Onde está o teu irmão?

Transcrição

Onde está o teu irmão?
ELAINE DUARTE RAMOS
CARTILHA
VENDA PROIBIDA
Onde está o
teu irmão?
Uma abordagem sobre tráfico
humano e trabalho escravo, hoje!
Onde está o teu irmão?
"Um brado em defesa da vida
e da liberdade!"
"Como ter alegria, Senhor,
neste tempo de provação?
Como ter alegria consciente do
sentimento do mundo?
...
Só nos resta uma única alegria, Senhor.
Absoluta, sangrenta e sofrida.
A alegria de saber que apesar de tudo,
só nos resta uma coisa mais inevitável que a morte: a vida!”
Texto de Chico de Assis – em missa leiga
Textos e coordenação: Elaine Duarte Ramos
Revisão: Solange Barros - MTb 5730 MG
Projeto gráco: Mídia Católica
Ilustrações: Fabrício Martins
Ramos, Elaine Duarte. Onde está o teu irmão? Uma abordagem sobre tráco
humano e trabalho escravo, hoje.
Cartilha do Movimento Ecumênico Um grito pela paz.
Uberlândia, Minas Gerais, 2014. Formato: 14,85 cm x 21 cm.
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“Toma a tua parte.
Vem a estas páginas e não entraves seu uso
aos que têm sede.“ (Cora Coralina, 1987)
Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
Site: www.umgritopelapazoficial.com.br
Email: ondeestaoteuirmã[email protected]
Caixa Postal 1025 - CEP 38400-970
Uberlândia/MG
Todos os direitos reservados. É permitida a transmissão total ou parcial deste livro, desde que para ns de educação comunitária e com a devida citação da fonte (autoria, título, cidade e ano).
Copyright © Elaine Duarte Ramos
SUMÁRIO
Introdução - Tráco humano e trabalho escravo, hoje:
Violações dos direitos humanos fundamentais!.......................
05
Justicativa - "É para a liberdade que Cristo nos libertou!" ....
07
Apresentação - Tráco humano e trabalho escravo: Crimes
que devem ser combatidos e denunciados! ..........................
08
O que é o trabalho escravo hoje? ........................................
09
Dados sobre trabalho escravo no Brasil e no mundo .............
10
Quais são os elementos que caracterizam trabalho escravo?
11
Onde estão as vítimas da escravidão moderna? ....................
12
Por que o Estado Brasileiro deve combater a escravidão
moderna? ..........................................................................
13
O que é a PEC do trabalho escravo? ....................................
14
Políticas Públicas de combate ao trabalho escravo e ao tráco
humano no Brasil ...............................................................
15
Canais especícos de denúncia do trabalho escravo ..............
16
O que é Tráco humano? ....................................................
17
O que caracteriza o Tráco humano? ..................................
18
Principais formas de Tráco humano ....................................
19
Dados sobre o Tráco humano no Brasil e no mundo ............
21
O que há em comum entre o Tráco humano e a escravidão?
22
Tráco humano: Porque há uma falta de interesse por esse
tema? ...............................................................................
23
Fatores que contribuem para o crescimento do Tráco
humano, hoje ....................................................................
24
Porque o Tráco humano e o trabalho escravo são atentados
contra a dignidade humana? ...............................................
25
Principais causas do Tráco humano, hoje ............................
26
Quem são as vítimas do Tráco humano? .............................
27
Perl das vítimas do Tráco humano ....................................
28
O consentimento é importante para considerar alguém em
situação de Tráco humano? ...............................................
29
Como as pessoas tracadas são tratadas? ...........................
30
Por que muitas vítimas não denunciam? ..............................
31
Quem são os tracantes de pessoas? ...................................
32
Tráco humano: Um problema social e eclesial! ....................
34
O que dizem as Igrejas cristãs sobre o Tráco humano? .........
35
O que diz a Justiça brasileira sobre Tráco humano, hoje? .....
36
O que diz a Legislação Brasileira sobre trabalho escravo? ......
37
O que diz a Legislação Brasileira sobre tráco humano? ........
38
O que é a Convenção de Palermo? ......................................
39
Política Nacional de Enfrentamento ao Tráco humano .........
40
O que fazer para evitar a proliferação dos crimes de
escravidão e o Tráco humano? ...........................................
41
Como podemos denunciar o Tráco humano? .......................
43
Datas signicativas .............................................................
44
Conclusão .........................................................................
45
Oração da CF - 2014 ........................................................
47
Bibliograa ........................................................................
48
TRÁFICO HUMANO E
TRABALHO ESCRAVO, HOJE:
Violações dos direitos humanos fundamentais
Atualmente a exploração do ser humano como escravo e mercadoria
ainda é forte. Convivem hoje, lado a lado, tecnologias de ponta e formas de
exploração de mão de obra das mais antigas.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), revelam que o
tráco humano atinge na atualidade aproximadamente 21 milhões de vítimas,
seja no trabalho forçado (78%) ou na exploração sexual (22%). Segundo a
Organização das Nações Unidas (ONU) essa atividade criminosa alimenta um
comércio que rende anualmente 32 bilhões de dólares em todo o mundo.
Desse valor, cerca de 10% passa pelo Brasil.
Não há país livre do tráco de pessoas, seja como ponto de origem do
crime, seja como destino dos tracados. O Brasil é um dos países campeões no
mundo, em relação ao fornecimento de seres humanos para o tráco
internacional. Em 2002, a pesquisa sobre tráco de mulheres, crianças e
adolescentes para ns de exploração sexual e comercial no Brasil (PESTRAF),
encomendada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), mapeou 241
rotas de tráco de pessoas para ns de exploração sexual. Desse total, 131 rotas
eram internacionais, 78 interestaduais e 32 intermunicipais.
De maneiras distintas, o tráco humano atinge todas as faixas etárias,
etnias, classes sociais, sexos e regiões (rurais ou urbanas). No Brasil, as ações
dos criminosos estão concentradas em pelo menos 520 municípios.
O tráco humano e o trabalho escravo são inquietações que deveriam
chegar a todos, pois trazem para discussão e reexão questionamentos antigos e
novos. Se escutássemos o grito de dor de tantas vítimas, teríamos a possibilidade
de tomar cada vez mais consciência de situações e atitudes que tornam corpos e
vidas mercadorias e objetos de lucro e de prazer. Essa realidade interpela todas
as pessoas de boa vontade a se informar e a buscar os meios de erradicar esses
males que destroem a vida e os sonhos de muitas pessoas. É necessário também
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 05
“É PARA A LIBERDADE
QUE CRISTO NOS LIBERTOU!"
(cf. Gl 5,1)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama: "Todo
homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal". A liberdade é uma
exigência da vida humana e uma condição indispensável para que a pessoa possa
desenvolver-se plenamente.
O respeito à liberdade é um dos alicerces para a construção de um
mundo de paz. Por isso, devemos sempre trilhar um caminho de liberdade. Este
caminho implica fazer boas escolhas; escolhas que permitam a liberdade e que
para Ela conduzam. Contudo, sabemos que é grande o atentado contra a
liberdade.
Cristo é a Liberdade oferecida a todos indiscriminadamente! Ele nos
libertou e por isso, concedeu-nos participar da plenitude de sua vida. A
liberdade cristã implica o reconhecimento da liberdade da outra pessoa e de sua
igual dignidade. Ela diz respeito à pessoa humana em todas as suas dimensões:
pessoal e social, espiritual e corporal. Desta forma, a liberdade cristã visa, em
primeiro lugar, o amor ao próximo (cf. Gálatas 5,13).
O reto exercício da liberdade exige precisas condições de ordem
econômica, social, política e cultural. Quando as pessoas não dispõem dessas
condições de modo digno, tornam-se vulneráveis à ação dos criminosos do
tráco humano.
A liberdade só existe verdadeiramente quando laços recíprocos,
regidos pela verdade e pela justiça, unem as pessoas. Somente, quando
procuramos nossa liberdade na liberdade dos irmãos é que se abrirão caminhos
para a verdadeira liberdade. As pessoas que são exploradas pelas várias
atividades do tráco humano têm sua liberdade e sua dignidade tolhidas. Como
cristãos, devemos trabalhar para que laços e amarras sejam desfeitos e estruturas que roubam e desguram o ser humano sejam removidas, anal, é para a
liberdade que Cristo nos libertou!
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 07
promover ações de prevenção e de resgate da cidadania das pessoas em situação
de tráco, visto que permanecer indiferente ao sofrimento alheio é sinal de
insanidade e desumanidade.
Que a pergunta que Deus fez a Caim – ("onde está o teu irmão, Abel?" – cf.
Gn. 4,9), nos impulsione a trabalhar para mudar essa realidade, a reivindicar dos
governos políticas públicas de combate a esses crimes, e a buscar meios para a
reinserção na vida familiar, eclesial e social, das pessoas vitimadas por esses males.
Como cristãos, devemos manter vivo o compromisso para com a liberdade e
rejeitar todas as formas de escravidão.
Que a partir desta realidade geradora de tantos sofrimentos e morte,
possamos abrir os olhos para descobrirmos os sinais da presença de Deus em cada
pessoa arrancada de suas famílias.
06 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
TRÁFICO HUMANO E
TRABALHO ESCRAVO:
Crimes que devem ser combatidos e denunciados!
Quem são as vítimas do tráco humano e do trabalho escravo, hoje?
Onde elas estão? Temos informações sucientes sobre elas? Qual a nossa
reação diante das pessoas desaparecidas e escravizadas? Vemos as vítimas como
irmãos ou como simples desconhecidos? Porque temos a impressão de que elas
nem existem? (Será que os preconceitos sociais, raciais e sexuais tornaram
nossas consciências insensíveis a esta dura realidade?) Por que muitas vítimas se
calam?
E você, já vivenciou alguma situação de tráco humano ou de trabalho
escravo em sua cidade ou região? O que pensar de tantas notícias de pessoas
desaparecidas? Como podemos agir profeticamente, organizando nossas
comunidades para que elas façam algo de concreto para combater essas chagas
sociais? Será que estamos dispostos e capacitados para agir visando à superação
desses males? E os governos? O que eles podem fazer para evitar a proliferação
desses crimes? E diante de tantas interrogações nos perguntamos: o que fazer?
Por onde começar? Pois bem, começaremos com a denição de Trabalho
escravo e de Tráco humano. Em seguida, trazemos os elementos que
caracterizam trabalho escravo, dados estatísticos, principais causas e formas do
tráco, quem são as vítimas, onde elas estão e como elas são tratadas. Em
seguida, falaremos sobre o que dizem as igrejas cristãs, a legislação e a justiça
brasileira, quem são os tracantes de pessoas, quem são as vítimas, o que fazer
para combater esses crimes e como denunciar a proliferação desses males. São
essas e outras perguntas que a Cartilha - Onde está o teu irmão? - procura
responder de maneira simples e pedagógica.
A cartilha "Onde está o teu irmão?" visa assim, chamar a atenção de todos
para essa grave violação dos direitos humanos e oferecer informações que
favoreçam a construção de medidas ecazes para a erradicação dessas chagas
sociais. Boa leitura!
08 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
O QUE É O TRABALHO
ESCRAVO HOJE?
O Ministério do Trabalho na Instrução normativa nº 01, de 1994, assim
dene a moderna escravidão: "condição análoga à de escravo que se dá através
de fraude, dívida e retenção de salário e documentos, ameaça e violência". Já a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) na Convenção nº 29, de 1930,
assim dene o Trabalho escravo: "trabalho forçado é todo trabalho ou serviço
exigido sob ameaça de sanção, para o qual não se tenha oferecido
espontaneamente". Ou seja, o trabalho escravo hoje é a redução do trabalhador
à condição semelhante à do antigo escravo.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 09
DADOS SOBRE
TRABALHO ESCRAVO
NO BRASIL E NO MUNDO
A escravidão no Brasil deveria ter terminado em 1888, com a aprovação da Lei Áurea. No entanto, apesar de já ter se passado mais de um século do
m ocial da escravidão, o trabalho escravo moderno existe, revela práticas
degradantes e faz vítimas todos os dias.
Dados ociais mostram que existem atualmente entre 25 e 40 mil
pessoas escravizadas no Brasil. Estatística provisória da Comissão Pastoral da
Terra (CPT), do ano de 2012, aponta que 3.596 pessoas foram vítimas do
trabalho escravo, sendo que 2.656 foram resgatadas. Entre os anos 2003 e
2012, foram registrados 62.802 casos de pessoas em trabalho escravo ou
análogo ao escravo. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego revelam que
de 1995 até hoje, mais de 45 mil pessoas foram resgatadas dessa condição. No
Brasil, a cada ano são pelo menos 157 vítimas (brasileiras ou estrangeiras).
Auditores scais libertaram vítimas no Paraná, em São Paulo, Rio de Janeiro,
Mato Grosso, Goiás, Piauí, Maranhão e Alagoas. As vítimas estavam em
situações degradantes que o artigo 149 do Código Civil Brasileiro assimila à
“condição análoga à de escravo”.
Já o número do relatório da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) divulgado em maio de 2014, revela que há no mundo, 21 milhões de
pessoas escravizadas. As mulheres e as crianças são as principais vítimas. Elas são
exploradas no comércio sexual e no trabalho doméstico. Já os homens, sofrem
com o trabalho forçado na agricultura, nas carvoarias e no setor de construção.
O relatório revela ainda que a escravatura moderna gera 150 bilhões de dólares
em rendimentos ilegais. Ou seja, são 330 bilhões de reais, sendo que, 2/3 desse
valor vêm da exploração comercial do sexo. Tudo isso, se mostra contra o plano
amoroso de Deus para o ser humano, que é uma vida plena, vivida no amor, no
respeito e na fraternidade. Que todos nos possamos assumir uma postura
corajosa de cristãos que lutam pela dignidade e pela liberdade humana, visto
que, só assim construiremos uma sociedade mais justa e fraterna.
10 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
QUAIS SÃO OS ELEMENTOS QUE
CARACTERIZAM TRABALHO
ESCRAVO HOJE?
De acordo com o artigo 145 do Código Penal Brasileiro, os elementos
que caracterizam o trabalho escravo hoje são:
• condição degradante de trabalho - é aquela situação que exclui o
trabalhador de sua dignidade, caracterizada pela violação de direitos
fundamentais, ou seja, aquela situação que coloca em risco a saúde e a
vida do trabalhador;
• jornada exaustiva - submeter o trabalhador à esforço excessivo ou
sobrecarga de trabalho que acarrete danos à sua saúde ou risco de
morte, ou, aquela que impede o trabalhador de se recuperar sicamente
e ter uma vida social. Um exemplo são as de duas dezenas de pessoas
que morreram de tanto cortar cana no interior de São Paulo nos últimos
anos;
• trabalho forçado - manter a pessoa no serviço através de fraudes,
isolamento geográco, retenção de documentos, ameaças físicas e
psicológicas, espancamentos e até assassinatos;
• servidão por dívida - fazer o trabalhador contrair ilegalmente um
débito e prendê-lo a ele.
Os elementos acima citados podem vir juntos ou isoladamente.
Fonte: www.reporterbrasil.org.br.
Portanto, não é somente a falta de liberdade de ir e vir que caracteriza
trabalho escravo, mas também a negação ao trabalhador das mínimas condições
de dignidade.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 11
ONDE ESTÃO AS VÍTIMAS DA
ESCRAVIDÃO MODERNA?
As vítimas estão:
• nos canteiros de obras;
• nas ocinas de costura;
• no trabalho doméstico;
• nas fazendas;
• nas usinas de cana;
• nas empresas de entretenimento;
• nas lavouras de cana e de soja;
• nas carvoarias;
• na mineração;
• nos garimpos;
• nos hotéis e pousadas;
• nas indústrias e confecções têxteis,
• nas boates, bares, bordéis e casas de shows;
• nas principais cadeias produtivas do agronegócio;
• entre outros empreendimentos.
12 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
POR QUE O ESTADO BRASILEIRO
DEVE COMBATER A
ESCRAVIDÃO MODERNA?
A Constituição Federal, em seu art.1º, caput, dispõe que a República
Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e
do Distrito Federal, e constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo
como fundamentos: III: a dignidade da pessoa humana e IV: os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa.
* O art.4º, por sua vez, dispõe que a República Federativa do Brasil
rege-se nas suas relações internacionais, entre outros, pelo princípio da
prevalência dos direitos humanos (inciso II).
* O art. 5º garante que todos são iguais perante a lei, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (caput); que ninguém será
submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (inciso III); que
a propriedade atenderá à sua função social (inciso XXIII); e que a lei punirá
qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (inciso
XLI).
* Já o art. 7º explicita os direitos sociais dos trabalhadores urbanos e
rurais além de outros direitos que possam melhorar a sua condição social.
* O art. 170, ao tratar dos princípios que regem o exercício de qualquer
atividade econômica no país, assevera que a ordem econômica e social é
fundada na valorização do trabalho humano, na livre iniciativa, de forma a
assegurar a todos existência digna, e cita como um dos princípios a função social
da propriedade (inciso III). Esse princípio é detalhado no art.186, III e IV, ao
considerar cumprida essa função social quando a propriedade rural atende
simultaneamente aos requisitos, entre outros, da observância das normas que
regulam as relações de trabalho e a exploração da terra de modo a favorecer o
bem estar dos proprietários e dos trabalhadores. Caso a propriedade rural não
cumpra essa função social, será passível de desapropriação para ns de reforma
agrária nos moldes preconizados no art. 184 da Constituição Federal.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 13
O QUE É A PEC DO
TRABALHO ESCRAVO?
A PEC do Trabalho escravo é a Proposta de Emenda Constitucional que
trata da expropriação de terras pelo uso da mão de obra escrava.
A proposta de Emenda Constitucional nº 438\2001, apelidada de PEC
do trabalho escravo, tramitava no Congresso Nacional desde 1995. No dia 27
de Maio de 2014, foi aprovada pelo Plenário do Senado Federal.
A PEC do trabalho escravo determina o consco de imóveis urbanos e
rurais, onde for constatada a exploração de trabalho análogo à escravidão. As
propriedades rurais e urbanas que registrarem esse crime poderão ser tomadas
pelo poder público sem nenhum tipo de indenização aos donos. As propriedades que forem expropriadas em razão de trabalho escravo serão destinadas à reforma agrária e a programas de habitação urbana.
No entanto, a PEC ainda não terá efeito prático porque os
senadores incluíram uma emenda que submete a sua regulamentação à edição de uma lei posterior. Uma proposta de regulamentação está sendo discutida, apontando como se dará a perda de
terras, imóveis e benfeitorias. Sem essa regulamentação, o consco da
propriedade de quem
pratica esse crime ainda
não é possível, mas o
empregador está sujeito a
responder civil e criminalmente
pela conduta ilegal.
14 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
POLÍTICAS PÚBLICAS DE
COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO
E AO TRÁFICO HUMANO NO BRASIL
• Em Março de 2003, o governo brasileiro lançou o I Plano Nacional de erradicação
do Trabalho escravo com 76 medidas. Entre estas medidas, temos a que impede
proprietários que utilizam o trabalho escravo a ter acesso a linhas de crédito e
incentivos scais.
• Em Setembro de 2008, foi lançado um II Plano de Ação. Esse plano também
propõe sanções econômicas mais pesadas contra os empregadores que usam o
trabalho forçado. Esses empregadores cam privados de receber empréstimos por
parte de entidades privadas e públicas, e de assinar qualquer contrato com uma
entidade pública.
• Em 26 de Outubro de 2006 foi aprovada pelo Decreto nº 5.948, a Política Nacional
de Enfrentamento ao Tráco de Pessoas. Para a implementação dessa Política, o
governo federal estabeleceu o I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráco de
pessoas em 2008 (I PNETP).
• Em fevereiro de 2013, foi lançado o II Plano para enfrentamento ao tráco de
pessoas. Esse plano foi coordenado pelo governo federal por meio do Ministério da
Justiça, da Secretaria de Direitos Humanos e da Secretaria de Políticas para mulheres
e prevê ações a serem executadas em cinco linhas operativas. Esse 2º Plano tem 115
metas previstas até 2016, incluindo a capacitação de 400 agentes e a cooperação
jurídica internacional. Além disso, haverá também a implantação de 10 novos núcleos
ou postos de atendimento. Estes postos de atendimento serão situados em cidades
nas regiões de fronteira. Desde 2008, já foram investidos R$5,2 milhões na implantação desta rede.
• No Brasil existe também a Política Nacional de Direitos humanos (PNDH) que
defende, entre outras coisas, a primazia dos Direitos Humanos nas políticas internas,
e, nas relações internacionais. Essas políticas institucionais são importantes, pois a
partir delas pode- se buscar formas de concretização dos Direitos Humanos.
Contudo, sabemos que apenas as leis nacionais e Internacionais não bastam. É
preciso educar a população de uma maneira autêntica, especialmente os mais
vulneráveis. É necessário também reforçar o caráter das políticas de combate ao
tráco humano. Só assim, os governos, a sociedade civil e o Estado poderão oferecer
assistência e proteção às vítimas.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 15
CANAIS ESPECÍFICOS
DE DENÚNCIA
DO TRABALHO ESCRAVO
• Superintendência Regional
do Trabalho e Emprego
• Serviço Pastoral dos Migrantes
– SPM
Acessar o portal do Ministério do
Trabalho e Emprego:
Rua Caiambé, 126 – Ipiranga
04264-060 - São Paulo/SP
http://portal.mte.gov.br/portal-mt/
(11) 2063-7064
• Comissão Pastoral da Terra CPT
(63) 3412-3200
[email protected]
• Setor Mobilidade humana
SE/Sul
Quadra 801 - Conj. B - Cx.Postal:
02037 / 70259-970 e 70200-014 Brasília/DF
[email protected]
www.spmigrantes.wordpress.com
• Pastoral da Mulher
Marginalizada
Rua Guilherme Maw, 64 - casa
20/B - Luz - 01105-040 São Paulo/SP
(11) 3226-0663
[email protected]
www.pmmnac.worpress.com
(61) 2103-8300 e (61) 8285-6735
[email protected]
• Pastoral dos brasileiros no
Exterior
PBE SE/SUL - Quadra 801 - Conj.
B - Cx. Postal: 02037/ 70259-970
e 70200-014 - Brasília/DF
(61) 2103- 8300 / (61) 8285- 6735
pbe@ cnbb.org.br
16 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
• O Ministério do Trabalho e
Emprego em Brasília pede para
que as denúncias de exploração no
trabalho sejam encaminhadas
localmente via Superintendência
Regional do Trabalho e Emprego ou
CPT.
O QUE É
TRÁFICO HUMANO?
O tráco humano pode ser denido como "o recrutamento, o
transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas,
recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força, ou a outras formas de coação, ao
rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamento ou benefícios para obter o
consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para ns de
exploração". Fonte: ONU - Protocolo de Palermo, 2000.
De acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crimes (UNODC) "o tráco humano pode ser conceituado como o recrutamento de terceiros, pela força, fraude, enganação ou outras formas de
coerção, com propósitos de exploração". Já, segundo a lei brasileira,
constitui tráco internacional de pessoas "promover ou facilitar a
entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a
prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de
alguém que vá exercê-la no estrangeiro". (Artigo 231 do Código
Penal)
Tráco humano ou tráco de seres humanos ou tráco
de pessoas refere se à mesma exploração e conseqüência
de violações de direitos de pessoas, ou
seja, a nalidade do tráco humano é
sempre a exploração da pessoa, de sua
sexualidade, de suas habilidades e a
força do trabalho. Ou seja, o tráco
humano é mais do que uma grave
violação da Lei. É uma das formas mais
explícitas, violentas e cruéis da
escravidão do século XXI. Por ser uma
ameaça à vida e uma afronta à dignidade humana deve ser combatido de
forma sistêmica pelo Estado.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 17
O QUE CARACTERIZA
O TRÁFICO HUMANO?
O tráco humano é caracterizado pela comercialização de pessoas, isto
é, o uso de pessoas como se fossem coisas para serem vendidas, compradas,
trocadas. O tráco de pessoas transforma tudo em mercadoria. Como explica
Siqueira (2008, p. 5), é "a perda da condição ontológica de pessoa". "Para os
mercadores, a pessoa é uma mercadoria que produz mercadorias por meio de
sua força de trabalho" cf. Scandola (2008, p.36).
Caracteriza-se tráco quando a vítima é enganada e retirada de seu
ambiente, de sua cidade ou país e ca com a mobilidade reduzida, sem liberdade
de sair da condição de exploração.
É importante ressaltar que a denição de tráco de pessoas contidas no
Protocolo de Palermo inclui três elementos básicos e cumulativos: a ação, os
meios e a nalidade da exploração. Para que se caracterize o tráco de pessoas
basta que tão somente uma das características relativas a cada um dos elementos
esteja presente.
Atualmente, o tráco humano está relacionado a outras práticas
criminosas e de violações aos direitos humanos, servindo, não apenas à
exploração de mão de obra escrava, mas também a redes internacionais de
exploração sexual comercial. Muitas dessas redes estão ligadas a roteiros de
turismo sexual e a quadrilhas transnacionais especializadas em remoção de
órgãos, tecidos ou partes do corpo. Ou seja, a nalidade do tráco humano é
sempre a exploração da pessoa, de sua sexualidade, da sua força de trabalho, de
suas habilidades especiais, de seu corpo.
18 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
PRINCIPAIS FORMAS DE
TRÁFICO HUMANO
A CPI do tráco de pessoas identicou diversas modalidades por meio
das quais esse "comércio de gente" é praticado no Brasil, quer no âmbito
interno, quer para o externo. As principais formas são as seguintes:
• Tráco para a exploração sexual – afeta quase cinco milhões de
pessoas. A maior parte das vítimas são mulheres que enganadas tornamse vítimas do crime organizado. Estimativas do Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), no mundo, indicam que a
exploração sexual é a forma de tráco de pessoas com maior frequência
(79%), seguida do trabalho forçado (18%), atingindo especialmente
crianças, adolescentes e mulheres.
• Tráco para a extração de órgãos – esse é um crime crescente, com
poucos dados estatísticos. Normalmente os doadores tem seus órgãos
coletados involuntariamente. No Brasil, ganhou repercussão nacional a
chamada “Operação bisturi”, deagrada em 2003 pela Polícia Federal.
• Tráco de crianças e adolescentes – os dados são imprecisos, mas
espanta-nos saber que milhares de crianças e adolescentes são
subtraídos de seus lares, são submetidas a trabalhos forçados, sendo
muitas delas vítimas do tráco de drogas e da exploração sexual.
Internamente, os números da exploração de crianças e adolescentes no
Brasil estão na casa dos 250 mil.
• Tráco para a exploração no trabalho - a exploração no trabalho
pode ser qualquer atividade que não reúna as mínimas condições
necessárias para garantir os direitos dos trabalhadores. Dados da
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 19
Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que existem quase
21 milhões de pessoas vítimas de trabalho forçado no mundo. Esse tipo
de crime pode gerar condições de verdadeira escravidão.
O Ministério do Trabalho e Emprego recebe, desde os anos 90 e de
forma crescente, denúncias de violência no ambiente de trabalho relacionadas
com o uxo migratório regular e irregular de trabalhadores brasileiros e
estrangeiros. Em geral essas várias denúncias dizem respeito à servidão por
dívida, trabalho forçado, maus tratos, precárias condições de segurança e saúde,
assédio moral e sexual, espancamentos, jornadas de mais de 16 horas de
trabalho e outras violações de direitos humanos.
20 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
DADOS SOBRE
TRÁFICO HUMANO
NO BRASIL E NO MUNDO
• "A Polícia Federal Brasileira abriu, entre 2005 e 2011, 514 inquéritos
sobre tráco de pessoas distribuidos dessa forma: 157 de tráco internacional,
13 de tráco interno e 344 de trabalho escravo". Fonte: Revista Época (nº 770,
p.44-46).
• Hoje, o tráco de pessoas já é a terceira economia no mundo do
crime. Segundo informações do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crimes (UNODC), apenas o tráco internacional de mulheres e crianças
movimenta anualmente de 7 a 9 bilhões de dólares, perdendo em lucratividade
somente para o tráco de drogas e o contrabando de armas.
• Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que o
comércio e o tráco de seres humanos estão em segundo lugar entre os crimes
que mais ocorrem no mundo inteiro, cando atrás apenas do tráco de drogas.
• Dados da Organização Internacional do trabalho (OIT) divulgados no
início de junho de 2012, propõe uma estimativa global do número de pessoas
atingidas pelo tráco humano. A OIT estima esse número em 20,9 milhões,
sendo 1,8 milhão nos países da América Latina e Caribe (uma prevalência de 3,1
por mil habitantes da média global). A pesquisa apontou ainda que, mulheres e
jovens representam 11,4 milhões (55%) das vítimas, enquanto 9,5 milhões
(45%) são homens e jovens. Essa pesquisa constatou ainda que 4,5 milhões
(22%) das vítimas são exploradas em atividades sexuais forçadas; 14,2 milhões
(68%) em trabalhos forçados em diversas atividades econômicas; e 2,2 milhões
(10%) pelo próprio Estado, sobretudo os militarizados.
• O Conselho Nacional do Ministério Público brasileiro registrou de
2000 a 2013, 1.758 casos de tráco de pessoas, sendo 127 casos - entrega de
lho para adoção ilegal, 1.348 casos - trabalho escravo e 45 casos - exploração
sexual.
• Já os dados recente da ONG Walk Free (2013) aumenta essa
estimativa para perto de 30 milhões, sendo 200 a 220 mil só no Brasil.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 21
O QUE HÁ EM COMUM
ENTRE O TRÁFICO HUMANO
E A ESCRAVIDÃO?
Tráco humano e escravidão - o que há em comum entre esses dois
termos? A resposta é essa: tudo, especialmente o roubo (supressão) da
liberdade e a violência contra a dignidade humana de quem é submetido à
servidão. Tradicionalmente, o tráco de pessoas está relacionado com a
consequente exploração da mão de obra, em condições de escravidão.
A interrelação entre esses dois termos é bastante pertinente, visto que
a exploração do trabalho escravo é uma das principais nalidades do mercado
clandestino caracterizado pelo tráco humano. Apesar de haver uma relação
intrínseca entre o tráco de pessoas e o trabalho análogo ao de escravo, nem
todo tráco, em princípio, se dá com o objetivo da escravidão da pessoa, assim
como nem toda escravidão é necessariamente fruto do tráco.
22 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
TRÁFICO HUMANO:
PORQUE HÁ UMA FALTA
DE INTERESSE POR ESSE TEMA?
O tráco humano congura hoje uma das piores afrontas à dignidade
humana. Essa grave violação dos direitos humanos deve ser compreendida
como uma questão social complexa, que envolve, em muitos casos, a privação
da liberdade, diferentes formas de exploração e uso da violência. Apesar desse
crime ser considerado uma das mais graves violações dos direitos humanos,
muitas pessoas não se interessam por esse tema. Mas porque será que há essa
falta de interesse? Será que caímos na globalização da indiferença? "Será que
habituamo-nos ao sofrimento do outro? Não nos diz respeito. Não nos
interessa. Não é responsabilidade nossa!" (cf. Papa Francisco - Lampedusa, Itália
- 08 de julho de 2013), ou será que é porque esse tipo de crime é feito às
escondidas?
Sabemos que a "invisibilidade" desse tipo de crime é uma das
características que diculta o seu enfrentamento. Assim, os tracantes fogem do
agrante e da punição. No entanto, é preciso que estejamos atentos a esta
prática perversa, que aprendamos a identicá-la e a denunciá-la com coragem e
determinação. A pergunta que Deus fez a Caim ("Onde está o teu irmão Abel?
cf. (Gn 4,9), é, hoje, reavivada com toda a sua força, para todos os homens do
nosso tempo. "Quem dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos
nós: "onde está o teu irmão escravo? Onde estas o irmão que estás matando
cada dia na pequena fábrica clandestina, na rede da prostituição, nas crianças
usadas para a mendicidade, naquele que tem de trabalhar às escondidas porque
não foi regularizado? Não nos façamos de distraídos! Há muita cumplicidade... A
pergunta é para todos!". (cf. A alegria do evangelho - do Papa Francisco, pg. 172).
Portanto, esta, não é uma pergunta posta a outrem; é uma pergunta posta a
mim, a ti, a cada um de nós. Deus espera de nós uma resposta mais
comprometida que a resposta dada por Caim. Anal, "Não podemos admitir
em pleno século XXI gente enriquecendo vendendo gente" (Romeu Tuma
Junior – Secretário Nacional de Justiça).
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 23
FATORES QUE CONTRIBUEM
PARA O CRESCIMENTO DO
TRÁFICO HUMANO, HOJE
• A rejeição a Deus e à sua Lei;
• A negação da primazia do ser humano;
• A ambição do poder e do ter e a nova idolatria do dinheiro;
• As oportunidades tentadoras de trabalho;
• A ausência de perspectivas e a busca por melhores condições de vida;
• A exclusão social e as excessivas desigualdades sociais e econômicas;
• A pobreza extrema e as condições degradantes de vida;
• As discriminações raciais e sociais;
• O subdesenvolvimento e a desigualdade de oportunidades;
• A banalização da sexualidade humana – nela, o sexo é apresentado como
mercadoria e a pessoa como objeto;
• Os uxos migratórios internos e externos;
• O desemprego e a precariedade das condições de trabalho;
• O preconceito racial e o de gênero;
• A globalização econômica e o atual modelo de desenvolvimento; (nesse
processo abrangente, a face mais conhecida é a econômica, em sua vertente
neoliberal);
• A cultura do bem estar e a grave carência de uma orientação antropológica
que reduz o ser humano apenas a uma das suas necessidades: o consumo;
• As estruturas sociais injustas, na qual o indivíduo não pode esperar um futuro
melhor.
24 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
PORQUE O TRÁFICO HUMANO
E O TRABALHO ESCRAVO SÃO
ATENTADOS CONTRA
A DIGNIDADE HUMANA?
O tráco humano e o trabalho escravo são atentados contra a
dignidade humana porque esses crimes:
• desguram e violam a grandeza de lhos (as) criados (as) à "imagem
e semelhança de Deus" cf. (Genesis 1,26);
• sujeitam as vítimas a condições degradantes;
• cerceiam a liberdade daqueles que foram resgatados por Cristo;
• tiram das vítimas o direito de estar livres (de ir e vir, de permanecer
e car, de exercer sua personalidade, sua aptidão legal etc.);
• desrespeitam o que cada pessoa é: ser livre, responsável por suas
decisões, possuidor de um valor único enquanto corpo, espírito e
alma. Eis o que ensina o Catecismo da Igreja Católica: "O sétimo
mandamento (Não roubarás) proíbe os atos ou empreendimentos
que, por qualquer razão que seja; egoísta ou ideológica, mercantil ou
totalitária, leva a escravizar seres humanos, a desconhecer sua
dignidade pessoal, a comprá-los, a vendê-los e a trocá-los como
mercadoria".
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 25
PRINCIPAIS CAUSAS DO
TRÁFICO HUMANO, HOJE
O Tráco humano comercializa pessoas como se fossem mercadorias.
A compra e venda de seres humanos não é apenas mais um dano colateral do
sistema econômico atual. Seus mecanismos perversos escondem verdadeiras
formas de idolatria: dinheiro, ideologia e tecnologia.
O tráco de pessoas não possui uma causa única. Ele é fruto de uma
série de fatores. No entanto, as principais causas são:
• O Dinheiro - Os tracantes que vendem pessoas e aqueles que de
alguma forma colaboram com o tráco visam o enriquecimento, ou seja,
negociam pessoas para obter bens materiais. Estes criminosos agem
como Judas cf. (Marcos 14,10-11; Mateus 26,14-16. 27,1);
• O Prazer - Abusam de pessoas visando à satisfação de desejos, como
os sexuais;
• O Poder – Instrumentalizam pessoas
fazendo delas "degraus" para subirem
na escala social (exemplo: pessoas
que escravizam pessoas para
trabalho braçal ou pessoas que
transformam crianças em
soldados mirins).
Na maioria dos casos, as três
causas se entrelaçam.
26 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
QUEM SÃO AS VÍTIMAS
DO TRÁFICO HUMANO?
As vítimas do tráco humano são irmãos nossos sacricados em nome
do capital e da vantagem nanceira. De forma escondida e às vezes muito perto
de nós:
• Crianças são compradas, vendidas ou raptadas para as adoções ilegais,
para a mendicância, para o comércio de drogas e para os furtos;
• Adolescentes e jovens são iludidos com a promessa de uma vida
fácil no exterior;
• Homens e mulheres são obrigados a realizar trabalhos forçados,
são explorados sexualmente, são tracados para a remoção e o
comércio de órgãos;
• Homossexuais são explorados sexualmente;
• Migrantes temporários vindos das regiões mais empobrecidas do
país são aliciados e enganados.
As vítimas do tráco humano vivem onde as oportunidades de
melhorar a própria condição de vida, ou simplesmente de sobreviver são
escassas. Enganadas, elas são arrancadas violentamente de suas terras, são
conduzidas à exploração em locais distantes e assim, entram por um caminho
que, na maioria das vezes, não têm volta.
Muitas vítimas do tráco humano têm diculdade de se perceberem
como vítimas, pois o aliciador, na maioria dos casos, é socialmente próximo a
elas.
Em muitos casos, o tráco humano age junto a pessoas próximas das
vítimas tracadas, com ameaças ou represálias. Essas pessoas são chamadas
vítimas indiretas. Frente à opressão, muitas delas acabam perdendo a fé e a
capacidade de reagir.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 27
PERFIL DAS VÍTIMAS DO
TRÁFICO HUMANO
A maioria das pessoas tracadas:
• é mulher na faixa etária entre 10 e 29 anos, havendo uma maior
incidência de vítimas (cerca de 25%) na faixa etária de 10 a 19 anos,
de baixa escolaridade e solteiras, cuja zona de residência, em 75% dos
casos, é urbana.
• é pobre ou está em situação de grande vulnerabilidade. Essa
condição facilita o aliciamento com enganosas promessas de vida mais
digna.
• alimenta o sonho de melhorar de vida, ganhar independência
nanceira e poder ajudar a família.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) arma que 9,1 milhão
(44%) das vítimas são aliciadas ao migrarem, seja quando se deslocam para
outras localidades dentro do próprio país ou quando migram para
outros países. Os migrantes estão entre os mais vulneráveis às
seduções e pressões do tráco.
Os tracantes se aproveitam da
vulnerabilidade econômica e
social de muitas pessoas em
processo de migração para
aliciá-las. Há exemplo do
bom samaritano, todo cristão
deve se colocar ao lado das
vítimas para reerguê-las e curá-las.
Elas devem ser libertadas, acolhidas e
reintegradas nas famílias e na sociedade.
28 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
O CONSENTIMENTO É
IMPORTANTE PARA CONSIDERAR
ALGUÉM EM SITUAÇÃO DE
TRÁFICO HUMANO?
• Não. "O consentimento da pessoa em uma situação de tráco
humano, não diminui a caracterização de crime. Mesmo na situação onde a
vítima sabe da exploração que sofrerá, existe o crime e a vítima é protegida por
lei. Considera-se que nessa situação, o consentimento não é legítimo, porque
fere a autonomia e a dignidade inerentes a todo ser humano.
• Na Política Nacional "o consentimento dado pela vítima é
irrelevante para a conguração do tráco de pessoas" (§7º do art.2º).
Portanto, o crime se congura mesmo que tenha havido o
consentimento da vítima maior de 18 anos, ou seja, caso
se constatem os meios caracterizadores desse crime
(ameaça, uso da força e outras formas de coação,
rapto, engano, abuso de autoridade, situação de
vulnerabilidade, aceitação de pagamentos ou
benefícios para obter o consentimento
de uma pessoa que tenha autoridade
sobre a outra) e situação de
exploração de pessoas, o
consentimento da vítima em
questão deixa de ser importante
para a armação do delito de tráco
humano. Ou seja, os tracados,
devem ser vistos, invariavelmente, na
condição de vítimas, sendo, por isso,
amparados pelos direitos humanos.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 29
COMO AS PESSOAS TRAFICADAS
SÃO TRATADAS?
As vítimas do tráco humano são tratadas como:
• objetos de prazer a disposição para a exploração, ou seja, elas são
consideradas simples instrumentos de ganho ou fonte de lucro. As vítimas são
ameaçadas, são levadas para lugares distantes da terra de origem, são obrigadas
a viverem isoladas em alojamentos insalubres, em condições desumanas, com
precária higiene, alimentação escassa e dívidas intermináveis. Elas são violentadas física, psicológica, moral e sexualmente. Também são
obrigadas a realizar atividades contra a própria
vontade, sofrem humilhações e vexações de todo
tipo. Elas têm seus objetos pessoais, documentos
e passaportes retidos e muitas são mortas caso
não trabalhem e produzam o tanto desejado
pelos tracantes.
• simples mercadoria que pode ser
comprada, vendida, trocada e transportada. As vítimas são enganadas a respeito
das suas atividades futuras. Elas são exploradas,
violentadas, tiradas do convívio dos seus, são
ameaçadas e submetidas a toda espécie de
exploração e sofrimento. Muitas delas, são
obrigadas a usar drogas lícitas e\ou ilícitas;
são submetidas a cárcere, são impedidas
de retornar a terra de origem e, na maioria
dos casos, até de sair do local em que são
exploradas. Milhares acabam em situações
semelhantes à escravidão ou à servidão, das
quais é muito difícil sair.
30 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
POR QUE MUITAS VÍTIMAS
NÃO DENUNCIAM?
A baixa incidência de denúncias diculta o enfrentamento deste crime.
A Secretaria Nacional de Direitos Humanos diz: "Nós precisamos conscientizar
a sociedade brasileira de que as informações tem que chegar ao Poder Público
porque sem essas informações, não temos como abrir inquérito, não temos
como investigar, não temos como punir aqueles que praticam esse tipo de
violência contra seres humanos". Fonte: (Texto base CF 2014 – pg. 37).
Muitas vítimas não denunciam:
• por falta de consciência da exploração a que são submetidas;
• por vergonha de expor o que passaram;
• pelo medo das violentas represálias que podem atingir até seus
familiares;
• por falta de informações.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 31
QUEM SÃO OS
TRAFICANTES DE PESSOAS?
Não é fácil identicar os tracantes de pessoas.
Geralmente, eles estão bem próximos das vítimas. Os
aliciadores, na maioria das vezes, são pessoas que
fazem parte do círculo de amizade da vítima ou de
membros da família. São pessoas com as quais as
vítimas tem laços afetivos.
Normalmente apresentam bom nível de
escolaridade, são sedutores e têm alto poder de
convencimento. Alguns são empresários que trabalham
ou se dizem proprietários de casas de show, bares, falsas
agências de encontros, matrimônios e modelos.
Diante da sociedade, os tracantes de pessoas
são irmãos que vendem irmãos, (cf. Gn.37,28), pois
pertencemos todos à mesma família humana. Diante da
lei, os tracantes de pessoas são criminosos, e, diante
de Deus, são lhos que escravizam pessoas da própria
família, e ferem tanto a humanidade quanto a Deus.
“Rifaram o meu povo, deram meninos para
pagar prostitutas, deram meninas em troca
de vinho para se embriagarem”. (Joel 4,3)
32 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
Hoje podemos denir os tracantes de pessoas como os "novos
faraós", que sem dó e sem piedade capturam, massacram e escravizam homens,
mulheres, homossexuais, adolescentes, jovens e crianças. Para os tracantes de
pessoas é inútil perguntar: "onde está o teu irmão?" pois, a eles o irmão só
interessa enquanto fonte de lucro. Para eles o próximo é apenas uma moeda de
troca, uma mercadoria.
Segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráco de
pessoas, esse crime conta com uma rede criminosa extensa, que envolve
taxistas, barraqueiros, donos de hotéis e pousadas, de bares, de boates, de
bordéis e casas de shows, de agências de emprego e de viagem e até mesmo
autoridades e agentes públicos, como policiais, delegados e políticos. Ou seja, o
tráco humano conta com a conivência de pessoas inuentes, em importantes
postos privados e públicos e está atrelado a outros crimes (narcotráco, tráco
de armas etc). No entanto, poucas são as condenações e muitas vítimas
acabam não sendo identicadas.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 33
TRÁFICO HUMANO:
UM PROBLEMA SOCIAL
E ECLESIAL!
O tráco humano é um problema complexo que envolve não só as
autoridades governamentais mais toda a sociedade. É um problema social e
eclesial, um desao pastoral. É também uma questão de fé, na qual o Deus de
Jesus Cristo anunciado e confessado pela Igreja se manifesta impotente e
ofendido. Por isso, é preciso dar passos concretos. Primeiro, é necessário de
maneira objetiva realizar o enfrentamento da questão. Para isso, é necessário
um esforço bem articulado e coordenado em nível local, nacional, internacional
e regional. Segundo, não podemos confundir prostituição com tráco sexual, ou
ainda confundir tráco de seres humanos e migração, pois estas são realidades
distintas. Como exemplo, podemos citar o equívoco no debate público que
trata o “turismo sexual” quase sempre vinculado à prostituição e à exploração
sexual de crianças por estrangeiros.
No caso do tráco humano precisamos ainda:
• reduzir as situações de risco;
• punir os responsáveis por tais atos desumanos;
• integrar as redes políticas com as redes de proteção às vítimas;
• denunciar todas as redes articuladas ao redor desse crime, o que
nem sempre é fácil, por envolver pessoas poderosas e violentas;
• enfrentar o problema com determinação e coragem;
• organizar políticas públicas que favoreçam a inclusão do ser
humano;
• ser solidário com as vítimas.
• sensibilizar toda a sociedade.
34 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
O QUE DIZEM AS
IGREJAS CRISTÃS
SOBRE TRÁFICO HUMANO?
"O comércio de seres humanos
constitui uma chocante ofensa contra
a dignidade humana e uma grave
violação dos direitos humanos
fundamentais".
(Papa João Paulo II)
"O tráco de pessoas traz consigo
comportamentos e ações
perpetuadoras da exploração de
grupos minoritários e como
consequência, traz o fomento da
indignidade humana"
(IECLB - Igreja Evangélica de
Conssão Luterana no Brasil)
"O tráco de seres humanos por
motivos sexuais, para transplante de
órgãos, para a exploração de
menores, ou seu abandono nas mãos
de pessoas sem escrúpulos, o abuso,
a tortura, se comprovam,
infelizmente, em muitos contextos
turísticos".
(Papa Bento XVI)
"Muitas pessoas são compradas e
vendidas como mercadorias. A
dignidade inerente a elas é
degradada por criminosos
inescrupulosos que enchem seus
bolsos com o tráco e a exploração".
(Cardeal Turks)
“Insisto que o tráco de pessoas é
uma atividade ignóbil (desprezível),
uma vergonha para as nossas
sociedades, que se dizem civilizadas!
Exploradores e clientes de todos os
níveis deveriam fazer um exame sério
de consciência diante de si mesmo e
perante Deus.
“A escravidão é uma decorrência da
insaciável e inescrupulosa hegemonia
do lucro. Comprar, vender, roubar
vidas humanas é comércio natural
para quem faz da ganância razão da
própria vida desumana".
(Papa Francisco 24-05- 2013)
(Dom Pedro Casaldáliga)
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 35
O QUE DIZ A
JUSTIÇA BRASILEIRA SOBRE
TRÁFICO HUMANO HOJE?
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao tratar desse crime, o
apresenta da seguinte forma:
"- o ato: ação de captar, transportar, deslocar, acolher ou receber pessoas
as quais serão usadas para exploração econômica, como objetos
/recursos.
- os meios: ameaça ou uso de força, coação, rapto, fraude ardil, abuso de
poder ou de uma situação de vulnerabilidade, ou a concessão de
benefícios pagos em troca do controle da vida da vítima.
- o objetivo: para ns de exploração que inclui prostituição, exploração
sexual, trabalhos forçados, escravidão, retirada de órgãos e práticas
semelhantes."
Fonte: www.cnj.jus.br
Desde o ano de 2012, o Conselho Nacional
de Justiça - (CNJ), vem coordenando e realizando o
enfrentamento ao Tráco de pessoas. Por intermédio
da resolução nº 197, o CNJ criou o Fórum Nacional do
Poder Judiciário que visa realizar o monitoramento das
demandas relacionadas a esse tema. Existe também
um projeto de Lei (PL) de nº 7.370 de 2014,
instalado na Câmara dos Deputados, o qual diz
respeito à prevenção, à repressão ao tráco
interno e internacional de pessoas e às medidas de
atenção às vítimas. Além deste projeto existem
também na legislação brasileira, relatos espalhados em várias direções acerca desse tema,
distribuídos dentro do Código Penal e do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
36 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA
SOBRE TRABALHO ESCRAVO?
O artigo 149 do Código Penal Brasileiro foi alterado pela Lei 10.803, de
dezembro de 2003. Esse artigo trata da situação que reduz: "alguém à condição
análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou à jornada
exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída
com o empregador ou preposto.
É crime também com a mesma pena: impedir o trabalhador de usar
qualquer meio de transporte, a m de retê-lo no local, manter vigilância
ostensiva no local de trabalho ou se apoderar de documentos ou objetos
pessoais do trabalhador, com o m de retê-lo no local de trabalho.
A pena para esse crime é reclusão de 2 a 8 anos de detenção e multa,
além da pena correspondente à violência para quem se utiliza dessa prática.
Em Dezembro de 1998 foi aprovada a Lei 9.777, que acrescentou o
parágrafo único aos artigos 132, 203 e 207 do Código Penal Brasileiro, que
compõem a chamada "cesta de crimes" relacionados ao trabalho escravo
(exposição da vida ou a saúde das pessoas a perigo direto e iminente; frustrar
direito assegurado pela Legislação Trabalhista e alterar artigos mediante fraude
ou violência; aliciar trabalhadores e conduzi-los de uma para outra localidade
mediante fraude).
O artigo 207 do Código Penal estabelece pena de 1 a 3 anos de
detenção e multa para quem "alicia trabalhadores, com o m de levá-los de uma
para outra localidade do Território Nacional".
Já, o artigo 462 da Consolidação das Leis do trabalho (CLT) proíbe o
empregador de manter o empregado no trabalho em servidão por dívida. Ou
seja, o desconto no salário do empregado só é permitido quando resultar de
adiantamento ou estiver previsto em lei e/ou contrato coletivo, o restante dos
descontos são vedados.
Fonte: www.planalto.gov.br.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 37
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA
SOBRE TRÁFICO HUMANO?
• Segundo a lei brasileira, constitui tráco internacional de pessoas
“promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele
venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída
de alguém que vá exercê-lo no estrangeiro” (art.231 do Código Penal).
• A legislação brasileira só especica como crime de tráco de pessoas
aquele praticado para ns de exploração sexual. No Brasil, o crime se caracteriza
ainda que haja consentimento da pessoa que vai exercer a prostituição. Ou seja,
aqui, a pessoa é considerada vítima. Nos países da Europa, a pessoa é considerada migrante irregular, sem qualquer direito.
• No Brasil, há também a proposta elaborada pela Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráco de pessoas, que inclui na lista de
crimes adoção ilegal, trabalho escravo e remoção de órgãos, envolvendo quem
agenciar, aliciar, recrutar, transferir, alojar ou acolher pessoa mediante grave
ameaça, violência, coação, fraude ou abuso com nalidade de exploração de
pessoas.
• No Brasil, o crime do tráco de pessoas passou por diversas
alterações legislativas. No entanto, a legislação brasileira permanece insuciente
para contemplar as distintas modalidades previstas. A legislação brasileira é fraca,
ou seja, ela não é suciente para combater o tráco humano, e os instrumentos
legais que balizam a atuação do sistema de justiça criminal são insucientes para a
responsabilização e persecução penal dos perpetuadores que agridem e violam
os direitos humanos. Ou seja, ainda convivemos com o distanciamento entre o
que compreende a questão do tráco de pessoas e a perspectiva criminal que o
caracteriza. Além disso, no Brasil, a pena mínima pode ser cumprida em
liberdade e a legislação penal ainda não está totalmente adequada ao que prevê
o Protocolo de Palermo.
38 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
O QUE É A
CONVENÇÃO DE PALERMO
A Convenção de Palermo ou “Protocolo de Palermo” (Protocolo
Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráco de Pessoas,
em Especial Mulheres e Crianças) é o principal instrumento global de combate
ao Crime Internacional. Foi adotada pela ONU em 15 de Dezembro do ano
2000, e, passou a vigorar no plano internacional em 29 de setembro de 2003.
Foi raticado pelo Brasil por meio do Decreto Nº 5.017, de 12 de março de
2004.
Um dos principais objetivos do Protocolo de Palermo é proteger e
ajudar as vítimas de tráco, respeitando plenamente os seus direitos humanos.
E, na condição de referência internacional, estimula os países a adequarem seu
aparato jurídico, como a implantarem as necessárias políticas públicas que
combatem ou inibem esta atividade criminosa.
O Protocolo ainda propõe combinar a prevenção e a proteção, a
assistência às vítimas e a perseguição e punição aos criminosos. E, na condição
de referência internacional, estimula os países a adequarem seu aparato jurídico
e a implantarem as necessárias políticas públicas que combatem ou inibem esta
atividade criminosa.
A convenção é complementada pelos protocolos que abordam áreas
especícas: prevenção, repressão e punição do tráco de pessoas; combate ao
tráco de migrantes por via terrestre, marítima e aérea e contra a fabricação e o
tráco ilícito de armas de fogo.
Os Estados membros que raticaram esse documento se comprometeram a adotar uma série de medidas contra o crime organizado
transnacional. A convenção prevê ainda que, os governos adotem medidas para
facilitar processos de extradição, assistência legal mútua e cooperação policial.
Três protocolos foram raticados pelo Brasil, tendo sido os dois
primeiros promulgados pelos Decretos Presidenciais, respectivamente, nº
5.017 e nº 5.016, de 12 de Março e 2004.
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 39
POLÍTICA NACIONAL DE
ENFRENTAMENTO AO
TRÁFICO HUMANO
Capítulo 1
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º- A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráco de Pessoas tem por
nalidade estabelecer princípios, diretrizes e ações de prevenção e repressão ao
tráco de pessoas e de atenção às vítimas, conforme as normas e instrumentos
nacionais e internacionais de direitos humanos e legislação pátria.
Art. 2º- Para os efeitos desta política, adota-se a expressão "tráco de pessoas"
conforme o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o
Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do
Tráco de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, que a dene como o
recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de
pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao
rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para
obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para
ns de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou
serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a
remoção de órgãos".
Fonte: (Texto Base da CF 2014).
O objetivo da Política Nacional de Enfrentamento ao tráco humano
não é substituir estruturas, sistemas e procedimentos existentes, mas fazê-los
capazes de proteger e assistir as vítimas, responsabilizar formalmente os
perpetradores e seus colaboradores diretos e indiretos e promover maior
consciência preventiva sobre o crime junto às diferentes opiniões públicas.
40 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
O QUE FAZER PARA EVITAR
A PROLIFERAÇÃO DOS CRIMES
DE ESCRAVIDÃO
E O TRÁFICO HUMANO?
Para combater a proliferação desses males é preciso um rme
compromisso de todos, visto que esse enfrentamento requer uma ação efetiva
e eciente, articulada entre diferentes agentes e diferentes políticas públicas. É
necessário que haja a cooperação entre os países em áreas múltiplas, como a
criminal, jurídica, tecnológica, econômica e de meios de comunicação.
Para erradicar ou atenuar o problema do trabalho escravo contemporâneo é necessário também promover uma mudança estrutural e realizar
alterações no modo de produção e na sua forma de expansão. Também urge
uma ação determinada e rme das autoridades competentes para coibir e punir
os que tracam, para denunciar, informar e educar, para assistir e proteger as
vítimas, e acima de tudo, para criar políticas públicas voltadas para a superação
das causas geradoras e sustentadoras desta iníqua realidade. Além disso, é
necessário também:
• superar a indiferença e a alienação em relação a esta realidadeclamor;
• atuar na prevenção e na assistência às vítimas, bem como na
incidência de políticas públicas, de modo a integrar iniciativas de caráter
regional e local mais ecazes;
• educar e conscientizar as pessoas;
• denunciar os autores (em muitos lugares, o trabalho escravo e o
tráco de pessoas existem, mas não são denunciados);
• combater as organizações criminosas (os governos não
conseguem impedir que as pessoas sejam enganadas pelos tracantes.
Contudo, eles têm o dever de combater esses crimes e a
responsabilidade de libertar os que foram escravizados, visto que, a
segurança e a integridade das pessoas são um direito das famílias e
uma obrigação do Estado);
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 41
• apoiar as pastorais, as instituições, os movimentos sociais e os
organismos que estão comprometidos com essa causa;
• promover uma sociedade que respeite as diferenças, combatendo o
preconceito e a discriminação nas mais diversas esferas;
• "educar a população de uma maneira autêntica especialmente os mais
vulneráveis. A conversão dos corações também é essencial neste processo. É
necessário também combater a pobreza, as condições degradantes de vida e o
subdesenvolvimento". (Cardeal Turkson);
• exigir do Estado brasileiro que efetive o que está proposto no III Plano
Nacional dos Direitos Humanos;
• cobrar do Estado, a efetividade das políticas públicas (saúde, educação,
desenvolvimento social, moradia, reforma agrária e urbana) e dos planos de
ação, nas diversas esferas do poder público;
• utilizar a imensa rede de éis das Igrejas cristãs, no território nacional e
internacional, para divulgar o problema. É necessário que as pessoas
conheçam o trabalho da Pastoral da Mobilidade humana, lançado em 2010,
pela CNBB.
"... Suplicamos expressamente,
nunca digam: isso é natural! Pois
em tempo de desordem
sangrenta, de confusão
organizada, de arbitrariedade
consciente, de humanidade
desumanizada, nada deve
parecer natural. Nunca digam:
isso é natural, am de que nada
passe por ser imutável!"
(Bertolt Brecht)
42 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
COMO PODEMOS DENUNCIAR OS
CASOS DE TRÁFICO HUMANO?
A inexpressividade das denuncias sobre a ocorrência de tráco humano
explica por que as estatísticas disponíveis são muito reduzidas quantitativamente, frente ao universo das atividades do tráco humano.
No Brasil, alguns órgãos do governo disponibilizam meios para receber
denúncias e encaminhá-las à rede de atendimento. Os canais gerais de denuncia
são:
Disque 100 – (Disque Denuncia Nacional) é um serviço disponível para todo o
Brasil. A discagem é direta e gratuita. Atende das 8 às 22h. A identidade do
denunciante é mantida em sigilo pelo Ministério da Justiça;
Ligue 180 – (Centro de atendimento à mulher) esse serviço recebe denuncias,
orienta e encaminha para os órgãos competentes os casos de tráco de pessoas
e de cárcere privado. Também orienta nos casos de violência contra a mulher.
Este serviço pode ser acessado no exterior através dos consulados e
embaixadas, mas ainda está restrito a Portugal, Espanha e Itália;
Departamento da Polícia Federal – Diretoria de Investigação e Combate ao
Crime Organizado (DICOR) Coordenação Geral de Defesa Institucional
(CGDI) Divisão Direitos Humanos (DDH). Este departamento da Polícia
Federal é um importante canal de denuncias e principal ator da repressão contra
o tráco internacional de pessoas. É a única divisão da Polícia Federal que atua
com crimes em que as vítimas são pessoas e não instituições federais.
Endereço: Chefe da Divisão de Direitos Humanos – DDH/CGDI
E-mail: [email protected] ou pelo Fone: (61) 2024-8705
e-mail: [email protected]
e-mail: [email protected]
Ligue 194 – da Polícia Federal do Estado de Minas Gerais
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 43
DATAS
SIGNIFICATIVAS
28
08
01
JANEIRO
MARÇO
MAIO
Dia Nacional de Combate
ao Trabalho escravo
Dia Internacional
da mulher
Dia do/a
trabalhador/a
18
04
21
MAIO
JUNHO
SETEMBRO
Dia Nacional de
Enfrentamento ao Abuso
e exploração Sexual
de crianças e Adolescentes
Dia Mundial das
Crianças vítimas
de agressão
Dia Internacional
da paz
23
27
20
SETEMBRO
SETEMBRO
NOVEMBRO
Dia Internacional
contra a Exploração
Sexual e o tráco de
mulheres e crianças
Dia Internacional de
Combate ao tráco
de pessoas
Dia Nacional da
Consciência Negra
10
DEZEMBRO
Dia Universal dos Direitos Humanos
44 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
CONCLUSÃO
Como atuar para minorar essa terrível realidade?
O que fazer para evitar o crescimento dos crimes de escravidão e o
tráco de pessoas? Por onde começar? Sabemos que questões como a
moralidade, a inuência religiosa e a sobreposição do homem sobre a mulher
prejudicaram o desenvolvimento de estudos e medidas nacionais e
internacionais realmente ecazes que contemplem todo o panorama
relacionado à problemática do tráco humano em todos os seus reais aspectos,
causas e efeitos. No entanto, esses são problemas que necessitam de
providências urgentes e de mecanismos legais que permitam um combate mais
efetivo.
Cada pessoa tem a missão de libertar-se e de libertar os irmãos de toda
e qualquer escravidão. Enquanto cristãos e pessoas de boa vontade, somos
desaados a nos comprometer com o processo de erradicação desses males.
Ou melhor, temos que agir para que a sociedade se estruture em termos de
prevenção e conscientização, de denuncia, de reinserção social e de incidência
política, como eixos integrantes do processo de enfrentamento ao tráco
humano e ao trabalho escravo.
Portanto, nossa fé deve orientar nossas ações, pois hoje o sangue, o
suor, e as lágrimas de tantos agredidos por esses crimes, também clamam a
Deus. E nós, o que vamos fazer? Vamos car parados e indiferentes ou vamos
fazer algo para mudar essa realidade? Lembremos que, não podemos ignorar a
sorte e o destino de tantas pessoas escravizadas, abusadas e exploradas. Entre
outras atitudes, podemos:
• Interessar pelo assunto, buscando informações que tratam desse
tema;
• Aprender a identicar os casos de tráco humano e de trabalho
escravo;
• Participar de pastorais, de movimentos e de grupos que
defendem e promovem a dignidade humana;
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 45
• Promover uma educação fora dos horizontes neoliberais;
• Prestar assistência e ajuda às vítimas e aos familiares das vítimas,
colaborando para a restauração da vida e da dignidade das pessoas
que passaram por essa dolorosa tortura;
• Motivar as famílias a permanecerem unidas;
• Promover o progresso espiritual e humano de todos;
• Combater a miséria e lutar contra a injustiça social;
No Brasil, a Igreja Católica delineou três caminhos de ações principais,
começando pela prevenção, cuidado pastoral das vítimas e a sua proteção e
reintegração na sociedade.
“O que vale não é mais
ser judeu nem grego,
nem escravo nem livre,
nem homem nem mulher,
pois todos vós sois um só,
em Jesus Cristo”.
Cf. (Gl. 3,28)
46 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
ORAÇÃO DA
CF 2014
"Ó Deus, sempre ouvis o clamor do vosso povo e vos compadeceis
dos oprimidos e escravizados. Fazei que experimentem a libertação da cruz e a
ressurreição de Cristo. Nós vos pedimos pelos que sofrem o agelo do tráco
humano.
Convertei-nos pela força do vosso espírito, e tornai-nos sensíveis às
dores destes nossos irmãos. Comprometidos na superação deste mal, vivamos
como vossos lhos e lhas, na liberdade e na paz.
Por Cristo nosso Senhor. Amém!"
,1)
(Gl 5
Cartilha «Onde está o teu irmão?» | 47
BIBLIOGRAFIA
•Texto Base da Campanha da Fraternidade - 2014 – CNBB
•www.revistaproblemasbrasileiros.com.br
•Catecismo da Igreja Católica
•Revista Família Cristã nº 937
•ww.brasil.gov.br
•www.sedh.gov.br
•www.desaparecidosdobrasil.org
•www.cnbb.org.br
•www.onu.org.br
•www.dhnet.org.br/
•www.brasildefato.com.br
•www.oit.org.br
•ww.reporterbrasil.org.br
•www.portal.mj.gov.br
•www.cnj.jus.br
•www.trabalhoescravo.org.br
•www.mpt.gov.br
•www.mj.gov.br
•www.cptnacional.org.br
•www.elodafe.com.br
•www.fc.org.br
•NOGUEIRA, Christiane V. & NOVAES, Marina. BIGNAMI, Renato. (orgs) Tráco
humano - reexões para a compreensão do trabalho escravo contemporâneo. São
Paulo. Editora Paulinas. 2014.
48 | Movimento Ecumênico • Um grito pela paz
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