Efeitos positivos da aplicação da goma-arábica
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Efeitos positivos da aplicação da goma-arábica
e nologia Estabilidade tartárica Efeitos positivos da aplicação da goma-arábica A goma-arábica é considerada, desde sempre, como um produto enológico com efeitos marginais na estabilidade tartárica. O objectivo deste estudo é demonstrar que, quando usada correctamente, uma goma-arábica produzida de Acacia Seyal permite obter os efeitos esperados de uma goma-arábica, além de apresentar um impacto positivo ao nível da estabilidade tartárica, que se traduz numa poupança de tempo e de dinheiro. C ada vez mais as adegas têm em atenção os custos – não só os custos das próprias matérias-primas, mas também os custos dos processos. Os custos dos processos, tais como estabilização tartárica, filtração e trasfegas não são, muitas vezes, bem quantificados. Por este motivo, soluções técnicas que reduzam custos operacionais ou que acelerem os processos, mantendo os padrões de qualidade do produto final, são de interesse a todos os enólogos. Estabilizar vinho contra a precipitação tartárica representa os custos mais elevados em todo o processo de estabilização por várias razões. Para além do custo de refrigeração, é necessário considerar o tempo de armazenamento necessário, as limitações na utilização de cubas e todos as outras operações necessárias para assegurar que se estejam a produzir vinhos estáveis. Neste artigo, não serão abordados os conceitos básicos já conhecidas pela indústria enológica, tais como a análise química do vinho para a estabilidade tartárica, a descrição das características da goma-arábica e os seus efeitos usuais no vinho. O uso da goma-arábica como agente estabilizante tartárico Geralmente, a goma-arábica é considerada um bom estabilizante da cor, protegendo das precipitações de colóides, prevenindo algumas alterações oxidativas, mas com efeito muito marginal na estabilização tartárica. Foram analisados os efeitos estabilizantes de várias preparações de goma ‑arábica de diferentes origens botânicas, preparadas usando técnicas diferentes de produção. Para avaliar o poder estabilizante de cada uma das gomas, foram realiza46 Outubro/Novembro/Dezembro 2009 dos dois tipos de testes: • Testes de laboratório às matérias-primas e aos produtos comerciais; • Testes em adegas com produtos comerciais para verificar o efeito do uso sob circunstâncias reais e para avaliar a influência que as técnicas usadas na adega podem ter na actividade estabilizante das gomas. Testes de laboratório Material e métodos Seis diferentes preparações de goma-arábica comerciais foram analisadas: três de Acacia Verek e três de Acacia Seyal. A análise foi também realizada à matéria-prima não tratada de uma das gomas de Acacia Seyal. Para avaliar o efeito da actividade estabilizante das gomas, foram realizados testes em dois vinhos: 1) Vinho com uma ligeira instabilidade tartárica (amostra TQ); 2) Vinho ao qual foi adicionado 78 g/hl de fosfato monobásico de potássio e 50 g/hl de ácido tartárico, criando um vinho altamente instável (amostra KHT). Doses crescentes de gomas diferentes foram adicionadas a estes vinhos. As soluções de gomas contêm entre 22 e 25% de sólidos dissolvidos. Seyal: doses de 30, 50 e 100 ml/hl. Verek: doses de 50, 100 e 200 ml/hl. Foram usados instrumentos fiáveis e de resposta rápida para avaliar a estabilidade tartárica medindo a diferença entre a condutividade do vinho, e a condutividade do mesmo vinho após a adição de uma quantidade grande enologia Tabela 1 – Efeito estabilizante das diferentes gomas de Acacia verek e Acacia seyal Fonte de Goma Arábica Tipo de Goma Arábica CITROGUM Matéria‑ ‑prima Seyal CITROGUM Goma B Goma C Goma D Verek Goma E Goma F Tipo de Vinho Dose (ml/hl) 0 30 50 100 30 50 100 30 50 100 30 50 30 50 100 30 50 100 30 50 100 TQ KHT c∆ µs 3 min. Resultados c∆ µs 3 min. Resultados 59 36 25 18 48 38 33 54 45 38 41 31 63 57 58 53 47 39 64 61 62 instável estável estável estável estável estável estável estável estável estável instável estável instável instável instável instável instável instável instável instável instável 159 85 68 36 115 103 87 122 126 110 111 102 124 139 130 129 107 94 144 157 135 instável instável instável estável instável instável instável instável instável instável instável instável instável instável instável instável instável instável instável instável instável dos cristais do bitartarato de potássio, seguido de homogeneização a 0 °C. Um vinho é considerado estável por este método se a queda de condutividade for inferior a 50 µS. Em adega, um vinho é considerado estável se a diminuição da condutividade for menos de 25 - 30 µS. Os limites da aceitabilidade dos resultados obtidos por este método variam de acordo com o instrumento que é usado e o tipo de vinho que analisado. Neste trabalho foram considerados os valores de estabilidade citados na literatura: • os vinhos que têm uma queda de condutividade menor que 50 µS são considerados estáveis; • os vinhos que apresentam uma queda de condutividade menor que 30 µS são considerados muito estáveis. Resultados e discussão A Tabela 1 mostra os dados analíticos obtidos usando o teste da estabilidade que foi descrito. Neste caso, foi usado o equipamento Tartar Check, produzido pela empresa Ing. C. Bullio. Os valores obtidos demonstram que as diferentes gomas apresentam acções diferentes ao nível da estabilidade tartárica. No Gráfico 1, demonstramos a acção das diferentes gomas no vinho com ligeira instabilidade tartárica (TQ). O gráfico mostra que a Citrogum e a sua matéria-prima têm poder de estabilização elevado. A Citrogum apresenta maior poder estabilizante do que as outras gomas de Acacia Seyal. Por outro lado, as gomas de Verek não conferem estabilidade tartárica, mesmo em doses elevadas. A goma E é a única goma de Verek que demonstra algum impacto na estabilidade tartárica. No entanto, a estabilidade não é conseguida, mesmo com doses de 200 ml/hl. Os resultados apresentados confirmam que, perante uma instabilidade ligeira a adição crescente de uma dose de goma-arábica de Acacia Seyal pode tornar o vinho estável. No vinho que foi tornado instável através da adição de potássio e ácido tartárico, o impacto das gomas é diferente. Sob estas circunstâncias, é possí- Gráfico 1 – Efeito da adição de doses crescentes de diferentes gomas na estabilidade tartárica de um vinho com baixa instabilidade. Gráfico 2 – Efeito da adição de doses crescentes de diferentes gomas na estabilidade tartárica de um vinho instabilidado pela adição de potássio + ácido tartárico. vel demonstrar os produtos que têm maior potencialidade de estabilização (Gráfico 2). Neste caso, a Citrogum é, novamente, a única goma que apresenta um efeito mais notório na estabilização. Tal como no ensaio anterior, a matéria-prima da Citrogum não tem a mesma eficácia que o produto final. As outras gomas de Seyal mostram um comportamento idêntico ao ensaio anterior, mas não apresentam um efeito protector muito notório. As gomas de Verek demonstram também um comportamento similar. Novamente, a goma E consegue reduzir melhor o nível da instabilidade do que as outras gomas de Verek testadas. Outros testes confirmaram estes resultados. Um outro vinho instável (Fig. 1) apresentava uma c∆µs 3 min. de 84 µS. A adição de 50 e 100 ml/hl de Figuras 1, 2 e 3 Outubro/Novembro/Dezembro 2009 47 e nologia Diagrama 1 Diagrama 3 Noutros ensaios, o processo foi modificado de acordo com as exigências da adega (Diagramas 2 e 3). Resultados e discussão 48 Outubro/Novembro/Dezembro 2009 Não refrigerado, com adição de 100 ml/hl CITROGUM + 10 g/hl de ácido metatartárico após a filtração 3 µm Foram realizados ensaios em diferentes adegas para comparar o poder estabilizante da Citrogum e das outras gomas disponíveis no mercado. O protocolo de ensaio está apresentado no Diagrama 1. Álcool 13,5 13,5 13,5 13,5 Acidez total 5 5 5 5 pH 3,5 3,5 3,5 3,5 µs inicial 1720 1540 1663 1740 µs final 1630 1497 1630 1713 90 43 33 27 c∆ µs 75 37 28 22 c∆ µs 3 min. Índice de Filtrabilidade 3,6 4,1 4,1 3,1 V max 4200 3552 3552 4330 Estabilidade tartárica 24 horas após o início da estabilização µs inicial 1730 1592 1700 µs final 1643 1560 1683 87 32 17 c∆ µs 88 25 15 c∆ µs 3 min. Não refrigerado, com adição de 100 ml/hl CITROGUM após a filtração 3 µm Materiais e métodos Não refrigerado, com adição de 100 ml/hl CITROGUM antes da filtração 3 µm Nos ensaios em adega, foi estudado em maior o eventual efeito que a microfiltação (ou a filtração) poderá ter na redução da concentração de goma ‑arábica dos vinhos. Foram feitos ensaios adicionando Citrogum ao vinho, avaliando, de seguida, a estabilidade tartárica do vinho através de ensaios laboratoriais. CABERNET SAUVIGNON Refrigerado, seguido de filtração 3 µm Ensaios industriais em adega Tabela 2 – Resultados obtidos com o processo n° 1 Refrigerado (estático) Citrogum permitiu uma redução na queda de condutividade para 39 e 30 µS respectivamente (Fig. 2 e 3), confirmando que a adição desta goma confere uma protecção considerável contra a instabilidade tartárica. As diferenças entre a acção da Citrogum e a sua matéria-prima indicam que o processo industrial de purificação e de hidrólise da goma é essencial para potenciar as características naturais de estabilização, derivadas da sua origem botânica. Foram efectuadas análises para comparar os efeitos da Citrogum após 48 horas e após um mês da adição, que indicam que a estabilidade tartárica melhora com o tempo. Isto significa que a Citrogum confere mais estabilidade ao vinho enquanto aumenta o tempo do contacto. Os resultados obtidos permitem concluir que o método usado permite obter resultados com uma muito reduzida margem de incerteza. De facto, estes resultados demonstram que efectuando ensaios de laboratório com doses crescentes, decididas de acordo com o grau de instabilidade, casta, grau alcoólico e pH, se pode avaliar qual a dose mínima necessária para estabilizar o vinho em estudo. Por outro lado, este tipo de procedimento permite aumentar a dose da goma até ao nível de estabilidade pretendido, permitindo, por exemplo, reduzir o tempo de refrigeração. Não refrigerado Diagrama 2 A Tabela 2 mostra os resultados das análises das amostras retiradas nas diferentes fases, de acordo com o descrito no Diagrama 1. De notar que o vinho ao qual foram adicionados 100 ml/hl de Citrogum ficou estabilizado do ponto de vista tartárico. A sua estabilidade é similar à dos vinhos submetidos à estabilização pelo frio. Não há diferença no Vmax nem no Índice de Filtrabilidade, indicando que esta goma não tem um efeito colmatante sobre os filtros usados, mesmo quando foram usados filtros de membrana de 0,45 µm antes do engarrafamento. Neste caso, o uso de Citrogum estabiliza o vinho na mesma extensão que o tratamento por frio. Uma verificação um mês após a adição do Citrogum confirmou os resultados aqui apresentados. O processo de microfiltração não afecta a acção estabilizante do produto. Estes resultados mostram que a goma não é retida pelo filtro. Os testes de filtrabilidade indicam que alguns dos vinhos aos quais a Citrogum foi adicionado apresentavam um melhor Índice de Filtrabilidade e um valor superior de Vmax. Outros testes permitiram verificar que, um ano após o tratamento, o vinho tratado com o Citrogum mantém a sua estabilidade tartárica. A queda de condutividade determinada um ano após o tratamento era equivalente à obtida ime- 13,5 5 3,5 1743 1713 30 22 3,1 4339 13,5 5 3,5 1749 1739 10 2 3,3 4998 1700 1683 17 16 1755 1743 12 4 enologia Filtração tangencial, refrigeração seguida de filtração 3 µm, adição de 180 ml/hl de CITROGUM + + 10 g/hL de ácido metatartárico Filtração tangencial, refrigeração seguida de filtração 3 µm, adição de 180 ml/hl de CITROGUM + 10 g/hl de ácido metatartárico, seguida de microfiltração 0,45 µm Filtração tangencial, não refrigerado, seguida de filtração 3 µm Filtração tangencial, não refirgerado, com adição de 180 ml/hl de CITROGUM antes da filtração de 3 µm Filtração tangencial, não refrigerado, com adição de 180 ml/hl de CITROGUM após a filtração 3 µm Filtração tangencial, não refrigerado, com adição de 180 ml/hl de CITROGUM após a filtração 3 µm, seguida de microfiltração 0,45 µm DO 420 (1 cm) 0,088 Álcool 12,19 Acidez total 5,23 pH 3,42 Acidez volátil 0,23 µs inicial 1705 µs final 1613 92 c∆ µs 88 c∆ µs 3 min. Índice de Filtrabilidade 3,4 V max 4188 Estabilidade tartárica um mês após o tratamento 105 c∆ µs 95 c∆ µs 3 min. Filtração tangencial, refrigeração seguida de filtração 3 µm PINOT GRIGIO Filtração tangencial, refrigeração por método contínuo Filtração tangencial, sem refrigeração (controlo) Tabela 3– Resultados obtidos com o processo n° 3 0,088 12,19 5,23 3,42 0,23 1640 1598 42 37 4,1 3552 0,088 12,19 5,23 3,42 0,23 1640 1598 42 37 4,1 3552 0,074 12,19 5,23 3,42 0,23 1669 1654 15 9 3,1 5148 0,074 12,19 5,23 3,42 0,23 1669 1654 15 9 3,1 5148 0,083 12,19 5,23 3,42 0,23 1713 1624 89 80 3,3 4339 0,08 12,19 5,23 3,42 0,23 1749 1719 28 20 3,1 5148 0,08 12,19 5,23 3,42 0,23 1749 1719 30 20 3,1 5148 0,074 12,19 5,23 3,42 0,23 1749 1719 30 20 2,1 6680 48 37 42 37 16 9 15 9 90 88 38 20 38 20 24 16 diatamente após a adição. Quando os mesmos ensaios foram realizados sobre um vinho ao qual a goma B foi adicionada (Tabela 4), podemos verificar que o produto não apresenta a mesma eficácia estabilizante no vinho e apresenta uma in fluência negativa sobre a filtrabilidade. Custos da obtenção da estabilidade tartárica A estabilização tartárica implica um custo que varia de acordo com a técnica usada. Em média, estes custos variam de 1,3 a 2,13 €/hl. O uso de Citrogum a uma dose de 100-150 ml/hl reduz os custos da estabilização para 0,70-1,8 €/hl. O uso de Citrogum também permite reduzir o tempo necessário para preparar o vinho para o engarrafamento. Filtração tangencial, não refrigerado, com adição de 180 ml/hl de Goma B antes da filtração de 3 µm Filtração tangencial, não refrigerado, com adição de 180 ml/hl de Goma B após a filtração 3 µm DO 420 (1 cm) 0,088 0,088 0,088 0,074 Álcool 12,19 12,19 12,19 12,19 Acidez Total 5,23 5,23 5,23 5,23 pH 3,42 3,42 3,42 3,42 Acidez Volátil 0,23 0,23 0,23 0,23 µs inicial 1705 1640 1640 1625 µs final 1613 1598 1598 1590 92 42 42 35 c∆ µs 88 37 37 25 c∆ µs 3 min. Índice de 3,4 4,1 4,1 3,6 filtrabilidade V max 4188 3552 3552 4560 Estabilidade tartárica um mês após o tratamento 105 48 42 42 c∆ µs 95 37 37 38 c∆ µs 3 min. Filtração tangencial, não refrigerado, seguida de filtração 3 µm Filtração tangencial, refrigeração, seguida de filtração 3 µm e adição de 180 ml/hl de Goma B + 10 g/hl de ácido metatartárico Filtração tangencial, refrigeração seguida de filtração 3 µm Filtração tangencial, refrigeração por método contínuo PINOT GRIGIO Filtração tangencial, sem refrigeração (controlo) Tabela 4 0,083 12,19 5,23 3,42 0,23 1713 1624 89 80 0,08 12,19 5,23 3,42 0,23 1758 1700 58 55 0,08 12,19 5,23 3,42 0,23 1758 1692 66 57 3,3 3,5 3,5 4339 4525 4480 90 88 51 48 51 48 Conclusões Os ensaios realizados confirmam que a origem botânica da goma-arábica é fundamental para induzir a estabilidade tartárica dos vinhos. Apenas a goma obtida de Acacia Seyal apresenta esta propriedade, enquanto que a goma produzida a partir de Acacia Verek não contribui para a estabilidade tartárica dos vinhos. A eficácia da goma produzida a partir de Acacia Seyal varia de acordo com os processos e tratamentos a que é submetida. A matéria-prima usada para produzir o Citrogum é submetida a processos de purificação e de hidrólise, após os quais a sua eficácia ao nível da prevenção da instabilidade tartárica é melhorada. Isto torna-a diferente das outras gomas existentes no mercado. O uso de Citrogum permite poupar tempo e dinheiro. Estes são dois factores muito importantes para obter uma vantagem competitiva na indústria vitivinícola actual. Através da utilização de doses correctas de Citrogum, o tempo necessário para estabilizar pelo frio vinhos altamente instáveis pode ser reduzido. Quando se trabalha com vinhos com um nível médio de instabilidade, a estabilização pelo frio poderá ser simplesmente substituída pela adição de goma-arábica. Gianni Triulzi; Barbara Scotti – Enartis – Esseco Group José Santos – Enartis Portugal Bibliografia Pierstefano Berta, Marco Carosso, Mauro Spertino – 2001 – La stabilità tartarica. Parte 1: Comportamento di additivi nella stabilizzazione tartarica dei mosti. 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