Rádio:Oralidade Mediatizada
Transcrição
Rádio:Oralidade Mediatizada
Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva Rádio: oralidade mediatizada o spot e os elementos da linguagem radiofônica http://groups.google.com.br/group/digitalsource Esta obra foi digitalizada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler. Dessa forma, a venda deste e-book ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da distribuição, portanto distribua este livro livremente. Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras. Júlia Lúcia de Oliveira Albano Silva é graduada Comunicação Sócia pela UNESP e mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC Professora do Centro Universitário Belas Artes e da Universidade Santo Amaro, leciona também nas Faculdades Oswaldo Cruz, onde coordena desde 1998, o Projeto da Rádio Universitária Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro S586r Silva, Júlia Lúcia de Oliveira Albano da. Rádio: oralidade mediatizada: o spot e os elementos da linguagem radiofônica/Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva. -São Paulo : Annablume, 1999 116 p. ; 14x21 cm ISBN 85-7419-089-6 Inclui bibliografia. 1. Radiodifusão — Efeito dos sons. 2. Locução no rádio. 3. Anúncios no rádio. I. Título. CDD-384.54 Coordenação editorial Mara Guasco Preparação de Originais Joaquim Antônio de Oliveira Sobrinho Editoração eletrônica Giuliano de Barros Capa Luciano Guimarães Conselho Editorial Eduardo Penuela Canizal Norval Baitello Júnior Maria Odila Leite da Silva Dias Célia Maria Marinho de Azevedo Gustavo Bernardo Krause Maria de Lourdes Sekeff Cecília de Almeida Salles Pedro Jacobi 1ª edição: novembro de 1999 3ª reimpressão: fevereiro de 2007 © Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva ANNABLUME editora . comunicação Rua Padre Carvalho, 275 . Pinheiros 05427-100 . São Paulo . SP . Brasil Tel e Fax. (011) 3812.6764 http://www.annablume.com.br Agradeço A Deus, por se fazer Verbo. Ao Prof. Dr. Amálio Pinheiro, pela credibilidade e incentivo. À Capes-Demanda Social, pelo apoio financeiro recebido. À Universidade São Judas Tadeu, aos nossos alunos e colegas, pela parceria e confiança. A Profa. e Amiga Carmen Lúcia José, pelas orientações sonoras e plásticas. À Cesa e à Lika, pelo socorro presente. Ao Grupo de "Quinta", pelo encorajamento; em especial à Telma e à Luzinete. À Simone Svitek, pela parceria de "tempos". Para Raíssa, por ceder generosamente seu tempo de brincar para eu pensar esta pesquisa. Para Elias, pela sua exata humanidade, lucidez e cumplicidade. Para Alzélia e Luiz Carlos, vozes de pais comprometidos. SUMÁRIO INTRODUÇÃO Capítulo I — Dos Mascates ao Spot Publicitário VOZ E SONOPLASTIA NA PUBLICAÇÃO SONORA O ANÚNCIO FALADO NAS ONDAS HERTZIANAS Publicidade nas ondas hertzianas: formatos de anúncios falados Ascensão e declínio do rádio como mídia Capítulo II — O Jogo da Oralidade e da Escritura na Composição do Spot O TEXTO RADIOFÔNICO — A CONJUGAÇÃO ENTRE A ESCRITA E A VOZ A TRADIÇÃO ORAL NO TEXTO MEDIATIZADO NO RÁDIO Ritmos — Reelaboração das técnicas da tradição oral na composição do texto radiofônico PERFORMANCE — A PLASTICIDADE DA PALAVRA ORALIZADA E MEDIATIZADA Locutor ou intérprete: o corpo na voz Capítulo III — A Sonoplastia Radiofônica: Silêncio, Ruído, Efeito e Trilha Sonora no Espaço Acústico LINGUAGEM RADIOFÔNICA: O COMBATE VERBO-VOCO-SONOPLÁSTICO O silêncio — ausência de som ou som significante O efeito sonoro ou o ruído desejável Trilha Sonora Capítulo IV — Análise das Peças Publicitárias Radiofônicas VERBAL-ORAL: A PALAVRA ORALIZADA E MEDIATIZADA O texto descritivo, narrativo e a performance da voz O verbal oral no spot radiofônico Texto descritivo Texto narrativo Performance da voz SONOPLASTIA: SILÊNCIO, EFEITO SONORO E TRILHA SONORA Silêncio Efeito sonoro Trilha sonora CONSIDERAÇÕES FINAIS BIBLIOGRAFIA PREFÁCIO Para se conhecer melhor o rádio é necessário uma leitura atenta do trabalho desenvolvido pela pesquisadora Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva desenvolvido neste livro. Júlia apresenta um estudo sobre o spot e os elementos da linguagem radiofônica comprendendo desde a origem histórica deste tipo de mensagem publicitária até exemplos marcantes de spots veiculados pelas emissoras. O caminho percorrido pela autora desvenda a importância do spot e as etapas que se iniciam com o anúncio falado e sua transformação. Júlia mostra neste trabalho que as possibilidades da radiofonia mostram-se amplas quando reconhecemos os elementos da voz, que invadem a letra e atribuem à entonação da locução uma performance criativa, gestual e colorida, como imanentes à cultura brasileira. À guisa de pequena colaboração ao trabalho da Júlia apresento algumas idéias sobre a importância do spot na sobrevivência econômica das empresas de radiodifusão. A chegada do spot, a mensagem publicitária atual mais intensa no rádio, marca também a consolidação da gestão capitalista do veículo. O spot é a transformação dos espaços publicitários em mercadoria que é vendida pelo departamento comercial das empresas no mercado. Isto possibilita a sobrevivência do veículo sem ter que recorrer a outras formas de faturamento como o testemunhal e o "comercial" tão utilizados pelas empresas de radiodifusão. Para conquistar o mercado dos anúncios as rádios têm de organizar departamentos de vendas profissionais com gerentes, coordenadores, planejadores, mídias e auxiliares. Os produtos vendáveis da programação são empacotados em planos de vendas com periodicidade, duração, horários de veiculação, conteúdo editorial e custo. É verdade que não se pode confiar nas tabelas de veiculação de spots na maioria das rádios, porque a competição se acirrou de tal forma nos últimos anos que há em alguns mercados um verdadeiro canibalismo pela posse das verbas publicitárias. Algumas rádios chegam a dar até 90 por cento de desconto na veiculação do spot, dependendo do horário em que é apresentado. Um desprestígio para o veículo, criticado pela maioria dos publicitários, que no entanto saem munidos dos descontos para a guerra de atingir as metas estabelecidas pelas empresas. Não é fácil fechar contratos publicitários para um veículo, que, historicamente, tem apenas quatro ou cinco por cento das verbas, que no seu conjunto representam menos de um por cento do PIB. Por isso é um salve-se quem puder. É o vale tudo. Algumas empresas não se limitam a vender o spot, vendem testemunhais de comunicadores em que estes empenham sua credibilidade junto à audiência para convencer que devem tomar a cápsula de cartilagem de tubarão, porque ele conhece gente que sarou do câncer e da aids tomando o "remédio". Ou então o xarope que curou a tosse do filho na noite anterior permitindo que ele apresentasse programa de rádio do dia. Essas são formas economicamente ultrapassadas, mas ainda comuns no rádio de uma forma geral. Outra forma de captação de verbas publicitárias é a venda de merchandising com a participação de apresentadores de programas que dizem "vamos a um intervalo para tomar um cafezinho Predileto e voltamos já, já". Essas formas estão sendo superadas no momento em que a economia passa por uma mudança qualitativa conhecida como globalização e tem de enfrentar uma forma avançada de concorrência que é o bureau de mídia. Apesar da tentativa de resistência por parte das empresas brasileiras, contra o que consideram uma tentativa de cartelização, é uma batalha inglória, pois a internacionalização faz parte do processo histórico em andamento. E já se disse que não há como impedir o seu avanço. Senhores feudais e escravocratas que o digam. Portanto a aquisição de espaços publicitários em grande quantidade para posterior revenda é apenas questão de tempo. E a mídia mais frágil vai aderir primeiro. Pode ser o rádio. O principal argumento contra esse avanço dos bureau sobre os departamentos comerciais das empresas de comunicação de um modo geral tem um componente ideológico em sua defesa. Os contrários a sua participação argumentam que essa forma de venda vai pôr o veículo-vendedor nas mãos do bureau-comprador. Este vai impor os preços de compra. Com isso os veículos se enfraquecem economicamente e ameaçam a liberdade de imprensa, pois o poder de fogo dos bureau é imenso. Se a liberdade de expressão corre ou não esse risco, só o tempo dirá. Nada muito diferente do que ocorre em outros setores da economia que já estão dominados e cartelizados pelos investimentos internacionais e pela formação de mega empresas. Veja o exemplo dos supermercados, que impõem o preço de compra e estabelecem as margens de resultados nessas operações. Os fornecedores estão nas mãos desse grupo, e os clientes também. Dominam nas duas pontas, o que é um sintoma do capitalismo. A mercadoria no caso das comunicações é o espaço publicitário para a veiculação do spot. Nesta etapa das relações econômicas é possível que a produção dos spots seja terceirizada pelos bureau que tentam substituir as agências de publicidade, atuais responsáveis pela produção. A profissionalização da veiculação dos spots também está mudando na medida em que as empresas estão se conscientizando que ele é a fonte mais importante de receita e não pode ser abandonado. Por isso a veiculação passa a ser uma preocupação da empresa, melhorando as formas de comprovar que os spots comprados foram mesmo para o ar, utilizando-se da informática e da emissão de comprovantes de exibição para que o cliente tenha certeza do que levou pelo que pagou. Uma prática também recente. Algumas empresas emitiam comprovantes de exibição de spots que não tinham veiculado. Este costume se alastrou de tal forma que até hoje é um obstáculo para a venda de publicidade nacional. Se a agência, ou o anunciante não tem comprovação do que foi exibido localmente, como fiscalizar nacionalmente? Algumas anunciantes desistiram de comprar espaços comerciais para seus spots em praças distantes por comprovar que eram enganadas por alguns empresários de comunicação. Isto também pesou na perda de credibilidade do veículo como difusor de mensagens publicitárias. E sem faturamento legal e conhecido resta para algumas emissoras a sobrevivência através da locação de horários, "convênios" com o poder político local onde se elogia ou ataca o prefeito 24 horas, ou a sustentação de uma empresa deficitária transformada em palanque eletrônico para seu proprietário ou grupo a que pertence. Finalmente chega ao fim a comprovação manual, doméstica, feita por um funcionário, às vezes pelo próprio operador de áudio, que marca em uma "tripa" os spots veiculados e o horário que foram ao ar. Chega ao fim também a operação manual de disparar o cartucho que contém o spot, ela está sendo substituída por um sistema computadorizado, previamente programado para facilitar a inserção e a comprovação. As rádios mais avançadas desenvolvem o sistema conhecido como Falha zero, ou seja, prometem ao cliente que cada veiculação de spot que não for para o ar será reposta em dobro. É um desafio recente e por isso ainda não conquistou a maioria das agências de publicidade. A administração eficiente não permite mais que comunicadores ou apresentadores sejam corretores da publicidade de seus próprios programas. Eles preferem não vender o spot, que tem tempo preciso e geralmente é produzido por uma agência ou produtora de áudio. O spot é produzido com 30 ou 60 segundos. Raramente tem um ou mais minutos. Há uma preferência dos apresentadores-corretores pela forma antiga, a do testemunhal ao vivo. Com isso o anunciante compra do comunicador 30 segundos, ele faz um anúncio de 60, embolsa a diferença e a empresa recebe 30. Uma operação que inicialmente fez com que algumas rádios obrigassem que todos os testemunhais fossem gravados para se controlar o tempo e em um segundo momento sua substituição pelo spot. É verdade que esta preferência pelo spot é mais intensa nos grandes centros e nas empresas de comunicação melhor estruturadas. As empresas mais conscientizadas das mudanças da economia entendem que não podem aviltar o espaço que possuem sob pena de derrubar o preço das veiculações e acumular desprestígio para o business que exercem. Com a transformação do spot no principal produto de comercialização das empresas, os anunciantes mais fortes economicamente passaram a exercer uma pressão maior sobre as rádios, o que é perfeitamente possível em uma sociedade aberta e democrática. Contudo as empresas que se dedicam ao radiojornalismo têm o dever ético de resistir a essas pressões sob pena de não conseguir desenvolver um jornalismo ético e isento. Qualquer reportagem que fosse ao ar tendo como sujeito o anunciante resultaria em uma imediata reação. O departamento comercial temeria pela perda das verbas e reagiria tentando pressionar o departamento de jornalismo para que a reportagem não fosse divulgada. Se a empresa tem o compromisso com a verdade, resiste à pressão. Mas para isso tem que ser economicamente forte. Portanto a liberdade de informação também passa pela venda dos spots. Uma experiência bem-sucedida neste setor está sendo desenvolvida pela CBN — Central Brasileira de Notícias. Uma rádio all-news, 24 horas, em rede, comprometida com a isenção, onde os acionistas deixaram bem claro no início do projeto, em 1991, que se adotaria o que os jornalistas americanos chamam de the wall, ou seja, a perfeita separação entre os departamentos comerciais e o de jornalismo. Em um projeto como esse, onde tive uma participação pessoal, não se vende o editorial, e o departamento comercial sabe bem disso. Os jornalistas não gravam publicidade, não fazem testemunhais, nem merchandising. Não vendem nada nem interferem no trabalho dos publicitários. A empresa se mantém única e exclusivamente com a venda dos espaços comerciais, a maior parte ocupada por spots ou informes publicitários. Sem essa infra-estrutura econômica não se faz jornalismo. E isso não é apenas uma interpretação para forçar a aproximação do spot da notícia. HERÓDOTO BARBEIRO JORNALISTA DA TV CULTURA E DA CBN INTRODUÇÃO Algumas questões em relação à radiofonia brasileira, em específico sobre a sua linguagem, foram se consolidando à medida que observava a existência de dois quadros, em princípio, paradoxais. Por um lado, a presença marcante do meio rádio no cotidiano das pessoas e conseqüentemente na paisagem sonora. Em 1996, estima-se que 89,3% dos domicílios brasileiros possuem rádio e que mais de 90% das pessoas entre 10 e 65 anos ouvem rádio diariamente. Some-se a isso um outro fator de ordem qualitativa: a nossa linguagem radiofônica, de acordo com o maestro Júlio Medaglia (1978:127), apresenta um diferencial que a torna "audiotáctil" e "em cores". Por outro lado, as pesquisas de mídia delineiam um outro quadro no qual apontam a pequena participação do meio rádio na distribuição dos investimentos publicitários. Ao mesmo tempo, pesquisadores e profissionais admitem a existência e denunciam a prática do gilete-press, ou seja, a leitura de notícias diretamente retiradas da mídia impressa dentro dos departamentos de radiojornalismo, assim como a irradiação do áudio de uma peça publicitária elaborada e produzida para a mídia audiovisual sem nenhuma adequação prévia para o veículo. O que no princípio me pareceu paradoxal, revelou-se intrinsecamente lógico quando, ao consultar as obras sobre linguagem radiofônica — os conhecidos manuais de radiojornalismo —, constatei que a ênfase recaía sobre a elaboração do texto verbal-escrito, como se este fosse a essência da radiofonia. Essa concepção descuida do fato de que a linguagem radiofônica não é exclusivamente verbal-oral, mas resultado de uma semiose de elementos sonoros (trilha, efeito, ruído e silêncio) que perdem sua unidade ao serem inseridos em um meio acústico coordenado pelo tempo para comporem um todo, que é a obra radiofônica. Neste sentido, esta pesquisa tem como objetivo discutir a linguagem radiofônica, sua estrutura e organização, refletindo acerca dos seus elementos constituintes — o texto verbal-escrito, a voz e a sonoplastia (trilha, efeitos sonoros, ruído e silêncio) —, do meio em si e do contexto cultural na qual está inserida, pois o aspecto singular destacado acima por Júlio Medaglia reforça a tese de Santaella de que "a marginalidade também tem seus trunfos" (1994: 89). Ou seja, o fato de a cultura latino-americana ser resultado da mescla de diferentes etnias e de a voz ter invadido a letra fornecem à linguagem radiofônica condições de apresentar ao comunicador maiores possibilidades de ser explorada com vistas a "des-verbalizar" a palavra oralizada, romper a linearidade e o aspecto referencial predominante neste meio presente nos mais diversos espaços e paisagens de um país tão eclético semiótica e culturalmente. A fim de cumprir este objetivo delineado, elegi o spot— peça publicitária elaborada e produzida para o rádio — como objeto desta pesquisa, pois através dele pode-se observar a função de cada elemento constitutivo da linguagem radiofônica, assim como a lógica que rege a organização destes com a finalidade de sonoramente construir uma imagem do produto ou do serviço em questão. Outro fator que torna relevante a análise do spot para a discussão da linguagem do rádio reside no fato de que o texto, que é traduzido pela performance do locutor, passa pela escritura, ou seja, a voz torna presente aquilo que fora anteriormente pensado em termos de escrita. Este texto, por sua vez, adquire uma organização e estrutura sintática diferentes daquele que é elaborado para ser apreciado pela visão, uma vez que tem como alvo um receptor em constante movimento e um canal de comunicação que não conta com o aparato da imagem. O teórico alemão Werner Klippert (1980) assegura que nada que não tenha voz participa da peça radiofônica, pois nela estão amalgamados diferentes vozes, seja a dos elementos da sonoplastia ou da palavra oralizada e mediatizada. Portanto, este mesmo texto ainda deve contar com a intervenção da voz, pois embora se utilize do sistema de línguas, articulando sons, palavras pré-moldadas, e se mantenha, em certa medida, presa à estrutura sintática, ela, a voz, acrescenta algo de novo, chegando muitas vezes a fazer com que o texto signifique mais do diz, de acordo com Paul Zumthor (1985:7). Portanto, a partir deste objeto de pesquisa, o spot, levantei algumas questões acerca da linguagem radiofônica, da lógica que coordena a organização de seus elementos com a finalidade de surpreender a escuta de seu ouvinte, de lutar contra a efemeridade de seu signo exclusivamente sonoro e de promover a memorização e perpetuação da marca e do conceito de um produto ou serviço. Neste sentido, tomando a radiofonia como resultado de uma multiplicidade de oralidades e vozes, realizei um paralelo entre a sua linguagem, as técnicas de elaboração dos textos orais e as performances realizadas pelos intérpretes da poesia medieval nas comunidades de oralidade primária, que não contavam com o signo escrito para perpetuarem seus legados culturais (regras, normas, descobertas, tradições). Dentre as vozes que compõem esse mosaico da radiofonia, a sonoplastia, em colóquio com a voz, constrói o cenário acústico, os personagens e suas ações, inaugurando, portanto, formas de encantar e persuadir seu radiouvinte. Tais formas sonoras encontram paralelo com as que os intérpretes do medievo tiveram que criar através de suas presenças físicas, da eroticidade de seus gestos e do colorido da suas texturas vocais para envolver seu auditor. Assim, optei por organizar este trabalho em quatro capítulos para desenvolver as questões resumidamente apontadas acima. No primeiro capítulo, julguei essencial partir de alguns momentos da história do anúncio falado desenvolvido na publicidade brasileira, especificamente a elaborada e produzida para o rádio. Ainda que não se trate de uma discussão detalhada da história da publicidade no rádio, mas de pontuações, desejei pôr em relevo a importância deste tipo de produção radiofônica (que tem como precursores as manifestações orais dos vendedores ambulantes através de seus pregões) para o desenvolvimento de uma linguagem singular ao meio rádio, uma vez que este demonstrava grande influência da mídia impressa, representada, na ocasião da sua implantação e expansão, pelas gazetas, folhas e pasquins. No segundo capítulo, desejei levantar algumas questões a respeito da especificidade que o texto verbal-escrito, elaborado a partir da lógica da língua linear e digital, adquire ao ser inserido em um meio coordenado pelo tempo e pela simultaneidade de seus elementos e pensado em função da intervenção voz. Essa discussão é realizada tendo em vista o papel desempenhado pelo texto oral para as comunidades de oralidade primária e as inter-relações semióticas entre este e o texto verbal-escrito elaborado para ser traduzido por uma voz determinada. A plasticidade da voz (seu aspecto "tátil" e "gestual"), o papel que ela assume neste processo de tradução do escrito para o oral mediatizado pela ondas do rádio e as relações de ambos com as performances dos intérpretes e as técnicas que orientaram a composição e perpetuação dos textos orais das comunidades baseadas na voz também são importantes, questões tratadas ainda nesse capítulo. A expansão da linguagem radiofônica para além da palavra oralizada abre espaço para a discussão, no terceiro capítulo, do silêncio, ruído, efeito sonoro e trilha como elementos de uma linguagem essencialmente sonora, que, em uma espécie de combate verbo-voco-sonoplástico, se articulam simultaneamente com diferentes funções para compor o spot publicitário. Discutirei também a adequação dos elementos da sonoplastia ao produto e ao público-alvo, a sintaxe do meio, assim como a organização que rege suas combinações, questões que a partir dos spots selecionados e transcritos no capítulo seguinte poderão ser melhor apreendidas. No quarto capítulo, os spots publicitários selecionados e reproduzidos no CD em anexo são transcritos e analisados, conforme as questões levantadas nos capítulos anteriores sobre o texto verbal-escrito, a performance do locutor e a sonoplastia. O objetivo da transcrição é explicitar a sintaxe radiofônica, que se funda na concorrência/ simultaneidade dos elementos sonoros que perfazem a radiofonia, evidenciar as características do texto verbal-escrito elaborado para ser veiculado no rádio e para receber a intervenção da voz, que, por sua vez, imprime a este qualidades impossíveis de serem transcritas em signos escritos, assim como evidenciar as funções que silêncio, trilha e efeito sonoros assumem em uma peça radiofônica, seja em relação ao público, ao produto, ou a ambos. Daí a importância de que o CD, que reúne spots produzidos nas décadas de 80 e 90, seja ouvido para que se percebam as especificidades da linguagem radiofônica que tive como meta evidenciar no decorrer deste trabalho. CAPÍTULO I DOS MASCATES AO SPOT PUBLICITÁRIO — VOZ E SONOPLASTIA NA PUBLICAÇÃO SONORA O ANÚNCIO FALADO NAS ONDAS HERTZIANAS Com o surgimento dos nossos primeiros jornais e gazetas no século XIX, aparecem os anúncios impressos cujos textos aproximam-se dos pregões1 que dominavam as ruas do comércio emergente nas capitais brasileiras. Na verdade, como relata Ricardo Ramos, os anúncios impressos eram em princípio "uma simples transposição escrita das vozes", cujos textos geralmente eram precedidos pela expressão "quem quiser", e após o nome da mercadoria e do anúncio, lia-se: "Atenção, muita atenção, aviso" (1995:15). No entanto, o anúncio, que se limitava a enumerar, mencionando apenas o nome do produto e o contato, sem argumentar, começa a adquirir identidade própria com a introdução da ilustração. Segundo Herman Lima (apuaramos 1995:19), os primeiros anúncios ilustrados são publicados nos jornais Mequetrefe e O mosquito por volta de 1875, que dispunham de uma página, em geral a última, desenhada pelo próprio caricaturista da publicação. No início deste século, aliada a essa inovação, o aparecimento dos "semanários" — revistas semanais e ilustradas — traz para a composição do anúncio a rima, o humor e a sátira de figuras políticas, tendo grande participação de poetas como Olavo Bilac. Ramos (1995: 26) relata que os anúncios faziam caricaturas, criavam diálogos, testemunhos de figuras/personalidades políticas em versos, num tom humorado e alegre como nesta quadrinha atribuída a Olavo Bilac, envolvendo a figura do então presidente da República Campos Sales: "Aviso a quem é fumante/Tanto o Príncipe de Gales/Como o Dr. Campos Sales/ Usa Fósforo Brilhante." O anúncio desenvolve uma linguagem singular, procurando se adequar à mídia impressa. O tom rebuscado que caracterizou seus primeiros exemplares — como este elaborado para um negociante: "espera na benevolência do 1 Pregões, segundo o dicionário Aurélio, refere-se à voz ou pequena melodia de ritmo livre, bastante próxima do recitativo musical, e com o qual os vendedores ambulantes anunciavam suas mercadorias. respeitável público, que continuarão a honrá-lo com sua proteção" —, ainda em 1919, faz parte de alguns dos textos dos anúncios, como os encontrados em um único exemplar da revista Fon-Fon: "Seja-nos lícito chamar a atenção dos leitores para a importância terapêutica do nosso preparado Elixir de Murere Caldas, ou o título 'Sentirão o quanto o Sabonete de Reuter purifica os poros'" (Ramos 1995: 29). Com o aparecimento2 e consolidação do rádio no decorrer das décadas de 20 e 30, abre-se um novo desafio: a publicidade sonora. Até 1 de março de 1932, ocasião da regulamentação da publicidade radiofônica através do decreto 21.111,3 as emissoras que surgiam eram essencialmente mantidas pelos sócios e amantes4 da novidade, ainda restrita a poucos que possuíam os "sofisticados" aparelhos. Segundo o publicitário Manuel Leite (1990: 226), no final de 1930 o país já contabilizava 21 emissoras na estrutura Sociedade de Amigos, que mantinham uma programação elitista: ópera, música clássica e concertos de piano. No entanto, como alternativa de sustentação econômica, antes mesmo do decreto 21.111, a publicidade já aparecia nas programações, ainda embrionária, na forma de "assinatura", ou seja, uma simples menção ao "colaborador" na abertura e no encerramento da programação,5 conforme ilustra Roberto Simões: "E seguia-se a transmissão durante uns cinco minutos de títulos de estabelecimentos comerciais" (1995: 173). No entanto, com a regulamentação da publicidade e a popularização dos aparelhos através da importação de modelos com preços mais acessíveis, a estrutura da programação, a linguagem empregada e os anúncios sofrem 2 O rádio no Brasil acontece em 7 de setembro de 1922 com a irradiação do discurso do presidente da República, Epitácio Pessoa, por ocasião da inauguração da Feira da Exposição Mundial no Rio de Janeiro. A transmissão pioneira oficial que pôde ser ouvida em Niterói, Petrópolis e até em São Paulo foi possível graças a um transmissor montado pela Westinghouse no morro do Corcovado. Tal transmissão/ evento marcaria o início da radiofonia brasileira, cuja história vê-se envolvida em uma confusão de datas registradas por pesquisadores e historiadores da comunicação. Segundo Manuel Leite (1990: 225), a primeira emissora de rádio do Brasil foi a Rádio Sociedade do Rio de janeiro, que começou operar em 23 de abril de 1923, atualmente conhecida como Rádio Ministério da Educação (Rádio MEC), tendo como precursor Roquette Pinto. Por outro lado, Ricardo Ramos (1995: 39) assevera que quando Roquette Pinto fundou a sua emissora já havia emissoras funcionando em São Paulo, no Rio e Recife, como iniciativa profissional, tendo sido a primeira emissora brasileira a Rádio Educadora, que iniciou suas operações no Rio de Janeiro em 1927 e depois se transformaria na Rádio Tamoio. 3 Este decreto lei que disciplina a propaganda comercial pelo rádio, fixando um limite de 10% da programação da emissora, é alterado já em 1934, aumentando para 20% do tempo de cada programa o limite de intervalos publicitários. 4 "Segundo as normas da Companhia de Telégrafos, empresa responsável pela regulamentação das rádios no país , as emissoras não podiam ter publicidade, pois, na verdade, não passavam de clubes que reuniam 'amantes das ondas hertzianas' " (Case, 1995:26). 5 Um dos modelos que geralmente antecediam e/ou encerravam os programas desta época é este descrito por Roberto Simões (1995: 173): "Contribuem para o fundo de broadcasting...". alterações. Busca-se uma programação mais dinâmica, aliada a uma linguagem singular apropriada às características do veículo. Suas limitações: unisensorialidade, ausência de imagem, efemeridade da palavra; suas vantagens: caráter sugestivo, penetração em diferentes classes socioculturais, imediatismo. Aos poucos, o meio liberta-se da evidente influência da linguagem impressa, da lógica da informação elaborada para ser apreciada pela visão. "As emissoras passam a popularizar progressivamente sua programação, direcionando-se abertamente ao lazer e à diversão" (Queiroz e Silva, 1990: 139). Neste percurso de construção de uma nova linguagem, os anúncios radiofônicos desempenharam um importante papel, pois o amadorismo e o desconhecimento da linguagem adequada ao veículo, que se faziam presentes através da improvisação da mensagem pelo locutor e/ou através da simples leitura de textos preparados para a mídia impressa sem qualquer adaptação ao meio, começam a ceder espaço para a introdução de textos pré-elaborados por um redator e que eram posteriormente lidos ao vivo pelos locutores das emissoras ou gravados com antecedência, isto é, o spot publicitário e os jinglês (anúncios musicados). É possível que o fato de a raiz da publicidade radiofônica não estar locada na tradição escrita, mas sim nas tradições orais, tenha acelerado o desenvolvimento de uma linguagem adequada a um veículo essencialmente sonoro. Aliado a esse fator, foram salutares as peculiaridades da cultura latinoamericana, na qual a letra, tardiamente introduzida em nosso continente, é incessantemente invadida pelos signos da voz e pela eroticidade corporal, elementos analógicos amalgamados na lógica linear da escrita eurocêntrica que conferem maior sonoridade aos signos. Recorrer à voz para anunciar idéias e mercadorias é uma estratégia que já se fazia presente nos arautos, nas monarquias da Idade Média — tempo de oralidade —, quando os oficiais, mensageiros, faziam as proclamações solenes, anunciavam a guerra e proclamavam a paz. No Brasil, as vozes dos mascates anunciavam suas mercadorias com pregões cantados e geralmente acompanhados por instrumentos sonoros, como a cometa e a matraca.6 Foram, portanto, os vendedores ambulantes que ao entoar seus pregões, esboçaram nossos primeiros slogans e inglês [...]. Às quatorze horas cerrava-se o expediente das repartições e tinham início os pregões de peixeiros, funileiros, garrafeiros e vendedores ambulantes de guardachuvas (Simões, 1990:172). 6 Matraca, segundo o dicionário Aurélio, é um instrumento de percussão formado por tabuinhas movediças, ou argolas de ferro, que ao serem agitadas percutem a prancheta em que se acham presas e produzem uma série rápida de estalos secos. Nos pregões, ritmo, rimas e performance propagavam-se, faziam o reclame dos produtos, evidenciando, na entonação da voz, no desenho do gesto e na palavra oralizada traços reelaborados de uma oralidade primária característica das comunidades orais. A performance, aliada a um texto elaborado oralmente para ser memorizado, garantia a perpetuação de conhecimentos/descobertas, regras e narrativas de uma determinada comunidade sem a intervenção da escrita. Portanto, quando os spots e jingles valem-se de versos, rimas, textos elaborados de forma a serem facilmente memorizados, assim como os anúncios impressos o fizeram, conforme mencionei, reelaboram signos dos textos orais, porém inseridos em uma mídia que ao privar emissor e receptores da presença física estende o alcance da voz a inúmeros universos socioculturais que compõem a sociedade brasileira. PUBLICIDADE NAS ONDAS HERTZIANAS: FORMATOS DE ANÚNCIOS FALADOS À medida que a publicidade é introduzida e regulamentada na radiofonia e a programação direciona-se progressivamente para os gêneros populares, o tom erudito cede espaço a uma linguagem menos rebuscada, pois a pressão exercida pelo comércio, que buscava nesta mídia oportunidade de expansão de seus negócios, estava atenta à popularidade dos programas. Importante observar que os programadores só podiam inserir os "reclames" nos espaços de programação popular, uma vez que não podiam interromper os concertos. Já em 1932, segundo Simões (1990: 177), a verba destinada ao rádio supera a verba para painéis e cartazes; em função disto, em 11 de julho de 1934, o decreto lei n. 24.655 regulamenta que os intervalos publicitários não poderiam exceder a 20% do tempo de cada programa. Cada texto deveria ter, no máximo, 60 segundos, salvo entre 7 e 16 horas, quando poderia ser estendido até 75 segundos. Também não poderiam ser veiculados anúncios seguidos, e era proibida a reiteração de palavras e conceitos.7 A inauguração, em 1932, do Programa Case na Rádio Philips do Rio de Janeiro, teve grande importância tanto no desenvolvimento da publicidade como na linguagem do rádio. 7 A primeira norma a respeito da prática publicitária no Brasil, segundo Roberto Simões (1990: 171), data de 15 de junho de 1543, quando o donatário Martim Afonso de Souza, na capitania de São Vicente, baixava uma positiva proibindo os mercadores de, nos pregões que antecediam as vendas, falar mal das mercadorias dos concorrentes. Case (1995: 62) buscava, como Roquette Pinto, um amadurecimento para o rádio, com a criação de uma linguagem específica para o meio de comunicação. Havia uma preocupação com o rádio-ouvinte, um cuidado com a programação e uma intenção de levar ao ar o que de melhor havia na nossa música popular e na música erudita. Neste sentido, atento às características do veículo e aos potenciais patrocinadores de seus programas, Case introduziu mudanças que se fazem presente ainda hoje na radiofonia, tais como o uso da música de fundo, o BG (background)8 durante a locução e a continuidade do programa, evitando as longas pausas entre locução, música e anúncios características dos programas irradiados. Valendo-se de sua experiência como vendedor, inclusive de anúncios para uma revista humorística, a D. Quixote, de Bastos Tigre, e de aparelho de rádio em 1929, Case procurava os comerciantes em suas lojas e depois de muita argumentação, em alguns casos, conseguia fechar um contrato. A venda de horários e a criação de comerciais diferentes a cada programa foram algumas das principais inovações do Programa Case no aspecto publicitário, que ainda encontrava resistência por parte de alguns comerciantes: A desinformação era o pior inimigo na caça às verbas de publicidade. Não raras eram as vezes em que a falta de conhecimento sobre aquele novo meio de comunicação trazia problemas. Tinha até cliente que não queria pagar o anúncio porque, na hora em que tinha ido ao ar, o aparelho dele estava desligado (Case, 1995: 50). A arma para atrair novos patrocinadores foi a criatividade. No início da publicidade radiofônica, era comum os improvisadores, tais como Waldo de Abreu que, em 1932, mantinha na Rádio Clube do Brasil (Rio de Janeiro) o Esplêndido Programa. Nele, eram criadas com o programa no ar, ao vivo, historietas para exaltar as qualidades de produtos ou para enaltecer as excelências dos patrocinadores (Simões, 1990: 176 e Tinhorão, 1978: 89). Rompendo com o improviso, o humor e os gêneros musicais conhecidos são explorados na elaboração prévia dos textos em prosa e em versos dos anúncios cantados, mais tarde conhecidos como jinglês. Segundo Tinhorão (1978: 90-91), o primeiro anúncio comercial musicado do rádio brasileiro surge no Programa Case, composto por Antônio Gabriel 8 Também conhecido como TC, BG (background) refere-se à música ou ruído de fundo que serve de suporte para a fala. O BG precisa ser característico, para não ser considerado como falha técnica, e não pode, de maneira alguma, prejudicar o som da fala (Porchat, 1989: 165). Convém salientar que o BG extrapola a função de suporte quando inserido numa sintaxe que privilegie seu potencial ilustrativo. Nássara, em 1932, para a padaria Pão Bragança, que apresenta o anúncio sob a forma de um fado português com base na quadrinha: "Ó padeiro desta rua/Tenha sempre na lembrança/Não me traga outro pão/Que não seja o Pão Bragança", que era acrescida de outras partes, numa longa sucessão de versos, que cada um dos cantores do Programa Case presentes no momento entrava cantando, após a repetição do estribilho: "Pão inimigo da fome,/Fome, inimiga do pão,/Enquanto os dois não se matam/A gente fica na mão/Ó padeiro desta rua [...]" Descobertas as possibilidades do anúncio cantado, os primeiros redatores do rádio — quase todos também compositores ou, pelo menos, hábeis fazedores de versos — sentiram imediatamente a vantagem de estruturar o novo gênero, e o jingle entrou para a história da propaganda irradiada. O primeiro jingle gravado em acetato, em 1935, foi composto em São Paulo por Gilberto Martins para a Colgate-Palmolive e possibilitou a sua repetição nas emissoras alcançando enorme repercussão popular: "[...] os "rádio-ouvintes" passavam a incorporar inclusive ao seu vocabulário as frases mais destacadas das mensagens publicitárias, cantando ou assobiando as melodias dos jingles pelas ruas ou enquanto trabalhavam" (Tinhorão, 1978: 98). Os jingles passam a fazer parte da paisagem sonora das cidades e marcam o início da luta dos produtos internacionais pela conquista de um emergente mercado urbano brasileiro dirigido para o consumismo. Paralelamente ao jingle, outros formatos de anúncios radiofônicos são desenvolvidos, tais como a assinatura, o testemunhal e o spot para um veículo que já adquiria o status de negócio, de mídia. A assinatura é na realidade um desdobramento das citações que eram realizadas na abertura e no encerramento dos programas antes da regulamentação da publicidade no rádio, conforme assinalamos. No entanto, com a assinatura, além dos programas serem associados a marcas famosas, tais como a Lever, ColgatePalmolive, Ford — Serões Dominicais Ford realizado por Sangirardi Jr. na rádio carioca Mayrink Veiga, por exemplo —, não era admitido inserir publicidade de produto concorrente nos intervalos do programa, nem na abertura e no encerramento, conforme nos adverte o publicitário e radialista Manuel Leite (1990: 228). O testemunhal, atualmente praticado nas rádios de freqüência AM, é um comentário realizado ao vivo no decorrer do programa pelos próprios locutores testificando a eficácia de determinado produto ou serviço. Geralmente são locutores que compram espaço dentro de uma determinada emissora e assumem toda a produção do programa, inclusive o agenciamento de patrocinadores. Tal prática faz parte dos investimentos diretos, ou seja, que não passam pelas agências e/ou produtoras de publicidade, sendo, portanto, contratados e elaborados na própria emissora. Está diretamente ligada à credibilidade do locutor, ou seja, quando o radialista Zé Bettio faz um testemunhal sobre determinado medicamento, o que está em jogo é a aceitação e a credibilidade que ele goza entre sua audiência. O spot publicitário tem como seu precursor na radiofonia as historietas que se criavam para divulgar as mercadorias, mas a possibilidade de gravação do texto locutado e a inserção de trilhas e efeitos sonoros conferem singularidade a este "tipo de anúncio" no qual o humor e a eroticidade tem forte presença. Segundo Ramos (1995:49), em 1948, o publicitário José Scatena funda a Rádio Gravações Especializadas (RGE), nossa primeira organização de jingles e spots. Mas já na década de 30 havia a Cia. Royal de Rádio Produções que, com o mesmo objetivo, produzia e gravava nos estúdios da Byington as peças publicitárias nas vozes de Walter Foster, Randal Juliano, Celso Guimarães e Rodolfo Lima Martensen, conforme assegura o pesquisador e jornalista Roberto Simões (1990: 180). ASCENSÃO E DECLÍNIO DO RÁDIO COMO MÍDIA Na década de quarenta, o rádio destaca-se como o mais importante mass médium; o surgimento da radionovela,9 dos programas humorísticos, dos grandes musicais/programas de auditório marcam esta década e a seguinte como a fase de ouro do rádio brasileiro, principalmente da Rádio Nacional.10 Invertendo a situação vivenciada por Ademar Case na ocasião da implantação do seu programa, os anunciantes disputavam o patrocínio dos programas de maior audiência, abrindo novos caminhos para a publicidade radiofônica, que em conjunto com as agências de propaganda adquiriam subsídios para aperfeiçoar as produções e aumentar a sua participação nos investimentos publicitários. 9 Sob o aspecto da construção da linguagem de um veículo essencialmente sonoro, o gênero radionovela trouxe grande contribuição, uma vez que, através de adaptações e histórias inéditas, explorou o aspecto sugestivo e a sonoridade através da performance da voz - que encantava e despertava ódio - e da introdução de elementos sonoros, tais como efeitos (amadoristicamente produzidos no decorrer das gravações ou irradiações ao vivo), trilhas sonoras e músicas especialmente produzidas para determinados personagens. 10 Em plena guerra, em 1941, surge na Rádio Nacional dois programas que marcariam definitivamente a história da radiofonia brasileira: o Repórter Esso –Testemunha ocular da História e a radionovela Em Busca da Felicidade, patrocinada pela Colgate-Palmolive sob o seguinte prefixo: "Senhoras e senhoritas , a Rádio Nacional do Rio de Janeiro apresenta Em Busca da Felicidade, emocionante novela de Leandro Blanco." Embora fosse a mídia preferencial por parte dos anunciantes, o investimento destinado a ele por parte das agências e das empresas em pesquisas para traçar o perfil da audiência, seu potencial de consumo, seu nível cultural e até mesmo o número de aparelhos espalhados ao menos nas capitais raramente se encontrava entre as prioridades. As exceções dizem respeito à iniciativa de algumas empresas multinacionais, como a General Motors (anunciante pioneiro do rádio), o Laboratório Sidney Ross e a Gessy Lever, que tinham seus próprios departamentos de propaganda e realizavam pesquisa de audiência para melhorar o posicionamento de seus produtos nas capitais paulista e carioca. Em 1937, por exemplo, a Lever realizou, em São Paulo, uma pesquisa visando quantificar o número de receptores existentes na capital, concluindo que 60% das residências os possuíam. Em números absolutos, correspondia a 80 mil aparelhos. A carência de pesquisas aprofundadas sobre a audiência e a realidade de mercado tem se estendido e permanece sendo apontada por pesquisadores e especialistas como um dos principais fatores que tem gerado desinteresse por parte das agências e anunciantes em investir no meio, tornando-o uma mídia complementar em relação à televisão e, inclusive, a outras mídias, como o jornal impresso e revistas, conforme os dados do Gráfico 1. A quebra do preconceito das agências e a elaboração urgente de pesquisas detalhadas de audiência são as principais barreiras, apontadas pelos especialistas que se reuniram no evento Mídia Show 97, para o meio rádio conquistar maior participação no bolo publicitário, que hoje é de 4,3%.11 Segundo a diretora geral da rede Transamérica, Miriam Chaves, É preciso haver uma união das rádios para desenvolver pesquisas. A falta de informação é vista como um empecilho na apresentação dos produtos aos anunciantes, que ficam às escuras no momento de traçar um plano eficiente de mídia (Meio & Mensagem, abril de 1997: 36). No entanto, aliado a este fato há certamente outros fatores que influenciaram esse posicionamento do rádio no mercado publicitário, a começar, em 1950, com o lançamento histórico da televisão no Brasil, a PRF-3, TV Tupi, em São Paulo. A introdução deste novo meio de comunicação é o prenuncio da substituição da preferência dos anúncios falados pela garotapropaganda na telinha, cuja tendência começa a aparecer na década de 60, quando é registrado um empate técnico entre as duas mídias, segundo a pesquisa elaborada e publicada em 1979 pelo Grupo de Mídia, conforme a Tabela 1. Como a mídia distribui as verbas Ano TV Jornal Revista Rádio Outdoor Cinema Diversos 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 24,7 32,9 36 32,8 39,5 43 44,5 43,1 39,6 39,3 46,1 46,6 51,1 53,9 51,9 55,8 56,2 18,1 16,6 16,4 18,4 15,7 14,5 15,8 15,9 21,9 24,8 21,8 20,9 18,5 19,8 21,1 20,2 20,2 27,1 21,9 19,5 25,6 23,3 22 20,2 22,9 21,9 17 16,3 15,6 16 14,1 13,7 12,4 12,4 23,6 23 23,4 19,5 17,5 15,5 14,6 13,6 13,2 12,7 9,4 10,4 9,4 8,8 9,8 8,6 8 6,4 4,6 4,1 3,4 3,7 4,4 4,3 3,9 3,8 5,3 5,1 5,1 4 2,7 2,9 2,4 1,5 0,1 1 0,6 0,3 0,3 0,6 0,6 0,6 0,5 0,9 1,3 1,4 1 0,7 0,6 0,6 0,5 1,2 Fonte: Grupo de Mídia, 1979. Tabela 1 11 Este índice de 4,3% representa a participação do meio rádio no mercado publicitário e corresponde ao primeiro trimestre de 1997. Dados do Projeto Inter-Meios publicado na revista Meio & Mensagem, Ano XIX, n. 757 (19/5/97). De 196212 a 1978, a participação do rádio no mercado publicitário caiu de 23,6% para 8%, enquanto a televisão, dez anos após sua implantação, comemorava o aumento de 24,7% para 56,2%, tornando-se a mídia preferencial, posição que tem dominado até os dias atuais entre o rádio e demais mídias, conforme Gráfico 1. O empate e o deslanchamento da televisão em relação ao rádio, na década de 60, deve-se principalmente ao deslocamento dos investimentos financeiros e da mão-de-obra do rádio para o novo meio que já exercia fascínio entre os profissionais e os empresários, sem que estes se planejassem para dar seguimento aos investimentos no meio radiofônico. Esta constatação fica evidenciada na opinião do diretor-executivo da Rádio Eldorado de São Paulo, João Lara Mesquita, divulgada pela revista Meio & Mensagem: A TV estourou nos anos 60, quando o rádio era a mídia básica. De lá para cá houve uma expansão muito rápida, profissionalismo, foco no cliente. Enquanto o rádio estava chorando pelo advento da TV, esperando que alguma coisa acontecesse para voltar a ter a força que tinha no passado, a TV estava se profissionalizando. O rádio não se preparou para a competição (abril de 1997: 36). O rádio chega à década de 90 com programação e linguagem moldadas por diversas transformações ocorridas na era da mídia tele-visual. A invenção do transistor, em 1956, a implantação e ampliação da Freqüência Modulada, as FMs, na década de 70, das redes de rádio com os satélites, a segmentação, e a digitalização, entre outros, marcaram a estrutura da radiofonia e, conseqüentemente, sua linguagem e o relacionamento com o ouvinte. O transistor, por exemplo, que chega ao Brasil em 1965 com o aparelho importado Spika, libera o rádio da sala para os mais diferentes e inusitados lugares, incorporando-se inclusive à paisagem sonora e anunciando o aspecto intimista que se faz presente na linguagem radiofônica atualmente. O "radinho de pilha" e, mais tarde, o walkman tornam-se extensão do corpo de seu ouvinte, que o carrega colado em seus ouvidos por entre ruas e avenidas. No início da década de 70, a inauguração e expansão13 da FM com a Rádio Difusora FM de São Paulo, uma programação predominantemente 12 O ano de 1962 também é marcado pelo surgimento do Código Brasileiro de Telecomunicação através da lei 4.117, regulamentado peto decreto n.Q 52.795. Nele estava previsto que a publicidade através do rádio não poderia exceder a 25% do tempo destinado à programação diária, marca esta que ainda permanece vigente. 13 Em 1973, o Ministério das Comunicações lança o Plano de Distribuição de Canais FM num panorama que contava com 1.000 emissoras já em 1966 e uma estimativa de 12 milhões de aparelhos receptores. Atualmente, segundo dados do Ministério das Comunicações/ABERT publicado musical é introduzida. Com o surgimento dos disc-jóqueis, abre-se espaço para rápidos comentários, destacando a música e o humorismo, que imprimem novo ritmo às programações e recuperam uma importante faixa da audiência: os jovens. Segundo a pesquisa realizada pela Marplan, em 1995, a penetração do rádio AM entre a faixa etária compreendida entre 1 5 e 19 anos é de apenas 15% contra os 94% relativos à penetração das FMs, que atualmente contam com 1.275 emissoras no país, de acordo com dados do Ministério das Comunicações/ABERT para o mesmo ano (cf. Gráfico 2). Dentre os caminhos apontados para o reposicionamento do rádio como mídia, além do investimento em pesquisas, conforme assinalamos, surge a proposta da segmentação das programações das rádios e a implantação de redes. A idéia do rádio como mídia segmentada tem alcançado adeptos. Na capital paulista, por exemplo, há emissoras especialmente direcionadas para determinados gêneros musicais, como o rock, MPB, samba, tendo como meta atingir um público de perfil bem delimitado. Na impossibilidade de acompanhar a televisão, "veículo de integração nacional" com uma audiência maciça, as principais emissoras estão abandonando o anacrônico conceito de "público em geral", assumindo sua audiência atomizada e partindo para a exploração de segmentos cada vez mais específicos (Queiroz e Silva, 1990: 140). Por outro lado, entre controvérsias e polêmicas, a formação de redes, por iniciativa de algumas rádios, tem optado por uma programação diversificada, pois têm como meta a retransmissão por satélites para diferentes regiões do país. Atualmente, no Brasil, há 10 redes de rádio (cf. Tabela 2), e de acordo com o diretor da Rede Jovem Pan Sat, Paulo Machado Neto, este é o futuro da radiofonia: "O rádio, enquanto veículo de entretenimento, deve ser universalizado. O futuro do veículo será por via satélite, até com a possibilidade de sintonia internacional, através da banda digital" (Meio & Mensagem, abril de 1997: 36). No entanto, as redes, pela programação e linguagem centralizadas, têm enfrentado críticas devido à possibilidade de "descaracterização" das culturas locais, bem como resistência por parte de algumas "praças", como as do Nordeste. Principais redes de rádio AM/FM — Brasil Redes Nyde Emi no Mídia Dados de 1996, existem, entre ondas médias, curtas, tropicais e freqüência modulada, 2.961 emissoras comerciais no Brasil, um número que está na iminência de dobrar devido à previsão de novas concessões de rádios, assim como pela possível regulamentação das chamadas rádios comunitárias. Rede Líder — SAT 92 Jovem Pan Sat — FM 41 Rede Holms Comunicação (Rede Bandeirantes — AM) 31 Rede Transamérica — Transat 3 Antena 1 — Sat 30 CBN 25 Gaúcha — Sat 22 Jovem Pan Sat — AM 19 Rede Atlântica — Sat 12 Rede Holms Comunicação (Rede Bandeirantes — FM) 6 Fonte: Redes — abril/96. Tabela 2 Portanto, o rádio que se delineia para o próximo milênio no Brasil é um veículo de comunicação que goza de grande credibilidade e penetração nacional, pois entre o público de 10 a 65 anos de diferentes classes sociais e sexo, o índice de penetração atinge a média absoluta de 91,1%, conforme dados da pesquisa Marplan 1995, e segundo números do Censo IBGE e Estimativas do Grupo de Mídia, em 1996, 89,3% dos domicílios brasileiros possuem pelo menos um aparelho de rádio, sendo que a região sudeste tem 93,7% de posse. Entretanto, como mídia, mesmo apresentando custos de produção e veiculação significativamente inferiores à televisual e ser comprovadamente a mídia de maior audiência durante o horário comercial, o rádio pode fechar esta década retendo apenas os atuais 5% de investimento (conforme Gráfico 1), ou os 4,3% registrados neste último trimestre de 97 (Projeto Inter-Meios, maio/97). Pesquisadores e profissionais da área de comunicação culpam as emissoras pelo desinteresse das agências pelo rádio, pois estas, conforme já dito, não realizam suficientes pesquisas de mercado. Também sugerem a segmentação ou a retransmissão de programação como caminhos para reverter tal situação. Contudo, pouco se discute a respeito da relação entre este quadro, que vem sendo desenhado há pelo menos três décadas, e a questão da adequação da linguagem a este meio essencialmente sonoro. Esta questão, por sua vez, chama a atenção para o fato de que, se por um lado, o rádio se encontra incluído em um contexto permeado de imagens, por outro encontra-se inserido em uma cultura cujas especificidades sígnicas possibilitam a singularização da linguagem radiofônica e de seus elementos constitutivos. Portanto, a discussão sobre o rádio como mídia e veículo de comunicação passa necessariamente pelo viés da sua linguagem, conforme discutirei no capítulo seguinte. CAPÍTULO II O JOGO DA ORALIDADE E DA ESCRITURA NA COMPOSIÇÃO DO SPOT [...] Viver era, para ele, escrever. Não lhe importava em absoluto que suas obras durassem. Uma vez radiados, se esquecia dos libretos. Me assegurou que não conservava cópia de nenhum dos radioteatros. Estes haviam sido compostos com o tácito convencimento de que deviam volatizar-se ao ser digeridos pelo público. Uma vez lhe perguntei se nunca havia pensado em publicar: — Meus escritos se conservam em um lugar mais indelével que os livros — me instruiu, no ato: a memória dos radioescutas. (Vargas Llosa, Tia Júlia e o escrevinhadoó). O TEXTO RADIOFÔNICO — A CONJUGAÇÃO ENTRE A ESCRITA E A VOZ Como "um meio cego", o rádio lança signos no éter e luta contra a fugacidade para perpetuar a sua mensagem na memória de seus rádioouvintes. Sem a possibilidade de retorno ou correção, o signo sonoro, efêmero e inscrito temporal mente, encontra em cada ouvinte a sua possibilidade de ressonância e, portanto, de perpetuação. No entanto, concorrendo com inúmeras informações que chamam a atenção do seu rádio-ouvinte, o rádio recorre à redundância e ao seu poder de sugestão, a fim de retirar seu potencial ouvinte do estado de ouvir para o de escuta atenta e fazê-lo adentrar um universo permeado de elementos já há muito conhecidos, pois consta (Vasse, 1977) que desde quando em gestação vivia em um universo eminentemente sonoro-musical. Diferentemente das sociedades arcaicas, cuja situação comunicativa se caracteriza pela ausência da escrita e, portanto, conta com a presença física do emissor, o rádio no seu processo comunicativo freqüentemente reproduz uma voz sem corpo, ou seja, uma voz que, com o advento das tecnologias de transmissão e estocagem de sons, separa-se da fonte que a produziu. A este "corte livre do som de sua origem natural", Schafer (1991: 176) denomina esquizofonia. Figurando entre os primeiros meios de comunicação coletivos e à distância,14 o rádio, ainda que se expanda exteriormente de forma amplificada e se dirija ao consumo coletivo, convida o seu receptor para uma comunicação, uma vivência a dois, mesmo que imaginariamente: "A nova paisagem sonora, em especial a radiofônica, convida o auditor à solidão [...]. As mídias eletrônicas tocam individualmente um número ilimitado de auditores" (Nunes, 1993:104). Essa empatia e proximidade, ainda que imaginária, são estabelecidas graças à linguagem de um veículo que, como desejo demonstrar, reelabora signos de uma oralidade cuja situação comunicativa dava-se pela palavra oral, pela proximidade de corpos e intermédio da voz performática, pois embora o surgimento do rádio tenha se dado num contexto há muito "permeado" pela escrita alfabética grega, corporificada pela lógica aristotélica e linear, uma lógica por contiguidade, conforme Décio Pignatari (1987:144), a sua linguagem apresenta características similares às desenvolvidas pelas narrativas das sociedades arcaicas. Neste sentido, embora distas tanto pela tecnologia da escrita como pela das telecomunicações, o rádio, por permanecer em plena era da interface da tela (Virílio, 1993), aproxima-se da lógica das produções das culturas baseadas na voz quando a palavra nele oralizada ultrapassa seu aspecto referencial, de signo simbólico, para ser ação-acontecimento, tal como ocorre para a tradição oral. Portanto, é possível observar, na estruturação de alguns textos radiofônicos, a reatualização dos signos peculiares à oralidade e, conseqüentemente, à sua lógica, que coordena a organização dos textos orais a partir da justaposição de seus elementos. Similarmente às sociedades primárias, o rádio teve que desenvolver "técnicas" que assegurassem a assimilação e a memorização de sua mensagem, principalmente quando se trata da mensagem publicitária — o spot. Nas sociedades orais, o conhecimento, seja através de regras, leis e/ou relatos míticos apreendidos através de rituais, tem seu texto estruturado por "frases formulaicas" (Ong, 1982: 33), que são frases ou expressões adequadas metricamente, fixas e repetidas em verso ou prosa, com o objetivo de facilitar a memorização e a conseqüente perpetuação do texto. Embora tecnicamente o texto radiofônico seja similar em diferentes culturas, vale ressaltar que a estruturação dos seus elementos constituintes recebe uma abordagem diferenciada nas culturas latino-americanas. Júlio Medaglia apresenta-nos uma passagem sugestiva sobre esse fato: 14 "Historicamente o surgimento dos meios de comunicação coletivo e à distância se deu na seguinte ordem: a invenção da imprensa seguida da fotografia, o fonógrafo, o cinema mudo, o rádio, o cinema falado, o cinema em cores, a televisão, o vídeo, até chegar em nossa época com as 'novas tecnologias'" (Villar, 1988:27). No Brasil, o rádio tem uma forma de expressão absolutamente particular cujo resultado se assemelha a uma espécie de grande commedia del Tarte [...]. Aqui o radialista inventa com a linguagem do veículo. Ele é um "ser eletrônico". Na Europa, ao contrário, o rádio é, às vezes, teatro, literatura, artigo, concerto sinfônico, conferência, aula debate, ou seja, quase sempre um veículo dentro do outro (Medaglia, 1978:126). O que subsidia essa abordagem latino-americana é o fato de que, embora utilizem uma língua que se ordena inapelavelmente dentro da dualidade do sujeito e predicado, ou seja, através de binarismos e dicotomias, "as culturas do continente latino-americano apresentam certas peculiaridades, certos condimentos, e até bizarrias, que não as deixam se ajustar, sem dilaceramentos aos esquemas dicotômicos" (Santaella, 1994: 8). Isto implica dizer que há uma presença ainda marcante dos traços da tradição oral arcaica na linguagem radiofônica que, juntamente com as características do veículo e com as peculiaridades da cultura latino-americana, se amalgamam para estruturar uma sintaxe "audiotátil" e "em cores". Ainda sobre a nossa escritura, Amálio Pinheiro apresenta-nos uma passagem especialmente sugestiva: A mente trabalha os signos neste continente, mais através da fricção de superabundância alógenas... do que pelos mecanismos binários de inclusão e exclusão. [...] Disto resulta que a nossa escritura vem sendo invadida pelo acúmulo dos materiais analógicos do universo da voz enquanto tal: sua inseparabilidade em dígitos discretos, sua fisicalidade gestual e móbil, seu nomadismo radical, sua rapidez e brevidade, sua intervocalidade anônima, sua erótica performática (Pinheiro, 1994:16). Em conseqüência destas "peculiaridades", que são, dentre outras, resultado do caldeirão antropofágico de etnias e línguas do qual a cultura latina é produto, assim como da introdução tardia da escritura, é que encontramos, no Brasil, a possibilidade latente de uma abordagem diferenciada de todos os elementos da radiofonia. Particularmente no texto verbal-escrito produzido para o rádio, as possibilidades residem na sua potencialidade em extrapolar a lógica da língua, desverbalizando as palavras, buscando no ritmo da vogais abertas, nas rimas e na estruturação coordenada dos elementos da oração recuperar qualidades de seu referente, aproximando-se, dessa forma, muito mais da organização dos textos orais desenvolvidos pelas comunidades que não tinham o signo escrito para intermediar suas comunicações, "mas que tinham a língua como um modo de ação e não somente uma contra-senha do pensamento" (Malinowski apud No entanto, mesmo diante destas peculiaridades, é possível observar o predomínio da lógica da língua, da escritura, insistindo-se na referencialidade de uma linguagem que traz na sua estrutura a justaposição característica da poética. Mas, afinal, qual seria a sintaxe das produções poéticas da Europa dos séculos VIII, IX, X, reconhecia a complexidade que consistia em conjugar enfaticamente o lingüístico, o vocal e o gestual. Essa conjugação torna-se ainda mais complexa quando em um único meio há de se combinar elementos de naturezas diversas, como o texto verbal-escrito, cuja sintaxe é organizada segundo a ordem predicativa de início-meio-fim, a voz e elementos sonoplásticos, que na radiofonia organizam-se simultaneamente. Portanto, o texto radiofônico é resultado da semiose desses elementos, cujas relações de significação desejamos discutir e exemplificar a partir dos spots selecionados e transcritos no capítulo quatro. O spot torna-se uma opção adequada pelo menos por dois motivos: o primeiro reside no fato de que nele pode-se encontrar reunidos todos os elementos que compõem e constroem a linguagem radiofônica, que assim como a oral não é exclusivamente verbal-oral, ou seja, é resultado da interpenetração de elementos não-verbais e verbais, que perdem sua unidade conceitual para adquirirem uma nova especificidade. A partir do dialogismo destes dois elementos inaugura-se uma forma, uma sintaxe nova, singular ao meio no qual estão inseridos. O segundo é que o desenvolvimento do spot como peça radiofônica muito contribuiu para que o rádio descobrisse a sua própria sintaxe. O desenvolvimento da publicidade no rádio se confunde com o da própria linguagem radiofônica. Da simples menção ao vivo do nome de um "colaborador" de um programa até a inserção de peças publicitárias previamente elaboradas e produzidas para os "patrocinadores", em programas e horários estrategicamente estabelecidos, um longo percurso foi estabelecido, tanto no texto escrito quanto no tratamento dos até então novos elementos que viriam a compor a sonoplastia radiofônica (efeitos sonoros, ruídos e trilhas sonoras). Com a regulamentação da publicidade no rádio através do decreto 21.111, o rádio vê-se impulsionado a criar novos gêneros para a programação radiofônica, ousando novos formatos e elementos. Neste percurso é trazido à tona o peso de uma herança que ainda permanece não só nos textos escritos veiculados pelo rádio, mas também no tipo de organização dentro da qual são combinados e selecionados todos os elementos que compõem a linguagem radiofônica: a lógica da língua ocidental, da idéia em dígitos separados e combinados sucessivamente para representar abstratamente uma idéia. Convém lembrar que esta herança deve-se, dentre outros, ao fato de que a linguagem do rádio e, portanto, sua organização sintática, advém da escritura, pois a linguagem radiofônica nasce das Gazetas e Folhas da década de 30, dos romances distribuídos periodicamente pelos folhetins da época, que eram lidos no rádio, conforme destacamos no capítulo anterior. Contudo, o rádio, um veículo cuja plasticidade depende exclusivamente de elementos de caráter sonoro, requer uma lógica diferente da escrita, pois os períodos longos que caracterizam o texto impresso tornam-se totalmente incompatíveis com a efemeridade que o signo escrito adquire quando oralizado. O texto escrito exige atenção exclusiva, ao passo que ninguém pára para ouvir rádio, principalmente no cenário em que o ouvinte se encontra atualmente inserido. A principal preocupação que se tem ao elaborar uma mensagem publicitária é que ela seja assimilada. Portanto, sendo a assimilação e a memorização as principais preocupações ao se elaborar uma mensagem publicitária, cada vez mais o texto verbal-escrito para o rádio deve ser estruturado a partir de frases concisas, de forma atraente, clara e persuasiva. No entanto, a grande dificuldade é superar a linearidade pertencente ao discurso lógico da língua com a qual fomos alfabetizados, ainda que, na América Latina, esta lógica sofra modificações graças às suas especificidades sígnicas. Segundo Décio Pignatari (1964:161), é previsível que uma linguagem emergente se valha das anteriores até tornar-se autônoma. No caso da radiofônica, busca-se na escrita parâmetros para a sua organização. Mas por se tratar de um veículo que não tem o aparato imagético, o rádio desenvolve uma sintaxe cuja lógica resulta de uma mescla da lógica da escritura com as dos textos orais elaborados e memorizados pelas comunidades baseadas na voz sem o intermédio da escrita. Observemos como ocorre este processo de elaboração da sintaxe radiofônica e como os signos da tradição da escrita e da oral, em especial, se amalgamam neste processo sígnico. Considerando a linguagem radiofônica como resultado da combinação de elementos verbais e não-verbais (sonoplastia), conforme já assinalado, estarei refletindo sobre cada um de forma separada, ainda que entenda serem interdependentes e determinantes entre si. Primeiramente, analisarei o texto verbal escrito. No momento seguinte, a voz, sua performance no processo de tradução do verbal escrito para o oralizado e, finalmente, os elementos da sonoplastia, ou seja, o efeito sonoro, a trilha, o silêncio e o ruído. A TRADIÇÃO ORAL NO TEXTO MEDIATIZADO NO RÁDIO Walter Ong relata que a concentração dos especialistas nos textos escritos os levaram a supor que "a articulação verbal era em essência idêntica a expressão verbal-escrita [...] e que as formas artísticas orais no fundo eram somente textos indignos de exames sérios (Ong, 1987:17-20)." Esse desprezo que se reflete na quase ausência de teorias que ajudem a compreender eficazmente a arte oral como tal, é explicada por Zumthor na seguinte passagem: Com a escrita como forma valor ativa do objeto, a palavra viva é gradativamente expulsa do campo de interesse dos intelectuais gerando a nossa dificuldade de reconhecer a validade estética daquilo que, em intenção ou fato, não se encontra em forma escrita. [...] Nos últimos 5 ou 6 séculos, todos os países — primeiros os europeus, depois os da América e depois ainda, embora por outros motivos, os asiáticos — refinaram a tal ponto as técnicas da escrita, que nossa sensibilidade automaticamente rejeita a aparente mediação da expressão vocal (Zumthor, 1985:4). Por outro lado, o próprio autor adverte que "nossa própria cultura — racional e tecnológica — do fim do século XX, está impregnada de tradições orais e sem elas dificilmente subsistiria" (Zumthor, 1985:4). No Brasil, país em cuja cultura a introdução da escrita se deu tardiamente em relação à européia e que tem uma formação cultural resultante de etnias diversas, conforme assinalei, torna-se mais provável a subsistência e reapropriação dos signos da oralidade mesmo num contexto "intermediado pela interface da tela", como nos diz Paul Virílio (1993), e pelos equipamentos conectores de som, no caso da radiofonia. O pesquisador medievalista Paul Zumthor reconhece diferentes "situações de oralidade", a partir de seus estudos sobre a poesia oral, que correspondem a cada situação comunicativa e as classifica em quatro tipos: a oralidade primária, característica de uma sociedade baseada na voz, que não tem nenhum contato com a escrita — "eu entendo esta última palavra como todo sistema visual de simbolização exatamente codificado e traduzível em língua" (Zumthor, 1983: 36) —; a oralidade mista, que coexiste com a escrita , mas onde a influência da escrita permanece externa, parcial e de feito lento; a oralidade secundária, que de fato se recompõe a partir da escrita, (falta o verbo está) "presente na voz — que pronuncia o que fora anteriormente escrito ou pensado em termos de escrita [...]. A palavra escrita ganha precedência tanto em atos como em imaginação sobre a autoridade da voz" (Zumthor, 1985: 5); a oralidade mediatizada, que é aquela realizada por meios auditivos e audiovisuais. A introdução da escrita na Europa não significou a erradicação imediata da oralidade e nem tampouco se deu alheia a ela. Na verdade, principalmente até a sua sistematização através do ensino obrigatório e sua conseqüente hegemonia, esta se restringiu à Igreja, mais especificamente a alguns membros do alto clero, e se estruturava a partir da voz. É a escrita permeada e estruturada pelos signos da oralidade, a gestualidade da voz, a eroticidade sonora. A inscrição vocal na escritura. Paul Zumthor relata que vários letrados do séc. XII compunham de memória suas obras e, posteriormente, as ditavam aos copistas que as anotavam em "tabuinhas" ou em "pergaminhos". Esse procedimento de ditar em voz alta os textos flagra a presença da lógica da oralidade na construção dos primeiros manuscritos da era medieval européia e confere aos copistas e escribas prestígio social: A atividade destes homens da pena, orgulhosos de sê-lo, deixa para o ouvido e a voz um papel que pode ser determinante na constituição da escrita. [...] Em parte, escrever depende ainda da ordem da oralidade [...]. O scriptor recebe, em geral auditivamente o texto a reproduzir. As grafias mesmo, e suas alterações, parecem implicar que ele interiorizava uma imagem das palavras mais sonoras do que visual (Zumthor, 1993: 100-2 — grifos meus). Escrever conferia um certo status que a escritura já começava a desfrutar mesmo entre aqueles que a desconheciam, mas consistia em um ofício árduo. Também difícil era a leitura, a decifração de um documento. Fatores diversos colocavam-se como obstáculos no processo de leitura: desde a dificuldade de manusear vários volumes ou a má iluminação até a ilegibilidade de certas letras e o emprego de uma língua (ou linguagem) diferente da fala cotidiana. Deste exercício que implicava audácia intelectual, uma característica merece ser destacada por revelar a interdependência entre escritura e voz: a "manducação da palavra". Esta expressão do jesuíta Mareei Jouse citada por Zumthor (1993: 105) se refere ao fato de que a leitura dos textos manuscritos eram realizadas em voz alta, o que auxiliava o processo de decifração e revelava a realidade assinalada pelo autor de que a escritura "até o séc. XIII, figura quase como privilégio de classe, e só pode entrar na rede geral das comunicações sociais ao manter vínculos com a voz" (1993: 104). A leitura articulada e, conseqüentemente, a intervenção significante da voz, condicionava o processo de escritura, que por sua vez já procedia da oralidade. Portanto, os textos escritos ainda eram fortemente marcados pelo aspecto tátil da voz, assim como pela presença do corpo que tanto marcou as produções das tradições orais. Situação de oralidade mista descrita por Zumthor. A oralidade mediatizada, por sua vez, coexiste com a escrita (oralidade mista) e apresenta textos previamente organizados pela escrita (oralidade secundária). No entanto, é a especificidade da linguagem de cada veículo que determina o peso que o pensamento lógico-discursivo da escrita ocidental tem sobre a organização de seus textos. No caso dos textos veiculados no rádio, há duas situações distintas no que diz respeito à sua elaboração: primeiramente têm se aqueles que são frutos de improvisação, como pode se observar na maior parte da programação das FMs paulistas, não passando, portanto, por nenhum processo escritural, o que não significa que não seja pensada segundo a lógica da língua. Em um segundo momento, temos os textos diretamente retirados da mídia impressa e, que sem nenhuma adequação ao veículo, são locutados no rádio. Tal procedimento é conhecido no radiojornalismo como gilete-press. Segundo o jornalista Heródoto Barbeiro, esta prática faz parte da rotina da maioria das emissoras de São Paulo que tem "um funcionamento não qualificado, que recorta jornal e leva ao estúdio" (Barbeiro, 1989:11). No caso das peças publicitárias transmitidas atualmente pelo rádio, a situação não parece ser diferente, como explica o editor da Revista da Criação, Por Marcondes: "Um dos maiores absurdos para quem analisa em detalhes as peças publicitárias colocadas no ar em nossas emissoras é o fato de muitas delas serem criadas para a TV e veiculadas no rádio, sem o menor cuidado com a adaptação" (Marcondes, agosto de 1996: 27). Tais procedimentos, além de resultar em maior desvalorização do rádio como mídia, aponta para o desconhecimento da linguagem e da estrutura do rádio como veículo de comunicação, assim como para a supremacia da escrita na organização do pensamento contemporâneo, que, conforme argumenta Rudolf Arnheim, é resultado da diferente valorização dos órgãos do sentido, pois o privilégio da visão acabou "gerando um desequilíbrio tão grande entre o mundo da visão e da audição, que se torna difícil acostumar-se a considerar o mundo sonoro mais que um complemento visual" (Arnheim, 1980: 20-85). No entanto, o rádio, do qual Hitler lança mão para persuadir o povo alemão a se levantar para o sonho de conquistar o mundo, na Segunda Guerra Mundial, e do qual, no Brasil, Getúlio Vargas se utiliza para anunciar e manter o Estado Novo em 1937, ainda hoje figura, dentre os demais veículos, como o de maior credibilidade e penetração junto ao mercado. Ou seja, mesmo com o surgimento das "novas tecnologias", o rádio continua sendo, potencialmente, um veículo no qual palavra, voz e sonoplastia se adaptam para entreter, informar, persuadir um receptor cada vez mais dinâmico. Potencialmente porque esta permanência não significa que a linguagem do rádio esteja sendo explorada como uma linguagem que extrapola o verbal-oral, pois seu produto é muito mais do que um texto verbal-escrito locutado e sustentado por um BG determinado. Portanto, como oralidade mediatizada, o texto radiofônico apresenta na organização sintática de seu texto verbal-escrito características que nos remetem às do texto oral, abrindo possibilidades de exploração singulares em relação aos demais veículos, ao mesmo tempo que convive com o sistema da escrita, principalmente quando se trata do spot publicitário. Isto revela que o rádio é resultado de inúmeras oralidades, uma mídia que "escapa a uma classificação estanque: nem só oralidade primária, nem só mista, nem só mediatizada, mas múltiplas oralidades, imbricamentos sígnicos" (Nunes, 1994:134). Dessa oralidade múltipla a sintaxe radiofônica detém as técnicas de memorização e persuasão15 que Walter Ong (1987) destaca em suas pesquisas sobre a expressão e pensamento da tradição oral. RITMOS — REELABORAÇÃO DAS TÉCNICAS DA TRADIÇÃO ORAL NA COMPOSIÇÃO DO TEXTO RADIOFÔNICO A oralidade como código é constituída de signos sonoros específicos que criam a sua própria sintaxe e tem na exploração do tempo o "recurso" para perpetuar seus conhecimentos na memória de seus ouvintes. Permeadas de canções, narrações e principalmente de poesias marcadamente rítmicas, as produções orais de que se tem registro lançam mão do ritmo e da métrica para atender a necessidade de memorização. As técnicas de memorização baseavam-se em fórmulas que, repetidas constantemente, asseguravam a assimilação do conhecimento. Segundo Eric Havelock (apud Ong, 1987:33), as fórmulas, das quais se constituem os textos orais, são grupos de palavras que,se empregam regularmente nas mesmas condições métricas para expressar uma idéia essencialmente dada. Essa dependência das fórmulas determina um estilo aditivo-acumulativo que segundo Ong caracteriza as formas de expressão da tradição oral em 15 Walter Ong (1987: 18-19) explica que a retórica, que se tornou a matéria acadêmica mais completa de toda cultura ocidental durante mil anos, é uma manifestação do "embelezamento" da fala oral e lembra que o original grego tchnê rhêtorikê, arte de falar (abrev. retórica — Rhetorike), em essência se referia ao discurso oral. oposição ao subordinado, que caracteriza a lógica da escrita ocidental. Valendo-se de um contexto conhecido por todos, os textos orais eram elaborados em orações coordenadas, permitindo que cada parte da informação tenha igual peso, de modo que sirvam como contexto umas às outras. Segundo Décio Pignatari (1991: 47), nesse estilo em que as orações se articulam em coordenação ou parataxe, as palavras parecem ganhar vida, parecem transformar-se na personagem em ação. Para as técnicas de redação do texto verbal-escrito radiofônico, a coordenação é um recurso que permite que cada idéia seja desenvolvida em uma sentença, conferindo fluidez e ritmo ao texto, e que promove uma maior facilidade de entendimento por parte do ouvinte. Neste sentido, é uma reelaboração das técnicas utilizadas nos textos orais das comunidades de oralidade primária. No entanto, ao mesmo tempo, a linearidade baseada na subordinação (sujeito/predicado/atributos) figura ao lado da coordenação como uma outra exigência para a redação radiofônica, em especial nos manuais de radiojornalismo: As frases devem ser curtas, mas isso não é tudo. Uma frase breve não é garantia de uma expressão lógica se não está acompanhada de uma estrutura linear, um desenvolvimento lógico da idéia que contém. Para isso é preciso recorrer à estrutura gramatical mais simples, que é aquela composta por sujeito-verbo-complemento (Prado, 1989:32). "Cuidado com a ordem indireta [...]. A ordem diretasujeito/predicado/verbos/complementos — é mais simples e fácil de ser entendida" (Porchat, 1989:98). Ainda no que se refere à reprodução das técnicas da cultura oral primária, a repetição, regra dos textos orais, é eleita como um recurso imprescindível na redação radiofônica mediante a escuta entrecortada pela presença de outras linguagens. A linguagem sintética não é incompatível com a repetitiva. "Cortaremos o supérfluo e repetiremos o que for básico para a compreensão" (Porchat, 1989: 98). Walter Ong afirma que, além do objetivo da memorização, outro fato que favorece a prática da redundância é a limitação das condições físicas do falante diante de um público numeroso: "Nem todos os integrantes de um público grande entende cada palavra pronunciada pelo falante, ainda que isto se deva somente a problemas acústicos. É conveniente que o orador diga o mesmo ou algo equivalente, duas ou três vezes" (Ong, 1987: 46). Entretanto, contextualiza Nunes, estamos no domínio eletroeletrônico em que as dificuldades da expansão acústica há muito foram superadas. Contudo, o rádio reitera esse comportamento que por vezes é qualificado como anacrônico. No entanto, a repetição e a redundância presentes no texto verbal-escrito são estratégias de sobrevivência dessa mídia que, conforme conclui a pesquisadora, "escapa a uma classificação estanque" (Nunes, 1993:134). Portanto, essa multiplicidade de oralidades da qual resulta a linguagem radiofônica tem na organização de seu texto verbal-escrito uma importante efetivação, uma vez que na sua organização sintática convivem elementos da oralidade e da escrita. A linearidade do discurso da escrita (uma gramática de estrutura simples e elementar, conforme Emílio Prado (1989:33) é surpreendida pela força da organização coordenada da palavra oral. Mas o ritmo, que decididamente marcou as pautas mnemotécnicas dos textos das oralidades primárias, pode ser considerado como um legado que o rádio, um canal essencialmente acústico, não poderia desprezar na organização de todos os seus elementos constituintes, Mesmo quando predomina o discurso falado — tão em voga nas rádios paulistas e em especial nas de freqüência de amplitude modulada, AM —, os seus elementos devem ser ordenados equilibradamente, o que se traduz em termos de melodia e ritmo. A respeito da importância do ritmo nas produções radiofônicas, a pesquisadora mexicana Josefina Villar assegura que mesmo os períodos das línguas cujos signos estruturam-se sintagmaticamente combinam sílabas rítmica e melodicamente. "A composição sonora se dá em seu tempo de emissão. É por este motivo que a busca da produção artística para rádio deverá sempre levar em conta as qualidades musicais dos sons das línguas" (Villar, 1988:48-9). Em se tratando de um texto publicitário concretizado tanto na forma de um spot como na de um testemunhal, o ritmo deve estar presente num texto intensamente controlado pelo tempo — a média de um spot publicitário é de 30 segundos. O texto do spot torna-se a melhor expressão da linguagem radiofônica por ter que, a partir de poucas palavras, articular conceitos e idéias sobre um produto, serviço ou instituição. Por ser um texto elaborado para ser veiculado em um canal essencialmente acústico, a imagem sonora do que se pretende apresentar não pode ser obtida em uma combinação de signos — letras e palavras — que se dá alheia ao tempo, pois, se por um lado, a inscrição temporal confere efemeridade à palavra radiofônica, por outro, lhe fornece uma das mais significantes matérias. O tempo lhe fornece a possibilidade de ser explorada através do ritmo, que no caso do texto verbal-escrito pode ser obtido também através de repetições, interações, assonâncias e rimas, mas, principalmente, a partir da exploração da palavra como um signo não-arbitrário que pode revelar/apresentar no seu corpo sonoro qualidade do objeto que deixa de ser representado para tornar-se presente sonoramente. É o signode mencionado por Décio Pignatari (1987), fazendo eco à teoria peirceana que se contrapõe ao legado saussureano da arbitrariedade dos signos. Este procedimento exige uma organização que não encontra subsídio somente na linearidade, mas predominantemente na simultaneidade. Por exemplo, quando a poesia concreta (Pignatari 1964: 161) decide romper com a linearidade que marca a sintaxe da língua escrita, opta pela construção de uma linguagem na qual a forma dos signos é projetada de forma a retrabalhar a sintaxe, dando margem a novas possibilidades quanto à comunicação. O tempo para o rádio é um fator que além dos textos determina toda programação e produção radiofônica. Neste sentido, todo processo desde a elaboração até (sua) veiculação da mensagem radiofônica deve explorar os recursos intrínsecos da cultura e do meio resultando em uma produção intensamente rítmica compatível com o veículo e com o público. No entanto, é com a introdução dos demais elementos sonoros — sonoplásticos e vocais — juntamente com o texto, que se flagra o imbricamento sígnico do qual se constrói a linguagem radiofônica, assunto do próximo item. Performance — A PLASTICIDADE DA PALAVRA ORALIZADA E MEDIATIZADA Ao se elaborar um texto para ser oralizado, ou seja, que conte com a intervenção da voz, de antemão devemos ter em mente que, ao final, teremos "algo" diferente do que fora elaborado a partir da escrita. Até mesmo um texto que em princípio não é pensado em termos de oralidade, ao ser vocalizado adquire materialidade e, portanto, identidade diferente. Este processo é oposto ao que ocorria nas sociedades baseadas na voz na ocasião da introdução da escrita alfabética. A escrita é que vinha carregada de signos pertencentes à oralidade: "exigia-se de seus usuários que combinassem os hábitos herdados de boca e ouvido aos hábitos adquiridos de mão e olho" (Havelock, 1996: 274). Para o spot publicitário, assim como para basicamente toda peça radiofônica, a intervenção da voz significa conferir-lhe existência, realidade sígnica, uma vez que ela dissolve tudo que é material em voz descorporificada, o que constitui a sua essência e significa a sua possibilidade artística. A voz faz presente o cenário, os personagens e suas intenções; a voz torna sensível o sentido da palavra, que é personalizada pela cor, ritmo, fraseado, emoção, atmosfera e gesto vocal. Especificamente no processo de tradução16 do escrito para o oral mediatizado pela radiofonia, "a palavra escrita acede à plasticidade sonora da voz" (Nunes,1993: 130), pois, embora se utilize do sistema de línguas, articulando sons, palavras pré-moldadas, e se mantenha — em certa medida — presa à estrutura sintática, ela, a voz, acrescenta algo de próprio. Zumthor (1985: 7) acrescenta que a voz surpreende a escrita engendrando e revelando outros valores que, na interpretação, integram-se ao sentido do texto transmitido, enriquecendo-o e transformando-o, por vezes, a ponto de fazê-lo significar mais do que diz. Se, por um lado, o intérprete nas comunidades baseadas na voz não dispõe da escrita para perpetuar seus textos, por outro, o locutor no rádio luta contra a fugacidade do mesmo signo oral em um "meio cego"17 que disputa a atenção de um ouvinte em constante movimento. Diferente do nomadismo do homem arcaico, que em suas caminhadas levava consigo um ritual que lhe era intrínseco, o ouvinte leva consigo uma programação que não é produzida por ele, ainda que seja realizada a partir de seu perfil. Portanto, tanto para os textos das comunidades de oralidade primária quanto para os elaborados para serem mediatizados pelo rádio, a performance do intérprete ou do locutor torna-se uma condição para que estes se tornem acontecimento. Entretanto, partindo do princípio mcluhaniano de que o meio é a mensagem e que, portanto, uma mensagem não se reduz ao conteúdo manifesto, mas ao contrário, comporta outro, latente, que emana da própria natureza do médium que a transmite, a performance desenvolvida pelo locutor no rádio adquire singularidades impostas pelas características do meio, assim como pelas implicações político-sociais do tempo histórico determinado embutidas no próprio meio/veículo. Mas, concomitantemente, num movimento diacrônico de reapropriação de linguagens e códigos, o locutor "atento" reelabora elementos observados na performance não-mediatizada da 16 Processo de tradução entendido aqui como um processo de recriação de um (novo) texto, levando em consideração o meio rádio — os procedimentos e a história nele embutidos —, que influi na tradução do verbal-escrito para oral mediatizado, ainda que este primeiro já seja elaborado em função do meio em questão e principalmente leve em consideração a voz e suas potencialidades de expressão. 17 Expressão cunhada por Rudolf Arnheim em sua obra Estética radiofônica ao se referir ao rádio. Denominou-o como "meio cego", mas não o faz referindo-se a ele como um meio que carece de elementos visuais. Pelo contrário, o reconhece como um meio que pode criar "segundo suas próprias leis um mundo acústico da realidade" (1980: 88). Este mundo acústico é elaborado essencialmente através de sons, sejam dos elementos que compõem a sonoplastia, sejam das palavras do texto mediada pela voz, ou pela própria voz. poesia medieval na tentativa de, especificamente na produção do spot publicitário, despertar a escuta do ouvinte e através do texto verbal oralizado/locutado apresentar o produto em questão e persuadi-lo. Trata-se da recuperação dos materiais analógicos do universo da voz, destacados por Amálio Pinheiro (1994:4), sua gestualidade, seu aspecto móbil/incitador, seu ritmo, sua erótica performática, que podemos observar na construção de algumas obras radiofônicas. Neste sentido, é meu objetivo discutir algumas diferenças entre a performance não-mediatizada, que caracteriza a poesia medieval, e a mediatizada, que por sua vez caracteriza a do rádio. LOCUTOR OU INTÉRPRETE: O CORPO NA VOZ Paul Zumthor (1993), ao pesquisar a poesia medieval, e, mais especificamente, a performance do intérprete na ocasião da "publicação"18 desta produção, chama-nos a atenção para a dimensão que um texto adquire ao receber uma "ação vocal", deixando de ser texto para adquirir estatuto de obra, isto é, tudo aquilo que é poeticamente comunicado, em um tempo e espaço determinados aqui e agora: o texto, sonoridades, ritmos, elementos visuais. Enfim, a totalidade dos fatores da performance. A performance não-mediatizada, que ocorre em situações comunicativas na qual a intervenção da escrita é muito frágil, como no caso da oralidade mista, ou inexistente, no caso das oralidade primária, aparece como uma açãooral-auditiva da qual participam de forma interdependente texto, intérprete (que pode ou não ser autor do texto) e o auditor. Estes três elementos dialogam entre si, determinam papéis e funções que perfazem o jogo performático. Segundo Zumthor (1983), performance implica competência. Além de saber-fazer e de um saber-dizer, a performance manifesta um saber-ser no tempo e no espaço. "Quando se trata da linguagem oral, a gestualidade, pausas, paisagens do rosto, sutilezas do olhar e posições do corpo no espaço, tudo isso ajuda a roteirizar as junções e disjunções da fala com aquilo sobre o que se fala" (Santaella, 1995: 165). Os movimentos corporais, cores, formas, tonalidades, vestimentas, todos os elementos são potencializados com vistas a carregar, ampliar, indicar a autoridade da voz, sua ação, sua intenção persuasiva, contribuindo para a instalação simbólica do espaço necessário para que a mensagem seja, mais que 18 "A mensagem é publicada, no sentido mais forte que se pode conferir a esse termo, cujo uso corrente, relativo à escrita impressa, perfaz uma metáfora derrisória. A Performance é publicidade" (Zumthor, 1983: 219). assimilada, vivenciada pelo auditor, que, por sua vez, a partir dos comandos do intérprete, é seduzido a tornar-se co-autor da obra. Esta sedução resulta do envolvimento proporcionado pela participação vocal e corporal entre intérprete e auditor, cujas presenças físicas mudam o sentido do poema. "A presença viva do intérprete e auditor de cujos corpos emanam gestualidades [...] redobram a fala cantada ou dita" (Nunes, 1993: 102). Com a presença do corpo e a intervenção da voz, a obra se particulariza, adquire singularidade, como nos diz Zumthor na seguinte passagem: O sentido do poema, dito de maneira presente, tem sentido global, no qual a significação das palavras e das frases existem naturalmente, mas há uma significação da tonalidade da voz, do gesto e do movimento do corpo e uma espécie de sentimento geral, de presença geral de onde emana a significação global específica (Zumthor, 1989: 125-6). As manifestações dos corpos do intérprete e do auditor conferem tatilidade à performance. A voz e a gestualidade que emanam do intérprete juntamente com o cenário performático trazem à baila o corpo de quem fala: presença erótica. "Para o corpo que escuta, voz e gesto convidam ao contato virtual. O auditor atende ao chamamento e canta, dança, recria o espetáculo" (Nunes, 1993: 103). Ainda que a participação do auditor resulte num papel silencioso, de escuta, ele é, mesmo assim, considerado co-autor da obra, porque o intérprete modula sua voz, desenha seus gestos em função do que percebe de sua audiência. "As peripécias do drama a três que se desenrola entre o intérprete, o auditor e o texto, podem influenciar de várias maneiras sobre as relações mútuas dos dois últimos, o texto se adaptando em alguma medida à qualidade do auditor" (Zumthor, 1983:283). Tal relação resume a essência da performance, ou seja, sem a cumplicidade, a troca de papéis entre ambos — intérprete e auditor -não teríamos a performance integralmente. No entanto, esta relação modifica-se com o advento das tecnologias de comunicação que originam os meios de comunicação de massa e com as regras que a indústria cultural estabelece, ainda que em detrimento das potencialidades do rádio como um veículo "por natureza" de comunicação bilateral, como enfaticamente demonstrou Bertold Brecht em seu artigo Teoria do Rádio em 1932. Portanto, a proposta do ouvinte como produtor não se realiza no nível político, pois a relação entre emissor e receptor configura-se em uma oposição que não é inerente ao meio, na qual emissor e receptor não trocam de papéis. Por outro lado, de acordo com Peixoto, a proposta democrática de Brecht parece ter obtido alcance em outro nível, no exercício de recriação por parte do ouvinte: o ouvinte hoje é solicitado, como indivíduo, a participar, enquanto criador, de transmissões que, através de uma linguagem expressiva e vigorosa, mas não perigosa para a ordem social, estabelece uma nova relação, menos concreta mas estimulante e viva, entre quem produz e quem consome (Peixoto, 1980:7). É dentro deste panorama e desta relação que se configura o que Zumthor (1985) denomina de performance mediatizada. A performance nãomediatizada descrita acima dá-se em um espaço comum e de forma coletiva, o que é adequado ao caráter comunitário que permeia a organização das comunidades primitivas, ou arcaicas, garantindo a sobrevivência em grupo. Por outro lado, a performance mediatizada, em particular aquela que se configura através das ondas sonoras do rádio, convida o ouvinte para uma escuta individual em diferentes espaços, uma vez que este está em constante movimento. No entanto, apesar de se dar em diferentes espaços, ocorre a repetição da mesma escuta. Uma vivência individual reproduzida de forma massiva. O rádio leva para a vivência isolada, não para a vivência coletiva [...]. Embora ele possa contribuir para uma experiência coletiva (entendida aqui como diferente da vivência), mesmo neste caso o efeito é uma vivência individual. O Ator radiofônico não fala, portanto, com uma massa compacta de centenas de milhares, mas com o ouvinte individual (Kolb, 1980:121 — grifos meus). A Perfórmanse Mediatizada Paul Zumthor, sobre a performance mediatizada, assinala ainda um outro fator que a marca substancialmente, que é a tatilidade perdida, pois seria esta uma qualidade decorrente da presença física, da voz viva do intérprete e do auditor na ocasião da performance, uma vez que a considera como algo que é destinado a uma percepção conjunta do ouvido, da vista, do próprio toque, ou seja, sinestésica. "O que ficou completamente perdido com o advento dos meios de comunicação de massa foi a presença física, o peso, o volume real do corpo do qual a voz não passa de uma extensão" (Zumthor, 1985: 8). Claro está que com a possibilidade de expansão do alcance da mensagem vocal e com a possibilidade técnica de seu armazenamento e repetição, assim como a criação de espaços artificiais, a relação entre os três elementos que perfazem a performance (intérprete, texto e auditor) se modifica. No entanto, a ausência do corpo do intérprete, característica desta performance mediatizada, não implica necessariamente a perda do seu aspecto tátil. A tatilidade também se transforma, adequando-se ao novo perfil do auditor e do meio. No livro O mito no rádio — A voz e os signos de renovação periódica, Mônica Rebecca F. Nunes demonstra a permanência da tatilidade da voz a partir das oralizações das cartas enviadas pelos ouvintes aos programas19 veiculados pelas emissoras AMs paulistas. No programa Que saudades de você, a autora considera o caráter ficcional e dramático que Eli Corrêa, o locutor ou o "intérprete", oferece ao seus ouvintes e destaca seu desdobramento vocal, modulações de voz, que, juntamente com as outras vozes articulada pela técnica (efeitos e trilhas), contaminam à distância o corpo-voz do ouvinte, recuperando e reestruturando o conceito de tatilidade da voz na performance mediatizada. Em Que saudades de você, na voz do intérprete, palavra, ruído e técnica comportam dimensão performática [...]. O desenrolar do enredo, a economia libidinal que move tensões e soluções de conflitos obedecem ao ritmo, ao fraseado e ao gesto vocal do intérprete. [...] Faz-se uma tessela de sons plurais que imprimem colorido à representação: a trilha sonora compõe-se de pedaços épicos, românticos, aterrorizantes [...] simultaneamente ao sibilos, chiados, gagueiras, sopros, soluços [...] toda sorte de gestualidade vocal exibida durante a performance de Eli Corrêa (Nunes, 1993: 106-7 — grifos meus). A partir destes "audiodramas", a pesquisadora procura demonstrar a equivalência entre as cartas dos ouvintes oralizadas — resultado da tradução da escritura para o sonoro vocal e sonoplástico — e o mecanismo de narração explorado pelas comunidades orais do medievo para suprimir o sofrimento, seja de uma perda, seja de uma punição resultante de um desobedecimento a 19 Os programas destacados e analisados pela autora são A verdade de cada um apresentado por Paulinho Boa Pessoa — Rádio Record AM e Que saudade de você apresentado por Eli Corrêa — Rádio Capital AM. uma norma/lei. A palavra confessa mediatizada expurga os males, agindo no corpo do ouvinte, e reelabora o conceito de tatilidade (Nunes, 1993: 114). O que se deseja demonstrar é que o caráter tátil da performance insiste na oralidade mediatizada pelo rádio, porém transformada tanto pelo espaço acústico no qual está inserida quanto pelos demais elementos que se amalgamam para perfazer o todo que é a obra radiofônica. Uma obra composta essencialmente de voz. Tomando por empréstimo a expressão de Werner Klippert (1980: 86), o que no rádio não tiver voz não existe. Tudo ocorre com base na voz, seja através dos instrumentos-vozes encontrados nos recursos sonoplásticos, ou na voz-instrumento que é produzida pelo aparelho fonador humano, objeto de minha atenção neste tópico. Do fenômeno físico ao perceptivo, a voz articulada pelo locutor de rádio atua como um signo, representação de algo que, no caso do spot, é uma marca de um produto e seu conceito. Neste processo de intermediação entre o objeto representado e o intérprete (o ouvinte), este signo composto de sons articulados fornece informações perceptíveis. A decodificação realizada pelo ouvinte está diretamente ligada à organização dos elementos constituintes da linguagem radiofônica, da qual o ouvinte assimila algumas das suas características, e também ao seu repertório. Em conjunto, tais dados originam o ato perceptivo. É relevante assinalar a importância do sentido explorado -a audição —, pois, conforme Santaella (1993: 98), no momento em que nos damos conta de "algo" que compele nossa atenção — o percepto, segundo a teoria peirceana —, o fazemos de acordo como nossos órgãos estão aptos a recebê-lo e não somente a partir dos esquemas mentais com os quais estamos "equipados". Portanto, em se tratando de um veículo que suspende a imagem e que converte tudo em matéria sonora, parece-me natural que seja a audição o sentido requerido e explorado pela radiofonia. No entanto, a voz, como fenômeno sonoro, alcança seu ouvinte por outros meios além do ouvido: O som é uma percepção auditiva, mas as ondas sonoras, que são produzidas por uma fonte vibratória sonora e que nos são transmitidas pelo ar, podem nos alcançar por outros meios. Além do ouvido, elas podem ser sentidas pela pele e pelos ossos de partes do corpo humano (Bang, 1986: 24 - grifo meu). Entro aqui em uma dimensão perceptiva que aponta para a presença da tatilidade na performance mediatizada, não como algo perceptível como signo, mas como sentimento, qualidade que toca o ouvinte e ronda a sua percepção auditiva indicando a ausência de neutralidade na relação entre corpo-som: "Nossa pele está longe de ser a armadura que protege e isola o corpo, ao contrário, somos contiuamente banhados pelas vibrações audíveis e inaudíveis" (Duarte, 1993: 25). Se não, vejamos. A voz, segundo Klippert (1980: 88), é extraída do mundo dos cinco sentidos e inserida em um espaço referencial acústico de um só sentido. No entanto, além da audição esta atinge mais um outro sentido: o tátil, que corresponde à qualidade sonora dos sons emitidos pela voz e que não é perceptível como signo, uma vez que como impressões não se configura como tal, mas como pura qualidade, possibilidade, um quase-signo, mais especificamente um quali-signo. Dentro da teoria geral do signo, a semiótica, elaborada e discutida pelo filósofo e lógico norte-americano Charles Sanders Peirce, o quali-signo está presente na classificação do signo em relação a si mesmo realizada na primeira tricotomia. Pertencente à categoria da pri-meiridade, o quali-signo funciona como quase-signo através da pri-meiridade, isto é, de sua qualidade que é apreendida como sentimento, ou seja, como quase-signo, o quali-signo só pode gerar uma qualidade, um sentimento como interpretante. Por sua vez, "qualidades só podem se comunicadas por quali-signos" (Santaella, 1995: 130). O que torna presente na performance mediatizada a tatilidade são os quali-signos decorrentes das qualidades da voz como fenômeno sonoro, ou seja, a intensidade, a altura, o volume e o timbre que, juntamente com o ritmo e o gingado, tão presentes na cultura latino-americana, conferem gestualidade e colorido às enunciações. Esta tessela de sons vocais tocam um outro sentido do ouvinte, fornecendo-lhe informações que, quando apreendidas, proporcionam uma experiência qualitativa que extrapola o sentido da audição e percorre o outro sentido, que é o tato, criando uma relação "intervalar, aos saltos, em que está suspensa qualquer possibilidade de previsão ou programação" (Ferrara, 1993: 176). A voz na performance do locutor apresenta a sua materialidade como recurso para superar o aspecto referencial e redundante que tem predominado nas locuções radiofônicas num estilo referencial/ narrativo que age apenas como suporte, como meio para a comunicação de um texto verbal-oral regido pelas convenções que dão significado aos símbolos, originando como resposta do ouvinte o desinteresse em virtude da pasteurização sonora: "Se ao locutor falta expressão e musicalidade, o ouvinte se vinga dele da forma mais simples: troca o dial do rádio. O locutor perde sua audiência se descuida o tom melódico" (Arnheim, 1980: 28). O que move o ouvinte do seu estado de ouvir para o de escuta atenta está na experiência que este pode ter com a materialidade do som, que em muitas ocasiões é só o que é apreendida (a expressão, o ritmo, a curvatura melódica presente no e pelo jogo da voz). Isto leva Arnheim a dizer que "sobre as pessoas mais simples influi mais a expressão da voz de um orador que o conteúdo de seu discurso" (1980: 24). É a pura sonoridade, a pura qualidade da voz em jogo, a voz sem discurso, de que nos fala Santaella (1993: 43), como quali-signo. Arnheim não discutiu sobre a questão do quali-signo e nem tampouco sobre a presença da tatilidade na performance da voz decorrente da sua materialidade, no entanto, ao discutir o caráter expressivo do som, põe em pauta a relevância de fazer com que o signo converta seu objeto em matéria, presente através da sua materialidade sonora. Adverte-nos para o fato de que, em uma obra sonora, a maior força reside no som, o qual atua nas pessoas de forma mais direta que os significados que podem ter as palavras, e afirma o seguinte: "Na palavra, o som é como a terra mãe, da qual a arte falada não pode prescindir [...]. Entre as obras sonoras a palavra há de brilhar com todas as cores do som, pois o caminho para entender o sentido das palavras passa pelo ouvido" (Arnheim, 1980: 24-5). O que ronda a percepção auditiva do texto verbal oral locutado, que não se configura como signo e age como qualidade, é o quali-signo, que se faz presente na radiofonia a partir desta qualidade material da voz como fenômeno sonoro discutida pelo pesquisador alemão, e que, na teoria peircena, é sentimento (feeling)20 não gerador de signos, mas de quase-signos, qualidades de sentimentos geradores de interpretantes que estão fora do tema publicitário e que internalizam a manutenção da escuta. Por outro lado, Zumthor (1985) nos chama a atenção para o fato de que várias civilizações atribuíram valor simbólico a cada uma dessas qualidades e que nas relações pessoais cotidianas julgamos alguém por sua voz (às vezes com má fé). Estendendo esse julgamento ao valor do que é dito, observei na radiofonia um processo semelhante, ou seja, certas qualidades de voz foram eleitas como adequadas para determinados tipos de programação ou produto, acabando por estabelecer o modelo, uma certa "gramática" dentro das emissoras, através da qual criaram-se certas convenções que acabaram por torná-las tão simbólicas quanto o é o verbal oral locutado e diretamente 20 "[...] Convém saber o que Peirce entendia por sentimento (feeling), um estado de consciência flagrado em qualquer um de seus momentos [...]. Tratando-se de consciência instantânea, é não cognitivo, original, espontâneo; é um simples sentido de qualidade — o sentido de qualidade de uma cor, por exemplo" (Pignatari, 1987:38). conectadas com o tema publicitário — seu tema e sua marca — ou com o público-alvo do produto tratado. No entanto, outras qualidades que escapam à convenção estão focadas na performance da voz. Não tratam nem do tema publicitário e nem do seu público-alvo, mas tocam o seu ouvinte através de qualidades materiais da voz performática, proporcionando o despertamento da escuta, dado imprescindível no que se refere à uma peça comercial inserida em um processo comunicacional no qual o ouvinte está sempre envolvido em um universo de muitas sonoridades, em uma paisagem sonora, como diz Schafer (1991).21 CORPO VOZ: O RITMO NA PERFORMANCE MEDIATIZADA O ritmo é traço indispensável, cicatriz profunda a testemunhar que o homem se dá conta da existência do tempo (Baitello, 1992:27). Retomando a questão da pasteurização sonora, esta mesma gramática que tem estabelecido que, para determinados produtos, é necessária uma voz com timbre grave feminino, tem normatizado a produção veiculada pelo rádio como um todo, em especial a dos spots publicitários, dentro de uma sintaxe linear, digital e hierárquica característica da sintaxe que rege os textos verbais, havendo, portanto, a predominância do simbólico e o achatamento do qualisigno num meio cuja organização é predominantemente definida pela simultaneidade de seus elementos. Tal fato adquire maior complexidade quando levamos em consideração que tal pasteurização sonora configura-se dentro de uma cultura que, apesar de também ser filiada à herança indo-européia, sucumbe a uma influência muito maior: a da mescla cultural na qual os elementos das voz invadem a língua/a escritura conferindo-lhes aspectos essencialmente analógicos (indivisíveis por meio de sinais). Sobre este aspecto, Amálio Pinheiro realiza uma importante reflexão acerca da contribuição do negro na estruturação da nossa cultura miscigenante, dando-nos uma visão clara do que vem a ser a "nossa língua". Aqui no Brasil, cabe-nos, entre outras, a tarefa de encaixar, em montagem cultural criativa, a modernidade técnica e científica na massa lingüística, cultural e histórica miscigenante. [...] Essa é uma dificuldade prática, a que só os inventores da linguagem se dedicaram coerentemente: dar ordenação a um estado aluvional da cultura, onde o processo de verbalização 21 O conceito de paisagem sonora é definido pelo pesquisador canadense Murray Schafer (1991). Designa o universo sonoro que constitui o nosso cenário ambiental. une-se à violenta e difícil intrusão de outras esferas rítmico-auditivo-visuais. A não aceitação dessa intrusão do não-verbal no verbal acarreta o rebaixamento da verbalidade ao nível da linearidade estatuída [...] Falo não só do corpo físico, mas desse corpo-escritura, ou escritura-corpo, que os negros ajudaram em muito a construir na América Latina, trazendo para o campo da palavra o enovelamento mestiço e barroquizante do ritmo do tambor, dos quadris, do andar, e trazendo para o âmbito do significado de cada termo o estremecimento do significante, esse traço supra-segmantar, entonacional, que machuca o dicionário e o renova semanticamente (Pinheiro, 1994: 43). Esse vislumbre erótico do corpo e da voz, ou do corpo-voz, que sinaliza como potencialidades de singularizar a produção artística brasileira (estreitando a distância entre objeto e signo), traz à tona as características de uma cultura cujo influxo oralizante é constantemente reelaborado, seja na escritura do impresso, seja nas mídias eletrônicas. O ritmo presente no corpo e nas enunciações orais, tão explorado pelas comunidades de oralidade primária a partir de sua linguagem versificada e ritmada com objetivos de memorização, surge para a mídia radiofônica como potencialidade a ser explorada tanto pelo texto a ser oralizado como pela voz na ativação de seu encantamento oral, persuasão e sedução da escuta do ouvinte. Neste sentido, como nos diz Lúcia Santaella, "a marginalidade também tem seus trunfos" (1994: 8), pois o fato de a nossa cultura ser resultado da incorporação de um mosaico de diferentes etnias e línguas nos instrumentaliza com uma língua brasileira cuja natureza antropofágica incorpora, dentre outros elementos, a entonação e o ritmo, elementos tão marcados na cultura africana,22 no gesto do corpo e no gesto da fala, surpreendendo a escritura digital com elementos analogizantes. Para as comunidades orais, o ritmo que se concretiza no corpo e na voz no momento da performance e se faz presente também na organização sintática de seus textos (seus poemas orais, suas narrativas) — sendo por isso caracterizadas como "culturas em ritmo rápido" —, significa a efetivação do processo de sedução, aprendizagem, memorização e perpetuação de suas obras orais, um recurso imprescindível no combate à fugacidade do signo oral. As manifestações até aqui repertoriadas de uma poesia destinada à transmissão oral (mesmo quando repousam sobre um texto escrito) implicam uma primazia do ritmo sobre o sentido, da ação sobre a representação, da 22 Segundo Murray Schafer (1991:88), o ocidente não tem grande desenvolvimento rítmico, ao contrário de sociedades como a africana, a arábica e a asiática, que segundo o autor manifestam maior aptidão rítmica. atitude sobre o conceito: tendem, como em último termo, à identificação da poesia e da dança. Por sua vez, para um meio que suspende a imagem e se compõe de voz, conforme assinalei, as mensagens radiofônicas, assim como toda a sua programação, têm no ritmo um significativo recurso para estabelecer a identificação com o seu público-alvo e seu contexto cultural e econômico. Embora todos os elementos que compõem e conformam a obra radiofônica, inclusive o seu texto, devam estar no mesmo ritmo, é no momento da comunicação mediada pela voz que este texto passa a existir e a adquirir dimensões, muitas vezes além das previstas; portanto, é na locução que a palavra torna-se acontecimento, o trânsito contínuo entre escrita e oralidade. Neste combate verbo-voco-sonoplástico em que se origina a obra radiofônica, a voz tem papel imprescindível, pois na sua coreografia vocal — no ritmo, na entonação, na vocalização — podem-se inscrever elementos que proporcionem a identificação com o seu ouvinte. No caso do spot, tais elementos permitem a identificação do ouvinte com o produto anunciado. O ritmo, juntamente com a entonação na performance do locutor, que se diferencia da entonação explorada na mídia audiovisual e até mesmo do teatro, pois é uma voz de uma pessoa que não tem imagem e que é ampliada pelo microfone,23 deve reproduzir a naturalidade e a variação presentes na expressão oral cotidiana, explorando criativamente a sonoridade de um texto elaborado para este meio acústico coordenado essencialmente pelo tempo. Neste sentido, a sonoridade da língua brasileira, como sublinhei, é um aliado que se deve explorar, pois perder de vista este aspecto da musicalidade da fala significa, segundo Arnheim (1980: 27), a conversão da obra radiofônica em um fracasso. "A busca da produção artística pelo do rádio deverá sempre levar em conta as qualidades musicais das línguas" (Villar, 1988:49). Neste contexto, para a voz que ressoa a partir das ondas sonoras do rádio, existe, do outro lado, um ouvinte em movimento envolvido com outras atividades/linguagens, pois a versatilidade do aparelho receptor, propiciada pelas inovações tecnológicas — o walk-man24 é exemplo deste fato —, permite a esse ouvinte levá-lo consigo nos mais inusitados lugares. Em função desta "atenção superficial", como nos diz Arnheim (1980), e das peculiaridades do 23 Werner Klippert (1980:84) nos traz uma importante contribuição a respeito da singularidade que a voz adquire dentro do rádio: "A sua forma de gerar a voz tem que corresponder às condições do microfone e do alto-falante. A posição da voz muda segundo se trate de uma gravação mono, estéreo ou de estereofonia de cabeça artificial. Os atores que não percebem que numa gravação mono não se trata de preencher com sua voz o Teatro Municipal não servem para o trabalho em estúdio, mesmo que no palco sejam os melhores." 24 O walkman, este capacete acústico colado aos ouvidos, além de sua versatilidade, possibilita a escuta individualizada, que por sua vez está presente no tipo de relação que se trava entre o emissor e o receptor — o ouvinte. meio e da nossa cultura , conforme já discutido, é que se deve organizar a mensagem e se articular a locução, a fim de retirar o ouvinte do estado de ouvir para o de escuta atenta, ainda que por instantes. Entre as peculiaridades do meio rádio está a sua natureza essencialmente sonora, que, por sua vez, vai além da palavra oralizada. A radiofonia conta ainda com os elementos sonoros que perfazem sua sonoplastia, ou seja, a trilha, efeitos, silêncio e ruídos, que juntos constroem a obra radiofônica. A especificidade que cada um desses elementos adquire na ordenação da linguagem radiofônica, assim como as diferentes funções que pode desempenhar, seja em uma programação musical, um radiodrama ou uma peça publicitária como o spot, são questões do nosso próximo capítulo. CAPÍTULO III A SONOPLASTIA RADIOFÔNICA: SILÊNCIO, RUÍDO, EFEITO E TRILHA SONORA NO ESPAÇO ACÚSTICO Linguagem radiofônica: o combate verbo-voco-sonoplástico Nas comunidades de oralidade primária, a transmissão dos textos elaborados oralmente contavam com a performance dos intérpretes, que, juntamente com os demais elementos da cena, tinham como função apresentar fatos das narrativas e dos poemas. Neste processo, voz, gestos, cenários, elementos visuais e sonoros se amalgamavam para apresentar a obra. No rádio, por sua vez, nada que não seja voz participa; tudo que é emitido por suas ondas sonoras é resultado do combate verbo-voco-sonoplástico no qual texto e voz se entrelaçam simultaneamente com outros signos também sonoros. Portanto, a linguagem radiofônica não é exclusivamente verbal-oral. Assim como a palavra escrita, músicas, efeitos sonoros, silêncio e ruídos são incorporados em uma sintaxe singular ao próprio rádio, adquirindo nova especificidade, ou seja, estes elementos perdem sua unidade conceitual à medida que são combinados entre si a fim de compor uma obra essencialmente sonora com o "poder" de sugestirir imagens auditivas ao imaginário do ouvinte. Para as comunidades orais, a palavra adquiria o caráter de um "bracelete de encantamento vocais", como diz Schafer (1991: 216), pois não conheciam a palavra como algo que poderia ser visualizado na forma impressa, mas sim como uma ação que conferia poder sobre as coisas nomeadas. Reconheciam o significado das palavras pela sonoridade. Toda potencialidade de representação de uma idéia e/ou de um objeto residia no caráter expressivo do som: o ritmo, a intensidade, o timbre e o intervalo/as pausas, que se materializavam em uma fala marcadamente musical. Naturalmente estes valores básicos do som têm o poder de afetar o ouvinte de muitas maneiras, suscitando-lhe diferentes respostas emocionais. Arnheim reconhece o papel fundante que o caráter expressivo adquire para essas comunidades de oralidade primária e acredita ser este o material básico para uma obra sonora (a expressividade sonora), tanto na locução como na sonoplastia: A imediata força expressiva que possui um ritmo trepidante e um tom suave, um tom maior e um menor, um período rápido e lento, um tom alto e um baixo, estes são os mais importantes e elementares meios criativos de toda arte sonora, seja a música, a palavra ou os ruídos! O ouvinte se entristece mais facilmente por tons "lastimeros" que por palavras. O redescobrimento do som musical em ruídos e palavras, a união da música, ruído e palavra em uma única unidade sonora, é uma das tarefas artísticas mais importantes da rádio (Arnheim, 1980: 26 — grifos meus). O SILÊNCIO — AUSÊNCIA DE SOM OU SOM SIGNIFICANTE A Revolução Industrial, além das implicações políticas e econômicas, traz consigo um sensível aumento do ruído, barulho, transformando radicalmente a paisagem sonora dos centros urbanos, assim como o modo de ouvir, pois promovem uma mudança perceptiva decorrente de uma sensibilidade diferenciada cuja origem se encontra na transformação desta paisagem sonora. O cidadão deste final de século parece ter-se habituado a esse moto perpétuo, relegando o hábito de escutar ao de apenas ouvir: [...] há uma crescente tendência a se ouvir maior quantidade de sons contínuos, sobretudo em altos Índices de decibéis (Duarte, 1995:22). Em contraponto, o silêncio, ou melhor, a sua ausência, começa a entrar na pauta das preocupações dos estudiosos atentos aos índices de decibéis acima do suportável pelo ouvido humano e que fazem parte do nosso cotidiano, mas, concomitantemente, ainda prevalece a noção de silêncio como morte alimentando a necessidade de se estar sempre emitindo e produzindo sons. O homem gosta de fazer sons e rodear-se com eles. Silêncio é o resultado da rejeição da personalidade humana. O homem teme a ausência de som como teme a ausência da vida. [...] O som corta o silêncio (morte) com sua vida vibrante. Não importa o quão suave ou forte ele está dizendo: "Estou vivo!" O som introduzindo-se na escuridão e esquecimento do silêncio, ilumina-o (Schafer, 1991: 72-3). Essa tendência de ouvir maior quantidade de sons contínuos tem na figura dos disc-jóqueis um dos seus maiores incentivadores. A partir de programações quase que exclusivamente musicais, os Dj's, entre os botões da mesa de som e o microfone, coordenam o "falatório" com a introdução/disparo de músicas da "parada" em ritmos dançantes. Locução e música em uma programação direcionada ao público jovem. Esta, no entanto, não foi sempre característica das emissões radiofônicas, uma vez que a paisagem sonora na década de 30 era outra. Como vimos no Capítulo I, a partir das considerações de Case (1995), nesta época o amadorismo no rádio era muito grande, pois havia entre, por exemplo, o ensaio de um músico ou um cantor e sua apresentação um longo período em que o microfone era desligado, deixando o ouvinte abandonado. Neste contexto relatado por Case, o silêncio no rádio já é considerado como uma falha diante do aspecto dinâmico que deve predominar nas emissões radiofônicas que se desenvolvem sob o signo da continuidade: "continuidade e ritmo são, pois, duas preocupações centrais da produção e da programação radiofônica" (Villar, 1989:31). Atualmente, a qualquer hora em diferentes ritmos e entonações, a voz e a sonoplastia coordenam um programa que procura estabelecer um processo de identificação com seu público-alvo de forma contínua. No entanto, o silêncio também pode surgir como matéria significante/ sígnica na elaboração e produção do spot, espaço em que esta possibilidade ecoa com mais força devido ao espaço que a publicidade abre para a experimentação de diferentes elementos da linguagem radiofônica. O uso do silêncio, quando contextualizado dentro de uma estrutura sintática, tem a possibilidade de adquirir significados que, por sua vez, podem realçar a importância da continuidade sonora, ou podem atuar como um signo, ou seja, representar um mistério, uma dúvida, a morte, a expectativa. Mas deve estar contextualizado para que não seja interpretado como uma falha, um ruído, e, neste caso específico, dentro do processo de comunicação compreendido por Emissor — Canal/Código — Receptor, um ruído é tomado como uma interferência indesejável no canal. Dentro desta mesma idéia, Schafer define o ruído a partir da seguinte ilustração: "Ruído é a estática no telefone ou o desembrulhar balas do celofane durante Beethoven. [...] Ruído é qualquer som que interfere. É o destruidor do que queremos ouvir" (1991: 68-9). Por outro lado, além deste conceito de ruído como um som indesejável, na música ele pode deixar de ser ruído (como um som desagradável) se for incorporado como parte da mesma, seja através de instrumentos de percussão ou através da sua inclusão como parte da textura de uma peça, como fez John Cage ao introduzir o som do trânsito em um dos seus concertos, escancarando as portas da sala de audição.25 Ainda podemos falar em sons periódicos e aperiódicos para distinguir entre duas qualidades bem diferentes de sons, porém devemos deixar para decidir se elas são música ou ruído depois que determinarmos se constam da mensagem que se quer fazer ouvir ou são interferências misturadas a ela (Schafer, 1991: 138). Portanto, quando o ruído surge como uma interferência nas emissões radiofônicas (que não se dá apenas no canal em decorrência de uma falha técnica ou semântica, como mencionei, mas também no código, ou seja, na questão do repertório, na adequação da mensagem ao perfil do receptorouvinte implicando a necessidade da redundância da informação) adquire a dimensão de um som indesejável. Por outro lado, quando um ruído é incorporado intencionalmente em uma obra radiofônica, ganha status de "efeito sonoro"; deixa de ser uma interferência para participar da composição da cenografia acústica ou para desempenhar um papel central dependendo das combinações sintáticas realizadas, acentuando o potencial sugestivo intrínseco à linguagem do meio. A característica essencial da peça radiofônica é sua forte força associativa, que surge de suas palavras e ruídos. A palavra que a nós se dirige no mundo da nossa sala, desperta em nós associações mais abrangentes do que a palavra lida ou a palavra no palco. [...] Mais significativo ainda do que a palavra pode ser o ruído, quando for empregado de forma correta e parcimoniosa, não como acompanhamento supérfluo da palavra, mas como key sound (Wickert, 1980: 127). O EFEITO SONORO OU O RUÍDO DESEJÁVEL Em função de explorar um só sentido e contar com uma única fonte de estímulos (o som), a mensagem radiofônica corre o risco de provocar a fadiga e a monotonia da sua informação, mas, ao mesmo tempo, o seu aspecto unisensorial dá-lhe um dos seus mais importantes trunfos, o poder de sugestão, que é acentuado à medida que se exploram os seus elementos com vistas a alimentar a imaginação do ouvinte com uma proposta variada de imagens auditivas. Portanto, para acentuar o poder de sugestão incorporado 25 A introdução do ruído, do som considerado como não-musical, portanto, não-periódico, na linguagem musical tem como precursor o compositor futurista italiano Luigi Russolo, autor do manifesto de 1913 intitulado A arte dos ruídos. Russolo, ao constatar que, após a Revolução Industrial a paisagem sonora passou a ser dominada pelo ruído, decide incentivar os compositores a explorá-lo nas suas possibilidades tímbricas. na palavra articulada pela voz e, conseqüentemente, atrair a escuta do ouvinte, a música e o ruído assumem diferentes funções de acordo com a sua natureza física e com seu significado para o ouvinte. A inclusão de ruídos (efeitos sonoros) em uma obra radiofônica tem como tendência o objetivo de provocar a associação do ouvinte com o objeto sonoramente representado. Como a função geralmente está determinada pelo sentido, pode-se afirmar que existem tendências, cada uma delas produto da função de sentido determinado pelo objeto que sonoramente se quer representar. 26 O ruído fornece informações, pistas, atua como índice do objeto representado a fim de que o ouvinte reconheça e estabeleça associações, que, pelo caráter referencial assumido pelo ruído, dá-se por contigüidade. O índice, por manter uma relação factual, efetiva com o seu objeto, chama a atenção de seu intérprete exercendo sobre ele uma influência compulsiva, fornecendo-lhe direções e instruções. Na radiofonia, por exemplo, quando se objetiva criar no ouvinte a impressão de que se encontra num ambiente campestre, reúne-se uma série de ruídos que compõem a paisagem sonora do campo, introduzindo-os numa "cena" determinada. O objetivo é que, ao ouvi-los, o ouvinte imagine aquele momento se passando em um ambiente campesino. Da mesma forma, o uso de ruídos explosivos em chamadas e ou vinhetas das programações radiofônicas, além de criar identidade, objetiva chamar atenção do ouvinte. Neste sentido, Kolb adverte que a palavra — assim como o ruído — só pode evocar a representação da realidade se esta for bem conhecida pelo ouvinte por tê-la visto antes. Para o ouvinte é praticamente impossível imaginar circunstâncias externas complicadas no que se refere ao espaço, ambiente e temporalidade e ação externa (Kolb, 1980: 117). Portanto, dentro desta função referencial, o ruído/efeito sonoro tem a tendência de assumir a natureza de pelo menos duas estruturas, a descritiva e a narrativa, nas quais indistintamente o ruído só se torna manifesto no momento em que se ouve o seu som (uma vez que não podemos ver a sua causa, ou o seu objeto) e por isso torna-se prova da sua existência e tem função de voz. "Um ruído, quando empregado como único meio de expressão, 26 O índice encontra-se na tríade ícone-índice-símbolo presente nos três tipos básicos de relações que podem existir entre signo e objeto, segundo a Teoria Geral dos Signos de Charles Sanders Peirce. "Os índices são afetados pelos seus objetos para os quais eles remetem, apontam, enfim indicam. São índices uma batida na porta [...], os olhares e entonações da voz de um falante [...]. direções e instruções para um ouvinte ou leitor etc." (Santaella, 1995: 158). 'preenche o espaço'. Sinaliza e permite ao ouvinte fazer associações" (Klippert, 1980: 54). Ao empregar ruídos que componham o ambiente, a paisagem, o cenário acústico, o produtor tem como meta utilizá-los de tal forma que possibilitem ao ouvinte identificar objetos e imaginá-los associados. No começo de uma cena, ouvimos a sirene de um navio, e imediatamente aparecem na nossa fantasia, sem que tenham de se tornar conscientes isoladamente, imagens tais como navio, neblina, viagem, porto, mar, ondas horizonte.... um cenário nunca poderia criar tais associações. [...] O palco sobre o qual transcorre a peça radiofônica é tão amplo como a imaginação do ouvinte. A limitação ao aspecto acústico é mais uma vantagem do que uma desvantagem (sic) (Wickert, 1989: 125-31). Geralmente este conjunto de ruídos articulados são trabalhados para ficarem em segundo plano, como "fundo sonoro", paralelamente à música e à performance do locutor, pois devido ao seu aspecto referencial, na maioria das vezes, os ruídos estão subordinados a intenções do texto oralizado e da música. Neste sentido, um diálogo pode dirigir e até mesmo restringir as associações num sentido determinado, aspecto especialmente importante quando se trata do conceito de um produto. Os ruídos, quando explorados dentro de uma estrutura narrativa, representam acusticamente uma passagem temporal de uma ação para outra. Em seu estado real ou transformado musicalmente, o ruído pode impulsionar a ação da peça radiofônica com muito maior intensidade do que no palco do teatro: pode explicá-la ou aprofundá-la muito mais intensamente do que poderia fazer qualquer diálogo. Além disso, na radiofonia o ruído pode ser explorado na entonação vocal, emitindo sons em princípio não considerados como musicais e menos ainda pertencentes aos domínios da arte e da língua convencional, como é o caso dos gritos, bocejos, sibilos, tosse, entre outros sons que compõem o gesto articulatório e que fazem parte da importante contribuição criativa do locutor/intérprete27 consciente de que na voz encontram-se todos os elementos da radiofonia: o som, a música e o ruído fazendo sentido à observação de Klippert de que "a transposição de pensamentos ou sentimentos em sons não apenas pressupõe o sistema convencional da língua, mas também um ato criativo, o qual permite ao falante fazer uso ilimitado de meios limitados" (Klippert, 1980:75). 27 O teórico alemão Werner Klippert (1980: 87), a respeito da contribuição do locutor em uma peça radiofônica, julga a escolha de atores, no momento da formação do elenco, uma decisão que deve ser tomada de forma cautelosa e previamente, pois, segundo as circunstâncias, pode-se modificar totalmente a produção e a peça. A palavra, surgida da força imaginativa do falante, desperta no ouvinte idéias e, como resultado delas, sensações. Da mesma forma, os ruídos, cuja causa não podemos ver, só podem despertar imagens. [...] A palavra e o ruído só podem fazer surgir uma imagem do acontecimento real através da ilusão que produzem em nós. Pelo contrário, não podem reproduzir uma ação externa visível (Kolb, 1980: 115 — grifos meus). Essa imagem que se constrói a partir de sons, de elementos acústicos, adquire uma especificidade que a distingue da imagem estruturada por elementos visuais em diferentes técnicas. A "imagem sonora" surge na tela imaginativa do ouvinte como uma granulação fina, resultado de um processo perceptivo entre impressões pessoais e representações sensoriais sonoras apreendidas pela audição. A música que apóia freqüentemente a palavra na peça radiofônica, além de incrementar os efeitos que resultam da palavra ou do ruído na conformação desta imagem sonora, pode ser explorada menos como meio de ilustração e mais como interpretação, comentário e tipificação, isto é, com funções críticas. A fim de diferenciar a música que faz parte dos programas em geral da utilizada numa peça radiofônica propriamente dita (um drama, uma vinheta, ou um spot publicitário) com diferentes objetivos e funções, me referirei a esta última como "trilha sonora". Trilha Sonora Como vimos, acerca do caráter expressivo dos elementos da radiofonia, Arnheim (1980:27) considera a música como a matéria-prima básica cujos parâmetros devem ser aplicados tanto na performance do locutor (cuja musicalidade é intrínseca à fala, ainda que sob alguns aspectos encontra-se perdida neste contexto da supremacia da vista) como nos efeitos sonoros, pelo fato de considerar o rádio como uma arte acústica cujo trabalho consiste em representar o mundo para o ouvido. Como trilha sonora no rádio, a música é utilizada com diferentes funções de acordo com o tipo de programa no qual é empregada, segundo o pesquisador latino-americano Mário Kaplún. Por exemplo, nos programas de radiojornalismo é geralmente utilizada com função fática, e, segundo Kaplún, com "função gramatical", ou seja, são utilizados trechos de música como signo de pontuação: "trechos de música com frase musical mais breve para separar parágrafos de um mesmo texto, ou com frase musical mais longa para passar de um assunto para outro" (Kaplún, 1994: 167-8). No entanto, é nos "radiodramas" que a música é explorada com maior intensidade, assumindo diferentes funções e objetivos. Nas radionovelas da época de ouro do rádio brasileiro, a trilha sonora teve um significativo espaço de criação. Kaplún destaca duas funções básicas para a música empregada como trilha neste tipo/formato de programa: a descritiva e a expressiva. A primeira tem como objetivo situar o ouvinte no ambiente tanto espacial (um país determinado, um campo, um centro urbano, uma favela) quanto temporal (a época de Napoleão ou de Júlio César) no qual transcorre a ação, descrevendo-o. Às vezes, a música descreve tão bem uma sensação sonora que chega inclusive a substituir com vantagem os efeitos sonoros de um ambiente dispensando-os [...]. O trajeto de um pequeno trem rural está muito bem musicalisado por Villa-Lobos na sua segunda Bachianas Brasileiras (Kaplún, 1994: 169). A função expressiva (diferentemente da função expressiva jakobsoniana), também encontrada em outros formatos, além do radio-drama, contribui para suscitar um clima emocional, para criar uma atmosfera sonora, assim como para caracterizar um personagem, procurando adequar determinadas características da música a diferentes personalidades (cf. a peça Pedro e o lobo). "Tanto ou mais que no cinema, o comentário musical ajuda a criar, em torno das palavras, o ambiente peculiar requerido para provocar no ouvinte uma determinada identificação emocional" (Kaplún, 1994: 168). Essas duas funções destacadas, geralmente, são empregadas como fundo sonoro, como um meio de complementação, intensificação ou estruturação dos processos de ação dramática falada. A música da peça radiofônica, escrevia Pfister, tem o poder de dar atmosfera para uma cena, permanecendo de fundo, talvez quase inaudível. Motivos característicos e timbres típicos fixam o lugar do acontecimento. Elementos melódicos e acordes ajudam essencialmente a desenhar situações psíquicas e suas modificações. A dinâmica, o tempo e o ritmo apóiam — preparando ou sublinhando a posterior — a intensidade do diálogo (Pfister apud Kliper, 1980:50). No spot publicitário, a música, dentre outros objetivos, é empregada para estabelecer uma identificação entre o produto e seu público-alvo, ou seja, o mesmo produto pode ser produzido com trilhas (ritmo, melodia, tons, altura e intensidade) diferentes em função do perfil do seu receptor/consumidor, assim como neste mesmo intuito, há a utilização de trilhas em função do fato. Convém lembrar que a melodia e o ritmo das trilhas têm como meta a memorização, principalmente quando elaboradas para um determinado spot. É importante observar em qual sistema estão sendo trabalhados os elementos da linguagem radiofônica. A orientação pode ser explorar a palavra como um sistema convencional e arbitrário, o ruído como acompanhamento supérfluo da palavra, como ancoragem, e a trilha como um BG apenas ilustrativo; ou, ao contrário, a partir da sonoridade e expressividade de cada um, aproximar-se do objeto representado "escoando marcas qualitativas de intensidades" (Bigal, 1993: 53) e diminuindo a distância clássica entre objeto e signo tão discutida desde Platão até Saussure e até os teóricos da semiótica peirceana, passando pela discussão lúcida de Jakobson sobre a função poética. A tendência da organização/montagem dos elementos da linguagem radiofônica é ser realizada predominantemente através do paralelismo, ou seja, os elementos da sonoplastia, embora tecnicamente ocorram ao mesmo tempo que a performance do locutor, em nenhum momento se entrecruzam, se justapõem. Em geral é uma trilha, que pode ou não ser interrompida por um ruído/efeito sonoro, empregada como um fundo sonoro a partir da introdução do texto verbal-oral neste processo de representação sonora. Trata-se de uma estruturação dominada pela continuidade/linearidade e pela contiguidade. Werner Klippert (1980), ao condenar enfaticamente a utilização da trilha sonora como um fundo sonoro ilustrativo, do ruído apenas com função referencial e da palavra vocalizada como um meio e não um fim, certamente está se reportando ao caráter da simultaneidade, que é intrínseca ao rádio, mas que não é devidamente explorado. Quando sonoplastia e texto entram em equivalência, um traço da materialidade da palavra é emprestada à sonoplastia e vice-versa. Trata-se da transmutação do verbal em sonoplastia (efeito sonoro e trilha) e da sonoplastia em verbal num processo de equivalência, justaposição dos sentidos em que paralelismo e simultaneidade se equilibram. CAPÍTULO IV ANÁLISE DAS PEÇAS PUBLICITÁRIAS RADIOFÔNICAS [...] A gravação de um episódio é uma missa, meu amigo. Em realidade, era algo mais solene. Entre todas as missas que recordava (fazia não que não ia à igreja) nunca vi uma cerimônia tão sentida, um rito tão vivido, como essa gravação do décimo capítulo de As Aventuras e Desventuras de Dom Alberto de Quinheiros, a que fui admitido. O espetáculo não devia durar mais de trinta minutos — dez de ensaios e vinte de gravação — mas me parecia que durava horas. Me impressionou, de entrada, a atmosfera de recolhimento religioso que reinava no quartinho envidraçado, de poeirento tapete verde, que respondia pelo nome de "Estúdio de Gravação Número Um" da Rádio Central. (Vargas Llosa, Tia Júlia e o escrevinhador) A análise dos spots aqui transcritos e reproduzidos na coletânea apresentada no CD em anexo permite discutir de forma detida as questões levantadas no capítulo anterior sobre a performance do locutor (sua adequação ao público e ao produto, seu aspecto de criação ou de referencialidade), o texto verbal-escrito (a sua estruturação sintática e semântica em função do meio e da contribuição dos demais elementos da sonoplastia e da voz), a sonoplastia (o ruído/efeito sonoro, a trilha sonora e o silêncio e suas diferentes funções), que juntos têm como objetivo produzir uma obra radiofônica persuasiva, assim como firmar conceitos e construir uma imagem sonora do produto em questão. Convém lembrar que estou utilizando o termo obra como resultado dessa tessela de sons (voz e instrumentos sonoros) e que nem todos os spots apresentados exploram todos os elementos da radiofonia. De acordo com o norte estabelecido neste trabalho, a análise desses spots possibilita discutir a linguagem radiofônica a partir de exemplos singulares, que, por um lado, tem como objetivo dar voz às críticas no que se diz respeito à linearidade presente tanto no texto verbal-escrito e na locução, como na sonoplastia, ainda que sejam elementos constitutivos de um meio por natureza coordenado pela simultaneidade. Mas, por outro, ilustra as possibilidades que apontei através de vários pesquisadores e autores, na construção de obras que superam o aspecto referencial e apresentam sonoramente marcas qualitativas de seus objetos, explorando a musicalidade peculiar a cada elemento presente. A transcrição do texto verbal dos spots selecionados, assim como a indicação da introdução das trilhas e efeitos sonoros têm dois objetivos básicos: o primeiro é expor a estrutura sintática peculiar do texto verbal que é elaborado com vistas a ser oralizado e mediatizado. O segundo é evidenciar as "marcas" da tradução que este mesmo texto sofre ao receber a intervenção da voz e da sonoplastia (deflagrando o caráter múltiplo que caracteriza a linguagem radiofônica). A sintaxe radiofônica se funda na concorrência/simultaneidade de sons, na sua concatenação lógica — disposição e ordem de aparecimento —, que, por sua vez, se fundam no ritmo. A concorrência dos sons, seja da voz ou dos elementos da sonoplastia, são viabilizados pela possibilidade técnica de inserir diferentes planos simultaneamente em diferentes níveis de áudio, produzindo o efeito de profundidade (dimensões espaciais próximo, distante), permitindo ilustrar o ambiente no qual se passa a cena e fornecendo informações complementares ao monólogo/diálogo que se trava em primeiro plano. A ordenação lógica do texto oralizado, da trilha e dos efeitos está em função do efeito de sentido que se pretende obter. Em geral, a simultaneidade dos elementos da obra radiofônica — texto verbal oralizado, acompanhado por uma trilha que permanece durante toda a sua "fala", ou seja, fica em BG, com ou sem a inserção de efeitos sonoros no decorrer da obra — não implica necessariamente em uma justaposição de sentidos, ou, numa concepção jakobsoniana, não significa que se tem aí a projeção do eixo paradigmático sobre o estigmático. De maneira geral, os elementos da sonoplastia correm em paralelo e não se entrecruzam emprestando sentidos entre si para compor acusticamente o objeto, seja ele um produto, uma marca ou uma idéia, como no caso dos spots institucionais. Por não ser só um spot, mas também uma peça publicitária elaborada para rádio, o jingle Coral, do Unibanco,28 abre esta análise por poder ser tomado como um exemplo da justaposição dos elementos da radiofonia que extrapola a linearidade e expõe a performance da voz, explorando os diferentes planos que a técnica oferece. Neste jingle, temos a desmontagem da marca em basicamente dois signos: Banco e Único, que no jogo verbo-vocosonoplástico é remontada pela justaposição sígnica, um jogo em diferentes planos sonoros. 28 Dado o fato de o jingle ser uma peça musical, não transcrevemos o seu texto. Portanto, remetemos o leitor ao CD em anexo. CAPÍTULO IV ANÁLISE DAS PEÇAS PUBLICITÁRIAS RADIOFÔNICAS VERBAL-ORAL: A PALAVRA ORALIZADA E MEDIATIZADA — O TEXTO DESCRITIVO, NARRATIVO E A PERFORMANCE DA VOZ O VERBAL ORAL NO SPOT RADIOFÔNICO O texto verbal-oral elaborado para rádio adquire uma sintaxe diferenciada em razão do próprio meio e dos elementos que compõem a sua linguagem, ou seja, os períodos curtos, paratáticos, a pontuação, as repetições originando a redundância, o uso de contrações típicas da fala oral e de interjeições, os verbos flexionados na terceira pessoa do singular e geralmente no presente do indicativo para estabelecer maior proximidade entre o emissor e o ouvinte, compõem um texto que, no caso do spot publicitário, pretende ser persuasivo, dinâmico e de fácil entendimento. O destino do texto verbal escrito, um texto elaborado para ser oralizado, isto é, preparado para receber intencionalmente a intervenção da voz, marca a sua estrutura sintática: deve ser estruturado em frases curtas, cuja escrita não deve conter abreviações e números por extenso. Em alguns casos, palavras homógrafas e em línguas estrangeiras devem ser transcritas foneticamente a fim de se evitar erros na pronúncia. Termos de duplo sentido (metáfora degenerada, conforme Décio Pignatari) e/ou equivalentes são explorados e adquirem maior força por explorar um aspecto que é próprio do meio rádio: a sugestão. O poder de sugestão fica explícito no spot Semana do rádio, da WGGK, sendo esta inclusive a idéia principal que se deseja transmitir nesta peça metalinguística: "o veículo que mais mexe com a imaginação...". No spot Rugas, da Black & Decker, trabalha-se no texto do diálogo entre dois amigos a equivalência entre "passar" (verbo — ação de passar roupa) e "passar" (estado de saúde), e entre rugas da roupa (roupas amassadas) e rugas da pele (em decorrência da perda de elasticidade). Trabalhando com a equivalência semântica entre os signos verbais, o spot Secretária eletrônica, da Old Eight, recupera a marca do produto nos elementos cênicos. O número do telefone e a mensagem da secretária eletrônica, cuja duração do "problema" impede o personagem de atender o telefone, estão em equivalência com a duração do processo de envelhecimento da bebida, que é reconfirmada pelo segundo locutor na apresentação da marca e seu slogan. Semana do rádio (WGGK) Loc 1 — Ah, Valdir, se eu soubesse nem tinha vindo, é muito pequeno esse seu pintinho (efeito sonoro eletrônico). Loc 2 — (Esclarecimento): trata-se de uma dona de casa preocupada em ampliar seu galinheiro (efeito sonoro de cacarejar). Loc 3 — Deputado, quanta grana o senhor vai levar nessa (efeito sonoro eletrônico)? Loc 2 — (Esclarecimento): trata-se do secretário particular de um deputado querendo saber que quantia ele vai necessitar para a sua viagem (efeito sonoro de locomotiva). Loc 4 — Minha senhora, olhei o seu filho com todo o cuidado. Lamento informar mas é bicha (efeito sonoro eletrônico). Loc 2 — (Esclarecimento): trata-se de um pediatra informando à jovem mamãe que seu bebê é portador de lombrigas, também conhecida como Ascaris lombricoides (trilha sonora) Loc 2 — Assim é o rádio, o veículo que mais mexe com a imaginação e mais esclarece. Semana do rádio, homenagem desta emissora e da WGGK Publicidade. (Vinheta da produtora). Rugas (Black & Decker) (efeito sonoro de pessoas conversando — BG) Loc 1 — E aí meu, como vai? E a sua mãe? Loc 2 — Não muito, viu. Tá preocupada com as rugas. Sabe, né?! Loc 1 — Rugas?! Loc 2 — É. Ela passa, passa, passa e as roupas continuam enrugadas. (Prossegue em off). Loc 3 — Dê pra sua mãe um ferro automático Black & Decker. Com ele toda mãe passa bem. Secretária eletrônica (Old Eight) Trilha sonora (efeito sonoro de campainha de telefone e secretária eletrônica). Loc — Você ligou para oito, oito, oito / oito, oito, oito, oito. Não posso atender no momento. Estou resolvendo um assunto criado há oito anos (efeito sonoro de gelo e líquido despejados no copo). Loc 2 — Old Eight: maltes raros, importados, envelhecidos oito anos. Beba com prazer, sirva com orgulho. Os spots Aberturas, Prazeres, Colarinhos, da Kaiser, apresentam vários termos equivalentes para apresentar o seu produto, descrevendo a própria composição paradigmática de onde são selecionados os signos que serão combinados para compor o sintagma. Esses três spots apresentam a mesma estrutura: dois locutores em tom humorado e irônico apresentam os termos equivalentes a cada tema — Abertura, Prazer e Colarinho — acompanhados por uma trilha sonora que segue em BG até o momento em que é apresentado o sintagma que apresenta o produto e a sua marca acompanhado por uma trilha-tema da marca "Kaiser" em tom apoteótico. Prazeres (Kaiser) (trilha sonora da Kaiser) Loc 1 — Sob o patrocínio da cerveja Kaiser vamos falar dos prazeres mais famosos da nossa terra (mixa BG com Trilha). Loc 2 — Tem o prazer é todo meu, Loc 1 — O prazer é todo seu, Loc 2 — O prazer em vê-lo. Loc 1 — O prazer em revê-lo, Loc 2 — O prazer em conhecer. Loc 1 — O prazer a dois. Loc 2 – O prazer solitário. Loc 1 — O bel-prazer. Loc 2 — E tem o maravilhoso. Loc 1 — Inconfundível... Loc 2 — Prazer de beber a deliciosa cerveja Kaiser (mixa BG com trilha Kaiser). Loc 1 — Grande no sabor, Loc 2 — Grande na qualidade. Loc 1 e 2 — Kaiser, uma grande cerveja. Colarinhos (Kaiser) (trilha sonora Kaiser) Loc 1 — Sob o patrocínio da cerveja Kaiser, vamos falar hoje dos colarinhos mais famosos da nossa terra (mixa BG com Trilha). Loc 1 Tem o colarinho do palhaço, Loc 2 — O colarinho do padre, Loc 1 — O colarinho branco, Loc 1 — O colarinho folgado, Loc 2 — O colarinho engomado, Loc 1 — O colarinho sujo de batom. Loc 2 — E tem o delicioso, Loc 1 — Inconfundível... Loc 2 — Colarinho da cerveja Kaiser ( mixa BG com trilha Kaiser). Loc 1 — Grande no sabor, Loc 2 — Grande na qualidade. Loc 1 e 2 — Kaiser, uma grande cerveja. Aberturas (Kaiser) (trilha sonora Kaiser) Loc 1 — Sob o patrocínio da cerveja Kaiser, vamos falar hoje das aberturas mais famosas da nossa terra (mixa BG com trilha). Loc 1 — Tem a abertura política, Loc 2 — A abertura dos jogos da primavera, Loc 1 — A abertura do olho, Loc 2 — A Abertura do sinal, Loc 1 — A abertura do zíper, Loc 2 — A abertura do cofre, Loc 1 — A abertura de portas e gavetas em geral, Loc 2 — E tem a esperada... Loc 1— Esplêndida... Loc 2 — Abertura da cerveja Kaiser. Loc 1 — Grande no sabor, Loc 2 — Grande na qualidade. Loc 1 e 2 — Kaiser, uma grande cerveja. A materialidade dos elementos que compõem o meio rádio, seu canal, sua linguagem também são explorados para apresentar uma marca. São os spots metalingüísticos Dona Nilda, do Banespa, Microfone, do Clube de Criação de São Paulo, e Redator, da Buscacrepe. Nestes três spots, basicamente texto e voz deflagram o ato de produção de uma peça radiofônica publicitária. A performance da voz sensual de Dona Nilda (Loc 1), das vozes dos aspirantes a locutor de peças publicitárias, da voz caricata do personagem que encomenda o spot para a Família Buscacrepe (que nos remete ao personagem do desenho animado da Hanna Barbera Família Buscapé) são registros e gestos que a voz imprime ao texto verbal impresso no roteiro, surpreendendo-o, recriando-o e traduzindo-o em outra materialidade, a sonora. Dona Nilda (Banespa) (Efeito sonoro de chamada campainha de telefone) Loc 1 — (voz sedutora)— Banespa, às suas ordens. Loc 2 — Eu queria falar com a Dona Nilda, por favor. Loc 1 — É Nilda quem fala. Loc 2 — Dona Nilda?! Imagina ela me atende há anos. Essa não é a voz dela. Loc 1 — Sabe o que é, estão fazendo comercial aqui e queriam uma voz mais marcante, mais expressiva. (Trilha Sonora ) Loc 2 — Que voz marcante o quê. Chama já a Dona Nilda, por favor. Loc 3 — O nosso forte é o atendimento. Quem conhece não troca. (Corta trilha) Loc 4 — Alô, Seu Pereira?! Loc 2 — Ô Dona Nilda, que susto, hein! (trilha sonora) Loc 3 — Banespa. A força da nossa gente. Microfone (CCSP) Loc 1 — (em off) Tem que falar Primeiro? Primeiro, concurso de... Loc 2 — (interrompe) Não. Primeiro concurso (efeito sonoro retrocesso de fita). Loc 3 — (voz anasalada) Primeiro concurso de locução publicitária do Clube de São Paulo "isnquisipiação", né? Loc 4 — Primeiro concurso de "polocução" publicitária. Eu não tô conseguindo. Pára um pouquinho. Vamos começar de novo (efeito sonoro de retrocesso de fita). Loc 5 — Primeiro Concurso de Locução Publicitária do Clube de Criação de São Paulo. Informações 251 0766. Loc 2 — Nossa... (efeito sonoro de retrocesso de fita). Loc 5 — Informações 251 0766. Por sua vez, mostra seu status. No spot Dança da chuva, o texto oralizado descreve um ritual que se configura sonoramente à medida que as etapas são detalhadamente instruídas pelo locutor, fornecendo ao ouvinte as pistas, os índices sonoros para que possa criar em sua mente uma imagem sonora da situação descrita. Baby Grill (Rubayat) Loc 1 — O Rubayat está abrindo Baby Grill para pratos rápidos e o Suitt Baby para lanches deliciosos ali no centro na Vieira de Carvalho, em frente ao Almanara, do lado do Galetos, perto da Doceira Dulca, à quarenta metros do Gato Que Ri e vizinho ao Café Arouche. É preciso ser muito bom para abrir duas novas casas num lugar desses. É preciso ser Rubayat. Baby Grill e Suitt Baby Rubayat, Rua Vieira de Carvalho, 128. Ah, é perto também do Le Caçarolê. Dança da chuva (Cesp) Loc 1 — A seguir as instruções para os agricultores que não querem depender da chuva para o resultado de suas lavouras (efeito sonoro: sinal eletrônico). Loc 1 — Reúna todos os seus empregados em terreno amplo de terra batida, escolha entre eles o que melhor saiba tocar um tambor (efeito sonoro: tambor em BG). Loc 1 — Organize seus empregados numa fila indiana de formato circular. Faça com que acompanhando o ritmo comecem avançar lentamente no sentido anti-horário entoando a renomada canção popular "Tomara que chova três dias sem parar". Loc (Coro) — Tomara que chova três dias sem parar (segue em BG). Loc 1 — Exija concentração. Olhe atentamente para o céu. A experiência tem demonstrado que na época das chuvas, quando o céu está nublado, em vinte por cento dos casos, o sistema costuma funcionar. Na seca o índice de acerto é praticamente nulo. Nestes casos os próprios índios recomendam (Corta BG Coro). Loc 2 — (caricata) Passe nas agências da Cesp, CPFL e Eletropaulo e retire os manuais de irrigação da energia de São Paulo. Irrigação superficial, por gotejo, por aspersão e bombas de recalque, eles estão lá para quem quer pensar sério no assunto e vão ensinar você a fazer a chover sem dançar. Loc 3 — Energia de São Paulo — Cesp, CPFL e Eletropaulo, Governo democrático de São Paulo. Na gramática, os advérbios/interjeições são considerados signos mínimos de sentido, mas nos textos dos spots Achados e perdidos, de O Estado de São Paulo, e Mou muudas suas significações são ampliadas para compor o sentido do produto e de sua marca através de suas vocalizações ou da sua suspensão de sua materialidade, como é o caso do spot B.E.I— Banco Eletrônico Itaú, do Itaú. Achados e perdidos (O Estado de S. Paulo) Loc 1 — Sessão Achados e perdidos. Loc 1 — Domingo passado saiu "Monza Classic 89, 4 portas, único dono". Um achado. Loc coro — Ehhhhiiiiii. Loc 1 — Mas o senhor Edinaldo Aguiar não leu o Estadão de domingo, perdeu. Loc coro — Ahhhh. Loc 1 — Saiu também "vagas para secretária bilíngüe, ótimo salário, perspectiva de ascensão" Um achado. Loc coro — Ehhh!. Loc 1 — Mas a senhorita Maria Helena não leu o Estadão, perdeu. Loc coro — Ahhh. Loc 1 — Nesse domingo não se arrisque com outro jornal. Só o Estadão de Domingo tem as melhores ofertas. Estadão de Domingo é muito mais negócio. Loc coro — Ehh! Mou muud Trilha sonora — (em BG) Loc coro — Mou muud, Hummm. Loc 1 — Calda quente de chocolate... Loc coro — Hummm. Loc 1 — Chantily... Loc coro — Hummm. Loc1 — Duas bolas bem grande de sorvetes de creme, chocolate, morango, flocos, brigadeiro... Loc coro Hummm Loc 1 — E uma farofa doce especial. Loc coro — Hummm. Loc 1 — Mou muud, o sorvete mais delicioso e diferente de todos os sorvetes que você já provou. Loc 1 — Mou muud espe.... Loc coro — Hummm. Loc 1 — Mou muud espera por você no mini shopping dentro do Shopping Ibirapuera todos os dias até as vinte e duas horas, inclusive aos domingos. Mou muud... Loc coro — Hummm. B. E. I. — Banco Eletrônico Itaú (Itaú) Loc — "Um momento. Neste final de ano o Itaú oferece a você um serviço extra com violinos, sopros, percussão e as vozes que atendem você o ano inteiro. Você entra só com a sua vontade de cantar. A melodia é muito simples, só tem quatro letras: I-T-A-Ú e é assim: Pegue o i e cante iiii, pegue o t e bata tatata, pegue o a e faça hahaha e diga ú pra quem não quer cantar. Viu como é fácil; você só repete Hihihi, Tatatá, Hahaha e U. Vamos lá é sua vez! Pegue o i e cante —, pegue o t e bata —, pegue o a e faça — diga para — quem não quer cantar. Pegue o i e cante iii, pegue o t e bata tatata pegue o a e faça hahahá e diga ú pra quem não quer cantar." Itaú o banco eletrônico que afina bem com você o ano inteiro. TEXTO NARRATIVO A radiofonia brasileira conheceu a estrutura narrativa através do radioteatro, que foi posteriormente reelaborada pelas radionovelas, gênero de grande sucesso que proporciona ao rádio nacional a sua fase de ouro. Verdadeiros radiodramas de amores impossíveis, personagens lineares, tipos sociais de fácil identificação compunham a narrativa cujo envolvimento por parte do ouvinte era intensificado pela sonoplastia. Trilhas sonoras imprimiam tom ao clímax (de amor, suspense, ou tragédia), efeitos improvisados e experimentais faziam escola como índices dos acontecimentos que juntos perfaziam cada capítulo. O spot publicitário recupera essa "fórmula" e a explora em um novo formato de trinta segundos para vender produto, marca e conceito. Aqui, o texto verbal-oral dos spots é organizado com vistas a compor uma narrativa através da qual é apresentado o produto, sua marca e conceitos. A performance do locutor, a trilha e os efeitos sonoros desempenham papéis imprescindíveis na descrição e composição das cenas e dos personagens, mas o fio condutor de toda narrativa é o texto verbal-oral. É neste sentido que são compostos e produzidos os spots Novela mexicana,29 da Finasa Seguradora e Mortadela, da Sadia. No primeiro, tem-se a narração da sucessão de tragédias que acometem a personagem "Dolores" intensificada pela trilha sonora dramática, através do diálogo em espanhol entre os dois personagens. Por fim, entra a voz do terceiro locutor em bom tom e em português, anunciando o produto como solução para o problema. No spot Mortadela, o personagem narra a sua busca frenética pelas ruas escuras e bares noite adentro por algo 29 Devido ao fato de este spot estar redigido e locutado em espanhol não o transcrevemos aqui. Remetemos o leitor ao CD em anexo. que só é revelado ao ouvinte por um segundo locutor no final da peça. É estabelecido um clima de suspense e tensão a partir de um mosaico composto por vozes, trilha sonora, efeitos sonoros e texto que exploram o aspecto sugestivo do rádio a partir de uma narrativa de trinta segundos. Mortadela (Sadia) Trilha Sonora (em BG) Loc 1 — Altas horas. Procuro noite adentro. Ruelas escuras. Ecoar de passos. Te acho num sujo bar gelada. Homens à tua volta desejosos. Nó no peito. Sorriem. Nas mãos pedaços teus experimentam. Nó no peito. Basta! Fora todos! Roubo-te. És apenas metade do que mereço, mas basta-me. Olhe-te. Lábios próximos. Como-te. (corta trilha) Loc 2— Opa! Mortadela Sadia desperta paixões. Nesta mesma estrutura, porém deflagrando a narrativa no seu processo de construção da história e da peça publicitária em si através da inclusão do diretor — que além de fazer a narração, coordena atuação dos locutores —, estão os spots Plaza madame, Plaza homem, Plaza botões, da Souza Cruz. Em todos eles, o narrador atua como diretor da produção do spot, que também é metalingüístico ("a televisão...", "a quinta sinfonia [...] mais alto...", "muito mais suspense..."). Plaza madame (Souza Cruz) Loc 1 — Senhora elegante, fina, tira um cigarro (efeito sonoro caixa de fósforos). Percebe que não tem fogo. Chama o mordomo: Loc 2 — Arquibalde. Loc 1 — Chama de novo: Loc 2 — Arquibalde. Loc 1 — Ela lembra que não tem mordomo. Acha isqueiro em cima da televisão, liga (efeito sonoro de isqueiro) a televisão (efeito sonoro do áudio da televisão) no exato momento em que o locutor fala: Loc 3 — Plaza extra suave. Uma classe a mais. Plaza homem (Souza Cruz) Loc 1 — Homem de trinta anos na sala ouve a quinta sinfonia de Beethoven (trilha Sonora) Quinta Sinfonia (trilha Sonora). Soa a campanhia (efeito sonoro de campainha residencial). Ele abre uma garrafa de champanhe (efeito sonoro: rolha sendo sacada de uma garrafa). Soa a campainha mais uma vez (efeito sonoro de campainha). Ele diz: Loc 2 — Já vou. Loc 1 — Mais alto: Loc 2 — Já vou! Loc 1 — Ele acende um cigarro (efeito sonoro de cigarro sendo aceso). Vai em direção (efeito sonoro de caminhar) à porta. Abre. Entra locutora: Loc 3 — Plaza Extra Suave. Uma classe a mais. Plaza botões (Souza Cruz) Loc 1 — Mulher de trinta anos lê um livro de suspense (efeito sonoro: acordes musicais de suspense), muito suspense (repete efeito anterior), muito mais suspense (repete efeito de suspense seguido de grito de horror). Ouve-se um lobo (efeito sonoro de uivo de lobo). Ela se arrepia. Fecha o vidro (efeito sonoro de vidro sendo fechado), acende um cigarro (efeito sonoro de fósforos sendo riscados), relaxa e começa a falar com seus botões. Um dos seus botões responde: Loc 2 — Plaza Extra Suave. Uma classe a mais. Ainda com relação à estrutura narrativa, há spots publicitários que se utilizam de narrativas tradicionais conhecidas e as re-significam, como é o caso das peças publicitárias Rádio Kaiser — lâmpada, da Kaiser, e Rapunzel, da Cantharus. Rádio Kaiser — Lâmpada (Kaiser) Efeito de eco na palavra "rádio" Loc 1 — Rádio Kaiser Loc 2 — Olha uma lâmpada (efeito sonoro). Tá suja. Deixa eu limpar ela um pouco (efeito sonoro de explosão seguido de risadas). Ai, o que é isso? Loc 3 — Eu sou o gênio da lâmpada. Você tem direito a um desejo seja ele qual for. Loc 2 — Ah, é? Então, eu queria que o senhor deixasse a minha mulher linda. Olha aqui a foto dela. Loc 3 — Ô Louco Meu. Dá pra tomar uma Kaiser antes? (efeito sonoro) (trilha sonora Kaiser) Loc 1 — Grande Kaiser! Rapunzel (Cantharus) (Efeito sonoro de pássaros) Loc 1 — Jogue-me as suas tranças, Julieta. Loc 2 — Oh! Romeu. Loc 1 — Hummm Julieta. (trilha Sonora ) Loc 3 — Xampu para cabelos normais em quatro fragrâncias: bálsamo, herbal, maçã, morango. Troque de fragrância a cada frasco terminado e jogue as suas tranças. PERFORMANCE DA VOZ [...] as palavras não mais significam o que delas se espera, porque já não são mais palavras. Elas adquirem feições icônicas — e eu insisto na idéia de que as feições-sonoras são feições icônicas, como podemos observar na música, no canto, no ruído e na fala. (Pignatari, 1987:156) Tem-se a performance da voz quando cada palavra do texto verbal se conforma à plasticidade da voz, suas qualidades, seu ritmo, sua melodia, sua entonações. A voz porta-se como escolhida para aquele texto e, conseqüentemente, para aquele produto, engendrando valores que a linearidade da escrita oculta para uma mídia de múltiplas oralidades. À voz (que extrapola a articulação de signos simbólicos a partir de gagueiras, sibilos, ruídos vocais) pode, dentre múltiplas facetas, assumir a de caricatura de uma situação e/ou de personalidades, promovendo a imediata identificação por parte do ouvinte, como acontece no spot Grande Prêmio (Jóquei Clube de São Paulo), ou ainda como caricatura deslocada que explora um modelo de locução para apresentar uma determinada marca sem que esta esteja necessariamente ligada ao contexto do modelo da locução adotada, como é o caso dos spots Programa de calouros, Aleluia irmãos, da Pompéia Veículos, Campanha FBA, do Café Canaã, Jóquei (Humberto Tecidos Decorações) e Pai-de-Santo, da Folha de S. Paulo. A voz quando entra em cena traz à baila — através de sua gesticulação, ritmo, entonação e colorido — os personagens, o cenário, a atmosfera, seja de um páreo em um jóquei, um programa de calouros, um culto evangélico, um mosteiro ou um terreiro de umbanda. Tais cenários e personagens são estruturados a partir de tipos sociais presentes no cotidiano do público, cuja identificação fica reconfirmada pelo texto, que lança mão de signos verbais característicos do repertório (cultural) de cada situação para inserir seu produto. A sonoplastia que é explorada nestas peças subsidia este processo de construção do cenário e dos personagens, descrevendo-os a partir de elementos referenciais de cada situação, ou seja, através do galopar cada vez mais intenso dos cavalos em uma páreo no decorrer da performance do locutor-jóquei, dos aplausos do auditório e da buzina de carro que faz as vezes da buzinada como indicação de fracasso/reprovação, das manifestações de aleluias e exclamações por parte dos "irmãos", do canto gregoriano que entoa um cântico cuja letra "consagra" o produto e que permanece presente em BG durante a performance do locutor-monge e finalmente dos instrumentos de percussão que embalam em BG o ritmo do locutor-pai-de-santo no seu ato de aconselhamento. Grande Prêmio (jóquei Clube de São Paulo) Efeito sonoro: Cometa de partida. Loc 1 — Atenção. Foi dada a partida para o grande prêmio Jóquei Clube de São Paulo. Patrimônio larga na frente, ao lado de saúde financeira, seguidos por dívida-monstro, por crise interna, que vem por fora ultrapassa sensacionalmente tomando a ponta. A administração arcaica insiste na carreira, atacando ferozmente o sócio do clube. A saúde financeira vai perdendo terreno, crise interna continua dominando a prova e já livra um, dois corpos de vantagem para patrimônio. Sócio do clube continua perdendo posições, agora atacado por continuísmo, que vem atropelando, contornando a curva. Emparelhados crise interna, dívida-monstro e administração arcaica. Saúde financeira tropeça e abandona o pilotado. Sócio do clube e patrimônio ficam pra trás. Últimos cem metros momentos de expectativa. Loc 2 — Atenção sócio do Jóquei Clube de São Paulo. Não deixe esta corrida terminar assim. Dia vinte de fevereiro eleja José Bonifácio Coutinho Nogueira para presidente. A situação não está nada boa no jóquei. Vote na oposição. Chapa União — Administração com rédeas curtas. Programa de calouros (Pompéia Veículos) Loc (coral) — Calouros no ar. Loc 1 — E aqui está mais uma candidata: Dona Clotilde Sorriso. Palmas para a Dona Clotilde. Loc 2 — Pois não, em que posso ser útil? Loc 1 — Dona Clotilde, por que Sorriso? Loc 2 — É porque na Pompéia Veículos onde eu trabalho é sempre assim. Eu recebo todo mundo sorrindo. Loc 1 — Dona Clotilde, olha o comercial. Assim não dá; não é de graça, não. Loc 2 — Ah, dá sim. A Pompéia dá um jeito pra tudo. Qual é o caso do senhor, carro novo, usado, equipamento? Loc 1 — Meu caso, Dona Clotilde é que a senhora veio aqui para cantar, não é? Vamos lá, então. Por favor.... Loc 2 — Está bem, está bem. O cliente sempre manda. (Cantando). Seu automóvel, leve na Pompéia (buzina). Loc 1 — Dona Clotilde, muito obrigado. Próximo candidato, então... Loc 2 — Ah, por favor me dá mais uma oportunidade, vai. Loc 1 — Mas rápido, Dona Rápido. Loc 2 — Pompéia Veículos, Rua Carlos Vicari, 154. (Aplausos platéia). Aleluia, irmãos (Pompéia Veículos) Loc 1 — Irmãos, estamos aqui na Pompéia para ouvir os testemunhos dos nossos clientes revelados. Conta a sua graça irmão. Loc 2 — É um problema no meu carburador, no meu monza. Eu levei em tudo quanto é lugar, estava desenganado. Loc (coral) — Ohhhh. Loc 2 — Por fim, eu trouxe o monza aqui nas oficinas da Pompéia e o carburador está totalmente curado. Loc coral — Milagre, milagre. Loc 1 — Milagre, Aleluia. E o monza nunca mais deu problema? Loc 2 — Nunca mais, graças a Deus. Loc 1 — A Deus e aos mecânicos da Pompéia, que são todos uns santos milagrosos. Loc (coral) — Aleluia. Loc 1 — Se o seu chevrolet tem problema, traga-o aqui para as oficinas da Pompéia, à Rua Carlos Vicari, 154, sede própria, das oito às dezoito horas. Aleluia (Aleluia). Na Pompéia (Na Pompéia). Campanha FBA (Café Canaã) (Coro gregoriano). A água da chaleira. (BG) Loc 1 — Meus amigos, estamos lançando o campanha "adote o nosso pretinho". Ele é cheiroso, gostoso, e como rende. Nosso pretinho só precisa de uma casa amiga. Loc 2 — Café canaã. Pó da melhor qualidade. Loc 1 — Adote nosso pretinho. Mais uma campanha FBA: fogão, bule e água. Jóquei (Humberto Tecidos e Decorações) Tiros de partida. Loc 1 — Foi dada a partida para a liquidação anual Humberto Tecidos. Dona Regina sai na frente com cetim liso de quatrocentos e noventa o metro, Dona Berenice avança pro lado direito e leva um cetim de algodão estampado por setecentos e trinta, Dona Raquel arremata todo o gorgurão por dois mil e setecentos o metro, Dona Antonia atropela por fora e leva o jacquard rústico só por mil e trezentos. A decisão agora é cabeça a cabeça. E cruzam a registradora de chegada. (Efeito de registradora). Loc 2 — Liquidação Anual Humberto Tecidos. Corra porque esses preços vão ser um páreo duro para a concorrência. Humberto Tecidos. Rua Carlos de Carvalho, mil e cinqüenta e nove. Pai-de-Santo (Folha de S. Paulo) Trilha sonora (BG) Loc 1 — Aqui está uma simpatia para arranjar um carrão. Enche uma xícara de café quente, deixa descansar, depois vai bebendo devagarinho, olhando sempre no fundo da xícara e mentalizando "eu vou conseguir aquele carrão". Sai pela porta, pule a soleira, dê vários passos a frente até ver uma banca de jornal. Olha bem nos olhos do jornaleiro e se "aconcentra" e pede Folhão. Loc 2 — Domingo é dia útil. Domingo é dia de Folhão. Loc 1 — Sarava. A idéia da troca, prática proposta pela fotóptica no spot Fotróptica, além de estar presente no texto verbal e nos trocadilhos realizados a partir das letras, unidades mínimas que compõem o signo fotóptica, é mantida pelo locutor na sua ação vocal. Extrapolando a esfera da voz como apenas articuladora de palavras, as inúmeras possibilidades que o aparelho fonador humano oferece permitem que a voz atue como efeito sonoro, trilha sonora, como no spot Terminal extrato. Nesta peça publicitária, duas vozes alternam-se ritmicamente de forma a recuperar sonoramente o transcorrer do tempo a partir das palavras "boa" e "tarde" e impõem um ritmo que é acompanhado pela trilha que se mantém em BG (em segundo plano) durante a locução que expõe as vantagens do cliente Itaú — o extrato impresso —, cuja presença se faz marcada pelo seu efeito produzido pela voz. Fotróptica (Fotóptica) Agora na fotróptica você pode fazer trocas e sair cheio de fresentes. Pode trocar seu confutador usado por um felescópio, seu afarelho de som por uma máquina potográfica, o que vocêtem de usado pelo que a fotróptica tem de novo e ainda pode usar seu calção de crédito ou fagara frazo com os furos mais baixos do mercado. Eu, for exemplo, tô indo na fotróptica pra ver se eu consigo trocar esse meu zeito de falar. (Efeito Sonoro). Loc 2 — Fotóptica. Pra agradar você a gente troca até de nome. (Efeito sonoro). E se você não tem nada para trocar, a fotróptica troca qualquer coisa por dinheiro. (Efeito sonoro). Terminal extrato (Banco Itaú) Loc 1 e Loc 2 (alternados) — Boa /Tarde, Boa/Tarde, Boa/Tarde, Boa/Tarde (BG). Efeito sonoro: máquina de extrato bancário (vocalizado). Loc 3 — Boa Tarde. Nas agências Itaú os terminais eletrônicos estão fornecendo extratos impressos para seus clientes em segundos. Cliente Itaú é o mais bem informado e o mais bem atendido. (Efeito Sonoro: máquina de extrato bancário vocalizado). Loc 3 — O Itaú está onde você precisa. Loc 1 e 2 alternados Boa/ Tarde, Boa / Tarde, Boa /Tarde. SONOPLASTIA: SILÊNCIO, EFEITO SONORO E TRILHA SONORA Silêncio No spot Silêncio produzido para Folha da Manhã, o recurso do silêncio é explorado como elemento de significação e não como ruído ou falha técnica, como geralmente é interpretado pelas emissões radiofônicas. Este signo que representa a ausência de som está em equivalência com a ausência dos jornais que não são publicados às segundas-feiras, ao contrário da concorrente Folha de S. Paulo. Silêncio (Folha da Manha) Loc. Atenção. (Silêncio). A Folha dedicou quinze segundos de silêncio aos leitores dos jornais que não saem às segundas. A Folha de S. Paulo sai trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Para assinar ligue 222 dois mil. Folha de São Paulo, o Jornal que mais se compra e o que nunca se vende. EFEITO SONORO Seguindo a tendência que rege as produções radiofônicas, o efeito sonoro é geralmente explorado como elemento referencial do objeto que se pretende apresentar verbalmente, seja através do aspecto narrativo ou descritivo. No spot Beleléu, da Cofap, os efeitos empregados descrevem sonoramente o que é verbalmente narrado pelo locutor como um signo indicial, fornecendo pistas para o ouvinte acerca do ambiente e da cena em si, que também é ilustrada pela entonação vocal do locutor. Beleléu (Cofap) Efeito sonoro de trovão. Trilha sonora — BG. Efeito sonoro de carro em movimento, de derrapagens, a partir da palavra "dançava" permanece em BG durante a locução até a palavra "estrada". Loc — Era meia noite, e o carro corria pela estrada. Corria não, dançava, bailava de um lado para o outro perigosamente. Os elementos estavam embaixo do carro, escondidos, sorrateiros, traiçoeiros. Eram todos desclassificados, uns tipos ordinários, vagabundos. Então numa curva eles jogam o carro para fora da estrada e mandam o motorista e toda a família pro beleléu. Efeito sonoro de colisão de automóvel. Trilha Sonora — BG. Loc 2 — Não brinque com a sua vida colocando no seu carro amortecedores de baixa qualidade. Exija cofap. É cofap, é de confiança. O aspecto referencial do efeito sonoro explorado na radiofonia fica patente no spot Romero, da Martini e Rossi. Mas nesta peça há uma inovação: o efeito, como metonímia, assume o papel de personagem da "narrativa", que geralmente é realizado no verbal-oral, e o tipo de efeito que é inserido num contexto verbal e vocal humorístico torna-se quase uma paródia do seu uso. Romero (Martini & Rossi) Loc — Ouça agora histórias picantes. Patrocínio licor Stregga. Romero era um homem bonito simpático e solteiro, até que um belo dia se sentiu picado pela (efeito sonoro: flecha) flecha do amor de Madalena. Madalena, uma (efeito sonoro de risadas estridentes) bruxinha de dotes físicos arrebatadores, picou Romero como uma (efeito sonoro de zumbido de mosca) mosca tsé-tsé. Ele (efeito sonoro de objeto pesado caindo no chão) caiu em seus braços e (efeito sonoro de ronco) dormiu. Não sabendo mais o que fazer para (efeito sonoro de carrilhão e cuco) acordá-lo, Madalena lhe serviu Stregga. Ele (efeito sonoro de deglutição) tomou, e aí ela chamou os (efeito sonoro de sirene de bombeiros) bombeiros pra apagar tanto fogo. Você ouviu mais uma história picante. No spot Romero, o texto verbal oralizado vem sempre após a inserção do efeito sonoro causando uma inversão no modelo tradicional explorado nas produções de spot, uma vez que normalmente emprega-se o efeito sonoro como suporte de descrição ou narração do que é verbalmente dito. Por outro lado, nos spots Teatro Municipal, da Método Engenharia, e Buzinas,30 do Automóvel Clube do Brasil, o efeito sonoro não é empregado como 30 Dada a impossibilidade de transcrever essas duas peças, remetemos o leitor ao CD em anexo, no qual estão reproduzidas. suporte/referência ou personagem, mas como principal elemento de significação, recuperando do objeto (reforma e carro) traços que são representados acusticamente. A materialidade do efeito sonoro (organizado a partir dos ruídos dos objetos que se deseja representar) entra em equivalência com a materialidade da nota musical. A impossibilidade da transcrição destas duas peças, assim como da atuação da performance vocal dos locutoresintérpretes dos demais spots transcritos no decorrer desta análise, é evidência da existência de signos que não são elaborados para serem apreendidos pelo sentido da visão, mas apreciados pelos demais sentidos que possam ser despertados, seja a audição ou o tato, conforme discutido no segundo capítulo, quando me referi à percepção da voz pelos sentidos do homem. No spot Teatro Municipal há a equivalência entre o concerto realizado no teatro e o conserto realizado pela empresa, equivalência que é estabelecida na reprodução da Nona Sinfonia de Beethoven a partir dos ruídos dos equipamentos utilizados na reforma, que são trabalhados como efeito sonoros. No spot Buzinas, por sua vez, diferentes buzinas são articuladas para compor a melodia da conhecida música de Adoniram Barbosa Trem das onze. O efeito sonoro de eco utilizado na peça publicitária Eco II, da AACD, iconiza o vazio que está em equivalência com o vazio em que se encontram as salas da instituição, que necessitam de equipamentos para desenvolver seus trabalhos, e conseqüentemente os seus cofres. Este efeito acompanha toda a locução realizada a seco, ou seja, sem trilha sonora em BG, em uma voz de tom grave, entonação séria e pausada que arremata a gravidade que o spot deseja representar acerca da situação da instituição. Eco II (AACD) (Efeito de eco durante toda locução 1) Loc 1 — No hospital da criança defeituosa faltam leitos, aparelhos, equipamentos. Bom, como você deve ter percebido/ aqui está completamente vazio. Loc 2 — Para doar cem mil ligue 0800 cem, cento e onze. Para doar quinhentos mil, ligue 0800 cem, quinhentos e cinqüenta e cinco. Loc 1 — Esperamos que esta campanha ecoe por toda cidade. Trilha sonora Elemento importante na constituição do spot publicitário, pois permite conferir colorido/tom à cena acentuando o clímax trabalhado na performance vocal (suspense, romantismo), a trilha sonora pode proporcionar ritmo à narração, se adequando ao produto e ao conceito, e, conseqüentemente, promover a identificação por parte do público-alvo. Todos os elementos constituintes da linguagem radiofônica, inclusive a trilha, podem ser trabalhados em um único produto de diferentes formas, como podemos verificar na campanha realizada para a LPC no lançamento do Iogurte natural batido da Danone realizado exclusivamente no rádio. A campanha visava um público amplo e, portanto, a estratégia foi criar materiais diferenciados para o público jovem e para o adulto. Para o primeiro, produziu-se um jingle hard e para o público adulto produziu-se um jingle soft. Praticamente, o texto era o mesmo. No entanto, trilha, entonação e ritmo eram diferentes. Além de seu emprego com caráter narrativo e descritivo, a trilha ainda é utilizada como apropriação de uma melodia de canção popular com uma outra letra que inclui os elementos da campanha, tais como nos spots Fuscão preto, da Itaú Seguros, Pegando fogo, Boizinho da páscoa, da Associação In Natura e Bifinho, da LPC, que recupera o bif da linguagem musical e equivale ao bifinho ao qual corresponde em nível nutricional o produto. Conservando a melodia e também a letra, temos o spot Ronda, do Jornal da Tarde, que, a partir da decomposição da música, intercala trechos da mensagem publicitária que se conecta por oposição à letra da música. Temos ainda dentro desse mesmo processo de apropriação um modelo invertido em que o texto verbal-oral não subsidia nenhuma informação. O sentido é gerado pelo reconhecimento do gênero musical explorado e pela performance dos locutores — sua língua e nacionalidade. São ilustrativos deste caso os jingles Samba de breque, Dupla caipira e Chicabum chicabum, todos da Semp Toshiba. Um outro exemplo da exploração da trilha para além do aspecto ilustrativo é realizado no spot Globo x SBT, da Revista Imprensa, que se estrutura a partir de índices dos objetos representados, promovendo a identificação por parte dos ouvintes. A trilha desta peça publicitária é composta a partir das principais vinhetas das duas emissoras e de suas programações mais conhecidas (com maior índice de audiência). A composição do spot se dá no diálogo que é realizado a partir da intercalação do texto verbal oralizado e as trilhas das emissoras.31 Iniciamos esta análise com o jingle Coro, do Unibanco, por ser um exemplo da possibilidade que a linguagem radiofônica oferece de extrapolar a linearidade a partir da simultaneidade e da justaposição sígnica de seus elementos. Finalizar (o que não significa fechar) com o spot Aniversário, da SOS Mata Atlântica, representa colocar em pauta a performance da voz, da trilha, dos efeitos sonoros, do texto verbal elaborado e os processos de montagem 31 Por serem peças musicais, não transcrevemos seu texto. Portanto, remetemos o leitor ao CD em anexo. dos planos da sintaxe radiofônica com o objetivo de iconizar sonoramente uma idéia. O spot Aniversário reúne a performance da voz que iconiza a queda da árvore. Neste, a música Parabéns a você, em homenagem a mais uma aniversário da SOS Mata Atlântica, é cantada num ritmo que passa de normal para lento, de agudo para grave. Os efeitos sonoros dos golpes do machado no compasso da voz eqiivalem às palmas que acompanham a canção que comemora tradicionalmente vida, mas que neste spot indiciam morte. O som final "bum" de rá-tim-bum é realizado pela própria árvore que é derrubada. A trilha que é introduzida no momento em que os golpes de machados são ouvidos dá o tom nefasto a uma cena que se pretende apresentar acusticamente como deprimente. Neste sentido, o spot Aniversário ocupa neste trabalho o espaço das possibilidades estéticas e existentes no rádio como qualidade que lhes são intrínsecas ainda que pouco exploradas. Aniversário (SOS Mata Atlântica) Efeito sonoro de grilos, pássaros. Efeito sonoro de golpes de machado: a partir da palavra "hora" segue em BG até a sílaba "Rá". Trilha sonora a partir da palavra "hora" e segue até o final da locução "1". Loc (Coro) — É pique/ é pique/ é hora/ é hora/ Rá/ tim Efeito sonoro de queda de árvore Loc 1 — A Fundação SOS Mata Atlântica está comemorando mais um aniversário. Não deixe que seja com essa festa. Ajude. Fundação SOS Mata Atlântica. Quatro anos plantando verde no Brasil. Telefone 887 1195. Neste capítulo a apresentação e descrição das obras selecionadas tiveram como meta apresentar sonoramente algumas das possibilidades que a radiofonia dispõe para representar a marca e o conceito de um produto ou serviço, e, conseqüentemente, despertar em seus leitores-ouvintes uma escuta atenta para com as singularidades da linguagem radiofônica inserida em um contexto cultural, miscigenante e sonoro, como o brasileiro. CONSIDERAÇÕES FINAIS A garotada sai das escolas com um olhar perspicaz e crítico sobre a TV. Sabe vários mistérios da criação para a mídia impressa. Mas só ouve rádio amadoristicamente, por prazer (Romagnoli, Revista da Criação, Outubro, 1996) O radialista e diretor da Reação do Éter, Luiz Henrique Romagnoli, ao ressaltar este quadro em que se encontra a radiofonia atualmente deixa claro o resultado da desvalorização que o meio tem sofrido por parte das agências, dos investidores, dos profissionais e, por que não dizer, dos pesquisadores, já que são raras as pesquisas e obras publicadas a respeito do rádio e da sua linguagem. Inúmeros fatores são elencados pelos profissionais para explicar os motivos que fazem do rádio a mídia de maior penetração entre a população e ao mesmo tempo uma das que recebe o menor investimento publicitário, conforme discuti no capítulo primeiro. Mas poucos atentam para a questão da sua linguagem. O presente trabalho, tendo como meta principal discutir o rádio como tendência, ou seja, como um meio de comunicação sem formas cristalizadas, estruturas e organizações modelares preestabelecidas, procurou demonstrar as possibilidades intrínsecas da radiofonia brasileira, que ficam achatadas pelos modelos e "gramáticas" cuja lógica emana da tradição escrita e da imagem. As possibilidades da radiofonia mostram-se amplas quando reconhecemos os elementos da voz, que invadem a letra e atribuem à entonação da locução uma performance criativa, gestual e colorida, como imanentes à cultura brasileira. No entanto, o que, em decorrência do contexto cultural e das características do veículo, deveria se comportar como uma tendência natural mostra-se como uma exceção, um exemplo raro. Pois, se, por um lado, temos como legado o ritmo, a ginga, os elementos analogizantes da voz, por outro, encontramos na atual produção radiofônica, de forma explícita, a dificuldade de dar "voz", ou melhor, de concretizar somente através de vozes estes recursos singulares da nossa cultura de forma a explorar os elementos da radiofonia na sua sonoridade, as possibilidades de montagem que um veículo coordenado pela simultaneidade oferece, suspendendo a linearidade, o aspecto exclusivamente referencial que tem predominado. Portanto, o atual quadro no qual o rádio está inserido não decorre apenas do aparecimento da televisão, da falta de pesquisa e/ou de grandes anunciantes, mas também, e, talvez, principalmente, da insistência em considerar o que é mediado pela voz como uma produção menor. O rádio continua sendo o veículo de comunicação de maior abrangência social em um país que ainda amarga uma porcentagem significativa de analfabetos, mas, salvo exceções, não tem conseguido avançar para além de uma programação sonoramente pasteurizada. Acredito que ao discutir a linguagem do rádio juntamente com as peculiaridades sígnicas que caracterizam a cultura latino-americana, estaria não fechando a questão, mas alargando os horizontes para re-descobrir a sintaxe de um meio que continua fascinando, sugestionando, envolvendo e formando seus ouvintes. BIBLIOGRAFIA Abbacnano, Nicola. 1982. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 2ª ed. São Paulo: Mestre Jou. Araújo, Cirilo Rodrigues de. s/d. Rádio, comunicação e linguagem. Revista Comunicarte, nº 4. São Paulo: Educ. Arnheim, Rudolf. 1980. A estética radiofônica. Barcelona: ed. Gustavo Gilli. Bakhtin, Mikhail (Volochinov). 1993. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Mikhail Lahud e Yara Frateschi Vieira. 6ª ed. São Paulo: Hucitec. Baitello, Norval. 1992. Linguagem e ritmo. Projekt — Revista de Cultura Brasileira e Alemã. ns 7, junho de 1992. Banc, Claus. 1991. Um mundo de som e música. Trad. Vera Bloch etalii. In: Ruud, Even (org.) Música e saúde. São Paulo: Summus. Barbeiro, Heródoto. 1989. Prefácio. In: Prado, Emílio. Estrutura da Informação Radiofônica. São Paulo: Summus. Barthes, Roland. 1988. O rumor da língua. Trad. Mário laranjeira. São Paulo: Brasiliense. Bigal, Solange. 1993. Afinal, o que é criação publicitária? O estético na publicidade. São Paulo: Razão Social. Campos, Haroldo. 1972. A arte no horizonte do provável. São Paulo: Perspectiva. Case, Rafael. 1995. Programa Case — O rádio começou aqui. Rio de Janeiro: Mauad. Chalub, Samira. 1995. Funções da linguagem. São Paulo: Ática. Série Princípios. Crisell, Andrew. 1985. Understanding radio. London: Methew & Co. Ltd. Duarte, Heloísa de Araújo Valente. 1995. Os cantos da voz: entre o ruído e o silêncio. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica. Dissertação de Mestrado. Eco, Umberto. 1995. Como se faz uma tese. Trad. Gilson Cardoso de Souza. São Paulo: Perspectiva. Ferrara, Lucrécia D'Alésio. 1993. O código em férias. In: O olhar periférico. São Paulo: Edusp/Fapesp. Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda, s/d. Dicionário Aurélio básico da língua portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira. Figueroa, Romeo. 1996. Qué onda com Ia rádio! México: Alhambra. Havelock, Eric A. 1996. A musa aprende a escrever. Reflexões sobre a oralidade e a literacia da antigüidade ao presente. Trad. Maria Leonor Santa Bárbara. Lisboa: Gradiva. ___________. 1996. A revolução da escrita na Grécia e suas conseqüências culturais. Trad. Ordep José Serra. São Paulo: Edunesp; Rio de Janeiro: Paz e Terra. Jakobson, Roman. 1994. Lingüística e comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paes . São Paulo: Cultrix. ___________. 1985. Diálogos. Trad. Elisa Angotti Kossovitch. São Paulo: Cultrix. Kaplún, Mário. 1994. Producción de programas de radio — El guión Ia realización. 2ª ed. México: Editorial Cromocolor. Klippert, Werner. 1980. Elementos da Linguagem Radiofônica. Trad. George Bernard Sperber. In: Sperber, George (org.). Introdução à peça radiofônica. São Paulo: E.P.U. Leite, Manuel. 1990. Rádio, "uma voz que vai de um fim a outro fim do mundo". In: Branco, Renato Castelo & Martensen, Rodolfo I. & Reis, Fernando. (Planej. e coord.). História da propaganda no Brasil. Vol. 21. São Paulo: T. A Queiroz. Medaclia, Júlio. 1978. As ondas longas da criatividade brasileira. Revista Através, nº 3. São Paulo: Livraria Duas Cidades. Menezes, Philadelpho (org.). 1992. Poesia sonora poéticas experimentais da voz no século XX. São Paulo: Educ. Morais, Wilma. 1987. Sonoras imagens. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica. Dissertação de Mestrado. Morin, Edgar. 1991. O paradigma perdido. A natureza humana. Trad. Hermano Neves. 5ª ed. Portugal: Publicações Europa-América. ___________. 1990. O espírito do tempo — 1 Neurose. Trad. Maura Ribeiro Sardinha. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Nöth, Winfred. 1995. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: AnnaBlume. Nunes, Mônica Rebecca Ferrari. 1993. O mito no rádio — voz e os signos de renovação periódica. São Paulo: AnnaBlume. Olson, David R. & Torrance, Nancy (orgs.). 1995. Cultura escrita e oralidade. Trad. Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Ática. Ong, Walter J. 1987. Oralidad y escritura tecnologia de Ia palabra. Trad. Angélica Scherp. México: Fondo de Cultura Econômica. Ortriwano, Gisela. 1985. A informação no rádio: os grupos de poder e determinação dos conteúdos. São Paulo: Summus. Paz, Octávio. 1990. Signos em rotação. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva. Peirce, Charles Sanders. 1990. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva. Pignatari, Décio. 1987. Semiótica e literatura. 3ª ed. São Paulo: Cultrix. ___________. 1991. O que é comunicação poética. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense. ___________. 1993. Informação linguagem comunicação. 11ª ed. São Paulo: Cultrix. Pinheiro, Amálio. 1994. Aquém da identidade e da oposição. Formas na cultura mestiça. São Paulo: Unimep. Plaza, Júlio. 1987. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva. Porchat, Maria Elisa. 1989. Manual de radiojornalismo Jovem Pan. 2ª ed., São Paulo: Ática. Prado, Emílio, 1989. Estrutura da informação radiofônica. Trad. Marco Antônio de Carvalho. Vol. 35. São Paulo: Summus. Queiroz e Silva, Roberto P. 1990. Questão de publicidade no Rádio brasileiro. Revista Comunicarte, nº 2. São Paulo: Educ. Rabaça, Carlos Alberto & Barbosa, Gustavo. 1987. Dicionário de comunicação. São Paulo: Ática. Romais, Célio. 1994. O que é rádio em ondas curtas. São Paulo: Brasiliense. Ramos, Ricardo & Marcondes, Pyr. 1995. 200 anos de propaganda no Brasil — do reclame ao cyber-anúncio. São Paulo: Meio & Mensagem. Santaella, Lúcia. 1989. O que é semiótica. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense. ___________. 1992. A assinatura das coisas: Peirce e a literatura. Rio de Janeiro: Imago. ___________. 1994. O corpo e a letra. In: Pinheiro, Amálio. Aquém da identidade e da oposição. Formas na cultura mestiça. São Paulo: Unimep. 112 ___________. 1995. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática. Schafer, Murray. 1991. O ouvido pensante. Trad. Maria Fonterrada era. São Paulo: Edunesp. Severino, Antônio Joaquim. 1993. Metodologia do trabalho científico. 19ª ed. São Paulo: Cortez. Simões, Roberto. 1990. Do pregão ao Jingle. In: Branco, Renato Castelo & Martensen, Rodolfo I. & Reis, Fernando (Planej. e coord.). História da propaganda no Brasil. Vol. 21. São Paulo: T. A Queiroz. Sperber, George (org.). 1980. Introdução à peça radiofônica. Trad. George B. Sperber. São Paulo: E.P.U. Tinhorão, José Ramos. 1981. Os anúncios cantados e os jingles. In: Música popular — do gramofone ao rádio e TV. São Paulo: Ática. Vargas, LIosa, Mário. 1977. La Tia Júlia y el Escribidor. Barcelona: Seix Barrai. Vilar, Josefina & Villegas, Teodoro (orgs.). 1988. El sonido de la rádio - Ensayo teórico práctico sobre producción radiofônica. México: Plaza Y Valdés Editores. Virilio, Paul. 1993. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Trad. Paulo Roberto Pires. São Paulo: Editora 34. Zumthor, Paul. 1983. Introduction a la poésie orale. Paris: Seuil. ___________. 1985. Permanência da voz. Trad. Maria Inês Rolin. In: A palavra e a escrita. Revista O Correio, nº 10, Unesco. 1989. A palavra e a voz. In: Face, Revista de Semiótica e Comunicação, vol. 2, nº 2 (entrevista cedida a Philadelpho Menezes). Trad. Luís Sérgio Modesto. São Paulo: Educ. ___________. 1993. A letra e a voz. A "Literatura Medieval". São Paulo: Cia. das Letras. REVISTAS ESPECIALIZADAS E ARTIGOS SOBRE RÁDIO El Universo de La Rádio (Primavera/1996). Vol. 1, nº 1, México. Marcondes, Pyr. 1996. O Rádio está melhor. Revista da Criação. Ano 2, agosto, nº 18. Meio & Mensagem. ___________. 1996. Produção supera criação. Revista da Criação. Ano 2, maio, nº 15. Meio & Mensagem. Orozco, Luís Ernesto Pi. 1996. Enlazar com el sonido. Revista Mexicana de Comunicación, nº 42, novembro/janeiro. México. Veroni, Felipe López. 1996. El sentido de Ia Rádio. Revista Mexicana de Comunicación, nº 42. novembro/janeiro. México. Rádios lutam por maiores verbas. 7 de abril de 1996. Revista Meio & Mensagem, ano XIX, nº 751. São Paulo: Meio & Mensagem. A Força do Rádio. Julho de 1995. Revista mercado. Edição especial top de marketing. 60 Anos de Rádio. 1983. Revista Propaganda. Ano 27, nº 321, Rio de Janeiro: Referência. FONOGRAFIA E VlDEOGRAFIA Poesia Sonora — do fonetismo às poéticas contemporâneas da voz. 1996. Formato: CD. Produção: Laboratório de Linguagens Sonoras do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC/São Paulo. Jingles inesquecíveis — Seleção dos jingles mais marcantes da história da propaganda brasileira. Formato: CD. Produção: ESPM — Escola Superior de propaganda e Marketing, Revista Meio & Mensagem de São Paulo. XIII Anuário de criação — 1988. Formato: fita k7. Produção: Clube de Criação de São Paulo. XIV Anuário de criação — 1989. Formato: fita k7. Produção: Clube de Criação de São Paulo. XV Anuário de Criação — 1990. Formato: fita k7. Produção: Clube de Criação de São Paulo. XVI Anuário de Criação — 1991. Formato: fita k7. Produção: Clube de Criação de São Paulo. XVII Anuário de Criação — 1992. Formato: fita k7. Produção: Clube de Criação de São Paulo. XVIII Anuário de Criação — 1993. Formato: fita VHS. Produção: Clube de Criação de São Paulo. XIX Anuário de Criação — 1994. Formato: fita VHS. Produção: Clube de Criação de São Paulo. XX Anuário de Criação— 1995. Formato: CD. Produção: Clube de Criação de São Paulo. XXI Anuário de Criação — 1996. Formato: CD. Produção: Clube de Criação de São Paulo. XRBM Áudio Produções— Repertório 1996. Formato: CD. Reação do Éter— 994. Fita k7 de Apresentação da Associação, Objetivos e Campanhas Desenvolvidas no Rádio. Spot de Produto "Despertador" — 1994. Cliente: Danone. Produção: Produtora Caracol S/C LTDA. / Concurso de Avaliação da Revista da Criação — 1996. Categoria: Rádio/1996. Formato: MD. Promoção: Revista Meio & Mensagem, de São Paulo. Patrocínio: Reação do Éter. Porque Rádio-1995. Formato: Fita VHS. Produção: Escritório do Rádio/São Paulo. Relação dos Spots e Jingles Selecionados 1. Coral — Unibanco (18º Anuário de criação/1993) 2. Semana do rádio — WGGK (Jingles inesquecíveis -CD Meio &Mensagem) 3. Rugas— Black & Decker (14º Anuário de criação/1989) 4. Secretária eletrônica — Old Eight (14º Anuário de criação/1989) 5. Aberturas — Kaiser (15º Anuário de criação/1990) 6. Prazeres — Kaiser (15º Anuário de criação/1990) 7. Colarinhos— Kaiser (15º Anuário de criação/1990) 8. D. Nilda — Banespa (19º Anuário de criação /1994) 9. Microfone — CCSP (18º Anuário de criação /1993) 10. Redator— Buscacrepe (13º Anuário de criação / 1988) 11. Babygrill— Rubayat (16º Anuário de criação /1991) 12. Dança da chuva — Cesp (Jingles inesquecíveis — CD Meio &Mensagem) 13. Achados e perdidos — O Estado de São Paulo (18º Anuário de criação /1993) 14. Mou muud— Mou Muud (K 7 Bigal) 15. B.E.I. Banco Eletrônico Itaú — Itaú (15º Anuário de criação/1990) 16. Novela mexicana — Seguradora (20s Anuário de criação/1995) 17. Mortadela — Sadia (Jingles inesquecíveis — CD Meio & Mensagem) 18. Plaza madame — Souza Cruz (13º Anuário de criação /1988) 19. Plaza homem — Souza Cruz (13º Anuário de criação /1988) 20. Plaza botões — Souza Cruz (13º Anuário de criação /1988) 32. Os nomes que comparecem entre parênteses referem-se às fontes de onde os spots foram retirados. Essas fontes estão relacionadas na bibliografia (Discografia). 21. Rádio Kaiser — Lâmpada — Kaiser (2ª Prévia de Avaliação de Rádio/1996) 22. Rapunzel-Cantharus (K7 Bigal) 23. Grande prêmio — Jóquei Clube de SP (15º Anuário de criação/1990) 24. Programa de calouros — Pompéia (Jingles inesquecíveis — CD Meio & Mensagem) 25. Aleluia, irmãos— Pompéia (16º Anuário de criação/1991) 26. Campanha FBA — Café Canaã (Jingles inesquecíveis — CD Meio & Mensagem) 27. Jóquei — Humberto Tecidos Decorações (16º Anuário de criação / 1991) 28. Pai-de-Santo — Folha de S. Paulo (18º Anuário de criação /1993) 29. Fotróptica — Fotóptica (14º Anuário de criação /1989) 30. Despertador— Itaú (15º Anuário de criação /1990) 31. Terminal extrato— Itaú (15º Anuário de criação/1990) 32. Silêncio — Folha da Manhã (14º Anuário de criação /1989) 33. Beleléu — Cofap (19º Anuário de criação /1994) 34. Romero — Martini e Rossi (16º Anuário de criação /1991) 35. Teatro Municipal — Método (14º Anuário de criação /1989) 36. Buzinas — Automóvel Clube (17º Anuário de criação /1992) 37. Eco II — AACD (19º Anuário de criação/1994) 38. Jingle hard e soft — LPC (K 7 Reação Do Éter) 39. Fuscão preto — Itaú Seguros (17º Anuário de criação /1992) 40. Pegando fogo — Ass. In Natura (1º Anuário de criação/1989) 41. Boizinho da páscoa — Ass. In Natura (13º Anuário de criação/1988) 42. Bifinho — LPC (15º Anuário de criação/1990) 43. Ronda — O ESP (19º Anuário de criação/1994) 44. Samba de breque — Semp Toshiba (17º Anuário de criação /1992) 45. Dupla caipira — Semp Toshiba (17º Anuário de criação /1992) 46. Chicabum chicabum — Semp Toshiba (17º Anuário de criação/1992) 47. Globo x SBT— Revista Imprensa (14° Anuário de criação/1989) 48. Aniversário — SOS Mata Atlântica (16°Anuário de criação /1991) Radio: oralidade mediatizada objetiva discutir a linguagem radiofônica, sua estrutura e organização, refletindo sobre seus elementos constituintes — o texto escrito, a voz e a sonoplastia (trilha, efeitos sonoros, ruídos, silêncio) —, do meio em si e do contexto cultural, no qual está inserido a peça publicitária elaborada e produzida para rádio —, Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva descreve a função de cada elemento constitutivo da linguagem radiofônica, assim como a lógica que rege a organização destes, com a finalidade de construir sonoramente uma imagem do produto ou serviço veiculado. A autora também dá especial atenção ao papel do locutor e ao texto escrito para o rádio, escrita para ser ouvida, com organização e estrutura sintática bem diferente dos textos que são apreciados pela visão. http://groups.google.com.br/group/digitalsource http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros
Documentos relacionados
Radiojornalismo e suas múltiplas fontes sonoras
aproximar-se do objeto representado “escoando marcas qualitativas de intensidades” (Bigal 1993: 53) e diminuindo a distância clássica entre objeto e signo tão discutida desde de Platão até Saussure...
Leia mais