SUMÁRIO - Portas Vilaseca

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SUMÁRIO - Portas Vilaseca
SUMÁRIO
DEPOIS DA FONTE
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VANITAS FOTOGRAFADA: CONSIDERAÇÕES SOBRE FOTOGRAFIA E MORTE 3
Como exportar: cultura e opulência? 8
Civilização como Barbárie 13
Desvios na Paisagem 15
Os novíssimos novíssimos 17
reverência, subversão - nove artistas e a velha tradição da gravura 18
A GRANDE ONDA
Transcrição > Bernardo Mosqueira @ Casa França-Brasil A PINTURA ANTIFURTO DE PEDRO VICTOR BRANDÃO: POLÍTICA COMO ARTE NO CONTEXTO DA CRISE ECONÔMICA MUNDIAL
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Entrevista a Gilberto de Abreu
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esquecer, explodir, assinalar
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ENTREVISTA A MARIO FONSECA
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DEPOIS DA FONTE
por Maíra das Neves e Pedro Victor Brandão
Apresentado durante a exposição na Feira Internacional ArtRio.
2014
Depois da Fonte é a proposta de implementação, no Rio de Janeiro, do modelo de sistema autossuficiente com escultura
financeira de Maíra das Neves e Pedro Victor Brandão. Desde 2013, eles têm desenvolvido trabalhos em parceria, nos
campos de estudos de espaço, economia radical e experimentos sociais.
Depois da Fonte propõe a produção de recursos naturais e financeiros para uso comunitário, a fim de apoiar o desenvolvimento de pesquisas artísticas e científicas locais. Este modelo de sistema requer um terreno público ou privado
para a criação de um espaço comum, onde serão instalados equipamentos para a mineração de moedas virtuais, a fim
de gerar um fundo comunitário.
Na ArtRio 2014, os artistas apresentam algumas possibilidades de implementação deste modelo em terrenos do Rio
de Janeiro que são considerados “ruínas” pelo poder público. Essas “ruínas” são terrenos demolidos e sem uso que
mantém apenas a fachada histórica. As prospecções dos artistas aparecem como ficções em fotopinturas e também no
exemplar de ponto de mineração virtual - o computador montado pelos artistas - conectado em uma rede com algoritmos em funcionamento.
O Bitcoin é uma moeda corrente baseada em computação distribuída. Ela é descentralizada, digital e global, criada e
mantida sem controle de nenhum banco ou Estado. Bitcoins podem ser “minerados” pelos próprios usuários da rede e
trocados pela Internet.
Depois da Fonte aponta para um futuro possível. Maíra das Neves e Pedro Victor Brandão já implementaram este
modelo na Alemanha como the þit (http://thebpit.org) entre os meses de abril e agosto deste ano, com resultados surpreendentes. Algumas fotopinturas de the þit também estão na ArtRio 2014.
Depois da Fonte propõe uma nova nascente para o jorro de riquezas. Propõe também outro modo de administração de
recursos produzidos coletivamente. Depois da Fonte borra as fronteiras entre público e privado, e põe em prática modos
de produção e financiamento colaborativos, não hierárquicos e não especulativos. Depois da Fonte não represa, e sim
distribui.
Os planos de desenvolvimento urbano atuais, combinados com alta especulação imobiliária, comprometem o direito à
cidade e a construção de espaços comuns. O trabalho de mediação dos artistas entre público, trabalho e espaço oferece
um contraponto a tais planos. Depois da Fonte requalifica a função da arte.
Aqui, os visitantes têm a oportunidade de investir no projeto ainda “na planta” através da compra das obras em exposição. Podem ainda exercitar os potenciais democráticos de uma economia em rede pois além das tradicionais moedas fiduciárias, Bitcoins e outras cripto-moedas serão aceitos pela Portas Vilaseca Galeria. Para a implementação de
Depois da Fonte no Rio de Janeiro, os artistas buscam também proprietários interessados em experimentar diferentes
acordos para ativação de lotes e prédios ociosos.
Quando se abrirem as portas de uma ruína, Maíra das Neves e Pedro Victor Brandão poderão implementar o modelo já
experimentado na Alemanha e construir outras seis minas de cripto-moedas, a fim de iniciar um fundo local para desenvolvimento de atividades comunitárias no lote, de acordo com desejos e habilidades dos envolvidos. Como mostram
as fotopinturas, atividades variadas podem surgir, tais como hortas comunitárias, parquinhos, criação de abelhas urbanas, e principalmente convivência e trabalho coletivo. Para isso, os artistas já estão ativando parceiros locais e internacionais, tais como Agência Transitiva (Rio de Janeiro), Wasteland Twinning Network (Alemanha e Reino Unido) e Zentrum
für Kunst und Urbanistik (Alemanha).
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VANITAS FOTOGRAFADA: CONSIDERAÇÕES SOBRE FOTOGRAFIA E MORTE
Maria Berbara (UERJ)
Raphael Fonseca (Colégio Pedro II)
RESUMO: O presente artigo versa sobre a relação entre o campo das Artes Visuais e o tema da morte. Após uma breve
introdução sobre os modos como esta relação se deu na tradição clássica, serão analisados os trabalhos de quatro artistas contemporâneos que lidam precisamente com a conjunção entre morte e fotografia, a saber: Robert Mapplethorpe, Joel-Peter Witkin, Aline Dias e Pedro Victor Brandão.
Palavras-chave: morte, fotografia, arte contemporânea
ABSTRACT: This article intends to reflect about the relations between the Visual Arts and the theme of death. After a
short introduction about how this relation was based during the classical tradition, there will be analyzed the artworks of
four contemporary artists that deal precisely with the conjuction between death and photography: Robert Mapplethorpe,
Joel-Peter Witkin, Aline Dias and Pedro Victor Brandão.
Keywords: death, photography, contemporary art
“Nascendo morremos; o fim da nossa vida depende do seu princípio “. (Marcos Manílio, Astronomica, IV, 6)
Como coloca o grande historiador da arte Jan Bialostocki em seu ensaio Arte e Vanitas[1], uma das idéias filosóficas e
espirituais mais difundidas é a de que todos os bens, inclusive - ou, sobretudo - a vida, são transitórios. Como tal, essa
ideia aparece em distintas culturas, e em distintos momentos históricos.
Na antiguidade judaico-cristã, o tema da vanitas aparece na literatura, pela primeira vez talvez, nos Eclesiastes (1,2);
trata-se da famosa passagem vanitas vanitatum, et omnia vanitas, isso é, “vaidade de vaidades, tudo é vaidade”. Na
tradição poética romana, por outro lado, a meditação sobre a transitoriedade da vida desperta sentimentos de natureza
hedonista, os quais atingem talvez sua máxima eloquência nos celebérrimos versos de Horácio: Carpe diem quam minimum credula postero, isto é, colhe o dia, quanto menos confiada no de amanhã.[2] No poema de Horácio, a percepção da
passagem inexorável do tempo surge como um elemento de máxima potência no âmbito da construção de uma retórica
da sedução: o poeta procura persuadir a amante a entregar-se ao desfrute do momento presente. Júpiter, ou uma força
superior cósmica, preside tanto os movimentos do mar quanto o destino do homem; impossível é ir contra ele. O sentido do carpe diem, magistralmente sintetizado por Horácio nessa ode, possui por sua vez uma longa linhagem grega
e serve como modelo para inumeráveis poemas latinos, assim como para dezenas de versos em idiomas modernos,
incluindo o português[3].
Se no poema horaciano, assim como em outros momentos da lírica latina, a recordação da morte estimula o pleno fruir
da vida, na tradição judaico-cristã esses pensamentos adquirem um sentido completamente distinto: a vida mundana,
por ser passageira, tem pouca importância, de onde se deduz a necessidade de voltar o pensamento para a esfera
puramente espiritual da existência. A assim chamada Idade Média ocidental retoma o conceito estoico do contemptus
mundi, isso é, o desprezo pelas coisas mundanas: todos os bens e deleites transitórios empalidecem ante a permanência da vida espiritual. A representação da caveira como símbolo não apenas da morte, mas da transitoriedade da vida, remonta à antiguidade
clássica, onde aparece, mais comumente, com o sentido de carpe diem. Em um mosaico romano proveniente de Pompéia e atualmente conservado Museu Nacional de Nápoles (século I d. C.) representa-se um crânio sobre uma borboleta
– provável alusão à transitoriedade da vida - e uma roda, atributo das deuses Tiké e Nêmesis, as quais, ambas, eram
consideradas profetisas relativamente à vida humana.
Mosaico de Pompéia (I d.C.).
A roda, posteriormente, seria associada à imprevisibilidade e instabilidade da fortuna, assim como à arbitrariedade do
destino. Sobre o crânio aparece um nivelador de carpinteiro com uma linha de chumbo; à direita, uma bolsa de couro
e um bastão de pastor, e à esquerda um cetro com um manto púrpuro. A mensagem é clara: a vida é breve e a morte
igualiza a todos, pobres ou ricos. O tema da omnia mors aequat apareceria diversas vezes na iconografia europeia, como
por exemplo em uma belíssima gravura do artista alemão Bathel Beham (1502-1540) representando um bebê adormecido ao lado de uma ampulheta, enquanto, em primeiro plano, diversas caveiras jazem empilhadas.
Bathel Beham – “Criança dormindo com quatro caveiras” – 1520-1540.
Na Europa, a terrível peste negra de 1348 parece ter-se relacionado à eclosão de representações conhecidas como
Triunfo da Morte, nas quais um exército de esqueletos marcha, invencível, sobre inteiras cidades. Fancesco Traini, nos
afrescos do Camposanto de Pisa (ca. 1350) foi um dos primeiros a representar o tema que atingiria máxima expressão,
talvez, na tela de Pieter Brueghel atualmente conservada no Museu do Prado (1562). Na primeira metade do século XV
são publicados os dois livros do texto Ars moriendi, ou A Arte de Morrer, na qual são elencados preceitos e instruções
sobre o “bom morrer”. As xilogravuras desse livro, largamente difundidas na Europa, influenciaram por sua vez diversos artistas que criaram representações da morte ou do ato de morrer. Difunde-se, na iconografia cristã, o conceito de
recordação constante da morte como um incentivo às práticas espirituais elevadas e ao desprezo pela transitoriedade
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mundana; caveiras aparecem em retratos familiares, como a recordar tanto aos retratados como aos observadores que
toda a beleza e possessões terrenas são passageiras; em imagens de santos, onde parecem funcionar como instrumentos de mediação no processo de meditação; em representações da vida de Cristo e da trindade. Trata-se do célebre
memento mori, ou recorda-te da morte, autêntico gênero iconográfico que perpassa diversos séculos.
Pieter Brueghel – “O triunfo da morte” – 1562.
Uma das mais difundidas vertentes da vanitas nos séculos XV e XVI contrasta a morte, concebida quase sempre como
um esqueleto horrível, com uma jovem mulher. O confronto alegórico entre o erotismo e a morte é um antigo topos
literário e artístico reelaborado e amplamente difundido, durante o Renascimento, sobretudo pelas gravuras de Dürer.
Baldung Grien, seu discípulo, sem dúvida inspira-se nessas gravuras ao produzir seus célebres óleos representando a
morte e a donzela, a morte e Vênus, ou a morte e Eva. Na clara tradição do memento mori, essas gravuras e pinturas
associam o amor, o sexo, o tempo e a morte, personificada, a partir do início do Quinhentos, por um esqueleto segurando ou apontando uma ampulheta[4]. A partir da trajetória düreriana - o encontro entre a morte e o cavaleiro, a morte
e o casal - Baldung Grien recupera a antiga iconografia do encontro entre a morte e a donzela fundindo-o, por vezes,
ao das três idades do homem. Em fantásticos desenhos e telas, o clássico encontro entre Eros e Thanatos forma em
Baldung acordes que conjugam erotismo e terror, ironia e beleza clássica. Contrariamente a Dürer, Grien cria figuras
nuas extraindo elementos tanto da iconografia tradicional de Eva como da vanitas renascentista, gerando imagens nas
quais a morte e o erotismo tensionam-se em equilíbrio instável.
Albrecht Dürer – “Jovem casal ameaçado pela morte” – 1498.
Com o surgimento da fotografia em torno de 1825, outro caminho da relação entre morte e arte se estabelece. O ato
fotográfico pode ser interpretado metaforicamente como a imagem de um cientista que captura borboletas através
de uma rede; o fotógrafo rouba um momento e o congela em uma imagem. Nesse sentido, a fotografia é fruto de uma
pequena morte e, mais do que isso, visa a imortalidade contida na possibilidade de se reproduzir por número indeterminado uma imagem. No próprio século XIX se instaura, por exemplo, o costume de se realizar fotografias de pessoas
mortas. Trata-se de um modo de se reter a última imagem de um ente querido da família, geralmente, de crianças e
idosos, antes do ato do enterro. Mais complexo do que meramente fotografar um cadáver, em muitos dos casos os integrantes ainda vivos realizavam poses ao lado destes corpos próximos a caixões. A necessidade de se permanecer estático devido ao longo tempo de exposição ainda exigido pela fotografia apenas reforçava o caráter dramático, mórbido
e de lembrança da morte destas imagens.
Hans Baldung Grien – “A morte e a jovem” – 1518-1520.
Em 2010 o Museu Maillol, em Paris, albergou a exposição C’est la vie! Vanités du Caravage à Damien Hirst. O próprio
título da mostra indica já a proposta de transversalidade cronológica – foram exibidos, a título de exemplo, o supracitado
mosaico pompeiano ao lado de obras de artistas como Jan Fabre, Cézanne, Cindy Sherman, Yan Pei Ming, Annette Messager e Damien Hirst. A frase c’est la vie, tão tipicamente conectada à cultura parisiense e tão diversa em conotações,
parece corroborar o aspecto múltiplo e contemporâneo da exposição.
Autor anônimo – fotografia post mortem – segunda metade do século XIX.
Que a proliferação de caveiras e outros símbolos vinculados à morte e à vanitas tenham voltado a proliferar na segunda
metade do século XX – e particularmente a partir dos anos 1980 – é de todos sabido. De acordo com os curadores da
mostra, o revival do tema relaciona-se, por um lado, à divulgação massiva e planetária dos grandes genocídios que,
do Holocausto a Ruanda, marcaram o século; por outro, ao catastrofismo ecologista, o qual, a partir de uma lógica
análoga à punitiva judaico-cristã, parece referendar o conceito segundo o qual o mundo irá acabar, e que a culpa é da
humanidade; e, finalmente, às fantasmagorias que cercaram o surgimento da AIDS, autêntica peste negra que parecia
punir justamente os piores pecadores: homossexuais, promíscuos e usuários de drogas. Tendo em mente esse recorte
cronológico, lançaremos luz sobre o trabalho de quatro distintos fotógrafos e sua possível interpretação através da
representação da morte.
O último autorretrato do fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe (Nova Iorque, 1946-1989), precocemente falecido, aos 42 anos, em 1989, fez parte da mostra: um artista já debilitado, justamente, pelas terríveis consequências da
AIDS, retrata-se a si mesmo de forma frontal, sobre um fundo escuro, segurando um bastão ao fim do qual aparece uma
representação da caveira. Duas cabeças lado a lado e a certeza da breve passagem de um estágio para o outro, do brilho
dos olhos, para a escuridão da sua cavidade vazia. O tema da vanitas aparecera em prévios momentos da trajetória de
Mapplethorpe; em 2007, inclusive, abriu-se na Espanha a mostra Vanitas de Robert Mapplethorpe, na qual se assinala
a forma como os antigos topoi vinculados à transitoriedade da vida permeiam algumas de suas obras.
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Robert Mapplethorpe – “Autorretrato” – 1988.
Em 2007, o fotógrafo Joel-Peter Witkin (Nova Iorque, 1939) produz uma obra desconcertante: uma jovem mulher, reclinada ao modo de uma Vênus, exibe sem pudor sua gloriosa nudez; suas mãos, enluvadas, seguram uma pluma e um espelho, tradicional símbolo da vanitas. Sete cabeças decapitadas, em estado avançado de putrefação, rodeiam a personagem para quem parecem de todo alheias. Witkin retoma, claro está, o antigo tema da morte e a donzela, construindo,
a partir de uma série de referências à iconografia cristã dos séculos anteriores, uma nova e potente imagem cujo título
– ars moriendi – não deixa margem de dúvidas acerca de suas fontes pictóricas: a arte de bem morrer. A jovem mulher
logo envelhecerá, morrerá e será mais um fragmento de cadáver; outras virão, ocupando seu lugar por um minuto apenas. Nessa obra, como outras a cuja tradição pertence, o erótico e o necrótico formam um continuum inquebrantável.
Joel-Peter Witkin – “Ars moriendi” – 2007.
Dos Estados Unidos para o Brasil, de fotógrafos já institucionalizados pela história da arte mundial para jovens artistas
em pleno processo de pesquisa. Aline Dias (Itajaí, 1980) produz séries fotográficas que formalmente apontam para o
lado oposto de Witkin: realizadas em espaços domésticos ou externos, não se tratam de imagens construídas em um
grande estúdio e com figuras humanas bebidas da tradição clássica. Em “Homem de açúcar”, a monumentalidade de
Witkin cede lugar a uma narrativa que parece advir de uma fábula: a artista realiza uma pequena escultura de um humano feito de açúcar e o coloca à beira do oceano. Se a fotografia não explicita o desaparecimento da figura, permite,
por outro lado, que o espectador complete esta pequena tragédia do jeito que preferir em sua imaginação. Escapar da
deterioração parece inevitável e a nossa pequeneza perante o mundo, aqui representado pela paisagem, fica clara nesta
imagem.
Aline Dias – “Homem de açúcar” – 2004.
Em outras obras esta relação entre morte e ludicidade reaparece e pode remeter ao tópico da omnia mors equat, especialmente no que diz respeito ao confronto da imagem de uma criança (ou do universo infantil) e da passagem do tempo.
Não à toa, um de seus trabalhos em que a própria artista assopra uma casa feita de material perecível, se intitula “Eu
sou o lobo mau”, citação ao conto e à animação “Os três porquinhos” (1933). O homem de açúcar também protagoniza
uma série de imagens em que é afogado dentro de uma xícara de café. Enquanto isso, uma mulher de açúcar é transformada em calda em “O que acontece com meninas doces”, de 2004. A pulsão de morte aparece de modo mais ácido
em “Homem de sal e lesma”, de 2003. Cinco fotografias anunciam o encontro entre, como o próprio título aponta, outra
figura humana efêmera e este pequeno molusco. Como é sabido, ao entrar em contato com o sal, a lesma se desidrata
devido à sua rápida absorção e falece. Se nas imagens esse choque não é mostrado, a artista reserva, novamente, um
estado de tensão narrativa para o espectador. Mais do que a morte do animal, o próprio homem de sal, muito em breve,
irá desmoronar e também morrer.
Aline Dias – “Homem de sal e lesma” – 2003.
E se a morte não aparecesse de modo ficcional, mas estivesse contida poeticamente no próprio processo de construção
e exibição da fotografia? Pedro Victor Brandão (Rio de Janeiro, 1985) concentra parte de sua pesquisa na relação entre
imagem e desaparecimento. Na série “Espólio”, de 2010, realiza pequenas reproduções em cromo de imagens de artistas falecidos cuja obra se encontra sob responsabilidade de seus descendentes. Muitas destas famílias, como, por
exemplo, a de Alfredo Volpi, cobram valores exorbitantes para que se possa reproduzir e divulgar estas obras. O artista,
portanto, se apropria de modo “indevido”, “ilegal”, destas imagens e dá à reprodução o estatuto de objeto artístico. Em
segunda instância, ele as exibe dentro de uma caixa de acrílico iluminada por lâmpadas fluorescentes ultravioletas, ou
seja: a cada momento estas cópias de Volpi estarão mais próximas de seu sumiço. Como o próprio fotógrafo escreve,
temos a “fotodegradação do direito de imagem”.[5]
Em outro de seus trabalhos que lida com a relação entre História, imagem, memória e esquecimento, na série “Curta”,
também de 2010, Pedro Victor Brandão se utiliza do processo fotográfico preto e branco em gelatina em prata. Após o
ato de revelação do negativo fotográfico, ele opta por não fixar a imagem, a expondo ao público em um estado de fragilidade da matéria. Sob a luz do sol, as imagens capturadas através da fotografia também desaparecerão, mas aqui
darão espaço a uma grande forma geométrica preta. As imagens de um banco de dados composto por computadores
e o confronto entre a primeira lei dos direitos autorais, feita na Inglaterra, e a mesma lei atual no Brasil estão fadadas
ao desaparecimento. No lugar de abordar a morte pelo viés do apodrecimento do corpo humano, o artista lida com a
fotografia enquanto documentação de documentos (dados e leis) da História contemporânea; os bits virarão entulho, as
páginas serão queimadas.
Com “Transitório fóssil”, de 2011, Pedro Victor Brandão faz uma espécie de monumento à perenidade fotográfica. Junto
à participação de doze co-autores, constrói doze fotografias merecedoras da eternidade da matéria. Para tal, realiza sua
impressão à base de carbono e brometo, o que dá um caráter quase que tridimensional à imagem fotográfica e a deixa
resistente à fotodegradação. Deste modo, as imagens resultantes possuem uma grande resistência às intempéries
podendo ser preservadas por cerca de quinhentos anos.
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O esforço contra a morte da matéria apenas escancara sua própria inerência; a “super vida” desta série fotográfica nos
faz pensar no número de gerações que poderão entrar em contato com estas imagens. Quantos troncos de árvores genealógicas serão podados até que estas imagens anti-esquecimento tenham seu momento derradeiro?
Se fotografar é matar, toda fotografia é um caixão e, como todo objeto, se esforça pela permanência, mas derrapa na
transitoriedade. Para se escrever com a luz, como o sentido literal da palavra “fotografia” aponta, é necessária também
a sombra; fotografar é se encontrar nas fronteiras entre passado, presente e futuro. Esta reflexão é válida tanto para artistas contemporâneos que exploram os limites da técnica fotográfica até, por exemplo, turistas que se autorretratam,
sem grandes pretensões, em uma viagem. Como diz Susan Sontag,
Todas as fotografias são memento mori. Fotografar é participar da mortalidade, vulnerabilidade, mutabilidade de outra
pessoa (ou coisa). Justamente por cortar uma fatia desse momento e congelá-la, toda foto testemunha a dissolução
implacável do tempo.[6]
[1] In Stil und Ikonographie. Studien zur Kunstwissenschaft. Dresden, VEB Verlag der Kunst, 1966.
[2] O poema completo de Horácio foi vertido ao português de forma exemplar pelo latinista Francisco Achcar:
Tu não indagues (é ímpio saber) qual o fim que a mim e a ti os deuses
tenham dado, Leuconoé, nem recorras aos números babilônicos. Tão
melhor é suportar o que será! Quer Júpiter te haja concedido muitos
invernos, quer seja o último o que agora debilita o mar Tirreno nas
rochas contrapostas, que sejas sábia, coes os vinhos e, no espaço
breve, cortes a longa esperança. Enquanto estamos falando, terá
fugido o tempo invejoso; colhe o dia, quanto menos confiada no de
amanhã.
De uma beleza igualmente potente são as traduções de Fernando Pessoa (Ricardo Reis) – Desfruta o dia de hoje, acreditando o mínimo possível no
amanhã – e Augusto de Campos – Colhe o dia de hoje e não te fies nunca, um momento sequer, no dia de amanhã.
[3] Cfr. Achcar, F., Lírica e lugar-comum: alguns temas de Horácio e sua presença em português. São Paulo: Edusp, 1994.
[4] Como observa Van Marle, “a ideia de representar a morte através de um esqueleto parece tão lógica que se pergunta porquê os primeiros exemplos
aparecem somente em uma época tão tardia” – isto é, os séculos XIV e XV. É somente na primeira metade do Quinhentos, porém, que a representação
da morte como um esqueleto e de cadáveres em decomposição torna-se realmente frequente, sobretudo na França, Alemanha e norte da Itália (Van
Marle, R., Iconographie de l’art profane ao Moyen-Age et à la Renaissance. Haia: Martinus Nijhoff, 1932, vol. 2, p. 361 e seg.).
[5] Texto do artista que pode ser encontrado em seu portfólio disponível em seu website: www.pedrovictor.com.br (acessado em 1 de abril de 2012).
[6] SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, pág. 26.
ACHCAR, Francisco. Lírica e lugar-comum: alguns temas de Horácio e sua presença em português. São Paulo, Edusp, 1994.
NITTI, Patrizia & STRINATI, Claudio M. C’est la vie: vanités, de Poméi à Damien Hirst. Paris: Skira Flammarion, 2010.
SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
______________. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
VAN MARLE, R. Iconographie de l’art profane ao Moyen-Age et à la Renaissance. Haia: Martinus Nijhoff, 1932.
Maria Berbara é professora do Instituto de Artes (UERJ). Mestre (UNICAMP) e doutora (Universidade de Hamburgo) em História da Arte. É autora de
diversos estudos no âmbito do Renascimento italiano e ibérico e dos intercâmbios artístico-culturais europeus nos séculos XV, XVI e XVII.
Raphael Fonseca é mestre (UNICAMP) e bacharel (UERJ) em História da Arte. Professor do Colégio Pedro II, trabalha com crítica de arte e curadoria
de exposições de arte contemporânea e mostras de cinema.
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Como exportar: cultura e opulência?
por Pedro Victor Brandão
Com trechos apropriados de
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas, e minas... Lisboa: Na Officina Real Deslandesiana,
1711. e Como exportar para o Brasil: guia prático sobre o processo de importação
no Brasil. Brasília: Ministério das Relações Exteriores: Departamento de Promoção Comercial, 2006.
O Brasil é o quinto maior país do mundo em extensão territorial e faz fronteira com quase todos os países da América
do Sul, com exceção de Chile e Equador. Sua capital é Brasília, centro político-administrativo do país, que se situa no
centro geográfico do território brasileiro. Entretanto, os grandes centros econômicos, comerciais e industriais situamse a grandes distâncias da capital, em geral em cidades mais próximas do litoral do Oceano Atlântico. A maior delas
é São Paulo, localizada na região Sudeste do país, a mais rica do País, concentrando cerca de 50% do PIB. Engloba os
Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo e ocupa cerca de 11% do território brasileiro. Possui uma estrutura industrial altamente diversificada, um setor de serviços bastante desenvolvido, especialmente no Rio
de Janeiro e em São Paulo, e também uma produção agrícola bastante significativa, destacadamente no interior dos
Estados de São Paulo e Minas Gerais.
Não se deve esquecer que o Brasil é um país de dimensões continentais e que os clientes a serem visitados podem ter
compromissos em locais distantes da cidade sede da empresa.
Há poucos anos que se começaram a descobrir as minas gerais dos Cataguás. O primeiro descobridor, dizem, foi um
mulato que tinha estado nas minas de Paranaguá e Curitiba. Este, indo ao sertão com uns paulistas a buscar índios, e
chegando ao cerro Tripuí desceu abaixo com uma gamela para tirar água do ribeiro que hoje chamam do Ouro Preto, e,
metendo a gamela na ribanceira para tomar água, e roçando-a pela margem do rio, viu depois que havia nela granitos
da cor do aço, sem saber o que eram, nem os companheiros, aos quais mostrou os ditos granitos, souberam conhecer
e estimar o que se tinha achado tão facilmente, e só cuidaram que aí haveria algum metal não bem formado, e por isso
não conhecido. Chegando, porém, a Taubaté, não deixaram de perguntar que casta de metal seria aquele. E, sem mais
exame, venderam a Miguel de Sousa alguns destes granitos, por meia pataca a oitava, sem saberem eles o que vendiam,
nem o comprador que coisa comprava, até que se resolveram a mandar alguns dos granitos ao governador do Rio de
Janeiro, Artur de Sá; e fazendo-se exame deles, se achou que era ouro finíssimo.
Visitar o Brasil a negócios pode se tornar um sucesso comercial, desde que se obedeça a um roteiro de viagem estrategicamente planejado com a devida antecedência. O primeiro passo, ainda no país de origem, é o contato preliminar
com os eventuais e potenciais importadores brasileiros, a fim de detectar o real interesse quanto à compra do produto
e sobre a possibilidade de um encontro durante a visita do empresário estrangeiro.
Gastam comumente os paulistas, desde a vila de São Paulo até as minas gerais dos Cataguás, pelo menos dois meses,
porque não marcham de sol a sol, mas até o meio-dia, e quando muito até uma ou duas horas da tarde, assim para se
arrancharem, como para terem tempo de descansar e de buscar alguma caça ou peixe, aonde o há, mel de pau e outro
qualquer mantimento. E, desta sorte, aturam com tão grande trabalho.
O roteiro do seu caminho, desde a vila de São Paulo até a serra de Itatiaia, aonde se divide em dois, um para as minas do
Caeté ou ribeirão de Nossa Senhora do Carmo e do Ouro Preto e outro para as minas do rio das Velhas, é o seguinte, em
que se apontam os pousos e paragens do dito caminho, com as distâncias que tem e os dias que pouco mais ou menos
se gastam de uma estalagem para outra, em que os mineiros pousam e, se é necessário, descanso e se refazem do que
hão mister e hoje se acha em tais paragens.
No primeiro dia, saindo da vila de São Paulo, vão ordinariamente a pousar em Nossa Senhora da Penha, por ser (como
eles dizem) o primeiro arranco de casa, e não são mais que duas léguas.
Daí, vão à aldeia de Itaquequecetuba, caminho de um dia.
Gastam, da dita aldeia, até a vila de Moji, dois dias.
De Moji vão às Laranjeiras, caminhando quatro ou cinco dias até o jantar.
Das Laranjeiras até a vila de Jacareí, um dia, até as três horas.
De Jacareí até a vila de Taubaté, dois dias até o jantar.
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De Taubaté a Pindamonhagaba, freguesia de Nossa Senhora da Conceição, dia e meio.
De Pindamonhagaba até a vila de Guaratinguetá, cinco ou seis dias até o jantar.
De Guaratinguetá até o porto de Guaipacaré, aonde ficam as roças de Bento Rodrigues, dois dias até o jantar.
Destas roças até o pé da serra afamada de Amantiqueira, pelas cinco serras muito altas, que parecem os primeiros
muros que o ouro tem no caminho para que não cheguem lá os mineiros, gastam-se três dias até o jantar.
Daqui começam a passar o ribeiro que chamam Passavinte, porque vinte vezes se passa e se sobe às serras sobreditas,
para passar as quais se descarregam as cavalgaduras, pelos grandes riscos dos despenhadeiros que se encontram, e
assim gastam dois dias em passar com grande dificuldade estas serras, e daí se descobrem muitas e aprazíveis árvores
de pinhões, que a seu tempo dão abundância deles para o sustento dos mineiros, como também porcos monteses, araras e papagaios.
Logo, passando outro ribeiro, que chamam Passatrinta, porque trinta e mais vezes se passa, se vai aos Pinheirinhos,
lugar assim chamado por ser o princípio deles; e aqui há roças de milho, abóboras e feijão, que são as lavouras feitas pelos descobridores das minas e por outros, que por aí querem voltar. E só disto constam aquelas e outras roças
nos caminhos e paragens das minas, e, quando muito, têm de mais algumas batatas. Porém. Em algumas delas, hoje
acha-se criação de porcos domésticos, galinhas e frangões, que vendem por alto preço aos passageiros, levantando-o
tanto mais quanto é maior a necessidade dos que passam. E daí vem o dizerem que todo o que passou a serra da Amantiqueira aí deixou dependurada ou sepultada a consciência.
Dos Pinheirinhos se vai à estalagem do Rio Verde, em oito dias, pouco mais ou menos, até o jantar, e esta estalagem tem
muitas roças e vendas de cousas comestíveis, sem lhes faltar o regalo de doces.
Daí, caminhando três ou quatro dias, pouco mais ou menos, até o jantar, se vai na afamada Boa Vista, a quem bem se
deu este nome, pelo que se descobre daquele monte, que parece um mundo novo, muito alegre: tudo campo bem estendido e todo regado de ribeirões, uns maiores que outros, e todos com seu mato, que vai fazendo sombra, com muito
palmito que se come e mel de pau, medicinal e gostoso. Tem este campo seus altos e baixos, porém moderados, e por
ele se caminha com alegria, porque têm os olhos que ver e contemplar na prospectiva do monte Caxambu, que se levanta às nuvens com admirável altura.
Da Boa Vista se vai à estalagem chamada Ubaí, aonde também há roças, e serão oito dias de caminho moderado até o
jantar.
De Ubaí, em três ou quatro dias, vão ao Ingaí.
Do Ingaí, em quatro ou cinco dias, se vai ao Rio Grande, o qual, quando está cheio, causa medo pela violência com que
corre, mas tem muito peixe e porto com canoas e quem quer passar paga três vinténs e tem também perto suas roças.
Do Rio Grande se vai em cinco ou seis dias ao rio das Mortes, assim chamado pelas que nele se fizeram, e esta é a
principal estalagem aonde os passageiros se refazem, por chegarem já muito faltos de mantimentos. E, neste rio, e nos
ribeiros e córregos que nele dão, há muito ouro e muito se tem tirado e tira, e o lugar é muito alegre e capaz de se fazer
nele morada estável, se não fosse tão longe do mar.
Desta estalagem vão em seis ou oito dias às plantas de Garcia Rodrigues.
E daqui, em dois dias, chegam à serra de Itatiaia.
Desta serra seguem-se dois caminhos: um, que vai dar nas minas gerais do ribeirão de Nossa Senhora do Carmo e do
Ouro Preto, e outro, que vai dar nas minas do rio das Velhas, cada um deles de seis dias de viagem. E desta serra também começam as roçarias de milho e feijão, a perder de vista, donde se proveem os que assistem e lavram nas minas.
Deve-se levar em conta ainda que as capitais brasileiras são cidades cosmopolitas. Nesse sentido, as diversas visitas
devem ser marcadas com um bom espaço de tempo entre si.
Investimentos continuados em pesquisa e desenvolvimento contribuíram para a performance superlativa do Brasil em
produzir e exportar diversos produtos. O Brasil é um dos líderes mundiais na produção e exportação de vários produtos
agrícolas, sendo o maior produtor de café, açúcar e suco de laranja. A soja apresenta uma partição de 80% dos cultivos
para exportação.
Dos senhores dependem os lavradores que têm partidos arrendados em terras do mesmo engenho, como cidadãos dos
fidalgos; e quanto mais os senhores são mais possantes e bem aparelhados de todo o necessário, afáveis e verdadeiros,
tanto mais são procurados, ainda dos que não têm a cana cativa, ou por antiga obrigação, ou por preço que para isso
recebem.
Lidar com clientes brasileiros não é tarefa complicada. Embora a reunião seja um ato formal de negócios, os encontros
desenvolvem-se geralmente em um ambiente agradávele leve. Devem-se observar, no entanto, os costumes comerciais
e culturais do País, a fim de evitar certos comportamentos que podem causar surpresa ou mesmo constrangimento.
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Para ter lavradores obrigados ao engenho, é necessário passar-lhes arrendamento das terras, em que hão de plantar.
Estes costumam fazer-se por nove anos, e um de despejo, com obrigação de deixarem plantadas tantas tarefas de cana,
ou por dezoito anos e mais, com as obrigações e número de tarefas que assentarem, conforme o costume da terra.
Porém, há-se de advertir que os que pedem arrendamento sejam fazendeiros e não destruidores da fazenda, de sorte
que sejam de proveito e não de dano. E, na escritura do arrendamento, se hão de pôr as condições necessárias, por
exemplo, que não tirem paus reais, que não admitam outros em seu lugar nas terras que arrendam, sem consentimento
do senhor delas; e outras que se julgarem necessárias para que algum deles, mais confiado, de lavrador se não faça
logo senhor.
Convém que os escravos se persuadam que o feitor-mor tem muito poder para lhes mandar e para os repreender e
castigar quando for necessário, porém de tal sorte que também saibam que podem recorrer ao senhor e que hão de ser
ouvidos como pede a justiça. Nem os outros feitores, por terem mandado, hão de crer que o seu poder não é cortado
nem limitado, principalmente no que é castigar e prender. Portanto, o senhor há de declarar muito bem a autoridade
que dá a cada um deles, e mais ao maior, se excederem, há de puxar pelas rédeas com a repreensão que os excessos
merecem; mas não diante dos escravos, para que outra vez se não levantem contra o feitor, e este leve o mal de ser
repreendido diante deles e se não atreva a governa-los. Só bastará que por terceira pessoa se faça entender ao escravo
que padeceu e a alguns outros dos mais antigos da fazenda que o senhor estranhou muito ao feitor o excesso que cometeu e que, quando se não emende, o há de despedir certamente.
Aos feitores de nenhuma maneira se deve consentir o dar coices, principalmente nas barrigas das mulheres que andam pejadas, nem dar com pau nos escravos, porque na cólera se não medem os golpes, e podem ferir mortalmente
na cabeça a um escravo de muito préstimo, que vale muito dinheiro, e perde-lo. Repreende-los e chegar-lhes com um
cipó às costas com algumas varancadas, é o que se lhes pode e deve permitir para ensino. Prender os fugitivos e os que
brigaram com feridas ou se embebedaram, para que o senhor os mande castigar como merecem, é diligência digna
de louvor. Porém, amarrar e castigar com cipó até correr o sangue e meter no tronco, ou em uma corrente por meses
(estando o senhor na cidade) a escrava que não quis consentir no pecado ou ao escravo que deu fielmente conta da
infidelidade, violência e crueldade do feitor que para isso armou delitos fingidos, isto de nenhum modo se há de sofrer,
porque seria ter um lobo carniceiro e não um feitor moderado e cristão.
Assim, é importante marcar a reunião com data e hora previamente definidas e dentro do horário comercial.
Certamente, durante a fase da “quebra do gelo”, é oferecido o tradicional cafezinho, acompanhado de água, que poderá
ser natural ou com gás. Embora servido numa xícara pequena, o café é forte, bem diferente do degustado nos países
latino-americanos, e poderá ser adoçado com açúcar ou adoçante. Se atentar para o valor intrínseco que o açúcar
merece ter pela sua mesma bondade, não há outra droga que o iguale. E, se tanto sabe a todos a sua doçura quando o
comem, não há razão para que se não lhe dê tal valor extrínseco quando se compra e vende, assim pelos senhores de
engenho e pelos mercadores, como pelo magistrado a quem pertence ajustá-lo, que possa dar por tanta despesa algum
ganho digno de ser estimado.
O modo de cortar é o seguinte: pega-se com a mão esquerda em tantas canas quanto pode abarcar, e com a direita
armada de foice se lhe tira a palha, a qual depois se queima ou pela madrugada, ou já de noite, quando, acalmando, o
vento der para isso lugar, e serve para fazer a terra mais fértil; logo, levantando mais acima a mão esquerda, botamse fora com a foice os olhos da cana, e estes dão-se aos bois a comer; e, ultimamente, tornando com a esquerda mais
abaixo, corta-se rente ao pé, e quanto a foice for mais rasteira à terra, melhor. Quem segue ao que corta (que comumente é uma escrava) ajunta as canas limpas, como está dito, em feixes, a doze por feixe, e com os olhos dela os vai
atando; e, assim atados, vão nos carros ao porto, ou se o engenho for pela terra dentro, chega-se o carro à moenda.
Normalmente o cliente fará comentários sobre a bebida tradicional brasileira, a caipirinha, mas isto não significa que
está sendo convidado a degustá-la. O mais usual é que todos os participantes bebam água ou refrigerante.
Com relação aos aspectos culturais do Brasil, é necessário que o exportador estrangeiro tome certas precauções. Não
existe uma cartilha ou manual de comportamento para lidar com os clientes brasileiros: deve-se considerar que é um
povo de origem latina, a exemplo de seus vizinhos, mas com certas particularidades. A ideia corrente sobre a impontualidade dos brasileiros não se aplica ao ambiente de negócios, pois o empresário brasileiro é pontual e frequentemente
usa o celular para avisar qualquer contratempo que lhe impeça de chegar ao local no momento marcado.
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Quanto à vestimenta, deverá ser formal, com o uso de terno e gravata para os homens e roupas sóbrias para as mulheres.
O certo é que, se o senhor se houver com os escravos como pai, dando-lhes o necessário para o sustento e vestido,
e algum descanso no trabalho, se poderá também depois haver como senhor, e não estranharão, sendo convencidos
das culpas que cometeram, de receberem com misericórdia o justo e merecido castigo. E se, depois de errarem como
fracos, vierem por si mesmos a pedir perdão ao senhor ou buscarem padrinhos que os acompanhem, em tal caso é
costume, no Brasil, perdoar-lhes. E bem é que saibam que isto lhes há de valer, porque, de outra sorte, fugirão por uma
vez para algum mocambo no mato, e se forem apanhados, poderá ser que se matem a si mesmos, antes que o senhor
chegue a açoutá-los ou que algum seu parente tome à sua conta a vingança, ou com feitiço, ou com veneno.
Outro ponto cultural marcante no mundo dos negócios é a objetividade dos temas a serem tratados na reunião. Não se
deve estranhar, contudo, se, antes de iniciar o encontro, sejam feitos comentários leves sobre algum acontecimento
publicado pela mídia ou brincadeira social sobre o time de futebol dos presentes. Para o brasileiro, são formas de “quebrar o gelo”. Assim, é possível que o visitante tenha que fazer algum comentário sobre seu país ou algum fato relevante,
mas é importante ser breve, e tratar o assunto, se possível, com uma pitada de humor.
Nunca faça comentários sobre a política ou situação econômica, muito menos sobre eventuais temas do comércio exterior brasileiro com os quais não concorda, situação que pode levar a comparações inoportunas.
Você também receberá o cartão dos clientes. Pode-se dizer que, nesse momento, a reunião realmente começou. O
brasileiro batiza esse momento como o de “vender o peixe”. Assim, normalmente poucas perguntas serão feitas durante sua exposição, mas ao término da mesma certamente surgirão questionamentos sobre todos os aspectos do seu
produto, inclusive sobre os preços.
Muitas vezes o tema foge do comercial e passa para o social, com assuntos ligados ao futebol, carnaval ou às belezas
naturais do Brasil, mas isto é uma pausa estratégica, porque a conversa comercial voltará logo à tona.
Quem compra ou vende antecipadamente pelo preço que valerá o açúcar no tempo da frota, faz contrato justo, porque
assim o comprador, como o vendedor, estão igualmente arriscados. E isto se entende pelo maior preço geral que então
o açúcar valer, e não pelo preço particular, em que algum se acomodar, obrigado da necessidade de vendê-lo.
Se por acaso tiver que passar um final de semana na cidade, não espere ser convidado para frequentar a casa do seu
cliente. Porém, se isso acontecer, leve a visita mais pelo lado social, evite falar dos negócios em andamento diante
da esposa e filhos. Quanto às cores usadas no Brasil, não existem restrições de cunho cultural ou religioso. Os bons
costumes de um executivo internacional exigem compostura pessoal e profissional e seria ocioso mencionar que o
bom senso deve prevalecer, levando em conta os costumes comerciais e culturais. Entretanto, alguns comportamentos devem ser evitados, pois podem comprometer a visão que o cliente tem da empresa e inviabilizar o fechamento de
negócios, seguem os exemplos a seguir: não dar resposta imediata aos e-mails do cliente; prometer exportar quantidade superior à capacidade de produção; não enviar as amostras prometidas; mudar unilateralmente as formas de
pagamento combinadas; embarcar mercadoria com qualidade diferente da prometida; demorar na remessa dos documentos necessários; não dar satisfação quando os documentos estiverem discrepantes; não convidar o cliente a visitar
o País; falar mal do seu país ou do Brasil; não atender às eventuais modificações do produto exigidas pelo cliente; não
colaborar em casos de indenização do seguro; insinuar que corre risco de calote, se o pagamento não for efetuado com
carta de crédito; insistir no pagamento antecipado, alegando desconfiança; dizer que vai fazer um seguro de crédito, insinuando desconfiança; criticar as formalidades aduaneiras brasileiras; dizer que não gosta do idioma português; dizer
que as capitais brasileiras são caóticas; criticar a gastronomia brasileira, demonstrar temor exagerado em relação à
violência urbana no Brasil; elogiar exageradamente o seu país de origem, fazendo comparações com o Brasil.
Pelo que temos dito até agora, não haverá quem possa duvidar de ser hoje o Brasil a melhor e mais útil conquista, assim
para a Fazenda Real, como para o bem público, de quantas outras conta o reino de Portugal, atendendo ao muito que
cada ano sai destes portos, que são minas certas e abundantemente rendosas. E, se assim é, quem duvida também que
este tão grande e contínuo emolumento merece justamente lograr o favor de Sua Majestade e de todos os seus ministros no despacho das petições que oferecem e na aceitação dos meios que, para alívio e conveniência dos moradores,
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as Câmeras deste Estado humildemente propõem? Se os senhores de engenhos, e os lavradores do açúcar e do tabaco
são os que mais promovem um lucro tão estimável, parece que merecem mais que os outros preferir no favor e achar
em todos os tribunais aquela pronta expedição que atalha as dilações dos requerimentos e o enfado e os gastos de prolongadas demandas. Se cresce tão copioso o número dos moradores, naturais de Portugal, que cada vez mais povoam
as partes que antes eram desertas, ficando muito distantes das igrejas, é justo que estas se multipliquem, para que
todos tenham, mais perto o necessário remédio de suas almas. Pagando-se tão pontualmente a soldadesca que assiste
nas praças e nas fortalezas marítimas, não poderia deixar de sentir os que para isso concorrem, se com serviços iguais
não fossem adiantados nos postos. Se pelo seu trabalho tanto cresceram os dízimos que se oferecem a Deus, pede a
razão que os seus filhos idôneos não sejam pospostos nos concursos e provimentos das igrejas vacantes do Estado. E,
sendo comumente tão esmoleres com os pobres, e tão liberais para o culto divino, merecem ter a Deus propício na terra
e remunerador eterno no céu.
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Civilização como Barbárie
por Eduardo Baker e Julia Baker
Publicado na edição 16 da Revista GLOBAL (http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=1215)
Uma recente propaganda da empresa Petrobrás vinculada na mídia impressa mostrava uma representação aérea do Rio
de Janeiro na qual as favelas haviam sido digitalmente retiradas dos morros. Parte da população se manifestou contra
a presença de um grande número de favelas no Google Maps. Eco-limites e muros de contenção em algumas favelas
cariocas. Diversas comunidades sofrem ameaças de remoção por supostamente ameaçar o meio ambiente, mesmo não
apresentando nenhum crescimento relevante e já existindo há décadas, como o caso da Vila Autódromo, Santa Marta
e comunidade do Horto. Além dessas iniciativas radicais, a Prefeitura do Rio de Janeiro já tentou implementar outras
formas de mascarar as favelas como pintar todas as casas de uma única cor; uma espécie de Grécia perdida entre os
morros cariocas.
Apesar de já fazerem parte da paisagem urbana, as favelas parecem não existir no imaginário ideal do Rio de Janeiro.
Uma cidade imaginada como um oásis de praias e pessoas alegres tem que desvincular a sua imagem da pobreza e
sujeira. Por isso a extração deste habitat tão tipicamente carioca das paisagens quando queremos vender o Rio. Da
limpeza dos morros à limpeza das ruas.
Um suposto processo civilizatório avançando sobre os grupos vulnerabilizados. O progresso e o crescimento. As imagens não civilizadas de Pedro Victor Brandão apontam para o elo e a problemática que atravessam estes episódios da
nossa história recente e ainda em curso. A série Não Civilizada do artista simula passado imaculado invocado na imagem das montanhas virgens. A restauração de uma pureza fictícia e a denúncia da fabricação de um mito de origem.
Empreendendo manipulação semelhante à da gigante do petróleo, Pedro Victor aponta em outra direção. O Corcovado
sem Corcovado, O Pão de Açucar sem Pão de Açucar. O retirado é o componente civilizatório. Ausência que oculta.
Esconde famosas paisagens não sobrepondo a imagem original com outra superfície, mas retirando daquele espaço o
que o torna diferencial. Pasteurização do espaço comum frente à multiplicidade como ameaça. A homogeneidade como
meta.
A imagem original de um espaço natural pré urbanização é a imagem criada do que nunca existiu. É um ideal que
existe apenas no imaginário coletivo. A verdadeira natureza selvagem. Pensar em uma cidade de volta ao primitivo. A
não-cidade onde a presença do homem foi anulada. O olhar porém denuncia a existência do espectador. Aquele que vê
a imagem da série vê um cenário através do ponto de vista da câmera e adulterado pela manipulação daquele que a
operou. O homem tenta fabricar a ilusão da sua não existência, mas ela está lá. O ideal do espaço natural originário é a
apologia do ambientalismo contra o homem. A ficção de que o natural não é produzido e trabalhado pelo homem. Que
devemos restituir à Terra sua verdadeira face. A natureza não é natural e jamais pode ser naturalizada, diria Harman.
Este apagamento da contaminação da natureza pelo homem, apresentado por Pedro Victor, não é um ode ao estado
natural mas a denúncia desta ideologia que, baseada em um imaginário de retorno ao puro, defende o fim de alguns homens em prol da preservação de um mundo para outros homens. A série nos provoca à refletir acerca da relação entre
o discurso desenvolvimentista e certas práticas violentas e violadoras perpetradas por agentes públicos e privados em
nome desse lugar de fala.
A questão ambiental – cujo espaço na arte, economia e política vem crescendo – não pode ser analisada de forma
estanque e destacada, mas como plataforma através da qual podemos pensar sobre os diversos dilemas da vida contemporânea. Sem cair na falácia do capitalismo verde e afirmando a dimensão comum desta luta. O social colado ao
ambiental compondo um espaço de atravessamento. Questão ambiental como questão socioambiental – e não socioambiental. Sem hiato.
Como pensar o discurso do desenvolvimentismo através de sua incidência e seu ser incidido múltiplos e multitudinários? Desde o tratamento urbano das favelas cariocas até a construção de hidrelétricas no norte do país. Da restrição
cada vez maior à entrada de refugiados no Brasil à criminalização daqueles que resistem à implementação de indústrias poluidoras em suas comunidades.
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Stengers, em 2009, afirmou “não me perguntem que ‘outro mundo’ será possível… A resposta não nos pertence, pois
pertence a um processo de criação.” O não civilizado de Pedro Victor desnuda o embate ideológico que tenta ser ocultado pelos proponentes da solução desenvolvimentista ao apresentar a utopia (distópica) de um futuro tecnológico
sustentável por um lado e pelos defensores do encolhimento irrefletido da distopia (utópica) do futuro primitivo.
A série expõe a céu aberto as ranhuras destes discursos que circulam no nosso imaginário e inconscientes coletivos.
As formas de se ver e experimentar a questão socioambiental e a violência do discurso desenvolvimentista. Propõe às
subjetividades em resistência um agenciamento transversal e atravessador. (Re)articula a arte com a política menor.
No prefácio ao Mil Platôs de Deleuze, Massumi afirma que “um conceito é um tijolo. Pode ser utilizado para construir
um tribunal da razão ou pode ser arremessado em uma janela.” Acreditamos que a série Não Civilizada é como obraconceito que pode, e deve, ser arremessada contra as janelas espelhadas e opacas que tentam esconder de nós o
apagamento da nossa alteridade.
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Desvios na Paisagem
por Pedro Victor Brandão
Publicado na abertura da exposição Desvios na Paisagem
A exposição apresenta sentidos pictóricos a partir de alterações nos procedimentos do sistema fotográfico, trazendo
o olhar do público para paisagens criadas em tempos dilatados. Há o desvio do domínio do visível de seu aspecto objetivo. O conjunto de séries aponta para questionamentos sobre permanência, urbanidade seletiva, visibilidade, acaso
e a natureza manipulável da imagem técnica hoje. Os trabalhos foram desenvolvidos entre 2008 e 2012 e são parte de
uma pesquisa maior sobre os diversos processos de geração, construção e entendimento das imagens. A observação
do entorno se dá como processo contínuo e o uso da fotografia e seus dispositivos constroem campos de significação
entre visualidade e memória.
Duas das cinco séries mostradas levam em conta o acaso em seus motivos de criação. Dupla Paisagem é apresentada
aqui em três dípticos. Cada um deles compreende um lapso de tempo de dez anos, em que o ano inicial é a data da
captura da imagem e o ano final corresponde ao ano em que o filme foi revelado e teve suas cópias ampliadas. Nesse
período de latência, colônias de mofo foram cultivadas dentro das bobinas. Essa série é como um engenho contaminado
em que traços do passado são sobrepostos por essa variável biológica, produtora de resultados imprevisíveis: rizomas
nas paisagens-teste (lua ou sol, céu, encosta de morro, e alguns fotogramas velados) desfiguram totalmente o sentido
indicial, numa ocupação caótica planejada, mas não controlada.
Outro procedimento auto-organizado é utilizado para criar Vista para o Nada. Mostro duas imagens dessa série em que
a sugestão de paisagem pode levar o leitor a imaginar possíveis cenas. Não há nenhum instante retratado. A imagem
surge da interação de um líquido revelador entre um negativo e um positivo de filmes fotográficos instantâneos vencidos
e previamente velados pela luz. Com originais de 9x12 cm, paisagens químicas tomam dimensões fractais ao serem
ampliadas em até 1400%.
Do químico para o numérico, a série Não Civilizada também estreita os laços da fotografia com a pintura num momento
de realização liquefeita em bits. Em nove impressões quero lembrar que a arquitetura também tem seus prazos de
validade. São paisagens de um tempo que nunca existiu, ainda que seja verossímil. Qualquer traço de ocupação civilizatória é removido numa operação de ressíntese, compilada por um plugin; e aplicada como uma série de retoques em
que busco construir a visibilidade de uma ordem inexistente (tanto num passado não habitado ou num futuro distante,
já sem ruínas).
clock_gettime(CLOCK_REALTIME, &perf_tmp);
perf_edge_points -= perf_tmp.tv_nsec + 1000000000LL*perf_tmp.tv_sec;
// fill edge_points with points that are near already filled points
// that ensures inward propagation
// first element in pair is complexity of point neighbourhood
vector> edge_points(0);
get_edge_points(data_points, edge_points);
size_t edge_points_size = edge_points.size();
(Um trecho do código do algoritmo Resynthesizer)
Essa série reflete sobre a ordem urbana atual aplicada com o choque, definindo uma urbanidade sem margens, como
se todas as subjetividades tivessem que passar por um centro de operações. O uso e o entendimento dos espaços urbanos são condicionados à criação de uma imagem de estabilidade falsa, tão virtual quanto os retoques processados
digitalmente.
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Também pensando nos processos de apagamento, desenvolvo desde 2010 a série Curta, composta por fotografias não
fixadas e expostas à luz ultravioleta, partindo de uma investigação sobre perenidade e esgotamento de práticas sociais
persistentes no contemporâneo. O suporte fotográfico que se deteriora com agilidade serve como metáfora para a incerteza (ou desconfiança) dos conceitos impressos nele. Na imagem apresentada aqui abro o escopo dessa série
para a discussão sobre territórios especulados. Na imagem, temos uma vista do centro da cidade de dentro do canteiro
do obras do Museu do Amanhã, empreendimento importado como uma nave hipertecnológica que, quando estiver pronta, promete levar o espectador para o futuro ano de 2061. Este museu é icônico para a operação urbana consorciada
“Porto Maravilha”, atualmente tida como a maior parceira público-privada da América Latina.
A chamada “requalificação urbana” associa empreiteiras e um banco federal a várias esferas da administração pública
municipal e as novas características da região serão definidas exclusivamente pelo mercado imobiliário, levando em
conta a expulsão de moradores pobres para garantir a permanência frente ao mar de uma elite de novos moradoresproprietários, além de turistas extasiados que chegam de navio. Títulos de investimento imobiliário aquecem o mercado
numa legítima venda do espaço público, ao mesmo tempo em que novas ruínas se anunciam. Uma vez completamente
apagada, a imagem funciona como signo frágil do que foi um presente de comodificação de um território público.
Por último, exponho instantes de queda iminente, congelados em WYBINWYS (traduzido como “o que você compra não
é o que você vê”). Esse título vem de uma brincadeira com o acrônimo WYSIWYG (o que você vê é o que você obtém),
que em computação, caracteriza toda e qualquer interface de software amigável, em que a edição que um determinado
usuário faz na tela corresponde ao resultado final do arquivo. Atrás de uma película refratora aproveitada de monitores
quebrados estão cenas em que a força da gravidade é determinante. A película impede que as pequenas fotografias
sejam vistas de frente. Sem um esforço de visão periférica, um observador apressado pode somente perceber um suporte precário. Talvez haja aí uma negação ao poder de sedução da imagem para contestar seu lugar num mercado de
ambiguidades.
Todas as cinco séries criam uma demanda de leitura. Procuro verter tempos e espaços para confundir a pura objetividade fotográfica e apontar a desconstrução do instante. Deixando de lado as realidades que a fotografia poderia confirmar, junto com suas capacidades representativas, busco fazer o leitor atentar com mais cuidado para os defeitos e
qualidades sutis das imagens e dos imaginários que o cercam.
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Os novíssimos novíssimos
por Elvira Vigna
(http://vigna.com.br)
Publicado originalmente no blog Estudos Lusófonos (http://etudeslusophonesparis4.blogspot.com.br/), organizado por
Leonardo Tonus.
Fiz uma pergunta, com meus olhos, a cada um dos 22 artistas da Novíssimos, uma exposição anual organizada pela
galeria do IBEU do Rio de Janeiro há 42 anos. A pergunta foi sobre o futuro. Como eles viam e se viam, se é que viam
e se viam, eles e a arte, amanhã.
A pergunta não estava pronta. Foi se fazendo depois que entrei, ao ver um ou dois quadros ou vídeos, ao notar o bom
humor e a ausência de grandiloquência. Nenhuma. Zero.
Aliás, uma digressão. A Granta dos melhores jovens escritores brasileiros. No caso, em vez de 22, 20. E com um aposto
falso, marqueteiro, o geracional, somado a uma bazófia, seriam os “melhores”, o futuro da literatura brasileira e outros
ridículos. Nada disso aqui. Os Novíssimos do IBEU são de todas as idades e respondem à minha pergunta dizendo que
não se trata desse tipo de futuro, o de um pouco definido “sucesso”, mas o da garantia do jogo, da troca. Chamemos de
arte. Aceita-se a palavra significado. Linguagem. Jogar o jogo infinito da linguagem, eis o “sucesso” almejado.
Vou falar um pouco do que vi, começando pelo que mais gostei.
Alex Topini trouxe três vídeos. Num, a referência literária a Mário Quintana (“Todos estes que ai estão / Atravancando o
meu caminho. / Eles passarão. / Eu passarinho!”).
O “eu passarinho” vem escrito na camiseta de um cara comum (o artista) que fica lá, assobiando trinados. Com cara de
pobre, brasileiro a mais não poder. No segundo vídeo, Topini berra “artista!” para o nada branco e fica lá, mão em concha
no ouvido, tentando ouvir pelo menos um eco. O terceiro fala sobre o silêncio. Quer dizer, não fala. Cartazes apresentam
frases sobre o silêncio. As frases são banais, ele não se vende como um grande pensador, não é isso.
Sofia Caesar, formada em dança pela Angel Vianna, dança. Dança em silêncio dentro de uma sala burguesa, no espaço
pequeno entre mesas e armários, bibelôs, toalhinhas. Uma mulher que existe nos espaços pequenos que conseguiu
obter. O vídeo é em looping, o que aumenta sua força, é uma dança que não para, apesar de tudo e todos.
Alexandre Hypólito também faz, como Sofia Caesar, um comentário de gênero a partir de suas pequenas baionetas,
presas na parede. Uma delas carrega, à guisa de culhões, dois desses saquinhos de pano que, nas HQs infantis, estão
sempre cheias de moedas de ouro. A outra baioneta tem uma bolinha vermelha na ponta. Quase um nariz de palhaço.
A portuguesa (radicada aqui) Ana Carolina Druwe, desmancha, com tíner, imagens da cultura de massa. Faz o mesmo
que Moisés Crivelaro, com imagens da cultura de massa cobertas de uma tinta a óleo pesada, texturizada. Ambos se
afirmam, assim, como sujeitos que enfrentam um processo de desindividuação, que é o do consumo.
Também nessa lista entra Alexandre Rangel, que usa chiclete de bola para fazer lindo tapetinho cor-de-rosa, onde
gruda sua carteira escolar, ela também cheia de chiclete. O título também é bom: “Pequenas transgressões”.
Arthur Arnold pinta o tema, em vez de apontá-lo através da linguagem como seus três colegas recém citados. Seus dois
acrílicos de grandes dimensões, “Mary” e “John”, mostram um casal de meia-idade tomando sol com suas banhas e
seus objetos caros, tecnológicos.
Pedro Victor Brandão também denuncia a tentativa mercadológica de caracterizar a tecnologia como instrumento de
status, como garantia de alguma coisa. Mas, a meu ver, com um grau de sutileza e eficácia maior do que Arthur Arnold.
Faz o seguinte: na galeria, eis uma televisão de última geração com a tela quebrada. Nessa televisão, passam filminhos institucionais típicos de ambientes de alta tecnologia. Tudo asséptico, todos sorrindo, jovens de futuro levemente
estrangeiros, e tudo funcionando às mil maravilhas. Lá, no filminho. Mas a tela do computador que foi filmado coincide
com a tela da televisão quebrada onde passa o filminho que mostra tudo sendo tão perfeito e lindo. E você só pode rir.
Chama-se “A exaustão dos dêiticos” e vou voltar a esse título daqui a pouco.
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Nena Balthar também quer chegar lá. Sendo que seu “lá” nada tem de asséptico. Pelo contrário. Sua obra é um tríptico.
Três vídeos de alguém nadando, ponto de vista de quem nada. E nada e nada. Sem horizonte à vista. No segundo, o perfil
do Rio de Janeiro lá longe, a dar novo alento. No terceiro, é o prédio do Parque Lage (centro principal do estudo de arte
da cidade), o que o pobre nadador vê, entre uma braçada e outra, de dentro da água agora não mais oceânica, mas a do
laguinho retangular do edifício histórico. Para se chegar ao Parque Lage, muito esforço, muita água. E é isso o que ela
quer. Nenhuma máquina que funciona às mil maravilhas. Não. É um sonho do difícil, de prováveis fracassos, nenhuma
perfeição à vista. O da arte. Também gostei bastante.
Há os que apontam os limites da tecnologia “infalível” contrapondo-a a obsolescências, uns de forma mais irônica do
que outros. É o caso de Paula Scamparini e seus papeizinhos artesanais cortados, sujos, simples. De Bete Esteves e
suas duas máquinas hilárias, uma de frente para a outra. Fazem lembrar carrinhos de algodão doce. Fazem um “bum”
e soltam um anel de fumaça. Do tempo em que se fumava. Do tempo em que se fazia anéis de fumaça. É ainda o caso
de Jonas Arrabal, que ressuscitou um mimeógrafo. E de Maikel da Maia, que usa um carimbinho de galinha e com ele
sai carimbando paredes, suportes das obras e “livros de arte”. Em um deles, a galinha anda para trás, se o folheamos
rapidamente.
Quatro artistas buscaram a violência. Uma dessas violências é a atual, num assassinato encenado e fotografado (Elen
Gruber). Outra violência é medieval, na tortura feita em aguada sobre papel, cuja leveza de técnica teve o mérito de
reforçar o tema (Paul Setúbal).
Lucas Osório se filmou pixando as paredes de um túnel urbano. Luana Aires pôs em looping sua chegada a um porto
supostamente seguro, seu apartamento.
Pedro Moraes faz um exercício de perspectiva, pondo o quarto pé de uma cadeira como rastro no chão, o que a faz
desabar; Fabiano Devide, com formação em educação física, faz quatro figuras cansadas e bem pouco atléticas; Felipe
Fernandes se rende ao mercado com duas grandes telas em acrílico perfeitamente vendáveis; e a dupla de artistas
Nathalia Gonçales e Marina Murta revive Duchamp assinando-se “Mãe Duchampa”: o que ele seria se vivesse hoje.
Temos um dos pontos altos do humor do grupo nesse Duchamp assumido, transexual, a oferecer um passe, um descarrego, para “romper com as ervas daninhas” que prejudicam a criatividade. Talvez por uma módica quantia, talvez apenas
através da venda de incensos, oferecidos no local.
E volto ao dêitico. E ao artista que falta: Felippe Moraes. Sua obra é simples. Um tronco fino cortado ao meio no sentido
longitudinal. Dentro está escrito “1/2”. Ou seja, metade. Isso, em uma metade. A outra metade tem o mesmo “1/2”, mas
espelhado. Como se o tronco, antes de ser cortado, contivesse o seu futuro de tronco cortado, e já, humildemente, (se)
dissesse metade.
(Ou como se o “1/2”, aberto assim, uma metade espelhando a outra, fosse um fóssil. Um fóssil lá desde sempre, contendo, há milênios, sua afirmação, lá, para quando alguém o abrisse. E descobrisse: o fóssil, lá, presente no futuro, e
sabendo disso desde sempre.)
Não vou repetir aqui a perda da centralidade do humano. Ok, vou repetir: primeiro a terra a girar em redor do sol, depois
o lance da hereditariedade a partir do macaco, depois Freud, depois, ai, você sabe. Também não dá vontade de falar
sobre a viagem construtivista, sobre a tentativa de ordem e controle, a independência da obra de arte em relação a seu
contexto e entorno. Só vou dizer que, ao pôr as condições de significação, a sintaxe do artístico, junto com o “pronto”
artístico, com uma finalização exibida como temporária, esses artistas novíssimos são de fato novíssimos. No meu entender, estabelecer as condições de interpretação, os limites, “erros” e o funcionamento da obra, junto com a obra em
si, é a melhor e mais atual maneira de poder existir. Ou a única.
É um breque eficientíssimo contra o que Karl Marx (sorry) chamou de Entfremdung. Estranhamento. A nossa velha e
conhecida alienação dos anos 1960. Segundo ele, causada pela perda de capacidade da sociedade em produzir significado a seus membros. Culpa dos processos industriais do tempo dele ou dos tecnológicos, no nosso, mas com um só
remédio: empatia. Ou Einfühlung. Que só acontece quando há uma relação panteística (não só artística, não só tecnológica, não só nada, mas tudo junto, deslizando, deslocando) e uma confiança em algum tipo de futuro comum. Nunca
fixo, mas de jogo, das articulações infinitas do jogo.
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reverência, subversão - nove artistas e a velha tradição da gravura
por Pedro França
publicado pela ocasião do lançamento do álbum de gravuras [edições] | UM, editado pelo Estúdio Baren em parceria
com a Portas Vilaseca Galeria.
http://estudiobaren.com/
http://portasvilaseca.com.br/
1) meio
Eis por que esse texto é mais longo do que deveria ser: porque a gravura é, sempre foi, uma mídia de acúmulo – de
gestos, de matrizes, de autores, de referências. Mídia que remete às primeiras manifestações dos impulsos imagéticos
do homem; dos artistas que se eclipsaram com nobreza à sombra de seus mestres, copiando, preservando e divulgando
obras hoje perdidas (Marcantonio Raimondi, gravador de Rafael: “Por minhas mãos viverá sua ideia”). Mídia de gênios
anônimos, técnicos, impressores, alquimistas que transladavam imagens de um suporte a outro sem o gesto das mãos.
Mídia dos ladrões: o mesmo Marcantonio Raimondi foi certa feita acusado por Albrecht Dürer de duplicar e vender suas
xilogravuras, aderindo, inclusive, seu monograma ‘AD’ (os senadores venezianos permitiram que as cópias circulassem sem a assinatura do mestre alemão e, assim, foram os autores involuntários do primeiro ready-made). Mídias dos
marginais (Francisco de Goya não pôde ver em vida a impressão de seus ‘Os desastres da guerra’, gravuras que criticavam abertamente os franceses invasores e a monarquia restauradora que os vencera ). Mídia revolucionária (Japão,
União Soviética). Mídia de esquecidos: Urs Graf, Hendrik Goltzius, Osvaldo Goeldi). Mídia menor, a que igualmente se
devotaram ilustradores, artesãos, copistas, inventores, naturalistas, etc. Mídia do poder: das cédulas e moedas (Cildo
Meireles tentava pagar táxis com suas notas de zero cruzeiro), dos cartazes, dos manuais, da publicidade, das bíblias.
Mídia obsoleta, mídia da cozinha, por vezes banida do horizonte de nosso olhar. Híbrida, versátil, impura – como este
nosso mundo.
2) retratos (Pedro Meyer, Gabriel Giucci)
Os expressionistas alemães e a xilogravura: a brutalidade do gesto envolvido no trabalho da madeira buscava um barbarismo radical, que não estava apenas nas imagens, mas no próprio processo que as construía. A evocação do gesto
primitivo de talhar (que já havia sido reincorporado à tradição da pintura ocidental nos relevos em madeira de Paul
Gauguin e pelas gravuras de Edvard Munch) reforça a ação individual (a singularidade do gesto, a crueza da técnica)
como estratégia de resistência ao mundo maquínico e massificado que os cercava. No Brasil, Lasar Segall e Osvaldo
Goeldi foram artistas que se formaram no convívio com os meios vanguardistas (ambos recebendo influência direta, na
Europa, do grupo expressionista Die Brücke). Da vivência de um continente marcado pelo trauma da Primeira Guerra,
ambos trouxeram para o Brasil uma concepção artística que, aqui, desenvolveram de forma madura e emancipada.
Será possível filiar a essa tradição (expressionista) a obra de Pedro Meyer? Pode ser – afinal, se conhecemos um pouco
do trabalho do artista, vemos que seus desenhos de grupos e multidões (turmas de escola, torcidas em estádio, etc.)
atualizam estratégias expressionistas, como a saturação exagerada dos matizes e a diluição da forma em gestos fluidos. No entanto, sua manipulação deste repertório é frequentemente irônica, como no retrato, em estilo ‘primitivo’, do
curador alemão Hans Ulrich Obrist. Nesta edição, Pedro Meyer reafirma seu interesse pela manipulação de repertórios
tradicionais e pela discussão sobre o retrato. Para tratar de um meio que produz obras essencialmente múltiplas, Pedro
acumula uma diversidade de matrizes. Cada uma delas, parecendo uma imagem singular, é na verdade uma interpretação gráfica e pictórica de imagens de perfis do Facebook (rede social cujo nome evoca galerias de retratos, livros de
formatura, etc.). Se a encantadora agilidade com que o artista dá conta de cada um desses pequenos autorretratos
remete à tradição do desenho moderno, também podemos interpretá-la como um comentário sobre a velocidade com
que essas imagens são produzidas, recebidas e descartadas. E se essa atitude múltipla, ao dizer algo sobre a circulação
de imagens no mundo contemporâneo, tende a diluir a ideia do retrato, talvez seja possível inscrevê-la na tradição do
retrato de multidão (Daumier, Lumière, Glauber, Boltanski) que o nosso mundo de matrizes individuais parece ter esquecido.
Interessante comparar a atitude de Pedro Meyer com a de Gabriel Giucci, que, minucioso e econômico, apresenta um
singelo retrato de uma menina japonesa (a figura repete o tema de sua série de desenhos mais conhecida). Nova-
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mente, temos uma imagem tomada do mundo e retrabalhada manualmente para, em seguida, reencontrar o processo
mecânico da gravura. Gabriel acentua a presença singular da imagem de duas formas: primeiro, pela minúcia do traço,
e segundo, pela composição radical da gravura, que coloca a imagem no centro do papel, flutuando em uma grande área
branca. O perfil em três quartos, o pequeno tamanho e a utilização da gravura em metal parecem remeter às gravuras
de Rembrandt, mas lembram, sobretudo, os simples retratos domésticos, usualmente guardados em portarretratos
ou em estojos, tão comuns nas casas burguesas do século XIX. Assim, Pedro Meyer e Gabriel Giucci apresentam duas
formas distintas de lidar com a tradição do retrato.
3) papel de parede (Antônio Bokel, Alê Souto, Pedro Sanchez).
No início do século XX, os surrealistas transformaram a tradição da cópia (dos grandes mestres), que vigorava desde o
Renascimento, em uma outra, de apropriação de imagens tomadas do mundo. Já no início do século XX, Marx Ernst e
outros viram a gravura como uma forma de justapor signos pilhados do amplo repertório visual produzido pela indústria: revistas e jornais, romances ilustrados, manuais técnicos, rótulos, cartazes, cópias fotográficas, etc. O roubo e a
ressignificação de imagens (que os situacionistas depois chamariam de ‘desvio’) eram uma forma de desestabilizar os
sentidos produzidos pela indústria e pelo mundo burguês. As tendências pop dos anos 60, respondendo a um mundo
inflado por imagens em circulação acelerada, radicalizaram essas estratégias. Robert Rauschenberg, por exemplo, foi
um profundo conhecedor dos vários processos gráficos, os quais utilizava amplamente e de forma híbrida. Em suas
grandes pinturas, onde processos mecânicos dialogavam com interferências manuais, Rauschenberg concebia o suporte como uma espécie de papel mosca, no qual imagens em circulação no mundo pareciam se fixar de forma aleatória e
não hierarquizada. Dito de outra forma, as superfícies de Rauschenberg têm vida semelhante à dos muros de rua, cujo
aspecto é definido pelo acúmulo randômico de informações de origens variadas (intempéries, fuligem, pisos, rabiscos,
colagens e recolagens de cartazes, etc.). Este tipo de abordagem da superfície influenciou muitos artistas cujas obras
oscilavam entre o espaço expositivo e o contexto urbano, de Jean-Michel Basquiat a Banksy.
O repertório das obras de Antônio Bokel e Alê Souto nasce justamente do convívio com essas superfícies mutantes,
urbanas, saturadas de marcas, traços e rastros, sedutoras do nosso olhar passante, essas gravuras prontas no mundo.
Alternando trabalho de ateliê com ações no espaço público, Bokel parece sempre buscar a tensão entre a lentidão do
fazer e a velocidade de recepção. Suas imagens podem ser percebidas com velocidade publicitária, mas acumulam em
sua origem processos e tempos diversos. Rastro, gravura incluída nesse álbum, é um belo exemplo desta estratégia:
são processos diversos (água-forte, água-tinta, escrita, mancha, linha, etc.) que se sobrepõem de forma sofisticada
para criar uma composição que nosso olho apreende de imediato.
Alê Souto, com uma figuração que aproxima abstração geométrica e linguagem de quadrinhos, produziu uma série de
obras a partir de um mesmo conjunto de matrizes: um muro em primeiro plano com edifícios ao fundo e, sobre a imagem, em letras garrafais, a palavra ‘METRÓPOLE’: as intervenções e tratamentos variados sobre esta base constante
sugerem percepções cômicas e trágicas, reforçadas por títulos como A Metrópole que desapareceu quando seu recheio
foi retirado e vendido por bom preço ou A Metrópole que em uma noite fria submergiu em um maremoto cinza. Criando
narrativas que reagem a diferenciações processuais, Alê atualiza a discussão sobre diferença e repetição inerente aos
processos mecânicos.
Também faz sentido afirmar que as obras de Pedro Sanchez encontram-se filiadas a uma matriz pop da arte contemporânea – pensemos nas imagens de tênis que o artista aplica na rua. No entanto, é um jogo inteligente entre os
processos históricos e seus significados o que dá singularidade à obra que vemos aqui. Se, na rua, um olho curioso se
aproxima das intervenções do artista, não encontra a retícula familiar do offset de lambe-lambes e outdoors, mas uma
cor mais lisa, ou ativada por veios de madeira, e cujos limites parecem recortados à mão. Trata-se, de fato, de grandes
xilogravuras: o artista utiliza a técnica favorita dos expressionistas para reproduzir ícones do consumo a partir de imagens encontradas na internet, invertendo a vocação intimista historicamente associada a este procedimento. Para esta
edição, Pedro desenvolve sua gravura a partir da reprodução fotográfica de uma xilogravura colada na rua e, assim, ao
invés de nos oferecer uma versão ‘doméstica’ de suas obras, apresenta a memória (gravada) da situação em que essas
imagens encontram sua força: na rua, onde sua delicadeza é violentada pela sujeira, pela chuva e outros gestos.
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4) homenagens (Iuri Casaes e Amador Perez)
A gravura foi, historicamente, um meio pelo qual artistas homenagearam, copiaram e plagiaram seus heróis. Neste álbum, dois artistas de gerações diferentes, habituados a trabalhar com a mídia impressa, parecem atuar nessa tradição:
Iuri Casaes e Amador Perez.
A obra de Iuri Casaes é exemplar do caráter democrático da gravura – de sua capacidade (historicamente construída)
de reunir e fundir repertórios e contextos artísticos diversos. É a partir dessa desierarquização que vemos, em várias de
suas séries de impressões, usos do desenho que remetem tanto ao universo erudito da história da arte como, também,
aos quadrinhos e às gravuras populares. Em episódios da ‘História de uma serviçal que enlouquece’, série de gravuras
em metal, vemos reunidas referências a Goya e Picasso, mas também às gravuras populares mexicanas (lembremos
da obra de José Guadalupe Posada, grande cronista de sua época, que ajudou a consolidar, com suas gravuras de ácido
humor político, as tradicionais imagens das caveiras bem vestidas, associadas às festas do Dia dos Mortos). A protagonista desta série é um híbrido de mulher e bode, que reaparece em Garota Minotaura, presente neste álbum. Maja ou
Olympia contemporânea, Tauromaquia de bordel, com traços grosseiros de cartum, a Garota Minotaura (note-se de
novo que é uma cabrita) parece trazer ainda uma outra referência, muito bem vinda nesta coleção e que faz jus à história
de nossa arte: a tradição da xilogravura popular, vinculada com frequência à literatura de cordel (Juazeiro do Norte, Lira
Nordestina) e que conheceu grandes mestres, como José Bernardo da Silva e José Lourenço.
Amador Perez é, reconhecidamente, um professor generoso e motivador, como inúmeros artistas, designers e ilustradores (alguns dos quais contribuem para este álbum) não cansam de reconhecer. E Amador é, sobretudo, um grande
artista, de pesquisa minuciosa e quieta, investigador quieto do mundo da imagem. Se, inicialmente, o repertório manipulado por Amador vinha sobretudo de jornais e revistas, sua pesquisa nos últimos anos tem como objeto quase
exclusivo a história da arte. Nestes trabalhos, a reprodução mecânica e a cópia clássica se misturam, fundindo-se igualmente a investigação crítica sobre a circulação de imagem e a homenagem delicada aos seus heróis. Sua sensibilidade
e temperamento ecoam nas referências a nomes como Morandi, Almeida Júnior, Goeldi e Vermeer, artistas de obras
lentas e rigorosas, e que experimentaram, de formas distintas, a penumbra da história. Seu processo de trabalho a
partir das imagens de que se apropria envolve o redesenho, os gestos violentos de corte e seleção e a reinserção desses
elementos num caleidoscópio gráfico vertiginoso. O mundo da representação, enclausurado em si mesmo, expande-se
infinitamente dentro de seus estreitos limites por meio da manipulação de técnicas como aquelas do Bolero, de Ravel,
ou dos Wall Drawings, de Sol LeWitt. Os elementos da imagem parecem flutuar livremente pelo espaço, reorganizandose com inteligência própria e gerando matrizes de infinitas outras obras.
Nesta edição, Amador apresenta uma das suas inúmeras variações sobre a obra Christina’s World (1948), do pintor
Americano Andrew Wyeth. A personagem do quadro é inspirada numa vizinha do artista, que sofria de poliomielite
– doença que paralizara a parte de baixo do seu corpo. Christina está reclinada num campo de vegetação típica do
meio-oeste americano, olhando à distância para um celeiro e uma casa de fazenda que aparecem inalcançáveis no
horizonte. Apesar da extensa paisagem, sentimos o enclausuramento físico e psicológico da personagem. Talvez tenha
sido este sentido de limite que tenha interessado Amador: ao abordar o quadro de Wyeth, o artista traça eixos e divide
o corpo aleijado de Christina em dois. O celeiro para onde a moça olha circula pelo plano: serve de apoio para as mãos,
sobrepõe-se à cabeça, etc. Variações sobre espaço, distância, solidão.
5) abstração (Ana Freitas e Pedro Victor Brandão)
Estes são os dois artistas cujas contribuições para este álbum passam mais próximas da abstração. Ana Freitas talvez
tenha produzido a única gravura de fato abstrata do conjunto. Seu trabalho, essencialmente processual, surge a partir
da relação diária com o caderno: anotações, esboços, ideias. Por vezes, tornam-se objetos: um caderno que contém as
suas próprias cinzas (a bela ideia de um corpo que é urna de si) ou um livro de páginas em branco encardenado com as
mãos sujas – as manchas em cada página constituindo a memória involuntária do gesto de cortar, colar, costurar. Em
ambos os casos, um curto-circuito nos aprisiona dentro do objeto, como um cubo de espelhos – limite estreito dentro
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do qual é possível expandir-se infinitamente. A gravura que Ana apresenta neste álbum é baseada em inúmeros estudos
que a artista fez em seus cadernos, tensionando geometria e cor e explorando suas possibilidades mútuas de contenção
e expansão. A técnica da água-tinta que ela emprega parece uma solução muito feliz para esta investigação: além de
uma mesma matriz poder ser trabalhada com inúmeras tonalidades diferentes, vemos que há algo da ordem do acaso,
inerente à técnica, que testa a estrutura da composição ao ameaçar corroê-la.
Já Pedro Victor é um artista acostumado a trabalhar com mídias obsoletas: particularmente, com processos fotográficos analógicos, hoje à beira da extinção (chacina técnica promovida pelo mercado, e não por seus usuários.). Lembrome do primeiro de seus trabalhos que vi: um pedaço de rolo de papel fotográfico, sensibilizado e exposto às intempéries,
no terraço da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Estudo: luz, forma e conteúdo, 2006). Ali, o suporte fotográfico
era utilizado em seu estado bruto – objetual, desengonçado, concreto, não estético, a produzir uma imagem residual,
imagem-ruína, imagem-lama, não fixada e em permanente modificação. Em imagens produzidas com filmes vencidos (Dupla paisagem, 1999-2009), as paisagens registradas pela câmera convivem com outras descrições espaciais
aleatórias criadas pela química envelhecida. Numa série de fotografias feitas na Escola de Artes Visuais (Alicerce infiltrado, 2010), detalhes arquitetônicos revelam o líquen úmido e colorido que toma a superfície de cantos e pórticos
– fenômeno biológico que rima com os acidentes de laboratório, com os filmes mofados… ou a decomposição química
de uma foto Polaroid, que o artista utiliza para produzir as impressionantes abstrações da série ‘Vista para o nada’, de
2008 (imagens autocriadas, líquidas, como é o próprio processo fotográfico tradicional, à diferença da tecnologia ‘seca’
digital, confirmações poéticas da antiga teoria da geração espontânea).
Dessas experimentações, nasce o projeto da gravura Caminhada ao Monte Graw. O título é uma referência à obra de Isabelle Graw, teórica e historiadora da arte, cujo último livro, High Price, discute as relações entre a arte contemporânea,
a lógica de mercado e o sistema de celebridades que rege a cultura em geral. A partir de processos fotográficos, Pedro
transforma uma página de um de seus livros em uma paisagem abstrata, cuja escala monumental é dada ao pequeno
grupo de turistas que começa corajosamente a exploração do Monte Graw. Aqui, a convivência entre imagem indicial (os
turistas) e processo químico (o monte), já presente nas outras séries do artista, parece uma sutil piada sobre a morte e
a sobrevivência das mídias.
Sabemos, afinal, que, precisamente no momento em que se tornam obsoletas (esquecidas pelo uso cotidiano, desempregadas pela indústria), as mídias revelam a sua dimensão utópica. E talvez seja isso mesmo que esse álbum ajuda
a mostrar: que, afinal, nesta ‘velha coisa, a arte’ (Gombrich), não existem meios obsoletos ou agendas antigas. Num
mundo dominado pelas agendas de mercado, a cultura é a regra, e a arte, exceção, resistência.
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A GRANDE ONDA
Por Raphael Fonseca
Entre 11 de outubro e 6 de novembro é realizada a exposição “Pintura antifurto”, de Pedro Victor Brandão, na Casa
França-Brasil, no Centro do Rio de Janeiro. Trata-se de mais uma edição do projeto Ocupação Cofre em que artistas
contemporâneos de diferentes gerações lidam com o espaço destinado ao cofre do edifício projetado por Grandjean de
Montigny, um dia parte da Praça do Comércio e sede da Alfândega do porto carioca.
O trabalho do artista, em primeira instância, se diferencia de ocupações anteriores devido ao seu diálogo explícito com
a história de nosso patrimônio. Desde a porta é possível ver um retângulo (56x156cm) à altura do espectador e que dá
conta do espaço horizontal da parede frontal. Ao se olhar de perto percebemos que quatro fileiras de imagens de notas
de Real dão corpo à forma geométrica. Vinte e quatro notas em cada linha. Magenta e branco dão os tons deste mosaico.
Abaixo há uma bancada onde estavam à disposição do espectador, desde o dia da abertura, uma série destas notas.
Agora lidamos com o vazio tal qual o branco desta “bandeira” de notas de vinte e cinquenta reais. A volta recodificada
da moeda ao espaço (fantasmático) sagrado do cofre e agora destinado à arte contemporânea.
Podemos interpretar esse trabalho através da relação entre arte e política. Pedro Victor pôde fotografar individualmente
notas manchadas pelo “líquido antifurto” presente em alguns caixas eletrônicos. Na tentativa de se violar a estrutura
da máquina, geralmente com a utilização de explosivos, é liberado um líquido de cor magenta que impregna o papelmoeda e, por consequência, devido à determinação recente do Banco Central, o transforma em mero papel. A imagem
do objeto resultante de um crime é transformada em arte. Aquilo que legalmente não tem mais valor financeiro volta
ao seu estado inicial; elevado ao estatuto artístico, novamente poderá vir a ter valor, mas já dentro do mercado da arte.
Somando à ironia deste imagem, o artista permite que o público leve para casa, gratuitamente, uma partícula do mosaico. Estes espectadores se tornam colecionadores e, devido à não reposição diária destes exemplares (assinados e
serializados em seu verso), podem já especular sobre os valores possíveis para suas pequenas obras de arte.
Por quais outras vias de acesso, porém, podemos ler esta exposição? Retornemos a seu título: “pintura antifurto”.
Existe alguma pintura exposta aqui? Não, temos o registro fotográfico destas notas que foram pintadas não pelo acaso
(visto a intenção da violação), mas de modo “aleatório”. Esta obra foi construída de modo colaborativo; foi necessário
existir um roubo para que estas notas fossem manchadas. Os modos como os caixas foram violados são proporcionais aos diversos tipos de pintura magenta. Há uma espécie de tensão entre fotografia e pintura, técnico e “artesanal”
(apenas no título pictórico e não no ato, já que é uma máquina que a realiza, mesmo que acionada manualmente por
humanos). Após realizar os cliques fotográficos, Pedro Victor teve um trabalho de curadoria: escolheu as imagens que
dariam corpo à sua instalação e sobre estas explicitou o contraste entre mancha e nota em estado bruto. Deste modo,
sobre a parede da galeria temos o embate entre a cor e o vestígio da morte da nota. Os ossos ainda se deterioram, mas
isso não faz muita diferença; o cadáver já está exposto.
Formalmente, a organização destas áreas brancas, que remetem a camadas de uma mesma imagem, como se alguém
houvesse rasgado sua superfície, faz lembrar a pintura do chamado “expressionismo abstrato”. Uma “desorganização
organizada” e um peso pensado para as cores vistas, dentro deste recorte histórico, pontualmente na obra de Clyfford
Still. Estalactites, montanhas ou uma fábula? Enfim, paisagem. O caráter horizontal da imagem contribui com esta
apreensão. Seu formato dialoga diretamente com o da pintura de paisagem clássica, monumental ou privada, mas sempre com a intenção de ser uma janela e mostrar ao público a extensão de um espaço, seu panorama.
Tal modo de construir a visualidade foi recebido e configurado pela ainda incipiente fotografia durante o século XIX. De
um Victor para outro. Uma das fotografias feitas por Victor Frond, posteriormente transformada em litografia para o
livro “Brasil Pitoresco” (1858-1861), representa um panorama da “Entrada da Baía de Guanabara”. A imensidão do céu,
a discreta, mas exuberante paisagem tropical carioca e embarcações enfileiradas a se aproximar, possivelmente, do
Porto do Rio de Janeiro. E onde é realizada a exposição de Pedro Victor Brandão? Justamente no edifício em que um
dia a Alfândega desse mesmo porto era sediada. Assim como os caixas eletrônicos e bancos, os portos também são espaços de troca financeira. Nesse sentido, as notas avulsas oferecidas pelo artista se transformam em pequenos cartões
postais de sua (agora) paisagem fictícia. A natureza carioca é iguamente antifurto; qualquer tentativa de registro dela
sempre será mero indício, assim como estes fragmentos de papel fotográfico. Do olhar estrangeiro e exotizante de um
artista sobre uma cidade para a visada sobre o status quo da violência e economia no porto seguro de outro fotógrafo.
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Na parte de baixo da imagem central de “Pintura antifurto” o contraste se dá de modo pontual: pequenas “manchas
brancas” ao lado daquilo que realmente é a área manchada; acima, um contraste mais intenso dado pela extensão
contínua de branco. A areia molhada pelo encontro da água e uma grande onda que se anuncia entre o horizonte e a
margem. Micos deixam de ser dourados, onças tem suas pintas apagadas. Não há mais espaço para a apreensão tranquila da Baía de Guanabara. É preciso nadar contra a maré, subir nesta grande onda e impedir que ela se transforme
em um maremoto social.
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Transcrição > Bernardo Mosqueira @ Casa França-Brasil (mesa redonda sobre a Pintura Antifurto)
20.10.2011
No dia 20.10.2011 a Casa França-Brasil promoveu a mesa redonda sobre a Pintura Antifurto, realizada dentro na Ocupação Cofre, pela qual artistas mostram seus trabalhos numa sala de 2,40m² sem função definida desde a transformação em Centro Cultural desta construção que a partir de 1820 funcionara como a primeira Praça do Comércio da
cidade. Participaram Marcelo Neder Cerqueira, cientista político; Bernardo Mosqueira, curador independente; e Pedro
Victor Brandão, artista visual. Esta a transcrição da fala de Bernardo.
Bom... Boa noite, antes de qualquer coisa, eu gostaria de agradecer à Casa França Brasil por esse espaço maravilhoso
e por ter reconhecido esse espaço ao Pedro. Gostaria de agradecer vocês que vieram ouvir o brilho desse menino, a
genialidade desse outro menino, Marcelo, e os absurdos que eu falo. E, principalmente, queria agradecer ao Pedro pelo
convite de estar aqui. É uma puta honra estar aqui falando sobre esse artista que eu acredito ser dos mais relevantes e
interessantes e bem situados dessa geração de artistas brasileiros.
Acredito que, antes de discorrer sobre o esperado, preciso localizar, pra quem não sabe, o lugar de onde falo. Não tenho
pretensão nem intenção alguma de simular a posição de cientista, analista ou crítico imparcial e impessoal “das artes”.
Pra mim, na verdade, não seria difícil falar sobre o trabalho do Pedro. Pedro é um grande amigo, generoso, com quem
eu aprendo constantemente, de cujos trabalho e pessoa eu tenho proximidade e, por quem eu nutro um certo tesão.
E é desse ponto que eu falo.
Mesmo assim, por essas incoerências que me são estruturais, eu trouxe três ou quatro pequenos recortes de textos pra
guiar essa conversa. Ah, e pra quem não soube, também, eu estou abrindo, nessa data (hoje), uma curadoria no Sérgio
Porto (KHAZA, de Claudia Hersz) e todos estão super convidados a estarem junto, na sequência daqui, umas oito e meia.
Bom... vou começar a fala citando uma conversa que tive com o Pedro e com Maíra das Neves em que nos perguntávamos “O que pode a arte?”. Atenção: Não era “o que é arte”, “o que pode ser arte”, nem “quem pode fazer arte”. A
pergunta era (e é) “O que a arte pode?”, “O que pode a arte?”. Eu não pretendo responder a essa pergunta aqui, porque
não estou em lugar de responder, mas mais de questionar, indagar e incitar processos de reflexão.
Pois, neste trabalho de Pedro, o que a arte pode é exatamente incitar processos de reflexão.
Então, a primeira leitura da noite: é do mestre Drummond: o livro é “o sentimento do mundo” (que é dos melhores dele)
e o texto, a poesia é
Mundo Grande
Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
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as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
– Ó vida futura! Nós te criaremos.
Drummond é um poeta que se equilibra entre a completa descrença no... do homem e a intensa fé de que o homem
pode, de que o mundo pode, de que o homem pode o mundo, de que o homem pode o mundo modificar.
O poema começa com alguém que percebe que o próprio coração não é maior que o mundo, que seu coração é muito
pequeno, que grande é o mundo. Mas, com o tempo, esse alguém percebe que o mundo cresce sem parar e, por isso,
não cabe no coração. Mas, por fim, ele entende que, assim como o mundo cresce entre o fogo e o amor, o coração também pode crescer entre a vida e o fogo. Então, o coração cresce. Até que explode e transforma coração e mundo numa
coisa só. Assim, ele termina, afirmando que “Ó vida futura, nós te criaremos”.
Esse trabalho de Pedro sobre o qual estamos aqui pra falar, é um sensibilizador. Já seria um sensibilizador simplesmente por assinalar uma estrutura de poder que é cruel, mas o faz em duas esferas. Em um nível de profundidade
médio, mas de efeitos mais imediatos, ele (“denunciar” não é uma verbo bom) nos faz perceber ou realizar em consciência as marcas de uma estrutura de poder que é cruel, que defende a propriedade e não a vida. Seria uma espécie
de posicionamento “específico”, falando da questão das notas tingidas em casos de explosões, de roubos e de aumentos
de caixas eletrônicos etc.
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Mas em um nível mais profundo, esse trabalho atinge algo de radical no capitalismo e, por isso (“antena da raça”) Pedro
se mostra ponta de uma geração que vê o mundo perceber a impossibilidade de prosseguimento de vida com a ideologia
que é hegemônica.
“O dinheiro tomou valor objetivo” diz o livro “economia no alcance de quase todos”.
O dinheiro se tornou objeto perigoso de desejo. E não falo isso como bom franciscano que é todo brasileiro: estou longe
de defender a pobreza como método e o sofrimento como fonte de pureza. Caguei pra pureza.
Eu falo de um tipo de justiça que não é de deus, mas não dOS homens. Falo e defendo a justiça DE homens. Quem rasga
dinheiro, comete crime contra o patrimônio da União. Que patrimônio da união? A gente vive numa sociedade que é
montada pra proteger a propriedade privada. Desde o inicio, como conta Engels n “A origem da família da propriedade
privada e do estado”.
Mesmo Os 10 mandamentos – esse importante código moral do ocidente – podem ser resumidos em apenas uma lei:
“não tirarás o que é do outro”, a mulher, o poder, a coisa, o dia, a verdade, etc.
O que Pedro faz atrelando o preço deste trabalho a uma moeda esquisita virtual quase incompreensível, corrente, sem
lastro e sem bolsa centralizada de valores (mas existente) é exatamente assinalar o fato de que essa não é uma solução,
mas que é preciso fazer a mente e o senso crítico habitarem um lugar que não tem como naturais as incongruências
desse sistema torto. O Zizek diz que conseguimos, há muito, fantasiar o fim do mundo, mas não conseguimos pensar
o fim do capitalismo. É possível a não existência do dinheiro. É possível um novo modo de convivência, de criação, de
produção, de habitação... Um novo modo de ser ou de se ser.
Queria ler um outro Drummond que surgiu da vida como I-Ching. Porque a vida é isso, né? I-Ching, trabalho e tesão!
Morte do Leiteiro
Há pouco leite no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há muita sede no país,
é preciso entregá-lo cedo.
Há no país uma legenda,
que ladrão se mata com tiro.
Então o moço que é leiteiro
de madrugada com sua lata
sai correndo e distribuindo
leite bom para gente ruim.
Sua lata, suas garrafas
e seus sapatos de borracha
vão dizendo aos homens no sono
que alguém acordou cedinho
e veio do último subúrbio
trazer o leite mais frio
e mais alvo da melhor vaca
para todos criarem força
na luta brava da cidade.
Na mão a garrafa branca
não tem tempo de dizer
as coisas que lhe atribuo
nem o moço leiteiro ignaro,
morados na Rua Namur,
empregado no entreposto,
com 21 anos de idade,
sabe lá o que seja impulso
de humana compreensão.
27
E já que tem pressa, o corpo
vai deixando à beira das casas
uma apenas mercadoria.
E como a porta dos fundos
também escondesse gente
que aspira ao pouco de leite
disponível em nosso tempo,
avancemos por esse beco,
peguemos o corredor,
depositemos o litro...
Sem fazer barulho, é claro,
que barulho nada resolve.
Meu leiteiro tão sutil
de passo maneiro e leve,
antes desliza que marcha.
É certo que algum rumor
sempre se faz: passo errado,
vaso de flor no caminho,
cão latindo por princípio,
ou um gato quizilento.
E há sempre um senhor que acorda,
resmunga e torna a dormir.
Mas este acordou em pânico
(ladrões infestam o bairro),
não quis saber de mais nada.
O revólver da gaveta
saltou para sua mão.
Ladrão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada
liquidaram meu leiteiro.
Se era noivo, se era virgem,
se era alegre, se era bom,
não sei,
é tarde para saber.
Mas o homem perdeu o sono
de todo, e foge pra rua.
Meu Deus, matei um inocente.
Bala que mata gatuno
também serve pra furtar
a vida de nosso irmão.
Quem quiser que chame médico,
polícia não bota a mão
neste filho de meu pai.
Está salva a propriedade.
A noite geral prossegue,
a manhã custa a chegar,
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.
Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
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duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.
O leite branco e o sangue vermelho que, em mancha, fusão, formam um terceiro tom. A que chamamos aurora. Aurora –
período antes de nascer do sol, quando este não é visto, mas já ilumina parte do céu. Uma espécie de Zaratustra, sabe?
Essas notas sangradas apresentam a mancha, a mancha que denunciaria um crime contra a propriedade privada.
Esse trabalho de Pedro é a mancha, a mancha que assinala que não estamos parados, que gente é pra brilhar, que nada
é natural. Esse trabalho de Pedro não diz o que virá, mas, no iluminado horizonte que nos revela, somos capazes de ver
que a grande mudança está a vir. Esse trabalho de Pedro é a Aurora.
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A Pintura Antifurto de Pedro Victor Brandão: política como arte no contexto de crise econômica
mundial
por Marcelo Neder Cerqueira
Quando saiu a Pintura Antifurto de Pedro Victor Brandão eu pensei: “acertou mais uma”. Digo “acertou”, pois creio
ser também tarefa do artista estar atento às transformações do tempo, não só da crônica do dia-dia, mas dos fluxos
históricos e dos processos mais longos de transformação que conduzem cada instante. Uma obra de arte, seja qual for,
sempre vive no presente e para o futuro. Lugar de artista não é na montanha, isolado. Imanência é seu princípio, que,
assim como a vida, segue na morte, na constante experiência de transformação. Saber se colocar no campo, decifrar
os movimentos a cada novo instante, intuir o movimento da bola; são inúmeras as metáforas do futebol que expressam
sua prática na condição artística. A chave está na leitura do tempo e do espaço; e no como agir no correr do instante face
esta leitura. O futebol transpira a dialética maquiaveliana entre fortuna e virtú. A Pintura Antifurto de Pedro Victor também reúne essa qualidade. Para Maquiavel, a política deve ser entendia como arte – esta talvez seja a chave de leitura
mais aguda que ainda hoje produz tanto desconforto aos centros hegemônicos de poder empapados de teologia-política.
Não estou assim no mesmo diapasão dos que pensam uma “arte verdadeira” como fantasia de eternidade ou perenidade; como elevação ou descoberta de um espírito ontológico, que vive acima ou fora do tempo. O que leva a duração
ou a força de um discurso artístico – que se realiza pela experiência sensível – não está em alguma espécie de vitória
sobre a morte, senão o contrário: na sua vivência íntima e constante; quer dizer, uma condição tal onde a própria ideia
de vitória ou derrota parece perder o sentido: o que vale é a travessia.
“Acertou mais uma vez”. Não digo isso simplesmente pela situação curiosa promovida pela onda de assalto a caixas
eletrônicos, que, afinal, está na origem da apropriação estética de Pedro e de alguma forma veicula e multiplica oportunamente o seu discurso. A nota manchada de rosa pelo chamado “dispositivo antifurto”, como alternativa irônica promovida pelas agências bancárias para uma questão social muito mais complexa, desorienta a multidão. Não só porque
não resolve o problema, ou porque implica o risco de se perder o dinheiro, mesmo agora sendo as agências bancárias
obrigadas a trocar imediatamente as notas manchadas. A ironia está na denúncia contingente do caráter virtual do
dinheiro; na demonstração nua e crua do elemento de crença que força o consentimento e o aceite da sua violência.
Aquele mesmo dinheiro que possivelmente o sujeito se matou de trabalhar para receber pode, então, ser rapidamente
destituído de seu valor. A nota manchada de rosa, manifestando-se como arbitrariedade, quebra o sistema de fé e confiança que caracteriza a lógica dos mercados capitalistas. Na central de autoatendimento, o sujeito encontra-se então
desamparado – e nesta furtiva experiência moderna de desencanto, produz-se de repente o velho e novo anúncio da
morte de Deus. Mesmo quando os lemas “In God we trust”, impresso nas cédulas do dólar norte-americano, ou o nosso
“Deus seja louvado”, no real brasileiro, queiram nos convencer do contrário.
A ação criminosa – roubar um caixa eletrônico – que subverte as regras da distribuição de renda e poder da nossa sociedade, e o consequente uso do “dispositivo antifurto”, acabam promovendo uma experiência de questionamento sobre
a validade e a realidade da moeda. O dinheiro, então, sai do campo celestial e abstrato da ordem econômica e manifesta
sua qualidade política. Possivelmente uma experiência traumática, mediante o ainda recente passado de hegemonia
neoclássica que através da repetição midiática dos chicago’s boys e dos ideólogos do laissez-faire insiste em pensar
a economia como um sistema abstrato fechado nos seus próprios termos – mas que, lembrando as palavras de Paul
Sweezy, “padece de inevitáveis insuficiências lógicas”.
Não são apenas os curiosos “dispositivos antifurtos” que na sua experiência de estranhamento acabam por manifestar
a qualidade política do dinheiro: também – e especialmente – as situações de crise econômica, como a que o mundo
está vivendo hoje em dia. O fenômeno vem generalizando-se e pode ser identificado, de formas variadas e contraditórias, em diversos protestos nos EUA, na recente onda de saques na Inglaterra, nas ocupações de praças na Espanha,
Grécia, Itália, na ocupação de Wall Street que completa já um mês, no crescente questionamento da Guerra ao Iraque,
nas reivindicações dos estudantes chilenos pela garantia do ensino público – justo o Chile, que dentre os países da
nossa América possivelmente sofreu as maiores consequências do neoliberalismo durante a ditadura militar de Pinochet, servindo como laboratório da escola econômica dos seguidores de Milton Friedman. Num olhar de esguelha, o
“dispositivo antifurto” encetado pelas agências bancárias distribui a validade/virtualidade da moeda de uma forma não
muito diferente de como se faz na bolsa de valores; especialmente da maneira como fizeram – sem qualquer responsabilidade, sem qualquer garantia futura das apostas e investimentos, e ainda com a irônica semelhança do princípio
de socialização dos prejuízos que nos momentos de crise financeira desponta como “saída necessária”, pressionando o
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repasse dos cofres públicos para cobrir suas dívidas particulares; fazendo parecer a crise sistêmica de reprodução do
capital algo passageiro; mas por quanto tempo?
Vamos falar então do assalto dos bancos. Como seria um “dispositivo antifurto” adequado contra os especuladores? Poderia ser o assalto ao caixa eletrônico e a nota manchada de tinta, de alguma forma estranha, outro lado distorcido, que
fala à ação criminosa, irresponsável e arbitrária, agora sim, cometida pelos bancos e pelo mercado financeiro? Neste
caso, poderíamos ler a Pintura Antifurto, de Pedro Victor Brandão, e a sua Ocupação Cofre, como possíveis dispositivos
estético-expressivos a instrumentalizar nossa criatividade e apurar nossa sensibilidade na crítica da ideologia e na
busca por alternativas? Bom, não podemos manchar as notas virtuais que os especuladores jogam no futuro, porque
elas não existem. Mas podemos denunciar a mancha constitutiva do capital, que como já dizia Marx, “nasce banhado em
sangue”. Talvez não seja rosa a cor da nota; antes vermelho. Mas para isso não é preciso de nenhum dispositivo específico, nem tinta; o capital já nasce avermelhado. O que se precisa é aprender a enxergar a sua violência, desvelando as
relações de poder que no capitalismo moderno tendem a manifestar-se maquinalmente, como relações impessoais e
involuntárias entre objetos e homens-coisas; como se não fossem relações sociais que servem a interesses específicos.
A Pintura Antifurto de Pedro Victor ganha fôlego face à conjuntura política mais ampla; e da situação pontual do assalto
ao caixa eletrônico (do assalto à máquina) somos carregados pela força da imagem – a nota avermelhada, ensanguentada – que inevitavelmente fala mais alto e inquieta nossos corações e mentes.
A vivência fronteiriça e entrelaçada da ficção com a realidade, entendida como denúncia da arbitrariedade e crença
que vigora na distribuição do poder de mando e da obediência na sociedade percorre diversas obras e performances
de Pedro. Um mesmo sentido pode ser identificado quando, através de uma alteração digital, uma galeria de arte
transforma-se em uma loja Starbucks; ou quando o artista vende composições fotográficas que se autodestroem pela
luz; ou quando suas paisagens não-civilizadas apontam, por fim, para a barbárie do padrão de urbanização da cidade;
ou quando através do coletivo OPAVIVARÁ! instaura um sistema de trocas de performances artísticas a partir de uma
moeda de argila (Moitará): a problematização da arte como mercadoria pode ser vista como um tema chave que passa
por diversas experiências estéticas do autor, produzindo pequenos curtos circuitos na transvaloração das relações de
poder sacralizadas e tidas como naturais. A sua Pintura Antifurto não é exceção. A mercadoria artística manifestase como processo arbitrário de valoração; acaba por destituir a crença de um valor em si, pretensamente objetivo e
“real”, denunciando no elemento arbitrário e virtual a dominação entre humanos, animais e toda sorte de coisas que
existem – não obstante o nome do valor da nossa moeda – real – como mais um adendo a clamar pela crença na sua
veracidade – na sua realidade ou realeza – como alguma forma de verdade inerente, um sangue azul que, todavia, não
existe. O dinheiro também é mercadoria e manifesta-se na sua forma. Nesse sentido, o trabalho de Pedro Victor soube
capturar o princípio estético – o fetiche da mercadoria – involuntariamente desmistificado pelas agências bancárias,
sistematizando-o na Pintura Antifurto como experiência de crise subjetiva – o sujeito diante da máquina de autoatendimento que perde a fé.
Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2011
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Entrevista a Gilberto de Abreu
Publicado em http://www.supergiba.com/pedro-victor-brandao-vou-investir-em-bitcoins/
Pedro Victor Brandão: “Vou investir em bitcoins”
Nunca havia ouvido falar em bitcoins até
bater um papo ontem com Pedro Victor Brandão, jovem artista (nascido em
1985) que inaugura amanhã, na Casa França-Brasil, uma exposição
inspirada no que eu chamaria de pintura criminosa.
O artista, cria da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e parte do
coletivo Opavivará, foi buscar referências nas notas de Real danificadas
pelo tal dispositivo que as colore de rosa quando das tentativas de
roubo por explosão dos caixas eletrônicos.
Crime da moda para uns, resposta ao elevado custo de vida para
outros, essa nova modalidade de roubo - que vem deixando nossa moeda com
um duvidoso-porém-providencial-toque de-pink – foi a primeira coisa que
veio à cabeça de Pedro Victor quando convidado a ocupar o antigo cofre
da CFB com uma instalação.
O trabalho é uma foto na parede. Uma espécie de “paisagem” formada
por um mosaico de 96 reproduções das notas (56×156 cm). Versões em menor
escala (6,5x14cm) foram produzidas para que o público pudesse levar
parte do trabalho pra casa, no limite de uma nota por visitante.
“Da inutilidade desse papel-moeda e do processo de formação de imagem
que o inutiliza surge a possibilidade de criar para este espaço uma
paisagem acidental (fruto de uma circulação proibida)”, explica o
artista, afirmando que a realização deste projeto parte de uma pesquisa
sobre a criação de virtualidades no contemporâneo.
Infiltração - Para realizar seu site specific,
fez o que chamou de “infiltração”. Conseguiu interceptar as notas antes
da incineração, e reproduzir as cédulas com uma máquina fotográfica.
Confira o papo com Brandão, saiba como foi o processo para realização do
trabalho e descubra, por fim, quanto vale um bitcoin.
Gilberto de Abreu: Eu já vi algumas exposições ali no cofre,
mas nenhuma das que me lembro pareciam dialogar com algo tão atual. No
seu caso, a tentativa de roubo e a consequente destruição das cédulas…
Não por você, mas pelos bandidos. Você já tinha em mente trabalhar com
isso e a oportunidade de expor no cofre fez o trabalho acontecer, ou o
quê?
É. Os roubos por explosão são algo bem recente aqui no Brasil. O dispositivo antifurto está em operação aqui desde o
final do ano passado e é baseado
no mesmo sistema que combateu o crime a de explosão explosão a ATM’s
na Europa Foi implantado pela empresa que administra os caixas 24
horas. Tenho grande interesse por formações de imagem
autônomas, vou atrás delas. A possibilidade de mostrar algo no cofre
surgiu, e vi que havia a oportunidade de contatar o Banco Central, num troca-troca de e-mails oficiais entre instituições.
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Como foi lidar com o tramite burocrático da coisa?
Foi uma “infiltração” bem simples na verdade, tive que ir a São
Paulo fotografar um lote antes que fosse incinerado. Para colocar algo
que está proibido de circular numa nova circulação tive que fazer uma
espécie de roubo também, mas autorizado por umas três cartas escritas
por mim, pela presidência da Casa França-Brasil e do Departamento do
Meio Circulante do Banco Central.
Bacana você falar de “infiltração”, porque eu ia mencionar
outro “in”, de inserção… A do Cildo Meirelles, que também já mexeu com
dinheiro em “Zero Cruzeiro”.
Sim, o Cildo é inspiração total, assim como outros artistas que trabalham revalorizações de uma maneira geral.
Impressões de Cildo chegam a R$ 12 mil em leilões
Interessante pensar que toda essa operação foi autorizada
justo por quem mais combate crimes de falsificação e roubo aos caixas
eletrônicos…
É quase uma inversão russa… Nos últimos seis anos, houve
a triplicação dessa rede bancária de rua, atualmente com 14
mil caixas num ação que”visa atingir as regiões mais afastadas dos
grandes centros, periferias e municípios de menor porte, onde contribui
diretamente para a bancarização e desenvolvimento das classes C, D e
E”. Os roubos e a conseqüente inutilização do dinheiro associados a esta
estranha bancarização – parece quase ser um conceito civilizatório –
indicam algo mais que “um crime da moda”
, pois são ações ocultas carregadas de algum nível de insatisfação e
muita violência que marcam um período onde o custo de vida sobe e a
exigência da presença do indivíduo em sistemas bancários e de consumo é
cada vez maior, num reflexo da integração econômica pela qual o país
passa. Ao mesmo tempo, há a criação de moedas sociais, redes de valores
descentralizadas que seguem crescendo, mostrando transformações-piloto
no sistema financeiro. Criar um valor onde não há pode trazer
efeitos surpreendentes. Todo esse processo se traduz numa expressão
social furtiva que deixa no rastro um novo “produto” do qual eu me
aproprio pra criar o trabalho. Destaco somente a parte rosa,
que faz a nota perder seu valor, nas outras áreas, fica uma mascará numa
opacidade de 6%. É um trabalho pra testar limites da legalidade na
arte.
Se eu pegar a sua nota, ao sair da exposição, e mandar emoldurar… Isso será uma gravura? Um objeto? Uma memorabilia?
Não penso em limitar a circulação do trabalho depois que faço a
dispersão dele no mundo, mas tenho uns amigos que vão tentar vendê-las
por aí.
Você pagaria quanto por esse trabalho?
Eu? Pagaria uns 6฿
Seis o quê?
Bitcoins, moeda corrente P2P vinculada à bolsa de negociações MtGox. O Bitcoin é um exemplo de moeda social por
onde o sistema financeiro que a gente acredita pode ir pro saco. hoje 6฿ podem valer R$30, amanhã pode ser 90,
semana que vem R$4…
Alguma vez teve um cofre onde guardasse moedas? Onde guarda os centavos de real atualmente?
Tinha uma lata de filme em que botava umas moedas quando era pequeno. Fazia uma coleção de moedas antigas.
Tento acumular o mínimo delas, mas tenho uma cuba de barro com várias num
aparador aqui de casa, em oferta aos deuses da abundância.
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Pra finalizar: se pudesse escolher uma outra cor para ser
usada no dispositivo que tanto vem frustrando os bandidos , qual seria?
Não pensaria pela cor, mas por alguma
propriedade da tinta, tipo algo corrosivo. Ou algo que mudasse de cor
quando uma lavagem fosse tentada. Cor de ferrugem, talvez. Mas o roubo é a verdadeira pintura.
Se alguém te oferece uma nota roubada, pintada pelo dispostivo, o que você faria?
Estou com algumas aqui, mas eu poderia trocar por uma da edição do meu banco, rs.
Vai comprar o Brooklin do Banco Imobiliário ou conquistar a Oceania no War?
Se ganhar o jogo, vou investir em bitcoins.
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esquecer, explodir, assinalar
por Bernardo Mosqueira
Publicado no catálogo da exposição entre-vistas, encerramento do Programa Aprofundamento 2010. EAV Parque Lage.
Eu estava indo dormir. Pedro estava acordando. Ou o contrário. Nós nos cruzamos, nesse começo de manhã, na cozinha
de um albergue na Grande Pinheiros que é São Paulo. Após 5 minutos de conversa, surgiu a questão: “Seria a guerra
a arte levada às últimas conseqüências?”. Os trabalhos de Pedro Victor Brandão apresentados na exposição “entrevistas”, realizada em função da conclusão do Curso de Aprofundamento da Escola de Artes Visuais do Parque Lage,
podem ser considerados (se atentamos à radicalização da (re)ação sobre o que se muito acredita) bombas-relógio que
utilizam poética artística como explosivo.
Um dos trabalhos apresentados, continuação da série Alicerce Infiltrado, é um conjunto de 10 fotografias, que mostra
colônias de liquens que se desenvolveram sobre paredes infiltradas da própria Escola. São processos simbióticos de
bactérias e fungos que, aproveitando a instabilidade de um certo meio, criam, coletivamente, a estabilidade necessária
para sua vida e reprodução. A técnica apurada, precisa e certeira resulta no registro de caóticos, coloridos e numerosos
melanomas que podem ocultar metástase óssea ou cerebral.
Sendo parte de uma turma que, particularmente, muito discutiu a própria instituição onde estudou, Brandão sabe que
sua criação de novos curtos circuitos de olhares é uma forma de Ação de grande potência transformadora.
O outro trabalho exposto na mostra, Sem Título #2 (Tempos Autorais), da série Curta, é uma fotografia em gelatina e
prata não fixada que comenta as “comemorações” pelos 300 anos da primeira lei de copyright (Statute of Anne Reginæ),
colocada ao lado da presente lei dos direitos autorais brasileira: uma das mais restritivas do mundo. A comparação
anuncia a estranha e enorme semelhança. Sem a utilização do fixador, em 40 dias, a imagem, exposta ao sol, desaparece.
Na parte superior da imagem, a escala de cinza é uma escala de tempo: é o contador da bomba poética relógio que
tem seus vestígios vetorizados na concepção. Quando a diferença entre o que era preto e o que era branco não existir,
acabará o pavio. Pedro gera seus trabalhos como estudos estéticos, mensagens criptoparanoigrafadas transformadoras, obras poderosamente efetivas e afetivas que, talvez, pretendessem a inexistente imaterialidade, mas, de fato,
alcançam a impermanência física.
Brandão torna explícita a luta frustrada pela fossilização do tempo. É ainda a velha luta do homem contra seu fim inevitável. Mas a transformação fortalece! O monumento institucional com todas suas forças de conservação não vence
a vida que corre. São os liquens que colorem o cinza monumental criado a eternizar suas intenções ideológicas de
origem. São as imagens que “findas, muito mais que lindas, ficarão”.
Um tempo depois, eu estava indo em direção à praia e Pedro estava voltando. Ou o contrário. Nesse encontro, em maresia carioca, discutíamos, bobos, sobre artista e contemporâneo. Ele já acreditou a atividade artística como solitária.
Eu não acreditei. No final, chegamos a que o artista com atividade, em real, contemporânea não seria tão apenas um
assimilador de seu tempo (“antena da raça”). O artista contemporâneo deve ser um assinalador de obscuridades atuais.
Com os trabalhos expostos nesta mostra, Pedro assinala o esquecimento como entidade ontológica, como prática
necessária e como processo inevitável. Brandão mescla a imagem endógena do apagamento à imagem exógena do
apagar. Ao enquadrar o esmaecimento, mas sem emoldurá-lo, deixa claro que o processo acontece em todo espaço.
Ele evidencia, ainda, o paralelo entre a memória e a imagem, o apagamento e o esquecimento e o faz costurando as
questões universais do homem às questões locais e temporais em que vive.
Eu reclamei, ainda na beira da praia, e ele assumiu: “Sim, esse sentido de permanência é bem crítico e tolerante.
Estávamos falando de um tempo possível, passado ou futuro. A atividade solitária era aquela do artista que cria imaginários, percebe obscuridades e as assimila historicamente. Era. Agora, condividimos nossa ética e estética.” Ah bom!
Pelo menos, é isso que “agora me lembro. Antes me lembrava outro. Dia virá em que nenhum será lembrado. Então no
mesmo esquecimento se fundirão.”
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ENTREVISTA A MARIO FONSECA
Publicada em http://arteseanp.blogspot.com/2010/07/conversando-sobre-arte-pedro-victor.html
Pedro Victor Brandão nasceu no Rio de Janeiro em 1985. Filho de Lula Rodrigues, fotógrafo; e Angela Brandão, socióloga e administradora, criadores da Galeria e Laboratório de Artes Fotográficas F3. Lá, aprendeu sobre as incursões
químico-físicas na imagem, exercendo um experimentalismo inicial livre, mas aplicado. Em 2003, iniciou-se efetivamente no campo da arte contemporânea numa parceria técnica comissionada com Daisy Xavier.
Em 2005 matriculou-se no curso de Pintura na Escola de Belas Artes da UFRJ, mas por várias razões não acompanhou o
roteiro acadêmico. A partir de 2006, participa de exposições coletivas. O caminho escolhido foi a Escola de Artes Visuais
do Parque Lage. Lá participou de vários cursos, entre eles Acompanhamento de Projetos, com Franz Manata, e Fotografia Expandida, com Denise Cathilina, o que considera fundamental para o encaminhamento de sua trajetória. Em 2007,
entra na graduação politécnica de fotografia da Estácio de Sá, período de realização de vários trabalhos.
A partir de dezembro do mesmo ano, passa a integrar o coletivo de arte OPAVIVARÁ!.
Em 2010 foi aprovado para o Programa Aprofundamento do Parque Lage, colocado em prática novamente pela EAV, com
recursos da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro. O curso é gratuito, mas esse ano ainda não ofereceu
uma bolsa de pesquisa aos artistas. Considera uma rica experiência devido à múltipla produção contextualizada nesse
espaço, na qual se expressam por diferentes meios e conteúdos artistas num convívio crítico intenso. Os debates sobre
as práticas artísticas contemporâneas, a inserção e o embate dos trabalhos dos participantes possibilitam uma plataforma de trocas conceituais bastante significativa. O núcleo é orientado por Glória Ferreira, Lívia Flores e Luiz Ernesto.
Recentemente, teve trabalhos adquiridos para a coleção Gilberto Chateaubriand e foi um dos aprovados no XI Prêmio
Marc Ferrez de Fotografia da FUNARTE, na categoria Pesquisa e Experimentação em Linguagem Fotográfica, por onde
desenvolverá o projeto O Transitório Fóssil. Pedro desenvolve, também, um projeto com vídeo-colagens, em apropriações de imagens e textos integralmente direcionados ao YouTube.
[Marcio Fonseca] Pedro Victor, você é fotógrafo ou artista?
[Pedro Victor Brandão] Fotógrafo em técnica, artista em prática e cientista em teoria.
[MF] Você poderia comentar o fundamento do seu pensamento para realização de suas propostas?
[PVB] Palavras chave são epistemologia, imagem, esquecimento, perenidade. Procuro estados de dúvidas sobre a
conexão da verdade com a fotografia desestabilizando os sistemas fotográficos com uma crítica do que venha a ser a
imagem técnica contemporânea, num aspiro à re-significação da “caixa preta” e à relação com o conhecimento do espaço, do tempo, das ideias/práticas sociais e da memória. As séries de pinturas químicas, feitas sem câmera, associam
as imagens do passado controverso do pictorialismo às imagens de satélite sempre atuais, em paisagens automáticas,
em que a mão do artista pouco importa. Uma resposta à pintura de “hoje”, quase que toda calcada no aparelho fotográfico. Assim como a série Não Civilizada, que propõe um tempo “nunca” para imagens presentes na cabeça de todos,
através de pesados retoques digitais. Trabalho em várias séries simultaneamente, que se associam num ciclo autopoético. Considero o embate/debate com meus pares parte desse processo de criação.
[MF] Que nomes você vê como influências ao seu trabalho?
[PVB] Dos que estão mais por perto, Daisy Xavier, Franz Manata e Nadja Fonseca Peregrino. Os três tem clareza e conhecimento crítico sobre as imagens e a história das ideias, no trabalho e na vida. Os textos e debates do Fernando Cocchiarale
são notáveis. Rosangela Rennó, José Oiticica Filho, Michael Wesely, Cildo Meireles, Luiz Camnitzer, Cai Qing Gong,
Hans Haacke e mais uns tantos formam um gráfico na minha cabeça. Todo o campo de pensamento sobre imagem que
é aberto com a Escola de Düsseldorf é algo que também estudei muito. No campo teórico estou num processo longo
com Antonio Negri, Vilém Flusser, Humberto Maturana e Andre Rouille. De pintura cito Pancetti (o Domingos diz ter
ele inventado o horizonte), August Strindberg e Cai Guo-Qiang. São eles que venho olhando muito nesse ano. E Carlos
Drummond de Andrade, que também é pintura.
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[MF] É possível viver da arte?
[PVB] Essa ideia de plenitude é estranha, Marcio. Os sistemas estão todos viciados em certezas. O processo econômico/
autonômico de um artista é cambiante sempre. Mudança traz sucesso e ação faz boa fortuna (de uma música do Pink
Floyd...). Estar parado é conservar poder e energia, é bem triste. Vendo alguns trabalhos autorais em relativa frequência
e mantenho um estúdio fotográfico voltado para reprodução de obras de arte e parcerias comissionadas em contrato
com outros artistas. Mas é a arte que vive da gente, na real.
[MF] Qual a sua avaliação sobre o preço da obra de arte no Brasil?
[PVB] Negocio meu trabalho na base da possibilidade. O efeito Luciano Trigo no mercado e na crítica já está passando,
mas essa avaliação deve ser emitida por alguém mais infiltrado, que acompanhe algo mais que notícias sobre a presença da arte “hard commodity”.
[MF] Que importância têm os curadores e críticos de arte?
[PVB] Será que já está todo mundo no Facebook? Os pensadores no exercício de um acompanhamento crítico e na manutenção de um diálogo franco, ético, menos estético e não verticalizado com os artistas é o mínimo para se considerar
algum tipo de produção histórica. Os espaços críticos estão todos em revisão de tão embotados. Existe até a crítica à
crítica “papel de bala”! O artista-etc como falado pelo Ricardo Basbaum está presente em várias práticas hoje, aqui e
no mundo. Um contato mais eficaz em torno da produção artística contemporânea está em curso, como nas propostas
do Bernardo Mosqueira e do Projeto Apartamento (Bruna Lobo, Tahian Bhering e Jonas Aisengart), os trabalhos do Yuri
Firmeza, as coletivas organizadas pela Daniela Name, as incursões da Bia Lemos pela América Latina, residências
artísticas e acompanhamentos críticos dos mais diversos sendo abertos, assim como os textos da Ophelia Patrício Arrabal. Há até uma espécie de re-sensibilização crítica promovida pelos trabalhos coletivos do Filé de Peixe, do GIA, do
OPAVIVARÁ!, entre outros. Vejo uma aproximação mais intensa e caótica, muitas vezes hiper conectada, virtualmente ou
não. É a edição colaborativa de pensamento em rede.
Um factóide: tem um método de discurso que na verdade é uma piada de um humorista judeu que se mudou da Ucrânia
para os EUA, e chama-se Reversal Russa. Consiste na inversão, em uma frase, do sujeito pelo objeto direto:
“In America, you can always find a party
In Soviet Russia, the party always finds you”
Lembrei disso porque ouvi o Paulo Sergio Duarte num debate sobre a situação da crítica emitir a constatação que se
você lê um texto de arte e não entende, o problema é do texto e não seu.
[MF] Você é representado por alguma galeria?
[PVB] Com exclusividade, não. Tenho trabalhos no acervo da Toulouse Arte Contemporânea.
[MF] Qual sua opinião sobre as Feiras de Arte?
[PVB] Nunca participei. Sobre mercado indico um trabalho do Superflex (coletivo de arte dinamarquês);
http://www.superflex.net/thefinancialcrisis/
E uma matéria do Michael Brenson sobre Hans Haacke publicada no New York Times em 1986:
http://tinyurl.com/haacke86
[MF] Como você se mantém atualizado dentro desse enorme universo de arte?
[PVB] Sendo um bom rádio com uma boa filtragem regularmente ajustada a múltiplas freqüências. Poderia falar de
lentes, mas melhor não.
[MF] Quais são seus planos para o futuro?
[PVB] A partir de Julho, o grupo expõe no MAM de São Paulo na Ecológica, de curadoria do Felipe Chaimovich. Estou editando uma série sobre as oficinas líticas no litoral a ser impressa agora. A partir de agosto, desenvolverei o Transitório
Fóssil com o prêmio da FUNARTE. É a elaboração de doze imagens com um grupo de artistas e cientistas colaboradores
para ser impressa numa técnica ultra-estável, tal qual uma impressão cerâmica. Feita de carbono e brometo e não
reage à luz. É uma abordagem crítica em direção ao futuro sobre o mundo em que colocamos em prática nossos pensamentos hoje, contando com uma fronteira borrada que traz mobilidade entre diferentes sistemas de conhecimento.