Conselho Editorial: Profª Ms Gláucia Cristina Negreiros da
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Conselho Editorial: Profª Ms Gláucia Cristina Negreiros da Silva Fonseca Profª Ms Jessy Marly Venússia Profª Ms Maria de Lourdes Seba Roder Marina Germano Arruda Diretora Presidente Edu Arruda Júnior Diretor Geral Editora Responsável Gláucia Cristina Negreiros da Silva Fonseca Organização Maria de Lourdes Seba Roder Maria Aparecida Mendes Borges Ideraldo Bonafé Diretor Acadêmico Jacy Vanderley de Abreu Diretor Financeiro Nicanor Alves de Brito Diretor Administrativo Revisão Textual Maria de Lourdes Seba Roder Coordenações de Curso Gláucia Cristina Negreiros da Silva Fonseca Pedagogia Formatação Profª Ms Jessy Marly Venússia E-mail [email protected] Maria de Lourdes Seba Roder Letras Adail José da Silva Ciências Contábeis Ernesto Borba Administração e Seqüenciais As revistas são um dos principais “cartões de visitas” das instituições acadêmicas. É através delas que se pode distinguir o perfil pedagógico e sócio-cultural que as academias têm. Claro que isso é muito mais complexo e amplo e envolve outras esferas que PREFÁCIO não cabem ser tratadas aqui, mas a produção de uma revista ou Mário Cezar Silva Leite 1 periódico demonstra bem a vocação da instituição. Marca claramente a vocação acadêmica, didático-pedagógica da instituição. Por outro Há várias formas de se prefaciar ou apresentar um novo número de uma Revista. Todas válidas e, de certo modo, adequadas. O fato de não haver uma receita pronta liberta mais, mas também responsabiliza mais. Minha opção aqui, como prefaciador, lado, poucos sabem a dificuldade enfrentada por aqueles ou aqueles que se propõem a realizar tal tarefa. Sísifo é uma boa imagem de referência nesse caso. Mas não ser fácil aumenta a honra, o prazer e a vitória. Como diria Paulo Freire: apresentador, convidado – o que implica dizer, sem relação direta com a produção dessa Revista –, é colocar-me como alguém que já A Educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem /.../. É fundamental, /.../, partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. (FREIRE, 2003, pp.104/47) vivenciou em seus múltiplos ângulos a produção de um Periódico. Como idealizador, como organizador, como editor, como autor, como consultor. Quem circula por determinadas instâncias das academias, das Essa idéia de Paulo Freire, sem grandes desdobramentos universidades, sabe, ou pelo menos deve imaginar a importância que aqui, é fundamental porque coloca-nos diante daquilo que é se não a a produção e publicação de um periódico tem para os cursos, os essência do trabalho em educação – amor, coragem e “estar com o departamentos, as faculdades, os professores, os alunos e, mundo” – é fundamentalmente, para a instituição e a comunidade como um todo. empenhados e comprometidos quer num sentido político mais 1 engajado quer no sentido mais dinâmico do envolvimento e Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Professor do Instituto de Linguagens da UFMT,. Escritor e ensaísta. sua mola propulsora. É o que move educadores comprometimento com a educação e o ensino. E até que ponto só isso já não demonstra um grande “engajamento político.”? que vejo, quando há a seqüência de um periódico como a Revista Preocupar-se, refletir e produzir (fundamentalmente, este último) Educação e Linguagem. Uma comunidade que se conhece, para que determinados quadros educacionais incipientes ou reconhece, que partilha e compartilha sonhos, projetos, trabalhos. deficitários se modifiquem e se transformem é a prova de uma ação Um periódico acadêmico é efetivamente um elo, um elemento de de “estar com o mundo”. Já sabemos que as infindáveis fases de congregação de uma comunidade. Conecta a comunidade consigo discursos, recheados de chavões e estereótipos, encerram-se em si mesma à medida em que traz à luz pesquisas e trabalhos mesmas e pouco ou nada acrescentam onde quer que seja. A prática desenvolvidos por seus membros – move, desloca, equaciona, indica erros e acertos, gera movimento. pesquisas e trabalhos e estimula essas mesmas num processo importantíssimo de retro- A vida contemporânea lança-nos na sensação de que tempos e alimentação – e conecta a comunidade com outras comunidades espaços se diluíram, que tudo pode ser vivido por muitos meios e afins e com o todo da malha cultural e social. O movimento se que não precisamos mais pertencer a um determinado lugar e a um configura entre os fluxos internos e externos. determinado tempo. Ledo engano! Quanto mais o mundo se Desse modo, minha honra, como apresentador, se amplia na globaliza e se amplia mais sentimos necessidade de pertencermos a medida em que sei, e disse um pouco acima, das dificuldades para um grupo, de fazermos parte de uma comunidade um pouco mais mais essa realização. Esse novo número da Educação e Linguagem restrita que reconheçamos como nossa e que nos reconheça. A idéia deve ser recebido com “toda pompa e circunstância”, deve ser da pertença, o pertencimento, o reconhecimento tem sido o grande perspectivado na importância que tem como instrumento de empenho de todos aqueles que se negam a sumir no anonimato e que produção e inserção educacional. Desse modo, minha honra, como estão “com o mundo”. Ainda que já tenhamos a clara consciência de apresentador, se amplia não porque sei das dificuldades, mas porque que as identidades e as pertenças são “invenções” nossas e que é esse novo número – com artigos que se espraiam desde a reflexão muito perigoso e arriscado pensarmos em núcleos identitários sobre marcadores discursivos no/do falar cuiabano, análise das rígidos e fixos (o que é impossível de se estabelecer) é preciso pelo marcas e implicações do Movimento da Matemática Moderna menos balizar elos de relações e conexões entre os grupos até (MMM) nas práticas escolares, sobre a obra de Nelida Piñon, até a mesmo para que eles se estabeleçam como grupos distintos. E é isto prática da supervisão escolar, entre outros – revela, essencialmente, a superação das dificuldades. Revela o compromisso com a educação. Revela o “estar com o mundo” para que ele seja diferente e melhor. SUMÁRIO Junho de 2008. Mário Cezar Silva Leite. PREFÁCIO Mário Cezar Silva Leite EDUCAÇÃO ESCOLAR E SEXUALIDADE FIGUEIREDO,Lilia Márcia de Souza ZANZARINI, Maria Pinheiro FERRO, Sônia Maria Pinheiro A LINGUAGEM E OS CONFLITOS SUBJETIVOS ANJOS,Degmar dos Referências Bibliográficas - FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2003. PORTADORES DE SÍNDROME DE DOWN: AS EXPERIÊNCIAS DE LETRAMENTO NA APAE COENGA, Rosemar BRAZ,Ana Paula SOUZA, Iolanda Aparecida de REIS, Klimair Roberto dos PIMENTA, Osânea Nunes AVALIAÇÃO DA GRADUAÇÃO: A HORA DA REFLEXÃO INTERNA FONSECA, Gláucia Cristina Negreiros Silva AS TICs E A APRENDIZAGEM COLABORATIVA VASCONCELOS,, Maria Auxiliadora Marques Alonso,Kátia Morosov LER POR PRAZER: PERSPECTIVAS PARA A LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA COENGA,Rosemar MARCADORES CONVERSACIONAIS/ DISCURSIVOS NO/DO FALAR CUIABANO BORGES, Maria Aparecida Mendes TAYSA, Auda SILVA, Adna FERREIRA, Cristiane LEMES, Glaucilene SAMARY, Kerzy SOARES, Rejane Educação Escolar MARCAS E IMPLICAÇÕES DA MATEMÁTICA MODERNA NAS PRÁTICAS ESCOLARES PINTO, Neuza Bertoni NÉLIDA PIÑON: UM ENCONTRO COM ALGUÉM QUE SABE ARTIFÍCIOS DELICADOS E SUTIS RODER,, Maria de Lourdes Seba E TEORIA FREIRIANA ALMEIDA, Laura Isabel Marques Vasconcelos de CRÍTICA TEXTUAL: VARIANTES SEMÂNTICAS, SINTÁTICAS E LEXICAIS NA EDIÇÃO “USPIANA BRASIL 500 ANOS” BORGES, Maria Aparecida Mendes Sexualidade EDUCAÇÃO ESCOLAR E SEXUALIDADE convivemos. 2 FIGUEIREDO,Lilia Márcia de Souza ZANZARINI, Maria Pinheiro FERRO, Sônia Maria Pinheiro A socialização possui, naturalmente, forte teor coletivo, integrando os indivíduos em seus grupos, ajustando-os e subordinando-os ao modo de vida grupal. RESUMO Mais amplamente, para além da vida grupal, a cultura da No âmbito deste trabalho, o foco de interesse é a sexualidade na escola. Sabemos que a escola, da mesma forma que a família, é um meio social permeado por uma ideologia que reproduz valores de dominação e submissão. sociedade PALAVRAS-CHAVE: Educação; Sexualidade; Escola; Família. e Escola, por exemplo, difundem esses significados comuns à ABSTRACT sociedade, consolidando a unidade cultural. In the scope of this work, the focus of interest is the sexuality in the school. We know that the school, in the same way that the family, is a social environment permeado by an ideology that reproduces values of domination and submission. KEYWORDS : Education; Sexuality; School; Family reúne significados comuns aos diversos grupos pertencentes a ela. Os meios de comunicação, como jornal, revista, rádio, televisão, cinema e algumas instituições como o Estado, Igreja A família, a escola, a sociedade mais ampla fornecem à criança o repertório de representações da sexualidade. A sexualidade é parte integrante do ser, é algo que se aprende e exercita em sociedade. É uma construção pessoal marcada por regras sociais que vão sendo A educação sexual, teoricamente, é iniciada nas famílias. As rigorosamente cumpridas, desde cedo. crianças são educadas pelos pais, irmãos, parentes, amigos, vizinhos, outras crianças, outros adolescentes, outros adultos. Os projetos sociais, os objetivos de vida imaginados por nós resultam do sentido dado às nossas experiências sociais com nossos pais, vizinhos, professores e com todas essas diferentes pessoas com as quais Nos pátios, recreios e aulas assistimos à construção de diferentes masculinidades e suas implicações para a construção de diferentes feminilidades e contribuímos com elas. É na escola que as crianças e os jovens completam suas vivências e acabam incorporando sentimentos, idéias e ações diferenciadas, baseadas 2 Professores Mestres das Faculdades Integradas Mato-Grossenses de Ciências Sociais e Humanas, Cuiabá-MT principalmente na biologia de cada um. Discutindo abordagens relativas à educação sexual, Carneiro (1997) mostra que os saberes biologicistas e sexológicos se enredam num discurso cujo enfoque anatômico/fisiológico do corpo apresenta-o como ente desintegrado: A desconstrução corpórea desloca os referenciais simbólicos e rituais em relação à subjetividade e sexo. Este deslocamento entre subjetividade e objetividade é o mecanismo de controle que se constitui nesta fragmentação. (Carneiro, 1997:199) A ênfase na informação científica sobre sexo, escolhas e verdades pessoais (discurso sexológico); O estereótipo brasileiro de sensualidade e sedução incorporados à transgressão como via pré-valente de obtenção de poder que a ideologia do erótico vem consolidando em nossa sociedade e cultura. A eficácia dessa pauta, estimulada pela sua circulação midiática recorrente, repercute nas escolas, dificultando mais ainda a superação dos enfoques biologista e sexológico na educação sexual. Esse deslocamento produz, também, de acordo com Carneiro, um desencontro, uma não correspondência desse corpo fragmentado Muito embora já aflorem tentativas de uma abordagem com o corpo erótico e com as suas sensações e sentimentos. Essa não dialógica, estimulada correspondência concorre para a imobilização e aniquilamento do comprometidos sujeito repercutindo na suas (in)decisões, motivações, autonomia e (principalmente movimento da mulher), as escolas – apesar de com pela ação questões de movimentos relativas à sociais sexualidade esforços – não têm conseguido uma efetiva mudança paradigmática responsabilidade. superadora dos enfoques biologicistas e sexológicos. Baseando-se em Richard Parker, Carneiro caracteriza a prática Se a escola não se conscientizar da importância de seu papel educativa no Brasil pautada nos seguintes componentes culturais: O patriarcalismo como fulcro feminino/passivo e do masculino/ativo; ideológico do na construção da sexualidade, continuará como afirmam ASKEW e ROSS (1991), a ser um microcosmo do sexismo da sociedade, A inculcação de valores como casamento, monogamia, sexo procriativo pela narrativa religiosa judaico-cristã; porque nelas as oportunidades e exigências diferentes ajudam a Definições de sexualidade saudável e sexualidade doentia incorporada a partir do discurso da higiene social veiculado entre nós por influência francesa e americana no ensino e treinamento das forças armadas; somos bombardeados com inúmeras informações e mensagens que cristalizar posturas e valores vigentes na sociedade. Todos os dias impõem formas diversas de sentir e agir para homens e mulheres, em detrimento do “outro” feminino. Nas escolas, ASKEW e ROSS (1991) assinalam que as observações sobre as brincadeiras de meninos que estão envolvidos diferentes feminilidades e contribuímos com elas. É na escola que as em jogos competitivos, atividade física e uso de grande espaço, em crianças e os jovens completam suas vivências e acabam geral, atuam de forma individual e trabalham com mais incorporando sentimentos, idéias e ações diferenciadas, baseadas independência. principalmente na biologia de cada um. E o começo, para ASKEW e ROSS (1991), está na Discutindo abordagens relativas à educação sexual, Carneiro reestruturação curricular com diferentes concepções de trabalho, (1997) mostra que os saberes biologicistas e sexológicos se enredam incentivo para que igualdade de oportunidades seja garantida. Para num discurso cujo enfoque anatômico/fisiológico do corpo as autoras, uma forma é ensinar às crianças a serem conscientes do apresenta-o como ente desintegrado: sexismo que existe entre nós. pertencentes a ela. Os meios de comunicação, como jornal, revista, A desconstrução corpórea desloca os referenciais simbólicos e rituais em relação à subjetividade e sexo. Este deslocamento entre subjetividade e objetividade é o mecanismo de controle que se constitui nesta fragmentação. (Carneiro, 1997:199) rádio, televisão, cinema e algumas instituições como o Estado, Igreja Esse deslocamento produz, também, de acordo com Carneiro, e Escola, por exemplo, difundem esses significados comuns à um desencontro, uma não correspondência desse corpo fragmentado sociedade, consolidando a unidade cultural. com o corpo erótico e com as suas sensações e sentimentos. Essa não Mais amplamente, para além da vida grupal, a cultura da sociedade reúne significados comuns aos diversos grupos A família, a escola, a sociedade mais ampla fornecem à criança o repertório de representações da sexualidade. A sexualidade é parte integrante do ser, é algo que se aprende e exercita em sociedade. É uma construção pessoal marcada por regras sociais que vão sendo rigorosamente cumpridas, desde cedo. Nos pátios, recreios e aulas assistimos à construção de diferentes masculinidades e suas implicações para a construção de correspondência concorre para a imobilização e aniquilamento do sujeito repercutindo na suas (in)decisões, motivações, autonomia e responsabilidade. Baseando-se em Richard Parker, Carneiro caracteriza a prática educativa no Brasil pautada nos seguintes componentes culturais: O patriarcalismo como fulcro feminino/passivo e do masculino/ativo; ideológico do A inculcação de valores como casamento, monogamia, sexo procriativo pela narrativa religiosa judaico-cristã; Definições de sexualidade saudável e sexualidade doentia incorporada a partir do discurso da higiene social veiculado entre nós por influência francesa e americana no ensino e treinamento das forças armadas; A ênfase na informação científica sobre sexo, escolhas e verdades pessoais (discurso sexológico); O estereótipo brasileiro de sensualidade e sedução incorporados à transgressão como via pré-valente de obtenção de poder que a ideologia do erótico vem consolidando em nossa sociedade e cultura. porque nelas as oportunidades e exigências diferentes ajudam a cristalizar posturas e valores vigentes na sociedade. Todos os dias somos bombardeados com inúmeras informações e mensagens que impõem formas diversas de sentir e agir para homens e mulheres, em detrimento do “outro” feminino. Nas escolas, ASKEW e ROSS (1991) assinalam que as observações sobre as brincadeiras de meninos que estão envolvidos em jogos competitivos, atividade física e uso de grande espaço, em geral, atuam de forma individual e trabalham com mais independência. A eficácia dessa pauta, estimulada pela sua circulação E o começo, para ASKEW e ROSS (1991), está na midiática recorrente, repercute nas escolas, dificultando mais ainda a reestruturação curricular com diferentes concepções de trabalho, superação dos enfoques biologista e sexológico na educação sexual. incentivo para que igualdade de oportunidades seja garantida. Para Muito embora já aflorem tentativas de uma abordagem dialógica, estimulada comprometidos com pela ação questões de movimentos relativas à sociais sexualidade as autoras, uma forma é ensinar às crianças a serem conscientes do sexismo que existe entre nós. As adaptações curriculares previstas nos níveis de (principalmente movimento da mulher), as escolas – apesar de concretização apontam a necessidade de adequar objetivos, esforços – não têm conseguido uma efetiva mudança paradigmática conteúdos e critérios de avaliação, de forma a atender à diversidade superadora dos enfoques biologicistas e sexológicos. no plano dos indivíduos em uma sala de aula. Se a escola não se conscientizar da importância de seu papel A educação escolar deve considerar a diversidade, tendo como na construção da sexualidade, continuará como afirmam ASKEW e valor máximo o respeito às diferenças, não o elogio à desigualdade. ROSS (1991), a ser um microcosmo do sexismo da sociedade, As diferenças não são obstáculos para o cumprimento da ação educativa, podem e devem, portanto, ser fator de formação da visão burocrática de intervenção. Pretende-se que a leitura e a cidadania. discussão sejam feitas nas escolas e que treinamentos rápidos e A atenção à diversidade é um princípio comprometido com a massivos garantam a implantação. Essa pretensão reproduz uma equidade, ou seja, com o direito de todos os alunos realizarem as visão autoritária da educação, ao privilegiar os canais burocráticos aprendizagens fundamentais para o seu desenvolvimento e como mediação e ao mesmo tempo como imposição. Não se leva em socialização. conta que, como mostram FREIRE (1990), APPLE (1997) e GIROUX (1983), pela contradição, se a escola é aparelho de É apresentada no documento uma série de temas atuais que reprodução é também espaço de resistência. nem sempre são contemplados nas áreas tradicionais do currículo, mas que deveriam ser abordados para “contribuir para a formação de A escola, ao considerar a diversidade, tem como valor máximo cidadãos capazes de intervir criticamente na sociedade em que o respeito às diferenças – não o elogio à desigualdade. As diferenças vivem”. O meio ambiente, a saúde, a orientação sexual, a ética, a não são obstáculos para o cumprimento da ação educativa, podem e pluralidade cultural e os estudos econômicos são temáticas que devem, portanto, ser fator de enriquecimento. devem estar presentes transversalmente no currículo do Ensino Essa atenção à diversidade, como princípio organizativo do Fundamental. Nestes temas, que foram reunidos sob a denominação: currículo e da ação educativa é um pressuposto das teorias pós- convívio social e da escola, o esclarecimento de dúvidas e críticas (SILVA, 1995), um objetivo da educação escolar (PCNs, curiosidades sobre a sexualidade, é importante que a escola 1997), um desafio que compele as duas pontas do sistema contribua para que a criança discrimine as manifestações que fazem educacional. parte da sua intimidade e privacidade, das expressões que são acessíveis ao convívio social. A pesquisa educacional é chamada a produzir conhecimentos que venham oferecer subsídios às duas pontas do sistema. As pesquisas de campo no meio escolar têm mostrado, Este trabalho se coloca na perspectiva de contribuir, através da entretanto, que as práticas reproduzem concepções conservadoras micro-abordagem da sala de aula, com elementos que possam que não dão suporte à orientação sexual. Os PCN’s revelam uma subsidiar a prática docente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APPLE, Michel W. Os Professores e o Currículo: Abordagens Sociológicas. Lisboa: Educa, 1997. ASKEW, Sue & ROSS, Carol. Los Chicos no Lhoran: el sexismo en educación. Barcelona. Piados, 1991. CARNEIRO, Patrícia. Um lugar de desejo – reflexões sobre a questão da educação e sexualidade In: SILVA, L. Heron da. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GIROUX, Henry. Pedagogia Radical – Subsídios. Trad. Dagmar M. L. Zilas. Coleção Educação Contemporânea. São Paulo: Cortez, 1983. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução; pluralidade cultural, orientação sexual/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, MEC/SEF: 1997. SILVA, T. T. (Org.) Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. SIMMEL, George. Sociologia. SP. Ática, 1983 . . A Linguagem e os conflitos subjetivos A LINGUAGEM E OS CONFLITOS SUBJETIVOS Anjos3, Degmar dos Eu é um Outro – Rimbaud Ando muito completo de vazios... – Manoel de Barros RESUMO Neste artigo, aponto que o processo de aprendizagem de uma língua mobiliza as bases psíquicas do sujeito e está relacionado a processos identificatórios e identitários. Palmilhando a psicanálise lacaniana, explicito os conceitos de sujeito como ser clivado e fragmentado, tendo o inconsciente estruturado como linguagem; de identificação como processos dissolvidos em traços que já se encontram impressos no sujeito, que determinam seu lugar discursivo e modificam continuamente suas identidades; e de identidade como construção imaginária com aparência de totalidade, uma construção instável, que sofre as oscilações constantes das identificações e permite ao sujeito identificar-se como o eu que fala. PALAVRAS-CHAVE: linguagem; inconsciente; identidades. In this article, I point out that the process of learning a language mobilizes the psychic bases of the subject and it´s linked to identification and identity-related processes. Following Lacanian psychoanalysis, I make explicit the concepts of a subject as a cleaved and fragmented being, having their unconscious like a language; of identification as processes dissolved into traits which are already engraved in the subject, which determine their discursive place and modify their identities continuously; and of identity as imaginary construction with a wholeness-like appeareance, an unstable construction, that suffers the constant fluctuation of identifications and allows the subject to identify themselves with the "I" who speaks. KEYWORDS: language; unconscious; identities Palavras introdutórias Conforme nos informa Coracini (2003a, p. 13), o tema “identidade” é uma das preocupações da contemporaneidade a preocupar os estudiosos de dentro e de fora da academia, nas diversas áreas de economia, política, psicanálise, linguagem, educação, etc. Em grande parte, essa efervescência do tema se deve às grandes mudanças ocorridas por conta dos processos econômicos, ABSTRACT sociais e políticos em tempos de globalização. A compressão do tempo-espaço 3 Degmar dos Anjos é Mestre em Estudos da Linguagem pela UFMT. Especialista em Didática e Metodologias do Ensino pela UNOPAR. Pesquisador da relação entre a linguagem e a psicanálise. Foi professor no Curso de Letras da UFMT, atualmente é Professor e Pesquisador no CEFET/MT e professor convidado de instituições como ESUD, IDP, ICE, entre outras. [email protected] afetou as diversas esferas de situações de comunicação, tecnologia, ciência, levando um indivíduo, um povo ou um grupo social a se interessar por questões de linguagem e identidade. Se, por um lado, os efeitos da força da globalização econômica produzem a centralização e a homogeneização de tudo e que já vinha crescendo desde a década de noventa, obrigatório nas de todos, engolfando diferenças na busca de um mercado global de escolas brasileiras a partir de sete de julho de 2005. Nessa data, o consumo, por outro, há também um efeito de resistência em que Congresso brasileiro aprovou definitivamente a Lei nº 11.161/2005, línguas minoritárias ou grupos marginalizados acirram as diferenças que torna obrigatória a inclusão do ensino do espanhol em todas as e lutam por sua sobrevivência e espaço na sociedade. escolas de ensino médio do País, estabelecendo que as três séries do No Brasil, o advento do MERCOSUL, em 1991, foi um ensino médio devem oferecer obrigatoriamente a possibilidade de acontecimento a provocar novas configurações de ordem econômica estudar a língua espanhola. Com a nova lei, já referendada pelo 4 entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai que, a exemplo presidente da República, chegou ao fim um debate que principiou da União Européia e da ALCA, buscou a integração em nível em 1991, quando a discussão relacionada à necessidade de se ensinar econômico e político do lado da América do Sul para se fortalecer a língua espanhola nas escolas públicas ganhou força no Brasil. como bloco perante os mencionados. Com isso, é notável a presença, cada vez mais acentuada, do interesse pela língua espanhola. Sua crescente importância, por efeito do MERCOSUL, determinou sua inclusão nos currículos escolares, principalmente nos Estados limítrofes com países onde o espanhol é falado. A aprendizagem do espanhol, no Brasil, e do português, nos países de língua espanhola presentes nesse bloco econômico, tem contribuído para o fortalecimento das relações dos seus habitantes, pois há uma troca expressiva de ordem cultural, social, econômica e política. O governo brasileiro, sob essa égide das questões Conforme Cox (1997), do ponto de vista das identidades nacionais, o ensino do espanhol no Brasil poderá mostrar as semelhanças e diferenças entre povos que convivem lado a lado há vários séculos, em um momento em que países buscam a aproximação para a sobrevivência econômica. No passado, cada povo sul-americano lutou sozinho contra outro povo para constituir-se enquanto nação – nação brasileira, nação argentina, nação uruguaia, nação paraguaia. No presente, lutamos juntos para nos definirmos como sul-americanos perante os outros americanos – os do norte. (COX, 1997, p. 180) econômicas e de integração regional, tornou o ensino do espanhol, Porém, se do ponto de vista da integração nacional, essa 4 Desde 2004, a Venezuela, a Colômbia, o Equador e o Peru passaram a participar do bloco, na condição de Estados Associados. A partir de 2006, a Venezuela foi incorporada, oficialmente, como país membro do Mercosul. mistura de línguas e culturas serve para a unificação de interesses econômicos, do ponto de vista individual, vem cheia de revelado exatamente por essa fragmentação, por essa falta. estranhamentos. É essa conturbada relação entre o consciente e o O desejo do sujeito é sempre desejo do Outro5 e o sujeito só inconsciente, o materno e o estrangeiro, a língua e o desejo que pode saber do seu desejo por meio daquilo que o outro lhe revela. proponho a discutir neste texto. Esta é a razão da compreensão de que o desejo, por meio dos processos identificatórios, se torna constitutivo do sujeito na relação Analisando o sujeito desejante... com o outro, em sua própria alteridade, que se dá na linguagem. Nesse sentido, quando o sujeito toma a palavra6 , o que está em Aprender outra língua é mexer com questões de identidades, questão é o agenciamento de significantes (suporte material do seja do indivíduo ou do grupo social, seja na qualidade de falantes de enunciado – termo que Lacan busca em Saussure). Quer dizer, há um uma língua que nos interpela como sujeitos (a língua dita materna), jogo de processos identificatórios, que envolve, de um lado, imagens seja na de falantes de uma outra que provoca estranhamentos (a inscritas no inconsciente (identificação imaginária), e de outro, língua dita estrangeira). Como nos indica Revuz (1998, p. 220), elementos do saber discursivo (o sujeito do inconsciente e o quando aprendemos outra língua, essa “vem questionar a relação que significante) que constituem uma identificação simbólica (uma está instaurada entre o sujeito e sua linguagem”. ordem que o produz como sujeito). Segundo Da Poian (2002), a Consoante o psicanalista Lacan (1985c. p. 31), o sujeito é identificação imaginária está na origem do Eu e tem a ver com a “indeterminado”, ou seja, clivado, dividido, fragmentado. Este imagem especular (formação narcísica, fixação da primeira sujeito dividido que aqui endosso, aponta para a condição humana de alienação do sujeito ao desejo do Outro); já a identificação simbólica constante insatisfação, busca por algo que falta, não simbolizável, dá origem ao sujeito do inconsciente e tem a ver com os remetendo a relação com o objeto que é sempre da ordem daquilo 5 que falta-a-ser. Grigoletto (2006, p. 18), tendo essa mesma compreensão, explica que “como o sujeito só se presentifica na relação com o Outro, o próprio do sujeito psicanalítico é ser clivado e heterogêneo na sua estrutura”. O que o sujeito almeja lhe é Lacan faz uma distinção entre o grande Outro e o pequeno outro. O Outro seria o lugar da palavra, que indica o que deseja o inconsciente; enquanto o outro (autre-a) é o semelhante, ou o objeto que confere ao sujeito a dimensão de sua alteridade. Para uma análise mais aprofundada das noções de inconsciente, desejo e identificação, veja Lacan (1985a, 1985c e 1998) e Nasio (1993 e 1996). 6 A tomada da palavra na língua estrangeira pode ser compreendida como o momento em que o sujeito se vê em condições de recorrer às regularidades enunciativas dessa outra língua para se pronunciar e se enunciar, empregando, para isso, os suportes materiais ou lingüísticos dessa outra forma de se manifestar. significantes, traços que marcam a história do sujeito. com o Outro7, pois ele, na verdade, em um processo de identificação Para que ocorra o reconhecimento do eu com a imagem, é imaginária, se vê no Outro como em um espelho, tornando-se, assim, preciso que ele esteja imerso em uma estrutura simbólica. Ainda ele mesmo, um outro. Nesse sentido, a poética e famosa frase do dentro dessa perspectiva, segundo Lacan (apud CHNAIDERMAN, poeta francês Rimbaud, “Eu é um outro”, que no século XIX 1998, p. 96), “é a aventura original através da qual, pela primeira intrigou a tantos, se torna compreensível. vez, o homem passa pela experiência de que se vê e concebe como No decorrer da vida, as sucessivas identificações imaginárias um outro que não ele mesmo”. Essa regulação da estrutura serão retificadas ou articuladas pelo processo simbólico. Mas, para imaginária se dá mediante o registro do simbólico, de modo que a que isso ocorra, é necessária a formação da identificação simbólica, linguagem é condição sine qua non de constituição do sujeito. “O isto é, a identificação orientada não mais pela unidade momentânea, sujeito se constitui pela linguagem (é sujeito de linguagem), sempre mas por traços sucessivos de significantes. Em outras palavras, a na relação com o Outro. A própria linguagem é esse outro para o linguagem, em sua sucessiva rede de significantes se caracterizará sujeito, é o campo que abriga a rede de significantes” como o processo de identificação simbólica que permitirá, ao sujeito, (GRIGOLETTO, 2006, p. 18). estruturar suas múltiplas identidades imaginárias. Segundo D’Agord (2006), a identificação que é imaginária Ao discorrer sobre o papel do Outro na formação do Eu, surge como uma unidade sustentada em uma imagem que não reflete Lacan (1998) explica que, ao nascer, a criança se concebe como a multiplicidade da experiência subjetiva, mas uma das formas desta, parte do corpo da mãe e, em um estádio posterior, tal criança passa a a da própria imagem refletida. Ou seja, o sujeito se vê no outro. Com enxergar-se, como num espelho, pelo corpo da mãe. É a separação Lacan, de acordo com a visão de Stenner (2004), não podemos falar deste corpo que passa a ser vista como o momento em que a criança separadamente de Eu e de objeto (aquilo que é desejado pelo percebe a existência do Outro (no caso, a mãe), se vê como um Eu e sujeito), pois esses dois termos se criam mutuamente: não há um, identifica uma “falta”. sem o outro. É por isso que não menciono que o Eu se identifica 7 É importante mencionar que o conceito de identificação é diferente em Freud e em Lacan. A expressão “identificar-se com”, costumeiramente empregada, remete à compreensão freudiana de identificação; enquanto que as expressões “identificação imaginária” e “identificação simbólica” remetem, por outro lado, a Lacan. Para maiores entendimentos ver D’Agord (2006), Da Poian (2005), Freud (1977), Lacan (1998) e Nasio (1996). Compreender o sujeito como dispersão, sujeito cindido, dividido atravessado pelo inconsciente, assinala Coracini (2003a, p. função produzida por deslizamento de significantes mediante a linguagem. 15), é abraçar “uma perspectiva discursiva que encontra na Lacan (1998), para especificar a relação que o sujeito falante psicanálise seu ponto de apoio, voltada, sobretudo, para a mantém com o inconsciente e com o desejo, distingue as noções do constituição do sujeito do inconsciente que, imerso no discurso – enunciado do discurso do ato de enunciação que produz este que sempre provém do Outro – é mais falado do que fala”. enunciado. Recorrendo ao campo lingüístico para estabelecer certa Tavares (2004), ao analisar os conceitos lacanianos de precisão, Schãffer (s.d.p., p. 4), explicando a noção de enunciado e sujeito, comenta que, a partir da fala, o sujeito já não é como antes. enunciação para Lacan, compreende que o enunciado pressupõe uma Ao ingressar no universo simbólico da linguagem, a criança seqüência finita de palavras emitidas pelo locutor. O fechamento de metaforiza o significante outrora fálico8, desejante da mãe, numa um enunciado, nessa compreensão, é geralmente indicado pelo substituição pelo Nome-do-Pai: significante que simbolicamente silêncio que o sujeito falante produz para pontuar sua articulação. O constitui o mundo exterior, a lei que interdita o desejo da criança. enunciado é produto de uma enunciação, ao passo que esta última é Com isso, aquela alienação na imagem – a criança que se vê na mãe, que é o fundamento do Eu – se substitui pela alienação na produto de um ato individual da língua que evidencia o processo de fabricação – o ato de criação de um sujeito falante. linguagem, alienação estrutural em que o significante se apossa do Lacan (1998) acentua, entretanto, que não se trata de dois lugar do Eu e produz o sujeito através de um deslizamento contínuo. sujeitos – o do enunciado e o da enunciação – mas, sim, que, se há O sujeito lacaniano vai se pontuando pelo movimento da linguagem algum lugar de onde o sujeito pode surgir, este é o lugar da que forma a cadeia significante que é o próprio inconsciente. O enunciação. É no processo de enunciação, a fala, que um sujeito se indivíduo estaria sempre cindido entre o Eu (falso senso de existir) e produz e é produzido. É neste ponto complexo que pode ser o Sujeito do inconsciente que irá se dando como efeito, sendo uma compreendido o papel da linguagem na estruturação do sujeito, pois são os sentidos veiculados pela língua, dita materna, que constituem 8 Para Lacan (1998, p. 692 a 703), o falo aparece como um significante, mais que isso: o significante organizador dos significantes, ou seja, o significante que origina o sujeito do inconsciente. Nas palavras de Lacan (1998, p. 697), “ele é o significante destinado a designar, em seu conjunto, os efeitos de significado, na medida em que o significante os condiciona por sua presença de significante”. o sujeito. Como afirma Tavares (2004, p. 230), “é na língua que a fala torna o sujeito singular, sinalizando um saber que age à revelia do significantes dos desejos inconscientes, acaba por trazer à tona, sujeito e que revela um desejo latente”. Tal afirmação possibilita mediante a linguagem, tais desejos. Ou, para melhor explicar, o compreender a importância da linguagem na psicanálise, pois é por sujeito acaba revelando ao exterior, de entremeio a suas palavras, meio das palavras, da fala, que se pode aferir a determinação do por meio de seu dizer, aquilo que é latente em seu inconsciente, seus inconsciente como algo que age no sujeito, a despeito dele mesmo. desejos recônditos, marcas de sua incompletude. Explicando esta Ao discutir o papel que o Outro ocupa na constituição e visão de incompletude que marca o sujeito lacaniano, Stenner diz: Em O Seminário, livro 11(1964), Lacan traz a falta para o campo do sujeito e do Outro. A falta tem uma dupla inscrição. Por um lado, ela advém do fato de o sujeito depender de um significante que está primeiro no Outro; por outro lado, ela é o que o sujeito perde em sua entrada na linguagem. O que Lacan dirá, de outra forma, é que não há, no campo do Outro, nem no campo do sujeito, um significante que dê conta do ser, da mulher, da morte e, portanto, a falta é condição de inscrição para todo ser de linguagem. (STENNER, 2004, p.58) estruturação do sujeito, Lacan (1998), apresentando sua concepção de sujeito, concebe uma estrutura em que três registros estão imbricados e se encontram no próprio dizer: o real, impossível de ser dito, de ser apreendido; o imaginário, que corresponde àquilo que é representável; e o simbólico, que liga e orienta as incidências imaginárias no dizer. Essa articulação entre os três registros se materializa no dizer. Pacheco, comentando os conceitos de Lacan sobre a estruturação do sujeito, faz a seguinte afirmação: A citação de Stenner aclara a relação existente entre sujeito e Este é o sujeito que se apresenta no discurso, assujeitado aos significantes de seu desejo inconsciente, estruturado sob as leis da linguagem: comparece na enunciação entre as oposições disponíveis, é o intervalo entre dois significantes (S1 e S2). O sujeito é aquilo que um significante representa para outro significante; está assim assujeitado ao significante: nenhum significante é bastante para representá-lo e, desta impossibilidade, resta o objeto a, faltoso, causa de desejo. (PACHECO, 1996, p. 46) De modo que o sujeito, na constante divisão entre os linguagem que Lacan expõe. Um sujeito conflituoso que sempre estará dividido entre seu “Eu” e o “Outro” que o constitui pela linguagem, dado que é na linguagem que ele denunciará seus conflitos. É essa compreensão de sujeito do inconsciente, estruturado pela e na linguagem, incompleto em sua alteridade subjetiva, que adoto nesta pesquisa. É essa fragmentação, presente nas bases do próprio sujeito, que possibilita compreender o aprendizado de uma Melman (1992), ao tecer comentário sobre a língua materna, língua estrangeira como uma prática também fragmentada, assinala que esta é aquela que vincula a lembrança da mãe que nos conflituosa, complexa. introduziu a fala e, ao mesmo tempo, a que nos interdita a mãe, porque é por intermédio dessa língua que sofremos nossa castração. As identidades e a ilusão do controle. É esta língua que veicula nossos desejos, mas que não garante a expressão desse desejo, justamente pelo fato de que, nela, a mãe se Consoante Revuz (1998), o processo de falar em uma língua encontra interditada. Tavares (2004, p. 231), ao analisar esta mesma estrangeira é complexo, fragmentado, por ocorrer em dois planos: o afirmação de Melman, infere que “a língua materna é uma língua da prática de expressão e o da prática corporal. que envolve afeto, é a língua do desejo interditado”. Por sua vez, Objeto de conhecimento intelectual, a língua é também objeto de uma prática. Essa prática é, ela própria, complexa. Prática de expressão, mais ou menos criativa, ela solicita o sujeito, seu modo de relacionar-se com os outros e com o mundo; prática corporal, ela põe em jogo todo o aparelho fonador. Sem dúvida, temos aí uma das pistas que permitem compreender por que é tão difícil aprender uma língua estrangeira. (REVUZ, 1998, p. 216 e 217) Esse processo de aprendizagem é considerado como prática de expressão por ser o momento em que outras palavras – uma outra língua – dão ao sujeito a possibilidade de produzir os sentidos, de se manifestar, que se torna aparente sua relação com a língua materna. Coracini, concordando com essa compreensão, ao falar sobre o inconsciente e a linguagem, se faz categórica: O inconsciente, definido como o Outro, ou La langue, nos termos de Lacan (Milner, 1987, p.49), “funciona como uma língua interditada, e a expressão mais manifesta deste interdito repousa nisto: o sujeito não pode articular plenamente o desejo que é inerente, que é veiculado por esta cadeia, que é constitutivo dessa cadeia”: o inconsciente constitui essa zona heterogênea, habitada pelo desejo da mãe, interditado pelo pai (social). O desejo da mãe pode ser explicado como o desejo da completude, da totalidade que, recalcado, gera angústias e buscas constantes de resolução que se acha sempre adiada. (CORACINI, 2003b, p.148) Ou seja, a forma como se expressa diante do mundo só é percebida no instante em que há o confronto com outra forma de fazer o mesmo. Conforme a compreensão de Coracini, não há a linguagem externa ao sujeito, pos é ela mesma quem o constitui. E é nessa constituição pela linguagem que os desejos do sujeito serão estável como a queriam no passado”. Chnaiderman (1998, p. 49), interditados pela língua que será chamada de materna. “A língua coadunando com essa visão, afirma que “a idéia de que existiria uma materna é justamente aquela que abafa esses desejos, constituindo, identidade que definiria o sujeito psíquico vem sendo criticada como em nível consciente, a ilusão do sujeito completo, uno, origem do uma idéia totalizante que não leva em conta a multiplicidade que nos sentido, capaz de se autocontrolar e controlar o outro” (CORACINI, constitui”. 2003b, p. 148). Em tal conceito de identidade está implícita a seguinte É essa cisão entre a busca pelo controle, ocorrida no campo restrição exposta por Serrani (1997, p.8): “a identidade opera na da consciência, e a incompletude, sentida pelo sujeito no campo da dimensão da representação (portanto, imaginária) da unidade do inconsciência, que torna o encontro do sujeito com uma outra forma locutor (ou interlocutor) enquanto ego". As identidades são sempre de se manifestar, uma língua que lhe é estranha, conflitante e imaginárias, colocando em funcionamento imagens que o sujeito faz complexo. Dado que o sujeito é clivado e heterogêneo, constituído de si mesmo, a partir de imagens lançadas pelo olhar do outro e que pela linguagem, mediante uma língua que lhe é materna, sua relação permitem a ele se reconhecer enquanto tal. Portanto, se aceitamos as com a língua estrangeira será, também, clivada, heterogênea. identidades como imaginárias, e levando em conta a multiplicidade Essa compreensão de sujeito faz com que também se repense que constitui a subjetividade humana, concluímos que não há uma, a noção de identidade. Em sua concepção tradicional, o termo sugere mas muitas identidades de acordo com as categorizações e divisões uma idéia de unidade e de estabilidade, sendo algo pertencente ao segundo as quais um sujeito poderia se posicionar. ser humano e que o acompanharia durante toda a sua vida (alguns As identificações, por outro lado situa o sujeito no mundo e até afirmam que a identidade pode sofrer mudanças com o tempo, nas relações sociais. As múltiplas identificações, dissolvidas em mas continuaria a ser A Identidade – algo uno). Porém, tal visão traços que já se encontram impressos no sujeito, ao mesmo tempo seria conflitante com o descentramento que a descoberta do em que determinam o lugar discursivo do sujeito, também inconsciente expõe. Como explica Vasconcelos (2003, p. 168), “se o caracterizam sua identidade, ou seja, o processo de identificação se sujeito não é uno e é construído no seu processo histórico, a questão torna um mecanismo pelo qual o sujeito constrói as identidades que, da identidade coloca-se não como integral, unificada, estática ou por estarem em constante movimento, são estruturadas e desestruturadas continuamente. São esses processos identificatórios espelho, reconhecendo sua fala na do outro. É nesse movimento que apagam a idéia de unidade das identidades e possibilitam que, identificatório que o sujeito é capturado pela linguagem, em um mediante a linguagem, a identidade seja construída para/pelo sujeito. processo de subjetivação 9, e se torna o Eu. A identidade é, portanto, uma construção instável, fragmentada, não Assim, a linguagem jamais poderia ser concebida como um toda, que sofre as oscilações constantes das identificações. instrumento que fosse utilizado pelo homem para exprimir suas Construção imaginária com aparência de totalidade, ela permite ao intenções de comunicação. Em contrário, é o “espaço do sujeito sujeito se identificar como o Eu que fala. afetado pelo pré-construído e pelo discurso transverso, sujeito do A identificação é vista como marca simbólica a partir da qual inconsciente, efeito de linguagem, falante, ser em línguas, pego na o sujeito adquire não sua unidade, mas sua singularidade. Se a ordem simbólica que o produz enquanto sujeito” (Serrani, 1998a, p. identidade é compreendida como a representação do fato de existir, 245). É esse “discurso transverso” – a linguagem composta por uma de ser, a identificação enfatiza a referência ao dizer. A construção da cadeia de significantes pré-construídos que atravessa o sujeito – que identidade conforme a concebe a psicanálise é um processo que é capaz de estruturar, de subjetivar, o sujeito. passa pela língua, que, representando para o sujeito a dimensão simbólica, cria a possibilidade de se inscrever na língua. É por isso que a concepção de linguagem, neste trabalho, é assumida como processo de regularidades enunciativas fincadas em Tal consideração sobre sujeito, identidade e identificação é valores e modos de dizer que se apresentam como comuns. São essas relevante por permitir compreender a relação de afetividade que está regularidades que determinam aquilo que pode ou não ser dito pelo entranhada na língua materna. sujeito, manifestando uma relação com a própria língua, com a língua(gem)-sujeito-identidades, A partir desta relação intrínseca tem-se uma concepção de discursividade e com os diversos domínios de saber que ela permite linguagem – tendo como principal elemento a língua materna – construir. Como assegura Serrani (1997 p. 5) “são condensações de como a própria condição de estruturação psíquica, já que é a partir 9 da inscrição do sujeito no universo da linguagem que ele se subjetiva e se torna Eu. Em outras palavras, o sujeito incorpora fragmentos da fala do outro e pode reconhecer-se como num De acordo com Marioto (2005), a subjetivação se dá em um processo pelo qual um sujeito, visitado pela linguagem, vai poder habitar um corpo e uma subjetividade. Ou seja, nascer subjetivamente à vida, o tornar-se Eu, é dar um passo para além do fisiológico, organizando-se num outro campo, numa outra ordem. Para que essa transformação ocorra, de um corpo nu para um corpo ou ser de linguagem, é necessário que alguém o introduza neste outro registro, o que ocorre no momento em que o sujeito se vê falado pelo Outro. Para maior compreensão, ver Lacan (1998, p. 96 – 103). regularidades enunciativas no processo – constitutivamente desta compreensão indissociável de sujeito e linguagem, pode-se heterogêneo e contraditório – da produção de sentidos no e pelo visualizar o choque que é, para este sujeito, sua inscrição em uma discurso, em diferentes domínios do saber.” outra forma de se manifestar, isto é, em uma língua estrangeira. Na esteira de Serrani (1997, 1998a e 1998b), vejo o humano como um ser que vem ao mundo sem a linguagem e recebe do O conflito entre o medo e o desejo. exterior o significante que é, a um só tempo, matéria-prima e instrumento da constituição do inconsciente. É a linguagem – por Seguindo a compreensão de Revuz (1998, p. 220), segundo meio da língua chamada de materna –, portanto, que estrutura o as quais a língua estrangeira abre um novo espaço potencial para a sujeito, e não o sujeito que estrutura a linguagem, como descrito pela expressão do sujeito, questionando a relação que está instaurada psicologia. entre o sujeito e sua linguagem, entendo que o sujeito, de forma Essa relação entre sujeito e língua materna é analisada por inconsciente, ao se confrontar com nova língua, passa por uma Revuz (1998), ao estudar os processos por que passa o sujeito em sensação de desestabilização, de desnorteamento, pois aquilo que situações de ensino-aprendizagem de língua estrangeira. Nessas estava inscrito em si deixa de ser absoluto, passa a ser questionado. situações, há sempre um (re)encontro do sujeito com sua língua Este confronto entre língua materna – representante daquilo que já materna, uma vez que esse processo torna visível para o sujeito a está inscrito, instaurado, no sujeito – e língua estrangeira – a nova relação existente entre ele, a língua materna e sua forma de possibilidade de subjetivação da linguagem – é explicado por Revuz, aprendizagem. O que se faz é permitir a emersão de algo muito e corroborado por Serrani, como uma relação de desarranjo e re- específico que o sujeito guarda em relação à língua e que se arranjo da subjetividade. manifesta justamente quando encontra a língua do outro, que surge, assim, como novo lugar a partir do qual o sujeito poderá olhar para o que acredita ser (ou ter sido sempre) seu. É, portanto, pela linguagem que o sujeito se constitui, e é na linguagem, através de seu dizer, que o sujeito se manifesta. A partir A meu ver, um dos processos fundamentais que acontece quando o sujeito desenvolve uma “aquisição” bem sucedida de segunda língua (isto é, quando acontece o “desarranjo” subjetivo que possibilita um “re-arranjo” significante) é a inscrição do sujeito em relações de preponderância na discursividade nova da segunda língua. (SERRANI, 1997, p. 8 e 9) em que vamos aprender uma língua estrangeira, sentimos esta É nesse contexto conflituoso, nesse “re-arranjar”, que o relação, pois esta nova forma de se comunicar vem questionar, de sujeito pode demonstrar uma aproximação ou um distanciamento modo complexo, a relação que já estava instaurada entre sujeito, com a língua estrangeira. Por um lado, o aprendiz, ao se inserir em corpo e língua. Assim, ao iniciar o estudo de uma língua estrangeira, nova língua, pode estabelecer um vínculo de aproximação instaurado é como se voltássemos a ser feto, é refazer a experiência de se fazer pelos desejos inconscientes cujo efeito é o querer estruturar nova entender. identidade. Por outro lado, ele pode sofrer estranhamento e, nesse Para alguns, é tão difícil dissociar o corpo da língua materna, caso, de forma inconsciente e imperceptível, desenvolveria certas que não conseguem repetir as mais simples seqüências na língua estratégias que fariam com que ele não se inscrevesse naquele estudada, recusando-se inconscientemente a abandonar esta relação mundo simbólico que a ele soa estranho. Em alguns casos, pode até tão aconchegante e que só agora é exposta. Esse estranhar corporal desenvolver algumas habilidades lingüísticas, mas sem chegar a ter se torna tão incômodo, que alguns nem tentam pronunciar os sons da autonomia afetiva e enunciativa dentro daquele novo sistema nova língua, enquanto outros, ao tentarem, caem no riso e há ainda lingüístico a que neste trabalho se faz referência. aqueles que ficam envergonhados, tímidos, como se estivessem Ao falar que a língua é objeto de uma prática, Revuz (1998) sendo desnudados. Essas “estratégias inconscientes” (REVUZ, pondera que, além de prática de expressão, essa prática é corporal. 1998, p. 225) de resistência podem ser o motivo de alguns Isto se dá porque, desde o instante em que é feto, o sujeito é falado aprendizes terem um certo conhecimento de vocabulários técnicos pelo mundo que o rodeia, seja pelas palavras afetuosas e (que os habilitam para o comércio ou para certos trabalhos), mas acariciadoras da mãe, seja pelos ruídos que o assustam na condição sem conseguir uma autonomia na compreensão ou expressão; de de bebê ainda não nascido. O corpo, que ainda não veio à luz, já é outros que conseguem imitar os diálogos com perfeição no momento utilizado para se comunicar e ser comunicado pelo ambiente à sua das aulas, mas sem guardar quase nada destas informações; de volta. Essa relação corpo-linguagem não é sentida, não é percebida, alguns para os quais mesmo depois de anos de estudos na língua pois sempre foi assim, desde o momento em que ainda não havíamos alvo, tem a língua estrangeira como um amontoado de termos; nascido, o corpo estava presente em nossa comunicação. No instante daqueles que só conseguem compreender um enunciado na língua estrangeira se este for traduzido literalmente à língua materna; entre dificuldades de aprendizagem são, na verdade, estratégias da ordem outras formas de fuga do confronto interno que é instaurado no do inconsciente do sujeito-aprendiz, ao confrontar-se com o processo de inscrição em uma nova língua. estranhamento às novas formas de significação, como se isso fosse As estratégias de fuga no processo de aprendizado são uma grande fuga do confronto interno que é a prática complexa de compreensíveis, pois a língua estrangeira é vista como a língua aprender a ser diferente sendo o mesmo. Em outras palavras, no estranha, a língua do outro. Tal estranhamento pode provocar um momento em que recorre às regularidades enunciativas de outra profundo medo inconsciente. Como analisa Coracini (2003b, p. língua para se pronunciar, o sujeito torna-se, ele mesmo, um outro. 149), o medo que aparece é o “medo da despersonalização” que a Essa prática, que é sentida como estranha e complexa, pode levar o aprendizagem da língua estrangeira implica, ou então, há aí, sujeito a instaurar um processo de “fuga”, que se caracterizará na também, “o medo do estranho, do desconhecido, medo do resistência à língua, tornando-se perceptível nas dificuldades de deslocamento ou das mudanças que poderão advir da aprendizagem aprendizagem. de uma outra língua”. É esse medo que pode fazer o sujeito, independentemente do Porém, assim como para alguns há a sensação de medo, para outros há a paixão. Nessa conflituosa relação língua método ou do professor, não se lançar no desconhecido mundo da estrangeira/língua materna, o processo inverso à resistência também língua estrangeira. Coaduno-me a esse respeito com Coracini pode ocorrer. Em tal caso, é perceptível, no aprendiz, forte atração (2003b, p. 149), que é clara ao afirmar que “o medo pode, em pela nova língua, pelas novas formas de significação. Os casos em circunstâncias particulares, bloquear a aprendizagem, impondo uma que o aprendizado de língua estrangeira desempenha uma forte barreira ao encontro com o outro, dificultando e, por vezes, atração também podem ser explicados, de modo geral, pela impedindo uma aprendizagem eficaz e prazerosa”. psicanálise, que vê esse fenômeno como uma forma de “aparecimento do desejo do Outro, desse Outro que nos constitui e É possível concluir? cujo acesso nos é interditado, esse Outro que viria completar o Um” (CORACINI, 2003b, p.149). Ancorados nessa compreensão, podemos inferir que algumas Dessa forma, assim como para alguns os sons de uma língua são motivos de dificuldade, para outros, por se sentirem atraídos, tais sensação de prazer, de gozo, é tão intensa que se torna até mesmo sons serão motivos de prazer. Estes, de acordo com Revuz (1998, p. viciadora, fazendo com que o sujeito, instigado pelo desejo da 222), “deslizam pelos sons da língua estrangeira com regozijo e se completude e com seu conseqüente recalcamento 10 – já que essa apropriam com facilidade de sua ‘música’, a ponto de poderem completude é impossível – entre numa compulsão pelo aprendizado produzir longas ‘frases’ que criam a ilusão..., mesmo que não de várias línguas, uma após a outra, sem chegar a “dominar” tenham nenhum sentido!” Nesse caso, o próprio corpo parece se nenhuma. Outros, também movidos por essa tentativa de ser abrir para a nova língua, o aparelho fonador e as formas de gesticular completo, passam a almejar na língua estrangeira um nível de se tornam não um motivo de angústia, mas de “gozo” intenso. excelência ou de perfeição visando chegar a ser confundido com o Esse prazer, causado pela falsa sensação de completude, dá falante nativo, em uma tentativa de liberdade, de se tornar um outro. ao sujeito a ilusão de dominar algo. É como se ele pudesse agora Nesse caso, complementa Coracini (2003b, p.150), “tal atitude comandar a linguagem, e, ao comandar a linguagem, comandar seus perfeccionista pode ser explicada pela recusa da sua própria língua, próprios desejos, seu inconsciente. A esse respeito, Tavares fuga inexorável dos recalcamentos e da exclusão à qual se viu assevera: condenado e dos quais desejaria escapar, na esperança ilusória da A língua materna nunca poderá permitir esse gozo, pois há algo nela que está interditado e não pode ser trazido à tona. Porém, a língua estrangeira pode representar o acesso ao lugar onde o sujeito tem a escolha da lei, das regras que vai utilizar para se exprimir, a escolha dos significantes. Acontece que o desejo nunca se satisfaz devido ao seu caráter metonímico. Talvez, por isso mesmo, aqueles que desejam ocupar um Outro lugar por meio da língua estrangeira, mesmo que experimentem frustrações e insucessos, persistem em aprendêla. (TAVARES, 2003, p. 19) Consoante Coracini (2003b, p. 149), para alguns, essa liberdade e da realização plena de seus mais profundos desejos”. Nessa tentativa de se tornar outro, de fugir da falta causada pela língua materna, o aprendiz de língua estrangeira se torna um 10 Valho-me aqui do conceito de recalcamento de Freud, para quem recalcamento é a evitação das lembranças dolorosas. A esse respeito Garcia-Roza (1997, p. 90) explica que no caso de o aparelho psíquico ser atingido por um estímulo que provoque uma excitação dolorosa, inconscientemente ocorrerá uma série de manifestações motoras que, apesar de inespecíficas, poderão afastar o estímulo causador da experiência desprazerosa. A experiência da dor produz a tendência a que ela seja rejeitada para que não se repita a excitação dolorosa. Essa fuga à percepção, ou à lembrança da dor é que será chamada por Freud de recalcamento. No caso do aprendiz de língua estrangeira, vejo o recalcamento no instante em que tal sujeito, ao sentir a incompletude, se lança compulsivamente no estudo de línguas, em busca de situações que lhe trariam a sensação de completude. Para maior compreensão acerca do conceito de recalcamento, ver Garcia-Roza (1997) e Freud (1980 e 2001). aficionado, alguém que está sempre em busca da excelência imperceptivelmente, sempre presentes no contexto de aprendizagem gramatical ou do sotaque perfeito e, o motivo maior de orgulho, ou de língua estrangeira. de prazer, é ser confundido com um falante nativo. A fuga da incompletude é tamanha que a própria forma de agir do sujeito muda. É dessa compreensão que vem a célebre frase de Revuz (1998, p. 225) usada como epígrafe no capítulo 1: “O Eu de uma língua estrangeira não é, jamais, completamente o da língua REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHNAIDERMAN, M. Língua(s) – linguagem(ns) – identidade(s) – movimento(s): uma abordagem psicanalítica. In: SIGNORINI, Inês (org.). Língua(gem) e identidade. Campinas: Mercado das Letras, 1998. materna”. Isto porque, de acordo com a autora, “não é raro ver pessoas, que sofrem graves dificuldades de relacionamento, estabelecerem sem problemas relações satisfatórias ao expressaremse razoavelmente em uma outra língua.” O Eu da língua materna, por ser inaugural, por partir do zero, dado que sua relação é com a linguagem que lhe é materna, primeira, será sempre diferente do Eu CORACINI, Maria José (org.) Identidade & Discurso: (des)construindo subjetividades. Campinas/ Chapecó: Editora da Unicamp/Argos Editora Universitária, 2003a. _____. Língua estrangeira e língua materna: uma questão de sujeito e identidade. In: CORACINI, Maria José (org.). Identidade & Discurso: (des)construindo subjetividades. Campinas/ Chapecó: Editora da Unicamp/Argos Editora Universitária, 2003b. da língua estrangeira, que está alicerçado no relacional, dado que sua relação com a linguagem já é existente. É essa diferença que COX, Maria Inês P. A hora e a vez do espanhol. Revista de Educação Pública, Cuiabá: EdUFMT, v. 6, n. 10, p. 175 - 187 1997. possibilita ao sujeito ser, ele mesmo, um Outro, um diferente, lhe possibilitando demonstrar e sentir atitudes que na língua materna já não lhe é possível. Com isso, independentemente de motivo de medo ou de prazer, a língua estrangeira é sempre conflituosa, uma vez que as forças mobilizadoras, sejam para a aversão ou para a paixão, são as mesmas: o desejo do outro e o desejo da plenitude. De modo que os processos identificatórios, os desejos recônditos do sujeito, estão, D’AGORD, Marta Regina de Leão; BINKOWSKI, Gabriel Inticher; CHITTONI, Felipe Bücker. Classes interativas e identificação em psicopatologia. Latin-American Journal of Fundamental Psychopathology, edição on Line, VI, 1, p. 116 - 130, mai. 2006. Disponibilizado em http://www.fundamentalpsychopathology.org/journal/mai6/9.pdf, acessado em 13 de mai de 2007. DA POIAN, Carmen. Os novos caminhos da identificação. 2002. 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Foram utilizados como instrumentos de pesquisa: observação em classe, questionários e entrevistas para contemplar as notas de observação e analisar a relação das crianças com a cultura escrita. PALAVRAS-CHAVE: leitura; escrita; língua materna estudos mais significativos nessa área. A história do processo de escolarização de crianças com portadores de Síndrome de Down, geralmente revela que estas crianças vêm sendo privadas da programação escolar oferecida às crianças consideradas “normais”. Tal postura provavelmente vem da concepção de que por serem menos “inteligentes”, necessitam de programas especiais que atendessem às suas necessidades fundamentais. As escolas especiais as subestimam, as escolas comuns as excluem. A verdade é que não existe lugar em nossa sociedade para a promoção do desenvolvimento pleno dessas crianças. A maioria dos programas disponíveis para essa população volta-se para um atendimento clínico que não permite a vivência RESUMÉE Cette recherche, a pour objet, l’étude des pratiques de lecture et écriture des enfants qui appartenance a APAE. Pour ce faire, on a étudié les concepts de language et langue materne. On a eu recours, comme instruments de recherche à observacion de la classe, questionnaires et on les a interviwés, pour completer les notes d’observation et analiser la relacion des enfants avec la culture écrit. MOTS-CLÉ: lecture ; écriture ; langue materne Ao focarmos o nosso olhar na escolarização do deficiente educacional e social necessárias para uma participação efetiva em mental no nível fundamental, começamos por ver que carecemos de Nessa perspectiva, conforme apontado por Provak apud nossa sociedade. Considerando o desenvolvimento humano como um processo complexo e dinâmico que se estabelece nas situações recíprocas da criança com a família, vizinhanças, comunidade e sociedade, compreendem a importância dessas relações. Monteiro, (2001) em seus estudos sobre crianças com Síndrome de 11 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Doutorando em Teoria Literária pela Universidade de Brasília (UNB) 12 Acadêmicos do Curso de Letras das Faculdades Integradas Mato-grossenses de Ciências Sócias e Humanas Down, a criança identificada como deficiente mental deve ser considerada como tendo as mesmas necessidades básicas de voltados apenas para a aquisição da habilidade de ler e escrever, nem qualquer criança: afeto, contato social, reconhecimento, curiosidade, sempre proporcionando o despertar e o interesse da criança com com adição de necessidades específicas geradas pelas características Síndrome de Down pelo mundo da escrita; entretanto, os estudos próprias de seu desenvolvimento ou pela expressão de sua mostram que a maioria destas crianças consegue se alfabetizar. individualidade. No período de maio de 2005, na APAE de Cuiabá, tivemos a Deste modo, acredita-se que os programas escolares para oportunidade de vivenciar experiências bastante ricas, num trabalho promoção do desenvolvimento de crianças deficientes devem escolar com crianças com Síndrome de Down. Nessa experiência, oferecer as mesmas oportunidades e experiências vividas pelas podemos observar várias crianças e jovens que liam e produziam outras crianças, respeitando as particularidades de cada aluno. textos de maneira semelhantes a crianças e jovens ditos “normais”, A convivência de crianças em situação de escola é, sem dúvida nenhuma, essencial para a integração da criança no modelo de sociedade e cultura dos dias atuais. Na escola, a criança vive uma rotina de atividades variadas interagindo com adultos e com crianças e com eles constrói no grupo seus valores e crenças. em processo de construção da leitura e da escrita. A história do deficiente mental com relação à leitura e à escrita não é muito animadora, uma vez que essas pessoas foram durante muito tempo excluídas das escolas e das atividades educacionais voltadas para a leitura e à escrita. A inclusão do sujeito como portadores de Síndrome de Down No entanto, embora muitas crianças com portadores de na discussão sobre o processo de letramento tornam-se bastante Síndrome de Down freqüentem escolas especializadas para relevante, uma vez que a leitura e a escrita permeiam a maioria das indivíduos especiais, não se oferece um programa escolar que atividades presentes nos diversos grupos sociais no mundo atual. apronta o desenvolvimento e a imersão social. Algumas crianças portadoras de Síndrome Down têm demonstrado possibilidades de desenvolvimento da leitura e da Nossa sociedade valoriza fortemente a leitura e a escrita e, quando não existe este domínio, temos um sujeito excluído do grupo. Isto é uma das características do nosso tempo e cultura. escrita. Segundo Monteiro (2000), os estudos referentes à A leitura e a escrita, portanto, tem hoje um papel fundamental alfabetização destas pessoas têm enfoques diversos, muitas vezes para a inserção no mundo em que vivemos. Nesse sentido, se o sujeito portador de Síndrome de Down não tiver possibilidades de acesso ao processo de letramento terá mais um fator contribuindo para sua discriminação e exclusão. Alguns aspectos merecem uma consideração especial na reflexão sobre a construção de um processo de letramento. São eles: - é preciso que se acredite na possibilidade de desenvolvimento da leitura e escrita para que o processo possa ocorrer; - despertar para o prazer pela leitura e escrita permitindo ao portador de Síndrome de Down a apropriação de práticas culturais, o exercício da capacidade intelectual e a possibilidade de deixar marcas de nossa história. Esses aspectos abrem caminhos que ajudam a construir uma escola democrática para dar oportunidade a todos e favorecer uma educação inclusiva. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HERRERO, Maria Jesús. Educação de alunos com necessidades especiais. Bauru: Edux, 2000. PADILHA, Anna Maria Lunardi. Práticas pedagógicas na Educação Especial: a capacidade de significar o mundo e a inserção cultural do deficiente mental. Campinas: Autores Associados, 2001. MAZZOTA, Marcos J.S. Educação Especial no Brasil: História e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 2003. KLEIMAN, Ângela (org). Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1995. SOARES, Magda. Letramento: um tema em gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. São Paulo, Cortez, 1997. AVALIAÇÃO DA GRADUAÇÃO: A HORA DA REFLEXÃO INTERNA. FONSECA, Gláucia Cristina Negreiros Silva13 Avaliação da graduação: a hora da reflexão interna. RESUMO. A grande expansão e diferenciação que tem ocorrido nos sistemas de ensino superior tornaram-se apenas uma de suas modalidades, como, por exemplo, nas modalidades de educação continuada, nas novas combinações de disciplinas e de alunos em programas de estudo com recortes temáticos, nas propostas de educação à distância. Com essa nova perspectiva de conhecimento, a universidade, hoje, convive com outros novos espaços de produção de ciência e tecnologia, a saber, as empresas, os institutos de pesquisa oficiais e privados. Tais fatores vão implicar numa demanda por Instituições de Ensino Superior, sejam elas públicas ou privadas, mais ágeis, capazes de contribuírem na formação de profissionais que conjuguem competências técnico-científicas e com aspirações sociais e valores que o façam agir e intervir na sociedade. PALAVRAS-CHAVE: ensino superior; conhecimento; formação. ABSTRACT This article aims to show how the great expansion and the differentiation which has occurred in the systems of graduation course become only one of its pattern such as continuated education, new combinations of subjects and students involved in programs of study with a range of themes in relation to distant education. The university, nowadays, with a new perspective of knowledge keep in touch with new spaces of production of science and technology like 13 Mestre em Educação. Coordenadora do Curso de Pedagogia- ICE the different kinds of companies, official and private research centers. These factors will call for colleges whether they are public or private in the sense of contributing for becoming professionals who join technical and scientific competence and with social and values aspirations which make them act in the society. KEYWORDS: University; knowledge; training deixa de preparar os profissionais com que o país conta e de atender boa parte dos egressos do ensino médio que batem às suas portas. Segundo o INEP, há dois concluintes do ensino médio para cada vaga no ensino superior, e a relação candidato-vaga mantém-se em torno de 4,0. O número de alunos matriculados no ensino Uma breve análise da universidade pública brasileira indica superior corresponde aproximadamente de 13% da população de 20 que ela tem sido pouco marcada pela diversidade nas atividades de a 24 anos. Esta taxa é inferior a da Argentina (39%), Chile (27%) e ensino de graduação, a diferenciação das suas atividades tem Bolívia (23%). ocorrido no âmbito do ensino de pós-graduação e pesquisa Ao mesmo tempo, a avaliação de cursos de graduação é acadêmica, mas pouco tem sido feito no que diz respeito à abertura praticamente inexistente, e quando existe não tem gerado de novas opções de ensino, novos formatos de curso, novas áreas, conseqüências práticas. Um mecanismo recentemente criado foi a modalidades de diplomas e de certificação, e mesmo na abertura de verificação da qualidade da formação no ensino de graduação, que algumas carreiras novas. está sendo dada via concluintes através do exame nacional de cursos, O sistema, de um modo geral, não alterou com profundidade o “provão”. Por essa perspectiva, o conceito de qualidade em as atividades de ensino, e a elevada qualidade das universidades educação associa-se a uma concepção que enfatiza o produto ficou sob a luz da pós-graduação e pesquisa, o ensino de graduação educativo, tomando como critério os resultados alcançados pelos acabou ficando para trás. A criação esporádica de novos cursos, a estudantes ao final de um processo de aprendizagem, assemelhando- lenta expansão do crescimento de vagas oferecidas no vestibular na se a uma aproximação ao mundo industrial e produtivo, que IES Federais têm sido acompanhada pela ausência, também, de considera a perfeição do produto como critério central de qualidade. notícias de atualização curricular, de inovação nos métodos pedagógicos e nos conteúdos. No entanto, nem sempre a introdução de procedimentos de avaliação externa foi acompanhada de processos internos de O desequilíbrio é grande, e o ensino de graduação que avaliação nas IES. É preciso reconhecer a ausência de práticas de constitui a primeira demanda social do sistema de ensino superior avaliação nas IES, ou mesmo considerar que raramente é realizado como deveria ser. Se as instituições de ensino superior se programa. A avaliação está, assim, inserida numa reflexão preparassem internamente para implementar procedimentos de permanente do próprio ato de educar, o educar no ensino de aperfeiçoamento graduação. de seu desempenho, certamente estariam adequadamente preparando-se para implementar procedimentos de Uma avaliação interna na graduação tem como motivação aperfeiçoamento de seu desempenho, estariam preparadas para a principal o acompanhamento dos projetos de formação no ensino comparação com padrões externos, quando chegar o momento de superior. Seu objetivo primordial seria a produção de conhecimentos avaliação do produto, o exame nacional de curso. novos sobre a realidade. A avaliação conduzida pelo olhar exterior no âmbito das ações de controle tem a O que se avalia em graduação, seria a primeira questão intenção de proceder a identificação das práticas institucionais e das polêmica. Avaliamos os alunos? Seus desempenhos e suas eventuais mudanças que poderão ser introduzidas, mas não deve habilidades? Suas competências sociais, políticas e profissionais? aniquilar ou substituir os mecanismos internos de avaliação . Avaliamos os cursos de graduação e suas possibilidades de formar o Não só por conta desse fator, que o avaliar no ensino de ser humano que existe no profissional? Avaliamos os cursos e suas graduação torna-se um momento inevitável, mas porque se formas de integração e arranjo? O que, nós, educadores, entendemos vislumbra que a renovação do sistema de ensino superior pode se e definimos como qualidade no ensino de graduação? (Mesmo ao se valer intensamente do diálogo entre avaliação interna e externa. considerar que o termo qualidade não represente um termo Quer-se crer, a princípio, que há um consenso entre os educadores de unanimemente aceito, qualidade significa coisas distintas para que a avaliação é imprescindível tanto para o processo de diferentes grupos de interesse). Não é possível deixarmos de refletir identificação do nível de qualidade das IES como de busca pela sobre todos esses aspectos. A avaliação da graduação tem um foco qualidade necessária. Enquanto processo, a avaliação não ocorre multidimensional para o estudo de questões tão complexas, a apenas num momento único da dinâmica educacional, mas, solução é ficar atenta a todas as dimensões que o compõe. principalmente, constitui-se como atividade contínua, periódica, Nesse sentido, assim, de pronto, é preciso reconhecer que o sistemática que acompanha as atividades desenvolvidas. A avaliação processo de avaliação na graduação merece uma atualização do acompanha o ciclo de uma atividade, de um projeto, de um próprio conceito de formação na graduação, o que implica deixar para trás a visão reducionista centrada no domínio de novas restituídos aos diversos atores participantes. Assim, cada um deles competências para as novas tecnologias, de novos saberes sobre o poderá valer-se dos resultados, segundo suas necessidades e processo de trabalho, de novas dimensões de personalidade percepção. O importante é observar que os conflitos decorrentes requeridas por mudanças pontuais na engrenagem da produção, nas possam se constituir como fonte de outras demandas de estudo. O oscilações do mercado de trabalho. Formar na graduação não pode processo de avaliar está aberto ao diálogo e à confrontação entre ficar à mercê somente das “novidades” alardeadas. pontos de vista distintos, sendo um momento de reflexão sobre a Formar na graduação é mais abrangente, é mais sensível, prática. implica necessariamente em pensar numa formação de longa Nesse caso, o processo de avaliação da graduação deve partir duração. É refletir sobre as possibilidades que temos de contribuir de uma definição ideal da vivência universitária. O que seria o ideal para a formação do ser humano em suas relações sociais, políticas, dentro de uma proposta de formação na graduação? Que o aluno culturais e éticas. Mais do que implementar uma metodologia pesquise ou participe das atividades extensionistas? Que ele vivencie apropriada , a prioridade no processo de avaliação será a formulação diferentes manifestações culturais ou que o curso possa sintonizar-se de determinados conceitos. Proceder a avaliação envolve a com as demandas da sociedade? confrontação entre a situação real e a ideal, o que exige análise e A polêmica da qualidade de um curso parte do reconhecimento reflexão, e alguns procedimentos. O debate sobre o ideal constitui da existência de diversas dimensões que se relacionam entre si e que um sistema de referências que orientem a procura de informações referenciam o processo de tomada de decisões. Com efeito, dentro necessárias para verificar as distâncias entre o que foi idealizado e o de uma proposta de avaliação voltada para a graduação é preciso que está sendo realizado. deixar claro o “quê”, “por quê” e “para quê” se avalia. É preciso, Tendo em vista certa compreensão do que seja formar na pois, nos perguntar se avaliamos para vislumbrarmos possibilidades graduação, penso que a avaliação, neste nível de ensino, deve de reformulação curricular ou para uma simples revisão dos preocupar-se em revelar os problemas e ajudar a encontrar as objetivos de cada curso, ou ainda, se para estabelecemos um vínculo soluções, as correções e os ajustamentos necessários. Para que isso com as demandas da sociedade, ou ainda, para termos evidências de possa acontecer, os resultados de cada pequena avaliação devem ser que estamos formando, se esse for nosso objetivo, um “ profissional pesquisador”. Ou será que é para identificarmos de que forma permanente, a auto-satisfação ou autoglorificação imobilista, e estamos respondendo aos mecanismos de pressão que exerce a promoverem a reflexão sobre os resultados colhidos na avaliação economia sobre a educação? E, até mesmo, num viés eminentemente externa economicista, sem se reduzir a ele, pode-se avaliar a eficiência dos possivelmente, seria um mecanismo da própria IES para demonstrar cursos, quais os objetivos atingidos e os recursos utilizados e, sua qualidade e suas vocações ao público, em geral, à sociedade e às mesmo, avaliamos a eficácia, o grau de comprimento dos objetivos fontes de financiamento e parceiros. propostos. e os seus critérios próprios de qualidade. Esse fator, Ao se resgatar o processo de avaliação da graduação como Uma proposta de avaliação da graduação consistente não deve movimento interno que só tem a contribuir com o debate sobre deixar de contribuir para uma autoconsciência institucional e a formação profissional no ensino superior, busca-se uma estratégia elaboração de subsídios para tomada de decisões. A própria decisão vital para superar os obstáculos que se colocam na melhoria de realizar a avaliação envolve muitas decisões. Há de se considerar qualitativa do ensino superior. O que pressupõe que a avaliação da o esforço das instituições e as muitas decisões que envolvem graduação possa munir-se de um conjunto de estratégias que tenha, deflagrar o processo de avaliação. Ademais, o processo de análise e partindo de diferentes pressupostos teóricos e utilizando diferentes comunicação dos resultados e recomendações traz, em si, uma nova procedimentos, como foco comum de estudo, a instituição discussão sobre os efeitos da incorporação de valores. A avaliação universidade. da graduação, como qualquer projeto de avaliação, não se faz sem abertura, mas num amplo processo de reflexão crítica e de transformação. Um outro fator importante é que a avaliação da graduação não Assim, formular um processo de avaliação da graduação é permitir incorporar aspectos diversos: A aprendizagem dos alunos; A atividade profissional dos docentes; se limite às decisões acerca da própria graduação, mas possa O currículo implantado, seu planejamento e avaliação; pressupor interfaces e interferências na instituição como um todo. A O funcionamento do curso; avaliação da qualidade dos cursos e seus currículos atrela-se à As inovações didáticas e organizativas propostas; capacidade crescente das instituições lutarem contra a letargia Os recursos de informação disponibilizados; Sua opção teorico-metodológica; de avaliação, definirmos nossas crenças sobre a formação de Os valores culturais preconizados; profissionais no ensino superior. Podemos nos incumbir dessa tarefa As experiências múltiplas de formação humana que a de forma autônoma e consciente ou permitir que a avaliação se estrutura curricular promove. Essa visão mais tensa e totalizante da avaliação da graduação seria constitua unicamente como processo externo do qual nos tornamos alheios. uma forma de suplantar, ou mesmo complementar, as diversas experiências avaliativas que expressam os valores de uma sociedade. 1 Embora ainda confirme a presença de estudantes dos A idéia não seria renunciar, ingenuamente, aos processos de segmentos de maior poder aquisitivo, já se pode identificar uma formação profissional, mas alargar o campo para além das tendência deselitizante no acesso as universidades. A Constituição necessidades imediatas do mercado de trabalho, que deve ser de 1988 definiu a adoção de outros mecanismos e critérios de percebida como perspectiva intrínseca a cada instituição, como seleção diferenciada do concurso vestibular tradicional. Outro movimento interno que busca confirmar certezas e encontrar aspecto determinante na questão de acesso ao ensino superior está na desafios. oferta de cursos de graduação no período noturno, segundo os Por fim, é preciso lembrar que a avaliação desencadeia um processo mesmos padrões de qualidade mantidos no período diurno. Assim, a de repensar que, por si só, desperta, areja e transforma a percepção e constituição destaca a ênfase na qualidade dos cursos noturnos o comprometimento com a qual os professores, alunos e compatível com a qualidade dos cursos diurnos, o que beneficia funcionários têm com relação à instituição. A própria instituição diretamente os candidatos trabalhadores que não têm condições de abre-se para o debate, consolida formas de coleta das informações matrícula, nos cursos diurnos. O lento e progressivo processo de internas e desenvolve condições de melhoria. O bom uso da alargamento das possibilidades de acesso ao ensino superior já avaliação possibilita que se avalie para conhecer, para valorar e para registra um maior contingente popular às portas das instituições. É melhorar. O seu mau uso serve até para justificar decisões possível observar, também, a crescente participação de alunos de previamente tomadas e pode servir para efeito de dominação. baixa renda, sobretudo, nas faculdades particulares. De certa forma, cabe a nós, educadores, através dos processos No entanto, se o acesso de um número significativo de jovens das camadas populares às instituições públicas pode indicar uma entre educação continuada, educação à distância, novas combinações tendência deselitizante, a universidade pública vive os anseios de de disciplinas e planos de estudo e formação específica. uma educação superior de qualidade, que não se biparta em duas O peso na geração de conhecimento se relativiza, a instituições, uma de ensino diurno (voltada para a Engenharia, universidade convive com novos espaços de produção, empresas e Odontologia, Medicina, Veterinária, etc) dos que tiveram percurso institutos de pesquisa. na escola privada, e outra, de ensino no período noturno, voltada A universidade deve ficar mais ágil. Uma breve análise da para os trabalhadores – para os cursos de Administração, Ciências experiência brasileira mostra que a diferenciação tem ocorrido mais Contábeis e Direito e licenciaturas. agilmente na pós-graduação e na pesquisa, e pouco ainda tem sido Um exemplo da atenção voltada para a promoção da qualidade feito no ensino de graduação, no que diz respeito a novas opções de de cursos de graduação é o Programa de Avaliação Institucional das ensino, formato de curso, novas áreas e carreiras. O ensino de Universidades Brasileiras, instituído pelo MEC, em dezembro de graduação parece ter ficado para trás. Não há notícias de atualização 1993 - O PAIUB - que contempla o fomento de uma cultura curricular, inovação de métodos pedagógicos e, também, nos avaliativa da universidade, de modo a envolver toda a comunidade conteúdos. acadêmica na discussão sobre a qualidade dos cursos oferecido, principalmente, sobre o cumprimento da função social das universidades. Ao solicitar projetos próprios de A avaliação interna é praticamente inexistente, ou pode-se considerar que raramente é realizada como deveria ser. avaliação O mecanismo do Provão, Exame Nacional de Cursos, hoje institucional às universidades, o PAIUB evoca a avaliação substituído pelo SINAES, vem com a perspectiva de uma avaliação quantitativa e avaliação das diversas dimensões da vida acadêmica – centrada no produto, já que, à maneira do processo industrial, a ensino, pesquisa, extensão e administração. perfeição do produto é critério central de qualidade. Contudo, a introdução de procedimentos de avaliação externa Sintetizando é acompanhada de processos internos de avaliação e as instituições No final do século, estamos assistindo a novos desafios na não se preparam internamente para implementar procedimentos de diferenciação no ensino superior. A graduação é uma modalidade aperfeiçoamento de seu desempenho. Não se preparam para a análise de comparação com os resultados da avaliação externa. competências requeridas pelo mercado de trabalho. Formar na A avaliação externa que controla as práticas institucionais e graduação não pode ficar à mercê das novidades alardeadas; implica sugere mudanças que poderão ser introduzidas, de forma alguma antes em pensar numa formação de longa duração, isto é, formar deve aniquilar os seus processos internos. A renovação do ensino de para adquirir relações sociais, políticas, culturais e éticas. graduação pode se valer intensamente do DIÁLOGO entre avaliação externa e interna. Há pelo menos consenso sobre a importância da avaliação.... O ideal aqui é o sistema de referências que orientam a busca de informações necessárias para verificar as distâncias entre a realidade e o ideal, porque o processo de avaliação deve partir da definição de como processo de identificação do nível da qualidade dos cursos, uma vivência de aspirações do universitário. Para que o aluno como busca para a qualidade necessária, o que pressupõe que esteja aprenda a pesquisar a fim de conquistar a sua autonomia intelectual e inserida na reflexão sobre o ato de educar no ensino superior. possa participar de atividades extensionistas, com o propósito de Motivação para a avaliação interna é acompanhamento dos vivenciar diferentes manifestações culturais. Esse ideal nos guia para projetos de formação, cujo objetivo é a produção de conhecimentos conhecer a realidade e o que referencia as decisões que serão novos sobre a realidade. tomadas. Reformular cursos, objetivos, arranjos e integração A primeira questão polêmica seria: o que avaliar na curricular e métodos de ensino. graduação? Os alunos? O que o vestibular/ processo seletivo revelou É esse movimento interno que a avaliação provoca, que quero sobre eles, numa orientação diagnóstica? Suas possibilidades diante enaltecer. A avaliação desencadeia um processo de repensar que por do curso? Avaliamos os cursos, suas formas de integração e arranjo? si só areja e transforma a percepção e o comprometimento dos Conseguimos definir o que entendemos por qualidade no ensino de alunos, professores e demais integrantes da universidade. A graduação, mesmo que qualidade signifique coisas distintas para instituição abre-se ao debate e desenvolve formas de melhoria. O diferentes grupos. bom uso da avaliação possibilita calcular para conhecer, para Avaliar na graduação merece de pronto, uma atualização conceitual sobre formação no ensino superior. Implica deixar para trás a visão reducionista de formação centrada no domínio de melhorar e o mau uso para justificar decisões já tomadas para efetuar o domínio. Por último, gostaria de recomendar que a avaliação seriamente formulada atrela-se à capacidade de as instituições lutarem contra a p. 133-159, set. 2003. letargia permanente, a auto-glorificação imobilista. É também uma BARREYRO, G. B. Do provão ao SINAES: o processo de construção de um novo modelo de avaliação da educação superior. Avaliação, Campinas, ano 9, nº 2, p. 37-49, jun. 2004. possibilidade da universidade demonstrar sua vocação à sociedade, em geral. Cabe a nós, educadores, através dos processos internos de avaliação, definirmos nossas crenças sobre a formação no ensino superior. Podemos cumprir a tarefa de forma autônoma e consciente ou permitir que a avaliação se constitua como processo externo do qual nos tornamos alheios, apenas meros leitores passivos dos resultados. Há de se considerar o esforço das instituições em fazê-lo. O processo envolve o debate de valores, a análise da multidimensionalidade da formação na graduação, a busca de procedimentos diversos, a comunicação e devolução dos resultados das pequenas avaliações e assim, decidir, a partir de seus resultados. Creio que não há mais pretextos para adiar o processo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRIOLA, W. B. 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AS TICs E A APRENDIZAGEM COLABORATIVA condições para a realização da aprendizagem possibilitada pelas tecnologias da informação e comunicação. 14 Vasconcelos , Maria Auxiliadora Marques Alonso15, Kátia Morosov Neste caso, a questão determinante não é a tecnologia em si mesmo, mas a possibilidade da relação das TICs no processo RESUMO Este texto toma como ponto de partida, a relação entre as TICs e a aprendizagem colaborativa no contexto de novas possibilidades de interação. Ressalta a implementação das TICs no processo ensino/aprendizagem especificamente uma leitura sobre a capacidade de dinamizar a construção do conhecimento através da aprendizagem colaborativa. PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem; Colaboração; Interação; Comunidades; Tecnologias. ensino/aprendizagem, em particular, trabalho colaborativo. ABSTRACT This text takes as a starting point, the relationship between ICT and collaborative learning in the context of new opportunities for interaction. Emphasized the implementation of ICTs in the teaching / learning specifically for a reading on the ability to boost the construction of knowledge through collaborative. KEYWORDS: Learning; Collaboration; Interaction; Communities; Technologies. A Aprendizagem Introdução “aprender” teria manifestado a idéia de aprender como ação. Objetivamos analisar aqui, utilizando para tanto pesquisa de revisão bibliográfica, sistematizações de compreensões sobre a “aprendizagem colaborativa”, entendo-a como processo ativo que valoriza a participação na construção do conhecimento, privilegiando processos coletivos e significativos. A palavra aprendizagem vem do latim apprehendere e designa a ação de aprender, tomar conhecimento (CUNHA, 1982, p.60). Tomar conhecimento implica, então, agir. Esse entendimento traz implícito a ação de alguém, podendo ser reconhecido como sujeito da construção do conhecimento. Em sua etimologia, o A implementação das Tecnologias da Informação e O conceito de aprendizagem encerra desde sua origem maior Comunicação com ênfase na aprendizagem permite interação e amplitude, ao criar vínculos que favorecem intervenções, provocar o convivências. Nesta perspectiva, podemos dizer que estão dadas as pensar e a descoberta de soluções para problemas, não sendo um processo individualizado e linear. Dessa maneira, não é apenas 14 15 Mestranda em Educação do Programa de Pós-graduação da UFMT. Docente do Programa de Pós-graduação da UFMT. aquisição de conhecimentos, conteúdos ou informações. Se considerarmos a aprendizagem como processo de escolhas compartilhadas e, daí para os processos de ensino aprendizagem, A Teoria teremos, como condição inicial, o planejar de ações que estabelecem Alguns pressupostos teóricos das propostas de colaboração e o diálogo entre o aluno e o professor. Diálogo esse apoiado em cooperação foram apresentados pelos psicólogos da Gestalt, Kurt referenciais que ajudam o professor a interpretar o que ocorre em Koffka sala de aula ou em seu grupo de formação. Interdependência Social e Dinâmica de Grupo, e por Jean Piaget e Embora isso possa ocorrer em vários lugares, é na escola, em tese, que seriam organizadas as condições específicas para a Lévy e Kurt Vigotski, Lewin, que precursores desenvolveram do a Teoria Construtivismo e da do Sociointeracionismo. (Torres, 2007. p.67). constituição de conhecimentos tidos como edificadores do A teoria que contribui para a compreensão da aprendizagem pensamento humano e emancipatórios quanto às suas finalidades. colaborativa é fundamentada nas Teorias da Epistemologia Genética Esta organização intencional, planejada e sistemática das finalidades de Piaget e na teoria Sociocultural de Vigotsky, que contemplam: e condições da aprendizagem escolar seria tarefa específica do ensino. Por isso, vale ressaltar o que afirma Kenski (2007): A proposta é ampliar o sentido de educar e reinventar a função da escola, abrindo-a para novos projetos e oportunidades, que ofereçam condições de ir além da formação para o consumo e a produção. Se assim concebida, a aprendizagem não necessitaria ser A teoria da flexibilidade cognitiva; O conhecimento situado, aprendizagem cognitiva, aprendizagem baseada na resolução de problemas; O conhecimento distribuído. Entretanto, a aprendizagem colaborativa insere-se, também, em um conjunto de tendências pedagógicas e bases teóricas que são: O Movimento da Escola Nova; A Pedagogia Progressista. mais um processo de aquisição e domínio de conhecimentos, pois ela pode ser mediada pelas tecnologias disponíveis que oferecem novos Ressaltam-se, ainda, a aprendizagem colaborativa, desafios e possibilidades de acesso à informação, interação e de pressupostos da Escola Nova e das idéias de Dewey (1998), na comunicação, e que também nos orientam para novas aprendizagens. medida em que elas valorizam a ação do sujeito em ambiente democrático e com vivência comunitária. Estas teorias fundamentam-se na hipótese de que os sujeitos participação no processo do aprender é primordial para a definição deste conceito. são agentes ativos, que intencionalmente procuram e constroem Para Dillenbourg (1999), a aprendizagem colaborativa é uma conhecimento num contexto significativo, havendo valorização cada situação de aprendizagem nas quais duas ou mais pessoas aprendem vez mais importante do papel central do aluno, no processo de ou tentam aprender algo juntas. Colaboração que não visa aprendizagem e no conceito de trabalho em grupos, como um espaço uniformização, mas a heterogeneidade que possibilita novas formas de criação e construção de conhecimentos. de relações entre pares. Portanto, estas teorias formam, sem dúvida, as bases da Desta forma, ainda que as TICs tenham suas especificidades aprendizagem colaborativa. E, por suas características próprias, a e nos orientem para novas aprendizagens, é preciso aliar os objetivos aprendizagem colaborativa propicia uma forma de ensinar e do grupo, bem como o suporte tecnológico proporcionado pela aprender que supera o modelo tradicional de ensino. interação possibilitada por essas tecnologias. Sob esta ótica, Garcia (2001), destaca que: O mundo da educação não pode ignorar esta realidade tecnológica nem como objeto de estudo e, muito menos, como instrumento para a formação de cidadãos que já se organizam nesta sociedade através de ambientes virtuais. A Aprendizagem Colaborativa Colaboração tem um sentido de “fazer junto”, de trabalhar em conjunto em interação, não havendo composição hierarquizada do grupo. De acordo com Barros (1994): Colaborar (co-labore) significa trabalhar junto, que implica no conceito de objetivos compartilhados e uma intenção explicita de somar algo – criar alguma coisa nova ou diferente através da colaboração, se contrapondo a uma simples troca de informação ou de instruções. Verificamos que, para se obter um trabalho “colaborativo”, a Neste cenário, vivemos um novo momento que, pouco a pouco, a aprendizagem passa ser apoiada pelas TICs. De fato, tais tecnologias têm potencial para suportar formas diversificadas de interação, de comunicação e de colaboração se pensarmos em aprendizagem na acepção antes referida: indicativa do comprometimento de seus membros numa comunidade que compartilhe experiências. Dentro desse contexto, ela pode indicar uma outra refletir sobre o que faz, sendo-lhe dada oportunidade de pensar por si organização do processo ensino/aprendizagem, denominada de mesmo e de comparar o seu processo de pensamento com o dos “aprendizagem colaborativa”, tendo como pressuposto a cooperação outros, promovendo o pensamento crítico. Parte também da idéia de e a participação dos envolvidos num processo dinâmico de que existem dois tipos de conhecimento: o alicerçado e o não interações articuladas e em permanente integração entre o individual alicerçado. e o social. O conhecimento alicerçado é o elaborado, disponível nos A expressão “aprendizagem colaborativa” descreve uma livros. O conhecimento não alicerçado é construído socialmente, situação na qual se espera que ocorram formas particulares de pela interação com outros indivíduos. Este conhecimento é possível interação entre sujeitos capazes de desencadear processos de de ser alcançado quando pessoas estão trabalhando juntas, direta ou aprendizagem. indiretamente, conversando e chegando a um acordo. Por trabalho colaborativo, nós designamos, por conseguinte, O conhecimento é visto como uma construção social e, por de uma parte, a cooperação entre os membros de uma equipe e de isso, o processo educativo é favorecido pela participação social em outra, a realização de uma equipe e de outra, a realização de um ambientes que propiciem a interação, a colaboração, a avaliação e os produto final: a Internet apresenta-se neste tempo como a ferramenta ambientes de aprendizagem colaborativos que são ricos em adequada para colocar em operação as pedagogias colaborativas. possibilidades e propicia o crescimento do grupo. (Torres, 2004. p. 64). Essa aprendizagem possibilita a dinâmica de grupo que Esses espaços podem ser entendidos como espaços onde se permite alcançar objetivos qualitativamente mais ricos em conteúdo, procura o equilíbrio entre as necessidades sociais e individuais, ao na medida em que reúne propostas e soluções de vários alunos do serem proporcionadas aos aprendizes estruturas de participação grupo, bem como no nível pessoal, pois os alunos aprendem a específica e de atividade para a aprendizagem social, para a trabalhar com os colegas e a depender deles para alcançar os colaboração, a comunicação e a construção do conhecimento. objetivos de sua aprendizagem e ampliar o resultado do processo. A aprendizagem colaborativa pressupõe um ambiente de Dessa forma, o aluno é incentivado a estudar e pesquisar de aprendizagem aberto em que o sujeito se envolve a fazer coisas e a modo independente, extra classe, com o intuito de fortalecer o O aluno é elemento ativo na construção de seu conhecimento, através do contato com o conteúdo e da interação feita no grupo; o conteúdo favorece a reflexão do aluno, e o professor é o responsável pela orientação da construção de significados e sentidos em determinada direção. aprendizado e dinamizar a comunicação e a troca de informações entre os colegas. Portanto, tornar a ação em sala de aula um trabalho onde o aluno constrói o próprio conhecimento não é tarefa que possa ser deixada a cargo de um livro. Neste contexto, ser construtivista é trabalhar sempre com A principal contribuição da aprendizagem colaborativa é a desafios que permitam ao aluno ir além do que sabe, fazendo-o interação sinérgica entre sujeitos que pensam diferente, e a buscar soluções que superem sempre as já conhecidas. construção de um produto que somente pode ser alcançado com a E esta ação construtivista está nas mãos do mediador da contribuição de todos os pares envolvidos. aprendizagem: o professor que deve oferecer ao aluno oportunidades Desta forma, o esforço conjunto de alunos, a troca de de respostas, caminhos e soluções variadas e criativas, estabelecendo conhecimentos e de experiência realçam a aprendizagem e podem entre eles a troca das muitas possibilidades do pensamento. levar a um conhecimento mais duradouro. Assim, o papel do professor no contexto colaborativo, seria o de oferecer orientações e disponibilizar materiais eletrônicos de sua autoria ou links da própria rede ou proponha debates sobre alguns As Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs As TICs têm suas próprias lógicas, linguagens e modos dos pontos relevantes do tema que se está estudando, debates sobre particulares de comunicar-se, por isso seus aspectos positivos novas questões não trabalhadas no seu plano de ensino, ainda que merecem reconhecimento. relacionadas com o mesmo, seja o incentivador e organizador das atividades da aula. Quanto ao aluno, que resolvam problemas propostos pelo professor, desenvolvam trabalhos colaborativos dentro de pequenos grupos e seja pesquisador de sua própria atividade. É nesse sentido que Vigotski (2007) contempla: Assim, consolida-se de fato, seu potencial de uso, através da atualidade tecnológica bem como os diferentes modos de aprendizagem que devem fazer parte do cotidiano das pessoas. Atualmente, a utilização das TICs está cada vez mais presente na vida do cidadão. Introduzir as tecnologias no contexto escolar significa, também, a necessidade de criar uma nova cultura educacional, que resulta de mudanças estruturais nas formas de ensinar e aprender. Segundo Kenski (2007, p. 66), as TICs e o ciberespaço como um novo espaço pedagógico oferecem grandes possibilidades Segundo Lévy (1999), novas maneiras de pensar e de conviver e desafios para a atividade cognitiva, afetiva e social de alunos e estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da professores, mas para que isso se concretize , é preciso olhá-los por informática. As relações entre os homens, o trabalho, a própria uma nova perspectiva. inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de As Tecnologias da Informação e Comunicação têm um papel dispositivos informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, significativo na criação do ambiente colaborativo. Mais importante é audição, criação e aprendizagem são capturadas por uma informática ressaltar a observação feita por Marco (2003. p.147) cada vez mais avançada. A sua importância é vista aqui não pela sua potência Vale salientar que, atualmente, as TICs viabilizam a tecnológica enquanto máquina no sentido epistemológico da palavra, comunicação, porém, o que agrega maior peso a elas é o fator mas pelas inúmeras possibilidades que o professor, através da integração, ou seja, a interface de cada uma delas. Considerando esse máquina poderá criar. O que irá definir a potência das máquinas não cenário, é relevante destacar uma interessante observação: é somente a sua tecnologia, mas sim o potencial e a intenção de Atualmente, a maior parte dos programas computacionais desempenham um papel de tecnologia intelectual, ou seja, eles reorganizam, de uma forma ou de outra, a visão de mundo de seus usuários e modificam seus reflexos mentais. As redes informáticas modificam circuitos de comunicação e de decisão nas organizações. Na medida em que a informatização avança, certas funções são eliminadas, novas habilidades aparecem, a ecologia cognitiva se transforma. O que equivale a dizer que engenheiros do conhecimento e promotores da evolução sociotécnica das organizações serão tão necessários quanto especialistas em máquinas. (Lévy, 1999). quem está por trás dela, ou seja, o homem. Desta forma, o uso das TICs possibilita novas formas para a produção e propagação de informações, a interação e a comunicação, deixando as pessoas mais livres para ampliar a sua capacidade de reflexão e, também, partilhar em grupos ou comunidades virtuais. É importante frisar que as TICs propiciam uma configuração topológica de possibilidade interativa, pois ajuda a construir laços sociais baseados no conhecimento, além das operações simbólicas e interações sensório-motoras. Na era da informação, as TICs também são importantes para a educação, movimentam-nas e provocam novas mediações com possibilidade de diálogos e interações permanentes. A utilização das múltiplas formas de incentivado contribui para a construção do conhecimento. As idéias chave da aprendizagem colaborativa contemplam a interação e interação que pode levar à aprendizagem individual, enquanto que a comunicação através das TICs certamente transformarão, também, compreensão pode ser resultante da participação em formas de as atuais formas de gestão da educação. interação e comunicação sociais ou devidas à participação numa Assim, as TICs revolucionam não só as máquinas, como comunidade de prática ou de aprendizagem. também as interações que os sujeitos fazem entre si e com/na Estas interações ocorrem em um ambiente caracterizado pela sociedade, transformando sua capacidade de relacionar com o outro ausência de hierarquia formal, com respeito mútuo às diferenças e a sua capacidade de ver e agir consigo mesmo. individuais e liberdade para exposição de idéias e questionamentos. O uso das TICs é mais uma ferramenta para a aprendizagem Para Vigotski (1998), a colaboração entre alunos ajuda a colaborativa que pode oferecer um suporte na comunicação entre desenvolver estratégias e habilidades gerais de soluções de indivíduos e grupos, possivelmente possibilitando uma organização problemas pelo processo cognitivo implícito na interação e nas atividades e nos processos desempenhados nesta aprendizagem. comunicação. A colaboração com outros pares ou outros mais competentes A Interação O conceito de interação é muito abrangente e, de acordo com pode conduzir à compreensão individual e a formas partilhadas de conhecer, mas deve ser, também, fomentada e construída. Marco Silva, comporta pelo menos "três interpretações: uma Atividades de pesquisa, interpretação, comunicação e partilha genérica, uma mecanicista linear (sistêmica) e uma marcada por podem ajudar os alunos a tornarem-se construtores mais ativos do motivações e predisposições (dialética interacionista).” (2000, p. próprio conhecimento, além de desenvolverem capacidades de 103). metaconhecimento e de pensamento crítico. Interação é uma forma de relacionamento em que há trocas e Em uma abordagem colaborativa, faz sentido para os influência mútua. Dessa forma, as interações sociais são importantes participantes que eles se conectem em função de problemas, para o processo de aprendizagem e todo o processo interacional interesses e experiências a compartilhar, pois a atividade em grupo possibilita uma menor competitividade, e na negociação reúne conteúdos. Salas de aula que enfatizam a comunicação e a propostas e soluções dos vários elementos, possibilitando assim colaboração baseadas em atividade formal e em estruturas de alcançar níveis qualitativos mais elevados em conteúdo. participação. A colaboração vai além do envolvimento direto em atividades A participação numa comunidade fornece à aprendizagem um específicas. É um processo que ajuda os alunos a atingir níveis mais contexto social o qual dá suporte às tarefas e às atividades em que os profundos de geração de conhecimento por meio da criação de aprendizes estão envolvidos, tendo em vista o desenvolvimento de objetivos comuns, trabalho conjunto e um processo compartilhado uma base de conhecimento partilhado. de construção de sentido. (Paloff e Pratt, 2001). Dentro de cada comunidade, os alunos são produtores e consumidores de conhecimento, não apenas para eles, mas também As Comunidades de Aprendizagem As comunidades de aprendizagem podem ser constituídas por grupos virtuais de alunos e professores, pertencentes à mesma escola ou não, que desejem estudar junto e trocar experiências. Caracterizam-se pelo seu aspecto informal e democrático, em que as pessoas interagem em propostas colaborativas de pesquisa, estudo, discussão, troca de informações, debates e reflexão conjunta, possibilitando: O trabalho em equipe; As atividades de pesquisa-ação; Os projetos de intervenção nas escolas e comunidades. para a comunidade, uma vez que o conhecimento é distribuído entre os membros dessa comunidade através da interação social, da colaboração e da comunicação. A comunidade de aprendizagem é constituída por pessoas com características determinadas, com interesses ou necessidades comuns que surgem com a interação. Assim, as comunidades de aprendizagem podem ser observadas, a partir da interação geradas por uma equipe que busca a produção do conhecimento constantemente. O papel preponderante do trabalho colaborativo é que o sujeito ganhará mais confiança para produzir algo, criar mais livremente, A colaboração em um ambiente computacional torna-se visível sem medo dos erros que possa cometer, aumentando sua e constante, vinda do ambiente livre e aberto ao diálogo, da troca de autoconfiança, sua auto-estima, na aceitação de críticas, discussões idéias, onde a fala tem papel fundamental na aplicação dos de um trabalho feito pelos seus próprios pares. Portanto, a tecnologia na escola precisa ser compreendida como um componente adequado no processo educativo, pois o meio digital possibilita o uso de abordagens educacionais, que segundo Almeida (2003), pode ter como foco: As relações que podem se estabelecer entre todos os participantes, evidenciando um processo educacional colaborativo, no qual todos se comunicam com todos e podem produzir conhecimento. A utilização dos computadores em ambientes de trabalho e aprendizagem colaborativos pode tornar diferentes formas: Colaboração em relação ao computador (um ou mais alunos trabalham num mesmo computador); Colaboração baseada numa rede local (um ou mais alunos trabalham em vários computadores no mesmo lugar); Colaboração no ciberespaço, baseada numa rede alargada (um ou mais alunos trabalham em computadores geograficamente distantes). Os sistemas informáticos de suporte à comunicação mediada pelo computador e de apoio à aprendizagem colaborativa (tecnologias de groupware: tecnologia para agrupar pessoas) são típica e tradicionalmente classificados por categorias segundo uma matriz de tempo/localização dos utilizadores denominados: Síncrona (ocorre ao mesmo tempo - videoconferência); Assíncrona (tempo diferente – correio eletrônico, hipertexto); Presenciais (mesmo lugar); Remotos (lugar ou lugares distantes). O apoio ao trabalho colaborativo envolve um conjunto de ferramentas, estruturadas em groupware. Com este ambiente, professores e alunos reavaliam continuamente seus papéis, na medida em que vislumbram novas possibilidades de inserção de novos recursos tecnológicos quanto às formas de utilização, promovendo novas interações sociais. O groupware supõe a modelagem de sistemas baseados em computador que suportam grupos de usuários envolvidos em um trabalho comum e que proporciona uma interface ao ambiente compartilhado. Na realidade, o groupware é o hardware e software que suportam e ampliam o trabalho em grupo. Estas plataformas identificam-se genericamente pela incorporação das seguintes características: Facilidade de utilização tanto para o professor como para os alunos; Variedade de meios (texto, gráfico, vídeo, áudio); Diferentes modos de comunicação (um para todos, um a um, e todos para todos); Comunicação em tempo real (chat, videoconferência); Listas de discussão (foros); Pesquisa de textos; Ligações html; Avaliação on-line dos alunos; Acompanhamento das atividades dos alunos; Ajuda e tutoria on-line; Possibilidade de acesso remoto para professores e alunos; Segurança e acesso mediante palavra-chave; Facilidade de atualização de novas versões. ensino/aprendizagem da interação. Esperamos que os aspectos abordados neste trabalho venha a contribuir para a discussão das TICs, refletindo acerca delas e sistematizando-as Portanto, o computador é, na realidade, um dos maiores como socializadora nos processos de aprendizagem, entre elas, a colaborativa. benefícios trazidos pelas TICs que reside na experiência do compartilhar e interagir. Importante como um recurso para a REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS aprendizagem colaborativa como o papel de suporte, pois enfatiza as possibilidades de usá-lo, não somente como uma ferramenta individual, mas através dos quais os alunos e os grupos podem ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de; ALONSO, Myrtes, TERÇARIOL, Adriana Aparecida de Lima. Tecnologias na formação e na gestão escolar. São Paulo: Avercamp, 2007. colaborar uns com os outros. Considerações finais Assim, com o objetivo de incorporar novas formas de trabalhar o conhecimento, este texto destaca como as TICs contribuem para aprendizagem colaborativa construindo espaços de expressão para ampliar a linguagem comunicativa dos sujeitos, como mais um sistema semiótico (ou de significados). Além disso, ressalta as TICs no processo ensino/aprendizagem pautada em um processo comunicativo, numa relação entre as pessoas, com ou sem instrumentos tecnológicos. Torna-se relevante ressaltar ainda as TICs como apoiadoras da aprendizagem colaborativa, com a qual se pode acrescer o processo GOMEZ, Margarita Victoria. Educação em rede: uma visão emancipatória. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2004. (Guia da escola cidadã; v. 11). KENSKI, Vani Moreira. Educação e Tecnologias: O novo ritmo da informação. Campinas, SP: Papirus, 2007. ____________ Aprendizagem mediada pela tecnologia. In Diálogo Educacional. 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Sebastião,/Quer venha ou não!/Grande é a poesia, a bondade e as danças.../Mas o melhor do mundo são as crianças, /Flores, música, o luar, e o sol que peca/ só quando, em vez de criar, seca./ E mais do que isto/ É Jesus Cristo,/ Que não sabia nada de finanças,/Nem consta que tivesse biblioteca...”(Fernando Pessoa). COENGA,Rosemar16 RESUMO Este trabalho tem como objeto, o estudo das práticas de leitura literária na escola e, como objetivo, demonstrar que a leitura na escola está associada ao prazer e a fruição estética. Quero trazer à reflexão, a idéia de que leitura é prazer. PALAVRAS-CHAVE: leitura, literatura e prazer estético. RÉSUMÉ Cette travaille a, pour objet, l’ étude des pratiques scolaires de lecture littéraire dans l’école et comme objetif démontrer qui a lecture dans l’école est associe au plaisir et a fruicion estétique. Je voudrais discuter l’idée de qui la lecture est plaisir. MOTS-CLÉ: lecture, litterature et plaisir estétique. Penso que é preciso buscar o prazer, mesmo que no descumprimento das normas e dos discursos mais sacramentados. O dicionário Aurélio traz a seguinte definição da palavra prazer [Do lat. Placere.] Causar prazer ou satisfação; agradar, aprazer, comprazer. Sensação ou sentimento agradável, harmonioso, que atende a uma inclinação vital; alegria, contentamento, satisfação, deleite. Para mim, a leitura literária desencadeia em nós nossa quota Inicio minha reflexão com base no texto poético “Liberdade”, de Fernando Pessoa: “Ai que prazer/ não cumprir um dever./ Ter um livro para ler/ e não o fazer!/ Ler é maçada, /estudar é nada./ O sol doira sem literatura./ O rio corre bem ou mal, / sem edição original./ E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal/ como tem tempo, não tem pressa.../Livros são papéis pintados com tinta./Estudar é uma coisa em que 16 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Doutorando em Teoria Literária pela Universidade de Brasília (UNB). de humanidade, na medida em que nos torna mais compreensivos, tolerantes e sensíveis, porque tratam de assuntos que afetam a dimensão humana. Para Jouve (2002), “o charme da leitura provém em grande parte das emoções que ela suscita. Se a recepção do texto recorre às capacidades reflexivas do leitor, influi igualmente talvez, sobretudo sobre sua afetividade. As emoções estão de fato na base do princípio de identificação, motor essencial da leitura de ficção”. (Jouve, 2002, p. 19). O que desejo com esta reflexão é traçar um percurso feito pelo leitor, entre o prazer e a fruição, para tanto recorro às idéias de Roland Barthes, Umberto Eco, Hans Para Barthes, o texto de gozo é sempre insuportável, sempre Robert Jauss e de outros estudiosos que discutem amplamente esses colocando em jogo a morte, a perda, a destruição das certezas do assuntos. sujeito, a ruína de seus alicerces, enquanto o texto de prazer O texto tem seu sabor. É ele que nos leva ao prazer da leitura. È muito comum o leitor utilizar metáforas culinárias para revelar seu reconforta o leitor, “contenta, enche, dá euforia”, não estabelece entre leitor e linguagem uma relação de crise. prazer gustativo diante de leitura. São comuns verbos como digerir, Assim, o texto de fruição é de ruptura, de desdobramentos, de devorar, engolir etc utilizados por leitores ávidos, sedentos. defecção. É uma “esfoladura”, nas palavras de Barthes. Na tradição Em seu livro O prazer do texto, partindo das idéias psicanalíticas de gozo e prazer, e tentando articular através delas dois tipos de lógica de funcionamento do texto, Barthes demonstrará que o texto de gozo, ao contrário do texto de prazer, não obedece a uma dinâmica do preenchimento, da satisfação, mas aponta para algo da pesquisa sobre leitura literária, várias posições teóricas disputam lugar. Para Jouvé (2002) há duas abordagens centrais: uma que se ocupa do como se lê, representada pela Escola de Constance e a outra, que se preocupa com o que se lê, representada pelas teorias que analisam os leitores reais. que se situa sempre adiante, sempre mais além, e que, portanto, A Escola de Constance tem por objeto o estudo da relação nunca é atingido, nunca se completa, nunca se satisfaz. Para Barthes anteriormente textual para a relação leitor/texto. Os principais (1996): representantes desta escola são Jauss (1979), com a Teoria da Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável da leitura. Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem. (Barthes, 1996, pp. 21-22). Estética da Recepção, e Iser (1996), com a teoria do leitor implícito. Na visão de Jauss, o leitor ganha uma grande dimensão. A sucessão dos leitores de uma obra constitui a própria história literária, ou seja, o texto literário não sobrevive sem um público. Nesse caso, a literatura não deve ser estudada a partir de seu impacto sobre as normas sociais, uma vez que pré-forma a compreensão de mundo do leitor, repercutindo então em seu comportamento social. Iser se preocupa com o leitor em particular, pois para ele o leitor é pressuposto do texto. Logo, ele tenta vislumbrar como um texto Trata-se, portanto, de uma leitura que exige do leitor literário direciona a leitura do leitor e como este reage experiência, habilidades e conhecimentos de mundo, de língua e de cognitivamente aos percursos impostos pelo texto. texto, a fim de que ele possa, durante o processo de interação, Além de Jauss e Iser, Eco (1994) postula uma análise da leitura cooperativa, cujo objetivo, próximo ao de Iser, é estudar as projetar algo de si mesmo na construção de um sentido para o texto e, ao mesmo tempo, buscar no outro a descoberta do seu próprio ser. maneiras pelas quais o texto programa sua recepção e as formas Como professor, compartilho a idéia de que a leitura é um pelas quais o leitor (modelo) responde às solicitações das estruturas ato interativo e de compreensão de mundo, e persigo a idéia de que a sociais. Na proposta de Jouvé (2002) é imprescindível determinar os leitura literária em sala de aula deve favorecer o prazer e a fruição papéis do texto e do leitor na concretização do sentido para a estética. investigação de como se lê e o que se lê. Se a leitura é vista como A pesquisa desenvolvida pela professora Lílian Lopes Martin produção interativa entre leitor e texto, dessa maneira, a obra da Silva (1986), sobre o ensino da literatura para jovens do ensino literária tem constitutivamente, necessidade da participação do fundamental, demonstra através de depoimentos dos alunos, como as destinatário. O universo textual é sempre inacabado e a recepção e, estratégias e os métodos utilizados em sala de aula resumos, pois, o acabamento da obra. Para Jouvè (2002), o papel do leitor na questionários, fichas de leitura, provas, etc., em vez de motivarem os interpretação textual se dá da seguinte maneira: leitores à leitura literária, na verdade se transformavam numa “didática Há sempre duas dimensões na leitura: uma comum a todo leitor porque determinada pelo texto e outra variável até o infinito porque depende do que cada um projeta no texto de si mesmo.[...] A leitura levando o leitor a integrar a visão do texto a sua não é uma atitude passiva. O leitor vai retirar desta relação não só sentido, mas também significação[...] O que permite a leitura é a descoberta da sua alteridade. O outro do texto, narrador ou personagem, nos remete a uma imagem de nós mesmos. (Jouvé, 2002, pp. 94-97). da destruição da leitura”, termo cunhado pela pesquisadora. Soares (1999), ao discutir o ensino da literatura infantojuvenil, considera o processo de escolarização inevitável, por ser da essência da escola a instituição dos saberes escolares. Entretanto defende a possibilidade de descoberta de uma escolarização adequada da literatura. E o que significa escolarização? Segundo a ao se tornar saber escolar se escolarize, porque isso significaria pesquisadora, o conceito escolarização é, em geral, tomado no negar a própria escola, afirma Soares (1999, p.21). sentido pejorativo, depreciativo, quando utilizado em relação a É importante salientar que, ao analisar o ensino de literatura, conhecimento e saberes, produções culturais, como há conotação a autora não condena a escolarização desse conhecimento, mas sim, pejorativa nas expressões adjetivadas conhecimento escolarizado, a forma inadequada com que ela tem se realizado no cotidiano arte escolarizada, literatura escolarizada. No entanto, em tese, não é escolar. Essa imprópria escolarização contribui para a falsificação, a correta ou justa a atribuição dessa conotação pejorativa. É necessário distorção da literatura, uma vez que esvazia o texto literário de seu lembrar que, não há como ter escola sem ter escolarização de potencial, congelando-o, por exemplo, em definições e classificações conhecimentos, saberes, artes, diz a autora, uma vez que o que concorrem para afastar o aluno das práticas de leitura literária, surgimento da escola está atrelada à constituição de saberes desenvolvendo nele resistência ou aversão. escolares que se presentificam e se formalizam em currículos, Não se trata, como bem destacou Soares, de condenar a matérias, disciplinas, programas e metodologias, nada disso exigido escola ou a relação desta com a literatura. Literatura e escola são pela invenção, responsável pela criação da escola, de um espaço e de duas instituições e é como tal que estão em constante interação. um tempo de aprendizagem. Para favorecer a leitura prazerosa é importante que o Na concepção de Soares, portanto, a escola é instituição em professor tenha a preocupação e o cuidado da seleção, organização e que o fluxo das tarefas e das ações é ordenado em torno de no tratamento dos textos. A minha experiência como professor procedimentos formalizados de ensino, isto é, ordenado através de mostra que para instaurar o prazer do texto literário em sala de aula, um tratamento peculiar dos saberes pela seleção, e conseqüente primeiramente, é necessário, saber quem é esse aluno, indagar sobre exclusão, de conteúdos, pela ordenação e seqüenciação desses seu ambiente familiar, o tipo de leitura favorita, freqüência com que conteúdos, pelo modo de ensinar e de fazer aprender esses lê, autores favoritos, como gostaria que fossem suas aulas de conteúdos. È a todo esse processo que a autora chama de literatura, entre outros aspectos que o professor possa considerar escolarização processo que a institui e que a constitui. Nessa relevantes. perspectiva, não há como evitar que a literatura, qualquer literatura, Levando em conta as diretrizes estabelecidas, o professor poderá propor um programa de leituras, para ser trabalhado durante exemplo, o aluno não quer ler e forçá-lo a isso não contribuirá na determinando tempo, que pode se desenvolver através de crônicas, formação do gosto pela leitura por parte deste. textos curtos, poesias, fábulas, romances, novelas. Contudo, penso Assim, é importante que a hora de ler tenha o perfil que o que é importante que esse programa seja discutido com os alunos, leitor empregar a ela. O professor será um observador perspicaz e privilegiando a participação/interação nesse processo. dedicado, pronto para corrigir possíveis desvios do objetivo da Um outro aspecto que considero relevante destacar consiste nas palavras de Pennac (1998). Para ele, o leitor possui direitos proposta programada, mas os agentes do momento reservado à leitura serão o leitor e o livro. imprescritíveis, dentre eles: Para mim, não se pode pensar em formar aluno-leitor se não 1. O direito de não ler; houver o professor-leitor. Para Lajolo (1994) a discussão sobre 2. O direito de pular páginas; leitura, principalmente numa sociedade que pretende democratizar- 3. O direito de não terminar um livro; se, começa dizendo que os profissionais responsáveis pela iniciação 4. O direito de reler; na leitura devem ser bons leitores. Um professor precisa gostar de 5. O direito de ler qualquer coisa; ler, precisa ler muito, precisa envolver-se com o que lê. Essa idéia 6. O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível); levou-me a analisar as histórias de leitura de professores de língua 7. O direito de ler em qualquer lugar; portuguesa tecida no decorrer de sua vida pessoal, acadêmica e 8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali; profissional, no trabalho intitulado Pelas veredas da memória: 9. O direito de ler em voz alta; revisitando as histórias de leitura de professores de língua 10. O direito de calar. portuguesa, idéia essa compactuada com a de Lajolo. Esse é um momento de intimidade entre o leitor e o livro e essa Também, penso que a atividade não deva ser desenvolvida relação necessita ser respeitada. O professor precisa estar atento a apenas pelo professor de língua portuguesa. Não faz sentido atribuir esses direitos para não se tornar autoritário com os alunos, impondo- esta responsabilidade a apenas um professor, enquanto que a leitura lhes um modelo único de leitor, na qual eles devem se enquadrar. O faz parte de todas as áreas do saber. professor precisa ter sensibilidade para notar que naquele dia, por Concluo minha reflexão em torno do poema “Cartas a um jovem leitor”: Cia das Letras, 1994. “Você me pergunta/Que melhores livros e autores/Devia ter e ler/E eu lhe indico/Ao acaso, aqui,/Sem fazer o profundo/alguns dos que já li/O critério podia ser melhor,/Mas não tem parti pris./ Comecemos com o Livro, A Bíblia/Em segundo, Platão(Diálogos, A República),/Em terceiro o Corão./Na certa as Rubaiatas, Ensaios de Confúcio E o Maabarata./Algum teatro grego,/ Um pouco de romano, E em teatro já tardo/ Se não falar do Bardo./Logo ponho Defoe com Robinson Crusóe./ E em seguida vem/O bom Mark Twain/Sem esquecermos Camões/ Os contos da Clarice/O máximo no gênero/E a suave meiguice/Desse lírico modelo/Que é Marques Rebelo/ah, a sibilina prosa de João: João Guimarães Rosa./ De Rosa, vem Rosário/Amargo e solitário... Aconselhar, neste final,/Pro safado que você/Um pouco de Rabelais./Acho que já ajudo/Amigo: não posso citar tudo./ P.S. sem esquecer, é claro, (e não faz nenhum favor)/ O livro vermelho dos pensamentos do Millôr. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1996. COENGA, Rosemar. Pelas veredas da memória: revisitando as histórias de leitura de professores de língua portuguesa. Universidade Federal de Mato Grosso. 2003 (Dissertação de Mestrado). ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: FERNANDES, Millôr. Cartas a um jovem leitor. In: Circo de palavras: histórias, poemas e pensamentos. São Paulo: Ática, 2007. ISER, Wolfang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo: Ed. 34, 1996. JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994. _______. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. JOUVÈ, Vincent. 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Esses marcadores fazem parte de uma realidade, cujo discurso não sofre os preconceitos de outras marcas do falar, na conhecida baixada cuiabana. PALAVRAS-CHAVE: Marcadores conversacionais/ discursivos; conversação; falar cuiabano. ABSTRACT Analysis of the language spoken, with respect to discourse markers in cuiabano speak. These markers are part of a reality, whose speech does not suffer the prejudices of other brands of talk in cuiabana downloaded. KEYWORDS: Labels discourse; conversation; talking cuiabano. Neste artigo, apresentamos uma análise sobre a língua falada, na 17 Por se tratar de um estudo inédito, consideramo-lo como proposição para futuras pesquisas. 18 Doutoranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo e professora do curso de Letras do ICE- Instituto Cuiabano de Educação. 19 Estudantes do curso de Letras do ICE - Instituto Cuiabano de Educação. Federal do Acre. Sabe, a pessoa quando nasce pra ter sucesso, o reflexo começa cedo, pois ela sai do ensino médio direto pra Universidade Federal, e quando se forma, num tem, passa no primeiro concurso público. 20 - O senhor quer comprar rosas? - Como? - Rosas, num tem? 21 baixada cuiabana, com relação aos marcadores conversacionais/ discursivos. Procuramos compreender como ocorre o processo de conversação – por ser um tipo de ação conjunta, participam dois ou mais interlocutores que se alternam, tratando sobre temas próprios do dia-a-dia. Assim, esses marcadores organizam a fala em turnos sem uma disposição fixa, e podem ser caracterizados como modelos simétricos e assimétricos. No modelo simétrico é a conversação de ambos os interlocutores que têm o mesmo direito não só de tomar a palavra, mas também de escolher o tópico discursivo direcionando-o de acordo com o tempo de participação. Já no modelo assimétrico ocorre uma prioridade no que diz respeito ao uso da palavra, cabendo a um dos interlocutores começar uma conversação, conduzi-la e também mudar o tópico. Percebemos os marcadores no início, no meio e no final do discurso. Assim, propomos questões gerais relativas à produção do sentido dos marcadores conversacionais. É necessário que haja um estudo desse material para que se tenham condições de avaliar as funções pragmáticas e estratégicas dos atos de fala individuais de uma seqüência. É interessante saber o que o falante está insinuando, e os dizeres no seu enunciado. Sempre que se interage através da língua, profere-se um enunciado lingüístico dotado de certa força, assim o discurso produzido pelo interlocutor tem efeito. Desse modo, Dessa forma, uma conversação espontânea é relativamente não-planejada, ou seja, é administrada passo a passo, de como será dita, a maneira de ser dita e quem irá dizê-la. Esses elementos podem um ato de linguagem não é apenas um ato de dizer, mas acima de tudo, um ato social pelos quais os membros de uma comunidade interagem. Segundo Bange, o ato de linguagem é: ser antecipados apenas para seqüências limitadas, tornando-se difícil Se for exato que “falamos através de textos”, isto é, se os discursos constituem de fato o objeto adequado da lingüística; se, de outro lado, admitimos que a língua seja um meio de resolver os problemas que se apresentam constantemente na definir a forma e a direção do assunto para que haja a seqüência toda. O corpus de nossa pesquisa é constituído por diálogos, nos modelos simétricos e assimétricos, no linguajar da baixada cuiabana: - Num tem aquela menina que era a mais estudiosa e dedicada da sala? Pois é, ela passou em terceiro lugar para o curso de Medicina na Universidade 20 21 Gravação da fala de uma jovem, em ônibus coletivo. Diálogo entre um cliente e uma criança que vende rosas, em um bar de Cuiabá. vida social, então a conversação pode ser considerada a forma de base de organização da atividade de linguagem, já que ela é a forma da vida cotidiana, uma forma interativa, inseparável da situação. (1983: 03) simples e mais clássica da comunicação verbal. E que: O acabamento do enunciado é de certo modo a alternância dos sujeitos falantes vista do interior; essa alternância ocorre precisamente porque o locutor disse (ou escreveu) tudo o que queria dizer num preciso momento e em condições precisas. Ao ouvir ou ao ler, sentimos claramente o fim de um enunciado, como se ouvíssemos o “dixi” conclusivo do locutor. É um acabamento totalmente específico e que pode ser determinado por meio de critérios particulares. (...) A totalidade acabada do enunciado que proporciona a possibilidade de responder (de compreender de modo responsivo) e determinada por três fatores indissociavelmente ligados no todo orgânico do enunciado: 1) o tratamento exaustivo do objeto do sentido; 2) o intuito, o querer-dizer do locutor; 3) as formas típicas de estruturação do gênero do acabamento. (2000: 299) Partindo desse pressuposto, o texto falado surge no próprio momento da interação, isto é, ele é o seu próprio rascunho. Como é a interação imediata que importa, acontecem pressões de ordem pragmática que acabam por sobrepor-se à sintaxe. Isso significa que o locutor, muitas vezes, vê-se obrigado a deixar a sintaxe em prol das necessidades da interação, visto que, o fato está presente no texto falado, de sobreposição de vozes, orações truncadas, inserções de tópicos variados para garantir a compreensão dos enunciados pelos interlocutores. Desse modo, o texto oral é uma criação coletiva de seus participantes. Para produzir e manter uma conversação acredita-se que os interlocutores devam compartilhar de conhecimentos comuns como a aptidão lingüística, o envolvimento cultural e o domínio das situações sociais de informação que são relacionados à progressão do texto oral dialogado, por causa da presença dos marcadores conversacionais que contribuem para esta progressão, observando a conversação como um momento de obtenção de um objetivo interacional a ser atingido pelos interlocutores. Conforme Bakhtin (2000:298), o diálogo real é a forma mais Na análise de conversação do linguajar cuiabano, utilizamos em nossa pesquisa de campo entrevistas com moradores do Arraial do São Gonçalo e outras participações; portanto, colocamos ênfase na pronúncia ou linguagem regional que é o linguajar cuiabano em que predominam os marcadores discursivos lingüísticos verbais lexicalizado: “Né”, “então”, “e aí então”, “e aí”, “num tem” “daí”. O MCs “num tem”, é uma das formas mais verbais de marcadores conversacionais utilizada na fala da baixada cuiabana. E entender principalmente, por que o MCs “num tem?” é uma característica dos moradores da baixada cuiabana, pois é um marcador lingüístico verbal lexicalizado, simples, utilizado tanto como busca de apoio no início do discurso, como busca de apoio no Marcador Simples (uma só palavra); Marcador Composto (apresenta meio e no final de turno. um caráter sintagmático); Marcador Oracional (corresponde a Os Marcadores Conversacionais servem para indicar não só pequenas orações que nos apresentam diversos tempos e formas elementos verbais, mas também estudos sobre a pronúncia das verbais); Marcador Prosódico (associa-se a algum marcador verbal, palavras e variações não-lingüísticas que desempenham função mas realiza-se por meio de recursos prosódicos). participativa na fala. Os marcadores são, portanto, elementos que auxiliam no Podemos perceber a ocorrência de alguns recursos que são desenvolvimento interacional da atividade discursiva. Os traços característicos da fala, que funcionam como marcadores interlocutores empregam os MCs no ponto da interação, como textos formando orais uma classe de palavras ou sentidos altamente planejados e verbalizados que desempenham funções estereotipados de grande ocorrência e recorrência. São MCs conversacionais e sintáticas. Os falantes inserem MCs no início, no prosódicos (supra-segmentais) de natureza lingüística, de caráter não- meio e no fim de unidades comunicativas (UC), são porções verbal (entonacionais, pausas, tom de voz, ritmo, velocidade e informacionais, que ao coincidirem com turnos orações ou atos de alongamento vocálicos). fala, formam os enunciados conversacionais. Os dois mais importantes são as pausas e o tom de voz. As Os interlocutores recorrem a MCs lingüísticos (verbais e pausas podem ser curtas, médias ou longas e constituem um fator prosódicos) e paralingüísticos (não-verbais). Os MCs verbais (junto decisivo na organização do texto conversacional. Já os recursos não- de partículas, palavras, sintagmas, expressões estereotipadas, orações lingüísticos como o riso, o olhar e a gesticulação exercem uma e expressões não-lexicadas). É importante destacar as pausas e o tom função fundamental na interação face a face, na medida em que se de voz, e nos MCs paralingüísticos não-verbais, estabelecem, estabelecem, mantêm e regulam o contato entre os participantes. mantém, e regulam a interação, por meio de risos,olhares, gestos, Ao se considerar as funções textuais e argumentativas dos meneios de cabeça. marcadores, verifica-se que esses elementos desempenham papel de Ao elaborarmos uma análise de nosso corpus, percebemos os especificadores, e orientam as atividades do locutor e do interlocutor Marcadores Conversacionais mais usados na comunidade Arraial do como são explicados por Marcuschi (1987) dividindo-os em: São Gonçalo Beira Rio e em outras comunidades que são: “né?”, “então?”, “e aí então”, “e aí”, “num tem” “daí”. construção dos participantes na situação interativa. Ou seja, dentro do É interessante salientar que o marcador “num tem”, tão linguajar cuiabano, desta forma, na interação face a face, é preciso presente na fala cuiabana, ainda não fora estudado por outros estar constantemente alerta, controlando o processo da conversação pesquisadores. Outra observação diz respeito aos marcadores para que haja uma melhor compreensão entre os parceiros no lingüísticos“né”, “então” e “num tem”, que servem como busca de atendimento das solicitações e da negociação do sentido no que está apoio, e são muito utilizados por adolescentes e pessoas que não sendo dito. nasceram aqui, mas que depois de alguns anos morando em Cuiabá, assimilam esses marcadores conversacionais. Os marcadores lingüísticos “e, aí, então”,“daí” que servem para início de unidade comunicativa O fator relevante na conversação é o alto índice de marcadores conversacionais, cuja finalidade é reforçar a continuidade dos tópicos, criando uma maior fluência na dinâmica conversacional. são utilizados pela maioria dos Por isso, o linguajar cuiabano é uma forma especial de falar, falantes, independente de seu linguajar materno, pode ser tanto enriquecida com a herança da linguagem dos índios, negros, cuiabanos como pessoas de outros estados, e estão muito presente na paraguaios. É, e sempre será, um dos mais fortes traços da cultura comunicação dos jovens. local. Neste trabalho, percebemos como é essencial o lugar onde os indivíduos se representam e constituem o mundo. E por isso, não basta apenas estudar como exemplo o linguajar cuiabano como um REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins fontes, 2000. código. Não basta transmitir uma mensagem como um sistema formal abstrato, com elementos de vários níveis que permitam organizar as frases de uma língua fora de um contexto. É necessário ver a linguagem como lugar de interação, de constituição de identidades e de co-participação. Tudo o que foi exposto aqui reafirma que a coerência do texto oral dialogado não está só no âmbito do texto, mas resulta de uma BANCO DE DADOS INTERACIONAIS – Programa de estudos sobre o uso da língua. Pós-graduação. Faculdade de Letras. UFRJ/CNPq, 1996, p. 26-37. FÁVERO, Leonor Lopes et alii. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, 2003. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça et al. Aspectos do processamento do fluxo na informação no discurso oral dialogado. In: CASTILHO, A. T. de. (Orgs.) Gramática do português falado, v. 1. Campinas, SP: Editora UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1990. p. 143-184. MARCUSCHI, Luiz Antonio. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 2005. MARCAS E IMPLICAÇÕES DA MATEMÁTICA MODERNA NAS PRÁTICAS ESCOLARES PINTO, Neuza Bertoni 22 ––––––. Da fala para a escrita: atividades e retextualização. São Paulo: Cortez, 2005. OLIVEIRA, Alzira de. A linguagem dos pescadores de MT, estudo lingüistico – etnográfico. Departamento de Letras PUC-RJ. Dissertação de mestrado – 1980. RISSO, Mercedes Sanfelice et al. Marcadores discursivos: traços definidores. In: KOCH, I. G. V. (Orgs.) Gramática do português falado, v. vi. Campinas: UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1992, p. 21-103. URBANO, Hudinilson. Marcadores conversacionais. In: PRETI, D. (Org.) Análise e textos orais. Projeto NURC/SP. SP: FFLCH/ USP, 1993, p. 81101. RESUMO O presente estudo analisa marcas e implicações do Movimento da Matemática Moderna (MMM) nas práticas escolares, nas décadas de 1960 e 1970. Analisa o debate do MMM, registrado nos Anais do 5° Congresso Nacional de Ensino de Matemática, realizado em 1966, na cidade de São José dos Campos, no Estado de São Paulo, cujas discussões centraram-se na temática da Matemática Moderna. As marcas do movimento são buscadas em fontes primárias que atestam a vigência dos novos conteúdos matemáticos nas práticas escolares brasileiras, ou sejam, nas provas de Matemática do Exame de Admissão ao Ginásio Estadual de São Paulo, inventariadas por Valente (2003) e que revelam vestígios da modernização da matemática escolar. Orientado metodologicamente pelas contribuições dos historiadores culturais como Le Goff (documento/monumento), Chartier (apropriação), Michel de Certeau (estratégias e táticas) e Julia (concepção de cultura escolar), o estudo estabelece uma relação das mudanças ocorridas nas provas analisadas com as inovações trazidas pelos manuais didáticos de Matemática Moderna da época, discutindo suas implicações nas práticas escolares. Considerando as diferenças e singularidades das práticas escolares, ao tempo do MMM, o estudo sinaliza para possíveis “desvios” do conceito de “moderno”, no processo de apropriação dos princípios didático-pedagógicos do movimento, pela comunidade escolar, sugerindo investigações mais aprofundadas sobre o tema. PALAVRAS-CHAVE: história da educação matemática; 22 Professora Doutora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná movimento da matemática moderna; práticas escolares; história cultural. ABSTRACT This study analyzes the points and the implications in the Movement of a Modern Mathematic (MMM) in relation to teaching it in schools during the period of 60s and 70s. The article also analyzes the debate of MMM, registered on the 5th Essays National Congress of Teaching Mathematic occurred in São José dos Campos, state of São Paulo – 1960, whose discussions aimed to the Modern Mathematic. The points of the movement are found in primary sources that claim for new mathematic contents in Brazilian schools. The objective is to make students take math exams in order to enter the secondary school. This work was approved by Valent (2003) in which these factors revealed traces of a modern mathematic being teaching in Brazilian schools. Oriented methodologically by the contributions of the cultural historical researchers as Le Goff (document/monument), Chartier (approbation), Michel de Certeau (strategies and tactical) and Julia (conception of cultural school), the study establishes a relation between the changes occurred through the exams analyzed with the innovations brought by didactical materials of modern math, discussing its implications in the practical school. Considering the differences and the peculiarity in the practical school in time of MMM, the study signalizes for possible “deviation “ in terms of what it is a modern conception, in the process of taking the main pedagogical didactical of the movement, by the community school, suggesting deeply investigation on the theme. KEY WORDS: historical of the mathematic education; movement of the mathematical modern; school practical; cultural history. Uma das grandes contribuições da história cultural para a pesquisa em educação tem sido a possibilidade de análise de práticas escolares de outrora, especialmente a significação dada a um campo de conhecimento pelos agentes escolares, num determinado período histórico. Com isso, a história cultural tem nos possibilitado conhecer avanços e retrocessos enfrentados pela disciplina Matemática, ao longo de sua constituição, enquanto saber escolar. No entanto, fatos como o Movimento da Matemática Moderna (MMM) desencadeado no Brasil na metade do século passado, trazendo novas coordenadas ao currículo de Matemática do então ensino primário e secundário, só recentemente começam a ser historicamente problematizados. Conhecer as formas de apropriação escolar desse movimento que, nas décadas de 1960 e 1970, atribuiu uma importância primordial à teoria dos conjuntos, a axiomatização, às estruturas algébricas e à lógica, tem sido uma preocupação recente de pesquisadores da história da educação matemática. Entretanto, ainda não temos dados suficientes de como o movimento transformou as práticas escolares no momento de sua disseminação. O presente estudo se propõe, sob a ótica da história cultural, analisar e discutir ações pioneiras do Movimento da Matemática Moderna no Brasil, investigando suas implicações no cotidiano escolar brasileiro das décadas de 1960 e 1970. Apesar dos múltiplos significados que evocam a palavra cultura escolar, nesse estudo, ela é compreendida a partir de Julia (2001): “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as pessoas”. Matemática Moderna. Por tratar-se de um evento significativo para a comunidade de educadores matemáticos, configurou-se não apenas como um espaço de encontro e atualização de 350 participantes, professores de Matemática, sobretudo, como possibilidade de Para De Certeau ( 1982), a compreensão das práticas requer a captação do movimento entre o “dizer” e o “ fazer”. Como prática discursiva, o ideário do Movimento da Matemática Moderna, considerado na sua materialidade física, expressa não apenas a matriz teórica que o fundamenta, um conjunto de regras que “fabricam” uma cultura matemática escolar, determina também o “modus operandi” da inserção de suas idéias estruturantes nas práticas escolares. Segundo Chartier (1990), as práticas culturais trazem em suas estruturas, nas suas diferenças mais formais, os recortes socialmente enraizados. Permeadas que são por mecanismos de controle e regramentos, as práticas escolares, como produtos culturais dão sentido e finalidades à educação escolar de um determinado momento histórico. A divulgação do Movimento da Matemática Moderna no Brasil divulgação e discussão das idéias norteadoras do Movimento da Matemática Moderna em nível internacional, pois contou com a presença de convidados de diferentes países pertencentes a entidades internacionais ligadas ao MMM: Marshall Stone- Universidade de Chicago (U.S.A.); George Papy- Universidade de Bruxelas (Bélgica); Hector Merklen – Universidade de Montevidéu (Uruguai); Helmuth Völker- Universidade de Buenos Aires (Argentina). Ao fazer a abertura do Congresso, o coordenador do evento, professor Oswaldo Sangiorgi argumentou a favor da reestruturação do ensino de Matemática frente às grandes e rápidas transformações da ciência, destacando a “extraordinária evolução da técnica” como fator impulsionador do progresso da civilização. Nesse sentido, conclamou os esforços dos professores de Matemática para a elevação da educação científica da população escolarizada, desafiando os educadores responsáveis pela formação da juventude “a se inteirarem dos novos princípios que estruturam a ciência atual” O 5° Congresso de Ensino da Matemática, realizado 1966 na cidade de São José dos Campos/SP, foi um marco importante de disseminação, no Brasil das idéias defendidas pelo Movimento da (MEC/CADES: Anais do 5° Congresso Brasileiro de Ensino da Matemática, 1966, p. 22). A temática central do Congresso foi a discussão do Movimento da Matemática Moderna na escola secundária e sua República Oriental do Uruguai, cujo objetivo principal era dinamizar articulação com o ensino primário e universitário. Mais do que a educação científica latino-americana. Para tanto, apontou como apresentar resultados de pesquisas no setor de ensino, o evento tinha necessárias à reestruturação do ensino e dos sistemas educativos, como objetivo propiciar aos congressistas informações teórico- especialmente os investimentos na preparação dos professores práticas, acerca do movimento, ou seja, “o que de mais atual e universitários das ciências básicas, os quais poderiam contribuir com elevado se nos praticava diversos centros de estudos europeus e a atualização e formação dos professores secundários. Dentre as americanos” (Anais do 5° Congresso, 1966, p. 10). ações do programa, os cursos e seminários de treinamento e Além convidados atualização de professores universitários destinavam-se a provocar brasileiros um impacto inicial em relação à ciência moderna e seus modernos ministraram cursos e “aulas-demonstração” abordando tópicos métodos de ensino, fornecendo uma visão panorâmica dos temas fundamentais da Matemática Moderna, como a Teoria dos Conjuntos fundamentais e as orientações técnicas e pedagógicas. Além dos três (Benedito Castrucci), Lógica Matemática (Oswaldo Sangiorgi), cursos de Física e três de Química, o PIMEC já havia realizado, Matemática Aplicada (Ruy Madsen Barbosa), Tratamento Moderno entre 1965 e janeiro de 1966, dois cursos voltados para a preparação da Geometria Analítica (Antonio Rodrigues), Introdução á Álgebra de professores universitários de Matemática. estrangeiros, das conferências eminentes proferidas educadores por matemáticos Moderna (Irineu Bicudo), Tratamento Moderno da Geometria (Omar A conferência do renomado representante belga, George Catunda), Introdução à Análise (Luiz Mauro Rocha), Técnicas Papy, enfatizou a importância da teoria de conjunto e da escolha Dedutivas (Leônidas Hegenberg) dentre outros (Anais do 5° adequada de situações didáticas para sua aprendizagem. Congresso, 1966, pp. 31-34). Analisando o resumo de três, das quatro conferências publicadas nos Anais do 5° Congresso, percebe-se a dimensão intercontinental do movimento. Hector Merklen, representante do Uruguai, explicitou as ações do PIMEC (Programa Interamericano para a Melhoria do Ensino das Ciências) sediado na Universidade da A escolha de situações é de grande importância; elas precisam genuinamente ilustrar os conceitos introduzidos sem limitar o seu alcance por serem indevidamente especiais. Elas precisam ser atraentes e interessantes e deixar lugar para elaboração. É dever do professor introduzir essas situações de modo que os alunos possam responder a elas. Elas devem ser apresentadas de tal modo que os alunos venham a perceber um fato essencial a respeito da matemática – que ela tem unidade e estrutura (MEC/CADES: Anais do 5° Congresso Brasileiro de Ensino de Matemática, p. 84). destaque a simbologia que caracterizava a linguagem da matemática moderna. De forma intuitiva e, ao mesmo tempo rigorosa, foi construindo e revelando uma nova face da matemática, um processo de fazer matemática partindo de situações contextualizadas, O conferencista desenvolveu, em seu discurso, uma sugerindo uma construção coletiva do conhecimento, com espaço construção conceitual da noção de conjunto, passível de ser para o aluno refletir, duvidar, trocar idéias, enfim, participar de trabalhada com alunos de diferentes idades e níveis de ensino. forma ativa do processo da construção de seu conhecimento Defendendo o “método psicológico do choque”, ou seja, o “conflito matemático. Ao destacar a nova face “relacional” da Matemática, o cognitivo”, Papy tornou visível sua afiliação à teoria psicogenética conferencista assumiu, também, a visão moderna das geometrias, de Jean Piaget. Simultaneamente, teceu críticas às formas situando o conceito de “função” no contexto das relações das tradicionais atividades racionais, abordagem já defendida por Euclides Roxo na de ensinar matemática, quer sejam, a descontextualização das noções matemáticas, as formas mecânicas e década de 30 do século XX (Valente, 2004). repetitivas utilizadas na assimilação dos conceitos, o trabalho reflexividade, simetria, assimetria, transitividade e função foram solitário e individual do aluno. Ao explicitar sua abordagem ricamente ilustradas pelo conferencista, recorrendo ao uso de pedagógica para a noção de conjunto, Papy colocou-se a favor de gráficos e flechas, esquemas, considerados por ele de grande uma “reinvenção” da matemática pelo aluno, em que as situações de utilidade para a compreensão das relações de ordem e equivalência, inconsistência e confusão inicial do senso comum cotidiano fossem possibilitando que teoremas fundamentais da matemática fossem mediadas e sistematizadas pelo educador, destacando o relevante compreendidos por crianças de 12 anos. Sugeriu, assim, que o papel da intervenção docente no processo de aprendizagem, estudo da geometria iniciasse com o método dos conjuntos. sobretudo, para o aluno desenvolver sua singular experiência Apresentou o diagrama de Venn, como representação gráfica de matemática. Tomando como exemplo alguns condicionamentos da excelência matemática cotidiana, o conferencista introduziu noções de Aprofundando as críticas ao ensino tradicional de geometria, Papy diagramas, conjunto finito, infinito, conjunto vazio, colocando em exaltou a linguagem dos gráficos, aliando a visão intuitiva à para o estudo das propriedades As noções de matemáticas. estrutura lógica, e ainda, enfatizou a importância das representações docentes argentinos foram iniciados em 1962. O objetivo principal gráficas para a esquematização do pensamento (MEC/CADES: desse trabalho, considerado pilar da reforma, era discutir o programa Anais do 5° Congresso Brasileiro de Ensino da Matemática, 1966, experimental e contou com a participação de professores secundários pp. 83-99). e a orientação de catedráticos da faculdade de Ciências Exatas de A conferência realizada por H. Renato Völker, representante Buenos Aires, coordenado pelo professor Dr. Santaló. Os programas da Argentina, mostrou as experiências já desenvolvidas e em experimentais foram, inicialmente, aplicados em suas respectivas andamento naquele país para a implantação da matemática moderna. escolas, por 70 professores que haviam participado do curso de Mencionou os trabalhos realizados, desde 1956, pelo CIEM aperfeiçoamento. Posteriormente, foram selecionadas cinco escolas- (Comissão Internacional de Ensino da Matemática) em articulação piloto para a continuidade da experiência. Os resultados preliminares com países europeus. Falando do programa experimental de da experiência foram repassados a todas as escolas do país, com as matemática o devidas recomendações a serem observadas pelos professores para a conferencista destacou o dinâmico trabalho de capacitação que, adoção do novo programa. O conferencista enfatizou o forte desde 1962, realizava-se naquele país, com a participação de envolvimento do governo com a formação científica dos alunos, professores secundários e universitários e sob a liderança do reformando programas, melhorando os métodos de ensino, formando professor Dr. Luiz A. Santalo, para divulgar e implantar as idéias e aperfeiçoando os professores, publicando textos. Informou que os centrais do movimento. Uma das medidas adotadas na Argentina foi novos programas já apresentavam resultados favoráveis e que a a elaboração de um programa experimental para as escolas maior dificuldade continuava sendo a preparação dos professores secundárias, com cortes consideráveis da geometria euclidiana e da (MEC/CADES: Anais do 5° Congresso Brasileiro de Ensino da trigonometria, substituindo-as pela geometria plana e espacial, Matemática, 1966, pp. 125-137). moderna, em implementação na Argentina, geometria analítica, agora praticada com as “roupagens” modernas A comunicação apresentada no 5° Congresso por Antonio (principalmente vetores), além de noções de álgebra moderna Ribeiro, Joana Bender e Zilá G. Paim, mostrou que o Movimento da (conjuntos, funções, relações ). Matemática Moderna estava presente nas escolas brasileiras desde a Segundo o conferencista, os ciclos de aperfeiçoamento dos década de 1950. Os autores informaram os caminhos percorridos pelos gaúchos, especialmente pela Secretaria de Educação do Rio técnica das escolas (orientadores e supervisores educacionais) além Grande do Sul para alinhar o ensino de Matemática aos progressos da Associação dos Professores e Pesquisadores da Matemática do técnicos e científicos que desafiavam a educação brasileira na Rio Grande do Sul. metade do século XX. Alegando o alto índice de reprovação em A partir de 1964, inúmeros cursos, palestras e semanas de Matemática, os autores abordaram as formas com as quais o governo estudos foram também ministrados por educadores externos, como: daquele estado vinha enfrentando o insucesso escolar dos alunos, Oswaldo Sangiorgi, Lucienne Félix, envolvendo participantes de contestando a hipótese de que a inadequação dos métodos utilizados vários municípios do estado como também de estados vizinhos. pelos docentes seria o principal determinante do insucesso dos Essas atividades, segundo o relato da comunicação, foram alunos. amplamente divulgadas pela mídia e imprensa local e o enfoque Apontaram a falta de integração dos conceitos matemáticos, moderno da Matemática encontrou um ambiente favorável de freqüentemente fragmentados no programa, como hipótese plausível difusão nas escolas primárias e secundárias do rio Grande do Sul para o fracasso escolar do aluno. Relatando as iniciativas encetadas (Anais do 5° Congresso Brasileiro de Ensino de Matemática, 1966, pelo governo para enfrentar esse problema, destacaram as pp. 139-144). experiências pioneiras que, desde 1948, eram realizadas no Instituto Outros trabalhos apresentados no referido congresso de Educação “General Flores da Cunha”, visando à formação do revelaram que, em 1966, o movimento já era assumido por escolas professor primário. Informaram que, em 1952, a teoria dos conjuntos de diferentes estados brasileiros. São Paulo teve um papel já havia sido introduzida no programa de formação dos futuros importante na divulgação do movimento para outras regiões do professores primários. Mencionaram os cursos de capacitação, Brasil. Com a criação, em 1961, do grupo de São Paulo GEEM desenvolvidos pela Associação de Professores Católicos, em 1953 e (Grupo de Estudos do Ensino de Matemática) sob a coordenação 1954, destinados aos professores primários e que, posteriormente, do receberam a colaboração da Universidade Federal do Rio Grande do movimento, não apenas no estado de São Paulo. Palestras de ilustres Sul. A preocupação com a formação dos professores, segundo os representantes estrangeiros realizadas em São Paulo, a convite do autores, intensificou-se na década de 60, envolvendo a equipe coordenador do grupo, atraiam professores de Matemática de Professor Oswaldo Sangiorgi, acelerou-se a difusão do diferentes regiões brasileiras. A partir de 1964, com uma coleção de pelas escolas do primeiro grau (modalidade de ensino implantada livros, já circulando no país, o GEEM expandiu sua ação para outros pela Lei 5692/71, integrando os cursos primário e ginasial num estados, realizando palestras e ministrando cursos de Matemática único bloco: o ensino de primeiro grau constituído então de oito Moderna, e séries), de várias regiões brasileiras, no final de 70, as propostas de estabelecendo-se, em 1970, como grupo líder do MMM no Brasil matemática moderna começaram a receber acirradas críticas que (Soares, 2001). acabaram ofuscando o brilho do MMM no Brasil . iniciando suas atividades no curso primário No Paraná, o movimento foi divulgado em nível local, pelas A obra intitulada “O fracasso da Matemática Moderna”, do ações pioneiras do NEDEM (Núcleo de Difusão do Ensino de matemático americano Morris Kline, professor da Universidade de Matemática), fundado em 1962 e coordenado pelo professor Osny Nova York, com grande repercussão no meio acadêmico brasileiro, Antonio Dacól, coordenador do ensino e, posteriormente, diretor do no final dos anos 70, tece críticas contundentes à matemática maior colégio estadual do estado, o Colégio Estadual do Paraná, moderna. Para Kline, o exagero da forma dedutiva de abordar os sediado em Curitiba. Segundo Straube (1993, p.119), o colégio, em conteúdos, aliado ao excessivo formalismo e simbolismo da 1969, abrigava 4950 alunos e contava com 450 professores. Com linguagem utilizada pela matemática moderna, empobrecia a vida e uma participação ativa em todo o estado, o grupo liderou a o espírito da matemática. propagação do movimento, preparando professores, elaborando nova Apesar de endereçar suas críticas ao ensino americano, por proposta de ensino de Matemática para o curso ginasial e, tratar-se de um movimento internacional, elas também adquiriam posteriormente, para o curso primário, publicando livros didáticos sentido no contexto educacional brasileiro, no momento em que a que durante mais de uma década fundamentou e orientou o ensino de abordagem tecnicista dominava as práticas escolares. Outro aspecto Matemática, ministrado pelos professores paranaenses. criticado por Kline foi a ênfase que o novo programa dava à Teoria Apesar de todo o dinamismo do debate em torno do dos Conjuntos, especialmente na Matemática elementar. Para ele, movimento, nas décadas de 1960 e 1970, na esteira da crítica à conceitos abstratos não deveriam ser explorados no nível elementar, ideologia política e ao “desenvolvimentismo” que impregnava o pois além de confundir a cabeça dos alunos estimulavam sua aversão país, com os novos programas de ensino em plena implementação pela matemática. Ao defender o princípio pedagógico que toma como ponto de partida a experiência matemática que o aluno traz do cotidiano, nesse aspecto, sua concepção alinha-se com a teoria psicogenética, assumida por George Papy, o renomado defensor da matemática moderna. No Brasil, as críticas também apontavam como negativos tais aspectos. Segundo Soares (2001, p. 116), o livro de Kline, apesar de publicado no Brasil três anos após sua divulgação, nos Estados Unidos, foi um marco decisivo para o esgotamento do movimento em nosso país. As críticas não vinham apenas dos meios acadêmicos; pais de alunos e, também, a imprensa denunciavam as superficialidades da simbologia da matemática moderna e o tempo “perdido” com o ensino da teoria dos conjuntos. Admitindo a confusão que a linguagem dos conjuntos provocava nos alunos e o baixo rendimento por eles demonstrado, os professores mostravam sua insatisfação com a proposta. Sangiorgi, o grande defensor do movimento no Brasil e autor dos livros didáticos de matemática moderna, mais vendidos no país, em declaração ao Jornal “Estado de ‘tabuada’ em plena 5ª e 6ª séries!) porque as operações sobre conjuntos ( principalmente com os vazios!) prevalecem acima de tudo; acrescenta-se ainda o exclusivo e prematuro uso das maquininhas de calcular, que se tornaram populares do mesmo modo que brinquedos eletrônicos. 2. Deixa-se de aprender frações ordinárias e sistema métrico decimal de grande importância para toda a vida para se aprender, na maioria das vezes incorretamente, a teoria dos conjuntos, que é extremamente abstrata para a idade que se encontra o aluno. 3. Não se sabe mais calcular áreas de figuras geométricas planas muito menos dos corpos sólidos que nos cercam, em troca da exibição de rico vocabulário de efeito exterior, como por exemplo ‘transformações geométricas’. 4. Não se resolvem mais problemas elementares da vida quotidiana por causa da invasão de novos símbolos e de abstrações complementarmente fora da realidade, como: “ O conjunto das partes de um conjunto vazio é um conjunto vazio?”, proposto em livro de 5ª série (Sangiorgi, 1975b apud Soares 2001, p. 116). Marcas da matemática moderna nas práticas escolares São Paulo” (apud Soares, 2001) expressa essa insatisfação ao apontar as fraquezas do movimento: Ainda que de forma confusa, a matemática moderna foi apropriada pela comunidade escolar, primeiramente, pelos grandes Nesse mesmo artigo, o professor Sangiorgi apontou quais foram os principais efeitos da Matemática Moderna no ensino: 1. Abandono paulatino do salutar hábito de calcular (não sabendo mais a centros do país, posteriormente é lentamente difundida nas escolas mais longínquas, a maioria delas recebendo-a de sobressalto, via livro didático. Carregada de simbolismos e enfatizando a precisão de uma nova linguagem, professores e alunos passam a conviver com a do estado, fundado em 1894. Catalogadas e transformadas em fontes teoria dos conjuntos, com as noções de estrutura e de grupo. históricas por Valente (2001), as provas de Matemática dos Trazendo as promessas de um ensino mais atraente e descomplicado, candidatos configuram-se como valioso material, mais do que um em superação à rigorosa matemática tradicional, no entanto, a punhado de documentos antigos, um “testemunho vivo” das Matemática Moderna, chega ao Brasil com excessiva preocupação reformas em torno do ensino de Matemática. com a linguagem matemática e com a simbologia dos conjuntos, A partir de 1961, as questões das provas de Matemática deixando marcas, ainda pouco desveladas pela história da educação sofreram mudanças consubstanciais: é apresentado um número matemática. elevado de "questões imediatas" que consistem em cálculos rápidos Para Julia (2001), é muito difícil reconstruir a história das e descontextualizados. Nota-se, nas provas desse período, que os práticas culturais porque elas não deixam traço. Isso dificulta o problemas aritméticos são substituídos por extensos questionários, estudo da cultura escolar já que não é usual, nas escolas, a com a introdução gradativa de questões relativas à matemática preservação de seus documentos históricos, especialmente exames e moderna. É o que se observa na prova de 1962, em que a décima provas, materiais produzidos pelos alunos e professores. Mais do questão é: " quais as operações da aritmética que têm a propriedade que documentos que perpetuam o passado e evocam sua recordação, comutativa ( ou da mudança de ordem) ?"(sic). os documentos, segundo Le Goff (1992), trazem ensinamentos que Pela análise do material catalogado por Valente (2001), devem ser analisados e problematizados, para além de seus constata-se que somente ao final da década de 60, precisamente em significados aparentes. Para que possam contribuir para a pesquisa 1968, é que a Escola Estadual de São Paulo passa a avaliar, de forma histórica, o autor recomenda que os mesmos não sejam isolados do visível, o conhecimento da "nova linguagem matemática" dos conjunto de monumentos dos quais fazem parte. candidatos a ingresso ao Ginásio. Um vestígio da modernização do ensino de Matemática, nas Na prova de Matemática, aplicada em 1968, organizada em práticas escolares brasileiras, pode ser encontrado nas provas de forma de teste (várias questões para assinalar “xis” ), das doze Admissão ao Ginásio, aplicadas aos candidatos que desejavam questões propostas, apenas duas utilizam nomenclatura da nova ingressar no Ginásio Estadual de São Paulo, primeiro ginásio oficial linguagem matemática: " Questão VI : “escreva o conjunto dos meses do ano que começam com a letra "j". Questão VII: “escreva o 2004). conjunto das frações ordinárias próprias cuja soma dos termos seja Essas marcas mostram que o processo de apropriação do 8; qual a intersecção desses conjuntos? ; qual é o maior divisor movimento pelas escolas, apesar de todo o entusiasmo de seus comum de 24 e 30?" ( Valente, 2001). principais representantes, foi mais gradativo no antigo ensino Na prova de 1969, último ano de realização de Exames de primário. As provas analisadas mostram que no final de 1960, Admissão no Brasil, a prova de Matemática apresenta cinco questões precisamente, no ano de 1969, momento da extinção dos Exames de relativas à matemática moderna, sendo duas sobre conjuntos e três, Admissão ao Ginásio, a matemática moderna era introduzida com usando o termo "sentença". Neste ano, os problemas são uma certa cautela no curso primário, o que parece não ter ocorrido apresentados em etapas resolutivas e os rascunhos elaborados pelos com o curso ginasial, quando se verifica as alterações propostas nos candidatos apresentam registros de resoluções que utilizam livros didáticos de Matemática de maior circulação no país, como foi representações algébricas (Pinto, 2003). a coleção de Sangiorgi23, destinada ao curso ginasial. Outro vestígio da presença da Matemática Moderna, nas Para De Certeau ( 1994), as “artes de fazer” constroem uma práticas escolares, pode ser encontrado na prova do Exame de teoria de consumo social como produção. Nela, estão implícitas as Admissão de 1964, aplicada no Colégio Santa Cruz, de São Paulo diferentes operações desenvolvidas para impor normas e condutas (Azevedo; Cegala; Silva; Sangiorgi, 1970, p.332), na qual o termo (estratégias de poder) como também, as ações determinadas pela "prova" é substituído por " teste" e cuja programação expressa a ausência de poder ( táticas utilizadas pelos mais fracos). As formas tendência em voga do estudo dirigido, com espaços definidos para o de apropriação do movimento que estamos analisando trazem, em registro da resolução e da resposta. Com um número de quinze suas estruturas, recortes socialmente enraizados no tempo e no questões, a prova prioriza o sistema de medidas e as operações com espaço, um embate de poder e resistência entre os fazeres dos a representação decimal de números racionais. O uso da palavra "sentença", das asserções F (falso) e V (verdadeiro), além da diagramação do lugar das respostas, expressa alterações na forma de propor questões e introduzir uma nova linguagem matemática (Pinto, 23 . Oswaldo Sangiorgi é considerado um dos maiores disseminadores do Movimento da Matemática Moderna no Brasil. Coordenador do GEEM ( Grupo de Estudo do Ensino de Matemática), grupo pioneiro e com uma ativa participação na divulgação do MMM, atuou como polo irradiador do movimento para outros estados brasileiros. Autor da coleção de quatro volumes: “ Matemática : Curso Moderno” destinada ao ginásio, que em 1972 apresentava sua 7ª edição. diferentes agentes escolares, inscrito nos modos de resistências, 2005). Não foram apenas as mudanças na estrutura de apresentação “táticas” de sobrevivência dos mais fracos aos dispositivos impostas dos conteúdos que tornaram diferentes os livros didáticos de pelos mais fortes. Matemática. Estes passaram a ser descartáveis. Eram publicados Outra questão desafiadora para a história cultural é, segundo separadamente: o livro do professor e o livro do aluno. Neste, as Chartier (1990), considerar o uso que as pessoas fazem dos objetos questões, outrora colocadas em forma de perguntas ou problemas, que lhes são distribuídos ou dos modelos que lhes são impostos. apresentavam-se em formas de sentenças para completar; diagramas Como pontua o autor, há sempre uma prática diferenciada na para relacionar elementos; distinguir verdadeiro e falso; exigindo apropriação dos objetos colocados em circulação. Se para Chartier pouco raciocínio e muito domínio da nova simbologia, prova (1990) é importante compreender as práticas escolares como material de que o uso da “moderna” linguagem matemática era dispositivos de transformação material de outras práticas culturais e praticado nas escolas. A nova regra, de uso individual do manual seus produtos, não podemos esquecer que a proliferação da indústria didático, não apenas trouxe modificações no método de estudo do do livro didático de Matemática Moderna no Brasil, nas décadas de aluno, implicou, também, numa inflação de gastos para as famílias 60 e 70, introduziu uma espécie de “revolução” não só no rol de que mantinham vários filhos na escola. Se, por um lado, essa medida conteúdos de garantia maior lucro aos editores, do ponto de vista pedagógico, apresentação. Justamente, naqueles anos 60, organizaram-se grupos intervinha, de forma negativa, no desenvolvimento das habilidades em diferentes estados para a difusão da nova matemática; programas básicas de leitura e escrita. Os exercícios para completar, propostos são radicalmente reformados e influenciados por diferentes correntes no manual do aluno, tão popularizados na década de 70, foram, aos internacionais; a indústria de livros didáticos de matemática atinge poucos, alterando e restringindo o uso de cadernos, cuja principal seu momento áureo. Tratava-se de uma "revolução curricular", ainda conseqüência foi empobrecer a prática da escrita e da leitura dos controversa nos bastidores da comunidade acadêmica. Porém, a alunos, especialmente, nas aulas de Matemática. matemáticos, como também na sua forma brusca mudança do conteúdo/forma do livro didático de Matemática, naquele momento histórico, trouxe, acima de tudo, uma grande Considerações Finais resistência de seus principais usuários, ou seja, os professores (Pinto, Para além de toda a expectativa que se alastrou no Brasil, em torno da modernização do ensino da Matemática, como mostram as professores e alunos mais como um conjunto emblemático de conferências e trabalhos do 5° Congresso Brasileiro de Ensino da dispositivos e nomenclaturas de uma nova linguagem impregnada da Matemática e as ações pioneiras desenvolvidas pelos grupos de aura tecnicista, que predominava a educação brasileira naquele estudos e difusão do movimento em diferentes estados brasileiros, é período. importante considerar que o conceito de “moderno” marca registrada Para Piaget (1984, p.14), " mesmo no campo da Matemática, do movimento, pode não ter sido apropriado pelos agentes escolares, muitos fracassos escolares se devem àquela passagem muito rápida tal do qualitativo (lógico) para o quantitativo (numérico)". Referindo-se como foram propostos pelos principais representantes internacionais do MMM. Segundo Burigo (1990): ao ensino da " Matemática Moderna" Piaget (1984) advertia, desde a década de 50, que essa experiência poderia ser prejudicada pelo fato De um modo geral, é possível dizer que "moderno" significava "eficaz", de " boa qualidade", opondo-se a "tradicional" em vários momentos. Enfim, era uma expressão carregada de valoração positiva, numa época em que o progresso técnico ele mesmo era depositário, no modo do pensar dominante, das expectativas de resolução dos principais problemas econômicos e sociais e de conquista do bem-estar material para o conjunto da sociedade (BURIGO, 1990, p.259) Ao tratar a matemática como algo neutro, destituída de história e desligada de seus processos de produção, sem nenhuma relação com o social e o político, o ensino da Matemática Moderna, veiculado por inúmeros livros didáticos da época, parece ter se descuidado da possibilidade crítica e criativa dos aprendizes. E os de que : embora seja 'moderno' o conteúdo ensinado, a maneira de o apresentar permanece às vezes arcaica do ponto de vista psicológico, enquanto fundamentada na simples transmissão de conhecimentos, mesmo que se tente adotar ( e bastante precocemente, do ponto de vista da maneira de raciocinar dos alunos) uma forma axiomática (...) Uma coisa porém é inventar na ação e assim aplicar praticamente certas operações ; outra é tomar consciência das mesmas para delas extrair um conhecimento reflexivo e sobretudo teórico, de tal forma que nem os alunos nem os professores cheguem a suspeitar de que o conteúdo do ensino ministrado se pudesse apoiar em qualquer tipo de estruturas ' naturais (PIAGET, 1984, p.16-17). indícios preliminares da apropriação do movimento são que, o moderno da disciplina Matemática, foi incorporado pelos Como lembra Piaget, o princípio fundamental dos métodos ativos deve ser buscado na história das ciências. Assim, "compreender é inventar, ou reconstruir através da reinvenção". Falando a respeito de um ensino moderno e não tradicional da Matemática, tal como Papy havia se posicionado na conferência proferida no 5° Congresso Brasileiro de Ensino da Matemática, o autor sugeria aos professores "falar à criança na sua linguagem antes de lhe impor uma outra já pronta e por demais abstrata, e sobretudo levar a criança a reinventar aquilo que é capaz ao invés de se limitar a ouvir e repetir” (1984, p.17). Considerando, finalmente, os indícios de que o termo “moderno” foi apropriado a partir de diferentes leituras, que, segundo Chartier (1990), podem expressar os “desvios” ao modelo, resta-nos desenvolver, como tem observado Valente (2003, p.250), “investigações sobre o que ocorreu com a disciplina matemática durante este período", buscando novas evidências das formas como as idéias desse importante movimento foram incorporadas pelos agentes escolares. Uma dessas buscas seria coletar depoimentos acerca dos significados dados pelos protagonistas da história às idéias centrais do movimento em suas práticas escolares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, A; CEGALLA, D.P; SILVA, J; SANGIORGI, O . ( Orgs). Programa de Admissão. 24 . ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970. BURIGO, E. Z. Matemática Moderna: progresso e democracia na visão de educadores brasileiros nos anos 60. In: Porto Alegre: Pannonica: Teoria & Educação. V.2, 1990, pp. 255- 265. CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. DE CERTEAU, M. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. DE CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. 6 ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994. JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação. Campinas/SP: Editora Autores Associados, SBHE, janeiro/junho, 2001,n° 1, pp. 9-43. KLINE, M. O fracasso da matemática moderna. 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Parodiando a ópera homônima de Giuseppe Verdi, a autora expressa em seu discurso algo muito mais profundo do que uma simples recriação literária: expressa a reflexão sobre o ato de escrever. E é no decorrer deste ato reflexivo que o texto abre-se para uma interação com o seu leitor, como se fosse o destino de quem percorre cada palavra de seu romance. PALAVRAS-CHAVE: narrador; criação literária; leitor; personagens. ABSTRACT Analyse of the novel “A força do destino” written by Nélida Piñon. The author tries to establish a dialogue with the homonym opera written by Giuseppe Verdi, making us realize that the fiction is much more than a simple imitation of the original text. What it is denounced in Nélida’s text is her intention to present the reader how we can elaborate a narrative: working with literacy is the vital function this novel. It is open for an interaction between text and 1.Mestre em Teoria da Literatura pela UFG. Coordenadora e professora do Curso de Letras do ICE. 2. A ópera de Verdi, “A força do destino”, teve sua estréia em São Petersburgo no Teatro Imperial, em 10 Novembro de 1862. Em seu primeiro acto, a ação desenrola-se na Espanha e na Itália, durante o século XVIII, e a ópera inicia-se num castelo perto de Sevilha onde o Marquês de Calatrava vem visitar a sua filha Leonora, Condessa de Vargas. O que o velho Marquês ignora é que ela se prepara para fugir precisamente essa noite com Don Alvaro, um jovem desprezado pela fidalguia. As suas intenções são as mais puras, e, em sinal de submissão, entrega as armas. Só que, infortunadamente, uma das pistolas, ao cair no chão, dispara e atinge mortalmente o Marquês. Antes de morrer, o velho Calatrava tem ainda fôlego para lançar uma maldição sobre a filha. reader, as if it was the destiny for those who navigate each word in her romance. KEYWORDS: reader; literacy; characters; narrator como se fosse o destino de quem percorre cada palavra de seu romance. Osman Lins, em Guerra sem testemunha, mostra-nos essa 1. Paixão arrasadora e trágica inevitável ocorrência, quando diz que o leitor se sente “capaz de ver no livro algo de vivo e de empreender a leitura com um sentido de “A força do destino“ de Nélida Piñon, escritora brasileira, de adesão, de solidariedade, e por isso, um partícipe da cerimônia, a renome internacional, nos fala de uma paixão arrasadora e trágica resposta necessária ao ato do escritor, a relação que o completa.” entre dois jovens. A autora procura estabelecer um diálogo com a (Lins:1974) ópera: “A força do destino” de Giuseppe Verdi25 Os protagonistas- Seguir métodos? Poderia trair Nélida se assim o fizesse. Aqui amantes são Álvaro e Leonora. Poderiam ser Romeu e Julieta ou vale mais a tranqüilidade de descentralizar a rigidez imposta por Tristão e Isolda ou algum outro caso de amor impossível, seguindo o classificações e categorias, ou algo semelhante. Imbert, ao citar mesmo caminho dessas figuras conhecidas da literatura universal. Croce, mostra que: Ao se apropriar dos elementos representativos da obra de Verdi - personagens, tempo histórico, espaço, por exemplo - a autora, com seus “artifícios delicados e sutis”, concebe a sua ficção, ampliando a significação do texto original para fazê-la ecoar para um outro com uma nova perspectiva histórica ou ideológica. Nélida recria-o, muitas vezes, pretendendo à paródia, e outras, repensando O crítico-como o filósofo, como o cientista, atira-se sobre as coisas que o interessam com vontade de apreendê-las. É um movimento rápido e impetuoso, do qual participam todas as potências da personalidade. Movimento com sentido, mas que não vai muito longe. É quase um salto. Salto a partir da situação em que coube ao crítico viver até a obra literária a qual se enlaça num abraço vital e apertado. (Imbert: 1971) conflituosamente sobre o destino de Álvaro e Leonora. O texto de Nélida evidencia sua intenção de apresentar ao Croce nos faz crer que esses saltos foram longa viagem com leitor como se elabora uma narrativa. O fazer literário é a função desdobramento de leque, novelo desenrolado e outras descontrações. vital nesta obra que se abre para uma interação entre texto e leitor, São movimentos, às vezes, até irreconhecíveis ao próprio analista, mas que trazem uma proposta de busca e participação, a qual, de acordo com Arrigucci Jr., são como os verdadeiros takes do jazz,[...] O que Nélida tem para nos contar? Qual é a experiência de a busca de um possível cada vez mais difícil e sempre mais sujeito à Nélida? Qual é a sua sabedoria? Porque, de acordo com Oscar parada vertiginosa, vácuo aberto Tacca, em sua obra, As vozes do romance, o verdadeiro estilo do que a consciência vigilante e exacerbada exige. (Arigucci:1987) narrador não consiste tanto no que conta, (os temas vão e vem) mas O tão conhecido texto de Walter Benjamin sobre os contos de em como conta. No entanto, o crítico mostra que assim como existe Leskov, também, busca essa realidade, já que, para ele, narrar uma uma livre seleção quanto ao “como contar”, existe forçosamente história implica em descontração e o ouvinte quanto mais esquece de uma decisão prévia quanto ao “como saber”. Esse “como saber”, si mais entra nele a coisa narrada. (Benjamin:1980) gerador do ponto de vista do narrador, é que vai brotar aquilo que Procurar se desprender de referências exteriores tanto quanto mais ansiosamente esperamos: a criação literária. (Tacca: 1980) possíveis é o objetivo deste texto, porque o de Nélida já vem Nélida inicia o seu romance nos contando sobre a fuga que marcado por um repertório fundamentalmente poético, com planejavam as personagens verdianas Álvaro e Leonora. A narradora possibilidades lingüísticas em sentido amplo. os apresenta com um enunciado de choque: A fuga foi minuciosamente planejada.[...] (FD.5)26 2. Sabe mesmo contar uma história, Nélida? Fala de suas personagens ansiosas por tal acontecimento, Voltando a Benjamin, o narrador está cada vez mais distante dando ao leitor a oportunidade de conhecer imediatamente a trama, a de nós. Não há mais experiências para contar a seus leitores ávidos e fim de que sua atenção seja voltada apenas para os dois, para a atentos. Mas quem é, hoje em dia, o narrador das crônicas, dos história que vai ser relatada. Uma típica narradora de terceira pessoa, contos e dos romances? Progressivamente, o narrador vai-se uma multiple selective omniscience, uma vez que reflete o espírito e ocultando com o desenvolvimento do romance, “atrás de uma voz a visão de cada uma de suas personagens, (Leite: 1987) ou ainda, que nos fala, velando e desvelando, ao mesmo tempo narrador e como um foco de câmera, registrando trechos da fuga e os conflitos personagem, numa fusão que, se os apresenta diretamente ao leitor, 26 também os distancia enquanto os dilui.” (Benjamin: 1980) F.D. : Sigla do romance “A força do destino” que será utilizada em todo o texto na citações do romance. PIÑON, Nélida. A força do destino. Rio de Janeiro: Ed.Francisco Alves, 1988. que a envolvem. chamada Nélida. Numa perspectiva bem humorada, o narrador descreve que até Perdoem-me leitores, se o meu nome ganha relevância na discussão ora presente.Posso assegurar-lhes que não havia autorizado Álvaro a denunciar uma presença que fatalmente provocaria atritos e suspeitas.Não cheguei também a proibir-lhe o meu nome. (FD.11) as telhas “aqui foram registradas no catálogo de Sotheby's” (FD.9) e justifica a sua minuciosa descrição, essa necessidade de informar ao leitor, talvez tentando propor a sua confiabilidade. Pode-se dizer um velho truque. E mais: não se esquece de que “a gente não joga pela janela uma tradição tão antiga que permite uma longa narrativa.”(F.D.9) Por que, Nélida? Será que não vamos suportar a sua presença? Ou você pensa que queremos escutar a história de Verdi? O foco da Nota-se que Nélida está se saindo muito bem, recorrendo à tão falada normalidade prolifera-se no distanciamento entre tradição, recontando a ópera verdiana de um modo até espirituoso, e personagem e narrador distinguindo cada sujeito nitidamente. O ainda, mostrando um distanciamento que lhe permite explorar importante não é o fato em si, mas os movimentos contínuos de melhor o humor das situações. Até que, de repente, Álvaro, todas as personagens, inclusive a personagem Nélida, porque discutindo com Leonora, invoca pelo nome da autora: oportuniza o desarme do narrador tradicional. A mudança dos fatos pode levar o narrador a outros sentidos de experiência, inclusive, por Vou fingir que te exibes para mim, e não para a cronista Nélida. (FD.11) meio de suas próprias personagens: Álvaro, Leonora ou a própria Nélida: Parece que Nélida se traiu. Estamos observando que Álvaro, ao ser transferido para representar as ações do romance de Nélida, se expressa num diálogo de uma maneira diferente das que estamos habituados a conhecer nas narrativas tradicionais. Mas, rapidamente, Talvez me queiras submissa a histórias cujo sentido do real se concilie com fatias de uma realidade oficial de modo que me seja fácil seguílas.(FD.17) o narrador entra em cena ao elaborar uma maneira também diferente Observa-se, neste lance, que Nélida busca o rompimento dos para o leitor, tentando nos aproximar dessa nova personagem códigos e retóricas dirigidas, enfim, as falas controladas nas quais se restringem as afirmações da verossimilhança: discurso estético: A verdade é que se eu não buscasse aqui subverter as tuas normas, tua luta se teria resumido na conquista de um matrimônio sólido,uma prole autenticada, e um futuro onde coubessem alguns verões apenas celebrados enquanto os dias no leito fossem ardentes. (FD.17) Como usuária do idioma, Nélida tem consciência do poder que detém, de seu repertório de sentidos, e que, segundo Mindlin “amplia as suas possibilidades de significação. [...]” Há até “um certo autoritarismo nessa visão que considera Álvaro e Leonora apenas títeres de uma história que se deve submeter ao comando de quem a narrará:”(Mindlin:1992) Recuso-me a detalhar seus rostos. Quero-os na penumbra, sempre secretos, livres do temor de que a multidão possa identificá-los através das chaves que levianamente lhes forneça. (FD.53) 3.A pretexto do tempo E porque pertenço ao tempo como ele não é meu, com que direito aproximo-me de Álvaro e Leonora, da morte do marquês, dos meus contemporâneos, ou do que me venham a suceder?(FD.51) Porque você é uma cronista, Nélida. E o cronista de hoje ao retomar a persona de seus ancestrais, não quer dar a nós, leitores, um meio de representação temporal, como diz Arrigucci [1987], ou um Unicamente por minhas mãos ingressariam ambos na língua portuguesa, que é, como expliquei a Álvaro, um feudo forte e lírico ao mesmo tempo. (FD.13) registro de vida escoada. Porém, como quer Arrigucci, deve-se penetrar profundamente na substância íntima de seu tempo e esquivar-se da corrosão dos anos. Nélida parece segura ao procurar manter um distanciamento Segundo o seu discurso, os seus desígnios repousam sobre o com o intuito de poder manobrar as suas personagens da maneira acaso e, às vezes, lhe dizem que é melhor falar de sombras do que que ela achar conveniente, o que lhe oportuniza um outro perfil de exaltar o sol, embora queira imaginar suas personagens ríspidas e mímese: aquele que não é uma clonagem dos fatos e ações, mas soltas, mas está insegura devido à ordem dos fatos já consolidados ultrapassando limites. Num terreno polêmico, a escritora vai pela narrativa verdiana, já que nela os fados apartaram Álvaro e montando e tecendo uma realidade intrínseca de feições estranhas, Leonora por um longo tempo, uma separação que: porém, é justamente esse deslocamento que faz de seu discurso um [...]desfariam, perderia a linguagem o poder de combinar o circunscrito com que se fez o seu nome a inversão com o percurso biográfico. Sem o nosso esforço se ignoraria que atrás da história existe outra, uma outra ainda existe atrás, assim sucessivamente até o começo do mundo.(FD.72) A narradora27 nos diz que ama suas personagens e quer resguardá-las das marcas do tempo. Talvez o termo “transcendência” Álvaro e Leonora chegam até nós pelo nosso tempo, em nossos dias. Afinal, para que serve o passado, o presente e o futuro? Se o tempo é um objeto que emana de uma consciência, é um tempo que não é tempo, não há necessidade de existir, o que importa é somente o que se apreende dele e o que ele pode significar. E, nesse caso, a narrativa não faz ampliar a impressão de um tempo que já se foi. possa servir para ajudar-nos a captar sua declaração de aflição, embaraço e inconformidade com as situações determinadas e entendermos essa mobilidade comparando-a a uma ressonância concebida no processo de um rompante de uma cronista em seu ato 4. Como se constrói uma narrativa? criativo, e ansiosa por uma manifestação verbal que lhe expresse Amo os segredos [...] o coração bate-me à sentimentos identificáveis. revelação do seu prestígio verbal. (FD.63) Se você, Nélida, quer partir para outros domínios de representação sem se deixar contaminar por uma mímese que não Geralmente, os cronistas gostam de relatos corriqueiros. seja vertiginosa, então, não se deixe enganar por recursos narrativos Eles os transformam em um lirismo reflexivo. Os segredos trazem duvidosos, porque certas partes de sua face já estão se repercutindo para os cronistas o cheiro do povo, a “vida vivida”, o convívio com em nossas próprias fraquezas: sua marca enunciativa como uma escritora-narradora- personagem que, simplesmente, quer sentir-se viva e sentir a vida. Nada de previsibilidade, apenas o aprendizado contínuo e lúcido da expressão estética. 27 Atrevo-me, neste momento, a falar do narrador, no gênero feminino Os segredos domésticos são meus prediletos. Nascidos na alcova e na cozinha, exalam suor, alho e cebola.Ocupam-se dos sentimentos e das irregularidades caseiras. (FD.64) Nélida sabe porque gosta de segredos: “um hábil artesão da experiência, transformador da matéria prima do vivido em narração”. Guardião zeloso, que permite a Nélida O homem mastiga-os junto com os alimentos na boca. De posse deles vai convertendo-se num narrador sem livro. [FD.64] É quando surge, no bojo de sua modesta narrativa um espetáculo que provoca o imaginário.(FD.64) descobrir, pela sua onisciência, certos achados imperceptíveis. À luz desses enunciados, a narradora vai descobrindo experimentar outras imagens interpretativas, mesmo sabendo que Os elos humanos por si só se desfariam, perderia a linguagem o poder de combinar o circunscrito com que se faz o seu nome a inversão com o percurso biográfico. Sem o nosso esforço se ignoraria que atrás da história existe outra, uma outra ainda existe atrás, assim sucessivamente até o começo do mundo. (F.D.73) esses relatos se originaram de fragmentos dispersos. São eles que Ecléia Bosi, em Memória e Sociedade, analisa os narradores permitem à narradora descobrir outros efeitos de representação em de Benjamin e observa que não se pode perder, no deserto dos sua intensiva ficcionalidade: tempos, uma só gota de água irisada que, nômades passamos do “materiais dispersos”. Agora, ela pretende transformar esses materiais em algo mais irresistível, porque ela sabe que só o narrador pode fazer deste espetáculo uma notável representação. Não se trata de repetir o que já foi dito, porque o leitor, ao ler o seu relato, quer Somos o abade e eu simples mediadores. Escrevendo, ou à escuta, nos apertados corredores das fechaduras. A recolher material disperso, colando a alguns com simetria.(FD.72) Talvez. Nélida se esforce tanto quanto possível, quase como uma obsessão, para dar a nós, leitores, formas de fabulações peculiares e necessárias, porque se assim não fosse: côncavo de uma para outra mão. A história deve reproduzir-se de geração a geração, gerar muitas outras, cujos fios se cruzem, prolongando o original, puxado por outros dedos.(Bosi:1987) Enquanto o abade trabalha a matéria prima da experiência, Como Nélida, o abade também recolhe material disperso. Ele é o narrador da história de Álvaro e Leonora, fala sobre os seus sofrimentos e as suas paixões. Conhece a terra e seus conterrâneos, Nélida vai construindo sua narração com “alma, olho e mão”. Artesã que não se descuida em nenhum momento de seu ofício. Não pretende se esquecer de nenhum detalhe, desde os mais delicados até os mais grosseiros, mostrando-nos o seu poder esfuziante de a fim de não lhe enriquecer a história?” Além do mais, não há tantas cronista. Algumas vezes, ela esbarra em algum acontecimento que descrições de Leonora. À vista disso, por que tanta escassez em parece não querer lhe resistir. Mas a virtuosa artífice, mesmo relação a esta personagem? Não estamos sendo severos, mas cansada e vacilante, passa a sonhar com outros fatos que lhe extraindo conclusões do próprio texto, embora não se possa dizer proporcione menos calor nas mãos e suor nas faces. E desperta mais que se confessou mesquinha em relação a essa protagonista tão rápido do que se esperava, pronta a continuar o seu exercício sofrida, já que, em suas referências a essa personagem, ocorre um ficcional. Ela sabe que o espetáculo não pode parar, porque não se comentário que expressa uma intensa manifestação lírica: pode romper a cadeia narrativa. 5. Quem é Leonora? Não o culpo leitor um corpo real em suas leituras. Sugiro-lhe, porém o prazer de criar seu próprio modelo de carne e sangue. (FD.60) Jamais a quis longe da vida. Leonora sempre foi um rio a desaguar no oceano, florida e abundante. Alegrava-me até imaginá-la na caverna, às vezes brincando com o feno! (FD 122) Julio Cortazar, em Valise de Cronópio, ressalta que, para essa linha de configuração narrativa, já não existe romance ou A narradora nos lança um desafio: Como decifrar aquela poema: existem situações que se vêem e se resolvem em sua esfera “voz aflita e molhada”? Como esclarecer a penosa trajetória da verbal própria. Segundo Cortázar, a herança mais importante que nos personagem Leonora? Ela é uma personagem já construída pelo seu deixa esta linha de poesia no romance resida na clara consciência de autor, Giuseppe Verdi e, portanto, já está configurada e modelada. uma abolição de fronteiras falsas, de categorias retóricas. É uma Mas, como estamos no reino do possível, à narradora é concedida espécie de libertação, de extrema possibilidade verbal, da própria uma liberdade para transformar essa personagem e elevá-la a outros literatura como recriação. (Cortázar:1974) reinos. No entanto, Nélida tenta resistir, não quer reconstruir um Por outro lado, não é escusável salientar que à narradora outro caminho, um outro destino para esta tão sofrida personagem de Nélida não interessa narrar sobre a protagonista, porque há uma Verdi. outra personagem tentando entrar no cenário e substituí-la. É que Mas, por que recusa favores a uma vizinha “que finge ignorar este sujeito narrador quer se fazer sujeito personagem. Nélida quer conseguir chegar, neste momento, à reta final de seu caminho, neste assumir o lugar de Leonora. Personagem e narradora estão empolgante texto. Como Scheerazade, conseguiu vencer as mil e intrinsecamente ligadas, inseparáveis. Não há outra história para uma noites. contar. Apenas a história da linguagem, que se faz aparecer através Que haja outros Álvaros e Leonoras em sua tão delicada de representações esteticamente elaboradas para manifestar uma ficção, para podermos acompanhar o desenvolvimento conflituoso e outra identidade ficcional: a da própria autora. instigante de uma escritora em seu encontro com a palavra. Porque, Quem é Nélida? assim, não ficaremos solitários, mas “com forças para revelar caminhos difíceis” [...] (FD 65) Uma cronista que “não perdeu o brilho da tez”, e “que Que os fados jamais se apartem de nossa cronista. Que lhe sabe artifícios delicados e sutis”, já que, ao romper o silêncio, isto é, concedam a força de um destino para viver sempre em estado de ao se expor narrando, conquistou um caminho legítimo e graça. indissolúvel se revelando como uma grande cronista. Muitas vezes, certas hesitações da narradora se fizeram REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS perceber em seu texto: Mastigo, porém, desatenta, sem o prazer antigo. Começo a cansar-me.Estou a cobrar de Leonora e Álvaro o que não podemceder-me. (FD.97) O sentido de sua narrativa poderia até se esvaziar, nesse momento. Mas se há, neste vacilo, uma perda ou carência de significado, há um novo começo. A narradora continua a tentar ARRIGUCI JÚNIOR, Davi. Enigma e Comentário. Ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo: Cia das Letras, 1987. BENJAMIN, Walter. O narrador. Tradução de Modesto Carone. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores) BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: T.A. Queiroz: Ed. da USP, 1987. buscar o seu próprio destino, o destino de uma cronista, que, como CORTÁZAR, Julio. Valise de Cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1974. (Col. Debates) de todos os cronistas e poetas, batalha inexoravelmente para IMBERT, Enrique Anderson. Métodos de crítica literária. TEORIA FREIRIANA Coimbra: Livraria Almedina, 1971. ALMEIDA, Laura Isabel Marques Vasconcelos de 28 [email protected] LEITE, Ligia C.M. O foco narrativo. São Paulo: Ática, 1987. LINS, Osman. Guerra sem testemunhas: o escritor, sua condição e a realidade social. São Paulo: Ática, 1974. TACCA, Oscar. O narrador In: As vozes do romance. Tradução de Margarida Coutinho Gouveia. Coimbra: Livraria Almedina, 1983. MIDLIN, Dulce M. V. Ficção e mito: à procura de um saber. Goiânia: CEGRAF, 1982. CORTÁZAR, Julio. Valise de Cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1974. (Col. Debates) RESUMO Este artigo apresenta os princípios da teoria freiriana, destacando a importância da interação do sujeito com o meio, como agente mediador da linguagem para que se concretize a aprendizagem, pois o ideário da teoria freiriana é a valorização do diálogo, da participação juntamente com a consideração do educando como sujeito portador do saber que deve ser reconhecido. Segundo Freire (2005), o diálogo entre o educador/educando e o objeto de conhecimento, vinculado a reconhecer a aprendizagem como um processo gradativo, em que valoriza o conhecimento de mundo adquirido pelos alunos, contribui para que os sujeitos se tornem construtores de seu próprio conhecimento. PALAVRAS-CHAVE: diálogo; sujeito; aprendizagem. ABSTRACT This article presents the principles of the theory freiriana, highlighting the importance of the subject's interaction with the environment, as a mediator for the language to achieve learning, as the ideology of the theory freiriana is the enhancement of dialogue, participation together with the consideration educating the subject as bearer of knowledge, which must be recognized. According Freire (2005), the dialogue between the teacher / learner and the object of knowledge, linked to recognise the learning as a gradual process in which values the world of knowledge acquired by students, helps to make the subject become builders of their own knowledge. KEYWORDS: dialogue; subject; learning. 28 Professora da Rede Municipal de Cuiabá/MT e aluna do Programa de Pós-Graduação de Doutorado em Educação da PUCPR. 1. A Dialogicidade amorosidade e respeito. Podemos sintetizar isso expondo que: Este é um dos eixos principais e fundantes de toda a teoria “O diálogo é este encontro dos homens, imediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados freiriana, o diálogo, nascido na prática da liberdade, enraizado na existência, comprometido com a vida, que se historiciza no seu contexto. No seu livro, Pedagogia do Oprimido, escrito há 40 anos, depois de justificar o título “Pedagogia do Oprimido”, expor a deste direito” (Freire, 2005, p. 91). educação bancária onde inexiste o diálogo, dedica os capítulos 3 e 4 à ação dialógica e antidialógica. A dialogicidade é a essência da educação como prática da liberdade. O diálogo é tratado como um fenômeno humano em Paulo Daí que concluímos que o diálogo é uma exigência existencial, é encontro respeitoso e solitário entre aqueles que acreditam que o mundo pode ser transformado, pronunciado. Freire, “se nos revela como algo que já poderemos dizer ser ele Uma educação pautada na dialogicidade, fundada no diálogo, mesmo: a palavra. Mas, ao encontrarmos a palavra, na análise do é que se dá numa relação de humildade, encontro e solidariedade, ou diálogo, como algo mais que um meio para que ele se faça, se nos seja, numa relação horizontal, de muita confiança. O diálogo leva os impõe buscar, também seus elementos constitutivos” (Pedagogia do homens e mulheres a serem mais homens e mulheres, pois é sempre Oprimido, 2005, p.89). gerador de esperança. Não há palavra que não seja práxis, ou que não surja da práxis, quando pronunciamos a palavra, estamos pronunciando e transformando o mundo. Na dialogicidade estão sempre presentes as dimensões da ação e da reflexão. Ao pronunciar o mundo mostramos que humanamente existimos, se existimos, agimos e modificamos o mundo dado. Quando não há verdadeiro diálogo, não há encontro, Na questão da educação, ou melhor, da escola, a opção pelo conteúdo programático deve dar-se no diálogo o qual se insere em todos os segmentos sociais, porém devemos nos preparar para essa ação mediatizada entre todos os segmentos. O contexto socialpolítico-econômico-cultural do educando deve ser bem considerado ao se pensar em traçar os conteúdos programáticos. Sendo assim, numa relação horizontal, a educação terá sentido, pois prolongará o mas em todos os sentidos do nosso ser. Somente pela virtual da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e significação: pela crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença de que somente chego a ser eles mesmos” (2007, p.115116). projeto de cada um, encharcando-os de sentido. Desse diálogo, nascem os temas geradores, componentes do conteúdo programático. Segundo Freire: É na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos educadores e povo, que iremos buscar o conteúdo programático da educação. O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos Universo Temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores” (2005, p.101). Então podemos dizer que o diálogo consiste numa relação horizontal e não vertical entre as pessoas implicadas e entre as pessoas em relação. No seu pensamento, a relação homem/mulher/mundo são indissociáveis. Nós, homens e mulheres, nos educamos juntos, em solidariedade e diálogo, na transformação e Daqui aduzimos que o diálogo é a atividade pedagógica por modificação do mundo dado. O saber de todos deve ser valorizado. excelência, mas que já começa mesmo antes da ação pedagógica, propriamente dita, e é na investigação temática e na busca dos conteúdos programáticos que a ação dialógica se faz presente. O diálogo produz a conscientização libertadora e transformadora, ou seja, dialógica. Muito unida a dialogicidade está a politicidade que apresentamos a seguir. Para finalizar este item, expomos a definição de diálogo que Paulo Freire propõe em Educação como Prática da Liberdade: E que é o diálogo? È uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só com o diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação. O diálogo é, portanto, o indispensável caminho(Jaspers), não somente nas questões vitais para a nossa ordenação política, 2. A Politicidade Outro eixo fundamental da teoria freiriana é a politicidade, gerada também da pronúncia da palavra, da ação dialógica. Todo ato educativo é um ato político, que leva a um compromisso social de transformação e libertação. Se a educação é neutra, não é educação, mas pura repetição, transmissão que está longe da ação reflexiva, da práxis. acreditar-se superior aos fatos, dominando-os de fora, nem se julga livre para entendê-los como melhor agradar. Simplesmente os capta, emprestando-lhes um poder superior, que a domina de fora e a que tem, por isso mesmo, de submeterse com docilidade. É próprio desta consciência o fatalismo que leva ao cruzamento de braços à impossibilidade de fazer algo diante do poder dos fatos, sob os quais fica vencido o homem”. ( 2007, p.113). A politicidade é aquela que concebe a educação como problematizadora fundada na relação dialógica e dialética entre educador e educando, que ao dialogar e politizar, problematizam e aprendem juntos. A política, entendida como luta do bem-comum é que pode, mediatizada pelo diálogo, buscar ou almejar a transformação através da consciência crítica. Não se consegue educar um povo imerso na passividade, que já tem como hospedeiro o opressor, apesar de Sem uma consciência crítica que nos integra à realidade não pode haver politicidade. Por isso a conscientização é base primordial continuar oprimido. Uma ação política que não esteja entranhada de uma ação libertadora, jamais poderá ser uma verdadeira ação pedagógica em que a educação é vista como prática de liberdade. Quando há a ausência de liberdade, há também a ausência de conscientização. Uma política educacional que aposta mais na da politicidade, que só se dá na dialogicidade. Numa perspectiva de uma educação para a transformação, para a liberdade e para a autonomia é central a questão da politicidade e da consciência crítico-reflexiva, pois estas são que suscitarão uma nova práxis. ingenuidade da consciência mágica do que na consciência crítica das Depois de entendermos os dois eixos centrais da teoria pessoas está longe de ser educacional, mas massificadora e freiriana,a dialogicidade e a politicidade, podemos adentrar no seu manipuladora das consciências. “método” e como se efetua a aprendizagem do sujeito. A esse respeito Freire diz que: 3. O Método “ A consciência crítica é a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica. Nas suas correlações causais e circunstâncias. A consciência ingênua, se crê superior aos fatos, dominando-os de fora e, por isso, se julga livre para entendê-los conforme melhor lhe agradar. A consciência mágica, por outro lado, não chega a Rigorosamente não é um método o de Paulo Freire, mas uma teoria do conhecimento, uma filosofia da educação. Paulo Freire nunca afirmou ser ele o inventor de um método. Quando falamos em “método Paulo Freire”, não podemos entendê-lo como uma técnica, mas como já afirmamos, é uma teoria do conhecimento, um modo de como se realiza a aprendizagem, enfim, uma filosofia da educação. porque já existe uma curiosidade no ser humano. Em seu livro “Leitura do mundo, Leitura da palavra”, Paulo Freire explica esse primeiro momento, que é a essência do método. A base da sua teoria está assentada numa antropologia, numa A leitura do mundo sempre serve para me aproximar do mundo e visão de mundo, de homem, que só alguém que compartilhe tal visão retirar dele os elementos que servem para a minha vida e a vida dos poderá entender e aplicar o referido método. Parte-se do seguinte outros e, para isso, não precisa muito, precisa apenas de curiosidade questionamento: Como é que o ser humano aprende? Porque epistemológica, é o que Freire dizia. Ele havia lido Habermas, onde aprende? Freire dá-se conta que o ser humano aprende por se afirma que o interesse precede o conhecimento. sucessivas aproximações e ele fica sempre como ser aprendente, Freire diz que “antes de conhecer somos curiosos, porque porque o objeto sempre revela coisas novas, tem sempre dimensões todo ser humano é curioso”. Freire no seu método parte sempre das que escapam à primeira vista, é um método que reconhece esse necessidades do ser humano, e é a partir destas necessidades, que são processo. a extensão do projeto de vida das pessoas, é que poderemos construir A partir da obra: Paulo Freire uma biobibliografia, o conhecimento. especificamente da página 37, expõe-se sinteticamente o método que 3.2. Segundo Momento – Tematização: Compartilhamento do descreveremos o nosso modo de entender. mundo lido 3.1. Primeiro Momento - Investigação Temática: Leitura do Mundo Nesse segundo momento, descobre-se o significado das palavras e temas geradores investigados, através da conversa e É o primeiro passo, onde se descobre na criança, no jovem ou diálogo com o educando, é uma tarefa interativa entre educador e no adulto o que ele já sabe, partindo do que ele sabe, conhecendo educando, pois o construtor do conhecimento é o educando. O melhor o que sabe, conhecer mais do que já sabe. Esse é o processo educador incentiva, coordena, ajuda e testemunha a importância do natural e, para isso, não há outra coisa, do que motivar, seduzir, conhecimento e o outro, o educando se motiva para desabrochar o seu próprio conhecimento. O conhecimento só é válido segundo Freire, se é reconstruir o mundo lido. Aí está o revolucionário do mundo, não é para contemplar o mundo lido, é para reconstruí-lo. compartilhado com o outro. Por isso, nesse segundo momento, a Por isso, não se pode entendê-lo como uma técnica e daí, exigência do diálogo é essencial, não é mais somente a curiosidade. então, a dificuldade de aplicá-lo, porque não é aplicável, a não ser Há o intercâmbio das diferentes leituras do mundo nesse diálogo que que se coincida com os pressupostos antropológicos de uma visão de se estabelece. mundo, transformadora de mundo, uma visão de ser humano, A validade do conhecimento, segundo Freire, é dada engajado na transformação do mundo. socialmente, pois eu posso me equivocar, por isso se faz necessário o O conhecimento tem uma função emancipadora, por isso, o compartilhamento do mundo lido, assim, com o outro, vai-se Método Paulo Freire, não é uma técnica. O conhecimento adquire construindo o mundo lido. uma função libertadora e isso é muito importante compreender quando se fala em Método Paulo Freire, do contrário, reduziríamos 3.3. Terceiro Momento – Reconstrução do mundo lido: a uma pura técnica. Depois de trabalharmos este Método que dá ênfase ao Problematização educando como o sujeito da aprendizagem, apresentamos o que Aqui é o momento de descobrir o sentido, o significado daquele conhecimento para mim, para a minha vida. É o momento pensa e o que sonha sinteticamente, Paulo Freie, sobre a aprendizagem e sobre um outro mundo possível. privilegiado da conscientização, da problematização. Isso é radicalmente contrário à visão tradicional de conhecimento, que era 4. Educando: Sujeito da Aprendizagem só você, enriquecer-se de conhecimento, para vender-se no mercado de trabalho. Você tem um diploma melhor do que o outro; essa lógica da competição capitalista não é de Paulo Freire. Uma das definições mais importantes de Paulo Freire é: “Educar-se é impregnar de sentido cada ato cotidiano”. Impregnar-se Essa reconstrução do mundo lido está ligada à leitura do é encharcar-se de sentido. Só se aprende quando aquilo que aprendo mundo, se eu leio o mundo, compartilho o mundo, agora, devo é significativo para mim. Eu me educo quando aquilo que aprendo é significativo para mim. As relações são conteúdos atitudinais, as sentido a escola, o educando é o construtor de sentido. É um minhas atitudes para com os outros não é só conhecimento. Deve-se animador, mais que lecionador ou comunicador. O professor ajuda a considerar as atitudes, identidade, autonomia, sentido, para que autonomia do aluno e na organização do seu trabalho; realmente, o educando seja o sujeito da aprendizagem. O processo de aprendizagem, segundo Freire, dá-se da seguinte maneira: a) Somos seres inacabados, estamos aprendendo sempre; b) Aprender não é acumular conhecimento, os conhecimentos são voláteis, as informações envelhecem rapidamente; c) O importante é aprender a pensar, pensar a realidade e não reproduzi-la; b) A escola ensina para e pela cidadania, é formadora do cidadão pleno. A escola exerce internamente a sua cidadania e autonomia; c) O aluno deve ser o principal protagonista, participa de tudo o que diz respeito à sua vida e não recebe de fora; d) O sistema é que mais freia as idéias de Paulo Freire. É burocrático e hierarquizado, não permite a construção da liberdade, não aceita por isso a Freire; d) É sempre possível aprender, é o sujeito que aprende, e) O diálogo, como já dissemos, é fundamental, na opressão aprendemos em contato com o outro. Por isso a grande preocupação é impossível o diálogo. O conhecimento não é só histórico, não é só de Freire com a identidade, em respeitar a identidade. O diálogo com epistemológico, não é só lógico, acima de tudo, é Dialógico. É no base no respeito é o centro da teoria freiriana. diálogo que se dá a construção do mundo, que apresentamos e) Só aprendemos aquilo que é significativo para a nossa anteriormente; vida. Quando o que aprendemos na escola, prolonga o nosso projeto f) A educação é política na sua própria natureza. É política, de vida, deve haver uma identificação com a escola para que esta ideológica e histórica, pois o conhecimento está impregnado de seja prazerosa. história, de existência humana; Daqui podemos com Freire, a modo de ilação, destacar g) Um novo mundo é a condição de sobrevivência baseada na algumas conseqüências dessa visão de aprendizagem, em que a solidariedade e no respeito. O conhecimento, infelizmente, chegou a escola deve impregnar-se de sentido: produzir um modo de produção insustentável, que é o capitalista, a) O professor deve ser o profissional que impregna de baseado na opressão. Considerações Finais: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS O modelo de educação proposto por Paulo Freire se diferencia da educação tradicional, pois abomina, dentre outras FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e terra, 42 ed. 2005. coisas, a dependência dominadora, que inclui dentre outras, a relação _____________.Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 30 ed. 2007. de dominação do educador sobre o educando. Portanto, a teoria freiriana, considerada inovadora e diferente das técnicas até então utilizadas, foi diferente por _____________. A educação na cidade. São Paulo Cortez, 6 2d. 2005. possibilitar uma aprendizagem libertadora e não mecânica, mas uma aprendizagem que requer uma tomada de posição frente aos problemas que vivemos. Uma aprendizagem integradora, abrangente, não compartimentalizada, não fragmentada, com forte teor ideológico. Diferente, pois, promovia a horizontalidade na relação educador-educando, a valorização de sua cultura, de sua oralidade, enfim, foi diferente, acima de tudo, pelo seu caráter humanístico. Dessa forma, o Método proposto por Freire rompeu com a concepção utilitária do ato educativo, propondo uma outra forma de alfabetizar. Isso prova o quanto Freire estava à frente de seu tempo e o Método Paulo Freire continua vivo e em evolução entre aqueles que trabalham com as suas idéias, mas destacamos a necessidade de recriação constante em toda e qualquer prática educativa, inclusive no método em questão. FREIRE, Paulo e FREI Betto. Essa escola chamada vida. São Paulo, Ática, 2003. GADOTTI, Moacir (org). Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo, Cortez e IPF, Unesco, 1996. CRÍTICA TEXTUAL: VARIANTES SEMÂNTICAS, Pode-se afirmar que em todo processo de cópia de texto SINTÁTICAS E LEXICAIS NA EDIÇÃO “USPIANA BRASIL ocorrem variações voluntárias ou involuntárias por parte de quem o 500 ANOS”* copia, por isso a crítica textual objetiva restituir ao texto a BORGES, Maria Aparecida Mendes** RESUMO: Neste artigo, apresento e analiso algumas variantes semânticas, sintáticas e lexicais da edição “Uspiana Brasil 500 anos” em relação ao manuscrito de Theotonio Joze Juzarte – “Diario da Navegaçaõ do Rio Tieté, Rio grande Paraná, e Rio Gatemy em que se dá rellaçaõ de todas as couzas mais notaveis destes Rios, seu curso, sua distância E de todos os mais Rios que se encontraõ, Ilhas, perigos, e de tudo o acontecido neste Diario pelo tempo de dous annos, edous mezes Que principia em 10 de março de 1769”. PALAVRAS-CHAVE: Crítica Textual; Lugar-crítico: variantes. ABSTRACT: This article attempts to draw some data about the analysis of some semantical, syntatical and lexical variants of the edition “Uspiana Brasil 500 anos” in relation to the manuscript of Theotonio Joze Juzarte – “Diario da Navegaçaõ do Rio Tieté, Rio grande Paraná, e Rio Gatemy em que se dá rellaçaõ de todas as couzas mais notaveis destes Rios, seu curso, sua distância E de todos os mais Rios que se encontraõ, Ilhas, perigos, e de tudo o acontecido neste Diario pelo tempo de dous annos, edous mezes Que principia em 10 de março de 1769”. KEYWORDS: Textual critic; critical place: variants. ___________________________________ * Este texto é uma síntese do capítulo 3, da dissertação de mestrado intitulada: Diário da navegação: reprodução e estudo das variantes da Edição ‘Uspiana Brasil 500 anos’; com orientação do professor doutor Manoel Mourivaldo Santiago Almeida, defendida em 2006, pela UFMT. ** Doutoranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo e professora do curso de Letras do Instituto Cuiabano de Educação. [email protected] genuinidade. Assim, o termo Filologia está sendo usado nesta pesquisa na acepção de Ivo Castro: “ciência que estuda a gênese e a escrita dos textos, a sua difusão e a transformação dos textos no decurso da sua transmissão, as características materiais e o modo de conservação dos suportes textuais, o modo de editar os textos com respeito máximo pela intenção do autor” (Castro, 1992:124). Neste trabalho, objetiva-se, com prioridade, apontar e analisar alguns exemplos das setenta e três variantes semânticas, sintáticas e lexicais da edição “Uspiana Brasil 500 anos” em relação ao manuscrito de Theotonio Joze Juzarte – “Diario da Navegaçaõ” de 1769. A Universidade de São Paulo disponibilizou essa edição para comemorar os 500 anos de descobrimento do Brasil. Esse objetivo foi formulado com base na hipótese de que um grande número de estudantes de graduação e de pós-graduação que passa pela “iniciação à crítica textual” a analisa pela edição uspiana. Também profissionais de pós-graduação, como historiadores, antropólogos, sociólogos e outros, buscam informações fazendo a leitura apenas nessa edição, provavelmente por considerar o manuscrito de “difícil leitura”. E assim, desconhecem as variações semânticas, sintáticas e lexicais que podem comprometer o sentido do texto de que trata este trabalho. Cambraia alerta: Considerando que, no sistema de ensino de forma geral, o livro didático – um texto escrito, portanto – é o principal instrumento de trabalho, era de esperar que houvesse grande rigor em sua elaboração, pois atinge milhões de leitores. A realidade, no entanto, parece não condizer com esse pressuposto (2005:190). Para Cambraia (2005:135) um lugar-crítico (lat. Locus criticus) constitui um ponto do texto em que os testemunhos divergem. Explica que as diferenças podem ocorrer em capítulos, períodos, palavras, morfemas e fonemas. E quando a lição (cada palavra ou grupo de palavras de um testemunho) é distinta de outro(s) testemunho(s) é rotulada de variante. Os erros podem ser estudados, conforme Spina (1997:117), quanto à responsabilidade (erros do autor, do copista, gráfico ou revisor, erros do editor); quanto à natureza (erros voluntários ou fraudes, involuntários, inevitáveis, correções intencionais); quanto ao tipo (omissão, confusão de letras, saltos, transposições e outros); quanto ao condicionamento psicológico (compreende todos os aspectos da patologia da atenção). Cambraia (2005:78-9) explica a “tipologia dos erros” tomando como base as teorias de Blecua e Roncaglia. A primeira classificação apresenta quatro tipos possíveis de erro: por adição, por omissão, por alteração da ordem ou por substituição. Outra proposta classifica-se em: erros de leitura (leitura do modelo) ou ainda erros paleográficos; de memorização (retenção do texto); de ditado interior e de execução manual. A maioria das variantes da edição uspiana pode ser classificada como omissão ou substituição. Cambraia (2005:80-4) explica que os erros por omissão podem ocorrer por ausência de um fonema ou de uma letra; de uma sílaba ou palavra idêntica ou muito similar à contígua; de uma palavra por erro de ditado interior; e por omissão de uma frase. E os erros por substituição: de um fonema por atração de outro próximo; por atração de uma palavra igual na mesma perícope, isto é, seqüência do texto, lida no modelo, que será copiada; de uma palavra ou frase por outra da perícope seguinte ou próxima; de fonemas por desconhecimento histórico do copista; de uma palavra por outra de freqüência similar no uso e com grafemas quase idênticos; de uma palavra ou frase por outra ao se estabelecer mal o recorte sintático; de uma palavra por outra por atração do contexto; por sinonímia; por confusão de uma abreviatura com uma palavra sem abreviar; e por trivialização (leitura mais fácil). Para apontar as variantes, alguns critérios serão estabelecidos para o aparato: extrair-se-á por meio de foto ou escaner dessa edição o trecho alterado com indicação de página e linha, como também do excerto fac-similado do manuscrito. Colocar-se-á também o excerto da edição paleográfica com indicação de fólio e linha. Far-se-ão comentários filológicos e/ou lingüísticos das variantes. Spina (1997:137) alerta que devem figurar, no aparato, apenas as variantes significativas: semântica, sintática e lexical. Embora Spina (Ibid.:137) faça o alerta sobre as variantes, ele não as conceitua. Assim, a resolução de cada variante, aqui apontada, fica para uma inserção futura. Possivelmente, em estudos sóciocognitivos e interacionistas. Nessa perspectiva, seguem o aparato e as variantes comentadas. Legenda * marca o comentário de cada variante. Ms: (fól.(s) 5v L(s) 16-7 6r L(s) 1-4) Por que o espasso da “” as aspas marcam (em negrito) palavra, sentença ou trecho extremidade da proa ocupaõ os cinco ou seis remeiros, e o proeiro do manuscrito que sofreram variação na edição uspiana. vay adiante empé no bico da canoa, o outro expasso da poupa [...] o pontilhado entre colchetes, em negrito, indica o ponto “tambem serve para alguns passageiros, e o piloto se acomoda do texto da edição “uspiana Brasil 500 anos” em que os testemunhos tambem em pé no bico da poupa, que tem de vaze tres palmos divergem. onde vay em pé” o “dito” piloto governando a sua canoa. As abreviaturas: Ms. – Manuscrito Ed. – edição uspiana 1. Omissão: salto-bordão Edição USP: (p.23/L25) Porque o espaço da extremidade da proa ocupam os cinco ou seis remeiros, e o proeiro vai adiante em pé no bico da canoa, o outro espaço da popa [...] o [do] piloto governando a sua canoa. * O salto-bordão ocorre com a palavra “poupa”; e numa possível desatenção, o editor desce mais uma linha e continua o texto. Ainda podemos observar que “do” trata-se da palavra “dito” abreviada. A omissão da frase e a substituição da palavra abreviada comprometem a interpretação satisfatória do período porque excluem informações importantes descritas pelo cronista. 2. Omissão de sintagma Ms: (fól.53v L(s)2-9) e depois descansar a gente algum tempo, ficando mais aliviados “por estarem quaze concluídos os” trabalhos deste Rio e daqui ao Rio grande Paraná he muito perto sem Ms (fól.21r/L15,16): deu a embarcaçaõ “huã pancada dentro” no “embargo” de que ainda tem seos perigos, “embarcado” tudo na canal dos emboabas forma dita navegamos Ed. (p.32/L16): deu a Embarcação [...] no canal dos emboabas * Pode ser um erro de “retenção do texto”. Na sentença da edição uspiana, pode-se entender que a embarcação “chegou” ao canal dos Ed.: (p.50 L(s)26-9) e depois descansar a gente algum tempo, emboabas. Todavia, no manuscrito, entende-se que ocorrera um ficando mais aliviados [...dos] trabalhos deste rio e daqui ao Rio acidente. grande Paraná é muito perto sem [embaraço] de que ainda tem seus 3. Omissão: erro de leitura; e por substituição de palavras perigos, [embarcando] tudo na forma dita navegamos * Na primeira variante, houve salto bordão nas palavras: “aliviados/concluidos”; na segunda, a troca de “embargo” por “embaraço” – o autor visualizou uma linha abaixo; a terceira parece ser opção do editor, pois ele fez a mudança no tempo verbal “embarcado” por “embarcando” em vários recursos lingüísticos de sua edição. 4. Substituição de fonema Ms: (dól.109v L(s) 7,8) seu semblante feyo, o nariz chato, os olhos “resgados” para baixo Ms: (fól.7r L(s) Este mantimento feita a conta do que se perciza para cada canoa durante a sua viagem se acomoda em sacos “selindricos” que tem hũpé de diametro, e cinco, ou seis de comprido; esta figura hé aque convem para se acomodarem melhor Ed.: (p.81 L(s) 25,6) seu semblante feio, o nariz chato, os olhos pelo seu comprimento, e pouco diametro [vesgados] para baixo * Erro paleográfico – a letra “r” minúscula é semelhante à letra “v” atual, também minúscula. O cronista não descreve os índios como “vesgos”, mas de olhos “resgados para baixo” – é possível que ele esteja se referindo à maquiagem dos olhos. 5. Substituição de palavra Ed.: (p.24 L(s) 13-6) Este mantimento, feita a conta do que se precisa para cada canoa durante a sua viagem, se acomoda em sacos [cilindrados] que têm um pé de diâmetro e cinco ou seis de comprido; esta figura é a que convém para se acomodarem melhor pelo seu comprimento e pouco diâmetro * É possível que seja um erro paleográfico, mas pode ser que o editor na tentativa de modernizar tenha intencionalmente mudado a [...] seguimos a margem deste córrego, quando [direto] a nós em palavra. Quando o cronista descreve os sacos “silindricos” diz com distância de duzentos passos nos acendeu fogo o gentio exatidão de sua feitura (sacos vazios). Mas quando o editor muda o * A primeira variante trata-se de um salto-bordão na palavra adjetivo para “selindrados” quer dizer o saco cheio de mantimentos “campo”. Na segunda, o cronista sugere “à direita” e não na mesma (volume). “direção”, conforme o editor uspiano. 6. Omissão: salto bordão; e substituição de palavra Em uma breve análise da crônica histórica, pode-se dizer que Juzarte esboçava levantamentos em caderno de notas (o borrador ou o caderno de lembrança) – esses cadernos eram chamados de borrões. Nas micro-narrativas há comentários, tais como: Ms: (fól.107v L(s)11-7) determinamos seguir a sua margem pelo campo, “eque anoitecendo-nos pouzaria-mos no mesmo Campo”, seguimos a margem deste córrigo, quando “direito” a nós em distancia deduzentos passos nos acendeo fogo o Gentio (...) sentamos emque voltace-mos para traz, o que fizemos ignorando athé hoje que gente éra aquella, nem que Embarcaçaõ (...) fól. 44v L(s) 1-3; (...) que sendo governador, e Capitam General Martim Lopes Lobo de Saldanha no anno de setenta, e cinco mandou render ao dito capitam Joaõ Alvarez, eaos mais officiaes que lá se achavaõ ficando a Praça entregue ao Capitam de Aventureiros Joaquim de Meira, Eoutros officiaes Pedréstes; que na guerra, que semoveo com os Espanhóes no anno de setenta, e sete (...) (Juzarte, 1769: fólios 44v, 132r-32v). Grifos meus Esses registros comprovam que o “Diario da navegaçaõ” foi transcrito muito depois de seu rascunho. Neste trabalho, não se Ed: (p.80 L(s) 32-5) determinamos seguir a sua margem pelo campo, afirma que a crônica histórica de Juzarte é autógrafa (escrita pelo autor) e/ou idiógrafa (transcrita por um copista sob orientação do autor), pois foram encontrados indícios consideráveis para análise. Duas assinaturas que se diferem, como nas fotos abaixo: Portanto, esses testemunhos indicam possibilidade de o texto manuscrito ser apógrafo (fixado por copista sem supervisão do autor). Assim, esse assunto deve continuar a ser tratado em pesquisas futuras. Assim, a hermenêutica é arte e ciência da interpretação. Spina (1997:141) explica que a Filologia só pode exercer sua função substantiva – penetrar na vida espiritual de um povo – com a hermenêutica. Então essa ciência histórico-lingüística estabelece-se no firmamento do saber como hermenêutica e exegese do texto. Cambraia (2005:55) informa que, somente no século XIX, iniciaram-se trabalhos de edições rigorosas de textos em Língua Juzarte (In Jonas, 2000:368) Portuguesa. Ainda, hoje, essa prática é exercida por um conjunto heterogêneo de pesquisadores afeitos às letras, cuja atuação, normalmente, se restringe à edição de somente uma obra. É bem verdade, que esse trabalho é complexo e extenuante. Mas não é Juzarte (In Jonas, 2000:102) apenas o número restrito de obras editadas, afirma o autor, mas o Também na ficha catalográfica do manuscrito, que se problema de não ser sistemático na produção. E, além disso, sob a encontra na Biblioteca Nacional de Lisboa, diz ser “cópia em letra responsabilidade de especialistas. Sobre a análise de diversos livros da mesma mão” e a data “1831?”. E, ainda, no manuscrito que está didáticos de comunicação e expressão, esse autor lista problemas dos em São Paulo, a letra que transcreve o documento é a mesma que mais variados. deixa o possível endereço no lombo dele, como na foto 1 de José Refletindo sobre isso, ciente dos desafios, mas numa avidez Rosael. E, por último, o tecido da capa não é da época em que data o maior, projetou-se esta pesquisa com o propósito de somar forças manuscrito. para o trabalho filológico e lingüístico da cultura luso-brasileira. Ao apontar variantes da edição uspiana em relação ao manuscrito, confirma-se a importância de se editarem documentos, com rigor. A língua não é o único objeto da filologia, que quer, antes de tudo, fixar, interpretar, comentar os textos; este primeiro estudo a leva a se ocupar também da história literária, dos costumes, das instituições, etc.; em toda parte ela usa seu método próprio, que é a crítica. Se aborda questões lingüísticas, fá-lo sobretudo para comparar textos de diferentes épocas, determinar a língua peculiar de cada autor, decifrar e explicar inscrições redigidas numa língua arcaica ou obscura. (Saussure, 2004:7,8) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACIOLI, Vera Lúcia Costa. A Escrita no Brasil Colônia: um guia para leitura de documentos manuscritos. Recife: Ed.UFPe, Fund. Joaquim Nabuco e Ed. Massangana, 1994. BORGES, Maria Aparecida Mendes. Dissertação de mestrado: Diário de Navegação: reprodução e variantes da edição ‘Uspiana Brasil 500 anos’. 2006, Universidade Federal de Mato Grosso. CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à Crítica Textual. São Paulo: Martins fontes, 2005. CASTRO, Ivo. (1992) Enquanto os escritores escreverem... In: Atas do IX Congresso Internacional da Associação de Lingüística e Filologia da América Latina. Campinas: UNICAMP. Vol I – Conferências Plenárias. FLEXOR, Maria Helena Ochi. Abreviaturas: manuscritos dos séculos XVI ao XIX. 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