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203 204 BIODIESEL PELO USO DA SOJA, CO2 A MENOS E O QUÊ A MAIS? Ambrogi, V. S.1 , Mourad, A. L.2 Guerra, S. M. G1. RESUMO A área de cultivo da soja no Brasil tem crescido ano a ano, conquistando cada vez mais espaço nas exportações de produtos agrícolas brasileiros, sendo atualmente a cultura de maior valor total de exportação. Paralelamente a esta realidade em 2002 foram retomados os interesses federais em estudos para a utilização de óleos vegetais transesterificados, como combustível para veículos automotores. Estes estudos têm se focado, em parte à produção do bioDiesel exclusivamente a partir do óleo de soja. O presente trabalho procura avaliar de que forma vem sendo planejada esta nova fonte energética e, para tanto, atem-se não apenas aos pontos positivos causados pela redução das emissões de CO2, ou mesmo pela segurança no manuseio de um combustível de rápida biodegradação, mas também, procura contabilizar os efeitos sobre o meio ambiente e a sociedade, advindos principalmente da expansão agrícola. INTRODUÇÃO Para avaliar o cultivo da soja sob o aspecto ambiental, colocou-se um breve resumo sobre as necessidades climatológicas de seu cultivo. A soja adapta-se bem em uma ampla faixa de clima, sendo que as temperaturas ótimas para o melhor desenvolvimento da soja estão entre 20 e 35° C. Suas requisições hídricas são: precipitações pluviométricas anuais de 700 a 1.200 mm bem distribuídas, preenchem perfeitamente suas necessidades hídricas. Regiões com excessiva umidade não são adequadas para o seu cultivo. (Diehl e Junquetti, 2004) Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, SP/Brasil Tel.: 55-19-37883380 Fax.: 55-19-3289-3722 - [email protected] 1 2 Centro de Tecnologia de Embalagem CETEA do Instituto de Tecnologia de Alimentos ITAL Campinas SP/Brasil Tel.: 55-19-3743-1910 Fax.: 55-19-3241-8445 - [email protected] 205 Além das necessidades climáticas, a cultura da soja somente é economicamente viável em áreas que possibilitam a mecanização, com infra-estrutura, recursos humanos e financeiros disponíveis. O plantio de soja exige como premissas básicas a correção da acidez do solo, a não existência de solo compactado, a constante diminuição da infestação de ervas daninhas e a cobertura do solo com alguma cultura de inverno. O controle das ervas daninhas que infestam o solo é feito com o uso de herbicidas. A maioria dos solos com a cultura da soja plantada constitui-se em solos ácidos e deficientes em alguns nutrientes. A correção da acidez é feita através da calagem, ou seja, adição de calcário. A adubação requer adição de enxofre, fósforo e potássio. Em solos deficientes em manganês, também é necessária sua correção. Biocombustível O uso de óleos vegetais in natura ou transesterificados em motores de combustão interna ocorre há muito tempo em diversos paises e está em vias de ser definido por lei também no Brasil. O Governo Federal, através do Decreto de 2 de julho de 2003 e, mais recentemente, pelo Decreto de 23 de dezembro de 2003, vem estabelecendo esforços para o aprimoramento nos estudos do uso de óleos vegetais como combustível. A Agência Nacional de Petróleo em abril de 2003 iniciou o primeiro passo para a homologação deste futuro combustível, através da abertura de sugestões para a definição das especificações técnicas para a produção do Biodeisel, definido-a preliminarmente pela Portaria ANP nº 255 de 15.9.2003. Existem muitos estudos que apresentam e discutem os aspectos técnicos sobre a produção de óleos transesterificados por diferentes vegetais e por diversas tecnologias (Demirbas, 2000; Fangrui and Milford, 1999). Entretanto, muitos estudos no Brasil têm se referido ao uso do óleo de soja em grande escala, na busca da possível autosuficiência no uso do óleo combustível pelo país a um custo competitivo ao do Diesel (ABIOVE, 2002; MCT,2002). A intenção do uso quase que exclusivo do óleo de soja para a produção de bioDiesel no Brasil tem sido fortalecida pelo aumento do cultivo da soja nas regiões CentroOeste e Norte, o que em parte se dá pela disponibilidade de terras planas do cerrado e da planície amazônica. Conforme Mueller e Bustamante (2002) apresentam, as terras atualmente utilizadas para o plantio da soja na planície amazônica foram resultantes de uma inicial devastação da mata para a criação de pastagens, sendo somente após este processo utilizadas ao cultivo. Bickel (2004), apresenta outro importante fator, senão o principal para a expansão agrícola da soja, causada pelo aumento da demanda internacional do grão, culminando em sucessivos aumentos nos preços negociados pelas bolsas de comercio mundial. A Tabela 1 apresenta o quadro de produção, rendimento por hectare e área total ocupada pela cultura da soja na América do Sul, como pode ser observado o Brasil já é responsável por mais de um quinto da produção mundial de soja. O fato de a soja possuir índices de rendimento maiores que a media mundial, ainda não livra o país de possuir uma área de quase um quinto da área mundial ocupada pela soja. 206 7DEHOD ²3URGXomRUHQGLPHQWRHiUHDRFXSDGDSHODVRMDQD$PpULFDGR6XO $UJHQWLQD %UDVLO 3DUDJXDL 8UXJXDL 0XQGR ÈUHDKD 5HQGLPHQWRNJKD 3URGXomRW 8.180 8.638 10.280 2.445 2.339 2.549 20.000 20.207 26.200 13.061 13.640 13.935 2.372 2.400 2.704 30.987 32.735 37.675 1.165 1.176 1.209 2.605 2.533 2.965 3.035 2.980 3.585 9 9 11 2.110 764 2.408 19 7 28 Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2004. Para a construção de um estudo comparativo é apresentada na Tabela 2 uma lista das principais culturas oleaginosas existentes no Brasil com algumas informações quantitativas. Na Tabela 2, observa-se que espécies como o coco, a canola/colza, o girassol, a mamona e o amendoim, possuem elevados conteúdos de óleo. Entretanto, o cruzamento dos dados de meses de colheita e rendimento de grande importância na escolha de um combustível (disponibilidade durante o ano, ou a necessidade de grandes estoques), tornam o coco como a espécie que melhor se adaptaria às necessidades para se constituir como um biocombustível. Esta melhor adequação do coco de forma alguma poderia o transformar como única opção para um país de elevada diversidade de culturas vegetais como o Brasil. 7DEHOD ²&RQWH~GRGHyOHRVFROKHLWDVHUHQGLPHQWRVGHDOJXPDV FXOWXUDVROHDJLQRVDVQR%UDVLO (VSpFLH $OJRGmR $PHQGRLP %DEDoX &RFR &DQROD&RO]D 'HQGr *LUDVVRO 0DPRQD 6RMD &RQWH~GRGHyOHR 0HVHVGHFROKHLWD 15,0 40,0 – 43,0 66,0 55,0 – 60,0 40,0 – 48,0 20,0 38,0 – 48,0 43,0 – 45,0 17,0 3 3 12 12 3 12 3 3 3 5HQGLPHQWRWRQKD 0,8 – 3,0 2,1 0,15 – 0,45 6,5 1,25 – 2,25 9,1 1,3 0,95 2,7 Fontes: Meirelles, 2003 e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2004 Simulação do Uso da Soja como Combustível O objetivo desta seção é fornecer parâmetros da expansão territorial da cultura da soja, no caso de seu uso na proporção de 5% em v/v, ou seja BioDiesel B5. Para realizar esta estimativa foram utilizadas as informações disponibilizadas pelo BEN Balanço Energético Nacional de 2003. A Tabela 3 apresenta o consumo de óleo Diesel no Brasil de para os diversos meios de transporte, não foram utilizados os consumos: industrial, energético, comercial e público; devido as pequenas parcelas de consumo final energético do óleo Diesel, uma vez que o setor de transportes é responsável por mais de 97% do consumo total do país. 207 7DEHOD ²&RQVXPRGHyOHR'LHVHOSHODIURWDGHPRWRUHV'LHVHOEUDVLOHLUD $JURSHFXiULR (103m3) 5.232 5.723 6.128 )HUURYLiULR (103m3) 474 538 535 +LGURYLiULR (103m3) 326 369 774 5RGRYLiULR (103m3) 27.511 28.372 29.069 7RWDl (103m3) 33.543 35.002 36.506 Fontes: BEN Balanço Energético Nacional, 2003. Usando-se o consumo de óleo Diesel pela frota de motores Diesel no Brasil no ano de 2002, tem-se: Consumo de óleo Diesel (2002) 36.506 103 m3 Densidade média padrão (ANP) 0,84 kg/litro Massa total de combustível (2002) 30.665 103 ton Teor de óleo vegetal 17% Rendimento no cultivo 2,7 ton/ha Densidade óleo de soja (ABIOVE) 0,92 kg/litro Massa de óleo vegetal para o B5 1.666 103 ton Área de plantio necessária 4.498 103 ha A área cultivada necessária ao B5 seria de 44.980 km2, o que é quase ¼ da área ocupada atualmente pelo cultivo da soja no Brasil, isto desconsiderando qualquer tipo de perda nas etapas de produção, transporte e distribuição do óleo vegetal/combustível. Para que o Brasil suprisse uma nova demanda como esta, assumindo os elevados preços pagos à soja nas bolsas de comércio internacional, seria inevitavelmente necessária uma expansão agrícola da cultura. Como exposto na introdução a expansão agrícola da soja já vem ocorrendo no país desde a década de 70, sendo muito intensificada nos últimos anos. Este é o ponto de partida para uma apresentação dos possíveis impactos da expansão agrícola da soja, causados por um uso como combustível, em termos da necessidade de agroquímicos, fertilizantes, água e uso do solo. Aspecto Ambiental da Expansão da Cultura da Soja A Tabela 4 apresenta alguns dados de utilização de insumos agroquímicos estimados para as atuais necessidades do plantio da soja convencional. 208 7DEHOD ²,QVXPRVXWLOL]DGRVQRSODQWLRGHVRMDFRQYHQFLRQDO ,QVXPRV 8QLGDGH &DOFiUHR kg kg kg kg litros litros litros litros litros litros litros )HUWLOL]DQWH13.HPLFURQXWULHQWHV 7UDWDPHQWRGHVHPHQWHV (7KLREHQGD]ROH e 7KLUDQ ,QRFXODQWH 5KL]RELXQ 7UDWDPHQWRGHVHPHQWHV &REDOWRH0ROLEGrQLR +HUELFLGD 7ULIOXUDOLQD +HUELFLGD /DFWRIHQ ,QVHWLFLGD 3URIHQRSKRV ,QVHWLFLGD0RQRFURWRSKRV )XQFLJLGD&DUEHQGD]LQ (VSDOKDQWH 8QLGDGH+HFWDUH 1000 350 0,15 0,80 0,40 1,80 0,63 0,20 0,50 0,50 2,00 Fonte: Agrobyte, 2004. Como apresentado na Tabela 4 a produção de soja requer alta quantidade de calcário, para exemplificar a produção de 2,7 tonelada de soja colhida (equivalente a produção da área de um hectare de plantio) são utilizadas 1 tonelada de calcário e, aproximadamente, 350kg de fertilizante. Sabe-se que parte destes insumos é aproveitada pela planta, mas uma quantidade significativa permanece depositada no solo, que posteriormente, sofrerá alterações químicas, além de uma outra parte acaba sendo carreado pelas chuvas até os cursos d´água mais próximos, o que inevitavelmente atinge os grandes rios. Neste caso, 70kg de fósforo e 70kg de potássio são em média incorporados por hectare ao cultivo da soja. A adição de manganês e enxofre é em geral da ordem de 15 kg/ha e 5 kg/ha, respectivamente. Se considerada a composição mineral média do grão de soja divulgada pela EMBRAPA (2004): (1,9% de potássio, 0,23% de cálcio; 0,22% de magnésio; 0,58% de fósforo; 0,0094% de ferro; 0,001% de sódio dentre outros compostos) pode-se questionar: qual o destino do cálcio e do fósforo que não foram absorvidos pelos grãos: de 2,7 toneladas de soja apenas 51,3kg de potássio e 15,7kg de fósforo estão na composição do grão. Assim, tem-se um saldo de 18,7kg de potássio e 54,3kg de fósforo, não utilizados pelo plantio, por hectare plantado. Este residual, sem dúvida, deve contribuir para a eutroficação dos cursos d´água mais próximos. Se considerarmos a expansão da soja, conforme a simulação apresentada no item anterior, onde a ocupação do solo seria e 4.498.103 ha, necessária para suprir o consumo nacional gerado por uma mistura BioDiesel B5. Teríamos, portanto uma necessidade de insumos químicos, da ordem de 4.498 103 t de calcário e 315 103 t de fósforo e a mesma quantia de potássio. A participação dos herbicidas, fungicidas e inseticidas também não deve ser negligenciada uma vez que atingiriam um total de mais de 16.300 toneladas, o que daria uma quantia de 0,0363 g/m2 de área plantada anualmente, se fosse assumido que em diversas regiões possa ocorrer o aporte destes agroquímicos às águas superficiais ou, até mesmo, sua percolação nos solos atingindo as águas subterrâneas estaria penalizado sobremaneira a planície central do país, o que futuramente traria diversas problemas, provavelmente externalizados pelas empresas responsáveis pelo plantio. 209 Apesar de todos os pontos citados possuírem efeitos sobre a sociedade como um todo, deve ser ressalvada a retórica de que a expansão da soja possa se constituir como uma solução para a fixação de mão de obra no campo como apresentam inúmeros trabalhos de incentivo ao bioDiesel a partir da soja (ABIOVE, 2002; MCT, 2003). Em recente publicação do Jornal da Unicamp (2004) foram apresentadas algumas considerações a este respeito, destacando-se: O lucro maior fica com as empresas que dominam o circuito. Há empregos para engenheiros, técnicos em informática, pilotos de avião, gente que saiba lidar com máquinas de trezentos mil dólares. Ao contrário da modernização ocorrida nas regiões tradicionais...no novo front o campo já nasce moderno. Portanto a suposta solução para a criação de empregos no campo também seria uma suposição falsa uma vez que as novas áreas de expansão atingem apenas os solos planos, favoráveis a maquinização, ao lucro maior e a especulação pela supervalorização das terras. Nesta análise não foram considerados os custos ambientais da produção do óleo a partir da soja, mas sem dúvida, eles também existem, e nem foram analisados as questões de transporte dos grãos/combustível e o uso de energia pelo maquinário agropecuário. Serão sempre bem vindas as rotas que utilizam fontes de energia renováveis. Entretanto, qualquer atividade produtiva tem um custo ambiental e social, e este custo deve ser avaliado de forma a contabilizá-los. Conclusões É inquestionável a necessidade de se procurar rotas alternativas de produção energética. O uso de fontes renováveis como o BioDiesel reduz o efeito estufa pela redução da emissão de CO2 fóssil durante a sua combustão, mas em contrapartida eleva o potencial de eutroficação dos nossos rios. Como citado anteriormente, a soja só se torna economicamente viável pela mecanização, o que traz uma intensiva compactação dos solos. Outro ponto a se destacar está relacionado a grande quantidade de opções de frutos e grãos que contém alto teor de óleos. Assim, o BioDiesel no Brasil, com toda a sua extensão territorial, não deve ser planejado através da implementação de uma única cultura, o que, como visto, desfavorece o crescimento regional e causa a monopolização da nova fonte de energia pelas grandes empresas responsáveis pela compra, beneficiamento e venda dos grãos e de seus produtos. Os estudos no estabelecimento das normas dos novos biocombustíveis devem ser focados nas diferentes possibilidades das fontes devendo se necessário ser regionalizado de acordo com a cultura ou culturas local. Os impactos que poderão ser causados pela expansão da soja carecem de mais estudos, principalmente em relação ao uso de insumos agrícolas e de água para a irrigação, a qual ainda é utilizada sem boa eficiência e que pode comprometer o abastecimento de diversas áreas atualmente servidas por pequenos rios. Talvez um aspecto primordial para a escolha de uma nova fonte energética deve passar inicialmente por uma adequação das vias de transporte atual, o que sem dúvidas traria melhores eficiências nos transportes de carga, como a reestruturação e expansão das vias férreas pelo país e do transporte hidroviário. Assim, ao invés de diminuição da dependência do óleo Diesel externo pela aplicação do biocombustível, poderia se obter uma eficiência maior nos transportes resultando nos mesmos resultados da diminuição do consumo no Brasil. 210 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIOVE Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal. Análise integrada dos custos de produção e comercialização de bioDiesel no Brasil, Anais do Seminário Internacional de BioDiesel, 24 a 26 de outubro, 2002, Curitiba (PR, Brasil). AGROBYTE Quanto custa para produzir a soja. Disponível em: < http://www.agrobyte.com.br/soja_n.htm >. Acessado em maio de 2004. Balanço Energético Nacional BEN (MME, 2003). Disponível em: < http://www.mme.gov.br/BEN/ BalancoEnergia2.asp?tipo=fonte#primaria >. Acessado em maio de 2004. BICKEL, U. Brasil expansão da soja, conflitos sócio- ecológicos e segurança alimentar. Tese (Mestrado em Agronomia Tropical) Universidade de Bonn, Alemanha, 2004. DEMIRBAS, A. BioDiesel fuel from vegetal oils via catalytic and non-catalytic supercritical alcohol transesterifications and other methods: a sur vey. Energy Conversion and Manegment, nº 44, 2002, pp. 2093-2109. DIEHL , S. R. L. e JUNQUETTI, M. T. de G. . SOJA, (Glycine max). Disponível em: <http:// www.agrobyte.com.br/soja.htm >. Acessado em maio de 2004. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRAPA. Soja na Alimentação. Disponível em: < http:// www.cnpso.embrapa.br/soja_alimentacao >. Acessado em maio de 2004. FANGRUI, Ma.; MILFORD A. H. BioDiesel production: a review. Bioresource Technology, nº 70, 1999, pp. 1-15. JORNAL DA UNICAMP Soja: perigo nos novos frontes. Universidade Estadual de Campinas, 26 de abril a 2 de maio de 2004. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MA. Disponível em: < http://www.agricultura.gov.br/ pls/portal/docs/PAGE/MAPA/ESTATISTICAS/CULTURAS/2.1.B.XLS >. Acessado em maio de 2004. Ministério da Ciência e Tecnologia MCT. Programa brasileiro de biocombustíveis - Rede brasileira de bioDiesel PROBIODIESEL. Disponível em: < http://dabdoub-labs.com.br/pdf/probioDiesel.pdf >. Acessado em fevereiro de 2004. Ministério da Ciência e Tecnologia MCT. BioDiesel poderá usar soja transgênica e gerar 200 mil empregos no campo. Disponível em: < www.mct.gov.br >. Acessado em abril de 2003. MUELLER, C. C.; BUSTAMANTE, M. Análise da expansão da soja no Brasil Programa Piloto para a proteção das Florestas Tropicais do Brasil Abril 2002. Disponível em: < http://www.worldbank.org/rfpp/ news/debates/mueller.pdf >. Acessado em fevereiro de 2004. Senado Federal Disponível em: < http://wwwt.senado.gov.br/legbras/ >. Acessado em maio de 2004. 211 USO ENERGÉTICO DO BIOGÁS DE ATERRO COMO OPÇÃO PARA REDUÇÃO DA EMISSÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA ESTUDO DE CASO EM CAMPINAS-SP Ensinas, Adriano Viana1 Bizzo, Waldir Antônio2 Sanchez, Caio Glauco 3 RESUMO A emissão descontrolada do biogás produzido na decomposição anaeróbia da matéria orgânica nos aterro pode ser uma ameaça ao ambiente local mas também um problema global pois este é formado por mais de 50% de metano que é um gás causador do efeito estufa. O uso do biogás produzido nos aterros pode promover vários benefícios para os governos locais, estimulando a adoção de práticas de engenharia que maximizam a geração e a coleta do biogás, também reduzindo os riscos de contaminação do meio ambiente. Neste estudo foi realizada uma avaliação do potencial de geração de energia elétrica de um aterro a partir do biogás gerado, diminuindo assim o agravamento do efeito estufa. Para isso foram, utilizados dados de um estudo de caso no Aterro Municipal Delta de Campinas-SP, adotando-se uma metodologia teórica presente na literatura para previsões de emissões futuras. Foi proposto um esquema de um possível projeto para o aterro para geração de energia elétrica aliada ao objetivo de redução do efeito estufa. INTRODUÇÃO A disposição final do lixo urbano é um dos graves problemas ambientais enfrentados pelos grandes centros urbanos em todo o mundo e tende a agravar-se com o aumento das quantidades geradas pela população em todo o mundo. Mestre em Engenharia Mecânica; Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas. Caixa Postal: 6122; CEP: 13083-970; Campinas-SP, Brasil; Tel: 55-19-37883373; Fax:55-19-32893722; email: [email protected] 2 email: [email protected] 3 email: [email protected] 1 212 Dentre as várias alternativas conhecidas, a prática de utilização de áreas para aterramento do lixo ainda é a mais comum, devido principalmente ao seu baixo custo e a grande capacidade de absorção de resíduos quando comparada às outras formas de tratamento do lixo. No aterramento do lixo, diversos problemas ambientais devem ser considerados, sendo um deles a emissão de gases pela decomposição do material orgânico. Os principais constituintes desses gases são o dióxido de carbono e o gás metano, sendo este último um combustível, possível de ser coletado e utilizado como fonte de energia. O gás metano gerado em aterros, quando não devidamente controlado contribui para o agravamento do efeito estufa, indicando que este representa não somente uma preocupação para a integridade da região onde é gerado, como também está ligado às questões ambientais globais. Podem ser citados como uns dos principais problemas locais decorrentes da emissão descontrolada de biogás advinda da decomposição do lixo, os prejuízos causados à saúde humana e à vegetação. Há ainda o risco de incêndios e explosões em instalações próximas aos aterros, uma vez que este gás é altamente inflamável. Outro efeito negativo é o inconveniente causado por odores desagradáveis que podem gerar distúrbios emocionais em indivíduos que residem em áreas próximas aos aterros, além de favorecer a desvalorização das propriedades. O aterramento do lixo é apontado juntamente com o tratamento anaeróbio de esgotos domésticos e efluentes industriais, como uma das maiores fontes de metano liberado para a atmosfera, contribuindo assim para o agravamento do efeito estufa. Segundo IPCC (1996) os aterros são responsáveis por cerca de 5 a 20% do total de metano liberado por fontes com origem em atividade humanas. Neste trabalho foram abordadas as questões que envolvem a utilização do biogás em aterros como fonte energética promovendo assim a redução da emissão de gases de efeito estufa. Para isto foram utilizados dados de um estudo de caso realizado no aterro municipal da cidade de Campinas no Brasil descrito em detalhes em Ensinas (2003), no qual foi determinada a quantidade de gás metano gerado no aterro. Com a aplicação de metodologias teóricas presentes na literatura foi gerada uma estimativa futura da produção de biogás no aterro com a proposição de um projeto de aproveitamento do biogás para geração de energia elétrica, bem como a redução da emissão de gás metano resultante. Aproveitamento do biogás Os projetos de recuperação do biogás de aterro têm como finalidade principal o aproveitamento da energia contida nesse produto da decomposição do lixo. A conversão desse gás pode ser feita de modo a atender diversas necessidades energéticas, como a geração de eletricidade, a geração de vapor ou mesmo o uso direto como combustível automotivo. Cada instalação de aproveitamento dos gases em aterros tem suas particularidades, dependendo da localização, das necessidades energéticas locais, do investimento financeiro disponível e da legislação vigente, sendo importante a avaliação prévia das diversas possibilidades de aproveitamento antes de uma decisão final para o projeto. 213 Os aterros possuem geralmente sistemas de coleta do biogás gerado na decomposição do lixo. Existem dois tipos básicos de sistemas de coleta: passivo e ativo. O sistema passivo tem a finalidade de drenar os gases para a atmosfera evitando a emissão descontrolada pela superfície, além de impedir que haja migração dos gases para as áreas vizinhas ao aterro, evitando potencial risco de explosão. O sistema ativo inclui exaustores e compressores e é usado em projetos de aproveitamento energético do biogás. Diversos aproveitamentos do biogás podem ser realizados para geração de calor, trabalho mecânico e eletricidade, utilizando-se caldeiras, motores de combustão interna, turbinas a gás e outros conversores de energia. O uso direto do biogás de aterro pode ser realizado para abastecimento de uma rede local de gás canalizado ou diretamente para alguma aplicação específica em processos industriais. Nesses casos o biogás serve como combustível auxiliar ou como substituto de algum derivado de petróleo. Estimativas teóricas de produção de biogás em aterros Algumas metodologias para estimativas teórica da produção de gás metano em locais de deposição de resíduos sólidos urbanos são encontradas na literatura. Esses métodos variam em suas considerações, em sua complexidade e na quantidade de dados que necessitam. USEPA (1996), Laquidara et al. (1986), Tchobanoglous, Theisen & Vinil (1993) e Oonk & Boom (1995) apresentam metodologias teóricas para estimativas de produção de biogás em aterros sanitários que foram consideradas inadequadas pois desconsideram ou utilizam valores pré-estabelecidos para fatores importantes como o potencial de geração de metano do lixo e a taxa de produção do biogás. Estas são variáveis dependentes da composição do lixo de cada local e das condições de aterramento desse material, sendo de fundamental importância na estimativa de produção futura de biogás. Um método, denominado Método de Decaimento de Primeira Ordem, é apresentado em USEPA (1991), no qual é considerado o fato do gás metano ser emitido por longos períodos de tempo, considerando assim vários fatores que influenciam a taxa de geração do mesmo. Quanto há dados suficientes quanto a disposição dos resíduos sólidos urbanos nos locais de destinação, uma derivação do método proposto em USEPA (1991) pode ser empregada. A Equação 1 apresenta esse método que considera a quantidade de lixo depositada em cada ano (IPCC, 1996). QT,x = k Rx Lo e-k(T-x) (1) Sendo: QT,x: quantidade de metano gerado no ano em vigência T pelo resíduos Rx (m3/ano) k: constante de decaimento (ano-1) Rx: quantidade de lixo depositado no ano x (t) Lo: potencial de geração de metano do lixo (m3/t de lixo) T: ano em vigência x: ano de deposição do lixo no aterro Para estimar a emissão total de metano pelo lixo depositado no aterro durante todos os anos deve ser usada a Equação 2 (IPCC, 1996): 214 QT = S QT,x (2) Para x = ano inicial até T Sendo: QT: quantidade total de gás metano gerado (m3/ano) Segundo USEPA (1991) o fator Lo depende da composição do lixo e das condições do aterro para o processo de metanização, estando os valores encontrados na literatura entre 6,2 e 270 m3 de CH4/ t de lixo para aterros americanos. O potencial de geração de metano a partir do lixo (Lo) pode ser obtido pela metodologia apresentada em IPCC (1996), que segue a Equação 3. /R = )&0 × &2' × &2'I × ) × (16 / 12 ) (3) Sendo: Lo: potencial de geração de metano do lixo (t de CH4 / t de lixo); FCM: fator de correção de metano; COD: carbono orgânico degradável (t de C/ t lixo); CODf: fração de COD dissociada; F: fração em volume de metano no biogás; (16/12): fator de conversão de carbono em metano (t de CH4/ t de C). Estudo de caso Com uma área total de 257.000 m2 destinados à deposição do lixo, o aterro Delta está subdividido em três partes, contando com dois grandes maciços que correspondem as áreas de deposição do lixo gerado desde 1993 e uma faixa central que recebe lixo desde dezembro de 2001. No projeto do aterro foi prevista a disposição do lixo por células de 3 a 5 m com uma altura máxima de projeto de 30 m, contando com os seguintes sistemas de controle ambiental: drenagem superficial, drenagem e remoção de percolados, drenagem de gases, impermeabilização inferior e tratamento de líquidos percolados. Para impermeabilização do solo na construção do aterro foi utilizado solo argiloso compactado. Ao longo de sua vida útil foram destinados ao aterro resíduos de classe II e III, que compreendiam o lixo residencial do município de Campinas, o lixo comum proveniente de estabelecimentos comerciais e algumas indústrias, os resíduos dos serviços de poda de árvores e capinação, os materiais diversos como entulho de construção que eram encaminhados pelas Administrações Regionais da Prefeitura de Campinas, além do lixo hospitalar inertizado após ser tratado em aparelho de microondas localizados no próprio aterro. A caracterização do lixo doméstico da cidade de Campinas realizada pelo Departamento de Limpeza Urbana da Prefeitura Municipal no ano de 1995 estimou a seguinte composição do lixo para a cidade: 29,8% de papel e papelão, 13,2% de plásticos, 4,9% de metais, 3,4% de vidro, 6,7% de madeira e tecidos, 2,5% de terra e entulho e 39,5% de matéria orgânica (PMC,1995). 215 O aterro possui 106 dutos verticais de captação dos gases do tipo Ranzine, constituídos por um duto principal de concreto perfurado de 300 mm de diâmetro interno e furos de cerca de 20 mm de diâmetro. O duto principal é envolto por pedregulhos (Rachão) com dimensões aproximadas de 15 x 15 x 15 cm e uma tela de aço para contenção das pedras. Estimativa do potencial energético do aterro A partir das quantidades de lixo que ainda serão destinadas ao aterro até o esgotamento de sua capacidade e da vazão de 1057,30 Nm3/h de gás metano produzido no local apresentada em Ensinas (2003) para o ano de 2003 pode-se aplicar a metodologia teórica de previsão de emissões dada pela Equação 1 estimando assim o potencial energético do aterro para os próximos anos. Para isso foram calculados o potencial de geração de metano do lixo de Campinas e o valor da taxa de decaimento (k). Determinação do potencial de geração de metano (L0) O potencial de geração de metano a partir do lixo foi obtido com a aplicação da Equação 3. A Tabela 1 apresenta os resultados dos diversos parâmetros que envolvem o cálculo do potencial de geração de gás metano para o lixo da cidade de Campinas (Ensinas,2003). Tabela 1. Parâmetros para o cálculo do potencial de geração de metano 3DUkPHWUR 9DORU FCM 1,00 COD 198,8 ( kg de C / t de lixo) CODf 0,77 F 0,55 / 3 156,9 (Nm de CH4/t de lixo) Cálculo da taxa de decaimento (k) A constante de decaimento (k) está relacionada com o tempo necessário para a fração de carbono orgânico degradável (COD) do lixo decair para metade de sua massa inicial, podendo ser obtida por processo iterativo quando são conhecidas a vazão de gás metano do aterro, o valor de Lo e a quantidade e o tempo de deposição do lixo no local. O valor de k segundo USEPA (1991), depende de vários fatores como o teor de umidade do lixo, a disponibilidade de nutrientes para a metanogênese e o pH. Em geral, teores de umidade até 60% e pH entre 6,6 e 7,4 promovem o aumento da taxa de geração de metano. Os valores de k encontrados na literatura encontram-se dentro de uma faixa de 0,003 a 0,21/ano (USEPA, 1991). Para o Aterro Delta obteve-se o valor de k de 0,0283/ano por processo iterativo até a obtenção do valor de produção de metano medido no décimo primeiro ano de operação do aterro. O valor de k encontrado para o aterro Delta é inferior àquele obtido no aterro Bandeirantes na cidade de São Paulo que foi de 0,0395/ano (USEPA, 1997). Essa diferença se deve principalmente ao baixo potencial de geração de metano (Lo) adotado no aterro 216 Bandeirantes, que foi de 125 m3CH4/t de lixo, sendo este inferior àquele calculado para o aterro Delta com 157 m3CH4/t de lixo. Uma diferença no fator Lo acaba provocando uma variação significativa no valor final de k quando é realizado o processo de iteração. Simulação de projeto de geração de energia elétrica no aterro Delta O dimensionamento de um projeto de aproveitamento de biogás em aterros para geração de energia elétrica deve considerar o fato da produção de biogás ser variável ao longo do tempo, buscando assim uma maximização da produção de energia e do uso do biogás. Além disso, devem ser considerados fatores como os custos dos equipamentos necessários, o preço de venda da eletricidade e as penalidades previstas em contrato por interrupções na geração de energia. Segundo USEPA (1996) dois cenários de produção opostos podem ser usados para dimensionamento do projeto. O primeiro prevê equipamentos que atendam um fluxo mínimo de biogás, garantindo o abastecimento de combustível e promovendo o funcionamento da planta a plena carga por mais tempo. Por outro lado isso ocasiona a perda de parte do biogás em momentos de produção acima da capacidade de projeto. O segundo cenário prevê equipamentos dimensionados para o máximo fluxo de biogás, considerando assim que a planta funcione em carga parcial e consuma todo o biogás gerado pelo aterro, mas com o risco de insuficiência de combustível e interrupção na geração de eletricidade. Neste segundo caso o uso de motores de combustão interna é preferível em relação às turbinas a gás, pois funcionam melhor em carga parcial. Foi estimada a curva do potencial de geração de energia elétrica para o aterro Delta assumindo-se que praticamente todo o biogás fosse coletado sendo o metano separado do restante após um processo de purificação do biogás. Considerou-se que o poder calorífico inferior do gás metano fosse de 35,9 MJ/Nm3 e a conversão do combustível ocorresse em motores de combustão interna acoplados a geradores elétricos com eficiência total de conversão de 33% e uma capacidade de geração de eletricidade anual de 88% devido às perdas e paradas para manutenção dos equipamentos (USEPA, 1996). Adotou-se unidades de geração de 1MW modulares que podem ser arranjadas de acordo com a produção de biogás do aterro. Para a eficiência de coleta de biogás de 100% devem ser realizadas diversas melhorias no aterro Delta visando a implantação de um sistema de coleta ativo eficiente, que maximize a sucção do biogás sem a penetração de ar no interior da massa de lixo. Dentre as medidas que devem ser tomadas estão: l implantação de uma camada espessa de cobertura de solo argiloso ou manta sintética de PEAD que impeça a penetração de ar no aterro; l redimensionamento da rede de coleta de biogás com perfuração de novos drenos de biogás, garantindo assim que todas as camadas de lixo sejam atendidas e o escoamento do biogás realize-se sem obstruções; l modificações no sistema atual de coleta com fechamento de drenos não utilizados no sistema ativo e melhoria dos demais para funcionem como extratores de biogás e não simplesmente como dutos de alívio da pressão interna do aterro; l instalação de uma rede de dutos que interliguem os drenos ao sistema de exaustão. 217 Segundo Oonk & Boom (1995), que realizou estudos em aterros na Alemanha, sistemas ativos de aproveitamento do biogás, com cobertura de terra, atingem entre 50 e 75% de eficiência de coleta e aqueles com camadas de solo argiloso ou mantas de PEAD como cobertura podem chegar próximo de 100% de coleta de biogás. Devido à seqüência de deposição do lixo aleatória com várias partes do aterro ainda em operação e com a necessidade de algumas medidas para maximização da coleta de biogás, o funcionamento de uma planta de geração só poderia ocorrer após o fechamento do local. Sendo assim para que o biogás seja aproveitado ao máximo, o projeto deve ter inicio em 2007, um ano após o fechamento do aterro que ocorreria em 2006, quando atingirá a máxima vazão de biogás. Uma simulação foi realizada com o uso dos motores funcionando em carga parcial para que o máximo de biogás seja aproveitado. Assim teríamos uma produção de energia elétrica variável ao longo do tempo, dependendo da produção do aterro em cada momento. Apesar das incertezas quanto ao fornecimento de energia serem consideráveis, pois dependem diretamente da taxa de produção de biogás, um projeto como esse promove a conversão de todo o gás metano produzido no aterro, contribuindo assim para a diminuição do efeito estufa. A Figura 1 mostra as etapas de funcionamento dos motores para a curva de produção de biogás. Figura 1. Simulação das etapas de aproveitamento do biogás do aterro para geração de energia elétrica 5 4,5 :4 0 3,5 DF ULW 3 pO 2,5 H DL 2 FQ 1,5 HW R 1 3 0,5 0: 0: 0: 0: 2108 2103 2098 2093 2088 2083 2078 2073 2068 2063 2058 2053 2048 2043 2038 2033 2028 2023 2018 2013 2008 2003 1998 1993 0 $QRV Esta simulação também contou com o uso de motores de 1 MW prevendo que o último estágio opere com até 50% de sua carga total. Segundo as previsões fornecidas pela curva de produção, em 2080 se atingiria uma produção insuficiente para funcionamento do motor. Realizando-se a integração da curva entre 2007 e 2080 obteve-se uma produção total de 412.710.034 Nm3 de CH4 o que equivale a 327.649 tep (1 tonelada equivalente de petróleo=45,22 GJ). 218 Observa-se que a produção de metano é prolongada para constantes de decaimento menores, podendo perdurar por até mais de 100 anos após o fechamento do aterro. O aproveitamento energético do metano gerado em aterros requer valores mínimos de produção para que seja viável economicamente, portanto muitas vezes é interessante que as taxas de degradação do material sejam aumentadas, o que pode ser realizado, por exemplo, com a re-injeção do chorume no aterro, que aumenta o teor de umidade da massa de lixo e acelera as reações de degradação. Em Pohland & Al-Yousfi (1994) e Townsend et al.(1996) são apresentados estudos que comprovam a aceleração no processo de biodegradação do aterro com o uso da técnica de recirculação de chorume. Dependendo da finalidade do uso do biogás, a produção mais prolongada é mais interessante, tendo assim uma produção menor, mas que assegura o fluxo de metano por mais tempo. Aplicações como a evaporação de chorume ou mesmo o fornecimento de energia para o próprio aterro se enquadram neste caso. A energia elétrica fornecida pelo aterro em um projeto como este seria suficiente por exemplo para abastecer 8.200 residências com um consumo médio de 350 kWh/mês durante os quatro primeiros anos de funcionamento da planta. Para uma média de 4 a 5 pessoas/residência, o aproveitamento do biogás do aterro poderia atender a uma população de 32.800 à 41.000 pessoas em sua primeira etapa, sendo este número reduzido posteriormente com a queda na produção de energia no aterro. Redução do potencial de aquecimento global do aterro A implantação de um projeto de aproveitamento energético do biogás no aterro sanitário Delta pode promover a redução do potencial de aquecimento global decorrente da emissão descontrolada de gás metano. Como o gás metano possui um potencial de aumento do efeito estufa 23 vezes maior que o dióxido de carbono considerando um período de referência de 100 anos (IPCC, 2001) a conversão desse gás em dióxido de carbono em sua combustão em motores ou outro conversor de energia, ocasiona uma redução no potencial de aquecimento global do aterro. Isso possibilita que o uso energético ou mesmo uma queima controlada do biogás no aterro Delta seja um projeto que se enquadre como possível candidato a um financiamento externo do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) previsto no Protocolo de Kyoto. Sendo assim, calculou-se a equivalência em toneladas equivalentes de dióxido de carbono para o uso energético do biogás do aterro Delta prevendo o aproveitamento total do biogás. Os resultados estão mostrados na Tabela 2. Tabela 2. Quantidades de dióxido de carbono equivalente ao metano emitido pelo aterro 3HUtRGR 2007-2080 4XDQWLGDGHGH&+W 4XDQWLGDGH(TXLYDOHQWHGH&2W 295.789 6.803.153 219 Conclusões e comentários finais O estudo mostrou que o aterro Delta possui um potencial de geração de energia elétrica de aproximadamente 3 MW em 2003 podendo chegar a 4 MW um ano após o seu encerramento que foi previsto para 2006. A metodologia utilizada para a previsão da geração futura de gás metano no aterro utilizada mostrou-se adequada pois considera vários fatores importantes como as quantidades anuais de lixo recebido, o potencial de produção de metano de acordo com a composição do lixo, além da taxa de decaimento da matéria orgânica, que é fator crucial para a previsão futura de biogás. A redução da emissão de gás metano em aterros pode ocorrer com a adoção de algumas medidas práticas, evitando assim o agravamento do efeito estufa e a melhoria nas condições do ambiente local. Primeiramente a minimização de resíduos orgânicos destinados aos aterros deve ser um objetivo em todo o mundo, buscando-se uma destinação final mais nobre do ponto de vista ambiental, que promova a reutilização e a reciclagem dos resíduos, diminuindo o uso de aterros que por mais adequados que possam ser do ponto de vista de engenharia e normas técnicas de construção e operação, sempre geram riscos de contaminação do meio ambiente e do próprio homem. Apesar do enfoque de aproveitamento energético do biogás para a redução da emissão de gases de efeito estufa aqui demonstrado, devem ser ressaltadas outras vantagens importantes do uso desse combustível como a melhoria das condições sanitárias dos aterros onde se pretenda implantar um projeto de aproveitamento de biogás, uma vez que são necessárias diversas modificações para o controle de emissões e maior eficiência de coleta. Dentre estas modificações necessárias para a implantação de um projeto de biogás pode ser citado o uso da camada de cobertura adequada que promove a redução da emissão descontrolada pela superfície do aterro seja pela própria permeabilidade do material de cobertura, seja pela constituição não homogênea dessa camada que ocasiona a ocorrência de trincas e fissuras. O solo argiloso compactado e a manta sintética de PEAD são os materiais considerados mais adequados para esta finalidade. A implantação e a operação adequada de um sistema de coleta eficiente promove a redução das fugas de gás metano pelas laterais ou pela camada superficial do aterro, possibilitando o direcionamento de grande parte do biogás para os sistemas de geração de energia implantados ou para os equipamentos de queima controlada que convertem o gás metano em dióxido de carbono, reduzindo assim o agravamento do efeito estufa. 220 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ENSINAS, Adriano Viana. Estudo da geração de biogás no aterro sanitário Delta em Campinas SP. Campinas, Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, 2003. 129 p. Dissertação (Mestrado). INTERNATIONAL PANEL ON CLIMATE CHANGE (IPCC). Guidelines for National Greenhouse Inventories: Reference Manual (Vol.3). 1996. Disponível no site: http://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public/ gl/invs6. Acesso em: 20 fev. 2003 INTERNATIONAL PANEL ON CLIMATE CHANGE (IPCC). Climate Change 2001: A Scientific Basis (Chapter 6). Disponível no site: http://www.grida.no/climate/ipcc_tar/wg1/. Acesso em: 15 jan. 2004. LAQUIDARA, M.J.; LEUSCHNER, A.P. & WISE, D.L. Procedure for determining potential gas quantities in an existing sanitary landfill. Water Science Technology. vl. 18 nº 12 pp. 151-162, 1986. OONK, J. & BOON, A. Landfill gas formation, recovery and emissions. INSTITUTE OF ENVIRONMENTAL AND ENERGY TECHNOLOGY (TNO). R95-203. Apeldoorn, The Netherlands, 1995. PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS (PMC). Secretaria de Serviços Públicos. Departamento de Limpeza Urbana (DLU). Caracterização de resíduos sólidos. Relatório Técnico. Campinas. 1995. POHLAND, F.G. & AL-YOUSFI, B. Design and operation of landfill for optimum stabilization and biogas production. Water Science Technology. v. 30, nº 12, pp 117-124. 1994. TCHOBANOGLOUS, G.; THEISEN, H. & VINIL, S. Integrated solid waste management. Engineering principles and management issues. Irwin MacGraw-Hill. 1993. 978p. TOWNSEND, T.G. et al. Acceleration of landfill stabilization using leachate recycle, Journal of Environmental Engineering. pp. 263-268. 1996. UNITED STATES ENVIRONMENT PROTECTION AGENGY (USEPA). Air Emissions from Municipal Solid Waste Landfills Background Information for Proposed Standards and Guidelines. Emission Standards Division. March 1991. EPA-450/3-90-011a. UNITED STATES ENVIRONMENT PROTECTION AGENGY (USEPA). Turning a liability into an asset: A landfill gas-to-energy project development handbook. Sep. 1996, EPA 430-B-96-0004. 139p UNITED STATES ENVIRONMENT PROTECTION AGENGY (USEPA). Feseability assessment for gasto-energy at selected landfills in São Paulo, Brazil. Public Review Draft. EPA 68-W6-004. January 1997. 221 O USO DO BIODIESEL E DO GÁS NATURAL VEICULAR EM ÔNIBUS URBANO Prof. Dr. Edmilson Moutinho dos Santos* Eduardo Macedo Ferraz e Souza 1. RESUMO Os aumentos recentes no preço do petróleo, ampliam a necessidade de desenvolvimento de alternativas de complementação aos combustíveis fósseis, especialmente para minimizar a importação e desonerar o balanço de pagamentos, reduzindo a dependência energética do nosso País e a saída de divisas. A prática do livre mercado para combustíveis, a necessidade de se reduzir a poluição ambiental, em particular nos grandes centros urbanos e o grande interesse e competitividade da indústria local são temas abordados neste trabalho, que visa apresentar e discutir a aplicação do gás natural veicular e do biodiesel no transporte em ônibus urbano. Com o sucesso do pro-álcool, analisa-se o probiodiesel e o programa de massificação do uso do gás natural, de um lado há necessidade de desenvolvimento para reduzir os custos do combustível e de outro a necessidade não é mais de suprimento e sim de mercado, transporte, distribuição e armazenamento. 2. INTRODUÇÃO Tendo em vista o atual atingimento do platô de produção máxima do petróleo e a estimativa de sua manutenção até 2010, seguida de uma queda abrupta em 2050 a menos de um terço da produção atual e que o gás natural alcançará o pico de produção dentro de 15 anos, com reservas muito mais expressivas que o petróleo, este combustível é apontado como uma alternativa energética importante para o futuro próximo nos países desenvolvidos, com pressões para proteção ao meio ambiente. O uso do carvão aumentará substancialmente *Universidade de São Paulo (Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia) 222 nos países em desenvolvimento (notadamente, na China e Índia). O desenvolvimento de tecnologias deve ser condicionado pela segurança de suprimento e pelas restrições ambientais. Em princípio, os países deverão buscar metas definidas por níveis muito baixos de poluição local (ar) e emissões. No que se refere ao uso da biomassa, a produção mundial de óleos vegetais obteve um expressivo aumento nos últimos anos. Vários países estão produzindo biodiesel comercialmente, estimulando o desenvolvimento em escala industrial, dentre eles destacamse: Argentina, EUA, Malásia, Alemanha, França, Itália, Áustria e outros. O Brasil, cuja população estimada para o ano de 2020 é de 210 milhões, prevê a necessidade de duplicar, nesse ano, o uso final de energia, não atingindo a auto-suficiência em petróleo. O gás natural é responsável por cerca de 3% da produção de energia primária, enquanto o petróleo é responsável por 34%. A política energética nacional prevê o uso de 12% deste insumo na matriz energética brasileira até 2010, o que é muito pouco frente à média mundial de 20%. Na Argentina, a atual participação do gás na matriz energética é de 47%. Por outro lado, os usos de biomassa para fins de geração de energia são interessantes para o nosso país, especialmente na direção de usos finais com maior conteúdo tecnológico como geração de eletricidade, produção de vapor e combustíveis para transporte. A produção mundial de óleos vegetais constitui uma base sólida para dar sustentação ao uso de biodiesel. No mercado internacional, o biodiesel produzido tem sido usado em: veículos de passeio, transporte de estrada e off road, frotas cativas, transporte público e geração de eletricidade. Conforme o Ministério da Ciência e Tecnologia em seu Programa Brasileiro de Biocombustíveis, o cenário atual se mostra também bastante oportuno, tendo em vista a prática do livre mercado para combustíveis, a redução das barreiras, a política energética praticada, o perfil de produção e consumo de diesel, a necessidade de se reduzir a poluição atmosférica, em particular nos grandes centros urbanos, e o grande interesse e competitividade da indústria local. Além destes aspectos trata de uma excelente oportunidade para que o Brasil venha a ingressar no bloco de países detentores da tecnologia de biocombustíveis, tornando-se efetivamente exportador de tecnologia e de produtos com maior valor agregado. O etanol da cana de açúcar representa um caso de sucesso tecnológico para o país. A indústria da cana mantém o maior sistema de energia comercial de biomassa no mundo através da produção de etanol e do uso quase total de bagaço para geração de eletricidade. A competitividade da produção nacional de etanol em diferentes regiões do Brasil PROALCOOL, a infra-estrutura de produção e distribuição já existente, o know how e o desempenho das tecnologias desenvolvidas para a cadeia produtiva da cana e setor automotivo, a oportunidade de substituir o diesel importado e contribuir para a economia de divisas, a geração de renda, as vantagens econômicas e sócio-ambientais decorrentes da produção e consumo de combustível renovável, a segurança para provisão de combustível produzido diretamente nas diferentes regiões do Brasil, as novas e alteradas políticas agrícolas internacionais, o fortalecimento da indústria nacional de biocombustíveis, quer seja para transporte pesado e de massa ou para geração de eletricidade, especialmente em sistemas isolados, motivaram e recomendam iniciar de imediato Programa Nacional de biodiesel. 223 O setor de transporte é o segundo no ranking de consumo de energéticos no Estado de São Paulo, perdendo somente para o setor industrial, e o gás natural tem uma participação crescente neste setor. As vendas de gás para este setor subiram, chegando a passar o volume distribuído para os segmentos comercial e residencial. O número de postos de abastecimento de gás natural veicular (GNV) tem acompanhado esse crescimento. Só nas metrópoles brasileiras circulam em torno de 50 mil ônibus, gerando crescentes índices de poluição. De acordo com o Relatório de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo de 2001, elaborado pela Agência Ambiental do Estado de São Paulo, os transportes são responsáveis por 76,6% da poluição atmosférica na região. 3. DESENVOLVIMENTO Gás Natural Registros antigos mostram que a descoberta do gás natural ocorreu no Irã, entre 6000 e 2000 a.C. Na China, o gás já era conhecido desde 900 a.C., mas foi em 211 AC que o país começou a extrair a matéria-prima. Eram usadas varas de bambu para retirar o gás natural de poços com profundidade aproximada de 1.000 metros. Na Europa, o gás natural só foi descoberto em 1659, não despertando interesse por causa da grande aceitação do gás resultante do carvão carbonizado, que foi o primeiro combustível responsável pela iluminação de casas e ruas. Já nos Estados Unidos o primeiro gasoduto com finalidade comercial entrou em operação em 1821, sendo utilizado para iluminação e preparação de alimentos. O Brasil nunca foi um país com tradição em gás canalizado, iniciando o seu uso mais de 50 anos depois de Londres, onde o uso deste combustível se deu a partir de 1807; Dublin a partir de 1818; Paris a partir de 1819. Em 1991, o governo federal, por meio de portaria, autoriza o uso do Gás Natural em: frotas de ônibus urbanos e interurbanos; frotas cativas de serviços públicos e veículos de transporte de cargas, autoriza também, as companhias distribuidoras de combustíveis a distribuição de Gás Natural, para fins automotivos. Outra medida que demonstrou a preocupação, pelo governo, em explorar o potencial máximo deste combustível foi uma lei da Prefeitura de São Paulo, do mesmo ano, que determinou a conversão ou substituição de todos os ônibus do Município por Gás Natural até o ano 2001. Essa medida foi muito questionada, na época, não estabeleceu cronograma de implantação e, não saiu do papel. Até agosto de 1997, a Petrobrás tinha o monopólio sobre a exploração de petróleo e gás, quando então foi aprovada a Lei 9.478 (Lei do Petróleo), que além de terminar com o monopólio, criou a Agência Nacional de Petróleo (ANP). O foco de negócios da Petrobras sempre foi exploração de campos produtores de petróleo, deixando em segundo plano o gás natural. Atualmenete, baseado nos princípios do planejamento estratégico da Petrobrás, foi lançado o programa de massificação do uso do gás natural no Brasil. O problema do gás natural não é mais de suprimento e sim de mercado (desenvolvimento de mercado). A chegada do gás natural da Bolívia é vista como a principal mola propulsora para ampliação do gás natural na matriz energética. Do ponto de vista empresarial, a motivação da massificação do gás reside na monetização das reservas, na geração de divisas, através da substituição de energéticos atualmente importados, e no atendimento da questão ambiental. Do ponto de vista social, a proposta é que o gás natural promova um salto no crescimento econômico, a partir da modernização dos diversos setores da economia. 224 Uma estratégia de massificação do consumo consiste em ampliar o uso do gás em carros de passeio, no transporte público e em veículos urbanos de carga leve. No transporte público a substituição dos ônibus urbanos nas regiões metropolitanas das grandes capitais proporcionaria um grande incremento no consumo. Em função do aumento da oferta do gás natural proporcionado pela importação e a nova reserva da Bacia de Santos e a ampliação da rede de gasodutos, a expectativa é de que o consumo do gás natural torne o país menos dependente das flutuações do mercado internacional de petróleo. A conversão das frotas de ônibus das grandes cidades para o Gás Natutal Veicular (GNV) é um dos destaques atualmente, sendo incentivado cada vez mais o uso do gás natural, tornando a inserção do GNV nos transportes públicos cada vez mais atraente e diversificando a matriz energética brasileira. Estas iniciativas também vão ao encontro das demandas econômicas e ambientais cada vez mais urgentes. Adotado em diversos países como: Argentina, Austrália, Itália, Canadá e demais países da Comunidade Européia, o GNV tem sido objeto de estudos em diversas montadoras, principalmente européias, devido as características de sua queima serem pouco agressivas ao meio ambiente, quando comparadas aos combustíveis convencionais. A dificuldade, porém, salientada sobre o programa veicular consiste na prática das empresas de transporte urbano de vender seus ônibus para outras regiões. Esta prática pode ser prejudicada se as regiões receptoras dos veículos usados não promoverem acesso ao gás, inibindo o mercado secundário de veículos. Como pontos positivos, além das vantagens ambientais, sugere-se vincular o preço do GNV ao do diesel faz endo-o custar menos e f inanciar o veículo (pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES), tornando viável sua revenda. Outra vantagem é que, por ser mais leve que o ar, o gás natural dissipa-se rapidamente na atmosfera, em caso de vazamento. Há boas perspectivas para o crescimento do mercado do gás natural no Brasil deste que as barreiras sejam eliminadas. Mais do que isso , é necessário que o crescimento do mercado do gás natural seja inserido realmente na política estratégica para o setor de energia do país para garantir o crescimento deste combustível na matriz energética brasileira. Ao mesmo tempo em que existe um enorme potencial da indústria do gás na geração de empregos, na criação de novos negócios e no aumento da competitividade nacional, existe ainda uma grande limitação no entendimento sobre a função da tecnologia para superar os desafios na indústria do gás no Brasil e para promover os benefícios ainda mais amplos. Caso estas barreiras não sejam superadas não será possível alcançar a meta de 12% de participação deste combustível na matriz energética brasileira. É preciso ter uma visão mais ampla do negócio gás promovendo sua utilização, difundindo conceitos, criando estrutura industriais para fabricar equipamentos para a queima direta do gás. Nesse contexto, tendo em vista os grandes investimentos previstos no nosso país no setor de gás natural, torna-se premente a exigência não só da atualização tecnológica dos fornecedores de equipamentos, mas também mão de obra qualificada e capacitada a exercer atividades, fator extremamente importante para a garantida da confiabilidade e a redução dos riscos. 225 Biodiesel O uso de óleos vegetais em motores Diesel tem sido testado desde o surgimento do motor Diesel no final do século 19. Por ser mais barato que os demais combustíveis, o Diesel passou a ser largamente utilizado. Foi esquecido, desta forma, o princípio básico que levou à sua invenção, ou seja, um motor que funcionasse com óleo vegetal. Durante o século 20 (segunda guerra mundial; choques de abastecimento de petróleo), o assunto voltou a ser tratado em diversas situações. Inicialmente testando óleos vegetais puros, in natura, as dificuldades com resíduos (gomas, depósitos de carbono) gradualmente levaram à investigação do uso de ésteres derivados de óleos vegetais, e estas tecnologias predominam até os dias de hoje. Estes ésteres, devido a suas propriedades, podem ser usados puros ou em misturas com o diesel, nesse caso não exigindo quaisquer modificações nos motores. É de consenso mundial utilizar-se uma nomenclatura para identificar a concentração do biodiesel na mistura: biodiesel BX, onde X é a porcentagem em volume do biodiesel à mistura, por exemplo, o B5, B20 e B100 são combustíveis com uma concentração de 5%, 20% e 100% de biodiesel (puro), respectivamente. No Brasil, a proposta de adoção inicial do biodiesel como combustível é na fórmula B5, que permite a redução das importações de óleo diesel e à economia anual de milhões de dolares. O processo para a transformação do óleo vegetal em biodiesel chama-se transesterificação, que é a separação da glicerina do óleo vegetal. Fazendo o biodiesel, você obtêm a glicerina que tem diversos usos, como por exemplo: - Cosméticos: na elaboração de sabonetes, cremes, shampoos, hidratantes etc; - Fabricação de tintas, vernizes, resinas e lubrificantes; - Produtos de limpeza: sabão, detergentes, etc. Nos EUA o biodiesel está sendo usado em frotas de ônibus urbanos, serviços postais e órgãos do governo e é considerado Diesel Premium para motores utilizados na mineração subterrânea e embarcações. Em Minnesota há uma lei que estabelece 2% de mistura, de imediato, e 5% de mistura com biodiesel daqui há 5 anos. Isto levará a um grande incremento na produção de biodiesel naquele país. O uso do biodiesel na União Européia - UE recebe incentivo a produção através de uma forte desgravação tributária e alterações importantes na legislação do meio ambiente. Em 2005, 2% dos combustíveis consumidos na UE terão de ser renováveis e, em 2010, 5%. Os fabricantes europeus de motores apoiam a mistura de 5% de biodiesel. Na mistura até 30% ou Biodiesel puro (Alemanha) muitos fabricantes dão garantia: VW, Audi, Seat, Skoda, PSA, Mercedes, Caterpillar e Man garantem alguns modelos. Na Alemanha, mais de 800 postos de combustíveis vendem biodiesel puro. O biodiesel na Argentina tem estímulo através de decreto, propiciando a desoneração tributária do biodiesel por 10 anos. A Resolução definiu as especificações do biodiesel. Na Malásia está sendo implementado programa para a produção de biodiesel a partir de óleo de palma (dendê). A primeira fábrica deve entrar em operação ainda este ano. A perspectiva tecnológica de extração das vitaminas A e E permitirá reduzir os custos do biodiesel produzido. 226 No Brasil, desde a década de 20 do século passado, o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) já estudava e testava combustíveis alternativos e renováveis, como por exemplo o álcool da cana-de-açúcar. Mais recentemente, motivados pelas demandas da II Guerra Mundial e das crises de petróleo os Governos de diferentes países em parceria com a iniciativa privada e centros de pesquisa, vêm desenvolvendo e testando biocombustíveis em frotas municipais, especialmente em grandes centros urbanos. Na década de 70 desenvolveu-se projetos de óleos vegetais como combustíveis, destacando-se entre eles o DENDIESEL. Em 1983, o Governo brasileiro motivado pela elevação desproporcional dos preços de petróleo determinou a implementação do projeto no qual foi testada a utilização de biodiesel e misturas combustíveis em veículos que rodaram mais de hum milhão de quilômetros. Foi constatada a viabilidade técnica da utilização do combustível, aproveitando a logística de distribuição existente. Entretanto, naquele momento, os custos do Biodiesel eram muito mais elevados do que o Diesel, desta forma não foi implementado a produção do biodiesel em escala comercial. Recentemente, novas iniciativas foram instaladas, projetos de investigação foram conduzidos e vários testes foram realizados em ônibus de frota cativa. Em 2002, o Ministério de Ciência de Tecnologia criou o Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico do biodiesel (PROBIODIESEL), visando promover o desenvolvimento científico e tecnológico de biodiesel, a partir de ésteres etílicos de óleos vegetais puros e/ou residuais. Sua meta é a viabilidade técnica, sócio-ambiental e econômica do biodiesel, desenvolver e homologar as especificações do novo combustível para o Brasil e atestar a viabilidade e competitividade técnica, econômica, social e ambiental a partir da investigação em testes de laboratório, bancada e campo. A principal estratégia é a de desenvolver o biocombustível a partir da produção de oleaginosas e etanol nacional, gerando emprego e renda nas diferentes regiões do País, assegurar maior autonomia no suprimento de combustíveis líquidos, contribuir para melhorar a inserção internacional do Brasil nas questões ambientais globais, estabelecer vanguarda no desenvolvimento de mercados novos para produtos potenciais subaproveitados (agricultura), criar mercados alternativos de expressão para commodities brasileiras (petróleo/gás, complexo soja, setor sucro-alcooleiro) com excesso de ofertas no mercado externo e desenvolver tecnologias nacionais para produção de combustíveis. O conceito apresentado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia no Programa Brasileiro de Biocombustíveis para o biodiesel é: combustível obtido a partir de misturas, em diferentes proporções, de Diesel e éster de óleos vegetais. O biodiesel deve atender às especificações técnicas como sendo um produto único, sem necessidade da definição da origem do óleo vegetal ou qual o tipo de álcool a ser usado na produção, mas sim um conjunto de propriedades físico-químicas para o produto final que garanta a sua adequação ao uso em motores do ciclo diesel. Objetivando tornar obrigatória a adição mínima de 2% de biodiesel ao óleo diesel vendido ao consumidor brasileiro, o projeto de lei 3.368/04, de autoria do deputado federal Ariosto Holanda (PSDB-CE), tramita na Câmara dos Deputados. O texto prevê ainda a isenção de tributos federais para os agricultores familiares reunidos em associações ou cooperativas que cultivarem oleaginosas, com capacidade de produzir até 100 toneladas por ano de biodiesel. Outra característica do projeto é a criação de uma reserva de mercado, permitindo a compra de pelo menos 50% do biodiesel. 227 Também serão criadas linhas de crédito do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para o cultivo de oleaginosas pelos agricultores familiares e para o financiamento das instalações das cooperativas ou associações. A proposta remete à Agência Nacional de Petróleo a tarefa de fiscalizar o percentual de adição do biodiesel ao óleo e a expedição de registro de funcionamento para as cooperativas e associações. Atualmente, o biodiesel é produzido de plantas típicas como: soja, dendê, pequi, girassol, mamona, babaçu, milho, algodão e macaúba, em várias regiões do País: l Amazônia (as pequenas produções são localizadas nas chamadas ilhas energéticas e as grandes produções nos dendezais. Como matérias primas, obtem-se: Óleos de Palmeiras Nativas e Plantios de Dendê em áreas de reflorestamentos); l Pré-Amazônia (exploração dos babaçuais, através do aproveitamento integral do coco, para fins químicos e energéticos. A geração de renda é através de lavouras associadas aos babaçuais. Matérias primas: Óleo de Babaçu, Óleo de Amendoim e outros provenientes de culturas consorciadas); l Semi Árido Nordestino (geração de ocupação e renda objetivando a erradicação da miséria. Lavouras familiares de plantas oleaginosas xerófilas, ricinocultura, mamona); l Cone Sul, Centro Sul e Centro Oeste (melhorias das emissões veiculares nos grandes centros urbanos. Regulação nos preços do óleo de soja, ora em declínio. Soja e outras possíveis culturas temporárias); l Em todas as Regiões (Melhor aproveitamento de certos desperdícios. Óleos residuais de frituras e de resíduos industriais: sebo, borras e outros, matérias graxas extraídas de esgotos industriais e municipais). As vantagens do uso do biodiesel são conhecidas, sendo as principais a redução dos níveis de emissão local (enxofre e particulados, também de CO e HC, embora seja possível um aumento em NOx), da poluição global e das importações de diesel (garantindo maior segurança no suprimento), além de um aumento na geração de empregos e na melhoria na qualidade do combustível. 4. CONCLUSÃO É razoável dizer que o Brasil apresenta grande potencial e nível tecnológico adequado para utilizar tanto o gás metano veicular, quanto o biodiesel em ônibus urbano, embora ainda seja necessário muito trabalho para atingir bons níveis de competitividade comparandose com a Europa e os EUA, reduzindo assim, a dependência energética do nosso País e a saída de divisas pela poupança feita na importação do petróleo bruto. O PROBIODIESEL poderá contribuir para tornar o Brasil líder mundial em biocombustível através da atualização das tecnologias atuais e do desenvolvimento de novas em todos os elos da cadeia produtiva. O fato é que o êxito deste Programa depende do grau de aceitação e da adoção continuada deste produto pelo consumidor e pelo mercado em geral por este tipo de combustível. O biodiesel apresenta inúmeras vantagens em relação ao diesel comum e outras em relação ao gás natural veicular. Porém, há necessidade de desenvolvimento para reduzir os 228 custos do biodiesel. É importante ressaltar que, a rigor, qualquer alteração no combustível ou mesmo a adoção de combustíveis alternativos, diferentes do óleo diesel, exige adaptações no motor, mas em misturas do biodiesel com diesel, o motor não requer modificações, adaptandose bem a misturas com concentrações definidas de biodiesel. Assim, não seriam necessárias alterações na tecnologia (peças e componentes) e de regulagem. Apenas é preciso que o biodiesel tenha uma qualidade definida para a utilização do biocombustível. No caso do GNV, necessitase de um ônibus dedicado que custa em média US$ 10.000 a mais que um equivalente à diesel ou seja, aproximadamente 20 % mais caro, além do peso extra dos cilindros. De um modo geral, o crescimento econômico e a proteção ao meio ambiente serão os principais motivadores de mudanças/crescimento no setor energético. Um fato que aparece com grande importância, manter a concentração de carbono na atmosfera, exigirá que grande parte da nova geração seja livre de carbono e que haja um forte aumento na eficiência de uso de combustíveis fósseis, como uma evolução, utilizando-se o gás natural como um combustível complementar que poderá auxiliar para reduzir a sazonalidade e/ou de transição para, a partir daí, crescer significativamente a participação de novas tecnologias destacando-se as renováveis, em geral baseadas nos benefícios ambientais (locais e globais), na geração de empregos e na segurança de suprimento. É neste contexto que o nosso território brasileiro tem, tanto na sua dimensão quanto na diversidade natural, sua oportunidade de desenvolvimento e de se inserir no mundo globalizado atual. Diversos tipos de solos brasileiros são ideais para o plantio de oleaginosas sem necessidade de grandes adaptações. Por outro lado a história do Brasil mostra que a produção de riqueza sempre esteve associada ao uso extensivo dos recursos naturais. A cultura do desperdício e a degradação ambiental contribuem de forma negativa afetando a sociedade. Não se trata, porém , de adicionarmos simplesmente o biodiesel, é necessário atuar na sensibilização e motivação da sociedade para alternativas ecologicamente corretas, entender a revolução que pode ocorrer no campo, na indústria, no ambiente, na geração de renda, no nível de emprego, na oferta de alimentos e outros derivados de oleaginosas após a extração do óleo, no impacto no preço internacional, entre outros aspectos. Há necessidade de tecnologias, equipamentos, produtos e processo relacionados ao uso de gás natural no país, transporte, distribuição e armazenamento, identificação de gargalos tecnológicos para o desenvolvimento do mercado nacional e aumento de eficiência na aplicação (equipamentos de uso final). Há necessidade de trabalhar com comunidades, incentivando o trabalhador rural a produzir produtos para biomassa, já que a oferta de matérias prima parece ser uma das principais dificuldades restritivas para a implementação de um programa de produção extensiva de biodiesel. Fica evidente a importância de se educar os futuros cidadãos brasileiros para que, como empreendedores, venham a agir de modo responsável e com sensibilidade, conservando o ambiente saudável no presente e para o futuro e, como participantes do governo, ou da sociedade civil, saibam cumprir suas obrigações, exigir e respeitar os direitos próprios e os de toda a comunidade, tanto local como internacional. Por ocasião da Conferência Internacional Rio/92, cidadãos representando instituições de mais de 170 países assinaram tratados nos quais se reconhece o papel central da educação para a construção de um mundo socialmente justo e ecologicamente equilibrado, o 229 que requer responsabilidade individual e coletiva em níveis local, nacional e planetário. Dez anos depois, com a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, avaliaram-se os resultados, concluindo-se que grandes avanços foram obtidos. A conscientização mundial jamais foi tão ampla. O Protocolo de Quioto ganhou um novo impulso, assim como o conceito de compromissos nacionais reais e significativos em termos de meio ambiente e justiça social. É isso o que se espera da Educação. Uma das principais conclusões e proposições assumidas internacionalmente é a recomendação de se investir numa mudança de mentalidade, conscientizando os grupos humanos para a necessidade de se adotarem novos pontos de vista e novas posturas diante dos dilemas e das constatações visando a equidade social e sustentabilidade ambiental. 5. REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS 1. Anotações de sala de aula do Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia da Universidade de São Paulo, disciplinas: - Introdução ao Petróleo e Gás Natural e Regulação, Política e Análise Institucional do Petróleo e Gás Natural, prof. Edmilson Moutinho dos Santos e - Biomassa como fonte de Energia Conversão e Utilização, prof.a Suani T. Coelho; 2. Programa Brasileiro de Biocombustíveis - Rede Brasileira de Biodiesel - Ministério da Ciência e Tecnologia; 3. Proposta de Modelo Institucional do Setor Elétrico - Vamos Cuidar do Brasil Ministério de Minas e Energia Brasília 2003; 4. Texto Base - Vamos Cuidar do Brasil Fortalecendo o Sistema Nacional do Meio Ambiente - Conferência Nacional do Meio Ambiente Ministério do Meio Ambiente Brasília 2003; 5. Estado da arte e tendências das tecnologias para energia - Secretaria Técnica do Fundo Setorial de Energia - CTEnerg 2003 janeiro; 6. CENBIO - Centro Nacional de Referência em Biomassa- IEE USP; 7. Dissertação para o Programa de Interunidades de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo - USP - para obtenção do título de Mestre em Energia - O mercado de gás natural no Estado de São Paulo - histórico, cenário, perspectivas e identificação de barreiras - Suzy Elaine Gasparini de Moraes Março de 2003. Sites consultados: 1. www.biodieselecooleo.com.br/; 2. www.comgas.com.br; 3. www.ctgas.com.br; 4. www.tecbio.com.br; 5. www.tnpetroleo.com.br; 6. www.webonibus.com.br; 7. CanalEnergia 8. Jornais e Revistas: Folha de São Paulo - 02 de maio de 2004; Gazeta Mercantil; 02 jan 1998; Gazeta de Alagoas; Isto é 11/05/2003; O Estado de S. Paulo; 24 de maio de 2003; Veja Edição Especial Agronegócio, Abril de 2004 O motor a Diesel pode ser alimentado com óleos vegetais e ajudar o desenvolvimento dos países que o utilizem Rudolf Diesel, durante a Exposição Mundial de Paris, em 1900, quando utilizou óleo de amendoim para demonstração de seu novo motor. 230 MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DE PROJETOS DE CAPTURA E DESTRUIÇÃO DO METANO GERADO EM ATERROS SANITÁRIOS NO BRASIL: ESTUDOS DE CASO Cleci Schalemberger Streb1; Kamyla Borges da Cunha2 Arnaldo Walter3; Adriano Viana Ensinas4 Rodrigo Marcelo Leme5 RESUMO A captura e destruição do metano oriundo da disposição de resíduos sólidos são consideradas atividades elegíveis como projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, principalmente levando-se em conta que o metano é um dos mais agressivos gases precursores do efeito estufa, responsável por quase 10% das emissões antropogênicas desses gases. Apesar da falta de dados sobre a situação da disposição dos resíduos sólidos no Brasil, sabe-se que o país apresenta potencial de desenvolvimento de projetos de captura e destruição do metano gerado na disposição final do resíduo. Três projetos de captura e destruição de metano gerado em aterros sanitários foram submetidos à aprovação de metodologias de linha de base perante o Meth Pannel do Conselho Executivo. São estes: Novagerar (Rio de Janeiro), Onyx (São Paulo) e Vega da Bahia (Salvador). O objetivo deste artigo é analisar, de forma crítica, se as metodologias de linha de base propostas por tais projetos cumprem os objetivos prescritos na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC), quais sejam, a estabilização das concentrações de Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp 2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp 3 Professor Doutor do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp 4 Doutorando do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp 5 Mestrandos do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, Caixa Postal 6122, CEP 13083-970. Fone: (19) 3788 3285. Fax (19) 3289 3722. E-mail: [email protected] 1 231 gases precursores do efeito estufa (GEE) em níveis não ameaçadores ao equilíbrio climático e a consecução do desenvolvimento sustentável. Também, procurou-se analisar tais atividades como alternativas de geração de eletricidade. Palavras-chave: MDL, emissões de GEE, gás de aterro. 1 INTRODUÇÃO O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é o principal instrumento estabelecido no Protocolo de Quioto a permitir que os países em desenvolvimento participem na consecução dos objetivos principais insertos na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC), quais sejam, a estabilização das concentrações de gases precursores de efeito estufa (GEE) em níveis não ameaçadores ao equilíbrio climático e a promoção do desenvolvimento sustentável. Conforme o artigo 12 do Protocolo de Quioto, o objetivo do MDL é assistir as Partes incluídas no Anexo I da CQNUMC (países desenvolvidos) na consecução de suas metas quantificadas de redução de GEE e, também, assistir as Partes não incluídas no Anexo I (países em desenvolvimento) na consecução de práticas de desenvolvimento sustentável. Dessa forma, o governo e/ou uma empresa sediada num país desenvolvido pertencente ao Anexo I da CQNUMC, pretendendo utilizar o MDL como alternativa de consecução de suas metas quantificadas, pode investir em um projeto de redução de emissões de GEE num país em desenvolvimento, recebendo, em troca, reduções certificadas de emissões (RCEs). As RCEs representam as reduções de emissões de GEE estimadas em cada projeto de MDL e destinam-se a contabilizar o cumprimento das metas de cada país em contas que estes mantêm perante os órgãos criados no âmbito da CQNUMC para gerir o MDL. Apesar de o Protocolo de Quioto ainda não estar em vigor, algumas atividades de MDL têm sido desenvolvidas em vários países, inclusive no Brasil. De fato, o país apresenta grande potencial para desenvolver projetos de MDL, especialmente em áreas como reflorestamento e florestamento, transporte, fontes renováveis e gestão de resíduos sólidos. Até o final do mês de maio de 2004, três projetos de MDL relacionados com a captura e destruição do metano gerado nos aterros sanitários no Brasil haviam sido submetidos à análise da metodologia de linha de base pelo Meth Pannel do Conselho Executivo: Novagerar, Onyx e Vega da Bahia (UNFCCC, 1997). Tais projetos serão analisados na seqüência. 2 PROJETOS DE CAPTURA E DESTRUIÇÃO DO METANO DE ATERRO Vega da Bahia S/A, empresa subsidiária da francesa SUEZ Environnement, propôs projeto de captura e destruição do gás metano em implementação no aterro Metropolitano do Centro, localizado na cidade de Salvador, Bahia. Novagerar, joint venture formada pelas empresas EcoSecurities e S/A Paulista, propôs projeto similar, mas prevendo o aproveitamento do metano para fins de geração de energia elétrica em implementação em duas áreas localizadas no Estado do Rio de Janeiro: Lixão Marambaia e aterro sanitário Adrianópolis. Por fim, a companhia francesa Onyx, através de sua subsidiária no Brasil, SASA, propôs projeto de captura e destruição, bem como aproveitamento do metano para fins de vaporização do chorume e geração elétrica, em implementação no aterro Tremembé, no estado de São Paulo. As metodologias de linha de base dos três projetos foram submetidas à análise do Meth Pannel do Conselho Executivo, tendo sido aprovadas. 232 No intuito de analisar em que medida tais metodologias se coadunam com os objetivos propostos na CQNUMC, isto é, a estabilização das emissões de GEE em níveis não ameaçadores do equilíbrio climático e a consecução do desenvolvimento sustentável, optou-se por uma abordagem comparativa, realizada na forma da tabela 2. TABELA 2: Principais aspectos das metodologias de linha de base propostas $63(&726 6$/9$'25'$%$+,$ 129$*(5$5 21<; A atividade do projeto consiste na O gás de aterro captura, recuperação e destruição A atividade do projeto do metano coletado. O gás de coletado será consiste na captura e parcialment e usado na aterro será usado para obter 'HVFULomRGD destruição do metano evaporação do el étrica a ser vendid a para DWLYLGDGHGR coletado. O projeto propõe o energia chorume gerado e na o sistema interligado. Contudo, a SURMHWR aumento da eficiência do obtenção de energia energia produzida não será usad a sistema de coleta do gás. elétrica para usos para fins de quanti ficação das internos. reduçõ es no primeiro período do projeto. Vega propõe a utilização dos O aterro utilizará a tecnologia O sistema de coleta 7HFQRORJLDD padrões europ eus disponível para o aumento da será aprimorado com VHU relacion ados a gestão de eficiên cia do sistema de coleta do a aquisição de HPSUHJDGD resíduos sólidos. gás. A geração de eletricidade equipamentos e será feita por plantas modulares. tecnologia disponível. Novagerar propõe uma nova interpretação do parág rafo 48 dos Acordos de Marrakech, direcionada para uma análise da A linha de base é o cenário O projeto diferenci a viabilidade fin ancei ra da baseado nas condiçõ es metodologia para atividade sem e com os benefícios firm adas no contrato de estabelecimento de do MDL. Dessa forma, a concess ão realizado com a linha de base e metodologia apresenta três Municipalidade de Salvador. metodologia para cenários alternativos: (1) Este contrato estabelece definição da Continuação do business-aslimites mínimos de captura adicionalidade. Para usual, sem coleta adequada do do gás de aterro. estabelecer a gás; (2) Investimento em a inexistência adicionalidade, a $VSHFWRVGD Considerando aprimoramento do sistema de incentivos para a metodologia baseia-se PHWRGRORJLD de coleta sem ter como objetivo a companhia recuperar e em análise GHOLQKDGH obtenção de energia elétrica para capturar além do limite econômico-financeira. EDVH ser vendida ao grid; (3) A O cenário de linha de imposto pelo contrato de empresa investe no base adotado é aquele concess ão, as reduções de aprimoramento do sistema de em que o metano emissões adicionais serão o coleta do gás para fins de gerado não seri a resultado da diferen ça entre o obtenção de eletri cidade a ser adequad amente limite imposto no contrato e vendida ao sistema interligado. A coletado, sendo a quantidade que se espera metodologia optou pelo primeiro livremente emitido na recup erar, capturar e destruir cenário, justificando a escolha atmosfera. com o projeto. com base nos requerimentos legais em vigor e na análise da viabilidade fin ancei ra e econômica do projeto sem os recu rsos do MDL. T odos os projetos apontam benefícios reais ao desenvolvimento sustentável, baseando-se em &ULWpULRVGH dados sobre a situação da disposição de resíduos sólidos no Brasil. Todos os projetos GHVHQYROYLPH afirmam sua consistência com relação a aspectos de bem estar social a comunidade QWR diretamente afetada e a cri ação de empregos. Vega afirma que 5% do valor líquido adquirido VXVWHQWiYHOH com a venda dos RCEs será alocado na comunidade do entorno do projeto. Novagerar afirma LPSDFWRV que 10% da energia elétrica gerada será destinad a a autoridade municipal com o intuito de DPELHQWDLV prover luz elétri ca para as escol as, hospitais e prédios públicos do local do entorno. Onyx menciona a trans ferên cia de tecnologia. Fonte: baseado nos PDDs dos projetos - UNFCCC (2004). 233 Conforme demonstrado na tabela 1, as metodologias de linha de base propostas focam dois aspectos: o critério da adicionalidade e a consecução de práticas de desenvolvimento sustentável, razão pela qual cada um desses pontos será a seguir analisado. 2.1 Critério de adicionalidade Para que uma atividade seja aprovada como projeto de MDL, deve antes passar por todo um processo de validação, registro e certificação, no qual são aferidos critérios de elegibilidade, definidos no item 5 do artigo 12 do Protocolo de Quioto, quais sejam: participação voluntária dos países-partes; benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados à mitigação da mudança do clima; e reduções de emissões que sejam adicionais as que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto. O último critério, comumente chamado ADICIONALIDADE, consiste na redução de emissões de GEE ou no aumento de remoções de CO2 de forma adicional ao que ocorreria na ausência de tal atividade (LOPES, 2002). Em outras palavras, para que um projeto de MDL seja creditado e possa emitir reduções certificadas de emissões (RCEs), deve comprovar que contribuiu, de forma adicional à determinada referência, para a redução de emissões ou para o seqüestro de carbono da atmosfera. Para averiguar se as reduções de emissões proporcionadas por um determinado projeto de MDL são adicionais, torna-se necessário compará-las com um cenário de referência previamente estabelecido, chamado linha de base. A linha de base de um projeto é o cenário que representa, de forma razoável, as emissões antrópicas de GEE por fontes que ocorreriam na ausência da atividade do projeto proposta, incluindo as emissões de todos os gases, setores e categorias de fontes listadas no Anexo A do Protocolo de Quioto que ocorram dentro do limite do projeto. Serve de base tanto para a verificação da adicionalidade quanto para a quantificação dos RCEs, que serão calculadas justamente pela diferença entre emissões da linha de base e emissões verificadas em decorrência dos projetos de MDL, incluindo as fugas (LOPES, 2002). A análise da adicionalidade é feita por meio de um procedimento previsto e regulado nos Acordos de Marrakech. Esse procedimento compõe-se de fases de validação-registro, verificação-certificação e final obtenção das RCEs, que são, então, contabilizadas em contas que cada país possui perante os órgãos criados no âmbito da CQNUMC. Dessa forma, os proponentes de um projeto de MDL devem, primeiramente, elaborar um documento de concepção do projeto, no qual conste a metodologia de análise da linha de base. Essa metodologia deve ser previamente aprovada pelo Conselho Executivo, órgão criado no âmbito da CQNUMC com a principal atribuição de coordenar o processo de cerificação de projetos de MDL. Conforme previsto no parágrafo 48 dos Acordos de Marrakech, os participantes do projeto devem adotar a abordagem que for considerada mais apropriada para a atividade de projeto, tomando como base: (a) As emissões atuais ou históricas existentes, conforme o caso; (b) As emissões de uma tecnologia que represente um curso economicamente atrativo de ação, levando em conta as barreiras para o investimento; ou (c) A média das emissões de atividades de projeto similares realizadas nos cinco anos anteriores, em circunstâncias sociais, econômicas, ambientais e tecnológicas similares, e cujo desempenho esteja entre os primeiros 20 por cento de sua categoria. 234 Dada a dificuldade prática de se estabelecer metodologias de linha base suficientemente coerentes e claras quanto ao cumprimento da adicionalidade, vivenciada nos primeiros projetos submetidos ao Conselho Executivo, este órgão tem continuamente lançado notas de esclarecimento, apontando formas e abordagens a serem utilizadas pelos proponentes dos projetos. Merece destaque o esclarecimento feito no anexo 1 do relatório oriundo da 10a reunião do Conselho Executivo, realizada em agosto de 2003, o qual estabelece os seguintes exemplos de ferramentas que podem ser usadas para demonstrar que a atividade prevista no projeto de MDL é adicional (UNFCCC, 2004): l fluxograma ou série de questões que levam a estritas opções potenciais de linha de base; e/ou l análise qualitativa ou quantitativa de diferentes opções potenciais e a indicação de porque a opção diferente daquela do projeto é mais viável; e/ou l análise qualitativa ou quantitativa de uma ou mais barreiras enfrentadas pelo projeto proposto; e/ou l indicação de que o projeto não é considerado uma prática comum (por exemplo, que ocorre menos de x% em casos similares) na área de implementação do projeto, ou que o projeto não faz parte de exigências legais. No intuito de demonstrar o preenchimento do critério da adicionalidade e, tomando-se por base os esclarecimentos feitos no âmbito do Conselho Executivo, os projetos aqui analisados assentam-se em três principais aspectos: inexistência de legislação interna mandatória, requerimentos contratuais e análise econômico-financeira. Cada um desses aspectos será a seguir analisado. 2.1.1 Requerimentos legais e contratuais As legislações federal e estaduais pertinentes prescrevem poucas normas respeitantes à gestão dos resíduos sólidos domésticos, inexistindo previsão legal para coleta e queima do gás de aterro, mas apenas a obrigação geral de prevenção da ocorrência de explosões e incêndios (Cunha et. al., 2003). Desde meados da década de 90, projeto de lei sobre uma Política Nacional de Resíduos Sólidos está em discussão no Congresso Nacional, sem quaisquer perspectivas de definição no curto e médio prazo. Na ausência de requerimentos legais mandatórios, muitos municípios, nas suas atribuições legais de gestão dos resíduos sólidos municipais, impõem limites mínimos de captura e destruição do metano por meio de cláusulas insertas nos contratos de concessão firmados com as empresas concessionárias. Mas mesmo tais requerimentos contratuais permanecem aquém da efetiva capacidade de coleta dos aterros. Dessa forma, como proposto pelo projeto feito pela Vega da Bahia, os requerimentos contratuais, ou seja, os limites mínimos de captura e destruição do metano, mostram-se alternativa para serem usados como cenários de referência (linha de base) na estimativa das reduções de emissões propostas. 2.1.2 Barreiras ao investimento Ao comparar os três projetos de MDL aqui analisados, apenas o proposto pela NOVAGERAR afirma utilização do gás metano gerado para obter energia elétrica a ser vendida ao sistema interligado. Os outros dois, apesar de confirmarem o aproveitamento do gás para geração elétrica, argumentam que esta terá como finalidade somente o suprimento interno. 235 Esta posição justifica-se, em parte, pela situação vivenciada atualmente no setor elétrico brasileiro, caracterizada por grandes incertezas e riscos. Depois de uma séria crise que se instaurou com o racionamento de energia ocorrido em 2001, este setor acaba por passar por um processo de profunda reestruturação (MME, 2004), o que tem elevado as incertezas quanto à sua futura dinâmica. Num tal cenário, a geração de eletricidade a partir de fontes renováveis, como o caso do gás de aterro, enfrenta, além das dificuldades econômico-financeiras inerentes à implementação das tecnologias, os riscos e incertezas do setor. Este fato corrobora a inviabilidade de atividades de aproveitamento do gás de aterro para fins energéticos, ao menos, no que se refere à possibilidade de venda da energia ao sistema interligado. Por outro lado, o ponto mais importante a afetar a geração de eletricidade a partir do gás de aterro refere-se a instituição do PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia), programa que visa ao fomento da obtenção de eletricidade para o sistema interligado através de biomassa, eólicas e pequenas centrais hidrelétricas. Dessa forma, levando-se em conta que a obtenção de energia a partir do gás de aterro entra na categoria de biomassa, a instituição de um programa nacional de subsídio a tais fontes de energia poderia significar, em termos de adicionalidade financeira, incentivo econômico a projetos que vislumbrassem tais atividades. Contudo, considerando que esta fonte renovável irá competir com os resíduos da cana de açúcar, do arroz e da madeira, mostra-se pouco provável que projetos de aproveitamento do gás de aterro serão amplamente beneficiados com os recursos do PROINFA. Isso se justifica ao se vislumbrar que outros setores, como o de cana de açúcar, já estão mais organizados e preparados para competir pelos subsídios do PROINFA. A insuficiente regulação do setor de disposição final de resíduos sólidos domésticos demonstra a negligência com que a questão é tratada no Brasil. As análises financeiras realizadas nas metodologias de linha de base ilustram as incertezas e riscos inerentes ao setor elétrico brasileiro. Tais análises demonstram o importante papel que o MDL pode ter como potencial fonte de investimento e melhoria da gestão dos resíduos sólidos domésticos no país, promovendo, ao mesmo tempo, ganhos de sustentabilidade. 2.2 Desenvolvimento sustentável No intuito de analisar em que medida os projetos aqui analisados cumprem com o requisito do desenvolvimento sustentável, este estudo tomou como base os critérios de sustentabilidade previstos na Resolução n.1 de 01/12/2003, instituída pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, órgão governamental brasileiro criado como Autoridade Nacional Designada, nos termos dos Acordos de Marrakech. Segundo o Anexo III da Resolução n.1, para ser elegível como projeto de MDL no Brasil, a atividade deve comprovar sua contribuição para os seguintes critérios de desenvolvimento sustentável: a) contribuição para a sustentabilidade ambiental local: De acordo com o Relatório Nacional de Saneamento Básico (IBGE, 2004), 76% dos resíduos municipais gerados no Brasil são dispostos em lixões e apenas 13% em aterros 236 controlados (lugares onde o resíduo é disposto sem técnicas básicas de engenharia e gestão ambiental). Os 10% restantes são dispostos em aterros sanitários que oferecem condições mínimas de prevenção a danos ambientais. A maior parte dos resíduos dispostos é composta de materiais orgânicos, o que leva a um alto potencial de geração de chorume e emissão do metano. Estimativa realizada pelo IPT/CEMPRE (2000) aponta que, para o Brasil, 50% dos resíduos sólidos domésticos são formados por compostos orgânicos. Além dos danos causados pelo agravamento do efeito estufa, a emissão de metano decorrente da decomposição anaeróbica do resíduo pode representar riscos para o ambiente local quando não controlado devidamente, podendo migrar lateralmente para áreas próximas ou mesmo emanar pela superfície, causando prejuízos à saúde humana e à vegetação, decorrentes da formação de ozônio de baixa altitude ou da exposição a alguns constituintes do biogás que podem causar câncer e outras doenças que atacam fígado, rins, pulmões e o sistema nervoso central (USEPA, 1991). Outro problema, apontado por Braid (2004), refere-se à geração do chorume, líquido resultante da decomposição da matéria orgânica presente no resíduo cuja composição química apresenta elementos tóxicos e nocivos à saúde humana e ambiental. O tratamento e disposição inadequados do chorume podem levar a que o líquido percole para os lençóis freáticos, contaminando a água e o solo do entorno. Dessa forma, a aplicação dos padrões exigidos no âmbito das normas da União Européia nos aterros considerados nos projetos de MDL em estudo pode levar à remediação de possíveis impactos e à prevenção da ocorrência de mais danos ao meio ambiente local. b) Contribuição ao desenvolvimento de condições de trabalho, para a criação líquida de emprego e para a distribuição de renda Nos últimos anos, o número de catadores de resíduo tem crescido no Brasil, particularmente nos grandes centros urbanos, indicando degradação da qualidade de vida e aumento dos problemas sociais, como os relativos à distribuição de renda e criação de empregos (Streb, 2001). As grandes cidades brasileiras apresentam 67% de catadores trabalhando nas ruas e 37% trabalhando e vivendo em lixões. De acordo com Firestone (2004), em média, 22% dessas pessoas têm menos de 14 anos de idade. A maioria dos catadores trabalha em condições irregulares, sem qualquer tipo de equipamentos de proteção e diretamente expostos a riscos. A melhoria da condição dos aterros sanitários pode aliviar o número de pessoas morando e vivendo do resíduo, incluindo crianças e adolescentes. Igualmente, a possibilidade de doação de parte dos proveitos oriundos da venda dos RCEs à comunidade local pode levar a ganhos de qualidade social, como auxílio e promoção de saúde e educação. Mesmo criando poucos empregos diretos, as atividades dos projetos podem levar a novas formas de cooperação entre os catadores e os administradores dos aterros, como criação de cooperativas de reciclagem. c) Contribuição para treinamento e desenvolvimento tecnológico: Os projetos de aproveitamento do metano gerado a partir da decomposição do resíduo em aterros dependem das condições técnicas de operação do aterro. No Brasil, observa-se que a maioria dos locais de disposição de resíduo possui controle ambiental inadequado e coleta ineficiente do metano gerado. Nesses casos, são necessários investimentos na melhoria das instalações para que um projeto seja viável tecnicamente. 237 Segundo estudo realizado a pedido do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil possuía, em 2002, um potencial de 300 a 400 MW através do aproveitamento do biogás de aterro sanitário das regiões metropolitanas. Foram levantados cerca de 110 municípios com mais de 300 mil habitantes, cujos aterros oferecem condições para a produção de eletricidade (RECICLÁVEIS, 2002). Em outro estudo (IETEC, 2004) é apresentado um levantamento realizado em 37 aterros brasileiros que atendem cerca de 46,4 milhões de habitantes. O aproveitamento do metano gerado nestes aterros seria capaz de gerar energia elétrica em 2005 com potência total entre 278 e 344 MW, chegando em 2015 a potenciais entre 356 e 441 MW. Esses levantamentos diferem devido às metodologias utilizadas e os parâmetros adotados, mas indicam que o potencial a ser explorado não é desprezível, sendo, portanto esta uma fonte de energia que poderia trazer benefícios locais, com a adequação ambiental dos aterros, e globais, com a redução de emissão de gases de efeito estufa tanto no controle do metano gerado como na substituição de fontes de energia fóssil. 3 CONCLUSÃO A ausência de sistemas eficientes de coleta e destruição do metano no Brasil eleva as emissões de gases precursores de efeito estufa, contribuindo também para a poluição local. Dados a inexistência de arcabouço legal mandatório pertinente, bem como a falta de incentivos econômicos para a melhoria das condições da disposição e gestão dos resíduos sólidos no Brasil, essa situação tende a continuar, levando a maiores danos ambientais. A implementação de projetos de aumento da eficiência do sistema de coleta e destruição do gás metano por meio do MDL pode levar a melhores condições sanitárias e ambientais dos aterros, promovendo melhoria da qualidade ambiental e social do entorno. Tais contribuições levam a ganhos em desenvolvimento sustentável ao mesmo tempo em que contribuem para a mitigação das mudanças climáticas, através da redução de emissões dos gases precursores de efeito estufa. REFERÊNCIAS CUNHA, Kamyla Borges da; STREB, Cleci Schalemberger; BUZZO Elder Arnaldo; e, TEIXEIRA, Eglé Novaes. Resíduos Sólidos: Legislação como Instrumento para Minimização. III Seminário de Economia do Meio Ambiente: Regulação Estatal e Auto-Regulação Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Campinas, São Paulo, 13 e 14 de maio 2003. CD-Rom. FIRESTONE, Laurel. Trash Scavengers in Brazil. Available at http://blogs.law.harvard.edu/lixo/stories/storyReader$7. Accessed in April 20th, 2004. 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EPA-450/3-90. UNITED STATES ENVIRONMENT PROTECTION AGENGY (USEPA). Emerging technologies for the management and utilization of landfill gas. Office of Research and Development. January, 1998. EPA 68-D30035. 238 ESTIMATIVA DOS COEFICIENTES DE EMISSÃO DE CARBONO PARA O CARVÃO MINERAL BRASILEIRO Marçal Pires* RESUMO Fatores de emissão em base mássica e energética foram estimados para 95 carvões minerais brasileiros. Os fatores de emissão em base mássica (CEFM) apresentaram maior variabilidade e uma média de 1.475 kg CO2 por tonelada de carvão (base seca), valor menor que o reportado para outros carvões no mundo. Os fatores em base energética (CEFE) apresentaram valores médios de 26,15 tC TJ-1 (poder calorífico inferior, PCI) e 25,11 tC TJ-1 (poder calorífico superior, PCS) com baixa variabilidade e valores semelhantes aos CEF de carvões subetuminosos do mundo. Esses resultados indicam que o uso de coeficientes de emissões globais, baseados no rank ou localizações geográficas, pode aumentar a incerteza no cálculo de inventários de emissão de CO2 pelo uso do carvão. 1. INTRODUÇÃO Os diferentes usos do carvão mineral o tornam a principal fonte de emissão de carbono à atmosfera, contribuindo com cerca de 35% das emissões antropogênicas globais (EIA 2000). Essa contribuição deve se tornar ainda maior devido ao aumento do consumo previsto para as próximas décadas, sobretudo nos países em desenvolvimento (IEA, 1993). As estimativas de emissão de dióxido de carbono pela queima de carvão são normalmente feitas a partir de Fatores de Emissão de Carbono (Carbon Emission Factors CEF). Esses CEFs são expressos via de regra pela relação entre a quantidade de CO2 ou C emitida por unidade de massa de carvão queimado ou quantidade de energia utilizada ou gerada por essa queima. Além da variedade de definições os CEF também são expressos utilizando diferentes unidades de massa (gramas, kilogramas, toneladas) e energia (megacalorias, terajoules, milhão de BTU, etc...). A inexistência de expressões e unidades de referências pode causar confusão e erros no uso e na interpretação dos CEF. Eng. Químico, Prof. Dr., Faculdade de Química, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Av. Ipiranga 6681, Predio 12B, 90619-900 Porto Alegre RS, - Tel.: 51-332-3549, Fax: 51-332-3612, e-mail: [email protected] 239 O fator de emissão de carbono baseado na quantidade de CO2 emitida por unidade de combustível consumido (CEFM) não é suficiente para avaliar e comparar resultados com outros tipos de combustíveis e/ou fontes de energia. Nestes casos prefere-se utilizar CEFs baseados na quantidade de carbono emitida por unidade de calor fornecida pelo carvão queimado (CEFE). O calor fornecido é estimado através do poder calorífico superior (PCS) ou inferior (PCI) do carvão em questão. Segundo Houghton, et al (1997), para os inventários nacionais da emissão de Gases a Efeito Estufa as quantidades de combustíveis fósseis devem ser expressas em unidades de energia (terajoules - TJ, tonelada equivalente de petróleo -TEP, etc). Deve-se utilizar o poder calorífico inferior (PCI) do combustível em questão, por que esse valor corresponde aos processos de troca térmica que efetivamente ocorrem durante a combustão. Quando somente o Poder Calorífico Superior estiver disponível o IPCC recomenda utilizar um fator de correção de 95% para combustíveis sólidos como o carvão (PCI = 0,95 x PCS). Os principais parâmetros de caracterização do carvão necessários para estimar a emissão de CO2 durante a combustão são os teores de carbono e hidrogênio, e o poder calorífico. Com exceção do poder calorífico, os demais parâmetros não são determinados de forma rotineira para os carvões brasileiros, existindo um número muito pequeno de carvões para os quais todos os parâmetros foram analisados simultaneamente. Entretanto, esses dados são indispensáveis para uma caracterização mais detalhada dos carvões brasileiros. O objetivo desse trabalho é estimar os Fatores de Emissão de Carbono para os principais carvões brasileiros utilizados em processos de combustão no país, expressando-os tanto em base mássica como em base energética. Para tanto são utilizados dados de literatura sobre a caracterização desses carvões, incluindo além das análises imediata e elementar, e o poder calorífico superior e inferior. Para várias amostras alguns desses parâmetros tiveram também que ser estimados, a partir dos dados experimentais disponíveis, e a aplicabilidade e os erros associados a estas estimativas são também discutidos. Finalmente são apresentadas fórmulas para estimar os CEFs a partir de dados de qualidade dos carvões e os resultados obtidos são comparados com os valores internacionais. 2. Metodologia 2.1. Dados de Literatura Foram examinados dados referentes a 95 amostras de carvões brasileiros analisadas em diferentes estudos (Lau, 1971 ; Correa da Silva, 1980; CIENTEC , 1980; Pires, 1990; DNPM , 1994; CGTEE, 1996; GERASUL, 1999; Dill, 2001). Os carvões brasileiros são caracterizados pelo alto teor de cinzas e baixos teor de enxofre e poder calorífico, sendo a maioria betuminosos alto voláteis ou subetuminosos segundo classificação americana (ASTM D388-95, 1990). Cabe salientar as dificuldades normalmente encontradas para a classificação desses carvões pelos padrões internacionais, em função das características geoquímicas específicas (Correa da Silva, 1980; DNPM, 1994). Na tabela 1 é mostrado um resumo das amostras de carvões estudados quanto à origem (estado, mina e camada de procedência) e tipo (beneficiado, ROM e furos de sondagem). Setenta e oito por cento das amostras é provenientes do estado do Rio Grande do Sul (RS), 19% de Santa Catarina (SC) e o restante 3% do Paraná. Essa distribuição corresponde 240 de certa forma as reservas e a produção de carvão de cada estado. Carvões beneficiados e ROM correspondem a 36 e 40% do total, respectivamente. Somente 9% das amostras não puderam ser classificadas quanto ao tipo, enquanto que as 14 amostras restantes (15%) são provenientes de furos de sondagem. Os carvões das minas de Candiota (n=19), Leão (n=19) e Seival (n=6) no RS foram os mais analisados. A maioria das amostras de Candiota corresponde ao run-of-mine (ROM) e aos furos de sondagens, fato esperado uma vez que esse carvão é comercializado sem sofrer nenhum processo de beneficiamento. Por outro lado nos dados das minas de Leão e Seival predominam os carvões beneficiados. No calculo dos CEF foram utilizados dados das análises imediata e dos poder calorífico superior (PCS) e inferior (PCI) para os 95 carvões brasileiros (não mostrado). Infelizmente para somente 29 amostras são conhecidos todos os parâmetros citados. O teor de carbono elementar e o PCI são os menos freqüentemente. Entretanto esses parâmetros são indispensáveis para o cálculo dos CEFs e deverão ser estão estimados através dos dados experimentais disponíveis. 2.2. Estimativa dos parâmetros de caracterização As diversas correlações obtidas com os dados de caracterização de literatura são mostrados nas Figuras 1 a 3. Como esperado boas correlações lineares (R2 >0,98) foram obtidas para todos os parâmetros testados. A estimativa do PCS a partir dos teores de cinza e de carbono fixo pode ser feita numa ampla faixa de valores com boa precisão (fig. 1). Tabela 1 Sumários dos dados referente a origem geográfica e tipo dos carvões estudados )XURV 1mR (V WDGR %HQHILFLDGRV 52 0 6 RQ GDJHP LGHQ WLILFDGRV 7RWDO RS 21 29 12 13 SC 6 4 2 5 PR 2 0 0 1 Total 29 33 14 19 Por outro lado, o cálculo do teor de carbono elementar, a partir dos teores de cinzas e de carbono fixo (fig.2), deve ser vista com precaução devido ao pequeno número de amostras (n=11), a dispersão dos valores e a ampla faixa de valores para a qual não existem dados experimentais (40 a 70% C). Já a estimativa desse parâmetro a partir do PCS tem maior precisão numa faixa mais ampla de valores (20 a 80%), sendo a correlação preferencialmente utilizada na estimativa do teor de carbono nos cálculos posteriores. Uma excelente correlação (R2 = 0,9999) foi obtida entre o PCS e o PCI (fig.3) numa faixa relativamente ampla de valores (PCS entre 8 a 35 MJ kg-1). Através da comparação entre os valores de PCI e PCS calculou-se um valor médio para a razão PCI/PCS = 0,96±0,01. Esse resultado é levemente superior ao indicado pelo IPCC (0,95) porém valor idêntico (0,96±0,01) foi obtidos através dados obtidos por Nahyus (1967) para outras 38 amostras de carvões brasileiros, não avaliadas nesse trabalho. carvão analisado. Portanto, a utilização do coeficiente proposto pelo IPCC subestima o valor de PCI para a maioria dos carvões brasileiros estudados. 241 Figura 1 Relações entre Poder calorífico superior (MJ kg-1 base seca) e os teores de cinzas e de carbono fixo, ambos expressos em base seca Carbono elementar(%, bs) 100 ♦CF y = 1,27.x + 1,64 R2 = 0,9928, n = 11 PCS y = 2,29x + 3,29 R2 = 0,9964, n=29 80 60 40 o Cinzas y = -0,97. x + 85,03 R2 = 0,9967, n = 11 20 0 5 15 25 35 45 Teor de cinzas ou carbono fixo (%, bs) e Poder calorífico superior (MJ kg-1, bs) 55 65 Poder calorífico inferior (MJ kg-1,bs) Figura 2 Relações entre o teor de carbono elementar e os conteúdos em cinzas, carbono fixo e poder calorífico superior, todos os parâmetros em base seca 30 y = 0,9714x – 0,1458 R2 = 0,9999, n = 29 20 10 0 5 10 15 20 25 Poder calorífico superior (MJ kg-1, bs) 30 Poder calorífico inferior (MJ kg-1,bs) Figura 3 Relação entre os poderes caloríficos superior e inferior para os carvões estudados 30 y = 0,9714x – 0,1458 R2 = 0,9999, n = 29 20 10 0 5 10 15 20 25 Poder calorífico superior (MJ kg-1, bs) 242 30 As regressões lineares obtidas anteriormente foram utilizadas para estimar os parâmetros não disponíveis para as amostras estudadas. Os resultados dessas estimativas bem como os Coeficientes de emissão de carbono calculados a partir deles serão discutidos na seção resultados. 2.3. Fatores de emissão Os parâmetros de qualidade do carvão necessários para o cálculo direto dos Fatores de emissão de carbono dependem da forma de expressão desse resultado e de inclusão ou não da contribuição do carbono inorgânico. O cálculo generalizado do CEF mássico pode ser feito pela seguinte expressão: &()0 ,D = [10.&2D .3,664] + [10.&, D ] (1) onde CEFM é expresso em kilograma de CO2 gerado por tonelada de carvão queimado, CO é o teor de carbono elementar (wt%) do carvão, CI o teor de carbonatos (% CO2) e o número 3,664 é o fator gravimétrico que transforma toneladas de carbono em toneladas de CO2 (44/12). O sub-índice a representa a base na qual esses parâmetros estão expressos: úmida (bu), seca (bs) ou seca isenta de cinzas (bsic), úmida isenta de matéria mineral (u, imm), etc. O cálculo do CEF energético pode ser feitos pela seguinte expressão: &()( ,E = [10.&2]+ [10.&,.0,273] &9E (2) onde CEFE, b é expresso em toneladas emitidas de carbono por Terajoule de carvão queimado, CV é o poder calorífico do carvão, o número 0,273 é fator gravimétrico que transforma toneladas CO2 em toneladas de carbono (12/44), o sub-índice b indica se o poder calorífico inferior (net) ou superior (gross) é utilizado. Nesse caso não há necessidade de se conhecer o teor de umidade ou cinzas da amostra, basta que os teores de carbono e o poder calorífico estejam na mesma base. Quando o teor de carbonatos não for conhecido o termo CI nas equações 1 e 2 é zerado. 3. Resultados Foram obtidos CEFM (base mássica) médios de 1.475 e 2.707 kg CO2/t coal, calculados em base seca (bs) e base seca isenta de cinzas (bsic), respectivamente. A grande diferença entre esses valores é devido ao alto teor de cinzas da maioria das amostras (76% com Cinzas > 40%). Outro aspecto importante é a maior variação dos CEF expressos em base seca comparados aos CEF expresso em base seca isenta de cinzas, indicados pelos desvios padrão de 29 e 7%, respectivamente. Os CEFE (base energética) por sua vez apresentaram médias de 26,15 e 25,11 tC TJ-1, quando expressos utilizando o poder calorífico inferior e superior, respectivamente. Ambos coeficientes apresentam o mesmo desvio percentual (3%) devido, provavelmente a relação linear existente entre o PCI e o PCS. A maior variabilidade dos CEFM, comparada aos CEFE, pode estar relacionada ao cálculo desses coeficientes. Os CEFE são obtidos via divisão dos CEFM pelos CVs e assim alguns erros, baseados em aproximações, podem se cancelar pela operação aritmética. Ozdogan (1998) observou o mesmo comportamento entre os CEF para os carvões turcos. 243 3.1. Carvões energéticos Os carvões energéticos brasileiros são comercializados conforme especificações do teor mínimo do poder calorífico superior (bs), sendo inclusive denominados por esse parâmetro. Na Tabela 2 encontram-se listados valores médios de CEFs, obtidos nesse trabalho para as 21 amostras identificadas como carvão energético. Como esperado, os carvões de maior poder calorífico apresentaram maiores CEF em base mássica com valores variando entre 1.266 a 2.258 kgCO2/t coal para o CE3100 e CE6000, respectivamente. Comportamento inverso foi observado nos CEF base energética (24,22 a 25,32 tC/TJ expresso em PCI) o que vem confirmar a melhor adequação desse fator nas comparações entre carvões de diferentes qualidades. Observa-se uma baixa variabilidade nos valores nos coeficientes de emissão individuais (0,2 a 0,9% CEFE), calculados para os diferentes carvões energéticos. Dessa forma o uso desses coeficientes genéricos podem ser recomendados, quando não se conhece dados mais específicos de qualidade do carvão. Tabela 2 Fator de emissão de carbono médios para os principais carvões energéticos brasilieros 7LSR (VSHFLILFDo}HV 3&6 &LQ]DV NFDONJ Q %DVHPiVVLFD %DVHHQHUJpWLFD NJ&2SRUWFRDO W&7- 3&6 3&, PpGLD Pi[ PLQ PpGLD Pi[ PLQ CE3100 2.950 57 4 1.266 1.395 1.220 26,37 25,32 25,44 24,97 CE3300 3.150 54 2 1.380 1.413 1.346 26,11 25,07 25,18 24,95 CE3700 3.700 47 2 1.334 1.409 1.259 26,27 25,22 25,35 25,08 CE4200 4.200 40 4 1.669 1.758 1.616 25,76 24,73 24,78 24,67 CE4500 4.500 43 3 1.726 1.732 1.722 25,68 24,65 24,65 24,64 CE4700 4.700 35 3 1.817 1.854 1.792 25,61 24,59 24,61 24,57 CE5200 5.200 35 1 1.968 25,44 24,42 CE6000 5.700 25 2 2.258 25,23 24,22 24,23 24,21 2.267 2.250 1 Menor poder calorífico superior (PCS) e máximo teor de cinzas admissíveis para os carvões energéticos (Muller, 1987), 2 Número de amostras analisadas para cada tipo de carvão, 3 Calculado utilizando o poder calorífico superior (PCS) ou inferior (PCI). Todos os dados estão expressos em base seca 3.2. Comparação com a literatura Na Tabela 3 são citados CEF, em base mássica e energética, obtidos para carvões de diferentes regiões e países do mundo. Pode-se constatar que o CEFM dos carvões brasileiros é inferior ao reportado para outros carvões, o que reflete os teores mais baixos de carbono dos primeiros. Verifica-se também que o CEFE médio para os carvões brasileiros (26,2 tC/TJ) é semelhante aos de carvões sub-betuminous do resto do mundo. Entretanto, vários carvões brasileiros são classificados como betuminosos (Correa, 1980; DNPM, 1994 ), para os quais espera-se valores menores de CEFs. 244 Com o objetivo de verificar a influência do rank nos CEF os carvões brasileiros foram classificados segundo a norma ASTM. Dos 45 carvões que apresentavam os dados analíticos necessários (teores de cinzas e umidade, poder calorífico superior) para essa classificação, 20 foram classificados como subetuminosos e apresentaram um CEFE de 26,4 tC TJ1 , os demais foram classificados como betuminosos com CEFE médio de 25,7 tC TJ-1. Esses valores encontram-se dentro da faixa de valores observada para os CEF médios de carvões subetuminosos (26,2 a 28,1 tC TJ-1) e bituminosos (25,5 a 27,8 tC TJ-1) do resto do mundo, porém mais próximos dos menores valores. Esse fato indica uma menor contribuição relativa do carvão brasileiros às emissões de CO2 à atmosfera. Os inventários de emissão de carbono feitos no Brasil (Rosa et al., 2000; SÃO PAULO, 1997, ECEN, ) não tem levado em conta as especificidades do carvão nacional. Em geral tem-se utilizando o CEF genérico (25,8 tC MJ-1) recomendado pelo IPCC para carvões betuminosos, que subestima a contribuição da maioria dos carvões nergéticos brasileiros. Tabela 3 Fatores de emissão de carbono (CEF) calculados para carvões de diferentes país e regiões do mundo $UHD SDtV 7LSRGRFDUYmR %DVHPiVVLFD %DVHHQHUJpWLFD NJ&2SRUWFDUYmR 7&7- 5HI EV 3&, *DPD Mundo Subetuminosos Betuminoso 26,2 25,8 Europa Carvão vapor Subetuminosos 25,9 28,1 Turquia EUA Todos Subetuminosos Betuminoso Todos 2.000 1.858 2.466 2.628 Subetuminosos Brasil Betuminoso Todos Subetuminosos Betuminoso 1.475 1.268 1.714 1 25,1-26,7 24,8-31,4 25,4 26,8 27,8 25,4 22,3-28,4 26,5 25,5-27,4 25,5 26,2 26,4a 25,7 a 24,8-26,2 24,3-28,2 2 3 4 5 Este trabalho A valores médios calculados para amostras de carvões brasileiros classificados preliminarmente como subetuminosos (n=20) e betuminosos (n=25). Referências: 1 Houghton (1997); 2 - European Environment Agency (1999); 3 Ozdogan (1998); 4 Hong and Slatick (1994) and DOE/EPA (2002); 5 - Quick, J.C. and Glick (2000). 245 4. Conclusão Fatores de emissão em base mássica e energética foram estimados para noventa e cinco amostras de carvões minerais brasileiros das principais minas do país. Para várias amostras alguns parâmetros de qualidade, como o teor de carbono elementar e o poder calorífico, tiveram que ser estimados a partir dos dados experimentais disponíveis, utilizando regressões lineares desenvolvidas nesse estudo. Os fatores de emissão em base mássica (CEFM), calculados a partir parâmetros de qualidade dos carvões, apresentaram maior variabilidade com uma média de 1.475 kg CO2 por tonelada de carvão (base seca), valor menor que o reportado para outros carvões estrangeiros. Os fatores em base energética (CEFE) apresentaram valores médios de 26,15 tC TJ-1, expresso tomando como base o poder calorífico inferior e 25,11 tC TJ-1 (poder calorífico superior) com baixa variabilidade e valores semelhantes aos CEF de carvões subetuminosos no resto do mundo. Esses resultados indicam que o uso de coeficientes de emissões globais, baseados no rank ou regiões geográficas, no cálculo de inventários de gases a efeito estufa podem gerar erros consideráveis. Quando os dados de qualidade do carvão não estiverem disponíveis, sugere-se o uso de CEF para os carvão energéticos brasileiros, estimados nesse trabalho. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS Abdalad, Rogério, Perspectivas da geração termelétrica no Brasil e emissões de CO2, Dissertação de mestrado, UFRJ, COPPE, Rio de Janeiro, 2000. Alvim, Coeficientes da Matriz de Emissão, Economia & Energia, 24 (Janeiro-Fevereiro 2000), www.ecen.org.br, baixado 22/01/2002. American Standard Testing and Materials, D5372-93 ASTM Standard test method for Instrumental determination of carbon, hydrogen and nitrogen in Laboratory Samples of coal and coke, ASTM D5373-93. West Conshohocken, PA: American Society for Testing and Materials, 1996; 05.05:453. ASTM, Standard classification of coals by rank, ASTM D 388-95. 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INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é propor e avaliar alternativas, técnica e economicamente viáveis, de mitigação das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) oriunda da entrada em operação de Usinas Termelétricas (UTEs) no Estado do Rio de Janeiro. As alternativas analisadas são o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica, o plantio de florestas energéticas (Eucalipto), o plantio de oleaginosas e o aproveitamento energético de lixo urbano. As emissões de GEE decorrentes da entrada de UTEs no Estado do Rio de Janeiro são estimadas empregando a metodologia do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC), em suas Diretrizes para Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa (IPCC, 1996). Utilizou-se, especificamente, para esse fim, a metodologia Top-Down, na qual são considerados os dados de produção, transformação e consumo de energia primária para geração de energia elétrica através de UTEs. * O Estudo para Estabelecimento de Políticas de Compensação de Emissões de Gases do Efeito Estufa do Rio de Janeiro foi executado com recursos advindos da UTE NORTE FLUMINENSE, por meio do Convênio firmado com o Governo do Estado do Rio de Janeiro, em cumprimento à Resolução CONAMA nº 02/96, ao artigo 30, § 1º da Lei 9.985/2000 e ao item 19.8 das Restrições contidas na Licença de Instalação nº 305/2001. (SEMADUR Proc. Adm. E-07/500.011/02 1 Doutorando em Planejamento Ambiental no PPE/COPPE e Pesquisadora do LIMA/COPPE 2 Doutorando em Planejamento Energético no PPE/COPPE e Pesquisador do IVIG/COPPE 248 Como uma parte das alternativas a serem analisadas refere-se ao plantio de espécies vegetais, seja o reflorestamento com espécies nativas da Mata Atlântica ou o cultivo com fins energéticos, faz-se necessário identificar qual parcela da área do estado do Rio de Janeiro está disponível para tal fim. Para o aproveitamento de lixo, na contabilização de redução das emissões de metano através do seu aproveitamento na geração de energia, são analisados quatro processos: BEM (processo de pré-hidrólise ácida), Incineração, GDL (gás de lixo) e Dranco (dry anaerobic composting compostagem seca anaeróbia). Geração de energia elétrica As emissões da geração de energia elétrica do Estado do Rio de Janeiro são representadas pelas usinas termelétricas que passaram a ganhar força na expansão do setor, em virtude da adequação aos interesses de menor investimento e menor prazo de instalação necessários para a construção de uma usina termelétrica em relação a outras formas de geração de energia. O gás natural é o principal combustível a ser utilizado para o funcionamento das usinas termelétricas instaladas, em reforma e em implantação no Estado do Rio de Janeiro. Como todos os combustíveis fósseis, o gás natural emite poluentes para a atmosfera, entre eles o CO2 e o CH4. Tais emissões têm origem na descarga de material particulado e gases resultantes da queima de combustível, além das emissões fugitivas do transporte e utilização do combustível. O cálculo das emissões de CO2 e CH4 das termelétricas foi efetuado a partir do levantamento das Usinas Termelétricas em operação, licenciamento, reforma e ampliação. As emissões de CO2 foram calculadas com base na potência instalada, fator de capacidade, combustível utilizado, coeficiente de emissão de carbono por fontes e nos fatores de conversão de unidades volumétricas para unidades energéticas. Para o cálculo das emissões de GEE decorrentes da implantação de termelétricas para geração de energia elétrica considerou-se o intervalo de fator de capacidade mínimo de 0,3 e máximo de 0,8. No caso da utilização de gás natural, principal combustível a ser utilizado para o funcionamento das usinas termelétricas instaladas, em reforma e em implantação no Estado do Rio de Janeiro, considerou-se que a densidade média do gás natural é equivalente a 0,716 kg/m3, que a concentração média de CH4 no gás natural é equivalente a 90% e, ainda, que há conversão do metano para dióxido de carbono durante a combustão, valor obtido através do cálculo estequiométrico (multiplicando por 44 e dividindo por 16). No ano de 2000, somente três usinas estavam em funcionamento no Estado: a CTE-CSN, a UTE Santa Cruz e a UTE Campos. A potência total instalada das três usinas termelétricas em operação no Estado do Rio de Janeiro em dezembro de 2000 era de 865 MW. A CTE CSN de 235 MW cujo combustível era um mix de gases (gás de alto forno, gás de coqueria, gás de aciaria e gás natural), a UTE Santa Cruz de 600 MW utilizando óleo B1, diesel e gás natural e a UTE Campos de 30 MW utilizando gás natural como combustível. A emissão das usinas em funcionamento no ano 2000 era de 2,16 Mt CO2/ano. No que se refere às emissões fugitivas de gás natural, utilizando um percentual de 4,5% (La Rovere, 2000), chega-se a um valor total de 36 kt CH4. 249 No ano de 2002, a CTE CSN, aumentou o aproveitamento dos gases do processo industrial, reduzindo a emissão, conseqüentemente a emissão do conjunto das unidades termelétricas em funcionamento reduziu para 1,59 Mt CO2/ano. Porém, considerando-se que neste ano houve a entrada em operação das duas unidades já licenciadas, a UTE Eletrobolt e Macaé Merchant, ambas utilizando gás natural, a potencia total instalada passou para 2090 MW, o consumo de gás natural passou para 2,4 bilhões de m3 por ano e as emissões anuais aumentaram entre 1,28 e 3,42 M t CO2, atingindo a quantidade de 2,87 a 5,01 Mt CO2 /ano. A potência total a ser gerada pelo conjunto das usinas em fase de projeto no Estado do Rio de Janeiro no ano 2000 era estimada em 6.068 MW, a partir de 2005. O consumo de gás seria da ordem de 7,8 bilhões de m3 por ano. A emissão de CO2 proveniente da UTE prevista para funcionar com a queima de carvão mineral foi estimada considerando-se os diferentes tipos de carvão mineral, cujo poder calorífico varia entre 4.500 a 5.200 kcal por kg e o coeficiente de emissão do carvão mineral. Essas emissões foram calculadas entre 6,9 e 7,9 Mt CO2 por ano. Considerando-se todos os empreendimentos funcionando a plena carga, a entrada em operação dessas UTEs totalizaria a emissão estimada na faixa de 11,05 a 18,97 MtCO2/ ano, dependendo do fator de capacidade. Além da construção de novas termelétricas, havia três usinas térmicas de Furnas em fase de licenciamento ambiental para ampliação ou reforma. A potência total pelo conjunto das usinas termelétricas em reforma ou ampliação no Estado do Rio de Janeiro a partir de 2004 é de 800 MW. Considerando-se todos estes empreendimentos funcionando a plena carga, o consumo de gás natural é estimado em cerca de 1,7 bilhões de m3 por ano e as emissões atingiriam a quantidade na faixa de 1,41 a 2,53 Mt CO2/ano dependendo do fator de capacidade . Calcula-se que a capacidade instalada no setor termelétrico do Estado do Rio de Janeiro, como prevista no ano 2000 seria de 8.958 MW a partir de 2005. As emissões do setor poderiam atingir a faixa de 14,81 a 27,14 Mt CO2 por ano, quando todos os empreendimentos estivessem em funcionamento e considerando as emissões da UTEs que já estavam em funcionamento no ano 2000. Com relação às emissões fugitivas do gás natural a ser consumido pelas novas usinas termelétricas, estas devem ficar em torno de 3% a 4,5%, patamar internacional do setor. Caso isto se confirme, as emissões fugitivas das novas usinas termelétricas ficarão entre 85 kt CH4 por ano e 229 kt CH4 por ano. Área disponível para plantio A área apta a ser reflorestada seria igual à área desmatada no período de 1990 a 2000 (SOS Mata Atlântica/INPE/ISA, 1998, 2001). Cerca de 28.000 ha de florestas foram suprimidas no Estado do Rio de Janeiro no período de 1990 a 2000, o que corresponde a um total de 280.000 ha (2.800 km2) em 10 anos. Uma vez que nem toda a área desmatada estaria disponível ao plantio, devendo-se inclusive considerar a dinâmica de recuperação dessas áreas desmatadas, pode-se supor que no mínimo 40% da área total desmatada no Estado nos últimos dez anos (cerca de 1.120 km2 ou 112.000 250 ha) poderiam ser disponibilizados para os plantios propostos (reflorestamento com espécies nativas, Eucalipto e espécies oleaginosas). Assim, metade da área estimada como disponível foi destinada ao florestamento com espécies nativas, ou seja 56.000 ha. Da outra metade da área, 50% foi destinada ao plantio de Eucalipto (28.000 ha) e 50% ao plantio de oleaginosas (28.000 ha). Plantio de Espécies Nativas para estoque de carbono Assumiu-se que a ocupação da área total necessária para o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica ocorre ao longo de 9 anos a partir do início de implantação do projeto (ano 0). O período de análise considerado foi de 30 anos. Considerando o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica em uma área de 56.000 ha (560 km2) com um incremento médio de 4 t ms/ha/ano (2tC/ha/ano), pode-se estimar que, ao final de 30 anos, a floresta implantada tenha um estoque bruto de cerca de 2,9 Mt C, correspondente a 10,6 Mt CO2. O estoque de carbono da regeneração natural dessa área deveria ser descontado do estoque bruto de carbono pelo plantio de espécies nativas, para o cálculo de estoque líquido de carbono. Assim, caso assuma-se que pela regeneração natural da área haveria um incremento médio de 2,5 tms/ha/ano (1,5 tC/ha/ano) haveria ao final de 30 anos um estoque de cerca de 1,8 Mt C (4,6 MtCO2) e um estoque líquido de cerca de 4 MtCO2 pelo plantio de espécies nativas em 56.000 ha em um período de 30 anos. Os gastos necessários para a recuperação da floresta podem ser estimados com base em um projeto de recuperação específico. Porém, no caso desse trabalho, será considerado apenas um valor de referência, provavelmente otimista, como se toda a área desmatada de Mata Atlântica estivesse em condições ideais para receber o plantio de mudas, sem considerar a aquisição de terra e sem entrar no mérito das características físicas, químicas, de relevo e de solo, que demandariam projetos específicos. O custo de reflorestamento poderia estar na faixa de US$ 1.000 a U$ 2.000 por hectare (cerca de R$ 3.000,00 a R$6.000 na taxa R$3,00/U$), incluindo o preço das mudas, plantio e tratos culturais. Conclui-se, que ao final de 30 anos haveria uma área plantada de 56.000 ha (560 km2), com estoque líquido de cerca de 4,0 Mt CO2, a um custo equivalente entre 56 a 112 milhões de dólares, considerando os valores atuais, sem aplicar nenhuma taxa de desconto para valores presentes, o que significaria um custo de abatimento de U$ 13,97 a U$ 27,94 por tonelada adicional de CO2 estocado. Plantio de Eucalipto e a Produção de Carvão Vegetal (CV) Para a região Sudeste do Brasil é razoável considerar a formação de florestas de Eucalipto com o plantio de cerca de 1.660 árvores por hectare, com espaçamento médio entre as mudas de 3 x 2 metros, uma perda média de 300 árvores por hectare no primeiro ano e um ciclo de corte de 7 anos (Simões, 1989; Pinaud, 1997; Couto & Dubé, 2001). Neste trabalho, foi adotado o valor de 25 t CV por ha de Eucalipto colhido (7, 14 e 21 anos), correspondendo a uma produção de cerca de 3,5 t/ha/ano de carvão vegetal, o que corresponde à faixa de produtividade citada por MEDEIROS (1993). A análise das emissões evitadas pelo uso de carvão vegetal em substituição aos combustíveis fósseis selecionados foi realizada a partir da produção de carvão vegetal oriunda do plantio de Eucalipto em 28.000 hectares (280 Km2). Essa área seria totalmente plantada em 251 9 anos, ou seja, a cada ano seria plantada uma área de cerca de 3.100 hectares. A colheita ocorreria até 30 anos após o plantio inicial (ano 30), com três cortes rasos no ano 7, ano 14 e ano 21 e o replantio da área que já teria sofrido os três cortes, dentro dos 30 anos previstos para análise. Assim, desses replantios somente seriam incluídas nos cálculos as colheitas do primeiro corte, haja vista esse primeiro corte ocorrer nos anos 28, 29 e 30. A partir desses dados foi estimada a emissão evitada pelo uso do carvão vegetal em substituição ao óleo combustível, ao gás natural e ao carvão mineral na geração de calor industrial e geração elétrica. A substituição do coque para uso siderúrgico também é analisada. Considerando-se a produtividade de 25 toneladas de carvão vegetal por hectare de Eucalipto colhido e o poder calorífico inferior do carvão vegetal de 6460 k cal/kg ou 27,06 MJ/kg, pode-se calcular a energia fornecida pelo carvão vegetal obtido do plantio de um hectare de Eucalipto como igual a 677 GJ/ha. Os fatores de emissão líquida de dióxido de carbono (CO2) liberados pelo uso da energia dos combustíveis fósseis selecionados, extraídos do MCT (1999), são: o óleo combustível cerca de 77,4 kg CO2/GJ, gás natural 56,2 kg CO2/GJ e Carvão mineral e coque de carvão mineral cerca de 108,3 kg CO2/GJ A emissão líquida de CO2 do carvão vegetal é igual a zero, pois se considerou que todo o carbono emitido durante o uso do carvão vegetal é assimilado durante o crescimento da floresta energética. A Tabela 1 apresenta a emissão evitada pela utilização de carvão vegetal produzido por hectare de Eucalipto colhido, em substituição aos combustíveis fósseis selecionados e a emissão evitada pela implantação do projeto em 30 anos (plantio de 28.000 ha de Eucalipto) . Tabela 1 - Emissão evitada pela utilização de carvão vegetal produzido por hectare de Eucalipto 3URFHVVR &RPEXVWtYHO Óleo combustível 1 Geração de calor 1 Geração elétrica 2 1RWDV 1 2 Gás natural 1 Carvão mineral 1 Coque 1 Óleo combustível 2 Gás natural 2 Carvão mineral 2 )DWRUGH (QHUJLD (PLVV}HV HPLVVmR IRUQHFLGDSHOR HYLWDGDVSRU NJ&2 FDUYmRYHJHWDO KHFWDUHGH *- SRUKHFWDUHGH (XFDOLSWR (XFDOLSWR FROKLGR *-KD W&2 (PLVV}HV HYLWDGDV HP DQRVGR SURMHWR 0W&2 77,4 677 52 4,69 56,2 108,3 108,3 77,4 56,2 108,3 677 677 677 677 677 677 38 73 73 60 30 73 3,43 6,59 6,59 5,41 2,71 6,59 Assumindo-se que o carvão vegetal substitui o óleo combustível, o gás natural, o carvão mineral e o coque na proporção de 1J para 1 J. Assumindo-se uma eficiência de 1ª Lei de 40% para carvão vegetal e carvão mineral, de 35% para óleo combustível e 50% para gás natural. 252 Assumindo-se que na geração de calor o carvão vegetal substitui o óleo combustível, o gás natural, o carvão mineral e o coque na proporção de 1J para 1 J e uma eficiência para geração elétrica de 40% para carvão vegetal e carvão mineral, de 35% para óleo combustível e 50% para gás natural e considerando-se os fatores de emissão líquida de CO2, o poder calorífico, os coeficientes de equivalência e o preço dos combustíveis selecionados, é possível calcular o custo de abatimento para cada alternativa de substituição de combustíveis fósseis, seja para a geração de calor industrial seja para geração elétrica. O custo da emissão evitada de CO2 por substituição de combustíveis fósseis pelo carvão vegetal varia de um valor negativo correspondente a cerca de trinta dólares por tonelada de CO2 evitada (- U$30/t CO2), quando considera-se a opção de substituir o óleo combustível por carvão vegetal na geração de calor ou elétrica, a um valor positivo em torno de U$ 10/t CO2 evitado, para o caso de substituição de carvão mineral e coque por carvão vegetal na geração de calor e na opção de substituir carvão mineral por carvão vegetal na geração elétrica. No caso de substituição de gás natural por carvão vegetal, os custos de abatimento ficaram em torno de U$1/t CO2 positivo. Os custos negativos podem ser interpretados como uma escolha sem possibilidade de arrependimento (no regrets). Já os custos positivos estão associados a investimentos adicionais necessários para se evitar a emissão. Nas opções de substituição de combustíveis fósseis não se considerou o custo das mudanças tecnológicas necessárias para substituição dos combustíveis fósseis por carvão vegetal. A substituição é avaliada com base somente na substituição de energéticos, considerando-se que a tecnologia de geração continue a mesma. Também não foram considerados os valores presentes líquidos desses custos de abatimento. Essas considerações tenderiam a aumentar os custos apresentados. Por outro lado, a adoção de mecanismos para viabilizar a implementação de programas de redução de gases de efeito estufa, como mecanismos institucionais (preços mínimos, legislação ambiental) fiscais (isenção de impostos) ou financeiros (linhas de financiamentos diferenciadas), poderia beneficiar projetos de aproveitamento da biomassa, tornando mais competitivas as opções apresentadas. Plantio de espécies oleaginosas visando produção de biodiesel Várias são as espécies vegetais oleaginosas passíveis de produzir óleo visando à produção de biodiesel. Neste trabalho optou-se pelo uso de três espécies vegetais: a soja, a mamona e o dendê para representar o potencial de emissões de CO2 evitadas e seu custo por tonelada de dióxido de carbono evitado. Sabendo que a área disponível para o plantio de oleaginosas visando a produção de biodiesel é de vinte e oito mil hectares (28.000 ha) e que a duração do projeto é de trinta anos (30 anos), definiu-se que o plantio se daria em nove anos (9 anos) para cobrir toda a área estipulada. No caso da soja e da mamona seus ciclos são anuais, e no caso do dendê o seu ciclo é perene. Portanto, o plantio da soja e da mamona se dá em nove parcelas, uma a cada ano e por se tratar de uma planta de ciclo curto (anual) cada parcela é replantada, a cada ano, a partir de sua primeira produção. De forma conservadora, foi considerado que a parcela plantada em um determinado ano será colhida no ano seguinte, e a partir daí produzido o óleo. 253 A estimativa de produção de óleo pelo plantio de soja ao longo de trinta anos, no Estado do Rio de Janeiro é de 244.999.913 litros, essa produção de óleo de soja é resultado de uma consideração conservadora em que cada hectare produz em média, por ano, 350 litros de óleo. Quanto à estimativa da quantidade da produção em óleo da mamona, pelo mesmo período de trinta anos, no Estado do Rio de Janeiro, a produção é estimada em 489.999.825 litros/ha. Este resultado deriva de uma consideração conservadora onde o intervalo de produção varia de 409 a 1066 litros por hectare e é assumindo uma média produtiva de 700 litros/ha. O dendezeiro, diferente da soja e da mamona, é uma planta de ciclo longo, ou perene, com um ciclo de vida separado em três etapas bem demarcadas: os sete primeiros anos para o seu amadurecimento, iniciando a produção do fruto (dendê); vinte (20) anos de produção do fruto; e a partir daí podendo ser considerado uma fonte de fixação de carbono. No entanto, o cálculo da fixação de carbono do dendezeiro não foi desenvolvido neste estudo pela falta de informações disponíveis para estimar o estoque de carbono na biomassa do dendê. Assim, apresenta-se aqui apenas a forma e a quantidade de sua produção dentro do projeto de trinta anos. Na distribuição do plantio e produção do dendê ao longo das nove parcelas, uma a cada ano, durante trinta anos, têm-se que a partir do plantio da parcela 4 (ano 4), o tempo do projeto não é suficiente para aproveitar a produção das demais parcelas. Esta configuração de plantio em nove parcelas, uma a cada ano, foi uma opção conservadora tencionando concordar com os plantios das outras espécies citadas. Tal estudo não invalida outras configurações em tempos e parcelas diferentes que tencionem aproveitar a produção total dentro do prazo de trinta anos A quantidade de produção de óleo de dendê é de 1.567.999.440 de litros por hectare em trinta anos, considerando que a cultura do dendê produz 3000 litros de óleo vegetal por hectare a partir do sétimo ano. Para saber as emissões evitadas por hectare de cultivo de oleaginosas para a obtenção de biodiesel, multiplica-se o fator de emissão evitada de cada tipo de biodiesel pelo fator de produção de cada óleo vegetal por hectare e, em seguida, pelo fator de rendimento da conversão química. Como a produção de biodiesel pode ser tanto etílica, de origem renovável (cana-deaçúcar), quanto metílica, de origem fóssil (gás metano), então o cálculo das emissões evitadas foi feito para cada tipo de biodiesel (metílico e etílico) e para cada espécie. Uma vez obtidos os dados referentes às emissões evitadas por hectare (Kg CO2/ha), passa-se a analisar a quantidade de emissão evitada em um programa de plantio para cada oleaginosa (soja, mamona e dendê) voltada para a produção de óleo, para a produção de biodiesel em um projeto de 30 anos. A Tabela 2 apresenta os valores estimados de emissão evitada pelo uso do biodiesel em substituição ao diesel e o custo de abatimento para cada tipo de biodiesel utilizado. Para estimar o custo de abatimento considerou-se o preço de produção de cada tipo de biodiesel produzido (Investimento + matéria-prima + reagente), o preço do diesel e a equivalência energética entre o diesel e o biodiesel. 254 Tabela 2 Emissão evitada pelo uso do biodiesel em substituição ao diesel e custo de abatimento por tonelada de emissão evitada. 7LSRGH (PLVVmRHYLWDGDHP &XVWRGHDEDWLPHQWRSRUFDGD 7LSRGH WLSRGHROHDJLQRVD ELRGLHVHO ROHDJLQRVD SURGX]LGR DQRVGHSURMHWR W&2 86W&2 5W&2 6RMD Metílico 556.150 183,70 61,23 Etílico 617.400 169,45 56,48 0DPRQD Metílico 1.112.300 55,95 18,65 Etílico 1.234.800 54,36 18,12 'HQGr Metílico 3.559.359 11,89 3,96 Etílico 3.951.359 14,68 4,89 * Nota: Taxa de câmbio utilizada: 1 US$ = R$ 3,00. Aproveitamento energético de lixo No caso do Estado do Rio de Janeiro, a produção de lixo urbano foi de 17.447 toneladas diárias no ano 2000, sendo 35% composto por papéis, plásticos, vidros e metais, enquanto que a outra parcela tem mais de 90% de restos orgânicos. Foram considerados os potenciais do Estado do Rio de Janeiro de gerar energia com resíduos no ano 2000. Nestes casos, as potências instaladas atingem cerca de 216 MW, com a tecnologia GDL (gás de lixo), de 324 MW com a tecnologia de digestão acelerada, de 395 MW com a tecnologia B.E.M. e de 698 MW com a tecnologia de incineração. Utilizando o fator de capacidade de 80% e aplicados os valores da Tabela 3, este aproveitamento energético do lixo permitiria compensar as emissões anuais de gases do efeito estufa, traduzidos em dióxido de carbono equivalente, de 8,9Mt CO2 Eq para o GDL, 9,2Mt CO2 Eq para a DRANCO, 3,1Mt CO2 Eq para a B.E.M. e 9,5Mt CO2 Eq para a Incineração. Tabela 3 - Emissões evitadas por cada tecnologia * *'/ ,QFLQHUDomR 'UDQFR %(0 t lixo/ MWh 4,2 1,3 2,8 2,3 Emissão evitada pelo consumo do lixo (t CO2 eq/MWh) 5,41 1,50 3,61 0,67 Emissão evitada pela substituição do gás natural (t CO2/MWh) 0,449 0,449 0,449 0,449 (PLVVmRHYLWDGDW&20:K7RWDO 5,87 1,95 4,06 1,12 *Nota: só 20% da matéria-prima é transformada em celulignina O total de emissões evitadas durante os trinta anos do projeto seriam de 257Mt CO2 Eq para o GDL, 267Mt CO2 Eq para a DRANCO, 276Mt CO2 Eq para a Incineração e 90Mt CO2 Eq para a BEM. Os custos de abatimento são apresentados na Tabela 5. 255 Tabela 5 - Custos de Abatimento 7HFQRORJLD &XVWRGHDEDWLPHQWR 86W&2(T (PLVVmRHYLWDGDWRWDOHP DQRVW&2(T *'/ 0.52 267.007.642 '5$1&2 0.59 277.014.743 ,1&,1(5$d2 0.15 286.566.975 %(0 -13,23 90.973.642 As três tecnologias já consolidadas em nível internacional (GDL, Dranco e incineração) contam com custos de abatimento inferiores a US$ 0,60 por tonelada de dióxido de carbono equivalente, além de terem potencial para evitar mais de 260 Mt CO2 Eq durante os trinta anos de vida útil dos empreendimentos. A tecnologia BEM., ainda em fase de testes, sinaliza para a possibilidade de apresentar um custo de abatimento negativo e seu potencial de evitar emissões é da ordem de 90 Mt CO2 Eq nos trinta anos do empreendimento Conclusões As emissões das novas UTEs (implantação, reforma e ampliação), poderão alcançar um faixa entre 15 a 30 MtCO2 eq./ano quando se incluem as emissões fugitivas do uso do gás natural e considerando a operação de todas as novas UTEs com o mínimo ou máximo fator de capacidade adotado (respectivamente 30% e 80%). Na Tabela 6, é apresentada a potencialidade de mitigação de CO2 das alternativas propostas. Conforme apresentado na Tabela 6, várias são as oportunidades que se colocam para o Estado do Rio de Janeiro liderar o Brasil na proposição de alternativas técnicas e economicamente viáveis de mitigação do dióxido de carbono emitido por usinas termelétricas no Estado do Rio de Janeiro, desde o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica para estocar carbono, como o plantio de florestas energéticas para a produção de combustíveis como o carvão vegetal e o biodiesel em substituição a combustíveis fósseis convencionais, com destaque para o aproveitamento energético de lixo. Todas estas alternativas pode contribuir com inúmeros benefícios ecológicos e sociais paralelos. 256 Tabela 6 - Potencial de mitigação de CO2 em alternativas de projeto e custo de abatimento $OWHUQDWLYD 0W&2 &XVWRGH (THP DEDWLPHQWR86W DQRV &2 (T 5HIORUHVWDPHQWR.P ÏOHR &DORU OD FRPEXVWtYHO (OpWULFD WH JH P &DUYmR &DORU 9 PLQHUDO R . (OpWULFD mY *iVQDWXUDO &DORU UD (OpWULFD & &RTXH &DORU 6RMD 0HWtOLFR (WtOLFR 0HWtOLFR OH P 0DPRQD (WtOLFR VHL . GR 0HWtOLFR 'HQGr L% (WtOLFR *'/ 'UDQFR R ,QFLQHUDomR [L / %(0 4,0* 4,7 5,4 6,6 6,6 3,4 2,7 6,6 0,5 0,6 1,1 1,2 3,6 4,0 267 277 286 90 13,97 a 27,94 -33,18 -36,26 9,82 9,82 0,73 9,22 -9,84 61,23 56,48 18,65 18,12 3,96 4,89 0,52 0,59 0,15 -13,23 *Refere-se ao estoque líquido de carbono. É necessário, portanto, realizar uma análise das peculiaridades de uso do solo das regiões do estado. Com isto, é possível verificar que a região metropolitana congrega a indisponibilidade de áreas para plantio de oleaginosas e para plantio florestal, à grande geração de resíduos, ressalta a oportunidade dos insumos residuais, seja para a produção de biodiesel como para o aproveitamento energético de lixo. Já as regiões norte e o noroeste do estado devem privilegiar o cultivo, uma vez que existem áreas ociosas e pouca geração de resíduos. BIBLIOGRAFIA COUTO, L.; DUBÉ, F. 2001. The Status and Practice of Forestry in Brasil at the Beginning of the 21 A review. The Forestry Chronicle 77(5): 817 830. st century: LA ROVERE, E. (Coordenador), 2000. Inventário de Gases de Efeito Estufa da Cidade do Rio de Janeiro.Prefeitura do Município do Rio de Janeiro. MCT, 1999. Comunicação Nacional. In Convenção sobre a Mudança do Clima. www.mct.gov.br/clima/comunic/ MEDEIROS, J. X. 1993. Suprimento energético de carvão vegetal no Brasil: Aspectos técnicos, econômicos e ambientais. Anais do VI Congresso Brasileiro de Energia. Vol I, pp 107-12. Rio de Janeiro. PINAUD, R. Z. 1997. Avaliação do Potencial Brasileiro de Florestas Plantadas na Redução da Concentração do Carbono Atmosférico: O caso do Pólo Guseiro de Grande Carajás. Tese Mestrado. PPE/ COPPE/UFRJ. SIMÕES, J. W. 1989. Reflorestamento e Manejo de Florestas Implantadas. Documentos Florestais n. 4: 1-29 SOS Mata Atlântica/INPE, 2001. Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica no período 1995 2000. SOS Mata Atlântica/INPE/ISA, 1998. Atlas da evolução dos Remanescentes Florestais e ecossistemas associados da Mata Atlântica no período 1990 1995. 257 TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA, NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E O SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO Maria Silvia Muylaert* Christiano Pires de Campos* Luiz Pinguelli Rosa* RESUMO O presente trabalho visa discutir o tema da transferência de tecnologia (TT) no âmbito das negociações internacionais sobre mudanças climáticas. São abordados os aspectos positivos (aporte de recursos para países em desenvolvimento) assim como os negativos (favorecimento de interesses de grupos internacionais específicos) que dizem respeito ao desenvolvimento de tecnologia nacional, presentes nos documentos dos acordos internacionais sobre mudança do clima. O estudo se refere ao desenvolvimento de produtos ou processos no setor elétrico brasileiro de modo a ilustrar o quanto a TT pode ser um tema polêmico no que diz respeito ao comércio internacional. 1 INTRODUÇÃO A Transferência de Tecnologia (TT) envolve aspectos complexos, até mesmo no que diz respeito à própria definição de tecnologia e no que diz respeito ao que se considera transferência da mesma. O termo transferência abrange todos os processos e etapas envolvidos na difusão de tecnologias, principalmente o desenvolvimento da capacidade local para a replicação e adaptação da tecnologia. O termo tecnologia1 tem aqui um sentido muito amplo: refere-se a técnicas, métodos, procedimentos, ferramentas, equipamentos, processos e instalação que podem ser aplicados na obtenção de um resultado desejado. *([email protected]); ([email protected]); ([email protected]) 1 Definição retirada da página do Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia, www.critt.ufjf.br. 258 Em geral, projetos que contemplam Transferência de Tecnologia são invariavelmente muito mais caros, dificultando o processo de planejamento e viabilidade do processo, podendo, até mesmo, invalidá-lo. Pode-se levantar inúmeras questões relativas à transferência de tecnologia no contexto da discussão sobre as Mudanças Climáticas e o setor elétrico, tais como a especificação e o tipo de Transferência de Tecnologia a ser aceita, os instrumentos para assegurar que os projetos MDL realmente incorporem a TT e como garantir que a TT seja realmente efetiva. É importante destacar que em todas as atividades que incluam a Transferência de Tecnologia, existe uma transferência de cultura. A compreensão de tecnologias em nível é fundamental para que sejam previstos problemas tais como os relativos à resistência para que novas tecnologias sejam incorporadas. 2 Transferência de Tecnologia, Acordos Internacionais sobre mudanças climáticas e o setor elétrico. A Conferência das Partes, COP5, através da Decisão 9/CP.52, convida as Partes não incluídas no Anexo I da Convenção, que ainda não o fizeram, a relatar, nas suas comunicações nacionais, suas necessidades tecnológicas, na medida do possível. Tanto o Protocolo de Quioto quanto a Convenção do Clima utilizam a expressão Tecnologias Ambientalmente Saudáveis3 e tratam a Transferência de Tecnologia como sendo uma das ferramentas contra o aquecimento global. É importante destacar que os mecanismos do Protocolo podem ter um importante papel no desenvolvimento da TT, tais como o MDL. De acordo com a Agenda 21, há uma necessidade para acesso favorável para Transferência de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis4, em particular para Países em Desenvolvimento através de medidas que suportem e promovam a cooperação tecnológica e que assegure a transferência necessária de know-how tanto quanto aprimoramento da economia, técnica e capacidades gerenciais para o uso eficiente e para futuro desenvolvimento da tecnologia transferida 5. 2.1 Tecnologias Ambientalmente Saudáveis Tecnologias Ambientalmente Saudáveis são tecnologias que procuram minimizar os seus impactos ambientais. Também pode ser definido, segundo a Agenda 21, como: não apenas tecnologias individuais, mas um sistema que inclui o know-how, procedimentos e serviços, equipamentos e procedimentos institucionais e gerenciais. Isto implica que, na discussão da Transferência de Tecnologia, o desenvolvimento de recursos humanos e os aspectos relativos à construção de capacidade local também devem ser considerados. Tecnologias ambientalmente saudáveis deverão ser compatíveis com as prioridades nacionais socioeconômicas, culturais e ambientais 6. 2 Decisão 9/CP.5 - Desenvolvimento e transferência de tecnologias: situação do processo consultivo 3 Tradução adotado pelo MCT e MRE para Environmental Sound Technologies do Convenção do Clima. 4 EST Environmental Sound Technologies. Parágrafos 34.1,34.2, 34.3 e 34.4, Agenda 21. 5 Parágrafos 34.1,34.2, 34.3 e 34.4, Agenda 21. 6 259 2.2 Convenção do Clima Diversas etapas da Transferência de Tecnologia (TT) são tratadas na Convenção do Clima, entre elas a promoção, cooperação, aplicação, difusão, treinamento, custeio, financiamento, propriedade da tecnologia, etc. Entre as obrigações previstas pelo Artigo 4, destaca-se claramente que todas as Partes (Países Desenvolvidos, Países em Transição para uma Economia de Mercado e Países em Desenvolvimento) devem promover e cooperar para o desenvolvimento, aplicação e difusão, inclusive transferência, de tecnologias, práticas e processos que controlem, reduzam ou previnam as emissões antrópicas de GEE.7 Os Países Desenvolvidos devem adotar todas as medidas possíveis para promover, facilitar, e financiar, conforme o caso, a Transferência de Tecnologias e de conhecimentos técnicos ambientalmente seguros, ou o acesso aos mesmos, a outras partes, particularmente às Partes Países em Desenvolvimento.8 Conforme podemos observar, a Convenção do Clima reforça a importância dos países desenvolvidos no que se refere ao seu papel de promotor de um processo de TT aos demais países. A seguir, serão abordados alguns dos principais aspectos tratados na Convenção do Clima com respeito ao tema. 2.2.1 Recursos Financeiros A baixa taxa de desenvolvimento econômico dos Países em Desenvolvimento comprometem a viabilidade dos fundos com os quais as tecnologias são adquiridas. As Partes devem levar plenamente em conta as necessidades específicas e a situação especial dos países de menor desenvolvimento relativo em suas medidas relativas a financiamentos e Transferência de Tecnologia.9 Segundo o parágrafo 7, Artigo 4, o grau de cumprimento dos compromissos assumidos pelos Países em Desenvolvimento dependerá do grau de cumprimento dos Países Desenvolvidos, no que se refere a recursos financeiros e Transferência de Tecnologia, e levará plenamente em conta o fato de que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação da pobreza são prioridades primordiais e absolutas dos Países em Desenvolvimento. O parágrafo 8, do Artigo 4, diz que as Partes devem examinar plenamente que medidas são necessárias (...) relacionadas a financiamento, seguro e Transferência de Tecnologias, para atender necessidades e preocupações dos Países em Desenvolvimento resultantes dos efeitos negativos da mudança do clima e/ou do impacto da implementação de medidas de resposta, em especial: v nos pequenos países insulares; v nos países com zonas costeiras de baixa altitude; v nos países com regiões áridas e semi-áridas, áreas de florestas e áreas sujeitas à degradação de florestas; v nos países com regiões propensas a desastres naturais; v nos países com regiões sujeitas à seca e desertificação; Parágrafo 1.c, Artigo 4, Convenção do Clima. 7 Parágrafo 5, Artigo 4, Convenção do Clima. 8 Parágrafo 9, Artigo 4, Convenção do Clima. 9 260 v nos países com regiões de alta poluição atmosférica urbana; v nos países com regiões de ecossistemas frágeis, inclusive ecossistemas montanhosos; v nos países cujas economias dependem fortemente da renda gerada pela produção, processamento, exportação e/ou consumo de combustíveis fósseis e de produtos afins com elevado coeficiente energético; e v nos países mediterrâneos e países de trânsito. O Brasil enquadra-se em mais da metade destas classes especiais. No contexto do atual programa emergencial brasileiro não existe prioridade no que se refere ao tema das mudanças climáticas. Em caso de implementação de algum programa à luz do MDL, deve ser dada preferência à instalação de UTEs a gás natural em lugar do uso de carvão mineral ou xisto como combustível. Isto porque, além de motivos ambientais locais, o gás natural é o menor emissor de GEE dentre as fontes citadas. No parágrafo 1, Artigo 11, definiu-se um mecanismo para provisão de recursos financeiros a título de doação ou em base de concessão para fins de Transferência de Tecnologia. Além disto, os Países Desenvolvidos devem prover os recursos financeiros, inclusive para fins de Transferência de Tecnologias, de que necessitem os Países em Desenvolvimento para cobrir integralmente os custos adicionais no cumprimento de suas obrigações previstas.10 O termo custo adicional é obscuro. Ainda assim, percebe-se que as Partes do Anexo I assumem certa responsabilidade no financiamento da Transferência de Tecnologia para Países em Desenvolvimento. 2.2.2 Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico - SBSTA O Artigo 9 estabelece o Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico (SBSTA 11), o qual fica encarregado de assessoramento científico e tecnológico à Conferência das Partes. Este órgão deve identificar tecnologias e conhecimentos técnicos inovadores, eficientes e mais avançados, bem como prestar assessoramento sobre as formas e meios de promover o desenvolvimento e/ou a transferência dessas tecnologias.12 Além disto, o SBSTA deve prestar assessoria sobre programas científicos e cooperação internacional em pesquisa e desenvolvimento, relativos à mudança do clima, bem como sobre formas e meios de apoiar a capacitação endógena em Países em Desenvolvimento13. É importante a participação de representantes brasileiros em cooperação direta com o SBSTA para assessoramento sob tecnologia no setor elétrico. 10 Parágrafo 3, Artigo 4, Convenção do Clima. 11 SUBSIDIARY BODY FOR SCIENTIFIC AND TECHNOLOGICAL ADVICE. 12 Parágrafo 2.c, Artigo 9, Convenção do Clima. 13 Parágrafo 2.d, Artigo 9, Idem. 261 2.2.3 Tipo da Tecnologia Uma outra questão importante apontada na Convenção do Clima é a recomendação aos Países em Desenvolvimento em se manifestar no sentido de adquirir financiamento para novas tecnologias: os Países em Desenvolvimento podem, voluntariamente, propor projetos para financiamento, inclusive especificando tecnologias, materiais, equipamentos, técnicas ou práticas necessárias à execução desses projetos14, juntamente, se possível, com estimativa de todos os custos adicionais, de reduções de emissões e aumento de remoções de gases de efeito estufa, bem como estimativas dos benefícios resultantes.15 É importante que haja iniciativa por parte dos Países em Desenvolvimento, ou seja, que não haja passividade neste sentido, pois a formulação de novos projetos em Países em Desenvolvimento não virá sem a participação expressiva destes países. Para tal fim, certas medidas precisam ser tomadas, tais como estudos de viabilidade e projetos pilotos para o desenvolvimento da capacidade local; requerimentos de habilidade, construção de capacidade e infra-estrutura tecnológica; prazo a ser executado; custos e suporte financeiro para todo ciclo de vida da tecnologia; mecanismos de financiamento, incluindo considerações de propriedade intelectual, entre outros. 2.3 Protocolo de Quioto O Protocolo de Quioto destaca em muitos trechos a importância da Transferência de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis (Environmental Sound Tecnhologies). A TT é considerada um instrumento efetivo para o Protocolo, com ferramentas previstas especificamente para este fim, como um mecanismo de financiamento para a promoção, facilitação e difusão de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis. O SBSTA convidou as Partes da Convenção para a submissão de suas propostas e sobre como as questões listadas no anexo da decisão 4 da COP 4 deveriam ser enviadas para a formulação de documento sobre o tema. A Transferência de Tecnologia no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo deverá ser adicional às obrigações dos Países Industrializados, respeitando as medidas que a Convenção prevê para a TT. (SBSTA 1, 2000) Cada Parte incluída no Anexo I, deve implementar e/ou aprimorar a pesquisa, promoção e desenvolvimento de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis.16 As Partes do Anexo I devem amenizar os efeitos adversos, tanto sociais como ambientais e econômicos, sobre as Partes Países em Desenvolvimento. A primeira seção da Conferência das Partes deve considerar que ações se fazem necessárias para minimizar os efeitos adversos da mudança do clima e/ou os impactos de medidas de resposta sobre as Partes mencionadas nesses parágrafos. Entre as questões a serem consideradas devem estar a obtenção de fundos, seguro e Transferência de Tecnologia.17 Grifo dos autores. 14 15 Parágrafo 4, Artigo 12, Convenção do Clima. 16 Parágrafo 1.a.iv, Artigo 2, Protocolo de Quioto. 17 Parágrafo 14, Artigo 3, Idem. 262 2.3.1 Tecnologias Públicas & Privadas Todas as Partes, sem a introdução de qualquer novo compromisso para as Partes não incluídas no Anexo I, devem cooperar na promoção de modalidades efetivas para promover, facilitar e financiar, conforme o caso, a transferência ou o acesso a tecnologias, know-how, práticas e processos ambientalmente seguros relativos à mudança do clima, em particular para os Países em Desenvolvimento, incluindo a formulação de políticas e programas para a transferência efetiva de tecnologias ambientalmente saudáveis que sejam de propriedade pública ou de domínio público18 e a criação, no setor privado, de um ambiente propício para promover e melhorar a Transferência de Tecnologias ambientalmente saudáveis e o acesso a elas.19 Como um primeiro passo para possibilitar o acesso a tecnologias públicas a serem transferidas para Países em Desenvolvimento, os Países Industrializados devem prover uma lista de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis, e o know-how relacionado à adaptação e à mitigação da mudança do clima, que são de domínio público. É difícil definir o termo tecnologias públicas. Mesmo tecnologias de domínio público e.g. aquecimento solar para água, precisam de um veículo comercial para o desenvolvimento, comercialização e difusão. Segundo o relatório da China para a SBSTA, uma certa parte das tecnologias são sustentadas ou possuídas pelos governos dos Países Industrializados e suas instituições públicas. Tais tecnologias também incluem aquelas que são fruto de pesquisas públicas e atividades afins desenvolvidas. Cabe observar que o relatório chama atenção para o fato de que os governos da OECD possuem as categorias importantes de tecnologia. (SBSTA 1, 2000) Ainda de acordo com a China, a transferência de tecnologias privadas, em comparação com a tecnologia pública apresente menos barreiras e, a principal e dominante barreira, é a falta de esforço político dos Países Industrializados para honrar seus compromissos da Convenção. (SBSTA 1, 2000) Entretanto, muitas Tecnologias Ambientalmente Saudáveis são dominadas pelo setor privado dos Países Desenvolvidos. Logo, estes têm um papel proeminente na TT. A falta de fundos para a maioria das indústrias locais para aquisição de tecnologias limpas e modernas continua sendo a maior barreira à TT. Neste sentido, o governo brasileiro precisa criar um ambiente propício para receber estas tecnologias incentivando o desenvolvimento da transferência e difusão de tecnologias limpas. Segundo o relatório desenvolvido pelo Quênia sobre TT para o SBSTA, existem diversas barreiras que atrapalham a participação do setor privado na Transferência de Tecnologia. Entre elas destacamos: v medo de reações de mercado; v novas tecnologias necessitam de grandes investimentos quando comparadas àquelas que já estão sedimentadas, impondo uma desvantagem para aqueles que adquiram novas tecnologias; v falta de políticas claras ou, em alguns casos, multiciplidade destas, com áreas que se confundem. 18 Grifo dos autores. 19 Item c, Artigo 10, Protocolo de Quioto. 263 Uma outra questão importante de ser ressaltada é o papel do setor privado no que se refere a incentivos à TT. Este setor precisa de incentivos sem restrições por parte dos governos dos Países Desenvolvidos para assegurar que suas tecnologias sejam transferidas para Países em Desenvolvimento, tais como20: v Criação e aprimoramento dos Países Desenvolvidos, tanto quanto outros países, de incentivos apropriados, fiscais e outros para estimular a transferência por tecnologias, em particular para Países em Desenvolvimento; v Aprimoramento do acesso e transferência de patentes protegidas de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis, em particular para Países em Desenvolvimento; v Compra de patentes e licenças nos termos comerciais para sua transferência para Países em Desenvolvimento em termos não comerciais como parte da cooperação para o desenvolvimento sustentável, incluindo a necessidade dos direitos da propriedade intelectual; v Provisão de recursos financeiros para a aquisição de tecnologias ambientalmente saudáveis para assegurar particularmente aos Países em Desenvolvimento a implementação de medidas que promovam o desenvolvimento sustentável. Segundo a Agenda 21, projetos do tipo Joint Ventures deverão ser promovidos entre os fornecedores e os receptadores de tecnologias, levando em consideração os objetivos e prioridades políticas dos Países em Desenvolvimento. Junto com investimentos estrangeiros diretos, estes projetos poderão constituir um importante canal de Transferência de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis. No que se refere ao setor elétrico brasileiro cabe estudar esta afirmação mais detalhadamente. 2.3.2 Construção de capacidade21 A construção de capacidade deverá ser o primeiro passo para o processo de TT. Ela representa um requisito para o sucesso das atividades da TT. A construção de capacidade para Países em Desenvolvimento deverá passar por todo processo da Transferência de Tecnologia, a qual inclui a necessidade tecnológica, treinamento de pessoas, aprendendo e entendendo a fundamentação da tecnologia e o know-how, alternativa tecnológica, projeto, instalação, operação e produção dos equipamentos, etc. A construção de capacidade é uma medida com retorno a longo termo, a qual deve ser iniciada agora. É dever de todas as Partes cooperar e promover em nível internacional a elaboração e a execução de programas de educação e treinamento, incluindo o fortalecimento da capacitação nacional, em particular a capacitação humana e institucional e o intercâmbio ou cessão de pessoal para treinar especialistas nessas áreas, em particular para os Países em Desenvolvimento, e facilitar em nível nacional a conscientização pública e o acesso público a informações sobre a mudança do clima.22 20 Capítulo 34 da Agenda 21, parágrafo 34.18. Capacity Building, termo usado na Convenção e no Protocolo de Quioto. 21 22 Item e, Artigo 10, Protocolo de Quioto. 264 O treinamento e sensibilização de funcionários do setor público (meio ambiente, indústria, comércio, etc.) para a metodologia de Transferência de Tecnologia são necessários assim como o fomento e o treinamento técnico do setor privado, antes que estes procurem por novas tecnologias. A construção de capacidade deverá inicialmente enfocar setores industriais específicos com necessidades específicas para a mudança de suas tecnologias para Tecnologias Ambientalmente Saudáveis. Entre os indicadores que promovam a construção de capacidade, destacam-se: programas formais de treinamento; execução de programas em Pesquisa e Desenvolvimento; habilitação de projetos pilotos e demonstração de programas que utilizem as capacidades locais; desenvolvimento de infra-estrutura local, incluindo capacidade acadêmica e de Pesquisa e Desenvolvimento. 2.3.3 Relatório do IPCC sobre Transferência de Tecnologia A decisão 3/CP.323 solicitou ao SBSTA que iniciasse um processo de identificação e determinação de ações necessárias para suprir as necessidades específicas das Partes Países em Desenvolvimento, devendo incluir ações relacionadas com a obtenção de fundos, seguro e Transferência de Tecnologia. O mais recente trabalho do IPCC, de junho de 2000, é o relatório Methodological and Technological Issues in Technology Transfer, onde existe um estudo que contempla todo o processo de TT, desde barreiras à TT, análises setoriais para a TT e inúmeros estudos de casos por todo mundo. Este relatório é um documento base de pesquisa para todos os setores interessados na Transferência de Tecnologia. Recomenda-se que este sirva de parâmetro para adequar o setor elétrico brasileiro em programas que envolvam o tema das mudanças climáticas. 2.4 Transferência de Tecnologia no Brasil Segundo o relatório da China para o IPCC, informações de tecnologias novas estão disponíveis em alguns países, porém o acesso a tais informações é difícil. Também ressaltam que, internacionalmente deverá configurar-se um Painel Intergovernamental para a Transferência de Tecnologia. Além disto, deverá ser estabelecido um fundo específico para a TT. As fontes poderão ser os países industrializados do Anexo I, organizações internacionais, bancos de desenvolvimento, etc. (China, SBSTA 1, 2000) Um arranjo institucional nacional é necessário para monitorar o progresso da Transferência de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis e o seu know-how. Será necessário estabelecer um comitê que assegure a Transferência de Tecnologia gradualmente. Por meio deste, os Países não-Anexo I irão identificar suas necessidades tecnológicas e vinculá-las aos seus programas prioritários, expondo suas dificuldades financeiras e tecnológicas. Tal tipo de informação deverá ser relatada a Conferência das Partes, se necessário. (China, SBSTA 1, 2000) Em nível nacional, as legislações brasileiras necessitam mudanças para a facilitação de Transferência de Tecnologia e para promovê-las. A prioridade é conceder diversos meios de financiamentos no país, com o respaldo dos compromissos internacionais, para que as novas tecnologias possam se inserir no cenário brasileiro. Entretanto, as negociações precisam ser muito criteriosas. Caso contrário tais medidas poderão aumentar, sem uma relação de custo/benefício positivo, o endividamento externo brasileiro. 23 12ª sessão plenária, 11 de dezembro de 1997 - Implementação do Artigo 4, parágrafos, 8 e 9 da Convenção. 265 As áreas prioritárias à Transferência de Tecnologia deverão ser aqueles setores que oferecem o maior potencial de redução e abatimento de emissões e o aumento da produtividade econômica. Logo, o setor elétrico brasileiro é um candidato natural. É importante identificar, em cada fase de atuação do setor elétrico brasileiro, o tipo de tecnologia adotado e sua origem, de modo a avaliar o grau de dependência de importação de máquinas, equipamentos ou peças. A submissão aos preços internacionais é uma realidade em diversos setores da economia de países em desenvolvimento. Somente quando estes preços alcançam patamares que inviabilizam, por algum período, o processo de importação, é que surgem as antigas propostas de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento de tecnologias nacionais. Além disso, um mecanismo de Transferência de Tecnologia poderá ser apresentado num capítulo onde sejam divulgados os pedidos de financiamento para TT, baseados nas tecnologias mais populares. 2.4.1 Tecnologias Tanto o Protocolo quanto a Convenção destacam que todas as Partes devem fortalecer a capacidade e os recursos endógenos das Partes, onde o Brasil possui experiências interessantes e diversos recursos endógenos para o aproveitamento energético, tais como o bagaço de cana, óleo de dendê, palma, bagaço de cana, etc., além de possuir uma grande Rede de Centros de Tecnologia24 por todo seu território, que estudam suas potencialidades. Estes centros tecnológicos desempenharão importante papel na TT e até poderão configurar uma rede de Centros Nacionais de Tecnologia Ambientalmente Saudáveis. Cooperações internacionais para o desenvolvimento de tecnologias devem ser assinadas, onde o próprio Brasil poderá repassar tecnologias que já domina. A ANEEL poderá ter o papel de promover o contato entre o SBSTA com os centros de tecnologia brasileiros e outros centros internacionais. A gama de tecnologias envolvidas no setor elétrico é muito vasta. O setor elétrico também deve ter o compromisso de investir e valorizar as tecnologias brasileiras endógenas capazes de serem transmitidas e replicadas tanto nacionalmente quanto internacionalmente. A principal barreira para a Transferência Tecnologia de turbinas Ciclo Combinado é que esta tecnologia pertence ao setor privado, mais precisamente, a poucas e grandes empresas multinacionais. Esforços para promover parcerias com companhias que comercializam mundialmente tecnologia de Turbinas Ciclo Combinado podem ser lançadas, tais como a General Eletric25, ABB ALSTOM POWER26, ROLLS ROYCE27, entre outras. 24 EMBRAPA, www.embrapa.br; Centro Brasileiro de Testes de Turbinas Eólicas & Centro Brasileiro de Energia Eólica, www.eolica.com.br, em Pernambuco; Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, www.cepel.br, e Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais, www.ivig.coppe.ufrj.br, ambos no Rio de Janeiro; Centro Nacional de Referência em Biomassa, www.cenbio.org, em São Paulo; Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia, www.critt.ufjf.br, em Minas Gerais; LabSolar, www.labsolar.ufsc.br, em Santa Catarina; Núcleo de Energia, www.nerg.ufpb.br, na Paraíba, entre diversos outros. 25 www.gepower.com 26 www.alstom.com 27 www.rolls-royce.com/energy 266 Pode-se citar em especial a tecnologia do Ciclo Combinado Integrado de Gaseificação. É uma tecnologia extremamente eficiente, como todas as tecnologias de geração elétrica que consistem nos processos relacionados ao Ciclo Combinado Integrado de Gaseificação. Cada processo tecnológico é único, mas todos são derivados da tecnologia desenvolvida pelas primeiras plantas de Ciclo Combinado Integrado de Gaseificação. O importante desta tecnologia é que diferentes tipos de produtos agrícolas e uma variedade de rejeitos co-produzidos, agora são considerados de utilidade comercial para o processo e plantas de geração de energia. Estes processos normalmente utilizam combustíveis de baixo custo, dando-lhes uma vantagem competitiva sobre as tecnologias convencionais, principalmente num país com uma produção agrícola muito diversificada como o Brasil28. É o caso de plantas de geração elétrica movidas a casca de arroz, que já existem no Rio Grande do Sul29. A importação de projetos tecnológicos a serem executados no Brasil, não caracteriza uma situação mais favorável em termos de dependência tecnológica do país, mas pode vir a gerar emprego e renda para o Brasil. Cabe observar que, a importação parcial de máquinas, equipamentos, peças, ou projetos, além de apresentar as mesmas características e problemas da importação total destes itens, pode causar maiores entraves. Isto porque pode ocorrer um desperdício em se investir em peças nacionais que dependem, para o seu funcionamento, de outras peças importadas, uma vez que, isoladamente, as mesmas não têm utilidade. 3 Conclusões No que se refere à Transferência de Tecnologia, sugere-se a elaboração de publicações com a divulgação da situação de dependência em tecnologia. Estas publicações servirão para nortear empresas, demais organismos reguladores estaduais, empreendedores do setor e população, que desejem usufruir dos incentivos à Transferência de Tecnologia na Geração, Transmissão, Distribuição e Consumo de energia elétrica. Estes deverão ser alvo de publicação específica, assim como cada setor de produção e consumo de energia elétrica, tais como os setores residencial, comercial, institucional, industrial e outros. Sugere-se também o estudo de resoluções que incentivem as empresas a investirem em Pesquisa e Desenvolvimento de tecnologias nacionais, semelhantes à resolução 242 da ANEEL que estimula a eficiência energética no setor elétrico. Entre os indicadores que promovam a construção de capacidade, destacam-se: programas formais de treinamento; execução de programas em Pesquisa e Desenvolvimento; habilitação de projetos pilotos e demonstração de programas que utilizem as capacidades locais; desenvolvimento de infra-estrutura local, incluindo capacidade acadêmica e de Pesquisa e Desenvolvimento. A ANEEL poderia conceber um relatório do estado da arte das tecnologias brasileiras Ambientalmente Saudáveis no setor elétrico, e em especial as companhias de energia deverão investir em tais estudos. Ver mais em: http://www.gepower.com/en_us/expl/html/by_prod/combinecycle/igcc/igcc.html 28 Ver exemplos no relatório referente ao estudo de caso da biomassa desenvolvido para a ANEEL no âmbito deste projeto. 29 267 Ainda com a idéia do Relatório Síntese sobre Cooperação Tecnológica, um mecanismo de Transferência de Tecnologia poderá ser apresentado num capítulo onde sejam divulgados os pedidos de financiamento para TT, baseados nas tecnologias mais populares. A ANEEL poderá ter o papel de promover o contato entre o Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico (SBSTA) da Conferência das Partes, criado na Convenção do Clima, e os centros de tecnologia brasileiros e outros centros internacionais. 4 BIBLIOGRAFIA ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica, www.aneel.gov.br, julho de 2000. Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia, www.critt.ufjf.br, 2000. Convenção do Clima Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, editado e traduzido pelo MCT e MRE. IPCC, Methodological and Technological Issues in Technology Transfer, junho 2000. MCT www.mct.gov.br/clima, julho de 2000. Protocolo de Quioto Protocolo de Quioto à Convenção do Clima, editado e traduzido pelo MCT e MRE. SBSTA 1 Development and Transfer of Technologies Status of the Consultative Process (Decision 4/CP.4) Submissions from Parties, junho 2000. SBSTA 2 Development and Transfer of Technologies Status of the Consultative Process (Decision 4/CP.4) Possible elements of a framework for meaningful and effective actions to enhance the implementation of Article 4.5 of the Convention, junho 2000. 268 EMISSÕES HISTÓRICAS DE GASES DE EFEITO ESTUFA (GEE) POR PAÍS RELATIVOS AO SETOR DE ENERGIA1 E O CONCEITO DE EQUIDADE Maria Silvia Muylaert2 Christiano Pires de Campos 3 Luiz Pinguelli Rosa4 1 RESUMO O presente trabalho é baseado em um projeto iniciado em 2001 em parceria com o MCT até 2002 sob a coordenação de Luiz Pinguelli Rosa5 tendo sido desenvolvido por pesquisadores do IVIG/COPPE/UFRJ: Maria Silvia Muylaert6, Christiano Pires de Campos7, Adriano Santiago e Leonardo Ribeiro. A partir de 2003 sua continuidade tem sido apoiada pela equipe de Meio Ambiente da Eletrobrás e conta com os seguintes pesquisadores: Maria Silvia Muylaert, Christiano Pires de Campos, Leonardo Cardoso8 e Corbiniano Silva9. Trata-se de um levantamento de dados históricos mundiais de emissões de gases de efeito estufa em diversos setores por países desde 1750. O objeto do presente trabalho é uma análise do setor de energia à luz do conceito de equidade. A análise é feita através da comparação dos diferentes tipos de desenvolvimento entre grupos de países. O indicador considerado para análise é a emissão de GEE. Parte do presente paper foi baseada no Relatório de 2001 do Projeto IVIG/COPPE/UFRJ - 2747- A desenvolvido entre 2001 e 2002 pela equipe: Maria Silvia Muylaert 2 , Christiano Pires de Campos 3 , Luiz Pinguelli Rosa 4 , Adriano Santiago e Leonardo Ribeiro e parte foi baseada na tese de doutorado de Maria Silvia Muylaert, PPE/COPPE/UFRJ, 2000. 1 Doutora em Planejamento Energético e Ambiental, Ilha do Fundão, Bloco I, Sala 129, +55-21-2562-7070, [email protected]. 2 Doutorando em Planejamento Energético e Ambiental, Ilha do Fundão, Bloco I, Sala 129, +55-21-2562-7070, [email protected]. 3 Professor do Programa de Planejamento Energético, Ilha do Fundão, Bloco C 211, Sala 129, +55-21-2562-7028, [email protected]. 4 5 [email protected] 6 [email protected] 269 2 Gases Estudados do Efeito Estufa Antrópico O óxido nitroso N2O, gás metano CH4 e o dióxido de carbono CO2 são os três gases estudados neste trabalho no setor de energia. 2.1 Óxido Nitroso N2O A concentração atmosférica de óxido nitroso aumentou cerca de 46 ppb (17%) desde 1750 e continua a aumentar. Cerca de um terço das emissões de N2O são antropogênicas (TAR WG1, 2001). Na tabela 1 tem-se os dados de concentração do CO2, N2O e CH4 . Tabela 1- Dados de concentração de GEE relativos às atividades humanas &2 12 &+ Concentração pré-industrial Cerca de 280 ppm Cerca de 270 ppb Cerca de 700 ppb Concentração em 1998 365 pp m 314 ppb 1745 ppb Taxa de mudança na concentração 1.5 pp m/ano 0.8 ppb/ano 7.0 ppb/ano Tempo de vida na atmosfera 114 anos 12 anos 5 to 200 anos Fonte: elaboração própria a partir do TAR WG1 (2001). Desde 1993, a taxa de crescimento da concentração de N2O aproximou-se das observadas na década de 80. Algumas causas possíveis são: o decréscimo no uso de fertilizantes baseados em nitrogênio e emissões biogênicas menores. Figura 1 - Emissões Percentuais de N2O por setor. Elaboração própria (PLVV}HVGH12GRV3DtVHVGR$QH[R,SRUVHWRUHP Totais de resíduos 1.32% Outros 0.11% TOTAL dos Bunkers Internacionais 0.27% Totais da mudança do uso do solo e sivicultura 0.80% Consumo total de combustíveis fósseis (Abordagem setorial) Totais de emissões 14.67% fugitivas dos combustíveis fósseis 0.03% Totais de processos industriais 17.24% Totais dos solvente e uso de outros produtos 0.43% Totais da agricultura 65.13% Fonte: CQNUMC (2001 270 2.1.1 Energia A contribuição da combustão e das emissões fugitivas para as emissões globais de óxido nitroso é pequena e a incerteza é grande. Por isso, as emissões deste gás no setor em questão não serão consideradas. 2.2 Metano CH4 A concentração atmosférica de metano aumentou cerca de 1060 ppb (151%) desde 1750 e continua a aumentar. Mais do que a metade das emissões correntes de CH4 são antropogênicas (TAR WG1, 2001). As mais importantes e conhecidas fontes antropogênicas de metano atmosférico são apresentadas na tabela 2 abaixo. Tabela 2 - contribuição de diferentes fontes antropogênicas para as emissões globais de metano (Tg CH4 ) 5HIHUrQFLD )XQJHWDO +HLQHWDO /HYLHYHOG +RXZHOLQJHWDO HWDO Ano base Década de 80 sem informação 1992 sem informação Energia 75 (21%) 97 (28%) 110 (33%) 89 (28%) Aterro sanitário 40 (11%) 35 (10%) 40 (12%) 73 (23%) Ruminantes 80 (23%) 90 (26%) 115 (35%) 93 (30%) Tratamento de resíduos 25 (8%) Cultivo de arroz 100 (29%) 88 (25%) Queima de biomassa 55 (16%) 40 (11%) 40 (12%) Outros Total antropogênico 40 (13%) 20 (6%) 350 (100%) 350 (100%) 330 (100%) 315 (100%) Fonte: elaboração própria a partir do TAR WG1 (2001) pg. 250. As emissões de CH4 por setor de acordo com o banco de dados de gases de efeito estufa da Convenção do Clima estão no gráfico 2. 271 Figura 2 - Emissões percentuais de CH4 por setor. Elaboração própria (PLVV}HVGH&+GRV3DtVHVGR$QH[R,SRUVHWRUHP Totais de resíduos 22.73% TOTAL dos Bunkers Internacionais Outros 0.014% 0.0002% Totais da mudança do uso do solo e sivicultura 0.82% Totais da agricultura 31.72% Consumo total de combustíveis fósseis (Abordagem setorial) 2.16% Totais de emissões fugitivas dos combustíveis fósseis 42.40% Totais dos solvente e uso de outros produtos 0.0018% Totais de processos industriais 0.16% Fonte: CQNUMC (2001) 2.2.1 Energia Do gráfico 2 percebe-se que as emissões de CH4 do consumo de combustíveis fósseis são pequenas. Desta forma, as emissões de CH4 deste setor não serão consideradas. Para efeito de contabilização de emissões de metano, serão consideradas as emissões fugitivas que ocorrem durante a extração, produção, transporte e processamento de combustíveis fósseis. As emissões de metano provenientes de mineração do carvão mineral, em 1990, contribuíram com cerca de 23 a 39 Tg das emissões globais. A Tabela 2 apresenta como média anual de emissão de metano no setor energético, na década de 80, o valor de 75 Tg por ano. Tomando-se esse valor como base, as emissões fugitivas de CH4 da mineração do carvão mineral seriam da ordem de 31 a 52% do setor energético, em 1990. Segundo o IPCC (1996), as emissões fugitivas de metano provenientes das atividades que envolvem petróleo e gás natural estão em torno de 30 a 60 Tg por ano. AsAs emissões fugitivas referentes às minas de superfície (0,3 a 2 m3 de CH 4 / ton de carvão) não foram estimadas porque pouco ocorrem, restando as emissões referentes às minas subterrâneas. A média aritmética dos fatores alto (25 m3/ton de carvão) e baixo (10m3/ ton de carvão) de emissão de metano é 17,5 m3/ton, e poderá ser utilizada como uma primeira aproximação para o cálculo das emissões totais. 272 Tabela 3 - Estimativa de emissões fugitivas de CH4 provenientes da extração de carvão mineral subterrâneo 3DtV )DWRUGHHPLVVmRP WRQ Antiga União Soviética USA Alemanha Reino Unido Polônia Tchecoslováquia Austrália 17,8-22,2 11,0-15,3 22,4 15,3 6,8-12,0 23,9 15,6 Fonte: IPCC (1996), Tabela 1-54, pág. 1.105. A média de emissões de metano para minas subterrâneas de carvão (E) é o fator de emissão de CH4, m3 CH4 / t de carvão minerado (f), vezes a produção do carvão subterrâneo, em Mt (P), vezes o fator de Conversão (0.67 Gg / 10 6 m3). Com as emissões provenientes do consumo de carvão da base de dados OAKRIDGE (2002) será estimado as quantidades de carvão extraídas para ser aplicada na Equação: ( = I × 3 × 0,67 2.3 Dióxido de Carbono CO2 O CO2, dióxido de carbono, ou gás carbônico, é o gás de efeito estufa mais importante dentre as emissões de origem antrópica. As emissões de CO2 atmosféricas das atividades humanas no ano de 1990 foram de 6 e 13 vezes superiores às emissões de CH4 e N2O (CQNUMC, 2001) em termos de CO2 equivalente7. O Gráfico 3 ilustra as emissões percentuais de gases de efeito estufa nos países do Anexo I em CO2 equivalente para o ano de 1990. Figura 3 Emissões percentuais de CO2, CH4 e N2O em CO2 equivalente ( P LV V } H V G H & 2 & + H 1 2 G R V S D tV H V $ Q H [ R ,H P & 2 H T X LY D OH Q WH Q R D Q R G H CH4 13% N 2O 6% CO2 81% Elaboração própria. Fonte: CQNUMC (2001). Se considerarmos o poder de aquecimento do CO2 em 100 anos como sendo igual a 1, o do CH4 é 23 e o poder de aquecimento do N2O é igual a 296 (TAR WG1, 2001). 7 273 As emissões de dióxido de carbono estão diretamente envolvidas na maioria das atividades humanas, sendo a principal preocupação das intervenções humanas no sentido de mitigação do efeito estufa. Segundo o Manual de Inventários de Gases de Efeito Estufa do IPCC (IPCC, 1996), considera-se que no presente o gás carbônico de origem antrópica é principalmente emitido pela combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) e seus processos industriais, pela queima de combustíveis renováveis (álcool, bagaço de cana, óleos vegetais etc.), por processos industriais (produção de cimento e cal, uso de pedra calcária, produção e uso do carbonato de sódio, amônia, carbonetos, aço e ferro, alumínio e magnésio, principalmente), mudança do uso do solo e silvicultura (o CO 2 é o gás mais importante nesta atividade). As emissões de CO 2 dos resíduos e agricultura são pequenas ou com balanço líquido das emissões igual a zero. Figura 4 Emissões percentuais de CO2 por setor Emissões de CO2 dos países do Anexo I por setor (%) Mudança do uso do solo e sivicultura Solvente e uso de 12% outros produtos Outros 0.04% 0.01% Agricultura 0.05% Resíduos 0.18% TOTAL dos Bunkers Internacionais 2% Processos industriais 3% Emissões fugitivas dos combustíveis fósseis 0.49% Consumo total de combustíveis fósseis (Abordagem setorial) 83% Elaboração própria. Fonte: CQNUMC (2001) As concentrações pré-industriais do CO2 eram de 280 partes por milhão (ppm), enquanto em 1999 eram em 367 ppm (TAR WG-1, 2001). A unidade partes por milhão também indica a maior responsabilidade do CO 2 na regulação do efeito estufa em relação ao CH 4 e N2O, pois estes dois últimos estão em concentrações de partes por bilhão, ppb. Até a Revolução Industrial as intervenções humanas no ciclo do carbono eram maiores no uso do solo e mudança no uso do solo, através da agropecuária (aragem, fertilizantes, extração vegetal, desmatamento etc.), uso combustíveis renováveis (lenha, carvão vegetal, gordura animal etc.). O uso de alguns combustíveis fósseis (carvão, xisto etc.) era pequeno, somente para o fornecimento de energias essenciais para a manutenção das civilizações. 274 Até a revolução industrial, a grande parte dos insumos energéticos extraídos8 um local eram consumidos pelas populações regionais. Depois da industrialização, com a produção mais eficiente devido ao advento do motor a vapor, maior alcance dos meios de transporte, as energias produzidas num local passaram a ser consumidas em locais distantes, abastecendo populações cada vez maiores. Desta forma, a produção local, abastecedora de um sistema global, passou a ter mais responsabilidade no efeito estufa. A industrialização fica muito caracterizada nos países atualmente chamados de industrializados. A Europa, ex-União Soviética, Austrália e a América do Norte lideram o domínio destas tecnologias até a segunda guerra mundial (1945). A partir de então outros países9 adotam cada vez mais este modelo de produção muito eficiente, que envolve o consumo de grandes quantidades de recursos naturais e a produção de rejeitos, caso dos gases de efeito estufa controlados pela Convenção do Clima. A industrialização multiplicou a produção, utilizando maior número de máquinas que consumem muita energia. Com a industrialização, a locomotiva a vapor teve importante papel no deslocamento de grandes massas por grandes distâncias consumindo grandes quantidades de energia do carvão e derivados do petróleo. Os navios rapidamente passaram a utilizar o motor a vapor e, assim como a locomotiva, aumentando a dependência humana dos combustíveis fósseis e das tecnologias adjuntas. Na segunda metade do século XIX passou-se a utilizar o petróleo e seus derivados, que tinham a vantagem de serem líquidos, barateando a logística de distribuição e produção dos combustíveis fósseis. Da mesma forma que a industrialização multiplicou milhares de vezes as capacidades humanas de transporte e alcance, ela multiplicou os impactos humanos sobre a natureza e sua influência no ciclo do carbono. A invenção do avião foi outro importante passo para os transportes e no consumo de combustíveis fósseis. Com poucos anos de experiência, a aviação desenvolveu-se rapidamente durante as Guerras Mundiais, passando a ser intensamente usada no transporte de passageiros, de cargas valiosas e produtos perecíveis, destacadamente nos países industrializados. Como explicado anteriormente, a revolução industrial tornou as atividades humanas muito intensivas, liberando, em curtos espaços de tempo, grandes quantidades de carbono. A liberação do carbono estocado nas rochas (combustíveis fósseis) como rejeito da força motriz de origem fóssil alterou o equilíbrio das concentrações de carbono na atmosfera terrestre. 2.3.1 Energia As emissões de CO2 na combustão de combustíveis fósseis é discutida detalhadamente no Manual de Inventários de Gases de Efeito Estufa do IPCC (IPCC, 1996) e a emissão de dióxido de carbono é a mais detalhada e compreendida (dentre todos gases controlados pela Convenção do Clima). Aqui, o conceito de energia envolve as energias necessárias para a produção de comida, além da energia para iluminação, aquecimento e cozimento. 8 Destacam-se: Japão, Tigres Asiáticos e China. 9 275 As emissões de CO2 relativas aos combustíveis fósseis dependem do teor de carbono de cada combustível e podem ser estimadas através de dados energéticos nacionais. Por exemplo, existem bases de dados internacionais de consumo de combustíveis para cada país, que multiplicados por fatores de emissão, estimam as emissões do dióxido de carbono no setor (IPCC, 1996). Entretanto, existem diferenças entre fatores de emissão do mesmo combustível para países diferentes. Neste sentido, o IPCC estimula o uso de fatores nacionais, quando existentes. A diferença de fatores de emissão de CO 2 entre combustíveis iguais de países diferentes e nas estatísticas de consumo de combustíveis fósseis, geram incertezas de +/- 10%, fato que se pode notar nas emissões anuais globais de CO 2 na década de 1990 (6,7 +/- 0,6 Gt C) (SR-LULUCF, 2000). Com respeito ao comércio internacional de produtos, os inventários nacionais, quando contabilizam as emissões de CO 2, utilizam o princípio de que a fonte emissora encontra-se no país que vende o produto. Outra abordagem possível é a de que a fonte emissora encontra-se no país onde consumo foi registrado. Além das emissões de CO2 relativas à queima de combustíveis fósseis, existem emissões fugitivas. Estas emissões aparecem na produção, processamento, transmissão, estocagem e uso dos combustíveis (ex. queima de gases nas plantas de óleo e gás). Neste caso, o CO2 o tem emissões fugitivas nas torres de queima (flares) dos rejeitos gasosos dos processos energéticos. Cabe destacar que as emissões de CO2 devido ao uso de combustíveis renováveis, do uso da biomassa, não é contabilizado nas emissões de energia, e sim na categoria de fontes diversas e que suas emissões são consideradas nulas. Nestes casos o CO2 emitido em sua combustão é absorvido na produção da biomassa (IPCC, 1996). De acordo com o levantamento de dados efetuado pelo IVIG/COPPE/UFRJ a lista dos países que mais contribuíram (no ano de 1998) para o aquecimento global devido à emissão de gases do setor de energia e produção de cimento entre 1700 e 1998 encontra-se na tabela 4. 276 Tabela 4 - Contribuição percentuais à mudança do clima relativas à emissão de CO2 devido ao consumo de combustíveis fósseis e produção de cimento $QR UNITED STATES OF AMERICA 32,71% USSR 11,71% UNITED KINGDOM 9,82% GERMANY 4,87% CHINA (MAINLAND) 4,65% FRA NCE (INCLUDING MONA CO) 3,74% JAPAN 3,34% FEDERA L REPUBLIC OF GERMANY 3,02% POLAND 2,28% CANADA 2,11% INDIA 1,54% CZECHOSLOVAKIA 1,40% ITALY (INCLUDING SAN MA RINO) 1,36% BELGIUM 1,31% FORM ER GERMAN DEM OCRATIC REPUBLIC 1,18% SOUTH AFRICA 0,99% AUSTRA LIA 0,90% NETHERLANDS 0,81% SPAIN 0,72% MEXICO 0,70% ROMANIA 0,58% BRAZIL 0,52% AUSTRIA 0,49% SWEDEN 0,44% ARGENTINA 0,44% ISLAMIC REPUBLIC OF IRAN 0,42% HUNGA RY 0,41% VENEZUELA 0,38% Fonte: Rosa et al., 2004. 277 3 Equidade Este capítulo introduzirá o conceito de equidade no direito onde tem boa sedimentação. No capítulo conclusivo o conceito de equidade será trabalhado com o tema da Mudança do Clima resgatando os conceitos aqui introduzidos. Um autor recente que vem desenvolvendo discussões sobre teoria da argumentação em Direito é Chaim Perelman (Perelman, 1996) para quem a noção de equidade é assemelhada à noção de justiça. Segundo Perelman (1996), quando aparecem as antinomias da justiça e quando a aplicação da justiça nos força a transgredir a justiça formal, recorremos à equidade. Esta, que poderíamos considerar a muleta da justiça, é o complemento indispensável da justiça formal, todas as vezes que a aplicação desta se mostra impossível. Consiste ela numa tendência a não tratar de forma por demais desigual os seres que fazem parte de uma mesma categoria essencial. Contrariamente à justiça formal, cujas exigências são bem precisas, a equidade consistiria apenas numa tendência oposta a todo formalismo, do qual ela deve ser complementar. Ela intervém quando dois formalismos entram em choque: para desempenhar seu papel de equidade, ela própria só pode ser, pois, não-formal. A vida social apresentaria uma contínua oscilação entre a justiça e a equidade. Recorre-se a esta todas as vezes que, na elaboração de uma lei ou de uma regulamentação, não se teve a menor consideração por certas características essenciais, às quais importantes camadas da população a chamada opinião pública atribuem importância. Vê-se imediatamente que o apelo à equidade, condicionado pela introdução de novas categorias essenciais, será mais freqüente nas épocas de transição, em que certa escala de valores está sendo substituída por outra. Seria mais comum o apelo à equidade nas épocas de conturbação econômica e monetária, em que as condições que existiram no momento da fixação das regras se modificaram a tal ponto que se percebe uma diferença grande demais entre as regras anteriormente adotadas e aquelas que se teriam admitido atualmente. Nessa eventualidade, o conflito não é entre fórmulas diferentes de justiça, mas entre as regras que delas se deduzem hoje e as que se deduziriam anteriormente, em vista de um estado de coisas profundamente modificado. Para concluir, apela-se à equidade todas as vezes que a aplicação simultânea de mais de uma fórmula da justiça concreta ou a aplicação da mesma fórmula em circunstâncias diferentes conduz à não-conformidade com exigências da justiça formal. Serve-se da equidade como muleta da justiça. Para que esta não fique manca, para poder dispensar a equidade, é fundamental desejar aplicar uma única fórmula da justiça concreta, sem que se deva levar em conta mudanças que as modificações imprevistas da situação são capazes de determinar. Isto só é possível se nossa concepção da justiça for muito estreita ou se a fórmula da justiça utilizada for suficientemente complexa para levar em conta todas as características consideradas essenciais. 4 Conclusão: Equidade e Mudanças Climáticas Alguns comentários podem ser feitos sobre a relação entre equidade e acordos sobre a mudança do clima. De que forma a discussão contempla o conceito de igualdade? Conforme Estrada-Oyuela (2000), usa-se o conceito de Equidade como forma de evitar o 278 conceito de Igualdade. Segundo o autor, os princípios de Igualdade formulados em 1972 na Declaração do Meio Ambiente Humano, em Estocolmo (o princípio 1 referia-se à igualdade entre os seres humanos), foram substituídos, 20 anos após, pelo conceito de Equidade, na Reunião Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio 92 (o princípio 3 da Rio 92 refere-se à equidade entre gerações presentes e futuras), e também na mesma ocasião, na Convenção Mundial do Clima. Segundo Estrada-Oyuela (2000), a Equidade tem diferentes significados em diferentes contextos, enquanto que a Igualdade teria somente um significado. O motivo, ainda segundo Estrada-Oyuela (2000), que levou, por exemplo, o grupo III do IPCC a utilizar este princípio de Equidade em lugar do princípio de Igualdade seria a dificuldade de lidar com os muitos interesses específicos envolvendo o problema. Tais interesses já são fortes o suficiente para serem acomodados sob a ótica da Equidade, e não teriam nenhum progresso sob a ótica da Igualdade. No debate sobre Mudanças Climáticas podemos identificar o uso da Equidade definida pelos diversos autores citados acima, como muleta da Justiça, própria de períodos transitórios, onde a Justiça formal não oferece instrumentos fortes e definitivos para apontar soluções. A Teoria da Argumentação de Perelman (1996) também pode ser útil para a compreensão das formulações dos Acordos Internacionais envolvendo o debate do Clima Mundial. É muito presente a força da retórica dos blocos dos países procurando definir as regras a serem seguidas, assim como na definição dos conceitos, do que se entende por equidade, pelo que é justo. O maior exemplo disto são os dois grandes blocos de Países definidos como as Partes da Convenção do Clima: as Partes Países Anexo I, envolvendo os países desenvolvidos e os chamados Países com economia em transição, e as Partes Países não Anexo I, envolvendo os Países em desenvolvimento. A quantificação das responsabilidades dos diferentes países é o ponto mais importante a ser explorado neste estudo. Como gerenciar as responsabilidades de todos os países do mundo de modo eqüitativo (Tabela 4) no que diz respeito à contribuição à Mudança do Clima? Através de uma análise da renda per capita e das emissões per capita? Ou através de uma análise das demandas do desenvolvimento que envolvem crescimento populacional e crescimento econômico? É o poder econômico e cultural dos Países Anexo I, e o maior número de representantes destes países nos grupos temáticos, que vêm determinando o rumo das negociações. Cabe observar que a Proposta Brasileira para a Convenção do Clima, de 28 de maio de 1997, foi bastante impactante em dois aspectos: a contabilização das emissões passadas dos diversos países, incorporando uma componente histórica dos modelos de crescimento dos mesmos e, em segundo lugar, uma penalização, através de um Fundo financeiro, aos países que não cumprissem suas metas de redução de emissões de gases. Mesmo dentro do Anexo I, existem blocos de Países disputando peso nos acordos do Clima, à semelhança do que podemos observar, por exemplo, em outros acordos internacionais como os de comércio externo. Dentro dos Países Anexo I, podemos perceber dois blocos principais de poder, um da Comunidade Européia e outro liderado pelos Estados Unidos. E nos Países não Anexo I, existe um grupo identificado como grande emissor de gases de efeito estufa, formado pela China, Brasil e Índia, que vêm sendo alvo de pressões dos EUA para que se comprometam com redução nestas emissões. 279 Uma outra forma de equidade é a que se refere à adaptação à mudança do clima. Para alguns países, como os Países Baixos e as ilhas oceânicas, as conseqüências de mudanças climáticas que dizem respeito à elevação dos mares, são de enfrentamento mais difícil do que para outros países. Por exemplo, existe um problema de equidade quanto aos países que contribuem muito pouco com emissões de gases de efeito estufa, mas os quais são mais vulneráveis à mudança do clima, como as ilhas oceânicas. O conceito de Equidade está intimamente relacionado ao tema do Clima Mundial. A equidade é um dos princípios da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC). Estes princípios visam assegurar o chamado Desenvolvimento Sustentável (Rosa, 1998). O Artigo 3 da CQNUMC diz que as Partes devem proteger o sistema climático em benefício das gerações presentes e futuras da humanidade com base na eqüidade e em conformidade com suas responsabilidades comuns, mas diferenciadas, e respectivas capacidades. Em decorrência, as Partes Países Desenvolvidos devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e a seus efeitos. As diferenças sócio-econômicas entre países é um assunto que remete diretamente à questão da equidade. A forma como se pretende amenizar estas diferenças é um dos problemas mais importantes a serem enfrentados pelos articuladores de políticas para enfrentar as mudanças climáticas. A equidade é um conceito que envolve decisões políticas importantes. A compreensão da equidade varia entre os diversos autores (Gutierrez, M.B.S. 1998 e Rose, A, 1992) que estão debruçados sobre o tema e não há consenso sobre sua definição, principalmente no assunto do clima mundial que envolve fronteiras entre nações. Vale lembrar EstradaOuyela, presidente do Protocolo de Quioto, em 1997, segundo o qual, não devemos esquecer que os seres humanos nascem iguais, apesar do caráter utópico desta afirmação. Para o autor, entretanto, a utopia é necessária para o avanço de idéias políticas (EstradaOyuela, 2000). As diferenças entre as nações, neste caso, não se dão somente na polarização norte-sul, a qual reflete países ricos e pobres, argumento bastante utilizado nas discussões internacionais. O aspecto físico-geográfico de algumas nações coloca de um mesmo lado países com diferentes graus de desenvolvimento, devido à fragilidade de sua localização. Os riscos e vulnerabilidades resultantes da Mudança do Clima implicam em conseqüências negativas tanto para Países Desenvolvidos quanto para Países em Desenvolvimento. (Rosa e Ribeiro,1997) No que diz respeito às diferenças de níveis de riqueza entre populações de diversos grupos de países, a Figura 5 ilustra as diferenças socio-econômicas entre os Países Desenvolvidos e os Países em Desenvolvimento, através do indicador PIB/hab. Os países foram assim agrupados: Países Industrializados, Leste Europeu/Ex-União Soviética (EL/UES), Países em Desenvolvimento (PeD), Todos os Países do Mundo (Mundial) e Países do Anexo I (países comprometidos com a redução de emissões de gases de efeito estufa, incluindo os países industrializados e os países do Leste Europeu/União dos Estados Soviéticos). Observa-se que os Países Industrializados e o grupo de Países do Anexo I apresentam um PIB/hab muito mais elevado do que os referentes aos Países em Desenvolvimento, os do Leste Europeu/União dos Estados Soviéticos e do que a média Mundial. 280 Figura 5 Relação PIB/população 3,%3RSXODomR0LOKmRGH86KDELWDQWH 40.0 35.0 30.0 25.0 20.0 15.0 10.0 5.0 0.0 1990 1996 Industrializados 1997 2005 EL/UES PeD 2010 2015 Mundial 2020 Anexo I Fonte: Campos e Muylaert, 2000. Segundo o Protocolo de Quioto, entre 2008 e 2012, as partes Países do Anexo I reduziriam suas emissões de seis gases de efeito estufa (GEE) até pelo menos 5,2% menos do que os níveis de 1990. Este protocolo prevê, ainda, alguns mecanismos flexíveis para facilitar o abatimento de GEE entre diferentes Países. O primeiro dos mecanismos previstos é o Mercado de Emissões, seguido do mecanismo JI (joint implementation), e da bolha, todos estabelecidos para países desenvolvidos. Além destes, originário da proposta brasileira de um Fundo de Desenvolvimento Limpo, está previsto o mecanismo CDM (Clean Development Mechanism) ou MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) para encorajar projetos de redução de emissões conjuntos entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Conforme as diretrizes do MDL, ainda não ratificadas, os Países Desenvolvidos devem reduzir GEE no presente, ou seja devem reduzir seu consumo energético/ capita, por terem alto PIB/capita e alto consumo energético/capita. E os países em desenvolvimento devem reduzir as emissões de GEE somente no futuro, ou seja, devem reduzir a intensidade energética/PIB (tCarb/PIB), devem aumentar seu PIB/capita e podem aumentar seu consumo energético/capita. Algumas categorias de Equidade envolvem o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, MDL. A tendência é que a obtenção de acesso a este mecanismo, dentre os Países não Anexo I, seja mais fácil para os países maiores e para os países com grau de desenvolvimento mais avançado. Segundo Zhang (2000), a maior parte dos recursos financeiros estimados para que os Países Anexo I reduzam suas emissões de gases de efeito estufa através do MDL sejam direcionados à India (60%) e à China (16%). É recomendável que se encontre uma Equidade na busca desses recursos. Nem sempre os países que mais sofrem com as mudanças do clima são os que se beneficiariam naturalmente dos recursos do MDL. 281 5 BIBLIOGRAFIA Campos, C.P. e Muylaert, M.S. Relatório de Análise do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: Equidade e Transferência de Tecnologia no Brasil. ANEEL/IVIG/MCT/PNUD. 2000. CQNUMC. Banco de Dados dos Gases de Efeito Estufa da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima. Inventários on-line, disponíveis no endereço da Internet www.unfccc.de, em outubro de 2001. Estrada-Oyuela, R.A. Climate Change Mitigation and Equity, IPCC 2nd Regional Experts Meeting on Development, Equity and Sustainability. Havana, Cuba, 23-25 fevereiro. 2000. Gutierrez, M.B.S. A Equidade nas Negociações Internacionais entre Países Desenvolvidos e em desenvolvimento para a redução dos Gases de Efeito Estufa: Principais Critérios e Implicações. Texto para discussão n.550 do IPEA/CEMA, apresentado no II encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, São Paulo e Rio de Janeiro. 1998 . Rose, A. Equity considerations of Tradable carbon entitlements. In: Barrett, S. et alli. Tradable carbon entitlements. Genebra: UNCTAD. 1992. IPCC. Revised 1996 IPCC Guidelines Greenhouse Gas Inventor y: Reference Manual. Intergovernamental Panel on Climate Change. Volume 3. 1996. Perelman, C. Ética e Direito. pg. 36/37São Paulo. 1996. Rosa, L.P. New Partnerships for Sustainable Development and Key Issues for Operationalizing the Clean Development Mechanism. 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Feveriro de 2000. 282 EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA (GEE) 1 - UMA ABORDAGEM HISTÓRICA Maria Silvia Muylaert2 Christiano Pires de Campos 3 Luiz Pinguelli Rosa4 RESUMO O presente trabalho é baseado em um projeto iniciado em 2001 em parceria com o MCT até 2002 sob a coordenação de Luiz Pinguelli Rosa1 tendo sido desenvolvido por pesquisadores do IVIG/COPPE/UFRJ: Maria Silvia Muylaert1, Christiano Pires de Campos1, Adriano Santiago e Leonardo Ribeiro. A partir de 2003 sua continuidade tem sido apoiada pela equipe de Meio Ambiente da Eletrobrás e conta com os seguintes pesquisadores: Maria Silvia Muylaert, Christiano Pires de Campos, Leonardo Cardoso5 e Corbiniano Silva6. Trata-se de um levantamento de dados históricos mundiais de emissões de gases de efeito estufa em diversos setores por países desde 1750. O objeto do presente trabalho é uma apresentação do tema sob uma perspectiva histórica. 1 INTRODUÇÃO Marcos Históricos Mundiais apresentam mudanças significativas nas emissões de gases de efeito estufa (GEE), desde a Revolução Industrial aos dias de hoje. A pesquisa bibliográfica em desenvolvimento pelo grupo do IVIG/COPPE/UFRJ tem por objetivo avaliar diferentes padrões de desenvolvimento de diferentes regiões e países desde a RevoluParte do presente paper foi baseada no Relatório de 2001 do Projeto IVIG/COPPE/UFRJ - 2747- A desenvolvido entre 2001 e 2002 pela equipe: Maria Silvia Muylaert 2, Christiano Pires de Campos 3 , Luiz Pinguelli Rosa 4 , Adriano Santiago e Leonardo Ribeiro e parte foi baseada na tese de doutorado de Maria Silvia Muylaert, PPE/ COPPE/UFRJ, 2000. 2 Doutora em Planejamento Energético e Ambiental, Ilha do Fundão, Bloco I, Sala 129, +55-21-2562-7070, [email protected]. 3 Doutorando em Planejamento Energético e Ambiental, Ilha do Fundão, Bloco I, Sala 129, +55-21-2562-7070, [email protected]. 4 Professor do Programa de Planejamento Energético, Ilha do Fundão, Bloco C 211, Sala 129, +55-21-2562-7028, [email protected]. 5 [email protected] 6 [email protected] 1 283 ção industrial a partir do levantamento dos dados históricos de emissões de 3 gases de efeito estufa: N2O, CH4 e CO2 nos seguintes setores: Energia, Mudança de uso do solo e florestas, Processos industriais, Agricultura e pastagem e Resíduos. O presente trabalho se refere somente ao setor de Energia. O desenvolvimento do trabalho compreendeu a seleção de itens e setores a serem considerados para a estimativa de emissões mundiais por países desde 1700 a 1990 dos seguintes gases de efeito estufa: N2O, CH4 e CO2. Dos seis setores constantes do Manual de Referência e do Manual de Trabalho do IPCC para Inventários de Gases de Efeito Estufa (GEE), foram escolhidos cinco, onde foi descartado o setor relativo aos Solventes7. 2 Breve Histórico sobre as emissões de GEE A poluição do ar e a emissão de gases de efeito estufa, em menores proporções, é muito anterior à Revolução Industrial (RI) (Boubel et al., 1994). No setor energético, por exemplo, a emissão de CO2 através da queima de lenha e carvão é bastante antiga. As principais indústrias ligadas à poluição do ar e à emissão de CO2 durante os séculos que precederam a RI foram a metalúrgica, a cerâmica e a de conservação de alimentos. Peças de cerâmica e tijolos datam de antes de 4.000 a.c. A maior parte das técnicas metalúrgicas já era conhecida antes de Cristo. Contudo, elas se baseavam muito mais no uso do carvão vegetal do que no uso do carvão mineral ou coque. Após o ano 1000 a mineração ampliou-se fortemente e 600 anos depois o carvão passou a ser transformado em coque, e este só entrou na prática metalúrgica corrente mais ou menos em 1700. A Revolução Industrial foi marcada pelo aproveitamento do vapor para geração de energia para bombeamento de água e para energia motriz. Teve início nos primeiros anos do Século XVIII com Savery, Papin e Newcomen e o motor de bombeamento culminando em 1784 com a máquina a vapor de J. Watt, que foi soberana até a invenção da turbina a vapor no Século XX. Máquinas e turbinas a vapor dependem de caldeiras de vapor que, até o advento do reator nuclear, eram alimentadas por combustíveis vegetais ou fósseis. Ao longo do Século XIX, o combustível mais usado foi o carvão mineral. Posteriormente, este aumento seria fortalecido pela utilização de derivados do petróleo como fonte energética para iluminação através da sua combustão em lampiões, seguindo-se uma ampliação do uso de derivados de petróleo e de gás natural em motores de combustão, cujas finalidades foram se diversificando à medida que o processo de industrialização seguia seu curso. Desta forma, foi intenso o aumento do uso de combustíveis fósseis a partir da Revolução Industrial. No que diz respeito ao tema de escassez de recursos, o homem, historicamente, tem apresentado soluções para problemas de recursos naturais onde o avanço técnico pode ser visto como favorável à natureza, como por ex: a madeira que até o séc. XIX era a única fonte de energia térmica, e matéria prima para construções, foi substituPor sua importância não muito significativa em termos quantitativos de emissões de GEE, além da inexistência de metodologia no IPCC para os cálculos relativos à produção de solventes. A metodologia disponível no CORINAIR para os países europeus deverá ser objeto de futuros estudos para a quantificação deste setor em termos mundiais. 7 284 ída pelo ferro, reorientando o processo de devastação a que estavam submetidas as florestas. Um outro exemplo, foi a substituição do uso de óleos animais (de baleia) por petróleo, por volta de 1860 (Benjamin, 1990, pág.12 e 15).8 Segundo Christianson (1999), o efeito estufa foi observado, pela primeira vez, por Fourier9 durante a Revolução Francesa, século 18. Para o autor, Fourier foi o primeiro a conceber a Terra como uma estufa gigante viabilizando a vida de plantas e animais na superfície da Terra. Em 1896, Svante Arrenius criou um modelo para estudar a influência do gás carbônico residente na atmosfera sobre a temperatura da Terra. Arrenius usou as medições de emissão de calor no espectro lunar, realizadas por Samuel P. Langley, para calcular os coeficientes de absorção de H2O e CO2, pontos chave para a construção do modelo que concebera. As causas das Eras Glaciais, atual objeto de estudo em alguns centros de pesquisa, como o Stockholm Physics Society, era uma das perguntas que Arrenius buscava responder. Os experimentos de Arrenius foram muito bem sucedidos e seus resultados (Ramanathan e Vogelmann, 1997), têm sido comprovados por modernas simulações de computador. Os gases de efeito estufa, chamados por Arrenius de hothouse gases e não greenhouse gases, como nos dias de hoje, devem ser estudados em conjunto com os aerossóis10 que são outras substâncias ativas radiativamente e emitidas antropicamente à atmosfera, com efeito de resfriamento, contrário ao dos GEE. A ciência da atmosfera é considerada por alguns autores (Graedel e Crutzen 1997) como a mais completa para a compreensão do conceito de Sistema Terra por envolver a história da formação e evolução da atmosfera do planeta, além da biologia, da geologia, e da hidrologia. Aquecimento global é um termo usado para nomear uma possível intensificação do efeito estufa do planeta. A visão dominante entre os cientistas estudiosos do clima é que ocorre um aquecimento global no século XX e o mesmo tem sido causado, em parte, por emissões antrópicas de gases, como o dióxido de carbono, que retém calor e, em excesso, provocam o efeito estufa. Entretanto, apesar de minoritárias, algumas dúvidas de caráter científico ainda envolvem o assunto. Grupos de estudiosos divergem, entre outras coisas, quanto à própria existência ou importância do incremento do referido fenômeno climático de aquecimento global. É o caso de alguns pesquisadores do Lamont-Doherty Earth Observatory da Universidade de Columbia. Estes afirmam que surtos seculares de frio, similares à chamada pequena era glacial11, vêm ocorrendo com certa regularidade, mais ou menos a cada 1450 ou 1500 anos, e que no fim do século XIX e início do século XX, a temperatura voltou a subir cerca de 0,46 graus Celsius, sugerindo que o mundo esteja no início de um longo ciclo secular de aquecimento natural. Pesquisadores do Woods Hole Oceanographic Institute de Massachussets, ao contrário, dizem que tais variações não são 9 Filósofo natural Jean-Baptiste-Joseph Fourier, (tornou-se popular pela invenção da guilhotina). O Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério das Relações Exteriores elaborou o Inventário Brasileiro das Emissões Antrópicas por Fontes e Remoções por Sumidouros de Gases de Efeito Estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal onde o estudo de dois gases de resfriamento estão contemplados, o HFC e o SF6. Este estudo é subdividido nos seguintes itens: setor energético, indústria, solventes, setor agropecuário, mudança no uso da terra e florestas e tratamento de resíduos sólidos, conforme definido pelo IPCC. 10 Trata-se de estudos sobre as alterações climáticas naturais no chamado Holoceno, o período a partir do qual começaram a desaparecer os vestígios da última era glacial, há dez mil anos. 11 285 tão simples de serem determinadas. Ou seja, não seriam variações perfeitamente periódicas impossibilitando que se saiba realmente onde nos situamos no detalhamento destes períodos. Um outro grupo de pesquisa, o National Oceanic and Atmospheric Administrations Geophysical Data Center, do Colorado, argumenta que, mesmo que o mundo esteja no início de um aquecimento natural, qualquer emissão de gases que causem o efeito estufa deve ser vista como problema adicional, pois provocaria uma elevação ainda maior das temperaturas, devendo-se adotar uma postura de prevenção. De fato, algumas perguntas como os períodos atuais de calor, frio, seca e enchente podem ser comparados às variações que ocorreram no passado? ou de que forma os ciclos naturais vão interagir com as alterações ambientais provocadas pelo homem no futuro? ainda não estão respondidas, mas a maioria dos estudos vem apontando para a necessidade de articulação entre os dirigentes dos diversos países no sentido de adoção de medidas cautelosas quanto ao assunto. O termo precautionary investment é utilizado para expressar a postura de que deve-se prevenir quanto ao problema, apesar das incertezas, uma vez que existe o risco de que suas conseqüências sejam catastróficas. Um outro termo associado às medidas de precaução é o no regrets policies, que é a adoção de medidas que não sejam motivo de arrependimento, caso venha a se comprovar que tais problemas não existam, pelo menos na magnitude esperada. Medidas no regret seriam aquelas que repercutem positivamente segundo algum outro indicador que não as mudanças climáticas12. A ocorrência de aquecimento da temperatura da Terra já apresenta resultados menos incertos. Segundo uma pesquisa de Houghton (2000), que analisou e sintetizou diversos estudos feitos sobre os últimos 100 anos, os últimos 1000 anos e os últimos um milhão de anos do clima da Terra, as mudanças relativas à temperatura, são de 0,3 a 0,6 graus Celsius desde 1860, faixa de variação considerada bastante representativa pelo autor. Em uma outra publicação13, nos últimos 70 anos registrou-se aumento médio de 0,6 graus Celsius na temperatura da superfície do globo e para os próximos 100 anos, segundo projeção do IPCC, espera-se aumento entre 1 e 3,5 graus Celsius na superfície terrestre. As discussões quanto às causas do aumento da temperatura envolvem, ainda, algumas dúvidas, que incorrem em questões políticas. Além das dúvidas no que se refere às responsabilidades diferentes de cada país ou grupos de países, um dos assuntos mais importantes diz respeito à diferença de ênfase dada às causas. Alguns estudos14, majoritariamente advindos dos países desenvolvidos, enfatizam que as emissões de gases de efeito estufa ocorridas no presente estão se acelerando nos países em desenvolvimento e este seria o ponto central a ser focado. Outros estudos15 enfatizam a importância da concentração desses gases para o entenSobre os termos precautionary investment, no regret policies e risco, ver IPCC, 1995, pgs10-15. 12 13 BNDES/MCT, 1999. E Gutierrez, M. B. S., 1998, pg 7. World Resources Institute, 1992. Segundo o WRI, o Brasil ocupa o quarto lugar mundial nas emissões per capita de CO2 (ano base 1989) relativas a Processos Industriais somados a Mudanças do Uso da Terra. Estes dados precisam ser melhor avaliados e o Brasil está elaborando seu inventário de emissões, com cautela, devido às repercussões políticas relativas aos dados de desmatamento florestal. Muitas incertezas envolvem tais medições. 14 A COPPE/UFRJ desenvolveu um estudo sobre a contribuição da concentração de gases para o aumento da temperatura global, em conformidade com a Proposta Brasileira para a Convenção do Clima, de Gilvan Meira e J.D.G.Miguez. Ver Rosa e Ribeiro, 2000 e Rosa et al., 2004. 15 286 dimento do processo de aquecimento do clima, o que envolve uma análise histórica do desenvolvimento econômico desses países. A permanência desses gases na atmosfera é de muitos anos. Considera-se, por exemplo, que o dióxido de carbono emitido permanece em média, 140 anos na atmosfera. Segundo Seinfeld e Pandis (1998, pág. 1077), no entanto, este tempo é de 200 anos, estimativa que combina o tempo de vida deste gás na atmosfera, na biosfera e nos oceanos. Historicamente, as mudanças no clima têm afetado o destino da humanidade (Christianson, 1999). As respostas a essas mudanças variaram entre adaptação, migração ou crescimento de modo mais racional. Durante as últimas eras glaciais, o nível dos mares elevou-se e as pessoas se mudaram da Ásia para as Américas e para ilhas do Pacífico. Muitas catástrofes ocorreram na Terra, algumas com menores flutuações climáticas, algumas durante décadas ou séculos de variações da temperatura e outras com períodos longos de secas. A mais conhecida é a Pequena Era Glacial que afetou a Europa na Idade Média que acarretou fome e migração das colônias do norte. As pessoas não tinham capacidade de influir em tais eventos naturais, tendo que se adaptar ou sucumbir a eles. Atualmente, da forma que o problema tem sido colocado, parece que as ações humanas estão afetando o clima, e não mais o clima afetando as pessoas, como no passado. Algumas opiniões mais alarmistas sugerem que estas serão as mudanças mais severas que a Terra receberá, devido às alterações recentemente verificadas nas emissões antrópicas de CO2, CH4 e N2O, principalmente. Em resumo, apesar dos gases de efeito estufa representarem menos de um décimo de um por cento do total da atmosfera, a qual consiste basicamente de oxigênio (21%) e nitrogênio (78%), são vitais, devido a seu papel de manter o clima na Terra adequado à vida. Sem esses gases, a superfície da Terra seria cerca de 30 graus Celsius mais fria do que é hoje. O dióxido de carbono está diretamente envolvido na maioria das atividades humanas, sendo a principal preocupação das intervenções humanas no sentido de mitigação do efeito estufa. Segundo o Manual de Inventários de Gases de Efeito Estufa do IPCC (IPCC, 1996), considerase que no presente o gás carbônico de origem antrópica é principalmente emitido: pela combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) e seus processos industriais, pela queima de combustíveis renováveis (álcool, bagaço de cana, óleos vegetais etc.), por processos industriais (produção de cimento e cal, uso de pedra calcária, produção e uso do carbonato de sódio, amônia, carbonetos, aço e ferro, alumínio, magnésio, principalmente), mudança do uso do solo e silvicultura (o CO2 é o gás mais importante nesta atividade). As emissões de CO2 dos resíduos e agricultura são pequenas ou com balanço líquido das emissões igual a zero. Até a Revolução Industrial as intervenções humanas no ciclo do carbono eram maiores no uso do solo e mudança no uso do solo, através da agropecuária (aragem, fertilizantes, extração vegetal, mudança no uso do solo etc.), uso combustíveis renováveis (lenha, carvão vegetal, gordura animal etc.). Por outro lado o uso de alguns combustíveis fósseis (carvão, xisto etc.) era pequeno, somente para o fornecimento de energias essenciais para a manutenção das civilizações. Aqui, o conceito de energia envolve as energias necessárias para a produção de comida, além da energia para iluminação, aquecimento e cozimento. 16 287 Até a revolução industrial, a grande parte da energia16 produzida num local era consumida em locais próximos e para as populações regionais. Depois da industrialização, com a produção muito eficiente devido ao advento do motor a vapor, com o aumento da eficiência e alcance dos meios de transporte, as energias produzidas num local passaram a ser consumidas em locais cada vez mais longe, abastecendo um número de populações cada vez maiores. Desta forma, a produção local, abastecedora de um sistema global, passou a ter mais responsabilidade no efeito estufa. A industrialização fica muito caracterizada nos países atualmente chamados de industrializados. A Europa, ex-União Soviética, Austrália e a América do Norte lideram o domínio destas tecnologias até a segunda guerra mundial (1945). A partir de então outros países17 adotam cada vez mais este modelo de produção muito eficiente, que envolve enormes quantidades de recursos naturais e seus respectivos rejeitos, caso dos gases de efeito estufa controlados pela Convenção do Clima. A industrialização intensificou a produção, utilizando cada vez maior número de máquinas que consumem muita energia, além de mais eficientemente do que o trabalho humano. Com a industrialização, a locomotiva a vapor teve importante papel no deslocamento de grandes massas por grandes distâncias consumindo grandes quantidades de energia do carvão e derivados do petróleo, principalmente o óleo diesel. Os navios rapidamente passaram a utilizar o motor a vapor e, assim como a locomotiva, aumentou a dependência humana dos combustíveis fósseis e das tecnologias adjuntas. A conseqüência foi a intensificação do consumo de petróleo, que teve a vantagem de ser líquido, barateando a logística de distribuição e produção dos combustíveis fósseis. Da mesma forma que a industrialização multiplicou milhares de vezes as capacidades humanas de transporte e alcance, ela multiplicou os impactos humanos sobre a natureza e sua influência no ciclo do carbono. A invenção do avião foi outro importante passo para os transportes e no consumo de combustíveis fósseis. Com poucos anos de experiência, a aviação desenvolveu-se rapidamente durante as Guerras Mundiais, passando a ser intensamente usada no transporte de passageiros, de cargas valiosas e produtos perecíveis, destacadamente nos países industrializados. Como explicado anteriormente, a revolução industrial tornou as atividades humanas muito intensivas, liberando, em curtos espaços de tempo, grandes quantidades de carbono. A liberação do carbono estocado nas rochas (combustíveis fósseis) foi a força motriz que alterou drasticamente o equilíbrio das concentrações de carbono na atmosfera terrestre e a maior parte é liberada na forma do CO2. 3 Conclusão Conforme discutido no presente trabalho foi intenso o aumento de emissões de GEE relativo ao uso de combustíveis fósseis a partir da Revolução Industrial, como visto nas emissões históricas do uso de combustíveis fósseis das Figuras 1 e 2. 17 Destacam-se: Japão, Tigres Asiáticos e China. 288 Figura 1 e Figura 2 Emissões absolutas e percentuais de CO2 devido ao uso de combustível fóssil por região. (Regiões do IPCC: OECD90 - Países da Organização para Cooperação Econômica e de Desenvolvimento em 1990, REF - Países da Antiga União Soviética e leste europeu, ALM América Latina, África e Oriente Médio, ASIA, Ásia) (PLVV}HVGH&2GRXVRGHFRPEXVWtYHOIyVVLOSRUUHJLmR *J&2 (PLVV}HVGH&2GRXVRGHFRPEXVWtYHOIyVVLOSRUUHJLmR 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 2.50E+07 2.00E+07 21.50E+07 &J1.00E+07 * 5.00E+06 1790 1830 1870 1910 1950 1990 17 5 17 0 6 17 0 7 17 0 8 17 0 9 18 0 0 18 0 1 18 0 2 18 0 3 18 0 4 18 0 5 18 0 6 18 0 7 18 0 8 18 0 9 19 0 0 19 0 1 19 0 2 19 0 3 19 0 4 19 0 5 19 0 6 19 0 7 19 0 8 19 0 90 0.00E+00 1750 $QR OECD90 REF ALM $QR ASIA Total ALM ASIA REF OECD90 Fonte: Marland et al. (1999). A importância da concentração desses gases na atmosfera é fundamental para o entendimento do processo do aumento da temperatura, o que envolve uma análise histórica do desenvolvimento econômico desses países, conforme ilustrado nas Figuras 3 e 4. O trabalho mostrou que existem algumas controvérsias no que diz respeito à própria existência do problema e também no que se refere às relações de causa e efeito no tema das mudanças climáticas. Figura 3 e Figura 4 Concentrações de CO2 absolutas e percentuais de CO2 devido ao uso de combustível fóssil por região. (Regiões do IPCC: OECD90 - Países da Organização para Cooperação Econômica e de Desenvolvimento em 1990, REF - Países da Antiga União Soviética e leste europeu, ALM América Latina, África e Oriente Médio, ASIA, Ásia) &RQFHQWUDo}HVGH&2GRXVRGHFRPEXVWtYHOIyVVLOSRUUHJLmR &RQFHQWUDo}HVGH&2GRXVRGHFRPEXVWtYHOIyVVLOSRU UHJLmRSSPY 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 330 320 Y310 P300 S S290 OECD90 REF ALM 70 50 30 90 19 19 19 19 90 10 19 70 18 50 18 17 18 1990 10 1950 30 1910 18 1870 $QR 18 1830 70 1790 50 1750 17 270 17 280 90 $QR ASIA Total ALM ASIA REF OECD90 Fonte: IVIG, 2004. Entretanto, partindo-se do princípio de que existe um aquecimento global, mesmo que o mundo esteja no início de um aquecimento natural, qualquer emissão antropogênica de gases que causem o efeito estufa deve ser vista como problema adicional, pois provocaria uma elevação ainda maior das temperaturas, devendo-se adotar uma postura de prevenção (Figuras 5 e 6). 289 Figura 5 e Figura 6 Aumento da temperatura média superficial absolutas e percentuais de CO2 devido ao uso de combustível fóssil por região devido às emissões de CO2. (Regiões do IPCC: OECD90 - Países da Organização para Cooperação Econômica e de Desenvolvimento em 1990, REF - Países da Antiga União Soviética e leste europeu, ALM América Latina, África e Oriente Médio, ASIA, Ásia) $XPHQWRGDWHPSHUDWXUDPpGLDVXSHUILFLDOGHYLGRjV HPLVV}HVGH&2GRXVRGHFRPEXVWtYHOIyVVLOSRUUHJLmR R& $XPHQWRGDWHPSHUDWXUDPpGLDVXSHUILFLDOGHYLGRjVHPLVV}HV GH&2GRXVRGHFRPEXVWtYHOIyVVLOSRUUHJLmR 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 5.00E-01 4.00E-01 OECD90 REF ALM 70 90 19 19 30 10 90 50 19 19 19 18 50 70 18 30 18 10 18 1990 90 1950 18 1910 $QR 17 1870 50 1830 17 1790 17 1.00E-01 0.00E+00 1750 70 &3.00E-01 R 2.00E-01 $QR ASIA Total ALM ASIA REF OECD90 Fonte: IVIG, 2004. 4 BIBLIOGRAFIA Benjamin, C. Nossos Verdes Amigos. Revista Teoria e Debate n.12. Ed. Visão. São Paulo, nov.1990. BNDES/MCT. Efeito Estufa e a Convenção sobre Mudança do Clima.1999. Boubel, R. W., Fox, D.L., Turner, D.B., Stern, A.C. Fundamentals of Air Pollution. de Richard W. Boubel, Donald L. Fox, D.Bruce Turner e Arthur C. Stern. Academic Press, third edition, 1994. Christianson, G.E. Greenhouse, the 200-Year Story of Global Warming. de Gale E. Christianson. Walker Publishing Company, New York, 1999. CQNUMC, 2001. Banco de Dados dos Gases de Efeito Estufa da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima. Inventários on-line, disponíveis no endereço da Internet www.unfccc.de, em outubro de 2001. Graedel, T. E., Crutzen, P.J. Atmosphere, Climate and Change. American Library, New York, 1997. Houghton, J. Global Warming, the Complete Briefing. Cambridge University Press, 2000. IVIG, 2004. Apresentação do modelo IVIG de contribuição para o aquecimento global para o grupo Ad Hoc sobre modelagem e pesquisa das contribuições para a Mudança do Clima do Grupo Científico e Técnico da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Ver endereço www.match-info.net. IPCC, 1996. Revised 1996 IPCC Guidelines Greenhouse Gas Inventory: Reference Manual. Intergovernamental Panel on Climate Change. Volume 3, 1996. Marland, G., R. J. Andres, T. A. Boden, C. Johnston, and A. Brenkert, 1999. Global, Regional, and National CO2 Emission Estimates from Fossil Fuel Burning, Cement Production, and Gas Flaring: 1751-1996 (revised March 1999), Dataset NDP030. Carbon Dioxide Information and Analysis Center (CDIAC), Oak Ridge Laboratory, Oak Ridge, 1999. Ramanathan, V. e Vogelmann, M. Greenhouse effect, atmospheric solar absorption and the earths radiation budget: from the Arrenius-Langley Era to the 1990s. Revista AMBIO Vol. 26 N.1, Fev, 1997, Royal Swedish Academy of Sciences. 1997. Rosa, L.P., Ribeiro, S.K. The Present, Past and Future Contributions to Global Warming of CO2 Emissions from Fuel. A Key for negotiation in the Climate Change. Climate Change Journal, 2000. Rosa, L.P., Ribeiro, S.K., Muylaert, M.S., Campos, C.P. 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A instituição de um sistema internacional legal, instaurado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) e seu Protocolo de Quioto, tem permitido vislumbrar-se alguns instrumentos de mitigação, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). A adequada implementação de tais ferramentas jurídicas pressupõe não somente sua abordagem econômica, social ou política, mas, sobretudo, sua compreensão jurídica. Sob um tal enfoque, o presente artigo tem como objetivo identificar as principais normas pertinentes ao MDL. Para tanto, optou-se por apontar as normas criadas no âmbito da CQNUMC, destacando-se os aspectos jurídicos de relevância. Palavras-chave: mudanças climáticas MDL sistema jurídico internacional INTRODUÇÃO As mudanças climáticas, ocasionadas pela intensificação do efeito estufa adicional, há mais de uma década, é tema central da agenda internacional dos Estados. Suas origens, relacionadas com causas naturais e com a atividade humana, principalmente o uso intensivo de combustíveis fósseis, são um desafio para os países e as organizações internacionais que buscam enconMestranda do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp ** Professor Doutor do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp *** Professor Doutor da Faculdade de Direito USP Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, Caixa Postal 6122, CEP 13083-970. Fone: (19) 3788 3285 - Fax (19) 3289 3722. E-mail: [email protected] * 291 trar alternativas para o gerenciamento do problema. A instituição de um sistema internacional legal, instaurado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) e seu Protocolo de Quioto, tem permitido considerar a oportunidade de alguns instrumentos de mitigação, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). A adequada implementação de tais ferramentas jurídicas pressupõe não somente sua abordagem econômica, social ou política, mas, sobretudo, sua compreensão jurídica. Sem uma tal abordagem, corre-se o risco de surgirem importantes barreiras legais, e, com estas, aumento de custos de transação, o que pode dificultar ou até inviabilizar a adequada implementação dos tratados internacionais, bem como o desenvolvimento de projetos de MDL. Daí a importância na identificação desse marco regulatório internacional e seus aspectos jurídicos de relevância. O presente artigo tem, pois, como objetivo identificar as principais normas pertinentes ao MDL e, para tanto, optou-se por apontar as normas criadas no âmbito da CQNUMC, destacando os aspectos legais pertinentes. Dessa forma, procurou-se, primeiramente, contextualizar o problema das mudanças climáticas, delineando-lhe suas características essenciais. Posteriormente, buscou-se explicitar como o direito foi chamado a intervir e os instrumentos jurídicos então criados para enfrentar o problema. Feito isso, buscou-se destacar as principais normas relativas ao MDL e, por fim, procurou-se apenas apontar a exigibilidade dessas normas no contexto internacional. 1 MUDANÇAS CLIMÁTICAS: PROBLEMA GLOBAL / SOLUÇÃO GLOBAL A vida no planeta Terra, tal qual a conhecemos, tornou-se possível apenas em função dos mecanismos de regulação do clima, como o efeito estufa, ou seja, a retenção da radiação solar provocada por certos gases, notadamente o dióxido de carbono, ozônio, metano, óxido nitroso, e halocarbonos (FBMC, 2002). Contudo, as emissões crescentes desses gases, principalmente do dióxido de carbono, têm contribuído para a intensificação do efeito estufa, provocando mudanças no clima. As evidências das mudanças climáticas, também conhecidas como aquecimento global, mostram-se irrefutáveis. A temperatura global aumentou em média 0,2 a 0,6ºC no século XX, sendo essa elevação mais intensa nos continentes do que nos oceanos. No Hemisfério Norte, a década de 90 foi a mais quente nos últimos 1000 anos. Ainda no Hemisfério Norte, a precipitação de chuvas aumentou em torno de 5 a 10%, no século XX, enquanto decresceu em outras regiões, como no Mediterrâneo e na África. Ao mesmo tempo, o nível médio dos mares elevou-se de 10 a 20 cm (IPCC, 2001). Esse aumento das emissões de gases precursores do efeito estufa, mais do que decorrência da própria transformação natural do clima, deve-se à atividade antrópica. Com efeito, grande parte das emissões resulta do uso intensivo de combustíveis fósseis, da crescente alteração dos usos da terra e da consolidação de um modo de vida baseado no consumo abusivo de bens naturais e na evolução tecnológica sem precedentes. As mudanças climáticas, hoje sob profundo e intenso estudo, despontam, em pleno século XXI, como um dos principais problemas mundiais a ser enfrentado pela humanidade. Sem dúvida, os possíveis efeitos do aquecimento global poderão afetar profundamente os ecossistemas naturais, bem como as relações sociais, econômicas e políticas da sociedade contemporânea. O que está em jogo, assim, é a capacidade adaptativa dos seres vivos e, em especial, do homem, às alterações provocadas pelo aquecimento global. 292 Tais constatações levaram MATEO (1992) a destacar três características principais da ameaça do aquecimento global: a) universalidade: o clima é um elemento difuso, que atinge de forma dinâmica e integrada, todo o planeta; b) inter-relação: o clima age em dinâmica interconexão com os demais elementos da biosfera, não conhecendo, essa dinâmica, fronteiras; c) gravidade das conseqüências: a alteração do clima ameaça a todos os seres humanos de forma comum. É que, como afirma RUIZ (1999), assim como outros elementos do meio ambiente, o clima constitui um continuum ecológico, que se projeta tanto nos espaços submetidos à soberania dos Estados, como mais além destes. Dessa forma, a atmosfera e os mecanismos de regulação do clima, por ignorarem divisões político-jurídicas, pressupõem uma regulação eminentemente supranacional. 2 REGULAÇÃO INTERNACIONAL DA PROTEÇÃO DO CLIMA O reconhecimento do papel das atividades antrópicas como principal causa das mudanças climáticas inaugura, na sociedade contemporânea, um conflito totalmente novo e de imensurável proporção: a contrariedade entre a manutenção do equilíbrio das condições de vida sobre a Terra e o próprio sistema de produção vigente. Face à concreta ameaça contra suas bases de equilíbrio vital, a sociedade começa a vislumbrar novos valores, notadamente, a necessidade de restauração do equilíbrio do sistema climático. Assim sendo, o clima (ou o equilíbrio climático mínimo) passa a ser percebido pelo direito como um valor social que precisa ser tutelado. De elemento meramente físico, e, portanto estranho às relações jurídicas, o clima passa a ser objeto de direito (Rei 1993-4). E, numa perspectiva muito mais abrangente, o clima (ou o equilíbrio climático mínimo) eleva-se a patrimônio comum da humanidade (REI 1993-4). Ao ser assim juridicamente qualificado, o clima ganha toda uma conotação especial, intimamente associada à noção de direito fundamental da pessoa humana. Sob um tal enfoque, o clima (ou o equilíbrio climático), como fator essencial à qualidade de vida, passa a ser também tipificado como legítimo direito de terceira geração, cuja característica marcante é exatamente sua natureza difusa. A proteção do clima, agora, ao adentrar no âmbito dos direitos humanos, ganha significação ímpar. Segundo REI (1993-4, p.121), o clima passa a ter novos imperativos, já que, como um bem comum, há de ser utilizado por todos os seres humanos de forma eqüitativa, submetendo-se a uma gestão racional, necessariamente pacífica. O novo status de patrimônio comum da humanidade, igualmente, permite, ao sistema internacional, a formulação de normas jurídicas reguladoras, imprescindíveis à compatibilização do seu uso. 2.1 Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas CQNUMC Como visto no item anterior, a dimensão global das mudanças climáticas, mesmo que já percebida como um problema que requer solução urgente, ainda desafia uma reação mais efetiva e igualmente global da sociedade humana. A preocupação com o aquecimento global somente começou a ganhar foros internacionais na década de 70, através das Conferências promovidas pela Organização Metereológica Mundial em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA. Apesar de já na 1ª Conferência Mundial do Clima, realizada em 1979 na cidade de Genebra, haver-se reconhecido a seriedade do problema do aquecimento global, somente 11 anos depois, na 2ª Conferência Mundial do Clima, realizada na mesma cidade, chegou-se à conclusão de que os Estados deveriam adotar medidas nacionais e regionais destinadas a reduzir as fontes emissoras e também negociar um tratado internacional sobre o tema (REI, 1993-1994, p.59). 293 A partir de então, iniciaram-se os trabalhos de negociação, sob o comando da ONU, culminando num texto legal que, posteriormente, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - ECO/92, foi assinado por 153 países, transformando-se na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC). A CQNUMC, destarte, formaliza, no âmbito internacional, a proteção legal do clima, advindo daí novas e originais implicações jurídicas. O reconhecimento da importância do equilíbrio do clima como novo valor social a ser tutelado pelo direito teve, na CQNUMC, sua maior e mais significativa expressão. Todo o conteúdo da CQNUMC explicita a preocupação da sociedade mundial com as mudanças climáticas e a necessidade de proteger o sistema climático em benefício das presentes e futuras gerações da humanidade (Artigo 3 princípio 1). A CQNUMC surge, nesse contexto, como ato jurídico internacional que, assimilando os novos valores e preocupações sociais, toma o clima como objeto de tutela jurídica, estruturando-lhe todo um sistema jurídico de gestão. Em outras palavras, a CQNUMC inaugura o regime jurídico internacional de proteção do clima que tem como principais objetivos a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça a interferência antrópica perigosa no sistema climático e a promoção do desenvolvimento sustentável (Artigo 2). Para tanto, lança mão de princípios do direito internacional do meio ambiente, como a responsabilidade comum mas diferenciada, a precaução, a participação, a informação e a cooperação internacional. Reconhecendo que a maior parte das emissões globais de gases precursores do efeito estufa, atuais e globais, é originária dos países desenvolvidos e industrializados, e que os países em desenvolvimento ainda precisam expandir suas economias para atingir o desenvolvimento, a CQNUMC adotou o princípio da responsabilidade comum mas diferenciada no seu Artigo 3, itens 1 e 3. A adoção desse princípio permitiu que se definissem, posteriormente no Protocolo de Quioto, metas concretas de redução das emissões para cada país desenvolvido, protelando-se igual medida para os países em desenvolvimento até 2008. O princípio da precaução, tal qual previsto no Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 92, abarca duas noções elementares: a de risco e a de incerteza científica. Assim, proclama que, diante de uma incerteza científica, deve-se evitar o risco de danos ao meio ambiente. Esse princípio foi acolhido pela CQNUMC, no seu artigo 3º, alínea 3. Igualmente, os princípios da participação e a da informação, expressos na CQNUMC, também adquiriram função elementar no funcionamento do sistema climático, posto que consagraram o acesso livre às informações e a participação pública no processo decisório. FRANGETTO e GAZANI (2002, p.37) ressaltam a importância deste último princípio como agente legitimador da crescente participação efetiva da sociedade civil e, principalmente, das ONGs, na dinâmica do sistema jurídico climático. A idéia de patrimônio comum da humanidade, ao remeter à noção de interesse comum a todos os seres humanos, cria a obrigatoriedade de cooperação entre os Estados. Para RUIZ (1999, p.15-6), esse princípio deve ser posto não no sentido de cooperação utilitarista, circunscrita à idéia de vantagem mútua, mas, num nível além, de satisfação cooperada e solidária de objetivos de caráter coletivo. Desta feita, como defende SOARES (2002, p.478 e sgts), nascem novas condutas de cooperação, atinentes a deveres de intercâmbio de informações científicas e tecnológicas, de notificação, de assistência e tratamento eqüitativo. 294 Importante também destacar o papel da noção de desenvolvimento sustentável, trazida pela CQNUMC como um de seus objetivos principais. Dessa forma, o desenvolvimento sustentável aparece, em todo o texto da CQNUMC, também como um elemento condutor das ações a serem implementadas. Deve-se reconhecer, por fim, que os princípios aqui consignados, como todos os demais, ilustram a progressiva ingerência das normas de soft law no direito internacional, notadamente na regulação das questões relativas ao meio ambiente. O predomínio da soft law no direito internacional do meio ambiente dá a este ramo um caráter muito mais flexível, fluido e até mesmo democrático, já que permite à sociedade participação mais efetiva na sua construção. Essa característica pode ser vista na estruturação do regime jurídico instituído pela CQNUMC, que, ao criar um sistema concatenado de ações, permite o surgimento de órgãos subsidiários e, com eles, uma série de textos normativos tipicamente de soft law. Isso decorre, em parte, também da própria natureza de convenção quadro, ou, como prefere a doutrina,moldura, da CQNUMC. SOARES (2002, p.63) ensina que essa espécie de tratado caracteriza-se por traçar uma moldura normativa de direitos e deveres de natureza vaga, que, por isso, pedem uma regulamentação mais pormenorizada. Essa se dá com a criação de um órgão composto por representantes dos Estados-partes, a quem são delegados poderes de complementar e expedir normas de especificação. A cada reunião desse órgão, chamado Conferência das Partes (COP), são discutidos e normatizados pontos ainda indefinidos da convenção-quadro. Surge, assim, continuamente, um corpo normativo direcionado a uma gestão integrada e harmônica do objeto jurídico tutelado pela convenção-quadro. De 1994 até hoje, foram realizadas 9 Conferências das Partes, destacando-se, dentre estas, duas de elementar importância: a COP 3, realizada na cidade de Quioto/Japão e a COP 7, realizada em Marraqueche/Marrocos. Como resultado da primeira, instituiu-se o Protocolo de Quioto, primeiro ato de direito internacional, com efeito vinculante, a efetivamente prever medidas concretas de redução de emissões e mecanismos para tanto. Na segunda, foram firmados os Acordos de Marraqueche, uma série de normas reguladoras dos mecanismos criados pelo Protocolo, em especial, do MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. 2.2 Protocolo de Quioto O Protocolo de Quioto é o primeiro tratado a efetivamente prever medidas de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa. Assim, os Estados-partes desenvolvidos, discriminados no Anexo B do Protocolo, comprometeram-se a diminuir a emissão dos seis principais gases causadores do efeito estufa (CO2, CH4, N2O, HFCs, PFCs, SF6) em 5% em relação aos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012. Essa obrigação assumida no Protocolo rendeu sérias discussões e a dissidência do principal responsável pelas emissões os EUA. Para este país e outros Estados (como a Austrália), que até hoje se negam a ratificar o Protocolo, a meta quantitativa estabelecida no texto internacional mostra-se inaplicável e, por ser geral a todos os países insertos no Anexo B, ignora a realidade e o contexto de cada um dos Estados. Outra crítica tecida por aquele país diz respeito ao fato de que o Protocolo excluiu do compromisso de redução países como Brasil, China e Índia, cujas emissões, a médio e longo prazo, tendem a superar as de muitos países desenvolvidos. Este questionamento liga-se à crítica ao sistema de avaliação histórica das emissões, base do princípio da responsabilidade comum mas diferenciada (FRENCH, 1998). 295 A negativa de ratificação do Protocolo por parte dos EUA (e outros países, como Austrália) impediu, até o momento, que o tratado entre em vigor. Isso porquê, para que possa plenamente viger, o Protocolo precisa ter a ratificação de pelo menos 55 Partes da CQNUMC, cujas emissões somadas devem contabilizar, no mínimo, 55% das emissões totais de carbono emitidas em 1990 (artigo 25). A esperança de que o texto internacional possa entrar em vigor o quanto antes reside na promessa da Rússia em ratificá-lo ainda este ano. A indefinição quanto ao futuro do Protocolo de Quioto talvez seja o maior e mais sério óbice enfrentado pela sistemática jurídica criada pela CQNUMC. Sem a plena vigência das normas insertas no Protocolo, as necessárias medidas de redução das emissões perdem espaço de atuação legal e, com isso, importante instrumento de combate às mudanças climáticas fica diferido para segundo plano. Entretanto, não se pode deixar de atribuir ao Protocolo um valor normativo. Apesar de não estar em vigor, produz efeitos jurídicos, criando situações jurídicas novas. Em termos estritamente jurídicos, o Protocolo de Quioto já possui existência e validade jurídica para os países que o ratificaram, mas, por não estar em vigor, prescinde de eficácia jurídico-formal. Porém, as iniciativas espontâneas dos países que já subscreveram e ratificaram o Protocolo de Quioto em, independentemente dos aspectos jurídico-formais, cumprir os ditames legais nele insertos comprova a existência de atos de vontade capazes de fazer valer o texto jurídico ainda formalmente ineficaz. A eficácia dita social do Protocolo de Quioto pode ser comprovada pelo surgimento progressivo de inúmeras atividades conjuntamente implementadas, no âmbito da EU e dos países em transição, a proliferação de projetos de MDL nos países em desenvolvimento, e a crescente regulamentação, no âmbito do Conselho Executivo e das COPs, de todos os mecanismos nele previstos. Não obstante enfrentar obstáculos jurídicos e políticos, o Protocolo ainda representa um marco no trato das questões climáticas, principalmente porque previu, mais que metas bem definidas de redução de emissões, mecanismos de implementação, como o mercado de carbono, as joint implementations e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os dois primeiros destinam-se apenas aos países desenvolvidos e o último tem como escopo a participação dos países em desenvolvimento no enfrentamento da mudança do clima. O artigo 12 do Protocolo de Quioto institui o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo- MDL como o único instrumento de flexibilização a permitir a participação dos países em desenvolvimento nas metas de redução de emissões de gases precursores de efeito estufa (GEE) impostas aos países desenvolvidos. O objetivo do MDL é, assim, assistir as Partes incluídas no Anexo I da CQNUMC países desenvolvidos na consecução de suas metas quantificadas de GEE, e, por outro lado, assistir as Partes não incluídas no Anexo I países em desenvolvimento na consecução de práticas de desenvolvimento sustentável. Para ser considerado como uma atividade de MDL, qualquer projeto necessita antes preencher os requisitos insertos no artigo 12 do Protocolo de Quioto, chamados critérios de elegibilidade. São eles: a) a participação dos países envolvidos com o projeto deve ser voluntária e aprovada pelos órgãos governamentais competentes de cada país; b) a atividade do projeto deve resultar em benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo, relacionados com a mitigação das mudanças climáticas; c) as reduções de emissões de GEE devem ser adicionais ao que ocorreria na ausência da atividade do projeto; d) a atividade do projeto 296 deve contribuir para o desenvolvimento sustentável, segundo as diretrizes do país anfitrião do projeto. A aferição desses critérios de elegibilidade é feita por meio de um complexo processo, instituído nos Acordos de Marraqueche. 2.3 Acordos de Marraqueche Vinculados ao quadro regulador e instituídos durante a COP-7, os Acordos de Marraqueche formam um conjunto de normas que, entre outras questões, regula o procedimento de certificação de projetos de MDL. Esse procedimento é composto por etapas: concepção do projeto; validação e registro; verificação e monitoramento; certificação. No intuito de fornecer a estrutura institucional internacional necessária ao acompanhamento do procedimento de certificação, os Acordos de Marraqueche criam alguns órgãos, como o Conselho Executivo (CE: tem como principais atribuições coordenar todo o processo, acreditar EOD, aprovar metodologias de linha de base), as Entidades Operacionais Designadas (EOD: têm a principal função de validar, verificar e monitorar e certificar as reduções de emissões de projetos e MDL) e as Autoridades Nacionais Designadas (AND: são os órgãos instituídos em cada país com as atribuições de coordenar a implementação do MDL em nível nacional e definir os critérios de desenvolvimento sustentável). 2.4 Outras Decisões: Decisão 21/COP-8 e Decisão COP-9 Como resultado da COP-8, ocorrida em Nova Delhi, foram instituídas as modalidades e procedimentos para projetos de pequena escala. Essa norma tem como escopo possibilitar o desenvolvimento de pequenos projetos, através da diminuição dos custos de transação envolvidos no processo de certificação. Dessa forma, o procedimento de certificação, apesar de manter as mesmas etapas previstas no ciclo do projeto previsto nos Acordos de Marraqueche, estipula requerimentos menos rígidos e mais simplificados. Dadas essas características, apenas as atividades previstas no Anexo I da Decisão 21/ COP-8, podem ser incluídas como projetos de pequena escala. São elas: a) energia renovável com capacidade instalada de no máximo 15MW; b) eficiência energética que reduzam o consumo de energia no lado da demanda/suprimento até o equivalente de 15GWh por ano; c) qualquer outra atividade que reduza emissões antropogênicas de GEE por fontes e diretamente emita menos de 15kt de CO2 equivalente anualmente. Como resultado da COP-9, ocorrida em Milão, foram aprovados os procedimentos e modalidades para projetos de MDL referentes a atividades de reflorestamento e florestamento. Tais normas inovam em diferentes aspectos, criando dois novos tipos de Reduções Certificadas de Emissões (RCEs): temporárias e de longo prazo; estabelecendo a necessidade de avaliação não só ambiental, mas também sócio-econômica dos projetos; priorizando atividades que envolvam comunidades tradicionais e de baixa renda, etc. 2.5 Exigibilidade do cumprimento das normas internacionais de proteção do equilíbrio climático Questão que se levanta diz respeito à existência de medidas legais em hipóteses de descumprimento das obrigações assumidas pelos Estados-partes quando de suas adesões aos textos jurídicos internacionais de proteção do equilíbrio climático. Sabe-se que o descumprimento de um tratado implica responsabilidade internacional do Estado transgressor e sua obrigação de reparar o ilícito. 297 É tema de delicada abordagem, a exigibilidade do cumprimento dos tratados internacionais pelos Estados-partes e revela-se um desafio aos juristas e internacionalistas, principalmente porque implica a aceitação de sanções internacionais imputáveis a Estados soberanos. Afinal o direito internacional é um direito diferente, aplicável a uma sociedade muito peculiar. A CQNUMC não especifica hipóteses de sanções em caso de descumprimento das obrigações de conduta impostas no artigo 4º. Os únicos mecanismos previstos de discussão da implementação das normas contidas na convenção estão contidos nos artigos 13 e 14, relativos à criação de um processo de consultas multilaterais e solução de disputas, respectivamente. Tais processos respondem à evolução do sistema internacional, da interdependência crescente e da necessária regulação normativa da vida internacional assentada no princípio da cooperação. O artigo 13 ainda tem sido objeto de discussão, tendo sido elaborado um termo de referência durante a COP 4. Esse termo de referência sugere a instituição de um Comitê de Consultas Multilaterais com o objetivo resolver questões sobre a implementação da convenção, podendo prover decisões sobre: a) dúvidas de uma Parte a respeito de algum aspecto relacionado às suas atividades de implementação da convenção; b) dúvidas de um grupo de estados a respeito de suas atividades de implementação da convenção; ou c) requerimento de uma Parte ou grupo de Partes a respeito da implementação da convenção por outra Parte. O artigo 14 disciplina a hipótese de surgimento de controvérsia entre as Partes quanto à interpretação ou aplicação da Convenção, determinando os mecanismos apropriados para a solução do impasse. Apesar de conexo à CQNUMC, o Protocolo de Quioto mantém sua autonomia como tratado internacional, podendo, assim, estipular mecanismos de sanção apropriados às normas que disciplina. Dessa forma, no seu artigo 18, incumbiu-se à COP a atribuição de aprovar procedimentos e mecanismos adequados e eficazes para determinar e tratar casos de não-cumprimento das disposições do tratado. Não obstante o Protocolo haver ordenado a criação de tais mecanismos já na primeira sessão da COP posterior à sua aprovação, até o momento, o artigo 18 não foi regulado pela COP, persistindo a inexistência de qualquer mecanismo de sanção dos Estados-partes pelo não-cumprimento das obrigações nele insertas. Independentemente de outros argumentos de que Protocolo ainda não entrou em vigor e suas normas ainda não são juridicamente vinculantes, tendo em vista a intensa regulamentação de outros aspectos igualmente previstos no Protocolo, como o caso dos mecanismos de flexibilização, permite-se indagar os reais motivos da ausência de regulamentação do mencionado artigo 18. De fato, a questão não pode ser respondida de maneira simplista. Existe uma relação de mútua influência entre o sistema político internacional e as questões globais. O direito internacional do meio ambiente será transformado na sua produção, nos seus conteúdos e na sua efetividade segundo o avanço do conhecimento científico e a configuração momentânea do sistema. Mas, ao mesmo tempo, segundo NASSER (2004, p.46), o direito é um dos elementos que dão à configuração do sistema suas características, e influi nas relações entre os seus membros. Não há, portanto, como imaginar uma evolução de um sem a evolução do outro. E assim, a exemplo dos instrumentos da soft law, restanos considerar que o Protocolo produz efeitos, cria determinadas obrigações e influencia o comportamento dos Estados antes mesmo de passar a viger. 298 CONCLUSÃO A universalidade, a inter-relação e gravidade das conseqüências características das mudanças climáticas, por um lado, e a qualidade difusa do direito ao equilíbrio climático e sua elevação a direito fundamental da pessoa humana, por outro, impuseram medidas de enfrentamento internacionais, como a CQNUMC e o Protocolo de Quioto. Tais normas internacionais apresentam aspectos eminentemente jurídicos, cuja análise mostra-se de relevância à plena compreensão de sua aplicabilidade, com profundas implicações políticas e econômicas. Com efeito, o formato jurídico dado à CQNUMC permite compreender a estrutura organizacional momentânea criada para implementar esse tratado, bem como o valor jurídico das normas criadas por tais órgãos. A identificação dos princípios de direito internacional existentes tanto na CQNUMC como no Protocolo de Quioto fornece as bases sobre as quais se assentam os mecanismos criados para enfrentar as mudanças climáticas, apesar da variabilidade das configurações do sistema político da sociedade internacional. Por isso, a análise jurídica também demonstra como o direito não foge aos aspectos econômicos, políticos e sociais, ao vislumbrar-se a ausência de mecanismos efetivos de penalização dos Estados-partes em caso de não-cumprimento das obrigações internacionalmente assumidas. No entanto, não se pode dizer que a estrutura do sistema e seu marco regulatório estejam desprovidos de mecanismos de cumprimento, que só podem de fato resultar das interações entre os Estados. REFERÊNCIAS FBMC - FÓRUM BRASILEIRO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS. Guia de Informação. Brasília: Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, 2002. Disponível em: <http://www.forumclimabr.org.br>. 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Tese de doutorado apresentada à Faculdad de Derecho de la Universidade de Alicante. 1993-1994 RUIZ, José Juste. Derecho Internacional del medio ambiente. Madrid: 1999. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. Vol. 1. São Paulo: Atlas, 2002. 299 IMPACTOS DA VARIABILIDADE GEOGRÁFICA NA ANÁLISE DE CICLO DE VIDA DE UM SISTEMA ENERGÉTICO: O EXEMPLO DE UMA TURBINA EÓLICA Ulrike Wachsmann * RESUMO A análise de ciclo de vida de um certo produto pode chegar a resultados bastante diferentes, dependendo da localização da sua produção. É o objetivo desse estudo fornecer um exemplo de variabilidade geográfica examinando a energia e o CO2 embutidos em uma turbina eólica particular produzida no Brasil e na Alemanha. Os resultados demonstram a importância de uma consideração adequada do sistema econômico local. INTRODUÇÃO A análise de ciclo de vida (ACV) de um produto ou processo tem como objetivo capturar impactos ambientais que se acumulam ao longo do período berço-ao-túmulo. Em geral, esses impactos ocorrem ou diretamente durante a produção do produto, ou durante o processo (on-site), ou são causados indiretamente durante o fornecimento dos insumos à produção ou ao processo (off-site). Enquanto os impactos diretos são características únicas de cada produto ou processo, os impactos indiretos podem variar com a estrutura e o desempenho do sistema fornecedor, ou seja, da economia da localização da produção. O objetivo deste trabalho é obter uma idéia da variabilidade das contribuições indiretas a um inventário de ciclo de vida (ICV) para produtos nominalmente idênticos, causada por variações geográficas do sistema fornecedor. No estudo examina-se o ciclo de vida de uma turbina eólica específica, produzida no Brasil e na Alemanha. Esses países foram escolhidos, por um lado, por causa da disponibilidade de dados e, por outro lado, pelas diferenças significativas nas estruturas econômicas e nas suas características de geração de energia. A análise é feita em termos de energia e de CO2. Doutoranda do Programa de Planejamento Energético COPPE UFRJ; Pesquisadora do CENERGIA Centro de Economia Energética e Ambiental; E-mail: [email protected]. CENERGIA Centro de Economia Energética e Ambiental PPE/COPPE/UFRJ, Centro de Tecnologia, Bloco I, Sala I-034, Ilha do Fundão, 21945-970 Rio de Janeiro, Brasil * 300 O trabalho é estruturado da forma seguinte: a próxima seção apresenta a turbina eólica E-40 e descreve a estrutura econômica brasileira e alemã, enfocando o sistema de geração de energia. Em seguida, se introduz brevemente a metodologia da ICV híbrida - utilizada neste estudo -, e as fontes de dados. Por fim, serão apresentados os resultados de uma forma comparativa.1 A turbina eólica E-40 no Brasil e na Alemanha A turbina eólica modelo E-40 produzida pela empresa alemã ENERCON é caracterizada por um rotor de 3 pás, controlado por ângulo de passo com uma potência nominal de 600 kW. O diâmetro do rotor e a altura do eixo são variáveis, podendo ser ajustados às condições prevalentes em qualquer local. A turbina não tem caixa de engrenagens e o rotor está acoplado direto ao gerador. As pás do rotor (diâmetro de 40 ou 44 m) são feitas de fibra de vidro reforçado com epoxy. A torre pode ser de aço tubular ou de concreto armado. Em 1996, a ENERCON fundou uma subsidiária no Brasil. Desde então, a E-40 foi montada inicialmente com pás, fundação e torre produzidas no Brasil, e gerador e nacele importados da Alemanha. A produção completa da E-40 no Brasil começou em 2000. No início do ano 2001, a subsidiária tinha instalado 35 turbinas eólicas nos Estados do Ceará e do Paraná com uma potência nominal de 17,5 MW (81% da capacidade eólica instalada total). [2] Como a ênfase desse trabalho encontra-se nos sistemas fornecedores econômicos, a seguir apresenta-se uma visão geral da estrutura econômica e energética do Brasil e da Alemanha (Fig. 1 e 2). No Brasil, todos os setores, exceto serviços, são mais importantes para a geração do PIB. A Alemanha, como país industrializado, naturalmente conta com uma extensão maior do setor terciário. Em 1995, o PIB per capita foi equivalente a 5928 U$PPP no Brasil e 20.370 U$PPP na Alemanha. Figura 1 - Participação dos setores na geração do PIB: Brasil (na esquerda) e Alemanha (na direita) [3], [4] Agricultura 5.8% Agricultura 1.4% Mineração 1.0% Mineração 0.5% Serviços 27.9% Fabricação 29.5% Serviços 42.2% Fabricação 33.8% Transporte/ Comércio 9.5% Utilidades públicas/ Construção 9.6% Alimentos 3.9% Alimentos 12.3% Transporte/ Comércio 13.3% Utilidades públicas/ Construção 9.3% 1 Para informações mais detalhadas, consultar o trabalho de LENZEN e WACHSMANN (2004) [1], no qual este trabalho é baseado. 301 Figura 2 - Participação do uso de energia primária nos setores industriais: Brasil (na esquerda) e Alemanha (na direita) [5],[6] Mineração2 1.9% Agricultura 1.3% Serviços1 1.9% 123 Utilidades públicas 20.3% Utilidades públicas 37.4% Alimentos 6.3% Fabricação 56.6% Fabricação 71.8% Transporte 1.1% Combustíveis fósseis sólidos Petróleo Energia nuclear Energia hidráulica Lenha Outras Ambos os países são caracterizados por um alto consumo de combustíveis líquidos derivados no petróleo. Enquanto o gás natural e a energia nuclear a são apenas importantes nas indústrias alemãs, a energia hidráulica, o bagaço, a lenha e o álcool da cana-de-açúcar são importantes unicamente para o caso Brasil. Dado que todas essas últimas fontes energéticas são renováveis, espera-se que o balanço de carbono dos produtos brasileiros seja consideravelmente mais baixo que no caso dos produtos alemães. Vale ressaltar que, o setor utilities (principalmente a geração de eletricidade) consome bem menos energia no Brasil, devido à eficiência de conversão da energia hidráulica ser muito maior que a do carvão. Metodologia: a ACV baseada nas tabelas de insumo-produto com unidades híbridas A análise de insumo-produto é uma técnica econômica top-down, que utiliza dados das transações monetárias intersetoriais para contabilizar as interdependências complexas entre as indústrias das economias modernas. O resultado da análise de insumo-produto generalizada é um multiplicador fatorial de formato 1×n, que representa a quantidade embutida do fator de produção (como água, trabalho, energia, recursos e poluentes) por unidade do consumo final dos bens e serviços produzidos por n setores industriais. Um multiplicador m pode ser calculado a partir de um vetor f (1×n) contendo o uso setorial do fator de produção, e da matriz dos requerimentos diretos A (n×n) conforme com m = f (I-A)-1, (1) onde: I é a matriz de identidade (n×n). Neste trabalho, m é expressado em preços de consumidor, incluindo margens, mas não 302 taxas de venda. [7] O inventario Φ (escalar) de um dado produto ou processo, representado por um vetor de insumos de bens y (n×1) e um escalar Φd do uso direto do fator é calculado da forma seguinte: Φ = my + Φd. (2) my representa o uso indireto dos fatores embutidos em todos os insumos aos produtos e processos. Fontes de dados Este trabalho é baseado no estudo de ciclo de vida da turbina eólica E-40 elaborado por PICK e WAGNER [8,9]. Todos os detalhes técnicos, as condições do local e os custos são adotados do exemplo alemão e transferidos ao contexto brasileiro. Isso significa que uma turbina eólica idêntica àquela que está operando na Alemanha é examinada, mas agora produzida e operando (em parte ou inteiramente) no Brasil. Considerando as equações 1 e 2, três tipos de dados são requeridos para a realização deste estudo, a saber: (1) as estatísticas do uso dos fatores energia e CO2, (2) a matriz de requerimentos diretos A, e (3) um vetor dos insumos à turbina (componentes) y, preferivelmente da mesma moeda (aqui: U$). Para o Brasil, os dados do uso energético industrial e residencial são regularmente publicados pelo Ministério de Minas e Energia para 24 fontes de energia primária e secundária [5]. Hidroeletricidade é valorada como potencial hídrico e não é convertida para o equivalente térmico. A matriz de requerimentos diretos faz parte das tabelas de insumo-produto publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [3], detalhando 80 commodities e 43 setores. Finalmente, o conteúdo de CO2 é baseado no trabalho de SCHECHTMAN et al. [10]. Para a Alemanha, os dados de energia e CO2 são extraídos das tabelas de insumoproduto publicadas por [4,6], onde são distinguidos 59 commodities e setores. Todo transporte de carga é examinado com base nas distâncias entre e dentro dos países, utilizando intensidades de energia e carbono calculadas para Austrália [11]. O impacto dos rejeitos da turbina é assumido como desprezível (conforme [12,13]). Finalmente, os custos dos insumos y da E-40 em 1995 DM são derivados dos dados documentados por PICK e WAGNER [9]. Esses custos foram convertidos para dólares de 1995 utilizando a taxa de câmbio de 1,5 1995DM/1995U$ [14]. Os custos da produção brasileira são obtidos pelo ajuste dos custos da Alemanha, considerando uma porcentagem mais baixa dos insumos primários (como salários e capital) no Brasil.3 Em 1995, um Real brasileiro (R$) foi cotado a aproximadamente um dólar americano (U$) [15]. Resultados Quatro cenários são examinados: 1. Produção e operação na Alemanha; 2. Produção (exceto fundação) na Alemanha, operação no Brasil;4 Os insumos primários no Brasil e na Alemanha, representam 40% e 60% do insumo total, respectivamente. [18,19] 3 A operação brasileira ocorre no Paraná ou no Ceará. 4 303 3. 1999: Produção do gerador e da nacele na Alemanha, outras partes e operação no Brasil; 4,3 4. Produção e operação no Brasil; 4,5 Para cada cenário, são consideradas 5 opções de instalações caracterizadas por diferentes locais (com diferenças nas alturas da torre e na massa da fundação, Tab. 1). A energia gerada por ano é calculada com base nos dados da Alemanha do relatório de PICK e WAGNER [9], mas para o caso brasileiro utiliza-se uma velocidade média do vento de 7 m/s (em vez de 5 m/s para locais alemães). Outros detalhes técnicos podem ser encontrados em [9]. Tabela 1 - Características técnicas da turbina eólica examinada e opções da localização de instalação (segundo [9]), (litoral = estado de Ceará, interior = estado de Paraná) /LWRUDO /LWRUDO 3HUWROLWRUDO ,QWHULRU ,QWHULRU 44 55 55 55 65 Massa da fundação (t) 132.7 163.8 163.8 150.2 185.8 Distância, terraa (km) 3,000 /100 3,000/100 3,000/200 500/800 500/800 Distância, marb (km) 8,000/10,130 8,000/10,130 8,000/10,130 8,000/10,130 8,000/10,130 Energia anual (kWh) Brasil 3,558,926 3,748,666 2,910,409 2,196,404 2,420,131 Energia anual (kWh) Alemanha 1,296,985 1,366,132 1,060,645 800,439 881,972 Altura da torre (m) Os dois números representam a distância do local da produção até o local da instalação (primeiro número transporte por terra dentro do Brasil do local da produção Sorocaba ou até o Paraná (500 km; I-55, I-65) ou até o Ceará (3000km; C-44, C-55, NC-55); segundo número transporte por terra do porto marítimo mais perto do Paraná (800km; I-55, I-65) ou do Ceará (100km, C-44, C-55; 200km, NC-55)). b Esses dois números representam as distâncias entre Alemanha e o porto marítimo no Ceará (8000km; C-44, C-55, NC55) ou de Santos (10130km; I-55, I-65). a As diferenças entre a energia primária embutida nas turbinas eólicas produzidas no Brasil e na Alemanha são consideráveis (Tab. 2). A razão principal é a maior eficiência de conversão de geração de eletricidade do sistema brasileiro (mais que 90%). Uma avaliação de todos os cenários utilizando um equivalente de combustíveis fósseis para a energia hidráulica brasileira resulta em valores de energia embutida similares às das turbinas produzidas na Alemanha (aproximadamente 12.000 GJ). A produção brasileira ocorre em Sorocaba, estado de São Paulo, aproximadamente 500km do Paraná e 3000 km do Ceará. 5 304 Tabela 2 - Requisitos de energia totais e específicos (GJ e MJ/kWhel) na produção e na operação da E-40 sob cenários diferentes no Brasil e na Alemanha. Notação: L = litoral (Ceará); I = interior (Paraná); PL = perto litoral; O = operação; P = produção. &HQiULR / / 3/ , , / / 3/ , , >*-@ P&O na Alemanha >0-N:KHO@ 11263 12568 12326 12330 12938 0,43 0,46 0,58 0,77 0,73 P Alemanha 11627 13029 12835 13055 13797 O Brasil 0,16 0,17 0,22 0,30 0,29 P Alemanha e Brasil, O Brasil 9525 10607 10326 10147 10733 0,13 0,14 0,18 0,23 0,22 P&O no Brasil 8094 8827 0,11 0,12 0,15 0,19 0,19 8547 8486 9214 Vale ressaltar que a energia embutida varia mais com o cenário de produção do que com as condições do local (altura da torre, massa da fundação) e com as distâncias de transporte. Observando os requisitos específicos de energia (bloco ao lado direito da Tab. 2), as diferenças são ainda mais acentuadas: na comparação do melhor e do pior caso os valores variam por um fator maior que 8. Tal fato ocorre, porque a geração anual de energia é bem maior, na média, no Brasil (Tab. 1). Em geral, a maior quantidade de energia é consumida pela torre (aproximadamente de 30 a 40% do total), seguida pelo gerador (25-30%) e os nacele (10-15%). A energia de transporte é menor que 5% dos requisitos energéticos totais. (Fig. 3, gráfico esquerdo). As parcelas dos componentes variam apenas levemente com a opção da instalação e o país de produção. Figura 3 - Parcela de cada componente nos requisitos específicos de energia primária e de CO2; Dados para a opção L-44 (1 - P&O na Alemanha; 2 - P Alemanha, O Brasil; 3 Case 1999; 4 - P&O no Brasil). 100% 100% 80% K : N0 HO K : N 2& JN OH 60% 80% 60% 40% 20% 0% 40% 20% 0% 1 2 3 4 5 1 Rotor Gerador e conexões elétricas Nacele Fundação Transporte Instalação e operação 305 2 3 4 Torre 5 Enquanto a parcela do transporte parece surpreendentemente baixa, os resultados deste trabalho são suportados por WENZEL [16] e GÜRZENICH et al. [17]. No último estudo, o transporte entre a Alemanha e a Índia representa entre 4% e 5,4% dos requisitos totais de energia das turbinas eólicas. O CO2 embutido varia consideravelmente com a localização da produção (Tab. 3): quanto mais componentes são produzidos no Brasil, mais favorável o balanço de CO2. As turbinas completamente produzidas no Brasil, chegam a emissões de CO2 de, no mínimo, 5 vezes menos que no caso alemão. Essa diferença notável se explica inteiramente pelas diferenças entre os sistemas de geração de energia nas economias respectivas, como retratado na Fig. 2. Tabela 3 - Requisitos totais e específicos de CO2 (t e kg/kWhel) na produção e operação da E-40 sob cenários diferentes no Brasil e na Alemanha. Notação: L = litoral (Ceará); I = interior (Paraná); PL = perto litoral; O = operação; P = produção. &HQiULR / / 3/ , , / / 3/ , , >7RQHODGDVGH&2@ P&O na Alemanha P Alemanha O Brasil P Alemanha e Brasil, O Brasil P&O no Brasil >NJGH&2N:KHO@ 1176 1315 1290 1291 1358 0,045 0,048 0,061 0,081 0,077 1053 1183 1178 1186 1244 0,015 0,016 0,020 0,027 0,026 599 628 588 580 564 0,008 0,008 0,010 0,013 0,012 204 202 196 195 212 0,003 0,003 0,003 0,004 0,004 Novamente vale ressaltar que essas diferenças se tornam mais pronunciadas ainda em termos dos requisitos específicos de CO2. Mesmo se as velocidades médias do vento fossem invertidas, os melhores locais na Alemanha não seriam capazes de compensar as vantagens do sistema brasileiro de produção. As parcelas dos componentes nos requisitos específicos variam muito segundo seu cenário de produção. Mudando a produção dos componentes da Alemanha (1,2) para o Brasil (3), cada parcela é reduzida, exceto as da nacele e do gerador, os quais, em 1999, ainda eram produzidos na Alemanha. Uma vez que a produção é totalmente transferida para o Brasil (4), transporte, instalação e operação assumem uma parcela maior, porque esses itens dependem mais dos combustíveis fósseis. Conclusões Durante os últimos 20 anos, a demanda de eletricidade no Brasil aumentou mais rápido que o PIB e que a demanda de energia total. Especialmente o setor residencial é caracterizado por um alto potencial de aumento futuro, por causa de uma demanda ainda não satisfeita. Ao mesmo tempo, as usinas hidrelétricas que atualmente fornecem mais que 90% da eletricidade no Brasil são percebidas pelos investidores como cada dia mais caras, controversas e arriscadas [18]. Neste contexto, SCHAEFFER e SZKLO [18] e WACHSMANN e TOLMASQUIM [19] concluem que uma matriz futura da geração de eletricidade com o objetivo de cumprir dois critérios: custo mais baixo (least-cost) e proteção ambiental será caracterizada por uma grande 306 participação de energia eólica. Os requisitos indiretos de energia para uma possível transição em direção a esse mix podem ser responsáveis por uma parte substancial do consumo nacional de energia [20]. Os resultados deste trabalho podem ajudar a responder a pergunta de até que ponto os níveis projetados de energia disponível são sobreestimados para esta fase de transição, caso a energia embutida nas usinas a serem construídas não seja levada em conta. Numa observação mais hipotética, diferenças no CO2 embutido poderiam causar o deslocamento da produção de turbinas eólicas (ou de outros produtos) para economias mais eficientes na emissão de carbono, como no exemplo do Brasil, se as emissões fossem penalizadas suficientemente. A variabilidade geográfica das emissões embutidas é, no mínimo, comparável à variabilidade no desenho técnico das turbinas eólicas, assim que uma mudança do local da produção chega a ser uma alternativa séria à melhoria do desenho técnico em economias menos limpas para atingir as metas de redução de CO2. O trabalho demonstrou que um produto idêntico como a E-40 pode apresentar diferenças consideráveis nos recursos e poluentes embutidos, causadas por influências de efeitos em cadeia no fornecimento upstream. Esses efeitos só podem ser avaliados abrangentemente se o sistema de fornecimento da economia respectiva for levada em conta adequadamente. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] LENZEN, M., WACHSMANN, U. (2004) Wind turbines in Brazil and Germany: an example of geographical variability in life-cycle assessment; Applied Energy, 77, pp. 119-130. [2] SPENCER, P. (2001) Brazil: enough wind for everyone; REFOCUS 2001, January-February, pp. 20-22. 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O principal elemento propulsor do efeito estufa é o paradigma da produção e de consumo energético adotado como base do processo produtivo a nível mundial. Paradigma esse baseado no uso intensivo de recursos fósseis não renováveis. Identificado o problema iniciou-se uma série de encontros mundiais com fóruns de discussões, a fim de, encontrar alternativas para a redução das emissões causadoras das mudanças climáticas. A UNCTAD lançou a iniciativa de Biotrade com a missão de estimular o comércio e o investimento em recursos biológicos a um desenvolvimento sustentável mais adicional, buscando a conservação da diversidade biológica, uso sustentável de seus componentes, e compartilhar benefícios que surgem da utilização de recursos naturais. O etanol é provavelmente hoje o combustível de biomassa mais atraente e viável no mundo a curto e médio prazo, sendo o combustível adequado para substituição dos combustíveis fósseis em veículos leves. O Brasil apresenta enorme potencial para produção do etanol e, facilidades estruturais que permitem que esta energia ofertada seja produzida em bases sustentáveis e menos emissoras. INTRODUÇÃO A sociedade está experimentando hoje o resultado de todos os progressos técnico científicos ocorridos nos últimos anos. Atrelado a esse desenvolvimento, surgiram os problemas relacionados à poluição e aos prejuízos causados ao meio ambiente. É pacificamente aceito em nossos dias, ao menos entre pessoas que exercitam o discernimento, que preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico é questão de vida ou morte. Os riscos globais, a extinção gradativa de espécies animais e vegetais, seja ela decorrente de causas naturais ou de ações antrópicas degradadoras, assim como a satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida, deixa claro que o fenômeno biológico e suas manifestações sobre a Terra estão perigosamente alterados (MILARÉ, 2002). Mestrando em Planejamento de Sistemas Energéticos - FEM/UNICAMP. E-mail: [email protected] - Endereço: Rua Regina Nogueira, 286, Jd. São Gabriel Campinas (SP), Fone (19) 3276-0987 1 308 O alerta para a gravidade desses riscos foi dado em 1972, em Estocolmo, na Conferência Das Nações Unidas Sobre O Meio Ambiente Humano, ao resgatar as questões levantadas pelo relatório do Clube de Roma, o secretário geral Maurice Strong lançou o termo ecodesenvolvimento, que teve em Ignacy Sachs e equipe seu aperfeiçoamento e a formulação dos princípios que norteariam, a partir daí, a idéia de um outro padrão de desenvolvimento. Esta conferência foi resultado da percepção das nações ricas e industrializadas da degradação ambiental causada pelos seus processos de crescimento econômico e progressiva escassez de recursos naturais. Mais recentemente, em 1987, a publicação do relatório da Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente E Desenvolvimento, presidida pela primeira ministra da Noruega Sra. Brundtland, denominado Nosso Futuro Comum, cunhou o termo desenvolvimento sustentável, que muito embora retome os critérios na definição de ecodesenvolvimento, ou seja, respeito incondicional, solidariedade e responsabilidade para assegurar às gerações atuais e futuras possibilidades para se desenvolverem, passou a figurar sistematicamente na semântica de linguagem internacional, servindo de eixo central de pesquisas realizadas por organismos multilaterais e mesmo por grandes empresas (MAIMON,1992). Em seu sentido mais amplo, portanto, a perspectiva do desenvolvimento sustentável, ao propor o ideal de harmonização a partir da tríade economia-natureza-sociedade requer: um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos no processo decisório; um sistema econômico capaz de gerar excedentes e um knowhow técnico em bases confiáveis e constantes; um sistema social que possa resolver as tensões causadas por um desenvolvimento não equilibrado; um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica do desenvolvimento; um sistema tecnológico que busque constantemente novas soluções; um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento; um sistema administrativo flexível e capaz de auto corrigir-se. IMPLEMENTAÇÃO DO ÁLCOOL NO COMÉRCIO MUNDIAL DE ENERGIA Foi principalmente a partir da década de 1980 que as questões relativas às mudanças climáticas, aquecimento global e efeito estufa passaram a ocupar um lugar de destaque no rol das ameaças ambientais que mais colocam em risco a integridade do planeta. E, desde então, a cada ano, evidências científicas cada vez mais fortes indicam que são as atividades humanas, as chamadas ações antrópicas, decorrentes do modelo de produção em vigor, um dos fatores mais decisivos para o agravamento dessas ameaças. Desde a revolução industrial o homem tem provocado um crescimento dramático das emissões, para atmosfera da Terra, de gases que provocam o chamado efeito estufa, ou seja, gases que possuem a capacidade de reter o calor e desequilibrar tanto o equilíbrio térmico quanto o equilíbrio climático do nosso planeta. Os imensos e crescentes volumes de emissões de CO2, que vêm acumulando-se na atmosfera terrestre, em muito decorrem da destruição de florestas e ecossistemas que funcionam como sumidouros e reservatórios naturais de absorção de CO2. Contudo, o principal elemento propulsor do efeito estufa é o paradigma da produção e de consumo energético adotado como base do processo produtivo a nível mundial. Paradigma esse baseado no uso intensivo de recursos fósseis não renováveis: carvão mineral, petróleo, gás. 309 Não é difícil perceber que qualquer tentativa de alteração no paradigma atual de consumo energético, baseado em fontes fósseis e tão enraizado no processo produtivo, acaba sendo dificultada por suas enormes implicações econômicas. Entretanto, de outro lado, as evidências científicas, a respeito do vínculo do efeito estufa com as mudanças climáticas, conseqüentes necessidades de reduções das emissões de CO2 e, ainda, as crescentes demandas da sociedade por qualidade ambiental e por maior sustentabilidade do processo produtivo, fazem com que o problema comece a ser enfrentado. Uma vez identificado o problema e sua causa iniciou-se uma série de encontros mundiais com fóruns de discussões envolvendo grandes nomes do meio científico e autoridades internacionais, a fim de, conjuntamente, encontrar alternativas para a redução das emissões dos gases causadores das mudanças climáticas. A Conferência Das Nações Unidas Sobre O Comércio E O Desenvolvimento (UNCTAD) lançou a iniciativa de Biotrade na terceira conferência dos partidos da Convenção Da Diversidade Biológica (CBD). A missão de Biotrade é estimular o comércio e o investimento em recursos biológicos a um desenvolvimento sustentável mais adicional, na linha com os três objetivos do CBD, a conservação da diversidade biológica, uso sustentável de seus componentes, e compartilhar os benefícios que surgem da utilização de recursos naturais. A biomassa oferece as melhores perspectivas entre todas as fontes de energia renovável. Cana-de-açúcar, florestas cultivadas, soja, dendê, girassol, colza, milho, mandioca, palha de arroz, lascas ou serragem de madeira, dejetos de criação animal, são bons exemplos de biomassa. Seu valor energético é alto, pois uma tonelada de matéria seca gera 19 GJ, um hectare de cana produz 980 GJ e a mesma área reflorestada gera 400 GJ. A lógica da busca de combustíveis renováveis está assentada sobre três aspectos fundamentais: a realidade do aquecimento global e o aumento do consumo em face do crescimento da frota de veículos no planeta (mobilidade e menores emissões), políticas agrícolas protecionistas e manutenção de uma agroindústria com renda e empregos rurais, e a resposta positiva da área de P&D (CARVALHO, 2001). O etanol é provavelmente hoje o combustível mais atraente e viável no mundo a curto e médio prazo para veículos e caminhões leves. Numa escala mundial, diferentes países consideram hoje o etanol como o combustível adequado para substituir os aditivos oxigenantes, e em diferentes proporções, a própria gasolina. A evolução dos acordos internacionais, apesar das barreiras comerciais existentes e da falta de mecanismos reguladores, têm sido alicerçada em algumas diretrizes essenciais: na diminuição da dependência da importação de petróleo promovendo a auto-suficiência energética de combustíveis líquidos, e redefinindo uma geopolítica na área energética, tão importante estrategicamente nos dias de hoje; na existência de políticas ambientais visando diminuir as emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa (principalmente CO2); e na melhoria da qualidade ambiental, principalmente nas grandes cidades, fato este que tem mobilizado a opinião pública, notadamente nos países de maior renda per capta. Diversas iniciativas têm sido implementadas em diferentes países do mundo, Brasil, Holanda, Suécia, França, Espanha, Estados Unidos, Canadá, China, Japão, Austrália, estimulando a produção e exportação ou importação de bioenergia. 310 O Brasil apresenta enorme potencial para a conservação de energia e, da mesma forma, facilidades estruturais que permitem que a nova energia a ser ofertada seja produzida em bases sustentáveis e menos emissoras. A competitividade e a excelência brasileira nas atividades de agribusiness e, nesse caso, com grande e especial destaque, na atividade canavieira, formam um quadro positivo no mercado de bioenergia, no promissor mercado dos Certificados De Emissões Reduzidas (CERs), e para o Biotrade que se origina de uma iniciativa das Nações Unidas para melhoria ao meio ambiente, na forma de redução das emissões de gases geradores do efeito estufa, aliada à questão da qualidade e da sustentabilidade, no sentido amplo dos termos: social, ambiental, econômico e tecnológico. O comércio internacional de bioenergia incluirá produtos primários (lenha, restos de processamento de madeira), produtos com alto valor energético (álcool, biodiesel, carvão vegetal), hidrogênio e eletricidade. O balanço energético e a sustentabilidade da produção serão as variáveis diretrizes das cadeias da agricultura energética. PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL DE ENERGIA: A INDÚSTRIA SUCROALCOOLEIRA DO BRASIL O Brasil é um país reconhecido internacionalmente pelo fato de possuir uma das matrizes energéticas mais limpas e renováveis do mundo. Embora isso não tenha sido, no decorrer da história, uma escolha resultante de preocupações ambientais, o fato é que, por ter seu abastecimento de eletricidade baseado em recursos hídrico e por possuir um volumoso programa de uso de combustíveis de biomassa (álcool) em substituição aos derivados do petróleo, este país se encontra em situação privilegiada em se tratando de energia de biomassa. É o maior e mais competitivo produtor mundial de cana-de-açúcar, e derivados: açúcar, álcool (combustível, industrial), bagaço (para cogeração de energia) etc. Devido a uma conjunção favoráveis de fatores de solo e clima. Além de distribuir-se por várias regiões do território a cultura da cana de açúcar apresenta uma performance especialmente harmoniosa de convivência com o meio ambiente, é a atividade agrícola que apresenta um dos mais baixos índices mundiais de erosão de solos (tendo o mais baixos índices de erosão do hemisfério americano), apresenta também um dos mais baixos índices mundiais de uso de defensivos e insumos químicos resultado do controle biológico de pragas e fertirrigação do solo com os resíduos do processamento industrial da cana. Atualmente, o Brasil colhe 360 milhões de toneladas/ano de cana-de-açúcar, em uma área de plantio de 5 milhões de ha. Sua produtividade pode duplicar em 15 anos. Se, hipoteticamente, plantasse cana em metade da terra arável não utilizada atualmente (50 milhões de ha), produziria 16,5 EJ de energia do álcool, além de 25 EJ de energia elétrica. Isso equivale a 1 bilhão de toneladas de petróleo ou 10% da demanda mundial de energia. Nesse caso, exportaria mais energia renovável que o petróleo vendido, atualmente, pela Arábia Saudita. Um pouco mais da metade de toda a cana produzida no Brasil, cerca de 52%, é direcionada para a produção do álcool combustível (anidro e hidratado). Dado o bom desempenho de produtividade e das peculiaridades agrícolas da cana de açúcar no Brasil, cada tonelada de cana-de-açúcar direcionada para a produção de álcool combustível sendo anidro ou hidratado, substitui o uso de combustíveis fósseis em termos de CO2 gerador do efeito estufa, apresentando um saldo positivo médio da ordem de 0,17 tonelada de CO2, ou seja, computadas já todas as emissões realizadas no processo de produção do álcool (fase agrícola e industrial) e 311 as emissões resultantes da queima final do álcool como combustível nos veículos, a absorção realizada pela cana em sua fase de crescimento apresenta um saldo de eliminação de CO2 da atmosfera de 0,17 tonelada por tonelada de cana cultivada (GOLDEMBERG,1999). Como números gerais, temos um resultado mais do que expressivo: por praticar um consumo anual na faixa de 13 bilhões de litros de álcool (substituindo proporções equivalentes de consumo de petróleo), o Brasil, mitiga e neutraliza mais de 30% das emissões causadoras de efeito estufa, provocadas pelo conjunto da frota nacional de veículos. Isto tem um significado extra pelo fato de se passar na área de transportes, que é em todo o mundo, uma das principais fontes de poluição urbana, altamente dependente do petróleo e muito pouco dinâmica quanto a mudanças e melhorias. Os números e os fatos, a tradição, e o knowhow, que o Brasil desenvolveu no uso de combustível de biomassa agrícola, que além das cadeias produtivas diretamente ligadas ao agribusiness da cana, acumulam-se também em importantes e sensíveis setores da economia, tais como, a indústria automobilística, logística de distribuição e comercialização de combustíveis. Constituem um incontestável e altamente positivo currículo para as ações de redução do efeito estufa e de contribuição para o combate às mudanças climáticas. A agroindústria de cana-de-açúcar do Brasil é um exemplo importante de sistema de produção sustentável de energia, em larga escala, a partir da biomassa. Na maioria dos aspectos relevantes para a sustentabilidade, a situação hoje é em geral muito boa, e não se observa problemas que não possam ser resolvidos com tecnologia existente. A relação output/input de energia (renovável/fóssil) varia de 08 a 11, levando a um valor extraordinário de redução nas emissões de CO2 (quase 20% de todas as emissões de combustíveis fósseis no Brasil). O uso do etanol trouxe benefícios importantes na redução da poluição em centros urbanos com menor toxicidade e reatividade. Do ponto de vista ambiental, são pacificamente reconhecidas as vantagens do álcool, seja quando empregado isoladamente sob a forma de álcool hidratado, seja quando misturado à gasolina sob forma de álcool anidro. Em ambos os casos, apresentam a imensa vantagem de reduzir a emissão de monóxido de carbono e de dispensar o emprego do MTBE e do chumbo tetraetila como aditivos. O uso de fertilizantes minerais é menor do que nas culturas de milho e soja, o melhor gerenciamento do reciclo praticado hoje de resíduos (torta de filtro, vinhoto e palhas) pode levar ainda a uma substancial redução. O uso de pesticidas e herbicidas é relativamente baixo, em função dos programas de controle biológico, a utilização da cobertura de palhas em locais adequados, o uso de doses específicas para cada local, e técnicas derivadas dos cultivos orgânicos poderão melhorar ainda mais este quadro. Na proteção de solos e águas, os problemas iniciais são atenuados pelo crescimento rápido da cultura, pelo uso de culturas de rotação e de vários cortes. Uma das características notáveis da atividade relacionada à produção do álcool no Brasil está na sua capacidade de absorção de mão-de-obra. Vastas regiões do país ganharam vida nova, oferecendo oportunidade de trabalho a centenas de milhares de pessoas, contribuindo assim para a fixação do trabalhador rural no campo, ajudam a conter o fluxo migratório para as grandes cidades brasileiras. 312 A cana-de-açúcar é o carro-chefe da bioenergia no Brasil e no mundo. Com o intensivo uso de mão-de-obra o setor sucroalcooleiro é relevante para um país com as dimensões e os problemas sociais do Brasil, o fato de que a atividade canavieira emprega na maioria da vezes com remuneração digna, assistência social e garantias trabalhistas, milhares de trabalhadores, dentre os quais, um grande contingente com menor qualificação profissional que teriam enormes dificuldades de empregos em outros setores (indústria/serviços). A criação de emprego ganha importância, também, em função de seus custos de geração serem muito mais modestos do que os empregos equivalentes gerados em outros ramos e atividades da economia brasileira. Segue abaixo relação de investimento por emprego permanente nos principais setores da industria brasileira: 6(725 ,19(67,0(172 HP86SRUHPSUHJR 5(/$d2FRPiOFRRO Química e Petroquímica 220.000,00 20,1 Metalúrgica 145.000,00 13,3 Bens de Capital 98.000,00 9 Ind. Automobilística 91.000,00 8,3 Bens Intermediários 70.000,00 6,4 Bens de Consumo 44.000,00 4 Etanol 10.918,00 1 Fonte: Luís Carlos Carvalho, 1997 A produção em larga escala de álcool combustível, a partir da década de 70, estabeleceu um gigantesco agronegócio canavieiro, cuja prosperidade se tornou fundamental para a economia brasileira e para a melhoria das condições sociais no campo, deste 1976, até o ano de 2000, com o Programa Nacional do Álcool, obteve-se cerca de US$ 43,4 bilhões em divisas estrangeiras, com a substituição de importações de derivados de petróleo. A sustentabilidade econômica foi atingida, com o açúcar apresentando (Centro-Sul) o menor custo de produção do mundo e o etanol chegando aos níveis de custo da gasolina (petróleo a US$ 25/barril). No caso do álcool carburante, podemos desenhar uma hipótese dessa contribuição, tendo como exemplo a produção e o consumo adicional de 1 bilhão de litros de álcool/ano. Esses 1 bilhão de litros seriam o volume de álcool necessário para abastecer uma frota de 200.000 carros movidos a etanol hidratado, ou em termos de álcool anidro, a quantidade necessária para substituir o tóxico e problemático MTBE em uma frota de aproximadamente 2 milhão de carros movidos à gasolina usando a proporção de 20% a 26% de etanol anidro na gasolina; ou em uma frota de 4 milhões de carros usando a faixa de 10% de etanol anidro, conforme já acontece nos E.U.A., ou ainda uma frota de 8 milhões de veículos utilizando a proporção de 5% de etanol anidro acrescentado à gasolina conforme padrão previsto para U.E. A produção nacional de adicionais 1 bilhão de litros/ano de álcool e seu consumo, que substitui o uso de combustíveis fósseis, resultariam em um ganho de redução de emissão da ordem de 7 milhões de toneladas/ano de CO2. Em termos de benefícios sociais, econômicos e de desenvolvimento, os efeitos desta produção adicional resultaria na criação de aproximadamente 40.000 novos empregos diretos, com valor médio de remune313 ração de R$ 500,00 mensais (valor acima da média salarial brasileira atual) e 120.000 novos empregos indiretos, por conseguinte, colaborando diretamente para a fixação do trabalhador rural no campo e na melhoria da qualidade de vida dessa população. O cultivo da cana para a produção desta quantidade de álcool ampliaria a área da lavoura em cerca de 160.000 hectares, não comprometendo as áreas de cultivo de outras espécies agrícolas, promovendo um aumento da circulação econômica na faixa de US$ 300 milhões/ano e considerando a carga tributária atual haveria um aumento de arrecadação da ordem de US$ 168 milhões/ano. O PROMISSOR MERCADO MUNDIAL DE ETANOL Diversas iniciativas têm sido implementadas em diferentes países do mundo, Brasil, Holanda, Suécia, França, Espanha, Estados Unidos, Canadá, China, Japão, Austrália, estimulando a produção e exportação ou importação de etanol. O aumento do uso do etanol pode reduzir as importações e o preço do petróleo, visto que, a cada litro de etanol produzido no Brasil, nos EUA, ou em qualquer outro país, contribui para reduzir o consumo global, com impacto favorável na diminuição do aquecimento global, e também a reduzir o preço internacional do petróleo. O etanol é um combustível renovável que pode ser produzido com uma ampla variedade de matérias primas incluindo sacarose, de cana-de-açúcar como é feito no Brasil e a partir de grãos como milho como é feito nos EUA, mas também pode ser produzido a partir de materiais ligno-celulósicos como fibra de cana e outros resíduos agrícolas. No caso do álcool, é nítida a grande capacidade competitiva da cana-deaçúcar principalmente por sua auto-suficiência energética e riqueza em açúcar. Custos médios verificados, etanol de biomassa: 3$Ë6 È/&22/$1,'52 86O 0$7e5,$35,0$ Centro - Sul 0,19 Cana de Açucar Norte - Nordeste 0,23 Cana de Açucar E.U.A. 0,33 Milho U.E. 0,55 Beterraba, Trigo Brasil: Fonte: Governors Ethanol Coalition, 2001 A tendência dos investimentos em tecnologia no campo da matéria prima é, via biotecnologia, viabilizar para um futuro próximo, a produção de álcool das celuloses vegetais, a custos menores, isso deverá expandir tremendamente a oferta de álcool, traduzindose em maior competição entre produtores, com inúmeros benefícios aos consumidores. A expansão da produção e do uso do álcool dependerá, certamente, de políticas públicas essenciais, principalmente nos campos: da logística, política de abastecimento; dos preços, referências e competição; das tarifas de importação; da competitividade do álcool em relação a outras fontes energéticas. É fundamental que exista um mercado internacional livre para o álcool como válvula de escape, balanceando superávits ou déficits de curto prazo. 314 O álcool precisa passar pelo teste do mercado mundial; o mercado precisa de regulamentação; estes itens são fundamentais para gerar credibilidade entre todos os atores que participam da cadeia produtiva e, principalmente, confiança para o consumidor. Instituições internacionais e agências governamentais bilaterais subsidiaram generosamente a exportação e desenvolvimento de combustíveis fósseis e tecnologias nucleares, ao longo das últimas cinco décadas. Mesmo hoje, grande parte deste financiamento se destina a fontes de energia consolidadas e, em muitos casos, insustentáveis. Agências financiadoras, como a Global Environment Facility, dedicam-se ao apoio de renováveis, porém em nível muito menor. É essencial que haja mudanças das prioridades de financiamento energético em nível internacional, a fim de acelerar o crescimento do mercado de bioenergia. A GLOBE, uma organização de parlamentares de todo o mundo, propôs a meta de realocar 10% do apoio aos financiamentos energéticos para exportações dos países industrializados, para pesquisa e desenvolvimento em fontes renováveis de energia até 2010. Organizações como o Banco Mundial e bancos regionais de desenvolvimento também deveriam incrementar seus compromissos com fontes renováveis. A mudança de perfil da matriz energética é inevitável, a taxa de incremento anual dependerá da consciência dos cidadãos e do embate dos lobbies que pugnam pelos diferentes modelos energéticos. Conforme o Biotrade se consolida, capitais e tecnologia migrarão para assegurar densidade ao mesmo. O mercado internacional começa a crescer para o álcool e precisa de uma referência. Os contratos futuros e de opções de álcool passaram a fazer parte, a partir de maio de 2004, do casting da New York Board of Trade (Nybot), elevando o produto à categoria de commodity internacional, estes contratos vão dar maior transparência às negociações do produto e serão instrumentos com capacidade de administrar e garantir o crescimento das exportações no mercado internacional. Abrangerão qualquer etanol nãodesnaturado feito com biomassa - cana, milho, entre outros produtos - e terá valor FOB, com pontos de entrega em vários países produtores. Os contratos foram comemorados pelos produtores e traders no Brasil, que enxergam na novidade uma possibilidade de hedge e um estímulo à demanda internacional pelo produto. A oportunidade que se descortina é de um mercado fabuloso de bioenergia, que crescerá a altas taxas e que movimentará centenas de bilhões de dólares, a cada ano. Em 2050, estima-se que a biomassa envolverá recursos financeiros superiores ao valor do comércio internacional de petróleo deste início de século. O Brasil pode ser o grande beneficiário do negócio Agricultura de Energia, bem como o responsável maior por evitar uma catástrofe climática. Compete às lideranças do agronegócio e às autoridades, traçar de imediato a rota que permitirá liderar o comércio de biomassa. CONCLUSÃO O sistema energético atual está ameaçando a segurança global, desde o perigo de depender do petróleo do Oriente Médio até os perigos ecológicos de continuarmos a poluir a atmosfera. A redução da dependência mundial nos combustíveis fósseis, antes que uma crise maior force uma transição não planejada, dever ser considerada como prioridade de segurança. Portanto é preciso pensar além do domínio dos energéticos não renováveis, visto que os combustíveis renováveis formam-se continuamente e podem ser imediatamente usados como dividendos, ao contrário dos fósseis, estes são formados ao longo de 315 eras geológicas e, ao serem usados de modo extensivo, se exaurem em poucas gerações. A utilização de recursos energéticos renováveis e de baixo custo é algo muito distinto da busca de indenizações constantes mantendo situações poluentes, mas plenamente possível. O potencial da energia renovável está sendo cada vez mais reconhecido, tanto nas esferas governamentais quanto empresariais. Isto se vê no fluxo crescente de capital para os renováveis por parte de grandes empresas de petróleo e de energia, como também no setor de capital de risco. Leis sobre energia renovável começam a proliferar em níveis nacionais e estaduais. E.U.A, Alemanha, Suécia, Holanda, Brasil, China e Índia estão entre os países que recentemente fortaleceram a legislação sobre energia renovável, objetivando acelerar o crescimento do mercado. Embora disponha de vantagens comparativas como a grande disponibilidade de terra não utilizada, adequação de condições climáticas, diversidade de espécies vegetais produtoras de biomassa, tecnologia para obtenção de biomassa e para sua conversão em energia, não há garantia de que o Brasil venha a liderar o mercado de energia verde. O protecionismo da agricultura de alimentos deve repetir-se na produção de bioenergéticos, o cenário mais provável será uma dura disputa pelo mercado acirrando-se com o decorrer do tempo, conforme a agricultura de energia tornar-se compensadora financeiramente e importante estrategicamente. Sem uma forte ação pró-ativa e uma visão de futuro focada na oportunidade, o Brasil perderá anos preciosos, cederá espaço para concorrentes e, especialmente, deixará de exportar dezenas de bilhões de dólares anuais, não desfrutando da exploração do promissor mercado mundial de biomassa. BIBLIOGRAFIA CARVALHO, L. C. Álcool combustível e mercado internacional. In: REUNIÃO DA FRENTE PARLAMENTAR PELA ENERGIA LIMPA E RENOVÁVEL, 1, Sertãozinho, São Paulo, nov. 2001. ______. A agroindústria da cana e a geração de emprego. São Paulo: UNICA, 1997. G.E.C. - GOVERNORS ETHANOL COALITION MEETING. Aberdeen, Dakota do Sul, jul. 2001. GOLDEMBERG, J. Estudos de redução de emissão de CO2 C pela substituição do uso do MTBE no Rio Grande do Sul. São Paulo: UNICA, 1999. MAIMON, D. Ensaios sobre economia do meio ambiente. Rio de Janeiro: ANPED, 1992. MILARÉ, É. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 316 METODOLOGIA PARA AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE ENERGÉTICA E AMBIENTAL NO AMBIENTE CONSTRUÍDO Andréa Borges de Souza Cruz1 Jardel Gonçalves2 Luciano Basto Oliveira3 Romildo Toledo4 Eduardo Fairbairn5 Luiz Pinguelli Rosa6 Alessandra Magrini7 Andressa Carmo Pena Martinez8 1. RESUMO A Construção Civil, apesar compreender um mercado extremamente significativo, possui um processo produtivo pouco adequado aos atuais critérios de sustentabilidade. Com o objetivo de realizar uma análise que permita verificar a sustentabilidade energética e ambiental do processo de produção e reprodução do ambiente construído foi desenvolvida uma ferramenta, tendo como parâmetro dois indicadores: energético representado pela intensidade energética (kWh/m2) e ambiental emissões de CO2 (tCO2/m2). Os valores utilizados para o cálculo foram adquiridos no Balanço Energético Nacional 2002, sendo contemplados os insumos energéticos do processo produtivo de cada material, enquanto para o cálculo dos indicadores ambientais consideraram-se os indicies de emissões de carbono do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas - 2002). IVIG/COPPE/UFRJ, [email protected] Labest/COPPE/UFRJ, [email protected] 3 IVIG/COPPE/UFRJ, [email protected] 4 Labest/COPPE/UFRJ, [email protected] 5 Labest/COPPE/UFRJ, [email protected] 6 IVIG/COPPE/UFRJ, [email protected] 7 PPE/COPPE/UFRJ, [email protected] 8 IVIG/COPPE/UFRJ, [email protected] 1 2 317 Por sua vez, a identificação dos materiais que participam mais ativamente na produção baseou-se na seleção dos setores mais significativos: a Indústria do Cimento, Aço, Cerâmica e Agregados, analisadas segundo as fontes de energia utilizadas na produção e o seu respectivo consumo energético. Esta metodologia permite a mensuração do dispêndio energético e o nível das emissões de CO2 dos materiais tradicionais, o que viabiliza a comparação com a produção de produtos alternativos, e assegura cientificamente a eficiência energética e redução de emissões de CO2 no ambiente construído. 2. Introdução O final do século XX e o início do século XXI vem presenciando o desenrolar de uma nova era aonde os meios de produção industriais, característicos da sociedade moderna, vêm sendo gradualmente substituídos por novas tecnologias e novas formas de organização e pensamento1 , caracterizados pelo movimento atualmente denominado de pós-industrial. Este período se caracteriza pela consciência de que o modo de produção industrial está sendo substituído, porém ainda não é possível compreender claramente que fator ou processo ocupará a posição determinante ocupada pela industria por duzentos anos. O momento atual é de transição, onde são repensados os conceitos, e propostas novas formas de criação do ambiente. Existe, atualmente, um desequilíbrio entre o espaço construído e os fatores sociais e ambientais que vêem sendo discutidos nas transformações paradigmáticas inerentes à sociedade. São sentidos de forma mais marcante os impactos decorrentes do uso inadequado dos recursos, agravados pelo momento em que a sociedade faz uma critica ao seu próprio modo de relação e apropriação do espaço. Tais fatores, entretanto, além de representarem uma alteração na sociedade, tanto no que diz respeito à economia quanto à mentalidade, traduzem a necessidade de uma nova organização espacial do homem no meio ambiente em que está inserido, indicando para novos critérios de utilização dos recursos naturais. Assim, novas mentalidades, anseios e critérios serão despertados e o ambiente deverá ser planejado de acordo com essas necessidades. O desenvolvimento do presente trabalho tem como ponto de partida a observação de que a permanência do modo de produção do ambiente construído segundo padrões decorrentes da revolução industrial, é totalmente insustentável e muitas vezes desnecessária nos dias atuais2 , onde tanto o desenvolvimento técnico quanto o tecnológico permitem uma melhor adequação e performance tanto dos materiais quanto das tecnologias empregadas na produção das cidades. O enfoque principal deste artigo recai sobre a aplicação de um método que possibilite calcular os indicadores de consumo energético e de emissões de CO2 dos principais insumos referentes à produção da construção civil, permitindo assim, analisar a sustentabilidade energética e ambiental decorrente de sua disseminação, em particular os rebatimentos no uso do espaço urbano. Nosso futuro comum. Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 2 idem 318 3. Cotextualização do problema 3.1 A indústria da construção civil no Brasil O modo atual de produção das cidades é tão intensivo no uso da energia quanto na utilização dos recursos naturais, causando potenciais impactos ao meio ambiente e comprometendo sobremaneira a sua sustentabilidade. O enfoque em questão analisa o conceito de meio ambiente humano cenário das relações sociais e palco principal das intervenções decorrentes de suas transformações, considerando a Indústria da Construção Civil como uma das principais responsáveis pelo consumo energético no ambiente construído. Cerca de 70% de todos os investimentos feitos no País passam pela cadeia da construção civil, sendo que em 2001 esse valor atingiu a cifra de R,006 bilhões, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (2004). A atividade definida como construbusiness participa na formação do Produto Interno Bruto (PIB) do País com cifras significativas da ordem de 13,5%, dos quais 8% são da construção propriamente dita. O setor de Construbusiness abrange desde o segmento de Materiais de Construção, passando pela construção propriamente dita de Edificações e Construções Pesadas, até os diversos serviços de Imobiliária, Serviços Técnicos de Construção e Atividades de Manutenção de Imóveis. A atividade definida dentro deste moderno conceito gera expressivo efeito multiplicador na economia. No que diz respeito ao subsetor de materiais de construção, a indústria brasileira desses materiais é bastante diversificada quando comparada à indústria congênere em vários outros países. A abundância de matérias-primas disponíveis no Brasil coloca o país em vantagem no panorama internacional, tornando-o pouco dependente de importações e possibilitando o ingresso em mercados carentes desses produtos. Esse subsetor se caracteriza pela segmentação e pela estrutura de consumo e contempla os segmentos de cimento, madeira, aço, produtos de cimento, vidro plano, metais e louças sanitárias, cal, PVC, condutores elétricos, cerâmica, alumínio, pedras ornamentais e tintas e vernizes. Para a avaliar a sustentabilidade no setor das edificações foi desenvolvida uma metodologia de cálculo apresentada no presente estudo, onde foram analisadas as principias industrias que contribuem para o consumo energético no subsetor de materiais de construção - industrias cimentícea, cerâmica, aço e agregados. Segundo dados fornecidos pelo Balanço Energético (BEN 2002), o consumo total dessas industrias contabilizou um total de 23440 x 103 tEP, correspondendo a uma parcela de 39,5 % no consumo industrial nacional (idem). No caso do cimento, 80% é destinado ao consumo final, ou seja, construtoras, órgãos públicos, empresas privadas e consumidor individual, sendo que 61% do consumo é realizado pela autoconstrução. Já no que diz respeito ao segmento de cerâmica, o perfil da demanda impacta sobremaneira as características do produto ofertado, sendo que 16% são exportados, num mercado caracterizado pela exigência de produtos de alta qualidade. O mercado interno consome 84%, distribuídos em novas construções (elevado mercado potencial) e reformas, que absorvem produtos de preço e qualidade inferiores. 319 Gráfico 1 - Produção em tonelada de material dos principais setores da Construção Civil em 2001 &LPHQWR $oR &HUkPLFD 0LQHUDomR Fonte: elaboração dos autores 3.2 Consumo Energético na Indústria da Construção Civil. Gráfico 2 - Consumo por fonte na Industria do Cimento ,QG~VWULDGR&LPHQWR Óleo diesel Óleo combustível Coque de petróleo Carvão vegetal Carvão mineral Lenha Gás Natural Eletricidade Outras não especificadas Fonte: BEN 2002 Gráfico 3 - Consumo por fonte na Industria do Aço ,QG~VWULDGR$oR Óleo diesel Óleo combustível Coque de carvão mineral Carvão vegetal Carvão mineral Gás Natural Eletricidade Gás liquefeito de petróleo Querosene Gás de coqueria Alcatrão/ outras séc. petróleo Fonte: BEN 2002 320 Gráfico 4 - Consumo por fonte na Industria da Mineração ,QG~VWULDGD0 LQHUDomR Óleo diesel Óleo combustível Coque de petróleo Carvão mineral Gás Natural Gás liquefeito de petróleo Querosene Fonte: BEN 2002 Gráfico 5 - Consumo por fonte na Industria Cerâmica ,QG~VWULDGD&HUkPLFD Óleo diesel Óleo combustível Carvão vapor Lenha Gás Natural Gás liquefeito de petróleo Alcatrão/ outras séc. petróleo Outras recuperações Outras não especificadas Fonte: BEN 2002 4. ESCOLHA DOS INDICADORES PARA A ANÁLISE DA SUSTENTABILIDADE Avaliar a sustentabilidade das práticas sociais é um pré-requisito essencial para promover uma sociedade sustentável, sendo importante para a formulação de políticas e tomada de decisões (World Resources Institute - WRI, 1998). Para atender a essa necessidade, durante a década de 90 houve uma preocupação com o desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade, nas mais diversas áreas relacionadas ao desenvolvimento das sociedades. Segundo Mitchell um indicador é uma ferramenta que permite a obtenção de informações sobre uma dada realidade (1997). A principal característica de um indicador é permitir a síntese de um conjunto complexo de informações, retendo apenas o significado essencial dos aspectos analisados, representam a medida da condição, processos, reação ou comportamento que fornecem confiável resumo de sistemas complexos. Para a avaliação da sustentabilidade em edificações foram escolhidos dois indicadores que possibilitam uma análise objetiva e direta da produção do ambiente construído, ou seja, os indicadores em análise permitem avaliar o consumo energético e as emissões de CO2 decorrentes do processo produtivo dos principais materiais de construção utilizados na produção das cidades. 321 O cálculo do consumo energético na industria dos materiais tradicionalmente utilizados na construção civil permite a análise do cenário de referência do ambiente construído e a sua comparação com os possíveis cenários decorrentes de alterações de procedimentos ou processos que compreendam uma maior eficiência energética e conseqüente sustentabilidade ao sistema estudado. No que tange ao indicador ambiental, a contabilização das emissões de CO2 permite a análise do cenário ambiental consolidado pela produção na industria da construção civil e a sua comparação com cenários onde seja possível a implementação de práticas sustentáveis onde a produção das cidades seja diretamente proporcional a redução de emissões de GEE (Gás de Efeito Estufa). 5. metodologia de cálculo dos indicadores Para a elaboração da metodologia de cálculo dos indicadores energético e ambiental foram considerado o consumo de energia no setor da construção civil, em especial as industrias que participam de forma mais representativa no balanço energético para a produção do material, na unidade tEP/t. Posteriormente foram identificados os insumos energéticos utilizados no processo de produção de cada uma das industrias estudadas e contabilizados os consumos em tEP de cada energético. Após a obtenção do consumo de energia em tEP por insumo para cada setor foi aplicado o fator de emissão (tab. 03) sendo contabilizado o valor de emissão de CO2 total de cada setor. 5.1 Descrição da Metodologia de Cálculo do Consumo Energético O consumo de energia (C) de um setor qualquer da indústria pode ser calculado como o somatório do consumo de cada fonte energética (Cf (i)) utilizada pelo setor (Ex. carvão vegetal, coque de petróleo, etc.). Forma geral: L & = ∑ &I (L ) (1) 1 A partir da equação (1) pode-se calcular o consumo de energia no subsetor de materiais de construção da indústria da Construção Civil (Ccc), que é a soma do consumo energético dos seus principais setores (cimento, aço, cerâmica e mineração), que pode ser calculado conforme a equação (2). Q &FF = N.∑ &Q =. .(&F + &D + &FH + &P) 1 (2) A partir do consumo energético e produção de cada setor da construção civil pode-se calcular o fator de consumo energético no setor de materiais de construção (FCcc tEP/ ton), que é a energia requerida para produção unitária (uma tonelada) em cada setor, que pode ser calculada através da equação (3). )&FF = &F &D &FH &P + + + = )&F + )&D + )&FH + )&P 3F 3D 3FH 3P 322 (3) O fator de consumo de cada setor pode ser reescrito em função das fontes energéticas, conforme equação (4), Q L 1 1 )& (Q, L) = ∑∑ &I (Q, L) 3Q FC(n,i) fator de consumo do setor n para cada fonte energética i (tEP/Ton) (4) A partir do fator de consumo energético por fonte de cada setor da Construção Civil, pode-se calcular a energia (E KWh) para produzir uma quantidade qualquer Q (ton) por fonte em qualquer setor, através da equação (5). ( = )& (Q, L).4 (5) onde: Ccc - Consumo energético da Construção Civil (tEP) n qtde de indústrias dentro do setor de Construção Civil Cc Consumo energético da indústria de cimento (tEP) Ca Consumo energético da indústria de aço (tEP) Cce Consumo energético da indústria cerâmica (tEP) Cm Consumo energético da indústria de mineração (agregados) (tEP) K Constante de conversão tEP KWh Ct Consumo energético da indústria nacional (tEP) FCcc - Fator de consumo de energia da Construção Civil (tEP/ton) FCc - Fator de consumo de energia da Ind. cimento FCa Fator de consumo de energia da Ind. aço Fcce - Fator de consumo de energia da Ind. cerâmica FCm - Fator de consumo de energia da Ind. agregados Cef consumo de energia por fonte Pn produção de cada setor (ton) 1.1 Descrição da Metodologia de Cálculo das Emissões de CO2 As emissões de CO2 na indústria de construção civil (EC) estão associadas ao consumo de energia (combustão) de cada setor (cimento Ecom (c), aço Ecom (a), cerâmica Ecom (ce) e mineração Ecom (m)) no seu processo de fabricação. No caso da indústria de cimento ainda há também as emissões associadas com o processo de calcinação do carbonato de cálcio (CaCO3) (Ecal). Então as emissões associadas na Construção Civil (EC) podem ser calculadas pela equação (6). 323 Q (& = ∑ ( FRP( Q) = (FRP(F) + ( FRP( D) + (FRP(FH) +( FRP( P) (6) 1 ou de forma geral, conforme a equação (7), Q b 1 1 EC = ∑∑ .C b .ConFac b . EmFbCO 2 .FCO b .K (7) Como a indústria de cimento, onde EC FRPF = E cal + E com Onde as emissões relativas a calcinação do CaCO3 (Ecal) podem ser calculadas conforme a equação (8). E Cal = K c .CaO clinker . Clinquer cimento . Produção de cimento 1 4 4 4 44 2 4 4 4 4 43 (8) fator de emissãoCal onde: ECal - emissão de CO2 devido a calcinação do calcário (toneladas) EComb - emissão anual de CO2 devido ao combustível b (ex., diesel, carvão, etc.) devido à combustão no setor cimentíceo (toneladas) KC - constante igual a 0.785 (g/mol de CO2)/(g/mol de CaO) CaOclnquer - relação óxido de cálcio/clínquer (igual a 0,632 para o cimento brasileiro) Clinkercimento - relação clínquer/cimento (igual a 0,80 para o cimento brasileiro) Produção de cimento - produção de cimento portland (toneladas) Fator de emissão Cal = Ecal correspondente à calcinação b - tipos de combustíveis usados na produção de cimento Cb - consumo anual do combustível b (1000 tEP) ConFacb - fator de conversão (TJ/1000 tEP) EmFbC02 = fator de emissão de CO2 do combustível b (toneladas de C/TJ) FCOb - fração de carbono oxidado no processo de combustão K - constante igual a 44/12 (g/mol de CO2)/(g/mol de C) Os fatores de emissão de CO2 de cada combustível e a fração de carbono oxidado são dados pelo Intergovernmental Painel on Climate Change (IPCC, 2001), enquanto que o consumo anual de combustíveis é dado pelo Ministério das Minas e Energia (MME, 2003). 6. CALCULO DO CONSUMO ENERGÉTICO E DAS EMISSÕES DE CO2 NO CENÁRIO REFERÊNCIA A metodologia apresentada permite o cálculo do consumo energético diretamente relacionado ao setor industrial, de cada tonelada de material produzido por fonte energética utilizada, sendo os mesmos calculados de acordo com o insumo energético referente a cada fase do processo industrial do material. O resultado obtido é referente a um fator de consumo que após transformado em TJ/ton será aplicado no fator de emissão tC/TJ. 324 6.1 Cálculo do Consumo Energético por Setor em tEP/ton Após a identificação do consumo energético por fonte em cada setor da industria da construção civil, é aplicada a formulação desenvolvida sendo o resultado obtido em tEP por tonelada de material produzido. 6.2 Cálculo do consumo energético e das emissões de CO2 por m2 em edificações padrão popular - método aplicado Para a aplicação de metodologia de cálculo no cenário urbano, foram identificados os quantitativos referentes aos materiais de construção em análise, tanto no cenário referência (convencional), quanto no canário alternativo (ecológico), o que permitiu o cálculo do consumo energético e das emissões de CO2 por m2 na construção civil padrão popular. O presente estudo contempla o padrão de construção popular como base de cálculo para os quantitativos visando permitir a extrapolação da análise comparativa entre a produção da construção civil no cenário referência (convencional) e no cenário alternativo (ecológico). A metodologia permite ainda a análise da redução percentual entre os cenários energético e ambiental com a substituição parcial e/ou total dos materiais empregados nos setores estudados. Os resultados parciais em kWh/t e tCO2/t estão apresentados na tabela 1. Tabela 1 - Tabela de conteúdo energético e emissões de CO2 por tonelada de material Eco-Materiais X Materiais Convencionais 0DWHULDLV ,QWHQVLGDGH (PLVV}HV&2 (FRPDWHULDLV ,QWHQVLGDGH HQHUJpWLFD &2(PLVV}HV HQHUJpWLFD W&2 W &RQYHQFLRQDLV N:KW W&2 W N:KW Cerâmica 62,13 191811 x 10-6 Cimento 124,93 380031 x 10-6 Aço Telha Plana Agregados 333,96 62,13 6,98 1083041 x 10-6 191811 x 10-6 14615 x 10-6 Solo-Cimento Cimento–Eco 40% Bambu Telha Fibra Eco-Agregado 25,64 76112 x 10-6 74,96 228019 x 10-6 0,00 14,48 0,18 0 2339 x 10-6 638 x 10-6 Fonte: elaboração dos autores Conforme demonstrado na tabela 1 apresentada acima, o percentual de redução no consumo de energia e emissões de CO2 oriundos da substituição de materiais convencionais pelos eco-materiais utilizados para a área construída de uma edificação padrão popular, ou seja, cimento ecológico, tijolo de solo-cimento, eco-agregados, bambu e telha de fibras vegetais, variam entre 40% e 100%, o que indica ganhos representativos nos cenários energético e ambiental. 7. Conclusão Na atualidade a sociedade vem presenciando uma alteração no modo de pensar a sua convivência com o ambiente natural. Entretanto, essa transformação vem sendo timidamente assimilada pela industria da construção civil, onde os tradicionais mecanismos de mercado permanecem como ponto primordial das iniciativas que orientam os investimentos no setor. Embora tímidas, as iniciativas voltadas para a otimização e/ou substituição dos processos de produção nos setores cimentíceo, aço, mineração e cerâmico, que interferem diretamente na redução do consumo energético e na conseqüente redução das emissões de CO2 e GEE (gases de efeito estufa) em geral, vêm sendo reconhecidas como procedimentos indispensáveis quando são considerados os impactos ambientais inerentes à produção das cidades. 325 O estudo apresentado indica que os setores de produção de aço e cimento compreendem os processos mais energointensivos, sendo seguidos pelos setores de produção de cerâmica e mineração respectivamente. Tal análise permite considerar que a busca de alternativas inovadoras e / ou ações voltadas para eficiência energética e desenvolvimento de materiais substitutos nestes setores permitirá ganhos ambientais relevantes, consolidando um comportamento pró-ativo na produção do ambiente construído. A aplicação da metodologia permite constatar que o cenário atual do ambiente citadino é altamente intensivo no consumo de energia, principalmente fóssil, o que corresponde a índices de emissões representativos quando considerado o crescimento potencial na industria da construção civil. Para tanto os indicadores utilizados consideram medidas de unidade representativas do processo de urbanização, ou seja, volume produzido por área construída. A comparação do cenário de referência com um cenário substitutivo no setor cerâmico, por exemplo, permite observar que para a consolidação de um cenário sustentável na produção das cidades é necessário e urgente o desenvolvimento, a prospecção e a implementação de tecnologias menos intensivas no uso de energia e conseqüentemente menos emissoras de GEE. Neste sentido a metodologia apresentada permite mensurar e analisar os ganhos e impactos energéticos e ambientais referentes ao planejamento do ambiente construído, sendo uma ferramenta auxiliar na especificação dos materiais mais empregados na sua produção. O cálculo por setor possibilita ao planejador opções de substituições parciais ou totais, sendo os ganhos calculados de acordo com o projeto. Por fim a extrapolação numérica permite mensurar a geração de energia virtual e a contabilização de créditos de carbono oriundos de projetos na área da construção civil em escala nacional. 8. BIBLIOGRAFIA CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL (2004). Banco de Dados. Disponível em < http:/ /www.cbic.org.br/bd/frm_bd.htm > Acessado em 31/03/2004. CMMAD (1988). Nosso futuro comum. Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Ed. da FGV CNPq Energia (2001-2004). Eficientização Energética do Ambiente Construído. COPPE/UFRJ. Rio de Janeiro. IPCC (1996b). Climate change 1995: The science of climate change. Intergovernmental Panel on Climate Change. HOUGHTON, J. T.; MEIRA FILHO, L.G.; CALLANDER, B.A.; HARRIS, N.; KATTENBERG,A.; MASKELL, K. editors. Cambridge: Univ. Press. IPCC (1996c) Greenhouse gas inventory reporting instructions IPCC Guidelines for national greenhouse gas inventories. Vol 1, 2, 3. Intergovernmental Panel on Climate Change, United Nations Environment Program, the Organization for Economic Co-operation and Development and the International Energy Agency, London. 3 v. LAWRENCE, H, Van Vlack. Propriedades dos Materiais Cerâmicos. São Paulo. Editora Edgar Bluncher, 1973. MEADOWS, D. H. (Ed.) (1972). The limits to growth. New York: Universe Books. MME (2002). Balanço energético nacional 2002: ano base 2001. Ministério das Minas e Energia, Brasília, DF. NEVILLE, A. M. Propriedades do concreto. São Paulo: Pini, 1997. ROSA, LUIZ PINGUELLI & TOMASQUIM, MAURICIO TIOMNO. 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Rio de Janeiro. 1997 326 AVALIAÇÃO ENERGÉTICA COMPLETA DO BIOGAS RESULTANTE DO TRATAMENTO DOS DETRITOS URBANOS Francisco de Aragão Antunes Maciel* Miguel Edgar Morales Udaeta* Paulo Helio Kanayama* Geraldo Francisco Burani** RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar as possibilidades de aplicação energética a partir do lodo residual obtido pelo tratamento de águas de esgotos urbanos para reuso da água. Para atingir esse objetivo, é analisada a possibilidade de geração de energia elétrica através do bombeamento das águas do Rio Pinheiros para a represa Billings e geração posterior na Usina de Henry Borden, onde há grande quantidade de lodo produzido. Neste trabalho, faz-se um estudo para tratar essa grande quantidade de matéria orgânica da melhor forma possível, bem como uma análise do acúmulo de créditos carbono devido à redução de emissão de carbono à atmosfera, decorrente do uso adequado do gás metano produzido, que é altamente poluente causador do efeito estufa. Através da análise feita a respeito da utilização do lodo residual do tratamento de esgoto para a geração de energia elétrica, pode-se constatar a necessidade deste tratamento e os benefícios que este projeto pode trazer para a sociedade e ao meio ambiente. A produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis que produzam menos poluentes que as fontes convencionais está inserida no contexto de desenvolvimento sustentável e dos mecanismos de desenvolvimento limpo. Benefícios que geram conseqüências imediatas, como a geração de energia, desenvolvimento de tecnologias FRANCISCO DE ARAGÃO ANTUNES M ACIEL / eMail: [email protected] MIGUEL EDGAR MORALES UDAETA / eMail: [email protected] * PAULO HELIO KANAYAMA / eMail: [email protected] ** G ERALDO FRANCISCO BURANI / eMail: [email protected] * GEPEA USP - Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. 3, 158; CEP: 05508-900; São Paulo-SP, Brasil ** IEE/USP - Instituto de Energia e Eletricidade da Universidade de São Paulo - Av. Prof. Luciano Gualberto, 1289 CEP 05508-010 São Paulo, SP * * 327 alternativas e também benefícios em longo prazo como a conscientização em relação a preservação do meio ambiente contribuem para que futuras gerações possam aproveitar os recursos que o meio ambiente oferece. 1. INTRODUÇÃO A água é um elemento fundamental à vida, seus múltiplos usos são indispensáveis às atividades humanas, devendo assim ser utilizada de forma consciente e eficiente. Uma das formas de uso da água, sem ser o uso de água destinada ao consumo humano, é a utilização de água de reuso produzida dentro de estações de tratamento de esgoto para fins tais como agricultura, lavagem de ruas e pátios, lavagem de veículos, geração de energia, etc. Assim como é importante o uso sustentado da água, deve-se despertar para a importância do uso sustentado de toda e qualquer forma de energia. Torna-se cada vez mais importante o desenvolvimento de tecnologias que possam ser empregadas na geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis, como por exemplo, a biomassa, a energia solar e eólica. Uma das formas de biomassa que pode ser utilizada como fonte de combustível é a matéria orgânica denominada lodo residual, produzida juntamente com a água de reuso no tratamento de águas de esgotos. Com o processamento do lodo residual através dos processos de Pirólise Rápida, Tocha de Plasma e Biodigestão torna-se possível a geração de energia elétrica e a adequada eliminação dos resíduos. Com a correta utilização do lodo gera-se uma importante fonte de matéria prima para a geração de energia e conseqüentemente uma perspectiva de desenvolvimento sustentado, devido à renovação e constante produção de lodo. Nesse âmbito um fator relevante é a contribuição dos mecanismos de desenvolvimento limpo, que derivados das potencialidades apontadas a partir do Protocolo de Quioto, permitem a países responsabilizados reduzir a emissão de gases que contribuam para o efeito estufa através do patrocínio de implementações de projetos em países em desenvolvimento, obtendo uma redução equivalente de emissões globais de gases poluentes a este efeito. 2. OPÇÕES ENERGÉTICAS As formas de aproveitamento energético para as águas tratadas de esgoto, são: 1a) Direta: utilizando diretamente a água tratada como forma de geração em hidrelétricas (aproveitando a energia potencial na queda); 2a) Indireta: em termelétricas, utilizando o lodo residual do esgoto tratado como fonte de energia de biomassa. Esta segunda forma será o foco deste trabalho, mas a utilização da água também será estudada como forma de incrementar a receita de empresas que venham a implementar as soluções que serão apresentadas e tornar o balanço energético positivo, caso não seja, minimizar os custos de geração, já que será utilizada uma fonte que a princípio seria descartada. O tratamento do lodo residual pode ser feito através da Pirólise Rápida, Tocha de Plasma e Biodigestão. 328 2.1 . Tocha de Plama Quando um gás é aquecido a temperaturas elevadas há mudanças significativas em suas propriedades. A 3.000 oC, os átomos são ionizados pela perda de parte dos elétrons. Este gás ionizado é chamado de plasma. No estado de plasma o gás atinge temperaturas extremamente elevadas que podem variar de 5.000 - 50.000 °C de acordo com as condições de geração. Um gerador de plasma (tocha de plasma) é um dispositivo que transforma energia elétrica em calor transportado por um gás. As tochas de plasma já estão em uso há anos na indústria metalúrgica e siderúrgica e estão sendo utilizadas também para dar fim a substâncias perigosas e poluentes como, por exemplo, lixo hospitalar, drogas e outros materiais. Por meio da tocha de plasma, o conversor de resíduos a plasma (CRP) produz eletricamente um campo de energia radiante de altíssima intensidade que aplicado sobre os resíduos produz a dissociação das ligações moleculares existentes nos compostos sólidos, líquidos, sejam eles perigosos ou não, orgânicos ou inorgânicos. O jato de plasma é gerado pela formação de um arco elétrico, através da passagem de corrente entre o catodo e anodo, e a injeção de um gás (qualquer gás) que é ionizado e projetado sobre os resíduos. É importante notar que no processo a plasma não há combustão ou queima dos componentes do resíduo, não gerando compostos perigosos provenientes da combustão como dioxinas, furanos e outros. Na Fig. (1) pode ser observado o esquema da tocha de plasma. Figura 1 - Esquema da Tocha de Plasma 329 A redução de volume de materiais sólidos obtidos em um conversor de resíduos a plasma pode atingir 300 para 1 ou mais, virtualmente eliminando todo o material processado. Quando os resíduos carregados são de alto poder calorífico o sistema poderá ter balanço energético positivo, permitindo a recuperação de energia em quantidade superior à despendida no processo. Algumas vantagens da utilização da tocha de plasma são: l Processo é ambientalmente correto, pois o nível de emissão de gases poluentes é muito inferior às exigências das leis ambientais. l Elimina qualquer necessidade de tratamento subseqüente, estocagem ou disposição em aterros especiais. O material residual resultante é um material inerte e vitrificado podendo ser utilizado, por exemplo, em pavimentações. l Redução de volume extremamente elevada, alcançando a frações que podem ser inferiores a 1%. l Possibilita a cogeração de energia, com a produção de energia elétrica, vapor e/ou frio. l Eliminação de substâncias perigosas ou poluentes. A princípio, o processo da tocha de plasma apresenta diversas vantagens com relação ao meio ambiente, porém do ponto de vista energético deve-se fazer um estudo maior devido a forte dependência do poder calorífico do material processado e da energia produzida, pois dependendo do material usado, o balanço energético pode ser negativo. 2.2. Pirólise Rápida Pirólise Rápida é, por definição, uma decomposição térmica que ocorre na ausência de oxigênio. É também o primeiro passo nos processos de combustão e gaseificação, onde é seguido por uma oxidação total ou parcial dos produtos principais. Temperaturas de processo mais baixas e períodos mais longos de permanência de vapor favorecem a produção de carvão vegetal. Altas temperaturas e períodos mais longos de permanência de vapor aumentam a conversão de biomassa em gás, e temperaturas de processo moderadas e períodos curtos de permanência de vapor são ótimos para a produção de líquidos. Após o resfriamento e condensação, é formado um líquido marrom escuro que tem a metade do poder calorífico do óleo combustível convencional. A Pirólise Rápida é um dos mais recentes processos dentre uma família de tecnologias que converte biomassa na forma de lenha ou resíduos agrícolas em produtos de alto valor energético incluindo gases, líquidos e sólidos. A pirólise rápida é a única em que o produto principal é líquido, com vantagens de armazenamento e transporte. Este método de pirólise rápida possui apenas 20 anos de desenvolvimento, comparado com centenas de anos para a gaseificação e milhares de anos para a combustão, mesmo assim já está sendo vista como candidata a líder no setor de energia renovável à medida que passar das pesquisas para usinas em escala comercial. Qualquer forma de biomassa pode ser considerada para a pirólise rápida. A maior parte do trabalho tem sido feita com a lenha, porém aproximadamente 100 diferentes tipos de biomassa estão sendo testados por vários laboratórios, dentre eles resíduos agrícolas como palha, caroço de azeitonas e casca de nozes, e resíduos sólidos como lodo de esgoto e resíduos de couro. 330 O bio-óleo produzido a partir da pirólise rápida pode substituir o óleo combustível ou o diesel em muitas aplicações estáticas incluindo caldeiras, fornos, motores e turbinas para geração de eletricidade. No caso da produção de energia elétrica temos um exemplo de aplicação onde pelo menos 500 horas de operação foram alcançadas nos últimos anos em vários motores de unidades de testes laboratoriais, motores modificados de duplo óleo combustível de 1,4 MW. Um dos motores é de 250KW de duplo combustível que chegou a aproximadamente 400 horas, incluindo várias jornadas de 9 horas, e com energia sendo gerada por 320 horas. Uma turbina a gás foi modificada e funcionou com sucesso com o bio-óleo. Algumas vantagens da pirólise rápida são: a facilidade de armazenamento e locomoção devido a maior quantidade de produto produzido ser na forma líquida e; a utilização de várias formas de biomassa Algumas desvantagens são: o custo do bio-óleo, que é de 10% a 100% maior que combustíveis fósseis; a falta de padrões para uso e distribuição do bio-óleo, e imprevisibilidade de uma qualidade de produção consistente, impedindo o seu uso mais abrangente. Além do mais, o bio-óleo é incompatível com combustíveis convencionais, necessitando de sistemas dedicados de manuseio, impedindo sua implementação gradual por miscigenação, como no caso do eco-diesel. 2.3. BIODIGESTÃO O biogás é uma mistura gasosa combustível, produzida através da digestão anaeróbia, ou seja, pela biodegradação de matéria orgânica pela ação de bactérias na ausência de oxigênio. Esse é um processo natural que ocorre em pântanos, mangues, lagos e rios, e é uma parte importante do ciclo biogeoquímico do carbono. Produzido dessa maneira, o biogás não é utilizado como fonte de energia. A produção de biogás também é possível a partir de diversos resíduos orgânicos, como estercos de animais, lodo de esgoto, lixo doméstico, resíduos agrícolas, efluentes industriais e plantas aquáticas. Nesse caso, quando a digestão anaeróbia é realizada em biodigestores especialmente planejados, a mistura gasosa produzida pode ser usada como combustível, o qual, além de seu alto poder calorífico, de não produzir gases tóxicos durante a queima e de ser uma ótima alternativa para o aproveitamento do lixo orgânico, ainda deixa como resíduo um lodo que pode vir a ser usado como biofertilizante, salvas algumas restrições qualitativas. Um exemplo de utilização de biodigestores é a produção de biogás pela Sabesp na estação de tratamento do Barueri, este gás produzido é utilizado na geração de energia elétrica através de motores e microturbinas que suprem parte da energia elétrica consumida na Estação. O biogás, em condições normais e valores médios, pode-se dizer que é uma mistura gasosa composta principalmente de: l Metano (CH4): 40 70% do volume de gás produzido. l Dióxido de carbono (gás carbônico, CO2): 30 60% do volume de gás produzido. l Hidrogênio (H2): 0 1% do volume. l Sulfeto de hidrogênio (gás sulfídrico, H2S): 0 3% do volume. 331 O poder calorífico do biogás é aproximadamente 6,0 kWh/m3, o que corresponde a aproximadamente meio litro de óleo diesel. O principal componente do biogás, quando se pensa em usá-lo como combustível, é o metano. As vantagens da utilização do processo de Biodigestão são: l É um processo natural para se tratar rejeitos (resíduos) orgânicos. l Requer menos espaço que aterros sanitários ou compostagem. l Diminui o volume de resíduo a ser descartado. l É uma fonte de energia renovável. l O gás produz um combustível de alta qualidade, que é o metano. l Maximiza os benefícios da reciclagem/reaproveitamento da matéria orgânica. l Produz como resíduo o biofertilizante, rico em nutrientes e livres de microorganismos patogênicos. l Reduz significativamente a quantidade emitida de dióxido de carbono (CO2) e de metano (CH4), gases causadores do efeito estufa, e é bom lembrar que o metano é cerca de 23 vezes mais danoso do que o dióxido de carbono quando do efeito estufa se trata. As desvantagens da utilização do processo de Biodigestão são: l Controle dos níveis ótimos das variáveis de operação dos biodigestores como: tem peratura, teor de água, pH, nutrientes e impermeabilidade ao ar. l Formação de gás sulfídrico (H2S), um gás tóxico. l Necessidade de tratamento do gás obtido, dependendo da quantidade de gás sulfídrico. l Necessidade de observação da presença de metais pesados residuais no lodo. l Escolha do material na construção do biodigestor devido a formação de gases corrosivos. 3. Opção de Aproveitamento energético do Esgoto Os estudos desenvolvidos revelaram que se os três processos analisados forem viáveis individualmente, os mesmos podem apresentar uma ainda melhor alternativa se trabalharem complementarmente. Todavia, analisando os três processos pré-selecionados, a biodigestão do lodo residual apresenta um balanço energético positivo, como era de se esperar. Pois, se o metano que é produzido naturalmente não for expelido diretamente na atmosfera, será queimado sem nenhuma forma de aproveitamento energético. A tocha de plasma que aparentemente poderia ser utilizada como uma outra maneira de obtenção de energia elétrica, também se mostrou inviável para essa finalidade, apesar de boa alternativa para eliminação de rejeitos indesejados para a sociedade; e a pirólise rápida, por ser um processo relativamente novo, não está disponível em escala comercial, inviabilizando assim a sua utilização. 332 Portanto no contexto deste trabalho, a melhor opção para aproveitar a energia contida nos resíduos do processo de reuso da água, e com isso possibilitar a produção de energia além de viabilizar o projeto hidroelétrico, é a utilização da biodigestão complementada com a utilização da tocha de plasma. Cabe lembrar que o projeto hidroelétrico aqui se refere a avaliação inicial que envolve a proposta de reaproveitamento das águas do Rio Pinheiros em São Paulo, uma vez limpas, através da usina de Henry Borden (passando pela represa Billings). 3.1. ASPECTOS DA IMPLEMENTAÇÃO A implementação dessa solução na cidade de São Paulo, mais especificamente no Rio Pinheiros, será feita através da utilização das Estações de Flotação e Remoção de Flutuantes (EFRF) que estão no curso do rio. Essas EFRFs farão o tratamento da água do rio e o lodo resultante receberá um tratamento físico-químico, pela adição de polímero que facilitará sua desidratação e sua centrifugação. Dessa forma, obtém-se ao final desse processo o lodo a uma concentração de 30%. A Figura 2 ilustra o processo de desidratação do lodo. Figura 2 - Desidratação do Lodo A composição do lodo tem um comportamento sazonal, podendo variar em um curto período de tempo. Conforme estudos realizados através de informações colhidas diretamente das águas do Pinheiros pode ser verificado que em questão de horas, a concentração de compostos orgânicos e inorgânicos podem ter seus valores alternando-se relativamente, dificultando o cálculo tanto do poder calorífico como da densidade aparente. Para estimar o poder calorífico do lodo, utilizou-se o valor de 900 kcal/kg e uma densidade de 0,780g/cm³ (Tab. 1). Tabela 1 - Valores do Lodo Densidade aparente: Volume de Lodo produzido Massa do lodo produzido: Poder calorífico: Poder calorífico total do lodo (por dia) 1 kW 780 kg/m³ 1080 m³/dia 842.400 kg/dia 900 kcal/kg 758.160.000 kcal 860 kcal/h Potência média disponível para geração 36,7 MW 333 3.2. ENERGIA DO LODO A potência que será transformada em energia elétrica dependerá do processo e das máquinas que serão utilizadas, levando-se em conta o rendimento de cada máquina e a utilização de ciclo combinado ou não no processo. Em termelétricas tradicionais, de uma maneira geral, o rendimento médio é em torno de 38%. Se atingíssemos esse valor, o lodo poderia produzir cerca de 14MW de potência elétrica média. 3.3. ANÁLISE ECONÔMICA Para se conhecer os benefícios do processo proposto, além de benefícios intangíveis que serão citados posteriormente, deve ser feita também uma análise econômica comparando os dois processos: atual e proposto. Atualmente existem três etapas que representam custos altos para a despoluição do Pinheiros. O tratamento em si da água necessita de uma energia de 0,117 kWh/m³, sabendo-se que a vazão do Pinheiros é de 47m³/s, seria necessário mais de 14 GWh/mês. Depois disso, o lodo resultante passa por um processo de inertização o que possibilitará sua destinação em aterros sanitários. Para cada m³ de água tratada, são adicionados 30g de cal virgem, assim, serão necessários 3.654 toneladas de cal por mês a um custo de R$ 240/ ton, totalizando um custo com cal de R$ 877.132/mês. Depois de desidratado e inertizado, o lodo deverá ser transportado em carretas para aterros sanitários. O custo desse transporte está estimado em R$ 20,00/m³ de lodo produzido. Atualmente o lodo inertizado produzido é cerca de 1080 m³/dia, dessa forma, o custo total de transporte do lodo seria em torno de R$ 646.800/mês. Para finalizar a análise atual, basta saber o custo da energia gasta e para isso é necessário saber a curva de carga de todo tratamento, verificar o tipo de tarifa que se enquadra e calcular mais precisamente todo o custo energético, considerando a demanda e a energia, contudo para simplificar nosso cálculo estimamos o custo da energia em R$ 150/MWh, portanto a energia gasta por mês custaria R$ 2.150.000, totalizando um custo total de mais de R$ 3.673.000/mês, lembrando que esse custo está sendo estimado e que para deixá-lo mais fiel à realidade seria necessário verificar o custo real pela tarifa em que se enquadra. No modelo proposto, o custo e a energia do tratamento se manterão (R$ 2.150.000 para 14GWh/mês), mas o lodo não deverá ser inertizado, muito pelo contrário, o lodo deverá manter suas propriedades bacteriológicas e entrar no processo de biodigestão onde produzirá os gases utilizados na produção de energia. Como visto anteriormente, a potência média útil produzida pelo biogás é de 14 MW, podendo num mês produzir cerca de 10 GWh correspondendo a uma receita de R$ 1,5 milhão/mês. Para essa etapa, os dados foram obtidos para o lodo a uma concentração de 60%, assim, seria necessário conhecer também a energia gasta para desidratar ainda mais o lodo até a concentração de 60%. A secagem deverá ser térmica, portanto é necessário calcular a energia para evaporar esta quantidade de água considerando-se um determinado rendimento em função do processo a ser adotado. Após a produção do gás, o lodo passará pelo processo de vitrificação através da tocha de plasma. Nesse processo o lodo pode ter seu volume reduzido a 1%, como o volume era de 1080m³/dia a uma concentração de 60%, após passar pela tocha de plasma seu volume se reduzirá a 5m³/dia ou 150m³/mês, e o custo de transporte do lodo é estimado em R$ 6.000,00/mês. 334 Novamente, nos faltou nessa etapa conhecer a energia consumida pela tocha o que pode comprometer a viabilidade econômica sensivelmente, mas essa conclusão só poderá ser tomada depois de conhecida essa energia. Depois que toda água do Pinheiros estiver tratada, poderá se rebombear 10m³/s (vazão natural do rio) em direção à represa Billings com a finalidade de geração extra na Usina de Henry Borden. Esse rebombeamento terá um gasto de 0,1035kWh/m³ e, portanto será necessário uma energia de 2,68GWh/mês. Em contrapartida, na usina de Henry Borden, cada 10m³ de água representa a geração de 1,639kWh, com a vazão de 10m³/s, serão quase 2.600.000m³/mês e, portanto será possível gerar mais de 42 GWh/mês. A diferença de energia produzida e consumida representará uma receita de quase R$ 6.300.000,00/ mês, se adotarmos o custo da energia em R$ 150/MWh. Ficará a critério da empresa utilizar a energia gerada, abatendo-se da energia contratada bilateralmente do fornecedor ou vende-la no mercado em momentos de crise energética aonde seu valor já chegou a R$ 600,00/MWh. Atualmente o valor nesse mercado é de R$ 4,00/MWh. Uma maneira alternativa de gerar mais receitas é a venda de créditos carbonos pela emissão evitada de gases estufa no processo, para isso, como a maior parte dos gases produzidos é o metano, e o crédito carbono é dado em 4 US$/ton de CO2, podendo-se considerar a relação de equivalência de efeito estufa de 23 vezes mais pernicioso do metano com relação a unidade de dióxido de carbono equivalente. Verifica-se pela Tabela 2 que o processo proposto tem balanço positivo de cerca de R$ 4.000.000,00, obviamente negligenciando o processo de secagem, a tocha de plasma e os créditos carbonos, mas considerando novamente o custo da energia a R$150/MWh, ainda será possível gastar 42GWh/mês para esses dois processos, de forma que o processo total não deixe de ser autônomo, e ainda sem contar com a receita dos créditos de carbono. Tabela 2 - Balanço Energético e Financeiro tratamento da água inertização (cal) Secagem do lodo energia do lodo tocha de plasma transporte do lodo bombeamento da água Geração em Henry Borden crédito carbono (CO2) TOTAL (em R$1000,00/mês) &XVWR 3URSRVWR $WXDO 0,117kWh/m³ R$ 240/ton (1290,00) (1290,00) (877,00) 900kcal/kg 686,00 R$ 20/m³ 0,1035kWh/m³ 1,639kWh/m³ US$ 4/ton (6,00) (241,00) 3.823,00 128,00 3200 (646,00) -2813 3.4. Créditos Carbono Com o processo de tratamento do lodo residual e a conseqüente utilização do biogás como combustível na geração de energia, deixa-se de emitir na atmosfera o gás metano (CH4), o principal componente do biogás, que é altamente poluente, chegando a contribuir cerca de 23 vezes mais para o efeito estufa que o gás carbônico (CO2). 335 De acordo com o Protocolo de Quioto que visa contribuir para o desenvolvimento sustentável, também através da produção de energia por meio de fontes renováveis e que agridam menos o meio ambiente, os países desenvolvidos teriam que reduzir a emissão de gases poluentes e causadores do efeito estufa, ou então viabilizar e implementar projetos em outros países (subdesenvolvidos) nesta direção. Deve ficar claro que, atualmente, a não-ratificação do Protocolo de Quioto não foi suficiente para inibir o aparecimento de mercados voluntários de carbono com processos de abatimento de emissões similares aos estipulados previamente. Desse modo, a potencialidade de geração de receita a partir de emissões reduzidas se conforma como realidade, dentro de uma perspectiva direcionada aos entendimentos de cada sistema de mercado, acompanhando com isso também a percepção de preço. No caso abrangido, as potencialidades de emissões reduzidas observáveis sobre esses critérios ficam representadas pela evitabilidade de emissão direta de metano gerado em processos anaeróbicos no tratamento de esgotos, a evitabilidade de geração de metano indireta na destinação do lodo residual a aterros, evitabilidade indireta na mitigação de emissões decorrentes do processo energointensivo de fertilizantes (caso da biofertilização) e da evitabilidade por mitigação de geração de energia renovável substituta à rede interligada em determinados horários de carga. Para o último caso, há que se investigar a correta equivalência de energia substituída pelo posicionamento do consumo de energia versus tipicidade de curva de despacho de geração. Uma alternativa rasa a esse método cabal, resultaria na utilização direta da taxa de emissão da matriz energética brasileira, o que diminuiria em muito a quantidade de emissões evitadas, haja a vista a sua composição de predominância hidrelétrica. No escopo do trabalho aqui relatado, foi considerada apenas a redução direta de emissão de gás metano na atmosfera, a partir da utilização do lodo residual de esgoto, caracterizando a evitabilidade de 135.305m3/dia de biogás (composição estimada de metano de 56%) remunerados a 4 U$/tonCO2eq (valor conservativo). Na iminência da ratificação do Protocolo de Quioto (sem previsão), ou na entrada em operação do sistema de liquidação europeu (ETS entra em vigor em 01/01/2005), devese considerar a possível elevação dos valores pagos por tonelada de emissão evitada, alterando a expectativa de receita. 4. Benefícios Indiretos Na análise de obtenção de energia a partir do uso do lodo residual de esgoto tratado, é totalmente relevante considerar outras questões que podem influenciar a decisão de investimento na implementação de qualquer solução que venha a ser escolhida. Através dessa análise poderse-ão observar benefícios indiretos, mesmo que o balanço energético do processo não seja positivo, ou seja, ganhos em qualidade de vida, tanto ambientalmente quanto socialmente. 4.1. Meio Ambiente Um aspecto imediato e local quanto à questão ambiental é a diminuição da poluição do Rio Pinheiros ou até mesmo a sua inteira recuperação que permitiria o retorno da vida aquática e a retomada de ciclos biológicos. 336 Considerando-se a problemática dos dois principais aterros que atendem a região metropolitana, ambos em fim de vida útil e sem substitutos imediatos, a diminuição de seu carregamento de resíduos vem por significar também importante ganho ambiental conseqüente para um futuro próximo. No âmbito da poluição global, a contribuição para a redução das emissões de gases contribuintes ao efeito estufa merece apontamento, pois é um caminho claro para uma identidade com o desenvolvimento sustentável. 4.2. Transporte e Atividade Pesqueira O transporte fluvial além de representar uma alternativa para o caótico trânsito urbano, seria uma solução de baixo custo de operação e manutenção. Construção de marinas para barcos de pequeno porte, parques aquáticos próximo ao rio e talvez até utilizando sua água, construção de locais para atividade pesqueira tanto esportiva como comercial. 5. CONCLUSÃO Através desta análise feita a respeito da utilização do lodo residual do tratamento de esgoto para a geração de energia elétrica, pode-se constatar a necessidade deste tratamento e os benefícios que este projeto pode trazer para a sociedade e ao meio ambiente. Benefícios, vinculados fundamentalmente ao reuso da água, pois é água o bem que cada vez mais se torna escasso. Benefícios que geram conseqüências imediatas, como a geração de energia, desenvolvimento de tecnologias alternativas e também benefícios a longo prazo como a conscientização em relação a preservação do meio ambiente e principalmente gerar um desenvolvimento sustentável e limpo para que futuras gerações possam aproveitar os recursos que o meio ambiente oferece. Finalmente deve-se ressaltar que a possibilidade de implementar mecanismos de desenvolvimento limpo, quer vinculados ou não a mandato global via Quioto, concretizam a possibilidade de um consumo sustentável realista que implica efeitos diretos na redução de resíduos e materializam sempre o desenvolvimento sustentável. Ou mais ainda fazem credível a exeqüibilidade de um desenvolvimento sustentável onde as gerações futuras tenham tantas possibilidades quanto as atuais de habitar o planeta. 6. BIBLIOGRAFIA Takabatake, A. Nishio, N.M. Produção de Energia Elétrica a partir dos Resíduos da Água, Relatório Final do Projeto de Formatura. PEA EPUSP, Sao Paulo 2002. Hespanhol, Ivanildo. et at. Proposta de reuso de esgotos tratados pela usina de geração de energia Carioba II, CTH, maio de 2001. Kanayama, P.H. Minimização de resíduos sólidos urbanos e conservação de energia. São Paulo. 1999 Martins, Osvaldo Stella. et al. Produção de energia elétrica a partir do biogás resultante do tratamento de esgoto. CENBIO, abril de 2002. Menezes, Marco Antônio. et al. O Plasma Térmico solução final para resíduos perigosos. Kompac, outubro de 1999 Pereira, Carlo Roberto. Sistema de flotação e remoção de flutuantes para a melhoria das Águas do Rio Pinheiros. EMAE, março de 2002. Reis, L.B. dos. Energia Elétrica para o Desenvolvimento Sustentável. EDUSP. São Paulo. 2001. Renewable Energy World. Towards the bio-refinery. James x James. 2001 v.4 nº1. Jan-Fev 01 Site da Cetesb (http://www.cetesb.sp.gov.br) Site da EMAE (http://www.emae.sp.gov.br) Site da Kompac (http://www.kompac.com.br) Site da Sabesp (http://www.sabesp.com.br) Site da USP (06/06/2002) (http://www.usp.br/jorusp) 337 O USO DE INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE PARA UM PROJETO DE UMA USINA TERMELÉTRICA MOVIDA A BIOMASSA ACOPLADA A UMA PEQUENA CENTRAL HIDRELÉTRICA EM RONDÔNIA Alexandre dAvignon Maria Silvia Muylaert Christiano Pires de Campos Tereza Mousinho Emilio Lebre La Rovere Osvaldo Soliano 1. INTRODUÇÃO Este trabalho é fruto da parceria do Centro Clima, sediado na COPPE/UFRJ, com a Universidade de Salvador (UNIFACS) para realizar, com apoio do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), a análise de viabilidade de um projeto de uma termelétrica movida a biomassa florestal voltado à adoção do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os técnicos da empresa empreendedora, ELETROGOES, com sede em Salvador, procuraram os pesquisadores da UNIFACS e COPPE/UFRJ para discutir a possibilidade da construção de uma pequena usina termelétrica (PCT) de 4MW de potência instalada para utilizar a madeira que seria retirada do local a ser inundado por uma hidrelétrica em vias de construção do Grupo ELETROGOES. Deste primeiro contato surgiu a possibilidade de se verificar a viabilidade deste tipo de projeto gerar um Documento de Concepção de Projeto (DCP) para o Conselho Executivo do MDL da Convenção Quadro de Mudanças Climática das Nações Unidas (UNFCCC - sigla em Inglês). Este trabalho, portanto, foi o resultado de entendimentos entre os pesquisadores e o empreendedor, assumindo-se o desafio de buscar tecnologias cada vez mais limpas para mitigar a emissão de gases de efeito estufa. Ao empreendedor ficou a tarefa de prover aos pesquisadores o maior número possível de informações sobre os seus empreendimentos na região e a sinergia que poderia ser obtida entre eles. Aos pesquisadores ficou a execução do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica. 338 O projeto em estudo pode se tornar um projeto candidato ao MDL por meio da apresentação do DCP. O plano de monitoramento deverá ser feito com atenção especial aos vazamentos como o uso de florestas nativas para manutenção de funcionamento da PCT. Deverão ser implementados cuidados durante o terceiro, quarto, quinto e sexto anos de funcionamento da PCT, pois nestes anos a floresta energética ainda não estará madura e a biomassa fornecida pela região inundada já terá sido consumida. Neste caso, a PCT contará apenas com os resíduos de madeira de serrarias e alguma biomassa da floresta energética resultante da manutenção da mesma. O projeto analisado será implantado a 55 km da Cidade de Vilhena, situado ao sul do Estado de Rondônia, no mesmo local onde funciona a PCH Cachoeira Porteira, de propriedade da ELETROGOES, que tem como condicionante a sazonalidade das chuvas na região, pois, além de firmar a energia para a cidade de Vilhena, o local conta com estrutura de transmissão para receber o aumento de carga. Para o cálculo da estimativa das emissões reduzidas e absorções foram elaborados um cenário de referência e um cenário com a implantação do projeto. A diferença entre os dois cenários permite o cálculo das emissões reduzidas e absorvidas de CO2 ao longo de 21 anos de atividades do projeto. Para a escolha do cenário deve ser feito um estudo mais detalhado em um futuro DCP. Para a estimativa da contribuição do projeto para o desenvolvimento sustentável será utilizada a metodologia dos Critérios de Elegibilidade e Indicadores de Sustentabilidade (La Rovere se al.-1999) do projeto, que foi desenvolvida pelo Centro Clima, aprovada pelo MMA e enviada à Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima. 2. O Projeto No decorrer da elaboração do estudo de viabilidade ocorreram modificações nos parâmetros originais da proposta inicial, em razão de ajustes relacionados a economia de escala e características locacionais da pequena central termelétrica. Os técnicos da ELETROGOES ponderaram que a PCT de potência instalada de 4 MW não seria viável economicamente em razão do custo por MWh produzido. Tendo feito a opção pela tecnologia de queima convencional e consultando as empresas fabricantes dos equipamentos constituintes da PCT, os técnicos da ELETROGOES verificaram que a melhor razão de custo-beneficio em relação ao investimento de implantação e o MWh produzido estava com a configuração de 10 MW(Koblitz-2003) de potência instalada. A PCT utilizará como combustível, nos dois primeiros anos, a madeira oriunda do lago a ser inundado na construção da Usina Hidrelétrica de Rondon II, do terceiro ao sexto ano resíduos agrícolas e de serrarias da região em torno da PCT e, a partir do sétimo ano , (aguardado o ciclo de crescimento da floresta energética) madeira de reflorestamento a ser implantado em áreas desmatadas antes de 1990 e/ou degradadas. Os cálculos do consumo da madeira do lago foram estimados em dois anos a dois anos e meio, dependendo do poder calorífico da madeira retirada do local. As primeiras análises encomendas pelos técnicos da ELETROGOES ao IPT foram promissoras, mostrando baixa umidade e poder calorífico alto da amostra da madeira do local. De forma conservadora, adotou-se neste trabalho que a PCT funcionará com fator de carga de 100% com toda madeira disponível nos primeiros dois anos e depois teria que utilizar resíduos de serrarias da região para funcionar com 30% de fator de carga até que a floresta energética fornecesse de forma contínua o combustível para PCT. 339 Um aspecto importante do projeto a ser destacado refere-se à provável inovação constituída pela construção associada de uma PCT a uma UHE e para aproveitamento da biomassa existente na área que será inundada para geração de energia ao invés de simplesmente queimála depois de aproveitamento da madeira nobre. A prática de queimada é comum na região e esta seria a opção da empresa, já que existe determinação da retirada da floresta no local inundado. A opção pela queima convencional se justifica porque existem outros parâmetros como a umidade da madeira, tipologia e desenvolvimento da floresta energética que podem alterar a performance destes equipamentos que utilizam normalmente bagaço de cana. Quanto mais ágil a construção da PCT, rapidamente pode-se combinar a retirada da madeira da área que será inundada na UHE de Rondon-II sem que haja necessidade de estocagem e perdas com a decomposição da biomassa. Uma ressalva que deve ser feita é a distância entre a UHE de Rondon-II e a PCH de Cachoeira, cerca de 80km, pois o transporte da madeira deverá percorrer este percurso. 3. Estimativa das Emissões Reduzidas e Absorvidas de CO2 e a Contribuição do Projeto para o Desenvolvimento Sustentável 3.1 Metodologia O projeto envolve duas atividades que contribuem para a mitigação da mudança do clima: a geração de energia elétrica renovável a partir da biomassa do reflorestamento e o estabelecimento de um reflorestamento energético em áreas desmatadas antes de 1990 (critério para que créditos de absorção sejam aceitos no MDL). Por meio desta configuração, a PCT deslocará o óleo diesel utilizado para firmar energia, contribuirá para recuperação de áreas degradadas/desmatadas e a fixação de carbono com o manejo da floresta energética que ocupará aproximadamente 6 mil hectares. O projeto desta maneira contribuirá para promover a redução dos gases de efeito estufa e da poluição ambiental local devido a emissão de gases em razão da queima de óleo diesel nos geradores em operação. As emissões reduzidas e absorções de gases de efeito estufa anuais de um projeto para o âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo deve ser a diferença entre as emissões e absorções de gases de efeito estufa do cenário de referência e do cenário com o projeto. Na 18a reunião do SBSTA (Subsidiary Board on Scientific and Techonological Aspects) da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas ficou o indicativo que existirão créditos de absorção diferenciados dos créditos de emissões reduzidas. Os créditos de carbono deste projeto no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo deverão ser diferenciados da seguinte forma: 1) Créditos das Reduções Certificadas de Emissões (RCEs) das emissões Reduzidas de CO2 devido a substituição de combustível fóssil por fonte renovável; 2) Créditos Temporários Certificados de Absorção (CTCA) do seqüestro de CO2 do estoque de madeira presente no reflorestamento Os CTCA expiram compulsoriamente e deverão ser renovados periodicamente com a verificação em campo. Supõe-se, para efeito de cálculo, que o período de renovação é de 7 anos. 3.2. Indicação dos Cenários de Referência (Linha de Base) Foram estimadas as emissões e absorções em cenário de referência R2. As emissões do cenário de referência R2 são: 1) a geração termoelétrica a óleo diesel de 10 MW emite 340 48.148.460 kg CO2 / ano (10 MW x 365 dias x 24 horas x 0,7 x 103 kWh/MWh x 0,302 l/kWh x 2,6 Kg CO2/l1 ); 2) as emissões de CO2 de resíduos de serraria, de acordo com a metodologia do IPCC, são nulas (caso esta madeira venha de atividades de mudança no uso da terra, estas emissões devem ser consideradas); 3) as emissões de CO2 da madeira removida do lago da UHE de Rondon II serão iguais à quantidade de madeira usada pela PCT, ou seja, 112.420 t CO2 (10 t madeira úmida /hora x 365 dias x 24 horas x 0,7 x 0,5 t seca/úmida x 3,667 t CO2 / t C) e; 4) as absorções do cenário de referência sugerem que a floresta não iria se regenerar em 80 anos pois a área do reflorestamento seria uma área degradada (o cenário Ab2, somente para as a absorções, estima as absorções com a regeneração natural de uma área que não estivesse degradada e foram apresentadas no relatório ao FNMA). As emissões e absorções de CO2 do cenário de referência R2 estão na Tabela 1. A estimativa das emissões das atividades do projeto refere-se ao deslocamento do diesel que se dá quando substitui-se 10 MW de potência a partir de uma termelétrica convencional a óleo diesel. 3.3. Indicação do Cenário com o Projeto Foram estimadas as emissões e absorções no cenário com o Projeto. Espera-se que com a operação da PCT de 10 MW pare de se operar uma termelétrica a óleo diesel de 10 MW no período de 1 à 2 anos com madeira do reservatório da UTE de Rondon II e 7 à 21 com madeira do reflorestamento. Neste períodos a UTE a óleo diesel não irá operar. Nos anos 3, 4, 5 e 6 espera-se que a PCT funcione com 30 % de sua carga devido a restrição de madeira que será atendida por resíduos de serrarias. Neste período espera-se que se deixe de operar uma termelétrica a óleo diesel de 3 MW. Entretanto, de acordo com a metodologia do IPCC (IPCC-1996), a queima de resíduos de biomassa é considerada como emissões nulas. Caso esta madeira venha de atividades de mudança no uso da terra, estas emissões devem ser consideradas. As emissões do uso da madeira da área inundada pela UHE Rondon II utilizada para gerar energia elétrica foram estimadas em 112.420 t CO2. O estabelecimento do reflorestamento energético de 6760 ha com Eucalyptus no sistema de 3 manejos de 7 anos, terá um estoque médio de carbono correspondente ao Gráfico 1, utilizando-se fatores médios de biomassa de troncos das plantações de Eucalyptus brasileiras (Primeiro Inventário Brasileiro de Emissões de Gases de Efeito Estufa, www.mct.gov.br/ clima, 2002). Se for contabilizado a carbono dos galhos e folhas estes números são maiores. Gráfico 1 - Estoques de CO2 dos troncos de um reflorestamento energético de Eucalyptus com manejo de 7 anos. (VWRTXHGHFDUERQRHPWHUPRVGH&2GHXPUHIORUHVWDPHQWR HQHUJpWLFRGH(XFDO\SWXVW&2 900.000 800.000 700.000 600.000 500.000 400.000 300.000 200.000 Estoque total Estoque médio Acumulado 341 Estoque médio do projeto 21 20 19 18 17 16 15 14 13 12 11 9 10 8 7 6 5 4 3 2 - 1 100.000 0 2 & W 3.4. Estimativa de Emissões Reduzidas e Absorções de CO2, em 21 Anos, por meio das atividades de projeto As Reduções Certificados de Emissões (RCEs) do projeto seguirão o seguinte cálculo: emissões de CO2 dos cenários de referência menos as emissões de CO2 dos cenários com o projeto. Os Créditos Temporários Certificados de Absorção (CTCA) do projeto seguirão o seguinte cálculo: absorções de CO2 no anos 7, 14 e 21 do cenário com o projeto menos as absorções nos cenários de referência sem o projeto (Tabela 1). Tabela 1 - Emissões e absorções do cenário de referência R2 (t CO2) (PLVV}HV GHXPD 87( $QR 0:D yOHR GLHVHO (PLVV}HV (PLVV}HV GD (PLVV}HV $EVRUo}HV TXHLPD GR&HQiULR GH GR&HQiULR 5&( GD 5HIHUrQFLD GR3URMHWR GR&HQiULR GH3URMHWR PDGHLUD 5 GRODJR 1 48 . 14 8 112 . 42 0 1 60. 5 68 112. 4 20 - 48 . 14 8 2 48 . 14 8 112 . 42 0 1 60. 5 68 112. 4 20 - 48 . 14 8 3 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 14 . 44 5 4 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 14 . 44 5 5 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 14 . 44 5 6 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 14 . 44 5 7 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 78 2. 55 0 48 . 14 8 8 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 9 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 10 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 11 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 12 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 13 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 14 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 54 1. 76 6 48 . 14 8 15 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 16 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 17 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 18 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 19 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 20 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 - 48 . 14 8 21 48 . 14 8 0 4 8. 1 48 0 46 6. 69 8 48 . 14 8 Fonte: elaboração própria 342 &7&$ 782 . 55 0 541 . 76 6 466 . 69 8 3.4. Aplicação dos Indicadores de Sustentabilidade para o projeto1 Com base na tabela abaixo, foi feita a análise do projeto. Os indicadores de sustentabilidade avaliam as proposições de acordo com os seguintes critérios: Tabela 2 - Indicarores 0HOKRULDDFLPDGH 0HOKRULDHQWUHH 0HOKRULDHQWUHH 0HOKRULDRXSLRUDHQWUH± 3LRUDHQWUH H 3LRUDHQWUH H 3LRUDDFLPDGH Avaliação da aplicação dos Indicadores de Sustentabilidade ao projeto 1) Contribuição à Mudança do Clima Global Independente da possibilidade a ser considerada base da geração termelétrica em Rondônia a óleo diesel ou a gás natural, a nota deste indicador é +3, pois em ambos os casos o projeto está trocando uma fonte de energia fóssil por energia renovável. Algumas outras considerações devem ser feitas, pois ainda há a possibilidade da geração ser oriunda de alguma hidrelétrica. Neste caso, talvez o indicador seja reavaliado e outra nota deva ser considerada. Esta alternativa é remota, pois Rondônia não está ligada ao sistema interligado de energia elétrica brasileiro, mas existem planos de ligar os sistemas. A floresta que dará insumos para consumo de madeira não pode ter outra alternativa que não seja ser alagada para formação de um lago hidrelétrico e com ou sem projeto haverá estas emissões. Dependendo da origem da madeira no período de crescimento da floresta energética a nota pode variar. Caso venha do replantio de árvores em áreas degradadas, como está sendo considerado, será positivo; caso venha de floresta nativa, será feita uma outra análise. A opção adotada pela empresa é crucial para a análise (e a nota final) deste indicador. Nota: +3 2) Indicador de Sustentabilidade Local A nota deste indicador é o resultado de vários aspectos ambientais. Haverá melhoria da área degradada, pois será plantada uma floresta energética. Por outro lado, se houver consumo de floresta nativa para a geração de energia é negativo. As emissões oriundas da queima de madeira são melhores que o diesel quando comparados as de SOx e material particulado emitido. A emissão de NOx aumenta, porém não muito além do que já era feito para o diesel.As emissões desses elementos também acontecem no transporte da madeira. Nota: +1 3) Geração de Emprego Na situação atual, não existe atividade empregando a mão de obra local. Haverá geração de emprego para manejar a área degradada onde será plantada uma nova floresta, instalar e operar a usina termelétrica. Ao mesmo tempo, deve ser considerado que haverá um deslocamento de pessoas que trabalham nas usinas térmicas que serão desativadas em função da operação de uma nova usina com biomassa. A operação da usina à biomassa gerará empregos, mas em geral mão de obra não especializada. Nota: +3 4) Impacto Distributivo do Projeto Este indicador avalia quanto a população local de baixa renda será beneficiada pelo empreendimento. A população local 343 será pouco impactada por este projeto de forma positiva. Haverá melhor distribuição de energia local para a população e por isso pode-se considerar uma melhoria para essas pessoas. Isto pode estimulara a atividade econômica. De qualquer forma, só haverá geração de emprego formal.Nota: +1 5) Contribuição para o Balanço de Pagamento Nacional Considerando que o diesel é um derivado de petróleo importado em larga escala no Brasil, qualquer alternativa ao seu uso será encarado de forma positiva. Neste caso, a geração de energia será feria de forma a substituir o diesel. Além disso, gasta-se muito combustível fóssil para que o diesel chegue onde estão as usinas térmicas. Ainda assim, caso este projeto seja implementado, haverá diminuição marginal na demanda nacional de diesel, mas de qualquer maneira todo ele será substituído. Nota: +1 6) Contribuição para a Sustentabilidade Macroeconômica Este empreendimento está sendo feito com subsídios da Conta de Consumo Combustíveis Fosseis (CCC) e com a CDE. O recurso público seria utilizado de qualquer maneira e neste caso é bom que sejam empreendimentos que propiciem a geração de fontes alternativas de energia, gerem empregos e fomentem a diminuição da desigualdade nacional. Este fator é muito positivo, mas a escala do projeto não faz com que o impacto no Brasil não seja muito grande, se restringindo a localidade onde ele será implantado.Nota: 0 7) Contribuição para a Auto-suficiência Tecnológica O empreendimento será executado com mão de obra nacional e os equipamentos virão várias partes do país. Essa contribuição é importante para a indústria nacional se consolidar como potencial fornecedora de equipamentos para a geração de energia com biomassa e fortalecer e potencializar a competitividade destas tecnologias com outras no plano internacional. Ao utilizar mão e obra nacional, esta pode capacitar pessoas e assim o Brasil poderá ter pessoal capaz de viabilizar e operar empreendimentos deste tipo. Nota: +3 8) Replicabilidade e Integração Regional Este projeto é replicável, entretanto, poucas vezes ocorrerá uma floresta prestes a ser alagada associada a uma usina pronta para consumir a madeira. Apesar da ocorrência de projeto similar ser pouco provável, existe um potencial bastante grande de utilizar-se a experiência de queima de resíduos agrícolas e de serrarias. A integração regional pode ser considerada pequena, pois o sistema é pequeno. Este indicador fica então com um caráter positivo, uma vez que pode ser replicado, mas fornece relativa integração regional. Nota: +1 Tabela 3 ,W 'HVFULomR 1RW Co nt r ibu ição à Mudança do Clima G lo bal Ind icado r de Sust ent abilidade Lo cal Geração de Empr ego I mpact o Dist ribut ivo do Pro jet o Co nt r ibu ição para o Balanço de Pagament o Nacio nal Co nt r ibu ição para a Sust ent abilid ade Macro eco nô mica Co nt r ibu ição para a Aut o -sufic iência Tecnológica Replicabilid ade e I nt egração Reg io nal 7RWDO 344 +3 +1 +3 +1 +1 +0 +3 +1 13 4. Avaliação do potencial do projeto como candidato ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo As simulações da receita auferida por tonelada de carbono das emissões reduzidas pelo projeto por meio dos Redução Certificadas de Emissões s(RCEs) parecem, na ótica do empresário, bastante promissora. Apesar da Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC) proporcionar maior taxa interna de retorno, a complementaridade dos RCEs e a visibilidade ganha com um projeto pioneiro no setor elétrico, como esta associação, são elementos de atração significativa. Vale lembrar que o estímulo a concepção do projeto só se deu em razão do empresário despertar para a possibilidade de se ver enquadrado em um projeto MDL. A adicionalidade neste caso é flagrante. Se não houvesse no Protocolo de Quito o Artigo 12 que define o MDL, certamente este projeto não seria concebido. Esta análise preliminar da qualificação do projeto ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo identificou, tanto no ponto de vista econômico, como no ponto de vista de mitigação de emissão de GEEs e sustentabilidade possibilidades concretas da ocorrência do mesmo. Há interesse sólido demonstrado pelo empreendedor e este pode ser uma planta de demonstração em uma região ainda carente deste tipo de projeto, Rondônia3 , na Região Norte. Apesar do claro o potencial do projeto em estudo se tornar um projeto candidato ao MDL por meio da apresentação do DCP, o que concerne ao monitoramento terá que ser feito com muito cuidado para se evitar vazamentos como o uso de florestas nativas para manutenção de funcionamento da PCT. Do ponto de vista macroeconômico os resultados mostraram-se também bastante satisfatórios, comparando-se com os números apresentados pela UTE a diesel. A PCT de Rondônia é mais competitiva, considerando-se os principais itens de custo com O&M, custo do capital da energia e custo do combustível. Em conseqüência, o custo incremental das emissões reduzidas de CO2 é negativo, indicando que para qualquer valor da tonelada de carbono no mercado, os recursos oriundos das emissões certificadas representarão um ganho líquido em relação a construção e operação de uma UTE movida a diesel. A contribuição das receitas oriundas das emissões reduzidas certificadas no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) revelou-se também significativa, elevando em 3 pontos percentuais a taxa interna de retorno do investimento da alternativa que não considera as receitas da CCC, e em pouco mais de 4 pontos para a alternativa que leva em conta as receitas da CCC. Fazendo-se um breve comentário da análise econômica, que não é o objetivo deste trabalho, também se concentrou na avaliação do custo incremental de abatimento, definido pela diferença entre o custo anual total da alternativa de construção e operação da PCT em Rondônia em relação ao custo de geração de energia elétrica associado a uma UTE a diesel. Supôs-se que na ausência do projeto da PCT movida à biomassa, a alternativa de suprimento da energia elétrica necessária para o atendimento do mercado do Município de Vilhena é a operação de uma termelétrica a diesel para fornecer a mesma quantidade de energia ofertada pela PCT de Rondônia. Lei do Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia, LEI COMPLEMENTAR Nº 233, DE 06 DE JUNHO DE 2000. 3 345 Os resultados do estudo mostraram que a viabilidade para quatro alternativas estudadas, apresentando taxa de retorno do investimento superior a 28%, quando são considerados os benefícios auferidos pela CCC e MDL. Destaca-se que esses resultados são preliminares, na medida emque custos relacionados com despesas financeiras e imposto de renda não foram considerados. Além disso, não foi possível identificar aspectos relativos ao arranjo financeiro do negócio (empréstimo, custo do capital, carência, amortização etc.). Dependendo das condições de financiamento, provavelmente a taxa de retorno efetiva do empreendimento seja ainda mais elevada. Observa-se ainda, que as informações sobre o valor do investimento inicial e dos custos de O&M e do combustível (biomassa) foram fornecidas pelo empreendedor. O custo do combustível apesar de ser um elemento muito importante na formação do preço da energia produzida pela PCT de Rondônia, e, conseqüentemente, influenciar significativamente a taxa interna de retorno do empreendimento, permanece sujeito a correções no seu valor, na medida que os novos estudos ainda em realização pelo empreendedor, sejam concluídos. Basicamente três questões seguem indefinidas: 1. o custo da conservação da madeira submersa no lago e seu o poder calorífico médio; 2. custo real de plantio e coleta da madeira da floresta de eucalipto que será responsável pelo suprimento da biomassa a PCT após o 6o ano de operação do projeto e 3. o preço e a quantidade de resíduos de madeira existentes nas serrarias da região. No ponto de vista dos indicadores de sustentabilidade o projeto teve uma nota global bastante alta considerando-se tratar-se de uso de biomassa florestal para produção de energia. A contribuição à mudança do clima global com o deslocamento de combustíveis fósseis, seja diesel ou a gás natural, é muito significativa diante dos critérios adotados e mereceu nota máxima. O Indicador de Sustentabilidade Local mereceu nota positiva devido a melhoria propiciada para área degradada, pois será plantada uma floresta energética. A geração de emprego situação atual, não existe atividade empregando a mão de obra local. Haverá geração de emprego para manejar a floresta plantada na área degradada e para operação da usina à biomassa, mas em geral mão de obra não especializada. Sem o projeto não haveria nenhuma geração de emprego. O Indicador de Impacto Distributivo do Projeto também foi positivo. Haverá melhor distribuição de energia local para a população e por isso pode-se considerar uma melhoria para essas pessoas. Isto pode estimular também a atividade econômica. A contribuição para o balanço de pagamento nacional é também positiva já que substitui o diesel um combustível importado no país. A contribuição para a sustentabilidade macroeconômica não é significativa, pois apesar deste fator ser positivo a escala do projeto não faz com que o impacto no Brasil seja grande, se restringindo a localidade onde ele será implantado. O indicador de Contribuição para a Auto-Suficiência Tecnológica ganhou também nota máxima segundo os critérios, adotados já que empreendimento será executado com mão de obra nacional e os equipamentos virão várias partes do país. A replicabilidade e integração regional promovidas pelo projeto são razoáveis, entretanto, é pouco provável a ocorrência de condições semelhante aquela analisada. A menos do vazamento que pode ocorrer para manutenção da PCT em plena carga nos 3º, 4º, 5º e 6º anos, o projeto em análise tem condições consideráveis para submeter um Documento de Concepção de Projeto ao Conselho Executivo para MDL da UNFCCC. 346 7. BIBLIOGRAFIA ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica- resolução no 245, de 11 de agosto de 1999. (www.aneel.gov.br) BODELIER et al in NATURE/Vol.403/27 pg 421-424 (1999).January 2000/(www.nature.com) CAMPOS, Christiano Pires de. Tese de Mestrado. PPE/COPPE/UFRJ. 2001. CENBIO. 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PAIM, Elisângela Sodatelli; e ORTIZ, Lúcia Schild.O resíduo como matéria-prima na geração descentralizada de energia. Núcleo Amigos da Terra / Brasil. Fonte: Gazeta Mercantil, 23/07/2001. REIS, Tereza V. Mousinho, Emissões de Gases de Efeito Estufa no Sistema interligado Nacional: Metodologia para Definição de Linha de Base e Avaliação do Potencial de Redução das Emissões do PROINFA, tese de Mestrado. UNIFACS. 2002. Usina Hidrelétrica Rondon II, Consolidação de Projeto Básico, Themag 1996. 347 PEQUENA CENTRAL TÉRMICA (PCT) UTILIZANDO CASCA DE ARROZ COMO COMBUSTÍVEL E SEU POTENCIAL DE ADEQUAÇÃO AO MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL) Cícero Augusto Pimenteira1 Alexandre DÁvignon2 Maria Silvia Muylaert de Araújo3 Emílio L. La Rovere4 Rachel Enriques5 RESUMO O presente trabalho é resultado de estudos desenvolvidos pela COPPE/UFRJ entre 1999 e 2003 de análise do potencial de redução de gases de efeito estufa (GEE) a partir de uso de resíduos para geração termelétrica. Trata-se de uma análise de viabilidade do projeto de uma termelétrica a biomassa residual agrícola proveniente de processo produtivo voltada à adoção do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). A empresa empreendedora é a Urbano Agroindustrial, com sede em Jaraguá do Sul, Santa Catarina. Estudou-se a possibilidade do enquadramento da pequena central termelétrica de cogeração (PCT), de 3 MW de potência instalada, como um projeto MDL. Já havia 3 anos que a PCT entrara em funcionamento compartilhando o espaço ocupado pela planta de beneficiamento de arroz da empresa. A geração de energia elétrica a partir de resíduos de casca de arroz já fora estudada em pesquisa desenvolvida para a ANEEL/MCT/PNUD6 nos anos de 1999 e 2000. Nesta pesquisa, buscou-se estabelecer o potencial existente no setor elétrico brasileiro de redução de emissões de gases de efeito estufa. Posteriormente, este empreendimento foi avaliado no âmbito do projeto SSN7 e do FNMA, Fundo Nacional de Meio Ambiente do Ministério de Meio Ambiente. [email protected] [email protected] [email protected] 4 [email protected] 5 [email protected] 6 projeto desenvolvido pelo IVIG/COPPE/UFRJ (www.ivig.coppe.ufrj.br) para a Agência Nacional de Energia Elétrica, em convênio com o Ministério da Ciência e Tecnologia e com o Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento. 7 (www.southsouthnorth.org). 1 2 3 348 INTRODUÇÃO: O principal objetivo do presente trabalho foi verificar a viabilidade de uma Pequena Central Termelétrica de Co-geração se tornar um projeto MDL. O estudo de caso é uma PCT, utilizando como combustível o resíduo casca de arroz, em processo de ajuste na unidade de Jaraguá do Sul da empresa Urbano Agroindustrial. Avaliaram-se as emissões de gases de efeito estufa que ocorreriam em um cenário de referência, comparando-as com as emissões relativas ao projeto implantado. Ou seja, avaliou-se o que ocorreria sem a implantação da Pequena Central Térmica de Cogeração de Energia. Como cenário de referência, consideraram-se os elementos a seguir: a) A emissão de metano proveniente da disposição dos resíduos em aterro. b) Emissão de CO2 proveniente da queima de combustível fóssil para a geração elétrica. Como cenário de projeto, consideraram-se os seguintes elementos: a) A redução da emissão de metano proveniente da disposição dos resíduos em aterro. b) A redução de parte da emissão de CO2 proveniente da queima de combustível fóssil para a geração elétrica. Apesar do projeto apresentar claro potencial como candidato ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), a precisa identificação da sua adicionalidade é essencial, assim como a análise de possível vazamento como resultado do projeto. Este elemento deve ser tratado com maior cuidado no desenvolvimento do Documento de Desenho do projeto (PDD) para o Conselho Executivo da Convenção Quadro das Nações Unidas. Cabe observar que as modificações físicas propostas pelos técnicos da empresa só estão sendo contempladas devido à perspectiva de obtenção de RCEs Reduções Certificadas de Emissões. As estimativas das emissões de gases de efeito estufa foram calculadas para o cenário de referência e para o cenário de implantação do projeto, permitindo o cálculo das emissões evitadas ao longo de 21 anos de atividades do projeto. Também são discutidas todas as informações para a aplicação de Critérios de Elegibilidade e Indicadores de Sustentabilidade no projeto em questão. Estes são desenvolvidos segundo a metodologia elaborada pelo Centro Clima, aprovada pelo MMA e enviada à Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima. No decorrer da elaboração do estudo de viabilidade detectou-se que a PCT instalada na planta industrial necessitava ainda de algumas modificações para funcionar a plena carga. Verificou-se, em razão disto, um procedimento de ajuste configurando o que pode ser chamado no processo de inovação tecnológica como aprendendo-fazendo (learning by doing). Valorizase, portanto, o caráter empreendedor e pioneiro dos empresários em adotar uma tecnologia de co-geração de energia com um equipamento de queima de biomassa ainda em evolução. Devido à tarifa horo - sazonal verde adotada junto à concessionária Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. (CELESC), a empresa conta ainda com moto-geradores movidos a diesel. Estes moto-geradores são usados no horário de ponta, momento no qual a tarifa praticada pela concessionária é muito alta e permite o uso competitivo do diesel. Esta prática de uso de moto-geradores diesel é comum na região, o que acentua ainda mais o caráter empreendedor dos empresários ao adotarem tecnologias de geração de energias renováveis, já que a rota tecnológica convencional para produção de energia elétrica na região em horário de ponta é via moto gerador diesel. 349 Outro fator importante detectado foi à qualidade da energia fornecida pela concessionária. Como a planta de beneficiamento da Urbano Agroindustrial fica distante do alimentador da CELESC mais próximo, a empresa tinha problemas consideráveis com a regularidade do fornecimento e manutenção da tensão. Descrição Sintética do Projeto em Análise A pequena central térmica é utilizada para co-geração de energia elétrica e térmica para uma indústria de beneficiamento de arroz da empresa Urbano Agroindustrial, em Jaraguá do Sul. A Central Térmica, com potência instalada de 3 MW, dispõe de fornalha com grelhas, tecnologia desenvolvida no país, para queima de biomassa. Inicialmente, a primeira instalação da unidade em questão somente gerava energia térmica para a planta de beneficiamento de arroz, já que nesta fábrica do grupo havia necessidade de vapor para a parbolização do arroz. Este processo carreia da casca do arroz parte da mesma tornando-o mais rico do ponto de vista nutricional. Como a casca apresentava valores médios significativos de poder calorífico, 3200 Kcal /kg, associou-se a geração de energia elétrica ao sistema, pois a produção de casca no processo de beneficiamento ultrapassa muitas vezes os 22,5% da quantidade de arroz produzido (informação da empresa), gerando excedente em casca. A planta em questão tem capacidade de produção de 20 ton/hora de arroz o que gera 4,5 ton/hora de casca e 1,6 t / hora de farelo. O consumo de uma planta de 2MW de potência instalada é da ordem de 1,7 ton/hora de casca, o que dá uma idéia do potencial deste combustível. A produção de energia, portanto, supre as necessidades de energia térmica e parte daquelas de energia elétrica. Além disso, a queima da casca de arroz tem como subproduto a cinza. Esta, sendo rica em sílica, pode ser usada em cimenteiras e espumas de cerâmica, se for apropriadamente produzida na usina de cogeração, pois o ajuste da queima influencia significativamente a qualidade desta cinza para este tipo de utilização. Outra decorrência do uso da casca para produção de energia elétrica é a substituição progressiva dos moto-geradores a diesel utilizados no horário de ponta para abatimento do valor das contas de energia elétrica da beneficiadora de arroz. Neste caso, há o imediato deslocamento do diesel usado neste sistema que vem se viabilizando devido ao valor das tarifas de energia elétrica neste período do dia. A empresa conta com 4 moto-geradores os quais consomem aproximadamente 0,3 litros de diesel por kWh produzido. Objetiva-se, portanto, evitar o consumo deste combustível fóssil na planta industrial, consolidando a tecnologia de queima de casca do arroz. A PCT proporciona, ainda, negociação do contrato com a concessionária de fornecimento de energia elétrica, já que esta se beneficia com a produção da energia para o auto consumo na Urbano Agroindustrial. A CELESC passa a ter uma distribuição mais adequada na área atendida pelo alimentador disponível no local, não necessitando de investimentos para incremento de carga. Além disso, como se trata de produção de eletricidade produzida por meio de biomassa, esta deve ter tratamento diferenciado. A análise do projeto em questão foi executada no Rio de Janeiro, pela equipe do Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima8 ), COPPE, UFRJ com trabalho de campo na Usina de Beneficiamento Jaraguá do Sul, em Santa Catarina. Os parâmetros metodológicos adotados foram os seguintes: 8 www.centroclima.org 350 Avaliou-se a emissão de gases de efeito estufa, que ocorreriam no cenário de referência, contrastando com o projeto implantado, ou seja, o que ocorreria sem a implantação da Pequena Central Térmica de Cogeração de Energia. Foi feita a estimativa da emissão de metano proveniente do lançamento em aterro de resíduos de casca de arroz pela empresa de acordo com sua produção anual utilizando-se a metodologia do IPCC (Greenhouse Gas Inventory Workbook-1996). A empresa Urbano Agroindustrial é considerada pioneira na utilização do dejeto agrícola casca de arroz para produzir energia elétrica. O insumo casca de arroz proveniente do beneficiamento do arroz na unidade atende parte das necessidades de combustíveis da PCT de cogeração com potência de 3MW, consumindo cerca de 4,5t/h de casca de arroz. Além disso, este insumo é usado para a cogeração, ao utilizar-se 15t/h de vapor de baixa pressão no processo de parboilização. A Urbano Agroindustrial possui 2 usinas de geração elétrica a casca de arroz em funcionamento, uma em São Gabriel, e outra, em Meleiro e pretende ampliar esta iniciativa de modo a se tornar auto suficiente em energia elétrica e produtor independente para comercializar a energia excedente. Assim, a empresa é referência para o setor e pode vir a se tornar um modelo para multiplicação desta opção de geração de energia. A emissão de metano é proveniente do lançamento em aterro da metade dos resíduos de casca de arroz derivada de 2.241.847 fardos de arroz produzidos por ano. Aproximadamente 2.241.847 fardos X 30kg/fardo divididos por 1000 Kg/t multiplicados por 22,5% de casca em peso = 15.133 t/ano de casca associada ao complemento de casca que vem da usina de Meleiro dividido por dois pela opção conservadora. De forma conservadora9 foi considerado que metade da casca de arroz utilizada na planta de co-geração, caso esta não existisse, seria utilizada numa caldeira convencional para produzir vapor. Esta conduta é comum no setor quando se necessita de vapor para o processo. Assim sendo, para a análise em questão considerou-se somente 50% das cascas utilizadas pela unidade industrial como aquelas que seriam dispostas em aterro sanitário, cuja decomposição resultaria em emissões de metano para a atmosfera. A emissão de CO2 é proveniente da queima de combustível fóssil para a geração da energia elétrica consumida pela planta no Município de Jaraguá do Sul, tanto no horário de ponta (diesel) como aquela fornecida pelo sistema elétrico interligado brasileiro10 . A estimativa de redução das emissões de gases de efeito estufa após implantação do projeto é de 42.170 t CO2eq/ano, sendo: a) cerca de 38.500 t CO2eq/ano referentes ao metano evitado com a disposição da casca em aterro; b) cerca de 3.613 t CO2eq/ ano referentes à troca de combustível fóssil por renovável. O percentual de casca disposta em aterro pode ser bem maior que 50%. O cálculo da quantidade de emissões evitadas em caso da rede interligada segue a metodologia desenvolvida por La Rovere e Americano (1997) para a Eletrobrás (aceita pelo GEF). 9 10 351 Para o cálculo do diesel, usou a hipótese de substituição de diesel (25% de térmicas existentes no Estado de Santa Catarina) que equivalem a 985,5 tC/ano (25%de 0,25tC/ MWh) relativos à emissão de diesel como mostra tabela abaixo, o que representa, convertendo-se para t CO2, cerca de 3613 t CO2/ano. P ot ên cia in s tala da 3 MW h or a s/an o 876 0 h s fator ca pacidad e 0, 6 en ergia ger ada (3 X 87 60 x 0, 6) 157 68 MWh /an o emis s ões evi t. an uais (15 768 X . 25 x 0, 25) W& DQR C on v er sã o ( 985, 5 x 44/ 12) W &2 DQ R Análise de viabilidade Técnico-Econômica do Projeto. A estimativa de custos e os cálculos de custo nivelado serão apresentados em dólares. Para efeito de cálculos utilizou-se a conversão de US$ 1,00 = R$ 3,00. A Termoelétrica a Casca de Arroz, em Jaraguá do Sul, na empresa Urbano Agroindustrial tem potência de 3 MW. Esta planta consome as 42.800 t/ano de casca de arroz oriundas de Jaraguá do Sul e de Meleiro gerando energia para abastecer parcialmente a indústria. O investimento inicial na planta foi de US$ 2.500.000,00 e o custo de operação e manutenção é de US$12,00/MWh. Para obter a análise de viabilidade econômica da planta, foi utilizado o cálculo do custo nivelado e aplicada a taxa de desconto (considerando o dólar como moeda) de 18% aa, conforme fluxo de caixa apresentado em anexo. Conforme informações obtidas com a Urbano Agroindustrial, com o poder público local e com a Companhia de Eletricidade de Santa Catarina, observou-se que a Empresa beneficiadora tem uma demanda contratada com a concessionária local de 2.200 kW e o custo da energia paga pela empresa enquadrase na tarifa Horo-sazonal verde. Os valores considerados e os indicadores contemplados são apresentados a seguir: 1 . Ta xa de C âm bi o 2 . Va lor d e Ven da da C in za ao an o 3 . Recei ta Tota l obt ida c om en er gi a elétr i ca evita da /an o 4 . Recei ta de cust o evi ta do com d is posi çã o em aterr o/an o 5 . In ves tim en to 3, 00 US$ 2. 28 2, 6 7 US$ 2 . 50 0. 00 0, 0 0 6 . Ta xa de op er ação e Ma n u ten ção 7 . Fa tor d e Cap acida de Val or Pr es en te Lí qu ido Tem p o d e r et or n o em an os Tax a In ter n a de Ret or n o US$ 12 /MWh 60 % US$ 2 . 64 7. 96 2, 3 0 An os 5 e 6 42 % US$ 5 55 . 7 56 , 55 US$ 7 13 . 3 33 , 33 352 Verifica-se a viabilidade econômica do projeto, pois a TIR foi de 42% e o tempo de retorno do investimento é de apenas 6 anos em projeto cuja planta tem uma vida útil de 20 anos. Segundo informações da Urbano Agroindustrial, o custo de disposição da casca em aterro antes do projeto era de R$ 50,00 por tonelada disposta. Cabe ressaltar que na análise de viabilidade do projeto foi considerado o custo do transporte da casca de arroz produzida em Meleiro até Jaraguá do Sul. Além da viabilidade econômica, tal projeto também se destaca por apresentar características de projeto MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), tanto por reduzir a emissão de CO2 ao substituir parte de um combustível fóssil por um combustível renovável, quanto por evitar emissão de CH4 ao não mais dispor o resíduo em aterro. Aplicação e Avaliação dos Indicadores de Sustentabilidade. A avaliação do projeto quanto a sua sustentabilidade levou em consideração uma metodologia desenvolvida pelo Centro Clima/ MMA a partir da qual foi realizado um workshop interno da equipe de modo a estabelecer pontuações aos diversos indicadores de desenvolvimento sustentável. Os indicadores estão descritos a abaixo com a respectiva análise do projeto e sua pontuação que varia de -3 a +3: 1 CONTRIBUIÇÃO À MUDANÇA DO CLIMA GLOBAL : Este indicador está fracionado, pois há duas contribuições à Mudança do Clima Global. Primeiro deve-se considerar que toda a casca de arroz poderia estar sendo destinada ao aterro sanitário. Desta forma, ela serviria de insumo para a produção de metano (CH4). Isso seria um agravante para a Mudança do Clima Global. Caso somente parte dela fosse para o aterro, já seria uma vantagem, pois alguma parte já estaria sendo fonte de energia, e assim seria visto como um atenuante para o aquecimento global. A outra fração deste indicador diz respeito à geração de energia quando a usina de biomassa (casca de arroz) não está em funcionamento. Quando a usina está operando de forma normal, há uma substituição da energia da rede por cerca de 21 horas, tendo assim o indicador uma nota máxima. Caso a casca só seja responsável pela substituição do diesel por 3 horas, embora o indicador seja positivo a sua nota não será máxima, pois contribuirá em menor escala para evitar o aquecimento global. - Notas: +1,5/+2 2 INDICADOR DE SUSTENTABILIDADE LOCAL: Neste caso não haverá mudança significativa na sustentabilidade local com a implantação do projeto. A usina de casca é próxima à indústria de beneficiamento de arroz, URBANO AGROINDUSTRIAL, e a geração da casca de arroz se dará independente da utilização desta para a geração de energia ou não. Haverá uma pequena contribuição quando a casca estiver substituindo o diesel, pois serão emitidos menos NOx, SOx e particulados. - Nota: +1 3 GERAÇÃO DE EMPREGO: Como a geração de energia se dá dentro das instalações da empresa, não houve uma demanda de mão de obra para operar especificamente a caldeira, pois esta passou a ser um dos equipamentos da indústria. Embora possa ter havido algumas contratações, dentro do quadro de funcionários da empresa (150) este número foi insignificante. Da mesma forma não houve demissões em função desta geração. - Nota: 0 4 IMPACTO DISTRIBUTIVO DO PROJETO: Este indicador avalia quanto a população local de baixa renda será beneficiada pelo empreendimento. A população local será pouco 353 impactada por este projeto de forma positiva. O pequeno agricultor não será beneficiado diretamente pela geração de energia na indústria. A casca de arroz não tem ligação direta com a venda do arroz, nem o subproduto da queima (cinzas) terá algum impacto para o agricultor. Mas também não há nenhum impacto negativo. Baixando os custos de produção possivelmente haja reflexo em uma pequena diminuição de preço do produto. Apesar de gerar um impacto, este é pouco significativo. - Nota: 0 5 CONTRIBUIÇÃO PARA O BALANÇO DE PAGAMENTO NACIONAL: A substituição do diesel em alguns momentos será positivo para a balança de pagamentos, visto que parte do diesel consumido no país é de origem internacional. - Nota: +1 6 CONTRIBUIÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE MACROECONÔMICA: Este empreendimento está sendo realizado com recursos do próprio grupo URBANO, sem qualquer incentivo do órgão público, sendo este na esfera federal, estadual ou municipal. Considerando que a empresa está tomando esta atitude por sua própria iniciativa, sem nenhuma condicionante à isenção fiscal de qualquer espécie, o indicador é positivo. - Nota: +3 7 CONTRIBUIÇÃO PARA A AUTO-SUFICIÊNCIA TECNOLÓGICA: A tecnologia utilizada para a construção da caldeira e do gerador é de origem alemã, embora com mão de obra nacional. Essa contribuição é importante para a indústria nacional se consolidar como potencial fornecedora de equipamentos para a geração de energia com biomassa e fortalecer e potencializar a competitividade destas tecnologias no plano internacional futuramente. Ao utilizar mão e obra nacional treinem-se outras pessoas e assim o Brasil poderá ter profissionais capazes de operar empreendimentos deste tipo. Desta forma, há uma transferência de tecnologia e possibilita que outras empresas utilizem este conhecimento. Há estímulo para a auto-eficiência nacional para novos projetos com a mesma tecnologia. - Nota: +3 8 REPLICABILIDADE E INTEGRAÇÃO REGIONAL: Este projeto é pioneiro no Brasil e poderá se replicado dentro do próprio grupo ou em outras usinas beneficiadoras de arroz. Esta idéia pode ser adaptada para outras indústrias que tenham rejeitos com potencial para gerar energia. O empreendimento é integrado regionalmente a outras empresas do grupo e pode estimular a integração de outros grupos. - Nota: +3 Os indicadores de sustentabilidade recebem pontuação entre -3 e +3 de acordo com a seguinte tabela: +3 Mel h or i a a ci m a de 100% +2 Mel h or i a en tr e + 60% e 100% +1 Mel h or i a en tr e + 20% e + 60% 0 Mel h or i a ou pi or a en tr e –20% - 0 - + 20% -1 Pi or a en tr e + 20% e + 60% -2 Pi or a en tr e + 60% e 100% -3 Pi or a a ci m a de 100% 354 Segue abaixo o resultado da análise de sustentabilidade do projeto PCT casca de arroz em Jaraguá do Sul. , 7( 0 ' ( 6 & 5,d 2 1 2 7$ 1 2 3 Con tr ibu içã o à Mudan ça do C lima Global In dicador d e S ust en tabi lida de Lo cal Ger ação de Em pr ego 4 Im pacto Dis tr i but ivo do Pr ojeto 5 Con tr ibu içã o p ara o Bal an ço de Pa gam en to Nacion al Con tr ibu içã o p ara a Su sten ta bili dad e Macr oecon ôm ica Con tr ibu içã o p ara a Au to- su fi ci ên cia Tecn ol ógi ca Repli cabilid ad e e In t egr açã o Reg i on al 6 7 8 72 7$ / Conclusão A biomassa constitui uma alternativa economicamente viável aos projetos tradicionais. As grandes centrais hidrelétricas no Brasil têm causado, nas últimas décadas, impactos sócio-ambientais irreparáveis. A geração de energia a partir dos combustíveis fósseis também se apresenta como opção insustentável, com efeitos ambientais adversos nos níveis local e global, considerando-se o quadro atual das mudanças climáticas. O Estudo de Viabilidade para adoção de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo(MDL) através da geração de energia a partir de resíduos de casca de arroz busca estabelecer o potencial deste empreendimento na redução de emissões de gases de efeito estufa(GEE) bem como no que diz respeito ao seu potencial de atender a critérios de desenvolvimento sustentável. Além de proporcionar um envolvimento com a comunidade, pois são realizadas parcerias com os produtores locais, estima-se que cada usina vai gerar de 25 a 30 empregos diretos. Até 95% da mão de obra é local na montagem e na operação das usinas, oferecendo uma oportunidade de empregos e desenvolvimento para a metade sul do Estado, onde se concentram os municípios e a população de mais baixa renda. O reaproveitamento do resíduo e a geração da sílica, como subproduto residual da queima da casca, significam, ainda, uma receita adicional para os produtores rurais e para as empresas. O aproveitamento da sílica poderá ser em fábricas de cristais, cerâmicas e componentes de informática na Europa e nos Estados Unidos. Estima-se que diariamente sejam produzidas entre 35 e 40 toneladas de sílica. O uso deste resíduo como combustível evita a emissão de metano para atmosfera, já que, ao invés de deixá-lo em aterros, passa-se a consumi-lo para geração de energia elétrica e térmica. Resolve-se, portanto, problemas como a disposição incorreta de grande quantidade de resíduos gerados pela agroindústria do arroz e problemas relativos ao uso de fontes de energia emissoras de Gases de efeito estufa (GEE), aproximadamente 42.170 tCO2 eq/ano, no caso da unidade industrial estudada. 355 8. BIBLIOGRAFIA ANEEL, Panorama do Potencial de Biomassa no Brasil, em Capacitação do Setor Elétrico Brasileiro em Relação à Mudança Global do Clima, 2003. ANEEL, Atlas de energia Elétrica do Brasil, 2002 ANEEL, O Estado das Energias Renováveis no Brasil, ,1999 http://www.energiaemeioambiente.org.br/matriz/m_09_i3.asp ; 20/12/2002 A Survey of the Global Environment, The Economist, July, 2002. CENBIO. O Uso da Biomassa no Brasil Potenciais para uma Política de Desenvolvimento Regional, CENBIO, Brasil, 1997. Cimento nobre com casca de arroz. Revista FAPESP Pesquisa n.58, outubro 2000, pg.56-58. Energia com casca de arroz. Revista Brasil Energia n. 227, outubro 1999. pg.91. BODELIER et al in NATURE/Vol.403/27 pg 421-424 (1999).January 2000/(www.nature.com) HOFFMANN, R. ; JAHN, S.L. ; BAVARESCO, M. ; SARTORI, T. Aproveitamento da cinza produzida na combustão da casca de arroz: estado da arte. Anais do CBE, 2002. ,RJ, pg.1138/1143. IBGE. Base de Informações Municipais - Malha Municipal Digital 1997- http://www.ibge.gov.br; acessado em Janeiro 2003. Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina - Instituto Cepa/SC; http://www.icepa.com.br ; acessado em Janeiro 2003. IPCC. Intergovernmental Panel on Climate Change; Greenhouse Gas Inventory reporting Instructions Revised IPCC Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories, 1996 KIKUCHI,S. Energia: potencial a ser explorado Revista Ecologia e Desenvolvimento, Edição 94/2001. Disponível em: www.uol.com.br/ecologia/pesquisa-public/ecologia/ecologia_94_8.htm; 20/12/2002 La Rovere, E. L. et Americano, B. 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INTRODUÇÃO Segundo o estudo GEO-2000 Global Environmental Outlook desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a questão do aquecimento global será uma das maiores preocupações do século XXI, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento (UNEP, 2000). O Terceiro Relatório de Avaliação do IPCC (2001) afirma que existem novas e fortes evidências de que a maior parte do aquecimento da Terra nos últimos 50 anos é atribuível às atividades humanas. Os resultados mostram que a real variação da temperatura nos últimos 140 anos somente consegue ser simulada contemplando-se os forçamentos naturais e antropogênicos. Esta é a maior evidência da responsabilidade antrópica nas mudanças climáticas. Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais IVIG-COPPE/UFRJ a Programa de Planejamento Energético PPE/COPPE/UFRJ - Caixa Postal 68565 CEP 21945 970 Rio de Janeiro Brasil b e-mail: [email protected], [email protected], [email protected] 357 As maiores fontes antropogênicas de emissão de dióxido de carbono, o principal gás de efeito estufa, são: a queima de combustíveis fósseis e a mudança no uso da terra. Nos últimos 20 anos, a queima de combustíveis fósseis representou de 70 a 90% das emissões antrópicas totais do CO2. Neste contexto de alta relevância do consumo de fósseis como agente causador das mudanças climáticas de origem antrópica, se destaca o setor de transportes, que ocupa o segundo lugar das emissões mundiais de CO2 decorrentes das atividades energéticas. Por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (RIO 92), 154 países assinaram a Convenção Quadro sobre Mudança do Clima, visando a estabilização da concentração de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera, com o comprometimento voluntário dos países do Anexo I1 em reduzir suas emissões em 2000 para os níveis de 1990 (meta prorrogada nos acordos posteriores). Este primeiro momento representou uma formalização da preocupação internacional com os efeitos negativos acarretados pelo aumento das emissões de GEE. Em 1997, na Terceira Conferência das Partes (COP-3) da Convenção do Clima ocorrida em Quioto, foi aprovado o Protocolo de Quioto, o qual determina o estabelecimento de compromissos por parte dos países desenvolvidos (Anexo I) de atingir uma meta de redução média de 5,2% das emissões do Anexo I, em relação ao ano de 1990, durante o período de 2008 2012. O Protocolo de Quioto prevê três mecanismos de Flexibilidade para auxiliar o alcance das metas de redução de emissão, destacando-se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). O MDL tem como objetivo assistir tanto às Partes incluídas, como as não incluídas no Anexo I (países que não têm compromissos quantificados de redução de emissão). Assim, este mecanismo está relacionado aos interesses do Brasil e, diferentemente dos outros mecanismos, busca promover o desenvolvimento sustentável nos países não incluídos no Anexo I, os quais seriam os hospedeiros dos projetos. Os países incluídos no Anexo I podem utilizar as Reduções Certificadas de Emissão (RCEs, também conhecidas como créditos de carbono) resultantes das atividades de projeto (hospedadas nos países não Anexo I) para cumprir os seus compromissos de redução quantificada de emissão estabelecidos no Protocolo de Quioto. Mesmo que ainda não tenham sido atendidas as exigências para a entrada em vigor do Protocolo, as atividades de projeto do MDL já podem ser implementadas, pois as suas respectivas RCEs obtidas a partir de 2000 poderão ser usadas para o atendimento do primeiro compromisso de redução referente ao período de 2008 a 2012. O avanço das definições e regras de como o MDL deve funcionar na prática foram sendo discutidos nas reuniões anuais das COPs e de seus órgãos subsidiários que têm por finalidade subsidiar a COP no que diz respeito às suas Conclusões e Decisões. Somente em 2001, na COP-7 ocorrida em Marrocos, foi alcançada uma regulamentação mais bem definida do Protocolo de Quioto por meio do Acordo de Marraqueche. Na COP-8 (2002), em Nova Delhi-Índia, foram formatadas decisões que complementam o Acordo de Marraqueche em seus procedimentos e modalidades, contemplando especialmente os setores relacionados à energia no MDL, incluindo o setor de transportes. (Países industrializados membros da OCDE, exceto México e Coréia do Sul, além de países industrializados em processo de transição para uma economia de mercado) 1 358 Neste contexto, a utilização de um combustível renovável capaz de substituir o diesel mineral - o biodiesel - no setor de transportes do Brasil pode permitir ao país assumir um papel de destaque na mitigação das mudanças climáticas. A curto e médio prazo, com a redução das emissões de GEE e um conseqüente possível incremento da participação do país no mercado internacional de carbono a partir do setor de transportes (envolvendo tanto o MDL como as demais oportunidades de recursos que este mercado também oferece fora do Protocolo de Quioto). A longo prazo, como futuro provedor de biodiesel para o mundo, dada a sua vocação extraordinária para combustíveis de biomassa, em virtude de sua grande extensão territorial e clima favorável para a produção agrícola. A penetração do biodiesel na matriz energética brasileira reduzirá as externalidades negativas para o sistema econômico que o uso do diesel mineral provoca, tanto em relação aos impactos locais quanto aos globais, além das oportunidades de inclusão social que o biodiesel representa. O projeto de desenvolvimento tecnológico Produção de Biodiesel para Uso como Combustível Veicular vem sendo desenvolvido pelo Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ (IVIG-COPPE/UFRJ). O projeto vem testando o uso de biodiesel como combustível renovável alternativo ao óleo diesel mineral, sendo coordenado pelo IVIG e contando com a participação da Hidroveg Indústrias Químicas Ltda., a Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (COMLURB) e a rede McDonalds Comércio de Alimentos Ltda. O trabalho pretende identificar os demais benefícios que este projeto representa, buscando as sinergias entre os esforços de mitigação das mudanças climáticas e a promoção do desenvolvimento sustentável, o que converge com os objetivos do MDL. O objetivo principal do projeto é substituir parcialmente o uso de combustíveis fósseis no setor de transportes, utilizando-se, para isto, o biodiesel proveniente da transesterificação de óleos vegetais residuais. O volume total de biocombustível a ser produzido pelo projeto é de 150 m3 por mês. A planta de produção de biodiesel utilizará o óleo vegetal usado doado pela rede McDonalds, complementado por óleo usado adquirido no mercado carioca. A Hidroveg ficará encarregada de realizar o processo de transesterificação. O biodiesel produzido neste projeto será utilizado em frotas cativas, dentre as quais a da COMLURB, que concordou em experimentar o biodiesel no abastecimento de alguns veículos de sua frota. Na ausência do projeto, o Setor de Transportes da cidade do Rio de Janeiro utilizaria o diesel mineral, combustível fóssil derivado do petróleo, cuja emissão de GEE é cerca de 11 vezes maior do que a do biocombustível, como será descrito a seguir. O Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (CentroClima-COPPE/UFRJ) analisou como pertinente a candidatura deste projeto às RCEs do MDL e elaborou a documentação necessária ao atendimento dos requisitos exigidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). O projeto está sendo apreciado pela Comissão Interministerial de Mudança do Clima do governo brasileiro, simultaneamente à avaliação da metodologia utilizada pelo Painel Metodológico da ONU. 359 3 Aspectos Tecnológicos do Projeto Na reação de transesterificação, o óleo proveniente de biomassa é transformado em éster2 (o biodiesel) e em glicerol. O biocombustível obtido é plenamente compatível com todas as novas tecnologias de motores do ciclo Diesel, com desempenho similar. O uso do biodiesel não requer ajustes ou adaptação dos motores, podendo substituir o diesel mineral em quaisquer proporções. No Brasil, desde a década de 70 existem diversas experiências acerca do uso de biodiesel, oriundo de óleos novos e usados, tanto puros quanto misturados ao óleo diesel. Testes realizados com ônibus, caminhões e tratores de diversos fabricantes produziram resultados plenamente positivos, assim como os ensaios de laboratório têm indicado que as propriedades dos ésteres são bastante semelhantes às do óleo diesel. A tecnologia de produção de biodiesel proposta é perfeitamente dominada pelos executores do projeto, a qual vem sendo testada na COPPE/UFRJ desde 2000, não sendo necessária qualquer transferência de tecnologia. É importante ressaltar que este projeto retoma a experiência da COPPE, que vem desde 1982 estudando aspectos técnicos, econômicos, sociais, climáticos e ambientais do processo de transesterificação. Embora as atividades do projeto evitem a ocorrência da emissão de metano proveniente da decomposição anaeróbica do óleo residual em aterro, optou-se por apresentar uma hipótese conservadora para a solicitação de RCEs. Devido às incertezas existentes sobre o valor desta parcela de óleo que seria disposta indevidamente, o cálculo da redução de emissões considerou somente a emissão de GEE da queima dos combustíveis, supondose nula a emissão de metano no aterro. O Biodiesel Como Combustível Veicular O biodiesel é obtido através da reação de óleos vegetais virgens ou usados, ou de gordura animal, com um intermediário ativo formado pela reação de um álcool com um catalisador, processo conhecido como transesterificação. Os produtos da reação química são um éster (o biodiesel) e glicerol. Os ésteres têm características físico-químicas muito semelhantes às do óleo diesel, conforme demonstram as experiências realizadas em diversos países, o que possibilita a sua utilização em motores de ignição por compressão (ciclo Diesel). O glicerol é um produto com diversas aplicações, como insumo para a indústria de cosméticos, matéria-prima para a produção de lama de perfuração, ou para a geração de energia elétrica através de pilha a combustível (Brandão, 2002). A reação de transesterificação pode empregar diversos tipos de álcoois, sendo os mais estudados os álcoois metílico e etílico. Freedman (1986) e colaboradores demonstraram que a reação com metanol tem rendimento superior à realizada com etanol, principalmente se este for hidratado. A separação da glicerina obtida como subproduto, no caso da síntese do éster metílico é resolvida mediante simples decantação, bem mais facilmente do que com o éster etílico, processo que requer um maior número de etapas. Quanto ao catalisador, a reação de síntese pode utilizar os do tipo ácido ou básico. Entretanto, geralmente a reação empregada na indústria é feita em meio básico, uma vez que esta apresenta melhor rendimento e menor duração do que em meio ácido. Derivado da reação química entre um ácido carboxílico e um álcool, na qual o hidrogênio do grupamento carboxila é substituído pela cadeia carbônica do álcool, formando o éster. 2 360 Pelos motivos expostos, o projeto optou por empregar, em um primeiro momento, álcool metílico e hidróxido de potássio (catalisador alcalino) para a reação de transesterificação do óleo vegetal usado. Entretanto, cabe ressaltar que a planta construída pela indústria Hidroveg possibilita o emprego de outros tipos de álcool ou de catalisador básico, como o álcool etílico oriundo de fonte renovável, ou o hidróxido de sódio, respectivamente. Esquema 1 Reação de Transterificação H2C-O-CO-R1 O-CO-R HC-O-CO-R2 H+/OH- + 3R-OH H2COH HCOH H2C-O-CO-R3 + CH2OH Triglicerídeos Ésteres R Álcool 1 - R2-O-CO-R R3-O-CO-R Glicerol Onde R1, R2 e R3 representam as cadeias carbônicas dos ácidos graxos e R a cadeia carbônica do álcool reagente. Segundo os dados de reação obtidos na planta piloto de produção de biodiesel, em operação na UFRJ, a transformação de óleo vegetal usado em biodiesel tem aproveitamento de 98% em volume. Com relação à eficiência energética do biodiesel, esta corresponde a cerca de 90% do diesel mineral, resultado de um balanço entre o maior número de cetano e menor poder calorífico do biodiesel. Considerando-se estes dados, pode-se dizer que, em média, 1 litro de óleo vegetal corresponde a aproximadamente 0,88 litros de diesel. O fluxograma da Figura 1, a seguir, apresenta o esquema da reação de transesterificação. Em um tanque com agitação magnética, o catalisador (hidróxido de potássio) é adicionado ao álcool metílico. Esta mistura é transferida, com agitação contínua, ao reator contendo o óleo vegetal, onde se processa a transesterificação. Findo o tempo de reação, a mistura é transferida a um tanque de decantação, onde ocorre a separação da glicerina. Figura 1 -Fluxograma do Processo de Transesterificação em Batelada Misturador KOH (catalisador) CH3OH (metanol) Reator Metanol+KOH Óleo de rejeito H2COOCR’ HCOOCR” H2COOCR’” Óleo transesterificado Óleo transesterificado glicerina glicerina Tanques de decantação 361 H3COOCR’ H3COOCR” (ÉSTERES) H3COOCR’” H2COHCHOHCH2OH (glicerina) Esta técnica contribui para aumentar a oferta de energia de fonte renovável, uma vez que parte dos reagentes é oriunda da biomassa. A reação que utiliza metanol consome, no máximo, 22% em volume deste álcool oriundo de fonte fóssil (gás natural), sendo 10% o valor mais utilizado. Há, portanto, uma grande redução nos volumes de combustível fóssil consumido. 4 - Análise de Sustentabilidade do Projeto A primeira avaliação da sustentabilidade do projeto foi elaborada a partir do documento Critérios de Elegibilidade e Indicadores de Sustentabilidade para Avaliação de Projetos que Contribuam para a Mitigação das Mudanças Climáticas e para a Promoção do Desenvolvimento Sustentável, desenvolvido por pesquisadores do CentroClima-COPPE/UFRJ e da Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos do Ministério do Meio Ambiente - SQA/MMA- (RIBEIRO, 2002). Estes critérios e indicadores, por sua vez, foram desenvolvidos tendo como base o estudo realizado por Emilio Lèbre La Rovere e Steve Thorne que resultou na publicação de Criteria and Indicators for Appraising Clean Development Mechanism (CDM) Projects. Os indicadores propostos dão igual importância aos aspectos de desenvolvimento ambiental, social, econômico, tecnológico e de operacionalização. O Protocolo de Quioto define a necessidade da elegibilidade de um projeto MDL não se basear apenas na redução das emissões de GEE. Os projetos precisam estar em consonância com os propósitos das políticas de desenvolvimento regional e nacional sustentável. Neste sentido, o objetivo destes indicadores é o de possibilitar estabelecer uma avaliação da sustentabilidade dos projetos candidatos, auxiliando na tomada de decisão. Posteriormente a esta avaliação da sustentabilidade do projeto, elaborou-se uma segunda análise, tendo como base a matriz de indicadores de sustentabilidade do padrão Gold Standard da WWF contida no formulário de elaboração de projetos MDL, cuja escala de pontuação varia de 3 a +3. Esta permite ao projeto obter o selo de qualidade desta renomada instituição, com o objetivo de elevar sua credibilidade junto ao mercado de carbono. A matriz aplicada a este projeto, é apresentada na tabela 1 a seguir e descreve os principais impactos sociais, econômicos e ambientais do projeto. 362 Tabela 1 - Matriz de Indicadores de Sustentabilidade de WWF Aplicada ao Projeto $±6XVWHQWDELOLGDGH DPELHQWDOORFDOHJOREDO 1RWD Quantidade de água 0 Qualidade de água 0 Redução de efluentes Qualidade do ar 2 NOx, SOx, material particulado, aromáticos. Outros poluentes 0 Condições do solo 0 Contribuição para a biodiversidade 0 %±6XVWHQWDELOLGDGH 6RFLDOH'HVHQYROYLPHQWR 1RWD Qualidade do emprego 0 Habitação para baixa renda 0 Diminuição da pobreza 0 Acesso a serviços essenciais (água, saúde educação, etc.) 0 Acesso a energia de fontes limpas 0 -XVWLILFDWLYD -XVWLILFDWLYD Capacitação humana e institucional &±'HVHQYROYLPHQWR HFRQ{PLFRHWHFQROyJLFR Número de empregos 1 Sustentabilidade do balanço de pagamentos 1 Despesas significativas em tecnologia com moeda corrente, replicabilidade e contribuição para a autonomia tecnológica 2 7RWDO A geração de novos empregos na região metropolitana é proporcional ao aumento da quantidade coletada de óleo usado, passando de 500m3 mensais atuais para 628m3 mensais (26%). A importação de óleo diesel no Brasil é de 4 bilhões de litros por ano, sendo outros 8 bilhões de litros refinados aqui com petróleo importado, o que corresponde a 33% do consumo nacional. Pode-se extrapolar que qualquer litro de diesel detém esta proporção de importado. Como o biodiesel substitui 90% do óleo diesel, este fator corresponde a 30%. A produção de biodiesel será feita com tecnologia 100% nacional. Como o índice de nacionalização dos equipamentos usados na produção de petróleo e da obtenção do óleo diesel é de aproximadamente 70%, esta diferença será de 30%. A disponibilidade de replicação da experiência nas grandes cidades pode incentivar a ampliação nas áreas de atuação de cooperativas, incorporando mais coletores de óleo usado. 363 5 - Os Impactos da Tecnologia na Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa e Receita Potencial dos Créditos de Carbono Este projeto usa técnica que contribui para aumentar a oferta de energia de fonte renovável para o setor de transportes, uma vez que grande parte dos reagentes é proveniente da biomassa. O projeto trata especificamente de substituição de óleo diesel - combustível fóssil utilizado em frota de ônibus e de caminhões no Município do Rio de Janeiro. A reação que utiliza metanol consome este álcool oriundo de fonte fóssil (gás natural) em participação nunca superior a 22% em volume do total de reagentes, sendo 10% o valor mais utilizado. Há, portanto, uma grande redução nos volumes de combustível fóssil consumido. Caso o biodiesel metílico obtido em reação que consome metanol totalmente oriundo de fonte fóssil fosse utilizado puro (B100), as emissões de GEE seriam reduzidas em cerca de 90%, comparativamente com o diesel mineral. No caso do biodiesel etílico, totalmente oriundo de biomassa, esta redução poderia chegar a 100%, assim como o éster obtido utilizando-se metanol proveniente da destilação da madeira. A emissão de dióxido de carbono da queima da parcela do biodiesel referente ao óleo residual é reabsorvida pela nova safra, o que permite considerá-la renovável. Como o biodiesel estará substituindo parte do diesel mineral combustível para transportes coletivos e de carga da cidade do Rio de Janeiro, será reduzido o consumo de combustíveis fósseis, pois somente as emissões devidas ao metanol são contabilizadas. Apesar da ocorrência da emissão de metano proveniente da decomposição anaeróbica do óleo residual em aterro, devido às incertezas existentes sobre o valor desta parcela de óleo que seria disposta indevidamente, optou-se por calcular a quantidade de redução de emissões para uma hipótese conservadora: considerando somente a emissão de GEE da queima dos combustíveis e supondo nula a emissão de metano no aterro. O cálculo da redução de emissões é realizado comparando-se a situação em que haveria consumo de diesel mineral pelos veículos (linha de base) versus a situação resultante das atividades do projeto, em que haverá a utilização deste biocombustível no setor de transportes. Desta forma, a quantidade de carbono não emitida que poderá ser negociada no mercado internacional é encontrada subtraindo-se as emissões deste biocombustível, considerado como cenário alternativo, das emissões devidas ao combustível fóssil utilizado para o setor de transportes, considerado como cenário de referência. Segundo a 7a Conferência das Partes, o projeto biodiesel se enquadra na categoria de pequena escala3 , não se configurando a necessidade de contabilizar as emissões geradas no ciclo de vida dos combustíveis, mas tão somente as geradas na combustão. Ademais, somente as emissões ocorridas dentro da fronteira física do projeto devem ser computadas. A COP-7 estabelece regras para os projetos candidatos ao MDL. Definição dos projetos de pequena escala:... iii) outros projetos que reduzam emissões e que diretamente emitam menos de 15.000 toneladas equivalentes de gás carbônico equivalente por ano... 3 364 As atividades de projeto possibilitaram um acordo com a PETROBRAS que receberá a glicerina - subproduto da produção de biodiesel - para usar como fluido de perfuração para substituir parcialmente o fluido atualmente usado. Portanto, não haverá emissões de metano decorrentes deste subproduto. A tabela 2 a seguir sintetiza as fontes de emissão computadas bem como as não computadas, na linha de base e nas atividades do projeto. A redução de emissões de GEE para um período de 10 anos totaliza 38.500tCO2. Em termos de cálculo de emissões, as emissões de GEE da combustão do biodiesel de óleo residual (cenário do projeto) totalizam 244,5gCO2/L. O cálculo da emissão de CO2 por litro de biodiesel compreende a estequiometria e o rendimento da reação de transesterificação, bem como da combustão do metanol. Por outro lado, as emissões de GEE da combustão do diesel mineral (cenário de referência) totalizam 2.698gCO2/L. O cálculo da emissão de CO2 por litro de diesel compreende os fatores de conversão definidos pelo IPCC (tEP/m3; TJ/tEP; tC/TJ) e a combustão do diesel. Tabela 2 - Origens das Emissões (PLVV}HVGD/LQKDGH%DVH (PLVV}HVGDV$WLYLGDGHVGR3URMHWR 2ULJHPGDV (PLVV}HV &RQWDELOL]DGDV 1mR&RQWDELOL]DGDV &RQWDELOL]DGDV 1mR&RQWDELOL]DGDV Biodiesel Diesel Óleo vegetal usado (matériaprima da produção do biodiesel) Glicerina (subproduto da produção de biodiesel) - Emissão de CO2 Emissão de CO2 proveniente do metanol usado do ciclo de vida do biodiesel na produção de (coleta, produção, biodiesel distribuição, etc...) - Emissão de CO2 Emissão de CO2 do proveniente da ciclo de vida do Diesel combustão do (extração, produção, diesel distribuição, etc...) - - Emissão de CH4 da disposição inadequada de óleo vegetal - - - - De fonte renovável, será usada como fluido de perfuração em poços de petróleo, substituindo o fluido sintético usado atualmente, sem emissões computáveis. - As atividades do projeto permitem que 150m3 de biodiesel substituam 135m3 mensais de diesel, possibilitando uma redução significativa das emissões dos veículos. Ainda que as emissões evitadas pelo projeto em pequena escala sejam de pequena monta, quando comparadas aos projetos de grande escala, podem render recursos importantes no mercado internacional que contribuam para o desenvolvimento sustentável no país. A tabela 3, a seguir, apresenta as emissões evitadas com o projeto de pequena escala em teste e utiliza um valor de US$10/tCO2 em uma hipótese de médio prazo plausível, para simular a receita potencial devido à venda dos créditos de carbono4. O Edital do Programa Holandês CERUPT (2002) fixou em US$ 5/t CO2 eq o preço máximo a ser pago, enquanto a Carbon Market (2004) estima em torno de £ 6/t CO2 eq. 4 365 Tabela 3 - Emissões evitadas com o projeto e receita potencial (PLVV}HVGD/LQKDGH%DVH (PLVV}HV(YLWDGDV 3RWHQFLDOGH5HFHLWD $QR (PLVV}HVGR3URMHWR W&2HTXLYDOHQWH W&2HTXLYDOHQWH W&2HTXLYDOHQWH 86W&2HTXLYDOHQWH 440.04 4,370.82 3,930.8 39,307.8 440.04 4,370.82 3,930.8 39,307.8 440.04 4,370.82 3,930.8 39,307.8 440.04 4,370.82 3,930.8 39,307.8 440.04 4,370.82 3,930.8 39,307.8 440.04 4,370.82 3,930.8 39,307.8 440.04 4,370.82 3,930.8 39,307.8 440.04 4,370.82 3,930.8 39,307.8 440.04 4,370.82 3,930.8 39,307.8 440.04 4,370.82 3,930.8 39,307.8 7RWDO Desta forma, pode-se então estimar que o uso desta tecnologia permite uma redução no custo de cada unidade energética gerada por esta rota, de cerca de US$0,02/L. Este exercício serve apenas como um indicador aproximado do potencial da tecnologia no mercado internacional de carbono, pois cada projeto tem uma linha de base e características particulares e outras fontes de emissão devem ser consideradas quando se passa de pequena para grande escala, como é possível observar na tabela 2. 6 - Conclusões O presente trabalho identificou que o uso de biodiesel de óleos residuais no setor de transportes da cidade do Rio de Janeiro converge com os objetivos do MDL, uma vez que busca as sinergias entre os esforços de mitigação das mudanças climáticas e a promoção do desenvolvimento sustentável. A análise de suas características técnicas, sociais, econômicas e ambientais demonstra que a adoção desta prática pode resultar em ganhos importantes. O projeto contribui para o desenvolvimento sustentável do país, em seus principais alicerces, quais sejam a sustentabilidade social, econômica e ambiental, podendo ser considerado um projeto experimental de utilização de resíduos, na medida em que: - Diminui a pressão sobre os recursos naturais; - Substitui o uso de combustíveis fósseis no setor de transportes que contribuem para o aumento do efeito estufa. - Desenvolve tecnologia de utilização e aproveitamento de resíduos, permitindo a valorização de um rejeito, normalmente a baixo custo, através da regionalização de sua transformação em recurso energético; - Evita a emissão de metano, um poderoso gás de efeito estufa, que compõe grande parte do biogás produzido em aterro sanitário; - Diminui a poluição atmosférica local e outros impactos ambientais locais. Como, por exemplo, na possibilidade de vazamento, devido a sua biodegradabilidade, o impacto é reduzido quando comparado ao óleo diesel; 366 - Gera empregos na coleta de óleos usados para a produção de biodiesel ou, no caso de biodiesel de óleos virgens, gera empregos na cultura agrícola. BIBLIOGRAFIA BRANDÃO, M.O.; ALMEIDA, S.C.A.; SALLES, M., 2002. Viabilidade Técnico-Econômica de Veículos Movidos a Pilhas a Combustível, IX CBE. Carbon Market Europe, 2003, ViewPoint: Carbon Market Europes new look, Point Carbon, Carbon Market Forecasting; CERUPT; 2002. Edital para aquisição de créditos de carbono. www.senter.nl. COSTA, A.O., OLIVEIRA, L. B., HENRIQUES, R.M., 2003, Análise de Viabilidade Econômica da Produção e Uso do Biodiesel no Brasil, V ECOECO, Rio Grande do Sul; FREEDMAN, B.; BUTTERFIED, R. O.; PRYDE, E. H.; 1986. J. Am. Oil Chem. Soc. 63, 1375 IPCC, 2001, Climate Change 2001: The Scientific Basis. Contribution of Working Group I to the Third Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change, 1a Edição, Cambridge, United Kingdom and New York, USA, Cambridge University Press; OLIVEIRA, L.B., COSTA, A.O., (2002). Biodiesel: Uma Experiência de Desenvolvimento Sustentável. IX CBE, vol. 4, pg. 1772, Rio de Janeiro RIBEIRO, L.; OLIVEIRA, A., et al. (2002). Critérios de Elegibilidade e Indicadores de Sustentabilidade para Avaliação de Projetos que Contribuam para a Mitigação das Mudanças Climáticas e para a Promoção do Desenvolvimento Sustentável, CentroClima COPPE/UFRJ e SQA/MMA. UNEP, 2000, GEO-2000 global environmental outlook, Cheatle, M., Schomaker, M., Seki, M., Vandeweerd, V., and Zahedi, K. (coordinating team), United Nations Environment Program, Nairobi, Kenya. 367 OBTENÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEL EM UNIDADE PILOTO UTILIZANDO A TECNOLOGIA DE CONVERSÃO A BAIXA TEMPERATURA Roberto Guimarães Pereira1 Gilberto Alves Romeiro2 Raimundo Nonato Damasceno2 Paulo Maurício de Albuquerque Senra3 RESUMO O presente trabalho refere-se à obtenção de óleo em uma Unidade Piloto, através do Processo de Conversão a Baixa Temperatura aplicado a resíduo industrial gerado em estação de tratamento de efluente de indústria petroquímica. Parâmetros físico-químicos, tais como: viscosidade; densidade; teor de enxofre; ponto de fulgor; ponto de fluidez e poder calorífico foram obtidos. A caracterização do óleo obtido indica a possibilidade de classificá-lo como óleo combustível. INTRODUÇÃO Atualmente, os resíduos das mais variadas atividades econômicas vêm se tornando um problema com a crescente produção de produtos e serviços. Simultaneamente, ocorre um aumento na demanda de Energia. O presente trabalho visa desenvolver soluções para esses dois problemas cruciais: o crescente aumento de resíduos e a crescente demanda de Energia. 1 Universidade Federal Fluminense, D.Sc., Departamento de Engenharia Mecânica e Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica, Rua Passo da Pátria 156, Niterói, RJ, Brasil, CEP 24210-240, tel.: (21)2629-5418, fax: (21)2629-5417, e.mail: [email protected] Universidade Federal Fluminense, D.Sc., Departamento de Química Orgânica e Programa de Pós-Graduação em Química Orgânica, [email protected] 2 Light Serviços de Eletricidade S. A., M.Sc., Gerência de Estudos e Gestão de Geração, [email protected] 3 368 A alternativa proposta é a Geração de Energia Elétrica a partir de Biomassas e Resíduos, utilizando principalmente a tecnologia de Conversão a Baixa Temperatura. Essa tecnologia permite o aproveitamento integral de biomassas e resíduos transformando-os em óleo, gás e carvão, para posterior aproveitamento energético. Com a aplicação da tecnologia de Conversão a Baixa Temperatura, o resíduo torna-se a matéria prima do processo, deixa de ser um problema e passa a ser uma solução econômica, eliminando possibilidades de contaminação do solo e das águas subterrâneas. Foi estabelecido o resíduo proveniente de Estação de Tratamento de Resíduos Industriais (ETRI) para os estudos de Conversão. Este resíduo proveniente da Indústria Petroquímica é encaminhado para a Plastimassa Industria e Comércio Ltda localizada em Magé - RJ, local onde está implantada a Unidade Piloto utilizada para a obtenção de combustível alternativo. FUNDAMENTAÇÃO Conversão a Baixa Temperatura Desenvolvida a partir de estudos sobre a viabilidade da produção de biodiesel a partir de lodo de estações de tratamento de esgotos na Alemanha na década de 80, a técnica de Conversão a Baixa Temperatura (Low Temperature Conversion LTC) é um processo termoquímico, cujo principal objetivo é o de ampliar o ciclo de vida de passivos ambientais. A LTC vem sendo aplicada à diversas biomassas de origem urbana, industrial e agrícola procurando-se, por meio da conversão térmica, transformá-los em produtos de potencial valor comercial. Dependendo do tipo de biomassa empregada no processo, são obtidas uma fração lipofílica e um resíduo carbonáceo sólido em proporções variáveis, além de uma fração hidrofílica e gases de conversão. A fração lipofílica é direcionada para estudos sobre a viabilidade de sua aplicação como combustível ou outros compostos de possível aplicação comercial (como graxas, lubrificantes, resinas, etc.) enquanto o resíduo carbonáceo é direcionado a estudos de sua ativação para que possa ser empregado como carvão ativo, além da possível utilização direta como energético (Vieira et al. 2001; Vieira et al. 1999; Santos. et al., 1999; Brandão et al., 1999). Unidade Piloto Implantou-se uma Unidade Piloto na Plastimassa Industria e Comércio Ltda situada em Magé RJ que opera em modo continuo, com fluxo direto, aquecimento elétrico, funcionando em atmosfera inerte utilizando o gás nitrogênio. A planta piloto tem capacidade para processar 50 kg/h de amostra de lodo residual desidratado em estufa e/ou secador solar. A Figura 1 mostra um esquema simplificado do funcionamento da Unidade Piloto. 369 Figura 1. Representação esquemática da Unidade Piloto Resíduo Industrial Petroquímico 6(&$*(0 gases não−condensáveis vapor d’água Gás nitrogênio (Atmosfera inerte) &219(562 R 3DWP & Fração Líquida (Combustível) Fração Sólida (Carvão) A Unidade Piloto é constituída, basicamente, dos seguintes componentes: tubo de conversão; sistema de estanqueidade; sistema de acionamento e apoio e unidade motriz; sistema de alimentação do conversor; condensador; tanque para recolher o produto condensado (óleo); tanque para recolher o produto sólido (carvão); válvulas dosadoras; cilindro de nitrogênio; sistema de aquecimento; painéis de controle. A Unidade Piloto (Figura 2) encontra-se em funcionamento e está apta a processar biomassas e resíduos gerando óleo e carvão, para posterior aproveitamento, por exemplo em grupo gerador de energia elétrica. Figura 2. Unidade Piloto. 370 Classificação dos combustíveis Os combustíveis podem ser classificados segundo suas características físico-químicas (ANP portaria no 80 de 30 de Abril de 1999 - regulamento técnico ANP no 3/99), sendo especificados os seguintes parâmetros: - Teor de Enxofre - O teor de enxofre de um óleo combustível depende da origem do petróleo, da matéria prima e do processo pelo qual foi produzido. É limitado por provocar processos de corrosão e causar emissões poluentes. Segundo a resolução em questão, ficam vedadas a comercialização e a utilização de óleos combustíveis em todo território Nacional com teores de enxofre superiores ao estabelecido a seguir: - 1,0 % em massa: nas regiões metropolitanas de São Paulo, Baixada Santista, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre; - 2,5 % em massa nas demais regiões do Brasil. Esses limites podem ser ultrapassados, respeitando um valor máximo de 4 % em massa, caso a utilização do óleo combustível produza emissões de poluentes que atendam aos limites estabelecidos pelo órgão ambiental da jurisdição, casos que deverão ser informados à ANP. - Ponto de Fulgor é definido como a menor temperatura na qual o produto se vaporiza em quantidades suficientes para formar com o ar uma mistura capaz de inflamar se momentaneamente quando se aplica uma centelha sobre a mesma. É um dado de segurança para o manuseio do produto. - Ponto de Fluidez é a menor temperatura na qual o óleo combustível flui quando sujeito a resfriamento sob condições determinadas de teste. Ele estabelece as condições de manuseio e estocagem do produto. Normalmente são estabelecidos limites variados, dependendo das condições climáticas das regiões, a fim de facilitar o uso do produto. - Densidade Relativa a 20/4o C é a relação entre a massa específica do produto a 20o C e a massa especifica da água a 4 oC. - Vanádio - Metal encontrado com frequência no petróleo, tem especificado seu limite no óleo combustível para prevenir a formação de depósitos por incrustação nas superfícies externas de tubos aquecidos. Esses depósitos causam a corrosão e a perda da eficiência térmica dos equipamentos. - Viscosidade a viscosidade de um fluido é a medida da sua resistência ao escoamento a uma determinada temperatura, uma das características mais importantes do óleo combustível, que determinará as condições de manuseio e utilização do produto. - Água e Sedimentos o excesso desses contaminantes poderá causar problemas nos filtros e queimadores bem como formar emulsões de difícil remoção. A presença de água é também uma das responsáveis pela corrosão nos tanques de estocagem. Segundo o referido regulamento técnico da ANP, a verificação das características do óleo combustível deverá ser realizada mediante o emprego das normas Brasileiras NBR e métodos brasileiros MB da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT e dos métodos da American Society for Testing and Materials ASTM, observando-se sempre os de publicação mais recente. 371 3 - RESULTADOS Óleo Gerado na Unidade Piloto A produção do combustível alternativo vem sendo feita na Unidade Piloto, em um Processo de Conversão a Baixa Temperatura a partir de resíduo proveniente de Estação de Tratamento de Resíduos de Indústrias Petroquímicas. A Unidade Piloto opera em processo contínuo processando atualmente 30 kg/h de resíduo seco. A quantidade de óleo gerado no processo depende do tipo de resíduo ou biomassa utilizada. No caso de resíduo proveniente de Estação de Tratamento de Resíduos de Indústrias Petroquímicas, o rendimento médio do óleo gerado é da ordem 30%. Os outros produtos obtidos no processo são gás, e carvão. O gás é aproveitado no próprio processo em co-geração. Já o carvão pode ser utilizado como combustível ou encaminhado para a ativação podendo ser utilizado como filtro. A Figura 3 mostra o óleo gerado na Unidade Piloto. Figura 3: Óleo gerado na Unidade Piloto Caracterização Reológica Investigou-se a reologia do óleo gerado na Unidade Piloto obtido através da LTC objetivando estudar o comportamento da viscosidade com as variações de temperatura e taxa de cisalhamento, para avaliar a possível aplicação como combustível, por exemplo. Os testes reológicos foram realizados no Laboratório de Reologia da UFF (LARE) em um reômetro rotativo RS-50 interligado a um banho termostático K20-DC5, fabricado pela HAAKE. As amostras do óleo obtido através da tecnologia LTC foram ensaiadas em diferentes temperaturas analisando-se o comportamento do fluido mediante o cisalhamento, obtendo-se assim curvas de escoamento e viscosidade. A amostra ensaiada nas temperaturas de 30ºC, 45ºC e 65 ºC apresentou comportamento similar a fluidos newtonianos, verificando-se uma relação linear entre a tensão de cisalhamento e a taxa de cisalhamento conforme evidenciado na Figura 4. 372 Figura 4: Relação entre tensão e taxa de cisalhamento para o óleo gerado na Unidade Piloto &RPSRUWDPHQWR1HZWRQLDQR%LRGLHVHO/7& 6,0E-01 Tensão Cisalhamento(Pa) 5,0E-01 4,0E-01 3,0E-01 30 oC 45 oC 2,0E-01 65 oC 1,0E-01 0,0E+00 0,00E+00 5,00E+01 1,00E+02 1,50E+02 2,00E+02 2,50E+02 Taxa Cisalhamento(1/s) Em relação à viscosidade, observou-se que nas taxas de cisalhamento estudadas manteve-se constante, o que pode ser visto como um fator positivo quanto a sua aplicação como combustível, na medida que a lubricidade de componentes de um motor não será alterada devido a variações nas taxas de cisalhamento impostas. Caracterização Físico-Química Para a realização deste estudo foram caracterizadas amostras de óleo de LTC. Os resultados de caracterização físico-química estão listados na Tabela 1, bem como os métodos utilizados e as especificações para óleos combustíveis fornecidas pelo Regulamento Técnico ANP No 3/99. Tabela 1- Análise fisico-quimicas realizadas nas amostras de óleo obtida a partir da LTC. Parâmetros/amostras A1 A2 A3 S % (m/m) 0,18 0,70 0,20 H2O (% v/v) 3,5 3,8 3,3 Ponto de fulgor 73 70 70 Ponto de fluidez -9 -9 -9 Densidade (20/40C) 0,9700 0,9600 0,9700 Vanádio (ppm) 5 5 5 Poder Calorífico Superior (kcal/kg) 9600 9500 10000 Viscosidade a 40o C (cSt) 4,37 4,54 4,58 MÉTODO ASTM D 4294 ASTM D 1744 ASTM D 93 ASTM D 97 ASTM D 4052 ASTM D 5863 ASTM 3286-6 ASTM D 445 ANP 2,5 (máximo) 2 (máximo de água e sedimentos) 66 (mínimo) 15 - 27 (máximo) 200 (máximo) 620 - 960 a 60o C (máximo) Comparando os valores especificados pela ANP com os resultados de caracterização físico-química para as amostras em estudo, observa-se uma relativa proximidade. Ressaltam-se os seguintes aspectos: 373 (i) o baixo teor de enxofre nas amostras quando comparado com o valor máximo estabelecido pela ANP 03/99 na faixa de 2,5 %, dependendo do estado de comercialização dos óleos combustíveis; (ii) a baixa temperatura para o ponto de fluidez na faixa entre -9oC e -11oC, bem abaixo do valor máximo permitido de 15 a 27oC, dependendo da região e da época do ano; (iii) a viscosidade cinemática a 40oC na faixa de 4,5 cSt, bem abaixo do valor máximo permitido na faixa de 620 a 900 cSt , a temperatura de 60o C; (iv) o poder calorífico das amostras obtidas que fica na faixa dos óleos combustíveis comercializados no país, entre 9000 e 10000 kcal/kg; (v) o ponto de fulgor determinado nas amostras em estudo está de acordo com o valor estabelecido pela portaria ANP 03/99, sendo uma característica importante para os fatores de armazenamento do produto; (vi) o teor de água determinado no óleo em estudo ficou em torno de 3,5%, podendo ser otimizado a partir de uma separação mais eficiente desta fração aquosa utilizando-se um sistema de centrifugação, por exemplo. A proximidade entre as características físico-químicas das amostras em estudo, com os óleos combustíveis derivados do petróleo deve-se provavelmente a origem do lodo residual utilizado como matéria prima no processo. Como o lodo residual é gerado continuamente no tratamento do efluente líquido de uma indústria petroquímica, confere-se ao óleo combustível obtido no Processo de Conversão a Baixa Temperatura um caráter de combustível alternativo. 4 - CONCLUSÕES Os resultados do presente trabalho indicam uma nova opção de fontes alternativas de energia, considerando que em todo mundo existem centenas de indústrias petroquímicas e refinarias de petróleo, principalmente no Brasil, que poderiam em um futuro próximo produzir, óleo combustível e provavelmente sucedâneos como a gasolina, a partir do lodo residual industrial gerado no tratamento do efluente líquido, transformando o lodo residual em matéria prima e em fonte alternativa para obtenção de combustíveis. 5 - AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ e à LIGHT pelo apoio financeiro prestado. 6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brandão, F. A. et al. Assessment of Biomass from Cotton Agriculture by Low Temperature Conversion. In: IV Workshop Brazil-Germany for Environmental Sciences and Technology Exchange. Rio de Janeiro, Mar, 8-10, 1999. p. 52-53. Santos, T. H. et al. Low Temperature Conversion of Corn Feedstocks: evaluation amd quantification of oil, water, char and gases. In: IV Workshop Brazil-Germany for Environmental Sciences and Technology Exchange. Rio de Janeiro, Mar, 8-10, 1999. p. 51-52. Vieira, G. E. G. et al. A tecnologia de Conversão a Baixa Temperatura LTC e o reaproveitamento do lodo residual da Indústria Petroflex. Rio de Janeiro: IBP, 2001. Vieira, G. E. G. et al. Low Temperature Conversion of Industrial Residue Analysis of preliminary yelds of obtained products by continuous and bench-scale process. In: IV Workshop Brazil-Germany for Environmental Sciences and Technology Exchange. Rio de Janeiro, Mar, 8-10, 1999. p. 50-51. 374 INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E MEIO AMBIENTE: UM ESTUDO DE CASO SOBRE A INSERÇÃO DE CÉLULAS A COMBUSTÍVEL Ana Maria Resende Santos* Gheisa Roberta Telles Esteves* Paula Duarte* Cristiane Peres Marques Bergamini* RESUMO Vive-se atualmente, em um contexto onde as inovações tecnológicas ocorrem de forma rápida e dinâmica. Inovações essas que, dependendo das características intrínsecas a mesma, ocasionarão efeitos diversos sob a conjuntura existente antes de sua introdução. Algumas inovações representam somente um aprimoramento de uma tecnologia outrora existente, não provocando, por esta razão, descontinuidades. No entanto quando as inovações possuem caráter radical ou genérico, tal como a introdução de um novo processo produtivo ou de um novo combustível, pode-se provocar uma ruptura ou quebra de paradigma. Com base no exposto acima, este artigo se propõe a abordar a tecnologia de células a combustível para aplicação na indústria automobilística como alternativa de uma proposta tecnológica para minimizar os impactos ambientais decorrentes dos veículos de combustão interna. Assim, o objetivo deste artigo é utilizar algumas das principais fontes renováveis de energia: hidráulica, eólica, solar e biomassa, para atender a demanda por hidrogênio. A análise será efetuada a partir de um estudo de caso, onde será introduzido um percentual de automóveis movidos a célula combustível na frota da cidade de São Paulo. Doutorandas do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp - Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, Caixa Postal 6039, CEP 13083-970. Fone: (19) 3788 2073. Fax (19) 3289 1860. E-mail: [email protected] * 375 1 INTRODUÇÃO É sabido que a contínua urbanização e industrialização da sociedade gera novas e crescentes demandas por serviços de energia. Aumenta-se a demanda por transporte de pessoas e produtos, de construção e de operação da infra-estrutura urbana, de serviços industriais e comerciais. Em especial, observa-se que aumenta o consumo de combustíveis fósseis para transporte e para a produção de eletricidade, causando sérios problemas ambientais às cidades. Dentre estes problemas encontra-se a poluição atmosférica, que é fruto direto do aumento sistemático do número de veículos em circulação e da produção industrial (HOGAN, 2000). Nos dias atuais, os grandes centros urbanos do mundo enfrentam o problema da emissão de poluentes por fontes estacionárias e por fontes móveis. O desenvolvimento econômico existente nesses centros provoca uma série de custos à humanidade, dentre as quais pode-se citar a degradação ambiental e a poluição atmosférica (Motta,1998). Particularmente, o problema da poluição atmosférica deteriora a qualidade do ar, promovendo quedas consideráveis na qualidade de vida da população. Dentre as metrópoles mundias, São Paulo, objeto de estudo do presente artigo, ocupa a 5 posição no que se refere à poluição do ar Se levarmos em conta somente as metrópoles latino-americanas, São Paulo é a 3a, no ranking. Sabe-se que 70% dessa poluição é oriunda de fontes móveis, devido à existência de uma grande frota circulante na cidade, principalmente de automóveis. A atual frota licenciada é da ordem de 4 milhões, o que corresponde a 78% do total de veículos licenciados na cidade (CETESB, 2003). Vale ressaltar que não estão inclusos os automóveis que circulam na cidade, porém licenciados em outros municípios da Grande São Paulo, o que elevaria ainda esse número. a Assim, a substituição dos atuais veículos de combustão interna por veículos limpos movidos por células a combustível (hidrogênio) proporcionaria uma significativa melhoria nos índices de poluição do ar, sem a necessidade de, pelo menos no médio prazo, uma redução na frota circulante. No entanto, é necessários determinar de onde será retirado o hidrogênio para suprir a frota veicular, seus custos sociais, ambientais e econômicos e ainda a capacidade de retorno do investimento. Motivado pela importância estratégica da questão, o artigo fará um estudo das fontes renováveis de energia como fornecedoras de hidrogênio, determinando seus custos e impactos sociais, econômicos e ambientais. A metodologia empregada irá inicialmente analisar as características, o comportamento e, por fim, determinar o crescimento da frota circulante para que as hipóteses possam ser estabelecidas. Em seguida será quantificado o volume de hidrogênio necessário para o abastecimento dessa frota, bem como os custos e impactos de cada uma das fontes do combustível. Como base de comparação, será mensurado o gasto com gasolina. E, finalmente, serão expostas as conclusões do artigo. 2 FROTA DE VEÍCULOS: ASPECTOS E CARACTERÍSTICAS Nos últimos anos a frota de veículos da cidade de São Paulo passou de 4.529.929 em 1995, para 5.535.055 em 2003, tendo uma taxa média de crescimento anual no período de 2,74% . Como já mencionado, aproximadamente 78% dessa frota é composta por automóveis, sendo 82% automóveis movidos a gasolina e 18% a álcool. Em 2003, também passaram 376 a circular os veículos flex (híbridos). No entanto, eles serão somente incorporados no estudo para a mensuração do crescimento futuro da frota de automóveis, não sendo calculado o custo do seu combustível. Na Figura 1 e Figura 2, abaixo, estão dispostos os dados de evolução da frota e a taxa anual média de crescimento no período, respectivamente. Figura 1 Evolução da Frota de Veículos da Cidade de São Paulo Movidos a Álcool e Gasolina. 9HtFXORV São Paulo Automóvel Ônibus Caminhão Utilitário Moto/ Motonetas Outros** 4.529.929 3.670.308 46.279 156.793 329.847 4.671.362 3.768.891 50.395 159.198 353.841 4.735.229 3.785.646 48.719 162.185 380.468 271.469 282.515 297.460 321.324 345.632 374.558 403.615 434.897 455.064 Nd. Nd. 71.584 73.605 79.367 75.536 80.178 4.848.284 4.943.602 5.109.717 5.301.528 5.474.018 5.535.055 3.854.974 3.907.393 4.014.708 4.153.188 4.277.326 4.317.990 53.060 55.529 58.499 Nd. Nd. 64.005 162.427 163.675 165.361 167.424 168.774 168.485 398.635 411.228 443.504 462.652 475.177 454.965 78.144 74.546 Fonte: Detran/PRODESP *até setembro de 2003 **Reboques e semi Reboques Figura 2 Evolução da Taxa de Crescimento Anual da Frota de Veículos da Cidade de São Paulo. 9(Ë&8/26 Município de São Paulo Automóvel Ônibus Caminhão Utilitário Moto/Moton. Outros 7D[DVGH&UHVFLPHQWR$QXDO 3,1 1,4 2,4 1,9 3,3 3,7 3,2 1,1 2,7 8,8 1,5 7,3 4,1 - 0,4 -3, 1,9 7,5 5,3 - 1,8 8,9 0,1 4,8 8,0 2,8 1,4 4,6 0,8 3,1 7,6 7,8 2,7 5,3 1,0 7,8 8,4 -4,8 3,4 1,2 4,3 7,7 3,4 2,9 0,8 2,7 7,7 2,6 0,9 -0,2 -4,2 4,6 -7,0 Fonte: DETRAN/PRODESP; Elaboração Própria. Supõe-se que nos próximos anos o número de automóveis novos siga a evolução apresentada nas Figuras 1 e 2, a taxa de crescimento dos anos seguintes será equivalente à taxa de crescimento anual média de todo o período analisado (2,2%). Com isso, o número de automóveis novos circulando será de 95.652 veículos. 3 QUALIDADE DO AR Entre os temas discutidos referente a busca por um desenvolvimento sustentável, a qualidade do ar certamente está entre os mais preocupantes, uma vez que a poluição do ar é a causa de milhares de mortes prematuras e de prejuízos anuais em gastos médicos e em perdas de produtividade de bilhões de dólares em todo o continente. A discussão acerca do ar e sua complexidade ganha importância a partir de números divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), revelando os malefícios da poluição do ar para o homem. De acordo com a OMS (2000) cerca de três milhões de pessoas morreram em decorrência da má qualidade do ar, número superior aos óbitos registrados entre portadores de HIV 377 no mesmo ano: 2,7 milhões. Muitas cidades da América Latina enfrentam graves problemas relacionados à crescente contaminação do ar e entre elas inúmeros centros urbanos brasileiros. No Brasil, São Paulo é a cidade mais afetada, com uma estimativa de cerca de 20 mil mortes adicionais por ano em função do descontrole da poluição (OMS, 2000). Em outras capitais do país também o drama tem crescido e a maior fonte desses poluentes originase da emissão de veículos automotivos (77% das concentrações), sendo 82% desses veículos movidos a gasolina e 18% a álcool, enquanto que as grandes indústrias são responsáveis por 21% das emissões. Assim, os veículos são considerados os maiores poluentes nos grandes centros urbanos, já que emitem em grande quantidade gases como o monóxido e o dióxido de carbono, o óxido de nitrogênio, o dióxido de enxofre e derivados de hidrocarbonetos. A emissão de poluentes, entretanto, varia de acordo com o tipo de veículo (leve ou pesado), ano/ modelo, combustível utilizado, relação ar/combustível do processo de combustão, velocidade do motor, geometria da câmara de combustão e catalisador (CETESB, 2002). Através da realização dos inventários de emissões do ano de 2002 e 2003 foi constatado que as emissões de CO, HC e NOx estão dentro dos limites estabelecidos pela legislação governamental, através do PROCONVE (1998). Pode-se observar até uma significativa redução das emissões de monóxido de carbono (12,41%) e dos hidrocarbonetos (15,60%) nos combustíveis movidos à gasolina, e os óxidos de nitrogênio (1,87%) apresentado pequenas reduções quando comparado com os outros dois poluentes. No caso dos automóveis movidos a álcool houve reduções mínimas desses valores: monóxido de carbono - 0,62%; hidrocarbonetos 0,74%; e óxidos de nitrogênio - 1,17%. A Figura 3 mostra os limites de emissão impostos pelo PROCONVE, e as emissões dos anos de 2002 e de 2003, para os veículos a gasolina e álcool. Figura 3 Limites de Emissão Impostos e Alcançados pela Frota de Automóveis de São Paulo Emissões dos Automóveis Emissões dos Automóveis a Quanto está abaixo em à Gasolina (t/ano) Álcool (t/ano) 2003? (%) PROCONVE 2002 2003 PROCONVE 2002 2003 Gasolina Álcool Monóxido de Carbono (CO) 472,3 449 393 160,8 102,7 102 -16,7 -36,5 Poluentes Hidrocarbonetos (HC) 45,3 Óxidos de Nitrogênio (NOx) 50,2 44 37,1 14,3 9,4 9,4 -18,1 -34,7 28,2 27,7 13,6 8,5 8,4 -44,9 -38,1 Fonte: CETESB; Elaboração Própria. Com base no exposto acima, no que se refere a legislação vigente, não há necessidade de substituir a atual frota circulante. Contudo, quando observado os danos que a poluição do ar tem causado na saúde da população, o cálculo é feito sob outra ótica. É preciso ressaltar ainda que boa parte da frota de veículos da cidade de São Paulo é composta por veículos de 15 anos ou mais, ou seja, àqueles licenciados antes do ano de 1988, que são justamente mais poluentes. É necessário considerar também que o poder aquisitivo da população proprietária desses automóveis não contribui para a troca dos seus atuais veículos por outros mais recentes com tecnologias menos poluentes. A legislação brasileira é um outro fator que contribui para que os veículos mais antigos não sejam trocados, já que taxa com um IPVA mais baixo ou mesmo isenta do pagamento do imposto os tais veículos, desestimulando assim a aquisição e/ou troca de um veículo de ano-modelo mais recente. 378 3.1 EFEITOS DA POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA SOBRE A SAÚDE HUMANA A poluição atmosférica gera uma enorme degradação da qualidade de vida da população, provocando uma série de doenças respiratórias, cardiovasculares e neoplasias. Deve-se ressaltar que as três categorias de morbidade compõem as principais causas de morte nos grandes centros urbanos (Barbosa, 1990). Além disso, ainda acarretam um decréscimo no sistema imunológico dos indivíduos, tornando-os mais suscetíveis às infecções agudas. Os mais afetados pela baixa qualidade do ar são as crianças, os idosos e as pessoas com problemas respiratórios, sendo 15% do total da população do município de São Paulo composto pelo grupo mais suscetível aos efeitos nocivos da poluição (Miráglia, 2002). Em crianças, a poluição atmosférica pode resultar em ausências escolares, diminuição da taxa de peak flow e aumento do uso de medicamentos, quando acometidas de asma. Nas pessoas normais, sejam elas adultas, crianças ou idosos, a poluição certamente ocasionará mudança no sistema imunológico (Martins, 2002). A deterioração da saúde da população residente em metrópoles com características semelhantes à de São Paulo tem, dentre as várias conseqüências, um aumento do custo dos atendimentos à população nos serviços de saúde pública, dado que os altos níveis que poluição do ar ocasionam um aumento da procura pelos prontos socorros, unidades básicas de saúde e hospitais, tanto na cidade quando na região metropolitana. Também tem reflexos num incremento do consumo de medicamentos, nas faltas a escolas e trabalho, além de restringirem a prática de atividades físicas pela população afetada. 4 DIMENSIONAMENTO DAS FONTES RENOVÁVEIS DE ENERGIA Apesar do hidrogênio ser o elemento mais abundante no universo, o grande problema é de onde obtê-lo, já que não se encontra disponível na natureza na sua forma pura. Sendo assim, é necessário retirá-lo de alguma fonte que pode ser renovável, como a biomassa, ou através do uso de energia hidráulica, solar, eólica ou ainda através de combustíveis fósseis como o petróleo, carvão e gás natural. Mas caso seja esta última a opção escolhida o problema das emissões não estaria sendo resolvido. Assim neste trabalho será estimada a quantidade necessária de hidrogênio para substituir a frota de veículos novos da cidade de São Paulo, a ser obtido a partir das fontes renováveis de energia. Traçando um cenário onde os 95.652 automóveis pertencentes à nova frota são compostos por veículos movidos a hidrogênio, pode-se estimar a quantidade de matéria prima necessária e os seus custos. A partir da hipótese de que um veículo novo circula em média 22.000km por ano (Monteiro, 1998) será utilizado como referência de automóvel um protótipo desenvolvido pela Honda, o P2000 FCX, o primeiro veículo com célula a combustível a ser certificado pela US Eviromental Protection Agency (EPA, 2003) como veículo sem emissão (emission free) em novembro de 2002 (Araújo, 2004). O protótipo utiliza para sua locomoção hidrogênio comprimido a 345 bar em um tanque de 3,75kg de gás, possuindo uma autonomia de 355 km. A nova frota consumiria 3,59 x 105 H2/ano para abastecer a frota de forma que ela tenha uma autonomia de 355km. Com base nas hipóteses formuladas temos que essa frota nova circulará 2,10 x 109 km/ano, sendo 2,45 x 108 Nm3 de H2/ano a quantidade de hidrogênio mínima para mantê-la circulando ao longo de um ano. 379 Em posse desses dados pode-se, então calcular a quantidade de energia proveniente das fontes renováveis bem como o custo e impactos do combustível. 4.1 Energia Hidráulica Com base nesses dados, o cálculo da quantidade de energia hidráulica necessária para obtenção do volume anual de hidrogênio, tendo como referência um eletrolisador com um consumo específico de energia de 4,4 kWh/Nm3 (Souza, 1998), indica um consumo de 1076 GWh, com uma potência média de 123MW, o que equivale à potência gerada na Usina Hidroelétrica de Ibitinga, AES Tietê S/A, localizada em Ibitinga/SP. Mais do que estimar a quantidade necessária de energia hidráulica para substituir a frota de veículos novos da cidade de São Paulo vale considerar a quantidade de energia hidráulica e ainda o tempo necessário para substituir toda a frota de veículos da cidade, levando em conta os cálculos anteriores. Assim, para substituir os 4.317.990 de veículos que corresponde à frota total da cidade, sendo aproximadamente 95.652 veículos novos a cada ano, seriam necessários 45 anos e um total de 5.544MW de energia hidráulica, o que equivale ao potencial de energia gerado pela Usina Itaipú, da Companhia Itaipú Binacional, localizada em Foz do Iguaçú/PR. Sabendo também que o preço médio do MWh, no sudeste do país, está em torno de R$ 164,88 (Aneel, 2004), observa-se que seriam gastos, anualmente R$ 177.391.576 com o uso de hidrogênio proveniente da energia hidráulica para abastecer esta frota. Caso seja considerado somente um automóvel, tem-se um gasto da ordem de R$1.854,55. O principal impacto ambiental da construção das hidrelétricas é a inundação de grandes áreas para a formação do reservatório de água. E como, a potência calculada para abastecer a frota proposta se encontra dento do limite para Grandes Centras Hidroelétricas (5.544Wh), seria necessária a inundação de grandes áreas para a formação de reservatório. 4.2 Biomassa No que se refre à biomassa, o combustível utilizado para a obtenção de hidrogênio é o etanol. Por isso, é importante estabelecer a quantidade de etanol necessária para produzir o hidrogênio que abastecerá a frota. Com isso, o volume de 2,45 x 108 Nm3 de H2/ano equivale a aproximadamente 1,09 x 10 mols de H2/ano. Visto que se utiliza 1 mol de etanol para obter 6 mols de H2, tem-se, então, a necessidade de 1,82 x 106 mols de etanol/ano para fazer a reforma e obter, desta forma, o hidrogênio. Esse valor, quando transformado em kg de etanol/ano é equivalente a 8,37 x 107 kg de etanol/ano, pois o peso molecular do etanol é de 46 gramas. 7 Para que seja calculado o custo do combustível e a área utilizada para o plantio de canade-açúcar, precisa-se da quantidade de etanol medida em litros. Como a densidade do etanol é de 0,79 kg/l são necessários 1,27 x 108 litros/ano de álcool. A reforma do etanol é um processo com eficiência de 80%. A partir daí, inclui-se, portanto, um gasto superior em 20% no total de litros de álcool necessários. 1 1 hectare corresponde a 10.000 m 380 Sabe-se que 1 hectare1 de cana produz aproximadamente 70 toneladas de cana e que uma tonelada de cana produz 80 litros de álcool. Assim, para se produzir 1,27 x 108 litros/ano de etanol serão necessárias 1.589.041 toneladas/ano de cana. Como 1 hectare de terra produz aproximadamente 80 toneladas de cana, tem-se que a área necessária para suprir a frota de veículos seja de 19.863 hectares. O Brasil possui uma área territorial de 850 milhões de hectares, sendo que 5 milhões de hectares desta área é usada para o plantio de cana. Já o Estado de São Paulo possui uma área territorial de 24,82 milhões de hectares, sendo 20 milhões de terras potencialmente agrícolas. Atualmente 2,89 milhões de hectares desta área são usadas para o plantio de cana, divididas entre 70.111 propriedades, que representam 13% do total de 537.829 propriedades dispersas por todo o Estado (CATI, 2003). No que se refere a área necessária para incrementar o plantio de cana destinada a produção de etanol para o abastecimento da frota de veículos com células a combustível, cabe ressaltar que esta área equivalendo a aproximadamente 484 propriedades rurais de produção de cana do Estado de São Paulo, é de 198,63km2 haja visto que essas propriedades rurais possuem em média 41 hectares (CATI, 2003). Ainda no que tange a área agrícola do Estado de São Paulo, mesmo excluindo as áreas que ocupadas por outras culturas, vegetação nativa, pastagens, reflorestamentos e ainda excluindo-se as áreas inaproveitáveis agricolamente, ainda têm-se uma área agrícola não aproveitada de 324.132,20 hectares, o que representa uma proporção de 16,1 vezes a área necessária para produção de cana para a obtenção de etanol. Com relação ao gasto de combustível, sabe-se que, o litro do álcool custava, na cidade de São Paulo, em 2002, R$ 0,911 (IBGE, 2002), tendo, portanto, um custo anual R$ 125.979.160, custo esse inferior ao do hidrogênio proveniente da energia hidráulica. Caso consideremos somente um automóvel, teremos um gasto da ordem de 1.317,06 reais. A biomassa também tem o seu maior impacto na ocupação de terras, gerando a criação de monoculturas, a perda da biodiversidade, o uso intensivo de defensivos agrícolas, etc. Por outro lado é importante ressaltar que o seu uso tende a promover o desenvolvimento de regiões menos favorecidas, pois incentiva a criação de empregos e a geração de receitas. 4.3 Energia Solar Para o dimensionamento da quantidade de energia elétrica gerada por painéis fotovoltáicos considera-se para a região de Campinas, interior de São Paulo, o período de 3,4 horas diárias (Camargo, 2000) para o fator de insolação I = 1000 W/m2. Utilizado o painel KC45 com potência máxima (Pmáx) de 225 Wp (Solar Brasil,2004), tem-se para cada painel uma produção diária de 765 Wh e uma produção anual de 279 kWh. Portanto, para a geração anual dos 1076 GWh necessários serão utilizados 3.853.104 painéis KC45, totalizando uma área de 1,44 km2 a região especificada, uma vez que cada painel tem uma área de 0,37 m2. A baixa eficiência dos painéis exige que uma grande área seja ocupada para a produção necessária de energia. Para este tipo de energia o principal impacto é a ocupação de grandes 381 extensões de terra. A área necessária para a produção de energia necessária, para a frota proposta, é de 1,44 km2. 4.4 Energia Eólica Para dimensionar quantidade de energia elétrica que é gerada a partir da energia eólica considerase para os cálculos os ventos existentes na região sul do país que, segundos dados da SEMC-RS (2002), possuem uma velocidade média anual de 7 m/s e o aerogerador fabricado pela Vestas modelo V47-660 kW (Vestas, 2002). A curva de energia fornecida pelo fabricante para este modelo e para ventos de 7 m/s indica uma potência de aproximadamente 300 kW. Tem-se então para um aerogerador a produção diária de 7.200 kWh e a produção anual de 2.628.000 kWh. Assim, serão necessários para a geração anual dos 1076 GWh, 410 aerogeradores V-47. 5 ANÁLISE DA VIABILIDADE ECONÔMICA DO USO DO HIDROGÊNIO Conforme já verificado neste artigo a frota, em 2003, era composta por 18% de automóveis movidos a álcool e 82% movidos à gasolina. Apesar disso, os dados do PRODESP evidenciaram que os veículos movidos a álcool eram pertencentes a frota antiga da cidade. Com base nessa informação, supõe-se que a composição da frota seja somente de veículos movidos à gasolina, a análise da viabilidade do combustível e do retorno do investimento ao consumidor será feita com base no preço e nas informações de um veículo de porte médio, objetivando determinar o tempo necessário para que um consumidor que adquira o veículo a hidrogênio obtenha retorno desse investimento.Supõe-se ainda que um veículo a hidrogênio custe aproximadamente três vezes mais que o veículo utilizado para a análise, uma vez que os automóveis escolhidos para a análise foram o Honda Civic LX 1.7, o Astra 2.0 CD e o Toyota Corolla XEI por serem os modelos de automóveis capazes de representar o mercado consumidor potencial dos veículos movidos a hidrogênio; mercado esse composto por indivíduos que estão dispostos a pagar um pouco mais caro pelo benefício de trafegar com um veículo de emissão zero. Os três modelos escolhidos percorrem 11, 9.8 e 8.6 quilômetros com 1 litro de gasolina (Revista Carsale, 2003) respectivamente, necessitando o Honda Civic de 2.000,0 litros/ano, o Astra de 2.268 litros/ano e o Toyota Corolla de 2.558 litros/ano de gasolina para manter um automóvel circulando, tendo um gasto anual de 3.376 reais, 3.828,5 reais e 4.318,1 reais com combustível, visto que o preço médio do litro da gasolina, em São Paulo, é de 1,68 reais (IBGE,2002). Se comparado com o gasto das duas fontes de hidrogênio2 temos, com o uso da gasolina, um gasto mais que cinco vezes superior no caso da biomassa e de três vezes no caso da energia hidráulica. Visto que o preço dos combustíveis necessários para a abastecer a frota movida a hidrogênio seria menor que os combustíveis atualmente utilizados, resta saber se o preço dessa nova tecnologia é viável, pois apesar do combustível ser mais barato, o preço do automóvel, por ser uma tecnologia nova e de vanguarda é mais caro que o do processo de produção de veículos à gasolina, por ter sua tecnologia mais disseminada no mundo. Não foi efetuado o cálculo dos custos, e por conseguinte, da viabilidade econômica da energia eólica, devido a dificuldade de obtenção de dados de preços dos aerogeradores. No caso da energia solar, apesar dos custos teremo sido calculados, não houve necessidade de se calcular a viabilidade, pois o mesmo se mostrou inviável por ter apresentado valores de custo superiores ao de todos os outros combustiveis 2 382 Tendo como base o preço dos automóveis utilizados na análise - Honda Civic LX 1.7, preço de 45.279 reais; Astra 2.0 CD, preço de 45.882 reais; e Toyota Corolla XEI, preço de 40.477 reais (Revista Carsale, 2003) -, supomos que o veículo a hidrogênio custe três vezes o valor dos respectivos veículos. Ou seja, 135.837 reais, 137.646 reais e 121.431 reais, respectivamente. Com isso temos que os tempos de reposição do investimento seriam os apresentados na tabela abaixo. Figura 4 Tempo de Reposição do Investimento Modelo Honda Civic LX 1.7 Astra 2.0 CD Toyota Corolla XEI Tempo de Reposição do Investimento (em anos) Álcool 44 37 27 Energia Hidráulica 60 46 33 Fonte: Carsale, 2003; Elaboração Própria. O uso das fontes alternativas de energia como combustível não seria mais custosa que o uso da e gasolina, teria, na verdade, um custo menor. No entanto, quando se analisa o retorno do investimento, é que observamos a dificuldade da inserção de uma frota de veículos limpos. Tendo em vista que a vida útil de um veículo é de, aproximadamente, 20 anos, adquirir um automóvel que além de ser três vezes mais caro que os atuais, e que, apesar de ser movido por combustíveis mais baratos, demore, em média, 57 anos no caso da biomassa e 73 anos no caso da energia hidráulica para o retorno desse investimento, não é algo economicamente viável, visto que o investidor passaria de 2 a 4 vezes da vida útil do bem pagando o bem pagando por esse diferencial. Os resultados mostram a necessidade da disseminação do processo de produção de veículos movidos a hidrogênio, para que o preço desse tipo de automóvel, extremamente útil para a redução das emissões e para a conseqüente melhoria da qualidade de vida e da saúde de população residente dos grandes centros urbanos, seja reduzido, podendo assim, ser adquirido pela população. 6 CONCLUSÃO Adotando-se a metodologia para o cálculo do inventário de emissão veicular para os anos de 2002 e 2003, constatou-se que as emissões de poluentes advindos da frota veicular de combustão interna da cidade de São Paulo, particularmente os poluentes monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC) e óxido de nitrogênio (NOx), encontram-se abaixo do limite estipulado pelo PROCONVE, tanto para veículos leves a gasolina como para os veículos leves a álcool. Entretanto, é importante ressaltar que mesmo que estes resultados tenham apresentado reduções de emissões, eles estão próximos aos valores estipulados pela legislação governamental. Portanto, melhores resultados, a longo prazo, serão obtidos pela renovação da frota veicular, visto que os veículos antigos são os responsáveis por grande parte das emissões. Neste contexto, a inserção de uma frota de veículos com células a combustível, apresenta-se como uma alternativa significativa no sentido de reduzir a emissão de poluentes decorrentes do uso de veículos com combustão interna. No que diz respeito ao uso do etanol como recurso energético para a geração de hidrogênio, verificou-se pelo levantamento efetuado que existe uma grande área disponível para o plantio de cana, muito além do que foi dimensionado para suprir a frota veicular em estudo, ou seja, uma área 26,5 vezes maior do que a necessária. O uso da energia hidráulica, 383 apesar de também viável, ocasionaria impactos ambientais, tais como a inundação de grandes áreas de terra. Já o uso a energia solar, além de ocupar grandes áreas devido a baixa produtividade dos painéis fotovoltáicos, também seria inviável devido o custo dos painéis, que tornam a obtenção de hidrogênio por essa fonte muito cara. Os resultados obtidos através da análise de viabilidade econômica mostram a necessidade da disseminação do processo de produção de veículos movidos a hidrogênio, para que o preço desse tipo de automóvel, extremamente útil para a redução das emissões e para a conseqüente melhoria da qualidade de vida e da saúde de população residente dos grandes centros urbanos, seja reduzido, podendo assim, ser adquirido pela população. REFERÊNCIAS ANEEL, Tarifas. 2003. Disponível em www.aneel.gov.br em novembro de 2003. ANFAVEA, Estatísticas. 2003 Disponível em www.anfavea.com.br em novembro de 2003. Atlas de Energia Elétrica do Brasil. 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Vieira Guedes3 Abdom Calid4 RESUMO O banco de dados solarimétricos da Amazônia, uma obra de grande importância, enfrenta a insuficiente continuidade e regularidade dos registros tanto no tempo quanto no espaço, devido à falta de estações de monitoramento. Embora existam registros de irradiação solar há décadas, os dados compilados geralmente procedem de sítios cuja localização espacial não permite uma conveniente interpolação dos dados. Por outro lado, regiões como a Amazônia Ocidental não têm sido privilegiadas com a instalação de equipamentos medidores da radiação; grande parte desta região, em particular o Acre, está desprovida dos instrumentos adequados. Em geral, os dados existentes, muitos deles estimados, como base em heliógrafos, actinógrafos e piranômetros. No presente trabalho se oferecem dados medidos em terra, em Rio Branco, mediante sensores de radiação global para todo o espectro solar e para sua parte visível. A partir dessas medições diretas se calculam a insolação diária média para cada mês para os anos 2000 a 2003. Os resultados se comparam com estimativas anteriores e poderiam ser considerados como fontes de informação solarimétrica para a região. (Tema: Energia e Mudanças Climáticas. Perspectiva: Ambiental) Doutor em Ciências Físicas, professor adjunto da UFAC - [email protected] - Fone: (68) 9984 1766 Doutor em Planejamento Energético, professor adjunto da UFAC 3 Engenheiro Agrônomo, bolsista CNPq, UFAC 4 Técnico em eletrônica, UFAC Universidade Federal do Acre (UFAC) - Dpto. de Ciências da Natureza, BR 364, CEP 69.915-900. Rio Branco - AC., Brasil 1 2 385 INTRODUÇÃO O trabalho de aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo das informações do Atlas Solarimétrico do Brasil (Chigueru, 2000), deve constituir uma dedicação permanente de instituições de pesquisa e outros órgãos envolvidos no assunto. É importante para o conhecimento do potencial de energia solar disponível, sua distribuição espacial, em particular na Amazônia; e temporal, ao longo dos anos. Esses dados são de interesse para a energética (fontes alternativas) e também para a climatologia. Em Rio Branco, as medições sobre radiação solar se iniciam no ano de 1968 mediante a utilização de heliógrafos, instalados pelo Instituto Nacional de Meteorologia como partes de uma estação meteorológica. No mencionado Atlas Solarimétrico do Brasil, aparecem, dentre outras informações, estimativas da insolação em Rio Branco (Latitude S: 9° 57 ; Longitude W: 67° 52 ; Altitude: 185 m) com base nas medições dos heliógrafos. Como é sabido as leituras de insolação diária ou brilho solar se realizam mediante esse instrumento a partir da ocorrência da queima, pelos raios solares, de uma faixa de papel, o que acontece quando a radiação solar direta supera o valor aproximado de 100 W m-2. Os erros dessas medições são da ordem de 10 % ou mais. Desde o ano 2000, na Universidade Federal do Acre, em Rio Branco, realizam-se medições de radiação solar global mediante o uso de piranômetros, tanto para radiação em todo o espectro solar (PYR) como na região visível (radiação de ação fotossintética, PAR). O cuidado e a calibração anual desses piranômetros garante um erro das medições inferior a 5 %. A composição da atmosfera local e sua dinâmica podem se descrever pela presença de ventos geralmente fracos com médias mensais de 3 m s-1, uma cobertura de nuvens média mensal entre 4/10 e 9/10; e presença de fumaça (aerossóis) oriunda das queimas de biomassa que acontecem anualmente durante a época da seca na Amazônia. Na época de chuvas (entre setembro e maio) a maior parte da absorção e do espalhamento da radiação solar acontece pelas nuvens, enquanto durante o período da seca acontece tanto em nuvens quanto em aerossóis atmosféricos. Instrumentos e Medições Vários são os instrumentos e meios de observação e medição que se utilizam para o monitoramento da radiação solar e da presença de nuvens e aerossóis atmosféricos com os quais a radiação interage. Os dados e informações para o presente trabalho foram monitorados com a ajuda de: a) Dois piranômetros fabricados pela Kipp & Zonen modelos CM21 e sensores de radiação de ação fotossintética fabricados por Skye e Kipp & Zonen; os primeiro são destinados às medições da radiação solar para comprimentos de onda (l) entre 320 nm e 2800 nm (radiação PYR) e os segundos para medições na região visível do espectro eletromagnético (radiação PAR). Através destes instrumentos foram feitas as medições de irradiância global (radiação direta + difusa) ao nível da superfície da terra, durante todo o ano, com medições a cada 2 minutos; b) Um fotômetro solar (Cimel CE 318) da estação de Rio Branco, que pertence à rede mundial AERONET (AErosol RObotic NETwork) da NASA. Este instrumento permite a derivação dos valores de profundidade ótica dos aerossóis (AOT) para diferentes comprimentos de onda, em particular 500 nm e também derivações do conteúdo de vapor de 386 água (WV) em toda a coluna atmosférica. Os valores de AOT utilizados foram os de nível 2.0, corrigidos segundo Smirnov et al. (2000) assegurando estarem livres do efeito de absorção e espalhamento por nuvens; c) Um nefelômetro (Ecotech M903), que possibilitou as medições do coeficiente de espalhamento ótico (bs) como resultado da interação entre a luz no comprimento de onda de 530 nm e os aerossóis na atmosfera local. Estas medições forneceram resultados complementares; d) Um aetalômetro (Magee AE-31), que foi utilizado para medições da concentração de black carbon (BC) na atmosfera local. Como no caso do nefelômetro, as medições obtidas pelo aetalômetro ofereceram informações complementares relativas às variações diárias e sazonais da concentração de BC, ao longo do ano. A observação do transporte de fumaça na atmosfera de Rio Branco, também foi acompanhada através dos resultados do modelo de transporte de gases e aerossóis acoplado ao modelo regional ETA do CPTEC (Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos) do INPE (Trosnikov & Nobre, 1998). Irradiação solar em Rio Branco Segundo estimativas para a latitude de Rio Branco (- 9° 57), realizadas com base nas medições locais de irradiância para céu claro, sem nuvens e aerossóis, a irradiância PYR no topo da atmosfera ao meio-dia varia aproximadamente entre 1,4 kW m-2 (na estação chuvosa) e 1,1 kW m-2 (na estação seca). Como conseqüência, a insolação no topo da atmosfera local (acúmulo de energia desde o nascer até o pôr-do-sol) varia entre 34 MJ m-2 d-1 (na estação chuvosa) e 27 MJ m-2 d-1 (na estação seca). A duração do dia ao longo do ano, em Rio Branco, varia entre 11,53 h e 12,67 h. Assim mesmo, o ângulo solar zenital medido ao meio-dia varia entre 0° (em torno do 23 de fevereiro e 19 de outubro) e 33° (durante junho e julho). Resultados de cálculos do potencial de insolação PYR por mês e outros dados da meteorologia local (precipitação e cobertura de nuvens) estão dados na Tabela 1. Os cálculos da insolação máxima foram feitos com base nos dados dos anos 2000 a 2003, aproximando-se o perfil da irradiância a uma curva parabólica, em dias sem nuvens, com baixos valores de vapor dágua (WV) e aerossóis . Os dias foram caracterizados, em média, pelas seguintes condições: cobertura de nuvens = 4/10, WV = 4 cm, e AOT = 0,15. A insolação foi obtida integrando-se no tempo o perfil de irradiância, desprezando-se a primeira meia hora do dia após o nascer do sol e a última meia hora antes do pôr-do-sol. Como exemplo de cálculo da insolação máxima se dão as expressões usadas no caso dos meses de janeiro (Expressão 1) e de junho (Expressão 2): ∫ (− 0,00910⋅ W 2 + 6,93 ⋅ W − 374,0 ⋅ GW = 32 MJ m -2 day -1 ∫ (− 0,00822 ⋅ W 2 + 6,43 ⋅ W − 429,0 ⋅ GW = 21 MJ m -2 day -1 675 60 ⋅ ) (1) ) (2) 0 636 60 ⋅ 0 387 Tabela 1. Valores da insolação PYR diária máxima (MJ m-2 d-1) e valores médios mensais da precipitação (dados climatológicos) e cobertura de nuvens (ano 2002), em Rio Branco. Jan Insolação PYR 32 Precipitação (mm) 289 Cobertura de nuvens 8,0/10 Fev 31 299 8,3/10 Mar 29 250 7,6/10 Abr 28 182 7,4/10 Mai 22 94 6,6/10 Jun 21 32 4,9/10 Jul 22 42 5,2/10 Ago 23 49 5,6/10 Set 25 103 6,4/10 Out 27 154 6,8/10 Nov 28 201 7,0/10 Dez 30 249 8,2/10 Insolação PYR Precipitação (mm) Cobertura de nuvens As medições da irradiância máxima descendente na superfície, ao meio-dia, comparados com os valores da irradiância descendente no topo da atmosfera, mostram o efeito da absorção e do espalhamento da radiação solar na coluna atmosférica. Isto pode ser visto na Tabela 2, como uma queda característica da irradiância. Tabela 2. Irradiância PYR ao meio-dia, em Rio Branco. Valor médio calculado para o topo da atmosfera e valor médio medido na superfície. Estação chuvosa Estação seca No topo da atmosfera (W m-2) 1400 1100 Na superfície (W m-2) 1200 900 A distribuição dos valores médios diários da insolação PYR foi obtida a partir da integração numérica dos perfis de irradiância para cada dia (desde o nascer até o pôr-do-sol) determinados mediante os pirômetros. Os resultados se mostram na Tabela 3. Tabela 3. Insolação PYR, em Rio Branco. Valores médios diários por mês e ano. Insolação PYR (MJ m-2) Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Ano 17 16 15 13 15 16 14 17 18 18 17 20 16 Os dados fornecidos pelo Atlas Solarimétrico do Brasil, no caso de Rio Branco são os valores de insolação PYR, em MJ m-2 d-1, estimados a partir de medições heliográficas (Tabela 4). Na Figura 1 se mostram os gráficos correspondentes aos dados das Tabelas 3 e 4. Com isso se faz possível a comparação da insolação a partir das medições heliográficas e mediante os piranômetros. Tabela 4. Valores de insolação diária média, em MJ m-2 d-1, para Rio Branco, estimados a partir de medições heliográficas. Jan Fev Mar Villanova, 21,6 21,6 22 1977 Funari, 21,8 21,6 21,6 1983 PROGENSA, 15,3 14,8 16 1993 Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Ano 22 22,7 22,7 20,5 20,5 20,2 20,2 18,4 18,4 21,8 22,1 22,1 23,7 23,7 21,9 21,9 21,6 21,6 21,5 21,5 15 15 14,2 17,3 17,8 16,4 18,3 17,6 15,2 16,1 388 Figura 1. Aparentemente os resultados de Funari (1993) e Villanova (1977), sobreestimam a insolação, em Rio Branco. ,QVRODomRVHJXQGRHVWLPDWLYDVKHOLRJUiILFDVHPHGLo}HV SLUDQRPpWULFDVHP5LR%UDQFR$& ,QVRODomR0-P Funari, 1983 Villanova,1977 PYR, presente trabalho PROGENSA, 1993 -DQ )HY 0DU $EU 0DL -XQ -XO $JR 6HW 2XW 1RY 'H] As medições reportadas no presente trabalho se correspondem com as de PROGENSA (1993), o que significa que os resultados de Funari (1983) e de Villanova (1977) sobreestimam a insolação, para Rio Branco, entre 20 e 40 %. Assim, os valores de insolação diária média variam aproximadamente entre 14 e 18 MJ m-2, enquanto os valores para determinados dias podem estar entre 3 e 28 MJ m-2, devido à maior ou menor absorção e espalhamento da radiação solar em nuvens, aerossóis e outros componentes da atmosfera, além das modificações da irradiância motivadas pelo movimento aparente do sol durante o ano. Aplicações Entre as aplicações das características da insolação, na região, estão as instalações de energia solar em comunidades isoladas do Acre (Fonseca et al. 1999 e 2002), que atualmente abrangem 19 municípios e mais de 250 unidades em funcionamento. O programa PRODEEM no Acre é uma iniciativa da UFAC, mantido com a sua assistência técnica e conta com a parceria do Governo do Estado do Acre e ELETRONORTE. CONCLUSÃO Os valores de insolação PYR medidos em terra mediante o uso de piranômetros, na Universidade Federal do Acre, Rio Branco AC, um sitio da Amazônia Ocidental, poderiam ser considerados para integrar o Atlas Solarimétrico do Brasil. Os valores obtidos são relativamente mais baixos entre Abril e Julho, média de 14,5 MJ m-2, durante a seca; e mais altos no restante do ano, período de chuvas, 17 MJ m-2, em média. Os resultados mostrados podem ser aprimorados com a continuidade das observações. Os valores para cada 389 dia têm estado no intervalo entre 3 e 28 MJ m-2. Essa variação deve-se aos efeitos de absorção e espalhamento em nuvens e aerossóis atmosféricos: a cobertura de nuvens em Rio Branco pode chegar a ser até de 9/10 durante a época de chuvas; durante a seca a cobertura de nuvens está em torno de 4/10, por outro lado durante esta época acontecem todos os anos as queimadas de biomassa florestal na Amazônia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Chigueru, T. (Coordenador). 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