Scarica il file - Elisabetta Foradori
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_>>> Jornal Valor Econômico - CAD D - EU - 16/4/2015 (14:29) - Página 4- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW Enxerto D4 | Valor | Quinta-feira, 16 de abril de 2015 EU&ESTILO Os vinhos da serena e cativante Foradori JORGE LUCKI Vinhos Jorge Lucki J á com as luzes se apagando na (bem montada) sala imprensa da Vinitaly, megafeira de vinhos italianos realizada em Verona no final do mês passado, retratada na última coluna, parei na costumeira pizzaria perto do hotel em que me hospedo normalmente disposto a comer algo rápido e beber algum vinho honesto em taça, hábito que repito quase todos os anos. Logo à entrada, um cartaz anunciava a abertura da estação de aspargos e carciofi, que o restaurante acabara de receber fresquíssimos. Pelo tamanho e sedutora aparência da pizza individual que vi na mesa ao lado, já havia me decidido abrir mão do antepasto, optando por uma tradicional margherita, mas com cobertura de carciofini. Uma boa surpresa foi a carta de vinhos, seleta, com boas referências e preços acessíveis, onde logo me senti atraído por um Teroldego 2011, da Foradori, vinícola que, coincidentemente, seria a primeira (e tão aguardada) visita do meu programa de dez dias pelo norte e nordeste da Itália — tema de colunas futuras. A pizza estava ótima e o vinho idem, pouco importando se combinava ou não com os carciofi. Total da conta: menos de 30 euros (7,5 euros a pizza, já com o adicional dos carciofini, e 20 euros o vinho)! Era um bom prenúncio do que me esperava nesta segunda etapa da viagem. Embora o roteiro pós-Vinitaly que eu havia me proposto realizar desse ênfase à região do Friuli, um dos pontos mais importantes e há muito tempo planejado era, antes de mais nada, ir ao Trentino, província situada a cerca de 90 minutos ao norte de Verona, conhecer de perto a Foradori, cujos vinhos Elisabetta Foradori adotou, em 2002, os preceitos biodinâmicos: “Recuperei a liberdade para ser criativa. Gosto dessa parte que não é ciência. O que você não consegue explicar” acompanho há uns bons dez anos, num primeiro momento pelos vinhos tintos que a vinícola produzia à base de teroldego, a interessante casta local, em especial pelo Granato, seu topo de gama, e depois pelos brancos vinificados em ânfora. A despeito de ter enfrentado quatro movimentados dias de feira, a serena e cativante Elisabetta Foradori, que comanda a vinícola fundada pelo avô em 1929, de bom grado concordou em me receber no dia seguinte à Vinitaly. Nossa longa conversa, com direito a extensa degustação e um simpático almoço, teve início em frente a um dos primeiros vinhedos de teroldego que ela plantou quando começou a trabalhar para valer na vinícola, em 1984, logo depois de ter estudado dois anos no Istituto Agrario di San Michele all'Adige, perto de onde morava. Filha única, foi esse o caminho que escolhera para ajudar a mãe a cuidar da vinícola depois do prematuro falecimento do pai, em 1976, quando ela tinha 10 anos. Elisabetta logo percebeu que era necessário mudar o modelo da vinícola trabalhar para poder sobreviver, o que significava investir em qualidade, deixando de vender vinho a granel à cooperativa local. Os vinhedos da região até então eram plantados majoritariamente em sistema de pérgola, em fileiras espaçadas para permitir a policultura de subsistência — cultivava-se verduras, feijão, batatas e frutas —, e com clones que privilegiassem grandes quantidades na ânsia de serem rentáveis. Boa parte dos seus vizinhos já estava substituindo a teroldego por variedades mais fáceis e com maior apelo comercial, caso É sempre arriscado e um tanto pretensioso apontar “o melhor” vinho dentro de um universo tão amplo e sujeito a tantas interpretações. No que diz respeito a espumantes italianos, no entanto, a tarefa é bem mais tranquila, sem dar margem a dispersões: são os produzidos pela azienda Ferrari, na região do Trentino, norte da Itália. Nenhuma associação com a famosa “scuderia”: a dos espumantes, inclusive, foi fundada bem antes, em 1902, por Giulio Ferrari, que percebendo a vocação de sua região natal para a produção de vinhos tão dignos quanto os melhores champagnes franceses, estudou e se preparou tecnicamente antes de tornar realidade seu sonho. Nas mãos da família Lunelli, desde 1952, a marca ampliou seu prestígio a partir de um trabalho preciso e altamente qualificado, na adega (todos são produzidos segundo o método clássico) e no campo, com grandes investimentos em vinhedos próprios — hoje são 120 hectares — e contratos de fornecimento de uvas originárias de uma seleção rigorosa de produtores, situados exclusivamente nas áreas mais propícias ao cultivo de uvas apropriadas a espumantes de alta qualidade (nas encostas próximas à cidade de Trento entre 300 e 700 metros de altitude). As condições particulares de solo e clima da região privilegiam especialmente a chardonnay, casta que compõe “in pureza” todos os “brut” da casa, desde o Maximum (o único não safrado) até o Giulio Ferrari Riserva del Fondatore, eterna estrela do portfólio, ainda que mais recentemente tenha sido lançado o raro Riserva Lunelli safra 1995, para ocasiões especiais. Uma proporcionalmente pequena e bem cuidada quantidade de pinot noir é direcionada para a elaboração dos rosés ou ainda para o ótimo Perlé Nero, uma novidade no mercado. Por mais que o Giulio Ferrari Riserva del Fondatore encante e se posicione merecidamente na categoria super premium, meu xodó é mesmo o Perlé, hoje aqui destacado. Produzido com uvas (100% chardonnay) procedentes dos vinhedos próprios, é o espumante que melhor caracteriza o sonho do fundador de produzir vinhos equiparáveis aos famosos congêneres franceses. Dentro de um processo esmerado, ele permanece cinco anos em contato com as leveduras antes do dégorgement, o que lhe confere cremosidade e complexidade, um ótimo contraponto à boa acidez que caracteriza os “blanc de blancs”, lembrando, sem medo de grandes exageros, os champagnes de Mesnil. Este 2007 foi considerado pelo conhecido e respeitado especialista inglês Tom Stevenson o melhor espumante do mundo fora de Champagne. Ferrari Perlé Brut 2007; Trento D.O.C.; Trentino, Itália; Decanter (www.decanter.com.br), R$ 261,80. Esqueça o rótulo DIVULGAÇÃO Ferrari Perlé Brut 2007 da merlot e da pinot grigio. Apegada à tradição e acreditando no potencial da teroldego, se bem conduzida e plantada em locais apropriados — o Campo Rotaliano, uma área plana, formada por solos aluvionais —, Elisabetta Foradori, selecionou, em 1985, mais de 20 biotipos da casta a partir de dois dos melhores e mais velhos vinhedos da família, que ela mantém até hoje, replantando aos poucos o restante no sistema de espaldeira. No que se refere a vinificação, foram adotadas básicas cubas inox e estágio em grandes tonéis de madeira, os “botti”, direcionando uma pequena parte, o melhor das vinhas velhas, para amadurecimento em barris de carvalho, de onde saiu, em 1986, o Granato, sua primeira criação. Apesar do reconhecimento por parte dos consumidores e da crítica, e da boa situação financeira, Elisabetta, então casada e mãe de três filhos (hoje tem mais um filho com o segundo marido), revela, com naturalidade e firmeza, que teve uma crise de identidade no final dos anos 1990. Era como se precisasse terminar ali um período de conhecimento científico e experiências técnicas, necessárias para produzir um bom vinho para o mercado, para entrar numa fase mais pessoal, emocional, de colocar para fora seu lado mais sensível, repensando seu papel como produtora de um vinho representativo do seu território. Depois de um tempo em contato com outros produtores e se inteirar da filosofia antroposófica de Rudolf Steiner, Elisabetta Foradori adotou, em 2002, os preceitos biodinâmicos na vinícola, desenvolvendo uma abordagem minimamente intervencionista na vinificação — adeus cubas de inox, entre outras mudanças. Ela conta que de lá para cá houve um crescimento na compreensão do que fazia e de como agia, alcançando uma relação completamente diferente com a vinha e com o seu vinho. “Recuperei a liberdade para ser criativa”, diz. “Gosto dessa parte que não é ciência, o que você não consegue explicar”. Como exemplo cita o que aconteceu em 2011, segundo ela uma safra muito boa e precoce, em que a fermentação se desenvolveu de forma lenta, chegando a parar em algumas cubas com ainda 10 a 12 gramas por litro de açúcar. Contrariamente ao que tecnicamente um enólogo faria, ela preferiu não intervir; os vinhos permaneceram dessa forma até meados da primavera, quando o processo recomeçou naturalmente. “Foi como uma segunda colheita; uma nasceu em outubro e outra em junho. As duas, sobretudo a de junho, que era quase todo o vinhedo do Granato, ficaram ótimas, de uma complexidade que eu não estava habituada”. Em meados da década de 2000, um novo salto: as ânforas de terracota, que ela viu na COS, vinícola da Sicília, cujo dono, Giusto Occhipinti, lhe apresentou o fabricante, um artesão espanhol da região de La Mancha. O resultado bastante positivo das primeiras experiências fez com que Elisabetta as adotasse a partir de 2009 para um branco e dois “single vineyards” tintos. As 150 ânforas de cerca de 230 litros caprichosamente dispostas hoje na impecável adega subterrânea servem para vinificar a nosiola, uma uva nativa quase em extinção — Elisabetta tem pouco mais de dois hectares de vinhas velhas alugadas (é quase impossível comprar uma parcela), de um total de apenas 50 hectares ainda existentes na colina de Cognola, cercanias da cidade de Trento —, dando origem ao Fontanasanta; e dois crus de teroldego, o Sgarzon, de solo arenoso, e o Morei de terreno pedregoso. Elisabetta considera que as ânforas permitem que o caráter das duas vinhas de teroldego se expressem melhor — na safra degustada, a 2013, o Sgarzon se mostrou mais elegante, com taninos finos, enquanto o Morei se apresentou mais fechado e austero, denotando boa profundidade — “são vivos, mudam conforme o dia”, disse. Ambos, com produção anual de dez mil garrafas, permanecem em ânfora por volta de 14 meses, dos quais oito em contato com as cascas. O Granato (em torno de 20 mil garrafas por ano — não foi produzido em 2012 e 2014 por não atingir o padrão desejado), por sua vez, segue a tradição: fermentação em cubas de madeira, estagiando na sequência em barricas. Amplo e complexo, o 2011 tem um belo equilíbrio, com ótima acidez e taninos bem integrados. Se os dois teroldegos vinificados em ânfora deram ótimo resultado, demonstrando que a prática pode ser utilizada com mais frequência para tintos mundo afora, não é surpresa o Fontanasanta Nosiola ter causado tão boa impressão. No melhor estilo dos brancos fermentados com as cascas, hoje na moda — os chamados “vinhos laranja” —, os quatro provados, 2013, 2011, 2010 e 2009 (a primeira safra), mostraram notável consistência e pureza, num nível que só castas de grande caráter podem atingir. Restrita àquela zona em particular, não é, infelizmente, uma uva que se tornará muito conhecida. Estes Fontanasanta (produção anual ao redor de oito mil garrafas) são vinhos brancos com sedutora mineralidade, que crescem com a comida e devem envelhecer dignamente por ao menos 20 anos. Como um todo, os vinhos da Foradori são sutis e elegantes, disfarçando a incrível energia que possuem. Tal e qual a mentora deles. Naturalmente chique. [email protected]