HENRIQUETA LISBOA E A MODERNA POESIA PARA CRIANÇAS
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HENRIQUETA LISBOA E A MODERNA POESIA PARA CRIANÇAS
IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 HENRIQUETA LISBOA E A MODERNA POESIA PARA CRIANÇAS Carla Francine da Silva REIS (UNESP- Assis)1 1 Introdução O tardio surgimento de livros para crianças no Brasil, no final do século XIX, esteve visceralmente atrelado à mudança de regime político de nosso país, que iniciara, a partir de 1889, a substituição da Monarquia pela República. Dentre os anseios de uma classe média urbana em ascensão, destacava-se o aumento de novas oportunidades para educação, o que resultou no surgimento de um novo mercado composto por livros destinados aos pequenos leitores. Esta nova demanda de interlocutores requeria a disponibilidade de escritores e esbarrava na inexistência de uma tradição literária, diante da qual houve necessidade de adaptação para o público infantil de obras originalmente destinadas a adultos, adequação do material escolar e utilização da tradição popular. Ao narrar esta trajetória de construção e consolidação da literatura infantil brasileira, Regina Zilberman (2005, p. 16-18) enfatiza que um movimento revolucionário semelhante havia ocorrido na Europa, onde autores como o francês Charles Perrault (1628-1703) e os alemães Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1768-1859) Grimm transcreveram para o público infantil as histórias de João e Maria, Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, entre outras, anteriormente escritas e destinadas a adultos. Segundo a autora, os pioneiros Carl Jansen (1823 ou 1829-1889) e Figueiredo Pimentel (1869-1889) seguiram esse modelo e contribuíram para a configuração de nosso sistema literário, o primeiro enquanto tradutor de alguns clássicos como Robinson Crusoé (1885) e Viagens de Gulliver (1888) e o segundo pela publicação de coletâneas como os Contos da Carochinha (1894). Concomitantemente a estes livros, foram editados também os chamados livros de leitura, muitos deles eram utilizados dentro e fora da sala de aula e estavam imersos em um universo de valorização dos deveres cívicos ou familiares. Conforme as afirmações de Maria da Glória Bordini (1986), explicitavam indícios de uma concepção, segundo a qual a criança era vista como 1 Pós-graduanada do curso Mestrado em Letras da UNESP de Assis. Pesquisadora bolsista da FAPESP. IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 patrimônio de uma futura “civilização humanista perfeita”. Assim, seria necessária a repreensão de todo ímpeto de desejo e a legitimação de uma educação conformadora disposta a “adaptar e imbecilizar”: O que impera, na média produção ficcional para crianças, é o despautério. Campeiam a imbecilização de fórmulas verbais com diminutivos e adjetivações profusas, e construções frasais canhestras; a apresentação desavergonhada de abusos duvidosos e irretorquíveis sobre o real, desestimulando a reflexão e a crítica; a censura aos aspectos menos edificantes da conduta humana, e em especial a vontade desbragada de ensinar, sejam atitudes morais ou informações tidas por úteis, como se a obra devesse substituir os manuais de ensino e a ação educadora dos pais e professores. Assume-se que a criança não entende palavras novas e limita-se o vocabulário empregado à moeda miúda da comunicação diária (BORDINI, 1986, p. 07). Para a escritora a poesia “Ave Maria”, de Olavo Bilac, é uma caso exemplar desse processo de exaltação dos deveres infantis: Ave-Maria Meu filho! Termina o dia ... A primeira estrela brilha... Procura a tua cartilha E reza a Ave-Maria O gado volta aos currais... O sino canta na igreja... Pede a Deus que te proteja E que dê vida aos teus pais! Ave Maria!... Ajoelhado, Pede a Deus, que generoso, Te faça justo e bondoso, Filho bom e homem honrado; Que teus pais conservem aqui, Para que possas, um dia, Pagar-lhe em alegria O que fizeram por ti. Reza e procura o teu leito. Para adormecer contente; Dormiras tranquilamente Se disseres satisfeito -“Hoje , pratiquei o bem ; Não tive um dia vazio, IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 trabalhei não fui vadio E não fiz mal a ninguém” (BILAC, 1952, p. 70 apud BORDINI, 1986, p. 08-09). Entre algumas propostas diferentes das que constituem a grande massa de produção dedicada ao público infantil, a autora identifica o seguinte poema de Henriqueta Lisboa (1903-1985), que faz parte da obra O menino poeta (1943): Ciranda das mariposas Vamos todos cirandar ciranda das mariposas, Mariposas na vidraça são joias, são brincos de ouro. Ai! poeira de ouro translúcido bailando em torno da lâmpada Ai! Fulgurantes espelhos refletindo asas que dançam Estrelas são mariposas (faz tanto frio na rua!) batem asas de esperanças contra vidraças da lua (LISBOA, 2008, p. 63). De acordo com Bordini, o poema “Ciranda das mariposas” mostra ser possível ao mesmo tempo brincar com as palavras e produzir uma obra que, independemente de ser destinada às crianças ou aos adultos, atribui fundamental importância ao efeito poético, na acepção que dá ao termo Roman Jakobson. A autora apresenta ainda argumentos indicadores de que possui uma visão positiva em relação aos avanços conquistados por Henriqueta Lisboa, pois justifica que existem certas características nos textos poéticos daquela época das quais os escritores dificilmente conseguiriam se isentar. Nelly Novaes Coelho (1993, p. 212-213) aparenta partilhar desta mesma concepção ao afirmar que a sensibilidade e delicadeza eram naturais ao espírito criador de Henriqueta Lisboa e que, se é possível identificar em alguns dos poemas da escritora mineira certa consciência adulta, deve-se observar que esta era natural dos anos 1940, por fazer parte da intenção didática exigida por aquele contexto. Entre os bons momentos poéticos de Henriqueta Lisboa, nos quais registra a reação libertária da IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 criança que neutraliza as ordens recebidas, a escritora cita: Caixinha de música, Cavalinho de pau e Tempestade. Em outro trabalho feito a respeito da poetisa, Coelho (2006)2 analisa novamente o livro O menino poeta (1943) e destaca que a obra apresenta uma percepção fundamentada na sensibilidade e intuição: Pequenos fragmentos do cotidiano infantil, transfigurados pela sensibilidade de Henriqueta Lisboa, esses poemas pertencem a tendência poética de raiz romântica que, nos anos 1940-1950, ainda perdurava entre nós. Tendência essa que tratava o tema da infância do ponto de vista adulto. Daí que, embora destinados às crianças, a maior parte deles toquem muito mais a sensibilidade dos leitores amadurecidos pelo trato com a vida (COELHO, 2006, p. 323). A questão da literatura ser ou não, necessariamente, escrita para crianças, também foi discutida por Leonardo Arroyo (1990), que inclusive cita Henriqueta Lisboa como responsável pela tese de que “não há poesia com destinatário”, tese esta que influenciou inúmeros escritores brasileiros na criação de uma poesia brasileira rica e diversificada, elaborada por autores que independentemente de escreverem ou não especificamente para crianças, “dão-nos peças muito bem feitas e com profundo traço de simplicidade, o que permite trânsito livre para compreensão da infância e adolescência” (ARROYO, 1990, p. 222).3 2 Desenvolvimento Análise do poema: O menino poeta O menino poeta não sei onde está. Procuro daqui procuro de lá. Tem olhos azuis ou tem olhos negros? Parece Jesus ou índio guerreiro? 2 COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico de literatura infantil/juvenil brasileira. 5 ed. Companhia editora Nacional . (A 1º edição data do ano de 1983) 3 ARROYO, Leonardo. Literatura infantil e brasileira. 10 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1990. (A 1º edição data do ano de 1968) IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 Trá-lá-lá-li trá-lá-lá-lá Mas onde andará que ainda não o vi? Nas águas de Lambari, nos reinos do Canadá? Estará no berço brincando com os anjos, na escola, travesso, rabiscando bancos? O vizinho ali disse que acolá existe um menino com dó dos peixinhos. Um dia pescou - pescou por pescar um peixinho de âmbar coberto de sal. Depois o soltou outra vez nas ondas. Ai! que esse menino será, não será? ... Certo peregrino (passou por aqui) conta que um menino das bandas de lá furtou uma estrela. Trá-lá-li-lá-lá A estrela num choro o menino rindo. Porém de repente (menino tão lindo!) subiu pelo morro, tornou a pregá-la com três pregos de ouro nas saias da lua. Ai! que esse menino será, não será? ... Procuro daqui procuro de lá. O menino poeta quero ver de perto quero ver de perto para me ensinar as bonitas cousas do céu e do mar. (LISBOA, 2008, p. 09-11). IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 O poema acima citado traz um enunciado que não corresponde totalmente à expectativa gerada no leitor, pois a ideia comum à imagem de um poeta muitas vezes é a mesma apresentada por Olavo Bilac (1865-1918), ou seja, a do artista que se mantém no “aconchego do claustro”, o que destoa bastante de um garoto simples, brincalhão, disposto a ensinar a beleza das coisas do “céu e do mar”. Por seu vocabulário, nível lexical e semântico simples a obra é mais facilmente entendida e depreendida por todos; aparentemente não há necessidade de utilização de dicionário. Apesar de fazer menção a Lambari, rio que dá nome a cidade mineira onde Henriqueta Lisboa nasceu, o fato de o interlocutor não conhecer o local mencionado pelo eu-poemático não se apresenta como um empecilho para a experiência estética, pois o repertório e a capacidade do fruidor pode encontrar sentido e significação em diversos versos do poema. Ao subsidiarmos nossa análise considerando como suporte teórico a obra de Hans Robert de Jauss, na concepção específica que conferem a ela Maria da Gloria Bordini e Vera Teixeira Aguiar (1993), ao estudá-la n perspectiva da literatura e ensino, percebemos a mutabilidade dessa obra literária no interior do processo histórico e compreendemos que esta mudança resulta de um cruzamento das apreensões que dela são feitas nos vários contextos históricos, o que justifica a aceitabilidade da obra nas várias edições de que O menino poeta foi objeto, como, por exemplo, a ampliada realizada pela Secretaria do Estado de Minas Gerais (1975), as da Editora Mercado Aberto (1984, 1986, 1991, 1998, e 2001) as da Editora Global, em (2003 e 2009) e também a da editora Peirópolis em ( 2008). Esta aceitabilidade não significa, no entanto, que a obra corrobore os sistemas de normas e valores do leitor. Prova disso é que não era de esperar que alguém descrito como um menino travesso, capaz de rabiscar bancos da escola e de “furtar uma estrela”, causando-lhe choro, se prestasse a função pedagogizante. Talvez o motivo mais evidente de tantas outras publicações deste poema, encontre respaldo no fato de ser uma obra emancipatória, pois: [...] a obra emancipatória perdura mais tempo do que a conformadora, devendo haver justificação para o investimento de energias psíquicas na comunicação que estabelece com o sujeito. Diante de um texto que se distância de seu horizonte de expectativas, o leitor além de responder aos desafios por mera curiosidade ante o novo, precisa IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 adotar uma postura de disponibilidade, permitindo à obra que atue sobre seu esquema de expectativas através das energias textuais intencionadas para veiculação de novas convenções (BORDINI E AGUIAR, 1993, p. 84). A voz do eu-lírico instiga, desde a primeira estrofe, a procura por “um menino poeta” que demonstra desconhecer. Como se trata de um texto que não tem um destinatário marcadamente infantil, pode proporcionar também ao adulto a katharsis e uma possibilidade de recriar a infância e refreascar a memória, dando ao texto uma nova interpretação e aplicação. É então estabelecida a interação para com o leitor, que o motiva à ação e reflexão, principalmente por meio das duas perguntas apresentadas, contribuindo para ampliação de sua percepção de mundo: O menino poeta não sei onde está. Procuro daqui procuro de lá. Tem olhos azuis ou tem olhos negros? Parece Jesus ou índio guerreiro? Podemos isolar alguns elementos da estrutura da obra, no âmbito de sua forma e conteúdo. Nessa perspectiva, percebemos que é composto por oito estrofes, que em vários versos se formam rimas externas e elas formam em sua maioria rimas ricas. Embora grande parte dos versos não sejam metrificados, a maioria deles possui 6 sílabas poéticas. A proximidade com as redondilhas menores, 5 sílabas poéticas, estrutura sua forma e imprime ritmo a leitura. Se analisarmos novamente a primeira estrofe, desta vez com este novo enfoque, indentificaremos nesta uma rima externa rica com o verbo /está/ e o advérbio /lá/, uma rima toante entre as palavras /azuis/ e /Jesus/ dos 5º e 7º versos, a repetição interna da palavra /procuro/ nos versos 3 e 4 e a aliteração das consoantes /g/ e /r/ nas palavras /negros/ e /guerreiro/ dos versos 6 e 8. O emprego das palavras /azuis/ e /negros/ aviva seu conteúdo. Esses termos podem ser entendidos estilisticamente como antitéticos, assim como /Jesus/ e /índio/ /guerreiro/ também podem ser entendidos como antítese, porque enquanto a imagem IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 cristã traz consigo a ideia de Deus, espírito, calma e paz; o índio guerreiro simboliza, entre outras características, força e beleza fisica. Segue-se do verso 8 o estribilho do poema, que é um recurso de musicalidade da lírica poética, empregado desde tempos antigos e medievais, como nos salmos bíblicos declamados ao som da harpa e nas cantigas de amor e amigo entoadas ao som de alaúde e violas. Este foi utilizado também, por poetas modernistas, como Mário Quintana, contemporâneo a Henriqueta Lisboa, com intuito de imprimir musicalidade aos seus poemas. Analisemos alguns aspectos da seguinte estrofe, um pouco mais longa, se comparada à primeira, mas que repete basicamente sua estrutura formal, com versos de 5 e 6 sílabas poéticas: Mas onde andará que ainda não o vi? Nas águas de Lambari, nos reinos do Canadá? Estará no berço brincando com os anjos, na escola, travesso, rabiscando bancos? O vizinho ali disse que acolá existe um menino com dó dos peixinhos. Um dia pescou pescou por pescar um peixinho de âmbar coberto de sal. Depois o soltou outra vez nas ondas. O eu-poemático continua com questionamentos sobre a identidade do menino poeta, interrogando sobre ele. Nota-se o diminutivo /peixinhos/, cuja função aqui pode ser encarada como um ingresso no universo infantil por não denotar apenas tamanho pequeno, mas também afeto e carinho pelos animais, pode ser típico da infância; além do mais, o menino poeta pescou-o e depois o soltou, corroborando a ideia de que este menino não é um índio guerreiro, que mata e come, mas um ser pacífico como o “Jesus” da primeira estrofe, o que revela algo importante sobre sua identidade e personalidade, IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 embora não se revele quem e o que ele é de fato, como se nota pelo questionamento no final da estrofe seguinte em que questiona o que ele será ou não. “será, não será?”. Os questionamentos incluem o local em que o menino está, sua idade, ele pode ser um bebê de berço, um estudante que faz travessuras típicas desta fase, ou já um rapazinho a pescar. Há menção a um vizinho que relata sobre alguém que pode ou não ser este menino poeta, por meio de contação de epísódios ocorridos num local não tão próximo de onde o narrador está, aguçando a curiosidade do leitor e/ou do ouvinte. Outra pessoa que poderia ter visto o menino poeta, seria o peregrino que aparece na seguinte estrofe, findada com parte do estribilho, reduzido propositalmente, pela autora, pra cumprir sua função rítmica. Certo peregrino (passou por aqui) conta que um menino das bandas de lá furtou uma estrela. Trá-lá-li-lá-lá O homem mencionado nessa estrofe dá pistas sobre o menino poeta que furtou uma estrela. Neste momento, o leitor pode adentrar ao mundo fantástico. Deparamos com a ocorrência de uma rima externa toante entre a palavra /choro/ e a palavra /ouro/. Há também uma rima externa rica do verbo /rindo/, e no adjetivo /lindo/, bem como uma assonância do fonema /o/ alcançada pelo uso do substantivo /morro/ e das palavras /choro/, /tornou/ e /ouro/. O teor dessa estrofe denota que o menino poeta furta uma estrela dos céus fantasiosos; arrependido, ele então torna a recolocá-la no céu, nas saias da lua. Isto demonstra mais um traço de personalidade do protagonista, a consciência posterior à travessura cometida, mas também revela que ele pode fantasticamente remodelar a face dos céus a seu modo, uma característica sobre-humana. No nível discursivo, temos ainda uma antítese entre as palavras / choro e /rindo/ As estrofes finais mantêm a estrutura de versos curtos assemelhados às redondilhas, que não finalizam com o estribilho, como se poderia supor. Embora haja questionamento sobre quem é o menino poeta em outros momentos, é possível notar que a presença do eu-lírico é mais pronunciado nestas duas estrofes finais, em que a sintaxe evidencia os verbos por ele utilizados /procure/ e /quero/, conjugados na primeira pessoa do singular, no tempo presente do indicativo. IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 Da penúltima estrofe cabe ainda destacar a presença de uma rima externa rica entre o verbo /será/ e o advérbio /lá/. Na última estrofe encontramos a repetição da mesma frase em dois versos: /quero ver de perto/. Nessa estrofe também se evidencia o verbo na voz passiva, em que o eu-lírico se submete e anseia pelos ensinamentos do menino poeta. O menino poeta quero ver de perto quero ver de perto para me ensinar as bonitas coisas do céu e do mar. 3 Considerações finais O poema “O menino poeta”, de Henriqueta Lisboa, pode ser, desta forma analisado, e tido como moderno, uma vez que inserido no contexto histórico de seus pares e aqui evidenciado como composto sem a responsabilidade formal de rimas externas ou internas, o que facilita o uso de sintaxe na ordem direta, ou seja, sem abuso de inversões e hipérbatos como na escola parnasiana; as estrofes, embora com número de sílabas de seus versos semelhantes, não são homogêneas e o estribilho é parcialmente repetido, o que demonstra a maior liberdade criativa da poesia modernista. Há no poema uma busca pela infância, pelo fantástico, pelo belo e bom, características reveladas pela análise semântica de seus versos. Nota-se certa religiosidade no poema, com o uso da palavra “Jesus” no verso 7, porém não se deve concluir que ele seja tendencioso, catequizador ou pedagogizante, mas sim portador de uma mentalidade cultural no Brasil de então. Nos versos a musicalidade incentiva a imaginação, não há incentivo a um leitura que transmita certezas, como é próprio do texto utilitário, tendo em vista que a constituição do poema não se fundamenta em parâmetros pragmáticos, mas, sim na concessão de um espaço atribuído ao leitor a quem caberá propor elucidações, como na penúltima estrofe: Ai! que esse menino será, não será? IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 O menino emprega em suas atitudes o sensacionismo, não é passivo, é sábio e aprende ao sentir; encontramos saudosismo, uma busca pela infância, em que é permitido ao menino ser travesso, valente, fantasista e espontâneo, explorando a simplicidade da vida em liberdade: O menino poeta quero ver de perto. quero ver de perto para me ensinar as bonitas coisas do céu e do mar. No nível narrativo, o poema possui uma estrutura com predomínio da forma verbal no presente do indicativo : O menino poeta não sei onde está procuro daqui procuro de lá tem olhos azuis ou tem olhos negros? Parece Jesus ou índio guerreiro? O estado narrativo é mantido do início até o fim, isto é, o eu-lírico não encontra o menino poeta, mas persiste em seu objetivo, com otimismo. Por mais que se possa dizer que a voz do eu-lírico não seja a de uma criança, não é estabelecida uma relação assimétrica entre autor e leitor infantil, adulto e criança, prova disso é que o menino será o detentor do saber, capaz de ensinar: O menino poeta quero ver de perto. quero ver de perto para me ensinar as bonitas coisas do céu e do mar. Como se procurou aqui demonstrar, o texto centra-se em si mesmo, o que lhe confere uma luz própria. Isso não tem impedido, entretanto, que certa tradição pedagogizante no trato com a literatura o venha instrumentalizando e utilizando para fins que não sejam próprios do estético. IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação Múltiplos Olhares 05, 06 e 07 de junho de 2013 ISSN: 1981-8211 Referências BORDINI, Maria da Glória. Poesia infantil. São Paulo: Editora Ática, 1986. BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira. Literatura: a formação do leitor (Alternativas metodológicas). 2 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Editora Ática, 1993. _______. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira. 5 ed. rev. atual. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 2006. LISBOA, Henriqueta. O menino poeta. São Paulo: Ed. Petrópolis, 2008. ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. ARROYO, Leornardo. Melhoramentos, 1990. Literatura infantil brasileira. São Paulo: Editora