Istambul: Shoppings de luxo, no lugar - LeMetro/IFCS-UFRJ
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Istambul: Shoppings de luxo, no lugar - LeMetro/IFCS-UFRJ
24 l O GLOBO l Rio l Domingo 27.10.2013 Cidade em transe Istambul Shoppings de luxo, no lugar de comércio local Reforma urbana provoca deslocamento de minorias étnicas do centro para áreas do subúrbio CLAUDIA DOS SANTOS/25-4-2011 CLAUDIA DOS SANTOS [email protected] -RIO E ISTAMBUL- As obras no Parque Gezi, o estopim dos protestos que sacudiram a Turquia em junho, faziam parte de um megaprojeto de transformação urbana do governo Recep Tayyip Erdogan. Este prevê a renovação de várias áreas de Istambul, principalmente aquelas habitadas pelas classes de baixa renda, com o argumento de que os imóveis são insalubres ou inseguros no caso de um terremoto. A área de Tarlabasi é um exemplo: os antigos moradores, muitas vezes de minorias étnicas, têm de deixar suas casas, demolidas para dar lugar a novos empreendimentos, inacessíveis aos seus bolsos. Além disso, prédios comerciais históricos na Avenida Istiklal, no coração da cidade, passam por reformas de gosto duvidoso e se transformam em shopping centers. De certa forma, era isso que estava no centro dos protestos de Gezi: pelo projeto, atualmente suspenso pela Justiça, o parque seria substituído por uma réplica de um quartel otomano demolido nos anos 1940, que funcionaria como um shopping. A transformação urbana suscitou várias críticas, tanto de urbanistas quanto da população afetada. O governo, que quer fazer de Istambul uma cidade cosmopolita, rivalizando com Londres e Nova York, argumenta que as pessoas estarão melhores em imóveis novos do que em habitações insalubres. O Ministério do Desenvolvimento Imobiliário da Turquia (Toki, pela sigla em turco), responsável pela construção de moradias populares, ressalta oferecer imóveis ao alcance do bolso da população de baixa renda. Mas esses imóveis, ressaltam os críticos, são sempre distantes do Centro de Istambul. O processo de transformações urbanas na cidade teve início nos anos 1950, com a derrubada das yalis à beira do Estreito do Bósforo para dar lugar a largas avenidas, conta o arquiteto Cem Yücel, do escritório Mars Architects e responsável pelo projeto do Museu da Inocência, idealizado pelo escritor Orhan Pamuk. Os ricos que habitavam as yalis não apreciaram a mudança, mas a população ganhou a vista para o Bósforo. ADMINISTRADOR QUER UM ‘CHAMPS-ELYSÉES’ Nos anos 1980, mais avenidas. Nessa ocasião foi aberto o Boulevard Tarlabasi, na área de mesmo nome, junto ao Parque Gezi. Onde havia casas e pequenos prédios, há hoje uma larga avenida de seis pistas. As ruas que permaneceram intactas são agora alvo de um novo projeto do governo. As obras estão em andamento: as calçadas e ruas são refeitas, e os predinhos antigos, de três ou quatro andares, dão lugar a construções com o dobro da altura e um preço dez vezes maior. Muitos dos imóveis de Tarlabasi são ocupações ilegais, explica Yücel. Os proprietários originais eram gregos e armênios, forçados a deixar o país nos anos 1950. As casas acabaram invadidas por trabalhadores que vinham do interior da Turquia — segundo a jornalista alemã Constanze Letsch, que mora em Istambul desde 2005, os curdos representam 80% dos moradores. E quem não consegue apresentar um título de propriedade do imóvel em que vive é, invariavelmente, expulso. Tarlabasi era uma espécie de “alvo natural” para o governo depois que Beyoglu, área da qual faz parte, passou por seu próprio processo de gentrificação — mais natural, de acordo com Yucel. O administrador de Beyoglu, Ahmet Misbah Demircan, já declarou que quer transformar Tarlabasi nos “Champs-Elysées” de Istambul. Há cerca de 15 anos, Beyoglu, no qual poucas pessoas se aventuravam devido à prostituição e à criminalidade, foi “redescoberto” por artistas. Lá se instalaram as mais badaladas casas noturnas da cidade, como Babylon e Peyote, assim como galerias de arte e hotéis butique para abrigar turistas em busca da vibe de Istambul. — Os preços começam a subir, as imobiliárias vêm, os antigos moradores não podem mais pagar o aluguel e acabam se mudando — disse Yücel ao GLOBO. Yücel vê a gentrificação como algo inevitável; o que o preocupa é a condução desse processo. — A gentrificação é um processo natural e necessário. A transformação em si não é algo ruim. Já uma transformação desleixada… Se o governo vê nisso apenas uma oportunidade de ganhar dinheiro, só vai causar mais problemas. Você começa a esquecer sua história, o que não é bom para nenhuma sociedade. Não devemos destruir a alma das coisas. l Hoje na web oglobo.com.br/ rio l GLOSSÁRIO: A l ESPECIALISTA: O mudança da cidade em novas palavras. pesquisador de favelas Jake Cummings. Eu sou você amanhã. Na Avenida Istiklal, o shopping Demirören (à direita) e o Edifício Se Sam, atualmente passando por obras para se tornar mais um centro comercial JONÁS BEL/NOPHOTO/DIVULGAÇÃO Madri Chueca, símbolo de bairro moderno Área já foi considerada retrato da pobreza e decadência nos anos 1980 PRISCILA GUILAYN Correspondente [email protected] -MADRI- Heroinômanos a cada esquina; grades trancando comércios vazios há anos; edifícios deteriorados, sem calefação, sem elevador, com banheiros nos corredores; e uma população, basicamente, de pessoas idosas, sem ter para onde fugir. Esta é a Chueca da década de 1980, retrato de pobreza e desolação no centro madrilenho, onde Pedro Almodóvar gravou algumas das cenas de “Ata me!”, quando o personagem de Antonio Banderas ia em busca de droga. Porque Chueca se resumia a isso: seringas pelo chão, rostos inchados e vermelhos, bocas com dentes negros corroídos, vidas devastadas pela heroína. Um passado de decadência, que nada tem a ver com a Chueca de hoje, símbolo de modernidade, tema de teses de doutorado, por ser resultado de um processo de gentrificação expontâneo e exitoso. Não houve um plano estratégico da prefeitura nem um projeto ambicioso de um grupo de empresários. Chueca foi mudando de fisionomia pouco a pouco, e o primeiro grão de areia quem colocou foi Mili Hernández. Ela tinha o sonho de montar uma livraria direcionada para o público LGTB (lésbicas, gays, transexuais e bissexuais) e em Chueca havia lojas aos montes para escolher e com aluguéis baratos. Berkana, inaugurada em 1993, l GENTRIFICAÇÃO, UM FENÔMENO GLOBAL: Vídeo explicativo sobre o conceito e os indicadores do processo de mudança nas cidades do Brasil e do mundo. Chueca . Mudança do bairro é estudada nas universidades foi o motor da transformação. — As pessoas estavam surpresas e me perguntavam se eu não tinha medo. Mais do que a insegurança do bairro, o receio era de uma agressão homófoba à livraria. Mas eu não tinha medo nem de uma coisa nem da outra. A abertura de Berkana teve um grande impacto mediático, e serviu de incentivo para que outros homossexuais se interessassem em montar um negócio no bairro. Um restaurante, uma floricultura, outro restaurante, um café... Em 1995, Mili tinha ao redor da Berkana uma con- l CRUZADA: O impacto na rotina de velhos moradores e a chegada de novos personagens nos apartamentos da Cruzada. l NO l FOTO GALERIA: GOOGLE+: google.com/ +JornalOGlobo Imagens sobre a ocupação do conjunto habitacional, no Leblon, desde a década de 1950. Acompanhe O GLOBO no Google Plus centração de comerciantes LGTB suficiente para lançar o primeiro mapa gay, chamado de Chueca Gay. — Nós fomos mudando a fisionomia do bairro, que deixou de ser um deserto de lojas fechadas. Os moradores de Chueca estavam contentíssimos e nos diziam “preferimos os gays aos viciados”. A prefeitura estava de boca aberta com a transformação: tudo o que a gente pedia para fazer, eles deixavam. Nós, LGTB, deixamos de ser invisíveis. O Cogam, Coletivo de Lésbicas, Gays, Transexuais e Bissexuais de Madri, que se estabeleceu no bairro em 1995, apresentou no Congresso dois anos antesquando Berkana se estabelecia em Chueca e atraía olhares da opinião pública — um texto de proposta para uma lei de união estável homossexual. As reivindicações cresciam, Chueca saía do armário e vários espanhóis seguiam a corrente (entre outros, um tenente coronel do Exército que fez pública sua homossexualidade, sendo o primeiro militar gay confesso da Espanha). Era uma onda transformadora do bairro que avançava com a luta contra a discriminação homossexual. Enquanto isso, o preço do metro quadrado subia às nuvens. — Há um mito de que as pessoas LGTB têm muito dinheiro e, por isso, há muitos gays que podem morar em Chueca. Mas, não é verdade — diz Agustín López, atual presidente do Cogam. — Chueca virou um fenômeno, estudado em universidade, mas a mudança trouxe preços proibitivos que provoca a saída de muitos que impulsionaram o crescimento local. Mili é um exemplo. Continuará morando no bairro, em sua cobertura de 140 metros quadrados, que ela comprou por 110 mil euros, em 1996, e que hoje está avaliada em 600 mil. Mas Berkana teve que mudar de lugar três vezes, sempre dentro de Chueca. O aluguel de sua primeira loja saltou de 800 euros para 6 mil euros. Este caminho de revalorização é o que o novo bairro Triball, uma dezena de decadentes ruas no centro da capital próximas à Gran Vía, pretendia trilhar. Um grupo de empresários do setor imobiliário apostou nisso em 2008, com a compra de mais de 30 lojas. Previam o aumento do preço do metro quadrado de 3.600 euros a 4.800 euros em cinco anos, mas o prognóstico não se cumpriu. A transformação ainda é incipiente. l BB CIDADE EM TRANSE AMANHÃ: A perda das casas de Botafogo | Rio | MAIS NOTÍCIAS PÁGINAS 37 A 44
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