A EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA
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A EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA André Araújo Molina1 RESUMO O instituto da coisa julgada, criado com o escopo de dar estabilidade às relações jurídicas, nada obstante bastante discutido pela nossa doutrina e pela jurisprudência, bem assim elevado ao status de garantia constitucional fundamental2, tem ainda uma de suas vertentes um pouco obscura. Trata-se da interpretação do artigo 474 do CPC, conhecida como eficácia preclusiva da coisa julgada, a qual ainda causa desentendimentos entre os estudiosos do Direito. A correta interpretação do artigo citado demanda o conhecimento técnico de diversos outros institutos da ciência processual com ela relacionados, daí porque ainda bastante confusa. Bem por isso é indispensável o estudo prévio dos institutos correlatos, o que será feito durante o texto. O seu entendimento pode gerar enormes conseqüências práticas, não ficando apenas no campo teórico. Mais especificamente, o ator processual que não lida bem com o instituto em estudo pode levar à sucumbência a parte que tem razão, na medida em que deixar de alegar atempadamente questões que poderiam levar ao acolhimento ou rejeição do pedido, conforme se trate do autor ou do réu. É nesse ponto que o estudo é focado, demonstrando as interpretações do diploma processual e a forma correta de lidar com o artigo 474 do CPC. ABSTRACT The juridical regulation of the matter judged, which was produced with the purpose of stabilizing the juridical relations, notwistanding the fact it has been enough analyzed both by the doctrine and the Jurisprudence as well as it has been ranked to the condition of fundamentally3 Constitutional warranty it still has one of its aspects a little obscure. It refers to the interpretation of the Article 474 of the CPC, which is known as a precluding efficacy of the matter judged that still brings about misunderstanding among the Law students. 1 Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Pós-graduado, em nível de especialização, em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil. Bacharel em Direito pela UFMT. Diretor e Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 23ª Região (ESMATRA XXIII). Juiz do Trabalho na 23ª Região. Associado ao Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC). 2 “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (artigo 5º, XXXVI, CF). 3 The law will not spoil the acquired right, the perfectly juridical act plus the judged thing (Article 5, XXXVI, FC). 1 The right interpretation of the aforementioned processing article requires a technical knowledge of several institutions of the processing science that correlates with the latter, as it is still very confused. Therefore it is indispensable the previous study of these correlated works, that we will do when our interpreting the text. Its understanding may generate huge practical consequences, therefore, it will not be only on the theoretical field. More specifically, the suing agent who does not deal well with this matter under study may be taken to pay for the judicial charges despite the fact he is the suitor in the process, while he ceases alleging questions in anticipation, that could either lead to the acceptance or the refusal of the request, whether it were the author or the defendant respectively. It is in this view that we will develop study by showing the interpretation of the process and, the right way of dealing with the Article 474 of the CPC. PALAVRAS-CHAVE: Eficácia preclusiva da coisa julgada. Variantes de Interpretação. Compatibilização de princípios processuais colidentes. Proporcionalidade. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceituação. 3. Coisa Julgada Formal. 4. Coisa Julgada Material. 5. Partes da Sentença que não formam Coisa Julgada. 6. Momento de Formação da Coisa Julgada. 7. Capítulos da Sentença e Coisa Julgada Parcial. 8. Coisa Julgada e Sentença de Homologação. 9. Coisa Julgada e Relação Jurídica Continuativa. 10. Limites Subjetivos da Coisa Julgada. 11. Eficácia Preclusiva da Coisa Julgada 12. Conclusões. 13. Bibliografia 1. INTRODUÇÃO A problemática central que empolgou a escolha do tema quanto à eficácia preclusiva da coisa julgada foi a dualidade de opiniões que a doutrina e a jurisprudência nacional desafiam desde a edição do Código de Processo Civil de 1973, quanto ao alcance processual dos efeitos da eficácia preclusiva da coisa julgada, de modo que é de muita importância prática o enfrentamento, com rigor, do problema trazido pelo artigo 474 do citado diploma legal. Basicamente as duas correntes podem ser dividas em liberal ou restritiva, conforme se defenda um maior alcance aos efeitos da coisa julgada. Inicialmente, nos primeiros capítulos, será feito um inventário dos institutos jurídicos correlatos à coisa julgada, sua conceituação, suas espécies, na medida em que essas noções básicas do instituto são imprescindíveis para que se possa resolver a problemática central do trabalho. Em um segundo momento, adentrará especificamente no problema, analisando e desafiando todos os argumentos das duas grandes correntes de pensamento acerca da contenda, demonstrando quais são as posições da doutrina e jurisprudência, notadamente aquelas sufragadas pelo STJ e pelo STF, concluindo com a proposição de uma terceira posição, intitulada de intermediária, mista ou eclética. 2 2. CONCEITUAÇÃO Apresenta-se a coisa julgada como uma característica da decisão, surgida em um determinado momento processual, quando não mais está sujeita à recurso (seja porque se esgotaram ou porque a parte não os utilizou). Não é um efeito da sentença, um traço externo a ela, mas uma qualidade dela representada pela petrificação do julgado e seus efeitos, quais sejam declaratórios, constitutivos ou condenatórios (e mandamental ou executivo lato sensu, para os que adotam a teoria quinária). A coisa julgada é a imunização desses citados efeitos. Veja o conceito legal de coisa julgada, conforme o CPC: Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Para José Afonso da Silva4: “Tutela-se a estabilidade dos casos julgados, para que o titular do direito aí reconhecido tenha a certeza jurídica de que ele ingressou definitivamente no seu patrimônio”. 3. COISA JULGADA FORMAL A coisa julgada formal atua dentro dos limites do processo em que a sentença foi prolatada, sem impedir que o objeto do julgamento (relação de direito material) torne a ser discutido em outro processo. O que a coisa julgada formal (preclusão máxima) impede é a rediscussão dos fatos dentro daquele mesmo processo. Já a coisa julgada material, construindo a lei entre as partes, produz seus efeitos no mesmo processo e também em qualquer outro, vedando o reexame da relação jurídica de direito material (lide) que já fora definitivamente apreciada e julgada na demanda judicial anterior. Não há conceituação legal para a coisa julgada formal. A coisa julgada formal pode existir sozinha em determinado caso, como ocorre nas sentenças meramente terminativas, que apenas extinguem o processo sem resolução de mérito (artigo 267 do CPC). Mas, de outra banda, a coisa julgada material só pode ocorrer junto com a formal, isto é, toda sentença para transitar materialmente em julgado deve, necessariamente também, passar em julgado formalmente (1º estágio) para, ao depois, oferecer a qualidade de coisa julgada material (2º estágio). Em resumo são as lições de Ovídio Baptista da Silva5: Pode haver um certo de estabilidade de que as partes podem desfrutar, quando, num dado processo, se tenham esgotado todos os recursos admissíveis, por meio dos quais se poderia impugnar a sentença nele proferida, sem contudo evitarem-se impugnações e controvérsias subseqüentes, quando postas como objeto de processos diferentes. A esta estabilidade relativa, através da qual, uma vez proferida a sentença e exauridos os possíveis recursos 4 Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 22. 5 Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento, p.484-485. 3 contra ela admissíveis, não mais se poderá modificá-la na mesma relação processual, dá-se o nome de coisa julgada formal, por muitos definida como preclusão máxima, à medida em que encerra o respectivo processo e as possibilidades que as partes teriam, a partir daí, de reabri-lo para novas discussões, ou para os pedidos de modificação daquilo que fora decidido. Logo, não existe a coisa julgada material sozinha, pois ela sempre será precedida da coisa julgada formal. Já a coisa julgada formal poderá aparecer em um dado processo extinto sem resolução do mérito e após o transito em julgado sem que apareçam os efeitos da coisa julgada material. 4. COISA JULGADA MATERIAL Com a publicação, a sentença se torna irretratável para o julgador que a proferiu (artigo 463 do CPC). Mas o vencido pode impugná-la, valendo-se do duplo grau de jurisdição consagrado pelo nosso sistema jurídico, observadas as restrições legais em relação à alguns procedimentos que não admitem recurso. Com o trânsito em julgado “a sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas” (artigo 468). A coisa julgada formal e a coisa julgada material são degraus do mesmo fenômeno. Proferida a sentença e preclusos os prazos para recursos, a sentença se torna imutável (primeiro degrau – formação da coisa julgada formal) e, em conseqüência, tornam-se imutáveis os seus efeitos para as partes (segundo degrau – formação da coisa julgada material). Por força de lei, a coisa julgada material tem força obrigatória, não só entre as partes, como em relação a todos os juízes, que deverão respeitá-la. Anota Cândido Rangel Dinamarco6 que: O mais elevado grau de imunidade a futuros questionamentos, outorgado pela ordem jurídica, é a autoridade da coisa julgada material, que se restringe às sentenças de mérito (CPC, arts. 467 e 468). A própria Constituição a assegura (art. 5º, inc. XXXVI), primeiramente como afirmação do poder estatal, não admitindo que os atos de exercício de um poder que é soberano por natureza possam ser depois questionados por quem quer que seja. Tal é o primeiro significado da final enforcing power em que se traduz a autoridade da coisa julgada material. Nem outros órgãos estatais, nem o legislador ou mesmo nenhum juiz, de qualquer grau de jurisdição, poderá rever os efeitos de uma sentença coberta pela coisa julgada e com isso alterar a situação concretamente declarada ou determinada por ela (CPC, art. 267, inc. V, e art. 301, inc. VI).Daí ser ela uma garantia constitucional, outorgada aos sujeitos em benefício da segurança das relações jurídicas e intangibilidade dos resultados do processo. Sem a coisa julgada, tais resultados poderiam ser revistos sucessivamente e muito menor seria a utilidade social da jurisdição porque deixaria sempre o caminho aberto para o reacender de conflitos. 6 Instituições de Direito Processual Civil, p. 314-315. 4 5. PARTES DA SENTENÇA QUE NÃO FORMAM COISA JULGADA Bem vistas as coisas, a petição inicial é o projeto da sentença, na medida em que ao juiz só é lícito decidir as questões postas nos limites em que o autor e o réu delimitarem (artigos 128 e 460 do CPC), a exceção da possibilidade de se transacionar matéria não posta em juízo7 e as sentenças proferidas em tutelas específicas8, bem por isso são apenas os pedidos (parte dispositiva) que transitam em julgado e ostentam os efeitos da coisa julgada. A análise das causas de pedir (fundamentação) não transita em julgado. Eis o artigo 469 do CPC: Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo. Importante observar que, conforme o inciso III citado, as questões prejudiciais que a sentença resolver não formarão coisa julgada, como, por exemplo, na ação em que o autor pleiteia o recebimento de alimentos sob o argumento de que é filho do réu. A análise do pedido passará, indiscutivelmente, pela verificação da filiação, e como tal poder-se-á fazer exame de DNA e verificar a paternidade para, ao final, acolher os pedidos de alimentos e condenar o réu, sem que, a qualidade de filho demonstrada, transite em julgado. Logo, as demais conseqüências da filiação não serão reconhecidas, haverá a necessidade do ajuizamento de uma ação genérica para o reconhecimento e a habilitação em inventário, por exemplo. Entretanto, quando as partes querem que determinada questão incidente, também ostente a qualidade de coisa julgada material, poderão valer-se da ação declaratória incidental do artigo 470 do CPC: Faz, todavia, coisa julgada a resolução de questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide. É muito comum alguns juízos, por descuido da melhor técnica, trazer para o capítulo dispositivo de sua sentença o resultado das questões incidentes, podendo gerar a falsa impressão de que a questão incidente, por integrar o dispositivo (parte topográfica da decisão assim intitulada), passaria a ostentar os efeitos da coisa julgada. Com efeito, tal confusão não ocorreria se todas as partes do processo estivessem conscientes que dispositivo não é a parte formal da decisão intitulada como tal, geralmente ao final da peça processual, mas ele é a decisão proferida pelo juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, pouco importando a parte geográfica da sentença intitulada de fundamentação ou de dispositivo. 7 De acordo com o novel inciso III do artigo 475-N do CPC. 8 Artigos 461 e 461-A do CPC. 5 Em palavras outras, dispositivo é quando o juiz acolhe ou rejeita os pedidos da petição inicial, pouco importando se assim o faça no corpo da fundamentação ou na parte final chamada de dispositivo ou conclusão. 6. MOMENTO DE FORMAÇÃO DA COISA JULGADA A coisa julgada se verifica quando a sentença não é mais impugnável, seja porque não houve recurso, por que esse não foi conhecido ou foram esgotados os meios recursais e, a partir desses fatos processuais, deverá haver a certidão de trânsito em julgado juntada aos autos. Em situações excepcionais, o momento de formação da coisa julgada gera algumas dúvidas e, por corolário, reflexos práticos importantíssimos. Tome-se de exemplo o caso em que a sentença foi proferida em 10.01.2006 e a sentença apenas foi objeto de apelação em 27.01.2006. Verifica-se que o recurso foi intempestivo e mesmo que o acórdão que assim o reconheça se pronunciou somente em 20.02.2008, a coisa julgada ter-se-á formado em 26.01.2006, data a partir da qual não cabia mais recurso daquela decisão. Isso se dá em razão de que a decisão negativa de admissibilidade tem conteúdo declaratório e, nessa qualidade, seus efeitos são retroativos (ex tunc). O e. STJ, de forma jurisprudencial9, tem relativizado o conceito acima, para dizer que naquelas hipóteses em que o recurso especial não é conhecido, por requisito legal de admissibilidade que pode gerar dúvida, e não a inadmissibilidade flagrante por intempestividade, será da decisão do STJ que formar-se-á a coisa julgada e contar-se-á o prazo para ação rescisória e não do trânsito em julgado que, a rigor, ocorreu anos antes quando da decisão proferida pelo Tribunal de segundo grau (TJ ou TRF). Trata-se mais de uma medida de política judiciária, para adequar os processos à realidade de morosidade, do que de embasamento técnico. 7. CAPÍTULOS DA SENTENÇA E COISA JULGADA PARCIAL. Partindo-se do pressuposto que a coisa julgada se forma a partir da impossibilidade recursal, fica fácil entender que na situação de cumulação de demandas (artigo 292 do CPC) pode a sentença julgar de forma diversa cada uma das pretensões cumuladas. Logo, se o autor pleiteia A e B e o juiz acolhe ambos os pedido, havendo recurso apenas em face de B, é certo que o pedido A transitou em julgado, sendo passível de execução definitiva e de ajuizamento de ação rescisória. Ressalvamse, para efeitos didáticos, as Súmulas 292 e 528 STF. As citadas Súmulas são reflexo do efeito translativo dos recursos que devolve ao Tribunal ad quem a possibilidade, de ofício, de se reconhecer a ausência de alguns dos pressupostos processuais ou condições da ação. No mesmo exemplo acima, se o recurso se deu apenas em relação a B e o pedido A transitou em julgado, 9 Por todos: REsp 639.233/DF – 1ª Turma – Rel. Min. José Delgado – DJ 14.09.2006. 6 mesmo que o Tribunal reconheça a ilegitimidade de parte, o capítulo que passou em julgado não pode ser atingido pelos efeitos do acórdão. Existem posições em contrário, é de se ressalvar10. Contudo, veja-se ilustrativo acórdão do Supremo Tribunal Federal de acordo com a posição acima defendida: Sob pena de ofensa à garantia constitucional da coisa julgada, não pode o tribunal eleitoral, sob a invocação do chamado efeito translativo do recurso, no âmbito de cognição do que foi interposto apenas pelo prefeito, cujo diploma foi cassado, por captação ilegal de sufrágio, cassar de ofício o diploma do vice-prefeito absolvido por capítulo decisório da sentença que, não impugnado por ninguém, transitou em julgado. 11 8. COISA JULGADA E SENTENÇA DE HOMOLOGAÇÃO A conciliação, o acordo de vontades, pode consistir em transação, em submissão do réu à pretensão do autor, desistência da ação ou em renúncia do direito pelo autor. A sentença não se equipara à conciliação, pois esta se traduz num contrato entre as partes, negócio jurídico bilateral, ontologicamente igual ao que possam celebrar extrajudicialmente. Não há sentença de transação, mas sentença de homologação para que se extinga a relação processual; a decisão não é sobre o mérito, até porque esse já foi decidido pelas partes anteriormente pelas concessões mútuas, muito embora o artigo 269, III, do CPC, preveja que o processo em que as partes transigirem é extinto com julgamento do mérito. O legislador colocou a sentença que homologa a transação entre as que analisam o mérito apenas para efeitos de evitar que a questão de direito material seja renovada em nova ação judicial. Por exemplo, segundo o artigo 831 da CLT, o termo em que for lavrado a conciliação, valerá como decisão irrecorrível, que só poderá ser atacado por ação rescisória. 9. COISA JULGADA E RELAÇÃO JURÍDICA CONTINUATIVA Os efeitos da coisa julgada se produzem em todas sentenças contenciosas, mas sua vocação de imutabilidade é restrita à permanência dos pressupostos que lhe deram causa. Aplica-se a qualquer hipótese de condenação futura; a CLT possui exemplo típico (artigo 194): "O direito do empregado ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessará com a eliminação do risco a sua saúde ou integridade física". A lei processual do trabalho, nada diz expressamente quanto a este procedimento. O CPC prevê a alteração dos efeitos das sentenças, mas não identifica o meio processual adequado: "Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas á 10 Idem, 8. 11 STF – AC 112, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 04.02.2005. 7 mesma lide, salvo: 1- Se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença." (artigo. 471). O remédio jurídico para tal objetivo é utilização da ação revisional do artigo 471, I, do CPC. A ação revisional ou ação de modificação deverá ser manifestada em processo distinto daquele em que foi proferida a sentença revisionada, perante o juiz de primeiro grau que a proferiu, ainda que esta tenha sido objeto de recurso e pelos tribunais ao final decidida. Este entendimento tem respaldo, por analogia, na ação revisional de aluguéis (Lei 8245 de 1991), assim como a Lei de Luvas (Decreto 24.150 de 1934) que perante a modificação das condições econômicas do lugar, alterando o valor locativo, permite aos contratantes que promovam a revisão (artigo 31). Mais atualmente, a alteração processual da Lei 11.232 de 2005, acrescentou o artigo 475-Q ao Código de Processo Civil, no qual existe nova previsão de flexibilidade: Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão. (...) § 3º Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação. 10. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA Verificados acima todos os principais efeitos objetivos da coisa julgada, passase a comentar rapidamente quais são os efeitos subjetivos da coisa julgada, ou melhor, em relação à quais pessoas a coisa julgada alcança. A solução está no artigo 472 do CPC: A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação à terceiros. Os efeitos da decisão são sempre inter partes, não podendo alcançar terceiros, como na hipótese de três pessoas, A, B e C, envolvidas em um acidente de trânsito, e A ajuíza a ação para cobrar danos materiais apenas de B e demonstra-se no processo que o B foi quem deu causa ao acidente. Se C quiser cobrar os danos materiais de B, deverá, também, ajuizar nova ação e provar a sua culpa, sem que a sentença do caso primeiro alcance C, mesmo que provado que B foi o causador do acidente, deverá C fazer todo o itinerário para provar a culpa do causador do dano, ressalvando que, por 8 convencimento ou falta de provas, o juiz do segundo caso está autorizado a entender que B não foi o causador do acidente. A única ressalva aos limites subjetivos é quando se tratar de ações relativas ao estado de pessoa, como as de filiação, em que, integrando todos os interessados à lide, a decisão terá eficácia erga omnes. Reconhecido que João é filho de Maria e Chico, e que esses últimos participaram da relação processual, em qualquer outra ação que um terceiro venha propor para a questão é indiscutível o estado de filho de João em relação aos pais. Coisa diversa é quando uma relação jurídica for resolvida por uma primeira ação e as mesmas partes discutem, em uma nova demanda judicial, outra questão diversa, mas que tem àquela primeira como questão prejudicial, objeto da fundamentação. Nesses casos, o juiz ao invés de extinguir o processo em razão da coisa julgada, deve passar ao julgamento de mérito partindo do pressuposto que a questão prejudicial é aquela já resolvida e que reflete seus efeitos para as partes. Imagine-se a ação que A propõe em face de B para anular um contrato X, cujo pedido é a anulação do pactuado por um vício de consentimento. Se, por acaso, a parte A quiser ajuizar uma nova ação em face de B, desta feita para cobrar uma dívida baseada em uma das cláusulas daquele contrato, muito embora não haja formação de coisa julgada em relação à segunda ação, daí por que não deve ser extinta, o juiz ao passar para o exame de mérito deverá, necessariamente, rejeitar o pedido, vez que feito com base em contrato que já foi anulado em ação anterior e os efeitos alcançam as mesmas partes das duas ações. Trata-se de questão prejudicial já resolvida. 11. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA Já fixados os conceitos de limite objetivo da coisa julgada (partes da sentença que passam em julgado) e os limites subjetivos (pessoas que são por ela alcançadas), passa-se a enfrentar o ponto culminante da dissertação que é a eficácia preclusiva. O artigo 474 do CPC reflete aquilo que doutrina e jurisprudência chama de eficácia preclusiva da coisa julgada, isto é, todas as questões deduzidas que poderiam sê-lo e não o foram, encontram-se sob o manto da coisa julgada, não podendo constituir novo fundamento para discussão da mesma causa, mesmo que em ação diversa. Veja-se o exato teor do artigo em estudo: Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido. Ou se é possível, em outro processo, contestar o resultado do processo no qual se formou a coisa julgada se algum ponto relevante não foi trazido à discussão no primeiro julgamento? Responde-se negativamente com apoio em José Carlos Barbosa Moreira12 que: 12 Direito Aplicado II – Pareceres, p. 452-453. 9 Sucede que admitir semelhante possibilidade seria pôr fim em xeque a estabilidade da pretensão jurisdicional dispensada. Lucraria talvez, aqui e ali, a justiça, mas com pesado detrimento para outro interesse fundamental a que deve servir o processo: a segurança. Afinal, é sempre concebível que alguém se lembre, findo o processo, de agitar questão que nele não se cogitara. A certeza jurídica ficaria a pender de tênue fio, até a consumação dos séculos, se, apenas por essa razão se autorizasse a indefinida reiteração do pleito. Diante de dois males pontenciais, os ordenamentos jurídicos têm de optar pelo menos grave. A alternativa é a seguinte: ou se abre ensejo a repetição, desde que alegada questão nova, ou se estabelece que, após a formação da coisa julgada, e enquanto esta subsistir, qualquer questão perde relevância, torna-se inútil suscitá-la para tentar reverter o desfecho. Em outras palavras: ou se nega ou se reconhece à res judicata eficácia preclusiva em relação às questões não examinadas no processo. Destarte, incumbe às partes trazerem todas as razões e seus argumentos para apreciação judicial do litígio, e se assim não fizerem, deixando de apresentar algum argumento ou juntar alguma prova, não mais poderão fazê-lo, sequer ajuizar nova ação, mesmo que o argumento ou a prova seja poderoso o suficiente para alterar o julgamento, ressalva feita à hipótese de ação rescisória com base em documento novo (artigo 485, VII, CPC). Para verificação da existência da eficácia preclusiva é útil o critério da tríplice identidade: pedido, causa de pedir e partes (artigo 301, §§ 2º e 3º, do CPC). Em linha de princípio, se um dos elementos for alterado, trata-se de nova ação e não haverá incidência dos efeitos preclusivos. Mais especificamente, o objeto de análise será a causa de pedir, em suas duas vertentes: causa próxima (fundamentos jurídicos) e causa remota (fatos). O legislador processual de 1973 adotou a teoria da substanciação, exigindo a exposição não só dos fatos (causa de pedir remota), mas também dos fundamentos jurídicos do pedido (causa de pedir próxima), nos termos do inciso III do artigo 282 do CPC, logo é de se verificar para efeitos de eficácia preclusiva da coisa julgada se a nova questão de fato ou o fundamento jurídico já poderia ter sido apresentado quando do julgamento. Por exemplo, quando um cidadão A sofre dano em seu veículo em acidente de trânsito causado por B pode aquele ajuizar a competente ação para a reparação civil. Imagine-se que A apenas alega que B trafegava em velocidade além da permitida (imprudência), mas nada diz quanto ao fato de ter avançado o sinal vermelho. Nesse caso se A não provar a imprudência de B a ação terá como resultado a rejeição, observando os limites do pedido, substanciado por aquela única causa de pedir (imprudência). Contudo, a coisa julgada alcançará a questão pertinente ao avanço do sinal vermelho, na medida em que embora não foi objeto da ação, poderia sê-lo. Essa é a mesma conclusão de Osmar Mendes Paixão Côrtes13: Quanto à causa de pedir, que é, segundo o nosso ordenamento (que adota a teoria da substanciação), a soma dos fatos (remota) e fundamentos jurídicos do pedido (próxima), merece ser feita a seguinte observação. Quando há uma pluralidade de fundamentos fático13 Segurança Jurídica e Vinculação das Decisões Judiciais – Análise da Relação entre a Formação da Coisa Julgada e a Súmula Vinculante no Direito Brasileiro, p. 87. 10 jurídicos constitutivos de diferentes causas de pedir para um mesmo pedido, ocorre o chamado concurso de ações. Se o autor obtiver êxito ao invocar em uma ação um desses fundamentos, forma-se a coisa julgada que impede o exercício de outra pretensão baseada nos outros fundamentos (por exemplo, um pedido de indenização baseado em vários fundamentos fáticos). Alguns ainda poderiam objetar que, no caso do exemplo de linhas atrás, a nova ação que trouxesse como causa de pedir o avanço do sinal vermelho constituiria nova ação, na medida em que a causa de pedir remota, quais sejam os fatos, seriam diversos. Entre aqueles mais restritivos quanto aos limites de interpretação do artigo 474 do CPC se encontra a professora Thereza Celina Diniz de Arruda Alvim14 para quem o citado artigo refere-se apenas à coisa julgada formal, não devendo ser confundido com julgamento implícito, com força de coisa julgada material. Para ela as alegações e defesas poderiam ser deduzidas e discutidas em outras ações, sem que incorresse em prejuízo à coisa julgada anterior15. De lege ferenda até pode-se concordar com a lição da professora da PUC/SP, contudo, bem ou mal, o legislador processual foi bastante claro no artigo 474 ao remeter os efeitos às sentenças de mérito, as únicas que são hábeis a formar coisa julgada. Para afastar de vez a dúvida é importante socorrer das lições de Liebman que foi quem diretamente influenciou o legislador processual civil de 1973. Com efeito, na vigência do CPC de 1939 haviam sérias dúvidas acerca dos limites objetivos da coisa julgada: 1) se a fundamentação e as prejudiciais também eram alcançadas pela coisa julgada e 2) se a coisa julgada alcançava apenas as questões trazidas e discutidas no processo. Foi dele, inclusive, a idéia encampada na redação do artigo 474 do CPC atual, sem correspondente no código anterior. Após criticar a postura da jurisprudência e da doutrina nacionais na época do código anterior, Enrico Tullio Liebman16 arremata com clareza solar que: Cumpre notar que a freqüente afirmação, segundo a qual a coisa julgada se estende a todas as questões debatidas e decididas na causa, é duplamente errada. Em primeiro lugar porque não se estende apenas ao que foi discutido e julgado, mas até mesmo ao que não foi objeto de debate entre os litigantes. Assim se uma questão podia ser discutida num processo, mas de fato não o foi, não obstante isso a coisa julgada se estende mesmo a ela, no sentido de que não poderá ser utilizada para se negar ou contestar o resultado a que se chegou no processo. Por exemplo: se o réu, em defesa, poderia opor uma série de argumentos, e não o fez, vindo a ser condenado, não mais poderá deles se valer para contestar a coisa julgada, pois a tanto se opõe a finalidade prática desse instituto, que exige o respeito à coisa julgada ainda quando importantes questões tenham sido discutidas por acaso 14 Na mesma linha de interpretação da professora paulista estão os afamados Egas Dirceu Moniz de Aragão, José Manuel de Arruda Alvim Neto, Sérgio Gilberto Porto e José Carlos Barbosa Moreira. De outra banda, interpretando o texto de lei de forma mais ampla e conforme a literalidade do preceito, posicionam-se os professores Ovídio Araújo Baptista da Silva e Araken de Assis, conforme inventário das correntes feito na obra da citada professora paulista. Idem, 12. 15 Questões prévias e limites objetivos da coisa julgada, p. 97. 16 Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro, p. 161. 11 de modo incompleto. Nela estão compreendidas tanto as questões que foram discutidas, como as que o poderiam ser. A discussão deságua em um conflito entre princípios de assento constitucional: de um lado a segurança jurídica, levada em conta mais por aqueles que defendem uma interpretação ampliativa do artigo 474, e de outra banda o direito de acesso ao Poder Judiciário, valorizado por aqueles outros que defendem uma interpretação restritiva do artigo em estudo. Os interesses em conflito devem ser ponderados, de modo que um não prevaleça sobre o outro, antes sejam harmonizados, indicando a solução de que o artigo 474 do CPC impede a reabertura de nova ação judicial sobre os mesmos fatos, diretamente relacionados com o pedido objeto do processo anterior. Em palavras outras, a segurança jurídica e o direito de acesso à jurisdição estariam harmonizados se entender que todos os fatos alegados e alegáveis (causas de pedir remotas) estão acobertados pela eficácia preclusiva quando em relação à mesma causa de pedir próxima da ação anterior. Seria o caso no exemplo do acidente automobilístico de que tanto o argumento levantado da imprudência (excesso de velocidade), quanto o outro não alegado (avanço do sinal vermelho), estejam diretamente relacionados à causa de pedir próxima (ato culposo – artigo 186 do CC/2002). Por óbvio, nada impediria que uma nova ação, desta feita baseada em nova causa de pedir próxima ligada a um ato doloso do condutor do veículo B pudesse ser alegada, tendo como causa de pedir remota o fato de que este último, propositadamente, porque nutre inimizade com o motorista do veículo A, tenha abalroado seu veículo com intenção. É o mesmo caso do exemplo acadêmico de ação de divórcio que se baseia em violação do dever conjugal (fundamento legal) e traz como fato apto o adultério (causa remota). Se não provado o adultério, reputar-se-ão repelidas todas as outras questões relacionadas com a violação do dever conjugal, tais como falta de assistência material, abandono do lar, embriaguez, etc., sem impedir que nova ação seja proposta com fundamento em outro dispositivo legal (causa próxima) que não a violação de dever conjugal. Hipótese diversa se dá em relação à fatos supervenientes que, por razões óbvias, não fizeram parte da causa de pedir da ação julgada e, por isso, não se verifica a tríplice identidade que pode caracterizar a coisa julgada. Tratar-se-á, em rigor, de nova ação com as mesmas partes, mesmo pedido, mas causa de pedir diversa (fato novo). Já os fatos que, embora não alegados na primeira ação, mas que já existiam àquela época, entende-se que foram alcançados pela eficácia preclusiva da coisa julgada, conforme linhas acima. Os fatos supervenientes devem ser posteriores à sentença e não ao ajuizamento da ação, pois os fatos conhecidos mesmo após o ajuizamento devem ser pelas partes levadas ao juízo (artigo 462 do CPC). Se assim não o fizerem, está encoberta pela coisa julgada e sua eficácia preclusiva. 12 Espera-se ter contribuído com o aclaramento dessa questão que não é nova em nossa doutrina e jurisprudência, mas que ainda gera uma infinidade de divergências quando de sua aplicação e interpretação. 12. CONCLUSÕES Na primeira parte do trabalho tratou-se de delimitar conceitos que são imprescindíveis para o entendimento da eficácia preclusiva da coisa julgada. Inventariouse os conceitos legais de coisa julgada formal e coisa julgada material, demonstrando que aquela é um primeiro estágio que impede a rediscussão das questões dentro de um mesmo processo, podendo alcançar o segundo estágio, a coisa julgada material, que é quando os efeitos de uma sentença de mérito tornam-se imutáveis inclusive para discussão futura em ações diversas. Apontou-se que apenas o dispositivo da decisão é que transita em julgado, de modo que a fundamentação e as questões tratadas no itinerário de exposição das razões de decidir não se tornam imutáveis. Também cuidou-se de apontar o momento de formação da coisa julgada, assim considerado quando no processo não caiba mais recurso, o prazo para tanto já se esgotou ou a parte já renunciou ao prazo recursal. Tratou-se, inclusive, da possibilidade de formação da coisa julgada de cada capítulo da sentença em momentos diferentes, conforme se recorra apenas parcialmente dos tópicos das decisões. Esclareceu-se que a sentença que homologa a conciliação entre as partes não julga o mérito da causa, o qual já foi resolvido pelas próprias partes quando da celebração do negócio jurídico. Existem efeitos especiais em relação à coisa julgada material nas relações continuativas (de trato sucessivo), o que foi apontado em um dos capítulos do estudo. Por fim, ainda na primeira parte propedêutica, tratou-se dos limites subjetivos da coisa julgada, ou seja, quem são os pessoas alcançadas pela coisa julgada e seus efeitos. Teve-se oportunidade de apontar que, regra geral, apenas as partes do processo é que são alcançadas pelos efeitos da coisa julgada, ressalvadas as exceções apontadas no corpo do trabalho, como, v. g., em ações coletivas. Já em relação à segunda parte da monografia, que é a análise propriamente dita da problemática, a conclusão é que nada obstante possa atentar, em alguma medida, contra o direito de acesso ao Poder Judiciário, o legislador processual quis positivar no artigo 474 do CPC que tanto as questões tratadas, como aquelas que deveriam sê-lo, sejam alcançadas pelos efeitos da coisa julgada. Dito de outro modo, é a causa de pedir próxima (fundamento legal) que delimita o objeto do processo e, por conseguinte, os efeitos da coisa julgada, de modo que aquele mesmo fundamento jurídico não poderá mais ser invocado ainda que nova seja a causa de pedir remota (fatos), na medida em que todos esses fatos encontramse encobertos pela eficácia preclusiva da coisa julgada, pois eles deveriam ter sido alegados quando da primeira ação e não o foram. 13 Acredita-se que com essa posição jurídica compatibilizaram-se os interesses em conflito, dando equilíbrio ao artigo 474 do CPC e, principalmente, fixando um critério técnico e objetivo para a interpretação dos dispositivos, sem os vacilos e casuísmos que a doutrina e a jurisprudência vêem demonstrando. 13. BIBLIOGRAFIA ARRUDA ALVIM, Thereza Celina Diniz de. Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. 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