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Educare Revista Científica volume 1 Educare Revista Científica FACULDADES - ISEIB INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO IBITURUNA - ISEIB Portaria MEC nº. 2.861 de 13/09/2004 – D.O.U 16/09/2004 FACULDADE DE CIÊNCIAS GERENCIAIS E EMPREENDEDORISMO FACIGE Portaria MEC n°. 282 de 04/04/2008 – D.O.U. 07/04/2008 EDUCARE Revista Científica das Faculdades ISEIB Revista Educare Montes Claros – MG V. 1, n. 3 – 2008 p.1-169 2008 FACULDADES - ISEIB INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO IBITURUNA - ISEIB Portaria MEC nº. 2.861 de 13/09/2004 – D.O.U 16/09/2004 FACULDADE DE CIÊNCIAS GERENCIAIS E EMPREENDEDORISMO FACIGE Portaria MEC n°. 282 de 04/04/2008 – D.O.U. 07/04/2008 Prof. Josué Antunes de Macêdo Diretor de Ensino Acadêmico José Felipe Dias Oliveira, Diretor Administrativo Yara Patrícia Barral de Queiroz Coordenadoria de Ensino Pesquisa e Extensão - COEPE Lygia Maria Silveira e Oliveira, Coordenadora de Pós-Graduação Conselho Consultivo Comissão Editorial Antonio Avilmar de Souza - Unimontes Carlos Alberto Marques – UFJF Christina da Silva Roquette Lopreato – UFMG Frederico da Silva Reis – UFOP Helena Maria Gramiscelli Magalhães – UFMG Mário Jorge Dias Carneiro - UFMG Maria de Lourdes – UFMG Osmar Pereira Oliva – Unimontes Rômulo Soares Barbosa - Unimontes Vera Lúcia Alves - Unimontes Daniel Rodrigues Magalhães Josué Antunes de Macêdo Roney Versiani Sindeaux Yara Patrícia Barral de Queiroz Wilson da Silva Revisão lingüística: Rosemárcia Vieira Número de tiragem: 200 exemplares Logomarca Editora FUNADEM: Dener V K Fh 378 CDD Educare: revista científica do Instituto Superior de Educação Ibituruna (ISEIB) e da Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo (FACIGE). – Vol. 1, n.3. Montes Claros, MG : 2008. 169 p. ; 15x21 cm Anual ISSN: 1808-6454 1. Ensino Superior - Periódico. 2. Produção Acadêmica. I. Instituto Superior de Educação Ibituruna. II. Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo. III. Título. Editora FUNADEM. Rua Lírio Brant, 511, Melo, Montes Claros - MG. CEP: 39.401-063. A Revista Educare é uma publicação das Faculdades ISEIB – Instituto Superior de Educação Ibituruna (ISEIB) e Faculdade de Ciências gerenciais e Empreeendedorismo (FACIGE), com periodicidade semestral e destina-se, prioritariamente, à publicação de trabalhos originais e inéditos relacionados aos eixos temáticos estabelecidos nas normas da Revista, realizados por pesquisadores e docentes desta e de outras Faculdades e centros de estudo e pesquisa do Brasil e do exterior. Normas para publicação no final da revista. APRESENTAÇÃO É com imenso prazer que ora apresentamos à comunidade acadêmica o terceiro número da Revista Educare. Revista esta que está se tornando referência em termos de divulgação científica no cenário Norte Mineiro, bem como Sul da Bahia. Tivemos uma enorme surpresa quando recebemos artigos também de outras regiões do país. Isto mostra que estamos no caminho certo. Com intensa busca pelo aperfeiçoamento, nos tornaremos referência nacional. Este número da Revista Educare conta com diversos artigos, envolvendo várias temáticas, de modo a atender às diferentes áreas do conhecimento e alcançando assim os seus principais objetivos. Sendo inscrita no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - IBICT, registrada com o ISSN nº 1808-6454, tem como eixos temáticos: 1) educação; 2) cidadania; 3) saúde, meio ambiente e inclusão social; 4) história, cultura, arte e esporte; 5) tecnologia aplicada à educação; 6) lingüística e literatura. De maneira integradora, busca valorizar pesquisadores desta e de outras instituições de ensino, promovendo o intercâmbio de conhecimentos e o incentivo para o desenvolvimento de novos estudos científicos. Esperamos, assim, ter cumprido o nosso papel de tornar o conhecimento mais acessível a todos. Prof. Josué Antunes de Macêdo Profª Yara Patrícia Barral de Queiroz SUMÁRIO EDITORIAL Prof. Dr. Daniel Magalhães.................................................................................08 SOCIAL-DEMOCRACIA E COMUNISMO: RAÍZES MARXISTAS E UMA DICOTOMIA Fabio Antunes Vieira ........................................................................................09 BRINCADEIRAS E JOGOS NO ENSINO DO INDIVÍDUO COM DEFICIÊNCIA MENTAL Antonia S. Silveira e Oliveira Nancy Capretz Batista da Silva Roberta Moreno Sás ..........................................................................................20 REFLEXÕES ACERCA DA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL E DO ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANO Marcos Nicolau Santos da Silva........................................................................34 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: PRÁTICA DO AUTORITARISMO, DISCIPLINARIZAÇÃO E PODER Rosimeire Castro Guimarães..............................................................................50 BENTINHO, HOMEM POUCO VIRIL: Substituições que perpassam o narrador em Dom Casmurro, de Machado de Assis Márcio Adriano Silva Moraes............................................................................64 O SER GLOBAL E O PENSAR LOCAL Luciana Fonseca de Castro Dias .......................................................................77 FORMAÇÃO CONTINUADA DAS NOVAS ALFABETIZADORAS DO PROGRAMA BRASIL ALFABETIZADO EM BELÉM: QUEM SÃO? QUE SABERES POSSUEM? José Anchieta de Oliveira Bentes.......................................................................89 AO CANCIONEIRO INFANTIL: VISÃO ANTITÉTICA DE EDUCADORES E FOLCLORISTAS Michelle Espíndola Batista .............................................................................108 ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE ESGOTO: DISCUSSÃO DAS FORMAS ALTERNATIVAS DE REUSO DO EFLUENTE E APROVEITAMENTO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS Renata Cardoso Silva Juvenil Dias Pereira Mônica Durães Braga.......................................................................................121 BOTULISMO ALIMENTAR - DOENÇA NEUROMUSCULAR VEICULADA POR ALIMENTOS CONTAMINADOS COM ESPOROS DE Clostridium botulinum Mônica Durães Braga Clédson Teixeira Viana....................................................................................138 UM RECORTE NA TEORIA DE FUNÇÕES MATEMÁTICAS: UTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM LOGO POR ALUNO DO ENSINO MÉDIO Fernando Rocha Pinto Saulo Furletti....................................................................................................150 NORMAS DE PUBLICAÇÃO NA REVISTA EDUCARE .......................167 EDITORIAL Muitas pessoas dizem que somos frutos de nossas escolhas. Essas escolhas fazem parte de uma gama de ações que dão origem à nossa construção: escolhas certas nos levam ao caminho considerado como melhor, o que não significa que todas as escolhas erradas indicam um ponto ruim de chegada (principalmente, se for obra do acaso). A maturidade e a confiança são fundamentais para que as escolhas sejam acertadas; e essas qualidades encaminham a uma qualidade maior: a sabedoria. Sabedoria de vida só é conseguida através de experiências vivenciadas e, neste sentido, conseguimos maior sensibilidade e maturidade para resolver os problemas que surgem e que são inevitáveis. Ao pensar em sabedoria, devemos então nos preparar para outros aprendizados que fazem parte de uma gama de conhecimentos que compõe a nossa existência. A Revista Educare existe e já está em sua 3ª edição, melhor a cada dia! Tem a preocupação de buscar e proporcionar o aprendizado de modo a contribuir para o engrandecimento cultural e científico da comunidade. Dentro das possibilidades, a nossa revista, pautando sempre pela ética científica, valorizando as raízes e trabalhos, chega a 3a edição. Aqui, estão pesquisas multidisciplinares, as quais são trabalhos conduzidos com todo rigor científico. Nessa edição apresentamos pesquisas relacionadas à educação inclusiva, a segregação social, a atividade docente, o problema dos dejetos e o botulismo, dentre outros. Convidamos a comunidade acadêmica e interessados a se deleitarem com artigos da nossa revista. Tenham uma excelente leitura. Prof. Dr. Daniel Magalhães Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 SOCIAL-DEMOCRACIA E COMUNISMO: RAÍZES MARXISTAS E UMA DICOTOMIA Fabio Antunes Vieira 1 A questão de reforma ou revolução é absurda, pois uma coisa não elimina e nem substituiu a outra (...). Em outras palavras, a revolução não seria um ato de vontade de um grupo, de uma classe, de um partido, mas um processo social prolongado, do qual o reformismo seria uma parte importante. Jorn Svenson Resumo: Em termos gerais, é possível dizer que o século XIX foi marcado pela depressão em relação aos valores iluministas burgueses, bem como pela insatisfação dos trabalhadores, sobretudo fabris, em relação aos ditames da Revolução Industrial. Nesse contexto, dentre os estudiosos que passaram a conceber teorias e propostas com a finalidade de acabar com a sociedade de classes, nenhum teve maior destaque que alemão Karl Marx. A partir das discussões acerca de suas idéias e aplicabilidade, emergiram algumas correntes delas variantes, dentre as quais a social-democracia e o comunismo. Sobre o assunto, não com a presunção de estabelecer verdades, o intento deste artigo é discorrer sobre algumas circunstâncias e características que opuseram social-democratas e comunistas, apesar de ambos, em boa medida, terem buscado seus fundamentos no marxismo. Palavras-chave: Social-Democracia. Comunismo. Marxismo. Reforma e Revolução. O socialismo observado por volta de 1850, tinha por intento arrebatar da burguesia “o poder social”. Todavia, apesar “da primeira Associação Internacional de Trabalhadores, inaugurada por Karl Marx”, ter proclamado “a solidariedade 1Mestre em Desenvolvimento Social e graduado em História pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Professor do Departamento de História da Unimontes e do Curso de História do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB. 9 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 dos trabalhadores que lutavam por seus direitos para além de todas as fronteiras nacionais”, suas “representações” eram desiguais em “termos de força”, “organização” e “metas programáticas” (LÖWENTHAL: 1982, 124). No mais, considerando o poder político e militar alcançado pela burguesia após as sucessivas revoluções, cuja principal foi à Francesa de 1789, tal arrebatamento tornou-se particularmente difícil (PRZEWORSKI:1995, 19). Considerando o exposto, os partidários das ideais socialistas passaram a conceber duas linhas de ações distintas (destinadas à tomada do poder), sendo uma “reformista” e a outra “revolucionária”. A primeira deriva das discussões realizadas por ocasião da II Internacional em 1889, que definiu ser possível ao proletariado alcançar o poder e implementar o socialismo pela via democrática, quando, organizados partidariamente, assumissem o controle parlamentar após vencer a burguesia em processo eleitoral. Essa perspectiva foi definida como social-democracia e teve a Alemanha como precursora, inclusive quanto à organização do primeiro partido socialista da história. Partilhando tal idéia, Antônio Paim argumenta que à social-democracia competia “seguir o caminho parlamentar, promover alianças com outras agremiações e formular um programa de reformas que assegurasse a melhoria da situação da classe trabalhadora” (PAIM: 1998, 99). Sobre a segunda linha, dita “revolucionária”, é possível afirmar que seus adeptos vinculavam-se aos ditames do marxismo-leninismo, diretamente ligados à Revolução Bolchevique (Russa) de 1917 e à III Internacional em 1919, realizada em Moscou. Seus defensores, contrários ao que definiam como moderação dos social-democratas, por considerarem ineficaz a promoção gradual do socialismo pela via eleitoral-representativa, passaram a se intitularam “comunistas” como forma de diferenciação, já que defendiam o implemento do socialismo pela via revolucionária direta. A partir dessa polêmica, os termos “reformista” e “revolucionário” passaram a constituir um “divisor de águas no movimento socialista internacional. “O ‘reformista’ puro” (social-democrata) “abandonou a perspectiva de uma revolução, e o ‘revolucionário’ puro” (comunista) “não faria concessões às reformas” (DUARTE; MIRANDA: 1985, 44). Embora seja possível afirmar que ambas as perspectivas tenham o marxismo como ponto de apoio, é perceptível que as idéias foram interpretadas e adequadas de modos distintos entre elas. Para os social-democratas, tem grande peso o fato de Marx ter manifestado durante a I Internacional em 1864, “que os trabalhadores tinham de 10 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 organizar-se em um partido político, e que esse partido deveria conquistar o poder na trajetória para o estabelecimento da sociedade socialista” (PRZEWORSKI:1995, 20). Para os comunistas, a interpretação do conceito revolucionário como um ato de força contra a ordem estatal burguesa, bem como a “ditadura do proletariado” como etapa socialista precedente ao comunismo, são mais significativas. No mais, no “esboço geral das diversas fases da evolução do proletariado”, delineia-se “a guerra civil” como a etapa “de uma revolução declarada, em que o proletariado assumirá o poder com a derrubada violenta da burguesia” (MARX; ENGELS: 1984, 28). Apesar da divisão apresentada, é valido salientar a existência de estudiosos “que a consideram, tanto do ponto de vista teórico, como da prática política, como um falso problema. Nesse sentido, para o sueco Jorn Svenson: A questão de reforma ou revolução é absurda, pois uma coisa não elimina e nem substituiu a outra. As reformas podem ajudar encaminhar a revolução, que assim poderia se constituir simplesmente em um produto, um desfecho de um processo reformista. Em outras palavras, a revolução não seria um ato de vontade de um grupo, de uma classe, de um partido, mas um processo social prolongado, do qual o reformismo seria uma parte importante (SVENSON, apud DUARTE; MIRANDA, 1985, 44 - 45). Como explicitado, Svenson entende o “reformismo” e a “revolução” como etapas conciliáveis e igualmente importantes no processo que tem por objetivo a constituição de uma sociedade comunista. No entanto, a partir das leituras sobre a temática, observa-se que a dicotomia entre social-democratas e comunistas impera dentre os principais teóricos que discutem o assunto. Entre os que se dedicaram às teorias “reformistas”, Adam Przeworski argumenta que a força política da burguesia e a consolidação do capitalismo, implicaram aos social-democratas a necessidade de organizar as ações do operariado em torno dos ideais do partido, legitimo representante dos interesses da classe no âmbito parlamentar (PRZEWORSKI: 1995, 22). Destarte, mediante processo eleitoral, quanto mais representantes os social-democratas conseguissem fazer junto ao Parlamento, maior força teriam para implementar as reformas socialistas, até atingirem a maioria absoluta que os 11 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 possibilitassem assumir o poder. Para os social-democratas, a revolução resultaria da gradual capacidade da classe operária fortalecer a representação partidária junto ao poder parlamentar, até constituírem a maioria, ocasião em que o socialismo seria efetivamente implementado. Apesar do ceticismo eleitoral em relação à burguesia, os socialdemocratas entendiam que outras formas de atuação desencadeariam práticas repressivas por parte dos meios de coerção do Estado capitalista-burguês, fato que condicionava a ação política como o recurso “institucionalizado” e “disponível” ao implemento dos interesses do operariado (PRZEWORSKI: 1995, 25). Além disso, é possível interpretar que os “reformistas” partilhavam a idéia, quanto à organização política dos trabalhadores, de que “as pessoas que vivem em comunidade nunca estão de acordo sobre tudo; contudo, se continuam a viver em comum, não podem ter objetivos inteiramente discordantes” (DAHL: 1981, 49). Embora a social-democracia possibilite a ação política do proletariado em meio à “estrutura do Estado burguês”, condição atribuída como importante por Marx, ela também apresenta alguns empecilhos ao advento do próprio socialismo (PRZEWORSKI: 1995, 26). Nesse sentido, considerando a abertura política viabilizada pelos regimes tidos como democráticos, a organização do proletariado em múltiplas representações partidárias e sindicais desarticula a idéia desses como uma classe unívoca, contrariando, por conseguinte, uma das condições admitidas como indispensáveis ao implemento do socialismo marxista. Além desse fato que motiva a concorrência entre os trabalhadores e arrefece o ideal revolucionário, a representação política parlamentar, segundo Przeworski, “desmobiliza a ação das massas2 (...) e resulta inevitavelmente no aburguesamento do movimento socialista” (PRZEWORSKI: 1995, 27). Compartilhando tal entendimento, os anarquistas “alertaram” em um congresso realizado em 1870, que “toda a participação dos trabalhadores na política governamental burguesa só poderá produzir resultados no sentido de consolidar o atual estado de coisas, paralisando, assim, a ação socialista revolucionária do proletariado” (PRZEWORSKI: 1995, 20). Corroborando parcialmente com a análise dos anarquistas, o professor alemão Pannekoek, tecendo considerações sobre as variantes da social-democracia 2No sentido proposto, salienta-se “massa” segundo o conceito de Hannah Arendt. Para a autora, o “termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que, simplesmente devido ao seu número, ou à sua indiferença, ou a mistura de ambos, não se podem integrar numa organização baseada no interesse comum, seja partido político 12 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 alemã no início do século XX, argumentou que a inserção de seus membros na atividade parlamentar facilitava a “estratégia liberal burguesa de conciliar-se com o reformismo, como meio de preservar a sociedade capitalista” (PANNEKOEK, Apud DUARTE; MIRANDA: 1985, 49). Do mesmo modo, Alex Danielsson, embora tenha sido um dos fundadores da Social-Democracia sueca, afirmou em 1888 que a ação política do proletariado pela via eleitoral transformaria o socialismo em um “reles programa” partidário no meio parlamentar, mais vinculado a um projeto reformista que ao ideal revolucionário (DANIELSON, Apud PRZEWORSKI: 1995, 20). De modo análogo ao exposto, o presidente do Partido Trabalhista britânico 3 ,J. McGurk argumentou em 1919 que, aqueles que se dizem “constitucionalistas”, devem “acreditar na eficácia da arma política (...) sendo, portanto, insensato e antidemocrático, por não obterem maioria de votos” no processo eleitoral, “exigir a mobilização do operariado” (McGURK, apud PRZEWORSKI: 1995, 28). Com base nessa argumentação, é possível interpretar que os social-democratas “ingressaram na política burguesa para ganhar eleições”, obter mandatos, implementar reformas e criar gradativamente “a legislação que conduziria a sociedade ao socialismo” (PRZEWORSKI: 1995, 29). Partilhando uma linha de pensamento afim, Engels argumentava que por meio de uma “república democrática”, a “classe operaria” assumiria o poder e implementaria a “ditadura do proletariado” (ENGELS, apud PRZEWORSKI: 1995, 30). De modo congênere, em 1867 Marx “reafirmou que o sufrágio universal é o equivalente do poder político para a classe operária na Inglaterra, onde o proletariado compõe a grande maioria da população” (MARX, apud PRZEWORSKI: 1995, 31). Embora para os social-democratas tenha importância particular as passagens de Marx acerca da organização política partidária dos trabalhadores, é válido ressaltar que o próprio Marx foi enfático ao afirmar que: Os comunistas estão empenhados na união e no entendimento dos partidos democratas de todo o mundo. [No entanto] não dissimulam suas opiniões e seus objetivos, e disso se orgulham. [ou] organização profissional”. ARENDT. Origens do Totalitarismo, p. 361. Grifo nosso. 3Ressalva seja feita, segundo DUARTE e MIRANDA (1985, 45), os “trabalhistas” ingleses, os “socialistas” franceses e espanhóis, bem como os “social-democratas” alemães e suecos, são partes integrantes das “correntes internacionalistas” que compõem a social-democracia. 13 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Pregam abertamente que seus objetivos só serão alcançados com a destruição violenta de toda ordem social existente. Que a classe dominante [burguesa] se sinta ameaçada na iminência de uma revolução comunista (MARX; ENGELS: 1984, 45 – Grifo nosso). Valendo-se da citação supracitada, é evidente que, para os revolucionários marxistas, a violência na fase da ascensão dos proletários ao poder termina por ser inevitável. Sobre o assunto, um argumento freqüentemente apresentado pelos comunistas acerca do ceticismo aos processos democráticos, é o de que a “força tem de ser usada, o sangue tem que correr, não porque desejam usar a violência, mas porque a classe dominante não cederá sem isso” (HUBERMAM: 1986, 230). A favor de tal argumento, dois acontecimentos na década de 1930 são significativos. Em 1932 os comunistas conquistaram maioria parlamentar na Bulgária, mas foram colocados na ilegalidade pelo governo monárquico. De modo semelhante, em 1936 os socialistas espanhóis venceram as eleições parlamentares, porém, foram derrotados pelas forças de direita do general Francisco Franco que, com o apoio nazi-fascista assumiu o poder como ditador em 1939, após a guerra civil. Muito embora Marx tenha afirmado em 1852 que a “ditadura do proletariado (...) não é, em si mesma, mais do que o trânsito para a abolição de todas as classes e para uma sociedade sem classes (WEFFORT: 1993, 243), Bernstein, um dos maiores nomes da social-democracia alemã, por outro lado, avaliando a situação da Rússia Bolchevique, também criticou as conseqüências da luta revolucionária4 Para ele, “a ditadura do proletariado, onde a classe operária não dispõe todavia de organizações autônomas de caráter reivindicativo muito fortes e não haja alcançado alto grau de autonomia espiritual, deverá consistir numa ditadura dos oradores de clubes ou de literatos” (BERNSTEIN, Apud PAIM: 1998, 104). Complementando, Antônio Paim discorre que: A defesa expressa da ditadura do proletariado, por Lênin, explicitando ainda que seria exercida pelo partido, em nome do 4De qualquer modo e para todos os efeitos, salienta-se aqui o entendimento de que o socialismo científico puro jamais foi aplicado (conforme foi pensado por Marx) em nenhum lugar do mundo. Portanto, o que convencionou-se chamar de comunismo soviético, ou socialismo real, não correspondeu a teoria marxista. 14 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 proletariado, e por um líder reconhecido, em nome do partido, levou a uma das ditaduras mais sanguinárias conhecidas da história. De sorte que a veemência de Bernstein no combate a essa idéia [ditadura do proletariado] acabou plenamente justificada (PAIM: 1998, 104 – Grifo nosso). Com base em teóricos como Bernstein, é possível dizer que para os social-democratas a medida em que o sistema capitalista se fortalecesse, um número maior de pessoas passaria a condição de proletários, ampliando gradativamente a força eleitoral necessária para a tomada do poder e o implemento do socialismo. Nessa linha, “a democratização progressiva das instituições políticas corresponde ao instrumento adequado à realização do programa da social-democracia. Ainda mais: o socialismo somente pode realizar-se de modo autêntico nos marcos do sistema democrático-representativo” (BERNSTEIN, Apud PAIM: 1998, 104). Partindo desse idéia, o implemento capitalista constitui etapa importante para gerar uma maioria de proletários em meio à sociedade, condição necessária para que, pelo viés eleitoral, o socialismo pudesse ser implementado. Para fundamentar a crença no sistema representativo, os social-democratas não se furtaram em destacar que Marx certa vez argüiu que os “operários precisavam organizar-se e agir como força coletiva”, a fim de “fazer cessar a competição” entre eles, “para que pudessem empreender” luta “contra os capitalistas”. Destarte, superando interesses individuais e a visão burguesa de sociedade universalista, os operários deveriam, disciplinadamente, se organizarem enquanto classe, “assumindo o mais rápido possível sua posição como partido independente”, alheio a “hipocrisia da pequena burguesia democrática” (MARX, Apud PRZEWORSKI: 1991, 35-36). No jogo político burguês, o processo democrático deveria ser observado apenas como o meio pelo qual os operários partidariamente organizados assumiriam o poder e implementariam o socialismo, reconstruindo a sociedade por meio de uma revolução reformista. Pertinente a análise anterior, observa-se à importância do capitalismo para além do aspecto econômico. No âmbito político, sua emergência criou uma expectativa de aumento da classe operária segundo ansiavam os social-democratas, que por conseqüência representaria uma ampliação do seu eleitorado, o que efetivamente não ocorreu, como será trabalhado adiante. Entretanto, embora não 15 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 tenha se cumprido a ampliação eleitoral do operariado enquanto classe é oportuno estabelecer aqui outro ponto divergente entre os social-democratas e os marxistaleninistas. Como já trabalhado, os primeiros entendiam a importância do capitalismo para o processo de ampliação e conscientização política do operariado. Por outro lado, os segundos, representados pelos bolcheviques russos, impuseram a uma maioria de trabalhadores campesinos, um tipo de socialismo em um país ainda marcado pelo feudalismo. Em outras palavras, os bolcheviques negligenciaram o próprio pensamento de Marx, que atribuía importância ao fortalecimento do capitalismo, tanto para o aspecto econômico quanto político, como etapa anterior ao implemento do socialismo. Nesse sentido, o próprio Lênin admitiu a vulnerabilidade do socialismo russo ao instituir a Nova Política Econômica em 1921 que, sob a justificativa de dar “um passo atrás, para dar dois passos à frente”, observou a necessidade de adotar alguns procedimentos capitalistas com o propósito de fortalecer a economia do país, para só então levar adiante o projeto socialista. Voltando aos social-democratas, conforme foi referenciado, a expectativa da ampliação eleitoral com base no operariado não se cumpriu. Segundo Przeworski, a causa principal para essa inobservância esta associada ao advento das classes médias urbanas, não avaliadas devidamente por eles. Para o autor, a ampliação da vida urbana e da industrialização, passou a demandar uma gama maior de prestação de serviços fora do ambiente fabril, que eram executados por um grupo diferenciados trabalhadores, não necessariamente vinculados aos típicos operários das indústrias, bem como aos seus interesses enquanto classe. Deste modo, é coerente pensar que a ampliação desses trabalhadores nas cidades, tais como advogados, médicos, professores, dentre outros, passaram a constituir uma parcela diferenciada do eleitorado com influencia no jogo político, inviabilizando a pretensão dos socialdemocratas, de constituírem maioria parlamentar contando apenas com o apoio da classe operária (PRZEWORSKI: 1991, 39) . Tomando o exposto, observando não ser possível implementarem o socialismo pelo viés eleitoral apenas com o apoio da classe operária, os social-democratas, procurando adaptarem-se a nova realidade, passaram a buscar o apoio eleitoral da classe média em fins do século XIX. Segundo “previsão feita por Engels em 1895, os socialistas tornar-se-iam” força preponderante, dependendo do “êxito do partido na conquista da maior parte da camada média da sociedade, a 16 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 pequena burguesia e os pequenos camponeses” (ENGELS, Apud PRZEWORSKI: 1991, 40). Mediante tal prática, os partidos socialistas deixaram de representar os interesses específicos dos operários enquanto classe e passaram a representá-los enquanto indivíduos pertencentes à sociedade. Ao buscarem o apoio de outros segmentos sociais, sobretudo de “toda a população que trabalha”, os social-democratas abandonaram a idéia de constituírem partidos representantes dos interesses da classe operaria, para representar os interesses das “massas”. Assim procedendo, os “reformistas” foram gradativamente perdendo a fidelidade partidária por parte dos operários, já que não mais amplamente doutrinados a se identificarem enquanto classe, mas sim como indivíduos que trabalham, passaram a interagirem em meio ao jogo eleitoral de modo a defenderem seus interesses pessoais. Deste modo, “quando os partidos operários transformaramse em partidos de massas”, o socialismo comprometeu um dos grandes postulados do marxismo que é a luta de classes. Assim, dada às diversas particularidades no âmbito do trabalho, não foi possível admitir todos os trabalhadores como uma classe unívoca (PRZEWORSKI: 1991, 43). Procurando envolver uma maior parcela da sociedade, os partidos socialistas terminaram por fazerem o jogo político-democrático burguês que, na ânsia pelos votos dos indivíduos e não da classe, não conseguiram garantir a fidelidade partidária e conseqüentemente a vitória eleitoral. Aqui, é oportuno retomar o argumento de Pannekoek, de a inserção dos social-democratas na atividade parlamentar facilitou a “estratégia liberal burguesa de conciliar-se com o reformismo, como meio de preservar a sociedade capitalista” (PANNEKOEK, Apud DUARTE; MIRANDA: 1985, 49). Inscritos em tal contexto, os social-democratas passaram a enfrentar “o dilema (...) de oscilarem entre a ênfase na classe e o apelo à nação”. Entretanto, diante da insuficiência dos operários enquanto classe e a ineficiência para agregarem múltiplos segmentos sociais em torno de suas propostas, “os socialdemocratas não conseguiram fazer das eleições um instrumento de transformação socialista” (PRZEWORSKI: 1991, 44). Nesse sentido, a defesa das medidas reformistas como parte do processo para o implemento da sociedade socialista, não empolgou um volume significativo do eleitorado, mais preocupado com interesses particulares que coletivos. No aspecto econômico, assim como Marx, os social-democratas entendiam 17 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 que a propriedade privada era a responsável pelas desigualdades sociais, já que era por meio dela que se estabelecia a diferença entre os detentores dos meios de produção e os proletários (HUBERMAM: 1986, 228). Todavia, uma vez que nunca conseguiram assumir o governo dispondo de maioria parlamentar, os socialdemocratas não encontraram as condições favoráveis para lidarem com a questão. Assim, partindo para uma prática de reformas graduais que pudessem ser aprovadas pela maioria parlamentar, no período entre guerras, adotaram a tática de apenas “exercerem o poder”, até que o eleitorado fosse educado e conscientizado por eles, dotando-se das condições adequadas para a efetiva tomada do poder pela via democrática (PRZEWORSKI: 1991, 51). Paralelamente aos esforços de “educar o eleitorado”, com o propósito de condiciona-lo a atuar em prol do projeto socialista, seus representantes parlamentares (social-democratas) procuraram promover reformar que atendessem aos interesses gerais dos trabalhadores. Dentre as principais propostas, destaque para aquelas vinculadas aos programas sociais e a legislação trabalhista, desde que não fossem “identificadas” como “politicamente inviáveis” pelos demais parlamentares, ou “economicamente explosivas” aos interesses burgueses, já que em tais condições não conseguiriam ser aprovadas (PRZEWORSKI: 1991, 52). Na evolução histórica da social-democracia, o advento de keynesianismo nos Estados Unidos, por ocasião da Crise de 1929, forneceu-lhes “justificativa ideológica em uma teoria econômica de natureza técnica” (PRZEWORSKI: 1991, 54). Nesse sentido, os social-democratas “abandonaram por completo o projeto de nacionalização” dos meios de produção e passaram a atuar dentro da perspectiva do “bem-estar social” como já vinham procurando atuar desde a década de 1920. Assim, diante do exposto, é possível entender genericamente que a social-democracia gradativamente foi abandonando o projeto de reforma socialista, em prol de um estado de compromisso, cujas políticas sociais passaram a ser encaradas como de responsabilidade do próprio Estado burguês e não mais da ação coordenada dos trabalhadores enquanto classe, uma vez que ela se tornou inviável na sociedade atual. Concluindo, Przeworski enfatiza que os social-democratas abandonaram o projeto de transição ou, pelo menos fizeram uma pausa, esperando por épocas mais propícias”. Desse modo, armaram-se “de coragem” para “explicar à classe trabalhadora que é melhor ser explorada que criar uma situação que envolve o risco de ser prejudicial à própria classe” (PRZEWORSKI: 1991, 65). Em outros termos, 18 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 a social-democracia, após ter falhado em constituir-se como representação de uma classe que nunca conseguiu unidade, terminou por abandonar ou mínimo adiar o projeto de reformas socialistas, em prol de um estado de compromisso tutelado pelo próprio Estado burguês. Contudo, ressalva seja feita, conforme argumenta Duarte e Miranda (1985, 53), qualquer tentativa de se estabelecer um “padrão rígido” para a discussão, implicaria incorrer em grave erro, dada as peculiaridades de cada país onde as idéias socialistas tenham sido difundidas. Referências Bibliográficas ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Anti-Semitismo, Imperialismo, Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. DAHL, Robert. Análise Política Moderna. Brasília: UnB, 1981. DUARTE, Antônio; MIRANDA, Orlando. Trabalhismo e Social-Democracia. São Paulo: Global, 1985 (Série Ação Política). ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. 4ed. São Paulo: Global, 1984. HUBERMAM, Leo. História da Riqueza do Homem. 21ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. LÖWENTHAL, Richard. A Social-Democracia Alemã: Da Segunda Internacional aos Nossos Dias: Idéias e Experiências. In: CARDIM, Carlos Henrique (Presidente do Conselho Editor). A Social Democracia Alemã e o Trabalhismo Inglês. Brasília: UnB, 1982 (cadernos da UnB). PAIM, Antônio. Elaboração Teórica que Desembocou na Social-Democracia. In: CARDIM, Carlos Henrique (Org.). Formação e Perspectivas da Social-Democracia. Brasília: Fundação Teotônio Vilela, 1998. PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo: Cia. Das Letras, 1995. WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 4ed. São Paulo: Ática, 1993. Volume II. 19 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 BRINCADEIRAS E JOGOS NO ENSINO DO INDIVÍDUO COM DEFICIÊNCIA MENTAL Nancy Capretz Batista da Silva*5 Antonia S. Silveira e Oliveira** Roberta Moreno Sás* Resumo: O texto tece reflexões e faz uma breve revisão da literatura acerca da importância do uso de brincadeiras e jogos como ferramentas instrucionais e pedagógicas, especialmente para o indivíduo com necessidades educacionais especiais. Busca-se enfatizar que eles divertem enquanto motivam, facilitam o aprendizado e exercitam as funções mentais e intelectuais do indivíduo. Além de relatar-se a participação da atividade lúdica no desenvolvimento global da criança, são discutidos o papel do mediador, sua relação com a educação e finalmente, com a educação especial. Palavras-chave: Ensino. Brincadeiras. Jogos. O Indivíduo com necessidade Educacional Especial e Ferramentas Pedagógicas. 1. INTRODUÇÃO De uma forma geral, os jogos e as brincadeiras estão presentes não só na infância, mas como em outros momentos, podendo ser ferramentas instrucionais eficientes, pois divertem enquanto motivam, facilitam o aprendizado e exercitam funções mentais. Quando motivadores do processo de aprendizagem, eles podem ser definidos como jogos educacionais. Todavia, é importante ressaltar a idéia de que o uso de recursos tecnológicos, dentre eles o jogo educacional, não pode ser feito sem um conhecimento prévio do mesmo e que esse conhecimento deve sempre estar atrelado a princípios teórico-metodológicos claros e bem fundamentados. Daí a importância dos professores dominarem as tecnologias e fazerem uma análise 5* Alunas do Programa de Pós Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos-SP. ** Professora do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB e da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. 20 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 cuidadosa e criteriosa dos materiais a serem utilizados, tendo em vista os objetivos que se quer alcançar (SENA & LIMA, 2007; BORBA, 2006). Com vistas ao processo de inclusão escolar e aos atendimentos oferecidos por profissionais em outros contextos, salienta-se neste texto a importância das brincadeiras e jogos para o desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo com necessidade educacional especial. Consideramos o conhecimento prévio sobre a importância dos mesmos, assim como sua aplicação com esses indivíduos algo essencial e ainda alvo de atenções em pesquisas, com intuito de divulgar-se o uso deste tipo de recurso com seriedade e objetivos claros. Não pretende-se nesta discussão diferenciar as diversas modalidades de atividades lúdicas possíveis, ou mesmo definir brincadeiras e jogos, mas sim salientar a importância de tais recursos e atenção às metas pretendidas no seu uso. Desta forma, consideramos qualquer brincadeira/jogo/atividade lúdica planejada, desenvolvida e avaliada dentro de propósitos pedagógicos, como adequada para a educação e, mais especificamente, para o ensino do indivíduo com necessidades educacionais especiais. 2. DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA 2.1 A atividade lúdica no desenvolvimento global da criança A importância do brincar para o desenvolvimento infantil já é bastante reconhecida. Estudiosos do desenvolvimento humano, como Piaget (1978) e Vygotsky (1989), relacionam o brincar com o desenvolvimento cognitivo infantil. Para Piaget, o brincar serve à necessidade da criança de perceber e manipular o objeto, observando as relações causais entre sua ação e o objeto, consolidar seu conhecimento e extrair prazer por dominar a situação. Para Vygotsky, a evolução do brincar é um processo influenciado pelo meio e pela motivação e consiste em importante fonte de avanços no desenvolvimento cognitivo (EMMEL, 2004). O jogo proporciona relações sociais completas, onde a pequena comunidade age sob o domínio de regras que podem ser oriundas de costumes ou legisladas pelo próprio grupo, possui um sistema de julgamento próprio inclusive baseado em jurisprudência (Piaget, 1994). Ainda que seja espaço de conflitos, embates e contradições, aspectos que enriquecem e se transformam em meios que 21 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 permitem a discussão de valores hegemônicos, a re-significação, a re-elaboração e a incorporação de novos valores, o jogo permite prevalecer atitudes de ajuda mútua, de divisão de trabalho, de solicitude, de troca de pontos de vista e atenção de uns para com os outros. O jogo pode ser concebido “como uma unidade propiciadora de situações interativas, na qual conhecimentos, habilidades, valores e atitudes devem ser socializados e desenvolvidos, numa perspectiva globalizadora” (SENA & LIMA, 2007, p. 5). Entre as concepções sobre o brincar, descritas por Valentim (s/d) destacase as de Fröbel, o primeiro filósofo a justificar seu uso para educar crianças préescolares. Fröbel, foi considerado por Blow e Valentim (s/d) psicólogo da infância, ao introduzir o brincar para educar e desenvolver a criança. Sua Teoria Metafísica pressupõe que o brinquedo permite o estabelecimento de relações entre os objetos do mundo cultural e a natureza, unificados pelo mundo espiritual. Antunes (2000) elaborou um trabalho baseado nas áreas das inteligências que podem ser estimuladas através da utilização de um jogo, de natureza material ou até mesmo verbal. Incluem as dimensões: lingüística, lógico-matemática, espacial, musical, cinestésico-corporal, naturalista, intrapessoal e interpessoal. Na área de inteligência lingüística temos como exemplos o jogo da forca, bingo gramatical e telefone sem fio. Na inteligência lógico-matemática o dominó, jogos das tampinhas, jogo das formas e baralho de contas. Na inteligência espacial temos o jogo da sucessão, jogo da memória e damas. Muitos jogos infantis fazem parte do folclore, que Cascudo (1979) definiu como a “cultura popular, tornada normativa pela tradição”. Os jogos populares, ao lado dos acalantos, parlendas, adivinhas e cantigas de roda, estão reunidos sob o título de “Folclore Infantil”. Os jogos tradicionais, como amarelinha, o escondeesconde, a queimada, a cabra-cega, etc., são encontrados, nas diferentes regiões do mundo: Portugal, Espanha, França, Itália e outros. Bruner (1986) acredita que o ato de brincar permite ao ser humano condições ótimas para explorar e desenvolver habilidades mais complexas e aponta cinco funções fundamentais da brincadeira, que são: 1. redução das conseqüências relativas aos erros e fracassos, sendo umas atividade que se justifica por si mesma; 2. permissão da exploração, da intervenção e da fantasia; 3. imitação idealizada da vida; 4. transformação do mundo, segundo os nossos desejos; 5. Diversão. A despeito das dificuldades de definição e das controvérsias suscitadas 22 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 pelos diferentes teóricos, sobre o papel da brincadeira na educação da criança pequena, os quais enfatizam ora a importância dos comportamentos imitados, ora os aspectos de enriquecimento cognitivo, ora a possibilidade de socialização e de solução de conflitos emocionais, o brincar constitui-se em fonte instigante de preocupações científicas e, felizmente, ao permear as ações humanas, está presente em todas as culturas conhecidas. Um exemplo pode ser dado, segundo Medeiros (1988), em relação à brincadeira da Amarelinha, identificada em diversas culturas, cujo traçado semelhante a uma basílica parece representar, através do avanço da pedrinha rumo “ao céu”, a necessária superação das dificuldades inerentes à vida, num processo de elevação espiritual. Mas é necessário considerar que alguns fatores influenciam o desempenho da criança no brincar, como o ambiente no qual ela se encontra, suas características individuais e o vínculo com a pessoa que aplica as atividades. Ademais, os brinquedos devem ser adequados ao interesse, necessidades e capacidades da etapa de desenvolvimento em que a criança se encontra, considerando que a época e a forma como o desenvolvimento se processa podem variar bastante de criança a criança (EMMEL, 2004). Sabendo da importância de brincadeiras e jogos para o desenvolvimento humano, discutiremos o papel desses recursos para a educação, mais especificamente. Além disso, o papel do educador/mediador será elucidado. 2.2 O brincar na Educação Conforme Borba (2006): “...a escola, como espaço de encontro das crianças e dos adolescentes com seus pares e adultos e com o mundo que os cerca, assume o papel fundamental de garantir em seus espaços o direito de brincar. Além disso, ao situarmos nossas observações no contexto da contemporaneidade, veremos que esse papel cresce em importância na medida em que a infância vem sendo marcada pela diminuição dos espaços públicos de brincadeira, pela falta de tempo para o lazer, pelo isolamento, sendo a escola muitas vezes o principal universo 23 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 de construção de sociabilidade” (p. 42). As orientações e diretrizes oficiais da educação infantil enfatizam a necessidade de assegurar flexibilidade ao currículo, atribuindo importância às atividades lúdicas e ao brincar. Mas existe ambigüidade nos documentos norteadores e constata-se desvalorização e falta de espaço concedido ao brincar nessa etapa educacional (PINTO & GÓES, 2006). Kishimoto (1990) aponta que a literatura educativa demonstra a importância do brinquedo, a partir da educação greco-romana, com Platão e Aristóteles. Essa valorização prossegue no Renascimento e explode no século XVIII, com a publicação de Emílio de J. J. Rousseau, cujas concepções acerca da educação de crianças giram em torno da especificidade da natureza infantil. No século XVII, alguns educadores perceberam a importância dos jogos na transmissão de conteúdos escolásticos de história, de moral e de filosofia, de forma a intensificar o uso de tais instrumentos no cotidiano das instituições escolares. Deve-se mencionar que, na Idade Média, o jogo era desvalorizado, devido a sua vinculação com a questão do vício e do jogo a dinheiro, o que o fez ser banido das escolas. Desse modo, apenas no século seguinte, o jogo entrou no campo da educação e, de lá para cá, houve o aparecimento de muitas teorias voltadas para a valorização da questão do brinquedo e da brincadeira na educação e no sistema escolar. Em 1837, Friedrich Fröebel (1782-1852), filósofo reconhecido como o primeiro a formular uma teoria abrangente de educação infantil, com um método detalhado sobre a sua implementação, criou em Blankenburg, na Alemanha, uma préescola (jardim de infância) onde o brinquedo e a brincadeira eram o cerne do trabalho pedagógico. No Brasil, o movimento de valorização do brinquedo teve origem, segundo Kishimoto (1990), nas pioneiras unidades de jardins de infância instaladas no Rio de Janeiro (1875), São Paulo (1877) e Pará (1884) destinadas a educar crianças de três a seis anos, por intermédio de brinquedos oriundos da pedagogia fröebeliana. Dessa forma, nas primeiras décadas do século XX, o brincar ainda era pouco explorado nas escolas, não havendo, portanto, a ação lúdica na sala de aula. Um tipo especial de jogo está associado ao nome de Maria Montessori. Trata-se dos jogos sensoriais. Baseado nos “jogos Educativos” pensados por Fröbel jogos que auxiliam a formação do futuro adulto -, Montessori, segundo Leif e Brunelle (1978), elaborou os “jogos sensoriais” destinados a estimular cada um dos sentidos. 24 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Para atingir esse objetivo, Montessori necessitou pesquisar uma série de recursos e projetou diversos materiais didáticos para possibilitar a aplicação do método. Durante muito tempo confundiu-se “ensinar” com “transmitir” e, nesse contexto, o aluno era um agente passivo da aprendizagem e o professor um transmissor. A idéia de um ensino despertado pelo interesse do aluno acabou transformando o sentido do que se entende por material pedagógico. Seu interesse passou a ser a força que comanda o processo da aprendizagem, suas experiências e descobertas, o motor de seu progresso e o professor um gerador de situações estimuladoras e eficazes. É nesse contexto que o jogo ganha um espaço como ferramenta ideal da aprendizagem, na medida em que propõe estímulo ao interesse do aluno. Atualmente, observa Kishimoto (1999), o brincar está presente na escola ora com um significado extremamente diretivo, eliminando a liberdade que faz parte do processo lúdico, ora de uma forma aleatória, improvisada, sem a preocupação dos educadores, no sentido de compreender que nesse brincar há necessidade de objetos, de parcerias e de conteúdos, o que leva a uma atividade descomprometida do desenvolvimento da criança e, portanto, da sua aprendizagem. Por outro lado, ao se entender o brincar como um processo facilitador tanto do desenvolvimento infantil como da construção do conhecimento da criança, a escola deve se preparar para criar espaços de brincadeira, onde os objetos, os brinquedos, os materiais, as informações e as regras do brincar devem fazer parte da formação do profissional, de forma a capacitá-lo na utilização de tal recurso como instrumento de desenvolvimento da criança. Borba (2006) pergunta-se porque, “à medida que avançam os segmentos escolares, se reduzem os espaços e tempos do brincar e as crianças vão deixando de ser crianças para serem alunos” (p. 33) e afirma que a brincadeira, “nas sociedades ocidentais, ainda é considerada irrelevante ou de pouco valor do ponto de vista da educação formal, assumindo freqüentemente a significação de oposição ao trabalho, tanto no contexto da escola quanto no cotidiano familiar. Nesse aspecto, a significativa produção teórica já acumulada afirmando a importância da brincadeira na constituição dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem não foi capaz de modificar as idéias e práticas que reduzem o brincar a uma atividade à parte, paralela, 25 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 de menor importância no contexto da formação escolar da criança” (p. 34). Vygotsky (1989) foi um dos precursores ao assinalar a importância da mediação para a aprendizagem e o desenvolvimento mental da criança, enfatizando que o mesmo comporta dois níveis de desenvolvimento, ou seja, o nível de desenvolvimento real, o qual é determinado pela solução independente de problemas e a zona de desenvolvimento proximal, onde a solução do problema é alcançada sob a ação de um mediador. “Conceber o jogo com finalidade educacional significa colocar o indivíduo em contato com os sentidos que circulam em sua cultura para que ele possa assimilá-los e viver no contexto social onde está inserido. Isso não quer dizer que estará incorporando todas as informações, de maneira passiva; ao contrário, para que se tenha uma boa aprendizagem, é importante uma atividade que seja consciente, participativa e transformadora de realidade interna e externa do indivíduo” (SENA & LIMA, 2007, p. 6). Em sua intervenção na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, Sena e Lima (2007) perceberam “o jogo como um justificável e rico recurso de socialização e de desenvolvimento, essencial a uma formação global e holística das crianças” (p. 13), apesar de ser uma atividade que reflete opções políticas e filosóficas. Eles concluíram que “o jogo, no contexto educacional, enquanto elemento e produto da cultura pode, se respaldado por um ambiente onde prevaleçam atitudes de respeito mútuo, de cooperação, de solidariedade e de perseverança, tornar-se um potencial recurso precursor de socialização e de desenvolvimento da criança” (p. 15). 26 Por isso, o educador deve enxergar o potencial de aprendizagem e de Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 desenvolvimento implícitos nas situações e atitudes lúdicas que o jogo promove (Sena & Lima, 2007). Assim, é desejável que o adulto que está presente no momento da brincadeira assuma a figura de um bom mediador, participando dela e ajudando as crianças a brincarem, porém, sempre tendo como referencial que a fantasia que deve ser respeitada é a da criança. É freqüente o adulto assumir posturas autoritárias ou rígidas como, por exemplo, reprimindo brincadeiras de ladrão, de revólver, etc., sem entender devidamente que, naquele momento, o que está em jogo não é o real, mas sim a sua representação através do brinquedo, ou seja, trata-se apenas de uma das linguagens, entre tantas outras, que a criança pode utilizar para representar esse real. Para que uma atividade pedagógica seja lúdica é importante que permita a fruição, a decisão, a escolha, as descobertas, as perguntas e as soluções por parte das crianças e dos adolescentes, ou será compreendida apenas como mais um exercício. “No processo de alfabetização, por exemplo, os travalínguas, jogos de rima, lotos com palavras, jogos da memória, palavras cruzadas, língua do pê e outras línguas que podem ser inventadas, entre outras atividades, constituem formas interessantes de aprender brincando ou de brincar aprendendo” (BORBA, 2006, p. 43). Então, no planejamento de atividades lúdicas, devemos perguntar: “a que fins e a quem estão servindo? Como estão sendo apresentadas? Permitem a escuta das vozes das crianças? Como posso me posicionar junto a elas de modo que promova uma experiência lúdica? O que se quer é apenas uma animação ou a intenção é possibilitar uma experiência em que se estabeleçam novas e diversas relações com os conhecimentos” (BORBA, 2006, p. 43). Já no contexto de educação do indivíduo com necessidades educacionais especiais, a importância do entendimento e prática de atividades lúdicas aliadas às pedagógicas é ressaltada. Vejamos então como se relacionam tais atividades nesse campo de atuação. 2.3 Brincar na educação do indivíduo com deficiência mental “A utilização de jogo para o ensino e a aprendizagem de 27 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 crianças com deficiência mental está presente desde as primeiras tentativas de educá-las... Desde o início, para a consecução dos objetivos estabelecidos por Itard para a educação de Victor, a utilização de jogos aparece como um recurso auxiliar, com a intervenção direta do instrutor e, a princípio, motivada pelas necessidades básicas” (SILVA, 2004, p. 107). De acordo com Silva (2004), Itard criou jogos como as pranchas de reconhecimento de formas, de cores e letras móveis formando o nome de objetos, buscando estimular em Victor a atenção, a memória e a imitação como requisitos para a aprendizagem. SILVA (2004) ainda comenta que Séguin, sob influência de Itard, estabeleceu um sistema de educação para crianças com deficiência mental cujo ponto de partida é a educação sensorial para alcançar os níveis mais complexos do pensar, o que justifica sua preocupação com os materiais empregados na educação infantil e os brinquedos presentes no cotidiano da criança. Ele elaborou e utilizou os chamados jogos educativos - jogos de encaixe, de reconhecimento de forma, seriação de tamanho, classificação, etc. Decroly, sob a influência de Itard e Séguin, foi o responsável pela criação e classificação de vários jogos e da utilização de atividades lúdicas para educar crianças com desenvolvimento típico e deficientes mentais. Mais recentemente, estudos têm destacado o valor da utilização do jogo como recurso pedagógico e para favorecer o desenvolvimento de crianças deficientes. Além disso, as propostas curriculares oficiais mais recentes em educação especial fazem referência à atividade lúdica (Silva, 2004). Embora o jogo seja uma das principais atividades das crianças, pouco se sabe sobre a atividade principal no desenvolvimento infantil de crianças com deficiência mental. O jogo como um dos componentes do currículo da Educação Infantil tem sido usado como atividades, brinquedos e jogos pós-trabalho, ainda que seja estratégia de desenvolvimento de criatividade, competência intelectual, força de estabilidade emocional e afetiva e socialização da criança (VICTOR, 2004). PINTO E GÓES (2006) afirmam que “...os investimentos na brincadeira de faz-de-conta são pequenos, em favor dos jogos de regras (de caráter didático ou 28 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 paradidático). Quando há espaço para as crianças envolveremse no jogo imaginário, a intervenção da professora se dá no sentido de fazer com que elas “voltem ao real” ou de introduzir conceitos escolares na brincadeira” (p. 15). No caso de crianças com necessidades educacionais especiais o problema se acentua devido ao descrédito nas atividades imaginativas, como o brincar, e nas possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem do aluno com necessidade educacional especial. A mediação social pode modificar a tendência da criança com deficiência mental a atuar quase que exclusivamente no ambiente concreto da brincadeira, desta forma, a educação deve ser direcionada para a superação desses limites. Em pesquisa sobre aspectos presentes na brincadeira de faz-de-conta de quatro crianças com Síndrome de Down, foi encontrado que geralmente, quando a criança da classe especial participava das brincadeiras de faz-de-conta promovidas pelas crianças das classes de Educação Infantil, ela representava um papel de coadjuvante, submetendo-se às ações lúdicas das outras crianças com desenvolvimento típico, mesmo que essa participação revelasse que a criança com Síndrome de Down apresentava condições concretas e latentes para as brincadeiras conjuntas, favorecendo-se ao adquirir um repertório maior de temas e ações lúdicas para a representação de seus personagens. O papel do professor neste processo é significativo, visto que sua pouca e ineficiente mediação para conduzir o aluno ao conhecimento por uma via não-verbal, como a brincadeira, e para promover e favorecer situações de inter-relacionamentos entre essas crianças no ambiente escolar permite sentimentos e atitudes de exclusão (VICTOR, 2004). Já em outra pesquisa, sobre o jogo, a medicação pedagógica e a interação entre a criança com deficiência mental e a criança com desenvolvimento típico, as interações entre três crianças com Síndrome de Down, com idade entre quatro e seis anos, e quinze crianças com desenvolvimento típico, com idade entre três e sete anos, oriundas de um orfanato, foram observadas em uma brinquedoteca. As análises revelaram que a parceria do educador na brincadeira de faz-de-conta da criança contribuiu para a construção compartilhada da brincadeira entre as crianças envolvidas. 29 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 “As intervenções e as mediações pedagógicas foram fundamentais para a continuidade das brincadeiras e também para ampliar o conhecimento sobre a realidade vivida e a realidade conhecida nos livros de histórias e sobre personagens do fantástico” (VICTOR, 2004, p. 97). Para isso, contou-se histórias com detalhes, respeitou-se o conhecimento prévio da criança sobre o acontecimento, realizou-se uma articulação entre o real e o fantástico, participou-se da brincadeira sem imposição das regras, promoveuse um contra-papel, promoveu-se interação entre as crianças, inseriu-se outros participantes em brincadeiras iniciadas individualmente e solucionou-se com as crianças problemas que as impediam de continuar a brincar com a temática específica (VICTOR, 2004). Tais estratégias evidenciam a necessidade de preparo do educador para este tipo de intervenção junto ao educando. Em pesquisa com professoras de educação infantil de escolas especiais de uma cidade do interior do Estado de São Paulo (SILVA, 2004), verificou-se que brinquedos e materiais de parque e os jogos de regras estão entre os materiais mais disponíveis na escola. Este e os demais materiais mais disponíveis na escola - materiais para atividades diversas, como tinta e cola, e materiais audiovisuais e de informática - pertencem ao campo do desenvolvimento motor e da socialização, das atividades gráficas e pedagógicas. Já os brinquedos em escala infantil (cujo tamanho é proporcional a estatura das crianças, como boneca-bebê e triciclo) e os brinquedos em miniaturas (como carrinhos e animais de plástico), além dos brinquedos de encaixe e construção e dos materiais para fantasia e dramatizações, são os menos disponíveis na escola, parecendo, com exceção dos brinquedos de encaixe e construção, que os brinquedos destinados à brincadeira livre são menos privilegiados quanto à disponibilidade nas escolas especiais. Ainda neste estudo, foi observado que os materiais para atividades diversas são mais utilizados ao longo da semana, devido ao seu uso em diversas atividades pedagógicas. Os brinquedos de encaixe e construção também são bastante utilizados, já que podem ser destinados à aquisição de conteúdos e habilidades específicas, assim como os brinquedos e materiais de parque, apropriados para o desenvolvimento das habilidades motoras. Os brinquedos em escala infantil e os brinquedos em miniatura, não são os menos utilizados embora 30 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 sejam os menos disponíveis. Por sua vez, os jogos de regras muitas vezes não são utilizados, possivelmente pelo alto grau de comprometimento de algumas crianças, o que impossibilita a utilização de jogos mais elaborados, e pelo fato de muitos materiais apresentarem defeitos ou falta de peças, inviabilizando seu uso. Ainda que a utilização dos materiais dependa de fatores como a idade da criança, o grau de comprometimento causado pela deficiência, o planejamento de ensino, entre outros, esses dados são representativos porque esses materiais estão relacionados à educação infantil, de escolas regulares ou especiais. SILVA (2004) também mostrou em seu estudo que diferentemente do que parece ocorrer nas escolas infantis regulares, as professoras das escolas especiais intervinham e incentivavam mais o brincar das crianças nas atividades de parque ou inseriam mais elementos pedagógicos nessas brincadeiras, como na aquisição de conteúdos específicos e na promoção da sociabilidade e de habilidades motoras das crianças. Encontrou-se pouca variedade de brinquedos, principalmente para fantasia e dramatizações, derivados de desenho animado, etc., aparecendo com uma variedade maior e utilização mais freqüente nos estudos que retratam escolas regulares. Da mesma forma, os jogos de regras, ainda que disponíveis no mesmo nível ou em níveis superiores são utilizados com crianças deficientes mentais dependendo de suas capacidades e limitações (SILVA, 2004). Nesse sentido, PINTO E GÓES (2006) analisaram a relação entre os modos de mediação por outros (adulto ou parceiro) e o funcionamento imaginativo no jogo imaginário de crianças atendidas numa instituição especial para alunos com deficiência mental. Notaram que várias das crianças começavam brincadeiras solitárias, realizando seqüências imaginativas restritas, com poucas ações e dependiam da pesquisadora para desdobrar e ampliar os acontecimentos encenados, fazer ou atender a convites de brincadeira em parceria e ampliar os diálogos quando a brincadeira estava em andamento. Além disso, devido ao desenvolvimento bastante comprometido do grupo, as crianças não apresentavam fácil disposição para imaginar, criar situações ficcionais e organizar brincadeiras, necessitando de mediações para se engajarem em jogos mais elaborados, o que nos leva a concluir sobre a necessidade de um trabalho educativo que se comprometa a promover o brincar. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 31 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Pode-se perceber a importância dos jogos e brincadeiras infantis para o desenvolvimento intelectual e social da criança. Desta forma, tais atividades lúdicas são ferramentas de ensino enquanto também constituem situação de descontração e desenvolvimento da subjetividade no contexto escolar. A importância do preparo dos docentes para uso de tais ferramentas no ensino foi ressaltada, mas destacou-se um aspecto por vezes esquecido que é a necessidade da criança desenvolver habilidades não propriamente acadêmicas dentro do espaço escolar. O momento lúdico, muitas vezes deixado em segundo plano pelas instituições de ensino, podem contribuir significativamente para os processos educacionais,intelectuais e racionais que tais instituições tanto valorizam. Diante de tal corpo de conhecimento, sugerimos o uso de brincadeiras e jogos no ensino do indivíduo com necessidades educacionais especiais, não diferentemente do que tutores e estudiosos desses indivíduos vêm evidenciando como eficaz ao longo do tempo. Deste modo, a educação especial deve fazer-se valer desses recursos e promover, também por meio destes, o ensino adequado de sua clientela, seja em ambientes especializados ou contextos inclusivos. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, C. 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Devido ser composto, metodologicamente, por uma revisão de literatura dos principais autores que têm discutido o tema na atualidade, este texto não apresenta respostas conclusivas, mas contém um debatesíntese para pensar a cidade e o urbano no contexto de novas e velhas configurações territoriais. Palavras-chave: Segregação. Território. Ordenamento Territorial. Loteamentos e Condomínios Fechados-Conflitos. Introdução O espaço urbano é o lugar onde as práticas sociais são mais intensas e nele tais práticas adquirem maior complexidade. É no espaço urbano onde as desigualdades socioeconômicas e espaciais são mais explícitas, os conflitos se multiplicam, em níveis e segmentos diversos. Sendo o espaço urbano o lugar onde as discrepâncias são diversas e mais intensas, também nele as práticas sociais se territorializam. A territorialização no espaço urbano pode se manifestar, entre outros aspectos, a partir das práticas de segregação e segmentação. A segregação na cidade acontece a partir do estabelecimento de pequenos territórios que abrigam camadas diversas de população cujos níveis sociais e econômicos são diferentes entre si. Neste artigo, a segregação é abordada sob a ótica dos problemas gerados .Graduado em Geografia pela Unimontes. Atualmente cursa especialização em Docência do Ensino Superior e Gestão em Meio Ambiente e Saúde Pública, pela Faculdade ISEIB. E-mail: [email protected] 34 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 pela implantação de loteamentos e condomínios fechados, tendo como intenção analisar o papel do ordenamento territorial urbano, avaliando o processo de regulamentação destes tipos de empreendimentos. Inicialmente, serão analisadas algumas implicações do ordenamento territorial urbano a partir do desdobramento dos conceitos de ordem e território. A seguir, discute-se a produção do espaço urbano e da segregação socioespacial como herança da produção da cidade medieval até a cidade capitalista atual, bem como os agentes responsáveis pela produção do espaço urbano. Além disso, seguese a problematização da implantação dos loteamentos e condomínios fechados, questionando a legalidade dos empreendimentos e os conflitos gerados. Por fim, são colocadas algumas questões e desafios quanto ao planejamento urbano e ao papel do ordenamento territorial como alternativas para superar os problemas oriundos da lógica de mercado e minimizar os custos para a população urbana. A ordem e o território: algumas considerações sobre o ordenamento territorial urbano. O campo do ordenamento territorial urbano tem sido objeto de várias reflexões teóricas e práticas, sobretudo favorecido pela sua aplicabilidade no que se refere ao planejamento urbano. A condição da maioria das cidades brasileiras – segregação, violência, poluição, pobreza, desemprego, déficit de moradias, falta de infra-estrutura para as camadas mais pobres da sociedade, entre outros problemas – denuncia a crise urbana atual e exige uma maior intervenção do poder público nesses espaços. Cabe ao Estado, órgão gestor das políticas públicas, o papel de ordenar o território nacional, elaborando e executando planos nacionais de distribuição da população, de suas atividades e promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental do território, como aponta Almeida (2006) citando a emenda 2PO1256-6, de 13 de janeiro de 1988. Para um melhor esclarecimento sobre o que vem a ser o ordenamento territorial, faz-se necessário levantar algumas considerações a partir de dois conceitos articulados: ordem e território. O conceito de ordem evolui no tempo e no espaço, ou seja, transforma-se de acordo com a dinâmica da própria sociedade. A sociedade é regida por um conjunto de regras, que também podem ser chamadas de normas ou leis. A ordem é um dos instrumentos de organização da sociedade. 35 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 A ordem aqui, elaborada inicialmente a partir do pensamento de Descartes do século XVII, baseia-se no racionalismo. Nesse momento, grande parte das ciências ainda não estava constituída ou consolidada. Para Descartes, era necessário imprimir uma ordem às coisas e às ciências; essa ordem seria explicada através da razão. A ordem no pensamento de Descartes obedece a uma lógica de organização estrutural, cartesiana e automática. A lógica da ordem nasceu a partir de um sonho de Descartes sobre a cidade. No sonho, a cidade se apresentava com ruas largas, evidenciando sua forma geométrica, e cada coisa tinha o seu lugar. Na cidade da razão o indivíduo é o único ser que pensa, não é o Estado, nem o governo e nem uma organização. Da marca do individualismo no pensamento racionalista de Descartes, origina-se a famosa frase: “Penso, logo existo”. Inspirado no individualismo, Descartes (1981, p. 38) ainda refletiu sobre a organização estética das cidades, afirmando que “não há tanta perfeição nas obras compostas de várias peças, e realizadas pela mão de diversos mestres, quanto naquelas em que um só trabalhou”. Assim, o autor faz a leitura das cidades comparando o traçado e a forma urbanística da época, bem como a atuação do poder público: Essas antigas cidades, pequenos burgos no começo, tornaram-se, no decorrer do tempo, grandes centros, mas são ordinariamente tão mal traçadas, em comparação com essas praças6 regulares, construídas por um engenheiro a seu gosto numa planície, que, embora considerando as suas edificações individualmente, se encontra nelas, muitas vezes, tanta ou mais arte que nas das outras; contudo, ao ver como se acham arranjadas7 – uma grande aqui, uma pequena ali – e como tornam as ruas curvas e desiguais, dir-se-ia que mais do que a vontade de alguns homens usando da razão foi o acaso que assim as dispôs. E se se considerar que, apesar de tudo, sempre houve funcionários encarregados de fiscalizar as construções dos particulares para que atendam à 6Na tradução de Elza Moreira Marcelina, praças equivale aos fortes, no período em que se refere à obra original. 7No entender deste texto, o arranjo espacial é o próprio ordenamento. 8Destaque para o papel da ordem pública no ordenamento das cidades. 36 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 ornamentação pública8 , reconhecer-se-á de fato que é difícil, trabalhando apenas nas obras de outrem, construir coisas bem acabadas (DESCARTES, 1981, p. 38-39). Descartes pensou a razão em nossa sociedade e chegou ao método. Em sua obra Discurso do Método, ele afirma que é “o método que ensina a seguir a verdadeira ordem e a enumerar exatamente todas as circunstâncias daquilo que se procura [...]”. Além dessa dimensão estrutural apresentada no pensamento de Descartes, posteriormente, Adam Smith concebe a idéia de dinâmica e Augusto Comte, a de sistema. Nesse sentido, a dimensão sistêmica seria composta pela interação entre a estrutura, que organiza e estabiliza a sociedade, e a dinâmica, que movimenta a sociedade. Porém, a própria sociedade, representada pela dimensão humana, desestrutura o sistema e provoca a desordem. Para manter a ordem, é importante considerar o imponderável, o acaso, o irracional, que está ligado ao humano, então, surge a dimensão funcionalista, onde se desenvolvem instrumentos ou técnicas de controle do sistema e/ou dos conflitos. Numa concepção mais clara, porém complexa, Lefebvre (2008) afirma que o entendimento do espaço depende de duas lógicas contraditórias: uma lógica preexistente, superior e absoluta, quase teológica; numa outra, o espaço é a própria lógica, o sistema da coerência. O espaço sistêmico, segundo o autor, seria uma forma imposta pela sociedade burguesa para tentar atingir a coerência. Essa forma coerente de conceber o espaço é uma maneira estratégica de mascarar as contradições do espaço, tornado, ao mesmo tempo, global e pulverizado, conjunto e disjunto. O autor salienta que: as contradições do espaço não advêm de sua forma racional, tal como ela se revela nas matemáticas. Elas advêm do conteúdo prático e social e, especificamente, do conteúdo capitalista. Com efeito, o espaço da sociedade capitalista pretende-se racional quando, na prática, é comercializado, despedaçado, vendido em parcelas (LEFEBVRE, 2008, p. 57). 8Destaque para o papel da ordem pública no ordenamento das cidades. 37 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Assim, reafirmam-se os dizeres de Lefebvre, em que a sociedade [e o espaço] não obedece a uma lógica, embora ela tende para isso. Ela não é sistema, embora se esforça para isso. A “ordem”, próxima e distante, é contraditória; não é racional nem sistêmica, é funcional. A ordem, idealizada pela sociedade burguesa, se confunde com a desordem. Como o sistema urbano possui relações sociais mais intensas, nele também é mais explícito o conflito, a ordem e a desordem. Tais relações sociais são responsáveis pela formação do território ou dos territórios. O território em si não é categoria de análise em nenhuma das ciências sociais. O território usado é a categoria de análise. Santos (2006) afirma que o território usado é o chão mais a identidade, sendo, portanto, o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. Numa concepção mais poética, este autor destaca que “o território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência” (SANTOS, 2006, p. 13). O conceito de território surge na perspectiva Clássica da Geografia Política a partir da noção de poder. O espaço torna-se uma área delimitada pelas relações de poder e este emana principalmente do Estado. Além do Estado, outros agentes produzem e reproduzem o território: as grandes empresas nacionais e transnacionais, a sociedade burguesa (detentora dos meios de produção e do capital), e também os pobres. Atualmente, o conceito de território se metamorfoseia de acordo com a realidade materializada na ótica da globalização. Além disso, a concepção de território varia para cada grupo social que se apropria do espaço, seja para o índio, para uma população tradicional, para um habitante do espaço urbano ou para um morador do mundo rural. Mesmo com a globalização, o território mantém a sua característica de ser relacional (HAESBAERT, 2006) e demanda relações de poder. Gaspar (2004, p. 180-181) salienta: A globalização fragmenta multidimensionalmente o domínio territorial – no mesmo território configuram-se diversos espaços de poderes [...]. É no domínio do urbano que o fenômeno tem sido mais aprofundado – a fragmentação 38 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 urbana dos espaços pós-modernos é muito “puxada” pela globalização: desde os padrões arquitetônicos aos espaços de produção; da segmentação dos espaços de habitat e segregação social às complementaridades e sinergias que esse processo pode originar. (GASPAR, 2004: p. 180-181). A fragmentação do espaço produz recortes espaciais que podem ser entendidos como os territórios. Os recortes espaciais vão de uma lógica dialética do recorte para o todo, que, segundo Moreira (2006), forma uma relação triádica, em que vai-se do recorte (o singular) para o espaço (geral) e depois retorna para o recorte, formando o real-concreto. Assim, o recorte espacial é o princípio conceitual do território, pois o território passa a ser o recorte espacial qualificado pelo seu sujeito – o homem. Por fim, “o conceito de território implica uma apropriação, um ordenamento, uma identificação por parte de um grupo social”, como salienta Gaspar (2004, p. 182). O conceito de território tem sido largamente utilizado no meio acadêmico, em diversos ramos das ciências sociais, e no plano políticoadministrativo. Nesse sentido, o território é um conceito operacional, ou seja, pode ser usado na prática, a exemplo da sua aplicação nas políticas públicas. Como visto anteriormente, o ordenamento territorial se desdobra dos conceitos de ordem e território. Apesar da sua amplitude de significados, o ordenamento territorial não trata da estrutura de organização da sociedade e, sim, da forma como a estrutura espacial se auto-regula no todo das contradições da sociedade, de modo a manter a sociedade funcionando segundo sua realidade societária (MOREIRA, 2006). O ordenamento territorial tem por finalidade administrar essa base contraditória do espaço que é a sociedade. No espaço urbano, base da segregação em que se propõe neste texto fazer alguns apontamentos, situam-se as contradições e os conflitos de uma estrutura de sociedade que se auto-segrega e desqualifica o papel da cidade como locus do encontro. Assim, a cidade é territorializada por aglomerados de estruturas que simbolizam a segregação – condomínios fechados, casas e edifícios fortalezas, cercas eletrificadas, etc. Produção do espaço e segregação socioespacial urbana 39 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Esta seção pretende apresentar algumas considerações sobre o espaço urbano e a dinâmica socioespacial da segregação. A priori, o termo socioespacial merece destaque inicial. A categoria formação socioespacial foi reinventada por Milton Santos a partir do desdobramento da categoria marxiana de formação social e foi colocada no centro das discussões sobre o espaço geográfico, conforme afirma Porto-Gonçalves (2004, p. 206). Aqui, o conceito de formação socioespacial assume significado especial, referindo-se aos espaços de organização da sociedade urbana compostos por classes sociais de nível de renda diferenciado. Isto é, a aglomeração de determinada classe social em espaços urbanos segundo o seu padrão econômico. As marcas atuais e passadas impressas evidenciam que o espaço urbano é reflexo da apropriação pela sociedade ao longo do tempo. Tais marcas contam a história da cidade a partir de uma dinâmica da segregação, historicamente produzida. As formas espaciais da segregação constituem um arranjo perfeitamente elaborado da produção socioespacial da cidade por meio do momento atual, refletidas pela combinação das formas passadas. O padrão de segregação atual da cidade é uma herança da organização socioespacial da cidade medieval. Nesse sentido, Corrêa (1995, p. 8) destaca: O espaço da cidade capitalista é fortemente dividido em áreas residenciais segregadas, refletindo a complexa estrutura social em classes; a cidade medieval, por sua vez, apresentava uma organização espacial influenciada pelas guildas, as corporações dos diversos artesãos. Mas o espaço urbano é um reflexo tanto de ações que se realizam no presente como também daquelas que se realizaram no passado e que deixaram suas marcas impressas nas formas espaciais do presente. (CORRÊA, 1995: p. 8) Os fortes, as fortalezas ou as fortificações eram construções realizadas na Idade Média com o objetivo estratégico de proteção de pequenas cidades ou regiões – os burgos – que abrigavam as “casas” nobres e a burguesia da época. Esses pequenos burgos do período medieval, que mais tarde seriam as cidades, eram compostos por grandes muralhas de defesa e, hoje, não diferentemente, a cidade é cercada por diversas simbologias da segregação capitalista – muros, cercas 40 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 elétricas, vigias e segurança eletrônica, loteamentos e condomínios fechados, edifícios-fortaleza e alarmes, caracterizando a cidade como o lugar do apartheid urbano. Corrêa (1995) menciona que, ainda que as formas espaciais e suas funções tenham mudado ao longo do tempo, o espaço urbano se mantém simultaneamente fragmentado e articulado. A segregação socioespacial só existe no espaço urbano porque há nele agentes sociais que o produzem e também o reproduzem. Cabe um parêntese para explicitar o que significa isso. A produção do espaço de uma cidade se dá através do valor de uso, ou seja, a partir do momento em que o espaço passa a ser visto como materialização do trabalho e das atividades a ele associadas; a reprodução do espaço se expressa no significado da moradia, da residência e dos bairros, são nesses espaços onde a reprodução social acontece. Em contrapartida, Lefebvre (2008) aponta para a questão de que cada vez mais a produção do espaço é posta pelo valor de troca, o valor de uso entra no valor de troca, assim, compram-se e vendem-se pedaços de espaço, o espaço torna-se rarefeito. Para Leite & Pereira (2004, p. 39), “a ação de produzir e reproduzir territorialmente a cidade não atende somente à demanda populacional, mas também aos interesses dos vários agentes econômicos que atuam no espaço urbano”. Esses agentes sociais e econômicos são os proprietários dos meios de produção, representados por proprietários de grandes empresas industriais e comerciais, proprietários fundiários, promotores imobiliários, grupos sociais excluídos e pelo Estado. Neste sentido, a apreensão do espaço urbano é tarefa complexa devido aos variados interesses dos agentes que atuam sobre ele, e seu processo de ordenamento está diretamente influenciado pela apropriação fundiária do solo. A apropriação desigual do solo urbano produz um espaço fragmentado, tornando-se característica da dinâmica espacial e temporal do capitalismo. Corrêa (1995, p. 8) salienta que “a desigualdade constitui-se em característica própria do espaço urbano capitalista”, sendo, portanto, o lugar onde a segregação é mais expressiva. A questão de pensar a segregação como resultado da apropriação desigual da cidade, para Campos (2006), cria um sistema de representação socioespacial em que a materialidade é posta pela ocupação por intermédio da moradia, mas significada e ressignificada tanto pelos próprios moradores como pelos que detêm o poder de intervir a partir das políticas públicas diferenciadas, oriundas do planejamento urbano. 41 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 A intervenção diferenciada na cidade, originada da ausência ou da ineficiência de políticas públicas, comprova o argumento de Silva (2005), que a recente história urbana do Brasil é injusta, sendo que as práticas de exclusão, apartação e segregação socioespacial são freqüentes. O autor afirma que o Estatuto da cidade chega quando se registra um extremo maltrato com as cidades, exemplificado pela destruição paulatina de equipamentos, infra-estrutura e mobiliário urbanos, a migração e canibalismo desenfreados que elegem novas “áreas nobres” ou “áreas de expansão”, em detrimento de outras até então equipadas e adequadas à satisfação de múltiplas necessidades urbanas. Os loteamentos e condomínios fechados são alguns dos elementos definidores dos processos urbanos de produção do espaço e segregação. No entanto, alguns autores não costumam dissociar o uso destes termos. A origem do termo loteamento é bem mais recente do que a própria história das cidades, mas, no caso brasileiro, sua origem está ligada à Lei de Terras de 1850, sendo que está voltada principalmente para a terra rural. A Lei de Terras viabilizou a institucionalização da propriedade privada que, conseqüentemente, promoveu o parcelamento de terras agrícolas e regulamentou a propriedade privada urbana, definindo a expansão das cidades a partir dos loteamentos (MAIA, 2006). O loteamento implica dividir a terra em lotes destinados às construções.O loteamento como “abertura ou prolongamento de logradouros públicos”, conforme Maia (2006, p. 159), definem a abertura e/ou prolongamento de vias públicas – as ruas, portanto, significam a expansão da cidade e a produção do espaço urbano. Na perspectiva de Cabrales (2006), os loteamentos fechados ou, como prefere o autor, as urbanizações fechadas surgiram com os country clubs, pois, além de representarem a etapa fundacional da cidade fechada, se convertem em meios que propiciaram um efeito de difusão do formato fechado sobre seu entorno, mesmo ainda se localizando fora do espaço da cidade. De acordo com Sposito (2006), a implantação de condomínios fechados atende à legislação vigente, portanto, são implantações legais. Paradoxalmente, no caso dos loteamentos fechados, a legislação brasileira considera que as áreas internas aos muros são de uso coletivo, portanto, áreas públicas, destinadas à livre circulação. Na prática, constata-se que essas áreas internas aos loteamentos fechados têm sido utilizadas apenas para uso exclusivo de seus moradores. Isso 42 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 evidencia os contrastes e conflitos entre o público e o privado. Acrescenta-se que, em muitos casos, os municípios, atendendo aos interesses dos empreendedores imobiliários, aprovam leis municipais que concedem o direito de uso exclusivo dessas terras públicas intra-muros aos seus moradores, contrariando a lei maior e a livre mobilidade em espaços coletivos. Segregação socioespacial e a natureza do conflito A história da origem dos conflitos remonta à própria existência humana, desde a sociedade mais primitiva até a mais atual. Paulatinamente à evolução da sociedade, os conflitos têm se expandido, bem como seus mecanismos de resolução, ainda que de forma bastante frágil e através do uso da força. De acordo com Nascimento (2001), os mecanismos de resolução dos conflitos surgem com o desenvolvimento das leis, dos tribunais com seus juízes ou, até mesmo, em espaços de enfrentamento institucional de conflitos entre membros de uma mesma comunidade. Vale lembrar que os primeiros vestígios desses mecanismos iniciaram-se na região do Eufrates e do Nilo, na constituição dos grandes Estados da Antigüidade Oriental. Mesmo tendo raízes na civilização oriental, os mecanismos de resolução de conflitos vão se desenvolver melhor com os gregos e romanos, que constituiriam as sociedades modernas. Aqui, as noções de Direito, Justiça e Mediação ganham força e relevo. A partir da denominada sociedade moderna, sobretudo nos séculos XVIII e XIX, os homens criaram mecanismos eficientes de resolução de conflitos, embora não dispensassem o uso da força. A modernidade criou uma sociedade distinta das passadas, por isso Nascimento (2006) aponta nove características, das quais pode-se mencionar algumas: a individualidade do ser, a racionalidade da ciência, a centralidade da lei como única e universal, a descentralização do poder (o poder ganha status de lugar), a mobilidade social e geográfica (o indivíduo pode ocupar várias posições sociais ao longo da vida e se deslocar pelo espaço geográfico) e, principalmente, o capitalismo torna-se a base econômica universal. Numa análise do espaço urbano, observa-se que a apropriação desigual do espaço resulta na forma de conflito, materializada através da segregação. Segundo Sposito (2006, p. 189), “historicamente, as cidades constituíram-se como espaços de convivência, ainda que conflituosa”. A crescente fragmentação 43 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 e compartimentação da cidade em diversos territórios tem ampliado os conflitos e colocado no centro do debate questões como: a lógica do mercado imobiliário, a síndrome do medo e da insegurança, a violência e o papel da cidade como lugar do encontro. Isso evidencia que “mais do que uma crise urbana, estamos diante de uma crise ética e moral expressa por meio dos conflitos que envolvem a cidade, no uso de seu espaço e seus territórios” (OLIVEIRA, 2006, p. 175). Como já mencionado, os loteamentos fechados provocam uma forte tensão entre o público e o privado, visto que seu espaço interno é restrito ao uso de seus moradores, mas a legislação expressa que é uma área de acesso coletivo e público. Outra relação conflituosa é que no espaço externo aos loteamentos fechados a rua perde o seu significado de local do encontro e passa a ser apenas local de acessibilidade, e o espaço urbano torna-se cada vez menos o lugar da vida e da sociabilidade para se tornar o espaço da passagem dos veículos. A segregação socioespacial é apresentada sob duas formas distintas para os sujeitos. Para as elites ou ricos, a apropriação de espaços exclusivos por sujeitos da mesma condição social e econômica, em negação ao “outro” – os mais pobres, se denomina de auto-segregação, no sentido de auto-proteção. Os pobres são os que pertencem à categoria dos segregados, do ponto de vista espacial, social e econômico. A elite vê na forma de moradia dos loteamentos e condomínios fechados uma maneira de se isolar dos pobres citadinos, alegando que eles são uma ameaça para a cidade e para a segurança, justificado pelo aumento exponencial da violência urbana. Essa visão de negação ou condenação do “diferente” acentua a noção de estigmatização e, portanto, reafirma o discurso da segregação socioespacial. A justificativa da violência se desfaz diante da necessidade de morar entre os “iguais”, mas, na maioria das vezes, a socialização nos espaços exclusivos é quase que inexistente, conforme aponta Sobarzo (2006) citando Caldeira (2000, p. 262). Dessa forma, o discurso de uma vida comunitária próxima é um mito, pois as pessoas querem morar entre os iguais, mas não querem viver a urbanidade entre os iguais. Loteamentos e condomínios fechados na perspectiva do ordenamento territorial 44 Os loteamentos e condomínios fechados têm colocado no imaginário Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 coletivo como o mais nítido emblema do prestígio social. Além disso, a procura por esses segmentos de moradia também leva em consideração o caos urbano atual. Nas metrópoles e cidades médias, os problemas de desordem e baixa qualidade de vida, sobretudo nas áreas centrais, levam as classes médias e altas a buscarem novos espaços para moradia, além de status social. A apropriação territorial dos novos espaços destinados a essa camada social de maior poder aquisitivo, com conseqüente valorização da terra, é denominada gentrificação, conforme aponta Silveira (2006). O processo de gentrificação impõe aos espaços uma valorização da paisagem verde, associado à melhoria da infra-estrutura viária e de saneamento. Nesse sentido, os novos mobiliários urbanos são Edificados dentro das cidades, [onde] estes espaços de uso exclusivo e privativo atendem aos interesses de um grupo pertencente à determinada camada da sociedade, para quem tranqüilidade, paz, sossego, áreas verdes, pouco trânsito, espaços bonitos, agradáveis e seguros são as palavras de ordem, e isso nos remete à idéia da busca da qualidade de vida, própria do campo (SILVEIRA, 2006, p. 74). Concomitante a isso, os loteamentos e condomínios fechados têm contribuído para consolidar uma nova frente de expansão e especulação imobiliária, pois a implantação de tais mobiliários urbanos acarretam a construção de obras públicas, com abertura de novas avenidas, que vão favorecer determinadas zonas urbanas, além de ligá-los às outras áreas urbanas de consumo da elite – a exemplo dos shoppings centers. É notório que a implantação dos loteamentos e condomínios fechados altera o ordenamento territorial das cidades e impõe novos desafios ao planejamento urbano. O século XXI retoma o boom imobiliário, diante de tanta oferta e diversidade, impulsionado pela capacidade de inovar e profissionalizar as estratégias de marketing. No entanto, de acordo com Cabrales (2006, p. 136), “o ativismo dos agentes imobiliários junto com a permissividade das instâncias públicas de planificação configuram um espaço urbano muito hierarquizado”. Essa hierarquia urbana territorializa a cidade através dos espaços de poder, isto é, através do domínio territorial pelos grupos hegemônicos que detêm o capital e excluem a 45 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 maioria da população do acesso a serviços e infra-estruturas de melhor qualidade. Outra questão imposta ao ordenamento das cidades consta em avaliar o caráter da legalidade das formas urbanas, como no caso analisado dos loteamentos fechados, bem como garantir à população urbana o livre acesso aos espaços públicos da cidade, considerando que a dicotomia no trato do que é público e do que é privado na cidade é de grande complexidade. Cabe ressaltar que o ordenamento territorial urbano não visa solucionar o problema da segregação socioespacial, mas redimensionar o papel do Estado e das políticas públicas na ordenação do espaço urbano e, assim, evitar que a cidade siga crescendo inercialmente (CABRALES, 2006). Gerar desenvolvimento urbano é colocar em primeiro lugar o acesso aos recursos e aos bens coletivos, em que os benefícios sejam proporcionais aos custos e não, como acontece com a maioria das políticas de desenvolvimento urbano, privatizam-se os benefícios e socializam-se os custos. Nesse sentido, Cabrales (2006, p. 149), citando Troitino (2000, p. 635) afirma que “a política de ordenação do território deve ser o instrumento dos poderes públicos para facilitar soluções que a lógica do mercado não é capaz de suportar”. Diante das questões impostas pela globalização, do conseqüente acirramento de tensões urbanas, sobretudo, postas pela fragmentação do território brotam, segundo Haesbaert (2006), “micropolíticas” [e/ou microterritórios] capazes de forjar resistências menores, em que territórios alternativos tentam impor sua própria ordem, ainda minoritária e anárquica, mas talvez por isso mesmo embrião de uma nova forma de ordenação territorial que começa a ser gestada. Considerações finais Algumas questões apresentadas neste texto colaboram para situar o debate e propor algumas reflexões de natureza teórica sobre uma das problemáticas que mais tem aquecido o debate atual no espaço urbano – a segregação socioespacial. A busca de manter a “ordem” é condição primordial para aqueles que vêem a cidade se deteriorando pela violência, pelas condições ambientais insalubres, pelas poluições do ar, sonora e visual, entre outras. A análise a partir do território permite compreender a dimensão da totalidade e da fragmentação do espaço urbano, já que o espaço que une os homens é também o mesmo que os separa. 46 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Assim, observa-se que a produção da cidade é fortemente marcada pela desigualdade e competição capitalista, onde se elegem espaços para a reprodução social e econômica das elites. Esses espaços compostos pelos loteamentos e condomínios fechados reafirmam a necessidade das elites de morarem entre os “iguais”, negando o “diferente” e o papel maior da cidade como lugar do encontro. Além disso, tais empreendimentos são marcados pela ilegalidade e forte processo de especulação imobiliária, contrariando a lei que determina que os espaços internos aos loteamentos são de propriedade coletiva, gerando conflitos entre o público e o privado, o coletivo e o individual/restrito. Um caminho encontrado nas reflexões aqui apresentadas com o objetivo de propor um desenvolvimento urbano mais eqüitativo é a viabilização de políticas públicas para ordenar o território urbano, com maior redimensionamento do papel do Estado frente às políticas de redistribuição de recursos, gerando benefícios para a população urbana e solucionando as deficiências da lógica de mercado que, cada vez mais, transforma o espaço urbano em mercadoria, negando qualquer outra função social, cultural ou simbólica que possa representar. Referências bibliográficas ALMEIDA, F. G. de. O ordenamento territorial e a geografia física no processo de gestão ambiental. In: SANTOS, M. et. al. 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(Geografia em Movimento). 49 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: PRÁTICA DO AUTORITARISMO, DISCIPLINARIZAÇÃO E PODER Rosimeire Castro Guimarães* Resumo: Este trabalho é um ensaio sobre as reflexões pertinentes ao processo de avaliação de aprendizagem escolar a partir de um conjunto de observações da prática avaliativa de muitos professores. O texto apresenta algumas considerações sobre o processo ensino/aprendizagem; problematiza a avaliação como instrumento de disciplinarização e o uso autoritário do poder; discute as relações estabelecidas entre professores e alunos neste contexto e apresenta algumas propostas de mudanças, inclusive na prática pedagógica do professor. Palavras-Chave: Avaliação de Aprendizagem, Prova, Disciplinarização, Autoritarismo e Poder. 1 - INTRODUÇÃO Ainda que em todos os tempos e lugares sempre tenham ocorrido mudanças, as chamadas sociedades tradicionais fixavam hábitos mais duradouros que ordenavam a vida de forma padronizada, com estilos de vida mais resistentes a alterações, sempre introduzidas de maneira gradativa. No entanto, no final do segundo milênio pôde-se falar em mudanças de paradigma, porque os parâmetros que vinham orientando a forma de pensar, valorizar e agir, desde o Renascimento e a Idade Moderna, entraram em crise muito rapidamente. Vive-se atualmente a era da sociedade da informação, gestada pelas grandes descobertas tecnológicas no campo da automação, robótica e microeletrônica, que transformaram de maneira radical todos os setores da vida. A influência da mídia e da informática acelerou o processo de globalização, a partir de uma rede de *Mestranda em Educação - Área de concentração Psicanálise pela Universidad de Los Pueblos de Europa UPE; Especialização em Didática - Fundamentos Teóricos da Prática Pedagógica pela Faculdade de Educação São Luís - Jaboticabal - SP; Graduada em Supervisão e Orientação Educacional pela UNIMONTES; Professora do Instituto Superior de Educação Ibituruna - ISEIB, professora do Instituto Superior de Educação – UNIMONTES, Pedagoga da E. E. Antônio Canela - Montes Claros 50 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 comunicação, que coloca o homem em contato com qualquer lugar do mundo. A interação entre esses processos e as reações por eles desencadeados fizeram surgir uma nova estrutura social dominante, a sociedade em rede e uma nova cultura, a da virtualidade real. A lógica inserida nessa sociedade e nessa cultura está subjacente à ação e às instituições sociais em um mundo interdependente. De fato, a década de 1960, faz lembrar os movimentos de liberação sexual defendidos nas comunidades hippies, a luta pela emancipação feminina, inserida em um panorama mais amplo de defesa dos direitos humanos, no qual outros grupos, como negros, indígenas e gays defendem um espaço de liberdade e expressão. Esses movimentos de reivindicação e emancipação não devem dar a ilusão de homogeneidade dos comportamentos: ao contrário, o mundo contemporâneo encontra-se fendido por contradições, perplexidade diante do novo e ameaças de retrocesso pela recusa de abandonar os velhos costumes e poderes. Embora haja inúmeras definições e interpretações a respeito do conceito de poder, deve-se considerá-lo aqui, genericamente, como a capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados sobre indivíduos ou grupos humanos. O poder supõe dois pólos: o de quem exerce o poder e o daquele sobre o qual o poder é exercido. Nesse sentido, o poder é uma relação ou um conjunto de relações pelas quais indivíduos ou grupos interferem na atividade de outros indivíduos ou grupos. Se o poder aqui é considerado como uma relação que permite influir no comportamento de outra pessoa, o poder que interessa neste texto refere-se à exercida pelo professor sobre os alunos, no processo ensino/aprendizagem em especial na atividade avaliativa. Que mesmo vivendo numa sociedade gestada pelas grandes descobertas científicas e tecnológicas e com toda a influência dos meios de comunicação que defendem a liberdade de expressão, muitos educadores se vêem perplexos diante do novo e recusam a abandonar os velhos costumes e poderes. 2 - PROCESSO ENSINO/APRENDIZAGEM: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Ensinar e aprender são formas complexas de atividade humana. O processo ensino aprendizagem está sempre em interação. Assim, se há problemas 51 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 de aprendizagem, provavelmente, há também problemas de ensino. A noção de aprendizagem está, em sua origem, associada à idéia de apreensão de conhecimento e, nesse sentido, só pode ser compreendida em função de uma determinada concepção de conhecimento – algo que a filosofia compreende como base ou matriz epistemológica. A partir de tais concepções, podem ser focalizadas três possibilidades de definição de aprendizagem, segundo Coll (1996) e Solé (1998): 1) A aprendizagem é mudança de comportamento resultante do treino ou da experiência. Essa definição de aprendizagem funda-se na concepção empirista formulada por Locke e Hume, realimenta-se no positivismo de Comte, com seus ideais de objetividade científica, ao final do século XIX e encarna-se na corrente behaviorista, comportamentalista ou de estímulo-resposta no inicio do século XX. Essa definição mais impregnada e dominante no campo psicológico e pedagógico, reserva ao sujeito o papel de receptáculo e reprodutor de informações, através de modelagens comportamentais progressivamente reforçadas. Na perspectiva pedagógica, essa concepção encontra plena afinidade com práticas mecanicistas, tecnicistas e “bancárias” – metáfora utilizada por Paulo Freire, para traduzir a idéia de passividade do sujeito, depositário de informações, conforme a lógica do acúmulo, a serviço da seleção e da classificação. 2) Aprendizagem é apreensão de configurações perceptuais através de insight. Funda-se na base filosófica de natureza racionalista ou apriorista, que percebe o conhecimento como resultante de estruturas pré-formadas, de variáveis biológicas ou maturacionais e de organização perceptual de situações imediatas. A escola psicológica alemã conhecida como Gestalt, responsável, no início do século XX, por estudos na vertente da percepção, constitui uma das expressões mais fortes dessa posição. Neste modelo, a aprendizagem prevalece sobre o ensino, em seu estatuto de auto-suficiência e auto-regulação, reducionismo que permanece recusando a relação ensino-aprendizagem. 3) A aprendizagem é organização de conhecimentos como estruturas ou rede, construídas a partir de interações entre o sujeito e meio de conhecimento ou praticas sociais. Concepção de base construtivista ou interacionista comprometida com a superação dos reducionismos anteriores. Essas possibilidades expostas conduzem a um modo especifico de considerar a questão da aprendizagem e ao conceito de aprendizagem significativa. 52 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Na perspectiva piagetiana a aprendizagem se identifica com adaptação ou equilibração à medida que supõe a “passagem de um estado de menor conhecimento a um estado de conhecimento mais avançado” ou “uma construção sucessiva com elaborações constantes de estruturas novas, rumo a equilibrações majorantes” (PIAGET, 1983). O motor para tais processos de adaptação e equilibração seria o conflito cognitivo diante de novos desafios ou necessidades de aprendizagem, em esforços complementares de assimilação e acomodação. Na perspectiva sócio-historica de Vygotsky e seus colaboradores, destaca-se, no contexto dessa discussão, a articulação fortemente estabelecida entre aprendizagem e desenvolvimento, sendo a primeira impulsionadora do segundo, no sentido que apresenta potência para projetá-lo até patamares mais avançados. ‘Para Vygotsky (1984), esta potência da Aprendizagem se ancora nas relações entre “zona de desenvolvimento real” e “zona de desenvolvimento proximal”. A zona de desenvolvimento real refere-se às competências ou domínios já instalados nos campos: conceitual, procedimental e atitudinal. A zona de desenvolvimento proximal é entendida como campo aberto de possibilidades, em transição ou em vias de se consolidar, a partir de intervenções ou mediações de outros (professores ou pares mais experientes ou competentes em determinada área, tarefa ou função). Coll (1998) considera que a perspectiva dialética dessa abordagem insere a aprendizagem em uma dimensão mais próxima em nossa realidade educacional: um processo marcado por contradições, conflitos, rupturas e, até mesmo, regressões – necessitando, por isso mesmo, de mediações que assegurem o espaço do reconhecimento das praticas sociais dos alunos, de seus conhecimentos prévios, dos significados e sentidos pertinentes às situações de aprendizagem de cada sujeito singular e de suas dimensões compartilhadas. Dar sentido para a aprendizagem na escola e fazer com que os alunos atribuam significado às suas aprendizagens, é um desafio colocado para todos os professores. Para isso, é preciso transformar a sala de aula em um espaço aberto de “negociação de significados”, onde os conteúdos das diversas disciplinas sirvam de instrumentos para que os alunos possam reconstruir seus esquemas prévios de compreensão da realidade, de modo a ampliar as possibilidades de intervirem no respectivo contexto vivencial. 53 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Se o objetivo do ensino é fazer com que os alunos possam construir aprendizagens com sentido e significados, é preciso segundo Zabala (1996), que o professor seja alguém que ajude a detectar um conflito inicial entre o que se sabe e o que se deve saber e que contribua para que o aluno sinta prazer e tenha vontade de resolvê-lo; que coloca o novo conteúdo de forma que apareça como um desafio interessante, cuja resolução terá alguma utilidade; que intervém de forma ajustada aos processos e dificuldades manifestados pelo aluno, tendo em vista sua realização autônoma. No entanto, avaliar a aprendizagem ainda tem sido uma constante angustia para professores e também é estressante para os alunos. É angustiante para muitos professores por não saberem como transformá-la em um processo que não seja uma mera cobrança de conteúdos de forma mecânica e sem muito significado para os alunos. Angústia maior por ter que usar a prova, instrumento tão valioso no processo educativo, como recurso de repressão e abuso de poder. Para o aluno na maioria das vezes é vista como sintoma de fracasso. Observa-se, portanto, que no exercício pedagógico escolar destaca mais a prática pedagógica do exame/promoção-reprovação do que uma pedagogia do ensino/aprendizagem. 3 - PROVA: INSTRUMENTO DE DISCIPLINARIZAÇÃO E ABUSO DO PODER Os instrumentos de avaliação, ainda hoje, principalmente as provas, apesar de tantos estudos e pesquisas são bastante utilizadas para regular as aprendizagens, regular as atividades e as relações de autoridade, controle e poder. Sistema de Ensino, pais, profissionais da educação, professores e alunos, todos tem sua atenção voltada para a promoção ou reprovação. O Sistema de Ensino está sempre interessado nos percentuais de aprovação ou reprovação no final de cada ano letivo. Exige das escolas melhoria nos índices de promoção e elevação das curvas estatísticas nos resultados das avaliações sistêmicas sem questionar as reais situações sociais dos alunos e da escola, ou sem verificar se a escola está com um trabalho efetivamente significativo do ponto de vista de um ensino e de uma aprendizagem significativa social e política. Embora a escola apresente dados estatísticos fora do padrão exigido, o Sistema 54 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 de Ensino não investiga se a escola está trabalhando na perspectiva da formação humana e de uma consciência crítica do cidadão, dados que não podem ser mensurados. Só observam dados estatísticos principalmente aqueles que podem ser medidos por uma prova. Os pais estão sempre desejosos que seus filhos avancem de uma série para a outra, apesar de demonstrarem um total desconhecimento do nível de desenvolvimento intelectual e de formação humana dos alunos. Muitos deles, nas reuniões de pais, só interessam pelo registro das notas e nem questionam os registros que se referem às atitudes e valores. Os professores estão sempre utilizando os instrumentos de avaliação como elementos motivadores por meio de ameaças e tortura prévia como: “Estudem! Caso contrário, poderão se dar mal no dia da prova”. Quando os alunos estão indisciplinados ou desinteressados é comum ouvir “Fiquem quietos! Prestem atenção! O dia da prova vem aí e vocês vão ver o que acontece”. Ou dizem ainda: “Estou elaborando uma prova bem difícil, me aguarde!”, “Se não ficarem calados vou fazer uma prova surpresa”, “Já que vocês não param de falar, considero a matéria dada e vai cair na prova”. Estas e muitas outras expressões são indicadores da maneira repressiva que tem sido utilizada a avaliação da aprendizagem e demonstram o quanto o professor utiliza-se da prova como um fator negativo de motivação ou um sentido velado de vingança. E os alunos? Eles se vêem sempre na expectativa de serem aprovados ou reprovados e para isso, assinam trabalhos sem terem participado, servem-se das “colas”, das agressões em gestos e expressões para intimidar professores ou, muitas vezes perdem o sentido e o desejo de irem à escola. O que importa para o aluno é a nota, não importa como foram obtidas nem por quais caminhos. Não importa se ela expressa ou não uma aprendizagem satisfatória. A escola e os professores aumentam as exigências em relação às notas para que os alunos valorizem o conteúdo e estudem mais. No entanto, o aluno poderá até se dedicar ao estudo, não porque os conteúdos são importantes, significativos e prazerosos, mas porque estão ameaçados por uma prova. Possivelmente o medo o levará a estudar. Enfim, as notas são operadas, manipuladas e polarizam a todos, como se nada tivessem a ver com o percurso ativo do processo de aprendizagem. Os acontecimentos 55 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 do processo de ensino e aprendizagem, seja para analisá-los criticamente, seja para encaminhá-los de uma forma mais significativa, ficam adormecidos. Com a atenção centralizada nas provas e resultados, como se estabelecem as relações professor-aluno? Onde está presente o uso autoritário da avaliação e a sua transformação em mecanismo disciplinador de condutas sociais? 4 - AVALIAÇÃO: COMO FICA A RELAÇÃO PROFESSOR /ALUNO? Luckesi no seu livro “Avaliação da Aprendizagem Escolar” (1997) afirma que os professores elaboram suas provas para “provar” que os alunos nada sabem e não para auxiliá-los na sua aprendizagem. Elaboram provas para “reprovar” seus alunos. Muitos fazem uso arbitrário do poder para conseguirem o respeito como professor. Com essa postura, organizam provas com questões descolados dos conteúdos ensinados em sala de aula; questões com um nível de complexidade maior do que aquele que foi trabalhado; questões irrelevantes e arbitrárias; tudo para punir os alunos ou conseguir o domínio da classe. E ainda escrevem no final da avaliação, expressões como: “Boa sorte!”, “Bom trabalho!”, “Sucesso!”, muitas vezes com um sentido velado de vingança. Outras manifestações do papel autoritário da avaliação no modelo domesticador da educação podem ser levantadas. A comunicação que se pede num teste pode não estar clara, mas o professor, autoritariamente, sempre tenderá dizer que a comunicação está bem-feita e que o aluno não sabe, sendo classificado como incompetente. No caso de um deslize do professor em comunicar o que desejava, por que não reconhecer o erro e admitir que o aluno detém o conhecimento e a habilidade desejada? Muitos professores fazem promessas de “pontos a mais ou a menos” para o bom comportamento, realização de atividades em sala, visto em tarefas, sem questionarem o que tem a ver esses pontos com a efetiva aprendizagem dos alunos no conteúdo trabalhado. Também fazem uso da avaliação da aprendizagem como recurso para a disciplina social dos alunos. É uma prática comum utilizar o expediente de ameaçar os alunos com o poder e o veredicto da avaliação, caso a “ordem social” da sala seja infligida. Uma atitude de “indisciplina”, em sala de aula é motivo de um castigo 56 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 com um teste relâmpago que poderá reduzir as possibilidades de aprovação dos alunos. De instrumento diagnóstico para o crescimento, a avaliação passa a ser um instrumento de ameaça, o que não tem nada a ver com o significado dos conteúdos escolares, mas com a coação dos alunos através da imposição, castigo psicológico, violência simbólica o que gera medo. Sobre o medo, Lukesi destaca: O medo é um fator preponderante no processo de controle social. Internalizado é um excelente freio às ações que são supostamente indesejáveis. (...) o medo gera a submissão forçada e habitua a criança e o jovem a viverem sob sua égide. Reiterado, gera modos e petrificados de ação. Produz não só uma personalidade submissa como também hábitos de comportamento físico tenso que conduzem ás doenças respiratórias, gástricas, sexuais, em função dos diversos tipos de stresses permanentes (1997 p.24). Diante do quadro apresentado sobre a tortura do ato de avaliar e da violência psicológica que gera o medo, quais as conseqüências pedagógicas, psicológicas e sociológicas que podem sofrer os alunos? 5 - ALGUMAS CONSEQÜÊNCIAS DE UMA AVALIAÇÃO ARBITRÁRIA Pedagogicamente, a função verdadeira da avaliação seria auxiliar a construção da aprendizagem satisfatória. Porém, como ela está centralizada nas provas, secundariza o significado do ensino e da aprendizagem como atividade significativa em si mesmas e superestima os exames. Ou seja, a avaliação da aprendizagem, na medida em que estiver polarizada pelas provas e notas, não cumprirá a sua função de subsidiar a decisão da melhoria da aprendizagem. Psicologicamente, segundo Luckesi (1997), esse modelo de avaliação é útil para desenvolver personalidades submissas. O fetiche, pelo seu lado não transparente, inviabiliza tomar a realidade como limite da compreensão e das 57 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 decisões da pessoa. A avaliação da aprendizagem utilizada de modo fetichizado é útil ao desenvolvimento da autocensura, autocontrole. Para o autor, sociologicamente, a avaliação da aprendizagem utilizada de forma fetichizada, é bastante útil para os processos de seletividade social. Nesse caso a avaliação está muito mais articulada com a reprovação do que com a aprovação e daí vem a contribuição e colaboração com a correnteza para o acréscimo da seletividade social, que já existe, independente dela. As atitudes ameaçadoras, empregadas repetidas vezes pelo professor na sala de aula, garantem o medo, a ansiedade, a vergonha de modo intermitente. A partir do erro, do baixo desempenho na escola, desenvolve-se e reforça-se no aluno uma compreensão culposa da vida, pois, além de ser castigado por outros, muitas vezes ele sofre ainda a autopunição. Ao ser reiteradamente lembrado da culpa o educando não apenas sofre os castigos impostos de fora, mas também aprende mecanismos de autopunição, por supostos erros e fracassos que atribui a si mesmo. Isso deixa marcas tão profundas que no futuro esse aluno necessitará de muitas terapias para se libertar de suas fobias e ansiedades, que foram se transformando em hábitos biopsicológicos inconscientes. Hábitos criados pelo medo. Medo esse, que tolhe a vida e a liberdade e ainda cria a dependência e a incapacidade para ir sempre em frente, enfrentar desafios e ser feliz. 6 - ALGUMAS POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS O que fazer para mudar a atual prática da avaliação de aprendizagem vista como instrumento de ameaças, coação, autoritarismo e abuso do poder? Quais os encaminhamentos possíveis para possibilitar uma transformação no modelo de avaliação punitiva para uma avaliação diagnóstica e contínua, favorável à aprendizagem? A avaliação educacional escolar, como instrumento tradutor de uma pedagogia que, por sua vez, é representativa de um modelo social, não poderá mudar sua forma se continuar sendo vista e exercitada no âmago do mesmo corpo teórico-prático no qual está inserida. Para que a avaliação da aprendizagem assuma seu verdadeiro papel de instrumento dialético de diagnosticar para o crescimento, terá de se situar e estar a serviço de uma pedagogia que esteja preocupada com a transformação e não com a 58 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 conservação, classificação. A avaliação só deixará de ser autoritária se o modelo social e a concepção teórico-prática da educação também não forem autoritários. Se as aspirações sociais da humanidade se traduzem num modelo socializante e democrático, a pedagogia e a avaliação em seu interior também se transformarão na perspectiva de encaminhamentos democráticos. Assim sendo, “a avaliação deve ser contínua para que possa cumprir sua função de auxílio no processo de ensino-aprendizagem” (VASCONCELLOS, 1993, P: 50), pois, a avaliação que importa é aquela que é feita no processo, quando o professor pode estar acompanhando a construção do conhecimento pelo aluno. Avaliar no momento que precisa ser avaliado para ajudá-lo a construir o seu conhecimento de forma significativa, prazerosa e responsável. O professor preocupado com a formação continuada do seu aluno deve verificar os vários estágios de desenvolvimento dos educandos e não julgá-los em apenas um momento como acontece na avaliação punitiva e classificatória. Como afirma Vasconcellos (1993), o professor deve avaliar o processo e não apenas o produto do processo. 7 - PAPEL DO EDUCADOR NESSA MUDANÇA O educador que estiver disposto a dar um encaminhamento para a prática da avaliação escolar, pautada na aprendizagem dos alunos, deverá estar preocupado em redefinir ou em definir propriamente os rumos de sua ação pedagógica. Deve assumir um posicionamento pedagógico claro e explícito no seu planejamento, execução e avaliação. Deve ainda, compreender a finalidade da prática avaliativa, que está a serviço da aprendizagem, visando a promoção moral e intelectual dos alunos. Para isso, como sugere Hoffmann (2001), o educador deve ser um investigador, esclarecedor e organizador de experiências significativas de aprendizagem. Investigando o processo de ensino/aprendizagem o professor redefine o sentido da prática avaliativa. Refina seus sentidos e exercita diversos conhecimentos com o objetivo de agir conforme as necessidades de seus alunos, individuais e coletivamente. Como confirma Luckesi: Um educador, que se preocupe com que a sua pratica educacional esteja 59 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 voltada para a transformação, não poderá agir inconsciente e irrefletidamente. Cada passo de sua ação deverá estar marcado por uma decisão clara e explicita do que está fazendo e para onde possivelmente está encaminhando os resultados de sua ação. A avaliação, neste contexto não poderá ser uma ação mecânica. Ao contrario, terá de ser uma atividade racionalmente definida, dentro de um encaminhamento político e decisório a favor da competência de todos para a participação democrática da vida social (1997: 46). A avaliação como um processo de reflexão sobre e para a ação contribui para que o professor se torne cada vez mais capaz de recolher indícios, de atingir níveis de complexidade na interpretação de seus significados, e de incorporá-los como eventos relevantes para a dinâmica do processo ensino/aprendizagem. Seu compromisso é de agir refletidamente, criando e recriado alternativas pedagógicas adequadas a partir da melhor observação e conhecimento de cada um dos alunos, sem perder a observação do conjunto e promover sempre ações interativas. Para Hoffmann (2001), o professor deve ter uma “visão dialógica, de negociação entre os envolvidos e multirreferencial (objetivos, valores, discussão interdisciplinar)”. E acima de tudo, respeitar a individualidade e confiar na capacidade de todos. Na lógica da avaliação a serviço das aprendizagens, numa proposta que valoriza a função formativa da avaliação, destaca-se uma outra abordagem, rediscutindo-se o que é o “erro”. Visto como objeto de investigação do professor sobre a aprendizagem do aluno, o “erro” é reconhecido como parte do processo de aprendizagem e traz outros elementos para a análise que deverão compor a avaliação. Neste contexto, a função do professor é observar. Quanto mais um professor insere a observação e o registro na sua prática avaliativa, mais ele consegue se abrir para tentar entender o complexo processo de aprendizagem. Adotando o “erro” como parte do processo de aprendizagem e como componentes da prática avaliativa para possíveis intervenções pedagógicas, o professor passa a aceitar a avaliação como instrumento de aprendizagem e investigação didática. Atuando assim, pode acompanhar o processo de formação de seus alunos, monitorar o ensino e promover através da avaliação, melhorias no ensino e na aprendizagem. Sem abandonar a responsabilidade de ensinar, o professor redescobre 60 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 momentos de aprendizagem significativa, provando que conhecimento, respeito e afeto não se excluem. Ao contrário se complementam. Quando o professor se propõe a ensinar e a aprender, uma corrente de elos de afetividade vai se formando e o cumprimento das atividades passa a fazer sentido. Sem vínculos afetivos, a aprendizagem significativa não ocorre. Ensinar bem é criar vínculos. A aprendizagem melhora quando se tem um bom relacionamento, e isso inclui acreditar na capacidade do aluno. 8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS. A prática da avaliação de aprendizagem no contexto escolar, apesar da atenção de muitos educadores, políticos e da sociedade em geral, ainda se realiza dentro de um modelo teórico de compreensão que pressupõe a educação como um mecanismo de conservação e reprodução da sociedade, práticas incompatíveis com uma educação democrática. O autoritorismo, elemento necessário para a garantia desse modelo social, apesar de muitas tentativas de avanço, está muito presente nas relações que se estabelecem no processo ensino/aprendizagem; daí a prática da avaliação manifestar-se de forma autoritária. Todavia, a avaliação só deixará de ser autoritária, se o modelo social e a concepção teórico-prática da educação também não forem autoritários. Se as aspirações socializantes da humanidade se traduzem num modelo socializante e democrático, a pedagogia e a avaliação em seu interior também se transformarão na perspectiva de encaminhamentos democráticos. Para que a avaliação da aprendizagem assuma seu verdadeiro papel de instrumento dialético de diagnosticar para o crescimento, terá de se situar e estar a serviço de uma pedagogia que esteja preocupada com a transformação e não com a conservação, classificação e dominação. Daí a importância do professor agir refletidamente, criando e recriando alternativas pedagógicas adequadas a partir da melhor observação e conhecimento de cada um dos alunos, sem perder a observação do conjunto e promovendo sempre ações interativas, pois, assim afirma Luckesi (1997, p: 46) “Um educador (...) não poderá agir inconsciente e irrefletidamente. Cada passo de sua ação deverá estar marcado por uma decisão clara e explícita do que está fazendo e para onde 61 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 possivelmente está encaminhando os resultados de sua ação”. Neste sentido faz-se importante refletir: “se você acredita que a pessoa humana é sempre capaz de crescer, você fará sempre uma avaliação diagnóstica” (GANDIM, 1997, p: 160). Pois, enquanto na concepção behaviorista ou comportamentalista a avaliação punitiva e classificatória provoca desinteresse nos educandos, fazendo-o sentir-se ameaçado a todo momento pela figura do professor, a avaliação diagnóstica respeita e valoriza as diferenças individuais, resgata a autoestima dos alunos e educa verdadeiramente para a cidadania. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aranha, M.L.A, Martins, M. H. P. Temas de Filosofia, São Paulo: Moderna, 2004. Coll. C.; Palácios. J.; Marcheisi. A. Desenvolvimento psicológico e educação: Psicologia da Educação, Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. ________. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento, Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. Freire. P. Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. Henrique. S. Seleção de Textos – Pesquisa Acadêmica, Crises, Desafios e Criatividade, CORPO/ Universidade de Los Pueblos de Europa. Hoffman, J. Avaliação: Mito & Desafio - Uma Perspectiva Construtivista, Porto Alegre, RS: Educação e Realidade, 1992. __________. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre, RS: Mediação, 2001. Luckesi, C. C. Avaliação da Aprendizagem Escolar, 6ª edição, São Paulo: Cortez,1997. Méndez, A, Manuel, J. Avaliar para Conhecer, Examinar para Excluir. Porto Alegre: Artmed, 2002. Perrenoud, P. Avaliação: da Excelência à Regulação das Aprendizagens – entre duas lógicas, Porto Alegre: Artmed, 1999. Piaget, J. A Epistemologia Genética: Problemas de Psicologia Genética. São Paulo: Abril Cultural,1983. Santanna. I. M. Por que avaliar? Como avaliar? Critérios e instrumentos. Petrópolis: Vozes, 1995. 62 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Solé. I. Disponibilidade para a aprendizagem e sentido da aprendizagem. In: Coll, C. (org.) O Construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 1998. Vasconcellos, C.S. Avaliação: Concepção Dialética- Libertadora do Processo de Avaliação Escolar. São Paulo: Libertad, 1993. Vygotsky, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. ___________; Luria. A; Leontiev. A. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Edusp/Ícone, 1988. Zabala, A. Os Enfoques Didáticos, In COLL, C. O Construtivismo em Sala de Aula. São Paulo: Ática, 1996. 63 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 BENTINHO, HOMEM POUCO VIRIL: Substituições que perpassam o narrador em Dom Casmurro, de Machado de Assis Márcio Adriano Silva Moraes* A masculinidade é conquistada no final de um combate (contra si mesmo) que não raro implica dor física e psíquica. Elisabeth Badinter Resumo: Ser macho é decidir por si próprio, ser capaz de assumir suas responsabilidades, não as delegando a ninguém além de si mesmo. Essa representação do masculino virilizado não é perceptível na pessoa de Bento Santiago, protagonista da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis. A percepção desse personagem é ofuscada e só pode ser revelada por terceiros. Dessa forma, Bentinho é freqüentemente substituído por outros personagens em suas decisões. Mostrar-se-á, então, como essas substituições contribuem para a formação pouco viril desse personagem machadiano. Palavras-chave: Bentinho. homem. masculino. substituição(ões). Introdução O ser humano masculino, desde a criação do mundo, sempre foi o predileto, em cujas mãos deveria ficar o controle da família e da sociedade. Tanto é que, o Criador de todas as coisas, Deus (substantivo masculino), no livro do Gênesis, disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança (Gn. 1, 26)9 ”. A figura feminina foi criada posterior ao homem, e, o que é mais interessante, sendo ela fruto do próprio homem: “E da costela que tinha tomado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher e levou-a para junto do homem” (Gn. 2, 22)10 . É claro que o *Graduado em Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros e pós-graduado em Lingüística (latu senso) pelas Faculdades Santo Agostinho. 9Contudo, essa tradução não seria a mais correta, pois o primeiro capítulo do livro do Gênesis representa o Documento Sacerdotal, cuja tradução literal desse trecho seria: “Por fim, Elohim disse: ‘Façamos a Humanidade à Nossa imagem, como uma réplica de Nós’” (BOTTÉRO, Jean. Nascimento de Deus: A Bíblia e o historiador. trad. Rosa Freire D’Aguiar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993). 64 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 comentário acima é respaldado apenas numa interpretação religiosa cristã de senso comum. Através de um estudo exegético, perceber-se-á que a palavra homem, no primeiro capítulo, traduz-se por humanidade, e que a mulher tomada da costela do homem simboliza que ambos são formados da mesma matéria, portanto, iguais. Mas, saindo de um campo mais abstrato e entrando em um mais concreto, pelo menos, visualmente, em variadas culturas, nota-se certa supremacia do ser humano masculino, como nos países islâmicos e em algumas tribos indígenas. A China, por exemplo, país com o maior número de habitantes, privilegia crianças do sexo masculino, por uma questão cultural e de tradição familiar. No ocidente, somente no século XX é que a mulher deixou de ser o sexo frágil, e, estudos recentes, estão provando o contrário, isto é, o homem é que seria o sexo frágil, devido à capacidade fisiológica feminina de resistir mais a dor. Não se pretende aqui elevar o ser masculino que, por si só, julga-se superior à mulher, pelo contrário, existem homens que, apesar de terem nascido varões, assumem um caráter de varal, em que, normalmente, as mulheres estendem as indumentárias. Um exemplo clássico desse tipo de homem é o personagem Bentinho, da célebre obra de Machado de Assis, Dom Casmurro. Como foi dito anteriormente, a mulher só se igualou ao homem em direitos e deveres no século XX; no Brasil, lê-se na Constituição de 1988: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2002, art. 5º, inciso I). No entanto, no século XIX, quando a referida obra de Machado foi escrita, e nos séculos anteriores, a figura feminina possuía certas restrições. É evidente que existem exceções, mulheres exemplos que lutaram contra o patriarcalismo de seu tempo e que possuíam um caráter tão ou mais forte do que homens da época. Mas o que interessa aqui não é a transição feminina, de ser frágil para ser forte, mas o inverso, a singularidade de um personagem machadiano masculino, que nasce com a força viril atrofiada. Substituições em Dom Casmurro 10 O segundo capítulo do Gênesis representa o Relato Javista que, pela cronologia, é anterior ao Documento Sacerdotal. Então, os dois capítulos que tratam da criação não são um a continuação do outro, mas documentos diferentes, escritos por pessoas, em épocas e com objetivos diferentes. Por isso que, em certos pontos, eles parecem paradoxais. (BOTTÉRO, 1993). 65 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Normalmente, com relação à identidade sexual, a figura masculina enfrenta uma pressão da sociedade para, a todo custo, prová-la, sobretudo, no século XIX e anteriores. A sociedade patriarcal dita regras imutáveis, até lendárias, sobre a postura do homem, como deve agir e se comportar frente às várias situações a que está sujeito. Sobre isso, Sócrates Nolasco (1993, p. 40)11 , citado por Jacqueline Ribeiro Silva (2003, p.75)12 , afirma: “o estereótipo do macho exclui [...] dinâmicas subjetivas, fazendo crer ao indivíduo que um homem se faz sob sucessivos absolutos: nunca chora; tem que ser o melhor; competir sempre; ser forte; jamais se envolver afetivamente e nunca renunciar”. A mulher não possui essa preocupação, pois pode muito bem viver sobre as custódias familiares. Há pais, por exemplo, superprotetores que até preferem isso, ter as filhas sob os seus olhares a todo instante. Porém, “o homem se sente perseguido pela feminilidade, pois ele nasce de uma mulher e tem que separar desta marca deixada pela mãe. Tem que mostrar que é homem, com atitudes que provem sua masculinidade” (SILVA, 2003, p. 74). Fato que não ocorre com protuberância no personagem Bentinho, que não consegue ver-se longe da sua árvore genitora. Disso, pode-se afirmar que, além do ciúme exacerbado que preenche esse indivíduo ficcional, muito estudado pelos críticos, “Dom Casmurro ainda é um retrato do ciúme” (JOHN GLEDSON, 1991, p. 78)13 , há um ser frágil que sempre passa por substituições. Bentinho é um típico personagem machadiano angustiado por problemas existenciais marcados desde sua infância até sua vida adulta, “que têm por base uma série de ‘incongruências’ e uma longa teoria de ‘substituições’, algumas criadas pelas circunstâncias, outras urdidas pelos próprios personagens” (ALBA OLMI, 1999)14 . No início da obra, já se depara com um processo substitutivo, o narrador autor deixa o seu nome de batismo, Bento Santiago, para assumir um apelido que ele mesmo confessa ser o melhor título para suas confissões, portanto, a melhor forma de identificá-lo: No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. 66 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça, chamam-me assim. (JOAQUIM MARIA MACHADO DE ASSIS, 2007, p. 13; grifo nosso)15 . Isso significa que o narrador não assume a sua própria identidade, passando-se para um fantasma de si mesmo que, embora substitua a casa de Matacavalos pela do Engenho Novo, como cópia fiel àquela, não consegue encontrar-se com seu ego, pois ele já não está mais lá, exceto quando a magia da escrita lhe permite reviver suas recordações. “Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu” (ASSIS, 2007, p. 14). Ao desejar o passado perto de si, renegando inovações presentes, Bentinho substitui o presente pelo passado. Ele não quer morar em uma casa estranha, ele deseja habitar novamente o lar da meninice. E, para isso, reconstitui a sua antiga morada mediante lembranças. Lamentosa pela morte do primeiro filho, D. Glória, mãe de Bentinho, faz a promessa de que, se o seu segundo filho fosse homem, pô-lo-ia no seminário. Logo, Bentinho, desde seu nascimento, teve seu destino traçado por sua mãe, pois ele, na verdade, representa aqui a substituição do irmão natimorto. “Os projetos vinham do tempo em que fui concebido. Tendo-lhe nascido morto o primeiro filho, minha mãe pegou-se com Deus para que o segundo vingasse, prometendo, se fosse varão, metê-lo na Igreja” (ASSIS, 2007, p. 29). Entretanto, como D. Glória só possuía um único filho que fora criado debaixo de suas saias, o que contribuiu para a formação de Bentinho como homem frágil e dependente, aceita a sugestão de Escobar de fazer padre um órfão no lugar de Bentinho. “Sua mãe fez promessa a Deus de lhe dar um sacerdote, não é? Pois bem, dê-lhe um sacerdote, que não seja você. Ela pode muito bem tomar a si algum mocinho órfão, fazê-lo ordenar à sua custa, está dado um padre ao altar” (ASSIS, 2007, 154). Colocando-se um outro homem no seminário, em vez de Bentinho, é substituir este por aquele. Quanto ao assunto do seminário, há ainda certa negociação da promessa de D. Glória com Deus, a qual poderia ser traduzida da seguinte forma; ó meu bom Deus, vou lhe dar um padre, ainda que não seja a pessoa prometida, mas vou lhe dar um padre! Nota-se que a sugestão para a substituição aqui não parte de Bentinho, 67 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 nem de sua mãe, mas de uma pessoa estranha à família, o jovem Escobar, que se tornará muito íntimo para o protagonista da obra. Antes dessa cena, há outra atitude substitutiva semelhante; trata-se do momento em que José Dias, para solucionar o problema de Bentinho e aliviar a consciência de D. Glória, sugere a ida ao Vaticano com o intuito de pedir ao Papa a dispensa da promessa. Minha mãe, ao parecer dele, estava arrependida do que fizera, e desejaria ver-me cá fora, mas entendia que o vínculo moral da promessa a prendia indissoluvelmente. Cumpria rompê-lo, e para tanto valia a Escritura, com o poder de desligar dado aos apóstolos. Assim que, ele e eu iríamos a Roma pedir a absolvição do Papa (ASSIS, 2007, p. 152). O desespero de Bentinho é tão exacerbado que ele imagina a interferência até do imperador para solucionar o seu problema: “Quando tornei ao meu lugar, trazia uma idéia fantástica, a idéia de ir ter com o Imperador, contar-lhe tudo e pedir-lhe a intervenção. [...] ‘Sua Majestade pedindo, mamãe cede’, pensei comigo” (ASSIS, 2007, p. 56). Não sendo capaz de simplesmente dizer não à promessa da mãe, o jovem submisso pede a intervenção de todos que estão ao seu alcance, até da pacata Prima Justina: “— Prima Justina, a senhora era capaz de uma coisa? — De quê? — Era capaz de... Suponha que eu não gostasse de ser padre... a senhora podia pedir a mamãe...” (ASSIS, 2007, p. 48). A solução do seu problema pessoal só encontra resposta em terceiros. Bento não quer ser padre para poder casar-se com Capitu. Entretanto, ele não está disposto a seguir o seu sentimento, mas sim fazer a vontade da mãe. Impotente, incapaz de confrontar a decisão materna, só lhe restam os outros. Para Bento, o que importava era a opinião alheia, a sua era deixada em segundo plano, ou seja, ele substitui seus pensamentos pelos dos outros: “Um dos costumes da minha vida foi sempre concordar com a opinião provável do meu interlocutor, desde que a matéria 11 NOLASCO, Sócrates. O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. 12 SILVA, Jacqueline Ribeiro. Falsidade masculina ou medo do feminino?: uma leitura de Ressurreição, de Machado de Assis. In.: Escritas do corpo, da terra e do imaginário / Ilca Vieira de Oliveira, Maria Generosa Ferreira Souto, Osmar Pereira Oliva, (orgs). Montes Claros: Ed. Unimontes, 2003. 13 GLEDSON, John. Machado de Assis: Impostura e Realismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 68 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 não me agrava, aborrece ou impõe” (ASSIS, 2007, p. 137). Se Escobar não tivesse sugerido a substituição de Bentinho por um órfão, Capitu, provavelmente, ficaria sem seu esposo almejado desde os tempos de criança, porque ele seria incapaz de negar a vontade da mãe. Um dos momentos cruciais da obra é quando Bentinho descobre que está apaixonado por Capitu. Nesse instante, há uma nova substituição da pessoa de Bento, o que comprova a falta de percepção desse personagem, pois ele só descobre que gosta de Capitu quando José Dias (o agregado) denuncia isso à mãe de Bentinho, enquanto este escutava às surdinas; “Tudo isto me era agora apresentado pela boca de José Dias, que me denunciara a mim mesmo, [...] Eu amava Capitu! Capitu amava-me!” (ASSIS, 2007, p. 32). Ao contrário de Bentinho, Capitu, por si só, sabia do sentimento que possuía por ele, não precisou, portanto, que outra pessoa lho revelasse. A característica singular de Capitu, como mulher segura e decidida, é assumida pelo próprio Bentinho, e comparada a sua masculinidade; “Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem” (ASSIS, 2007, p. 61). Capitu, sim, era uma mulher com “M” maiúsculo e que, aparentemente, gostava de homens com “H” maiúsculo. Um dia, Capitu quis saber o que eram as figuras da sala de visitas. O agregado disse-lhe sumariamente, demorando-se um pouco mais em César, com exclamações e latins: — César! Júlio César! Grande homem! Ta quoque, Brute? Capitu não achava bonito o perfil de César, mas as ações citadas por José Dias davam-lhe gestos de admiração. Ficou muito tempo com a cara virada para ele. Um homem que podia tudo! que fazia tudo! (ASSIS, 2007, p. 62). Capitu se revela uma mulher apreciadora das virtudes viris de um homem conquistador. Um homem que não pedia, mandava, capaz de decidir por si. Suas 14 OLMI, Alba. A linguagem metafórica como recurso conceitual, poético e narratológico em Dom Casmurro. Comunicação apresentada no VI Congresso da AIL – Associação Internacional dos Lusitanistas –, em agosto de 1999. Disponível em: <http://www.kplus.com.br>. Acesso: 3 dez. 2004. 15 ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Martin Claret, 2007. 69 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 palavras tinham peso e suas idéias brotavam de seu intelecto. Apreciando tal exemplo de masculinidade, não se encontra correlação no pacato Bentinho. Júlio César está em uma ponta, enquanto Bentinho está em outra. Por que Capitu, admiradora de homens valentes e fortes, optou por Bentinho, aí é outra discussão. Garoto mimado e totalmente dependente, assim pode-se aferir sobre Bentinho que, quando criança, dependia da mãe; na fase jovial e adulta, de Escobar e Capitu; e na velhice, das recordações e da escrita. Um episódio de sua infância que ilustra com perfeição a não virilidade de Bentinho é quando seu tio tenta colocá-lo em um cavalo (símbolo de poder e masculinidade): Posto que nascido na roça (donde vim com dois anos) e apesar dos costumes do tempo, eu não sabia montar e tinha medo ao cavalo. Tio Cosme pegou em mim e escanchoume em cima da besta. Quando me vi no alto (tinha nove anos), sozinho e desamparado, o chão lá embaixo, entrei a gritar desesperadamente: “Mamãe! Mamãe!” (ASSIS, 2007, p. 23). A dependência da mãe é algo exagerado em Bentinho que, sempre quando é pressionado, recorre a ela ou a ela faz referência. É incapaz de decidir sozinho, transferindo a responsabilidade da decisão para a mãe, como pode ser visto nos capítulos XXI: “Eu gosto do que mamãe quiser” (ASSIS, 2007, p. 47); XXIX: “Você quer Bentinho? — Mamãe querendo” (ASSIS, 2007, p. 57) e LXXXV: “faria o que minha mãe quisesse” (ASSIS, 2007, p. 139). Com essas afirmações, é possível, então, aferir que Bentinho é um homem de caráter pouco viril. Ainda que possa parecer um pensamento machista, o filho homem, por estirpe de sua raça, anseia sair do colo da mãe para unir-se ao colo de sua esposa. Após uma série de empecilhos, Bentinho casa-se com Capitu, porém isso não é suficiente para provar a sua libertação como homem. Há peculiaridades na vida desse personagem que confirmam sua fragilidade ou, pelo menos, fazem pensar que ele, realmente, deva ser chamado de “Bentinho” e não de “Bentão”. Aproveitando o ensejo, é pertinente citar as três etapas que o menino deve passar para se tornar um homem: “a separação da mãe e do mundo feminino; a transferência para um mundo desconhecido; e a passagem por provas dramáticas 70 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 e públicas” (ELISABETH BADINTER, 1993, p. 7116 apud MARIA ROSILVA SANTOS FERREIRA, 2003, p. 5517 ). Como a presença masculina na vida do jovem protagonista de Dom Casmurro foi atrofiada, uma explicação plausível para tamanha dependência da mãe seja o fato de Bentinho ver na mãe também um pai. E na tradição da época, o filho ou a filha deveriam pedir a bênção dos pais para se casarem. A mulher ainda deveria pedir a permissão do pai. E foi isso que Bentinho fez quando decidiu casar-se com Capitu: “Enfim, minha mãe, algumas semanas depois, quando lhe fui pedir licença para casar, além do consentimento, deu-me igual profecia, salva a redação própria de mãe: ‘Tu serás feliz, meu filho!’” (ASSIS, 2007, p. 160). O título do capítulo XXXIV é Sou homem. O ser homem para o narrador de Dom Casmurro está ligado ao contado com a fêmea, isto é, não é algo que vem desde o nascimento, mas adquirido por um ato oscular. No capítulo anterior (XXXIII), Bentinho praticou realmente um ato inerente ao homem: a iniciativa do beijo. Para a época, o primeiro contato dos lábios tinha que ser uma iniciativa do homem, já que a moça comportada não se dava a essas ousadias. “Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e...” (ASSIS, 2007, p. 67). Bentinho esperou o momento certo para selar os seus beiços nos lábios de Capitu. A sensação do beijo o deixou vangloriado. Agora, sim, ele era um homem e associou o ser homem aos homens que beijam mulheres, por isso afirmou: “todos os meus nervos me disseram que homens não são padres” (ASSIS, 2007, p. 69). Na verdade, por ter gostado do beijo, Bentinho que, por causa desse ato, julgava-se homem, não poderia entrar mais para o seminário, pois já era um homem. Interessante essa idéia de masculinidade do narrador. A partir dela, entende-se que, antes do beijo, Bentinho não era propriamente um homem, apenas um menino. Bentinho, além de receber uma educação unicamente feminina, recebe uma orientação muito católica, o que certamente o fez temer ao tentar tomar certas atitudes. Como no episódio em que Capitu diz a ele para escolher entre ela e D. Glória: “— Se você tivesse de escolher entre mim e sua mãe, a quem é que escolhia? — Eu?” (ASSIS, 2007, p. 85). Ainda que ele tenha dito que deixaria sua mãe para ficar com ela, Capitu bem sabia que o seu amado não era homem suficiente para largar tudo, revelando isso a ele quando escreveu no chão com a taquara: “mentiroso” (ASSIS, 2007, p. 85). Bentinho não poderia ir contra as vontades de sua mãe, que 71 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 fizera uma promessa a Deus. Transgredir essa vontade, para ele, seria atitude de um filho que não estaria obedecendo ao quarto mandamento do decálogo. É claro que a religião em Dom Casmurro também representa uma substituição na vida do protagonista, que sempre pede a ajuda de Deus para resolver seus problemas, ou seja, querendo que Deus colocasse as suas mãos celestes, substituindo as dele, humanas, para solucionar seus percalços. E, em troca disso, ele rezaria muitos padre-nossos, promessas que jamais foram cumpridas. “Prometo rezar mil padre-nossos e mil ave-marias, se José Dias arranjar que eu não vá para o seminário”. A soma era enorme. A razão é que eu andava carregado de promessas não cumpridas. A última foi de duzentos padre-nossos e duzentas ave-marias, se não chovesse em certa tarde de passeio a Santa Teresa. Não choveu, mas eu não rezei as orações. Desde pequenino acostumara-me a pedir ao céu os seus favores, mediantes orações que diria, se eles viessem. Disse as primeiras, as outras foram adiadas, e à medida que se amontoavam iam sendo esquecidas. (ASSIS, 2007, p. 46). Em Dom Casmurro, o processo de substituição é tão marcante que até as desconfianças de Bentinho com relação ao caráter de Capitu são quase sempre discorridas pelas palavras de outros: José Dias ou Prima Justina. “Bentinho precisa ver pelos olhos dos outros e ouvir pelos ouvidos alheios” (OLMI, 1999). Esse processo, que reverbera a personalidade inerte de Bentinho, estende-se até Ezequiel, que na cabeça do narrador, é o suposto filho de Escobar e, portanto, bastardo. Isso significa que Ezequiel nasce para substituir o filho legítimo de Bento Santiago, ainda que essa idéia, como já foi dito, esteja apenas na mente desvairada pelos ciúmes doentios do narrador. Outro fato intrigante, agora já completamente convencido da traição de Capitu, é quando o narrador-autor opta pelo suicídio. Por um impulso mirabolante de assassino tenta envenenar o próprio filho. Vê-se então que até na hora da morte, Bentinho busca um substituto. No entanto, nesse processo de substituições, ele decide exilar Capitu e Ezequiel de sua vida, ficando somente com sua casmurrice. 72 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Considerações finais Essas substituições, que são perceptíveis em toda a obra, cujos principais exemplos foram vislumbrados nas linhas antecedentes, simbolizam uma belíssima metáfora, que Machado utiliza para preencher o seu personagem sensível. Como Bentinho possui uma personalidade indefinida, ele procura, nos outros ou nos fatos, algo para se apoiar e responder por ele o que deve ser feito. Normalmente, uma pessoa só substitui a outra quando esta não está sendo capaz de tomar certas decisões a ela cabíveis, ou por ser leiga no assunto, ou por medo, ou por insuficiência, etc. Por exemplo, um advogado substitui o seu cliente, defendendo-o, como se fosse a própria pessoa do cliente; um padre, na celebração da missa, atua in persona Christi, ou seja, na pessoa de Cristo. Dessa forma, Bentinho, por sua incapacidade de se auto-afirmar como homem preponderantemente viril, recorre a outras pessoas para fazerem aquilo que ele não tem coragem ou que, simplesmente, não consegue fazer por si só. Destarte, Bento Santiago é um homem totalmente dependente, incapaz de cavalgar pela crua realidade da vida, montado em um belo Alazão; conforme afirma Gledson (1991, p. 79): Dom Casmurro detalha muitos dos fatores que lhe impedem uma visão realística da vida; seu parasitismo econômico, a mãe pegadiça que não quer deixá-lo fazer sequer o que é normal para uma criança de sua idade e de sua classe (ir ao teatro, montar a cavalo). Bento é o sucessor do Estácio, de Helena, e do Jorge, de Iaiá Garcia, crianças mimadas, despreparadas para enfrentar o mundo real, que fracassam ao se defrontar com ele (sob a forma da mulher a quem amam). Para justificar esse caráter não muito viril de Bentinho, pode-se aludir ao fato de que ele foi criado à sombra de duas mulheres, com a presença de dois 16 BADINTER, Elisabeth. XY: Sobre a identidade masculina. trad. Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.e 1999. Disponível em: <http://www.kplus.com.br>. Acesso: 3 dez. 2004. 17 FERREIRA, Maria Rosilva Santos. Desdobramentos dos Gêneros sob a ideologia patriarcal, em Senhora, de José de Alencar. In.: Escritas do corpo, da terra e do imaginário / Ilca Vieira de Oliveira, Maria Generosa Ferreira Souto, Osmar Pereira Oliva, organizadores. Montes Claros: Ed. Unimontes, 2003. 73 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 homens que estão distantes de representarem um reflexo de autoridade masculina. Portanto, faltou-lhe a presença do pai como espelho, “pois o homem, desde criança, busca no pai um ideal de masculino para se identificar” (SILVA, 2003, p. 74). Sobre isso, Gledson (1991, p. 52) completa: O estado que define de modo mais completo a família é o de viuvez. Numa sociedade, teórica e praticamente ainda patriarcal, o chefe da família foi eliminado [...] Nenhum dos membros da família tem força de caráter para assumir o papel fundamental do pai.. (GLEDSON 1991, P. 52). Com relação a essa dúvida masculina de Bentinho, há muitas notas a serem citadas, principalmente, através de uma análise homoerótica . Contudo, um estudo desse cunho não foi o propósito do presente trabalho que, singelamente, pretendeu demonstrar a dor psíquica de Bentinho, quanto a sua masculinidade, através da metáfora das substituições. Assim, conclui-se que Dom Casmurro narra a história de um personagem ensimesmado que procura encontrar-se em sua autobiografia. Porém, a sua carência é tanta, ou melhor, a sua falta de decisão é tão explosiva, que o seu objetivo não foi alcançado como pretendia. “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui”. (ASSIS, 2007, p. 15). Pela sua incapacidade de vislumbrar os fatos de vários ângulos, o seu “achismo” sufocou o seu ser, tornou-se, nos últimos dias de vida, um homem solitário, não somente pela falta de companhia, mas por falta de sua própria pessoa. “Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo” (ASSIS, 1995:14). Referências Bibliográficas ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Martin Claret, 2007. BADINTER, Elisabeth. XY: Sobre a identidade masculina. trad. Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993 apud FERREIRA, Maria Rosilva 74 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Santos. Desdobramentos dos Gêneros sob a ideologia patriarcal, em Senhora, de José de Alencar. In.: Escritas do corpo, da terra e do imaginário / Ilca Vieira de Oliveira, Maria Generosa Ferreira Souto, Osmar Pereira Oliva, organizadores. Montes Claros: Ed. Unimontes, 2003. BÍBLIA SAGRADA. tradução dos originais mediante a versão dos Monges de Maredsous (Bélgica) pelo Centro Bíblico Católico. 115.ed. revista por Frei João José Pedreira de Castro, O.F.M., e pela equipe auxiliar da Editora. São Paulo: Ave Maria Ltda, 1998. BOTTÉRO, Jean. Nascimento de Deus: A Bíblia e o historiador. trad. Rosa Freire D’Aguiar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. BRASIL. Constituição federal, código penal, código de processo penal/organizador Luiz Flávio Gomes. 4.ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 – (RT – mini-códigos). DOM CASMURRO (Machado de Assis). Comentários do livro. Disponível em: <http://www.revistacriacao.hpg.ig.com.br/dom_casmurro.htm>. Acesso: 3 dez. 2004. FERREIRA, Maria Rosilva Santos. Desdobramentos dos Gêneros sob a ideologia patriarcal, em Senhora, de José de Alencar. In.: Escritas do corpo, da terra e do imaginário / Ilca Vieira de Oliveira, Maria Generosa Ferreira Souto, Osmar Pereira Oliva, organizadores. Montes Claros: Ed. Unimontes, 2003. FRANÇA, Júnia Lessa; VASCONCELLOS, Ana Cristina de. Manual para normalização de publicações técnico-científicas. 7.ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004. GLEDSON, John. Machado de Assis: Impostura e Realismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. NOLASCO, Sócrates. O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1993 apud SILVA, Jacqueline Ribeiro. Falsidade masculina ou medo do feminino?: uma leitura de Ressurreição, de Machado de Assis. In.: Escritas do corpo, da terra e do imaginário / Ilca Vieira de Oliveira, Maria Generosa Ferreira Souto, Osmar Pereira Oliva, (orgs). Montes Claros: Ed. Unimontes, 2003. OLIVA, Osmar Pereira. O corpo e a voz: inscrições do masculino em narrativas Queirosianas. 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Depois de um século, Dom Casmurro continua gerando polêmica. ISBA, 2000-2002. Disponível em: <http://www.isba.com.br/dom_casmurro.htm>. Acesso: 3 dez. 2004. 76 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 O SER GLOBAL E O PENSAR LOCAL Luciana Fonseca de Castro Dias * Resumo: Discutimos neste artigo a Educação Patrimonial e a valorização da cultura Norte mineira voltada para os bens culturais no século XXI, possibilitando o conhecimento das características centrais e das dimensões sócio-culturais da região contribuindo para o resgate da identidade regional. Palavras-Chave: Educação. Patrimônio. Sociedade. Cultura e Identidade Regional. O projeto dinâmico da tecnologia ocidental marca que, tem definido o conceito de modernidade, chega como um ciclone que varreu o simbólico Muro de Berlim, no final da década de 1980, no limiar do século XXI, desencadeando uma avalanche de acontecimentos, tendo repercussão em todo o planeta. Mudanças profundas nos blocos políticos repercutiram na vida dos homens e dos povos deixando dúvidas na esperança de um futuro melhor. Era o anúncio de uma “Nova Ordem Mundial” que começava a ser estabelecida. O mundo ficou extasiado com a velocidade e a radicalidade das mudanças. Estávamos vivenciando a consolidação da sociedade informatizada onde as “perspectivas são fantásticas, mas também acarretam gravíssimos perigos para a vida social” (SHAFF, 1990, p. 25). O resgate da história de um determinado espaço, denominado Lugares da Memória trouxe a esperança de reunificar o indivíduo fragmentado com o qual lidamos na sociedade contemporânea. ________________ * Especialista em História do Brasil, graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros e História Licenciatura pela Faculdades Integradas Simonsen. Professora no ensino superior do Instituto Superior de Educação Ibituruna, do Ensino Fundamental na E.M. Mestra Finhinha e do Ensino Fundamental e Médio na E.E. Benjamim Versiani dos Anjos. Esta reviravolta, que muitos chamam de pós-modernidade espalhou por todos os cantos e recantos, até onde vivemos. Pretendemos neste artigo discutir o 77 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 papel da Educação Patrimonial neste início de século, de mudanças e implementação, de novos paradigmas que tem como cerne a preocupação com o desenvolvimento integral do educando para que o mesmo possa desenvolver suas habilidades e competências potencializando oportunidades de trabalho e sobrevivência com dignidade no espaço social a que pertence. O atual momento histórico exige a formação humana não como produto, mas como um processo social mais complexo através do resgate da memória e da história que possibilitará, quem sabe, o resgate e a reconstrução da identidade cultural da região Norte mineira. O processo de reconstrução da história da região e busca de sua identidade nos leva a concordar com Pollak (1992) ao afirmar que os elementos constitutivos da memória individual ou coletiva são acontecimentos, pessoas e lugares. Estes acontecimentos podem ser vividos pessoalmente, neste caso a memória é individual, ou, vivido pelo grupo ou pela coletividade à qual pessoa pertence. Desde a década de 70, assistimos à movimentação de grupos sociais populares, tais como: trabalhadores, mulheres, negros, índios, homossexuais etc., que reivindicam o acesso ao exercício da cidadania. Esses grupos se mobilizam pelo resgate de sua memória, como instrumento de luta e afirmação de sua identidade étnica e cultural. Neste sentido, o historiador Ulpiano Bezerra de Meneses esclarece: O tema da memória está em voga, hoje mais do que nunca. Fala-se da memória da mulher, do negro, do oprimido, das greves do ABC, memória da Constituinte e do partido, memória da cidade, do bairro, da empresa, da família. Talvez apenas a memória nacional, tantas vezes acuada (e tantas vezes acuadora) esteja retraída. Multiplicam-se as casas de memória, centros, arquivos, bibliotecas, museus, coleções, publicações especializadas (até mesmo periódicos). Os movimentos de preservação do patrimônio cultural e de outras memórias específicas já contam com força política e têm reconhecimento público. Se o antiquariano, a moda retro, os revivals mergulham na sociedade de consumo, a memória também tem fornecido munição para confrontos e 78 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 reivindicações de toda espécie. (MENESES, 1992 p.9). Podemos observar que os lugares da memória, como lugares de confrontos e de reivindicações são espaços criados pelo indivíduo contemporâneo diante das crises de paradigmas modernos, e que com esses espaços se identificam, se unificam e se reconhecem como agentes de seu tempo, isto é, a tão desejada volta dos sujeitos: (...) a atomização de uma memória geral em memória privada dá à lei da lembrança um intenso poder de coerção interior. Ela obriga cada um a se relembrar e reencontrar o pertencimento, o princípio e segredo da identidade. Esse pertencimento o engaja inteiramente . ( NORA, 1993 p.17-18) O único meio de acesso da sociedade a sua memória formadora, organizadora e portadora de sentidos encaixa-se dentro da crise pela qual passa as formas de conhecimento na década de 1970. Sendo a memória coletiva uma das maiores garantias de nossa identidade cultural por este motivo nos centramos em um trabalho permanente voltado para a Educação Patrimonial e para a história cultural do Norte de Minas. O caminho que nos permite esta apropriação de conhecimentos referentes às manifestações culturais de nossa região a partir do processo educacional. A educação patrimonial integra atualmente os planejamentos escolares, e especialmente os professores de História têm sido convocados e sensibilizados para essa tarefa, que envolve o desenvolvimento de atividades lúdicas e de ampliação do conhecimento sobre o passado e sobre as relações que a sociedade estabelece com ele: o que é preservado, como é preservado, e por quem é preservado. Para as educadoras Schmidt e Cainelli: Atualmente, um dos importantes objetivos do ensino da História é contribuir para que o aluno conheça e aprenda a valorizar o patrimônio histórico de sua localidade, de seu país e do mundo. (SCHMIDT e CAINELLI, 2004 p.114) O processo de ensino-aprendizagem sensível às questões referente à identidade cultural especificamente a norte mineira deve encaminhar para a formação de seres humanos que sejam capazes de conhecer a sua própria história cultural, além de estimular a prática saudável da reflexão histórica. Nesse sentido, o 79 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 ensino de história possibilita, desde as primeiras fases do processo de aprendizagem, a apreensão das noções de cidadania e responsabilidade social e conseqüentemente o processo de constituição da personalidade de cada indivíduo. Esse processo faz parte de uma política cultural que é construída nos cruzamentos das diferentes demandas sociais que permeiam a sociedade. Nesse contexto, a cultura é um campo privilegiado que nos permite, de forma crítica, trabalhar os contrastes e as diferenças para que os sujeitos desse processo possam rever-se, e nesses espelhos se entenderem individual e coletivamente. A política cultural é sempre um ato de iluminação, de transformação. Não é um processo de contemplação ou de afirmação de uma situação dada, mas de enfrentamento: “é a criação de espaços sociais de construção de cidadania, de participação, de libertação” (ITAQUI: 2000). Teoricamente, o principal objetivo da educação responsável deve basearse no direcionamento dos estudantes na elaboração do conhecimento histórico, através da investigação da realidade, refletindo a ligação do presente contínuo com um passado mais distante, buscando compreender a historicidade das representações culturais, ou seja, um ensino de história voltado para sujeitos históricos. A concretização da memória, individual, familiar e coletiva, está na configuração do que entendemos como “patrimônio cultural”. A definição mais abrangente do termo “patrimônio” indica bens e valores materiais e imateriais, transmitidos por herança de geração a geração na trajetória de uma sociedade. A idéia de cultura não é mais aquela que indicava acúmulo e refinamento de informações e conhecimentos, mas a de um processo contínuo de transmissão de valores e crenças, de saberes e modos de fazer e de viver que caracterizam um grupo social, uma comunidade. O patrimônio cultural assim manifesto é um conjunto de bens e valores, tangíveis e intangíveis, expressos em palavras, imagens, objetos, monumentos e sítios, ritos e celebrações, hábitos e atitudes, cuja manifestação é percebida por uma coletividade como marca identitária que adquire um sentido comum e compartilhado por toda a sociedade. A valorização da educação patrimonial não se dá apenas através de informações e discursos pré-fabricados, mas insere o educando no processo de conhecimento, e identificação do significado atribuído às coisas por uma determinada cultura, através do mergulhar no universo dos sentidos e correlações que eles oferecem à descoberta, pela linguagem cultural específica utilizada naquelas manifestações e envolvimentos 80 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 afetivos para com elas vivenciar experimentações. A Educação Patrimonial pode ser um instrumento chave para a leitura do mundo e para a comunicação com o outro. Reforçamos aqui a idéia de “bem cultural” como sendo (...) toda produção humana, de ordem emocional, intelectual e material, independente de sua origem, época ou aspecto formal, bem como a natureza, que propiciem o conhecimento e a consciência do homem sobre si mesmo e sobre o mundo que o rodeia. (GODOY, 1985 p. 72). A Educação Patrimonial enquanto processo sistemático centrado no Patrimônio Cultural e com público alvo permanente, serve como um instrumento de afirmação da cidadania. Tem a finalidade de oferecer alguns subsídios para que a própria comunidade defina o que vem a ser seu patrimônio, identificando com o mesmo para preservá-lo. Diante de um mundo de mudanças, pautamos em uma gama de posicionamentos com relação a que tipo de educação deve determinado povo ou nação recorrer para formar suas futuras gerações ou redirecionar as atuais. Nessa perspectiva citamos três linhas de pensamento: A primeira é a visão capitalista que busca a eficiência econômica e a competitividade nos mercados internacionais que, por isso, necessita de uma formação altamente qualificada e de acordo com padrões globais de produtividade, adaptabilidade e universalidade. Essa educação, perseguida e desenvolvida atualmente pelos Estados Unidos, Coréia do Sul, Japão e Inglaterra. A segunda perspectiva é a terceiro-mundista, que rejeita amplamente os parâmetros econométricos como critérios educacionais e quer, sobretudo, que o Estado assuma o ônus educacional nos países pobres, para tornar a escola aceitável e mais eficiente do que ela é nas atuais circunstâncias. Uma terceira forma de solucionar os impasses do setor é a que visualiza a possibilidade de se proporem novos objetivos e novos fins educacionais que possam abandonar o protagonismo economicista, substituindo-o pelo da cultura. Essa última tendência pode ser encontrada em especialistas em educação ou lideranças políticas, tanto dentro como fora dos centros hegemônicos mundiais. Assim como a nova ordem global desdobra ante nossos olhos novas 81 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 demandas econômicas e ajustamentos político-sociais, a Educação e seus agentes devem estar atentos para grandes questões e a superação urgente de problemas globais como os da fome, miséria, guerras e lutas étnicas, poluição ambiental e o esgotamento de riquezas e recursos não-renováveis do Planeta. As últimas décadas foram de expansão numérica da escolarização e sua extensão a todas as camadas da sociedade. Não terá chegado a hora de uma nova transformação nos dados globais com a geração de sistemas educacionais mais eficientes, democráticos e abrangentes? Acreditamos que o resgate da memória e da história local possa “devolver” ao povo norte mineiro o sentimento de pertencimento e inserção nos projetos de políticas públicas possibilitando um incremento do crescimento econômico através da valorização do capital humano e conseqüentemente uma vida melhor e digna. Percebemos que as promessas advindas do desenvolvimento tecnológico e científico como solução para os males que afligem a sociedade moderna ou pósmoderna não as cumprindo: permanece a grande dívida do capital com o social. O desenvolvimento de programas de Educação Patrimonial, envolvendo não só a rede escolar, mas também as organizações da comunidade local, as famílias, as empresas e as autoridades responsáveis, tanto a nível local, nacional ou mundial contribuirão para a ampliação de uma nova visão do Patrimônio Cultural em sua diversidade de manifestações. A grande diversidade cultural expressa nos mais variados tipos de patrimônio na região Norte mineira, em sua dimensão material e imaterial, bem como da biodiversidade e seu uso sustentável para justa repartição dos benefícios provenientes do uso econômico respeitando a soberania particular e universal, traduzidos ora pela defesa da humanidade, dos particularismos e singularidades locais regionais e mesmo nacionais. Para tanto se faz necessário um trabalho junto à comunidade em sua identificação, valorização e preservação do volumoso e diversificado Patrimônio Cultural das localidades de abrangência da Região Norte de Minas, assim como fomentar o desenvolvimento cultural e o turismo sustentável desta região. Apesar das dificuldades relativas a estudos referentes à Educação Patrimonial, principalmente sobre a região Norte mineira, torna o trabalho árido devido a parca produção e publicação tanto em termos conceituais quanto metodológicos deste tema, salvo o Guia Básico de Educação Patrimonial do IPHAN que prioriza 82 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 determinadas áreas. Temos a consciência de que um trabalho nos municípios que fazem parte do Norte de Minas, em primeira instância servirá mais de sensibilização a respeito do patrimônio, do que propriamente dito, Educação Patrimonial, pois para que ocorra um processo educativo concreto são necessários requisitos como um espaço maior de tempo e um público alvo constante. No entanto são ações de extrema importância, já que, trabalham-se temas como memória, história e cotidiano, do individual ao coletivo, onde são utilizados bens culturais como instrumentos de ensino, partindo do princípio que patrimônio não é apenas um objeto de estudo, mas também um método aplicado em diversas áreas. É preciso destacar que a utilização da história local como estratégia pedagógica é uma maneira interessante e importante para articular os temas trabalhos em sala de aula. O uso dessa estratégia no trabalho com a história temática exige que se estabeleça, de forma contínua e sistemática, a articulação entre os conteúdos da história local, da nacional e da universal. (SCHMIDT e CAINELLI, 2004 p.115-116). A presente proposta ao contemplar o Norte de Minas pretende ser um ponto de partida para se estabelecer uma relação entre a pesquisa e o ensino de História bem como fazer uma “transposição do saber acadêmico para o saber escolar” no processo de construção curricular. Entendemos que o ensino de História das Minas Gerais, encarregada de veicular uma “história nacional” e como instrumento pedagógico significativo na constituição de uma “identidade nacional” permeou nos “alunos desde o final do século XIX até os dias atuais através da imposição do currículo”. Assim, os manuais escolares, além de apresentarem os conteúdos da disciplina, foram importantes veículos portadores de um sistema de valores de uma ideologia e de uma cultura que procurou universalizar leitores e estabelecer uma “cadeia de transferências” do conhecimento histórico, sem divergências. A transmissão de estereótipos e valores dos grupos dominantes, generalizaram, temas de acordo com os preceitos da sociedade branca e burguesa. Para Alain Choppin: 83 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Os livros didáticos não são apenas instrumentos pedagógicos: são também produtos de grupos sociais que procuraram, por intermédio deles, perpetuar suas identidades, seus valores, suas adições, suas culturas. (CHOPPIN, apud BITTENCOURT, 2004) A complexidade da natureza desse produto cultural que vem sendo utilizado nas várias salas de aulas e condições pedagógicas contemplam a sociedade mineira enaltecendo a região das minas, produtora do ouro e diamantes no século XVIII. O sonho português, concretizado e valorizado a partir dos quatro caminhos para Minas: Caminho partindo de São Paulo, Caminho Velho do Rio de Janeiro, Caminho Novo do Rio de Janeiro (sem grande importância até 1720) e o Caminho de Salvador (Bahia). Não podemos deixar de admirar a extraordinária resistência desses homens (bandeirantes) que passaram anos seguidos explorando nossos sertões enfrentando toda a sorte de perigos, pelos animais selvagens, pelos índios bravios. Poder-se-ia dizer que “abriram as portas do território mineiro para as descobertas do ouro”. Em quase todas as zonas de Minas Gerais tivemos núcleos originários da mineração inclusive na região de Itacambira e Grão Mogol. Todos os demais núcleos da região norte e noroeste surgiram nas proximidades de fazenda de criação; ali constituídas nos imensos chapadões ou baixadas com boas pastagens e agraciados pelo governador da capitania que desde meados do século XVIII só concedia sesmaria grande para os que tinham gado, escravatura ou camaradas. Foram os currais, as fazendas de criação que povoaram todo o caminho do Rio São Francisco, até o Rio das Velhas; antes mesmos do aparecimento dos vários arraiais auríferos. E quando esses surgiram, multiplicaram os currais pelo Rio São Francisco e Rio das Velhas. A sociedade aurífera foi palco da ostentação e opulência colonial. Ressaltando a organização social urbana que exalava luxo expressa no esplendor dos conjuntos arquitetônicos e requinte presente nas Igrejas e nas festas religiosas entre as montanhas. A sociedade do couro “sem ostentação” e opulência abastecia a região aurífera de alimentos, tração para os engenhos, transporte e couro. De couro era as portas das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e mais tarde a cama para os patos de couro era 84 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 todas as cordas a borracha para carregar água, o mocó ou alforge para levar comida, a maca para guardar a roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prende-lo em viagem as bainhas de faca, as broacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os bangüês para curtume ou para apurar sal, para os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de bois que calcavam a terra com o seu peso; em couro pisava-se tabaco para o nariz. (ABREU, Capistrano: 1976). O couro, além do uso local era exportado para outras regiões, fomentando o comércio local e regional. Além da importância da pecuária, desenvolvida às margens do Rio São Francisco, “rio de integração nacional”, os habitantes tanto da margem direita como da esquerda fizeram da navegação uma atividade produtiva. O desenvolvimento de conhecimentos náuticos para tais empreendimentos e outras atividades desenvolvidas pelos habitantes dos gerais carecem de maior valorização do potencial do sertanejo, que desde o período colonial foram isolados e marginalizados pela história oficial do Brasil. A busca de identidade de um povo em voga nos dias atuais diante do processo de globalização e exclusão social é propícia para o resgate da história e memória da nossa região. O objeto de estudo através da valoração da história local e regional abre possibilidades para o investimento de projetos na área de pesquisas e políticas públicas. Entendemos que a pesquisa de campo, no circuito da região das minas e do couro, no norte de Minas, poderá nos fornecer material iconográfico, literário, fotográfico, dentre outros, para a construção de acervo para pesquisas futuras, reconstrução do imaginário coletivo das Minas Gerais e ainda a pretensão de uma produção de material Para-didático. Estudar Minas Gerais é percorrer o caminho das montanhas produtoras de ouro e diamantes, valorizadas pelo patrimônio histórico e cultural das cidades mineiras (Ouro Preto, Mariana, Diamantina, São João Del Rei, dentre outras). Ou seja, a pacífica apropriação dos lugares de memória como único meio de acesso da sociedade a sua memória formadora e portadora de sentidos perpetuados nos compêndios escolares. 85 A política de preservação patrimonial, inaugurada com a legislação do Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 decreto 3551/2000, tem como suporte metodológico a abertura de livros temáticos. Um destes livros tem como nome “livro de registro dos lugares” no qual, segundo o texto do decreto, estarão inscritos “mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas”. Esta política de preservação iniciada em 2000 traz elementos que, desde a década de 1980, já estavam presentes na política do IPHAN exatamente com a noção que Nora expõe: a de Lugares de Memória. Teria a região norte mineira memória e patrimônio tão valoroso quanto aos das Minas, capaz de reconstruir o imaginário coletivo e explicação para a formação da sociedade mineira através de uma memória que autolegitima uma ação no presente que evidencia a concepção de história como processo que desencadeia passado, presente e futuro? No momento não temos a resposta para a questão, mas através de Nora percebemos a ligação entre lugares de memória e redes sociais. “Há uma rede articulada dessas identidades diferentes, uma organização inconsciente da memória coletiva que nos cabe tornar consciente de si mesma. Os lugares de memória são nossos momentos de história nacional”, (NORA, 1993 p. 18). Pretensamente, concluímos que, o resgate da história, memória e patrimônio da região Norte mineira é legítimo, pois traz a constatação de que a sociedade busca os lugares da memória como ferramenta para tornar-se agente de seu tempo. São essencialmente meios, que não é memória, é história, porque esta reconstituída através de vestígios e, mais importante, uma memória reivindicada não é construída por um grupo, mas para o grupo pela história, para que possa nela encontrar elementos que legitimem sua ação política no presente. Referências Bibliográficas LEI nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500-1800). 6ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. ANASTASIA, Carla Maria Junho. A geografia do crime: violência nas Minas 86 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. _____________________ . Vassalos rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVII. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. BITTENCOURT, Circe (org.). 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A pesquisa trata da experiência, da formação inicial, das leituras e dos saberes pedagógicos, analisando dados quantitativos e qualitativos que intervêm na construção identitária: o que é preciso saber para ser uma professora que atua na educação de jovens e adultos? Os resultados demonstram que estas educadoras sabem, têm um referencial do que vão fazer em sala de aula e de suas identidades, no entanto, essas informações ainda são esparsas e centradas em argumentos sentimentais ou de constituição de posturas do professor em sala de aula. Palavras-chave: Saberes Docentes. Alfabetização. Leitura. Escrita. Formação Continuada e Identidade. INTRODUÇÃO Dois mundos se opõem um ao outro, mundos incomunicáveis entre si e mutuamente impenetráveis: o mundo da cultura e o mundo da vida. O primeiro é o mundo pelo qual o ato de nossas vidas se torna objetivo; o segundo é o mundo em que este ato realmente transcorre e se cumpre por única vez. (BAKHTIN, 1997, p.8). O mundo da vida é o que se conhece e vive. É a realidade que é interpretada pelo mundo da cultura, que é o mundo, segundo Bakhtin, das opiniões, da cultura, deste texto, que neste momento, você leitor tem em mãos. 19 Professor de Língua Portuguesa. Mestre em Lingüística pela Universidade federal do Pará. Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial - PPGEEs na Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. E-mail: [email protected] 89 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Na relação entre os dois mundos, a pesquisa é o interpretar do mundo da vida. Assim, recolher dados, opiniões faladas ou escritas, que fazem referencia à vida real ao “mundo do qual conhecemos e vivemos”, segundo BAKHTIN (1997, p. 8), objetiva obter conclusões parciais e transitórias que valem historicamente para uma situação particular, representa uma escolha metodológica, por isso toda pesquisa é relativa. Trata-se de uma atividade que envolve o perguntar sobre uma situação, no nosso caso “o que é preciso saber para ser um alfabetizador?”, em que o responder pressupõe construir uma teoria do mundo da cultura, que nos satisfaça, nos faça entender o agir, o pensar na / sobre a vida, sobre uma relação estabelecida entre indivíduos em uma situação particular, a da profissão de professor que atua nos espaços de alfabetização de adultos. As opiniões que se concretizam neste texto são reflexões para uma situação específica, a realidade das alfabetizadoras do programa de alfabetização de jovens e adultos, projeto implementado pela prefeitura municipal de Belém em convênio com o Governo Federal, por meio do Programa Brasil Alfabetizado. O que se almeja é interpretar uma realidade do mundo: a vida do projeto de alfabetização, que no final de 2005, programou a realização de uma formação para novas alfabetizadoras. (Utilizara-se a palavra professora e alfabetizadora para referenciar que a maioria das pessoas entrevistadas é do gênero feminino e por economia lingüística para evitar que se fique marcando todos os determinantes e substantivos para indicar a posição não machista de indicar os dois gêneros). É um texto interpretativo sobre a formação, sobre a experiência que ocorre neste movimento, decorrente de uma pesquisa quantitativa e qualitativa realizada no período de 05 a 15 de dezembro de 2005, na formação continuada destas alfabetizadoras. Para isso, toma-se a iniciativa de aplicar um instrumento de pesquisa para as alfabetizadoras do programa Brasil Alfabetizado. Este instrumento continha quatro questões quantificáveis: (1) Tem ou não experiência com alfabetização? (2) Tem ou não experiência com movimentos populares? (3) Qual sua formação? (4) O que você leu recentemente? E uma qualitativa, a questão (5) Que saberes pedagógicos (de sala de aula) uma alfabetizadora tem que ter? Pretende-se fazer uma relação entre os dados quantitativos e os qualitativos, verificando a relação entre formação inicial/experiência com alfabetização de 90 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 adultos e com movimentos populares com os saberes necessários para se alfabetizar jovens e adultos. A pergunta é: Que conhecimentos essenciais os docentes tem que ter para as necessidades de alfabetização de jovens e adultos? Considera-se que estas professoras vão trabalhar com alunos que apresentam situações financeiras precárias: alunos que precisam emancipar-se de exclusões sociais, e particularmente da ausência do direito de leitura e de escrita. Uma opinião inicial que motivou a execução desse instrumental era que todas as alfabetizadoras tinham intuitivamente alguma informação sobre a prática de sala de aula, sobre o que deve ser feito, o que deve ser trabalhado. A fim de confirmar ou não essa opinião inicial esta pesquisa foi feita com 102 das alfabetizadoras inscritas na formação. 1. QUEM SÃO AS ALFABETIZADORAS 1.1. A EXPERIÊNCIA COM ALFABETIZAÇÃO A Lei nº 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (promulgada em 20 de dezembro de 1996), estabelece que o professor tenha experiência para o exercício do Magistério. O artigo. 67, no Parágrafo primeiro estabelece: “A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino” (BRASIL, 1997, p. 19) Na tabela 1 tem-se o tipo de experiência das alfabetizadoras. Os números são bastante animadores: mais de 75% possui experiência com alfabetização de adultos e 85% possui experiência com alfabetização de crianças. Tabela 1: Experiência com alfabetização Tipo de experiência 91 Sim Não Não opinou Com alfabetização de adultos 77% 20% 3% Com alfabetização de crianças 85% 15% 2% Na atuação com movimentos populares 72% 20% 8% Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 É possível que estes dados revelem uma situação falsa com relação às experiências das alfabetizadoras. Afirma-se isso em função da pesquisa quantitativa acontecer no inicio da formação em que as participantes ainda estão em processo de seleção, e que por isso, hipoteticamente tenham colocado uma resposta para atender a uma resposta ideal, que eles almejariam para si e que os pesquisadores gostariam de obter como resposta. No caso, marcar a resposta ‘sim’ no questionário é o ideal para o projeto, mas pode não ser a situação real da turma que esteja entrando para trabalhar no projeto. Grande parte responde que sim com medo de ainda estar sendo avaliada e de perder uma oportunidade de trabalhar na Prefeitura. A experiência com alfabetização e com movimento popular sempre foi, em tempos passados, um critério de eliminação dos candidatos em momentos de seleção das pessoas que iriam trabalhar no projeto. É bom lembrar que no formulário ou questionário de pesquisa estava expresso “este instrumento é de pesquisa e será utilizado só para este fim”, não necessitando que ocorresse a identificação da entrevistada no mesmo. 1.2 A FORMAÇÃO DAS ALFABETIZADORAS A LDB regulamenta o exercício do magistério, a profissão de professor, para atuar na educação básica aos licenciados plenos em Universidades e institutos superiores de educação, facultando, no entanto, para as quatro primeiras séries do ensino fundamental, o exercício aos professores com ensino médio. A formulação é a seguinte: Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (BRASIL, 1997, p. 18) A legislação, com isso, precariza a profissão de professor ou desvaloriza as quatro primeiras séries do ensino fundamental. Some-se a isso a persistência, não 92 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 só no ensino oficial, mas também nos projetos governamentais, como o do Brasil Alfabetizado, em oferecer baixas remunerações, a título de bolsas para os que atuam na propalada campanha de erradicação do analfabetismo no Brasil. O programa Brasil Alfabetizado foi lançado pelo Governo Federal em 2003. Segundo dados do site http://portal.mec.gov.br/secad, o programa atendeu em 2003, 1,92 milhão de jovens e adultos com pouca ou nenhuma escolaridade formal, aplicando um total de R$ 175 milhões; em 2004, 1,650 milhão de alfabetizandos, investindo R$ 168 milhões para atender cerca de três mil municípios brasileiros. A tabela 2 indica que 74% das alfabetizadoras possuem o ensino médio. Tabela 2: Formação das alfabetizadoras Formação % Ensino médio Magistério 30% 44% Ensino superior incompleto 16% Ensino superior completo Sem resposta 9% 1% 1.3. O QUE LÊEM AS ALFABETIZADORAS Os resultados da pesquisa indicaram que 97% das alfabetizadoras gostam de ler. Tabela 3: O gosto pela leitura das alfabetizadoras Gosto Gosto pela leitura Sim 97% Não 1% Não opinou 2% Se o professor não é um leitor, como ele poderá desenvolver essa habilidade nos seus alunos? As práticas de leitura e escrita, de letramento escolar têm desenvolvido “uma pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas letradas exigidas pela sociedade” (ROJO, 2005, p. 1), o que se faz em sala de aula é repetir, revozear falas em todas as disciplinas escolares, em “função da localização de informações em textos e de sua repetição ou cópia em respostas de questionários orais ou escritos” (Idem). Desta forma, espera-se que se as alfabetizadoras, como responderam ao questionário, sejam incentivadoras de futuros de leitores, nos mais 93 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 variados gêneros e que não utilizem apenas metodologias que empreguem a mera decodificação, trabalhando a língua como se fosse um cadáver para ser analisado em seus “ossos” constituintes. Essa informação sobre o gosto pela leitura é complementada pela do que gostam de ler, como mostra a tabela 4: Tabela 4: O que as alfabetizadoras leram recentemente As alfabetizadoras citam, com 38% das indicações por escrito, a leitura com a função de aprender, ampliar conhecimentos sobre a educação e particularmente sobre a leitura de títulos de Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido, da Esperança...). Essa escolha pode ter ocorrido em função da palestra inicial ter acontecido no dia em que foi aplicado o questionário. A segunda escolha (com 23%) recaiu na leitura ficcional que pode ter a função recreativa e de distrair, proporcionando a experiência emocional desencadeada pela leitura. A terceira (com 12%) tem provavelmente a função de confirmar atitudes religiosas, no caso, orientar o pensar, o agir pelos preceitos religiosos. As demais escolhas recaem na leitura dos suportes: livros, revistas e jornais, não sendo possível identificar com que objetivos escolheram tais leituras. Essas escolhas demonstram a necessidade de proporcionar uma variedade de textos aos alunos com as mais variadas funções (conforme SOLE, 1998), ampliando as três escolhas feitas pelas professoras: estabelecer relações sociais, obter informações, substituir mensagens orais, fazer registros legais, documentar eventos, seguir instruções, revisar um escrito próprio, comunicar um texto a um auditório, etc. Assim, espera-se que as práticas de leitura das alfabetizadoras, nos espaços do programa de alfabetização, não sejam centradas nas habilidades mecânicas de decifração da escrita, não sejam sem interesse, sem função, sem 94 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 gosto, sem prazer; e que a interpretação do texto não seja somente para recuperar elementos literais. 2. OS SABERES DAS PROFESSORAS - ALFABETIZADORAS Ser professor, exercer a docência envolve diversos saberes. Esses saberes ou competências são um conjunto de fazeres: tomadas de decisões conscientes, inferências, acertos e erros utilizados no ato da vida real, situações inusitadas a fim de resolver problemas concretos. Um saber não se confunde com um objetivo, que seria uma meta explícita. Um saber é um agir consciente para se alcançar um objetivo; não se confunde com desempenho, que é um conjunto de ações rotineiras e repetitivas. Um saber envolve a mobilização de inúmeros outros. Assim, ser um bom centroavante pressupõe: Imobilizar um contra-ataque, desmarcar-se, pedir a bola, antecipar movimentos da defesa, ter cuidado com o impedimento, ver a posição dos parceiros, observar a atitude do goleiro adversário, avaliar a distância até o gol, imaginar uma estratégia para passar pela defesa, localizar o árbitro, etc. (PERRENOUD, 1999, p. 24) Um centroavante orquestra um conjunto de sub-ações e depende da atitude de outros jogadores para alcançar o gol adversário, que é seu objetivo. O desempenho e as habilidades contribuem para alcançar o objetivo, mas o que favorece é demonstrar competência, acionar todos os seus saberes, ou seja, enfrentar as situações adversas da vida, os problemas inusitados que aparecem para alcançar a meta adversária. A meta estabelecida nesta pesquisa, estabelecida na formulação da pergunta para as alfabetizadoras, foi: o que é preciso saber para alfabetizar um jovem e/ou um adulto? O professor não é um burocrata, não exerce atividades burocráticas, para as quais necessitaria adquirir habilidades técnico-mecânicas. Segundo Pimenta (2005, p. 18), o professor é um criador. São saberes docentes os que são produzidos e divulgados pelas ciências da 95 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 educação, por outras ciências articuladas com a educação e pela experiência profissional dos docentes, constituindo discursos sobre objetos do ensinar, métodos para o ensinar, para o avaliar, para a pesquisa de sala de aula, para o planejamento escolar, para o aprender etc. São saberes que são atualizados, apropriados e construídos a partir das ciências que discutem educação e são utilizados para orientar o agir, justificar e avaliar práticas pedagógicas. Não se trata de técnicas a serem aplicadas no cotidiano de sala de aula, mas de competências que um professor tem de possuir para resolver situações e problemas inusitados da sala de aula. Qual seria então o papel do professor alfabetizador? Seria transmitir informações? Selecionar e organizar conteúdos para serem transpostos na sala de aula, de modo a converter o conhecimento científico em conhecimento curricular? O que pensam as alfabetizadoras do programa Brasil Alfabetizado que irão atuar nos bairros de Belém? Agrupam-se suas respostas em 9 saberes pedagógicos, que foram alocadas em um quadro para uma melhor visualização, com um detalhe: o número entre parênteses indica a seqüência codificada do questionário que foi entregue para a alfabetizadora. Do total de 165 formulários entregues no dia 5 de dezembro de 2005, foram devolvidos 102, os quais constituíram o corpus de análise. Quadro 1: Saberes pedagógicos das professoras 96 Saberes pedagógicos (o número entre parênteses indica o número do questionário respondido) 1) Conhecer a realidade social e Conhecer a realidade de cada aluno (101). educacional em que os alunos estão Ter relacionamento com a comunidade (124). inseridos. 2) Compreender o processo de Distinguir o modo com que cada aluno aprende, aprendizagem do aluno. respeitando o tempo que cada um leva para aprender (139). Procurar conhecer as principais dificuldades em sala de aula (97). 3) Planejar atividades para sala de Planejar, saber manusear as ferramentas aula. pedagógicas (94). Planejamento de atividades, criatividade para o imprevisto. Utilizar materiais didáticos, giz, quadro, livros (93). 4) Mobilizar conhecimentos das Conhecimentos em várias disciplinas e sempre teorias educacionais. pesquisar para os momentos necessários: sempre que o aluno perguntar, ter argumento, resposta (111). A concepção de uma pedagogia libertadora, que valorize os educandos em sua totalidade, suas vivências e prime pela auto-estima do mesmo, fazendo com que ele possa se sentir sujeito de sua história (48). 5) Avaliar situações Instituto de ensino e de Saber educar, avaliar e acima de tudo, compreender Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB aprendizagem.Faculdade de Ciências Gerenciais o aluno não só em seus -acertos, e Empreendedorismo FACIGEporém em seus erros (63). 6) Dominar e definir conteúdos a Trazer temas do cotidiano social para serem serem trabalhados. problematizados e trabalhados pedagogicamente (134). Trabalhar tema gerador com fala significativa do livros (93). das Conhecimentos em várias disciplinas e sempre pesquisar para os momentos necessários: sempre que o aluno perguntar, ter argumento, resposta (111). A concepção de uma pedagogia libertadora, que Revista Científicavalorize Educareos- V.1 n.3 - 2008 educandos em sua totalidade, suas vivências e prime pela auto-estima do mesmo, fazendo com que ele possa se sentir sujeito de sua história (48). 5) Avaliar situações de ensino e de Saber educar, avaliar e acima de tudo, compreender aprendizagem. o aluno não só em seus acertos, porém em seus erros (63). 6) Dominar e definir conteúdos a Trazer temas do cotidiano social para serem serem trabalhados. problematizados e trabalhados pedagogicamente (134). Trabalhar tema gerador com fala significativa do aluno, ampliar o conhecimento trazido pelo aluno (50). O professor tem que saber bem sobre o conteúdo que irá passar para os alunos (20). 7) Estabelecer metodologias a partir Desenvolver o trabalho usando métodos - fazer das necessidades e desafios. fazendo, dependendo de cada um (7). A didática adequada para cada aluno (129). Analisar várias maneiras de ensinar dependendo de cada um aluno (156). 8) Construir materiais didáticos e Criar materiais didáticos bem elaborados para aula, criar ambientes alfabetizadores. para dinâmica e outros trabalhos exercitados (115). Fundamentalmente, criar um ambiente alfabetizador que desperte manifestações de diferentes formas de linguagens e de manifestações culturais, tendo em vista a contextualização do mundo do educando (136). 9) Relacionar sentimentos, emoções Como se dar com cada pessoa. Realizar tarefas vontades, posturas e atitudes. com amor e desenvolver todo um trabalho com respeito (150). Paciência, generosidade e vontade de se doar superam qualquer outro conhecimento pedagógico (20). Tem que ser sincera, gostar do que faz, ser paciente e principalmente ter amor com os educadores (114). Um alfabetizador que ministra aulas a jovens e adultos deve acima de tudo não só ter conhecimentos, como também ter humildade e incentivar os alunos na aula (61). Postura, criatividade, interdisciplinaridade, dedicação (88). Experiência, prazer de ensinar, assim como paciência que é essencial de tudo (74). Paciência com o aluno - se ele não entendeu eu vou ensinar quantas vezes for preciso (4). Domínio, respeito e responsabilidade com a turma (28). 4) Mobilizar conhecimentos teorias educacionais. O que se pode inicialmente afirmar é que é necessária uma composição de saberes, para constituir o trabalho do professor em sala de aula. Não basta apenas, por exemplo, conhecer o conteúdo (saber seis), para ser um professor, é necessário compor com outros saberes: saber planejar, saber avaliar, conhecer o processo de aprendizagem dos alunos, estar atento para situações de alunos mais agitados, mais “lentos”, mais “avançados”, e refletir sobre tudo que acontece em sala de aula para constituir uma identidade pessoal de professor. 2.1. CONHECER A REALIDADE SOCIAL E EDUCACIONAL 97 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Trata-se do saber do professor em uma educação libertadora. Sem esse saber, provavelmente, tem-se um professor somente preocupado com o verbalismo, vazio de sentido, de vida, de realidade. Pois, como se sabe, com as contribuições de Paulo Freire (1983), é preciso superar a visão fragmentária de ensino que deposita conteúdos programáticos na cabeça dos alunos, por uma prática problematizadora, dialógica que parte da realidade imediata do aluno, dos seus conhecimentos prévios para alcançar os conhecimentos sistematizados. No entanto, não é suficiente conhecer a realidade, é necessário combinar essa realidade imediata com o objeto de ensino, os textos escritos. Essa combinação pode ser feita por meio de retextualizações de textos falados e de utilização de diversos gêneros textuais que circulam no local e nas casas dos alfabetizandos. O relacionamento com a comunidade circunvizinha ao espaço de sala de aula pode ser útil para que o ensino não seja apenas o de conhecer a realidade, o de discutir sobre a realidade, mas também o de transformá-la, por meio de intervenções, denúncias, divulgações e outros atos coletivos que podem efetivar um conhecimento aprendido no espaço de alfabetização. 2.2. A COMPREENSÃO DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DO ALUNO Neste segundo saber, o professor concebe o aluno não como uma folha em branco: o aluno sempre possui conhecimentos prévios e hipóteses para dar sentido aos fatos, às ocorrências da realidade que se apresentam para ele. Pode-se combinar essa tese com da Zona de Desenvolvimento Proximal, teoria de Vygotsky (1994, p.112) que a conceitua como a distância entre o nível de desenvolvimento real (ZDR), que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1994: p.112) A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) seria o que o aluno precisa aprender, 98 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 ou seja, o que ainda não sabe para chegar a uma Zona Desenvolvimento Potencial. Isso poderia estar representado na fala da alfabetizadora (97), quando afirma que é preciso “Procurar conhecer as principais dificuldades em sala de aula”. A ZDP pode ser um conceito poderoso para o professor trabalhar a partir das “dificuldades” a serem aprendidas, levando em consideração o que o aluno já sabe e pressupondo que deve existir interação com o professor ou entre alunos para que aconteça aprendizagem. 2.3. PLANEJAR ATIVIDADES PARA SALA DE AULA O terceiro saber pressupõe que o professor, a partir da identificação da ZDP, poderá planejar suas atividades de sala de aula. A ZDP é uma pesquisa a ser feita com alunos que identifica o que os alunos já sabem e o que precisam aprender. Vasconcelos (2000, p. 79) entende o planejar como “antecipar mentalmente uma ação (ou um conjunto de ações) a ser realizada e agir de acordo com o projeto”. Acrescentando que “é sempre uma aproximação, uma tentativa, uma hipótese, não pode se transformar em algo dogmático que mate, ao negar o movimento do Real” (VASCONCELOS, 2000, p. 64). É possível obter os termos, antecipar uma ação no exemplo da alfabetizadora (93): quando sugere o “Planejamento de atividades, criatividade para o imprevisto. Utilizar materiais didáticos, giz, quadro, livros”. Enfim, o professor deve com seu planejamento ter capacidade de identificar / formular problemas, a partir das ZDP, como um raio-x, para fazer com que seus alunos em sala de aula aprendam e utilizem esses conhecimentos para aprender sempre mais. 2.4. MOBILIZAR CONHECIMENTOS DAS TEORIAS EDUCACIONAIS O quarto saber pode ser expresso pela afirmação de que todo professor deve ser informado durante a sua formação a respeito, por exemplo, da carga horária, das classes sociais, dos estereótipos, da violência entre jovens, da diversidade cultural, etc. Em suma, o professor [deve] possui [r] um conjunto de saberes a respeito da escola que é desconhecido 99 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 pela maioria dos cidadãos comuns (GAUTHIER et. al. 1998, p. 31). Os saberes que constituem a formação do trabalhador docente, embora desconhecida por muitos, e conforme Gauthier et. al. (1998) envolve além dos saberes a respeito da escola, outras informações necessárias no trabalho com os objetos de ensino. Exige saberes a respeito dos próprios alunos, dos instrumentos didáticos e discursivos necessários à aprendizagem, além do contexto em que está inserido o seu aluno. Assim, passemos a relacionar que conhecimentos teóricos e práticos são necessários a profissão de professora alfabetizadora. A alfabetizadora (48), demonstrando ter conhecimentos sobre a teoria Freireana, cita uma concepção, a pedagogia libertadora, caracterizando-a como a que valoriza os educandos, trabalha com os conhecimentos como totalidades, a partir da vivência dos alunos, primando pela valorização de sua auto-estima, tornandose sujeito da história. Acontece que não basta ter conhecimentos libertadores e transformadores da sociedade, é preciso ter em mente isso e mais a necessidade de aquisição da tecnologia da escrita. Para isso é necessário ter conhecimentos de fonética, para compreender a natureza dos sons da fala e perceber a relação que se estabelece entre fonemas e grafemas. 2.5. AVALIAR SITUAÇÕES DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM A avaliação deve servir para formar o aluno não para excluí-lo do processo. Esse parece ser um princípio que as professoras têm mais dificuldade de implementar, pois, o que se observa é que o “erro” do aluno continua sendo um indicador de sua exclusão escolar. Nesta pesquisa, apenas uma alfabetizadora citou a avaliação como um saber necessário para a constituição da professora alfabetizadora. Sua fala “Saber educar, avaliar e acima de tudo, compreender o aluno não só em seus acertos, porém em seus erros” (63) chama a atenção aos erros que os alunos cometem e que não são compreendidos. É preciso conceber o erro em função do desenvolvimento do aluno, propiciador de uma intervenção do professor para 100 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 que o aluno aprenda. Essa intervenção deve ser verdadeiramente desafiadora, nunca coercitiva (Não é assim!) ou retificadora (dando a resposta certa), mas desenvolvendo suas hipóteses sobre a forma de perguntas ou realizando novas tarefas no sentido de confrontar o aluno com outras respostas, diferentes e contraditórias, para levá-lo a defender o seu ponto de vista ou refutá-lo (HOFFMANN, 2003, p.64) 2.6. DOMINAR E DEFINIR CONTEÚDOS A SEREM TRABALHADOS. Passa-se a enumerar as possíveis entradas de conteúdos a serem trabalhados na escola: a) entrada estruturalista. Essa primeira possibilidade de conteúdo a ser trabalhado nas turmas de alfabetização de jovens e adultos trabalha a partir de unidades mínimas, do tipo “fonemas”, “sílabas”, “letras” ou “palavras soltas”. Trata-se de uma entrada de informações em sala de aula, em que se elegem informações fragmentadas, pois a análise da realidade deve ser seccionada aos seus elementos isolados. b) entrada por complexos temáticos, ou seja, temas genéricos da realidade do tipo “ecologia”, “liberdade”, “água”, etc. c) entrada por temas geradores, ou seja, uma palavra ou fala significativa que seja limite de explicação de uma realidade injusta, do tipo “só quem pode bater no meu filho é a polícia” (originário da pesquisa realizada no bairro de Fátima, em Belém). O principal teórico desta estrada é considerado o maior educador brasileiro da atualidade, com inúmeros títulos internacionais. Trata-se do educador Paulo Freire, que defendeu que a escola não deve apenas transmitir conhecimentos, mas também se preocupar com a formação global dos alunos, numa visão em que o conhecer e o intervir no real se encontrem. Mas, para isso, é preciso saber trabalhar com as diferenças, isto é, é preciso reconhecê-las, não camuflá-las. Paulo Freire inaugura esse tema em Pedagogia do Oprimido ([1970]1983) e o retoma, tanto em sua Pedagogia da esperança (1992) quanto 101 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 em Cartas à Cristina (2003). As conseqüências desse enfoque para o ensino são profundas. Trata-se de estabelecer metodologias que permitam converter as contribuições étnico-culturais em conteúdos educativos, portanto, fazer parte da proposta educativa global de cada escola. É esse tipo de entrada que é citada pelas alfabetizadoras na pesquisa: “Trabalhar tema gerador com fala significativa do aluno, ampliar o conhecimento trazido pelo aluno” (50). d) entrada a partir de textos Entende-se por texto qualquer produto atual ou potencial da atividade de falar, de escrever e de significar eventos e imagens do mundo, incluindo nessa noção inúmeros gêneros textuais como o telefonema, a conversação, as entrevistas, as novelas, na modalidade oral; as cartas, os e-mails, os artigos científicos, as publicidades, as reportagens de jornal, na modalidade escrita, e, os desenhos, as gravuras e as fotos, na modalidade visuo-espacial. A entrada por gêneros discursivos pressupõe a eleição de um texto que circula em contextos sociais e trabalhá-lo nos mais variados aspectos (domínio e suportes em que circulam, a finalidade do texto, os interlocutores, a situação em que é produzida, a organização textual, etc.). Pode-se eleger, por exemplo, uma conta de luz e trabalhar esses componentes. Essa perspectiva de entrada está muito forte em nosso país, particularmente depois da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (cf. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental, 1997). e) entrada por projetos de ensino-aprendizagem. A entrada por projetos de ensino-aprendizagem pretende partir de situações reais e contextualizadas que interessem aos alunos, para que o conteúdo tenha sentido. Pode-se, por exemplo, pesquisar brincadeiras de roda existente na comunidade e a partir delas trabalhar conteúdos de alfabetização. Com a pedagogia de projetos pretende-se, segundo Almeida & Fonseca Jr. (2000), colocar o aluno como co-autor que constrói seu conhecimento a partir de uma problemática levantada. Os passos para a elaboração de um projeto, segundo esses autores, seriam 1) identificação de um problema; 2) levantamento de hipóteses e soluções; 3) mapeamento do aporte científico (busca e seleção de informações fora da sala de aula); 4) seleção de parceiros de outras áreas de abrangência do projeto; 5) definição de um produto para ser tocado, transportado, guardado, divulgado 102 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 além da sala de aula; 6) divulgação e registro dos fatos vividos; 7) método de acompanhamento e avaliação das ações realizadas; e 7) publicação e divulgação. Essa rápida enumeração de possíveis entradas sobre “o que ensinar” demonstra como se estabelece o entremeio teoria e prática de ensino no tocante à produção de textos na perspectiva de alfabetização. Outro ponto a ser abordado é a relação entre esse “o que ensinar” com as concepções de “pra que ensinar”, “como aprendem”, “onde e quando ensinar” e outras mais concepções subjacentes referentes aos discursos que norteiam os currículos escolares e os seus conteúdos mínimos, na área de linguagem, refletindo a função do/a professor/a no exercício pedagógico. 2.7. ESTABELECER METODOLOGIAS A PARTIR DAS NECESSIDADES E DESAFIOS. A metodologia seria o saber-fazer docente em sala de aula. Podem-se distinguir duas orientações metodológicas para a alfabetização: uma que se desenvolve de estruturas menores para alcançar as maiores, em que passa-se pouco a pouco do simples (letras e sílabas) ao complexo (palavras e textos); e, outras metodologias que se apóiam na reflexão sobre as características da escrita a partir de textos reais, partindo da totalidade do texto para chegar até as palavras, sendo que a aquisição da “estrutura” vocabular é necessária para se dominar a escrita. A alfabetizadora cita, respondendo ao questionário de pesquisa, que é preciso “Analisar várias maneiras de ensinar dependendo de cada um aluno (156)”. E de fato, é o professor que constrói o seu saber-fazer, a partir das necessidades e problemas identificados na turma de alunos com que trabalha. Esta poderia ser a idéia central sobre o como fazer em sala de aula. 2.8. CONSTRUIR MATERIAIS DIDÁTICOS E CRIAR AMBIENTES ALFABETIZADORES. É em um ambiente alfabetizador que o aluno poderá conhecer, viver novas experiências, expressar seus pensamentos, sentimentos e emoções livremente. Para isso o ambiente educativo deve ser democrático e igualitário. É neste sentido que a alfabetizadora coloca é preciso “Fundamentalmente, criar 103 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 um ambiente alfabetizador que desperte manifestações de diferentes formas de linguagens e de manifestações culturais, tendo em vista a contextualização do mundo do educando” (alfabetizadora 136). 2.9. RELACIONAR SENTIMENTOS, POSTURAS E ATITUDES. EMOÇÕES, VONTADES, O fazer com amor, com paciência e com respeito pelo outro são, de certa forma, pressupostos de qualquer agir, em uma interação social. A linguagem também se constitui de uma manifestação de sentimentos e emoções. Isso tudo já está plasmado, seja na forma de como se diz algo, seja no ato de dizer. Os posicionamentos das entrevistadas se diversificam a partir da pergunta “o que o professor precisa saber para trabalhar com jovens e adultos?” São diferentes formas de agir, que como já foi mencionado, estão intrínsecas no ato e na linguagem humana. A maior recorrência foi: fazer com amor, generosidade, vontade própria, carinho, atenção, paciência, humildade, dedicação, criatividade, prazer, responsabilidade, coerência, alegria, espontaneidade, segurança, confiança. Algumas falas significativas: Como se dar com cada pessoa. Realizar tarefas com amor e desenvolver todo um trabalho com respeito (150). Um alfabetizador que ministra aulas a jovens e adultos deve acima de tudo não só ter conhecimentos, como também ter humildade e incentivar os alunos na aula (61). Paciência com o aluno - se ele não entendeu eu vou ensinar quantas vezes for preciso (4). Domínio, respeito e responsabilidade com a turma (28). Em todo caso, mesmo não referenciando saberes produzidos pelas ciências da educação sobre discursos a serem mobilizados sobre objetos, metodologias, avaliações do ensinar e do aprender, a discussão de posturas e atitudes reflexivas das professoras, elas sabem o que não podem fazer; creditam posicionamentos éticos, como o da responsabilidade (alfabetizadora 28) e percepção das conseqüências de uma ação intolerável; indicam o que é uma professora paciente (4); defesa da 104 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 humildade (61) e o amor e respeito pelo aluno (150). CONCLUSÃO Ao professor cabe o papel pré-determinado de ensinar e/ou trocar saberes em sala de aula com os seus alunos, seguindo orientações dos órgãos superiores de educação. Essas orientações podem estar relacionadas a conteúdos de ensino (o que ensinar?), as formas de avaliação, a horários e locais de trabalho, sendo que o professor pode estar ‘direcionado’ por um livro didático, que ao seguir, sem um olhar crítico e criativo, pode estar servindo de mero veículo de transmissão, depositando informações e cobrando-as nas provas, pedagogia que pode se identificar como tradicional-conservadora, já que mera repassadora de informações. A pesquisa realizada com alfabetizadoras no processo de formação demonstrou que elas sabem, têm um referencial sobre, o que vão fazer em sala de aula da EJA e estão seguras de suas identidades, no entanto essas informações ainda são esparsas e centradas em argumentos sentimentais ou de constituição de posturas do professor em sala de aula. Cabe ao professor tomar decisões sobre o que ensinar, que metodologia utilizar, planejar, avaliar, todos esses saberes docentes sobre o ensino devem ser pautados na reflexão de suas ações. Sendo assim, a professora-alfabetizadora é responsável por empregar eticamente os melhores meios para que os/as alunos/as aprendam. O planejar pode estar orientado pelo conhecer a Zona de Desenvolvimento Proximal do aluno, como prevê a teoria Vygokstiana, constituindo o Professor pesquisador para construir uma teoria do seu fazer profissional. Completam-se essas afirmações, acrescentando que o fundamento de uma boa aula é o trabalhar consciente. Defende-se que o objeto de ensino do professor devem ser os textos, pois, são esses que fazem parte e constituem o ser humano em sua identidade de humano; e que a razão de ser do professor, assim como de qualquer relação humana é a interação: é pela interação texto-sujeitos que se constroem sentidos. Como afirmou Bakhtin: a verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação (BAKHTIN, 2004, p. 123). É o fenômeno social da interação que deve emergir na sala de aula de alfabetização de jovens e adultos, que deve ocorrer por meio dos gêneros textuais, que são 105 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 organizadores das interações, e, por conseguinte, estão relacionados ao poder e à ideologia. Ao educador crítico cabe a tarefa de estimular a visão crítica dos alunos, de implantar uma postura crítica, de constante questionamento das certezas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA Fernando J. & FONSECA-JUNIOR Fernando Moraes. Projetos e ambiente inovadores. Secretaria de Educação a Distância. Brasília: MEC, SEED, 2000. BAKHTIN Mikhail. Hacia una filosofia del acto ético, Anthoropos, San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997. BAKHTIN, M./VOLOCHINOV, V. N. (1929) Marxismo e filosofia da linguagem. SP: Hucitec, 2004. BRASIL. LEI Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 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Cantigas de Roda. Acalantos. Educadores e Folcloristas. (...) Haverá, obstinadamente, em qualquer agrupamento humano sob a mais rudimentar organização, a memória coletiva de duas ordens de conhecimentos: o oficial, regular, ensinado pelo colégio dos sacerdotes ou direção do rei, e o não-oficial, tradicional, oral, anônimo, independendo de ensino sistemático porque é trazido nas vozes das mães, nos contos de caça e pesca, na fabricação de pequeninas armas, brinquedos, assombros. (Cascudo, 1978, p.30). A literatura folclorística também conhecida como literatura oral, é uma cultura viva e dinâmica que “transmitida de geração a geração, representa a memória fecunda das sociedades humanas” (Weitzel, 1995, p.17). Segundo Cascudo (1978), toda manifestação folclorística é popular, mas a recíproca não é verdadeira, uma vez que a cultura popular é bastante vasta e apenas uma parte é Folclore. Sobre tal assunto, Cascudo (1978, p.28) afirma que: A literatura oral brasileira se comporá dos elementos 20 Especializanda em Educação a Distâcia - Universidade de Brasília / UnB Graduada em Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros 108 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 trazidos pelas três raças para a memória e uso do povo atual. Indígenas portugueses e africanos possuíam cantos, danças, estórias (...), cantigas de embalar (...). Todas essas influências, pesquisadas, somem-se num escurão de séculos, através de povos e civilizações, num enovelado alucinante de convergências, coincidências, presenças, influências, persistências folclóricas. (Cascudo, 1978, p.28) Os literários muitas vezes tratam os estudos folclorísticos como parte dos estudos da literatura, estreitando as semelhanças, chegando a estabelecer uma igualdade entre esses. Mas para Maria Generosa Souto (1999) a análise literária apenas estabelece o fenômeno popular, mas não é capaz de explicá-los. Deve-se, então, fixar um limite para essas afinidades entre a literatura e o folclore, ressaltando os aspectos particulares de cada um. Propp (sd, p.186) salienta que “uma das diferenças principais consiste no fato de que as obras literárias têm sempre e infalivelmente um autor. As obras folclóricas, pelo contrário, podem não ter autor, e nisto está uma particularidade específica do folclore”. Com efeito, para uma produção ser considerada folclorística é necessário e imprescindível que essa se torne anônima; antiga e com certa imprecisão cronológica; persista no tempo e seja sempre citada de forma oral, ressalta Cascudo (1978). A corrente exclusivamente oral resume-se na estória, no canto popular e tradicional, nas danças de roda, danças cantadas, danças de divertimento coletivo, ronda e jogos infantis, cantigas de embalar (acalantos), nas músicas anônimas e outros. Essa literatura folclorística provém do povo e por ele é conservada, sofrendo alterações de tempo e lugar, e enriquecendo-se para, por sua vez ser transmitido à próxima geração, ligando assim o passado ao presente. Conforme Weitzel (1995) o folclore literário se divide em duas correntes. O folclore narrativo abrange as narrativas populares, que compreendem as lendas, mitos, contos, fábulas, casos e anedotário popular. Já o folclore poético reúne acalantos, cantigas de roda, brincadeiras cantadas, romances, quadras, desafios e literatura de cordel. É justamente esse último, com ênfase nas cantigas de embalar e de roda, que será objeto discursivo deste artigo. Weitzel (1995) ressalta, ainda, que a poesia tradicional ou folclorística é instrumento de expressão de sentimentos, pensamentos e da memória coletiva que 109 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 se traduz em uma linguagem própria, minuciosamente elaborada para que persista ao longo do tempo e seja mantida pela tradição. Acalantos ou cantigas de ninar são canções tradicionais feitas para embalar a criança na hora de dormir. “Caracterizam-se por uma letra ingênua sobre uma melodia curta e de linha melódica muito simples, que se repete monotonamente, até que a criança adormeça” (WEITZEL, 1995, p.72). Os dorme-nenês brasileiros são heranças dos colonizadores portugueses e da cultura francesa que, ao contato com a cultura aqui vigente, sofreram alterações e adaptações de elementos africanos e indígenas. Weitzel (1995) afirma que essa influência teve como resultado a modificação das letras das cantigas, com a incorporação de entidades fantásticas e bichos que criam pavor, afastando os acalantos do objetivo primeiro, que é a demonstração de carinho, amor e ternura por parte de quem as canta. Em oposição a esse ponto de vista, Fernandes (1979) citado por Weitzel concluiu através de estudos que crianças, antes das reações de medo produzido pelos temas das cantigas, apresentam pavor de escuro e da solidão. Essas cantigas, de cunho mavioso, constituem o primeiro contato da criança com o universo folclorístico dos adultos, transmitindo uma sensação de conforto, segurança e proteção para o pequeno ser. São vistas como o mais belo e delicado patrimônio da literatura oral que persiste através dos tempos e transpõem os limites geográficos. O cancioneiro infantil, afirma Weitzel (1995), tem um incomensurável acervo, podendo ser de origem portuguesa, francesa, espanhola e até mesmo com melodias em língua indígena e africana. Fazem parte desse riquíssimo cancioneiro as cantigas de escolha, as toadas de ensino, brincadeiras cantadas e cantigas de roda. Essas últimas em maior quantidade fazem parte da tradição de várias gerações e, “embora tenha sofrido no fluir do tempo, influências tão diferentes, conseguiu através de variações, deformações e transformações, apresentar um cunho inegavelmente nacional” (WEITZEL,1995, p.75). De acordo com Martins (1991), todo conhecimento que se adquire informalmente por via oral, através do convívio com outras pessoas, é chamado de “saber folclórico”, que é universal. “Embora aconteçam adaptações locais ou regionais, como conseqüência dos acréscimos da elaboração coletiva” ,o folclore une o povo, que independente do espaço, tempo e cultura, agem e pensam de modo semelhante. Quando o educando vai à escola, leva consigo o saber tradicional que 110 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 adquiriu com sua vivência e seus antepassados, e esse deve ser aproveitado da melhor maneira pelos docentes, pois na ótica de Martins (1991), o folclore tem uma indiscutível importância pedagógica, sendo ele o “carro-chefe” dos outros estratos culturais. “O mundo do folclore é atraente, rico e variado, por isso constitui uma fonte inesgotável de motivação didática” (MARTINS, 1991, p.19). Segundo Carvalho Neto (1981), o folclore serve à educação como forma de “informar” ou “formar” o indivíduo. Este tem por objetivo alcançar um fim ético, moral, que contribua de alguma forma na formação da personalidade e caráter das pessoas. Aquele é tido apenas como fonte de dados incorporados ao acervo de conhecimentos do sujeito. “Como informação o folclore é um fim; como formação, é um meio” (Carvalho Neto, 1981, p.7). Weitzel (1995) salienta que, como formação, o folclore pode ser considerado aproveitável; útil; aquele que produz lições de sabedoria; dotado de fatos éticos, imaginativos, mnemônicos, motivadores e conservadores; o qual tem utilidade educativa. Ou não-aproveitável; de natureza negativa; que deve ser corrigido, substituído e até mesmo aniquilado do meio social. O segundo é caracterizado por pelo autor como “um amontoado de erros, crendices e superstições grosseiras, imoralidades e agressividades (...)” . Mediante tal situação, caberia então ao educador saber distinguir essas duas vertentes. Além do autor acima citado, essa corresponde à visão de outros autores, como Carvalho Neto e Renato Almeida: No debate sobre Folclore e Educação vem sempre à baila um tema — há um Folclore útil e aproveitável e outro inútil, prejudicial e condenável. O fato é óbvio, apenas não é privativo do Folclore, acontece com quase todos os aspectos da vida, por isto mesmo a função seletiva é fundamental à inteligência. (Renato Almeida apud WEITZEL, 1995, p.272) (...) Não obstante — coisa curiosa! — há uma grande quantidade de folcloristas que apesar de não desconhecerem este princípio elementar, o (Folclore Não-Aproveitável) evitam, dando preferência aí ao estudo do Folclore Aproveitável. E esta preferência tão partidária às vezes é contraproducente, pois deixa no leitor, ou no público, a impressão de que todo 111 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Folclore por definição é uma matéria que trata de coisas lindas e boazinhas, inocentes: por exemplo, os anjinhos, o natal, os presépios, os cânticos doces, as dancinhas de lenço... Como se não houvesse outro Folclore, espantosamente real, diário, delinqüente, precisando ser registrado, estudado, interpretado, porque ele também forma parte das nossas vidas e sem ele é impossível conhecer o ser humano. (Carvalho Neto apud idem.). Seria esse o motivo que levou os educadores, juntamente com músicos e compositores a repensarem e até mesmo refazerem as cantigas de roda e acalantos de maneira — denominada por eles — “politicamente correta?” Esse cancioneiro infantil faria então parte do Folclore que a Educação não recomenda? A modalidade literária chamada de literatura infantil tem recebido uma atenção particular no meio intelectual. O que vem sendo discutido é o grande embate entre pedagogos, que defendem as alterações nas composições folclóricas, e os folcloristas, conservadores que querem resguardar a tradição. Os questionamentos são muitos: qual a validade da fantasia? Que efeitos podem produzir as cantigas sobre os pequenos ouvintes? Consoante Paiva (1998), as cirandas, além do valor folclórico, têm grande importância educativa, remetendo a uma infância saudável em que a criança se desenvolve ao ritmo de danças inofensivas, já que é através do canto e da música que se manifesta, de forma mais significativa, a alma infantil. “Hoje o jogo é uma poderosa e salutar arma educativa, uma das mais completas formas de preparação à vida real. Brincando, forma-se o caráter integral da criança e do adolescente”, afirma Colares (1999, p.77). Sob a ótica dos educadores, a literatura oral infantil é, sobretudo, um problema pedagógico e não literário; uma vez que a verdadeira função das cantigas infantis é a diversão educativa. Elas atuam diretamente na formação do indivíduo, exercem fascinação nas crianças, pois essas, por sua vez, se expressam através do ritmo, extravasam seus sentimentos e desenvolvem suas habilidades de criação e comunicativas, como salienta Paiva (1998, p.17): (...) Brinquedos cantados visam estimular o aparelho motor 112 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 da criança em sua necessidade de movimento através de movimentos da cabeça, braços, mãos, batidas de mãos e pés e passos de dança, educando o senso de ritmo, desenvolvendo a acuidade auditiva, ativando o sistema neuromuscular, solicitando movimentos respiratórios mais amplos. Oportunizam a conscientização da orientação no espaço, bem como a estruturação da noção temporal. Preparam a criança para a execução de danças, dando-lhes a oportunidade de exibir sua motricidade espontânea. (PAIVA,1998: p.17): O grande problema é que essas cantigas envoltas no pragmatismo pedagógico perdem as suas raízes históricas. Segundo o depoimento da musicoterapeuta Virgínia Adams (ver anexo), em reportagem concedida ao Programa “Fantástico” — veiculado pela Rede Globo de Televisão — acerca desse questionamento, ela assume fazer ou mesmo refazer as letras das cantigas de forma que passem a ser politicamente corretas. “O Folclore está aí há muitos anos e a cultura está viva. Então, eu resolvi adaptar algumas músicas do folclore para passar conceitos para as crianças”, diz Virgínia Adams. Retomando a concepção de Cascudo (1978), infere-se que após passar pelo processo de restauração, as cantigas deixarão de fazer parte do patrimônio folclórico, uma vez que passarão a ter um autor definido, poderão ser situados cronologicamente e, além disso, “afasta-se do folclore a contemporaneidade” (CASCUDO, 1978, p.23). Zilberman (1984) afirma que a literatura folclorística infantil possui um tipo de público que tem o imaginário diferente do mundo adulto. As crianças não questionam circunstâncias sociais, nem problemas no universo literário que lhes é apresentado. Elas se interessam apenas pela melodia e no que a brincadeira pode lhes oferecer. Os educadores conferem às cantigas um valor deturpado, fazendo surgir o confronto entre a criança e a realidade adulta. Acerca da relação entre a criança e as cantigas, Paiva (1998) diz que: A roda é como a família: é o princípio do grupo, dá a sensação de pertencer a ele. Por isso a criança demonstra tanta satisfação estando de mãos dadas com as outras, de participar dos mesmos cantos porque sente pertencer à roda. É a primeira 113 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 forma de equilíbrio social. (Paiva, 1998, p.109) Mesmo ressaltando toda essa visão pueril e reconhecendo a “inocência” do mundo imaginário da criança, educadores e especialistas tentam convencer que cantigas que expressam situações de “violência” ou com personagens que produzam “medo” são nocivas, ou seja, resultam em prejuízos na formação dos pequeninos. Mas de acordo com o psicanalista Carlos Doin (ver anexo), que foi entrevistado pelo “Fantástico”, “aquilo que se fala, aquilo que tem nome, aquilo com que se brinca já perde muito do mistério, do horror emocional. O que é horrível para o ser humano, e em especial para a criança que está se formando, é sentir medo sozinho. Não saber o nome do medo. Então, você precisa botar o nome do medo. É o boi, mas você está com a mãe, com a babá, com a avó...” afirma o profissional. “As crianças brincam com os elementos da língua pelo simples prazer da auto-expressão e da habilidade, e fazem isso com mais facilidade do que um adulto, a menos que esse seja um poeta” (Cazden apud MAGALHÃES, 1984, p.25). As crianças não são atentas ao significado das figuras simbólicas, o que existe é a autonomia do som em detrimento à conotação das palavras. A prevalência da sonoridade transcende a significação, e isso pode ser identificado nas letras das cantigas e outros jogos, comuns no meio infantil, cujo ludismo é evidente: “eu sou pobre, pobre, pobre, de marré, marré, marré...”; “aranha, tatanha, aranha, tatanha. Tatu é que arranha a tua casinha...”. A mensagem verbal não é relevante, pois o que importa é o arranjo lúdico dos sons. A brincadeira envolve a criança numa diversão segura e saudável, pois, como enfatiza Zilberman (1984): essas composições apresentam as mesmas características de paralelismo sonoro que Jakobson identificou como sendo próprio da função poética da linguagem: a mensagem verbal centra-se em si própria num arranjo lúdico de sons. Por isso, a criança já traz, para a escola uma experiência lingüística que em sua funcionalidade é poética. (Zilberman, 1984, p.29) A criança explora os sentimentos e emoções através do jogo, assim como explora o mundo exterior através de percepções. Logo, as situações do mundo real nem sempre oportunizam tais explorações e o exame das reações, da mesma forma 114 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 que a fantasia, em uma situação lúdica. À medida que a criança vai se tornando marcada pela ideologia vigente, recebida através da escola e da família ocorre uma alteração no papel da fantasia no mundo infantil. A escola desempenha essa alteração, mas poderia perfeitamente, continuar incentivando as crianças a não abandonarem completamente o mundo fantasioso, já que as crianças de hoje apresentam-se a cada dia mais precoces. Percebe-se a necessidade de a escola e os educadores explorarem o conhecimento prévio das crianças, ativando-o através dessas mesmas construções orais: cantigas, músicas, histórias faladas. Enfim, desenvolver atividades para que se fixe o valor folclórico de uma forma abrangente e incentivadora da construção da criança. A tradição pedagógica consagra a educação como meio de perpetuação da vida social. O papel da educação é, portanto, garantir a permanência da organização social, validar suas instituições, costumes e crenças através da transmissão de valores da geração adulta para a infantil. Dessa forma, prevê-se uma comunicação inequívoca dos valores. As cantigas de roda fizeram parte da infância de muitas gerações e nunca prejudicaram ou influenciaram ninguém, ao contrário de outras músicas que não preservam a puerilidade. Se essas cantigas levassem uma criança a maltratar os animais, depois da “Atirei o pau no gato” ter feito parte do imaginário de tantas pessoas, não haveria, atualmente, um só gato para “contar história”. Portanto, é não se deve pensar que músicas com letras consideradas violentas ou esdrúxulas possam influenciar a criança a fazer o mal ou crescer amedrontado e se formar um adulto traumatizado. A didática que orienta a alteração das cantigas não leva em conta a sensibilidade poética, contribuindo para a não preservação da tradição folclorística. As cantigas possuem raízes históricas e pertencem à memória coletiva, caíram no gosto popular a já se tornaram patrimônio cultural de todas as pessoas. Além de tradição, essas brincadeiras são agentes humanizadores. ANEXO Transcrição da reportagem exibida no fantástico no dia 12 de outubro de 2003 Não atirei o pau no gato totô... 12/10/2003 115 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Não atirei o pau no gato, totô... Volta tudo! Bernardo Nana, Carla, Aninha e outras crianças esqueceram a letra “desta” música? Todas as crianças sabem a letra antiga, sim. Afinal, cantigas de rodas fazem parte da cultura do Brasil. De acordo com os historiadores, foram trazidas há séculos pelos portugueses. “Ela veio na colonização toda. Veio desenvolvendo, ela veio misturada com negro, com índio. E aí a gente ficou este povo musical e geramos esta maravilha que é este legado que é a cantiga folclórica brasileira,” conta a compositora infantil Bia Bedran. Fui no tororó...Beber água não achei... “As cantigas de roda são muito importantes para nossa sociedade porque elas são um lugar de conforto. Por quê? Porque os pais ouviram quando eram pequenos e fez bem a eles. Então, eles vão querer reproduzir para os seus filhos, porque aquilo eles têm a garantia de que é bom e aquilo vai ajudar”, diz o músico Paulo Tatit. Boi,boi, boi do Piauí... Boi do Piai? Onde foi parear o boi da cara preta que pega o menino que tem medo de careta? Fantástico – alguém aqui tem medo de boi? Crianças – não. Fantástico – por que? Crianças – porque nós somos grandinhos. Mas será que cantar que a cuca vem pegar prejudica o sono dos nossos anjinhos? “Aquilo que se fala, aquilo que tem nome, aquilo com que se brinca já perde muito do mistério, do horror emocional. O que é horrível para o ser humano, e em especial para criança que está se formando, é sentir medo sozinho. Não saber o nome do medo...Então, você precisa botar o nome do medo. É o boi, mas você está com a mãe, com a babá, com a avó...”, afirma o psicanalista Carlos Doin. “Esse mundo agressivo, que nós vivemos, é preciso que a gente neutralize esta agressividade com coisas positivas, com atitudes solidárias, com carinho, com atitudes de afetividade”, acredita a educadora Glorinha Vasconcelos. 116 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 “Eu acho uma boa idéia. Eu já trabalhei em creche e a gente já ensaiava esta versão porque a gente ensinava as crianças a não maltratarem os animais”, conta a doméstica Antônia Abreu. “O que não se pode esperar é que as tendências agressivas sejam estirpadas porque fazem parte da vida e de certa maneira são necessárias e normais”, lembra o psicanalista Carlos Doin. Virgínia é musicoterapeuta e assume que faz as letras politicamente corretas. “O folclore está aí há muitos anos e a cultura está viva. Então, eu resolvi adaptar algumas músicas do folclore para passar conceitos para as crianças”, diz Virgínia Adams. O cravo brigou com a rosa, a rosa deu um remédio e ele foi abraçar... Fantástico – vocês acham essa música triste? Crianças – eu acho essa música legal Fantástico – por que ela é triste? Crianças – porque tem aquela parte de roubar o coração... “Quando você pensa em Brasil, os educadores têm um papel fundamental na educação e em formar um cidadão brasileiro”, acredita Paulo Tatit. Fantástico – quem aqui já acertou um apedar no gato? Crianças – ninguém porque isto é feio. Fantástico – porque é feio, Fernando? Fernando – porque machuca os animais. “Eu acho que se tem música dentro de casa, tem adulto perto de criança... Isto que eu acho que é a grande diferença”, diz a compositora Sandra Peres. “Porque atirar o pau no gato? Eu sou partidária que não se atire o pau no gato”, afirma a educadora Glorinha Vasconcelos. “Isso é uma coisa que já está na boca das crianças nas creches. Eu acho que já pegou”, pensa Virgínia Adams. “Se essa música influenciasse a criança, acho que não teria sobrado gato para miar 117 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 a história”, brinca Paulo Tatit. (Disponível em <http://www.globo.com/fantastico>) TRANSFORMAÇÃO DAS CANTIGAS DE RODA: TRADIÇÃO E MÍDIA ATIREI O PAU NO GATO ORIGINAL Atirei o pau no gato-tô, Mas o gato-tô não morreu-reu-reu. Dona Chica-cá admirou-se-se Do berro, do berro que o gato deu: M I A U!! POLITICAMENTE CORRETA Não atirei o pau no gato Porque isso não se faz O gatinho é nosso amigo Não devemos maltratar os animais J A M A I S!! O CRAVO E ROSA ORIGINAL O cravo brigou com a rosa Debaixo de uma sacada O cravo saiu ferido e a rosa despedaçada O cravo ficou doente e a rosa foi visitar O cravo teve um desmaio E a rosa pôs-se a chorar POLITICAMENTE CORRETA O cravo brigou com a rosa Debaixo de uma sacada O cravo saiu ferido e a rosa despedaçada. 118 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 O cravo ficou doente e a rosa foi visitar O cravo teve um desmaio e a rosa pôs-se a chorar. A rosa deu um remédio E o cravo logo sarou O cravo foi levantando A rosa o abraçou. BOI DA CARA PRETA ORIGINAL Boi, boi,boi,boi da cara preta, Pega essa criança que tem medo de careta... POLITICAMENTE CORRETA Boi, boi,boi, boi do Piauí, Pega essa criança que não gosta de dormir... (Disponível em <http://www.globo.com/fantastico>) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO NETO, Paulo de. Folclore e educação. Rio de Janeiro: Forense, 1981. CASCUDO, Luis da Câmara. Que é literatura oral? In: Literatura Oral no Brasil. 2ª e.d. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. COLARES, Zezé; SILVEIRA, Yvonne. Folclore para Crianças. Montes Claros: Unimontes,1999. MARTINS, Saul. Folclore em Minas Gerais. 2ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 1991. PAIVA, Ione Maria R. de. Brinquedos Cantados. Rio de Janeiro: Sprint, 1998. PROPP, Vladimir. Édipo à luz do Folclore. Trad. Antônio da Silva Lopes. s.n.t. ROSSATO, José Carlos. Nosso folclore. São Paulo: Soma, 1987. SOUTO, Maria Generosa Ferreira. A Questão Folclorística à Luz da Escola. Montes Claros: Giordani,1999. WEITZEL, Antônio Henrique. Folclore Literário e Lingüístico. 2ªed. Juiz de Fora: Edufjf, 1995. 119 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Ligia Cademartori. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. 2ªed. São Paulo: Ática, 1984. Disponível em < http://www.globo.com/fantastico > Acesso em 25/12/2003 às 20h42 120 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE ESGOTO: DISCUSSÃO DAS FORMAS ALTERNATIVAS DE REUSO DO EFLUENTE E APROVEITAMENTO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS Renata Cardoso Silva* Juvenil Dias Pereira* Mônica Durães Braga** Resumo: O tratamento de esgotos permite remover as impurezas físicas, químicas e biológicas, principalmente os organismos patogênicos do efluente contaminado, seja ele doméstico ou industrial. Neste processo, diversos resíduos são gerados e as características do produto final nem sempre atende aos critérios exigidos para lançamento em corpos receptores. A prática de reuso planejado de águas residuárias vem sendo apontado como uma das soluções para este problema. Quanto aos resíduos sólidos, diversas são as formas alternativas já estudadas, como a produção de cerâmica e adubação. Tais alternativas são de suma importância para a proteção dos recursos hídricos. Palavras chave: Efluente. Reuso. ETE. Resíduos Sólidos. Recursos Hídricos. 1. INTRODUÇÃO A poluição de águas é, em boa parte, resultado da maneira como a sociedade está organizada para produzir e desfrutar de sua riqueza, progresso e bem-estar. Ainda, resultado da pobreza e da ausência de consciência ambiental e ações individuais atuantes neste sentido. Existem inúmeros motivos pelos quais podemos pensar em proteger os recursos hídricos, não apenas como cumprimento às leis, mas em respeito aos nossos recursos. Neste sentido, além da preservação das suas fontes, os mananciais, é de * Graduandas em Ciências Biológicas do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB. ** Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Montes Claros; Mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Viçosa (Linha de pesquisa: Epidemiologia e Controle de Qualidade de Produtos de Origem Animal - pesquisa em Recursos Hídricos); Professora no curso de Ciências Biológicas do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB. 121 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 fundamental importância o tratamento dos esgotos produzidos. O objetivo do tratamento de esgoto é remover as impurezas físicas, químicas e biológicas, principalmente os organismos patogênicos. Podemos refletir que o futuro bem próximo depende da manutenção e preservação da qualidade da água, e ainda formas que repõem ao ambiente as quantidades que temos tirado dele. O esgoto sanitário é formado pela reunião de despejos de diversas origens provindos de efluentes das residências, restaurantes, bares, hotéis, hospitais e etc, e ainda, é composto por esgotos industriais que apresentam uma grande variação de componentes químicos. As principais características físicas que representam o estado físico em que se encontram águas residuárias são: coloração, turbidez, odor, matéria sólida e temperatura. (JORDÃO; PESSÔA, 1995). A disposição adequada dos esgotos é essencial para a proteção da saúde pública. Infecções podem ser transmitidas de uma pessoa doente para a sadia por diferentes caminhos, envolvendo os excretos humanos. Os esgotos, ou excretas, podem contaminar a água, o alimento, os utensílios domésticos, as mãos, o solo ou ser transportados por moscas e baratas provocando nova infecção além de propiciar o aparecimento de epidemias. As epidemias são algumas das várias doenças que podem ser transmitidas pela disposição inadequada dos esgotos, que podem ser prevenidas através da correta disposição dos mesmos, (FEACHEM et al, (1983); SHUVAL et al, (1986); STRAUSS; BLUMENTHAL (1989); BASTOS et al (2003)). Outra importante razão para tratar os esgotos é a preservação do meio ambiente. As substâncias presentes nos esgotos exercem ação deletéria nos corpos de água: a matéria orgânica pode ocasionar a exaustão do oxigênio dissolvido com morte de peixes e outros organismos aquáticos, escurecimento da água e aparecimento de odores; defensivos agrícolas determinam à morte de peixes e outros animais. Os nutrientes exercem uma forte “adubação” da água, provocando o crescimento acelerado de algas e outros organismos que conferem odor e gosto desagradáveis (HECKRATH et al., 1995). 2. ETAPAS DE TRATAMENTO DE ESGOTO 2.1. TRATAMENTO PRELIMINAR 122 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Remove o material mais grosseiro como os sólidos suspensos: trapos, escovas de dente, tocos de cigarro, e os sólidos como areia e outros. (JORDÃO; PESSOA, 1995). 2.2. TRATAMENTO PRIMÁRIO Tem como objetivo remover material em suspensão, não grosseiro, que flutue ou decante, mas que requer o emprego de equipamentos com tempo de retenção maior que no tratamento preliminar: decantadores e flotadores. Nesta fase, ocore produção do lodo primário ou cru que precisa ser tratado antes de sua disposição final. (JORDÃO; PESSOA, 1995). 2.3. TRATAMENTO SECUNDÁRIO O esgoto também contém sólidos dissolvidos e finos sólidos suspensos que não decantam. Estes não são removíveis apenas com a ação da força de gravidade; pode-se utilizar microrganismos que se alimentam dessa matéria orgânica suspensa ou solúvel, descartando sais e levando à formação do lodo chamado de secundário. Assim, o tratamento secundário ou biológico consegue transformar a matéria orgânica solúvel do esgoto em matéria orgânica insolúvel. Os microrganismos mais importantes para o tratamento dos esgotos são as bactérias, seres microscópicos que se reproduzem em grandes velocidades (CAVALCANTI et al; 2000). O ponto fundamental do tratamento biológico de esgotos é fornecer condições para que as bactérias sobrevivam e utilizem o esgoto da maneira mais eficiente. Como todo ser vivo, as bactérias necessitam de uma fonte de energia. Quando essa energia é obtida através da oxidação da matéria orgânica, em que é usado o oxigênio para respirar – são as aeróbias. Ocorre, ainda, um terceiro tipo de bactérias, que têm a faculdade de utilizar o oxigênio se o mesmo estiver presente (funcionando como aeróbias) e que realizam a fermentação anaeróbia se não houver oxigênio: denominam-se bactérias facultativas. Pode-se, com isso então, classificar o tratamento biológico de esgotos em aeróbio, se for fornecido oxigênio ao sistema; anaeróbio, se o oxigênio estiver ausente; e facultativo se, no mesmo tratamento, existirem regiões aeróbias e anaeróbias. As bactérias facultativas, devido às suas propriedades destes três tipos de tratamento (CAVALCANTI et al; 2000). 123 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 O tratamento secundário gera um lodo que precisa ser convenientemente manuseado. Seu tratamento e disposição devem ser encarados com atenção, pois, muitas vezes, essas operações tornam-se mais complicadas e dispendiosas do que o próprio tratamento dos esgotos. (JORDÃO; PESSÔA 1995; GONÇALVES; 1997; MACINTYRE ;1996; NETTO; 1997). 2.4. TRATAMENTO TERCIÁRIO OU AVANÇADO É utilizado quando se deseja um esgoto tratado de qualidade superior. Nesse tratamento pode-se remover nutrientes, que normalmente não são retirados nos tratamentos anteriores, além de matéria orgânica, sólidos suspensos e patogênicos em um grau ainda maior que no tratamento secundário. O tratamento terciário é prática usual em nações desenvolvidas, altamente industrializadas e com escassos recursos hídricos, nos quais a adoção de sofisticadas estações de tratamento de esgotos é econômica, porque viabiliza o uso do recurso hídrico para outros fins. (Jordão e Pessôa (1995), Gonçalves (1997), Macintyre (1996) e Netto (1997)). 3. FORMAS ALTERNATIVAS DE TRATAMENTO DE ESGOTOS 3.1. TANQUE SÉPTICO Pode-se dizer que o tanque séptico corresponde a um sistema de tratamento primário e físicobiológico (predominância da sedimentação do material sólido e digestão). Pela simplicidade de construção e manutenção é um sistema muito difundido, e está presente na maioria das estações de tratamento residenciais. Também é conhecido e tratado por alguns autores como Fossa Séptica (CREDER; 1991; MACINTYRE ,1996; JORDÃO; PESSÔA, 1995). Ainda, são definidas como fossas Sépticas as câmaras convenientemente construídas para reter os despejos domésticos e/ou indústrias, por um período de tempo especificamente estabelecido, de modo a permitir sedimentação dos sólidos e retenção do material graxo contido nos esgotos, transformando-os, bioquimicamente, em substâncias e compostos mais simples e estáveis (JORDÃO; PESSÔA, 1995). 3.2. FILTRO BIOLÓGICO ANAERÓBIO (FAN) 124 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 O filtro anaeróbio é uma “unidade destinada ao tratamento de esgoto, mediante afogamento do meio biológico filtrante” (NBR 7229, 1993, p. 2). Podese dizer que o filtro anaeróbio representa um sistema de tratamento secundário e físico-biológico. É de grande utilidade em projetos que requerem um melhor grau de tratamento que o simples uso de tanque séptico seguido de infiltração no solo. 3.3. FILTRO AERADO Assim como no Filtro Anaeróbio, o Filtro Aerado possui material filtrante e há formação de biofilme. A matéria orgânica presente no tanque é degradada pelas bactérias presentes no biofilme. Entretanto, difere do filtro anaeróbio no que se refere à presença de oxigênio no interior do tanque. Por conseguinte, as reações que ocorrem em ambiente aeróbio são diferentes, além de promover nitrificação, o filtro aeróbio atua removendo DBO. 3.4. TANQUE DE SEDIMENTAÇÃO Seu funcionamento é semelhante com o do Tanque Séptico. A sua função é promover a sedimentação de partículas sólidas, através da diferença de densidade e utilizando-se de um tempo de detenção hidráulico, evitando com que estas estejam presente no efluente final. Grande parte destas partículas sólidas são provenientes do desprendimento de biofilme do Filtro Aerado, já que o processo aerado produz grande quantidade de bactérias. Tem como função a decantação do lodo formado pela grande quantidade das partículas sólidas formadas. 3.5. CLORADOR O Clorador, ou Tanque de Desinfecção é um sistema de tratamento químico e terciário, com função de desinfecção do efluente das outras unidades (JORDÃO; PESSÔA,1995). 4. PRODUÇÃO DE SÓLIDOS 125 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 A produção de sólidos se dá devido ao crescimento bacteriano que acontece devido ao acúmulo de substrato. Quanto mais alimento conter no meio, maior será a taxa de crescimento bacteriano. Dessa forma o volume de biomassa produzido é devido à disponibilidade de substrato no meio. Quando o substrato apresenta-se em baixa concentração, a taxa de crescimento é proporcionalmente reduzida. A matéria carbonácea é, no tratamento de esgotos, usualmente o fator limitante do crescimento. Tais resíduos precisam ser devidamente destinados. Os principais efeitos nocivos provocados por uma disposição inadequada do lodo podem resultar em: risco à saúde humana, animal e vegetal em função de agentes contaminados; acúmulo de metais pesados ou compostos orgânicos no solo (GONÇALVES et al., 1999). A disposição final adequada do lodo de esgoto é uma etapa problemática no processo operacional de uma ETE, pois apresenta um custo que pode alcançar até 50% do orçamento da ETE. A produção de lodo de esgoto pode ser minimizada na fase líquida do tratamento por meio da seleção de processos que produzam pouco lodo, ou através da redução do volume de lodo em excesso na fase sólida do tratamento (GONÇALVES; LUDUVICE, 2000). Segundo VON SPERLING (1997) os principais sub-produtos sólidos gerados no tratamento pelo processo de lodos ativados são: material gradeado; areia; escuma; lodo primário; lodo secundário. De todos os subprodutos gerados, o principal em termos de volume e importância é representado pelo lodo. No decorrer do sistema de tratamento do lodo possibilitam diversas combinações de operações e processos unitários, compondo diferentes seqüências. As principais etapas do tratamento, com os respectivos objetivos são: • Adensamento: remoção de unidade (redução de volume); • Estabilização: remoção da matéria orgânica (redução de sólidos voláteis); • Condicionamento: preparação para a desidratação (principalmente mecânica); • Desidratação: remoção de unidade (redução de volume); • Disposição final: destinação final dos subprodutos. 5. SOLUÇÕES ALTERNATIVAS PARA DESTINAÇÃO DOS RESÍDUOS FORMADOS EM UMA ETE 126 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Os Estados Unidos e a Europa produzem, respectivamente, cerca de 13 milhões de toneladas e 7 milhões de toneladas de biossólidos, base seca, por ano, com rotas respectivas de disposição final em aterros (41 e 42 %), uso agrícola (25 e 36 %), incineração (16 e 11 %), disposição oceânica (6 e 5 % ), e outras formas, como reflorestamento e recomposição de áreas degradadas em 12 e 6 % (TSUTIYA, 2001). O Brasil produz entre 150 mil e 220 mil toneladas de biossólidos23, base seca, por ano, com perspectiva de expressivo aumento de processamento nesta década (ANDREOLI ; PINTO, 2001). Os resíduos sólidos gerados a partir do tratamento de esgoto podem conter agentes físicos, biológicos e químicos, que se descartados de maneira incorreta podem causar grandes prejuízos ao meio ambiente e consequentemente ao homem. Segundo CORDEIRO, (1999), o destino final do lodo proveniente das estações de tratamento de água depende das condições técnicas, econômicas e ambientais, inclusive podendo obter lucros e redução de custos e impactos ambientais. Por isso nos últimos anos têm acontecido muitas pesquisas no sentido de descobrir alternativas que sejam econômicas e que não causem danos ao meio ambiente. Até o momento, as seguintes alternativas de uso benéfico do lodo têm sido utilizadas: disposição controlada em certos tipos de solos, fabricação de cimento, incineração, fabricação de material cerâmico, construção de bases de certos tipos de pavimentos, cultivo de grama comercial, compostagem, solo comercial, e solos cítricos (HOPPEN et.al., 2003; TSUTIYA; HIRATA, 2001). 5.1. ATERRO O aterro apesar de ser uma das alternativas mais utilizadas no momento, ela não é uma alternativa ecologicamente correta. Os aterros devem ser as últimas alternativas a serem implantadas, isso porque há escassez de área para a sua implantação, principalmente nas zonas adensadas, onde se geram os maiores volumes de lodo,sem contar que o custo de disposição é alto,variando de US$ 17 a US$32 por tonelada para os custos com transporte e há dificuldades de locação de 23 O biossólido, nome comercial do lodo de esgoto após sofrer um processo de estabilização, constitui a parte sólida do esgoto (cerca de 0,01%). É um resíduo que pode ser utilizado como condicionador 127 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 áreas para a construção d aterros (ALVARO et. al.). O lodo é constituído por aproximadamente 90% de água. Ele pode passar por um processo de desidratação, no qual a sua concentração de sólidos pode aumentar para, aproximadamente 65%. Após a desidratação ele pode ser destinado para adubação, incineração, aterro sanitário de lixos urbanos, compostagem com lixo urbano, etc. (TEIXEIRA et.al., 2006). 5.2. INCINERAÇÃO A incineração é uma das alternativas mais seguras para dar fim a estes resíduos, porém ela não é muito utilizada porque o seu custo financeiro é muito alto, o que inviabiliza o seu uso, principalmente quando se trata de grandes quantidades, por isso apenas algumas empresas utilizam dessa alternativa, e principalmente empresas que produzem pequenas quantidades e geralmente são resíduos que contem grandes quantidades de substâncias químicas, o que dificultaria o tratamento e a reutilização deste resíduo. “A incineração tem elevado custo por tonelada tratada, além de problemas secundários de poluição atmosférica e de destinação final das cinzas; entretanto, é bastante pratica e pode ser aplicada em algumas situações nos grandes centros urbanos” (FERREIRA et. al.,1999; RODRIGO et al., 2007). 5.3. PRODUÇÃO DE CERÂMICA A indústria cerâmica surge como uma alternativa bastante promissora para a utilização do lodo, pois ela utiliza como matéria-prima básica argilas, que é um produto natural não renovável. E a incorporação do lodo à massa cerâmica é estudada nos últimos anos, devido a sua composição mineralógica e as propriedades tecnológicas. Um dos fatores pelo qual torna essa alternativa bastante interessante é o fato de que para a fabricação dos artefatos cerâmicos, utilizam se de altas temperaturas inativando os agentes causadores de doença, sem contar que estes das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, considerando seu teor de matéria orgânica e nutrientes (MELO et al., 1994; VANZO et al., 2001). Uma das aplicações deste material compreende o fornecimento de matéria orgânica na composição de substratos para a formação de mudas frutíferas e florestais, dentre outras. 128 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 produtos terão pouco contato com as pessoas, o que diminuem ainda mais os riscos de causarem doenças (ALMEIDA et. al., 1997; HUANG et. al., 2007; MORITA, 2002; SANTOS, 2000; WENG, 2003). De acordo com Oliveira et al. (2004), a indústria de cerâmica vermelha é altamente promissora para absorver resíduos poluentes, isto é decorrente principalmente do fato de que as massas argilosas utilizadas são, por natureza, heterogêneas. Ainda segundo Oliveira et al. (2004), a possibilidade para aproveitamento em cerâmica vermelha é considerada, para tal característica, é necessário usar os seguintes métodos de análises: fluorescência de raios x, difração de raios x, microscopia eletrônica de varredura, peneiramento/ sedimentação e analise térmica. Embora a utilização de resíduos de esgoto na fabricação de artefatos cerâmicos tem sido, ainda, pouco estudada, apesar de sua importância ambiental e econômica. 5.4. UTILIZAÇÃO PARA ADUBAÇÃO O processo de tratamento de esgoto consiste em separar o liquido do sólido para que a partir de então o líquido tratado seja liberado em um corpo d’água receptor e a parte sólida (lodo) seja devidamente tratada e disposta no meio ambiente de maneira correta (RODRIGO et al., 2007). No entanto, existem na constituição do lodo, organismos como vírus, bactérias, protozoários e helmintos. Este é um dos principais problemas que confrontam o seu reaproveitamento principalmente na agricultura. “O estabelecimento de concentrações máximas de ovos viáveis de helmintos em lodos de esgoto tem sido critério mundialmente utilizado para se permitir o uso agrícola desse material.” (CAPIZZI-BANAS; SCHWARTZBROD, 2001 In: RODRIGO et al., 2007). Os resíduos sólidos gerados em uma ETE, após um tratamento para eliminação de agentes patógenos, como por exemplo, os ovos de helmintos e bactérias, podem ser utilizados como fertilizantes. Esta é uma das principais alternativas para estes resíduos. “A reciclagem agrícola apresenta-se como alternativa mais promissora pois transforma um resíduo em importante insumo agrícola, contribuindo para o fechamento do ciclo dos nutrientes minerais e para redução do efeito estufa.”(PROSAB, 1999; SANEPAR,1999; ANDREOLIN; PEGORINI, 2000 In: 129 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 RODRIGO et al., 2007). O biossólido produzido a partir do esgoto doméstico possui baixa concentração de metais pesados, possuindo valores bem abaixo dos limites determinados pelas normas americanas e européias. “Por ser rico em nutrientes, principalmente N e P, pode ser aproveitado em áreas agrícolas como fertilizantes ou como condicionador de solo, depois de adequadamente tratado.” (MELO et al., In: LEMAINSKI; EURIPEDES, 2006). Os gastos financeiros com fertilizantes minerais para tratamento são calculados pelo valor de N, P e K e a respectiva quantidade aplicada. De acordo com pesquisa de preço pago pelo produtor (CONAB, 2003), a cotação da tonelada do produto posto na propriedade a 100 km, referenciada em abril de 2003, foi:uréia, R$ 84,5,00; superfosfato triplo, R$ 819,00; e cloreto de potássio, R$ 666,00 (CANZIANI et al., 2001). Muitos paises possuem critérios para a utilização deste material, rico em nutrientes, na agricultura e silvicultura. O Brasil ainda carece de regulamentações sobre o assunto e, de modo geral, muitas das medidas poderiam ser utilizadas para minimizar os impactos ao ambiente e a saúde pública que ainda são adotadas restritamente (ANDREOLI; PEGORINI,1998). “Apesar da importância da reciclagem do biossólido como fonte de nutrientes, os resultados revelam a necessidade de seleção de indicadores de sanidade rigorosa que permitam o uso seguro deste material. Por isso deve-se adicionar a inclusão de varias análises no biossólido, tais como detecção de microorganismos importantes para a saúde humana e veterinária e de resíduos químicos de produto domissanitarios e antibiótico, além de analises de metais pesados nos tecidos vegetais.” (OLIVEIRA, et. al.,) Carvalho; Barral (1981 In: OLIVEIRA et. al., 1995) afirmam que a decomposição do lodo de esgoto no solo permite um melhor aproveitamento dos nutrientes pelas plantas, em decorrência da lenta liberação dos mesmos através do processo de mineralizacão da matéria orgânica. Diversos trabalhos têm demonstrado que a aplicação de lodo de esgoto prove o aumento da concentração de metais no solo. No entanto, devido ao comportamento desses elementos no solo, ainda não é certo no que diz respeito à absorção dos metais pesados pelas plantas e à possibilidade desses elementos alcançarem concentrações fitotóxicas nos solos ou nas plantas 130 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 (CHANG et. al. ,1987; MULUHI et. al. , 1991; HOODA; ALLOWAY, 1993). “A contaminação causada por metais pesados nos solos tratados com lodo de esgoto tem sido avaliada pela concentração total desses metais no solo. No entanto, o fato do metal pesado esta presente no solo não significa que esteja numa forma prontamente assimilável pelas plantas, podendo permanecer por longos períodos sem ser absorvido em quantidades tóxicas.” (SIMONETE; KIEHL, 2002). “Ao contrario dos aspectos com metais pesados, o potencial de lixiviação de nitrogênio, proveniente da aplicação de lodo de esgoto em áreas agrícolas, não tem sido avaliado nas condições brasileiras. Nos Estados Unidos e em diversos países da Europa verifica-se, através de inúmeros trabalhos científicos, que este problema tem recebido grande atenção, principalmente no que se refere aos riscos de contaminação das águas subterrâneas.” (HUE, 1995 In: OLIVERA, et. al. , 2007). A adubação orgânica é eficiente em plantações florestais com espécies particularmente do gênero eucaliptos, e o uso de lodo de esgoto (biossólido) representa alternativa promissora, como demonstrada em plantações florestais no Brasil e no exterior. (HENRY et. al., 1994; LIMA, 2005; POGGIANI, 2004 In: BARREIROS et. al, 2007). O lodo possui também em sua composição significativas quantidades de micro nutrientes como ferro, zinco e manganês, além de baixas quantidades de cobre, boro, molibdênio e cloro. Observa-se que doses de lodo suficientes para suprir as quantidades de nitrogênio para as culturas fornecem micronutrientes em quantidades adequadas para suprir a demanda da maioria das plantas (GOMES, 2004 In: GOMES e NASCIMENTO, et. al., 2007). A utilização do biossólido de esgoto como fertilizante orgânico é considerada no momento uma das alternativas mais promissoras de disposição final desse resíduo. Por ser um produto rico em matéria orgânica e em macro e micronutrientes para as plantas recomenda-se sua aplicação como fertilizante ou como condicionador de solo (MARIA, KOCSSI; DECHEN et. al., 2007). 6. REUSO DE EFLUENTES DE ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE EFLUENTES Segundo Kemper (1997), as possibilidades de uso da água diminuiu em várias regiões do mundo, ao passo que a demanda por água potável aumentou 131 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 devido ao crescimento populacional e ao desenvolvimento econômico. Um primeiro passo seria diminuir a poluição, na tentativa de restabelecer a qualidade da água e, com isto, tornar o recurso reutilizável. Muitos países padecem com a falta de água potável, tanto para o consumo humano como para irrigação e outros fins. Surge, então, a necessidade de substituir o uso de água potável em atividades em que possa ser usada água de qualidade inferior, geralmente efluentes secundários. Em decorrência deste aumento de consumo, a utilização de águas de qualidade inferior na irrigação tornou-se uma realidade. Efluentes de águas residuárias domésticas pode ser uma fonte para a produção agrícola. Considerandose os nutrientes requeridos pelas plantas e fertilidade do solo, a água residuária poderá suprir em parte a adubação das culturas, permitindo a redução dos custos no processo de produção (AYERS; WESTCOT, 1991). Werneck et al. (1999) relatam que a agricultura irrigada é a atividade humana que demanda maior quantidade total de água. Em termos mundiais, estima-se que esse uso responda por cerca de 80% das derivações de água; no Brasil, este valor supera os 60%. Muito embora a irrigação venha sendo praticada há vários milênios, a qualidade da água só começou a ter importância a partir do início do século XX. O reúso da água na irrigação é uma alternativa que se vem mostrando viável, pelas seguintes razões: em áreas onde as culturas mais necessitam de irrigação, a água é via de regra, escassa; a agricultura irrigada requer grandes volumes de água, que representam a maior demanda de água nas regiões secas; as plantas podem ser beneficiadas não somente pela água, mas também, dentro de certos limites, pelos materiais dissolvidos nos efluentes, tais como matéria orgânica, nitrogênio, fósforo, potássio e micronutrientes (PESCOD, 1992). A principal vantagem da utilização de águas residuárias na irrigação reside na recuperação de um recurso da maior importância na agricultura - a água; além disso, os constituintes das águas residuárias, ou pelo menos sua maioria, são produtos que aumentam a fertilidade dos solos por conter nutrientes essenciais à vida das plantas, melhoram também a aptidão agrícola dos solos, devido à matéria orgânica que se lhes adiciona com a conseqüente formação de húmus. A reutilização de águas residuárias oferece, ainda, vantagens do ponto de vista da proteção do ambiente, na medida em que proporciona a redução ou mesmo a eliminação da poluição dos meios hídricos habitualmente receptores dos efluentes. 132 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Para regiões agrícolas com curto período chuvoso, diversos métodos que sirvam para minimizar impactos causados nessas regiões têm sido estudados. É avaliada uma política adequada de gestão de recursos hídricos: captação de água durante o curto período chuvoso e armazenamento em poço profundo, barragens subterrâneas e reúso de águas residuárias, entre outras alternativas, poderão ser uma saída para a convivência com a estiagem. A aplicação de esgoto no solo constitui uma das formas mais antigas de disposição final de esgotos sanitários (MARA; CAIRNCROSS, 1989). Surgiu como forma de tratamento de esgoto, mas despertou o interesse de agricultores para sua aplicação na agricultura. Durante anos, essa prática tornou-se desaconselhável devido à presença de patógenos e preocupação com a saúde pública; no entanto, os problemas de escassez de água e o aumento das pesquisas sobre técnicas de aplicação segura e controlada de águas residuárias na agricultura fizeram ressurgir o interesse pelo assunto. A eficiência na produção de diferentes culturas por meio da utilização de águas residuárias é citada por vários autores. Entretanto tais culturas devem ter seu desenvolvimento avaliado, já que são esperadas possíveis contaminações das culturas e alterações químicas no solo. Segundo Swartz (1999), verifica-se na região da Flórida, Estados Unidos, a presença de 451 instalações de tratamento de esgoto, fornecendo diariamente cerca de 3,3 milhões de metros cúbicos de água reciclada para irrigação de gramados, parques e campos de golfe. A aplicação de efluentes de tratamento de esgoto municipal em algodão, via irrigação por gotejo, deve ser considerada uma alternativa para fontes de água e nutrientes na agricultura, destacando-se o aumento dos níveis de nitrogênio do solo (PAPADOPOULOS; STYLIANOU, 1988). O tratamento de águas residuárias ricas em material orgânico por meio da disposição direta sobre o solo é um alternativa viável tendo em vista o baixo custo da implantação e a possibilidade de aproveitamento de nutrientes contidos nessas águas. A disposição de águas residuárias no solo pode proporcionar aumento da produtividade, melhorar a qualidade dos produtos colhidos, e reduzir a poluição ambiental (MATTOS et al., 1995). 6.1. CUIDADOS NO REUSO DE EFLUENTES 133 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 No que se refere à utilização de águas residuárias, são estudados métodos de um pós-tratamento para o efluente já que a qualidade sanitária de um efluente depende do grau de tratamento efetuado e da exigência para seu uso. A exemplo, uma das preocupações de um pós-tratamento para garantir uma boa qualidade do efluente é garantir a remoção de nutrientes, que podem estar em excesso. No esgoto bruto, há quantidades substanciais de fósforo, nas formas: orgânica; inorgânica complexa (polifosfatos), como aquelas utilizadas em detergentes; e ortofosfato inorgânico solúvel, este como produto final no ciclo do fósforo, a forma mais prontamente disponível para uso biológico (BLACK, 1980). Durante o processo de tratamento biológico, os compostos orgânicos são degradados, podendo disponibilizar ortofosfatos solúveis e polifosfatos que, quando hidrolisados, podem ser convertidos em ortofosfatos. Em um efluente orgânico bemestabilizado submetido a tratamento secundário, o ortofosfato é a forma predominante do fósforo, que pode ser removido por processos de precipitação química ou absorvido por plantas e microrganismos (NOVAIS; SMYTH, 1999). Uma preocupação crescente em relação ao fósforo está relacionada à eutrofização das águas. Esteves (1988) definiu a eutrofização como o aumento da concentração de nutrientes, especialmente P e N, nos ecossistemas aquáticos, que tem como conseqüência o crescimento descontrolado de algas e de plantas aquáticas. A eutrofização pode ser natural ou artificial, sendo esta induzida pelas atividades humanas e tendo os nutrientes diferentes origens, como: efluentes domésticos e industriais e/ou atividades agrícolas, entre outras. A eutrofização artificial é um processo dinâmico, no qual ocorrem profundas modificações qualitativas e quantitativas nas comunidades aquáticas, nas condições físicas e químicas do meio e no nível de produção do sistema. Quando excessivo em ambientes aquáticos, o fósforo tem sido considerado responsável por problemas causados pela eutrofização (NOVAIS; SMYTH, 1999). Heckrath et al. (1995), citados por Novais; Smyth (1999), registraram que a concentração crítica inicial para o estabelecimento de efeitos de eutrofização em lagos pode ser tão baixa como 0,02 mg L-1 de P. A Resolução CONAMA n° 357, de 17 de março de 2005, estabelece o limite de 0,020 a 0,15 mg L-1 de P para fósforo total, de acordo com a classificação das águas doces em classes 1, 2 e 3, estabelecendo que, não havendo metas obrigatórias progressivas, intermediárias e final para este parâmetro no efluente a ser lançado, 134 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 direta ou indiretamente, nos corpos d’água, o padrão de qualidade a ser obedecido será aquele que consta na classe na qual o corpo receptor estiver enquadrado. As águas residuárias tratadas e destinadas ao reúso agrícola devem ser avaliadas sob os aspectos de sodicidade, salinidade, excesso de nutrientes e, sobretudo, sob os aspectos sanitários: bactérias, cistos de protozoários, ovos de helmintos e vírus que criam graves problemas de saúde pública, uma vez que acarretam enfermidades (Metcalf; Eddy, 2003). Particularmente, o esgoto doméstico quando utilizado sem tratamento adequado pode contaminar o ambiente, os trabalhadores das áreas cultivadas e os consumidores das culturas irrigadas (SHUVAL et al, 1997). Os esgotos detêm teores consideráveis de nutrientes. Estudos realizados por Monte; Sousa (1992); Vazquez-Montiel et al (1996); Mota et al (1997) e Sousa e Leite (2003) mostraram que a produtividade de culturas irrigadas com esgotos tratados foi superior (15 a 30%) àquela de culturas irrigadas com água de abastecimento e solo adubado com, demonstrando a viabilidade do uso de esgoto na irrigação. Aspectos relativos à qualidade sanitária e doenças de veiculação hídrica, devido à utilização de esgotos domésticos na agricultura, são tratados na literatura especializada por Feachem et al, (1983); Shuval et al, (1986); Strauss; Blumenthal (1989) e Bastos et al (2003). Desta forma, a qualidade sanitária de esgotos tratados tem que ser estabelecida para garantir o uso seguro na irrigação. No Brasil, não existem normas nem critérios próprios para reúso de água de qualidade inferior, apesar da utilização de esgotos domésticos na agricultura já ser uma prática milenar realizada em todos os continentes. Na falta de normas, seguem-se as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1989) que, tratando-se de irrigação irrestrita, recomenda menos de 1 ovo de helminto por litro e menor ou igual a 1000 coliformes fecais por litro. Essas recomendações parecem muito rigorosas, mesmo tratando-se de irrigação de alimentos que podem ser ingeridos crus, sendo, ao mesmo tempo, omissas em relação aos protozoários e vírus. Para o uso adequado de esgotos na irrigação faz-se necessário o seu tratamento para, além de garantir a qualidade higiênica, corrigir certas características indesejáveis tais como: alta concentração de sólidos e matéria orgânica putrescível. O efluente de esgoto pode apresentar em conseqüência de sua riqueza em nutrientes, 135 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 principalmente nitrogênio (N) e fósforo (P), este tem sido utilizado em muitos países como fertiirrigantes (BINDER et al., 2002). O fósforo é considerado um dos nutrientes limitantes à produção agrícola, em decorrência dos processos de sua adsorção em colóides minerais, amorfos e orgânicos (NOVAIS; SMITH, 1999). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7229: Projeto, construção e operação de sistemas de tanques sépticos. Rio de Janeiro, 1993. AYERS, R.S.; Westcot, D.W. A qualidade da água na agricultura. Campina Grande: UFPB. 1991, 218p. Tradução de: Water quality for agriculture. BASTOS, R.K.X.; BEVILACQUA, P.D.; KELLER. Organismos patogênicos e efeitos na saúde humana. In: Desinfecção de efluentes sanitários. 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METCALF & EDDY. Inc. Wastewater engineering treatment disposal reuse. 3.ed. NewYork: McGraw - Hill Book, 1991. 1334p. 136 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 NETO, Cícero O. A. Sistemas simples para tratamento de esgotos sanitários: experiência brasileira. Rio de Janeiro: ABES, 1997. 301p. PAPADOPOULOS, I.; STYLIANOU, Y. Trikle irrigation of cotton with treated sewage effluent. Journal of Environmental Quality, Madison, v.17, n.4, p.574-80, 1988. Pescod, M.B. Wastewater treatment and use in agriculture. Rome: FAO, 1992. 119p. SHUVAL, H., ADIN. A. FATTAL, Wastewater Irrigation in Developing Countries. Health Effects and Technical Solutions. World Bank Technical. Paper Number 51, Integrated Resource Recovery Projects series number GLO/80/004,Washington, D.C. 324 p. 1986. SOUSA, J. T. de; LEITE, V.D. Tratamento e Utilização de Esgotos Domésticos na Agricultura. 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Geneva: Organização Meteorológica Mundial. 1999, 334p. 137 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 BOTULISMO ALIMENTAR - DOENÇA NEUROMUSCULAR VEICULADA POR ALIMENTOS CONTAMINADOS COM ESPOROS DE Clostridium botulinum VIANA24 , Clédson Teixeira; BRAGA11 , Mônica Durães. Resumo: O botulismo é uma doença neuroparalítica grave, não contagiosa, gerada por uma intoxicação alimentar com potente toxina produzida pelo Clostridium botulinum. Vários alimentos de origem animal e vegetal servem como veículo de transmissão do botulismo para o homem e outros animais. Os sintomas manifestamse rapidamente e o tratamento da doença apóia-se em tratamento de suporte e tratamento específico. Os resultados do tratamento nem sempre são satisfatórios, principalmente quando consideradas as infecções em crianças. Assim, a melhor medida é a prevenção, observando-se a integridade das conservas caseiras, dos alimentos fumados e dos produtos enlatados. Palavras-chave: Botulismo. Clostridium botulinu., Neurotoxina. Neuroparalisia e Intoxicação Alimentar. INTRODUÇÃO O botulismo é uma doença de origem alimentar descrita primeiramente no século XVII, entretanto, apenas no século XIX foi considerada uma doença clínica importante (TORTORA et al., 2005). A palavra botulismo originou-se do latim: botulus que significa embutido, salsicha, lingüiça (FIGUEIREDO et al.2006). Isto, devido à origem da doença, primeiramente relacionada a estes alimentos. O Botulismo tem distribuição mundial e, devido a sua gravidade e alta letalidade, é considerado um sério problema de saúde pública (FIGUEIREDO et al., 2006). Trata-se de uma doença neuroparalítica grave, causada por uma potente 2 Graduando em Ciências Biológicas do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB. Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Montes Claros; Mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Viçosa (Linha de pesquisa: Epidemiologia e Controle de Qualidade de Produtos de Origem Animal - pesquisa em Recursos Hídricos); Professora no curso de Ciências Biológicas do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB. 138 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 neurotoxina produzida pela bactéria Clostrídium botulinum, porém não contagiosa (BRASIL, 2005; GOLDMAN; BENNETT, 2001). O Clostrídium botulinum é um bacilo gram–positivo que apresenta flagelos peritríquios, essa bactéria é potencialmente esporogênica. O esporo é comumente encontrado em solos e sedimentos marinhos, bem como no trato intestinal de homens e animais, sendo capaz de contaminar vegetais, carnes e peixes (ALMEIDA FILHO et al., 2006; FRANCO, 2005; MIMS et al., 1999). Os esporos podem contaminar alimentos utilizados na produção de enlatados ou conservas caseiras que, caso não sejam adequadamente manipulados, ou ainda, sejam preservados sem esterilização adequada, podem levar às condições favoráveis para a formação da neurotoxina (FRANCO, 2005; MIMS et al., 1999). Segundo Schaechter et al. (2002), um micrograma da toxina é capaz de eliminar uma família numerosa e, apenas 400g da mesma, seriam necessários para eliminar todos os habitantes do planeta. Apesar de ainda ser considerada, pelo senso comum, como uma enfermidade causada pelo consumo de embutidos ou enlatados, o botulismo pode acontecer por contaminação de outros tipos de alimentos e, ainda, por outras formas de contaminação (FIGUEIREDO et al., 2006). O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) classifica o botulismo em quatro categorias epidemiológicas: botulismo por intoxicação alimentar; botulismo infantil; botulismo de ferida e botulismo indeterminado (FERREIRA et al., 1987). A INTOXICAÇÃO: Clostrídium botulinum E SUAS TOXINAS O botulismo alimentar ocorre pela ingestão da toxina pré-formada, enquanto que nos outros três tipos a moléstia ocorre pela infecção, multiplicação e produção de toxinas por microrganismos clostridiais em feridas ou no trato gastrintestinal (CERESER et al., 2008). Atualmente, encontram-se descritos na literatura sete variantes das toxinas botulínicas com características imunológicas distintas: A, B, C (C1, C2), D, E, F e G (ver quadro 1). Dentre essas, apenas as variantes do tipo A, B, E e F são patogênicas para o homem. Todas as toxinas do C. botulinum são termoresistentes; essas “toxinas 139 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 perdem sua ação quando submetidas à temperatura de 80°C durante 30 minutos ou a 100°C por 5 minutos, quando expostas à luz solar por 1 a 3 horas, à temperatura ambiente por 12 horas ou, por 20 minutos, em água clorada (destruição de 84%)” (PINILLOS et al., 2003). Segundo Tortora et al. (2005) a toxina tipo A é considerada a mais potente, pois vários óbitos já foram notificados e relacionados ao contato com a mesma. A toxina tipo A é considerada a mais termoresistente. Ela também possui atividade proteolítica ; o produto desta ação é um cheiro característico, através do qual se torna possível perceber a contaminação do alimento (TORTORA et al., 2005). A toxina tipo B é responsável pela maioria dos surtos europeus de botulismo e é o tipo mais comum no leste dos Estados Unidos. A toxina B pode ser proteolítica25 e não-proteolítica. Em casos não tratados a taxa de mortalidade é de 25% (TORTORA et al., 2005). As toxinas do tipo C e D, não possuem tanta importância neste estudo, pois estão comumente relacionadas a intoxicações de animais (bovinos, galinhas, patos, cavalos). No entanto, é necessário frisar que nesses sorotipos o gene responsável pela síntese da neurotoxina não está situado no cromossomo bacteriano, mas sim no DNA de um bacteriófago presente na bactéria (SILVA et al., 1998; PELCZAR et al., 1997). De acordo com Tortora et al. (2005) a toxina tipo E é formada por organismos freqüentemente encontrados em sedimentos marinhos. De todas as linhagens das toxinas existentes, esta é a menos termoresistente, é geralmente destruída facilmente pela fervura. Essa toxina não é proteolítica, assim, a chance de detectar a deterioração pelo cheiro, é mínima. Para produzir a toxina do tipo E, o C. botulinum não requer condições estritamente anaeróbicas, seus esporos também são capazes de germinar em temperaturas inferiores a 3ºC (KETCHAM; GOMEZ, 2003 apud CEREZER, 2008). Segundo Germano (2001) a toxina tipo F foi isolada primeiramente na Dinamarca e é semelhante às do tipo A e B. De acordo com o Guia de Vigilância Epidemiológica do MS (2005) o modo de veiculação da toxina do botulismo alimentar está ligado, principalmente, ao consumo de alimentos contaminados pela toxina. 25 Proteolítica: substância capaz de decompor proteínas (FERREIRA, 1986). 140 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Uma grande variedade de alimentos de origem animal e vegetal pode servir de veículo do Botulismo para a espécie humana, dentre eles, o milho, a beterraba, o palmito, a azeitona, o espinafre, o atum, o patê de fígado, o presunto, a lingüiça, a lagosta, os peixes defumados, as mortadelas e o cogumelo (Reino Fungi), (BRESSAN et al.,1999). Os esporos do C. botulinum podem ser transmitidos pelo ar e, caso encontrem condições anaeróbias favoráveis, podem se desenvolver e iniciar a produção de toxina. Até os dias de hoje, não há nenhum relato de transmissão interpessoal de infecções causadas por esta bactéria, descrito na literatura (FORSYTHE, 2002). A ação da toxina ocorre logo após a ingestão de um alimento contaminado com a toxina pré-formada. A toxina passa pelo estômago tranqüilamente, pois as enzimas gástricas não têm capacidade de destruí-la. Ao atingir o intestino delgado ocorre a sua absorção, sendo difundida para corrente sangüínea onde é transportada por todo o organismo (SCHAECHTER et al., 2002; GERMANO, 2001; PELCZAR et al., 1999). As toxinas atuam nas junções neuromusculares, provocando paralisia funcional motora sem a interferência com a função sensorial. Os efeitos farmacológicos das toxinas acometem principalmente os nervos periféricos, os quais têm a acetilcolina como mediador. As toxinas ligam-se na membrana nervosa bloqueando a liberação da acetilcolina, causando a paralisia flácida que evolui para a morte, devido à paralisia dos músculos respiratórios, sem o desenvolvimento de lesões histológicas. O cérebro ou a medula espinhal não são afetados pela ação da toxina (CDC, 2000; SOUZA, 2001; JOHNSON; BRADSHAW, 2001 apud CERESER, 2008; GERMANO, 2001). A evolução do quadro clínico está relacionada à quantidade de toxinas circulantes, e a letalidade se relaciona ao período de incubação: quanto menor o período, maior será o risco de morte. A toxina do tipo G foi associada a alguns casos de morte súbita em seres humanos, enquanto os tipos C e D são quase 141 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 exclusivos de animais (CARDOSO et al., 2004; FIGUEIREDO et al., 2006; FORSYTHE, 2002). QUADRO 1 – Toxinas do C. botulinum segundo tipos, espécies afetadas, modos de veiculação e distribuição geográfica. Tipos Espécies mais afetadas Veiculação mais comum A Homem (além de ferimentos e botulismo infantil); galinhas (“pescoço flácido – limberneck”) Conservas domésticas de frutas, vegetais, carnes e pescado. Distribuição geográfica Partes da América do Norte e da antiga URSS. B Homem (além de ferimentos e botulismo infantil); eqüinos e bovinos. Carnes preparadas, especialmente produtos de origem suína. América do Norte, antiga URSS e Europa (cepas não proteolíticas). Américas do Norte e do Sul, África do Sul e Austrália. Cá ou Aves aquáticas (Western duck C1 sickness). Vegetação podre dos pântanos alcalinos; invertebrados. Câ ou Gado (Midland cattle disease); C2 eqüino (“envenenamento das forragens”). Alimentos tóxicos, carne podre, fígado de porco. Américas do Norte, Europa, África do Sul e Austrália. D Gado (lamziekte). Carne podre. África do Sul e Austrália. E Homem; peixes. Produtos marinhos e pescados. F Homem (além do botulismo infantil). Produtos cárneos. Américas do Norte e do Sul, Dinamarca e Escócia. G1 Desconhecidas – homem? Solo Argentina Norte do Japão, Columbia Britânica, Labrados, Alaska, Grandes Lagos, Suécia, Dinamarca, antiga URSS, Oriente Médio (Egito e Iran). Nota: 1 Clostridium argentinense Fonte: ICMSF (1996) apud Germano (2001). 26 Neurotransmissor responsável pelo início dos impulsos nervosos; transmite impulsos nervosos pela sinapse (junção) entre certos tipos de neurônios. A ação desta enzima é fundamental para que a repolarização ocorra (VOET, D.; VOET, J. G 2006).das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, considerando seu teor de matéria orgânica e nutrientes (MELO et al., 1994; VANZO et al., 2001). Uma das aplicações deste material compreende o fornecimento de matéria orgânica na composição de substratos para a formação de mudas frutíferas e florestais, dentre outras. 142 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO DE INFECÇÕES CAUSADAS POR C. botulinum Os sintomas das intoxicações com toxinas do C. botulinum manifestam-se subitamente, comumente entre 12 e 36 horas após a ingestão da toxina pelo organismo. Em raros casos, podem se manifestar em até oito dias após a ingestão da mesma (BRASIL, 2006). E, quanto maior a quantidade de toxina ingerida ou absorvida pelo organismo, mais rápida será a manifestação da doença. Após a ingestão do alimento contaminado, nas primeiras 24 horas, os indivíduos podem apresentar um quadro mais grave. (SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO, 2007). As principais características apresentadas pelos pacientes inicialmente são: dificuldade visual (diplopia, visão turva e ptose palpebral), alterações na fala (disartria, disfonia) e na deglutição (disfagia) (MANGILLI; ANDRADE, 2007). A doença se caracteriza por instalação súbita e progressiva. Os sinais e sintomas iniciais podem ser gastrointestinais e/ ou neurológicos. As manifestações gastrointestinais mais comuns são: náuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal e podem anteceder ou coincidir com os sintomas neurológicos. Os primeiros sintomas neurológicos podem ser inespecíficos, tais como, cefaléia, vertigem e tontura. O quadro neurológico propriamente dito, se caracteriza por uma paralisia flácida motora descendente, associado a comprometimento autonômico disseminado. Os principais sinais e sintomas neurológicos são: visão turva, ptose palpebral, diplopia, disfagia, disartria e boca seca. Eles começam no território dos nervos cranianos e evoluem no sentido descendente. Esta particularidade distingue o botulismo da síndrome de Guillain-Barré, que é uma paralisia flácida ascendente (BRASIL, 2005). São descritas várias formas de diagnóstico para o botulismo, como, o diagnóstico clínico (composto por três etapas imprescindíveis: anamnese, exame físico e neurológico do paciente) e o diagnóstico laboratorial (permite indicar a 143 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 presença da toxina botulínica no soro, nas secreções da lesão, nas fezes do paciente ou na amostra do alimento suspeito) (TRABULSI; ALTERHUM, 2005). Outro diagnóstico de suma importância é o eletrofisiológico; esse permite ao médico identificar e localizar possíveis lesões no sistema nervoso periférico, além de auxiliar o diagnóstico diferencial (ver quadro 2) (BRASIL, 2005). QUADRO 2 –Diagnóstico diferencial de botulismo Condição Fraqueza muscular Sensibilidade Botulismo Inicia pela face descendente e simétrica Normal Síndrome de Guillain-Barré O envolvimento de face é menos comum que no botulismo Ascendente e simétrica Em alguns casos pode haver déficit sensitivo Síndrome de Müler-Fisher (variante da Síndrome de Guillain-Barré) Fraqueza simetria da face Diplegia facial Ptose palpebral Dificuldade de mastigação e de deglutição Não há comprometimento de membros superiores e inferiores Miastenia gravis Flutuante no transcorrer do dia, piora com atividade física e melhora com repouso A maioria dos casos se inicia por ptose palpebral e diplopia Características do líquor Normal Dissociação-citológica Hiperproteinorraquia Celularidade normal ou discretamente elevada 3 (=50células/mm ) Na primeira semana pode ser normal Parestesias ou diminuição da sensibilidade da face e da língua Dissociação-citológica Hiperproteinorraquia Celularidade normal ou discretamente elevada (= 50células/ mm3) Normal Normal Fonte: BRASIL (2005. p.175). TRATAMENTO E PREVENÇÃO As pessoas com suspeita de intoxicação por alimentos contaminados devem procurar imediatamente uma unidade de saúde, onde serão orientados por um profissional capacitado (BRESSAN et al., 1999). 144 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 O Guia de Vigilância Epidemiológica da MS (2005) alerta que o êxito terapêutico do botulismo está diretamente relacionado às condições do local onde será realizado o tratamento. O mesmo deve ser realizado em unidade hospitalar que disponha de unidade de terapia intensiva (UTI). O acompanhamento da doença baseia-se em dois conjuntos de ações: tratamento de suporte (medidas de suporte e monitoramento cardiorrespiratório, sendo estas as condutas mais importantes) e tratamento específico (que visa eliminar a toxina circulante e sua fonte de produção, ou seja, eliminar o C. botulinum, pelo uso do soro antibotulínico SAB e de antibióticos27 ). Com a confirmação do diagnóstico clínico, o tratamento ideal para o paciente é o soro antibotulínico. Este deverá ser administrado logo no início do curso da doença, pois, uma vez nas terminações nervosas, a toxina não pode ser mais inativada. É importante lembrar que o soro consiste em anticorpos heterólogos, derivados de eqüinos e pode apresentar risco de desenvolvimento de manifestações de hipersensibilidade (MANGILLI; ANDRADE, 2007). Outras considerações devem ser incluídas, como o uso de laxativos, indução do vômito e lavagem gástrica, se a ingestão do alimento contaminado ou dos esporos for recente (BHUTANI et al., 2005 apud MANGILLI; ANDRADE, 2007). O soro deverá ser solicitado à Central de Vigilância Epidemiológica/Centro de Referência do Botulismo (0800 - 55-5466), que passará todas as informações para essa obtenção, a partir da discussão detalhada do (s) caso (s) e solicitação por escrito. O soro antibotulínico será fornecido pelo Instituto Butantã, e pode atender as solicitações em todo o país (SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO, 2007). As medidas preventivas do botulismo consistem basicamente em procedimentos capazes de evitar a germinação dos esporos, a multiplicação das bactérias e, conseqüente, produção de toxinas do C. botulinum nos alimentos. 27 “Aminoglicídeos e tetraciclinas podem piorar a evolução do botulismo, especialmente em crianças, devido à redução da entrada de cálcio no neurônio, potencializando o bloqueio neuromuscular” (BRASIL, 2005). 145 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Todos os alimentos cujo pH se situe entre 4,5 e 8,9 e que estejam contidos em embalagens a vácuo são potencialmente botulogênicos. Assim, a esterilização destes alimentos constitui um fator decisivo para prevenção do botulismo, bem como a conservação dos mesmos em temperaturas de refrigeração ou congelamento (a maioria dos esporos não germina em tal temperatura) (CEREZER et al., 2008; GERMANO, 2001). É imprescindível realizar cocção do alimento antes de seu uso na alimentação. Sendo esta cocção em torno de 30mim a 80ºC ou por 10mim a 90ºC, a fim de destruir a toxina que é termolábil (GOLDMAN; BENNET, 2001). Os alimentos enlatados cujas latas estejam estufadas devem ser imediatamente rejeitados e destruídos, pois são suspeitos de contaminação por C. botulinum. Neste ponto, a educação sanitária da população é fundamental, pois são as conservas caseiras e os alimentos provenientes de estabelecimentos clandestinos os maiores responsáveis pelos surtos de intoxicação botulínica. (BRASIL, 2005). Segundo Franco (2005) ainda são usados “os nitritos e os nitratos, conservadores químicos utilizados há muito tempo na preparação de produtos cárneos, visando o controle do botulismo alimentar”. OUTROS TIPOS DE BOTULISMO Além do botulismo veiculado por alimentos contaminados, a literatura ainda descreve outras formas de veiculação da doença, sendo conhecidos como botulismo de feridas, botulismo infantil e botulismo de classificação indeterminada. Botulismo de feridas é uma forma relativamente incomum, descrita pela primeira vez em 1943. Os esporos de C. botulinum podem penetrar na pele por alguma possível lesão (feridas puntiformes, fraturas abertas, lacerações, esmagamento, ferimento por arma de fogo, abscessos causados pelo uso de drogas ilícitas e incisões cirúrgicas) e causar uma infecção; essas bactérias, uma vez em condições anaeróbias apropriadas, produzem quantidades de toxina suficientes para desencadear o botulismo (BENNET, 2001; MANGILLI; ANDRADE, 2007; PELCZAR et al. 1999). O botulismo infantil não é considerado uma intoxicação alimentar, e sim uma infecção, pois os clostrídios multiplicam-se no interior do indivíduo infectado produzindo toxinas (BRASIL, 2005; PELCZAR et al. 1999; RAGAZANI et al., 2008). 146 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Crianças menores de um ano de idade são mais susceptíveis ao desenvolvimento da doença devido à imaturidade da flora intestinal, assim como, à falta ou baixa produção de ácidos biliares inibidores do crescimento. As neurotoxinas mais freqüentes nesta doença são as dos tipos A e a B (BRASIL, 2005; PELCZAR et al. 1999; RAGAZANI et al., 2008). O botulismo infantil pode causar sono excessivo, pouco controle da cabeça, reflexos lentos e fraqueza generalizada (em casos graves, pode ocorrer falência respiratória e a morte). Muitos casos estão associados à ingestão de mel, devido à prevalência de esporos (BRASIL, 2005; PELCZAR et al. 1999; RAGAZANI et al., 2008). Goldman; Bennet (2001) ainda cita o botulismo de Classificação Indeterminada, que refere-se aos casos isolados de botulismo em que o C. botulinum não provém de fonte alimentar ou de ferida plausível. Alguns casos são bem confirmados com base na detecção da toxina no soro ou nas fezes, bem como o C. botulinum das fezes. “Embora raros, são descritos casos de botulismo acidental, associados ao uso terapêutico ou estético da toxina botulínica e à manipulação de material contaminado em laboratórios (transmissão pela via inalatória ou contato com a conjuntiva)” (BRASIL, 2005). CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos fatos constatados sobre a relevância do botulismo em questões de saúde pública dispostos neste trabalho e dos fatores envolvidos no processo de contaminação, eventos da doença e tratamento, é possível compreender a importância do fator prevenção, pois o perigo de contaminação está nos alimentos preparados de forma artesanal, especialmente em conservas caseiras, que são impropriamente manipuladas ou que sofreram tratamento térmico insuficiente para destruir os esporos botulínicos. Entre os itens de prevenção, o mais importante em qualquer processo de saúde-doença, encontra-se a informação, pois conhecer a doença, seus meandros e formas de controle são precauções essenciais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde – Guia de 147 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 vigilância epidemiológica - 6ª edição; Brasília - DF; Editora MS – 05, 2005. BRESSAN, Maria Cristina; GALINDO, Gizela Melina; SANTOS, Miriam Aparecida dos - O botulismo no homem, nos animais e em alimentos - Lavras, 1999, disponível: < http://www.editora.ufla.br/Boletim/pdfextensao/bol_06.pdf > acessado em 04 ago 2007. CARDOSO, T. et al. Botulismo alimentar: estudo retrospectivo de cinco casos. ACTA Médica Portuguesa, vol 17, pag. 54–58, Lisboa, 2004. CERESER, Natacha Deboni; COSTA, Fernanda Malva Ramos; ROSSI, Oswaldo Durival Júnior; SILVA, Décio Adair Rebellatto da e SPEROTTO, Vitor da Rocha - Botulismo de origem alimentar - Revista Ciência Rural, v.38, n.1, pág. 280 a 287, jan-fev, 2008. 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Utilizou-se a linguagem LOGO como ferramenta de motivação, em uma tentativa de promover atitudes favoráveis do estudante do ensino médio quando em contato com o ambiente de aprendizagem proporcionado pelo micromundo SLOGO (software traduzido e adaptado pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação – NIED, da UNICAMP). Procurouse relatar dificuldades/facilidades demonstradas pelo aluno durante a utilização de funções polinomiais do 1º grau na tarefa de modelagem geométrica de um objeto do mundo real. Palavras-Chave: Linguagem de Programação. Aprendizagem. Micromundo. Logo e Função Matemática. 1 INTRODUÇÃO Educar é um sistema colaborativo mútuo entre professores e alunos, que tem por objetivo principal gerar uma transformação de conceitos préexistentes. Esse sistema colaborativo pode se tornar muito eficaz com a inserção de recursos tecnológicos. Piaget apud Behar e Costa (1996: 69) sustentava que pensar consiste em interligar significados. Dessa maneira é necessário entender as formas pelas 28Aluno do curso de Mestrado em Educação Tecnológica do CEFET-MG – Professor de Matemática do Centro Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte/MG – [email protected] **Aluno do curso de Mestrado em Ensino de Matemática PUC-MG – professor da Faculdade Internacional de Ciências Empresariais e Instituto Metodista Izabela Hendrix – Belo Horizonte/MG – [email protected] 1 Composição de um objeto a partir das partes que o compõe. Tais partes são, assim, dependentes do objeto. No caso da montagem do “quadrado” o sujeito o constrói, lado a lado, ângulo a ângulo. 150 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 quais o sujeito interage com a máquina, quais sãos as estruturas simbólicas desse sujeito que, ao usar a máquina, expressa-se por meio dela. Durante o processo de criação da seqüência dos procedimentos para se alcançar um objetivo – desenhar um quadrado, por exemplo – estão presentes as operações lógicas e, também, as operações infralógicas1, subjacentes, implícitas às primeiras. 2 REFERENCIAL TEÓRICO A presença da informática nas escolas brasileiras é um fato relativamente recente. É Pongelupe (2004) que informa que foi somente em 1979 que a Secretaria Especial de Informática (SEI), um órgão ligado ao governo brasileiro, apoiou decididamente o setor de educação no Brasil, sugerindo o uso dos recursos computacionais e que em 1980 a SEI instituiu a Comissão Especial de Educação. Assim, nasceram as primeiras discussões sobre o uso da informática na área educacional. Já em 1981 aconteceu o I Seminário Nacional de Informática na Educação, na cidade de Brasília. Em 1983, criaram-se alguns pólos de estudos e pesquisas, notadamente os da UFPE, UFMG, UFRJ, UFRGS e UNICAMP. Esta última iniciou pesquisas na linguagem LOGO. É a mesma autora que cita Andrade (1993, p. 149): No ambiente LOGO, a ênfase é colocada na aprendizagem através da resolução de problemas. O problema a ser resolvido é proposto pelo aluno, o computador funciona como ferramenta, e o professor assume o papel de colega mais experiente. (ANDRADE, 1993, p. 149) Nota-se, assim, a importância de se usar a linguagem LOGO em turmas de alunos, especialmente, de crianças, o que traz à tona a discussão sobre o uso da informática nas nossas escolas e, mais ainda, nos cursos de licenciatura em Matemática. Pongelupe (2004) é quem discute, com muita propriedade, essa questão, em um recorte dessa situação para a cidade de Belo Horizonte - MG, em sua dissertação de mestrado, defendida recentemente no CEFET-MG. O Logo foi criado nos anos 60, no Laboratório de Inteligência Artificial do famoso MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos 151 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 da América, pelos pesquisadores Wallace Feurzeig, Daniel Bobrow e Seymour Papert – este o chefe da equipe – a partir das teorias construtivistas de Jean Piaget. A idéia básica era desenvolver uma linguagem de programação que fosse ao mesmo tempo de fácil manejo e de grande utilidade nos processos cognitivos envolvidos na aprendizagem. Beland (2000:14) cita que estes três pesquisadores desenvolveram uma linguagem de programação voltada para as crianças. Em suas primeiras versões o Logo podia controlar os movimentos de um pequeno robô, chamado de tartaruga, que com o avanço tecnológico “mudou-se” para a tela do computador, onde podia mover-se de modo mais rápido e de forma mais precisa. É interessante notar que a linguagem Logo deriva da linguagem LISP – composta por comandos dispostos em listas – que é utilizada para o desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial. O robô-tartaruga2, para ser comandado, necessitava receber instruções que eram emitidas a partir de uma fonte controladora/emissora. Ele precisava receber ordens para se movimentar pela tela. E isso era feito a partir de uma linguagem de programação. Amaral (2002: 69) afirma que quando se utiliza o LOGO se deve estar ciente de que essa linguagem desperta dois tipos de paradigmas da programação: o procedural e o funcional. A mesma autora sustenta que a máquina de von Newman é imitada pelo meio procedural e que o meio funcional tenta imitar as funções matemáticas. Também alerta para a necessidade de se estar atento às “misturas” de paradigmas. Assim, ao se escolher uma determinada linguagem de programação para uma dada aplicação, especialmente nas aplicações à área educacional, é imperativo conhecer bem tais paradigmas. A tartaruga, ao caminhar pela tela do computador, fornece o feedback imediato para o usuário que, quando percebe algum erro que cometeu, tem a chance de refazer todo o processo de criação. Bellemain (2002) sustenta que os softwares baseados no modelo construtivista, usados na educação, conseguem criar as condições e as ferramentas necessárias para a resolução de problemas; dentre elas, as simulações e os micromundos, sendo caracterizados como dois focos interligados, sendo eles: o desenvolvimento conceitual e a resolução de problemas. Papert apud Bellemain (2002) propõe que o sujeito seja ativo na sua própria aprendizagem, considerando 2Dispositivo mecânico com um lápis adaptado a uma de suas extremidades. O lápis era usado para marcar a trajetória do robô sobre a superfície – plana – de um papel. 152 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 que a utilização dos operadores dos micromundos favorece a construção do conhecimento; considera, também, que esses conhecimentos são matemáticos. A interação com computador, segundo Bellemain (2002), é baseada em entrada e saída, ou seja o usuário entra com comandos e recebe respostas. No micromundo, o usuário aciona operadores de criação, manipuladores de objetos e relações e, dessa forma, recebe respostas diversas, sendo esses procedimentos de ação-reação entendidos como fatores muito importantes na aprendizagem. O autor destaca que o grande problema para se ensinar em um ambiente de micromundo não reside na escolha de problemas interessantes, mas na adaptação desses problemas à exploração do micromundo, de um ponto de vista das estratégias de resolução que o ambiente permite desenvolver. Muito dessas atividades no micromundo ficam restritas à interação aluno-computador, o que torna difícil o acompanhamento, por parte do professor, dessas atividades que integram as novas tecnologias no ensino. É de novo Bellemain (2002: 57) quem comenta que no ambiente do LOGO o que Papert fez foi utilizar-se do par “comando simbólico-deslocamento” ligando-o a uma linguagem de programação. Valente (s.d.,73) afirma que quando o usuário programa um computador está na verdade orientando a máquina para resolver problemas. Quando esse usuário é um aluno, então a sua interação com o computador necessita da mediação de um profissional: o professor. Defendendo essa posição, este autor sustenta que usar o computador na educação tem muito a ver com o interesse em se determinar quais da “n” características daquelas máquinas realmente contribuem para a criação de conceitos por parte dos alunos. No ambiente LOGO, o aluno chega ao conhecimento por meio de ações – ele, realmente, aprende fazendo. Nessa linha temática, Martins, Prado e Sidericoudes (2000: 2) comentam: A característica fundamental do Logo é o equilíbrio entre a sofisticação computacional e o acesso facilitado à atividade de programação. Essa facilidade deve-se a uma terminologia simples em termos de nomes de comandos, de regras sintáticas e de uma parte gráfica que caracteriza-se pela presença de um cursor representado pela figura de uma Tartaruga que pode ser deslocada no espaço da tela através de alguns comandos relacionados ao deslocamento e giro da mesma. 153 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 São as mesmas autoras que defendem a idéia de que, mediada pelo computador, existe uma forte interação entre o usuário e a linguagem LOGO, quando afirmam: Quando o usuário utiliza a linguagem de programação Logo para realizar uma tarefa no computador, ele inicia raciocinando como resolvê-la. Ao ensiná-la para o computador, descreve a sua idéia inicial com base nos seus conhecimentos, utilizando os comandos da linguagem e pede que sejam executadas as instruções dadas. Reflete sobre o resultado obtido e confronta com suas idéias iniciais. Caso não estejam de acordo com o esperado, ele depura as instruções dadas inicialmente, alterando ou acrescentando novas informações (MARTINS, PRADO E SIDERICOUDES, 2000: p.3). Como afirmam os autores acima, percebe-se a importância da linguagem LOGO para o processo de aprendizagem do usuário. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O foco deste artigo é a utilização da linguagem LOGO por um aluno do ensino médio. Optou-se por um estudo de caso que, para Gil (1996:59) pode ser entendido, também, como um método de pesquisa, portanto é bastante utilizado em diversas áreas. Este autor afirma que: “A maior utilidade do estudo de caso é verificada nas pesquisas exploratórias. Por sua flexibilidade, é recomendável nas fases iniciais de uma investigação sobre temas complexos, para a construção de hipóteses ou reformulação do problema” (GIL, 1996: 59). Gil (1996: 121) também distingue quatro fases durante o estudo de caso, que são: delimitação da unidade-caso; coleta de dados; análise e interpretação dos dados; e a redação do relatório. Os procedimentos metodológicos para a realização do estudo de caso se darão em duas fases: 154 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 1ª fase: capacitar o aluno para o conhecimento da linguagem LOGO a) entrega de CDROM, para o aluno, contendo o software LOGO; b) informações, para o aluno, sobre a instalação do software; c) entrega, ao aluno, de uma lista de comandos do LOGO para o estudo; d) encontro com o aluno, 4 (quatro) dias depois, para a explicação sobre as próximas atividades a serem desenvolvidas. 2ª fase: Atividades a serem desenvolvidas pelo aluno usando-se os comandos básicos do SLOGO: •1ª atividade: construção de um quadrado de lado 90. •2ª atividade: construção de um triângulo eqüilátero; •3ª atividade: construção de um plano cartesiano; •4ª atividade: construção de uma taça usando os comandos padrão do SLOGO; •5ª atividade: apresentação de um tutorial com conceitos introdutórios para motivação e estudo das inclinações das retas da planificação de um objeto real: uma TAÇA de uso doméstico ou comercial. •6ª atividade: construção da taça, com sua base na origem do plano cartesiano, usando os comandos elaborados para a realização dos procedimentos. 3.1 Coleta de dados A coleta de dados se dará por meio das informações obtidas no questionário aplicado ao aluno voluntário do 2º ano do ensino médio, da Escola Estadual José Pereira dos Santos, localizada no município de Sarzedo - MG. 3.2 Tratamento e análise dos dados O tratamento dos dados se dará com a análise dos resultados das atividades desenvolvidas propostas na 2ª fase. Em seguida, os dados serão analisados e comentados. 4 ESTUDO DE CASO: UTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM LOGO POR ALUNO DO ENSINO MÉDIO 155 O estudo foi dividido em dois momentos, a saber: Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Primeiro momento: duração de 4 dias. A linguagem Logo foi apresentada ao aluno selecionado. Foi entregue – para estudos individuais – um texto básico, abordando os comandos básicos do Slogo (Parafrente, Paratras, Paradireita, Paraesquerda, Uselapis, Usenada), contendo também a proposta de cinco atividades a serem desenvolvidas: as construções de um quadrado e de um triângulo, a partir dos comandos abaixo, seguidos da respectiva sintaxe. Segundo momento: realização das atividades descritas na 2ª fase, com duração de 4 horas. Para conseguir desenvolver as atividades de forma correta, o aluno necessitaria entender o conceito de inclinação de uma reta – sobre um plano cartesiano – gerada por uma função polinomial do 1º grau. O sistema de coordenadas cartesianas é formado por duas retas perpendiculares, uma horizontal (eixo x) e uma vertical (eixo y). Cada PONTO pode ser localizado, de maneira única, por um PAR de números reais, dispostos na FORMA GERAL (x;y), sendo “x” a coordenada horizontal – também chamada de abscissa – e “y” a coordenada vertical – também chamada de ordenada. O ponto de intersecção entre essas duas retas recebe o nome de ORIGEM DO SISTEMA CARTESIANO. Suas coordenadas são (0;0), ou seja, x = 0 e y = 0. Uma função é chamada polinomial do 1o grau quando é definida pela fórmula matemática y = ax + b , com a ∈ ℜ , b ∈ ℜ e a ≠ 0 Inclinação da reta do gráfico da função. TEORIA: o SINAL de “a” indica o TIPO de inclinação da reta. Exemplo: Seja o gráfico da função y = 3x + 1 exibido abaixo. Figura 01 Função y = 3x + 1, sendo: a = 3 e b = 1 Fonte: Gráfico elaborado pelos autores, a partir do software Graphmatica – Versão 1.60d 156 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 O coeficiente “a” é positivo, pois a = 3 , o que faz com que a função seja crescente, ou seja, quando se aumenta o valor de “x”, o valor de “y” também AUMENTA. Nos casos em que a > 0 , podemos dizer que a reta possui inclinação positiva. Exemplo: Consideremos o gráfico da função y = - 2x + 1 exibido abaixo. Figura 02 Função y = - 2x + 1, sendo: a = - 2 e b = 1 Fonte: Gráfico elaborado pelos autores, a partir do software Graphmatica – Versão 1.60d O coeficiente “a” é negativo, pois a = - 2 , o que faz com que a função seja decrescente, ou seja, quando se aumenta o valor de “x”, o valor de “y” DIMINUI. Nos casos em que a < 0 , podemos dizer que a reta possui inclinação NEGATIVA. 4.1 Atividade 1 O aluno voluntário relatou que em seus estudos individuais, com o material fornecido, teve dificuldade em identificar quanto era necessário virar a tartaruga. Como continuidade a esta atividade foi solicitada a construção do mesmo quadrado sem usar o comando repita, onde foi constatada a insegurança em girar a tartaruga. CONSTRUÇÃO DE UM QUADRADO DE LADO 90 157 Planejamento O aluno voluntário fez a atividade de modo automático, demonstrando segurança sobre os procedimentos Procedimentos Repita4 (pf 90 pe 90) Erros Não ocorreram erros Dificuldades Não encontrou o botão desfazer ação (o Slogo não apresenta esse comando) Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 4.2 Atividade 2 CONSTRUÇÃO DE UM TRIÂNGULO EQÜILÁTERO Planejamento O aluno voluntário fez a atividade de modo automático, demonstrando segurança sobre os procedimentos Procedimentos Repita3 (pf 90 pe 90) / pf 50 pe 120 pf 50 pe 120 pf 50 Erros Quando aconteciam no desenho, o aluno efetuava o comando em ordem inversa. Caso isso não fosse possível, apagava usando a tecla “TAT” Dificuldades Muita dificuldade em determinar o ângulo de giro da tartaruga. Figura 03 Figura 03 Tentativa de construção de um Tentativa de construção de um triângulo eqüilátero triângulo eqüilátero Fonte: Aluno voluntário do 2º ano Fonte: Aluno voluntário do 2º ano do ensino médio do ensino médio Figura 04 Construção de um triângulo eqüilátero Figura 04 Construção de um triângulo eqüilátero Fonte: Aluno voluntário do 2º ano do ensino médio Fonte: Aluno voluntário do 2º ano do ensino médio Em continuidade a esta atividade, foi solicitada a construção do mesmo triângulo sem usar o comando repita. O aluno voluntário tentou realizar esta construção por um longo tempo, chegando a demonstrar impaciência com a linguagem Logo. Para evitar maiores problemas, não foi exigida a finalização dessa atividade, mas o aluno solicitou mais tempo e conseguiu realizar a construção. Após a conclusão, foi questionado sobre como a tartaruga se orienta para girar. Houve uma resposta incompreensível, sugerindo haver algum tipo de dúvida por parte do aluno. Para um melhor aproveitamento do estudo, esclareceu-se essa dúvida. 158 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 4.3 Atividade 3 CONSTRUÇÃO DE UM PLANO CARTESIANO Planejamento O aluno voluntário necessitou de um tempo maior, pois era um desenho inédito Procedimentos pf 50 pf 50 pe 180 pf 50 pe 90 pf 50 pe 180 pf 100 Erros Quando aconteciam erros no desenho, efetuava o comando em ordem inversa. Caso não isso fosse possível, apagava usando a tecla “TAT” Dificuldades Dificuldade (numérica) de se determinar o meio da reta Figura 05: construção de um plano cartesiano Fonte: Aluno voluntário do 2º ano do ensino médio O aluno não apresentou qualquer dificuldade em desenhar o plan cartesiano. 4.4 Atividade 4 CONSTRUÇÃO DA TAÇA USANDO OS COMANDOS PADRÕES DO SLOGO Planejamento O aluno voluntário necessitou observar a taça por bastante tempo, assim pode formular, mentalmente, o esboço (esta informação foi dada pelo aluno) Procedimentos Parafrente, paradireita, paraesquerda e usenada Erros Ocorreram muitos erros no momento de girar a tartaruga, a maioria deles porque o aluno não lia os comandos já interpretados pelo Slogo Dificuldades Muita dificuldade com a interpretação dos ângulos e medidas das retas. O aluno voluntário utilizou muito tempo para realizar a tarefa. Ao término, foi questionado sobre a relação dos comandos de giro com a inclinação – positiva ou negativa – das retas, mas não foi capaz de estabelecer qualquer tipo de relação. O aluno apresentou muita dificuldade para construir o lado restante da taça 159 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 conforme apresentado. Como solução, percorreu com a tartaruga sobre o desenho já realizado, usando o comando “usenada”, vale lembrar que já era de conhecimento do aluno o comando “paracentro”, que leva a tartaruga à origem do plano cartesiano usado como referência pelo Slogo. Figura: 07: Construção da taça usando os comandos padrões do SLOGO Fonte: Aluno voluntário do 2º ano do ensino médio Neste momento, o aluno foi capaz de identificar todas as retas inclinadas, como positivas ou negativas. 4.5 Atividade 5 Após acompanhamento, observação e suporte destas atividades, foi apresentado um tutorial com conceitos introdutórios para motivação e estudo das inclinações das retas da planificação de um objeto real: uma TAÇA de uso doméstico ou comercial. 160 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Figura 08:- Interface do Tutorial Fonte: Tutorial elaborado por um dos autores – Saulo – no ambiente LOGO Para um aproveitamento mais efetivo da linguagem Logo foram criados os procedimentos apresentados abaixo, com a intenção de explicitar as inclinações positivas e negativas das retas, originadas pela função polinomial do 1º grau. Essa flexibilidade de introduzir novos procedimentos torna a linguagem Logo poderosa e aplicável a todas as áreas. Inclinapos (inclina a tartaruga para o lado positivo) aprenda inclinapos :ang senão (dç + :ang)<90 [pd :ang] [se dç>90 [pd :nag] [mudeorientação [0 0 90]]] fim Inclinaneg (inclina a tartaruga para o lado negativo) aprenda inclinaneg :ang senão (dç - :ang) < 270 [pd :ang] [mudeorientação [0 0 270]] fim Vermelho (muda a cor do lápis para vermelho) 161 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 aprenda vermelho mudecl [255 0 0] fim Azul (muda a cor do lápis para azul) aprenda azul mudecl [0 0 255] fim Preto (muda a cor do lápis para preto) aprenda azul mudecl [0 0 0] fim 4.6 Atividade 6 CONSTRUÇÃO DA TAÇA COM SUA BASE NA ORIGEM DO PLANO CARTESIANO USANDO OS COMANDOS ELABORADOS PARA A PROPOSTA Planejamento O aluno voluntário relatou a necessidade de ter um plano cartesiano maior que a taça. Procedimentos Padrões Slogo – parafrente, paradireita, paraesquerda, usenada, paracentro Elaborados – inclinapos, inclinaneg, vermenho, azul, preto Erros O aluno voluntário esqueceu-se de usar o comando “usenada” ao levar a tartaruga para o centro Dificuldades Dificuldade em saber quanto inclinar a tartaruga. Este problema foi solucionado com o uso de incrementos menores Figura 09: Construção da taça com sua base na origem do plano cartesiano usando os comandos elaborados para a proposta Fonte: Aluno voluntário do 2º ano do ensino médio 162 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Foi solicitado ao aluno usar a cor vermelha para retas de inclinação positiva e azul para retas de inclinação negativa. O aluno voluntário, nesta proposta, fez por várias vezes a leitura do histórico de comandos apresentados pelo Slogo. Esta atividade foi realizada em bem menos tempo – e com mais segurança – em relação a realizada somente com o uso dos comandos padronizados do Slogo. Ao término do estudo, solicitou-se ao aluno voluntário que retornasse ao tutorial e fizesse uma releitura do texto. Dessa maneira, ele chegou – sozinho – à dedução de que as retas que são inclinadas positivamente são originárias do fato de possuírem coeficientes “a” positivos, e que as de inclinações negativas eram originadas de funções que possuem coeficientes “a” negativos. É importante relatar que durante a realização das tarefas, ao observar a janela da sala onde estava, o aluno voluntário – após contato com o tutorial e com as atividades práticas – relatou, de forma espontânea, que a grade de proteção (conforme figura n.º 10) era formada por retas de inclinações positivas e negativas e, portanto, seriam originárias de funções, ora de coeficiente “a” positivo, ora de coeficiente “a” negativo. Figura 10: Foto: vista parcial da sala de aula Fonte: Foto realizada por Saulo Furletti. Também observou, por iniciativa própria, as “inclinações” das retas e os coeficientes “a” das funções de um calendário que estava sobre uma mesa da sala. 4.7 Considerações acerca do estudo de caso 163 Diante a realização dos experimentos com o aluno voluntário foi possível Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 constatar, por observação direta, a motivação no uso da ferramenta – o aluno foi voluntariamente à escola, em horário diferenciado, demonstrando interesse pela proposta de uso do computador, para executar uma tarefa matemática. Também observado que os procedimentos criados para a visualização e construção dos conhecimentos de inclinações mostraram-se bastante eficientes e práticos, deixando nítido para o estudante que existem relações de inclinação positiva (inclinapos arg) e inclinação negativa (inclinaneg –arg), enquanto que com o uso de comandos primitivos do SLOGO tais relações são um pouco obscuras. Após o término dos trabalhos, na análise e interpretação do questionário final, ficou evidenciado que, mesmo com as restrições do experimento, pode-se afirmar que a linguagem LOGO se mostrou uma ferramenta muito poderosa para uso didático. Ressalta-se uma frase escrita pelo próprio estudante, no questionário aplicado ao término dos trabalhos. Frase retirada do questionário final escrita pelo aluno voluntário: “Antes eu não conseguia identificar em um telhado de uma casa se a inclinação era positiva ou negativa”. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando o pesquisador brasileiro José Armando Valente, em 1985, prefaciou a edição nacional do livro Logo: computadores e educação, de autoria do ilustre educador Seymour Papert, apresentou um quadro de caos. A educação brasileira e, portanto a escola como conseqüência, passavam por uma série crise, fruto de uma variedade de fatores. Valente, dessa forma, apresentou a proposta do uso do LOGO e, ao final de sua fala, convocou os leitores – professores, esperavase – a conhecer a proposta e também a filosofia educacional de Papert. Naquela oportunidade, Valente “fechou” o Prefácio com o seguinte desafio, dirigido de forma clara a cada um dos educadores: aventure-se. Este artigo não pretendeu esgotar todas as possibilidades de discussão do tema, além de não ter o objetivo de discutir, de forma exaustiva, todos os procedimentos realizados. Entende-se que o assunto é vasto, portanto carece de mais estudos. Além disso, os problemas com o aprendizado da Matemática, em qualquer nível de ensino, já são muito bem conhecidos por todos nós. É desejável, portanto, 164 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 que se discutam alternativas para se tentar eliminar a ainda famosa “matofobia” (Papert, 1985) que assola a educação matemática. Em relação ao aspecto lúdico da proposta deste estudo, utilizando um estudo de caso com um aluno do ensino médio, fez com que as atividades que lhe foram solicitadas se tornassem menos tediosas – pelo contrário, foram até agradáveis, de acordo com o que foi relatado pelo aluno – o que proporcionou-lhe o aprendizado e a chance de poder utilizar algumas técnicas de resolução de problemas, mediadas pelo computador. É importante destacar que não se cobrou do aluno, de uma forma explícita, o conceito de ângulo, pois o que este estudo pretendeu foi verificar, apenas, o conhecimento do tipo de desenho apresentado por cada uma das duas situações de inclinação da reta gerada pela função y = ax + b, ou seja, os tipos possíveis de inclinação, quando a < 0, ou quando a > 0. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, Fábio José do. Ensino da Trigonometria via resolução de problemas mediado por dinâmicas de grupo, analogias e recursos informáticos. Belo Horizonte/ MG: CEFET-MG, 2002. (Dissertação de Mestrado). BARANAUSKAS, Maria Cecília Calani. Procedimentos, função, objeto ou lógica? Linguagens de programação vistas pelos seus paradigmas. 1992. s. m. d. BEHAR, P. A. ; COSTA, Antônio Carlos da Rocha. Análise operatoria do processo de interação sujeito programador x ambiente winlogo. In: VII Simpósio Brasileiro de Informatica na Educacao. Belo Horizonte/MG; SBC, 1996. v. unico. p. 69-82. BELAND, Christopher. LEGO Mindstorms: the structure of an engineering (r) evolution. Disponível em: <http://web.mit.edu/6.933/www/Fall2000/LegoMindstorms.pdf>. Acesso em: 31/05/2006. BELLEMAIN, Franck. O Paradigma micromundo. In: CARVALHO, Luiz M.; GUIMARÃES, Luiz C. História e Tecnologia no Ensino da Matemática. Rio de Janeiro: Editora IME-UERJ, 2002. Cap. 4, p. 51-63, vol. 1. CARNEIRO, Constantino Pinto Pereira. O contributo da linguagen LOGO no ensino e aprendizagem da geometria. Universidade do Minho, Portugal: 2005. (Dissertação de Mestrado). 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Disponível em <http://www.ulbra.tche.br/~magda/edumat>. Acesso em: 07/06/2006. 166 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 NORMAS DE PUBLICAÇÃO NA REVISTA EDUCARE “Convite aos colaboradores” Quanto à apresentação dos originais: Os trabalhos deverão ser entregues em duas vias, constando apenas em uma delas a identificação do(s) autor(es), e em CD em data previamente estipulada e divulgada pelo Conselho Editorial; apresentados em letra 12 , fonte Times New Roman, espaço 1,5, folha A4, margens 2,5 cm (superior e inferior) e 3 cm (direita e esquerda), versão (X do Star Office ou Word salvo em RTF) ou inferior, de dez a vinte laudas para os artigos e traduções, até oito para as entrevistas, até cinco para as resenhas e três para as comunicações. DO TIPO DE TRABALHO E DA ESTRUTURA A SER APRESENTADA Os trabalhos serão apresentados na forma de: artigos; resenhas; traduções de artigos recentes (prazo de 2 anos da primeira publicação), de interesse relevante e acompanhadas de autorização do autor(es) e da revista em que o mesmo foi originalmente publicado; comunicações; entrevistas de reconhecido valor acadêmico; 167 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 Os artigos e traduções deverão obedecer à seguinte seqüência: I-Título; II- Nome do autor (somente em uma das cópias impressas) deve vir à direita da página, acompanhado das referências acadêmicas do autor informadas em nota de rodapé. A remissão dessa nota deve ser feita pela utilização do símbolo asterisco (*); já que as remissões numéricas são reservadas as notas explicativas; III- Resumo no máximo oito linhas; IV- Palavras-Chave: cinco, iniciadas com letras maiúsculas e separadas por ponto. V- Texto usar para as citações, bem como para as referências a autores o sistema autor-data de acordo com as normas da ABNT, divulgadas em 2000/2003; VI- Citação textual (caso haja) até três linhas devem vir destacadas do texto, em espaço simples, apresentados em letra 10 , fonte Times New Roman. Recuados a 4 cm. VII- Notas de rodapé (caso haja) devem ser reduzidas ao mínimo (somente informações imprescindíveis à compreensão do texto) e colocadas ao pé da página. As remissões para o rodapé devem ser feitas por números, na entrelinha superior; VIII- Fontes (caso haja) devem vir antes das Referências Bibliográficas, listadas por arquivos ou locais em que se encontram; IX- Tabelas e figuras (caso haja) devem ser numeradas consecutivamente, encabeçadas por título e conter legenda informando a fonte de consulta; X- Referências De acordo com as normas da ABNT 2000/2003. Parágrafo único: As resenhas e comunicações dispensam o resumo e as palavraschave. As entrevistas não obedecem às normas da estrutura do artigo, pois devem seguir a forma pergunta-resposta. OBS: trabalhos entregues fora das normas não serão analisados. DA PUBLICAÇÃO Os textos entregues à publicação serão apreciados por pareceristas anônimos: membros do Conselho Consultivo e professores do corpo docente do ISEIB ou de outra Instituição Universitária (especialista no tema proposto pelo artigo, 168 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008 desde que não seja o autor do mesmo), convidado para este fim. Os textos voltarão aos autores caso seja necessário alguma alteração. Para tais casos, o trabalho final deverá ser novamente entregue em duas vias e em um disquete, de acordo com as normas informadas no artigo 6º desta resolução. O Conselho Editorial, baseado nos pareceres recebidos selecionará os trabalhos que serão publicados: os que não forem selecionados podem ser retirados pelo autor, ou requisitados por correspondência (com ônus de envio para o solicitante), no prazo de 02 (dois) meses após o recebimento do parecer. Após este prazo, os mesmos serão destruídos. Parágrafo único: Os trabalhos publicados não serão remunerados em nenhuma hipótese e todos os colaboradores deverão entregar à COEPE um formulário de doação dos direitos autorais dos trabalhos aceitos e publicados. CRITÉRIOS DE SELEÇÃO Os trabalhos terão os seguintes critérios de seleção: I-Escolha do tema, no caso de edições temáticas (dossiês); II- Relevância do tema; III- Coerência do artigo; IV- Contribuição para a produção científico-cultural. Para cada trabalho aprovado e publicado, será disponibilizado um exemplar da edição em que constar a sua respectiva publicação, independente do número de autores do trabalho. Os trabalhos devem ser enviados para o endereço: [email protected] ou Registro Acadêmico do ISEIB Rua Lírio Brant 511 - Melo Montes Claros/MG. CEP: 39401-063. Todos os casos não previstos serão analisados pelo Conselho Editorial que, dentre outras atribuições, ficará encarregado de informar aos autores da possibilidade da publicação, contra os quais não caberá recurso. 169 Instituto Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE “Educação gera conhecimento, conhecimento gera sabedoria, e, só um povo sábio pode mudar seu destino.” Samuel Lima Montes Claros - MG, vl 2, n. 3 - 2008 ISSN 1808-6454