Ciencia y Sociedad - Journals in Epistemopolis / Revistas en

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Ciencia y Sociedad - Journals in Epistemopolis / Revistas en
VOLUMEN 1 NÚMERO 1 2014
Revista Internacional de
Ciencia y Sociedad
__________________________________________________________________________
Política de C&T e dinâmica inovativa no Brasil
Avaliação de resultados
CAROLINA BAGATTOLLI, RENATO DAGNINO
ciencIA-SOCIEDAD.com
Política de C&T e dinâmica inovativa no Brasil:
avaliação de resultados
Carolina Bagattolli, Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Renato Dagnino, Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Resumo: Nas últimas décadas o fomento à inovação vem recebendo crescente atenção da Política de Ciência e Tecnologia (PCT) brasileira. O termo inovação passou a ser incorporado não apenas à sua denominação (atualmente, Política
de Ciência, Tecnologia e Inovação - PCTI) e ao seu ministério responsável (agora, Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação), mas também aos arranjos institucionais e às medidas de política implementadas. É a assunção do que
chamamos, para evidenciar o caráter mítico que atribuímos a esta postura enquanto concepção para a elaboração da
PCT, de inovacionismo. Reforça-se a noção de que a inovação desempenha um papel central na promoção do desenvolvimento econômico. Em decorrência, várias medidas de política foram adotadas no Brasil: antigos instrumentos de
financiamento foram reformulados e novos foram criados; uma série de incentivos fiscais foi regulamentada e os recursos públicos disponíveis para as atividades inovativas empresariais cresceram consideravelmente. No entanto, a evidência disponível parece indicar que o resultado dessa orientação da PCT é bastante limitado. O crescimento dos recursos
públicos orientados à inovação não está levando a um aumento do dinamismo tecnológico das empresas. A parte desses
recursos efetivamente demandada pelas empresas está sendo utilizada como uma fonte alternativa frente ao uso de seus
próprios recursos.
Palavras-chave: Política de Ciência & Tecnologia, inovacionismo, Brasil, financiamento público à P&D
Abstract: In the last decades, fostering innovation has received increasing attention of the Brazilian Science and Technology Policy (STP). The term innovation has become embedded not only of its formal name (currently, Science, Technology and Innovation Policy - STIP) and its responsible ministry (now Ministry of Science, Technology and Innovation),
but also to the institutional arrangements and policy instruments implemented. It is the assumption of what we call, to
show the mythical character of this posture while design of STP, ‘inovationism’. Is reinforced the notion that innovation
plays a central role in promoting economic development and, as a result, several policy instruments have been adopted:
previous financing instruments have been reformulated and new ones were created, a number of tax incentives were
regulated and the public resources available for business innovative activities grew considerably. However, the available
evidence would seem to indicate that the result of this orientation of the Brazilian STP is quite limited. The growth of
public resources oriented to innovation is not leading to an increase in the technological dynamism of companies. Apparently, the portion of these funds actually demanded by firms is being used as an alternative source against the use of
their own resources.
Keywords: Science and Technology Policy, “Innovationism”, Brazil, Public Funding for R&D
Neoliberalismo, inovacionismo e política científica e tecnológica
Mudanças no contexto internacional
A
s mudanças socioeconômicas ocorridas em nível mundial nas últimas décadas do século
passado foram determinantes para o surgimento de novas racionalidades na PCT. Para
entendermos melhor esse processo, que culminou com a inovação tecnológica ocupando
um papel central, cabe resgatarmos –mesmo que de maneira bastante breve e resumida– o contexto no qual essa mudança ocorreu.
Revista Internacional de Ciencia y Sociedad
Volumen 1, Número 1, 2014, <http://ciencia-sociedad.com>, ISSN 2340-9991
© Common Ground España, C. Bagattolli, R. Dagnino. Todos los derechos reservados.
Permisos: [email protected]
REVISTA INTERNACIONAL DE CIENCIA Y SOCIEDAD
Os problemas econômicos que se seguiram às duas crises do petróleo na década de 1970
(estagflação1, queda acentuada da produtividade industrial e aumento do desemprego), num
mundo em processo de globalização, fizeram com que a maior parte dos países avançados buscasse soluções para substituir o modelo keynesiano que dava sinais do seu esgotamento. Esse
processo acabou levando à assunção do neoliberalismo como o novo modelo de política pública
(Lundvall & Borrás, 2004; Braun, 2006).
Mas esse contexto de crise contribuiu também para o surgimento de novas racionalidades
no âmbito da PCT. Nunca houve um consenso sobre quais foram as reais razões para a baixa
produtividade e o crescimento econômico inexpressivo, mas a hipótese mais aceita foi a de que o
problema estaria na deficiência da capacidade do setor produtivo em explorar oportunidades
tecnológicas (Lundvall & Borrás, 2004).
As novas visões da teoria econômica passaram a chamar a atenção para a relação entre crescimento econômico e inovação tecnológica. A convicção de que a inovação seria capaz de gerar
retornos crescentes para as empresas ao invés dos retornos constantes esperados pelas teorias
anteriores, que consideravam apenas o capital e o trabalho como fatores de produção, passou a
ser cada vez mais aceita - o que levou à inclusão da inovação à função de produção (Braun, 2006;
Godin, 2009).
Entre fins dos anos 1980 e início dos 1990 a concepção de que a inovação tecnológica é um
instrumento fundamental para o aumento da competitividade empresarial e nacional passou a ser
cada vez mais aceita (Albornoz, 1997; Arocena & Sutz, 2004; Fagerberg, 2009). De acordo com
os seus defensores, a inovação apresenta uma relação direta com as exportações, com o ritmo de
crescimento do setor produtivo, com o aumento do valor agregado da produção nacional e com a
estrutura salarial (Salerno & Kubota, 2008).
A inovação passou a ser o emblema de uma sociedade moderna, quase que uma panaceia
para curar os males que afligiam o capitalismo. Essa convicção sobre o papel central que a inovação ocupa no progresso econômico a transformou num dos objetivos centrais da PCT em todo
o mundo ocidental a partir de meados da década de 1990.
Impactos do neoliberalismo na PCT
O papel que a inovação passou a ocupar na nova teoria do crescimento conseguiu furar até mesmo o bloqueio imposto pelos neoliberais às políticas públicas de cunho mais intervencionista, já
que era vista como estando próxima aos ideais da livre iniciativa e do empreendedorismo –
valores tão caros aos neoliberais. Para estes, a inovação seria quase que uma consequência natural do sistema de incentivos e punições estabelecido em decorrência da liberalização do mercado.
Mesmo com a crescente frustração com relação aos resultados das políticas neoliberais a inovação continuou ganhando força, se tornando uma meta a ser alcançada por meio da adoção de
políticas públicas ativas. E não apenas na PCT como também em outras políticas –
principalmente as de fomento à produção industrial e ao desenvolvimento regional (Viotti, 2008).
A PCT foi historicamente permeada pela concepção de que, por ser a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) uma atividade cujos retornos não podem ser plenamente apropriados pelas empresas devido às falhas de mercado, caberia ao Estado subsidiá-la fortemente como forma de
precaver o país da ocorrência de gargalos ao crescimento impostos por níveis insuficientes de
aplicação de recursos (Fagerberg, 2009).
De todas as atividades inovativas as de P&D são as mais privilegiadas pelos mecanismos de
fomento da PCT. Isso porque a P&D é compreendida, mais do que como o início de uma cadeia,
como um círculo virtuoso. O esforço organizado da empresa a fim de aumentar o estoque de
conhecimento existente, seria a principal fonte de inovações radicais. Ademais, ela é considerada
como um dos principais componentes da chamada Economia do conhecimento. Como ressalta
1
Ocorrência simultânea de estagnação do crescimento econômico e de elevadas taxas de inflação.
14
BAGATTOLLI & DAGNINO: POLÍTICA DE C&T E DINÂMICA INOVATIVA NO BRASIL
Arruda et al. (2006, p. 52): “... não se trata mais de discutir se é pertinente ou não incentivar os
gastos em P&D... mas sim de preparar o país para se constituir numa das bases internacionais de
produção de tecnologia”.
Dentre os instrumentos de estímulo à inovação mais adotados nas últimas décadas, principalmente e em decorrência da atenção que a P&D vem recebendo na PCT, destaca-se o seu financiamento em condições favorecidas: financiamento não reembolsável para pesquisa précompetitiva, financiamento reembolsável com condições favorecidas e a possibilidade de participação do Estado no capital do empreendimento. Sempre tendo como justificativa, entre outras
particularidades, o alto risco envolvido nestas atividades e o longo tempo de maturação necessário, ou do retorno do gasto a elas associado (Salerno & Kubota, 2008).
O fato de que a inovação ganhou força no contexto internacional ao longo das últimas três
décadas mostra que a orientação da política brasileira não aconteceu por acaso. Na próxima seção
apresentamos evidências que ilustram o esforço estatal neste sentido, mostrando como essa mudança no contexto internacional repercutiu na política nacional.
Medidas de incentivo à inovação no Brasil
Como costuma acontecer na América Latina quando ocorre a “importação” de ideias e modelos
institucionais dos países desenvolvidos, o inovacionismo começou a ser adotado por aqui um
pouco mais tarde, nos anos 2000. A despeito do atraso, esse modelo tem sido amplamente aceito
na região (Barbosa De Oliveira, 2011). No Brasil, a situação não poderia ser diferente. A promoção da inovação tecnológica vem sendo apontada como um dos principais objetivos de política no país, sempre entendido como uma condição “quase suficiente” para promover o desenvolvimento da indústria local e, inclusive, para a superação da desigualdade social (Balbachevsky,
2010).
O governo vem se esforçando significativamente no intuito de promover a inovação empresarial2. Houve consideráveis avanços em termos de instrumentos, com a implementação de um
conjunto diversificado e significativo de mecanismos de fomento à inovação, além de profundas
reformas no marco legal (Arruda, Vermulm, & Hollanda, 2006; Morais, 2008).
Nesse sentido, com o intuito de estimular a inovação tecnológica, principalmente por meio
da realização de P&D interna (a qual contrariamente ao que pensam e dizem os próprios empresários, é muito menos importante do que a aquisição de tecnologia incorporada em máquinas e
insumos de produção), uma série de medidas de política concebidas pelo seu ator ainda hegemônico –a comunidade de pesquisa– foi adotada ao longo das duas últimas décadas3. Entre elas,
vale destacar:
•
•
Reestruturação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FNDCT).
A criação dos Fundos Setoriais, a partir de 19994.
2
Tanto a PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior), divulgada em 2003, quanto a PDP (Política de
Desenvolvimento Produtivo), divulgada em 2008, e o Plano Brasil Maior, de 2011, colocam a inovação como fator chave
para indústria brasileira.
3
Uma análise dessas medidas de política e dos seus mecanismos de fomento e execução adotados no período recente
pode ser encontrada em Bagattolli (2008), Guimarães (2008), Luna et. al. (2008) e Balbachevsky (2010).
4
Criados a partir de 1999 os Fundos Setoriais foram concebidos como forma de criar uma fonte de receita constante e
assegurada para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT. Com o objetivo de financiar
a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico do País, o FNDCT foi instituído pelo Decreto-Lei nº 719 de 31
de julho de 1969, restabelecido pela Lei nº 8.172 de 18 de janeiro de 1991 e alterado pela Lei nº 11.540, de 12 de novembro de 2007 (Lei nº 11.540/2007). Seus recursos são destinados ao apoio de programas e projetos de atividades de C,T&I,
compreendendo a pesquisa básica ou aplicada, a inovação, a transferência de tecnologia e o desenvolvimento de novas
tecnologias de produtos e processos, de bens e de serviços, a capacitação de recursos humanos, intercâmbio científico e
tecnológico e a implementação, manutenção e recuperação de infraestrutura de pesquisa de C,T&I (Lei nº 11.540/2007).
Mais informações sobre os Fundos Setoriais podem ser obtidas no endereço eletrônico <www.finep.gov.br/ fundossectoriais/fsetoriaiaisiniundos.asp>.
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REVISTA INTERNACIONAL DE CIENCIA Y SOCIEDAD
•
•
•
•
Aprovação da “Lei de Inovação5” (nº. 10.973 de 2004) e da “Lei do Bem” (nº. 11.196
de 2005).
Regulamentação da Subvenção Econômica à Inovação6.
Criação de bolsas de Fomento Tecnológico e Extensão Inovadora pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Criação de novos programas de fomento e reformulação de programas já existentes,
como o PROINOVAÇÃO; Juro Zero; PAPPE e INOVAR7.
Estas mudanças no arranjo institucional foram acompanhadas de um significativo aumento
dos recursos destinados às atividades inovativas empresariais, principalmente às de P&D que os
governos, antes e depois do predomínio das ideias neoliberais, decidiram realizar. A tabela 1
apresenta indicadores que permitem comprovar esse aumento do gasto público na área.
Tabela 1 – Indicadores selecionados do gasto do governo federal na área de C,T&I
FNDCT: A execução total dos recursos do FNDCT passou de R$ 343 milhões em 2002 para
R$ 628 milhões em 2004, chegando a cerca de R$ 800 milhões em 2005 – mais do que duplicando em apenas três anos. Neste último ano, a concessão na forma de recursos reembolsáveis
para inovação tecnológica empresarial foi de R$ 650 milhões – 80% destinado efetivamente a
projetos prioritários estabelecidos pela então Política Industrial, Tecnológica e de Comércio
Exterior - PITCE.
Também a concessão de recursos não reembolsáveis foi expressiva. Entre 2005 e 2007 foram
1.350 as empresas contempladas pelos programas de crédito não reembolsáveis e de subvenção direta (Morais, 2008).
Subvenção econômica: entre 2006 a 2009 os editais de subvenção econômica contemplaram
825 projetos de empresas, o que significou um dispêndio de R$ 1,6 bilhão.
Incentivos fiscais8: a renúncia fiscal do governo federal segundo as leis de incentivo à P&D e
à capacitação tecnológica das empresas dobrou entre 2006 e 2008, passando de R$ 2,6 bilhões
para R$ 5,2 bilhões. Nesse período a renúncia fiscal total no nível federal foi de quase R$ 12
bilhões.
FINEP: a execução orçamentária da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) quase dobrou no mesmo período passando de R$ 1,5 bilhão em 2006 para R$ 2,8 bilhões em 2008.
Entre 2007 a 2010 a instituição apoiou 273 projetos empresariais com recursos reembolsáveis
da ordem de R$ 4 bilhões.
5
Inspirada no Bayh-Dole Act americano e na Lei de Inovação francesa, a Lei de Inovação (Lei nº. 10.973/2004) trata dos
incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica nas empresas a partir de três eixos: i) a constituição de um
ambiente propício a parcerias estratégicas entre universidades, ICTs e empresas; ii) o estímulo à participação de ICTs no
processo inovativo; iii) o estímulo à inovação na empresa.
6
Subvenção Econômica à inovação é a concessão de recursos financeiros não reembolsáveis (ou a fundo perdido, como
se dizia antes) para empresas públicas ou privadas que desenvolvam projetos de inovação considerados estratégicos para
o País de acordo com a política governamental. Esta modalidade de apoio teve início no Brasil com a aprovação e regulamentação da Lei da Inovação (Lei nº. 10.973/2004) e da Lei do Bem (Lei nº. 11.196/2005).
7
Mais informações sobre estes e outros programas de fomento podem ser encontradas na página web da FINEP:
www.finep.gov.br/
8
A renúncia fiscal é regulamentada pelas leis:
nº. 8.010/90, sobre importação de equipamentos para pesquisa pelo CNPq;
nº. 8.032/90, que concede isenção ou redução de impostos de importação;
Lei de informática: nº. 8.248/91 e nº. 10.176/01;
Capacitação tecnológica da indústria e da agropecuária: leis nº. 8.661/93 e nº. 9.532/97;
Lei de informática Zona Franca nº. 8.387/91 e;
Lei do Bem: nº. 11.196/05.
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BAGATTOLLI & DAGNINO: POLÍTICA DE C&T E DINÂMICA INOVATIVA NO BRASIL
BNDES: de 2007 a 2010 o desembolso do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) com os programas de apoio à inovação e de crédito à aquisição de bens
de capital por micro e pequenas empresas totalizou quase R$ 7 bilhões, sendo que nos dois
primeiros anos do período esse desembolso mais que quadruplicou. A carteira atual de operações nas linhas e programas de apoio à inovação é de cerca de R$ 5 bilhões.
SIBRATEC (Sistema Brasileiro de Tecnologia)9: entre 2007 a 2010 foram aplicados cerca de
R$ 70 milhões (R$ 52 milhões pelo MCT e R$ 18 milhões de contrapartida financeira dos
estados e de instituições locais).
Programa Nacional de Incubadoras e Parques Tecnológicos (PNI): entre 2007 e 2010 foram
apoiados 26 projetos de incubadoras e parques tecnológicos, no valor total de R$ 37 milhões.
Para 2010, estava previsto o apoio de 18 projetos de fomento às incubadoras de empresas e
parques tecnológicos num montante de R$ 104 milhões.
Fonte: Elaboração própria com base em: Ferreira & Freitas, 2008; Morais, 2008; MCT, 2010; 2011a10.
É interessante observar que, apesar disso e seguindo um comportamento bem conhecido,
são frequentes as declarações afirmando que os incentivos à inovação concedidos no Brasil estão
muito aquém dos oferecidos internacionalmente (como exemplo, ver http://www.jornal daciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=80605
Todavia alguns analistas da política avaliam de modo diferente. Para Viotti (2008), a comparação entre o comportamento do governo nas últimas décadas no intuito de promover a inovação tecnológica e o dos governos de países desenvolvidos não é negativa. O mesmo apontam
Arruda e outros, para os quais o fato é que “Dispomos hoje de uma grande variedade de instrumentos novos, criados segundo as boas práticas internacionais, e de um volume de recursos bastante expressivo para apoiar de várias formas e em diferentes estágios os projetos de P&D e inovação das empresas” (Arruda, Vermulm, & Hollanda, 2006, p. 106).
Possivelmente, é essa paridade que explica a semelhança entre a proporção de inovadoras
brasileiras apoiadas pelo governo no Brasil e nos países avançados. No Brasil, entre 2006 e 2008,
o percentual de empresas industriais inovadoras11 que receberam algum tipo de apoio do governo
para o desenvolvimento das suas atividades inovativas foi de 23% (IBGE, 2010). A média para
os países da União Europeia em 2008 foi de 21%, sendo que na Alemanha foi19% e na França
17% (EUROSTAT, 2010).
Além disso, e extremamente importante, é o fato de que a Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC) mostra que as questões relativas ao financiamento não são o principal obstáculo à
inovação indicado pelas empresas não inovadoras.
Evidência disso é fornecida pela pergunta feita às empresas sobre os principais obstáculos à
inovação pela PINTEC. Ela solicita que as empresas apontem o grau de importância dos seguintes fatores: 1) Inovações prévias; 2) Condições de mercado; 3) Outros fatores impeditivos. O fato
de que apenas 15% delas apontam a escassez de fontes de financiamento (uma das opções da
terceira categoria) como sendo um fator explicativo de alta ou média importância para o seu
9
Para fomentar a interação universidade-empresa, o Governo Federal implantou o SIBRATEC, que é formado por 56
redes de grupos e núcleos de P&D articuladas nacionalmente, sendo 14 redes de centros de inovação, 20 de serviços
tecnológicos, e 22 de extensão (organizadas por Estados da federação).
10
É importante salientar que apesar de ser o ministério responsável pela articulação e implementação da PCTI o MCTI
foi a fonte de apenas 30% dos recursos destinados ao fomento à ciência e ao desenvolvimento tecnológico pelo PPA 2004
e 2005 (Ferreira & Freitas, 2008).
11
Nas suas duas primeiras edições (2000 e 2003), a PINTEC abrangia apenas o setor industrial. Suas edições posteriores
incluíram também o setor de serviços. Devido a isso, e para poder fazer análises baseadas em séries históricas mais
longas e confiáveis, optamos por não utilizar os dados referentes ao setor de serviços, restringindo-nos aos indicadores
referentes às empresas industriais com dez ou mais pessoas empregadas. Sendo assim, sempre que utilizarmos o termo
empresas inovadoras estaremos nos referindo às empresas industriais com 10 ou mais pessoas empregadas, localizadas no
território brasileiro e independente da origem do capital controlador.
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REVISTA INTERNACIONAL DE CIENCIA Y SOCIEDAD
comportamento, enquanto que 56% indicam “condições de mercado” (outra das opções) (IBGE,
2010) é especialmente significativo.
Cabe ressaltar, então, que caso o escasso financiamento público à inovação empresarial fosse um obstáculo à inovação no Brasil a significativa mudança verificada nos últimos anos deveria
ter-se refletido nos indicadores relacionados às atividades de P&D. O fato disso não ter ocorrido
nos leva à questão central deste trabalho: estão sendo alcançados os objetivos visados pela orientação seguida pela PCT?
Mudanças recentes na dinâmica inovativa nacional
A última edição da PINTEC (2010) confirma hipóteses que formulamos anteriormente acerca da
escassa relevância das medidas de políticas que vêm sendo implementadas (Bagattolli, 2008;
Dagnino, 2008). Dentre elas, a de que o aumento dos recursos públicos parece não estar desencadeando um aumento do dinamismo tecnológico das empresas industriais. Ao que tudo indica,
esses recursos estão sendo utilizados por elas como uma alternativa frente ao uso de seus
próprios recursos. A tabela 2 apresenta alguns indicadores que ilustram este argumento.
Enquanto os recursos públicos tiveram a evolução apontada na seção anterior, a parcela da
Receita Líquida de Vendas (RLV) alocada pelas empresas industriais inovadoras em atividades
inovativas diminuiu de 3,8% em 1998 para 2,5% em 2008 (IBGE, 2010). O que significa que
houve uma queda de seu esforço relativo a essas atividades de 35% ao longo dos dez anos em
que, se supunha, as medidas implementadas pelo governo seriam capazes de alterar de modo
positivamente importante o seu comportamento
O percentual da RLV alocada às atividades internas de P&D permaneceu estável em 0,6%.
Talvez seja uma das razões do fato do grau de novidade dos produtos e processos introduzidos no
mercado pelas empresas inovadoras ter-se mantido baixo. Segundo as próprias empresas, apenas
0,7% dos produtos e 0,2% dos processos eram novidade para o mercado mundial.
Também muito ilustrativo do desacerto ou inocuidade do aumento da oferta de recursos públicos para P&D nas empresas e o seu dinamismo tecnológico é a evolução da sua percepção
acerca da importância desta atividade ao longo dos dez anos sobre os quais se tem evidência
empírica a respeito. A primeira edição da PINTEC, que cobre o período 1998-2000 indica que
34% das empresas inovadoras consideravam essa atividade como de alta ou média importância.
Nos períodos seguintes (2001-2003 e 2004-2006) a mesma importância foi atribuída por cerca de
20% delas. Na última edição da pesquisa, referente ao período 2006-2008, esta parcela foi de
apenas 12%. O que significa uma queda do que se poderia com fidedignidade entender como um
indicador de propensão a realizar P&D de 65%.
Para deixar ainda mais claro o que isso significa, e dar margem para que os interessados em
argumentar sobre o acerto da PCTI atual apontem fatores adversos ao cumprimento de suas metas, pode-se “traduzir” essa informação a uma situação em que essa propensão estivesse caindo
6% a cada ano ao invés de, como esperam os fazedores da política, aumentar.
A tendência sugerida por esses indicadores é confirmada pela evolução da parcela de inovadoras que realizaram P&D, que caiu de 33% entre 1998 a 2000, para 18% e 17% nos períodos de
2001-2003 e 2004-2005, chegando a 11% entre 2006 a 2008. O que, segundo a evidência empírica disponível, indica uma queda de quase 70% ao longo dos dez anos cobertos pela pesquisa. A
comparação dessa evolução com a da Taxa de Inovação - proporção de empresas inovadoras
dentre o universo de empresas consultadas pela PINTEC –, que aumentou de 32% entre 1998 e
2000 para 38% entre 2006 e 2008, parece indicar algo preocupante; sobretudo para aqueles fazedores da PCT (e, dentro deles, a comunidade de pesquisa) que ainda acreditam que o aumento da
relação universidade-empresa pode levar à competitividade do país via utilização dos resultados
da pesquisa universitária. Se assumirmos que o número de empresas inovadoras está de fato
aumentando e o daquelas que fazem P&D está diminuindo, isto significa que elas estão cada vez
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BAGATTOLLI & DAGNINO: POLÍTICA DE C&T E DINÂMICA INOVATIVA NO BRASIL
mais inclinadas (como ilustram os comentários sobre outros indicadores) a inovar mediante outras atividades.
Tabela 2 – Indicadores sobre esforço tecnológico e dinâmica inovativa no Brasil
Pintec
2000
Pintec
2003
Pintec
2005
Pintec
2008
(1998
2000)
(2001
2003)
(2004
2005)
(2004
2005)
33%
18%
17%
11%
68%
58%
52%
63%
Dispêndio total com atividades inovativas (RLV/AI)
3,8%
2,5%
2,8%
2,5%
Dispêndio com atividades internas de P&D (RLV/P&D)
0,6%
0,5%
0,6%
0,6%
Alta e média importância
34%
21%
20%
12%
Baixa e não relevante
66%
79%
80%
88%
Alta e média importância
77%
80%
81%
78%
Baixa e não relevante
23%
20%
19%
22%
Aprimoramento de um já existente
n.d
20%
25%
21%
Novo para a empresa
46%
36%
24%
30%
Novo para o mercado nacional
13%
5%
9%
8%
Novo para o mercado mundial
n.d
0,5%
0,6%
0,7%
Aprimoramento de um já existente
n.d
40%
54%
45%
Novo para a empresa
74%
38%
22%
35%
Novo para o mercado nacional
9%
2%
4%
5%
Novo para o mercado mundial
n.d
0,3%
0,3%
0,2%
Pós-graduados ocupados em atividades internas de P&D
2.953
3.121
4.330
4.398
Consideraram as parcerias de alta e média importância
Consideraram as parcerias de baixa importância e não
relevante
3%
1%
2%
3%
8%
3%
5%
7%
Pós-graduados ocupados em atividades internas de P&D
2.953
3.121
4.330
4.398
Indicadores
Inovadoras que desenvolveram atividades internas de
P&D
Inovadoras que adquiriram máquinas e equipamentos
para inovar
Dispêndio em atividades inovativas em relação à Receita Líquida de Vendas (RLV)
Importância atribuída às atividades inovativas
Atividades internas de P&D
Aquisição de máquinas e equipamentos
Grau de novidade
Dos produtos
Dos processos
Inovadoras com relações de cooperação com universidades e IPPs
Fonte: Elaboração própria com base em IBGE (2002; 2005; 2007; 2010).
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REVISTA INTERNACIONAL DE CIENCIA Y SOCIEDAD
Nesse sentido, e indicando uma provável relação de causalidade, há que salientar que,
mesmo tempo, a parcela que adquiriu máquinas e equipamentos enquanto atividade inovativa apesar de oscilações no período - continua em cerca de 60%.
O descompasso entre a oferta de recursos públicos e o comportamento das empresas fica
ainda mais evidente quando se considera sua propensão a contratar os profissionais qualificados
que a própria PCTI a elas proporciona. Enquanto entre 2006 e 2008 foram titulados mais de 130
mil mestres e doutores12, mais de 70 mil só em Ciências Duras e Engenharias13 (MCT, 2011a), o
número de pós-graduados ocupados em atividades internas de P&D pelas inovadoras aumentou
em 68. Vale a pena reforçar, para não haver risco de enganos, que o aumento não foi de 68% e
sim de 68 indivíduos pós-graduados empregados nessas atividades no grupo de empresas industriais inovadoras.
Ainda no campo das expectativas sobre a relação empresa-universidade e o aproveitamento
do seu potencial de pesquisa e formação de recursos humanos, há outra hipótese que, corroborando, aliás, a experiência internacional, a PINTEC reforça. Trata-se da baixa importância atribuída pelas empresas inovadoras às relações cooperativas com universidades e Institutos Públicos de Pesquisa (IPPs) – outro ponto enfatizado pelo inovacionismo e reiterado na PCT brasileira.
Com as mudanças na racionalidade dominante sobre o papel do Estado – a cobrança por um
“Estado eficaz”, onde os gastos públicos deveriam ser justificados em termos de benefícios à
figura do cidadão-cliente - a defesa do fomento ao desenvolvimento de projetos cooperativos
entre empresas e aquelas instituições passou a ser cada vez mais forte. As universidades e IPPs
passaram a se comportar como “empreendedores” autossuficientes, buscando captar recursos de
diferentes organizações por meio de contratos, tornando-se “mais sensíveis e ativas” em relação
às demandas do setor produtivo (Braun, 2006; Fagerberg, 2009).
O estímulo a programas e projetos desenvolvidos em cooperação entre universidades, IPPs
e empresas foi reforçado ainda nos anos de 1990, sendo um dos pilares da política dos Fundos
Setoriais14, dentre outros programas. Ainda assim, a participação empresarial na execução dos
recursos foi minoritária. Uma avaliação mostrou que dos 16 Fundos Setoriais apenas três apresentaram um envolvimento com empresas acima de 70% em termos de recursos; os demais apresentaram uma participação abaixo de 30%. Sendo que em alguns casos a participação foi zero
(Velho, Pereira, & Azevedo, 2006).
O percentual de empresas industriais inovadoras que estabeleceu relações de cooperação
com universidades e IPPs permaneceu estável em 10%. Uma situação muito próxima ao observado em países desenvolvidos como Alemanha (11%) e França 12% e à média da União Europeia (12%) (EUROSTAT, 2010).
O que chama a atenção no caso brasileiro não é uma discrepância em relação aos países
avançados, mas sim a baixa importância atribuída a estas relações pelas empresas que estabelecem essas parcerias: 70% das inovadoras que possuem algum tipo de cooperação com estas instituições para inovar considerou-as de baixa importância e não relevantes (IBGE, 2010). Adicionalmente, cabe salientar ainda a observação feita por Salerno e Kubota (2008), que identificaram
que as empresas que cooperam com universidades costumam investir uma menor proporção da
12
O número se refere à somatória dos titulados nos anos de 2006, 2007 e 2008, considerando o total de alunos titulados,
inclusive em mestrados profissionais.
13
Dados referentes aos mestres e doutores titulados nas seguintes grandes áreas: Ciências Agrárias, Biológicas, de Saúde,
Exatas e da Terra e Engenharias.
14
Criados a partir de 1999, os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia são instrumentos de financiamento de projetos
de P&D e inovação no País. Existem atualmente 16 Fundos Setoriais, sendo 14 relativos a setores específicos e dois
transversais - um voltado à interação universidade-empresa e outro destinado a apoiar a melhoria da infraestrutura de
instituições científico-tecnológicas. Mais informações sobre a política de Fundos Setoriais podem ser obtidas no endereço
eletrônico da FINEP: http://www.finep.gov.br.
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BAGATTOLLI & DAGNINO: POLÍTICA DE C&T E DINÂMICA INOVATIVA NO BRASIL
sua receita em atividades de P&D do que as que não cooperam e desenvolvem P&D de maneira
autônoma.
Considerações finais
Historicamente, o conhecimento não foi um importante fator de crescimento econômico nos
países periféricos. A aquisição de conhecimento tecnocientífico incorporado em máquinas, equipamentos e outros insumos produtivos para a inovação segue sendo o comportamento usual das
empresas quando a questão se refere a sua estratégia inovativa. As exceções, no Brasil como em
outros países latino-americanos, limitam-se a iniciativas de produção de conhecimento tecnocientífico que, ainda quando demandada por elites empresariais privadas, contaram com sólido, senão
pioneiro, apoio estatal.
A PCT em curso não está alcançando seu objetivo de tornar a empresa local mais dinâmica
em termos de inovação e, menos ainda, de tecnologia. O comportamento inovativo local, marcado pela baixa propensão a realizar P&D se alternou no sentido contrário ao desejado. É evidente
que a P&D não é a única fonte de geração de tecnologia empresarial. Todavia, ela é reconhecidamente a mais intensiva e, nos países desenvolvidos, a mais compensadora em termos de esforço inovativo. Além de, por outro lado, ter sido, desde sempre, o cerne das políticas públicas
orientadas à produção de conhecimento.
Estamos cientes de que a decisão empresarial de se investir em P&D depende de uma série
de fatores – estratégia de negócios, custos, percepção de risco, demanda por novos produtivos,
etc. – sendo a existência de uma estrutura de financiamento adequada apenas um deles. Nosso
questionamento não é com relação a este fato e sim à aparente simplificação dessa questão na
formulação da política.
O fato de a estrutura produtiva nacional poder ser caracterizada pelo predomínio de uma estratégia tecnológica passiva ajuda a explicar porque os estímulos da PCT parecem surtir tão pouco resultado. E, a nosso ver, não se trata de um “atraso cultural” dos nossos empresários, ou da
falta de capacitação para o aprendizado tecnológico, mas sim de uma resposta racional ao ambiente macroeconômico e à nossa condição periférica.
Isso parece indicar que o aumento do financiamento público destinado àquelas atividades
levou as empresas a usá-lo para substituir seus próprios recursos e não de aumentá-los como
ocorre nos países de capitalismo avançado15. A redução da demanda por recursos das linhas de
crédito da FINEP (que exigem retorno financeiro) a partir de 2006 – logo após a regulamentação
da subvenção econômica à inovação – ilustra bem o efeito de substituição de recursos, conhecido
entre nós pela expressão inglesa de crowding out. Uma situação problemática, já que esses recursos não deveriam ser orientados para substituir os que já estavam sendo alocados pelas próprias
empresas ou dos recursos ofertados na forma de crédito (Morais, 2008).
A informação disponível coloca em xeque os pressupostos que levaram ao fortalecimento
do viés inovacionista verificado desde meados da década de 1990 na PCT brasileira. Principalmente o de que as empresas precisam de mais recursos para aumentar sua propensão a P&D e,
mesmo, a inovar.
A raiz da baixa eficácia, efetividade e eficiência da PCTI atual deve ser buscada na sua paradoxal desatenção, por um lado, aos sinais de um mercado onde a produção dos bens e serviços,
em função da dependência cultural que caracteriza o capitalismo periférico, tende a ser realizada
pela via da importação de conhecimento tecnocientífico. Por outro e em consequência, ao comportamento típico do ator que ela pretende mais incisivamente beneficiar: as empresas privadas
localizadas no país. Face à congênita, ainda que renovada e mutante, condição periférica do país
e, mais recentemente, à situação dos mercados nacional e internacional nos quais elas estão inseridas seu comportamento não poderia ser diferente. As consecutivas pesquisas de inovação evidenciam algo que, há muito tempo, pesquisadores latino-americanos dos Estudos Sociais da C&T
15
De acordo com Brito Cruz, nos países da OCDE para cada dólar investido pelo governo em P&D empresarial as
empresas investem, em média, outros US$ 9 (Cruz, 2005) .
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REVISTA INTERNACIONAL DE CIENCIA Y SOCIEDAD
mostraram: há outros fatores mais determinantes na decisão de gastar em inovação do que a
existência de incentivos governamentais.
A inocuidade da PCT se deve, “pelo lado da demanda”, ou pelo lado dos atores que ela pretende prioritariamente mobilizar – os empresários -, ao fato de que muito mais do que os outros
que ela, no passado e com alguma competência, soube fazê-lo, como a comunidade de pesquisa
(ou a universidade) e umas poucas Organizações Não Governamentais (ONGs), respondem “por
construção” a sinais do mercado e não àqueles emitidos pelo Estado mediante suas políticas.
Também “por construção”, esse ator costuma ter uma elevada capacidade de definir suas demandas frente ao Estado; as quais, neste caso, pelas razões expostas, não se relacionam à PCTI.
“Pelo lado da oferta” ou pelo lado dos atores que mais importância possuem na sua formulação, a inocuidade da PCT se deve ao fato de que nela continua participando com um caráter
hegemônico, apesar do enfraquecimento do modelo institucional de viés ofertista-linear, o que
temos chamado de comunidade de pesquisa no seu sentido ampliado16.
Especificamente sobre as políticas de vinculação, as medidas implementadas devem ser tomadas com a preocupação de não desnaturalizar as lógicas de cada âmbito e de não criar falsas
expectativas sobre os desdobramentos possíveis (Albornoz, 1997). Lembrando que políticas
como essa requerem, antes de tudo, o interesse dos atores em vincular-se, vê-se que, no Brasil considerando os dados da PINTEC -, as empresas não parecem dispostas.
Reiterando, não acreditamos que o comportamento dos empresários no Brasil seja fruto de
um “atraso cultural”, da falta de um “ambiente propício à inovação” ou de instrumentos que
induzam ao “empreendedorismo” ou à “competitividade” como coloca o discurso do inovacionismo que passou a integrar o senso-comum sobre o assunto. O qual se tem disseminado não
apenas dentre as “pessoas comuns”, desinformadas sobre assuntos da PCTI, mas também no
meio acadêmico onde há muito se arraigaram e naturalizaram as ideias que autores como Sarewitz (1996) e Feenberg (2010), dentre outros, denominaram mitos. A nosso ver esse comportamento é uma resposta racional aos obstáculos estruturais da nossa condição periférica (dependência cultural, padrão de consumo imitativo, alta concentração de renda, baixo preço da mão de
obra, etc.) e dos estilos de política tecnoprodutiva adotados (modelo primário exportador, que foi
seguido do processo de industrialização por substituição de importações, abertura comercial e
privatização neoliberal, etc.). Obstáculos que demandariam, para serem contornadas, transformações estruturais que teriam que ser promovidas - entre outros fatores - pela implementação de
políticas públicas de muito maior amplitude e profundidade capazes de induzir no âmbito dos
atores sociais e do próprio Estado uma demanda por conhecimento tecnocientífico original. Algo
que, ao contrário do que, como dizia um gênio da PCT latino-americana, não pudesse ser roubado, copiado ou comprado17, algo que só pudesse ser produzido de modo endógeno.
Chama a atenção, nesse sentido - e mantendo-nos no plano da crítica interna, a contradição
e a pretensão desmedida que encerra a PCT em curso e que a diferencia daquela adotada pelos
países de capitalismo avançado que pretende emular. Contradição por que, ao tentar alterar o
comportamento da empresa parece desconhecer que o contexto em que se situa este ator legitima
e premia sua racionalidade conservadora em relação à inovação e à P&D. Pretensão desmedida
por que, ao mesmo tempo em que acredita no virtuosismo da empresa, a ponto de acreditar que
ela possa promover o desenvolvimento econômico e social do país por intermédio das relações
sociais de produção estabelecidas pelo mercado (inclusive o da força de trabalho), e por isto
pretende potencializá-lo, a PCTI pretende sobrepor-se as regras deste mesmo mercado.
16
De acordo com a definição cunhada por Dagnino, a comunidade de pesquisa é o “... conjunto que abrange os profissionais que se dedicam ao ensino e à pesquisa em universidades públicas e aqueles que, tendo sido ali iniciados na prática da
pesquisa, e socializados na sua cultura institucional, atuam em institutos públicos de pesquisa e, também, em agências
dedicadas ao fomento e planejamento da C&T...” (2007, p. 37).
17
Dizia Jorge Sábato, dizia, há 40 anos, que “Em qualquer lugar e tempo, as empresas e países farão 3 bons negócios
com tecnologia: roubar, copiar e comprar. E nenhum deles irá desenvolver tecnologia se puder realizar um dos outros
negócios”.
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BAGATTOLLI & DAGNINO: POLÍTICA DE C&T E DINÂMICA INOVATIVA NO BRASIL
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SOBRE OS AUTORES
Carolina Bagattolli: Possui graduação em Ciências Econômicas pela Fundação Universidade
Regional de Blumenau (2005), trabalhando com temas ligados a Economia Regional e Urbana.
Mestre e doutoranda em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas, membro do GAPI - Grupo de Análise de Políticas de Inovação (DPCT/IGE/ UNICAMP) e
do NPDR - Núcleo de Pesquisas em Desenvolvimento Regional (FURB). Recebeu uma bolsa de
mestrado-sanduíche do Convênio Capes-UBA-Unicamp para realizar uma análise comparativa
do comportamento inovativo dos empresários no Brasil e na Argentina. Tem se dedicado ao
estudo do comportamento inovativo por parte do empresariado brasileiro, à gestão estratégica da
inovação, e a construção de um estilo de Política de C&T aderente à realidade latino-americana.
Renato Dagnino: Professor Titular na Universidade Estadual de Campinas (professor visitante
em várias universidades latino-americanas) nas áreas de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia
e de Política Científica e Tecnológica. É engenheiro, estudou Ciências Humanas e Economia no
Chile e no Brasil, onde se doutorou. Realizou pós-doutorado na Universidade de Sussex, na Inglaterra. Seus últimos livros são Ciência e Tecnologia no Brasil: o processo decisório e a comu-
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BAGATTOLLI & DAGNINO: POLÍTICA DE C&T E DINÂMICA INOVATIVA NO BRASIL
nidade de pesquisa; Neutralidade da Ciência e Determinismo Tecnológico; Tecnologia Social:
ferramenta para construir outra sociedade; Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia e Política de
Ciência e Tecnologia: abordagens alternativas para uma nova América Latina; Planejamento
Estratégico Governamental; A Pesquisa Universitária na América Latina e a Vinculação Universidade Empresa; e A Indústria de Defesa no Governo Lula.
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relación con la historia, la filosofía, la sociología, la
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