Leonor de Seabra - University of Macau Institutional Repository
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Leonor de Seabra A EMBAIXADA AO SIÃO DE PERO VAZ DE SIQUEIRA (1684-1686) ÍNDICE 1. Palavras Introdutórias .................................................................... 2 2. Nota Prévia .................................................................................... 6 3. Abreviaturas ................................................................................... 8 4. Pero Vaz de Siqueira: o homem e o seu tempo.............................. 10 4.1. Subsídios para uma Biografia ..................................................... 12 4.2. Macau no século XVII ................................................................ 20 4.3. O Sião e as suas relações com Macau ........................................ 36 5. O Manuscrito da Embaixada de Pero Vaz de Siqueira. ................. 55 5.1. Normas de transcrição ................................................................ 56 5.2. Transcrição do manuscrito .......................................................... 57 6. Apêndices ...................................................................................... 321 7. Glossário ........................................................................................ 356 8. Fontes e Bibliografia ..................................................................... 361 1. PALAVRAS INTRODUTÓRIAS 1. PALAVRAS INTRODUTÓRIAS Os Portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao Sião, logo nos primeiros anos do século XVI, após a conquista de Malaca por Afonso de Albuquerque. E, desde então, durante séculos mantiveram relações privilegiadas com essa potência asiática, comprando e vendendo os mais variados produtos, é certo, mas também intercambiando ideias e técnicas, prestando os mais diversos serviços, sobretudo de tipo diplomático e militar, e difundindo o Cristianismo. Como resultado deste relacionamento intenso, desde cedo apareceram em alguns portos do Sião pequenas comunidades luso-siamesas, que recebiam tratamento deferencial da parte dos governantes locais. Apesar do relacionamento entre o Sião e os Portugueses ter sido tão intenso e tão duradouro, sobre ele não abundam os estudos históricos recentes e documentados. Não por escassez de documentação, já que nos arquivos de Lisboa, de Goa e de Macau, se conservam numerosos testemunhos da histórica ligação entre Portugal, Macau e o Sião. Mas antes por falta de investigadores interessados capazes e, também, por falta de programas de investigação sistematizados e abrangentes. Com efeito, apesar de, nos últimos anos, o panorama da investigação sobre a história da presença portuguesa na Ásia Oriental ter sofrido alterações verdadeiramente espectaculares, com a produção de numerosos estudos originais e com a divulgação sistemática de fundos de arquivos e bibliotecas, os historiadores portugueses não se têm abalançado, com a necessária assiduidade, na edição das muitas fontes documentais ainda inéditas. Talvez porque a publicação de fontes históricas é um trabalho moroso, que exige grande disciplina, pois não são imediatos e mediáticos os resultados através dele obtidos. Por isso mesmo, maior mérito adquire o trabalho de Isabel Leonor de Seabra sobre a embaixada enviada de Macau ao Sião, em 1684, e chefiada por Pero Vaz de Siqueira. Em trabalho anteriormente publicado, Relações entre Macau e o Sião (Séculos XVIII-XIX, Macau, Universidade de Macau, 1999), resultado de uma brilhante dissertação de mestrado apresentada à Universidade de Macau, esta investigadora revelara já o seu domínio seguro de uma temática bem pouco explorada pela historiografia portuguesa (e internacional). Perante o trabalho de investigação então desenvolvido, Isabel Leonor de Seabra localizou no Historical Archives of Goa, em Pangim, a importante relação da embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira, que se encontrava inédita, como tantos outros documentos, fundamentais para o conhecimento das vicissitudes da presença portuguesa na Ásia, ainda o estão. É esse importantíssimo documento que esta investigadora agora publica, em edição crítica, contextualizada por textos introdutórios e devidamente anotada. O documento agora posto à disposição dos leitores contém notícias importantíssimas, não só sobre as relações diplomáticas e económicas que se desenvolveram entre Macau e o Sião, mas também sobre inúmeros aspectos da realidade siamesa seiscentista. Assim, particular importância assume o trabalho agora concluído de Isabel Leonor de Seabra, pelo facto de fornecer elementos inéditos, e de um enorme valor documental para o estudo das relações luso-siamesas, que desde cedo passaram obrigatoriamente por Macau. Será agora possível conhecer com maior profundidade e rigor, não só a conjuntura macaense no século XVII, mas também os mais importantes aspectos económicos e diplomáticos do relacionamento português com o Sião, bem como os respectivos reflexos na vida de Macau. O trabalho em apreço destaca-se não só pelo facto de Leonor Seabra ter trazido à luz do dia os extensos e valiosos documentos luso-asiáticos, que corriam sérios riscos de desaparecimento, mas também pela circunstância de o ter contextualizado, com o auxílio de uma amplíssima e actualizadíssima bibliografia especializada, muita dela em línguas estrangeiras, bem como através do recurso a um vasto leque de documentos inéditos, que são devidamente aproveitados na construção de um estudo rigoroso e inovador. A autora está de parabéns por esta magnífica edição, que vem renovar o conhecimento de uma das áreas e de uma das épocas menos trabalhadas da história da presença portuguesa na Ásia Oriental, concretamente as relações entre Macau e o Sião no correr da centúria de seiscentos. A Universidade de Macau, entretanto, estará também de parabéns, caso decida trazer a público uma das mais importantes investigações elaboradas no âmbito do seu Departamento de Português da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Em Portugal, muitos e valiosos trabalhos produzidos no âmbito de actividades universitárias, por falta de políticas académicas e editoriais consequentes, costumam ficar enterrados nos arquivos. É bom saber que o mesmo não está a suceder em Macau. E é encorajador saber que as autoridades académicas de Macau entenderam que uma Universidade é responsável não só pela transmissão do conhecimento, mas também pela sua produção e posterior difusão pública. Lagos, Março de 2003 Rui Manuel Loureiro 2. NOTA PRÉVIA 2. NOTA PRÉVIA Aquando da investigação para a minha tese de mestrado, apresentada à Universidade de Macau, em 1995, encontrei um códice do Historical Archives of Goa, que continha uma série de documentos relativos a uma embaixada enviada de Macau ao Sião, que se revelaram do maior interesse e que me despertaram a curiosidade e a vontade de trabalhar esse manuscrito com maior profundidade. Por condicionalismos vários, não me foi possível fazê-lo mais cedo, mas, em Setembro de 2000, apresentei um projecto de investigação à Universidade de Macau, o qual foi aprovado no Research Committee. É, pois, este trabalho o resultado desse projecto e dessa investigação efectuada durante um ano, quer em Macau quer em Goa. Este manuscrito, relativo à embaixada de Pero Vaz de Siqueira ao Sião, pertence ao núcleo Monções do Reino, existente no Historical Archives of Goa, mas, como grande parte da documentação deste Arquivo, está em muito más condições de conservação. Alguns destes documentos encontram-se na Filmoteca Ultramarina Portuguesa, em microfilmes, muitos também de difícil leitura. Por isso mesmo, não quero deixar de manifestar os meus agradecimentos ao Mestre Fernando Calapez Corrêa, pelo precioso auxílio prestado na transcrição do manuscrito. É, assim, o trabalho possível, dadas as limitações existentes. Não posso, também, deixar de agradecer ao director do Arquivo de Goa, Dr. Shankar K. Mhamai, pela amabilidade com que me recebeu. Aos amigos que, em Pangim, tanto apoio me deram e tantas atenções me dispensaram, nomeadamente o Sr. Newton Carvalho e esposa, assim como a restante família. Ao Prof. Rui Loureiro, pela pronta resposta e ajuda prestada, sempre que lhe manifestei as minhas dúvidas e dificuldades, tendo sido, na prática, o orientador do trabalho. E, como os últimos são os primeiros, ao meu marido, Aldino Rodrigues Dias, que, como sempre, me deu uma preciosa ajuda, com os seus conhecimentos de informática, na organização do trabalho, arrumação do texto, paginação etc. 3. ABREVIATURAS 3. ABREVIATURAS: AC – Núcleo da Administração Civil AHM - Arquivo Histórico de Macau AHU - Arquivo Histórico Ultramarino HAG - Historical Archives of Goa AM – Arquivos de Macau CÓD – Códice LS – Núcleo do Leal Senado VOC – Verenigde Oost - Indische Compagnie 4. PERO VAZ DE SIQUEIRA: O HOMEM E O SEU TEMPO 4.1.SUBSÍDIOS PARA UMA BIOGRAFIA 4.2. MACAU NO SÉCULO XVII 4.3. O SIÃO E AS SUAS RELAÇÕES COM MACAU 4.1. SUBSÍDIOS PARA UMA BIOGRAFIA Pero Vaz de Siqueira era natural de Macau, fidalgo-cavaleiro e filho de Gonçalo de Siqueira de Sousa, capitão-de-mar-e-guerra. Este, Gonçalo de Siqueira de Sousa, era de origem reinól e participou, em 1614, numa armada para transporte de tropas espanholas, de Cadiz para Manila1, sob o comando de seu pai, Rui Gonçalves de Siqueira (que fora capitão das Molucas de 1598 a 1603)2. Isso explica-se pelo facto de, nessa época, Portugal se achar debaixo do domínio filipino (dos Filipes, reis de Espanha). Após o falecimento de seu pai, em 1619, regressou a Portugal, e, como recompensa dos seus serviços, foi nomeado capitão do galeão Misericórdia, partindo de Lisboa para Goa3, em 1621, onde não chegou devido a uma tempestade. A partir daqui, realizou várias viagens, sempre com o posto de capitão, o que lhe permitiu um profundo conhecimento dos mares, não só ocidentais como orientais.4 Em 1644, Gonçalo de Siqueira de Sousa foi nomeado embaixador ao Japão; embaixada esta que fora sugerida dois anos antes pelo Pe. António Cardim, Procurador-Geral da Província Jesuítica do Japão, com o objectivo de tentar reabrir o comércio japonês, que acabara em 1639, com a expulsão dos Portugueses.5 Foi esta a primeira embaixada enviada a esse país por um país europeu, mas o Xógum Tokugawa Iemitsu continuou a recusar a abertura do comércio aos Portugueses.6 1 Manila - cidade na parte ocidental da ilha de Luzón ou Lução (nas Filipinas). Manuel Teixeira, Marinheiros Ilustres Relacionados com Macau, Macau, Centro de Estudos Marítimos de Macau, 1988, pp. 46 - 47. 3 Goa – cidade e território no litoral ocidental do Industão; era a capital do Estado de Goa. 4 Manuel Teixeira, Vultos Marcantes em Macau, Macau, Direcção dos Serviços de Educação e Cultura, 1982, pp. 65 – 66. 5 Embaixada de Portugal ao Japão em 1647: Relação Inédita anotada por C.R. Boxer, Macau, Imprensa Limitada, 1928, pp. 5 -15. 6 Sobre esta embaixada veja-se, ainda: A.H.U. – Macau - Avulsos, Cx. 1, Doc. nº 45 (7 de Julho de 1645) e A.H.M. – Macau - Avulsos, Cx. 1, Doc. nº. 49 (25 de Novembro de 1645). 2 Pero Vaz de Siqueira acompanhou seu pai nessa missão ao Japão (1644-47), tendo regressado com ele a Goa, em 1648. Após a morte de Gonçalo de Sousa, em 1649, terá regressado ao Reino. De 1657 a 1669, serviu na Armada do Estado da Índia, tendo tomado parte na reconquista de Coulão7 e na defesa de Cochim8, em 1657 e 1663, respectivamente. A sua carreira na Índia terminou quando desempenhava, em Muscate9, as funções de capitão da frota da Coroa. Chegou a Macau no princípio da década de 1670, onde se fixou e casou com Ana Maria de Noronha, pertencente a uma família proeminente da sociedade local e de comerciantes ricos10. Esta seria irmã de D. Catarina de Noronha, que, por sua vez, era filha de D. António Manuel de Noronha, governador de Macau entre 1630 e 1636, e casara com um rico mercador, Francisco Vieira de Figueiredo, grande proprietário de navios11. Francisco Vieira exercia funções de Capitão-Geral dos Mares do Sul, com poderes judiciais e administrativos sobre todas as comunidades portuguesas existentes a Oriente de Malaca, com excepção de Macau. Após a conquista de Malaca pelos Holandeses, em 1641, transportou a comunidade portuguesa nos seus navios para Macassar12, que se transformou num importante entreposto comercial e económico. 7 Coulão – porto indiano na costa do Malabar. Cochim – antigo reino malabar que confinava, a norte, com o reino de Cranganor e, ao sul, com o de Coulão. 9 Muscate ou Mascate – na costa de Oman, no Golfo Pérsico. 10 George Bryan Souza, A Sobrevivência do Império: Os Portugueses na China (1630 - 1754), Lisboa, Publicações D. Quixote, 1991, p. 62. 11 C. R. Boxer, Estudos para a História de Macau (Sec. XVI-XVIII), I vol., Lisboa, Fundação Oriente, 1991, pp. 222-223. 12 O mesmo que Macáçar, porto no sudoeste da ilha de Celebes. 8 Vieira negociava não só com Macau, Camboja13 e o Sião14, mas também com Timor15, Solor16 e até com Manila17. Mas, em 1660, os Portugueses foram expulsos de Macassar pelos Holandeses e, mais uma vez, os navios de Francisco Figueiredo transportaram os Portugueses não só para Macau e Timor, como para o Sião e outras localidades. Porém, 10 ou 12 dos mais ricos, incluindo Francisco Vieira de Figueiredo, ainda ficaram em Macassar, com a protecção do rei, o Sultão Hassan Udin.18 Em 1661, Figueiredo partiu para Goa e, no regresso a Timor, fez escala em Macau, onde então casou com D. Maria Catarina de Noronha, que acompanhou o marido até Macassar. Em Fevereiro de 1665, Figueiredo partiu definitivamente, com sua mulher, Catarina de Noronha, para Larantuca, na Ilha das Flores19, perto das ilhas de Solor e Timor. Aí faleceu em 1667, ficando a sua viúva ainda em Larantuca, para finalizar os negócios de seu marido. D. Catarina regressou a Macau em 1670, no seu navio Nossa Senhora de Rozario e Almas do Purgatorio, mantendo-se em actividade nos negócios por vários anos.20 Veio a falecer em Macau, em 1701, como o comprova a carta do Padre Miguel do Amaral, S. J., Procurador Geral da Província do Japão, que certifica ter recebido do seu testamenteiro, Pero Vaz de Siqueira, o que a dita senhora deixara à Igreja, por sua morte. 21 Era aquela “senhora de grandes cabedais” como se depreende da correspondência trocada entre o embaixador à China, Manuel de Saldanha, em Cantão, e o Leal Senado, assim como com o Capitão - Geral de Macau, D. Álvaro da Silva. Inclusivamente, aquele embaixador chega a ordenar ao Senado que mande um 13 Reino do Cambodja, situado no extremo sueste do reino do Sião Sião – antigo reino asiático, que abrangia parte da actual Tailândia. 15 Timor – ilha da parte oriental da Insulíndia, a norte do mar de Timor. 16 Solor – ilha da parte oriental da Insulíndia, a sul do mar das Flores. 17 Glenn J. Ames, Renascent Empire? The House of Braganza and Quest for Stability in Portuguese Monsoon Asia, c. 1640-1683, Amsterdam, Amsterdam University Press, 2000, p. 132. 18 C. R. Boxer, Francisco Vieira de Figueiredo e os Portugueses em Macassar e Timor na época da Restauração, Macau, Escola Tipográfica do Orfanato Salesiano, 1940, pp. 1 - 8. 19 Ilha Mangarai, no mar do mesmo nome. 20 Charles Boxer, Francisco Vieira de Figueiredo: A Portuguese Merchant-Adventurer in South East Asia, 1624-1667, Gravenhage, Martinus Nijhoff, 1967, pp. 48-49. 21 Jesuítas na Ásia, Cód. 49-V-24, de 23 de Junho de 1701, fl.9. 14 navio buscar D. Catarina “que é grande bem para esta cidade a qual pode ajudar muito e o serviço de El-Rey com seu cabedal (...)”22. Bryan de Souza diz que a sua “participação directa e o papel activo que desempenhou como armadora foram únicos para uma mulher em Macau”.23 Entre os anos de 1660 e os de 1680, Macau comerciava com o Sião e com os barcos da Coroa siamesa, os quais faziam escala em Macau, algumas vezes, onde adquiriam provisões, carregamentos e contratavam marinheiros. O próprio reembolso do empréstimo feito pelo rei Phra Narai, do Sião, ao Senado de Macau, em 1669 - a pedido deste, para custear as despesas da embaixada de Manuel Saldanha ao imperador da China, por se encontrar "esgotado de recursos" - foi feito no decurso do comércio directo de Macau para Ayuthia. A partir da década de 1690, os Portugueses de Macau fizeram reembolsos deste empréstimo à Coroa siamesa através do pagamento dos direitos alfandegários dos barcos da Coroa siamesa em Cantão e despachando a bordo dos mesmos barcos pagamentos em espécies, nomeadamente em seda, ao regressarem à rota Cantão-Macau-Ayuthia. Finalmente, em 1722 foi paga a última prestação desta dívida24. Pero Vaz de Siqueira, nos fins da década de 1670 e por toda a década de 1680, fazia comércio com os seus navios para Banjarmassim25, Timor, Batávia26 e Sião. E, por volta de 1683, a Coroa e o Senado de Macau escolheram alguns casados para dirigirem embaixadas a alguns países da Ásia do Sueste, com vista a melhorar as suas relações comerciais. Foi assim que, em 1684, Pero Vaz de Siqueira foi enviado, de Macau ao Sião, pelo Vice-rei da Índia, D. Francisco de Távora, 1.º Conde de Alvor, numa missão com objectivos comerciais, para além dos religiosos, que parece não ter obtido o apoio do rei siamês, Phra Narai, pois as pretensões dos moradores de Macau - que pretendiam participar no comércio marítimo com o Japão através da Coroa siamesa - poderiam pôr em risco o próprio comércio siamês com o Japão. Além disso, era cada vez maior a influência dos Franceses no Oriente, através das Missões 22 A.H.G., Arch. Vol. 1210 - Embaixada à China, 1669, fls. 44-50. George Bryan Souza, A Sobrevivência do Império: Os Portugueses na China (1630 - 1754), Lisboa, Publicações D. Quixote, 1991, p. 52. 24 George Bryan Souza, ob. cit., pp. 62-63. Sobre este assunto consulte-se, ainda, o artigo de Jean Aubein, “Les Persans au Siam sous le Règne de Narai (1656-1688)”, in Mare Luso-Indicum, IV, Paris, Société D`Histoire de L`Orient, 1980. 25 Banjarmassim – importante sultanato na parte meridional da ilha de Bornéu. 26 Batávia – nome antigo de Jacarta, actual capital da Indonésia. 23 Estrangeiras de Paris, que tinham o apoio da Propaganda Fide. No Sião, o ministro do Rei Phra Narai, Constantine Phaulkon, nutria especial simpatia por aqueles, pelo que a intromissão do Vigário Apostólico do Sião, Mons. Louis Laneau, das Missões Estrangeiras de Paris, ajudado pela conivência de alguns Portugueses radicados no Sião, fizeram fracassar os esforços de Pero Vaz de Siqueira, que regressou a Macau 27 . Em 1685, os moradores de Macau recolheram uns japões que naufragaram e aproveitaram a oportunidade para enviarem ao Japão um barco com esses japoneses e, ao mesmo tempo, tentarem novamente reatar o comércio com aquele país. Mas não havia mais nenhum navio, no porto de Macau, a não ser o navio S. Paulo, de Pero Vaz de Siqueira - regressado da missão diplomática ao Sião - que se estava a preparar para partir para Manila, pelo que este logo ofereceu o seu navio e dispôs-se a pagar parte das despesas resultantes dessa viagem (3/4), sendo o restante suportado pelo Padre Procurador da Província do Japão28. Os Portugueses, tal como na embaixada anterior, nunca foram autorizados a desembarcar em Nagasáqui e foram mandados regressar, com o aviso de que “não pensasse o governo de Macau em mandar novo barco...”, e só lhes foram poupadas as suas vidas por terem levado de regresso os doze japoneses29. Pero Vaz de Siqueira continuou a desenvolver os seus negócios com o navio Rosário, de que era proprietário, para além do S. Paulo, assim como a fragata Conceição, fazendo viagens para Manila, Sião, Timor, Aceh30, etc.. Em 1687, há uma carta do Vice-Rei D. Rodrigo da Costa, para Pero Vaz de Siqueira, dizendo: “Em hua das ditas cartas se justifica VM sobre as viagens da sua fragata pª Manila e da nao de sua cunhada pª Timor e por o Sr conde do Alvor ter entendido que a protejam...”31. 27 A.H.G., Arch. Vol. 58 - Monções do Reino, vol. nº 51 A. Beatriz Basto da Silva, Cronologia da História de Macau (Séculos XVI-XVII), Macau, Direcção dos Serviços de Educação, 1992, p. 143. 29 Ana Maria Leitão, “Os Portugueses e o termo das relações comerciais com o Japão: tentativas de reaproximação e substituição”, in O Século Cristão do Japão, Actas do Colóquio Internacional comemorativo dos 450 anos de Amizade Portugal-Japão (1543-1993), dir. de Roberto Carneiro e Artur Teodoro de Matos, Lisboa, 1994, p. 228. 30 O mesmo que Achém, antigo reino no extremo noroeste de Samatra. 31 A.H.G., Arch. Vol. 1265 - Correspondência de Macau, Livro 2 (1682-1689). Refere-se a D. Catarina de Noronha, obviamente. 28 Nos finais do século XVII havia, em Macau, apenas vinte e quatro (24) «homens-bons» e, desses, somente quinze (15) válidos, embora destes só sete estivessem aptos para o governo da Cidade; proprietários de navios eram apenas cinco (5), entre eles os navios de Pero Vaz de Siqueira e de sua cunhada, D. Catarina de Noronha32. Pela década de 1690 e princípios de 1700, Vaz de Siqueira era o maior armador individual da Cidade, fazendo viagens para Goa e outros portos indianos, Achém33, Banjarmassim, Timor e Manila. Em 1702, como a situação de Timor era muito precária, e era de lá que vinha o sândalo, cujo comércio era essencial à sobrevivência de Macau, foi contratado, para socorrer aquele território, o barco Boas Novas e, para o acompanhar, Pero Vaz de Siqueira mandou ainda o seu barco S. Paulo34. Para além das suas actividades comerciais, Pero Vaz de Siqueira aparece ainda como membro do Senado da Câmara, de 1689 a 1698, e, em 1693-94, pertencia também à Mesa da Santa Casa da Misericórdia. De 1698 a 1700 foi nomeado Capitão-Geral de Macau, pelo Vice-Rei da Índia, e, uma segunda vez, de 1702 a 1703. Veio a falecer, em Macau no último ano do seu governo (1703)35. Um filho seu, António Siqueira de Noronha, foi também Capitão-Geral de Macau, de 1711 a 1714. Mas o seu governou caracterizou-se por confrontos constantes com o Senado, mesmo posteriormente a ter acabado o seu mandato36. Por exemplo, em 1710 figura como senhorio do barco S. Paulo - que era de Pero Vaz de Siqueira - sua esposa, Dª Maria de Noronha, com quem o Senado contraíra dívidas. Isto mesmo é comprovado pela carta do Senado, datada de 5 de Fevereiro de 1710, em que diz: “A dilação de não ter satisfeito a D. Mª de Noronha, hé por estar este Sennado mto alcançado pore` pª dar comprimto a orde` de V. Exª a esta satisfaç(ão) se te` aplicado os dr.tos do barco de Antº de Siqr.ª de Noronha filho 32 Benjamim Videira Pires, A Vida Marítima de Macau no Século XVIII, Macau, ICM/Museu Marítimo, 1993, pp. 11-14 . 33 O mesmo que Aceh, antigo reino no extremo noroeste de Samatra. 34 Arquivos de Macau, 3ª Série -Vol. I, Nº 1, Fevereiro de 1964, p. 19-20. 35 A.M.,3ª Série, Vol. I, Nº 3, Abril de 1964, pp. 201-215, e, ainda, A.M., 3ª Série -Vol. I, Nº 4, Maio de 1964, pp. 201-231. 36 AH/LS/333 - Livro de Actas das Sessões do Leal Senado (1712-1721), fls. 56-60 e, ainda, Manuel Teixeira, Macau no Século XVIII, Imprensa Nacional, 1984, pp. 110-113. da dª viuua”.37 Mas, em 1712, o barco já era de António Siqueira de Noronha, então Capitão-Geral de Macau38. Depois, em 1714, encontra-se “em leilão para venda”, assim como há vários pedidos de Siqueira de Noronha em que pede que o Senado lhe pague a ele os ordenados “que este Senado está a dever a seu defunto Pai Pero Vaz de Siqueira”. Finalmente, a 22 de Agosto de 1714 há uma petição de António de Siqueira de Noronha ao Senado da Câmara “pª se passar com a sua familia para a Corte de Goa...”, sendo-lhe concedida a referida licença. Parece, pois, ter perdido todos os bens herdados, visto haver informações de residir em Goa, em 1719, mas “em precárias condições”39. No entanto, seu pai, Pero Vaz de Siqueira, foi uma figura relevante na sociedade macaense, não só no aspecto económico, como político. Nestes tempos, os “comerciantes independentes portugueses” (os casados, a Igreja e os administradores da Coroa) estavam envolvidos no comércio marítimo inter-asiático no Oceano Índico e nos Mares do Sul da China. Tanto os administradores da Coroa (que não tinham o apoio do Tesouro da Coroa, neste tipo de comércio), como os Jesuítas, podiam possuir os seus próprios navios ou agirem como investidores nos barcos dos casados e “comerciantes independentes”. Embora os outros também pudessem participar (administradores da Igreja e da Coroa), como vimos, eram os casados que faziam o maior investimento no comércio marítimo inter-regional asiático e, em Macau, todos se dedicavam, directa ou indirectamente, a estas actividades bastante lucrativas40. 37 A.M., 3ª Série, Vol. V, Nº 3, Março de 1966, p. 179. Benjamim Videira Pires, A Vida Marítima de Macau no Século XVIII, Macau, ICM/Museu Marítimo, 1993, p. 25. 39 AH/LS/333 - Livro de Actas das Sessões do Leal Senado (1712-1721), fl. 48-49; assim como, A.M., 3ª Série, Vol. II, Nº 3, Outubro de 1964, p. 206; e, ainda, A.M., 3ª Série, Vol. V, Nº 4, Abril de 1966, pp. 191- 228 . 40 George Bryan Souza, A Sobrevivência do Império: Os Portugueses na China (1630 - 1754), Lisboa, Publicações D. Quixote, 1991, pp. 62-64. 38 Quando o Capitão-Geral era nomeado entre os casados de Macau, que já tinham possuído cargos da Coroa, um administrador da Coroa podia, então, ser o maior armador de Macau, como foi o caso de Pero Vaz de Siqueira, em finais do século XVII. 4.2. MACAU NO SÉCULO XVII A importância de Macau como centro de um império marítimo português que se prolongava desde a África, o litoral do Oceano Índico, as ilhas das especiarias, e a costa da China até ao Japão, assim como a vitalidade das actividades comerciais - e nalguns casos missionárias - dos Portugueses, em locais tais como o Camboja41, Patane42, Sião43, Sunda44, Bornéu45, Timor46, Tidore47 e Solor48, e as fortalezas e entrepostos, de Goa49 e Malaca50, como também o esplendor inicial da cidade de Macau, é uma constante até ao século XVII. Durante as últimas décadas do século XVI, Macau, juntamente com Malaca, surgia como o destino mais importante e entreposto comercial de produtos exóticos e tropicais, tais como, pimenta, cravo-da-índia, noz-moscada, incenso, sedas, prata, etc.. As viagens iam de Bengala51, Martaban52, Tenassarim53, ao Camboja, Sunda, Bornéo54, Solor e Timor, etc., e, todas rendiam anualmente à Coroa portuguesa, em Macau, milhares de cruzados. Há a acrescentar, ainda, a viagem complementar do Sião, que encaminhava as mercadorias oriundas do Sião, de Ayuthia até ao Japão, via Malaca. Macau era essencialmente uma comunidade comercial, mas a sua situação, no ciclo económico e na conjuntura política, tornou-o um centro de actividade internacional - China e Japão - e nacional, na complexidade das relações das duas potências ibéricas, com interesses opostos mas unidas na pessoa do mesmo soberano: a Espanha e Portugal; as Índias Orientais e as Ocidentais; Goa - Manila - Malaca Macau. A agravar esta complexidade, o problema religioso. A cidade era base da expansão do Padroado Português do Oriente - China, Japão, Sudoeste Asiático, o Tonquim55, a Cochinchina56, o Hainan57, o Camboja e o Sião - rival do Padroado da 41 Reino do Cambodja, situado no no extremo sueste do reino do Sião. Sultanato de Patane, na costa oriental da Península Malaia. 43 Sião - ou Sayam, antigo reino asiático, que abrangia parte do território da actual Tailândia. 44 Sunda – parte mais montanhosa e ocidental da ilha de Java. 45 O mesmo que Brunei, porto na costa noroeste da ilha de Bornéo. 46 Timor – ilha da parte oriental da Insulíndia, a norte do mar de Timor. 47 O mesmo que Tidor, ilha das Molucas. 48 Solor – ilha da parte oriental da Insulíndia, a sul do mar das Flores. 49 Goa – cidade e território no litoral ocidental do Industão; foi capital do Estado da Índia. 50 Malaca – cidade portuária no estreito do mesmo nome, na costa ocidental da Península Malaia. 51 Bengala – antigo reino asiático, correspondente aproximadamente ao actual Bangladesh, tendo a capital o mesmo nome. 52 O mesmo que Martabão, porto no Pegú (Burma ou Birm|ania). 53 O mesmo que Tanassarim, porto do reino do Pegú (Birmânia). 54 Bornéo – o mesmo que Brunei, importante sultanato da costa noroeste da ilha de Bornéu. 55 O mesmo que Thumquim, antigo reino da Indochina a norte de Annam. 42 Coroa Espanhola, que através das Filipinas pretendia lutar contra a hegemonia portuguesa naquela região. Como resultado, a rivalidade traduzia-se também na luta entre as ordens religiosas: Jesuítas, Franciscanos, Agostinhos e Dominicanos. Os primeiros estavam firmemente instalados em Macau e no Japão, resistindo tenazmente à penetração dos restantes, com base nas Filipinas58. Assim, de comunidade comercial, de início, Macau passou a ser importante centro de política geral, base para a expansão e orientação religiosa, disputada por dois interesses nacionais antagónicos - o português e o espanhol - e pela rivalidade das ordens religiosas59. Comercialmente, estava na confluência dos interesses económicos ligados ao maior mercado do Oriente - a China - e a fonte mais desejada da prata - o Japão. Era o porto indispensável para a navegação portuguesa da Índia e de Malaca para a China e para o Japão, tendo que assegurar a regularidade dos fornecimentos da seda adquirida nas feiras de Cantão, para que a viagem para o Japão se processasse com normalidade, e dos abastecimentos, para que a viagem nos dois sentidos, pudesse ter apoio logístico e técnico60. Desde os primeiros contactos directos, o Japão fixara-se na mente dos Portugueses da época como o país da prata. Em troca dela, a preço baixo, os Portugueses levavam, em comércio legal, ao Japão, a seda da China, altamente apreciada e que atingia valores elevadíssimos, aproveitando-se da inexistência de navegações oficiais. A sua charneira eram as ilhas de Cantão e, mais tarde, Macau. Ora, a China era uma "aspiradora" insaciável de prata, metal em que recebia o pagamento dos seus produtos, em especial a seda. O Japão, onde se tinham descoberto minas daquele metal de elevada qualidade, como vimos, apresentava um preço muito mais baixo que o chinês. Assim, uma peça de seda paga em prata na China exigia muito menos peso de metal do que aquele que, no Japão, entregavam em pagamento da mesma peça, quando vendida. A seda chinesa era especialmente 56 Nome dado à região abrangida pelo norte do Annam e pelo Tonking (Tonquim). O mesmo que Ainão, ilha no Golfo de Tonquim. 58 Charles R. Boxer, A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770), Lisboa, Edições 70, 1990, pp. 9899. 59 Geoffrey Gun, Ao Encontro de Macau: uma Cidade-Estado na Periferia da China, 1557-1999, Macau, CTMCDP/Fundação Macau, 1998, pp. 44-46. 60 Manuel Lobato, Política e Comércio dos Portugueses na Insulíndia: Malaca e as Molucas de 1575 a 1605, Macau, Instituto Português do Oriente, 1999, pp. 255-267. 57 apreciada neste mercado, que o importava sem limite de quantidades. No dizer de V. M. Godinho, a China "era o sorvedouro da prata mundial". A “porta de entrada” que o Ocidente tem para o Império, que a sorve, é Macau. À Cidade do Nome de Deus aflui pela Rota do Cabo, Goa e Malaca, e também pelo Pacífico, via Manila, depois de 1565. A poucos dias está a outra grande fonte: o Japão. 61 É a Nau do Trato ( a Nau da Viagem do Japão) que recolhe esta prata e a leva para o vórtice da China. Além de prata, o Japão pagava também com algum ouro. Também na China, aquela era trocada por algum deste metal, pelo que, em Malaca e em Goa, os direitos pagos à Coroa Portuguesa pela mercadoria vinda do Extremo Oriente, nas viagens, passaram a ter a maior importância. A chegada dos Portugueses ao Japão abriu, assim, um mercado providencial para aqueles. Consumindo tradicionalmente enormes quantidades de sedas chinesas, apreciadas sobre todas as outras mercadorias, o Japão pagava-as sempre em barras de 61 George Bryan Souza, A Sobrevivência do Império: Os Portugueses na China (1630-1754), Lisboa, prata de produção nacional. A produção era abundante e ali não era moeda, mas sim mercadoria. Os Portugueses passaram a ser os grandes transportadores do comércio do Oriente e os únicos e incontestados detentores do fabuloso monopólio do comércio com o Japão62. Este tráfego - da prata - passara para os Portugueses, pouco depois da chegada destes ao Japão, pelos seus navegadores e mercadores, pelo hábil e pacífico afastamento dos concorrentes chineses e japoneses, através de arranjos que conciliaram os interesses de todos. A continuidade da presença portuguesa no Mar da China terá resultado da conjugação de factores, tais como: do lado português, deveu-se à temeridade e à persistência dos seus aventureiros, à capacidade de se infiltrarem nas redes de comércio locais e de explorarem rivalidades entre os diferentes potentados dessas regiões, à superioridade da sua técnica (militar e naval), e à diplomacia da maioria dos seus fidalgos, missionários e até aventureiros; da parte japonesa, foi fundamental a importância dos lucros do comércio realizado pelos Portugueses, que permitiram um melhor apetrechamento dos exércitos dos senhores feudais; para as autoridades de Cantão, a aceitação da presença portuguesa em Macau garantia que os lucros do comércio sino-japonês ficariam na sua cidade e que os piratas japoneses (os wakô) deixariam de apoquentar significativamente a foz do Rio das Pérolas63. Como já foi referido, toda a produção nipónica era destinada ao comércio de exportação. Calcula-se que até 1580 - menos de 40 anos depois de se iniciar o comércio com os Portugueses - as naus da Viagem tenham carregado uma média anual de quinhentos mil cruzados de prata em barra. Já por 1583-91, a carga anual ultrapassaria os 600.000, atingindo o milhão no fim deste século e princípios do século XVII.64 As exportações portuguesas para o Japão, contudo, não se restringiram ao campo comercial: exportavam tecnologia ocidental militar e de mineração, que transformou significativamente a sociedade japonesa. Publicações D. Quixote, 1991, pp. 65-74. 62 C. R. Boxer, The Great Ship from Amacon, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988, pp.114-116. 63 C. R. Boxer, op. cit., Macau, ICM, 1988, pp. 159-160. 64 C. R. Boxer, op. cit., Macau, ICM, 1988, pp. 96-97 e p. 122. Exportações de prata para o Japão, 1598-1638. Os Jesuítas tinham, para além da importância como missionários e intermediários com os Japoneses, um importante papel comercial. Para manter as despesas da Missão, negociavam em sedas trazidas de Macau (90 picos65 por ano, rendendo 4 a 6.000 cruzados). Além disso, serviram, muitas vezes, de intermediários dos Japoneses, tal como os Portugueses em geral. Também os negociantes de Cantão usavam os Portugueses para, através deles, embarcarem as suas mercadorias para o Japão e para as Filipinas. O próprio feitor e o capitão-mor chegaram a ter que prestar estes serviços, embora não o fizessem desinteressadamente. Aquelas entidades investiam largas quantidades de prata na compra das sedas da China, para revenda no Japão. Isto foi tão longe que, por fim, os mercadores de Macau pouco mais eram que 65 Pico – o mesmo que picul, peso do Extremo Oriente equivalente a 100 cates ou 60 quilogramas. agentes para estes negócios alheios66. O sistema de vendas era maleável. O feitor da cidade de Macau - depois da fundação desta - era um elemento importante e, mais ainda, depois do estabelecimento do sistema de venda por “pancada”, em 1604. Consistia no leilão que era feito de toda a partida de seda, perante o representante dos monopolistas do comércio das sedas japonesas. O feitor era o representante do lado português e todas as vendas de seda, de mercadores individuais, eram feitas por seu intermédio. Este sistema de vendas tinha a sua correspondência na organização comercial em Macau que, a partir de 1578, passou a ser definida, tendo em consideração os interesses dos mercadores, dos moradores e a necessidade das receitas para manter as missões jesuítas no Japão67. Durante todo o período do comércio Macau-Japão (1546-1639), o total das exportações de prata, do Japão para Cantão, cifrava-se nuns impressionantes 12.525 quilos por ano68. A posição portuguesa nesse mercado foi diminuindo nos princípios do século XVII, como resultado de uma combinação de factores de política externa e económicos. A chegada dos Holandeses a esta região e a relativa facilidade com que capturavam carracas portuguesas (grandes naus ou galeões), ricamente carregadas, demonstraram, aos mercadores de Macau, a necessidade de utilizar embarcações mais pequenas e mais numerosas. A preocupação dos mercadores portugueses de Macau, partilhada pela Coroa e pelo capitão-mor, levaram à utilização das galeotas69 no comércio do Japão, em 161870. 66 Benjamim Videira Pires, A Viagem de Comércio Macau-Manila, nos Séculos XV a XVIII, Macau, Centro de Estudos Marítimos, 1987, p. 9 . 67 C. R. Boxer, The Great Ship from Amacon, Macau, ICM, 1988, pp. 96-97 e pp. 154-155. 68 C.R. Boxer, Fidalgos no Extremo Oriente (1580-1770), Macau, Fundação Oriente/Centro de Estudos Marítimos, 1990, pp. 26-29 e pp. 43-44. 69 Galeota – embarcação semelhante à galé, mas de menores dimensões. 70 É de notar que os Holandeses atacaram Macau, pela primeira vez, em 1601, repetiram-no em 1604 e 1607, culminando no ataque de 1622, que ficou célebre pela pesada derrota infligida pelos Portugueses aos Holandeses. Cf. Anders Ljunstedt, Um Esboço Histórico dos Estabelecimentos dos Portugueses e da Igreja Católica Romana e das Missões na China, Macau, Leal Senado de Macau, 1999, pp. 98-99. Por outro lado, os funcionários japoneses consideravam perigosa a ligação entre os dáimios (daimyo) cristãos japoneses e os Portugueses. Era ideia geral que os cristãos japoneses obedeciam mais aos seus guias espirituais, europeus, do que aos seus superiores (senhores feudais, normalmente), pelo que o Cristianismo passou a ser considerado como uma religião perigosamente subversiva. Estas ideias levaram a uma deterioração nas relações entre Japoneses e Portugueses71. Além disso, as dívidas comerciais portuguesas começaram a destruir a confiança dos seus credores japoneses, com a sistemática utilização da respondencia (sistema de crédito que consistia em garantir o empréstimo feito por meio do navio ou da carga, ou por ambos); este sistema, utilizado anteriormente somente algumas vezes, começou a ser geralmente utilizado a partir de 1627. Os Portugueses recebiam, de empréstimo, prata dos Japoneses e com ela iam à China comprar seda; a situação chegou a tal ponto que, em algumas viagens, a maior parte da seda trazida da China pertencia aos Japoneses. Por volta de 1630, a dívida total portuguesa era calculada entre 200 a 600.000 taéis (tael = 37,8 gramas)72. 71 C.R. Boxer, The Christian Century in Japan, 1549-1650, Manchester, Carcanet, 1993, pp. 368374. 72 Tael - peso e moeda de conta no Extremo Oriente, que, não tendo existência real, representa um certo peso de prata pura que varia conforme as localidades e é equivalente a c. de 60 réis. Uma vez que os prestamistas japoneses tinham deixado de conceder crédito aos mercadores portugueses, estes conseguiram obter crédito através dos quevees (correctores dos mercadores chineses), em Cantão73. O constante enfraquecimento da posição dos Portugueses, no entanto, e a desconfiança com que o xógum Tokugawa Ieyasu via aumentar o poder do Cristianismo, sob os auspícios dos Portugueses, foi agravada com a acção dos Holandeses que residiam no Japão, os quais procuravam fortalecer a sua própria posição e minar o que restava dos interesses portugueses. Começando com o primeiro decreto de expulsão dos missionários, emitido em 1587, por Hideyoshi, que conduziu à perda de controle de Nagasáqui, e com a proibição do Cristianismo decretado por Ieyasu, em 1614, o comércio português através de Nagasáqui foi conduzido com crescentes dificuldades74. Em 1636, os Portugueses tinham sido relegados para o porto comercial, secundário, de Deshima. Essa tolerância cessou dramaticamente em 1638-1639, quando os Tokugawa puseram em prática as políticas de exclusão e perseguiram impiedosamente aqueles que se haviam convertido ao Cristianismo, na sequência da "Revolta de Shimabara”75. Nesta data, contudo, o monopólio português tinha sido eclipsado por mercadores japoneses, holandeses e, principalmente, pela concorrência chinesa76. No entanto, os lucros obtidos com o comércio Macau-Japão, mesmo nos últimos tempos, eram ainda formidáveis. Enquanto a prata exportada anualmente do Japão para Macau, na Nau do Trato, era avaliada em cerca de um milhão de cruzados, no fim do século XVI; por seu lado, a exportação feita nas galeotas, quarenta anos mais tarde, era calculada em três ou quatro milhões de cruzados. Não se sabe ao certo que quantidade, desta prata em barra, era capital chinês ou japonês, mas as somas 73 C.R. Boxer, The Great Ship from Amacon, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988, pp. 159-160. Anders Ljungstedt, An Historical Sketch of the Portuguese Settlement in China and of the Roman Catholic Church and Mission in China, Hong Kong, Vicking Hong Kong Publications, 1992, pp. 9496. 75 “Revolta de Shimabara” – foi uma revolta camponesa, com origem na região de Arima, em Kyushu, onde os cristãos (camponeses) se revoltaram contra o daymio e foram esmagados e massacrados em grande número. Cf. Benjamim Videira Pires, A Embaixada Mártir, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988, pp. 36-47. 76 Nesta altura, os Ingleses também tentaram encetar relações comerciais directas com a China, enviando uma frota de quatro navios, comandada pelo capitão John Weddel, em 1637, que se dirigiu 74 envolvidas neste comércio (Macau-Japão) eram impressionantes, especialmente quando comparadas com o comércio dos outros povos europeus com a Ásia, na primeira metade do século XVII. Em 1639, os Portugueses foram completamente expulsos do Japão (lei da exclusão). Uma época de glória para Macau, alicerçada no comércio com o Japão, chegara ao fim77. A perda do comércio do Japão em circunstâncias tão dramáticas não foi, contudo, fatal para os comerciantes sediados em Macau e que operavam no Mar do Sul da China. Mais significativo, segundo Sanjay Subrahmanyam, foi a fome dos anos 40 do séc. XVII, juntamente com a transição dos Ming para os Qing, que tornou incertos os mercados internos da região do Sudeste Asiático. De facto, vagas de refugiados fugitivos dos Qing chegavam a Macau, fazendo esgotar os seus recursos78. Em 1640, o Senado de Macau queixava-se de que as suas fontes de receita derivavam do seu comércio com o Japão e previa o completo colapso da cidade, caso não se conseguisse a reabertura daquele comércio. Assim, recusando-se a perder a esperança em fazer reviver o comércio com o Japão, o Senado de Macau enviou, a este país, em 1640, uma embaixada especial, na esperança de conseguir uma conciliação com os Japoneses; o embaixador, o seu séquito e a tripulação foram executados, a galeota foi queimada e uma era de prosperidade para Macau, baseada no seu comércio com o Japão, foi encerrada79. Mesmo assim, os mercadores independentes de Macau e o Senado, continuaram a tentar reatar esse fabuloso comércio, embora sem qualquer resultado positivo para estes. Escusado será dizer que as novas circunstâncias causadas pelo final do comércio do Japão, em 1639, e a ascensão do agressivo poder comercial e naval dos Holandeses nos mares orientais, exigiram dos comerciantes portugueses alguns a Macau, seguindo, depois, para Cantão. Cf. Tien-Tsê Chang, O Comércio Sino-Português entre 1514 e 1644, Macau, Instituto Português do Oriente, 1997, pp. 176-182. 77 C. R. Boxer, The Christian Century in Japan, 1549-1650, Manchester, Carcanet, 1993, pp. 375382 e, ainda, C.R. Boxer, The Great Ship from Amacon, Macau, ICM, 1988, pp. 163-165. 78 Sanjay Subrahmanyam, O Império Asiático Português, 1500-1700: Uma História Política e Económica, Lisboa, DIFEL, 1995, pp. 292-293. 79 B. Videira Pires, A Embaixada Mártir, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988, pp. 57-71. ajustamentos nas suas rotas comerciais. Os anos 30 de seiscentos, em especial, viram o comércio de Macau florescer especialmente em três zonas, Macassar, Manila e Vietname (Tonking e Cochinchina). As viagens do Vietname, Tonquim e Cochinchina eram atribuídas aos mercadores pobres da Cidade, sendo o esplendor do comércio com esta região compreendido entre o período de 1617 a 163780. Com o encerramento do comércio entre Portugal e o Japão, o comércio com os portos do sul assumiu uma nova importância. A rota Macassar-Flores-Solor-Timor, embora sob pressão intensa dos Holandeses, tornou-se objecto de um comércio lucrativo em produtos como o sândalo e as especiarias81. Nos finais da década de 1660, as autoridades chinesas da dinastia Ching (manchú) deram ordens às populações costeiras para se retirarem para o interior, devido aos ataques de Coxinga (Zheng Cheng-Kung), lealista e partidário dos Ming82. Isto significaria o fim de Macau e, em 1664, o Capitão-Geral Manuel Coelho da Silva, pediu a D. Afonso VI o envio de uma embaixada à Corte de Pequim83. Em 1667, o embaixador Manuel de Saldanha encontrava-se já em Macau a preparar a embaixada para seguir para Pequim (via Cantão, como era hábito e o exigia o protocolo chinês)84. Em 1669, com a expulsão de Coxinga e a sua retirada da Formosa (Taiwan) donde expulsara os Holandeses, do seu forte Zeelandia, em 1662 - as autoridades chinesas retiraram a imposição de deslocar as populações para o interior. A embaixada de Saldanha chegou a Pequim em 1670, mas, apesar de bem recebida, não teve qualquer efeito prático. O mesmo aconteceu em 1678, com a missão diplomática 80 B. Videira Pires, A Vida Marítima de Macau no Século XVIII, Macau, ICM/Museu Marítimo, 1993, p. 13. 81 B. Videira Pires, op. cit., pp. 14-29. 82 Beatriz Basto da Silva, Cronologia da História de Macau (séculos XVI-XVII), Macau, Direcção dos Serv. de Educação, 1992, pp. 132-136. 83 Manuel Teixeira, Macau no Século XVII, Macau, Direcção dos Serviços de Educação e Cultura, 1982, p. 106. É de notar que, em 1640, dera-se a Restauração da Independência e, nesta altura, Portugal ainda se encontrava em guerra com a Espanha (Guerras da Restauração); na China, dera-se a mudança de dinastia, dos Ming para os Ching (Qing), em 1644 (data da conquista de Pequim pelos Manchús). 84 Fernando Correia de Oliveira, 500 Anos de Contactos Luso-Chineses, Lisboa, Público/Fundação Oriente, 1998, pp. 67-75. de Bento Pereira de Faria – que fora secretário na embaixada anterior - e que levou um leão de presente ao Imperador, o que foi muito apreciado.85 Segundo Sanjay Subhramanyam, o objectivo destas embaixadas não era apenas assegurar os privilégios de Macau, mas assegurar que a embaixada holandesa (1666-1668) não obtivesse sucesso86. É de notar que, neste aspecto, tal como na diplomacia com o Camboja, Vietname e Sião, os Portugueses de Macau dispunham de um razoável grau de autonomia de Goa. Os comerciantes sediados em Macau estavam ainda em posição - assim como durante os séculos XVIII e XIX - de fornecer os poderes asiáticos com canhões, espingardas e munições produzidos no Ocidente, apesar da fundição de armas de Macau ser apenas uma memória. Este factor, segundo alguns, concedeu-lhes muitas vezes a primazia entre os concorrentes chineses, que cruzavam as mesmas rotas asiáticas comerciando, basicamente, o mesmo tipo de produtos.87 Em 1685, o Imperador Kangxi publicou um decreto imperial que determinava a abertura do porto de Cantão a estrangeiros, pelo menos uma vez por ano, durante a feira anual88. Macau perdeu, assim, o papel de entreposto comercial exclusivo e os Portugueses deixaram de ser os únicos intermediários no comércio da China. Em 1688, deu-se o estabelecimento da alfândega chinesa (Ho Pu) em Macau, na chamada Praia Pequena e, mais tarde, um outro ho pu foi estabelecido na Praia Grande, subordinado ao primeiro (em 1732). Em 1698, as autoridades chinesas ordenaram a medição dos navios com pesados direitos de ancoragem89. 85 C. R. Boxer, Dutch Merchants and Mariners in Asia, 1602-1795, London Variorum Reprints, 1988, pp. 30-46; e, ainda, José de Jesus Maria, Ásia Sínica e Japónica (anotada por C. R. Boxer), vol. II, ICM/Centro de Estudos Marítimos de Macau, 1988, p. 101-103. 86 Sanjay Subrahmanyam, O Império Asiático Português, 1500-1700: Uma História Política e Económica, Lisboa, DIFEL, 1995, pp. 298. 87 Manuel Teixeira, Macau no Século XVII, Macau, Direcção dos Serv. de Educação e Cultura, 1982, p. 47; e, ainda. C. R. Boxer, Portuguese Conquest and Commerce in Southeast Asia, 1500-1750, Londres, Variorum Reprints, 1500-1750, pp. 164-166. 88 Beatriz Basto da Silva, Cronologia da História de Macau (séculos XVI-XVII), Macau, Direcção dos Serviços de Educação, 1992, p. 140. 89 António Marques Pereira, “As alfândegas chinesas de Macau”, in De Longe à China: Macau na Historiografia e na Literatura Portuguesa, Tomo II, coord. de Carlos Pinto Santos e Orlando Neves, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988, pp. 614-618. Em 1690, agravaram-se as dissenções entre as várias ordens religiosas por causa dos “ritos chineses”90, dando origem à chamada “Questão dos Ritos”. Porquê? Até 1631, só havia Jesuítas portugueses na China e, embora pudessem ser de diferentes nacionalidades, obedeciam ao mesmo Superior. Em 1631, apareceram os Dominicanos espanhóis, em 1633, os Franciscanos (espanhóis), e, em 1680, os Agostinhos (das Filipinas). Em 1683, chegaram os missionários das Missões Estrangeiras de Paris e, em 1688, os Jesuítas franceses. Ora, os Jesuítas (portugueses) eram tolerantes com esses ritos, pois consideravam-nos cívicos e não como uma heresia, mas os outros não concordaram e fizeramm chegar a questão ao Papa. Após vários conflitos, em que se viram envolvidas as próprias autoridades de Macau (em 1709, o Governador e Bispo tomaram posições contra o Senado e os Jesuítas), a situação melhorou com a chegada, a Macau, do delegado do Papa Clemente XI, Cardeal Mezzabarba, em 1720. Mas, em 1742, o Papa Bento IV concordava com o Cardeal Tournon e proibia os “ritos chineses”, pela Bula Ex quo singulari. Esta situação só terminaria em 1939, com um decreto papal91. Naquela época, os mercadores residiam normalmente nos locais onde levavam a efeito as suas transacções comerciais. Mas, em 1717, o imperador Kangxi limitou o acesso do comércio estrangeiro, confinando-o ao porto de Cantão. Mesmo assim, os estrangeiros só podiam permanecer em Cantão por razões comerciais e enquanto os seus navios não fossem despachados com as mercadorias. Depois, deveriam ir para Macau onde ficariam a residir temporariamente, com autorização dos mandarins, embora o Senado de Macau não cessasse de se opor à admissão de estrangeiros na Cidade.92 Em 1719, o imperador Kangxi, depois de proibir a navegação chinesa a países estrangeiros, ofereceu a Macau o comércio estrangeiro da China, mas o Senado recusou a proposta. Em 1732, o imperador Yung Cheng reiterou a proposta e esta foi novamente recusada. 90 Ritos chineses eram: o culto prestado a Confúcio, o culto prestado aos Antepassados e o nome a dar a Deus em chinês (T`ien = Céu e T`ien - Chu = Senhor do Céu). 91 Manuel Teixeira, Macau e a sua Diocese, Vol. XIII: A Missão da China, Macau, Tipografia da Missão, 1977, pp. 164-170 e pp. 230-237; e, ainda, António da Silva Rego, O Ultramar Português no Século XVIII (1700-1833), Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1970, pp. 115-124. 92 Anders Ljungstedt, An Historical Sketch of the Portuguese Settlement in China and of the Roman Catholic Church and Mission in China, Hong Kong, Vicking Hong Kong Publications, 1992, p. 56. Em 1757, estabeleceram-se feitorias estrangeiras em Cantão: francesa, espanhola, dinamarquesa e sueca. Mas os estrangeiros não podiam ali residir e, portanto, regressavam a Macau, onde tiravam bom proveito do seu capital, crédito e conhecimentos, durante a sua estada neste porto. No entanto, a pressão sobre as autoridades chinesas, para abolir as restrições ao comércio estrangeiro, continuaram até ao desmantelamento dos Co-hong (mercadores que tinham o direito exclusivo de comerciar com os estrangeiros, em Cantão, no chamado “Canton trade system”), em 177193. Apesar do comércio directo entre a China e outros países ocidentais, Macau permaneceu o principal estabelecimento para a fixação de mercadores estrangeiros, incluindo os Ingleses (a Companhia Inglesa das Índias Orientais tinha aqui a sua sede desde 1664), Franceses, Holandeses, e outros. 93 Cheong, W.E., Hong merchants of Canton: Chinese Merchants in Sino -Western Trade, 16841798, Surrey, Curzon Press, pp. 331-333; e, ainda, Austin Coates, Macao and the British (16371842): Prelude to Hong Kong, Hong Kong, Oxford University Press, 1966, pp. 43-45 e pp. 74-76. 4.3. O SIÃO E AS SUAS RELAÇÕES COM MACAU 94 A cidade de Ayuthia foi fundada pelo rei Uthong (Rama Thibodi I), em 1351. Durante este período - de 1351 a 1767 - os reis foram influenciados pela prática da realeza divina, cuja coroação se processava segundo os rituais bramânicos, tomando titulaturas hindus. Por exemplo, o fundador de Ayuthia 95, Rama Thibodi I, derivou o seu nome de Rama - uma reencarnação do deus Vishnu e herói do poema épico hindu Ramayana 96. Ayuthia dominou a bacia do rio Menam (Chao Phya), incluindo os reinos estabelecidos na parte norte, ou seja, Sukothai 97 e Chiang Mai 98, o reino Khmer 99 (Angkor incluída), e muitos principados, a sul e ocidente. Estas guerras eram comuns entre reinos vizinhos, na Ásia do Sueste, que competiam por recursos vitais ou por uma supremacia regional. Ayuthia atingiu, assim, um momento alto de expansão durante os séculos XIV e XV, encontrando-se, então, firmemente estabelecida no centro do mundo thai 100. Depois da derrota do Camboja 101, em 1431, a influência siamesa estendeu-se por toda a Península Malaia. Os reinos de Tenasserim 102 e Ligor 103 encontravam-se submetidos ao domínio siamês; Pahang 104, Padang 105, Trengganu 106, Kelantan 107, Keddah (Quedá) 108 e Selangor, 94 Para todo este capítulo, consulte-se a tese de mestrado de Isabel Leonor da Silva Diaz de Seabra, Relações entre Macau e o Sião (Séculos XVIII-XIX), Macau, Universidade de Macau, 1999, pp. 1-20. 95 Ayuthia (ou Ayutthaya) – tornou-se a capital do Sião com o rei Ramatibodi I (Rama I), desde 1350 até à sua conquista pelos Birmaneses, em 1767. 96 Mary Somers Heidhues, Southeast Asia: A Concise History, London, Thomas & Hudson, 2000, p. 61. 97 Sukhotai – antiga cidade siamesa, depois, reino de Sukhothai, desde 1238, quando foi conquistado pelos Thai. 98 O mesmo que Chiangmai, reino a norte de Ayuthia. 99 Khmer - antigo nome do reino do Cambodja. 100 Leonor de Seabra, Relações entre Macau e o Sião (Séculos XVIII-XIX), Macau, Universidade de Macau, 1999, p. 13. 101 Camboja - reino do Cambodja, situado no extremo sueste do Golfo do Sião. 102 Tenasserim - porto do reino do Pegú (Birmânia). 103 O mesmo que Lugor, porto na costa oriental da Península Malaia. 104 Pahang – antigo reino malaio, também chamado de Pão, na costa oriental da Península Malaia. 105 Padang - região de Padaung, no distrito de Prome, na Baixa Birmânia. 106 Trengannu – estado malaio que estava debaixo da suserania do Sião. eram seus tributários, tal como Malaca. À época, o mais próspero porto siamês era Mergui 109, perto de Tenasserim, no Golfo de Bengala. Daqui, as mercadorias da China e do Sião eram transportadas para os portos indianos e, mais tarde, para a Europa (sendo as principais: as sedas e porcelanas da China, madeira, estanho, marfim, elefantes e búfalos do Sião). No regresso, os produtos da Índia chegavam a Ayuthia, sendo o algodão o principal artigo. A bacia do Chao Phraya (rio Menam) - a qual se tornou a base do poder de Ayuthia - era muito fértil em produtos agrícolas, minerais e outros. A prosperidade da cidade de Ayuthia, como entreposto comercial, teve origem num longo desenvolvimento económico no triângulo da bacia do Baixo Menam, tornando-se num importante centro de comércio. Enquanto as maiores cidades, desde os tempos do período Dvaravati, se desintegravam, novas cidades nasceram no seu lugar e continuaram a sua actividade económica 110. O aproveitamento comercial dos recursos naturais destes reinos permitiu a expansão da rede de contactos comerciais siameses para o Leste e Sudeste Asiático, até aos portos da costa do Coromandel 111, na Índia 112, Pérsia 113 e até à Europa. 107 Kelantan – estado malaio que estava debaixo da suserania do Sião. Quedá ou Keddah- cidade da costa ocidental da Península Malaia. 109 Mergui - porto na Baía de Bengala, junto à costa de Tenasserim. 110 Plubplung Kongchana, “Ayutthaya as a Port City”, in Ayutthaya Historical Centre, Bangkok, Allied Printers, 1990, p. 38. 111 Coromandel – região do sudeste do Industão, que abrangia o litoral dos actuais estados indianos de Tamilnadu e de Andhuna Pradesh. 112 Índia - designa a península do Industão em geral. 113 Pérsia – antigo reino asiático, que ocupava aproximadamente o território do actual Irão. 108 Como monarquia agrária e potentado comercial marítimo, a política externa era vital para os seus interesses. Estas relações externas processaram-se sobretudo através do comércio, diplomacia e guerra. O comércio e a diplomacia estavam intimamente ligados, baseando-se nas relações tributárias, as quais eram então prevalecentes na Ásia. O tributo era prestado por um vassalo a um suserano na expectativa de obter privilégios comerciais. Em 1491, aquando da subida ao trono de Rama Thibodi II, Ayuthia encetou relações diplomáticas e comerciais com potências estrangeiras, embora se presuma que mercadores persas tenham visitado a cidade logo após a sua fundação. Os primeiros estados a terem relações com Ayuthia foram os seus vizinhos mais próximos, como, por exemplo, Sukhothai ou o reino Khmer do Camboja, os Chineses, os Léquios 114, os Japoneses, etc., contavam-se entre os mercadores estabelecidos ou com contactos comerciais com Ayuthia 115. Como centro de comércio internacional, Ayuthia funcionava como um elo vital no comércio estatal asiático e no “junk trade” internacional, ambos dominados pela China 116. O primeiro grande império marítimo a ter relações comerciais regulares com Ayuthia foi a China. Já no século XIII, com a invasão da China pelos Mongóis, um grande número de chineses emigrara para o Camboja e Sião. Subsequentemente, o Imperador chinês, da dinastia Yuan, mandara uma embaixada a Sukhotai, em 1282, e, desde então, a cultura chinesa começou a penetrar no Sião. As dinastias Ming e Ching mantiveram relações diplomáticas com o Sião, através da troca de embaixadas. Mais tarde, os imperadores chineses contentavam-se em receber tributo (kung) das embaixadas siamesas mandadas para Pequim, via Cantão. Os imperadores chineses, como "Filhos do Céu", recebiam ricos tributos dos mercadores do Sueste Asiático, que estavam sob o domínio de Ayuthia. Não obstante os Siameses serem nominalmente vassalos da China, os seus juncos 114 O mesmo que Gores, nome dado pelos Portugueses ao arquipélago de Riu Kiu. Dhiravat na Pombejra, “Ayutthaya and its External Relations”, in Ayutthaya Historical Centre, Bangkok, Allied Printers, 1990, pp. 109-114. 115 regressavam carregados de mercadorias chinesas, tais como sedas e porcelanas. Após ter subido ao trono, o imperador Hung Wu deu a conhecer este facto, através dos seus enviados, aos vários reinos da Ásia do Sueste, incluindo o Sião, em 1370. Os Siameses reagiram à notícia da nova dinastia rápida e eficientemente. Em 22 anos - entre 1371 e 1423 - 62 emissários, com tributos em madeira-sapão e pimenta, foram mandados do Sião para a Corte Imperial, cujo número excedia de longe qualquer outro reino do Sudeste Asiático. Contrariamente ao entusiasmo siamês, o novo imperador Ming pouca atenção prestou a este reino budista. De facto, depois da primeira visita, feita em 1371, nenhuma missão oficial foi mandada, pela Corte Ming, para o Sião. Esta atitude negativa em relação ao Sião, mudou com o advento do imperador Yung Le (1403-1424), que enviou Cheng Ho (Zheng He) em várias expedições, incluindo ao reino de Sião 117. Nos contactos diplomáticos entre Ayuthia e as nações ocidentais, o comércio tornou-se, quase sempre, o assunto mais importante. O Governo siamês, com o seu estrito controlo do comércio, não extraía menores benefícios deste lucrativo negócio do que os visitantes, ou seja, os mercadores estrangeiros 118. Em 1512, chegaram os primeiros europeus, os Portugueses, que tinham conquistado Malaca em 1511, sobre a qual os reis do Sião reclamavam suserania. Duarte Fernandes foi o primeiro europeu a alcançar o Sião, mandado por Afonso de Albuquerque 119. Afonso de Albuquerque terá procurado obter o apoio do rei de Sião, que reclamava suserania sobre Malaca. Todavia, a ocupação desta cidade não foi contestada pelo rei de Sião, provavelmente pelo facto 116 Donald F. Lach, Asia in the Making of Europe, III: A Century of Advance (Vol. 3), 4 Tomos, Chicago, The University of Chicago Press, 1993, p.1168. 117 Sarasin Viraphol, Tribute and Profit: Sino-Siamese Trade, 1652-1853, Harvard University Press, 1977, pp. 7-27. 118 Donald F. Lach, Asia in the Making of Europe, III: A Century of Advance (Vol. 3), 4 Tomos, Chicago, The University of Chicago Press, 1993, p.1168. 119 "Carta de Rui de Brito Patalim a Afonso de Albuquerque" (Malaca, 6 de Janeiro de 1514), in Documentos para a História das Missões do Padroado Português do Oriente - Insulíndia, col. e anot. por Artur Basílio de Sá, 1º vol. (1506-1549), Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1954, p. 43. deste rei andar em guerras constantes com Chiangmai 120, defendendo a fronteira norte e não lhe interessar, portanto, uma outra guerra com os Portugueses 121. O Sião, país agrícola, necessitava de comércio; por outro lado, tinha muitas riquezas que atraíam a cobiça dos outros povos. A isso se referem os autores da época, tais como Duarte Barbosa, Tomé Pires, João de Barros, Fernão Lopes de Castanheda, Fernão Mendes Pinto. A política iniciada por Afonso de Albuquerque, procurando estabelecer boas relações com os reinos vizinhos de Malaca, teria como objectivo conseguir que os Portugueses pudessem comerciar em paz, naquela região. Esta política de boa vizinhança, que os Portugueses desenvolveram com o Sião, teve várias motivações: a dependência de Malaca do arroz e víveres que lhe vinham do Sião; o desconhecimento geral do poderio militar e naval dos Siameses; e, evitar envolver-se em mais conflitos militares na região 122. Ora, de todas as nações europeias, os Portugueses foram os primeiros a chegar a Ayuthia. Trouxeram para este reino, fundamentalmente, três coisas: avanços na tecnologia e técnica militar, arte e técnica da guerra moderna e a edificação de fortificações defensivas. Esta "revolução militar" progrediu em todo o Sudeste Asiático, onde as modernas armas de fogo foram introduzidas pelos mercadores portugueses. Estes não só vendiam as armas para os reis asiáticos, como eram eles próprios mercenários, lutando nas campanhas militares. Terá sido, pois, desta maneira que os mercenários portugueses fizeram a sua aparição no reino de Sião e um pouco por toda a Ásia, à medida que os outros reinos foram modernizando os seus exércitos 123. 120 Chiangmai ou Chiang Mai - reino a norte de Ayuthia. Ronald Bishop Smith, Siam or the History of the Thais from earliest times to 1596 A.D., Bethesda-Maryland, Decatur Press, 1966, p. 72. 122 Leonor de Seabra, Relações entre Macau e o Sião (Séculos XVIII-XIX), Macau, Universidade de Macau, 1999, p. 4. 123 Prince Damrong Rajanubhab, The Introduction of Wester Culture in Siam, Bangkok, 1925, p. 107. 121 Desde os primeiros contactos entre Portugueses e Siameses, a perspectiva de ajuda militar desempenhou, assim, um papel muito importante nas relações entre o Sião e as autoridades portuguesas no Oriente, que, em troca desta ajuda, procuraram garantir a disposição favorável deste importante reino da Ásia do Sueste em relação à sua permanência na região. Os Portugueses comprometiam-se a fornecer armas e munições; o rei de Sião, por seu lado, deveria dar aos Portugueses facilidades para se estabelecerem e comerciarem no Sião e conceder-lhes liberdade religiosa 124. Ao reino de Sião, contudo, não bastava adquirir o moderno armamento português que os Siameses não sabiam utilizar. Por isso, Malaca 125 não forneceu apenas armas ao rei de Sião, mas também homens para as manobrar; este auxílio foi decisivo nas guerras do Sião contra os seus inimigos. Terá sido na sequência da ajuda militar contra os Birmaneses, por várias vezes prestada pelos Portugueses aos Siameses, que lhes foi doado um terreno para nele se estabelecerem. Nascia, assim, o Campo Português, no Sião 126. Com o seu desenvolvimento, depois de 1565, as Filipinas envolveram-se no “junk trade” dos Mares do Sul da China, tornando-se o centro para as actividades comercial, militar e missionária espanholas 127. Em 1538 deu-se a primeira guerra com a Birmânia, sucedendo-se outras em 1549, 1563, 1568. Por esta última, Ayuthia tornou-se um reino vassalo da Birmânia durante 15 anos. Em 1584, o príncipe Naresuan expulsou os Birmaneses e proclamou novamente a independência. Quando, em 1590, o rei Thammarach morreu, sucedeu-lhe o seu filho Naresuan, que levou a civilização de Ayuthia até ao seu mais alto esplendor e, após várias 124 W.A.R. Wood, A History of Siam, Bangkok, The Siam Barnavich Press, 1933, pp.98-99. Malaca – cidade portuária no estreito do mesmo nome, na costa ocidental da Península Malaia. 126 Leonor de Seabra, Relções entre Macau e o Sião (Séculos XVIII-XIX), Macau, Universidade de Macau, p. 4. 127 Donald F. Lach, Asia in the Making of Europe, III: A Century of Advance (Vol. 3), 4 Tomos, Chicago, The University of Chicago Press, 1993, p.1169. 125 campanhas contra a Birmânia, consolidou a independência do seu reino por cerca de 160 anos. Foi neste reinado que o Sião emergiu realmente como um dos mais poderosos reinos do Sudeste Asiático, com uma política institucionalizada, sustentada por um poder económico e militar forte. 128 O rei Naresuan, após a pacificação do seu reino, vendo que, havia dois ou três anos, os Portugueses não iam ao Sião e atendendo ao interesse que tinha com o trato de Malaca e China, mandou uma carta a Malaca pedindo frades de S. Francisco (Franciscanos), de preferência Portugueses. Foi escolhido o Pe. Fr. André do Espírito Santo, que embarcou em Malaca com a embaixada que o capitão Fernão de Albuquerque mandava, em nome do rei de Portugal, ao rei de Sião. Tendo sido bem recebido pelo rei, ali construíu uma igreja e viveu vários anos. Parece terem-se-lhe seguido, neste reino, os padres Fr. André de Santa Maria, como vigário, e Fr. António Madalena, da mesma ordem religiosa 129. O rei de Sião, Ekathotsarat (1605-1610), logo que subiu ao trono, após a morte do seu irmão (rei Naresuan), escreveu a D. Aleixo de Meneses, governador interino do Estado da Índia, pedindo o reatamento das relações comerciais. O comerciante Tristão Golaio, então em Meliapor 130, dirigiu-se ao Sião, levando com ele o padre jesuíta Baltasar Sequeira, em 1606, fundador da primeira residência dos Jesuítas, naquele local, em 1607 131. Em 1608, foi mandada a primeira embaixada thai aos Países Baixos - são os primeiros Thais na Europa 132. Os Holandeses, aliás, tinham estabelecido relações comerciais com Patane - um estado vassalo do Sião - em 1602 e estavam a tornar-se bastante activos no Golfo de Sião. E, em 1604, mandaram uma embaixada para estabelecer relações 128 David Wyatt, Thailand: A Short History, Bangkok, Transvin Publications, 1984, pp. 100-101. Fr. Paulo da Trindade, Conquista Espiritual do Oriente, III Parte, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1967, p. 440. 130 O mesmo que S. Tomé de Meliapor, na costa do Malabar. 131 António da Silva Rego, Curso de Missionologia, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1956, p. 584. 132 J.J.L. Duyvendak, “The First Siamese Embassy to Holland”, in T`Oung Pao-Archives, Vol. XXXII, dir. Paul Pelliot, Nendln/Liechtenstein, 1975, pp. 285-292. 129 comerciais com o Sião, o mais importante reino vassalo da China, na região. Em 1610, o rei siamês ofereceu à VOC (Companhia Holandesa das Índias Orientais) a oportunidade de construir um forte em Mergui, um porto adjacente a Tenasserim (o principal porto do Sião com a Índia, desde 1593) 133. Em 1612, foram os Ingleses que se estabeleceram em Ayuthia, apesar do descontentamento dos Holandeses e daqueles se imiscuirem no comércio entre os Thai e os Japoneses 134. Em 1621, era assinado o primeiro tratado comercial entre o Sião e o Japão; a veniaga assentava na troca de prata e cobre japoneses por produtos locais (estanho, açúcar, óleo de coco, madeira de sândalo, etc.). No século XVII, o Japão tornou-se um importante mercado para os produtos siameses, importando, nomeadamente, grandes quantidades de madeiras e peles de animais, que os juncos siameses comerciavam em portos japoneses, como no de Nagasáqui. Por sua vez, os juncos japoneses também iam a Ayuthia, com propósitos comerciais. Devido às perseguições religiosas, muitos japoneses emigraram fixando-se, alguns, em Ayuthia, onde formaram uma pequena comunidade de comerciantes e mercenários 135. 133 David Wyatt, Thailand: A Short History, Bangkok, Transvin Publications, 1984, pp. 100 -101. D. K. Basset, “Early English Trade and Settlement in Asia, 1602-1690”, in Historiography of Europeans in Africa and Asia, 1450 -1800, ed. by Anthony Disney, Hampshire, Variorum, 1995, pp. 86-92. 135 Dhiravat na Pombejra, “Ayutthaya and its External Relations”, in Ayutthaya Historical Centre, Bangkok, Allied Printers, 1990, pp. 105-106. 134 Em 1616, chegou a Goa uma embaixada do rei de Sião. Em retribuição, o Vice-Rei D. Jerónimo de Azevedo enviou o embaixador, Fr. Francisco da Anunciação, religioso dominicano, que já lá residira muitos anos, recomeçando o comércio entre Portugueses e Siameses, assim como a entrada de religiosos. Encontrava-se, aquele reino, em guerra com os seus vizinhos - e, também, entre si - e, sobretudo, o assento dos Holandeses e Ingleses era prejudicial não só ao comércio português como à própria Cristandade 136. Como consequência, restabeleceram-se novamente os contactos entre os dois reinos e, a fim de não retardar as negociações relativas ao comércio de Malaca, o Pe. André Pereira, S. J. - que fora reitor do Colégio de Malaca, de 1608 a 1609 - foi enviado a Ayuthia, em 1619, para discutir o tratado de paz com o rei de Sião, juntamente com Constantine Phaulkon, visitador da Diocese de Meliapor, e Gaspar Pacheco de Mesquita, um casado e morador em Cochim 137. Em 1625, os padres jesuítas Pedro Morejon, António Cardim e o japonês Romão Nixi foram de Macau ao Sião, onde chegaram em 1626; e, para superior da Missão, foi enviado, de Malaca, o Pe. Júlio Margico, em 1627 138. Em 1628, contudo, dão-se novas hostilidades entre os Siameses e os Ibéricos. Cardim regressou a Manila, em 1629, com a missão espanhola mandada para resolver as dificuldades nas relações com Ayuthia. O Padre Margico e o irmão japonês foram feitos prisioneiros. O japonês conseguiu ser resgatado pelos seus compatriotas, em 1632, mas o Pe. Margico morreu na prisão. Os Jesuítas não mais voltaram ao Sião até 1655, ano em que estabeleceram aí uma outra residência 139. No entanto, as relações comerciais e não-oficiais parecem ter continuado até 1633. 136 António da Silva Rego, Documentação para a História das Missões do Padroado Português no Oriente - Índia, Vol. VII, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1952, pp. 462-463. 137 Cochim – antigo reino malabar que confinava, a norte, com o reino de Cranganor e, ao sul, com o de Coulão. 138 Manuel Teixeira, “A Missão Portuguesa no Sião”, in Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, Vol. LX, nº 696, Abril de 1962, pp. 330-334. 139 Donald F. Lach, Asia in the Making of Europe, III: A Century of Advance (Vol. 3), 4 Tomos, Chicago, The University of Chicago Press, 1993, pp.1180 -1181. Em 1630, a antiga dinastia do Sião (Maha Tammaraja) foi substituída pela nova dinastia de Prasattong (1630-1655). O Sião estava em guerra com Portugal - uma herança do rei Songtam, por causa do aprisionamento de um navio holandês pelos Portugueses - tendo, então, o rei Prasattong enviado uma carta ao Governador das Filipinas (de notar que Portugal estava debaixo do domínio filipino: 1580-1640) expressando o desejo de reatar as relações de amizade com os Portugueses. Com a chegada de um emissário português a Ayuthia, em 1633, terminou oficialmente a guerra entre os dois países 140. O reinado de Prasattong foi marcado por um aumento do envolvimento dos Holandeses nos negócios políticos e militares do Sião. A VOC suportou Prasattong económica e militarmente, em 1634, na sua política anti-ibérica e nas guerras contra Patane 141, recebendo, em troca, importantes concessões comerciais 142. Em 1636, o rei siamês fez novas concessões aos Portugueses de Malaca e aos Espanhóis das Filipinas. Em 1641, os Portugueses perderam Malaca para os Holandeses, bem como a sua influência na Península Malaia. Nos últimos anos do reinado de Prasattong, a posição da VOC, em Ayuthia, deteriorou-se 143. 140 Rong Syamasnanda, History of Thailand, Bangkok, Taiwatana Panich, 1990, p. 70. Patane - sultanato na costa oriental da Península Malaia. 142 Donald F. Lach, Asia in the Making of Europe, III: A Century of Advance (Vol. 3), 4 Tomos, Chicago, The University of Chicago Press, 1993, p. 1184. 143 Donald F. Lach, Asia in the Making of Europe, III: A Century of Advance (Vol. 3), 4 Tomos, Chicago, The University of Chicago Press, 1993, p. 1184. 141 Em 1639, o Governador de Macau, D. Sebastião Lobo da Silveira, enviou um embaixador àquele reino, "um casado e morador de Macau, Francisco de Aguiar Evangelho", que reatou as relações comerciais e apresentou o pedido de religiosos, da parte do rei de Sião. O Vigário da Casa de Macau, Pe. Fr. António de S. Domingos, decidiu ir com Fr. Jacinto Ximenes e na companhia daquele embaixador, ao Sião, onde chegaram em 1640. Mais uma vez, houve oposição da parte de alguns ministros siameses, induzidos pelos Holandeses, e, principalmente, por acção de “um chincheo" 144. Posteriormente, foram ainda enviados outros religiosos, para a Missão do Sião. O número de cristãos aumentou, sobretudo após a perda de Malaca, em 1641, e o Vigário Pe. Fr. Luís do Rosário erigiu outra igreja e ali fundou a Confraria do Santíssimo Rosário 145. Após a subida ao trono de Narai, depois de uma crise de sucessão, começou a consolidação do seu poder e manteve a abertura em relação aos comerciantes e missionários europeus. Ao mesmo tempo, ele e os seus feitores monopolizaram o comércio estrangeiro em Ayuthia e desenvolveram o comércio directo com o Japão, China e Taiwan. Em 1664, foi assinado um novo tratado entre o Sião e os Holandeses. Mas esta vantajosa situação dos Holandeses turvou-se pela chegada, a Ayuthia, dos missionários franceses e dos mercadores ingleses. A Companhia Inglesa das Índias Orientais (EIC) manteve aí uma feitoria (1674), que fechou devido ao aumento de influência dos Franceses 146. Em 1668 foi enviada uma embaixada thai à Pérsia e, em troca, foram enviados embaixadores ao Sião, quer da Pérsia quer do Achém. Pelo fim da década de 1670, os Persas tinham grande influência em 144 O mesmo que chincheu, chinês do Fukien (Fujian). António da Silva Rego, Documentação para a História das Missões do Padroado Português no Oriente - Índia, Vol. VII, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1952, pp. 465-466. 146 Donald F. Lach, Asia in the Making of Europe, III: A Century of Advance (Vol. 3), 4 Tomos, Chicago, The University of Chicago Press, 1993, pp. 1184 - 1185. 145 Tenasserim e Mergui; em Phuket, os Indianos; e em Bangkok, os Turcos 147. Surgida a Sociedade das Missões Estrangeiras de Paris, iria a mesma interferir nas zonas em que o direito de Padroado Português se fazia sentir, contestando esse mesmo direito de Padroado sobre o Tonquim, Sião, China, Cochinchina, etc. O diferendo tornou-se particularmente violento, quando surgiu a ideia de a Santa Sé nomear Vigários Apostólicos dependentes apenas do Papa e não de qualquer padroeiro 148. Portugal protestou, mas dada a situação de inferioridade em que se encontrava - a Santa Sé não lhe reconhecera a independência em 1640 e só o faria em 1668 - a sua voz não foi ouvida e, em 1658, foram nomeados os primeiros Vigários Apostólicos para superintenderem nas missões do Tonquim e da Cochinchina, assim como dos países vizinhos. Após vários conflitos foi abolida a jurisdição eclesiástica portuguesa sobre o Sião, em 1669 149. Como os missionários da Congregação da Propaganda Fide eram protegidos pelo rei Phra Narai e pelo seu ministro, Constant Phaulkon, a partir dessa altura, Portugal viu diminuída a sua influência no Sião. Os Franceses conseguiram entrar na Ásia através da Congregação da Propaganda. Os missionários franceses, tal como os mercadores franceses, estavam desejosos de participarem no comércio da Ásia. A Propaganda, a qual foi criada para libertar as Missões do controlo dos estados seculares, concordou relutantemente em enviar três vigários apostólicos para o Oriente. Durante a organização da Sociedade das Missões Estrangeiras de Paris como um complemento da Propaganda, o dinheiro foi conseguido em França para enviar os Vigários Apostólicos 147 Muhammad Ismail Marcinkowski, “Persian Religious and Cultural Influences in Siam/Thailand and Maritime Southeast Asia in Historical Perspective: A Plea for a Concerted Interdisciplinary Approach”, in The Journal of the Siam Society, Vol. 88, Parts 1 & 2, Bangkok, 2000, pp.186 -194. 148 António da Silva Rego, Lições de Missionologia, Lisboa, Estudos Cient. Politic. e Soc., nº 56, 1961, pp. 174-175. 149 António da Silva Rego, Le Patronage Portugais de l`Orient, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1957, pp. 55-66. para os seus postos na Ásia. O primeiro a partir foi Lambert de La Motte, bispo titular de Beirute, com jurisdição eclesiástica sobre a Cochinchina, quatro províncias do sul da China e a ilha de Hainão. Ele e dois companheiros deixaram Marselha (França), em 1660, tendo chegado a Ayuthia em 1662. Devido à hostilidade dos Cristãos, foram obrigados a permanecer em Ayuthia, que tinha cerca de dois mil cristãos e era uma cidade tolerante, pois, de acordo com as crenças thai, “todas as religiões são boas”. Jacques de Bourges, um companheiro de Lambert e padre secular, foi mandado regressar após um ano de estadia no Sião. Chegou a Roma em 1664 e fez um relatório sobre as condições da missionação, queixando-se da hostilidade dos Portugueses e dos Jesuítas. Em Paris, nesta altura, estavam oficialmente criadas, quer a Companhia Francesa das Índias Orientais, quer a Sociedade das Missões Estrangeiras de Paris (Société des Missions Étrangères). François Pallu, Bispo titular de Heliópolis, chegou a Ayuthia nesse mesmo ano (em 1664), tendo jurisdição sobre o Tonquim, Laos e cinco províncias da China. Após tomarem conhecimento da situação, decidiram estabelecer-se em Ayuthia, que se deveria tornar o seu centro religioso no Sudeste Asiático. Em 1668, o rei Narai cedeu um terreno aos Franceses para aí construirem um seminário e uma igreja. Em 1673, os Franceses receberam outro terreno, cedido pelo rei siamês, em Lopburi 150. Ao mesmo tempo, o Papa ordenou aos membros das ordens religiosas para obedecerem aos Vigários Apostólicos, em todos os territórios não directamente debaixo do controlo de Portugal. Os Jesuítas, no Sião, aceitaram, finalmente, a autoridade dos vigários franceses, em 1677. Em 1678-79, após a saída dos Holandeses de Ayuthia, a Companhia Francesa das Índias Orientais estabeleceu aí uma feitoria. Em 1681, o rei Narai despachou embaixadores a França, repetindo o gesto em 1684. Os missionários, no Sião, queriam converter o rei ao 150 Lopburi - o mesmo que Luvo ou Lavo, cidade a norte de Ayuthia. Cristianismo, contando com a ajuda de Constantine Phaulkon, o Grego favorito de Narai, o qual se convertera recentemente 151. O rei Luís XIV, de França, respondeu à iniciativa do rei thai, enviando a primeira embaixada francesa, em 1685, em que iam missionários franceses. O embaixador francês era o Chevalier Alexandre de Chaumont e François de Choisy (conhecido como Abbé de Choisy) era o seu coadjutor, seguindo também, na missão de Chaumont, seis cientistas jesuítas, destinados à China. Um deles, Guy de Tachard, regressou mais tarde a França com Chaumont, para recrutar cientistas jesuítas para o Sião. Em 1687, os Franceses decidiram mandar um contingente de tropas para estabelecer bases no Sião; outros, continuariam a trabalhar na conversão de Narai e do seu reino. Assim, uma nova embaixada foi enviada ao Sião, liderada por Claude Ceberet du Boullay (um dos directores da Companhia Francesa) e Simon de La Loubère, acompanhados de quinze jesuítas. Apesar do aumento da hostilidade da Corte, contra Phaulkon e os seus amigos franceses, o rei Narai assinou um acordo comercial com os Franceses, nesse mesmo ano. Em 1688, os diplomatas franceses deixaram o Sião, com um dos jesuítas, Guy Tachard, que foi enviado a França como representante do governo siamês para negociar uma aliança política com aquele país 152. Mas, em 1688, com a doença do rei Narai, uma conspiração palaciana originou a execução de Phaulkon e a expulsão dos Franceses 153. 151 Jurrien van Goor, “Merchant in Royal Service: Constant Phaulkon as Phraklang in Ayuthaya, 1683-1688”, in Historiography of Europeans in Africa and Asia, 1450 –1800, edit. by Anthony Disney, Hampshire, Variorum, 1995, pp. 317 – 465. 152 Donald F. Lach, Asia in the Making of Europe, III: A Century of Advance (Vol. 3), 4 Tomos, Chicago, The University of Chicago Press, 1993, p.1185-1193. 153 Donald F. Lach, ob. cit., p. 1194. Nesse mesmo ano, o Senado discutiu a hipótese de mandar um barco ao reino de Sião, por causa da morte do seu rei, porque "necessita esta Cidade da amizade, e trato com o sobredito reino [...] e as obrigações, que a Nação Portuguesa lhe deve, principalmente esta Cidade" 154. Referia-se, obviamente, ao empréstimo feito pelo rei de Sião, Phra Narai, ao Senado de Macau, cujo pagamento se arrastou por longos anos em amortizações sucessivas, sendo finalmente paga, a última prestação desta dívida, em 1722 155. Com a “Revolução de 1688” terminou a abertura do Sião ao exterior, fechando-se o país ao comércio estrangeiro europeu. 154 “Termo e Assento feito em Junta de Homens bons, sobre se convém mandar barco ao reino de Sião, datado de 17 de Novembro de 1688”, in Arquivos de Macau, 2ª Série, Vol. I, nº 5, SetembroOutubro de 1941, p. 275. 155 António da Silva Rego, O Ultramar Português no Século XVIII (1700-1833), Lisboa, Agência Geral do Ultramar, p. 107. Após a queda do rei Phra Narai e do seu ministro, Constantine Phaulkan, subiu ao trono um usurpador, o rei Petracha, dando início a uma nova dinastia (Ban Plu Luang). Em 1709, sucedeu-lhe o seu filho mais velho, o rei Thai Sa, cujo reinado foi marcado por um incremento de comércio com a China, principalmente a exportação de arroz. Muito do comércio siamês com a China e Japão, tinha sido conduzido pelos Holandeses; agora, passava para as mãos de mercadores chineses privados. Com a morte deste rei, em 1733, mais uma vez se sucederam as disputas pelo trono, acabando por lhe suceder o rei Borommakot, cujo reinado foi uma espécie de "idade de ouro", com um rei que foi um dos melhores de Ayuthia e amante da paz. Com a morte deste rei, as disputas entre os seus dois filhos acabaram por levar o príncipe Ekat'at ao poder, com o nome de rei Borommaracha (1758-1767). Em 1765, a Birmânia invadiu novamente Ayuthia, arrasando a cidade, após dois anos de cerco 156. Em 1767, o general thai, Phya Taksin, (siamês, mas de origem chinesa) fundou uma nova capital em Thonburi 157, na margem oeste do rio Menam (oposta a Bangkok). A revolta de Taksin foi apoiada pela comunidade mercantil chinesa da região, pelo que, significativamente, este rei não voltou para Ayuthia, mas fixou-se em Thonburi, que estava situada somente a 20 Km do mar, estando em muito melhor situação para o comércio marítimo. Tendo estabelecido a sua base, lançou-se à conquista de várias localidades, tentando restabelecer a autoridade central, através da submissão de rivais. Aos Portugueses que combateram a seu lado, concedeu-lhes um terreno na nova capital, em 1768, onde se fixaram, construindo uma igreja (Igreja de Santa Cruz de Thonburi) 158. Com a subida ao poder do rei Rama Thibodi I (1782-1809) - que deu início à dinastia Chakri, no Sião - a capital foi transferida para 156 David Wyatt, Thailand: A Short History, Bangkok, Transvin Publications, 1984, pp. 124-137. Thonburi – capital do reino de Sião, fundada pelo general Taksin, em 1767 (após a destruição de Ayuthia pelos Birmaneses). 157 Bangkok 159, um pouco abaixo de Thonburi, na margem leste do rio Chao Phya (Menam) 160. A capital terá sido mudada para Bangkok, por motivos estratégicos, geográficos e religiosos. Parece justificar-se esta mudança, pois que, correndo o rio pelo centro da cidade, era difícil defender Thonburi em caso de ataque directo; por outro lado, o palácio real situava-se na curva do rio, o que o expunha a uma constante erosão; por último, não era possível alargar os seus limites territoriais, porque estava entrincheirado entre dois mosteiros. Em Bangkok, o Palácio Real foi ocupar uma área que era a da Chinatown, cuja comunidade foi removida para uma zona a sul do Palácio, em Sampeng. Foi construído um canal, apenas a dois quilómetros de distância do Palácio Real, desde uma extremidade à outra do rio Chao Phya (Menam), com sólidas muralhas, portões e fortes, de carácter defensivo 161. Durante o seu reinado, teria sido oferecido ao Governo da Índia, terreno para estabelecer uma feitoria, tal como o relata o cônsul de Portugal no Sião, António Feliciano Marques Pereira, em 1881 162. O que parece não ter vindo a concretizar-se por oposição da Sagrada Congregação da Propaganda, bem implantada no Sião, nesta altura. Segundo outros, os Portugueses e seus descendentes fixaram-se em Bangkok, num terreno doado pelo rei siamês, em 1786, que foi chamado Campo do Rosário, construindo aí uma igreja (Igreja de Nossa Senhora do Rosário) 163. Os reis de Bangkok tentaram modelar a sociedade tão semelhante quanto possível à de Ayuthia. Mas a destruição do reino pelos 158 Joaquim de Campos, “A Feitoria de Sião (II)”, in Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, Ano XXXL, nº 410, Maio de 1938, p. 872. 159 Bangkok – capital do reino do Sião desde 1782, fundada pelo rei Rama I. 160 David Wyatt, Thailand: A Short History, Bangkok, Transvin Publications, 1984, p. 145. 161 Rong Syamasnanda, History of Thailand, Bangkok, Taiwatana Panich, 1990, p. 102-103. 162 AH/AC/P. 287 – Relatório do cônsul geral de Portugal em Sião, António Feliciano Marques Pereira, acerca do Congresso de Geografia Comercial a realizar em Lisboa (1 de Março de 1881). 163 Manuel Teixeira, “A Missão Portuguesa no Sião”, in Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, Vol. LX, nº 703, Novembro de 1962, p. 931. Birmaneses, em 1767, e o abandono da capital siamesa, interrompeu as actividades agrícolas e mercantis que eram a base da economia da sociedade de Ayuthia. Devido à extensão da devastação causada pelos Birmaneses, a recuperação económica do país era extremamente urgente. Daí que a população se tenha envolvido cada vez mais na produção para exportação, ao contrário do período anterior em que o rei tinha praticamente o exclusivo do comércio. Esta diferença também poderá ser atribuída, em parte, à deslocação da vida económica que a invasão birmanesa causou e à maneira como o rei Taksin e seus sucessores trataram do problema da ressurreição económica do reino. Daí resultou um período mais aberto e menos rígido do que o anterior 164. Com esta abertura, as relações comerciais e de amizade do Sião com os povos europeus iriam recomeçar. 164 Rong Syamasnanda, History of Thailand, Bangkok, Taiwatana Panich, 1990, p. 104-105. 5. O MANUSCRITO DA EMBAIXADA DE PERO VAZ DE SIQUEIRA 5.1. NORMAS DE TRANSCRIÇÃO 5.2. TRANSCRIÇÃO DO MANUSCRITO 5.1. NORMAS DE TRANSCRIÇÃO: Procurou-se sempre respeitar a ortografia do manuscrito original, bem como o princípio de inteligibilidade que deve presidir a qualquer trabalho deste género. Assim, adoptaram-se as seguintes normas: . Actualizou-se o emprego do i e do j e do u e do v; . Reduziram-se a simples as consoantes duplas iniciais; . Manteve-se o uso do y; . O til das abreviaturas nasais foi desdobrado em m ou n, de acordo com a ortografia actual; . Desenvolveram-se todas as abreviaturas; . Empregaram-se as maiúsculas e as minúsculas de acordo com o uso actual; . Separaram-se as palavras que se encontravam unidas e reuniram-se os elementos dispersos de cada palavra; . Usou-se o apóstrofo para a separação das proclíticas e das palavras aglutinadas e o hífen para os pronomes mesoclíticos; . Assinalaram-se com (sic) os erros do texto; . Escreveu-se entre [ ] o que foi possível interpretar. . À frente do número de cada fólio, quando conveniente, assinalaram-se repetições do respectivo texto e o estado do fólio: rasgões e manchas, especialmente, que muito dificultaram ou impediram, até, em alguns casos, a leitura, bem como falta da parte inicial ou final das linhas. . Assinalaram-se as mudanças de linha com / e as de fólio com //. 5.2. TRANSCRIÇÃO DO MANUSCRITO [Fl. 226] e justificadas, não está bem a Nação Portugueza andar em outroz tribu/naes. Também faço prezente a Vossa Excellência que o Governador do ordinário desta Chris/tandade vae de (…) já morto, e deixou por Vigário da Vara a hum clérigo de tão / pouco préstimo, e authoridade que ninguém faz conta delle e dizem os clérigos, / e mais sacerdotes desta Christandade que o tal Vigário da Vara hé intruzo, pois / o Governador não tinha poderes para o instotuir (sic)165 no offício com que está esta Christan/dade em vesporas de se ver em huma sisma, e dezar[r]anjo que entre esta / gentelidade pouco hé necessário para que os Christãos vivão dezonidos (sic)166, e pouco / conforme nas couzas da Igreja, e será couza trabalhoza socederem todas / estas couzas a vista dos Bispos, e Mis[s]ionários, estrangeiros que as[s]istem / neste Reino de Sião, peço a Vossa Excellência seja servido pôr remédio neste / negócio pellas rezões que tenho apontado. Não se oferece outra couza / de que dar conta a Vossa Excellência. Guarde Deos a pes[s]oa de Vossa Excellência po[r] largos annos. / Reino de Sião em 24 de Junho de 1684 annos. Criado de Vossa [E]xcellência. a.) Pero Vas de Siqueira 165 166 Por “instituir”. Por “desunidos”. [Fl. 226v.]167 Sião - 24 de Junho - 684 De Pero Vas de Siqueira Respondida em 685168 167 168 Escrito ao alto. O resto encontra-se em branco. [Fl. 227]169 Senhor, Bem molestado dos avisos que o mar traz consigo, cheguey a esta Cidade de / volta do Reyno de Sião, e logo cobrei grandes alentos com a[s] carta[s] de Vossa Excellência pois nellas me / dá a conhecer o quanto estima os vassallos do Principe Nosso Senhor que com boa vontade asseitão / as occaziões de seu Real serviço. O que sentirey com muito excesso não serão os acertos de meu obrar / iguais à vontade de Vossa Excellência, pois vay encaminhada ao mayor crédito do dito Senhor, mas quando haja / esta falta sirvão-me as diversas occaziões do tempo de desculpa, porque estas sempre desfazem / com suas variedades desuadir de bons intentos, e quando ainda assim seja tido por ruim, Senhor, / fique Vossa Excellência entendendo que o que mal obrei não foi por falta de dezejo de acertar, senão do / discurso reger mal as disposições. Depois de ter no Reyno de Sião acabado todos negocios da Embaixada, tratey logo por / via de Tanassarim170 remeter a Vossa Excellência por mayor o processo della, e das honras, que el Rey me fez, / e o não fiz por miudo por serem as vias ince rtas, e mais inseguras, que talvez poderião chegar / a mãos que se occasionasse alguma ruina aos vassallos de Sua Alteza que assistem no dito Reyno. E porque / nesta não posso estender-me muito no que tenho que dar conta a Vossa Excellência, ordenei ao Secretário da Embai/xada que me desse bem e fielmente huma Rellação do princípio athé o fim do procedimento da dita / Embaixada, a qual envio a Vossa Excellência para que miudamente lhe seja prezente o que nesta função / obrey, e as controversias que se me oppozerão para não satizfazer realmente a tudo o que por Vossa Excellência / me foi ordenado; e quando a dita Rellação pareça muito dilatada, sirva de disculpa o dizer-me Vossa Excellência / o anno passado em sua carta, que fosse miudo em lhe dar conta de todos os sucessos. Miudamente vay na Rellação explicada a tenção, e desposição del Rey de Sião em / mandar seus Embaixadores remetidos a Vossa Excellência para os enviar a 169 170 Apresenta um rasgão no canto inferior direito. Tenasserim - porto do reino do Pegú (Birmânia). Portugal, e considerando eu / que se acharia Vossa Excellência com os ditos Embaixadores antes de Janeiro, pella pressa com que se fica/rão aparelhando, tempo em que era impossível chegarem barcos desta Cidade a essa Corte em que / fosse Vossa Excellência sabedor de tudo o que passou no Reyno de Sião, e assim como delle cheguei a esta / Cidade, mandei logo aparelhar a custa de minha fazenda a fragata Nossa Senhora da Conceição / que no Sião comprei a este fim (além de outros que vão apontados na dita Rellação) para que / antes que Vossa Excellência se resolvesse a mandar perante Sua Alteza os ditos Embaixadores, se achasse / com a miúda conta de minha Embaixada, que se não a mandei por terra, foi pella rezão / já apontada, e juntamente porque o privado Constantino Falcão induzio a seu Rey, que / mandasse por guia dos ditos Embaixadores a Frei Estevão de Souza e a Frei Pedro Mar/tyr bem nomeados na Rellação, e como estes dous Religiosos estão muito interessados com o di/to privado, hé certo que hão de fallar nas couzas da Embaixada muito desviados da verdade para / que Vossa Excellência agradecido ao dito Constantino Falcão, escreva delle grandes couzas ao Princi/pe Nosso Senhor, e pella grande diligencia que tive no apresto da minha dita fragata, nos fins de / Outubro estava já para partir para essa Corte com tudo o que agora remeto, socedeo chegar o bar/co de Manilla a esta Cidade neste mesmo tempo, em que veyo Antonio Botto Bar[r]etto que / eu deixey no Sião por suas conveniencias, o qual me deo por novas, que depois de minha par/tida do Reyno de Sião, entrarão nelle nove fragatas Inglezas, e que huma dellas espalhou / miudamente os sucessos das guerras do Sevagy, e o estado em que essa Corte por esta occazião se a/chava, o que sabendo el Rey de Sião mandou disistir do aparelho de huma fragata sua, que com grande / pressa se estava apercebendo para levar os seus Embaixadores perante Vossa Excellência, dando por rezão / que lhe não convinha mandar seus Embaixadores athé não (sic) estar certo que as couzas dessa Corte esta/vão muito sossegadas, e ouvindo eu esta segunda determinação do dito Rey, desisti de mandar / a dita fragata, pois não hia mais que ao intento que declaro a Vossa Excellência. Fico muito certo que el Rey de Sião não há-de deixar o intento de mandar seus Embai/xadores, que quando não seja este anno, será para o seguinte, e por esta rezão me ocorre por / obrigação, com o devido respeito, advirtir a Vossa Excellência que será muito prejudicial hirem os ditos dous / Religiozos com os Embaixadores del Rey de Sião perante Sua Alteza quando (…) os que //171 171 Está rasgado. [Fl. 227v.]172 mandar; porquanto são homens mui vários e aloucados, e para os negócios terem melhores a (…) / e os Embaixadores serem tratados com estimação, muito melhor será irem acompanhados [de] / dous Religiosos da Companhia de Jesus, que como os taes sempre são mais zelozos no s[erviço] / de Sua Alteza, emteressados no sossego e quietação das missões de todo este Sul, hão-de tra[ba]/lhar muito por acertar, e fazendo boa companhia aos Embaixadores, daquelle Rey pode[rão] / os taes Padres vir alcançar delle tudo o que quizerem em seu Reyno, porque estima muito as [hon]/ras, e favores que se fazem aos vassallos que representão seu segundo lugar, e de (…) / que hé o dito Rey merecedor de todo excesso de estimação, porquanto faz muito da am[iza]/de que tem com a Coroa de Portugal, além dos grandes favores e honras que faz [aos] / Portuguezes, e em quanto estive em seu Reyno sempre andou cuidadozo o como m[elhor] / agradar, e não me acho com huma mínima queixa de seu agazalhado, só receby as m(…) / de seu privado, como largamente vay declarado na Rellação. Considerando eu que Constantino Falcão governa absolutamente todo o R[eyno] / de Sião, me não dei manifestamente por queixoso do que nelle experimentei, por[que] / minha queixa poderia fazer grande dano à Christandade que assiste naquelle Rey[no] / e porque esta Cidade necessita muito daquele porto, e deve muita obrigação àquelle [Rey] / e pera que o dito privado esteja sempre propício para favorecer a Nação Portugu[eza] / lhe disse sempre (e o publiquei no Reino de Sião) que elle fora a principal ca[usa] / do grande expedimento que el Rey fez à Embaixada de Sua Alteza, e na despedida (…) / fiquei tãobem por obra, o que repetia por palavra, mostrando-me muito aprimorado p[ello] / dito. E neste sentido fui de parecer, que as cartas que Vossa Excellência lhe mandou na p[re]/zente monção se lhe enviassem para que com mais vontade favoreça aos Portuguez[es a]/thé que Vossa Excellência ordene o que for servido. O Capitão mor que foi do Bandel, Francisco Barretto de Pinna, o tr[ouxe] / em minha companhia porque, por nenhum modo convinha ficar no Reyno de Sião [por]/que além de que o Rey delle não quer que occupe o posto que de prezente tinha, hé certo q[ue] / havia de suceder grandíssimas afrontas. Eu não o obrigo que vá perante Vossa Excellência e (…) / elle o faça hé eleição de sua vontade, porquanto me move muito a 172 Falta o final de todas as linhas. piedade a grande n(…) / ce com que se acha acompanhada de pobreza, com huma família muito grande, e (…) / de a sustentar no estado em que se acha, entendo que não hé pequeno castigo p[ara] / suas culpas, só remeto a Vossa Excellência hum auto sumário com o mais anexo a elle, e [na] / Rellação vão miudamente os sucessos, que se numerão por sua cauza, para que Vossa [Excellência] / ordene o que for servido. A administração da justiça civel fica em poder dos do[us] / Padres, que administrão os sacramentos à Christandade, como são o Padre Frey [Manoel] / Soares superior da Residencia de Sião, e o Padre Frey Domingos de Santa An[na] / de Nossa Senhora do Rozario, os quaes sugeitos aceitarão este trabalho porque [não] / era acerto o não ficar aquella Christandade sem ministro vassallo de Sua Alteza (…) / o Padre Manoel Soares bem quiz livrar-se desta pensão por não tocar a seu estad[o, mas] / como teve por notícia que el Rey se satisfazia, e queria que os Padres ficassem ne[sta] / falta suprindo, pello grande conceito que tem del Rey, tomou o dito Padre a po[sse] / por não desgostar a el Rey, nem faltar ao serviço de seu Príncipe e Senhor, [pois] / verdadeiramente não tem o Reyno de Sião portuguez nenhum sufficiente para [go]/vernar o Bandel, e necessita muito de hum homem desinteressado, e com grande pro[cedi]/mento, e que lhe não falte juizo para se saber haver com o privado del Rey, que tud[o quer] / governar. E na falta de governo em que fica o secular, se acha tãobem o ecc[lesi]/ástico, porquanto hé já morto o Governador do Bispado, e o Vigário da Vara que deixou em [seu] / lugar, hé hum clérigo muito acanhado, e de nenhuma sufficiencia, e que não [sa]/be governar aquella Christandade no espiritual, se não for pessoa muito ins[truída] / de letras não pode deixar de haver confusão, e desordem pella muita [liberdade] / em que todos vivem, e pella vizinhança que tem dos Bispos e Missionários [fran]/cezes. Quando Vossa Excellência seja servido mandar Capitão mor para o Bandel, ad[vir]/to que o maior erro que o tal pode conseguir no Reyno de Sião, será aceitando [car]/go, ou título da Casa Real, porque as taes dignidades não servem mais que de vitup[ério] / para a vassallos de Sua Alteza porquanto todos os titulares del Rey de Sião, se cha[mão] / seus negros, e quando por algum caso os castiga o faz como a cativos, e por esta [razão] // os Olandezes [Fl. 228]173 os Olandezes não querem consentir que os servidores da Companhia aceitem honr[a] / nenhuma do dito Rey, no tocante a receber algum título, e se este não logra[sse] Francisco / Barretto de Pinna, não chegaria a se lhe dar por prizão hum estrado (…) estan/do eu de presente no dito Reyno, que por este vitupério esteve em pontos de se não con/seguir a Embaixada, como claramente se especifica na Rellação. Juntamente / deve o Capitão mor que for provido trabalhar logo em chegando punir muito pella ju/risdição de seu offício, porque esta está muito prevertida, porquanto Francisco Barretto / de Pinna a deixou passar toda aos ministros del Rey, sendo a vontade delle / que os Portuguezes em seu Reyno se lhe administre justiça por seu próprio mi/nistro sem intervenção de algum seu, mas como o Capitão mor passado nun/ca tratou mais, que de seus interesses, veyo a dar tudo em pura desordem, e tanto as/sim, que querendo el Rey de Sião o anno passado aprestar huma armada, ordenou / o seu privado ao dito Capitão mor que lhe desse huma lista de toda a Christandade, a qual / lhe deo e consentio que o dito privado entrasse no Bandel a obrigar por força a que / fossem servir os apontados na dita lista, na armada del Rey, que não consente / que os Portugueses, e os mais Christãos o sirvão contra sua vontade, e desta força / se executar hé só o culpado o dito Capitão mor, porque além de não fazer sua / obrigação, em certo modo foi tãobem agressor da tal desordem; e se el Rey de Sião / permittio algumas vezes que seus ministros conhecessem de algumas cauzas dos Por/tuguezes, foi por estar inteirado do ruim ministro com que se achavão; não du/vido que o dito Francisco Barretto de Pinna aprezenta a Vossa Excellência abonações por sua / parte em contrário do que escrevo delle a Vossa Excellência, porque hé costume de alguns moradores / desta Cidade contra a verdade favorecerem a parte a que estão affeiçoados, e porem objec/ções a todo o auto de virtude que vêm em seus desaffeiçoados, porém digo a Vossa Excellência / que nos particulares do dito Francisco Barretto de Pinna, não entro com desaffeissão / alguma, porque hé sugeito com quem nunca tive trato, nem communiquei, senão depois / de chegar ao Reyno de Sião. Na fragata São Pedro de Alcantara em poder do Capitão della Manoel / Rodriguez da Fonsequa envio a Vossa Excellência a re[s]posta del / Rey de Sião, e junto com ella a / do Barcalão, e a correspondencia dos sagoates174, se reservou para levarem os seus 173 174 Apresenta-se rasgado nos cantos superior e inferior direitos. Saguate – presente, dádiva; o que se dá em ocasiões festivas ou em sinal de homenagem. Em/baixadores, invectiva de Constantino Falcão, por donde pode Vossa Excellência conhecer / os espíritos baixos que morão neste sogeito, sem embargo de ter muito juizo. E para / que a dita re[s]posta se não encontrasse às ordens de Vossa Excellência, fiz as diligências que na / Rellação vão miudamente declaradas; no tocante a dar comprimento ao que Vossa Excellência / me ordena sobre Amador Coelho, não foi possível obrar nada, porquanto o dito / não apareceo em quanto estive no Reyno de Sião, e entendo que sua auzencia foi occa/zionada pella facilidade que Francisco Barretto de Pinna teve de mostrar a carta / de Vossa Excellência a muitas pessoas, como se aponta na Rellação. E nella mesm[a] se faz / menção de huma Naö grande del Rey, a qual não chegou a esta Cidade, que por / partir tarde se diz arribar a Cauchinchina (sic)175. Na Rellação, que envio a Vossa Excellência se rellata o termo que teve comigo / a nobre Cidade quando me quiz ir embarcar para o Sião, bem sey que não hão-de / deixar de tratar a Vossa Excellência nesta minha queixa, desculpando-se com dizer que / estavão prestes para me acompanhar se eu fosse de minha caza a buscá-llos ao / Tribunal da Câmara (como eles me escreveram) o que a mim me não convinha / por ser em menoscabo do serviço de Sua Alteza, porquanto as nações destas partes / quando virem sair hum Embaixador do Tribunal da Cidade para ir conseguir / sua Embaixada, têm para sy que hé hum enviado mandado pello mesmo Tri/bunal de que não fazem tanta estimação, e demais, que quando este povo se / empenhou com despezas a sua custa por que Manoel de Saldanha176 fosse [por] Em/baixador ao Império da China, quando quiz partir forão a su[a casa os] / Ministros do Senado (que então governavão) com todo o Povo e levarao (…) /ridade a embarcar o dito Manoel de Saldanha, para que vissem os estrangeiros // 175 Por “Cochinchina”. Embaixada de Manuel de Saldanha à China (1667-1670), pedida pelo Senado da Camâra ao ViceRei da Índia, João Nunes da Cunha - em nome do rei de Portugal - para apresentar ao Imperador “o miserável estado desta cidade [...]”. 176 [Fl. 228v.]177 Quanto cazo se fazia dos Embaixadores do Principe Nosso Senhor, porque aq[uele] / posto não era mais levantado do que o de que Vossa Excellência me fez mercê, senti (…) / a differença da estimação, e quando digão os ditos Ministros que a mim [me] / faltão os poderes, que Manoel de Saldanha trouxe do Senhor Conde de [São Vi]/cente, não hé [r]ezão de aceitar, porque meu Pay, quando desta Cidad[e] / partio para o Jappão por Embaixador, faltando-lhe os taes poderes f[oi ao] / Tribunal da Casa da Camara encorporado com toda a nobreza, para [se] / embarcar com toda a honra, o certo hé que quizerão os ditos Ministros satis[fa]/zer (contra o que entendião) a vontade do procurador Jozeph Vieira da Silva [que] / foi o que neste negocio debateu fortemente, estimulado de seu mao ânimo, q[ue]/rendo mais satisfazê-lo, que seguir o acerto no serviço de Sua Alteza. E quando (…)/guir do Sião, a visita e recebimento que me fizerão, foi mandarem dous gu[ardas] / antes de minha pessoa sair do navio, para vigiarem que se não desviasse [aos] / direitos nenhuma couza de fazenda, indo eu gastar toda a que levei no sirv[iço] / de Sua Alteza; e athé o Feytor desta Cidade não deixou de me dar em que mere(…) / no pagamento da gente do presídio, que me acompanhou. E como Vossa Excellência m[e] / não concedeu nenhum poder para neste tocante poder obrar nada, não me f[al]/taram moléstias no apercebimento de minha viagem. Com grande vontade intentei conseguir esta prezente monç[ão] / a segunda Embaixada ao Reyno de Cauchinchina (sic)178 (como Vossa Excellência me t[inha] / ordenado) mas não me foi possível o pudê-lo fazer, porque além de m[e] / achar muito falto de saúde, hé maior a falta de cabedal, porque a [via]/gem do Sião me custou passante de doze mil pacatas, e como estas são h[oje] / tão difficultozas de ajuntar, pellos ruins sucessos da mercancia, não [me] / acho com posses bastantes para os gastos segundos, se seguirem logo aos pr[imeiros] / e mais havendo de ser muito mayores, pois aquella nação hé muito inte[res]/seira, e entre elles se não colhe bom fruito dos negócios, quando não [le]/vão por guia o muito dar. E como aquelle Rey hé muito soberbo, e altivo s[em]/pre me hé necessário levar a mesma pompa que levei para o Sião, para q[ue] / me não faltem com o respeito e estimação, e os que me acompanharão (…) / muito desgostos, pois o Senado 177 178 Falta o final de todas as linhas. Por “Cochinchina”. da Câmera lhe[s] tirou direitos de tudo que (…) / reparti por todos, pois não tiverão outro proveito para sustento de su[as] / cazas, porque ainda que nelles more muito zelo de servirem a Sua Alte[za] / mayor179 / minha companhia gente luzida, e aprimorada, não me faltarão em (…) / cobrando bastantes enfados, que a mayor admiração que ficou no Reyno [de] / Sião, foi o não escandalizar a minha gente pessoa alguma, nem dar nota (…) / de seu estilo. No Reyno de Sião fui sabedor em como o Rey de Thum[quim] / dera por re[s]posta às cartas de Sua Santidade, e às del Rey de França (…) / que elle no seu Reyno não consentia, que [h]ouvesse Christandade, e a mesma [ra]/zão dará o Rey de Cauchinchina (sic)180. Vossa Excellência seja servido ordenar nesta m[atéria] / o que se há-de obrar. No que Vossa Excellência me diz no tocante ao negócio do Jappão se affeituar (sic)181 p[or] / via do Feitão que governa a província de Cantão, communiquei com o seu priva[do] / e agente de sua fazenda, por nome João Cortez, esta matéria, o qu[al] / me disse que era impossível executar o pensamento sem ser com benep[lácito] / do Emperador da China, o qual não havia querer consentir que seus (…) / fallassem o nome dos Portugueses no Jappão, pello risco que nisto há, (…) / com hum meyo mais fácil ainda que perlongado (sic)182, e vem a ser, que há lar[gos] / annos que o Emperador da China tem impedido que os Embaixadores de Ja[ppão] / venhão a seu Reyno, como antigamente sempre custumavão cada trez an[nos] / por huns desarranjos que sucederão, e agora de prezente manda o dito Emperador / que continuem os Jappões com suas Embaixadas, os quais chegando a Corte de Pi[kim] // 179 O resto da linha está ilegível devido a um vinco. Por “Cochinchina”. 181 Por “efectuar”. 182 Por “prolongado”. 180 [Fl. 229]183 e vendo o muito cazo que o Emperador da China faz (…) / e que está muito s[a]tisfeito da fidelidade da Nação Portugueza (…) / Jappões notícia disto ao seu Emperador, e os Padres tirão (…) / os Jappões que continuarem a Corte de Pikim, e p[o]derão (…) / (…) em suas terras. Isto hé o que se me offerece (…) sobre / e nas matérias que se ellas estimassem em despeza (…) [faz]enda, a / dera por bem gastada por se restaurar hum tão grande (…) se tem per/dido. A eleição de Secretário da Embaixada quiz Vossa Excellência fazer-me mercê / que fosse minha, e como obra própria me não falta o exemplo de fallar em / seu abono, mas cuido que não será acerto, que por huma leve desconfiança dei/xe no esquecimento o ber (…), e assim faço prezente a Vossa Excellência em como o Sec[retário] / da Embaixada Francisco Fragoso hé merecedor de toda a honra, que Vossa Excellência [seja] / servido fazer-lhe porque se [h]ouve sempre com muito cuidado e desvelo, assistindo (…) / com grande zelo, que este esperei sempre delle, pois nunca lhe faltou [no] / discurso de muitos annos que sirvo a Sua Alteza, e como por ruim sorte sua / não [h]ouve nunca occazião de colher o fruito de seus merecimentos que prestou a / esta terra por ver se melhorava de fortuna, e a que alcançou, (…) hé huma / g[r]a[n]de família com muito pouco para a poder sustentar, mas muito rico se (…) de / ânimo para tudo o que Vossa Excellência lhe ordenar do serviço do Principe Nosso Senhor. Nã[o] / se offerece outra couza. Guarde Deos a pessoa de Vossa Excellência por dilatados annos, etc. / Macao, 18 de Novembro de 1684 annos. Criado de Vossa Excellência a.) Pero Vaz de Siqueira 183 Apresenta-se rasgado no canto superior direito. [Fl. 232]184 184 Em branco. Faltam os fólios 230 e 231. [Fl. 233]185 pellos barcos que (…) / de lá se enviar pell[os ba]rcos que forem a Goa (…) esta (…) / a 2ª que vai no barco de (…) com a Emba[i]xada a Sua Alteza. Sobre as couzas [da] Emba[i]xada que a este Reino (…) / seguro Emba[i]xador extraordionário já na 1ª. via escrevi a Vossa / Excellência do que sucedera e de como fora bem recebido deste / Rei; e das muitas honras que fisera ao Emba[i]xador. E de como / se guardarão quanto pode ser as ordens de Vossa Excellência servin/do-se a maior difficuldade de entrar o Emba[i]xador com sapa/tos, e com espada. E posto que absolutamente fallando o Emba[i]xador (…) / bem nesta Emba[i]xada, contudo não conhece algumas couzas a que / vinha com a certesa e segurança que convinha porque disse que dei/xava aqui papéis de como este Rei tinha concedido / o que pedira; mas que monta ficarem papéis se ficarão / sem serem assinados nem pello Rei nem pello Barchelão (sic) / por isso o valido del Rei Constantino Falcão sabe (…) / dos papéis os pedio; e disse que não valião na[da] / e que taes couzas não concedera o Rei (…) / tornou a dar a mim, e ao que (…) / de Santa Anna, hum papel que deixou o Emba[i]xador (…) / ambos cada hum em sua freguesia fasemos o offício (…) / justiça em cousas cíveis por quietação da gente deste / Bandel até que Vossa Excellencia provesse de novo / Capitão. Nem sabemos até [a]gora que o Rei manda aos Bispos Fran/çeses (sic) que se não metão em quererem governar aos Padres Por/tugueses; e a nossa gente; o que sabemos hé que elles ainda / dizem, pertendem, e fazem quanto podem para os governarem, e / continuar e levar ao cabo os seus intentos (…) mais / agora depois de morto, o Padre Governador (…) da (…) / e do Vigário da Vara que ficou por (…) / nenhum caso fazem dezendo que o não (…) / poder algum; e assim que o entento (…) / En (…), ficou frustrado e era o que (…) importava; tal fim que ficarão as cou[sas] (…) / ou piores ainda // 185 Muito rasgado em cima e no lado direito; praticamente ilegíveis as 3 primeiras linhas. [Fl. 233v.]186 (…) E obra de caridade, porque hé homem honrado, mas pobre, e no[s] / muitos annos que aqui esteve se mostrou sempre muito leal vas[s]alo, e zeloso no serviço / das cousas de Sua Alteza. E foi trabalho o quebrar com o valido del Rei [por]/que os dois papéis que nos deixou aqui o Emba[i]xador de que já lhe falei acima man[dado] / (…) cor esta fielmente tresladados. Em outra questão tinha escrito a Vossa Excellência que o genro do capit[ão] / Francisco Barreto de Pinna, André Gomes Piçarro me parecia capas para pod[er] / suceder no offício de Capitão por morte do dito Capitão; porém com o te[mpo] / se descobrem mais as cousas, e assim que agora me parece nã[o] / ser apto para y[s]so. E por isso faço aviso. E a portaria que Vossa Excellencia / me mandou fechada e mutrada (?) para se abrir por morte de Francisco / Barreto de Pina, fica no meu escritório até novas ordens de Vossa Excellencia. / O caixão dos órfãos que tinha três chaves não se podendo abrir com huma só / se quebrou huma parte delle; e assim aberto (…) em casa de Francisco Barreto de / Pina, sem haver nelle de presente prata alguma de órfãos. E assim que com / a vinda de novo Capitão se poderá concertar, e fechar por ser cousa / [muito] necessária, e importa a fim de se guardar nelle a prata dos / [órfã]os quando a [h]ouver. Vai o Padre Frei Estêvão, frade da ordem de Santo Agostinho, como por Emba[i]xador / ou por agente ou companh[ei]ro da Emba[i]xada. Este frade vai por / 2 ou 3 annos que anda fora do seu convento de [M]acao, por resão / como elle dis de pedir esmolas para o convento; e aqui o nomearão / como por secretário do Barchalão (sic)187 em ordem dos Portug[ueses] / e que para isso (…) desse a lingoa; cargo que pareçe (sic) não (…) / Deste frade me disse o Emba[i]xador que deante delle (…) / acompanhara a nossa Emba[i]xada; E me disse huma (…) que (…) / digo hum sargento do Emba[i]xador, que hia com elle no / balão que este frade fallava mal contra o nosso Pro[vincial.] / E assim se Vossa Excellência o puder desviar de ir com a Emba[i]xa[da] / (…)mentava será o mais acertado; porque (…) / (…) tomara bem 186 Apresenta-se rasgado em cima e no lado esquerdo. Do primeiro parágrafo só estão legíveis as 4 últimas linhas. Falta o final de todas as linhas. 187 Por “Barcalão”. em se mandar Emba[i]xada / (…) religioso que anda fora do convento, e que falla (…). Vejo aqui huma carta de Vossa Excellência para o Padre / [N]iculao da Mota; E como o achou já morto; e havendo / [Vigário d]a Vara que fes o Padre Governador; parece (…) // [Fl. 234]188 (…) e a mim que por (…) podermos todos (…) abrir / a carta; e assim se (…) tudo no segredo que (…) ficando / (...) 189 / do seu Vigário Geral que lhe tem lido e (…) / [San]ta Anna; elle dis que vai para Timor nesta monção; mas disem algumas pessoas / que o não crerão até elle não sair pella barra fora; e não deixar / de sair por falta de barco que vai nesta monção para Timor. Os Bispos franceses sentirão muito esta Embaixada, porque / se persuadirão que a Emba[i]xada vinha a se pedir a este Rei / que os deitassem fora do Reino; cousa que o Emba[i]xador não / chegou a pedir; e ainda que pedisse nenhum effeito teria por / resão da nos[s]a entrada que têm estes Bispos franceses com el Rei. Mas / dado caso que este viesse na lista dos apontamentes (sic), ou regimentos / que trouxesse da parte de Vossa Excellência o Emba[i]xador; não sei / por onde se poderia saber salvo se o diria a alguém / o Emba[i]xador, o que não creio, porque seria pouca prudência, / quando se vê que a cousa não sortira effeito. A carta que / Vossa Excellência mandou a Francisco Barreto de Pina, elle a leo / diante do Emba[i]xador, e dum frade dominico, que trasia / consigo de Macao; e quem sabe se o frade foi diser tudo / o que vinha nella a Frei Pedro Martir e Frei Pedro se (…) / dar conta de tudo ao privado deste Rei de quem / hé secretário e escrivão; E quando assim fosse dahi / se poderião também occasionarem as cousas do Capitão / com o privado del Rei. Ouvi diser que este / Bispo francês dis[s]era a el Rei que esta Emba[i]xada / não hera do Príncipe, senão do Conde Viso Rei. / Parece pois não fosse bem levantada, nem mandada / Emba[i]xada a Portugal a Sua Alteza, mas o Rei / não fes caso algum deste seu dito. Diserão mais estes / Bispos que Vossa Excellência mandara de Goa a Macao / num maço a carta desta Emba[i]xada remetida ao Padre / Reitor da Companhia de Jesus para a elle dar a Pero Vas de / Sequeira Emba[i]x[a]dor extraordinário, e disto fasem / peçonha aos Padres da Companhia de Jesus imaginando / que nós solicitámos a Emba[i]xada para os deitarem / fora. E se fosse assim que Vossa Excellência (…) / o maço da carta da Embaixada ao (…) / (...) 190 // 188 Apresenta rasgões na parte superior e a última linha apresenta-se ilegível. Linha ilegível. 190 Linha ilegível. 189 [Fl. 234v.]191 (…) hum clérigo chamado Constân[ci]o Jorge / (…) no viver; e como o Senhor (…) / (…) o que fará delle (…) que Vossa Excellência n[os] / mande (…) novas dos padroados de Sua Altesa; porque o B[ispo] / francês que aqui está, dis que já sahio de Roma o Senhor Prin(…) / (…); e as cousas da Propaganda sobre a matéria d[os] / padroados estão contra Portugal. Se acaso (…) desta (…) / frade de São Domingos que aqui está, escrever alguma cousa a Vossa Excellência (…) / o capitão Francisco Barreto de Pina, poderá Vossa Excellência saber q[ue] / poderá haver resão para se reparar nisso, porque tiverão aqu[i] / entre si alguns descontos; e bem cuido que Francisco Barreto de Pina f[oi] / dado por sospeito em humas cousas. E como se não offerece m[ais] / Deos Nosso Senhor dê a Vossa Excellência os largos annos de vida que [de]/sejamos para a muita glória de Deos, serviço de Sua Alteza, bem e conservação de toda a Índia. Sião em 12 de Novem[bro de] 1684. Vassalo de Vossa Excellência Padre Manoel Soares, religioso da Sagrada Companhia de Jesus / e Superior da Residência do Sião [Fl. 221] [Excellentíssimo Senhor,] Tendo repetidas informações de que nos Reinos / de Siam192, Cochinchina193, Thunquim194, e Camboja195, / padecião os Missionários Portugueses, com os / da Propaganda, que por aquellas partes anda/vão espalhados intrudusindo nas 191 Apresenta-se muito danificado na parte de cima. Falta o fim das linhas. Sião ou Sayam - antigo reino asiático, que abrangia parte da actual Tailândia. 193 Cochinchina - nome dado à região abrangida pelo norte do Annam e pelo Tonking (Tonquim). 194 Thumquim - o mesmo que Tonquim, antigo reino da Indochina (norte de Annam). 192 Christanda/des, não só calumnias contra os nossos proce/dimentos, senão também em os contra a nossa / Crença, isto além do juramento a que Vossa Magestade sabe / já que elles pretendem obrigar-nos, e vendo que / estas desordens necessitavão de prompto remé/dio, por ser tal possível que chegaria tempo / o que inda se espera de Roma; proposto na / Junta das missões todas as notícias com que / nesta matéria nos achamos, e ponderando (…) / pella sua emportância com particular atten/ção, se assentou uniformemente que o que se / convinha por então era mandar Embaixado/res aquelles Reinos, e procurar por meyo delles, / o progresso e soccego das Missões, que não por outro la/do hachavam com os Bispos franceses que de/mais do que tenho dito intentavão também, / armados do braço da Igreja, com capa de re/ligião dessimular os fins temporais, he intru/dusir, e conservar a sua Nação inda que / moderna na Índia, única naquellas partes / do mundo, pois esta resulução, que pellas im/possibilidades de Estado não erão faceis / de executar, porque allem doutras dy (…) // 195 Camboja - reino do Cambodja, situado no extremo sueste do Golfo do Sião. [Fl. 221v.]196 / a Siam e Cochinchina, e esse por inimigo a Thumquim e C[am]/boja lhes despedi na monção da China 197 do anno de 8(…) / cartas, regimentos, presentes e mais ordens necessárias pera (…) / (…) delles faser o que lhes encarreguara. Chegado (…) / cão, por notícias modernas que aly tinhão hido de grandes [embar]/cações de guerra conta Thumquim e Camboja, entendeu a (…) / e o geral daquella Cidade que convinha suspender a (…) / (…) e que por então só devia ter effeito a de Pedro [Vaz] / de Sequeira, o qual na forma deste assento, se embarcou em h[uma] / fragata sua pera Siam, onde fez com grande lusimento (…) / muito (…) toudo (sic) o que lhe mandey, despendendo nesta [ac]/ção consideravel fasenda sua, sem mais interesse que o de [ser]/vir generosamente a Vossa Magestade, de cujo agradecimento pare[ce] / que se fez com isto dignamente merecedor, e assim com[vem] / que Vossa Magestade o [h]onre, pera que os outros a servi-llo daqui por [di]/ante se animassem com este exemplo, e se alentem com esta ap(…) / rança, de todos os sucessos da Embaixada me deu este (…) / esta conta por huma larga rellação que com as suas cartas [re]/meto tambem, pera que mandando Vossa Magestade ver huma (…) / cousa onde lhe seja prezente. El Rey de Seam (sic)198 (a quem (…) / (…) inda hum entranhavel (…) se resolveo com no[ta]/vel sentimento dos Francezes a mandar Embaixadores (…) / a esse Reino, e não o podendo desuadir disso toda a deligenci[a]/ dos Bispos que ali se achavão os despedio finalmente [numa] / embarcação sua pera daqui fazerem viagem nas nossas. [Che]/gados elles a Goa os mandey receber, e tratar com toda a g[entile]/za e urbanidade, que era constante. Fizemos [até a]/gora os gastos pella fasenda de Vossa Magestade, e pella mesma conta (…) / se lhe (…) em que vão os gasalhados necessários e (…) / e se lho (…) nella pera elles, e para a sua gente a (…) // 196 As 4 primeiras linhas estao ílegíveis e falta o final de todas as linhas. Seguem-se duas palavras que foram riscadas e que estão completamente ilegíveis. 198 Por “Siam”. 197 [Fl. 222] que o seu conductor disse que o bastava. Eu este Frey [Estêvão] / de Sousa (…) de Santo Augustinho sogeito, a quem el Rei por informações / de hum grego seu valido, deu esta Comissão, de que parece, que / o fez digno, o lhevou (sic) naquelle Reino, com ânimo mais de Siam, / que de Português, e com liberdade mais de secolar mui destrahi/do, que de Religioso, inda pouco reformado; sam tristíssimas as notí/cias que tenho deste frade, como Vossa Magestade verá em parte dos papeis que / vão com esta; e quanto a mim paresse-me que lhe não levantão ne/nhum testemunho, porque pello que conhecy do seu natural nos / poucos meses que aqui se deteve, tenho-o por sogeito terbulento (sic)199, or/gulhoso, e emfim por lapus e disposto pera toda a novidade desordena/da, ou200 toque ao Serviço de Deus, ou pertença ao de Vossa Magestade; e por / ambos estes respeitos Senhor, e inda por crédito da Nação, não convém / em nenhuma maneira, que este frade volte à Índia, quanto mais a Si/am. Vossa Magestade o deve ordenar assim pellas rezões que tenho dito e por/que isto seja sem queixa de el Rey e dos seus Embaixadores, po/dendo-se dispor as cousas de maneira que elles se persuadão a que / acabou à morte, aquelle que na voz dada hee (sic) incapas de vida; to/dos podem faser com muita dessimulação os Prelados deste religioso / goardando segredo, e procedendo com destresa, e inda que não con/venha tanto como digo, ninguém mais que a elles importa por cré/dito de seu hábito e pera exemplo da sua religião. Como estes Embaixadores não trouxerão carta de el / Rey pera mim, se não em lugar della huma do seu primeiro Me/nistro, não me pareceo, nem ao Concelho (sic), que devia dar-lhes audien/cia, escusando-me disto com dizer-lhes que erão Embaixadores / a Portugal e não ao Estado. Esta mesma falta parece, Senhor, que / se deve estranhar nesse Reino a estes homens, mandando-lhe / insinuar o que Vossa Magestade sente, que se não tivesse com o seu Vice Rey / a conta que se devia ter com quem na Índia representa a Sua / Real Pessoa; bem hee verdade que neste procedimento entendo / eu, que são menos culpados os Siões do que Frey Estêvão e Frey / Pedro Martir religioso de S. Domingos que naquelle Reyno (…) // 199 200 Por “turbulento”. Por “no que”. [Fl. 222v.] 201 / o nosso Embaixador deu o nosso logo a não guardar, e não / elle aly deixou assentado bem que (…) por ordem del Rey (…) / pello grande poder e notavel influencia de que uza o seu va[lido] / aconcelhado (sic) por vertude destes dous servos de Deus. As outras Embaixadas de Cochinchina, Thonq[uim] / e Camboja pellos embarassos que [h]ouve se não fizerão athé q[ue] / quando tenhão effeito (se for (…) tempo) dando-se conta [a] / Vossa Magestade de tudo o que nellas se obrar, para que sendo-lhe pre[sente] / disponha o que mais for servido. Guarde Deus a muito Alta e poderosa pessoa de Vossa [Magestade] / por muitos annos. Goa 24 de Janeiro de 1686. Rubrica 201 As 4 primeiras linhas estão completamente ilegíveis e falta o fim de todas as linhas. [Fl. 223] 202 [Excellentíssimo Senhor,] Bem quizera dar miuda conta a Vossa Excellência da minha partida / de Macao para este Reino de Sião e tudo quanto nelle passey athé ser despedido, / mas como faço esta por via muito incerta, e mal seguras (sic), me detreminey (sic)203 de / não dar mais que huma breve conta dos negócios da Embaixada que por Vossa Excellência / me foi ordenada da parte do Príncipe Nosso Senhor, ao Rey deste Reino / de Sião, e muito por extenço mandey a Vossa Excellência a conta levando-me Deos / a salvamento à Cidade de Macao nos barcos que della partirem para essa Corte. Party de Macao para este Reino de Sião a 6 de Março de 684 / e no descurço de vinte e hum dias que pus na viagem não tirey hora que / não fosse de grandíssimo susto, e trabalho, pois ao sahir das Ilhas da / China me abrio o navio huma agoa que não erão as bombas bastantes / para a vençer (sic) de dia, e noite, em que eu e todos os que me acompanhão rece/bemos grandes perdas, e entrando pella barra de Sião os Menistros / que nella estão deste Reino me quizerão obrigar a que desse registo de / armas, artelharia, gente, e fazendas assim como o custumão fazer os barcos / mercantins, ao que me não quis sogeitar mais que dizer-lhe[s] que o dito / barco trazia em sy hum Embaixador mandado por Vossa Excellência em nome do / Príncipe Regente dos Reinos e Senhorios de Portugal a el Rey de Siam, / e os ditos Menistros partirão logo com o avizo, e em sua companhia man/dey hum official da Embaixada com aviso por cartas ao Barcalão204 Governador / do Reyno, e a Constantino Falcão, o maior privado del Rey de Sião e jun/tamente mandey cartas ao Reverendo Padre Sup[e]rior da Companhia de Jesus Manoel Soares / e ao Capitão mor Francisco Barreto de Pina para que se vissem comigo pera / lhe[s] entregar as cartas de Vossa Excellência, e cumunicar com elles o que melhor convi/nha para o espediente e acerto da Embaixada como Vossa Excellência me ordena em / suas ordens. 202 Apresenta um rasgão no canto inferior direito. Por “determinei”. 204 Barcalão ou Praklang– Ministro dos Negócios Estrangeiros do reino do Sião. 203 E chegando a surgir no lugar aonde custumão fazer todos os barcos / em que vêm Embaixadores athé serem recebidos, mandarão os Menistros Governadores / do Reino que sem embargo de o barco em que eu vinha ser de Embaixada / sempre estava obrigado o Capitão delle a dar o registo que assima aponto, / ao que respondy que os barcos dos Embaixadores não estavão sogeitos às leis / que só herão postas para os navios marchantes, e que quando se havia / feito nos barcos que a este Reyno tinhão trazido Embaixadores dos Príncipes / e Reis desta parte da Ázia, os Embaixadores do Prín[cipe Nosso Senhor] / não havião de ser regulados pellos mais, pois el Rey de Sião (…) //205 205 Está rasgado. [Fl. 223v.] 206 e muito antiga, e estreita amizade com o dito Senhor e conhecia os deferentes p[rivilé]/gios que tinha a Coroa de Portugal entre as taes nações, aonde quer que cheg[assem] / suas couzas e sobre isto [h]ouve grandes debates, e por fim os fiz desuadi[r de] / sua instância. E como el Rey de Sião não estava na Corte da primeira cidade (…) / em outra que fica vinte e sete legoas pello rio assima que chamão de L[uvo] / me aparelharão a Feitoria dos Portuguezes e que está no Bandel207 onde (…) / as[s]istem, a qual de novo se tinha consertado, e acresentado para este f[im] / pellas novas que antecipadamente tiverão por via de Malaca, e depoi[s de] / quatro dias me mandarão buscar ao barco em que vim com grande / ostentação e acompanhamento, e dezembarcando nas ditas cazas q[ue] / achey com grande as[s]eio e conserto me disserão os Menistros del R[ey] / que descançasse athé que da Corte de Luvo208 mandasse el Rey ordem p[ara] / hir dar-lhe minha Embaixada, e que elle ordenava que todos os gastos d[e] / minha despença e de toda a gente de minha companhia corressem por conta d[e] / sua Real fazenda deputando hum português por nome Joseph Cardozo / que corresse com a tal despesa, para melhor spediente; fuy (?) repugnado e[m] / as[s]eitar a oferta, mas como me disserão que era hum grande aggravo q[ue] / fazia a el Rey consenty na dita despeza a qual tem durado athé o present[e] / e durará athé me despedir para Macao com tanta abundância e pro (…) / que nunca esperimentei huma mínima falta. 206 Falta o final de todas as linhas. Bandel – porto ou bairro do porto; refere-se a um sítio próximo de um porto, habitado por estrangeiros. 208 Luvo ou Lavo – o mesmo que Lop Buri (Lopburi), cidade a norte de Ayuthia. 207 Depois de estar hum mês, e três dias apuzentado nas cazas já n[omea]/das me veio avizo para partir para a Corte a dar minha Embaixada e a cauza / de tanta detença foy pellos aprestos que se estavão ordenando com e[m]/penho para este fim, e porque se meteo em meio o mandar el Rey prende[r] / o Capitão mor Francisco Barreto de Pina por crimes de que por ora n[ão] / posso dar conta a Vossa Excellência, e como me mostrey ggravemente queixozo de q[ue] / se fizesse a tal prizão com a minha chegada sendo os crimes que lhe em/punhão muito antecipados, [h]ouve detença em me dar satisfação a q[ual] / foy entregarem-o com suas culpas para que eu conhecesse dellas, e des[s]e o / castigo conforme o merecimento e como foi a entrega feita a vespora d[a] / minha partida para a Corte, mandei ao dito Francisco Barreto de Pin[a] / preso para a minha fragata athé acabar de dar a minha Embaixada, com / grandíssimo aparato e honnra, (sic) nos amandou el Rey buscar, assim da e[m]/barcação como do acompanhamento de muitos grandes de seu Reino tra//zendo [Fl. 224] 209 Tendo em sua companhia hum balão de estado para particularmente levar em minha / companhia o saguate210, e a carta de Vossa Excellência que verdadeiramente el Rey de Sião teve esta / Embaixada por huma das maiores couzas que entrarão em seu Reyno, pello / grande amor que tem a Sua Alteza, e muita estimação que fas da nação Por/tugueza couza que cauza grande enveja as mais nações que concorrem a este / Reyno. Na distancia de vinte e sete legoas de caminho athé a Corte mandou / el Rey fazer três descanços, e en (sic) todos elles muitos elefantes, e cavalos, para que / se eu me enfadasse de hir pello rio tivesse bastante aviamento para o fazer / por terra, o que não aceitey senão no último descanço que ficava perto / da Corte, aonde mandou el Rey os maiores Senhores della, com muita infan/taria para me acompanharem, trazendo-me aparelhado hum elefante / real com huma cherola (sic) do mesmo Rey, e na verdade Senhor, que mostrou, e deu / a entender que mandava buscar hum grande Príncipe do mundo, e / chegando à Corte com todo este aparato se traduzio a carta de Vossa Excellência com / g[r]ande[s] honras, e serimonias, pera eu com o saguate a poder aprezentar / a el Rey (deligencia que se não pode fazer em Macao) e logo me levarão para / huma caza que se tinha aparelhado muito grade na fábrica e custoza no / conserto. Passado alguns dias tendo já nutícia (sic) o Barcalão Governador do Reino, que / eu não havia de sogeitar-me a entrar a falar a el Rey na forma que / o custumão fazer os Embaixadores, e pessoas grandes de outras nações, / me mandou intimar os uzos, e custumes do Reino, ao que respondi que / eu me não devia de sogeitar a elles na forma que me apontava, e assim / lhe declarey o modo como havia de falar a el Rey conforme as ordens / apontadas que tenho de Vossa Excellência nesta matéria e que quando el Rey não / quizesse admitir-me na forma que dizia me voltaria sem lhe dar / a Embaixada, e havendo sobre este negócio grandíssimos debates, e / dificuldades que deixo assicunstancia (sic) para seu tempo sem a vencer tudo / e el Rey a desistir de seus usos, e custumes nesta parte apontando dia / para eu entrar em 209 210 Apresenta-se rasgado no canto inferior direito. Saguate – presente, dádiva; o que se dá em ocasiões festivas ou em sinal de homenagem. Palácio a dar a Embaixada porque o desejo que tinha / de a receber, e a grande estimação que della fazia, o obrigava a deses/tir de tudo, e consentir no que eu quis contra todo seu Concelho (sic) de Es/tado. Chegado o dia de entrar em Palácio me vierão buscar q[uatro] / Mandarins del Rey e entrando nelle com todo (…) // 211 211 Está rasgado. [Fl. 224v.]212 mento achey que se me fazia hum recebimento com tal aparato e Magestade que (…) / grande Rey da Europa não pudia com seu poder, e riqueza, e seu (…) / o lustre com que neste dia se obstentou este Rey nesta função q[ue es]/timará Vossa Excellência ler quando lhe der conta de tudo miudamente assim [da] / fala primeira como das mais que fiz a el Rey levando-me dian[te] / delle que o fiz calçado, com espada, e adaga na sinta, e em pé [fa]/zendo-lhe as cortezias a nosso uso, mandou-me dar as[s]ento defronte [de] / seu Trono Real bem perto delle, alegre e aprazível, recebeo a Em[baixada] / preguntando-me (sic) pella saúde do Príncipe Meu Senhor e de Vossa Excellência as (…) / da carta, e saguate, me fes várias preguntas (sic), que sendo nesta m[atéria] / muito avaro com todos, se admirarão os seus grandes de que foss[e] / tão pródigo, e disendo-lhe eu que tinha negócios particulares que tratar [com] / Sua Magestade ordenou ao Barcalão Governador do Reino para que em seu [lugar] / me desse audiência, e expediente a todos os meus negócios para que lhes (…) / prezentes por estadia como hé seu uzo, dizendo-me que não havia [tra]/tar em tudo o que lícito fosse. E dando-me audiência pera tratar os negócios da minha Embaixada f[ez] / hum arranzel deixando de fora o primeiro e principal ponto que (…) / me ordena em sua estrução, e regimento e as rezões que me obrigarão a não [fazer] / menção delle darey a Vossa Excellência por via segura como já tenho aponta(…) / mais que Vossa Excellência me ordenou propus juntamente algumas couzas tocantes [a ad]/ministração da Justiça, e governo dos Portuguezes que a[s]sistem neste [Reyno] / e juntamente alguns particulares tocantes à Cidade de Macao, com in(…) / a parte dos pleitos, e debates que neste negócio [h]ouve, veio el Rey a conced[er] / tudo na forma em que eu pedi, empenhando sua Real palavra de / a tudo [dar] comprimento, só não querendo consentir que Francisco Barret[o] / de Pina ficasse em seu Reyno nem com o governo dos Portuguezes, nem sen(…) / por onde me hé necessário levar o dito Francisco Barreto comigo [para] / Macao pera de lá hir dar conta a Vossa Excellência das culpas que por cá se lhe (…) / convidão. E na verdade, Senhor, que para eu deslindar neste Reino de Si[ão] / couzas deste homem, e pô-las em via jurídica ser212 Falta o fim de todas as linhas. me-há necessário (…) / (…) mezes para este fim. Contudo farey o que puder para mandar [a] / Vossa Excellência a clareza dos crimes do dito Francisco Barreto de Pina q[ue] / são a cauza por que el Rey de Sião, ou bem, ou mal informa[do] / pede a Vossa Excellência o mande hum homem honrado, e verdadeiro na just[iça] // para [Fl. 225]213 para que venha governar os portuguezes que as[s]istem em seu Reino, que / sendo ele tal como pede, dá sua Real palavra de que lhe deixará adme/nistrar justiça absolutamente sem intromição de seus Menistros, mas / antes lhes ordenará que lhe dêm toda ajuda, e favor para se[r] bem obedecido / e que tãobem o ajudará com seus favores, todas as vezes que se quizer va/ler delles para sua administração no tocante a seu viver. Mandou-me el Rey convidar para que fosse com toda a minha gente ao / campo aonde custuma fazer as casadas (sic) 214 dos elefantes, porque queria / dar-me este devertimento. E estando eu sentado no lugar authorizado / que se tinha deputado para este fim, veio el Rey em hum elefante, e / mandou-me chamar para junto de sy, e com grande fabelidade se pos / a conversar comigo como qualquer particular o custuma fazer com outro / seu igual. E estando pello dito campo muitas mil almas, assim de / sua Nação como de todas as estrangeiras que concorrem a este Reino, quis / mostrar a todas o gosto que tinha de me tratar com tantas honras, as quaes / nunca fes a ninguém com [o] que causou a todos aquelle concurço espanto, e / admiração, pois este Rey se trata com muito grande Magestade, e sobera/nia sem embargo de ter o natural muito benevola (sic). Mandou-me el Rey dar-me hum banquete em minha própria caza / por não ter lugar conveniente para o fazer em Palácio, e mandou a / Constantino Falcão o seu maior privado que hé o que verdadeiramente gover/na todo seu Reino que as[s]istisse, e administrasse o dito banquete, e prezedisse / nelle em seu lugar, a obstentação, riqueza, e abundância que [h]ouve no dito / Banquete tratarey meudamente em seu lugar. Depois de ter acabado todos os negócios mandei pedir licença para me hir / despedir del Rey, pois havia já hum mês que estava em sua Corte, e era a monção / chegada para a volta de Macao, mandou dizer que queria que a minha despedida / fosse de noite com que me presuady (sic)215 que queria com deferente obstentação 213 Apresenta-se rasgado no canto inferior direito. Por “caçadas”. 215 Por “persuadir”. 214 receber-/me segunda ves em seu Palácio, e sahiu-me certo o pençamento (sic)216 porque entrando eu sen/do bem de noite achey todo seu Palácio, pátios, cazas, e jardins tornado tudo hum / claro dia dos muitos milhares de fogos que havia assy pellas paredes, como por alin/ternas repartidas por mais de sinco, veses mil homens, e com tam curiosas, e / obstentoza[s] variedades que deixo para escreptura mais larga, e entrando na sua Ca/sa 217 Real pella maneira que de primeiro o havia feito, dando-sseme o mesmo [as]sento / me fes el Rey várias preguntas (sic)218 entre ellas se já estava despacha[do e sa]/tisfeito de tudo quanto pretendia de sua Corte, ao que lhe disse que em nada (…) // 216 Por “pensamento”. Pode ser “Sala” porque a primeira letra da segunda sílaba parece ser um “l”; neste caso o “C” da primeira seria cedilhado. 218 Por “perguntas”. 217 [Fl. 225v.]219 alguma mas antes muito subejadas honnras (sic) que se havião feito, as quaes fan(…) / a Vossa Excellência para que chegasse a notícia do Príncipe meu Senhor ao que me resp[ondeu] / elle estava detreminado mandar no fim de Agosto que vão seus E[mbaixadores (?)] / remetido[s] a Vossa Excellência com cartas, e saguatas (sic) para Goa e remetidas ao Príncipe [Regente] / dos Reinos, e Senhorios de Portugal, porque se achava muito empenhado com a (…) / (…) das muitas cartas que della sempre teve e tiverão seus antepaçad[os] (sic)220 (…) / nunca mandarem re[s]posta, e de prezente muito obrigado com esta Embaixad[a sem]/pre honrados (?) dos mimos que Vossa Excellência lhe mandou em nome do Prínci[pe Nosso] / Senhor com que o tinha Vossa Excellência por cousa infalível, pois com grande cust[o] / está aparelhando, e compondo o saguate que os ditos Embaixadores h[ão-de] / levar assim pera as pessoas Reaes, como pera Vossa Excellência que hé a causa por onde (…) / pedida me não deu el Rey mais que huma carta para Vossa Excellência em re[s]posta [a que] / eu trouxe, e o mesmo fas o Barcalão Governador do Reino, o qual não hé o que (…) / governava, senão outro novamente provido, o qual me servio de pouco p[res]/timo, pois não tem para o governo do Reino ocazião porque tudo admen[istra] / o dito Constantino Falcão como já tenho dito. Despedido del Rey muito favorecido, e prendado de seus mimos, (…) / o Bandel com a mesma pompa, e aparato com que havia hido para a Corte, e [che]/gando ao Bandel dos Portugueses aonde eu estou aposentado achei m(…) / torna viagem, comecey a entender que as couzas de Francisco Barreto de P[ina] / como já tenho dito, e não deixey de fazer muita deligência para que o estar desap(…) / servisse de satisfação às queixas que el Rey delle tem, mas não foi pos[sível] / antes está está (sic) 221 negócio em forma que se o deixar neste Reino será para mai[or] / afronta sua, e descrédito da nação Portugueza, e aggravo para Sua Alte[za] / e o que me movia a esta compozição hera a consideração da muita pobreza [do] / dito Francisco Barreto de Pina, e a carga de família com que se acha o[bri]/gado, 219 Falta o final de todas as linhas. Por “antepassados” 221 Por “este”. 220 juntamente a confezão (sic) assim de huma parte como de outra no con[he]/cimento verdadeiro de crimes, e queixas. Também faço prezente a Vossa Excellência em como estou detreminado (sic) deixar no g[o]/verno dos Portuguezes que as[s]istem neste Reino aos Vigários das duas f[re]/guezias que há nelle por não achar secular de préstimo para por enteira[mente] / suprir esta falta, no tocante [a] administração dos pleitos sivéis (sic), por que de [to]/do não fiquem os vacallos (sic)222 de Sua Alteza neste Reino sem algum juis [pró]/prio seu pello prejuiso que se pode seguir, com que peço a Vossa Excellência seja s[er]/vido em toda a brevidade mandar sogeito que governe esta Christandade p[or]/que se acha agora e sempre viverão voluntários; e dezar[r]anjado muito pi[or] / será de a tardança de Menistro a quem saibão bem obedecer, e hirã[o] / todos sogeitar-sse as justiças del Rey de Sião que suposto sejão bem orden[adas] // 222 Por “vassalos”. [Fl. 226] e justificadas, não está bem a Nação Portugueza andar em outroz tribu/naes. Também faço prezente a Vossa Excellência que o Governador do ordinário desta Chris/tandade vae de (…) já morto, e deixou por Vigário da Vara a hum clérigo de tão / pouco préstimo, e authoridade que ninguém faz conta delle e dizem os clérigos, / e mais sacerdotes desta Christandade que o tal Vigário da Vara hé intruzo, pois / o Governador não tinha poderes para o instotuir (sic)223 no offício com que está esta Christan/dade em vesporas de se ver em huma sisma, e dezar[r]anjo que entre esta / gentelidade pouco hé necessário para que os Christãos vivão dezonidos (sic)224, e pouco / conforme nas couzas da Igreja, e será couza trabalhoza socederem todas / estas couzas a vista dos Bispos, e Mis[s]ionários, estrangeiros que as[s]istem / neste Reino de Sião, peço a Vossa Excellência seja servido pôr remédio neste / negócio pellas rezões que tenho apontado. Não se oferece outra couza / de que dar conta a Vossa Excellência. Guarde Deos a pes[s]oa de Vossa Excellência po[r] largos annos. / Reino de Sião em 24 de Junho de 1684 annos. Criado de Vossa [E]xcellência. b.) Pero Vas de Siqueira 223 224 Por “instituir”. Por “desunidos”. [Fl. 226v.]225 Sião - 24 de Junho - 684 De Pero Vas de Siqueira Respondida em 685226 225 226 Escrito ao alto. O resto encontra-se em branco. [Fl. 227]227 Senhor, Bem molestado dos avisos que o mar traz consigo, cheguey a esta Cidade de / volta do Reyno de Sião, e logo cobrei grandes alentos com a[s] carta[s] de Vossa Excellência pois nellas me / dá a conhecer o quanto estima os vassallos do Principe Nosso Senhor que com boa vontade asseitão / as occaziões de seu Real serviço. O que sentirey com muito excesso não serão os acertos de meu obrar / iguais à vontade de Vossa Excellência, pois vay encaminhada ao mayor crédito do dito Senhor, mas quando haja / esta falta sirvão-me as diversas occaziões do tempo de desculpa, porque estas sempre desfazem / com suas variedades desuadir de bons intentos, e quando ainda assim seja tido por ruim, Senhor, / fique Vossa Excellência entendendo que o que mal obrei não foi por falta de dezejo de acertar, senão do / discurso reger mal as disposições. Depois de ter no Reyno de Sião acabado todos negocios da Embaixada, tratey logo por / via de Tanassarim228 remeter a Vossa Excellência por mayor o processo della, e das honras, que el Rey me fez, / e o não fiz por miudo por serem as vias incertas, e mais inseguras, que talvez poderião chegar / a mãos que se occasionasse alguma ruina aos vassallos de Sua Alteza que assistem no dito Reyno. E porque / nesta não posso estender-me muito no que tenho que dar conta a Vossa Excellência, ordenei ao Secretário da Embai/xada que me desse bem e fielmente huma Rellação do princípio athé o fim do procedimento da dita / Embaixada, a qual envio a Vossa Excellência para que miudamente lhe seja prezente o que nesta função / obrey, e as controversias que se me oppozerão para não satizfazer realmente a tudo o que por Vossa Excellência / me foi ordenado; e quando a dita Rellação pareça muito dilatada, sirva de disculpa o dizer-me Vossa Excellência / o anno passado em sua carta, que fosse miudo em lhe dar conta de todos os sucessos. Miudamente vay na Rellação explicada a tenção, e desposição del Rey de Sião em / mandar seus Embaixadores remetidos a Vossa Excellência para os enviar a 227 228 Apresenta um rasgão no canto inferior direito. Tenasserim - porto do reino do Pegú (Birmânia). Portugal, e considerando eu / que se acharia Vossa Excellência com os ditos Embaixadores antes de Janeiro, pella pressa com que se fica/rão aparelhando, tempo em que era impossível chegarem barcos desta Cidade a essa Corte em que / fosse Vossa Excellência sabedor de tudo o que passou no Reyno de Sião, e assim como delle cheguei a esta / Cidade, mandei logo aparelhar a custa de minha fazenda a fragata Nossa Senhora da Conceição / que no Sião comprei a este fim (além de outros que vão apontados na dita Rellação) para que / antes que Vossa Excellência se resolvesse a mandar perante Sua Alteza os ditos Embaixadores, se achasse / com a miúda conta de minha Embaixada, que se não a mandei por terra, foi pella rezão / já apontada, e juntamente porque o privado Constantino Falcão induzio a seu Rey, que / mandasse por guia dos ditos Embaixadores a Frei Estevão de Souza e a Frei Pedro Mar/tyr bem nomeados na Rellação, e como estes dous Religiosos estão muito interessados com o di/to privado, hé certo que hão de fallar nas couzas da Embaixada muito desviados da verdade para / que Vossa Excellência agradecido ao dito Constantino Falcão, escreva delle grandes couzas ao Princi/pe Nosso Senhor, e pella grande diligencia que tive no apresto da minha dita fragata, nos fins de / Outubro estava já para partir para essa Corte com tudo o que agora remeto, socedeo chegar o bar/co de Manilla a esta Cidade neste mesmo tempo, em que veyo Antonio Botto Bar[r]etto que / eu deixey no Sião por suas conveniencias, o qual me deo por novas, que depois de minha par/tida do Reyno de Sião, entrarão nelle nove fragatas Inglezas, e que huma dellas espalhou / miudamente os sucessos das guerras do Sevagy, e o estado em que essa Corte por esta occazião se a/chava, o que sabendo el Rey de Sião mandou disistir do aparelho de huma fragata sua, que com grande / pressa se estava apercebendo para levar os seus Embaixadores perante Vossa Excellência, dando por rezão / que lhe não convinha mandar seus Embaixadores athé não (sic) estar certo que as couzas dessa Corte esta/vão muito sossegadas, e ouvindo eu esta segunda determinação do dito Rey, desisti de mandar / a dita fragata, pois não hia mais que ao intento que declaro a Vossa Excellência. Fico muito certo que el Rey de Sião não há-de deixar o intento de mandar seus Embai/xadores, que quando não seja este anno, será para o seguinte, e por esta rezão me ocorre por / obrigação, com o devido respeito, advirtir a Vossa Excellência que será muito prejudicial hirem os ditos dous / Religiozos com os Embaixadores del Rey de Sião perante Sua Alteza quando (…) os que //229 229 Está rasgado. [Fl. 227v.]230 mandar; porquanto são homens mui vários e aloucados, e para os negócios terem melhores a (…) / e os Embaixadores serem tratados com estimação, muito melhor será irem acompanhados [de] / dous Religiosos da Companhia de Jesus, que como os taes sempre são mais zelozos no s[erviço] / de Sua Alteza, emteressados no sossego e quietação das missões de todo este Sul, hão-de tra[ba]/lhar muito por acertar, e fazendo boa companhia aos Embaixadores, daquelle Rey pode[rão] / os taes Padres vir alcançar delle tudo o que quizerem em seu Reyno, porque estima muito as [hon]/ras, e favores que se fazem aos vassallos que representão seu segundo lugar, e de (…) / que hé o dito Rey merecedor de todo excesso de estimação, porquanto faz muito da am[iza]/de que tem com a Coroa de Portugal, além dos grandes favores e honras que faz [aos] / Portuguezes, e em quanto estive em seu Reyno sempre andou cuidadozo o como m[elhor] / agradar, e não me acho com huma mínima queixa de seu agazalhado, só receby as m(…) / de seu privado, como largamente vay declarado na Rellação. Considerando eu que Constantino Falcão governa absolutamente todo o R[eyno] / de Sião, me não dei manifestamente por queixoso do que nelle experimentei, por[que] / minha queixa poderia fazer grande dano à Christandade que assiste naquelle Rey[no] / e porque esta Cidade necessita muito daquele porto, e deve muita obrigação àquelle [Rey] / e pera que o dito privado esteja sempre propício para favorecer a Nação Portugu[eza] / lhe disse sempre (e o publiquei no Reino de Sião) que elle fora a principal ca[usa] / do grande expedimento que el Rey fez à Embaixada de Sua Alteza, e na despedida (…) / fiquei tãobem por obra, o que repetia por palavra, mostrando-me muito aprimorado p[ello] / dito. E neste sentido fui de parecer, que as cartas que Vossa Excellência lhe mandou na p[re]/zente monção se lhe enviassem para que com mais vontade favoreça aos Portuguez[es a]/thé que Vossa Excellência ordene o que for servido. O Capitão mor que foi do Bandel, Francisco Barretto de Pinna, o tr[ouxe] / em minha companhia porque, por nenhum modo convinha ficar no Reyno de Sião [por]/que além de que o Rey delle não quer que occupe o posto que de prezente tinha, hé certo q[ue] / havia de suceder grandíssimas afrontas. Eu não o obrigo que vá perante Vossa Excellência e (…) / elle o faça hé eleição de sua vontade, porquanto me move muito a 230 Falta o final de todas as linhas. piedade a grande n(…) / ce com que se acha acompanhada de pobreza, com huma família muito grande, e (…) / de a sustentar no estado em que se acha, entendo que não hé pequeno castigo p[ara] / suas culpas, só remeto a Vossa Excellência hum auto sumário com o mais anexo a elle, e [na] / Rellação vão miudamente os sucessos, que se numerão por sua cauza, para que Vossa [Excellência] / ordene o que for servido. A administração da justiça civel fica em poder dos do[us] / Padres, que administrão os sacramentos à Christandade, como são o Padre Frey [Manoel] / Soares superior da Residencia de Sião, e o Padre Frey Domingos de Santa An[na] / de Nossa Senhora do Rozario, os quaes sugeitos aceitarão este trabalho porque [não] / era acerto o não ficar aquella Christandade sem ministro vassallo de Sua Alteza (…) / o Padre Manoel Soares bem quiz livrar-se desta pensão por não tocar a seu estad[o, mas] / como teve por notícia que el Rey se satisfazia, e queria que os Padres ficassem ne[sta] / falta suprindo, pello grande conceito que tem del Rey, tomou o dito Padre a po[sse] / por não desgostar a el Rey, nem faltar ao serviço de seu Príncipe e Senhor, [pois] / verdadeiramente não tem o Reyno de Sião portuguez nenhum sufficiente para [go]/vernar o Bandel, e necessita muito de hum homem desinteressado, e com grande pro[cedi]/mento, e que lhe não falte juizo para se saber haver com o privado del Rey, que tud[o quer] / governar. E na falta de governo em que fica o secular, se acha tãobem o ecc[lesi]/ástico, porquanto hé já morto o Governador do Bispado, e o Vigário da Vara que deixou em [seu] / lugar, hé hum clérigo muito acanhado, e de nenhuma sufficiencia, e que não [sa]/be governar aquella Christandade no espiritual, se não for pessoa muito ins[truída] / de letras não pode deixar de haver confusão, e desordem pella muita [liberdade] / em que todos vivem, e pella vizinhança que tem dos Bispos e Missionários [fran]/cezes. Quando Vossa Excellência seja servido mandar Capitão mor para o Bandel, ad[vir]/to que o maior erro que o tal pode conseguir no Reyno de Sião, será aceitando [car]/go, ou título da Casa Real, porque as taes dignidades não servem mais que de vitup[ério] / para a vassallos de Sua Alteza porquanto todos os titulares del Rey de Sião, se cha[mão] / seus negros, e quando por algum caso os castiga o faz como a cativos, e por esta [razão] // os Olandezes [Fl. 228]231 os Olandezes não querem consentir que os servidores da Companhia aceitem honr[a] / nenhuma do dito Rey, no tocante a receber algum título, e se este não logra[sse] Francisco / Barretto de Pinna, não chegaria a se lhe dar por prizão hum estrado (…) estan/do eu de presente no dito Reyno, que por este vitupério esteve em pontos de se não con/seguir a Embaixada, como claramente se especifica na Rellação. Juntamente / deve o Capitão mor que for provido trabalhar logo em chegando punir muito pella ju/risdição de seu offício, porque esta está muito prevertida, porquanto Francisco Barretto / de Pinna a deixou passar toda aos ministros del Rey, sendo a vontade delle / que os Portuguezes em seu Reyno se lhe administre justiça por seu próprio mi/nistro sem intervenção de algum seu, mas como o Capitão mor passado nun/ca tratou mais, que de seus interesses, veyo a dar tudo em pura desordem, e tanto as/sim, que querendo el Rey de Sião o anno passado aprestar huma armada, ordenou / o seu privado ao dito Capitão mor que lhe desse huma lista de toda a Christandade, a qual / lhe deo e consentio que o dito privado entrasse no Bandel a obrigar por força a que / fossem servir os apontados na dita lista, na armada del Rey, que não consente / que os Portugueses, e os mais Christãos o sirvão contra sua vontade, e desta força / se executar hé só o culpado o dito Capitão mor, porque além de não fazer sua / obrigação, em certo modo foi tãobem agressor da tal desordem; e se el Rey de Sião / permittio algumas vezes que seus ministros conhecessem de algumas cauzas dos Por/tuguezes, foi por estar inteirado do ruim ministro com que se achavão; não du/vido que o dito Francisco Barretto de Pinna aprezenta a Vossa Excellência abonações por sua / parte em contrário do que escrevo delle a Vossa Excellência, porque hé costume de alguns moradores / desta Cidade contra a verdade favorecerem a parte a que estão affeiçoados, e porem objec/ções a todo o auto de virtude que vêm em seus desaffeiçoados, porém digo a Vossa Excellência / que nos particulares do dito Francisco Barretto de Pinna, não entro com desaffeissão / alguma, porque hé sugeito com quem nunca tive trato, nem communiquei, senão depois / de chegar ao Reyno de Sião. Na fragata São Pedro de Alcantara em poder do Capitão della Manoel / Rodriguez da Fonsequa envio a Vossa Excellência a re[s]posta del / Rey de Sião, e junto com ella a / do Barcalão, e a correspondencia dos sagoates232, se reservou para levarem os seus 231 232 Apresenta-se rasgado nos cantos superior e inferior direitos. Saguate – presente, dádiva; o que se dá em ocasiões festivas ou em sinal de homenagem. Em/baixadores, invectiva de Constantino Falcão, por donde pode Vossa Excellência conhecer / os espíritos baixos que morão neste sogeito, sem embargo de ter muito juizo. E para / que a dita re[s]posta se não encontrasse às ordens de Vossa Excellência, fiz as diligências que na / Rellação vão miudamente declaradas; no tocante a dar comprimento ao que Vossa Excellência / me ordena sobre Amador Coelho, não foi possível obrar nada, porquanto o dito / não apareceo em quanto estive no Reyno de Sião, e entendo que sua auzencia foi occa/zionada pella facilidade que Francisco Barretto de Pinna teve de mostrar a carta / de Vossa Excellência a muitas pessoas, como se aponta na Rellação. E nella mesm[a] se faz / menção de huma Naö grande del Rey, a qual não chegou a esta Cidade, que por / partir tarde se diz arribar a Cauchinchina (sic)233. Na Rellação, que envio a Vossa Excellência se rellata o termo que teve comigo / a nobre Cidade quando me quiz ir embarcar para o Sião, bem sey que não hão-de / deixar de tratar a Vossa Excellência nesta minha queixa, desculpando-se com dizer que / estavão prestes para me acompanhar se eu fosse de minha caza a buscá-llos ao / Tribunal da Câmara (como eles me escreveram) o que a mim me não convinha / por ser em menoscabo do serviço de Sua Alteza, porquanto as nações destas partes / quando virem sair hum Embaixador do Tribunal da Cidade para ir conseguir / sua Embaixada, têm para sy que hé hum enviado mandado pello mesmo Tri/bunal de que não fazem tanta estimação, e demais, que quando este povo se / empenhou com despezas a sua custa por que Manoel de Saldanha234 fosse [por] Em/baixador ao Império da China, quando quiz partir forão a su[a casa os] / Ministros do Senado (que então governavão) com todo o Povo e levarao (…) /ridade a embarcar o dito Manoel de Saldanha, para que vissem os estrangeiros // 233 Por “Cochinchina”. Embaixada de Manuel de Saldanha à China (1667-1670), pedida pelo Senado da Camâra ao Vice-Rei da Índia, João Nunes da Cunha - em nome do rei de Portugal - para apresentar ao Imperador “o miserável estado desta cidade [...]”. 234 [Fl. 228v.]235 Quanto cazo se fazia dos Embaixadores do Principe Nosso Senhor, porque aq[uele] / posto não era mais levantado do que o de que Vossa Excellência me fez mercê, senti (…) / a differença da estimação, e quando digão os ditos Ministros que a mim [me] / faltão os poderes, que Manoel de Saldanha trouxe do Senhor Conde de [São Vi]/cente, não hé [r]ezão de aceitar, porque meu Pay, quando desta Cidad[e] / partio para o Jappão por Embaixador, faltando-lhe os taes poderes f[oi ao] / Tribunal da Casa da Camara encorporado com toda a nobreza, para [se] / embarcar com toda a honra, o certo hé que quizerão os ditos Ministros satis[fa]/zer (contra o que entendião) a vontade do procurador Jozeph Vieira da Silva [que] / foi o que neste negocio debateu fortemente, estimulado de seu mao ânimo, q[ue]/rendo mais satisfazê-lo, que seguir o acerto no serviço de Sua Alteza. E quando (…)/guir do Sião, a visita e recebimento que me fizerão, foi mandarem dous gu[ardas] / antes de minha pessoa sair do navio, para vigiarem que se não desviasse [aos] / direitos nenhuma couza de fazenda, indo eu gastar toda a que levei no sirv[iço] / de Sua Alteza; e athé o Feytor desta Cidade não deixou de me dar em que mere(…) / no pagamento da gente do presídio, que me acompanhou. E como Vossa Excellência m[e] / não concedeu nenhum poder para neste tocante poder obrar nada, não me f[al]/taram moléstias no apercebimento de minha viagem. Com grande vontade intentei conseguir esta prezente monç[ão] / a segunda Embaixada ao Reyno de Cauchinchina (sic)236 (como Vossa Excellência me t[inha] / ordenado) mas não me foi possível o pudê-lo fazer, porque além de m[e] / achar muito falto de saúde, hé maior a falta de cabedal, porque a [via]/gem do Sião me custou passante de doze mil pacatas, e como estas são h[oje] / tão difficultozas de ajuntar, pellos ruins sucessos da mercancia, não [me] / acho com posses bastantes para os gastos segundos, se seguirem logo aos pr[imeiros] / e mais havendo de ser muito mayores, pois aquella nação hé muito inte[res]/seira, e entre elles se não colhe bom fruito dos negócios, quando não [le]/vão por guia o muito dar. E como aquelle Rey hé muito soberbo, e altivo s[em]/pre me hé necessário levar a mesma pompa que levei para o Sião, para q[ue] / me não faltem com o respeito e estimação, e os que me acompanharão (…) / muito desgostos, pois o Senado 235 236 Falta o final de todas as linhas. Por “Cochinchina”. da Câmera lhe[s] tirou direitos de tudo que (…) / reparti por todos, pois não tiverão outro proveito para sustento de su[as] / cazas, porque ainda que nelles more muito zelo de servirem a Sua Alte[za] / mayor237 / minha companhia gente luzida, e aprimorada, não me faltarão em (…) / cobrando bastantes enfados, que a mayor admiração que ficou no Reyno [de] / Sião, foi o não escandalizar a minha gente pessoa alguma, nem dar nota (…) / de seu estilo. No Reyno de Sião fui sabedor em como o Rey de Thum[quim] / dera por re[s]posta às cartas de Sua Santidade, e às del Rey de França (…) / que elle no seu Reyno não consentia, que [h]ouvesse Christandade, e a mesma [ra]/zão dará o Rey de Cauchinchina (sic)238. Vossa Excellência seja servido ordenar nesta m[atéria] / o que se há-de obrar. No que Vossa Excellência me diz no tocante ao negócio do Jappão se affeituar (sic)239 p[or] / via do Feitão que governa a província de Cantão, communiquei com o seu priva[do] / e agente de sua fazenda, por nome João Cortez, esta matéria, o qu[al] / me disse que era impossível executar o pensamento sem ser com benep[lácito] / do Emperador da China, o qual não havia querer consentir que seus (…) / fallassem o nome dos Portugueses no Jappão, pello risco que nisto há, (…) / com hum meyo mais fácil ainda que perlongado (sic)240, e vem a ser, que há lar[gos] / annos que o Emperador da China tem impedido que os Embaixadores de Ja[ppão] / venhão a seu Reyno, como antigamente sempre custumavão cada trez an[nos] / por huns desarranjos que sucederão, e agora de prezente manda o dito Emperador / que continuem os Jappões com suas Embaixadas, os quais chegando a Corte de Pi[kim] // 237 O resto da linha está ilegível devido a um vinco. Por “Cochinchina”. 239 Por “efectuar”. 240 Por “prolongado”. 238 [Fl. 229]241 e vendo o muito cazo que o Emperador da China faz (…) / e que está muito s[a]tisfeito da fidelidade da Nação Portugueza (…) / Jappões notícia disto ao seu Emperador, e os Padres tirão (…) / os Jappões que continuarem a Corte de Pikim, e p[o]derão (…) / (…) em suas terras. Isto hé o que se me offerece (…) sobre / e nas matérias que se ellas estimassem em despeza (…) [faz]enda, a / dera por bem gastada por se restaurar hum tão grande (…) se tem per/dido. A eleição de Secretário da Embaixada quiz Vossa Excellência fazer-me mercê / que fosse minha, e como obra própria me não falta o exemplo de fallar em / seu abono, mas cuido que não será acerto, que por huma leve desconfiança dei/xe no esquecimento o ber (…), e assim faço prezente a Vossa Excellência em como o Sec[retário] / da Embaixada Francisco Fragoso hé merecedor de toda a honra, que Vossa Excellência [seja] / servido fazer-lhe porque se [h]ouve sempre com muito cuidado e desvelo, assistindo (…) / com grande zelo, que este esperei sempre delle, pois nunca lhe faltou [no] / discurso de muitos annos que sirvo a Sua Alteza, e como por ruim sorte sua / não [h]ouve nunca occazião de colher o fruito de seus merecimentos que prestou a / esta terra por ver se melhorava de fortuna, e a que alcançou, (…) hé huma / g[r]a[n]de família com muito pouco para a poder sustentar, mas muito rico se (…) de / ânimo para tudo o que Vossa Excellência lhe ordenar do serviço do Principe Nosso Senhor. Nã[o] / se offerece outra couza. Guarde Deos a pessoa de Vossa Excellência por dilatados annos, etc. / Macao, 18 de Novembro de 1684 annos. Criado de Vossa Excellência a.) Pero Vaz de Siqueira 241 Apresenta-se rasgado no canto superior direito. [Fl. 232]242 242 Em branco. Faltam os fólios 230 e 231. [Fl. 233]243 pellos barcos que (…) / de lá se enviar pell[os ba]rcos que forem a Goa (…) esta (…) / a 2ª que vai no barco de (…) com a Emba[i]xada a Sua Alteza. Sobre as couzas [da] Emba[i]xada que a este Reino (…) / seguro Emba[i]xador extraordionário já na 1ª. via escrevi a Vossa / Excellência do que sucedera e de como fora bem recebido deste / Rei; e das muitas honras que fisera ao Emba[i]xador. E de como / se guardarão quanto pode ser as ordens de Vossa Excellência servin/do-se a maior difficuldade de entrar o Emba[i]xador com sapa/tos, e com espada. E posto que absolutamente fallando o Emba[i]xador (…) / bem nesta Emba[i]xada, contudo não conhece algumas couzas a que / vinha com a certesa e segurança que convinha porque disse que dei/xava aqui papéis de como este Rei tinha concedido / o que pedira; mas que monta ficarem papéis se ficarão / sem serem assinados nem pello Rei nem pello Barchelão (sic) / por isso o valido del Rei Constantino Falcão sabe (…) / dos papéis os pedio; e disse que não valião na[da] / e que taes couzas não concedera o Rei (…) / tornou a dar a mim, e ao que (…) / de Santa Anna, hum papel que deixou o Emba[i]xador (…) / ambos cada hum em sua freguesia fasemos o offício (…) / justiça em cousas cíveis por quietação da gente deste / Bandel até que Vossa Excellencia provesse de novo / Capitão. Nem sabemos até [a]gora que o Rei manda aos Bispos Fran/çeses (sic) que se não metão em quererem governar aos Padres Por/tugueses; e a nossa gente; o que sabemos hé que elles ainda / dizem, pertendem, e fazem quanto podem para os governarem, e / continuar e levar ao cabo os seus intentos (…) mais / agora depois de morto, o Padre Governador (…) da (…) / e do Vigário da Vara que ficou por (…) / nenhum caso fazem dezendo que o não (…) / poder algum; e assim que o entento (…) / En (…), ficou frustrado e era o que (…) importava; tal fim que ficarão as cou[sas] (…) / ou piores ainda // 243 Muito rasgado em cima e no lado direito; praticamente ilegíveis as 3 primeiras linhas. [Fl. 233v.]244 (…) E obra de caridade, porque hé homem honrado, mas pobre, e no[s] / muitos annos que aqui esteve se mostrou sempre muito leal vas[s]alo, e zeloso no serviço / das cousas de Sua Alteza. E foi trabalho o quebrar com o valido del Rei [por]/que os dois papéis que nos deixou aqui o Emba[i]xador de que já lhe falei acima man[dado] / (…) cor esta fielmente tresladados. Em outra questão tinha escrito a Vossa Excellência que o genro do capit[ão] / Francisco Barreto de Pinna, André Gomes Piçarro me parecia capas para pod[er] / suceder no offício de Capitão por morte do dito Capitão; porém com o te[mpo] / se descobrem mais as cousas, e assim que agora me parece nã[o] / ser apto para y[s]so. E por isso faço aviso. E a portaria que Vossa Excellencia / me mandou fechada e mutrada (?) para se abrir por morte de Francisco / Barreto de Pina, fica no meu escritório até novas ordens de Vossa Excellencia. / O caixão dos órfãos que tinha três chaves não se podendo abrir com huma só / se quebrou huma parte delle; e assim aberto (…) em casa de Francisco Barreto de / Pina, sem haver nelle de presente prata alguma de órfãos. E assim que com / a vinda de novo Capitão se poderá concertar, e fechar por ser cousa / [muito] necessária, e importa a fim de se guardar nelle a prata dos / [órfã]os quando a [h]ouver. Vai o Padre Frei Estêvão, frade da ordem de Santo Agostinho, como por Emba[i]xador / ou por agente ou companh[ei]ro da Emba[i]xada. Este frade vai por / 2 ou 3 annos que anda fora do seu convento de [M]acao, por resão / como elle dis de pedir esmolas para o convento; e aqui o nomearão / como por secretário do Barchalão (sic)245 em ordem dos Portug[ueses] / e que para isso (…) desse a lingoa; cargo que pareçe (sic) não (…) / Deste frade me disse o Emba[i]xador que deante delle (…) / acompanhara a nossa Emba[i]xada; E me disse huma (…) que (…) / digo hum sargento do Emba[i]xador, que hia com elle no / balão que este frade fallava mal contra o nosso Pro[vincial.] / E assim se Vossa Excellência o puder desviar de ir com a Emba[i]xa[da] / (…)mentava será o mais acertado; porque (…) / (…) tomara bem 244 Apresenta-se rasgado em cima e no lado esquerdo. Do primeiro parágrafo só estão legíveis as 4 últimas linhas. Falta o final de todas as linhas. 245 Por “Barcalão”. em se mandar Emba[i]xada / (…) religioso que anda fora do convento, e que falla (…). Vejo aqui huma carta de Vossa Excellência para o Padre / [N]iculao da Mota; E como o achou já morto; e havendo / [Vigário d]a Vara que fes o Padre Governador; parece (…) // [Fl. 234]246 (…) e a mim que por (…) podermos todos (…) abrir / a carta; e assim se (…) tudo no segredo que (…) ficando / (...) 247 / do seu Vigário Geral que lhe tem lido e (…) / [San]ta Anna; elle dis que vai para Timor nesta monção; mas disem algumas pessoas / que o não crerão até elle não sair pella barra fora; e não deixar / de sair por falta de barco que vai nesta monção para Timor. Os Bispos franceses sentirão muito esta Embaixada, porque / se persuadirão que a Emba[i]xada vinha a se pedir a este Rei / que os deitassem fora do Reino; cousa que o Emba[i]xador não / chegou a pedir; e ainda que pedisse nenhum effeito teria por / resão da nos[s]a entrada que têm estes Bispos franceses com el Rei. Mas / dado caso que este viesse na lista dos apontamentes (sic), ou regimentos / que trouxesse da parte de Vossa Excellência o Emba[i]xador; não sei / por onde se poderia saber salvo se o diria a alguém / o Emba[i]xador, o que não creio, porque seria pouca prudência, / quando se vê que a cousa não sortira effeito. A carta que / Vossa Excellência mandou a Francisco Barreto de Pina, elle a leo / diante do Emba[i]xador, e dum frade dominico, que trasia / consigo de Macao; e quem sabe se o frade foi diser tudo / o que vinha nella a Frei Pedro Martir e Frei Pedro se (…) / dar conta de tudo ao privado deste Rei de quem / hé secretário e escrivão; E quando assim fosse dahi / se poderião também occasionarem as cousas do Capitão / com o privado del Rei. Ouvi diser que este / Bispo francês dis[s]era a el Rei que esta Emba[i]xada / não hera do Príncipe, senão do Conde Viso Rei. / Parece pois não fosse bem levantada, nem mandada / Emba[i]xada a Portugal a Sua Alteza, mas o Rei / não fes caso algum deste seu dito. Diserão mais estes / Bispos que Vossa Excellência mandara de Goa a Macao / num maço a carta desta Emba[i]xada remetida ao Padre / Reitor da Companhia de Jesus para a elle dar a Pero Vas de / Sequeira Emba[i]x[a]dor extraordinário, e disto fasem / peçonha aos Padres da Companhia de Jesus imaginando / que nós solicitámos a Emba[i]xada para os deitarem / fora. E se fosse assim que Vossa Excellência (…) / o maço da carta da Embaixada ao (…) / (...) 248 // 246 Apresenta rasgões na parte superior e a última linha apresenta-se ilegível. Linha ilegível. 248 Linha ilegível. 247 [Fl. 234v.]249 (…) hum clérigo chamado Constân[ci]o Jorge / (…) no viver; e como o Senhor (…) / (…) o que fará delle (…) que Vossa Excellência n[os] / mande (…) novas dos padroados de Sua Altesa; porque o B[ispo] / francês que aqui está, dis que já sahio de Roma o Senhor Prin(…) / (…); e as cousas da Propaganda sobre a matéria d[os] / padroados estão contra Portugal. Se acaso (…) desta (…) / frade de São Domingos que aqui está, escrever alguma cousa a Vossa Excellência (…) / o capitão Francisco Barreto de Pina, poderá Vossa Excellência saber q[ue] / poderá haver resão para se reparar nisso, porque tiverão aqu[i] / entre si alguns descontos; e bem cuido que Francisco Barreto de Pina f[oi] / dado por sospeito em humas cousas. E como se não offerece m[ais] / Deos Nosso Senhor dê a Vossa Excellência os largos annos de vida que [de]/sejamos para a muita glória de Deos, serviço de Sua Alteza, bem e conservação de toda a Índia. Sião em 12 de Novem[bro de] 1684. Vassalo de Vossa Excellência Padre Manoel Soares, religioso da Sagrada Companhia de Jesus / e Superior da Residência do Sião 249 Apresenta-se muito danificado na parte de cima. Falta o fim das linhas. [Fl. 235] Exce[llentíssimo Senhor,] Em huma que tive do Muito Reverendo Padre Vigário Governador me dis, / em como Vossa Excellência lhe tinha mandado (…) / mendo por várias veses250 a missão dos Padres Frei Jozeph / Correia, e Frei Pedro Martyr e juntamente me em/viou hum preceito em censura de excomunhão para / lhes intimar para logo hirem para Solor251, ou Timor, o Padre / Frei Jozeph Correia, hé já hido o anno passado / para lá, por huma carta que teve do nosso Mestre Padre / Vigário Geral Frei 252 da Encarnação, que Deos o haja / em Sua glória, e o Padre Frei Pedro intimei-o logo / e elle me dizia que sem nenhuma dúvida hia para lá / mas hoje que são 17 do corrente me man/dou chamar Constancio253 Falcão e aos mais / Padres e alguns soculares (sic)254, e perante todos tirou / huma provizão do Senhor João Nunes da Cunha / Vice Rei, que foi desse Estado em que dava faculd[ade] / para El Rei de Sião, se servir de qualquer vassa/lo da Coroa de Portugal, e em virtude desta / provisão impedir a hida do Padre para Timor / e elle quá (sic)255 fica eu monido para não enten/der com elle, sob pena de mandar fechar as / Igrejas, e mandar-me para Tanassarim256. [Isto] hé / o que passa, e não cu[i]de Vossa Excellência que fica por eu / lhe não intimar a ordem que tive de meu Pre/lado. Deos a Illustríssima pessoa de Vossa Excellência guarde os annos / que este seu humilde servo e Capelão lhe / dezeja. Sião, 17 de Novembro de 1684. De Vossa Excellência Humilde servo e Capelão a.) Frei Domingos de Santa Anna 250 Entrelinhada a palavra “veses”. Solor – ilha na parte oriental da Insulíndia. 252 Nome ilegível. 253 Deverá ser “Constantino”, o favorito do Rei do Sião. 254 Por “seculares”. 255 Por “cá”. 256 Tenasserim, porto do reino do Pegú (Birmânia). 251 [Fl. 236]257 257 Em branco. [Fl. 237] Excellentíssimo Senhor, Com a chegada do Embaixador extraordinário Pero / Vas de Siqueira recebi huma de Vossa Excellência na qual / de novo me manda conserve nesta terra a Religião / de Sua Alteza (que Deos guarde) em ordem a jurisdição que / os Bispos Francezes nella pretendem, da obediência / que pedem aos Missionários, que aqui assistimos. Descance Vossa Excellência o coração neste particular, que / primeiro me faltarão os alentos para a vida que a obe/diência a meu Príncipe e Senhor natural, a quem / devo servir e obedecer como a couza [h]erdada de / meus Paes, e Avós que todos forão fieis servido/res de seu Rei. E não foi pequeno acerto mandar / Sua Alteza (que Deos guarde) nesta occazião esta Embaixada, / porque além do grande crédito, que com ella ganhamos, / para com todas as nacões (sic) extrangeiras, fiquamos já / izentos de nos poderem em algum tempo insultar / com semelhantes inquietações e os adversários ate/morizados de poderem jamais intentar semelhante / couza à vista de tantas honras com que o Rei de Sião / recebeo a Embaixada do Príncipe meu Senhor (que Deos guarde) / e eu posso com toda a verdade informar tãobem a / Vossa Excellência como testemunha occullar pois fui em companhia do / Embaixador à Corte de Luvo aonde estivemos / hum mês e dous dias e tãobem em sua companhia entrei / em Palácio aonde entrou (por extraordinário favor) / calçado, com espada comprida e adaga, em pé, e mui / direito athé se assentar no lugar que lhe tinhão pre/parado, fazendo as cortezias à portugueza; aonde / em práticas esteve huma larga hora e em sua / prezença lhe mandou vestir huma casaca de tella, / e da segunda ves outra e hum espadim de ouro, além / de outros muitos regalos, mimos e favores que fez / não só a elle, mas a toda sua gente; dizendo elle// [Fl. 237v.] e concedendo-lhe ultimamente empenhando a sua pa/lavra Real de nunca se quebrar a amizade que / havia entre as duas Coroas e concedeo tudo quanto o Embai/xador pedio, apezar dos Francezes, que tãobem lá / estavão e pretenderão impedir e embaraçar quanto poderão / como melhor e mais largo poderá a Vossa Excellência referir, / o mesmo Embaixador Pero Vas de Siqueira que como fi/dalgo de tantas prendas, e tanto ser sabem melhor / explicar a Vossa Excellência cuja mui esclarecida, e Excellentíssima pessoa / o Céo guarde felices annos de meu dezejo pois tanto / (...)da e saúde de Vossa Excellência como tão benigno e recto / Príncipe todos nós dezejamos. Sião, de Junho 21 de 1684. De Vossa Excellência Humilde e indigno Capellão a.) Frey Domingos de Santa Anna [Fl. 238]258 258 Em branco. [Fl. 239]259 Sião - 21 de Junho - 684 De Frey Domingos de Santa Anna Respondida 2da em 19 de Fevereiro 6(…)260 259 260 Está escrito ao alto. Ilegível o ano em que foi respondida. [Fl. 239v.] Excellentíssimo Senhor, Com a chegada do Embaixador extraordinário de Sua Alteza Pero / Vas de Siqueira recebi a carta que Vossa Excellência foi servido es/crever-me e com ella a provizão e confirmação do car/go de Procurador dos auzentes que Vossa Excellência, me fes mercê honrar de / que conheço não ser eu digno, nem merecedor, mas / são mercês e honras de grandesa; e benignidade de Vossa Excellência / a quem rendo humildes graças. O dito Embaixador no princípio assym como che/gou me fazia mercês, e eu fis minha obrigação offere/cendo-lhe para tudo o que me quizesse ordenar do serviço / de Sua Alteza e lhe as[s]isty com o meu pouco préstimo fazen/do-lhe algumas advertênsias emportantes ao estado, / e crédito da Nação antes de o desembarcar de sua fra/gata, e me ouvia com bom rosto por achar que tudo quanto lhe / eu advertia e dei por papel hera verdade, e ser conve/niente ao serviço de Sua Alteza e bem da dita Embaixada, por / me ter Vossa Excellência ordenado que as[s]istisse ao dito Embaixador, / mas despois (sic) de o desembarcar e dar a Embaixada, / me mandou prender sem eu saber a causa por que / me mandara; e logo sube que hera por emveja e falças / enformações que lhe derão alguns envejozos contra mym / por me verem honrado com as honras e mercês que Vossa Excellência foy / servido fazer-me, dizendo que eu escrevera, e dera en/formações falças a Vossa Excellência. As que dey de mym Excellentíssimo Senhor / foy apresentar a provizão do meu cargo que passou / o Cappitão mor Francisco Barreto de Pina, e os mesmos / desafeiçoados, e envejozos publicarão ao depois que o / prender-me fora por ser atrevido de escrever a Vossa Excellência. O que tenho escripto a Vossa Excellência as monções paçadas / não hera mais que fazer minha obrigação como vaça/llo de Sua Alteza pello zello que tenho do seu Real Serviço, e por / desejar o crédito da Nação, mas não dey falças enfor/mações do que não convinha ao serviço do dito Senhor / nem contra o crédito da Nação como a Vossa Excellência hé prezente, / se bem hé ordinário nesta terra não poderem huns verem / outros honrados, e logo são oppostos de pura enveja / sem mais outra cauza. E enquanto a satisfação do dinheiro / que o defunto Diogo da Motta devia a Câmara de Ma//cao [Fl. 240]261 envio com esta treslado das deligências que fis para Vossa Excellência v[er] / sendo servido porque não escrevi falsidades nem ta[l] / há-de permitir Deus, nem semelhante atrevimen[to] / terei de enformar mal a hum Príncipe tão rect[o] / como Vossa Excellência cujo castigo me sogeito desde agora / quando Vossa Excellência achar que sou comprehendido en (sic) alguma / culpa, sendo que estive já resoluto para passar a ess[a] / Cidade só a fim de me offerecer aos pés de Vossa Excellência; m[as] / a minha impossebilidade não me deo lugar. Vossa E[xcellência] / seja servido como Príncipe recto ver com seus be[ni]/gnos olhos a minha causa e mandar-me o que f[or] / mais servido pois nas minhas cartas paçadas d[ei] / conta a Vossa Excellência da minha pessoa com toda verdade em co[mo] / sou filho desta terra e no amor e zello do serviço de Sua [Alteza] / não darei ventagem aos que vivem hoje em Sião porque p[or] / crédito do estado e nação perderei a vida, e com el[la] / não tenho mais que perder. O Embaixador Pero Vas de Siqueira hé fidalgo de pr[en]/das e de grande talento, e digno de ocupar tal cargo [co]/mo bem se mostrou; e este Rey lhe fes grandes honras / e recebimento couza nunca vista fazer a outras nações, [e] / dizem que consedera (sic) tudo quanto pedio o dito embaixador. M[as] / taes são os Ministros deste Rey que com a hida do dito Em/baixador estão as nossas couzas peores que dantes como e[s]/tamos vendo e experimentando. A Excellentíssima pessoa / de Vossa Excellência Nosso Senhor guarde com as felicidades que todos deze/jamos para augmento da Índia, e comum empar[o] / dos vaçalos de Sua Alteza. Sião 2 de Outubro de 1684 annos. a., com guarda) António da Fonseca 261 Falta o final de todas as linhas. [Fl. 241]262 [Fl. 242]263 [Fl. 242v. ]264 262 Em branco. Em branco. 264 Em branco. 263 [Fl. 243]265 Excellentíssimo Senhor, Sinco dias antes da chegada do dito Embaixador faleceo / o Reverendo Licenciado Padre Nicolao da Motta, governador do bispado de Mal/lacca, cuja morte tem causado a todos deste bandel grande / sentimento, e na verdade que muita falta fas a sua morte pois / hera Perlado (sic) muito zelozo da honra de Deus, do serviço de / Sua Alteza e do crédito da Nação de que se desvelava sempre co/mo cuidadozo, e poderá ser que se não falecece (sic) ficarião as / couzas deste Bandel em melhor estado e com mais gover/no; deixou por sua morte por Vigário da Vara a hum Cléri/go subdito do Arcebispado de Goa chamado Salvador Fernandes / sacerdote de partes e virtudes, o qual no seo offício fas o que pode / e não como deseja porque a nossa gente en (sic) Sião nunca teve u/nião, nem obediência só quer viver na liberdade da terra, / e por esta rezão não lhe faltão envejozos que lhe são muy / oppostos, mas tem animo, e zello de obrar no serviço / de Deus, e de Sua Alteza. Dom Francisco Palú Bispo Frances que na monção / paçada (sic) se foi para China com seus companhieors paçose (sic)266 por via / de Taiuan267 ao Império com os tártaros que o levarão, e o / que este Servo de Deus lá obrou não temos ainda no/tícia, porém não deixa de ser muito prejudicial a Ci/dade de Macao sua as[s]istencia na China porquanto o ma/ior empenho delles hé meter trato e comércio da / Companhia Franceza lá e foi como fizerão en (sic) outras / partes e tem alcançado o que tanto dezejarão. Dom Frei Bernardino da Igreja Bispo Capu/cho, Italiano da nação partio este anno com dous comp[a]/nheiros em hum barco de Chin[a]s para as Ilhas de Macao, (…) / Cantão com intento de entrar no mesmo Imp[ério] (…) / Deus não haja lá alguma perturbação (…) / couzas bem. Chegou nesta monção hum pataxo d(…) /zes de Xurrate268, e nelle trouxerão hum (…) [apre]/zentarão en (sic) nome da Companhia a este Rey q[ue] (…) / muito de o ver, e não fes muita estimação por não ser (…) / real, porque lhe enformarão que o que Sua Alteza man/dou ao Emperador da China hera bicho mais // 265 Apresenta-se rasgado no canto inferior direito. Por “passou-se”. 267 Por “Taiwan” (Ilha da Formosa). 268 Surate – no distrito indiano do mesmo nome, na margem do rio Tapti, que desagua no Golfo de Cambaia. 266 [Fl. 243v.]269 reprezentado, formozo, e briozo. Estes Monsieurs estão quietos e não sabião com (…) / nem se fallão já em bullas ou breves, se bem o Pri(…) / Luis Lancau não perdeo ocasião de atribular (…) / Purtugueza porque de propozito foi a Corte adonde e[l] / Rei estava e o enformou en (sic) como o dito embaix[ador] / não hera do Principe Nosso Senhor que Deus guarde senã[o] / enviado de Vossa Excellência e como tal não se lhe devia [fa]/zer tantas honras e acompanhamento mas não (…) / boa re[s]posta deste Rei que lhe virou as costas por[que] / conhece sua má vontade e envija (sic) que as ve[zes] / tem da dita embaixada, e da honra e recebimento q[ue] / este Rey fes couza nunca vista uzar na (…) / trafação. Tãobem mandou por hum seu Clérigo (…) / governador hum dia antes de seu falecimento a quem mandou [dizer] / que estava excomungado pello Senhor seu Bispo e (…) / quizece tomar absolvição que levava o (…) / ridade para o absolver, a que respondeu o dito Reverendo g[overnador] / que (…) era bom porque não estava excomung[ado] / dando o dito Bispo que nas partes da morte po(…) / zer tomar absolvição para depois publicar que (…) / conhecia (…) obediência como Perlado (sic) (…) / que esta [era a] sua tenção. (…) nesta ocasião este Rey en(…) / para es(…) en (sic) forma pera de lá passar a (…) [Por]/tugal (…) nao da Carreira com carta (…) / até per(…) uza e dizem que há grande (…) / (…) que o (…) vai he Sião, encarregou (…) / Rey o nego[cio da] embaixada ao Reverendo Padre (…) / Estêvão de Souza Religiozo Agostinho (…) / por Rector, e administrador dellas (…) / via de Mallacca não recebi esta mon[ção as car]/tas de Vossa Excellência, nem menos por Macao a segun[da] / via; peço a Vossa Excellência que sendo servido hon(…) / com cartas seja por via dos Padres da Companhia de J[esus] // 269 Apresenta um rasgão na parte inferior e falta o fim de todas as linhas. [Fl. 244] para me virem as m[ãos] e eu não hei-de faltar com a o/brigação que devo [como va]çalo de dar contas do que convem / ao serviço de [Sua Alteza] ainda que me tenhão os enve/jozos, e desfervorados por atrevido, e se mereço / castigo espero da benignidade de Vossa Excellência que / me mandará o que for servido. Este Rey espera e Embaixada do Gram / Mogor270 que dizem lhe há-de mandar, e ordenou a / seus mandarins que consertacem (sic) cazas pera o Em/baixador que assym dizem os mouros que vivem neste Rei/no. A Excellentíssima peçoa (sic) de Vossa Excellência guarde Deus com as fe/licidades que dezejamos para augmento da Índia e com/mum emparo dos vaçalos (sic) de Sua Alteza. / Sião, 2 de Dezembro de 1684 annos. a., com guarda) António da Fonseca 270 Grão Mogor – Imperador mogor. [Fl. 245]271 271 Em branco. Faltam os fólios 246, 247, 248 e 249. [Fl. 250]272 Porque (…) serviços (…) / a (…) obediencia (…). E en (…) / dentro do (…) Padre Governador de Mallaca (…) / de Vossa Eselenssia (sic)273 me não falta (…) / Missionários da Companhia de Jesus ass(…) / muitos Christãos a Bafejados e (…). E eu te/nho servido a Sua Magestade na prassa de (…) [s]oldado e depois / por Artilheiro, e sempre procurando p[el]la Nassão Portugueza / como humilde Vassallo del Rey no[sso Senhor.] Guarde Deos a Vossa Ese/lençia (sic) por largos e fellices annos com todas as prosperidades / e grandes aumentos de bens e estados del Rei no[s]so Senhor que Deos guarde / etc. de Cochinchina e de Agosto 8 de 1682 annos.274 a., com guarda) João da Cruz 272 Apresenta-se muito danificado e rasgado no cimo e no canto superior direito. Poe “Excelência” 274 Pela data e local, parece encontrar-se fora de sítio, neste códice. 273 [Fl. 250v.]275 Cochinchina - 8 - Agosto - 1682276 De João da Crus (…)endidor - que esteve / muitos annos em Camboja onde servio / de Governador dos portos de mar e de (…)277 / / Resposta em 10 de Mayo escrita ao Senhor Vice Rey / com patente de capitão mor (…) queixasse dos Bispos e Missio[nários] / apro (…) navios franceses e pede que / (…) vá alguma Embaixada del Rey / 278 275 Apresenta rasgões no meio. Está escrito ao alto. Pela data e local, parece encontrar-se fora do lugar, neste códice. 277 Linha ilegível devido a um rasgão. 278 Seguem-se duas linhas ilegíveis devido a um rasgão. 276 [Fl. 251] Excellentíssimo Senhor, Com a chegada dos barcos que vierão esta monção / de Mallaca receby a carta que Vossa Excellência foi ser/vido escrever ao Reverendo Padre governador Nicólao da / Motta que Deos tem de 3 de Mayo deste prezente / anno e por ella sube em como Vossa Excellência orde/nava outra vez sobre o Padre Frey Pero Martir, / a seu Prela[d]o para o lançar desta terra por ser / tão prejudicial nella, aonde ficara de (…) / bada do anno paçado (sic). O dito Padre fico[u] n[o]/tificado do seu Prelado para se hir daqui / para Timor, porém duvido se dará comprimento / a ordem que lhe veyo este anno posta (…) / de hum muito privado deste Rey chamado Cons/tantino Phalcão a quem o serve como seu / escrivão com grande notta de sua pessoa / e estado que profeça (sic), tanto assym que estes estran/geiros Hereges extranhão notavelmente / ver isso, e os seus Irmãos e Religiozos, o / sentem mais que ninhum. O Reverendo Cabbido por falecimento / do Senhor Arcebispo Primas, não diffirio as / cartas do Reverendo Padre governador do Bispado de Malla/ca, e se por ventura respondeo, me não che/gou às mãos. Este Rey manda nesta ocazião Embai/xada para conciliar o amor e amizade de Sua / Alteza, e dizem que os Embaixadores han-de / hir a Portugal, e que levão hum grandiozo / sauguate (sic)279, e vay por Secretário desta Embai/xada o Padre Frei Estêvão de Souza, Religiozo / da ordem de Sancto Agostinho, e que sem seu / pareçer (sic) não poderão os Embaixadores despôr / couza alguma, assy dizem e se praticão nes/ta terra. Suposto escrevi a Vossa Excellência por via de / Macao que este Rey conçedera (sic) tudo quanto quis / o Embaixador de Sua Alteza, mas taes são os seus // 279 Por “saguate”. [Fl. 251v.]280 (...) 281 / ficarão as couzas (…) [com]/o dantes e ninguem pode (…) / deste Bandel pois vivem tão oprimidos (…) / este novo governo a privança deste Men[istro] / privado do Rey de Sião que suposto hé Cath[o]/lico não deixa de ser oposto a noss[o] / governo, e por esta cauza não posso obrar / no serviço de Deos como dezejo. O Senhor Bispo Capucho Dom Frey Bernar[di]/no da Igreja que o anno paçado (sic) ficou ne[sta] / terra por o empedir D. Francisco Pallú, este / anno passou num barco de chinas com do[us] / companheiros, com intento também de e[n]/trarem naquelle Império, couza que este[s] / estrangeiros muito dezejão, queira Deos q[ue] / não haja lá alguma perturbação c[omo] / cá. Por via de Macao mandey prezo p[ara] / essa cidade e hum clérigo sacerdote subd[ito] / do Bispado de Mallacca chamado Co[ns]/tançio (sic) Jorge da Silva com autos de su[as] / culpas cuja vida foy sempre muy ex[tra]/nhada de gentios, e hereges pella liber[dade] / que uzava, e nella vivia com grande descre[dito] / do Estado Ecclesiástico. Vossa Excellência seja servido or[de]/nar não torne esse sogeito mais para es/ [linha ilegível devido a um vinco] / assy ao Estado Ecclesiástico mas comforme a (…) / culpas (…) levou creo não o trará. (…) te nessa cidade hum Silvestre Soar[es] / que [na monção] passada mandou o Reverendo Padre / Governador [Nicolao] da Motta com Reverenda q[ue] / se ord[enasse] (…) sacerdote, e foi recomenda[do] / ao Senhor [Arcebispo] Primas, por cujo faleçi[mento] / ficou se[m se] ordenar, e polla falta q[ue] / aquy há de (…)eitos, peço a Vossa Excellência sej[a] / servido [fa]vorecer para que venha orden[ado] / e nos será de grande ajuda por ser cria[do] / nesta terra e saber bem a lingoa q[ue] / hé o que mais emporta nesta Christand[ade] / para interpretar a doutrina. Na carta que o Senhor Arcebispo Primas // es 280 281 Apresenta-se rasgado no cimo. Falta o final de todas as linhas. Linha ilegível. [Fl. 252]282 escreveo ao Reverendo governador deste Bispado de (…) [estra]/nhava muito não fazer [o] Tizoureiro da [Bula] / da Santa Cruzada publicação da dita (…) / estes annos paçados (sic) (…) [co]mo fazia p(…) / e por esta rezão (…) minha obrigação (…) / deligência para que fize[sse] a dita publicação tão / neçessária (sic) para desenganar a estes françezes (sic) não ser assym como elles publicão porque di/zem a bocca chea, que donde está a autho/ridade de seu Bispo Vigário Appostólico / não val[e] a dita bulla, e sabendo o Tizoureiro / isso se tem descuidado tanto com a dita / publicação. Mandey notificar a António Rodrigues da Guerra que aquy hé Tizoureiro da Cru/zada que respondeo com escuzas como / consta de sua re[s]posta que com esta man/do para Vossa Excellência ver que a cauza de não faser / a dita publicação, hera pello gasto que se [fazia] / pello pouco rendimento que se tirava e (…) / me consta, Excellentíssimo Senhor, que muitos não tirão / a bulla por não saber se há, e alguns / ignorantes tem para ssy ser o que dizem os fran/çezes (sic) muita verdade. Sey de serto que [h]avendo / a dita publicação todos acudirão a tirar bu/llas mas não há remédio querer o dito / Tizoureiro fazer o que deve a sua obrigação / e a vassalo de Sua Alteza, sendo que gastara / couza muito pouca com a dita publicação / que não sey se chegara quantia de oito cru/zados. Vossa Excellência seja servido ordenar ao / dito Tizoureiro se faça todos os annos a dita publicação que tanto comvém pellas cauzas / ditas. Em quanto a Jurisdição Real não há de novo / couza de que poça (sic) dar conta a Vossa Excellência; e do que se / offereçer (sic) por tempo adiante me não descui/darey de dar conta a Vossa Excellência, cuja Excellentíssima pessoa / guarde Deos com as felecidades que todos dezejamos / e para augmento da Christandade da Índia e ampa/ro dos Vassalos de Sua Alteza. Sião 29 de Outubro / de 1684 annos. De Vossa Excellência Humilde Servo e maior Cappellão a.) Padre Salvador Fernandes 282 Apresenta-se rasgado no cimo e no canto superior direito. [Fl. 252v.]283 Sião - 29 - Outubro - 684 De Salvador Fernandes 283 Sobrescrito. [Fl. 253] Excellentíssimo Senhor, Não obstante ter feito já duas vias, huma por / Macao, e outra agora pello barco da Emba[i]/xada deste Rei do Sião, sobreveio de novo / causa para faser estas breves regras a fim de / dar conta do que passou diante de mim, que tudo / ouvi e vi com meus olhos. O valido del rei / de Sião se enfadou muito com o Vigário de / São Domingos deste Bandel por querer com ordem de / seu Prelado mandar daqui para Timor ao Padre Frei / Pedro Martir; e o ameaçou que lhe mandaria fechar / fechar (sic) as portas da sua Igreja se com escomunhão / tal esecutasse; e com ler o dito Padre Vigário a / a (sic) escomunhão que vinha do Prelado de Goa, não teve / por nada, desendo que era vontade deste Rei; e dos / Viso Reis passados que todos os vassalos de Sua / Altesa servissem a este Rei em as cousas que / pertencião a seu serviço, nos quais entrava / Frei Pedro Martir servir de escrivão ao dito valido / del Rei; e assim que vejo pouco remédio à saída / deste Reino no (sic) Padre Frei Pedro Martir suposto os empe/nhos deste valido del Rei. E dou disto conta / para que Vossa Excellência entenda que sobre este negócio / não tem culpa nenhuma o muito Reverendo Padre Vigário / Geral dos Dominicanos Frei António Pereira; nem com o Padre Vigário / Frei Domingos de Santa Anna; o qual escreve sobre / a matéria com bem mágoa de seu coração a Vossa / Excellência, e ao muito Reverendo Padre Vigário Geral Frei / António Pereira porque bem desejava este Relegioso / de que se dessem à execução as ordens de Vossa Excellência / e de seu Prelado. Lembro a Vossa Excellência que se mandar para // [Fl 253v.]284 /(...) 285 tenha medo do valido del Rei; e que as cartas que [Vossa] / Excellência escreveu a mandar a este Rei, já não varião ou (…) / mesmo (…), ou do Barchelão (sic); porque se forem à mão [do] / valido, quem sabe o que será. E tudo poderá ficar (…) / sem se remediar nada. E se Vossa Excellência escrever ao Re[i] / sobre Frey Pedro Martir lhe pode Vossa Excellência diser que este / anda fugido do que hé certo que o Rei não sabe [nada] / nem o valido lho quer diser. E se a Vossa Excellência [o fa]/ser, seria bom nas cartas que o Emba[i]xador deste R[ei] / de escrever de Goa ao mesmo Rei ou Barchelão (sic)286, meter, ou / também por essa via mandar Vossa Excellência também a (…) / para que cheguem a mão del Rei Sião e 28 de Outubro [de 684] / Vas[s]alo de Vossa Excellência a.) Padre Manoel Soares 284 Muito danificado; ilegível a primeira linha; falta o fim de todas as linhas. Linha ilegível. 286 Por “Barcalão”. 285 [Fl. 254]287 [Fl. 254v.]288 287 288 Em branco. Em branco. [Fl. 255] Relação do princípio, procedimento e fim / da Embaixada, que o Senhor Conde Vice Rey / mandou fazer em nome de Sua Alteza / ao Reyno de Sião pello Senhor Embaixador / Pero Vaz de Siqueira tirada bem e fielmente do / diário que o Secretário da dita Embaixada Francisco / Fragozo fez do princípio athé o fim, a qual a/prezenta o mesmo Secretário ao Senhor Embai/xador quando lhe pareça dar por ella miúda / conta ao Senhor Conde Vice Rey. Depois que o Senhor Embaixador recebeo as ordens do Senhor Conde Vice Rey para fazer / trez Embaixadas aos Reynos de Sião, Cauchinchina (sic), e Camboja, não poz a / consideração nas grandes despezas, que se lhe offerecião de sua fazenda para o ser/viço de Sua Alteza porque para este dezejou sempre ter muito pello grande zelo, / que nelle morou sempre de leal vassalo, mas considerou, que para conseguir as ditas / Embaixadas lhe era necessário grande lustro, e apparato, assim de gente, como / de ornatos, porque os Reys destas partes não estimão os Embaixadores, que / a seus Reynos vão, tanto pela calidade das pessoas, quanto pello apparato com / que entrão em seus Reynos, e conforme este conhecimento vendo o Senhor Em/baixador que doze soldados de presídio com hum Capitão de Infantaria que / o Senhor Conde Vice Rey lhe mandou dar para o acompanharem era couza muy / deminuta para ir a Reynos estranhos com hum tão grande posto tratou lo/go de lançar mão do offerecimento que alguns moradores graves lhe fize/rão de suas pessoas para o acompanharem, e por sy, e por outros foi convocan/do gente luzida para levar consigo e fez escolha entre os barcos em que / costuma fazer suas mercancias da fragata Nossa Senhora do Rosário para nella / conseguir a primeira Embaixada ao Reyno de Sião, a qual mandou logo / aparelhar na forma, que ao diante se dirá. E achando-se o Senhor Embaixador com muita gente, assim dos que se lhe / offerecerão como dos que forão adquiridos, fez escolha à sua vontade, e foi / repartindo postos na maneira seguinte. Primeiramente elegeo por / Capellão da Embaixada ao Reverendo Padre Mestre Frei Pedro de Trindade / Religioso do Patriarcha São Domingos, por ser pessoa de authoridade, / e letras, que não só o levou para administração dos sacramentos, senão tão/bem para se valer de seu conselho quando a occazião o pedisse no meyo dos nego/cios, que levava a seu cargo. Fez Capitão de Mar e Guerra da dita / Fragata a Hieronymo de Vasconcellos cidadão authorisado desta Cidade, / que no serviço de Sua Alteza tem occupado vários postos athé Capitão da Infantaria. Fez Capitão do Estandarte Real a Manoel Rodrigues Freyre, / cidadão desta Cidade que no serviço de Sua Alteza tem tãobem muito merecimento. / Fez Capitão da artelharia da dita Fragata a João Correa de Liger, mo/rador desta Cidade, que nella occupa o posto de Capitão da Infantaria e de // [Fl. 255v.] Sargento mor. Fez Tenente Mestre Salla a António Preto Bar/retto morador mui grave desta Cidade. Fez Ajudante da Embaixada a / Domingos da Silva por ter occupado o tal posto na cidade de Goa. E por Al/feres de Mar e Guerra a Manoel Pereira, morador matriculado desta Cidade, / por haver occupado na Infantaria do presídio o mesmo posto. E para Sargento de / Mar e Guerra levou a Francisco Pirez, filho desta Cidade, que muitos annos ser/vio a Sua Alteza. E para que com mais vontade os nomeados officiaes servissem / a Sua Alteza em companhia do Senhor Embaixador, me ordenou que passasse a todos / provisões conforme os postos em que os tinhão occupado porque entendeo o Senhor / Embaixador que o Senhor Conde Vice Rey assim o levaria por bem, e ordenaria que / lhes fossem resistadas (sic) em seus titulos para lhe ser levado em conta o serviço que / de prezente hião fazer a Sua Alteza em huma função tão authorizada, e repar/tindo a cada hum sua provisão; foi em todos geral o gosto, que tinhão, de se [h]aver / offerecido para a tal occazião, porque como todos são amigos da honra, qualquer que / recebem no serviço de seu Príncipe, fazem della muita estimação, os quaes são / os seguintes: Luiz de Souza de Siqueira, António de Oliveira Aranha, / João Homem da Cruz, Henriques Teixeira, Domingos Gonçalves, João / André, todos muito limpos, e authorisados, e por reposteiros da Embaixa/da Manoel de Araújo, e Manoel dos Santos, portuguezes de bom / procedimento. E por toda esta gente mandou o Senhor Embaixador repartir / pessearia da China para fazerem suas gallas, e o mesmo fez pellos soldados / do presídio que o Senhor Conde Vice Rey lhe mandou dar. Apercebido o Senhor Embaixador de todas as couzas necessarias para conse/guir esta Embaixada, e sendo chegada a monção de poder partir consideran/do que era mais conveniente quando se fosse embarcar ir com toda a pompa que / possível fosse acompanhado de tudo o bom da terra, não só para que os naturaes / vissem289 / senão porque tãobem se achava de prezente hum barco del Rey de Sião nesta / Cidade com servidores do Rey daquelle Reyno, que juntamente estavão para fazer viagem; e havião de ser perante seu Rey testemunhas de vista / da authoridade e 289 O resto da linha está ilegível devido a um vinco. honra do Embaixador, que se lhe enviava, tratou logo o Senhor / Embaixador de escrever huma carta à nobre Cidade, a qual hé a seguinte. Senhores do Senado da Camera da muito nobre / e Leal Cidade, Segunda feira com o favor de Deos pretendo embarcar-me, faço a / Vossas Mercês prezente para que quando em Vossas Mercês more o zelo de quererem / com sua companhia fazer mais solemne a minha embarcação, pois hé a fim / de dar satisfação ao que Sua Alteza me ordena de Seu Real Serviço, / não quero eu que quando haja esta falta se impute a culpa a meu descuido / deixando de dar comprimento ao que estou obrigado. Guarde Deos a Vossas Mercês, etc. / Macao em 4 de Março de 684. Subscripta por mym Francisco / Fragozo Secretário da Embaixada. a.) Pero Vaz de Siqueira [Fl. 256] Re[s]posta da nobre Cidade Senhor Embaixador, Parece a esta Cidade muito bem que o embarcar seja com toda a pompa, e para ser assim / se deve achar nesta Caza da Camera a pessoa do Capitão Geral della junto com / o Senhor Embaixador; esta Cidade com seus moradores mostrarão o zello com que sempre / servirão ao Príncipe Nosso Senhor a quem Deos guarde. Caza da Camera 4 / de Março de 1684 annos. Subescripta em meza de v[e]reação por mym Rodrigo / Homem de Azevedo, Alferez, e Escrivão da Camera desta Cidade de Macao do / Nome de Deos na China, e a escrevy. a.) Lourenço de Mello da Silva Vendo o Senhor Embaixador esta re[s]posta ficou entendendo que querião os ditos Mi/nistros que elle fosse a Caza da Camera estando elles em Tribunal em forma de que / hia tomar suas ordens, ou dando-lhe a entender, que era obrigado a hir-se despedir delles, / e offerecer-se-lhe para os negócios, que particularmente esta Cidade sempre tem com el Rey de Sião, / a tudo se sogeitaria como morador o Senhor Embaixador, quando com Manoel de Salda/nha se tivesse havido em semelhante forma que foi Embaixador enviado ao Em/perador da China, com despezas a custa deste povo de tudo quanto foi necessário ao dito Em/baixador, e com ser assim, e fazer-se a Embaixada tão somente para o bem desta Cidade, / quando quiz partir forão os Ministros da Caza da Camera encorporados com todos os / seus moradores a embarcar o dito Manoel de Saldanha para que vissem os Chinas o grande / cazo, que se fazia da pessoa do Embaixador, que se enviava ao seu Emperador; e / na mesma forma devião nesta occazião obrar com o Senhor Embaixador a vista dos vas/salos del Rey de Sião, que de prezente se achavão nesta Cidade, e não sendo o posto / de Manoel de Saldanha differente com que o Senhor Embaixador se resolveo a ir de sua / caza embarcar-se tão somente com o acompanhamento, que em sua companhia levava / para o Reyno de Sião, e mais conhecendo que o Procurador da Nobre Cidade como desafei/çoado seu se lhe oppunha neste negócio tratando mais de satisfazer seu máo â/nimo do que convinha ao crédito do serviço de Sua Alteza, mas não hé muito que neste / sogeito se ache semelhante couza, porque hé hum dos principaes de alguns mo/radores desta Cidade que não conhecem os Senhores Vice Reys e a Sua Alteza, mais que / para alcançarem delles o que lhe importa a seus particulares interesses, ainda que seja / com falsas informações, que no mais se considerão no Tribunal da Cidade huns Sena/dores Romanos, que absolutamente querem governar a medida de seu dezejo, e tan/to instou o dito Joseph Vieira da Silva com seus companheiros a desuadi-los da / vontade, que tinhão de chamar os moradores e vir com elles encorporados a caza / do Senhor Embaixador, e levarem-no a embarcar que os fez tornar atraz de seu // honrado [Fl. 256v.] honrado pensamento que alguns delles como particulares não faltarão no / dia que o Senhor Embaixador se embarcou, mas não foi bastante satisfação, pois / podião obrar livremente o que entendião contra a vontade (…)osa do dito Pro/curador Joseph Vieira da Silva, e por não faltar o Senhor Embaixador a tudo / o que devia de sua parte fazer, escreveo outra carta ao Capitão Geral desta Cidade / Belchior de Amaral de Menezes na forma seguinte. Senhor Capitão Ge[ne]ral, Fico esperando pella maré para me hir embarcar a fim de conseguir o que / Sua Alteza me ordena de Seu Real Serviço, para que eu o faça com mais pom/pa, e authoridade, faço avizo a Vossa Mercê para que quando seja servido o querer-me / acompanhar não fique por meu descuido o deixar de lograr este bem / juntamente peço a Vossa Mercê queira permittir que dessa Fortalleza de Monte, e a / da Barra dêm huma salva na forma que a Vossa Mercê parecer para que me não / despeça desta barra sem que vejão as nações estrangeiras o cazo, que se faz das / pessoas, que vão a negócios do Príncipe Nosso Senhor, e sobretudo me sogeito ao que for / gosto de Vossa Mercê a quem Deos guarde, etc. 6 de Março de 1684 annos. / Subscripta por mym Francisco Fragozo Secretário da Embaixada. a.) Pero Vaz de Siqueira Esta carta foi levada pello Ajudante da Embaixada a quem o dito Capitão / Geral deo a re[s]posta de palavra dizendo que de prezente estava muito enfermo / que mandava (...) 290 Fortaleza da Barra para que lá se desse a salva / que o Senhor Embaixador pedia quando fosse tempo. Aos 6 dias do mez de Março / de 1684 sahio o Senhor Embaixador / de sua Caza a embarcar-se na forma / seguinte. Vierão a caza do Senhor Embaixador para o acompanharem a mais luzida / gente de toda a terra em que entrou o Reverendo Padre Governador do Bispado da China / António de Moraes Sarmento acompanhado de muitos Clérigos seus, e o / Prior de Santo Augostinho com seus Frades, e os Religiosos de São Domingos menos / o seu Prellado por estar doente, e o Guardião de São Francisco com toda a sua Co/monidade, e o Comissário das Freyras, e o Ouvidor de Sua Alteza, Francisco Gomez / Botelho com todos os seus officiaes, e da gente popular, e Chinas de mistura / erão tantos em número, que não cabião polla rua, estando todo este acom/panhamento junto, sahio o Senhor Embaixador vestido de rica tela de pra/ta acabellada forrada de pessa de ouro fino, com hum custoso colar de / riquíssima obra, que tinha de pezo sinco pães e meio de ouro291, e o vestido com / abotuadura de riquíssima filagrana de ouro e espada, e adaga do mes//mo 290 Palavras ilegíveis devido a um vinco. Pão de ouro - O mesmo que ouro de pao ou barca de ouro; eram barras de ouro, com a forma de barca ou de sapato chinês, que, antigamente, entravam em transacções comerciais da China. 291 [Fl. 257] do mesmo ouro de obra muito prima, e as guarnições tinhão passante de oito / pães de ouro, hum talim292 bornado (sic)293 de ouro obra de Inglaterra de bastante cus/to, e no chapeo hum fermoso transalim de ouro de muito mais estima pella / obra que pollo valor, debaixo de hum sombreiro de pessa de ouro fino for/rado de damasco amarelo com seu pião de prata, e quatro sombreiros mais de / damasco nacra forrados de damasco amarelo, tãobem com seus piões de pra/ta, trazia o Senhor Embaixador a sua mão direita o Reverendo Padre Mestre Frei / Pedro da Trindade Capellão da Embaixada, e a mão esquerda o Secretário / Francisco Fragozo que largou o lugar para admittir nelle o Reverendo Padre Governador. Se/guia-se logo adiante da pessoa do Senhor Embaixador Manoel Rodrigues Frey/re Capitão do estandarte que o levava arvorado em huma curiosa astia em for/ma que bem se deixavão ver de huma e outra parte as armas Reaes pella traça / com que se havia posto; era o dito estandarte de damasco branco, e no campo del/le bordadas de riquíssima obra alta de fio de ouro as armas e escudos Reaes / com sua tarja e cordões, e franjas de cramezim e ouro. Seguião-se diante / do estandarte os seis gentiz homens; seguia-se logo o Capitão de Mar e Guerra / com seu Alferez e Sargento, e mais adiante o Tenente Mestre Sala e o A/judante, e mais adiante os dous Reposteiros, adiante dos quaes hião dous ca/fres hum com o tambor, outro com huma trombeta de prata, e nella huma ban/deira de damasco nacra em que hião as armas do Senhor Embaixador bordadas / de ouro e seda, e os cafres muito bem vestidos de pessa lavrada da China com / seus barretes de veludo nacra arrendados de rendas brancas, e pellos lados / deste apparato hião em forma de guarda aberta os doze soldados, que o Senhor / Conde Vice Rey mandou dar do presídio capiteneados (sic)294 pello seu Capitão Francisco / Ferreira da Cruz, os 292 Talim – o mesmo que boldrié, cinto de couro ou de pano bordado com fio dourado, onde se prendia a espada ou outra arma. 293 Por “bordado”. 294 Por “capitaneados”. quaes hião todos muito lustrosos de pessas de primavera / da China e com as galas que levavão a custa da fazenda do Senhor Embaixador, / como atraz fica dito, e como ao Senhor Embaixador lhe pareceo pequeno número / de mosqueteiros aggregou mais a elles oito moradores, que fossem fazendo o offí/cio de soldados na mesma forma em que elles hião para fazer número de vinte, / e para os obrigar a irem com elle athé o Sião lhes deo de sua fazenda com que / fossem satisfeitos; atraz do Senhor Embaixador hia Manoel da Rocha fi/lho desta Cidade por official mayor da Secretaria da Embaixada vestido de / gala muito luzida, que o Senhor Embaixador lhe mandou dar, e seis pagens / vestidos todos de huma cor de pessa lavrada da China com as botuaduras de fi/lagrana de prata, atraz dos quaes hia o Palemquim a dextra que o Senhor Em/baixador levava para sua pessoa ao Reyno de Sião com ferragens de prata / com alcatifa e coxins de veludo cramezim bordado de fio de ouro fino, e a ten/da do dito Palemquim era toda cuberta de pessa cramezim e verde de / prata e ouro da China forrada por dentro de damasco amarelo, e nove / mossos para acarretarem o dito Palemquim vestidos todos, assim elles, como / os dos sombreiros de muito boas pessas de seda lavrada da China com seus / barretes de veludo cramezim arrendado de rendas brancas, tirados os / mossos dos sombreiros porque todos levavão muito bons chapéus ingleses, // enfeitados [Fl. 257v.] enfeitados de fitas de várias cores. Com toda esta pompa tão lustrosa; e com muita gente, que se havia a/juntado, assim a nomeada, como a que se não nomea, ao som da caixa e trom/beta se despedio o Senhor Embaixador de sua caza, e foi caminhando pera / o Collegio de São Paulo e chegando a porta de sua Igreja estavão nella to/dos os Padres com o Visitador, e mais Prelados (pois erão avizados que o Senhor Em/baixador se havia ir despedir do Santo Xavier de quem se confessa muito de/voto) e levarão ao Senhor Embaixador em forma de Prossissão ao pé do Altar / Mayor aonde lhe tinhão huma alcatifa com hum coxim sobre que fez oração e a/cabada ella o Prefeito da Igreja com sobrepeliz e estola subio ao Altar e to/mou a relíquia do braço do Santo e a trouxe ao Senhor Embaixador que com muita reve/rencia se abraçou com ella fazendo despedimento com tanta devoção que provocou / a[s] lágrimas ao povo, que o acompanhava, e levantado se foi despedindo de / todos os Padres daquelle Collégio que os mais delles o não quizerão largar / athé a praya, que verdadeiramente com línguas mudas, assim elles, como / o mais povo principal da terra estavão reprehendendo aos officiaes da Caza / da Camera a pouca estimação que fazião de hum Embaixador que o Senhor / Vice Rey da Índia em nome do Príncipe Nosso Senhor mandava a Reynos es/tranhos; saindo o Senhor Embaixador do ditto Collégio com todo o acompanha/mento foi caminhando por várias ruas para o lugar aonde se havia de / embarcar estando todas as janelas das ditas ruas todas cheas de mulheres / pella fama que correo da lustrosa saída do Senhor Embaixador, e ajuntava/-se a esta fama huma geral saudade de sua auzência, pello muito que sua / pessoa hé estimada geralmente em toda a terra, e com todo o acompanhamento che/gou o Senhor Embaixador ao caiz da praya pequena aonde lhe estava apa/relhado hum ballão com muito as[s]eyo, e na mesma forma tinhão os principaes / moradores aparelhados seus ballões para irem nelles com todos os que os quizessem se/guir, que não forão poucos os que acompanharão o Senhor Embaixador athé a / sua fragata, e nella entrarão e o não largarão athé sair pella barra / fora e os principaes neste comprimento forão, o Ouvidor de Sua Alteza Francisco / Gomez Botelho, e muitos dos Padres da Companhia que entranhavelmente se / mostravão saudozos na tal auzencia, e a commonidade toda de São Francisco / fez o mesmo pois se lhe auzentava o melhor subsídio de suas necessidades / e o Reverendo Padre Governador António de Moraes Sarmento queria fazer o mesmo, o / que lhe não quiz consentir o Senhor Embaixador sem embargo da muita ins/tância, que fazia para o executar, largando do caiz o Senhor Embaixador com / todos os ballões, que o acompanhavão para a sua fragata, todos os navios desta / Cidade que então estavão no porto derão grandes salvas estando todos de festa / com pavezes e galhardetes que verdadeiramente se os ministros da Caza da Came/ra fizessem com empenho a que todo o povo solemnizasse esta despedida com / todo o aplauzo que possível fosse não podia ser que obrasse o dito povo obri/gado do poder do mando o que fez movido de huma natural affeição, e de / hum grande zelo de honrar as couzas de seu Príncipe e Senhor. Chegando o Senhor Embaixador à sua fragata que o estava espe/rando toda embandeirada com pavezes e galhardetes de cores mui vistosas to/da pintada assim de fora como de dentro de várias pinturas com muito lustrosa // gente [Fl. 258] gente de mar com dez pessas de artelharia de bronze e ferro com que deo suas / concertadas salvas, e tudo tão aparelhado conforme a muita desposição e despeza / com que se [h]ouve o Senhor Embaixador nesta matéria, e na mesma forma o fez / com o provimento da matalotagem, que a fez mui grossa pois foi sustentando com / abundância toda a gente que levou em sua companhia além de ter despendido / muita prata com os que o acompanhavão exceptos os soldados do presídio que o escu/zavão por serem pagos com o dinheiro de Sua Alteza; feita a vella o Senhor Em/baixador seguindo todos os ballões passando polla fortaleza da barra onde / se lhe deo a Salva Real, e estando já muito avante pedio o Senhor Embaixador / a todos os que o acompanhavão que quizessem recolher-se pois se desviavão muito da / Cidade o que todos aceitarão bem contra sua vontade, porque se possível lhes fosse mos/travão grande dezejo de o acompanhar em tão honrada jornada, que se fazia / no serviço de Sua Alteza porque supposto que alguns nesta Cidade não tenhão por / grande brazão o servirem a seu Príncipe, os mais estão sempre prestes com vi/das e fazendas para as empregarem no tal serviço; com muitas lágrimas saudo/zas se despedirão todos do Senhor Embaixador, que navegando com próspero vento, / e largando as Ilhas entrando em Golfo achou os mares tão grossos que lhe deo / muito em que cuidar se era vento que tinha havido, ou estava para vir com grande / fúria, e pella noite se desfez a dúvida pois entrou o vento leste contrá/rio a derrota, e com tanto poder que forcejando a fragata para ir na volta do Sul / abrio huma agoa que deo grandíssimo trabalho porque quasi difficultava o vencer-/se com ambas, e a mayor confusão era a escuridão da noite e balanços sem sosse/go, e o farol, e o pao da bandeira forão ao mar com que toda aquella noite / se passou com grandes trabalhos. Ao dia seguinte que forão sette de Março tinha rendido alguma cou/za mais o vento com que deo lugar para se saber os dannos que no porão da fragata / tinhão havido porque chegou a ter em sy sinco palmos de agoa, e achou-se ha/ver muita perda na fazenda do Senhor Embaixador, e nos caixões dos que o acom/panhavão que recebeo a tal perda por sua, pois logo disse que havia de satis/fazer os dannos a todos os que os receberão pois o acompanhavão de tão boa vontade, / e foi grande sucesso não levar a fragata fazendas dos moradores de Ma/cao, porque serião as perdas mais consideráveis, e para este mal não pensado / foi grande bem o levar o Senhor Embaixador muita gente que podião aturar / o trabalho das bombas, que de dia e de noite não cessavão hum momento sem que / se pudesse descubrir donde na[s]cia a agua por muitas diligencias, que para isso se / fizerão, e com todo este trabalho se foi em demanda da costa de Cochinchina/ com calmas e ventos contrários e correntes de água se vio o Senhor Embaixador / e todos os de sua companhia com grande perigo, pois se acharão muito perto dos bai/xos de Pulosisy, e quiz Deos Nosso Senhor que do norte entrasse huma grande / samatra para desviar do perigo e poder tomar a costa, [o] que se fez com não / pequeno trabalho e navegando por ella com vento favorável e por suas jorna/das com os trabalhos da bomba, em vinte e sette de Março huma segunda / feira teve o Senhor Embaixador vista da barra do Reyno de Sião por / fim de vinte e hum dias de viagem, e encaminhando o Piloto para entrar / pella dita bara encalhou no banco por falta de maré, aonde não há / perigo por ser de lodo, mas a nós servio de dar alívio às bombas com que // estranhou [Fl. 258v.] estranhou fazer a dita fragata pello fundo a agua que tanto trabalho / deo; e pellas onze da noite com a maré encaminhou o Piloto a entrar pello / rio de Sião e o Senhor Embaixador ordenou a mym Secretário que fizesse três cartas / huma para o Barcalão Barcalão ou Praklang – Ministro dos Negócios Estrangeiros do reino do Sião. Governador do Reyno de Sião, e outra para Constantino Fal/cão, grego de nação, que hé hum dos grandes privados del Rey do dito Reyno, e a / terceira carta ao Capitão mor do Bandel dos Portuguezes Francisco / Barretto de Pinna para que as taes pessoas estivessem anticipadamente adver/tidas da chegada do Senhor Embaixador para que quando chegasse acima não / faltasse a solenidade devida à chegada de sua pessoa por falta de avi/zo, e ordenou ao Tenente Mestre Sala da Embaixada, que estivesse aper/cebido para em se achando embarcação ir logo com as ditas cartas às pes/soas nomeadas, as quaes são as que se seguem. Carta para o Capitão mor Francisco / Barretto de Pinna. O Senhor Conde Vice Rey me ordenou que convinha ao Real Serviço de Sua / Alteza que viesse por Embaixador a este Reyno de Sião, aonde cheguei / a salvamento com o favor de Deos, faço a Vossa Mercê prezente a minha vinda porque / assim mo recomenda o Senhor Conde Vice Rey para que Vossa Mercê se veja logo comigo por / importar assim ao serviço do mesmo Senhor. Deos guarde a Vossa Mercê. Fragata / em 27 de Março de 684. Subscripta por mym Francisco Fragozo Se/cretário da Embaixada. a.) Pero Vaz de Siqueira Carta para o Barcalão. O Senhor Conde Vice Rey da Índia me ordenou que em nome do Prín/cipe meu Senhor Governador e Regente dos Reynos e Conquistas do Reyno de / Portugal, viesse por Embaixador ao muito poderoso Rey deste Reyno de / quem se confessa o Príncipe meu Senhor Irmão em armas, foi Deos / servido trazer-me a salvamento e por não faltar ao muito que se deve a Vossa / Senhoria lhe faço avizo de minha chegada athé que o tempo me dê lugar / para em pessoa fazer o que me ordena o Senhor Conde Vice Rey em nome do / Príncipe meu Senhor. Guarde Deos a pessoa de Vossa Senhoria em 27 de Março / de 1684 annos. Subscripta por mym Francisco Fragozo Secretário da / Embaixada. a.) Pero Vaz de Siqueira Carta para Constantino Falcão privado / grande del Rey de Sião. [Fl. 259] Foi Deos servido trazer-me a este porto e Reyno de Sião aonde / venho por Embaixador, mandado pollo Senhor Conde Vice Rey da Índia em no/me do Príncipe meu Senhor Governador e Regente dos Reynos e Senhorios de / Portugal, ao muito poderoso Rey deste Reyno, e como Vossa Mercê seja huma das / principaes pessoas que a tão grande Senhor assiste e tão amigo dos Portuguezes / como a voz da fama publica pellos grandes benefícios e favores, que recebem to/dos os que vêm a este Reyno por obrigação me corre fazer a Vossa Mercê sabedor de / minha vinda, ficando o mais para a vista, guarde Deos a pessoa de Vossa Mercê. / Fragata em 27 de Março de 1684 annos. Subscripta por mym / Francisco Fragozo Secretário da Embaixada. a.) Pero Vaz de Siqueira Quando o Senhor Embaixador partio da Cidade de Macao, por in/formações dos que costumão fazer viagens ao Reyno de Sião estava certo / que o dito Constantino Falcão estava em grande privança com el Rey de / Sião, e como para os negócios de sua Embaixada lhe era necessário gran/gear os ânimos dos Ministros do dito Rey por cuja via se havião primeiro / tratar os negócios e mais recomendando o Senhor Conde Vice Rey esta particu/la ao Senhor Embaixador não quiz deixar de escrever logo a este sogeito, / e o fizera com mais circunstâncias se soubesse que o tal Constantino Fal/cão estava de prezente na mayor valia em que privados del Rey se virão por/que achou o Senhor Embaixador, que a este tempo governava o dito o Reyno / todo de Sião, assim no político, como na guerra, e na administração da / fazenda, porque o Barcalão, que novamente era por morte do antigo, el / Rey de Sião fazia muito pouco cazo delle por lhe achar muito pouco prés/timo, e tudo tinha entregue na disposição do dito Constantino Falcão, e / para que se venha em melhor conhecimento deste sogeito se há-de enten/der, que o tal hé Grego de nação e de criança se criou em Inglaterra ser/vindo a vários Inglezes mercadores, e em companhia de hum portou em o Reyno / de Sião servindo em todo o serviço alto e baixo, e despedido do dito Inglez / teve tanta habilidade que em espaço de trez annos aprendeo a língoa sioa295 com / os próprios naturaes, e se meteo com el Rey solicitando-lhe o agrado de tal maneira / que privando muitos de várias nações com o dito Rey ficarão todos de fora e só elle / com o poder, que se tem declarado, com que todas as nações, assim estrangeiras, como / naturaes estão escandalizadas do dito Grego excepto a Franceza com quem / elle está metido com muito empenho, e não trata mais que aumentar a fazen/da do Rey com prejuizo de muitos, e conservar-se na privança tomando todos / os caminhos por donde podem chegar aos ouvidos do Rey seus desconcertos que / a tudo lhe dá lugar a desordenada afeição que el Rey lhe tem. Com algum trabalho se entrou polla barra dentro athé ao lugar da / Tabanga296, que hé como passo e vigia da dita barra, aonde estão officiaes del Rey // de Sião 295 296 Por “siamesa”. Do malaio tabing - margem do rio; eram portagens ao longo do rio. [Fl. 259v.] de Sião que entrão em todas as embarcações a registá-las, assim do porte / de seu tamanho como da gente, artelharia, e mais armas e fazendas, e tudo / tomão por lista, como hé uzo antiguíssimo daquelle Reyno, e partem logo / em suas embarcações ligeiras a dar avizo miudamente, e esta diligencia se / faz com todas as nações, que vão ao dito Reyno, assim desta parte da Ázia, como / da Europa, e por esta cauza não faltarão os taes officiaes em entrarem na fra/gata do Senhor Embaixador para fazer as ditas diligencias apresentando / as ordens e leys de seu Rey, a quem o Senhor Embaixador mandou dizer que as taes / diligencias se não havião de fazer no barco em que elle vinha porque era / izento e livre de semelhantes registos, que se entendião só para os mar/chantes e barcos, que de contrato hião ao Reyno de Sião, pedirão os ditos offi/ciaes ao Senhor Embaixador lhes fisesse mercê de lhes mandar dizer a rezão que / havião de dar em cima aos Ministros mayores de seu Rey de sua chegada / porque tinhão as suas cabeças em perigo por não fazerem sua obrigação, man/doulhe[s] dizer o Senhor Embaixador que fosse[m] para cima, e dissessem que era che/gado hum Embaixador do Príncipe Regente dos Reynos, e Senhorios / de Portugal mandado a el Rey de Sião, e que não se quizera sogeitar a ley / que se entendia ser só posta para os barcos de mercancia, com que forão satis/feitos os ditos officiaes, e levarão na sua ligeira embarcação ao Tenen/te Mestre Sala com as cartas, que acima se apontão, e chegou o Senhor Embai/xador à fortaleza de Bancó297 principal do Reyno de Sião aonde está hum / Turco de nação por Governador della, o qual sabendo que aquella / fragata levava em sy a pessoa do Embaixador do Príncipe de / Portugal não quiz obrigar a que surgisse, como hé uzo e custume, / athé vir ordem del Rey para ir para cima, porque entendeo o dito Tur/co que com taes pessoas se não entendião as Leys, que se guardavão com os ma/is homens (...)298 ao Senhor / Embaixador, disculpando-se que não vinha em pessoa por se achar / indisposto, mas não faltou de vir à fragata o Condestável mor da / dita fortaleza, por nome António de Freitas portuguez, e vi/sitando ao Senhor Embaixador lhe deo por novas que o estavão esperando / no Sião com grande alvoroço, pois tiverão novas anticipadas por 297 298 Bangkok (Banguecoque) – capital do reino do Sião desde 1782, fundada pelo rei Rama I. Parte da linha encontra-se ilegível devido a um vinco. via / de Malaca, e em ordem a ellas se lhe estava aparelhando cazas por / ordem del Rey com grande cuidado. Navegando o Senhor Embaixador pello rio acima chegou ao bor/do da fragata o Capitão mor do Bandel Francisco Barretto de Pinna, o qual / trouxe huma carta de Constantino Falcão privança mayor del Rey de Sião, / como atraz temos declarado, em re[s]posta da que tinha levado o Tenente Mestre / Sala da Embaixada a qual hé a seguinte. Carta de Constantino Falcão. Senhor Embaixador, Venho com esta a congratular a chegada de Vossa Mercê, e por não entender bem / se Vossa Mercê vem direitamente de Sua Alteza o Príncipe Regente de Portugal, // ou por [Fl. 260] ou por ser mandado do Senhor Vice Rey para enviar; mando ao Paina Rati/ná299 Belão para se informar de Vossa Mercê, de maneira que nós possamos conservar os / estilos deste Império, e não tirar a honra, que se deve a hum tão grande Rey co/mo o de Portugal. O mais referirey quando me encontrar com Vossa Mercê, asseguran/do o favor e ajuda, em tudo quanto for necessário para o bom despacho, do que Vossa Mercê / vem a tratar, e sen[do] o que verdadeiramente dezeja. Sião, 29 de Março / de 1684 annos. De Vossa Mercê Muito certo Amigo a.) Constantino Falcão. Muito deo em que cuidar esta carta ao Senhor Embaixador, pois nella / se deixa ver que sendo Embaixador mandado pello Senhor Vice Rey da Índia / o recebião em huma forma, e em outra differente se fosse mandado de / Portugal por Sua Alteza, e como na cidade de Macao não deixou de / haver alguns sogeitos, que fizessem estes reparos pois há alguns Portuguezes / que por natureza andão desfazendo nas honras de outros, sospeitou o Senhor Em/baixador que nas muitas cartas, que o dito Grego teve de moradores de Macao, te/ria alguma em que lhe desse notícia destas separações e differenças de recebi/mento da Embaixada, como o dito Constantino Falcão pregunta (sic) na sua / carta, deo logo o Senhor Embaixador ao Capitão mor Francisco Barretto de / Pinna a carta que lhe levava do Senhor Conde Vice Rey, que lendo-a o dito ficou / muy alegre e contente, pois havia entrado na fragata desconfiado porque / corria em todo o Sião nova em como o dito Capitão mor o mandava o Senhor Con/de Vice Rey desapossar do posto, e nas práticas, que o Senhor Embaixador teve com este / sogeito alcançou que não era guia muito certa para os negócios de sua Embaixa/da, com tudo por não faltar ao que o Senhor Conde Vice Rey lhe ordenava no tocante / [a] aconselhar-se com o dito sogeito, tratou com elle a forma como havia de desembar/car, e lhe ordenou que fosse para cima, e dissesse ao dito Constantino Falcão, que / as honras, que se devião aos Embaixadores mandados de Portugal se lhe ha/vião de fazer a sua pessoa mandada pello Senhor Conde Vice Rey da Índia que nella / representava a pessoa do Príncipe seu Senhor. Com muita detença sobia o Senhor Embaixador pello rio aci/ma, pois a fragata cada hora dava em seco; ao seguinte dia, que forão 31 de / Março, veyo de cima do Bandel hum escrito feito por Francisco da Cunha / Barretto filho do Capitão mor que servia de lingua300 do Reyno, o qual dizia / que se havia estranhado muito ao Senhor Embaixador entre todos os Ministros / del Rey de Sião o não querer dar-se registo da fragata conforme o uzo do / Reyno, e que estavão todos muito sentidos de semelhante acção, e pedia ao Ca/pitão de mar e guerra a quem elle fez o dito escrito que quizesse fallar ao / Senhor Embaixador que fosse servido dar licença a elle Capitão que desse o re/gisto aos Ministros del Rey; o Capitão de mar e guerra fez prezente ao // Senhor 299 300 Duvidosa a leitura das duas últimas palavras. Intérprete. [Fl. 260v.] ao Senhor Embaixador o dito escrito, estranhou o dito Senhor Capitão de / Mar e Guerra que respondesse a Francisco da Cunha Barretto que se lembrasse que / em respeito do Príncipe de Portugal por cuja honra e crédito devia / pôr a vida, mas como se criara no Reyno de Sião devia estar esquecido / das franquezas e liberdades que em toda a parte do Mundo tinhão os Em/baixadores de Sua Alteza, e que dissesse aos Ministros del Rey de Sião / que o Senhor Embaixador em nenhuma maneira se havia de sogeitar aos / uzos e custumes a que se sogeitavão os navios de contrato, que custumavão / ir ao Reyno de Sião neste mesmo tempo chegarão dous ballões301 de cima com / hum refresco muito abundante e de muita variedade mandado por Constan/tino Falcão ao Senhor Embaixador, que lhe mandou agradecer por pala/vras mui cortezes, mandando dar aos portadores paga mais avantajada / pera que fossem contentes. Ao primeiro de Abril sabbado da Allelluya o Padre Capel/lão mor da Embaixada fez a ceremónia na fragata que em tal dia / custuma a Igreja fazer com muito recuzijo (sic)302 de todos, estando a fragata / embandeirada, e empavezada deo multiplicadas salvas, e pella / tarde chegou o Senhor Embaixador a surgir na Tabanga que hé como / Paço distante huma légoa antes de chegar ao Bandel dos Portugue/zes, aonde chegarão ao bordo trez ballões em que vinhão os principaes / Portuguezes, que vivem em Sião, a dar as boas vindas e alegres Pascoas, e / entre elles veyo Fernão Nabo Paçanha genro de Amador Coelho / que se preza muito de ser mandarim del Rey de Sião, o qual vinha / maliciosamente mandado pello Grego, porque no discurso do seu / fallar o deo assim a entender sem embargo de que com palavras se ma/nifestava perante o Senhor Embaixador leal vassallo do Princi/pe Nosso Senhor e muito zelador de todas as suas rezões de estado, e co/mo tal persuadia que nada desfaria no crédito da Embaixada o dar re/gisto do barco, como se havia pedido, porque se elle entendesse o contrário / pugnaria por este negócio com tudo o que valia, e entindendo (sic) o Senhor Em/baixador que tudo era fingido, com o mesmo fingimento o admittio por vassal/lo leal de Sua Alteza para descubrir nelle com mais 301 302 Pequena e ligeira embarcação de remos, de base monóxila. Por “regozijo”. clareza o fun/damento da muita instância que o dito fazia para que o Senhor Embaixador / se sogeitasse a mandar dar o registo do barco, gentes, armas, e fa/zendas, e por tal maneira se [h]ouve o Senhor Embaixador com o dito Fer/não Nabo Paçanha, que veyo em boa forma a descubrir que Constan/tino Falcão o botara pello ter por homem sagaz para que obrigasse ao / Senhor Embaixador a sogeitar-se à dita ley, porque o tal Constanti/no Falcão não queria que o Embaixador do Principe de Portugal / tivesse differentes previlegios no Reyno de Sião dos que tinhão os Em/baixadores de outras nações, porém esta sua vontade não na descobria ma/nifestamente, e por ultimamente disse o Senhor Embaixador a Fernão / Nabo Paçanha que elle não viera ao Reyno de Sião a diminuir o brio / e pondonor dos Portuguezes, mas antes a augmentá-llo tudo o que pudes/se para mayor crédito das armas de Sua Alteza; não há dúvida // que bem [Fl. 261] que bem puderia o Senhor Embaixador fazer-se neutral no deixar que o Ca/pitão de Mar e Guerra desse como de sy o registo do dito barco por não en/trar logo com grandes pleitos sobre matéria tão pequena, mas como des/te princípio se havião de tomar motivos para os meyos e fins das mayores / couzas que levava a seu cargo, não quiz ceder, porque lhe não servisse / de exemplo nos pleitos que adiante se verão. Ao dia seguinte que o era de Páscoa, vierão à fragata do Senhor Em/baixador o Padre João Baptista Maldonado da Companhia de Jesuz / e António Rodriguez da Guerra homem velho e authorisado morador no / Bandel de Sião, e derão as boas vindas ao Senhor Embaixador, e com grande / empenho persuadirão ao Senhor Embaixador a que quizesse permittir se lhe / fizesse registo na sua fragata pellos Ministros del Rey, como era uzo / e custume do Reyno, dando a entender ambos que quando o Senhor Embai/xador o não permittisse se seguirião alguns desgostos, não se admirou muito / o Senhor Embaixador de que se manifestassem tão temerosos estes dous so/geitos, porque ambos tinhão a disculpa mui sufficiente, hum por de/crépito aonde já faltavão todos os alentos, e outro como estrangeiro não es/tava muito visto no muito delgado que fia o crédito Portuguez, e debatendo-se / neste negócio com muitas rezões que o Padre acarretava para facilitar o que tanto se / lhe difficultava, veyo por fim a disistir da pertenção (sic)303 com os desenganos do / Senhor Embaixador, o qual logo escreveo huma carta ao Padre Manoel Soarez / Superior da Companhia na Igreja de São Paulo no Bandel do Sião, pera que / logo se visse com elle para tomar com elle seu parecer no negócio que tratamos, e / entregar-lhe a carta que trazia para elle do Senhor Conde Vice Rey, e com o avizo que / teve o dito Padre veyo logo ver-se com o Senhor Embaixador na sua fragata, / que depois de lhe entregar a carta do Senhor Conde Vice Rey lhe propoz tres pon/tos por papel na maneira seguinte. Os pontos que se devem consultar / na substância desta Embaixada / conforme as ordens, que trago são os / seguintes. 1.º Se nos uzos e custumes, que neste Reyno se observão com os barcos chatins304 / sobre dar-se inteira conta e miúda notícia das medições, gente, fazendas / e artelharia, deve entrar tãobem esta fragata, e se hé ou não conveni/ente sugeitarse aos sobreditos uzos, hé o que se consulta. 2.º Se a carta que trago para el Rey de Sião a hei-de levar comigo athé / aprezentar ao dito Rey, ou se há-de ser levada na forma do uzo da / terra, que vem a ser entregá-lla a seus mandarins para que os taes a ponhão em / lugar para isso deputado. 3.º Se a vizita que fizer ao dito Rey me hey de sugeitar aos estilos / e uzos da terra, convém a saber, entrar em Palácio sem espada, descalço, e / prostrado por terra, destes cazos peço a resolução para conforme ella me go//vernar 303 304 Por “pretensão”. Embarcações de comércio. [Fl. 261v.] Me governar na dita Embaixada. Re[s]posta que o Padre Manoel Soares deo / ao pé dos três pontos acima. 1.º Diffinindo aos três pontos acima que Vossa Senhoria propoem (sic), digo ao primeiro con/forme as ordens que o Senhor Embaixador traz do Senhor Vice Rey, parece que deve / haver alguma differença entre os barcos chatins, e entre esta fragata, por / ser fragata de Embaixada, ou de Embaixador que em todas as partes ficão / izentos dos uzos e custumes dos Reynos. Mas dado caso que o Rey de Sião queira / que se não guardem os ditos uzos, e custumes, então digo e me parece que o Senhor Em/baixador poderá vir e estar pella vontade del Rey a fim de ter effeito a dita / Embaixada, e parece que no tal cazo essa será a vontade do Senhor Conde Vice Rey. 2.º No que toca ao segundo ponto me parece que segundo o estilo deste Reyno / que de nenhum modo o Senhor Embaixador poderá por sy immediatamente dar / a carta que traz para o Rey de Sião, senão aos Mandarins para isso deputa/dos; e do modo que se custuma, assistindo immediatamente o Senhor Embaixador / aos que custumão tresladar na lingua de Sião, e della se entregão pera / aprezentar na mão del Rey. E quando se traduzir a dita carta con/vem que o Senhor Embaixador tenha huma pessoa fidedigna de que se confie / e fielmente e de verbo ad verbum sem mudança alguma seja tradusida / a dita carta. 3.º E no que toca ao terceiro ponto me parece que emquanto for possível se / não sugeite o Senhor Embaixador aos estilos e uzos da terra, senão que entre / calçado com espada, e com as sombayas305 custumadas que hum Embaixador custu/ma fazer a seus próprios Príncipes e Reys. E quando Vossa Senhoria possa / ir com algumas alparcas ou chinelas nos pés, não vem a dizer nisso nada, como 305 Emprega-se no sentido de “saudação reverencial feita a um rei ou homem eminente”. / alguns já fizerão entrando assim no Palácio e isto é o que me parece / salvo melhor indício, porque desejo que esta Embaixada tenha to/do bom sucesso como vassallo leal que sou de Sua Alteza e do Senhor Conde / Vice Rey, e muito servo de Vossa Senhoria. Sião, 3 de Abril de 1684 / annos. a.) Padre Manoel Soares, Superior da / Missão e Residência do Sião Os mesmos três pontos mandou o Senhor Embaixador tãobem pro/por por papel ao Capitão mor Francisco Barretto de Pinna para que desse / sua re[s]posta no mesmo papel como o havia feito ao Padre Manoel Soarez, / porque como estas ditas pessoas ordenou o Senhor Conde Vice Rey ao Senhor Em/baixador que dellas tomasse pareceres, e consultasse os negócios da Embai/xada, como experimentadas no Reyno de Sião, não quiz o Senhor Em/baixador faltar no que lhe era ordenado sendo que sempre seguio o que / lhe pareceo mais acertado e de mais crédito ao serviço de Sua Alteza, / e de mais satisfação às ordens e vontade do Senhor Conde Vice Rey, como // adiante [Fl. 262] adiante se verá e a re[s]posta que deo o dito Capitão mor hé a seguinte. Re[s]posta que o Capitão mor Francisco / Barretto de Pinna deo por pa/pel sobre os três pontos acima de/clarados. Diffinindo aos três pontos acima que Vossa Senhoria propoem (sic) digo ao primeiro / que há 34 annos, que assisto por Capitão neste Reyno e sey ser ordem / deste Rey que todo o navio grande ou pequeno que entra desta barra para dentro / surja logo nas Tabangas, da barra, e Banco, que são as Aduanas, ou / Paços adonde os officiaes vêm aos navios a fazer visita, e tomar por / rol o comprimento, e largura do navio, a artelharia que traz, e qual a / gente, e de que terra vem, e juntamente que carga, e logo fazem avizo ao Rey / que dista vinte e mais legoas, e sem isso não pode nenhum navio su/bir acima, mas não sey, nem ouvy que esta ordem seja para barcos de Em/baixadores de Reys ou Príncipes de Europa por não ter chegado / aqui por esta barra nenhum athé o prezente, supposto que o anno de 47 / vindo a este Reyno por Embaixador com carta da Magestade del Rey / Nosso Senhor D. João que Deos tem, Francisco Couttinho de Magalhães em / tempo do Senhor Vice Rey D. Fellippe Mascarenhas, com os retratos / de Suas Magestades, e sagoates em direitura de Goa ao porto de / Tanacarim (sic)306, sey que de lá não veyo sem ir expressa licença deste / Rey depois de lá virem as notícias que os Siões custumão dar, mas / na occasião prezente sou de parecer se faça a saber a este Rey para que / elle disponha o que se deve fazer, e que sem isso Vossa Senhoria não consinta / dar-se rol nenhum visto estar já o navio cá em cima, e fora das Adua/nas e Paços. Ao segundo ponto digo que as Embaixadas e cartas que / aqui tem vindo de Reys, e Príncipes destas partes, e ainda as / que tem vindo de Portugal e do Estado da Índia se não entregão na / mão própria deste Rey, nem se entregarão as del Rey de França, e / de Sua Santidade que aqui trouxerão por duas vezes os Bispos Missio/nários, uzo e custume do Reyno hé receberem-se as cartas com estado e a/companhamento, e a quem as traz, humas mais perto da Corte, outras mais / longe, conforme os Príncipes ou Reys de quem são, e com todo aparato / e acompanhamento dos Ministros deste Rey se levão a certas para/gens deputadas para se traduzirem perante quem as traz, e dahi são / levadas com o prezente a el Rey por seus Ministros, outras vezes se guar/dão em lugares deputados com guardas e ostentação athé el Rey as / mandar traduzir que sempre hé diante de quem as traz, e o dia que/ el Rey dá audiência ao Embaixador por cerimónia se aprezenta // a carta 306 Por “Tenasserim”. [Fl. 262v.]307 a carta [a el Rey] (…) estando o Embaixador prezente; e deste cus/tume se não pode fugir, e sou de parecer que Vossa Senhoria não repugne / nisso se não encontra ordem em contrário. Ao terceiro ponto digo que hé custume não se entrar diante / deste Rey calçado, nem em pé, assim o fazem os Embaixadores dos / Príncipes, e Reys deste Sul, e ainda thios, primos, e parentes de / Reys, que aqui têm vindo, mas ao prezente Vossa Senhoria o não deve fa/zer, senão com sua espada na cinta, e calçado e em pé, e estando / diante del Rey se lhe deve fazer a cortezia conforme o estilo da terra / mais ou menos, e quando a isso haja repugnância alguma o entrar com sapa/tos, pode Vossa Senhoria fazer huns de veludo, porque não convém que por isso só / deixe Vossa Senhoria de conseguir ao que vem, e não entrando Vossa Senhoria pello / estilo que digo sou de parecer que Vossa Senhoria não entre nem veja a el Rey. a.) Francisco Barretto de Pinna Pellas seis para as sette horas da noite chegou ao bordo da fragata com grande / ostentação hum ballão em que vinha Constantino Falcão, o mayor pri/vado del Rey de Sião e tão desvanecido que com esta grande privança quiz dar a / entender lhe seria culpável o fazer visita de dia ao Senhor Embaixador; vinha / acompanhado de Fernão Nabo Paçanha seu grande amigo e do Padre / João Baptista Maldonado que hé seu confessor, como o Senhor Embaixador es/tava já bem informado de que este homem governava todo o Reyno de Sião qua/se absolutamente, e que todos os negócios de sua Embaixada havião de correr / pella mão do tal privado e não poderião ter bom fim não no tendo sem/pre propício, tratou o Senhor Embaixador de lhe fazer os obséquios e cortezias de / pessoa muito grande e disfarçar o conhecimento que já tinha de que o dito homem era / todo estrangeiro, e mais particularmente Francez, e nada Portuguez. Pe/garão os soldados todos nas armas chegando toda a gente do Senhor Embaixador / ao bordo a receber com grande cortezia o dito Constantino 307 Apresenta-se ilegível o princípio da primeira linha. Falcão, e na porta / da varanda o recebeo o Senhor Embaixador e o dito Grego com grandes cortezias / lhe deo as boas vindas mostrando-se muy alegre pella dita que dizia tinha / de ir ao Reyno de Sião Embaixador do Príncipe Nosso Senhor em tempo que / elle estava capaz de mostrar os grandes affectos que tinha à nação portugueza, / e a grande vontade de exalçar o crédito de Sua Alteza, a todos estes com/primentos o Senhor Embaixador satisfez com muita cortezia e dizendo-lhe juntamente / que todos os negócios que trazia havia de pôr em suas mãos, pois entendia que suas / palavras não erão fingidas, e depois de se fazerem vários brindes à saúde / das pessoas Reaes, pedio o dito Grego ao Senhor Embaixador que fosse servido fi/car só com elle, o que lhe concedeo, e largas horas da noite estiverão praticando, e tudo / veyo a topar em querer o dito Grego que o Senhor Embaixador não quizesse izentar-se / dos uzos e custumes, que havia no Reyno de Sião, e que fosse servido querer per/mittir se lhe fizesse o registo acustumado na sua fragata pellos Ministros / del Rey deputados para este negócio, e no que tão bem fez diligência foi por / ver se podia logo saber particularmente dos negócios todos a que se dirigia // a Embaixada [Fl. 263] a Embaixada porque corrião várias vozes no Reyno de Sião sobre esta matéria. No / tocante ao registo disse o Senhor Embaixador que não havia que debater porquanto a sua / pessoa pello posto que trazia era izenta e livre de semelhantes leys, e mais sendo / Embaixador de hum Príncipe tão bellicoso e respeitado em todo o mundo, e no / particular dos negócios de sua Embaixada já lhe tinha dito e segurado que todos / havião de correr por suas mãos, e que o lugar em que estavão não era capaz ma/is que de cortezias, e logo o dito Constantino Falcão preguntou (sic) ao Senhor Em/baixador se a carta que trazia era do Príncipe Regente dos Reynos de / Portugal vinda de sua própria mão, ou se era do Senhor Conde Vice Rey da Índia, / porque o recebimento que se devia a huma se não havia de fazer a outro (sic) pella muita / differença que há de Príncipe para vassallo, ao que respondeo o Senhor Embaixa/dor que a carta que elle trazia, e as mais couzas tocantes a Embaixada se lhes / havia de fazer as honras como se fossem vindas de Portugal, porque os Se/nhores Vice Reys da Índia representavão nella a pessoa do Príncipe Nosso / Senhor, e que havendo a differença no Reyno de Sião que elle Constantino Fal/cão dizia faria o Senhor Embaixador nesse particular o que as ordens, que trazia, lhe / ensinassem; tratou logo o dito Constantino Falcão de se despedir do Senhor / Embaixador que o foi acompanhando athé o portaló da fragata dando / a entender ao dito Constantino Falcão o que estimava a grande privança / que tinha, e dar-lhe a conhecer que na pessoa do Senhor Embaixador particular/mente não moravão desvanecidas altivezas, senão firme constância / para as couzas que tocavão ao crédito do Príncipe Nosso Senhor, e porque o dito Cons/tantino Falcão se havia criado em Inglaterra, e era todo versado nas / cortezias militares estrangeiras o despedio com ellas mandando-lhe dar / huma Salva Real de artelharia sem embargo de ser meya noite. Ao seguinte dia vierão a bordo da fragata o Vigário de São / Domingos do Bandel de Sião, e dous clérigos que hum delles substitu/hia o lugar de Vigário da Vara, e Jozeph Cardozo, e outras algumas pessoas a / dar as boas vindas ao Senhor Embaixador, e particularmente advirtio-lhe / a revolvição que havia em terra do Senhor Embaixador não querer consentir / o ser registada na sua fragata, e mostrarão estes sogeitos que estavão algum / tanto tímidos, porque como o dito Grego era o empenhado e por sua grande / privança todos lhe pagão párias quirião (sic) facilitar com rezões ao Senhor Em/baixador que não desfazia nada a Embaixada o satisfazer ao despacho, a / mayor desgraça de todos os Portuguezes que vivem no Sião, hé viverem algum / tanto esquecidos do brio e crédito portuguez, porque não tratão mais que de sua / conservação naquelle Reyno de Sião, e verdadeiramente não sey com que / interesses, pois todos passão miseravelmente, mas tãobem neste particu/lar em que tratavão não deixarão de ter muita desculpa, pois não pe/netravão o fundamento da izenção com que o Senhor Embaixador queria logo en/trar no Reyno de Sião; o que mayor cuidado deo ao Senhor Embaixador foi / o virem-lhe dizer que pello Reyno de Sião corrião várias vozes que esta embai/xada era mandada pello Senhor Conde Vice Rey a impetração dos Padres da Com/panhia de Jesus para no dito Reyno se solicitarem males contra os Fran/cezes, outros dizião que o Senhor Embaixador era tão somente hum enviado e / por outras bocas que não era mais que portador de huma carta, a cauza desta // variedade [Fl. 263v.] variedade, e mais não sey a quem se atribua, se as muitas nações estrangeiras que / tratão no Reyno de Sião, oppostas todas por natureza à nossa nação, ou se / os mesmos nossos Portuguezes forão cauza de semelhante variedade, porque / o Senhor Embaixador andou tão acautelado em ter só para sy as ordens do Senhor / Conde Vice Rey que elegendo-me a mim por Secretário desta Embaixada, a quem / nada se podia occultar, e fazendo eleição de levar consigo o Padre Mestre / Frey Pedro da Trindade não só por Capellão, senão tãobem para se valer / de seu juizo nas controvérsias que se lhe offerecessem nos mayores negócios, / não quiz na Cidade de Macao communicar-nos, nem descubrir-nos nada / do que o Senhor Conde Vice Rey lhe tinha ordenado, e só o fez em meya viagem / indo para o Sião, dando-nos para isto o juramento de guardar segredo, grande cou/za foi para se conservar o respeito da Embaixada, e desmentir a variedade / de vozes, o levar o Senhor Embaixador o grande acompanhamento de gente / boa e lustrosa, e os grandes ornatos de sua pessoa que para tudo isto deo por / bem empregada a despeza de sua fazenda, e tanto assim que mandando o Senhor / Embaixador pello Tenente Mestre Sala da Embaixada para terra com / os aprestos de sua recâmara e sala que constavão de bauz forrados de velu/do verde com pregaduras douradas e cadeiras do mesmo veludo verde com a pró/pria pregadura e franjas de ouro e seda, e huma copa de prata muito autho/risada e hum sitial que mandou armar na sala das cazas que se lhe esta/vão aparelhando, o qual era de riquíssimas pessas de ouro cramezim / da China com cadeira de veludo cramezim, e pregadura dourada, e / coxins do mesmo veludo cramezim bordados de ouro de obra alta com / seu cubertor de pessa de ouro fino da China tãobem de cor cramezim / que andando o dito Constantino Falcão por sua própria pessoa a administrar / do apresto e armação das cazas que el Rey tinha mandado aparelhar para o Senhor / Embaixador descançar, disse o dito Constantino Falcão, vendo entrar o Te/nente Mestre Sala com todo o aparato nomeado, ora o certo é que hé Embaixador / do Principe Regente de Portugal e se lhe devem fazer grandes honras e tu/do quanto se há dito em contrário são velhacarias e maldades. O Senhor Embaixador por não se desviar das ordens do Senhor Conde Vice Rey / que nellas particularmente lhe ordenava se aconselhasse para melhor acerto / do Padre Manoel Soares, e do Capitão mor Francisco Barretto de Pinna, man/dou chamar a ambos a sua fragata, e dentro na camera della só com / elles mandou a mim Secretário que fizesse manifestas aos dous sugeitos, de/baixo de todo o segredo, as ordens que o Senhor Conde Vice Rey dava sobre se su/geitar aos uzos e custumes do Reyno de Sião, e eu Secretário li ao Padre / Manoel Soares, e ao dito Capitão mor o que o Senhor Conde Vice Rey dispunha nes/te negócio, o que ouvindo os ditos dous sugeitos encolherão os hombros dizendo / que o Senhor Embaixador tinha obrado discretamente na constancia que começou / a ter no tocante a não se sugeitar aos uzos e custumes do Reyno, pois / pello que tinhão ouvido de prezente ler achavão ter o Senhor Embaixador mayo/res difficuldades que vencer do que aquella que de prezente tinha já quasi / vencido, porque já vião inclinado Constantino Falcão a disistir do / registo, e os mais Ministros a quem tocava este negócio, mas que duvidavão / muito que el Rey de Sião viesse a ceder dos uzos e custumes de mais consi//deração [Fl. 264] consideração que o Senhor Conde Vice Rey apontava porque o dito Rey era nes/ta matéria muito altivo e soberbo, ao que respondeo o Senhor Embaixador / que se na vontade del Rey estava o não consentir no que se praticava / que na sua estava o voltar-se sem o ver, e que lhe declarassem a cauza por que / se havião detido tanto os Ministros del Rey de Sião em o vir buscar / a sua fragata para desembarcar, ao que respondeo o Capitão mor que / Constantino Falcão, que tudo dispunha e governava, mandava di/zer ao Senhor Embaixador que tivesse paciência que se lhe estavão aparelhan/do cazas com a pompa e authoridade que se devia a sua pessoa, e que era força / que [h]ouvesse alguma detença em se aparelharem os grandes Ministros e pessoas / graves do Reyno que el Rey ordenava que o fossem buscar a sua fragata / para o trazerem para terra, e que Sua Magestade estimava em sumo grao esta Em/baixada e tinha mandado ordem que de sua fazenda real se fizessem / todas as despezas dos gastos ordinários da pessoa, e gente toda do Senhor / Embaixador emquanto estivesse em seu Reyno, e que elle dito Constan/tino Falcão mostraria a Sua Senhoria o quanto da sua parte estimava / esta Embaixada, porque nella havia de obrar com todo amor e vonta/de que coubesse no que podia. Em quanto se andava nas preparações para o Senhor Embaixador / desembarcar não faltavão variedades de ditos, que se lhe trazião, que / a faltar-lhe a prudência e sagazidade de juizo se veria muito pertur/bado, porque em meyo d etudo lhe disserão de certeza que o Capitão mor Francisco / Barretto de Pinna se mostrava mais inclinado a satisfazer a von/tade do Grego do que zelar as couzas do serviço de Sua Alteza, porque dizen/do o dito Grego diante delle que a rezão por que instava a que o Senhor Em/baixador mandasse dar registo da sua fragata, era porque vindo outros / Embaixadores de outras nações ao Reyno de Sião não quizessem gozar do / mesmo previlégio, ao que, diz, respondera o dito Capitão mor que Sua Mercê / fizesse o que entendia, pois tinha sobre seus hombros o governo do Reyno / de Sião, não duvido que semelhante re[s]posta desse este sugeito, por/que por natureza hé homem muito fingido, e em poucos instantes varea muitas / vezes em matérias de muita consideração, e foi tal que a carta, que o Senhor / Vice Rey lhe escreveo andou com ella por todo o Bandel de Sião como que fosse / carta munitória que hé necessário que chegue a notícia de todos, e isto / a fim de amedrontar a todos porque por seu sugeito ninguém lhe teve / nunca respeito, e disserão muitos que elle se jactara que esta Embaixa/da lhe vinha a elle encarregada para conseguir os melhores acertos, e is/to ouvido no Reyno de Sião que huma couza de tanto porte hia estriba/da sobre hum homem de quem no Reyno de Sião se fazia muito pouca esti/mação, deslustrava muito a dita Embaixada, e pellos taes desva/necimentos serem tão prejudiciaes, merecia este sugeito muito castigo, sen/do que em parte o não deixou de ter por mãos alheas, como adiante se verá / que as mayores turbações, e enfados que o Senhor Embaixador teve no Reyno de // Sião [Fl. 264v.] de Sião teverão (…) na[s]cimento dos desacertos e maldades deste sugei/to. A seis de Abril de menhaã (sic) muito cedo veyo o dito Capitão mor / a dizer ao Senhor Embaixador que por a tarde havião de vir com grande / aparato os Ministros del Rey a buscar a Sua Senhoria, e que as cazas que / lhe tinhão aparelhadas era a Feitoria dos Portuguezes no Bandel de / Sião a borda do Rio junto a São Paulo, as quaes cazas estavão mui / bem ornadas e já providas com todo o necessário de mantimentos a custa da / fazenda del Rey por ser assim ordem sua, assistindo a tudo obran/do e mandando o Falcão que com muito zelo obrava em tudo. Ido o Ca/pitão mor depois de dar este avizo, vierão três mandarins a fra/gata dos principaes do Reyno com hum lingua Augustinho Rosado / a quem mandava preguntar (sic) o Senhor Embaixador se os ditos mandarins / erão pessoas a quem se devessem cortezias, porque não queria faltassem / ellas a quem as merecesse, nem fazê-las a pessoas de menoscabo, ainda que / fossem servidores del Rey, disse o dito língua que erão três pessoas prin/cipaes mandadas pello Barcalão Governador do Reyno, e Constantino Fal/cão que era o mais supremo, com esta certeza os mandou entrar o Senhor / Embaixador dando-lhes assentos com muita cortezia, e correspondendo / elles com a mesma, disserão que elles erão mandados dos dous governadores / acima nomeados, para que viessem a visitar ao Senhor Embaixador a dar-lhe / as boas vindas, porque assim o tinhão por ordem da Imperial Magesta/de del Rey seu Senhor, o qual estava muito satisfeito de que o Principe / Regente dos Reynos de Portugal mandasse a seu Reyno tão au/thorisado Embaixador a confirmar as amizades que entre ambos / havia de muitos annos athé o prezente, e disserão mais os ditos manda/rins, que os dous Governadores pello avizo que os Tabangueiros da bar/ra lhe tinhão feito, e pellas cartas que de Sua Senhoria tiverão, con/ferindo huma couza com outra, e pello aparato com que Sua Senhoria vi/nha, assim de gente lustroza e aparelho de barco, ficarão enten/dendo que Sua Senhoria era verdadeiro Embaixador do Principe Re/gente dos Reynos de Portugal, e conforme esta certeza fizerão / avizo a Magestade de seu Rey, o qual mandou logo se ajustasse to/do o melhor de seu Reyno para virem ao barco de Sua Senhoria a le/vá-llo para terra para as cazas que para seu aposento tinhão mandado con/certar para que Sua Senhoria descançasse alguns dias do trabalho do / mar, e depois mandaria ordem para que fosse para cima aonde elle estava na / sua Cidade de Lovo; porque dezejava muito de o ver, e que de mais a mais / delles mandarins, conforme a ordem que trazião, avisavão a Sua Senhoria / que de tarde estivesse prestes porque havião de vir levar para a terra sua / pessoa conforme merecia, e a ordem que tinhão de seu Rey. O Senhor Em/baixador lhes agradeceo muito a sua vinda, e lhes disse desse de sua parte / aos dous Governadores os agradecimentos do grande zello que mostravão nas // ordens [Fl. 265]308 nas ordens, que aceitavão terem de seu Rey no tocante ao recebimento da / Embaixada do Principe seu Senhor, forão-se logo os ditos manda/rins e o Senhor Embaixador se ficou apercebendo com todo aparato com que se havia / embarcado, como fica dito no principio desta Rellação, e da gente / do mar mandou escolher alguma mais lustrosa para fazer o número / de mosqueteiros mais estendido porque para isso levava muito bom pro/vimento de mosqueteria, e os mais aviamentos. Pellas três horas de a tarde estando já tudo preparado vie/rão dous mandarins avizar ao Senhor Embaixador que o vinhão a buscar to/dos os grandes que de prezente se achavão no governo da Cidade de baixo, e / que quando Sua Senhoria lhe parecesse pequeno acompanhamento e a/parato devido a sua pessoa, ficasse entendendo que não era recebimento / que se lhe fazia como Embaixador que hia já dar sua Embaixada, / senão que o vinhão buscar a sua fragata para ir descançar alguns dias / a terra, e que o aparato Real seria quando fosse para a Cidade de Lovo por / mandado de seu Rey para dar sua Embaixada, acabado este com/primento veyo hum ballão de 34 remos de estado com seu toldo de es/carlata, com senefas de seda, e cortinas de sitim encarnado, alcati/fado, e huma almofada bordada de fio de ouro, e na boca de toldo dous / sombreiros amarelos com seus paos forrados de prata, do próprio Rey, o qual / ballão era para o Senhor Embaixador se embarcar, o qual logo fez comigo / Secretário e o Reverendo Padre Capellão mor, e o Capitão do estandarte que / nas mãos o levava arvorado na boca do toldo do dito ballão, e ao sair / da fragata se lhe deo huma grande salva Real, vierão logo dous titula/res del Rey que responde a nosso modo a Duques, cada hum em seu bal/lão de mais de corenta remos metidos em suas charolas douradas, e me/terão ao Senhor Embaixador no meyo, e diante por guias dous Condes ca/da hum em seu ballão muy bem esquipados (sic) tãobem com suas charolas309 / douradas, e atraz do Senhor Embaixador em muito bem esquipados (sic) ballões vi/nhão muitos mandarins e fidalgos del Rey de Sião, e officiaes de sua justiça / que sendo o rio bem largo se achou nesta occazião quasi todo povoado / de embarcações, porque tãobem a este número se ajuntava o dos ballões / 308 309 Apresenta-se rasgado no canto inferior direito. Charola – andor. dos principaes Portuguezes, e mais Christãos, que vivem no Reyno de Sião, / não faltando o Vigário de São Domingos Frey Domingos de Santa Anna, / que com particular reguzijo se achava com a prezente Embaixada, / e juntamente os Padres da Companhia que se adiantarão para irem para a sua / Igreja para estarem apercebidos a receber ao Senhor Embaixador que lhes tinha di/to que queria ir fazer oração, e passando por huma grande naö del / Rey de Sião começou a desparar quanta artelharia tinha por assim o ter / por ordem, e o mesmo fez outro barco do mesmo Rey que de Macao tinha / chegado em nossa companhia, e chegando o Senhor Embaixador defronte da / porta de São Paulo ententou o desembarcar, pois o estavão os Padres [es]/perando com Cruz alçada e todo o aparato que permitem as posses que [os] (…) // [Fl. 265v.] Religiosos têm no Reyno de Sião, o que conhecendo os grandes e mandarins que / acompanhavão o Senhor Embaixador lhe pedirão muito de mercê não quisesse / dar occazião a que elles perdessem suas cabeças, porque tinhão ordem expressa / de seu Rey que com a pessoa do Senhor Embaixador não chegassem a parte ne/nhuma senão as cazas que lhe tinhão aparelhado para sua aposentadoria, e / com tanto encarecimento fizerão esta petição que o Senhor Embaixador os satisfez / mandando dizer aos Padres da Companhia que noutra occazião receberia as / honras que lhe querião fazer, os quaes Padres se recolherão sem que recebessem / nenhum pezar, pois penetrarão a cauza que como experimentados / conhecião os rigores del Rey de Sião para com seus ministros, e chegando / a huma ponte de madeira que na praya junto as cazas se tinha feito para / desembarcar o dito Senhor que o fez logo estando já todo o acompanhamento / em terra e o forão levando para as cazas que lhe estavão aparelhadas com / muito as[s]eyo alcatifadas de riquíssimas alcatifas, e toldadas de pannos / de várias cores, e entrando o Senhor Embaixador na sala se poz em pé de/baixo do sitial, e mandou a todos os grandes que se fossem sentando e el/le o fez com muita Magestade que cauzou grande respeito a toda aquella gen/te, os quaes com muita sussessão de cortezias e sombayas a seu modo se despe/dirão do Senhor embaixador, que lhes deo a todos os agradecimentos de o have/rem acompanhado, e mandou dar cantidade de prata a todos os mari/nheiros do ballão em que havia vindo, não ficando de fora os siões, que / acarretavão os sombreiros del Rey, e desde aquella hora ficou o ballão em / que havia vindo o Senhor Embaixador, surto ao pé da ponte na mesma for/ma com o aparelho que se tem dito, porque havia ordem del Rey para que emquanto / o Senhor Embaixador estivesse em seu Reyno o servisse o tal ballão em tudo / o que elle ordenasse. Intentou o Senhor Embaixador com muita instância o não querer / aceitar que se fizessem os gastos de sua pessoa e gente a custa da fazenda / del Rey de Sião, mas certificarão-lhe que hum dos mayores agravos que / Sua Senhoria podia fazer a el Rey era o não lhe querer aceitar o que / com tanta vontade mandava despender, porque o dito Rey já estava in/formado que o Senhor Embaixador hia muito provido de cabedal para / fazer gastos em seu Reyno, mas que tinha por crédito grande o fa/zer despezas de sua fazenda com a Embaixada do Príncipe de / Portugal seu Irmão em Armas que muito estimava, e por esta[s] / rezões o Senhor Embaixador disse que aceitava a mercê del Rey, o qual / mandou a Constantino Falcão que buscasse entre os Portuguezes / moradores em seu Reyno hum dos mais authorisados e intelligente / que servisse de administrador da despeza que mandava fazer, / porque sendo por algum Ministro seu como ignorante na política / portugueza poderia o Senhor Embaixador ser muito mal servido, / e a sua gente carecer de muitas couzas necessárias, e o dito Constantino / Falcão elegeo logo a Jozeph Cardozo, que melhor lhe pareceo para // este [Fl. 266] este ministério, e lhe deo cantidade de prata para ir fazendo as des/pezas, dando parte a el Rey da eleição, o qual mandou logo huma ca/na de Jappão com engastes de ouro em huma bolça de veludo para que ser/visse de insignia ao dito administrador, com que ficava já admittido / por hum dos grandes da Caza Real del Rey de Sião, e por esta acção / que el Rey fez forão todas as nações estrangeiras e os naturaes Siões / vaticinando as grandes honras, e estimação que el Rey havia de fazer / desta Embaixada, e o dito Jozeph Cardozo honrando-se muito de o oc/cuparem em couzas do Principe Nosso Senhor, e vendo-se tão honrado del / Rey de Sião por esta cauza, exerceo seu offício com grande cuidado, e / diligencia. Ao seguinte dia depois de desembarcado o Senhor Embaixador, / mandou a mim Secretário e ao Padre Capellão mor que fossemos vi/sitar de sua parte a Constantino Falcão como tão grande privado, / e dar-lhe os agradecimentos do grande as[s]eyo e concerto da caza de hospe/dagem e juntamente do provimento que sua gente nella tinha achado, e que / não estimava semelhantes couzas tanto pella valia, quanto por lhe / constar assistir a Sua Mercê com sua pessoa ao concerto da dita caza, de que / ficou o dito privado muito agradecido de ver o Senhor Embaixador tão antici/pado em cortezias para com elle, offerecendo-se novamente com todo affecto para / tudo o que fosse gosto do Senhor Embaixador, e no mesmo dia veyo Augosti/nho Rosado, que serve de língua dizer ao Senhor Embaixador que na Pon/te das cazas estava hum grande mandarim, que pedia licença para vir / perante Sua Senhoria com hum recado e sagoate dos dous Governadores / do Reyno, mandou o Senhor Embaixador que entrasse, o qual disse que elle vi/nha da parte dos dous Governadores do Reyno a visitar a Sua Senhoria, os / quaes juntamente mandavão offertar a Sua Senhoria hum sagoate composto / de couzas da Persia, e de Jappão, e de Inglaterra, e de Espanha, e / juntamente lhe mandavão preguntar (sic) se Sua Senhoria estava sa/tisfeito do agazalhado, porque elles não querião, nem el Rey permittia / que tivesse hum mínimo descommodo, nem que a sua gente tivesse faltas / do necessário, e que quando Sua Senhoria tivesse algum negócio que tratar / com algum delles ditos Governadores, Sua Senhoria o fizesse por meyo do / Secretário da Embaixada. O Senhor Embaixador lhe mandou os agra/decimentos despedindo o mandarim com muita cortezia, mandando pro/ver de prata a todos os que acarretarão os sagoates que forão muito contentes / sendo gente muito intereceira; no mesmo dia veyo o Padre Superior da / Companhia convidar ao Senhor Embaixador para o Domingo seguinte hir / a sua Igreja ouvir Missa Solemne, e sermão em acção de graças / de sua boa vinda, porque o dito Padre Manoel Soares além de ser / Religioso da Companhia em quem nunca faltão primores para todas / as couzas do serviço de Sua Alteza, hé o dito Padre Portuguez e // [Fl. 266v.]310 e do (…) nas couzas de seu Príncipe; o Senhor Embaixador lhe a/gradeceo muito o zelo tão santo, porém que Sua Paternidade, se obstasse o intento, e o / (…) fosse para depois de concluídos os negócios da Embaixada, que quan/do concedessem (?) muito em crédito do Sereníssimo Príncipe Nosso Senhor e se desse / satisfação por inteiro a vontade do Senhor Conde Vice Rey, então era me/lhor a applicação da devação aos bons sucessos, e quando elles sucedessem ao / contrário não queria o Senhor Embaixador que dicesse (sic) o mundo que mais aplau/dido fora a entrada que a saída, e demais que não era bem que saísse da caza aonde / o tinhão posto athé ir dar sua Embaixada, e visitar a el Rey porque com/forme as suas políticas dar-se-hia por aggravado, e não faria tanto cazo / de sua pessoa. O dito Padre Manoel Soarez aceitou por muito ajustadas as / rezões do Senhor Embaixador; no mesmo dia foi visitado o dito Senhor por dous Padres / Capuchos Italianos, da parte do Bispo de sua mesma nação e religião que / nesta occazião se achava no Reyno de Sião vindo de Betavia311 para passar / ao Império da China, e pella tarde veyo o mesmo Bispo a visitar ao Senhor Em/baixador, que o recebeo debaixo de seu sitial dando-lhe assento no m312 esmo lu/gar a sua mão direita por ser pessoa constituída em tão grande dignidade assis/tindo na sala todos os officiaes da Embaixada vestidos de gala, e na / mesma forma toda a mais gente, e quasi toda a tarde durou a visita em / práticas políticas e rezões de estado. Assim como o Senhor Embaixador desembarcou ordenou aos officiaes / de sua fragata que tratassem logo do concerto della e dar-lhe querena sem / dilação alguma, o que se foi logo fazendo e se achou no fundo della que a a/gua que fazia era em humas custuras que tinhão o calafeto podre, que foi / milagre de Deos / que o Senhor Embaixador mandava concertar a sua fragata não era só pella ne/cessidade de o haver mister, senão tãobem obrigado de hum pensamento / em que estava determinado, e era que considerando que el Rey de Sião estava / na Corte de Lovo vinte e sette legoas pello rio acima, e que lá lhe havia / de ir dar a sua Embaixada, e que melhor era fazê-llo levando já de cá de/baixo os pleitos vencidos tão difficultosos de entrar 310 311 De muito difícil leitura no cimo. Apresenta um rasgão no canto inferior esquerdo. Batávia – antigo nome de Jacarta (actual capital da Indonésia). em Palácio da ma/neira que o Senhor Conde Vice Rey dispunha em suas ordens, e assim andou ven/do occazião em que fizesse sabedor deste seu pensamento ao privado Constan/tino Falcão que estava de partida para a Corte, para que elle facilitasse com el / Rey o que tratamos antes que o Senhor Embaixador fosse a Corte, e que el Rey se / empenhasse mais com a Embaixada, e quando de todo em todo el Rey não / quizesse senão que o Senhor Embaixador se sugeitasse a todos os seus uzos e custu/mes, queria o Senhor Embaixador ter a sua fragata capaz e sufficiente para / [to]da a hora que lhe fosse necessário embarcar-se nella, e estando resoluto o Senhor / [Em]baixador em seu pensamento lhe offereceo a occazião meyo para o empre[e]nder, / [e] foi que Fernão Nabo Paçanha grande familiar de Constantino Fal/[cão] veyo a visitar ao Senhor Embaixador e lhe deo parte em como Constantino // Falcão 312 Resto da linha ilegível devido a um vinco. [Fl. 267]313 Falcão estava de partida para a Corte para ir administrar [o que] era / necessário para o recebimento da Embaixada, que não sabia se o Senhor Embaixador / tinha que recomendar, ao que o Senhor Embaixador respondeo que estimava muito a offe[r]/ta que se lhe fazia, e mais sendo por portador tão bem explicado, não / queria deixar de se aproveitar da occazião, e assim que elle Fernão Na/bo Paçanha fosse servido de diz[e]r a Constantino Falcão que fizesse pre/zente a Sua Magestade em como o Senhor Embaixador estava muito agradecido das hon/ras e mercês que de prezente estava recebendo de suas liberalíssimas mãos, e que / estava prestes para ir a sua Corte a dar-lhe a Embaixada que lhe era envia/da do Senhor Conde Vice Rey da Índia da parte do Príncipe seu Senhor, mas que / mandava advirtir a Sua Magestade que quando fosse servido permittir / que o Senhor Embaixador entrasse em seu Palácio perante sua Real Pessoa, / o havia de fazer na forma que o fazia diante do seu Príncipe e Senhor, que / era calçado, com espada e adaga na cinta, e em pé direito sem gatinhar / por terra, e que havia de dar a carta e Embaixada ao próprio Rey, e não a / seus Governadores, e que a re[s]posta havia de ser na mesma forma, porque / assim o tinha por ordem expressa, e que pedia ao dito Constantino Falcão / que visto Sua Magestade ter posto em suas mãos todo o governo de seu Reyno, e ser / pessoa por quem havia de correr particularmente este negócio, quizesse / facilitar a Sua Magestade o conceder-lhe a franqueza de sua entrada em Pa/lácio na forma em que pedia, porque sabido era o quanto elle Constantino / Falcão solicitava que no Reyno de Sião as nações de Europa conservassem / suas políticas, e como a nação portugueza era nesta matéria muito escru/pulosa, e elle dito Constantino Falcão dizia que era a que mais estimava, / certo ficava o Senhor Embaixador de que havia de ser delle mais patrocinado, / e o dito Fernão Nabo disse ao Senhor Embaixador que tudo quanto lhe tinha dito / faria prezente a Constantino Falcão, que era o que tudo podia com el Rey de / Sião, e que elle no seu tanto como leal vassallo que se conhecia ser do Prínc/cipe Nosso Senhor não havia de deixar de obrar o que pudesse na conservação / do crédito do dito Senhor, sem embargo de que neste sugeito o Senhor 313 Apresenta-se rasgado no canto superior direito. Embaixador / tinha descuberto ânimo differente do que erão suas palavras, e lhe agra/deceo muito o offerecimento. Alguns annos há que no Reyno de Sião assiste hum Religioso do / Patriarcha São Domingos por nome Frey Pedro Martyr filho da Cidade / de Macao, que sendo Mestre nas Letras lhe tem aproveitado tão pouco que / vive esquecido das obrigações de seu estado, rebelde a obediência de seus / Prelados, e por viver francamente no Reyno de Sião, solicitou a graça de / Constantino Falcão e se sugeitou a ser seu escrivão seguindo sua / sombra com tanto opróbio do estado religioso que professa, que todas as nações / que no Reyno de Sião se achão estranhão muito o desconcerto deste Religiozo, / ao qual deo Constantino Falcão por ordem que viesse ter com a pessoa do Senhor / Embaixador e lhe dicesse (sic) que na sua entrada em Palácio haveria muita difficul/dade em ser com sapatos, que as mais couzas que Sua Senhoria havia apontado // não [Fl. 267v.]314 não [erã]o difficultozas mas que na dos sapatos, e nas mais poria toda / sua (…) para que Sua Senhoria ficasse satisfeito, e que elle estava de par/tida para a Corte aonde el Rey lhe havia de preguntar (sic) miudamente pellas / circunstancias da vinda de Sua Senhoria, que fosse servido mandar-lhe / dizer se o sagoate que trazia era próprio de Sua Alteza mandado de Por/tugal para el Rey de Sião, ou mãodado pello Senhor Conde Vice Rey da Índia, / e se na mesma forma o trazia para o Barcalão, Governador do Reyno de Sião, e a / rezão por que o dito Constantino Falcão mandou fazer estas preguntas (sic) / ao Senhor Embaixador, foi porque el Rey de Sião e os mais Reys destas partes / do Sul têm para sy que os Senhores Vice Reys da Índia são o mesmo que os Governadores / de seus Reynos que representão suas segundas pessoas, e não querem fazer / as honras aos que são vassallos iguais às dos Príncipes, e conhecendo o Senhor Em/baixador o pensamento por que Constantino Falcão mandava f[a]zer esta / pregunta (sic), deo a re[s]posta na forma em que já a tinha dado fallando-se / em semelhantes matérias, e foi dizer, ao dito Padre Frey Pedro Mar/tyr que dicesse (sic) a Constantino Falcão que lhe agradecia muito os multiplicados / offerecimentos que lhe fazia, e que estivesse certo que tudo o que obrasse em crédi/to da prezente Embaixada o Senhor Conde Vice Rey da Índia lhe havia de / saber agradecer, e fazer prezente ao Príncipe Nosso Senhor para que soubesse / que a mayor privança do Reyno de Sião sendo da nação differente da por/tugueza se mostrava todo Portuguez em solicitar o augmento do crédito / da tal nação, e que no que tocava as perguntas dos sagoates lhe mandava / dizer que os sagoates que trazia para el Rey e Barcalão erão mandados pel/lo Senhor Conde Vice Rey em nome de Sua Alteza, porque tudo o que elle obrava / era como se fosse obrado pello Sereníssimo Príncipe Nosso Senhor, e tudo o que / o Senhor Embaixador assentasse com a Magestade del Rey de Sião o havia de / [h]aver o Príncipe Nosso Senhor por bem feito, pollos poderes, e ordens que par/ticularmente concedeo ao Senhor Conde Vice Rey para este negócios quando o man/dou tomar posse do governo da Índia. 314 Apresenta-se rasgado no cimo, o que dificulta a leitura das duas primeiras linhas. Partido Constantino Falcão para a Corte de Lovo veyo o Padre Frey / Pedro Martyr dizer ao Senhor Embaixador que Constantino Falcão pro/metera de obrar intimamente no bem desta Embaixada tudo o que pu/desse, e que Sua Senhoria estivesse descançado porque havia de trabalhar / em forma que fosse recebido com muito crédito, e que lhe perdoasse o não estar / com Sua Senhoria muitas vezes porque se achava cercado de muitos inimigos que / não queria que lhe arguissem algumas culpas, mas que tempo ficava depois / de Sua Senhoria dar a Embaixada para se communicarem muito amiudo; / e para que se conheça o fallar de Constantino Falcão em inimigos, / hé necessário declarar aquella palavra que atraz fica dita de que o tal / era mais Francez que Portuguez, e assim há-se-de entender que os Fran/cezes no Reyno de Sião têm hoje o principal lugar pello grande empe/nho com que el Rey se tem metido com elles, assim na Embaixada, que mandou // a França [Fl. 268]315 França, como o grosso (…) que tãobem (…) / para seu Palácio e de (…) curiosidades, e demais que elles lhe (…) / a vontade com grossas offertas, e com prometimentos de couzas grandes, e tem o Bis/po Francez entrada em Palácio muito particular, e sabe a ling[ua] / da terra conforme os naturaes de que el Rey gosta muito pois falla com elle / sem ser por meyo de intérprete, e quando o Bispo assiste na Corte / donde está el Rey, tem todos os dias iguarias de sua meza mandadas com / grande cuidado pello mesmo Rey, e o dito Constantino Falcão quando / por seus interesses próprios não estivesse todo apaixonado, e familiar / amigo dos Francezes, bastava ver que seu Rey estimava tanto esta nação / para que se lhe mostrasse todo propício, e estes são os inimigos que embuçada/mente mandou dizer ao Senhor Embaixador que tinha que lhe podião arguir / crimes, o certo hé que pella voz que correo geralmente no Sião de que esta Em/baixada não hia ao dito Reyno mais que a solicitar males aos Fran/cezes, trabalhavão elles com o dito Grego que visse se podia com sagazidade al/cançar do Senhor Embaixador a certeza do que soava, para terem tempo de se ar/marem para sua defensa, e como o dito Constantino Falcão pellas re/zões ditas trabalhava pellos satisfazer, fez grandes diligências / por saber do Senhor Embaixador todas as circunstâncias de sua Embai/xada dizendo que no Reyno de Sião não havia outro Ministro que cor/resse com semelhantes negócios, mais que elle, e que ou tarde, ou cedo lhe ha/vião de ser todos manifestos, e que se anticipadamente os dezejava sa/ber, era para que com tempo facilitasse os meyos difficultosos que se podião / offerecer para não alcançar o bem que se dezejava a esta Embaixada que / elle queria que tivesse muitos acertos, e para mais fazer que o Senhor Embaixador / o não tivesse por solapado no que dizia, disse em huma occazião ao Senhor Em/baixador que o Bispo Francez sem embargo de estar muito doente fa/zia muitas diligências por se ir achar na Corte quando fosse para ella o Senhor / Embaixador, mas que elle havia de dizer a Sua Magestade que o não consen/tisse, porque talvez o Embaixador do Príncipe Regente dos Reynos de / Portugal teria negócios que tratar com Sua Magestade, e sentiria muito que se a/chasse prezente o Bispo Francez, não há dúvida que todas estas ar/mações, e sagazidades podião fazer grandes danos se o Senhor Embaixador 315 Apresenta manchadas as 7 primeiras linhas e rasgado o canto superior direito. com / discrição as não tivesse penetrado, e com discretas rezões satisfazia ao dito / Constantino Falcão de que elle se não dava por satisfeito, pois não co/lhia o fim de seu dezejo, e em auzência do Senhor Embaixador formavão grandes / queixas dizendo que o Senhor Embaixador lhe dizia huma couza com a boca, e ou/tra lhe ficava no coração, pois por vezes lhe tinha ouvido que todo se ha/via pôr nas suas mãos, e que couza nenhuma de substância communicava / com elle, comtudo trabalhava o Senhor Embaixador muito por não se dar por / entendido das malícias deste privado, mais que acautelar-se no que lhe / convinha, pois estava conhecendo que por força havião decorrer todos os // negócios [Fl. 268v.]316 os neg[ócios pel]as mãos do tal Ministro, porque o Barcalão e todos os do (…) / lhe (…) sugeitos e não tinhão mais voz do que a sua, pois el Rey lhe / [tinha] desordenada affeição que só a elle ouve e se governa por seus / [di]ctames; grandíssimo negócio foi para que esta Embaixada entrasse / com honra, e saísse com ella, o fazer el Rey tanta estimação das couzas do / Príncipe Nosso Senhor e ter em grande conta a nação portugueza, e / o estar informado da grande authoridade e aparato com que o Senhor Embaixador / entrou em seu Reyno. O Bispo dos Francezes mandou dous clérigos seus visitar ao Senhor / Embaixador desculpando-se de não vir em pessoa pello impedimento de sua doença / (a qual lhe não impedio a ir achar-se na Corte antes que o Senhor Embaixador lá fosse) / mas tão bem o dito Senhor se soube desempanhar pois nunca fez menção de que este / Bispo assistia no Reyno de Sião; o Capitão e Feytor da Feitoria dos Olandezes vierão / visitar ao Senhor Embaixador fazendo por sy e pella Companhia largas offertas, e tão/bem não faltarão com a mesma visita os Ingleses que de prezente se achavão no Reyno / de Sião; mandou el Rey de sua Corte a hum mandarim que viesse abaixo a caza / de Jozeph Cardozo administrador da despeza que fica dita, e que lhe perguntasse se da/va em grande abundância tudo o que era necessário a gente do Senhor Embaixador, e que / soubesse quaes erão as couzas de que sua pessoa mais gostava que o dito Jozeph Cardozo / nellas o satisfizesse, porque assim era o seu gosto. E que sentiria muito que o dito Jozeph / Cardozo não andasse solícito em satisfazer a vontade do Senhor Embaixador. Vierão a visitar ao Senhor Embaixador dous principaes Ministros del Rey / de Sião que corresponde hum delles a nosso modo a Ouvidor Geral de todo o Reyno e ou/tro do mesmo offício para todos os forasteiros, e depois de fazerem sua visita com muitos / comprimentos mandarão no mesmo instante em que se forão, hum grande sagoate / de várias couzas de Jappão, e não faltou o Senhor Embaixador em satisfazer aos / portadores quasi com o valor dos sagoates, (…) seguramente destes veyo com o mesmo obsé/quio hum filho de hum Governador que o havia sido do Reyno, dizendo que não vi/nha seu próprio Pay por estar cego, e aleijado, e tãobem veyo 316 Apresenta-se rasgado no cimo. acompanhado com / seu sagoate de couzas de Jappão, porque hé custume no Reyno de Sião a não se fa/zerem semilhantes visitas sem virem com as mãos occupadas, que não hé pequena / pensão para o que recebe, porque na correspondência julgão do ânimo e calidade / da pessoa a quem fazem as cortezias; neste mesmo tempo veyo [o] Capitão mor Francisco / Barretto de Pinna dizer ao Senhor Embaixador que el Rey o mandava chamar com / toda a pressa, que Sua Senhoria [h]ouvesse por bem de que elle fosse dar comprimento / ao chamado que se lhe fazia, e deo a conhecer ao Senhor Embaixador que não deixava / de ir com algum temor, e na verdade que estava já o dito vaticinando o que lhe sucedeo, co/mo brevemente se verá. Grandíssimas preparações tinha el Rey mandado fazer em sua Corte / para nella receber ao Senhor Embaixador, e como ao prezente não tinha nella cazas / authorisadas para a pessoa do dito Senhor, mandou levantar humas de seu pé / muito grandiosas que só o poder e liberalidade de hum Rey tão rico, como o de Si/ão pudera acabar semelhante obra em tão breves dias, e como do Bandel / dos Portuguezes aonde o Senhor Embaixador estava aposentado são 27 legoas a//thé [Fl. 269]317 athé a Corte que h[é] rio acima mandou el Rey que quando o [Senhor Emba]ixador / não quizesse ir em embarcações (…) não por terra que se alimpasse o caminho / e estivesse mui franco para se poder marchar por elle sem algum impedimento / e neste ministério se occuparão logo mais de mil e quinhentos homens, e [man]/dou el Rey que se fizessem três descanços no dito caminho ao longo do rio repartidos / por boa destribuição na distância das ditas 27 legoas para que o Senhor Embaixador / descançasse e tomasse refeição, e [m]andou que visto a água do rio ser muito turva / estivesse nos três descanços muita jarraria de água clara e perfeita para toda a / gente do dito Senhor, e deo-se ordem ao administrador Jozeph Cardozo para / que nos ditos três descanços tivesse cozinheiras e os mais aviamentos para se dar de co/mer, porque não queria el Rey que o Senhor Embaixador e sua gente experimentas/sem huma mínima falta, porque para isso tinha dado ordem que se gastasse muito / largo de sua fazenda; neste tempo derão por novas ao Senhor Embaixador como / tinha entrado hum navio que do porto de Sião tinha ido por conta del Rey pera / a Manila aonde foi por Cappitão o Padre Mestre Frey Estêvão de Souza Reli/gioso de Santo Augostinho, e há-se-de saber que este dito Religioso estava no Con/vento da Cidade de Macao, e delle o mandou o seu Prelado que fosse ao Reyno de / Sião, e dali para a Manila a ver se podia nestes dous lugares tirar huma es/mola para repairação (sic) do dito Convento que está muito arruinado, e o dito Frey Estêvão / de Souza em chegando ao Sião se meteo logo com Constantino Falcão e por / sua via adquirio huma grossa esmola da fazenda del Rey, e como nesta occa/zião que se recebeo a dita esmola estava o barco, que já disse, para partir para Ma/nila, aceitou o dito Frey Estêvão de Souza ir por Capitão delle, e por adminis/trador da fazenda del Rey com tanta liberdade como se fosse hum mercador se/cular, e chegado a Manila obrou taes couzas com a capitania de que hia encarre/gado, que os Religiosos de Santo Augostinho de Phillipinas se afrontarão gra/vemente de que hum Religioso de seu hábito e profissão andasse a vista de todo / o Mundo tão esquecido das obrigações e modestia de Religioso, e tão metido no trá/fico de mercancia, e feito agente público da fazenda, e encomendas de hum / Rey Idólatra, e quizerão resolutamente prendê-llo 317 Apresenta um rasgão no canto superior direito, o qual está também manchado. para evitarem semelhante es/candalo, e outros que se seguião, porque o tal Religioso sem embargo de ser sugei/to de muitas Letras, hé muito leve e fácil em suas acções, comtudo satisfizerão-se os / ditos Religiosos de Manila com escreverem, e darem conta aos Prelados do dito Frey / Estêvão de Souza, o qual chegado ao Sião, como já disse, foi logo buscar o dito Cons/tantino Falcão e dar-lhe contas do que tinha obrado no serviço del Rey de Sião offe/recendo-se novamente para tudo quanto fosse necessário obrar com sua pessoa, e por com/primento algum tanto pezado buscou ao Senhor Embaixador, e logo o dito Frey Estêvão de Sou/za se ajuntou com Frey Pedro Martyr, que atraz fazemos menção, e ambos / de dous com tudo o que sabem e podem, assistem a Constantino Falcão servindo-lhe hum / de escrivão, e outro de notário, correndo atraz do dito Constantino Falcão / em tal forma que todo o Reyno de Sião, assim naturaes, como estrangeiros não / podem ver os ditos dous Religiosos, pois todos conhecem as obrigações que elles devem / ao estado Religioso que prof[ess]ão, e sem embargo de elles conhecerem muito bem / que são mal vistos de tanto não querem desistir de seu intento, e tratão só de / grangear a vontade de Constantino Falcão com grandes adulações levando-o pello // natural [Fl. 269v.]318 (...) 319 / natural (…) só a fim de o terem propício para poderem livremente conser/varem-se no Reyno de Sião na calidade em que se achão; mas como os taes Religiosos / se conhece nelles huma grande vontade de (…) e barrette, não há muito que estão tão / desabafados como se tem declarado, e Constantino Falcão lhe hé de grande / utilidade ter estes dous Religiosos propícios a seu querer porque não só lhe / servem de predicamento para com el Rey como tãobem ter quem lhe saiba e apli/car no romance portuguez todas suas tenções, e quem lhe ajude a fazer / boa arrumação de papeis, bastantes desgostos não declarados derão estes / dous sugeitos ao Senhor Embaixador porque não era muito que se esquecessem das obriga/ções de Portuguezes vassallos do Príncipe Nosso Senhor quem vive tão esqueci/do do que importa a sua consciência. Vierão novas da Corte, em como o Capitão mor Francisco Barretto de / Pinna ficava prezo em prizão muito pouco authorizada, e precurando (sic) miu/damente o Senhor Embaixador saber as cauzas da tal prizão, que sentio muito haver-se / feito sem lhe darem parte achando-se elle no Reyno de Sião por Embaixador do / Príncipe Nosso Senhor de quem o dito Capitão mor era vassallo e em cujo serviço / exercia o posto que occupava achou o Senhor Embaixador por certeza que o que agres/sor da tal prizão fora Constantino Falcão informando a el Rey do procedimento / antigo e prezente do dito Capitão mor, isto a fim de irritar a el Rey contra o dito / para lhe tirar os previlégios que tinha na Caza Real de Sião, e dar-lhe culpas / para que não exercesse o posto de Capitão mor, e para que ficasse impossibilitado pera / não assistir ao Senhor Embaixador, e o peor de tudo hé que a tudo isto deo grande occa/zião o dito Francisco Barretto de Pinna, e nas informações que Constanti/no Falcão deo contra elle a el Rey, lhe não levantou nenhum testemunho que / por tal se podesse provar, porque o tal sugeito no discurso de 30 annos que / occupava o posto de Capitão mor, cometeo couzas na administração da Justiça / que merece rigurosos castigos mas320 as cauzas próximas / de sua prizão, e vem a ser que vendo Constantino Falcão que o dito Francisco Bar/retto de Pinna dizia que pella carta que 318 319 Apresenta-se manchado no cimo; e a primeira linha está ilegível. Linha ilegível. tinha recebido de prezente do Senhor Conde / Vice Rey lhe encomendava particularmente as couzas da Embaixada, como / cauza principal de ella ser mandada ao Reyno de Sião, conforme elle se / jactava como atraz fica dito, e em ordem a isto tratou Constantino Falcão de / ver se por via do tal Capitão mor podia saber os particulares intentos da / Embaixada que era o que elle mais dezejava pellas rezões que atraz se têm / declarado e vendo que o dito Capitão mor não só não lhe satisfazia a von/tade, senão tãobem mostrava que nesta occazião havia de ser no Reyno / de Sião hum grande homem, e que se havia de satisfazer dos aggravos de / seus inimigos, tratou Constantino Falcão de lhe quebrar os brios que elle tão / ne[s]ciamente ostentava, porque o dito Constantino Falcão não quer que no Reyno / de Sião haja quem tenha mais voz do que elle, nem poder para obrar couza / alguma, hé verdade que bem conhecia Constantino Falcão o pouco caso que do dito / Capitão mor se fez sempre no Sião, assim por seu procedimento no exercer / do seu cargo, como por ser homem vário, e nada firme em suas acções, mas como / nesta occazião se achava o dito Capitão mor a ilharga do Senhor Embaixador, / poderia urdir taes couzas, que pudessem prejudicar ao dito Constantino Fal//cão 320 Parte da linha ilegível devido a um vinco. [Fl. 270]321 Falcão e conforme o seu ciume tratou de o segurar, e verda(…) / Capitão mor deo occazião a tudo, mas não obstante ter elle sido aca(…) / (…) gravemente com seus disparates ao Senhor Embaixador, que além destas couzas estava / cada hora perseguido de queixas da Christandade do Bandel322 de (…) / que tinhão recebido do tal ministro, tratou logo o Senhor Embaixador de se mani/festar sentido da prizão que se lhe fez [s]em se lhe dar parte, com que mandou / logo aparelhar a sua fragata e pôr de verga d’alto, e fazer aguada e me/ter-lhe mantimento e alguma fazenda que levou para os gastos da Embaixa/da, dando a entender que a não queria conseguir visto se lhe haver feito / o aggravo prezente, com que o Reyno de Sião vendo estas preparações ficou todo / confuso e sobirão as vozes deste negócio athé a Corte; e não só o Senhor Em/baixador foi a occazião da demonstração sentida, como tãobem o Padre / Manoel Soares se mostava muy sentido deste negócio, e persuadia ao Senhor / Embaixador que não conseguisse a Embaixada sem que lhe entregassem a pes/soa do Capitão mor com culpas, ou sem ellas, porque de prezente no Reyno de Sião / só a elle competia tomar conhecimento das culpas que [h]ouvessem cometido os vas/sallos do Príncipe Nosso Senhor, e que primeiro estava o crédito do dito Senhor, / do que conveniências particulares. Depois de haver todas as demonstrações ditas, veyo Constantino / Falcão da Corte de Lovo dizendo que vinha preparar a ida do Senhor Em/baixador para a Corte, pois el Rey o mandava buscar; botando voz que a pri/zão que se havia feito ao Capitão mor devia o Senhor Embaixador por ella / grandes obrigações a el Rey de Sião e a elle Constantino Falcão, porquanto ella / se havia feito só a fim de punir pollo crédito do Senhor Príncipe de Por/tugal, como se mostraria brevemente no processo que se aprezentaria das / culpas do dito Capitão mor, e logo mandou ao Padre João Baptista Maldo/nado que viesse dizer ao Senhor Embaixador que el Rey tinha prezo ao Capitão mor, / porque se prezava de grande amigo do Príncipe Regente dos Reynos de / Portugal a quem tinha muito mal servido o dito prezo seu vassallo, o que ou/vindo o Senhor Embaixador disse ao dito Padre Maldonado, que tudo neste 321 322 Apresenta-se deteriorado no canto superior direito. Está rasgado. negó/cio erão enredos de Constantino Falcão, e que não era possível que el Rey de / Sião mandasse fazer esta prizão sem que primeiro tivesse o devido com/primento que se devia ao Senhor Embaixador, porque só a elle tocava tomar co/nhecimento dos crimes que [h]ouvesse cometido o dito Capitão mor, porque quando fos/sem contra el Rey de Sião bem sabia elle que o Príncipe Nosso Senhor os não ha/via deixar sem grave castigo, pella antiga amizade com que sempre se cor/rerão, a esta última palavra disse o Padre Maldonado que era tão estreita / a amizade que el Rey de Sião tinha com o Príncipe Nosso Senhor que publicamente / se mostrava muito alvoroçado com a prezente Embaixada, e a tinha por couza / tão grande que as preparações que tinha mandado obrar em sua Corte, e pel/los caminhos erão taes que nunca os Reys de Sião fizerão semelhante / couza por Embaixadores nenhuns que tivessem ido a seu Reyno, e que todas as / nações, que nelle de prezente se achavão, formavão queixas, e se manifesta/vão envejosos publicamente, pois el Rey de Sião punha em supremos // graos [Fl. 270v.]323 (…) [aos Por]tuguezes, e a seu Príncipe, obrasse a viagem toda da (…) /de, ao que disse o Senhor Embaixador que (…) dizia o que Sua Paternidade ma/nifestava com a falta do (…) que se lhe devia da prizão que / se tinha feito ao Capitão mor. Seguio-se logo ao seguinte dia virem dous mandarins avizar / ao Senhor Embaixador que Sua Senhoria estivesse preparado para ir para a Corte porque / veyo ordem del Rey para o levarem com a pompa devida a sua pessoa, e como ao pre/zente eu Secretário estava em huma cama muito enfermo e o Senhor Embaixador se / achava ainda com a sua fragata em falta de muitas couzas necessárias para se / sair do Reyno de Sião se se lhe não desse muito honrada satisfação da prizão do / Capitão mor, tomou da minha dita doença motivo para re[s]ponder aos mandarins / que sem elle não podia ir para a Corte com tanta brevidade porquanto tinha o seu Secretário / doente e que sem elle não podia dar sua Embaixada, e mostrando-se aos man/darins mui sentido da prizão do dito Capitão mor, dizendo-lhe que podia el Rey / de Sião e seus Ministros considerar que elle representava em seu Reyno no pos/to que tinha a pessoa de seu Príncipe e Senhor para que quando o Capitão mor Francisco / Barretto de Pinna tivesse crimes muito grandes fazer-lhos prezentes para que elle o / prendesse, e o remetesse ao Senhor Conde Vice Rey da Índia que o castigaria conforme o / merecessem seus delictos e que quando o dito Capitão mor devesse grandes dívidas / a el Rey de Sião de fazenda, se achava o Senhor Embaixador com muita para satisfa/zer por elle, os ditos mandarins disserão que elles erão huns portadores do avizo / que tinhão feito, e que no mais não sabião dar rezões a Sua Senhoria, idos elles / veyo Augostinho Rosado Fromdos324 língua do Reyno com hum mandarim dizer / ao Senhor Embaixador que fosse servido mandar a sua recâmara, e mais fato pera / a Corte para que anticipadamente estivessem ornadas as cazas que de novo erão feitas / para Sua Senhoria, ao que respondeo o Senhor Embaixador que já tinha dito que tinha / o Secretário doente, e quando estivesse bom havendo lugar para ir sua pessoa tão/bem o haveria para ir-se fazer (?); ao seguinte dia vierão três Físicos del Rey / dos melhores que tinha em sua Corte dizendo o ministro que os trazia que 323 324 Apresenta um rasgão no canto superior esquerdo e muito manchado no cimo. Há dúvidas na leitura desta palavra. aquelles / três Mestres mandava Constantino Falcão da parte del Rey de Sião que o ha/via assim ordenado, para que curassem a pessoa do Secretário da Embaixada, com / toda a diligência e cuidado, e que quando assim o não fizessem que se fizesse a/vizo porque o menor castigo que terião seria cortarem-lhe as cabeças, pois por fal/ta de medicamentos elles não podião deixar de fazer seu offício, pois man/dara el Rey ordem que tudo o que elles pedissem de suas boticas (que em seu / Palácio eram mui bem providas para todas as enfermidades) se lhes desse para / a cura do Secretário, porque não sabia já a hora em que havia de ver ao Senhor Em/baixador em sua Corte; em tanto não se descuidou Constantino Falcão de / botar várias pessoas seus affeiçoados para que como de sy dicesse (sic) ao Senhor Em/baixador que elle dito Constantino Falcão não fizera com el Rey que prendes/se ao dito Capitão mor tanto pellos crimes que havia cometidos quanto por conhecer / naquelle sugeito partes sufficientes para botar a perder a Embaixada de / seu Príncipe, e que elle Constantino Falcão dezejava muito como couza / própria que a prezente Embaixada saísse do Reyno de Sião com todo o bom / sucesso, e dobrado crédito, e que pretendia o dito Constantino Falcão com estas // fallas [Fl. 271]325 fallas alheas, (…) [qua]lificar (…) com que o Senhor Embaixador (…) achava da tal / prizão, e para o dessuadir, porque a não (…)sse por aggravo manifesto, bem / conheceo o Senhor Embaixador todos os fingimentos deste mal intencionado pri/vado, mas não queria dar re[s]posta conforme merecia seu mao ânimo, / porquanto não havia no Reyno de Sião ministro por quem se pudesse queixar / e tratar os negócios com el Rey, e por esta rezão foi sempre o dito Senhor / havendo-se com tanta prudência, que por huma parte agradecia os dito Minis/tro o zelo fingido, e por outra se acautelava de suas siladas trabalhando / sempre por não diminuir hum ponto do crédito, nem deixar de ver se po/dia conseguir o fim de sua Embaixada, e sair do Reyno de Sião a vista / de tantas nações que nelle habitão, com muita opinião. Estando eu Secretário na cama enfermo, como fica dito, assistin/do na mesma caza o Reverendo Padre Frey Pedro da Trindade Capellão mor da / Embaixada, nos vierão dizer que o Padre Mestre Frey Estêvão de Souza nos / buscava a ambos de dous por ter que fallar couzas de negócios, e mandado / entrar, em várias práticas disse o dito Frey Estêvão de Souza que fazia as / partes da Embaixada perante Constantino Falcão, e que tinha conhecido / nelle que estava muito arrependido da prizão que se havia feito ao Capitão / mor, pois o Senhor Embaixador se manifestava tão queixozo, e que elle quan/do a dita prizão se fez, bem conhecia os respeitos, que se devião a Sua Senhoria, / mas que se lhe deixou de dar parte visto fazer-se a prizão no dito Capitão / mor por crimes cometidos contra o serviço do Príncipe Nosso Senhor, e disse mais / o dito Padre Frey Estêvão que entendia que se devia toda a satisfação ao Senhor / Embaixador todas as vezes que a pedisse, ao que eu, e o Reverendo Padre Capellão mor / respondemos que entendiamos que menos que se não entregasse a pessoa do Ca/pitão mor em poder do Senhor Embaixador com as culpas que dizião ter delle pera / que o dito Senhor conhecesse dellas, e conforme o achasse culpado remetê-llo ao Senhor / Conde Vice Rey, não haveria outra satisfação que por boa aceitasse o Senhor Em/baixador, mas que lhe dariamos parte para que elle com o seu melhor juizo dispu/zesse na matéria o que fosse servido; e vendo o Senhor Embaixador (depois de / lhe darmos parte) a occazião disposta, ordenou ao 325 Apresenta-se manchado no canto superior direito. Reverendo Padre Capellão / mor que como de sy, buscasse aos dous Religiosos Frey Estêvão de Souza, e / Frey Pedro Martyr, e que em práticas alcançasse delles se tinhão conhecimento / que Constantino Falcão tinha tenção de solicitar com el Rey a que se entre/gasse o Capitão mor livremente ao Senhor Embaixador para dispor delle a sua von/tade e alvidrio, e o dito Reverendo Padre Capellão mor, fez tanto neste negócio / com os dous nomeados Padres, que todos três forão perante Constantino Falcão, / os dous a fazer a obrigação acustumada de sua assistência, e o Padre Capel/lão mor, em forma de visita particular sua, e nas práticas se moverão / muitos argumentos sobre a prizão de que tratamos, e o nosso Reverendo Capellão mor mos/trando com rezões o aggravo que se havia feito ao Senhor Embaixador, e por fim dis/se Constantino Falcão que brevemente veria (sic) da Corte da prizão em que estava / Francisco Barretto de Pinna e que seria entregue com suas culpas ao Senhor Embaixador / para que elle dispuzesse como entendesse e fosse servido, porquanto elle dito Cons/tantino Falcão o que mais dezejava era satisfazer em tudo a vontade do Senhor // Embaixador [Fl. 271v.]326 Embaixador, e obrar em seus negócios [a me]dida de seus dezejos, e o Reverendo / Padre Capellão mor lhe disse que (…) obrasse o que dizia, e o fizesse ma/nifesto ao Senhor Embaixador por outra (…) porque se lhe não convinha fazer ao / dito Senhor sabedor do que de prezente se tinha tratado, porquanto não ficasse sus/peitando que elle tinha ido fazer partes neste negócio que a sua ida não fora mais / que a visita em companhia dos Padres a Sua Mercê, como elles mesmos, serião testemu/nhas. E logo ao seguinte dia em ordem ao que o Reverendo Padre Capellão mor veyo / dizer ao Senhor Embaixador, mandou chamar [a h]um dos línguas do Reyno, e lhe / deo por ordem que fosse com o Mestre Sala de sua Embaixada perante Constan/tino Falcão a sala onde elle custuma dar audiência com os mais Ministros do / Reyno, e que perante todos explicasse em língua sioa ao dito Constantino / Falcão o recado que mandava pello seu Mestre Sala que era o seguinte. Que o Senhor Embaixador estava prestes para ir para a Corte de Lo/vo a dar sua Embaixada ao Sereníssimo Rey de Sião pois achava já o Secre/tário da Embaixada com melhoria, porém que se achava embaraçado na tal viagem / pois estava o Capitão mor Francisco Barretto de Pinna prezo na Corte sem que lhe / [h]ouvesse dado parte da prizão antes de se fazer nem depois de feita, as occaziões / por que se fez, devendo toda esta satisfação a sua pessoa que reprezentava no / Reyno de Sião a do Senhor Conde Vice Rey da Índia com os poderes do Príncipe seu Senhor / a quem competia tomar conhecimento das culpas de todos os vassallos que de prezente / se achavão do Príncipe seu Senhor no Reyno de Sião, para que conforme a graveza de seu / delicto serem castigados conforme dispusessem as leys do dito Senhor, o qual era / sua vontade que tanto se castigassem seus vassallos pellos crimes que cometessem em seu / serviço como no serviço da Magestade del Rey de Sião, a que respondeo o dito Cons/tantino Falcão que faria conselho com todos os Mandarins, e que mandaria a re[s]/posta bevemente a Sua Senhoria; e pella tarde mandou Constantino Falcão / como Governador do Reyno dous Mandarins com hum dos línguas dizer ao Senhor Em/baixador que no conselho que fizerão elle e os mais Ministros do Reyno [sobre] / o que o Senhor Embaixador lhe havia mandado dizer 326 Apresenta-se muito manchado no cimo, o que impede a leitura de algumas palavras. reconhecerão que o dito o Senhor repre/zentava no Reyno de Sião a pessoa do o Senhor Príncipe de Portugal, e que no que / allegava sobre a prizão do Capitão mor achavão ter Sua Senhoria rezão, e que / conforme ella despedirão logo para a Corte avizo ao Barcalão para que fizes/se prezente a Sua Magestade o que o Senhor Embaixador allegava por sua parte porque bem / reconhecião elles, [que] o Senhor Embaixador fora ao Reyno de Sião para confirmar a / antiga amizade que sempre tiverão os Reys de Sião com os Monarchas de Por/tugal, e que em ordem a isto estavão certos que entregando a Sua Senhoria o dito Ca/pitão mor que saberia conhecer de suas culpas e se merecessem castigo lho da/ria conforme a graveza dellas; ao que o Senhor Embaixador respondeo que elle esta/va certo que el Rey de Sião e seus Ministros lhe havião fazer muitas honras pel/la grande vontade que nelle morava de conservar firmes amizades com / o Príncipe Nosso Senhor, neste mesmo tempo que corrião estas couzas na forma que / se declara forão os Reverendos Padres da Companhia de Jesus Manoel Soares, e João / Baptista Maldonado pedir particularmente a Constantino Falcão qui/zesse soltar ao Capitão mor por se compadecer de sua molher que com muitas lá/grimas sentia a prizão de seu marido, gravemente sentio o Senhor Embaixador seme//lhante [Fl. 272]327 semelhante petição como esta (…) fazer os ditos Padres a Constan/tino Falcão, e não sentia o Senhor Embaixador (…) que o Padre João Baptista Mal/donado entrasse neste absurdo, porque como atraz fica dito, por estran/geiro não estava obrigado aos brios portuguezes, mas que o Reverendo Padre Manoel / Soares sendo Portuguez, a quem o Senhor Conde Vice Rey encomendava o melhor / conselho para o crédito do Príncipe e fim de sua Embaixada, e sendo o que / mais instava com o Senhor Embaixador para que disistisse de conseguir a Embai/xada se lhe não entregassem com muito crédito a pessoa do Capitão mor, e que / estando as couzas na forma que se tem dito, fosse o dito Padre com seu companheiro / em forma de pedir misericórdia solicitar a liberdade de Francisco Barretto / de Pinna, mas no meyo da paixão que o Senhor Embaixador teve contra o Reverendo / Padre Manoel Soares desta acção, o desculpou por ser já muito velho, e com âni/mo religioso que hé mais compadecido das lágrimas de huma molher, e a repre/hensão que o Senhor Embaixador havia de dar ao dito Padre Manoel Soares, e seu com/panheiro deste grande erro, foi escuzada porque o dito Constantino Falcão / em bom romance lha deo, dizendo-lhe que como querião Suas Paternidades / que fizesse por elles o que deixava de fazer por huma pessoa tão authorisada / como era o Embaixador do Príncipe de Portugal, que quando elle obrasse nes/ta matéria havia de ser dando satisfação primeiro ao Senhor Embaixador pois / se manifestava queixoso da dita prizão, e que muito mayor queixa lhe oc/cazionaria obrando por Suas Paternidades o que por elle não fizesse, e que escu/zassem de fallar em semelhante matéria que fiava mais delgado do que a Suas / Paternidades lhes parecia. Mandou Constantino Falcão dizer ao Senhor Embaixador que fosse ser/vido mandar-lhe a lista da gente de seu estado para que elle mandasse com tempo / previnir embarcações sufficientes e necessárias para a ida da Corte porque / no que estava mais cuidadoso era na prevenção com toda abundância para todo o / serviço de Sua Senhoria, a isto não quiz deixar de satisfazer o Senhor Em/baixador mandandolhe a dita lista que continha entre officiaes, soldados, pa/gens, e mais gente de serviço em perto de noventa pessoas, neste mesmo / tempo foi sabedor o dito Senhor em 327 Apresenta manchas na parte de cima, que tornam ilegíveis algumas palavras. como Constantino Falcão estava en/fermo, e para fazer melhor seu negócio o mandou visitar offerecendo-se-lhe / como particular amigo para o servir em tudo o que fosse seu gosto, e pellas Ave / Marias mandou Constantino Falcão o Padre Frey Pedro Martyr com / recado ao Senhor Embaixador que fosse servido dar-lhe licença para que elle em / pessoa o viesse visitar, e que não estranhasse fazer-lhe a visita de noite / porquanto el Rey não permittia que as pessoas que occupavão o lugar qu[e] / elle tinha em seu Reyno fizessem visitas particulares a ninguem, além de que / tinha muitos inimigos que lhe buscavão 328 de o criminar como já ti/nha dito a Sua Senhoria; mandou-lhe dizer o Senhor Embaixador que o que mais / estimava de prezente era ver-se com elle para que melhor se explicassem nos negócios / que estavão para se conseguir. Pellas sete para as 8 da noite veyo o privado Constantino Falcão / a caza do Senhor Embaixador mandando occultar as luzes que todas embarcações // já 328 Segue-se uma palavra riscada, que parece ser “occaziões”. [Fl. 272v.]329 já levavão porque não qui[s que p]ublicassem a visita que vinha fa/zer em (…) e estartagemas (sic)330 (…) manifestamente grande no / Reyno de Sião, trazia em su[a com]panhia o Padre Frey Pedro Martyr, sombra / de todas as suas acções, entrado em caza do Senhor Embaixador o recebeo com muita cor/tezia dentro em seu aposento ficando só com elle e eu Secretário com o Reverendo Padre / Capellão mor da Embaixada, e logo disse o dito Constantino Falcão que / o grande dezejo que tinha de ver a Sua Senhoria, e dar-lhe em pessoa satis/fação dos aggravos que Sua Senhoria manifestava, o obrigava buscá-llo par/ticularmente e offerecer-se para todos os meyos que servissem de alcançar / o fim do empenho que trouxera a Sua Senhoria ao Reyno de Sião, e nesta / forma se forão enredando os comprimentos de maneira que será impertinên/cia o repeti-llos, só com distinção declararey o que hé mais útil; vendo o Senhor / Embaixador a occazião disposta para tratar das couzas de mais porte do rece/bimento de sua Embaixada, e serem todas ellas da jurdição deste dito priva/do, lhe propoz com todo o desengano, que elle entrando em Palácio havia de / ser com sua espada, e adaga na cinta, calçado com sapatos, sem gatinhar / assim da mesma maneira que custumão entrar os vassallos do Príncipe / Nosso Senhor em seu Palácio perante elle, e que a carta que trazia e sagoate / havia de entregar perante el Rey, como de huma mão para outra, e que se não / havia de sugeitar entrando em Palácio del Rey de Sião ao que se sugeita/vão todos os Embaixadores que custumavão vir ao dito Reyno de várias na/ções, porquanto a portugueza era muito belicosa, e que por se lhe faltar / a hum ponto de seu pondunor perderião Cidades e Reynos, como elle dito Cons/tantino Falcão tinha bastante notícia, pois era na[s]cido e criado nas / partes da Europa e tinha larga experiencia das políticas de todas as / nações della, e que ficasse entendendo que se cedesse em qualquer ponto destes / se punha certíssimamente em perder o crédito para com seu Príncipe e Senhor / [palavras ilegíveis devido a um vinco], pois trazia ordens feichadas (sic)331 sem interpreta/ção alguma do Senhor Conde Vice Rey que representava a mesma pessoa do Príncipe / Nosso Senhor, o que ouvindo o dito privado se mostrou notavelmente sentido di/zendo que esta Embaixada 329 330 Apresenta-se rasgado em cima, ao centro. Por “estratagema”. com semelhantes condições não mostrava vir re/tificar as amizades tão antigas que os Senhores Reys, e Príncipes de Portugal / sempre tiverão com os Reys de Sião, senão a vir-lhe pôr novos estilos, e / políticas em [s]ua própria caza izenta de toda a sugeição, e que não as/sentava na rezão querer entrar em caza alhea a preverter-lhe, e derrogarlhe os uzos, e custumes com que sempre se governou desde seus prin/cípios com todos aquelles que a ella quizerão vir com comprimento e amizade, / e que não havia Rey nenhum em todo Mundo que não lhe parecesse que / as leys assentadas em seu Reyno erão muito justas, e que quando seus ami/gos lhas querião aquebrantar os não julgavão já por taes, senão por / inquietadores de seu sossego; e que nesta forma queria o Senhor Príncipe / de Portugal ou o Senhor Conde Vice Rey em seu lugar haver-se com el Rey de / Sião, pois se não queria adquirir para sy o que nunca foi concedido / a ninguem, senão tãobem que ficasse exemplo para que el Rey de Sião con//cedesse 331 Por “fechadas”. [Fl. 273] concedesse a todos os Embaixad[ores que] de outros Reynos viessem ao seu, que / a elle lhe concedesse, e de o não fazer se inimizaria com todos, com que lhe / ficava a amizade do Príncipe Nosso Senhor nesta forma [s]endo muy / pesada, pois polla conservar grangearia inimigos mais poderosos, ao / que o Senhor Embaixador respondeo que a ordem que trazia sobre estas maté/rias a elle lhe não convinha disputar sobre se erão b[e]m fundadas, ou / mal ordenadas, que o que a elle (…)rava era dar comprimento ao que se lhe / mandava, e que quando a Magestade del Rey de Sião lhe parecesse dif/ficultoso conceder o que tinha proposto, estava em seu Reyno e podia per/mittir o que fosse servido, porque elle não havia de instar com pertinácias / e grossarias, senão voltar-se para donde tinha vindo que era a última resolu/ção, mas que bem sabia que a Magestade del Rey de Sião estimava tanto as / disposições, e dictames delle dito Constantino Falcão que tinha posto todas / as couzas de seu governo para melhores acertos em suas mãos, por donde pa/trocinando estes negócios conforme Sua Mercê publicava não podia dei/xar el Rey de Sião parecer-lhe tudo fácil, e de mais que Sua Mercê tinha dito / que havia de obrar pella nação portugueza o que não havia de fazer / por outra alguma, e que o seu gosto era que esta Embaixada fosse exalçada no / Reyno de Sião em mayores graos de honra do que o havião sido as Embaixa/das de outras nações, e conforme esta sua promessa estava Sua Mercê obriga/do a vencer todas as difficuldades que podião impedir a satisfação da vontade / que manifestava, e demais que bem entendia Sua Mercê, que quando se obra/vão serviços por qualquer pessoa sem trabalho, nem contradição, não se lhe / ficava ao obrador devendo mais que hum simples agradecimento, mas quando / para fazer a obra prefeita (sic) se vencerão montes de difficuldades, ficava então / o que recebia o benefício devendo obrigações com tal excesso que parece se difficul/tava o desempenho, e sobre esta matéria [h]ouve da parte de Constantino Fal/cão, e do Senhor Embaixador grandes debates e rezões, o privado difficultando, / e o Senhor Embaixador instando, dando-lhe a entender que alcancaria (sic) elle dito / Constantino Falcão grandes interesses do Senhor Príncipe de Portugal obran/do em seu serviço, como tinha manifestado, e athé a meya noite durarão / perfias e comprimentos, e por fim veyo a dizer o dito privado que se apare/lhasse Sua Senhoria para ir para a Corte em cujo caminho, e nella se lhe / tinhão feito grandes aparatos, os quaes nunca se fizerão o outro Embaixador / que nos tempos passados, ou prezentes [h]ouvesse entrado no Reyno de Sião, por/que para isso tinha Sua Magestade mandado revolver cartorios antigos, e moder/nos para que se vissem as honras que sempre se fizerão em seu Reyno aos Em/baixadores que a elle vierão; porque queria levantar muito de ponto ao Em/baixador do Príncipe de Portugal, e que elle dito privado hia junta/mente com Sua Senhoria para a Corte, e que faria sombaya a el Rey para / facilitar a entrada do Senhor Embaixador na forma em que queria, e que sole//citava [Fl. 273v.]332 solecitava, este negócio com o empenho que o devia fazer por sua própria / nação e culpar algum Irmão seu que (…) gerado em Deos que tudo teria o / fim que Sua Senhoria desejava se a desgraça delle Constantino Fal/cão o não quizesse furtar deste bem, ao que o Senhor Embaixador lhe ren/deo as graças, e lhe disse que desde aquella hora se dava por seguro nenhum / fim de seus negócios, mas há-se-de entender que o dito privado faltava com / esta segurança, não pello muito que intentava obrar nestas matérias, se/não pello grande alvoroço que via em seu Rey com a chegada desta Embai/xada a seu Reyno, pedio então o dito privado ao Senhor Embaixador que fosse ser/vido em segredo mostrar-lhe o sagoate que trazia para seu Rey, ao que lhe / disse o Senhor Embaixador que parecia couza criminosa fazer patente o sagoa/te primeiro ao vassallo do que ao Senhor para quem vinha, mas que visto elle dito / Constantino Falcão lhe mostrar tanto amor, e se manifestar gran/de parte nos bons sucessos da Embaixada, queria por algum modo ir-/lhe já manifestando o agradecimento com lhe satisfazer a vontade que de / prezente tinha, ainda que tomasse sobre sy algum encargo que se lhe podia / pôr sobre o tal manifesto, e logo lhe foi mostrado o sagoate del Rey e do / Barcalão, e vendo-o o dito Constantino Falcão ficou muito satisfeito, e / disse que era sagoate muito authorizado para aprezentar a seu Rey, que / o havia de estimar muito, e logo se despedio o dito Constantino Falcão / do Senhor Embaixador que lhe disse, que elle estava prestes para ir para a Corte / deppois de se lhe dar satisfação da prizão do Capitão mor, a qual não po/dia ser cabal senão antregando-lho (sic) nas suas mãos, e o dito privado deo a / entender, que assim se faria. O Reverendo Padre Manoel Soares veyo dizer ao Senhor Embaixador que ti/vera hum escrito do Capitão mor Francisco Barretto de Pinna da prizão em / que estava, em que lhe dizia que fizesse huma advertência a Sua Senhoria, que / quando fosse perante el Rey dar sua Embaixada lhe pedisse por mercê / que quizesse para os negócios della dar-lhe o Ministro que fosse servido não sen/do o privado Constantino Falcão, porque o dava por suspeito nos negócios / da Embaixada, o que ouvindo o Senhor Embaixador disse ao Reverendo Padre Manoel / Soares em como o Capitão mor não dava conselho senão guiado de sua pai/xão, e não do conhecimento que tinha 332 Apresenta-se muito manchado no cimo. das difficuldades que se metião em meyo para / não intentar semelhante petição, porquanto o dito privado não era mani/festa nelle a opposição da Embaixada, porque se havia nesta matéria / com muito rebuço, e cautela, e que se lhe não podia aprezentar cargos mani/festos perante el Rey que sempre havia preguntar (sic) a cauza da suspen/ção, e não a dando com bastante prova ficava o Senhor Embaixador perdendo o / crédito para as couzas de mayor importância, e dado cazo que [h]ouvesse muitas / culpas manifestas que dar perante el Rey, do dito Constantino Falcão, / quem havia de ser o Intérprete que fielmente o fizesse patente a el Rey, / contra hum privado que não há porta feichada (sic) para elle em Palácio, e / se assenta aos pés del Rey estando a meza, e recebe das mãos próprias de / seu Príncipe as iguarias de sua meza, e o Barcalão, que hé Governador do Reyno / por cuja via se podia fazer este negócio, não tinha voz nenhuma / diante del Rey, e para se sustentar no cargo estava sugeito a todo o / querer de Constantino Falcão, e disse mais o Senhor Embaixador ao Reverendo Padre, // que [Fl. 274]333 que se ao Capitão mor lhe parecia ser (?) para bastante crime a prizão que por via (?) / do dito Constantino Falcão se lhe havia feito (?), estava muito enganado / e com pouco conhecimento das occaziões que (…) do para se lhe fazer a tal pri/zão, e que ella se fundava sobre culpas manifestas, mas o ânimo com que / o privado obrava era muito occulto, o Padre Manoel Soares ouvindo estas / rezões ao Senhor Embaixador, lhe disse que se sugeitava a todas ellas que erão / discursadas com muito maduro juizo, e que o certo era que o Capitão mor falla/va como apaixonado. Mandarão os Governadores del Rey, da Cidade de baixo, três / mandarins avizar ao Senhor Embaixador que terça feira 11 da min/guante de Lua em 9 do mês de Mayo estivesse Sua Senhoria prestes / às 10 para as 11 horas para se embarcar, e fazer viagem para a Corte de / Lovo, que já estavão prestes todos os Mandarins do Governo, e pessoas grandes / da Cidade de baixo para o irem acompanhar, e que mandarião 30 ballões, 15 / que fossem capazes para levar o fato, e outros 15 para levarem os officiaes, e / soldados, e mais gente da Embaixada, o Senhor Embaixador lhe man/dou dizer que ficava prestes para obrar o que lhe ordenava; neste mesmo dia / teve o Senhor Embaixador por notícia certa que a indústria de Constantino / Falcão determinava el Rey mandar huma naö muito grande que havia / feito em seu porto, carregada de fazendas a Cidade de Macao, e como da / hida da dita naö se seguião grandíssimas perdas ao povo da dita Cidade, / tratou o Senhor Embaixador de ver se podia atalhar os princípios de seme/lhante intento, e como eu Secretário estava enfermo, mandou o Senhor Embaixador / ao Padre Capellão mor Frey Pedro da Trindade representar particular/mente a Constantino Falcão os grandes danos, e prejuizos que se seguião a / dita Cidade de Macao da hida da tal naö, e depois de haver muitas rezões en/tre o Padre Capellão mor, e o dito privado, estando tãobem prezentes o Padre / Frey Estêvão de Souza, e o Padre Frey Pedro Martyr que tanbem (sic) nesta / occazião fizerão partes, rezolveo o dito Constantino Falcão que o Senhor Em/baixador lhe fizesse prezentes por hum papel todas as rezões que apontava / em contrário da hida da naö, e estando já prevenido anticipadamente o dito / Senhor do 333 Apresenta-se deteriorado no cimo e mesmo rasgado no centro. tal papel, sem dilação lho mandou logo pello mesmo Padre Ca/pellão mor, o qual hé o seguinte. Papel que o Senhor Embaixador mandou / a Constantino Falcão para impedir a ida / da Naö. A Cidade de Macao não tem interesses alguns para sua conservação / mais que o contrato e mercancia que com seus barcos custuma fazer por todos / os portos do Sul, e se delles concorrerem barcos ao porto da China a levarem / e trazerem as drogas delle, certa hé a perdição da dita Cidade, pois lhe tirão / o alento de que se mantem, e em ordem a isto tem a dita Cidade multipli/cadas provisões dos Senhores Vice Reys da Índia, com graves penas, para que não / consintão os moradores della, que venhão com seus barcos a fazer escala ao // dito [Fl. 274v.]334 ao dito porto nações algumas com excepção das nações da Europa com / quem os Senhores Reys de Portugal tem particular amisade e paren/tesco, além de que, pello [regimento] da Cidade hé vedado com grande / rigor o contracto della, e só aos moradores da dita Cidade de Macao lhes / concede fação algum por conhecer por miudas informações, que se não / podem manter os moradores da dita Cidade de outra maneira, e esta con/dição não tem custado pouco o alcançar (…) e de prezente sempre se faz / empenho em a conservar com que se os moradores da dita Cidade de / Macao consentirem que vão barcos a seu porto de qualquer nação que seja, não / só serão destruidores de sua conservação, senão tãobem rebeldes às / ordens e determinações de seu Príncipe, e irritar-se-há muito gravemente ao / Emperador da China, com quem a dita Cidade lhe convem andar muito atenta, / e se o anno passado os moradores de Macao consentirão que dentro no por/to della entrasse o barco em que foi Fernão Nabo Paçanha servir a Ma/gestade del Rey de Sião, foi porque aquella Cidade se acha tão obrigada das / mercês que a Magestade del Rey de Sião por ella tem obrado, como as que espera re/ceber, e por ser hum barco pequeno que nunca podia cauzar grande pre/juizo ao contrato commum da terra sem embargo de estar obrigada a fa/cilitar as perguntas que sobre a ida do dito barco havião feito os manda/rins do Emperador da China, e como a Magestade del Rey de Sião piedo/samente com sua fazenda tem socorrido a Cidade de Macao para repairar (sic) suas / ruinas, e se conservar em seu ser, pella estreita amizade que sempre / teve com o Príncipe de Portugal meu Senhor, não há-de querer que sua fazenda / sirva de total ruína a dita Cidade, e como tenho por notícia certa que / se está aparelhando a naö grande de Sua Magestade para se mandar carre/gada de fazendas ao porto de Macao, o que dando-se a execução não só / serve de grandíssimo prejuizo aquelle povo, senão manifestamente / vêm os moradores a perder este porto de Sião adonde recebem algum refu/gio porque não hé possível que indo barco tão grande possão os ditos moradores / trazer, nem levar couza alguma em que tenhão interesses, senão muita perda / e demais que mandandome o Príncipe meu Senhor com esta Embaixada ao Se/reníssimo e Poderoso Rey deste Reyno a fim de ratificar as amiza/des antigas, e agradecer as muitas mercês que 334 Muito manchado no cimo, pelo que há dúvidas na leitura das 3 primeiras linhas. seus vassallos têm recebido na Cidade / de Macao do poderoso Rey deste Reyno, e pedir-lhe que nunca levante sua / Real mão e continuar com seus benefícios à dita Cidade, parecerá que fa/zendo-se pello contrário, que foi falta em mym o não fazer prezente com efficazes / rezões os prejuizos, que se hão-de seguir da ida da dita naö, porque nun/ca se há-de pôr falta na benévola, e real condição que sempre teve a / Magestade del Rey de Sião, com os Portuguezes, vistas e consideradas estas / rezões tão ajustadas, as proponho ao Senhor Constantino Falcão, Ministro / principal da Magestade del Rey de Sião em cujas mãos tem posto o gover/no de todo seu Reyno, para que lhas faça prezentes donde virá em conheci/mento dos grandes prejuizos que se seguem aos moradores daquella Cidade / indo a ella tão grande naö. E fico certo em sua muita clemência que não // há-de [Fl. 275] há-de querer que sua fazenda seja causa de destruir huma terra que elle / sempre patrocinou, e affomentou a fim de sua conservação, e para que não / pareca (sic) a Sua Magestade que os Portuguezes não querem por algum modo mani/festar-se-lhe agradecidos a tantos benefícios que hão recebido, poderá Sua / Magestade (sendo-lhe necessário algumas couzas da China por seu real serviço) man/dar hum barco pequeno com seus Feytores remetido aos ministros daquella Ci/dade para melhor expediente em quem terá Sua Magestade huns efficazes pro/curadores, e solicitadores sem mais interesses que o agrado de Sua Magestade e quando / o barco por pequeno não seja capaz de trazer tudo o que for necessário para o provi/mento do Real Serviço de Sua Magestade, se poderá repartir pellos barcos / que da dita Cidade vierem para este Reyno, e nesta forma fica sempre cami/nho aberto para que todos os annos tenha a Magestade del Rey de Sião occazião de / mandar vir em barco seu tudo o que da China lhe for necessário; e os moradores / daquella Cidade obrigados a não faltar no comprimento do que aponto, Fei/toria 8 de Mayo de 1684 annos. a.) Pero Vaz de Siqueira Lido, e entregue o dito papel a Constantino Falcão que o havia pedido / mostrou algum desabrimento, porque o certo hé que elle estava empenhado / em que a naö conseguisse viagem, e entendo que estimulado de alguns ami/gos que tem na cidade de Macao, porque há morador que por hum leve inte/resse seu se arremeça temerariamente a ser solicitador de couzas que servem / de grande prejuizo a todo o povo, e para se crer este pensamento sirva de e/xemplo o que Jozeph Vieira da Silva, Procurador que de prezente hé da Cidade de / Macao, indo ao Reyno de Sião com o trato de suas mercancias, e de cami/nho por Procurador para solicitar os particulares deste povo para com el Rey / de Sião, não atentando a obrigação que levava, e o que devia por mora/dor, senão só a seus interesses se meteo com Constantino Falcão inven/tando-lhe que atravessasse toda a fazenda dos barcos de Macao para que / el Rey de Sião tivesse muitos interesses, e disse ao dito Constantino Falcão / que muito mayores teria el Rey de Sião se puzesse huma Alfandiga (sic) em / seu Reyno, e estas adulações tanto em prejuizo dos mercadores de Ma/cao, tirarão só a fazer seu negócio particular com o dito privado, não / atentando o dano de tantos terceiros, e conforme esta verdade que foi muito / pública, não será temeridade o entender que o dito Jozeph Vieira da Silva / poderia mandar avizo ao dito Constantino Falcão para que mandasse / a dita naö a Cidade de Macao aonde elle está autualmente (sic)335 sendo Procurador / della, e pello posto que occupa poderia prometer grandes sucessos, e adju/tórios de pessoa ao dito Constantino Falcão que se manifesta grande / seu amigo; e sobre o querer o Senhor Embaixador impedir a viagem da dita / naö teve bastantes moléstias, como tãobem em outros particulares da // Cidade 335 Por “actualmente”. [Fl. 275v.] da Cidade de Macao, sem embargo dos officiaes e cabeças de seu Povo / se haverem tão mal com o Senhor Embaixador na sua despedida, como fica / dito. Mandarão os Governadores del Rey de Sião hum mandarim com recado / ao Senhor Embaixador que Sua Senhoria fosse servido mandar o Secretário da Em/baixada com hum Capitão a sala do despacho e tribunal del Rey de Sião porque / nella havia que tratar hum negócio de importância que só com o Secretário se po/dia communicar, disse o Senhor Embaixador que o Secretário estava ainda muito / enfermo, e que os Senhores Governadores podião mandar os ministros que / lhes parecesse a tratar o negócio que dizião e que só desse modo se poderia achar / o Secretário prezente; replicarão os ditos Governadores que Sua Senhoria (vis/to não poder ir o Secretário) mandasse dous officiaes de sua Embaixada / de mais confiança, que com elles se faria a diligência, mandou logo o Senhor / Embaixador ao Capitão do estandarte e o Capitão da Infantaria, e chega/dos a sala do despacho lhes foi entregue o Capitão mor Francisco Barretto de / Pinna passando recibo de como tomavão os ditos Capitães entrega delle para / a fazerem ao Senhor Embaixador, para que elle visse as culpas, que por hum papel / lhe mandavão aprezentar do dito Capitão mor para que Sua Senhoria fizesse jus/tiça conforme o merecimento dellas, juntamente entregarão os ditos ministros / del Rey de Sião hum negro do dito Reyno por ser Christão que havia cometido, / haveria sinco annos, hum horrendo sacrilégio como foi abrir o sacrário da Igreja / de São Paulo e levar a Ambula das particulas deixando-as todas espalhadas, e / como naquelle tempo o dito Capitão mor, como ministro dos Portuguezes, e / mais gente Christaã (sic) do Bandel, conheceo deste crime e o sentenceou a que lhe / fossem ao tal delinquente as pontas dos dedos cortadas sem mais castigo algum, / elles ditos ministros aprezentavão ao Senhor Embaixador o dito delinquente para / que o castigasse conforme as leys dos Catholicos, e ao Capitão mor que tão es/candalosamente havia dado tão leve castigo por hum cazo que os mesmos gen/tios estranhavão tanto, esperavão que o Senhor Embaixador não faltasse com / grave castigo a ministro que tão mal sabia guardar as leys de seu Rey, / que o certo era como elles o tinhão já provado e o aprezentavão por papel / authentico em seu Tribunal, que o dito Capitão mor sobordinado de inte/resses deixou de fazer o que devia, com que não só mostrou ser ruim minis/tro, senão tãobem mao Christão; e os ditos Capitães, a quem se fa/zia a entrega [d]o dito Capitão mor, e do negro delinquente requererão aos / ditos ministros da parte do Senhor Embaixador que não havia tronco nem lu/gar sufficiente no Bandel para se segurar o negro sacrílego, que pe/dião as Suas Mercês (sic) que o mandassem segurar nos troncos del Rey de Sião athé / que o Senhor Embaixador voltasse da Corte para onde estava de partida, o que ou/vindo os ditos ministros aceitarão o requerimento e mandarão para os tron/cos del Rey ao dito negro delinquente, e entregarão aos Capitães o Ca/pitão mor com o papel de suas culpas já authenticadas e provadas em / seu Tribunal, dizendo que esperavão que o Senhor Embaixador mostrasse a el Rey / de Sião, e a todo seu Reyno como se castigavão entre os Portuguezes os // maos [Fl. 276] os maos ministros, porque em todo o Reyno de Sião se tinha estranhado nota/bilissimamente o castigo que Francisco Barretto de Pinna dera a hum crime tão / horrendo e sacrílego, porque entre os Siões se observa huma ley que todo o que furtar / alguma couza que pertença a seus Pagodes, morra morte natural athé a quarta gera/ção e lhe sejão confiscados todos os seus bens, os ditos dous Capitães tomarão en/trega do Capitão mor passando o recibo que lhe pedirão, e tomarão tãobem juntamente / o papel de suas culpas, que hé o seguinte. Treslado do papel que os Ministros del / Rey de Sião aprezentarão ao Senhor / Embaixador das culpas do Capitão / mor Francisco Barretto de / Pinna. Visto que o Senhor Embaixador de Sua Alteza o Senhor Príncipe Regente de Portu/gal nos fez prezente pello muito Reverendo Padre Mestre Frey Pedro da Trindade Religio/so da Ordem dos Pregadores, o sentimento que tivera na retenção e exame de Francisco / Barretto de Pinna por cauza de alta traição contra o interesse que a Coroa de / Portugal teve na preservação da nobre Cidade de Macao, como claramente / se vê em hum instrumento a parte que a seu tempo se aprezentará. E além da sobredita rezão, outras muitas que tem de escândalo do grande / Deos que governa o Ceo e a Terra em sacrilégio cometido na Sua Santa Igreja, / e desordens do governo da pessoa e lugar que o dito Francisco Barretto de Pinna occu/pava neste Reyno como Capitão mor, crimes, que, neste dilatado Império, não / se dissimulão, antes com rigurosos castigos de bens temporaes, e corporaes athé / a quarta geração, tãobem os que têm a menor notícia de taes desaforos, e pas/são em silêncio, são sugeitos ao sobredito castigo, e assim deixando tudo, / o que toca ao secular, ao exame e cuidado do dito Senhor Embaixador para fazer jus/tiça e dar juntamente satisfação aos opprimidos conforme sua queixa, que / cada hum delles dá, pois não se pode esperar menos da pessoa que o dito Senhor / Embaixador reprezenta; e assim vamos fazer prezente o particular que / toca a Igreja. No anno de 1041 na quinta Lua a horas de meya noite, Burot / natural Sião Christão Bauptizado entrou na Igreja de São Paulo, que/brando huma grade da janella, e sobindo ao Altar Mor sem temor e respeito / algum escalou o Sacrário polla parte interior, e tirou a Ambula em que estavão / postas as couzas sagradas da Igreja, que melhor se entendem, e explicão entre / os Christãos, e as derramou sobre o Altar deixando cair algumas pellos / degraos abaixo, e saindo pello mesmo caminho que entrou, ao dia seguinte fez / entrega da dita Ambula a Maicò molher pégua para a levar e vender / na Cidade a quem a quizesse comprar, e a dita Maicò levando a dita Am/bula às moradas de Domingos Lopez da Cunha nas quaes morava hum In//glez [Fl. 276v.]336 Inglez chamado Francisco Bor(…)im para que a sua mossa a comprasse, e a dita / mossa tendo outra mossa Christaã (sic) e esta Cauchinchina chamada Messia, / a qual avizando do cazo ao dito Domingos Lopez da Cunha, elle logo sem / dilação foi denunciar a Francisco Barretto de Pinna, visto o lugar que occu/pava e lá se buscou caminho para achar o delinquente sacrílego con/fessando sua culpa; e logo todos os Padres juntamente com Francisco Barretto de / Pinna forão a presença de Sua Excellência o Senhor Barcallão levan/do consigo a Ambula quebrada que Thomé Gomez Pay do dito delinquen/te entregara aos Padres, e depois de se fazer prezente a Sua Excellên/cia todo o sobredito sucesso disse Sua Excellência a Francisco Barretto de / Pinna; o escandalo se fez a Deos, e a vossa Religião, e em taes crimes / conheço que se não permittem perdões, e pois que quereis que se faça com este culpa/do; respondeo Francisco Barretto de Pinna que suas leys tãobem não permi/tião perdões, antes logo se lhe tira a vida tanto que se conhece a culpa, e lo/go Sua Excellência perguntou aos Reverendos Padres que estavão prezentes o mesm/mo que a Francisco Barretto de Pinna, os Reverendos Padres responderão como pedia sua / obrigação, que lhes não competia, nem permittia seu Estado entrometer-se em cau/zas crimes, nem pedir vinganças, e logo Sua Excellência sentenciou que o Capitão / Barretto como justiça de sua nação o levasse ao Bandel, e publicamente cortas/se ao delinquente a mão direita, e como o crime pedia castigo de morte exemplar que / fosse tãobem açoutado por todo o Bandel athé que os açoutes lhe tirassem a vida / sendo explicada a sentença de Sua Excellência por o Kun Rasaesamut. Este hé o cazo, e não obstante a recta e justa sentença de Sua / Excellência o Senhor Barcalão, vemos o delinquente sacrílego vivo, e somente / com as pontas de dous dedos cortadas depois de tantos annos que se cometeo tão exor/bitante sacrilégio. Quem seja a cauza deste escândalo, e as rezões porque / se cometeo o tal escandalo337/za do Senhor Embaixador para que em seu recto Tribunal se examine este ponto de / tanta consideração, dando o justo castigo a semelhantes culpas, pois a este / fim se dilatou athé agora o exame das culpas de Francisco Barretto de Pin/na, 336 337 Apresenta-se deteriorado no cimo. O resto da linha está ilegível devido a um vinco. como das mais que desta se podem inferir, manifestando ao Mundo nes/te modo de proceder a sinceridade da justiça e cuidado para preservação da/quella antiga amizade que observa este dilatado Império, e se espera / do Senhor Embaixador de Sua Alteza o Senhor Príncipe Regente de Portugal, / que de seu Tribunal saya esta cauza de tal maneira que este dilatado Im/pério fique satisfeito de tão maos exemplos, assim do Juiz, como do / culpado. Aos 10 da mingoante da primeira Lua do anno de 1046. Passado pella Secretaria dos Rittos da Justiça dos / Estrangeiros. O Secretário da Embaixada ou outra qualquer pessoa a quem competir pas/se hum recibo de como está entregue dos dous culpados. No princípio do papel aprezentado de culpas pellos Ministros // del Rey [Fl. 277] del Rey de Sião, falla no intuito sobre o socorro que el Rey de Sião man/dou a Cidade de Macao, a explicação vem a ser que haverá quinze os desas[s]eis an/nos que a Cidade de Macao se valeo para suas necessidades de hum grosso emprésti/mo da fazenda del Rey de Sião, para o que mandou a dita Cidade dous princi/paes cidadões a pedir a el Rey o dito empréstimo, que o fez em várias fazen/das em que entrava cantidade de Arqua (sic) que os ditos dous Cidadões não pude/rão carregar toda no barco em que tinhão ido por ser pequeno, por onde deixa/rão alguma em poder de alguma gente nossa que vivia no Reyno de Sião para na / monção seguinte a Cidade de Macao a mandar buscar para remir suas / necessidades, e como nas pessoas em cujo poder ficava a dita Arequa338, foi Francisco / Barretto de Pinna huma dellas em cujo poder coube ficarem 50 picos339 de Are/qua, os quaes consumio, e nunca a Cidade de Macao os pôde ver, fizerão nesta / occazião prezente a el Rey de Sião esta somissão da Arequa, e julgou o dito / Rey este negócio por confirmada treição, dizendo que sendo o Capitão mor Portu/guez vassallo do Principe de Portugal, o remedio com que elle dito Rey concorre/ra para remir a sua Cidade o dito Capitão mor tivera atrevimento para o dissipar e des/truir, e junto este crime com o que fica declarado do roubo sacrílego, e outras cousas / muitas de que foi informado o dito Rey de Sião bastou para que consentisse na / prizão do dito Capitão mor e lhe mandou tirar a boceta340 de prata que lhe tinha / dado insígnia do título que tinha na sua Caza Real, não querendo que o dito / Francisco Barretto de Pinna administrasse mais justiça em seu Reyno aos / Portuguezes que nelle habitão, e não sabemos os mais castigos que lhe manda/va dar, porque o Senhor Embaixador obrou o que se tem dito para que lhe fosse entregue em / suas mãos pello crédito do serviço de Sua Alteza, e respeito do posto com que foi / ao Reyno de Sião. 338 Areca - é o fruto da arequeira; era um dos mais importantes masticatórios orientais e atribuem-selhe muitas propriedades higiénicas. 339 Pico – o mesmo que picul, peso do Extremo Oriente, equivalente a 100 cates ou 60 quilogramas. 340 Boceta – caixa pequena de laca, madeira ou louça. Antes que vá mais avante com esta Rellação, convem fazer huma decla/ração para o que adiante se há-de seguir, e vem a ser que depois de ter chegado ao / Reyno de Sião o Senhor Embaixador se levantarão huns grandes levantados fa/mos em el Rey de Sião originados pello seu privado Constantino Falcão, e / foi intitular-se el Rey de Sião por Emperador, e ao seu Barcalão Governador do / Reyno que o tratassem por Excellência, e a Constantino Falcão por Senhoria, / estes novos títulos trabalhou fortissimamente Constantino Falcão pera que / o Senhor Embaixador os desse nas práticas, e papéis, e recebia grande pena, pois / via que o Senhor Embaixador com sagazidade, nem negava os titulos, nem tão pouco os dava / fazendo-se sempre neutral, sem embargo de que todo o Reyno e nações nelle / assistentes satisfazião a vontade del Rey e seu privado, mas perdoe Deos / aos dous Relligiosos Frey Estêvão de Souza, e Frey Pedro Martyr que / afomentavão este desvanecimento por grangearem a vontade de Constantino / Falcão a que sempre estivesse inclinada a satisfação de seus particulares / interesses, esquecidos de que erão Portuguezes, e Religiosos, que para nesta oc/cazião serem no Reyno de Sião conhecidos por taes, devião a continua assis/tência que fazião a Constantino Falcão, fazerem-na ao Senhor Embaixador, com / que não faltavão então a seu estado e nação, e merecião muito para com o Prín//cipe [Fl. 277v.] o Príncipe Nosso Senhor, e não forão pequenas as turbações que derão ao Senhor Embaixa/dor. Assim como foi entregue o Capitão mor o Senhor Embaixador o mandou logo pre/zo para a sua fragata, não só pellos crimes que lhe provarão os Ministros del / Rey de Sião, senão tãobem pellas muitas queixas que todos os Portuguezes, e mais / gente Christaã fazião de contíno de suas injustiças, porque em todos os annos / que elle occupou o posto, nunca tiverão a quem se queixar, e como o Senhor Embaixador / estava para partir para a Corte satisfez a todos com deixar ao dito Capitão mor / prezo athé voltar, para tomar então conhecimento de todas estas barafun/das, e não se nota o fallar-se tanto nesta Rellação deste sugeito, porque ver/dadeiramente foi cauza de que o Senhor Embaixador tivesse do princípio que entrou / no Reyno de Sião athé sair muito em que merecer, com as couzas do tal Capitão mor. Aos 9 de Mayo huma 3ª. feira às 9 horas do dia chegarão os / ballões de estado, e nelles os Principaes grandes do Reyno a receber o Senhor Em/baixador para o levarem para a Corte, e trouxerão hum grande ballão todo / dourado do feitio de huma serpente, ballão que só serve à pessoa Real, e / nelle se meteo o sagoate que o Senhor Conde Vice Rey mandou a el Rey de Sião, e ao / pé delle o que hia para o Barcalão, e com muitos instrumentos de festa, e o tal ballão / hia diante do Senhor Embaixador, e pellos lados dando-lhe guarda quatro fermo/sos ballões com suas charolas douradas em que hião quatro principaes titulares / do Reyno, e o Senhor Embaixador hia no ballão de estado em que desembarcou que / lhe estava já dedicado para continuamente o servir, e na boca do toldo leva/va o dito Senhor a Manoel Rodriguez Freyre Capitão do estandarte das Armas Reaes que / o levava arvorado, e na proa do dito ballão tocando continuamente hum / cafre huma trombeta de prata, pellos lados do ballão do Senhor Embaixador / hião quatro ballões riquissimamente ornados com suas charolas douradas em / que hião quatro grandes do Reyno que correspondem a nosso modo os seus títulos / a Duques e Marquezes, que hião como dando guarda ao Senhor Embaixador não / faltarão nesta occazião na boca do toldo do ballão do dito Senhor dous som/breiros amarelos com seus paos forrados de prata que erão próprios del Rey, e / atras da popa do dito ballão seguião-se outros dous ballões muito lustro/sos em que hião dous Ministros grandes do Reyno, atraz dos quaes se seguião muitos / ballões em que hião muitos mandarins sem levarem toldos por guardar mayor / respeito ao Senhor Embaixador, e remavão todos estes ballões com tal ordem e com/passo que hum se não adiantava de outros por não haver desordem nos lu/gares repartidos conforme os títulos, e atraz de toda esta Magestade de Mi/nistros e Titulares seguião-se os ballões em que hião os officiaes, soldados / e fato do Senhor Embaixador, e como toda esta companhia não só era grande / pella cantidade de embarcações, senão tãobem pella muita gente que / levava, e com muitos instrumentos militares, reprezentava nesta occa/zião ter o Rio de Sião em sy huma poderosíssima armada, e ajuntou-/se mais a este número os ballões em que hia a principal gente do Ban/del acompanhando ao Senhor Embaixador athé a Corte, não ficando de fora / o Reverendo Padre Vigário de Nossa Senhora do Rozário Frey Domingos de Santa Anna // Religioso [Fl. 278] Religioso que acompanhou ao Senhor Embaixador na Corte com tanta assistência, / e dezejos de ver bons acertos na Embaixada, que o Senhor Embaixador o julg[ou] / por hum dos grandes zelosos vassallos que Sua Alteza tem hoje no Reyno de Si/ão, acompanharão mais ao dito Senhor os Reverendos Padres Manoel Soares Superior de / São Paulo, e seu companheiro João Baptista Maldonado, mas não fizerão / a companhia mais que athé a Cidade de baixo, e se voltarão para a sua Igreja, a / fragata do Senhor Embaixador embandeirada, e empavezada deo suas sal/vas, e o mesmo fizerão hum navio del Rey de Sião, e outro de hum Por/tuguez por nome Domingos Lopez da Cunha, e ao despedir o Senhor Embaixador / do Bandel mandarão repicar os sinos nas Igrejas delle, e era tanta a / gente natural que pellas prayas do rio assistia a ver o ostentoso acompa/nhamento, que quazi se difficultava o número, huma fragata que no rio es/tava del Rey, posta de festa deo suas salvas com grande concerto, e indo na/vegando junto dos muros da Cidade de baixo pello meyo das armadas de Gallés / del Rey de Sião, estavão ellas muito embandeiradas com muita gente e derão suas sal/vas com tanta ordem e concerto, que na verdade não necessitavão nesta parte ser disci/plinadas com os estilos da Europa, que para não faltar nada a este concerto, hia / o privado Constantino Falcão adiantado em hum ligeiro ballão dando or/dens conforme a vontade de seu Rey, do que se havia fazer, e as duas alas que / fazião as Gallés occupavão quasi três quartos de legoa, e com os seus tambores, / charamelas, e trombetas fazião tal estrondo de festa que não podião ouvir-/se as vozes dos que navegavão, e com todo este acompanhamento dito foi nave/gando o Senhor Embaixador pello rio acima obra de 8 legoas athé chegar a / hum lugar que se chama Panganàzapò, aonde se ajuntou a hum lado do rio / todo o esquadrão de ballões dos mandarins, os quaes fizerão grandes sombayas / ao Senhor Embaixador, e se voltarão para a Cidade de baixo donde tinhão saído po/is não tinhão ordem para passar mais avante, e ficarão só quatro ballões / com quatro grandes pessoas do Reyno, que forão sempre acompanhando ao / dito Senhor athé a Corte, e todo o mais acompanhamento foi sempre na mes/ma ordem seguindo o ballão do Senhor Embaixador, e pellas oito para as 9 da noi/te chegou o dito Senhor a hum lugar a borda do rio onde se lhe tinha apa/relhado por ordem del Rey hum descanço muy aparatoso que estava as taes / horas cheo de muitas luminarias em cima de elefantes, e cavalos, e muitas / carretas por que todo este esquadrão de animais estava tãobem prestes para que / se o Senhor Embaixador se enfadasse de ir pello rio, o fizesse por terra e não / lhe faltasse aviamento para tudo, e chegado a terra desembarcou o dito Senhor / em huma fermosa sala toda alcatifada, e armada de muito asseados / pannos, e ao longo da dita sala estavão barracas tãobem mui bem con/certadas para toda a gente, e estava outra sala particular para as pessoas grandes / do Reyno que acompanhavão ao Senhor Embaixador, porque não quiz el Rey que / tivessem atrevimento de se agazalharem na sala que só foi feita para descanço / do dito Senhor, estava já prestes neste lugar a cea com muita abundância, por/que para isso se tinha adiantado prevenido Jozeph Cardozo administra//dor [Fl. 278v.] administrador desta despeza Real, como atraz fica dito, athé pella ma/nhaã (sic) descançou o Senhor Embaixador neste lugar, e delle se resolveo a fazer seu / caminho pello mesmo rio por lhe ser o mais commodo. Ao amanhecer se pôde ver com mais clareza o concerto dos elefan/tes e cavalos que entre huns e outros erão 83, e entre elles estava hum ele/fante de estado com huma fermosa charola341 dourada para o Senhor Embaixador, / e não querendo ir no tal elefante vinha prevenido hum fermoso cava/lo branco com huma rica sella de prata, todo ajaezado do mesmo, as carretas / para levarem fato erão doze, e como o dito Senhor se resolveo a ir pello rio aci/ma, hia tãobem na mesma forma por terra caminhando o bruto esquadrão / e pellas dez para as 11 do dia chegou o Senhor Embaixador a hum fermoso ar/voredo debaixo do qual estava o segundo descanço para a refeição do dia, / na fábrica deste dito descanço, e no concerto delle assistia hum Irmão / do Barcalão Governador do Reyno, juntamente Constantino Falcão com muitos cria/dos del Rey, a fábrica de tal descanço constava de duas salas muito ricamente / alcatifadas, e huma dellas, mais suprema para a pessoa do Senhor Embaixador, e ou/tra para os officiaes e gente lustrosa da Embaixada, havia mais terceira / sala mais inferior para a Infantaria, estava já o jantar esplendi/damente prestes porque não se descuidava Jozeph Cardozo com ter tudo / a seu ponto, mas não era muito, pois nesta parte tinha o poder, e o querer / dado por el Rey para que nunca [h]ouvesse falta para o commodo do Senhor Em/baixador; quando o dito Senhor desembarcou neste lugar se descuida/rão algum tanto os que acarretavão os sombreiros del Rey, de tomar o sol / ao dito Senhor, e tanto que se recolheo mandou Constantino Falcão açou/tar rigurosamente aos ditos dous siões, e em vesporas esteve o Irmão do Bar/calão, porque não acudiu ao remédio do descuido, a ser rigurosamente casti/gado, porquanto nestes ditos descanços assistião criados particulares del / Rey com seus livros para irem notando, e assentando os agazelhados (sic) que se / fazião ao Senhor Embaixador, e o trato e cortezia, porque queria que esta se / lhe fizesse como a pessoa Real, e depois deste dito castigo feito se man/dou perguntar ao Senhor Embaixador se se dava por satisfeito pello grande / descuido, que os ditos siões tiverão com os sombreiros, mandou dizer o dito Senhor / que escuzado era aquelle castigo, pois elle fora o que se adiantara apressa/damente, mandando-lhe o agradecimento do zelo com que se havião em seu ser/viço; e depois de jantar embarcado o Senhor Embaixador foi continuando sua / viagem pello rio acima que por ser já de pouca água andavão innumeravel / cantidade de siões metidos no rio pondo balizas para mostrarem o lugar / mais fundo, porque seria entre elles grande afronta chegar a dar em se/co o ballão do Senhor Embaixador, ou de qualquer gente de sua companhia, e / pellas quatro horas de a tarde chegou o dito Senhor a hum lugar que / dista huma legoa antes de chegar a Corte, aonde estava o terceiro / descanço com toda a pompa, e ao desembarcar o Senhor Embaixador lhe deo / a mão o Irmão do Barcalão levando-o para huma fermosa sala alca/tifada de ricas alcatifas da Persia emtoldada, e armada de // pannos 341 Charola – andor. [Fl. 279]342 de pannos de cores muito variadas, defronte desta dita sala estava outra / hum pouco mais baixa, mas com o mesmo asseyo e concerto para os officiaes, e / gentis homens da Embaixada, estavão mais duas cazas muito au/thorisadas, huma em que se recolherão os mandarins, e outra a Infantaria / da Embaixada, e athé se tinha feito de novo huma terceira para os pagens / e mossos do Senhor Embaixador, aonde tãobem não faltou a prevenção de / Jozeph Cardozo com a cea abundante para toda a gente, e neste lugar se / mandou desembarcar todo o fato porque delle havia de ir o Senhor Em/baixador por terra para a Corte, foi desembarcado o sagoate que hia para / el Rey em huma charola que acarretavão vinte e tantos siões acom/panhados dos mandarins, e doze mosqueteiros da Embaixada, que / toda a noite lhe fizerão sintinela juntos com os mandarins e muitas / luminárias athé ao amanhecer. Ao seguinte dia que foi 11 de Mayo quinta feira da Ascensão que / por ser tal dia se disserão neste lugar duas Missas offerecidas ao bom sucesso / da Embaixada, e estando já prestes oitenta elefantes, e 34 cavalos, e / muitas carretas com disposição dos ministros del Rey se forão pondo a cavalo e / sobindo em elefantes todos os que acompanhavão ao Senhor Embaixador, e carregan/do o fato em elefantes, e carretas, e posta às costas de 20 siões a charola em / que hia o caixão do sagoate para el Rey com muitos instrumentos ao modo sião, e hia o dito / caixão cuberto com hum cubertor de seda, e logo atraz às costas de 4 siões huma / paviola (sic)343 em que hia o sagoate do Barcalão, porque se há-de entender que el Rey / de Sião faz grandíssima estimação dos sagoates que os Príncipes mandão ao / seu Barcalão Governador do Reyno; e elle lhos mostra e lhe passão todos pella vista, pos/to tudo isto em ordem sahio o Capitão do estandarte em cima de hum elefan/te com o dito estandarte arvorado, e diante de sy o trombeta a cavalo, e logo a/traz o Senhor Embaixador em hum elefante de estado del Rey dentro de huma cha/rola do mesmo Rey de quatro columnas dourada riquissimamente, e de huma ban/da, e de outra a pé os dous sombreiros amarelos del Rey, e dous cavalos a destra / com sella e jaezes de prata, hum que era todo branco, e outro castanho com sella e jae/zes de ouro, logo atraz do 342 343 Apresenta-se muito manchado no cimo, a ponto de dificultar a leitura das 5 primeiras linhas. Por “padiola”. Senhor Embaixador se seguia o seu estado de palenquim, / sombreiros que hião feichados (sic) porque nesta occazião só dos del Rey se podia ser/vir, seguia-se logo atraz os Padres Capellão mor da Embaixada, e Vigário / de São Domingos, e os dous assistentes de Constantino Falcão, e eu Secretário, / huns em elefantes, outros em cavalos, e os Infantes da Embaixada que / constavão de 26 mosqueteiros todos em seus cavalos, e na mesma forma to/dos os officiaes e gentis homens da Embaixada, tudo posto em muito boa ordem, / e vestidos todos de galas muito lustrosas porque para isto gastou o Senhor Embaixador muito / largo de sua fazenda, e atraz de todo este magestoso acompanhamento / hia a carroagem do fato de toda a gente da Embaixada; e de todos os que do Ban/del forão assistir tãobem na Corte com o Senhor Embaixador, e tendo marchado muito / pouca parte do caminho appareceo todo o estado del Rey, assim de Infanta//ria [Fl. 279v.]344 de Infantaria, como de officiaes de guerra e elefantes reaes, a encon/trar-se (?) com a vanguarda do acompanhamento do Senhor Embaixador na maneira / seguinte. Vinhão perto de dous mil homens de armas todos com suas ca/sacas vermelhas, e os chapeos como murriões todos dourados, e vinhão em or/dem de duas alas dobradas de dous em dous, e daze (sic) bandeiras militares, e / seus capitães e officiaes mayores, e no meyo desta Infantaria vinhão oito / elefantes quatro de dentes guarnecidos de grossas argolas de ouro, e do mesmo me/tal todos os mais arreos com dous bornacas (sic) muito lustrosos em cada elefante, e / quatro Alias que emparelhavão com os ditos elefantes tãobem com jaezes de / ouro, e pello meyo de toda esta gente vinhão a toda a pressa quatro sombreiros de / Melleque cramezim com paos e piões de prata acompanhados de muitos instro/mentos militares, de tambores, charamelas e trombetas, e chegarão com grande / somissão a cobrir a pessoa do Senhor Embaixador por serem os próprios sombreiros com que / el Rey passea na sua Corte, e pedirão ao Senhor Embaixador que mandasse callar os / instrumentos de seu estado para não haver desconsonancia de vozes, e o dito Senhor / por lhe mostrar o muito que lhe agradavão os instrumentos Reaes mandou callar / os seus, vierão logo pô[r]se diante do Senhor Embaixador em boa ordem 26 man/darins em seus cavalos ajaezados ricamente adiante dos quaes se seguia huma com/panhia de cavalos de Mouros que erão perto de 50 armados de arcos e freichas (sic) / que hé a guarda mais prezada del Rey, e a Infantaria das casacas vermelhas que / pellos lados hião de todo este acompanhamento, huns professavão zagayas e ro/delas, outros arcos e freichas (sic), e os mais espingardas e assim com grande ordem e osten/tação forão levando ao Senhor Embaixador para a Corte, e era tanto o povo que cobria / os campos que vinhão ver este aparato Real, que se lhe não pode dar núme/ro, mas com hum pregão botado entre elles sobre graves penas postas pello seu / Rey, que quando vissem a pessoa do Senhor Embaixador estivessem com a compustura e si/lêncio que custumão a estar quando a sua Real Pessoa passa por algum lugar / que hé a seu uzo estarem assentados emclinadas (sic) as cabeças quasi a chegarem a terra. 344 Apresenta-se manchado no cimo. Pera mais clareza e verdade de toda esta Rellação há-se-de enten/der que o Senhor Embaixador conforme a ordem que tinha do Senhor Conde Vice Rey antes de / partir para Sião fez grandes diligências por ver se podia traduzir em / língua sioa a carta que o Senhor Conde Vice Rey mandou a el Rey de Sião; não / foi possível achar em todo Macao quem soubesse a língua sioa, nem fallá-la / nem escrevê-lla, e chegado ao Reyno de Sião querendo nelle dar a execução a este / negócio, sem se declarar achou por notícia que não havia de haver quem ti/vesse tal atrevimento, porque sabendo-se se lhe havia de cortar a cabeça, nesta for/ma foi necessário sugeitar a tradução que no Reyno se costuma conforme o Senhor Em/baixador se havia aconselhado com o Padre Superior de São Paulo Manoel Soares, e o / Capitão mor Francisco Barretto de Pinna, pois era couza muito decente o esti/lo para a carta do Senhor Conde Vice Rey. Entrando pella Cidade o Senhor Embaixador, da mesma maneira e ordem que / fica dito, chegou a huma sala que el Rey mandou novamente fazer com toda a / pompa que requeria a obra de Príncipe Magestoso, porque estava toda alca/tifada e toldada de pannos mui ricos, e pellas ilhargas della sentados no // chão [Fl. 280] no chão sobre alcatifas muitos mandarins e titulares da Corte, Mouros, Par/sios, Chinas, e Siões, porque el Rey de todas as nações se serve, e o Barcalão pre/sidia em huma tribuna sentado no chão, ficando detras delle os coxins e ma/is couzas de seu estado para mais somissão, porque não convinha nesta occa/zião presidir como Governador do Reyno na forma que preside quando dá audiên/cia, porque este lugar não era mais nesta occazião que para se traduzir a carta / do Senhor Conde Vice Rey, e compor o sagoate em estilo político para o Senhor Embaixador / levar tudo prestes quando fosse perante el Rey dar sua Embaixada em forma / que não [h]ouvesse embaraço, nem desconcerto; entrou o Senhor Embaixador e se lhe esten/deo hum cubertor bordado em lugar supremo a todos defronte do Barcalão / para se assentar, e entre o Barcalão e o dito Senhor se estendeo novamente huma al/catifa sobre sobre as mais em que se poz hum bofetinho345, e sobre elle hum vazo de / ouro em que se guardou a carta, que eu Secretário levava com muita decência, do Senhor / Conde Vice Rey, e ao pé do dito vazo de ouro pella parte de fora se poz a carta que / hia para o Barcalão, da parte de fora da tribuna do dito Barcalão estava / sentado Constantino Falcão chãamente (sic) sem embargo de que elle hé o verda/deiro Barcalão, e com a entrada do Senhor Embaixador se levantarão todos com muita / cortezia athé que o dito Senhor se sentou no lugar deputado para elle, e mais / abaixo em duas alas pello meyo de todos os mandarins assentei-me eu Secre/tário com os Reverendos Padres e officiaes da Embaixada, e os gentis homens, e a Infan/taria ficou da parte de fora fazendo guarda ao Estandarte Real que dentro / na sala não podia estar arvorado por ser baixa; e estando tudo em silên/cio o Barcalão Governador do Reyno deo as boas vindas da parte de seu Rey ao Senhor / Embaixador preguntando-lhe (sic) por sua boa saúde, e sucessos de viagem servindo d[e] / intérprete o dito Constantino Falcão que por ser a mayor privança del Rey / se admirarão todas as nações que prezentes estavão de que nesta occazião tomasse of/fício tão inferior a seu estado, e a mesma admiração fazião das honras que / de prezente vião porque não virão outras taes fazerem-se a nenhum Embaixador dos que / athé aquelle tempo entrarão no Reyno de Sião, aos comprimentos do Barca/lão correspondeo o Senhor Embaixador com palavras mui cortezes, e primeiro que pre/cedesse a vizita que fez o Barcalão ao Senhor Embaixador, anticipadamente a / tinha feito pello Princípe Noss o Senhor, e o Senhor Conde Vice Rey da Índia, e por / fim se levantou Constantino Falcão do lugar em que estava e tirando com / muita cortezia do vaso de ouro a carta do Senhor Conde Vice Rey a poz nas mãos / do Barcalão que recebendo-a a poz sobre sua cabeça reconhecendo o sello das / Armas Reaes, e a entregou a Constantino Falcão que a fosse lendo em lín/gua sioa, e o Secretário do Barcalão a foi traduzindo, e o mesmo se fez / à carta que tãobem hia para o Barcalão, isto acabado se trouxe o caixão / do sagoate que o Senhor Conde Vice Rey mandou em nome de Sua Alteza a el Rey, e o / dito caixão mandou o Senhor Embaixador fazer na Cidade de Macao com duas / feichaduras (sic) de cobre douradas, e pintado e dourado o caixão com todo o / concerto com as Armas Reaes na tampa de cima com que estava muito magestoso, / e abrindo-o eu Secretário fiz manifesto tudo o que dentro nelle hia que forão // os ministros 345 Bofetinho - o mesmo que bofeta, antigo tecido de algodão muito fino, fabricado na Índia. [Fl. 280v.]346 os ministros del Rey compondo conf[or]me sua importância para estar tudo em / boa ordem para no dia da Embaixada aprezentar o Senhor Embaixador a el Rey / a carta juntamente para que não [h]ouvesse nenhum embaraço diante da pessoa / Real que hé servido destes Idólatras com mais asseyo e reverência do que em / certo modo nós os Christãos o fazemos a Deos, e tanto assim que estava / huma garrafa grande de vidro cristalino chea de agoa cheirosa em que / lavavão as mãos os ministros del Rey primeiro que pegassem nas pessas do sa/goate para as irem compondo e com os joelhos em terra fazião esta administração, / o que tudo acabado entregou o Senhor Embaixador ao Barcalão o sagoate que / o Senhor Conde Vice Rey lhe mandou, e lhe aprezentou outro de sua parte que cons/tava de vinte e quatro pessas de ouro e prata da China e alguns damascos, / e huma cadea de filagrana de ouro que ficava todo o dito sagoate entre os / siões em 14 cattes de prata, que da nossa moeda faz settecentas patacas / e a rezão por que o Senhor Embaixador deo este sagoate de sua fazenda ao dito / Barcalão sem embargo de conhecer que era ministro inútil, foi levado / de dous pensamentos, o primeiro por saber que el Rey havia de ser sabedor do / tal sagoate porque estima muito como já se disse, o que se dá ao seu Barcalão / e o segundo queria mostrar o Senhor Embaixador que se por huma parte el Rey de Sião / lhe forrava despezas ordinárias com sua fazenda, elle por outro com sagoates / e outras datas a seus ministros e vassallos gastava dobrado, por que nunca / se dissesse que o Embaixador do Senhor Príncipe de Portugal fora ao Reyno de / Sião a fazer conveniências próprias. Acabadas estas ceremónias todas se levantou o Senhor Embaixador des/pedindo-se do Barcalão e mais ministros, e se foi recolher nas cazas que / perto estavão para elle aparelhadas a pé por ser o caminho breve accompa/nhado de todos os mandarins e pessoas grandes que ali se acharão e estava / toda a Infantaria del Rey formada em duas alas para que pello meyo de / toda passasse o Senhor Embaixador, com tanta ordem e política que na Europa o não / poderião fazer com mais perfeição, nem com mais aparato receber hum grande / Príncipe, e entrando o Senhor Embaixador na sala das cazas que lhe estavão / aparelhadas se assentou em sua 346 Apresenta-se manchado no cimo. cadeira de estado debaixo do sitial e / a roda da sala se forão sentando por ceremónia todos os mandarins, e / grandes que o acompanharão, e logo se levantarão todos despedindo-se do / Senhor Embaixador com muitas ceremónias de sombayas e cortezias, era a dita sa/la das cazas quadrada muito grande com três portas mui fermosas e estava / toda toldada de pannos mui limpos com muito bom concerto, mas com muito / mais perfeição estava no alto das cazas huma camera toda alcatifada / para recolhimento do Senhor Embaixador, e hum corredor com cadeiras e bofetes bas/tantes para se fazerem tirantes para comer a gente da Embaixada, e ao / redor das cazas muitas barracas bem concertadas para agazalho da gente que / nas cazas não coubesse, e huma cozinha com sua despensa com o provimento neces/sário com muita abundância e sinco cozinheiras com muitos siões que as servião / e Jozeph Cardozo que tudo administrava e provia da fazenda del / Rey como lhe era mandado, e porque o trabalho era muito lhe derão por ajudan//te [Fl. 281] ajudante hum Portuguez que no Reyno de Sião assistia por nome António / Lobato que na Cidade de Macao tinha occupado o posto de Capitão e depois de pou/cas horas mandou Constantino Falcão dous mandarins da parte del Rey per/guntar ao Senhor Embaixador se estava bem acommodado ou se sentia algumas fal/tas nas couzas de seu serviço, ou a sua gente porque Sua Magestade estava neste tocan/te mui cuidadoso; mandou por re[s]posta o dito Senhor que tudo lhe sobejava e não / podia haver faltas adonde a Magestade del Rey de Sião se ostentava com tanta / magnificência Real, logo pella tarde veyo Constantino Falcão visitar / ao Senhor Embaixador da parte de seu Rey, e havendo várias práticas entre am/bos, disse o dito Senhor que Sua Mercê lhe fizesse favor dizer-lhe se tinha já faci/litado com Sua Magestade a sua entrada em Palácio com as condições que no Ban/del com elle tinha communicado, respondeo o dito privado que era grande teme/ridade o parecer-lhe ao Senhor Embaixador que a sua privança tinha poderes para fa/zer derrogar a el Rey as leys estabelecidas em seu Reyno desde seus ante/passados, e deo tantas rezões para as difficuldades serem grandes neste tocante, que / não há dúvida que todas forão bem acommodadas, mas como o dito privado / se tinha offerecido para obrar couzas grandes pello Senhor Embaixador ficarão as / ditas rezões mostrando nelle ânimo dobrado para os negócios desta Embai/xada, e verificando ao Senhor Embaixador as suspeitas que já tinha delle, e a / rezão por que no Bandel facilitou Constantino Falcão o que agora dif/ficultou tanto, foi porque quiz que o dito Senhor se fosse obrigando das muitas mercês / del Rey, e que não puzesse dúvidas no ir entrar em sua Corte, porque estan/do já nella carregado de obrigações, viria a ceder do estilo com que queria entrar / em Palácio, não lhe parecendo que haveria no Senhor Embaixador a constância / que [h]ouve em guardar as ordens do Senhor Conde Vice Rey, e penetrando o Senhor Embaixador / todas estas couzas no tal ministro as disfarçou porque lhe não convinha dar-/se manifestamente por sentido porquanto todos os negócios havião de correr por / força por suas mãos, e foi havendo com elle com mui prudentes rezões athé / ver se tinha entrada em Palácio com o crédito que o Senhor Conde Vice Rey dezeja/va, ou voltar-se sem dar a dita Embaixada, com que por então não ficou / nada assentado. Ao dia seguinte veyo Constantino Falcão a fallar com o Senhor Em/baixador dizendo-lhe que de noite na audiência, que el Rey custuma a dar as / taes horas, fallara particularmente com elle sobre a entrada do Senhor Embaixador / em Palácio, e lhe representara tudo o que lhe tinha dito sobre a tal en/trada, e que Sua Magestade lhe parecerão matérias muito pezadas, e que pergun/tara a elle dito Constantino Falcão que hé o que dizia sobre as sobreditas / matérias, ao que elle respondera que o seu entendimento podia discursar so/bre as couzas da mercancia, mas que sobre as rezões de estado se sometia / todo ao entendimento de Sua Magestade, o qual fora neste mesmo instante / discorrendo no modo em que podia o Senhor Embaixador entrar em seu Pa/lácio perante elle aquebrantando as suas leys e custumes, e todos os / discursos se desviavão de receber na Sala Real ao Senhor Embaixador porque / apontava vários lugares, e que elle Constantino Falcão dissera a Sua / Magestade, que aonde quer que recebesse esta Embaixada não sendo no lugar a//custumado [Fl. 281v.]347 acustumado sempre se havia dar por aggravado o Senhor Príncipe de Por/tugal e que Suas Magestades vissem que (…) lhe o quebrantasse as suas leys, uzos / e custumes com o Embaixador prezente ficava o lugar aos Embaixadores de / outras nações para requererem a mesma franqueza, e de lha não conceder teria / tãobem inimizade com seus Príncipes e Reys, e que os seus titulares do Reyno / tãobem tinhão direito para lhe não guardarem as somissões com que custumavão ir / perante elle, por donde este negócio era de muito pezo e que ordenara ao Bar/calão que mandasse intimar por seus ministros ao Senhor Embaixador os uzos, e cus/tumes de seu Reyno sobre os taes recebimentos para que Sua Senhoria respondesse / o que lhe parecesse; e lhe levassem por papel a sua re[s]posta; e despedindo-se Cons/tantino Falcão do Senhor Embaixador pois delle não pôde colher mais que fir/me constância em guardar as ordens que tinha, fui eu Secretário acompanhando / ao dito com toda a gente da Embaixada como sempre se lhe fazia devido ob/séquio ao lugar que tinha, e no caminho me levou a parte e com voz baixa me / disse que visto eu, e o Reverendo Padre Capellão sermos duas pessoas que assistimos / com nosso conselho ao Senhor Embaixador, nos pedia o quizessemos fazer capaz / para que cedesse da contumácia em que estava em guardar as ordens do Senhor Conde / Vice Rey que as tinha dado mal informado nos estilos e políticas do Reyno de / Sião, e que sentiria muito que a dita contumácia deste negócio chegasse a al/gum rompimento que elle muito sentiria pello bom fim que dezejava ver a / esta Embaixada, ao que eu Secretário lhe respondi que o Senhor Embaixador não ne/cessitava de entendimentos alheios para saber guardar as ordens que lhe forão / dadas, nem para saber dispor com muito crédito todas as couzas tocantes ao serviço / do Príncipe Nosso Senhor, e que quando [h]ouvesse algum rompimento por o Senhor Em/baixador saber fazer bem sua obrigação, que tinhão os Portuguezes hum / Senhor Vice Rey na Índia muito bellicoso, e em Portugal hum Príncipe / muito poderoso, ao que disse o dito Constantino Falcão, que o seu fallar não / era no sentido em que eu Secretário o tomava, senão com o sentimento de que as a/mizades tão antigas entre os dous Monarchas ficassem suspendidas, e / despedido o dito Constantino Falcão fiz 347 Apresenta-se muito manchado no cimo. prezente ao Senhor Embaixador a prá/tica que comigo teve, que nenhum susto lhe cauzou a barbata (sic)348 do ministro, / mas sentido muito de não ter no Reyno de Sião de quem se pudesse fiar para / mandar meter hum memorial a el Rey e tratar por outro caminho o fa/cilitar a sua entrada em Palácio porque claramente se estava conhecendo / em el Rey que estimava esta Embaixada por huma das mayores couzas / de seu gosto e crédito que havia tido depois de possuir a Coroa de Sião, mas / como estava cego com este seu privado não havia quem se atrevesse a / fallar a el Rey, e a própria Raynha e Princeza fazião as partes / deste dito privado, por onde o Senhor Embaixador lá resolveo a fazer do / ladrão fiel trabalhando sempre para sair do Reyno de Sião com muito / crédito. Aos 15 de Mayo veyo o lingua349 Augostinho Rosado pedir / licença ao Senhor Embaixador para entrarem três mandarins a tratar ne/gócios da parte do Barcalão Governador do Reyno, os quaes entrados por fim / de seus comprimentos disserão ao Senhor Embaixador que o Senhor Barcalão man//dava 348 349 Por “bravata”. Intérprete (tradutor). [Fl. 282] mandava dizer a Sua Senhoria que na carta que o Senhor Vice Rey da Índia lhe / mandara lhe pedia que os negócios da Embaixada os favorecesse e patrocinas/se, e que estava certo para satisfazer ao que se lhe pedia, e assim mandava a a[s]/sistir a Sua Senhoria que tratasse com elle todos os negócios pois era o Minis/tro a quem tocavão, porque elle se achava com larga vontade para obrar tudo à me/dida da vontade do Senhor Vice Rey da Índia, e que no tocante de Sua Senhoria en/trar em Palácio lhe era necessário primeiro estar advirtido nos uzos, e cus/tumes antigos do Reyno de Sião, ao que respondeo o Senhor Embaixador que de prezente / estava esperando que a Magestade del Rey de Sião lhe desse audiência para rece/ber a Embaixada que o Senhor Conde Vice Rey da Índia lhe mandava em nome do / Príncipe Nosso Senhor, e que depois ficava tempo para tratar os mais negócios / particulares que trazia, e que para o expediente delles e bom despacho espe/rava então que o Senhor Barcalão obrasse com a vontade que manifestava, e que / o Senhor Vice Rey da Índia nunca podia faltar com o reconhecimento, mas que antes / de fallar a Sua Magestade não tinha negócio nenhum que tratar; que no tocante à / advirtencia dos uzos e custumes estou informado que todas as pessoas por graves / que sejão que vêm a este Reyno entrando em Palácio perante Sua Magestade, o fa/zem descalços sem espada, e gatinhando e que eu não posso por nenhuma ma/neira sugeitar-me a estes uzos, e quando queira Sua Magestade admittir mi/nha Embaixada hei-de ir perante Sua Real Pessoa na forma, e compo/sição com que custumo passear em todas as praças, como hé calçado, e com espada / direito, e espero na amizade tão antiga que Sua Magestade teve sempre com / o Príncipe meu Senhor e no muito que sempre honrou suas couzas que não lhe / será difficultoso o conceder-me esta honra, e o Senhor Barcalão entendo que não / deixará de fazer partes neste negócio perante Sua Magestade para que eu alcan/ce bom despacho; depois que os mandarins escreverão em seus livros que tra/zião a re[s]posta que o Senhor Embaixador lhe deo, acarretarão montes de rezões para / o desuadir do que intentava, e não colherão mais fruto, que o que se lhe tinha / manifestado, e depois de idos não passarão duas horas que não viessem com / novo recado do Barcalão dizendo, que o Senhor Embaixador reprezentava no / Reyno de Sião a pessoa do Príncipe Regente de Portugal, e que elle Bar/calão representava a pessoa do seu Rey, e que Sua Senhoria vinha a con/firmar as amizades antigas que sempre teve seu Rey com Sua Alteza, mas / que pello contrário se havia Sua Senhoria, pois não queria sugeitar-se aos / custumes do Reyno, que visse Sua Senhoria entre elle Barcalão o melhor / modo para não haver quebras em tão antigas amizades, e que então toman/do-se neste negócio melhor termo elle com mais ânimo o faria prezente a Sua / Magestade, e que advirtia a Sua Senhoria que se trazia ordens feichadas (sic) para não / ceder do estilo de sua entrada, que tãobem elle Barcalão não tinha / ordem para aquebrantar as leys do Reyno de tantos séculos estabelecidas, e que / Sua Senhoria fosse servido mandar-lhe dizer se determinava irse / sem dar a Embaixada, não lhe concedendo a entrada em Palácio na / forma que tinha dito. O Senhor Embaixador lhe respondeo que amizades tão an/tigas não se quebravão entre as duas Coroas por não querer el Rey de Sião // aquebrantar [Fl. 282v.] aquebrantar as leys e políticas de seu Reyno, e que no tocante a dizer o Senhor / Barcalão que assim como o Senhor Embaixador não podia ceder a nada das or/dens, que tinha que tãobem elle não podia obrar nada no quebrantamento / das leys do Reyno; respondia que o Senhor Embaixador estava muito longe para tra/tar com o Senhor Conde Vice Rey que representava a pessoa do Príncipe Nosso / Senhor para que dispensasse nas ordens feichadas (sic)350 que lhe dera, e que o Senhor / Barcalão estava aos pés de seu Rey para lhe reprezentar as dúvi/das que nestas matérias se seguião, e que quando a Magestade del Rey de / Sião não fosse servido fazer-lhe a honra que apontava, o Senhor Conde / Vice Rey não dava por ordem que nestas matérias o Senhor Embaixador se mostras/se contumás, e quando totalmente Sua Magestade não seja servido conce/der a entrada em seu Palácio na forma que tenho dito, há-de haver / por bem conceder-me licença para me voltar, porque ainda que trago ne/gócios particulares que tratar com Sua Magestade, os largarey todos não / tendo o despacho na forma em que o tenho tratado, muito trabalharão / os mandarins para que o Senhor Embaixador mandasse outra re[s]posta ao Bar/calão, porque a que lhe dava lhe parecia mui pezada pella resolução, / o dito Senhor lhes disse que se não cançassem porque o que lhes tinha dito era / o que sempre lhes diria quando pertendessem (sic) desuadi-llo do que tinha / manifestado. Sem dúvida nenhuma o Barcalão e seus Ministros derão conta a el / Rey da resolução do Senhor Embaixador porquanto disse el Rey que sem dúvida o Senhor / Embaixador era homem muito altivo e soberbo, pois a vista do grande amor, e afabi/lidade com que era tratado em seu Reyno não queria disistir de sua opinião nem / e[m tu]do, nem em parte, e que se as ordens que trazia, erão as que lhe occazionavão a con/tumácia que devião ser mui apertadas, e sendo assim 351 (...) entendendo que / as ditas ordens forão passadas em forma que mais par[e]cia solicitar occaziões de / quebra, do que confirmação de amizades, e vendo o dito Rey que o Senhor Embaixa/dor resolutamente dizia que se havia voltar sem dar a Embaixada quando lhe / não permitissem a entrada em Palácio na forma em que o tinha proposto, tratou / 350 351 Por “fechadas”. As palavras que se seguem são ilegíveis, devido a um vinco. logo o dito Rey chamar todo o seu Conselho de Estado, o qual se juntou três / vezes sobre esta matéria, e [h]ouve muitos debates e controvérsias entre os gran/des do Reyno, pois vião que não era tão pequena couza o aquebrantarem-se leys / antiguíssimas de hum Reyno que sempre viveo livre e izento de sugeições de / outros Reynos, comtudo pello grande desejo que el Rey tinha de receber a pre/zente Embaixada pois estava já em sua Corte, e elle se tinha mani/festado contentíssimo de lhe ter vindo a tal Embaixada, foi-se inclinan/do a parte do Senhor Embaixador para o satisfazer contra as opiniões de todo seu / Conselho de Estado. Estas sobreditas matérias a quem erão mais manifestas, era a Cons/tantino Falcão pois como já está já bem declarado elle era o verdadeiro Bar/calão e o que mais pleiteava, e instava para que se não aquebrantassem as / leys do Reyno, ou por opposição a prezente Embaixada pellas rezões que // atraz [Fl. 283] atraz ficão ditas, ou por se mostrar muito zeloso, e como vio particularmente / que el Rey estava todo inclinado a querer receber a Embaixada sem embargo de / aquebrantar suas leys, tratou logo o dito Constantino Falcão de vir ganhar / terra com o Senhor Embaixador mostrando-lhe que se achava com grande riguzijo, pois / tinha já quasi vencido muitas difficuldades em favor da Embaixada, e disse / ao dito Senhor que os mandarins do Barcalão brevemente havião de vir / perante Sua Senhoria com novas réplicas e muitas instâncias para que Sua Senhoria / cedesse de sua opinião, e que a re[s]posta sempre fosse a mesma que havia dado, e ou/tras que o dito Constantino Falcão foi logo dizendo ao Senhor Embaixador que / bem conhecia que este dito privado era em tudo fingido, mas de tal sorte / se havia nestes negócios que não podia o dito Senhor deixar de se lhe mos/trar obrigado pois confessavão muitos que o dito privado punia muito pellas cou/zas da Embaixada pois não tinhão penetrado os íntimos de todos estes ne/gócios e assim julgavão ignorantemente. Vierão três mandarins entre elles era hum Secretário do Barcalão, / e outro Tenente, os quaes disserão ao Senhor Embaixador da parte do Barcalão / que as duas Cortes de Portugal, e Sião tiverão sempre muita amizade, e con/forme a isso queria elle Barcalão ceder de sua parte com algum dos custu/mes do Reyno, como era entrar Sua Senhoria a fallar a Sua Magestade com / a sua espada na cinta, mas que havia ir descalço, com o corpo baixo, e que / visto serem os custumes do Reyno invioláveis em sua guarda, que tãobem / o Senhor Embaixador, visto receber favores que se lhe não podião conceder, de/via tãobem da sua parte satisfazer com não querer com tanto rigor guar/dar as ordens que trazia porque então de huma e outra parte se ficava conhe/cendo que a prezente Embaixada hia verdadeiramente a confirmar amizades, / o Senhor Embaixador lhe disse que já lhe tinha dito resolutamente nestes negóci/os o que lhe podia dizer, pois lhe não davão lugar as ordens que trazia, para / dispensar na forma em que o Senhor Barcalão dizia, outras mais rezões / lhe deo o dito Senhor muito quadrantes ao intento, de que os ditos mandarins se / não derão por satisfeitos e forão mal contentes, mas não tardarão muito / que não voltassem com novas réplicas, dizendo que o Senhor Barcalão mandava / dizer a Sua Senhoria que elle lhe tinha feito prezentes todos os custumes do / Reyno na entrada de fallar a seu Rey, para que não sucedesse o que havia / sucedido haveria 70 annos com hum Religioso de São Francisco que tinha / vindo ao Reyno de Sião por Embaixador de Portugal, o qual entrou em / Palácio em pé, e calçado perante seu Rey por descuido, ou ignorân/cia do Barcalão que então governava o Reyno, e advirtindo os Mestres das / ceremónias a maneira com que o dito Religioso tinha entrado diante de seu / Rey, instarão fortemente com o dito Religioso que se prostrasse por tera / como era custume do Reyno, e o dito Religioso resistio e o não quis fa/zer, o que vendo o Rey que então governava correo a cortina de sua Tri/buna e se recolheo para dentro, com que se seguirão muitos trabalhos e mortes // aos próprios [Fl. 283v.] aos próprios Ministros del Rey e para que a elle dito Barcalão lhe não fosse / importadas semelhantes ignomínias, fazia sua obrigação anticipada/mente ao fazer prezentes os uzos e custumes do Reyno a Sua Senhoria, o Senhor / Embaixador lhe disse que o Religioso apontado pello Senhor Barcalão dando-/lhe o título de Embaixador que o não era, senão tão somente hum inviado / ou portador de huma carta, e comtudo lhe pareceo mui mal ao dito Religioso / o mandarem engatinhar por terra couza tão fea para a nação portugueza, e que / o Senhor Embaixador reprezentava no Reyno de Sião a pessoa do Príncipe / Nosso Senhor como já o tinha dito por vezes, e o confessavão assim o Senhor Bar/calão e os mais Ministros del Rey de Sião, e que no que tocava as diligên/cias que o Senhor Barcalão havia feito não ficava devendo nada as suas / obrigações, e que fora servido fazer prezente a Sua Magestade que o Prín/cipe Nosso Senhor era muito poderoso e absoluto sem dependência de ninguem, / e se ostentava hum dos grandes Monarchas do Mundo pois em todas as / quatro partes delle, Europa, América, Ázia, África, era Senhor / de muitas terras, e que não mandava esta Embaixada a Sua Magestade com de/pendência de algum interesse, mais que por amor que lhe tinha pellas a/mizades tão antigas que sempre [h]ouve entre estas duas Coroas, e pellos be/nefícios que Sua Magestade fazia em suas terras aos Portuguezes, e os fa/vores que particularmente havia feito aos moradores da Cidade de Macao, / instarão os Mandarins com grande excesso para que o Senhor Embaixador em alguma / couza satisfizesse ao Barcalão dizendo que alguns Príncipes, e outras / pessoas aparentadas com Reys tinhão vindo ao Reyno de Sião, e que indo pe/rante el Rey o fizerão sempre sugeitando-se às leys do Reyno, o Senhor Embaixador / lhe disse que as taes pessoas Reaes que apontava o Senhor Barcalão, erão pessoas / que pagavão vassallagem e sugeitas a outros Reys, e que o Príncipe Nosso Senhor / que era livre, e izento de vassallagem 352 (...) / mas antes tinha sugeitado, e avassallado a muitos com suas armas, e que o Senhor Em/baixador como reprezentava a sua pessoa havia ser participante das / franquezes e liberdades que a tal Senhor se devião, e de mais que quando o Prín/cipe Nosso Senhor corresse por igualdade no Reyno de Sião nas pensões que os mais / Príncipes corrião, sempre se lhe devião mayores preminencias pella an/tiga amizade que se havia conservado entre as duas Coroas, e pellas finezas, / e fidelidade com que seus vassallos sempre se [h]ouverão com os Senhores Reys / de Sião, e quem melhor tinha experimentado isto de prezente era Sua / Magestade, o que ouvindo os ditos Mandarins pedirão ao Senhor Embaixador que / lhe mandasse por hum official seu reprezentar as cortezias com / que determinava o dito Senhor ir perante seu Rey, e como o dito Senhor / estava já quasi certo que havia vencer as difficuldades de sua entrada, / não quiz deixar de satisfazer ao que pedião, e assy mandou ao Ca/pitão de mar e guerra que mostrasse as cortezias àquelles Mandarins / que se fazião ao Príncipe Nosso Senhor excepto o pôr os joelhos em terra, / com que mostrarão os Mandarins irem satisfeitos. // Hé 352 As palavras que se seguem são ilegíveis, devido a um vinco. [Fl. 284] Hé uzo e custume del Rey de Sião não consentir que ninguém de / qualquer nação que seja lhe passe a roda de Palácio, porque naturalmente / todos os Reys Idólatras são mui ciosos, e quando sae fora, seus minis/tros têm cuidado de mandar avizar a todos para que não atravessem o ca/minho por donde el Rey há-de passar, e em ordem a este estilo mandou / Constantino Falcão fazer avizo aos officiaes da Embaixada pera / que advirtissem a toda a gente destes uzos e custumes, e tendo notícia o Senhor / Embaixador mandou que se guardassem aquellas ordens inviolavelmente, / comtudo não pôde deixar de haver moléstia, a qual foi em hum dia / saindo el Rey fora passar inadvirtidamente o Alferes de mar e guer/ra, a tempo que para se retirar o não podia fazer sem muita descomposi/ção correndo, e como se vio neste passo deixou-se ir não fazendo men/ção de se retirar o que vendo os mandarins com acenos mandarão ao dito Al/feres que se retirasse, e como virão que o não fazia, porque lhes não custasse / a elles o perder as cabeças forão todos juntos retirando o Alferes para que / não fosse visto del Rey, e como nisto não deixou de haver algum estron/do chegou à notícia del Rey, e logo em se recolhendo a Palácio man/dou prender o língua dos Portuguezes, e juntamente mandou levar / a Constantino Falcão prezo para Palácio e o mandou pôr ao Sol, / dando por culpa ao língua porque não tinha avizado aos Portugue/zes em como elle sahia fora, e a Constantino Falcão que tudo gover/nava lhe deo em culpa que não tinha mandado fazer o avizo por/que se hum e outro tivessem feito sua obrigação nunca poderia haver fal/ta nos Portuguezes, porque os conhecia por homens muito políticos, e obe/dientes às ordens e preceitos dos Príncipes, e como os ditos não havião fal/tado nesta matéria em couza alguma deffendião-se com a verdade, e vendo-se / Constantino Falcão neste aperto, e a el Rey tão inclinado à verdade / dos Portuguezes receou que o Senhor Embaixador por se vingar delle nesta / occazião negasse as ordens que seus officiaes tinhão tido, e o avizo que de pre/zente se havia feito de que el Rey sahia fora, e levado deste pen/samento mandou aos dous Religiosos seus assistentes que viessem fallar / com o Senhor Embaixador e dizer-lhe que Sua Senhoria fosse servido orde/nar a seus officiaes que quando os mandarins del Rey se informassem del/les, não faltassem com a verdade, entrarão os ditos Religiosos com o tal recca/do que mal o podião pernunciar (sic)353 pello grande sentimento com que se achavão / de ver algum tanto eclypsado o sol de suas esperanças, e verdadeiramente / que melhor fora esta demonstração no arrependimento que devem ter de viver / debaixo das luzes de tal sol, o Senhor Embaixador disse aos ditos Religio/sos que sentia muito que por descuidos de gente sua Constantino Fal/cão estivesse com moléstias, e que o Alferes estava prezo, e que quando se // examinasse 353 Por “pronunciar”. [Fl. 284v.] se examinasse este negócio pella sua parte não havia faltar / ao que devia, idos os ditos Religiosos veyo hum mandarim del Rey per/guntar ao Senhor Embaixador se o língua, e Constantino Falcão ti/nhão feito as advirtências que acima se declarão, disse o Senhor Embaixador / que os ditos não havião faltado à sua obrigação, que o Alferes de sua / Embaixada inadvirtido fora aquella hora passiar pello tal lugar, e / que se não se retirou logo foi porque se achou em estado que o não podia / fazer sem correr com muita discomposição, porque nesta parte de correr, / os Portuguezes se achão muito corridos quando o fazem ainda que sejão / obrigados de muita necessidade, comtudo que elle dito mandarim dissesse a / Sua Magestade que o Alferes estava prezo, e não deixaria de ter ou/tro castigo pois fora occazião de que Sua Magestade tivesse algum senti/mento, e quando Sua Magestade se não desse por satisfeito que obraria o que / fosse seu gosto, porque o seu era agradar-lhe em tudo, foi bastante este / comprimento do Senhor Embaixador para que el Rey mandasse logo soltar / o língua, e a Constantino Falcão ficando no mesmo auge de sua / privança, e não se repare em que sendo tão grande privado chegasse / por tão leve couza a ser prezo porque o Rey de Sião assim como hé des/ordenado em sua affeição própria, tãobem hé fácil o cair della por / couzas muito leves; e por esta rezão [h]ouve alguns sugeitos que lhe pareceo / que o Senhor Embaixador teve a occazião nas mãos para se vingar dos enfados / que recebia deste dito privado, mas o certo hé que os homens julgão nas / cauzas alheas por modo differente, do que o fazem nas suas próprias, / e differente couza hé o ver levar hum pezo em hombros alheos, ou / acarretá-llo em seus próprios, pois não attentavão que se o Senhor Embaixador / negasse a verdade a fim de opprimir este dito privado, era força que hum / dia mais ou menos se havia de aclarar huma verdade que era mani/festa, e ficaria então faltando o crédito ao dito Senhor para com el Rey / nas couzas de mayor consideração, não deixou o dito privado de se mostrar / agradecido dos primores do Senhor Embaixador, e certamente que pudera o dito / Constantino Falcão nesta occazião entregar-se todo fielmente ao querer / do dito Senhor, mas como a machina de sua privança assentava sobre / hum alicerçe (sic) tão vil, nunca podia lançar de sy bons procedimentos, / nem iguais correspondências. Com grande cuidado se achava o Senhor Embaixador pois via que / se dilatava a sua entrada em Palácio, sem embargo de que esta/va já certo que el Rey queria admitir sua Embaixada conceden/do-lhe a entrada em seu Palácio na forma em que o havia proposto, / comtudo como nestes Reynos não são estáveis e firmes suas couzas, não / era muito que o Senhor Embaixador sempre se achasse com desconfiança, e tratou / por terceiras vias saber que circunstâncias havia por donde se movia // a detença [Fl. 285] a detença de sua entrada, e achou que como tinha havido tantos plei/tos sobre el Rey ceder de seus uzos e custumes, não estavão os minis/tros de Palácio apercebidos dos ornatos delle para receber a Embaixada / pellas dúvidas que havia de entrar, ou não entrar o Senhor Embaixador, e / como el Rey queria que a dita entrada fosse com grandíssima pompa, / e aparato havia a prezente detença pois se estavão apercebendo grandes / couzas para a entrada do dito Senhor que já estava facilitada toda a dif/ficuldade della. A 24 de Mayo huma quarta feira pellas nove horas do / dia vierão quatro mandarins de Palácio vestidos de gala em busca / do Senhor Embaixador, dizendo-lhe que era tempo de Sua Senhoria ir a Pa/lácio que o estava el Rey esperando, e logo se poz ao caminho o dito / Senhor com todo seu estado, e a mais gente que do Bandel o tinhão acompa/nhado e assistião com elle na Corte, e juntamente o Padre Frey Domingos de Santa / Anna Vigário de Nossa Senhora do Rozário, e os Padres Frey Pedro Martyr, e / Frey Estêvão, e juntamente o Padre Frey Pedro da Trindade Capellão / mor da Embaixada, só eu Secretário não foi possível fazer minha / obrigação por estar em huma cama enfermo; e chegando o Senhor Em/baixador com todo o aparato a primeira porta de Palácio que estava fei/chada, (sic) os quatro mandarins que hião em sua companhia a fizerão abrir / com suas ceremónias, entrou o dito Senhor ficando de fora a sua Infanta/ria, levando só consigo os seus officiaes, e mais gente luzida, e des/ta porta para dentro estava hum fermoso terreiro povoado de huma / banda de 48 elefantes postos por sua ordem todos com jaezes de fino / ouro batido em que se deixava ver hum grandíssimo cabedal, e como erão / elefantes reaes tinhão por cornacas mandarins, que todos estavão / de gala com suas casacas de escarlata, no outro lado do dito terreiro es/tavão passante de quinhentos homens em boa forma, huns armados / de rodelas e lanças, e outros de rodelas e traçados todos com casacas ver/melhas; e murriões dourados que fazião hum vistoso esquadrão, e dous ca/pitães desta guarda em [seu]s cavalos fermosos, e bem ajaezados, pello / meyo de tudo foi passando o Senhor Embaixador athé chegar a outra por/ta que tãobem estava feichada (sic) e foi aberta com as mesmas ceremónias / que os quatro mandarins custumavão fazer; e aqui fizerão ficar / toda a nossa gente do Bandel, e entrou o Senhor Embaixador com seus offi/ciaes e gentis homens, e os Religiosos nomeados, e os porteiros desta / porta erão dous grandes mandarins que assistião nella a pé, e del/la para dentro se achou o dito Senhor em hum páteo de hum mui / espaçozo campo, que de huma e outra banda estavão por sua ordem / passante de seis mil homens de armas mui lustrosamente com adar/gas e capacetes dourados formados em seus batalhões com differen//tes [Fl. 285v.] differentes armas, huns frecheiros, outros mosqueteiros, e outros bata/lhão de barachins354 de arremesso, e nas frentes de toda esta gente estava / gente muy luzida que professavão languinatas355, e assim huns e ou/tros ao passar do Senhor Embaixador estavão todos com os joelhos em terra e o que / mais era de admirar o silêncio, que todos conservavão, e composição, que / não parecião homens vivos, e forão levando pello meyo de todo este a/parato os quatro mandarins ao dito Senhor athé chegar a outra por/ta, que tãobem estava feichada (sic), que se abrio com as ceremónias acustu/madas, e entrando o dito Senhor se achou em outro mui espaçozo pá/teo em o qual estavão de huma parte e outra dous batalhões de gente de / armas vestidos de gala com suas cazacas vermelhas com seus capaçetes (sic) / dourados de obra alta, e nas frentes dos dous batalhões estava gente / mui lustrosa com languinatas porque todos os mais não tinhão mais que / traçados e estava toda esta gente, que era muita, formada por entre ruas de / grades douradas que dividião huns de outros com que formavão huma ostentação muito / lustrosa, e em huma parte deste páteo estavão com grande ordem passante de / duzentos homens com vários instrumentos a seu uzo que os tocavão com tal compas/so que não fazião confusão, e estavão mais neste dito páteo duas fermosas sa/las, huma em frente da outra, e a do lado direito estava mui bem alcatifada e / toldada de ricos pannos, e nesta sala estavão sentados por sua ordem todos / os mandarins e gente grande de nação Mouros com que el Rey se serve, todos / vestidos riquissimamente ao seu modo, e na outra sala da parte esquerda que / estava tãobem alcatifada e toldada da mesma maneira que a outra, esta/vão seis mandarins pessoas grandes e hum Oya356 que responde a nosso modo ao / título de Duque, estes senhores recebrão ao Senhor Embaixador com a gente que / levava, e o mandarão assentar em hum lugar supremo a elles sobre / huma colcha bordada, ficando todos em silêncio, seguia-se logo adian/te destas duas salas duas portas que hião por ellas para o jardim del Rey, / e cada huma tinha por guarda dous elefantes debaixo de seus toldos / dourados, os quaes elefantes estavão amarrados com cordas 354 De barchim, azagaia indiana; lança comprida. O mesmo que Nanguinata, do japonês naginata, ou seja, lança japonesa, alabarda. 356 Oya - o mesmo que Oiá, título de nobreza, no Sião, equivalente ao de Duque. 355 forradas de escar/lata, e ajaizados (sic)357 com ouro muito fino batido ao martello e nelle engastada / tanta pedraria fina que seria temeridade o querer assim a vultu darlhe / avaliação; e como estes quatro elefantes erão particularmente da pessoa / Real tinhão por cornacas358 pessoas muito grandes da Corte do dito Rey, / e estando hum pouco espaço sentado o Senhor Embaixador se ouvirão huns / instrumentos que fazião pequeno estrondo e ao som delles se prostrarão / por terra todos os mandarins e gente de guerra athé chegar com os rostos / a mesma terra por onde se conheceo que el Rey tinha já entrado em seu / Throno a esperar ao Senhor Embaixador, e logo por huma das ditas duas por/tas veyo hum mandarim a quem todos fizerão sombaya o qual deo / mostras de que era tempo de entrar o Senhor Embaixador, o qual levava por / lisonja na mão de hum pagem seu huns sapatos novos para mudar // os que 357 358 Por “ajaezados”. Cornaca – guia e tratador de elefantes. [Fl. 286]359 os que levava cheos de pó, e logo, o que vendo o dito Oya lançou mão d[os] / sapatos e os foi calçar posto com os joelhos em terra, ao Senhor Embaixador (…) /ção que cauzou grandíssimo espanto àquella multidão de gente po[rque] / vião que homem tão grande servia ao Senhor Embaixador em ministério tão / baixo, e logo o mandarim que havia vindo de dentro e os quatro que / sempre acompanharão ao dito Senhor o forão levando pella dita / porta, e com elle tão somente os quatro Religiosos dizendo que fossem occu/par o lugar que estava só para o Secretário da Embaixada, e todos os of/ficiaes ficarão na dita sala com os mais mandarins que nella assistião, / ficando toda a multidão de gente de armas deste dito páteo em hum / puro silêncio sendo mais de dez mil homens, porque era capaz o dito / páteo para estar nelle tanto número muito à vontade e em boa ordem, de / tanta ostentação junta, e honras que el Rey fazia ao Senhor Embaixador, [h]ou/ve mandarins que derramarão lágrimas de alegria, e mais vendo que / el Rey mostrava sentimento de não ser mais poderoso para com mais apa/rato receber o Embaixador do Príncipe Nosso Senhor. Entrou o Senhor Embaixador pella porta já dita do jardim, em / o qual estavão muito perto de trezentos homens gente nobre e titular em / boa ordem todos com catanas forradas de prata e cabayas brancas de panno / muito fino, e pello meyo desta gente foi o Senhor Embaixador a huma porta adon/de estavão hum elefante e huma áliá com arreyos de ouro mocisso (sic)360 esmal/tados com muita pedraria fina de várias sortes que foi avaliada por hum / grandíssimo thesouro, e servião-lhes de cornacas quatro Senhores dos / principaes do Reyno, subio o Senhor Embaixador alguns degraos que erão da porta / nomeada da Sala Real em que estava el Rey em seu Throno, e entrou / o dito Senhor ficando ao pé dos degraos os quatro Religiosos sentados em / huma alcatifa, e da mesma maneira e com a mesma gala com que o Senhor Embaixador / havia saído de sua caza entrou pella dita Sala Real calçado com / seus sapatos ordinários, com espada e adaga na cinta, e em pé direito, e Cons/tantino Falcão todo prostrado por terra gatinhando foi levando ao Senhor / Embaixador perante o Throno Real del Rey, fazendo diligência por / que fosse andando o dito 359 360 Apresenta-se rasgado no canto superior direito. Por “maciço”. Senhor com o corpo inclinado, o que não quiz fazer se/não muito direito fazendo a primeira cortezia ao entrar da Sala, e no meio / della a segunda, aonde hum dos Oyas lhe pegou na conteira da espa/da dando-lhe a entender que se inclinasse e não fosse tão direito, advirtên/cia de que o Senhor Embaixador não fez cazo, mas antes deo a conhecer ao dito / Oya que sentia seu atrevimento, e chegado perto del Rey fez a terceira cor/tezia já no lugar que lhe estava deputado para se sentar, que era huma / alcatifa ricamente bordada singular a todas as mais de que estava orna/da toda a Sala que entre os Siões hé o lugar supremo abaixo del Rey / o qual estava em hum rico Throno de ouro quatro palmos levantado do / chão couza de que se espantou toda a sua Corte, porque este Rey sempre // [Fl. 286v.]361 [cus]tumou ter seu Throno muito alto quando recebe Embaixadas, e em / [nenhum]a occazião quiz estar tão baixo por fazer esta suprema hon/[r]a ao Príncipe de Portugal seu Irmão, porque assim o disse elle a / quem lhe notou o excesso, e não ficou desviado o Senhor Embaixador delle / mais que obra de dez ou doze palmos, tãobem supremamente só a elle / concedida, dentro no Throno de ouro estava el Rey sentado em / huma cadeira do mesmo toda cuberta de tanta pedraria fina que / cegava a vista de quem queria reparar na sua grandeza, e a pessoa / del Rey estava mui ricamente vestida cuberta de tanta pedraria / que bastava para fazer hum grande thesouro, e tinha na cabeça huma / Coroa Imperial muito riquíssima, e por aqui se pode considerar que a/donde el Rey se ostentava com tanta riqueza e aparato que tãobem ha/vião de estar assistindo as mayores pessoas de seu Reyno, em huma ban/da de Sala estava o Barcalão Governador do Reyno e o Príncipe de Cambo/ja, e abaixo delles, de huma banda e da outra da Sala se seguião vinte / e quatro Oyas, título de Duques, e outros grandes menores que correspon/dem a Marquezes todos com suas insígnias que são bocetas grandes de ou/ro que têm diante de sy em que têm o seu betle, honra suprema que el Rey / lhes dá, e pella obra das ditas bocetas se conhece o lugar que cada hum / tem diante de seu Rey, e estavão todos ao seu uzo, e conforme suas / nações com muita gala e bizarria, e o Senhor Embaixador se achou em lugar / supremo a todos estes Senhores, e estando em silêncio propoz o dito / Senhor a sua visita e Embaixada da parte de Sua Alteza na ma/neira seguinte. O Príncipe meu Senhor Regente dos Reynos e Senhorios de Por/tugal Irmão em armas de Vossa Real Magestade para novamente firmar a / verdadeira amizade que sempre os Sereníssimos e Poderosos Reys / de Portugal tiverão com os Mui Altos e Poderosos Reys de Sião, me / manda por seu Embaixador a visitar a Vossa Real Magestade estiman/do muito que Vossa Real Magestade logre prefeita (sic) saúde com todos os bons su/cessos que Vossa Real Magestade dezeja, para que a antiga e verdadeira amiza/de que sempre [h]ouve entre estas Monarchias, mais se prospere, e / perpetue entre elle e Vossa Real Magestade. 361 Apresenta-se manchado e rasgado no canto superior esquerdo. Agradece muito o Príncipe meu Senhor a Vossa Real Magestade as mercês / e favores que tem feito e faz aos Portuguezes que neste Reyno vivem, e / vêm a elle com seus negócios, e particularmente o muito que Vossa Real Ma/gestade tem remediado a Cidade e moradores de Macao de que está / bem informado com que para congratulação de tão verdadeira amizade orde/na ao Senhor Conde Vice Rey da Índia que todo o bom trato, e favor se faça / em suas terras aos vassallos de Vossa Real Magestade quando a ellas forem. Tenho da parte do Príncipe meu Senhor negócios mui particula//res [Fl. 287] particulares que tratar com Vossa Real Magestade, e visto não ser estilo deste / Reyno podê-llos tratar de pessoa, a pessoa com Vossa Real Magestade ordene / Vossa Real Magestade a algum de seus Ministros de inteira confiança e se/gredo com quem eu os trate para que o tal Ministo só a Vossa Magestade os faça / prezentes, porque são negócios do Príncipe meu Senhor para Vossa Magestade. Acabada esta falla aprezentou o Senhor Embaixador a car/ta e juntamente o sagoate que estava composto com muita ordem sobre hum / bofete grande de prata de riquíssima obra, e a tudo se mostrou el Rey / tão alegre e reguzijado como se naquelle dia recebesse a Coroa de seu / Reyno, isto acabado, mandou el Rey em huma bandeja de ouro huma / rica casaca de Melleque de ouro com cem botões de filagrana do mes/mo metal para que o Senhor Embaixador em sua prezença a vistisse, e / no mesmo instante forão mandarins com bandejas de prata a repar/tir casacas muito lustrosas pellos officiaes da Embaixada que esta/vão fora na Sala que fica dita, e ao mesmo tempo se levarão hábi/tos que já estavão feitos aos Religiosos nomeados, e acabada esta / função de repartir casacas, que hé hum dos grandes mimos que custu/ma el Rey fazer a quem vay perante elle, depois de perguntar el / Rey pella saúde do Príncipe Nosso Senhor e mais pessoas Reaes, e / pellos grandes de todo o Reyno, e do Senhor Conde Vice Rey da Índia, fez / outras várias perguntas ao Senhor Embaixador, e pello sucesso de sua via/gem athé seu Reyno com muita affabilidade que todos os que prezentes estavão fi/carão admiradíssimos, porque nunca os Reys de Sião custumão fa/zer mais que três perguntas quando se lhe dão Embaixadas, e nes/ta occazião se deo no número dellas pello grande gosto com que se acha/va de tal Embaixada, e acabadas as perguntas nomeou ao Bar/calão Governador do Reyno por ministro para os negócios que o Senhor Embaixador / tinha que tratar, dizendo que como Supremo Governador do seu Reyno cha/ve de seus segredos só a elle tocava ser Ministro dos taes negócios, bem / sentio o Senhor Embaixador a nomeação do tal Ministro, porque por in/capaz el Rey lhe tinha dado por Ayo a Constantino Falcão, e / não podia o dito Barcalão sem o dito exercer seu offício, porém / não pôde o Senhor Embaixador fazer réplica, porque o intérprete / era o mesmo Constantino Falcão; como hé custume del Rey / de Sião quando falla com os Embaixadores e pessoas grandes, dar / a sua palavra primeiro ao Barcalão, e o Barcalão a dá ao lín/gua o qual então a explica à pessoa com quem se falla, e em ordem / a este custume disse el Rey ao Senhor Embaixador que se reparava no / seu fallar não ser primeiro com o Barcalão como era seu estilo, / que ficasse entendendo o Senhor Embaixador que elle lhe fazia aquella / honra suprema porque era Embaixador do Príncipe Regente // dos Reynos [Fl. 287v.]362 dos Reynos de Portugal seu Irmão, que mandava confirmar com / elle as antigas amizades, e que esta Embaixada recebia por su/prema em seu Reyno, com que todos os grandes que prezentes esta/vão como erão de várias nações, beberão este trago de muito má vontade; / logo se levantou el Rey despedindo-se do Senhor Embaixador, correo / a cortina de sua Tribuna recolhendo-se para dentro, e o dito Senhor veyo / saindo por todo Palácio acompanhado de muitos grandes pello meio / de todo aparato Real que fica dito, e o trouxerão athé sua caza / os quatro mandarins que della o havião levado para o dito Palá/cio, e depois de estar já recolhido vierão dous mandarins que em / sua companhia trazião hum taboleiro de prata com huma fermoza / casaca de Melleque de prata, e disserão ao Senhor Embaixador que / lhes desse licença para darem a dita casaca ao Secretário da Embai/xada que Sua Magestade lha mandava, visto que por cauza de sua en/fermidade não tinha ido a seu Palácio. Depois do Senhor Embaixador ter dado sua Embaixada, foi o / Bispo Francez a Palácio, que para elle não há porta feichada (sic), e / visitando a el Rey com grande ironia lhe deo os parabens da Embai/xada do Príncipe de Portugal, e fiado na grande privança e fa/miliaridade que tem com el Rey lhe estranhou os excessos das honras que / se havião feito ao Senhor Embaixador, dizendo que se não devião a hum / inviado do Vice Rey da Índia, o que ouvindo el Rey disse (algum tanto co/lérico) que era Embaixada do Príncipe Regente de Portugal seu / Irmão e que se o não fosse não se havia atrever a entrar em seu / Reyno com as armas de seu Príncipe arvoradas diante dos seus na/rizes, e ostentar-se na caza em que estava em forma de segunda pessoa / do Príncipe de Portugal, a quem devia fazer muitas honras pella / antiguíssima amizade que sempre conservarão as duas Coroas de / Sião e Portugal, e que quando não fosse o Embaixador tão justamente / merecedor das honras que lhe fazia, que nunca elle ficava diminu/indo (sic) pellas fazer, de sua Magestade e grandeza, pois era próprio em / grandes levantar aos pequenos, e que se elle dito Bispo reparava / em que o Príncipe de Portugal lhe mandava Embaixador por via / de seu Vice Rey da Índia, que era hum reparo muito ignorante, porque / não era pequena difficuldade o vir de Portugal hum Embaixador / ao Reyno de Sião, porque havendo 362 Apresenta-se muito manchado no cimo. de passar tantos mares era ma/is certo o ficar no meyo do caminho do que chegar a sua Corte, e que / ficasse entendendo elle dito Bispo que a carta e sagoate, e a osten/tação com que o dito Embaixador havia entrado em seu Reyno, e o que mais / tinha dito lhe fazião crer que era verdadeiro Embaixador do Prín/cipe de Portugal, e acabando de dizer isto correo a Cortina e se / foi para dentro muito colérico, de que ficou o dito Bispo Francez // sentido [Fl. 288] sentido, e veyo logo buscar a Constantino Falcão particularmente, / para que por elle se fosse retratar com el Rey, ao que não faltou o dito / Constantino Falcão, e estimou muito esta occazião para mostrar / ao dito Bispo o quanto o estimava e solicitava suas couzas, e Deos sa/be com que intento, não foi necessário muito para que el Rey admitisse ao / Bispo em sua graça porquanto está muito empenhado com esta nação, e seu / privado trabalha por que esteja firme no tal empenho. Tinha o Senhor Embaixador já avizo do Barcalão Governador do Reyno / para que fosse a tratar com elle os negócios que dizia queria fazer pre/zentes a Sua Magestade, e neste particular estava o Senhor Embaixa/dor muito cuidadozo, pois via que era impossível poder tratar o prin/cipal negócio que obrigou ao Senhor Conde Vice Rey a mandar esta prezente / Embaixada, porque não havia nenhum caminho para o tratar com el / Rey em segredo senão só por via do Barcalão que não repre/zentava mais que a figura de seu posto, e na realidade exercia o cargo / Constantino Falcão que para o particular negócio se tratar com elle, / era o mesmo que não colher fruto nenhum, se não buscar motivos para / muitas desordens e confusões que a experiência estava mostrando, com/tudo não quiz o Senhor Embaixador fiar-se só de seu juizo e do conheci/mento que tinha do ser em que estavão as couzas no Reyno de Sião, nem / tão pouco quiz deixar de seguir as ordens do Senhor Conde Vice Rey em que / lhe ordenou se valesse, quando a occazião o pedisse, dos pareceres / do Reverendo Padre Manoel Soares Superior da Igreja de São Paulo no Sião, / e de Francisco Barretto de Pinna Capitão mor do Bandel dos Portugue/zes, que como pessoas experimentadas nas couzas do Sião saberião / dar bom conselho no que mais fosse lícito tratar com el Rey de Sião nos ne/gócios desta Embaixada, e em ordem a isto escreveo o Senhor Embaixador pella / posta huma carta ao Bandel enviada ao dito Padre Manoel Soares para / que lhe mandasse seu parecer junto com o parecer de Francisco Barretto / de Pinna, e que ao pé da mesma carta lhe mandassem seus pareceres para / se desenlear da confusão em que se achava, e o theor da dita carta, / e re[s]posta hé o seguinte. Ponto principal desta Embai/xada que com Vossa Paternidade consulto para / obrar nella, conforme o parecer / de Vossa Paternidade. Ordena o Senhor Conde Vice Rey que peça eu a el Rey de Sião lançe (sic) / fora aos Bispos e Missionários Francezes pellas rezões que / o mesmo Senhor allega, esta hé a ordem do Senhor Conde Vice Rey, mas adian//te [Fl. 288v.]363 adiante o mesmo Senhor quer se trate este ponto com grande segredo e / [indus]tria. A primeira que não pode haver segredo porquanto el Rey de Sião / há-de deputar hum dos seus ministros com quem se hão-de tratar os / negócios desta Embaixada, e por via do tal ministro serão lo/go os Francezes sabedores deste ponto, porquanto estão metidos com os prin/cipaes ministros deste Reyno, por serem nelle os ditos Bispos e Missio/nários Francezes bem vistos do Rey. A segunda rezão já tocada em a primeira hé que o Rey deste / Reyno está tão affeiçoado aos ditos Bispos e Missionários que ca/da dia os manda chamar para conversar com elles, e não sae fora / que consigo os não leve, e todos os dias emquanto estão nesta Corte lhes / manda de jantar de Palácio, e todos os dias lhes está fazendo tan/tos favores, como todos sabem. A terceira rezão que hé a principal de todas, ter el Rey man/dado hum Embaixador seu a França com tão grande empenho, e com tan/to cabedal para as couzas que mandou vir de França. Estas são as rezões que se me offerecem contra o que o Senhor Conde Vice Rey / me ordena, não fallo em as mais que nesta matéria se considerão / que ainda serão mais forçosas, pellas consequências que se poderão se/guir dellas. Comtudo Vossa Paternidade com Francisco Barretto de Pinna Capitão / mor veja com advirtência estas rezões, e ambos ao pé dellas me man/dem com toda a pressa seu parecer, porque conforme elle hei-de obrar. / Lovo 18 de Mayo de 1684. Sobscripta por mim Francisco / Fragozo Secretário da Embaixada. a.) Pero Vaz de Siqueira Respondendo aos três pontos acima de Vossa Senhoria, dizemos que não convem por / nenhum cazo que Vossa Senhoria falle a este Rey em botar fora os 363 Apresenta-se manchado no cimo. Bispos / Francezes, nem seus Missionários, porque elle o não há-de fazer nem / conceder, pellas mesmas rezões que Vossa Senhoria aponta, que todas são / mui forçosas; o que Vossa Senhoria sendo servido pode pedir a este Rey hé / que Sua Magestade de Sião ordene que nenhuma nação da Europa entenda / com os Portuguezes neste Reyno em matéria nenhuma sobre seu go/verno, e viver, mais que estarão sugeitos a seus custumes antigos, / e ao que lhe ordenar o Senhor Vice Rey e Arcebispo Primaz da Índia, porque Sua / Alteza o Príncipe Nosso Senhor e o Senhor Vice Rey da Índia levão muito gosto / e são contentes que em Sião vivão e estejão os Portuguezes para servirem a / este Rey como sempre fizerão, e fazem com toda a lealdade, mas não para / se sugeitarem em nada a outra nação mais que a el Rey de Sião para o que for de // seu [Fl. 289] de seu serviço; e assim a ambos nos parece que isto hé o que convem e o mais / acertado, visto as couzas dos Francezes em Sião estarem [n]o estado que Vossa Senhoria / vê, e nós sabemos e experimentamos; do Bandel364 dos Portuguezes 19 de Mayo de 684 annos. aa.) Padre Manoel Soares Superior / desta Residência de Sião Francisco Barretto de Pinna Emquanto esta prezente carta foi athé vir sua re[s]posta, tratou o Senhor / Embaixador de fazer hum sagoate grandioso a el Rey de muito curiosas cou/zas da China que para este fim tinha levado, o que sabendo Constan/tino Falcão veyo ter com o dito Senhor e lhe disse que tinha por notícia que Sua Se/nhoria se estava previnindo para mandar sagoate a Sua Magestade, e que lhe / disserão mais que era de grande empenho, o qual elle vinha atalhar para que / Sua Senhoria não faltasse a política que se devia ao sagoate que havia / trazido do Senhor Conde Vice Rey, porque não era rezão que se igualasse o sagoa/te do Senhor Embaixador no valor do sagoate que o Senhor Conde Vice Rey mandou em / nome do Príncipe Nosso Senhor, e que conforme o uzo del Rey de Sião o havia / de levar a mal, o que ouvindo o Senhor Embaixador aprezentou ao dito pri/vado tudo o que tinha para mandar a el Rey e lhe disse que escolhesse o que mais / curioso fosse e agradável a el Rey de Sião na forma que a elle lhe parecia / que era o mais conveniente para o Senhor Embaixador não cair no comisso que elle / Constantino Falcão lhe advirtia, mas que tãobem não fosse a escolha / tão diminuta que ficasse o Senhor Embaixador avaliado entre os ministros del / Rey por tacanho, e logo o dito Constantino Falcão lancou (sic) mão en/tre tudo o que se lhe aprezentou de quatro brincos feitos na China muito cu/riosos, que constavão de dous pavões de prata com engenhos pendentes, que / dando volta com huma chave andavão os ditos pavões hum grande passo ar/mados e rosagantes, e huma figura de molher tãobem de prata com muita / perfeição, que tãobem se movia com os mesmos engenhos a obediência de ou/tra chave, e huma soma365 tãobem de prata de muito primor com suas velas lar/gas que dando-lhe volta a huma chave que tinha como hia, com próspero ven/to fazia sua carreira com muita velocidade, e disse o dito Constantino Falcão / que só estas quatro curiosidades bastavão para que o Senhor Embaixador mandasse / a el Rey, e na verdade que entre tudo soube o dito privado fazer escolha por/que supposto não havião custado mais que quatrocentas patacas, tinhão / grande valor, pella perfeição e engenho, com que mandou o Senhor Embaixador / este sagoate a el Rey que fez delle grandíssima estimação que esta sem/pre faz de couzas esquisitas que se lhe mandão de vários Reynos ainda / que não tenhão vallor. Chegada do Bandel a re[s]posta do Padre Manoel Soares, como fica // dito 364 365 Está rasgado. Soma - antiga embarcaçao de comércio e de guerra, semelhante ao junco. [Fl. 289v.] dito, tratou logo o Senhor Embaixador de avizar ao Barcalão apon/tando-lhe dia para que estivesse prestes para o receber que o hia visitar, e / tratar negócios de importância, e apercebido o dito Barcalão foi / o Senhor Embaixador com todo seu estado e entrou-se na sala aonde es/tava o dito Barcalão tãobem com grande aparato, assim de ornatos / como de pessoas que occupavão a dita sala, e estava preparada huma col/cha de montaria de seda muito junto ao Barcalão para o Senhor Em/baixador se assentar, lugar supremo entre esta nação e estava tão/bem Constantino Falcão que era na realidade como já se tem dito o ver/dadeiro Barcalão, mas mostrava que não seria nesta occazião / mais que de emtérprete, e depois de se fazerem os devidos comprimen/tos e perguntas de parte a parte disse o Senhor Embaixador que elle hia / tratar com o Senhor Barcalão os negócios que tinha dito a Sua Magestade para / se lhe fazerem prezentes, e que estes para serem explicados de boca nunca / poderia ser com as circunstâncias necessárias, e que para não haver este er/ro os levava todos por hum papel, o qual eu Secretário levava em / meu poder que entreguey a este tempo na mão do Senhor Embaixador que logo / o deo ao Barcalão, e elle a Constantino Falcão que o explicasse, / o que foi fazendo e depois de explicado na língua sioa particular/mente só ao Barcalão, disse o dito Constantino Falcão (dando a / entender que tomava a falla do Barcalão) que se o Senhor Embaixador ti/nha poderes para confirmar e estabelecer tudo quanto se assentasse entre / el Rey de Sião e o Senhor Embaixador, ao que disse o dito Senhor que sendo couzas / lícitas conformes a boa amizade que sempre [h]ouve entre el Rey de / Sião e Sua Alteza, que elle estava para confirmar tudo, e o Senhor Conde / Vice Rey da Índia para lhe dar comprimento, como lhe tinha dado por ordem, / pois Sua Alteza o havia ordenado assim ao dito Senhor Conde Vice Rey, / ouvindo esta re[s]posta o dito Constantino Falcão disse que tudo o que / o Senhor Embaixador pedia naquelle papel se ordenava, e dirigia em par/ticular interesse do Senhor Príncipe Regente de Portugal, e que agora / era necessário el Rey de Sião propor o que tocava a conveniências suas, e / conforme o Senhor Embaixador diffirisse a ellas se responderia igual/mente ao que o Senhor Embaixador propunha em nome de Sua Alteza, o Senhor / Embaixador lhe disse que fosse propondo, o que fez o dito Constantino Fal/cão; e foi propondo hum arranzel muito perlongado (sic) que lhe atalhou o di/to Senhor dizendo que lhe desse por papel o Senhor Barcalão o que tão lar/go representava pella parte del Rey de Sião, porque as couzas que / se tratavão de huma Coroa com outra, erão para se estabelecerem por ley fir/me a fim da conservação de amizades, e que a propostas largas em se/melhantes matérias podia ser a re[s]posta repentina em forma que / prejudicasse a huma e outra Coroa, este dizer do Senhor Embaixador pareceo / bem ao Barcalão, e a Constantino Falcão que ficando com o papel que / o dito Senhor de sua parte tinha dado, ficou assentado que o Barcalão man//daria [Fl. 290] mandaria por papel os negócios que tocassem a el Rey de Sião para que Sua / Senhoria respondesse; bem entendeo o Senhor Embaixador que Constantino / Falcão hia buscando caminho novo para implicar as couzas desta Em/baixada pois nas passadas o não pôde fazer, mas não era tempo de / que o dito Senhor explicasse tudo o que entendia por não haver mayores con/fusões pois estava fiado que nunca este privado poderia manifestamente / solicitar-lhe males, porque el Rey de Sião estava mui cuidadoso em sa/tisfazer a esta Embaixada com tudo o que lhe fosse possível, sendo que o ma/yor trabalho que há neste Reyno de Sião, hé não poder fallar com o dito / Rey por vias differentes senão só por este dito privado, e o papel, / que o Senhor Embaixador aprezentou foi o seguinte. Pontos dos negócios, que propoz o Senhor / Embaixador tocantes ao serviço do Prín/cipe Nosso Senhor para serem aprezentados / a el Rey de Sião. 1.º O Príncipe meu Senhor para nova firmeza da antiga amizade que sempre / [h]ouve entre estas duas Coroas, estima muito que neste Reyno estejão seus vassal/los occupados em o serviço de Sua Magestade mas tãobem deve-se servir Sua / Magestade que não estejão os taes vassallos em matéria alguma de governo su/geitos a nação alguma, mas governar-se-hão por seus antigos custumes, e pello / que lhes ordenarem os Senhores Vice Reys da Índia, tocante ao temporal, e no es/piritual pellas ordens do Arcebispo Primaz da Índia que reside em / Goa, e não serão ousados os Bispos, e Missionários Francezes, a se / entremeterem com o governo dos ditos seus vassallos que assistirem em todo es/te Reyno de Sião, e com isto se evilatarão (sic)366 os desacertos, e inconvenientes / que se tem já seguido, e se poderão ainda seguir aos vassallos do Prín/cipe meu Senhor. 2.º Que os vassallos do Príncipe meu Senhor que neste Reyno de Sua Real Magestade / vivem reconheção ao Capitão mor que governar por seu mayor, e legítimo Juiz, / o qual os poderá castigar sendo culpados e degradar para as outras 366 Por “evitarão”. terras do / Príncipe meu Senhor, sem que em sua jurisdição se entremetão alguns dos / ministros de Sua Real Magestade, antes lhe darão toda ajuda, e favor para / que o dito Capitão mor possa com elles exercitar seu offício, quando elles repug/narem, e que poderá o dito Capitão mor sentencear suas cauzas com mais dous / ministros que eu lhe apontar, sendo cauzas cíveis, e nas criminaes sen/do gravemente culpados, que mereção mayor castigo, os remeterá a Goa com suas / culpas para lá serem castigados como for de Justiça, e que quando tãobem / alguns dos ditos vassallos do Príncipe meu Senhor cometer alguma culpa / grave no serviço de Sua Real Magestade, sejão entregues ao dito Capitão mor para / que com suas culpas os remeta a Goa onde serão mui bem castigados como mere/cer o delicto, e tãobem que nenhum dos Portuguezes que neste Reyno vive debai//xo [Fl. 290v.] Debaixo do emparo e protecção de Sua Real Magestade poderá ser entregue / a nação alguma por dívida que deva mesmo que correcta, mas será en/tregue ao dito Capitão mor para fazer o que for Justiça, e mais que quan/do o Senhor Vice Rey da Índia que está em lugar do Príncipe meu Senhor fa/zendo suas vezes, mande chamar a algum dos Portuguezes que vivem / neste Reyno, será a tal pessoa obrigada a ir logo, e quando o não / queira fazer, Sua Real Magestade por seus Ministros o mandará que / vá logo obedecer ao chamado do Senhor Vice Rey, porque Sua Real Ma/gestade como tão grande Monarcha quer que se observe a obediência que / devem os vassallos a seus Reys. 3.º Que os Portuguezes que vivem neste Reyno se poderão embarcar / para buscarem sua vida sem impedimento algum, e se quizerem levar / suas molheres o poderão fazer com todas suas famílias livremente / sem para este effeito dependerem de licença alguma, e assim tãobem os fi/lhos e filhas que os ditos Portuguezes tiverem de péguas, e outras na/turaes, os poderão seus Pays e parentes levar para outra terra sem algum / impedimento. 4.º Que os Portuguezes que estiverem neste Reyno não irão fazer guerra / a algum dos Reys que tem paz com o Príncipe meu Senhor, mas vindo os ditos / Reys para perturbar a posse que Sua Real Magestade tem deste Reyno de / Sião, serão obrigados os ditos Portuguezes sob pena de cazo mayor / a defender o Reyno de Sua Real Magestade com suas vidas, porque assim o / merece o muito favor que Sua Real Magestade faz a todos elles, e pella mes/ma rezão os barcos que forem mandados pellos Ministros de Sua Real / Magestade para parte aonde andão as armadas do Príncipe meu Senhor, não le/varão capitães, nem officiaes, nem mercadores de nação que tenha guerra / com os Portuguezes para que fiquem evitados todos os caminhos com que de algum / modo se poderá perturbar a antiga amizade e irmandade que há entre / estas duas poderozas Coroas. 5.º Que no Bandel onde vivem os Portuguezes não vivão outras nações, / para se evitarem brigas e desgostos, e que os Portuguezes que em outras partes / estiverem fora do Bandel, estejão sugeitos ao Capitão mor que nelle go/vernar com beneplácito de Sua Real Magestade, para que não fiquem izentos do / castigo quando o merecerem. 6.º Que os barcos dos Portuguezes que a este Reyno de Sião vierem com seu / contrato, lhes seja concedido poderem livremente vender suas fazendas, / e comprar as que [h]ouver na terra sem que haja impedimento algum nos mer/cadores deste Reyno para poderem comprar e vender, como sempre foi cus/tume, e quando aos Feytores de Sua Real Magestade lhes for conveniente / tomar alguma espécie de fazenda aos ditos barcos para o Real serviço de Sua / Magestade, o farão dando os preços, que os mais mercadores deram, porque tan/to pello tanto está em primeiro lugar o serviço da Magestade del Rey de / Sião. Re[s]posta que deo o Barcalão Governador // do Reyno [Fl. 291] do Reyno de Sião aos pontos acima / declarados propostos pello Senhor / Embaixador em serviço do Prín/cipe Nosso Senhor. 1.º Do que o Senhor Embaixador reprezenta em nome do seu Príncipe no / primeiro ponto dos seus negócios que o dito Senhor Embaixador entregou aos 28 / de Mayo de 1684, se resolveu que reconhece esta Corte o bom affecto de / Sua Alteza o Príncipe Regente de Portugal, que se trata no primeiro / ponto athé a septima regra, e dahi por diante se repara hum pouco / pedir-se que os vassallos de Sua Alteza neste Reyno assistentes não este/jão sugeitos a nação alguma em qualquer matéria de governo, porquanto nun/ca os vassallos de Sua Alteza em algum tempo neste Reyno estiverão sugeitos / a nação alguma estrangeira, mas antes sempre se governarão pellas leys, / e custumes antigos, e se em algum tempo sucedeo que a justiça da terra co/nheceo algum cazo dos vassallos de Sua Alteza foi por petição dos mesmos / vassallos, por razão de algumas injustiças, e sem rezões que o Capitão mor / que tem Sua Alteza neste Reyno cometeo. E folgará muito esta Corte que Sua / Excelência o Senhor Vice Rey escolha alguma pessoa grave, e authorisada assim / de bens temporaes, como de prendas riquisitas (sic)367 para governar, e adminis/trar a justiça a seus vassallos que aqui residem no lugar de Capitão mor / e da sua justiça se possa inferir as honras, e estimação devida a Sua Alteza / o Príncipe Regente; pois verdadeiramente gravíssimo era o sentimento / desta Corte que a justiça, e custumes da nação portugueza se adminis/trasse com tão mao exemplo por tantos annos, e o que da nossa parte nos obri/gava a dis[s]imular e permittir era só a estimação grande que sempre / se fez da antiga amizade entre estas duas Coroas, e de outra parte / aprovamos muito que o Senhor Embaixador em nome de seu Príncipe Re/gente pede no que toca ao governo Ecclesiástico, pois hé tão justo, e con/forme com a rezão, e antiguidade que não se deve faltar, assim está resolu/ta a re[s]posta do primeiro ponto athé as 17 regras, das quaes para o fim delle / não temos que differir sendo a matéria, que se trata tão fora das leys e cus/tumes de todos os Reynos, que são poderosos, que não hão-de querer por / políticas, e rezões de estado que huma nação governa outra pois Sua / Alteza o Príncipe Regente de 367 Por “requeridas”. Portugal sabe mui bem que nunca / este Reyno foi sugeito a Coroa alguma para assim permittir a alguma na/ção governar a nação portugueza, ou outra qualquer que resida nes/te Reyno debaixo de sua protecção e patrocínio. 2.º Do segundo se resolve, que sabe o Senhor Embaixador as differenças de / vassallos que tem Sua Alteza o Príncipe Regente neste Reyno, a/thé agora são só duas, huns por nome criados de Sua Imperial Magestade, / e outros desterrados das terras da Coroa de Portugal conquistadas dos // olandezes [Fl. 291v.]368 dos Olandeses, e os ditos vierão tão necessitados que não tiverão ou/tro recurso e caminho para s[eu] emparo, mais que debaixo da prutec/ção deste Reyno tanta era a piedade de Sua Imperial Magestade que a/pontou o Bandel para elles residirem, e nelle buscarem seu remédio / e sustento, pois evidentemente constão não haver outros ca/minhos de que se valhão mais que da abundância deste Reyno, sup/posto o que está explicado se resolve se acazo Sua Alteza o Príncipe / Regente ordenar que alguns vassallos seus para mayor authoridade / do Capitão mor, residão neste Reyno tendo sufficientes bens com que se / mantenhão sem dependência alguma delle que os ditos ficarão de/baixo da authoridade, justiça e poder do Capitão mor no modo / que o Senhor Embaixador reprezenta em nome de Sua Alteza o Prín/cipe Regente, athé as 12 regras do segundo ponto. E quanto / ao mais que nelle se contém não podemos conceder, porquanto se sup/poem que o Capitão mor terá bastante poder para administrar jus/tiça, e governar seus sugeitos. E em cazo que algum de seus sugei/tos se ache manifesta, e evidentemente preverso, e rebelde à justiça / do Capitão mor, e o dito venha pedir ajuda dos ministros que estão / apontados para a sua nação se lhe não faltará com ella, e declara/mos que os da nação portugueza que estão no serviço, e recebidos por cria/dos de Sua Imperial Magestade, honras que se não concedem senão a pessoas / que são de bons procedimentos, e supposta a antiga amizade destas duas / Coroas, não pode a honra de Sua Imperial Magestade permittir / que os recebidos em seu serviço fiquem sugeitos a outrem que não seja / seu ministro; pois a justiça de Sua Imperial Magestade hé tal que nun/ca criado algum seu de qualquer nação que seja se queixou della, mas an/tes como evidentemente parece nas cartas, que estão nesta Secretaria Su/as Excellências os Senhores Vice Reys antigos agradecerão muito a esta Cor/te o querer receber, e ajuntar no número de seus criados os vassallos de / Sua Alteza o Príncipe Regente. Porém, em cazo que os taes cometão / algum crime contra a Ley e Religião que professão, e provando-se com quatro tes/temunhas Christãas a 368 Apresenta-se muito manchado no cimo. verdade do cazo, emtão o juiz a quem competir co/nhecerá delles, e procederá conforme for justiça para o exemplo dos ou/tros; que Sua Imperial Magestade não quer criados, senão muito ajustados / à Ley e Religião que professão, indo ao segundo género de vassallos / de Sua Alteza o Príncipe Regente (que aqui são os últimos) são / aquelles miseráveis desterrados de suas próprias terras, e conquista/dos pellos inimigos da Coroa de Portugal que acossados de sua muita mi/séria, e pobreza vêm buscar debaixo da protecção de Sua Imperial / Magestade seu remédio. A estes não tem coração Sua Imperial Magestade para / lhes negar a justiça, quando se achão opprimidos da justiça do Ca/pitão mor, e se vêm valer do braço dos ministros de Sua Imperial Ma//gestade [Fl. 292] Magestade em algum cazo, então não podemos deixar de não conhecer / a sua cauza, pois a estes ama, e estima Sua Imperial Magestade como / a seus próprios naturaes, e ainda mais, pois a todos seus vassallos obri/ga a seu serviço, e tributos, e os taes izenta de tudo, sendo de tudo isto a cau/za a grande e antiga amizade que concorre entre estas duas Coroas. E / estamos certos que os vassallos de Sua Alteza o Príncipe Regente se não ha/vião de valer do braço dos ministros desta Coroa, se a justiça do Capitão / mor fosse tal qual pedia a recta rezão. 3.º O terceiro ponto fica resoluto no paragrapho acima, e assim não / temos nada a que differir, pois está todo contra toda a política do Mundo. 4.º Se resolve que não há couza que agrada mais a esta Corte que ver que / os que habitão neste Reyno têm génio para buscar sua vida, pois ver/dadeiramente quando alguma pessoa se inclina a pretender este fim / nunca se faltou com o socorro necessário das fazendas Reaes, como muitos / têm experimentado neste Bandel, isto com grandíssimo detrimento / das Reaes fazendas, pois muitos delles se ficarão com os empréstimos / sem dar nunca satisfação, e suppostas estas evidentes rezões admi/ra-se esta Corte muito das que moverão ao Senhor Embaixador em nome de Sua Alteza / o Príncipe Regente fazer esta petição da parte dos que residem neste / Reyno, pois neste instante não se acha pessoa alguma que tenha bar/co no mar mais que Domingos Lopez da Cunha, o qual fabricou hum / barco e fez já duas viagens para Macao sem pagar gastos alguns direitos, / ou medições somente com pedir e alcançar licença, e pode o Senhor Embaixador / responder a esta resolução, que o que está referido no seu quarto ponto não / era pello que estava passado, senão pello que podia suceder. Bem porém / supposta a generosa benignidade com que esta Corte sempre tratou a nação / portugueza bem conhecida de todos não podia o Senhor Embaixador presu/mir que daqui por diante haveríamos de faltar na continuação de taes fa/vores; e resolvemos que as ditas famílias que sem outras conveniências, e ca/minhos de buscar sua vida, sendo ellas desobrigadas, e sem embaraço / algum poderão buscar os meyos que sua conveniência lhes ditar; porém que os / filhos e filhas que os Portuguezes têm com as péguas não se comprehende na so/bredita licença, antes sempre ficarão sugeitos à sua terra. 5.º Estimamos muito o cuidado que o Senhor Embaixador tem da perservação (sic)369 da / antiga e real amizade entre estas duas Coroas; porém resolvemos que não / podemos aceitar nada do que refere este ponto pellas rezões seguintes nunca se / ouvio no Mundo que algumas pessoas de huma nação residentes em outro Reyno / possão ser cauza de aggravar os amigos do seu Rey com suas obras; pois / estes estão encorporados no sobredito Reyno, e não entrão no núme/ro de auxiliares de seu Rey, o que podia aggravar a seu amigo, o que temos / por exemplo em todos os Reynos do Mundo. E se a guerra estiver per/to, ou longe os Portuguezes antes desta Corte determinar couza alguma / já estão procurando, e solicitando occaziões de entar no número dos // soldados 369 Por “preservação”. [Fl. 292v.]370 soldados e os officiaes pellos interesses grandes que têm dos quartees (sic) que / recebem e agradece muito esta Corte a Sua Alteza o Príncipe Regente / de Portugal a disposição com que quer obrigar a seus vassallos residentes / neste Reyno para defeza delle querendo Sua Imperial Magestade servir-se / delles; e em tal occazião não deixará Sua Imperial Magestade de não reco/nhecer seus serviços com prémios deputados a seus merecimentos, e reparamos muito / que juntamente o Senhor Embaixador queira restringir aquillo que hé tanto de / justiça pois a pessoa de qualquer nação que seja, que esteja admittida ao / serviço de Sua Imperial Magestade, se há-de suppor que consequentemente fica / amiga da Coroa de Portugal, pois assim há-de ser sempre nos seus regi/mentos e ordens de sempre conservar o respeito que se deve à antiga amiza/de destas duas Coroas e tudo quanto convém a navegação, e encontros de / barcos no mar differimos ao Senhor Embaixador em hum papel que se lhe / entregou aos 29 do prezente mez. 6.º Ao sexto e último ponto se resolve que tudo está muito conforme a / justiça e rezão assim será como o Senhor Embaixador em nome de Sua / Alteza o Príncipe Regente representa. Advirtimos ao Senhor Embaixador que tudo o que pode pertencer ao bom / governo e administração de justiça depende totalmente do administrador; / e por mais cuidado que Sua Senhoria ou esta Corte pode tomar para com/por estes negócios em forma, que para o futuro se não possa seguir alguma / inconveniência, achamos muito difficultoso pois suppondo que a pessoa do / Capitão mor haja de ser de partes e prendas que já ficão referidas, deves[s]e / governar conforme os negócios, tempos, e circunstâncias delles permitti/rem, e offerecerem, e sem dúvida que tudo havia de sair à medida do de/zejo de Sua Alteza o Príncipe Regente, o que não podemos prome/ter sendo conforme o concerto que o Senhor Embaixador pede desta Corte; por/que talvez daremos despachos aos negócios do Capitão mor, e ficará me/lhor despachado 370 Apresenta-se muito manchado no cimo. tomando as medidas necessárias, as quaes não podemos a/gora nem o Senhor Embaixador, nem esta Corte resolver. Finalmente advir/timos ao Senhor Embaixador o grande dezejo que temos que Sua Senhoria vá des/pachado no princípio da monção de sorte que chegue a salvamento e livre / de todos os perigos. E como para tratar destes negócios pede mais tempo / que a limitação da monção permitte, remetemos esta última conside/ração à disposição do Senhor Embaixador pois da nossa parte estamos prestes para / todo o bom despacho. Dada na Corte de Lovo aos 3 da minguante da Lua segunda do / anno 1046, que hé último de mayo de 1684, etc. Frey Estêvão de Souza Religioso dos Eremitas de Santo Augostinho Secre/tário do Tribunal de Sua Excellência o Senhor Barcalão para as nações da / Europa que o escrevy e sobescrevy. Bem se deixa ver pello remate deste papel o quanto o Padre Frey Es/têvão de Souza está esquecido do que deve ao reconhecimento e modestia de / Religioso, e juntamente as obrigações de Portuguez, e sem embar//go [Fl. 293] embargo de que por su[a] cauza e do outro seu companheiro Frey Pe/dro Martyr, o Senhor Embaixador teve grandes turbações, pois cooperavão / tanto com o ânimo e tenções de Constantino Falcão, comtudo a mayor / pena que o Senhor Embaixador teve, foi ver este dito Religioso muito jactan/ciozo pro[s]trado por terra entre os Idólatras no Tribunal do Barcalão ser/vindo de Escrivão, e não de Secretário, como elle diz, porque verdadeira/mente este título se não dá entre os siões, senão a hum próprio natu/ral com que o dito Religioso o seu posto mui presado vem a ser Escrivão do / Secretário do Barcalão. Pontos do memorial que os Minis/tros del Rey de Sião da parte de seu / Rey aprezentarão ao Senhor Em/baixador. 1.º Que todas as embarcações sugeitas a ambas as Coroas tenhão livre / entrada, e saída, em todos os portos donde qualquer das ditas Coroas te/nha algum domínio, ou senhorio; sugeitando-se assim humas, como outras a / dar particular conta de tudo quanto trazem assim de fazendas, como / artelharia, e gente etc., sem nenhuma diminuição assim na entrada / como na saída, ou quaesquer outros custumes, que são ordinários nas pras/sas por onde vão e vêm barcos, porque além de que outros quaesquer previlé/gios são concedidos reciprocamente a huns e outros, não se há-de consentir / que de huma parte se quebrem os custumes dos officiaes de intelligência / que hé para conhecerem tudo o que entra, e sae das ditas prassas. E os officiaes de qualquer das embarcações que entrão e saem, se acazo occultarem al/guma couza das que trazem, então perderão todos os previlégios que são con/cedidos a dita nação. 2.º Que as ditas embarcações assim de huma, como de outra parte sem/pre ficarão livres de direitos de Alfandigas371, Bangaçaes372 e medições, / e outros proes e 371 372 Por “alfândegas”. Bangaçal - o mesmo que gudão ou armazém indiano. precalsos, assim na entrada como na saída, e que possão / com toda a franqueza e liberdade comprar e vender sem nenhum impe/dimento de qualquer ministro ou official que seja; e os Tribunaes de / justiças estarão promptos para ouvir, determinar e dar execução aos / pleitos, e requerimentos dos capitães e officiaes das ditas embarcações, / como for justiça sem detença alguma para que as ditas embarcações não / percão sua monção e viagem; e se os ministros dos ditos Tribunaes fi/zerem o contrário debaixo de qualquer pretexto que seja, e as ditas em/barcações perderem seu direito, ou viagem, então os ministros a quem com/petir o conhecimento desta cauza darão inteira satisfação de qual/quer perda, ou dano que [h]ouver. 3.º Que encontrando-se as embarcações de ambas as Coroas no mar em / qualquer parte que seja, estarão obrigadas a assistir, e socorrer humas / as outras, conforme a falta que a que estiver necessitada pedir, sem // falta [Fl. 293v.] falta nem dilação, e se acazo se encontrarem nos mares em que qual/quer destas Coroas tiver domínio, e senhorio, aquelle que se achar em seu / domínio, encontrando-se com outro o conhecerá por seu amigo pella divi/za da bandeira, e em cazo que a dita bandeira não satisfaça aos capi/tães, e officiaes que estiverem em seu distrito, e domínio, então os taes farão / avizo que para ir tomar mais pleno conhecimento, a (sic) logo a dita embarcação / se porá a cappa, e chegando o ballão, somente duas pessoas desarmadas su/birão ficando os mais no ballão; e logo o capitão ficará obrigado apre/zentar a chapa que cada qual trará em suas embarcações, da qual reci/procamente haverá formas; e depois de reconhecida, a dita chapa en/trometendo-se somente espaço de huma hora permittirão que logo sem dilação / alguma a dita embarcação pros[s]iga sua viagem, e por nenhum pretexto que seja / haja dilação alguma; e havendo alguma que passe o termo assinalado, e daqui / suceder qualquer mal à embarcação que leva a chapa373 os senhorios da em/barcação que fizerão o exame ficarão obrigados a dar inteira satisfação, / assim da embarcação, como do cabedal aos senhorios da embarcação que / tiverão a perda, e de nenhuma parte debaixo de palavra real, se permit/tirá que suas chapas passem a outras nações, para que com cappa dellas se não / origine algum engano. E em cazo que as embarcações de qualquer destas duas / Coroas cayão obrigadas de alguma tempestade, ou outro qualquer acidente / em alguma das prassas sugeitas às ditas Coroas, e levarem fazendas que não / sejão correntes nas ditas prassas, então os ministros das ditas prassas / serão obrigados a dar toda ajuda e socorro; e dos empréstimos que se fize/rem se passarão letras de câmbios para que por ellas se dê inteira satisfação / a primeira vista; e na mesma conformidade qualquer criado de Sua Magestade / natural sião que vay por passageiro em qualquer barco, terá o mesmo / previlégio; e passando o dito criado de Sua Magestade em qualquer embarca/ção, e a dita embarcação ficar represada por alguma occazião, então 373 Chapa – selo, chancela; mandado, provisão. o di/to criado será livre e previligiado com o fato todo que levar a seu cargo / e os ministros das ditas prassas favorecerão com toda a boa passagem para al/gum dos portos em que possa achar sua conveniência. 4.º Ultimamente, que nenhuns dos sugeitos de ambas as Coroas possão ir co/merciar levando soccorro aos portos que são inimigos declarados, ou ale/vantados contra qualquer destas duas Coroas; e porque a tal decla/ração de guerra [ou] alevantamento poderá não ser manifesta a ambas / as partes ao mesmo tempo por respeito da distância das terras; pon/do-se as embarcações nas barras dos portos que estiverem inimigos ou ale/vantados para notificar aos que não têm conhecimento da dita guerra, / ou alevantamento, depois de o terem, estarão obrigados a mudar sua / viagem, e buscar outros portos de paz, e quietação; e não querendo obe/decer aos que derem notícia, e quizerem resistir, os que derem tal avizo, pode/rão obrigar com força e prender, assim as pessoas, como reprezar o bar/co, e ficar tudo, assim barco, como as fazendas perdidas; e isto sem / prejuizo algum da amizade que há entre as duas Coroas, antes ficará / mais rateficada; e os que quebrarem o que está assentado serão casti//gados [Fl. 294] castigados severamente para exemplo dos outros. E se acazo não [h]ouver / barcos, e exércitos, e armadas nas ditas barras para os notificarem, en/tão poderão os barcos fazer seus contratos, e sairão livres, e se ao / sair se encontrarem com algumas embarcações de alguma das Coroas não / poderão prejudicar, nem impedir sua viagem. Isto hé o que occorre em / nosso parecer que hé mais lícito para boa ratificação, e continuação da / antiga amizade entre estas duas Coroas. E visto que o Senhor Embaixador / vem a esta Corte para este fim, remetemos os sobreditos pontos ou ou/tro qualquer que for conveniente para elle a sua consideração. Re[s]posta que o Senhor Embaixador / deo aos pontos acima declarados que / se aprezentarão pella parte del / Rey de Sião. 1.º Poderão todos os barcos desta Coroa ir com seu contrato a todos os por/tos da Índia aonde a Coroa de Portugal tem domínio exceptuando / Mossambique, e Bombaça (sic)374, porque os taes portos o contrato delles sem/pre foi reservado aos Governadores dos ditos portos, e prohibido / aos mais vassallos da Coroa de Portugal, e nos mais portos poderão / fazer seu contrato sugeitando-se somente as pensões a que estão sugei/tos os barcos dos vassallos da mesma Coroa de Portugal, e os barcos que / a este Reyno vierem com seu contrato, se sugeitarão ao custume que sempre / tiverão de dar registo da gente e armas, e no tocante as fazendas da/rão notícia das espécies dellas aos feitores desta Coroa conforme / sempre fizerão sem mais obrigação alguma, porque nunca a tiverão / mais que a paga das medições, as quaes o anno passado a Magestade del Rey / de Sião [h]ouve por bem absolver dellas aos barcos de Macao, e assim fi/cou assentado com Jozeph Vieira da Silva que veyo a este Reyno por Pro/curador da dita Cidade, e no tocante a irem barcos desta Coroa ao porto / 374 Por “Mombaça”. de Macao, manifesto hé que nunca se pode nelle consentir contra/to algum a nenhuma nação, porque além dos moradores da dita Cidade não / terem outro meyo para se poderem manter, e conservar mais que o contrato, / que fazem com seus barcos, têm dupplicadas provisões dos Senhores Vice Reys / da Índia para que na dita Cidade se não consintão entrar barcos de / contrato de nação alguma, pella rezão já dita, de mais que pello Em/perador da China hé vedado com grande rigor o contrato do mar e por/que o Régulo de Cantão, e os mais ministros quebrantarão esta / ordem o mandou o dito Emperador e aos mais justiçar por haverem en/corrido no dito crime, e na mesma Cidade de Macao está huma cha/pa do mesmo Emperador para que os barcos, que forem contratar à dita / Cidade e seus limites, sejão queimados, e que os Portuguezes os tra/tem como inimigos por aquebrantadores de suas ordens, e pello prejuizo // que [Fl. 294v.]375 que fazem a dita Cidade, e o[r]dem hé esta a que os moradores de Macao devem / dar comprimento com muito rigor pello muito que lhe importa a conserva/ção com o Emperador da China, o qual só aos moradores de Macao tem / concedido o poderem contratar com seus barcos por conhecer sua fidelidade / e não terem outro meyo para se poderem continuar; mas como os moradores / da dita Cidade de Macao se confessão tão obrigados a esta Coroa, poderão / os ministros della mandar hum barco de mil e quinhentos athé dous / mil picos376 para trazerem algumas couzas que forem necessárias para o Real serviço / desta Coroa, e para facilitar aos mandarins do Emperador a ida do tal / barco levará meya carga de arroz para provimento daquella Cidade que / o tomará para repartir com seus moradores dando o justo preço delle, e quando / a cantidade de arroz impossibilite a carga das mais fazendas, leva/rá ao menos alguma parte para com isso haver cabal desculpa com os mandarins / do Emperador, desviando-se sempre de levar gente estrangeira da / Europa, por que não tenhão os Chinas de que lhe fazer crime. E não esta/rá obrigado o dito barco a mais pensões do que aquellas a que estão obriga/dos os navios dos moradores daquella Cidade, os quaes se obrigarão a não / faltar com toda ajuda e favor que lhe for necessário, o qual favor se não u/zará com os barcos que forem às Ilhas da China que com algum pretexto quei/rão entrar em Macao. 2º. Emquanto ao restante do segundo ponto sobre a administração / da justiça (que o mais está diffirido no primeiro ponto) no barco que for / à Cidade de Macao offerecendo-se algum pleito com pessoas, que estão su/geitas ao domínio da justiça da Coroa de Portugal, se lhe não falta/rá com toda a justiça; e faltando os ministros della ficarão obrigados / a dar toda a satisfação dos danos que cauzarem na falta da justiça que / cometerão; nos mais portos pertencentes a Coroa de Portugal ficarão / obrigados os ministros delles a fazerem a sobredita justiça assim aos / vassallos [palavras ilegíveis devido a 375 Apresenta-se muito manchado, especialmente no cimo. 376 Pico – o mesmo que picul, peso do Extremo Oriente, equivalente a 100 cates ou 60 quilogramas. um vinco] nos ditos portos, debaixo da mesma pena, e / esta ordem se guardará tãobem com os barcos da Coroa de Portugal, que / vierem aos portos desta Coroa. 3º. Se não poem dúvida que encontrando-se os barcos desta Coroa / com os barcos da Coroa de Portugal com toda a pressa possível recipro/camente se ajudarão quando a necessidade o pedir; emquanto a navega/ção dos barcos desta Coroa será grande confusão mudar o estilo / e ordem que athé agora seguirão com que forão sempre conhecidos dos bar/cos da Coroa de Portugal , e demais que esta matéria está já por ley / muito antiga estabelecida por ordens Reaes da Coroa de Portugal, / a que me não hé conveniente mudar, nem desfazer couza alguma nes/ta matéria, visto as ditas ordens não poderem ser derrogadas sem con/selho deputado por Sua Alteza para semelhantes matérias, e nes/ta forma havendo algum desvio nas fazendas que levarem os barcos des/ta Coroa causado dos capitães, e officiaes dos barcos da Coroa de / Portugal, ficarão os ditos capitães e officiaes obrigados a satisfa/zerem todo o dano; e em cazo que algum barco desta Coroa for acossa/do do tempo ou de qualquer outro accidente, e cair em alguns dos por/tos da Índia da Coroa de Portugal, nos ditos portos achará toda // ajuda [Fl. 295] ajuda, e favor que lhe for necessário para conseguir sua viagem para o porto / que lhe for conveniente, ficando esta Coroa obrigada para dar satisfa/ção à despeza, que com o dito barco se fizer, e esta mesma ordem se guarda/rá com os barcos da Coroa de Portugal que aos portos desta Coroa vierem na / mesma forma, sendo os ditos barcos do serviço da Coroa de Portugal, / e indo algum Sião criado desta Coroa em algum barco que não seja de ini/migos declarados contra a Coroa de Portugal, ainda que o dito barco por / alguma cauza se repreze, ou tome por perdido, ficará o dito Sião pre/viligiado com toda a fazenda que constar ser desta Coroa, e se lhe dará / toda ajuda, e favor para conseguir sua viagem para o porto que lhe for / mais conveniente. 4.º E em cazo que os barcos dos vassallos da Coroa de Portugal, vierem / aos portos que se tiverem rebelados contra esta Coroa e estiverem em guerras / com ella, não meterão dentro nos ditos portos espécie alguma de fa/zenda que sirva pera afomentar as ditas guerras, e rebeliões, e queren/do os ditos barcos por força meter as ditas fazendas nos ditos portos aon/de estiverem fragatas desta Coroa (precedendo a notificação das di/tas guerras) as fragatas farão ir por força os ditos barcos a buscar / outros portos. E a mesma ordem se observará com os barcos desta Co/roa se encorrerem na mesma pena, a qual ordem se entende com os / que ignorarem as ditas guerras, que com a mesma ignorância vierem aos di/tos portos, mas sabendo anticipadamente que há as ditas guerras não / irão aos ditos portos, e os que o contrário fizerem, constando com evidente suf/ficiência sua culpa, serão os capitães, ou officiaes delles severamente / castigados por seus ministros, como perturbadores da paz, e amiza/de destas Coroas. Isto hé o que me hé conveniente differir, e assentar / sobre os pontos, que se me propuzerão para ficar mais firme e ratifi/cada a antiga amizade destas duas Coroas. Pera se vir em melhor conhecimento do sentido dos pontos / propostos polla parte do Senhor Embaixador e pella parte del Rey de / Sião, e as re[s]postas que de ambas se derão hé necessário declarar as / tenções e resoluções de Constantino Falcão do governo e privança / em que está, e vem a ser que conhecendo este sugeito em el Rey de Sião / duas contínuas inclinações, huma de grandíssima ambição, e outra / de que seja manifestado pello Mundo por grande Monarcha, tra/ta o dito Constantino Falcão de lhe satisfazer, a primeira em / prejuizo de todo o género humano, e a segunda o vay desvanecindo (sic) com / mil patranhas e embustias (sic)377 dando-lhe título de Emperador e apon/tando-lhe rezões suffesticas por donde lhe mostra o direito que tem para / o tal título, e como o dito Constantino Falcão tem metido na cabeça / a este Rey que não tem em seu Reyno quem melhor lhe solicite / o augmento delle e o acrescentamento de seus thesouros do que elle dito Cons/tantino Falcão tem adquirido o poder para este fim sem contradi/ção alguma, e assim tem mandado fazer muitos barcos para fazer con//trato 377 Por “embustes”. [Fl. 295v.] contrato por conta del Rey de Sião por toda[s] as terras com quem tem a/mizade que mais conveniente lhe for, e quer este néscio privado que / aos barcos mercantis del Rey de Sião se lhes guarde o respeito, e gozem / das preminências que se têm às armadas Reaes, e tem mandado fa/zer fragatas para que el Rey de Sião traga tãobem huma armada / no mar de alto bordo, e se chama Senhor de Armada Real, e que o seja / tãobem dos mares de Pulo378 Condor athé o Reyno de Sião, e o ma/yor empenho em que Constantino Falcão tem metido a el Rey, hé / no contrato da China, e como para o fazer mais seguro lhe serve / o porto de Macao se empenhou em mandar este prezente anno a / grande naö que atraz fica dita sobre que o Senhor Embaixador obrou / o que está já manifesto, e determinado que todos os annos haja frequên/cia, não só com esta naö, senão tãobem com os mais barcos que lhe forem / mais convenientes, sem se lhe dar dos prejuizos que se lhe apon/tarão seguirem-se aos moradores da Cidade de Macao, e em tal forma / tem posto o contrato no Reyno de Sião, que os mercadores delle, não / são senhores de terem nenhuns interesses, e os que vão de fora não a/chão a quem vendão suas fazendas, e por força rogão com ellas ao dito / Constantino Falcão, que lhe poem os preços a sua vontade, e com muita / perda de quem lhas dá, e determina de espulsar todas as nações que no Reyno / de Sião vivem com suas conveniências, porque os Mouros já estão quasi / todos fora, e o mesmo tem feito aos Inglezes e dado-lhes grande desgosto, / e quem fez isto a huma nação a quem deve o ser e criação, não sey que podem / esperar os Portuguezes de semelhante sugeito, na matéria do gover/no não quer que haja nenhum que lhe não pague párias, com que ainda que / o Senhor Conde Vice Rey mande hum Capitão mor para o Bandel de Sião com / as partes que el Rey e este ministro apontão nunca pode viver bem, por/que elle como agora hé já Catholico Romano lhe parece que lhe hé / devido entregar este governo, nesta matéria se não declare, mas / dá bem a entender, e se o Capitão mor que governar se sugeitar todo / a seu querer, grande desarranjo padecerão os miseráveis Portugue/zes, e mais Christãos do Bandel. Conhecendo e penetrando todas estas sobreditas couzas, o Senhor / Embaixador lhe occazionarão a propor os portos declarados polla / parte da Coroa de Portugal, e dar a re[s]posta que deo aos pontos, que lhe / forão propostos pella parte del Rey de Sião, com que ao Barcalão, e / a Constantino Falcão, que hé o mesmo, não pareceo bem a dita re[s]pos/ta, com que por esta occazião [h]ouve muitos debates de huma parte e de ou/tra, sem que nunca quizessem os ministros del Rey de Sião pôr-se / em forma que ficassem as partes ambas satisfeitas, e vendo o Senhor Em/baixador que era entrado o mês de Junho monção para partir para / Macao se desenganou e resolveo com os Ministros del Rey de Sião e / lhes disse, que elle não fora ao Reyno de Sião para fazer tratos, e / assentar leys de mercancia, nem tão pouco para fazer capitula/ções de pazes, adonde não havia guerras, que o Senhor Conde Vice Rey da / Índia o mandara em nome do Príncipe Nosso Senhor por Embaixador // à Magestade 378 Do malaio púlo – ilha. [Fl. 296] à Magestade del Rey de Sião para o visitar e ratificar as amizades an/tigas, e agradecer-lhe o muito que tinha obrado Sua Magestade e estava o/brando pellos Portuguezes, e juntamente pedir-lhe que se servisse / de impedir que os Missionários e Bispos Francezes não inquietassem / os vassallos do Príncipe Nosso Senhor assistentes no Reyno de Sião para / que não fossem perturbados de seu governo, como já tinha proposto no / primeiro ponto do papel que tinha aprezentado polla parte da Co/roa de Portugal, e que visto este ponto primeiro não pôr dúvida ne/nhuma a Magestade del Rey de Sião pollas rezões que da sua parte apon/tava o Senhor Barcalão no primeiro ponto do papel que aprezentou da / parte da Coroa de Sião, que o Senhor Embaixador lhe parecia que era mais / acertado que os mais pontos, assim apontados por elle, como os aponta/dos polla parte da Coroa de Sião se levantasse mão de pleitear / sobre elles, e que ficassem estas matérias correndo na forma em que / athé o prezente estiverão, athé o Senhor Conde Vice Rey dispor outra cou/za com a Magestade del Rey de Sião, porque estava vendo o Senhor Em/baixador que se profiasse (sic) nestas matérias, não só lhe faltaria o tem/po para se recolher a Macao, mas que se veria a algum rompimento em / forma que fosse mal pago el Rey de Sião das grandes honras que / fez a esta Embaixada, porque [a]o dito Rey não lhe reprezentavão estes ne/gócios com as circunstâncias que erão necessárias, e com o fundamento com que da parte / do Senhor Embaixador erão propostos, porque era certo conceder elle tudo quanto se pedia / pello grande gosto que recebeo da prezente Embaixada; ouvindo os Ministros / del Rey as rezões do Senhor Embaixador, disse Constantino Falcão fallando / por todos que lhe parecia muito bem o seu acordo porque elle o dezejava, e que ficassem / as couzas entre a Coroa de Sião e de Portugal na forma em que sempre esti/verão, assim na antiguidade das amizades, como nas liberdades e franque/zas que sempre os Portuguezes tiverão no Reyno de Sião porque Sua Magestade / não havia consentir que em seu Reyno nenhuma nação quizesse dominar, / nem governar os Portuguezes, nem fazer-lhes mínimo aggravo, porque / isso então era em menoscabo de seu crédito Real, e que quando o Senhor Em/baixador se fosse despedir de Sua Magestade ouviria de sua própria boca as / semelhantes palavras, além de que tudo o que o Senhor Embaixador tinha pedido / por seu papel erão liberdades e franquezas que sempre os Portuguezes / tiverão no Reyno de Sião, e que com essas se não havia nunca faltar, mas / que se o Senhor Embaixador as queria deixar assentadas por ley porque assim es/tava melhor a Coroa de Portugal, que tãobem havia deixar assenta/do por ley o que convinha a Coroa de Sião, e que na concordância de huma, e ou/tra parte sempre occorrião desconfianças, com que nunca havião de tomar / acordo semelhantes assentos, porque no assentar das leys hum Reyno com / outro cada hum trabalha de sua parte por ficar melhor, com que em reso/lução ordinariamente sempre vem a parar semelhantes couzas em desgos/tos; neste fallar de Constantino Falcão quasi estava explicando o que / o Senhor Embaixador tinha anticipadamente penetrado em seu ânimo. // [Fl. 296v.] Mandou o Barcalão da parte de seu Rey convidar ao Senhor Em/baixador para ir ver com toda a sua gente huma cassada de elefantes em que / el Rey se hia achar que hé o seu mayor divertimento. E mandou hum dos / melhores cavalos de estado muito ricamente ajaezado para o Senhor Embaixador ir / nelle, e outros muitos acompanhados de elefantes para toda a gente da Embai/xada, e no [c]ampo onde estava a assenda em que se prezavão os elefantes / da cassada, estava huma tenda muito nobre e mui bem adornada donde es/tavão esperando ao Senhor Embaixador os Principaes Senhores da Caza Real / e o Príncipe de Camboja, e chegando o dito Senhor o receberão com muita corte/zia mandando-o sentar em lugar muito supremo e authorisado, e não tar/dou muito que não chegasse el Rey em cima de hum elefante dentro em hum / Throno de ouro batido, e parando defronte da tenda algum tanto desvia/do, mandou por Constantino Falcão chamar ao Senhor Embaixador para per/to de sy, e o mesmo Constantino Falcão tirou da tenda huma fermosa alcati/fa para o Senhor Embaixador se sentar; e vendo el Rey que o dito Senhor o tinha / perto de sy se lhe mostrou mais alegre e aprazível fazendo-lhe várias per/guntas em differentes matérias, que por serem várias se não poem nesta Rel/lação, mas tão miudas que deo a entender a todo o concurso de gente que / naquelle campo se achava que erão mais de dez mil homens, que mandara / ir ali o Senhor Embaixador não só para o convite da cassada, senão tãobem para / conversar com elle misticamente, e foi tal o assombro que receberão todas as nações / que prezentes se achavão de ver que el Rey de Sião fizesse ao Senhor Embaixador o que / nunca fez a Príncipes nem a pessoas Reaes que forão a seu Reyno, que se esta/va vendo, huns mordendo os dedos com que manifestavão a inveja, e outros pal/lidos e infiados de seu mesmo espanto, e por fim das práticas deo el Rey / a entender ao Senhor Embaixador que aquella cassada mandara fazer para o / divirtir, e lhe dar huma tarde de passatempo, mas que tinha feito reparo / que o Senhor Embaixador mais olhava para elle do que para o amarrar dos elefantes, / com que ficava entendendo que lhe não agradava nada a dita cassada, ao que respon/deo o Senhor Embaixador que não havia dúvida que lhe agradaria muito a prezen/te cassada se Sua Magestade não estivesse assistindo a ella, porquanto os seus olhos / se não satisfazião de estar vendo hum tão grande Monarcha que / de prezente estava fazendo tantas honras, a quem nunca dellas se podia / desempenhar, sorrio-se muito el Rey e tornou a dizer ao Senhor Embaixador que olhas/se como se amarravão os elefantes para que na sua terra contasse o ardil, e en/genho de sugeitar tão grandes animaes, e acabada a dita cassada se re/colheo el Rey, e o Senhor Embaixador se despedio do Príncipe de Camboja e / dos mais Senhores. Ao seguinte dia pello princípio da noite veyo Constantino Falcão / com hum recado da parte del Rey, dizendo que Sua Magestade queria dar hum / banquete a Sua Senhoria, mas que para o fazer em seu Palácio não esta/va acabada huma caza que para este fim tinha mandado obrar, e que se espe/rasse athé se a dita caza acabar, faltaria o tempo para elle satisfa/zer seu dezejo, pois via chegada a monção de partir o Senhor Embaixador / para sua caza, mas que fosse servido querer aceitar o seu banquete // dando-se [Fl. 297]379 dando-se-lhe na própria caza em que o dito Senhor estava aposenta/do, e juntamente satisfazer-se de que Constantino Falcão presidisse em / seu lugar no dito banquete, pois era a pessoa que elle mais estimava em / todo o seu Reyno, disse o Senhor Embaixador que se sugeitava à vontade de Sua / Magestade, porque aonde quer que recebesse suas mercês se achava muito honrado, e ao / seguinte dia que era Domingo veyo Constantino Falcão à sala do Senhor / Embaixador com os Padres Frey Estêvão de Souza, e Frey Pedro Martyr, com muitos / criados e mandarins del Rey, e muita gente de serviço com mezas e outras cou/zas tocantes a ellas, e na dita sala armarão huma meza debaixo do sitial / com duas cadeiras, huma para se sentar o Senhor Embaixador, e outra o dito privado / por presidir em lugar do seu Rey, e na mesma meza fora do sitial se puze/rão differentes assentos para os Padres nomeados e o Capellão mor da Embai/xada, e para mim Secretário e os quatro Capitães da Embaixada que assim o ti/nha mandado por ordem el Rey, e em outra parte da sala se armou outra me/za para os seis gentis homens, e Mestre Sala, e Ajudante da Embaixada, e para / alguns Portuguezes authorisados assistentes em Sião, e as ditas duas mezas es/tavão com grandes ornatos e ostentação qual se pode considerar que seria a de / hum Rey que quer ser apregoado no Mundo por hum dos grandes Monar/chas delle, e que pessue (sic) grandiosos thesouros, e para não deixarmos de nomear / o mais precioso serviço deste banquete, poremos huma lista da prata de que cons/tava a copa do mesmo Rey. Lista da copa del Rey de Sião com que / mandou dar o Banquete ao Senhor Em/baixador. 89 Baticas grandes de prata do tamanho de lava pés, em que vinhão muita cantidade / de assados, e outras iguarias esquisitas. 42 Baticas de prata mais meãas, em que vinhão conservas, e vários doces, e 379 Apresenta-se rasgado na parte inferior da margem direita. flo/res cheirosas para alcatifar a sala e borrifar as mezas. 22 Vasos grandes de prata com suas cubertoras em que vinhão outras variedades / de iguarias. 1 Tacho muito grande de prata cheo de colheres e garfos, e mais de cem pr[atos] / pequenos de prata. 8 Gumiz com seus pratos obra riquíssima de Jappão cheos de agoa n(…) / para se lavarem as mãos. 2 Baticas de prata obra de Jappão com dous pucharos de cristal para be[ber] / água. 1 Batica grande de prata obra de Jappão chea de copos de vidro. 60 Escudilhas de prata obra de Jappão para o que fosse necessário. 1 Perfumador grande de prata dourada que continuamente lançava de sy per/feitos cheiros. 1 Braseiro grande de prata anexo ao perfumador. 2 Borrifadores dourados. // [Fl. 297v.] Pratos grandez (sic) obra de Jappão de prata com dous bules da mesma para / o chá. Perçolanas (sic) de prata liza para se repartir o que a ellas competisse. 1 Batica grande de prata chea de colheres grandes do mesmo metal de repar/tir o comer, e trinchadores de cabos de prata. 1 Batica grande de prata chea de faqueiros Inglezes. 2 Gutudes de prata com suas baticas grandes do mesmo para tãobem se lavar as mãos. 1 Taboleiro grande de prata com quatro porçelanas (sic) do mesmo com vários acipi/pes. 4 Copos grandes de prata de tirar agua. 4 Callões grandes de prata de água cheirosa. 2 Guindes grandes de prata de tal obra que servião de aguadores. 20 Perçolanas (sic) grandes de prata de cubertora cheas de vários achares. 4 Taboleiros grandes de prata e em cada hum dez perçolanas (sic) de prata / de cubertora com differentes manjares. 2 Vasos muito grandes de prata com suas cubertoras cheos de brinja. Outras muitas miudezas de prata de várias sortes, que por superfluas se / não nomeão. 70 Vidros grandes de vinho de várias partes da Europa, e da Pérsia e Jappão. 1 Salva grande de ouro com seu pucharo de cubertora do mesmo metal para se / dar água a beber ao Senhor Embaixador e com ordem del Rey que o dito pucharo e salva / ficasse ao dito Senhor por sua lembrança, pois era de seu uzo. Nos outros dous quadros da dita sala se armarão duas mezas que ser/vião de copeiras, em que se puzerão muitas variedades curiosas e vistosas para o inten/to de se mostrar a ostentação Real, andavão mais de cento e tantos homens / de serviço na carreira de Palácio athé as cazas do Senhor Embaixador380 (...) / todas as couzas nomeadas, e Constantino Falcão com os mandarins compondo / tudo com grande concerto e tanto silêncio, como custhuma el Rey de Sião a / servir-se em todas as occaziões, e depois de estar tudo composto foi o dito pri/vado buscar o Senhor Embaixador que estava em seu aposento, e tomando as duas ca/deiras que estavão debaixo do sitial largando a da mão direita ao dito Senhor, lhe / disse perante os mandarins administradores daquelle serviço, que a Magestade / del Rey de Sião lhe offerecia aquelle banquete, e ordenava a elle dito / Constantino Falcão que nelle presidisse, em lugar de sua própria pessoa, / correspondeo o Senhor Embaixador com muita cortezia e agradecimento, e indo-se conti/nuando o dito banquete se forão tãobem comunicando os brindez come/çando Constantino Falcão como mais destro nelles, brindando polla boa / saúde das pessoas Reaes do Reyno de Portugal, e do Senhor Conde Vice Rey da Ín/dia, e o Senhor Embaixador correspondeo tãobem na mesma igualdade às pessoas / Reaes do Reyno de Sião, e a todos os brindes a Infantaria da Embaixada / fora da porta da sala em boa ordem dava salvas de mosqueteria, e não quiz / Constantino Falcão nesta occazião esquecer-se da Senhora Raynha / da Grãa Bretanha, porque tãobem solemnizou em sua auzência as corte/zias iguaes às das mais pessoas Reaes, e com estes brindes e outros particulares, que / em ambas as mezas se continuarão, se gastou o vinho todo no discurso do dia // 380 As palavras seguintes estão ilegíveis devido a um vinco. [Fl. 298] dia athé as oito da noite que durou o banquete, sem que [h]ouvesse desconcerto / nos entendimentos, nem se deo nota alguma dos mandarins e criados del Rey / mas antes os taes se achavão muito rigozijados pellos descantes de instrumentos / e música que [h]ouve da parte do Senhor Embaixador, porque de tudo hia provido a gen/te de sua Embaixada, com que deo fim o banquete recolhendo-se Constan/tino Falcão a Palácio a dar os agradecimentos a el Rey da parte do Senhor Em/baixador da honra que lhe havia feito, e os mandarins e criados del Rey / derão ordem a toda a gente de serviço que levassem a fábrica, mas que nenhum / fosse ousado a levar couza alguma de comer que o deixassem a desposição dos / mossos e gente de serviço da Embaixada, e ao seguinte dia mandou o Senhor / Embaixador repartir muitas pessas boas de seda da China com muita largueza / pellos mandarins e criados del Rey com que ficarão muito agradecidos e sa/tisfeitos. Mandou o Senhor Embaixador recado ao Barcalão que queria ir despedir-se / delle, e alcançada a licença entrou na sua sala aonde o achou com Cons/tantino Falcão que de continuo parece que está infundindo potências na/quelle incapaz sugeito, e sentado o Senhor Embaixador disse que era chegada / a monção para se recolher a Macao, e que não tinha mais negócios que tratar, / que o Senhor Barcalão se servisse de dizer a Sua Magestade lhe desse liçen/ça (sic) para se ir despedir delle, e dar-lhe os agradecimentos de tantas honras / como lhe havia feito em sua Corte e Reyno, e pedir-lhe re[s]posta da / carta do Senhor Conde Vice Rey da Índia, e juntamente elle dito Barcalão / pedisse a Sua Magestade fosse servido dar huma carta de favor para o Rey / de Camboja pois era seu tributário, para com ella poder encaminhar / huma carta que constava de negócios que pertencião ao serviço do Príncipe / Nosso Senhor, e não deixaria o dito Rey de dar bom despacho aos taes ne/gócios indo-lhe as mãos com o patrocínio da Magestade del Rey de Sião; e junta/mente pedio mais o Senhor Embaixador ao Barcalão que por sua via, ou pella / de Sua Magestade lhe quizesse enviar huma carta para o Emperador de Jappão / do Senhor Conde Vice Rey da Índia, a qual podia ir nas somas que ordinariamente / fazião viagem para aquelle porto, e que fosse em forma encomendada que / nunca se faltasse na execução de dar a dita carta, a tudo respondeo / o Barcalão que o que o Senhor Embaixador manifestava e pedia se faria / prezente a Sua Magestade o qual não havia faltar com muita vontade em tudo / o que estivesse em suas mãos pella muita amizade que havia entre a Coroa / de Portugal, e de Sião, e que se o Senhor Embaixador tinha mais alguma couza que / pedir a Sua Magestade, que o dicesse (sic) porque elle Barcalão estava prompto / para o manifestar a el Rey como couza própria, ao que disse o Senhor Em/baixador que o que mais encarecidamente pedia era a brevidade do que tinha / pedido, pois a monção era já muito entrada para se recolher a Macao, e que / sentia não estar em suas mãos o deter-se mais no Reyno de Sião, pois / se achava nelle tão bem agazalhado, e mimoso de Sua Magestade, e tão bem vis/to de todos os seus ministros, principalmente delle Barcalão, a quem se re/conhecia muito obrigado. // [Fl. 298v.] Disse o Barcalão ao Senhor Embaixador que Sua Magestade estava bem in/formado do que tinha feito o Capitão mor das Ilhas de Thimor em não obe/decer a successão que lhe mandou o Senhor Conde Vice Rey da Índia, e que como Sua / Magestade entendia que dous Príncipes poderosos que erão Irmãos em armas qual/quer delles que se achasse com vassallos rebelados, o outro estava obrigado a se / offerecer com tudo o que podia para se dar o castigo aos taes vassallos rebelados, / e em ordem a isso que o Senhor Vice Rey da Índia querendo mandar suas fragatas / a dar o castigo que o Capitão mor das Ilhas de Timor merecia, offerecia o por/to de seu Reyno para se recolherem as ditas fragatas, e se repararem de tudo / o que lhe fosse necessário. Agradeceo a offerta o Senhor Embaixador, dizendo que a fa/ria prezente ao Senhor Conde Vice Rey da Índia; disse mais o dito Barcalão / que a administração da justiça e governo dos Portuguezes que vivião no Ban/del do Reyno de Sião por ora estava sem ministro que a administrasse, po/is o Capitão mor Francisco Barretto de Pinna estava criminoso, e não era / vontade de Sua Magestade que elle occupasse mais o posto que tinha e que emquanto / o Senhor Embaixador não fazia prezente ao Senhor Vice Rey da Índia esta fal/ta, nomeasse ministro que admini[s]trasse a justiça aos taes Portuguezes / para que não ficassem sem seu governo, o Senhor Embaixador lhe disse que não a/chava no Reyno de Sião entre os Portuguezes sugeito a quem pudesse / occupar na dita administração, mas para que totalmente os orfãos não / ficassem, e os mais pleitos ordinários sem ter quem lhe administrasse justiça, / nomeava por administradores della aos Reverendos Vigários das duas Igrejas, / o Padre Manoel Soares, e o Padre Frey Domingos de Santa Anna para que cada hum / administrasse justiça a seus freguezes, e que no tocante aos cazos crimes / que se offerecessem, os ministros del Rey de Sião segurarião os criminosos para / quando lhes viesse ministro para os poder julgar, e os castigar conforme / seu delicto, visto os Reverendos Padres pello estado que tinhão não poderem co/nhecer de cauzas crimes, ao que respondeo o Barcalão que lhe parecia muito / bem a eleição, e que mandando o Senhor Vice Rey da Índia huma pessoa authori/zada e de justiça recta para a administrar aos Portuguezes, que assistião no / Reyno de Sião, Sua Magestade lhe daria toda a liberdade em sua jurisdição e a/juda por seus ministros para ser obedecido o dito Capitão mor em tudo o que / ordenasse, disse mais o dito Barcalão que o Senhor Embaixador advirtisse aos / ministros da Cidade de Macao que barcos daquelle porto lhe não consentissem / irem ao porto de Patane381, Singora382, e Talangano383, porque tinha por notícia / certa Sua Magestade que estavão rebelados contra a sua Coroa, disse o Senhor Embaixador / que conhecendo verdadeiramente os moradores de Macao que os taes portos esta/vão em contínua guerra; nunca lhe convinha irem a elles fazer seu contra/to, ainda que lhe faltasse a tal advirtência, bem conheceo o Senhor Embaixador / que a dita advirtência era na[s]cida só de Constantino Falcão, porque tem deter/minado de fazer estanque de contrato nos ditos três portos, porque são / tributários a el Rey de Sião, e não quer que o contrato delles corra mais que / pella mão dos feitores, que nelles determina pôr, mas não era tempo de se / declarar o Senhor Embaixador, mais que deixá-lo à disposição dos ministros / da Cidade de Macao. E acabadas todas as práticas acima ditas, entrou / o Barcalão em comprimentos de sua parte, e o Senhor Embaixador em correspon/dência com outros taes, o que atalhou Constantino Falcão (que todas as fi//guras 381 Sultanato de Patane, na costa oriental da Península Malaia. Singora - porto na costa oriental da Península Malaia. 383 O mesmo que Talingano, porto na costa oriental da Península Malaia e na região do mesmo nome. 382 [Fl. 299]384 as figuras fazia, assim de (…) [como] de intérprete) e disse que / escuzados erão os comprimentos porque aquella não era a última vez, que o Senhor / Embaixador ali havia de ir, porque ainda lhe restava outra viagem aquelle / lugar, para receber com pompa e aparato a carta para o Senhor Conde Vice Rey / da Índia, o que ouvindo o Senhor Embaixador disse ao Barcalão e a Constan/tino Falcão, que a re[s]posta que a Magestade del Rey de Sião havia de mandar / ao Senhor Vice Rey da Índia, havia de ser na forma em que Sua Magestade de/via mandar ao próprio Príncipe Nosso Senhor porque reprezentava a mes/ma pessoa no governo da Índia o Senhor Conde Vice Rey, e que se a dita re[s]posta / fosse feita polla mão de algum ministro do Reyno de Sião em nome de / seu Rey, que a tal re[s]posta não havia de levar, nem aceitar, porque / assim o trazia por ordem, de que se não havia de desviar hum só ponto, / e que quando a dita re[s]posta não fosse própria del Rey sem interpel/lação de nenhum ministro, que era escuzado o trabalho, pois o Senhor Em/baixador anticipadamente advirtia as ordens que tinha sobre esta matéria, / ao que respondeo o Barcalão que Sua Magestade havia de responder ao Senhor / Conde Vice Rey da Índia na forma em que o custumava fazer a el Rey / de Golcondá385, e o Grão Nababo386, e o Grão Mogor387, e a outros Reys com quem / tinha Sua Magestade correspondência, ao que o Senhor Embaixador respondeo / que o Príncipe Nosso Senhor devia ser correspondido no Reyno de Sião por muito / differente modo do que o erão os Reys, que se nomeavão, não só pello mere/cimento de sua pessoa e poderes, senão tãobem pella antiga e estreita / amizade que [h]ouve sempre entre a Coroa de Sião, e a de Portugal, e que em / ordem a isto advirtia que na dita re[s]posta que se havia de entregar cerrada / ao Senhor Embaixador não [h]ouvesse o contrário porque o havia de 384 sentir muito o Apresenta um rasgão na parte de cima, ao centro, e está ilegível no canto superior direito. Golconda - região da parte oriental do Industão, que é servida pelo porto de Massulipatão ou Masulipatnan. 386 Nababos - eram chefes de província no Império Mogor; aqui, pode referir-se ao Nababo de Bengala (Índia). 387 Imperador Mogor. 385 Senhor / Conde Vice Rey da Índia, quando achasse a re[s]posta de sua carta feita / por algum ministro em nome da Magestade del Rey de Sião, ao que respondeo / Constantino Falcão que o Senhor Embaixador estivesse muito descançado que / a re[s]posta que Sua Magestade havia de mandar ao Senhor Conde Vice Rey da Índia / não havia de encontrar em nada as ordens que o dito Senhor tinha dado ao Senhor / Embaixador, porque elle dito Constantino Falcão particularmente havia / de punir neste negócio, com que o Senhor Embaixador escuzasse de pleitear / sobre esta matéria com o Barcalão. Disse mais o Barcalão que Sua Magestade estava advirtido que todas / as cartas antigas e prezentes que tinhão vindo dos Reys de Portugal à / Coroa de Sião nunca dellas [h]ouve a devida correspondência, e que sobre / tudo isto se achava de prezente com huma Embaixada do Príncipe Re/gente de Portugal, com que a falta passada junto com a Embaixada pre/zente o obrigava a ter a devida correspondência com huma Coroa a quem de/via estreitas amizades e tão antigas, e que para a tal correspondência estava / disposto, e determinado a mandar seus Embaixadores a Cidade de Goa / remetidos ao Senhor Vice Rey da Índia pera que lhe desse passagem para o Reyno / de Portugal, aonde queria que seus Embaixadores se fossem aprezentar / perante o Príncipe Regente de Portugal a ratificar de sua parte a//mizade [Fl. 299v.]388 amizade tão antiga e dar (…) falta em que se (…) / recairão e agradecer as obrigações (…) que elle de prezente se achava / do Príncipe Regente de Portugal; ao que respondeo o Senhor Embaixador que / elle não podia replicar nesta matéria a vontade da Magestade del Rey de / Sião, mas antes que lhe parecia muito bem a correspondência por igual en/tre Príncipes, que se manifestavão tão amigos; a este tempo que o Barca/lão fez avizo da tal Embaixada já anticipadamente sabia o dito Senhor / que el Rey e Constantino Falcão andavão com grande empenho no apercebi/mento deste negócio, elegendo dous Embaixadores, hum que occupava o pos/to, ou tinha occupado de General de todo seu Reyno, e outro huma grande / pessoa de sua Caza Real, e por conselho de Constantino Falcão esta/va já ordenado que fosse por guia dos ditos Embaixadores o Padre Frey Este/vão de Souza, e com grande empenho andava el Rey solícito em buscar pre/ciosas pessas para os sagoates das pessoas Reaes de Portugal e para a corres/pondência do sagoate, que o Senhor Embaixador lhe havia levado, porque tudo que/ria que os seus Embaixadores levassem, e fossem portadores, isto se obrava / com muita preça (sic) para que os ditos Embaixadores em barco próprio del Rey che/gassem a Goa a tempo que achassem as naös de partida para Portugal para serem / mandados nellas pello Senhor Conde Vice Rey. A 8 de Junho huma quinta feira mandou o Barcalão a/vizar ao Senhor Embaixador que Sua Magestade estava prestes para lhe dar audiên/cia de despedida, porém que queria que fosse de noite, e que mandava ad/virtir ao Senhor Embaixador que se acazo estando já em seu Palácio [h]ouvesse / chuva antes que elle saísse a fallar-lhe, que Sua Senhoria se retirasse, por/que Sua Magestade não custumava a dar audiênsia (sic) com chuva e que advirtia / a Sua Senhoria esta circunstância, porque quando succedesse não o to/masse Sua Senhoria por aggravo, porque Sua Magestade a sua tenção não era / mais que agradá-lo em tudo e fazer-lhe todas as honras que lhe fossem possí/veis; e há-se-de advirtir que a primeira falla que el Rey teve com o Senhor Em/baixador foi de menhaã (sic) em Palácio na sua Sala e Throno Real, e / a segunda foi no campo pella tarde, e esta terceira e última quiz / que fosse de noite 388 Apresenta-se muito manchado e rasgado no cimo. para mais ostentação em forma de huma encamizada / real como adiante se declarará para mostrar a todas as nações o su/premo lugar que dava em seu Reyno a esta Embaixada sobre todas as / que custumavão ir-lhe dos Reys, e Príncipes de outras nações; neste mes/mo dia teve por notícia o Senhor Embaixador que o Padre Frey Estêvão de Souza / Religioso de Santo Augustinho nomeado nesta Rellação já tantas vezes, / havia de ir a Palácio a verter na língua portugueza da língua / sioa a carta del Rey para o Senhor Conde Vice Rey da Índia, e sabendo / isto o Senhor Embaixador ordenou a mim Secretário que fosse fallar com o dito / Religioso, e fazer-lhe prezente a ordem expressa que o Senhor Conde Vice Rey / dava sobre a re[s]posta que el Rey de Sião lhe havia de dar de sua carta, / por onde eu dito Secretário fui a caza de Constantino Falcão, adonde / sempre assistia o dito Frey Estêvão de Souza e lhe disse que eu hia / ali mandado pello Senhor Embaixador advirtir a Sua Paternidade que / além do estado que professava, atentasse que era Portuguez vassa//llo [Fl. 300]389 vassallo do Príncipe Nosso Senhor [o] Barcalão, (…) elle dito Padre não / faltar a toda a fidelidade, a (…) que para esta satisfação perdesse muito / interesse e puzesse a vida em risco, e como elle dito Padre pello posto / que lhe tinhão dado de Secretário do Barcalão para as couzas tocantes a / gente da Europa, estava certo o Senhor Embaixador que elle dito Padre ha/via de ir a Palácio a escrever na língua portugueza a re[s]posta que el / Rey mandava ao Senhor Conde Vice Rey da carta, que lhe escreveo, e que pre/zente estava Sua Paternidade em caza do Barcalão quando o Senhor / Embaixador lhe fez a falla e se explicou na forma em que havia de / ser respondida a dita carta, e que agora de prezente lhe mandava o Senhor / Embaixador explicar miudamente a ordem feichada (sic) que o Senhor Conde Vice Rey / dava sobre a tal re[s]posta, pois ultimamente dizia que não sendo pró/pria del Rey, o Senhor Embaixador a não aceitasse, e se voltasse sem ella, / e que em ordem a isto elle dito Padre havia ver na tradução da língua / sioa para a portugueza, se a re[s]posta da dita carta era dada por / el Rey, ou era feita pello Barcalão em nome do mesmo Rey, e / que quando Sua Paternidade visse que era re[s]posta feita pello Bar/calão, e o não pudesse impedir, fizesse em segredo avizo ao Senhor Em/baixador para que quando lhe entregassem a dita carta a não aceitar, para / nesta forma dar comprimento ao que o Senhor Vice Rey dispunha, e que no engano / que nisto [h]ouvesse o Senhor Embaixador o não podia previnir, pois lhe havião / entregar a carta cerrada, e como ella havia de ser manifesta a elle / dito Padre, estava o remédio certo quando [h]ouvesse engano, com elle dito / Padre fazer o avizo já declarado, e a falta que nisto [h]ouvesse sempre elle / estava obrigado a dar conta ao Senhor Vice Rey da Índia pois corria nas obri/gações da lealdade a que estava obrigado o Senhor Embaixador , pois ambos erão / Portuguezes vassallos do Príncipe Nosso Senhor sugeitos ao governo e ordens do Senhor Conde Vice Rey da Índia; ao que respondeo o dito Religioso que elle era / verdadeiro Portuguez, e que nenhum de sua nação havia de zelar mais as / couzas tocantes ao crédito e reputação de seus mayores ainda que perdesse / a própria vida que mais estimava, e que o Senhor Embaixador estivesse muito sos/segado porque no traduzir da carta se elle visse que a re[s]posta 389 Apresenta-se rasgado no cimo. della encon/trava ao que o Senhor Conde Vice Rey ordenava, faria logo avizo ao Senhor Em/baixador para que estivesse já previnido no que lhe importava obrar nesta / matéria, mas que conforme se tinha praticado neste negócio, entendia / que a carta não havia de ser respondida pello Barcalão em nome de / seu Rey, senão por palavras ditas do próprio Rey para o Senhor Conde / Vice Rey em forma de duas pessoas que se communicão sem intérpre/te que as explique, porque a dita carta havia ser firmada com a mesma / chapa real del Rey de Sião. Depois de passadas as Trindades vierão quatro mandarins pessoas / principaes, a buscar ao Senhor Embaixador para o levarem a Palácio que / o estava el Rey esperando para aceitar a sua despedida, sahio o Senhor // Embaixador [Fl. 300v.]390 Embaixador de [caza a d]ar [satis]fação do estado (…) se gasta com (…) / equipação de verde e prata (…) em huma pessa de (…) cramezim, / que na mesma Corte havia mandado fazer para esta despedida, e no / demais composto da mesma maneira que a primeira vez que entrou em Pa/lácio e já não [h]ouve implicância alguma sobre sapatos, nem espada, / e cortezias porque se lhe permittio esta última entrada a medida de seu / dezejo; chegando a Palácio foi entrando pellas portas e páteos com / as ceremónias que se declararão na primeira entrada achando o mesmo a/parato e gente de armas, e elefantes com seus jaezes de ouro e pedraria, / cavalos de estado com tanta riqueza que era hum espanto, e cada soldado / tinha huma alenterna aceza e os elefantes e cavalos quatro alenter/nas cada hum, e pellas cercas dos ditos páteos innumeráveis alenter/nas, e nos frontespícios de todas as portas, fogos sem número com que não / só estava tudo tão claro como o mesmo dia, mas formava hum la/berinto de luzes que com o rutilar da pedraria dos brutos formava huma / vista tão alegre que mais apetecia a vontade ver aquelle aparato real / de noite, do que de dia, e o que mais agradava era a ordem com que tudo estava for/mado, e o grande silêncio que guardavão assim os homens, como os brutos, como já / atrás ficou apontada esta excellência, estavão mais três cazas abertas junt/to da sala real, e em cada huma dellas estava hum throno real adonde el Rey / custuma sentar-se por alternativa, conforme os seus custumes, e ao pé de /cada throno destes, hum elefante de summa grandeza ajaezados todos de ou/ro batido e muita pedraria, e estava tãobem huma caza feichada (sic) com duas ja/nelas de vidraças, que mostravão hum fogo da feição de hum rayo quando des/ce do Ceo a terra com tanto resplendor que era hum espanto ver que hum atri/fício fizesse huma reprezentação tanto ao vivo dos effeitos da natureza, es/tavão junto as portas da sala real três áliás (?) com suas selas e jaezes de ouro, com / (...)391 pedraria de diamantes, rubins e esmeraldas que o valor de tão grande / thesoiro só os brutos que em sy o tinhão, parece que por instinto natural / o conhecião, pois estavão tão soberbos que escravando (sic) a terra parece abrião / sepultura para os que chegavão perto delles entendendo que hião roubar a / grande 390 391 Apresenta-se rasgado no cimo. Palavra ilegível devido a um vinco. riqueza de que estavão adornados; o jardim da recreação del Rey / por entre as árvores e flores, tinha tantas luzes, que parecia que tinhão a/baixado as estrelas para lhe dar sua luz que a noite lhe havia tirado do lu/zente sol do dia, e tinha o dito jardim três chafarizes de água crista/lina que a lançavão com tanta velocidade, que se a vista os estava conhe/cendo por fontes, os ouvidos se enganavão pois se lhes reprezentava den/tro naquelle jardim huma espessa chuva que regava árvores e flores, a porta / da sala real estava hum elefante de sobejada grandeza como de gu/arda à dita porta, o qual tinha sobre sy muita mayor riqueza do que / cada hum dos que ficão acima declarados, e ao subir de humas poucas escadas / da dita porta da sala real estava hum toldo sobre quatro columnas / de prata bastantemente grossas, debaixo do qual estavão duas alen/ternas de vidro cristalino que alumiavão a dita porta, de tanta grandeza / cada huma que agazalhava em sy mais de trinta fogos. // Chegado [Fl. 301]392 Chegado o Senhor Embaix[ador foi] [Constan]/tino Falcão a buscar o dito Senhor (…) / do adiante de todos os grandes com (…) / o Senhor Embaixador as cortezias na forma que a (…) / se sentou no mesmo lugar, estava el Rey com huma (…) / das pessas de rica tela de prata e oiro que o Senhor Conde Vice Rey lhe havia man/dado que nisto quiz mostrar o muito que prezava o sagoate que havia re[cebi]/do, não se falla na grande riqueza de joyas que em sy tinha, porque se dei/xa a consideração que taes serião as joyas de hum Rey tão rico que nesta occazião / se queria mostrar poderosíssimo em thesouros, a dita sala real tinha tan/tas luzes em sy que lhe não fazia falta a luz do dia, e bem se estava ven/do o tecto da dita sala guarnecido de rosas muito grandes de ouro batido e os / tirantes que sustentavão a fábrica todos forrados do mesmo ouro batido, e / o mais ornato da dita sala era força que condissesse com as mais couzas; dis/se el Rey ao Senhor Embaixador (depois de o visitar e haver de huma e outra parte / os devidos comprimentos) que todas as couzas que o Senhor Embaixador tinha / proposto no seu Tribunal dos negócios tocantes a Coroa de Portugal, el/le concedia, e firmava de dar comprimento sem fallencia alguma na / sua palavra real, o que ouvindo o Senhor Embaixador lhe disse que lho agra/decia muito da parte do Príncipe Nosso Senhor e do Senhor Conde Vice Rey da Ín/dia, disse mais el Rey ao Senhor Embaixador que fizesse prezente ao Senhor / Vice Rey da Índia que tratasse de mandar para o governo, e administração dos / Portuguezes que assistião em seu Reyno, hum homem de authoridade e recto / na justiça que elle dava sua palavra real de lhe deixar administrar li/vremente, e mandar-lhe dar sua ajuda, para tudo o que lhe fosse necessário no / tocante administrar bem seu offício, e prometendo o Senhor Embaixador de / fazer o que Sua Magestade ordenava, disse el Rey que Belchior de Amaral / de Menezes que de prezente estava governando Macao lhe era elle dito Rey / muito affeiçoado por se mostrar naquelle governo muito grande seu ser/vidor nas couzas que se lhe oferecerão do serviço de sua Coroa, mas que visto / o dito Belchior de Amaral em acabando seu governo se havia ir para / a Índia com que se lhe seguia a elle dito Rey a falta de ter pessoa em Ma/cao que zelasse suas couzas, por onde pedia ao Senhor Embaixador 392 Apresenta-se rasgado no cimo, especialmente no canto superior direito. que visto ser / morador da dita Cidade quizesse substituir este lugar para que suas cou/zas não perecessem por falta de quem com amor as solicitasse; e que fiava de / sua pessoa que obraria conforme o amor que elle dito Rey lhe tinha mos/trado em seu Reyno, ao que o Senhor Embaixador respondeo que bastava só ser / Sua Magestade quem era para que elle tivesse por grande honra o ser occupa/do em couzas de seu serviço, quanto mais tendo recebido tantas honras, e / tão subidas que só a hum filho próprio as devia; disse mais el Rey / que visto terem recebido os Reys seus antecessores, e elle de prezente muitas / cartas da Coroa de Portugal, e não haverem nunca correspondido, elle dito / Rey de prezente não só se achava com este empenho, senão com outro mayor / como era esta prezente Embaixada que estimava por couza muito grande, / e conforme isto tinha determinado mandar este prezente anno em sa//tisfação [Fl. 301v.]393 (…), seus Embaixadores com (…) / (…) Princ[ipe Regente] de Portugal, e a Senhora Raynha, / e Infan[tes] (…) mente, que remetido tudo ao Senhor Vice Rey da Índia para / que elle (…) he seus Embaixadores nas naös que vão para Portu/gal, ao que resp[ondeo] o Senhor Embaixador, que o Senhor Vice Rey da Índia estima/va muito de ter occaziões em que servir a Sua Magestade, e que o Príncipe Nosso / Senhor não podia deixar de fazer grande estimação de Embaixa/dores mandados por hum Monarcha que elle tanto estimava. Acabadas estas práticas mandou el Rey por hum gran/de de seu Palácio em hum taboleiro de ouro huma casaca de pessa / rouxa de prata com abotuadura de filagrana de ouro para que o Senhor Em/baixador perante elle a vistisse, e lhe mandou botar sobre ella hum / riquíssimo talim de ouro com hum espadim com guarnição do mesmo sar/picada (sic) de rubins, e ao mesmo tempo forão ministros repartir segunda / função de casacas por todos os officiaes e gente lustrosa da Embaixa/da, de várias sedas e cortes, e ao pé das escadas da porta da Sala Real / estava eu Secretário sentado sobre huma alcatifa com os Reverendos Padres Frey / Pedro da Trindade Capellão mor da Embaixada, e Frey Pedro Mar/tyr, e Frey Estêvão de Souza, e aquelle lugar nos mandou el Rey tão/bem nossa esquipação, (sic) a mim de casaca de melleque de ouro, e aos di/tos Padres novos hábitos conforme a Religião que cada hum profes/sava, e na casaca que eu Secretário nesta occazião receby vinha hum / papel que declarava em como Sua Magestade me fazia mercê de 5 cattes394 / de prata, e o seu Barcalão de dous, o que tudo faz na nossa moeda / trezentas e sincoenta patacas, e no hábito do Padre Capellão mor da / Embaixada vinha outro papel que declarava que el Rey lhe fazia / esmola de dous cattes de prata e o seu Barcalão de hum para seus / hábitos, e acabados todos estes favores e mercês del Rey se despedio do / Senhor Embaixador, que já anticipadamente o havia feito delle, e reco/lhido o dito Rey, Constantino Falcão veyo trazendo o dito Senhor, e fo/ra da porta da sala real lhe deo apertados abraços dando-lhe os pa/rabéns das honras, e bom despacho que Sua Magestade lhe havia feito e, / o Senhor Embaixador lhe disse que tãobem 393 394 Apresenta-se rasgado no canto superior esquerdo. Cate – peso equivalente a 625 gramas. estava delle mui agradecido, / pois entendia que fizera muita parte para que Sua Magestade sem pleito lhe / concedesse tudo o que em seu papel tinha proposto, e sobre isto se gas/tarão alguns comprimentos, e alguma parte da noite em Constan/tino Falcão mostrar ao Senhor Embaixador muitas miudezas, e grandezas / do Palácio, que por não estar ainda acabado, estavão todas imperfei/tas, e acompanhado o Senhor Embaixador dos mandarins se recolheo para /sua caza. Como o Senhor Embaixador estava escrupuloso na matéria de // el Rey [Fl. 302]395 el Rey dar a re[s]posta da carta (…) [Bar]/calão não se satisfez da (…) / além de sua caza e foi a de Constant[ino Falcão] (…) / com aquella visita satisfazer a muitas que (…) / Corte em que se afastão (?) (…) e em meyo delles com seu (…) [o] / dito Senhor para dizer ao dito privado, que estava receoso de que as mercês / que el Rey de Sião lhe havia feito não tivessem o agradecimento que mere/cião, em rezão de que o Senhor Conde Vice Rey da Índia sentiria muito que a re[s]/posta de sua carta lha mandasse Sua Magestade por via do Barcalão, / e como o Senhor Embaixador estava prevenido pello dito Senhor Vice Rey / para não receber tal re[s]posta, e via que a tal carta se lhe havia entre/gar cerrada, tinha tratado anticipadamente neste negócio para que se fi/zesse manifesto a el Rey, e que agora pedia a elle Constantino Falcão / pois era ministro principal por quem corrião todas estas couzas, lhe / dicesse (sic) o que estava determinado sobre este negócio; ao que respondeo o dito / privado perante mim Secretário e o Padre Capellão mor da Embai/xada, que a dita re[s]posta era dada por Sua Magestade tão somente sem se / entremeter ministro algum nem nome seu na dita carta e chapada / com a chapa real, e que custumando Sua Magestade em todas as cartas que escre/via aos Príncipes e Reys seus tributários pôr sua chapa real em / cima da escritura dellas, na re[s]posta que mandava ao Senhor Vice Rey man/dava pôr a sua chapa real ao pé de toda a escritura na forma em que / tinha recebido a carta do Senhor Vice Rey com a chapa das Armas Reaes de / Portugal ao pé de todas as regras, e que a dita carta não consistia mais que / de comprimento e que dizia Sua Magestade nella que as mais circunstâncias re/metia a carta do Barcalão para que nella as tratasse com o Senhor Vice Rey, e que / isto nunca se havia feito na Coroa de Sião, com que o Senhor Embaixador lhe / disse que lhe dava muito crédito pois elle lhe não faltava discurso para conhe/cer o que sentiria o Senhor Conde Vice Rey da Índia achar na dita carta ou/tra couza em contrário depois de haver precedido tantas declarações de suas / ordens. A dez de Junho a hum sábbado pella menhaã mandou el Rey / todo o seu aparato real de cavalos, e elefantes, e Infantaria, e ca/bos della com os titulares de sua 395 Apresenta-se manchado e rasgado no canto superior direito; e também rasgado no superior esquerdo. Corte para que levassem ao Senhor Embaixador aon/de o havião ido buscar para o trazerem a sua Corte, que era o lugar aonde / estavão ballões para toda a sua gente e fato e o ballão para sua pessoa / com que não temos necessidade de explicar por miudo o estado com que o Senhor Em/baixador foi despedido da Corte, porquanto foi o mesmo com que nella o recebe/rão que foi atraz bem explicado, só se fará menção do que mais im/porta; saindo o Senhor Embaixador da caza em que estava aposentado / com o seu estado e o del Rey chegou a sala aonde primeiro se havia tradu/zido a carta do Senhor Conde Vice Rey, e nella achou ao Barcalão com / Constantino Falcão e os mais mandarins que de primerio havião assis/tido, e sentado o Senhor Embaixador em seu lugar acustumado, disse o Bar//calão [Fl. 302v.]396 (…) dizer ao Senhor Embaixador que (…) / (…) cartas que lhe escrevem (…) / (…) não lhe deixavão de dar o título de Empe/[rador] (…) a língua portugueza, nem os (…) ter / (…) esta falta a cauza de não haver feito o tal / (…) faltava a re[s]posta que agora fazia nesta / matéria, pois com a prezente Embaixada veyo alcançar a verdade do engano / pois tem quem fielmente lhe explicasse, e que o Senhor Vice Rey da Índia fizes/se prezente ao Príncipe Regente de Portugal, que querendo correr com elle / com estreita amizade, como sempre correo lhe não faltasse com a cortezia que / se lhe devia, porque elle era Senhor que dominava por Senhorio absoluto / a onze Reynos Coroados, como erão Camboja tributário, Joor397 tributário, / Patane tributário, Jambe398 tributário, Quedá399 tributário, Ligor400 conquis/tado, Tanassarim401 conquistado, Porsulveo conquistado, Socotáes con/quistado, Copampet conquistado, Corassena conquistado, e quem domi/nava tantos Reynos que bem se deixava ver se lhe era justo o título de / Emperador, quando outros com só dominarem sete Coroas gosavão do / mesmo título, e comtudo se o Príncipe Regente de Portugal em toda / a Ázia nunca deo semelhante título a nenhum Monarcha della, / elle disistia de querer que se lhe desse o tal título, e que o Emperador da / China tinha menos rezões para se lhe chamar Emperador, do que elle / conforme apontava; e disse mais o dito Barcalão que Sua Magestade dis/sera que fizessem prezente ao Senhor Embaixador em como as matérias em que / havia cedido dos uzos e custumes de seu Reyno com elle dito Senhor Embaixador / fora por lhe ser prezente as ordens rigurosas que sobre isto lhe dera o Senhor Con/de Vice Rey da Índia, ao qual disculpava no rigor das ditas ordens por conhe/cer que o Senhor Conde Vice Rey da Índia 396 não estava visto nos Apresenta-se rasgado nos cantos superiores. Sultanato de Johore, na extremidade meridional da Península Malaia. 398 Jambi, cidade na parte sudeste da ilha de Java. 399 Quedá ou Kedah, cidade da costa ocidental da Península Malaia. 400 O mesmo que Lugor, porto da costa oriental da Península Malaia. 401 O mesmo que Tenassarim. 397 uzos e custumes / antigos dos Reys da Ázia que se tratavão sempre em amizade com a Coroa / de Portugal, e obrava nisto o Senhor Conde Vice Rey como pessoa novamente / vinda de Portugal para o governo da Índia aonde lhe devião dar infor/mações falsas no tocante as circunstâncias destas matérias; e que para que / não [h]ouvesse mais engano nem tão pouco quererem obrigar aos Reys deste / Reyno a ceder de seus uzos, e custumes ordenara Sua Magestade a elle dito / Barcalão que dissesse ao Senhor Embaixador, que o que obrara com elle nesta / matéria, foi pellas rezões que ficão ditas, mas que vindo outro Embaixador / do Príncipe de Portugal a este seu Reyno não havia de aquebran/tar seus uzos, e custumes no recebimento da Embaixada ainda que o Prín/cipe de Portugal, por essa cauza quebrasse com elle a estreita amizade / que sempre teve, e que Sua Magestade encomendava muito particularmente / ao Senhor Embaixador que fizesse isto prezente ao Senhor Conde Vice Rey da Índia / para que elle na mesma forma o fizesse prezente ao Príncipe Regente do / Reyno de Portugal; ao que o Senhor Embaixador respondeo que se não es/queceria do que Sua Magestade lhe encomendava, mas que muito melhor se/ria fazer Sua Magestade este negócio manifesto por seus Embaixa//dores [Fl. 303]402 [Emba]ixadores, pois estava (…) / (…) a Portugal, disse o Barcalão (…) / Sua Magestade mas que ta(…) / [h]ouvesse falta na explica[ção] (…). Acabados os compr[imentos] (…) [o Senhor Embai]/xador sahio polla sala fora (…) hum fermoso cavalo / de estado del Rey ricamente ajaeza[do] se poz a caminho com todo o estado, / e pompa assim seu, como del Rey na forma em que havia entrado na / Corte levando diante de sy a carta del Rey para o Senhor Conde Vice Rey pos/ta sobre hum elefante dentro em huma charola dourada do mesmo Rey, / e chegando perto do rio adonde estava o ballão, do estado do Senhor Embaixa/dor, e os mais para toda a sua gente, chegou huma ordem del Rey a todos os seus / mandarins, que antes que o Senhor Embaixador se embarcasse, lhe fossem mos/trar o seu elefante branco, que não queria que se fosse de seu Reyno sem que / visse o que elle mais estimava, e na verdade que para este Rey, hé o tal ele/fante branco o seu mayor thesouro, pois o tem em huma cerca com mais de / duzentos homens de guarda, e muitos principaes mandarins que delle t[êm] / cuidado, porque o título de que este Rey mais se preza, hé chamar-se Se/nhor do elefante branco; chegado o Senhor Embaixador ao lugar dos / ballões passando pello meyo de toda a Infantaria del Rey lhe de/rão três cargas de mosqueteria muito bem concertadas, e ellas acabadas, / todos os Senhores da Corte se despedirão do dito Senhor, o qual se embar/cou no seu ballão de estado, e quatro mandarins, que o acompanhavão se / meterão com a carta del Rey dentro em hum ballão que para ella estava / aparelhado de mais de sessenta remos, todo dourado da figura de huma / serpente com huma charola toda dourada debaixo da qual hia a dita car/ta, e ao redor deste ballão hião outros em que se hião tocando muitos instru/mentos, e com todo este aparato foi o Senhor Embaixador navegando pello / rio abaixo fazendo seus pozos, e tomando refeição nos três descanços / que atraz ficão ditos, que estavão na mesma forma com todo provimento / necessário, havia-se adiantado Constantino Falcão para mandar ao / meyo do caminho todos os ministros, mandarins, e mais senhores [da] / Corte de baixo para que em seus ballões viessem receber ao dito Senhor / como de effeito assim o fizerão com muitos instrumentos bellicosos, e com / grande pompa levarão ao 402 Apresenta-se rasgado nos cantos superiores. Senhor Embaixador ao Bandel dos Portu/guezes a aposentar, athé se embarcar nas cazas da Feitoria em que / primeiro havia estado, adonde o dito Senhor deo a todos os agradecimentos / da muita cortezia que com elle tinhão tido, e os despedio com muita afabilidade; / achou o Senhor Embaixador prezo na Feitoria a hum Francisco de Acha / que estava já feito Apóstata contra a Igreja Romana seguindo a Ley / de Calvino, o qual dito tinha entrado havia poucos dias com huma chalu/pa vindo de Bengala403 em serviço dos Olandezes, sendo cazado em / Sião com molher e filhos aparentado por esta via com os principaes Jap/pões que assistem no Reyno de Sião firmes Catholicos Romanos, os quaes / todos de commua vontade estimulados pella sogra do dito Francisco // de Acha 403 Bengala – antigo reino asiático, correspondente aproximadamente ao actual Bangladesh, tendo a capital o mesmo nome. [Fl. 303v.]404 (…)ção de lhe dar a vida (…) / fragata do Senhor Em[baixador] (…) / que outra p(…), para que nellas a (…) / Feytores (…) Senhor chegasse da Cidade / (…) no fizerão para que o Senhor Em/baixador (…)resse para de ali ser levado ao Santo / Offício, e logo o dito Senhor (…)no este Apóstata lhe foi entre/gue o segurou em ferros, como tãobem o fez a outros mais por dif/ferentes cazos tãobem tocantes ao Santo Offício, e verdadeiramente / que o Senhor Embaixador posto no Reyno de Sião não exerceo só o of/fício que levava, mas por necessidade lhe foi forçado fazer-se mi/nistro do Santo Offício, e Governador e Vigário da Vara porque em todas estas / couzas está o Bandel em hum puro desemparo, pois o Comissá/rio do Santo Offício que era hum religioso Dominico se foi para as / Ilhas de Thimor, e o Governador do Ecclesiástico era já morto, e o Vigário / da Vara que em seu lugar ficou hé hum Clérigo a quem se não tem / respeito nenhum, porque supposto o seu viver hé bom, não tem ge/ito nenhum para governar, e a mais gente que vive em tanta liber/dade, e em ordem a isto para acudir a muitos desaforos foi necessário me/ter-se o Senhor Embaixador nas jurisdições, que acima se apontão, / em ordem a ajudar ao dito Vigário da Vara, e dar-lhe calor para fazer / muitas prizões que fez, com que à vista disto se cazarão alguns occazio/nados, e outros largarão as mais occaziões de muito tempo, porém / esta virtude não pode durar muito, pois está o Bandel405 falto / de Prelado, e de Comissário de Santo Offício, e estes dous postos / no Reyno de Sião se os não occuparem pessoas de virtude conhe/[cida] e de ânimo constante, nunca pode aquella Christandade / andar a caminho, sem embargo que os Vigários das duas Freguezias / que de prezente estão, não faltão a sua obrigação, mas não com ma/is poder que para administrar sacramentos. Começou logo o Senhor Embaixador acentando com as couzas de Francisco Barre/tto de Pinna, que havia deixado prezo quando foi para a Corte, na sua fragata, / e ordenou o dito Senhor a mim Secretário que como juiz emqueredor tirasse hum / acto sumário de testemunhas da justiça que havia (?) feito o dito Francisco Barretto de Pin/na ao sião Christão-novo que escalou o sacrário da Igreja de São Paulo, e fez o 404 Apresenta-se rasgado no cimo e no canto superior direito. Apresenta-se rasgado nos cantos superiores. 405 / (…) que atraz fica dito, e vendo toda a Christandade do Bandel que o Senhor Embaixador / em (…) tirar testemunhas contra o dito Francisco Barretto entenderão que devassa/va geralmente de todos os seus procedimentos na administração da justiça do discurso / de trinta annos administrou, com que forão tantas as petições e clamores que / contra o dito vierão a caza do Senhor Embaixador que para lhe dar diffinição e expe/diente, não bastavão seis mezes, porque órfãos e viúvas, e os mais no discur/so do governo deste homem sempre experimentarão sem rezões e nunca tiverão re/curso para seu direito, porque o dito Francisco Barretto nunca tratou mais que de / se sustentar a sy e a sua família a custa dos pleiteantes, tanto assim que quando // alguns [Fl. 304]406 (…) [ór]fãos de (…) que (…) / (…) que estava no cofre para (…), mas tão/bem que o próprio lhes faltou, e chegado (…) / que lhe não ficou mais que hum tical407 de (…) não tinha sido / com os mais, isto hé tão certo que para o não crer (…) toda a / Christandade; assim se (…) são [pró]/prios, porque todos a huma voz o estão clamando, e o que mais se (…) os que vivos (…) / não poderem cobrar o que perderão, pois o tal ministro não tem por onde, e a / vista de todos estes clamores o Senhor Embaixador se vio bem molestado, pois não / podia remediar tantos desarranjos, e por outra parte se via apertado de Cons/tantino Falcão que queria que o dito Senhor publicamente no Reyno de Sião desse / hum grande castigo ao dito Francisco Barretto de Pinna pellas culpas de toda / a vida, e principalmente pella pouca justiça com que se [h]ouve no crime sacrílego, / que cometeo o ladrão que escalou o sacrário, e queria tãobem que ao dito ladrão, de/pois de castigar ao Capitão mor, justiçasse conforme o delicto, a isto disse o Senhor / Embaixador ao dito Constantino Falcão que para castigar o Capitão mor por ha/ver sido ruim ministro de justiça, estava a Rellação de Goa a quem tocava o / tal castigo, e que para justiçar o dito sacrílego tãobem o Senhor Embaixador não tinha / jurisdição porquanto tinha já sido sentençeado (sic), que traria consigo o dito ladrão / para o mandar entregar ao Senhor Conde Vice Rey para que elle, ou a dita Rellação / lhe mandassem dar o castigo que justo fosse, e que estas matérias elle dito Constan/tino Falcão bem as entendia, pois era mui versado nas leys da nação portu/gueza, mas que como Sua Mercê se deixava cegar da paixão não lhe ficava / lugar de discursar no direito, mais que tratar de satisfazer sua dita pai/xão, mas que o dito Senhor como estava livre desta enfermidade tinha deter/minado levar consigo ao dito Barretto, e mais ao negro delinquente para / os remeter ao Senhor Conde Vice Rey para dispor o que fosse servido, ao que respondeo Cons/tantino Falcão que a Francisco Barretto de Pinna poderia o Senhor Embaixador le/var consigo pois o tinha já em seu poder, mas que o negro sacrílego lho não ha/via entregar porque era vassallo del Rey de Sião sem embargo de estar já / bautizado, que se elle tinha seguro nos troncos del Rey para o 406 407 Apresenta-se rasgado no cimo e na margem inferior direita. Tical – peso do Pegu, Siam e Martabam, equivalente a mais de três oitavas (540 réis do antigo entregar a Sua / Senhoria, era porque entendia que Sua Senhoria havia de mostrar ao (…) / de Sião o como castigavão as leys dos Portuguezes aos maos ministros, e aos [atre]/vidos ladrões sacrílegos, e que com este intento os ministros del Rey de Si[ão] / lhe fizerão entrega do dito Capitão mor, e a querião fazer do dito de[linquen]/te; e passando tudo isto, e estando as couzas neste termo, foi tal o de (…) [Francisco] / Barretto de Pinna que disse que o Senhor Embaixador lhe fizera males em (…) / da prizão em que estava tão infame, porque elle por seus modos buscara (…) [me]/lhor recurso, e não obstante este dizer vendo que já o Senhor Embaixador deter[mi]/nadamente [o ti]rava de Sião para lhe não socederem muitas afrontas e desgraças / escreveo huma carta a Constantino Falcão de muitas somissões pedin/dolhe nella se alembrasse de sua caza, que ficava em desemparo na / prezente auzência que della fazia, e eu Secretário estava de prezente com Cons/tantino Falcão debatendo sobre as couzas deste dito homem, que lha // derão sistema monetário português) [Fl. 304v]408 derão (…) foi de en (…) / Constan[tino Falcão] (…) homem falto de todos os (…) / os (…) muito (…), porque ocupando o po[sto d]e / Capitão mor (…) Portuguezes vassallos do Príncipe Nosso Senhor / (…) com cangas no pescosso, que hé a mais afron/[tosa cousa que] se faz no Reyno de Sião aos naturaes, e com tudo isto / prezava mais de ser chamado o Pará cativo del Rey de Sião, porque / todos os que logrão títulos em sua Corte não têm outro nome, e não (…) / este homem no discurso de 30 annos que exerceo o tal posto, fez outra / couza mais que estar escrevendo cartas aos Senhores Vice Reys e Governado/res da Índia dando-lhe a entender grandes couzas que obrava no Reyno [d]e / Sião, e manifestando-se leal vassallo, e condenando a todos por maos / servidores, ao que sempre se lhe deo crédito, porque nunca [h]ouve quem in/formasse do contrário aos Senhores Vice Reys, e sem embargo de todas estas / couzas pos o Senhor Embaixador os olhos em settenta e tantos annos que / o tal sugeito tem de idade e em sua família que tem no Reyno de Sião muito / pobre, e moveo-se de piedade, e quiz ver se podia escuzar de tirar ao dito / Francisco Barretto de Pinna do Sião e dar conta ao Senhor Vice Rey de todas es/tas couzas declaradas para que elle dispuzesse o que fosse servido, mas vio as / couzas dispostas tanto contra o dito que era certo que em o Senhor Embaixador / saindo do Reyno de Sião, lhe havião de sair muitos trabalhos, e afrontas, / por onde se resolveo a trazê-llo consigo para Macao, e junto com elle o au/to summário de testemunhas que atraz fica dito, e acostado a elle hum depoi/mento que se tirou do negro que cometeo o sacrilégio, e huma certidão do Es/crivão e Tabalião dos Autos do Bandel dos Portuguezes, e teve in/[tento] o Senhor Embaixador de tirar huma devassa geral dos procedimentos / deste homem para com o dito Auto se remeter ao Senhor Conde Vice Rey, mas não / pôde ser porque hia faltando a monção para se recolher a Macao. Mandou Constantino Falcão convidar ao Senhor Embaixador para se / quizesse aceitar-lhe hum banquete que por sy e por todos os grandes / da Corte de baixo lhe queria dar dentro na Cidade na sala mayor de / todo o governo della, aceitou o Senhor Embaixador a offerta por não fal/tar com a cortezia a tantos ministros del Rey de Sião, e foi o banque/[te] tão esplêndido que para se iguallar ao de el Rey não 408 Apresenta-se rasgado no cimo, no canto superior direito e no lado inferior esquerdo. lhe faltou mais / (…) sua copa no serviço do tal banquete, o Reverendo Padre Manoel Soa/[res man]dou ao Senhor Embaixador para ir assistir na festa de Santo António, / que se fazia tãobem em acção de graças ao bom successo e crédito da / Embaixada pregando nella o Reverendo Padre João Baptista Maldo/nado que levantou muito de ponto o que o Senhor Embaixador havia obrado no Reyno / de Sião, e por fora da festa o Reverendo Padre Manoel Soares deo hum es/plêndido banquete ao Senhor Embaixador, e o mesmo convite fez o Reverendo Padre / Frey Domingos de Santa Anna da sua Igreja de Nossa Senhora do Rozário // pella [Fl. 305]409 [pella] festa da dita Senhora (…) Padre Frey Pe/dro Martyr, que entre os louvores (…) deixar de / (…) o mayor privado que o tem (…) suas es(…) /cas, não quiz o Senhor Embaixador de (…), para que / (…) [q]uiz mostrar ainda a infidelidade de (…) dos / [dit]os Religiosos por serem ministros da Christandade, e logo (…) deo ordem / (…) a mym Secretário que passasse provisões aos dous ditos Reverendos Vigários de ad/ministradores da justiça civel de todos seus freguezes, por não ficarem / de todo ao desemparo sem ter quem lhe administrasse a dita justiça, e / deixou o Senhor Embaixador aos ditos Padres o treslado do papel dos pontos de li/berdades e franquezas que havia pedido a el Rey de Sião para que os ditos Padres / estivessem nelles prezentes, pois el Rey na despedida que delle fez o Senhor / Embaixador confirmou tudo, como fica dito sem embargo que emquanto Cons/tantino Falcão governar, não há-de ser senão o que elle quizer e for seu / gosto, e se o Senhor Embaixador deixou aos ditos Padres por administradores da / justiça com provisões passadas, a principal cauza foi por não se perder o di/reito que se conserva com beneplácito del Rey de Sião, athé que o Senhor Conde / Vice Rey mande dispor estas couzas conforme for servido que não há dúvida / que os ditos Reverendos Padres em administrar esta justiça, hão-de ter bastantes / turbações, pois o dito privado em tudo quer ser ministro; vierão os man/darins a caza do Senhor Embaixador trazer-lhe hum sagoate, que el Rey lhe / mandava em recompensa dos brincos que o Senhor Embaixador deo ao dito Rey, / e constava o dito sagoate de vários brincos de Jappão, e o Barcalão tão/bem pello sagoate que havia recebido da parte do Senhor Embaixador, não fal/tou com recompensar, e sem embargo de as taes recompensas serem mais / cre[s]cidas no avultar do que na substância de seu valor, mostrou repartir / francamente prata por todos os servidores que acarretavão os ditos sagoates. Sem embargo das grandes queixas que o Senhor Embaixador tinha de / Constantino Falcão, e as moléstias que por sua cauza recebeo não dei/xou de se mostrar, no último de todos os negócios, agradecido ao tal privado / por obra, e por palavra, porque sempre foi tão sagaz que no particular / se mostrou opposto, tudo o que pôde, às couzas da Embaixada, e no públi/co mostrava a todos que era o que mais 409 Apresenta-se rasgado no cimo, em vários pontos. obrava pello crédito da nação por/tugueza o que tudo dissimulou o Senhor Embaixador, pois não tratava mais seu / procedimento, dig[n]o que sair do Reyno de Sião com muito predicamento; e que se lhe não / notasse em seu procedimento faltas no primor, e em ordem ao (…) / samento, estando já em vésporas de partida foi huma noite a bus[car] (…) / Constantino Falcão a sua caza, e depois de vários comprimentos tirou / o Senhor Embaixador o colar que levava sobre seus hombros que fica declara/do no princípio desta Rellação, e o lançou ao pescoço do dito Constan/tino Falcão, dizendo-lhe que o prendava para que nunca deixasse de se / confessar seu amigo, porque sendo-o estava o Senhor Embaixador certo que / nunca elle Constantino Falcão havia de deixar de favorecer os // vassallos [Fl. 305v.]410 os vassallos (…) fazer mercê por sua qu(…) / Reyno de S[ião] (…) [Constan]tino Falcão satisfez (…) / (…) couzas (…) o Senhor Embaixador do (…) / prendas (…) cadeiras de seu estado de veludo verde (?) / (…) do seu aviamento de sobreceo e quiz / (…) juntamente de muitos (…) conservada para / mandandosse dizer que se (…) athé aly não se tinha mostrado com elle pri/moroso em lhe fazer offertas, era porque não tivesse para sy que o Senhor Em/baixador o comprava para seus negócios, mas que como elles estavão já aca/bados, sentia não se achar com couzas mais sufficientes para o servir, o di/to Constantino Falcão com monte de agradecimentos tãobem não fal/tou em mandar seu sagoate muito aprimorado. Quando o Senhor Embaixador partio de Macao levou consigo / na sua fragata 146 pessoas com que na viagem não deixou a gente por / ser muita de passar seus descomodos, e ao tempo de voltar para Macao / se achava com a mesma gente, e com a mais que lhe cresceo de prezos do Santo / Offício, e outros pello Vigário da Vara, e algumas pessoas que o Senhor Embaixador / tirou do Reyno de Sião que por serem desemparadas podião vir a perder a Fé / e achando-se com tanto número de gente quasi impossibilitado para fazer / viagem, comprou a hum Inglez huma fragatinha por mil e seiscentas pa/tacas, e lhe chegou a duas mil athé a pôr capaz de a levar em sua companhia / pera Macao, só assim se (…) de gente, e dar boa passagem aos que / com tanta vontade o acompanharão para servir ao Príncipe Nosso Senhor. Aos 24 de Junho tendo já o Senhor Embaixador despedida / a sua fragata pello rio abaixo, e repartido a gente que havia de ir na / fragatinha novamente comprada, fez avizo aos mandarins del Rey / em como se queria embarcar deste Reyno de Sião, e sem dilação alguma / pellas duas horas de a tarde vierão todos os mandarins, e mais ministros / da Corte de baixo com todos os Senhores della em seus ballões mui bem es/quipados (sic)411 e adornados com muitos instrumentos ao seu uzo, e chegarão ao caiz da / caza onde o Senhor Embaixador estava aposentado para o acompanharem a/thé dali mais de huma légoa pello rio abaixo, no lugar de Tabanga, ou Paço / adonde tinhão ido buscar com a mesma pompa quando o dito Senhor entrou no / 410 411 Apresenta-se rasgado no cimo, no canto superior direito e na margem inferior esquerda. Por “equipados”. Reyno de Sião, e embarcando no seu ballão de estado se despedio do / Bandel deixando a todos os Portuguezes, e mais moradores delle com grave / [senti]mento, de sua auzência, pois emquanto o tiverão no Reyno de Sião se acharão / (…) muita paz, e quietação, e chegando o Senhor Embaixador com todo o acompa/[nhament]o que levava que não foi menos daquelle com que o receberão, ao lugar / já declarado para com todos os que o acompanhavão, e chegando-se ao seu bal/lão os principaes ministros e mandarins del Rey com o ballão real em / que hia a carta del Rey para o Senhor Conde Vice Rey da Índia, fizerão / com grandes cortesias novamente entrega da dita carta ao Senhor Embaixador, e an/tes que o dito Senhor a tomasse das mãos dos ditos mandarins lhe mandou pre/guntar (sic) pello intérprete, se aquella carta que lhe entregarão, era própria / da mão del Rey firmada com sua chapa real, ou se era feita pello Bar//calão [Fl. 306]412 [Barcalão] em nome del Rey (…) a carta / [era] própria de Sua Magestade che(…) re[s]posta / [à d]o Senhor Conde Vice Rey da Índia (…) / (…) hia outra do Barcalão tão bem em re[s]posta [à do] Senhor Conde Vice Rey / (…) havia feito, e o Senhor Embaixador lhe disse (…) / (…) achasse outra couza em contrário que o havia sentir (…) ha/via dado ordem expressa que não sendo a re[s]posta de sua carta própria / del Rey que elle dito Senhor Embaixador a não aceitasse, e que esta ordem an/ticipadamente a tinha mandado intimar a el Rey por via do Barca/lão e de Constantino Falcão, não só huma vez, senão muitas, e que como / o Senhor Embaixador recebia a dita carta cerrada na forma em que lha / entregavão não podia previnir o engano quando o [h]ouvesse, e que por essa / cauza novamente se declarava com elles ditos mandarins para que a todo tempo / constasse as exactas diligências que o Senhor Embaixador fez para que se não fal/tasse ao que ordenou o Senhor Conde Vice Rey da Índia, com que os ditos mandarins se / tornarão a ratificar na re[s]posta que tinhão dado, e então a recebeo o dito Senhor / dizendo-lhe que recebia a dita carta na fé de que Sua Magestade e os seus man/darins lhe fallavão verdade, e logo se despedirão todos do dito Senhor dizen/do-lhe que o ballão em que Sua Senhoria hia se servisse delle athé se despe/dir do rio de Sião, ou athé onde fosse seu gosto, porque assim o ordenava Sua / Magestade, e voltados todos para a cidade o Senhor Embaixador foi pello rio abai/xo com todos os ballões em que hia a gente de seu estado em demanda da sua / fragata, e passando pellas fortalezas del Rey lhe derão grandes sal/vas reaes, e o mesmo fez a naö grande del Rey que atraz fica dita que / estava tomando carga para partir para Macao. Quando o Senhor Embaixador se despedio da Corte teve notícia de hum / grande estremo que el Rey havia feito em estimação de sua Embaixada / e foi que a todos os ministros grandes, e pequenos de seu Reyno que servirão / nesta Embaixada acrescentou e deo authorisados postos e títulos por ha/verem servido na Embaixada do Príncipe Regente dos Reynos e Senho/rios de Portugal seu Irmão em armas, e a Constantino Falcão por / não ter já mais títulos que lhe dar, repartio com ell[e o sago]ate que havia re/cebido do Senhor Conde Vice Rey da Índia, em (…)a muito 412 Apresenta-se manchado e com rasgões no cimo. envejada / dos grandes do Reyno pella estimação que el Rey tinha feito do dito sagoa/te, e athé o língoa Augostinho Rosado que servio na Embaixada / o fez senhor de huma catana com cabos e baínha de ouro, que entre os siões / hé honra como a de hum hábito ou Comenda entre os Portuguezes, e por es/te dito estremo se pode considerar o quanto el Rey estimou esta Embaixada / desde o princípio que a recebeo athé ao despedir, com que verdadeiramente o Senhor / Embaixador se entrou com muita honra em o Reyno de Sião, com muita mais sa/hio, que tudo vem a redundar a vista de tantas nações em muito crédito da na/ção portugueza, só a falta que teve a dita Embaixada foi não dar / a execução o principal negócio que o Senhor Conde Vice Rey encomendou, mas // foi [Fl. 306v.]413 foi pello (…) Rellação ficão atraz (…). (…) Senhor chegou ao Reyno de Sião / aos dous de (…) chegou (…) do Procurador dos Auzentes / do Bandel (…) lhe deo huma carta que lhe levava do Senhor / Conde Vice Rey (…) o Procurador dos Auzentes, disse ao dito Senhor que tinha (…) / (…) couzas que tratar com Sua Senhoria na[s]cidas (?) de huma prá[tica que] / com elle teve o Governador do Bispado de Malaca nos penúltimos dias (…) / de sua morte, mas que não podia dizer nada a Sua Senhoria senão / por papel, porquanto lhe não queria tomar o tempo de outros negócios mais / importantes, e dahi a dous dias o dito Procurador dos Auzentes aprezen/tou seu papel na maneira seguinte. Papel que o Procurador dos auzentes do Ban/del dos Portuguezes aprezentou / ao Senhor Embaixador. O Senhor Conde Vice Rey foi servido ordenar-me por sua carta que me / fez honra e mercê escrever que assista em tudo o que Vossa Senhoria for servido / (…) de obrigação como vassallo de Sua Alteza / (…) tudo quanto Vossa Senhoria me ordenar de seu serviço de cuja illus/tríssima pessoa (…) portuguezes. Em (…) por via de Mallaca que / importa (…) de Macao com esta Em/baixada tão de (…) essa de Sua Alteza pella qual rezão an/tes de fallecer o Reverendo Padre Nicolao da Mota Governador do Bispado de / Mallaca (…) hé o Capitão mor / Francisco Barretto de Pinna (…) rezão se conheceo tem mandado / muitas informações mandadas a Goa fora de toda a verdade, e por demandar / as mercês de Constantino Falcão lhe (…) / sua jurisdição nem authoridade (…) por (…) o dito Padre 413 O carimbo aposto impede a leitura de algumas palavras. Apresenta-se rasgado em vários locais e muito manchado. A parte final, sobre a qual há muitas dúvidas, parece conter informações essenciais Governador / que por sua cauza venha a suceder algum descrédito à nação, como / há sucedido já algumas vezes que o dito Padre Governador (…) visto. E como // el Rey [...] 414 para a compreensão de parte deste documento e ter continuação. 414 Falta o resto do documento. 6. APÊNDICES 6. APÊNDICES DOCUMENTOS REFERENTES À EMBAIXADA AO SIÃO: [A.H.U., Índia, caixa 32, doc. n.° 6] Copea da Carta de Antonio da Fonceca Proc[uradolr dos auzentes no Reino de Sião, escrita ao Conde de Alvor V[iceJ Rey a Capitão Geral da India. Despois (sic) de ter escrito largamente a V[ossa] Ex[celênci]a sobre os Bispos Missionários a seus clérigos q[ue] tanto / nos molestão com suas bulas s[o]ube em como o Bispo Dom Franc[isc]o Palú mandou hum clérigo / a Roma q[ue] ontem partio para // Tanacarim (sic)415 com intento de solecitar em Roma novas bulas a pe/dir Missionarios para entrarem nas Ilhas de Solor a Timor com hum Bispo q[ue] o dito Dom Franc[isc]o / Palú nomeou de aqui q[ue] hé hum frade Dominico chamado Frey Raymundo Italiano de / nascão (sic)416 q[ue] há dous annos trouxerão elles de Roma, o qual assiste com elles na Missão para o q[ue] man/darão huma devaça q[ue] este anno tirou o Bispo Dom Luís Lancau com toda cautela em como o an/no passado hindo para Solor a Timor o L[icencia]do João de Abreu de Lima como Gov[ernado]r q[ue] era do Bis/pado de Malaca para vezitar aquela Christandade não quizerão os P[adr]es Dominicos admetir / nem asseitar desprezando a Jurisdicão a ordinária do S[enho]r Primas da India, a q[ue] p[or] esta cauza / querião entrar naquela Missão com jurisdição Suprema da Congregação da Propaganda para q[ue] / não ficasse sem Prelado, dando p[or] rezão q[ue] sendo Solor a Timor da Coroa de Portugal; e o / S[e]n[h]or Primas Prelado delles não querião conhecer nem sogeitar sua jurisdição, a q[ue] p[or] esta / cauza cabia à Congregação da Propaganda mandar sua jurisdição; a manda este Bispo / Dom Franc[isc]o pedir a Roma Religiozos Dominicos com bulas necessárias do Papa, e 415 416 O mesmo que Tenasserim. Por “nação”. ordens sufi/cientes do geral da ordem p[ar]a escluir aos nossos Religiozos, a na verdade acção foi esta q[ue] mostra/rão os frades de Solor a Timor de não querer admitir nem conhecer ao próp[r]io Prelado de aq[ue]la / Christandade q[ue] estranharão m[ui]to e tanto q[ue] os Missionários francezes tomarão p[or] motivo / para escrever a Roma como fizerão sendo os taes frades Vassalos de S[ua] A[lteza] pois dizem estes / Missionários francezes q[ue] ainda q[ue] não queirão entender comnosco lhes damos ocaziões p[ar]a / os entenderem, a como partio o dito clérigo para Roma para effeito deste seu intento / me pareçeo (sic) dar conta: para V[ossa] Ex[celênci]a pôr o remédio conveniente para q[ue] quando em cazo / venha ache empedido porq[ue] pella experiençia (sic) que tenho não duvido the virá tudo q[uan]to /quizer de Roma p[or] terem estes Bispos francezes empenhado m[ui]to a dita Congregação. Esperão estes Missionários este anno athé outro q[ue] embora vem ao Embaix[ad]or deste Rey / q[ue] virá de Roma a França com outro embaix[ad]or do Papa, a de seu Rey para este de // Sião com petição em forma de ambos a este Rey para conceder a estes Bispos tudo o que quizerem / conforme seus intentos ao q[ue] convém muito acudir V[ossa] Ex[celênci]a porq[ue] não duvido q[ue] este Rey conce/derá vendo a Nação Portugueza tão deminuta no seu Reino, a esta Nação vay sendo já S[e]n[h]or / do Estreito do Sul para dentro, a pretendem abracar (sic)417 tudo para seu Rey. O Bispo Dom / Franc[isc]o há de sagrar dous Bispos hum p[ar]a Camboja418 outro para Champa419, Dom Luís Lancau / foi este anno a Cochinchina420 para sagrar outro e o Bispo Burges se foi p[or] Tunquim421 / para sagrar outro a se mais terras tiveçe (sic) mais Bispos sagrarião só p[ar]a q[ue] não [h]ouvesse nem / nome de Portuguezes nestas partes, aonde querem extinguir tudo q[ue] taes ânimos são / destes francezes q[ue] não dezejão mais q[ue] ver-nos arrastados. 417 Por “abarcar”. Camboja – reino do Cambodja, situado no extremo sueste no Golfo de Sião. 419 O mesmo que Champá, antigo reino da Indochina austral que abrangia grande parte da actual Cochinchina e o sul do Annam ou Aname. 420 Cochinchina - nome dado à região abrangida pelo norte do Annam e pelo Tonking (Tonquim). 421 O mesmo que Tonquim, antigo reino da Indochina (norte de Annam). 418 El Rey de Johei422 na carta q[ue] escreveo a este Rey há pucos dias deo novas q[ue] sendo a prin/cipal cidade a fortaleza de Bantão tomada dos Olandezes q[ue] forão chamados p[or] hum Príncipe q[ue] se le/vantou contra seu Pai para os ajudar, está restaurada p[or] armas a q[ue] matarão os Jaos423 grande número / de Olandezes a tem posto a Cidade de Betávia em grande aperto a serco (sic) p[or] terra a pello mar com / huma armada de 380 Guntins q[ue] são suas embarcações a seis naos q[ue] tomarão aos englezes em/prestadas a tem já tomada[s] sinco ou seis chalupas Olandezas, a fes arribar duas naos q[ue] de Be/távia424 hião para Costa, de que os Olandezes desta feitoria de Sião se achão confuzos p[or] não serem / chegadas suas naos q[ue] sempre o mais tardar athé 22 de Setembro chegão a este Reino a este / anno não chegarão ainda com o que está este Rey m[ui]to admirado. A pessoa de V[ossa] Ex[celênci]a Nosso S[enho]r / G[uar]de com as felecidades q[ue] todos dezejamos p[ar]a augmento da India e commum amparo dos / vassalos de S[ua] A[lteza]. Siam sinco de outubro de 1682. António da fonçeca (sic). a.) Luís G[onça]1[ve]z Cotta Copea de huma carta escrita ao Conde V [ice] Rey / por António da fonçeca (sic) Procurador dos / ausentes no R[ei]no de Sião. Acusada pella Carta N. 4.° 425 422 Provavelmente, é o mesmo que Johore (ou Johol). Os habitants da ilha de Jooa (actual Java). 424 O mesmo que Batávia, nome antigo de Jacarta (actual capital da Indonésia). 425 Está escrito no sobrescrito. 423 [A.H.U., Índia, caixa 32, doc. n.° 95] Copea426 Assento q[uej se tomou na Junta das Missões deste Estado / da India, sobre se mandarem embaix[adIores com saguates / aos Reys de Sião, Cochimchina, Camboja, e Tukim. Na Quinta de Panelim do districto desta Cidade de Goa, aos 23 dias do mês de / Abril de 1683, estando prez[en]te o Ex[celentíssi]mo S[e]n[h]or Francisco de Távora Conde de / Alvor do Cons[elh]o de Estado de Sua Mag[estad]e V[ice] Rey a Cap[it]am G[era]1 da India, com os Mi/nistros da Junta das Missões, o lll[ustríssi]mo Arçebispo (sic) de Goa Primás da India, Dom / M[anu]el de Sousa de Menezes do Cons[elh]o do dito S[e]n[h]or; e o D[out]or Francisco Delgado a Ma/tos Inquisidor Appostolico; e Dom Fernando de Castro, a Ant[óni]o Corte Real de Sam/payo Capitão da Cidade, e o D[out]or Luís Mont[ei]ro da Costa q[ue] serve de v[eedor] ge[ra]1 do Est[ad]o, / e eu Secret[á]r[i]o delle Luís Gonçalves Cotta, a estando todos juntos propoz / o dito S[e]n[h]or Conde V[ice] Rey, que esta Junta das Missões se tinha criado de novo / neste Estado por ordem de Sua Mag[esta]de, como todos sabião, para promover os / Missionários a continuarem com sua obrigação na propagação da fé, a pre/gação da Ley evangélica, a por ella se tinhão expedido várias ordens para / todas as terras deste Oriente, onde havia Christandades, a residião os nossos Mis/sionários, ordenando-lhes q[ue] não dessem obediençia (sic) aos Bispos Françezes (sic), a ma/is clérigos missionários, q[ue] a Congregação da Propaganda tinha mandado / por várias p[a]rtes sem virem pello R[ei]no de Portugal, em grande prejuízo do / direito, a padroado real delle, contra o q[ue] estava disposto por Bullas Apostol/licas que os Summos Pontifiçes (sic) conçederão (sic) aos S[e]n[h]ores Reys do dito Reino, so/bre o direito spiritual das ditas terras p[ar]a mandarem a ellas seus Mission[á]rios / de q[ue] os ditos S[e]n[h]ores Reys estavão de posse immemorial, em q[ue] a dita Congrega/ção da Propaganda os queria perturbar por meyo dos ditos Bispos, a Clérigos / françezes (sic), q[ue] remetia estando este neg[óci]o litigioso na Curia Romana, em q[ue] / ainda se não tinha tomado final detriminação, a q[ue] p[ar]a os ditos Bispos gran/gearem as vontades dos Reis, e Príncepes das ditas terras do Oriente, a os terem / propiçios (sic) para favoreçerem (sic) seus intentos, particularm[en]te aos de Sião, Cochin/china, Camboja, a Tunquim lhes trasião, a offereçião (sic) vários saguates muito / custozos; como elle dito S[enh]or Conde V [ice] Rey tinha por notiçia (sic) çerta (sic), a com estas offer/tas os conservavão os ditos Reys nas suas terras, a favoreçião (sic) em tudo // a de tal man[ei]ra Sião introdusindo a sua jurisdição, q[ue] já do R[ei]no de Cochinchi/na427 tinha vindo o P[adr]e Joseph Candone Relligioso mission[á]r[i]o da Comp[anhi]a de Jesus / q[ue] largara a sua missão por hum dos ditos Bispos the não deixar exercitar o / seu offiçio (sic) de Vigário da Christandade daq[ue]le R[ei]no, a q[ue] delle, a de outras p[a]rtes / tivera cartas de pessoas zellozas do serv[iç]o de Deus, a da jurisdição do Padroa/do Real de Sua Mag[estad]e, em q[ue] the disião, q[ue] seria m[ui]to conveniente mandar por / esta Coroa de Portugal embaix[ad]ores aos ditos Reys com cartas, a saguates / para os persuadirem a q[ue] não consentissem nos seus Reinos os ditos Bispos / e clérigos françezes (sic) a os lançassem fora delles conservando aos Missioná/rios Portuguezes, e feita a dita proposta ordenou o dito S[enh]or Conde V[ice] Rey aos / Ministros da dita Junta q[ue] votassem, o q[ue] entendessem sobre este particular, e / praticando-se, e conferindo-se esta matéria, com toda a attenção, se assentou / uniformemente, q[ue] se mandassem embaixadores, a inviados, aos ditos Reis / com seus saguates, representando-lhes o S[enh]or Conde V[ice] Rey por suas cartas, as / razões, q[ue] havia para favoreçerem (sic), a ajudarem aos Missionários, mandados / pella Coroa de Portugal, a os conservarem nas suas Missões, não permi/tindo, q[ue] fossem molestados, nem perturbados nellas pellos ditos Bispos, a clé/rigos françezes (sic), antes os lançaçem (sic) fora de seus R[ei]nos, a q[ue] no Cons[elh]o da fa/senda se taxaçe (sic) o custo q[ue] poderião fazer os ditos saguates conforme a ca/lidade delles, com o q[ua]1 pareçer (sic) se conformou o dito S[enh]or Conde V[ice] Rey de q[ue] / se fes este assento, q[ue] 426 427 Está escrito na margem esquerda. Cochinchina - nome dado à região abrangida pelo norte do Annam e pelo Tonking (Tonquim). todos assinarão = o Conde de Alvor = Dom M[anu]el / de Sousa de Menezes = Franc[isc]o Delgado de Mattos = Dom Femando de / Castro = Ant[óni]o Corte Real de Sampayo = Luís Mont[ei]ro da Costa = Luís / Gonçalves Cotta. a.) Luís G[onça]1[ve]z Cotta Assento acuzado na Carta N.° 4.°428 [A.H.U., Índia, caixa 58, doc. n.° 96] Copea da Carta que o Conde de Alvor / V[iceJ Rey a Cap(itlam g[elr(all da India escreveo ao / Rey de Sião. Muito alto a poderoso S[enh]or Rey de Sião Eu Francisco de Távora Conde de Alvor do Cons[elh]o de Estado / V[ice] Rey e Cap[it]am G[era]1 da India. Pello Sereníssimo Príncipe Dom Pe/dro meu S[enh]or q[ue] hoje Governa os Reinos a Senhorios de Portu/gal tenho entendido a boa pax, a amizade com que V[ossa] A[lteza] re/colheo em suas terras aos Vassalos do muito alto e po/deroso Príncipe meu S[enh]or que assistem no Reino de Si/ão a porque tão grande merçe (sic)429 não deve ficar sem agra/deçimento (sic) mando a P[edr]o Vaz de Siqueira fidalgo de m[ui]tas / prendas, para que em nome do m[ui]to alto a poderoso Prín/cipe meu S[enh]or possa gratificar a V[ossa] A[lteza] esta beneficençia (sic) re/al, a firmar de novo a pax a Irmandade que sempre / [h]ouve entre estas Coroas. Peço a V[ossa] A[lteza] mande dar inteira fee (sic)430 a crédito ao / Embaixador porque o que elle fizer a assentar manda/rey cumprir pontualmente. E porque tenho notiçia (sic) que os Bispos Francezes per/turbão a pax e quietação com que viverão até agora os / Portuguezes nesse Reino debaixo da 428 429 Está escrito no sobrescrito. Por “mercê”. protecção dos muy al/tos Reis de Sião predecessores de V[ossa] A[lteza] será m[ui]to convenien/te que V[ossa] A[lteza] mande atalhar esta sem rezão a injustiça não / premetindo (sic) que os estrangeiros se introduzão no Bandel431 / dos Portuguezes, nem intentem molestá-los p[o]r via al/guma: Sirva-se V[ossa] A[lteza] de mandar asseitar o saguate432 / que da minha parte the há-de offereçer (sic) o Embaixador / P[edr]o Vaz de Siqueira: M[ui]toalto a poderoso S[enh]or Rey de Sião / Deus guarde a pessoa Real de V[ossa] A[lteza]. Feita em Goa ao prim[ei]ro / de Mayo de 1683. O Conde de Alvor. a.) Luís G[onça]1[ve]z Cotta Cópia de huma Carta escrita pello Conde V [ice] Rey / A El Rey de Sião. Acuzada pella carta N.° 4433 430 Por “fé”. Bandel – porto ou bairro do porto; refere-se a um sítio próximo de um porto habitado por estrangeiros. 432 Saguate – presente, dádiva. 433 Escrito no sobrescrito. 431 [A.H.U., Índia, caixa 58, doc. n.° 97] Copia da Carta que o Conde V(iceJ Rey / e Cap[itlam g(elr(all da India escreveo a P[edrIo / Vaz de Siqueira. Se os sucessos do Governo se [h]ouverem de medir pellos / desejos de acertar pode V[ossa] M[ercê] ter por bem empregada / a minha vinda, porque me não rezolvi a passar a India / com ânimo de esquecer-me das minhas obrigações / e como a Cidade de Macao hé huma das principaes par/tes que compoem este Estado com cuidado particular hei-/de attender a sua consservação (sic) a augmento, mas como / isto não possa ser sem uzar dos meyos proporcionados / ao fim que procuro necessariam[en]te me hei-de valer da / pessoa de V[ossa] M[ercê] de cujas vertudes tenho tão boas notícias / que sempre ficaria com excruplo (sic)434 de fazer para os negóci/os que the encarrego eleição difirente. Huma das couzas que mais ameaça a ruína dessa / Cidade hé a introdução dos francezes com capa de / Missionários nos Reinos de Tunquim Camboja / Cochinchina, e Sião porque além dos dannos que / nos fazem nestas partes hé provável que dellas passem / tãobem logo a China donde farão o que the for possí/vel por divirtir-nos não só o negoçio (sic), mas ainda a co/monicação com aquelle Império com que ficará / a Cidade em tal aperto que sem mais força nem / mais armas chegue a sua última destruição / nestes termos pois emq[uan]to na Europa se não melho/rão as nossas couzas hé preçizo (sic) que já arrepa/remos com tudo aquilo que puder estar na nossa / indústria ou na nossa diligençia (sic) a porque conferida / esta matéria se entendeo que o que por ora mais / convinha era ver se por meyo de negociação com / os Reis da Ázia poderíamos melhorar o nosso / partido, rezolvy para isto mandar Embaixa/dor às quatro partes que deixo referidas escolhendo / a pessoa de V[ossa] M[ercê] para emcarregarlhe o que pertençe (sic) a / Sião a Cochinchina donde espero que o seu zello, o seu // juizo a sua actividade e a sua prudençia (sic) consigão / com filiçidade (sic) tudo aquilo que à nascão 434 Por “escrúpulo”. (sic)435 Portugueza / pode ser útil a decorozo. Bem vejo que terá V[ossa] M[ercê] nesta / jornada algum detrim[en]to mais (sic) quanto creçidos (sic) forem / os embaraços que vençer (sic) tanto mayores serão os ser/viços que fizer à sua pátria a ao seu Príncipe a quem eu / darey muito pontual conta dos merecimentos de V [ossa] M[ercê] / para que elle se sirva de honrá-los com o prêmio a com o / [a]gradecimento. O que toca aos negoçios (sic) que V[ossa] M[ercê] há-de tratar vay ad/vertido na Instrução que the remeto ao Cap[it]am g[era]l e à Ca/mera ordeno tãobem que assistão p[o]r sua parte com / o que for necessário para V[ossa] M[ercê] com effeito partir nesta / monção a levar em sua comp[anhi]a a gente que declaro pa/ga na forma a que lhes aponto. Para Secret[á]r[i]o escolherá V[ossa] M[ercê] a pessoa q[ue] melhor / the pareçer (sic), a do prinçipio (sic) direcção progresso a fim deste / negócio espero avizos de V[ossa] M[ercê] com toda a miudeza. P[ar]a o Rey de Sião p[ar]a o de Camboya436 a p[ar]a o de Cochin/china a seu filho remeto cartas a V[ossa] M[ercê] a quem se fará / também entrega dos saguates437 que mando para se / lhes ofereçerem (sic). Demais destas cartas para os Reis a Príncipe vay / huma para o Barcalao (sic) de Sião por cujo meyo será / possível que V[ossa] M[ercê] melhor se entroduza a tãobem me / pareçe (sic) que para isto mesmo será bom tomar V[ossa] M[ercê] as / notiçias (sic) convenientes com o P[adr]e Manoel Soares Supe/rior da Caza da Comp[anhi]a a com o Cap[it]am mor Fran[cis]co B[a]rr[e]to / de Pinna a com o Proc[urad]or dos auzentes António da Fon/seca. Em Cochimchina438 de mais do P[adr]e M[anu]el F[e]rr[ei]ra tem V[ossa] M[ercê] / também para informarçe (sic)439 a João da Crus q[ue] ainda / que naquele Reino conserva viva a fedelidade / Portugueza a por sua via creo alcancará (sic) V[ossa] M[ercê] o fim / que desejamos de nossas pretenções. 435 Por “nação”. O mesmo que Camboja, reino no extremo sueste do Golfo do Sião. 437 O que se dá em ocasiões festivas ou em sinal de homenagem. 438 O mesmo que Cochinchina, nome dado à região abrangida pelo norte do Annam e pelo Tonking (Tonquim). 439 Por “informar-se”. 436 sua prudençia (sic) consigão / com filiçidade (sic) tudo aquilo que à nascão (sic)440 Portugueza / pode ser útil a decorozo. Bem vejo que terá V[ossa] M[ercê] nesta / jornada algum detrim[en]to mais (sic) quanto creçidos (sic) forem / os embaraços que vençer (sic) tanto mayores serão os ser/viços que fizer à sua pátria a ao seu Príncipe a quem eu / darey muito pontual conta dos merecimentos de V [ossa] M[ercê] / para que elle se sirva de honrá-los com o prêmio a com o / [a]gradecimento. O que toca aos negoçios (sic) que V[ossa] M[ercê] há-de tratar vay ad/vertido na Instrução que the remeto ao Cap[it]am g[era]l e à Ca/mera ordeno tãobem que assistão p[o]r sua parte com / o que for necessário para V[ossa] M[ercê] com effeito partir nesta / monção a levar em sua comp[anhi]a a gente que declaro pa/ga na forma a que lhes aponto. Para Secret[á]r[i]o escolherá V[ossa] M[ercê] a pessoa q[ue] melhor / the pareçer (sic), a do prinçipio (sic) direcção progresso a fim deste / negócio espero avizos de V[ossa] M[ercê] com toda a miudeza. P[ar]a o Rey de Sião p[ar]a o de Camboya441 a p[ar]a o de Cochin/china a seu filho remeto cartas a V[ossa] M[ercê] a quem se fará / também entrega dos saguates442 que mando para se / lhes ofereçerem (sic). Demais destas cartas para os Reis a Príncipe vay / huma para o Barcalao (sic) de Sião por cujo meyo será / possível que V[ossa] M[ercê] melhor se entroduza a tãobem me / pareçe (sic) que para isto mesmo será bom tomar V[ossa] M[ercê] as / notiçias (sic) convenientes com o P[adr]e Manoel Soares Supe/rior da Caza da Comp[anhi]a a com o Cap[it]am mor Fran[cis]co B[a]rr[e]to / de Pinna a com o Proc[urad]or dos auzentes António da Fon/seca. 440 Por “nação”. O mesmo que Camboja, reino no extremo sueste do Golfo do Sião. 442 O que se dá em ocasiões festivas ou em sinal de homenagem. 441 Em Cochimchina443 de mais do P[adr]e M[anu]el F[e]rr[ei]ra tem V[ossa] M[ercê] / também para informarçe (sic)444 a João da Crus q[ue] ainda / que naquele Reino conserva viva a fedelidade / Portugueza a por sua via creo alcancará (sic) V[ossa] M[ercê] o fim / que desejamos de nossas pretenções. Se quando V[ossa] M[ercê] estiver em Sião the for possível p[o]r algum // caminho levar consigo a Amador Coelho de Mel/lo, não perca occazião de o fazer e conseguido o reme/ta-mo de Maccao prezo a esta Cid[ad]e com toda a segu/rança. Todos estes particulares são de summa importançia (sic) / e com os encarregar a V[ossa] M[ercê] ficão bastantissimamente / recomendados com que não tenho mais que dizer-/lhe sobre elles. Vão com esta as listas dos saguates p[ar]a V[ossa] M[ercê] se gover/nar p[o]r ellas a de fora hirá o conhecim[en]to do Caixão em / que vão: Deus g[uar]de a V[ossa] M[ercê] muitos annos. Goa 8 de / Mayo de 1683. O Conde de Alvor. a.) Luís G[onça]1[ve]z Cotta Copea de huma C[a]rta escrita pello Conde V[ice] Rey / a P[edr]o Vas de Siq[uei]ra embaix[ad]or q[ue] foi a Sião. Acusada pella carta N.° 4.° 445 443 O mesmo que Cochinchina, nome dado à região abrangida pelo norte do Annam e pelo Tonking (Tonquim). 444 Por “informar-se”. 445 Está escrito no sobrescrito. [A.H.U., Índia, caixa 58, doc. n.° 98] Copea da Instrução que o Conde V[iceJ Rey a Capitão geral da India / deu ao Embaixador Pedro Vas de Siqueira. Françisco (sic) de Tavora Conde de Alvor do Conselho de Estado de S[ua] A[lteza] V[ice] Rey a Capitão Geral / da India etc. Faço saber a vós P[edr]o Vas de Siqueira fidalgo da Caza do dito S[e]n[h]or a Cavaleiro / professo da ordem de Christo, que pellas boas imformações que me derão de vossa pessoa, a do zello / com q[ue] sempre vos empregastes no serviço de S[ua] A[lteza] sem reparardes no dispêndio de vossa / fazenda, a pellas notiçias (sic) que tendes acquerido (sic)446dos estillos das Cortes dos Reinos de Sião, Co/chinchina, a Camboja por assistirdes de morada de alguns annos a esta parte na Cidade do nome / de Deus de Maccao da China donde ordinariamente vão todos os annos muitos barcos / a contratar nos portos dos ditos Reinos, a pellas mais partes de prudençia (sic) talento, a boa dis/pozição que concorrem em vossa pessoa para todos os negoçios (sic) de mayor importançia (sic) me / pareçeo (sic) nomear-vos por Embaix[ad]or deste Estado da India para hirdes a tratar com os ditos / Reis os negoçios (sic) de que vos encarrego por esta Instrução esperando do vosso zello acti/vidade, a bom modo os concluireis de maneira q[ue] se consiga o serviço de Deos, a de / S[ua] A[lteza], a vos desempenheis da elleição que fiz de vossa pessoa para que tenha muito q[ue] / vos agradeçer (sic). A comissão da vossa embaixada hé para os Reis de Sião, Cochinchina, e Camboja para / os quais vos remeto cartas com seus saguates, a tãobem para o Prinçepe (sic) herdeiro de / Cochinchina, a Barcalão447 de Sião, a antes de fazerdes a vossa viagem conferireis a for/ma delta com o Capitão geral Belchior de Amaral de M[enes]es, a com os officiaes da Camera, / chamando para isso os Pillotos, a pessoas mais práticas para q[ue] com a sua informa/ção a experiençia (sic) se rezolva, a qual dos ditos Reinos hireis primeiro conforme as mon/ções, a distançias (sic) que ficão de huns a outros, para que com aprovação de todos se dirija / a 446 447 Por “adquirido”. O mesmo que Praklang, Ministro dos Negócios Estrangeiros do reino de Sião. viagem com todo o açerto (sic) de maneira que em hum anno se for possível vades aos ditos / três Reinos, a quando haja nisso grande dificuldade por falta das monções, a de não serdes / diffirido com brevidade, vos recolhereis a Maccao de qualquer dos ditos Reinos, com / as re[s]postas que vos derem, e tornareis a voltar no anno seguinte a continuar com a vos/sa Embaixada no Reino, ou Reinos q[ue] vos faltarem até dardes fim aos negoçios (sic) / a que vos mando; a de tudo o que obrardes me dareis conta pellas vias q[ue] se vos offe/reçerem (sic). O Negoçio (sic) prinçipal (sic) a que vos mando hé que façaes entender aos ditos Reis q[ue] o Prinçepe (sic) // de Portugal Dom Pedro nosso S[enh]or hé hum Monarca muito grande da Europa que / domina muitos Reinos, a estados em todas as quatro partes do Mundo: Europa, Affrica, / Azia, a América, a que dezeja ser Irmão em armas com os ditos Reis, a me ordenou quan/do vim para este Governo procurasse m[ui]to a conservassão de sua amizade tendo com elles toda / a boa correspondençia (sic), a que em cumprimento desta ordem vos mando por Embaix[ad]or para / lhes fazerdes prezente a vontade de S[ua] A[lteza], a particularmente rendereis as graças a El / Rey de Sião pello amor que mostra à Nasção (sic) Portugueza, a favores tão geraes q[ue] delle / reçebem (sic) todos os Vassallos do Prinçepe (sic) nosso S[e]n[h]or. Depois de introduzirdes esta prática entre todos os Reis tratareis de lhes pe/dir com todo o empenho lançem (sic) fora de seus Reinos aos Bispos, a Missionários / françezes (sic) que perturbão a inquietão aos nossos Portuguezes, aos quaes devem consservar (sic) / porq[ue] sempre forão fieis Amigos como a experiençia (sic) tem mostrado por discursso (sic) de / tantos annos fazendo-lhes entender que El Rey de França tem suliçitado (sic) que a Com/gregação da Propaganda mande de Roma estes Missionários da Sua Nasção (sic) a q[ue] / elle assiste com os gastos para com este pretexto tomar notícias dos ditos Reinos, e / dos portos delles trato das gentes, a das drogas a mercadorias q[ue] nelles há como trazem por / Instrução os ditos Bispos, e Missionários françezes (sic) para com estas notiçias (sic) vir com suas / Armadas a despojá-los de seus Reinos com que não vêm a ser os ditos Missionários mais / que huns exploradores a vigias delles em cuja consideração devião entrar os ditos Reis, / para não admitirem os ditos Missionários françezes (sic), antes lançá-los logo fora de suas / terras, mas esta diligençia (sic) fareis com todo o segredo a cautella. Quando totalmente não possaes vençer (sic) com os ditos Reis, ou com alguns delles que lançe (sic) / fora de seus Reinos aos ditos Bispos, a Missionários françezes (sic), ao menos lhes pe/direis que os não ajudem, nem favoreção contra os Missionários Portuguezes, nem lhes / diffirão aos requerimentos que fizerem contra elles sobre as matérias da Religião, nem / conssintão (sic) que os ditos Missionários Portuguezes sejão molestados nem aveixados pellos / ditos Bispos, a Missionários Françezes (sic), e espero de vosso juízo, a prudençia (sic) vos hajais com / tanto acordo em todas as matérias que fiquem muy aventejados as da nossa Nasção (sic) / com toda a reputação, e nas cartas que escrevo aos ditos Reis lhes insinuo que vos mando / por Embaixador, e que dêm inteira fee (sic), a crédito a tudo o que lhes propuzerdes de mi/nha parte, a que havere por bom, firme, a valiozo tudo o q[ue] assentardes com elles. Pedireis tãobem aos ditos Reis que dêm premissão (sic) geral para q[ue] os Portuguezes, possão // hir com seus barcos carregados de mercadorias contratar nos seus portos, a q[ue] nelles se / lhes faça toda a boa passagem sem lhes levarem mais direitos dos despachos daquelles / que se custumão levar, a que se lhes não fação forças nem violençias (sic) algumas antes sejão / tratados como amigos, a vassallos do Prinçepe (sic) de Portugal seu Irmão em armas, a se / El Rey de Sião vos pedir faculdade para mandar todos os annos seus barcos a Mac/cao the conçedereis (sic) somente hum barco em cada anno com advertençia (sic) q[ue] a mayor parte / da carga seja de arros q[ue] sempre tem boa venda na dita Cidade, a posto que ao Reino / de Cochinchina vão ordinariamente alguns barcos delle comtudo sou informado q[ue] se lhes / dilatão as licenças para voltarem com que perdem a monção, o[u] arriscão a viagem, a com esta / notiçia (sic) pedireis ao Rey do dito Reino q[ue] ordene se lhes não retardem as ditas liçenças (sic) nem / fação sem rezões nos despachos dos ditos barcos. Tanto que chegardes ao Reino de Sião vos informareis do Capitão Mor Fran[cis]co Bar/reto de Pina do estado das couzas do dito Reino, a the dareis notícia das cartas a saguates / que levaes para El Rey, a Barcalao (sic)448 de Sião a vos ajudareis de sua inteligençia (sic) a présti/mo, a eu the ordeno vos assista em tudo o q[ue] the ordenardes do serviço de S[ua] A[lteza] tocante / a vossa embaixada, a conferireis com elle as matérias q[ue] vos pareçerem (sic) porq[ue] como há / tantos annos assiste no dito Reino saberá dar rezão do que the perguntardes, tãobem / tomareis as informações necessárias do P[adr]e Manoel Soares Superior dos Religiozos da / Companhia de Jesus a quem escrevo, convireis sobre os particulares dos Bispos a Missio/nários françezes (sic), atendendo a tudo o que vos apontar em ordem a se conseguir o intento / da embaixada, a tereis toda a boa correspondençia (sic) com o L[icencia]do Nicolao da Motta Gov[ernad]or / do Bispado de Malaca tomando delle tãobem algumas notiçias (sic), a agradeçendolhe (sic) da / minha parte o bom modo com q[ue] se tem havido na deffenção da jurisdição do Padroado / Real, advirtindo-lhe que continue em conservar o dereito do dito Padroado, a da ju/risdição ordinária q[ue] está a seu cargo pello lugar que ocupa. Porquanto sou informado que o Barcalao (sic) de Sião hé a p[es]s[o]a mais prin/cipal delle, por cuja via se derigem todos os neg[óci]os tocantes ao Governo do dito Reino so/liçitareis (sic) a sua amizade por meyo da Capitão Mor Fran[cis]co Barreto de Pina, a do P[adr]e Su/perior Manoel Soares tendo com elle toda a boa correspondençia (sic) para vos façelitar (sic) / a entrada com El Rey, a quem tendo alcançado audiençia (sic) entregareis pessoalmente / a minha carta, a aprezentareis o saguate que levaes advirtindo que quando fordes / falar-lhe seja com toda authoridade, a compostura q[ue] convem ao lugar de embaix[ad]or // procurando q[ue] se vos faça differente tratamento do que se custuma fazer a outras / pessoas por graves q[ue] sejão, quando vão à prezença del Rey, a q[ue] se não pratiquem com/vosco os estillos que com ellas se uzão, em entrar no palaçio (sic) sem espada, a descalço, pros/trado por terra o q[ue] não conssentireis (sic) de nenhuma maneira escuzando-vos com q[ue] entre / os Reis da Europa não há taes estillos, a os embaix[ad]ores entrão no palaçio (sic) na mesma / forma com q[ue] andão por fora nas prassas, nem a generozidade dos Portuguezes premi/te outra couza. Se vos intertiverem com pretextos de que El Rey vos não pode fallar, a q[ue] entre/gueis a carta, a saguate ao Barcalao (sic), ou a algum outro Ministro o não fareis, antes / instareis em q[ue] quereis falar a El Rey fazendo sobre isso todas as diligençias (sic) possíveis / até virdes se o podeis conseguir dando a entender ao dito Barcalao (sic), e mais Ministros / q[ue] vos não haveis de recolher sem dardes a El 448 Por “Barcalão”. Rey a vossa embaixada, esperando de / sua grandeza vos admita, a ouça, a quando depois de excogitados todos os meyos possí/veis, se vos negue totalmente a entrada, a audiençia (sic) voltareis sem dardes a dita em/baixada, porque menos inconveniente será não consseguirdes (sic) o negoçio (sic) a que hides, / do que consseguilo (sic) com desprezo, e authoridade do lugar do embaixador, a pouco cré/dito da nasção (sic) Portugueza. Admitindo El Rey de Sião a vossa Embaixada, a dando-vos audiençia (sic) / vos havereis nesta função, a nas mais que se offereçerem (sic) com tal explendor, pru/dençia (sic), a bom modo em vissas acções que conçilieis (sic) os animos de todos de maneira que / sejaes reçebido (sic) com grande agrado a geral aplauzo, a tendo concluido o negoçio (sic) a que / hides se el Rey ordenar ao Barcalao (sic) ou a outro qualquer Ministro que respon/da à minha carta, em seu nome advirtireis que levaes ordem por não asseytardes re[s]/posta alguma mais que del Rey em carta serrada (sic), a as[s]inada por elle de seu sinal / com chapa real, porq[ue] os V[ice] Reis da India reprezentão a pessoa real de seus Prin/çepes (sic) que lhes conçedem (sic) todos seus poderes, a que os mais Reis da Azia the escrevem / e respondem às suas cartas, a que quando vim Governar estes Estados me escreverão / muitos dos ditos Reis dando-me os parabens da minha vinda, a de proximo me escre/veo El Rey Gram Mogor449 pedindo-me ajuda a favor p[o]r mar, a terra para conquistar / as terras que the tem usurpado hum seu Vassallo, e se vos quizerem persuadir q[ue] / El Rey não cusutma responder às cartas q[ue] the escrevem, se não nesta forma por via / do Barcalao (sic)450, ou de seus Ministros the direis que não haveis de trazer semelhante // re[s]posta se não firmada por El Rey; a se vo la não quizerem dar não asseitareis ou/tra, a vos vireis sem eila, mostrando descontentamento de se faltar com a urbanid[ad]e / e cortezia devida aos V[ice] Reis da India. Antonio da fonçeca (sic) morador em Sião Proc[urad]or dos auzentes me escreveo várias / cartas sobre os particulares dos Bispos, a Missionários françezes (sic), mostrando-se / muito zelozo do serviço de Sua Alteza, a vos ajudareis do seu préstimo naquillo que / se offereçer (sic) entre o mais que me escreveo foi que faleçendo (sic) hum Diogo da Motta / deixara declarado em seu testamento que devia 449 450 Grão Mogor – Imperador Mogor. Por “Barcalão”. à Cidade de Maccao quinhentos / ticaes451 q[ue] mandava se the pagassem advirtindo-me q[ue] mandasse p[as]sar provizão para / se entregar este dinheiro aos feitores do dito Rey por conta do que the estava deven/do a dita Cidade, a nesta conformidade, mandey passar a dita provizão que the remeteo / e tereis cuidado de aplicar a execução della; para q[ue] com effeito se entregue o dito d[inhei]ro / aos feitores d'el Rey a quem fareis prez[en]te esta diligençia (sic) que mandey fazer, a as re/comendaçoens que tenho por repetidas vezes à Camera de Maccao para se desempenhar desta / dívida sem faltar de minha parte em procurar suas coveniençias (sic). Dezejo muito tirar de Sião a Amador Coelho que esqueçido (sic) do sangue q[ue] tem Por/tuguez se tem feito françez (sic), servindo de notário dos Bispos françezes (sic), fazendo de / sua pane todas as dilig[enci]as a notificações que se offereçem (sic) contra os nossos Missionários em / prejuizo da regalia, a padroado Real de S[ua] A[lteza], a por ser naturalmente inquieto, a re /voltozo tem dado grandes moléstias ao Capitão Mor, a aos nossos Missionários, a como hé / tão prejudiçial (sic) já o Gov[ernad]or meu anteçessor (sic) tinha ordenado q[ue] se acazo se embarcaçe (sic) para / Maccao donde hé natural se lancaçe (sic) mão delle, a fosse remetido prezo a esta Cidade, a assy[m] / vos emcomendo que façaes toda a diligencia possivel por verdes se o podeis tirar de / Sião, a levá-lo em vossa companhia para Maccao, com algum pretexto fazendo-vos / desentendido de seus proçedimentos (sic), a depois que estiver em Maccao executará o Ca/pitão Geral a ordem q[ue] the tenho dado sobre este particular remetendo prezo a esta Cid[ad]e, / com o que terão os nossos Missionários este inimigo menos no dito Reino. Quando estiverdes em Sião tomareis notiçia (sic) do estado em q[ue] se acha o Reino de Cam/boja que me dizem está dividido entre dous Reis hum q[ue] assiste na praya do mar, a outro / nos matos fazendo guerra entre sy sobre a suçessão (sic) do dito Reino, a que hum delles hé / favorecido del Rey de Sião que the mandou seus socorros, e estando ainda o dito Reino // dividido a em guerra vos não arriscareis em hirdes a elle, porém se estiver suçegado (sic), a bem / reçebido (sic) de todos o Rey que o Governar hireis ao dito Reino, a entregareis a EI Rey / a carta a saguate que vay para elle, tomando por medianeiro a El Rey de Sião a q[ue]m / 451 Tical – corresponde a 540 réis do antigo sistema monetário português. pedireis a carta de recomendação para o de Camboja, a tanto q[ue] chegardes ao dito Reino acha/reis nelle ao Capitão Mor dos Portuguezes Fran[cis]co Rangel das Neves a quem escrevo q[ue] / vos assista em tudo o que the ordenardes do serviço de S[ua] A[lteza] tocante a vossa embai/xada, e vos ajudareis de sua inteligençia (sic), a préstimo tomando delle todas as notiçias (sic), e / informações que vos forem neçessarias (sic). Passando ao Reino de Cochinchina entregareis a El Rey, a ao Prinçepe (sic) herd[ei]ro / seu filho as cartas a saguates que vão para elles, tomando primeiro notiçia (sic) das couzas / do dito Reino de João da Cruz natural da Cidade de Maccao, a de seu filho Clemente / da Cruz que são Mandarins de El Rey, a tãobem vos informareis do Padre M[anu]el / Ferreira da Companhia de Jesus que se deixou ficar no dito Reino quando veyo o P[adr]e / Joseph Candone seu companheiro, a conforme a carta que me escreveo o dito João da Cruz / tenho entendido seu bom ânimo Portuguez, e o zello que tem do serviço de S[ua] A[lteza] dan/do-me particulares notícias de tudo o que tem havido entre os Bispos a Missionários / françezes (sic), a os nossos Religiozos, a me tem significado o dito P[adr]e Joseph Candone o gran/de préstimo que tem o dito João da Cruz, e a entrada que elle, a seu filho tem com El Rey, / e o Prinçepe (sic) herdeiro que the conçederão (sic) liçença (sic) para fundar huma Igreja na sua Corte / onde se çelebrão (sic) os offiçios (sic) Divinos com toda a solemnidade, a que muitas vezes vão / à dita Igreja o Prinçepe (sic), a as Prinçezas (sic), a as suas Damas, mostrando grande inclinação / à nasção (sic) Portugueza, a tendo eu Consideração aos mereçim[en]tos e serviços do dito João da / Cruz, the mando nesta ocazião patente de Capitão Mor dos Portuguezes que forem / aos portos do dito Reino. De todos os ajustamentos que fizerdes com os ditos Reis podereis firmar todos os papeis ne/çessarios (sic) porque para isso vos dou meu poder a comissão a de todas as partes onde vos / achardes me dareis conta pellas vias q[ue] se vos offereçerem (sic) de tudo o q[ue] tiverdes obrado, e / fordes obrando, a sucedendo o que Deos não permita que faleçaes na viagem, ou em / algum dos ditos Reinos entregareis todos os papeis da vossa embaixada ao Secretário / della, a em falta delle a qualquer dos ditos Capitães Mores, para que tenhão cuidado de // moa remeter serrados (sic) a mutrados (sic) por vias deixando ficar sempre huma copea em seu / poder, para eu ter inteira notiçia (sic) do estado dos ditos negoçios (sic), a do que nelles se tenha obra/do para conforme a isso dispor o que for mais conveniente. Goa 12 de Mayo de 1683. / O Conde de Alvor. a.) Luís G[onça]l[ve]z Cotta Copea da Instruccão (sic) q[ue] o Conde V[ice] Rey deo / ao Embaix[ad]or P[edr]o Vas de Siq[uei]ra. Acusada pella carta N.° 4.° 452 452 Está escrito no sobrescrito. [A.H.U., Índia, caixa 58, doc. n.° 99] Copea (sic) da Carta q fuel o Conde V[ice] Rey a Cap[ita]m g[era]l da India / escreveo ao Barcalao (sic) de Sião. Como chegassem ao Princepe de Portugal meu S[e]n[h]or as notícias dos repetidos favores / q[ue] seus Vassalos recebião do sereníssimo Rey de Sião, a tivece p[or] justo agrade/çer-lhe (sic) este seu ânimo me encomendou mui particularmente q[ue] logo q[ue] chegasse / a India a este fim mandasse Embaix[ad]or a esse Reino, em observância desta / ordem me pareçeo (sic) despachar a P[edr]o Vas de Siqueira fidalgo de grandes vertudes / e calid[ad]e o qual escarregado deste neg[óci]o há de também propror outros a El Rey / de utilid[ad]e commua a ambas as Monarchias, a em todas espero q[ue] V[ossa] S[enhori]a como / tão grande p[esso]a nessa de Sião ajude ao Embaix[ad]or em tudo o q[ue] depender do seu amparo / para q[ue] assy se conssiga (sic) com felecidade o q[ue] leva a sua conta, a elle entregará a V[ossa] S[enhori]a / hum saguate q[ue] the offereço, a fico com muy verdadeiro ânimo para the grati/ficar sempre aquilo de q[ue] the for devedor em ordem ao serv[iç]o do Sereníssimo Prin/cepe de Portugal meu S[e]n[h]or, Deus alumie a V[ossa] S[enhori]a em Sua divina graça. / Goa 13 de Mayo de 1683. O Conde de Alvor. a.) Luís G[onça]l[ve]z Cotta Cópia de huma Carta que o Conde V [ice] Rey escreveo / ao Barcalão de Sião prim[ei]ro Ministro daquel/le Reino. Acuzada p[el]la carta N.° 4.° 453 453 Está escrito no sobrescrito. [A.H.U., Índia, caixa 60, doc. n.° 74] Copea (sic) do assento que se tomou no Conselho do Estado da India / sobre se devia o S[e]n[h]or Conde V[ice] Rey dar audiençia (sic) ou não aos três / Embaixadores del Rey de Sião. Em sesta-feira pella menham seis de Abril de 685. na quinta de Panelim des/tricto da Cidade de Goa, aonde rezide o Ex[celentíssi]mo S[e]n[h]or Françisco (sic) de Távora Conde de Al/vor do Conselho de Estado de Sua Mag[estad]e V[ice] Rey e Capitão Geral da India, forão convocados / os Conselheiros do Estado della, o D[out]or Françisco (sic) Delgado a Mattos veedor geral da faz[end]a, / Dom Miguel de Almeida general das terras de Salçete (sic) que serve de Capitão da dita / Cidade, a Lopo Al[vane]z de Moura Inquizidor Appostólico, a sendo todos juntos propoz / o dito S[e]n[h]or Conde V[ice] Rey, que o P[adr]e Frey Estêvão de Souza Rellegiozo de Santo Agustinho / conductor dos Embaix[ad]ores del Rey de Sião, dissera a mym Secretário do Estado Luís G[onça]l[ve]z Cotta, / que os ditos Embaix[ad]ores não trazião carta do dito Rey para o dito S[e]n[h]or, mais que huma do Bar/calão Gov[ernad]or do dito Reino com hum saguate em nome do dito Rey para o dito S[e]n[h]or, a outro que / elle mandava, a que a carta que trazia do dito Rey com outro saguate era para S[ua] M[a]g[esta]de / que Deos guarde, a que nestes termos visse o Conselho se seria conveniente dar audien/çia (sic) aos ditos Embaix[ad]ores na Salla Real, a admiti-los à Sua prezença, não trazendo para elle car/ta del Rey, sendo que todos os Reis da Azia, e ainda os da Europa, custumavão escrever / aos V[ice] Reis da India, a q[ue] sendo El Rey Mogor tão poderozo a S[e]n[h]or de tantos Reinos the / escrevera duas cartas por Seu Embaix[ad]or Xeque Mamede q[ue] mandara duas vezes a esta / Cidade, a que fazia este reparo, para q[ue] o Conçelho (sic) the desse seu pareçer (sic) para se poder de/triminar neste negoçio (sic), a sendo ouvida a dita proposta votarão os Conselheiros uniforme/mente, que visto os ditos Embaix[ad]ores não trazerem carta del Rey para o dito S[enh]or Conde V[ice] Rey, / lhes não devia dar audiençia (sic), pois o dito S[enh]or reprezentava neste Estado a p[es]s[o]a de S[ua] M[a]g[esta]de / e pella authoridade, a preheminençia (sic) do seu lugar não era conveniente que sem carta / del Rey admitisse os ditos Embaix[ad]ores a sua prezença, porq[uan]to elles não vinhão dirigidos im/mediatam[en]te ao dito S[enh]or; mas a esperar nesta Cidade a monção das naos para o R[ei]no para / se embarcarem nellas, a darem a sua Embaixada a Sua Mag[esta]de, a que somente os fossem / buscar a bordo do seu navio com o aparato possível de Ballões454, a levados às cazas q[ue] lhes / estavão preparadas em Pangim, e emq[uan]to aqui se detivessem fossem tratados com toda a ur/banidade, a cortezia, a se lhes assistiçe (sic) com o gasto de sua meza por conta da fazenda real, / porquanto o dito Rey mandara fazer o mesmo ao nosso Embaix[ad]or Pedro Vas de Siqueira, / e que a carta da Barcalão, a saguates q[ue] trazia entregarião os ditos Embaixadores na // forma// que pareçesse (sic) mais decorosa, com o qual pareçer (sic) se conformou o dito S[enh]or Conde / V[ice] Rey, de que tudo se fez este assento q[ue] as[s]inarão; a eu o Secret[á]r[i]o Luís G[onça]l[ve]z Cotta o fiz / escrever = O Conde de Alvor = Françisco (sic) Delgado a Mattos, Dom Miguel de Alm[ei]da / Lopo Al[vare]z de Moura. a.) Luís G[onça]l[ve]z Cotta Assento acuzado na Carta N.° 4 455 454 455 Balão – pequena e leigeira embarcação de remos. Escrito no sobrescrito. [A.H.U., Índia, caixa 60, doc. n.° 75] Copea (sic) do assento que se tomou no Conselho do Estado da India sobre / a declaração que fizerão os três Embaix[ad]ores del Rey de Sião de q[ue] a carta que trouxera daquelle R[ei]no o Embaix[ad]or P[edr]o has de Siqueira era do dito Rey Em quinta-feira a tarde 26 de Abril de 685. na quinta de Panelim destricto da / Cidade de Goa, aonde rezide o Ex[celentíssi]mo S[enh]or Françisco (sic) de Távora Conde de Alvor do Conselho / d'Estado de S[ua] Mag[esta]de V[ice] Rey a Capitão Geral da India, forão convocados os Conselheiros do Es/tado della, o D[out]or Françisco (sic) Delgado a Mattos veedor geral da faz[end]a, Dom Miguel de / Almeida general das terras de Salçete (sic) que serve de Capitão da dita Cidade, a Lopo Al[vare]z de / Moura Inq[uisid]or Appostólico, a sendo todos juntos propoz o dito S[enh]or Conde V[ice] Rey, que na ocazião em / que mandara a Pedro Vas de Siqueira por Embaix[ad]or a EI Rey de Sião the escrevera por / elle, a remetera seu saguate, a que quando o dito Embaix[ad]or voltara daquelle R[ei]no, se the / dera huma carta dizendolhe que era del Rey em re[s]posta da delle dito S[e]n[h]or Conde V[ice] Rey, a q[ua]l / the remetera de Maccao o dito Embaix[ad]or, a sendo vista se achara q[ue] não era del Rey, a se en/tendia ser escrita pello seu valido Constantino Falcão grego de nasção (sic), e Mandarim mayor / do seu Reino por assy o dar a entender a lingoagem em todo della, fallando algumas vezes por / EI Rey meu S[enh]or, a que por este fundamento se tomara assento em outro Conselho q[ue] não / fossem admetidos a audiençia (sic) pública os Embaix[ad]ores do dito Rey que vinhão mandados por / elle a esperar nesta Cidade a monção das embarcações para o R[ei]no para darem a sua Embaix/ada, a El Rey nosso S[enh]or, a que sendo perguntados se trazião alguma carta del Rey para / o dito S[enh]or Conde V [ice] Rey, responderão que somente the trazião carta do Barcalão daquelle R[ei]no / com hum saguate da parte del Rey, a outro do dito Barcalão, a que por o P[adr]e Frey Estêvão de / Souza Relligiozo de Santo Agustinho que veo de Sião por conductor dos ditos Embaix[ad]ores / afirmar que a carta que trouxera o Embaix[ad]or Pedro Vas de Siqueira era del Rey, lha / mandara o dito S[enh]or Conde V[ice] Rey mostrar por mym Secretário do Estado Luís G[onça]l[ve]z Cotta, a que / vendo-a elle afirmara que era del Rey por estar chapada com huma chapa456, com que se cus/tumavão chapar as cartas reaes, a que assy o declararião os ditos Embaix[ad]ores sendo neçessa[a]r[i]o (sic); / com q[ue] o dito S[e]n[h]or Conde V[ice] Rey ordenou q[ue] fizeçem (sic) disso sua declaração por papel, a qual / fizerão em lingoa sioa457, a sendo tradusida por dous lingoas458 dos ditos Embaixadores / Thomas Roiz de Souza, a Salvador do Rozário disserão na dita traducção q[ue] era / del Rey, a que por o dito S[enh]or ter sospeita na dita traducção mandara traduzir o dito / papel segunda vez por Françisco (sic) da Cunha Barreto file de Françisco (sic) Barreto / de Pina Capitão Mor que fora do Bandel de Sião, que entendia muito bem a lin//goa sioa, o qual na sua traducção não concordara, com a dos outros línguas459, porq[ue] dissera / que a dita carta mostrava ser escrita por ordem del Rey, com q[ue] elle dito S[e]n[h]or Conde V[ice] Rey / ficou desenganado que não era de el Rey, a q[ue] visse o Conselho o que the pareçia (sic) neste ca/zo, a se sem embargo de se ter assentado q[ue] se não desse audiençia (sic) ditos Embaix[ad]ores, pello mo/tivo q[ue] se tinha tomado de não ser a dita carta del Rey, se ficava lugar de se alterar o dito / assento, a admitir os Embaix[ad]ores, e praticando-se sobre a matéria, a tornando-se a ler no Conselho / a mesma carta, se assentou de novo q[ue] se guardasse o assento tomado, porque não havia matéria / para se alterar, ainda q[ue] se diçesse (sic) que a carta fora escrita por ordem del Rey, com o qual pa/reçer (sic) se conformou o dito S[enh]or Conde V[ice] Rey de que se fez este assento q[ue] todos assinarão = O Con/de de Alvor = Françisco (sic) Delgado a Mattos = Dom Miguel de Almeida = Lopo / Al[vare]z de Moura. a.) Luís G[onça]l[ve]z Cotta 456 Chapa – selo, chancela, provisão. Por “siamesa”. 458 Por “línguas”. 459 Tradutores. 457 [Jesuítas na Ásia, Cód. 49-V-19, fl. 576] Instruçoens pera o Embaixador / De França em Portugal [1685] Senhor, Pello último correio tenho recebido ordem / de França de dar parte a V [ossa] Magestade da rezoluçam que / tomou o Rey Meu Senhor de mandar por mar hum Em/baixador ao Emperador de Siam pera comresponder as / cortezias e primores deste Principe e servindo-se desta / occazião fara embarcar na mesma Nao da (sic) guerra quatro / Jezuitas Francezes com dous Companheiros pera passar de Si/am por Macao na China a commissão destes quatro / Religiozos há de observar na sua der[r]ota, por mar, e por / terra os comprimentos dos principaes Lugares, as declina/çoens as variaçoens de agulha, e hé do que pode servir / a retificar e [a]perfeiçoar as nossas cartas, a nossa navegação / e fazer no Oriente, e na China huma exacta pesquiza / de toda laya de livros curiozos polla Livraria do Rey / Meu Senhor. Tenho também ordem de dizer a V [ossa] / Mag[estad]e que tem preceito pres[s]izo de guardar boa corres/pondencia com Nossos Sugeitos em todo o lugar se acha/rem com elles, de ter pollos Prellados Portuguezes todo res/peito, e lhes dar toda obediencia divida, e nas occazioens / concorrer com os Portuguezes pera manter e concervar / os interesses do Reino de Portugal assi[m] Eccleziasticos, como / Secculares. O Rey meu Senhor tãobem não duvi/da que V [ossa] Mag[estad]e dezeja que os seus suditos (sic) no Oriente / dê a estes bons Religiozos todo socorro e ajuda de que / poderião necessitar por comprir com sua viagem / e commissão, e porque deste dezejo possão ser informados / o Rey meu Senhor me ordenou de pedir, como pesso / a V[ossa] Mag[estad]e com respeito, e confiança hum passaporte / por este[s] quatro Religiozos, e seus dous companheiros / na forma a nais (sic)460 o ...la a favoravel que se puder, / a nao que há de levar a Siam o Embaixador de França / e os Padres Jesuítas partirá infalivelmente antes do fim / de Março; Suplico muito humildemente Vossa Mag[estad]e // Vossa Magestade queira ordenar que a expediçam do / passaporte seja pronpto seja pronpto (sic) a logo me faça / entregue delle. EMBAIXADA DE MACAU AO JAPÃO (1985): [Jesuítas na Ásia, Cód. 49/V/19, fl. 576 v.] Rellação da Viagem que / os Portuguezes de Macao fizerão em Jappão / no anno de 1685. Ainda que nestes annos próximos forão grandes as dili/gencias que se fizerão para procurar a entrada em Japão, / com tudo nenhuma dellas teve effeito, nem se achava meyo / para poder hir a Japão, sem evidente risco, porem neste anno / de 1685 nos offereceo a Divina Providencia, o meyo mais / proporcionado e fácil que podíamos dezejar para tentar / a entrada em Jappão, a restauração de commercio antigo / dos Portuguezes a finalmente o caminho franco para / os operários Evangélicos, hirem trabalhar naquella vinha / do Senhor, já quasi totalmente ar[r]uinada com a força / das perseguiçoens. Foy este meyo hum sucesso tão prodi/gioso, que não há memoria [h]aver sucedido outro seme/lhante depois que Macao hé Macao, a assim todos o tiverão / por dispozição altíssima da Divina Providência que queria / por aquelle meyo restaurar a Christandade de Jappão, e foy / de maneira seguinte. Em os 5 do mez de Fevereiro deste mesmo anno / de 85 dia dos Santos Mártires de Jappão navegando doze461 / 12 Jappoens em hum navio pequeno, a que elles chamão Funé / pella costa de Jappão, da Corte Yendo para a Cidade de Ypó / que era a sua terra the sobreveyo hum[a] tempestade de vento / norte tão furiozo, que nam podendo rezistir a força do vento / e as ondas do mar, se recolherão dentro da embarcação deix/ando-a hir por onde a tempestade a levava, com que vierão / perder 460 461 Por "mais", a que se segue uma palavra ilegível. Riscada a palavra "doze". vista de terra, a não sabendo para onde ficava Jap/pão se deixarão hir para onde o vento os levasse, assim / andarão trinta a tres dias pello mar sem avistarem terra / alguma, que todos tiverão por grande maravilha por // maravilha porque sendo este mar da China a Japão / todo cheo de Ilhas, parece não podião humanamente deixar / de avistar alguma mayor mento não governando elle / o navio mas deixando-o a descrição do vento; porém como / a Divina Providência os governava o dispunha assim porque / queria trazê-los a Macao a assim foi porque a primeira terra / que avistarão forão as Ilhas de Macao, a sendo assim que os mais / destes Pilotos por cauza de muitas Ilhas que há antes de the/gar a Macao errão muita vezes o caminho, a vão parar / em outras partes da China comtudo estes Jappoens, sem piloto / nem quem os encaminhasse vierão a parar em huma Ilha / junto a Macao a qual chamão Oitem; a sendo vistos por al/guns Chinas de Macao veyo logo nova à Cidade que esta/vão ali doze Japoens em huma embarcação que vinhão des/garrados de Jappão, chegou esta nova aos 10 de Março / e logo sem mais dilação forão alguns Cidadoens dos mais / nobres em hum ballão a buscá-los, a falando-lhe[s] por acenos / os convidavão a que viessem com elles para a Cidade; os Japoens pella necessidade que se vião de sustento, vierão com os Portu/guezes / não fizerão os Japoens defficuldade em vir, e assim / ficando no navio alguns, vierão os mais com os Portuguezes / para Macao; ajuntou-se logo a Cidade, e toda a nobreza, em / as cazas da Camera, foi notavel o gosto e alegria com que / os recceberão mostrando-lhe[s] todos os sinaes da benevo/lência e não achando quem soubesse a língua Japoa / mandarão ao nosso Collegio a dar parte do sucesso ao Padre / Vizitador, e juntamente saber se haviria (sic) algum que / soubesse falar com os Japoens, mandarão os Superiores ao / Padre Bartholameu da Costa que tinha aprendido alguma / couza porém não pôde por então saber couza certa dos / Jappoens por estar esquecido da Língua. Ao outro dia mandou a nobre Cidade / recolher o navio dentro da Barra e mandou / dar cazas e tudo o necessário aos Japoens (ficando elles muito / admirados de ver a grande benevolência com que erão recebidos / em terra e muito mais quando depois achando-se / huma velha Japoa, que tinha vindo desterrada de Japão, / e ainda concervava a sua Língoa por meyo della souberão // souberão que estavão em terra de Portuguezes) passados al/guns dias se achou huma molher velha Japoa, que tinha / vindo desterrada, e sabia fallar a lingoa Japoa, e esta / molher foi quem servio de intérprete a lingoa. Pasmavão / os Jappoens de ver a grande benevolência com que os tratavão / os Portuguezes / e assim por meyo desta molher se soube / dos Japoens o que fica dito de sua vinda a Macao. E logo / muito[s] dos Cidadoens os forão convidando para em suas / cazas tratando-os com todo o regalo, e mostrando-Ihes os / querião meter nos coraçoens hião assim mesmo as Igrejas / em os dias do concurso fazendo sempre grande reverência / aos altares, a também assistião algumas preparaçoens, ain/da que as não entendião. Quarta feira Santa vierão / a Igreja do nosso Collegio, em tempo em que os Muzicos esta/vão cantando o officio das trevas (e gostarão muito de ouvir / cantar ao nosso modo) vierão assi[m] mesmo a nossa Igreja / e gostarão muito da nossa muzica, orgão, harpa e mais / instrumentos. Em hum dia os convidarão os Padres Superiores / para virem gentar (sic) em o Collegio, vierão e forão muito bem / tratados dando-se-lhe[s] o gentar (sic) em huma sala alcatifada / ao seu modo; a todo o mais tambem ao462 costume de Japão / de que elles ficarão muito satisfeitos, e contentes. O Padre / Antonio Thomaz the[s] deu hum vidro triangular, e hum / cano colo e elles aceitarão, e agradecerão a dada, a qual era / para elles de muita admiração, e estima. Porém do que mais / pasmarão era de ver a grande benevolência e cordeal amor / que os Portuguezes the[s] mostravão sendo assim que sabião muito / que elles forão mortos e desterrados de Jappão com grande / crueldade, porém a isto the[s] foy respondido, que esta era a obri/gação da Ley Christaã amar e fazer bem aos inimigos; além / de que o Rey de Portugal tinha mandado em os seus portos, / que se se oferecesse occasião tratassem sempre bem aos / súbditos do Emperador de Jappão, e esta re[s]posta lhes cauzava / ainda maior espanto, e tudo quanto lhes acudia apontava[m] / em hum livro, que para isso tinhão. Era neste tempo grande o fervor que todos os Cidadoens // de Macao tinhão da Restauração da Igreja julgando, que / este tão singular e prodigiozo sucesso era disposição particular / da Providência Divina, que por este meyo queria restaurar / Sua Santa Fé em Japão. E para porem em execução o que / todos dezejavão determinarão os Senhores do governo ajuntar / hum conselho universal de todos os Cidadoens, e o dia determi/nado para este conselho foi o de 4 de Abril deste mesmo an/no. Junto o conselho leo o Escrivão da Nobre Cidade a todos / os Prezentes a proposta seguinte. Em o qual dia se ajuntarão todos na caza / da Camera com o Capitão geral, e com o governador do Bispado. Proposta Tendo o escrivão lido esta proposta em o conselho, todos / assentarão que era conveniente ao Serviço de Deos e de Sua / Alteza, que aquelles Japoens se tomassem a enviar a Japão / porque com este obzéquio (se moveria o coração do Empera/dor Portuguez com o Piloto mais gente Portugueza)463 / digo se moveria o coração do Emperador de Japão, a conceder / o commércio aos Portuguezes e concedido elle seria fácil entrar / a Fé, mas porque a sua embarcação era pequena a incapaz / de rezistir as grandes tempestades do mar, e elles não sabião o ca/minho se assentou em o conselho que se mandasse a Jappão / hum navio Portuguez com Piloto, a mais gente Portugueza / porque além de não ser possível de certo modo farião com esta / fineza muito mais obrigados os Jappoens aos Portuguezes de / Macao; porém aqui se offerecião duas grandes difficuldades / que vencer a 1ª era que a Cidade pellas calamidades passadas / estavão tão atenuada (sic) que não havia dinheiro para os gastos desta / viagem e aprestos necessários, a esta difficuldade acodio a Com/panhia com [o] Senhor Pedro Vaz de Siqueira offerecendo com / o mais dois mercadores ricos offerecendo todos de darem / tudo o necessário para os gastos da viagem a aparelho do na/vio ficando à conta da Cidade determinar as pessoas / que [h]avião de hir a esta empreza. Aceitarão todos os / do conselho // os do conselho aquella offerta com grande agradecimento / e logo tratarão de verem como se havia de vencer a segunda / difficuldade a qual era muito maior. Não havia naquelle tempo no porto de Ma/cao nenhum navio mais que hum do Senhor P[edr]o Vaz de Si/queira, que se estava aprestando para partir para Mani/la, e não podia deixar de fazer aquella viagem, sem grande / danno desta 462 463 Entrelinhada a palavra "ao". As palavras entre estes parêntesis curvos foram riscadas pelo próprio escrevente. Cidade, a qual se sustenta em grande parte da / viagem de Manila, (e assim forão outra ves chamados / todos a conselho para determinarem, o que se [h]avia de obrar) / (pello que determinarão todos os do conselho que) havia / porém não longe do Porto hum navio Holandez que / era de hum china mercador, o qual havia pouco tempo o que/ria vender aos Portuguezes, a assim determinarão todos / os do conselho que se comprasse aquelle navio para a viagem / de Japão. Porém como dizião já que o dono o não queria vender, / mas queria fazer viagem para Manila, por voto de todos / se assentou em conselho que o tomassem por força de ar/mas, pois este tinha dado cauza bastante para isso atravessando / as fazendas que os mercadores China (sic) [h]avião de trazer a Macao / faltando elles a palavra que tinhão dado aos Portuguezes, além / de que [h]avia vehementes sospeitas que por induzão do dono / deste navio tinhão fugido de Macao 30 escravos os quaes / queria levar a Manila para lá os vender; pello que com or/dem de todo o conselho, a do Capitam geral, sahio o Piloto / e Capitão João Baptista em o navio Sam Paulo com a sol/dadesca, a armas necessárias, a disparando a artilharia / fes render por força de armas ao navio, ao qual deffendia / algumas outras embarcaçoens de Chinas, e finalmente / voltou com a preza para a Cidade. Porém deste sucesso, se hia originando a ruína / total desta Cidade de Macao, se Deos não acudira com o remé/dio; (porque forão logo as novas desta guerra a Cantão aos / Mandarins Chinas acrescentando-lhe muitas outras falsi/dades) porque os Chinas para de (sic)464 vingarem forão a Cantão / dar novas em como os Portuguezes the tinhão feito aquella / força; acrescentando, que tínhamos tomado armas contra // contra o Emperador da China, degolado todos os Chinas que / moram em Macao, a que hião com exército, entrando pellas / terras de Império, senhoreando-nos de tudo, que cauzou esta / nova grande abalo na Cidade de Cantão, a logo de alguns / Mandarins grandes forão recorrer a[o] V [ice] Rey de Cantão, / que mandasse gente de armas para reprimir a fúria dos / Portuguezes a para pôr cerco a Macao. Porém o V [ice] Rey jul/gou que era necessário o mais devagar neste negócio a que / queria primeiro informar-se do que os Portuguezes tinhão / feito, com que chegando depois a noticia verdadeira ficou / a couza mais quieto; porém os 464 Por "se". Mandarins da alfândega / que têm poder absoluto sobre as fazendas, sentidos de que / os Portuguezes the tirassem o grande lucro que esperavão / ter daquelle barco, mandarão logo a todos os mercadores / Chinas que nenhum trouxesse fazenda a Macao aquellas / que já vinha no caminho para o barco S. Paulo; porque / havia de hir a Manila se recolhesse outra vez a Cantam / com que ficou totalmente impossibilitada a viagem deste / barco a (sic) Manila; e na verdade que parece tudo foi singular / Providência de Deos pera que se executasse a viagem de / Jappão. O que vendo o Senhor Pedro Vaz de Siqueira, e con/sidirando juntamente que não era conviniente que o barco / que se tinha nomeado fosse a Jappão por não irritar mais / os Mandarins da alfândega offerec[e]o de boa vontade ao / conselho da Cidade o seu navio S. Paulo para Japão, tomando / elle sobre si as três partes dos gastos que os marinheiros a Pilotos / havião de fazer ficando a quarta parte a conta do Padre Pro/curador desta Província de Jappão. Aceitarão os da Cidade / esta segunda offerta com mostras de maior agradecimento / e tratarão logo de escolher as pessoas que havião de hir a Japão/ para o que chamarão novamente a conselho todos os nobres/ em 17 de Mayo (...). DOCUMENTOS REFERENTES A D. CATARINA DE NORONHA (E A SEU MARIDO, FRANCISCO VIEIRA DE FIGUEIREDO E SEU SOBRINHO, ANTÓNIO SIQUEIRA DE NORONHA): [Jesuítas na Ásia, Cód. 49/IV/66, fl. 91] Titulo da fundação de hum Coll[égi]o que / deixou o S[enho]r Franc[isc]o Vieyra de Fig[uei]r[e]do Em Outubro, ou Novembro de 1679 se acabarão as contas des/ta Prov[ínci]a co[m] D. Catharina de Noronha como consta pello ajusta[men]to delias / e mais papeis q[ue] estão na Proc[rocu]r[adori]a e como a Prov[ínci]a ficou a dever à sobred[it]a / senhora dezas[s]ete mil, e quinhentos pardaos, p[ar]a satisfação desta dívida, des/contey dezas[s]eis mil pardaos na fundação de hum Coll[egi]o q[ue] o S[enho]r Francisco / Vieyra de Figuerado (sic) tinha deixado a esta Prov[ínci]a e o recebi por fundador / delle, e a mesma S[e]n[ho]ra D. Catharina de Noronha; porq[ue] acres[c]ento-a / à fundação q[ue] tinha deixado o seu marido de 12 mil pardaos, mais 4 / mil pardaos co[m] q[ue] se prefizerão dezas[s]eis mil. Esta fundação já es/tava aceita por N[oss]o M[uito] R[everendo] P[adre] como consta por suas cartas, mas não se / tinha dado a execução por falta da clareza q[ue] hia nas contas, e dúvidas / grandes, de q[ue] hoje esta Prov[ínci]a está livre. Advirto pore[m] q[ue] a Província / não receveo de prezente nada à conta desta fundação, nem co[m] este título / receitou couza alguma os annos passados mas porq[ue] a prov[ínci]a era obri/gada a pagar à Senhora D. Catharina de Noronha os 15 mil pardaos / sobreditos, e ella os applicou a fundação agora fica obrigada a pagá-/los ao Coll[égi]o q[ue] nosso M[uito] R[everendo] P[adre] mandar fundar nesta Prov[ínci]a por / intenção dos sobreditos Senhores; a por tudo assim passar na verd[ad]e / fiz aqui este assento e me assiney Coll° 27 de Julho de 1680. a.) Sebastião de Alm[ei]da Consta do L[ivr]o da Lemb[ran]ça da Prov[ínci]a a fl. 62 da d[it]a fundação / q[ue] a Prov[ínci]a teve Consta da fol[ha] da conta do Norte acabada em 9 de / Junho de 1736 assinada pello Fr[ei] Miguel de Payva Proc[urad]or do Norte / q[ue] tinha a Província dado = Aldea Condulim e Aldea Mulgão p[ar]a a conta desta fundação deo a Prov[ínci]a estas duas aldeãs = E como o ini/migo tomou as terras do Norte ficou esta fundação perdida. Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) [Jesuítas na Ásia, Cód. 49/IV/66, fl. 91 v.] Elogio dos fundadores Foi o S[e]n[ho]r Franc[isc]o Vieyra de Figue[i]redo natural de Villa de ou/rem nobre por geração e depois na India cavalleyro Fidalgo da Caza / de Sua Magest[ad]e do hábito de Christo por espaço de 30 annos foi cap[ita]m / Geral, a Juiz Supremo das p[a]rtes do Sul dos estreitos p[ar]a dentro tirando / Macao por elle não querer aceitar este governo; foi home[m] dotado / de todas as boas partes porq[ue] tinha gr[an]de valor, m[ui]to ânimo, era m[ui]to / liberal, e sobre tudo foi sempre m[ui]to grande Christam. A Senhora Dona Catarina de Noronha nasceo em Macao / de Ant[óni]o de Câmara de Noronha Fidalga (sic) da Caza de Sua Magestade / bem conhecido por seo sangue e general desta praça, e de D. Paula Fragoza sua molher senh[or]a m[ui]to grave de Macao. Hé a Senho/ra D. Catharina de Noronha ornadas (sic) de muitas excelentes virtudes / como a toda esta Cid[ad]e hé notório, e por assim passão verdade. Fiz / este assento e me assiney. Coll° 27 de Junho de 1680 a.) Sebastião d'Alm[ei]da 372 Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) [Jesuítas na Ásia, Cód. 49/V/249] Couzas que deixou D. Catharina / de Noronha à Igreja Por este por mim feito, a assinado certifico eu o Padre Miguel de Amaral / da Companhia de JESU Procurador geral da Província de / Jappão ter recebido todas as couzas contheudas em hum rol // rol que a Senhora D. Catharina de Noronha que Deos tem / fez por sua morte, cujo theor hé o seguinte: Rol das / couzas que eu D. Catharina de Noronha deixo à Igreja / da Madre de Deos da Companhia de JESU. Hum / Sepulcro dourado das quarenta livras. Hum docel para / a festa das quarenta horas, a pavilhão do Serafim. / Hum docel do Sepulchro preto. Huma cama do / Senhor Morto, a outra do Senhor do descendimento. / Huma esquipação de Mangas de tella branca dos / altares. Hum docel de peça de ouro vermelho. Huma / esquipação de Mangas de palilha vermelho. Sinco sobre/pelizes, a toalhas pera o altar mor, para a festa das qua/renta horas. Hum Senhor Ressus[c]itado com Sua Cruz / de prata. Huma esquipação de ramalhetes para a festa / das quarenta horas. E por ter recebido todas as sobre/ditas couzas da mão do Senhor Pedro Vaz de Siqueira / testamenteiro da dita Senhora D. Catharina de Noronha / the passei este recibo. Macao hoje 23 de Junho de 1701 / annos. a.) Miguel de Amaral 373 Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) [AH/LS/333, fl. 48] Aos 18 dias do mez de Julho de 1714, nesta Cide de Macáo do Nome de Deos na China, na Caza da Camª della, juntos os Ministros e Officiaes, (...). Houve ler huma Carta do Capitão Antº Siqrª de Noronha, em q. pedia ao Senado acabasse de satisfazer-lhe os seus ultimos ordenados, q. neste dia dava fim o seu trienio. Houve responder a dª Carta, q. sem embargo de penuria em que estava esta Cidade, ordenara ao Procdor , vista a necessid. Em q. estava o dº Cap. G., q. [fize]sse toda a delligencia pª q. brevemte o satisfizesse. E p. Aqui se houve p. acabada a dita Vereação. Em fé do q. fiz este Termo enserramtº, em q. os dos Ministros e Officiaes se assignarão = Manuel Pires de Moura = Rebouças, Furtado, Albuquerque, Sampaio, Silva. Está conforme = Jozé Joaq.m Barros Escrm da Camª 374 Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) [AH/LS/333, fl. 56] Aos 17 dias do mez de Novembro de 1714 nesta Cide de Macáo do Nome de Deus da China, na Caza da Camª della juntos os Ministros e Officiaes, que no ditto anno servem, prezidindo o Vereadoa Fran. co de Men.ça Furtado, se tratarão os particulares abaixo declarados p.r seus capitulos. Houve ler hua petição de Antº Siqrª de Noronha, em q. Pedia mandasse o Senado q. O Escrm da Camª passasse huma Certidão do que constasse das despezas Procd.ores terem pago a elle a conta do que este Senado deve dos Ordenados de seu Pai Pero Vaz de Siqueira; e se despachou com o Despacho segtE o Escr.m da Camara passe do que constar. (.....) Houve escrever huma Carta a Antº de Siqqrª de Noronha, em q. Lhe pedia as Casas da sua Tia a deffunta D. Catherina de Noronha, para estar o Mandarim Taitao que ha de vir a estar nesta Cidade huns dias. E aqui se deo a dª Vereação p.r acabada. Em fé do que fiz este Termo de enserramtº, adonde os d.os Ministros e Officiaes se assignarão = Mel Pires de Moura, Rebouças, Sampaio, Lopes. Está conforme = Jozé Joaq.m Barros Escr.m da Camª 375 Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) 7. GLOSSÁRIO 376 Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) 7. GLOSSÁRIO: Aceh ou Achém – Antigo sultanato no extremo noroeste de Samatra. Annam ou Aname – Antigo reino da Indochina que abrangia todo o Tonquim e a Cochinchina. Areca - É o fruto da arequeira, utilizado na composição do bétele, um dos mais importantes masticatórios orientais, ao qual se atribuem muitas propriedades higiénicas. Ayuthia (ou Ayutthaya) – Tornou-se a capital do Sião com o rei Ramatibodi I (Rama I), desde 1350 até à sua conquista pelos Birmaneses, em 1767. Balão - Indo-ingl.: ballam, baloon, balloon. Pequena e ligeira embarcação de remos, de base monóxila. Bandel – Porto ou bairro portuário; refere-se a um sítio próximo de um porto, habitado por estrangeiros. Bangaçal - O mesmo que gudão ou armazém. Bangkok (Banguecoque) – Capital do reino do Sião desde 1782, fundada pelo rei Rama I, que iniciou a actual dinastia Chakri. Banjarmassim – Importante sultanato na parte meridional da ilha de Bornéu. Barachins - De barchim, azagaia indiana; lança comprida. Barcalão ou Praklang– Ministro dos Negócios Estrangeiros do reino do Sião. Barcos chatins - Embarcações de comércio. Batávia – Antigo nome de Jacarta (actual capital da Indonésia). Bengala – Antigo reino asiático, correspondente aproximadamente ao actual Bangladesh - O mesmo nome designava a capital do reino, identificada, para uns, com Gaur e, para outros, Chatigão ou Chittagong (porto no litoral do Bangladesh). Bengalore – O mesmo que Mangalore, porto no Canará do Sul, na costa ocidental da Índia. Boceta – Caixa pequena de laca, madeira ou louça. Bofetinho - O mesmo que bofeta, antigo tecido de algodão muito fino, fabricado na Índia. Bornéo – O mesmo que Brunei, importante sultanato da costa noroeste da ilha de Bornéu. Cambaia - Antigo reino asiático, correspondendo aproximadamente ao actual estado indiano de Gujerat (Guzarate). Camboja ou Cambodja – Antigo reino no extremo sueste do Golfo de Sião. Carraca – Embarcação semelhante à nau, de grande porte, própria para carga, defendida por um importante conjunto de peças de artilharia. 377 Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) Cartaz – De origem árabe, qirtãs (papel, documento), passaporte ou salvo-conduto para navegar. Cate – Peso equivalente a 625 gramas. Chapa - Selo, chancela; mandado, provisão. Champá - Antigo reino da Indochina austral, que abrangia grande parte da actual Cochinchina e o sul do Annam ou Aname. Charola – Andor. Chatim – O étimo chatim é o dravídico chetti, designando em malaiala, donde os Portugueses o tomaram, propriamente “o mercador de Choramândel” (Coromandel). Chiang Mai ou Chiangmai – Antigo reino a norte de Ayuthia. Chincheo – Chinchéu, chinês do Fukien (Fujian). Cochim – Antiga cidade-estado do Malabar, que confinava, ao norte, com o Cranganor e, ao sul, com Coulão. Cochinchina - Nome antigamente atribuído a uma vasta região que compreendia o norte do Annam e o Tonking (Tonquim). Cornaca – Guia e tratador de elefantes. Coromandel – Região da costa oriental do Industão, compreendida entre a ponta Calimare e o rio Kistna (abrangia o litoral dos actuais estados indianos de Tamilnadu e de Andhua Pradesh). Coulão - Porto indiano na costa do Malabar. Dáimios – Senhores feudais japoneses. Flores – Ilha Mangarai, no mar do mesmo nome. Galeota – Embarcação semelhante à galé, mas de menores dimensões. Goa – Cidade e território no litoral ocidental do Industão. Golconda - Região da parte oriental do Industão, que é servida pelo porto de Massulipatão ou Masulipatnan. Grão Mogor – Imperador mogor. Hainan – Também chamada Ainão, ilha no Golfo de Tonquim. Índia - Designa a península do Industão em geral. Jaos – os habitantes da ilha Jooa (Java). Jambi - Cidade na parte sudeste da ilha de Java. Johore – Sultanato na extremidade meridional da Península Malaia. Jurubaça - Intérprete. Língua – tradutor, intérprete. Kelantan – Estado malaio que estava debaixo da suserania do Sião. Khmer – Antigo nome do reino do Camboja. 378 Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) Languinata - O mesmo que Nanguinata, do japonês naginata, ou seja, lança japonesa, alabarda. Léquios – o mesmo que Gores, nome dado pelos Portugueses ao arquipélago de Riu Kiu. Ligor ou Lugor - Porto da costa oriental da Península Malaia. Luvo ou Lavo – O mesmo que Lopburi, cidade a norte de Ayuthia. Macassar – Sultanato no sudoeste da ilha de Celebes. Malaca – Cidade portuária no estreito do mesmo nome, situada na costa ocidental da Península Malaia. Malaiala – Língua do Malabar, da família dravídica, muito aparentada com o tamul (falada na Índia Meridional). Manila – Cidade na parte ocidental da ilha de Lução ou Luzon, capital das Filipinas. Martaban – Martabão, porto do litoral do Pegú. Meliapor – O mesmo que S. Tomé de Meliapor, na costa do Malabar, correspondente ao porto de Madras ou Madrasta. Mergui – Porto na Baía de Bengala, junto à costa de Tenasserim. Muscate ou Mascate – na costa de Oman, no Golfo Pérsico. Nababos - Eram chefes de província no Império Mogor. Oya - O mesmo que Oiá, título de nobreza, no Sião, equivalente a um Duque. Padang – Região de Padaung, no distrito de Prome, na Baixa Birmânia. Pães de Ouro - O mesmo que ouro de pao ou barca de ouro; eram barras de ouro, com a forma de barca ou de sapato chinês, que, antigamente, entravam em transacções comerciais da China. Pahang – Antigo reino malaio, também chamado de Pão, na costa oriental da Península Malaia. Pancada – Procedimento de fixação dos preços entre parceiros comerciais. Panjim ou Pangim – capital do Estado de Goa, na ilha de Goa. Patane - Sultanato na costa oriental da Península Malaia. Pérsia – Antigo reino asiático, que ocupava aproximadamente o território do actual Irão. Pico – o mesmo que picul, peso do Extremo Oriente, equivalente a 100 cates ou 60 quilogramas. Pulo - Do malaio púlo, ilha. Quedá ou Kedah - Cidade da costa ocidental da Península Malaia. Queeves – Corretores ou mediadores chineses, que, nos negócios com Macau, representavam os interesses dos mercadores de Cantão. Respondência – Empréstimo sobre a carga de uma determinada embarcação. 379 Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) Saguate – Presente, dádiva; o que se oferece em ocasiões festivas ou em sinal de homenagem. Sião ou Sayam – Antigo reino asiático, que abrangia parte do território da actual Tailândia. Só se tornou o nome oficial do país, chamado Muang Thai (ou Krung Thai) desde tempos antigos, com o quarto monarca da dinastia Chakri, o rei Mongkut, em 1856. Singora - Porto na costa oriental da Península Malaia. Solor – Ilha da parte oriental da Insulíndia, a sul do mar das Flores. Soma - Antiga embarcação de comércio e de guerra, semelhante ao junco. Sombaya – O mesmo que zumbaia, saudação reverencial feita a um rei ou personagem eminente. Sukhothai – Centro administrativo do norte do Império Khmer, mas conquistado pelos Thai em 1238. Sunda – Parte mais montanhosa e ocidental da ilha de Java; os Europeus deram o nome de Estreito de Sunda ao braço de mar compreendido entre a ilha de Samatra e a de Java. Surate – Porto do distrito indiano do mesmo nome, na margem do rio Tapti, que desagua no Golfo de Cambaia. Tabanga - Do malaio tabing, margem do rio; eram portagens ao longo do rio. Tael – Peso e moeda de conta no Extremo Oriente, que, não tendo existência real, representa um certo peso de prata pura, que varia conforme as localidades e é equivalente a cerca de 60 réis. Talangano - O mesmo que Talingano, porto na costa oriental da Península Malaia e na região do mesmo nome. Talim – O mesmo que boldrié, cinto de couro ou de pano bordado com fio dourado, onde se prendia a espada ou outra arma. Tenasserim - Porto do reino do Pegú (Birmânia). Thonburi – Capital do reino de Sião, fundada pelo general Taksin, em 1767 (após a destruição de Ayuthia pelos Birmaneses). Thumquim - O mesmo que Tonquim, antigo reino da Indochina (norte de Annam). Tical – Peso do Pegú, Sião e Martabão, equivalente a mais de três oitavas (540 réis do antigo sistema monetário português). Tidor – Ilha de Tidore, no arquipélago das Molucas. Timor – Ilha da parte oriental da Insulíndia, a norte do mar de Timor. Trengannu – Estado malaio que estava debaixo da suserania do Sião. Veniaga ou Beniaga – Trato de mercadoria, negócio, tráfico, comércio, fazenda, géneros; o termo era também usado para designar a ilha de Taman ou Tamão, a “ilha da veniaga”. 380 Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) 8. FONTES E BIBLIOGRAFIA 381 Leonor de Seabra A Embaixada ao Sião de Pero Vaz de Siqueira (1684-1686) 8. FONTES E BIBLIOGRAFIA: AMES, Glenn J. - Renascent Empire? The House of Braganza and the Quest for Stability in Portuguese Monsoon Asia, c. 1640-1683, Amsterdam, Amsterdam University Press, 2000. BASSET, D. K.- “Early English Trade and Settlement in Asia, 1602-1690”, in Historiography of Europeans in Africa and Asia, 1450 -1800, ed. by Anthony Disney, Hampshire, Variorum, 1995. BOXER, C. R. - The Christian Century in Japan, 1549-1650, Manchester, Carcanet, 1993. BOXER, C. R. - Dutch Merchants and Mariners in Asia, 1602-1795, London, Variorum Reprints, 1988. BOXER, C. 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