O crescimento descontrolado das cidades aumentou ainda
Transcrição
O crescimento descontrolado das cidades aumentou ainda
Sandra Cristina Bertoni Serna Quinto O Programa Crédito Solidário: produção de moradia popular em autogestão O caso do Distrito Federal e Entorno Brasília Dezembro de 2007 ii Sandra Cristina Bertoni Serna Quinto O Programa Crédito Solidário: produção de moradia popular e autogestão O caso do Distrito Federal e Entorno Trabalho referente à conclusão do Curso de Especialização em Gestão Urbana e Desenvolvimento Municipal Universidade de Brasília Centro Integrado de Ordenamento Territorial - CIORD Orientado pelo Prof. Jorge Madeira Nogueira Realizado pela aluna Sandra Cristina Bertoni Serna Quinto Brasília Dezembro de 2007 iii Dedico este trabalho ao Ronaldo, meu marido, eterno parceiro e amigo que sempre me apoiou e me incentivou a seguir em frente, mesmo nos momentos mais difíceis. iv Agradeço aos meus colegas da CAIXA que, diariamente, acompanharam comigo as dificuldades na luta por produção de moradias dignas com poucos recursos e sempre apoiaram o meu trabalho, e em especial à amiga Maria Elisa pela paciência, dedicação e incentivo. Agradeço aos meus filhos pelo amor, carinho e paciência. v Compuseram a Banca: ________________________________ • Prof. Jorge Madeira Nogueira Universidade de Brasília – UnB ________________________________ • Prof. Antonio Nascimento Junior Universidade de Brasília - UnB vi Sumário LISTA DE SIGLAS .................................................................................................... vii LISTA DE TABELAS .................................................................................................viii LISTA DE FIGURAS .................................................................................................. ix LISTA DE QUADROS ................................................................................................. x RESUMO.................................................................................................................... xi ABSTRACT ............................................................................................................... xii INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1 CAPITULO 1 – A ocupação do espaço urbano ........................................................... 6 1.1 – Processo de urbanização das metrópoles brasileiras: formação das periferias, falta de infra-estrutura e autoconstrução .................................................... 6 1.2 – Produção habitacional nos centros urbanos ................................................. 12 CAPITULO 2 - Produção de moradia popular: uma visão geral das experiências em autogestão................................................................................................................. 20 2.1 - Experiências na produção de moradia popular nos países da América do Sul e suas influências no Brasil .......................................................................................... 21 2.2 - As mudanças nas políticas públicas de moradia destinadas à população de baixa renda................................................................................................................ 25 2.3 As experiências brasileiras: produção habitacional no período pós Banco Nacional de Habitação - BNH.................................................................................... 32 CAPITULO 3 - O PROGRAMA CRÉDITO SOLIDÁRIO ............................................ 41 3.1 – Características do programa ............................................................................ 41 3.2 – A Sistemática 2004: o inicio do programa ........................................................ 45 3.3 – A Sistemática atual: o que mudou no programa............................................... 51 CAPITULO 4 – O CASO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO ............................ 57 CAPITULO 5 - CONCLUSÃO.................................................................................... 68 Referências bibliográficas ......................................................................................... 72 ANEXOS ................................................................................................................... 76 vii LISTA DE SIGLAS BNH – Banco Nacional de Habitação CAIXA – Caixa Econômica Federal CDHU – Companhia do Desenvolvimento Habitacional e Urbano - Estado de São Paulo CREA – Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura SFH – Sistema Financeiro de Habitação UMM - União dos Movimentos de Moradia UNMM - União Nacional de Movimentos de Moradia MNLM - Movimento Nacional de Luta por Moradia CMP - Central de Movimentos Populares CONAM - Confederação Nacional de Associações de Moradores CCFDS – Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento Social FDS – Fundo de Desenvolvimento Social FNRU – Fórum Nacional de reforma Urbana PSH – Programa de Subsidio a Habitação de Interesse Social FG – Fundo Garantidor FRE – Ficha Resumo do Empreendimento GIDUR – Gerencia de Apoio ao Desenvolvimento Urbano CRE – Comissão de Representantes CAO – Comissão de Acompanhamento de Obra SPU – Secretaria de Patrimônio da União GECIS – Gerencia Nacional de Habitação de Interesse Social UNMP – União Nacional por Moradia Popular INSS – Instituto Nacional de Seguro Social FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano viii LISTA DE TABELAS TABELA 2.1 – DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL ........................................................................................... 20 TABELA 2.2 – DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL POR FAIXA DE RENDA ..................................................... 21 TABELA 3.1 – VALORES MÁXIMOS DE FINANCIAMENTO DA SISTEMÁTICA ATUAL (EM R$ 1.000,00) .......... 44 TABELA 3.2 – VALORES MÉDIOS DE FINANCIAMENTO POR FAMÍLIA - SISTEMÁTICA 2004.......................... 49 TABELA 3.3 – PROPOSTAS CONTRATADAS ...................................................................................................... 52 TABELA 4.1 – PROPOSTAS SELECIONADAS NO BRASIL – POR UF – SISTEMÁTICA 2004............................. 58 TABELA 4.2 – PROPOSTAS SELECIONADAS NO BRASIL – POR UF ................................................................ 59 TABELA 4.3 – SITUAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO ENTREGUE ATÉ 31/03/2005 ................................................. 61 ix LISTA DE FIGURAS FIGURA 1.1 – CONJUNTO RESIDENCIAL PASSO DA AREIA ............................................................................. 15 FIGURA 1.2 – CONJUNTO RESIDENCIAL VILA GUIOMAR ................................................................................. 16 FIGURA 1.3 – CONJUNTO RESIDENCIAL DO PEDREGULHO ............................................................................ 18 FIGURA 2.1 – CONJUNTO HABITACIONAL CAZUZA DA AREIA ......................................................................... 38 FIGURA 2.2 – UNIÃO DA JUTA ............................................................................................................................. 39 FIGURA 4.1 – QUANTIDADE DE PROPOSTAS SELECIONADAS – DF X RS ...................................................... 57 FIGURA 4.2 – QUANTIDADE DE PROPOSTAS COM DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA ATÉ 31/03/2005 ..... 60 FIGURA 4.3 – EMPREENDIMENTO COOPER-RECICLA ..................................................................................... 63 FIGURA 4.4 – EMPREENDIMENTO COOPHAMU ................................................................................................ 64 x LISTA DE QUADROS QUADRO 3.1 – ATRIBUIÇÕES DOS PARTICIPANTES DO PROGRAMA............................................................43 xi RESUMO O presente estudo tem como objetivo analisar da aplicação do Programa Crédito Solidário, que concede financiamento para a produção de habitação destinada à população de baixa renda. O programa foi elaborado por reivindicações dos movimentos sociais que pleiteavam uma política pública destinada à produção de moradia popular, em regime de autogestão dos recursos, nos mesmos moldes de algumas experiências similares, realizadas em conjunto com poder público local. Além de uma visão geral de outras experiências em autogestão, o estudo traz um panorama da aplicação do programa em todo o Brasil e Distrito Federal, buscando identificar quais foram as dificuldades em sua implementação. PALAVRAS-CHAVE: autogestão, moradia popular, política habitacional. xii ABSTRACT The present study has as objective to make an analysis of the application of the Program Crédito Solidário, which is a government program that finance the production of habitation destined to the low income population. The program was elaborated by claims of the social movements for a public politics destined to the production of popular housing, in regimen of self management of the resources, in the same model of some similar experiences, carried through in set with the local government. Beyond a general vision of other experiences in self management, the study it brings a view of the application of the program in Brazil and the Federal District, searching to identify the difficulties in its implementation. KEY WORDS: self management, popular housing, public politics 1 INTRODUÇÃO Com um déficit habitacional de aproximadamente 8 milhões de moradias, as cidades brasileiras têm assistido a um crescimento dos assentamentos informais, instalados em locais de risco e áreas de preservação ambiental, sem conferir aos seus habitantes uma qualidade de vida adequada. A falta de políticas habitacionais destinadas à população de baixa renda tem deixado essas famílias à margem da sociedade, em moradias provenientes de autoconstrução, longe da regularidade jurídica e urbana, aumentando a parcela de “cidade ilegal” das grandes metrópoles. A falta de moradia não é uma situação nova no cenário nacional. Na década de 30, era comum a chamada “casa de cômodos”, principal moradia da camada popular. A rápida urbanização pela qual o país passou no início do século XX contribuiu para o crescimento das moradias em favelas, que ocupavam as áreas livres das cidades sem qualquer planejamento urbanístico. Para conter o problema, na década de 40 começaram a surgir as primeiras políticas habitacionais voltadas às camadas populares. Os Institutos de Aposentadoria e Previdência construíram 20.000 unidades habitacionais nos períodos de 1940 a 1963 (Nobre e Bonfim, 2001). Criada em 1946, a Fundação da Casa Popular também contribuiu para a construção de moradia popular, executando durante sua existência a quantidade de 16.694 casas (Royer, 2002). No entanto, além de reproduzirem situações urbanísticas tão criticadas atualmente, essas ações não foram suficientes para resolver o problema na época, tendo uma produção muito pequena em relação à necessidade da população. Concentradas em grandes conjuntos habitacionais horizontais, essas práticas levaram ao crescimento das periferias das grandes cidades, em locais afastados, criando as famosas “cidades-dormitório”. Essas políticas serviam para atender a população de baixa renda, normalmente moradora das favelas, que era deslocada para essas áreas distantes dos centros. Longe dos serviços essenciais a uma comunidade, muitos moradores acabavam abandonando as moradias e retornando para novos assentamentos informais, localizados mais próximos aos seus locais de trabalho. 2 O ideal modernista dos grandes conjuntos habitacionais vinha como a solução para a falta de espaço para a produção de habitação. Reproduzindo as “máquinas de morar”, esses edifícios substituíram os grandes loteamentos de casas por conjuntos de prédios monótonos, onde a função do habitar era mais importante do que a forma. Além disso, os conjuntos verticais proporcionavam um adensamento maior, garantindo a construção de uma quantidade maior de moradias do que os conjuntos horizontais. A partir da década de 80, com as cidades inchadas e a economia estagnada, a situação de moradia nos centros urbanos ficou ainda pior. Esse cenário somado à falência do Sistema Financeiro de Habitação e a extinção do BNH, fez com que o poder público local começasse a criar soluções viáveis, consideradas de baixo custo e de menor impacto à população. Para Cymbalista: “A urbanização vertiginosa, ao final de um período de acelerada expansão da economia brasileira, introduziu um novo e dramático significado: as cidades, nesse período, passaram a retratar – e reproduzir – as injustiças e desigualdades da sociedade. A precariedade habitacional vem assumindo contornos cada vez mais graves desde a década de 80, quando se inicia o período de estagnação da economia do país. Essa precariedade expressa-se nas favelas, que ocupam praças, morros, mangues e beiras de córregos, e que são maiores e mais densamente populadas nas grandes cidades; no superadensamento dos cortiços em regiões centrais e intermediárias das cidades; nos loteamentos irregulares e clandestinos, sem infra-estrutura e equipamentos públicos; nas ocupações irregulares de áreas ambientalmente frágeis.” (p. 1, 2005) Assim, quando foi possível perceber que a retirada da população de uma favela, deslocando-a para áreas distantes de seu convívio diário, não era mais a solução ideal para resolver o problema, começaram a surgir as primeiras propostas de urbanizações de favelas, tentando regularizar as áreas e beneficiar a população com infra-estrutura sem promover seu deslocamento. Ao mesmo tempo, a população carente de moradia e distante do acesso às políticas habitacionais, começou a se organizar em associações, processo que foi incentivado com a democratização da sociedade. Esses movimentos populares que iniciaram suas lutas em bairros dos grandes centros se tornaram entidades abrangentes, conquistando visibilidade nacional e expandindo suas relações aos demais estados do país. A idéia era tomar frente nas decisões sobre o provimento de habitação, pressionando os governos 3 locais a implantar políticas que atendessem as necessidades da população de baixa renda. “Além das questões de financiamento da política habitacional, que seguem sem solução, o processo de redemocratização implicou também a renovação dos atores sociais envolvidos na questão. Pela primeira vez na esfera nacional, os segmentos populares atuaram como sujeitos, e não como objetos ou mutuários da política; de atores passivos, passaram a atores ativos nos processos de construção das políticas. “ (Cymbalista, p. 2, 2005) Em 1988, as questões urbanas tomam importância nacional quando a mobilização popular garante a inclusão de um capítulo inteiramente destinado à política urbana na Constituição brasileira. Foram também os movimentos sociais que conquistaram a criação do Conselho Nacional das Cidades, constituindo-se em um fórum democrático e participativo na tomada de decisões referentes às questões urbanas. No entanto, em relação às políticas habitacionais, a situação era a mesma, deixando a camada popular sem acesso à moradia por meio das linhas de financiamento disponíveis. Desta forma, algumas experiências localizadas, executadas em parceria com o poder público local, começaram a surgir. Envolvendo grupos organizados, em regime de mutirão assistido, foi possível concretizar o “sonho da casa própria” para algumas famílias. Assim, experiências como a União da Juta e o Vila Cazuza, ambos na região metropolitana de São Paulo, serviriam de exemplo para a idealização de um programa que proporcionasse aos movimentos sociais de luta por moradia total autonomia na produção de habitação. Elaborado pelo Ministério das Cidades em 2004, o Programa Crédito Solidário vinha institucionalizar essas experiências como uma política nacional de fomento à produção de moradia popular. Com as reivindicações dos movimentos sociais atendidas, colocar em prática o programa parecia fácil, não fossem os diversos entraves encontrados durante sua operacionalização. Com vários pontos inovadores, esse programa de governo dá aos grupos organizados total autonomia na gestão dos recursos e planejamento do empreendimento, excluindo as empresas construtoras do processo. Destinado à população com renda de até 3 salários mínimos, o programa tem como objetivo “o atendimento de necessidades habitacionais de famílias de baixa renda, organizados em Cooperativas ou Associações Civis com fins habitacionais” 4 (Perondi, p.9, 2007). O programa tem como diferencial a taxa de juro zero, antecipação de parcelas do financiamento, além do incentivo à produção de habitação em regime de ajuda mútua. Para Perondi (2007), essa política habitacional proporciona um estimulo às experiências em ajuda mútua, participação popular e cooperativismo, tentando encontrar soluções para os problemas habitacionais. No entanto, após 3 anos de sua criação, poucas moradias foram concluídas, apesar da grande demanda pelo produto. Destinado à população de baixa renda, parte mais afetada com a falta de moradia, o programa não conseguiu atingir os números esperados de propostas contratadas e nem reduzir o déficit por moradia. Por que motivo um programa com grande demanda não conseguiu obter os resultados esperados? Seria este programa uma saída para a redução do déficit habitacional no Brasil, principalmente nos grandes centros urbanos, locais com a maior concentração de pobreza? Para melhor compreender a situação da produção moradia popular no Brasil e os motivos que levaram ao acréscimo do déficit habitacional, no Capitulo 1 serão levantadas as causas que levaram ao crescimento das cidades e ao aumento de suas periferias, levando sua população a encontrar soluções para moradia; soluções que nem sempre atendem às condições ideais de salubridade, dignidade e qualidade de vida esperadas para uma grande cidade. No Capitulo 2, veremos algumas experiências em políticas públicas destinadas à produção habitacional para as camadas populares. Tendo como base uma revisão de literatura sobre o tema, esse capítulo descreve algumas soluções bem sucedidas de paises da América Sul na busca de soluções para a produção de moradia popular, idéias que influenciaram o cooperativismo e processos de ajuda mútua no Brasil. Além disso, apresenta um histórico das políticas habitacionais nacionais anteriores ao programa e outras que tentaram mudar o cenário destas políticas, buscando soluções para diminuir o déficit habitacional brasileiro e levando os movimentos sociais a reivindicar a participação na tomada de decisões para garantir o provimento de habitação de interesse social. As experiências realizadas por associações ligadas a esses grupos, como o Movimento Nacional de Luta por Moradia, a Confederação Nacional de Associações de Moradores, a União dos Movimentos de Moradia e a Central dos Movimentos 5 Populares, levaram-nos a acreditar que seria possível replicar essas soluções em nível nacional, buscando junto ao governo federal, uma política que garantisse atender com a construção de moradia, a população de baixa renda. No Capitulo 3 será apresentado o programa Crédito Solidário, suas regras e critérios de seleção. Tendo como base as experiências na operacionalização do programa, por meio de levantamentos feitos em documentos do Ministério das Cidades, Caixa Econômica Federal e os movimentos sociais, será demonstrada a situação da implementação do programa em todo o território nacional, tentando identificar quais foram as dificuldades encontradas durante os 3 anos de sua existência. No Capitulo 4 será feito um levantamento da implementação desta política pública junto às associações e cooperativas do Distrito Federal e Entorno. O objetivo é identificar quais foram os motivos que levaram um programa de grande demanda na região a obter tão poucos resultados. Tendo como base os levantamentos feitos pela CAIXA e de uma revisão literária em estudo sobre o produto, obtém-se uma visão critica sobre a questão. No quarto e último capítulo, o estudo trata das conclusões a respeito do problema citado, buscando analisar as hipóteses levantadas durante esta pesquisa. 6 CAPITULO 1 – A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO URBANO Este Capítulo tem como objetivo demonstrar como o crescimento desordenado das cidades afetou o problema de falta de habitação, concentrado entre as classes mais pobres da população. Diante disso, algumas políticas governamentais foram criadas para tentar resolver o problema de falta de moradia nestes locais. No entanto, conforme vários autores, a produção governamental não foi suficiente para solucionar problema, que somada a um contexto político e econômico desfavorável, levou os moradores dos centros urbanos a ocupar desordenadamente as periferias, encontrando soluções alternativas a construção de suas moradias. 1.1 – Processo de urbanização das metrópoles brasileiras – formação das periferias, falta de infra-estrutura e autoconstrução No Brasil, o processo de urbanização das metrópoles se deu no século XX, quando as cidades passaram a ser o símbolo da modernidade e do progresso industrial. A substituição da população agrária e mão de obra escrava pelo trabalhador assalariado foi mais intensa à partir da década de 1930, que se somou ao processo de imigração estrangeira e migração dos moradores do campo para as cidades. Do agrário exportador para a industrialização, o Brasil passou por um grande processo de urbanização, incentivado pela regulamentação do trabalho operário, não extensivo ao campo (Maricato, 2003). Surgiram as leis de zoneamento, uso do solo e códigos de obra, influenciados pelas propostas modernistas, com o intuito de “regrar” a expansão urbana e garantir o crescimento planejado e ordenado. Segundo Grostein: “O processo de urbanização brasileiro, na segunda metade do século XX, conduziu à formação de 12 regiões metropolitanas e 37 aglomerações urbanas não-metropolitanas, que concentram 47% da população do país. Nas 12 áreas metropolitanas, residem 33,6% da população brasileira (52,7 milhões de habitantes), em extensos conglomerados que envolvem 200 municípios (Ipea/Unicamp-IENesur/IBGE, 1999)....Em apenas quatro décadas - entre 1950 e 1990 - formaram-se 13 cidades com mais de um milhão de habitantes e em todas elas a expansão da área urbana assumiu características semelhantes. (p. 13 e 14, 2001)”. 7 No entanto, esse processo de urbanização não se deu como idealizado pelos princípios de industrialização e progresso. A população proveniente das áreas rurais passou a constituir a grande massa de assalariados mal remunerados que incharam as metrópoles brasileiras. Excluídos do acesso ao mercado imobiliário privado e na ausência de uma política para habitação, a cidade legalizada idealizada pelos princípios modernistas passou a ser substituída pela cidade “ilegal” dos loteamentos irregulares, ocupações de áreas de risco, exclusão social e pobreza. No inicio do século XX, as reestruturações urbanas e o fluxo migratório, foram os fatores responsáveis pela ocupação das periferias e pela formação de assentamentos irregulares. São Paulo viu, com seu plano de avenidas, uma enorme quantidade de despejos e desapropriações. O mesmo se deu no Rio de Janeiro e em Salvador, onde a população que ficou sem moradia ocupou áreas vazias dando origem às primeiras favelas. Muitas das casas desapropriadas pela onda higienista dos urbanistas eram cortiços que abrigavam a maior parte da população de baixa renda das cidades, muitos trabalhadores das indústrias. Sem ter para onde ir, os loteamentos de periferia e assentamentos informais surgiram como solução de moradia barata em um mercado não dispunha de ofertas de imóveis que atendessem a essa população. A um custo baixo era possível adquirir um lote em áreas mais distantes e iniciar a construção de uma moradia que atendesse as necessidades da família. As casas, construídas pelos próprios moradores, começaram a ocupar os loteamentos periféricos em áreas rurais. Os loteadores lucravam muito parcelando irregularmente suas fazendas que não dispunham de benfeitorias, porem, em negociações com as empresas de transporte, conseguiam suprir as áreas de transporte coletivo, para levar os trabalhadores ao seu local de trabalho. Esses empreendedores viram nas camadas mais pobres a chance de lucrar com a venda de suas terras. Em geral, as áreas mais distantes eram vendidas antes das áreas contiguas à urbanização existente. Com a chegada da infraestrutura, os vazios entre a cidade e o loteamento poderiam ser vendidos a valores mais altos, pois a terra se valorizava. Para Bonduki: “Ao deixarem vazias glebas entre os novos loteamentos e a área já urbanizada, e no interior de um mesmo loteamento, os empreendedores podiam vender muito barato os terreno pioneiro, pois sua ocupação e a reivindicação popular por melhorias valorizavam ainda mais os lotes não vendidos, garantindo altos lucros no futuro. Para o trabalhador de renda muito baixa, era a 8 oportunidade de pagar pouco. A malha urbana tornou-se, assim, verdadeiro mosaico, no qual os arruamentos mais antigos foram ocupados por trabalhadores mais pobres, ao passo que os contíguos foram adquiridos sucessivamente por setores de renda cada vez mais alta. Ou seja, era a especulação com a terra que permitia vender tão baratos os primeiros lotes” (p. 304, 2005). O problema da falta de moradia se intensificou com a inexistência de políticas governamentais para atender a demanda por habitação e suas necessidades, como transporte, saúde e infra-estrutura. As primeiras iniciativas públicas na produção de habitação para essa população tiveram inicio na década de 1940. No entanto, além de não garantir a produção de unidades suficientes para a demanda crescente, essa produção não conseguiu atingir as famílias mais carentes. Por outro lado, a criação do Banco Nacional de Habitação e do Sistema Financeiro de Habitação em 1964, ao invés de inserir moradia no contexto urbano, excluiu a população dos núcleos consolidados, criando verdadeiras “cidadesdormitório” e contribuindo para o aumento das periferias de nossas metrópoles. A produção habitacional do BNH (Banco Nacional de Habitação) foi responsável também pela verticalização destas cidades, modificando o padrão urbanístico usual, proporcionando o adensamento daquelas localidades. Para Maricato: “É com o Banco Nacional da Habitação integrado ao Sistema Financeiro da Habitação, criados pelo regime militar a partir de 1964, que as cidades brasileiras passam a ocupar o centro de uma política destinada a mudar seu padrão de produção. A drenagem de recursos financeiros para o mercado habitacional, em escala nunca vista no país, ocasiona a mudança no perfil das grandes cidades, com a verticalização promovida pelos edifícios de apartamentos. Mas é com a implementação do SFH. Sistema Financeiro da Habitação, em 1964, que o mercado de promoção imobiliária privada, baseado no edifício de apartamentos, consolida-se por meio de uma explosão imobiliária.” (p.23, 2000) Apesar da grande produção do banco durante sua existência, o financiamento imobiliário não foi capaz de impulsionar “a democratização do acesso à terra por meio da função social da propriedade” (Maricato, p. 23, 2000). A dificuldade em acessar a terra legalizada incentivou o surgimento de loteamentos irregulares e ocupações informais que ocupavam áreas de proteção de mananciais, fundos de vale, beira de córregos e encostas, colocando a população em situação de risco e impedindo a legalização destas áreas. Além disso, como veremos no segundo capítulo, sua produção não atendeu à população com renda 9 inferior a 3 salários mínimos, excluindo ainda mais a população mais pobres das grandes cidades. “A criação do SFH e do BNH não conseguiu atender às necessidades habitacionais das camadas mais pobres da população, sendo mesmo questionável se era esse o propósito real dessas instituições, já que grande parte do financiamento de moradias destinou-se aos estratos de rendimento médio e alto da população, de acordo com o interesse das empresas do ramo da construção civil. O BNH, porém, produziu mudanças radicais no sistema financeiro público e privado, bem como propiciou a modernização e concentração das empresas do ramo de construção civil, visando sempre a acumulação capitalista mais do que o atendimento ao problema habitacional.” (Botelho, p. 3, 2005) Nas décadas de 1970 e 1980, vimos o crescimento das periferias das metrópoles brasileiras. Ao lado dos grandes conjuntos habitacionais e aumentavam o numero de favelas e loteamentos informais, em locais onde a participação estatal era nula e só se efetivava anos após ocupação, mediante pressão dos moradores ou por motivos eleitoreiros. Grostein afirma: “A significativa concentração da pobreza nas metrópoles brasileiras tem como expressão um espaço dual: de um lado, a cidade formal, que concentra os investimentos públicos e, de outro, o seu contraponto absoluto, a cidade informal relegada dos benefícios equivalentes e que cresce exponencialmente na ilegalidade urbana.”(p. 14, 2001) Essa irregularidade presente nas cidades brasileiras, porém mais comum nos grandes centros urbanos, caminha ao lado da formalidade construtiva rigorosa imposta pelas prefeituras que impede a legalização das áreas ocupadas de forma irregular. Com isso, o acesso ao mercado imobiliário formal passa a ser “artigo de luxo” para a população mais pobre, que busca a solução para o problema por sua conta e risco, prevalecendo o cenário da casa autoconstruída e da ilegalidade. Para Maricato (2003), o acesso ao financiamento de moradia, à terra urbanizada e regularizada não tem atingido nem mesmo faixas da classe média (famílias com renda de cinco a dez salários). Para Gronstein: “...prevaleceu a difusão do padrão periférico, condutor da urbanização do território metropolitano, perpetuando, assim, o loteamento ilegal, a casa autoconstruída e os distantes conjuntos habitacionais populares de produção pública, como seus principais propulsores” (p. 14, 2001). Assim, podemos citar três realidades presentes nas metrópoles brasileiras: primeiro, a cidade legal, do mercado imobiliário formal e regularizado, construído 10 conforme as leis de uso do solo, zoneamento e código de obra, acessível às classes média e alta; segundo, a cidade das políticas públicas de habitação de interesse social, proveniente do modelo BNH (Banco Nacional de Habitação), das periferias, das grandes obras viárias e de infra-estrutura, construída para sustentar os empreendimentos distantes; e a terceira, a cidade “ilegal”, dos loteamentos irregulares, ocupações de áreas de preservação ambiental, das encostas, das áreas públicas, que abrigam a faixa de população mais pobre da cidade, com suas moradias provenientes de autoconstrução. Para contornar a falta de habitação perante a grande demanda, foi adotado o modelo modernista de grandes conjuntos habitacionais, focando na verticalização e adensamento. Esse modelo foi reproduzido nos grandes centros urbanos até meados da década de 1980, quando a crise econômica e “falência” do SFH (Sistema Financeiro de Habitação) levaram os municípios a atuar de forma mais intensa no atendimento às demandas habitacionais, proporcionando experiências diferenciadas na produção de habitação popular, que serão detalhadas no Capítulo 2. O crescimento populacional das periferias tem sido maior que o dos núcleos centrais nas regiões metropolitanas. Em geral, essas áreas são ocupadas pela população mais carente, mais concentrada nos centros urbanos. Para Maricato (2001), entre 1991 e 1996, as periferias das 12 grandes metrópoles brasileiras cresceram 14,7%, ao passo que os municípios centrais cresceram somente 3,1% no mesmo período. Isso reflete o crescimento desordenado e falta de planejamento urbano presente no Estado, além da dificuldade do acesso à terra legalizada, considerando que estas periferias concentram a maior quantidade de ocupações de áreas irregulares e loteamentos clandestinos. Ao mesmo tempo, vemos o esvaziamento dos centros destas grandes cidades, muitas com crescimento negativo, com grande vacância do estoque imobiliário, enquanto surgem as novas centralidades urbanas. Há uma grande quantidade de imóveis vagos nos centros urbanos, em áreas já servidas por sistemas de transporte, infra-estrutura e serviços, enquanto o crescimento das periferias continua aumentando. No entanto, essa situação tem proporcionado o surgimento de experiências inovadoras, que tem como objetivo a revitalização destes edifícios desocupados que são transformados em edifícios para habitação popular (Nobre e Bonfim, 2001). 11 A falta de políticas públicas voltadas ao planejamento urbano não está concentrada somente na área da produção habitacional. Vemos que não existe uma articulação entre as redes urbanas que formam as metrópoles brasileiras, deixando de lado o planejamento integrado das políticas que visam o atendimento das demandas em comum. O crescimento desordenado dos municípios que integram estas áreas reflete na qualidade de vida da população de toda a região, principalmente se considerarmos as ocupações irregulares de áreas de proteção ambiental e a exclusão social causada pela ilegalidade destes assentamentos. Apesar de constar como diretriz da Agenda 21, a formulação de políticas públicas de desenvolvimento urbano não contemplam as diretrizes e normas que deviam garantir as melhorias necessárias para as grandes metrópoles. Para Gronstein: “A Agenda 21, produto da conferência do Rio - ECO 92, e a Agenda Habitat estão pautando as políticas públicas e as práticas urbanas de diversas cidades e metrópoles. Entre as diretrizes aí formuladas, destacam-se: a idéia de desenvolvimento sustentado; a necessidade de coordenação setorial; a descentralização de tomada de decisões; e a participação das comunidades interessadas em instâncias específicas da gestão urbana.” (p. 16, 2003) No entanto, o que vemos em nossas metrópoles é a falta de planejamento urbano, falta de políticas integradas e ausência de articulação entre os diversos municípios. Apesar de serem os grandes pólos de concentração de renda, as metrópoles são também os locais que abrigam a maior concentração de pobreza, resultado de um processo de industrialização que atraiu a população migrante das áreas rurais sem disponibilizar de um provimento de habitação e infra-estrutura para receber essa demanda. Para Ferreira (2000), a urbanização desigual é o resultado deste processo de industrialização tardio, presente nos países do terceiro mundo, que resultam nas desigualdades sociais e concentração de pobreza, aumento da informalidade, com inadequação física das construções, problemas ambientais e ausência de infraestrutura. Fica evidente que existe falta vontade política por parte dos municípios em planejar com critério o crescimento das cidades, principalmente daquelas que fazem parte de aglomerações urbanas e não agem de forma conjunta na solução de seus problemas. O crescimento econômico destas áreas sem políticas públicas que 12 garantam a provisão dos serviços básicos de habitação, infra-estrutura e equipamentos comunitarios acaba gerando maior concentração de pobreza e incentivando o crescimento desigual e irregular dos assentamentos urbanos. 1.2 – Produção habitacional nos centros urbanos O crescimento das cidades, desde o início do processo de urbanização no Brasil, transformou o mercado de terras e a produção habitacional no meio urbano. Tanto com a produção de habitação através da autoconstrução pela população mais carente, como pela produção formal pela indústria da construção civil que contou também com políticas públicas de financiamento. O Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e o Banco Nacional de Habitação (BNH) tiveram papel fundamental na consolidação do mercado imobiliário, alterando o perfil das cidades brasileiras, verticalizando as áreas centrais e valorizando o preço da terra (Maricato, 1995). Esse cenário foi responsável pelo aumento das favelas e loteamentos informais das periferias, pois expulsou a população de baixa renda das áreas centrais. Ao mesmo tempo, o financiamento da habitação para a classe média incentivou o surgimento de novas técnicas construtivas e matérias, consolidando novas empresas da indústria de construção. Entretanto, a situação das classes populares não havia mudado e o cenário da autoconstrução e dos loteamentos informais persistiu. A criação da Lei Federal 6.766 de 1979, que regulamenta o parcelamento do solo e atribui ao loteador a obrigação de fornecer infra-estrutura às áreas parceladas, não garantiu que novos loteamentos irregulares surgissem ou que os empreendedores fossem penalizados por não dotarem as áreas de redes de água, energia elétrica e pavimentação. Para piorar a situação, a Lei ainda impedia a regularização de áreas já consolidadas, como algumas favelas que não atendiam aos critérios estabelecidos pelo documento, como dimensões mínimas de ruas e lotes. As cidades brasileiras foram aos poucos incorporando em sua malha urbana os assentamentos informais que, a cada dia, se transformavam com a suas habitações provenientes da autoconstrução, sem revestimento e sem planejamento arquitetônico, e com suas ruas sinuosas que aos poucos eram pavimentadas pelo poder público, fazendo surgir novos bairros. 13 Segundo a opinião de vários autores, a moradia construída pelo próprio morador passou a fazer parte do cotidiano da população brasileira mais carente, que não contava com as linhas de financiamento disponíveis e nem possuíam recursos suficientes para adquirir sua casa própria do mercado imobiliário formal. “Assim, a autoconstrução torna-se a solução possível para amplas camadas populares resolverem seus problemas habitacionais. Em função da escassez de recursos e de tempo disponível, essas construções prolongam-se por um largo período de tempo e se caracterizam pelo tamanho reduzido, baixa qualidade dos materiais empregados, acabamento precário e tendência à deterioração precoce.” (Maricato, Ribeiro e Azevedo apud Azevedo, p. 26, 2007). Essas moradias, apesar de solucionar o problema de falta de habitação destas famílias, não proporcionava aos seus moradores o conforto térmico e condições salubres de iluminação e ventilação. Além disso, a baixa qualidade construtiva e dos materiais piorava ainda mais as condições das moradias. No entanto, não é novidade nas periferias das nossas cidades esse tipo de empreendimento que, aliado ao loteamento distante, passou a fazer parte da classe trabalhadora dos centros urbanos. Na visão de Bonduki, a casa auto-empreendida tem algumas vantagens perante as demais formas de moradia - aluguel e coabitação - pois nesta a família pode moldar a casa às suas necessidades e não se adaptar à realidade existente. Além disso, a casa própria proporciona a segurança de um abrigo permanente a um custo baixo, já que emprega mão de obra do próprio morador em sua construção. A moradia também representa a garantia de inserção na sociedade, pois traz status social ao seu morador e tornar-se “um refugio seguro contra as incertezas que o mercado de trabalho e as condições de vida urbana reservam ao trabalhador que envelhece”(Bonduki, p. 310, 2004). Em seu estudo, Bonduki verificou que, na cidade de São Paulo, ao aventurarem-se na periferia dos anos 1940 a 1950, os habitantes destas áreas foram bem sucedidos, pois de alguma forma puderam participar do progresso da cidade e ver suas casas serem incorporadas à malha urbana, valorizando o investimento feito em suas moradias. Assim, puderam garantir aos seus descendentes uma qualidade de vida mais digna daquela que tiveram ao ingressarem na região. Conhecidas como “casas domingueiras” essas casas eram construídas pelo próprio morador com ajuda de seus vizinhos. A construção das casas nos bairros de 14 periferia havia se tornado um evento comunitário, executado nas horas vagas destes trabalhadores. No entanto, no início do século XX, a falta de conhecimento técnico foi o motivo do desabamento de algumas casas. Era comum também a escassez de material, pois muitos deles eram importados. O governo não se sentia obrigado a prover habitação à população mais carente e somente começou a atuar quando a pressão política da sociedade se intensificou. No entanto, não foi elaborada uma política para habitação. Na descrição de Bonduki: “Financiar ou alugar moradias de baixo custo, sem dispor de recursos para dar continuidade à ação, não configurava uma política social e sim populismo, com objetivos políticos de curo prazo. Uma política de habitação social deveria estabelecer critérios de investimento que dirigissem os subsídios para quem de fato tinha necessidade, definindo a origem dos recursos necessários para cobri-los. E, por outro lado, garantir o retorno dos recursos a serem financiados para que não houvesse depreciação de seus fundos. Só nestas condições seria possível manter um fluxo constante de recursos para sustentar a produção habitacional”(p. 108, 2005). Fica evidente a falta de política habitacional quando comparamos a produção de Fundação da Casa Popular (FCP) com a produção dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs). Enquanto o primeiro produziu 18.132 unidades habitacionais, o segundo produziu 123.995 unidades habitacionais para as classes populares. A solução foi a construção da moradia pelas mãos do próprio trabalhador nos loteamentos clandestinos. Sendo assim, as chamadas casas domingueiras se proliferaram nas periferias das cidades, contando com a mão de obra dos vizinhos e amigos que, em suas horas vagas, construíam suas casas e as demais da comunidade. No entanto, estes loteamentos não dispunham das benfeitorias inerentes à malha urbana, ficando o poder público, com o passar dos anos e a pressão dos moradores, com o ônus pela execução desta obras. Assim, o cenário nas principais cidades brasileiras, após a década de 1940, era de uma expansão urbana crescente, com uma grande necessidade de obras de infra-estrutura, tanto nos conjuntos habitacionais em construção pelo poder público, como nos loteamentos populares das periferias. E a construção desta infra-estrutura se tornou objeto de troca de favores entre a população e os políticos da época. 15 As primeiras inovações na produção de habitação popular vieram dos Institutos de Aposentadoria e Pensão que abordaram o problema com soluções criativas e de influência modernista. Como forma de reduzir custos, os projetos dos Institutos buscavam a verticalização com a construção de edifícios de apartamentos e técnicas construtivas que beneficiavam a produção em escala. Com esse tipo de solução era possível construir uma quantidade muito maior de moradias em relação às intervenções horizontais. Assim, outra inovação foi a quantidade de unidades habitacionais por empreendimento, que chegavam a superar mil unidade em tipologias variadas. Na visão modernista, buscava-se romper com a habitação tradicional e transformar a casa na “máquina de morar”, valorizando os espaços públicos e de uso comunitário. Ao contrario da casa em loteamento que não dispõe de convívio comunitário, os conjuntos habitacionais dos IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensão) possuíam, em sua produção inicial, grandes áreas de convivência propostas urbanísticas diferenciadas. FIGURA 1.1 – CONJUNTO RESIDENCIAL PASSO DA AREIA O Conjunto Residencial Passo da Areia, localizado em Porto Alegre/RS e construído pelo IAPI tem uma implantação irregular, com uma grande diversidade urbanística, proporcionando qualidade de vida aos moradores. O conjunto possui 2.496 unidades habitacionais com tipologias diferenciadas e vários espaços públicos. Fonte: livro As Origens da Habitação de Interesse Social no Brasil, Nabil Bonduki, 2004. 16 Apesar de também produzirem habitações horizontais em loteamentos, foi com nas construções verticais que vemos as principais inovações. Desde o planejamento urbanístico das áreas de intervenção, que previam vários tipos de habitações, mesclando edifícios de diferentes quantidades de pavimentos com casas térreas e sobrados, visando as atender diversas faixas de renda atendidas pelos Institutos e proporcionando uma diversidade urbanística. FIGURA 1.2 – CONJUNTO RESIDENCIAL VILA GUIOMAR O Conjunto Residencial Vila Guiomar em Santo André/SP, com 1.411 unidades habitacionais, incluindo edifícios com apartamentos de 2 e 3 dormitórios e casas térreas. Apresenta a implantação diversificada, com projeto urbanístico que aproveita as declividades naturais do terreno, proporcionando a diminuição da inclinação das ruas em aclive ou declive. O aproveitamento da declividade do terreno na elaboração do projeto de arruamento tende a reduzir o custo de execução da obra e os danos ambientais causados por grandes movimentos de terra. Fonte: livro As Origens da Habitação de Interesse Social no Brasil, Nabil Bonduki, 2004. Os edifícios também tinham vários tipos de apartamentos, com dois ou mais dormitórios, alguns com apartamentos duplex (apartamentos com dois pavimentos). Caso os terrenos não dispusessem de áreas livres para a construção de espaços comunitários, estes eram construídos nos terraços das lajes de cobertura. 17 A grande diferença estava no estilo de morar proposto pelos arquitetos modernista, que viram na habitação de interesse social a chance de introduzir “novos hábitos e um modo de vida moderno que romperiam com o atraso do país” (Bonduki, p. 138, 2005) e com as novas atribuições da classe trabalhadora. Os blocos de habitação coletiva nos conjuntos habitacionais dotados de áreas de convívio social, como equipamentos comunitários e espaços públicos de lazer, com jardins, pilotis e ruas internas, vinham “em contraste à concepção da casa própria isolada, com quintal, horta e criação de animais” (Bonduki, p. 140, 2005). A visão modernista buscava a simplificação das atividades domésticas e a racionalização dos espaços destinados aos serviços da moradia tradicional, como a cozinha e as áreas de serviço, transferindo estas tarefas os locais de uso comunitário. Essas relações modificaram a concepção entre o espaço público e o privado e criaram a noção de que “não se habita apenas a casa e sim um conjunto de equipamentos e serviços coletivos”(Bonduki, p. 149, 2005). Outra proposta diferenciada dos Institutos foi a locação dos imóveis. Ao invés de vender as moradias aos beneficiários, os Institutos locavam os apartamentos e casas e com a renda do aluguel produziam mais moradias. Proprietário de muitas áreas nas principais cidades brasileiras, que adquiriam com recursos provenientes das locações, os Institutos conseguiam construir mais habitações que o Estado e suprir a necessidade crescente por moradia da emergente classe trabalhadora. Com a mesma intenção, o Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal, na época sediado na cidade do Rio de Janeiro, produziu alguns conjuntos habitacionais com grandes inovações arquitetônicas e urbanísticas. Além de tentar adotar o sistema de locação, não aceito pelos dirigentes do órgão, esses projetos tiveram repercussão internacional, apesar de não terem sido bem recebidos pelo publico brasileiro. É o caso do conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido como Pedregulho. O projeto foi inovador principalmente em sua forma e concepção arquitetônica, já que consistia em uma célula urbana independente, com todos os serviços e equipamentos disponíveis aos usuários do conjunto. O ideal modernista tentou romper com o modelo usual de loteamento urbano, de casas isoladas, onde o lazer da família reduziu-se ao convívio familiar, quintal e televisão e o convívio social às igrejas do bairro. Por isso, o modelo modernista não 18 foi bem aceito pela população mais conservadora que via maior segurança na moradia isolada, distante do ambiente inseguro das ruas. FIGURA 1.3 – CONJUNTO RESIDENCIAL DO PEDREGULHO O Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido como Pedregulho, localizado na cidade do Rio de Janeiro/RJ, na época Capital do Brasil, possui dentro do complexo uma área destinada ao comércio, serviços e recreação. Trata-se de uma concepção inspirada nos princípios de Le Corbusier e que recebeu destaque na historia da arquitetura brasileira. Fonte : Vitruvius Entretanto, após algumas propostas bem sucedidas, este modelo foi transformado em uma forma de reduzir os custos da produção de moradia popular, assimilando somente o conceito do adensamento e verticalização, deixando de lado os espaços de convivência comunitária e as diversidades urbanísticas e arquitetônicas. Tanto o extinto Banco Nacional de Habitação, como os Institutos construíram conjuntos habitacionais em larga escala. A verticalização passou a ser vista como recurso que proporciona o adensamento e a redução de custos de produção e aquisição de terrenos e as intervenções concentravam-se na construção dos blocos 19 residenciais idênticos e repetitivos, com poucos espaços de convivência dos conjuntos modernistas. “Essa incorporação parcial gerou, em conseqüência, o empobrecimento gradativo dos projetos habitacionais ainda no final do período dos IAPs, chegando a seu clímax na massiva produção do BNH a partir de 1964, onde se manifesta apenas a busca cega e inútil pela redução de custos, sem levar em conta as outras perspectivas propostas pela arquitetura moderna. Com isso, introduziu-se, no repertorio da habitação social brasileira, um suposto racionalismo formal desprovido de conteúdo consubstanciado em projetos de péssima qualidade, monótonos, repetitivos, desvinculados do contexto urbano e do meio físico e, principalmente desarticulados de um projeto social”(Bonduki, p. 135, 2005). Além disso, como muitos desses conjuntos foram construídos em periferias distantes, foram grandes as despesas na construção da infra-estrutura destas áreas. Com isso, grandes obras viárias foram executadas nas cidades para atender esses novos bairros. Essas cidades-dormitório, construídas entre as décadas de 1940 e 1970 foram responsáveis pela expansão urbana e crescimento das periferias. Com a extinção do Banco Nacional de Habitação o problema da falta de moradia se intensificou. Por muitos anos, sem a produção estatal e distante do mercado formal de moradia, a população de baixa renda encontrou a solução na autoconstrução, em áreas ocupadas de forma irregular e em loteamentos clandestinos. O que vemos hoje é que as classes populares continuam a prática iniciada no começo do século XX, no inicio da expansão urbana. É claro que, com a ampliação da prática da autoconstrução, vemos uma melhoria na qualidade construtiva, diferente do inicio desta prática, quando algumas “vinham abaixo” por falta de conhecimento sobre o assunto. Tentando aproveitar um conceito tão difundido ente as camadas populares, alguns municípios passaram a implementar políticas habitacionais que se utilizavam desta técnica para baratear a produção de moradia popular. Tanto em propostas que envolviam urbanização de favelas, como em novos empreendimentos, a mão de obra do beneficiário passou a ser parte integrante destas políticas que reduziram os problemas de falta de moradia em alguns bairros. 20 CAPITULO 2 - Produção de moradia popular: uma visão geral das experiências em autogestão Diante de um novo cenário político e social, várias experiências de autogestão na produção de habitação serviram como base para a formulação de políticas e programas de financiamento da moradia popular, com propostas que foram aplicadas no Brasil e em vários países da América do Sul. Com um déficit habitacional de 7.902.699 moradias em 2005 (ver tabela 2.1), o Brasil ainda não conseguiu elaborar uma solução viável para o atendimento da demanda por habitação, principalmente para a população com renda familiar de até 3 salários mínimos, responsável pela fatia de 90,3% do déficit habitacional (ver tabela 2.2). TABELA 2.1 – DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL Região Déficit em 2005 Brasil 7.902.699 Norte 850.355 Nordeste 2.743.147 Sudeste 2.898.928 Sul 873.708 Centro-Oeste 536.561 Fonte: Dados básicos: IBGE – PNAD, 2005 Elaboração: Fundação João Pinheiro – déficit habitacional no Brasil 2005 – Mcidades – SNH Visando atender às necessidades por moradia, várias soluções foram experimentadas após a extinção do Banco Nacional de Habitação - BNH, contando com os novos atores do cenário político da época. Essas experiências serviram de subsidio para a elaboração de políticas públicas de combate à falta de moradia. Este capítulo tem como objetivo apresentar um levantamento destas experiências na produção de moradia popular com foco nos processos de autogestão dos recursos e da construção e das políticas públicas praticadas na América do Sul e no Brasil que serviram de exemplo para a criação do programa Crédito Solidário. 21 TABELA 2.2 – DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL POR FAIXA DE RENDA Até 3 s.m. De 3 a 5 s.m. De 5 a 10 s.m. Mais de 10 s.m. Brasil 90,3 6,0 2,9 0,8 Norte 89,3 7,4 2,5 0,8 Nordeste 94,7 3,3 1,6 0,4 Sudeste 89,3 6,3 3,5 0,9 Sul 84,0 10,8 4,2 1,0 Centro-Oeste 90,4 5,7 3,0 0,9 Especificação Fonte: Dados básicos: IBGE – PNAD, 2005 Elaboração: Fundação João Pinheiro – déficit habitacional no Brasil 2005 – Mcidades– SNH 2.1 - Experiências na produção de moradia popular nos países da América do Sul e suas influências no Brasil Considerando as diversas experiências já utilizadas em outros países da América do Sul, podemos citar os programas de moradia popular implantados no Chile como sendo os mais eficazes, na opinião de Carneiro e Valpassos (2003). Com uma visão de que habitação para classe média e alta deve ficar a cargo do setor privado, o governo chileno elaborou uma política destinada à habitação de interesse social para atender uma demanda responsável por 64% dos gastos públicos com habitação. Assim, o setor público ficou responsável por atender famílias com renda inferior a U$ 260/mês. O Plano divide os grupos de renda em dois, no caso da renda familiar inferior a U$ 120/mês, existe o plano Viviendas Progressivas e para a população com renda entre U$ 120 e U$ 260, existe o plano Viviendas Básicas. O primeiro prevê uma habitação completa em duas etapas. Na primeira etapa a família deve ter uma poupança prévia de no mínimo U$ 260 para receber um subsídio de U$ 4.292, acessando uma habitação com 20 metros quadrados. Posteriormente existe a possibilidade de financiar uma ampliação de 15 metros quadrados, já prevista no projeto inicial, desde que o valor da habitação não ultrapasse U$ 6.300. O financiamento da segunda etapa pode ser feito nas seguintes condições: não 22 ultrapassar 75% do valor da moradia, apresentar poupança prévia e comprometer até 25% da renda familiar com o financiamento, que pode ser pago em até 8 anos. O segundo plano, destinado as famílias com renda maior, fornece um subsidio de até 75% do valor da casa, que tem área construída de 41 metros quadrados e o valor entre U$ 7.800 e U$ 10.730. O saldo restante pode ser financiado em até 20 anos com taxa de juros de 8% ao ano, sendo que a prestação mensal fica em torno de U$ 13. O Governo chileno tem planos destinados à população rural, como forma de diminuir o fluxo migratório para as cidades e também tem planos especiais destinados aos trabalhadores organizados em cooperativas e sindicatos. Porém, é o Programa de Subsidio Unificado, destinado à aquisição de moradia, que tem maior aceitação pelo público. Nesse programa, o sistema é dividido em 3 grupos de valor máximo por unidade habitacional, sendo que o subsídio varia conforme o valor da residência. Os critérios para participar do programa é não possuir casa própria e nem ter poupança em outra instituição financeira. Segundo Carneiro e Valpassos: “O programa acima descrito enraizou-se de tal forma na cultura familiar chilena que se tornou normal a abertura de contas poupança para aquisição de residências, por parte dos pais, em nome dos filhos quando estes completam idade em torno de 16 anos, assim como é feito nos Estados Unidos em relação ao pagamento da universidade.” (p. 46, 2003) Outro exemplo de sucesso é empregado no Uruguai, país com um histórico de associativismo e auto-organização na forma de movimentos sociais. No final dos anos 60 foi sancionada a Lei Nacional de Vivienda, já formulada no Plan Nacional de Vivienda de 1962. O programa era vinculado operacionalmente às organizações sindicais do país e tinha uma carga política muito acentuada. A Cooperativa de Auxilio Mútuo, que surgiu no Uruguai em meados dos anos 60, se destaca pela proposta de cooperativismo visando reduzir o custo de construção em 20%, podendo assim melhorar a qualidade da habitação na forma de uma área construída maior e nos acabamentos da residência. Na visão de Westendorff: “Não fossem rigorosamente reprimidos pelo governo militar entre 1973 e 1985, o movimento de cooperativas habitacionais de assistência mútua poderia estar muito mais disseminado do que encontra-se hoje. Entretanto, a experiência uruguaia teve sucesso suficiente para inspirar movimentos habitacionais em toda a América Latina.” (p. 14, 2007) 23 A cooperativa contou com a parceria das autoridades locais e o auxilio de uma ONG, que prestou assessoria técnica na elaboração dos projetos. Foram desenvolvidos métodos inovadores de construção e de produção de materiais. A cooperativa também forneceu um treinamento aos movimentos populares, bem como assistência jurídica ao público e outros serviços. Além disso, para facilitar o acesso a terra, o Governo do Uruguai criou o Banco de Terras, onde o Poder Público cede ou vende terras às cooperativas. O objetivo e reduzir as dificuldades da busca por terra legalizada para construção. A questão da aquisição da terra é sempre considerada uma das maiores dificuldades no acesso à moradia para a população de baixa renda, sendo também um dos principais entraves nos processos de autogestão praticados no Brasil. Para Nahoum: “...os elevados custos de construção que existem no Uruguai (produto de múltiplos fatores, entre eles os elevados tributos, a especulação sobre o valor da terra e materiais de construção, a necessidade de conforto térmico e de controle de umidade cuidadosos devido a existência de fatores climáticos rigorosos e o custo da mão de obra, que conservam um alto nível em relação a região) acabam por impossibilitar a um trabalhador o acesso ao autofinanciamento de sua moradia em prazo razoáveis.” (p. 135, 2002) Desta forma, tornou-se imprescindível às cooperativas habitacionais uruguaias contar com financiamento público para subsidiar a produção de moradia. Através da gestão diferenciada e participativa na administração da obra, eles conseguiam produzir unidades habitacionais de melhor qualidade e mais confortáveis que as disponíveis no mercado. Isso contribuiu também para a melhoria da qualidade de vida garantida pelos espaços públicos bem utilizados e melhor cuidados em comparação com os conjuntos habitacionais produzidos pelo governo. Porém, idéias similares vêm sendo formuladas desde 1957, quando John F. C. Turner foi ao Peru trabalhar com habitação popular. Segundo Lopes e Rizek: “Num artigo de 1983, Turner fazendo eco à afirmação de que o melhor procedimento que o Estado pode adotar para melhoria das condições habitacionais do povo é não produzir moradia, defende que a ”provisão centralizada” tem de ceder lugar à “autogestão local”, considerando a incapacidade operacional do Estado a corresponder, através da provisão direta de moradia – projetos “entrega da chave”, como denomina – ás efetivas demandas da população pobre.” (p. 53, 2006) 24 Turner defendia a idéia de que o Estado deveria interferir o mínimo necessário, deixando o processo de gestão dos recursos públicos destinados à produção de habitação nas mãos dos futuros usuários. Só assim seria possível garantir uma comunidade verdadeira e participativa, com projetos de geração de renda, diferentemente dos conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado que “massificavam” a forma arquitetônica e a plástica urbanística, tornando o espaço monótono e sem identidade. Nas palavras de Royer: “...os trabalhos de Turner, autor que trata do esgotamento do modelo de provisão habitacional estatal pós-guerra e da emergência de políticas de autoconstrução e “ações de autogestão” surgidas localmente: “são esforços de grupos que se organizaram e propuseram-se o autodesenvolvimento, independentemente do mercado e do Estado”. Ainda citando Turner, diz que “a lucidez, no caso, está em entender que a independência e a auto-suficiência totais são impossíveis. Compreende-se a necessidade de cooperação tanto das forças de mercado quanto do Estado”. (p. 108, 2002) As idéias de Turner teriam influenciado algumas experiências realizadas no Brasil em meados da década de 70, principalmente no Nordeste. Um deles foi o Projeto Taipa em Pernambuco e as experiências realizadas pelo grupo ThABA na Bahia enquanto na região Sul e Sudeste as experiências pareciam replicar o sistema cooperativista do Uruguai. No Brasil, apesar do mutirão ser bastante utilizado como prática de ajuda mútua, o procedimento adotado aqui é muito diferente do modelo uruguaio, no que se refere à gestão do processo. No Uruguai, os usuários têm completa autonomia na gestão do processo, onde os futuros moradores participam, de forma coletiva, na administração dos recursos. Em uma comparação critica da tentativa de executar um modelo similar ao uruguaio aqui no Brasil, Lopes e Rizek dizem o seguinte: “...na medida em que a prática se estabelece como programa, as disfunções e incompatibilidades se explicitam: lá, organização sindical; aqui, movimento popular; lá, um plano e uma lei que regulam a produção autogestionária de moradia em todo o país; aqui, programas que não compõem sequer uma política habitacional local; lá, cooperativas que, juridicamente, permitem o mútuo coletivo, a propriedade comum e sua comercialização regulada; aqui, associações comunitárias que mal e mal mantêm sua condição como agente promotor que apenas atua como mediador temporário entre o agente financeiro e o mutuário final.” (p. 58, 2006) 25 Desta forma, podemos concluir que os modelos adotados aqui foram “copiados” sem uma previa avaliação das políticas habitacionais existentes e as adequações necessárias a nossa realidade. 2.2 - As mudanças nas políticas públicas de moradia destinadas à população de baixa renda Em meados da década de 80, vários fatores contribuíram para o crescimento do associativismo no Brasil. Por meio de pressão política, a população passou a participar de forma mais ativa na elaboração de programas de governo, principalmente na reivindicação de produtos destinados a um público com faixa de renda entre 1 e 3 salários mínimos, população excluída, até então, do acesso à moradia. Dentre eles podemos citar o processo de democratização do país, momento em que a sociedade passou a se organizar em forma de associações, cooperativas e movimentos com objetivos comuns, passando a configurar como os novos atores do cenário dos grandes centros urbanos. Segundo Risek, Barros e Bergamim (2003), com a democratização que marcou a década de 80, houve um aumento do associativismo e movimentos sociais organizados, principalmente na questão da luta por moradia e acesso à terra. A partir dos anos 90, surgiu a possibilidade de atuação conjunta entre Estado e sociedade civil, possibilitando parcerias entre as associações e o Poder Público. A Constituição de 1988, que dava maior autonomia aos Estados e municípios, contribuiu também para que o poder público local atuasse de forma mais integrada com a população, atendendo as reivindicações desses novos atores que passaram a configurar o cenário nacional. Na visão de Royer: “Eleitos pelo voto popular, os governos estaduais passam a se preocupar com o desenvolvimento de políticas públicas e com o atendimento das reivindicações das camadas populares. E, sem o apoio da União, os governos de oposição vão passar a reivindicar reformas estruturais e uma Constituição que estabelecesse um novo pacto federativo, descentralizando a arrecadação de tributos e dando maior autonomia aos entes da Federação”. (p. 22, 2002) Desta forma, com maior autonomia e volume de recursos, os municípios, principalmente aqueles localizados nas regiões metropolitanas do país, passaram a atuar junto à comunidade na elaboração de políticas habitacionais que atendessem 26 à demanda por moradia popular. Foram implementadas diversas alternativas, muitas com sucesso, que fugiam aos parâmetros dos demais programas habitacionais e linhas de financiamento operacionalizados pelo Governo Federal. Para Cymbalista, a partir da Constituição de 1988, o poder local passou a ser co-responsável na elaboração de políticas habitacionais e urbanas, potencializando as experiências em andamento no intuito de “preencher o vácuo criado pelo esvaziamento da política nacional” (p. 3, 2005). Com parte do recurso proveniente do poder público e em parceria de Companhias de Habitação Municipais e Estaduais, as associações, cooperativas e movimentos sociais passaram a participar da elaboração e construção de soluções habitacionais em diversos municípios. Portanto, essas entidades surgiram como proponentes de projetos habitacionais nas esferas locais, com diversas experiências bem sucedidas na autogestão de recursos públicos. Assim, tentando suprir as necessidades da população em relação ao déficit habitacional, o poder local passou a implementar soluções alternativas na produção de habitação, com experiências em mutirão e autogestão na administração da construção. Com isso, foi dado o poder à essas associações na decisão dos projetos, escolha dos terrenos e no regime de construção das moradias destinadas à população de baixa renda, que passaram a participar da elaboração de soluções habitacionais em diversos municípios. Podemos considerar também a extinção do BNH – Banco Nacional de Habitação como um dos fatos responsáveis pela descentralização das políticas de habitação de desenvolvimento urbano. Este fato contribuiu também para o aumento da autonomia dos Estados e Municípios em relação às políticas habitacionais, passando para o poder local a responsabilidade pela oferta de moradia. O próprio histórico das cidades mostra que a exclusão da população de baixa renda, em relação às condições de habitação, existe há muito tempo. Na visão de Nobre e Bonfim (2001), na década de 30, essas pessoas alugavam dormitórios nas “casas de cômodo”, os cortiços. A partir da década de 50, passaram a configurar a paisagem urbana dos grandes centros urbanos as habitações provenientes de autoconstrução, localizadas em favelas, como forma de moradia predominante nas camadas populares. Políticas de financiamento habitacional para essa população começaram a surgir somente na década de 40, com a construção de conjuntos 27 habitacionais em áreas periféricas sem qualquer inserção com a malha urbana existente. As políticas habitacionais existentes na época surgiram de um ideal modernista em fazer grandes conjuntos habitacionais. Com edifícios de 4 ou mais pavimentos, esses conjuntos visavam garantir um adensamento maior em relação aos agrupamentos de casas. Tais edifícios eram projetados tendo como foco o funcionalismo e, em geral, os cômodos possuíam as dimensões mínimas necessárias para cada função do habitar. Como visavam à função em detrimento da forma, eram conjuntos monótonos que não proporcionavam a identidade do morador com o espaço habitado e, por isso, este não se apropriava do espaço como deveria. Programas de erradicação de favelas eram os responsáveis em levar a população de baixa renda para os conjuntos habitacionais localizados nas periferias distantes. Esses moradores das favelas nem sempre se adaptavam a nova realidade, principalmente à distância em relação ao local de trabalho e acabavam por abandonar suas novas moradias. Ao mesmo tempo, as áreas centrais das regiões metropolitanas, apesar de dotadas de infra-estrutura, serviços e transporte, eram esvaziadas e conjuntos habitacionais eram construídos nas periferias sem qualquer critério, transformando alguns bairros em cidades-dormitório. “Além destas distorções de caráter socioeconômicas e dos equívocos em termos de política pública, é necessário enfatizar o desastre do ponto de vista arquitetônico e urbanístico da intervenção realizada, opção por grandes conjuntos localizados na periferia das cidades, estimulando a especulação imobiliária e absoluto distanciamento entre a produção habitacional pública e as práticas informais, que garantem a produção da cidade real, onde a maioria da população mora. Dentre os erros praticados se destaca o absoluto desprezo pela qualidade do projeto de arquitetura e urbanismo, revelando-se clara preferência por soluções uniformizadas, padronizadas e sem nenhuma preocupação com a qualidade da moradia e com o respeito ao meio físico. A lógica que regeu a implantação de conjuntos habitacionais partia do pressuposto que estes núcleos deveriam ser de grande dimensão e localizados no extremo da periferia. Desarticulada da política urbana, esta política de localização de conjuntos contribuiu para agravar os problemas urbanos, estendendo a área urbanizada para além do que seria necessário para abrigar a população, gerando custos elevados na implantação de infra-estrutura e de equipamentos sociais, além de tornar necessária a criação de linhas de transportes coletivos deficitárias, 28 submetendo o trabalhador ao sacrifício de longos percursos no trajeto local de moradia/local de trabalho. Esta lógica é derivada dos objetivos da política do BANCO NACIONAL DE HABITAÇÃO e das Cohab’s. Sem se preocupar com os custos indiretos gerados pela construção da habitação, com a qualidade de vida do morador e com o futuro da cidade, a intenção primeira sempre foi gerar mais obras para as empreiteiras e manter o processo de especulação imobiliária, através da criação de novas zonas vazias entre a área já urbanizada da cidade e os novos conjuntos.” (Bonduki, p.188, 2002) Uma das primeiras alternativas em produzir habitação para a classe mais pobre foi a Fundação da Casa Popular - FCP. Criada em 1946, foi o primeiro órgão federal a tratar da questão da moradia popular, executando, durante sua existência, 16.694 unidades habitacionais distribuídas em 143 conjuntos. A Fundação foi extinta em 1964 e, segundo Royer (2002), teve uma produção pífia perto do desempenho dos Institutos de Aposentadoria e Previdência, que não foram criados com a finalidade de produzir moradia. Para melhor retratar a falta de políticas habitacionais destinadas às camadas populares até meados da década de 80, apenas cerca de um terço das 4,5 milhões de unidades habitacionais produzidas pelo Banco Nacional de Habitação foram destinadas aos setores populares (Cymabalista, 2005). Essa precariedade foi bem colocada também por Santos: “É praticamente consensual na literatura a visão de que o SFH apresentou desempenho bastante significativo ao longo do regime militar, quando financiou algo em torno de 400 mil unidades habitacionais anuais no seu período de auge (entre 1976 e 1982). No entanto, o sistema foi incapaz de atender às populações de baixa renda. Com efeito, somente 33,5% das unidades habitacionais financiadas pelo SFH ao longo da existência do BNH foram destinadas à habitação de interesse social e, dado que o valor médio dos financiamentos de interesse social é inferior ao valor médio dos financiamentos para as classes de renda mais elevada, é lícito supor que uma parcela ainda menor do valor total dos financiamentos foi direcionada para os primeiros”. (p.17, 1999) Após anos de funcionamento do BHN, com a constatação de que não se atingira a faixa de renda entre 0 a 3 salários mínimos e, com a intenção de recuperar o mercado popular, novos programas foram elaborados. Desta forma, no período final de sua existência, no intuito de recuperar seus objetivos originais, surgiram no Banco Nacional de Habitação - BNH o PROFILURB, de 1975, o FICAM , de 1977, o PROMORAR, de 1979 e o João de Barro, de 1984. 29 O PROFILURB - Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados - era um programa destinado à produção de lotes urbanizados, basicamente para produzir loteamentos dotados de infra-estrutura básica e, às vezes, previa também a construção de uma casa embrião (sala, quarto e cozinha conjugados em um cômodo, além do banheiro). Foram produzidos 43 mil lotes urbanizados até a sua extinção em 1980, quando foi substituído pelo PROMORAR. O PROFILURB era um programa que tinha uma preocupação com a questão fundiária, prevendo a posse legal da terra a fim de evitar o favelamento. Os principais problemas observados foram: a escolha de terrenos inadequados, que oneravam a produção dos lotes e a falta de coordenação entre as agências públicas municipais que participavam das propostas, sendo elas as COHABs e as concessionárias responsáveis pela infra-estrutura. O FICAM - Programa de Financiamento da Construção, Conclusão e Ampliação ou Melhoria de Habitação de Interesse Social – financiava habitação para famílias inscritas nas COHABs e poderia ser utilizado em conjunto com o PROFILURB. O PROMORAR - Programa de Erradicação de Sub-habitação era um programa diferenciado voltado à erradicação da sub-habitação com a urbanização de favelas. Para Royer (2002), “a intenção não era remover os moradores, mas sim requalificar o espaço urbano, sendo o maior entrave a questão da regularização fundiária”. Por se tratar de um programa destinado a intervenções em favelas, a maioria delas oriundas de ocupações, a questão da regularização fundiária passou a ser uma dificuldade na implementação do programa. O programa tinha como principal objetivo a articulação com as companhias habitacionais e “teve grande repercussão na década de 70, apesar da crítica, que apontou no relacionamento entre o governo federal e os agentes descentralizados do sistema a reedição de velhas práticas clientelistas” (Royer, p.14, 2002). O programa João de Barro surgiu em virtude das inúmeras pressões e foi um programa de autoconstrução assistida, elaborado nos mesmos moldes dos programas implementados nos demais países em desenvolvimento da América da 30 Sul. Apesar da demanda significativa, a quantidade de unidades construídas pelo programa foi muito pequena, provavelmente por ter sido criado dois anos antes da extinção do Banco Nacional de Habitação - BNH. O programa João de Barro, na opinião de Royer “ilustra a adaptação dos programas financiados pelo sistema e a tentativa do governo federal de conciliar, dentro da mesma lógica, interesses incomunicáveis, visando ao equilíbrio entre os destinatários de sua política pública” (p.15, 2002). Como gestor dos recursos do FGTS, era evidente o caráter institucional dos programas geridos pelo Banco Nacional de Habitação - BNH: a implementação dos programas era feita pelas COHABs regionais que, como agentes promotores, eram responsáveis pela contratação de projetos e empresas construtoras, sem nenhuma participação da população favorecida. Com a introdução das novas políticas públicas habitacionais baseadas na proposta de autoconstrução, os projetos de mutirão e autogestão foram deixando o caráter da informalidade e passaram a ser enquadrados nas políticas municipais. Essa mudança tirou do foco a empresa construtora, principal agente das políticas para habitação, e colocou como ator principal o próprio mutuário, organizado em associações ou cooperativas. No entendimento de Royer (p. 10, 2002), “o modelo BNH/SFH, mais do que planejar e executar políticas públicas de universalização do direito a habitação tinha como papel preponderante a acumulação privada dos setores da economia envolvidos com a produção habitacional”. No ano de 1983, a crise do Sistema Financeiro de Habitação - SFH aumentou e o Banco Nacional de Habitação - BNH foi extinto em 1986. Com isso, a Caixa Econômica Federal passou a assumir a responsabilidade pelos repasses e pela execução de políticas habitacionais, de saneamento e de desenvolvimento urbano (Macuco – 2004). “A Caixa Econômica Federal - um banco de primeira linha - tornouse o agente financeiro do Sistema Financeiro da Habitação, absorvendo precariamente algumas das atribuições, pessoal e acervo do agora antigo BNH. A regulamentação do crédito habitacional passou para o Ministério da Fazenda, no âmbito do Conselho Monetário Nacional, tornando- se, de modo definitivo, um instrumento de política monetária, o que levou a um controle mais 31 rígido do crédito, dificultando e limitando a produção habitacional.” (Bonduki, p. 188, 2002) Com isso, houve uma redução nas linhas de financiamento e programas existentes, afetando principalmente a população de baixa renda. Essa situação foi agravada com a crise econômica que afetou o país no final década de 80. Para ajudar a resolver a questão da habitação, o poder local passou a agir como mais um ator na aplicação de soluções que atendessem a demanda existente por habitação popular, quase sempre em parceria com a sociedade civil organizada. Desta forma, o período pós Banco Nacional de Habitação - BNH foi marcado por soluções alternativas que visavam suprir as necessidades locais por habitação. Diferente dos programas do banco, as políticas habitacionais implantadas pelo poder local, destinadas ao mercado popular, tinham como base a participação dos mutuários. Essa participação tinha como objetivo principal a redução dos custos, uma vez que a mão de obra era proveniente do próprio beneficiário. Além disso, nos processos de produção do Banco Nacional de Habitação - BNH, o futuro morador não tinha participação na elaboração de projetos ou na escolha do local do empreendimento, sendo que muitas vezes os moradores eram removidos de áreas centrais da cidade para periferias semi-urbanizadas com carência de serviços básicos, como transporte, educação saúde e segurança. Desta forma, o Poder Público local passou a investir em soluções de baixo custo, em processos autogestionados, construídos por mutirão assistido. As entidades organizadoras, na maioria das vezes associações de bairro ligadas a movimentos de luta por moradia, participavam ativamente do processo, desde a elaboração dos projetos, feito por assessorias técnicas de arquitetura e engenharia, até a execução da obra, onde somente os serviços especializados eram contratados. Todo o processo era assistido por equipes técnicas, provenientes das assessorias ou das prefeituras. Outras experiências bem sucedidas com política habitacional para população de baixa renda foram realizadas pela Companhia do Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo - CDHU. Era utilizado o mesmo sistema de autogestão, porém nessas operações as entidades organizadoras não participavam ativamente do processo. Neste caso, os projetos realizados por escritórios de arquitetura, não eram discutidos com os futuros moradores e as assessorias não tinham contato direto com os movimentos. 32 Com a maior parte dos serviços contratada com empresas especializadas, somente os serviços básicos, como de ajudante de pedreiro, ficava sob a responsabilidade dos mutuários. Esses serviços eram realizados prioritariamente aos finais de semana, durante o tempo livre das famílias. O uso do mutirão, como forma de diminuir os custos da construção, tem gerado controvérsias, pois os mutirantes acabam se envolvendo com trabalho pesado nos dias em que deviam se dedicar ao lazer e à família (Abiko &Coelho – 2005). As obras em regime de mutirão costumam ser concluídas num prazo muito maior do que quando executadas com mão de obra contratada, pois o trabalho é executado somente aos finais de semana. Porém, para Nobre e Bonfim, “apesar da existência destes programas, não se tem verificado até agora uma política abrangente que realmente responda às necessidades existentes na cidade, tanto de renda, como de atuação e gestão da população de baixa renda, havendo hoje diversos entraves” (p. 17, 2001). 2.3 As experiências brasileiras: produção habitacional no período pós Banco Nacional de Habitação - BNH Considerando a viabilização do acesso a moradia para a população de baixa renda, podemos verificar que no Brasil esta ocorre proveniente da autoconstrução, sempre a margem da regularização jurídica e fundiária da terra, criando problemas futuros em relação à posse da mesma. A falta de recursos suficientes para atender toda a demanda por moradia, somada a deficiência de linhas de financiamento habitacional destinadas à população de baixa renda, impede esse grupo de acessar a moradia por meios formais, incentivando ocupações de áreas publicas e privadas na formação de assentamentos irregulares. Da mesma forma, fica inerente a desigualdade entre as classes sociais quando verificamos a localização da habitação, na medida em que o acesso à moradia legalizada para a população de baixa renda se dá nas periferias dos grandes centros urbanos. Assim, políticas de remoção de favelas, com o deslocamento da população para áreas afastadas, passaram, aos poucos, a serem substituídas por programas 33 de urbanização destas áreas, com sistemas de autogestão e autoconstrução, na medida em verificou-se os benefícios à sociedade da não remoção desta população. As políticas tradicionais de habitação do Banco Nacional de Habitação - BNH e Companhias de Habitação - COHABs, ao construir conjuntos padronizados com uma enorme quantidade de habitações, criavam novos bairros nas periferias distantes. Esses bairros nem sempre possuíam o atendimento suficiente de serviços básicos, onerando, para o Poder Público, o custo de viabilização destes empreendimentos. Conhecidos como cidades dormitórios, essas localidades foram responsáveis por aumentar ainda mais as desigualdades sociais urbanas. Nas palavras de Maria Ângela de Almeida Souza: “Os movimentos sociais pela posse da terra e da moradia, que eclodem nas grandes cidades brasileiras, a partir de meados da década de 1970, antes de se constituírem expressão de luta pela habitação, representam a luta pela própria permanência na cidade. Ressaltam a dimensão territorial inerente à questão habitacional e conferem à noção de acessibilidade – à habitação, à terra urbana e à cidade – um caráter político-espacial denunciador de processos de exclusão social” (p. 116, 2003). No intuito de “tomar conta do processo”, vários movimentos sociais surgiram com a preocupação central de garantir o direito a posse da terra e o acesso à moradia. Atendendo as reivindicações destes movimentos, o poder local de diversos municípios brasileiros conseguiu viabilizar moradia às classes antes excluídas deste processo. Na descrição de Cymbalista: “Os movimentos de luta por moradia no Brasil organizaram-se em agregações nacionais como a União Nacional de Movimentos de Moradia (UNMM) e o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLN), ambos integrantes da Central de Movimentos Populares (CMP), com atuação importante nos movimentos por moradia, e que agrega movimentos populares também nas áreas de transporte, gênero e raça. Além dessas, agregou-se também a Conam (Confederação Nacional de Associações de Moradores), existente desde o fim da década de 70 e que, na década de 90, passou a participar nos fóruns nacionais de disputa pela construção de novas políticas.” (p.2, 2005) Na descrição de Bonduki (apud Pasternak e Baltrusis, p.25, 2003), o trabalho comunitário “passou a ser um importante pólo de auto organização dos trabalhadores para enfrentar seus problemas concretos”. Tentando encontrar uma maneira de viabilizar moradia popular, nos mesmos moldes implantados em outros paises da América latina, vários movimentos sociais de luta por moradia passaram a 34 atuar em conjunto com o poder local nos processos de construção de moradias. Apesar dos recursos públicos destinados a essas ações, nem sempre os movimentos tiveram autonomia na gestão destes recursos, ficando sua participação limitada nas discussões em relação aos projetos e na provisão da mão de obra mutirante. Para esclarecer melhor sobre o mutirão, podemos classificá-lo como um regime construtivo, conhecido também como sistema de ajuda mútua. Esse sistema é muito utilizado em construções de moradia popular e consiste no principio de que “todos constroem todas as casas”. Ao final da obra, as casas são sorteadas. O fato de o futuro morador desconhecer previamente qual será a sua casa é justamente uma forma de garantir que a construção seja feita com mesma qualidade e evitar que ele construa a própria casa e abandone ou relaxe na construção das demais. Conforme a classificação de Abiko e Coelho (2006), um mutirão pode ser: • Mutirão por gestão institucional ou administração direta: o poder público, através de empresas estatais de habitação (COHABs, etc), tem a gestão total do empreendimento, elaborando os projetos, fornecendo assessoria técnica, administrando os recursos, sendo que a participação dos futuros moradores é somente no fornecimento de mão de obra mutirante. • Mutirão por co-gestão: nessa situação os poder público repassa os recursos às associações, que ficam responsáveis por contatar assessorias técnicas de engenharia ou arquitetura para elaborar os projetos e acompanhar as obras. • Mutirão por autogestão: a responsabilidade pelo gerenciamento dos recursos e a administração da obra é da entidade organizadora, que também pode contar com a participação de assessoria técnica ou apenas a contratação de um engenheiro ou arquiteto autônomo. O processo de autoconstrução difere do mutirão no fato de que cada um constrói a sua própria casa, não existindo o conceito de ajuda mútua. Este regime é mais adotado nos casos de reforma e conclusão do imóvel, ou, nos casos onde cada um já possui o seu lote definido. 35 Ambos os regimes construtivos visam diminuir o preço de construção, pois dispensam a contratação de mão de obra, item com custo elevado nos processos construtivos tradicionais. Ao reduzir o custo, a área da unidade habitacional pode ser ampliada, assim como os materiais empregados na construção podem ser de melhor qualidade. Tais melhorias têm implicação direta na qualidade de vida do futuro morador. A autogestão não é um regime construtivo e sim uma forma de administração da obra, onde os futuros moradores têm completa autonomia na gestão dos recursos, contratação de serviços e mão de obra, bem como escolha dos materiais empregados na obra. Além disso, pode estar prevista também a escolha e aquisição do terreno. Na visão de Nahoum (2002), para as cooperativas habitacionais, a ajuda mútua e autogestão tem um duplo valor: econômico e social. O econômico pode ser identificado no fato de que cada cooperado participa do financiamento da construção, seja no aporte de recursos ou no trabalho de produção da habitação. O valor social pode ser verificado na participação intensa dos mutuários, que envolvem o grupo na tomada das decisões, desde a aplicação dos recursos até a construção propriamente dita. Neste processo, os cooperados estabelecem uma relação de apropriação com o espaço construído muito maior do que com os sistemas convencionais de construção, “adquirindo consciência da importância da solidariedade, de que juntos de organizados podem muito mais...” (Nahoum, p. 134, 2002). No processo de autogestão, o regime de construção adotado pode ser mutirão, autoconstrução, mutirão misto ou até administração direta com contratação de mão de obra. No caso de administração direta, a entidade organizadora pode contratar uma construtora, empreiteira ou contratar diretamente a mão de obra especifica para cada serviço, sempre com a supervisão de um responsável técnico. Em geral, os recursos destinados à construção de moradia popular são provenientes do poder público. Na análise de Macuco: “A implementação de processos produtivos auto-gestionários pode ou não utilizar o mutirão (ajuda mútua ), como método de organização da construção, no todo ou em parte. Em geral, quando os usuários optam pela utilização da ajuda mútua, o fazem incluindo esta modalidade somente para as etapas menos complexas, 36 preferindo a contratação de profissionais ou firmas especializadas, para as partes que exigem mais conhecimento técnico de construção.” (p. 35, 2004) Nos primeiro programas do Banco Nacional de Habitação - BNH que previam os regimes de autoconstrução e mutirão, os usuários contribuíam somente com a mão de obra e não tinham participação nas decisões mais importantes, como escolha do projeto e tipo de acabamento. A existência de financiamento público voltado para a produção de habitação popular é um componente fundamental para o desenvolvimento do sistema cooperativo, permitindo que as experiências pontuais passem a ser reproduzidas em escala massiva (Nahoum - 2002). Numa segunda etapa, quando o poder local passou efetivamente a tomar conta das políticas habitacionais, devido a pressão dos movimentos sociais e no intuito de dar maior poder de decisão a essas entidades, o processo de mutirão e autoconstrução passou a ser geridos pelos próprios beneficiários, surgindo assim as primeiras experiências em autogestão. Em uma avaliação critica das primeiras experiências com produção habitacional pelos movimentos sociais Lopes e Risek chegaram a seguinte conclusão: “Se São Paulo assistiu a um processo intensivo de articulação política em torno dos mutirões autogeridos e inúmeras vertentes de proposições técnicas e projetuais, Fortaleza viu as possibilidades de gestão autônoma de produção esvaírem-se num ”mar de mutirões” que reproduziam, alegoricamente, um sem-número de desenhos diferentes de platibandas que nada mais faziam que esconder a precariedade material e a pobreza da solução arquitetônica e urbanística – guardadas algumas poucas exceções. Por outro lado, se Fortaleza conseguiu congregar e assegurar um fluxo articulado de recursos destinados aos mutirões (prefeitura, estado, agências internacionais, ONGs, universidade e igreja), São Paulo sofreu profundamente com a supressão dos financiamentos no período Maluf/Pitta. Já em Belo Horizonte, a disputa pelo recurso para a moradia dava-se no âmbito do Orçamento Participativo, instância de orientação geral dos investimentos nos serviços urbanos. No entanto, os grupos mais articulados eram justamente aqueles ligados aos Movimentos de Moradia, os quais abocanhavam praticamente todos os recursos disponíveis para investimento. A solução foi criar um processo de discussão de orçamento exclusivo para a habitação – o OPH –, para o qual era destinada uma parcela previamente estipulada dos recursos de investimento.” (p. 81, 2006) 37 Mesmo assim, considerando as dificuldades enfrentadas durante o processo e as críticas aos modelos adotados, algumas experiências serviram de base para novas práticas e também contribuíram para o crescimento do associativismo na busca de soluções para habitação popular. É o caso do exemplo citado por Bonduki em relação aos trabalhos da Associação de Construção Comunitária com habitação popular: “ a partir de 1983, (quando) um grupo de 50 famílias comprou um terreno, com auxílio da igreja, e desenvolveu, com assessoria técnica autônoma, um projeto autogestionário para a produção de casas. Após negociações com o governo do estado, obteve da Companhia de Desenvolvimento Habitacional um financiamento para a construção de casas, que – caso inédito (...) – foi repassado diretamente para a associação, que pode gerir com total autonomia.” (Bonduki, apud Pasternak e Baltrusis, p.26, 2003) Na opinião de diversos autores, o caso dos conjuntos União da Juta e Vila Cazuza, localizados no estado de São Paulo, podem ser consideradas experiências bem sucedidas, ambas construídas em sistema de autogestão durante todo o processo. Localizado em Diadema, município da região metropolitana da Grande São Paulo, o conjunto habitacional Cazuza, em sua primeira etapa de construção, com 100 unidades habitacionais, teve seus recursos provenientes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS. Esses recursos foram financiados pela Caixa Econômica Federal, através do programa Prohap Comunitário. O programa só financiou mais um empreendimento, da Associação de São Bernardo, e foi resultado de intensas reivindicações do UMM (União dos Movimentos de Moradia) em Brasília, junto ao Governo Federal na tentativa de conquistar políticas públicas que previam linhas de financiamento destinadas à habitação de interesse social. No contrato de financiamento com a CAIXA, a Associação de Construção Comunitária de Diadema configurava como responsável pelo empreendimento, tendo total autonomia na gestão dos recursos. Os beneficiários figuravam também como responsáveis na provisão de mão de obra não remunerada, portanto o regime de construtivo era mutirão, e uma assessoria técnica ficou responsável perante o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA pela elaboração dos 38 projetos e assistência técnica da construção. Neste caso, a remuneração da assessoria era de responsabilidade do proponente, no caso, a associação. Alguns entraves foram verificados no processo do Cazuza 100, como ficou conhecida a primeira etapa do projeto. O não reconhecimento por parte do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS da mão de obra mutirante dificultou a legalização do empreendimento ao término da obra. FIGURA 2.1 – CONJUNTO HABITACIONAL CAZUZA DA AREIA Fonte: http___habitare.infohab.orgCazuza Como foi adquirida pela associação uma gleba bruta, várias dificuldades foram enfrentadas para conseguir o parcelamento da terra, que previa inclusive áreas públicas a serem doadas para a Prefeitura. Atualmente os moradores pagam IPTU, inclusive sobre a área pública que não foi doada ao município por falta de desmembramento, e pretendem legalizar o imóvel na forma de condomínio, incorporando estas áreas ao imóvel. A segunda etapa do projeto, de 280 unidades, contou com a poupança prévia dos moradores e de financiamento proveniente de fundo municipal. O caso da União da Juta, um conjunto de 160 apartamentos localizados na Zona Leste de São Paulo, teve a construção financiada pelo governo estadual, através do programa “Mutirão com a UMM” da CDHU. A Fazenda da Juta, conhecida como “terra de ninguém”, devido a falta de infra-estrutura e serviços, foi aos poucos sendo povoada por diversos projetos habitacionais provenientes de programas financiados pelo governo estadual e municipal. Nas palavras de Risek, Barros e Bergamim (p. 39, 2003): “Nesta “terra de ninguém” que era a Juta, hoje estão localizados mutirões financiados pelo governo estadual, conjuntos resultantes de empreitada global, os “paliteiros”, os mutirões da prefeitura, enfim, uma diversidade de experiências habitacionais que foram sendo construídas lado a lado naquele terreno vazio, sem infraestrutura urbana nem equipamentos comunitários”. 39 FIGURA 2.2 – UNIÃO DA JUTA Fonte: http___habitare.infohab.org Foram muitas as dificuldades enfrentadas pelo grupo, principalmente pela falta de equipamentos públicos, conquistados somente depois da ocupação e devido à cooperação internacional e parceria com a Igreja e o Poder Público municipal. Os espaços destinados ao funcionamento das atividades comuns foram construídos com mão de obra mutirante, gerando polêmica entre alguns moradores que não concordavam com o uso dos espaços por outras pessoas do bairro que não participaram da construção. Em documento de avaliação do programa de Mutirão com a UMM, a própria CDHU concorda que: “O programa Mutirão com a UMM foi implantado na CDHU no mesmo momento em que a PMSP desenvolvia programas conceitualmente similares, e tal influência se fez presente incorporando vícios e virtudes desta experiência. O mesmo exemplo gerou o interesse de outros agentes, com a própria CEF, que promoveu e financiou empreendimentos em mutirão em São Bernardo e Diadema. Cabe observar que na PMSP a questão da autogestão assumia um papel central na política habitacional adotada, implicando grande apoio e suporte institucional (alimentação, apoio à organização de creches). (...) O programa implementado apresenta alguns pressupostos, que remetem ao conceito de autogestão: • Indicação das associações comunitárias pela UMM, bem como a seleção das famílias • Contratação de assessorias técnicas • Livre escolha pela população do projeto arquitetônico • Construção de unidades com padrões superiores aos da produção tradicional, sendo os ganhos de escala obtidos através do processo de gestão de obras e economia na aquisição dos materiais”. Os primeiros contratos foram feitos só em junho de 1992, decorrentes da permanente adaptação das partes ao programa. A dificuldade no primeiro repasse foi o não- preenchimento, pelas associações, das exigências técnicas dos programas. Outra dificuldade apontada foi a não-viabilização dos terrenos das prefeituras municipais. 40 Em agosto de 1993, o secretário passou a uma repactuação do programa 6.022 U.H. em 30 empreendimentos.” (CDHU, apud Royer, p. 104, 2002) Assim, tendo como base essas experiências e na tentativa de garantir recursos destinados exclusivamente às cooperativas e associações, os movimentos sociais pressionaram o Governo Federal no sentido de prever uma política habitacional onde esses movimentos tivessem total autonomia na gestão dos recursos em todo o processo. O intuito era tirar as construtoras do processo de gestão e passá-lo a essas entidades, como forma de garantir o barateamento dos custos de construção e, por conseqüência, a melhoria da qualidade da habitação e, ao mesmo tempo, uma linha de financiamento com juro baixo ou algum tipo de subsidio. Como disse Cymbalista em relação à falta de recursos destinados a moradia popular, “diferentemente de políticas de saúde e educação, não foi possível até agora garantir recursos “carimbados” para a política de habitação...” (p. 6,2005). Assim, a luta dos movimentos sociais por uma política habitacional passa a ser uma reivindicação por um programa que disponha de uma linha de financiamento destinada à construção de moradia popular com um sistema de autogestão. A reivindicação por um programa que dê aos movimentos sociais completa autonomia na gestão dos recursos financeiros destinados à construção de moradia, incluindo a escolha e aquisição do terreno, definição dos projetos e administração da obra, dando a esses movimentos a mesma responsabilidade que uma construtora tem, perante a instituição financeira, ao solicitar um financiamento para a construção. 41 CAPITULO 3 - O PROGRAMA CRÉDITO SOLIDÁRIO Este capítulo tem como objetivo apresentar o programa Crédito Solidário, programa de governo criado pelo Ministério das Cidades em conjunto com os movimentos sociais, no intuito de prover habitação a juro zero para a população de baixa renda. Visando atender às reivindicações da população em relação à moradia popular, foi lançado em 28 de abril de 2004 o Programa Crédito Solidário. Aprovado pelo Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento Social – CCFDS, através da Resolução nº 93/2004, o programa é destinado ao financiamento de construção, reforma, ampliação e conclusão de unidades habitacionais em área urbana e rural, destinadas exclusivamente para famílias de baixa renda. O objetivo do programa é financiar diretamente o beneficiário – pessoa física, organizado em grupos associativos representados por cooperativas, associações civis e demais entidades da sociedade civil. 3.1 – Características do programa O Programa Crédito Solidário foi criado pelo Ministério das Cidades em conjunto com os representantes dos movimentos sociais nacionais, CONAM, MNLM, UNMP, CMP entre outros, tendo como base algumas experiências em autogestão praticadas por governos locais de alguns municípios. Para Perondi (p.10, 2007), “a idéia, ao se criar o Programa, foi de estimular o regime de cooperativismo habitacional e ao princípio de ajuda mútua, que são formas de garantir a participação da população como protagonistas na solução dos seus problemas habitacionais comuns”. O aval ao crédito veio de recursos não onerosos do Fundo de Desenvolvimento Social - FDS, regulamentado pela Instrução Normativa no. 11 de 14 de maio de 2004, que tinha em 2004, na criação do programa, um orçamento de R$ 542 milhões para financiar habitação popular (Ministério das Cidades – 2004). Baseado na proposta da organização das comunidades locais, o programa prevê o principio de ajuda mútua enfatizando a participação popular na “solução de seus problemas habitacionais comuns, proporcionando-a dentro das necessidades e características com os usos e costumes locais” (Resolução nº 93/2004 do CCFDS – 2004). 42 Tendo como referência as experiências realizadas por diversas entidades nos municípios e Estados, a criação do programa é o resultado do pleito das comunidades locais. Mediante pressão política junto ao Governo Federal, essa população solicitava a elaboração de uma linha de financiamento habitacional destinado às camadas populares, nos mesmos moldes já executados em nível local. O programa prevê a autogestão dos recursos, dando total autonomia às associações e cooperativas participantes do programa, que podem adotar o regime de administração direta, com contratação de mão de obra, mutirão, autoconstrução ou regime misto, englobando mais de um tipo de regime construtivo. Na visão de Royer (p. 106, 2002) um programa de autogestão está associado ao “controle do dinheiro do financiamento adquirido, bem como das decisões relativas à organização da obra, do canteiro. Quando os movimentos pleiteiam uma política habitacional, ou, mais restritamente, um programa habitacional que contemple a autogestão, o que têm em mente é o repasse do dinheiro do financiamento para a associação comunitária encarregada da gestão da obra”. Um dos principais diferenciais do programa, além da autogestão pelos grupos associativos, é a taxa de juros, que é zero. Outro diferencial é a antecipação de parcela de obra, ou seja, cada parcela destinada ao pagamento da obra é liberada de forma antecipada, antes da execução da obra, conforme cronograma físicofinanceiro apresentado pelo proponente. Nos demais programas a liberação de parcelas de obra é feita somente após a medição da obra, quando ficar constatado a efetiva execução dos serviços programados. A parcela referente a aquisição do terreno é liberada integralmente na contratação, diretamente ao proprietário da terra, após o registro dos contatos junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Coube a CAIXA o papel de agente operador e financeiro do programa, sendo que todas as propostas são analisadas e tem sua obra acompanhada por técnicos desta empresa pública. Desta forma, conforme Resolução nº 93/2004 do CCFDS, as atribuições de cada um dos participantes do programa são as seguintes: 43 QUADRO 3.1 – ATRIBUIÇÕES DOS PARTICIPANTES DO PROGRAMA Órgão/entidade Atribuição Ministério das Cidades Gestor das aplicações do FDS Caixa Econômica Federal Governos estaduais, municipais e do Distrito Federal - DF COHABs e assemelhados, cooperativas habitacionais ou mistas, associações e demais entidades da sociedade civil Caixa Econômica Federal Agente operador do FDS Fomentadores ou facilitadores dos empreendimentos, com atribuições de congregar, organizar e apoiar famílias no desenvolvimento de cada uma das etapas dos projetos voltados para a solução dos seus problemas habitacionais. Agente financeiro Contribuir para realização dos objetivos do(s) projeto(s) e venham a ser nele(s) admitido(s), nas condições e com atribuições definidas em cada caso. Organizar a participação de todos os envolvidos na execução do empreendimento, de forma a assegurar sincronismo e harmonia na implementação do projeto; Promover ações necessárias ao planejamento, elaboração e implementação do projeto; Legalizar o empreendimento perante todos os órgãos públicos; Providenciar a documentação necessária para contratação e liberação das parcelas do financiamento; Prestar assistência jurídica e administrativa aos beneficiários, com vistas à preparação dos documentos necessários à formalização do financiamento; Promover ações necessárias à fiscalização e acompanhamento das obras; Apresentar à CAIXA, mensalmente, demonstrativo de evolução física do empreendimento, conforme os projetos técnicos, especificações e cronograma físico-financeiro global aprovado; Assinar os contratos de financiamento juntamente com os beneficiários. Outros órgãos e entidades Agente organizador Fonte: elaborado pela autora com base nas informações do Ministério das Cidades – 2007 Para participar do programa, além de fazer parte de um grupo associativo, é necessário possuir renda familiar bruta de até 3 salários mínimos, sendo que 35% do grupo pode ter renda familiar de até 5 salários mínimos. Este limite é válido para os municípios localizados nas regiões metropolitanas. Para as demais localidades, o limite é de 20% do grupo com renda superior a 3 salários. 44 As propostas devem atender ao limite máximo de 200 unidades por entidade nas regiões metropolitanas, capitais estaduais e municípios com população urbana igual ou superior a 50 mil habitantes e o limite de 100 unidades por entidade nos demais municípios. A área escolhida para o empreendimento deve estar inserida na malha urbana e dotada de infra-estrutura, como energia elétrica, abastecimento de água e saneamento ou solução para estes, tais como poço artesiano e conjunto de fossa séptica/sumidouro, bem como ser atendida por serviços básicos de transporte, educação, saúde, comércio, segurança e lazer. O programa financia 95% do valor total do investimento, por isso cada família deve contribuir com 5% do valor a título de contrapartida, valor este que pode ser aportado durante a execução da obra. Compõem o financiamento as despesas diretas e as despesas indiretas referentes a construção e legalização do empreendimento. São consideradas despesas diretas os custos de aquisição de terreno, projetos de engenharia e social, execução da obra, incluindo a mão de obra e aquisição de material de construção. As despesas indiretas são compostas pelos valores correspondentes aos seguros, regularização do empreendimento, como registro de contratos, aprovação de projetos, alvarás, incorporação imobiliária e demais documentação necessária para a contratação do financiamento. Os valores máximos de financiamento, válidos para a sistemática atual, variam conforme a região do país e o porte do município local da proposta, conforme tabela abaixo: TABELA 3.1 – VALORES MÁXIMOS DE FINANCIAMENTO - SISTEMÁTICA ATUAL (EM R$ 1.000,00) Modalidades Operacionais Municípios com até 50 mil habitantes e Áreas Rurais Municípios com população superior a 50 mil habitantes Municípios integrantes de Regiões Metropolitanas DF e municípios integrantes das Regiões Metropolitanas das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Baixada Santista e Belo Horizonte. Conclusão Ampliação e Reforma 7,5 10 10 10 Demais Modalidades 12 18 24 30 Fonte: Ministério das Cidades – 2007 45 Esses valores podem ser financiados em até 264 meses, com carência durante o período de obra, ou seja, o beneficiário começa a pagar a prestação somente após a conclusão da obra e entrega das habitações. O valor de financiamento diferenciado conforme o tamanho do município visa atender as diferenças regionais em relação ao custo de aquisição da terra, que costuma ser maior nas regiões metropolitanas, responsáveis também por agregar maior déficit habitacional. Essa situação pôde ser confirmada no Distrito Federal que, devido ao elevado valor dos terrenos, obrigou nas associações a migrarem para as cidades do entorno, no Estado de Goiás. Como é um programa de autogestão dos recursos financeiros, é exigido um trabalho técnico social, voltado principalmente para a capacitação da equipe que ficará responsável pela gestão destes recursos. Para isso é formada a Comissão de Acompanhamento de Obra – CAO e a Comissão de Representantes – CRE. O trabalho executado por essas comissões é fundamental para a gestão dos recursos e pela fiscalização da qualidade da obra. Segundo as normas do programa, a CRE é composta por no mínimo 3 pessoas, sendo duas do grupo dos beneficiários e uma representante do Agente Organizador. Essa comissão é eleita pelo grupo, com registro em ata e é responsável pela abertura e movimentação da conta bancária que receberá os recursos para a construção das moradias. A CAO também é eleita pelas famílias beneficiárias, nas mesmas condições da CRE, sendo responsável pela fiscalização das obras, garantindo a qualidade de execução e dos materiais utilizados. Em processos de autogestão, a participação intensa dos futuros moradores e a integração do grupo são fundamentais para garantir o sucesso do empreendimento, como já demonstraram algumas experiências anteriores ao programa citadas no capitulo 2. 3.2 – A Sistemática 2004: o inicio do programa Após compreender como são as regras do programa, podemos dividir as dificuldades encontradas em sua aplicação em duas etapas: a sistemática de 2004 e a atual. 46 Em sua versão inicial, dentro da Sistemática 2004, as propostas eram encaminhadas ao Ministério das Cidades, gestor do programa. As propostas eram analisadas tendo como base uma Carta Consulta enviada pelo proponente com informações sobre o valor e quantidade de unidades pleiteadas, município de localização da proposta, quantidade de associados e a renda das famílias. A prioridade era contemplar as regiões com maior déficit habitacional, no caso, as regiões metropolitanas. Após aprovação da proposta, cada entidade recebia uma Carta de Crédito com informações sobre o valor de financiamento, quantidade de unidades e município de localização da proposta. Qualquer alteração necessária, em relação aos valores e localização, deveria ser previamente aprovada pelo Ministério. Com a carta em mãos, o grupo interessado deveria juntar a documentação necessária e encaminhar para análise na Caixa Econômica Federal. Ocorre que, por se tratar de uma prévia para garantir a seleção, a maior parte das entidades não tinha sequer uma área em vista. Com isso, após 2 anos, apesar de possuir a Carta de Crédito, muitas propostas acabaram sem contratar por não encontrarem um terreno adequado ao programa. Em alguns municípios existia também a expectativa de receber lotes mediante doação ou cessão de uso por parte do poder local. Em municípios menores isso até foi possível, porém nas regiões metropolitanas, como São Paulo e Distrito Federal a espera foi frustrada, uma vez que as áreas não foram repassadas para as entidades. Essa expectativa gerou também o descrédito, por parte dos associados, em relação a existência e efetivação de tais propostas. Desta forma, as associações buscaram terrenos na região do Entorno do Distrito Federal, Estado de Goiás, migrando suas propostas para essas localidades. Isso demonstra com clareza a dificuldade da população de baixa renda em habitar nas localidades próximas das áreas urbanizadas das cidades. O alto custo da terra e a falta de parcerias entre o poder local na viabilização de áreas mais acessíveis e regularizadas acabaram por expulsar para as áreas periféricas a camada mais pobre da população. No inicio do programa, após as lutas por conquista de uma política habitacional deste tipo, ficou claro que, sem as parcerias necessárias e com 47 recursos escassos, não seria este programa o responsável por diminuir o déficit habitacional existente nos grandes centros urbanos. Além disso, o valor de financiamento máximo da sistemática 2004 era de R$ 20.000,00, recursos considerados insuficientes para aquisição de terreno e construção em locais onde o custo da terra é mais valorizado, como nas regiões metropolitanas. No intuito de contemplar o maior numero de propostas, a primeira seleção realizada pelo Ministério das Cidades, acabou destinando valores muito abaixo do limite máximo do programa, tornando inviável a contratação nestas regiões. Com isso, no primeiro edital de seleção, quando foram publicadas as 812 propostas selecionadas, o recurso total de crédito concedido foi de R$ 444.124.536,00, sendo contempladas 45.723 famílias, com o valor médio de financiamento por unidade de R$ 9.713,37. Desta forma, podemos considerar que os problemas enfrentados durante o inicio da operação do programa foram: • Valor do crédito: os valores das Cartas de Crédito concedidas pelo Ministério das Cidades tornava inviável a contratação das propostas em algumas regiões do país, principalmente se não houvesse parceria com o Poder Público para a doação dos lotes e infra-estrutura. • Terreno: devido ao custo de aquisição de terreno em regiões mais centrais, foram escolhidas áreas mais distantes, necessitando de toda a infraestrutura básica, o que encarecia o valor de investimento. As áreas não regularizadas ou não individualizadas também são consideradas um entrave, pois a demora no processo de parcelamento gera morosidade no processo e aumento das despesas. A falta de parceria com o poder local no intuito de disponibilizar áreas públicas disponíveis ou a escolha de terrenos complicados, com declividade acentuada, presença de córregos e áreas de preservação ambiental também foram situações verificadas em algumas regiões do país. • Assessoria técnica: a falta de assessoria técnica capacitada, composta por arquitetos e engenheiros comprometia o andamento do processo desde a escolha do terreno, tendo em vista que os proponentes não tinham conhecimento das despesas relativas a regularização das áreas, trabalhos de terraplenagem e 48 demais despesas referentes aos trâmites necessários à viabilização de empreendimentos imobiliários. • Despesas prévias: com aprovação de projetos e licenças nos órgãos competentes, que deviam ser assumidas pelas associações antes do recebimento dos recursos do financiamento. • Análise dos beneficiários: vencidas as barreiras iniciais, a preparação para a contratação, que envolve uma análise de risco de crédito dos beneficiários, passou a ser um entrave. Esta análise inclui a apresentação de uma série de documentos, além da uma entrevista. A maior dificuldade verificada em relação a esta análise é a falta CPF regularizado, além de beneficiários com restrição cadastral. • Agências bancárias: a falta de conhecimento do programa pelos funcionários das agências da CAIXA também tem sido um obstáculo para as contratações com os beneficiários. Em algumas regiões do país são exigidos pelas agências documentos desnecessários e não são aceitas famílias com renda proveniente de atividade informal. Existe também, em alguns pontos de venda, um grande desinteresse em contratar propostas do programa, pois ele não conta pontos nas metas anuais das agências. No entanto, no inicio da operação do programa, devido à pressão em relação às regras rígidas, algumas modificações foram feitas para tentar viabilizar as operações. Dentre elas, podemos ressaltar a eliminação das taxas de análise jurídica e de pesquisa cadastral. Foram revistos também os normativos internos da CAIXA, que haviam sido elaborados tendo como base programas destinados à construtoras. Porém, a maior conquista dos movimentos sociais foi a criação do Fundo Garantidor, através da Instrução Normativa no. 100, em 16 de janeiro de 2005. O FG é um fundo de aval que funciona como um seguro de crédito, onerando a prestação em 19,85%. O Fundo Garantidor conseguiu alterar a forma de garantia do financiamento, autorizando a utilização no programa de terras com Cessão de Uso ou não individualizadas. Com isso, as entidades podiam adquirir uma gleba bruta e parcelar 49 somente ao final de obra, inclusive contando com recursos do financiamento para esta finalidade. Outra conquista dos movimentos sociais foi o aumento do valor do financiamento e quantidade de unidades de algumas propostas. Assim, após revisar as solicitações em relação ao crédito concedido, o Ministério das Cidades conseguiu alterar alguns valores. O total concedido foi ampliado então para R$ 642.929.278,16, atendendo o total de 51.044 famílias (Tabela 3.2). TABELA 3.2 – VALORES MÉDIOS DE FINANCIAMENTO POR FAMÍLIA - SISTEMÁTICA 2004 ESTADO Acre Alagoas Bahia Ceará Distrito Federal Espírito Santo Goiás Maranhão Minas Gerais Mato Grosso do Sul Mato Grosso Pará Paraíba Pernambuco Piauí Paraná Rio de Janeiro Rio Grande do Norte Rondônia Rio Grande do Sul Santa Catarina Sergipe São Paulo Tocantins TOTAL QUANTIDADE DE FAMILIAS ATENDIDAS 250 600 3.419 793 6.125 601 2.298 1.620 4.153 400 450 1.870 1.101 2.115 1.838 2.142 3.796 1.154 700 5.910 1.326 550 7.093 740 51.044 VALOR MÉDIO POR UNIDADE - EM R$ 8.840,00 9.158,33 9.321,46 7.000,00 15.522,51 6.343,08 12.899,30 11.095,62 15.001,90 8.242,50 8.777,77 14.237,49 12.851,00 12.848,70 6.517,41 7.669,74 14.921,50 12.703,94 9.071,43 10.999,40 7.837,03 8.363,64 17.070,62 9.000,00 12.595,59 Fonte: elaborado pela autora conforme dados do Ministério das Cidades – 2004 Entretanto, apesar das alterações citadas, as diversas mudanças realizadas durante a sistemática 2004 não foram suficientes para garantir a contratação das propostas. Segundo o levantamento feito pelo FNRU – Fórum Nacional de Reforma Urbana, das 2.759 propostas inscritas para seleção em 2004, somente 812 50 propostas foram selecionadas (Ministério das Cidades, 2004), conforme edital publicado no Diário Oficial da União em 6 de agosto de 2004. Das 812 propostas selecionadas, até novembro de 2005, somente 182 grupos haviam encaminhado documentação à CAIXA e somente 1 grupo havia contratado o financiamento. Esse grupo, a COOPER-RECICLA, de Formosa, Goiás, teve o contrato assinado em 18/08/2005 (fonte: CAIXA, 2007), dentro da modalidade aquisição de terreno e construção, contemplando 60 famílias com um valor de financiamento de R$ 11.000,00. Para divulgar o programa, foram realizados diversos Seminários Regionais organizados pelo Ministério das Cidades e pela Caixa Econômica Federal, com o intuito de discutir as regras do programa. Nesses encontros, foi possível confirmar que vários entraves identificados pelos movimentos sociais como dificuldades à implementação do programa, já haviam sido verificados pelos técnicos da CAIXA durante suas análises. Diante das frustrações dos movimentos sociais em relação aos diversos entraves que inviabilizavam a contratação de novos financiamentos, o Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU) encaminhou uma carta ao gestor e operador do programa solicitando a revisão dos seguintes itens: “1. Reconhecimento das associações/cooperativas como entidades jurídicas que possam ser titulares do financiamento; 2. Reconhecimento dos terrenos públicos e dos terrenos/imóvel ainda não regularizados como garantia para o financiamento; 3. Ampliação do limite de financiamento; 4. Eliminação da cobrança de taxas de análises e de abertura de crédito; 5. Não eliminação das famílias que tiverem restrição ao seu cadastro (devido a problemas com o SPC/SERASA/outros); 6. Criação de comitês de apoio ao programa crédito solidário em cada município (propomos que o Ministério das Cidades e a CEF criem Comitês Municipais (Grupos de Trabalho) do Programa de Crédito Solidário em cada município, com a participação de representantes da Prefeitura, do Governo do Estado, das Concessionárias de Serviços Públicos, da CEF, dos Cartórios de Registros de Imóveis, das Associações/Cooperativas inseridas no Programa e suas assessorias); 7. Capacitação pelo ministério das cidades das associações/cooperativas para a implementação do programa; 8. Ampliação do prazo de carência de 12 meses para 24 meses, adequandose, assim, à realidade das associações/cooperativas que deverão construir/reformar as casas sob a forma de mutirão; 9. Ampliação do limite do financiamento para, no mínimo, R$27.000,00.” (Boletim Especial do FNRU, 2005) 51 Conforme dados do Ministério das Cidades, até o final da Sistemática 2004, 111 propostas haviam sido contratadas. Portanto, visando ampliar quantidade de contratações, várias mudanças foram implementadas objetivando a eliminação de alguns entraves levantados durante sua operacionalização. 3.3 – A Sistemática atual: o que mudou no programa Com a Instrução Normativa no. 39/2005 foi feita uma revisão no programa estabelecendo novos critérios de seleção que garantissem a viabilidade do programa. Desta forma, a análise prévia passou a ser realizada pela Caixa Econômica Federal e a documentação mínima exigida foi revisada para garantir a vinculação da proposta com o terreno, projeto e principalmente, um orçamento viável para a execução da obra. Essas mudanças no procedimento de análise fizeram com que as entidades ficassem mais preocupadas em relação à efetividade das propostas, e não somente em ter sua proposta selecionada sem sequer possuir uma área para a construção do empreendimento. Pelas novas regras, as propostas são selecionadas pelo Ministério das Cidades somente após a sua aprovação na CAIXA, que analisa a compatibilidade do local do empreendimento com o programa, além de definir os valores de financiamento mediante análise dos custos de implantação do projeto. Fica evidente que a sistemática atual tem como preocupação principal a vinculação da proposta com o terreno. Esse requisito tem como finalidade evitar as expectativas causadas na seleção 2004 e garantir a efetivação das propostas selecionadas. Além disso, os valores máximos de financiamento foram ampliados para R$ 30.000,00 para as regiões metropolitanas dos municípios do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Campinas e Baixada Santista, incluindo também o Distrito Federal na relação dos municípios beneficiados com a ampliação de valor de financiamento. Porém, apesar das mudanças, muitas entidades ainda reclamam da burocracia necessária para contratar e do prazo de análise, que ultrapassa 6 meses. Conforme informações dos técnicos da CAIXA, um dos problemas desta demora é a falta de capacitação dos proponentes no preparo da documentação e a 52 falta de conhecimento dos trâmites necessários, principalmente jurídicos, em relação à regularização dos empreendimentos e das áreas escolhidas. Além disso, as entidades organizadores tem dificuldade em arcar com as despesas prévias em relação a aprovação de projetos e licenciamentos junto aos órgãos públicos. Essa falta de conhecimento por parte do proponente continua sendo um entrave à concretização das propostas. Até novembro de 2007, 174 propostas haviam sido contratadas desde o início do programa, um número pequeno em relação à quantidade de propostas selecionadas em todo o território nacional desde o inicio do programa, em 2004 (Tabela 3.3). TABELA 3.3 – PROPOSTAS CONTRATADAS ANO QUANT. DE UNIDADES VALORES (EM REAIS) 2005 1061 39.023.000 2006 4750 80.218.000 2007 4201 40.759.000 10.012 160.000.000 TOTAL Fonte: GECIS – CAIXA – novembro/2007 Na critica de Lopes e Rizek, “se o argumento é massificação da produção, o mutirão autogerido não atende: trata-se de uma prática pulverizada que demanda uma imensa rede organizativa de base, qualificada e habilitada para assumir processos massivos de produção habitacional” (p. 67, 2006). Fica claro que, num processo de autogestão, a falta de capacitação técnica e de organização das associações dificulta o processo, desde o preparo da documentação, até o bom andamento da obra, principalmente quando envolve a construção de muitas unidades em regime de mutirão. O aumento do limite máximo de financiamento tem proporcionado a escolha de áreas melhores, mais próximas dos núcleos urbanos, bem como na melhoria da unidade habitacional, que está sendo construída com uma área útil maior e acabamento de melhor qualidade. Segundo dados fornecidos pela CAIXA, existem atualmente 9.963 unidades habitacionais selecionadas pelo Ministério das Cidades, porém 14.423 unidades 53 habitacionais que foram selecionadas nesta sistemática não conseguiram contratar no prazo estipulado pelo Ministério das Cidades, que é de 120 dias. Do total de unidades contratadas, 813 unidades estão concluídas, somando 26 empreendimentos entregues. No entanto, o percentual de obras concluídas representa menos de 10% do total, sendo que um percentual de 32% dos contratos apresenta atraso na obra ou não foram iniciadas ainda (CAIXA, 2007). A inadimplência média do programa é de 25%, sendo que 1258 unidades apresentam 100% de inadimplência (CAIXA, 2007). Esses índices de inadimplência, caso continuem elevados, podem interferir na continuidade do programa. Além disso, algumas dificuldades levantadas pelos gestores do produto podem levar a uma revisão das regras do programa. Segundo a CAIXA (2007), os pontos críticos são: • Alta inadimplência, o que pode interferir na continuidade do programa; • Dificuldades das entidades em pagar despesas prévias à contratação, tais como projetos e estudos específicos, certidões, incorporação e registro, aprovações de projeto nos órgãos competentes, tarifas CAIXA, ITBI, dentre outros; • Desconhecimento por parte da Entidade e beneficiários de todas as etapas do processo de contratação, documentos necessários, custos envolvidos, dentre outros; • Dificuldade em formar parceria com assessorias técnicas e parceiros públicos; • Dificuldade de encontrar terrenos adequados, normalmente em virtude de: custo elevado, necessidade de obras de infra-estrutura, custo oneroso, regularização; • Dificuldade na formação de poupança de no mínimo 5%. Esses pontos críticos, levantados pela CAIXA para a realização de Oficina com os Movimentos Sociais em agosto de 2007, podem ser um indicio de novas mudanças nas regras do programa, de forma a eliminar principalmente problemas internos que impedem a contratação de mais propostas. Na mesma oficina, foram levantados pelos Movimentos Sociais vários pontos críticos que, do ponto de vista deles, seriam os problemas que impedem a operacionalização do programa. 54 Considerando que estes são os principais usuários do programa, participando inclusive de sua elaboração, verificamos que após três anos de existência, o programa ainda apresenta enormes dificuldades na operacionalização em todo o território nacional. Conforme os Movimentos Sociais (UNMP, CONAM, MNLM e CMP) são pontos críticos: • “Fundo Garantidor serve somente para garantir o retorno dos recursos no caso de inadimplência, não resolve a situação da aprovação prévia de projetos; • Contrato individualizado, feito direto com as famílias beneficiadas “mata” o processo coletivo de construção, base dos movimentos sociais. A individualização deve ser somente após o término da obra; • Pagamento dos encargos antes de morar na casa vai ocasionar um • Preocupação quanto a qualidade das casas e existência de infra- caos! estrutura; • Necessidade de parceria com outras instituições para fortalecimento dos movimentos sociais; • O jurídico da CAIXA deve participar da estruturação das medidas do Credito Solidário; • Medições de obra são liberadas com atrasos da GIDUR/REDUR; • Mínimo de 3% das unidades de cada empreendimento com acesso universal; • Desconhecimento na ponta (agências da CAIXA) dos fundamentos do programa; • Desconhecimento do manual normativo e regras do programa (agências da CAIXA); • Desconhecimento das regras do Fundo Garantidor; • Não aceitação da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) como garanti real; • Necessidade de poupança previa/contrapartida; 55 • Necessidade de realizar a incorporação do condomínio antes da contratação (custo elevado); • Falta de informação e vontade política; • Necessidade de aprovar projeto antes da contratação; • Desconto da parcela da obra, diretamente na conta (taxas e seguro); • UNMP, CONAM, MNLM e CMP discutem se existe a possibilidade de adquirir o terreno antecipadamente e depois aprovar os projetos; • As agencias não tem funcionários suficientes para gerar os contratos no momento da contratação; • Os sistemas (CAIXA) não estão integrados e os contratos são gerados manualmente, gerando atrasos; • Liberações das parcelas de obra ocorrem com atraso de 15 a 20 dias após a medição de obra e liberação do RAE (Relatório de Acompanhamento de Empreendimento) pelo engenheiro/arquiteto; • Atrasos gerados pelos Sistemas na liberação de parcelas não devem ser considerados como atrasos no andamento da obra; • O desconto de taxas diretamente do recurso destinado à execução da obra pode comprometer a conclusão da mesma; • O Trabalho Técnico Social deve ser realizado antes, durante e depois da entrega do empreendimento; • Dificuldade de interação com os técnicos sociais da CAIXA - exigências desconformes; • Pesquisa cadastral: houve um acordo prévio de que o SPC não seria um problema; • As agencias estão dando cartão de credito aos beneficiários, com limites elevados, e obrigando os presidentes das entidades a adquirir produtos (seguros, consórcios, etc); 56 • O trabalho técnico social previsto é igual ao exigido para as construtoras, com recursos insuficientes, principalmente quando o prazo de obras é longo; • Retenção da última parcela de 5% não corresponde ao custo de regularização, ficando retido na conta recursos necessários à conclusão da obra; • Gastos prévios à contratação inviabilizam o acesso ao programa; • Projeto mínimo a ser aceito pela CAIXA para a contratação deve ser o aprovado pela municipalidade e não o projeto executivo; • Utilização de parceiras deve ser um “plus” e não uma política de implementação do programa; • Analise das famílias: SERASA impede o acesso ao crédito. Movimentos sugerem que a CAIXA aponte alternativas que incluam as famílias; • Os critérios para comprovação de renda, solicitados pelas agências são divergentes; • O INSS não enxerga o mutirão como mão de obra voluntária e exige o pagamento das taxas como se todos os empregados da obra fossem contratados. Isso gera problemas na emissão do CND e regularização e averbação do empreendimento após a entrega da obra.” Muitos destes pontos críticos já haviam sido identificados pelos usuários do programa durante a primeira fase, no entanto pouca coisa mudou, principalmente em relação às dificuldades de operacionalização pela CAIXA. Isso levou a empresa a criar uma gerência nacional especialmente para cuidar de habitação de interesse social. Desta forma, a CAIXA e os movimentos sociais estabeleceram uma agenda de encontros e grupos de trabalho para estabelecer novas regras para a nova sistemática, principalmente naquelas onde a decisão cabe ao agente operador do programa. 57 CAPITULO 4 – O CASO DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO Para melhor compreender o caso de Distrito Federal, precisamos esclarecer quais são os municípios de abrangência da Gerência de Filial de Desenvolvimento Urbano de Brasília – GIDUR/BR, responsável pela análise das propostas do programa. Cabe a esta unidade da CAIXA atender às demandas do Distrito Federal, de 10 municípios do Estado de Minas Gerais e de 32 municípios do Estado de Goiás. Dentre os municípios de Goiás, estão incluídas as cidades do entorno de Brasília que, devido sua proximidade, acabam servindo como local de moradia para as pessoas que não tem acesso a esta dentro do Distrito Federal. Desta forma, em relação à Sistemática 2004, além das 143 propostas selecionadas para as o Distrito Federal, são objetos deste estudo as 7 propostas selecionadas para a região do Entorno, compreendendo os municípios de Valparaiso, Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental, Novo Gama e Formosa. Ao analisarmos o total de propostas selecionadas no Brasil, podemos verificar que, em quantidade, o Distrito Federal ficou abaixo do Rio Grande do Sul. Se considerarmos o número de habitantes do Distrito Federal, estimado em 2.333.108 (IBGE – 2007) e do Rio Grande do Sul, estimado em 10.845.087 (IBGE – 2007), podemos notar que a quantidade de propostas selecionadas para o DF é relativamente maior. Isso demonstra uma situação atípica em relação aos demais estados, confirmando a demanda existente por este tipo de produto nesta região. FIGURA 4.1 – QUANTIDADE DE PROPOSTAS SELECIONADAS – DF X RS Fonte: Gráfico produzido pela autora com base nos dados do Ministério das Cidades 58 Conforme Tabela 4.1, podemos verificar que o Distrito Federal foi responsável por 17,61 % das propostas selecionadas. A diferença em quantidade de propostas em relação aos demais estados é muito grande. TABELA 4.1 – PROPOSTAS SELECIONADAS NO BRASIL – POR UF – SISTEMÁTICA 2004 ESTADO ACRE ALAGOAS BAHIA CEARÁ DISTRITO FEDERAL ESPIRITO SANTO GOIAS MARANHAO MINAS GERAIS MATO GROSSO DO SUL MATO GROSSO PARÁ PARAIBA PERNAMBUCO PIAUI PARANÁ RIO DE JANEIRO RIO GRANDE DO NORTE RONDONIA RIO GRANDE DO SUL SANTA CATARINA SERGIPE SÃO PAULO TOCANTINS TOTAL QUANTIDADE DE PROPOSTAS SISTEMÁTICA 2004 PERCENTUAL 4 4 40 28 143 7 21 18 46 6 3 16 10 17 26 78 45 14 15 147 45 5 69 5 812 0,49% 0,49% 4,93% 3,45% 17,61% 0,86% 2,59% 2,22% 5,67% 0,74% 0,37% 1,97% 1,23% 2,09% 3,20% 9,61% 5,54% 1,72% 1,85% 18,10% 5,54% 0,62% 8,50% 0,62% 100,00% Fonte: Tabela produzida pela autora com dados do Ministério das Cidades - 2004 Considerando em total de recursos e a quantidade de unidades habitacionais concedidas por propostas, em comparação com os demais estados o Distrito Federal foi responsável por 12% do total de unidades habitacionais e por 14,79% do total do recurso, ficando atrás do Estado de São Paulo (Tabela 4.2). Tal situação confirma a posição do DF como uma região com grande demanda pelo programa, sendo um dos motivos a concentração de cooperativas e associações atuantes na região. 59 TABELA 4.2 – PROPOSTAS SELECIONADAS NO BRASIL – POR UF ESTADO QUANT UH POR UF % POR UH VALOR TOTAL POR UF - EM R$ % POR R$ ACRE 250 0,49% 2.210.000,00 0,34% ALAGOAS 600 1,18% 5.495.000,00 0,85% BAHIA 3.419 6,70% 31.870.057,20 4,96% CEARÁ 793 1,55% 5.550.998,00 0,86% DISTRITO FEDERAL 6.125 12,00% 95.075.376,00 14,79% ESPIRITO SANTO 601 1,18% 3.812.189,00 0,59% GOIAS 2.298 4,50% 29.642.583,20 4,61% MARANHAO 1.620 3,17% 17.974.900,00 2,80% MINAS GERAIS 4.153 8,14% 62.302.900,00 9,69% MATO GROSSO DO SUL 400 0,78% 3.297.000,00 0,51% MATO GROSSO 450 0,88% 3.949.998,00 0,61% PARÁ 1.870 3,66% 26.624.100,00 4,14% PARAIBA 1.101 2,16% 14.148.948,00 2,20% PERNAMBUCO 2.115 4,14% 27.175.000,00 4,23% PIAUI 1.838 3,60% 11.979.000,00 1,86% PARANÁ 2.142 4,20% 16.428.580,00 2,56% RIO DE JANEIRO 3.796 7,44% 56.642.032,00 8,81% RIO GRANDE DO NORTE 1.154 2,26% 14.660.347,76 2,28% RONDONIA 700 1,37% 6.350.000,00 0,99% RIO GRANDE DO SUL 5.910 11,58% 65.006.460,00 10,11% SANTA CATARINA 1.326 2,60% 10.391.900,00 1,62% SERGIPE 550 1,08% 4.600.000,00 0,72% SÃO PAULO 7.093 13,90% 121.081.909,00 18,83% TOCANTINS 740 1,45% 6.660.000,00 1,04% TOTAL 51.044 100,00% 642.929.278,16 100,00% Fonte: Tabela produzida pela autora com dados do Ministério das Cidades - 2004 Portanto, como forma de atender um maior número de propostas, muitas das entidades foram contempladas com poucas unidades, algumas somente com 10 unidades, sendo o valor de financiamento individual muito baixo para a região, considerando a implantação de um empreendimento no Distrito Federal. Com uma expectativa em receber lotes doados pelo Governo do Distrito Federal - GDF ou pela União, algumas entidades interessadas em participar do programa encaminharam Carta Consulta ao Ministério das Cidades para a seleção de 2004. É o caso do Riacho Fundo II, com lotes que seriam cedidos pela União e 60 estavam em negociações iniciais com a Secretaria de Patrimônio da União – SPU. No entanto, após 3 anos desde o inicio do programa, essa área ainda está em processo de licenciamento pelo GDF e não puderam ser objetos de proposta de financiamento no âmbito do programa para a seleção 2004. Diante disso, não fica difícil de entender a frustração das entidades que, com uma Carta de Crédito em mãos, não puderam dar andamento ao processo de contratação do financiamento. Ao final de 2004, poucas propostas haviam sido encaminhadas às unidades da CAIXA responsáveis pela análise. Por isso, o Ministério das Cidades, decretou que o prazo para a entrega da documentação e a contratação destas propostas deveria ocorrer até o dia 30 de junho de 2005. Com base no levantamento feito no sistema de controle da GIDUR/BR, podemos verificar que até 31/12/2004, das 150 propostas, 108 apresentaram alguma documentação e 46 não apresentaram nenhuma documentação. Devido às dificuldades das entidades em preencher os requisitos para a contratação, foi estabelecido novo prazo pelo Ministério das Cidades, podendo ser encaminhada documentação à CAIXA. Portanto, após o adiamento no recebimento das propostas, a situação era a seguinte na GIDUR/BR: 38 propostas tinham documentação suficiente para inicio de análise; 80 propostas tinham documentação insuficiente para continuidade da análise, 31 propostas tinham documentação parcial, ou seja, só do terreno ou só do projeto e 1 não entregou nenhuma documentação (Figura 4.2). FIGURA 4.2 – QUANTIDADE DE PROPOSTAS COM DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA ATÉ 31/03/2005 90 80 70 60 50 Doc. Insuficiente 40 Doc. Suficiente 30 20 10 0 Fonte: Gráfico produzido pela autora com dados da CAIXA - GIDUR/BR - 2007 61 Após análise desta documentação e já tentando identificar as dificuldades na montagem dos processos, escolha de terreno e elaboração de projeto, podemos classificar a qualidade dos documentos da seguinte forma: TABELA 4.3 – SITUAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO ENTREGUE ATÉ 31/03/2005 SITUAÇÃO DA DOCUMENTAÇÃO QUANTIDADE DE PROPOSTAS COM TERRENO E SEM PROJETO 2 COM TERRENO E COM PROJETO 2 SEM TERRENO 53 DOCUMENTAÇÃO PRECÁRIA 61 NENHUMA DOCUMENTAÇÃO 1 TOTAL 150 Fonte: Gráfico produzido pela autora com dados da CAIXA - GIDUR/BR - 2007 Ficou claro que mais da metade das propostas selecionadas não teriam condições de contratar dentro do prazo estipulado pelo Ministério das Cidades. A situação precária dos proponentes no preparo da documentação, escolha do terreno e demais exigências do programa impedia a contratação do financiamento até 30 de junho de 2005. Por isso, para não perder o recurso, várias associações saíram em busca de áreas no Entorno com o intuito de viabilizar a contratação dessas propostas. Não foi difícil encontrar lotes a um custo baixo, já individualizados em loteamentos. Essa “migração” para o Entorno foi uma alternativa interessante para algumas entidades que puderam dar continuidade ao processo, atendendo também a demanda por habitação popular existentes naquelas localidades. Entretanto, na maioria das vezes, essas áreas estavam localizadas muito distantes da malha urbana, sem acesso aos serviços de infra-estrutura, comércio, transportes, escolas, postos de saúde, etc, reproduzindo os modelos aplicados pelas antigas políticas do Banco Nacional de Habitação - BNH, tanto questionados quanto à criação de cidades dormitório e expansão de periferias distantes. Em uma nova tentativa de viabilizar as contratações das propostas de 2004, o Ministério das Cidades alterou novamente o calendário de contratação, com a Instrução Normativa nº 22, de 20/07/2005. As entidades puderam assim ter um novo 62 prazo e contratar as propostas até 31 de dezembro de 2005. Todas essas alterações de calendário geraram frustrações nos futuros mutuários, principalmente em relação à competência das entidades quanto ao preparo da documentação, a escolha de assessoria técnica e do terreno. Portanto, nesta primeira etapa do programa, as maiores dificuldades enfrentadas pelas entidades que atuavam na região do DF e Entorno foram: • Terreno: a falta de terreno a um custo baixo de aquisição dentro do Distrito Federal; • Assessoria técnica: a falta de capacitação técnica dos responsáveis pelas entidades na preparação da documentação, a inexistência de assessorias técnicas comprometidas e envolvidas no processo; • Valores de financiamento: os baixos valores de financiamento concedidos aos grupos, que impediam a aquisição de lotes dentro do Distrito Federal. Mesmo com as dificuldades citadas, foi contratada a primeira proposta do Brasil, em agosto de 2005. A proposta, localizada em Formosa, Estado de Goiás, tinha como valor de financiamento no valor de R$ 11.000,00 por unidade e atendia 60 famílias. A entidade proponente, a Cooperativa de Reciclagem de Lixo, Prestação de Serviço em Geral e da Construção Civil – COOPER-RECICLA, que era formada por catadores de material reciclável, sofreu mais uma dificuldade na hora de contratar o financiamento: análise de risco de crédito dos mutuários. Essa fase contempla a análise da ficha cadastral dos associados, incluindo a verificação da possibilidade de comprometimento de renda de cada um. A falta de renda formal não é um impecilho à comprovação da renda familiar desde que o mutuário tenha dados concretos em relação as suas despesas mensais. Assim, quando a familia consegue comprovar a renda por meio de recibos ou extrato bancário, isso pode ser considerado nas entrevistas e análise da documentação. Ocorre que, por se tratarem de catadores, até mesmo a renda informal ficou difícil de ser comprovada, o que acabou excluindo parte da demanda inicial. Para não perder o recurso, a cooperativa conseguiu apresentar outras pessoas, não pertencentes ao grupo inicial, que conseguiram acessar o financiamento. O 63 resultado desta situação foi que somente 5 famílias de catadores foram beneficiadas pelo programa. FIGURA 4.3 – EMPREENDIMENTO COOPER-RECICLA Empreendimento da COOPER-RECICLA ao final da construção. Fonte: CAIXA Na seqüência, outras propostas foram contratadas, concluindo ao final de 2005, 122 casas contratadas na região do Entorno do DF. Em 2006, ainda pela Sistemática 2004, mais seis propostas foram contratadas, localizadas no Entorno, nos municípios de Novo Gama, Valparaiso, Cidade Ocidental e Padre Bernardo. Com os recursos liberados, as associações e cooperativas iniciaram suas obras. Assim, ficou claro que o despreparo na preparação de documentação e planejamento das obras refletia no andamento das mesmas. Para que um processo de autogestão tenha êxito, o preparo técnico das equipes envolvidas passa a ser requisito fundamental para evitar atrasos, desperdício de recursos e garantir a qualidade da construção. Confirmando a necessidade de capacidade técnica, Nahoum (2002) afirma que o processo de autogestão e ajuda mútua é eficiente quando existe organização do trabalho, capacitação das equipes para que aprendam a realizar determinados processos, alocação de cada cooperativista naquelas tarefas em tenham maior afinidade e aptidão e apoio permanente por parte dos profissionais especializados: o mestre de obras ou os demais empregados contratados, na medida em que a cooperativa emprega. O mesmo se dá em relação ás áreas de administração e gestão. 64 FIGURA 4.4 – EMPREENDIMENTO COOPHAMU Casa modelo e empreendimento em construção, localizado no município de Cidade Ocidental/GO. O projeto da casa, apesar de não apresentar inovações tecnológicas ou arquitetônicas, prevê a possibilidade de ampliação para 3 dormitórios. No entanto, do ponto de vista urbanístico, o empreendimento reflete o modelo do BNH, com arruamento em malha xadrez, sem respeitar a declividade natural do terreno, criando também uma monotonia pela repetição continua das unidades habitacionais, que não possuem variações de projeto ou fachada. Fonte: CAIXA. Considerando as dificuldades apontadas pelas demais unidades da CAIXA no Brasil, verificamos que a falta de assessoria técnica capacitada e comprometida com os movimentos sociais era o principal empecilho no acesso ao programa. E com as obras iniciadas, verificamos que num processo de autogestão, a capacidade técnica do proponente e sua equipe técnica interferem diretamente na aplicação dos recursos e qualidade da obra. Na visão de Perondi: “Na questão da capacitação técnica, o que se observa é que ao longo de sua existência os Movimentos Sociais sempre foram muito eficientes nas reivindicações de direitos, nas lutas por condições melhores de salários e de trabalho, na proposição de alternativas. Por outro lado, por conta de uma ausência de oportunidade de participação ativa, os Movimentos Sociais não demonstram o mesmo desempenho quando são chamados para a ação. Até por razões históricas, tendo em vista que foram poucas as oportunidades de participação construtiva durante décadas, o que se percebe é uma ausência de capacitação técnica por parte dos Movimentos Sociais, que se manifesta na baixa qualificação dos projetos técnicos apresentados. Por vezes, percebe-se que não há um entendimento por parte de algumas lideranças, da necessidade de apresentar projetos técnicos bem elaborados, com a documentação completa, exigida pelos Órgãos Públicos, conforme preconiza a lei.” (p. 13, 2007) Por reivindicação dos movimentos sociais, no intuito de minimizar as dificuldades no acesso ao programa, foi criado o Espaço Solidário na GIDUR/Brasília. Com isso, as associações e cooperativas poderiam contar com 65 atendimento técnico da própria equipe da CAIXA no apoio ao preparo da documentação. Com agendamento de horário, qualquer pessoa interessada no programa, poderia tirar duvidas sobre o programa, consultar corpo técnico da CAIXA, jurídico, social ou de engenharia, e contar com ajuda no preenchimento de planilhas, na elaboração de projetos e resolução de demais pendências que pudessem “travar” a contratação da proposta. Desta forma, com os Espaços Solidários, a CAIXA tentou agilizar as análises, diminuir entraves e melhorar a relação institucional com os movimentos sociais, aumentando também o numero de contratações, conforme podemos verificar o relato abaixo (Revista Painel Urbano – CAIXA – 2007): “O objetivo da iniciativa é atender às demandas dos programas, visando contratar o maior número de unidades habitacionais, com agilidade e qualidade, o que possibilitará um incremento no número de pessoas com acesso à casa própria. Desde a sua criação, foram atendidas 328 entidades, num total de 799 atendimentos. Os resultados alcançados até o momento são: - Aperfeiçoamento da parceria e melhoria no relacionamento entre áreas da CAIXA envolvidas; - Estreitamento do relacionamento da CAIXA com as entidades sociais; - Atendimento personalizado, focado e interdisciplinar, portanto mais ágil e eficiente; - Maior capacitação e especialização das equipes que lidam com o programa; - Maior satisfação por parte dos representantes das entidades sociais; - Melhoria no volume de contratações, que foram quadruplicadas desde a inauguração do espaço.” As mudanças no programa a partir de 2006, a criação do Espaço Solidário e 11 obras em andamento, verificamos que outras questões passaram a ser impeditivas às novas contratações. A principal foi a falta de infra-estrutura em algumas localidades, mais especificamente rede de abastecimento de água, que, somada a falta de parceria com a concessionária local, deixou 36 propostas aguardando solução para a questão por mais de um ano. Conforme Perondi (2007) verificou, em estudo realizado com as entidades que contrataram propostas no entorno, dos 11 entrevistados a maior parte apontou a falta de infra-estrutura como primeira opção para maior dificuldade no acesso ao programa: “... essa citação está presente em 05 respostas na primeira opção dos 66 entrevistados, o que corresponde a 42% do total. É citada ainda como segunda opção para 04 Informantes, o que equivale a 34% do total das respostas” (Perondi, p. 44, 2007). Em suas entrevistas foi constatado também que o prazo para contratação, considerando o tempo em que a proposta ficava em análise na CAIXA, chegava a ultrapassar 12 meses, o que demonstra a falta de capacidade técnica das entidades no preparo da documentação. No entanto, diferente do resto do Brasil, esse não foi um fator de grande dificuldade no acesso ao programa, conforme apontado pelos proponentes de Brasília e Entorno. Para eles, a segunda maior dificuldade encontrada foi a falta de terrenos apropriados que atendessem às diretrizes do programa, considerando o limite máximo do financiamento, inserção na malha urbana, custo de aquisição e falta de infra-estrutura (Perondi, 2007). Outra questão levantada nas demais regiões do país, não foi apontada como um problema que impede a contratação, que é a restrição cadastral dos beneficiários. Na visão de Perondi (p. 45, 2007), essa questão “revelou-se pouco importante na visão dos Informantes. Foi citada como primeira opção por apenas um entrevistado e como segunda opção também por apenas um informante”.Portanto, após as alterações, durante a sistemática atual, verificamos que os entraves no acesso ao programa no Distrito Federal e Entorno são: • Falta de infra-estrutura: terrenos localizados no Entorno do DF (Estado de Goiás), não são dotados de infra-estrutura básica, como rede de abastecimento de água e energia elétrica, onerando as propostas para aquela região. Nestes casos, o proponente fica responsável pela execução destes serviços, encarecendo o custo de construção. • Terreno apropriado para o programa: incluindo a falta de terrenos no DF: a falta de terrenos à um custo baixo em áreas inseridas no Distrito Federal, exclui do programa os proponentes que não tem interessa em “ migrar” para o Estado de Goiás, em locais sem infra-estrutura. • Assessoria técnica: falta de assessoria técnica para a elaboração de projetos, de arquitetura/engenharia e social. Muitos dos profissionais que trabalham atualmente com o programa não possuem capacidade técnica para elaborar projetos específicos e que proporcionem melhoria na qualidade de vida ao usuário. Não 67 existe também um comprometimento com o desenvolvimento e acompanhamento do projeto e da obra. • Qualidade dos projetos: os projetos apresentados refletem a falta de apoio técnico, com soluções pouco inovadoras e monótonas, resgatando os modelos tão criticados do extinto Banco Nacional de Habitação - BNH. Do ponto de vista urbanístico, o que predomina é a malha xadrez, sem tirar proveito da topografia e sem previsão de áreas públicas de convivência e áreas verdes. Em relação as casas, são reproduzidos modelos padronizados, sem diferenciação nos tipos de projetos ou fachadas. • Andamento das obras: como reflexo da falta de capacidade técnica, tanto das associações como dos profissionais, todas as propostas contratadas apresentaram atrasos no cronograma, não concluindo a obra dentro do prazo previsto. Fica evidente que não basta adequar as regras à realidade local. É também necessário que os grupos interessados em participar destas políticas públicas sejam capacitados e tenham o conhecimento técnico e jurídico necessário para proporcionar empreendimentos regularizados e de qualidade. 68 CAPITULO 5 - CONCLUSÃO Após uma análise das experiências apresentadas, pode-se concluir que num processo de autogestão a capacitação técnica dos envolvidos no processo é fundamental para garantir a boa aplicação dos recursos e a construção de habitação adequada, que proporcione melhoria na qualidade de vida dos moradores. Apesar do desenvolvimento de tecnologias construtivas que visam baratear o custo de construção das habitações, pouco se tem feito para capacitar a mão de obra disponível na utilização destas tecnologias. A solução para a falta de capacidade técnica poderia vir do setor privado que, através de parcerias com os movimentos sociais, poderia proporcionar o apoio necessário para a captação de recursos provenientes destas políticas públicas. Instituições de ensino e empresas do setor da construção poderiam também ser as parceiras no desenvolvimento de projetos e matérias que viabilizassem a execução de habitações com menor custo e maior qualidade. As entidades de classe, como CREA, SINDUSCON e sindicatos, também não têm atuado no apoio técnico à população carente. Mesmo com a disponibilidade de recursos para a remuneração destes profissionais prevista no programa, tanto para a elaboração de projetos, quanto para o acompanhamento de obras, não vemos um envolvimento destes técnicos com a produção de habitação popular na região de Brasília e do Entorno. A falta de comprometimento com o trabalho desenvolvido junto às associações e cooperativas tem levado essas entidades a trocar de responsável técnico diversas vezes durante o andamento dos processos, atrasando a contratação e gerando expectativas frustradas perante os associados que aguardam a conclusão de suas casas. Outro problema levantado pelos proponentes é a falta de recursos próprios para pagamento das despesas prévias à contratação, que inclui elaboração de projetos e regularização dos empreendimentos junto aos órgãos públicos e concessionárias. Sem a remuneração do trabalho, muitos profissionais não se interessam em aceitar o serviço de assessoria técnica, uma vez que o pagamento pelos serviços será feito somente após a contratação da proposta com a CAIXA. 69 Uma das soluções para este problema é a aprovação do Projeto de Lei 6.981/06, que prevê assistência técnica gratuita na elaboração de projetos para famílias de baixa renda. Com isso, as prefeituras e administrações regionais devem contar com uma equipe multidisciplinar que vai desenvolver este trabalho junto á população que não tem como pagar um profissional. No entanto, além da capacidade técnica para o planejamento do projeto, vale ressaltar que a capacidade na gestão dos recursos é extremamente importante num processo de autogestão. Com recursos limitados, o planejamento é fundamental para evitar que despesas imprevistas atrapalhem a conclusão do objeto final. Esse planejamento deve prever também a redução de desperdícios na construção e no prazo de conclusão de obra. A seqüência de atrasos em obra verificados na operacionalização do programa onera o custo de construção, uma vez que a mão de obra é uma despesa responsável por aproximadamente metade do custo total. O fato de que esses grupos sempre ficaram à margem das decisões no cenário nacional, passando a atuar recentemente, poder ser um indicativo do desconhecimento técnico destas entidades. Apesar de algumas experiências isoladas, programas de produção habitacional com autogestão dos recursos não existiam até a criação deste programa. Mesmo sendo conhecidos como a “fatia” da sociedade civil que mais reivindica políticas públicas junto ao governo, esses grupos nunca foram chamados a participar ativamente da aplicação destas políticas. Outras experiências similares demonstraram que poucas vezes os processos foram conduzidos por eles desde o inicio até sua conclusão. É o caso das políticas com mutirão do CDHU, onde os grupos têm uma participação pequena na execução da obra. Apesar do êxito destas experiências, vemos que a falta de participação na tomada de decisões em relação à escolha dos terrenos e dos projetos e na gestão dos recursos, não desenvolveu junto a estes grupos uma visão critica em relação à qualidade destes empreendimentos. No caso do Distrito Federal, políticas de doação de lotes associações e cooperativas levou ao aumento do cooperativismo na região. No entanto, a produção habitacional destes grupos reduzia-se a conduzir as obras, em regime de 70 autoconstrução ou mutirão, sem a preocupação com a legalização da terra e do empreendimento. Isso tirou dos grupos a oportunidade de aprender a conduzir os processos como um todo, desde o licenciamento das áreas até o planejamento dos custos necessários para a implantação de um empreendimento. Além disso, os recursos para a construção eram provenientes de programas habitacionais que fornecem somente o material de construção, não sendo obrigatório o cumprimento de etapas de obra para a liberação dos recursos. Com isso, a falta de planejamento da obra não influía no andamento da obra. No entanto, conforme as regras do programa Crédito Solidário, cada etapa de obra deve ser executada integralmente para o recebimento da próxima parcela. No caso de Brasília e Entorno, outro problema identificado foi a inexistência de parcerias com o Poder Público no provimento de infra-estrutura básica e equipamentos comunitários. Isso somado a falta de áreas disponíveis a um custo acessível, tem criado soluções urbanísticas precárias, incentivando o surgimento de novas cidades-dormitório, reproduzindo alguns modelos tão criticados do passado. Como algumas prefeituras municipais não têm interesse em receber novos habitantes provenientes do DF, estas criam dificuldades na aprovação dos projetos, obtenção de alvarás, etc. Além disso, a falta de recursos dos municípios para execução de obras de infra-estrutura impede a formação de parcerias que auxiliariam na desoneração do custo total dos empreendimentos. Somado a isso, as concessionárias responsáveis pelo abastecimento de água e energia elétrica exigem dos proponentes a execução das redes, não contribuindo em nenhum momento nem mesmo com a execução de projetos. Se as associações não conseguem arcar com as despesas prévias na elaboração e aprovação dos projetos das habitações, a imposição das concessionárias passa a ser uma barreira muito maior no acesso à terra urbanizada, impactando diretamente no custo de implantação dos empreendimentos. Desta forma, uma revisão nas regras do programa não é suficiente para sua concretização a região. Para garantir a legalidade de um empreendimento, são necessários trâmites jurídicos e licenças que independem de qualquer alteração nas regras do programa. Essas exigências legais não serão modificadas, mas poderão 71 ter seus custos reduzidos mediante redução de custos de taxas e demais despesas inerentes ao processo. Em alguns estados e municípios, existem leis que desoneram as taxas cobradas por órgãos públicos e cartórios para a produção de habitação de interesse social. A previsão de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) nos Planos Diretores dos municípios e regiões administrativas auxiliariam na redução do valor dos terrenos localizados nestas áreas. No entanto, os governos locais nem sempre se interessam em garantir os interesses dessa faixa da população e, apesar da existência das ZEIS, os instrumentos não são implementados por suas leis especificas. Portanto, apesar da grande demanda pelo programa, as associações e cooperativas continuarão esbarrando nessas dificuldades técnicas se não contarem com o trabalho de equipe de assessoria técnica e disporem de recursos para as despesas prévias necessárias. Por ser tratar de uma nova política pública, nunca utilizada antes pelos gestores do programa, verificamos que este é um processo de construção contínua e que sofrerá ainda diversas modificações. A atuação conjunta entre o Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal na implementação das mudanças, sem deixar de ouvir a opinião dos movimentos sociais, principais usuários do produto, tem sido um ponto favorável na garantia da continuidade do programa apesar das dificuldades encontradas em seus primeiros anos de aplicação. 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIKO, Alex Kenya & COELHO, Leandro de Oliveira. Mutirão habitacional: procedimentos de gestão. Recomendações Técnicas Habitare, vol. 2, ANTAC, Porto Alegre, 2006. AZEVEDO, Sérgio. Desafios da habitação popular no Brasil: políticas recentes e tendências in Coleção Habitare – Habitação Social nas Metrópoles Brasileiras – Uma avaliação das políticas habitacionais em Belém, Belo Horizonte, Recife, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo no final do século XX, 2007. BONDUKI, Nabil. Descentralização da Política Habitacional e a Experiência de São Paulo (1989-1992) in Anais do IV Seminário Ibero-Americano da Rede CYTED XIV realizado em setembro de 2002, artigo disponível em www.habitare.org.br acesso em 25/07/2007. ________. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. Estação Liberdade, São Paulo, 2004. BOTELHO, A. Relações entre o financiamento imobiliário e a produção do espaço na cidade de São Paulo: casos de segregação e fragmentação espaciais. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (18). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-18.htm> [ISSN: 1138-9788] Acesso em 28/12/2007. Brasil, Ministério das Cidades, Instrução Normativa n° 11, de 14/05/2004, disponível em http://www.cidades.gov.br/media/InstrucoesNormativas/IN11_2004.pdf acesso em 11/06/2007. ________. Ministério das Cidades - Instrução Normativa nº 39, de 28/12/2005, disponível em http://www.cidades.gov.br/media/IN392005CONSOLIDADAATEIN04DE02DE2007SITE.pdf acesso em 11/06/2007. ________. Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento Social, Resolução nº 93, de 28/04/2004, disponível http://www.cidades.gov.br/media/resolucao93alterdaateresol117SITE1.pdf 11/06/2007. em acesso em 73 CAIXA, Revista Painel Urbano, artigo disponível em http://www.painelurbanocaixa.com.br/br/cont_not.aspx?id=13 acesso em 01/12/2007. CARNEIRO, Dionísio Dias & VALPASSOS, Marcus Vinicius Ferrero. Financiamento a habitação e instabilidade econômica: experiências passadas, desafios e propostas para a ação futura. Editora FGV, Rio de Janeiro, 2003. CYMBALISTA, Renato. Refundar o não fundado: desafios da gestão democrática das políticas urbana e habitacional no Brasil. Instituto Pólis, São Paulo, 2005. FERREIRA, João Sette Whitaker. Globalização e urbanização subdesenvolvida. São Paulo Perspec. , São Paulo, v. 14, n. 4, 2000, Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392000000400003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20/12/2007 doi: 10.1590/S010288392000000400003 FÓRUM NACIONAL DA REFORMA URBANA. Boletim Especial do FNRU de 24/11/2005 disponível em http://www.forumreformaurbana.org.br/_reforma/boletim.php, acesso em 02/05/2007. GROSTEIN, Marta Dora. Metrópole e Expansao Urbana: a Persistência de Processo Ïnsustentáveis”. São Paulo Perspec. , São Paulo, v. 15, n. 1, 2001 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392001000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 28 Dec 2007. doi: 10.1590/S010288392001000100003 LOPES, João Marcos de Almeida e RIZEK, Cibele Saliba. O mutirão autogerido como procedimento inovador na produção da moradia para os pobres: uma abordagem crítica in Procedimentos de Gestão Habitacional para População de Baixa Renda. Coleção Habitare, Vol. 5, ANTAC, Porto Alegre, 2006. MACUCO, Roseli Meneghin. Autogestão e autoconstrução: conceitos e aplicações. Monografia de Especialização, Pontifícia Universidade Católica do Paraná/Université de Technologie de Compiègne, França e Instituto Internacional de Gestão Técnica do Meio Urbano, Curitiba, 2004. 74 MARICATO, Ermínia. Urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrópoles brasileiras. São Paulo Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 4, 2000, Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392000000400004&lng=en&nrm=iso, acesso em 25/07/2007. ________. Metrópole, legislação e desigualdade. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 48, 2003, Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340142003000200013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 28/07/2007. ________. O Urbanismo na periferia do capitalismo: desenvolvimento da desiguldade e contravenção sistemática in Gonçalves, Maria Flora. O Novo Brasil Urbano – Impasses, Dilemas e Perspectivas. Novas Perspectivas, Porto Alegre, 1995. NAHOUM, Benjamin. Las Cooperativas de Ayuda Mutua Uruguayas, de Isla Mala a FUCVAM in Anais do IV Seminário Ibero-Americano da Rede CYTED XIV realizado em setembro de 2002 – disponível em www.habitare.org.br acesso em 25/07/2007. NOBRE, Eduardo A. C. e BOMFIM, Valéria C. A produção do espaço urbano da cidade de São Paulo na década de 90: Políticas Públicas de Exclusão e Inclusão Social. Texto apresentado no II Encontro Democracia, Igualdade, e Qualidade de Vida: o desafio para as cidades no século XXI, Belém, Prefeitura Municipal, 2001. PASTERNAK, Suzana & BALTRUSIS, Nelson. Um olhar sobra a habitação em São Paulo. Projeto FINEP/Habitare, Tecnologia do Ambiente Construído, Observatório IPPUR/UFRJ, FASE, 2003. PERONDI, Olavo José. A participação das cooperativas e associações civis no Programa Crédito Solidário em Brasilia. Monografia de Especialização, Universidade de Brasília, Brasília, 2007 RISEK, Cibele S.; BARROS, Joana; BERGAMIM, Marta de Aguiar. A Política de Produção Habitacional por Mutirões Autogeridos: Construindo Algumas Questões. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, ANPUR, vol. 5, nº 1, pág. 31-46, maio/2003. ROYER, Luciana de Oliveira. Notas sobre o desenvolvimento da política habitacional brasileira: do BNH à nova agenda de reformas dos anos 90 in Política Habitacional no Estado de São Paulo: Estudo sobre a Companhia de desenvolvimento Habitacional e 75 Urbano de São Paulo, CDHU, Dissertação de mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 2002. SANTOS, Cláudio Hamilton M. Santos. Políticas Federais de Habitação no Brasil: 1964/1998, Texto para Discussão, nº. 654, IPEA, Brasília, 1999. SOUZA, Maria Ângela de Almeida. Política habitacional para os excluídos:o caso da região metropolitana de Recife. Projeto FINEP/Habitare, Tecnologia do Ambiente Construído, Observatório IPPUR/UFRJ, FASE, 2003. WESTENDORFF, David. Habitação autoconstruída nos países em desenvolvimento: contribuições e desafios atuais para o desenvolvimento local através do voluntariado. Artigo disponível em http://www.habitare.org.br/gmutirao/publicacoes.htm, 22/05/2007. acesso em 76 ANEXOS 77 78 79 CONSELHO CURADOR DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL RESOLUÇÃO Nº 93, DE 28 DE ABRIL DE 2004. (Publicada no DOU em 03/05/2004) Cria o Programa Crédito Solidário voltado para o atendimento de necessidades habitacionais de famílias de baixa renda, organizadas em cooperativas, associações e demais entidades da sociedade civil. O CONSELHO CURADOR DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL - FDS, com base nos incisos I e III, do artigo 6º, da Lei nº 8.677, de 13 de julho de 1993. CONSIDERANDO que o acesso à moradia regular é condição básica para que as famílias de baixa renda possam superar suas vulnerabilidades sociais e permitir sua inclusão à sociedade, e que o acesso ao financiamento habitacional para aquelas famílias que não tem capacidade de poupança precisa de condições especiais e subsidiadas; CONSIDERANDO que o déficit habitacional quantitativo, em 2000, foi estimado, pela Fundação João Pinheiro, em 6,6 milhões de residências, sendo que, no último período intercensitário, as populações de menor renda tiveram suas posições agravadas, enquanto as famílias com rendimentos acima de 5 salários melhoraram sua posição reduzindo sua participação relativa; CONSIDERANDO que o estímulo ao regime de cooperativismo habitacional e ao princípio de ajuda mútua, são formas de garantir a participação da população como protagonistas na solução dos seus problemas habitacionais comuns, proporcionando-a dentro das necessidades e características com os usos e costumes locais; CONSIDERANDO que o Parecer MINISTÉRIO DAS CIDADES/COJUR nº 119/04, de 22 de abril de 2004, da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades, corroborando com entendimento do Jurídico da CAIXA quanto à interpretação do artigo 12 da lei nº 8.677/93 na interpretação que Conselho Curador do FDS possui competência para deliberar sobre a utilização dos seus recursos e criar programas voltados para as finalidades definidas no artigo 2º da mesma lei, Resolve: 1. Criar o Programa Crédito Solidário voltado ao atendimento de necessidades habitacionais da população de baixa renda, organizadas em cooperativas, associações e demais entidades da sociedade civil visando a produção e aquisição de novas habitações, a conclusão e reforma de moradias existentes, mediante concessão de financiamento diretamente ao beneficiário, pessoa física. 2. OBJETIVOS DO PROGRAMA Conceder financiamento ao beneficiário final, adquirentes ou proprietários de habitações ou lotes, nas modalidades: a) aquisição de material de construção; b) aquisição de terreno e construção; c) construção em terreno próprio; d) conclusão, ampliação e reforma de unidade habitacional e. e) aquisição de unidades construídas com habite-se de até 180 dias. 80 3. PÚBLICO ALVO Famílias com renda bruta de até R$ 1.050,00 admitindo-se o atendimento à famílias com renda entre R$ 1.050,01 e R$ 1.750,00. 3.1 Compete ao Agente Gestor, definir o percentual de recursos a ser alocado para atendimento à famílias com renda entre R$ 1.050,01 e R$ 1.750,00. 4. FORMAS DE ATUAÇÃO As formas de execução das obras serão de livre escolha pelos contratantes e usuários do crédito, sempre supervisionadas por assistência técnica, entre as seguintes alternativas: a) autoconstrução, pelos próprios contratantes; b) sistema de auto-ajuda ou mutirão; e c) administração direta, com contratação de profissionais ou empresas para execução de serviços que demandem maior especialização. 5. ALCANCE DO PROGRAMA Áreas urbanas e rurais em todo território nacional, observados os requisitos que serão regulamentados pelo gestor da aplicação. 6 PARTICIPANTES a) Ministério das Cidades, na qualidade de gestor das aplicações do FDS; b) Caixa Econômica Federal-CEF, na qualidade de agente operador do FDS; c) Os governos estaduais, municipais e do Distrito Federal - DF, Companhias de Habitação Popular – COHAB e assemelhados, cooperativas habitacionais ou mistas, associações e demais entidades da sociedade civil como fomentadores/facilitadores dos empreendimentos, com atribuições decongregar, organizar e apoiar famílias no desenvolvimento de cada uma das etapas dos projetos voltados para a solução dos seus problemas habitacionais; d) instituições credenciadas pelo Banco Central do Brasil – BACEN para atuarem como agentes financeiros e aquelas integrantes do SFH; e) empresas privadas do setor de construção civil, na qualidade de executoras das obras e serviços; e f) outros órgãos/entidades, que, a critério dos proponentes, possam contribuir para realização dos objetivos do(s) projeto(s) e venham a ser nele(s) admitido(s), nas condições e com atribuições definidas em cada caso. 7 FONTES DE RECURSOS a) Financeiras: - Recursos do FDS; - Recursos estaduais, municipais e do Distrito Federal; e - Outros que venham a ser destinados ao Programa. b) Não financeiras: bens e serviços que agreguem valor ao investimento, mensuráveis financeiramente, oriundos de: - Estados, Distrito Federal e municípios; e - Outros que venham a ser destinados ao Programa. 7.1 RECURSOS DO FDS A utilização dos recursos onerosos do FDS será limitada à capacidade de assunção pelo Fundo das remunerações de que tratam os subitens 8.7, 8.8 e 8.9, com os recursos gerados pelas quotas de sua própria titularidade. 8 CONDIÇÕES OPERACIONAIS 8.1 COMPOSIÇÃO DO INVESTIMENTO 81 Devem integrar o cronograma físico-financeiro do respectivo projeto, no mínimo, os seguintes componentes, a serem regulamentados pelo gestor das aplicações, por modalidade operacional: a) aquisição de terreno; b) aquisição de material de construção para edificação e instalações; e c) mão de obra. 8.2 LIMITES Na elaboração de projetos devem ser observados os seguintes limites para fins de enquadramento neste Programa: a) Quantidade de unidades do empreendimento: até 100 unidades habitacionais, podendo ser acrescidas à critério do gestor da aplicação; b) Valor de financiamento unitário de até R$ 12.000,00, podendo ser acrescido em até 150% (cento e cinqüenta por cento) para o Distrito Federal e para os municípios integrantes das Regiões Metropolitanas das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Baixada Santista e Belo Horizonte; em até 100% (cem por cento) para os municípios integrantes das demais regiões metropolitanas, e em até 50% (cinqüenta por cento) nos municípios com população superior a 50 mil habitantes. b.1) Os valores de financiamento na modalidade Conclusão, Ampliação e Reforma são de até R$ 7.500,00 para municípios com até 50 mil habitantes e Áreas Rurais e de até R$ 10.000,00 para todos os demais. c)Valor máximo de avaliação do imóvel: R$ 72.000,00. 8.2.1 Os limites por modalidade serão definidos pelo gestor da aplicação, observados os parâmetros máximos acima. 8.3 PRÉ-REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE FINANCIAMENTOS ÀS PESSOAS FÍSICAS É vedada a concessão de financiamentos com recursos do FDS a pretendentes que: a) detenham, em qualquer parte do País, outro financiamento habitacional nas condições do FDS, do Sistema Financeiro da Habitação - SFH ou do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social - PSH; e b) sejam proprietários ou promitentes compradores de imóvel residencial no local de domicílio, salvo na modalidade conclusão, ampliação e reforma de unidade habitacional única. 8.4 INSTRUÇÃO DOS PEDIDOS DE CRÉDITO É de competência do gestor das aplicações do FDS regulamentar os requisitos a serem satisfeitos na elaboração e na apresentação dos projetos e os critérios para seleção de projetos e dos beneficiários finais. 8.5 EMPRÉSTIMO DO AGENTE OPERADOR AO AGENTE FINANCEIRO Observarão os seguintes critérios e condições básicas: a) VALOR: correspondente ao valor global do conjunto de contratos de financiamento com beneficiários finais que instruir o pedido; b) DESEMBOLSO: de acordo com o cronograma de desembolso consolidado estabelecido contratualmente com base nas contratações realizadas com os beneficiários finais, quando houver prazo de carência e, se não houver prazo de carência, o desembolso é realizado em parcela única; c) TAXA DE JUROS: dispensada a cobrança de juros; d) PRAZO DE CARÊNCIA: correspondente à média ponderada do prazo de carência os contratos com os beneficiários finais, quando for o caso; e) PRAZO DE AMORTIZAÇÃO: correspondente à média ponderada dos prazos dos financiamentos concedidos aos beneficiários finais da operação; 82 f) GARANTIAS: Caução dos direitos creditórios decorrentes dos créditos concedidos; g) SISTEMA E FORMA DE AMORTIZAÇÃO: Tabela Price, em parcela mensais; h) CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR: atualizado mensalmente pela mesma variação dos depósitos de poupança com aniversário no dia 1º do mês. 8.6 FINANCIAMENTO DO AGENTE FINANCEIRO AOS BENEFICIÁRIOS FINAIS Formalizado observando as seguintes condições básicas: a) QUOTA: limitada a 95% (noventa e cinco por cento) do valor de investimento, e ainda ao disposto no subitem 7.2, da Instrução Normativa nº 11, de 14 de maio de 2004; b) CONTRAPARTIDA DO MUTUÁRIO: mínima de 5% do valor do investimento habitacional, que poderá ser integralizada com recursos próprios, com itens do investimento não financiados com recursos do FDS; c) TAXA DE JUROS: dispensada a cobrança de juros; d) PRAZO DE CARÊNCIA: o previsto para execução das obras, limitado a 12 (doze) meses, contados da data de contratação do financiamento, podendo ser prorrogado por mais 12 (doze) meses, a critério do Agente Operador. e) PRAZO DE OPERAÇÃO: até 264 (duzentos e sessenta e quatro) meses, constituído por prazo de amortização limitado a 240 (duzentos e quarenta) meses, mais prazo de carência. f) GARANTIAS: Alienação fiduciária do imóvel objeto da operação, nos termos da Lei 9.514/97; Hipoteca, em primeiro grau, do imóvel objeto da operação; Seguro de Crédito; Fundo de Aval; Fundo Garantidor; Aval Solidário; Aval de Terceiros; Caução/Repasse de recursos em moeda corrente junto à instituição bancária no Brasil. g) COMPROMETIMENTO DE RENDA: até 25% da renda familiar bruta apurada, limitada ainda à capacidade de pagamento do mutuário calculada pelo Agente Financeiro; h) DESEMBOLSOS: Os recursos serão liberados em parcela única ou, mensalmente, de acordo com o cronograma físico-financeiro estabelecido contratualmente com base no relatório técnico de acompanhamento de obras emitido pelo Agente Financeiro. h.2) Na hipótese de financiamento do terreno, a liberação do valor correspondente somente deve ser efetuada após a formalização da garantia. i) SISTEMA E FORMA DE AMORTIZAÇÃO: Tabela Price, em parcelas mensais; j) CRITÉRIO DE ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR: atualizado mensalmente pela mesma variação dos depósitos de poupança com aniversário no dia 1º do mês; e k) COMPOSIÇÃO DO ENCARGO: amortização e prêmios de seguros. l) Fica o Agente Financeiro, mediante aprovação do Agente Operador, autorizado a repactuar os contratos assinados e não concluídos até 10 de janeiro de 2007, alterando os prazos de carência, de amortização e de operação, respeitados os limites estabelecidos nas alíneas “d” e “e”, do subitem 8.6, da presente Resolução. 8.7 REMUNERAÇÃO DO AGENTE FINANCEIRO E DO AGENTE OPERADOR As remunerações previstas neste item, por operação de crédito realizada, serão pagas à vista e em espécie, ficando autorizado o seu lançamento a débito do Fundo, em data coincidente com a de assinatura dos contratos de financiamento com os beneficiários finais. 8.7.1. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO Devida ao agente financeiro por operação de crédito realizada, no valor máximo de R$ 25,00 (vinte e cinco reais), paga à vista, em espécie, ao valor presente calculado à taxa de desconto de 12% a.a. no prazo contratado. 8.7.2 TAXA DE EQUILÍBRIO Devida ao agente financeiro por operação de crédito realizada, à vista, em percentual variável de 0% até 4,% a.a, apurada com base no valor presente, descontado à taxa de juros de 0,0% a.a., aplicado sobre os saldos devedores mensais previstos para todo o prazo contratado. 8.8 TAXA DE RISCO DE CRÉDITO 83 Devida por operação de crédito realizada, paga à vista, em espécie, ao agente operador, a título de risco de crédito, em percentual diferenciado por tomador, levando- se em consideração a classificação da operação e o nível de risco, segundo a forma e condições estabelecidas na Resolução no 2.682, de 21 de dezembro de 1999, do Conselho Monetário Nacional - CMN, suas alterações e aditamentos. 8.8.1 A classificação de risco será definida pelo agente operador por ocasião da análise de cada operação, em percentual variável limitado à taxa de risco de 0,8% a.a. (oito décimos por cento ao ano), aplicado sobre o saldo devedor da operação. 8.9 DEPÓSITO PARA GARANTIA DE RISCO DO AGENTE FINANCEIRO Fica autorizada a criação de conta específica no Balanço Patrimonial do FDS, segregando recursos de sua titularidade, destinados à cobertura de risco de crédito do agente financeiro, de forma a possibilitar a concessão de financiamento a beneficiário final não aprovado na análise de risco efetuada pelo Agente Financeiro, na conformidade da citada Resolução no 2.682/99, do CMN, suas alterações e aditamentos, sem restrição cadastral e com capacidade de pagamento. 8.9.1. O aporte dos recursos será efetuado previamente à concessão do financiamento ao beneficiário final, em percentual máximo de 15,58% para renda até 3 salários mínimos e 14,47% para renda acima de 3 a até 5 salários mínimos, sobre o montante dos recursos destinados à contratação das operações. 8.9.2 Os recursos permanecerão depositados na citada conta específica pelo prazo máximo de amortização das operações contratadas pelo Agente Financeiro e serão utilizados no caso de inadimplência do mutuário. 8.9.2.1 Os recursos poderão ser utilizados, no caso de inadimplência do encargo mensal, assim caracterizada pelo atraso superior a 60 dias, para contrato com quaisquer das garantias previstas na alínea “f” do subitem 8.6 desta Resolução, exceto, Fundo Garantidor. 8.9.3 A inadimplência do encargo mensal prevista no subitem 8.9.2.1 será suportada com os recursos do Depósito para Garantia de Risco do Agente Financeiro por no máximo 12 encargos. 8.9.3.1 A partir do 13º encargo em atraso, os recursos remanescentes serão liberados quando da comprovação da realização da garantia ou da comprovação do vencimento antecipado para liquidação da dívida. 8.9.4 Os valores ressarcidos pelos mutuários deverão retornar à conta específica do Depósito para Garantia de Risco do Agente Financeiro e, disponibilizados para movimentação na situação definida no subitem 8.9.2 e 8.9.2.1. 8.9.5 Os recursos remanescentes na conta específica, após o prazo máximo de amortização das operações contratadas no âmbito do Programa, deverão retornar ao FDS. 8.9.6 A administração e movimentação dos recursos da conta depósito garantia de risco do Agente Financeiro serão efetuadas pelo Agente Operador, mediante edição de regulamentação específica. 9 SUBSÍDIOS Para obtenção de subsídios adicionais, far-se-á necessária a articulação das operações do Programa com outras fontes de recursos, financeiros ou não, de planos/programas públicos e privados. 10 DISPOSIÇÕES GERAIS 84 10.1 As operações realizadas com recursos do FDS serão incluídas no Cadastro Nacional de Mutuários – CADMUT, com vistas à não concessão de mais de um financiamento/subsídio ao mesmo adquirente. 10.2 O gestor da aplicação e o agente operador regulamentarão a presente Resolução em até 30 (trinta) dias, a contar da sua publicação. 10.3 O agente financeiro implementará as disposições da presente Resolução em até 30 (trinta) dias, a contar da publicação da respectiva regulamentação pelo gestor da aplicação e agente operador. 10.4 As operações firmadas no âmbito deste programa nas modalidades “construção” “conclusão ampliação e reforma” e “aquisição de unidades construídas com habite-se de até 180 dias” deverão contar obrigatoriamente, com a cobertura de apólice de seguro, cujo equilíbrio esteja fora da garantia do Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS. 11 Esta Resolução entra em vigor após a regulamentação prevista no item anterior. OLÍVIO DE OLIVEIRA DUTRA Presidente do Conselho 85 CONSELHO CURADOR DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL RESOLUÇÃO Nº 100, DE 16 DE JANEIRO DE 2005 Cria o Fundo Garantidor, para garantia do financiamento concedido ao beneficiário final, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, para aplicação no Programa Crédito Solidário – PCS. O CONSELHO CURADOR DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL - FDS, com base no nos incisos I , II e III do artigo 6º da Lei nº 8.677, de 13 de julho de 1993. Considerando a necessidade de viabilizar alternativa de garantia para implementação de financiamento às famílias de baixa renda que necessitam de condições especiais e subsidiadas, no âmbito do Programa Crédito Solidário, criado pela Resolução do CCFDS nº 93, de 28 de abril de 2004, alterada pela Resolução CCFDS nº 98, de 8 de dezembro de 2004. Considerando a existência de propostas em que o beneficiário final do crédito não dispõe do título de propriedade do imóvel o que impossibilita adoção de garantia real. Considerando que alternativa de garantia representada pelo Seguro de Crédito onera a capacidade de pagamento do beneficiário final. Resolve: Aprovar a criação do Fundo Garantidor, conforme previsto a alínea “f” do subitem 8.6 da Resolução do CCFDS nº 93, de 28 de abril de 2004, mediante aporte de recursos disponíveis no Patrimônio Líquido do FDS, após a alocação da reserva de liquidez preconizada na Lei 8.677/93 e os custos administrativos do FDS. 1 Características do Fundo Garantidor 1.1 O Fundo Garantidor será constituído com recursos do FDS a título de financiamento ao beneficiário final no percentual de 19,85% (dezenove inteiros e oitenta e cinco centésimos percentuais) sobre o valor de financiamento destinado à realização da obra. 1.1.1 A dívida do beneficiário final corresponderá ao somatório do valor alocado ao Fundo Garantidor e do valor do financiamento obtido conforme critérios e condições básicas previstas no subitem 8.6 das Resoluções CCFDS 93/2004 e 98/2004. 1.1.2 O valor do empréstimo do Agente Operador ao Agente Financeiro será constituído pelo valor alocado ao Fundo Garantidor acrescido do financiamento ao beneficiário final, observadas as condições previstas nos subitens 8.5 da Resolução CCFDS 93/04. 0.1 O Fundo Garantidor será constituído de forma solidária por grupo associativo no qual todos os associados suportarão a garantia de solvabilidade do grupo. 1.2 Os recursos destinados à constituição do Fundo Garantidor serão depositados pelo Agente Operador, em conta específica na Caixa Econômica Federal, no ato de liberação da primeira parcela do financiamento ao beneficiário final, e deverão, a partir de então, serem remunerados à taxa de mercado. 1.4 Os recursos permanecerão depositados na citada conta específica pelo prazo máximo de amortização dos contratos do grupo associativo e serão movimentados, exclusivamente, nas seguintes situações: 86 ) Atraso superior a 60 dias do encargo mensal de qualquer associado do grupo, limitado a 12 (doze) encargos consecutivos; ) liquidação antecipada, quando o saldo do Fundo Garantidor do grupo associativo for maior ou igual ao somatório das dívidas vincendas; ) vencimento antecipado da dívida de mutuário com atraso do encargo mensal por período maior que 12(doze) encargos consecutivos; ) término do prazo máximo de amortização dos contratos do grupo associativo 1.4.1 Na hipótese de utilização dos recursos na forma prevista na alínea “a” acima, os valores ressarcidos pelos beneficiários finais serão retornados ao Fundo Garantidor. 1.4.2 Eventual saldo remanescente, após a liquidação das dívidas do grupo associativo, será disponibilizado aos respectivos beneficiários finais. 1 Limite de financiamento ao beneficiário final 1.0 O financiamento unitário, quando a garantia se constituir dos recursos aportados ao Fundo Garantidor, será limitado ao previsto no subitem 8.2 da Resolução do CCFDS 93/04, acrescido do percentual de 19,85% (dezenove inteiros e oitenta e cinco centésimos percentuais) sobre o valor de financiamento destinado à realização da obra. 3 Remuneração do Agente Financeiro e do Agente Operador 3.1 A taxa de equilíbrio, prevista no subitem 8.7.2 da Resolução do CCFDS 93/04, não será aplicada sobre o valor destinado à constituição do Fundo Garantidor. 3.2 A taxa de risco de crédito do Agente Operador, prevista no subitem 8.8 da Resolução do CCFDS 93/04, será devida sobre o valor destinado à constituição do Fundo Garantidor. 4 Depósito para Garantia de Risco do Agente Financeiro 4.1 Quando a garantia constituir-se do Fundo Garantidor, os recursos destinados ao Agente Financeiro como Depósito para Garantia de Risco serão complementares aos alocados ao Fundo Garantidor e movimentados nas condições estabelecidas nas Resoluções CCFDS 93/04 e 98/04, considerando as seguintes alterações abaixo. 4.1.1 O aporte de recursos previstos no subitem 8.9.1 da Resolução do CCFDS 93/04 será efetuado previamente à concessão do financiamento ao beneficiário final, em percentual máximo de 15,58% para renda de até 3 salários mínimos e 14,47% para a renda acima de 3 até 5 salários mínimos, sobre o montante dos recursos destinados à contratação das operações para realização da obras. 4.1.2 A movimentação dos recursos referentes ao Depósito para Garantia de Risco, devidos ao agente financeiro, ocorrerá exclusivamente no vencimento antecipado da dívida. 5 A cooperativa ou associação com fins habitacionais deverá ser interveniente na operação entre o beneficiário final e o Agente Financeiro. 6 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. OLÍVIO DE OLIVEIRA DUTRA Presidente do Conselho
Documentos relacionados
Kapp, Silke e Baltazar, Ana Paula.
sociais, como importante elemento para uma nova interação entre sociedade e Estado. (SILVEIRA, 1987, p.1) Segundo o autor do proêmio que introduz este artigo, tratava-se de contrapor, à centralizaç...
Leia mais