Artigo SBPJor – anais – teste - Portal de Conferências da UnB

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Artigo SBPJor – anais – teste - Portal de Conferências da UnB
SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
12º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
Santa Cruz do Sul – UNISC – Novembro de 2014
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Jornalismo, ciência e saúde:
Uma forma de conhecimento nos telejornais
Natália Raposo da Fonsêca
Re sumo: Forma de conhecimento e parte importante da construção social da realidade, o
jornalismo – em especial o telejornalismo – ocupa nas sociedades um lugar de referência
(Pereira Jr; Correia, 2008), servindo de baliza na vida cotidiana e construindo significados. Desta
forma, consideramos que os conhecimentos que temos sobre o mundo, sobretudo temas mais
específicos como ciência e saúde, são fortemente construídos pela mídia e suas representações.
Neste artigo, portanto, trabalhamos com a hipótese de que os telejornais nos ajudam a entender
o mundo e formar nosso acervo de conhecimento (Schutz, 2003) sobre ciência e saúde. Sem a
pretensão de fazermos uma análise exaustiva, utilizamos notícias e notas do Jornal Nacional
veiculadas no ano de 2013 como exemplos que reforçam a ideia dos telejornais como uma forma
de conhecimento do cotidiano.
Palavras-chave : telejornalismo; ciência; saúde; conhecimento do cotidiano; jornalismo.
1. Introdução
O jornalismo é uma prática profissional, uma instituição social e uma forma de
conhecimento. Através das notícias, principal produto do fazer jornalístico, a sociedade se
informa sobre os mais diversos temas, incluindo ciência e saúde, “através dos noticiários
televisivos a sociedade tem a possibilidade de aceder a uma série de fatos aos quais não teria
acesso” (PEREIRA JR, 2005, p.84). Um levantamento do interesse e grau de informação que
os brasileiros têm da Ciência e Tecnologia, realizado em 2010 pelo Ministério de CT
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comprovou que programas de TV e jornais impressos são os meios mais utilizados para
obtenção de informações sobre estes temas. Médicos e jornalistas são as fontes com maior
credibilidade, estando os jornalistas à frente de cientistas de universidades ou institutos
públicos de pesquisa, o que confirma a relevância do jornalismo na construção social da
realidade. Comparando a pesquisa de 2010 com a anterior, tem-se que em 2006, 60% dos
entrevistados tinha interesse em saúde e medicina; em 2010, esse percentual aumentou para
81%. Quando o assunto é ciência e tecnologia, também houve aumento da porcentagem de
interessados: 41% em 2006 para 65% em 2010.
Queremos com estes dados demonstrar a importância de se pensar o Jornalismo
como uma forma de conhecimento, em especial a cobertura de ciência e saúde, levando tais
temas ao debate público. Consideramos, aqui, a teoria do agendamento, a qual defende a
ideia de que a audiência, ao consumir notícias, tende a considerar importantes e a incluir no
seu repertório pessoal os assuntos que a mídia veicula como sendo relevantes. A hipótese
sugere que os meios de comunicação agendam nossas conversas.
Deste modo, partimos do pressuposto teórico do jornalismo como uma forma de
conhecimento (PARK, 1976), um conhecimento do cotidiano que permite aos indivíduos
conferir sentidos ao mundo onde vivem. Dentro deste contexto, acreditamos que os sentidos
sobre ciência e saúde são fortemente construídos pela mídia e suas representações, de onde
propomos, para este artigo, pensar no telejornalismo como essa forma de conhecimento que
nos ajuda a entender o universo (enquadrado) da ciência e da saúde, colaborando para a
formação do nosso acervo de conhecimento à mão (SCHUTZ, 2003). Para tal, analisamos
matérias e notas do Jornal Nacional, relativas a ambos os temas, selecionadas pela técnica da
semana artificial (BAUER E GASKELL, 2003) estabelecendo um período de observação
compreendido entre os dias 30 de setembro e 02 de novembro de 2013. Não temos a
pretensão de realizar uma análise exaustiva, mas acreditamos que a amostra aqui apresentada
possa ilustrar com alguma clareza os pontos que nos dispomos a problematizar.
2. Saúde como tema e midiatização da ciência
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No contexto de midiatização no qual vivemos, a saúde e a doença também estão
inseridas na mesma lógica midiatizada, o que se traduz no aumento do número de matérias e
reportagens sobre saúde nos mais diversos suportes de mídia. Desta forma, é importante
refletirmos sobre o conceito de midiatização para pensarmos na relação mídia e doença.
Propomos uma reflexão sobre a midiatização da ciência considerando que o discurso da
saúde está atrelado ao discurso científico, e que mudanças neste se refletem na forma como
aquele é enquadrado e representado na e pela mídia.
Fausto Neto (2012) explica que, no processo de midiatização da ciência, o discurso
científico é submetido a estratégias discursivas próprias da mídia que, por sua vez, fabrica
uma realidade científica – midiatizada – que difere das práticas científicas executadas nos
laboratórios. Ao midiatizarem o discurso da ciência, os meios de comunicação criam e
articulam esquemas interpretativos que visam tornar inteligíveis os fenômenos e as descobertas
da ciência que afetam nossa vida cotidiana. O processo de midiatização da ciência não
consiste, entretanto, numa simples tradução do discurso científico (e do discurso da saúde,
por consequência), “não se restringe a uma ação mecânica que poria em contato um ‘pólo a
outro’ segundo a ação específica da estrutura mediadora, como aquela que envolvia em
termos clássicos cientistas e usuários” (FAUSTO NETO, 2012, p.213). Ao contrário, hoje,
as formas de midiatização da ciência envolvem processos mais complexos que visam articular
diferentes campos sociais e seus conhecimentos, contribuindo para a criação e manutenção de
uma cultura científica, para a penetração dos temas científicos no cotidiano do público.
Essa “passagem” do discurso científico “bruto” para o seu estado midiatizado envolve
processos complexos de estratégias discursivas. Nesse sentido, Leite (2012, p.254)
argumenta que midiatizar a ciência “diz respeito à concepção de translação, ou seja, um lugar
de circulação de sentidos pelos campos sociais, o anúncio para a sociedade como diálogo
público, a informação científica percorrendo vários campos e deixando-se invadir por eles”. A
ideia de translação, portanto, diz respeito a um fluxo contínuo, um deslocamento, a criação
de vínculos entre os polos por onde circulam as informações científicas; e representa um
avanço para a divulgação científica, pois já não se trata apenas de informar a sociedade sobre
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ciência, mas de provocar a circulação destas informações nos campos sociais e de promover
o debate crítico a fim de que o conhecimento possa ser efetivamente utilizado pelos
indivíduos.
Fausto Neto (2012) aponta para os vínculos existentes entre os dispositivos de mídia
que cobrem ciência e seu público, ressaltando que entre eles há um contrato tácito de
comunicação estruturado sobre a ideia de que é preciso usar o dispositivo midiático para
dividir com o público algo que ele não sabe e a que só pode ter acesso através da mídia.
Com base neste contrato, a mídia tem seu discurso legitimado e, aproveitando-se de tal
legitimidade, muitas vezes se furta de empreender um trabalho crítico e termina por fazer
circular informações atreladas a compromissos mercadológicos das fontes, tais como
empresas, profissionais, governos etc. (BUENO, 2001).
Bueno (s/d) pontua que estudar a comunicação e saúde nos meios de comunicação de
massa no Brasil requer cuidados na análise, pois ainda persistem preconceitos e vícios que
precisam ser superados, entraves tais como a falta de formação adequada do jornalista para
cobrir os temas de saúde, o que resulta, não raro, no uso do release como notícia; e na
patologia da fonte que “em geral não é isenta e busca empreender um esforço
mercadológico ou pessoal, nem sempre ético ou transparente, para veicular na mídia aquilo
que lhe interessa” (BUENO, 2001, p.189), ou ainda para impedir que informações que vão
de encontro aos seus interessem ganhem visibilidade no espaço e na agenda públicos.
O autor também compreende a importância da comunicação em saúde como uma
modalidade singular de divulgação científica e como uma ferramenta essencial na educação
para a saúde. Por isso, considera que o jornalismo em saúde padece de algumas patologias
que prejudicam sua qualidade e, portanto, carece de estratégias que o tornem mais eficiente e
útil ao público. Ele afirma que, no Brasil, há apenas duas formas de se fazer comunicação
para a saúde: promoção de campanhas de âmbito nacional (como as de mobilização contra a
dengue) e veiculação de reportagens na mídia massiva. Estas são, segundo o autor,
acometidas
pelos
males: preconceito,
mitificação,
fragmentação,
reducionismo
e
corporativismo (BUENO 2001, p.1996).
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O preconceito se expressa na forma como a mídia, salvo raras exceções, demoniza
ou ignora as terapias alternativas (acupuntura, homeopatia etc.), marcando uma visão
cientificista que desmerece os saberes tradicionais e afirma a supremacia da medicina
tradicional e autoridade médica. A mitificação, por sua vez, se caracteriza quando as notícias
mistificam a saúde e a doença ao passo que divulgam pesquisas e curas milagrosas, e essa
“espetacularização da notícia de saúde permite que se fantasie a realidade” (BUENO, 1996,
p.17). O reducionismo enquadra a doença como único foco de interesse, silenciando o
contexto do doente e da doença, elegendo os microorganismos como vilões e impedindo que
se crie uma cultura de prevenção, focada na educação para a saúde e consciente de que as
condições econômicas, sociais e culturais tem influência direta na qualidade de vida e no
estado de saúde.
Também prejudicial à cobertura de saúde, a fragmentação corresponde à publicação
de notícias e reportagens descontextualizadas, diluídas e, muitas vezes, contraditórias.
Resultado disso é que o público “fica invariavelmente preso num conjunto formidável de
dilemas: afinal de contas, o vinho faz bem ou mal para o coração, tomar vitaminas ajuda a
retardar o envelhecimento ou induz a doenças, o fumante passivo corre ou não risco de
câncer [...] e assim por diante” (BUENO, 1996, p.15). Já o corporativismo legitima o
profissional de saúde como único detentor de autoridade sobre o discurso da competência,
como única voz autorizada por possuir o saber técnico. Para Bueno, questionar o discurso da
autoridade médica não pretende pôr em xeque o conhecimento dos profissionais de medicina,
mas esclarecer que a saúde é um tema sobre o qual toda a sociedade deve refletir.
Apesar das críticas à cobertura de saúde, o autor argumenta ser possível enfrentar os
obstáculos, desde que se parta de uma nova postura ética e política, e da conscientização da
comunidade científica, das fontes e dos jornalistas. Como estratégias de aprimoramento desta
cobertura, ele sugere o uso do tom coloquial e da função pedagógica do jornalismo; a
adequação do texto jornalístico à plataforma, explorando os recursos multimídia como vídeos
e infográficos; o uso do humor; e a técnica de “ganchos” com a atualidade, como, por
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exemplo, aproveitar o diagnóstico de câncer de alguma celebridade para debater sobre a
doença (BUENO, 1996).
3. Notícia: matéria-prima do jornalismo
Ao propor caminhos para aprimorar a cobertura de saúde, Bueno (1996) indica que é
preciso pensar novas formas de apresentar as notícias sobre os temas de saúde, permitindo a
criação de representações – da doença e do doente – mais próximas de uma divulgação
científica que efetivamente preste serviço à sociedade. Volta-se a atenção para a notícia, pois
é ela a matéria-prima do jornalismo. É através dela que os jornalistas, em suas práticas
profissionais diárias, ajudam a construir a realidade social; é por meio dela que os indivíduos
se mantêm informados sobre os fatos da vida cotidiana, incluindo os temas de ciência e saúde
que nos interessam neste trabalho. Traquina (2005) diz que o jornalismo pode ser explicado
pela pergunta “O que aconteceu/está acontecendo no mundo?”. Nesta perspectiva de
Traquina poderíamos considerar que notícia é isso: é o que está acontecendo no mundo. Para
ele, nós consumimos jornalismo, nos alimentamos diariamente de notícias para utilizá-las combinadas com nossos conhecimentos prévios – em conversas pessoais, para nos sentirmos
seguros e inseridos em um contexto social.
A definição simplista de Traquina é, entretanto, apenas uma das muitas definições já
conferidas a este produto jornalístico. Alsina (2009, p.297) ressalta a necessidade de
considerar que não existe um conceito universal de notícia, embora se saiba que “a notícia é
produto de uma sociedade muito concreta”. Em seu livro A construção da notícia, Alsina
estuda a notícia como um produto da indústria informativa, frisando que a sua construção se
dá em um processo que compreende três fases: produção, circulação e consumo.
É importante lembrar que o estudo da notícia e do jornalismo não é recente. Pereira
Jr. comenta que o sociólogo alemão Max Weber, já em 1918, escrevera sobre as notícias.
“Weber nota que o trabalho jornalístico realmente bom exige pelo menos tanta inteligência
quanto qualquer outro trabalho intelectual” (PEREIRA JR., 2003, p.66, grifo do autor). O
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mesmo afirma Traquina (2005), ao frisar que o jornalismo é uma atividade intelectual, ainda
que muitas vezes seja reduzido ao domínio da técnica e da linguagem, entendido apenas como
uma resposta às perguntas do lead.
Tuchman (1983, p.232) afirma que a notícia é um recurso social que conta relatos da
vida cotidiana; é uma fonte de conhecimento e de poder, uma janela para o mundo. A
autora pontua que conhecimento é poder e que, desta forma, o poder pode realizar-se
mediante a disseminação ou a supressão de algum conhecimento, o que pode ser reforçado
pela maneira como as notícias enquadram os acontecimentos. Embora considere a notícia
dentro de uma perspectiva de construção social da realidade e a reconheça como uma forma
de conhecimento, Tuchman (1983, p.224) afirma que “a notícia limita o conhecimento, [...]
oculta a realidade, em vez de revelá-la. Confirma a legitimidade do Estado ao ocultar a íntima
vinculação do Estado com o capitalismo das grandes sociedades e seu apoio a esse
capitalismo”. Assim, a autora coloca a notícia como reprodução do “status quo”, como
manutenção do poder das elites e do Estado.
Alsina (2009) afirma que a notícia tanto pertence à realidade, emerge dela, quanto
contribui para a sua construção social. Ele concebe a construção das notícias como algo
especial que pertence à realidade simbólica, pública e cotidiana; e argumenta que todos os
indivíduos – além dos jornalistas -, em alguma medida, contribuem para construir a realidade.
A particularidade dos jornalistas seria a capacidade de formatá-la em narrativas a serem
divulgadas a um público. Na definição de Alsina (2009, p.299), “a notícia é uma
representação social da realidade quotidiana, produzida institucionalmente e que se manifesta
na construção de um mundo possível”.
Tal definição leva o autor a explicar cada termo do seu conceito de notícia. A
representação social é, para ele, um instrumento através do qual os indivíduos apreendem o
mundo que os cerca. As representações, neste sentido, têm importante papel na comunicação
e nas condutas sociais. Um segundo termo diz respeito ao caráter da notícia como produto de
uma organização complexa (WOLF, 1981 apud ALSINA, 2009), tomando o Jornalismo –
para além das empresas de comunicação – como uma instituição social, o que institucionaliza
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o papel do jornalista, colocando-o como autor de um mundo possível que se manifesta em
forma de notícia. Na construção da notícia, estão presentes três mundos distintos e
inter-relacionados: o mundo “real”, o mundo de referência e o mundo possível.
O mundo “real”, ponto de partida do processo de construção da notícia, trata-se do
mundo da vida cotidiana, o mundo dos acontecimentos onde vivenciamos nossas experiências
diárias; é o lugar de onde o jornalista extrai a matéria-prima das notícias. Já o mundo de
referência é uma espécie de conjunto de tipificações que o jornalista utiliza como baliza para
conferir sentidos aos acontecimentos. “Os mundos de referência são todos aqueles nos quais
podemos enquadrar o acontecimento do mundo ‘real’. É imprescindível, para a compreensão
de um acontecimento, o seu enquadramento no modelo de um mundo referencial” (ALSINA,
2009, p.307-308). O mundo possível, por sua vez, é o mundo narrado e construído pelo
jornalista, considerando o mundo “real” e o mundo de referência escolhido. É no mundo
“real” que podemos verificar o mundo possível que foi narrado tendo o mundo de referência
como matriz.
Alsina comenta que, em último caso, que pesem todos os mecanismos de construção
da notícia – inclusive as pressões institucionais – é o jornalista quem vai decidir o que é
notícia. Os critérios de noticiabilidade, afinal, são criados pelo jornalista, mesmo que, em
algum caso, possam servir para atender a determinadas demandas de mercado. O jornalista
sempre vai se perguntar se um fato merece ser notícia, e mais: quais elementos desse fato
merecem destaque em detrimento de outros. E para balizar essas decisões, ele vai levar em
conta o que interessa aos leitores, o que interessa aos seus chefes e mesmo qual a viabilidade
de cobrir um acontecimento.
4. Conhecimento (do) cotidiano: ciência e saúde no Jornal
Nacional
Os noticiários televisivos influenciam o dia a dia das pessoas e a forma como elas
percebem o mundo. “A agenda diária de cobertura dos fatos pelos telejornais influencia a
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agenda pública”, comenta Pereira Jr. (2005, p.84) ao se referir à teoria do agendamento de
McCombs e Shaw (1993), segundo a qual a mídia pauta a sociedade e determina, em alguma
medida, os temas que serão levados à discussão pública, sugerindo não apenas o que pensar,
mas como pensar. Neste sentido os enquadramentos e as representações construídos pelos
telejornais direcionam o olhar do telespectador, dando a ele conhecer um mundo enquadrado
pela TV. Os temas de Ciência e Saúde, em especial, são assuntos aos quais a população leiga
não costuma ter acesso senão através do jornalismo que, por sua vez, constrói uma espécie
de “catálogo” com categorias e abordagens, como se delimitasse “Isso é ciência” ou “É dessa
forma que você deve pensar sobre determinada doença”. Com isso não queremos dizer que o
agendamento implique um determinismo absoluto. O telespectador, como ressalta Wolton
(1996, p.126), não é parte de uma massa amorfa e passiva chamada de grande público. Ele
é capaz, e é nisso que acreditamos, de se apropriar do conhecimento do cotidiano que advém
dos telejornais e utilizá-lo como referência no desenvolvimento de posicionamentos críticos.
Partindo do pressuposto teórico do jornalismo como uma forma de conhecimento
(PARK, 1976), interessa-nos pensar a notícia, o jornalismo como uma forma de
conhecimento sobre a ciência e a saúde que adentra a casa das pessoas diariamente através
dos noticiários. Para tal, selecionamos matérias e notas do Jornal Nacional (JN), com o intuito
de validar a nossa hipótese de que a midiatização da ciência e da saúde não apenas contribui
para construir a realidade social ligada a essas temáticas, quanto é, não raro, a única
ferramenta dessa construção. O princípio metodológico é o da análise de conteúdo, embora
não nos tenhamos proposto a analisar exaustivamente a amostra selecionada. Para obter uma
amostra equitativa, que demonstrasse a presença de matérias e notas sobre os temas aqui
delimitados no JN, optamos por utilizar a técnica da semana artificial (BAUER E GASKELL,
2003) que consiste em selecionar cada dia da semana de uma semana distinta (a primeira
segunda-feira do mês, a segunda terça-feira do mês e assim sucessivamente), estabelecendo
um recorte entre os dias 30/09/2013 e 02/11/2013, conforme tabela abaixo.
Dia/Data
Notícias/Notas sobre Ciência e/ou Saúde
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Segunda-feira (30/09/2013)
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Terça-feira (01/10/2013)
VT Planos de saúde recusam contratos individuais 04’35’’
Quarta-feira (09/10/2013)
Quinta-feira (17/10/2013)
Sexta-feira (25/10/2013)
VT Nobel de Química - 01’08’’
Nota simples: Senado aprova Mais Médicos – 22’’
VT Falta leitos hospital Paraná – 02’11’’
Nota simples: Poluição câncer de pulmão – 31’’
Nota coberta: Fóssil crânio humano encontrado – 27’’
Nota coberta: Tremores de terra Rio Grande do Norte –
22’’
Sábado (02/11/2013)
VT Pesquisa comprimidos partidos – 02’06’’
VT Projeto autonomia membros paralisados – 01’34’’
(Tabela 1: Corpus analisado)
Com base nesses pressupostos, consideramos que o jornalismo não apenas contribui
para a construção social da realidade, como produz conhecimento de fundamental
importância para a sociedade (PEREIRA JR, 2005). Diariamente nos informamos sobre o
que acontece no mundo através do jornalismo, e na maioria das vezes não questionamos a
existência dos fatos noticiados; eles são dados como naturais (SCHUTZ, 2003).
Na perspectiva do jornalismo como uma forma de conhecimento, Meditsch (1992
apud PEREIRA JR, 2005, p.85), compara o conhecimento do jornalismo com o
conhecimento da ciência e os diferencia, pois “enquanto o primeiro é o modo de
conhecimento do mundo explicável, o segundo é o modo de conhecimento do mundo
sensível. A Ciência trabalha com hipóteses, enquanto o Jornalismo trabalha com o universo
das notícias que diz respeito às aparências do mundo”. Um exemplo disso é o VT sobre um
estudo que comprovou que o hábito de cortar comprimidos ao meio traz riscos à saúde. A
matéria demonstra o processo de pesquisa científica, ainda que não mencione termos como
hipótese, objetivos ou resultados.
REPÓRTER/PASSAGEM: "Durante os testes, os pesquisadores partiram cerca de
750 comprimidos. Em nenhum deles as duas metades tinham a mesma quantidade do
princípio ativo, que é a substância que age no organismo. A diferença chegou a 15%,
ou seja, um desses pedacinhos aqui faz menos efeito que o outro” (JN, 02/11/2013).
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FONTE (Especialista)/SONORA: “Vou tomar um comprimido, ele é pra se
dissolver daqui a meia hora... No momento em que eu cortei ele, não vai acontecer
esse tempo, ele não vai ser absorvido em meia hora, eu não sei como ele vai ser
absorvido porque a gente não tem estudos sobre comprimidos partidos” (JN,
02/11/2013).
Assim como a Ciência trabalha a partir de hipóteses, o Jornalismo trabalha com as
notícias. E, neste caso, a notícia era a de que uma universidade no sul do país realizou uma
pesquisa com remédios partidos e chegou aos resultados mencionados acima. Ao jornalista
até poderia caber algum questionamento sobre a validade do estudo, mas ele próprio não
teria condições de confirmá-lo ou refutá-lo, podendo somente confrontá-lo com outros
estudos que tivessem chegado a conclusões iguais ou diferentes.
Desta forma, como um conhecimento (do) cotidiano, o jornalismo fornece insumos
para o acervo de conhecimento do público, a serem posteriormente combinados com a sua
situação biográfica. Isso porque, segundo Schutz (2003), ainda que o mundo cotidiano seja
o cenário de toda a ação humana, nenhuma pessoa se situa na vida da mesma forma que
outra, pois a situação biográfica de cada um engloba o contexto e suas experiências pessoais.
O autor diz que apreendemos o mundo através de formas culturais, históricas, sociais que nos
são passadas pela comunidade na qual estamos inseridos. Aqui, acrescentamos o jornalismo
como uma dessas formas que permitem aos indivíduos apreenderem o mundo conferindo-lhe
sentido. Tanto o público experimenta as notícias, quanto os jornalistas as produzem no
mesmo mundo intersubjetivamente experenciado (SCHUTZ, 2003). É possível, por exemplo,
que a relação entre ar poluído e problemas respiratórios faça parte do acervo de boa parte
dos telespectadores do JN, entretanto, a informação de que a Organização Mundial da Saúde
incluiu a poluição entre os principais responsáveis pelo câncer de pulmão será apreendida
pelo telespectador a partir de tipificações que fazem parte da estrutura social à qual ele
pertence.
APRESENTADOR/NOTA: "A Organização Mundial da Saúde incluiu a poluição
entre os principais responsáveis pelo câncer de pulmão. Em 2010, 223 mil mortes
foram causadas por poluentes na atmosfera. Mais da metade dos casos ocorreram na
China e em países do Sudeste Asiático. Na lista da OMS, a poluição aparece ao lado
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do cigarro e do plutônio, além de outras substâncias cancerígenas. O ar poluído
também aumenta o risco de câncer de bexiga" (JN, 17/10/2013).
Ainda que não seja uma notícia positiva, o telejornal, representando um lugar de
segurança (SCHUTZ, 2003) e de referência (PEREIRA JR; CORREIA, 2008), possibilita ao
telespectador sentir-se, de alguma forma, seguro e manter-se em atitude natural. O
Jornalismo, acreditamos, contribui para a manutenção do estado de atitude natural, o que
envolve o processo dialético entre a suspensão da dúvida e a suspensão da crença
(SCHUTZ, 2003). Dialético porque se ficassem suspensos por muito tempo crença ou
dúvida, teríamos dificuldade em vivenciar nossas experiências diárias no mundo da vida
cotidiana. “As pessoas aceitam o mundo como natural, como algo dado. Entendemos que é
dentro desse contexto que homens e mulheres trabalham para construir significados sociais e
que o telejornalismo contribui para parte dessa representação diária” (PEREIRA JR, 2005,
p.87).
À luz da teoria de Schutz, entendemos que a Ciência ocupa-se mais da suspensão da
crença, pois um cientista precisa questionar o dado, levantar dúvidas e apresentar hipóteses
que serão comprovadas ou não pela pesquisa. O Jornalismo, por sua vez, trabalha mais com
a suspensão da dúvida, pois o jornalista parte da pauta que emerge do mundo dado como
pressuposto e apresenta a notícia – produto final de um processo complexo – à audiência que
normalmente não põe sua veracidade em xeque, ou questiona seus enquadramentos.
Entretanto, se a notícia é uma representação social da realidade cotidiana (ALSINA, 2009) é
porque os jornalistas no exercício de suas práticas diárias constroem representações do
mundo.
Park compartilha de visões similares às de Schutz. Isso porque ambos bebem da
fonte de William James, de quem extraem conceitos importantes às suas respectivas teorias:
Schutz, com a ideia de realidades múltiplas; e Park com os conceitos de “conhecimento de” e
“conhecimento acerca de”, fundamentais para pensar a notícia como uma forma de
conhecimento. Os conceitos de conhecimento de e conhecimento acerca de interessam
particularmente a este trabalho. Este seria o conhecimento formal, mais preciso e baseado “na
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observação e no fato, mas no fato verificado, rotulado, sistematizado e, finalmente, ordenado
nesta ou naquela perspectiva, segundo o propósito do pesquisador” (PARK, 1976, p.171). É
um conhecimento que pouco advém das experiências individuais. Já o conhecimento de pode
ser representado pelo senso comum, pelo acervo de conhecimento à mão (SCHUTZ, 2003).
Trata-se de uma “espécie de conhecimento que inevitavelmente adquirimos no curso de
nossos encontros pessoais e de primeira mão com o mundo que nos rodeia” (PARK, 1976,
p.169).
O conhecimento acerca de é evidenciado nas matérias sobre Ciência, como no VT
que trata da indicação de três cientistas de universidades americanas ao Prêmio Nobel de
Química ou no VT que divulga um projeto desenvolvido por pesquisadores do Rio Grande do
Norte, com o intuito de devolver autonomia a quem perdeu movimentos de braços e pernas.
No primeiro, o off do repórter explica o porquê de os cientistas terem ganho o prêmio,
simplificando os métodos de pesquisa que os levaram a tais resultados. Na imagem que cobre
o off aparecem os cientistas e a cerimônia que os premiou, incluindo closes da apresentação
de seus estudos, o que evidencia o conhecimento acerca de, formal e produzido a partir de
métodos científicos rigorosos.
OFF/REPÓRTER: "A academia premiou Martin Karplus, Michael Levitt e Ariel
Warshel porque eles revolucionaram a forma de fazer experimentos científicos. Na
década de 70, quando as experiências estavam confinadas aos tubos de ensaio, os
três cientistas começaram a fazer simulações com computador que se tornaram
fundamentais para compreender processos como a fotossíntese e a combustão. As
reações químicas ocorrem numa velocidade tão grande que, às vezes, é quase
impossível mapear cada etapa do processo apenas como experimentos de
laboratório" (JN, 09/10/2013).
Anchieta (2007) ressalta que tanto o conhecimento de quanto o conhecimento
acerca de não representam o real absoluto, são formas de interpretá-lo. Da mesma forma, o
jornalismo também não espelha o real, mas contribui para construir a realidade social a partir
de seus enquadramentos e representações. Deste modo, o jornalismo se apresenta não como
um conhecimento ilimitado, mas como uma forma de conhecimento do cotidiano, que permite
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ao público compreender os fenômenos sociais e conferir sentido ao mundo. Assim, o
conhecimento sistematizado dos cientistas vencedores do Nobel de Química de 2013 fica
mais acessível ao entendimento do telespectador comum na passagem do repórter Júlio
Mosquera: "Hoje em dia quase todas as empresas farmacêuticas usam esse tipo de química
computacional para fazer simulações com novos medicamentos antes de partir para testes
com animais e seres humanos” (JN, 09/10/2013).
5. Algumas considerações...
Os telejornais, ao contrário do que se possa imaginar considerando o contexto de
convergência das mídias, continuam ocupando – sobretudo no Brasil - um lugar privilegiado
na construção de sentidos. Pereira Jr. (2005) afirma que as notícias são importantes porque
ajudam o indivíduo a compreender o cotidiano complexo e de difícil acesso. E embora possa
soar paradoxal falar em difícil acesso à informação quando o alcance à internet nunca fora tão
expandido, é preciso pensar não apenas na quantidade, mas na qualidade da informação
disponível e na fruição do público em relação às notícias. Nesse sentido, acreditamos que o
jornalismo continua funcionando como um filtro, um corredor por onde passam e saem senão
as informações mais relevantes, mas de certo as mais bem apuradas, o que faz com que o
telejornalismo ainda ocupe um lugar de referência. Tendo em vista esse lugar que o Jornalismo
ocupa nas sociedades, concordamos que ele consiste em uma forma de conhecimento que
continuará sendo cada vez mais útil à proporção que as formações sociais se tornem mais
complexas.
Como quisemos demonstrar, nos casos específicos da cobertura de Ciência e Saúde
o jornalismo desempenha um papel ainda mais importante como conhecimento do cotidiano,
pois são temas aos quais o público acessa essencialmente pela mídia, através das
representações e enquadramentos que chegam em forma de notícia. A partir da observação
da amostra, pontuamos que o tempo destinado a essas temáticas é geralmente pequeno, não
ultrapassando pouco mais de dois minutos; a exceção foi o VT sobre a recusa dos planos de
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saúde em fazer contratos individuais, que durou quatro minutos e 35 segundos, por se tratar
de uma polêmica forte naquele momento. As notas costumam ser de agências de notícias,
como no caso da nota segundo a qual a OMS incluíra a poluição como causa do câncer de
pulmão.
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