Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Escola
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Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Escola Nacional de Botânica Tropical Sistema reprodutivo e polinização em duas espécies arbóreas e simpátricas de Bathysa (Rubiaceae) Mariana Andrich 2008 Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Escola Nacional de Botânica Tropical Sistema reprodutivo e polinização em duas espécies arbóreas e simpátricas de Bathysa (Rubiaceae) Mariana Andrich Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Botânica, Escola Nacional de Botânica Tropical, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Botânica. Orientador: Dr. Leandro Freitas Rio de Janeiro 2008 2 Sistema reprodutivo e polinização em duas espécies arbóreas e simpátricas de Bathysa (Rubiaceae) Mariana Andrich Dissertação submetida ao corpo docente da Escola Nacional de Botânica Tropical, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro - JBRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre. Aprovada por: Prof. Dr. Leandro Freitas (Orientador) ______________________ ______________________ ______________________ em __/__/20__ Rio de Janeiro 2008 3 Para minha Querida Família, que apesar da distância, sempre esteve muito presente... iv A573s Andrich, Mariana Sistema reprodutivo e polinização em duas espécies arbóreas e simpátricas de Bathysa (Rubiaceae) / Mariana Andrich. – Rio de Janeiro, 2008. x, 48 f . : il. ; 28 cm. Dissertação (mestrado) – Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro/Escola Nacional de Botânica Tropical, 2008. Orientador: Leandro Freitas. Bibliografia. 1. Bathysa. 2. Rubiaceae. 3. Reprodução vegetal. 4. Polinização. 5. Parque Nacional do Itatiaia (RJ e MG) I. Título. II. Escola Nacional de Botânica Tropical. CDD 583.93 v AGRADECIMENTOS Ao Dr. Leandro Freitas por sua orientação, paciência, profissionalismo e todos os ensinamentos durante o mestrado. Aos amigos da turma de mestrado pela acolhida, por todas as conversas e incentivos. A Jackeline Pires, que desde antes da seleção do mestrado me ajudou, e durante o decorrer de todo ele. A Sebastião Neto por ter me apresentado às Bathysa e pelas ajudas com os andaimes. A Izar Aximoff e Marina Torres pela amizade, compania e ajuda no campo. À Elaine Zózimo, Simone Petrucci e Úrsula Carrera pela ajuda com os tubos polínicos. A Jerônimo Sansevero pela ajuda com a estatística. À Maria Cristina Ganglianone e Andreas Kohler pela identificação das abelhas, Orlando Tobias Silveira pela identificação das vespas e ao André Victor Lucci Freitas pela identificação das borboletas. A Rosembergue Silva por todos serviços de computação. À Maria Christina Velloso de Mello pelas vezes que emprestou o carro, fazendo das idas ao Itatiaia mais “confortáveis”. À Marcela Mattos por todas as vezes que me recebeu em sua casa em Resende. Aos funcionários do JBRJ e ENBT, principalmente à Janúzia, pela ajuda e conversas sem fim. À direção e funcionários do Parque Nacional do Itatiaia À Daniela Schmitz pela amizade e ajudas quando as coisas não estavam do jeito que eu queria. A Marcelo Rennó, meu companheirão, pelo empurrãozinho inicial, por toda ajuda no campo, disposição (mesmo sem entender nada), e muito mais que isso, por seu amor e compreensão. Aos meus pais e irmãos, os maiores incentivadores e lutadores do meu melhor, pelo amor, apoio e por me proporcionarem de todas as formas a realização deste mestrado. A CAPES pela concessão da bolsa, ao Proap/CAPES pelo apoio financeiro e ao Programa Mata Atlântica/ Petrobrás pelo custeio das atividades de pesquisa. vi RESUMO As florestas tropicais são caracterizadas por apresentarem baixa densidade populacional de espécies arbóreas e alta riqueza de plantas e de polinizadores. Diversos autores têm sugerido que características reprodutivas influenciam a estrutura das populações nas florestas tropicais, todavia há uma fragilidade nessas propostas devido à falta de dados empíricos. A família Rubiaceae representa a quarta família em abundância e o quinto grupo mais expressivo em riqueza na floresta ombrófila montana do Parque Nacional do Itatiaia, estado do Rio de Janeiro. Nessa área, Bathysa australis apresenta um número estimado de 2 ind/ha, enquanto que B. cuspidata 13 ind/ha (DAP > 10cm). O objetivo deste trabalho foi estudar comparativamente a biologia reprodutiva e da polinização dessas duas espécies arbóreas, com ênfase na estimativa da capacidade reprodutiva. Bathysa australis apresentou flores de dezembro a março e B. cuspidata de fevereiro a junho, havendo assim uma curta época de sobreposição da floração. Apesar de congêneres, elas apresentam características florais e sistemas de polinização que as diferenciam. Bathysa cuspidata apresentou mais inflorescências por indivíduos e freqüência de atividade de floração e frutificação duas vezes mais alta. Em B. australis a corola é campanulada, de coloração verde, o principal recurso floral é o néctar e os principais polinizadores são abelhas e vespas. Já B. cuspidata possui a corola infundibuliforme de coloração branca, seu principal recurso é pólen e seus principais polinizadores foram abelhas meliponídeos. Este parece ser o primeiro caso de uma flor de pólen em Rubiaceae. Além dos visitantes principais, as flores de ambas as espécies foram visitadas ocasionalmente por outros grupos de insetos, como mariposas, borboletas e moscas. A maior freqüência absoluta de visitas ocorreu em B. cuspidata. A fecundidade (medida pela razão semente/óvulo) foi utilizada como estimativa da eficiência reprodutiva (i.e., sucesso reprodutivo). Tal parâmetro não diferiu entre as duas espécies, assim como o número de frutos formados nos tratamentos, apesar das diferenças na freqüência de visitas às flores. A presença de autocompatibilidade em B. australis e auto-incompatibilidade na outra espécie parece ser o fator que explica este resultado. A autocompatibilidade implicaria em uma maior proporção de sementes oriundas de autopolinizações, o que pode acarretar em menor qualidade das sementes. Bathysa cuspidata apresentou maior potencial reprodutivo por possuir indivíduos maiores, mais flores por indivíduos de mesmo porte, o dobro de indivíduos nas fenofases de floração e frutificação e maior número de óvulos por flor. Em conjunto, essas características resultaram em maior número de óvulos disponíveis na vii população e isto determinou diretamente o número de propágulos produzidos. As diferenças de estrutura dos adultos das populações parecem estar relacionadas aos padrões de cruzamento, uma vez que a espécie mais abundante é auto-incompatível e tem maior capacidade reprodutiva, ou seja, que produz mais sementes. Palavras-chave: capacidade reprodutiva, sistema de incompatibilidade, abelhas meliponídeos, flor de pólen, árvores. viii ABSTRACT Tropical forests are characterized by the low population density of tree species and high richness of plants and pollinators. Several authors have been suggesting that reproductive characteristics are factors of influence on the population structure in the tropical forests. However, there is a fragility in those propositions because the lack of empirical evidence. Rubiaceae represents the fourth family in abundance and the fifth most expressive group in richness in montane forests of the Parque Nacional do Itatiaia, in the state of Rio de Janeiro, Brazil. On that area, Bathysa australis presents an estimated number of 2 ind/ha, while B. cuspidata 13 ind/ha (DBH > 10cm). Here I aim to compare the reproductive biology and pollination of these two tree species, with emphasis on the estimative of the reproductive capacity. Bathysa australis flowered from December to March and B. cuspidata from February to June, with a short time of flowering overlap. The two species differ on flower characteristics and pollination system. Bathysa cuspidata had more inflorescences per individual and has presented two-fold higher activity frequency of flowering and fruiting. In B. australis the corolla is bell-shaped, green colored and the main floral resource is nectar; the main pollinators are bees and wasps. B. cuspidata has infundibuliform corolla, white colored and its major resource is pollen; the main pollinators are stingless bees. This seems to be the first case of a pollen-flower in the Rubiaceae. Besides main visitors, flowers of both species were occasionally visited by other insect groups, such as moths, butterflies and flies. The highest absolute frequency of visits was on B. cuspidata. The fecundity (measured by the seed/ovule ratio) was used as estimative of the reproductive efficiency (i.e., female fitness). Such a parameter did not differ between the two species, and the same was observed for fruit set after manual crosses and natural conditions. The presence of self-compatibility in B. australis and selfincompatibility in the other species seems to be the factor that explains that result. The self-compatibility would increase the proportion of seeds originated of self-pollinations, which could decrease the quality of these seeds. Bathysa cuspidata has a higher reproductive potential because it has taller individuals, more flowers per individual of the same height, more individuals flowering and fruiting and a bigger number of ovules per flower. Thus, the number of ovules - one step that is anterior to the seed dispersal and independent of the reproductive efficiency - seems to be an important component of the population recruitment in the studied system. The difference on the structural parameters of adults in Itatiaia population seems to be related to the mating patterns, because the species more abundant is self-incompatible and with the higher reproductive capacity. ix Key-words: reproductive capacity, incompatibility system, stingless bees, pollen flower, trees. x SUMÁRIO Resumo…………………………………………………………………vii Abstract…………………………………………..…………………..…ix Introdução ………………………………............……………………....1 Material e Métodos ……….....................................................................6 Resultados ……………………….........................................................10 Discussão.........……………………………………………....................21 Considerações finais...............................................................................31 Referências Bibliográficas……....……………………………….....…33 xi INTRODUÇÃO As espécies arbóreas são os principais elementos estruturais da floresta tropical. As matas tropicais são caracterizadas por apresentarem baixa densidade populacional de espécies arbóreas e alta diversidade de espécies vegetais e de polinizadores (Kress e Beach 1994). Essa diversidade sugere a existência de grande número de estratégias de reprodução e de interações inter-específicas, bem como uma grande heterogeneidade na estrutura genética de comunidades (Bawa 1990, Janzen 1980). Características reprodutivas das comunidades em florestas tropicais têm sido relacionadas a padrões gerais de diversidade e estrutura (Bawa 1974, 1990), por exemplo, através de correlações entre a taxa de cruzamento dos indivíduos com a densidade populacional, tanto negativamente, onde plantas isoladas apresentam menores taxas de cruzamentos (Garcia et al 2005), como positivamente, no qual plantas mais abundantes possuem maiores taxas de cruzamento (Obayashi et al 2002, Rajora et al 2002, Travis et al 2004). A alta densidade populacional pode favorecer altos níveis de cruzamentos, tanto pela menor distância entre indivíduos como pelo número de indivíduos em fase reprodutiva nas vizinhanças (Barreira et al 2006). Apesar da predominância da alogamia em espécies arbóreas tropicais (Bawa e O’Malley 1985, Murawski et al 1990, Murawski 1995), a autogamia também ocorre e, supostamente, aumenta a chance de sucesso reprodutivo dessas espécies em locais onde apresentam populações com baixa densidade (McMullen 1987, Ramírez e Brito 1990, Richards 1986, Jaimes e Ramírez 1999). Além disso, as espécies arbóreas de florestas tropicais demonstram uma ampla variedade de padrões de floração. Fatores como disponibilidade e competição por polinizadores, fluxo gênico, investimento energético na produção de flores e frutos e posição no dossel, são indicados como influências sobre a época, duração e freqüência dos padrões fenológicos e interpretados como forças seletivas 1 para otimizar a polinização cruzada (Bawa 1990). Todavia, a base empírica para essas relações é frágil e, particularmente para espécies arbóreas na Floresta Atlântica, a carência de estudos sobre a biologia reprodutiva é grande, uma vez que muitas dificuldades metodológicas são encontradas, como locais de difícil acesso, declividade das áreas e altura dos indivíduos (Pires e Freitas 2008). A biologia reprodutiva estuda os fatores envolvidos no processo de reprodução de plantas desde a antese floral até a formação de frutos e sementes (Faegri e van der Pijl 1979). Em nível de comunidade tem sido muito utilizada a partir de várias perspectivas, incluindo fenologia, biologia floral, sistema de cruzamento, biologia da polinização, produção e dispersão de sementes (Ramírez 2002), sendo empregada para elucidar diferentes estratégias reprodutivas (Raimúndez et al. 1998) e constitui-se um elemento auxiliador para o esclarecimento dos padrões de distribuição e abundância das espécies (Dalling 2002). Outro elemento importante para aclaramento da composição, abundância e estabelecimento de espécies é a possibilidade de recrutamento (Leak e Graber 1976). O recrutamento é um processo seqüencial multifases, sendo que o número total de plântulas e juvenis e sua variação espacial dependem de processos pré- e pós-germinação (Garrido et al. 2005). A possibilidade de recrutamento depende de fatores como a fecundidade do adulto, produção e dispersão de sementes, distribuição espacial de microsítios, predação e germinação de sementes, competição intra- e inter-específica e sobrevivência e crescimento das plântulas (eg. Harper 1977, Janzen 1970, Jordano e Herrera 1995, Schupp e Fuentes 1995, Schupp 1995, Clark et al 1998, Jules e Rathcke 1999, Nathan and MullerLandau 2000, Van der Wall et al 2005). Alguns estudos têm mostrado que os fatores que afetam o recrutamento podem ocorrer em etapas anteriores à produção de sementes, uma vez que esta pode ser alterada pela falta de agentes polinizadores (Jennersten e Nilsson 1993) ou pela limitação na polinização (Jules e Rathcke 1999). 2 A produção de sementes por uma planta, também denominada como capacidade reprodutiva (Será 1995) é um importante aspecto do ciclo biológico de uma espécie (Schaal 1980), sendo muito variável intra- e inter-especificamente. Pode ser medida não só considerando o indivíduo isoladamente, mas também para uma população, por exemplo, ao longo de gradientes ambientais (Marks e Truscott 1985, Será 1995). A capacidade reprodutiva está relacionada a vários fatores, tais como história de vida, eficiência reprodutiva, esforço reprodutivo e tamanho ou peso de sementes (Será 1995). Apesar de muitos estudos abordarem e usarem os termos capacidade reprodutiva, eficiência reprodutiva e potencial reprodutivo, existe certa confusão conceitual na literatura, sendo que muitas vezes os termos são usados indistintamente e com diferentes parâmetros de medidas (Quijada 1981, Ramírez 1992, Ramírez e Berry 1995, Fuchs et al. 2003, Aponte e Jáuregui 2004, Quesada et al. 2004, Ramírez 2006, Santos et al. 2008). Por outro lado, esforço reprodutivo tem uma conceituação mais bem definida, sendo o esforço utilizado para cobrir o investimento em todas as estruturas reprodutivas (Thompson e Stewart 1981), havendo diversos estudos dirigidos em torno deste termo (De Jong e Klinkhamer 2005, Reekie e Bazzaz 2005). No presente estudo, consideramos então, capacidade reprodutiva como número de propágulos produzidos pelos membros da população. No mesmo sentido, consideramos eficiência reprodutiva como uma estimativa de sucesso reprodutivo, dada pela porcentagem de óvulos que se tornam sementes e o potencial reprodutivo como o número máximo possível de propágulos que poderia ser produzido, que, portanto, é dado pelo total de óvulos do indivíduo ou da população. Rubiaceae se destaca como importante componente da flora brasileira, tanto pela grande riqueza de espécies como pela diversidade da família (Silva-Neto 2006). Rubiaceae é uma das maiores famílias de angiospermas com aproximadamente 637 gêneros e cerca de 10700 espécies, sendo que mais de 80% de seus gêneros são 3 constituídos predominantemente por espécies lenhosas (Robbrecht 1988). Ocorre principalmente nas regiões tropicais e subtropicais (Barroso et al. 1991) e situa-se entre as mais abundantes no sub-bosque de florestas neotropicais (Gentry e Emmons 1987, Laska 1997). Embora a maioria das espécies de Rubiaceae seja caracterizada como hermafrodita, a família se destaca por apresentar uma diversidade de sistemas sexuais (Bawa e Beach 1983). A apresentação secundária de pólen pelo estilete, a heterostilia e a presença de dioicia constituem as três complexas estratégias para reprodução sexual das espécies da família (Robbrecht 1988). Vale ressaltar que Rubiaceae é a família com maior número de representantes heterostílicos, ou seja, com auto-incompatibilidade do tipo heteromórfico e de controle predominantemente esporofítico (Bawa e Beach 1983, Richards e Koptur 1993, Castro e Oliveira 2002, Teixeira e Machado 2004 a,b). Como a maioria dos estudos em biologia reprodutiva de Rubiaceae se concentra em espécies heterostílicas, por exemplo no gênero Psychotria (Hamilton 1990, PerezNasser et al. 1993, Stone 1996, Castro e Araújo 2004), pouco se conhece sobre os táxons homomórficos e sobre a presença de incompatibilidade neles (Gibbs 1990). Para espécies homostílicas, a ocorrência de auto-incompatibilidade homomórfica é referida para alguns casos, como em Posoqueria e Warszewiczia (Bawa e Beach 1983), Cephalanthus occidentalis L. (Imbert e Richards 1993) e Manettia cordifolia Mart. (Consolaro et al. 2005), caracterizadas por um sítio de inibição no estilete (supostamente gametofítica). Além disso, existe registro de ocorrência de auto-incompatibilidade esporofítica para Coffea canephora Pierre (Devreux et al. 1959) e de um possível caso em Mitracarpus longicalyx E. B. Souza & M. F. Sales (Souza et al. 2007). A realização de estudos com esse enfoque em Rubiaceae é interessante, já que evidências de auto-incompatibilidade homostílica esporofítica em famílias com táxons heterostilados podem ajudar na 4 compreensão sobre a evolução e o funcionamento do sistema de incompatibilidade heteromórfico (Gibbs 1986). Mesmo possuindo flores com planos morfológicos semelhantes, as espécies de Rubiaceae apresentam uma diversidade de síndromes de polinização e amplo espectro de polinizadores (Robbercht 1988, Barrett e Richards 1990, Aizen e Feinsinger 1994). Essa família é uma das mais dominantes entre o grupo de plantas nectaríferas em ecossistemas tropicais (Opler 1983). As flores de Rubiaceae podem ser visitadas por abelhas (e.g., Coelho e Barbosa 2003, Hernandez e Ornelas 2003, Lasso e Naranjo 2003, Consolaro e Oliveira. 2005, Santos et al. 2008), borboletas (e.g., Castro e Araújo 2004, Coelho e Barbosa 2004, Ornelas et al. 2004, Consolaro e Oliveira. 2005), mariposas (Pérez -Nasser et al. 1993, Teixeira e Machado 2004a), incluindo esfingídeos (Ávila Jr 2005, Amorim e Oliveira 2006), moscas (Ortiz et al. 2000, Fonseca et al. 2008, Teixeira e Machado 2004a, Riveros et al. 1995, Wolff e Liede-Schumann 2007), vespas (Riveros et al. 1995, Lasso e Naranjo 2003, Ornelas et al. 2004, Teixeira e Machado 2004b) e besouros (Wolff e LiedeSchumann 2007, Fonseca et al. 2008). Além dos insetos, polinização por beija-flores é muito comum (e.g., Sobrevilla et al. 1983, Passos e Sazima 1995, Ree 1997, Hernandez e Ornelas 2003, Lau e Bosque 2003, Santos et al. 2008) e também há casos envolvendo morcegos (Proctor, Yeo e Lack, 1996). O gênero Bathysa (tribo Rondeletieae - subfamília Cinchonoideae) é um táxon homostílico da família Rubiaceae e é composto por árvores, arvoretas e arbustos com distribuição pela América do Sul e Central. No Brasil, o gênero é composto por sete espécies predominantemente de Mata Atlântica (Germano Filho 1999). Bathysa australis (A.St-Hil.) Hook.f. está distribuída do Distrito Federal até os estados das regiões sudeste e sul (Silva-Neto 2006). Constitui um dos táxons de menor valor de importância (IVI) na floresta ombrófila montana do Parque Nacional do Itatiaia, estando por volta de 1,1, com 5 um número estimado de 2 ind/ha (DAP > 10cm, Guedes-Bruni 1998). Bathysa cuspidata (A.St-Hil.) Hook.f. ocorre no estado de Goiás e nos estados da região sudeste e seu IVI é de 6,07, com um número de 13 ind/ha (DAP > 10cm) em Itatiaia (Guedes-Bruni 1998). Já Silva-Neto (2006), também para a floresta ombrófila montana do Itatiaia verificou que B. australis apresenta densidade absoluta de 16 ind/ha (DAP > 5) e IVI de 2,67, enquanto que B. cuspidata apresenta 33 ind/ha (DAP > 5) e IVI de 5,48. OBJETIVOS O objetivo deste trabalho foi estudar comparativamente a biologia reprodutiva e da polinização de Bathysa australis e B. cuspidata, com ênfase na estimativa da capacidade reprodutiva. Serão verificados os fatores que influenciam a produção de sementes dessas espécies arbóreas, discutindo especificamente as seguintes questões: 1) Qual é a capacidade (produção de sementes), eficiência (número de óvulos que se tornam sementes) e potencial reprodutivo (número máximo de sementes produzidas) das duas espécies na área de estudo? 2) Quais características (fenologia, biologia floral, composição e freqüência de polinizadores, possível sistema de incompatibilidade) influenciam a capacidade reprodutiva? MATERIAL E MÉTODOS O estudo foi realizado no Parque Nacional do Itatiaia (PNI), localizado sobre porção montanhosa da Serra da Mantiqueira, na Região do Médio Paraíba do estado do Rio de Janeiro, no município de Itatiaia (22° 30’ e 22° 33’S; 42° 15’ e 42° 19’W). O PNI possui área aproximada de 30.000 hectares (Guedes-Bruni 1998). A vegetação onde os trabalhos foram desenvolvidos é do tipo Floresta Ombrófila Densa Montana (sensu Veloso 6 et al. 1991) ou Floresta Atlântica segundo o conceito de Oliveira-Filho e Fontes (2000) e as espécies em estudo encontravam-se em torno de 900 m de altitude. O clima onde o estudo foi realizado (altitude entre 400 e 1000m) é classificado no tipo Cwa e Cfb, segundo a classificação de Köppen-Geiqer, com períodos frios associados a baixas pluviosidades e períodos quentes coincidindo com as chuvas (Segadas-Viana 1965). Registros sobre a fenologia das espécies foram realizados mensalmente de julho de 2006 a novembro de 2007, em 15 indivíduos de cada espécie com altura superior a 3 m e com distância mínima de 10 m entre eles. Foi registrada a presença das seguintes fenofases: (1) floração, com a presença de botões e flores em antese; (2) frutificação, separada em frutos imaturos e maduros; (3) queda foliar, caracterizada pelas folhas com tons castanhos; e (4) brotamento, identificado pelo surgimento de folhas novas enroladas e de cor verde claro. A intensidade dos eventos fenológicos foi estimada individualmente através de uma escala semiquantitativa de cinco categorias (0 a 4), com intervalo de 25% entre elas (Founier 1974). Para as fenofases de floração e frutificação, a copa não foi a unidade de amostragem e os valores de Fournier foram aplicados dentro da inflorescência e infrutescência. Quando o indivíduo possuía mais de uma inflorescência, estimava-se o valor de Fournier para cada uma delas e dividia-se pelo número de inflorescências apresentadas, obtendo assim o valor de intensidade da fenofase. Os dados coletados foram analisados por percentual de intensidade de Fournier (1974) e índice de atividade de presença e ausência (Bencke e Morellato 2002). As possíveis diferenças entre as espécies em relação ao valor de atividade dos indivíduos em fenofases reprodutivas ou vegetativas foram verificadas pelo teste do X2. Para se obter a distância entre os indivíduos amostrados durante a fenofase floração, foi feita uma estimativa por observação visual do tamanho da área em que ocupavam e das distâncias dos indivíduos que estavam florescendo para os 7 parceiros sexuais mais próximos. O material botânico testemunho encontra-se depositado no herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (M. Andrich 01, 02 e 03). Durante a floração dez indivíduos de cada espécie, com altura superior a 3 m e distâncias médias de 6 m entre eles, foram marcados. Foi estimada sua altura e contado o número de inflorescências de cada indivíduo (possíveis diferenças avaliadas pelo Teste tStudent). O número de flores em três inflorescências de cada espécie foi contado e calculado a média de flores. Esses parâmetros foram observados a fim de verificar as possíveis relações entre altura e produção de inflorescências. A relação desses parâmetros foi verificada a partir da análise de regressão linear com uso do programa BIOSTAT 4.0 (Ayres et al. 2005). A biologia floral foi estudada através do registro dos atributos forma, dimensões, horário de antese, longevidade, coloração e presença de odor (Kearns e Inouye 1993). A presença de osmóforos e nectários foram verificadas por meio do teste com vermelho neutro (Dafni 1992) e observação de secreção em flores no campo. A receptividade do estigma foi testada ao longo da antese utilizando peróxido de hidrogênio (Zeisler 1938). Para determinação da quantidade e viabilidade de grãos de pólen, 10 flores foram ensacadas e posteriormente coletou-se as anteras abertas a menos de 24 horas. Uma antera de cada flor foi lavada com solução de carmim acético. Com auxílio de microscópio óptico, o pólen foi retirado e depositado sobre câmara de Neubauer para contagem dos grãos de pólen viáveis e inviáveis (Dafni 1992). Os óvulos foram contados e foi calculada a razão entre o número de grãos de pólen e óvulos (Cruden 1977). As possíveis diferenças no número de grãos de pólen e óvulos foram testadas através do teste t-Student. O comportamento dos visitantes florais foi estudado em 5 indivíduos de cada espécie por meio de observações visuais. Foram anotados dados referentes à abordagem da inflorescência, coleta e deposição de pólen, coleta de néctar e freqüência de visita, a 8 fim de se caracterizar a eficácia na polinização através do contato com o estigma. A freqüência de visitantes florais foi verificada registrando o número de visitas a cada hora em um grupo de 10 flores da mesma inflorescência. Exemplares dos visitantes foram coletados, quando possível, com rede entomológica para observação do local de deposição do pólen em seu corpo e identificação taxonômica. As observações diurnas foram realizadas das 08:00 às 17:00h e as observações noturnas entre 18:00 e 00:00h, totalizando, para ambas espécies, 40 horas de observação diurna e 16 horas de observação noturna. Para determinação do sistema reprodutivo, inflorescências foram ensacadas e submetidas aos seguintes tratamentos: (1) autopolinização espontânea (40 flores para cada espécie), no qual as inflorescências foram ensacadas e mantidas intactas; (2) apomixia (n = 40 flores), onde os botões foram emasculados e mantidos ensacados; (3) autopolinização manual (n = 40 flores), polinizou-se a flor utilizando o próprio pólen; (4) polinização cruzada (n = 40 flores) manual, polinizou-se a flor com pólen de outros indivíduos; e (5) condições naturais (n = 200 flores), no qual as flores foram marcadas e deixadas expostas a visitas. Cinco indivíduos de cada espécie serviram como “plantas mãe”. Foram realizadas polinizações inter-específicas (20 flores para cada espécie), em que as duas espécies de Bathysa foram utilizadas como doadoras e receptoras de pólen. Três meses após os tratamentos, os frutos formados foram contados, coletados e dissecados para a contagem de sementes. Através da média do número de sementes provenientes de frutificações naturais, assim como da média do número de óvulos de flores coletadas ao acaso, foi estabelecida a razão semente/óvulo e possíveis diferenças entre as espécies foram verificadas por meio do teste X2. O acesso às flores foi feito, quando necessário, com a utilização de andaimes devido ao porte das plantas. Os tratamentos que produziram 9 frutos foram submetidos ao teste X2 para verificação das possíveis diferenças significativas e o número de sementes formadas foi avaliado pelo teste t-Student e por ANOVA. Algumas flores submetidas aos tratamentos de cruzamento manual foram fixadas em FAA a intervalos de 12, 24, 48 e 72 horas após a polinização, e observadas em microscópio para a verificação do crescimento dos tubos polínicos e do eventual sítio de incompatibilidade, utilizando a técnica de fluorescência de Martin (1959). Para observação de possíveis diferenças entre a quantidade de tubos polínicos das espécies em estudo, foram coletadas ao acaso 30 flores de 5 indivíduos de cada espécie e estimado o número de tubos polínicos presentes utilizando a técnica de fluorescência. Em B. australis foram contados os números de tubos presentes em cada pistilo e para B. cuspidata, como não foi possível fazer a contagem completa dos tubos, foi feita então uma estimativa com base na contagem da primeira espécie. Esses valores foram agregados em uma escala semiquantitativa de 0 a 4, no qual o número de tubos de cada pistilo foi agrupado de acordo com as seguintes classes: 0 - significa a ausência de tubos; 1 - presença de 1 a 30 tubos; 2 31 a 60 tubos polínicos; 3 - de 61 a 90 tubos; 4 - mais que 91 tubos polínicos. RESULTADOS Produção de Flores Bathysa australis possui em média 1.224 + 667,62 flores por inflorescência, enquanto que B. cuspidata apresenta uma média de 809 + 25,86 flores (n = 3 inflorescências por espécie). As duas espécies apresentam relação positiva entre o tamanho da planta e o número de inflorescências produzidas (Figura 1). Quando comparamos plantas de mesmo tamanho, B. cuspidata apresentou maior número médio de inflorescências por indivíduo (11,8 + 8,35) que B. australis (4,4 + 3,2) (t = 1,94, p< 0,03, n = 12). Bathysa cuspidata 10 também apresentou maior média de altura dos indivíduos (7,80 + 2,51m) que B. australis (5,28 + 1,98m) (t = 1,25, p < 0,013). 35 Número de Inflorescências 30 y = 9,37 + 3,65x 25 20 Bathysa australis Bathysa cuspidata 15 y = 4,06 + 1,4596x 10 5 0 0 2 4 6 8 10 12 14 Altura dos indivíduos (m) Fi gura 1 – Regressão linear entre número de inflorescências e altura de 20 indivíduos de B.australis (r2 = 0,91, p = 0,002, n = 10) e B. cuspidata (r2 = 0,84, p = 0,003, n = 10) amostrados no PARNA do Itatiaia. As duas espécies produziram todos os botões florais nas inflorescências antes do início da antese das primeiras flores e, assim, a maior intensidade desta fenofase ocorreu no primeiro mês diminuindo à medida que as flores abriam. A floração de B. australis ocorreu em 20% dos indivíduos amostrados e coincidiu com a estação chuvosa, de janeiro a março. Em B. cuspidata 40% dos indivíduos floriram e os botões foram observados em fevereiro e as flores de março a junho. Desta forma, as espécies apresentam curta época de sobreposição de floração (Figura 2) e diferenças no índice de atividade na população (X2 = 1,72, p = 0,01, gl = 1). 11 Figura 2 – Fenologia reprodutiva de 15 indivíduos de Bathysa australis (A a D) e 15 indivíduos de Bathysa cuspidata (E a H) de julho de 2006 a novembro de 2007 no Parque Nacional do Itatiaia, onde (—) é percentual de intensidade de Fournier e (- -) índice de atividade. O brotamento e a queda foliar em B. australis e B. cuspidata apresentaram dinâmica mais similar do que a floração e frutificação, e ocorreram de forma contínua 12 durante todo o ano. Em B. australis os valores de intensidade e atividade variaram pouco, sendo que para o brotamento a intensidade foi maior nos meses de agosto e novembro de 2006 e o percentual de atividade da população em julho e agosto de 2007. A fenofase de queda foliar teve pico de intensidade em fevereiro e com maior de atividade na população em agosto de 2007. Quando comparados aos dados obtidos para o percentual de atividade, as espécies não apresentaram diferenças (X2 = 0,61, p = 0,32, gl = 1). Bathysa cuspidata obteve percentual de atividade das fenofases vegetativas atingindo até 90%, com pico de atividade de brotamento em fevereiro de 2007 e de intensidade em março de 2007. Para a queda foliar, o pico para atividade e intensidade foi no mês de fevereiro de 2007. Biologia Floral e da Polinização As inflorescências das duas espécies estão dispostas em tirsos terminais, com flores pequenas (comprimento do tubo, B. australis 5,43 + 0,13mm; B. cuspidata 7,58 + 0,16mm), hermafroditas, pentâmeras e sésseis. Ambas apresentam longevidade floral de aproximadamente três dias (n = 30). O gineceu é composto por ovário ínfero, bicarpelar, bilocular, com dezenas de óvulos (tabela 1) e placentação axial. Os estiletes e os estames são exsertos. Ambas espécies apresentam protoginia incompleta, pois o estigma está receptivo antes das anteras e permanece receptivo após a deiscência destas. Apesar da separação temporal das fases femininas e masculinas, ocorrem flores em diferentes fases na mesma inflorescência. As duas espécies produzem néctar em um disco nectarífero localizado acima do ovário. Acumula-se em forma de uma fina película e foi observado em quantidades incomensuráveis através de capilares durante o dia e noite em flores ensacadas. A senescência se dá com a queda do conjunto de pétalas e estames que ficam com cor ferrugínea, seguida da queda do estilete aproximadamente 24 horas depois. Algumas características florais diferem entre as espécies (Figura 3). As flores de B. australis são verdes e a corola é campanulada. A abertura das flores ocorre no início da 13 manhã, entre 7:00 e 8:00h. O estigma é bilobado, embora a separação dos lobos seja tênue, e encontra-se exposto e receptivo desde a abertura da flor, aproximadamente 12 horas antes da abertura das anteras. O androceu possui quatro estames com deiscência longitudinal. As flores não possuem osmóforos, nem odor perceptível e os frutos são cápsulas elípticas e glabras. As flores de B. cuspidata apresentam a corola de cor branca, infundibuliforme e formando um tubo cilíndrico (Figura 3). A abertura da corola acontece no início da noite, em torno das 20:00h. O estilete é piloso no ápice e o estigma é bilobado e fica receptivo (início da antese) na manhã seguinte à abertura das pétalas. A deiscência das anteras ocorre 24 horas após a abertura das flores. Os filetes possuem um tufo de pelos na base. O androceu é formado por cinco estames com anteras de deiscência longitudinal e os grãos de pólen encontram-se agrupados em glomérulos. Apresenta osmóforos nas pétalas e seu odor adocicado é percebido até a queda da flor. Os frutos são cápsulas globosas glabras. Bathysa australis apresentou menos número de grãos de pólen viáveis (t = 52,36, p < 0,001) e óvulos (t = 27,98, p < 0,001) por flor do que B. cuspidata e essas diferenças foram altamente significativas. Contudo, a razão P/O (pólen/óvulo) é similar e a razão semente/óvulo não diferiu entre as espécies (X2 = 0,82, p = 0,63, gl = 1, Tabela 1). Número de grãos de pólen viáveis em B. australis foi menor do que em B. cuspidata (Tabela 1). Tabela 1 – Número de grãos de pólen viáveis por flor (n = 10), viabilidade polínica, óvulos por flor (n = 20), razão pólen/óvulo (P/O) e razão semente/óvulo (S/O) de Bathysa australis e Bathysa cuspidata. Médias nas mesmas colunas seguidas das mesmas letras não diferem entre si, pelo teste t-Student e pelo X2 para S/O considerando p < 0,05. B. australis B. cuspidata Pólen viável por flor (média/dp) 16182,2 + 615,68a 30378,6 + 666,74b Viabilidade Polínica 79,3% 97,4% Óvulos por flor P/O (média/dp) 89,00 + 5,46a 181,82 153,4 + 8,08b 198,03 S/O 0,61a 0,46a 14 A B Figura 3 – (A) Flores de Bathysa australis, detalhe para o estigma exposto antes das anteras abrirem (seta) e para o grande número de flores abertas ao mesmo tempo, evidenciando que a unidade de polinização é a inflorescência; (B) Flores de B. cuspidata; notar a disposição das flores e a abertura sequencial de flores em cada ramificação (uma por vez), sendo a flor a unidade de polinização. As flores das duas espécies foram visitadas por diversos grupos de insetos (Figura 4), tais como abelhas, vespas, mariposas, borboletas e moscas (Tabela 2). A diversidade de aparelhos bucais, tamanho dos insetos, recurso procurado e o comportamento de visitas permitem facilmente o contato com as partes reprodutivas das flores, visto que o tamanho dos órgãos sexuais facilitam a polinização, assim como o agrupamento das flores. Todos os visitantes aparentemente polinizaram as espécies, contudo é difícil definir diferenças de eficácia de polinização destes grupos. Em B. australis a unidade de polinização é a inflorescência, uma vez que as flores são menores (5,43 + 0,13mm, t = 38,96, p < 0,001), estão mais agrupadas e abrem de modo mais sincrônico, de forma que os polinizadores acabam tocando mais de uma flor por visita. Enquanto que B. cuspidata, por possuir flores maiores (7,58 + 0,16mm), mais espaçadas e que abrem a intervalos de tempo mais longos, a unidade de polinização é a própria flor (figura 3). Devido a todos esses fatores, o parâmetro utilizado para estabelecer os principais polinizadores foi a freqüência de visitas, sendo que as espécies consideradas os principais polinizadores foram aquelas com freqüência relativa superior a 15%. A frequência de visitas em Bathysa cuspidata e B. australis foi, respectivamente, de 31,45 e 19,25 visitas por hora. O recurso mais procurado pelos polinizadores de B. 15 australis foi o néctar enquanto que em B. cuspidata foi o pólen. Abelhas e vespas sociais são os principais grupos de polinizadores em B. australis e realizaram ca. 50% e 30% das visitas, respectivamente. Entretanto, visualmente as vespas carregavam quantidade de pólen muito inferior em seus corpos que as abelhas. Em B. cuspidata as abelhas foram os principais polinizadores, realizando quase 80% das visitas, sendo 73% do total de visitas por meliponídeos. Os meliponídeos Tetragonisca angustula e Nannotrigona sp. 1 contaram com aproximadamente 25% e 18% do total de visitas, respectivamente, e foram consideradas os principais polinizadores dessa espécie. As visitas ocorreram principalmente pela manhã (83% das visitas) e se intensificaram entre 10:00 e 12:00h. Com o passar do meio-dia, as visitas foram diminuindo, com visitas até em torno das 17:00 h. Não foram observadas visitas noturnas. Os polinizadores iam à procura dos recursos (pólen e/ou néctar), e pousando ou não na corola, tocavam com a cabeça, tórax, abdômen, ou pernas os órgãos reprodutores, promovendo assim a polinização (Figura 4). Todos os polinizadores de ambas as espécies visitavam várias inflorescências do mesmo indivíduo, o que possivelmente acarretava em autopolinizações (geitonogamia). Todavia, por B. cuspidata apresentar menores distâncias entre os indivíduos, indivíduos entremeados e maior número de indivíduos em floração, foi observado que nesta espécie os polinizadores visitavam outros indivíduos da espécie, ou seja, propiciam troca de pólen. Em B. australis devido a maior distância entre os indivíduos adultos não foi possível observar movimento de polinizadores entre indivíduos. Houve pequeno compartilhamento de visitantes entre as espécies. As duas espécies compartilhadas de polinizadores, Apis melifera e Melipona mondury (Figura 5-A), tiveram comportamento semelhante nas duas espécies, porém foram mais freqüentes em B. australis (23% e 24 % das visitas por cada abelha, respectivamente). Nos cinco indivíduos de B. australis em que os visitantes foram observados, não houve diferenças em relação à 16 freqüência dessas duas espécies, sendo que A. melifera aparentemente não interferiu no comportamento de M. mondury. Ainda assim, com exceção de uma espécie de Blattidae e uma de Coleoptera que visitaram B. australis, os demais grupos de visitantes, como vespas, sirfídeos e borboletas também foram observados nos indivíduos de B. cuspidata. A B C D E F Figura 4 – Diversidade de grupos de visitantes florais de Bathysa australis (A a C) e B. cuspidata (D a F) no Parque Nacional do Itatiaia. A- Melipona mondury tocando as partes reprodutivas e tomando néctar; B- Omicron sp. em busca de néctar C- Hesperiinae sp. 1 – detalhe para o pólen nas asas (seta); D- Nannotrigona sp. coletando pólen; E- Syrphidae sp. 2 – detalhe para o pólen nas suas pernas (seta); F- Halictidae sp.1 coletando pólen. 17 Tabela 2 - Visitantes florais de B. australis e B. cuspidata organizados em ordem de maior freqüência e recurso procurado, onde Freqüência absoluta = número de flores visitadas/ tempo total de observação (28 h para cada espécie) e Freqüência relativa = freqüência absoluta/ total x 100. P = Pólen, N = Néctar, HYM = Hymenoptera, LEP = Lepdoptera, DIP = Diptera, BLA = Blattaria, COL = Coleptera, HEM = Hemiptera. Ordem/ Família Bathysa australis HYM/ Apidae HYM/ Apidae HYM/ Vespidae HYM/ Pompilidae LEP/ Hesperiidae HYM/ Vespidae LEP/ Hesperiidae HYM/ Vespidae HYM/ Apidae DIP/ Syrphidae BLA/ Blattidae COL/ Scarabaeidae Bathysa cuspidata HYM/ Apidae HYM/ Apidae HYM/ Apidae HYM/ Apidae HYM/ Apidae LEP/ Hesperiidae DIP/ Syrphidae DIP/ Syrphidae HYM/ Apidae LEP/ Hesperiidae HYM/ Scoliidae HYM/ Halictidae HYM/ Apidae HEM/ Miridae Espécies Melipona mondury Smith Apis mellifera Linnaeus Omicron sp. Indet sp. Hesperiinae sp. 1 Mischocyttarus sp. Mechanitis lysimnia lysimnia Fabricius Mischocyttarus cassununga von Ihering Cephalotrigona sp. Ormidia obesa Indet sp. Indet sp. Tetragonisca angustula Latreille Nannotrigona sp. Melipona mondury Smith Paratrigona cf. subnuda Moure Trigona spinipes Fabricius Lychnuchus celsus Fabricius Indet sp. 1 Indet sp. 2 Apis mellifera Linnaeus Hesperiinae sp. 2 Campsomeris sp. Indet sp. 1 Bombus morio Swederus Indet sp. 1 Freqüência absoluta Total 19,25 4.60 4,35 1,95 1,85 1,75 0,95 0,95 0,85 0,70 0,65 0,60 0,05 Total 31,45 8,15 5,90 2,90 2,70 2,45 2,10 2,00 1,95 1,75 1,15 0,85 0,50 0,40 0,40 Freqüência relativa 100 23,90 22,60 10,13 9,61 9,09 4,94 4,94 4,42 3,64 3,38 3,12 0,26 100 24,55 17,77 8,73 8,13 7,38 6,33 6,02 5,87 5,27 3,46 2,56 1,51 1,20 1,20 Recurso procurado N P/N N N N N N N P/N N P/N P P P N P P N P P/N P/N N N P N N 18 Biologia Reprodutiva B As espécies não apresentam frutificação por autopolinização espontânea ou apomixia e também não produziram frutos após polinizações inter-específicas. Bathysa australis produziu frutos no tratamento de autopolinização manual, sendo caracterizada como autocompatível. Os tubos polínicos advindos de autopolinização alcançaram o ovário e foram observados penetrando os óvulos 48 horas após as polinizações (Figura 5-A). Já B. cuspidata, que não apresentou formação de frutos em autocruzamentos, é autoincompatível (Tabela 3). Os grãos de pólen provenientes de autopolinizações manuais geralmente não germinaram, ou quando iniciaram sua germinação nas papilas estigmáticas, esta foi logo interrompida (figura 5-C). Em todas as flores analisadas sob microscopia, o número de tubos no estilete após polinizações cruzadas em B. cuspidata foi visualmente muito maior que em B. australis, e em ambos os casos, os tubos alcançaram os óvulos em até 48 horas (figura 5). Das 30 flores de cada espécie coletadas para estimar o número de tubos polínicos, havia grãos germinados em sete pistilos de B. australis e oito de B. cuspidata. Esses números se aproximam do percentual de frutificação em condições naturais das duas espécies. Dentre os pistilos com tubos, B. australis apresentou tubos somente nas categorias 1 e 2 (Figura 5-B), enquanto que B. cuspidata só nas categorias 3 e 4 (i.e., acima de 60 tubos) (Figura 5-D). Quando comparamos o número de frutos obtidos nos diferentes tratamentos para cada espécie, os resultados não apresentam diferenças (B. australis X2 = 1,91, p = 0,86, gl = 2; B. cuspidata X2 < 0,01, p = 0,94, gl = 1). O mesmo resultado foi verificado para número de sementes produzidas (B. australis F = 6,02, p = 0,78, gl = 2; B. cuspidata t = 3,45, p = 0,68) . Quando se compara as duas espécies, a produção de frutos não diferiu para o controle (X2 = 1,92, p = 0,16, gl = 1) nem para a polinização cruzada (X2 = 0,31, p 19 = 0,57, gl = 1). A média de sementes produzidas após polinizações naturais (t = 13,74, p<0,001), e polinizações cruzadas (t = 18.92, p < 0,001) diferiu entre as duas espécies Tabela 3). Tabela 3 – Produção de frutos e sementes por Bathysa australis e B. cuspidata após diferentes tratamentos de polinizações controladas, em área de Floresta Atlântica no Parque Nacional do Itatiaia. Médias nas mesmas colunas (a; cd) e linhas (e; gh) e seguidas das mesmas letras não diferem entre si, considerando p < 0,05. Tratamentos No de B. australis B. cuspidata Polinização cruzada Autopolinização manual Polinização natural flores No de frutos Formados No de sementes (média/dp) No de frutos formados No de sementes (média/dp) 40 7 (17,5%)a,e 51,42 + 3,19c,g 9 (22,5%)a,e 75,11 + 6,03c,h 40 11(27,5%)a 41,09 + 3,59c 0 - 200 56 (28%)a,e 54,46 + 7,22c,g 44 (22%)a,e 71,37 + 7,30d,h Figura 5 – Crescimento de tubos polínicos nos pistilos de Bathysa australis (A-B) e Bathysa cuspidata (C-D); (A) Tubo chegando ao óvulo 48 horas após auto-cruzamento; (B) Tubos polínicos no estilete após polinização cruzada; (C) Tubos com germinação inibida nas papilas estigmáticas após auto-cruzamento; (D) Tubos polínicos no estilete após polinização cruzada. 20 DISCUSSÃO B BB Eficiência reprodutiva, potencial reprodutivo e esforço reprodutivo Diversas características podem explicar as diferenças existentes na produção de sementes (capacidade reprodutiva) entre espécies. Por exemplo, a auto-incompatibilidade, em que plantas autocompatíveis produzem maiores quantidades de sementes que plantas auto-incompatíveis (Husband e Schemske 1996); a limitação polínica, já que a diminuição no número de visitas levaria à diminuição da quantidade de pólen que chega à superfície estigmática (Ashman et al. 2004); a forma de vida, em que plantas herbáceas produzem maiores quantidades de sementes que outras formas de vida (Ramírez 1993); a limitação de recursos, em que frutos com maior número de sementes requerem maior disponibilidade de recursos (Sutherland 1986). Grande parte desses estudos relatam a presença desses fatores de influência à produção de sementes dentro de populações (Quijada 1980, Valério e Ramírez 2003, Ramírez 2007) ou entre de populações (Ramírez 1995, Aponte e Jáuregui 2004, Ramírez 2006). No presente estudo, verificamos que a eficiência reprodutiva, medida pela fecundidade, não diferiu entre as duas espécies simpátricas de Bathysa, porém, os fatores que contribuem para a maior capacidade reprodutiva de B. cuspidata foi o potencial reprodutivo. Bathysa cuspidata apresentou maior potencial reprodutivo que B. australis por possuir maior número de óvulos por flor, por apresentar indivíduos maiores, mais inflorescências por indivíduos de mesmo porte e o dobro de indivíduos nas fenofases de floração e frutificação. Em conjunto essas características resultaram em maior número de óvulos disponíveis na população e isto determinou diretamente o número de sementes produzidas. Como as flores de B. cuspidata apresentaram maior freqüência de visitas e maior quantidade de tubos polínicos, esperava-se que esta espécie tivesse maior eficiência reprodutiva (aqui estimada pela fecundidade). Também era esperado que B. australis 21 sofresse limitação polínica, uma vez que a diminuição no número de visitas às flores pode levar à diminuição da quantidade de pólen que chega ao estigma (Ashman et al. 2004). Ocorreu a fertilização em mais da metade dos óvulos disponíveis nas duas espécies, só que a quantidade de tubos que germinam é menor que o número de óvulos em ambas. Apesar disso, aparentemente não está ocorrendo limitação polínica em Bathysa australis ou em B. cuspidata, pois a taxa de formação de frutos e de sementes não diferiu entre o tratamento controle e o de polinização manual nas duas espécies. Estes resultados evidenciam que os polinizadores estão sendo efetivos e que restrições na frutificação se devem possivelmente à disponibilidade de recursos para desenvolvimento dos frutos (Sutherland 1986). Contudo, a eficiência reprodutiva foi equivalente nas duas espécies, uma vez que estas não apresentaram diferenças na produção de frutos e também na razão semente/óvulo. Talvez o que possa explicar a equivalência na eficiência reprodutiva, mesmo com a menor freqüência de visitas em B. australis, seja a ausência de autoincompatibilidade nesta espécie. Segundo alguns autores (Proctor e Yeo 1979, Ricklefs e Miller 2000), a autocompatibilidade é um tipo de mecanismo reprodutivo que oferece vantagens desde o ponto de vista da eficiência reprodutiva e tem a vantagem de assegurar, ao menos em parte, a produção de sementes (Proctor & Yeo 1979). Ainda que seja um fator que supostamente diminui a qualidade das sementes, a autocompatibilidade implicaria em uma maior proporção de sementes oriundas de autopolinizações, uma vez que é uma fonte adicional de pólen e contribui para sua fertilidade (Burd 1994). A freqüência de visitas observada em B. australis foi menor e pode ser causada pela menor disponibilidade de parceiros sexuais florindo, o que a tornaria menos atrativa para polinizadores. De fato, em outras espécies, a menor abundância de co-especificos resultou em menos visitas e menor quantidade de pólen depositado no estigma (Silander 1978, Klinkhamer e Dejong 1990, Groom 1998, Fausto et al. 2001). 22 Em B. cuspidata o número de flores produzidas por cada planta depende significativamente do tamanho da planta, pois quanto maior o indivíduo, maior será a quantidade de flores produzidas, tal como registrado para outras espécies (Fowler 1986, Samson e Werk 1986, Shimono e Washitani 2007). Além disto, foi verificado que as plantas de maior porte de B. cuspidata apresentavam galhos entremeados, possibilitando que os visitantes transportassem pólen a outros indivíduos mesmo realizando apenas vôos de curta distância. Alguns autores sugeriram que em áreas com alta densidade, plantas maiores ficam mais próximas, facilitando a troca de pólen (Burdon et al. 1988, Wolff et al, 1988). Acredita-se que B. cuspidata obteve maiores taxas de troca e de deposição de pólen também por possuir vizinhos com maior densidade floral e ter sido mais visitada. Alguns trabalhos observaram que plantas com vizinhos de maior densidade floral foram mais visitadas e tiveram aumento das taxas de deposição de pólen e produção de frutos (Calvo e Horvitz 1990, Burd 1994, Corbet 1998), enquanto que plantas isoladas tiveram menor produção de frutos e sementes, em parte por causa da atração de poucos e baixa qualidade de visitantes (Jennersten e Nilsson 1993, Kunin 1997). Sendo assim, a presença da auto-incompatibilidade em B. cuspidata é beneficiada pelos dados propostos anteriormente e, também, pela maior abundância e por possuir mais indivíduos na fenofase de floração. De fato alguns autores relatam que devido às curtas distâncias, espera-se que a troca de pólen entre indivíduos seja mais comum, aumentando tanto a taxa de cruzamento quanto o número de plantas reproduzindo dentro e em áreas próximas (e.g. Degen et al. 2004, Gusson et al. 2005, Barreira et al. 2006). Ao contrário, devido à baixa densidade de indivíduos florindo, das distâncias médias entre esses indivíduos (~ 40 m) e pelo comportamento dos polinizadores, acreditase que B. australis reproduza-se basicamente por geitonogamia no PARNA do Itatiaia. A geitonogamia ocorre mais comumente em árvores isoladas que estão distantes de outros 23 potenciais doadores (Cascante et al. 2002). Por esta espécie possuir poucos parceiros sexuais próximos, sugere-se que possa ocorrer baixa troca de pólen entre os indivíduos em decorrência das curtas distâncias cobertas por seus polinizadores. Assim, presença da autocompatibilidade é importante para a manutenção da reprodução da espécie. Alguns autores verificaram que altos níveis de autofertilização, como resultado da geitonogamia, são associados a baixas densidades populacionais, (Murawski et al. 1990, Murawski e Hamrick 1992a, Murawski e Hamrick 1992b) e aumentam a chance de sucesso reprodutivo das espécies (McMullen 1987, Ramírez e Brito 1990, Murawski e Hamrick 1991, Richards 1986, Jaimes e Ramírez 1999). Características de Rubiaceae: Polinizadores e Sistema de Incompatibilidade A grande maioria das flores de pólen é caracterizada pela presença de anteras poricidas e por prover só pólen ou, mais raramente, pouca quantidade de néctar para os polinizadores (Endress 1994, Freitas e Sazima 2006). Flores com anteras poricidas apresentam pólen pulvurento e são polinizadas por abelhas grandes e pequenas. Freitas e Sazima (2003), revendo estudos com espécies arbustivas e herbáceas que produzem poucas flores, sugeriram que a seleção de flores de pólen é favorecida principalmente em espécies polinizadas por abelhas solitárias com pequenas populações. A maioria dessas abelhas coletam o pólen por vibração (Buchmann 1983), todavia, flores de pólen com anteras não-poricidas também foram relatadas na literatura, particularmente envolvendo a polinização por abelhas que são incapazes de vibrar ou cuja vibração é pouco eficiente (e.g., Vogel 1978, Buchmann 1983, Roubik 1989, Freitas e Sazima 2003). Em nosso estudo, foi verificado que as flores de B. cuspidata, que não possuem anteras poricidas, também foram muito atraentes para as abelhas que não realizam vibração. A coleta de pólen aconteceu em aproximadamente 80% das visitas, sendo que as possíveis 24 características atrativas seriam o grande número de flores com grãos de pólen bem expostos e acessíveis. As características florais têm sido associadas com o tipo de polinização e estratégia reprodutiva (Valério e Ramírez 2003). Assim, as características morfológicas das flores de B. cuspidata parecem ser similares àquelas visitadas por mariposas, visto que a corola é branca e tubular (infundibuliforme), com néctar escondido na base da corola e forte odor adocicado (Faegri e van der Pijl 1979). Como as características florais não coincidem com aquelas supostamente relacionadas ao principal grupo de polinizadores (meliponídeos), sugere-se que possa estar ocorrendo um desacoplamento no sistema de polinização (Whalen 1978, Murray et al. 1987) em função da escassez de visitas por mariposas. A pressão seletiva dos visitantes mais freqüentes, que coletam grandes quantidades de pólen para manter suas colônias também pode contribuir neste sentido. Os meliponídeos são abelhas sociais, com colônias populosas e perenes e que precisam explorar um amplo espectro de fontes florais ao longo do ano (Michener 1979). São forrageiras oportunistas que quase sempre tentam explorar os recursos alimentares mais rentáveis (Visscher e Seeley 1982). Ainda, espécies arbóreas, que produzem muitas flores e sem a limitação do recurso pólen, poderiam favorecer a presença de flores de pólen polinizadas por essas abelhas, visto que os meliponídeos são as abelhas nativas mais abundantes e os maiores coletores de pólen da Mata Atlântica (Wilms 1996). Desse modo, a existência de flores de pólen ligadas a este grupo de polinizadores é esperada neste ecossistema (Pires e Freitas 2008). Com base nestes dados, B. cuspidata foi considerada uma flor de pólen e este seria o primeiro caso de espécie de Rubiaceae com flores que apresentam pólen como principal recurso. De acordo com Opler (1983) essa família é uma das mais dominantes entre o grupo de plantas nectaríferas em ecossistemas tropicais (e.g. Feinsinger e Busby 1987, 25 Ree 1997, Castro e Oliveira 2001, Santos e Del-Claro 2001, Coelho e Barbosa 2003, Castro e Araújo 2004, Coelho e Barbosa 2004, Amorim e Oliveira 2006, Carvalho et al. 2007, Wolff e Liede-Schumann 2007, Fonseca et al. 2008 entre outros). Wilms e Wiechers (1997) observaram o comportamento de forrageamento de abelhas em uma espécie não identificada de Bathysa em Mata Atlântica no estado de São Paulo e verificaram que abelhas visitaram com freqüência as flores. Apis melifera utilizou a referida espécie de Bathysa principalmente como fonte de néctar e muito pouco para coleta de pólen, enquanto que para Melipona bicolor e M. quadrifasciata a espécie foi uma importante fonte de néctar apenas. Estudos em biologia reprodutiva e da polinização que relatam sobre a coleta de pólen em Rubiaceae são escassos, sendo que em alguns não é descrito o comportamento dos insetos nem seu eventual papel na polinização (Ornelas et al. 2004, Sakai e Wright 2008) e em outros os coletores de pólen foram considerados pilhadores (Stone 1996, Teixeira e Machado 2004a, Consolaro et al. 2005, Santos et al. 2008). Em outro caso, as flores de Psychotria barbiflora foram polinizadas principalmente por abelhas que buscavam pólen e néctar e menos freqüentemente por abelhas que só coletavam néctar, porém néctar foi o recurso principal (Teixeira e Machado 2004b). Em estudo sobre pólen como fonte de recurso para três espécies de abelhas sem ferrão na Tailândia, duas espécies de Rubiaceae (Ixora grandifolia e Paederia linearis) foram utilizadas como fontes de pólen (Jonjitvimol e Wattanachaiyingcharien 2006). Todavia, tal estudo dá enfoque somente aos meliponídeos como visitantes, sem relatar se esses visitantes polinizam as plantas, se há a presença de outros visitantes e se ocorre a procura por outros recursos. Ainda, Ramalho et al. (2007) estudaram algumas espécies de plantas, inclusive de Rubiaceae, que foram utilizadas como fontes de pólen por abelhas meliponídeas. Esses autores relataram que as flores foram intensamente exploradas por A. melifera e 26 descartadas por Melipona scutellaris, e não abordaram sobre a coleta de néctar por essas espécies. A falta de registro de flores de pólen em Rubiaceae talvez seja em decorrência da ausência de observações do recurso procurado, como ocorreu em alguns trabalhos de polinização por abelhas nas espécies Coffea arabica e C. canephora na Indonésia (Klein et al. 2003a, Klein et al. 2003b) ou por se tratar realmente de algo raro na família. As flores de néctar possuem grande diversidade e são uma importante classe, porque a maioria dos grupos de polinizadores, desde pequenas abelhas e moscas até os grandes morcegos, são consumidores de néctar (Endress 1994). As flores de néctar predominantes em Rubiaceae neotropicais são tubulosas, com coloração conspícua, sendo que muitas são polinizadas por beija-flores (Snow e Snow 1986, Feinsinger e Busby 1987, Silva 1995, Sazima et al. 1996, Castro e Oliveira 2001, Coelho e Barbosa 2003, entre outros). Bawa e Beach (1983) verificaram que grande parte das espécies de Rubiaceae observadas em florestas da Costa Rica possuíam flores brancas e tubulares, e a sua maioria teria borboletas como prováveis polinizadores, porém a observação de visitantes foi escassa. Já Bathysa australis, que foi aqui caracterizada como flor de néctar, não se enquadra nesses padrões morfológicos gerais encontrados para a família. Todavia, suas flores são semelhantes às de Galium hypocarpium (Rubiaceae), que são pequenas com corola esverdeadas e polinizadas por vespas e moscas (Freitas e Sazima 2006). A curta sobreposição de floração e o compartilhamento restrito de polinizadores indicam que não há competição entre as duas espécies de Bathysa aqui estudadas, não afetando desta forma o sucesso reprodutivo. Dados de herbário (A. Sobral, com. pess.) referentes às épocas de floração dessas duas espécies de Bathysa no PARNA Itatiaia diferiram da registrada neste estudo, porém mantiveram um comportamento sazonal e sem sobreposição inter-específica. A divergência encontrada na época de floração entre as duas espécies de Bathysa não parece ligada a evitar competição por polinizadores ou 27 cruzamentos congêneres, como observado para outras espécies simpátricas (Gentry 1974, Stiles 1975, Campbell 1985, Gottsberger 1986, Newstrom et al. 1994), uma vez que os polinizadores são diferentes e essas espécies não aceitam cruzamentos entre si. O compartilhamento restrito de polinizadores em B. australis e B. cuspidata está ligado ao fato de que as espécies apresentam diferenças morfológicas marcadas para definição dos principais grupos funcionais de polinizadores, como por exemplo, as diferenças no tamanho, padrão de disposição e recurso mais procurado. Apesar de abelhas e vespas constituírem os principais polinizadores em B. australis e meliponídeos serem predominantes em B. cuspidata, os atributos florais das espécies permitem um amplo espectro de visitantes. Espécies de Rubiaceae apresentam um amplo espectro de polinizadores (Robbercht 1988, Barret e Richards 1990), incluindo abelhas, mariposas, borboletas e beija-flores (Vogel 1954, Barrett e Richards 1990). Assim como para a maioria dos estudos em espécies heterostiladas foi verificado em B. australis e B. cuspidata a existência de um ou dois principais grupos de polinizadores, mas também com a eficácia de outros grupos (Sobrevilla et al. 1983, Riveros et al. 1995, Ree 1997, Castro e Oliveira 2001, Lasso e Naranjo 2003, Castro e Araújo 2004, Teixeira e Machado 2004, Consolaro et al. 2005, Fonseca et al. 2008). Embora alguns autores sugiram que haja uma tendência de especialização de polinizadores em flores heterostílicas e generalização nas homostílicas (Ornduff 1975, Charlesworth e Charlesworth 1979, Lloyd 1979), outros estudos sugerem que a eficiência da polinização cruzada em espécies heterostiladas não parece estar relacionada com especialização de um polinizador (Olesen 1979, Harder e Barret 1993). Adicionalmente, Santos et al. (2008), estudando uma espécie homomórfica e outra heteromórfica, averiguaram que ambas apresentam um polinizador principal e que a polinização pode ser feita por outros grupos, enquanto que Sakai e Wright (2008) em seu 28 estudo com 21 espécies de Psychotria, tanto homomórficas como heteromórficas, verificaram que todas são visitadas por espécies similares de polinizadores potenciais. Foi encontrado em B. cuspidata um sistema de auto-incompatibilidade com sítio de inibição estigmático e possivelmente do tipo esporofítico, o que já foi observado para outras espécies de Rubiaceae homomórficas (Devreux et al. 1959; Souza et al. 2007). Todavia ainda são necessários estudos para determinar precisamente se esse sistema é do tipo gametofítico ou esporofítico, já que auto-incompatibilidade gametofítica associada à inibição estigmática foi relatada para espécies de Coffea (Lashermes et al. 1997). A ocorrência de auto-incompatibilidade gametofítica e auto-incompatibilidade heteromórfica é comum em famílias que possuem flores heterostiladas (De Nettancourt 1977), entretanto não há provas reais de que os ancestrais de táxons auto-incompatíveis heterostílicos possuíam funcionamento gametofítico (Gibbs 1986). Falk e Holsinger (1991) indicam que características reprodutivas das plantas são fundamentais na ecologia das mesmas, devido ao seu efeito crucial na dinâmica populacional. Como exemplo, a relação entre auto-incompatibilidade e densidade populacional já foi observada para algumas espécies (e.g. Kunin e Shimada 1997, Fausto et al. 2001). Desse modo, estudos sobre os mecanismos de auto-incompatibilidade são importantes para elucidar suas possíveis conseqüências na redução na formação de frutos e sementes e em sua qualidade, visto que esses últimos refletem no dimensionamento do recrutamento, em função do banco de sementes (Cabrera e Dieringer 1992, Inoue et al. 1994, Watson et al. 1994) ou mesmo no isolamento reprodutivo da espécie (Molau 1993, Boaz et al. 1994). No presente estudo, a autocompatibilidade foi uma característica importante para explicar a igualdade na eficiência, mas os fatores potencial e o esforço reprodutivo foram mais relevantes para garantir a maior capacidade da espécie mais abundante, sendo possível haver uma relação positiva entre densidade e número de 29 sementes. Sendo assim, para essas duas espécies de Bathysa na floresta montana do Itatiaia, a estrutura dos adultos da população pode estar relacionada aos padrões de cruzamento, uma vez que a espécie com menor densidade é autocompatível e produz menos sementes e a espécie com maior densidade é auto-incompatível e tem maior produção de sementes. 30 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo da biologia reprodutiva de árvores tropicais tem sido objeto de grande interesse da comunidade científica para atender a crescente necessidade de compreender como é possível manter a biodiversidade. Os dados sobre a reprodução de uma espécie, como sistema sexual, mecanismos de incompatibilidade, padrão de floração e processo de polinização podem nortear a adoção de estratégias de manejo e manutenção de populações e ecossistemas, pois a manutenção da variabilidade genética permite a adaptação a uma maior gama de condições ambientais e está diretamente relacionada com a sobrevivência das populações no ambiente (Kageyama 1990, Hamrick e Nason 2000). As comunidades florestais são dinâmicas e as mudanças ocorrem continuamente em níveis de população, de espécies e de indivíduos ao longo do tempo, mesmo que a comunidade como um todo seja estável, devido ao equilíbrio entre crescimento, recrutamento e mortalidade (Felfili 1995). O recrutamento refere-se ao processo de instalação de novas plântulas na população (Porté e Bartelink 2002) e depende de vários processos pré- e pós-germinação, entre eles a produção de sementes (Garrido et al. 2005). Para completarem seus ciclos de vida, as populações de plantas dependem dos processos reprodutivos, ou seja, da produção de indivíduos fisiologicamente independentes, os quais garantem a manutenção destas populações e adicionalmente permitem a dispersão da espécie (Cordazzo e Seeliger 1998). A produção de sementes (aqui, referida como capacidade reprodutiva), quando em pequenas quantidades, e a falta de fontes locais de sementes combinadas com a dispersão restrita tem impactos permanentes na dinâmica da população (Clark et al. 1999). Nesse estudo verificamos que B. cuspidata foi a espécie que obteve maior capacidade reprodutiva (número de sementes produzidas), o que pode estar relacionada com as diferenças encontradas nas densidades relativas (no qual B. cuspidata é mais 31 abundante), já que o número de sementes é uma das muitas etapas da vida de uma planta que afeta sua taxa recrutamento. Todavia são necessários estudos sobre o processo de germinação e estabelecimento de plântulas dessas espécies, já que nestes estágios do ciclo de vida das plantas costumam ocorrer reduções dramáticas de potencial de recrutamento (Harper 1977, Kitajima e Fenner 2000). As espécies apresentam épocas de floração distintas e não compartilham os mesmos polinizadores, o que minimiza efeitos de competição inter-específica no sucesso reprodutivo de ambas. Também não diferiram na eficiência reprodutiva (porcentagem de óvulos que se tornam sementes) e na produção de frutos. Registramos um indício de flor de pólen na família, o que pode ser em decorrência da pressão pela grande procura do recurso por abelhas meliponídeos, que são muito abundantes em ambientes tropicais. As abelhas são consideradas os principais polinizadores de árvores em florestas neotropicais (Bawa et al. 1985), entretanto não se sabe qual grupo especificamente, e pouco se conhece sobre a importância e eficiência das abelhas sem ferrão como polinizadores (Pires e Freitas 2008). Desse modo, são necessários estudos que gerem informações sobre estes visitantes e trabalhos para a confirmação desse tipo de flor em Rubiaceae. 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aires, F., Prigent, C. & Rossow, W. B. 2005. Sensitivity of satellite microwave and infrared observations to soil moisture at a global scale. II: Global statistical relationships. Journal of Geophysical Research 110: 1-14. Aizen, M. A. & Feinsinger, P. 1994. Forest fragmentation, pollination, and plant reproduction in Chaco dry forest, Argentina. Ecology 75: 330-351. Amorim, F. W. & Oliveira, P. E. 2006. Estrutura sexual e ecologia reprodutiva de Amaioua guianensis Aubl. 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