesquisa. Avante! Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros 87 Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! Simone Antoniaci Tuzzo1 5º CAPÍTULO A timoneira Ana Carolina Rocha Pessoa Temer nasceu na Bahia, mas viveu em vários Estados Brasileiros numa infância inquieta e de mudanças constantes que lhe propiciaram a possibilidade da diversidade, marca que ela cultiva até hoje e a torna uma cidadã do Brasil. Cursou o primário e parte do antigo ginásio em Salvador/ BA, onde também cursou a Escola de Ballet do Teatro Castro Alves e iniciou o aprendizado do Francês. Concluiu o ginásio, o antigo científico e o curso superior no Rio de Janeiro, onde dedicou parte do seu tempo ao curso técnico de Desenho de Propaganda e ao curso técnico de fotografia. Ingressou na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1977 para cursar Jornalismo, onde desenvolveu atividades ligadas às representações estudantis e aos grupos de estudo dos autores clássicos da sociologia e do jornalismo. 1. Simone Antoniaci Tuzzo é Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Efetiva do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás. Neste texto também colaboraram os pesquisadores: Monica Nunes, que escreveu a resenha do livro: Notícias & Serviços nos telejornais da Rede Globo; Jullena Normando que escreveu a resenha sobre o livro: Para Entender as Teorias da Comunicação; e Cládio Marcos que foi responsável pela resenha do livro: A televisão em busca da Interatividade. E-mail: [email protected] 88 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Como professora das Faculdades Integradas do Triângulo, Ana fez o curso de Especialização em Sociologia, oferecido pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia. Dois trabalhos realizados no curso resultaram em artigos científicos: “O Espírito do Capitalismo”, sobre o pensamento de Max Weber publicado na Revista Pensando a Sociedade; e “O Romance Folhetim como produto da Indústria Cultural”, publicado na Revista Ícone, das Faculdades Integradas do Triângulo. O passo seguinte foi o mestrado no Instituto Metodista de Ensino Superior – que no decorrer do curso se transformaria em Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Nesse período Ana estreitou sua amizade e sua admiração pelo trabalho do professor José Marques de Melo, que se tornaria seu orientador para a Dissertação de Mestrado e também para a Tese de Doutorado, que Ana cursou no período de 1999 a 2001. Ana Carolina é Professora Efetiva do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG e participa de diversos Grupos de pesquisa, como “O Jornalismo de serviço entre o consumo e a cidadania”, “Bases teóricas para o Jornalismo como atividade de comunicação”, “Bases epistemológicas para uma leitura crítica da mídia”. Por seus méritos e pelo reconhecimento da sociedade, Ana Carolina recebeu dois importantes títulos, Medalha do Mérito Legislativo Pedro Ludovico Teixeira, outorgado pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás em 2008 e a Medalha Maria Immacolata Vassalo de Lopes – 30 anos INTERCOM, outorgado pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação-INTERCOM em 2007. No mundo do trabalho, Ana começou como estagiária na Agência de Publicidade Reidnger & JG, no Jornal do Brasil e no Jornal “O Globo”, onde foi repórter do segundo caderno do Jornal “Última Hora”. Trabalhou na Editora Bloch durante oito anos, e quando o grupo recebeu concessões de canais de Televisão, migrou rapidamente para a TV, mas já com a decisão de mudar de cidade. Antes de concretizar a mudança, uma rápida passagem também na revista Figurino Moderno, da Editora Vecchi. Em Uberlândia/ Minas Gerais trabalhou no Jornal “Primeira Hora”, e em seguida na TV Triângulo, hoje TV Integração – emissora afiliada à Rede Globo, como editora da primeira edição do “praça TV”, o TN (Triângulo Notícias) que depois passou a chamar-se MG-TV. Também trabalhou na Diretoria de Comunicação da Universidade Federal de Uberlândia, onde desenvolveu atividades como produção de vídeos institucionais e o projeto da TV Universitária, que entrou no ar em 1996. Em 1990 foi convidada para ser professora no Curso de Comunicação Social das Faculdades Integradas do Triângulo – que depois viria a se transformar no Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 89 Centro Universitário do Triângulo; mas manteve também as atividades na TV Universitária tanto na produção quanto na apresentação de programas. Em 1998 assumiu a Coordenação do Curso de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, do Centro Universitário do Triângulo, em Uberlândia, Minas Gerais. Em 2006 assume a função de Professora Adjunta do Curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Goiás. No mesmo ano, assumiu a função de Professora Efetiva do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Goiás. Como produtora incansável, possui em seu currículo dezenas de artigos completos publicados em Periódicos; capítulos de livros; trabalhos completos ou resumos publicados em anais de Congresso; apresentações de trabalhos em eventos; Produção de vários programas de rádio e atuação como palestrante e ministrante de cursos de curta duração. Participação efetiva em Bancas de Qualificação ou Tese de Doutorado; Dissertação de Mestrado e Trabalhos de Conclusão de Curso de Graduação. Dezenas de participações em Bancas de avaliação de concursos públicos, projetos, júri de exposições e comissões julgadoras para os mais diversos concursos culturais e acadêmicos. Em seu currículo também estão registradas as participações em dezenas de eventos acadêmicos no Brasil e em vários países do mundo. Ana também é responsável pela orientação de vários trabalhos de Pós-graduação Stricto Sensu, Cursos de Especialização e Trabalhos de Conclusão de Curso de Graduação. Durante o Mestrado Ana teve uma produção intensa, mantendo uma ligação ampla com as Teorias da Comunicação e as Teorias do Jornalismo e procurando avançar nos conhecimentos destas áreas, sobretudo quando aplicadas ao estudo da Televisão e do Telejornalismo. Assim, investe em análises a partir de diferentes ângulos, deste a pesquisa histórica com base marxista que marcou o seu trabalho de Mestrado, até a análise funcionalista que é a base do trabalho de doutorado. Em ambos os casos, o elemento em comum é a visão crítica desta mídia e, sobretudo, da amplitude da influência da televisão no Brasil e dos limites do telejornalismo. Neste sentido, além do professor Marques de Melo, seu orientador, são autores influentes no seu trabalho Muniz Sodré e Ciro Marcondes Filho, além de autores ligados a Escola Estruturalista Francesa e ao Interacionismo Simbólico. Suas pesquisas são sempre marcadas pela busca de taxionomias da área de Comunicação e do Jornalismo, pela conceituação teórica, pela própria conceituação do Jornalismo e pelas definições de aspectos básicos ligados a esta 90 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros atividade – como a análise dos gêneros e formatos jornalísticos, sua estrutura e formatação, e a própria definição de notícia, como elemento definidor do caráter e da responsabilidade social do jornalismo. Neste percurso, vem buscando definir um modelo de análise dos processos da comunicação centrada na análise dos gêneros a partir da sua construção simbólica como um tipo ideal, em uma perspectiva de que os gêneros são elementos complexos inseridos em um processo de organização e reorganização constante do processo midiático e jornalístico. Essa busca envolve também entender diferentes modelos de jornalismo – como o Jornalismo de Serviço e o Jornalismo Diversional, e o próprio uso e conceituação dos gêneros nos estudos sobre a Mídia. Este contexto de análise abriu espaço para um olhar sobre os programas televisivos que, não sendo essencialmente jornalísticos, utilizam sua linguagem, formatos ou recursos – os chamados produtos híbridos. Trabalha com um grupo de Epistemologia da Comunicação, onde desenvolve trabalhos sobre a relação entre a Comunicação Mediada e o Jornalismo e busca a fundamentação teórica para aprofundar o Estudo dos Gêneros como ferramenta de análise da Mídia. É pesquisadora no Projeto de Pesquisa Casadinho/Procad entre a Universidade Federal de Goiás e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde está realizando Estágio de Pós-Doutorado na área de Comunicação. Este artigo versará, sobretudo, sobre as ideias dos cinco livros de autoria, coautoria ou organizados por Ana Carolina, quais sejam: 1) TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa. Notícias & Serviços nos telejornais da Rede Globo. Rio de Janeiro: Sotese, 2002. 2) TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa e NERY, Vanda Cunha Albieri. Para entender as Teorias da Comunicação. Uberlândia: Edufu – Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 2009. 3) TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa e TONDATO, Márcia Perencin. A televisão em busca da interatividade: uma análise dos gêneros não ficcionais. Brasília: Casa das Musas, 2009. 4) TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa (Organizadora). Mídia, Cidadania e Poder. Goiânia: Facomb/UFG/Funape, 2011. 5) TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa; TONDATO, Márcia Perencin e TUZZO, Simone Antoniaci. Mulheres do Sol e da Lua: A televisão e a mulher no trabalho. Goiânia: Ed. Da PUC Goiás, 2012. Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 91 1. Telejornalismo brasileiro no início do século XXI2 A história do telejornalismo brasileiro começou em 1950. Um dia após Assis Chateaubriand inaugurar a primeira emissora de televisão no país, o primeiro telejornal “Imagens do Dia” foi ao ar, em 19 de setembro através das irradiações da PRF-3-TV-TUPI de São Paulo. Apresentado por Ruy Resende e Paulo Salomão, “Imagens do Dia” tinha perfil bastante distinto dos telejornais da atualidade. As notícias eram, em sua maioria, apenas lidas ao vivo pelos apresentadores, com a transmissão de poucos filmes. O estilo radiofônico de apresentar os principais fatos do dia foi uma das características dos primeiros telejornais brasileiros. Meio século depois, o jornalismo de televisão pouco se assemelha a “Imagens do Dia”. A modernização dos equipamentos de captação, de edição e de reprodução de imagens permitiu a dinamização do trabalho jornalístico. O processo de produção das notícias passa por uma série de etapas até ser transmitido aos telespectadores. Da pauta ao produto final, o trabalho envolve muitos profissionais. É neste contexto que se insere a obra de Ana Carolina Temer, intitulada “Notícias e serviços: nos telejornais da Rede Globo”, resultado de sua pesquisa de doutorado na Universidade Metodista de S. Paulo sob a orientação de José Marques de Melo. Com a proposta de analisar o telejornalismo veiculado nacionalmente por uma das maiores emissoras de televisão brasileira, a Rede Globo, a autora apresenta-nos um trabalho de fôlego sobre especificidades das notícias transmitidas para os milhares de lares brasileiros por quatro telejornais– Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal da Globo – veiculados nacionalmente em quatro horários distintos no ano 2000. Segundo Temer, o trabalho objetiva entender o telejornalismo brasileiro e, em especial, o telejornalismo da Rede Globo de Televisão, cuja importância pode ser observada a partir de fatores históricos, sociais e econômicos, que levaram a televisão de sinal aberto brasileira a desenvolver um padrão de qualidade comparável ao de países do primeiro mundo, representando ao mesmo tempo a condição de única via de acesso às notícias e ao entretenimento para grande parte da população. 2. Resenha do livro: Notícias e Serviços nos telejornais da Rede Globo, escrita por Mônica Rodrigues Nunes. Doutora em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo. Professora da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: monicanunes_br@ yahoo.com.br 92 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros A autora se norteia na análise das notícias, matérias “de serviço” e de “interesse humano”, buscando determinar os critérios que orientam a elaboração das pautas e os fatores que determinam o formato final dos telejornais. Para isso, faz uso de grande arcabouço teórico e metodológico para apresentar ao leitor uma análise minuciosa do que foi noticiado pelos quatro telejornais durante duas semanas consecutivas de transmissão – de 24 de julho a cinco de agosto de 2000 – contabilizando 44 edições: 10 do Bom Dia Brasil, 12 do Jornal Hoje, 12 do Jornal Nacional e 10 do Jornal da Globo. A amostra contabilizou 898 matérias que foram classificadas por categorias, gêneros, origem, assunto e tipologia proposta. Para entender que tipo de matéria ocupa o espaço dos telejornais, Temer acompanhou, durante uma semana na Central Globo de Jornalismo de São Paulo, o processo de seleção do material jornalístico, ou seja, a rotina de produção de dois dos telejornais analisados – Jornal Hoje e Jornal da Globo. A descrição desta observação, além de apontar o movimento de tomada de decisão do que foi ao ar naquele período, também descreve as funções desempenhadas pelos profissionais envolvidos na produção dos telejornais, as fases de construção das notícias até a transmissão. Com objetivo de analisar comparativamente os telejornais estudados, a autora realizou análise de conteúdo do material: quantitativa e qualitativa. Na primeira, foram destacados a periodicidade, a repetição dos tipos, dos assuntos, dos formatos e de abordagens. Na segunda, apontada as diferenças e as semelhanças dos conteúdos das mensagens, buscando entender a intenção do discurso, as contradições e as falhas na elaboração dos produtos jornalísticos. A análise de conteúdo identificou, entre outros, os assuntos e os gêneros e formatos predominantes em cada telejornal; a relação informação/opinião, o tempo médio de cada formato. Como exemplo, a ausência de opinião no Jornal Hoje e o uso deste gênero no Bom Dia Brasil com a apresentação de comentários, sobretudo, para notícias sobre economia. O estudo dos telejornais também possibilitou traçar o perfil editorial, apontar características específicas como linguagem e identidade visual de cada um deles. Outro ponto relevante da obra refere-se ao capítulo que situa historicamente o objeto estudado: telejornalismo brasileiro, Rede Globo e seus telejornais. O texto busca detalhar etapas do desenvolvimento da televisão aberta brasileira, vista por muitos como o principal veículo de informação. Ao finalizar o trabalho a autora faz uma reflexão sobre o trabalho desenvolvido nos telejornais transmitidos nacionalmente pela Rede Globo. Para Temer, os produtos veiculados são prisioneiros de seu tempo, em uma busca que envolve ineditismo e imediatismo, procurando transmitir a ideia de que o noticiário Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 93 mostra a história em movimento no mesmo momento em que acontece. “Assim torna-se prisioneiro do tempo em um duplo sentido: prisioneiro de sua capacidade de produção, limitada pelo relógio e pela disponibilidade de recursos e é prisioneiro do tempo em função da pouca disponibilidade de reflexão” (p.261). A valorização do factual é outro ponto analisado por Temer. A busca pela rapidez na divulgação da informação e o pequeno espaço para análise e discussão do que é veiculado não contribui na construção dos sentidos do acontecimento social. Neste sentido, a autora afirma que o telejornalismo da Rede Globo não encontra condições para priorizar as funções sociais da comunicação. Enquanto jornalismo está, ao mesmo tempo, entre o retrocesso e a vanguarda, entre o medo de ser ultrapassado e a obrigação de ser o mais rápido, entre a necessidade da ação e o medo da reflexão. Uma década após a publicação desta obra, o modelo e o processo de produção dos telejornais, praticado nas emissoras brasileiras, já sofreu alterações. Um exemplo é o uso frequente de recursos como a internet, servindo como ferramenta para publicar complementos do que foi noticiado, espaço para publicação de materiais inéditos e ferramenta de interatividade com telespectadores. Entretanto, isso não diminui o valor e a importância de “Notícias e Serviços”, por se tratar de um espelho da realidade da produção de notícias, realizada pela Rede Globo, através dos seus telejornais veiculados nacionalmente, no início deste século. 2. Para entender as Teorias da Comunicação3 Para entender as Teorias da Comunicação é uma obra valiosa para estudantes, pesquisadores e interessados em compreender o caminho teórico das Teorias da Comunicação. O livro, que se propõe a auxiliar os iniciantes nesta área com aspectos introdutórios sobre o estudo da comunicação, apresenta as diferenças entre comunicação e comunicação de massa, as pesquisas em comunicação e as discussões sobre o campo da comunicação para, daí, agrupar em sete paradigmas os estudos da área. Ao final da leitura agradável e envolvente, rica em exemplos e com clara preocupação em tornar a compreensão fácil, o 3. Resenha do livro: Para entender as teorias da comunicação, escrita por Jullena Santos de Alencar Normando. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás. Coordenadora dos cursos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo da Faculdade Sul-Americana (FASAM), em Goiânia. E-mail: [email protected] 94 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros leitor terá tido contato com as principais correntes, autores e ideias. Esta obra é, sem dúvidas, um tesouro. No contexto atual, em que o acesso às informações é uma das características marcantes do nosso tempo. Pensar, então, sobre a capacidade de transmitir informações e nas consequências da interferência dos meios de comunicação de massa é essencial para compreender nossa época. Esta é uma tarefa complexa, que pressupõe referências, parâmetros, paradigmas e teorias que se proponham a compreender o alcance, a penetração, as influências e limitações dos meios de comunicação. Para tentar esclarecer os aspectos que envolvem as interações mediadas aparecem os estudos sobre a Comunicação de Massa que buscam decifrar, ou, pelo menos, explicar, as relações sociais, técnicas e tecnológicas que esses meios estabelecem na sociedade. Nesse cenário surgem os estudos que, mais tarde, serão chamados de “Teoria da Comunicação”. Em meados do século XX, com o advento e popularização dos meios de comunicação, aparecem as primeiras pesquisas que centram sua atenção nos meios de comunicação. Pelas características específicas deste objeto, os estudos não se caracterizam como um conjunto homogêneo. Pelo contrário, as pesquisas e teorias vão se tornar cada vez mais diversas na medida em que os estudos avançam. O propósito da obra de Temer e Nery (2009) é reunir os conceitos mais utilizados nos estudos sobre comunicação considerando a literatura sobre Teoria da Comunicação no Brasil. As autoras esclarecem que a teoria não se opõe à prática, antes, ela a reflete, pensa e discute. “Teoria e prática complementam-se, alimentam-se mutuamente, são dependentes entre si” (p. 11). Assim, enfatizam que jornalismo, publicidade, relações públicas, radicalismo e outras habilitações da Comunicação Social não são comunicação em si, mas atividades práticas que partem dos conhecimentos e instrumentos desenvolvidos pelos estudos em comunicação. A Comunicação é entendida com um processo que envolve interação, ação comum, manipulação de ideias e necessidade social. Nesse sentido, consideram que foi por meio da comunicação que o ser humano se desenvolveu, estabelecendo relações sociais, comerciais, atribuindo significados e valores a si mesmos e aos objetos ao seu redor. Assim, qualquer indivíduo inserido em um processo social “está em comunicação” (p.14). Vários são os conceitos possíveis para a comunicação e, para avançar nesta questão, as autoras destacam a diferença entre informação e comunicação. Informação envolveria o processo de envio de mensagem se a obrigatoriedade de retorno, ao passo que a comunicação seria um processo bilateral, que envolva alguém que emitiu a ideia e outro alguém que compreendeu o que foi Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 95 emitido. A informação seria, portanto, a matéria-prima da comunicação. E a comunicação seria partilhar, tornar comum, uma relação de reciprocidade entre os envolvidos. Outra distinção relevante é feita entre os conceitos de comunicação social e meios de comunicação. O primeiro seria o campo de estudos, já os meios de comunicação os veículos e empresas que atuam na transmissão de conteúdos e informações para grandes números de indivíduos. Pensar a comunicação pode ser uma forma de analisar a evolução do ser humano. O uso da língua permitiu aos nossos antepassados a evolução da situação pré-humana para a condição humana. Assim, a capacidade da sociedade comunicar-se também evolui. Desde o período pré-histórico, passando pela Grécia antiga, pelo Renascimento e a Reforma Protestante, a comunicação e o uso da linguagem possibilitaram grande impacto em várias áreas do conhecimento e desenvolvimento humano. A necessidade de refletir sobre a comunicação é notada a partir do século XVIII, quando a tentativa de distinguir entre informar, persuadir e entreter mostrou-se ser uma tarefa complexa. Com o desenvolvimento das tecnologias da comunicação, novos desafios apareceram para os estudiosos da área que, por vezes, aceitam definir os estudos sobre comunicação como “o estudo sistemático de todos os meios, formas de informação ou comunicação socialmente desenvolvidas” (p. 23). Os avanços tecnológicos da era capitalista (a prensa mecânica e o telégrafo) alteraram a forma e a velocidade com as quais as informações poderiam circular. Essas mudanças culminaram no surgimento da sociologia e do pensamento positivista e os conceitos de sociedade de massa que servem de subsídios para a análise dos meios de comunicação. As autoras traçam a linha do tempo dos estudos da comunicação desde o início do século XVII apresentando as principais mudanças sociais e os pensamentos dos autores em cada época. A discussão sobre o campo de pesquisa em comunicação mobiliza pesquisadores na tentativa de compreender a ação da comunicação, a ação profissional e as consequências dos conteúdos na sociedade. A partir das experiências dos pesquisadores e do contexto em que os estudos são desenvolvidos aparecem abordagens diferenciadas. Escolas, linhas de pensamento e saberes diversos caracterizam os estudos em comunicação: uma área heterogênea em que estudos evoluem e os conceitos “mudam” de uma escola ou linha de pensamento para outra. Para explicar o universo amplo e complexo que envolve os estudos em comunicação, as autoras apresentam os sete paradigmas mais abordados quando se trata de compreender as teorias da comunicação: o Funcionalista Pragmático, o 96 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Matemático Informacional, o Crítico Radical, o Culturológico, o Midiológico Tecnológico, o Linguístico Semiológico e o Conflitual Dialético. O primeiro deles, o Funcionalista Pragmático baseia-se no positivismo, valoriza as pesquisas administrativas e empiristas e propõe um paralelo entre o corpo social e o corpo humano que busca entender a sociedade a partir das trocas e relações sociais. É nesse paradigma que encontramos os pensadores da Escola de Chicago e da Escola Americana Positivista. Os primeiros lançam as bases do Interacionismo Simbólico, perspectiva que compreende a sociedade como constituída simbolicamente pela comunicação. Nesse sentido, as pessoas se relacionariam por meio de símbolos e os símbolos estruturariam, portanto, o processo de comunicação. Os segundos preocupam-se com os efeitos e resultados dos meios de comunicação surgidos no século XX. Fazem parte desta Escola os pesquisadores Paul Lazersfeld, Kurt Lewin e Harold Lasswell que participaram das chamadas três fases da Escola Americana: a Pesquisa em Comunicação de Massa, centrada em pesquisas comerciais que buscavam soluções práticas para os produtores dos veículos de comunicação; a Corrente Funcionalista preocupada com a comunicação dentro do processo social e os Estudos de Efeitos de Longo Prazo que se centrava nas consequências das práticas profissionais no conteúdo das informações e com a influência dos meios de comunicação. Estão nesse paradigma as Teorias das Influências Seletivas que, a partir das experiências empíricas sobre os meios de comunicação de massa, questiona a validade da Teoria Hipodérmica; A Abordagem Sistêmica que vinculava a noção de conjunto social ao sistema orgânico considerando uma constante interação entre as partes; O Funcionalismo que traz para a discussão o conceito de função a partir da análise dos processos sociais como sistema que trabalha para manter o funcionamento da sociedade; A Hipótese do Uso e das Gratificações, decorrente da teoria funcionalista, considera que a adoção de um modelo de conduta ou de uma atitude é resultado de alguma gratificação, alguma recompensa ou experiência agradável e a Escola de Palo Alto que entendia a comunicação como processo permanente que integra comportamentos verbais e não verbais num conjunto integrado. O segundo paradigma, o Matemático Informacional, valorizava as pesquisas matemáticas e as experiências laboratoriais. Era uma tentativa dos profissionais das ciências exatas de compreender e agilizar os processos de trocas de informações. Assim, o foco era reduzir o processo comunicativo a sentenças matemáticas e não valorizar as consequências desse processo. Compõem esse paradigma a Teoria da Informação, de Claude Elwool Shannon e Warren Weaver e a teoria Cibernética, de Norbert Wiener. A primeira entende a comunicação como esquema linear em que sempre existe uma fonte que produz a mensagem, um Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 97 codificador que converte a mensagem em sinal, um canal por onde o sinal passa até chegar ao receptor, ou decodificador que converte o sinal em mensagem que pode ser compreendida pelo destinatário. Já a Cibernética trabalha a ideia de uma sociedade futura baseada na informação. Nessa sociedade, é fundamental que não haja barreiras para que a informação possa circular de forma livre. Assim, ela é, por definição, “incompatível com controle, com censura, com desigualdades de acesso à informação” (p.83). O Paradigma Crítico Radical, terceiro na exposição das autoras, liga-se à filosofia clássica alemã. Esta perspectiva aproxima a pesquisa sociológica e as reflexões filosóficas sobre cultura, ética, psicologia e psicanálise freudiana de modo a se opor às duas correntes anteriores. Figuram neste paradigma os pensadores da Escola de Frankfurt, importante marco nos trabalhos sobre os meios de comunicação no contexto da crítica ao sistema capitalista; a Hipótese da Espiral do Silêncio que descreve a questão das minorias silenciosas nas sociedades democráticas caracterizadas pela comunicação de massa e a Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas que considera que a razão comunicativa seja uma forma de interação social em que “os planos de ação dos indivíduos são coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos” (p. 96). O Paradigma Culturológico, formado pela Escola Francesa, pela Escola Britânica dos Estudos Culturais e pelas Indústrias de Conteúdo, parte de um referencial teórico semelhante ao da Teoria Crítica ao se basear nos conceitos neomarxistas de hegemonia. Também considera os estudos da antropologia cultural e da análise estrutural para compreender como os conteúdos da cultura de massa interferem na vida social e doméstica das pessoas. A Escola Francesa desenvolve seus estudos a partir da proposta de estudar as relações entre a sociedade global e as comunicações de massa, com a interferência dos meios de comunicação nas estruturas sociais. Edgar Morin é importante teórico desse grupo. O interesse dessa Escola é compreender a influência da Comunicação de Massa na vida cultural e na estrutura social: “A cultura de massa é vista como a cultura resultante ou a cultura possível de um mundo industrializado e marcado pelo capital e pela produção industrial, que transforma a cultura em mercadoria” (p. 101). Assim, a comunicação é vista como uma indústria de conteúdos em que a lógica preponderante é a lógica do capital, numa perspectiva menos radical do que a da corrente anterior. Nesse sentido, comunicar “não serve só para comunicar” (p. 104), a comunicação passa a ser entendida como motor das relações sociais que envolve a produção, o consumo, o intercâmbio e a reprodução. A Escola Britânica dos Estudos Culturais percebe as mudanças na visão de cultura e considera a comunicação de massa como capaz de reiterar valores ideológicos da cultura hegemônica, no entanto, constata que os meios 98 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros de comunicação não têm poder de manipular e provocar mudanças radicais no comportamento do receptor. Os grupos minoritários entram em foco quando se busca compreender a capacidade de ação e reação dos grupos sociais, inclusive no ambiente doméstico. O quinto paradigma apresentado pelas autoras é o Paradigma Midiológico Tecnológico que engloba os estudos de McLuhan e a Escola Canadense e os estudos sobre o Ciberespaço e as Novas Formas de Sociabilidade. A Escola Canadense, marcada pelos conceitos de Marshall McLuhan, partia do princípio de que as transformações tecnológicas são a principal força de transformação social. A Escola entende que “as sociedades humanas são moldadas pelos meios através dos quais se comunicam” (p.114) e faz uma releitura histórica a partir dos impactos gerados pelas tecnologias na percepção do mundo. Os avanços tecnológicos e a popularização da Internet motivaram estudos sobre o Ciberespaço e as Novas Formas de Sociabilidade. As novas tecnologias permitem, hoje, novas formas de interação, novos comportamentos e novos processos de sociabilidade. Partindo do pressuposto de que novas possibilidades de comunicação marcam o fim da modernidade e iniciam uma nova “era digital” marcada pelas tecnologias de comunicação que definem o ciberespaço como, não apenas um espaço da convergência de todos os meios de comunicação, mas “um mundo cujos valores se aproximam mais do imaginário, da ludicidade e do sonho” (p.119). Pensadores como Pierre Levy, Alvin Toffler, Daniel Bell e Edward Shils, mesmo com abordagens diferentes, contribuem para os estudos desta corrente de pensamento. Com foco nas vivências sociais – e virtuais – aparecem os estudos de Mafessoli, para quem as novas formas da mídia e suas representações “são um ‘fenômeno extremo’” (p.120). Guy Debord aponta para uma sociedade configurada a partir das representações definidas considerando os interesses do sensacionalismo e do espetáculo. Outros autores preocupam-se com a saturação das informações nas sociedades marcadas pela industrialização e pela comunicação de massa que acabam por gerar “consequências como o hedonismo e o consumismo” (p. 122). O Paradigma Linguístico Semiótico parte das teorias do estudo da mensagem e do uso da língua e dos signos. Nesta perspectiva, a vida humana seria uma constante elaboração e reelaboração de signos. O início da Linguística Estrutural se deu com Ferdinand Saussure que postulou uma ciência geral dos signos. De maneira clara e detalhada as autoras apresentam a separação entre língua e fala; significante e significado; o processo de significação, as diferenças entre paradigma e sintagma e os conceitos de denotação e conotação até chegar à Semiótica. A ciência dos signos de Charles Sanders Peirce é detalhadamente apresentada como a ciência de todas as linguagens na medida em que compreende Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 99 o signo em sentido amplo. Os ramos da semiótica (a gramática especulativa, a lógica crítica e a retórica crítica) são apresentados evidenciando as diferenças nos objetivos dos estudos de cada um. Além dessa distinção, elas discorrem sobre o conceito de signo; a tríade: signo – objeto – interpretante; o objeto, o interpretante e a divisão do signo; o processo de semiose, a classificação dos signos (ícone, índice e símbolo) e o nível do signo. Terminam essa parte explicando os modelos comunicativos, em referência à Umberto Eco e Paolo Fabbri: o modelo Semiótico-Informacional e o modelo Semiótico-Textual. O último paradigma apresentado pressupõe que os donos dos meios de produção mantém o controle (direto ou indireto) dos meios de produção e difusão de informação. Com base marxista, o Conflitual Dialético abrange a Escola Latino Americana e os estudos em Folkcomunicação. O pensamento comunicacional na América Latina iniciou-se a partir de pesquisas isoladas, geralmente ligadas às outras áreas das ciências sociais. As autoras destacam a dependência cultural que marcaram o desenvolvimento dos estudos e descrevem a origem do Centro Internacional de Estudos Superiores de Comunicação para a América Latina – o Ciespal, com sede Equador e de outros órgãos de pesquisa em comunicação. Os estudos preocupavam-se com os fluxos de informação, o imperialismo cultural (dos países ditos desenvolvidos) e com a adequação e o desenvolvimento de metodologias de pesquisa adequadas para a realidade na América Latina. Esta é uma Escola marcada pela “mestiçagem” (p. 168) em que se destacam autores como Luiz Ramiro Beltrán, Eliseo Verón, Antônio Pasqualli, Armand Mattelart, Paulo Freire e José Marques de Melo. Esses pensadores, de maneira geral, “trabalham a partir de uma crítica às teorias da opinião pública, visto como um discurso de classe hegemônica e uma estratégia para manter o consenso” (p.170). A Folkcomunicação é considerada a primeira teoria brasileira da comunicação. Criada por Luiz Beltrão na década de 1960, ela busca analisar os impactos midiáticos nas manifestações culturais das classes subalternas. Por definição, entende-se a folkcomunicação como “processo de intercâmbio de informações e manifestações, opiniões, ideias e atitudes de massa por meio de agentes e meios ligados direta ou indiretamente, ao folclore” (BELTRÃO apud TEMER e NERY, p. 172). Os estudos nessa área se destacam pela característica mediadora entre a cultura popular e a cultura de massa, com ênfase nos fluxos bidirecionais e nos processos de sedimentação simbólica. Ao final desse rico percurso teórico, as autoras ponderam que “compreender a comunicação de massa está sujeito a leis que ao mesmo tempo derivam e exprimem a sua natureza única” (p. 177) e que em uma época de avanços tecnológicos marcam as relações sociais, é certo que novos debates e desafios serão lançados aos pesquisadores em comunicação. Nesse sentido, é importante olhar 100 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros em retrospectiva para perceber o caminho por onde passamos e tentar vislumbrar possibilidades na compreensão da comunicação de massa. 3. Além do Controle Remoto: uma tela quase interativa4 A televisão é ao mesmo tempo um aparelho eletroeletrônico, um poderoso meio de comunicação além do canal criador de um gênero jornalístico de destaque no mundo. A televisão é um aparelho que vem sendo aperfeiçoado sistematicamente ao longo dos anos. Da velha TV da marca Colorado que exibia imagem em preto e branco após três ou quatro minutos após ser ligada, quando finalmente surgia um ponto luminoso no meio do tubo de imagem até as modernas TVs de LED dos dias atuais foram mudanças inimagináveis. Este aparelho vem sendo reinventado pelos inúmeros avanços tecnológicos. Desde 2012, por exemplo, a Smart TV da Samsung oferece um moderno sistema com comando de voz e sensor de movimento para as mãos. Novidades desenvolvidas em outras áreas, como os games, que vêm sendo incorporadas aos novos conceitos de mega TVs. Se a interatividade é ainda uma possibilidade remota para os telespectadores brasileiros da TV aberta ou fechada, as inovações da técnica vão de certa forma tentando compensar esta dificuldade, ou criando quase uma espécie de meta utópica, dos veículos de comunicação televisiva do Brasil. O público é envolto num discurso ideológico ladeado pelos fascinantes recursos de imagem e som, a alta definição, a beleza retratada em diversos aspectos, os efeitos de edição, as trilhas sonoras, a iluminação entre outros mecanismos explorados neste poderoso instrumento. O aparelho se modernizou e o veículo de comunicação também. A televisão, desde a sua chegada ao Brasil, em setembro de 1950, com a inauguração do primeiro canal de televisão no país, quando Assis Chateaubriand fundou a TV Tupi em São Paulo, sofreu radicais transformações. Em março de 1985, o Brasil começa a operar com o seu primeiro satélite, o Brasil-Sat. A primeira TV por assinatura no Brasil surgiu em 1990 nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. A TV Digital no Brasil teve início no dia 2 de dezembro de 2007, inicialmente na cidade de São Paulo, pelo padrão SBTVD (Sistema Brasileiro de Televisão 4. Resenha do livro: A televisão em busca da interatividade: uma análise dos gêneros não ficcionais, escrita por Cládio Marcos, Radialista e Jornalista, mestrando em Comunicação pela Universidade de Brasília (UNB) pela linha Jornalismo e Sociedade. E-mail: [email protected] Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 101 Digital), um dos mais completos e avançados do mundo. Não bastasse, a Rede Globo de Televisão e NHK do Japão iniciaram em 2013 testes com a nova tecnologia de televisão batizada de Ultra HD. Os técnicos brasileiros e japoneses gravaram desfiles das escolas de samba durante o carnaval do Rio de Janeiro no padrão 8K. A revolução em qualidade de transmissão televisiva traz agora um novo sistema que capta imagens 16 vezes mais nítidas que as atuais. Uma verdadeira revolução em imagens e percepção dos telespectadores com aparelhos com telas cada vez maiores, o que aguça ainda mais o fascínio do público. Como gênero jornalístico a televisão também vem explorando diversas potencialidades da notícia produzida especialmente com os recursos audiovisuais. Na definição de Temer e Tondato: “gênero são categorias a partir das quais podemos agrupar trabalhos semelhantes, que refletem um momento da sociedade, auxiliando a produção e leitura desses trabalhos” (TEMER; TONDATO, 2009, p. 29). A partir da categoria telejornalismo podemos definir várias subcategorias como: o Telejornal, o Documentário, as séries de Reportagens Especiais, a Entrevista, os Programa de Debates ou mesmo o Talk-show. Em todas elas o jornalismo está presente atendendo as exigências de cada formato e a linha editorial de cada emissora, seja pública ou privada. Outras subcategorias são menos frequentes, mas, não menos importantes como é o caso do plantão ou ainda das famosas retrospectivas de fim de ano. Além da categoria “Informação” podemos enumerar “Educação”, “Publicidade” e “Entretenimento”, entre outras como as principais em destaque atualmente na programação das emissoras brasileiras. Mas divertir o público tem merecido uma atenção especial das grandes emissoras do país e sobretudo, despertado o interesse dos pesquisadores brasileiros nas últimas décadas. Programas voltados para o entretenimento como o Big Brother Brasil e outros formatos deste fascinante veículo são o tema do livro “A Televisão em busca da interatividade: uma análise dos gêneros não ficcionais” das professoras da Universidade Federal de Goiás Ana Carolina Pessoa Temer e Márcia Perencin Tondato. O livro de 184 páginas sobre “Os novos tubos de iconoscópios” é dividido em três partes. Na primeira delas, as autoras situam o leitor quanto o conceito de gênero, categorias e formatos com destaque para os Gêneros não ficcionais. Há uma infinidade tão grande de gêneros televisivos atualmente que o desafio para as empresas de comunicação é permanente e cada vez maior. A conquista de grandes índices de audiência torna-se uma via de mão-dupla: quanto mais tempo o telespectador passa em frente à televisão, mais exigente ele se torna. A partir de uma contextualização histórica as autoras mostram que a televisão é sinônimo de modernidade em todo o mundo. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial os 102 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Estados Unidos redirecionam parte da sua produção industrial para os eletroeletrônicos impulsionando seu crescimento nos quatro cantos do planeta. Temer e Tondato aprofundam a discussão e afirmam que a televisão, enquanto meio de comunicação, transforma a lógica da realidade onde os acontecimentos já não têm mais necessidade de existir porque as imagens existem sem eles. A constante dramatização e a intencional confusão entre o que é real e o que é ficcional funciona como uma “estratégia para conquistar e manter cativa a audiência”. Elas destacam este processo como uma tentativa de minimizar a “necessidade dos receptores de preencher suas vidas com mais emoção e mais encantamento”. A interação face a face se torna uma prática cada vez mais escassa na sociedade atual como sinalizou John B. Thompson (2004)5. De acordo com as autoras, com a limitação da interatividade surge o que elas vão conceituar como “interatividade simulada”. Produtos em que há uma preponderância da função fática em que se forja uma pretensa ligação emissor-receptor que induz o público a uma noção de conversa, quando na verdade sabemos que se trata de uma comunicação unilateral. Para reforçar esta atmosfera, a televisão se utiliza de uma série de recursos comunicacionais como o formato de diálogos, perguntas ou ainda consultas simuladas ao público. A meta é conquistar e manter a audiência. Nesse sentido, as autoras também dedicam uma atenção especial para a construção da Rede Globo como uma emissora campeã de audiência além da influência do gênero ficcional telenovela na programação da TV brasileira. Este último formato, merece atenção especial com uma contextualização histórica da Telenovela no Brasil, a apropriação de formatos e a gigantesca popularidade do gênero no país. O entretenimento vai conquistando seu espaço, abrindo caminho para os brothers que virão anos mais tarde. Os programas televisivos que buscavam a participação do público via ligação telefônica – a exemplo dos que ocorria nas emissoras de rádio –, como No Limite, Você Decide, Intercine e Linha Direta (TV Globo), O Aprendiz (TV Record) foram uma espécie de teste para o público até que finalmente o modelo de reality show fosse importado para a programação brasileira. Big Brother Brasil, mais tarde chamado apenas de Big Brother ou simplesmente pela sigla BBB, se tornou um fenômeno de audiência e faturamento publicitário no país. Na segunda parte as autoras discutem os programas de auditório, fazem um retrospecto da evolução da televisão no Brasil, que desde a década de 1980, ado- 5. Ideia retirada do livro “A Mídia e a Modernidade: Uma Teoria Social da Mídia”, 6ª Edição, John B. Thompson (2004). Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 103 tou a política de importar programas e formatos de programas. Nesta análise, o foco central é o programa Big Brother além de outros formatos de não ficção na programação atual da TV aberta no Brasil. Sobre este reality, as autoras destacam que “assim como nas telenovelas e nas séries, este programa híbrido é eficaz porque representa situações humanas elementares, como o amor, a raiva, o ódio, o ciúme, a paixão, só para citar o campo amoroso”. (Ibid., p. 24). Aliás, programas importados na TV brasileira não são uma novidade. O registro deste cenário está também na música através do rock nacional. Como diria o cantor e compositor Renato Russo: “Nos empurraram com os enlatados. Dos U.S.A., de nove as seis”6. Temer e Tondato procuram com um olhar crítico e analítico sobre o reality show Big Brother Brasil onde um grupo de pessoas estranhas se prestam a enfrentar diante das câmeras, em tese, 24 horas por dia, os desafios de relacionamento e as competições do programa em busca do prêmio milionário em dinheiro em que apenas um sai vencedor. Também no foco da análise estão outros formatos da TV brasileira como os programas não ficcionais como o Linha Direta em que a narrativa de crimes reais ganhava novos contornos a partir de uma superprodução de relatos roteirizados. O programa jornalístico, de prestação de serviço e entretenimento Mais Você. Até um modelo único, criado pela própria Rede Globo como forma de autopromoção e valorização do seu cast de estrelas de primeira grandeza com a reprise se trechos de programas, falhas de gravação e entrevistas de bastidores, o chamado metalinguístico Vídeo Show. Os programas voltados ao público feminino também são analisados neste livro. A partir de uma abordagem centrada em embasamentos teóricos consistentes as pesquisadoras buscam respostas para diversos pontos de questionamento como a proliferação sistemática de inúmeros gêneros de entretenimento na televisão brasileira. O livro destaca também que a falta de conteúdo, para atender o telespectador cada vez mais exigente, é um problema recorrente das emissoras brasileiras. Para as autoras, “esta falta de conteúdo promoveria então a busca de conteúdos na forma mais pura da cotidianidade, e, já que os relatos estão vazios, 6. Na música “Geração Coca-Cola” da banda Legião Urbana, sucesso dos anos 80, o compositor Renato Russo fazia a crítica ao número excessivo de produções americanas dubladas e reproduzidas integralmente na programação nacional: “Quando nascemos fomos programados. A receber o que vocês. Nos empurraram com os enlatados. Dos U.S.A., de nove as seis”. Esta estrofe final fazia alusão ao horário predominante destes programas exibidos na TV brasileira naquele período. 104 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros uma vez que vivemos uma condição cada vez maior de segmentação das experiências, exige-se uma superexposição das situações, possibilitada por dezenas de mini câmeras espalhadas pelas casas dos realities, deslocamento de equipes móveis para acompanhamento dos grupos competidores pelas ruas das grandes metrópoles, cenário dos acontecimentos divulgados/veiculados” (Ibid., p. 83). Até mesmo as transmissões esportivas são destaque nesta obra. Para Temer e Tondato, “mas como não poderia deixar de ser, é nos aspectos visuais que a transmissão dos jogos de futebol faz uso dos recursos mais sofisticados da televisão. É comum na maior parte das emissoras também a utilização de um reforço visual na forma de legenda que informa o placar e o tempo decorrido do jogo, além de dados complementares – como qual jogador vai substituir outro – quando se torna necessário”. Na terceira e última parte, Temer e Tondato revelam, contudo seu otimismo quanto ao futuro da TV brasileira quando apontam perspectivas para o futuro do veículo. “Neste contexto, o futuro aponta para a continuação dos gêneros e formatos consagrados, entremeados pela repetição exaustiva de modelos copiados ou adaptados, em ações em que predominam a lei do mínimo esforço e máximo de público”. (Ibid., p. 166). Esse é um livro fundamental para estudantes de comunicação, profissionais e demais estudiosos que queiram aprofundar seus conhecimentos sobre a que há por trás e a partir daquilo que é exibido na televisão brasileira. Além do controle remoto, podemos dizer que há uma tela quase interativa. 4. Mídia, Cidadania e Poder “Mídia, Cidadania e Poder” é um livro organizado por Ana Carolina, que também assina o capítulo “Os telejornais da Rede Globo e a posse presidencial”, em especial numa referência às coberturas de posse dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Os seis capítulos que compõem a obra foram produzidos pelos professores da Linha de Pesquisa Mídia e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG, além de pesquisadores convidados, a fim de que fosse possível concretizar o objetivo de se fazer uma obra de múltiplos olhares sobre a relação entre a mídia, o poder e a construção da cidadania. O fio condutor do livro é a comunicação, pois, ao se falar em mídia há que se considerar a comunicação a partir dos meios eletroeletrônicos de transmissão de informação, quais sejam, o jornalismo/imprensa, televisão, rádio, internet. Contudo, o olhar multifacetado dos pesquisadores que, apesar de trabalharem dentro de uma mesma relação de mídia e cidadania, desenvolvem pesquisas Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 105 independentes, faz com que essa obra seja um espaço de questionamentos, reflexões e possibilidades de compreensão desta relação. O primeiro capítulo é produzido por Jairo Ferreira e Ana Paula da Rosa, com o título “Midiatização e poder – A construção de imagens na circulação intermidiática”, o artigo aborda as relações de poder no âmbito dos processos de midiatização das imagens. A perspectiva hipotética adotada é de que a midiatização diz respeito à unificação e diferenciação dos mercados discursivos a partir de três dimensões que se afetam mutuamente: processos comunicacionais, contextos sociais e dispositivos midiáticos. Para falar desta perspectiva, os autores formularam uma pergunta central: quais são as relações de poder envolvidas no processo de transformação das imagens em sínteses dos acontecimentos? O artigo está estruturado em três partes, a midiatização como objeto; a construção de imagens como uma problemática de poder; interferências sobre midiatização e poder. O segundo capítulo foi produzido por Magno Medeiros e se intitula: “Mídia e poder – Dinâmica conflituosa do sujeito-desejante”. Segundo o autor, o capítulo busca reverter a situação de predomínio da emissão, resgatando o valor e o ponto de vista do receptor-sujeito, sem isolá-lo de seu contexto psicossocial. Nessa visão, a recepção deve ser entendida como um contraditório espaço de trocas, onde o sujeito-receptor não pode mais ser considerado um indivíduo passivo, como receptáculo vazio ou como vítima dos meios, em especial a televisão, mas ao contrário, deve ser encarado como um sujeito ativo do processo de comunicação que interage, interpreta e reelabora informações e imagens. Enfim, um sujeito inserido profundamente num processo de comunicação, sempre contraditório e complexo, cujo poder maior está circunscrito à dinâmica conflituosa do desejo. O terceiro capítulo: “Mídia, cidadania e poder político” foi escrito pela pesquisadora Simone Antoniaci Tuzzo e é fruto de uma pesquisa realizada com os dois principais jornais impressos da Cidade de Goiânia, Jornal Diário da Manhã e Jornal O Popular, que teve como objetivo verificar a presença de notícias sobre o Governador Eleito no Estado de Goiás – Marconi Perillo durante a sua campanha de primeiro e segundo turno nas eleições de 2010. O objetivo foi a análise de formação da Opinião Pública a partir do trabalho de imprensa e dos canais de comunicação, considerando que não há formação da opinião pública sem informação. O capítulo apresenta, sobretudo, a estratégia de comunicação adotada pelo candidato Marconi Perillo dentro da análise do tripé público, veículo e linguagem, com o uso exaustivo das mídias sociais em complemento ao uso das mídias impressas e eletrônicas já consagradas como TV, rádio e jornal impresso. 106 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Luiz Signates foi o autor do quarto capítulo, intitulado “O poder simbólico e o conflito das liberdades”, que apresenta uma análise da situação de fala do jornalista, nas condições de institucionalização sistêmica da comunicação. Trata-se de um estudo sobre o jornalismo como um lugar de disputa do poder e das consequências que isso traz para o conflito entre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Na visão do autor, a liberdade de imprensa não constitui apenas uma modalidade específica de liberdade de expressão. Ao contrário, apropriada pelos interesses sistêmicos das empresas de comunicação, esta liberdade passou a ser um privilégio, passível de ser utilizado a serviço dos propósitos empresariais na área da comunicação, em suas relações com o Estado e a economia. E vai além, colocando em questionamento até que ponto o jornalista não possui hoje menos liberdade de expressão que o cidadão comum que dispõe de mecanismos como as redes sociais para discorrer sobre fatos e opiniões e, muitas vezes, o jornalista torna-se mais reprimido. Ou seja, o poder simbólico, mesmo que enraizado na linguagem, no próprio modo de reprodução do mundo da vida, constitui operador de silenciamentos, na medida em que se institucionaliza sistematicamente. Ana Carolina Temer é autora do quinto capítulo: “Os telejornais da Rede Globo e a Posse Presidencial”, que discorre sobre a negação do conflito e a espetacularização como estratégia discursiva. Ana faz um estudo sobre o telejornalismo e a política no País a partir do olhar da televisão, numa relação entre a televisão brasileira e a política nacional, ou mesmo a cobertura política via telejornalismo. O texto traz um estudo aprofundado sobre o telejornalismo brasileiro, do surgimento à implantação do que ela chama de Padrão Globo de informação, num texto que trata desde a chegada da televisão ao Brasil, mapeando os principais telejornais desde a década de 1950, até os dias atuais, passando por transformações de liderança, concorrência, conflitos, e a forte relação entre o Estado e a mídia. Um capítulo crítico e reflexivo, mas, sobretudo, histórico. O sexto e último capítulo que compõe o livro foi escrito pela pesquisadora Márcia Perencin Tondato e se intitula: “Identidades múltiplas – Meios de comunicação e a atribuição de sentido no âmbito do consumo”. No texto Márcia afirma que vivemos em um tempo de identidade múltiplas, em um ambiente dominado pela mídia, em que o próprio homem se transforma em mercadoria como estratégia de inserção. Mas o que a autora pretende discutir é como essas identidades são construídas e constituídas neste ambiente, lembrando que o indivíduo é um receptor ativo, sujeito de suas escolhas. A autora destaca a cidadania, afirmando que participar da sociedade midiática e ser consumidor de bens e serviços transformam-se em atividades culturais, naturalizando demandas hegemônicas, inserindo o indivíduo-sujeito na cidadania. Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 107 O livro “Mídia, Cidadania e Poder”, por sua relevância, tornou-se obra integrante das leituras obrigatórias do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG. 5. Mulheres, Gêneros e Televisão – Enfim juntos! “Mulheres do Sol e da Lua – A televisão e a mulher no trabalho” foi um livro escrito por Ana Carolina em parceria com as pesquisadoras Simone Tuzzo e Márcia Tondato. A possibilidade de trabalhar com os temas: Mulheres, Gêneros e Televisão faz dessa obra algo muito especial para a pesquisadora Ana Carolina Temer. É como se, depois de várias publicações tudo tivesse um encaixe e as ideias pudessem ser colocadas em uma obra só, desde seu trabalho com televisão, passando pelas teorias da comunicação, articulando os pensamentos com a construção da cidadania e a interatividade. O trabalho desenvolvido para o livro e para um vídeo documentário com o mesmo título é resultado de um projeto de pesquisa realizado dentro da linha de pesquisa Mídia e Cidadania do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás com o apoio do CNPq, que foi inicialmente intitulado “Influências da mídia na inserção da mulher no mercado informal de trabalho: mulher, cidadania e consumo”. A proposta deste estudo incluía aprofundar a análise da influência da mídia na relação entre cidadania, mulher e trabalho, tendo como foco principal perceber de que maneira e em que medida os programas femininos – ou Revistas Femininas na Televisão – influenciam no processo de inserção das mulheres sem formação acadêmica e/ou profissionalizante, no mercado de trabalho informal. A proposta desta pesquisa incluía aprofundar a análise da influência da mídia na relação entre cidadania, mulher e trabalho, tendo como método a Análise de Conteúdo, e os Estudos de recepção. Para essa pesquisa especificamente, o grupo de mulheres de interesse foi identificado entre as proprietárias de bancas/barracas principalmente nas Feiras da Lua e do Sol, mas também em outras feiras congêneres, que são espaços predominantemente femininos e já tradicionais na cidade de Goiânia. Essas feiras atraem um grande número de consumidores, mas especialmente mulheres – inclusive sacoleiras e revendedoras de diferentes produtos – que afluem às Feiras da Lua, do Sol e outras feiras em busca de produtos com o custo acessível principalmente em moda feminina, acessórios diversos, artesanato e produtos de alimentação tanto para consumo imediato quanto para “levar para casa”. 108 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros A proposta central é identificar como alguns elementos presentes nos discursos dos chamados Programas Femininos – ou Revistas Femininas na Televisão, veiculados em diferentes horários da televisão brasileira de sinal aberto, são utilizados pelas mulheres residentes em Goiânia, na área circunvizinha ou área de influência, para desenvolver atividades artesanais ou semi-industrializadas que permitam a sua inserção e sua permanência nas chamadas feiras (e, principalmente, a Feira da Lua e do Sol) e outros espaços de comercialização, ou ainda, obter informações que as ajudem a ingressar e/ou se manter no mercado de trabalho informal, particularmente nos setores vinculados à culinária, moda e beleza. A amplitude da pesquisa envolveu tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos, mas sempre buscando compreender quais são as informações divulgadas pela televisão de uma forma geral e pelas Revistas Femininas em particular, que são absorvidas e efetivamente utilizadas pelas mulheres que trabalham nestes locais. Buscou-se entender principalmente se estes programas conclamam a mulher a ganhar seu próprio dinheiro e contribuir com o orçamento familiar, eventualmente incentivando-as a atuar no mercado informal, e de que forma isso interfere na vida destas mulheres. A partir deste ponto, buscou-se também entender como a imagem construída da mulher independente financeiramente se reflete na busca por atividades ligadas à informalidade e nos aspectos práticos de suas atividades. Revistas Femininas veiculadas pela Televisão apontam ou insinuam que produtos ou atividades artesanais ou semi-industriais podem ser comercializados e representar fonte de renda. Como ocorre a recepção dos elementos presentes nos discursos desses programas, e como eles resultam em atividades que interferem ou criam condições para que este grupo particular de mulheres se insira de forma ativa na busca por uma renda própria e pelos direitos pessoais e profissionais, no exercício da cidadania e na prática do consumo, são questões que norteiam este trabalho. Em termos mais abrangentes, a pesquisa buscou analisar como a mídia influencia nas relações de trabalho e na consolidação da cidadania entre as mulheres, tendo como problemas norteadores três questões: 1. As Revistas Femininas veiculadas pela televisão brasileira de sinal aberto efetivamente contribuem para inserir a mulher, com deficiência na formação acadêmica e/ou profissionalizante, no mercado de trabalho informal? 2. Como as informações veiculadas nestas revistas interferem nas relações econômicas, profissionais, sociais, de cidadania e de consumo destas mulheres? 3. O desenvolvimento de um produto – programa de televisão – específico para este público pode contribuir para melhorar as condições de trabalho e práticas cidadãs? Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que escuta as ondas e sente o vento! 109 No decorrer da pesquisa, como deve acontecer nos estudos que efetivamente se baseiam em descobertas e não apenas na intenção de provar hipóteses aparentemente irrefutáveis, algumas relações surpreendentes obrigaram os pesquisadores a rever a proposta inicial de estudos, e ficou clara a necessidade de se incluir nesta análise questões não pensadas inicialmente na proposta do trabalho, mas que vieram à tona nas entrevistas e depoimentos do grupo analisado. De fato, durante parte das entrevistas foi ressaltada a importância de outros produtos/programas veiculados na televisão, em especial as telenovelas e o telejornalismo. Desta forma, ainda que a primeira parte da pesquisa se desenvolvesse conforme o previsto na proposta original, uma segunda fase destes estudos mostrou-se necessária. Da mesma forma, os dados obtidos entre as pesquisadas também obrigaram os pesquisadores a se aprofundar nas questões relativas à faixa de renda das entrevistadas. Apesar destas informações em alguns aspectos surpreendentes foram mantidos os objetivos propostos na pesquisa inicial, o que inclui entender como as mulheres goianienses que participam – possuem barracas/bancas na Feira da Lua além de outras feiras voltadas para comercialização de confecções (Feira do Sol, Feira Hippie, Feira da Praça Universitária etc.), roupas e artesanatos, elaboram a relação com o trabalho, o emprego e a vida em sociedade? Quais valores são relacionados à independência financeira da mulher? Como elas se percebem atuando na informalidade? Qual a credibilidade dos programas femininos para esse público? Como as mulheres recebem as dicas e sugestões dos programas femininos? Para responder essas questões, o trabalho foi desenvolvido em várias etapas: a primeira, referente à análise de conteúdo dos programas femininos na televisão, com ênfase nas informações e discursos veiculados por estes programas. A segunda um estudo de recepção mediante entrevistas estruturadas e semiestruturadas, o que incluiu cerca de quinze visitas às Feiras do Sol, da Lua e outras feiras com perfil similar. Uma última etapa, decorrente dos resultados obtidos, levou novamente as pesquisadoras a reverem os conteúdos da televisão, analisando criticamente aspectos descritos pelas entrevistadas. Fechando o ciclo da pesquisa, o material foi organizado e debatido pela equipe, e a partir desta discussão foi elaborado esse livro e um vídeo sobre a feira. Embora não prevista inicialmente, a volta dos pesquisadores ao ponto de origem da pesquisa – a análise do conteúdo da mídia – significou também o fechamento de um ciclo, e permitiu o melhor entendimento da importância deste veículo na vida das empreendedoras que participam das feiras goianas. 110 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação Jane A. Marques1 Fernanda Chocron Miranda2 Suzana Cunha Lopes3 Suellen Miyuki Alves Guedes4 6º CAPÍTULO 1. Mestre e Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, Professora do curso de Graduação em Marketing e do curso de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte, ambos da Universidade de São Paulo. Professora convidada para o quadro permanente do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará. 2. Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da UFPA e pesquisadora da Universidade Aberta do Brasil. Atua no Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Multimídia da Assessoria de Educação a Distância da UFPA e integra o Grupo de Pesquisa em Audiovisual e Cultura (GPAC), certificado pelo CNPq. 3. Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da UFPA e pesquisadora da Universidade Aberta do Brasil. Atua no Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Multimídia da Assessoria de Educação a Distância da UFPA e integra os Grupos de Pesquisa em Audiovisual e Cultura (GPAC) e em Comunicação, Ciência e Meio Ambiente (Preserv-ação), ambos certificados pelo CNPq. 4. Graduanda do curso de Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda da UFPA e bolsista de Iniciação Científica do CNPq. pelo projeto Ciência e Comunicação na Amazônia (CIECz). Atua no Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Multimídia da Assessoria de Educação a Distância da UFPA e integra o Grupo de Pesquisa em Audiovisual e Cultura (GPAC), certificado pelo CNPq. Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 111 “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. Não sou eu quem me navega, Quem me navega é o mar. É ele quem me carrega, como nem fosse levar. É ele quem me carrega, como nem fosse levar”5 Nós sabíamos que escrever a fortuna crítica de Maria Ataide Malcher seria um grande desafio. Para nós que a encontramos em diferentes momentos de sua trajetória, é complexo expressar de forma sucinta sua contribuição para a área da Comunicação, principalmente porque talvez muito de sua obra esteja registrada apenas na memória dos amigos e orientandos que aprendem mais de perto com ela em cada conversa, olhar e até no seu silêncio. Assim, neste capítulo, focaremos suas principais publicações, destacando a abrangência de inter-relações de temas e pesquisadores com os quais a professora tem dialogado durante sua trajetória acadêmica. Começamos pela sua inserção na Academia. A professora Maria Ataide graduou-se em 1991, em Ciência da Informação, na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde ingressara em 1988. Ao término desse curso fez especialização em Sistemas de Informação em Saúde, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A habilidade adquirida na sistematização de dados é uma das particularidades que a distingue, capacitando-a a trabalhar informações com muita agilidade e competência, em distintos temas e áreas. Sempre atenta às oportunidades que a vida de pesquisadora proporciona, em 1996, aceitou o convite para integrar o grupo de pesquisadores que compunham o Núcleo de Pesquisa em Telenovela (NPTN), da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Por uma década, Maria Ataide dedicou-se a colaborar com as pesquisas que estavam sendo desenvolvidas pelos pesquisadores, atendendo, prioritariamente, aos professores da ECA-USP e de outras instituições nacionais e internacionais que buscavam informações para os seus estudos. Com seu apoio, muitos projetos de estudos foram desenvolvidos, e pesquisadores produziram artigos, dissertações, teses, publicações e relatórios, qualificando a telenovela, além de outros produtos ficcionais televisivos, como objeto de estudos acadêmicos. Nesse ambiente de muito trabalho e também de muitas oportunidades, Maria Ataide iniciou seus estudos de Mestrado em 1998, no Programa de Pós- 5. Timoneiro, música de Hermínio Bello de Carvalho e Paulinho da Viola, gravada em 1996, no CD Bebadosamba. 112 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros -Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP. Sua pesquisa inseriu-se na linha de estudos sobre telenovela, sob a orientação da professora Anamaria Fadul. A dissertação intitulada “A Legitimação da Telenovela e o Gerenciamento de Sua Memória” foi defendida em 2001 e resultou em obra publicada que comentaremos adiante. O trabalho foi premiado pela INTERCOM em seu XXIV Congresso Nacional em 2002, realizado em Salvador (BA), como a melhor dissertação do ano anterior. Em 2002, Maria Ataide ingressou no Doutorado, na linha de pesquisa em ficção televisiva na ECA-USP, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Lourdes Motter, também especialista no tema. No ano anterior, 2001, o acervo do NPTN foi consumido durante um incêndio que lavrou no andar superior do prédio central da ECA-USP e atingiu duramente o local onde estavam organizados e catalogados todos os documentos e arquivos do Núcleo – materiais impressos, digitais, de áudio e vídeo, também os equipamentos. Assim, até o final de seu Doutorado, Maria Ataide dividiu sua atenção entre a recuperação do acervo e a reintegração do NPTN, que tem grande parte de sua história e acervo registrados na tese da pesquisadora, intitulada “O Protagonismo da Dramaturgia na TV Brasileira”. A tese, defendida em 2005, também resultou em livro, publicado pela INTERCOM, e em outros trabalhos produzidos sobre o tema que serão referenciados neste texto. Após uma década de dedicação à ECA-USP e, especialmente, ao NPTN, Maria Ataide lançou-se a um novo desafio, ingressando, em 2006, na Universidade Federal do Pará (UFPA), como docente do quadro permanente do então Departamento de Comunicação Social, atual Faculdade de Comunicação, no Instituto de Letras e Comunicação. Rapidamente adaptou-se ao clima tropical e à chuvarada vespertina de Belém do Pará. Apaixonada pelo rio e pelo verde da paisagem do norte, fez desse ambiente seu lócus para construção e compartilhamento de sonhos, liderando em pouco tempo grupos e projetos de pesquisa dentro e fora da região Norte, em sua maioria apoiados pelas principais agências de fomento do país. Em outubro de 2007, assumiu a coordenação do Projeto Academia Amazônia, vinculando-o regimentalmente à Faculdade de Comunicação, em 2008, com o objetivo de constituí-lo um ambiente de ensino, pesquisa e extensão para o trabalho de formação de base dos discentes da graduação e da pós-graduação no que concerne à produção audiovisual voltada à divulgação científica, por meio de parcerias com diferentes unidades de pesquisa dentro e fora da UFPA. Em 2010, Maria Ataide também assumiu a concepção e coordenação do Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Multimídia, vinculado à Assessoria de Educação a Distância da UFPA. Nesse espaço, também tem se dedicado à Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 113 pesquisa e experimentação de conteúdos e linguagens comunicacionais diversos com finalidades educacionais e científicas, sempre envolvendo alunos de graduação e pós-graduação em práticas reflexivas e reflexões práticas. Interagindo com as particularidades dos processos comunicacionais nessa região propôs, em conjunto com outros professores da UFPA, a criação do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM), aprovado pela CAPES em 2010 e coordenado pela Professora Maria Ataide desde então. Com duas turmas já formadas, o Programa tem se distinguido pelas produções que têm sido publicadas, e por iniciativas que envolvem o corpo discente na efetiva consolidação do programa, potencializando os esforços de produção de conhecimento no Norte do país. Desde sua chegada à região, Maria Ataide também exerce a função de Coordenadora Regional da INTERCOM Norte, que hoje é reconhecida na estrutura organizacional da instituição uma Diretoria Regional. À frente dessa função, que tem exercido com vigor, Maria Ataide vem orientando seus esforços para reverter a posição de isolamento do Norte em relação às demais regiões brasileiras na área da Comunicação. Desde a primeira edição de um congresso regional da INTERCOM no Norte, em 2007, a professora Maria Ataide persiste em um incansável trabalho de articulação de pesquisadores e estudantes da região como um todo, de modo que esses eventos favoreçam transformações na realidade das pesquisas comunicacionais nos estados do Norte. Envolvendo pesquisadores e, sobretudo, estudantes de graduação e pós-graduação na produção científica e experimental, a gestão Maria Ataide promoveu, nos últimos anos, um significativo aumento da participação acadêmica do Norte nos eventos nacionais. Tais investimentos favoreceram uma visibilidade até então não experimentada pela região, possibilitando seu reconhecimento no universo acadêmico. Em 2012, o Grupo Comunicacional de Belém, integrado e liderado pela professora Maria Ataide, foi indicado ao Prêmio Luiz Beltrão, na categoria Grupo Inovador, no XXXV Congresso Nacional de Ciências da Comunicação, em Fortaleza (CE), constituindo-se o primeiro grupo do Norte do Brasil a conquistar tal premiação. Recentemente, em 2013, Maria Ataide assumiu a coordenação do Grupo de Pesquisa Mídia, Culturas e Tecnologias Digitais na América Latina da INTERCOM, após aproximação com os estudos latino-americanos na área da Comunicação a partir de participação no GP, liderado desde 2008 pela professora Maria Cristina Gobbi. Para apresentar as publicações que marcam a trajetória de Maria Ataide dividimos sua obra em três grandes temas: ficção televisiva, pesquisa e produção audiovisual e comunicação da ciência. Dentro dessas linhas de pesquisa, pro114 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros curamos ressaltar, no conjunto da obra, as contribuições mais expressivas com impacto na área acadêmica e nos grupos de professores e orientandos, que são pesquisadores e, sobretudo, parceiros, como ela os define. Ficção televisiva “E quanto mais remo mais rezo, pra nunca mais se acabar, essa viagem que faz. O mar em torno do mar. Meu velho um dia falou, com seu jeito de avisar: – Olha, o mar não tem cabelos, que a gente possa agarrar” Iniciando-se na pesquisa científica no campo da ficção televisiva e marcada pelo seu trabalho no Núcleo de Pesquisa em Telenovela (NPTN) da ECA-USP, foi natural o interesse pela divulgação e disseminação das pesquisas em andamento no Núcleo. Logo no ano seguinte a sua entrada no NPTN, a timoneira Maria Ataide, ainda em gestação, participa ativamente do lançamento do “Catálogo do Grupo de Trabalho Ficção Televisiva Seriada”, produção assinada em coautoria com os pesquisadores que trabalhavam no Núcleo (BACCEGA; MOTTER; MALCHER, 1997). A publicação reporta-se aos cinco anos de história e produção desse Grupo de Trabalho (GT) na INTERCOM, ao qual ela se filiou desde seu ingresso no NPTN. Esse Catálogo é derivado de artigo apresentado, em coautoria com as professoras doutoras Solange Martins Couceiro de Lima e Maria Lourdes Motter, no XX Congresso Nacional da INTERCOM, que aconteceu na cidade de Santos (SP), em 1997. No artigo, as pesquisadoras relatam o fortalecimento da telenovela como objeto de estudo, resgatando algo além da crítica existente, que considerava as obras ficcionais televisivas como meros produtos de cultura de massa, menosprezando o fato de ocuparem “lugar de honra na grade de programação das emissoras”. O ingresso no curso de Mestrado alargou o interesse de Maria Ataide pela produção ficcional televisiva, e tanto individualmente quanto com pesquisadores e/ou parceiros, dedicou-se intensamente à sistematização de materiais que pudessem ser recuperados por pesquisadores na construção de uma linha de pesquisa, gerenciando as produções desse gênero televisivo e seus derivados (minisséries, seriados etc.) de modo a fomentar a institucionalização desse produto como objeto de estudo (MALCHER, 1999). Nessa mesma linha, há contribuições em artigos apresentados nos Congressos da INTERCOM que registram a telenovela como um dos formatos do gênero ficcional de maior relevância dentre os produtos da cultura e do campo de estudos da ficção televisiva, além de serem reconhecidos como forte mediação entre produtores e consumidores (MALCHER, 2000; 2001; 2002; LIMA; Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 115 MOTTER; MALCHER, 2000; LOBO, MALCHER, 2004). Nessas publicações, Maria Ataide também registra a contribuição do NPTN para o processo de legitimação dos estudos nessa área, incluindo as características de formato, forma de leitura e de uso. Outros dois registros que não podemos deixar de recuperar é a sistematização dos primeiros onze anos de trabalhos apresentados no GT de Ficção Televisiva Seriada, da INTERCOM (LOBO; MALCHER, 2004) e a continuidade desse trabalho exposta no ano seguinte (LOBO; MALCHER, 2005) nesse mesmo GT. Esses documentos registram a consolidação desse grupo de pesquisa, destacando a emergência de interesses temáticos e metodológicos, ao longo de 168 (cento e sessenta e oito) trabalhos apresentados, bem como a emergência de interesse por diferentes formatos (minissérie, série, seriados), apesar de o maior interesse estar direcionado à telenovela como objeto de estudo. Há, ainda, trabalhos direcionados para produções ficcionais específicas, por exemplo, o trabalho em coautoria com Luciane Vale que destaca a minissérie “Aquarela do Brasil”6 como registro documental, mostrando a importância do resgate histórico da época áurea do rádio no Brasil (MALCHER; VALE, 2000). Em outro artigo a pesquisadora, também em coautoria, aborda a existência de protagonistas não comumente presentes nas telenovelas, pois representam pessoas de classes inferiores e da raça negra, como é o caso do texto “Cidade dos Homens”7 e “Turma do Gueto”8 (MALCHER; MOTTER; VIDAL, 2004). Nesse trabalho, as autoras indicam que na ficção televisiva cabem outros personagens como protagonistas, distinguindo-os dos personagens padrões, em geral das classes média e alta, mais comumente encontrados nessas produções. A importância do gênero telenovela também foi objeto de trabalho apresentado no Congresso da Federação das Associações Lusófonas de Ciências da Comunica- 6. Minissérie escrita por Lauro César Muniz, direção geral de Jayme Monjardim, Carlos Magalhães, Marcelo Travesso, direção de produção de Ruy Mattos, produzida pelo Núcleo Jayme Monjardim. Exibida pela TV Globo, às 22h30, de 22 de agosto a 1 de dezembro de 2000. Total de 60 capítulos. PROJETO MEMÓRIA DAS ORGANIZAÇÕES GLOBO, 2003. 7. Apresentada em quatro episódios, sob coordenação de Guel Arraes, produzido pela O2 Filmes. Exibida pela TV Globo, às 23h, de 15 a 18 de outubro de 2002. PROJETO MEMÓRIA DAS ORGANIZAÇÕES GLOBO, 2003. 8. Seriado escrito por Netinho de Paula e Laura Malin, direção geral de Pedro Siaretta e Cláudio Callao, produzido por Casablanca. Exibida pela Rede Record, em episódios de 45 minutos, de 4 de novembro de 2002 a 20 de setembro de 2004, totalizando 5 temporadas. REDE RECORD, 2013. 116 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros ção – Lusocom, em 2004, em coautoria com Motter, intitulado “Portugal / Brasil: a telenovela no entre-fronteiras”, que resultou em capítulo de livro publicado posteriormente (MOTTER; MALCHER, 2005). As autoras analisam a presença massiva das telenovelas brasileiras já existente em Portugal e o início da importação de telenovelas portuguesas para exibição no Brasil, assim como investigam como esse produto passou a ser incorporado no cotidiano e na cultura desses países. Destacamos, ainda, dois livros que integram as produções de Maria Ataide: o primeiro, derivado de sua dissertação de Mestrado e o outro de sua tese de Doutorado, intitulados respectivamente: “A Memória da Telenovela: legitimação e gerenciamento” (MALCHER, 2003) e “Teledramaturgia: agente estratégico na construção da TV aberta brasileira” (MALCHER, 2010). No primeiro, Maria Ataide apresenta a constituição do processo de legitimação da ficção televisiva como objeto de estudo na área das Ciências da Comunicação, destacando os trabalhos desenvolvidos no NPTN da ECA/USP, e colocando-os no mesmo patamar de outros estudos que abordam comunicação e cultura de massa. Após o lamentável incêndio que destruiu parte desse núcleo de estudos, muitos documentos se perderam e não estão mais disponíveis para consulta, nem nos arquivos das emissoras de televisão, o que torna essa obra importante registro Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 117 histórico. Diante disso, mais do que um resgate de memória da telenovela no Brasil, Maria Ataide discute a institucionalização desse produto ficcional na mídia televisiva, destaca a contribuição do acervo que existia no NPTN da ECA-USP, considerando o acúmulo de capital científico (BOURDIEU, 1989) de seus pesquisadores, e sinaliza para a legitimação desse campo de estudo, que engloba diferentes formatos da ficção televisiva e não só as telenovelas. Ao ingressar no Doutorado, Maria Ataide continuou nessa linha de pesquisa e o segundo livro que citamos – “Teledramaturgia: agente estratégico na construção da TV aberta brasileira” (MALCHER, 2010) – é decorrente dessa perspectiva de estudo. Na opinião do professor José Marques de Melo, no momento da publicação de sua segunda obra, Maria Ataide não seria mais estreante, já que no livro anterior, a pesquisadora “descortinou o universo do melodrama” (MARQUES DE MELO, 2010, p. 6). Em complemento à publicação da dissertação de Mestrado, essa obra recupera e analisa 1.022 registros dos que integravam, até aquele momento, o universo nacional de produções televisivas ficcionais. A pesquisadora aborda primeiramente a importância do lazer em determinadas dimensões sociais, evidenciando a necessidade desse fator na vida contemporânea em uma sociedade massiva. A obra apresenta, ainda, um panorama da chegada da televisão no país, contextualizando a realidade da época, além de resgatar os primórdios da teledramaturgia e sua dinâmica de estruturação, focalizando os anos de 1950 a 2005. Ainda segundo Marques de Melo (2010, p. 7), a obra demonstra o envolvimento ao mesmo tempo discreto e extremamente profundo com a telenovela brasileira que marcou a trajetória de Maria Ataide, deixando pistas e caminhos favoráveis aos investigadores de televisão no Brasil, sobretudo, para “aqueles que desejam conhecer melhor a fisionomia da indústria nacional do entretenimento massivo”. Maria Ataide também tem grande contribuição no que se refere à sistematização de produções acadêmicas em ficção televisiva, pois atuou como colaboradora, de 1999 a 2007, do periódico “Comunicação & Educação”, editado pela ECA-USP, em seção específica, onde constava a “Bibliografia sobre telenovela brasileira”. Pesquisa e produção audiovisual “Timoneiro nunca fui, que eu não sou de velejar. O leme da minha vida, Deus é quem faz governar. E quando alguém me pergunta: como se faz pra nadar? Explico que eu não navego, quem me navega é o mar”. 118 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Mesmo parecendo uma ousada proposta de estudo, ao mergulharmos nas publicações de Maria Ataide, em especial as que têm sido desenvolvidas em sua recente trajetória no Norte do país, percebemos que a pesquisadora persiste em registrar e analisar criticamente essa tal fisionomia dos diferentes cenários midiáticos que delineiam o Brasil, e de modo especial o estado do Pará, como um primeiro lócus de observação estabelecido na Amazônia. Ao chegar ao Pará, Maria Ataide criou o Grupo de Pesquisa em Audiovisual e Cultura (GPAC), certificado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A partir das discussões e pesquisas desenvolvidas no GPAC, a pesquisadora tem delineado sua contribuição no que concerne ao estudo do audiovisual e da cultura, em uma perspectiva que vai da compreensão do audiovisual como meio e linguagem até os imbricamentos de ordem histórico-sócio-cultural que os constituem e podem ser observados desde a esfera da produção à da recepção. Resgatando as trilhas abertas no NPTN da ECA-USP, Maria Ataide passa a se dedicar nos últimos anos a entender os complexos cenários midiáticos encontrados na Amazônia como parte integrante da América Latina, que, segundo a pesquisadora, “abriga diferentes modos de vida ainda desconhecidos para seus próprios moradores” (MALCHER; MIRANDA, 2012, p. 186). A partir de artigos assinados, em sua maioria em conjunto com orientandos de iniciação científica e mestrado, a pesquisadora tem se debruçado sobre cenários complexos da região amazônica, seja envolvida em levantamento de dados primários e secundários a partir da pesquisa de campo e observação in loco das diferentes realidades vividas, como também em pesquisas e compilação de dados já existentes, mas dispersos sobre temáticas que carecem de sistematização para o aprofundamento da pesquisa com o olhar da Comunicação. O capítulo de livro “Mirada sobre o cenário midiático amazônico” (RODRIGUES; MALCHER, 2012), publicado no livro “História, comunicação e biodiversidade na Amazônia”, apresenta um mapeamento considerável da disposição dos meios de comunicação massiva na região amazônica. Longe de ser um levantamento exaustivo e final, a perspectiva dos autores do trabalho é de que a contribuição maior está na sistematização de informações para aprofundamentos futuros tanto no nível quantitativo quanto no qualitativo. Diferente das demais regiões do Brasil, no Norte não há registros claros, mesmo em institutos de pesquisa oficiais como o IBGE, que nos permitam visualizar ou responder a questões básicas sobre onde e de que maneira a televisão – sem mencionar os demais meios de comunicação massivos – está presente no Pará. São muitas as lacunas existentes nos mapeamentos relativos, por exemplo, Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 119 ao Arquipélago do Marajó, assim como há variações entre os números apresentados por diferentes pesquisas9. Diante disso, Maria Ataide apresenta no artigo “Mapeamento da TV aberta no Marajó: história, realidades e perspectivas” dados primários sobre o cenário da TV aberta, a partir do levantamento de informações sobre a presença desse meio de comunicação em cada um dos 16 municípios que compõem essa parte do estado do Pará. Nessa publicação, Malcher e Rodrigues (2012) compartilham o desenho metodológico (SCHMITZ, 2008) traçado durante o levantamento, composto de entrevistas em profundidade com profissionais que atuam 9. Segundo informações do site Donos da Mídia, o Pará possui 203 veículos de comunicação, entre jornais, rádios, TV. De acordo, porém, com o levantamento feito por Ronaldo de Oliveira Rodrigues (2012) em dissertação desenvolvida no âmbito do PPGCOM da UFPA, orientado pela professora Maria Ataide, o número de veículos seria 210. Desse total, 12 são emissoras de televisão (MALCHER et al., 2013). 120 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros nas retransmissoras de TV, além de depoimentos de atores sociais que acompanharam a chegada dos primeiros equipamentos ao arquipélago marajoara. Na trajetória de Maria Ataide, também existem publicações que versam sobre a história da televisão no estado do Pará e que também se configuram como esforços iniciais de registro e análise crítica do processo de chegada e implantação da telinha. Entre os dados que chamam a atenção e demonstram o amplo campo de atuação no Norte do país no que concerne aos estudos de TV, haja vista a discrepância entre essa região e o restante do Brasil desde a implantação desse meio de comunicação: “Em 1960, dez anos depois da chegada da TV no Brasil, o acesso era zero no norte do Brasil, enquanto no sudeste, o percentual alcançava os 12%” (MALCHER, 2011, p. 7). No capítulo de livro “TV pública no Pará” (MALCHER, 2011), Maria Ataide reflete sobre os principais aspectos que delinearam a implantação da televisão no estado e discute o papel das emissoras públicas no Brasil, a partir da experiência da TV Cultura do Pará que integra a Fundação Paraense de Rádio Difusão (FUNTELPA), que “se constitui como agente estratégico para a cultura paraense e se destaca por ser responsável por mais de 20% da produção de conteúdo oferecido na grade” (MALCHER, 2011, p. 22). No texto, a provocação da autora para os leitores é refletir sobre a existência de uma emissora pública de TV no Norte do país, que mesmo com a implantação do sistema de redes que fragilizou a produção local de conteúdo, concentrada agora quase que exclusivamente na região Sudeste, conseguiu manter uma significativa produção de programas com temáticas locais para sua grade de programação. Outro aspecto da realidade midiática que tem sido foco de observação de Maria Ataide, especialmente a partir de 2009, é o processo de implantação da TV digital no Brasil, assim como a discussão sobre produção de conteúdos interativos e voltados à disponibilização em multiplataforma. Maria Ataide apresenta em sua produção livros, capítulos, orientações concluídas e artigos qualificados que discutem a partir da perspectiva vivenciada pelo Norte do país, o processo de implantação do sistema digital de televisão. No capítulo “TV digital no Pará”, que integra o e-book organizado pelas professoras Maria Cristina Gobbi e Maria Teresa Miceli Kerbauy, intitulado “TV Digital: informação e conhecimento”, Maria Ataide em coautoria com Miranda apresenta uma primeira sistematização e reflexão crítica da cobertura midiática que ocorreu no momento da assinatura do sinal digital por três emissoras da capital paraense, em agosto de 2009. A partir de uma análise de conteúdo das matérias jornalísticas da mídia impressa e televisiva sobre a consignação do sinal, as pesquisadoras verificam “uma visão reducionista voltada a um único Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 121 aspecto: a imagem de alta definição” e destacam as implicações que o distanciamento da discussão sobre o processo de implantação da TV digital pode causar, sobretudo, nessa região “não é um fato transformador em si, não produzirá o ‘desenvolvimento’ e tampouco, por si só, decretará a inserção do Norte nas novas possibilidades tecnológicas” (MALCHER; MIRANDA, 2010, p. 236). Nessa perspectiva, há vários artigos da pesquisadora, assinados com discentes, que discutem essas questões e apresentam os resultados das reflexões e experimentações que têm sido desenvolvidas sobre a temática, como é o caso do artigo “ABC Digital: exercício de reflexão e experimentação no contexto de implantação da TV Digital”, apresentado no Congresso Nacional da INTERCOM, realizado em Caxias do Sul (RS), em 2010. “É possível perceber a carência de um debate ampliado a respeito da TV Digital, envolvendo as regiões do Brasil de forma inclusiva, sobretudo a região Norte” (MALCHER; MIRANDA; COSTA, 2010, p. 2). No artigo, Maria Ataide e colaboradoras narram a experiência do processo empírico de elaboração do programa de TV do gênero utilitário e caráter experimental, intitulado “ABC Digital”, que envolveu um grupo de alunos de graduação na experimentação e teste de possíveis soluções na linguagem audiovisual para as mudanças no formato de inserção de anúncios publicitários, modelagem de conteúdo e utilização dos recursos de interatividade da nova TV – considerando os níveis propostos por Fernando Crocomo (2007). Com base na experiência apresentada no artigo, observamos que a perspectiva de Maria Ataide como docente é de que é fundamental o envolvimento “dos estudantes de comunicação, que nesse contexto, como produtores de conteúdos, têm necessidade fundamental de experimentar as potencialidades da nova TV” (MALCHER; MIRANDA; COSTA, 2010, p. 1). As autoras explicam que “o foco central foi estabelecido para as possibilidades de uso que mais transformariam, e acreditamos, transformarão o cotidiano dos brasileiros e principalmente dos produtores e usuários desse novo sistema digital” (MALCHER; MIRANDA; COSTA, 2010, p. 5-6). 122 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros A partir dessa publicação fica clara a atuação da pesquisadora não apenas no estudo teórico da Televisão como meio e linguagem, mas também na formação de recursos para compreensão e desenvolvimento prático da produção televisiva, nos mais diferentes níveis de atuação (produção, direção, roteiro, videografismo, finalização, veiculação etc.). O desafio tem sido formar recursos humanos que atuem de forma efetiva nas duas faces do processo – teórico e prático – considerando a necessidade imediata de formação de profissionais-pesquisadores aptos a falar pela própria região e definir os melhores rumos para a implantação da TV digital no Norte do país. Nos últimos anos, a produção científica de Maria Ataide cresceu exponencialmente não apenas no que concerne à produção bibliográfica, mas também nas categorias de produção técnica e artística/ cultural, tendo em vista o envolvimento direto da pesquisadora na elaboração dos mais diferentes produtos midiáticos voltados à educação e comunicação da ciência como veremos adiante. Outra publicação de destaque na produção de Maria Ataide é a “Coleção TV Digital”, lançada em 2011 pela INTERCOM, e que tem como objetivo gerar publicações curtas e de fácil leitura, a partir de textos escritos por renomados pesquisadores que têm discutido os diversos aspectos que delineiam a implantação da TV digital no Brasil (BRITTOS et al., 2011). O objetivo era esclarecer/informar sobre os diferentes aspectos da convergência da TV analógica para a digital e introduzir os leitores nas discussões sobre essa nova TV, estimulando-os a busca por mais conhecimento. O primeiro volume da coleção, cujo título é “Para Entender a TV digital: tecnologia, economia e sociedade no século XXI”, foi assinado por Valério Cruz Brittos e Denis Gerson Simões, à época pesquisadores da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), de Porto Alegre (RS). Entre outros objetivos da “Coleção TV Digital” está a transcodificação das informações sobre o novo meio, tanto que a publicação tem um formato de impressão como o de livros de bolso, bastante procurado por alunos de graduação. A publicação se configura também como um exemplo do constante exercício de Maria Ataide de exercitar e promover a comunicação da ciência, a partir das proposições de Santos (2009), que considera que a produção do conhecimento na contemporaneidade só se completa a partir do momento em que se transforma em sabedoria de vida para a sociedade em geral. Os esforços da pesquisadora voltados diretamente para a comunicação da ciência e divulgação científica são apresentados na sequência. Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 123 Comunicação da ciência “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. É ele quem me carrega, como nem fosse levar. É ele quem me carrega, como nem fosse levar”. Como mencionado, outro tema que marca a produção e atuação de Maria Ataide é a comunicação da ciência. O interesse em discutir estratégias para sistematizar, registrar e publicizar o conhecimento científico tem origem em sua formação de base em Ciência da Informação, uma das marcas de sua trajetória, segundo o professor Marques de Melo (2010, p. 7), pois “enveredou pelo universo das ciências da comunicação, sem rejeitar sua ascendência informacional”. No processo de transição para a área da Comunicação durante o Mestrado, essa formação se mostrou fundamental para o mergulho e compreensão da trajetória do Núcleo de Pesquisa da Telenovela ECA-USP, e fez com que participasse de diversas estratégias para organizar e analisar o conhecimento até então produzido. Em 2007, publicou juntamente com outros pesquisadores, uma coleção sobre Turismo, editada pelo Ministério do Turismo, para a qual colaborou na sistematização e organização de livros destinados à formação de técnicos. O conteúdo apresenta aspectos específicos da área como hotelaria e hospitalidade, ecoturismo, ética, meio ambiente, geografia e cartografia, quanto aspectos mais genéricos – cultura, cidadania, comunicação e linguagem. Porém, como a própria professora Maria Ataide relata, é na mudança para a Região Norte que ela percebe a comunicação da ciência além de uma atividade da rotina do pesquisador, como uma temática de pesquisa na área da Comunicação. Assim, em 2008, ela inicia na UFPA o projeto de pesquisa Ciência e Comunicação na Amazônia (CIECz), mediante fomento do CNPq. Envolvendo bolsistas de iniciação científica, a professora começou a empreender esforços na pesquisa e elaboração de estratégias comunicacionais voltadas para a divulgação de pesquisas científicas desenvolvidas na Amazônia. Em exercícios permanentes de reflexão teórica aliada à prática comunicacional, Maria Ataide instigou os alunos a experimentarem conteúdos, formatos e linguagens, norteados pela discussão contemporânea de ciência, a partir principalmente do referencial de Boaventura de Souza Santos (2007; 2009), que prevê “No processo de Comunicação da Ciência, não se trata de colocar em igualdade os cientistas e os não cientistas em uma utopia utópica” (SANTOS apud MALCHER; LOPES, 2013, p. 80, tradução nossa). No início do CIECz, um dos produtos comunicacionais que possibilitava essa experiência era o “Minuto da Universidade”, programete audiovisual de 60 segun124 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros dos já tradicional, criado em 1999 pela produtora audiovisual da UFPA, a Academia Amazônia que, como citado, foi coordenada pela Professora Maria Ataide nos últimos seis anos. O objetivo do “Minuto” era divulgar as ações de ensino, pesquisa e extensão da UFPA para a população em geral, mediante veiculação semanal em canal aberto de televisão (PINHO; MALCHER, 2011). Os alunos participavam desde a seleção dos projetos a serem divulgados, passando por toda a produção audiovisual até a edição e finalização dos programas, atividades durante as quais a professora constantemente estimulava os participantes a avaliar e reconstruir as produções. Desde 2011, o programa teve a veiculação interrompida para reestruturação do programa e prospecção de novos patrocinadores e apoiadores. Em 2010, outro projeto de produção audiovisual convergiu seus interesses com a proposta téorico-prática do CIECz. Em parceria com a Universidade do Estado do Pará (UEPA), Maria Ataide e seus bolsistas de iniciação científica conceberam e iniciaram a produção do programete “Caminhos da UEPA”, com o objetivo de publicizar as ações dos diversos cursos, projetos e grupos de pesquisa da instituição. Com 90 segundos de duração, nas linguagens radiofônica e audiovisual, o “Caminhos da UEPA” também era veiculado em canais abertos de rádio e TV, além de ser postado no site da UEPA. Até 2013, foram produzidas 80 edições do programa nas duas linguagens, que também contaram com a participação de graduandos e mestrandos em todo o processo de produção e finalização, sem mencionar os esforços e apoio dos pesquisadores e da Assessoria de Comunicação da UEPA. Além da produção midiática voltada à comunicação da ciência, por meio do CIECz, Maria Ataide também trabalhou em parceria com pesquisadores de várias áreas de conhecimento na elaboração e publicação de materiais de divulgação ou recursos educativos. Assim, em 2008 e 2009, com fomento do CNPq, a professora atuou na organização de dois guias sobre legislação ambiental (SÁ et al., 2008; SÁ et al., 2009), publicados pela editora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA, e outro guia (CARVALHO JR.; LUZ; MALCHER, 2008) publicado pela Editora da Universidade. Os materiais foram produzidos conjuntamente com os pesquisadores do “Projeto Custos e Benefícios” da sub-rede RECUPERA10, do Subprograma de Ciência e Tecnologia do PPG711. O diá- 10. A referida rede intitulada RECUPERA – Manejo e Recuperação de Recursos Naturais em Paisagens Antropizadas na Amazônia Oriental é composta por outros quatro projetos de pesquisa. 11. Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, lançado durante a Rio 92 pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o CNPq. Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 125 logo com diferentes áreas, segundo Maria Ataide, é uma grande oportunidade para compreender o processo comunicacional e o papel da área da Comunicação na ciência contemporânea: Pensar a comunicação apenas como forma de comunicar o produzido pelos pesquisadores de um determinado campo é um dos primeiros erros, já que o processo de construção do conhecimento, de forma integrada, necessita ser socializado em todas as suas etapas para que se tenha com isso a sintonia das ações, principalmente quando se fala em atuações em redes” (MALCHER et al., 2010). Na mesma perspectiva, Maria Ataide participou em 2009 de uma coleção de livros sobre a realidade fundiária do estado do Pará (VIDAL; MALCHER, 2009; MARQUES; MALCHER, 2009a, 2009b, 2009c), fruto de estudos de pesquisadores do Instituto de Terras do Pará (ITERPA). A sistematização de temas como varredura fundiária, regularização territorial, territórios quilombolas, dentre outros, é uma grande contribuição aos diversos públicos de interesse: seja governo, agricultores, bem como à própria instituição que atua como responsável na execução da política agrária do Pará. Como experienciado nas produções do GPAC, desde o primeiro ano do CIECz, a produção de artigos em coautoria com orientandos sempre foi uma prática da professora Maria Ataide. “Além disso, a interação com outros campos do conhecimento, contribui para que desenvolvam as competências exigidas durante a graduação” (DE PAULA; CAVALCANTE; MALCHER, 2008, p. 9). A experiência de produção midiática sobre ciência e o contato com pesquisadores de outras instituições de ensino e dos institutos de pesquisa da Amazônia, renderam oito bolsistas de iniciação científica – sendo três já com mestrado concluído e dois em fase de conclusão da Graduação Sanduíche pelo Programa Ciência sem Fronteiras – que participaram e ainda acompanham o projeto, uma formação teórica e prática que sempre puderam compartilhar, apresentando artigos nos principais congressos regionais e nacionais da área da Comunicação, como os trechos que destacamos a seguir: “constatamos que a divulgação científica é parte fundamental desse diálogo, encarada pelo autor como fator essencial para a aproximação ciência-sociedade, permitindo assim que esta realize seu próprio processo de construção do conhecimento” (MIRANDA; MALCHER, 2010, p. 5). “Entendendo que a ciência não é a detentora de verdades absolutas e não está pronta e acabada, vivenciamos constantemente os processos tanto de construção, quanto de reconstrução do conhecimento” (GUEDES; MALCHER, 2012, p. 5). “Percebemos o quanto é necessário construir estratégias 126 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros comunicacionais que pensem no desenvolvimento da região e construção da cidadania” (REALE; MALCHER, 2011, p. 12). A partir de 2009, o contato com os pesquisadores do Programa de Educação a Distância na UFPA aproximou Maria Ataide de novas perspectivas para a comunicação da ciência. Envolvendo novamente a prática comunicacional e a reflexão teórica foram desenvolvidos produtos multimidiáticos que registraram o histórico da educação a distância no Pará, a partir de depoimentos de vários agentes que construíram essa história e do levantamento de conteúdos educativos que marcam as primeiras iniciativas nessa modalidade de ensino. Com base nesse material, foi lançado o livro “Educação sem Fronteiras na Amazônia: trajetórias e perspectivas da educação a distância na UFPA”, acompanhado de quatro DVDs que contêm documentário, entrevistas em áudio e em vídeo, materiais educativos, fotos, entre outros conteúdos além da versão multimídia do livro (LEITE; MALCHER; SEIXAS; DE PAULA, 2010). Essa obra marcou o início da aproximação de Maria Ataide com o grupo de pesquisadores e agentes da educação a distância na UFPA e que, em 2010, se consolidou com a criação do Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Multimídia da Assessoria de Educação a Distância, coordenado desde então pela pesquisadora. Nesse Laboratório, Maria Ataide, em conjunto com uma equipe de alunos da graduação e da pós-graduação, já desenvolveu diversos projetos voltados para a experimentação de linguagens e formatos favoráveis à comunicação do conhecimento científico de maneira transformadora e democrática. Dentre os projetos, podemos destacar um, em específico, que foi concebido e hoje é utilizado exatamente com estas finalidades: visibilizar o conhecimento produzido na UFPA e disponibilizá-lo para diferentes usos seja em sala de aula ou em pesquisas. A partir de fomento da CAPES, foi desenvolvido o Repositório Institucional UFPA Multimídia. Diferentemente de outros repositórios institucionais que têm ênfase em materiais bibliográficos (teses, dissertações, livros, entre outros), o UFPA Multimídia reúne produções em formatos multimidiáticos que também são frutos de pesquisa na UFPA, como Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 127 videoaulas, catálogos fotográficos, depoimentos gravados, aulas em apresentação de slides, debates em áudio sobre temas diversos, entre outros conteúdos (MALCHER et al., 2012). Para desenvolver um banco de fácil acesso e busca foi necessário estudar e reconfigurar o sistema de catalogação que repositórios de materiais bibliográficos geralmente utilizam. Informações específicas de recursos multimídia, como duração da peça, extensão do arquivo e a própria ficha técnica, foram incorporadas à catalogação a fim de disponibilizar o máximo de informações sobre esses materiais e facilitar a busca e recuperação das informações no repositório: “Mesmo ainda sendo vista por alguns como uma produção estritamente técnica, esses conteúdos fazem parte da produção do nosso tempo já que os meios de comunicação massivos ou não e as tecnologias digitais fazem parte e são expressões de nossa cultura” (MALCHER et al., 2012, p. 10). Atualmente, o UFPA Multimídia reúne mais de 300 conteúdos nos diferentes formatos multimídia produzidos por pesquisadores de diversas áreas de conhecimento que entendem, assim como Maria Ataide, que a comunicação da ciência está muito além de uma simples prestação de contas com a sociedade, mas envolve o desejo de fazer com que o seu trabalho como professores e pesquisadores da Universidade seja significativo para transformar realidades, promover uma educação ampla e gerar cidadania (MALCHER; COSTA; LOPES, 2013). Assim, de uma prática rotineira de pesquisa, a comunicação da ciência se tornou objeto de estudo e permanente experimentação e reflexão para Maria Ataide em todos os projetos que desenvolve, seja como tema principal, seja baseando concepções e objetivos. Em publicações mais recentes, Maria Ataide tem investido no compartilhamento de algumas dessas reflexões sobre a comunicação da ciência como tema de pesquisa na área da Comunicação, o que tem resultado na orientação de trabalhos científicos em nível de iniciação científica e mestrado, pois entende que “a comunicação é inerente ao processo de construção de conhecimento científico na contemporaneidade” (COSTA; MALCHER; LOPES, 2013, no prelo). A reflexão teórica sobre comunicação da ciência passa pela defesa da necessidade de compreendermos a complexidade da comunicação como processo social responsável por estabelecer e reconfigurar as relações entre os sujeitos e as instituições. Tão importante quanto o estudo do que se constituem os processos comunicacionais é a reflexão da ciência contemporânea como prática não alheia à cultura, o que significa, portanto, que os diversos conhecimentos científicos construídos estão articulados aos contextos sociais 128 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros do pesquisador. Assim, “compreender a ciência e a cultura como integrantes de um mesmo processo (de construção de conhecimento) facilita que percebamos que também a comunicação é intrínseca a esse processo” (LOPES; COSTA; MALCHER, 2013, p. 14). Nessa perspectiva, Maria Ataide também tem se dedicado a colaborar na organização de uma série “Comunicação, Cultura e Amazônia”, com docentes do programa de pós-graduação (PPGCOM), que tem por objetivo registrar a aproximação da área da Comunicação com temas pertinentes à Amazônia: “propomos que o foco investigativo recaia sobre as inúmeras questões que formam o ambiente amazônico em suas múltiplas ações comunicativas e, portanto, culturais” (LIMA; MALCHER, 2010, In: AMARAL FILHO; CASTRO; SEIXAS, 2010). Maria Ataide e docentes cadastrados nesse programa concentraram-se nos capítulos que integram o primeiro volume. Em 2011, no entanto, “a proposta reuniu produções de diferentes pesquisadores dedicados a compreender a complexidade que envolve as questões comunicacionais nesta região” (MALCHER, SEIXAS, LIMA, AMARAL FILHO, 2011), evitando a endogenia. No momento, a terceira edição encontra-se em fase de finalização, reunindo artigos de pesquisadores de diversas partes do país, pois “se pretende aberto às diferentes vozes, com o objetivo maior de divulgar reflexões que tenham como campo prioritário o das ciências da comunicação” (LIMA et al., 2010, in: AMARAL FILHO; CASTRO; SEIXAS, 2010). Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 129 Considerações “A rede do meu destino, parece a de um pescador. Quando retorna vazia, vem carregada de dor. Vivo num redemoinho. Deus bem sabe o que ele faz. A onda que me carrega, ela mesma é quem me traz”. Entendemos que os esforços de Maria Ataide direta ou indiretamente estão voltados a compreender a área da Comunicação, tanto a partir da perspectiva teórico-prática de produção do campo, quanto a partir da atuação da área em diálogo com outros campos. Um empreendimento de pesquisa publicado em 2012 como capítulo no Panorama da Comunicação e das Telecomunicações do IPEA foi o levantamento da “Memória da História do Campo Comunicacional no Norte do Brasil”. Nesse texto, Maria Ataide reúne informações sobre o desenvolvimento dos cursos de graduação e pós-graduação em Comunicação na Região Norte, assim como mostra o movimento recente de participação de pesquisadores e estudantes em fóruns de comunidades científicas nacionais e internacionais da área. De modo geral, nas mais diversas linhas de atuação, podemos considerar, ao final dessa análise pela trajetória de Maria Ataide, que seu desafio principal tem sido se aproximar e refletir sobre cenários desconhecidos para os próprios moradores da Região Norte e reforçar a necessidade de olhar e produzir conhecimento na e para a própria Amazônia. Trata-se de uma construção de conhecimento que se dá a partir de um olhar de dentro para fora, possibilitando observar os aspectos comunicativos que constituem as realidades regionais e que não necessariamente se encaixam ou cabem nos modelos teóricos e de análise externos à região. Por isso, como Maria Ataide explicita em diversos textos, também é urgente a formação de recursos humanos na e para a região, no sentido de potencializar esforços de pesquisa das realidades comunicacionais que se fazem presentes no Norte do país para encontrar respostas para muitos questionamentos que incomodam os estudiosos da área, e mesmo para pensar em novas inquietações que podem reconfigurar a forma como produzir conhecimento na área da Comunicação. Sobre a pesquisa na Amazônia, Mello (2007, p. 15) nos fala do dilema amazônico e a condição duplamente periférica da região, que ainda hoje, se encontra subordinada – sobretudo em aspectos econômicos e políticos – aos interesses estrangeiros, subordinação iniciada no período em que o Brasil era colônia de Portugal; bem como a um colonialismo interno brasileiro nas suas diversas facetas, incluindo, a legitimada pelos próprios moradores da região. Na perspectiva de trabalho identificada na trajetória de Maria Ataide, e partindo da contribuição de Mello (2007), é possível considerar que o Brasil pouco sabe sobre si e parece ter pouco interesse em ampliar esse conhecimento. E isso 130 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros não porque se tenha uma postura tacanha da população das demais regiões em relação ao Norte do país, por exemplo. Mas porque, como demonstra o professor paraense, além do colonialismo estrangeiro, a região vivencia ainda um colonialismo interno em relação às demais partes do país que a veem apenas como almoxarifado de reservas naturais. Assim, dentre os desafios estimulados e vivenciados por Maria Ataide está o de pensar uma Universidade voltada à formação de recursos humanos para que estes atuem na “re-invenção da própria Amazônia”, tal como nos sugere Mello (2007). Para isso, porém, a própria universidade precisa repensar seus conceitos e estrutura e reconhecer o processo de construção do conhecimento como elemento norteador do processo de transformação social. Nesse sentido, em diálogo estreito com Martín-Barbero (2004; 2009), observamos ainda o esforço de Maria Ataide na tentativa de registrar e legitimar uma consciência histórica necessária à compreensão das peculiaridades da região seja em qualquer área do conhecimento, pois como demonstra Pacheco (2010), parte do que se escreveu e ainda se escreve sobre a Amazônia não condiz com o que realmente constituiu a formação da região. Daí a necessidade imperativa apontada por Mello (2007) de formar recursos que tenham certa fundamentação empírica, sem a qual nenhum pesquisador conseguirá ter uma visão realista da região e muito menos romper com o olhar estrangeiro geralmente lançado. Na Amazônia, é preciso trabalhar em ritmo acelerado de formação de pesquisadores ao mesmo tempo em que áreas do conhecimento como a Comunicação precisam se fortalecer. Como definiu o professor e pesquisador da UFPA, Cristóvam Wanderley Picanço Diniz, ao considerar as condições de produção e o número de pesquisadores que trabalham na Amazônia, “se faz nesta região, muito mais com muito menos”. É essa a realidade que, dia após dia, tem inspirado Maria Ataide Malcher e também seus discípulos e parceiros que se contagiam com o envolvimento e entusiasmo da pesquisadora, que como boa timoneira agrega tripulantes no seu barco e, compartilhando conhecimento, amplifica suas redes de relacionamentos para conduzi-los no mesmo balanço das ondas que a fazem navegar... Referências da Pesquisadora (Em Ordem Cronológica) 1997 BACCEGA, Maria Aparecida; MOTTER, Maria Lourdes; MALCHER, Maria Ataide. Catálogo do Grupo de Trabalho Ficção Televisiva Seriada: cinco anos de história e produção – 1993/1997. São Paulo: ECA/USP/INTERCOM, 1997. 72 p. Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 131 1999 MALCHER, Maria Ataide. 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São Paulo: Intercom, 2010. 2011 BRITTOS, Valério Cruz; SIMÕES, Denis Gerson; MALCHER, Maria Ataide; MORAES, Osvando J. de; LIMA, Regina Lúcia Alves de; MIRANDA, FernanMaria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida com a Comunicação 135 da Chocron (Orgs.). Para entender TV digital: tecnologia, economia e sociedade no século XXI. São Paulo: INTERCOM, 2011. 98p. LIMA, Regina; MALCHER, Maria Ataide; MONTEIRO, Gilson V., PEREIRA, Mirna F. Apresentação da Série. In: MALCHER, Maria Ataide; SEIXAS, Netilia Silva dos Anjos; LIMA, Regina; AMARAL FILHO, Otacílio (Orgs.). Comunicação Midiatizada na e da Amazônia. Belém: Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa-FADESP, 2011, v. 2, p. 7-8. Série Comunicação, Cultura e Amazônia. MALCHER, Maria Ataide. TV Pública no Pará. In: PEREIRA, Ariane; TOMITA, Iris; NASCIMENTO, Layse; FERNANDES, Marcio. (Orgs.). Fatos do passado na mídia do presente: rastros históricos e restos memoráveis. São Paulo: Intercom, 2011, v. 1, p. 307-347. 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Diretora de Projetos da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), na gestão 2008-2011, atualmente é professora da Universidade Feevale, onde também exerce a função de diretora de relações internacionais desde 2003, atuando principalmente nos seguintes temas: jornalismo, comunicação, direito, liberdade de expressão, comunicação internacional e relações internacionais. 1. Mestrado em Comunicação Social pela PUCRS. Professora do Curso de Jornalismo da Universidade Feevale. 2. Doutorado em Comunicação Social pela PUCRS. Professora do Curso de Comunicação Social e no Curso Superior de Tecnologia em Produção Audiovisual na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional 139 Graduada em Comunicação Social: Habilitação em Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) em 1978 e em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo em 1995, ela vai pontuar sua produção acadêmica pela defesa de um diálogo entre esses dois campos de conhecimento para o debate de questões que dizem respeito à liberdade de imprensa e ao direito à informação. É a partir do cruzamento dos olhares entre Comunicação e Direito que se constrói a tese de doutorado “Limites da liberdade de expressão: Imprensa e Judiciário”, orientada pelo prof. Dr. Antonio Hohlfeldt e defendida em 2007 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O mestrado foi concluído em 1984 na Universidade Metodista de São Paulo, com a dissertação “Assis Chateaubriand e a implantação da televisão no Brasil”, orientada pelo prof. Dr. José Marques de Melo. De 1977 a 1986, foi professora da Faculdade de Comunicação Social e Coordenadora do Laboratório de Línguas da UMESP. De 2009 a 2012, participou do projeto de pesquisa “Mídia em Foco”, que buscava investigar as mídias contemporâneas na constituição das identidades. Em 2008, atuou no projeto “As mídias locais e a justiça”, da linha de pesquisa “Mídia, cultura e tecnologia”. Atua na linha de pesquisa “Jornalismo e Convergência dos Meios”, que tem como objetivo promover estudos avançados em jornalismo e convergência de meios. A postura defendida com relação ao papel do jornalismo, o carisma e o carinho com os acadêmicos, na Feevale, lhe trouxeram o reconhecimento como paraninfa do Curso de Comunicação Social: Jornalismo em 2004, 2005, 2007, 2009, 2010, 2011 e 2012 e professora homenageada do Curso de Comunicação Social: Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade e Propaganda em 2003 e 2006. Como uma das organizadoras, ao lado dos professores Paula Puhl, Cintia Carvalho e Cristiano Max Pinheiro, foi responsável pela realização, em 2010, do XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, que teve como tema: Comunicação, Cultura e Juventude, na Universidade Feevale em Novo Hamburgo. E, em 2005, participou também da comissão que organizou o 3º Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, também na Feevale. Em 2010, coordenou a área dedicada ao Direito da Comunicação da Enciclopédia da INTERCOM, participando também da redação dos seguintes verbetes: “Censura”, “Dever de informar”, “Direito à informação”, “Direito de ser informado”, “Direito de informação”, “Direito de resposta”, “Direito social à informação” e “Liberdade de imprensa”3. 3. Enciclopédia Intercom de Comunicação. São Paulo: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2010. 140 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Em defesa do diálogo entre jornalismo e direito Defendida em 2007, na Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, a tese de doutorado “Limites da liberdade de expressão: Imprensa e Judiciário no ‘Caso Editora Revisão’”, buscou conhecer a compreensão da imprensa e do Poder Judiciário sobre os limites da liberdade de expressão, tomando por base a Decisão Judicial sobre o “Caso Editora Revisão”, considerado paradigmático para as áreas do Jornalismo e do Direito.4 Através da interlocução entre esses dois poderes responsáveis pelo acesso social à informação, a autora visou refletir sobre as perspectivas adotadas sobre os limites à livre expressão. O trabalho teve como questão de pesquisa a identificação das semelhanças e divergências das duas áreas com relação ao tema5. A partir dessa tese de doutorado, Paula Casari Cundari centra suas reflexões e produção teórica na defesa de um diálogo entre as áreas do jornalismo e do Direito, principalmente em questões que envolvam a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Para ampliar a discussão sobre essa problemática busca construir um espaço de debate com artigos realizados em conjunto com colegas, professores do Curso de Comunicação da Universidade Feevale, ou acadêmicos, orientandos do final do curso de Jornalismo. A apresentação dos textos em encontros da Rede Alfredo de Carvalho (Rede ALCAR) e da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Comunicação (INTERCOM) é utilizada, assim, como forma 4. CUNDARI, P. C. Limites da liberdade de expressão: Imprensa e Judiciário no “Caso Editora Revisão”. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação), 2007. Porto Alegre: FAMECOS, PUCRS, 2007. 5. O estudo embasou-se nos estudos norte-americanos da Comunicação e seus desdobramentos, na teoria da Escola de Chicago e na hipótese de agendamento, formulada por Maxwell McCombs (1972), apresentada nas leituras de Clóvis de Barros Filho (1995), Nelson Traquina (2001) e de Antonio Hohlfeldt (2001). Além disso, a tese faz uma revisão histórica sobre as transformações do conceito de liberdade de expressão, a partir dos clássicos até os estudos atuais sobre a constitucionalização do direito à informação, com base em John Milton (1644,1999), Stuart Mill (1859, 1978), Barbosa Lima Sobrinho (1977, 1980), Freitas Nobre (1968, 1998), Darcy Arruda Miranda (1994), Alberto André (2000), José Marques de Melo (1973, 2003a, 2003b) e Norberto Bobbio (1999, 2002, 2003). O entendimento do Poder Judiciário fundamentou-se na edição especial sobre o caso da Revista de Jurisprudência, feita em 2004 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. As inferências resultantes da análise de conteúdo da Decisão Judicial foram interpretadas com base em Freitas Nobre (1998), Alberto André (2000), Nilson Lage (2001) e Nelson Traquina (2001). Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional 141 de ampliar o debate. É fruto desse entendimento o artigo “Olhares cruzados: As relações entre imprensa e Judiciário: O caso da Editora Revisão”, apresentado, em 2007, no 5º Congresso Nacional de História da Mídia em São Paulo6. Como participante ativa da Rede Alcar, apresenta, em 2008, no 6º Encontro Nacional da História da Mídia no Brasil, o artigo “Da proibição das prensas à mediação pelo Judiciário: Os 200 anos da liberdade de expressão na Imprensa brasileira”7. Desenvolvido a partir de um recorte de seu estudo para o doutorado, revisitando autores como André (1992, 2000) e Nobre (1998) e atualizando a reflexão a partir de Leyser (1999) e Cundari (2007), o artigo examina os limites da liberdade de expressão na imprensa brasileira, a partir de uma abordagem interdisciplinar da Comunicação e do Direito, e da constatação, na época, da grande frequência com que o Judiciário vinha sendo acionado para mediar contendas entre sociedade civil e mídia, inclusive mídia versus mídia. O debate reuniu itens para o aprofundamento da discussão sobre as mudanças na legislação da imprensa, usando como ponto de partida o relatório da ONG Artigo 19 (ARTICLE 19, 2007, p. 3)8, registrando também como momentos relevantes para uma reflexão a comemoração dos 200 anos da imprensa no Brasil e as celebrações dos 20 anos da Constituição Brasileira, os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, e os 100 anos da Associação Brasileira de Imprensa. Seguindo os mesmos pressupostos da tese de doutorado, a principal ideia defendida no artigo era de que os olhares cruzados da imprensa e do Judiciário em questões conceituais fundamentais, como a liberdade de expressão e seus limites, apontassem para uma compreensão maior sobre as garantias do direi- 6. CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A. Olhares cruzados: As relações entre Imprensa e Judiciário: O caso da Editora Revisão. Anais... In: Congresso Nacional de História da Mídia, 5, 2007. São Paulo: INTERCOM, 2007. Um desenvolvimento desse texto é apresentado no 1º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia, “Olhares Cruzados: Imprensa, Judiciário e os limites da liberdade de expressão” em 2008, na PUCRS, em Porto Alegre. 7. CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A. Da proibição das prensas à mediação pelo Judiciário: Os 200 anos da liberdade de expressão na Imprensa brasileira. Anais... In: Encontro Nacional da História da Mídia no Brasil (Rede Alfredo de Carvalho), 6, 2008. Niterói, RJ: Universidade Federal Fluminense, 2008. 8. ARTICLE 19. Declaração final da missão ao Brasil sobre a situação da liberdade de expressão. Campanha Global pela Liberdade de Expressão. São Paulo/Londres, ago. 2007. Disponível em: <www.article19.org>. 142 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros to à informação e o meio que viabiliza esse direito, o Jornalismo. O estudo concluiu que a censura prévia assumia uma nova configuração no Brasil. Da censura exercida pelo Estado, ou seus representantes, registrada nos primórdios da Imprensa brasileira, ela passava a apresentar-se a partir de iniciativas da sociedade civil, ou setores dessa, que recorriam a ações do Poder Judiciário. Tomando como base o relatório da Artigo 19, concordava que no país a existência de um grande número de leis esparsas regulando temas específicos da Comunicação havia “criado uma situação de incerteza legal, na qual prevalecem interpretações divergentes e disposições duvidosas que abrem espaço para abusos contra a liberdade de expressão” (ARTICLE 19, 2007, p. 3, grifo nosso). O texto ressaltava que, reunidos os diversos olhares sobre o tema, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), os ombudsmen da mídia e representantes do Poder Judiciário, além de autores que tratam do assunto, encontrava-se uma concordância quanto à defesa irrestrita da liberdade de imprensa e liberdade de expressão e à necessidade de adequação da legislação que as garantem e regulam seus limites. O artigo também defendia que, a partir de uma compreensão interdisciplinar entre a área da Comunicação e do Direito, houvesse uma fundamentação maior sobre as questões colocadas em discussão, aprofundando o conhecimento sobre a legislação internacional que trata do tema, conforme recomendava a Artigo 19. Desdobramentos do debate sobre legislação: o sigilo de fonte Ainda com a preocupação de fazer uma reflexão unindo contribuições das áreas do Jornalismo e do Direito, reunindo colegas do Curso de Comunicação nessa tarefa, a autora apresenta, em 2009, no X Seminário Internacional de Comunicação, na PUCRS, em Porto Alegre, o artigo “Sigilo da fonte: Um debate necessário”.9 O texto defendia que, com o fim da Lei de Imprensa, revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 30 de abril daquele ano, e a desregulamentação da profissão de jornalista10, havia se criado um campo 9. CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A. Sigilo da Fonte: Um debate necessário. In: Seminário Internacional de Comunicação, 10, 2009. Anais... Porto Alegre. Porto Alegre: PUCRS, 2009. 10. Apenas no ano de 2013, em 12 de novembro, é que a Proposta de Emenda Constitucional 206/2012, a PEC do Diploma, já aprovada no Senado em dois turnos de Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional 143 para dúvidas sobre a abrangência do direito de sigilo da fonte. Lembrava que a Constituição garante o sigilo da fonte diante do exercício profissional, pelo artigo 5º, inciso XIV, afirmando que: “É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. E, dessa forma, assegurando o sigilo profissional para psicólogos, médicos e advogados. O artigo refletia sobre o fato de que, com o fim da exigência de diploma de formação específica para o exercício do jornalismo, votada pelo STF em 2009, havia a possibilidade de que qualquer brasileiro que se apresentasse como jornalista pudesse invocar o sigilo de fonte na Justiça em sua defesa. Questionava, assim, que, com o fim da exigência do diploma e a desregulamentação da profissão, quem poderia determinar o que é exercício profissional do jornalismo e, dessa forma, a quem caberia esse sigilo. Com relação a essa questão, o texto apontava também para a existência de um vácuo jurídico no caso de jornalistas que escrevem em blogs ou mantêm outro tipo de trabalho independente. Compreendendo a questão como complexa e, por isso, merecedora de uma análise apurada a partir do campo da Comunicação e do Direito, que permitisse uma abordagem ampla do tema, o artigo defendia a clarificação da abrangência do direito de sigilo de fonte, invocado, às vezes, de forma polêmica. Buscando um exemplo para essas afirmações, o texto citava um caso de grande repercussão na imprensa brasileira na época envolvendo a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff e a “Folha de S. Paulo”. A quebra do sigilo de fonte havia sido defendida pelo próprio ombudsman do jornal, Carlos Eduardo Lins da Silva. Em 5 de julho daquele ano, ele criticou em sua coluna a posição do jornal no episódio da reprodução da suposta ficha criminal da ministra, sugerindo a quebra do sigilo da fonte. Lins da Silva defendeu que, se “Folha” quisesse mesmo esclarecer o assunto, deveria identificar a fonte que lhe enviou eletronicamente votação, teve parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. Antes de ser submetida ao plenário da Câmara em dois turnos de votação, precisa ainda passar pela análise de mérito de uma Comissão Especial. (COMISSÃO especial para analisar a PEC do Diploma deve ser constituída na próxima semana. FENAJ, 28 nov. 2013. Disponível em: <http://www.fenaj.org.br/ materia.php?id=4014>. Em 2009, por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, pela inconstitucionalidade da exigência do diploma de jornalismo e registro profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício da profissão de jornalista (SUPREMO decide que é inconstitucional a exigência de diploma para o exercício do jornalismo. Supremo Tribunal Federal, 17 jun. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=109717)>. 144 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros a suposta ficha criminal da então ministra, pois, assim, o público teria como avaliar a sua credibilidade11. A censura à imprensa volta a ser preocupação no artigo “Dano moral e censura, debate sobre os processos contra uma charge na imprensa gaúcha” apresentado também em 2009 no XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação em Curitiba, no Paraná12. Em abril de 2010, a reflexão se volta sobre a censura em época de eleições. O artigo “As práticas jornalísticas e a legislação eleitoral” é apresentado no encontro regional da Rede Alcar em Porto Alegre.13 Considerando a possibilidade de os jornais da atualidade enfrentarem uma “censura prévia togada”14 e, além disso, um maior nível de exigência do leitor, que tem ao seu dispor inúmeras opções midiáticas, surgiu o interesse em tratar o assunto a partir de uma perspectiva que unisse reflexões das áreas da Comunicação e do Direito. O texto teve, assim, como um dos seus objetivos o interesse em compreender os limites impostos aos conteúdos jornalísticos pela legislação eleitoral, analisando casos que pudessem revelar aspectos da relação dos conteúdos jornalísticos com a interpretação da legislação eleitoral e definições dessa lei para os meios de comunicação. 11. Publicada com destaque na capa da “Folha” em 5 de abril de 2009, a suposta ficha criminal teve sua autenticidade e o jornal admitiu não poder assegurar a veracidade do material. Dilma apresentou, então, dois laudos técnicos que apontaram “manipulações tipográficas” e “fabricação digital” na ficha criminal publicada pelo jornal. Apesar disso, a “Folha” manteve o discurso de que, com o material disponível, não poderia identificar uma eventual fraude. 12. CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A.; SILVA, Rafael R. Dano moral e censura, debate sobre os processos contra uma charge na imprensa gaúcha. Anais... In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação: Desafios da Pós-Graduação em Comunicação: Perspectivas e análises, 32, 2009. Curitiba: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), 2009. 13. CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A.; SCHIRRMANN, Lucélia. As práticas jornalísticas e a legislação eleitoral. In: Encontro Gaúcho da Rede Alcar, 2010. GT História da Comunicação Midiática. Anais... Porto Alegre: PUCRS, 2010. 14. É classificada no artigo como “censura prévia togada” aquela praticada pelo Poder Judiciário em suas diferentes instâncias. Essa forma de censura pode ser determinada judicialmente a qualquer momento – algo comum quando estão em pauta os interesses políticos – proibindo a veiculação de determinados conteúdos jornalísticos, tanto para proteger os direitos de personalidade (honra, imagem, intimidade e privacidade), quanto para não ferir a legislação eleitoral e outras tutelas legais. Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional 145 Apoiando-se na interlocução entre Comunicação e Direito, a discussão proposta buscou suporte teórico, entre outros autores, nas obras de Carlos Eduardo Lins da Silva (2002), Neusa Demartini Gomes (2000), Edilsom Pereira de Farias (2000) e Francisco Gaudêncio Torquato do Rego (1985)15. Com base no estudo da evolução da legislação eleitoral brasileira, a pesquisa apontou para a relevância da lei eleitoral 9.504/1997, sob o argumento de que foi a partir da criação dessa que o processo eleitoral brasileiro tem se modernizado. O texto destacou a preocupação do legislativo em manter constantemente a lei eleitoral atualizada. Dessa forma, as falhas, brechas e omissões da lei verificadas em uma eleição são analisadas, corrigidas e supridas para o pleito seguinte. Em 2010, quando a pesquisa foi feita, a legislação eleitoral havia sido atualizada com a Lei nº. 12.034, de 29 de setembro de 2009. Conforme o artigo, o ponto forte da lei citada era a liberação do uso da internet nas campanhas eleitorais, em especial nas redes sociais, que antes eram proibidas e geradoras de grande polêmica. Registrava, também, que, na época, embora a lei eleitoral não definisse o que caracterizaria a propaganda eleitoral antecipada e publicidade antecipada – e sim apenas o que não caracteriza propaganda eleitoral antecipada – ela trazia uma orientação mais ou menos satisfatória para os interessados: candidatos, partidos, profissionais e meios de comunicação social. Esses, conforme registra o artigo, não estavam devidamente orientados no processo eleitoral de 2008. Para exemplificar essa constatação é apresentado um estudo de caso sobre as entrevistas, concedidas na época, por Marta Suplicy para a “Folha de S. Paulo” e a revista “Veja São Paulo”. Afirma o texto que, na véspera da eleição de 2008, a legislação eleitoral foi atualizada novamente, eliminando as desorientações que geravam autocensura e ensejavam representações eleitorais. Ao concluir, o artigo destaca a relevância do livre fluxo das informações, ressalvando os abusos, e defende que os meios de comunicação social devam atuar com competência e ética. Ressalta, porém, que, apesar dos abusos, observando que o sistema jurídico brasileiro de defesa dos direitos políticos, envolvendo os meios de comunicação, deve funcionar a posteriori, por ser inconstitucional qualquer forma de censura prévia. Ainda em 2010, a autora analisa a relação entre censura prévia e direito à informação no artigo “Censura prévia x direito à informação: O caso do jornal 15. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos – a honra, a intimidade, a vida privada versus a liberdade de expressão e informação (Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2000); GOMES, Neusa Demartini. Formas persuasivas de comunicação política (Porto Alegre: Edipucrs, 2000). 146 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros O Estado de S. Paulo”16. O caso é registrado a luz do direito à informação, relacionando teorias das áreas do Direito e da Comunicação, com destaque para as questões relacionadas à liberdade de expressão e de imprensa e ao direito constitucional à informação. Entre outros autores, recorre a aportes de Castanho de Carvalho (2003)17 e a premissas estabelecidas na tese de doutorado de 2007. O texto aborda a “institucionalização” recorrente de censura prévia por meio do Poder Judiciário, tendo como estudo de caso a censura imposta ao “Estadão”, proibido de publicar matérias sobre a operação “Boi Barrica” da Polícia Federal. É analisado o período de 31 de julho de 2009 a 1º de fevereiro de 2010, quando o jornal rejeitou o arquivamento da ação judicial movida por Fernando Sarney, da qual resultou a censura prévia. O artigo também examina declarações de representantes do Supremo Tribunal Federal, dando conta da existência de censura governamental, censura estatal ou censura judicial, termos utilizados pelos próprios ministros do STF. Durante o período examinado, sob censura prévia, impedido de divulgar notícias sobre a Operação “Boi Barrica”, o “Estadão” publicou, diariamente, um calendário informando ao leitor sobre todos os passos do processo e suas repercussões, pois a decisão judicial se restringe apenas ao noticiário sobre aquela operação. Dessa forma, os leitores podiam acompanhar o desenrolar do processo e a denúncia do envolvimento da São Luís Factoring, do grupo Mirante, em ilegalidades, denúncia sempre repetida a cada nova notícia sobre o tema. O artigo cita Castanho de Carvalho (2003, p. 22), para quem, no passado, “[...] era o Estado impondo o silêncio aos órgãos da imprensa, à custa de processos monstruosos, violências físicas e todo o tipo de instrumentos de censura”. Questiona a partir dessa citação se tal imposição ocorreria apenas no passado, ressaltando que o caso do “Estadão” é emblemático e caracteriza censura por determinação judicial. De acordo com a autora, hoje em dia, não se discutiria apenas a invasão do Estado nas liberdades individuais, mas, principalmente, o conflito entre essas liberdades. De acordo com o artigo, na maioria das ações judiciais que envolvem a imprensa, está presente o conflito normativo, ou colisão de princípio, entre 16. CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A. Censura prévia x direito à informação: O caso do jornal O Estado de S. Paulo. In: Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, 11, 2010. Anais... Novo Hamburgo: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2010. 17. CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional 147 liberdade de expressão (informação/imprensa) versus proteção aos direitos da personalidade. O exercício regular de direitos está assegurado no art. 188, da Constituição Federal: “[...] não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”18. O texto chama a atenção para o fato de haver uma considerável jurisprudência a respeito, que considera “a veiculação de informação jornalística que não desborda da narrativa do fato, consubstanciada na liberdade de informação da imprensa, não é de se considerar ofensiva à honra pessoal, descabendo reconhecer-se o dever de indenizar” (Ap. Cív. n. 70007177728, TJRS). Dessa forma, de acordo com a autora, a ponderação entre os princípios conduz ao equilíbrio necessário para o exercício de informar: “A imprensa encontra limites nas garantias individuais asseguradas na Constituição Federal, sendo certo que possui o direito de realizar a cobertura de ação policial contra terceiro, em via pública, indevida a proibição de que fosse fotografado o acontecimento” (Emb. Infring. 70006980593, TJRS). A partir dessa compreensão, o artigo ressalta que, quando notícias sobre fatos de interesse público encontram restrição por medida cautelar, como o ocorrido com a Operação “Boi Barrica” e o “Estadão”, fica caracterizada a violação do direito de informação. Defende, assim, que essa interdição precisa da atenção da sociedade, bem como a supervisão de pesquisadores, com o objetivo de evitar a instalação de mecanismos dissimulados de censura, sob a aparência de determinações judiciais. Retomando a compreensão de que o acesso irrestrito à liberdade de expressão é garantido a todos e que qualquer sanção a excessos deve ocorrer a posteriori e nunca de forma preventiva, defende o artigo que o julgamento de mérito do processo era de fundamental importância. Salienta, ainda, que o direito das pessoas envolvidas em assuntos de interesse público – direito de personalidade – não pode se sobrepor ao direito social à informação da forma como ocorre com o “Estadão”. O texto salienta que, ao exigir o julgamento do mérito, o “Estadão” denunciava a censura. O artigo lembra que o processo não chegou a ser examinado em relação ao mérito, o que foi reconhecido, na época, pelo ministro Cesar Peluso: “[...] foi julgado o pedido de liminar e não o mérito da questão”. Esse fato expunha, assim, a relevância da questão. Ao exigir o julgamento do mérito da questão, o “Estadão” fazia uso do direito constitucional, não se satisfazendo com a simples retirada de liminar. Dessa forma, a decisão e os efeitos jurídicos decorrentes causarão impacto social, servindo de referência para casos semelhantes. 18.BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. 148 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Ao concluir, o artigo destaca que a pesquisa possibilitou a reflexão sobre essa e outras tensões permanentes entre a imprensa e o Poder Judiciário, levando ao questionamento sobre a necessidade de uma legislação que proteja a sociedade da censura prévia. Afinal, lei que trata do acesso à informação prevalece em relação às normas restritivas e o jornalismo demanda garantias constitucionais de liberdade de expressão e opinião. O texto também manifestava a concordância com o posicionamento do ministro Celso de Mello, que defendeu que “[...] o poder cautelar (exercido nas instâncias inferiores do Judiciário) é o novo nome da censura no Brasil”. Essa censura, conforme o texto, ocorre, também, pela falta de uma decisão normativa, regulando e restringindo as ações de grupos e oligarquias, como no caso Dácio Vieira x Sarney. Em 2011, a censura exercida pelo Poder Judiciário é debatida no artigo “A ‘censura togada’ e o direito à informação”19, apresentado no VIII Encontro Nacional de História da Mídia, no Unicentro, em Guarapuava, no Paraná. O texto argumentava que a censura judicial excessiva marca o panorama nacional relacionado à liberdade de expressão e ao direito à informação nesta primeira década do século XXI, ressaltando como o caso mais notório a decisão judicial que colocou o “Estadão” sob censura prévia. A censura prévia ao “Estadão” havia já sido tema de artigo no ano anterior e, apesar dos posicionamentos e protestos, mantinha-se. Ao comemorar 136 anos em 4 de janeiro daquele ano, o “Estadão” contabilizava 132 de “vida independente”. Os proprietários do Grupo Estado descontam os cinco anos de censura em que o jornal esteve “sob a ocupação da ditadura de Getúlio Vargas” e contabilizaram, também, os outros períodos de mordaça: no governo de Artur Bernardes na Revolução de 1924, pelo regime militar de 1964 e a censura prévia imposta pelo desembargador Dácio Vieira. Conforme citação feita no artigo de relatório do Comitê de Proteção aos Jornalistas, o Brasil estava entre os vários países da América Latina onde a censura estaria em ascensão20. O texto também menciona um relatório do Google, revelando que as autoridades brasileiras haviam pedido a remoção de conteúdos dos servidores da empresa em 398 ocasiões nos primeiros seis meses de 2010, número duas vezes maior que o do segundo país listado, a Líbia. Com base 19. CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A. A ‘censura togada’ e o direito à informação. In: Encontro Nacional de História da Mídia, 8, 2011. GT de Jornalismo. Anais... Guarapuava, PR: Unicentro, 2011. 20. COMITÊ DE PROTEÇÃO AOS JORNALISTAS – CPJ. Ataques à imprensa 2010. Dossiê. Disponível em: <http://www.cpj.org/>. Acesso em dezembro de 2013. Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional 149 nessas informações e constatações, o artigo propunha-se a descrever e refletir sobre o que se tem denominado como “censura togada” e suas implicações com relação ao direito à informação, retomando a análise, principalmente, do caso do “Estadão”, impedido de publicar informações sobre uma operação da Polícia Federal, a Faktor, mais conhecida como “Boi Barrica”. Em dia 29 de janeiro de 2010, o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira havia apresentado ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal uma manifestação em que sustentava a preferência do jornal pelo prosseguimento da ação, a fim de que seu mérito fosse julgado. Como conclusões, o artigo destacava que, apesar de formalmente garantido, o direito social à informação, compreendido como o direito das pessoas receberem informações e saberem o que está acontecendo, enfrenta obstáculos de natureza política, ideológica, econômica e cultural no Brasil. Argumenta que, por esse motivo a medida judicial imposta ao “Estadão”, proibido de divulgar notícias sobre a investigação da Polícia Federal envolvendo a Família Sarney, caracteriza um caso exemplar e incompatível com a normalidade da vivência democrática. O texto defende que o acompanhamento desse processo judicial se faz necessário, pois as posições tomadas terão impacto sobre casos análogos e ele vai expor o pensamento e a atitude dos juízes, considerados como os guardiões da liberdade individual e dos jornalistas como os portadores necessários do direito de comunicar as ideias e as informações (LECLERC; THÉOLLEYRE, 2007, p.17)21. A autora ressalta que pode se observar que “[...] a nova onda regional de censura está ligada ao abuso governamental no uso de recursos legais e normativos”. Dessa forma, constitui-se em um desafio para toda a sociedade liberal-democrática encontrar um equilíbrio nesse campo. Ela ressalta que a Constituição Brasileira reconhece e assegura o direito à comunicação no Brasil relativamente a todos os contextos. Dessa forma, o que a Constituição está a esperar é que a “sociedade e o Estado a façam letra viva para todos”. Citando Ferreira (1997, p. 283), salienta que isso se refere à aplicação dos princípios em caráter universal e não somente em relação a algumas situações e em privilégios de outros22. Ainda em 2011, a autora volta ao tema do direito à informação para examinar o caso Wikileaks – considerado na época o maior vazamento de conversas confidenciais entre diplomatas dos Estados Unidos, com a divulgação de 21. LECLERC, Henri; THÉOLLEYRE, Jean-Marc. As mídias e a justiça: Liberdade de imprensa e respeito ao direito. Bauru, SP: Edusc, 2007. 22. FERREIRA, Aluízio. Direito à informação, direito à comunicação. São Paulo: Celso Bastos/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1997. 150 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros 250.000 despachos confidenciais – em trabalho apresentado no GP Teorias do Jornalismo, no XI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM).23 O artigo afirma que o caso WikiLeaks merecia uma análise sobre o seu significado, além de possibilitar reflexões sobre os princípios do direito de informar e ser informado. Por isso, defendia o interesse de estudar o caso à luz do direito à informação. Seguindo pesquisas anteriores, busca relacionar teorias das áreas do Direito e da Comunicação, com base nas reflexões realizadas anteriormente em Cundari (2007), Cundari e Bragança (2008, 2010) e retomando autores utilizados no percurso iniciado com a tese de doutorado, Leyser (1999), Traquina (2001), Karam (2004) e Leclerc e Théolleyre (2007), e que foram se constituindo em um marco teórico eficiente para o pretendido cruzamento de olhares entre as duas áreas. O texto reafirma que esse cruzamento de olhares entre Direito e Comunicação pode trazer novos aportes ao exame de questões relacionadas à liberdade de expressão e de imprensa e ao direito constitucional à informação no contexto do compartilhamento instantâneo da informação via internet. Conforme ressalta a autora, no artigo, a internet trouxe vulnerabilidades para o controle de informações. Citando o editor investigativo do Guardian, David Leigh, para quem “Julian Assange foi pioneiro nisso e é algo que todos teremos que aprender a fazer”24, ela aponta que o caso WikiLeaks trouxe como ensinamento a consciência de que tecnologia da internet se desenvolveu a tal ponto que imensos bancos de dados estão sendo criados, com uma quantidade de informação sem precedentes. Essa abundância de dados acaba por facilitar os vazamentos. Dessa forma, conforme Paula Casari Cundari, é importante que os jornalistas aprendam a trabalhar com esses bancos de dados e retirar deles informações úteis. A autora defende que a democratização da informação por meio da internet necessita de reflexões, que possibilitem relativizar o papel de profissionais de formação tecnológica no processo de produção de notícias, como o criador do 23. CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A. Vazamentos e vulnerabilidades: o Caso Wikileaks à luz do direito à informação. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 34. XI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação. GP Teorias do Jornalismo. Anais... Recife: Universidade Católica de Pernambuco, 2011. 24. FREITAS, Guilherme; GUEDES, Luisa. Assange Revisitado: Segredos do WikiLeaks. Observatório de Imprensa, n. 631, 01 mar. 2011. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/ news/view/segredos-do-wikileaks>. Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional 151 WikiLeaks, Julian Assange. Concorda dessa forma com o editor do Guardian, David Leigh, para quem “é preciso uma grande equipe para editar essas informações por que vazamento sem edição não significa nada” (LEIGH, 2011)25. De acordo com a autora, o episódio WikiLeaks favorece o debate de outros aspectos fundamentais para as práticas jornalísticas, enfatizando fragilidades como a situação vivenciada no Brasil desde 2009 – a partir da revogação da Lei nº 5.250/67, com a ausência de dispositivo legal que discipline o sigilo das fontes, por exemplo. Ao finalizar, a autora reafirma o desejo de que o estudo apresentado sobre o caso WikiLeaks possa “[...] contribuir com subsídios para análise, no momento em que se discute um novo marco regulatório para a mídia em nosso país, colocando em pauta questões relevantes, como: autenticidade, motivações e consequências na democratização das informações por meio da internet”. A trajetória de pesquisa de Paula Casari Cundari, através dos artigos publicados e da participação em grupos de trabalho e discussão da INTERCOM e da Rede Alfredo de Carvalho, contribui para o delineamento de um processo de debate entre as áreas da Comunicação e do Direito. Durante essa caminhada, produz como contribuições uma importante reflexão sobre a liberdade de expressão e de imprensa e seus limites, a censura no Brasil e a reunião de um marco teórico, articulando autores tanto da área do Direito como da Comunicação, que podem ser apropriados por pesquisas futuras na mesma direção. Trata-se de contribuição relevante à medida que o tema da liberdade de imprensa e da censura judicial mantém-se infelizmente atual no Brasil. De acordo com pesquisa feita pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas, divulgada no ano de 2013, o país está entre os dez do mundo onde a liberdade de imprensa corre perigo. De acordo com o documento: “Os querelantes tipicamente procuram ordens judiciais para impedir que jornalistas publiquem qualquer outra informação sobre eles e para retirar do ar materiais disponíveis on-line. No primeiro semestre de 2012, de acordo com o Google, os tribunais brasileiros e outras autoridades enviaram à empresa 191 ordens judiciais para a remoção de conteúdo”. Denominado Ataques à imprensa, o relatório anual do CPJ (Comitê para a Proteção aos Jornalistas) registra o crescimento do número de assassinatos de jornalistas e uma “legislação restritiva que coloca em risco o jornalismo independente”. A pesquisa traz a lista “Países em Risco”, em que o Brasil superou 25. LEIGH, David e HARDING, Luke. WikiLeaks y Assange, un relato trepidante sobre cómo se fraguó la mayor filtración de la historia. Barcelona: Deusto, 2011. 152 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros os índices e, em 2012, registrou dados que o tornou o quarto país mais letal do mundo para a imprensa. O texto afirma que: “seis dos sete jornalistas mortos nos últimos dois anos haviam noticiado a respeito de corrupção oficial ou crime e todos, com exceção de um, trabalhavam em áreas interioranas. O sistema judiciário brasileiro não conseguiu acompanhar o ritmo”. A pesquisa levou em consideração seis indicadores: mortes, prisões, legislação restritiva, censura estatal, impunidade nos ataques contra a imprensa e quantidade de jornalistas exilados. Diante desse quadro, estudos que se propõem a debater sobre a liberdade de expressão e liberdade de imprensa são mais do que atuais, são fundamentais. Referências “CENSURA JUDICIAL” coloca Brasil em lista de países onde a liberdade de imprensa corre risco. Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), 18 fev. 2013. Disponível em: <http://www.sjpdf.org.br/noticias-teste/1009-censura-judicial-coloca-brasil-em-lista-de-paises-onde-a-liberdade-de-imprensa-corre-risco>. Acesso em dezembro de 2013. ARTICLE 19. Declaração final da missão ao Brasil sobre a situação da liberdade de expressão. Campanha Global pela Liberdade de Expressão. São Paulo/ Londres, ago. 2007. Disponível em: <www.article19.org>. Acesso em dezembro de 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. COMITÊ DE PROTEÇÃO AOS JORNALISTAS – CPJ. Ataques à imprensa 2010. Dossiê. Disponível em: <http://www.cpj.org/>. Acesso em dezembro de 2013. CUNDARI, P. C. Limites da liberdade de expressão: Imprensa e Judiciário no “Caso Editora Revisão”. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação), 2007. Porto Alegre: FAMECOS, PUCRS, 2007. CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A. A ‘censura togada’ e o direito à informação. In: Encontro Nacional de História da Mídia, 8, 2011. GT de Jornalismo. Anais... Guarapuava, PR: Unicentro, 2011. Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional 153 CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A. Censura prévia x direito à informação: O caso do jornal O Estado de S. Paulo. In: Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, 11, 2010. Anais... Novo Hamburgo: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2010. CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A. Da proibição das prensas à mediação pelo Judiciário: Os 200 anos da liberdade de expressão na Imprensa brasileira. Anais... In: Encontro Nacional da História da Mídia no Brasil (Rede Alfredo de Carvalho), 6, 2008. 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Autor do livro “Um telejornal pra chamar de seu: identidade, inserção e representação popular no telejornalismo local” (Insular, 2013). Integra o grupo de pesquisa Comunicação, Identidade e Cidadania, cadastrado no CNPq e o grupo de Pesquisa Telejornalismo (UFJF). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Televisão, atuando principalmente nos seguintes temas: telejornalismo local, narrativa, história da TV, identidade, participação popular e personagem. Atua nas especializações em Jornalismo Multiplataforma (UFJF) e Mídias na Educação (Capes/UAB). Finalista do Prêmio Francisco Morel 2009 (INTERCOM). 156 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros sessoria de comunicação, como representante estudantil e monitora em curso de extensão em Comunicação Popular. Iluska foi uma das primeiras estudantes de iniciação científica da UFES a apresentar trabalho em um evento científico, na função de bolsista. Aqui já se percebe a preocupação da pesquisadora com questões envolvendo a participação popular e a análise do interesse público no campo da comunicação, que nortearão toda a sua trajetória no ensino de jornalismo. Com a orientação do professor Victor Gentilli, a estudante elabora o trabalho de conclusão de curso intitulado “O fascínio da mídia: o estudo sobre a tentação de virar notícia”. Ancorada nas reflexões de Cremilda Medina ao apontar o surgimento das colunas de notas na imprensa europeia, no século XVII, Coutinho ressalta que já naquela época, as colunas seriam vistas como propagadoras de um mundo de sonhos presentes na vida burguesa. Ideia que a autora adapta em seu trabalho, para dizer que as colunas sociais, ao divulgar um mundo muitas vezes inacessível para a maior parte dos leitores, contribuem para alimentar o fascínio que a mídia provoca nas pessoas. A serviço desse fascínio existe toda uma rede de profissionais de marketing, publicidade, relações públicas e um número cada vez maior de jornalistas no papel de assessores de imprensa. O “exército da imagem pública”, como poderia ser chamado, tem a função principal de garantir que seu cliente/patrão tenha a mídia como aliada na difusão de ideias, interesses, produtos, serviços, ideologias ou simplesmente do próprio ego. Já graduada, a jornalista atua, de 1993 a 1997, com repórter, produtora, apresentadora e editora de telejornalismo da TV Tribuna em Vitória e, posteriormente, em Brasília. A experiência de trabalhar diariamente com pautas prioritariamente políticas, bem como exercitar o ofício, nas funções de pauteira, repórter e âncora do telejornal “Brasília na Tribuna” trariam contribuições significativas para o ensino e a pesquisa em telejornalismo nos anos subsequentes. É ainda na capital federal que Iluska Coutinho realiza, de 1996 a 1999, o mestrado em Comunicação e Cultura, na Universidade de Brasília- UNB. “Colunas jornalísticas de notas: representação na imprensa – O caso Victor Hugo, A Gazeta/ES” é o título da dissertação de mestrado, defendida sob orientação do professor Carlos Chagas. A dissertação trata basicamente do agendamento e influência das colunas jornalísticas de notas sobre os campos do jornalismo impresso e da política. A pesquisa empírica se refere à Coluna Victor Hugo, publicada no jornal A Gazeta-ES, e evidenciou a existência de relações de força entre as colunas e as demais editorias e seções do jornal. Além de suscitar tomadas de posição no espaço público as colunas desempenham, para a autora, um papel de representação parlamentar dentro do jornalismo, encarado também como Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores 157 parlamento de papel. O trabalho investiga o poder de representação das colunas como um espaço privilegiado dentro do chamado campo do jornalismo. Definida por seu editor, Luiz Trevisan como uma coluna de fatos, a proposta foi evidenciar ainda a negociação e/ou jogo contínuo e cotidiano entre os produtores de notícia com assinatura e, portanto, com caráter diferencial no todo jornal impresso e os atores do espaço público político capixaba. Para efeito de delimitação do campo de estudo, optou-se por estudar as relações entre os parlamentares da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, trinta deputados ao todo, e os produtores da Coluna Victor Hugo, além dos jornalistas encarregados da cobertura de rotina da referida casa legislativa. Essa opção residiu no fato de que a coluna seria recebida, preferencialmente, por esses atores da cena pública capixaba e, em um segundo momento, a partir dos desdobramentos e repercussões de uma articulação primária, absorvida pelos leitores em geral. As reflexões tecidas neste período dão origem ao primeiro livro de Coutinho, “Colunismo e Poder: Representação nas páginas de jornal”. (Rio de Janeiro: Sotese, 2005). Para Coutinho, desde a frase já popularizada “o que importa não é fato e sim a versão”, os jornais despertam fascínio nos indivíduos de todas as classes sociais, sejam eles leitores ou não. A inserção de seu nome ou de sua história nas páginas desse veículo de comunicação impressa funciona como uma promessa cumprida de reconhecimento público, visibilidade e destaque entre os leitores. A serviço desse fascínio existe toda uma rede de profissionais de marketing, publicidade, relações públicas e um número cada vez maior de jornalistas no papel de assessores de imprensa. O “exército da imagem pública”, expressão crucial dos trabalhos de Coutinho tem a função principal de garantir que seu cliente/ patrão tenha a mídia como aliada na difusão de ideias, interesses, produtos, serviços, ideologias ou simplesmente do próprio ego. Com o objetivo de garantir a inserção do nome, depoimento de determinado indivíduo e/ou empresa no espaço jornalístico dos veículos de comunicação tradicionais – rádio, TV, jornais e revistas – são traçadas estratégias que não raro incluem tomadas de posição ou mudanças de atitude com giro em direção às lentes e câmeras da mídia e de seus profissionais. Como anteviu Eça de Queiroz, quase traduzindo um hábito característico da sociedade contemporânea, indivíduos têm a expectativa de “saltar da multidão” ou nas palavras do próprio escritor “para aparecer nos jornais há assassinos que assassinam”. O “fascínio da mídia” apontado por Iluska Coutinho tem nuances múltiplas e vertiginosas. Isso porque, de acordo com a pesquisadora, mais do que simplesmente ver sua imagem em um espelho, estar nos jornais é ser mostrado e refletido para milhares de leitores, é existir para uma série de indivíduos com os quais não se mantêm uma relação interpessoal. Como uma espécie de espe158 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros lho social, os jornais se apresentam cada vez mais como objeto de fascínio dos leitores. Estar em suas páginas é existir para o universo público como um fato, ou mais que isso, como um acontecimento. Ansiosas por se verem refletidas, as pessoas fazem dos jornais, e em especial das colunas jornalísticas, uma meta a ser atingida e inauguram um novo tipo de narcisismo, muito mais público, o fascínio da mídia. Ser notícia nos jornais diários passa a ser um referencial, algumas vezes até estratégico, de indivíduos e instituições, uma verdadeira tensão para milhares de pessoas. Esse “desejo” surge na medida em que as pessoas querem ver suas imagens refletidas e contemplar-se multiplicadas com o auxílio das rotativas. Aplicando os pressupostos das correntes da psicologia a essa situação, poderíamos dizer que, mais do que a busca da autocontemplação, através dos jornais os leitores anseiam por reconhecimento público, possibilitado na medida em que esses veículos estariam operando como elementos mediadores e orientadores do indivíduo moderno. Dessa forma, seria possível analisar a imprensa, e a sedução de seus conteúdos jornalísticos, como um novo fetiche moderno. Coutinho recorre a Sigmund Freud para delimitar a questão do “fascínio da mídia”. Este identificava no “mito fetichizado” quatro funções essenciais: mítica, cosmológica, sociológica e pedagógica. Guardadas as devidas diferenças, ao tentar transpor essas categorias para a análise das relações jornais-indivíduos no mundo moderno, poderíamos identificar as quatro operações no processo de leitura e agregação de valor ao produto jornal impresso. Além de inserir o indivíduo no campo da mitologia, ao oferecer a eterna noção de que há um desconhecimento diário que precisa ser sanado com a leitura, sempre, da próxima edição (função mitológica), os jornais apresentam e indicam aos indivíduos uma “visão de mundo” e acabam por cumprir a chamada função cosmológica. Por outro lado, como mecanismo de fornecimento do real, ou de seus índices, os jornais também legitimam e validam determinada ordem social e política vigente, levando a termo também a função sociológica. No momento em que legitimam determinados tipos de comportamento e/ou relação pessoal, quando fornecem modelos de conduta ou ainda ao desempenhar as chamadas funções formativas e/ou de conscientização junto aos leitores, os jornais estariam respondendo pela chamada função pedagógica. Dentro dos jornais, algumas seções se destacam na relação de fascínio e quase entrega dos leitores em referência ao veículo, ou melhor, ao que é veiculado nele. É o caso dos noticiários políticos e econômicos e especialmente das colunas. Registrando altos índices de leitura, e por isso mesmo afirmando-se como palco privilegiado para os indivíduos, as colunas acabam por fascinar e seduzir os leitores. Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores 159 O ano de 2000 data a aprovação de Coutinho para o Doutorado em Comunicação Social na Universidade Metodista de São Paulo, UMESP, orientada pela professora Sandra Reimão, com período sanduíche na Columbia University, sob orientação de James William Carey. A tese, que reflete a contínua preocupação da pesquisadora com os “modelos de conduta” observados anteriormente tem como título: “Dramaturgia do telejornalismo: a estrutura narrativa das notícias em televisão” e representa um dos mais importantes estudos da pesquisadora, publicado, posteriormente, em formato de livro pela Editora Mauad- X (Rio de Janeiro, 2012). Uma CPI da corrupção, irregularidades no judiciário, o afundamento de uma plataforma de petróleo. Estes e outros cenários e personagens estão inseridos na “Dramaturgia do telejornalismo”, título e conceito-chave da obra da pesquisadora. No livro, a autora aponta para uma estrutura narrativa característica do drama nas notícias televisivas, favorecida por uma tendência intrínseca ao veículo, à sua forma de ordenamento das informações: a serialidade. Tendo como conceito base a concepção de “drama” proposta por Aristóteles, a autora observa, demarca e anuncia, por meio da análise dos telejornais de rede e regionais, uma distribuição de “papéis” e consequente categorização de personagens em vilões, mocinhos e heróis estereotipados, cuja frequência vai além das obras ficcionais. De acordo com a pesquisa, na estruturação de notícias e reportagens ancoradas numa narrativa dramática, tanto em nível local quanto nacional, as ações se desenrolam na medida em que nos são dados a conhecer os personagens e ainda outros elementos daquela estória, tais como cenário, contextos, referências temporais. Tais fatores permitem observar fronteiras – se não demarcadas – ao menos próximas entre telejornalismo e show, com a conversão de tecnologia e tradição em estratégias comerciais ou editoriais que tentam posicionar cada edição no campo do “jornalismo”. Para Coutinho, embora diante das definições clássicas de jornalismo possa soar como heresia, não figura como algo forçoso o paralelo entre notícia e drama caracterizando uma “dramaturgia do telejornalismo brasileiro”. A convergência não apenas é possível como pode ser considerada um modelo hegemônico nos telenoticiários nacionais veiculados em rede, tanto os de caráter público quanto naqueles veiculados em televisões de âmbito privado. Em um primeiro momento a dramaturgia dos telejornais, no modelo veiculado em rede, foi evidenciada pela existência de conflito narrativo como característica central em todas as matérias veiculadas. Seria através desses conflitos, quase sempre ressaltados no texto dos apresentadores de cada programa, na chamada cabeça de locutor, que a(s) narrativa(s) do telejornal se 160 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros organizaria(m). A estruturação do noticiário televisivo em torno de problemas, ações e disputas guardaria semelhanças com o que classificamos como um drama cotidiano. A forma de contar uma história em nossos telejornais, especialmente o padrão ou roteiro para construção de uma matéria com texto, som e imagem, seria o segundo aspecto dessa dramaturgia, constatado por meio da análise de edições do Jornal Nacional e Jornal da Cultura e, posteriormente, por edições de telejornais locais da Zona da Mata de Minas Gerais. A identificação da existência de personagens no texto noticioso, de maneira latente ou manifesta, e ainda o papel representado por cada um deles na representação dos fatos foram investigados durante a pesquisa, tomando sempre como matriz os modelos e estereótipos comumente presentes em obras dramáticas, ficcionais. Assim, os conflitos que se desenvolveriam em tela teriam como elemento comum a busca de sua resolução, através das ações dos personagens da estória, da narrativa. É a partir deste conflito ou de uma intriga que se desenrolam as ações, na medida em que nos são dados a conhecer os personagens e ainda os outros elementos daquela estória, tais como cenário, contextos, referências temporais. Nos telejornais esse “marco inicial”, de apresentação inicial do conflito, ocorre no texto de abertura das matérias, interpretado pelos locutores-apresentadores como uma espécie de “convite” ao acompanhamento de cada VT ou matéria. Talvez por isso, no jargão profissional, esse elemento de composição do telejornal receba o nome de “chamada” ou “cabeça de apresentação”. As ações, os personagens e ainda a oferta de uma mensagem moral são também componentes essenciais de uma narrativa dramática, Podemos delimitar, sem medo, uma espécie de cast de “personagens” que são apresentados nas notícias televisivas. Aliás, é interessante a observação de Coutinho de que, essa nomenclatura se tornou comum mesmo no jargão profissional. Nos telejornais analisados durante a pesquisa percebemos que alguns papéis concentram a “atuação” dos personagens nos VT’s estudados, ofertando tipos mais frequentes: mocinhos, vilões e vítimas. Essa predominância tem, segundo Coutinho, estreitas ligações com o fato de que as narrativas trazem em si os registros ou conexões com a já tradicional luta Bem-Mal e, na medida do possível, utilizam-se da estória narrada para reforçar valores morais e de conduta. Para além dos personagens, a utilização exacerbada dos recursos audiovisuais como “sobe som” e “vinhetas” poderia ser considerada como a representação, ou imitação, do canto como elemento integrante desta “receita dramática”. Por sua vez, o tom emocional dos textos em geral, com destaque para aqueles lidos pelo apresentador e, sobretudo para seu encadeamento ou paginação da edição exibida, garantem o apelo do espetáculo, aqui noticioso. Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores 161 A preferência e/ou opção editorial por determinados temas para garantir o encadeamento do programa ao longo do tempo de exibição, bloco após bloco, permite classificarmos o produto telejornal como uma grande narrativa. Modelo e referência teórica fundamental neste trabalho, é precisamente a partir dessa perspectiva que a autora pretende compreender a narrativa. Para Coutinho, ela é vista “como uma construção textual que valoriza a estrutura e o elemento dramáticos” (2003, p.107). Nesse sentido, recusa-se a oposição simplista entre narrativa e drama, uma vez que a imitação da ação também se constrói essencialmente por meio da representação convertida em um texto. No caso da televisão e do telejornalismo, observaremos os textos e construções narrativas presentes na imagem, nas falas de repórteres e entrevistados, nas músicas e nos encadeamentos de todos esses elementos por meio da edição. Sem deixar de lado a preocupação com a contextualização histórica de cada conceito trabalhado, Coutinho elucida que a finalidade principal da narrativa, concebida desde o princípio como forma de ensinamento presente em fábulas, dramas e parábolas é trazer uma lição de moral, um exemplo de vida, uma avaliação. Para que a lição se efetive, a narrativa – também no telejornal – se organiza através da criação de uma expectativa, seguida pelo surgimento ou explicitação de um conflito, tentativas de solução do problema e desfecho, positivo ou negativo. Os chamados percursos narrativos seriam organizados a partir das ações de um personagem com um objetivo a cumprir, meta a alcançar. Iluska Coutinho ressalta que existem modelos narrativos utilizados no encadeamento da história no telejornal. O primeiro está relacionado com a narrativa clássica de um drama, oferecendo ao telespectador a apresentação, o conflito e seu desenvolvimento, com uma tentativa de solução do mesmo, seu desfecho. O segundo modelo está mais relacionado com o jornalismo de boas notícias, com a celebração de acontecimentos vitoriosos. Seja numa proposta de catarse, de apologia à angústia ou de celebração, em alguns momentos o telejornalismo, nesta perspectiva, estaria na fronteira entre informação e entretenimento, numa tensão constante entre o bem e o mal a cada edição. O conceito de verdade e sua utilização no jornalismo também norteiam as reflexões de Coutinho, dando origem a artigos e capítulos em livros. Um dos problemas centrais na filosofia, tanto no ramo da gnoseologia quanto no que se refere aos aspectos epistemológicos, a questão da verdade é também, para a jornalista, um dos pontos centrais de definição da qualidade e/ou validade do trabalho de jornalistas. Ao enveredar-se pelos caminhos da “verdade”, como no capítulo “A verdade tecida nas narrativas do telejornalismo” (do livro “Comunicação: redes, jornalismo, estética e memória”, Mauad-X, 2013), Coutinho reflete sobre o conceito a partir de suas raízes filosóficas, com especial atenção 162 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros para seu significado nas línguas originárias, para relacioná-lo à sua forma de utilização no processo de produção da notícia. A própria noção de notícia nos oferece pistas relevantes para o estudo do valor Verdade no jornalismo. A notícia é comumente definida “o relato, não o fato” (LUSTOSA, 1996, p.17). Assim poderíamos partir do princípio que o conteúdo oferecido pelo jornal em suas páginas não seria a “verdade absoluta”, em um paralelo com o conceito filosófico, mas a expressão da verdade, um relato verdadeiro de uma situação delimitada. Uma vez que como produto as matérias jornalísticas se referem a fatos isolados, muitas vezes descontextualizados, segundo críticas frequentes, elas se afastariam da verdade filosófica, que não aceita visões atômicas. Em direção contrária do conceito discutido anteriormente, as pautas jornalísticas delimitam e recortam a realidade a ser enunciada. Para além dos problemas decorrentes do “fracionamento” do mundo nas páginas de jornal, há ainda a questão da interpretação. Afinal, como nos lembra Hilton Japiassu, “os fatos não falam” (JAPIASSU, 1994, p.09). Assim, o que vemos impresso nos jornais não é a voz dos fatos, mas de pessoas que participaram deles ou ainda que foram espectadoras dos acontecimentos, também uma categoria carregada de julgamentos e intencionalidades. Apesar da defesa apaixonada por alguns, especialmente aqueles imersos na realidade profissional, da imparcialidade e/ou da objetividade da informação jornalística, há muito estas duas categorias assumem um outro papel na análise do produto oferecido pelos jornalistas. Assim, ao considerar a verdade jornalística como representação da realidade, estamos estabelecendo uma interpretação, aplicada ao fazer profissional, das categorias filosóficas. E, nestes casos, é importante ressaltar os riscos inerentes de transformação do “desvelamento” em uma distorção dos fatos, especialmente quando, no ritmo industrial de produção das notícias, há problemas na apuração das informações. Como proposta de se constituir em expressão da verdade, o Jornalismo tenta apagar as marcas do enunciador, de sua produção, numa estratégia que traria legitimidade e credibilidade ao discurso jornalístico. Assim, ele é apresentado aos leitores como o relato de uma verdade pragmática e factual, possível de comprovação. Como discurso que se insere na dimensão pragmática, que ganha forma enquanto linguagem e se concretiza no ato da leitura, realiza o acontecimento do fato no instante de sua apreensão. Desta forma se concretiza o dito popular: “o que importa não é o fato e sim a versão”. O estudo de diferentes “versões” dos fatos aparece, nas pesquisas de Coutinho, com o privilégio pelo jornalismo de televisão. O telejornalismo é a palavra-chave presente na quase totalidade de suas análises, tecidas não apenas a duas mãos como também em conjunto com jornalistas com muitos anos acumulados Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores 163 de experiência e prática em jornalismo de TV no Brasil e no mundo, como Alfredo Vizeu, Flávio Porcello, João Carlos Correia, dentre outros. Para além dos pesquisadores com vasta experiência de “navegação”, timoneiros pelos mares da pesquisa em televisão nas academias e no mercado, cumpre ressaltar o generoso espaço divido por Coutinho com jovens pesquisadores de graduação e pós-graduação, em projetos de pesquisa, ensino e extensão, com foco comum na reflexão crítica que precisa ser adotada em relação ao jornalismo de televisão e nas narrativas, sons e silêncios que a TV adota. Merecem destaque, neste panorama, as obras “A sociedade do telejornalismo” (Vozes, 2008), “O Brasil (é)ditado” (Insular, 2012), “40 anos de telejornalismo em rede nacional: olhares críticos” (Insular, 2009) e “60 anos de telejornalismo no Brasil: história, análise e crítica” (Insular, 2010). Neste último livro, além de organizadora Iluska Coutinho lança, em parceria com Jhonatan Mata, seu olhar sobre a cidadania audiovisual e a natureza pública dos telejornais. O artigo “Dos personagens à incorporação do público: uma análise sobre o lugar do cidadão no telejornalismo”. Para além das discussões sobre o caráter público dos telejornais, nesse texto buscou-se compreender como o público tem sido construído ao longo dos estudos da Comunicação, e relacionar essas reflexões sobre o(s) interlocutor(es) do telejornalismo em particular. Longe da pretensão de realizar um levantamento intensivo, que busque dar conta da totalidade de concepções acerca do tema, a proposta é dialogar com os olhares de alguns autores sobre o público e a audiência, a partir de nosso ângulo preferencial de análise: os processos de comunicação via telejornalismo. Jean-Pierre Esquenazi avalia que o caráter instável do conceito de público teria levado alguns pesquisadores a optar pela expressão sociologia da recepção, que ele considera menos ambígua. Por avaliar que essa caracterização é insuficiente, o autor propõe que sigamos a pista dos públicos: “as comunidades provisórias que os formam, a diversidade das respectivas reações e identidades é, no fundo, o que procuramos conhecer” (ESQUENAZI, 2006, p. 6). Ao tentar traçar uma sociologia dos públicos o autor evidencia o que qualifica como uma relação de dependência entre as escolhas teóricas dos pesquisadores e sua definição de públicos. Na perspectiva desta reflexão há um interesse particular por aquelas concepções que de acordo com Esquenazi definiriam o público a partir das interações sociais, em nosso caso especialmente a que se estabeleceria entre telejornalismo e seus espectadores, os cidadãos. Esse grupo de estudos, de viés construcionista, teria como característica comum principal o entendimento dos aspectos contextuais e culturais do ato de recepção. É o caso da proposta de Verón de compreensão das gramáticas de produção e também de reconhecimento midiáticos. 164 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros O autor propõe que avaliemos na contemporaneidade a adequação de termos como receptores, públicos, audiências. Segundo ele esses conceitos, assim como as formas de medição/compreensão dos públicos, estariam em crise também entre os responsáveis pela produção midiática, de um telejornal, por exemplo. Uma das razões para essa “desorientação” poderia ser a crise na aceitação da janela como metáfora da televisão “de grande público”. Se nesse modelo de TV/público o mundo era exibido a partir de uma localização nacional, tendo o Estado-Nação como centro da narrativa, e de sua interpretação, viveríamos um momento em que sob o ponto de vista da produção, essa centralidade corresponde à “[...] uma configuração complexa de coletivos definidos como exteriores à instituição televisão, mas atribuídos ao mundo não midiatizado do destinatário” (VERÓN, 2009, p. 17). Na avaliação do autor não haveria mais clareza quanto à “forma de entrada” no universo dos leitores e das audiências, que anteriormente tinha como padrão o perfil socioeconômico-demográfico. Essas variáveis de caráter objetivo acabavam por serem interpretadas e garantir uma espécie de imagem ou impressão prévia acerca do seu papel no processo comunicativo, entendido como prática cultural. Para o autor as lógicas do vínculo social não se fazem mais a partir das estratégias ou locais convencionais. Nessa perspectiva a proposta de Vera França e Roberto Almeida, retomada por Coutinho, de relacionar os acontecimentos, jornalísticos em particular, e a constituição de um público parece ser particularmente proveitosa a partir de sua articulação pelo conceito de experiência. Ao entender o acontecimento como uma forma de acionamento de quadros de sentido, e interpretação da realidade, os autores defendem que a veiculação das notícias, entendidas como (narração do) acontecimento materializado em um telejornal, por exemplo, convocaria os indivíduos a se posicionarem sobre a temática, e a partir dela no mundo. Seria ao experimentar coletivamente um fenômeno, no caso dos telejornais o (re)conhecimento do que seria relevante na cidade ou nação, que se constituiriam os públicos. A compreensão da audiência ou do público de um telejornal implicaria uma percepção também compartilhada, de informações, atitudes e emoções que seriam resultantes ou não da publicização de determinadas narrativas. A partir da contribuição de Quere ou autores propõem que se considere o público em agente e paciente das experiências, narradas pelos telejornais no caso de nossa reflexão. Essa compreensão reforça as avaliações de Esquenazi e Hartley, entre outros autores, acerca da dificuldade e imprevisibilidade dos públicos. E, se na sociologia dos emissores, como também se refere aos estudos de newsmaking, haveria o estabelecimento de padrões e/ou critérios para ordenar ao menos aparentemente, a imprevisibilidade envolvida nos processos de produção da noIluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores 165 tícia, os envolvidos com a produção de televisão “imaginam públicos para os quais se dirigem emissões que são vendidas aos anunciantes” (HARTLEY apud ESQUENAZI, 2006, p.77). Além disso, ao assistir os telejornais, foco de nossa reflexão, cada membro do público se saberia parte de uma “multidão invisível”, ou de uma “comunidade imaginada”. De forma mais específica no que se refere aos estudos do telejornalismo, é importante recuperar a hipótese da audiência presumida, tal como formulada por Alfredo Vizeu (2005). Segundo a tese do autor, as imagens que os jornalistas constroem da audiência vão orientar todo o processo de construção da notícia, incluindo as operações de seleção, narração e edição, resultando em produtos finais que são socialmente (re)conhecidos como as notícias de um telejornal, ou “o que de mais importante aconteceu no Brasil e no mundo”, para usar a expressão já padrão do editor chefe do Jornal Nacional, William Bonner. A partir da contribuição de Tönnies (2006, p. 86), que estabelece como pré-condição para a formação do público, a existência de um vínculo de confiança, estima e respeito, entre veículo (telejornal) e receptor (telespectadores, no caso de nossa análise), interessa-nos compreender as estratégias utilizadas no telejornalismo para garantir essa relação de pertencimento mútuo. Nossa hipótese é que o telejornal “simularia” ao narrar/construir o mundo uma espécie de diálogo com o público, por quem desejaria ser aceito. A partir das discussões acerca do público, e de sua relação com os telejornais, e da proposta de refletir vínculos estabelecidos entre (tele)jornalistas e sua audiência, apresenta-se, nesse texto as evidências do que poderia ser entendido como a incorporação do telespectador, das vozes dos cidadãos na narrativa telejornalística. Para isso dois componentes da dramaturgia mereceram destaque na análise realizada: os personagens e a lição moral oferecida. Os dados foram construídos em diálogo com as promessas da televisão (JOST, 2004), e do telejornalismo em particular. Tanto no telejornalismo local quanto no veiculado em rede nacional de televisão, o grupo mais numeroso entre os falantes dos telejornais é o de cidadãos comuns, identificados nesse texto pela expressão “populares”, embora em um tempo reduzido de cidadania midiática. A diferença fundamental percebida entre os programas que tratam da cidade/região e da nação diz respeito ao papel que cabe ao público na edição dos telejornais. Se nos telejornais locais a população assume um papel mais ativo, de protagonismo nas histórias tecidas audiovisualmente, e por vezes utiliza-se de emissoras de TV para reivindicar seus direitos, há nos telejornais de rede uma espécie de despolitização das vozes. Assim, se em nível local há um público mais participativo, nacionalmente o cidadão que emerge oferece quase sempre um relato emocionado, a partir de 166 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros sua experiência de vida, que na maioria das vezes legitima o discurso proferido por repórteres e apresentadores. Apesar de seguirem o mesmo modelo narrativo, a escalação dos papéis que cabem aos cidadãos é diferenciada nos telejornais locais e naqueles veiculados em rede nacional. Nos primeiros os telespectadores assumem em geral papéis positivos; são mocinhos e heróis que por meio de suas experiências bem sucedidas ajudam a construir a(s) identidade(s) local(is) e, muitas vezes, a da própria emissora. Ainda que nos limites de certa forma padronizados na edição telejornalística, os telespectadores inseridos nas narrativas televisivas são cidadãos ativos. Além disso, é muitas vezes por meio de seus depoimentos, das vozes dos populares incorporadas ao telejornal que são oferecidas as lições morais ao final das matérias veiculadas. Dessa forma as emissoras locais acabam por reforçar uma relação de parceria, e proximidade com seu público, que poderia ter “um telejornal para chamar de seu”. A preocupação de Coutinho com as audiências e suas identidades permanece na organização do livro “O Brasil (é)ditado” (Insular, 2012), que inaugura a Coleção Jornalismo Audiovisual. A ideia da coleção surgiu em encontros científicos que reuniram em 2012 os integrantes da Rede Nacional de Pesquisadores em Telejornalismo da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). Ao analisar o “espaço público telejornalístico”, a autora salienta que na esfera pública midiatizada a disputa passa a ser por visibilidade, possibilidade de presença ainda que simbólica. Nessa perspectiva, o consenso não seria resultado de debates ou argumentações características da esfera pública burguesa, mas seria “fabricado”, ou narrado, especialmente pela televisão e, nela, pelos telejornais. Em referência ao título do livro, o Brasil (é)ditado especialmente nas edições dos telejornais, e por meio delas se reconhece. Dessa forma, ao colocar em cena determinados temas e/ou atores de determinada sociedade os telejornais acionam uma esfera pública mediatizada. Coutinho salienta que nesse elogio do grande público, tal qual postula Dominique Wolton ao definir as relações entre público e TV, há sempre duas dimensões em cena: técnica e social. Por meio das duas dimensões constitutivas da televisão, técnica e social e/ ou da esfera pública midiatizada, individual e coletiva, seriam tecidos os laços entre o telejornal e audiência. Uma espécie de laço social tecido a distância, da institucionalização de uma maneira possível, acreditada, de narrar o mundo, o noticiário de TV também construiria seus públicos. Nesse sentido, o público telejornalístico poderia ser entendido como o conjunto de destinatários das mensagens veiculadas a cada edição. Mais que isso, ao se expor aos telejornais, os espectadores se reuniriam em esferas públicas comunicacionais que tencionariam, ainda que potencialmente, a relação emissoras-público. Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores 167 De acordo com esse entendimento, o público dos telejornais seria produzido pelas imagens e textos veiculados pelos meios de comunicação. Princípio orientador da produção dos noticiários seriam os cidadãos, convertidos em audiência, que os legitimariam constituindo a circulação de seus discursos, matérias, promessas em uma forma de vontade social. Essas estratégias de aproximação se evidenciam também nas dimensões técnicas ou estéticas dos telejornais, em seus cenários, por exemplo. Índice desse momento seria a retirada da bancada como elemento cênico e estruturante da cena nos telejornais. Sem interposição das bancadas entre o público e os apresentadores dos telejornais, a convocação seria reforçada, como uma espécie de convite enunciado a cada edição. Tais constatações nascem nas pesquisas compartilhadas por Coutinho com a pesquisadora Renata Vargas, no grupo de pesquisa Jornalismo, Imagem e Representação, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ao pensar numa efetiva incorporação do público nos noticiários televisivos, Iluska Coutinho coloca que, inicialmente, é possível perceber tendências nessa direção, a partir do estímulo ao envio de pautas, imagens, por meio da criação de perfis para programas jornalísticos e apresentadores nas redes sociais. Nesse caso a rede mundial de computadores poderia ser considerada uma extensão potencial dos telejornais, livres dos limites de tempo de veiculação e da disputa por simultaneidade, e mais que isso por uma possibilidade de ausculta das reações do público, registradas em pageviews, comentários, compartilhamentos e (re)edições ou (re)apropriações postadas em canais de vídeo online gratuitos. Nas observações da autora, essa estratégia de aproximação entre o telejornal e seu público ocorreria em duas instâncias ou direções: a dessacralização do fazer profissional, por meio do maior domínio das técnicas de gravação e edição de vídeos pelo cidadão comum, e por outro, até em função do tensionamento resultante do primeiro aspecto, uma maior abertura de espaço ou inserção popular. Coutinho percebe nos últimos anos um maior investimento nas matérias televisivas quanto à utilização do povo fala, que projetaria o cidadão comum na trama, ainda que em termos quantitativos no que se refere à ampliação de seu tempo de fala. Desse modo, nos telejornais locais o vínculo seria mais territorial, com proximidade real em relação aos temas e conflitos noticiados. Do outro lado, os noticiários nacionais trazem o público inserido a partir de laços mais afetivos e mesmo virtuais. A análise desses laços afetivos e/ou territoriais entre a televisão e seu(s) público(s) ganha nova perspectiva a partir de 2010, quando Coutinho se propõe a estudar o jornalismo nas emissoras públicas de TV, por meio do projeto “Avaliação do Telejornalismo na TV Brasil – Monitoramento do cumprimento dos direitos à comunicação e à informação”. 168 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Constituída em dezembro de 2007 a TV Brasil, primeira emissora pública de TV em nosso país, apresentou em sua carta de princípios a busca por oferecer ao telespectador uma programação diferenciada, de forma a complementar e ampliar a oferta de conteúdos, jornalísticos inclusive, representava também uma possibilidade, ou ao menos promessa, da realização de um novo modelo de telejornalismo. Como evidência de seu compromisso com o direito à informação, a TV Brasil teria priorizado desde o início a produção de dois telejornais diários, que seriam pautados pela difusão de notícias de interesse público, com observação das premissas de isenção e de pluralidade de opiniões como garantia de qualidade. O projeto de avaliação propõe-se a monitorar a efetivação desse compromisso nas edições dos telejornais da emissora. Em outras palavras, busca-se por meio do acompanhamento sistemático da produção veiculada pela emissora, avaliar em que níveis e com qual grau de qualidade interesse público e os direitos à Comunicação são de fato incorporados no telejornalismo da TV Brasil. Na função atual de Membro da Diretoria da INTERCOM (Diretora Regional Sudeste) e Diretora Editorial da SBPJor e coordenando o projeto “O telejornalismo nas emissoras públicas brasileiras: TV Brasil e Rede Minas”, financiado pelo CNPq, Iluska tem papel destacado na gestão das pesquisas em Comunicação no país. Merecem destaque ainda suas atividades em diversos grupos de Pesquisa, na Faculdade de Comunicação da UFJF (com foco no ensino e pesquisa do jornalismo), nas orientações de iniciação cientifica, especializações e de Mestrado, tendo sido coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, de 2010 a 2013. Em suas aulas, é nítida a preocupação com a leitura crítica dos meios, bem como as múltiplas relações entre teorias e práticas do jornalismo, com atenção especial para a produção de notícias e reportagens de qualidade. A pesquisadora se propõe atualmente a monitorar, em conjunto com o grupo de pesquisa da UFJF, a efetivação do jornalismo público nas edições dos telejornais da TV Brasil e da Rede Minas. Além do acompanhamento sistemático da produção veiculada pelas duas emissoras, pretende-se avaliar em que níveis e com qual grau de qualidade interesse público e os direitos à Comunicação são de fato incorporados nos produtos de telejornalismo que são objeto da investigação, e assim contribuir para o desenvolvimento de uma epistemologia do telejornalismo público brasileiro, conforme se discrimina no projeto. Por meio da realização de pesquisas de recepção e do desenvolvimento acadêmico e teste junto a telespectadores juizforanos o projeto ainda pretende contribuir para a narrativa audiovisual contemporânea ao ofertar eventuais novos modelos e formatos a partir dos resultados de investigação e experimentação. Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores 169 As reflexões estabelecidas neste projeto e também no projeto anterior deram origem ao livro mais recente organizado por Coutinho, cujo título é “A informação na TV pública” (Insular, 2013). Fruto de uma pesquisa de mais de três anos, a obra é uma produção conjunta entre pesquisadores parceiros e vinculados ao Grupo de Pesquisa “Jornalismo, Imagem e Representação” da Universidade Federal de Juiz de Fora. A publicação apresenta os resultados de uma pesquisa, iniciada em 2010, a partir de uma demanda, e diálogo, com o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Era necessário contar com olhares, da sociedade e de pesquisadores, para avaliar o telejornalismo da TV Brasil. A pesquisa teve continuidade em 2011 com o apoio do CNPq (edital Universal). Coutinho alerta que, embora as emissoras de televisão no Brasil sejam majoritariamente de exploração comercial, é certo que os noticiários de televisão cumprem uma função pública fundamental no que diz respeito ao direito à informação, e mesmo processo de (auto)reconhecimento de seus telespectadores como brasileiros. Aqui a televisão também se constitui em um importante instrumento de informação, de acesso ao mundo por meio de seus sons, textos e imagens exibidas na tela. Essa é a premissa fundamental, quase crença, do telejornalismo, gênero televisivo que pertence à categoria Informação, e de muitos que têm esse tipo de programa como sua principal forma de orientação no mundo. A jornalista recorre a Eugênio Bucci ao defender que a televisão, mais que um veículo, atuaria como uma ideologia capaz de integrar diferentes expectativas, desejos, e ainda aliviar tensões em um imaginário nacionalmente construído. A importância da TV como meio de informação se tornaria ainda maior no Brasil em função dos altos índices de analfabetismo e subdesenvolvimento, sendo sua influência maior em situações de pobreza, econômica e cultural. Seria a TV, segundo o autor, e nesta os telejornais, que definiriam no Brasil os limites do espaço público, entendido nesses termos não como uma esfera argumentativa, tal como na conceituação habermasiana, mas como um espaço de visibilidade. Dessa forma, a constituição em 2007 de uma emissora pública de televisão no Brasil acenaria com a possibilidade, ou promessa de rompimento desse modelo de exploração comercial e busca exclusiva pela audiência. Isso porque, na medida em que não estaria condicionado pela busca por audiência, o telejornalismo na TV pública poderia investir em formatos e conteúdos diferenciados, eventualmente funcionando como uma espécie de padrão de qualidade na oferta de informação jornalística aprofundada na mídia televisiva. Para Coutinho, o setor de radiodifusão funciona para a maior parte da sociedade como uma caixa-preta, cujo entendimento é impossível de decodificação, 170 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros já que poucos têm a senha de acesso e um número ainda menor é capaz de traduzir o código cifrado. Esse tipo de zona de sombras contrasta com os esforços do Estado brasileiro em promover o debate público das questões de Governo, e de uma série de decisões políticas como a que determinou a criação do Portal da Transparência, em 2004, e, mais recentemente, a instituição da Lei de Acesso à Informação, de 2012. Essas estratégias têm disponibilizado para o cidadão comum dados que possibilitam acompanhar e fiscalizar as ações dos órgãos públicos, empoderando de fato a sociedade civil, que tem assim acesso direto a informações estratégicas sobre o uso dos recursos públicos. No campo da radiodifusão contudo, ainda que este se constitua em um serviço público por excelência, persiste um campo pouco (re)conhecido pelos cidadãos, o que talvez possa ser explicado pelo histórico de operação de canais de rádio e TV pela iniciativa privada. Certo é que, apesar de a Constituição brasileira ter um capítulo sobre Comunicação social e garantir o direito à livre expressão e à comunicação, observa-se que, de fato, ainda é pouco o que se tem realizado no sentido de possibilitar uma maior democratização da produção de conteúdos na televisão do país. Diversos autores e ativistas do campo da democratização das comunicações no Brasil têm debatido e buscado salientar as características diferenciais de um canal efetivamente público de Comunicação. Apesar disso, há ainda a ausência de lastro de significado para o que seria uma TV pública no país, onde ela é comumente entendida como sinônimo de TV estatal, em função até da forma tradicional de operação das emissoras educativas. Ao contrário dessa concepção, para Coutinho uma emissora pública de televisão tem como uma de suas características paradigmáticas a independência, tanto do governo, o que a diferenciaria dos canais estatais, quanto do chamado mercado, em relação de alteridade com as TVs de exploração comercial. Além disso, a TV Brasil (na verdade a EBC) conta, tal como nas emissoras públicas americana e britânica, PBS e BBC, respectivamente, com um conselho curador, responsável por zelar pela qualidade da programação da emissora e ainda por aprovar a implantação de novos projetos e a prestação de contas da emissora. Para auxiliar o Conselho Curador no trabalho de acompanhamento da programação da TV Brasil foram realizados ao longo de 2010 convênios com instituições públicas de ensino e pesquisa. O trabalho de acompanhamento e análise da produção jornalística da TV pública coube à Universidade Federal de Juiz de Fora, em projeto iniciado em junho de 2010 e coordenado por Iluska Coutinho. Nas palavras de Coutinho, a implantação de uma emissora de TV pública se constituiu em uma alternativa concreta para a prática de um jornalismo orientaIluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores 171 do pelo exercício dos direitos à informação e comunicação por telespectadores. Em linhas gerais, foram esses os contornos que delinearam os projetos, ao longo dos quais foram construídos procedimentos e parâmetros para a avaliação do que se estabelece como Telejornalismo Público. Isso porque, se com a TV Brasil se inaugurava no país a oferta de televisão efetivamente pública, tornou-se importante ao longo desse processo de monitoramento e análise, elaborar instrumentos e balizas de qualidade. Compreendendo que o jornalismo em emissoras públicas deveria estar orientado de forma genuína pelos princípios de estímulo à educação e cidadania, buscou-se aferir por meio da observação e análise sistemática de seus programas telejornalísticos em que níveis e com qual grau de qualidade o interesse público e os direitos à Comunicação estavam, de fato, incorporados ao telejornalismo da emissora pública brasileira. O desapego às amarras do esquema da distinção “forma-conteúdo” do telejornalismo “comercial”, a oferta de conteúdos voltados para as diferentes comunidades e a promoção de melhor compreensão da realidade e a representação dos cidadãos nas reportagens são as premissas seguidas atualmente para Coutinho ao analisar o Telejornalismo Público. A este caberia o papel de “explicar profundamente a sociedade”, sua política, seus interesses e sua pluralidade de opiniões. A questão da diferença é tema frequente em Coutinho, configurando-se como aspecto que deveria caracterizar o telejornalismo público. Especialmente no que se refere ao público, os “cenários de projeção identitária” deveriam ser construídos em relação de alteridade com o modelo veiculado nas emissoras comerciais, com espaços para efetiva participação do espectador nas produções. Dentre os parâmetros de qualidade na TV Brasil, Iluska Coutinho elenca a incorporação de temáticas e agendas não representadas na mídia comercial, a polifonia de vozes na narrativa, o tempo dedicado a cada temática nas edições. Os estudos acerca da pluralidade de vozes que aparecem nos telejornais da TV Brasil partiram de pressupostos teóricos de análise dramatúrgica na construção do discurso jornalístico do telejornalismo brasileiro. A aparição de vozes variadas na elaboração e veiculação das notícias, o volume com o qual elas aparecem e o papel desempenhado por elas nesta construção são relevantes quando se traz à tona a relação estabelecida entre os telejornais e os espectadores. Em um momento histórico que teria como marcas o hibridismo e a multiplicidade de identidades, focos de estudo de Coutinho, um dos grandes desafios da televisão e, sobretudo do telejornalismo, seria investir na preservação de traços e alianças locais e nacionais, processo que sofre tensionamentos por ocorrer em um mundo no qual a globalização é fenômeno indiscutível. Nesse processo, diferentes enunciadores, por meio de narrativas audiovisuais, tentam reconstruir o tempo-espaço das cidades e do país. 172 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Rejeitando em seus estudos a sedutora proposta da “crítica pela crítica” da televisão e de seus repertórios metodológicos – que em muito contribuíram para o estabelecimento de novos olhares sobre a televisão – é relevante elucidar o enquadramento privilegiado nas reflexões de Iluska Coutinho. Seu olhar atento e generoso se volta com atenção especial para as narrativas audiovisuais que a televisão efetivamente produz em direção a evocar/simular a inserção do público. Seriam essas narrativas audiovisuais que os espectadores assistiriam e experimentariam, projetando identidades e representações do “povo na TV”, sempre com diferentes mediações (técnicas, políticas, estéticas...) nas mais de seis décadas de presença da televisão no Brasil e, especificamente, nas mais de duas décadas de pesquisas de Coutinho. A preocupação com o “brasileiro” veiculada pela “TV Brasil” é um importante eixo de estruturação proposto pelo atual modelo de análise da professora, que defende que, ao atuar como forma de ordenamento do mundo social e de reconhecimento pelos indivíduos na sociedade brasileira, os telejornais deveriam abrir espaço para uma sorte maior de representação de diferentes grupos identitários. Neste contexto, as minorias não deveriam figurar apenas em pautas específicas, nas na cobertura cotidiana, deixando de lado o (pré)domínio de uma identidade padrão, sobretudo num país “miscigenado” – étnica e discursivamente. Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores 173 Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico Paulo Vitor Giraldi Pires1 “Sou uma aprendiz. Toda minha experiência pode ser sintetizada em um conjunto de palavras: paixão pelo que faço!” 2 9º CAPÍTULO Maria Cristina Gobbi é paulistana de berço, com um coração plural e espírito jovem. Nascida em 7 de setembro de 1959, integra a geração de cientistas da comunicação que protagonizam o ‘grito de independência’ pelo desenvolvimento e consolidação do pensamento comunicacional na América Latina. É uma matemática nas aventuras da comunicação. Uma mulher midiática, interconectada, online para a vida. 1. É Jornalista diplomado, Mestre em Comunicação Midiática (FAAC UNESP/Bauru) e Especialista em Linguística e Educação (UNICID). Atua como Analista de Comunicação da Assessoria de Imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). É docente da Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Estácio de Sá – Faculdade de Ciências Sociais e Tecnológicas (FACITEC), em Brasília (DF). Colabora com o Grupo de Estudos e Reflexão da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação. Membro dos Grupos de Pesquisa Pensamento Comunicacional Latino-Americano e Comunicação Digital e Interfaces Culturais na América do CNPq. Desenvolve pesquisa em Mídias, Religião e Políticas de Comunicação e Cultura. Aluno do Doutorado em Comunicação da Universidade de Brasília (UNB). E-mail: [email protected] 2. Entrevista concedida por GOBBI, Maria Cristina. Entrevista I. [abr. 2011]. Entrevistadores: Paulo Vitor Giraldi Pires e Allexandre Silva. Bauru, 2011. 174 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Este breve perfil de seu itinerário acadêmico introduz ao pensamento comunicacional crítico e amplo da pesquisadora. Na academia, Gobbi, como é conhecida entre os colegas, se destaca por sua capacidade de intercâmbio entre as ciências exatas e sociais aplicadas e por propor o olhar multidisciplinar na investigação dos objetos de estudos que contemplam os cenários Latino-Americanos da pesquisa em Comunicação. É bacharel em matemática com ênfase em Processamento de Dados, com certificação obtida em 1985, pelo Centro Universitário Fundação Santo André. Dedicou mais de 20 anos à logística, à estatística, aos computadores e à cátedra da informática. Na década de 1990, já acumulava várias atividades profissionais como o ensino da matemática. Teve que deixar as aulas para acompanhar o crescimento dos filhos. Nesta época, montou sua própria empresa de assessoria na área de processamento de dados, na qual atendia grandes clientes. Em 1997, voltou a lecionar e nunca mais parou. A experiência com os números e a lógica possibilitam, hoje, sua interação e diálogo na pesquisa com as mídias e as tecnologias digitais, criando uma linha de compreensão do processo comunicacional por meio da matemática. Milita nos estudos direcionados a análise do desenvolvimento dos setores midiáticos e diversificados espaços de produção na América Latina. Percorre um caminho híbrido, árido e ao mesmo tempo de muitas possibilidades existentes entre a comunicação digital, interfaces culturais e cidadania. O despertar para as ciências sociais veio acompanhado da percepção de ampliar o cenário de sua vida profissional além do universo das máquinas. Uma breve especialização em informática levou a professora a buscar o mestrado. Não encontrando em sua área de formação e, motivada por uma amiga, decidiu cursar a Pós-Graduação em Comunicação. O desafio estava lançado! A partir daí, um novo tempo começa a florescer na trajetória de Maria Cristina que entrava de cabeça nas aventuras dos estudos comunicacionais. Como ela mesma retrata, surge então o desafio de “levar para a lógica matemática o humanismo da comunicação e vice-versa”. Eis que o destino cruza o seu caminho com o do professor José Marques de Melo, personagem importante que apostou nos potenciais da pesquisadora. Em contato com os estudos teóricos comunicacionais realizados na América Latina, mudou de foco e postura. Orientada por Marques de Melo, obteve o título de Mestre em Comunicação Social, em 1999, com a pesquisa “Na trilha juvenil da mídia impressa: identificação, perfil e análise dos suplementos para jovens veiculados nos jornais diários do Brasil”. Caminhos cruzados. Nascia aí uma parceria frutífera e amizade verdadeira. São resultados de mais quinze anos de trabalho. O pensamento ágil e dinâmico de Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico 175 Cristina somado aos talentos e inovação do comunicador Marques de Melo resultaram até agora em 17 livros que difundem e ampliam o Pensamento Comunicacional Latino-Americano. Diversas iniciativas em prol da pesquisa em comunicação no Brasil trazem o contributo desses dois ícones da academia. Podem ser considerados “empreendedores da comunicação” pelo determinismo na difusão do Colóquio Internacional sobre a Escola Latino-americana de Comunicação (CELACOM), criado em 1997. São anos de estudos ininterruptos dedicados a Cátedra UNESCO para a fundamentação teórico-prática da Escola Latino-Americana de Comunicação (ELACOM). Ao mesmo tempo em que cada um constrói seu próprio percurso científico, eles se encontram pelo caminho. Gobbi possui grande admiração pela militância de Marques de Melo. Em 2001, ela foi responsável por escrever a primeira biografia do professor intitulada “Grandes nomes da comunicação: a trajetória comunicacional de José Marques de Melo”. Outras obras foram publicadas, posteriormente, nas quais a autora resgata e organiza o potencial crítico de seu orientador e amigo. Foi coordenadora do Acervo do Pensamento Comunicacional Latino-Americano “José Marques de Melo” e do Portal Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação. O empenho e a criatividade dessas duas gerações de pesquisadores da comunicação, incentivadas por Marques de Melo, são responsáveis por documentar e historiar os caminhos da pesquisa, seus personagens e pensadores no cenário latino. Outro desafio estava lançado a Maria Cristina pelo professor JMM: cursar o doutorado. Desafio aceito! O doutoramento obtido por Gobbi, em 2002, trouxe valiosa contribuição à área, no qual desenvolveu um estudo intitulado “Escola Latino-Americana de Comunicação: o legado dos pioneiros”. Este feito deu a ela oportunidade de projeção internacional como pesquisadora, sendo considerada sua obra, referência para a pesquisa em comunicação na América Latina. A ousadia e perspicácia da pesquisadora a conduziram ao pós-doutorado, concluído em 2008, no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina 176 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros da Universidade de São Paulo/PROLAM-USP, que resultou no livro “A batalha pela hegemonia comunicacional na América Latina: 30 anos de Alaic”. Foi orientada pela renomada professora Margarida Kunsch, livre-docente na ECA-USP. Trajetória promissora Com uma trajetória acadêmica bem jovem, já assumiu importantes funções. Atuou por doze anos como professora titular da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), ministrando disciplinas de graduação e pós-graduação em comunicação. Também lecionou em entidades como a Faculdade Editora Nacional (FAEC), Centro Universitário Alcântara Machado (UNIFIAM), Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC), Universidade de Sorocaba (UNISO), entre outras. Desde 2009, coordena o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação, realizado anualmente pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM). No período de 2008 a 2011, foi diretora-suplente da Cátedra UNESCO-UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, coordenadora dos Projetos Experimentais. Durante oito anos, editou o “Jornal Brasileiro de Ciências da Comunicação – JBCC”, uma de suas atribuições no trabalho que exerceu na Cátedra UNESCO, por onze anos. Além do trabalho à frente do JBCC, Gobbi atuou em outros meios de comunicação como a Revista Imprensa, o Jornal da Rede Alfredo de Carvalho e a Revista Acadêmica do Grupo Comunicacional de São Bernardo do Campo. Após anos de experiência acumulados e um currículo admirável, em 2011, Gobbi assumiu a cadeira de titular de docência na disciplina de Teorias da Comunicação. Teve aprovação com nota máxima no concurso público da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) de Bauru (SP), onde também coordena o Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital, é docente da Pós-Gradução em nível Mestrado e Doutorado em Comunicação na mesma universidade. A prospecção de suas produções científicas se difunde por meio dos grupos de pesquisas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Coordena os grupos “Pensamento Comunicacional Latino-Americano” e “Comunicação Digital e Interfaces Culturais na América Latina”. Integra o GT “Mídia, Culturas e Tecnologias Digitais na América Latina” da INTERCOM, onde estabelece diálogo com pesquisadores de diversas partes do continente latino. Entre 2010 e 2013 foi bolsista do Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), onde integrou um amplo estudo sobre a comunicação em todo o país, publicado em três volumes. Com o objetivo de ampliar suas relações com a pesMaria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico 177 quisa para além das fronteiras, é sócia das entidades INTERCOM (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação); ALAIC (Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación); SBPJor (Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo), ABEC (Associação Brasileira de Editores Científicos) e ABED (Associação Brasileira de Educação a Distância). O reconhecimento de seus trabalhos e dedicação na pesquisa pode ser ilustrado pelos inúmeros prêmios e homenagens que já conquistou. Principalmente vindos de entidades como a Universidade Metodista e a INTERCOM. Quadro 1 – Prêmios e Homenagens à Maria Cristina Gobbi Reconhecimento dos serviços prestados a comunicação Categoria Prêmio Luiz Beltrão 2014 Reconhecimento Institucional Entidade Ano INTERCOM 2014 Cátedra UNESCO 2011 de Comunicação Reconhecimento Institucional Dedicação e Profissionalismo Honra ao Mérito - Reconhecimento aos inestimáveis serviços prestados Homenagem pelos 10 anos de dedicação e profissionalismo Homenagem Especial à Coordenadora do Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação (10 anos) UNESP-Bauru UMESP 2010 2009 INTERCOM 2008 UMESP 2008 INTERCOM 2007 12º Expocom - 3º Lugar - Jornalismo INTERCOM 2005 UMESP 2005 INTERCOM 2004 UMESP 2004 INTERCOM 2003 IV Prêmio Metodista de Jornalismo - 2º Lugar Expocom - 1º Lugar Agência Experimental Núcleo de Pesquisa em Jornalismo III Prêmio Metodista de Jornalismo - 1º Lugar Expocom - 1º Lugar Agência Experimental Núcleo de Pesquisa em Jornalismo Fonte: Quadro elaborado pelo autor em julho de 2014. 178 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Dizem que ela não gosta de homenagens, mas são merecidas. Por outro lado, as experiências no ramo acadêmico e os serviços prestados a pesquisa rendeu-lhe o cargo de consultora e avaliadora das condições de ensino do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), órgão ligado ao Ministério da Educação. É a atual diretora administrativa da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (SOCICOM). Difusora do Pensamento Latino-americano Apaixonada pelas diversidades e riquezas culturais, Gobbi traz em sua identidade acadêmica algo bem peculiar, o amor pela América Latina. Sua trajetória na pesquisa em comunicação é tecida entre os versos e as prosas do Pensamento Comunicacional Latino-americano (PCLA). Com um posicionamento crítico, idealista e de capacidade midiática, integra a geração de estudiosos que vem abrindo caminhos e referenciando a pesquisa latino-americana de comunicação para o fortalecimento das identidades culturais nacionais e regionais. Sua projeção intelectual se dá pela capacidade de organizar e historiar o desenvolvimento da pesquisa comunicacional latino-americana. Dedica especial atenção a sistematização de dados que referenciam e reúnem informações da trajetória de teóricos e estudiosos deste cenário. Ao longo de mais de vinte anos, escreve e organiza livros que tratam dos estudos comunicacionais na América Latina. Destaca-se entre eles: Quadro 2 – Livros/organizações de Maria Cristina Gobbi Principais publicações entre 2001 a 2013 Título Pensar e comunicar a América Latina Pensamento Comunicacional Latino-Americano através da Literatura Televisão Digital: informação e conhecimento Teoria da Comunicação: Antologia de Pensadores Brasileiros Ciências da Comunicação no Brasil Democrático A batalha pela hegemonia comunicacional na América Latina: 30 anos de Alaic Teoria da comunicação: antologia de pesquisadores brasileiros Ano 2013 2013 2010 2010 2008 2008 2004 Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico 179 Pensamento comunicacional latino-americano: da pesquisa-denúncia ao pragmatismo utópico Comunicação latino-americana: o protagonismo feminino Matrizes Comunicacionais Latino-americanas: marxismo e cristianismo Mídia em debate: da história midiática às mediações da ciência Contribuições brasileiras ao pensamento comunicacional latino-americano: Décio Pignatari, Muniz Sodré e Sérgio Capparelli Grandes nomes da comunicação: a trajetória comunicacional de José Marques de Melo Gêneses do pensamento comunicacional latino-americano – O protagonismo das instituições pioneiras: Ciespal, Icinform, Ininco 2004 2003 2002 2002 2001 2001 2000 Fonte: Quadro elaborado pelo autor em dezembro de 2013. Pelo quadro é possível constatar a diversidade dos escritos que trazem a colaboração de Gobbi. Suas produções permeiam temas que vão desde as Teorias da Comunicação, mídias, televisão digital, religião, cultura, Ciências da Comunicação, História da Comunicação até as nuances da literatura. Livros que tornaram-se referência para a comunidade acadêmica, “cujo objetivo principal é inventariar, resgatar e avaliar as tendências do conhecimento comunicacional produzido na América Latina” (GOBBI, 2001, p. 269). Uma de suas obras pioneiras retrata os 30 anos da Associación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC). O livro intitulado “A batalha pela hegemonia comunicacional na América Latina: 30 anos de Alaic” é um marco valioso para os estudos da comunicação, ao resgatar a trajetória de uma das mais importantes entidades de fomento à pesquisa no cenário latino, a ALAIC. Constituído de uma rica bagagem histórica, o texto inclui personagens da comunicação que tornam o conteúdo da obra ainda mais interessante. Em um primeiro momento, a autora se deteve em recuperar fatos relevantes das três décadas de atuação da ALAIC, sem deixar de propor uma releitura dos caminhos percorridos pela entidade, suas contribuições e desafios. Em outra parte do livro, é apresentada uma sólida análise dos Grupos de Trabalho (GTs) realizados entre 1998 e 2006 nos congressos, a autora mapeou mais de 1.576 textos, num recorte quantitativo e, por conseguinte, qualitativo, culminando nas 278 preciosas páginas do livro que unem diferentes contextos e cenários da comunicação na América Latina. 180 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros No prefácio da obra, a professora Margarida Kunsch (2008), destacou a importância da pesquisa, que abriu caminhos e aportes para os estudos comunicacionais latinos. Para ela, o livro surgiu [...] em um momento oportuno quando comemoramos os 30 anos de existência da nossa entidade. Certamente, este trabalho da Cristina ficará registrado como exemplo para as futuras gerações de que vale a pena acreditar em ideais, mesmo que se vislumbrem como utópicos (KUNSCH apud GOBBI, 2008, p. 16). Também, o professor José Marques de Melo, referência na comunicação, introduz com chave de ouro a obra, atestando o valor das análises apresentadas por Gobbi. O estudo abre possibilidades dela percorrer os caminhos e teorizar os cenários Latino-Americanos da pesquisa em Comunicação. E isso, ela vem fazendo com êxito, ao trilhar nos estudos sobre o pensamento comunicacional na AL. Naquele momento, Gobbi (2008, p. 242) já profetizava um novo tempo para a pesquisa em comunicação na América Latina que estaria marcado por inúmeros desafios e embates. [...] A nossa área está cercada por reptos que eclodem em cenários diversificados, necessitando de consolidação e legitimação. Os espaços nos centros articulados de pesquisa, como a Alaic, oferecem a institucionalização necessária para que possamos intercambiar e contemplar especificidades, quer do campo ou da área. A visão da autora vem se concretizando. Graças ao seu empenho na pesquisa, o Brasil conta com uma das mais completas estudiosas do time de pesquisadores das Ciências da Comunicação na América Latina. Ela transmuta da posição de docente e intelectual para, através de sua atuação acadêmica, configurar um elemento de transformação cultural por meio da compreensão dos movimentos comunicacionais latino-americanos. Atualizando o pensamento de Gobbi sobre a ALAIC – objeto de seus estudos, verificamos que ela continua apostando nos potenciais da pesquisa em comunicação no contexto latino. De acordo com a autora, as gerações comunicacionais das décadas de 1960 e 1970 tiveram a oportunidade de testemunhar transformações por que estava passando toda a América Latina e poucos puderam protagonizar as mudanças. Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico 181 O estudo comprova o quanto a criação e depois a sistematização dos grupos de trabalho foram importantes para que a entidade pudesse, de forma concreta, estimular, articular e difundir a produção dos novos conhecimentos gerados (GOBBI, 2008, p. 124). Então, as contribuições da ALAIC, fundada em 1978, permitem a compreensão dos problemas gerados pela emergente indústria midiática e busca propor soluções que atendam as especificidades do continente. Os conceitos de nação, nacionalismo, espaço, lugar, fronteira, identidade têm influenciado a construção de novos modos de pensar a experiência comunicacional, principalmente a produzida na Europa e nos Estados Unidos e trazida para a América Latina, através de pesquisadores que retornavam de seus estudos no período. Como observa Gobbi (2008, p. 193), faz-se necessário o conhecimento sobre as instituições de pesquisa e suas contribuições que tornaram possíveis esboçar uma identidade latino-americana em comunicação, reavaliando o conhecimento produzido por elas frente aos processos de globalização. A partir das várias leituras que realizamos é possível afirmar que a Alaic nasceu para ser uma entidade capaz de congregar pesquisadores; permitir uma comunicação plural e representativa na América Latina; apoiar, incrementar, promover melhorias e difundir as pesquisas na área da Comunicação na região; e capacitar recursos humanos para esse mote de investigação. Neste tempo, Gobbi passou a atuar em diversas áreas da construção e análise do conhecimento nacional como, por exemplo, na Cátedra UNESCO, entidade criada a fim de discutir o processo de comunicação na AL e através da qual colaborou para a percepção das necessidades específicas comunicativas da região na busca de políticas de construção de meios que atentem a essas necessidades. Intercâmbio do saber É vasto o contributo do referencial teórico de Gobbi, que reflete a amplitude de suas pesquisas na difusão do conhecimento e ideias. Sua produção bibliográfica conta com mais de 115 artigos publicados, 43 livros e assina 62 capítulos em coletâneas. Além de 8 textos em revistas. Possui diversos trabalhos publicados em anais de congressos nacionais e internacionais. Paralelo aos inúmeros escritos, tem participação ativa e efetiva em congressos, colóquios, seminários e eventos científicos dentro e fora do Brasil, ministrando cursos e palestras. 182 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Quadro 3 – Produções científicas (artigos, resumos, livros/organizações) Publicações de 1998 a 2013 Natureza Trabalhos Completos em Anais/ Congressos Artigos Completos em periódicos Resumos Resumos Expandidos Capítulos de Livros Livros Textos em jornais/revistas TOTAL Convites 65 115 49 9 62 43 8 351 Fonte: Dados do Currículo Lattes da professora, Março de 20133. Com base nos números apresentados, é possível visualizar a capacidade produtiva de Gobbi. Além dos escritos individuais, tem organizado livros e coletâneas que reúnem a contribuição de muitos estudiosos da comunicação. As dezenas de obras publicadas referenciam as pesquisas realizadas no âmbito da América Latina. Ela une seu potencial como escritora ao talento de um renomado grupo de pesquisadores nacionais e internacionais. O resultado surpreende. Qualidade, diversidade e amplitude dos estudos. Os caminhos da pesquisa escolhidos por Gobbi, a conduzem pelas interfaces da dinâmica e diversidade científica dos estudos em comunicação na AL. Os objetos estudados concentram-se nas mídias como rádio, televisão, internet, passando pelas nuances da cultura, cidadania e abraçando as tecnologias digitais. Trabalhando atualmente nos Programas de Pós-Graduação em Comunicação e Televisão Digital, Gobbi mantém o foco nos estudos Latino-americanos que lhe possibilitam temas como mídia, cultura e tecnologias digitais na América Latina, o que lhe abre espaço e campo de pesquisa para a cultura popular, tecnologias aplicadas e videojogos. Seus estudos tratam da Comunicação Cidadã nos espaços situados em Regiões Midiáticas e a Gestão da Informação e Comunicação para Televisão Digital. A partir daí, observa-se então a pluralidade de 3. Dados do Currículo Lattes de Maria Cristina Gobbi. Disponível em: http://lattes.cnpq. br/2302756561160804. Acesso em: 01 de dez. 2013. Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico 183 temas que nascem das pesquisas orientadas pela professora e àquelas que estão sob a sua incumbência. Orienta projetos de pesquisa nas áreas teórica e prática de curso de graduação e dissertações nos Programas Pós-Graduação em Comunicação (mestrado e doutorado) e no mestrado profissional em Televisão Digital (PPGCOM-PPGTVD), norteadas nas seguintes linhas: Comunicação Cidadã nos espaços situados em Regiões Midiáticas, Gestão e Políticas de Informação e da Comunicação Midiática, Informação e Conhecimento. Nesta recente trajetória acadêmica, foram muitos os alunos orientados pela professora. O mais curioso é ouvir dela a seguinte frase: “na pesquisa há espaço para todas as ideias e projetos”. Isso encanta e motiva os estudantes na descoberta de seus objetivos de pesquisa. Seus alunos são carinhosamente chamados por ela de “bonitos e bonitas”. Tal proximidade entre professor e aluno faz com que os trabalhos acadêmicos ganhem uma leveza e humanidade. Cada vez chegam mais e mais orientandos. E ela gosta! Quadro 4 – Orientação de Trabalhos de Conclusão de Curso da Graduação, Especialização/Aperfeiçoamento, Mestrado Natureza Orientandos (as) Curso de Aperfeiçoamento/ Especialização 23 Iniciação Científica 23 Graduação 35 Mestrado (incluindo em andamento) 27 Outras 4 TOTAL 112 Fonte: Dados do Currículo Lattes da professora, Março de 20134. Gobbi também recebe inúmeros convites para participar em Bancas de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Qualificação, Defesa de Mestrado e Doutorado. Sempre que possível, está disposta em contribuir com os colegas. 4. Dados do Currículo Lattes de Maria Cristina Gobbi. Disponível em: http://lattes.cnpq. br/2302756561160804. Acesso em: 01 de dez. 2013. 184 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Quadro 5 – Participação em Bancas de Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado (Qualificação e Defesa) Natureza Curso de Aperfeiçoamento/Especialização Graduação Qualificação de Mestrado Qualificação de Doutorado Defesa de Mestrado Defesa de Doutorado TOTAL Convites 38 72 9 4 58 8 189 Fonte: Dados do Currículo Lattes da professora, Março de 2013. A professora Gobbi gosta de dizer que as bancas são ricas oportunidades de intercâmbio de conhecimento e novos aprendizados. Pode-se dizer que a partilha dos saberes, das experiências e ideias é algo peculiar da pesquisadora. De fato, ela compreendeu bem o sentido de fazer ciência: difundir conhecimento. Matemática comunicativa As possibilidades do fazer comunicação a encanta. Em tom de brincadeira, ela diz que “a comunicação é um processo lógico, ilógico são as pessoas que a fazem”5. Para Gobbi, entender o processo comunicacional e chegar aos resultados aos quais ele se propõe, é necessário entender que “[...] todo processo comunicativo é permeado por uma lógica, elos que garantam a cientificidade das teorias e propiciam uma prática com qualidade” 6. Com conhecimentos profundos sobre o fazer comunicacional na América Latina, a autora tem visão ampla sobre este processo no cenário nacional e no contexto latino americano, afirmando que “não dá para pensar uma comunica- 5. Entrevista concedida por GOBBI, Maria Cristina. Entrevista I. [abr. 2011]. Entrevistadores: Paulo Vitor Giraldi Pires e Allexandre Silva. Bauru, 2011. 6. Ibid, 2011. Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico 185 ção que possa ser realizada de Norte a Sul, é necessário fazer adaptações, modificar, verificar e superar obstáculos” (GOBBI, 2011). Em partes, esta percepção deve-se ao recente trabalho realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) – quando com mais quatro doutores e estudantes realizaram profundo estudo denominado “Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil”. A pesquisa de carácter quantitativo e qualitativo mapeou o processo de comunicação nacional e suas peculiaridades. Apontou as tendências brasileiras na área, tendo como escopo comparativo o cenário Latino-Americano, refletido nos indicadores sobre o ensino universitário, a educação a distância, a formação aplicada nos espaços midiáticos, sistematizando o conhecimento acadêmico e o utilitário, especificamente a partir da segunda década do século XXI. Para Gobbi (2011), [...] é preciso tornar essa plataforma uma realidade nacional. O grande desafio é que o sinal digital chegue de forma acessível aos mais distantes locais [...] possibilitando a participação cidadã, quer pela interatividade, portabilidade ou mesmo por todos os desdobramentos que esta tecnologia propicia. Comungando dos fundamentos teóricos e metodológicos criados a partir das produções Latino Americanas em comunicação, é uma entusiasta ao acreditar que estes servem de novos aportes aos alunos e complementam os estudos europeus e americanos, mas que é preciso “divulgar, discutir e produzir”. Gobbi também acredita que a valorização da pesquisa no cenário nacional está intimamente ligada a autoestima do pesquisador, apostando naquilo que se propõe a fazer. Para o fortalecimento da comunicação nacional e do pensamento latino-americano, a pesquisadora acredita ser necessário o compartilhamento de informações, sendo “[...] importante que os pesquisadores saiam de suas ilhas, participem de eventos, publiquem, em outras palavras, que divulguem suas produções como fazem outras áreas do conhecimento” (GOBBI, 2011). Múltiplos olhares: mídias, cultura e tecnologias Os estudos desenvolvidos por Gobbi contemplam um cenário desafiador e instigante. Suas análises estabelecem profundo diálogo entre mídia, cultura, tecnologias e gestão da informação. Porém, diante dessas temáticas a pesquisadora busca resgatar o compromisso social da comunicação propondo o debate da cidadania pelos meios. 186 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros A comunicação para a cidadania privilegia o exercício de reflexão crítica nas regiões midiáticas. Considerando a complexidade do sistema nacional de comunicação, ela visualiza a necessidade do reconhecimento dos setores midiáticos no comprometimento com a cidadania. Para a autora, “a comunicação é um dos pilares essenciais nos processos democráticos” (2013, p. 5). Debruça sobre objetos como a imprensa local, as manifestações de cultura popular, a produção midiática gerada no interior e, a partir, dos veículos de comunicação, seus atores-produtores, bem como o novo território alcançado pelas produções em mídia digital. Tem buscado neste contexto, estabelecer paralelo entre tecnologias, práticas de inclusão e cidadania. Para Gobbi (2013, p. 1), não se pode [...] perder de vista que as tecnologias da informação e da comunicação são instrumentos capazes de permitir maior flexibilidade no desenvolvimento de novas práticas de aprendizagem e de vivências educacionais. Talvez esteja neste ponto um dos desafios de utilização da tecnologia a serviço da inclusão e da cidadania digital. A autora vislumbra a possibilidade das tecnologias poderem auxiliar nas transformações sociais. Por isso, se lança na análise de cenários que contemplam as indústrias de imprensa, rádio, televisão, cinema e vídeo, internet e tecnologias emergentes. Por outro lado, diz respeito aos serviços comerciais da publicidade, relações públicas, agências noticiosas, bancos de dados, entretenimento, tele-educação, focalizando suas relações de poder (privado, estatal, multinacional) e suas estratégias de interação cidadã. A ideia debatida por Gobbi abrange os espaços gerados a partir das políticas públicas que tratam dos direitos à comunicação e o regime de propriedade intelectual. Portanto, para ela se faz necessária “reflexão crítica das políticas públicas brasileiras nos campos da comunicação e da informação, identificando os obstáculos e incentivos ao exercício universal do direito à informação, à comunicação e à cidadania” (2013, p. 1). A facilidade com que a autora transita entre o universo das tecnologias e a cidadania, especificamente em se tratando de acesso à informação e à comunicação, demonstra sua capacidade de dialogar com a realidade social por de trás deste cenário. Gobbi faz crítica pontual ao dizer que o desenvolvimento tecnológico, oferece “o acesso de muito, mas não de todos” (2013, p. 2). Uma conhecedora das plataformas midiáticas e dos computadores, que vem estudando a evolução da web. Porém suas análises vão além do pragmatismo crítico para uma abordagem sócio-política sobre o uso/acesso das tecnologias. Gobbi (2013, p. 4) observa um cenário promissor, contudo repleto de desafios. Para a autora, Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico 187 [...] podemos dizer que as tecnologias conjuntamente com sua evolução tecnológica, especialmente com o incremento da internet, ultrapassam todos os limites de possibilidades de inserção e de pluralidade de acesso, sem restrições de cultura, de língua, de posições políticas e de padrões de vida. A web não separa por sexo, cor, raça ou religião. Não existe barreira capaz de deter a grande rede de comunicação. Com base nesta constatação que Gobbi observa que um dos maiores desafios das tecnologias da internet é a inclusão social, já que ainda não atinge a todos, mas somente quem tem condições e recursos de acesso. A autora defende o uso das tecnologias da informação e da comunicação como instrumentos capazes de favorecer novas práticas de aprendizagem e de vivências educacionais. Ou seja, a utilização da tecnologia a serviço da inclusão e da cidadania digital. O questionamento apontado é embasado no contexto em que se apresenta uma revolução dos métodos e das metodologias no processo de ensino-aprendizagem. A autora chama de “geração tecnológica-digital”, aos alunos de hoje, que nasceram no ambiente de descoberta e da participação. O que precisamos é a adoção das tecnologias digitais, que não significam necessariamente novos e modernos equipamentos, mas o desenvolvimento de ambiente de aprendizagem, com o uso real dos conceitos de interatividade entre estudantes e professores. Onde a troca e a aprendizagem sejam um todo contínuo e intercambiável (GOBBI, 2013, p. 9). Na atual conjuntura, Gobbi se arrisca a lançar um novo conceito de educação. Também se incluindo nesta realidade como professora, ela alerta: “Precisamos sair da geração do aprender e fazer, para essa que aprende fazendo” (GOBBI, 2013, p.10). As contribuições da autora sobre a temática comunicação e cidadania podem ser consideradas bem atuais e com caráter futurístico, não tão distante. A visão profética de Gobbi alerta para a real necessidade do uso das tecnologias para as transformações sociais, “construindo novos modelos de produção e distribuição das riquezas de criação e reprodução da cultura do país” (GOBBI, 2013, p.13). Nadando em outros mares, desde 2008, Gobbi vem tecendo análises sobre o estágio de implantação da Televisão Digital na América Latina. Neste cenário, com outros pesquisadores, tem contribuído para reflexões sobre os processos desenvolvidos e as perspectivas de futuro. A autora acredita que os avanços das tecnologias da comunicação, como a Televisão Digital deve ter única meta: uma sociedade mais igualitária, sustentável e democrática. Portanto, trata-se de um 188 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros desafio a ser superado para que os diversos setores acadêmicos e profissionais possam contribuir para o desenvolvimento da vida social. Fazendo uso de uma plataforma promissora e de crescente adesão, nasce o primeiro e-book “Televisão Digital: informação e conhecimento” organizado por Maria Cristina Gobbi e Maria Teresa Miceli Kerbauy, publicado em 2008, pela Editora Cultura Acadêmica, torna-se também uma referência nesta temática. A obra é dividida em 15 capítulos e traz a colaboração de 20 autores, entre eles, estudiosos renomados que discutem a televisão digital. Os conteúdos estão organizados em duas partes: I – Cultura, Diversidade e Tecnologias; II – Processos, Experiências e Embates. O debate é iniciado por Gobbi (2008, p.55) no primeiro capítulo que trata dos “Nativos digitais: autores da sociedade tecnológica”, no qual questiona as transformações ocorridas com a chegada do virtual, sendo necessário rever os conceitos antigos das relações. Na verdade, podemos afirmar que não há somente uma revolução tecnológica, as tecnologias digitais de comunicação estão mudando a própria cultura e as formas de encarar o mundo. As relações individuais assumem patamares ampliados nas comunidades virtuais, onde as inter-relações de confiança e colaboração permitem a sobrevivência de inúmeros grupos em rede, experimentando de forma “virtual” o conceito de sociabilidade, num aparente antagonismo conceitual. A autora amplia a discussão sobre as mídias digitais trazendo para a realidade da convivência entre as pessoas em um contexto totalmente virtualizado. Na visão de Gobbi, todo este cenário que se apresenta é um aporte de novas possibilidades. “De fato, é uma nova forma de rever antigos conceitos. Ou nos adaptamos e aprendemos utilizá-las ou estaremos fadados ao esquecimento” (GOBBI, 2008, p. 55). Esta publicação ofertada à comunidade acadêmica (disponível online) é resultado de reflexões de qualidade propostas pelo primeiro Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital da UNESP-Bauru, coordenado pelos professores Juliano Maurício de Carvalho e Maria Cristina Gobbi – vice-coordenadora. O mestrado profissional (Stricto Sensu) foi criado em 2008 e aprovado pela CAPES. Iniciativas como o Simpósio Internacional de Televisão Digital (SIMTVD) integram as atividades desenvolvidas pelo Programa, no qual a professora Gobbi está como coordenadora adjunta e presidente do Comitê Científico. Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico 189 A vida com poesia O sucesso acadêmico de Gobbi descritos nestas páginas não veio por acaso. É resultado de muitos esforços. Ela reconhece que chegou até aqui por sua determinação e lutas. Conta com o apoio de mestres que passaram por sua vida e, principalmente, amparada pelo carinho recebido de sua família e amigos. “Paixão pelo que faz” define bem o lema de atuação da professora. Determinação, regada com muito bom humor, somam ao seu perfil. Ela não esconde o desejo por novos conhecimentos e pelas possibilidades que o mundo acadêmico oferece. É uma mulher determinada. Expressa no olhar sua energia e sinergia. Não se detém diante dos desafios. Sempre rodeada de bons amigos e admiradores. É considerada por muitos de seus alunos como a “madrinha” dos iniciantes na pesquisa. É chamada carinhosamente como a “princesinha do Pará”, por seu constante diálogo com os estudos naquela região. Filha da Sra. Eunice, casada com Sidney, mãe de Luís Fernando, Juliana e Deborah, também é uma avó dedicada aos netos Gabriel, Pedro e a pequena Malu. Entre os compromissos com a pesquisa, as aulas na universidade, congressos, viagens; não abre mão de cuidar do seu bem mais precioso, sua família. Mas, ao falar da professora Gobbi, não se pode esquecer as marcas de sua essência: a humildade e a fé. Sua infância foi regada de carinho e amor recebido dos pais. Cresceu num ambiente familiar humilde, com dois irmãos, sua mãe Eunice e o pai, que faleceu quando ainda era pequena. Traz consigo os valores que aprendeu em casa: Tive uma infância simples, mas feliz. Meu pai já me ensinava desde cedo que a mulher deveria sempre ocupar lugar de destaque e para isso deveria estudar muito para ser independente financeiramente (GOBBI, 2009, p. 12). Aos poucos foi conquistando sua independência, honrando a data de seu nascimento, 7 de setembro. Com a morte do pai, sua mãe teve que ir para o mercado de trabalho e ela e os irmãos para a escola. Tempos difíceis na vida da família que passou por necessidades de alimentação, roupa e até material escolar para estudarem. Um rumo novo foi dado! A Chácara dos Padres, comunidade da Igreja Católica, na cidade de São Paulo, que oferecia atividades de lazer e de formação, acolheu Cristina e seus irmãos. Ali, ela aprendeu sua primeira profissão: pintar santinhos e de botões de roupa. Foi assim, em meio ao estudo e as tarefas da chácara, que cresceu. Traz consigo a sabedoria de sua mãe: ter fé em tudo o que faz. 190 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Os anos se passaram! A jovem Maria Cristina caminhou rumo ao seu destino. Seu primeiro emprego com registro em carteira foi como auxiliar de escritório de uma empresa. Passou por escrevente da prefeitura de Diadema (SP), gerente de uma grande rede de supermercados, secretária de fabricação, analista de suporte técnico, entre outras atividades. Mas sua grande paixão estava na sala de aula. O desejo da busca por novos conhecimentos e a partilha do saber inquietava seu coração. Descobriu seu potencial: aprender e ensinar. Seus alunos, ‘as bonitas e os bonitos’, somam ao percurso protagônico da professora Gobbi. Sem eles, não teria sentido ela continuar. A trajetória acadêmica de Maria Cristina Gobbi já possui novos capítulos que ainda poderão ser lidos e apreciados pelas futuras gerações. Aqui foi retratado o início da vida da pesquisadora que tem muito a oferecer para os estudos de comunicação. Vale a pena ficar atento e seguir os passos desta ‘profetisa midiática’. Entre os erros e acertos, prevalece a paixão da professora em fazer da vida uma eterna poesia. Com amor e respeito, tudo se torna possível. Eis diante de você, uma voz a ser estudada, conhecida e ampliada. Uma história para encerrar A convite de um amigo fui assistir uma aula da professora Gobbi na UNESP, em Bauru (SP). Era início do primeiro semestre do ano de 2010. O assunto não podia ser outro. Ela falou do Pensamento Comunicacional na América Latina. Surpreendeu-me a forma com que ela desenvolveu a temática. De um jeito cativante. Fiquei encantado. Eu não a conhecia, mas me tratou como fôssemos grandes amigos. Ao final da aula, comentei sobre meu interesse pela pesquisa em mídia e religião. Ela logo foi me indicando leituras e referências bibliográficas. Colocou-se à disposição para me ajudar. Voltei para casa pensativo e feliz. Aqui recordo a frase do Pequeno Príncipe: “Você se tornará responsável por tudo aquilo que cativar”. Só não sabia a professora que ela tinha me cativado. Então, teria que assumir essa responsabilidade. Decidi a partir daquele dia, seguir os passos da professora Gobbi. Nos congressos, seminários e eventos nos quais ela estava, lá também eu estava. Em cada reencontro, a mesma atenção e generosidade. Comecei a ler seus livros, artigos e me aproximar de suas reflexões sobre as temáticas da comunicação na América Latina. Um ano se passou. Tomei a decisão de participar do processo seletivo para o mestrado. Mas logo me veio a dúvida: quem vai me orientar? Não pensei duas Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico 191 vezes. E resolvi procurar a professora Gobbi e falar do meu interesse. Sorrindo, ela me respondeu: envia o teu projeto e vamos conversar! Para mim aquela já era a resposta: sim eu te aceito! Quase aprovado no mestrado. Quando chego para a entrevista com a banca examinadora, sou surpreendido. Fico sabendo que a professora Gobbi já tinha entregue o aceite da orientação. Eu tinha a minha orientadora! A partir dali, eu respondia: sou orientando da professora Gobbi. Para a alegria de muitos e inveja boa de outros. Foi assim. Iniciamos uma parceria na pesquisa. Produzimos diversos artigos juntos. Mas o melhor foram os momentos de conversa a caminho da sala de aula, nos intervalos na lanchonete, nas viagens para os Congressos. Aprendi muito com suas aulas e ainda aprendo. A conclusão do meu mestrado não trouxe apenas a titulação de mestre. Não me possibilitou apenas novos conhecimentos. Tive a alegria de caminhar ao lado de uma profissional incrível, uma mestra em inteligência e humildade. Ela é amiga, tem coração generoso e sensível. Como dizia Cora Coralina: “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria, se aprende é com a vida e com os humildes”. Que desafio falar de alguém que admiramos! Em nome de muitos colegas, quero dizer o “nosso muito obrigado” a professora Gobbi. Que seu talento e dedicação na pesquisa continuem nos motivando. Que o mundo possa conhecer o protagonismo de uma pesquisadora que vai além dos horizontes do fazer ciência. Estamos diante de uma mulher de muitas possibilidades. Acreditem! “Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou. Ensinou a amar a vida e não desistir da luta, recomeçar na derrota, renunciar a palavras e pensamentos negativos. Acreditar nos valores humanos e ser otimista” Cora Coralina). Referências GOBBI, Maria, C. A institucionalização do Celacom. In: Matrizes Comunicacionais Latino-Americanas: Marxismo e Cristianismo. MARQUES DE MELO, José; GOBBI, Maria Cristina; Kunsch, Waldemar Luiz; (Orgs.). São Bernardo do Campo: Umesp, 2001. pg. 269. GOBBI, Maria, C. Memorial. A lógica do universo pela Matemática e as escolhas possibilitadas pela Comunicação. São Bernardo. 2009 192 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros GOBBI, Maria, C.; KERBAUY, Maria Teresa, M. (Orgs.) Televisão Digital: informação e conhecimento. São Paulo. Cultura Acadêmica, 2008. GOBBI, Maria, C. A batalha pela hegemonia comunicacional na América Latina: 30 anos da Alaic. São Bernardo do Campo: Cátedra Unesco/Metodista, 2008 GOBBI, Maria, C. Perfil Acadêmico. Bauru, Programa de Pós-Graduação da FAAC, 29 de abril de 2011. Entrevista aos estudantes Paulo Giraldi e Allexandre Silva. GOBBI, Maria, C. Tecnologias Educacionais: inclusão e cidadania. Artigo apresentado pela autora na IV Conferência Sul-Americana e IX Conferência Brasileira de Mídia Cidadã, realizada em Curitiba (PR), agosto de 2013. Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico 193 José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte Ary José Rocco Jr1 10º CAPÍTULO O Prof. Dr. José Carlos (Zeca) Marques é um dos expoentes da área de Comunicação no Brasil. Sua atuação acadêmica e profissional tem se pautado, ao longo dos anos, pela luta para que as pesquisas na área de Comunicação e Esporte sejam reconhecidas por sua qualidade técnica e pelo seu valor intelectual. O objetivo deste artigo é analisar a atuação profissional de José Carlos Marques nas diversas instituições em que atuou e nas várias entidades com as quais colaborou. Também é nossa intenção apresentar ao leitor as obras mais significativas da trajetória acadêmica de Marques. Não pretendemos, com isso, analisar toda a brilhante produção de José Carlos, mas sim permitir com que nossos leitores conhe- 1. Coordenador do GP Comunicação e Esporte do DT 6 – Interfaces Comunicacionais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Docente do Mestrado Profissional em Administração do Esporte da Universidade Nove de Julho (UNINOVE/SP) e de Marketing Esportivo e Jornalismo Esportivo da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE/USP). Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Mestre em Administração pela PUC/SP, administrador público e jornalista. Diretor da Asociación Latinoamericana de Gerencia Deportiva (ALGEDE). E-mail: [email protected]; [email protected]. 194 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros çam e entendam todos os momentos mais representativos dessa produção. É nosso objetivo, também, mostrar a importância do pesquisador para a constituição da área de Comunicação e Esporte como área valorizada dentro do campo da Comunicação, capaz de atrair, hoje, uma grande leva de novos pesquisadores interessados em trabalhar com a área. 1. Muito mais que um “timoneiro”, um “desbravador”: o perfil de José Carlos (Zeca) Marques A trajetória acadêmica e profissional de José Carlos Marques, o Zeca, é pautada pela coerência e pela “batalha” em torno dos ideais que considera justo e adequado para aquilo que se propôs a trabalhar. O pesquisador tem se notabilizado, desde que iniciou sua vida na academia, a lutar pelo engrandecimento da área da Comunicação, de forma geral, e das pesquisas no campo da Comunicação e Esporte, de forma mais particular. Nos últimos quinze anos, José Carlos Marques tem brindado a todos com vasta produção de textos, artigos, ensaios, trabalhos apresentados em congressos, palestras, conferências e diversos outros formatos de divulgação de suas ideias e pesquisas. Sua produção está concentrada, em especial, na grande área das Ciências Sociais Aplicadas, com temas que se encaixam nas mais diversas subáreas da Comunicação, como o Jornalismo, a Teoria da Comunicação, a Análise Linguística e várias outras. José Carlos Marques é, atualmente, docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Bauru), onde integra o Departamento de Ciências Humanas da mesma instituição. Concluiu seu doutorado em Ciência da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 2003. Defendeu, de forma brilhante, a tese “O futebol ao rés-do-chão (A crônica e a coluna em tempos de Copa do Mundo)”. No trabalho, Marques, em verdadeira viagem pelo melhor do jornalismo esportivo brasileiro, traça um panorama abrangente da crônica brasileira sobre esporte, com a seleção de escritores e jornalistas que fizeram do jornal um meio de publicação de textos em que o relato meramente jornalístico, informativo e objetivo dá lugar a manifestações subjetivas, fabulosas e ficcionais. Já em seu mestrado, José Carlos havia demonstrado seu interesse pela “tabelinha” crônica esportiva x jornalismo esportivo. O autor brindou a todos nós, com aquele que talvez seja seu trabalho mais marcante, com uma profunda José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte 195 análise da obra do imortal Nelson Rodrigues e sua visão muito crítica e peculiar sobre o mundo do futebol brasileiro. “O óbvio ululante do futebol, o Sobrenatural de Almeida e outros temas” é o resultado do mestrado defendido pelo autor em 1998, no Programa de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Uma das principais obras de referência de Zeca Marques, o livro “O futebol em Nelson Rodrigues” (2ªed., São Paulo: EDUC, 2012) é o principal tributo do maravilhoso trabalho de pesquisa realizado pelo autor, que mergulhou no universo muito particular daquele que é considerado para muitos, inclusive para Zeca, como o maior cronista que já retratou o futebol em todas as suas nuances. A grandeza da obra valeu ao seu autor a merecida indicação para o Prêmio Jabuti, um dos mais importantes da literatura brasileira. José Carlos é, ainda, licenciado em Letras (Português Francês) pela Universidade de São Paulo. Hoje, Zeca Marques desenvolve, ainda, pesquisas nas áreas de teorias da comunicação, jornalismo e literatura, e comunicação organizacional. É líder do GECEF/UNESP (Grupo de Estudos em Comunicação Esportiva e Futebol) e integrante do LUDENS/USP (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e modalidades Lúdicas). A colaboração de José Carlos ao mundo da comunicação não está restrita à sua produção acadêmica e científica. Seu perfil: sério, para o trabalho e para desenvolver projetos especiais, e descontraído e humano, para gerenciar pessoas e aglutinar indivíduos em torno de determinadas atividades específicas; trouxe até Marques diversas funções e atividades que colaboraram, no decorrer dos anos, para o crescimento da área da Comunicação no país. Durante o biênio 2007-2008, por exemplo, foi Coordenador do Núcleo de Pesquisa (NP) Comunicação Científica da INTERCOM, entidade da qual atualmente é o Diretor Administrativo, reeleito para o triênio 2011-2014. José Carlos atua ainda como Coordenador Nacional do INTERCOM Jr. e editor da Revista Iniciacom. A versatilidade de Zeca Marques faz com que ele participe, hoje, de diversos conselhos editoriais de veículos de divulgação acadêmica e atue de forma destacada em várias outras atividades que engrandecem e fortalecem o campo da Comunicação no Brasil. Especialmente dentro da área de Comunicação e Esporte, José Carlos Marques tem se notabilizado por trabalhos acadêmicos com vasta qualidade intelectual e acadêmica. Não bastasse isso, sua competente atuação política, dentro da própria INTERCOM, permitiu à área a sua consolidação como um Grupo de Pesquisa próprio, composto por acadêmicos sérios e com excelente produção científica. Um verdadeiro “batalhador” pela área de Comunicação e Esporte. 196 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros 2. “Viva sua Paixão”: uma análise da obra de José Carlos (Zeca) Marques Rigor conceitual e metodológico, combinação perfeita entre literatura e jornalismo, mergulho nas origens barrocas de nosso esporte, visão estruturada dos diversos autores que trazem ao esporte uma ótica social em suas análises, criatividade em seus trabalhos e uma “pitada”, na dose certa, de humor. Em um parágrafo, de forma rápida, seria assim que eu definiria o trabalho de José Carlos (Zeca) Marques. Porém, restringir sua colaboração ao universo da comunicação em cinco linhas é não enaltecer, de forma adequada, a sua real representatividade intelectual e acadêmica. A produção de Zeca Marques é rica e variada. Algumas características, já mencionadas no início deste texto, marcam grande parte de sua obra. Para melhor ilustrar o pensamento do autor, elegi alguns trabalhos, com a ajuda do próprio José Carlos, que melhor representam as diversas facetas do nosso homenageado. As obras selecionadas não compreendem a totalidade das ideias de Marques. Servem, porém, para elencar os principais momentos da diversa vida acadêmica do autor até o presente momento. Para um melhor entendimento de como evoluiu a construção literária da vida acadêmica de Zeca Marques, apresentaremos seus trabalhos mais representativos em ordem cronológica. José Carlos Marques, o futebol e Nelson Rodrigues A primeira grande obra de José Carlos Marques que veio a público, como já mencionado na apresentação do autor, foi o livro “O futebol em Nelson Rodrigues”, lançado originariamente pela EDUC, em 2000. A obra foi resultado da dissertação de mestrado do autor, defendida em 1998, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “O óbvio ululante do futebol, o Sobrenatural de Almeida e outros temas” foi o pontapé inicial para o livro, lançado dois anos depois, em que Marques construiu uma análise profunda e criativa das crônicas esportivas do grande Nelson Rodrigues. Matthew Shirts (2000, p.12), jornalista e cientista social norte-americano, foi muito feliz no prefácio original da obra de José Carlos quando afirma que Marques “lança mão de poderoso arsenal teórico para abordar duas manifestações culturais tidas até há pouco como ‘menores’: o futebol e a crônica esportiva”. A frase de Shirts dá uma ideia da dimensão do desafio proposto por Zeca em sua primeira grande obra literária e acadêmica. Muito embora o futebol seja uma das grandes manifestações culturais do Brasil, seu estudo ainda não foi José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte 197 devidamente abraçado pela academia. Naquela época, ano 2000, muito menos. Estudar o esporte no país, com seriedade e rigor científico, era, e ainda é tarefa árdua e de grande dificuldade. Os pesquisadores desta área, não raras às vezes, sofrem preconceitos de seus colegas que trabalham, em suas opiniões próprias, temas mais nobres e pertinentes cientificamente falando. “O futebol em Nelson Rodrigues” representa, assim, não somente uma obra de grande valor acadêmico e literário. O livro pode ser considerado o pontapé inicial da atuação acadêmica e administrativa de José Carlos Marques em prol do fortalecimento da então incipiente área de estudos de Comunicação e Esporte. O rigor metodológico do autor, sua seriedade no tratamento e nas análises das crônicas esportivas de Nelson e sua forte base conceitual em estudos relacionados ao caráter social e cultural do esporte; fizeram de Marques um dos exemplos de que estudar e pesquisar esporte pode ser algo sério e de enorme valor acadêmico e científico. A trajetória do “desbravador” se iniciava de forma maiúscula. A obra do autor contribui sobremaneira, assim, para dissipar muito da luz do preconceito que outros acadêmicos e pesquisadores insistiam em apontar para todo aquele que insistisse em pesquisar o esporte nos fóruns e eventos da área da Comunicação. Ainda no prefácio da primeira edição de “O futebol em Nelson Rodrigues”, Shirts demonstra toda sua perspicácia ao apontar um elemento que será marcante em toda a trajetória acadêmica de José Carlos Marques. O jornalista norte-americano (SHIRTS, 2000, p.12) aponta que Zeca faz aquilo que deveria ser o papel da área de línguas, literatura e ciências humanas: “a busca daquilo que faz do Brasil um país tão singular”. A busca constante dos elementos que tornam o Brasil um país tão singular é uma das características mais marcantes de toda a trajetória acadêmica de José Carlos. A valorização das raízes culturais de nosso país é algo que Marques defende com “unhas e dentes”. O autor não se rende, assim, em todas as suas obras, a argumentos típicos relacionados à dominação cultural e a simples transposição de modelos estrangeiros ou de “senso-comum” para a nossa realidade. Outro elemento que engrandece a obra “O futebol em Nelson Rodrigues” também é muito bem apontado por Matthew Shirts. O norte-americano escreve, com muita propriedade, que [...] José Carlos começa o seu livro com um belo resumo das principais teorias sobre o papel dos esportes na cultura moderna. De Huizinga a DaMatta, passando por outros, menos conhecidos, o autor vai nos inteirando do assunto de forma concisa e indolor. Aliás esta é uma das carac198 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros terísticas mais sedutoras dessa obra: ela consegue lançar mão de conceitos complexos sem sobrecarregar o leitor (SHIRTS, 2000, p.12). No que diz respeito ao “belo resumo das principais teorias sobre o papel dos esportes na cultura moderna”, afirmo, sem medo de errar e ratificando aquilo que Shirts destacou que José Carlos Marques dá um verdadeiro show. O autor estabelece um verdadeiro diálogo didático, raramente visto, com os grandes autores que trabalharam a conceituação do esporte na sociedade moderna. Estão todos ali, os principais teóricos do esporte, presentes na obra de Marques, construindo uma magistral escada conceitual que permite ao leitor entender, em sua plenitude, como evoluiu a relação de nossa sociedade ocidental com os esportes em toda a sua plenitude. A estruturação teórica da obra é tão brilhante, e de tão fácil entendimento, que provoca no leitor o sentimento destacado pelo jornalista norte-americano: o da sedução. José Carlos, em toda a sua obra “O futebol em Nelson Rodrigues”, seduz seu leitor não somente para seu texto, muito bem escrito. Seduz, também, para suas ideias, plena de convicções pessoais, muito bem alicerçadas em uma brilhante redação que convida a um mergulho profundo na análise das crônicas sobre futebol do escritor pernambucano. Fugindo do óbvio-ululante, Marques começa a livrar a todos nós, pesquisadores da área de Comunicação e Esporte, do complexo de vira-latas. Um verdadeiro gol de placa na literatura sobre futebol em nosso país. Outra característica marcante de toda a produção de José Carlos, que já se anunciou de forma brilhante em “O futebol em Nelson Rodrigues”, foi o grande flerte do autor com as teorias literárias do neobarroco. O vertiginoso mergulho que Marques fez ao barroco para analisar as crônicas de Nelson Rodrigues reflete o imenso amor de Zeca aos valores culturais, às coisas do Brasil. O sentimento de brasilidade é tão intenso e marcante na obra de José Carlos que Matthew Shirts, ele próprio um estrangeiro, fica encantado com o fato. Para o jornalista norte-americano, [...] a análise da obra de Nelson (feita por Zeca) vai nos apresentando o cronista sob ângulos nunca antes pensado por nós. Passamos a conhecer um Nelson Rodrigues ao mesmo tempo latino-americano e muito brasileiro e (isto eu já sabia) sempre genial. (SHIRTS, 2000, p.13). Apesar da aparente complexidade, a obra “O futebol em Nelson Rodrigues” é de fácil leitura e compreensão. Reside aí outro mérito de José Carlos Marques. O autor apresenta uma série de conceitos sobre esporte, literatura, a crônica José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte 199 propriamente dita, o neobarroco e vários outros temas com simplicidade, o que demonstra o amplo domínio que Zeca tem sobre as áreas com as quais dialoga. A criatividade do autor também ajuda na sedução dos leitores. O título de cada um dos capítulos da obra demonstra isso: Introdução – “Nelson Rodrigues dá bom dia”; “Quem é a bola?”, pergunta a grã-fina do Maracanã (diálogos entre futebol e cultura no Brasil); O Scratch em campo para o início do Match (e o surgimento da crônica esportiva brasileira); A grossa babá elástica e bovina (as crônicas de futebol de Nelson Rodrigues e o espaço neobarroco); “O Videoteipe é burro!” (a superação da objetividade em nossa crônica esportiva); Complexo de Vira-latas, Abutres, Hienas e Chacais (ou a metalinguagem da crônica anunciada); e, Considerações Finais (trila o apito o árbitro). José Carlos Marques comete a ousadia de dialogar diretamente com Nelson Rodrigues. Utilizado várias das expressões criadas e popularizadas pelo dramaturgo pernambucano, Zeca convida o leitor, de forma criativa e sedutora, a mergulhar no universo da crônica esportiva de Nelson. O prazer da leitura em estado pleno. “Viva sua Paixão!”. As linguagens da sedução e o futebol: José Carlos Marques e as narrativas do esporte O segundo grande trabalho de Marques que julgo importante destacar é o texto “A crônica de esportes no Brasil: algumas reflexões, que fez parte do livro Imprensa e sociedade brasileira”, organizado pelos professores Célio José Losnak e Maximiliano Martin Vicente. A ideia da obra, publicada em 2011, surgiu um ano antes na XII Jornada Multidisciplinar, evento que reuniu diversos professores na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da UNESP, em Bauru. No livro, a imprensa é vista como um produto social, resultante de vários vetores de forças: econômicas, políticas, culturais, tecnológicas e profissionais, em diferentes momentos do passado e também do presente. José Carlos Marques colabora fazendo uma sólida defesa da crônica como gênero literário, e também jornalístico, ideal para o relato do esporte, em especial o mais popular deles, o futebol. Numa viagem histórica, o autor resgata momentos antológicos dos primórdios do jornalismo esportivo brasileiro. O futebol começava a despertar o interesse das emergentes elites sociais das grandes cidades do país e o rádio e a televisão, enquanto veículos de comunicação de massa, ainda se configuravam como elementos de uma realidade distante no universo urbano brasileiro. As informações esportivas, e do futebol em especial, chegavam ao público através das páginas dos principais veículos impressos das grandes cidades. Com 200 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros a ausência do som e da imagem, a crônica, explica Zeca Marques, se converteu no elemento essencial para a completa descrição de tudo aquilo que acontecia nas principais partidas que começavam a atrair a atenção do grande público. José Carlos mostra ao leitor, de forma didática e com muita naturalidade, as razões pelas quais a crônica se ajustou de maneira confortável na editoria de esportes dos jornais do Brasil. Marques (2011a) aponta que, em nosso país, de uma maneira muito particular, convivem duas formas deste gênero literário/jornalístico tão apaixonante: a crônica em sua acepção medieval (como relato cronológico dos acontecimentos) e a crônica em sua acepção moderna (como um texto que propõe um comentário gracioso sobre o cotidiano). Outra contribuição fantástica no texto de José Carlos Marques (2011) é, de forma sutil e pedagógica, aproximar os papéis da crônica e o do esporte na formação da sociedade moderna pós-Revolução Industrial. O autor chama a atenção, com muita propriedade intelectual, para o fato de que ambos, a crônica no universo literário e o esporte no campo do lazer das massas, contribuíram para manter a coesão da sociedade em um novo mundo fragmentado trazido pela sociedade que se industrializava e urbanizava rapidamente. O momento mais elevado do ensaio “A crônica de esportes no Brasil” está na construção que o autor faz da apropriação do gênero literário pelo jornalismo esportivo no Brasil. O autor mostra, passo a passo, como os relatos do esporte em nosso país foram se apropriado da crônica para uma melhor construção do imaginário do grande público leitor. Para uma melhor explicação desta conexão, nada melhor do que o próprio trecho da obra onde Marques (2011a, p.12) demonstra isso: A crônica jornalística é, em essência, uma informação interpretativa e valorativa de feitos noticiosos, atuais ou atualizados, de onde se narra algo ao mesmo tempo em que se julga o que é narrado. [...] No Brasil, esse mesmo tipo de texto corresponde ao que chamamos de “relato do jogo”, ou seja, a descrição dos principais lances de uma partida, em ordem cronológica. [...] No caso dos jornais brasileiros, esses relatos não são “textos de autor”, ou seja, não contêm marcas enunciativas que denotem abertamente a subjetividade de quem escreve, já que procuram a informação mais objetiva e imparcial. Por fim, e de forma não menos brilhante, o autor apresenta, de forma magistralmente justificada, as razões pelas quais os principais veículos de comunicação impresso do país, em época de grandes eventos esportivos, fazem uso José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte 201 de colunistas de outras editorias para comentar Copas do Mundo ou Jogos Olímpicos. Ao argumentar que esse artificio tem “o intuito justamente de oferecer uma outra visão sobre o futebol – diferente das ideias comuns presentes nas análises dos jornalistas esportivos” (MARQUES, 2011a, p. 15), José Carlos realça a importância do esporte para a sociedade brasileira. Um novo golpe no complexo de “vira-latas” dos pesquisadores da área. Para justificar seu raciocínio, Marques ilustra a importância da crônica, gênero adaptado ao jornalismo esportivo brasileiro, com um renomado elenco de cronistas que já emprestaram seus textos, nos principais jornais diários do país, para encantar seus leitores ao escrever sobre futebol. Apenas para citar alguns nomes com os quais o autor dialoga, cito Mário Filho, Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Sérgio Porto, João Saldanha, José Roberto Torero e Xico Sá, entre outros. Um ano antes, em 2010, em artigo escrito para a Revista Logos, José Carlos Marques já havia analisado, de forma bastante detalhada, a presença de cronistas de outras editorias nas páginas esportivas dos principais jornais diários do Brasil. “A função autor e a crônica esportiva no Brasil: representações da Copa do Mundo em alguns jornais paulistas e cariocas” é o título do trabalho, que explica as razões pelas quais, a partir da década de 1990, em função de uma maior competição mercadológica entre as grandes empresas de comunicação, essa “invasão” de cronistas fora do universo do esporte se intensifica. José Carlos transforma a união entre literatura e esporte, ou mais precisamente entre a crônica e o futebol, em algo sério, acadêmico e delicioso de se ler. Marques não se contentou apenas em trazer a crônica como elemento de reafirmação da cultura nacional para o futebol. Em outra obra, José Carlos uniu o esporte mais popular do país, identificador do Brasil como nação, com a linguagem cinematográfica e todo o simbolismo que ela pode trazer para o imaginário do público. Em 2011, em parceria com a Profa. Dra. Sandra Turtelli, José Carlos Marques organiza o livro “Futebol, cinema e cia.: ensaios”. A obra, resultado do curso de extensão universitária “Cinema e Futebol” organizado por Sandra Turtelli na UNESP de Bauru em 2009, convidou vários pesquisadores, não especialistas em cinema ou audiovisual, a escrever sobre filmes que tenham o esporte como seu tema principal. Aqui, Zeca nos brinda com sua dupla atuação: por um lado, colabora na organização da obra que oferece ao leitor 13 ensaios em que cada autor fornece, dentro de sua área de atuação, o seu olhar para a compreensão do fenômeno esportivo e o cinema; e, por outro, brinda a todos nós com o texto de sua autoria “Conversa de bar: narrativas e história oral em ‘Boleiros’, de Ugo Giorgetti” (2011b). 202 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Se “O futebol em Nelson Rodrigues” é a obra de José Carlos Marques mais conhecida, por seu valor literário e por sua importância acadêmica, “Futebol, cinema e cia.: ensaios” pode ser entendida como o trabalho do autor de maior relevância política para que a área de Comunicação e Esporte tenha, hoje, sua importância devidamente reconhecida no universo acadêmico da Comunicação. Alguns elementos contribuíram para essa relevância política do livro de Zeca Marques organizado em parceria com Sandra Turtelli. Primeiro, a obra mostra, de forma clara, a versatilidade das possibilidades de leituras do esporte em sua união com uma das linguagens da comunicação mais popular: a cinematográfica. Os autores selecionados pela dupla Turtelli-Marques transitam com propriedade, em seus ensaios, pela sociologia, historiografia, política, filosofia, antropologia e comunicação. Depois, o texto do próprio José Carlos (2011b), que fecha a obra, “Conversa de bar: narrativas e história oral em “Boleiros”, de Ugo Giorgetti” é um verdadeiro “tapa com luva de película” a todos que criticavam a legitimidade do campo do saber em Comunicação e Esporte, enquanto área de pesquisa definida e com características próprias. O autor demostra, com seu ensaio, que a área pode justificar sua constituição como universo de pesquisa, capaz de atrair pesquisadores sérios, com competência metodológica e conceitual. Penso que a intenção de Marques tenha sido meramente acadêmica, e o foi. Porém, hoje, alguns anos à frente dos fatos, ao olhar para trás, identifico a importância política dessa obra do nosso homenageado. Os pesquisadores de Comunicação e Esporte viviam um momento difícil, de afirmação política da área enquanto constituição de um grupo de acadêmicos que pudessem ser aceitos pelos seus pares, como um conjunto homogêneo, sério e dotado de relevância científica para ser aceito como tal. A máxima sempre propalada, de forma depreciativa e preconceituosa, entre os demais pesquisadores dos fóruns de comunicação, quando mencionavam seus colegas da área de Comunicação e Esporte, era a de que as pesquisas e os trabalhos destes acadêmicos eram sempre meros “papos de boteco”. A afirmação, além de demonstrar um completo desconhecimento do trabalho realizado pelos pesquisadores de Comunicação e Esporte, dificultava, em sua essência, o desenvolvimento de um grupo, formalmente aceito nos fóruns da área, que pudesse ser constituído com uma temática própria, facilitando a colaboração entre os autores da área. O ensaio “Conversa de bar: narrativas e história oral em ‘Boleiros’, de Ugo Giorgetti”, de José Carlos Marques, mesmo que de forma involuntária e inconsciente, funcionou como uma provocação política. O autor, de forma rigorosaJosé Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte 203 mente acadêmica, respondeu a todos àqueles que enxergam, ou enxergavam, as pesquisas na área de comunicação e esporte como “papo de boteco”. Evidentemente, a obra tem grande relevância acadêmica. Marques retomou, de forma muito coerente, todos os elementos que traduzem sua obra. O elogio ao “paulitanismo” do filme; o amor às coisas do local, em oposição à fragmentação do global; o barroco manifesto na tradição da história oral; o apego ao relato que engrandece o futebol, por vezes, o tornando bem maior do que ele é no imaginário das pessoas. Porém, ao optar por mergulhar na história oral e nos elementos de sua valorização enquanto método científico, José Carlos (2011b, p.195-196) deu à “conversa de bar” um status acadêmico. O método da história oral consiste basicamente em registrar, em áudio ou em audiovisual, depoimentos e entrevistas de pessoas que testemunham acontecimentos e fatos dos quais tiveram algum tipo de participação. Trata-se de registro vivo de aspectos ligados ao cotidiano de dado momento histórico. A seriedade acadêmica com que o autor tratou a conversa de bar entre os “boleiros”, personagens do filme do diretor Ugo Giorgetti, soou como um desafio à comunidade de pesquisadores da área de Comunicação. E Marques se deu muito bem na empreitada. Dentro e fora “das quatro linhas” da pesquisa acadêmica, José Carlos contribuiu decisivamente, à época, para a (re)consolidação do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Esporte dentro da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, a INTERCOM. Como já mencionado, além de sua importância política, do ponto de vista acadêmico, “Conversa de bar: narrativas e história oral em ‘Boleiros’, de Ugo Giorgetti”, é um grande trabalho. Seu autor trouxe para a “tabelinha” futebol e crônica, um terceiro elemento, a história oral. A vertente barroca de Marques, no fundo, fez com que o pesquisador se interesse profundamente pelos diversos formatos narrativos que levam à construção do imaginário do futebol no grande público. É esse o grande e especial interesse de José Carlos Marques. A história oral cumpriu, neste ensaio, o mesmo papel que a crônica exerceu nas obras anteriormente analisadas. O autor trabalhou, com a mesma perfeição das obras anteriores, com a conceituação da metodologia e com suas manifestações na construção feita por cada um dos “boleiros” do filme. Para quem não assistiu à película de Ugo Giorgetti, “Boleiros, era uma vez o futebol”, de 1998, retrata uma série de encontros de um grupo de jogadores 204 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros aposentados, de diferentes idades, num bar, ao final da tarde, para rememorar casos e histórias do passado. José Carlos Marques é, no fundo, um grande apreciador da memória. Nos trechos finais do ensaio, ainda que de forma inconsciente, Zeca assume esse apreço pelos relatos e pela pesquisa em esporte. O autor afirma, dentro das conclusões de seu trabalho, que “Boleiros”, o filme, “[...] assumiu o risco de colocar o futebol em debate no cenário cultural brasileiro, este pouco afeito a aceitar tal modalidade como tema de representação ou discussão”. Parodiando o próprio José Carlos, ouso afirmar que Marques assumiu o risco de colocar o futebol em debate no cenário das pesquisas em comunicação do país, esta pouco afeita a aceitar tal modalidade como tema de estudo e investigação acadêmica séria. No parágrafo final de seu ensaio, José Carlos atesta, com convicção, típica de uma profissão de fé, que “[...] precisamos contar histórias para nos mantermos vivos”. Poucas frases sintetizam tão bem a obra de um autor, quanto a apresentada nas linhas finais do trabalho do pesquisador. Independente da linguagem utilizada – a crônica, o cinema ou a história oral -, o que interessa, na visão de José Carlos, é o imaginário que se origina dos relatos percebidos pela audiência. Marques é, antes de tudo, um exímio contador de histórias. Nenhum outro tema, na sociedade ocidental capitalista rende tantas histórias, com diversas versões de um mesmo fato quanto o esporte, em geral, e o futebol, em particular. Daí a admiração de José Carlos Marques pelo barroco, seu gosto pela crônica, seu apreço pela história oral, sua simpatia pelo cinema e seu amor indelével pelo futebol e por todo o inesgotável imaginário que o cerca. Mas afinal, o que é o esporte? José Carlos Marques explica como ninguém Nutro profunda admiração pela obra de José Carlos Marques. Porém, se tivesse que escolher aquele trabalho que mais me encanta, sem dúvida nenhuma apontaria “O que é o esporte? As contribuições seminais de Johan Huizinga e Roger Caillois resignificadas por Roland Barthes” (MARQUES, 2011c). O texto faz parte do livro Processos Midiáticos e Produção de Sentido, organizado pelo Prof. Dr. Mauro de Souza Ventura e publicado em 2011 pela Cultura Acadêmica. No ensaio “O que é o esporte?”, Marques dialoga com assombrosa facilidade com diversos e renomados intelectuais que, em algum momento de sua vida profissional e acadêmica, se dedicaram a escrever sobre o esporte e seu relacionamento com a sociedade. Estão todos lá, direta ou indiretamente: o holandês Johan Huizinga, os franceses Roland Barthes e Roger Caillois, o italiano Umberto Eco, o também francês Pierre Bourdieu e o brasileiro Roberto DaMatta. José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte 205 José Carlos brinca com todos eles com uma desenvoltura lúdica, poucas vezes observada nos jogos envolvendo pesquisadores e seus objetos de estudo. Sim, digo jogo, porque Marques desenvolve seu raciocínio por meio de múltiplas possibilidades de associação. O fim do ensaio, impossível de se determinar durante sua leitura, traz um quê de ludicidade e de incerteza para o leitor. Porém, no final, o resultado é conhecido de todos: um verdadeiro deleite no prazer da leitura, algo em geral raro para textos acadêmicos. Considero a obra obrigatória para qualquer tipo de profissional e/ou pesquisador que deseje trabalhar com esporte. O ensaio de José Carlos deixa claro, de forma límpida e transparente, todos os conceitos que diferenciam jogo e esporte. Além disso, mostra as diferentes definições de esporte defendidas por cada um dos grandes teóricos da área. Podemos definir o texto, sem nenhum grande exagero, como uma verdadeira aula de Teoria Geral do Esporte. Viva sua Paixão! José Carlos Marques não está preocupado em analisar ou entender os efeitos financeiros dos grandes eventos esportivos em nossa sociedade ocidental pós-moderna. O autor pretende compreender o esporte em sua essência. Busca identificar a importância e o papel do esporte em nossa cultura. Tudo o que presenciamos hoje, com o esporte transformado em negócio, em espetáculo, é apenas reflexo de uma relação antiga, que vem se modificando desde o momento em que o esporte se institucionalizou, pós-Revolução Industrial. O ensaio de José Carlos deixa claro esse posicionamento do autor. O ensaio é brilhantemente didático. Nele, os profissionais e pesquisadores do esporte encontram argumentos para defender posicionamentos polêmicos diante do universo das práticas esportivas. Afinal, automobilismo, modalidade na qual o piloto depende sobremaneira da performance da máquina, é esporte? A tourada, parte integrante do universo cultural dos países ibéricos, é esporte? Você não acha, amigo leitor, que eu responderei, aqui, a essas perguntas, certo? Leia o ensaio “O que é o esporte? As contribuições seminais de Johan Huizinga e Roger Caillois resignificadas por Roland Barthes”, de José Carlos Marques, que as respostas a essas e muitas outras perguntas sobre esporte estão todas ali. Obrigatório. Assim como ocorreu em “Conversa de bar: narrativas e história oral em ‘Boleiros’, de Ugo Giorgetti”, também em “O que é o esporte?”, Zeca Marques utiliza o ensaio para se posicionar politicamente frente aos seus demais colegas da academia que militam na área da comunicação. Por diversas vezes, José Carlos provoca de forma direta os pesquisadores da área que, como já mencionei, acreditam que trabalhar esporte é trabalhar um tema de natureza menor. Marques desafia, também, os profissionais do jornalismo esportivo. Para ilustrar esse fato, destaco a frase em que Zeca afirma: 206 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros A leitura das obras aqui elencadas (no ensaio) poderia evitar o desconhecimento e o despreparo que parte da imprensa esportiva brasileira demonstra ao tratar do fenômeno desportivo nos meios de comunicação [...]. Em outra instância, a aceitação do esporte a partir dos textos aqui citados também serviria para que nossa comunidade acadêmica percebesse a importância e a significância do esporte no seio da sociedade de massa, forjada a partir do século XIX após a Revolução Industrial (MARQUES, 2011c, p. 158). Para finalizar sua “quase” profissão de fé, José Carlos conclui seu ensaio de forma antológica e magistral. Ele resume, em pouco menos de um parágrafo, tudo aquilo que pensa da relação do esporte com a comunicação, seja do ponto de vista acadêmico, seja do ponto de vista político. Talvez pudéssemos concluir este ensaio indagando-nos se o esporte [...] seria para Barthes algo não anterior, mas posterior à cultura [...]. O esporte, como ele atesta magistralmente, é feito para relatar o contrato humano. Que alguns profissionais dos meios de comunicação ao lado de parte da academia brasileira possam ao menos aceitar a contribuição do mestre francês (MARQUES, 2011c, p. 171). “O que é esporte?” dialoga com outro texto importante de José Carlos Marques, “A criança difícil do século algumas configurações do esporte no velho e no novo milênio”, escrito para o volume 8 da Revista Comunicação, Mídia e Consumo, também em 2011. Porém, neste ensaio, José Carlos Marques (2011d) faz uma crítica àqueles que entendem que os negócios em torno do esporte são um fenômeno recente, pós-queda do Muro de Berlim, em 1990. Zeca defende a tese de que, desde o seu nascimento, em sua vertente moderna e institucionalizada, pós-Revolução Industrial, o esporte traz em seu bojo a ótica do capitalismo, da disciplina, da racionalização da eficiência produtiva. Com muita propriedade, José Carlos elenca uma série de autores que colocam sua conceituação sobre o esporte, “a criança difícil do século”. O autor faz, aqui, uma verdadeira crítica a todos aqueles que defendem a ideia de que o esporte, algumas décadas atrás, apresentava um viés romântico, de “amor à camisa” por parte de seus praticantes, em especial os de natureza profissional. Os ensaios de José Carlos Marques não pretendem, em sua essência, estabelecer uma verdade absoluta sobre o que é o esporte? Porém, apresentam pistas concretas para que você, leitor, estabeleça a sua própria definição. José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte 207 José Carlos Marques e sua importância para Comunicação e Esporte no Brasil Paralelamente à sua atividade acadêmica, com produção marcada por ensaios, textos, artigos e livros, Zeca Marques desempenhou, como já mencionado, importante papel político na (re)construção da área de Comunicação e Esporte, enquanto Grupo de Pesquisa, dentro da própria INTERCOM. Quando a área finalmente retomou seu caminho, com o ressurgimento do GP, José Carlos passou a atuar, também, como elemento aglutinador das ideias e dos trabalhos dos diversos pesquisadores de referência na área de Comunicação e Esporte. A ação de Marques, na organização de duas obras fundamentais para a área, contribuiu para o crescimento e fortalecimento acadêmico do GP de Comunicação e Esporte dentro da INTERCOM. As obras que merecem ser destacadas são: “Esportes na Idade Mídia: diversão, informação e educação”, organizada por José Carlos Marques em conjunto com Osvando J. de Morais, em 2012. A segunda “Comunicação e esporte: reflexões”, também organizada por Marques em 2012, desta vez em parceria com outros três integrantes do GP de Comunicação e Esporte da INTERCOM, os professores Anderson Gurgel, Ary José Rocco Jr e Márcio de Oliveira Guerra. A primeira obra, “Esportes na Idade Mídia: diversão, informação e educação”, foi organizada por José Carlos Marques, como já mencionei em parceria com o Prof. Dr. Osvando J. de Morais, para celebrar o tema central do Congresso Nacional da INTERCOM, em Fortaleza, Ceará, no ano de 2012. Naquele ano, não sem a forte oposição de um grupo de seus associados, a direção da INTERCOM decidiu que o tema central de todos os seus Congressos Regionais e de seu Congresso Nacional seria “Esporte na Idade Mídia: diversão, informação e educação”. Neste livro foram reunidos trabalhos participantes do XXXV Ciclo de Estudos da INTERCOM. Com apresentação de Osvando J. de Morais e prefácio de José Carlos Marques, a obra traz ainda textos de renomados pesquisadores internacionais e nacionais, que pesquisam Comunicação e Esporte. O “timaço” de intelectuais, convidados por Marques e Morais, apresentou nomes de destaque como: Miguel de Moragas, Pablo Alabarces, Salomé Marivoet, Victor Andrade de Melo, Édison Gastaldo, Ronaldo Helal, Márcio Guerra, Kati Caetano, Luciano Klöckner, Rodrigo Adams, Nélia Del Bianco, Monique Rodrigues, Ana Carolina Temer, Iluska Coutinho, Vera Toledo e Rosa Dalla Costa. A obra acabou por se constituir em um verdadeiro marco acadêmico na área de Comunicação e Esporte, dentro da própria INTERCOM. Um golaço de Zeca Marques. Viva sua Paixão! 208 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Especialmente para esta obra, José Carlos reservou o ensaio “Falta de Fair Play ou excesso de virtuose? Breves reflexões sobre o comportamento de Cristiano Ronaldo e Neymar no futebol atual”. Na obra, Marques promove uma discussão que muito lhe agrada: a oposição existente entre a racional organização empresarial do esporte e seu aspecto extremamente lúdico, nada racional, puramente emocional. A prática do futebol profissional, desde o final do Século XX, passou a caracterizar-se por uma racionalização crescente, em função da organização empresarial dos clubes, da regulamentação profissional dos setores técnicos envolvidos (as equipes hoje dispõem de uma infinidade de profissionais que lhe dão suporte, como fisiologistas, nutricionistas, psicólogos, terapeutas, preparadores físicos, diretores etc.), do desenvolvimento de novos esquemas táticos, do maior rigor na preparação dos atletas, entre outros aspectos – o que fez diluir em parte a essência lúdica da prática esportiva, como apontou o historiador holandês Johan Huizinga (em sua célebre obra “Homo Ludens”). No entanto, e sem prejuízo desses aspectos profissionalizantes, o futebol contemporâneo ainda representaria um terreno fértil para a busca do prazer e a efetivação do impulso lúdico (MARQUES, 2012, p.179). Marques (2012) promove o embate entre o rigor e a complexidade de regras e regulamentos, presentes no esporte de alta competição, e o prazer lúdico que alguns atletas experimentam no exercício de sua profissão, como o português Cristiano Ronaldo e o brasileiro Neymar. José Carlos elenca, em seu ensaio, momentos nos quais os dois jogadores, dentro do exercício de sua atividade profissional em suas equipes, “regressaram ao paraíso” da brincadeira em sua prática esportiva. O mais interessante da discussão promovida pelo autor é o papel da mídia. Ao analisar o comportamento dos dois jogadores, em momentos em que deixam aflorar o prazer lúdico de “jogar bola”, fazendo uso de sua habilidade técnica e virtuosismo incomuns, os veículos de comunicação de massa frequentemente acusam os atletas “de agirem com falta de ética e de fair play” (MARQUES, 2012). Conhecedor como poucos das teorias e dos teóricos que analisam o esporte em seu contexto social, Marques (2012) demonstra sua autoridade sobre o tema ao promover o confronto simbólico envolvendo: de um lado, os estudos sociológicos sobre o esporte que apontam elementos como o drible e a irreverência dos atletas como “fatores de valorização estética” do futebol; do outro, aspectos “disciplinadores e civilizatórios” promovidos pela racionalidade imposta aos jogadores pela ordem profissional da prática esportiva. José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte 209 Para defender o “primeiro” time, o preferido de José Carlos, o autor escala autores do porte de Gilberto Freyre, Roberto DaMatta e Anatol Rosenfeld. Na outra equipe, fundamental para Marques, mas não a sua preferida, Zeca lança mão de teóricos do naipe dos sociólogos Nobert Elias e Pierre Bourdieu. Em um confronto tão equilibrado e para decidir a “partida” a favor de suas preferências, Marques (2012) convoca o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini. Em 1970, relata José Carlos, o italiano “afirmou que as equipas sul-americanas praticariam um ‘futebol de poesia’, enquanto as europeias, um ‘futebol de prosa’” (MARQUES, 2012, p.181). Outro ponto alto deste ensaio de Zeca Marques é a comparação que o autor faz do contraste existente entre as visões europeia e brasileira das manifestações de irreverência, quase malandragem, dos dois personagens do mundo do futebol trabalhado pelo pesquisador em sua obra. Para além da sublimação da malandragem, Cristiano Ronaldo e Neymar são responsáveis por fazer sobreviver os aspectos lúdicos das práticas arcaicas relacionadas ao jogo – agora normatizadas e estruturadas como esporte. Desse modo, o espírito provocador e irreverente de ambos, se por um lado demonstra a falta de fair play quando lido à luz da norma esportiva canônica eurocêntrica, por outro lado pode ser visto como elemento inerente à prática do jogo. Para o público padrão europeu, a falta de fair play de ambos é reprovável e indigna; para o público brasileiro padrão (seria, em certa medida, também para o público português?), o excesso de virtuosismo dos dois é motivo de distinção e euforia (MARQUES, 2012, p.183). José Carlos Marques (2012) reitera sua admiração pelo jeito brasileiro de ser, manifesto na quase malandragem dos atletas estudados, na ludicidade de suas ações, na habilidade técnica presente na prática do futebol, na “poesia” de Pasolini. Mais uma vez, o barroco se manifesta na obra de Marques. Em “Falta de Fair Play ou excesso de virtuose? Breves reflexões sobre o comportamento de Cristiano Ronaldo e Neymar no futebol atual”, José Carlos já demonstra que o Grupo de Pesquisa em Comunicação e Esporte já é algo consolidado no universo da INTERCOM. O posicionamento político, em prol da consistência teórica e acadêmica dos pesquisadores da área, assume outros contornos. Com a escolha do Esporte como tema central dos Congressos da INTERCOM para 2012, mercê também da atuação política de José Carlos Marques como Diretor Administrativo da entidade, o pesquisador não tem mais a necessidade de defender a sobrevivência 210 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros da área de Comunicação e Esporte. A credibilidade dos pesquisadores do Grupo de Pesquisa já estava conquistada. Com isso, Marques passa a se movimentar no intuito de promover o desenvolvimento e crescimento do campo de saber Comunicação e Esporte. Não por acaso, seu ensaio termina com um convite: “esse ethos do jogador de futebol (confronto entre o virtuosismo lúdico e a racionalidade da profissão) é algo que carece de maior investigação e cuidado – noções que este trabalho procurou pôr em discussão de forma embrionária e preliminar” (MARQUES, 2012, p.185). Viva sua Paixão! A segunda coletânea, “Comunicação e esporte: reflexões”, foi organizada por Zeca Marques, em 2012. Para essa obra, José Carlos contou na organização da obra com a parceria, como já mencionado, de outros três integrantes do GP de Comunicação e Esporte da INTERCOM, os professores Anderson Gurgel, Ary José Rocco Jr e Márcio de Oliveira Guerra. A obra, além de sua qualidade acadêmica, tem forte representatividade simbólica para todos os integrantes do GP de Comunicação e Esporte. O livro significa, do ponto de vista prático e político, o fim do processo de consolidação do GP dentro da INTERCOM. Processo em que Zeca Marques teve importante atuação, dentro e fora das “quatro linhas” da pesquisa acadêmica. “Comunicação e esporte: reflexões” foi lançado pelo Grupo de Pesquisa Comunicação e Esporte no Congresso Nacional da INTERCOM, em Fortaleza (CE), em 2012. O trabalho, como já foi mencionado, teve como base o mesmo tema do evento nacional da INTERCOM. O livro é a terceira coletânea elaborada pelos integrantes do GP e inaugurou a repaginada Coleção GPs da entidade, destinada a tornar pública a produção dos sócios e demais nucleados da INTERCOM. A publicação celebrou os primeiros 15 anos de atividade do GP Comunicação e Esporte, inaugurado em 1997, quando debutou no Congresso Nacional da INTERCOM, realizado na cidade de Santos (SP). A história do grupo, com suas idas e vindas, está intimamente ligada à atuação acadêmica de José Carlos Marques. Antes desta obra, o GP de Comunicação e Esporte já havia lançado dois volumes dentro da antiga coleção NPs da INTERCOM. O primeiro, em 2005, intitulado “Comunicação e esporte: tendências”, organizado por Zeca Marques, em parceria com os primeiros coordenadores do NP, Sérgio Carvalho e Vera Regina T. Camargo. A obra também é marcada por forte simbolismo para a área de Comunicação e Esporte. O livro marca a transição da coordenação do NP de pesquisadores ligados a cursos de Educação Física e Esporte, Sérgio Camargo e Vera Regina T. Camargo, para acadêmicos ligados à área de Comunicação, no caso o próprio José Carlos Marques. José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte 211 A segunda coletânea, organizada somente por Zeca, foi lançada pelo NP em 2007. “Comunicação e esporte: diálogos possíveis” reflete o momento em que o grupo de pesquisadores em Comunicação e Esporte lutava pela sobrevivência. A obra representa o momento em que os acadêmicos da área viram seu NP sucumbir e ser incorporado como uma seção de um NP maior, o de Comunicação Científica, coordenado por José Carlos Marques. A autonomia do grupo só foi reestabelecida em 2009, agora com o nome de Grupo de Pesquisa (GP) em Comunicação e Esporte. Dentro deste processo, de idas e vindas, a atuação acadêmica e política de José Carlos Marques foi essencial para a sobrevivência do Grupo e sua posterior emancipação definitiva. Durante todo este período de nascimento, desenvolvimento e crescimento do Grupo de Pesquisa, Zeca Marques foi, e é, presença constante e obrigatória. Muito do poder de reação do grupo em momentos adversos encontrou na força acadêmica e política de José Carlos o seu bastião. Marques verdadeiramente acredita no que faz e isso fica claro para todos os demais integrantes do grupo. Viva sua Paixão! Hoje, com o grupo já consolidado e contando com um prestígio maior junto à direção da INTERCOM, mercê também da atuação de José Carlos Marques como dirigente da entidade, nosso homenageado tem atuado como um aglutinador de pesquisadores mais jovens interessados em conhecer e frequentar o GP. A terceira coletânea do grupo “Comunicação e esporte: reflexões” mostra a transição do período de incertezas, no qual o GP lutava por sua sobrevivência, para o momento de consolidação e crescimento, que ora vivemos, no qual a manutenção não é mais a questão central da atuação do Grupo. Atualmente, o Grupo, e seus pesquisadores, vivem um momento em que as pesquisas na área de Comunicação e Esporte já são vistas com respeito e credibilidade. É este, além da inquestionável qualidade literária e acadêmica de seus trabalhos, o maior legado até o momento da atuação de Zeca Marques. Considerações Finais A obra de José Carlos Marques fala por si só da qualidade acadêmica e da seriedade profissional de seu autor. Porém, muito mais do que sua produção, a área de Comunicação e Esporte deve muito do seu status atual à postura política de Zeca. O rigor conceitual e metodológico de seus trabalhos, sua visão estruturada de seus projetos de pesquisa e sua criatividade acadêmica colocam a obra de Marques em um elevado patamar dentro do universo da academia brasileira, especialmente no campo da Comunicação. 212 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Os trabalhos acadêmicos de José Carlos contribuíram, e ainda contribuem, para que o Esporte dentro da Comunicação seja, hoje, reconhecido como uma área séria e que pode oferecer à sociedade excelentes projetos de interesse inclusive, e especialmente, social. Porém, e acho importante destacar esse aspecto novamente, a atuação política em prol da área de Comunicação e Esporte é algo que deve ser sempre louvado e referenciado. José Carlos Marques foi fundamental para o renascimento do Grupo de Pesquisa da área. Um verdadeiro “desbravador”. Zeca soube ter paciência e determinação para, no tempo certo, convencer a comunidade acadêmica da área de Comunicação, da importância do esporte e das relações que se estabelecem entre o rico universo da comunicação e desse que talvez seja um dos elementos culturais mais marcantes da nossa sociedade, o esporte. Assim, e sei que represento aqui todos os pesquisadores do Grupo de Pesquisa de Comunicação e Esporte da INTERCOM, gostaria de, publicamente, agradecer ao nosso homenageado. Valeu, Zeca! Obrigado por viver a sua paixão! Referências MARQUES, J. C. O futebol em Nelson Rodrigues. São Paulo: EDUC, 212 p, 2000. MARQUES, J. C. “A função autor e a crônica esportiva no Brasil: representações da Copa do Mundo em alguns jornais paulistas e cariocas”. Logos (UERJ. Impresso), v. 17, p. 39-50, 2010. MARQUES, J. C. “A crônica de esportes no Brasil: algumas reflexões”. In: LOSNAK, Célio José; VICENTE, Martin Maximiliano (Org.). Imprensa e sociedade brasileira. São Paulo: Cultura Acadêmica, p. 85-102, 2011a. MARQUES, J.C. “Conversa de bar: narrativas e história oral em ‘Boleiros’, de Ugo Giorgetti”. In: MARQUES, J. C. (Org.); TURTELLI, Sandra (Org.). Futebol, cinema e cia.: ensaios. 1. ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, p. 189-202, 2011b. MARQUES, J. C. “O que é o esporte? As contribuições seminais de Johan Huizinga e Roger Caillois resignificadas por Roland Barthes”. In: Ventura, M. S. (Org.). Processos Midiáticos e Produção de Sentido. São Paulo: Cultura Acadêmica, v. 1, p. 157-172, 2011c. José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte 213 MARQUES, J. C. “A criança difícil do século algumas configurações do esporte no velho e no novo milênio”. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo. Impresso), v. 8, p. 93-112, 2011d. MARQUES, J.C. “Falta de Fair Play ou excesso de virtuose? Breves reflexões sobre o comportamento de Cristiano Ronaldo e Neymar no futebol atual”. In: MARQUES, J. C. (Org.); MORAIS, O. J. (Org.). Esportes na Idade Mídia: diversão, informação e educação. São Paulo: Intercom, p.175-192, 2012. MARQUES, J. C. (Org.); GURGEL, Anderson (Org.); ROCCO JR., Ary José (Org.); GUERRA, M. (Org.). Comunicação e esporte: reflexões. São Paulo: Intercom, 354 p., 2012. MARQUES, J. C. (Org.); MORAIS, O. J. (Org.). Esportes na Idade Mídia: diversão, informação e educação. São Paulo: Intercom, 2012. MARQUES, J. C. (Org.); TURTELLI, Sandra (Org.). Futebol, cinema e cia.: ensaios. 1. ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. 202 p. SHIRTS, M. “Prefácio – A clareza do barroco boleiro”. In: Marques, J. C. O futebol em Nelson Rodrigues. São Paulo: EDUC, 2000. p. 11-13. 214 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação João Carlos Picolin1 11º CAPÍTULO Eu sou um homem da prática. Eu gosto de trabalhar com comunicação. Foi assim no mercado e é assim na universidade. (ALMEIDA, 2014, p. 23). Conheci Fernando Ferreira de Almeida no início do semestre letivo de 1993, quando eu ingressava no curso de Jornalismo da UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba), então coordenado por ele. Figura carismática e cativante ensinava fotografia com brilho nos olhos. E que professor! Haja vista que suas aulas são inesquecíveis. Basta perguntar aos seus alunos e ex-alunos. Nascido em Rio Claro, em 26 de agosto de 1955, Fefeu, como é conhecido por todos, passou a maior parte da sua infância entre a Vila Operária, onde morava com os pais, e 1. Bacharel em Comunicação Social nas habilitações de Jornalismo (UNIMEP, 1996) e de Publicidade e Propaganda (UNIMEP, 1999). Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (2002). Professor e Coordenador do Curso de Publicidade e Propaganda do Claretiano – Faculdade de Rio Claro. Colaborador da agência I.C.E. Propaganda como redator publicitário. Assessor nas áreas de comunicação e marketing da Fundação Claret para a Rádio Claretiana FM e TV Claret. Fotos: arquivo pessoal de Fernando Ferreira de Almeida Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 215 na Vila Aparecida, onde viviam seus avós. Casado com Catarina, com quem tem três filhos, Diogo, Marina e Marcela, ele faz parte da segunda geração da sua família no Brasil. Seus avós vieram da Ilha da Madeira, em Portugal. O pai, Armando de Almeida, era encanador na extinta Companhia Paulista de Estrada de Ferro. A mãe, Maria Conceição Ferreira de Almeida, cuidava da casa e, sempre que podia, também trabalhava como manicure, com bordado, e fazendo bolo para casamento. Fefeu iniciou seus estudos na escola Barão de Piracicaba, onde fez o jardim da infância. Depois, estudou no colégio Monsenhor Martins e no colégio Vocacional. “No vocacional ficou mais claro que a minha área é a prática” (ALMEIDA, 2014, p. 1). E, de fato, ele é um homem da prática, do fazer, como veremos nesta breve descrição da sua atividade em Comunicação. “Também ali aprendi muito com projetos integrados, que envolviam disciplinas de áreas diferentes. Isso viria a me inspirar nos trabalhos que fiz como gestor de cursos” (ALMEIDA, 2014, p. 2). Ouvia todos os dias, depois da escola, o programa “As historinhas do vovô Simão”, na rádio Clube de Rio Claro. “Eles tocavam os disquinhos com as aventuras escritas por Walt Disney. Eu adorava”, revela (ALMEIDA, 2014, p. 2). Lia muitas revistas, gostava de Machado de Assis e Casemiro de Abreu, de quem teve até que declamar uma poesia na escola. Chegou a se arriscar na música, aprendendo a tocar flauta-doce e acordeom e representando a escola no concurso “A mais bela voz estudantil”, cantando sucessos de Tim Maia e de Nelson Ned. Mas, o encaminhamento para a área de comunicação não se deu logo. Por oportunidades no mercado de trabalho e por tendências profissionais que sempre acontecem em períodos específicos, optou por fazer colégio técnico na área de Mecânica. De fato, era a certeza de um emprego logo depois de formado e uma excelente porta para a entrada em um curso de Engenharia. No segundo ano do curso, percebeu que não era o que gostava de fazer, apesar de todas as vantagens que a formação iria lhe proporcionar. Decidiu terminar o segundo grau no Colégio Puríssimo e mudar radicalmente de foco profissional: para a Medicina. Chegou a fazer cursinho e se preparar para o vestibular. Fez a inscrição e, pouco antes da prova, voltou a perceber que seguia pelo mesmo caminho de quando havia optado pela Mecânica: uma oportunidade de trabalho seguro, sem levar em consideração o que realmente gostava de fazer. “Posso falar por experiência própria, a gente tem que fazer o que gosta”, diz de forma enfática (ALMEIDA, 2014, p. 4). Foi quando soube do vestibular da UNIMEP. Na universidade, fez uma consulta ao catálogo de cursos, excluindo de imediato as áreas de exatas e biológicas. 216 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Viu-se no perfil estabelecido para o curso de Comunicação Social e decidiu analisar a profissão. Em 1977, prestou o vestibular para o curso com formação polivalente, o que o permitiria atuar como jornalista, publicitário ou radialista. Uma nova mudança ocorreria em 1978. O Ministério da Educação (MEC) veio reconhecer o curso e estava extinguindo as formações polivalentes. Então, o MEC propôs reconhecer a formação polivalente até a turma de 1977 e que o curso passasse a ser de Publicidade e Propaganda a partir de 1978. No final daquele ano, a turma teve que optar: ou ficaria no novo curso de Publicidade e Propaganda, ou iria para o curso de Relações Públicas, também oferecido pela universidade na época. De uma turma de 120 alunos, a grande maioria foi cursar Relações Públicas por sentir maior segurança da profissão naquele momento. “Eu optei por aquilo que havia pesquisado, e o que estava mais próximo era Publicidade. Minha turma terminou o curso com oito alunos”, revela (ALMEIDA, 2014, p. 7). Em 1979, formou-se publicitário. Da atividade prática ao trabalho acadêmico A possibilidade de estar em contato direto com o público e a facilidade de comunicação foram elementos determinantes para que Fefeu optasse pelo curso de Comunicação Social. O início da sua carreira profissional se deu numa autarquia pública em Rio Claro. Fazia algumas atividades na área de contabilidade e trabalhava com atendimento ao público. Também era o responsável por elaborar alguns boletins de comunicação interna e ajudar a organizar alguns eventos promovidos pelos funcionários. Durante o curso de Comunicação Social, teve contato com o laboratório audiovisual e logo se interessou pelos equipamentos e seus funcionamentos. Chegou, inclusive, a trabalhar como voluntário no laboratório, o que foi determinante para o seu ingresso na carreira acadêmica. Até 1979, viveu e trabalhava em Rio Claro e estudava em Piracicaba. Nesse mesmo ano, através do professor Nelson Bertolini, teve a primeira oportunidade de trabalho efetivamente na área. Na época, a família Dedini, muito tradicional na cidade de Piracicaba, estava agrupando suas empresas para integralizar a administração dos seus negócios. Foi quando a empresa criou o departamento de comunicação e marketing. Fefeu trabalhou ali por nove meses fazendo pesquisa, organizando eventos e trabalhando na comunicação interna da empresa. Em 1980, decidiu buscar novas oportunidades no mercado. Iniciou um trabalho na Globo, empresa de consultoria pessoal, em Campinas. Era um ramo Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 217 de atividade ainda recente na época. Tinha ido buscar uma vaga na sua área de formação, mas sua facilidade de comunicação e de lidar com o público acabou fazendo com que a empresa de consultoria o contratasse para prestar serviços ali mesmo. Nesse mesmo ano, encontrou com o amigo Salomão Jacob Junior, que trabalhava no Jornal de Hoje, de Campinas. Ele fez uma proposta para que Fefeu trabalhasse no departamento comercial do jornal. De propriedade da família Quércia, o jornal era bastante moderno para o seu tempo, já com impressão offset e uma qualidade gráfica melhor que a dos jornais mais tradicionais da cidade. Então, Fefeu começou a trabalhar com publicidade no jornal. Através de outro amigo, o professor Carlos Avila, ficou sabendo que haveria um concurso para técnico do laboratório audiovisual da UNIMEP. Era a atividade que ele mais se identificava e que já havia experimentado como voluntário nos tempos em que trabalhava na Dedini. Na verdade, acumulava o trabalho na empresa durante o dia, e, por iniciativa própria, queria aprender mais sobre os equipamentos fazendo o trabalho voluntário durante a noite. Em 1981, Fefeu fez a inscrição para o concurso, fez os testes e ficou em segundo lugar. Sua experiência em lidar com o público foi determinante para que assumisse a vaga, já que teria que trabalhar em contato direto com os professores e com os alunos. Nesse mesmo ano, foi efetivado como funcionário da UNIMEP e iniciou uma trajetória na universidade que duraria 25 anos. Três anos mais tarde, teve a oportunidade de trabalhar no Planalsucar, um programa de melhoramento da cana de açúcar, vinculado ao Instituto do Açúcar de do Álcool, realizando diversas atividades na área de comunicação, principalmente a fotografia para a revista do instituto. Nesse período, acumulava as atividades como técnico do laboratório do curso de Comunicação Social e as atividades do Planalsucar. No ano de 1985, teve a primeira oportunidade como docente. A convite do chefe do departamento de Comunicação Social da UNIMEP, professor Antonio Cerveira de Moura, e da coordenadora do curso, professora Maria Cristina Schmidt, assumiu a disciplina de Fotografia nos cursos de Jornalismo e de Publicidade e Propaganda. Essa mudança, dando início à sua carreira como docente, Fefeu dedica à sua experiência profissional. “Foi a experiência prática que tinha com as atividades que desenvolvia profissionalmente e o trabalho direto com os alunos que me credenciaram para dar aula. Por isso, posso dizer: foi a prática que me levou para o ensino” (ALMEIDA, 2014, p. 9). A experiência bem sucedida na disciplina de Fotografia, o levou a assumir também as disciplinas de Rádio e de TV e ainda as orientações de projetos 218 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros desenvolvidos pelos alunos. O aumento no leque de disciplinas o obrigou a deixar a função de técnico do laboratório. Até maio de 1990, Fefeu trabalhava durante o dia no Planalsucar e ministrava aulas em praticamente todas as noites na UNIMEP. Depois de deixar as atividades do Planalsucar, começou a trabalhar num plano de marketing para uma rede de drogarias, a convite do seu ex-aluno Osvaldo Luiz Baptista. O trabalho durou dois anos e meio. A partir de 1991, começou a se dedicar exclusivamente à carreira acadêmica. O mestrado Por ser um homem da prática, como gosta de se definir, Fefeu só começou a fazer o seu mestrado sete anos após o início da sua carreira docente. Ele já era Chefe do Departamento de Comunicação Social na UNIMEP quando começou a cursar disciplinas como aluno especial do programa de Multimeios da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), em 1991. A experiência como docente e como técnico do laboratório de audiovisual sempre motivou a busca por estudar e contribuir para o ensino da Comunicação. Nessa primeira tentativa de fazer o mestrado, o foco do seu trabalho estava no ensino da fotografia, em virtude da disciplina que ministrava na UNIMEP. A ideia era buscar elementos que pudessem contribuir em como trabalhar os aspectos relacionados ao conteúdo e ao ensino da fotografia nos cursos de Comunicação, focando a história da fotografia e sua ligação com a arte para depois identificar sua aplicação nas habilitações de Publicidade e Propaganda, de Jornalismo e de Rádio e TV. A possibilidade de uma bolsa de estudos a partir de um intercâmbio entre as universidades metodistas o estimulou a continuar o mestrado na UMESP (Universidade Metodista de São Paulo), dessa vez como aluno regular. Como estava em regime de dedicação exclusiva na UNIMEP, cursou as disciplinas sem fazer publicações até o prazo para defender sua dissertação, que na época era de 4 anos. Sob a orientação do professor Onésimo de Oliveira Cardoso, que era o coordenador do programa de pós-graduação da UMESP, manteve o foco no ensino da fotografia. Em 1997, Fefeu participou do Primeiro Encontro Lusófono de Ciências da Comunicação – LUSOCOM, que aconteceu em Lisboa, Portugal. Na ocasião, ele apresentou o texto “A necessidade da formação” na mesa temática Sociedade da Informação, apontando aspectos sobre a importância da formação do profissional de fotografia, seguindo aquilo que vinha pesquisando para o mestrado. Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 219 Entretanto, próximo da sua qualificação, houve uma mudança no programa de pós-graduação da universidade e, por causa das novas linhas de pesquisa, mudou de orientador, que passou a ser o professor José Salvador Faro; e também o tema do seu trabalho, porque se aprofundava muito na área da educação e de metodologias de ensino. O professor José Marques de Melo havia assumido a coordenação do programa de pós-graduação em Comunicação da UMESP. Nesse momento, sugeriu a Fefeu que fizesse um estudo de caso focado na fotografia. Ele aceitou o desafio e iniciou um novo trabalho em 1998, dessa vez abordando a fotografia como documento a partir de um estudo de caso sobre Thomaz Farkas2. Partindo da ideia que a fotografia é um documento que extrapola a técnica e carrega significados, trazendo consigo as características e o olhar daquele que faz o clique e, a partir da sua impressão e registro, captura uma expressão para perpetuá-la no plano real, é que Fefeu trabalha a sua dissertação de mestrado. Analisando os trabalhos de Thomaz Farkas, constata que toda sua produção não está no sujeito que vê o mundo como um cidadão comum, mas a de um profissional que tenta mostrar ao mundo aquilo que não poderá presenciar jamais. Intitulada “Fotografia-documento: a contribuição de Thomaz Farkas”, a dissertação resgata a tese de Boris Kossoy sobre a atividade fotográfica, que envolve os temas fotografados, os autores e a tecnologia empregada para o registro fotográfico. Ao longo de 176 páginas, Fefeu trabalha com essas três temáticas, tanto do ponto de vista conceitual, quanto da prática fotográfica, resgatando historicamente a fotografia, os processos tecnológicos que envolvem a produção fotográfica e a participação decisiva do profissional da fotografia, constatando-os no trabalho de Thomaz Farkas como o respaldo para garantir o registro que melhor irá representar a realidade dos fatos e, a partir daí, transformar a imagem captada num documento real dos acontecimentos do mundo. 2. Fotógrafo, cineasta, diretor de fotografia, produtor, pesquisador, professor e empresário, Thomaz Farkas (1924-2011) é reconhecido em todo o mundo como um dos principais expoentes da fotografia moderna brasileira. É de origem húngara, mas mudou-se para o Brasil ainda criança. Seu pai era proprietário da Fotóptica. Ao longo de sua carreira, foi um dos mais expressivos membros do Foto Cine Clube Bandeirante, teve seu trabalho exposto em importantes museus do Brasil e do mundo, foi professor na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e é considerado por muitos um dos precursores da nova linguagem do fotojornalismo brasileiro. 220 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros “É através da fotografia que a humanidade tem conhecido visualmente outras culturas e assistido às transformações da sociedade quase ao mesmo tempo de seus acontecimentos” (ALMEIDA, 2000, p. 25). Na visão de Fefeu, na atualidade as redes sociais intensificaram e deram mais velocidade a esse fenômeno. “Hoje, nas mídias sociais, o que mais chama a atenção, o que mais te provoca, é a imagem. Qualquer coisa que você vai fazer na internet, antes você coloca uma imagem” (ALMEIDA, 2014, p. 21). Depois de analisar diversos autores e suas abordagens sobre o conceito, a concepção, a produção, o emprego de tecnologias e a cultura fotográfica, Fefeu aponta que não importa a reflexão que se faça, a fotografia aparece sempre como um documento a ser estudado, seja do ponto de vista da semiótica, da estética, da teoria crítica, do avanço tecnológico, do autor e sua formação (cultural, de cidadão e profissional) (ALMEIDA, 2000, p. 29). E sobre as pessoas que têm a fotografia como profissão, a partir dos estudos realizados, lança uma questão interessante e pertinente até os dias atuais sobre o papel do profissional fotógrafo: “Sem repertório cultural, como representar aquele que não pode estar presente para testemunhar o fato?” (ALMEIDA, 2000, p. 79). Além de inventariar as exposições e publicações de que Thomaz Farkas havia participado até o momento da realização da dissertação, em 1998, bem como relatar seu trabalho como profissional, pesquisador e docente nas áreas de cinema e de fotografia, a partir de Ivan Lima o trabalho faz uma referência às diferenças entre temas abordados, como a fotografia política, a fotografia social, a fotografia internacional e a fotografia de futebol, temas recorrentes nos trabalhos de Thomaz Farkas. Ao abordar o fotógrafo Thomaz Farkas e sua obra, destaca que ele é considerado um dos precursores da fotografia moderna no país por registrar o fato e os acontecimentos de forma a romper com o formato pictórico. E o caracteriza como um fotógrafo documentarista a partir da exposição de uma série de fotos produzidas por Thomaz Farkas, analisando o tema e a técnica com base nas características de seu autor. Por fim, conclui que “toda fotografia é um documento e que o domínio da técnica de fotografar é fundamental para o registro iconográfico. A trajetória do autor é fator condicional para identificar o valor do documento visual” (ALMEIDA, 2000, p. 112). Portanto, além do estudo de caso, o trabalho tem uma importante contribuição para entender o registro fotográfico como documento histórico, além de Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 221 colocar em cena a importância do profissional de fotografia e da sua capacidade de lançar seu olhar sobre o fato e dele tirar o registro histórico. Trazendo esta perspectiva para os dias atuais, Fefeu é enfático ao dizer que “clicou, virou história”. Entretanto, destaca que nem todos estão atentos a este fenômeno fotográfico aplicado à instantaneidade das redes sociais. Profissional ou não, o que eu tenho visto hoje é a aplicação literalmente liberal de diversas imagens que se usa e que se dá a interpretação que se quer, e que depois não dá mais tempo de corrigir e correr atrás. É preciso ter muito cuidado (ALMEIDA, 2014, p. 21). As novas tecnologias permitiram que todos tenham acesso à produção fotográfica. Neste sentido, independente do papel do profissional de fotografia, o foco permanece no autor da foto, como ocorreu nos protestos que tomaram as ruas do país em 2013. Essas pessoas querem mostrar que estiveram lá; querem contar a sua história dentro da história. Ainda que com equipamentos limitados, eles mostram aquilo que estão vendo. E isso também é história, e tudo o que mostraram traz consigo parte daquilo que eles são (ALMEIDA, 2014, p. 22). A INTERCOM É impossível não associar a imagem de Fefeu à imagem da INTERCOM (Sociedade Brasileira dos Estudos Interdisciplinares da Comunicação). São 21 anos ininterruptos na diretoria da entidade, presente nos principais congressos promovidos por ela, representando-a em outras associações e participando ativamente nas discussões sobre o ensino de Comunicação no país a partir dos espaços construídos para esse debate. Esta relação teve início em 1991, quando Fefeu teve o primeiro contato com a INTERCOM. Naquele ano, a UNIMEP sediou o Simpósio Regional de Pesquisa em Comunicação (SIPEC), evento que antecedeu os congressos regionais da INTERCOM até 2005. Como Chefe do Departamento de Comunicação da UNIMEP, foi responsável por organizar, junto com a sua equipe, as atividades do simpósio, em parceria com a INTERCOM. Entretanto, a filiação aconteceu somente no ano seguinte, quando, junto com um grupo de professores da UNIMEP, apresentou um trabalho sobre a 222 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros história da imprensa em Piracicaba, durante o congresso nacional da INTERCOM, sediado naquele ano na UMESP. Nesse trabalho, ficou responsável pelo estudo da fotografia e da publicidade na imprensa piracicabana. No ano seguinte, o professor Adolpho Queiroz se lançou candidato à presidência da INTERCOM e convidou Fefeu para que fosse candidato a tesoureiro da entidade. Na época, a eleição era feita para cada cargo da diretoria. Eleito primeiro Tesoureiro, Fefeu assumiu a tesouraria da entidade em 1993. Desde então, não deixou mais a função. Participou das gestões de Adolpho Queiroz (1994/1995), Maria Immacolata Vassallo de Lopes (1996/1997), José Salvador Faro (1998/1999), Cicilia Maria Krohling Peruzzo (2000/2002), Sonia Virginia Moreira (2003/2005), José Marques de Melo (2006/2008) e Antônio Carlos Hohlfeldt (2009/atual). Eu fiquei porque acho que todos os presidentes que me convidaram para fazer parte da diretoria entenderam que eu tenho o perfil para isso. O que eu posso dizer, é que eu gosto do que faço e faço o que gosto com dedicação. Acho que isso deve ter dado confiança para que os presidentes me convidassem. E, com isso, acabei dedicando 21 anos da minha vida à Intercom (ALMEIDA, 2014, p. 17). Como já comprovamos aqui, Fefeu é um homem da prática, do fazer. E seu primeiro teste à frente da função acabou o envolvendo como Coordenador do Curso de Comunicação da UNIMEP. É que, em 1994, a universidade assumiu a responsabilidade de sediar o evento nacional. Então, Fefeu teve que assumir também a coordenação local do evento junto com a sua equipe. Desse evento, do qual tive a oportunidade de participar como aluno, é importante destacar que foi a primeira vez que alunos de graduação puderam inscrever trabalhos na Exposição de Pesquisas Experimentais de Comunicação (EXPOCOM). Essa abertura passa a ser um divisor de águas para a entidade, que hoje conta com a presença e a participação ativa dos alunos de graduação. A EXPOCOM foi uma iniciativa do professor José Marques de Melo e foi liderada pelo professor Paulo Rogério Tarsitano, com a coordenação local de Fefeu. E os reflexos foram imediatos. “Com a entrada dos alunos de graduação, foi um congresso grande para a época, porque tivemos aproximadamente 700 inscritos. Até então, o número de participantes girava em torno de 300 a 500 pessoas” (ALMEIDA, 2014, p. 11). A participação do aluno de graduação nos eventos da INTERCOM é uma das principais referências do trabalho de Fefeu, haja vista seu envolvimento com o INTERCOM JUNIOR e com a EXPOCOM. Aliás, Fefeu foi quem planejou Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 223 o INTERCOM JUNIOR, que teve início durante a gestão da professora Sonia Virginia Moreira. Além de montar o projeto, coordenou as atividades dando forma ao que é hoje o INTERCOM JUNIOR. Os alunos participavam com produção científica junto com seus professores. Com o Intercom Junior, valorizamos a presença do aluno, do futuro pesquisador, do futuro aluno de pós-graduação. Incentivamos a pesquisa na graduação e demos espaço para que futuros pesquisadores viessem a fazer parte definitivamente da Intercom (ALMEIDA, 2014, p. 11). Fefeu também participou diretamente da mudança nos formatos dos eventos regionais em 2005. Com o fim dos SIPECS e o início dos congressos com a coordenação central da INTERCOM, a estrutura mudou completamente, aumentando a participação de pesquisadores, de professores, de alunos de pós-graduação e de alunos de graduação. Uma das mudanças destacadas por Fefeu é a necessidade dos trabalhos da EXPOCOM passarem pelo evento regional para se habilitarem ao evento nacional. “A tendência é melhorar o nível da produção dos cursos regionalmente. Isso também estimula o aluno a apresentar o trabalho no congresso. Ele está entre os melhores da sua região e poderá representá-la nacionalmente” (ALMEIDA, 2014, p. 19). Neste novo formato, os eventos ganharam novos números em relação aos participantes. Em regiões como o Sul e o Sudeste, por exemplo, as inscrições ultrapassam mil pessoas, com destaque para a participação direta dos alunos de graduação. Hoje, quem faz o congresso da Intercom é o aluno de graduação. Ele é ativo, ele participa, ele se envolve com a organização e a realização do evento. Hoje, ele [...] faz o evento acontecer, se envolvendo com a realização das atividades a partir da universidade que sedia o evento (ALMEIDA, 2014, p. 12). Outra importante contribuição de Fefeu está no debate sobre o ensino da comunicação, que abordaremos mais adiante. Mas é importante ressaltar aqui, como atividade a partir da INTERCOM, que ele teve envolvimento direto com a criação do ENSICOM (Encontro de Ensino da Comunicação) durante a gestão da professora Cicilia Maria Krohling Peruzzo, dividindo a coordenação da atividade com o professor Robson Bastos da Silva. Também foi um dos articuladores para a retomada desta atividade durante o primeiro mandato do professor 224 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Antônio Carlos Hohlfeldt. E este tem sido o principal trabalho de Fefeu, além da diretoria financeira. Além de coordenar o ENSICOM, também representa a INTERCOM junto à Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (SOCICOM) para tratar de questões relacionadas às diretrizes curriculares da área de Comunicação. Toda projeção acadêmica no ensino da comunicação, e se tenho algum reconhecimento neste sentido, eu devo aos espaços que a Intercom me proporcionou, não só pelo trabalho burocrático da diretoria financeira, mas por me permitir discutir e aprofundar sobre esta temática com outros professores (ALMEIDA, 2014, p. 20). Desde a sua primeira edição, em 2005, Fefeu faz parte do conselho editorial do Jornal INTERCOM, um periódico quinzenal que traz as principais informações sobre o campo da comunicação no Brasil e no exterior, tais como eventos da área, publicações e discussões sobre temáticas emergentes para a comunicação social, por exemplo. Ao longo da sua trajetória na INTERCOM, Fefeu também participou de diversas publicações, das quais destaco aqui: • o livro “Comunicação e mudanças sociais”, organizado em conjunto com o professor Adolpho Queiroz e que traz os principais textos debatidos durante o congresso da INTERCOM, em 1994. A proposta, como aponta no prefácio, é apresentar os resultados sobre as discussões a respeito das inter-relações entre o processo democrático e a presença política com a participação da mídia. Essa literatura revela as contradições das relações entre o poder político e a mídia, enfocando temas como: a informação como cultura, consumo cultural, meios de comunicação e sociabilidade, comunicação de massa e violência e estratégias para o estudo da comunicação frente às mudanças sociais, entre outros. • o livro “Comunicação para a cidadania”, organizado em conjunto com a professora Cicilia Maria Krohling Peruzzo e que reúne os textos debatidos durante XXV Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, evento que ocorreu durante o congresso da INTERCOM realizado em Salvador, em 2002. Dividido em duas partes, o livro traz importantes reflexões e coloca em debate questões relacionadas ao trabalho da grande mídia junto à sociedade contemporânea e a comunicação para o desenvolvimento da cidadania. Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 225 • o livro “A mídia impressa, o livro e as novas tecnologias”, também organizado em conjunto com a professora Cicilia Maria Krohling Peruzzo. A obra reúne os principais textos das palestras proferidas durante o congresso da INTERCOM realizado em Belo Horizonte, em 2003. Dividido em três capítulos, o livro aborda a mídia impressa em tempos de rede, a sociedade tecnológica, as mudanças culturais, as questões relacionadas à autoria e à propriedade intelectual, o livro e as práticas de leitura. • o livro “Unidade e diversidade na Comunicação”, organizado pelos professores José Marques de Melo e Adolpho Queiroz, do qual Fefeu é um dos coautores. O livro traz um balanço da gestão 2006/2008 da INTERCOM, resgatando os avanços conquistados em diversas áreas e apontando caminhos para avanços futuros. Os temas vão desde o fortalecimento do campo científico, com as diversas mudanças ocorridas, como a transformação dos Núcleos de Pesquisa em instâncias indutoras de estudos que atuam de forma integrada e coletiva no sentido da produção de conhecimento com relevância para a sociedade, ao processo da informatização da entidade, passando pelas publicações, pelos serviços à comunidade, os intercâmbios e às relações externas, entre outras importantes temáticas. Finalmente, existe o trabalho burocrático da sua diretoria, pela qual passam as atividades de todas as outras diretorias e que faz valer os congressos, materializa as publicações, permite a informatização da entidade, a digitalização do seu acervo, a manutenção das suas sedes etc. Nos últimos 21 anos, Fefeu esteve envolvido diretamente com todas as transformações pela qual a entidade passou. Ele ressalta que a INTERCOM alcançou o status de poder representar a Comunicação no país por ter havido um sentido de continuidade do qual ele se considera parte do processo. E não é para menos. Juntamente com o Presidente da entidade, é pela sua diretoria que passam e que passaram os projetos que hoje dão sentido à INTERCOM. E Fefeu reconhece a importância do seu trabalho para a INTERCOM e a importância da INTERCOM para sua atividade na área da Comunicação. Embora eu não tenha uma projeção como pesquisador, com muitas publicações, eu tenho uma participação direta na viabilização daquilo que hoje ocorre na Intercom, inclusive como espaço para publicação de diversos pesquisadores. Embora meu trabalho seja muito burocrático, eu tenho espaço para discutir o ensino da comunicação, os projetos da Expocom, os projetos do Intercom Junior, enfim, a formação dos futuros pesquisadores (ALMEIDA, 2014, p. 16). 226 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros O ensino de Comunicação Desde o início da sua carreira acadêmica, Fefeu trabalhou a maior parte do tempo com disciplinas laboratoriais e orientação de projetos. Nas três universidades em que atuou (UNIMEP, Faculdades Integradas Claretianas e UMESP), Fefeu ministrou aulas de Fotografia, Fotografia Publicitária, Fotojornalismo, Produção Publicitária em Cinema e TV, Produção Publicitária em Rádio, Linguagem Cinematográfica, Teledifusão e Cinema. Também foi responsável pela orientação de diversos projetos experimentais e de trabalhos de conclusão de curso. Sua experiência o levou a ser convidado para participar de bancas de conclusão de curso de graduação em diversas universidades. E foi justamente o trabalho como professor que motivou Fefeu a entender e pesquisar sobre projetos pedagógicos. Porque eu queria entender o papel que a minha disciplina ocupava dentro do curso. Como professor de uma disciplina específica, saber qual era a minha contribuição para a formação do profissional de comunicação. É quando percebo que eu sou responsável por uma parte da formação do aluno, mas não por ela completamente (ALMEIDA, 2014, p. 9). Com essa perspectiva, Fefeu começou a participar de diversos trabalhos voltados para a área da gestão de cursos, fazendo com que se aprofundasse e ampliasse sua atenção para o ensino da Comunicação, tornando-o uma referência na área pelo conhecimento e pela experiência acumulada ao longo das últimas três décadas: Gestão de Curso, Departamento e Faculdade • Chefe Departamento de Comunicação Social e Artes – UNIMEP – fevereiro de 1991 a 28 fevereiro de 1992 • Coordenador do Curso de Comunicação Social da UNIMEP – 1992-1999 • Coordenador do Curso de Publicidade e Propaganda da UNIMEP – 19951997 • Coordenador do Curso de Rádio e TV da UNIMEP – 1996-2000 • Diretor da Faculdade de Comunicação da UNIMEP – 1999-2002 Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 227 • Coordenador do Curso de Comunicação Mercadológica da UMESP – 2003-2007 • Coordenador do Curso Publicidade e Propaganda da UMESP – 2007-atual Antes de apontar as outras atividades, é importante ressaltar a participação de Fefeu na organização e estruturação dos laboratórios dos cursos de Comunicação Social da UNIMEP em dois momentos, um como técnico de laboratório e outro já na gestão dos cursos de comunicação: • Como Técnico de Recursos Audiovisuais, participou na elaboração e construção dos laboratórios de Rádio, TV e de fotografia, para o curso de Comunicação Social – habilitações em Relações Públicas, Publicidade e Propaganda e Jornalismo. Em atendimento à resolução MEC 02/84 – 1984-1985 • Como Coordenador de Curso, participou da Elaboração do projeto e das instalações do Complexo Laboratorial do Curso de Comunicação Social e suas habilitações (Hemeroteca, Salas de Redação, Estúdios de Rádio e TV, Laboratório e Estúdio Fotográfico) – 1993-1995 Conselhos • Conselho da Faculdade de Comunicação – UNIMEP – 2000-2006 • Conselho do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo – UNIMEP – 2000 • Conselho do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Radialismo – UNIMEP – 2000 • Conselho do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Rádio e TV – Área Específica – UNIMEP – 2003-2004 • Conselho da Faculdade de Comunicação – UMESP – 2007-atual Comitês e Comissões • Comissão Especial para a criação de Dependência Curricular – UNIMEP – 1996. • Comissão organizadora do Salão Universitário de Humor UNIMEP – 1997-2005. 228 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros • Comissão organizadora do Salão Universitário Latino Americano de humor de Piracicaba – 1998-2005. • Comissão de Estudo para Operacionalização da TV Universitária – UNIMEP – 1998. • Comissão Especial para propor diretrizes orientadoras para o oferecimento de Cursos Sequenciais – UNIMEP – 1999. • Comissão Organizadora do “Isto é UNIMEP” – 2000-2002. • Comitê de Avaliação Institucional – UNIMEP – 2000-2002. • Comissão Permanente do CONSEPE – UNIMEP – 2000-2003. • Comissão Especial para analisar e apresentar recomendações para formulação de diretriz institucional – UNIMEP – 2000. • Grupo de Trabalho para Avaliação da Estrutura da Universidade – UNIMEP – 2001. • Conselho Deliberativo do Serviço Municipal de Tecnologias Educacionais – Prefeitura Municipal de Piracicaba – 2001. • Avaliador das condições de Ofertas de Cursos – Comunicação Social e suas Habilitações – Ministério da Educação – 2000-2005. • Comitê científico da revista Período – Faculdade de Publicidade, Propaganda e Turismo da UMESP – 2003. • Comissão de Política de Pessoal Docente – UMESP – 2003-2004. • Comitê Gestor de Estúdios das Faculdades de Jornalismo e Relações Públicas; Comunicação Multimídia e Publicidade e Propaganda e Turismo – UMESP – 2004-2006. • Comissão para apresentar proposta para desenvolvimento da TV Universitária – UNIMEP – 2004. • Conselho da Faculdade de Comunicação – Representação Docente – UNIMEP – 2005-2006. • Comissão Própria de Avaliação – CPA – Representação Docente – UMESP – 2008-atual. • Comissão Assessora de Política de Pessoal Docente – UMESP – 2009-2012. • Grupo de Trabalho para revisão e proposta para os projetos Pedagógicos Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 229 dos Cursos de Comunicação Social – Habilitações: Cinema Digital, Mídias Digitais e Rádio e TV – UMESP – 2009. • Comissão Assessora de Graduação – CONSUN – UMESP – 2012-atual. • Comitê Assessor de Políticas de Cooperação Internacional e Mobilidade de Estudantes da graduação e pós-graduação – UMESP – 2012-atual. • Diretor de Ensino da Diretoria Executiva da APP (Associação dos Profissionais de Propaganda) – 2013-atual. Na Intercom • Diretor Financeiro – 1993-atual. • Conselho Editorial do Jornal INTERCOM – 2005-atual. • Coordenador Nacional do INTERCOM JUNIOR – 2005-2009. • Coordenador do Seminário sobre o Ensino de Graduação em Comunicação Social da INTERCOM (ENSICOM) – 2012-atual. Publicações que envolvem os trabalhos de gestão, em comitês e em comissões • Diretrizes para o Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social e suas Habilitações na UNIMEP -1991-1992. • Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social Radialismo – Rádio e TV da UNIMEP – 1992-1993. • Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social da UNIMEP e as Habilitações: Publicidade e Propaganda, Jornalismo e Radialismo-RTV – 2000. • Projeto de Monitoria – Documentário – julho 2003. • Relatório da Avaliação Institucional da Faculdade de Publicidade e Propaganda e Turismo da UMESP – Outubro 2004. • Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Comunicação Mercadológica da UMESP – 2005. 230 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros • Prática Pedagógica do Ensino Integrado – Faculdade de Comunicação – UMESP – 2008. • Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda – UMESP – 2008. • Relatório Geral Autoavaliação Institucional Segundo Ciclo – Período 20062008 – UMESP – 2008. • Relatório Parcial Autoavaliação Institucional – Junho de 2008 a Março de 2009 – UMESP – 2009. • Relatório Anual – Acompanhamento do Processo de Autoavaliação Institucional – Ano 2009 – UMESP – 2010. • Relatório Geral – Autoavaliação Institucional – Terceiro Ciclo – Período 2008–2010 – UMESP – 2011. • Relatório Anual Acompanhamento do Processo de Autoavaliação Institucional – Ano 2011 – UMESP – 2012. • Relatório Geral Autoavaliação Institucional – Quarto Ciclo – Período 2010–2012 – UMESP – 2013. Na verdade, Fefeu foi buscar na prática o entendimento sobre os projetos pedagógicos. Esse processo teve início nos anos 80, quando a UNIMEP propôs uma ampla avaliação dos seus cursos. A proposta da avaliação esbarrou na necessidade da existência de projetos de curso, com perfil de egresso e objetivos claramente estabelecidos. “O que a gente tinha na época era uma grade curricular e os ementários. Isso não é projeto” (ALMEIDA, 2014, p. 10). Nesse processo, Fefeu participou de diversos debates e se aproximou de diversos departamentos da universidade, principalmente o de Educação. Os constantes encontros com professores dessa área para debater a estruturação dos projetos pedagógicos também se refletem na formação de Fefeu para o ensino da comunicação e que chama de “um período de muita aprendizagem”. Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 231 A vivência no cenário acadêmico, tanto da docência, como no trabalho de gestor, vem orientando a atenção de Fefeu quanto ao ensino da Comunicação, sua prática e sua qualidade. Em 2003, Fefeu publicou o texto “Projeto Pedagógico e Currículo” no livro “Retrato do ensino em Comunicação no Brasil”, organizado pelos professores Cicilia Maria Krohling Peruzzo e Robson Bastos da Silva. Este artigo foi atualizado e reeditado no livro “Comunicação brasileira no Século XXI – INTERCOM: Ação, Reflexão”, organizado pelo professor J.B. Pinho. Nele, Fefeu faz uso da sua experiência para apontar caminhos e facilitar a construção de projetos pedagógicos para cursos de Comunicação. No início do texto, Fefeu diz que “trata da utopia da formação e transformação do aluno em um profissional que possa atuar no mercado de trabalho com competência ética, humanística e técnica” (ALMEIDA, 2003, p. 147). Ao tratar como utópica essa proposta de formação, Fefeu traz à tona a necessidade de uma formação que vai além da reprodução das técnicas de mercado. Trata-se, na verdade, de um curso que estimule a criatividade e o experimento para propor novas práticas ao mercado, fazendo cumprir o papel da universidade na formação dos futuros profissionais. E não é isso que a gente tem visto. Desde aquela época, já havia uma preocupação neste sentido. O que nos leva a questionar o papel da universidade quando não trata com profundidade as questões éticas, a experimentação, a proposta de novas técnicas, de novas práticas. Fazer tudo dentro do quadrado, dá mais segurança, mas tudo será sempre igual” (ALMEIDA, 2014, p. 22). Para trazer à realidade essa utopia, Fefeu propõe no texto a consulta à Lei de Diretrizes de Base da Educação, às Diretrizes Curriculares da área de Comunicação, à legislação e ao mercado de trabalho, promovendo uma aproximação com a sociedade no segmento de atuação profissional e com as entidades de classe do setor, realizando seminários que envolvam profissionais e pessoas interessadas no curso. De acordo com ele, a partir das consultas e dos debates sobre o curso, envolvendo a missão educativa da instituição de ensino, é que se chega ao perfil desejado para o egresso. Na visão de Fefeu, a delimitação desse perfil, a clareza do tipo de profissional que se deseja formar, bem como da pessoa que representa esse profissional, é que se tem parâmetros para a discussão dos objetivos do curso e, consequentemente, dos conteúdos a serem trabalhados nele. Para além dessa contribuição, Fefeu tem trabalhado diretamente na coordenação do ENSICOM, procurando promover discussões que possam contribuir 232 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros para a formação do profissional de comunicação com qualidade. “Esse é um espaço para se apresentar as experiências para que a gente possa avançar na questão da proposta de projetos, na avaliação dos cursos e na qualidade do ensino de comunicação” (ALMEIDA, 2014, p. 18). Uma proposta atual de Fefeu, neste sentido, é a aproximação do INTERCOM JUNIOR e da EXPOCOM com o ENSICOM. Ao longo dos últimos anos, Fefeu trabalhou diretamente nestes três espaços da INTERCOM. Participou da criação, implantou e foi o primeiro coordenador do INTERCOM JUNIOR, abrindo espaço para a pesquisa desenvolvida por alunos na graduação através dos trabalhos de conclusão de curso, de projetos de iniciação científica e de projetos integrados acadêmicos. Também está envolvido com as atividades da EXPOCOM desde a sua primeira edição. Já foi coordenador local, participou diretamente da reestruturação da exposição durante a gestão do professor José Marques de Melo e, atualmente, tem participado como jurado virtual e como membro da banca de avaliação dos trabalhos. Tem aproveitado esta experiência para analisar os papers e os produtos no sentido de identificar como os cursos de Comunicação têm trabalhado conceitualmente os conteúdos teórico-aplicados, a capacidade de análise, interpretação e desenvolvimento de materiais de comunicação a partir dos conceitos aplicados, a perspectiva de inovação e experimentalismo dos trabalhos e a leitura dos processos comunicacionais. Avaliando, assistindo e lendo os materiais produzidos por alunos de Comunicação de todo o país nos últimos anos, Fefeu vem articulando um trabalho de diagnóstico sobre o cenário do ensino de Comunicação no país e pretende materializá-lo em breve. Para isso, pretende, a partir do ENSICOM, propor atividades articuladas com as coordenações do INTERCOM JUNIOR e da EXPOCOM, por entender que são os dois espaços que caracterizam a forma que os cursos dão às diretrizes curriculares e que revelam o perfil que cada uma das instituições trabalha para seus egressos. A Expocom e o Intercom Junior são a materialização de tudo o que discutimos no Ensicom, sua preocupação com o projeto do curso, sua parte teórica, aplicada e prática. Ao alinhar as discussões sobre o ensino da comunicação com os resultados dos projetos apresentados pelas universidades, entendo que poderíamos identificar eventuais problemas, corrigir rotas e até melhorar os mecanismos de avaliação e a qualidade dos cursos. E essa avaliação pode ser uma forma de avançar, de apurar onde estão as dificuldades e a própria Intercom dar uma resposta para isso, como, por exemplo, na capacitação de professores e na capacitação de gestores de curso (ALMEIDA, 2014, p. 17). Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 233 Do trabalho acadêmico à prática A contribuição de Fefeu para os estudos de comunicação está na sua dedicação ao ensino que vai além da prática cotidiana da docência. Primeiramente, como diretor financeiro da INRTERCOM nos últimos 21 anos, num trabalho que não se resume à atividade burocrática de contas e finanças, mas da sua presença ativa nas discussões sobre os rumos da entidade que representa a Comunicação Social no país. Depois, está no sentido de estudar, diagnosticar, analisar e debater as atividades ligadas ao ensino de Comunicação em todo o país. O seu trabalho voltado à construção dos projetos pedagógicos e o compartilhamento do seu conhecimento no debate do futuro do ensino da comunicação, o caracteriza como um importante timoneiro da área, porque tem sido determinante para indicar os caminhos e ajudar na condução dos cursos de Comunicação. Por isso, o seu trabalho acadêmico se caracteriza hoje na prática que tem orientado o ensino de comunicação no país. Vinte anos depois do primeiro contato que tive com Fefeu na UNIMEP, tive a oportunidade de fazer a entrevista que orientou este breve relato da sua trajetória pessoal e acadêmica. No mesmo estilo, com o mesmo brilho nos olhos ao tratar da Comunicação, Fefeu se mostra um professor, profissional, pesquisador e comunicólogo no gerúndio. Referências ALMEIDA, Fernando Ferreira de; QUEIROZ, Adolpho. Comunicação e mudanças sociais. Piracicaba: Ponto Final/Intercom, 1999. 144p. ALMEIDA, Fernando Ferreira de. Fotografia-documento: a contribuição de Thomaz Farkas. São Bernardo do Campo, 2000. ALMEIDA, Fernando Ferreira de; PERUZZO, Cicilia Maria Krohling (Orgs.). A mídia impressa, o livro e as novas tecnologias. Coleção Intercom de Comunicação, n. 15. São Paulo: Intercom, 2002. 178p. ALMEIDA, Fernando Ferreira de. Projeto pedagógico e currículo. In: Retrato do ensino em Comunicação no Brasil. PERUZZO, Cicilia Maria Krohling; BASTOS DA SILVA, Robson. São Paulo: Intercom, 2003. p.147-152. ALMEIDA, Fernando Ferreira de; PERUZZO, Cicilia Maria Krohling (Orgs.). Comunicação para a cidadania. São Paulo: Intercom, 2003. 296p. 234 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros ALMEIDA, Fernando Ferreira de. Perfil e trajetória acadêmica. Rio Claro, 09 de janeiro de 2014. Entrevista concedida a João Carlos Picolin. MARQUES DE MELO, José; QUEIROZ, Adolpho. Unidade e diversidade na comunicação. São Paulo: Intercom, 2008. 66p. MORAIS, Osvando J. de (Org.). Procedimentos Intercom – roteiro, métodos, técnicas. Coleção Memórias da Intercom, Série Documentos, v.1. São Paulo: Intercom, 2010. 270p. Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação 235 Raquel Paiva: A comunidade em questão Guilherme Moreira Fernandes1 Marcello Gabbay2 12º CAPÍTULO Nota Introdutória Com a tentativa de englobar as múltiplas facetas de Raquel Paiva, optamos por dividir este texto em quatro partes. Na primeira apresentaremos a trajetória profissional e acadêmica da professora e pesquisadora, na segunda apresentaremos suas principais publicações. A terceira e a quarta parte foram reservadas para a análise cognitiva e crítica de seu legado intelectual, sendo uma reservada exclusivamente para suas interferências teóricas na Comunicação Comunitária e a última refletindo interfaces com a comunicação massiva. 1. Doutorando em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Jornalista e Mestre em Comunicação pelo PPGCOM da Universidade Federal de Juiz de Fora. Diretor Administrativo da Rede de Estudos e Pesquisa em Folkcomunicação, nas gestões (2011-2013) e (2013-2015). 2. Mestre e Doutor em Comunicação pelo PPGCOM da UFRJ. Pesquisador do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC-UFRJ). 236 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Raquel Paiva: trajetória acadêmica e profissional3 Raquel Paiva de Araújo Soares, ou simplesmente Raquel Paiva, é uma das principais referências do campo teórico da Comunicação Social, especialmente na área da Comunicação Comunitária. Professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFJF), Raquel Paiva tem 13 livros publicados e mais de meia centena de artigos em capítulos de livros e periódicos nacionais e internacionais, além de um livro traduzido para o italiano e a tradução para o português de “Para além da interpretação: o significado da hermenêutica para a filosofia” (Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999) do filósofo e político italiano Gianni Vattimo. Alexandre Barbalho (2010, p. 384) ao traçar o perfil intelectual da professora aponta como significativo o fato de ela ter morado e estudado em diversas cidades brasileiras, em sua infância e juventude, sendo elas: Juazeiro-BA, Pindamonhangaba-SP, Recife-PE, Natal-RN, Boa Vista-RR e Juiz de Fora-MG. Foi na cidade mineira de Juiz de Fora que Raquel Paiva começou sua vida acadêmica e profissional. Entre os anos de 1978 e 1981 cursou Jornalismo na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Já nesta época demonstrou interesse pela vida acadêmica, participando de bolsas de monitoria sob a orientação do exigente professor José Luiz Ribeiro, que recorda com entusiasmo do período. Raquel Paiva foi uma aluna que se tornou colega. Foi minha monitora e ela recorda da exigência e precisão dos trabalhos. Foi formada na têmpera que forja valores intangíveis. Um temperamento de forte personalidade e altivez na realização de suas metas. Eu diria uma autêntica guerreira. Deixou a FACOM e continuou numa estrada de seriedade e firmeza. Sua obra nos auxilia e seu exemplo nos deixa o orgulho de ter sido seu professor e continuar amigo (RIBEIRO, 2013). No ano de sua formatura ingressou como jornalista no recém-fundado “Tribuna de Minas”, hoje com 32 anos, sendo o principal jornal impresso da cidade. Neste veículo de comunicação, Paiva trabalhou como repórter e editora de setembro de 1981 até dezembro de 1984. Entre as inúmeras reportagens, fica o registro da memória da participação de Juiz de Fora no Golpe Militar de 1964, 3. Nesta seção contamos com a colaboração da Profa. Cristina Brandão colhendo os depoimentos de José Luiz Ribeiro, Geraldo Muanis e Paulo César Magella e do Prof. Flávio Lins que realizou o texto e a entrevista com a jornalista Ana Goulart. Raquel Paiva: A comunidade em questão 237 na série desenvolvida pela Tribuna 20 anos depois4. O jornalista Geraldo Muanis recorda a participação de Paiva na fundação do periódico. Conheci a Raquel Paiva ainda nos corredores da Universidade Federal de Juiz de Fora, alunos que éramos do então Departamento de Comunicação da Faculdade de Direito. Estava um período à sua frente, mas iniciamos a carreira juntos, fundadores que fomos da “Tribuna de Minas” em setembro de 1981. Tenho grande admiração pela Raquel, pois além de profissional correta, de texto conciso e que sempre primou pelo respeito às fontes e busca da correção, também carrega consigo os princípios morais e éticos. Começou como Repórter de Cidade e desde o início chamou atenção por seu talento e dedicação, tornando-se logo um dos principais nomes entre os jornalistas de Juiz de Fora. De longe acompanho sua bem sucedida trajetória acadêmica, certo de que, com sua inteligência e mergulho nos estudos, sedimentará cada vez mais seu respeitoso nome como pesquisadora (MUANIS, 2013). O jornalista Paulo César Magella, que também participou da fundação do jornal e atualmente é o editor geral da Tribuna, relembra da importância de Paiva no periódico. Conheci Raquel na redação da Tribuna, ainda no antigo prédio, na Academia de Comércio. Chamou minha atenção pela beleza, que ainda se mantém, pelo talento e, sobretudo, pelo trato com os colegas. A despeito da sua capacidade de trabalho e competência no seu desenvolvimento, jamais abriu mão dos amigos e dos colegas. Sempre foi generosa e dedicada. Quando saiu, criou um vácuo na nossa redação, mas preencheu o mundo acadêmico com seu talento, hoje nacionalmente reconhecido. Falar de Raquel exige muitos adjetivos, mas é sempre bom pelo que ela significa para nós da Tribuna. O Jornal, agora perto dos 32 anos, tem orgulho de tê-la na sua galeria (MAGELLA, 2013). Além do talento nato, Raquel Paiva também chamava atenção por sua beleza. A facilidade de Raquel em transitar pelas mais diversas tribos também chama atenção da jornalista Ana Goulart que também participou da fundação do periódico. Segundo Ana Goulart: “por ter um lado bastante intelectualizado, 4. Sobre a série de reportagem ver COUTINHO e FELZ, 2004. 238 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros não perdia, por isso, seu glamour e sua simpatia, ou seja, não era uma pessoa fechada em si mesma”. Ela já acreditava que a jovem jornalista iria longe, “engajada e, desde aquela época, apresentando um perfil que, imaginava, ia desaguar no mundo acadêmico, nunca deixou de frequentar as rodas de boteco com a turma da redação” (GOULART, 2013). Ana, naquele período, repórter de cidade e também editora da página de moda da Tribuna, conta que Raquel sempre foi muito bonita, bem-humorada e “não se fez de rogada quando a convidei para posar para minha página”. Era um editorial sobre óculos escuros, que contou com fotos de Valéria Frossard. Na falta absoluta de modelos, as belas jornalistas Raquel Paiva e Ana Goulart fizeram bonito posando com as novidades do momento. Ana acredita que foi o episódio mais pitoresco que viveu com Raquel. Fotógrafa: Valéria Frossard. Modelos: Ana Goulart e Raquel Paiva (1981) Em 1984 Raquel Paiva deixa a função de jornalista da “Tribuna de Minas” e passa a desempenhar a função Coordenadora da Assessoria de Imprensa do Centro Regional de Saúde da Secretaria do Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG) permanecendo no cargo até 1986. Neste período, conforme Barbalho (2010, p. 384), Paiva atuou no movimento sindical e participou da diretoria Raquel Paiva: A comunidade em questão 239 do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Juiz de Fora e foi diretora cultural da Associação da Mulher Juiz-forana. Paralelo à atividade jornalística, Paiva iniciou sua carreira docente em 1984 após ser aprovada em concurso público para professor auxiliar da Faculdade de Comunicação Social da UFJF. Em 1985 a professora realizou dois cursos de pós-graduação lato sensu. O primeiro no Centro Internacional de Estudios Supeiores de Comunicación (CIESPAL), em Quito no Equador, quando teve o primeiro contato teórico com a Comunicação Comunitária. E o segundo no Latin America Eletronic Media Exchange Programa da Arizona State University, nos Estados Unidos. O período em que esteve em Quito ainda ecoa no imaginário da professora, conforme relato em 2009. [Era] uma jovem recém-formada em comunicação social, iniciando a carreira profissional e acadêmica. Ingressar no Ciespal em meados do anos 80 significava muito mais que apenas realizar um curso de especialização [...] significava o acesso a um mapa-múndi até então desconhecido. Significava fazer conexões com outras culturas, significava discutir conteúdos e práticas. Naquela conjuntura, apenas esta esperança já bastaria para justificar ida a Quito, num momento de difusão e consolidação de um modelo de comunicação etnocêntrico. Por esta razão, definitivamente, estudar no Ciespal nos anos 80 significava ter acesso a um outro formato de bibliografia [...] uma bibliografia comprometida com a mudança social, com um viés que conjugava a comunicação com vida política. Este novo momento se distanciava bastante da marca estruturalista que rondava as escolas de comunicação na época, divididas entre acompanhar a pauta americana ou europeia das pesquisas na área e suas supostas preocupações em atender a cotento a instância profissionalizante. A conexão profunda da comunicação com o quotidiano das populações, aliada a preocupações emancipatórias via educação e política, marcou definitivamente quem esteve no Ciespal naqueles anos (PAIVA, 2009, p. 338-339). Podemos ainda afirmar que a gênese do pensamento da Comunicação Comunitária de Paiva também esteve vinculada a sua passagem no Ciespal, como reconhece a pesquisadora. É importante salientar que, após 24 anos de Ciespal, a minha trajetória profissional e pessoal se confunde com as temáticas com as quais tive naquele período. O livro “O Espírito Comum”, que representa o esforço de 240 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros reflexão epistemológica sobre o campo da comunicação alternativa, popular, comunitária ou contra-hegemonica completou 12 anos, estando na terceira edição. Em especial, é preciso fazer menção, como prosseguimento e aplicação deste período, à existência do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC), que tem formado um número significativo de pesquisadores em seguimentos diversos e participado dos projetos mais criativos e inovadores de comunicação alternativa no Rio de Janeiro, como a Escola de Comunicação Popular, com a formação de repórteres populares para jovens moradores das favelas da cidade, em parceria com o Observatório de Favelas. As interações que o LECC consegue realizar com os movimentos de produção de comunicação e cultura popular marcam definitivamente a sua vinculação com o Ciespal e constitui a herança maior que eu possa demonstrar daquele período (PAIVA, 2009, p. 341-342). A inquietação teórica proporcionada nos estudos no exterior levou Raquel Paiva a realizar, entre 1988 e 1991, o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Histeria e Comunicação de Massa” foi o tema de sua pesquisa orientada por Muniz Sodré. Após a defesa da dissertação de mestrado, Raquel Paiva transferiu-se da Faculdade de Comunicação Social da UFJF para a Escola de Comunicação da UFRJ, deixando a cidade de Juiz de Fora e fixando residência no Rio de Janeiro. Em 1992 inicia, também com orientação de Muniz Sodré, seu doutoramento. Em 1995 realizou “bolsa sanduíche” na Università degli Studi di Torino, na Itália, com orientação do filósofo e membro do Parlamento europeu Gianni Vattimo, e em 1997 defende a tese “O espírito comum – mídia, globalismo e comunidade”. Em 1998, a editora Vozes publicou em livro a tese de Paiva e em 2000 a Mauad editou a pesquisa realizada no mestrado. Em março de 1998 Paiva credenciou-se como docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ e, no período de março de 2003 a agosto de 2005 ficou à frente da coordenação do programa. A gestão de Paiva no PPGCOM-UFRJ foi fundamental para a recuperação do prestígio do programa junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), sendo a gênese para a conquista do conceito 6 junto a Capes na avaliação trienal de 2010, à ocasião o único curso com tal excelência. Em 2011 a ECO-UFRJ recebeu o prêmio Luiz Beltrão, na categoria de Instituição Paradigmática, da Sociedade de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), no discurso de agradecimento do prêmio, ao comentar a importância do PPGCOM-UFRJ, o professor Maurício Lissovsky destacou a importância da gestão de Paiva: Raquel Paiva: A comunidade em questão 241 A tradição da Escola não seria suficiente para explicar o que somos hoje. Não há avanço na pesquisa e no ensino sem inovação e renovação. Há pouco mais de oito anos, iniciou-se um processo de renovação do programa, com a introdução de mecanismos mais acurados de avaliação, credenciamento sistemático de professores, reforma dos currículos e concentração em duas linhas de pesquisa (“Mídia e Mediações Sociais”, uma, e “Tecnologias da Comunicação e Estética”, a outra). Um processo que teve início com a Profa. Raquel Paiva, que agora assume a diretoria científica da Intercom, cuja gestão foi crucial para a instituição compreender que a excelência acadêmica deve ser um objetivo a ser perseguido permanentemente. Não é um horizonte idealizado, mas uma ação cotidiana, multifacetada, coletiva e democrática (LISSOVSKY, 2012, p. 116-117). O trabalho desenvolvido frente a ECO-PÓS foi reconhecido pelos pares e em 2005 Raquel Paiva foi contemplada com o Prêmio Luiz Beltrão da INTERCOM na categoria Liderança Emergente. Já em 2007 recebeu da INTERCOM a medalha Maria Immacolata Lopes pelo trabalho “Telenovela e Pastiche” produzido em coautoria com Muniz Sodré. Raquel Paiva também deixou sua marca nas associações científicas. Entre 2001 e 2003 foi secretária geral da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS), na gestão liderada por Vera França (presidente) e Maria Helena Weber (vice-presidente). Entre 2005 e 2008, no terceiro mandado de José Marques de Melo como presidente da INTERCOM, Paiva ocupou o cargo de diretora cultural, entre as inúmeras ações desenvolvidas neste período, destaca-se a criação do “Café INTERCOM”, cuja primeira edição foi realizada na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Raquel Paiva retorna à diretoria da INTERCOM no segundo mandato do professor Antônio Hohlfeldt, no período de 2011-2014, desta vez como diretora científica. Ainda na INTERCOM, no período de 2001 a 2005, Paiva coordenou o Núcleo de Pesquisa “Comunicação e Cultura de Minorias”, que em seus cinco anos de existência produziu uma sólida reflexão sobre o universo das minorias e a relação midiática. Foram apresentadas 173 papers neste NP, sendo 22 em 2001 (Campo Grande-MS), 54 em 2002 (Salvador-BA), 35 em 2003 (Belo Horizonte-MG), 32 em 2004 (Porto Alegre-RS) e 30 em 2005 (Rio de Janeiro-RJ). A partir de 2006 o grupo se extinguiu e parte dos pesquisadores nucleados foi para os núcleos “Comunicação e Culturas Urbanas” e “Comunicação para a Cidadania” (este existente desde 2001). Certamente um dos maiores legados da professora Raquel Paiva foi a criação do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC), na UFRJ, 242 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros em 1998. Os três pilares da universidade (ensino, pesquisa e extensão) foram pensados de forma equilibrada no planejamento inicial do LECC. No fim de 2013 a professora anunciou a criação do Instituto Nacional de Comunicação Comunitária, formado pelo LECC e por dois outros laboratórios vinculados a Programas de Pós-graduação: o Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (LACCOPS), vinculado ao programa de Pós-graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense e dirigido pela professora Patrícia Saldanha; e o Laboratório de Pesquisas e Estudos em Comunicação Comunitária e Saúde Coletiva, ligado ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e coordenado pelo professor Juciano Lacerda. Saldanha foi orientada por Paiva em sua dissertação de mestrado defendida na UFRJ em 2003. Registra-se também que a professora é bolsista de produtividade do CNPq, nível A1. Produção Intelectual de Raquel Paiva Raquel Paiva possui uma vasta e importante publicação científica. Seu currículo cadastrado na plataforma Lattes registra 42 trabalhos completos publicados em periódicos nacionais e internacionais, 14 livros publicados ou organizados, 25 capítulos de livro, 27 textos em jornais de notícias/revistas, 36 trabalhos completos publicados em anais de eventos, além de 19 outras produções bibliográficas entre prefácios, posfácios, apresentações de livro e traduções. Acreditamos que não é necessário retomarmos toda esta listagem, visto que a mesma pode ser conferida na plataforma Lattes. Realizamos uma seleta envolvendo as principais publicações, que apresentaremos nessa seção de forma resumida e sistemática e aprofundaremos nas duas próximas partes. Livros integrais a) O espírito comum: comunidade, mídia e globalismo. 1ª edição 1998 (Petrópolis-RJ, Ed. Vozes), 2ª edição 2003 (Rio de Janeiro-RJ, Ed. Mauad). 1ª reimpressão da 2ª edição foi realizada em 2007. A segunda edição apresenta como acréscimo um prefácio assinado por Gianni Vattimo, orientador de Paiva à ocasião do estágio de doutoramento realizado na Itália. Este livro é o resultado da tese de doutoramento defendida em 1997. Livro-referência para estudantes de todos os níveis e leitura obrigatória para a disciplina de Comunicação Comunitária, tendo influenciado a adoção da disciplina em diversos cursos de graduação nas faculdades brasileiras. Raquel Paiva: A comunidade em questão 243 b) Histeria na Mídia: a simulaç@o da sexualidade na era digital. Rio de Janeiro: Mauad, 2000. O livro é o resultado da dissertação de mestrado defendida por Paiva em 1991. Resulta de um esforço interdisciplinar entre os estudos de mídia e comunicação e a Psicanálise e traz prefácio assinado pelo renomado psicanalista Wilson Chebabi. c) O Império do Grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. (1ª reimpressão em 2004). Livro em coautoria com Muniz Sodré e marca o retorno do pesquisador à temática do grotesco. Em 1972 o professor Sodré publicou pela Vozes o livro “A comunicação do grotesco: um ensaio sobre a cultura de massa no Brasil”, sendo o autor-referência neste campo de estudo. Graças à iniciativa de Raquel Paiva, apropriou-se do tema a partir de observação teórica e empírica atualizada, os dois autores ampliaram o mote definindo grotesco e categoria estética a partir de referências encontradas em jornais e revistas e analisou o império na literatura, no cinema e na televisão. Livro de fácil e prazerosa leitura é recomendado para estudantes de graduação e pós-graduação, especialmente para disciplinas ligadas à Estética e Comunicação de Massa. d) Cidade dos Artistas: cartografia da televisão e da fama no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2004. Outra parceria com Muniz Sodré. O livro traz depoimentos de Joaquim Ferreira dos Santos (colunista social do jornal O Globo), Liege Monteiro (promotora de eventos), Ana Cláudio de Souza (editora da revista Quem Acontece) e de Francisco Milani (ator), com o intuito de perceber a realidade encarada por esses profissionais, perceber o território carioca e, por fim, analisar o efeito de gentrificação proporcionada pela TV. Assim como “O império do grotesco”, “Cidade dos Artistas” foi escrito de forma prazerosa e direta. Considerado uma referência na aplicação de estudo etnográfico da Comunicação, também é indicado tanto para estudantes como para demais curiosos da cartografia da televisão e da fama no Rio de Janeiro. Em 2008 o livro foi traduzido para o italiano com o título “Telenovela Rio – Cartografia della televisione e della fama nella città do Rio de Janeiro” (Città di Castello, Bulzoni Editore). e) Política: palavra feminina. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. Instigante pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária – LECC, relacionando a Comunicação Comunitária pelo 244 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros viés da proposta de intervenção nos discursos sociais e na produção de mídia trafegando na correlação de gênero com a política partidária. Livros organizados a) Estratégias de Cultura da Comunicação. Brasília: ED. UNB, 2002. Livro organizado com Luiz Gonzaga Motta, Maria Helena Weber e Vera França. O livro consta na seleção dos dez melhores artigos (entre os 120 apresentados) do 10º Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação (Compós). O evento em questão aconteceu em Brasília, na UNB, em 2001. Motta foi o coordenador geral do evento na UNB e França, Weber e Paiva formavam o trio da diretoria executiva da Compós. b) Ética, Cidadania e Imprensa. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. O livro reúne dez artigos produzidos por experientes pesquisadores (sendo dois estrangeiros) com o foco em discutir a ética na mídia em um momento em que o discurso generalista sobre a “ética” era muito produzido. c) Livro da XI Compós: Estudos de Comunicação. Porto Alegre: Sulinas, 2003. Livro organizado pela então diretoria da Compós (França, Weiber e Paiva) e por Liv Sovik (coordenadora do Encontro da Compós na UFRJ). O livro reúne os melhores artigos do encontro da Compós de 2002. d) Comunicação e Cultura das Minorias. São Paulo: Paulus, 2005. Organizado com o professor Alexandre Barbalho. O livro reúne artigos apresentados do NP de Comunicação e Cultura das Minorias da INTERCOM. Destacamos o texto “Por um conceito de minoria” de Muniz Sodré, texto-palestra de Sodré, ao NP, que não foi inserido nos Anais dos eventos. e) Ícones da sociedade midiática: da aldeia de McLuhan ao planeta de Bill Guedes. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. Livro organizado em parceria com José Marques de Melo. O livro representa parte do trabalho desenvolvido por Paiva como Diretora Cultural da INTERCOM na gestão presidida por Marques de Melo (2005-2008). O livro apresenta homenageia os patronos dos prêmios estudantis da INTERCOM (Vera Raquel Paiva: A comunidade em questão 245 Giangrande, Ligia Averbuck, Francisco Morel e Freitas Nobre) e apresenta os estudantes agraciados na edição de 2006. f ) O retorno da Comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. Importante coletânea comemorativa aos dez anos do livro “O Espírito Comum”. Traz importantes textos dos principais pesquisadores da Comunicação Comunitária na América Latina. O destaque do livro é a primeira parte, intitulada “Epistemologia da Comunidade” com textos de Roberto Esposito, Davide Tarizzo e Gianni Vattimo. Os textos de Esposito e o de Vattimo foram traduzidos por Paiva. As reflexões complementam e atualizam o caminho inicialmente retratado na obra de estreia da professora e também se configura como leitura obrigatória aos interessados na disciplina de Comunicação Comunitária. g) Comunidade e Contra-hegemonia: rotas de Comunicação Alternativa. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. Livro organizado com Cristiano Henrique Ribeiro dos Santos e publicado com apoio da Faperj. O livro comemora os dez anos de atividade do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária – LECC e traz importantes reflexões dos membros, desde os seniores aos estudantes de mestrado e doutorado vinculados ao LECC. h) Mídia e Poder: ideologia, discurso e subjetividade. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. Livro organizado com os professores João Freire Filho e Eduardo Granja Coutinho. Coletânea de estudos produzidos no PPGCOM-UFRJ, trazendo textos de Jesús Martín-Barbero e Muniz Sodré. Seleta de artigos a) Estratégias de Comunicação e Comunidade Gerativa In: PERUZZO, Cicilia M. Krohling (org.). Vozes Cidadãs: aspectos teóricos e análises de experiência de comunicação popular e sindical na América Latina. São Paulo: Angellara, 2004. p. 57-74. O livro organizado por Peruzzo, a partir de uma seleção com textos apresentados nos “Congresos de la Associación latinoamericana de Investigadores de la 246 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Comunicación – ALAIC” no GT “Medios Comunitarios y Ciudadanía” (hoje denominado de “Comunicación Popular, Comunitaria y Ciudadanía5”, é também uma ótima referência para os estudos de Comunicação Comunitária. No texto destacado, Paiva avança no conceito de “comunidade”, anteriormente definido n’O Espírito Comum, cria a denominação “comunidade gerativa”. b) Telenovela e Pastiche. Com Muniz Sodré In: MORAIS, Osvando (org.). Tendências atuais em pesquisa em Comunicação no Brasil. São Paulo: Intercom, 2008. Coleção Verde Amarela. Vol. 3: Os rios fúlgidos. p. 61-73. Trabalho originalmente apresentado do NP de Ficção Seriada da INTERCOM em 2007 (Santos) foi o vencedor da Medalha Maria Immacolata Lopes da INTERCOM, em comemoração aos 30 anos da entidade. c) Comunicação para a cidadania In: MARQUES DE MELO, José. O campo da Comunicação no Brasil. Petrópolis-RJ: Vozes, 2008. p. 169-176. Importante livro de Marques de Melo, especialmente para alunos de graduação. O livro objetiva mapear a cartografia do campo da comunicação e apresentar, de forma didática, as disciplinas consolidadas e as emergentes. Coube a Paiva escrever sobre a “comunicação para a cidadania”, denominada, em muitos currículos, como Comunicação Comunitária. O texto retratada a história da disciplina. d) Pesquisa em Comunicação Comunitária: há lugar para a empiria? In: BARBOSA, Marialva e MORAIS, Osvando. Quem tem medo da Pesquisa Empírica? São Paulo: Intercom, 2011. p. 105-121. O livro em questão se propõe a discutir o tema do congresso da INTERCOM do ano de 2011, que teve como sede a cidade do Recife-PE. No texto, Paiva realiza um passeio pelas Teorias da Comunicação (em especial o Funcionalismo norte-americano e a Escola de Frankfurt), apresenta um viés filosófico baseado em Gianni Vattimo para contextualizar epistemologicamente a pesquisa em Comunicação Comunitária. 5. Atualmente o grupo é coordenado pela professora colombiana Esmeralda Villegas. Raquel Paiva: A comunidade em questão 247 e) Novas formas de conhecimento no cenário de visibilidade total: a comunidade do afeto. In: Revista Matrizes: revista do programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo. V. 6, nº1-2, 2012. p. 63-75. O texto em questão faz parte do dossiê “Novas Perspectivas em Teorias da Comunicação”. O texto apresenta o mais recente conceito formulado por Paiva, o da “comunidade do afeto”. Há uma simbiose entre os conceitos de “comunidade” cunhado em 1997 (em “O Espírito Comum”), a sequência que foi a “comunidade gerativa” e, neste momento, o conceito trabalhado pela autora que é o de “comunidade do afeto”. f ) Comunicação, Comunidade e Esporte. Com João Paulo Malerba e Marcello Gabbay In: XXXV CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. Intercom. Forteleza: Unifor, 2012. p. 1-13. Trabalho apresentado no GP de Comunicação e Esporte no INTERCOM de Fortaleza (2012). O trabalho expõe a temática mais recente discutida pela professora. Paiva no começo reflete sobre a questão da mobilidade urbana apontando a bicicleta como um privilegiado meio de transporte, além do ciclismo como modalidade esportiva. Em 2013 a professora ofereceu uma disciplina no PPGCOM-UFJF sobre esta temática. g) Afeto e mobilidade nas megacidades: o comum e as alternativas de comunicação. Com Muniz Sodré In: BARBOSA, Marialva e MORAIS, Osvando. Comunicação em tempo de redes sociais: afetos, emoções e subjetividades. São Paulo: Intercom, 2013. p. 45-57. O livro em questão debate o tema do congresso da INTERCOM de 2013, na cidade de Manaus-AM. No texto escrito com Sodré, Paiva retoma a questão da mobilidade nas megacidades paralelamente à questão da comunidade afetiva. São estes os dois temas em voga no trabalho da pesquisadora. “O Espírito Comum” e os desdobramentos no torno do comunitário O Espírito Comum O texto resultante da tese de doutorado de Raquel Paiva, coorientada por Muniz Sodré e pelo filósofo italiano Gianni Vattimo, concluída em 1997, reúne 248 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros esforços em torno do conceito de comunidade em meio ao crescente foco lançado sobre movimentos, iniciativas e veículos ditos comunitários nas maiores capitais brasileiras, fenômeno resultante de cerca de duas décadas de ativismo dentro e fora das faculdades de Comunicação em todo o país e da abertura info-tecnológica possibilitada pelo fim da ditadura militar em 1986 e pela estabilização da economia brasileira em 1994. Este é possivelmente o livro referência para as disciplinas de Comunicação Comunitária em todo Brasil, disseminado pelos emergentes cursos de instituições particulares e públicas graças a ação de mestrandos, doutorandos e grupos de estudos e pesquisa das principais sociedades acadêmicas que absorveram o livro em suas rotinas universitárias. O posicionamento do livro dentro do fenômeno da globalização econômica e cultural o colocava na pauta das grandes discussões latino-americanas. Em busca das definições para o conceito de comunidade, Paiva percorre um trajeto menos cronológico e mais conceitual, que resgata o tradicional texto do sociólogo alemão Ferdinand Tönnies, do final do século XIX, em sua distinção conceitual entre comunidade e sociedade. A “comunidade de espírito”, baseada nos laços de amizade e pensamento, instiga a autora a revirar nas ciências humanas e sociais, na psicologia, filosofia, e na sociologia, os rastros do tão misterioso “espírito comum”. A autora finalmente posiciona o conceito de comunidade no campo comunicacional, e retoma a compreensão de possibilidades de comunidade com uma aplicação prática e cotidiana. A tensão entre global e local aponta para a pertinência do conceito de comunidade. A nova ordem mundial que desloca os centros de poder dos Estados-Nação para as instâncias de convivência e relação social cotidianas, como a família, o trabalho e a mídia, acentua o elo fundamental entre a forma comunitária e os fenômenos comunicacionais. Diante da constatação de uma moralidade construída pela ordem mercadológica e midiática, Paiva sugere que o vínculo comunitário estaria hoje mais ligado ao sentimento de afeto, amor e a territorialidade do que a antigos aspectos ligados à linhagem, consanguinidade ou ao contrato social. No entanto, a médio prazo, o comunitário passa a atuar como uma “via mediadora” institucionalizada, ainda que filosoficamente autônoma em relação às estruturas institucionais do mercado, numa estratégia proposital de inserção política prática no jogo de representações sociais. Pois é em meio ao surgimento das novas tecnologias de comunicação e informação e de supervalorização da técnica e do dispositivo comunicacional que a comunicação comunitária se afirma como uma modalidade possivelmente contra-hegemônica apta a participar politicamente do resgate do sentido do território na estrutura social vigente. Raquel Paiva: A comunidade em questão 249 Dessa forma, Paiva vem questionar como sustentar um projeto comunitário em meio à atomização societária reinante nas grandes cidades. Em resposta, ela sugere que o papel da comunicação comunitária seria, por meio da instauração de uma forma relacional dialógica e inserida no real histórico, alterar a lógica societal e pôr em jogo uma possível inversão de coisas, dissonante em relação à realidade e à moral priorizadas pela construção narrativa dominante nas grandes mídias. Neste sentido, a linguagem seria um dos bens mais importantes da comunidade, formadora de “um elo espiritual, por meio do qual os indivíduos se acham em condições de expressas seus pensamentos, repassar fundamentos, vivificar as normas, enfim, eternizar o grupo” (PAIVA, 2003, p. 92). Porém, é por meio da concretude da linguagem que poderemos definir um grupo, uma comunidade, um território. As variadas formas de idealização da comunidade vão muito além da teoria tönnesiana. Passando por textos de Nietzsche, Blanchot, Hegel, Schleiermacher e Freud, sugerindo, em comum, que o comunitarismo busca ensejar possíveis unidades de referência, proteção e abrigo a determinado agrupamento. No esforço de buscar compreender a função da comunidade no contexto contemporâneo, suscitado por questões como a globalização e certa potência comunicacional, Paiva sugere três possibilidades de comunidade: 1) a institucional, que valoriza a existência de organismos e formas de poder locais; 2) a comunidade como unidade de gerência e pressão, que valoriza a postura política dos agrupamentos diante do poder público; e 3) a cooperativista, baseada em um espírito de cogestão de iniciativas, principalmente, em função de instituições já existentes. De modo geral, dentre as mais importantes orientações intelectuais lançadas por este livro, ressaltam-se os aspectos ligados ao estudo do vínculo comunitário, que aponta para a emergência da solidariedade como uma “estratégia de ação” prática e concreta dirigida a se opor as formas de isolamentos simbólicos ou mesmo econômico-sociais. O vínculo espiritual – que diz respeito enfim ao conjunto de linguagem e leis, cultura – que configura o comunitário é realizado pelos próprios indivíduos componentes do grupo. Conclusivamente, Paiva elenca aspectos mais concretos relacionados à prática da comunicação comunitária, como a adaptação ou invenção de linguagens próprias; a autonomia e apropriação criativa em relação aos aparatos técnicos; as formas de vinculação no interior da comunidade, e a relação dialógica com os agentes externos, possibilitando a irradiação de propostas e reivindicações coletivas. 250 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Minorias Flutuantes Em 2001, portanto quatro anos após o lançamento de “O Espírito Comum”, Raquel Paiva apresenta um texto no XXIV Congresso da INTERCOM, em Campo Grande-MS intitulado “Minorias flutuantes: novos aspectos da contra-hegemonia”. Movido pela apropriação subversiva em tomo de sua tese, que atribuía, de mais a mais, ao espírito comum um aspecto afirmativo e por vezes revolucionário, este novo texto vem delinear a função contra-hegemônica de grupos minoritários, entendendo-se esta qualificação a partir da posição no campo de batalha dos discursos. Se no último capítulo de “O Espírito Comum” Paiva sinalizava novos contornos comunitários diante da Internet, aqui ela classifica como “minorias flutuantes” as estratégias de manifestação afirmativa no campo do discurso por parte de grupos, comunidades ou associações que fazem do ambiente midiático sua arena maior de expressão. A autora alerta que tais movimentos tendem a se adequar ao novo tempo “midiológico”. É o caso do Greenpeace, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), dentre outras organizações de classe e de interesse que fazem uso da arena, do tempo e da linguagem midiáticas para abrir frentes temporárias e contundentes de manifestação. Ainda rumo a um apropriamento prático da tese de 1997, uma sequência de livros coletivos ajudará a organizar os debates em tomo do comunitário, especialmente ligados aos grupos de pesquisa interinstitucionais, nas reuniões anuais da INTERCOM e da Compós. A parceria com o professor Alexandre Barbalho, da Universidade Estadual do Ceará, em 2005, rendeu a publicação “Comunicação e Cultura das Minorias”, em que a temática das minorias é retomada. Se por um lado as novas mídias e a fragmentação do processo comunicacional propiciariam uma suporta democratização da fala, por outro, a nova ordem tomava cada vez mais escorregadias as regras de legitimação e aceitação do outro. Paiva sublinhava as formas contemporâneas e fluidas de coerção e violência social, seja por meio da hegemonia técnica e simbólica sobre a produção e circulação de discursos, seja pela ação policial sobre veículos comunitários nas grandes cidades da América Latina, fato que vinha em crescimento naquela primeira década do século XXI. A noção de minorias flutuantes assentava o fato de que o ambiente e a linguagem midiáticos definem de maneira decisiva as formas de atuação comunitárias; e, por outro lado, lançava o olhar sobre o conceito de vinculação social como mecanismo de mobilização efetiva no interior dos grupos, uma nova forma de manifestação politizada contra-hegemônica, que recoloca em pauta o valor do território. Aí a autora lança os primeiros indícios do conceito que já vinha delineando. Em oposição a uma forma negativizada da comunidade, pautada pela violência Raquel Paiva: A comunidade em questão 251 e, por certo aprisionamento dentro de um modus operandi midiatizado, surge a “comunidade gerativa”, a forma de vinculação pautada pelo bem comum e pelo florescimento harmônico com o contexto histórico e social de nosso tempo. Comunicação e Comunidade Gerativa A comunidade gerativa surge em meio a um contexto de descentralização do poder e falência de uma lógica política ancorada no modelo assistencialista; é um fenômeno que se define no hiato deixado pela transposição de um modelo societal da proximidade e da perenidade para outro marcado pela volatilidade. Ao longo de cerca de sete anos, Raquel Paiva se empenhou no exercício de reinterpretação do conceito de comunidade, primeiramente revisitando autores que vinham desde a teoria crítica alemã, passando pelas práticas na União Cristã Brasileira de Comunicação Social, nas décadas de 1970, 1980 e 1990, e os filósofos contemporâneos, destacadamente Roberto Esposito, Jean-Luc Nancy, Giorgio Agamben, e Richard Rorty, dentre outros. O resgate da teoria tönnesiana, num primeiro momento, veio recolocar em pauta a vinculação social, a preocupação com o território e com a memória cultural. Assim, a comunidade gerativa inclui a aura da transformação, mas também do pertencimento afetivo. Como efeito concreto, vislumbra-se a emergência de novas versões da memória coletiva capazes de gerar associação e politização por meio de dispositivos de fala comunitária. Toda concepção universalista de verdade, todo juízo finalista, todo modelo determinista é, por natureza, incompatível com a comunidade gerativa. Neste sentido, a noção de comunidade gerativa vem dar conta de novas funções da comunicação comunitária. Ao invés de reproduzir certa ânsia burocrática e institucionalista das grandes corporações comunicacionais, o projeto comunitário se empenhará na geração de um valor comum, na potência do estar-junto, o que a médio prazo será capaz de sedimentar ou reformular as concepções coletivas de identidade, linguagem, visões de mundo, verdades, memórias, problemas e inclinação para o futuro; mesmo porque o gerativo vem designar um fenômeno essencialmente local, territorial ou, ao menos, de princípio territorializante, e paralelo em relação à linguagem consensualista das grandes mídias. Para isso, o deslocamento do foco para formas alternativas de comunicação comunitária acabaria sendo a tônica de pesquisadores influenciados pela aura do gerativo. Uma série de dissertações e teses vinculadas do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária, dirigido por Raquel Paiva, apropriou o termo, especialmente a partir do texto de 2004 intitulado “Estratégias de comunicação e comunidade gerativa”, incluído na coletânea originária do grupo de trabalho “Médios Comunitários y Ciudadania” da Asociación Latinoamericana de Investi252 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros gadores de la Comunicación (ALAIC), e organizada por Cicilia Peruzzo. O resultado foi uma série de pesquisas que vislumbram o projeto comunitário expresso por meio do teatro, da música popular, da ocupação das ruas, do grafite, da mobilização na Internet e demais formas alternativas de comunicação. Assim, entende-se por comunidade gerativa todo processo comunicacional radicalmente alternativo e capaz de gerar ou alimentar a geração de valor comunitário, cuja qualidade vinculativa se volta ao interesse comum, expresso por meio de um repertório simbólico e de linguagem partilhados e amparado nos discursos de solidariedade e identificação. Comunidade do Afeto Finalmente, os caminhos reflexivos levaram Paiva a delinear o que seriam as novas formas de contato. Questões já refletidas em alguns aspectos do livro que, em 2007, comemorava os dez anos de “O Espírito Comum”, o retomo do comunitário aconteceria em um contexto de crescimento de antigas e novas incertezas (falências nos recursos naturais, nos modelos de bem estar, reestruturação das grandes mídias, superpopulação, etc). Em 2012, no XXI Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, Compós, realizado em Juiz de Fora, Raquel Paiva apresentou seu mais recente experimento teórico, o texto intitulado “Novas formas de comunitarismo no cenário da visibilidade total: a comunidade do afeto”. Posicionando-se em um momento de transição, cuja nebulosidade toma difícil qualquer análise social mais precisa, Paiva assume que os modelos vigentes no capitalismo financeiro já não dão conta de toda miríade de manifestações comunicacionais e comunitárias possíveis e modelos futuros podem ser decididos e planejados. Neste contexto, o entendimento de comunidade deve também passar por um exercício reinterpretativo, a fim de deslocar este termo de seu lugar estritamente racionalizado e político – no sentido burocrático, institucionalista – para o que Paiva denominará a partir de agora de “comunidade do afeto” ou “comunidade de espírito”. Trata-se a princípio de uma estrutura comunitária não mais fundada no velho esquema segundo o qual o dever e a tarefa para com o outro seriam o elemento de ligação, mas sim em formas de vinculação em que o afeto, a simpatia, a igualdade de interesses e de partilha serão os principais dispositivos de definição dos contatos. Entendendo que a fala comunitária atua no movimento que pretende se deslocar do campo das ausências e silêncios para o das emergências – numa apropriação do discurso sociológico do escritor português Boaventura Souza Raquel Paiva: A comunidade em questão 253 Santos – Raquel Paiva descola a potência vinculativa comunitária do antigo modelo ligado ao engajamento político tradicional para o a partilha de sensações, o que não descaracteriza a forma comunicacional do comunitário como algo de significativo no interior do jogo social. É preciso, antes, descortinar as características e o perfil desta nova forma de ajuntamento e como ela se manifesta afirmativamente no campo comunicacional; que questões éticas ela sugere; e como ela reinterpreta as tecnologias de comunicação disponíveis. Nota Final: Interfases comunicacionais do Pensamento de Paiva Como foi relatado na segunda parte deste artigo, o pensamento de Raquel Paiva não se resume apenas à Comunicação Comunitária stricto sensu, visto que a obra da pesquisadora é ampla. Em “Histeria na mídia” Raquel faz um profundo levantamento teórico das obras de Freud, Lacan e Boudrillard e traz o conceito de “histeria” desde as aplicações antigas até a época atual. Foi na nosografia que Paiva encontrou o conceito capaz de retratar o professo de “dependência”, “empatia” e “sedução” que a mídia causa no espectador. No primeiro momento, era justamente o conceito de “sedução” que Paiva pretendia aplicar aos estudos midiáticos, contudo, foi na ampliação social do sentido de histeria que ela encontrou a explicação para as operações de manipulação simbólica vigentes na contemporaneidade, especialmente na televisão e na recente mídia digital. Conforme Paiva (2000, p. 83) a preocupação centra-se na tentativa se responder se a histeria (doença clínica da representação no ambiente rígido da repressão sexual) pode definir determinados fenômenos e mecanismos da cultura contemporânea. Para isso, a professora reinterpretou o termo para as análises dos (excessos de) discursos midiáticos, em época de imersão técnica e suas operações de manipulações simbólicas. O aprofundamento da “histeria” dos discursos midiáticos foi o foco dos dois livros que escreveu com coautoria com Muniz Sodré. Em “O Império do Grotesco”, os autores realizam uma genealogia do termo e trazem a aplicação para a literatura, o cinema e a televisão. Já em “Cidade dos Artistas”, os autores trazem o termo “gentrificação” aplicado à televisão e mostra como a Rede Globo transformou o imaginário da cidade do Rio de Janeiro, por meio do fascínio da fama entre os diversos estratos sociais. Recentemente, dois aspectos lançados por Paiva vêm sendo significativamente apropriados no campo da Comunicação Comunitária, o termo “comunidade gerativa”, originário do capítulo publicado em Peruzzo (2004), como forma de ampliar as formas do comunitário para além dos dispositivos tradicionais 254 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros de comunicação, que ao longo das décadas de 1970 e 1980 ocuparam a atenção do mundo acadêmico, como rádios, jornais e canais de TV independentes. O “gerativo” permite vislumbrar a potência comunitária em todo movimento cultural, artístico, esportivo que promova a vinculação em torno de um bem comum. De forma derivada, a “comunidade do afeto” complexifica esta ideia e agrega as dinâmicas do sensível, do imaginário, dos afetos e afecções. Referências BARBALHO, Alexandre. Raquel Paiva: um perfil intelectual. In: GOBBI, Maria Cristina (org.). Teoria da Comunicação: antologia de pensadores brasileiros. São Paulo: Intercom, 2010. Coleção Memórias vol. 2. p.383-394. COUTINHO, Eduardo Granja; FREIRE FILHO, João; PAIVA, Raquel (orgs.). Mídia e Poder: ideologia, discurso e subjetividade. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. COUTINHO, Iluska; FELZ, Jorge. Memória e poder: o Golpe de 64 na imprensa de Juiz de Fora. In: XXVII CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, Anais... São Paulo: Intercom; Porto Alegre: PUC-RS, 2004. p. 1-14. FRANÇA, Vera; WEIBER, Maria Helena; PAIVA, Raquel; SOVIK, Liv (orgs.). Livro da XI Compós: Estudos de Comunicação. 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Para além da interpretação: o significado da hermenêutica para a filosofia. Trad. Raquel Paiva. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999. Raquel Paiva: A comunidade em questão 257 Edgard Rebouças: Engajamento e labor Rose Mara Vidal de Souza1 13º CAPÍTULO José Edgard Rebouças nasceu em Vitória, capital do Espírito Santo em março de 1966. Filho de Otávio Rebouças e Elisete Rebouças, que migraram do Ceará para a região sudeste nos anos de 1950. Três dos seus cinco irmãos nasceram no Nordeste e dois em Vitória. Com quatro homens e duas mulheres, o patriarca dos Rebouças trabalhou como eletricista e pescador para garantir o sustento da prole. Dona Elisete ajudava na renda da família como costureira, que após os 40 anos, deu a luz ao caçula temporão Edgard Rebouças. Dona Elisete demonstrou que a vontade de aprender nunca é tardia e depois dos 50 anos passou para o vestibular no curso de Artes. Criado em uma família de classe média, Edgard sempre estudou em escolas públicas. No início da década de 1980 estudava no ensino médio o curso técnico em Edificações pela Escola Técnica do Espírito Santo. Graças a esta formação, de 1984 a 1987, o jovem Rebouças trabalhou no setor da construção e na Prefeitura de Vitória, como fiscal de 1. Doutoranda e Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, jornalista, diretora de Cultura do Politicom, Membro Renoi, pesquisadora assistente da Cátedra da UNESCO no Brasil/ UMESP, pesquisadora Observatório da Mídia –UFES. [email protected] 258 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros obras, o que lhe deu um primeiro contato com o mundo profissional e com os meandros do serviço público. Paralelamente a seus estudos o jovem Rebouças se juntaria a três amigos para reestruturar o cineclube da Escola Técnica, um dos muitos cineclubes locais, cujo projeto inicial havia sido fechado no auge da ditadura militar. O quarteto almejava ser do time de grandes cineastas e assim, por intermédio do destino, se aproximaram do mundo das comunicações pelo curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo- UFES, já que na época não existia, e ainda não existe, faculdade de cinema no estado. Em 1986 Edgard ingressava no curso de Comunicação Social da UFES. Em meados dos anos 1980, Vitória começava a deixar de ser uma cidade esquecida na BR-101 entre o Rio e Salvador para começar a ganhar uma dimensão econômica de destaque no cenário nacional. E com a chegada dos grandes projetos industriais, chegou também uma nova população ávida de atividades culturais. Com isso, artistas plásticos, atores, escritores e cineclubistas locais foram obrigados a ampliar seus círculos de debates e atividades. Por iniciativa do governo estadual, foi criado o Centro Cultural Carmélia Maria de Souza, o primeiro no estado, que contava com um cinema, uma galeria de artes, uma biblioteca, um teatro e um centro de vivência. Também com o apoio da prefeitura da Vitória, foi revitalizado um abandonado armazém de café na antiga zona boêmia da cidade; e para lá se direcionaram as atenções da cultura local. Com a atividade como cineclubista, Edgard ganhou uma bolsa de estudos na Aliança Francesa de Vitória, onde fazia um curso regular e projetava filmes das décadas de 1950, 1960 e 1970 todas as sextas-feiras para um público cativo de intelectuais e estudantes. Antes de se formar em bacharel em Comunicação Social em 1990, Rebouças estagiou no antigo Departamento Estadual de Cultura (DEC) sendo um dos colaboradores do setor de audiovisual. O responsável era o cineasta Toninho Neves e a convite dele, Edgard foi trabalhar desta vez na TV Educativa, no programa Telecontos Capixabas, onde assumiu a função de assistente de direção. Após esta experiência, Edgard continuou na TV Educativa, porém mudou de função e passou a exercer o papel de comentarista de cinema e vídeo no Fanzine, programa cultural destinado ao público jovem nas tardes de sábado. Em paralelo, Rebouças ainda coeditava com mais dois colegas o jornal Videcom, que ajudara a fundar com o objetivo de oferecer aos usuários das então incipientes locadoras de vídeos dicas de lançamentos e clássicos do cinema. Ele ainda trabalhou em campanhas políticas como diretor de programas de televisão. Após se formar em 1990, Rebouças manteve suas atividades de documentarista e conseguiu um contrato imediato como crítico de cinema e de televisão Edgard Rebouças: Engajamento e labor 259 no principal jornal da Vitória – A Gazeta -, onde já trabalhava eventualmente cobrindo férias e licenças dos jornalistas, e como produtor e repórter da TV Capixaba/Bandeirantes. Em 1990, quando o jovem jornalista havia acabado de se formar, por já ter um certo engajamento com as questões que envolvem a profissão, foi eleito membro da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Espírito Santo, onde exerceu a função de secretário até sua licença entre 1992 e 1993, para o mestrado na Universidade de Grenoble, e tendo sido reeleito em 1994, quando assumiu o cargo de presidente da Comissão pelos três anos seguintes. Em 1998 foi eleito para a diretoria do sindicato, quando representou o estado junto à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), se ocupando dos programas de Qualidade de Ensino nos cursos de Comunicação e do projeto de instalação do Canal Comunitário de Vitória. No final de 2003 voltou às atividades sindicais, sendo eleito para a diretoria executiva, com o cargo de diretor de formação. Entre suas atividades estava a de fazer um acompanhamento dos cursos de Jornalismo e de pós-graduação no estado, propondo cursos de aperfeiçoamentos e debates com a categoria sobre a qualificação profissional. Outra atividade ligada ao cargo que ocupava era o de membro indicado para o Conselho de Acompanhamento da Programação de Rádio e Televisão, ligado à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Em 1992, pediu demissão da TV Capixaba/Bandeirantes e foi trabalhar como redator de Política no jornal “A Tribuna”, de onde também se afastou para realizar seu mestrado, retornando para continuar a mesma função até 1995. Também no retorno a Vitória, Rebouças foi trabalhar na TV Gazeta/Globo, na produção e pauta do novo programa jornalístico/cultural Jogo Aberto, que ocupava diariamente o horário do meio-dia. Seu principal referencial profissional naquele momento era o colega Ademir Ramos, que viria a falecer prematuramente poucos anos depois. O novo desafio profissional foi na área de educação. Por ter experiência em jornal e televisão e por ter feito seu mestrado, recebeu o convite do antigo colega de faculdade Omar Carrasco para compor o quadro de professores de primeira turma do curso de Comunicação das Faculdades Associadas do Espírito Santo – Faesa. Assumiu várias disciplinas, o que contribuiu para os seus estudos. As primeiras disciplinas ministradas foram “Teorias e Métodos de Pesquisa em Comunicação I e II”. Com isso, ele reviu todos os fundamentos da metodologia e pode também entender como aplicá-las às teorias e práticas comunicacionais tanto em sala de aula como na sua atividade de pesquisa. Em 1996 e 1997, colaborou como professor de Teorias da Comunicação no curso de Radialismo da Escola Técnica Federal do Espírito Santo. Ainda na Faesa, trabalhou nas 260 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros disciplinas de “Rádio, TV e Teledifusão”, “Elaboração de Projeto de TCC” e “Comunicação Regional”, rendendo orientação para a iniciação científica de vários estudantes e muitos Projetos de Conclusão de Curso. Deu aulas de disciplinas que não eram ligadas a sua formação: “Realidade Brasileira e Regional”, “Educação e Comunicação” e “Novas Tecnologias em Educação”. Graças a essas disciplinas, desenvolveu um projeto de pesquisa para criar a habilitação em Educomunicação. Dessa forma, uniria os dois campos, o de Educação e Comunicação, mas por causa da falta de compreensão dos profissionais de ambos os campos, o projeto foi engavetado. Em 2003, retomaram o projeto, criando a II Semana de Educação e Comunicação na Faesa, mas também não teve continuidade por causa de visões conservadoras. Diante das várias atribuições de ensino e pesquisa, Rebouças sentiu-se obrigado a abandonar o jornalismo diário no jornal A Tribuna e na TV Gazeta, mas ao longo do período continuou atuando na área fazendo assessorias de imprensa na própria Faesa e no Consórcio de Preservação das Bacias dos Rios Santa Maria e Jucu. Junto com as atividades de graduação, atuou também na Faculdade de Direito de Vitória, foi professor do curso de pós-graduação em “Gestão, Planejamento e Avaliação de Projetos Sociais”, sendo responsável pela disciplina “Novas Tecnologias Aplicadas a Projetos Sociais”. Na Faesa, criou e lecionou no curso de pós-graduação de “Gestão em Assessoria da Comunicação”. A instituição organizava anualmente o Prêmio TCC e, em suas quatro edições, foi orientador de três trabalhos vencedores na área de Comunicação. Mais especificamente no campo da pesquisa, Edgard Rebouças se aproximou dos pesquisadores em Comunicação no Brasil por meio do II Colóquio França-Brasil, ocorrido em Paris em 1993, abrindo acesso para o Grupo de Trabalho de Economia Política, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM). Apresentou um resumo de sua pesquisa de mestrado “Modelo de Participação Social na Regulamentação dos Programas de Televisão”, o que gerou muitos debates e a mesma foi publicada no primeiro livro do GT. Rebouças recebeu muitos convites para ingressar no doutorado e continuar com a pesquisa, mas recusou para ficar mais perto do jornalismo. Voltou a participar do congresso da INTERCOM em 1995, quando iniciou sua vida na academia, apresentando duas pesquisas “Modelos de regulamentação/regulação da televisão”, no III Colóquio Brasil-França, e no GT de Economia Política, onde defendeu o texto “Proposta de participação social na elaboração de uma política de comunicação social para o Espírito Santo”. No ano posterior, também participou do INTERCOM Londrina com duas pesquisas, uma de autoria própria “Exploração da infovia de fibra ótica urbana na Grande Vitória” e outra em coEdgard Rebouças: Engajamento e labor 261 autoria com a professora Maria Lúcia da Silva “Por uma pedagogia da comunicação e uma comunicação pedagógica”. Essa última foi apresentada também em um encontro internacional de Educação e Comunicação em Havana, no final de 1995. Na época, já em sua segunda viagem à ilha, teve contato com o modelo cubano de educação e cultura, o qual acabou inspirando-o e incentivando-o. Em 1997 participou de outro evento no exterior, o 1º Encontro Lusófono de Ciências da Comunicação, em Lisboa. O trabalho apresentado foi “Os desafios da televisão brasileira para o próximo milênio”, texto encomendado para a revista portuguesa Tendéncias XXI. Como o texto ficou didático foi muito aproveitado por professores brasileiros em cursos de Comunicação. No mesmo ano, a pesquisa foi apresentada de forma mais aprofundada no Grupo de Trabalho de Televisão do INTERCOM e publicado em um livro organizado pelo professor Sérgio Mattos em 1999. Participou também do III Congresso Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa, apresentando a pesquisa “A imprensa no Brasil e sua relação com o poder Judiciário”. Em 1998, seu paper foi aceito para a sessão de Comunicação e Cultura do congresso da Acfas (Association Francophone pour le Savoir), em Quebec. Foi seu primeiro contato com pesquisadores canadenses. No final de 1998 passou no doutorado de Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Teve como orientadora a professora Anamaria Fadul. Teve aulas com Isaac Eptein, José Marques de Melo, Cicilia Peruzzo, Sandra Reimão, José Salvador Faro, Jacques Vigneron, Wilson Bueno e outros. Participou da Cátedra UNESCO de Comunicação e Desenvolvimento como editor associado e entrevistador internacional da revista Pensamento Comunicacional Latino Americano. Foi na universidade que recebeu incentivo dos professores para continuar com a pesquisa referente ao Canadá. Preparou o projeto para concorrer ao General Governor Awards, oferecido pelo governo canadense. Venceu o concurso e recebeu uma bolsa para passar seis meses no Canadá. Posteriormente, foi convidado a ser pesquisador-visitante na Université du Québec à Montréal (UQAM). Na universidade, deu seminários sobre cultura, política, economia e comunicações para o mestrado. Depois de voltar para o Brasil, retornou ao Canadá em 2002 para um colóquio pan-americano com a pesquisa “As estratégias e as políticas de comunicações na América Latina diante dos interesses do mercado internacional em comunicação e cultura”. Nesse mesmo ano, participou da organização do 1º Colóquio Interamericano Brasil-Canadá, realizado na Universidade do Estado da Bahia. Também participou da organização do livro referente ao evento. Em fevereiro de 2003 defendeu a tese “Grupos de pressão e de interesse nas políticas e estratégias de comunicações: um estudo dos casos dos atores sociais no 262 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Brasil e no Canadá”, tendo recebido a menção de melhor tese do ano no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo. Convidado a ser responsável pelo Prêmio INTERCOM, estabeleceu contato com várias pesquisas do país. Depois de eleito como membro do Conselho Fiscal e de assumir a coordenação do Núcleo de Pesquisa de Política e Estratégias da Comunicação, deixou a coordenação do Prêmio INTERCOM. Durante o ano de 2004, se envolveu na campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”. Organizou o Dia Nacional contra a Baixaria na TV em outubro, com a proposta básica de sugerir aos telespectadores desligarem as TVs durante a tarde de um domingo, fazendo com que os índices de audiência caíssem naquele dia. Desenvolveu também debates sobre a regulamentação da publicidade infantil, além de coordenar um grupo de estudo a Comissão dos Direito Humanos na Câmara dos Deputados sobre o tema. Recebeu convites para participar de dois livros em Portugal e na Espanha. Foi convidado em 2005 pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE para disputar uma bolsa de pós-doutorado. Assim que saiu o resultado, Rebouças pediu demissão de onde trabalhava há 10 anos para se aprofundar nas pesquisas. Na UFPE participou da orientação de vários mestrados e de banca de qualificação. Em 2006 passou no concurso para professor efetivo na área de Ética nas Comunicações e Indústrias Midiáticas, e já dava aulas para os cursos de Comunicação Social da UFPE, tanto para a graduação como para a pós-graduação. Desenvolveu pesquisas em “Mídia e Processos Sociais”. Naquele ano, passou três meses como professor visitante na Universidade de Grenoble, com uma bolsa Erasmus Mundus Scholarship, International Consortium for Media, Communication and Cultural Studies. Já em 2008 ganhou o prêmio Faculty Research, Foreign Affairs and International Trade Canada para realizar pesquisa naquele país sobre a regulamentação da publicidade para crianças. Ficou em Pernambuco até 2009, quando, foi redistribuído para a Universidade Federal do Espírito Santo como professor adjunto. Ainda manteve vínculos com a UFPE como professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação até 2013. Naquela universidade orientou nove dissertações de Mestrado e uma de Doutorado: • Raimunda Aline Lucena Gomes. A comunicação como direito humano: um conceito em construção. • Rudson Pinheiro Soares. Estratégia de inserção da Globo Nordeste em Pernambuco. Edgard Rebouças: Engajamento e labor 263 • Bruno Nogueira. Estratégias de divulgação das gravadoras alternativas da indústria fonográfica nacional. • Bruno Marinoni Ribeiro de Sousa. Sistema Verdes Mares de Comunicação e indústria cultural brasileira ou Das técnicas modernas para sereias concorrerem em ambientes oligopolizados. • Verônica de Fátima Pereira Lemos. Glocal, global e local na publicidade: o exemplo do caso HSBC. • Rosário de Pompéia Macêdo de Barros. Do poder político às indústrias culturais: sistema Jornal do Commercio de comunicação. • Mariana Martins de Carvalho. Conceituação da complementaridade dos sistemas público, privado e estatal nas comunicações. • Fabiola Mendonça de Vasconcelos – Coronelismo eletrônico ou indústria cultural? uma análise das empresas de radiodifusão do deputado federal Inocêncio Oliveira. • Patrícia dos Santos da Cunha. Observatórios de mídia como instrumento de controle social. • Ana Maria da Conceição Veloso. Gênero, poder e resistência: as mulheres nas indústrias culturais em 11 países. Entre 2008 e 2011 foi colaborador da INTERCOM, assumindo o cargo de Diretor de Relações Internacionais, eleito em 2008. Em seu mandato, esforçou-se no processo de maior internacionalização dos estudos em Comunicação do país, que não se limitasse apenas aos colóquios binacionais – em sua gestão foram realizados eventos com China, França, Argentina, Estados Unidos, México e Espanha. Dessa forma, seu maior legado foi uma inserção mais forte da INTERCOM institucionalmente – com mesas específicas – nos eventos da International Communication Association (ICA), em Boston, e da International Association for Media and Communication Research (IAMCR), em Istambul. Ao longo de sua trajetória acadêmica, tem participado como membro do corpo editorial dos periódicos “Revista Eletrônica Mídia e Cotidiano”, “Journal of African Cinemas”, “Memória em Movimento”, “Technologies de l’information et société”, “Contracampo”, “Comunicação”, “Veredas, Estudos de Sociologia”, “Eptic On-Line”, “Eco-Pós”, “INTERCOM” e “Global Media Journal”. Na UFES, em 2009, começou a dar aulas para as turmas de graduação de Jornalismo e de Publicidade e Propaganda e a coordenar o grupo de pesquisa 264 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros “Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas e sistemas”, do qual havia criado na UFPE e ainda faz parte. Desde seu retorno para Vitória, se empenhou na estruturação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades, projeto aprovado pela Capes em dezembro de 2013 Entre 2010 e 2012 foi consultor colaborador da China Internacional Media Research Centre (CMCC). Já em 2011, esteve envolvido com o Instituto Alana (Brasil) e com o Groupe de Recherche Interdisciplinaire sur la Communication (Canadá). Posteriormente, fez parte dos Conselhos, Comissões e Consultoria na Reitoria da UFES como Membro Titular Permanente de Avaliação Docente do Centro de Artes. Em 2012 ganhou novamente o prêmio Faculty Research, Foreign Affairs and International Trade Canada para a realização de mais uma pesquisa, desta vez em Ottawa, sobre a participação da sociedade nas comissões reais sobre comunicações ao longo do século XX. No início de 2013, por sua militância e nas pesquisas sobre mídia e direitos humanos, foi indicado como representante da UFES no Conselho Estadual de Direitos Humanos, tendo atuando efetivamente nos processos de mediação das manifestações do maio-junho-julho de 2013. Em agosto do mesmo ano recebeu o convite do Ministério da Educação para assumir o cargo de Coordenador-geral de Mídias e Conteúdos Digitais, na Secretaria de Educação Básica. Seria a oportunidade de colocar em prática as ideias que vinha alimentando há tantos anos, com a publicação do artigo “Não é pecado usar a comunicação para a educação” na revista “Você”, da UFES, em 1993; e do projeto frustrado do curso de Educomunicação na Faesa no final dos anos 1990. No entanto, a experiência não foi frutífera como ele esperava. Mesmo com a responsabilidade sobre a “TV Escola”, o “Portal do Professor” e os repositórios do “Banco Internacional de Objetos Educativos” (BIOE) e do “Domínio Público”. A concepção de gestão do serviço público que Rebouças defendia não se afinava com o modelo que vinha sendo adotado no MEC. Pediu exoneração do cargo em fevereiro de 2014, deixando encaminhados os processos de criação do Canal da Educação na TV digital aberta e a criação da Rede de Nacional de Rádios e TVs Universitárias. Ao retornar para a UFES, reassumiu as disciplinas de Legislação e Ética na Comunicação nas graduações de Publicidade e de Jornalismo e iniciou a disciplina de “Indústrias Culturais e Midiáticas” no curso de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades. Ele também retomou os projetos de pesquisa e ação do Observatório da Mídia, principalmente as oficinas de “Capacitação de Jornalistas para a Promoção e o Respeito aos Direitos Humanos” e de “Educação para a Mídia”, bem como os estudos de “Monitoramento da Publicidade Direcionada a Crianças” e de “Cartografia da Mídia no Espírito Santo”. Edgard Rebouças: Engajamento e labor 265 Pensamento A trajetória do pensamento comunicacional de Edgard Rebouças pode ser traçada tendo como base alguns conceitos-chaves como: democratização da mídia, políticas de comunicações, indústrias culturais e midiáticas, atores sociais como grupo de pressão e ética no jornalismo e na publicidade. Seus textos, cursos, seminários e palestras publicados e apresentados em vários países retratam uma junção de seus perfis como professor, jornalista e militante dos direitos sociais. Uma preocupação também muito presente em seus trabalhos é com a fundamentação conceitual de suas posições, pois muitas vezes se viu sendo levado para as armadilhas do discurso ou do engajamento – em alguns momentos necessários para marcar posições – que não dão consistência a argumentos científicos. Diante disso, em um de seus textos do Grupo de Trabalho de Políticas de Comunicação da INTERCOM, propõe algumas metodologias para o estudo na aérea das políticas nacionais e internacionais de comunicações. Segundo ele (2000, p.12), “o que queremos é que os pesquisadores saiam de seus nichos acadêmicos e convidem a sociedade a participar do debate, lembrando-se do seu papel como sentinela dos fenômenos sociais, sendo que para isso não precisa encarnar a figura do cão raivoso”. É importante que exista uma aproximação da academia com a sociedade, já que esta, na maioria das vezes, não está a par dos processos intelectuais das universidades, sejam elas públicas ou privadas. Além disso, esses pesquisadores colaboram também para a democratização da informação. A maioria das pesquisas feitas nessa área é de interesse social. Porém, fora da academia, os interesses comercial e empresarial prevalecem, e isso não é explorado pelos estudiosos. Nem políticos, governantes, empresários e muito menos a sociedade têm acesso aos estudos que estão mais dirigidos para a análise crítica das tecnologias próprias do setor das comunicações: esses estudos não estão sendo levados a eles. Rebouças aponta que os pesquisadores devem ficar atentos quanto à cientificidade de seus trabalhos, tomando cuidado para que a polêmica envolvida não se torne mais relevante que a ideologia do mesmo. É preciso que os problemas complexos sejam melhor esclarecidos, principalmente aqueles que não recebem muita atenção de pesquisadores, com muito aprofundamento, não ficando somente em teorias e que tenham indicações de propostas a fim de solucioná-los. No geral, em seus textos, Edgard Rebouças apresenta opções metodológicas, no que se refere à política das comunicações, para propor um trabalho de pesquisa melhor desenvolvido. Isso porque ele acredita que esses estudos necessitam de uma base teórica e uma metodologia consistente: 266 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Há ainda um dilema a ser discutido por pesquisadores e epistemólogos para uma melhor fundamentação teórica dos conceitos relativos às políticas de comunicações, ele reside no fato de tal problemática estar cercada de um lado pelas políticas culturais e de outro pelas políticas industriais [...] devemos lembrar que os debates e considerações específicos do campo da Comunicação só começaram entre os anos 40 e 50 (2000, p.4). Ele ainda continua explicando sobre as políticas culturais em relação às políticas comunicacionais: A influência das políticas culturais no âmbito das políticas de comunicações ocorre sobre as questões relativas ao conteúdo, como podemos acompanhar nas discussões a respeito da qualidade da programação das emissoras de TV, da quantidade de horas destinadas nas rádios para a música nacional etc. [...] Não podemos esquecer ainda o contexto da produção e da distribuição de bens simbólicos e de capital (2000, p.4). Pesquisadores não podem seguir comparações menos rígidas: devem observar vários fatores significantes (e semelhantes). Em relação aos países e políticas, alguma estrutura, seja ela estatal, deverá ser semelhante, mesmo que seja a socioeconômica, por exemplo. Outro fator pertinente que serve como indicador de semelhanças são as estratégias que envolvem a discussão de políticas nacionais de comunicações, pois oferece uma grande referência de comparação: O que caracteriza uma proximidade dos modelos de estabelecimentos de políticas nacionais de comunicações são as peculiaridades que decorrem das relações que provocam entre cada governo e as demais esferas de poder, como empresários, congressistas, partidos, igrejas, associações, sindicatos e grandes grupos de mídia. A falta de uma regulamentação mais clara e aberta aos interesses da sociedade também se apresenta como variável de destaque (2000, p.9). Volta-se a frisar que é preciso tomar cuidado para que a pesquisa não se torne algo monótono, com teorias por teorias. Contudo, quanto maior o suporte teórico utilizado, maior a importância e a profundidade nessa análise. Esse tipo de estudo comparativo, principalmente aquele ligado às ciências sociais, teve sua relevância a partir do final da Segunda Guerra, apesar de já estarem devidamente organizados desde o século XIX. A partir da Segunda Guerra, buscam-se semelhanças e diferenças entre os processos culturais, políticos, Edgard Rebouças: Engajamento e labor 267 econômicos e sociais dos países, haja vista que ocorreu uma mudança de ordem global, envolvendo principalmente relações geopolíticas e políticas externas. Aplicando a metodologia de comparação a certos estudos, o pesquisador pode usá-lo para iniciar um trabalho de observação que pertença a políticas nacionais de comunicação do país que desejar. Lista-se uma série de procedimentos e estratégias de observação para o estudo, com questionamentos específicos aliados a métodos e técnicas para responder à pergunta-chave da pesquisa. É importante que o estudo de caso deva ser apresentado como uma ferramenta de pesquisa, não como uma técnica nem como método. Porém, não deve ser usado apenas com um suporte para a coleta de dados, para isso podem ser utilizadas as entrevistas sistematizadas, a observação direta ou indireta sobre documentos, livros, periódicos. Entre muitas características, o pesquisador tem que ser capaz de formular boas perguntas e aceitar discutir as opiniões a respeito das informações conseguidas. Essas características são necessárias também a qualquer comunicador social, visto que está em contato direto com a comunidade e têm que tomar cuidado para não se influenciar com noções pré-concebidas, preconceituosas ou favorecendo somente um ponto de vista ideológico. O estudo de caso interpretativo é o ideal para uma observação sobre políticas nacionais de comunicações. Ele trabalha com descrições mais ricas e consistentes, além de sua complexidade e orientação teórica. Por fim, Rebouças afirma: [...] não podemos esquecer que uma pesquisa que envolve os fenômenos relativos às estruturas sociais, como é o caso dos sistemas de comunicações, deve refletir sobre os problemas já levantados por inúmeros pesquisadores das Ciências Sociais, mas adaptando-os à realidade que nos interessa (2000, p.14). Uma das abordagens desenvolvidas na obra de Edgard Rebouças que gera mais desdobramentos é a em que ele argumenta e fundamenta sobre o que chama de “discurso escudo dos ‘donos’ da mídia contra a ‘censura’ e em defesa da ‘liberdade de expressão’”. Em um texto publicado em um livro editado pelo Ministério da Justiça, quando debate sobre a Classificação Indicativa da programação televisiva, ele mostrou como o empresariado do setor levanta falsamente a bandeira da isenção, usando de mecanismos de persuasão para tentar convencer a sociedade de que deve permanecer como mero espectador do processo, de que o Estado é autoritário, e que só pensam no bem estar da população. Sendo que em momento algum revelam os reais interesses existentes por trás de todo esse discurso: os comerciais e políticos. 268 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Sua tese de doutoramento sobre o lobby nas políticas de comunicações no Brasil e no Canadá, tendo antes estudado em seu mestrado os modelos francês e americano, mostrou que tal comportamento não é exclusivo do Brasil. O excesso de poder em mãos dos empresários da mídia, a omissão da classe política, a passividade da sociedade e a desarticulação da academia são, segundo Rebouças, sintomas, causas e efeitos de muito do que há de errado no sistema social; em que os interesses privados têm peso muito maior do que os interesses públicos. Um ponto de destaque na atuação e pensamento comunicacional de Edgard Rebouças é o rigor metodológico que também transmite a seus orientandos de mestrado e doutorado. É possível ver a marca da linearidade da narrativa com a problemática e a fundamentação conceitual dos argumentos explorados por seus orientandos. As preocupações com o viés de possível transformação social das conclusões de cada dissertação ou tese também estão presentes. Referências REBOUÇAS, Edgard. Por uma perspectiva comparativa eficiente no estudo de políticas e sistemas nacionais e internacionais de comunicações. XXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Intercom: 2000. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/b9a9b33d269e1533f393c242ca19f074.pdf. Acesso em 28 de julho de 2014. Edgard Rebouças: Engajamento e labor 269 Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade nas narrativas escritas e audiovisuais Poliana Lopes1 14º CAPÍTULO Apaixonada por telejornalismo e teledramaturgia (para cinema e televisão), a jornalista Paula Regina Puhl sempre permeou sua carreira acadêmica relacionando produção audiovisual com história, cultura, identidade e pertencimento. A pesquisadora aponta a sua participação na elaboração e implementação do Mestrado Acadêmico em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale, em 2009, como um dos momentos mais importantes de sua trajetória profissional. Paula foi coordenadora do curso entre 2009 e 2013, no qual também ministrou as disciplinas de “Teorias Investigativas em Processos e Manifestações Culturais”, “A informação e a Comunicação em Processos Culturais” e “Literatura, Cinema e História: interdiscursividade”. Diretora da Região Sul (2011-2014) da INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, atualmente é professora nos cursos no Curso de Comunicação Social e no Curso Superior de Tecnologia em Produção Audiovisual na Pontifícia Universidade Católica do 1. Mestre em Processos e Manifestações Culturais (Universidade Feevale/2011), Especialista em História, Comunicação e Memória do Brasil Contemporâneo (Universidade Feevale/2007) e Jornalista (Unisinos/2001). 270 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Rio Grande do Sul (PUC-RS), onde também desenvolve atividades relacionadas ao jornalismo televisual junto ao laboratório convergente, chamado Editorial J. É líder do projeto de pesquisa “A construção das identidades pelo Telejornalismo local: mapeamento e análise”, aprovado pela Fapergs – Pesquisador Gaúcho. Também Pertence ao Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Telejornalismo (GIPTELE) e é pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Estudos Olímpicos da PUCRS. Participou do corpo editorial dos periódicos Gestão e Desenvolvimento (Novo Hamburgo, de 2004 a 2013) e foi parecerista das revistas: Eco-Pós (2009), Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo, desde 2009), Em Questão (UFRGS, desde 2011), Animus (Santa Maria, desde 2011), Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación (desde 2011) e Iniciacom – Revista Brasileira de Iniciação Científica em Comunicação Social (desde 2012). Em 2003 concluiu na PUC-RS o Doutorado em Comunicação Social com a tese “Discursividade no filme Hamlet: uma interpretação hermenêutica”. Orientada por Roberto José Ramos, desenvolveu, a partir da análise do discurso, a relação entre teatro, literatura e cinema. A produção da minissérie “Agosto”, a partir do livro de Rubem Fonseca, foi o tema da dissertação do Mestrado em Comunicação Social defendida em 2001 na PUC-RS. Intitulada “Agosto, de Rubem Fonseca: a narrativa literária e a televisiva”, a pesquisa foi orientada por Dino Del Pino. Também na PUC-RS, em 1998, formou-se em Comunicação Social: Jornalismo. Orientada por Maria Beatriz Rahde, defendeu o trabalho de conclusão “O Universo Imagístico de Mônica e os Azuis”. Na Universidade Feevale, coordenou a Especialização em História, Comunicação e Memória do Brasil Contemporâneo entre 2008 e 2009 (na qual também foi professora), foi coordenadora do Curso de Comunicação – habilitações Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e Jornalismo de 2003 a 2006, nos quais lecionou as disciplinas relacionadas com televisão e imagem, como “Telejornalismo I, Telecinejornalismo, Comunicação Visual”, entre outras. Na mesma instituição, participou da implantação da TV Feevale (canal 15 da NET Novo Hamburgo), inaugurada em 17 de outubro de 2002. Por três vezes teve seu trabalho junto a Universidade Feevale reconhecido pelos alunos, sendo paraninfa do curso de Comunicação Social em 2006, 2007 e 2012. O discurso nas telas Como resultado do Doutorado em Comunicação Social concluído em 2003, apresentou a tese “Discursividade no filme Hamlet: uma interpretação Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade nas narrativas escritas e audiovisuais 271 hermenêutica”, na qual se propôs a analisar a discursividade em níveis verbais e não verbais da personagem Hamlet, no filme Hamlet (1948), a partir de corpus de nove cenas, separadas por três temas dominantes da narrativa – Vingança, Suposta Loucura e Morte. Para análise, usou como metodologia a Tríplice Análise da Hermenêutica de Profundidade de John B. Thompson (Análise Sócio-histórica, Análise Formal ou Discursiva e a Interpretação e Re-Interpretação). Também optou pelo teórico Roland Barthes, do qual usou quatro categorias – Imagem, Cultura, Poder e Discurso – em conjunto com a Crítica Estilística de José Martin, o que permitiu aprofundar a caracterização da personagem na narrativa. O estudo está dividido em três capítulos. O primeiro faz um panorama a respeito da obra de William Shakespeare (autor da peça Hamlet, de 1600, que inspirou o filme), seguida de referencial teórico sobre o Cinema como meio de comunicação de massa e a utilização de clássicos shakespearianos para a construção de filmes. Ele também apresenta a obra cinematográfica analisada, criada por Laurence Olivier e baseada em Hamlet, além das implicações do Cinema na sociedade, assim como sua linguagem específica. O segundo capítulo apresentou o referencial teórico (Barthes e Martin), a metodologia da Hermenêutica de Profundidade e a escolha da pesquisa qualitativa. Ao final, o terceiro capítulo inclui a análise do filme, constando a descrição verbal e nãoverbal das cenas escolhidas, assim como a aplicação das categorias barthesianas e da Crítica Estilística. Produção audiovisual – das narrativas literárias ao telejornalismo Analisar as diferenças entre o texto televisivo e o literário e o que sucede quando as obras literárias são adaptadas para a televisão foi o objetivo principal da dissertação “Agosto, de Rubem Fonseca: a narrativa literária e a televisiva”, defendida em 2001 pela autora no Mestrado em Comunicação Social da PUCRS. Partindo do ponto de vista do jornalismo, ela revisou “aspectos teóricos que envolvem a noção de narrativa, especialmente os que se relacionam à perspectiva e à focalização narrativa, quando a serviço da representação do real e do ficcional” (2003, p.7). A pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem analítica do romance “Agosto”, de Rubem Fonseca, em comparação à análise da versão televisiva produzida pela Rede Globo de Televisão. Produções ficcionais contemporâneas sempre permearam os estudos da autora, em paralelo a outros projetos. Entre os diversos artigos apresentados em congressos e publicados em periódicos nacionais, destacam-se “Marcas e 272 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros vestígios de narrativas televisuais na abertura da telenovela O Astro”2, “Cordel Encantado: a telenovela encantada com a literatura popular”3 e “Memórias Juvenis: a influência do cinema no cotidiano dos jovens nos anos 604”. Relacionados à mídia eletrônica, também publicou “Os desafios sobre noticiar e utilizar a tecnologia na televisão: uma análise da coluna Conecte do Jornal da Globo5” e “O aprendizado do Telejornalismo em sala de aula: experiências com a resenha televisual6”. Paula é autora e coautora de mais de dez capítulos de livros publicados por editoras nacionais e regionais, com foco em estudos sobre produções audiovisuais e jornalismo de televisão, como os capítulos mais recentes de 2013: “As apropriações midiáticas e os atores sociais na cobertura convergente das manifestações pela TV Folha”, escrito em colaboração com Maria Clara Aquino Bittencourt para a obra intitulada “#telejornalismo: nas ruas e nas telas”, organizado por Flávio Porcello, Alfredo Vizeu e Iluska Coutinho do grupo de telejornalismo da INTERCOM, publicado pela editora Insular e “Nuances da experiência narrativa contemporânea: a franquia Tron e a fronteira digital”, feito em parceria com Maria Clara Aquino Bittencourt e Thiago Falcão que faz parte do livro “Cinema em Choque: diálogos e rupturas”, organizado por Carlos Gerbase e Cristiane Freitas e publicado pela editora Sulina. Também organizou duas obras pela editora da Universidade Feevale: “Contexto e Práticas de Comunicação Social” (2008)7, sobre o ensino da Comunica- 2. PUHL, P. R.; TIETZMANN, R. Marcas e vestígios de narrativas televisuais na abertura da telenovela O Astro. Intercom (São Paulo. Online), v. 36, p. 167-186, 2013. 3. PUHL, P. R.; LOPES, Poliana. Cordel Encantado: a telenovela encantada com a literatura popular. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo. Impresso), v. 8, p. 35-63, 2011. 4. PUHL, P. R.; SILVA, C. E.. Memórias Juvenis: a influência do cinema no cotidiano dos jovens nos anos 60. Revista FAMECOS (Impresso), v. 38, p. 93-99, 2009. 5. PUHL, P. R.; ARAÚJO, Willian Fernandes; DONATO, Aline. Os desafios sobre noticiar e utilizar a tecnologia na televisão: uma análise da coluna Conecte do Jornal da Globo. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo. Impresso), v. 10, p. 35-55, 2013. 6. PUHL, P. R.. O aprendizado do Telejornalismo em sala de aula: experiências com a resenha televisual. In: Barbosa, Marialva; Morais, Osvando J. de. (Org.). Comunicação Cultura e Juventude. 1ed.São Paulo: Intercom, 2010, v. 24, p. 267-284. 7. Disponível em: <https://aplicweb.feevale.br/site/files/documentos/pdf/27846.pdf>. Acesso em julho de 2014. Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade nas narrativas escritas e audiovisuais 273 ção, e “Processos Culturais e suas manifestações” (2012), financiado pelo PROSUP/CAPES8, no qual constam estudos desenvolvidos pelos bolsistas Capes e seus respectivos orientadores. A relação com a comunidade acadêmica Em paralelo as atividades discentes, a autora dedicou-se a diversas linhas de pesquisa relacionando cultura, hábitos sociais, história, mídia e produção jornalística à comunidade em que estava inserida – Novo Hamburgo (RS), cidade onde fica a Universidade Feevale. A linha de pesquisa “A construção das identidades pelo Telejornalismo local: mapeamento e análise”, iniciada em 2009, buscou verificar a relação entre a construção das identidades da população a partir do telejornalismo, com foco em Novo Hamburgo (RS). A partir do estudo, tornar-se-ia possível compreender e analisar o nível do sentimento de pertença e o lugar de segurança de uma população que não reconhece o telejornalismo local como lugar de referência. Tendo a Hermenêutica de Profundidade (THOMPSON, 1995) como metodologia, a pesquisa trabalhou com autores que discutem identidade e analisam a produção de programas telejornalísticos para verificar a importância e a abrangência da televisão a partir do contexto e da inserção dessa mídia no Estado e, a partir deste ponto, buscar o levantamento do desenvolvimento do Jornalismo em Novo Hamburgo para analisar a cultura da imagem no município. A partir de um mapeamento do cenário do telejornalismo local (em TV fechada e aberta) seriam obtidos dados a serem cruzados com outros estudos sobre telejornalismo feitos no Estado, buscando consolidar um grupo de pesquisa em telejornalismo local gaúcho. Identidade, Novo Hamburgo e Hermenêutica de Profundidade voltaram à pauta na pesquisa “O processo de construção de identidades: um estudo sobre a influência do cinema em Novo Hamburgo”. O estudo, realizado entre 2008 e 2011, examinou a inserção do cinema na localidade entre sua emancipação, em 1927, e o início dos anos 1960, com o objetivo de verificar a construção das múltiplas identidades. Além da aplicação da metodologia da Hermenêutica de Profundidade na fonte principal da pesquisa – o Jornal “O 5 de abril”, o primei- 8. Disponível em: <http://www.feevale.br/Comum/midias/6019aa37-19ba-4451-98b4c86c7dadadc9/Processos%20Culturais%20e%20suas%20Manifesta%C3%A7%C3% B5es.pdf>.Acesso em julho de 2014. 274 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros ro jornal do município – o grupo envolvido usou da História Oral ao realizar entrevistas com pessoas que vivenciaram a chegada, o auge e a decadência do cinema em Novo Hamburgo para a construção do contexto sócio-histórico. Entre 2008 e 2010, a pesquisa “Representações musicais e mídia sonora na construção de identidades ligadas ao espaço geográfico: a nação, a região, a cidade” analisou identidades através de suas representações musicais, veiculadas através do rádio e da indústria fonográfica entre as décadas de 19309 e 196010. A partir do pressuposto de que identidade é o sentimento e ideia de pertencimento a um grupo que se representa através de uma série de símbolos11, a pesquisa buscou abordar discussões que envolvem a construção de identidades ligadas ao espaço geográfico, através da música popular. Ao analisar as músicas que se tornaram representações nacionais (ou que dialogaram com estas representações) e estudar a circulação das mídias que divulgavam estas músicas na cidade de Novo Hamburgo (RS). A aplicação da metodologia da história oral permitiu construir fontes que, somadas às fontes musicais e as imagens dos ídolos nacionais que as produziram, permitiram a análise acerca das identidades. Ao considerar o lazer um agente de construção de diferentes identidades, a pesquisa “O doce nada fazer – um estudo sobre o lazer e identidade (s) em Novo Hamburgo”, desenvolvida entre 2006 e 2008, analisou a construção de múltiplas identidades a partir do lazer preferencialmente realizado pelos diferentes grupos presentes na sociedade local na segunda metade do século XX. O foco no lazer deve-se ao fato de que na sociedade analisada, o trabalho é entendido como um valor em si mesmo, enquanto atividades alheias a este são vistas como perda de tempo. No período analisado, a opção de atividade para as horas livres incluía os pares e ocorria em associações como clubes de bolão, tênis, tiro, entre outros e eram registradas pela imprensa local em imagens e na memória dos envolvidos. A pesquisa e os relatos evidenciaram que estas atividades foram um dos fatores construtores das identidades de diferentes grupos locais. 9. A década de 1930 marca os primeiros anos da emancipação de Novo Hamburgo (ocorreu em 1927) e também foi o período de desenvolvimento e massificação de aparelhos de rádio e vitrolas tanto em nível nacional quanto em regional. 10. A década de 1960 marca a emergência de uma produção midiática sonora regional. Além disso, foi o período de uma série de transformações em relação à política e à música popular brasileira. É importante frisar que a partir de 1968 a esfera política passou a atuar de forma cada vez mais intensa na determinação e censura e na circulação de mídias sonoras. 11. Entre esses símbolos podem figurar ídolos da mídia e músicas e/ou estilos musicais. Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade nas narrativas escritas e audiovisuais 275 Entre 2006 e 2008 dedicou-se também a pesquisa “O processo de construção de identidades em Novo Hamburgo a partir das convergências e das divergências das mídias”, através da qual buscou analisar o processo de construção de identidades em Novo Hamburgo a partir das convergências e divergências das mídias. Antes, entre 2004 e 2005, a pesquisa “Mídia e resgate histórico” investigou a realidade dos veículos de comunicação na região do Vale do Sinos, visando ao mapeamento dos veículos, o que permitiu uma maior visibilidade do mercado regional da comunicação e suas principais características, incluindo o uso de novas tecnologias. Este levantamento converge com a pesquisa “Mapeamento das Comunidades Virtuais do Vale do Sinos” (2003 a 2005), que fez o mapeamento da formação das comunidades virtuais12 na mesma região e traçou o perfil de seus membros em função de suas motivações e das mediações tecnológicas utilizadas. Ao relacionar a Comunicação com outras áreas, firmou parcerias com outros pesquisadores para a produção de artigos. Um exemplo é o trabalho feito com a professora Cristina Ennes da Silva, Doutora em História pela PUC-RS, que resultou em diversos artigos unindo Comunicação e História apresentados em seminários e congressos e publicados em revistas acadêmicas. Da graduação a pós-graduação Desde o seu curso de graduação, Paula buscou se aperfeiçoar para se dedicar à docência. Desde o segundo ano da Faculdade participou de projetos de pesquisa como bolsista de iniciação científica, tendo bolsas da PUC-RS e Cnpq e também começou a participar de congressos acadêmicos. Anos mais tarde em 2005, foi coordenadora local do 3º Encontro da Rede Alcar (Rede Alfredo de Carvalho), hoje Encontro de História da Mídia, que ocorreu na Universidade Feevale naquele ano. O evento reuniu pesquisadores da comunicação brasileira e internacional com intuito de discutir a história da mídia regional, com a intenção de estimular a pesquisa científica na área. Em 2010 a pesquisadora também coordenou o INTERCOM Sul, evento que contou com mais de 1200 participantes de graduação e de pós-graduação. 12. O projeto considerou comunidades virtuais “um conjunto de pessoas que entram em contato por meio de algum aparato tecnológico devido a um interesse em comum, momentâneo ou permanente”, conforme apontam pensadores da cibercultura como Derrick de Kerkhove, Federico Casalegno, Pierre Lèvy, Jean Baudrillard, Edgar Morin, Michel Maffesoli e Marshall McLuhan, entre outros. 276 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Paula também dedica-se a orientação de estudantes de graduação e pós-graduação na instituição. No Mestrado Acadêmico em Processos e Manifestações Culturais, orientou projetos interdisciplinares (que envolviam áreas do conhecimento como História, Comunicação, Literatura e afins) relacionados às representações e as práticas sociais nos processos culturais, tendo como principal proposta investigar as representações e as práticas culturais a partir de estudos sobre Identidade, Memória, Discursividade e Linguagem. Também participou como coorientadora e avaliadora em projetos de pesquisa em diferentes níveis, da graduação ao Doutorado, e em diversas instituições. Entre os temas, jornalismo (impresso, rádio e televisão), produção teledramatúrgica (séries, telenovela e filmes), comportamento e hábitos culturais, identidade e representação, teorias da Comunicação, entre outros. O resultado destes anos de trabalho em sala de aula e projetos de pesquisa – que resultaram em inúmeros artigos e capítulos de livros publicados – é reflexo do interesse de Paula em valorizar a produção cultural, a formação de identidades e o sentimento de pertencimento, sempre visando à transmissão do conhecimento, seja na elaboração de novas linhas de pensamento ou na formação de novos profissionais qualificados, tanto para o mercado quanto para o mundo acadêmico. Referências PUHL, Paula R.; BITTENCOURT, M. C. A.; FALCÃO, Thiago. Nuances da experiência narrativa contemporânea: a franquia Tron e a fronteira digital. In: GERBASE, Carlos; GUTFREIND, Cristiane Freitas. (Orgs.). Cinema em Choque: diálogos e rupturas. 1ed. Porto Alegre: Sulina, 2013, v. 1, p. 61-86. PUHL, Paula Regina; BITTENCOURT, M. C. A.. As apropriações midiáticas e os atores sociais na cobertura convergente das manifestações pela TV Folha. In: PORCELLO, Flávio; VIZEU, Alfredo; COUTINHO, Iluska. (Org.). #telejornalismo: nas ruas e nas telas. 1ed. Florianópolis: Insular, 2013, v. 2, p. 65-86. PUHL, P. R.; ARAÚJO, Willian Fernandes; DONATO, Aline. Os desafios sobre noticiar e utilizar a tecnologia na televisão: uma análise da coluna Conecte do Jornal da Globo. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo. Impresso), v. 10, p. 35-55, 2013. PUHL, P. R.; TIETZMANN, Roberto. Marcas e vestígios de narrativas televisuais na abertura da telenovela O Astro. Intercom (São Paulo. Online), v. 36, p. 167-186, 2013. Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade nas narrativas escritas e audiovisuais 277 PUHL, Paula Regina; SARAIVA, J. I. A.; MONTARDO, S. P.; FREITAS, E. C.; CONTE, D.; PRODANOV, Cléber Cristiano; DONATO, Aline; ARAÚJO, Willian Fernandes; AGUIAR, Rafael Hofmeister de; MOSER, V (Orgs.). Processos Culturais e suas manifestações. Novo Hamburgo: Editora Feevale, 2012. 1. ed. 190p. Disponível em: http://bit.ly/TXvA2J. Acesso em julho de 2014. PUHL, Paula Regina; LOPES, Poliana. Cordel Encantado: a telenovela encantada com a literatura popular. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo. Impresso), v. 8, p. 35-63, 2011. PUHL, Paula Regina. O aprendizado do Telejornalismo em sala de aula: experiências com a resenha televisual. In: BARBOSA, Marialva; MORAIS, Osvando J. de. (Org.). Comunicação Cultura e Juventude. 1ed. São Paulo: Intercom, 2010, v. 24, p. 267-284. PUHL, Paula Regina; SILVA, C. E. . Memórias Juvenis: a influência do cinema no cotidiano dos jovens nos anos 60. Revista FAMECOS (Impresso), v. 38, p. 93-99, 2009. PUHL, Paula Regina (Org.). Contexto e Práticas de Comunicação Social. Novo Hamburgo: Editora Feevale, 2008. 1. ed. 184p. Disponível em: http:// bit.ly/1nFpzlj. Acesso em julho de 2014. PUHL, Paula Regina. Discursividade no filme Hamlet: uma interpretação hermenêutica. 2003. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, Porto Alegre, 2003. Disponível em http://bit.ly/ SXgDNl. Acesso em julho de 2014. 278 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico César Bolaño1 Joanne Mota2 15º CAPÍTULO O objetivo deste texto é traçar um breve perfil intelectual de Valério Cruz Brittos, autor fundamental do campo da Comunicação no Brasil, não apenas, como se indicará, da Economia Política da Comunicação (EPC), pela qual ficou mais conhecido. Dados os limites de tempo e espaço com que nos defrontamos, optamos por uma breve descrição da trajetória intelectual de Brittos, seguida da apresentação de uma sistematização, puramente quantitativa, dos dados referentes à sua produção intelectual acadêmica disponível no seu CV Lattes. Trata-se, no agregado, de um estudo preliminar, que define um universo de análise e uma certa periodização, se não definitivos, certamente úteis para desdobramentos posteriores. 1. César Bolaño é Professor Doutor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e presidente da Associação Latino-Americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC). 2. Joanne Mota é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (PPGCOM-UFS). Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico 279 Trajetória intelectual Mas a mudança no modo de ver televisão não pode ser interpretada isoladamente. Seguindo o referencial teórico aqui eleito, que vê o receptor ativo e desloca o foco da análise para as mediações, a tendência à individualização na recepção televisiva, mesmo que propiciado pela multiplicidade de canais do cabo, não é efeito direto da imposição das indústrias culturais, inscrevendo-se num quadro geral de sobreposição do privado sobre o público (BRITTOS, 1996, p.9). A formação acadêmica inicial de Valério Brittos foi na cidade gaúcha de Pelotas, onde nasceu. Diplomou-se em Comunicação, com habilitação em Jornalismo, em 1987, pela Universidade Católica, e em Direito, em 1986, pela UFPel. Em que pese essa dupla formação, profissionalmente, sua dedicação sempre foi ao campo da Comunicação, seja como jornalista, de início, seja como professor, seja como pesquisador, ao longo de toda sua curta, mas intensa carreira. Além das duas graduações, realizou ainda um curso de especialização em Ciência Política, na UFPel, entre 1991 e 1993, que deu origem à monografia “PTB e anti-PTB: duas forças em disputa”. Seria interessante, mas não é o objetivo deste texto, procurar eventuais traços da formação jurídica no seu trabalho acadêmico, marcado por um profundo compromisso ético em favor do serviço público e da democratização da comunicação. A fé católica, aliada a uma posição política decididamente de esquerda e uma perspectiva teórica marxista, certamente favoreceu a consolidação de uma visão de mundo generosa, comprometida com a transformação social em favor das maiorias nacionais e num sentido socialista. Um socialismo democrático, fruto da ação política no interior do Estado de direito, de acordo com as melhores e mais radicais tradições reformistas do pensamento social brasileiro. Se quisermos tirar alguma conclusão do que foi dito até aqui, o que se observa são duas linhas de reflexão que se complementam: por um lado, uma preocupação geral, consistente, com temas relativos à política, aos direitos e aos problemas sociais e, por outro, um interesse no plano do local, das relações de proximidade, inspirado talvez também pela experiência profissional de repórter e editor de política – sempre comprometido com questões sociais, culturais e políticas – adquirida em redações de jornais e de emissoras de rádio e televisão no Rio Grande do Sul e em Brasília. No final da década de 1980, realizou um trabalho de vanguarda como correspondente e editor do interior do estado na Rádio Bandeirantes AM, de 280 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros integração da notícia e do esporte (COUTO, 2012). Em paralelo, trabalhou como colunista no Jornal da Manhã de Pelotas. Entre 1987 e 1989, foi repórter político no Jornal Correio do Brasil. Nesse mesmo período atuou como repórter especial da Agência Texto de Notícias, de Brasília. Entre 1988 e 1990, foi repórter político na Sucursal Brasília do Jornal Zero Hora. Em 1992, de volta ao Rio Grande do Sul, foi convidado para chefiar o setor de telejornalismo da RBS TV Pelotas. Entre 1993 e 1994 atuou como assessor de imprensa na Câmara dos Vereadores de Pelotas, mesmo período em que conduzia um espaço de comentários na Rádio Alfa FM, onde mediou intensos debates sobre cultura, comportamento e modernidade. O programa “Valério Brittos, Repórter”, realizado na Rádio Cultura de Pelotas, entre 1991 e 1993, retomava, em outras condições, a experiência de alguns anos antes, entre 1985 e 1987, do programa “Valério Brittos em Três Tempos”, na mesma rádio. Entre 1991 e 1996, colaborou ainda como articulista político no Jornal Panorama. Assim, a vitoriosa trajetória intelectual desenvolvida nos meios universitários a partir dos anos 1990 vinha calçada na tripla formação acima referida e numa importante experiência como jornalista profissional3. O fato é que as duas vertentes referidas se encontrarão na dissertação de mestrado, “Recepção e TV a cabo: a mediação da identidade local pelotense”, defendida junto ao programa de pós-graduação em comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob a orientação da Dra. Dóris Haussen. Trata-se da grande contribuição do autor ao pensamento comunicacional, anterior a sua adesão ao paradigma da Economia Política da Comunicação, que se dará logo em seguida, insinuando-se já em alguns parágrafos do livro derivado da dissertação, publicado em 2001 pela Editora UNISINOS, com o título “Recepção e TV a cabo: a força da cultura local”. O marco teórico então adotado foi o dos chamados Estudos Culturais Latino-americanos. O interessante, neste caso, é notar que a opção por estudar a recepção da TV a cabo no plano local, cingindo suas ferramentas intelectivas àquelas fornecidas pelos referidos Estudos Culturais, tanto explicita o caráter inovador da 3. Mesmo depois, como renomado professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, prosseguirá apaixonado pelo jornalismo, orientando ou coordenando a produção de seus alunos, em rádio, jornal ou TV, ou atuando ele próprio como articulistas em diferentes veículos, seja o Observatório da Imprensa, com artigos de referência em nível nacional, seja na revista do Instituto Humanitas UNISINOS, entre outros. Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico 281 sua proposta – afastada reconhecidamente do padrão corrente do marco teórico adotado de estudo da recepção de programas individuais, em especial a telenovela – como expõe os limites do referencial teórico. Não será por acaso que, em meio ainda à redação final do trabalho, tendo tomado contato com a Economia Política da Comunicação e da Cultura, decidirá abandonar o referencial anterior para sempre. Não sem antes oferecer uma contribuição inovadora. Não é possível avançar mais aqui nesta questão, que exigiria retomar o diálogo da EPC com os Estudos Culturais Latino-americanos, mas fica a hipótese, a ser desenvolvida posteriormente: o Valério Brittos que aderiu de forma tão entusiástica à EPC – a ponto de tornar-se um dos seus autores de referência em nível internacional – era, naquele momento, um trabalhador-jornalista experiente e um intelectual maduro que já havia dado uma contribuição fundamental – e até hoje insuficientemente reconhecida – ao campo acadêmico da Comunicação. Não lhe ocorreu, no entanto, trabalhar na interface entre as duas perspectivas, preferindo, a partir de então, voltar-se inteiramente à EPC, cujo estudo se dedicará, com a extrema dedicação que o caracterizava, durante todo o período do doutoramento, que realizou na Universidade Federal da Bahia, entre 1998 e 2001, sob a orientação do Dr. Sérgio Mattos. A tese, “Capitalismo contemporâneo, mercado brasileiro de televisão por assinatura e expansão transnacional”, avança, com outras ferramentas, sobre o mesmo tema no qual fora pioneiro em seu livro anteriormente citado. Lamentavelmente, seu precoce falecimento nos priva da possibilidade de uma retomada por ele próprio da questão, articulando as duas perspectivas. Quem por ventura venha a fazê-lo, revisando sua contribuição, certamente reconhecerá a sua posição única nessa área de fronteira. A epígrafe selecionada para esta parte sinaliza bem o sentido de uma tal articulação. No campo específico da EPC, constitui o terceiro trabalho de fôlego do que se poderia chamar a “escola brasileira”, considerando-se anteriores os dois livros de César Bolaño, “Mercado Brasileiro de Televisão”, de 1988, e “Indústria Cultural, Informação e Capitalismo”, publicado em 2000, fruto da tese de doutorado defendida em 1993. Trata-se, portanto, de um trabalho fundacional, que avança em relação aos anteriores, tanto na construção teórica, como no modelo de análise, adequado ao estudo da TV segmentada. A segunda edição, ampliada, de “Mercado Brasileiro de Televisão”, de 2004, já incorpora avanços trazidos pelo estudo de Brittos e inclusive um trecho escrito a quatro mãos, inaugurando a parceria Bolaño-Brittos, que marcará a EPC brasileira na primeira década dos anos 2000, culminando com os dois livros, publicados pela Editora Paulus em 2005 e 2007, respectivamente “Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia”, 282 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros que a dupla coordena e organiza, e “A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes”. Entre 1998 e 1999 começam a aparecer os primeiros trabalhos de Brittos, publicados ou apresentados em congressos, no campo específico da EPC. O único citado em seu primeiro livro, “Recepção e TV a cabo, en passant,” na página 170, foi um artigo apresentado em 1999, no congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), no Rio de Janeiro, intitulado “A oligopolização do mercado brasileiro de televisão por assinatura”, o grande tema da tese de doutorado, que replica uma parte chave do primeiro livro de Bolaño, evidenciando uma coincidência no desenvolvimento das duas formas de TV (de massa e segmentada), ainda não notada até então. A oligopolização da TV segmentada, por sua vez, marca uma nova fase no desenvolvimento da televisão brasileira, que Valério denominará “fase da multiplicidade da oferta”, conceito desenvolvido em vários artigos da mesma época e adotado também por Bolaño na segunda edição, acima referida, de “Mercado Brasileiro de Televisão”. A tese, defendida em 2001, nunca chegaria a ser publicada como livro por uma opção consciente do autor que, ao invés de promover os necessários ajustes com esse objetivo, preferiu realizar esse trabalho de revisão e atualização visando não a um livro, mas a uma série de importantes artigos, que estão sendo agora reunidos por seu parceiro mais frequente, conhecedor do conjunto da sua obra. Na segunda metade da década de 2000, a produção acadêmica do autor é marcada pela produção de um grande volume de trabalhos (artigos publicados ou apresentados em eventos, capítulos de livros e muitos textos de divulgação). Muitos foram feitos em parceria com vários autores, especialmente com seus alunos do programa de pós-graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, onde fundou o grupo Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS) que, ao lado do Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (OBSCOM), formava o eixo dinâmico da EPC brasileira, que ganhara importante visibilidade com a criação do portal EPTIC e da revista EPTIC Online, em 1999. A edição da revista ficará a cargo de Valério Brittos de janeiro de 2003 até o seu falecimento. A criação, em 2002, da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC) foi consequência do trabalho de articulação acadêmica realizado pela rede EPTIC e pelos grupos de EPC da ALAIC e da INTERCOM. Brittos esteve no centro de todo esse processo e inclusive da criação do grupo de EPC de breve duração da COMPÓS, do qual foi o grande coordenador. Essa ação de criação institucional e de divulgação, ao lado do trabalho de formação de quadros, no programa de Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico 283 pós-graduação da UNISINOS, além de uma intensa atividade de organização livros e eventos, facilitarão a expansão da EPC brasileira e a sua legitimação ao longo da primeira década do século XXI. Produção acadêmica A pesquisa faz parte do nosso cotidiano. Ela está em tudo que fazemos e sem ela nada fica completamente bom (BRITTOS, 2008). A tabela 1 apresenta uma boa sistematização da produção do autor, baseada no CV Lattes atualizado pelo próprio autor até 2011. Depois disso, outros trabalhos foram e ainda seguem sendo publicados, que não constam neste estudo. Os números são expressivos mas não serão tratados nos limites deste artigo. Na verdade, como dito acima, este é apenas um estudo preliminar que terá desdobramentos. Por ora, deixamos ao leitor que tire suas próprias conclusões. Tabela 1: Produção intelectual acadêmica de Valério Brittos (1998-2012) I. ARTIGOS COMPLETOS PUBLICADOS EM PERIÓDICOS Solo Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros Total ATÉ 1998 12 - - 12 DE 1999 a 2005 29 6 7 42 DE 2006 a 2012 2 12 24 38 Total 43 18 31 92 II. LIVROS PUBLICADOS/ORGANIZADOS OU EDIÇÕES Solo Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros Total ATÉ 1998 - - - - DE 1999 A 2005 3 1 2 6 DE 2006 A 2012 5 2 5 12 Total 8 3 7 18 284 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros III. CAPÍTULOS DE LIVROS PUBLICADOS Solo Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros Total ATÉ 1998 2 - - 2 DE 1999 A 2005 6 2 2 10 DE 2006 A 2012 8 5 19 32 Total 16 7 21 44 IV. TEXTOS EM JORNAIS DE NOTÍCIAS/REVISTAS Solo Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros Total ATÉ 1998 1 - 1 2 DE 1999 A 2005 3 1 8 12 DE 2006 A 2012 18 3 181 202 Total 23 4 193 216 V. TRABALHOS COMPLETOS PUBLICADOS EM ANAIS Solo ATÉ 1998 9 Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros - Total - 9 DE 1999 A 2005 12 3 3 18 DE 2006 A 2012 2 10 20 32 Total 33 13 23 59 VI. RESUMOS EXPANDIDOS PUBLICADOS EM ANAIS Solo ATÉ 1998 - Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros - Total - - DE 1999 A 2005 - - - - DE 2006 A 2012 - - 1 1 Total - - 1 1 VII. RESUMOS PUBLICADOS EM ANAIS Solo ATÉ 1998 Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros Total - - - - DE 1999 a 2005 14 2 3 19 DE 2006 a 2012 5 7 19 31 Total 20 9 22 50 Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico 285 VIII. APRESENTAÇÕES DE TRABALHO Solo Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros Total ATÉ 1998 5 - - 5 DE 1999 a 2005 17 4 3 24 DE 2006 a 2012 50 7 26 83 Total 72 11 29 112 IX. OUTRAS PRODUÇÕES BIBLIOGRÁFICAS Solo Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros Total ATÉ 1998 - - - - DE 1999 a 2005 2 - - - DE 2006 a 2012 7 - 8 15 Total 9 - 8 15 X. TRABALHOS TÉCNICOS Solo ATÉ 1998 - Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros - - Total - DE 1999 a 2005 4 - 1 5 DE 2006 a 2012 65 1 9 75 Total 69 1 10 80 XI. ENTREVISTAS, MESAS REDONDAS, PROGRAMAS E COMENTÁRIOS NA MÍDIA Solo ATÉ 1998 - Em parceria com César Com outros Bolaño parceiros - - Total - DE 1999 A 2005 - - - - DE 2006 A 2012 121 3 1 125 Total 121 3 1 125 Fonte: elaboração própria a partir de dados do currículo disponível na Plataforma Lattes, da CAPES/CNPq. Complementamos a informação com os dados da tabela 2, referentes às orientações, que serão importantes para futuros estudos. Neste caso, conservamos o total de 70 orientações, sem incluir aquelas inconclusas, que seriam 286 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros assumidas por outros professores da UNISINOS, alguns em estado avançado de elaboração quando o processo foi subitamente interrompido pelo seu prematuro falecimento. Tampouco é possível avançar aqui além da apresentação destes dados, pois isso exigiria uma pesquisa qualitativa, com aplicação de entrevistas e questionários, que ultrapassariam os limites de tempo e espaço com que nos defrontamos aqui. Tabela 2: Orientações efetuadas por Valério Brittos, concluídas até 2012 PÓS-DOUTORADO DOUTORADO MESTRADO GRADUAÇÃO ATÉ 1998 - - - 2 DE 1999 A 2005 - 1 4 22 DE 2006 A 2012 1 5 10 17 Total 1 6 14 49 Fonte: elaboração própria a partir de dados do currículo disponível na Plataforma Lattes, da CAPES/CNPq. Na tabela 3 apresentamos uma classificação inicial da produção do autor, seguindo os descritores definidos por ele próprio, atendendo, os seus interesses intelectuais e de pesquisa que, evidentemente, variam no tempo. Uma visão de conjunto mais acurada exigiria outra classificação, mais homogênea, o que não é possível nos limites deste trabalho. Em todo caso, ficam explicitados os grandes temas a que o autor se dedicou ao longo de toda a sua vida produtiva. Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico 287 Tabela 3: Classificação da produção segundo descritores definidos pelo autor Solo • Comunicação e Capitalismo (27) • Economia Política de Comunicação (8) • Políticas de Comunicação (16) • Processos midiáticos ATÉ 1998 (13) • Tecnologia da Informação e Comunicação (22) • Televisão (19) • Teoria da Comunicação (30) DE 1999 A 2005 288 • Comunicação e Capitalismo (81) • Economia Política de Comunicação (78) • Multiplicidade da Oferta (6) • Políticas de Comunicação (67) • Processos midiáticos (79) • Tecnologia da Informação e Comunicação (41) • Televisão (36) • Teoria da Comunicação (86) Em parceria com César Bolaño Com outros parceiros –– • -Comunicação e Capitalismo (1) • Políticas de Comunicação (1) • Processos midiáticos (1) • Tecnologia da Informação e Comunicação (1) • Teoria da Comunicação (1) • Comunicação e Capitalismo (22) • Economia Política de Comunicação (20) • Políticas de Comunicação (19) • Processos midiáticos (15) • Tecnologia da Informação e Comunicação (9) • Teoria da Comunicação (23) • Comunicação e Capitalismo (29) • Economia Política de Comunicação (17) • Políticas de Comunicação (26) • Processos midiáticos (27) • Tecnologia da Informação e Comunicação (9) • Televisão (12) • Teoria da Comunicação (29) Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros DE 2006 A 2012 • Comunicação e Capitalismo (47) • Convergência (29) • Audiovisual (67) • Cultura (11) • Comunicação e Capitalismo (163) • Digitalização (9) • Convergência (3) • Economia Política de Comunicação • Digitalização (162) (45) • Economia Política de Comunicação (149) • Indústria Cultural (31) • Multiplicidade da • Indústrias CultuOferta (49) rais (27) • Políticas de Comuni• Padrão Tecnoestécação (161) tico (18) • Processos midiáticos • Políticas de Co(163) municação (43) • Rádio (49) • Tecnologia da Infor- • Processos midiáticos (45) mação e Comunica• Rádio (4) ção (106) • Tecnologia da • Televisão (118) Informação e Co• Teoria da Comunicamunicação (17) ção (163) • Televisão (33) • Teoria da Comunicação (47) • Audiovisual (74) • Comunicação e Capitalismo (312) • Convergência (176) • Cultura (32) • Digitalização (24) • Economia Política de Comunicação (287) • Educação (1) • Indústria Cultural (33) • Música (4) • Padrão Tecnoestético (18) • Políticas de Comunicação (310) • Processos midiáticos (312) • Rádio (24) • Tecnologia da Informação e Comunicação (79) • Televisão (49) • Teoria da Comunicação (312) Fonte: elaboração própria a partir de dados do currículo disponível na Plataforma Lattes, da CAPES/CNPq. Considerações finais O que foi dito parece bastante inconclusivo. Na verdade, o que se pretendeu aqui foi apresentar elementos de um plano de estudos que se encontra em pro- Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico 289 cesso neste momento. Insistimos, por um lado, sobre a importância do trabalho de Brittos não apenas para o campo da EPC, mas também para os chamados Estudos Culturais latino-americanos e apresentamos alguns elementos importantes para entender a sua contribuição, a saber, a dupla ou tripla formação, a significativa experiência profissional no campo do jornalismo e o forte compromisso ético e político. Apresentamos, ademais, os dados gerais da sua produção acadêmica, organizada segundo uma periodização que julgamos esclarecedora da trajetória que teremos a oportunidade de estudar mais a fundo em futuro próximo. Referências BOLANO, César Ricardo Siqueira. Mercado Brasileiro de Televisão. Aracaju: Editora UFS, 1988 [segunda edição ampliada: São Paulo: EDUC, 2004]. BOLANO, César Ricardo Siqueira. Indústria Cultural, Informação e Capitalismo. São Paulo: Hucitec, 2000. BOLANO, César Ricardo Siqueira; BRITTOS, Valério Cruz. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005. BOLANO, César Ricardo Siqueira. A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes. São Paulo: Paulus, 2007. BRITTOS, Valério Cruz. PTB e anti-PTB: duas forças em disputa. Pelotas, 1993. Monografia (Especialização em Ciência Política) – ISP, UFPel. BRITTOS, Valério Cruz. TV a cabo: a dispersão da audiência. In: Sociedade em Debate, v. 2, n. 4, UFPel, dez. 1996, p. 17-23. BRITTOS, Valério Cruz. Recepção e TV a cabo: a mediação da identidade cultural pelotense. Porto Alegre, 1996. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Faculdade de Comunicação, PUCRS. BRITTOS, Valério Cruz.. Recepção e TV a cabo: a força da cultura local. São Leopoldo: UNISINOS, 2000. BRITTOS, Valério Cruz. A oligopolização do mercado brasileiro de televisão por assinatura. Trabalho apresentado no XXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM), Rio de Janeiro, 1999. 290 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros BRITTOS, Valério Cruz. Capitalismo contemporâneo, mercado brasileiro de televisão por assinatura e expansão transnacional. Salvador, 2001. Tese de Doutorado em Comunicação e Cultura Contemporânea, UFBa. BRITTOS, Valério Cruz. Entrevista ao Portal Eptic. Disponível em: http:// alturl.com/ta5mb, 2008 Acessado em: 08.05.2014. BRITTOS, Valério Cruz. Currículo Lattes. Disponível em: http://alturl.com/ menh3. Acessado em: 09.05.2014. COUTO, Karen Schneider. Rádio, Programação e Audiência: estratégias de atração do público jovem em emissoras do segmento de jornalismo em Porto Alegre. Publicado em: http://alturl.com/9g4t8, 2012. Acessado em: 10.05.2014. Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico 291 Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio Eliane Muniz1 Maria Moraes Luz2 16º CAPÍTULO Dinâmica e incentivadora. Duas palavras que descrevem com precisão a jornalista, docente, consultora e pesquisadora Nélia Rodrigues Del Bianco. Nélia, como gosta de ser chamada, busca incessantemente superar a dicotomia entre teoria e prática, principalmente no que se refere ao rádio, grande paixão da vida dela. Formada em Jornalismo pela Universidade de Goiás (UFG), começou sua carreira como repórter e depois editora do ra- 1. Assessora de imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília. Está entre os três primeiros orientandos de mestrado da professora Nélia Del Bianco. Desenvolveu a dissertação intitulada “O Jornalismo nos limites da liberdade: uma análise da cobertura da imprensa sobre os casos de religiosos acusados de subversivos pelo regime militar”. É também docente em diferentes disciplinas no curso de Jornalismo. 2. Jornalista, assistente social, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília (UNB), com orientação de Nélia Del Bianco. Professora adjunta da Universidade Paulista (Unip), campus Brasília. Já prestou consultoria com Nélia para a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, programa Vozes em Sintonia, cujo objetivo era capacitar agentes de saúde e radialistas comunitários sobre DST/Aids. 292 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros diojornal da Rádio Difusora de Goiânia, em 1981, onde trabalhou até 1987. Durante esses anos de radiojornalista, Nélia prestou concurso para a UFG e atuou nessa instituição de 1985 a 1993, como professora assistente, lecionando disciplinas sobre o meio rádio. Como se não bastasse ser jornalista e professora, Nélia ficou entre Goiânia e Brasília de 1988 a 1991, para concluir o mestrado em Comunicação da Universidade de Brasília (UNB), o qual finalizou com a apresentação da dissertação “O rádio populista: análise da atuação do rádio como mediador nas relações entre classes populares e o governo do Distrito Federal”. Em 1993, Nélia escolheu definitivamente Brasília para a acolher. Ingressou como professora adjunta IV da UNB e iniciou seus trabalhos como docente dos graduandos em Comunicação Social, de disciplinas sobre radiodifusão. No mesmo ano que ingressou nessa instituição, a docente assumiu o cargo de coordenadora do curso, função exercida até 1995, e de vice-diretora da Faculdade de Comunicação (FAC), até 1997. De 1994 a 2003, foi a executora de convênios da FAC com órgãos públicos como Ministério da Saúde e Secretaria de Educação à Distância do Ministério da Educação (MEC), para execução de produtos de rádio educativos, produção esta realizada até a atualidade. E mais uma vez Nélia ficou dividida entre duas cidades, de 2000 a 2004, a jornalista viveu na ponte aérea entre Brasília e São Paulo, para cursar o doutorado na Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu a tese “Radiojornalismo em mutação – A influência tecnológica e cultural da Internet na transformação da noticiabilidade no rádio”. Com o término do doutorado, em 2004, Nélia passa a lecionar também para os mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UNB, primeiramente na Linha de Pesquisa “Jornalismo e Sociedade” e desde 2007 em “Políticas de Comunicação e Cultura”, mesmo ano que assumiu a direção da FAC, cargo exercido até 2011. A docente também integrou a diretoria da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), como vice-presidente, de 2008 e 2011, ano que assumiu a diretoria de documentação, cargo que exerce até o fim deste ano. Na INTERCOM, ela ainda coordenou o Grupo de Trabalho (GT) de Rádio, de 1995 a 2000, com tão brilhante atuação que o GT ganhou o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação em 2000, na categoria grupo inovador. E em 2009, a pesquisadora recebeu o Prêmio Luiz Beltrão na categoria Liderança Emergente, assim que chegou do pós-doutorado pela Universidade de Sevilha, Espanha. De 2005 a 2011, Nélia coordenou projetos de pesquisa sobre a implantação do rádio digital no Brasil, com mapeamento das condições técnicas das emissoras Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio 293 brasileiras para receber a nova tecnologia. E em 2010, a pesquisadora fundou, juntamente com os pesquisadores Sônia Virgínia Moreira e Carlos Eduardo Escho, o Observatório da Radiodifusão Pública na América Latina (www.observatorioradiodifusao.net.br), espaço público on-line, de tipo thinktank, que promove discussões, análises e diagnósticos referentes aos avanços e impasses na estruturação e manutenção dos sistemas de radiodifusão pública na América Latina. Nélia já publicou 15 artigos em periódicos nacionais e internacionais, 17 trabalhos e quatro resumos em anais de eventos, 25 capítulos e/ou organização de livros, sendo o último com o título “O Rádio Brasileiro na Era da Convergência”, lançado em 2012. São publicações sobre a condição do rádio na sociedade contemporânea, tendências e perspectivas da programação radiofônica e o impacto das inovações tecnológicas na configuração de conteúdos e formatos do rádio. A pesquisadora totaliza mais de 70 atividades de orientação de doutorado, mestrado, graduação, consultorias, coordenação e organização de eventos, assim como representação brasileira em projetos e encontros internacionais, tais como o programa de extensão “Itinerário da China: comunicação, educação e cultura”, da INTERCOM, realizado em 2007, em parceria com a Câmara Brasil – China de Desenvolvimento Econômico e com cooperação de universidades chinesas: Communication of China (Pequim), Fudan (Shangai), Shenzen e Macau. Nélia também já foi membro do Conselho Consultivo do Programa de Cooperação para Qualificação de Estudantes de Jornalismo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e do Conselho Consultivo da Rádio Digital do Ministério das Comunicações, representando a UNB neste. Mesmo com a vasta experiência em rádio, Nélia também já orientou trabalhos de áreas diversas por acreditar no potencial do aluno e na ideia inovadora do mesmo. A pesquisadora já prestou consultorias com seus discentes, dando total autonomia aos mesmos e mantém contato permanente com os egressos. Pelas informações supracitadas, percebe-se o dinamismo da docente que não se contenta em ficar isolada na universidade, sempre buscando conhecimento na práxis. O dilema do sistema de rádio digital no Brasil e no mundo O rádio é, sem dúvidas, o foco principal das pesquisas da professora Nélia Del Bianco. Com experiência, conhecimento e leveza, Nélia tornou-se uma das raras especialistas no assunto. Praticamente grande parte dos seus escritos aborda a história e as mudanças ocorridas no rádio e no radiojornalismo a partir do surgimento das novas tecnologias, com ênfase na Era Digital. Os seus textos 294 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros transmitem ao leitor a paixão que ela tem pelo rádio, meio de comunicação que há décadas luta pela sobrevivência. No Brasil, sabe-se que o rádio ainda é um meio bastante relevante, sobretudo para aqueles que moram em regiões longínquas ou mesmo nas cidades do interior, onde novas técnicas ainda não conseguiram chegar ou não funcionam bem. Nos grandes centros urbanos, o rádio permanece firme, embora enfrente dificuldades financeiras e diminuição de audiência, devido às migrações da publicidade e do público, atualmente, para a internet. Mesmo diante desses desafios e diferentemente do que muitos pensavam, o rádio tem resistido aos meios de comunicação concorrentes, como a televisão e a internet. Mais do que isso, tem sofrido um processo de transformação tão grande, afetando inclusive a sua essência, tornando-se um meio multimídia. Hoje é possível acompanhar uma programação radiofônica ao vivo pela internet, semelhante a um programa de televisão. É possível também interagir por meio das redes sociais e intervir no conteúdo da programação radiofônica sugerindo não apenas músicas, mas pautas, ou mais, dando informações como se o ouvinte fosse um jornalista daquele meio, a exemplo dos programas sobre trânsito, em que o público participa informando sobre o fluxo de carros nas vias de suas respectivas cidades. Diante da fragmentação da audiência é necessário buscar o ouvinte onde estiver. E a melhor forma de atraí-lo é pelo conteúdo significativo que apresente vínculos com o local, a comunidade, o entorno do seu cotidiano. Esse é o grande diferencial do rádio: o sentido de proximidade, o localismo (DEL BIANCO, 2012, p. 35). Historicamente, a essência do rádio girou em torno da instantaneidade e do mistério. As mudanças da sua natureza, no entanto, podem ser entendidas como uma maneira de sobrevivência na atualidade. Com a internet e as redes sociais, torna-se impossível o rádio manter essas características. Pelo contrário, é preciso adaptar-se às novas tecnologias para manter o seu público que, geralmente, é tão fiel. A instantaneidade, surgida desde a profissionalização do rádio, é rompida a partir do momento em que se torna possível recuperar informações transmitidas por meio de podcasts ou downloads de programas radiofônicos. Já o mistério, quando se conhece a face daquela voz que transmite as informações do outro lado do aparelho receptor. Ao romper com o mistério se rompe também com o que sempre foi o encanto do rádio: o desconhecido rosto daquela voz. Rádio é técnica sim, mas mais que tudo é voz. Não precisa ser bela, mas agradável aos ouvidos, capaz de despertar no ouvinte a curiosidade, a imaginação e a fideliNélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio 295 dade ao programa. As novas gerações, pela prática, não mais conhecerão essas características do rádio, que farão parte agora apenas dos registros históricos. Nélia Del Bianco chama o rádio de “o primo mais pobre dos meios de comunicação”, especialmente, por não ter investimentos publicitários e, consequentemente, recursos financeiros. Esta dificuldade não é nova. Desde a sua origem, o rádio sempre enfrentou desafios. Quando surgiu, em meados dos anos 1920, foi pouco valorizado. Só teve investimento publicitário uma década depois. Por duas décadas, viveu o auge que só ele possuía, fascinando os diferentes públicos, de crianças às pessoas idosas, atingindo todas as classes sociais, pois não precisa ser letrado para ouvir rádio. Porém, com o surgimento da televisão logo sofreu sua segunda ameaça. A publicidade que demorou dez anos para investir no rádio migrou para a TV. O público direcionou-se para as imagens em detrimento do despertar da imaginação que o rádio causava. Dizia-se que era o fim do rádio, mas ele sobreviveu à queda de investimento publicitário e de audiência. Foi adaptando-se às novas técnicas que surgiam, modificando suas estruturas e sua forma de transmitir informações. Aderiu aos computadores, aos CDs, mds, ao telefone celular. Tornou-se mais dinâmico e moderno. A internet modernizou ainda mais o rádio, embora, inicialmente, também tenha sido vista como uma ameaça. Esta tecnologia tem obrigado o rádio a novas adaptações. Percebendo a importância desta rede de informações, a maioria das rádios hoje pode ser acessada também por meio da internet, que proporcionou, ainda, a criação de novas rádios, nas quais o ouvinte pode criar, inclusive, sua própria programação musical, de acordo com o estilo que mais gosta. O rádio mais uma vez enfrenta um novo desafio, mas sobrevive diante das mudanças adequando-se a elas ou mesmo beneficiando-se delas. “Diante das novas mídias, as tradicionais, normalmente, não morrem, ao contrário, adaptam-se e continuam evoluindo” (DEL BIANCO, 2008, p. 2). Entre os meios de comunicação, o rádio tem uma longa trajetória marcada por altos e baixos. Acumula uma riqueza histórica registrada menos nos livros e mais nas lembranças. Tem superado dificuldades das mais diferentes formas e continua a ser um importante instrumento de informação e de encanto também. Mas as transformações no rádio estão longe de terminar. Pouco antes do começo do novo milênio, outra novidade surgiu: o rádio digital. Trata-se de uma realidade em muitos países desenvolvidos. O Brasil, embora lentamente, segue esse mesmo rumo. Nélia Del Bianco está entre os raros pesquisadores da Comunicação que dominam o assunto. A maioria de suas publicações versa sobre a questão, tornando-a referência no debate sobre a implantação do rádio digital no Brasil. Segundo a pesquisadora (2003, p.7), quando o digital chegar poderá haver 296 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros maior profissionalização da programação, modernização dos métodos de gerenciamento e diversificação do negócio do rádio. Para Nélia (2003, p. 7), “tudo indica que as emissoras terão que se estruturar melhor para oferecer não somente programação de qualidade à audiência compatível com a qualidade de som de CD, como também serviços adicionais de dados com informação qualificada”. A autora acredita que a distribuição de áudio digital veio para ficar. Mais do que isso é uma estratégia de revitalização, é um meio de garantir a sobrevivência num cenário de competição com as novas mídias emergentes. É certo que o rádio jamais terá centralidade entre os diversos meios eletrônicos como foi no passado, mas ainda sobreviverá sendo complementar às demais mídias (DEL BIANCO, 2003, p. 8). A expectativa com relação ao rádio digital é de que ele ofereça melhor qualidade de áudio. A AM terá qualidade, em termos de som, de uma rádio FM. Esta por sua vez terá o som equivalente a de um CD, ambas sem interferências nas transmissões de sinais. Além disso, as pessoas poderão ter acessos a diferentes informações como previsão do tempo, nome da música ou do cantor que está ouvindo. A autora (2003, p. 2) afirma que “a transformação do sinal de analógico em bits (informação numérica) provoca talvez a mudança mais radical experimentada pelo rádio desde a invenção do transistor e da frequência modulada”. Para a implantação do rádio digital no Brasil, dois modelos estão em fase de estudos e testes: o americano, In-Band On Channel (IBOC), e o europeu Digital Radio Mondiale (DRM). A Europa tem outro padrão denominado Digital Audio Broadcasting (DAB) e o Japão possui o Services Digital Broadcasting – Terrestre narrowband (ISDB-Tn), que não foi testado no Brasil. Todos os modelos, de acordo com Nélia Del Bianco, possuem aspectos positivos e negativos. O DAB, por exemplo, permite que seis emissoras partilhem a mesma frequência e transmissor, reduzindo, assim, custos de transmissão. Por outro lado, não pode funcionar nas frequências das emissoras analógicas AM e FM, ao mesmo tempo em que as emissoras comerciais não aceitariam partilhar o mesmo transmissor, pois não garantiria diferencial técnico. De acordo com a pesquisadora, esse sistema existe na Alemanha há quinze anos, mas ainda tem muitos desafios pela frente. A Alemanha transmite em DAB desde 1999 e alcança 80% da população, oferecendo cerca de 80 programas (rádios) para cerca de 500 mil receptores. O professor Hans Keinsteuber, da Universidade de Hamburgo, ao Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio 297 participar da 7ª Bienal Internacional do Rádio no México em 2008, disse que, embora esse número de aparelhos seja grandioso, a cifra representa apenas 1% dos receptores ativos de rádio no país. Ou seja, apenas 1% de penetração entre os ouvintes. Diante dessa situação, segundo o professor, a Alemanha já pensa em desativá-lo (DEL BIANCO, 2010, p. 7). Já na Espanha, o rádio digital não conseguiu alcançar a meta estabelecida de 80% do território e não há receptores com um preço acessível à população. Além disso, de acordo com a autora (2010, p. 8), as emissoras pagam 15 mil euros mensalmente “à empresa Abertis, gestora privada do multiplex, que transmite sinal de 18 programas rádios digitais em toda a Espanha”. Trata-se de um valor relativamente alto para emissoras educativas, culturais e comunitárias no Brasil. Nélia critica ainda o fato de as emissoras digitais espanholas não divulgarem conteúdo novo, conforme estabelece a lei de concessão de canais. A experiência do rádio digital na Inglaterra é considerada por Nélia como um caso bem sucedido devido, sobretudo, à diversidade de programação e à acessibilidade aos aparelhos receptores por um preço razoável, uma média de 15 libras. Levantamento do World DAB de 2008 revela que 32% dos adultos no país possuem um rádio DAB, o que equivale a um em cada três britânicos. Um quinto da audiência ouve rádio digital. Há mais de 6,5 milhões de aparelhos receptores digitais no Reino Unido (DEL BIANCO, 2010, p. 8). Outro padrão produzido na Europa chama-se Digital Radio Mondiale (DRM). Para a pesquisadora, trata-se de uma perspectiva promissora, pois está aberta para as ondas curtas, médias e longas da AM e cobre transmissões para bandas abaixo de 30 MHz. Em 2009, surgiu o DRM + e tem sido usado pelas emissoras europeias que não querem adotar o DAB. O DRM+ tem sido apontado como uma alternativa importante para as emissoras europeias que não querem operar em DAB por várias razões como área de cobertura, custos e o desejo de permanecer no controle de suas operações de transmissão sem terceirização. Mais do que isso, o DRM+ é apresentado como a solução para rádios locais, ultra locais e emissões em comunidades pequenas (DEL BIANCO, 2010, p. 12-13). Nos Estados Unidos o padrão adotado denomina-se In-Band On Channel (IBOC) ou HD Radio. Em funcionamento desde 2003, 1,8 mil rádios das 13 298 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros mil emissoras existentes no país assumiram este padrão. O IBOC torna possível a convivência entre canais analógicos e digitais e as emissoras não precisam mudar sua infraestrutura. Porém, têm que pagar um licenciamento anual. Além disso, de acordo com Nélia (2010, p. 11), “a nova tecnologia ainda não conquistou a confiança dos consumidores”, por duas razões relevantes: o consumidor para ter acesso ao rádio digital precisa mudar de aparelho. Segundo Del Bianco, o aparelho mais barato custa em média 80 dólares. Além disso, o consumidor não se sente atraído pelo conteúdo transmitido pela rádio. “Apenas metade das estações oferece mais de duas ou três programações diferentes no mesmo canal digital que, muitas vezes, não é diferente das frequências analógicas” (DEL BIANCO, 2010, p. 11) Quadro 1 – Síntese das vantagens e desvantagens dos sistemas digitais de rádio, de acordo com as publicações da professora Nélia Del Bianco Vantagens • Padrão norte-americano, capaz de transmitir de modo simultâneo sinais analógicos e digitais, dentro da canalização analógica atual. Este sistema proporciona a transição gradual para o rádio digital. • Não há necessidade de atribuir novas frequências, mantendo o status das atuais emissoras; In-Band On Channel (IBOC) • É possível utilizar a infraestrutura existente, desde torres e transmissores, sendo necessário adquirir novo excitador de radiodifusão digital e alguns equipamentos e periféricos. • Qualidade de som do HD na faixa FM tem sido descrito como equivalente a do CD. Desvantagens • É preciso trocar o aparelho que custa em média 80 dólares. • Falta de atrativos no conteúdo. • Programação semelhante a da analógica. • Críticas com relação à qualidade do som. • Não podem ser usados para receber estações vindas do exterior. Não há compatibilidade com o DAB e o DRM. • Outro aspecto é a tecnologia proprietária, o codec do sistema HD Rádio é da empresa iBiquity. Para usá-lo é preciso pagar pelo licenciamento. Situação diretamente oposta a modelos como DRM e DAB que possuem código aberto. Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio 299 • Não funciona simultaneamente nas atuais emissoras analógicas AM e FM. Digital Audio Broadcasting (DAB) • Sistema europeu que atribui uma faixa de frequência exclusiva para o padrão digital. A difusão é feita por um transmissor multiplex, gerenciado por um operador de rede que pode ser privado. Seis estações diferentes partilham o mesmo transmissor, antena, faixa de frequências e, consequentemente, a mesma área de cobertura de sinal. • Falta de receptores acessíveis à população. • Ausência de investimento em uma programação nova. • Custos altos de implantação. • Manutenção e o retorno de mercado ainda não é significativo. • Falta de unificação dos padrões disponíveis. Há o DAB + e o multimídia DMB, uma plataforma de áudio e televisão digital móvel. • Críticas com relação à qualidade do som. • Sistema digital aberto do mundo para ondas AM (curtas, médias e longas) que cobre transmissões para bandas abaixo de 30MHz. Digital Radio Mondiale (DRM) • Administrado por um consórcio constituído por 100 membros, entre eles associações, universidades, fabricantes, operadoras e emissoras • Recepção desse padrão no interior de edifícios depende muito estatais europeias. do tipo de construção. • A AM tem som equivalente a de um CD. • Permite redução no uso da potência dos transmissores. • Permite a utilização de novos conteúdos integrados num mesmo aparelho receptor. 300 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros • Desenvolvido no Japão pela NHK Science & Technical Research Laboratories na década de 1990. É um sistema derivado do ISDB-T wide band para transmissão de televisão digital e que tem semelhanças com o Eureka 147 DAB por ser multiplexado, ou seja, tem vários • Recente, o ISDB-Tn ainda é uma incógnita para muitos, em Services canais numa mesma frequência e especial por sua complexa ligação Digital ainda usa a chamada Banda L para com o sistema de transmissão Broadcasttransmissão. TV digital e também por utilizar ing – Ter• O ISDB-Tn tem qualidade de a chamada Banda L, a mesma do restrial narsom equivalente ao do CD. Eureka 147, que não atende às rowband (ISDB-Tn) • É possível transmitir simultaneespecificidades da estrutura da amente para receptores móveis e radiodifusão brasileira. portáteis que usam sinal de rádio enquanto se transmite um sinal de HDTV. O sistema japonês, ainda em fase de testes, admite também transmissão de texto, áudio e imagens paradas para os aparelhos de rádio. No Brasil, o debate gira em torno do DRM e do padrão americano IBOC. Em junho de 2012, durante o 26º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, o secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações disse que até o final daquele ano seria tomada uma decisão quanto ao modelo a ser adotado. O fato é que há mais de doze anos se discute a implantação do rádio digital no país. Entretanto, pouco se sabe a respeito. Segundo Del Bianco a discussão evoluiu desde 2010, com a criação do Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD), por meio da Portaria nº 290 do Ministério das Comunicações. Trata-se de uma norma que aponta características a serem consideradas no processo de escolha. E o segundo avanço está na decisão do Ministério das Comunicações em realizar novos testes técnicos (2011-2012), em parceria com emissoras executantes dos diferentes serviços de radiodifusão e o Inmetro, para verificar o desempenho dos diferentes modelos (DRM e IBOC). Pela primeira vez se terá uma avaliação comparativa de Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio 301 desempenho entre os formatos de digitalização, contribuindo para que a escolha possa ter maior grau de acerto (DEL BIANCO, 2012, p. 33). A pesquisadora afirma que dois grupos de interesse têm acompanhado as discussões sobre a implantação da rádio digital no Brasil: os empresários e segmentos da sociedade civil. [...] de um lado os empresários manifestam suas preferências, antecipando-se a qualquer possibilidade de debate público sobre a questão; e de outro, setores da sociedade civil pressionando o Ministério das Comunicações para que estabeleça parâmetros de adoção de um padrão técnico de digitalização que contemple a diversidade de exploração e financiamento do sistema de radiodifusão. Esses segmentos entendem que adoção de uma tecnologia não pode ser fator de aprofundamento de diferenças de padrões técnicos, de produção e financiamento de emissoras ou mesmo de exclusão de modelos de exploração com finalidade educativa, cultural, institucional e comunitária (DEL BIANCO, 2010, p. 13). A autora recorda, especialmente, a situação das rádios comunitárias que podem não ser contempladas com a nova tecnologia devido à legislação que as rege. Isto porque as rádios comunitárias não têm recursos. Vivem do apoio cultural e da ajuda da comunidade. Sem verbas, fica difícil de investir em um novo formato e até mesmo competir no que diz respeito à qualidade de programação. Fica pendente a situação das comunitárias já legalizadas. Sem uma política governamental dificilmente as comunitárias poderão se integrar à nova ordem tecnológica pelas condições de sua origem, em geral, vinculadas às associações e instituições que não possuem recursos financeiros (DEL BIANCO, online, p. 4-5). Del Bianco (2012, p. 18) aponta alguns critérios para a construção de políticas públicas para o rádio digital, que levem em consideração não somente a economia e a política, mas também a cultura, a dimensão do consumo. Para a autora, as políticas públicas precisam assegurar a manutenção da gratuidade do acesso ao rádio; a transmissão de áudio com qualidade em qualquer situação de recepção; adaptabilidade do padrão ao parque técnico instalado; coevolução e coexistência com o analógico; aparelhos receptores de baixo custo; adoção de uma tecnologia não 302 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros proprietária e com potencial para integração com outras mídias; interatividade real time e multiprogramação (DEL BIANCO, 2010, p. 17). Ao mesmo tempo, Del Bianco manifesta esperança em seus textos quanto à democratização das emissoras de rádio, atualmente nas mãos de políticos e de entidades religiosas, que pouco investem na qualidade da programação e dos conteúdos. Aqueles que continuarem arraigados a um modo antigo de fazer rádio – sem compromisso com a audiência e direcionado apenas à promoção política ou religiosa – vão perder espaço para os que souberem oferecer informação e serviço de qualidade. Nesse cenário que se avizinha, a competição entre emissoras tenderá a acirrar. Tudo indica que emissoras cabeças de rede via satélite, sob controle dos 20% dos radiodifusores independentes, poderão ameaçar a sobrevivência dos que se acomodaram em posições obsoletas (DEL BIANCO, 2003, p. 8). A rotina produtiva no rádio na Era Digital As novas tecnologias não transformam apenas as estruturas físicas e o conteúdo do rádio, elas mudam também a forma de se produzir a informação. Para cada nova técnica que surge, há um jeito novo ou diferente de se fazer notícia. Esta é outra abordagem presente nas pesquisas da professora Nélia Del Bianco. A autora foca nas mudanças e impactos causados pelas novas técnicas nas rotinas produtivas, sobretudo no rádio. Na contemporaneidade, a Internet desafia a produção de notícias no rádio. Ao servir para a redação como um canal de acesso em tempo real a um número incalculável de fontes, agências de notícias, portais e jornais online, a Internet provoca a reorganização das rotinas produtivas do radiojornalismo, especialmente em emissoras especializadas em jornalismo com programação de fluxo contínuo informativo (DEL BIANCO, 2004, p.1). Del Bianco remonta à história do rádio ao lembrar que durante muitos anos, foi usada no radiojornalismo a prática do gilett press. “O método consistia em selecionar algumas notícias, grifar o que era mais interessante e depois fazer uma leitura ao microfone” (DEL BIANCO, 2004, p.3). Esta prática fez parte do cotiNélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio 303 diano da produção de notícias por décadas. Pode-se dizer que ainda hoje é usada por rádios que têm menos condições de contratar profissionais para apurarem e produzirem informações, como as rádios comunitárias. Dessa forma, o rádio alimenta o ouvinte com notícias do passado ou já divulgadas por outro meio. A autora recorda, ainda, que essa prática começou a ser abandonada em meados dos anos 1940, período marcado pela profissionalização do rádio no Brasil. Com a adoção do teletipo nas redações na década de 40, o modo de produção do radiojornalismo baseado na leitura dos jornais impressos ao microfone foi substituído por um modelo calcado nos padrões estéticos das agências internacionais de notícia. O noticiário Repórter Esso marcou essa mudança ao adotar como principal fonte de informação a agência de notícias United Press (DEL BIANCO, 2004, p.4). O uso do transistor, a partir de 1960, trouxe ainda mais alterações na prática de produção de notícias, pois a nova técnica foi capaz de aproximar o rádio do ouvinte. “Com o transistor, o rádio ganhou portabilidade, permitindo a individualização da audiência” (DEL BIANCO, 2008, p. 5). Foi neste período, que segundo a autora, o radiojornalismo passou a se fundamentar em valores-notícias como a atualidade, o imediatismo e a instantaneidade. Tempos depois, foi criado o transmissor-receptor permitindo ao jornalista transmitir as informações ao vivo. Com a chegada do celular, parecia já não mais haver limites técnicos para a área. Porém, quase que simultaneamente aparece a Internet, trazendo profundas alterações no modo de se fazer notícia. Ela permite o acesso rápido às informações, ao mesmo tempo em que impõe o mesmo ritmo para a transmissão das mesmas. Além da velocidade, a Internet proporciona a cooperação entre usuários, a interatividade, uma comunicação mais horizontal, entre tantos outros benefícios. Entre os desafios, Del Bianco fala sobre a qualidade do conteúdo produzido pelos jornalistas de um modo geral, pois com a fácil acessibilidade à informação, o jornalista muitas vezes não se desloca do seu ambiente para apurar e checar a notícia. Limita-se a construir a informação com base no que é divulgado na rede. Ao constituir-se num ambiente onde os jornalistas se movem em busca de informação, onde exercem a tarefa de escolher entre centenas de acontecimentos aqueles que merecem o status de notícia, a internet pode debilitar o processo de checagem, enfraquecendo o jornalismo de verificação, a medida que permite fácil acesso às matérias e às declarações (DEL BIANCO, 2004, p. 4). 304 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros O jornalista, principalmente o que atua nas rádios, cria sua pauta de acordo com os acontecimentos do dia veiculados na net. Assume uma postura ativa ao selecionar o que deve ou não ser notícia, diferentemente dos anos anteriores em que esperava chegar a sua mesa sugestões de pautas, por meio das agências de notícias ou releases. Com a internet é possível visualizar o que acontece no mundo em um intervalo curto de tempo e dizer às pessoas, na mesma velocidade, sobre o que elas devem pensar. Entretanto, Del Bianco (2008, p. 9) chama a atenção para algumas transformações da internet no meio radiofônico, como a “redução de modalidades próprias de apuração da informação até mesmo pelas vantagens oferecidas como redução de custos e de pessoal”. Ao comparar com a era analógica, a pesquisadora constata que “o indicador dessa mudança está na redução do quadro de repórteres verificado nas emissoras especializadas”. Muitas emissoras de rádio não têm condições de manter uma equipe como na era analógica, sobretudo as educativas e comunitárias. A redução também é consequência do tipo de jornalista que se tem hoje nas redações: o multimídia. Enquanto em épocas passadas, o jornalista podia assumir um único papel, seja como repórter, revisor ou editor, na atualidade ele tem que saber fazer de tudo. Um repórter de rádio, por exemplo, ao cobrir uma entrevista coletiva, precisa escrever, revisar, gravar, editar e enviar o áudio para a emissora. É um profissional que acumula funções. Outra consequência da internet no âmbito do rádio, paradoxalmente, é a permanência do velho modo de se fazer jornalismo, semelhante ao gilett press. É difícil hoje saber se de fato uma notícia foi apurada ou se ele está apenas lendo o que foi publicado na internet. Quando um redator noticiarista entra ao vivo lendo uma nota extraída da Internet dá a impressão ao público de que se trata de matéria apurada por ele. A narrativa falada transfere credibilidade para o conteúdo da notícia como uma qualidade do discurso radiofônico. No entanto, a matéria pode ser resultado da consolidação de informação extraída da Internet e, muitas vezes, confundida com conteúdo próprio ao ser apresentada na linguagem do rádio e focada na política editorial da emissora (DEL BIANCO, 2004, p.11). Esse modo de fazer notícia implica no uso das mesmas fontes pelos jornalistas, ou seja, ao produzir as notícias, todos recorrem aos mesmos sites ou agências de notícias. “Muito da tendência à homogeneização deve-se ao comportamento dos jornalistas de atribuírem maior grau de credibilidade às agências de notícias oriundas da mídia tradicional” (DEL BIANCO, 2008, p. 10). Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio 305 Logo, são muitos os desafios que o rádio terá que enfrentar. Apesar disso, pode-se dizer que não tão cedo ele deixará de existir, isto porque ele está constantemente se adequando às novas técnicas. Para Del Bianco (2008, p. 2), se um meio não consegue se adaptar a uma nova técnica, ele corre o risco de desaparecer. Como foi possível perceber nos estudos da autora, este não é o caso, pois há anos o rádio e o modo de se fazer notícias radiofônicas sofrem transformações. Nélia é bastante otimista com relação às mudanças trazidas pelas novas tecnologias, seja no âmbito das rotinas produtivas ou nas estruturas do rádio. A autora retoma McLuhan ao dizer que “para compreender as mudanças impulsionadas pelas tecnologias da informação um dos caminhos é não olhar o presente pelo retrovisor” (2008, p. 9). Para a pesquisadora, a ambiência tecnológica não aprisiona, mas “fornece ao homem uma ‘janela’ para perceber o mundo”. De acordo com o pensamento da autora, não há como o rádio ficar alheio às mudanças tecnológicas. O futuro do rádio não está no isolamento, mas “num ambiente onde o consumo de mídias se dá de forma casada com atividades (trabalho, estudos, lazer) e com a audiência simultânea de outros meios” (DEL BIANCO, 2012, p. 35). Referências DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. As forças do passado moldam o futuro. BOCC. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação, Universidade da Beira Interior, 2008. DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. A Internet como fator de mudança no jornalismo. INTERCOM (São Paulo), São Paulo, v. 27, n.1, p. 133-147, 2004. DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. E tudo vai mudar quando o Digital chegar. BOCC. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação, Universidade da Beira Interior, 2003. Del BIANCO, Nélia Rodrigues. O Futuro do Rádio no Cenário da Convergência Frente às Incertezas Quanto aos Modelos de Transmissão Digital. Eptic (UFS), v. XI, p. 03-18, 2010. DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. O Rádio Brasileiro na Era da Convergência. 1. ed. São Paulo: Intercom, 2012. v. 5. 359 p. 306 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. Radiojornalismo em Mutação na Era Digital. In: XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2004, Porto Alegre -RS. Intercom 2004, 2004. v. 01. p. 87. DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. Remediação do radiojornalismo na era da informação. BOCC. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação, Universidade da Beira Interior, 2008. Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio 307