Educare - iseib.com

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Educare - iseib.com
Educare
Revista Científica
volume 1
Educare
Revista Científica
FACULDADES - ISEIB
INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO IBITURUNA - ISEIB
Portaria MEC nº. 2.861 de 13/09/2004 – D.O.U 16/09/2004
FACULDADE DE CIÊNCIAS GERENCIAIS E EMPREENDEDORISMO
FACIGE
Portaria MEC n°. 282 de 04/04/2008 – D.O.U. 07/04/2008
EDUCARE
Revista Científica das Faculdades ISEIB
Revista Educare Montes Claros – MG
V. 1, n. 3 – 2008
p.1-169
2008
FACULDADES - ISEIB
INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO IBITURUNA - ISEIB
Portaria MEC nº. 2.861 de 13/09/2004 – D.O.U 16/09/2004
FACULDADE DE CIÊNCIAS GERENCIAIS E EMPREENDEDORISMO
FACIGE
Portaria MEC n°. 282 de 04/04/2008 – D.O.U. 07/04/2008
Prof. Josué Antunes de Macêdo
Diretor de Ensino Acadêmico
José Felipe Dias Oliveira,
Diretor Administrativo
Yara Patrícia Barral de Queiroz
Coordenadoria de Ensino Pesquisa e Extensão - COEPE
Lygia Maria Silveira e Oliveira,
Coordenadora de Pós-Graduação
Conselho Consultivo
Comissão Editorial
Antonio Avilmar de Souza - Unimontes
Carlos Alberto Marques – UFJF
Christina da Silva Roquette Lopreato – UFMG
Frederico da Silva Reis – UFOP
Helena Maria Gramiscelli Magalhães – UFMG
Mário Jorge Dias Carneiro - UFMG
Maria de Lourdes – UFMG
Osmar Pereira Oliva – Unimontes
Rômulo Soares Barbosa - Unimontes
Vera Lúcia Alves - Unimontes
Daniel Rodrigues Magalhães
Josué Antunes de Macêdo
Roney Versiani Sindeaux
Yara Patrícia Barral de Queiroz
Wilson da Silva
Revisão lingüística: Rosemárcia Vieira
Número de tiragem: 200 exemplares
Logomarca Editora FUNADEM: Dener V K Fh
378 CDD
Educare: revista científica do Instituto Superior de Educação Ibituruna (ISEIB) e da Faculdade de Ciências
Gerenciais e Empreendedorismo (FACIGE). – Vol. 1, n.3. Montes Claros, MG : 2008.
169 p. ; 15x21 cm
Anual
ISSN: 1808-6454
1. Ensino Superior - Periódico. 2. Produção Acadêmica. I. Instituto Superior de Educação Ibituruna. II.
Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo. III. Título.
Editora FUNADEM. Rua Lírio Brant, 511, Melo, Montes Claros - MG. CEP: 39.401-063.
A Revista Educare é uma publicação das Faculdades ISEIB – Instituto Superior de Educação Ibituruna (ISEIB)
e Faculdade de Ciências gerenciais e Empreeendedorismo (FACIGE), com periodicidade semestral e destina-se,
prioritariamente, à publicação de trabalhos originais e inéditos relacionados aos eixos temáticos estabelecidos nas
normas da Revista, realizados por pesquisadores e docentes desta e de outras Faculdades e centros de estudo e
pesquisa do Brasil e do exterior.
Normas para publicação no final da revista.
APRESENTAÇÃO
É com imenso prazer que ora apresentamos à comunidade acadêmica o
terceiro número da Revista Educare. Revista esta que está se tornando referência
em termos de divulgação científica no cenário Norte Mineiro, bem como Sul da
Bahia. Tivemos uma enorme surpresa quando recebemos artigos também de outras
regiões do país. Isto mostra que estamos no caminho certo. Com intensa busca pelo
aperfeiçoamento, nos tornaremos referência nacional.
Este número da Revista Educare conta com diversos artigos, envolvendo
várias temáticas, de modo a atender às diferentes áreas do conhecimento e
alcançando assim os seus principais objetivos.
Sendo inscrita no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e
Tecnologia - IBICT, registrada com o ISSN nº 1808-6454, tem como eixos temáticos:
1) educação; 2) cidadania; 3) saúde, meio ambiente e inclusão social; 4) história,
cultura, arte e esporte; 5) tecnologia aplicada à educação; 6) lingüística e literatura.
De maneira integradora, busca valorizar pesquisadores desta e de outras
instituições de ensino, promovendo o intercâmbio de conhecimentos e o incentivo
para o desenvolvimento de novos estudos científicos.
Esperamos, assim, ter cumprido o nosso papel de tornar o conhecimento mais
acessível a todos.
Prof. Josué Antunes de Macêdo
Profª Yara Patrícia Barral de Queiroz
SUMÁRIO
EDITORIAL
Prof. Dr. Daniel Magalhães.................................................................................08
SOCIAL-DEMOCRACIA E COMUNISMO: RAÍZES MARXISTAS E
UMA DICOTOMIA
Fabio Antunes Vieira ........................................................................................09
BRINCADEIRAS E JOGOS NO ENSINO DO INDIVÍDUO COM
DEFICIÊNCIA MENTAL
Antonia S. Silveira e Oliveira
Nancy Capretz Batista da Silva
Roberta Moreno Sás ..........................................................................................20
REFLEXÕES ACERCA DA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL
E DO ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANO
Marcos Nicolau Santos da Silva........................................................................34
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: PRÁTICA DO AUTORITARISMO,
DISCIPLINARIZAÇÃO E PODER
Rosimeire Castro Guimarães..............................................................................50
BENTINHO, HOMEM POUCO VIRIL: Substituições que perpassam o
narrador em Dom Casmurro, de Machado de Assis
Márcio Adriano Silva Moraes............................................................................64
O SER GLOBAL E O PENSAR LOCAL
Luciana Fonseca de Castro Dias .......................................................................77
FORMAÇÃO CONTINUADA DAS NOVAS ALFABETIZADORAS DO
PROGRAMA BRASIL ALFABETIZADO EM BELÉM: QUEM SÃO? QUE
SABERES POSSUEM?
José Anchieta de Oliveira Bentes.......................................................................89
AO CANCIONEIRO INFANTIL: VISÃO
ANTITÉTICA DE EDUCADORES E FOLCLORISTAS
Michelle Espíndola Batista .............................................................................108
ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE ESGOTO: DISCUSSÃO
DAS FORMAS ALTERNATIVAS DE REUSO DO EFLUENTE E
APROVEITAMENTO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
Renata Cardoso Silva
Juvenil Dias Pereira
Mônica Durães Braga.......................................................................................121
BOTULISMO ALIMENTAR - DOENÇA NEUROMUSCULAR
VEICULADA POR ALIMENTOS CONTAMINADOS COM ESPOROS
DE Clostridium botulinum
Mônica Durães Braga
Clédson Teixeira Viana....................................................................................138
UM RECORTE NA TEORIA DE FUNÇÕES MATEMÁTICAS:
UTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM LOGO POR ALUNO DO ENSINO
MÉDIO
Fernando Rocha Pinto
Saulo Furletti....................................................................................................150
NORMAS DE PUBLICAÇÃO NA REVISTA EDUCARE .......................167
EDITORIAL
Muitas pessoas dizem que somos frutos de nossas escolhas. Essas escolhas
fazem parte de uma gama de ações que dão origem à nossa construção: escolhas
certas nos levam ao caminho considerado como melhor, o que não significa que
todas as escolhas erradas indicam um ponto ruim de chegada (principalmente,
se for obra do acaso). A maturidade e a confiança são fundamentais para que as
escolhas sejam acertadas; e essas qualidades encaminham a uma qualidade maior:
a sabedoria.
Sabedoria de vida só é conseguida através de experiências vivenciadas
e, neste sentido, conseguimos maior sensibilidade e maturidade para resolver os
problemas que surgem e que são inevitáveis. Ao pensar em sabedoria, devemos
então nos preparar para outros aprendizados que fazem parte de uma gama de
conhecimentos que compõe a nossa existência. A Revista Educare existe e já está
em sua 3ª edição, melhor a cada dia! Tem a preocupação de buscar e proporcionar
o aprendizado de modo a contribuir para o engrandecimento cultural e científico
da comunidade.
Dentro das possibilidades, a nossa revista, pautando sempre pela ética
científica, valorizando as raízes e trabalhos, chega a 3a edição. Aqui, estão
pesquisas multidisciplinares, as quais são trabalhos conduzidos com todo rigor
científico. Nessa edição apresentamos pesquisas relacionadas à educação inclusiva,
a segregação social, a atividade docente, o problema dos dejetos e o botulismo,
dentre outros.
Convidamos a comunidade acadêmica e interessados a se deleitarem com
artigos da nossa revista. Tenham uma excelente leitura.
Prof. Dr. Daniel Magalhães
Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008
SOCIAL-DEMOCRACIA E COMUNISMO: RAÍZES MARXISTAS E
UMA DICOTOMIA
Fabio Antunes Vieira
1
A questão de reforma ou revolução é absurda, pois uma coisa
não elimina e nem substituiu a outra (...). Em outras palavras,
a revolução não seria um ato de vontade de um grupo, de uma
classe, de um partido, mas um processo social prolongado, do
qual o reformismo seria uma parte importante.
Jorn Svenson
Resumo: Em termos gerais, é possível dizer que o século XIX foi marcado pela
depressão em relação aos valores iluministas burgueses, bem como pela insatisfação
dos trabalhadores, sobretudo fabris, em relação aos ditames da Revolução Industrial.
Nesse contexto, dentre os estudiosos que passaram a conceber teorias e propostas
com a finalidade de acabar com a sociedade de classes, nenhum teve maior destaque
que alemão Karl Marx. A partir das discussões acerca de suas idéias e aplicabilidade,
emergiram algumas correntes delas variantes, dentre as quais a social-democracia
e o comunismo. Sobre o assunto, não com a presunção de estabelecer verdades, o
intento deste artigo é discorrer sobre algumas circunstâncias e características que
opuseram social-democratas e comunistas, apesar de ambos, em boa medida, terem
buscado seus fundamentos no marxismo.
Palavras-chave: Social-Democracia. Comunismo. Marxismo. Reforma e
Revolução.
O socialismo observado por volta de 1850, tinha por intento arrebatar da
burguesia “o poder social”. Todavia, apesar “da primeira Associação Internacional
de Trabalhadores, inaugurada por Karl Marx”, ter proclamado “a solidariedade
1Mestre em Desenvolvimento Social e graduado em História pela Universidade Estadual de Montes
Claros – Unimontes. Professor do Departamento de História da Unimontes e do Curso de História
do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB.
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dos trabalhadores que lutavam por seus direitos para além de todas as fronteiras
nacionais”, suas “representações” eram desiguais em “termos de força”,
“organização” e “metas programáticas” (LÖWENTHAL: 1982, 124). No mais,
considerando o poder político e militar alcançado pela burguesia após as sucessivas
revoluções, cuja principal foi à Francesa de 1789, tal arrebatamento tornou-se
particularmente difícil (PRZEWORSKI:1995, 19).
Considerando o exposto, os partidários das ideais socialistas passaram
a conceber duas linhas de ações distintas (destinadas à tomada do poder), sendo
uma “reformista” e a outra “revolucionária”. A primeira deriva das discussões
realizadas por ocasião da II Internacional em 1889, que definiu ser possível ao
proletariado alcançar o poder e implementar o socialismo pela via democrática,
quando, organizados partidariamente, assumissem o controle parlamentar após
vencer a burguesia em processo eleitoral. Essa perspectiva foi definida como social-democracia e teve a Alemanha como precursora, inclusive quanto à organização
do primeiro partido socialista da história. Partilhando tal idéia, Antônio Paim
argumenta que à social-democracia competia “seguir o caminho parlamentar,
promover alianças com outras agremiações e formular um programa de reformas
que assegurasse a melhoria da situação da classe trabalhadora” (PAIM: 1998, 99).
Sobre a segunda linha, dita “revolucionária”, é possível afirmar que seus
adeptos vinculavam-se aos ditames do marxismo-leninismo, diretamente ligados à
Revolução Bolchevique (Russa) de 1917 e à III Internacional em 1919, realizada em
Moscou. Seus defensores, contrários ao que definiam como moderação dos social-democratas, por considerarem ineficaz a promoção gradual do socialismo pela via
eleitoral-representativa, passaram a se intitularam “comunistas” como forma de
diferenciação, já que defendiam o implemento do socialismo pela via revolucionária
direta. A partir dessa polêmica, os termos “reformista” e “revolucionário” passaram
a constituir um “divisor de águas no movimento socialista internacional. “O
‘reformista’ puro” (social-democrata) “abandonou a perspectiva de uma revolução,
e o ‘revolucionário’ puro” (comunista) “não faria concessões às reformas”
(DUARTE; MIRANDA: 1985, 44).
Embora seja possível afirmar que ambas as perspectivas tenham o marxismo como
ponto de apoio, é perceptível que as idéias foram interpretadas e adequadas de modos
distintos entre elas. Para os social-democratas, tem grande peso o fato de Marx ter
manifestado durante a I Internacional em 1864, “que os trabalhadores tinham de
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organizar-se em um partido político, e que esse partido deveria conquistar o poder
na trajetória para o estabelecimento da sociedade socialista” (PRZEWORSKI:1995,
20). Para os comunistas, a interpretação do conceito revolucionário como um ato de
força contra a ordem estatal burguesa, bem como a “ditadura do proletariado” como
etapa socialista precedente ao comunismo, são mais significativas. No mais, no
“esboço geral das diversas fases da evolução do proletariado”, delineia-se “a guerra
civil” como a etapa “de uma revolução declarada, em que o proletariado assumirá o
poder com a derrubada violenta da burguesia” (MARX; ENGELS: 1984, 28).
Apesar da divisão apresentada, é valido salientar a existência de estudiosos
“que a consideram, tanto do ponto de vista teórico, como da prática política, como
um falso problema. Nesse sentido, para o sueco Jorn Svenson:
A questão de reforma ou revolução é absurda, pois uma
coisa não elimina e nem substituiu a outra. As reformas
podem ajudar encaminhar a revolução, que assim poderia
se constituir simplesmente em um produto, um desfecho de
um processo reformista. Em outras palavras, a revolução
não seria um ato de vontade de um grupo, de uma classe,
de um partido, mas um processo social prolongado, do qual
o reformismo seria uma parte importante (SVENSON, apud
DUARTE; MIRANDA, 1985, 44 - 45).
Como explicitado, Svenson entende o “reformismo” e a “revolução” como
etapas conciliáveis e igualmente importantes no processo que tem por objetivo a
constituição de uma sociedade comunista. No entanto, a partir das leituras sobre a
temática, observa-se que a dicotomia entre social-democratas e comunistas impera
dentre os principais teóricos que discutem o assunto. Entre os que se dedicaram às
teorias “reformistas”, Adam Przeworski argumenta que a força política da burguesia
e a consolidação do capitalismo, implicaram aos social-democratas a necessidade
de organizar as ações do operariado em torno dos ideais do partido, legitimo
representante dos interesses da classe no âmbito parlamentar (PRZEWORSKI:
1995, 22). Destarte, mediante processo eleitoral, quanto mais representantes os
social-democratas conseguissem fazer junto ao Parlamento, maior força teriam
para implementar as reformas socialistas, até atingirem a maioria absoluta que os
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possibilitassem assumir o poder.
Para os social-democratas, a revolução resultaria da gradual capacidade
da classe operária fortalecer a representação partidária junto ao poder parlamentar,
até constituírem a maioria, ocasião em que o socialismo seria efetivamente
implementado. Apesar do ceticismo eleitoral em relação à burguesia, os socialdemocratas entendiam que outras formas de atuação desencadeariam práticas
repressivas por parte dos meios de coerção do Estado capitalista-burguês, fato que
condicionava a ação política como o recurso “institucionalizado” e “disponível” ao
implemento dos interesses do operariado (PRZEWORSKI: 1995, 25). Além disso,
é possível interpretar que os “reformistas” partilhavam a idéia, quanto à organização
política dos trabalhadores, de que “as pessoas que vivem em comunidade nunca
estão de acordo sobre tudo; contudo, se continuam a viver em comum, não podem
ter objetivos inteiramente discordantes” (DAHL: 1981, 49).
Embora a social-democracia possibilite a ação política do proletariado
em meio à “estrutura do Estado burguês”, condição atribuída como importante por
Marx, ela também apresenta alguns empecilhos ao advento do próprio socialismo
(PRZEWORSKI: 1995, 26). Nesse sentido, considerando a abertura política
viabilizada pelos regimes tidos como democráticos, a organização do proletariado
em múltiplas representações partidárias e sindicais desarticula a idéia desses como
uma classe unívoca, contrariando, por conseguinte, uma das condições admitidas
como indispensáveis ao implemento do socialismo marxista. Além desse fato que
motiva a concorrência entre os trabalhadores e arrefece o ideal revolucionário, a
representação política parlamentar, segundo Przeworski, “desmobiliza a ação das
massas2 (...) e resulta inevitavelmente no aburguesamento do movimento socialista”
(PRZEWORSKI: 1995, 27). Compartilhando tal entendimento, os anarquistas
“alertaram” em um congresso realizado em 1870, que “toda a participação dos
trabalhadores na política governamental burguesa só poderá produzir resultados no
sentido de consolidar o atual estado de coisas, paralisando, assim, a ação socialista
revolucionária do proletariado” (PRZEWORSKI: 1995, 20).
Corroborando parcialmente com a análise dos anarquistas, o professor
alemão Pannekoek, tecendo considerações sobre as variantes da social-democracia
2No sentido proposto, salienta-se “massa” segundo o conceito de Hannah Arendt. Para a autora, o “termo massa
só se aplica quando lidamos com pessoas que, simplesmente devido ao seu número, ou à sua indiferença, ou a
mistura de ambos, não se podem integrar numa organização baseada no interesse comum, seja partido político
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alemã no início do século XX, argumentou que a inserção de seus membros na
atividade parlamentar facilitava a “estratégia liberal burguesa de conciliar-se com
o reformismo, como meio de preservar a sociedade capitalista” (PANNEKOEK,
Apud DUARTE; MIRANDA: 1985, 49). Do mesmo modo, Alex Danielsson,
embora tenha sido um dos fundadores da Social-Democracia sueca, afirmou
em 1888 que a ação política do proletariado pela via eleitoral transformaria
o socialismo em um “reles programa” partidário no meio parlamentar, mais
vinculado a um projeto reformista que ao ideal revolucionário (DANIELSON,
Apud PRZEWORSKI: 1995, 20).
De modo análogo ao exposto, o presidente do Partido Trabalhista britânico
3
,J. McGurk argumentou em 1919 que, aqueles que se dizem “constitucionalistas”,
devem “acreditar na eficácia da arma política (...) sendo, portanto, insensato e
antidemocrático, por não obterem maioria de votos” no processo eleitoral, “exigir a
mobilização do operariado” (McGURK, apud PRZEWORSKI: 1995, 28). Com base
nessa argumentação, é possível interpretar que os social-democratas “ingressaram
na política burguesa para ganhar eleições”, obter mandatos, implementar reformas
e criar gradativamente “a legislação que conduziria a sociedade ao socialismo”
(PRZEWORSKI: 1995, 29). Partilhando uma linha de pensamento afim, Engels
argumentava que por meio de uma “república democrática”, a “classe operaria”
assumiria o poder e implementaria a “ditadura do proletariado” (ENGELS, apud
PRZEWORSKI: 1995, 30). De modo congênere, em 1867 Marx “reafirmou que
o sufrágio universal é o equivalente do poder político para a classe operária na
Inglaterra, onde o proletariado compõe a grande maioria da população” (MARX,
apud PRZEWORSKI: 1995, 31).
Embora para os social-democratas tenha importância particular as
passagens de Marx acerca da organização política partidária dos trabalhadores, é
válido ressaltar que o próprio Marx foi enfático ao afirmar que:
Os comunistas estão empenhados na união e no entendimento
dos partidos democratas de todo o mundo. [No entanto] não
dissimulam suas opiniões e seus objetivos, e disso se orgulham.
[ou] organização profissional”. ARENDT. Origens do Totalitarismo, p. 361. Grifo nosso. 3Ressalva seja feita, segundo
DUARTE e MIRANDA (1985, 45), os “trabalhistas” ingleses, os “socialistas” franceses e espanhóis, bem como os “social-democratas” alemães e suecos, são partes integrantes das “correntes internacionalistas” que compõem a social-democracia.
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Pregam abertamente que seus objetivos só serão alcançados
com a destruição violenta de toda ordem social existente. Que
a classe dominante [burguesa] se sinta ameaçada na iminência
de uma revolução comunista (MARX; ENGELS: 1984, 45 –
Grifo nosso).
Valendo-se da citação supracitada, é evidente que, para os revolucionários
marxistas, a violência na fase da ascensão dos proletários ao poder termina por
ser inevitável. Sobre o assunto, um argumento freqüentemente apresentado pelos
comunistas acerca do ceticismo aos processos democráticos, é o de que a “força
tem de ser usada, o sangue tem que correr, não porque desejam usar a violência,
mas porque a classe dominante não cederá sem isso” (HUBERMAM: 1986, 230).
A favor de tal argumento, dois acontecimentos na década de 1930 são significativos.
Em 1932 os comunistas conquistaram maioria parlamentar na Bulgária, mas foram
colocados na ilegalidade pelo governo monárquico. De modo semelhante, em
1936 os socialistas espanhóis venceram as eleições parlamentares, porém, foram
derrotados pelas forças de direita do general Francisco Franco que, com o apoio
nazi-fascista assumiu o poder como ditador em 1939, após a guerra civil.
Muito embora Marx tenha afirmado em 1852 que a “ditadura do proletariado
(...) não é, em si mesma, mais do que o trânsito para a abolição de todas as classes
e para uma sociedade sem classes (WEFFORT: 1993, 243), Bernstein, um dos
maiores nomes da social-democracia alemã, por outro lado, avaliando a situação da
Rússia Bolchevique, também criticou as conseqüências da luta revolucionária4
Para ele, “a ditadura do proletariado, onde a classe operária não dispõe
todavia de organizações autônomas de caráter reivindicativo muito fortes e não
haja alcançado alto grau de autonomia espiritual, deverá consistir numa ditadura
dos oradores de clubes ou de literatos” (BERNSTEIN, Apud PAIM: 1998, 104).
Complementando, Antônio Paim discorre que:
A defesa expressa da ditadura do proletariado, por Lênin,
explicitando ainda que seria exercida pelo partido, em nome do
4De qualquer modo e para todos os efeitos, salienta-se aqui o entendimento de que o socialismo científico puro
jamais foi aplicado (conforme foi pensado por Marx) em nenhum lugar do mundo. Portanto, o que convencionou-se chamar de comunismo soviético, ou socialismo real, não correspondeu a teoria marxista.
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proletariado, e por um líder reconhecido, em nome do partido,
levou a uma das ditaduras mais sanguinárias conhecidas da
história. De sorte que a veemência de Bernstein no combate
a essa idéia [ditadura do proletariado] acabou plenamente
justificada (PAIM: 1998, 104 – Grifo nosso).
Com base em teóricos como Bernstein, é possível dizer que para os social-democratas a medida em que o sistema capitalista se fortalecesse, um número
maior de pessoas passaria a condição de proletários, ampliando gradativamente a
força eleitoral necessária para a tomada do poder e o implemento do socialismo.
Nessa linha, “a democratização progressiva das instituições políticas corresponde
ao instrumento adequado à realização do programa da social-democracia. Ainda
mais: o socialismo somente pode realizar-se de modo autêntico nos marcos do
sistema democrático-representativo” (BERNSTEIN, Apud PAIM: 1998, 104).
Partindo desse idéia, o implemento capitalista constitui etapa importante para gerar
uma maioria de proletários em meio à sociedade, condição necessária para que, pelo
viés eleitoral, o socialismo pudesse ser implementado.
Para fundamentar a crença no sistema representativo, os social-democratas
não se furtaram em destacar que Marx certa vez argüiu que os “operários precisavam
organizar-se e agir como força coletiva”, a fim de “fazer cessar a competição”
entre eles, “para que pudessem empreender” luta “contra os capitalistas”. Destarte,
superando interesses individuais e a visão burguesa de sociedade universalista, os
operários deveriam, disciplinadamente, se organizarem enquanto classe, “assumindo
o mais rápido possível sua posição como partido independente”, alheio a “hipocrisia
da pequena burguesia democrática” (MARX, Apud PRZEWORSKI: 1991, 35-36).
No jogo político burguês, o processo democrático deveria ser observado apenas
como o meio pelo qual os operários partidariamente organizados assumiriam o
poder e implementariam o socialismo, reconstruindo a sociedade por meio de uma
revolução reformista.
Pertinente a análise anterior, observa-se à importância do capitalismo
para além do aspecto econômico. No âmbito político, sua emergência criou uma
expectativa de aumento da classe operária segundo ansiavam os social-democratas,
que por conseqüência representaria uma ampliação do seu eleitorado, o que
efetivamente não ocorreu, como será trabalhado adiante. Entretanto, embora não
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tenha se cumprido a ampliação eleitoral do operariado enquanto classe é oportuno
estabelecer aqui outro ponto divergente entre os social-democratas e os marxistaleninistas. Como já trabalhado, os primeiros entendiam a importância do capitalismo
para o processo de ampliação e conscientização política do operariado. Por outro
lado, os segundos, representados pelos bolcheviques russos, impuseram a uma
maioria de trabalhadores campesinos, um tipo de socialismo em um país ainda
marcado pelo feudalismo.
Em outras palavras, os bolcheviques negligenciaram o próprio pensamento
de Marx, que atribuía importância ao fortalecimento do capitalismo, tanto para
o aspecto econômico quanto político, como etapa anterior ao implemento do
socialismo. Nesse sentido, o próprio Lênin admitiu a vulnerabilidade do socialismo
russo ao instituir a Nova Política Econômica em 1921 que, sob a justificativa de dar
“um passo atrás, para dar dois passos à frente”, observou a necessidade de adotar
alguns procedimentos capitalistas com o propósito de fortalecer a economia do país,
para só então levar adiante o projeto socialista.
Voltando aos social-democratas, conforme foi referenciado, a expectativa
da ampliação eleitoral com base no operariado não se cumpriu. Segundo Przeworski,
a causa principal para essa inobservância esta associada ao advento das classes
médias urbanas, não avaliadas devidamente por eles. Para o autor, a ampliação da
vida urbana e da industrialização, passou a demandar uma gama maior de prestação
de serviços fora do ambiente fabril, que eram executados por um grupo diferenciados
trabalhadores, não necessariamente vinculados aos típicos operários das indústrias,
bem como aos seus interesses enquanto classe. Deste modo, é coerente pensar
que a ampliação desses trabalhadores nas cidades, tais como advogados, médicos,
professores, dentre outros, passaram a constituir uma parcela diferenciada do
eleitorado com influencia no jogo político, inviabilizando a pretensão dos socialdemocratas, de constituírem maioria parlamentar contando apenas com o apoio da
classe operária (PRZEWORSKI: 1991, 39) .
Tomando o exposto, observando não ser possível implementarem o
socialismo pelo viés eleitoral apenas com o apoio da classe operária, os social-democratas, procurando adaptarem-se a nova realidade, passaram a buscar o
apoio eleitoral da classe média em fins do século XIX. Segundo “previsão feita
por Engels em 1895, os socialistas tornar-se-iam” força preponderante, dependendo
do “êxito do partido na conquista da maior parte da camada média da sociedade, a
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pequena burguesia e os pequenos camponeses” (ENGELS, Apud PRZEWORSKI:
1991, 40). Mediante tal prática, os partidos socialistas deixaram de representar os
interesses específicos dos operários enquanto classe e passaram a representá-los
enquanto indivíduos pertencentes à sociedade.
Ao buscarem o apoio de outros segmentos sociais, sobretudo de “toda a
população que trabalha”, os social-democratas abandonaram a idéia de constituírem
partidos representantes dos interesses da classe operaria, para representar os
interesses das “massas”. Assim procedendo, os “reformistas” foram gradativamente
perdendo a fidelidade partidária por parte dos operários, já que não mais amplamente
doutrinados a se identificarem enquanto classe, mas sim como indivíduos que
trabalham, passaram a interagirem em meio ao jogo eleitoral de modo a defenderem
seus interesses pessoais. Deste modo, “quando os partidos operários transformaramse em partidos de massas”, o socialismo comprometeu um dos grandes postulados
do marxismo que é a luta de classes. Assim, dada às diversas particularidades no
âmbito do trabalho, não foi possível admitir todos os trabalhadores como uma classe
unívoca (PRZEWORSKI: 1991, 43).
Procurando envolver uma maior parcela da sociedade, os partidos
socialistas terminaram por fazerem o jogo político-democrático burguês que, na
ânsia pelos votos dos indivíduos e não da classe, não conseguiram garantir a
fidelidade partidária e conseqüentemente a vitória eleitoral. Aqui, é oportuno
retomar o argumento de Pannekoek, de a inserção dos social-democratas na
atividade parlamentar facilitou a “estratégia liberal burguesa de conciliar-se com
o reformismo, como meio de preservar a sociedade capitalista” (PANNEKOEK,
Apud DUARTE; MIRANDA: 1985, 49).
Inscritos em tal contexto, os social-democratas passaram a enfrentar “o
dilema (...) de oscilarem entre a ênfase na classe e o apelo à nação”. Entretanto,
diante da insuficiência dos operários enquanto classe e a ineficiência para
agregarem múltiplos segmentos sociais em torno de suas propostas, “os socialdemocratas não conseguiram fazer das eleições um instrumento de transformação
socialista” (PRZEWORSKI: 1991, 44). Nesse sentido, a defesa das medidas
reformistas como parte do processo para o implemento da sociedade socialista,
não empolgou um volume significativo do eleitorado, mais preocupado com
interesses particulares que coletivos.
No aspecto econômico, assim como Marx, os social-democratas entendiam
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que a propriedade privada era a responsável pelas desigualdades sociais, já que
era por meio dela que se estabelecia a diferença entre os detentores dos meios
de produção e os proletários (HUBERMAM: 1986, 228). Todavia, uma vez que
nunca conseguiram assumir o governo dispondo de maioria parlamentar, os socialdemocratas não encontraram as condições favoráveis para lidarem com a questão.
Assim, partindo para uma prática de reformas graduais que pudessem ser aprovadas
pela maioria parlamentar, no período entre guerras, adotaram a tática de apenas
“exercerem o poder”, até que o eleitorado fosse educado e conscientizado por
eles, dotando-se das condições adequadas para a efetiva tomada do poder pela via
democrática (PRZEWORSKI: 1991, 51).
Paralelamente aos esforços de “educar o eleitorado”, com o propósito de
condiciona-lo a atuar em prol do projeto socialista, seus representantes parlamentares
(social-democratas) procuraram promover reformar que atendessem aos interesses
gerais dos trabalhadores. Dentre as principais propostas, destaque para aquelas
vinculadas aos programas sociais e a legislação trabalhista, desde que não fossem
“identificadas” como “politicamente inviáveis” pelos demais parlamentares, ou
“economicamente explosivas” aos interesses burgueses, já que em tais condições
não conseguiriam ser aprovadas (PRZEWORSKI: 1991, 52).
Na evolução histórica da social-democracia, o advento de keynesianismo
nos Estados Unidos, por ocasião da Crise de 1929, forneceu-lhes “justificativa
ideológica em uma teoria econômica de natureza técnica” (PRZEWORSKI: 1991,
54). Nesse sentido, os social-democratas “abandonaram por completo o projeto de
nacionalização” dos meios de produção e passaram a atuar dentro da perspectiva
do “bem-estar social” como já vinham procurando atuar desde a década de 1920.
Assim, diante do exposto, é possível entender genericamente que a social-democracia
gradativamente foi abandonando o projeto de reforma socialista, em prol de um
estado de compromisso, cujas políticas sociais passaram a ser encaradas como de
responsabilidade do próprio Estado burguês e não mais da ação coordenada dos
trabalhadores enquanto classe, uma vez que ela se tornou inviável na sociedade
atual. Concluindo, Przeworski enfatiza que os social-democratas abandonaram
o projeto de transição ou, pelo menos fizeram uma pausa, esperando por épocas
mais propícias”. Desse modo, armaram-se “de coragem” para “explicar à classe
trabalhadora que é melhor ser explorada que criar uma situação que envolve o risco
de ser prejudicial à própria classe” (PRZEWORSKI: 1991, 65). Em outros termos,
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a social-democracia, após ter falhado em constituir-se como representação de uma
classe que nunca conseguiu unidade, terminou por abandonar ou mínimo adiar o
projeto de reformas socialistas, em prol de um estado de compromisso tutelado pelo
próprio Estado burguês. Contudo, ressalva seja feita, conforme argumenta Duarte
e Miranda (1985, 53), qualquer tentativa de se estabelecer um “padrão rígido” para
a discussão, implicaria incorrer em grave erro, dada as peculiaridades de cada país
onde as idéias socialistas tenham sido difundidas.
Referências Bibliográficas
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Anti-Semitismo, Imperialismo,
Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
DAHL, Robert. Análise Política Moderna. Brasília: UnB, 1981.
DUARTE, Antônio; MIRANDA, Orlando. Trabalhismo e Social-Democracia. São
Paulo: Global, 1985 (Série Ação Política).
ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. 4ed. São
Paulo: Global, 1984.
HUBERMAM, Leo. História da Riqueza do Homem. 21ed. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1986.
LÖWENTHAL, Richard. A Social-Democracia Alemã: Da Segunda Internacional
aos Nossos Dias: Idéias e Experiências. In: CARDIM, Carlos Henrique (Presidente
do Conselho Editor). A Social Democracia Alemã e o Trabalhismo Inglês. Brasília:
UnB, 1982 (cadernos da UnB).
PAIM, Antônio. Elaboração Teórica que Desembocou na Social-Democracia. In:
CARDIM, Carlos Henrique (Org.). Formação e Perspectivas da Social-Democracia.
Brasília: Fundação Teotônio Vilela, 1998.
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo: Cia. Das
Letras, 1995.
WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 4ed. São Paulo: Ática,
1993. Volume II.
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BRINCADEIRAS E JOGOS NO ENSINO DO INDIVÍDUO COM
DEFICIÊNCIA MENTAL
Nancy Capretz Batista da Silva*5
Antonia S. Silveira e Oliveira**
Roberta Moreno Sás*
Resumo: O texto tece reflexões e faz uma breve revisão da literatura acerca da
importância do uso de brincadeiras e jogos como ferramentas instrucionais e
pedagógicas, especialmente para o indivíduo com necessidades educacionais
especiais. Busca-se enfatizar que eles divertem enquanto motivam, facilitam o
aprendizado e exercitam as funções mentais e intelectuais do indivíduo. Além de
relatar-se a participação da atividade lúdica no desenvolvimento global da criança,
são discutidos o papel do mediador, sua relação com a educação e finalmente, com
a educação especial.
Palavras-chave: Ensino. Brincadeiras. Jogos. O Indivíduo com necessidade
Educacional Especial e Ferramentas Pedagógicas.
1. INTRODUÇÃO
De uma forma geral, os jogos e as brincadeiras estão presentes não só na
infância, mas como em outros momentos, podendo ser ferramentas instrucionais
eficientes, pois divertem enquanto motivam, facilitam o aprendizado e exercitam
funções mentais.
Quando motivadores do processo de aprendizagem, eles podem ser
definidos como jogos educacionais. Todavia, é importante ressaltar a idéia de que
o uso de recursos tecnológicos, dentre eles o jogo educacional, não pode ser feito
sem um conhecimento prévio do mesmo e que esse conhecimento deve sempre
estar atrelado a princípios teórico-metodológicos claros e bem fundamentados. Daí
a importância dos professores dominarem as tecnologias e fazerem uma análise
5* Alunas do Programa de Pós Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos, São
Carlos-SP. ** Professora do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB e da Universidade Estadual de
Montes Claros – Unimontes.
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cuidadosa e criteriosa dos materiais a serem utilizados, tendo em vista os objetivos
que se quer alcançar (SENA & LIMA, 2007; BORBA, 2006).
Com vistas ao processo de inclusão escolar e aos atendimentos oferecidos
por profissionais em outros contextos, salienta-se neste texto a importância das
brincadeiras e jogos para o desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo com
necessidade educacional especial. Consideramos o conhecimento prévio sobre
a importância dos mesmos, assim como sua aplicação com esses indivíduos algo
essencial e ainda alvo de atenções em pesquisas, com intuito de divulgar-se o uso
deste tipo de recurso com seriedade e objetivos claros.
Não pretende-se nesta discussão diferenciar as diversas modalidades
de atividades lúdicas possíveis, ou mesmo definir brincadeiras e jogos, mas sim
salientar a importância de tais recursos e atenção às metas pretendidas no seu uso.
Desta forma, consideramos qualquer brincadeira/jogo/atividade lúdica planejada,
desenvolvida e avaliada dentro de propósitos pedagógicos, como adequada para
a educação e, mais especificamente, para o ensino do indivíduo com necessidades
educacionais especiais.
2. DESENVOLVIMENTO DA TEMÁTICA
2.1 A atividade lúdica no desenvolvimento global da criança
A importância do brincar para o desenvolvimento infantil já é bastante
reconhecida. Estudiosos do desenvolvimento humano, como Piaget (1978) e
Vygotsky (1989), relacionam o brincar com o desenvolvimento cognitivo infantil.
Para Piaget, o brincar serve à necessidade da criança de perceber e manipular o
objeto, observando as relações causais entre sua ação e o objeto, consolidar seu
conhecimento e extrair prazer por dominar a situação. Para Vygotsky, a evolução
do brincar é um processo influenciado pelo meio e pela motivação e consiste em
importante fonte de avanços no desenvolvimento cognitivo (EMMEL, 2004).
O jogo proporciona relações sociais completas, onde a pequena
comunidade age sob o domínio de regras que podem ser oriundas de costumes ou
legisladas pelo próprio grupo, possui um sistema de julgamento próprio inclusive
baseado em jurisprudência (Piaget, 1994). Ainda que seja espaço de conflitos,
embates e contradições, aspectos que enriquecem e se transformam em meios que
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permitem a discussão de valores hegemônicos, a re-significação, a re-elaboração e a
incorporação de novos valores, o jogo permite prevalecer atitudes de ajuda mútua,
de divisão de trabalho, de solicitude, de troca de pontos de vista e atenção de uns
para com os outros. O jogo pode ser concebido “como uma unidade propiciadora
de situações interativas, na qual conhecimentos, habilidades, valores e atitudes
devem ser socializados e desenvolvidos, numa perspectiva globalizadora” (SENA
& LIMA, 2007, p. 5).
Entre as concepções sobre o brincar, descritas por Valentim (s/d) destacase as de Fröbel, o primeiro filósofo a justificar seu uso para educar crianças préescolares. Fröbel, foi considerado por Blow e Valentim (s/d) psicólogo da infância,
ao introduzir o brincar para educar e desenvolver a criança. Sua Teoria Metafísica
pressupõe que o brinquedo permite o estabelecimento de relações entre os objetos
do mundo cultural e a natureza, unificados pelo mundo espiritual.
Antunes (2000) elaborou um trabalho baseado nas áreas das inteligências
que podem ser estimuladas através da utilização de um jogo, de natureza material ou
até mesmo verbal. Incluem as dimensões: lingüística, lógico-matemática, espacial,
musical, cinestésico-corporal, naturalista, intrapessoal e interpessoal. Na área de
inteligência lingüística temos como exemplos o jogo da forca, bingo gramatical e
telefone sem fio. Na inteligência lógico-matemática o dominó, jogos das tampinhas,
jogo das formas e baralho de contas. Na inteligência espacial temos o jogo da
sucessão, jogo da memória e damas.
Muitos jogos infantis fazem parte do folclore, que Cascudo (1979) definiu
como a “cultura popular, tornada normativa pela tradição”. Os jogos populares, ao
lado dos acalantos, parlendas, adivinhas e cantigas de roda, estão reunidos sob o
título de “Folclore Infantil”. Os jogos tradicionais, como amarelinha, o escondeesconde, a queimada, a cabra-cega, etc., são encontrados, nas diferentes regiões do
mundo: Portugal, Espanha, França, Itália e outros.
Bruner (1986) acredita que o ato de brincar permite ao ser humano
condições ótimas para explorar e desenvolver habilidades mais complexas e aponta
cinco funções fundamentais da brincadeira, que são: 1. redução das conseqüências
relativas aos erros e fracassos, sendo umas atividade que se justifica por si mesma;
2. permissão da exploração, da intervenção e da fantasia; 3. imitação idealizada da
vida; 4. transformação do mundo, segundo os nossos desejos; 5. Diversão.
A despeito das dificuldades de definição e das controvérsias suscitadas
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pelos diferentes teóricos, sobre o papel da brincadeira na educação da criança
pequena, os quais enfatizam ora a importância dos comportamentos imitados, ora
os aspectos de enriquecimento cognitivo, ora a possibilidade de socialização e
de solução de conflitos emocionais, o brincar constitui-se em fonte instigante de
preocupações científicas e, felizmente, ao permear as ações humanas, está presente
em todas as culturas conhecidas. Um exemplo pode ser dado, segundo Medeiros
(1988), em relação à brincadeira da Amarelinha, identificada em diversas culturas,
cujo traçado semelhante a uma basílica parece representar, através do avanço da
pedrinha rumo “ao céu”, a necessária superação das dificuldades inerentes à vida,
num processo de elevação espiritual.
Mas é necessário considerar que alguns fatores influenciam o desempenho
da criança no brincar, como o ambiente no qual ela se encontra, suas características
individuais e o vínculo com a pessoa que aplica as atividades. Ademais, os
brinquedos devem ser adequados ao interesse, necessidades e capacidades da etapa
de desenvolvimento em que a criança se encontra, considerando que a época e a
forma como o desenvolvimento se processa podem variar bastante de criança a
criança (EMMEL, 2004).
Sabendo da importância de brincadeiras e jogos para o desenvolvimento
humano, discutiremos o papel desses recursos para a educação, mais especificamente.
Além disso, o papel do educador/mediador será elucidado.
2.2 O brincar na Educação
Conforme Borba (2006):
“...a escola, como espaço de encontro das crianças e dos
adolescentes com seus pares e adultos e com o mundo que
os cerca, assume o papel fundamental de garantir em seus
espaços o direito de brincar. Além disso, ao situarmos nossas
observações no contexto da contemporaneidade, veremos
que esse papel cresce em importância na medida em que a
infância vem sendo marcada pela diminuição dos espaços
públicos de brincadeira, pela falta de tempo para o lazer, pelo
isolamento, sendo a escola muitas vezes o principal universo
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de construção de sociabilidade” (p. 42).
As orientações e diretrizes oficiais da educação infantil enfatizam a
necessidade de assegurar flexibilidade ao currículo, atribuindo importância às
atividades lúdicas e ao brincar. Mas existe ambigüidade nos documentos norteadores
e constata-se desvalorização e falta de espaço concedido ao brincar nessa etapa
educacional (PINTO & GÓES, 2006).
Kishimoto (1990) aponta que a literatura educativa demonstra a importância
do brinquedo, a partir da educação greco-romana, com Platão e Aristóteles. Essa
valorização prossegue no Renascimento e explode no século XVIII, com a publicação
de Emílio de J. J. Rousseau, cujas concepções acerca da educação de crianças giram
em torno da especificidade da natureza infantil.
No século XVII, alguns educadores perceberam a importância dos jogos na
transmissão de conteúdos escolásticos de história, de moral e de filosofia, de forma a
intensificar o uso de tais instrumentos no cotidiano das instituições escolares. Deve-se
mencionar que, na Idade Média, o jogo era desvalorizado, devido a sua vinculação
com a questão do vício e do jogo a dinheiro, o que o fez ser banido das escolas. Desse
modo, apenas no século seguinte, o jogo entrou no campo da educação e, de lá para
cá, houve o aparecimento de muitas teorias voltadas para a valorização da questão do
brinquedo e da brincadeira na educação e no sistema escolar.
Em 1837, Friedrich Fröebel (1782-1852), filósofo reconhecido como o
primeiro a formular uma teoria abrangente de educação infantil, com um método
detalhado sobre a sua implementação, criou em Blankenburg, na Alemanha, uma préescola (jardim de infância) onde o brinquedo e a brincadeira eram o cerne do trabalho
pedagógico. No Brasil, o movimento de valorização do brinquedo teve origem,
segundo Kishimoto (1990), nas pioneiras unidades de jardins de infância instaladas
no Rio de Janeiro (1875), São Paulo (1877) e Pará (1884) destinadas a educar crianças
de três a seis anos, por intermédio de brinquedos oriundos da pedagogia fröebeliana.
Dessa forma, nas primeiras décadas do século XX, o brincar ainda era pouco explorado
nas escolas, não havendo, portanto, a ação lúdica na sala de aula.
Um tipo especial de jogo está associado ao nome de Maria Montessori.
Trata-se dos jogos sensoriais. Baseado nos “jogos Educativos” pensados por Fröbel jogos que auxiliam a formação do futuro adulto -, Montessori, segundo Leif e Brunelle
(1978), elaborou os “jogos sensoriais” destinados a estimular cada um dos sentidos.
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Para atingir esse objetivo, Montessori necessitou pesquisar uma série de recursos e
projetou diversos materiais didáticos para possibilitar a aplicação do método. Durante
muito tempo confundiu-se “ensinar” com “transmitir” e, nesse contexto, o aluno era
um agente passivo da aprendizagem e o professor um transmissor. A idéia de um
ensino despertado pelo interesse do aluno acabou transformando o sentido do que se
entende por material pedagógico. Seu interesse passou a ser a força que comanda o
processo da aprendizagem, suas experiências e descobertas, o motor de seu progresso
e o professor um gerador de situações estimuladoras e eficazes. É nesse contexto que
o jogo ganha um espaço como ferramenta ideal da aprendizagem, na medida em que
propõe estímulo ao interesse do aluno.
Atualmente, observa Kishimoto (1999), o brincar está presente na escola
ora com um significado extremamente diretivo, eliminando a liberdade que faz parte
do processo lúdico, ora de uma forma aleatória, improvisada, sem a preocupação
dos educadores, no sentido de compreender que nesse brincar há necessidade de
objetos, de parcerias e de conteúdos, o que leva a uma atividade descomprometida
do desenvolvimento da criança e, portanto, da sua aprendizagem. Por outro lado, ao
se entender o brincar como um processo facilitador tanto do desenvolvimento infantil
como da construção do conhecimento da criança, a escola deve se preparar para criar
espaços de brincadeira, onde os objetos, os brinquedos, os materiais, as informações
e as regras do brincar devem fazer parte da formação do profissional, de forma a
capacitá-lo na utilização de tal recurso como instrumento de desenvolvimento da
criança. Borba (2006) pergunta-se porque, “à medida que avançam os segmentos
escolares, se reduzem os espaços e tempos do brincar e as crianças vão deixando de
ser crianças para serem alunos” (p. 33) e afirma que a brincadeira,
“nas sociedades ocidentais, ainda é considerada irrelevante
ou de pouco valor do ponto de vista da educação formal,
assumindo freqüentemente a significação de oposição ao
trabalho, tanto no contexto da escola quanto no cotidiano
familiar. Nesse aspecto, a significativa produção teórica
já acumulada afirmando a importância da brincadeira
na constituição dos processos de desenvolvimento e de
aprendizagem não foi capaz de modificar as idéias e práticas
que reduzem o brincar a uma atividade à parte, paralela,
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de menor importância no contexto da formação escolar da
criança” (p. 34).
Vygotsky (1989) foi um dos precursores ao assinalar a importância da
mediação para a aprendizagem e o desenvolvimento mental da criança, enfatizando
que o mesmo comporta dois níveis de desenvolvimento, ou seja, o nível de
desenvolvimento real, o qual é determinado pela solução independente de problemas
e a zona de desenvolvimento proximal, onde a solução do problema é alcançada sob
a ação de um mediador.
“Conceber o jogo com finalidade educacional significa
colocar o indivíduo em contato com os sentidos que circulam
em sua cultura para que ele possa assimilá-los e viver no
contexto social onde está inserido. Isso não quer dizer que
estará incorporando todas as informações, de maneira passiva;
ao contrário, para que se tenha uma boa aprendizagem, é
importante uma atividade que seja consciente, participativa e
transformadora de realidade interna e externa do indivíduo”
(SENA & LIMA, 2007, p. 6).
Em sua intervenção na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino
Fundamental, Sena e Lima (2007) perceberam “o jogo como um justificável e rico
recurso de socialização e de desenvolvimento, essencial a uma formação global
e holística das crianças” (p. 13), apesar de ser uma atividade que reflete opções
políticas e filosóficas. Eles concluíram que
“o jogo, no contexto educacional, enquanto elemento e
produto da cultura pode, se respaldado por um ambiente
onde prevaleçam atitudes de respeito mútuo, de cooperação,
de solidariedade e de perseverança, tornar-se um potencial
recurso precursor de socialização e de desenvolvimento da
criança” (p. 15).
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Por isso, o educador deve enxergar o potencial de aprendizagem e de
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desenvolvimento implícitos nas situações e atitudes lúdicas que o jogo promove
(Sena & Lima, 2007). Assim, é desejável que o adulto que está presente no
momento da brincadeira assuma a figura de um bom mediador, participando dela
e ajudando as crianças a brincarem, porém, sempre tendo como referencial que
a fantasia que deve ser respeitada é a da criança. É freqüente o adulto assumir
posturas autoritárias ou rígidas como, por exemplo, reprimindo brincadeiras de
ladrão, de revólver, etc., sem entender devidamente que, naquele momento, o
que está em jogo não é o real, mas sim a sua representação através do brinquedo,
ou seja, trata-se apenas de uma das linguagens, entre tantas outras, que a criança
pode utilizar para representar esse real.
Para que uma atividade pedagógica seja lúdica é importante que permita a
fruição, a decisão, a escolha, as descobertas, as perguntas e as soluções por parte das
crianças e dos adolescentes, ou será compreendida apenas como mais um exercício.
“No processo de alfabetização, por exemplo, os travalínguas, jogos de rima, lotos com palavras, jogos da memória,
palavras cruzadas, língua do pê e outras línguas que podem
ser inventadas, entre outras atividades, constituem formas
interessantes de aprender brincando ou de brincar aprendendo”
(BORBA, 2006, p. 43).
Então, no planejamento de atividades lúdicas, devemos perguntar: “a
que fins e a quem estão servindo? Como estão sendo apresentadas? Permitem a
escuta das vozes das crianças? Como posso me posicionar junto a elas de modo
que promova uma experiência lúdica? O que se quer é apenas uma animação ou
a intenção é possibilitar uma experiência em que se estabeleçam novas e diversas
relações com os conhecimentos” (BORBA, 2006, p. 43).
Já no contexto de educação do indivíduo com necessidades educacionais
especiais, a importância do entendimento e prática de atividades lúdicas aliadas às
pedagógicas é ressaltada. Vejamos então como se relacionam tais atividades nesse
campo de atuação.
2.3 Brincar na educação do indivíduo com deficiência mental
“A utilização de jogo para o ensino e a aprendizagem de
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crianças com deficiência mental está presente desde as
primeiras tentativas de educá-las... Desde o início, para a
consecução dos objetivos estabelecidos por Itard para a
educação de Victor, a utilização de jogos aparece como um
recurso auxiliar, com a intervenção direta do instrutor e, a
princípio, motivada pelas necessidades básicas” (SILVA,
2004, p. 107).
De acordo com Silva (2004), Itard criou jogos como as pranchas de
reconhecimento de formas, de cores e letras móveis formando o nome de objetos,
buscando estimular em Victor a atenção, a memória e a imitação como requisitos
para a aprendizagem. SILVA (2004) ainda comenta que Séguin, sob influência de
Itard, estabeleceu um sistema de educação para crianças com deficiência mental cujo
ponto de partida é a educação sensorial para alcançar os níveis mais complexos do
pensar, o que justifica sua preocupação com os materiais empregados na educação
infantil e os brinquedos presentes no cotidiano da criança. Ele elaborou e utilizou
os chamados jogos educativos - jogos de encaixe, de reconhecimento de forma,
seriação de tamanho, classificação, etc. Decroly, sob a influência de Itard e Séguin,
foi o responsável pela criação e classificação de vários jogos e da utilização de
atividades lúdicas para educar crianças com desenvolvimento típico e deficientes
mentais. Mais recentemente, estudos têm destacado o valor da utilização do jogo
como recurso pedagógico e para favorecer o desenvolvimento de crianças deficientes.
Além disso, as propostas curriculares oficiais mais recentes em educação especial
fazem referência à atividade lúdica (Silva, 2004).
Embora o jogo seja uma das principais atividades das crianças, pouco
se sabe sobre a atividade principal no desenvolvimento infantil de crianças com
deficiência mental. O jogo como um dos componentes do currículo da Educação
Infantil tem sido usado como atividades, brinquedos e jogos pós-trabalho, ainda que
seja estratégia de desenvolvimento de criatividade, competência intelectual, força
de estabilidade emocional e afetiva e socialização da criança (VICTOR, 2004).
PINTO E GÓES (2006) afirmam que
“...os investimentos na brincadeira de faz-de-conta são
pequenos, em favor dos jogos de regras (de caráter didático ou
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paradidático). Quando há espaço para as crianças envolveremse no jogo imaginário, a intervenção da professora se dá no
sentido de fazer com que elas “voltem ao real” ou de introduzir
conceitos escolares na brincadeira” (p. 15).
No caso de crianças com necessidades educacionais especiais o
problema se acentua devido ao descrédito nas atividades imaginativas, como o
brincar, e nas possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem do aluno com
necessidade educacional especial. A mediação social pode modificar a tendência
da criança com deficiência mental a atuar quase que exclusivamente no ambiente
concreto da brincadeira, desta forma, a educação deve ser direcionada para a
superação desses limites.
Em pesquisa sobre aspectos presentes na brincadeira de faz-de-conta
de quatro crianças com Síndrome de Down, foi encontrado que geralmente,
quando a criança da classe especial participava das brincadeiras de faz-de-conta
promovidas pelas crianças das classes de Educação Infantil, ela representava um
papel de coadjuvante, submetendo-se às ações lúdicas das outras crianças com
desenvolvimento típico, mesmo que essa participação revelasse que a criança com
Síndrome de Down apresentava condições concretas e latentes para as brincadeiras
conjuntas, favorecendo-se ao adquirir um repertório maior de temas e ações lúdicas
para a representação de seus personagens. O papel do professor neste processo é
significativo, visto que sua pouca e ineficiente mediação para conduzir o aluno
ao conhecimento por uma via não-verbal, como a brincadeira, e para promover
e favorecer situações de inter-relacionamentos entre essas crianças no ambiente
escolar permite sentimentos e atitudes de exclusão (VICTOR, 2004).
Já em outra pesquisa, sobre o jogo, a medicação pedagógica e a interação
entre a criança com deficiência mental e a criança com desenvolvimento típico,
as interações entre três crianças com Síndrome de Down, com idade entre quatro
e seis anos, e quinze crianças com desenvolvimento típico, com idade entre três
e sete anos, oriundas de um orfanato, foram observadas em uma brinquedoteca.
As análises revelaram que a parceria do educador na brincadeira de faz-de-conta
da criança contribuiu para a construção compartilhada da brincadeira entre as
crianças envolvidas.
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“As intervenções e as mediações pedagógicas foram
fundamentais para a continuidade das brincadeiras e
também para ampliar o conhecimento sobre a realidade
vivida e a realidade conhecida nos livros de histórias e
sobre personagens do fantástico” (VICTOR, 2004, p. 97).
Para isso, contou-se histórias com detalhes, respeitou-se o conhecimento
prévio da criança sobre o acontecimento, realizou-se uma articulação entre o real
e o fantástico, participou-se da brincadeira sem imposição das regras, promoveuse um contra-papel, promoveu-se interação entre as crianças, inseriu-se outros
participantes em brincadeiras iniciadas individualmente e solucionou-se com
as crianças problemas que as impediam de continuar a brincar com a temática
específica (VICTOR, 2004). Tais estratégias evidenciam a necessidade de preparo
do educador para este tipo de intervenção junto ao educando.
Em pesquisa com professoras de educação infantil de escolas especiais
de uma cidade do interior do Estado de São Paulo (SILVA, 2004), verificou-se
que brinquedos e materiais de parque e os jogos de regras estão entre os materiais
mais disponíveis na escola. Este e os demais materiais mais disponíveis na escola
- materiais para atividades diversas, como tinta e cola, e materiais audiovisuais e
de informática - pertencem ao campo do desenvolvimento motor e da socialização,
das atividades gráficas e pedagógicas. Já os brinquedos em escala infantil (cujo
tamanho é proporcional a estatura das crianças, como boneca-bebê e triciclo) e
os brinquedos em miniaturas (como carrinhos e animais de plástico), além dos
brinquedos de encaixe e construção e dos materiais para fantasia e dramatizações,
são os menos disponíveis na escola, parecendo, com exceção dos brinquedos de
encaixe e construção, que os brinquedos destinados à brincadeira livre são menos
privilegiados quanto à disponibilidade nas escolas especiais.
Ainda neste estudo, foi observado que os materiais para atividades
diversas são mais utilizados ao longo da semana, devido ao seu uso em diversas
atividades pedagógicas. Os brinquedos de encaixe e construção também são
bastante utilizados, já que podem ser destinados à aquisição de conteúdos
e habilidades específicas, assim como os brinquedos e materiais de parque,
apropriados para o desenvolvimento das habilidades motoras. Os brinquedos em
escala infantil e os brinquedos em miniatura, não são os menos utilizados embora
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sejam os menos disponíveis. Por sua vez, os jogos de regras muitas vezes não
são utilizados, possivelmente pelo alto grau de comprometimento de algumas
crianças, o que impossibilita a utilização de jogos mais elaborados, e pelo fato
de muitos materiais apresentarem defeitos ou falta de peças, inviabilizando seu
uso. Ainda que a utilização dos materiais dependa de fatores como a idade da
criança, o grau de comprometimento causado pela deficiência, o planejamento de
ensino, entre outros, esses dados são representativos porque esses materiais estão
relacionados à educação infantil, de escolas regulares ou especiais.
SILVA (2004) também mostrou em seu estudo que diferentemente do que
parece ocorrer nas escolas infantis regulares, as professoras das escolas especiais
intervinham e incentivavam mais o brincar das crianças nas atividades de parque
ou inseriam mais elementos pedagógicos nessas brincadeiras, como na aquisição
de conteúdos específicos e na promoção da sociabilidade e de habilidades motoras
das crianças. Encontrou-se pouca variedade de brinquedos, principalmente para
fantasia e dramatizações, derivados de desenho animado, etc., aparecendo com
uma variedade maior e utilização mais freqüente nos estudos que retratam escolas
regulares. Da mesma forma, os jogos de regras, ainda que disponíveis no mesmo
nível ou em níveis superiores são utilizados com crianças deficientes mentais
dependendo de suas capacidades e limitações (SILVA, 2004).
Nesse sentido, PINTO E GÓES (2006) analisaram a relação entre
os modos de mediação por outros (adulto ou parceiro) e o funcionamento
imaginativo no jogo imaginário de crianças atendidas numa instituição especial
para alunos com deficiência mental. Notaram que várias das crianças começavam
brincadeiras solitárias, realizando seqüências imaginativas restritas, com poucas
ações e dependiam da pesquisadora para desdobrar e ampliar os acontecimentos
encenados, fazer ou atender a convites de brincadeira em parceria e ampliar os
diálogos quando a brincadeira estava em andamento. Além disso, devido ao
desenvolvimento bastante comprometido do grupo, as crianças não apresentavam
fácil disposição para imaginar, criar situações ficcionais e organizar brincadeiras,
necessitando de mediações para se engajarem em jogos mais elaborados, o que nos
leva a concluir sobre a necessidade de um trabalho educativo que se comprometa a
promover o brincar.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Pode-se perceber a importância dos jogos e brincadeiras infantis para o
desenvolvimento intelectual e social da criança. Desta forma, tais atividades lúdicas
são ferramentas de ensino enquanto também constituem situação de descontração e
desenvolvimento da subjetividade no contexto escolar.
A importância do preparo dos docentes para uso de tais ferramentas no ensino foi
ressaltada, mas destacou-se um aspecto por vezes esquecido que é a necessidade
da criança desenvolver habilidades não propriamente acadêmicas dentro do
espaço escolar. O momento lúdico, muitas vezes deixado em segundo plano pelas
instituições de ensino, podem contribuir significativamente para os processos
educacionais,intelectuais e racionais que tais instituições tanto valorizam.
Diante de tal corpo de conhecimento, sugerimos o uso de brincadeiras e jogos no
ensino do indivíduo com necessidades educacionais especiais, não diferentemente
do que tutores e estudiosos desses indivíduos vêm evidenciando como eficaz
ao longo do tempo. Deste modo, a educação especial deve fazer-se valer desses
recursos e promover, também por meio destes, o ensino adequado de sua clientela,
seja em ambientes especializados ou contextos inclusivos.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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REFLEXÕES ACERCA DA SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL
E DO ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANO
.
Marcos Nicolau Santos da Silva
Resumo: Este artigo apresenta algumas reflexões teóricas sobre o processo
de segregação socioespacial, gerado a partir da implantação de loteamentos e
condomínios fechados, bem como avalia a legalidade dos mesmos. As questões
apontadas são voltadas para a produção da cidade e do território, relacionando-as ao
campo do ordenamento territorial urbano. Devido ser composto, metodologicamente,
por uma revisão de literatura dos principais autores que têm discutido o tema na
atualidade, este texto não apresenta respostas conclusivas, mas contém um debatesíntese para pensar a cidade e o urbano no contexto de novas e velhas configurações
territoriais.
Palavras-chave: Segregação. Território. Ordenamento Territorial. Loteamentos e
Condomínios Fechados-Conflitos.
Introdução
O espaço urbano é o lugar onde as práticas sociais são mais intensas
e nele tais práticas adquirem maior complexidade. É no espaço urbano onde as
desigualdades socioeconômicas e espaciais são mais explícitas, os conflitos se
multiplicam, em níveis e segmentos diversos. Sendo o espaço urbano o lugar
onde as discrepâncias são diversas e mais intensas, também nele as práticas
sociais se territorializam.
A territorialização no espaço urbano pode se manifestar, entre outros
aspectos, a partir das práticas de segregação e segmentação. A segregação na cidade
acontece a partir do estabelecimento de pequenos territórios que abrigam camadas
diversas de população cujos níveis sociais e econômicos são diferentes entre si.
Neste artigo, a segregação é abordada sob a ótica dos problemas gerados
.Graduado em Geografia pela Unimontes.
Atualmente cursa especialização em Docência do Ensino Superior e Gestão em Meio Ambiente e Saúde Pública,
pela Faculdade ISEIB. E-mail: [email protected]
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pela implantação de loteamentos e condomínios fechados, tendo como intenção
analisar o papel do ordenamento territorial urbano, avaliando o processo de
regulamentação destes tipos de empreendimentos.
Inicialmente, serão analisadas algumas implicações do ordenamento
territorial urbano a partir do desdobramento dos conceitos de ordem e território.
A seguir, discute-se a produção do espaço urbano e da segregação socioespacial
como herança da produção da cidade medieval até a cidade capitalista atual, bem
como os agentes responsáveis pela produção do espaço urbano. Além disso, seguese a problematização da implantação dos loteamentos e condomínios fechados,
questionando a legalidade dos empreendimentos e os conflitos gerados. Por fim,
são colocadas algumas questões e desafios quanto ao planejamento urbano e ao
papel do ordenamento territorial como alternativas para superar os problemas
oriundos da lógica de mercado e minimizar os custos para a população urbana.
A ordem e o território: algumas considerações sobre o ordenamento
territorial urbano.
O campo do ordenamento territorial urbano tem sido objeto de várias
reflexões teóricas e práticas, sobretudo favorecido pela sua aplicabilidade no que
se refere ao planejamento urbano. A condição da maioria das cidades brasileiras –
segregação, violência, poluição, pobreza, desemprego, déficit de moradias, falta de
infra-estrutura para as camadas mais pobres da sociedade, entre outros problemas –
denuncia a crise urbana atual e exige uma maior intervenção do poder público nesses
espaços. Cabe ao Estado, órgão gestor das políticas públicas, o papel de ordenar
o território nacional, elaborando e executando planos nacionais de distribuição da
população, de suas atividades e promover o desenvolvimento econômico, social e
ambiental do território, como aponta Almeida (2006) citando a emenda 2PO1256-6,
de 13 de janeiro de 1988.
Para um melhor esclarecimento sobre o que vem a ser o ordenamento
territorial, faz-se necessário levantar algumas considerações a partir de dois
conceitos articulados: ordem e território. O conceito de ordem evolui no tempo e
no espaço, ou seja, transforma-se de acordo com a dinâmica da própria sociedade.
A sociedade é regida por um conjunto de regras, que também podem ser chamadas
de normas ou leis. A ordem é um dos instrumentos de organização da sociedade.
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A ordem aqui, elaborada inicialmente a partir do pensamento de Descartes do
século XVII, baseia-se no racionalismo. Nesse momento, grande parte das ciências
ainda não estava constituída ou consolidada. Para Descartes, era necessário
imprimir uma ordem às coisas e às ciências; essa ordem seria explicada através da
razão. A ordem no pensamento de Descartes obedece a uma lógica de organização
estrutural, cartesiana e automática.
A lógica da ordem nasceu a partir de um sonho de Descartes sobre a
cidade. No sonho, a cidade se apresentava com ruas largas, evidenciando sua
forma geométrica, e cada coisa tinha o seu lugar.
Na cidade da razão o indivíduo é o único ser que pensa, não é o Estado, nem
o governo e nem uma organização. Da marca do individualismo no pensamento
racionalista de Descartes, origina-se a famosa frase: “Penso, logo existo”. Inspirado
no individualismo, Descartes (1981, p. 38) ainda refletiu sobre a organização
estética das cidades, afirmando que “não há tanta perfeição nas obras compostas
de várias peças, e realizadas pela mão de diversos mestres, quanto naquelas em
que um só trabalhou”. Assim, o autor faz a leitura das cidades comparando o
traçado e a forma urbanística da época, bem como a atuação do poder público:
Essas antigas cidades, pequenos burgos no começo,
tornaram-se, no decorrer do tempo, grandes centros, mas
são ordinariamente tão mal traçadas, em comparação com
essas praças6 regulares, construídas por um engenheiro a
seu gosto numa planície, que, embora considerando as suas
edificações individualmente, se encontra nelas, muitas vezes,
tanta ou mais arte que nas das outras; contudo, ao ver como
se acham arranjadas7 – uma grande aqui, uma pequena ali
– e como tornam as ruas curvas e desiguais, dir-se-ia que
mais do que a vontade de alguns homens usando da razão
foi o acaso que assim as dispôs. E se se considerar que,
apesar de tudo, sempre houve funcionários encarregados de
fiscalizar as construções dos particulares para que atendam à
6Na tradução de Elza Moreira Marcelina, praças equivale aos fortes, no período em que se refere à obra original.
7No entender deste texto, o arranjo espacial é o próprio ordenamento.
8Destaque para o papel da ordem pública no ordenamento das cidades.
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ornamentação pública8 , reconhecer-se-á de fato que é difícil,
trabalhando apenas nas obras de outrem, construir coisas
bem acabadas (DESCARTES, 1981, p. 38-39).
Descartes pensou a razão em nossa sociedade e chegou ao método. Em
sua obra Discurso do Método, ele afirma que é “o método que ensina a seguir a
verdadeira ordem e a enumerar exatamente todas as circunstâncias daquilo que
se procura [...]”. Além dessa dimensão estrutural apresentada no pensamento de
Descartes, posteriormente, Adam Smith concebe a idéia de dinâmica e Augusto
Comte, a de sistema. Nesse sentido, a dimensão sistêmica seria composta pela
interação entre a estrutura, que organiza e estabiliza a sociedade, e a dinâmica, que
movimenta a sociedade. Porém, a própria sociedade, representada pela dimensão
humana, desestrutura o sistema e provoca a desordem. Para manter a ordem, é
importante considerar o imponderável, o acaso, o irracional, que está ligado ao
humano, então, surge a dimensão funcionalista, onde se desenvolvem instrumentos
ou técnicas de controle do sistema e/ou dos conflitos.
Numa concepção mais clara, porém complexa, Lefebvre (2008) afirma
que o entendimento do espaço depende de duas lógicas contraditórias: uma lógica
preexistente, superior e absoluta, quase teológica; numa outra, o espaço é a própria
lógica, o sistema da coerência. O espaço sistêmico, segundo o autor, seria uma
forma imposta pela sociedade burguesa para tentar atingir a coerência. Essa
forma coerente de conceber o espaço é uma maneira estratégica de mascarar as
contradições do espaço, tornado, ao mesmo tempo, global e pulverizado, conjunto
e disjunto. O autor salienta que:
as contradições do espaço não advêm de sua forma racional, tal
como ela se revela nas matemáticas. Elas advêm do conteúdo
prático e social e, especificamente, do conteúdo capitalista.
Com efeito, o espaço da sociedade capitalista pretende-se
racional quando, na prática, é comercializado, despedaçado,
vendido em parcelas (LEFEBVRE, 2008, p. 57).
8Destaque para o papel da ordem pública no ordenamento das cidades.
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Assim, reafirmam-se os dizeres de Lefebvre, em que a sociedade [e o
espaço] não obedece a uma lógica, embora ela tende para isso. Ela não é sistema,
embora se esforça para isso. A “ordem”, próxima e distante, é contraditória; não é
racional nem sistêmica, é funcional. A ordem, idealizada pela sociedade burguesa,
se confunde com a desordem.
Como o sistema urbano possui relações sociais mais intensas, nele
também é mais explícito o conflito, a ordem e a desordem. Tais relações sociais
são responsáveis pela formação do território ou dos territórios.
O território em si não é categoria de análise em nenhuma das ciências
sociais. O território usado é a categoria de análise. Santos (2006) afirma que o
território usado é o chão mais a identidade, sendo, portanto, o fundamento do
trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da
vida. Numa concepção mais poética, este autor destaca que “o território é o lugar
em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as
forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza
a partir das manifestações da sua existência” (SANTOS, 2006, p. 13).
O conceito de território surge na perspectiva Clássica da Geografia
Política a partir da noção de poder. O espaço torna-se uma área delimitada pelas
relações de poder e este emana principalmente do Estado. Além do Estado, outros
agentes produzem e reproduzem o território: as grandes empresas nacionais e
transnacionais, a sociedade burguesa (detentora dos meios de produção e do
capital), e também os pobres.
Atualmente, o conceito de território se metamorfoseia de acordo com
a realidade materializada na ótica da globalização. Além disso, a concepção de
território varia para cada grupo social que se apropria do espaço, seja para o índio,
para uma população tradicional, para um habitante do espaço urbano ou para um
morador do mundo rural. Mesmo com a globalização, o território mantém a sua
característica de ser relacional (HAESBAERT, 2006) e demanda relações de
poder. Gaspar (2004, p. 180-181) salienta:
A globalização fragmenta multidimensionalmente o
domínio territorial – no mesmo território configuram-se
diversos espaços de poderes [...]. É no domínio do urbano
que o fenômeno tem sido mais aprofundado – a fragmentação
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urbana dos espaços pós-modernos é muito “puxada” pela
globalização: desde os padrões arquitetônicos aos espaços de
produção; da segmentação dos espaços de habitat e segregação
social às complementaridades e sinergias que esse processo
pode originar. (GASPAR, 2004: p. 180-181).
A fragmentação do espaço produz recortes espaciais que podem ser
entendidos como os territórios. Os recortes espaciais vão de uma lógica dialética
do recorte para o todo, que, segundo Moreira (2006), forma uma relação triádica,
em que vai-se do recorte (o singular) para o espaço (geral) e depois retorna para
o recorte, formando o real-concreto. Assim, o recorte espacial é o princípio
conceitual do território, pois o território passa a ser o recorte espacial qualificado
pelo seu sujeito – o homem.
Por fim, “o conceito de território implica uma apropriação, um
ordenamento, uma identificação por parte de um grupo social”, como salienta
Gaspar (2004, p. 182). O conceito de território tem sido largamente utilizado no
meio acadêmico, em diversos ramos das ciências sociais, e no plano políticoadministrativo. Nesse sentido, o território é um conceito operacional, ou seja,
pode ser usado na prática, a exemplo da sua aplicação nas políticas públicas.
Como visto anteriormente, o ordenamento territorial se desdobra dos
conceitos de ordem e território. Apesar da sua amplitude de significados, o
ordenamento territorial não trata da estrutura de organização da sociedade e,
sim, da forma como a estrutura espacial se auto-regula no todo das contradições
da sociedade, de modo a manter a sociedade funcionando segundo sua realidade
societária (MOREIRA, 2006).
O ordenamento territorial tem por finalidade administrar essa base
contraditória do espaço que é a sociedade. No espaço urbano, base da segregação
em que se propõe neste texto fazer alguns apontamentos, situam-se as contradições
e os conflitos de uma estrutura de sociedade que se auto-segrega e desqualifica
o papel da cidade como locus do encontro. Assim, a cidade é territorializada por
aglomerados de estruturas que simbolizam a segregação – condomínios fechados,
casas e edifícios fortalezas, cercas eletrificadas, etc.
Produção do espaço e segregação socioespacial urbana
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Esta seção pretende apresentar algumas considerações sobre o espaço
urbano e a dinâmica socioespacial da segregação. A priori, o termo socioespacial
merece destaque inicial. A categoria formação socioespacial foi reinventada por
Milton Santos a partir do desdobramento da categoria marxiana de formação social
e foi colocada no centro das discussões sobre o espaço geográfico, conforme afirma
Porto-Gonçalves (2004, p. 206). Aqui, o conceito de formação socioespacial assume
significado especial, referindo-se aos espaços de organização da sociedade urbana
compostos por classes sociais de nível de renda diferenciado. Isto é, a aglomeração de
determinada classe social em espaços urbanos segundo o seu padrão econômico.
As marcas atuais e passadas impressas evidenciam que o espaço urbano
é reflexo da apropriação pela sociedade ao longo do tempo. Tais marcas contam a
história da cidade a partir de uma dinâmica da segregação, historicamente produzida.
As formas espaciais da segregação constituem um arranjo perfeitamente elaborado
da produção socioespacial da cidade por meio do momento atual, refletidas pela
combinação das formas passadas. O padrão de segregação atual da cidade é uma
herança da organização socioespacial da cidade medieval. Nesse sentido, Corrêa
(1995, p. 8) destaca:
O espaço da cidade capitalista é fortemente dividido em
áreas residenciais segregadas, refletindo a complexa estrutura
social em classes; a cidade medieval, por sua vez, apresentava
uma organização espacial influenciada pelas guildas, as
corporações dos diversos artesãos. Mas o espaço urbano
é um reflexo tanto de ações que se realizam no presente
como também daquelas que se realizaram no passado e que
deixaram suas marcas impressas nas formas espaciais do
presente. (CORRÊA, 1995: p. 8)
Os fortes, as fortalezas ou as fortificações eram construções realizadas
na Idade Média com o objetivo estratégico de proteção de pequenas cidades ou
regiões – os burgos – que abrigavam as “casas” nobres e a burguesia da época.
Esses pequenos burgos do período medieval, que mais tarde seriam as cidades,
eram compostos por grandes muralhas de defesa e, hoje, não diferentemente, a
cidade é cercada por diversas simbologias da segregação capitalista – muros, cercas
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elétricas, vigias e segurança eletrônica, loteamentos e condomínios fechados,
edifícios-fortaleza e alarmes, caracterizando a cidade como o lugar do apartheid
urbano. Corrêa (1995) menciona que, ainda que as formas espaciais e suas funções
tenham mudado ao longo do tempo, o espaço urbano se mantém simultaneamente
fragmentado e articulado.
A segregação socioespacial só existe no espaço urbano porque há nele
agentes sociais que o produzem e também o reproduzem. Cabe um parêntese para
explicitar o que significa isso. A produção do espaço de uma cidade se dá através
do valor de uso, ou seja, a partir do momento em que o espaço passa a ser visto
como materialização do trabalho e das atividades a ele associadas; a reprodução do
espaço se expressa no significado da moradia, da residência e dos bairros, são nesses
espaços onde a reprodução social acontece. Em contrapartida, Lefebvre (2008)
aponta para a questão de que cada vez mais a produção do espaço é posta pelo valor
de troca, o valor de uso entra no valor de troca, assim, compram-se e vendem-se
pedaços de espaço, o espaço torna-se rarefeito.
Para Leite & Pereira (2004, p. 39), “a ação de produzir e reproduzir
territorialmente a cidade não atende somente à demanda populacional, mas também
aos interesses dos vários agentes econômicos que atuam no espaço urbano”.
Esses agentes sociais e econômicos são os proprietários dos meios de produção,
representados por proprietários de grandes empresas industriais e comerciais,
proprietários fundiários, promotores imobiliários, grupos sociais excluídos e pelo
Estado. Neste sentido, a apreensão do espaço urbano é tarefa complexa devido aos
variados interesses dos agentes que atuam sobre ele, e seu processo de ordenamento
está diretamente influenciado pela apropriação fundiária do solo.
A apropriação desigual do solo urbano produz um espaço fragmentado,
tornando-se característica da dinâmica espacial e temporal do capitalismo. Corrêa
(1995, p. 8) salienta que “a desigualdade constitui-se em característica própria
do espaço urbano capitalista”, sendo, portanto, o lugar onde a segregação é mais
expressiva.
A questão de pensar a segregação como resultado da apropriação desigual da
cidade, para Campos (2006), cria um sistema de representação socioespacial em que
a materialidade é posta pela ocupação por intermédio da moradia, mas significada
e ressignificada tanto pelos próprios moradores como pelos que detêm o poder de
intervir a partir das políticas públicas diferenciadas, oriundas do planejamento urbano.
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A intervenção diferenciada na cidade, originada da ausência ou da ineficiência de
políticas públicas, comprova o argumento de Silva (2005), que a recente história
urbana do Brasil é injusta, sendo que as práticas de exclusão, apartação e segregação
socioespacial são freqüentes. O autor afirma que o Estatuto da cidade chega quando
se registra um extremo maltrato com as cidades, exemplificado pela destruição
paulatina de equipamentos, infra-estrutura e mobiliário urbanos, a migração e
canibalismo desenfreados que elegem novas “áreas nobres” ou “áreas de expansão”,
em detrimento de outras até então equipadas e adequadas à satisfação de múltiplas
necessidades urbanas.
Os loteamentos e condomínios fechados são alguns dos elementos
definidores dos processos urbanos de produção do espaço e segregação. No
entanto, alguns autores não costumam dissociar o uso destes termos.
A origem do termo loteamento é bem mais recente do que a própria
história das cidades, mas, no caso brasileiro, sua origem está ligada à Lei de
Terras de 1850, sendo que está voltada principalmente para a terra rural. A
Lei de Terras viabilizou a institucionalização da propriedade privada que,
conseqüentemente, promoveu o parcelamento de terras agrícolas e regulamentou
a propriedade privada urbana, definindo a expansão das cidades a partir dos
loteamentos (MAIA, 2006).
O loteamento implica dividir a terra em lotes destinados às construções.O
loteamento como “abertura ou prolongamento de logradouros públicos”, conforme
Maia (2006, p. 159), definem a abertura e/ou prolongamento de vias públicas – as
ruas, portanto, significam a expansão da cidade e a produção do espaço urbano.
Na perspectiva de Cabrales (2006), os loteamentos fechados ou, como
prefere o autor, as urbanizações fechadas surgiram com os country clubs, pois,
além de representarem a etapa fundacional da cidade fechada, se convertem
em meios que propiciaram um efeito de difusão do formato fechado sobre seu
entorno, mesmo ainda se localizando fora do espaço da cidade.
De acordo com Sposito (2006), a implantação de condomínios fechados
atende à legislação vigente, portanto, são implantações legais. Paradoxalmente,
no caso dos loteamentos fechados, a legislação brasileira considera que as áreas
internas aos muros são de uso coletivo, portanto, áreas públicas, destinadas à
livre circulação. Na prática, constata-se que essas áreas internas aos loteamentos
fechados têm sido utilizadas apenas para uso exclusivo de seus moradores. Isso
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evidencia os contrastes e conflitos entre o público e o privado. Acrescenta-se que,
em muitos casos, os municípios, atendendo aos interesses dos empreendedores
imobiliários, aprovam leis municipais que concedem o direito de uso exclusivo
dessas terras públicas intra-muros aos seus moradores, contrariando a lei maior e
a livre mobilidade em espaços coletivos.
Segregação socioespacial e a natureza do conflito
A história da origem dos conflitos remonta à própria existência humana,
desde a sociedade mais primitiva até a mais atual. Paulatinamente à evolução
da sociedade, os conflitos têm se expandido, bem como seus mecanismos de
resolução, ainda que de forma bastante frágil e através do uso da força. De
acordo com Nascimento (2001), os mecanismos de resolução dos conflitos
surgem com o desenvolvimento das leis, dos tribunais com seus juízes ou, até
mesmo, em espaços de enfrentamento institucional de conflitos entre membros
de uma mesma comunidade. Vale lembrar que os primeiros vestígios desses
mecanismos iniciaram-se na região do Eufrates e do Nilo, na constituição dos
grandes Estados da Antigüidade Oriental. Mesmo tendo raízes na civilização
oriental, os mecanismos de resolução de conflitos vão se desenvolver melhor
com os gregos e romanos, que constituiriam as sociedades modernas. Aqui, as
noções de Direito, Justiça e Mediação ganham força e relevo.
A partir da denominada sociedade moderna, sobretudo nos séculos XVIII
e XIX, os homens criaram mecanismos eficientes de resolução de conflitos, embora
não dispensassem o uso da força. A modernidade criou uma sociedade distinta
das passadas, por isso Nascimento (2006) aponta nove características, das quais
pode-se mencionar algumas: a individualidade do ser, a racionalidade da ciência,
a centralidade da lei como única e universal, a descentralização do poder (o poder
ganha status de lugar), a mobilidade social e geográfica (o indivíduo pode ocupar
várias posições sociais ao longo da vida e se deslocar pelo espaço geográfico) e,
principalmente, o capitalismo torna-se a base econômica universal.
Numa análise do espaço urbano, observa-se que a apropriação desigual
do espaço resulta na forma de conflito, materializada através da segregação.
Segundo Sposito (2006, p. 189), “historicamente, as cidades constituíram-se
como espaços de convivência, ainda que conflituosa”. A crescente fragmentação
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e compartimentação da cidade em diversos territórios tem ampliado os conflitos
e colocado no centro do debate questões como: a lógica do mercado imobiliário,
a síndrome do medo e da insegurança, a violência e o papel da cidade como
lugar do encontro. Isso evidencia que “mais do que uma crise urbana, estamos
diante de uma crise ética e moral expressa por meio dos conflitos que envolvem
a cidade, no uso de seu espaço e seus territórios” (OLIVEIRA, 2006, p. 175).
Como já mencionado, os loteamentos fechados provocam uma forte
tensão entre o público e o privado, visto que seu espaço interno é restrito ao uso
de seus moradores, mas a legislação expressa que é uma área de acesso coletivo
e público. Outra relação conflituosa é que no espaço externo aos loteamentos
fechados a rua perde o seu significado de local do encontro e passa a ser apenas
local de acessibilidade, e o espaço urbano torna-se cada vez menos o lugar da
vida e da sociabilidade para se tornar o espaço da passagem dos veículos.
A segregação socioespacial é apresentada sob duas formas distintas
para os sujeitos. Para as elites ou ricos, a apropriação de espaços exclusivos
por sujeitos da mesma condição social e econômica, em negação ao “outro” –
os mais pobres, se denomina de auto-segregação, no sentido de auto-proteção.
Os pobres são os que pertencem à categoria dos segregados, do ponto de vista
espacial, social e econômico.
A elite vê na forma de moradia dos loteamentos e condomínios fechados
uma maneira de se isolar dos pobres citadinos, alegando que eles são uma ameaça
para a cidade e para a segurança, justificado pelo aumento exponencial da violência
urbana. Essa visão de negação ou condenação do “diferente” acentua a noção de
estigmatização e, portanto, reafirma o discurso da segregação socioespacial.
A justificativa da violência se desfaz diante da necessidade de morar entre
os “iguais”, mas, na maioria das vezes, a socialização nos espaços exclusivos é quase
que inexistente, conforme aponta Sobarzo (2006) citando Caldeira (2000, p. 262).
Dessa forma, o discurso de uma vida comunitária próxima é um mito, pois as pessoas
querem morar entre os iguais, mas não querem viver a urbanidade entre os iguais.
Loteamentos e condomínios fechados na perspectiva do ordenamento
territorial
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Os loteamentos e condomínios fechados têm colocado no imaginário
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coletivo como o mais nítido emblema do prestígio social. Além disso, a procura
por esses segmentos de moradia também leva em consideração o caos urbano atual.
Nas metrópoles e cidades médias, os problemas de desordem e baixa qualidade
de vida, sobretudo nas áreas centrais, levam as classes médias e altas a buscarem
novos espaços para moradia, além de status social. A apropriação territorial dos
novos espaços destinados a essa camada social de maior poder aquisitivo, com
conseqüente valorização da terra, é denominada gentrificação, conforme aponta
Silveira (2006). O processo de gentrificação impõe aos espaços uma valorização
da paisagem verde, associado à melhoria da infra-estrutura viária e de saneamento.
Nesse sentido, os novos mobiliários urbanos são
Edificados dentro das cidades, [onde] estes espaços de uso
exclusivo e privativo atendem aos interesses de um grupo
pertencente à determinada camada da sociedade, para quem
tranqüilidade, paz, sossego, áreas verdes, pouco trânsito,
espaços bonitos, agradáveis e seguros são as palavras de
ordem, e isso nos remete à idéia da busca da qualidade de
vida, própria do campo (SILVEIRA, 2006, p. 74).
Concomitante a isso, os loteamentos e condomínios fechados têm
contribuído para consolidar uma nova frente de expansão e especulação imobiliária,
pois a implantação de tais mobiliários urbanos acarretam a construção de obras
públicas, com abertura de novas avenidas, que vão favorecer determinadas zonas
urbanas, além de ligá-los às outras áreas urbanas de consumo da elite – a exemplo
dos shoppings centers.
É notório que a implantação dos loteamentos e condomínios fechados
altera o ordenamento territorial das cidades e impõe novos desafios ao
planejamento urbano. O século XXI retoma o boom imobiliário, diante de tanta
oferta e diversidade, impulsionado pela capacidade de inovar e profissionalizar
as estratégias de marketing. No entanto, de acordo com Cabrales (2006, p. 136),
“o ativismo dos agentes imobiliários junto com a permissividade das instâncias
públicas de planificação configuram um espaço urbano muito hierarquizado”. Essa
hierarquia urbana territorializa a cidade através dos espaços de poder, isto é, através
do domínio territorial pelos grupos hegemônicos que detêm o capital e excluem a
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maioria da população do acesso a serviços e infra-estruturas de melhor qualidade.
Outra questão imposta ao ordenamento das cidades consta em avaliar o
caráter da legalidade das formas urbanas, como no caso analisado dos loteamentos
fechados, bem como garantir à população urbana o livre acesso aos espaços
públicos da cidade, considerando que a dicotomia no trato do que é público
e do que é privado na cidade é de grande complexidade. Cabe ressaltar que o
ordenamento territorial urbano não visa solucionar o problema da segregação
socioespacial, mas redimensionar o papel do Estado e das políticas públicas
na ordenação do espaço urbano e, assim, evitar que a cidade siga crescendo
inercialmente (CABRALES, 2006).
Gerar desenvolvimento urbano é colocar em primeiro lugar o acesso aos
recursos e aos bens coletivos, em que os benefícios sejam proporcionais aos custos
e não, como acontece com a maioria das políticas de desenvolvimento urbano,
privatizam-se os benefícios e socializam-se os custos. Nesse sentido, Cabrales
(2006, p. 149), citando Troitino (2000, p. 635) afirma que “a política de ordenação
do território deve ser o instrumento dos poderes públicos para facilitar soluções que
a lógica do mercado não é capaz de suportar”.
Diante das questões impostas pela globalização, do conseqüente
acirramento de tensões urbanas, sobretudo, postas pela fragmentação do território
brotam, segundo Haesbaert (2006), “micropolíticas” [e/ou microterritórios] capazes
de forjar resistências menores, em que territórios alternativos tentam impor sua
própria ordem, ainda minoritária e anárquica, mas talvez por isso mesmo embrião
de uma nova forma de ordenação territorial que começa a ser gestada.
Considerações finais
Algumas questões apresentadas neste texto colaboram para situar o debate
e propor algumas reflexões de natureza teórica sobre uma das problemáticas que
mais tem aquecido o debate atual no espaço urbano – a segregação socioespacial.
A busca de manter a “ordem” é condição primordial para aqueles que vêem
a cidade se deteriorando pela violência, pelas condições ambientais insalubres, pelas
poluições do ar, sonora e visual, entre outras. A análise a partir do território permite
compreender a dimensão da totalidade e da fragmentação do espaço urbano, já que
o espaço que une os homens é também o mesmo que os separa.
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Assim, observa-se que a produção da cidade é fortemente marcada pela
desigualdade e competição capitalista, onde se elegem espaços para a reprodução
social e econômica das elites. Esses espaços compostos pelos loteamentos e
condomínios fechados reafirmam a necessidade das elites de morarem entre os
“iguais”, negando o “diferente” e o papel maior da cidade como lugar do encontro.
Além disso, tais empreendimentos são marcados pela ilegalidade e forte processo
de especulação imobiliária, contrariando a lei que determina que os espaços internos
aos loteamentos são de propriedade coletiva, gerando conflitos entre o público e o
privado, o coletivo e o individual/restrito.
Um caminho encontrado nas reflexões aqui apresentadas com o objetivo
de propor um desenvolvimento urbano mais eqüitativo é a viabilização de políticas
públicas para ordenar o território urbano, com maior redimensionamento do papel
do Estado frente às políticas de redistribuição de recursos, gerando benefícios para a
população urbana e solucionando as deficiências da lógica de mercado que, cada vez
mais, transforma o espaço urbano em mercadoria, negando qualquer outra função
social, cultural ou simbólica que possa representar.
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AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: PRÁTICA DO AUTORITARISMO,
DISCIPLINARIZAÇÃO E PODER
Rosimeire Castro Guimarães*
Resumo: Este trabalho é um ensaio sobre as reflexões pertinentes ao processo
de avaliação de aprendizagem escolar a partir de um conjunto de observações
da prática avaliativa de muitos professores. O texto apresenta algumas
considerações sobre o processo ensino/aprendizagem; problematiza a avaliação
como instrumento de disciplinarização e o uso autoritário do poder; discute as
relações estabelecidas entre professores e alunos neste contexto e apresenta
algumas propostas de mudanças, inclusive na prática pedagógica do professor.
Palavras-Chave: Avaliação de Aprendizagem, Prova, Disciplinarização,
Autoritarismo e Poder.
1 - INTRODUÇÃO
Ainda que em todos os tempos e lugares sempre tenham ocorrido
mudanças, as chamadas sociedades tradicionais fixavam hábitos mais duradouros
que ordenavam a vida de forma padronizada, com estilos de vida mais resistentes
a alterações, sempre introduzidas de maneira gradativa. No entanto, no final do
segundo milênio pôde-se falar em mudanças de paradigma, porque os parâmetros
que vinham orientando a forma de pensar, valorizar e agir, desde o Renascimento e
a Idade Moderna, entraram em crise muito rapidamente.
Vive-se atualmente a era da sociedade da informação, gestada pelas grandes
descobertas tecnológicas no campo da automação, robótica e microeletrônica, que
transformaram de maneira radical todos os setores da vida. A influência da mídia
e da informática acelerou o processo de globalização, a partir de uma rede de
*Mestranda em Educação - Área de concentração Psicanálise pela Universidad de Los Pueblos de Europa UPE;
Especialização em Didática - Fundamentos Teóricos da Prática Pedagógica pela Faculdade de Educação São
Luís - Jaboticabal - SP; Graduada em Supervisão e Orientação Educacional pela UNIMONTES; Professora do
Instituto Superior de Educação Ibituruna - ISEIB, professora do Instituto Superior de Educação – UNIMONTES,
Pedagoga da E. E. Antônio Canela - Montes Claros
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comunicação, que coloca o homem em contato com qualquer lugar do mundo.
A interação entre esses processos e as reações por eles desencadeados
fizeram surgir uma nova estrutura social dominante, a sociedade em rede e uma
nova cultura, a da virtualidade real. A lógica inserida nessa sociedade e nessa cultura
está subjacente à ação e às instituições sociais em um mundo interdependente.
De fato, a década de 1960, faz lembrar os movimentos de liberação sexual
defendidos nas comunidades hippies, a luta pela emancipação feminina, inserida em
um panorama mais amplo de defesa dos direitos humanos, no qual outros grupos,
como negros, indígenas e gays defendem um espaço de liberdade e expressão.
Esses movimentos de reivindicação e emancipação não devem dar a ilusão
de homogeneidade dos comportamentos: ao contrário, o mundo contemporâneo
encontra-se fendido por contradições, perplexidade diante do novo e ameaças de
retrocesso pela recusa de abandonar os velhos costumes e poderes.
Embora haja inúmeras definições e interpretações a respeito do conceito
de poder, deve-se considerá-lo aqui, genericamente, como a capacidade ou
possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados sobre indivíduos ou grupos
humanos. O poder supõe dois pólos: o de quem exerce o poder e o daquele sobre
o qual o poder é exercido. Nesse sentido, o poder é uma relação ou um conjunto
de relações pelas quais indivíduos ou grupos interferem na atividade de outros
indivíduos ou grupos.
Se o poder aqui é considerado como uma relação que permite influir
no comportamento de outra pessoa, o poder que interessa neste texto refere-se
à exercida pelo professor sobre os alunos, no processo ensino/aprendizagem em
especial na atividade avaliativa. Que mesmo vivendo numa sociedade gestada
pelas grandes descobertas científicas e tecnológicas e com toda a influência
dos meios de comunicação que defendem a liberdade de expressão, muitos
educadores se vêem perplexos diante do novo e recusam a abandonar os velhos
costumes e poderes.
2 - PROCESSO ENSINO/APRENDIZAGEM: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
Ensinar e aprender são formas complexas de atividade humana. O
processo ensino aprendizagem está sempre em interação. Assim, se há problemas
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de aprendizagem, provavelmente, há também problemas de ensino.
A noção de aprendizagem está, em sua origem, associada à idéia de
apreensão de conhecimento e, nesse sentido, só pode ser compreendida em
função de uma determinada concepção de conhecimento – algo que a filosofia
compreende como base ou matriz epistemológica. A partir de tais concepções,
podem ser focalizadas três possibilidades de definição de aprendizagem, segundo
Coll (1996) e Solé (1998):
1) A aprendizagem é mudança de comportamento resultante do treino ou
da experiência. Essa definição de aprendizagem funda-se na concepção empirista
formulada por Locke e Hume, realimenta-se no positivismo de Comte, com seus
ideais de objetividade científica, ao final do século XIX e encarna-se na corrente
behaviorista, comportamentalista ou de estímulo-resposta no inicio do século XX.
Essa definição mais impregnada e dominante no campo psicológico e
pedagógico, reserva ao sujeito o papel de receptáculo e reprodutor de informações,
através de modelagens comportamentais progressivamente reforçadas.
Na perspectiva pedagógica, essa concepção encontra plena afinidade com práticas
mecanicistas, tecnicistas e “bancárias” – metáfora utilizada por Paulo Freire, para
traduzir a idéia de passividade do sujeito, depositário de informações, conforme a
lógica do acúmulo, a serviço da seleção e da classificação.
2) Aprendizagem é apreensão de configurações perceptuais através de
insight. Funda-se na base filosófica de natureza racionalista ou apriorista, que
percebe o conhecimento como resultante de estruturas pré-formadas, de variáveis
biológicas ou maturacionais e de organização perceptual de situações imediatas.
A escola psicológica alemã conhecida como Gestalt, responsável, no início
do século XX, por estudos na vertente da percepção, constitui uma das expressões
mais fortes dessa posição. Neste modelo, a aprendizagem prevalece sobre o ensino,
em seu estatuto de auto-suficiência e auto-regulação, reducionismo que permanece
recusando a relação ensino-aprendizagem.
3) A aprendizagem é organização de conhecimentos como estruturas ou
rede, construídas a partir de interações entre o sujeito e meio de conhecimento ou
praticas sociais. Concepção de base construtivista ou interacionista comprometida
com a superação dos reducionismos anteriores.
Essas possibilidades expostas conduzem a um modo especifico de considerar a
questão da aprendizagem e ao conceito de aprendizagem significativa.
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Na perspectiva piagetiana a aprendizagem se identifica com adaptação
ou equilibração à medida que supõe a “passagem de um estado de menor
conhecimento a um estado de conhecimento mais avançado” ou “uma construção
sucessiva com elaborações constantes de estruturas novas, rumo a equilibrações
majorantes” (PIAGET, 1983).
O motor para tais processos de adaptação e equilibração seria o conflito
cognitivo diante de novos desafios ou necessidades de aprendizagem, em esforços
complementares de assimilação e acomodação.
Na perspectiva sócio-historica de Vygotsky e seus colaboradores, destaca-se, no
contexto dessa discussão, a articulação fortemente estabelecida entre aprendizagem
e desenvolvimento, sendo a primeira impulsionadora do segundo, no sentido que
apresenta potência para projetá-lo até patamares mais avançados.
‘Para Vygotsky (1984), esta potência da Aprendizagem se ancora nas
relações entre “zona de desenvolvimento real” e “zona de desenvolvimento
proximal”. A zona de desenvolvimento real refere-se às competências ou domínios
já instalados nos campos: conceitual, procedimental e atitudinal. A zona de
desenvolvimento proximal é entendida como campo aberto de possibilidades, em
transição ou em vias de se consolidar, a partir de intervenções ou mediações de
outros (professores ou pares mais experientes ou competentes em determinada área,
tarefa ou função).
Coll (1998) considera que a perspectiva dialética dessa abordagem
insere a aprendizagem em uma dimensão mais próxima em nossa realidade
educacional: um processo marcado por contradições, conflitos, rupturas e,
até mesmo, regressões – necessitando, por isso mesmo, de mediações que
assegurem o espaço do reconhecimento das praticas sociais dos alunos, de seus
conhecimentos prévios, dos significados e sentidos pertinentes às situações de
aprendizagem de cada sujeito singular e de suas dimensões compartilhadas.
Dar sentido para a aprendizagem na escola e fazer com que os alunos
atribuam significado às suas aprendizagens, é um desafio colocado para todos os
professores. Para isso, é preciso transformar a sala de aula em um espaço aberto
de “negociação de significados”, onde os conteúdos das diversas disciplinas
sirvam de instrumentos para que os alunos possam reconstruir seus esquemas
prévios de compreensão da realidade, de modo a ampliar as possibilidades de
intervirem no respectivo contexto vivencial.
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Se o objetivo do ensino é fazer com que os alunos possam construir
aprendizagens com sentido e significados, é preciso segundo Zabala (1996), que
o professor seja alguém que ajude a detectar um conflito inicial entre o que se
sabe e o que se deve saber e que contribua para que o aluno sinta prazer e tenha
vontade de resolvê-lo; que coloca o novo conteúdo de forma que apareça como
um desafio interessante, cuja resolução terá alguma utilidade; que intervém de
forma ajustada aos processos e dificuldades manifestados pelo aluno, tendo em
vista sua realização autônoma.
No entanto, avaliar a aprendizagem ainda tem sido uma constante
angustia para professores e também é estressante para os alunos. É angustiante
para muitos professores por não saberem como transformá-la em um processo
que não seja uma mera cobrança de conteúdos de forma mecânica e sem
muito significado para os alunos. Angústia maior por ter que usar a prova,
instrumento tão valioso no processo educativo, como recurso de repressão e
abuso de poder. Para o aluno na maioria das vezes é vista como sintoma de
fracasso. Observa-se, portanto, que no exercício pedagógico escolar destaca
mais a prática pedagógica do exame/promoção-reprovação do que uma
pedagogia do ensino/aprendizagem.
3 - PROVA: INSTRUMENTO DE DISCIPLINARIZAÇÃO E ABUSO DO
PODER
Os instrumentos de avaliação, ainda hoje, principalmente as provas, apesar
de tantos estudos e pesquisas são bastante utilizadas para regular as aprendizagens,
regular as atividades e as relações de autoridade, controle e poder.
Sistema de Ensino, pais, profissionais da educação, professores e alunos, todos tem
sua atenção voltada para a promoção ou reprovação.
O Sistema de Ensino está sempre interessado nos percentuais de aprovação
ou reprovação no final de cada ano letivo. Exige das escolas melhoria nos índices
de promoção e elevação das curvas estatísticas nos resultados das avaliações
sistêmicas sem questionar as reais situações sociais dos alunos e da escola, ou sem
verificar se a escola está com um trabalho efetivamente significativo do ponto de
vista de um ensino e de uma aprendizagem significativa social e política.
Embora a escola apresente dados estatísticos fora do padrão exigido, o Sistema
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de Ensino não investiga se a escola está trabalhando na perspectiva da formação
humana e de uma consciência crítica do cidadão, dados que não podem ser
mensurados. Só observam dados estatísticos principalmente aqueles que podem
ser medidos por uma prova.
Os pais estão sempre desejosos que seus filhos avancem de uma série
para a outra, apesar de demonstrarem um total desconhecimento do nível de
desenvolvimento intelectual e de formação humana dos alunos. Muitos deles, nas
reuniões de pais, só interessam pelo registro das notas e nem questionam os registros
que se referem às atitudes e valores.
Os professores estão sempre utilizando os instrumentos de avaliação como
elementos motivadores por meio de ameaças e tortura prévia como: “Estudem!
Caso contrário, poderão se dar mal no dia da prova”. Quando os alunos estão
indisciplinados ou desinteressados é comum ouvir “Fiquem quietos! Prestem
atenção! O dia da prova vem aí e vocês vão ver o que acontece”. Ou dizem ainda:
“Estou elaborando uma prova bem difícil, me aguarde!”, “Se não ficarem calados
vou fazer uma prova surpresa”, “Já que vocês não param de falar, considero a
matéria dada e vai cair na prova”.
Estas e muitas outras expressões são indicadores da maneira repressiva
que tem sido utilizada a avaliação da aprendizagem e demonstram o quanto o
professor utiliza-se da prova como um fator negativo de motivação ou um sentido
velado de vingança.
E os alunos? Eles se vêem sempre na expectativa de serem aprovados
ou reprovados e para isso, assinam trabalhos sem terem participado, servem-se
das “colas”, das agressões em gestos e expressões para intimidar professores ou,
muitas vezes perdem o sentido e o desejo de irem à escola. O que importa para
o aluno é a nota, não importa como foram obtidas nem por quais caminhos. Não
importa se ela expressa ou não uma aprendizagem satisfatória.
A escola e os professores aumentam as exigências em relação às notas para
que os alunos valorizem o conteúdo e estudem mais. No entanto, o aluno poderá
até se dedicar ao estudo, não porque os conteúdos são importantes, significativos e
prazerosos, mas porque estão ameaçados por uma prova. Possivelmente o medo o
levará a estudar.
Enfim, as notas são operadas, manipuladas e polarizam a todos, como se nada
tivessem a ver com o percurso ativo do processo de aprendizagem. Os acontecimentos
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do processo de ensino e aprendizagem, seja para analisá-los criticamente, seja para
encaminhá-los de uma forma mais significativa, ficam adormecidos.
Com a atenção centralizada nas provas e resultados, como se estabelecem
as relações professor-aluno? Onde está presente o uso autoritário da avaliação e a
sua transformação em mecanismo disciplinador de condutas sociais?
4 - AVALIAÇÃO: COMO FICA A RELAÇÃO PROFESSOR /ALUNO?
Luckesi no seu livro “Avaliação da Aprendizagem Escolar” (1997)
afirma que os professores elaboram suas provas para “provar” que os alunos
nada sabem e não para auxiliá-los na sua aprendizagem. Elaboram provas para
“reprovar” seus alunos. Muitos fazem uso arbitrário do poder para conseguirem
o respeito como professor.
Com essa postura, organizam provas com questões descolados dos
conteúdos ensinados em sala de aula; questões com um nível de complexidade
maior do que aquele que foi trabalhado; questões irrelevantes e arbitrárias; tudo
para punir os alunos ou conseguir o domínio da classe. E ainda escrevem no final
da avaliação, expressões como: “Boa sorte!”, “Bom trabalho!”, “Sucesso!”, muitas
vezes com um sentido velado de vingança.
Outras manifestações do papel autoritário da avaliação no modelo
domesticador da educação podem ser levantadas. A comunicação que se pede num
teste pode não estar clara, mas o professor, autoritariamente, sempre tenderá dizer
que a comunicação está bem-feita e que o aluno não sabe, sendo classificado como
incompetente. No caso de um deslize do professor em comunicar o que desejava,
por que não reconhecer o erro e admitir que o aluno detém o conhecimento e a
habilidade desejada?
Muitos professores fazem promessas de “pontos a mais ou a menos” para
o bom comportamento, realização de atividades em sala, visto em tarefas, sem
questionarem o que tem a ver esses pontos com a efetiva aprendizagem dos alunos
no conteúdo trabalhado.
Também fazem uso da avaliação da aprendizagem como recurso para a
disciplina social dos alunos. É uma prática comum utilizar o expediente de ameaçar
os alunos com o poder e o veredicto da avaliação, caso a “ordem social” da sala seja
infligida. Uma atitude de “indisciplina”, em sala de aula é motivo de um castigo
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com um teste relâmpago que poderá reduzir as possibilidades de aprovação dos
alunos.
De instrumento diagnóstico para o crescimento, a avaliação passa a ser um
instrumento de ameaça, o que não tem nada a ver com o significado dos conteúdos
escolares, mas com a coação dos alunos através da imposição, castigo psicológico,
violência simbólica o que gera medo.
Sobre o medo, Lukesi destaca:
O medo é um fator preponderante no processo de controle
social. Internalizado é um excelente freio às ações que são
supostamente indesejáveis. (...) o medo gera a submissão
forçada e habitua a criança e o jovem a viverem sob sua
égide. Reiterado, gera modos e petrificados de ação. Produz
não só uma personalidade submissa como também hábitos
de comportamento físico tenso que conduzem ás doenças
respiratórias, gástricas, sexuais, em função dos diversos tipos
de stresses permanentes (1997 p.24).
Diante do quadro apresentado sobre a tortura do ato de avaliar e da violência
psicológica que gera o medo, quais as conseqüências pedagógicas, psicológicas e
sociológicas que podem sofrer os alunos?
5 - ALGUMAS CONSEQÜÊNCIAS DE UMA AVALIAÇÃO
ARBITRÁRIA
Pedagogicamente, a função verdadeira da avaliação seria auxiliar a
construção da aprendizagem satisfatória. Porém, como ela está centralizada nas
provas, secundariza o significado do ensino e da aprendizagem como atividade
significativa em si mesmas e superestima os exames. Ou seja, a avaliação da
aprendizagem, na medida em que estiver polarizada pelas provas e notas, não
cumprirá a sua função de subsidiar a decisão da melhoria da aprendizagem.
Psicologicamente, segundo Luckesi (1997), esse modelo de avaliação
é útil para desenvolver personalidades submissas. O fetiche, pelo seu lado não
transparente, inviabiliza tomar a realidade como limite da compreensão e das
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decisões da pessoa. A avaliação da aprendizagem utilizada de modo fetichizado é
útil ao desenvolvimento da autocensura, autocontrole.
Para o autor, sociologicamente, a avaliação da aprendizagem utilizada de
forma fetichizada, é bastante útil para os processos de seletividade social. Nesse caso
a avaliação está muito mais articulada com a reprovação do que com a aprovação
e daí vem a contribuição e colaboração com a correnteza para o acréscimo da
seletividade social, que já existe, independente dela.
As atitudes ameaçadoras, empregadas repetidas vezes pelo professor na
sala de aula, garantem o medo, a ansiedade, a vergonha de modo intermitente. A
partir do erro, do baixo desempenho na escola, desenvolve-se e reforça-se no aluno
uma compreensão culposa da vida, pois, além de ser castigado por outros, muitas
vezes ele sofre ainda a autopunição. Ao ser reiteradamente lembrado da culpa o
educando não apenas sofre os castigos impostos de fora, mas também aprende
mecanismos de autopunição, por supostos erros e fracassos que atribui a si mesmo.
Isso deixa marcas tão profundas que no futuro esse aluno necessitará de muitas
terapias para se libertar de suas fobias e ansiedades, que foram se transformando em
hábitos biopsicológicos inconscientes. Hábitos criados pelo medo. Medo esse, que
tolhe a vida e a liberdade e ainda cria a dependência e a incapacidade para ir sempre
em frente, enfrentar desafios e ser feliz.
6 - ALGUMAS POSSIBILIDADES DE MUDANÇAS
O que fazer para mudar a atual prática da avaliação de aprendizagem
vista como instrumento de ameaças, coação, autoritarismo e abuso do poder?
Quais os encaminhamentos possíveis para possibilitar uma transformação
no modelo de avaliação punitiva para uma avaliação diagnóstica e contínua,
favorável à aprendizagem?
A avaliação educacional escolar, como instrumento tradutor de uma
pedagogia que, por sua vez, é representativa de um modelo social, não poderá
mudar sua forma se continuar sendo vista e exercitada no âmago do mesmo corpo
teórico-prático no qual está inserida.
Para que a avaliação da aprendizagem assuma seu verdadeiro papel de
instrumento dialético de diagnosticar para o crescimento, terá de se situar e estar a
serviço de uma pedagogia que esteja preocupada com a transformação e não com a
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conservação, classificação.
A avaliação só deixará de ser autoritária se o modelo social e a concepção
teórico-prática da educação também não forem autoritários. Se as aspirações
sociais da humanidade se traduzem num modelo socializante e democrático, a
pedagogia e a avaliação em seu interior também se transformarão na perspectiva de
encaminhamentos democráticos.
Assim sendo, “a avaliação deve ser contínua para que possa cumprir sua
função de auxílio no processo de ensino-aprendizagem” (VASCONCELLOS,
1993, P: 50), pois, a avaliação que importa é aquela que é feita no processo, quando
o professor pode estar acompanhando a construção do conhecimento pelo aluno.
Avaliar no momento que precisa ser avaliado para ajudá-lo a construir o seu
conhecimento de forma significativa, prazerosa e responsável.
O professor preocupado com a formação continuada do seu aluno deve
verificar os vários estágios de desenvolvimento dos educandos e não julgá-los em
apenas um momento como acontece na avaliação punitiva e classificatória. Como
afirma Vasconcellos (1993), o professor deve avaliar o processo e não apenas o
produto do processo.
7 - PAPEL DO EDUCADOR NESSA MUDANÇA
O educador que estiver disposto a dar um encaminhamento para a
prática da avaliação escolar, pautada na aprendizagem dos alunos, deverá estar
preocupado em redefinir ou em definir propriamente os rumos de sua ação
pedagógica. Deve assumir um posicionamento pedagógico claro e explícito no
seu planejamento, execução e avaliação. Deve ainda, compreender a finalidade
da prática avaliativa, que está a serviço da aprendizagem, visando a promoção
moral e intelectual dos alunos.
Para isso, como sugere Hoffmann (2001), o educador deve ser um
investigador, esclarecedor e organizador de experiências significativas de
aprendizagem. Investigando o processo de ensino/aprendizagem o professor
redefine o sentido da prática avaliativa. Refina seus sentidos e exercita diversos
conhecimentos com o objetivo de agir conforme as necessidades de seus alunos,
individuais e coletivamente. Como confirma Luckesi:
Um educador, que se preocupe com que a sua pratica educacional esteja
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voltada para a transformação, não poderá agir inconsciente e irrefletidamente. Cada
passo de sua ação deverá estar marcado por uma decisão clara e explicita do que está
fazendo e para onde possivelmente está encaminhando os resultados de sua ação. A
avaliação, neste contexto não poderá ser uma ação mecânica. Ao contrario, terá de
ser uma atividade racionalmente definida, dentro de um encaminhamento político e
decisório a favor da competência de todos para a participação democrática da vida
social (1997: 46).
A avaliação como um processo de reflexão sobre e para a ação contribui
para que o professor se torne cada vez mais capaz de recolher indícios, de atingir
níveis de complexidade na interpretação de seus significados, e de incorporá-los
como eventos relevantes para a dinâmica do processo ensino/aprendizagem.
Seu compromisso é de agir refletidamente, criando e recriado alternativas
pedagógicas adequadas a partir da melhor observação e conhecimento de cada
um dos alunos, sem perder a observação do conjunto e promover sempre ações
interativas. Para Hoffmann (2001), o professor deve ter uma “visão dialógica, de
negociação entre os envolvidos e multirreferencial (objetivos, valores, discussão
interdisciplinar)”. E acima de tudo, respeitar a individualidade e confiar na
capacidade de todos.
Na lógica da avaliação a serviço das aprendizagens, numa proposta
que valoriza a função formativa da avaliação, destaca-se uma outra abordagem,
rediscutindo-se o que é o “erro”.
Visto como objeto de investigação do professor sobre a aprendizagem
do aluno, o “erro” é reconhecido como parte do processo de aprendizagem e traz
outros elementos para a análise que deverão compor a avaliação.
Neste contexto, a função do professor é observar. Quanto mais um
professor insere a observação e o registro na sua prática avaliativa, mais ele
consegue se abrir para tentar entender o complexo processo de aprendizagem.
Adotando o “erro” como parte do processo de aprendizagem e como componentes
da prática avaliativa para possíveis intervenções pedagógicas, o professor passa a
aceitar a avaliação como instrumento de aprendizagem e investigação didática.
Atuando assim, pode acompanhar o processo de formação de seus
alunos, monitorar o ensino e promover através da avaliação, melhorias no ensino
e na aprendizagem.
Sem abandonar a responsabilidade de ensinar, o professor redescobre
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momentos de aprendizagem significativa, provando que conhecimento, respeito e
afeto não se excluem. Ao contrário se complementam.
Quando o professor se propõe a ensinar e a aprender, uma corrente de elos
de afetividade vai se formando e o cumprimento das atividades passa a fazer sentido.
Sem vínculos afetivos, a aprendizagem significativa não ocorre. Ensinar bem é criar
vínculos. A aprendizagem melhora quando se tem um bom relacionamento, e isso
inclui acreditar na capacidade do aluno.
8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A prática da avaliação de aprendizagem no contexto escolar, apesar da
atenção de muitos educadores, políticos e da sociedade em geral, ainda se realiza
dentro de um modelo teórico de compreensão que pressupõe a educação como um
mecanismo de conservação e reprodução da sociedade, práticas incompatíveis com
uma educação democrática.
O autoritorismo, elemento necessário para a garantia desse modelo
social, apesar de muitas tentativas de avanço, está muito presente nas relações
que se estabelecem no processo ensino/aprendizagem; daí a prática da avaliação
manifestar-se de forma autoritária.
Todavia, a avaliação só deixará de ser autoritária, se o modelo social e
a concepção teórico-prática da educação também não forem autoritários. Se as
aspirações socializantes da humanidade se traduzem num modelo socializante e
democrático, a pedagogia e a avaliação em seu interior também se transformarão na
perspectiva de encaminhamentos democráticos.
Para que a avaliação da aprendizagem assuma seu verdadeiro papel de
instrumento dialético de diagnosticar para o crescimento, terá de se situar e estar a
serviço de uma pedagogia que esteja preocupada com a transformação e não com a
conservação, classificação e dominação.
Daí a importância do professor agir refletidamente, criando e recriando
alternativas pedagógicas adequadas a partir da melhor observação e conhecimento
de cada um dos alunos, sem perder a observação do conjunto e promovendo sempre
ações interativas, pois, assim afirma Luckesi (1997, p: 46) “Um educador (...)
não poderá agir inconsciente e irrefletidamente. Cada passo de sua ação deverá
estar marcado por uma decisão clara e explícita do que está fazendo e para onde
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possivelmente está encaminhando os resultados de sua ação”.
Neste sentido faz-se importante refletir: “se você acredita que a pessoa
humana é sempre capaz de crescer, você fará sempre uma avaliação diagnóstica”
(GANDIM, 1997, p: 160). Pois, enquanto na concepção behaviorista ou
comportamentalista a avaliação punitiva e classificatória provoca desinteresse nos
educandos, fazendo-o sentir-se ameaçado a todo momento pela figura do professor,
a avaliação diagnóstica respeita e valoriza as diferenças individuais, resgata a autoestima dos alunos e educa verdadeiramente para a cidadania.
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BENTINHO, HOMEM POUCO VIRIL: Substituições que perpassam o
narrador em Dom Casmurro, de Machado de Assis
Márcio Adriano Silva Moraes*
A masculinidade é conquistada no final de um combate (contra
si mesmo) que não raro implica dor física e psíquica.
Elisabeth Badinter
Resumo: Ser macho é decidir por si próprio, ser capaz de assumir suas
responsabilidades, não as delegando a ninguém além de si mesmo. Essa
representação do masculino virilizado não é perceptível na pessoa de Bento
Santiago, protagonista da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis. A
percepção desse personagem é ofuscada e só pode ser revelada por terceiros.
Dessa forma, Bentinho é freqüentemente substituído por outros personagens em
suas decisões. Mostrar-se-á, então, como essas substituições contribuem para a
formação pouco viril desse personagem machadiano.
Palavras-chave: Bentinho. homem. masculino. substituição(ões).
Introdução
O ser humano masculino, desde a criação do mundo, sempre foi o
predileto, em cujas mãos deveria ficar o controle da família e da sociedade. Tanto
é que, o Criador de todas as coisas, Deus (substantivo masculino), no livro do
Gênesis, disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança (Gn. 1, 26)9 ”. A
figura feminina foi criada posterior ao homem, e, o que é mais interessante, sendo
ela fruto do próprio homem: “E da costela que tinha tomado do homem, o Senhor
Deus fez uma mulher e levou-a para junto do homem” (Gn. 2, 22)10 . É claro que o
*Graduado em Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros e pós-graduado em Lingüística
(latu senso) pelas Faculdades Santo Agostinho.
9Contudo, essa tradução não seria a mais correta, pois o primeiro capítulo do livro do Gênesis representa o
Documento Sacerdotal, cuja tradução literal desse trecho seria: “Por fim, Elohim disse: ‘Façamos a Humanidade à
Nossa imagem, como uma réplica de Nós’” (BOTTÉRO, Jean. Nascimento de Deus: A Bíblia e o historiador. trad.
Rosa Freire D’Aguiar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993).
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comentário acima é respaldado apenas numa interpretação religiosa cristã de senso
comum. Através de um estudo exegético, perceber-se-á que a palavra homem, no
primeiro capítulo, traduz-se por humanidade, e que a mulher tomada da costela do
homem simboliza que ambos são formados da mesma matéria, portanto, iguais.
Mas, saindo de um campo mais abstrato e entrando em um mais concreto,
pelo menos, visualmente, em variadas culturas, nota-se certa supremacia do ser
humano masculino, como nos países islâmicos e em algumas tribos indígenas. A
China, por exemplo, país com o maior número de habitantes, privilegia crianças
do sexo masculino, por uma questão cultural e de tradição familiar. No ocidente,
somente no século XX é que a mulher deixou de ser o sexo frágil, e, estudos
recentes, estão provando o contrário, isto é, o homem é que seria o sexo frágil,
devido à capacidade fisiológica feminina de resistir mais a dor.
Não se pretende aqui elevar o ser masculino que, por si só, julga-se superior à mulher,
pelo contrário, existem homens que, apesar de terem nascido varões, assumem um
caráter de varal, em que, normalmente, as mulheres estendem as indumentárias.
Um exemplo clássico desse tipo de homem é o personagem Bentinho, da célebre
obra de Machado de Assis, Dom Casmurro. Como foi dito anteriormente, a mulher
só se igualou ao homem em direitos e deveres no século XX; no Brasil, lê-se na
Constituição de 1988: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição” (BRASIL, 2002, art. 5º, inciso I). No entanto, no século
XIX, quando a referida obra de Machado foi escrita, e nos séculos anteriores, a
figura feminina possuía certas restrições.
É evidente que existem exceções, mulheres exemplos que lutaram contra
o patriarcalismo de seu tempo e que possuíam um caráter tão ou mais forte do
que homens da época. Mas o que interessa aqui não é a transição feminina, de ser
frágil para ser forte, mas o inverso, a singularidade de um personagem machadiano
masculino, que nasce com a força viril atrofiada.
Substituições em Dom Casmurro
10 O segundo capítulo do Gênesis representa o Relato Javista que, pela cronologia, é anterior ao Documento
Sacerdotal. Então, os dois capítulos que tratam da criação não são um a continuação do outro, mas documentos
diferentes, escritos por pessoas, em épocas e com objetivos diferentes. Por isso que, em certos pontos, eles
parecem paradoxais. (BOTTÉRO, 1993).
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Normalmente, com relação à identidade sexual, a figura masculina
enfrenta uma pressão da sociedade para, a todo custo, prová-la, sobretudo,
no século XIX e anteriores. A sociedade patriarcal dita regras imutáveis, até
lendárias, sobre a postura do homem, como deve agir e se comportar frente
às várias situações a que está sujeito. Sobre isso, Sócrates Nolasco (1993, p.
40)11 , citado por Jacqueline Ribeiro Silva (2003, p.75)12 , afirma: “o estereótipo
do macho exclui [...] dinâmicas subjetivas, fazendo crer ao indivíduo que um
homem se faz sob sucessivos absolutos: nunca chora; tem que ser o melhor;
competir sempre; ser forte; jamais se envolver afetivamente e nunca renunciar”.
A mulher não possui essa preocupação, pois pode muito bem viver sobre
as custódias familiares. Há pais, por exemplo, superprotetores que até preferem
isso, ter as filhas sob os seus olhares a todo instante. Porém, “o homem se sente
perseguido pela feminilidade, pois ele nasce de uma mulher e tem que separar
desta marca deixada pela mãe. Tem que mostrar que é homem, com atitudes
que provem sua masculinidade” (SILVA, 2003, p. 74). Fato que não ocorre com
protuberância no personagem Bentinho, que não consegue ver-se longe da sua
árvore genitora. Disso, pode-se afirmar que, além do ciúme exacerbado que
preenche esse indivíduo ficcional, muito estudado pelos críticos, “Dom Casmurro
ainda é um retrato do ciúme” (JOHN GLEDSON, 1991, p. 78)13 , há um ser frágil
que sempre passa por substituições.
Bentinho é um típico personagem machadiano angustiado por problemas
existenciais marcados desde sua infância até sua vida adulta, “que têm por base
uma série de ‘incongruências’ e uma longa teoria de ‘substituições’, algumas
criadas pelas circunstâncias, outras urdidas pelos próprios personagens” (ALBA
OLMI, 1999)14 .
No início da obra, já se depara com um processo substitutivo, o narrador
autor deixa o seu nome de batismo, Bento Santiago, para assumir um apelido que
ele mesmo confessa ser o melhor título para suas confissões, portanto, a melhor
forma de identificá-lo:
No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios e acabou
alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não
gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso
à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei.
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Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça,
chamam-me assim. (JOAQUIM MARIA MACHADO DE
ASSIS, 2007, p. 13; grifo nosso)15 .
Isso significa que o narrador não assume a sua própria identidade,
passando-se para um fantasma de si mesmo que, embora substitua a casa de
Matacavalos pela do Engenho Novo, como cópia fiel àquela, não consegue
encontrar-se com seu ego, pois ele já não está mais lá, exceto quando a magia
da escrita lhe permite reviver suas recordações. “Um dia, há bastantes anos,
lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua
de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que
desapareceu” (ASSIS, 2007, p. 14). Ao desejar o passado perto de si, renegando
inovações presentes, Bentinho substitui o presente pelo passado. Ele não quer
morar em uma casa estranha, ele deseja habitar novamente o lar da meninice. E,
para isso, reconstitui a sua antiga morada mediante lembranças.
Lamentosa pela morte do primeiro filho, D. Glória, mãe de Bentinho, faz
a promessa de que, se o seu segundo filho fosse homem, pô-lo-ia no seminário.
Logo, Bentinho, desde seu nascimento, teve seu destino traçado por sua mãe,
pois ele, na verdade, representa aqui a substituição do irmão natimorto. “Os
projetos vinham do tempo em que fui concebido. Tendo-lhe nascido morto o
primeiro filho, minha mãe pegou-se com Deus para que o segundo vingasse,
prometendo, se fosse varão, metê-lo na Igreja” (ASSIS, 2007, p. 29). Entretanto,
como D. Glória só possuía um único filho que fora criado debaixo de suas saias,
o que contribuiu para a formação de Bentinho como homem frágil e dependente,
aceita a sugestão de Escobar de fazer padre um órfão no lugar de Bentinho. “Sua
mãe fez promessa a Deus de lhe dar um sacerdote, não é? Pois bem, dê-lhe um
sacerdote, que não seja você. Ela pode muito bem tomar a si algum mocinho
órfão, fazê-lo ordenar à sua custa, está dado um padre ao altar” (ASSIS, 2007,
154). Colocando-se um outro homem no seminário, em vez de Bentinho, é
substituir este por aquele.
Quanto ao assunto do seminário, há ainda certa negociação da promessa
de D. Glória com Deus, a qual poderia ser traduzida da seguinte forma; ó meu bom
Deus, vou lhe dar um padre, ainda que não seja a pessoa prometida, mas vou lhe dar
um padre! Nota-se que a sugestão para a substituição aqui não parte de Bentinho,
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nem de sua mãe, mas de uma pessoa estranha à família, o jovem Escobar, que se
tornará muito íntimo para o protagonista da obra. Antes dessa cena, há outra atitude
substitutiva semelhante; trata-se do momento em que José Dias, para solucionar o
problema de Bentinho e aliviar a consciência de D. Glória, sugere a ida ao Vaticano
com o intuito de pedir ao Papa a dispensa da promessa.
Minha mãe, ao parecer dele, estava arrependida do que fizera,
e desejaria ver-me cá fora, mas entendia que o vínculo moral
da promessa a prendia indissoluvelmente. Cumpria rompê-lo,
e para tanto valia a Escritura, com o poder de desligar dado
aos apóstolos. Assim que, ele e eu iríamos a Roma pedir a
absolvição do Papa (ASSIS, 2007, p. 152).
O desespero de Bentinho é tão exacerbado que ele imagina a interferência
até do imperador para solucionar o seu problema: “Quando tornei ao meu lugar,
trazia uma idéia fantástica, a idéia de ir ter com o Imperador, contar-lhe tudo e
pedir-lhe a intervenção. [...] ‘Sua Majestade pedindo, mamãe cede’, pensei comigo”
(ASSIS, 2007, p. 56). Não sendo capaz de simplesmente dizer não à promessa da
mãe, o jovem submisso pede a intervenção de todos que estão ao seu alcance, até da
pacata Prima Justina: “— Prima Justina, a senhora era capaz de uma coisa? — De
quê? — Era capaz de... Suponha que eu não gostasse de ser padre... a senhora podia
pedir a mamãe...” (ASSIS, 2007, p. 48).
A solução do seu problema pessoal só encontra resposta em terceiros.
Bento não quer ser padre para poder casar-se com Capitu. Entretanto, ele não está
disposto a seguir o seu sentimento, mas sim fazer a vontade da mãe. Impotente,
incapaz de confrontar a decisão materna, só lhe restam os outros. Para Bento, o que
importava era a opinião alheia, a sua era deixada em segundo plano, ou seja, ele
substitui seus pensamentos pelos dos outros: “Um dos costumes da minha vida foi
sempre concordar com a opinião provável do meu interlocutor, desde que a matéria
11 NOLASCO, Sócrates. O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.
12 SILVA, Jacqueline Ribeiro. Falsidade masculina ou medo do feminino?: uma leitura de Ressurreição, de
Machado de Assis. In.: Escritas do corpo, da terra e do imaginário / Ilca Vieira de Oliveira, Maria Generosa
Ferreira Souto, Osmar Pereira Oliva, (orgs). Montes Claros: Ed. Unimontes, 2003.
13 GLEDSON, John. Machado de Assis: Impostura e Realismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
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não me agrava, aborrece ou impõe” (ASSIS, 2007, p. 137). Se Escobar não tivesse
sugerido a substituição de Bentinho por um órfão, Capitu, provavelmente, ficaria
sem seu esposo almejado desde os tempos de criança, porque ele seria incapaz de
negar a vontade da mãe.
Um dos momentos cruciais da obra é quando Bentinho descobre que
está apaixonado por Capitu. Nesse instante, há uma nova substituição da pessoa
de Bento, o que comprova a falta de percepção desse personagem, pois ele só
descobre que gosta de Capitu quando José Dias (o agregado) denuncia isso à mãe de
Bentinho, enquanto este escutava às surdinas; “Tudo isto me era agora apresentado
pela boca de José Dias, que me denunciara a mim mesmo, [...] Eu amava Capitu!
Capitu amava-me!” (ASSIS, 2007, p. 32).
Ao contrário de Bentinho, Capitu, por si só, sabia do sentimento
que possuía por ele, não precisou, portanto, que outra pessoa lho revelasse. A
característica singular de Capitu, como mulher segura e decidida, é assumida pelo
próprio Bentinho, e comparada a sua masculinidade; “Capitu era Capitu, isto é, uma
criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem” (ASSIS, 2007, p. 61).
Capitu, sim, era uma mulher com “M” maiúsculo e que, aparentemente, gostava de
homens com “H” maiúsculo.
Um dia, Capitu quis saber o que eram as figuras da sala de
visitas. O agregado disse-lhe sumariamente, demorando-se
um pouco mais em César, com exclamações e latins: — César!
Júlio César! Grande homem! Ta quoque, Brute? Capitu não
achava bonito o perfil de César, mas as ações citadas por José
Dias davam-lhe gestos de admiração. Ficou muito tempo com
a cara virada para ele. Um homem que podia tudo! que fazia
tudo! (ASSIS, 2007, p. 62).
Capitu se revela uma mulher apreciadora das virtudes viris de um homem
conquistador. Um homem que não pedia, mandava, capaz de decidir por si. Suas
14 OLMI, Alba. A linguagem metafórica como recurso conceitual, poético e narratológico em Dom Casmurro.
Comunicação apresentada no VI Congresso da AIL – Associação Internacional dos Lusitanistas –, em agosto de
1999. Disponível em: <http://www.kplus.com.br>. Acesso: 3 dez. 2004.
15 ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Martin Claret, 2007.
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palavras tinham peso e suas idéias brotavam de seu intelecto. Apreciando tal exemplo
de masculinidade, não se encontra correlação no pacato Bentinho. Júlio César está
em uma ponta, enquanto Bentinho está em outra. Por que Capitu, admiradora de
homens valentes e fortes, optou por Bentinho, aí é outra discussão.
Garoto mimado e totalmente dependente, assim pode-se aferir sobre
Bentinho que, quando criança, dependia da mãe; na fase jovial e adulta, de Escobar
e Capitu; e na velhice, das recordações e da escrita. Um episódio de sua infância que
ilustra com perfeição a não virilidade de Bentinho é quando seu tio tenta colocá-lo
em um cavalo (símbolo de poder e masculinidade):
Posto que nascido na roça (donde vim com dois anos) e
apesar dos costumes do tempo, eu não sabia montar e tinha
medo ao cavalo. Tio Cosme pegou em mim e escanchoume em cima da besta. Quando me vi no alto (tinha nove
anos), sozinho e desamparado, o chão lá embaixo, entrei
a gritar desesperadamente: “Mamãe! Mamãe!” (ASSIS,
2007, p. 23).
A dependência da mãe é algo exagerado em Bentinho que, sempre quando
é pressionado, recorre a ela ou a ela faz referência. É incapaz de decidir sozinho,
transferindo a responsabilidade da decisão para a mãe, como pode ser visto nos
capítulos XXI: “Eu gosto do que mamãe quiser” (ASSIS, 2007, p. 47); XXIX:
“Você quer Bentinho? — Mamãe querendo” (ASSIS, 2007, p. 57) e LXXXV:
“faria o que minha mãe quisesse” (ASSIS, 2007, p. 139). Com essas afirmações,
é possível, então, aferir que Bentinho é um homem de caráter pouco viril. Ainda
que possa parecer um pensamento machista, o filho homem, por estirpe de sua raça,
anseia sair do colo da mãe para unir-se ao colo de sua esposa. Após uma série de
empecilhos, Bentinho casa-se com Capitu, porém isso não é suficiente para provar
a sua libertação como homem. Há peculiaridades na vida desse personagem que
confirmam sua fragilidade ou, pelo menos, fazem pensar que ele, realmente, deva
ser chamado de “Bentinho” e não de “Bentão”.
Aproveitando o ensejo, é pertinente citar as três etapas que o menino deve
passar para se tornar um homem: “a separação da mãe e do mundo feminino; a
transferência para um mundo desconhecido; e a passagem por provas dramáticas
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e públicas” (ELISABETH BADINTER, 1993, p. 7116 apud MARIA ROSILVA
SANTOS FERREIRA, 2003, p. 5517 ). Como a presença masculina na vida do
jovem protagonista de Dom Casmurro foi atrofiada, uma explicação plausível para
tamanha dependência da mãe seja o fato de Bentinho ver na mãe também um pai.
E na tradição da época, o filho ou a filha deveriam pedir a bênção dos pais para se
casarem. A mulher ainda deveria pedir a permissão do pai. E foi isso que Bentinho
fez quando decidiu casar-se com Capitu: “Enfim, minha mãe, algumas semanas
depois, quando lhe fui pedir licença para casar, além do consentimento, deu-me
igual profecia, salva a redação própria de mãe: ‘Tu serás feliz, meu filho!’” (ASSIS,
2007, p. 160).
O título do capítulo XXXIV é Sou homem. O ser homem para o narrador
de Dom Casmurro está ligado ao contado com a fêmea, isto é, não é algo que
vem desde o nascimento, mas adquirido por um ato oscular. No capítulo anterior
(XXXIII), Bentinho praticou realmente um ato inerente ao homem: a iniciativa do
beijo. Para a época, o primeiro contato dos lábios tinha que ser uma iniciativa do
homem, já que a moça comportada não se dava a essas ousadias. “Não quis, não
levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou
os lábios, eu desci os meus, e...” (ASSIS, 2007, p. 67). Bentinho esperou o
momento certo para selar os seus beiços nos lábios de Capitu. A sensação do beijo
o deixou vangloriado. Agora, sim, ele era um homem e associou o ser homem
aos homens que beijam mulheres, por isso afirmou: “todos os meus nervos me
disseram que homens não são padres” (ASSIS, 2007, p. 69). Na verdade, por
ter gostado do beijo, Bentinho que, por causa desse ato, julgava-se homem, não
poderia entrar mais para o seminário, pois já era um homem. Interessante essa
idéia de masculinidade do narrador. A partir dela, entende-se que, antes do beijo,
Bentinho não era propriamente um homem, apenas um menino.
Bentinho, além de receber uma educação unicamente feminina, recebe
uma orientação muito católica, o que certamente o fez temer ao tentar tomar certas
atitudes. Como no episódio em que Capitu diz a ele para escolher entre ela e D.
Glória: “— Se você tivesse de escolher entre mim e sua mãe, a quem é que escolhia?
— Eu?” (ASSIS, 2007, p. 85). Ainda que ele tenha dito que deixaria sua mãe para
ficar com ela, Capitu bem sabia que o seu amado não era homem suficiente para
largar tudo, revelando isso a ele quando escreveu no chão com a taquara: “mentiroso”
(ASSIS, 2007, p. 85). Bentinho não poderia ir contra as vontades de sua mãe, que
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fizera uma promessa a Deus. Transgredir essa vontade, para ele, seria atitude de
um filho que não estaria obedecendo ao quarto mandamento do decálogo. É claro
que a religião em Dom Casmurro também representa uma substituição na vida do
protagonista, que sempre pede a ajuda de Deus para resolver seus problemas, ou seja,
querendo que Deus colocasse as suas mãos celestes, substituindo as dele, humanas,
para solucionar seus percalços. E, em troca disso, ele rezaria muitos padre-nossos,
promessas que jamais foram cumpridas.
“Prometo rezar mil padre-nossos e mil ave-marias, se José
Dias arranjar que eu não vá para o seminário”. A soma era
enorme. A razão é que eu andava carregado de promessas
não cumpridas. A última foi de duzentos padre-nossos e
duzentas ave-marias, se não chovesse em certa tarde de
passeio a Santa Teresa. Não choveu, mas eu não rezei as
orações. Desde pequenino acostumara-me a pedir ao céu os
seus favores, mediantes orações que diria, se eles viessem.
Disse as primeiras, as outras foram adiadas, e à medida que se
amontoavam iam sendo esquecidas. (ASSIS, 2007, p. 46).
Em Dom Casmurro, o processo de substituição é tão marcante que até
as desconfianças de Bentinho com relação ao caráter de Capitu são quase sempre
discorridas pelas palavras de outros: José Dias ou Prima Justina. “Bentinho precisa
ver pelos olhos dos outros e ouvir pelos ouvidos alheios” (OLMI, 1999). Esse
processo, que reverbera a personalidade inerte de Bentinho, estende-se até Ezequiel,
que na cabeça do narrador, é o suposto filho de Escobar e, portanto, bastardo. Isso
significa que Ezequiel nasce para substituir o filho legítimo de Bento Santiago, ainda
que essa idéia, como já foi dito, esteja apenas na mente desvairada pelos ciúmes
doentios do narrador.
Outro fato intrigante, agora já completamente convencido da traição de
Capitu, é quando o narrador-autor opta pelo suicídio. Por um impulso mirabolante
de assassino tenta envenenar o próprio filho. Vê-se então que até na hora da morte,
Bentinho busca um substituto. No entanto, nesse processo de substituições, ele
decide exilar Capitu e Ezequiel de sua vida, ficando somente com sua casmurrice.
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Considerações finais
Essas substituições, que são perceptíveis em toda a obra, cujos principais
exemplos foram vislumbrados nas linhas antecedentes, simbolizam uma belíssima
metáfora, que Machado utiliza para preencher o seu personagem sensível. Como
Bentinho possui uma personalidade indefinida, ele procura, nos outros ou nos fatos,
algo para se apoiar e responder por ele o que deve ser feito. Normalmente, uma
pessoa só substitui a outra quando esta não está sendo capaz de tomar certas decisões
a ela cabíveis, ou por ser leiga no assunto, ou por medo, ou por insuficiência, etc.
Por exemplo, um advogado substitui o seu cliente, defendendo-o, como se fosse a
própria pessoa do cliente; um padre, na celebração da missa, atua in persona Christi,
ou seja, na pessoa de Cristo. Dessa forma, Bentinho, por sua incapacidade de se
auto-afirmar como homem preponderantemente viril, recorre a outras pessoas para
fazerem aquilo que ele não tem coragem ou que, simplesmente, não consegue fazer
por si só.
Destarte, Bento Santiago é um homem totalmente dependente, incapaz de
cavalgar pela crua realidade da vida, montado em um belo Alazão; conforme afirma
Gledson (1991, p. 79):
Dom Casmurro detalha muitos dos fatores que lhe impedem
uma visão realística da vida; seu parasitismo econômico, a mãe
pegadiça que não quer deixá-lo fazer sequer o que é normal
para uma criança de sua idade e de sua classe (ir ao teatro,
montar a cavalo). Bento é o sucessor do Estácio, de Helena,
e do Jorge, de Iaiá Garcia, crianças mimadas, despreparadas
para enfrentar o mundo real, que fracassam ao se defrontar
com ele (sob a forma da mulher a quem amam).
Para justificar esse caráter não muito viril de Bentinho, pode-se aludir
ao fato de que ele foi criado à sombra de duas mulheres, com a presença de dois
16 BADINTER, Elisabeth. XY: Sobre a identidade masculina. trad. Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1993.e 1999. Disponível em: <http://www.kplus.com.br>. Acesso: 3 dez. 2004.
17 FERREIRA, Maria Rosilva Santos. Desdobramentos dos Gêneros sob a ideologia patriarcal, em Senhora, de
José de Alencar. In.: Escritas do corpo, da terra e do imaginário / Ilca Vieira de Oliveira, Maria Generosa Ferreira
Souto, Osmar Pereira Oliva, organizadores. Montes Claros: Ed. Unimontes, 2003.
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homens que estão distantes de representarem um reflexo de autoridade masculina.
Portanto, faltou-lhe a presença do pai como espelho, “pois o homem, desde criança,
busca no pai um ideal de masculino para se identificar” (SILVA, 2003, p. 74). Sobre
isso, Gledson (1991, p. 52) completa:
O estado que define de modo mais completo a família é o
de viuvez. Numa sociedade, teórica e praticamente ainda
patriarcal, o chefe da família foi eliminado [...] Nenhum
dos membros da família tem força de caráter para assumir o
papel fundamental do pai.. (GLEDSON 1991, P. 52).
Com relação a essa dúvida masculina de Bentinho, há muitas notas a
serem citadas, principalmente, através de uma análise homoerótica . Contudo, um
estudo desse cunho não foi o propósito do presente trabalho que, singelamente,
pretendeu demonstrar a dor psíquica de Bentinho, quanto a sua masculinidade,
através da metáfora das substituições.
Assim, conclui-se que Dom Casmurro narra a história de um personagem
ensimesmado que procura encontrar-se em sua autobiografia. Porém, a sua
carência é tanta, ou melhor, a sua falta de decisão é tão explosiva, que o seu
objetivo não foi alcançado como pretendia. “O meu fim evidente era atar as duas
pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui
recompor o que foi nem o que fui”. (ASSIS, 2007, p. 15). Pela sua incapacidade
de vislumbrar os fatos de vários ângulos, o seu “achismo” sufocou o seu ser,
tornou-se, nos últimos dias de vida, um homem solitário, não somente pela falta
de companhia, mas por falta de sua própria pessoa. “Se só me faltassem os outros,
vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu
mesmo, e esta lacuna é tudo” (ASSIS, 1995:14).
Referências Bibliográficas
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Martin Claret,
2007.
BADINTER, Elisabeth. XY: Sobre a identidade masculina. trad. Maria Ignez Duque
Estrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993 apud FERREIRA, Maria Rosilva
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Acesso: 3 dez. 2004.
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O SER GLOBAL E O PENSAR LOCAL
Luciana Fonseca de Castro Dias *
Resumo: Discutimos neste artigo a Educação Patrimonial e a valorização da
cultura Norte mineira voltada para os bens culturais no século XXI, possibilitando o
conhecimento das características centrais e das dimensões sócio-culturais da região
contribuindo para o resgate da identidade regional.
Palavras-Chave: Educação. Patrimônio. Sociedade. Cultura e Identidade
Regional.
O projeto dinâmico da tecnologia ocidental marca que, tem definido o
conceito de modernidade, chega como um ciclone que varreu o simbólico Muro
de Berlim, no final da década de 1980, no limiar do século XXI, desencadeando
uma avalanche de acontecimentos, tendo repercussão em todo o planeta. Mudanças
profundas nos blocos políticos repercutiram na vida dos homens e dos povos
deixando dúvidas na esperança de um futuro melhor. Era o anúncio de uma “Nova
Ordem Mundial” que começava a ser estabelecida.
O mundo ficou extasiado com a velocidade e a radicalidade das mudanças.
Estávamos vivenciando a consolidação da sociedade informatizada onde as
“perspectivas são fantásticas, mas também acarretam gravíssimos perigos para a
vida social” (SHAFF, 1990, p. 25). O resgate da história de um determinado espaço,
denominado Lugares da Memória trouxe a esperança de reunificar o indivíduo
fragmentado com o qual lidamos na sociedade contemporânea.
________________
* Especialista em História do Brasil, graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros e
História Licenciatura pela Faculdades Integradas Simonsen. Professora no ensino superior do Instituto Superior de
Educação Ibituruna, do Ensino Fundamental na E.M. Mestra Finhinha e do Ensino Fundamental e Médio na E.E.
Benjamim Versiani dos Anjos.
Esta reviravolta, que muitos chamam de pós-modernidade espalhou por
todos os cantos e recantos, até onde vivemos. Pretendemos neste artigo discutir o
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papel da Educação Patrimonial neste início de século, de mudanças e implementação,
de novos paradigmas que tem como cerne a preocupação com o desenvolvimento
integral do educando para que o mesmo possa desenvolver suas habilidades e
competências potencializando oportunidades de trabalho e sobrevivência com
dignidade no espaço social a que pertence.
O atual momento histórico exige a formação humana não como produto,
mas como um processo social mais complexo através do resgate da memória e
da história que possibilitará, quem sabe, o resgate e a reconstrução da identidade
cultural da região Norte mineira. O processo de reconstrução da história da
região e busca de sua identidade nos leva a concordar com Pollak (1992) ao
afirmar que os elementos constitutivos da memória individual ou coletiva são
acontecimentos, pessoas e lugares. Estes acontecimentos podem ser vividos
pessoalmente, neste caso a memória é individual, ou, vivido pelo grupo ou pela
coletividade à qual pessoa pertence.
Desde a década de 70, assistimos à movimentação de grupos sociais
populares, tais como: trabalhadores, mulheres, negros, índios, homossexuais etc.,
que reivindicam o acesso ao exercício da cidadania. Esses grupos se mobilizam
pelo resgate de sua memória, como instrumento de luta e afirmação de sua
identidade étnica e cultural.
Neste sentido, o historiador Ulpiano Bezerra de Meneses esclarece:
O tema da memória está em voga, hoje mais do que nunca.
Fala-se da memória da mulher, do negro, do oprimido, das
greves do ABC, memória da Constituinte e do partido,
memória da cidade, do bairro, da empresa, da família. Talvez
apenas a memória nacional, tantas vezes acuada (e tantas
vezes acuadora) esteja retraída. Multiplicam-se as casas de
memória, centros, arquivos, bibliotecas, museus, coleções,
publicações especializadas (até mesmo periódicos). Os
movimentos de preservação do patrimônio cultural e de
outras memórias específicas já contam com força política
e têm reconhecimento público. Se o antiquariano, a moda
retro, os revivals mergulham na sociedade de consumo, a
memória também tem fornecido munição para confrontos e
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reivindicações de toda espécie. (MENESES, 1992 p.9).
Podemos observar que os lugares da memória, como lugares de confrontos
e de reivindicações são espaços criados pelo indivíduo contemporâneo diante
das crises de paradigmas modernos, e que com esses espaços se identificam, se
unificam e se reconhecem como agentes de seu tempo, isto é, a tão desejada volta
dos sujeitos:
(...) a atomização de uma memória geral em memória privada
dá à lei da lembrança um intenso poder de coerção interior. Ela
obriga cada um a se relembrar e reencontrar o pertencimento,
o princípio e segredo da identidade. Esse pertencimento o
engaja inteiramente . ( NORA, 1993 p.17-18)
O único meio de acesso da sociedade a sua memória formadora,
organizadora e portadora de sentidos encaixa-se dentro da crise pela qual passa as
formas de conhecimento na década de 1970.
Sendo a memória coletiva uma das maiores garantias de nossa identidade
cultural por este motivo nos centramos em um trabalho permanente voltado para
a Educação Patrimonial e para a história cultural do Norte de Minas. O caminho
que nos permite esta apropriação de conhecimentos referentes às manifestações
culturais de nossa região a partir do processo educacional.
A educação patrimonial integra atualmente os planejamentos escolares, e
especialmente os professores de História têm sido convocados e sensibilizados para
essa tarefa, que envolve o desenvolvimento de atividades lúdicas e de ampliação
do conhecimento sobre o passado e sobre as relações que a sociedade estabelece
com ele: o que é preservado, como é preservado, e por quem é preservado. Para as
educadoras Schmidt e Cainelli: Atualmente, um dos importantes objetivos do ensino
da História é contribuir para que o aluno conheça e aprenda a valorizar o patrimônio
histórico de sua localidade, de seu país e do mundo. (SCHMIDT e CAINELLI,
2004 p.114)
O processo de ensino-aprendizagem sensível às questões referente
à identidade cultural especificamente a norte mineira deve encaminhar para a
formação de seres humanos que sejam capazes de conhecer a sua própria história
cultural, além de estimular a prática saudável da reflexão histórica. Nesse sentido, o
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ensino de história possibilita, desde as primeiras fases do processo de aprendizagem,
a apreensão das noções de cidadania e responsabilidade social e conseqüentemente
o processo de constituição da personalidade de cada indivíduo. Esse processo faz
parte de uma política cultural que é construída nos cruzamentos das diferentes
demandas sociais que permeiam a sociedade. Nesse contexto, a cultura é um campo
privilegiado que nos permite, de forma crítica, trabalhar os contrastes e as diferenças
para que os sujeitos desse processo possam rever-se, e nesses espelhos se entenderem
individual e coletivamente.
A política cultural é sempre um ato de iluminação, de transformação.
Não é um processo de contemplação ou de afirmação de uma situação dada, mas
de enfrentamento: “é a criação de espaços sociais de construção de cidadania, de
participação, de libertação” (ITAQUI: 2000).
Teoricamente, o principal objetivo da educação responsável deve basearse no direcionamento dos estudantes na elaboração do conhecimento histórico,
através da investigação da realidade, refletindo a ligação do presente contínuo com
um passado mais distante, buscando compreender a historicidade das representações
culturais, ou seja, um ensino de história voltado para sujeitos históricos.
A concretização da memória, individual, familiar e coletiva, está na
configuração do que entendemos como “patrimônio cultural”. A definição mais
abrangente do termo “patrimônio” indica bens e valores materiais e imateriais,
transmitidos por herança de geração a geração na trajetória de uma sociedade.
A idéia de cultura não é mais aquela que indicava acúmulo e refinamento de
informações e conhecimentos, mas a de um processo contínuo de transmissão de
valores e crenças, de saberes e modos de fazer e de viver que caracterizam um grupo
social, uma comunidade. O patrimônio cultural assim manifesto é um conjunto de
bens e valores, tangíveis e intangíveis, expressos em palavras, imagens, objetos,
monumentos e sítios, ritos e celebrações, hábitos e atitudes, cuja manifestação é
percebida por uma coletividade como marca identitária que adquire um sentido
comum e compartilhado por toda a sociedade.
A valorização da educação patrimonial não se dá apenas através de informações e
discursos pré-fabricados, mas insere o educando no processo de conhecimento, e
identificação do significado atribuído às coisas por uma determinada cultura, através
do mergulhar no universo dos sentidos e correlações que eles oferecem à descoberta,
pela linguagem cultural específica utilizada naquelas manifestações e envolvimentos
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afetivos para com elas vivenciar experimentações. A Educação Patrimonial pode
ser um instrumento chave para a leitura do mundo e para a comunicação com o
outro. Reforçamos aqui a idéia de “bem cultural” como sendo
(...) toda produção humana, de ordem emocional, intelectual
e material, independente de sua origem, época ou aspecto
formal, bem como a natureza, que propiciem o conhecimento
e a consciência do homem sobre si mesmo e sobre o mundo
que o rodeia. (GODOY, 1985 p. 72).
A Educação Patrimonial enquanto processo sistemático centrado no
Patrimônio Cultural e com público alvo permanente, serve como um instrumento
de afirmação da cidadania. Tem a finalidade de oferecer alguns subsídios para que
a própria comunidade defina o que vem a ser seu patrimônio, identificando com o
mesmo para preservá-lo.
Diante de um mundo de mudanças, pautamos em uma gama de
posicionamentos com relação a que tipo de educação deve determinado povo ou
nação recorrer para formar suas futuras gerações ou redirecionar as atuais. Nessa
perspectiva citamos três linhas de pensamento:
A primeira é a visão capitalista que busca a eficiência econômica e a
competitividade nos mercados internacionais que, por isso, necessita de uma
formação altamente qualificada e de acordo com padrões globais de produtividade,
adaptabilidade e universalidade. Essa educação, perseguida e desenvolvida
atualmente pelos Estados Unidos, Coréia do Sul, Japão e Inglaterra.
A segunda perspectiva é a terceiro-mundista, que rejeita amplamente os
parâmetros econométricos como critérios educacionais e quer, sobretudo, que o
Estado assuma o ônus educacional nos países pobres, para tornar a escola aceitável
e mais eficiente do que ela é nas atuais circunstâncias.
Uma terceira forma de solucionar os impasses do setor é a que visualiza a
possibilidade de se proporem novos objetivos e novos fins educacionais que possam
abandonar o protagonismo economicista, substituindo-o pelo da cultura. Essa última
tendência pode ser encontrada em especialistas em educação ou lideranças políticas,
tanto dentro como fora dos centros hegemônicos mundiais.
Assim como a nova ordem global desdobra ante nossos olhos novas
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demandas econômicas e ajustamentos político-sociais, a Educação e seus agentes
devem estar atentos para grandes questões e a superação urgente de problemas
globais como os da fome, miséria, guerras e lutas étnicas, poluição ambiental e o
esgotamento de riquezas e recursos não-renováveis do Planeta.
As últimas décadas foram de expansão numérica da escolarização e sua
extensão a todas as camadas da sociedade. Não terá chegado a hora de uma nova
transformação nos dados globais com a geração de sistemas educacionais mais
eficientes, democráticos e abrangentes?
Acreditamos que o resgate da memória e da história local possa “devolver”
ao povo norte mineiro o sentimento de pertencimento e inserção nos projetos de
políticas públicas possibilitando um incremento do crescimento econômico através
da valorização do capital humano e conseqüentemente uma vida melhor e digna.
Percebemos que as promessas advindas do desenvolvimento tecnológico
e científico como solução para os males que afligem a sociedade moderna ou pósmoderna não as cumprindo: permanece a grande dívida do capital com o social.
O desenvolvimento de programas de Educação Patrimonial, envolvendo
não só a rede escolar, mas também as organizações da comunidade local, as famílias,
as empresas e as autoridades responsáveis, tanto a nível local, nacional ou mundial
contribuirão para a ampliação de uma nova visão do Patrimônio Cultural em sua
diversidade de manifestações.
A grande diversidade cultural expressa nos mais variados tipos de
patrimônio na região Norte mineira, em sua dimensão material e imaterial, bem
como da biodiversidade e seu uso sustentável para justa repartição dos benefícios
provenientes do uso econômico respeitando a soberania particular e universal,
traduzidos ora pela defesa da humanidade, dos particularismos e singularidades
locais regionais e mesmo nacionais.
Para tanto se faz necessário um trabalho junto à comunidade em sua
identificação, valorização e preservação do volumoso e diversificado Patrimônio
Cultural das localidades de abrangência da Região Norte de Minas, assim como
fomentar o desenvolvimento cultural e o turismo sustentável desta região.
Apesar das dificuldades relativas a estudos referentes à Educação Patrimonial,
principalmente sobre a região Norte mineira, torna o trabalho árido devido a
parca produção e publicação tanto em termos conceituais quanto metodológicos
deste tema, salvo o Guia Básico de Educação Patrimonial do IPHAN que prioriza
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determinadas áreas.
Temos a consciência de que um trabalho nos municípios que fazem parte
do Norte de Minas, em primeira instância servirá mais de sensibilização a respeito
do patrimônio, do que propriamente dito, Educação Patrimonial, pois para que
ocorra um processo educativo concreto são necessários requisitos como um espaço
maior de tempo e um público alvo constante. No entanto são ações de extrema
importância, já que, trabalham-se temas como memória, história e cotidiano, do
individual ao coletivo, onde são utilizados bens culturais como instrumentos de
ensino, partindo do princípio que patrimônio não é apenas um objeto de estudo, mas
também um método aplicado em diversas áreas.
É preciso destacar que a utilização da história local como
estratégia pedagógica é uma maneira interessante e importante
para articular os temas trabalhos em sala de aula. O uso dessa
estratégia no trabalho com a história temática exige que se
estabeleça, de forma contínua e sistemática, a articulação
entre os conteúdos da história local, da nacional e da universal.
(SCHMIDT e CAINELLI, 2004 p.115-116).
A presente proposta ao contemplar o Norte de Minas pretende ser um ponto
de partida para se estabelecer uma relação entre a pesquisa e o ensino de História
bem como fazer uma “transposição do saber acadêmico para o saber escolar” no
processo de construção curricular.
Entendemos que o ensino de História das Minas Gerais, encarregada de
veicular uma “história nacional” e como instrumento pedagógico significativo na
constituição de uma “identidade nacional” permeou nos “alunos desde o final do
século XIX até os dias atuais através da imposição do currículo”. Assim, os manuais
escolares, além de apresentarem os conteúdos da disciplina, foram importantes
veículos portadores de um sistema de valores de uma ideologia e de uma cultura
que procurou universalizar leitores e estabelecer uma “cadeia de transferências”
do conhecimento histórico, sem divergências. A transmissão de estereótipos e
valores dos grupos dominantes, generalizaram, temas de acordo com os preceitos
da sociedade branca e burguesa. Para Alain Choppin:
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Os livros didáticos não são apenas instrumentos pedagógicos:
são também produtos de grupos sociais que procuraram,
por intermédio deles, perpetuar suas identidades, seus
valores, suas adições, suas culturas. (CHOPPIN, apud
BITTENCOURT, 2004)
A complexidade da natureza desse produto cultural que vem sendo utilizado
nas várias salas de aulas e condições pedagógicas contemplam a sociedade mineira
enaltecendo a região das minas, produtora do ouro e diamantes no século XVIII. O
sonho português, concretizado e valorizado a partir dos quatro caminhos para Minas:
Caminho partindo de São Paulo, Caminho Velho do Rio de Janeiro, Caminho Novo
do Rio de Janeiro (sem grande importância até 1720) e o Caminho de Salvador
(Bahia). Não podemos deixar de admirar a extraordinária resistência desses homens
(bandeirantes) que passaram anos seguidos explorando nossos sertões enfrentando
toda a sorte de perigos, pelos animais selvagens, pelos índios bravios. Poder-se-ia
dizer que “abriram as portas do território mineiro para as descobertas do ouro”.
Em quase todas as zonas de Minas Gerais tivemos núcleos originários
da mineração inclusive na região de Itacambira e Grão Mogol. Todos os demais
núcleos da região norte e noroeste surgiram nas proximidades de fazenda de
criação; ali constituídas nos imensos chapadões ou baixadas com boas pastagens
e agraciados pelo governador da capitania que desde meados do século XVIII só
concedia sesmaria grande para os que tinham gado, escravatura ou camaradas.
Foram os currais, as fazendas de criação que povoaram todo o caminho do Rio São
Francisco, até o Rio das Velhas; antes mesmos do aparecimento dos vários arraiais
auríferos. E quando esses surgiram, multiplicaram os currais pelo Rio São Francisco
e Rio das Velhas.
A sociedade aurífera foi palco da ostentação e opulência colonial.
Ressaltando a organização social urbana que exalava luxo expressa no esplendor
dos conjuntos arquitetônicos e requinte presente nas Igrejas e nas festas religiosas
entre as montanhas. A sociedade do couro “sem ostentação” e opulência abastecia a
região aurífera de alimentos, tração para os engenhos, transporte e couro.
De couro era as portas das cabanas, o rude leito aplicado ao
chão duro, e mais tarde a cama para os patos de couro era
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todas as cordas a borracha para carregar água, o mocó ou
alforge para levar comida, a maca para guardar a roupa, a
mochila para milhar cavalo, a peia para prende-lo em viagem
as bainhas de faca, as broacas e surrões, a roupa de entrar no
mato, os bangüês para curtume ou para apurar sal, para os
açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por
juntas de bois que calcavam a terra com o seu peso; em couro
pisava-se tabaco para o nariz. (ABREU, Capistrano: 1976).
O couro, além do uso local era exportado para outras regiões, fomentando
o comércio local e regional. Além da importância da pecuária, desenvolvida às
margens do Rio São Francisco, “rio de integração nacional”, os habitantes tanto da
margem direita como da esquerda fizeram da navegação uma atividade produtiva. O desenvolvimento de conhecimentos náuticos para tais empreendimentos
e outras atividades desenvolvidas pelos habitantes dos gerais carecem de maior
valorização do potencial do sertanejo, que desde o período colonial foram isolados
e marginalizados pela história oficial do Brasil.
A busca de identidade de um povo em voga nos dias atuais diante do
processo de globalização e exclusão social é propícia para o resgate da história e
memória da nossa região. O objeto de estudo através da valoração da história local
e regional abre possibilidades para o investimento de projetos na área de pesquisas
e políticas públicas.
Entendemos que a pesquisa de campo, no circuito da região das minas e
do couro, no norte de Minas, poderá nos fornecer material iconográfico, literário,
fotográfico, dentre outros, para a construção de acervo para pesquisas futuras,
reconstrução do imaginário coletivo das Minas Gerais e ainda a pretensão de uma
produção de material Para-didático.
Estudar Minas Gerais é percorrer o caminho das montanhas produtoras
de ouro e diamantes, valorizadas pelo patrimônio histórico e cultural das cidades
mineiras (Ouro Preto, Mariana, Diamantina, São João Del Rei, dentre outras). Ou
seja, a pacífica apropriação dos lugares de memória como único meio de acesso
da sociedade a sua memória formadora e portadora de sentidos perpetuados nos
compêndios escolares.
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A política de preservação patrimonial, inaugurada com a legislação do
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decreto 3551/2000, tem como suporte metodológico a abertura de livros temáticos.
Um destes livros tem como nome “livro de registro dos lugares” no qual, segundo
o texto do decreto, estarão inscritos “mercados, feiras, santuários, praças e demais
espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas”. Esta
política de preservação iniciada em 2000 traz elementos que, desde a década de
1980, já estavam presentes na política do IPHAN exatamente com a noção que
Nora expõe: a de Lugares de Memória.
Teria a região norte mineira memória e patrimônio tão valoroso quanto aos das
Minas, capaz de reconstruir o imaginário coletivo e explicação para a formação da
sociedade mineira através de uma memória que autolegitima uma ação no presente
que evidencia a concepção de história como processo que desencadeia passado,
presente e futuro? No momento não temos a resposta para a questão, mas através
de Nora percebemos a ligação entre lugares de memória e redes sociais.
“Há uma rede articulada dessas identidades diferentes, uma
organização inconsciente da memória coletiva que nos cabe
tornar consciente de si mesma. Os lugares de memória são
nossos momentos de história nacional”, (NORA, 1993 p. 18).
Pretensamente, concluímos que, o resgate da história, memória e
patrimônio da região Norte mineira é legítimo, pois traz a constatação de que a
sociedade busca os lugares da memória como ferramenta para tornar-se agente de
seu tempo. São essencialmente meios, que não é memória, é história, porque esta
reconstituída através de vestígios e, mais importante, uma memória reivindicada
não é construída por um grupo, mas para o grupo pela história, para que possa nela
encontrar elementos que legitimem sua ação política no presente.
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A FORMAÇÃO CONTINUADA DAS NOVAS ALFABETIZADORAS DO
PROGRAMA BRASIL ALFABETIZADO EM BELÉM: QUEM SÃO? QUE
SABERES POSSUEM?
José Anchieta de Oliveira Bentes19
Resumo: Este artigo analisa os resultados de uma pesquisa realizada no primeiro dia
da formação continuada das novas alfabetizadoras do Programa Brasil Alfabetizado,
em Belém do Pará. A pesquisa trata da experiência, da formação inicial, das leituras e
dos saberes pedagógicos, analisando dados quantitativos e qualitativos que intervêm
na construção identitária: o que é preciso saber para ser uma professora que atua
na educação de jovens e adultos? Os resultados demonstram que estas educadoras
sabem, têm um referencial do que vão fazer em sala de aula e de suas identidades,
no entanto, essas informações ainda são esparsas e centradas em argumentos
sentimentais ou de constituição de posturas do professor em sala de aula.
Palavras-chave: Saberes Docentes. Alfabetização. Leitura. Escrita. Formação
Continuada e Identidade.
INTRODUÇÃO
Dois mundos se opõem um ao outro, mundos incomunicáveis
entre si e mutuamente impenetráveis: o mundo da cultura
e o mundo da vida. O primeiro é o mundo pelo qual o ato
de nossas vidas se torna objetivo; o segundo é o mundo em
que este ato realmente transcorre e se cumpre por única
vez. (BAKHTIN, 1997, p.8).
O mundo da vida é o que se conhece e vive. É a realidade que é
interpretada pelo mundo da cultura, que é o mundo, segundo Bakhtin, das
opiniões, da cultura, deste texto, que neste momento, você leitor tem em mãos.
19 Professor de Língua Portuguesa. Mestre em Lingüística pela Universidade federal do Pará. Doutorando pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação Especial - PPGEEs na Universidade Federal de São Carlos - UFSCar.
E-mail: [email protected]
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Na relação entre os dois mundos, a pesquisa é o interpretar do mundo da
vida. Assim, recolher dados, opiniões faladas ou escritas, que fazem referencia à
vida real ao “mundo do qual conhecemos e vivemos”, segundo BAKHTIN (1997,
p. 8), objetiva obter conclusões parciais e transitórias que valem historicamente
para uma situação particular, representa uma escolha metodológica, por isso toda
pesquisa é relativa.
Trata-se de uma atividade que envolve o perguntar sobre uma situação, no nosso
caso “o que é preciso saber para ser um alfabetizador?”, em que o responder
pressupõe construir uma teoria do mundo da cultura, que nos satisfaça, nos faça
entender o agir, o pensar na / sobre a vida, sobre uma relação estabelecida entre
indivíduos em uma situação particular, a da profissão de professor que atua nos
espaços de alfabetização de adultos.
As opiniões que se concretizam neste texto são reflexões para uma
situação específica, a realidade das alfabetizadoras do programa de alfabetização
de jovens e adultos, projeto implementado pela prefeitura municipal de Belém em
convênio com o Governo Federal, por meio do Programa Brasil Alfabetizado.
O que se almeja é interpretar uma realidade do mundo: a vida do projeto
de alfabetização, que no final de 2005, programou a realização de uma formação
para novas alfabetizadoras. (Utilizara-se a palavra professora e alfabetizadora para
referenciar que a maioria das pessoas entrevistadas é do gênero feminino e por
economia lingüística para evitar que se fique marcando todos os determinantes e
substantivos para indicar a posição não machista de indicar os dois gêneros).
É um texto interpretativo sobre a formação, sobre a experiência que ocorre
neste movimento, decorrente de uma pesquisa quantitativa e qualitativa realizada
no período de 05 a 15 de dezembro de 2005, na formação continuada destas
alfabetizadoras.
Para isso, toma-se a iniciativa de aplicar um instrumento de pesquisa para
as alfabetizadoras do programa Brasil Alfabetizado. Este instrumento continha
quatro questões quantificáveis: (1) Tem ou não experiência com alfabetização?
(2) Tem ou não experiência com movimentos populares? (3) Qual sua formação?
(4) O que você leu recentemente? E uma qualitativa, a questão (5) Que saberes
pedagógicos (de sala de aula) uma alfabetizadora tem que ter?
Pretende-se fazer uma relação entre os dados quantitativos e os qualitativos,
verificando a relação entre formação inicial/experiência com alfabetização de
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adultos e com movimentos populares com os saberes necessários para se alfabetizar
jovens e adultos.
A pergunta é: Que conhecimentos essenciais os docentes tem que ter
para as necessidades de alfabetização de jovens e adultos? Considera-se que
estas professoras vão trabalhar com alunos que apresentam situações financeiras
precárias: alunos que precisam emancipar-se de exclusões sociais, e particularmente
da ausência do direito de leitura e de escrita.
Uma opinião inicial que motivou a execução desse instrumental era
que todas as alfabetizadoras tinham intuitivamente alguma informação sobre a
prática de sala de aula, sobre o que deve ser feito, o que deve ser trabalhado. A
fim de confirmar ou não essa opinião inicial esta pesquisa foi feita com 102 das
alfabetizadoras inscritas na formação.
1. QUEM SÃO AS ALFABETIZADORAS
1.1. A EXPERIÊNCIA COM ALFABETIZAÇÃO
A Lei nº 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (promulgada
em 20 de dezembro de 1996), estabelece que o professor tenha experiência para
o exercício do Magistério. O artigo. 67, no Parágrafo primeiro estabelece: “A
experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer
outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino”
(BRASIL, 1997, p. 19)
Na tabela 1 tem-se o tipo de experiência das alfabetizadoras. Os números
são bastante animadores: mais de 75% possui experiência com alfabetização de
adultos e 85% possui experiência com alfabetização de crianças.
Tabela 1: Experiência com alfabetização
Tipo de experiência
91
Sim
Não
Não
opinou
Com alfabetização de adultos
77%
20%
3%
Com alfabetização de crianças
85%
15%
2%
Na atuação com movimentos populares
72%
20%
8%
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É possível que estes dados revelem uma situação falsa com relação às
experiências das alfabetizadoras. Afirma-se isso em função da pesquisa quantitativa
acontecer no inicio da formação em que as participantes ainda estão em processo de
seleção, e que por isso, hipoteticamente tenham colocado uma resposta para atender
a uma resposta ideal, que eles almejariam para si e que os pesquisadores gostariam
de obter como resposta. No caso, marcar a resposta ‘sim’ no questionário é o ideal
para o projeto, mas pode não ser a situação real da turma que esteja entrando para
trabalhar no projeto. Grande parte responde que sim com medo de ainda estar sendo
avaliada e de perder uma oportunidade de trabalhar na Prefeitura. A experiência
com alfabetização e com movimento popular sempre foi, em tempos passados, um
critério de eliminação dos candidatos em momentos de seleção das pessoas que
iriam trabalhar no projeto.
É bom lembrar que no formulário ou questionário de pesquisa estava
expresso “este instrumento é de pesquisa e será utilizado só para este fim”, não
necessitando que ocorresse a identificação da entrevistada no mesmo.
1.2 A FORMAÇÃO DAS ALFABETIZADORAS
A LDB regulamenta o exercício do magistério, a profissão de professor,
para atuar na educação básica aos licenciados plenos em Universidades e
institutos superiores de educação, facultando, no entanto, para as quatro primeiras
séries do ensino fundamental, o exercício aos professores com ensino médio. A
formulação é a seguinte:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação
básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura,
de graduação plena, em universidades e institutos superiores
de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro
primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível
médio, na modalidade Normal. (BRASIL, 1997, p. 18)
A legislação, com isso, precariza a profissão de professor ou desvaloriza
as quatro primeiras séries do ensino fundamental. Some-se a isso a persistência, não
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só no ensino oficial, mas também nos projetos governamentais, como o do Brasil
Alfabetizado, em oferecer baixas remunerações, a título de bolsas para os que atuam
na propalada campanha de erradicação do analfabetismo no Brasil. O programa
Brasil Alfabetizado foi lançado pelo Governo Federal em 2003. Segundo dados do
site http://portal.mec.gov.br/secad, o programa atendeu em 2003, 1,92 milhão de
jovens e adultos com pouca ou nenhuma escolaridade formal, aplicando um total
de R$ 175 milhões; em 2004, 1,650 milhão de alfabetizandos, investindo R$ 168
milhões para atender cerca de três mil municípios brasileiros.
A tabela 2 indica que 74% das alfabetizadoras possuem o ensino médio.
Tabela 2: Formação das alfabetizadoras
Formação
%
Ensino médio
Magistério
30%
44%
Ensino superior incompleto
16%
Ensino superior completo
Sem resposta
9%
1%
1.3. O QUE LÊEM AS ALFABETIZADORAS
Os resultados da pesquisa indicaram que 97% das alfabetizadoras
gostam de ler.
Tabela 3: O gosto pela leitura das alfabetizadoras
Gosto
Gosto pela leitura
Sim
97%
Não
1%
Não opinou
2%
Se o professor não é um leitor, como ele poderá desenvolver essa
habilidade nos seus alunos? As práticas de leitura e escrita, de letramento escolar
têm desenvolvido “uma pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas
letradas exigidas pela sociedade” (ROJO, 2005, p. 1), o que se faz em sala de aula é
repetir, revozear falas em todas as disciplinas escolares, em “função da localização
de informações em textos e de sua repetição ou cópia em respostas de questionários
orais ou escritos” (Idem). Desta forma, espera-se que se as alfabetizadoras, como
responderam ao questionário, sejam incentivadoras de futuros de leitores, nos mais
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variados gêneros e que não utilizem apenas metodologias que empreguem a mera
decodificação, trabalhando a língua como se fosse um cadáver para ser analisado em
seus “ossos” constituintes.
Essa informação sobre o gosto pela leitura é complementada pela do que
gostam de ler, como mostra a tabela 4:
Tabela 4: O que as alfabetizadoras leram recentemente
As alfabetizadoras citam, com 38% das indicações por escrito, a
leitura com a função de aprender, ampliar conhecimentos sobre a educação e
particularmente sobre a leitura de títulos de Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido,
da Esperança...). Essa escolha pode ter ocorrido em função da palestra inicial ter
acontecido no dia em que foi aplicado o questionário. A segunda escolha (com
23%) recaiu na leitura ficcional que pode ter a função recreativa e de distrair,
proporcionando a experiência emocional desencadeada pela leitura. A terceira
(com 12%) tem provavelmente a função de confirmar atitudes religiosas, no caso,
orientar o pensar, o agir pelos preceitos religiosos. As demais escolhas recaem na
leitura dos suportes: livros, revistas e jornais, não sendo possível identificar com
que objetivos escolheram tais leituras.
Essas escolhas demonstram a necessidade de proporcionar uma
variedade de textos aos alunos com as mais variadas funções (conforme SOLE,
1998), ampliando as três escolhas feitas pelas professoras: estabelecer relações
sociais, obter informações, substituir mensagens orais, fazer registros legais,
documentar eventos, seguir instruções, revisar um escrito próprio, comunicar
um texto a um auditório, etc.
Assim, espera-se que as práticas de leitura das alfabetizadoras, nos
espaços do programa de alfabetização, não sejam centradas nas habilidades
mecânicas de decifração da escrita, não sejam sem interesse, sem função, sem
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gosto, sem prazer; e que a interpretação do texto não seja somente para recuperar
elementos literais.
2. OS SABERES DAS PROFESSORAS - ALFABETIZADORAS
Ser professor, exercer a docência envolve diversos saberes. Esses
saberes ou competências são um conjunto de fazeres: tomadas de decisões
conscientes, inferências, acertos e erros utilizados no ato da vida real, situações
inusitadas a fim de resolver problemas concretos. Um saber não se confunde com
um objetivo, que seria uma meta explícita. Um saber é um agir consciente para
se alcançar um objetivo; não se confunde com desempenho, que é um conjunto
de ações rotineiras e repetitivas. Um saber envolve a mobilização de inúmeros
outros. Assim, ser um bom centroavante pressupõe:
Imobilizar um contra-ataque, desmarcar-se, pedir a bola,
antecipar movimentos da defesa, ter cuidado com o
impedimento, ver a posição dos parceiros, observar a atitude
do goleiro adversário, avaliar a distância até o gol, imaginar
uma estratégia para passar pela defesa, localizar o árbitro, etc.
(PERRENOUD, 1999, p. 24)
Um centroavante orquestra um conjunto de sub-ações e depende da
atitude de outros jogadores para alcançar o gol adversário, que é seu objetivo.
O desempenho e as habilidades contribuem para alcançar o objetivo, mas o
que favorece é demonstrar competência, acionar todos os seus saberes, ou seja,
enfrentar as situações adversas da vida, os problemas inusitados que aparecem
para alcançar a meta adversária.
A meta estabelecida nesta pesquisa, estabelecida na formulação da
pergunta para as alfabetizadoras, foi: o que é preciso saber para alfabetizar um
jovem e/ou um adulto?
O professor não é um burocrata, não exerce atividades burocráticas, para
as quais necessitaria adquirir habilidades técnico-mecânicas. Segundo Pimenta
(2005, p. 18), o professor é um criador.
São saberes docentes os que são produzidos e divulgados pelas ciências da
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educação, por outras ciências articuladas com a educação e pela experiência
profissional dos docentes, constituindo discursos sobre objetos do ensinar,
métodos para o ensinar, para o avaliar, para a pesquisa de sala de aula, para
o planejamento escolar, para o aprender etc. São saberes que são atualizados,
apropriados e construídos a partir das ciências que discutem educação e são
utilizados para orientar o agir, justificar e avaliar práticas pedagógicas.
Não se trata de técnicas a serem aplicadas no cotidiano de sala de aula,
mas de competências que um professor tem de possuir para resolver situações e
problemas inusitados da sala de aula.
Qual seria então o papel do professor alfabetizador? Seria transmitir
informações? Selecionar e organizar conteúdos para serem transpostos na sala de
aula, de modo a converter o conhecimento científico em conhecimento curricular?
O que pensam as alfabetizadoras do programa Brasil Alfabetizado
que irão atuar nos bairros de Belém? Agrupam-se suas respostas em 9 saberes
pedagógicos, que foram alocadas em um quadro para uma melhor visualização,
com um detalhe: o número entre parênteses indica a seqüência codificada do
questionário que foi entregue para a alfabetizadora. Do total de 165 formulários
entregues no dia 5 de dezembro de 2005, foram devolvidos 102, os quais
constituíram o corpus de análise.
Quadro 1: Saberes pedagógicos das professoras
96
Saberes pedagógicos (o número entre parênteses indica o número do questionário respondido)
1) Conhecer a realidade social e  Conhecer a realidade de cada aluno (101).
educacional em que os alunos estão  Ter relacionamento com a comunidade (124).
inseridos.
2) Compreender o processo de  Distinguir o modo com que cada aluno aprende,
aprendizagem do aluno.
respeitando o tempo que cada um leva para aprender
(139).
 Procurar conhecer as principais dificuldades em
sala de aula (97).
3) Planejar atividades para sala de  Planejar, saber manusear as ferramentas
aula.
pedagógicas (94).
 Planejamento de atividades, criatividade para o
imprevisto. Utilizar materiais didáticos, giz, quadro,
livros (93).
4) Mobilizar conhecimentos das  Conhecimentos em várias disciplinas e sempre
teorias educacionais.
pesquisar para os momentos necessários: sempre que o
aluno perguntar, ter argumento, resposta (111).
 A concepção de uma pedagogia libertadora, que
valorize os educandos em sua totalidade, suas vivências
e prime pela auto-estima do mesmo, fazendo com que
ele possa se sentir sujeito de sua história (48).
5) Avaliar situações Instituto
de ensino
e de  Saber educar, avaliar e acima de tudo, compreender
Supeior de Educação Ibituruna - ISEIB
aprendizagem.Faculdade de Ciências Gerenciais
o aluno
não só em seus -acertos,
e Empreendedorismo
FACIGEporém em seus erros
(63).
6) Dominar e definir conteúdos a  Trazer temas do cotidiano social para serem
serem trabalhados.
problematizados e trabalhados pedagogicamente (134).
 Trabalhar tema gerador com fala significativa do
livros (93).
das  Conhecimentos em várias disciplinas e sempre
pesquisar para os momentos necessários: sempre que o
aluno perguntar, ter argumento, resposta (111).
 A concepção de uma pedagogia libertadora, que
Revista Científicavalorize
Educareos- V.1
n.3 - 2008
educandos
em sua totalidade, suas vivências
e prime pela auto-estima do mesmo, fazendo com que
ele possa se sentir sujeito de sua história (48).
5) Avaliar situações de ensino e de  Saber educar, avaliar e acima de tudo, compreender
aprendizagem.
o aluno não só em seus acertos, porém em seus erros
(63).
6) Dominar e definir conteúdos a  Trazer temas do cotidiano social para serem
serem trabalhados.
problematizados e trabalhados pedagogicamente (134).
 Trabalhar tema gerador com fala significativa do
aluno, ampliar o conhecimento trazido pelo aluno (50).
 O professor tem que saber bem sobre o conteúdo
que irá passar para os alunos (20).
7) Estabelecer metodologias a partir  Desenvolver o trabalho usando métodos - fazer
das necessidades e desafios.
fazendo, dependendo de cada um (7).
 A didática adequada para cada aluno (129).
 Analisar várias maneiras de ensinar dependendo de
cada um aluno (156).
8) Construir materiais didáticos e  Criar materiais didáticos bem elaborados para aula,
criar ambientes alfabetizadores.
para dinâmica e outros trabalhos exercitados (115).
 Fundamentalmente,
criar
um
ambiente
alfabetizador que desperte manifestações de diferentes
formas de linguagens e de manifestações culturais,
tendo em vista a contextualização do mundo do
educando (136).
9) Relacionar sentimentos, emoções  Como se dar com cada pessoa. Realizar tarefas
vontades, posturas e atitudes.
com amor e desenvolver todo um trabalho com respeito
(150).
 Paciência, generosidade e vontade de se doar
superam qualquer outro conhecimento pedagógico (20).
 Tem que ser sincera, gostar do que faz, ser paciente
e principalmente ter amor com os educadores (114).
 Um alfabetizador que ministra aulas a jovens e
adultos deve acima de tudo não só ter conhecimentos,
como também ter humildade e incentivar os alunos na
aula (61).
 Postura,
criatividade,
interdisciplinaridade,
dedicação (88).
 Experiência, prazer de ensinar, assim como
paciência que é essencial de tudo (74).
 Paciência com o aluno - se ele não entendeu eu vou
ensinar quantas vezes for preciso (4).
 Domínio, respeito e responsabilidade com a turma
(28).
4) Mobilizar conhecimentos
teorias educacionais.
O que se pode inicialmente afirmar é que é necessária uma composição de
saberes, para constituir o trabalho do professor em sala de aula. Não basta apenas,
por exemplo, conhecer o conteúdo (saber seis), para ser um professor, é necessário
compor com outros saberes: saber planejar, saber avaliar, conhecer o processo de
aprendizagem dos alunos, estar atento para situações de alunos mais agitados, mais
“lentos”, mais “avançados”, e refletir sobre tudo que acontece em sala de aula para
constituir uma identidade pessoal de professor.
2.1. CONHECER A REALIDADE SOCIAL E EDUCACIONAL
97
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Revista Científica Educare - V.1 n.3 - 2008
Trata-se do saber do professor em uma educação libertadora. Sem esse
saber, provavelmente, tem-se um professor somente preocupado com o verbalismo,
vazio de sentido, de vida, de realidade. Pois, como se sabe, com as contribuições de
Paulo Freire (1983), é preciso superar a visão fragmentária de ensino que deposita
conteúdos programáticos na cabeça dos alunos, por uma prática problematizadora,
dialógica que parte da realidade imediata do aluno, dos seus conhecimentos prévios
para alcançar os conhecimentos sistematizados.
No entanto, não é suficiente conhecer a realidade, é necessário combinar
essa realidade imediata com o objeto de ensino, os textos escritos. Essa combinação
pode ser feita por meio de retextualizações de textos falados e de utilização de
diversos gêneros textuais que circulam no local e nas casas dos alfabetizandos.
O relacionamento com a comunidade circunvizinha ao espaço de sala de
aula pode ser útil para que o ensino não seja apenas o de conhecer a realidade, o de
discutir sobre a realidade, mas também o de transformá-la, por meio de intervenções,
denúncias, divulgações e outros atos coletivos que podem efetivar um conhecimento
aprendido no espaço de alfabetização.
2.2. A COMPREENSÃO DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DO
ALUNO
Neste segundo saber, o professor concebe o aluno não como uma folha em
branco: o aluno sempre possui conhecimentos prévios e hipóteses para dar sentido
aos fatos, às ocorrências da realidade que se apresentam para ele.
Pode-se combinar essa tese com da Zona de Desenvolvimento Proximal, teoria de
Vygotsky (1994, p.112) que a conceitua como a
distância entre o nível de desenvolvimento real (ZDR), que
se costuma determinar através da solução independente
de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação
de um adulto ou em colaboração com companheiros mais
capazes. (VYGOTSKY, 1994: p.112)
A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) seria o que o aluno precisa aprender,
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ou seja, o que ainda não sabe para chegar a uma Zona Desenvolvimento Potencial.
Isso poderia estar representado na fala da alfabetizadora (97), quando afirma que é
preciso “Procurar conhecer as principais dificuldades em sala de aula”. A ZDP pode
ser um conceito poderoso para o professor trabalhar a partir das “dificuldades” a
serem aprendidas, levando em consideração o que o aluno já sabe e pressupondo
que deve existir interação com o professor ou entre alunos para que aconteça
aprendizagem.
2.3. PLANEJAR ATIVIDADES PARA SALA DE AULA
O terceiro saber pressupõe que o professor, a partir da identificação da ZDP,
poderá planejar suas atividades de sala de aula. A ZDP é uma pesquisa a ser feita com
alunos que identifica o que os alunos já sabem e o que precisam aprender.
Vasconcelos (2000, p. 79) entende o planejar como “antecipar
mentalmente uma ação (ou um conjunto de ações) a ser realizada e agir de
acordo com o projeto”. Acrescentando que “é sempre uma aproximação, uma
tentativa, uma hipótese, não pode se transformar em algo dogmático que mate,
ao negar o movimento do Real” (VASCONCELOS, 2000, p. 64).
É possível obter os termos, antecipar uma ação no exemplo da alfabetizadora
(93): quando sugere o “Planejamento de atividades, criatividade para o imprevisto.
Utilizar materiais didáticos, giz, quadro, livros”.
Enfim, o professor deve com seu planejamento ter capacidade de identificar / formular
problemas, a partir das ZDP, como um raio-x, para fazer com que seus alunos em
sala de aula aprendam e utilizem esses conhecimentos para aprender sempre mais.
2.4. MOBILIZAR CONHECIMENTOS DAS TEORIAS EDUCACIONAIS
O quarto saber pode ser expresso pela afirmação de que
todo professor deve ser informado durante a sua formação a
respeito, por exemplo, da carga horária, das classes sociais,
dos estereótipos, da violência entre jovens, da diversidade
cultural, etc. Em suma, o professor [deve] possui [r] um
conjunto de saberes a respeito da escola que é desconhecido
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pela maioria dos cidadãos comuns (GAUTHIER et. al.
1998, p. 31).
Os saberes que constituem a formação do trabalhador docente, embora
desconhecida por muitos, e conforme Gauthier et. al. (1998) envolve além dos
saberes a respeito da escola, outras informações necessárias no trabalho com os
objetos de ensino. Exige saberes a respeito dos próprios alunos, dos instrumentos
didáticos e discursivos necessários à aprendizagem, além do contexto em que está
inserido o seu aluno.
Assim, passemos a relacionar que conhecimentos teóricos e práticos são
necessários a profissão de professora alfabetizadora.
A alfabetizadora (48), demonstrando ter conhecimentos sobre a teoria Freireana,
cita uma concepção, a pedagogia libertadora, caracterizando-a como a que
valoriza os educandos, trabalha com os conhecimentos como totalidades, a partir
da vivência dos alunos, primando pela valorização de sua auto-estima, tornandose sujeito da história.
Acontece que não basta ter conhecimentos libertadores e transformadores
da sociedade, é preciso ter em mente isso e mais a necessidade de aquisição da
tecnologia da escrita. Para isso é necessário ter conhecimentos de fonética, para
compreender a natureza dos sons da fala e perceber a relação que se estabelece
entre fonemas e grafemas.
2.5. AVALIAR SITUAÇÕES DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM
A avaliação deve servir para formar o aluno não para excluí-lo do
processo. Esse parece ser um princípio que as professoras têm mais dificuldade
de implementar, pois, o que se observa é que o “erro” do aluno continua sendo um
indicador de sua exclusão escolar.
Nesta pesquisa, apenas uma alfabetizadora citou a avaliação como
um saber necessário para a constituição da professora alfabetizadora. Sua fala
“Saber educar, avaliar e acima de tudo, compreender o aluno não só em seus
acertos, porém em seus erros” (63) chama a atenção aos erros que os alunos
cometem e que não são compreendidos. É preciso conceber o erro em função do
desenvolvimento do aluno, propiciador de uma intervenção do professor para
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que o aluno aprenda. Essa intervenção
deve ser verdadeiramente desafiadora, nunca coercitiva
(Não é assim!) ou retificadora (dando a resposta certa), mas
desenvolvendo suas hipóteses sobre a forma de perguntas
ou realizando novas tarefas no sentido de confrontar o aluno
com outras respostas, diferentes e contraditórias, para levá-lo
a defender o seu ponto de vista ou refutá-lo (HOFFMANN,
2003, p.64)
2.6. DOMINAR E DEFINIR CONTEÚDOS A SEREM TRABALHADOS.
Passa-se a enumerar as possíveis entradas de conteúdos a serem trabalhados
na escola:
a) entrada estruturalista. Essa primeira possibilidade de conteúdo a
ser trabalhado nas turmas de alfabetização de jovens e adultos trabalha a partir
de unidades mínimas, do tipo “fonemas”, “sílabas”, “letras” ou “palavras soltas”.
Trata-se de uma entrada de informações em sala de aula, em que se elegem
informações fragmentadas, pois a análise da realidade deve ser seccionada aos
seus elementos isolados.
b) entrada por complexos temáticos, ou seja, temas genéricos da
realidade do tipo “ecologia”, “liberdade”, “água”, etc.
c) entrada por temas geradores, ou seja, uma palavra ou fala
significativa que seja limite de explicação de uma realidade injusta, do tipo “só
quem pode bater no meu filho é a polícia” (originário da pesquisa realizada no
bairro de Fátima, em Belém).
O principal teórico desta estrada é considerado o maior educador brasileiro
da atualidade, com inúmeros títulos internacionais. Trata-se do educador Paulo
Freire, que defendeu que a escola não deve apenas transmitir conhecimentos, mas
também se preocupar com a formação global dos alunos, numa visão em que o
conhecer e o intervir no real se encontrem. Mas, para isso, é preciso saber trabalhar
com as diferenças, isto é, é preciso reconhecê-las, não camuflá-las.
Paulo Freire inaugura esse tema em Pedagogia do Oprimido
([1970]1983) e o retoma, tanto em sua Pedagogia da esperança (1992) quanto
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em Cartas à Cristina (2003). As conseqüências desse enfoque para o ensino
são profundas. Trata-se de estabelecer metodologias que permitam converter as
contribuições étnico-culturais em conteúdos educativos, portanto, fazer parte da
proposta educativa global de cada escola.
É esse tipo de entrada que é citada pelas alfabetizadoras na pesquisa:
“Trabalhar tema gerador com fala significativa do aluno, ampliar o conhecimento
trazido pelo aluno” (50).
d) entrada a partir de textos
Entende-se por texto qualquer produto atual ou potencial da atividade
de falar, de escrever e de significar eventos e imagens do mundo, incluindo nessa
noção inúmeros gêneros textuais como o telefonema, a conversação, as entrevistas,
as novelas, na modalidade oral; as cartas, os e-mails, os artigos científicos, as
publicidades, as reportagens de jornal, na modalidade escrita, e, os desenhos, as
gravuras e as fotos, na modalidade visuo-espacial.
A entrada por gêneros discursivos pressupõe a eleição de um texto que
circula em contextos sociais e trabalhá-lo nos mais variados aspectos (domínio
e suportes em que circulam, a finalidade do texto, os interlocutores, a situação
em que é produzida, a organização textual, etc.). Pode-se eleger, por exemplo,
uma conta de luz e trabalhar esses componentes. Essa perspectiva de entrada está
muito forte em nosso país, particularmente depois da publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (cf. Brasil. Secretaria de Educação
Fundamental, 1997).
e) entrada por projetos de ensino-aprendizagem.
A entrada por projetos de ensino-aprendizagem pretende partir de
situações reais e contextualizadas que interessem aos alunos, para que o conteúdo
tenha sentido. Pode-se, por exemplo, pesquisar brincadeiras de roda existente na
comunidade e a partir delas trabalhar conteúdos de alfabetização.
Com a pedagogia de projetos pretende-se, segundo Almeida & Fonseca
Jr. (2000), colocar o aluno como co-autor que constrói seu conhecimento a partir de
uma problemática levantada. Os passos para a elaboração de um projeto, segundo
esses autores, seriam 1) identificação de um problema; 2) levantamento de hipóteses
e soluções; 3) mapeamento do aporte científico (busca e seleção de informações fora
da sala de aula); 4) seleção de parceiros de outras áreas de abrangência do projeto;
5) definição de um produto para ser tocado, transportado, guardado, divulgado
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além da sala de aula; 6) divulgação e registro dos fatos vividos; 7) método de
acompanhamento e avaliação das ações realizadas; e 7) publicação e divulgação.
Essa rápida enumeração de possíveis entradas sobre “o que ensinar” demonstra
como se estabelece o entremeio teoria e prática de ensino no tocante à produção de
textos na perspectiva de alfabetização. Outro ponto a ser abordado é a relação entre
esse “o que ensinar” com as concepções de “pra que ensinar”, “como aprendem”,
“onde e quando ensinar” e outras mais concepções subjacentes referentes aos
discursos que norteiam os currículos escolares e os seus conteúdos mínimos, na área
de linguagem, refletindo a função do/a professor/a no exercício pedagógico.
2.7. ESTABELECER METODOLOGIAS A PARTIR DAS NECESSIDADES
E DESAFIOS.
A metodologia seria o saber-fazer docente em sala de aula.
Podem-se distinguir duas orientações metodológicas para a alfabetização:
uma que se desenvolve de estruturas menores para alcançar as maiores, em que
passa-se pouco a pouco do simples (letras e sílabas) ao complexo (palavras e
textos); e, outras metodologias que se apóiam na reflexão sobre as características
da escrita a partir de textos reais, partindo da totalidade do texto para chegar até
as palavras, sendo que a aquisição da “estrutura” vocabular é necessária para se
dominar a escrita.
A alfabetizadora cita, respondendo ao questionário de pesquisa, que é
preciso “Analisar várias maneiras de ensinar dependendo de cada um aluno (156)”.
E de fato, é o professor que constrói o seu saber-fazer, a partir das necessidades e
problemas identificados na turma de alunos com que trabalha. Esta poderia ser a
idéia central sobre o como fazer em sala de aula.
2.8. CONSTRUIR MATERIAIS DIDÁTICOS E CRIAR AMBIENTES
ALFABETIZADORES.
É em um ambiente alfabetizador que o aluno poderá conhecer, viver
novas experiências, expressar seus pensamentos, sentimentos e emoções
livremente. Para isso o ambiente educativo deve ser democrático e igualitário.
É neste sentido que a alfabetizadora coloca é preciso “Fundamentalmente, criar
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um ambiente alfabetizador que desperte manifestações de diferentes formas de
linguagens e de manifestações culturais, tendo em vista a contextualização do
mundo do educando” (alfabetizadora 136).
2.9. RELACIONAR SENTIMENTOS,
POSTURAS E ATITUDES.
EMOÇÕES,
VONTADES,
O fazer com amor, com paciência e com respeito pelo outro são, de
certa forma, pressupostos de qualquer agir, em uma interação social. A linguagem
também se constitui de uma manifestação de sentimentos e emoções. Isso tudo já
está plasmado, seja na forma de como se diz algo, seja no ato de dizer.
Os posicionamentos das entrevistadas se diversificam a partir da pergunta
“o que o professor precisa saber para trabalhar com jovens e adultos?” São
diferentes formas de agir, que como já foi mencionado, estão intrínsecas no ato
e na linguagem humana. A maior recorrência foi: fazer com amor, generosidade,
vontade própria, carinho, atenção, paciência, humildade, dedicação, criatividade,
prazer, responsabilidade, coerência, alegria, espontaneidade, segurança, confiança. Algumas falas significativas:
Como se dar com cada pessoa. Realizar tarefas com amor
e desenvolver todo um trabalho com respeito (150). Um
alfabetizador que ministra aulas a jovens e adultos deve
acima de tudo não só ter conhecimentos, como também ter
humildade e incentivar os alunos na aula (61). Paciência com
o aluno - se ele não entendeu eu vou ensinar quantas vezes
for preciso (4). Domínio, respeito e responsabilidade com a
turma (28).
Em todo caso, mesmo não referenciando saberes produzidos pelas ciências
da educação sobre discursos a serem mobilizados sobre objetos, metodologias,
avaliações do ensinar e do aprender, a discussão de posturas e atitudes reflexivas das
professoras, elas sabem o que não podem fazer; creditam posicionamentos éticos,
como o da responsabilidade (alfabetizadora 28) e percepção das conseqüências
de uma ação intolerável; indicam o que é uma professora paciente (4); defesa da
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humildade (61) e o amor e respeito pelo aluno (150).
CONCLUSÃO
Ao professor cabe o papel pré-determinado de ensinar e/ou trocar
saberes em sala de aula com os seus alunos, seguindo orientações dos
órgãos superiores de educação. Essas orientações podem estar relacionadas
a conteúdos de ensino (o que ensinar?), as formas de avaliação, a horários e
locais de trabalho, sendo que o professor pode estar ‘direcionado’ por um livro
didático, que ao seguir, sem um olhar crítico e criativo, pode estar servindo
de mero veículo de transmissão, depositando informações e cobrando-as nas
provas, pedagogia que pode se identificar como tradicional-conservadora, já
que mera repassadora de informações.
A pesquisa realizada com alfabetizadoras no processo de formação
demonstrou que elas sabem, têm um referencial sobre, o que vão fazer em sala
de aula da EJA e estão seguras de suas identidades, no entanto essas informações
ainda são esparsas e centradas em argumentos sentimentais ou de constituição de
posturas do professor em sala de aula.
Cabe ao professor tomar decisões sobre o que ensinar, que metodologia
utilizar, planejar, avaliar, todos esses saberes docentes sobre o ensino devem ser
pautados na reflexão de suas ações. Sendo assim, a professora-alfabetizadora é
responsável por empregar eticamente os melhores meios para que os/as alunos/as
aprendam. O planejar pode estar orientado pelo conhecer a Zona de Desenvolvimento
Proximal do aluno, como prevê a teoria Vygokstiana, constituindo o Professor
pesquisador para construir uma teoria do seu fazer profissional.
Completam-se essas afirmações, acrescentando que o fundamento de
uma boa aula é o trabalhar consciente. Defende-se que o objeto de ensino do
professor devem ser os textos, pois, são esses que fazem parte e constituem o ser
humano em sua identidade de humano; e que a razão de ser do professor, assim
como de qualquer relação humana é a interação: é pela interação texto-sujeitos que
se constroem sentidos. Como afirmou Bakhtin: a verdadeira substância da língua
é constituída pelo fenômeno social da interação (BAKHTIN, 2004, p. 123). É o
fenômeno social da interação que deve emergir na sala de aula de alfabetização
de jovens e adultos, que deve ocorrer por meio dos gêneros textuais, que são
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organizadores das interações, e, por conseguinte, estão relacionados ao poder e à
ideologia. Ao educador crítico cabe a tarefa de estimular a visão crítica dos alunos,
de implantar uma postura crítica, de constante questionamento das certezas.
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O CANCIONEIRO INFANTIL: VISÃO ANTITÉTICA DE EDUCADORES
E FOLCLORISTAS
Michelle Espíndola Batista20
Resumo: Este artigo tem por objetivo fazer uma análise acerca das manifestações
folclorísticas e, sobretudo sua importância como patrimônio cultural e tradição de
um povo. Serão abordadas, ainda, as cantigas de roda e acalantos e seus efeitos no
imaginário das crianças, partindo da visão pedagógica em contraposição ao ponto
de vista folclorístico, tomando por base uma reportagem do telejornal Fantástico
exibido pela Rede Globo no dia 12 de outubro de 2003.
Palavras-Chave: Folclore. Cantigas de Roda. Acalantos. Educadores e
Folcloristas.
(...) Haverá, obstinadamente, em qualquer agrupamento
humano sob a mais rudimentar organização, a memória
coletiva de duas ordens de conhecimentos: o oficial, regular,
ensinado pelo colégio dos sacerdotes ou direção do rei, e o
não-oficial, tradicional, oral, anônimo, independendo de
ensino sistemático porque é trazido nas vozes das mães, nos
contos de caça e pesca, na fabricação de pequeninas armas,
brinquedos, assombros. (Cascudo, 1978, p.30).
A literatura folclorística também conhecida como literatura oral, é uma
cultura viva e dinâmica que “transmitida de geração a geração, representa a memória
fecunda das sociedades humanas” (Weitzel, 1995, p.17). Segundo Cascudo (1978),
toda manifestação folclorística é popular, mas a recíproca não é verdadeira, uma
vez que a cultura popular é bastante vasta e apenas uma parte é Folclore. Sobre tal
assunto, Cascudo (1978, p.28) afirma que:
A literatura oral brasileira se comporá dos elementos
20 Especializanda em Educação a Distâcia - Universidade de Brasília / UnB
Graduada em Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros
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Faculdade de Ciências Gerenciais e Empreendedorismo - FACIGE
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trazidos pelas três raças para a memória e uso do povo
atual. Indígenas portugueses e africanos possuíam cantos,
danças, estórias (...), cantigas de embalar (...). Todas essas
influências, pesquisadas, somem-se num escurão de séculos,
através de povos e civilizações, num enovelado alucinante
de convergências, coincidências, presenças, influências,
persistências folclóricas. (Cascudo, 1978, p.28)
Os literários muitas vezes tratam os estudos folclorísticos como parte
dos estudos da literatura, estreitando as semelhanças, chegando a estabelecer uma
igualdade entre esses. Mas para Maria Generosa Souto (1999) a análise literária
apenas estabelece o fenômeno popular, mas não é capaz de explicá-los. Deve-se,
então, fixar um limite para essas afinidades entre a literatura e o folclore, ressaltando
os aspectos particulares de cada um. Propp (sd, p.186) salienta que “uma das
diferenças principais consiste no fato de que as obras literárias têm sempre e
infalivelmente um autor. As obras folclóricas, pelo contrário, podem não ter autor,
e nisto está uma particularidade específica do folclore”.
Com efeito, para uma produção ser considerada folclorística é necessário e
imprescindível que essa se torne anônima; antiga e com certa imprecisão cronológica;
persista no tempo e seja sempre citada de forma oral, ressalta Cascudo (1978).
A corrente exclusivamente oral resume-se na estória, no canto popular e tradicional,
nas danças de roda, danças cantadas, danças de divertimento coletivo, ronda e jogos
infantis, cantigas de embalar (acalantos), nas músicas anônimas e outros.
Essa literatura folclorística provém do povo e por ele é conservada, sofrendo
alterações de tempo e lugar, e enriquecendo-se para, por sua vez ser transmitido à
próxima geração, ligando assim o passado ao presente.
Conforme Weitzel (1995) o folclore literário se divide em duas correntes.
O folclore narrativo abrange as narrativas populares, que compreendem as lendas,
mitos, contos, fábulas, casos e anedotário popular. Já o folclore poético reúne
acalantos, cantigas de roda, brincadeiras cantadas, romances, quadras, desafios e
literatura de cordel. É justamente esse último, com ênfase nas cantigas de embalar e
de roda, que será objeto discursivo deste artigo.
Weitzel (1995) ressalta, ainda, que a poesia tradicional ou folclorística é
instrumento de expressão de sentimentos, pensamentos e da memória coletiva que
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se traduz em uma linguagem própria, minuciosamente elaborada para que persista
ao longo do tempo e seja mantida pela tradição.
Acalantos ou cantigas de ninar são canções tradicionais feitas para embalar a criança
na hora de dormir. “Caracterizam-se por uma letra ingênua sobre uma melodia curta
e de linha melódica muito simples, que se repete monotonamente, até que a criança
adormeça” (WEITZEL, 1995, p.72).
Os dorme-nenês brasileiros são heranças dos colonizadores portugueses e
da cultura francesa que, ao contato com a cultura aqui vigente, sofreram alterações
e adaptações de elementos africanos e indígenas. Weitzel (1995) afirma que
essa influência teve como resultado a modificação das letras das cantigas, com
a incorporação de entidades fantásticas e bichos que criam pavor, afastando os
acalantos do objetivo primeiro, que é a demonstração de carinho, amor e ternura por
parte de quem as canta. Em oposição a esse ponto de vista, Fernandes (1979) citado
por Weitzel concluiu através de estudos que crianças, antes das reações de medo
produzido pelos temas das cantigas, apresentam pavor de escuro e da solidão.
Essas cantigas, de cunho mavioso, constituem o primeiro contato da
criança com o universo folclorístico dos adultos, transmitindo uma sensação de
conforto, segurança e proteção para o pequeno ser. São vistas como o mais belo e
delicado patrimônio da literatura oral que persiste através dos tempos e transpõem
os limites geográficos.
O cancioneiro infantil, afirma Weitzel (1995), tem um incomensurável
acervo, podendo ser de origem portuguesa, francesa, espanhola e até mesmo com
melodias em língua indígena e africana. Fazem parte desse riquíssimo cancioneiro
as cantigas de escolha, as toadas de ensino, brincadeiras cantadas e cantigas de roda.
Essas últimas em maior quantidade fazem parte da tradição de várias gerações e,
“embora tenha sofrido no fluir do tempo, influências tão diferentes, conseguiu através
de variações, deformações e transformações, apresentar um cunho inegavelmente
nacional” (WEITZEL,1995, p.75).
De acordo com Martins (1991), todo conhecimento que se adquire
informalmente por via oral, através do convívio com outras pessoas, é chamado
de “saber folclórico”, que é universal. “Embora aconteçam adaptações locais ou
regionais, como conseqüência dos acréscimos da elaboração coletiva” ,o folclore
une o povo, que independente do espaço, tempo e cultura, agem e pensam de modo
semelhante. Quando o educando vai à escola, leva consigo o saber tradicional que
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adquiriu com sua vivência e seus antepassados, e esse deve ser aproveitado da
melhor maneira pelos docentes, pois na ótica de Martins (1991), o folclore tem uma
indiscutível importância pedagógica, sendo ele o “carro-chefe” dos outros estratos
culturais. “O mundo do folclore é atraente, rico e variado, por isso constitui uma
fonte inesgotável de motivação didática” (MARTINS, 1991, p.19).
Segundo Carvalho Neto (1981), o folclore serve à educação como forma de
“informar” ou “formar” o indivíduo. Este tem por objetivo alcançar um fim ético,
moral, que contribua de alguma forma na formação da personalidade e caráter das
pessoas. Aquele é tido apenas como fonte de dados incorporados ao acervo de
conhecimentos do sujeito. “Como informação o folclore é um fim; como formação,
é um meio” (Carvalho Neto, 1981, p.7).
Weitzel (1995) salienta que, como formação, o folclore pode ser
considerado aproveitável; útil; aquele que produz lições de sabedoria; dotado de
fatos éticos, imaginativos, mnemônicos, motivadores e conservadores; o qual
tem utilidade educativa. Ou não-aproveitável; de natureza negativa; que deve
ser corrigido, substituído e até mesmo aniquilado do meio social. O segundo é
caracterizado por pelo autor como “um amontoado de erros, crendices e superstições
grosseiras, imoralidades e agressividades (...)” . Mediante tal situação, caberia então
ao educador saber distinguir essas duas vertentes. Além do autor acima citado, essa
corresponde à visão de outros autores, como Carvalho Neto e Renato Almeida:
No debate sobre Folclore e Educação vem sempre à baila um
tema — há um Folclore útil e aproveitável e outro inútil,
prejudicial e condenável. O fato é óbvio, apenas não é
privativo do Folclore, acontece com quase todos os aspectos
da vida, por isto mesmo a função seletiva é fundamental à
inteligência. (Renato Almeida apud WEITZEL, 1995, p.272)
(...) Não obstante — coisa curiosa! — há uma grande
quantidade de folcloristas que apesar de não desconhecerem
este princípio elementar, o (Folclore Não-Aproveitável) evitam,
dando preferência aí ao estudo do Folclore Aproveitável. E
esta preferência tão partidária às vezes é contraproducente,
pois deixa no leitor, ou no público, a impressão de que todo
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Folclore por definição é uma matéria que trata de coisas lindas
e boazinhas, inocentes: por exemplo, os anjinhos, o natal, os
presépios, os cânticos doces, as dancinhas de lenço... Como
se não houvesse outro Folclore, espantosamente real, diário,
delinqüente, precisando ser registrado, estudado, interpretado,
porque ele também forma parte das nossas vidas e sem ele é
impossível conhecer o ser humano.
(Carvalho Neto apud idem.).
Seria esse o motivo que levou os educadores, juntamente com músicos e
compositores a repensarem e até mesmo refazerem as cantigas de roda e acalantos
de maneira — denominada por eles — “politicamente correta?” Esse cancioneiro
infantil faria então parte do Folclore que a Educação não recomenda?
A modalidade literária chamada de literatura infantil tem recebido uma
atenção particular no meio intelectual. O que vem sendo discutido é o grande embate
entre pedagogos, que defendem as alterações nas composições folclóricas, e os
folcloristas, conservadores que querem resguardar a tradição. Os questionamentos
são muitos: qual a validade da fantasia? Que efeitos podem produzir as cantigas
sobre os pequenos ouvintes?
Consoante Paiva (1998), as cirandas, além do valor folclórico, têm grande
importância educativa, remetendo a uma infância saudável em que a criança se
desenvolve ao ritmo de danças inofensivas, já que é através do canto e da música
que se manifesta, de forma mais significativa, a alma infantil. “Hoje o jogo é uma
poderosa e salutar arma educativa, uma das mais completas formas de preparação
à vida real. Brincando, forma-se o caráter integral da criança e do adolescente”,
afirma Colares (1999, p.77).
Sob a ótica dos educadores, a literatura oral infantil é, sobretudo, um
problema pedagógico e não literário; uma vez que a verdadeira função das cantigas
infantis é a diversão educativa. Elas atuam diretamente na formação do indivíduo,
exercem fascinação nas crianças, pois essas, por sua vez, se expressam através do
ritmo, extravasam seus sentimentos e desenvolvem suas habilidades de criação e
comunicativas, como salienta Paiva (1998, p.17):
(...) Brinquedos cantados visam estimular o aparelho motor
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da criança em sua necessidade de movimento através de
movimentos da cabeça, braços, mãos, batidas de mãos e pés e
passos de dança, educando o senso de ritmo, desenvolvendo
a acuidade auditiva, ativando o sistema neuromuscular,
solicitando movimentos respiratórios mais amplos.
Oportunizam a conscientização da orientação no espaço, bem
como a estruturação da noção temporal. Preparam a criança
para a execução de danças, dando-lhes a oportunidade de
exibir sua motricidade espontânea. (PAIVA,1998: p.17):
O grande problema é que essas cantigas envoltas no pragmatismo
pedagógico perdem as suas raízes históricas. Segundo o depoimento da
musicoterapeuta Virgínia Adams (ver anexo), em reportagem concedida ao
Programa “Fantástico” — veiculado pela Rede Globo de Televisão — acerca
desse questionamento, ela assume fazer ou mesmo refazer as letras das cantigas de
forma que passem a ser politicamente corretas. “O Folclore está aí há muitos anos
e a cultura está viva. Então, eu resolvi adaptar algumas músicas do folclore para
passar conceitos para as crianças”, diz Virgínia Adams. Retomando a concepção de
Cascudo (1978), infere-se que após passar pelo processo de restauração, as cantigas
deixarão de fazer parte do patrimônio folclórico, uma vez que passarão a ter um
autor definido, poderão ser situados cronologicamente e, além disso, “afasta-se do
folclore a contemporaneidade” (CASCUDO, 1978, p.23).
Zilberman (1984) afirma que a literatura folclorística infantil possui um
tipo de público que tem o imaginário diferente do mundo adulto. As crianças não
questionam circunstâncias sociais, nem problemas no universo literário que lhes é
apresentado. Elas se interessam apenas pela melodia e no que a brincadeira pode
lhes oferecer. Os educadores conferem às cantigas um valor deturpado, fazendo
surgir o confronto entre a criança e a realidade adulta. Acerca da relação entre a
criança e as cantigas, Paiva (1998) diz que:
A roda é como a família: é o princípio do grupo, dá a sensação
de pertencer a ele. Por isso a criança demonstra tanta satisfação
estando de mãos dadas com as outras, de participar dos
mesmos cantos porque sente pertencer à roda. É a primeira
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forma de equilíbrio social. (Paiva, 1998, p.109)
Mesmo ressaltando toda essa visão pueril e reconhecendo a “inocência”
do mundo imaginário da criança, educadores e especialistas tentam convencer que
cantigas que expressam situações de “violência” ou com personagens que produzam
“medo” são nocivas, ou seja, resultam em prejuízos na formação dos pequeninos.
Mas de acordo com o psicanalista Carlos Doin (ver anexo), que foi entrevistado pelo
“Fantástico”, “aquilo que se fala, aquilo que tem nome, aquilo com que se brinca já
perde muito do mistério, do horror emocional. O que é horrível para o ser humano,
e em especial para a criança que está se formando, é sentir medo sozinho. Não saber
o nome do medo. Então, você precisa botar o nome do medo. É o boi, mas você está
com a mãe, com a babá, com a avó...” afirma o profissional. “As crianças brincam
com os elementos da língua pelo simples prazer da auto-expressão e da habilidade, e
fazem isso com mais facilidade do que um adulto, a menos que esse seja um poeta”
(Cazden apud MAGALHÃES, 1984, p.25).
As crianças não são atentas ao significado das figuras simbólicas, o que
existe é a autonomia do som em detrimento à conotação das palavras. A prevalência
da sonoridade transcende a significação, e isso pode ser identificado nas letras das
cantigas e outros jogos, comuns no meio infantil, cujo ludismo é evidente: “eu sou
pobre, pobre, pobre, de marré, marré, marré...”; “aranha, tatanha, aranha,
tatanha. Tatu é que arranha a tua casinha...”. A mensagem verbal não é relevante,
pois o que importa é o arranjo lúdico dos sons. A brincadeira envolve a criança
numa diversão segura e saudável, pois, como enfatiza Zilberman (1984):
essas composições apresentam as mesmas características de
paralelismo sonoro que Jakobson identificou como sendo
próprio da função poética da linguagem: a mensagem verbal
centra-se em si própria num arranjo lúdico de sons. Por isso,
a criança já traz, para a escola uma experiência lingüística que
em sua funcionalidade é poética. (Zilberman, 1984, p.29)
A criança explora os sentimentos e emoções através do jogo, assim como
explora o mundo exterior através de percepções. Logo, as situações do mundo real
nem sempre oportunizam tais explorações e o exame das reações, da mesma forma
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que a fantasia, em uma situação lúdica. À medida que a criança vai se tornando
marcada pela ideologia vigente, recebida através da escola e da família ocorre uma
alteração no papel da fantasia no mundo infantil. A escola desempenha essa alteração,
mas poderia perfeitamente, continuar incentivando as crianças a não abandonarem
completamente o mundo fantasioso, já que as crianças de hoje apresentam-se a cada
dia mais precoces.
Percebe-se a necessidade de a escola e os educadores explorarem o
conhecimento prévio das crianças, ativando-o através dessas mesmas construções
orais: cantigas, músicas, histórias faladas. Enfim, desenvolver atividades para que
se fixe o valor folclórico de uma forma abrangente e incentivadora da construção da
criança. A tradição pedagógica consagra a educação como meio de perpetuação da
vida social. O papel da educação é, portanto, garantir a permanência da organização
social, validar suas instituições, costumes e crenças através da transmissão de
valores da geração adulta para a infantil. Dessa forma, prevê-se uma comunicação
inequívoca dos valores.
As cantigas de roda fizeram parte da infância de muitas gerações e nunca
prejudicaram ou influenciaram ninguém, ao contrário de outras músicas que não
preservam a puerilidade. Se essas cantigas levassem uma criança a maltratar os
animais, depois da “Atirei o pau no gato” ter feito parte do imaginário de tantas
pessoas, não haveria, atualmente, um só gato para “contar história”.
Portanto, é não se deve pensar que músicas com letras consideradas violentas
ou esdrúxulas possam influenciar a criança a fazer o mal ou crescer amedrontado e
se formar um adulto traumatizado. A didática que orienta a alteração das cantigas
não leva em conta a sensibilidade poética, contribuindo para a não preservação da
tradição folclorística. As cantigas possuem raízes históricas e pertencem à memória
coletiva, caíram no gosto popular a já se tornaram patrimônio cultural de todas as
pessoas. Além de tradição, essas brincadeiras são agentes humanizadores.
ANEXO
Transcrição da reportagem exibida no fantástico no dia 12 de outubro de
2003
Não atirei o pau no gato totô...
12/10/2003
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Não atirei o pau no gato, totô...
Volta tudo! Bernardo Nana, Carla, Aninha e outras crianças esqueceram a letra
“desta” música? Todas as crianças sabem a letra antiga, sim. Afinal, cantigas de
rodas fazem parte da cultura do Brasil.
De acordo com os historiadores, foram trazidas há séculos pelos portugueses. “Ela
veio na colonização toda. Veio desenvolvendo, ela veio misturada com negro, com
índio. E aí a gente ficou este povo musical e geramos esta maravilha que é este legado
que é a cantiga folclórica brasileira,” conta a compositora infantil Bia Bedran.
Fui no tororó...Beber água não achei...
“As cantigas de roda são muito importantes para nossa sociedade porque elas são
um lugar de conforto. Por quê? Porque os pais ouviram quando eram pequenos e fez
bem a eles. Então, eles vão querer reproduzir para os seus filhos, porque aquilo eles
têm a garantia de que é bom e aquilo vai ajudar”, diz o músico Paulo Tatit.
Boi,boi, boi do Piauí...
Boi do Piai? Onde foi parear o boi da cara preta que pega o menino que tem medo
de careta?
Fantástico – alguém aqui tem medo de boi?
Crianças – não.
Fantástico – por que?
Crianças – porque nós somos grandinhos.
Mas será que cantar que a cuca vem pegar prejudica o sono dos nossos anjinhos?
“Aquilo que se fala, aquilo que tem nome, aquilo com que se brinca já perde muito
do mistério, do horror emocional. O que é horrível para o ser humano, e em especial
para criança que está se formando, é sentir medo sozinho. Não saber o nome do
medo...Então, você precisa botar o nome do medo. É o boi, mas você está com a
mãe, com a babá, com a avó...”, afirma o psicanalista Carlos Doin.
“Esse mundo agressivo, que nós vivemos, é preciso que a gente neutralize esta
agressividade com coisas positivas, com atitudes solidárias, com carinho, com
atitudes de afetividade”, acredita a educadora Glorinha Vasconcelos.
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“Eu acho uma boa idéia. Eu já trabalhei em creche e a gente já ensaiava esta
versão porque a gente ensinava as crianças a não maltratarem os animais”, conta a
doméstica Antônia Abreu.
“O que não se pode esperar é que as tendências agressivas sejam estirpadas porque
fazem parte da vida e de certa maneira são necessárias e normais”, lembra o
psicanalista Carlos Doin.
Virgínia é musicoterapeuta e assume que faz as letras politicamente corretas.
“O folclore está aí há muitos anos e a cultura está viva. Então, eu resolvi adaptar
algumas músicas do folclore para passar conceitos para as crianças”, diz Virgínia
Adams.
O cravo brigou com a rosa, a rosa deu um remédio e ele foi abraçar...
Fantástico – vocês acham essa música triste?
Crianças – eu acho essa música legal
Fantástico – por que ela é triste?
Crianças – porque tem aquela parte de roubar o coração...
“Quando você pensa em Brasil, os educadores têm um papel fundamental na
educação e em formar um cidadão brasileiro”, acredita Paulo Tatit.
Fantástico – quem aqui já acertou um apedar no gato?
Crianças – ninguém porque isto é feio.
Fantástico – porque é feio, Fernando?
Fernando – porque machuca os animais.
“Eu acho que se tem música dentro de casa, tem adulto perto de criança... Isto que
eu acho que é a grande diferença”, diz a compositora Sandra Peres.
“Porque atirar o pau no gato? Eu sou partidária que não se atire o pau no gato”,
afirma a educadora Glorinha Vasconcelos.
“Isso é uma coisa que já está na boca das crianças nas creches. Eu acho que já
pegou”, pensa Virgínia Adams.
“Se essa música influenciasse a criança, acho que não teria sobrado gato para miar
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a história”, brinca Paulo Tatit.
(Disponível em <http://www.globo.com/fantastico>)
TRANSFORMAÇÃO DAS CANTIGAS DE RODA: TRADIÇÃO E MÍDIA
ATIREI O PAU NO GATO
ORIGINAL
Atirei o pau no gato-tô,
Mas o gato-tô não morreu-reu-reu.
Dona Chica-cá admirou-se-se
Do berro, do berro que o gato deu: M I A U!!
POLITICAMENTE CORRETA
Não atirei o pau no gato
Porque isso não se faz
O gatinho é nosso amigo
Não devemos maltratar os animais
J A M A I S!!
O CRAVO E ROSA
ORIGINAL
O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido e a rosa despedaçada
O cravo ficou doente e a rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
E a rosa pôs-se a chorar
POLITICAMENTE CORRETA
O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido e a rosa despedaçada.
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O cravo ficou doente e a rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio e a rosa pôs-se a chorar.
A rosa deu um remédio
E o cravo logo sarou
O cravo foi levantando
A rosa o abraçou.
BOI DA CARA PRETA
ORIGINAL
Boi, boi,boi,boi da cara preta,
Pega essa criança que tem medo de careta...
POLITICAMENTE CORRETA
Boi, boi,boi, boi do Piauí,
Pega essa criança que não gosta de dormir...
(Disponível em <http://www.globo.com/fantastico>)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO NETO, Paulo de. Folclore e educação. Rio de Janeiro: Forense,
1981.
CASCUDO, Luis da Câmara. Que é literatura oral? In: Literatura Oral no Brasil. 2ª
e.d. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978.
COLARES, Zezé; SILVEIRA, Yvonne. Folclore para Crianças. Montes Claros:
Unimontes,1999.
MARTINS, Saul. Folclore em Minas Gerais. 2ª ed. Belo Horizonte: UFMG, 1991.
PAIVA, Ione Maria R. de. Brinquedos Cantados. Rio de Janeiro: Sprint, 1998.
PROPP, Vladimir. Édipo à luz do Folclore. Trad. Antônio da Silva Lopes. s.n.t.
ROSSATO, José Carlos. Nosso folclore. São Paulo: Soma, 1987.
SOUTO, Maria Generosa Ferreira. A Questão Folclorística à Luz da Escola. Montes
Claros: Giordani,1999.
WEITZEL, Antônio Henrique. Folclore Literário e Lingüístico. 2ªed. Juiz de Fora:
Edufjf, 1995.
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ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Ligia Cademartori. Literatura infantil:
autoritarismo e emancipação. 2ªed. São Paulo: Ática, 1984.
Disponível em < http://www.globo.com/fantastico > Acesso em 25/12/2003 às
20h42
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ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE ESGOTO: DISCUSSÃO DAS FORMAS
ALTERNATIVAS DE REUSO DO EFLUENTE E APROVEITAMENTO
DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
Renata Cardoso Silva*
Juvenil Dias Pereira*
Mônica Durães Braga**
Resumo: O tratamento de esgotos permite remover as impurezas físicas, químicas
e biológicas, principalmente os organismos patogênicos do efluente contaminado,
seja ele doméstico ou industrial. Neste processo, diversos resíduos são gerados e
as características do produto final nem sempre atende aos critérios exigidos para
lançamento em corpos receptores. A prática de reuso planejado de águas residuárias
vem sendo apontado como uma das soluções para este problema. Quanto aos
resíduos sólidos, diversas são as formas alternativas já estudadas, como a produção
de cerâmica e adubação. Tais alternativas são de suma importância para a proteção
dos recursos hídricos.
Palavras chave: Efluente. Reuso. ETE. Resíduos Sólidos. Recursos Hídricos.
1. INTRODUÇÃO
A poluição de águas é, em boa parte, resultado da maneira como a
sociedade está organizada para produzir e desfrutar de sua riqueza, progresso e
bem-estar. Ainda, resultado da pobreza e da ausência de consciência ambiental e
ações individuais atuantes neste sentido.
Existem inúmeros motivos pelos quais podemos pensar em proteger os recursos
hídricos, não apenas como cumprimento às leis, mas em respeito aos nossos
recursos. Neste sentido, além da preservação das suas fontes, os mananciais, é de
* Graduandas em Ciências Biológicas do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB.
** Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Montes Claros; Mestre em
Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Viçosa (Linha de pesquisa: Epidemiologia e
Controle de Qualidade de Produtos de Origem Animal - pesquisa em Recursos Hídricos); Professora no
curso de Ciências Biológicas do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB.
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fundamental importância o tratamento dos esgotos produzidos.
O objetivo do tratamento de esgoto é remover as impurezas físicas,
químicas e biológicas, principalmente os organismos patogênicos. Podemos
refletir que o futuro bem próximo depende da manutenção e preservação da
qualidade da água, e ainda formas que repõem ao ambiente as quantidades que
temos tirado dele.
O esgoto sanitário é formado pela reunião de despejos de diversas origens
provindos de efluentes das residências, restaurantes, bares, hotéis, hospitais e etc,
e ainda, é composto por esgotos industriais que apresentam uma grande variação
de componentes químicos. As principais características físicas que representam
o estado físico em que se encontram águas residuárias são: coloração, turbidez,
odor, matéria sólida e temperatura. (JORDÃO; PESSÔA, 1995).
A disposição adequada dos esgotos é essencial para a proteção da saúde
pública. Infecções podem ser transmitidas de uma pessoa doente para a sadia por
diferentes caminhos, envolvendo os excretos humanos. Os esgotos, ou excretas,
podem contaminar a água, o alimento, os utensílios domésticos, as mãos, o solo
ou ser transportados por moscas e baratas provocando nova infecção além de
propiciar o aparecimento de epidemias. As epidemias são algumas das várias
doenças que podem ser transmitidas pela disposição inadequada dos esgotos, que
podem ser prevenidas através da correta disposição dos mesmos, (FEACHEM
et al, (1983); SHUVAL et al, (1986); STRAUSS; BLUMENTHAL (1989);
BASTOS et al (2003)).
Outra importante razão para tratar os esgotos é a preservação do
meio ambiente. As substâncias presentes nos esgotos exercem ação deletéria
nos corpos de água: a matéria orgânica pode ocasionar a exaustão do oxigênio
dissolvido com morte de peixes e outros organismos aquáticos, escurecimento
da água e aparecimento de odores; defensivos agrícolas determinam à morte de
peixes e outros animais. Os nutrientes exercem uma forte “adubação” da água,
provocando o crescimento acelerado de algas e outros organismos que conferem
odor e gosto desagradáveis (HECKRATH et al., 1995).
2. ETAPAS DE TRATAMENTO DE ESGOTO
2.1. TRATAMENTO PRELIMINAR
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Remove o material mais grosseiro como os sólidos suspensos: trapos,
escovas de dente, tocos de cigarro, e os sólidos como areia e outros. (JORDÃO;
PESSOA, 1995).
2.2. TRATAMENTO PRIMÁRIO
Tem como objetivo remover material em suspensão, não grosseiro, que
flutue ou decante, mas que requer o emprego de equipamentos com tempo de
retenção maior que no tratamento preliminar: decantadores e flotadores. Nesta
fase, ocore produção do lodo primário ou cru que precisa ser tratado antes de sua
disposição final. (JORDÃO; PESSOA, 1995).
2.3. TRATAMENTO SECUNDÁRIO
O esgoto também contém sólidos dissolvidos e finos sólidos suspensos que
não decantam. Estes não são removíveis apenas com a ação da força de gravidade;
pode-se utilizar microrganismos que se alimentam dessa matéria orgânica suspensa
ou solúvel, descartando sais e levando à formação do lodo chamado de secundário.
Assim, o tratamento secundário ou biológico consegue transformar a matéria
orgânica solúvel do esgoto em matéria orgânica insolúvel. Os microrganismos mais
importantes para o tratamento dos esgotos são as bactérias, seres microscópicos que
se reproduzem em grandes velocidades (CAVALCANTI et al; 2000).
O ponto fundamental do tratamento biológico de esgotos é fornecer condições
para que as bactérias sobrevivam e utilizem o esgoto da maneira mais eficiente.
Como todo ser vivo, as bactérias necessitam de uma fonte de energia. Quando essa
energia é obtida através da oxidação da matéria orgânica, em que é usado o oxigênio
para respirar – são as aeróbias. Ocorre, ainda, um terceiro tipo de bactérias, que
têm a faculdade de utilizar o oxigênio se o mesmo estiver presente (funcionando
como aeróbias) e que realizam a fermentação anaeróbia se não houver oxigênio:
denominam-se bactérias facultativas. Pode-se, com isso então, classificar o
tratamento biológico de esgotos em aeróbio, se for fornecido oxigênio ao sistema;
anaeróbio, se o oxigênio estiver ausente; e facultativo se, no mesmo tratamento,
existirem regiões aeróbias e anaeróbias. As bactérias facultativas, devido às suas
propriedades destes três tipos de tratamento (CAVALCANTI et al; 2000).
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O tratamento secundário gera um lodo que precisa ser convenientemente
manuseado. Seu tratamento e disposição devem ser encarados com atenção, pois,
muitas vezes, essas operações tornam-se mais complicadas e dispendiosas do que o
próprio tratamento dos esgotos. (JORDÃO; PESSÔA 1995; GONÇALVES; 1997;
MACINTYRE ;1996; NETTO; 1997).
2.4. TRATAMENTO TERCIÁRIO OU AVANÇADO
É utilizado quando se deseja um esgoto tratado de qualidade superior.
Nesse tratamento pode-se remover nutrientes, que normalmente não são retirados nos
tratamentos anteriores, além de matéria orgânica, sólidos suspensos e patogênicos
em um grau ainda maior que no tratamento secundário. O tratamento terciário é
prática usual em nações desenvolvidas, altamente industrializadas e com escassos
recursos hídricos, nos quais a adoção de sofisticadas estações de tratamento de
esgotos é econômica, porque viabiliza o uso do recurso hídrico para outros fins.
(Jordão e Pessôa (1995), Gonçalves (1997), Macintyre (1996) e Netto (1997)).
3. FORMAS ALTERNATIVAS DE TRATAMENTO DE ESGOTOS
3.1. TANQUE SÉPTICO
Pode-se dizer que o tanque séptico corresponde a um sistema de
tratamento primário e físicobiológico (predominância da sedimentação do material
sólido e digestão). Pela simplicidade de construção e manutenção é um sistema
muito difundido, e está presente na maioria das estações de tratamento residenciais.
Também é conhecido e tratado por alguns autores como Fossa Séptica (CREDER;
1991; MACINTYRE ,1996; JORDÃO; PESSÔA, 1995).
Ainda, são definidas como fossas Sépticas as câmaras convenientemente
construídas para reter os despejos domésticos e/ou indústrias, por um período de
tempo especificamente estabelecido, de modo a permitir sedimentação dos sólidos e
retenção do material graxo contido nos esgotos, transformando-os, bioquimicamente,
em substâncias e compostos mais simples e estáveis (JORDÃO; PESSÔA, 1995).
3.2. FILTRO BIOLÓGICO ANAERÓBIO (FAN)
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O filtro anaeróbio é uma “unidade destinada ao tratamento de esgoto,
mediante afogamento do meio biológico filtrante” (NBR 7229, 1993, p. 2). Podese dizer que o filtro anaeróbio representa um sistema de tratamento secundário e
físico-biológico. É de grande utilidade em projetos que requerem um melhor grau
de tratamento que o simples uso de tanque séptico seguido de infiltração no solo.
3.3. FILTRO AERADO
Assim como no Filtro Anaeróbio, o Filtro Aerado possui material filtrante
e há formação de biofilme. A matéria orgânica presente no tanque é degradada pelas
bactérias presentes no biofilme.
Entretanto, difere do filtro anaeróbio no que se refere à presença de oxigênio
no interior do tanque. Por conseguinte, as reações que ocorrem em ambiente aeróbio
são diferentes, além de promover nitrificação, o filtro aeróbio atua removendo
DBO.
3.4. TANQUE DE SEDIMENTAÇÃO
Seu funcionamento é semelhante com o do Tanque Séptico. A sua função
é promover a sedimentação de partículas sólidas, através da diferença de densidade
e utilizando-se de um tempo de detenção hidráulico, evitando com que estas estejam
presente no efluente final. Grande parte destas partículas sólidas são provenientes
do desprendimento de biofilme do Filtro Aerado, já que o processo aerado produz
grande quantidade de bactérias. Tem como função a decantação do lodo formado
pela grande quantidade das partículas sólidas formadas.
3.5. CLORADOR
O Clorador, ou Tanque de Desinfecção é um sistema de tratamento
químico e terciário, com função de desinfecção do efluente das outras unidades
(JORDÃO; PESSÔA,1995).
4. PRODUÇÃO DE SÓLIDOS
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A produção de sólidos se dá devido ao crescimento bacteriano que
acontece devido ao acúmulo de substrato. Quanto mais alimento conter no meio,
maior será a taxa de crescimento bacteriano. Dessa forma o volume de biomassa
produzido é devido à disponibilidade de substrato no meio. Quando o substrato
apresenta-se em baixa concentração, a taxa de crescimento é proporcionalmente
reduzida. A matéria carbonácea é, no tratamento de esgotos, usualmente o fator
limitante do crescimento.
Tais resíduos precisam ser devidamente destinados. Os principais efeitos
nocivos provocados por uma disposição inadequada do lodo podem resultar em: risco
à saúde humana, animal e vegetal em função de agentes contaminados; acúmulo de
metais pesados ou compostos orgânicos no solo (GONÇALVES et al., 1999).
A disposição final adequada do lodo de esgoto é uma etapa problemática
no processo operacional de uma ETE, pois apresenta um custo que pode alcançar
até 50% do orçamento da ETE. A produção de lodo de esgoto pode ser minimizada
na fase líquida do tratamento por meio da seleção de processos que produzam
pouco lodo, ou através da redução do volume de lodo em excesso na fase sólida
do tratamento (GONÇALVES; LUDUVICE, 2000).
Segundo VON SPERLING (1997) os principais sub-produtos sólidos
gerados no tratamento pelo processo de lodos ativados são: material gradeado;
areia; escuma; lodo primário; lodo secundário.
De todos os subprodutos gerados, o principal em termos de volume
e importância é representado pelo lodo. No decorrer do sistema de tratamento
do lodo possibilitam diversas combinações de operações e processos unitários,
compondo diferentes seqüências. As principais etapas do tratamento, com os
respectivos objetivos são:
•
Adensamento: remoção de unidade (redução de volume);
•
Estabilização: remoção da matéria orgânica (redução de sólidos voláteis);
•
Condicionamento: preparação para a desidratação (principalmente mecânica);
•
Desidratação: remoção de unidade (redução de volume);
•
Disposição final: destinação final dos subprodutos.
5. SOLUÇÕES ALTERNATIVAS PARA DESTINAÇÃO DOS RESÍDUOS
FORMADOS EM UMA ETE
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Os Estados Unidos e a Europa produzem, respectivamente, cerca de 13
milhões de toneladas e 7 milhões de toneladas de biossólidos, base seca, por ano,
com rotas respectivas de disposição final em aterros (41 e 42 %), uso agrícola
(25 e 36 %), incineração (16 e 11 %), disposição oceânica (6 e 5 % ), e outras
formas, como reflorestamento e recomposição de áreas degradadas em 12 e 6 %
(TSUTIYA, 2001).
O Brasil produz entre 150 mil e 220 mil toneladas de biossólidos23, base
seca, por ano, com perspectiva de expressivo aumento de processamento nesta
década (ANDREOLI ; PINTO, 2001).
Os resíduos sólidos gerados a partir do tratamento de esgoto podem conter
agentes físicos, biológicos e químicos, que se descartados de maneira incorreta
podem causar grandes prejuízos ao meio ambiente e consequentemente ao homem.
Segundo CORDEIRO, (1999), o destino final do lodo proveniente das estações
de tratamento de água depende das condições técnicas, econômicas e ambientais,
inclusive podendo obter lucros e redução de custos e impactos ambientais. Por
isso nos últimos anos têm acontecido muitas pesquisas no sentido de descobrir
alternativas que sejam econômicas e que não causem danos ao meio ambiente.
Até o momento, as seguintes alternativas de uso benéfico do lodo têm sido
utilizadas: disposição controlada em certos tipos de solos, fabricação de cimento,
incineração, fabricação de material cerâmico, construção de bases de certos tipos
de pavimentos, cultivo de grama comercial, compostagem, solo comercial, e solos
cítricos (HOPPEN et.al., 2003; TSUTIYA; HIRATA, 2001).
5.1. ATERRO
O aterro apesar de ser uma das alternativas mais utilizadas no momento,
ela não é uma alternativa ecologicamente correta. Os aterros devem ser as
últimas alternativas a serem implantadas, isso porque há escassez de área para a
sua implantação, principalmente nas zonas adensadas, onde se geram os maiores
volumes de lodo,sem contar que o custo de disposição é alto,variando de US$ 17 a
US$32 por tonelada para os custos com transporte e há dificuldades de locação de
23 O biossólido, nome comercial do lodo de esgoto após sofrer um processo de estabilização, constitui
a parte sólida do esgoto (cerca de 0,01%). É um resíduo que pode ser utilizado como condicionador
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áreas para a construção d aterros (ALVARO et. al.).
O lodo é constituído por aproximadamente 90% de água. Ele pode passar
por um processo de desidratação, no qual a sua concentração de sólidos pode
aumentar para, aproximadamente 65%. Após a desidratação ele pode ser destinado
para adubação, incineração, aterro sanitário de lixos urbanos, compostagem com
lixo urbano, etc. (TEIXEIRA et.al., 2006).
5.2. INCINERAÇÃO
A incineração é uma das alternativas mais seguras para dar fim a estes
resíduos, porém ela não é muito utilizada porque o seu custo financeiro é muito alto,
o que inviabiliza o seu uso, principalmente quando se trata de grandes quantidades,
por isso apenas algumas empresas utilizam dessa alternativa, e principalmente
empresas que produzem pequenas quantidades e geralmente são resíduos que
contem grandes quantidades de substâncias químicas, o que dificultaria o tratamento
e a reutilização deste resíduo.
“A incineração tem elevado custo por tonelada tratada, além de problemas
secundários de poluição atmosférica e de destinação final das cinzas; entretanto,
é bastante pratica e pode ser aplicada em algumas situações nos grandes centros
urbanos” (FERREIRA et. al.,1999; RODRIGO et al., 2007).
5.3. PRODUÇÃO DE CERÂMICA
A indústria cerâmica surge como uma alternativa bastante promissora
para a utilização do lodo, pois ela utiliza como matéria-prima básica argilas, que
é um produto natural não renovável. E a incorporação do lodo à massa cerâmica é
estudada nos últimos anos, devido a sua composição mineralógica e as propriedades
tecnológicas. Um dos fatores pelo qual torna essa alternativa bastante interessante
é o fato de que para a fabricação dos artefatos cerâmicos, utilizam se de altas
temperaturas inativando os agentes causadores de doença, sem contar que estes
das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, considerando seu teor de matéria orgânica e
nutrientes (MELO et al., 1994; VANZO et al., 2001). Uma das aplicações deste material compreende
o fornecimento de matéria orgânica na composição de substratos para a formação de mudas frutíferas e
florestais, dentre outras.
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produtos terão pouco contato com as pessoas, o que diminuem ainda mais os riscos
de causarem doenças (ALMEIDA et. al., 1997; HUANG et. al., 2007; MORITA,
2002; SANTOS, 2000; WENG, 2003).
De acordo com Oliveira et al. (2004), a indústria de cerâmica vermelha é
altamente promissora para absorver resíduos poluentes, isto é decorrente principalmente
do fato de que as massas argilosas utilizadas são, por natureza, heterogêneas.
Ainda segundo Oliveira et al. (2004), a possibilidade para aproveitamento
em cerâmica vermelha é considerada, para tal característica, é necessário usar
os seguintes métodos de análises: fluorescência de raios x, difração de raios x,
microscopia eletrônica de varredura, peneiramento/ sedimentação e analise térmica.
Embora a utilização de resíduos de esgoto na fabricação de artefatos cerâmicos tem
sido, ainda, pouco estudada, apesar de sua importância ambiental e econômica.
5.4. UTILIZAÇÃO PARA ADUBAÇÃO
O processo de tratamento de esgoto consiste em separar o liquido do
sólido para que a partir de então o líquido tratado seja liberado em um corpo
d’água receptor e a parte sólida (lodo) seja devidamente tratada e disposta no
meio ambiente de maneira correta (RODRIGO et al., 2007).
No entanto, existem na constituição do lodo, organismos como
vírus, bactérias, protozoários e helmintos. Este é um dos principais problemas
que confrontam o seu reaproveitamento principalmente na agricultura. “O
estabelecimento de concentrações máximas de ovos viáveis de helmintos em
lodos de esgoto tem sido critério mundialmente utilizado para se permitir o uso
agrícola desse material.” (CAPIZZI-BANAS; SCHWARTZBROD, 2001 In:
RODRIGO et al., 2007).
Os resíduos sólidos gerados em uma ETE, após um tratamento para
eliminação de agentes patógenos, como por exemplo, os ovos de helmintos e
bactérias, podem ser utilizados como fertilizantes. Esta é uma das principais
alternativas para estes resíduos.
“A reciclagem agrícola apresenta-se como alternativa mais promissora
pois transforma um resíduo em importante insumo agrícola, contribuindo
para o fechamento do ciclo dos nutrientes minerais e para redução do efeito
estufa.”(PROSAB, 1999; SANEPAR,1999; ANDREOLIN; PEGORINI, 2000 In:
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RODRIGO et al., 2007).
O biossólido produzido a partir do esgoto doméstico possui baixa
concentração de metais pesados, possuindo valores bem abaixo dos limites
determinados pelas normas americanas e européias. “Por ser rico em nutrientes,
principalmente N e P, pode ser aproveitado em áreas agrícolas como fertilizantes ou
como condicionador de solo, depois de adequadamente tratado.” (MELO et al., In:
LEMAINSKI; EURIPEDES, 2006).
Os gastos financeiros com fertilizantes minerais para tratamento são
calculados pelo valor de N, P e K e a respectiva quantidade aplicada. De acordo
com pesquisa de preço pago pelo produtor (CONAB, 2003), a cotação da tonelada
do produto posto na propriedade a 100 km, referenciada em abril de 2003, foi:uréia,
R$ 84,5,00; superfosfato triplo, R$ 819,00; e cloreto de potássio, R$ 666,00
(CANZIANI et al., 2001).
Muitos paises possuem critérios para a utilização deste material, rico em
nutrientes, na agricultura e silvicultura. O Brasil ainda carece de regulamentações
sobre o assunto e, de modo geral, muitas das medidas poderiam ser utilizadas
para minimizar os impactos ao ambiente e a saúde pública que ainda são adotadas
restritamente (ANDREOLI; PEGORINI,1998).
“Apesar da importância da reciclagem do biossólido como fonte de
nutrientes, os resultados revelam a necessidade de seleção de indicadores de sanidade
rigorosa que permitam o uso seguro deste material. Por isso deve-se adicionar a
inclusão de varias análises no biossólido, tais como detecção de microorganismos
importantes para a saúde humana e veterinária e de resíduos químicos de produto
domissanitarios e antibiótico, além de analises de metais pesados nos tecidos
vegetais.” (OLIVEIRA, et. al.,)
Carvalho; Barral (1981 In: OLIVEIRA et. al., 1995) afirmam que a
decomposição do lodo de esgoto no solo permite um melhor aproveitamento dos
nutrientes pelas plantas, em decorrência da lenta liberação dos mesmos através
do processo de mineralizacão da matéria orgânica. Diversos trabalhos têm
demonstrado que a aplicação de lodo de esgoto prove o aumento da concentração
de metais no solo.
No entanto, devido ao comportamento desses elementos no solo, ainda não é
certo no que diz respeito à absorção dos metais pesados pelas plantas e à possibilidade
desses elementos alcançarem concentrações fitotóxicas nos solos ou nas plantas
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(CHANG et. al. ,1987; MULUHI et. al. , 1991; HOODA; ALLOWAY, 1993).
“A contaminação causada por metais pesados nos solos tratados com lodo
de esgoto tem sido avaliada pela concentração total desses metais no solo. No entanto,
o fato do metal pesado esta presente no solo não significa que esteja numa forma
prontamente assimilável pelas plantas, podendo permanecer por longos períodos
sem ser absorvido em quantidades tóxicas.” (SIMONETE; KIEHL, 2002).
“Ao contrario dos aspectos com metais pesados, o potencial de lixiviação
de nitrogênio, proveniente da aplicação de lodo de esgoto em áreas agrícolas, não tem
sido avaliado nas condições brasileiras. Nos Estados Unidos e em diversos países da
Europa verifica-se, através de inúmeros trabalhos científicos, que este problema tem
recebido grande atenção, principalmente no que se refere aos riscos de contaminação
das águas subterrâneas.” (HUE, 1995 In: OLIVERA, et. al. , 2007).
A adubação orgânica é eficiente em plantações florestais com espécies
particularmente do gênero eucaliptos, e o uso de lodo de esgoto (biossólido)
representa alternativa promissora, como demonstrada em plantações florestais no
Brasil e no exterior. (HENRY et. al., 1994; LIMA, 2005; POGGIANI, 2004 In:
BARREIROS et. al, 2007).
O lodo possui também em sua composição significativas quantidades de
micro nutrientes como ferro, zinco e manganês, além de baixas quantidades de
cobre, boro, molibdênio e cloro. Observa-se que doses de lodo suficientes para
suprir as quantidades de nitrogênio para as culturas fornecem micronutrientes em
quantidades adequadas para suprir a demanda da maioria das plantas (GOMES,
2004 In: GOMES e NASCIMENTO, et. al., 2007).
A utilização do biossólido de esgoto como fertilizante orgânico é
considerada no momento uma das alternativas mais promissoras de disposição
final desse resíduo. Por ser um produto rico em matéria orgânica e em macro e
micronutrientes para as plantas recomenda-se sua aplicação como fertilizante ou
como condicionador de solo (MARIA, KOCSSI; DECHEN et. al., 2007).
6. REUSO DE EFLUENTES DE ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE
EFLUENTES
Segundo Kemper (1997), as possibilidades de uso da água diminuiu em
várias regiões do mundo, ao passo que a demanda por água potável aumentou
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devido ao crescimento populacional e ao desenvolvimento econômico. Um primeiro
passo seria diminuir a poluição, na tentativa de restabelecer a qualidade da água e,
com isto, tornar o recurso reutilizável. Muitos países padecem com a falta de água
potável, tanto para o consumo humano como para irrigação e outros fins. Surge,
então, a necessidade de substituir o uso de água potável em atividades em que possa
ser usada água de qualidade inferior, geralmente efluentes secundários.
Em decorrência deste aumento de consumo, a utilização de águas de
qualidade inferior na irrigação tornou-se uma realidade. Efluentes de águas
residuárias domésticas pode ser uma fonte para a produção agrícola. Considerandose os nutrientes requeridos pelas plantas e fertilidade do solo, a água residuária
poderá suprir em parte a adubação das culturas, permitindo a redução dos custos no
processo de produção (AYERS; WESTCOT, 1991).
Werneck et al. (1999) relatam que a agricultura irrigada é a atividade
humana que demanda maior quantidade total de água. Em termos mundiais,
estima-se que esse uso responda por cerca de 80% das derivações de água; no
Brasil, este valor supera os 60%. Muito embora a irrigação venha sendo praticada
há vários milênios, a qualidade da água só começou a ter importância a partir do
início do século XX.
O reúso da água na irrigação é uma alternativa que se vem mostrando viável,
pelas seguintes razões: em áreas onde as culturas mais necessitam de irrigação, a
água é via de regra, escassa; a agricultura irrigada requer grandes volumes de água,
que representam a maior demanda de água nas regiões secas; as plantas podem ser
beneficiadas não somente pela água, mas também, dentro de certos limites, pelos
materiais dissolvidos nos efluentes, tais como matéria orgânica, nitrogênio, fósforo,
potássio e micronutrientes (PESCOD, 1992).
A principal vantagem da utilização de águas residuárias na irrigação
reside na recuperação de um recurso da maior importância na agricultura - a água;
além disso, os constituintes das águas residuárias, ou pelo menos sua maioria, são
produtos que aumentam a fertilidade dos solos por conter nutrientes essenciais à
vida das plantas, melhoram também a aptidão agrícola dos solos, devido à matéria
orgânica que se lhes adiciona com a conseqüente formação de húmus. A reutilização
de águas residuárias oferece, ainda, vantagens do ponto de vista da proteção do
ambiente, na medida em que proporciona a redução ou mesmo a eliminação da
poluição dos meios hídricos habitualmente receptores dos efluentes.
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Para regiões agrícolas com curto período chuvoso, diversos métodos que
sirvam para minimizar impactos causados nessas regiões têm sido estudados. É
avaliada uma política adequada de gestão de recursos hídricos: captação de água
durante o curto período chuvoso e armazenamento em poço profundo, barragens
subterrâneas e reúso de águas residuárias, entre outras alternativas, poderão ser uma
saída para a convivência com a estiagem.
A aplicação de esgoto no solo constitui uma das formas mais antigas de
disposição final de esgotos sanitários (MARA; CAIRNCROSS, 1989). Surgiu
como forma de tratamento de esgoto, mas despertou o interesse de agricultores para
sua aplicação na agricultura. Durante anos, essa prática tornou-se desaconselhável
devido à presença de patógenos e preocupação com a saúde pública; no entanto,
os problemas de escassez de água e o aumento das pesquisas sobre técnicas de
aplicação segura e controlada de águas residuárias na agricultura fizeram ressurgir o
interesse pelo assunto.
A eficiência na produção de diferentes culturas por meio da utilização
de águas residuárias é citada por vários autores. Entretanto tais culturas devem ter
seu desenvolvimento avaliado, já que são esperadas possíveis contaminações das
culturas e alterações químicas no solo.
Segundo Swartz (1999), verifica-se na região da Flórida, Estados Unidos, a
presença de 451 instalações de tratamento de esgoto, fornecendo diariamente cerca
de 3,3 milhões de metros cúbicos de água reciclada para irrigação de gramados,
parques e campos de golfe.
A aplicação de efluentes de tratamento de esgoto municipal em algodão,
via irrigação por gotejo, deve ser considerada uma alternativa para fontes de água e
nutrientes na agricultura, destacando-se o aumento dos níveis de nitrogênio do solo
(PAPADOPOULOS; STYLIANOU, 1988).
O tratamento de águas residuárias ricas em material orgânico por meio da
disposição direta sobre o solo é um alternativa viável tendo em vista o baixo custo
da implantação e a possibilidade de aproveitamento de nutrientes contidos nessas
águas. A disposição de águas residuárias no solo pode proporcionar aumento da
produtividade, melhorar a qualidade dos produtos colhidos, e reduzir a poluição
ambiental (MATTOS et al., 1995).
6.1. CUIDADOS NO REUSO DE EFLUENTES
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No que se refere à utilização de águas residuárias, são estudados métodos
de um pós-tratamento para o efluente já que a qualidade sanitária de um efluente
depende do grau de tratamento efetuado e da exigência para seu uso.
A exemplo, uma das preocupações de um pós-tratamento para garantir
uma boa qualidade do efluente é garantir a remoção de nutrientes, que podem
estar em excesso. No esgoto bruto, há quantidades substanciais de fósforo, nas
formas: orgânica; inorgânica complexa (polifosfatos), como aquelas utilizadas em
detergentes; e ortofosfato inorgânico solúvel, este como produto final no ciclo do
fósforo, a forma mais prontamente disponível para uso biológico (BLACK, 1980).
Durante o processo de tratamento biológico, os compostos orgânicos são
degradados, podendo disponibilizar ortofosfatos solúveis e polifosfatos que, quando
hidrolisados, podem ser convertidos em ortofosfatos. Em um efluente orgânico bemestabilizado submetido a tratamento secundário, o ortofosfato é a forma predominante
do fósforo, que pode ser removido por processos de precipitação química ou absorvido
por plantas e microrganismos (NOVAIS; SMYTH, 1999).
Uma preocupação crescente em relação ao fósforo está relacionada à
eutrofização das águas. Esteves (1988) definiu a eutrofização como o aumento da
concentração de nutrientes, especialmente P e N, nos ecossistemas aquáticos, que tem
como conseqüência o crescimento descontrolado de algas e de plantas aquáticas. A eutrofização pode ser natural ou artificial, sendo esta induzida pelas
atividades humanas e tendo os nutrientes diferentes origens, como: efluentes
domésticos e industriais e/ou atividades agrícolas, entre outras.
A eutrofização artificial é um processo dinâmico, no qual ocorrem profundas
modificações qualitativas e quantitativas nas comunidades aquáticas, nas condições
físicas e químicas do meio e no nível de produção do sistema. Quando excessivo
em ambientes aquáticos, o fósforo tem sido considerado responsável por problemas
causados pela eutrofização (NOVAIS; SMYTH, 1999).
Heckrath et al. (1995), citados por Novais; Smyth (1999), registraram que a
concentração crítica inicial para o estabelecimento de efeitos de eutrofização em
lagos pode ser tão baixa como 0,02 mg L-1 de P.
A Resolução CONAMA n° 357, de 17 de março de 2005, estabelece o limite
de 0,020 a 0,15 mg L-1 de P para fósforo total, de acordo com a classificação das
águas doces em classes 1, 2 e 3, estabelecendo que, não havendo metas obrigatórias
progressivas, intermediárias e final para este parâmetro no efluente a ser lançado,
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direta ou indiretamente, nos corpos d’água, o padrão de qualidade a ser obedecido
será aquele que consta na classe na qual o corpo receptor estiver enquadrado.
As águas residuárias tratadas e destinadas ao reúso agrícola devem
ser avaliadas sob os aspectos de sodicidade, salinidade, excesso de nutrientes e,
sobretudo, sob os aspectos sanitários: bactérias, cistos de protozoários, ovos
de helmintos e vírus que criam graves problemas de saúde pública, uma vez
que acarretam enfermidades (Metcalf; Eddy, 2003). Particularmente, o esgoto
doméstico quando utilizado sem tratamento adequado pode contaminar o ambiente,
os trabalhadores das áreas cultivadas e os consumidores das culturas irrigadas
(SHUVAL et al, 1997). Os esgotos detêm teores consideráveis de nutrientes.
Estudos realizados por Monte; Sousa (1992); Vazquez-Montiel et al (1996);
Mota et al (1997) e Sousa e Leite (2003) mostraram que a produtividade de culturas
irrigadas com esgotos tratados foi superior (15 a 30%) àquela de culturas irrigadas
com água de abastecimento e solo adubado com, demonstrando a viabilidade do uso
de esgoto na irrigação.
Aspectos relativos à qualidade sanitária e doenças de veiculação hídrica,
devido à utilização de esgotos domésticos na agricultura, são tratados na literatura
especializada por Feachem et al, (1983); Shuval et al, (1986); Strauss; Blumenthal
(1989) e Bastos et al (2003).
Desta forma, a qualidade sanitária de esgotos tratados tem que ser
estabelecida para garantir o uso seguro na irrigação. No Brasil, não existem
normas nem critérios próprios para reúso de água de qualidade inferior, apesar
da utilização de esgotos domésticos na agricultura já ser uma prática milenar
realizada em todos os continentes.
Na falta de normas, seguem-se as recomendações da Organização Mundial
da Saúde (OMS, 1989) que, tratando-se de irrigação irrestrita, recomenda menos de
1 ovo de helminto por litro e menor ou igual a 1000 coliformes fecais por litro.
Essas recomendações parecem muito rigorosas, mesmo tratando-se de irrigação
de alimentos que podem ser ingeridos crus, sendo, ao mesmo tempo, omissas em
relação aos protozoários e vírus.
Para o uso adequado de esgotos na irrigação faz-se necessário o seu
tratamento para, além de garantir a qualidade higiênica, corrigir certas características
indesejáveis tais como: alta concentração de sólidos e matéria orgânica putrescível.
O efluente de esgoto pode apresentar em conseqüência de sua riqueza em nutrientes,
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principalmente nitrogênio (N) e fósforo (P), este tem sido utilizado em muitos países
como fertiirrigantes (BINDER et al., 2002).
O fósforo é considerado um dos nutrientes limitantes à produção agrícola,
em decorrência dos processos de sua adsorção em colóides minerais, amorfos e
orgânicos (NOVAIS; SMITH, 1999).
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BOTULISMO ALIMENTAR - DOENÇA NEUROMUSCULAR
VEICULADA POR ALIMENTOS CONTAMINADOS COM
ESPOROS DE Clostridium botulinum
VIANA24 , Clédson Teixeira; BRAGA11 , Mônica Durães.
Resumo: O botulismo é uma doença neuroparalítica grave, não contagiosa, gerada
por uma intoxicação alimentar com potente toxina produzida pelo Clostridium
botulinum. Vários alimentos de origem animal e vegetal servem como veículo de
transmissão do botulismo para o homem e outros animais. Os sintomas manifestamse rapidamente e o tratamento da doença apóia-se em tratamento de suporte e
tratamento específico. Os resultados do tratamento nem sempre são satisfatórios,
principalmente quando consideradas as infecções em crianças. Assim, a melhor
medida é a prevenção, observando-se a integridade das conservas caseiras, dos
alimentos fumados e dos produtos enlatados.
Palavras-chave: Botulismo. Clostridium botulinu., Neurotoxina. Neuroparalisia e
Intoxicação Alimentar.
INTRODUÇÃO
O botulismo é uma doença de origem alimentar descrita primeiramente no
século XVII, entretanto, apenas no século XIX foi considerada uma doença clínica
importante (TORTORA et al., 2005). A palavra botulismo originou-se do latim:
botulus que significa embutido, salsicha, lingüiça (FIGUEIREDO et al.2006). Isto,
devido à origem da doença, primeiramente relacionada a estes alimentos.
O Botulismo tem distribuição mundial e, devido a sua gravidade e alta
letalidade, é considerado um sério problema de saúde pública (FIGUEIREDO et
al., 2006). Trata-se de uma doença neuroparalítica grave, causada por uma potente
2 Graduando em Ciências Biológicas do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB.
Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Montes Claros; Mestre em
Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Viçosa (Linha de pesquisa: Epidemiologia e
Controle de Qualidade de Produtos de Origem Animal - pesquisa em Recursos Hídricos); Professora
no curso de Ciências Biológicas do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB.
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neurotoxina produzida pela bactéria Clostrídium botulinum, porém não contagiosa
(BRASIL, 2005; GOLDMAN; BENNETT, 2001).
O Clostrídium botulinum é um bacilo gram–positivo que apresenta flagelos
peritríquios, essa bactéria é potencialmente esporogênica. O esporo é comumente
encontrado em solos e sedimentos marinhos, bem como no trato intestinal de homens
e animais, sendo capaz de contaminar vegetais, carnes e peixes (ALMEIDA FILHO
et al., 2006; FRANCO, 2005; MIMS et al., 1999).
Os esporos podem contaminar alimentos utilizados na produção de
enlatados ou conservas caseiras que, caso não sejam adequadamente manipulados,
ou ainda, sejam preservados sem esterilização adequada, podem levar às condições
favoráveis para a formação da neurotoxina (FRANCO, 2005; MIMS et al., 1999).
Segundo Schaechter et al. (2002), um micrograma da toxina é capaz de eliminar
uma família numerosa e, apenas 400g da mesma, seriam necessários para eliminar
todos os habitantes do planeta.
Apesar de ainda ser considerada, pelo senso comum, como uma
enfermidade causada pelo consumo de embutidos ou enlatados, o botulismo pode
acontecer por contaminação de outros tipos de alimentos e, ainda, por outras formas
de contaminação (FIGUEIREDO et al., 2006).
O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) classifica o botulismo
em quatro categorias epidemiológicas: botulismo por intoxicação alimentar;
botulismo infantil; botulismo de ferida e botulismo indeterminado (FERREIRA et
al., 1987).
A INTOXICAÇÃO: Clostrídium botulinum E SUAS TOXINAS
O botulismo alimentar ocorre pela ingestão da toxina pré-formada,
enquanto que nos outros três tipos a moléstia ocorre pela infecção, multiplicação
e produção de toxinas por microrganismos clostridiais em feridas ou no trato
gastrintestinal (CERESER et al., 2008).
Atualmente, encontram-se descritos na literatura sete variantes das toxinas
botulínicas com características imunológicas distintas: A, B, C (C1, C2), D, E, F e G
(ver quadro 1). Dentre essas, apenas as variantes do tipo A, B, E e F são patogênicas
para o homem.
Todas as toxinas do C. botulinum são termoresistentes; essas “toxinas
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perdem sua ação quando submetidas à temperatura de 80°C durante 30 minutos ou
a 100°C por 5 minutos, quando expostas à luz solar por 1 a 3 horas, à temperatura
ambiente por 12 horas ou, por 20 minutos, em água clorada (destruição de 84%)”
(PINILLOS et al., 2003).
Segundo Tortora et al. (2005) a toxina tipo A é considerada a mais potente,
pois vários óbitos já foram notificados e relacionados ao contato com a mesma.
A toxina tipo A é considerada a mais termoresistente. Ela também possui
atividade proteolítica ; o produto desta ação é um cheiro característico, através do qual
se torna possível perceber a contaminação do alimento (TORTORA et al., 2005).
A toxina tipo B é responsável pela maioria dos surtos europeus de
botulismo e é o tipo mais comum no leste dos Estados Unidos. A toxina B pode
ser proteolítica25 e não-proteolítica. Em casos não tratados a taxa de mortalidade
é de 25% (TORTORA et al., 2005).
As toxinas do tipo C e D, não possuem tanta importância neste
estudo, pois estão comumente relacionadas a intoxicações de animais (bovinos,
galinhas, patos, cavalos). No entanto, é necessário frisar que nesses sorotipos o
gene responsável pela síntese da neurotoxina não está situado no cromossomo
bacteriano, mas sim no DNA de um bacteriófago presente na bactéria (SILVA et
al., 1998; PELCZAR et al., 1997).
De acordo com Tortora et al. (2005) a toxina tipo E é formada por
organismos freqüentemente encontrados em sedimentos marinhos. De todas as
linhagens das toxinas existentes, esta é a menos termoresistente, é geralmente
destruída facilmente pela fervura. Essa toxina não é proteolítica, assim, a chance
de detectar a deterioração pelo cheiro, é mínima. Para produzir a toxina do tipo
E, o C. botulinum não requer condições estritamente anaeróbicas, seus esporos
também são capazes de germinar em temperaturas inferiores a 3ºC (KETCHAM;
GOMEZ, 2003 apud CEREZER, 2008).
Segundo Germano (2001) a toxina tipo F foi isolada primeiramente na
Dinamarca e é semelhante às do tipo A e B.
De acordo com o Guia de Vigilância Epidemiológica do MS (2005) o
modo de veiculação da toxina do botulismo alimentar está ligado, principalmente,
ao consumo de alimentos contaminados pela toxina.
25 Proteolítica: substância capaz de decompor proteínas (FERREIRA, 1986).
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Uma grande variedade de alimentos de origem animal e vegetal pode servir de
veículo do Botulismo para a espécie humana, dentre eles, o milho, a beterraba, o
palmito, a azeitona, o espinafre, o atum, o patê de fígado, o presunto, a lingüiça,
a lagosta, os peixes defumados, as mortadelas e o cogumelo (Reino Fungi),
(BRESSAN et al.,1999).
Os esporos do C. botulinum podem ser transmitidos pelo ar e, caso
encontrem condições anaeróbias favoráveis, podem se desenvolver e iniciar a
produção de toxina. Até os dias de hoje, não há nenhum relato de transmissão
interpessoal de infecções causadas por esta bactéria, descrito na literatura
(FORSYTHE, 2002).
A ação da toxina ocorre logo após a ingestão de um alimento contaminado
com a toxina pré-formada. A toxina passa pelo estômago tranqüilamente, pois
as enzimas gástricas não têm capacidade de destruí-la. Ao atingir o intestino
delgado ocorre a sua absorção, sendo difundida para corrente sangüínea onde é
transportada por todo o organismo (SCHAECHTER et al., 2002; GERMANO,
2001; PELCZAR et al., 1999).
As toxinas atuam nas junções neuromusculares,
provocando paralisia funcional motora sem a interferência
com a função sensorial. Os efeitos farmacológicos das
toxinas acometem principalmente os nervos periféricos,
os quais têm a acetilcolina como mediador. As toxinas
ligam-se na membrana nervosa bloqueando a liberação da
acetilcolina, causando a paralisia flácida que evolui para a
morte, devido à paralisia dos músculos respiratórios, sem
o desenvolvimento de lesões histológicas. O cérebro ou
a medula espinhal não são afetados pela ação da toxina
(CDC, 2000; SOUZA, 2001; JOHNSON; BRADSHAW,
2001 apud CERESER, 2008; GERMANO, 2001).
A evolução do quadro clínico está relacionada à quantidade de toxinas
circulantes, e a letalidade se relaciona ao período de incubação: quanto menor o
período, maior será o risco de morte. A toxina do tipo G foi associada a alguns
casos de morte súbita em seres humanos, enquanto os tipos C e D são quase
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exclusivos de animais (CARDOSO et al., 2004; FIGUEIREDO et al., 2006;
FORSYTHE, 2002).
QUADRO 1 – Toxinas do C. botulinum segundo tipos, espécies afetadas, modos de
veiculação e distribuição geográfica.
Tipos
Espécies mais afetadas
Veiculação mais comum
A
Homem (além de ferimentos e
botulismo infantil); galinhas
(“pescoço flácido –
limberneck”)
Conservas domésticas de
frutas, vegetais, carnes e
pescado.
Distribuição
geográfica
Partes da América do
Norte e da antiga
URSS.
B
Homem (além de ferimentos e
botulismo infantil); eqüinos e
bovinos.
Carnes preparadas,
especialmente produtos de
origem suína.
América do Norte,
antiga URSS e Europa
(cepas não
proteolíticas).
Américas do Norte e do
Sul, África do Sul e
Austrália.
Cá ou Aves aquáticas (Western duck
C1
sickness).
Vegetação podre dos
pântanos alcalinos;
invertebrados.
Câ ou Gado (Midland cattle disease);
C2
eqüino (“envenenamento das
forragens”).
Alimentos tóxicos, carne
podre, fígado de porco.
Américas do Norte,
Europa, África do Sul e
Austrália.
D
Gado (lamziekte).
Carne podre.
África do Sul e
Austrália.
E
Homem; peixes.
Produtos marinhos e
pescados.
F
Homem (além do botulismo
infantil).
Produtos cárneos.
Américas do Norte e do
Sul, Dinamarca e
Escócia.
G1
Desconhecidas – homem?
Solo
Argentina
Norte do Japão,
Columbia Britânica,
Labrados, Alaska,
Grandes Lagos, Suécia,
Dinamarca, antiga
URSS, Oriente Médio
(Egito e Iran).
Nota: 1 Clostridium argentinense
Fonte: ICMSF (1996) apud Germano (2001).
26 Neurotransmissor responsável pelo início dos impulsos nervosos; transmite impulsos nervosos
pela sinapse (junção) entre certos tipos de neurônios. A ação desta enzima é fundamental para que a
repolarização ocorra (VOET, D.; VOET, J. G 2006).das propriedades físicas, químicas e biológicas do
solo, considerando seu teor de matéria orgânica e nutrientes (MELO et al., 1994; VANZO et al., 2001).
Uma das aplicações deste material compreende o fornecimento de matéria orgânica na composição de
substratos para a formação de mudas frutíferas e florestais, dentre outras.
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QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO DE INFECÇÕES CAUSADAS
POR C. botulinum
Os sintomas das intoxicações com toxinas do C. botulinum manifestam-se
subitamente, comumente entre 12 e 36 horas após a ingestão da toxina pelo organismo.
Em raros casos, podem se manifestar em até oito dias após a ingestão da mesma
(BRASIL, 2006). E, quanto maior a quantidade de toxina ingerida ou absorvida pelo
organismo, mais rápida será a manifestação da doença. Após a ingestão do alimento
contaminado, nas primeiras 24 horas, os indivíduos podem apresentar um quadro
mais grave. (SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÃO PAULO, 2007).
As principais características apresentadas pelos pacientes inicialmente são:
dificuldade visual (diplopia, visão turva e ptose palpebral), alterações na fala
(disartria, disfonia) e na deglutição (disfagia) (MANGILLI; ANDRADE, 2007).
A doença se caracteriza por instalação súbita e progressiva.
Os sinais e sintomas iniciais podem ser gastrointestinais e/
ou neurológicos. As manifestações gastrointestinais mais
comuns são: náuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal e
podem anteceder ou coincidir com os sintomas neurológicos.
Os primeiros sintomas neurológicos podem ser inespecíficos,
tais como, cefaléia, vertigem e tontura. O quadro neurológico
propriamente dito, se caracteriza por uma paralisia flácida
motora descendente, associado a comprometimento
autonômico disseminado. Os principais sinais e sintomas
neurológicos são: visão turva, ptose palpebral, diplopia,
disfagia, disartria e boca seca. Eles começam no território
dos nervos cranianos e evoluem no sentido descendente.
Esta particularidade distingue o botulismo da síndrome
de Guillain-Barré, que é uma paralisia flácida ascendente
(BRASIL, 2005).
São descritas várias formas de diagnóstico para o botulismo, como, o
diagnóstico clínico (composto por três etapas imprescindíveis: anamnese, exame
físico e neurológico do paciente) e o diagnóstico laboratorial (permite indicar a
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presença da toxina botulínica no soro, nas secreções da lesão, nas fezes do paciente
ou na amostra do alimento suspeito) (TRABULSI; ALTERHUM, 2005).
Outro diagnóstico de suma importância é o eletrofisiológico; esse permite
ao médico identificar e localizar possíveis lesões no sistema nervoso periférico,
além de auxiliar o diagnóstico diferencial (ver quadro 2) (BRASIL, 2005).
QUADRO 2 –Diagnóstico diferencial de botulismo
Condição
Fraqueza muscular
Sensibilidade
Botulismo
Inicia pela face descendente
e simétrica
Normal
Síndrome de
Guillain-Barré
O envolvimento de face é
menos comum que no
botulismo
Ascendente e simétrica
Em alguns casos
pode haver
déficit sensitivo
Síndrome de
Müler-Fisher
(variante da
Síndrome de
Guillain-Barré)
Fraqueza simetria da
face
Diplegia facial
Ptose palpebral
Dificuldade de mastigação e
de deglutição
Não há comprometimento
de membros superiores e
inferiores
Miastenia
gravis
Flutuante no transcorrer do
dia, piora com atividade
física e melhora com
repouso
A maioria dos casos se
inicia por ptose palpebral e
diplopia
Características do
líquor
Normal
Dissociação-citológica
Hiperproteinorraquia
Celularidade normal ou
discretamente elevada
3
(=50células/mm ) Na
primeira semana pode
ser normal
Parestesias ou
diminuição da
sensibilidade da
face e da língua
Dissociação-citológica
Hiperproteinorraquia
Celularidade normal ou
discretamente elevada (=
50células/ mm3)
Normal
Normal
Fonte: BRASIL (2005. p.175).
TRATAMENTO E PREVENÇÃO
As pessoas com suspeita de intoxicação por alimentos contaminados
devem procurar imediatamente uma unidade de saúde, onde serão orientados por
um profissional capacitado (BRESSAN et al., 1999).
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O Guia de Vigilância Epidemiológica da MS (2005) alerta que o êxito
terapêutico do botulismo está diretamente relacionado às condições do local onde
será realizado o tratamento. O mesmo deve ser realizado em unidade hospitalar
que disponha de unidade de terapia intensiva (UTI). O acompanhamento da
doença baseia-se em dois conjuntos de ações: tratamento de suporte (medidas
de suporte e monitoramento cardiorrespiratório, sendo estas as condutas mais
importantes) e tratamento específico (que visa eliminar a toxina circulante
e sua fonte de produção, ou seja, eliminar o C. botulinum, pelo uso do soro
antibotulínico SAB e de antibióticos27 ).
Com a confirmação do diagnóstico clínico, o tratamento ideal para o
paciente é o soro antibotulínico. Este deverá ser administrado logo no início do
curso da doença, pois, uma vez nas terminações nervosas, a toxina não pode
ser mais inativada. É importante lembrar que o soro consiste em anticorpos
heterólogos, derivados de eqüinos e pode apresentar risco de desenvolvimento
de manifestações de hipersensibilidade (MANGILLI; ANDRADE, 2007).
Outras considerações devem ser incluídas, como o uso de laxativos, indução do
vômito e lavagem gástrica, se a ingestão do alimento contaminado ou dos esporos
for recente (BHUTANI et al., 2005 apud MANGILLI; ANDRADE, 2007).
O soro deverá ser solicitado à Central de Vigilância
Epidemiológica/Centro de Referência do Botulismo (0800
- 55-5466), que passará todas as informações para essa
obtenção, a partir da discussão detalhada do (s) caso (s) e
solicitação por escrito. O soro antibotulínico será fornecido
pelo Instituto Butantã, e pode atender as solicitações em
todo o país (SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE
SÃO PAULO, 2007).
As medidas preventivas do botulismo consistem basicamente em
procedimentos capazes de evitar a germinação dos esporos, a multiplicação das
bactérias e, conseqüente, produção de toxinas do C. botulinum nos alimentos.
27 “Aminoglicídeos e tetraciclinas podem piorar a evolução do botulismo, especialmente em crianças, devido
à redução da entrada de cálcio no neurônio, potencializando o bloqueio neuromuscular” (BRASIL, 2005).
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Todos os alimentos cujo pH se situe entre 4,5 e 8,9 e que estejam contidos em
embalagens a vácuo são potencialmente botulogênicos. Assim, a esterilização
destes alimentos constitui um fator decisivo para prevenção do botulismo, bem
como a conservação dos mesmos em temperaturas de refrigeração ou congelamento
(a maioria dos esporos não germina em tal temperatura) (CEREZER et al., 2008;
GERMANO, 2001).
É imprescindível realizar cocção do alimento antes de seu uso na
alimentação. Sendo esta cocção em torno de 30mim a 80ºC ou por 10mim a 90ºC, a
fim de destruir a toxina que é termolábil (GOLDMAN; BENNET, 2001).
Os alimentos enlatados cujas latas estejam estufadas devem ser
imediatamente rejeitados e destruídos, pois são suspeitos de contaminação por C.
botulinum. Neste ponto, a educação sanitária da população é fundamental, pois são
as conservas caseiras e os alimentos provenientes de estabelecimentos clandestinos
os maiores responsáveis pelos surtos de intoxicação botulínica. (BRASIL, 2005).
Segundo Franco (2005) ainda são usados “os nitritos e os nitratos, conservadores
químicos utilizados há muito tempo na preparação de produtos cárneos, visando o
controle do botulismo alimentar”.
OUTROS TIPOS DE BOTULISMO
Além do botulismo veiculado por alimentos contaminados, a literatura
ainda descreve outras formas de veiculação da doença, sendo conhecidos como
botulismo de feridas, botulismo infantil e botulismo de classificação indeterminada.
Botulismo de feridas é uma forma relativamente incomum, descrita pela primeira vez
em 1943. Os esporos de C. botulinum podem penetrar na pele por alguma possível
lesão (feridas puntiformes, fraturas abertas, lacerações, esmagamento, ferimento por
arma de fogo, abscessos causados pelo uso de drogas ilícitas e incisões cirúrgicas) e
causar uma infecção; essas bactérias, uma vez em condições anaeróbias apropriadas,
produzem quantidades de toxina suficientes para desencadear o botulismo (BENNET,
2001; MANGILLI; ANDRADE, 2007; PELCZAR et al. 1999).
O botulismo infantil não é considerado uma intoxicação alimentar, e
sim uma infecção, pois os clostrídios multiplicam-se no interior do indivíduo
infectado produzindo toxinas (BRASIL, 2005; PELCZAR et al. 1999;
RAGAZANI et al., 2008).
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Crianças menores de um ano de idade são mais susceptíveis ao
desenvolvimento da doença devido à imaturidade da flora intestinal, assim como, à
falta ou baixa produção de ácidos biliares inibidores do crescimento. As neurotoxinas
mais freqüentes nesta doença são as dos tipos A e a B (BRASIL, 2005; PELCZAR
et al. 1999; RAGAZANI et al., 2008).
O botulismo infantil pode causar sono excessivo, pouco controle da
cabeça, reflexos lentos e fraqueza generalizada (em casos graves, pode ocorrer
falência respiratória e a morte). Muitos casos estão associados à ingestão de
mel, devido à prevalência de esporos (BRASIL, 2005; PELCZAR et al. 1999;
RAGAZANI et al., 2008).
Goldman; Bennet (2001) ainda cita o botulismo de Classificação
Indeterminada, que refere-se aos casos isolados de botulismo em que o C.
botulinum não provém de fonte alimentar ou de ferida plausível. Alguns casos são
bem confirmados com base na detecção da toxina no soro ou nas fezes, bem como o
C. botulinum das fezes. “Embora raros, são descritos casos de botulismo acidental,
associados ao uso terapêutico ou estético da toxina botulínica e à manipulação de
material contaminado em laboratórios (transmissão pela via inalatória ou contato
com a conjuntiva)” (BRASIL, 2005).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos fatos constatados sobre a relevância do botulismo em questões
de saúde pública dispostos neste trabalho e dos fatores envolvidos no processo de
contaminação, eventos da doença e tratamento, é possível compreender a importância
do fator prevenção, pois o perigo de contaminação está nos alimentos preparados
de forma artesanal, especialmente em conservas caseiras, que são impropriamente
manipuladas ou que sofreram tratamento térmico insuficiente para destruir os
esporos botulínicos. Entre os itens de prevenção, o mais importante em qualquer
processo de saúde-doença, encontra-se a informação, pois conhecer a doença, seus
meandros e formas de controle são precauções essenciais.
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UMRECORTENATEORIADEFUNÇÕESMATEMÁTICAS:UTILIZAÇÃO
DA LINGUAGEM LOGO POR ALUNO DO ENSINO MÉDIO
Fernando Rocha Pinto28
Saulo Furletti**
Resumo: Este artigo apresenta um estudo de caso do uso das Novas Tecnologias,
contribuindo pedagogicamente, e de forma construtivista, para a apreensão de
conceitos matemáticos por parte do educando. Utilizou-se a linguagem LOGO
como ferramenta de motivação, em uma tentativa de promover atitudes favoráveis
do estudante do ensino médio quando em contato com o ambiente de aprendizagem
proporcionado pelo micromundo SLOGO (software traduzido e adaptado pelo
Núcleo de Informática Aplicada à Educação – NIED, da UNICAMP). Procurouse relatar dificuldades/facilidades demonstradas pelo aluno durante a utilização de
funções polinomiais do 1º grau na tarefa de modelagem geométrica de um objeto
do mundo real.
Palavras-Chave: Linguagem de Programação. Aprendizagem. Micromundo. Logo
e Função Matemática.
1 INTRODUÇÃO
Educar é um sistema colaborativo mútuo entre professores e alunos,
que tem por objetivo principal gerar uma transformação de conceitos préexistentes. Esse sistema colaborativo pode se tornar muito eficaz com a inserção
de recursos tecnológicos.
Piaget apud Behar e Costa (1996: 69) sustentava que pensar consiste
em interligar significados. Dessa maneira é necessário entender as formas pelas
28Aluno do curso de Mestrado em Educação Tecnológica do CEFET-MG – Professor de Matemática
do Centro Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte/MG – [email protected]
**Aluno do curso de Mestrado em Ensino de Matemática PUC-MG – professor da Faculdade
Internacional de Ciências Empresariais e Instituto Metodista Izabela Hendrix – Belo Horizonte/MG
– [email protected]
1 Composição de um objeto a partir das partes que o compõe. Tais partes são, assim, dependentes do
objeto. No caso da montagem do “quadrado” o sujeito o constrói, lado a lado, ângulo a ângulo.
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quais o sujeito interage com a máquina, quais sãos as estruturas simbólicas desse
sujeito que, ao usar a máquina, expressa-se por meio dela. Durante o processo
de criação da seqüência dos procedimentos para se alcançar um objetivo –
desenhar um quadrado, por exemplo – estão presentes as operações lógicas e,
também, as operações infralógicas1, subjacentes, implícitas às primeiras.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
A presença da informática nas escolas brasileiras é um fato relativamente
recente. É Pongelupe (2004) que informa que foi somente em 1979 que a
Secretaria Especial de Informática (SEI), um órgão ligado ao governo brasileiro,
apoiou decididamente o setor de educação no Brasil, sugerindo o uso dos recursos
computacionais e que em 1980 a SEI instituiu a Comissão Especial de Educação.
Assim, nasceram as primeiras discussões sobre o uso da informática na área
educacional. Já em 1981 aconteceu o I Seminário Nacional de Informática na
Educação, na cidade de Brasília. Em 1983, criaram-se alguns pólos de estudos
e pesquisas, notadamente os da UFPE, UFMG, UFRJ, UFRGS e UNICAMP.
Esta última iniciou pesquisas na linguagem LOGO. É a mesma autora que cita
Andrade (1993, p. 149):
No ambiente LOGO, a ênfase é colocada na aprendizagem
através da resolução de problemas. O problema a ser
resolvido é proposto pelo aluno, o computador funciona
como ferramenta, e o professor assume o papel de colega
mais experiente. (ANDRADE, 1993, p. 149)
Nota-se, assim, a importância de se usar a linguagem LOGO em turmas
de alunos, especialmente, de crianças, o que traz à tona a discussão sobre o uso
da informática nas nossas escolas e, mais ainda, nos cursos de licenciatura em
Matemática. Pongelupe (2004) é quem discute, com muita propriedade, essa
questão, em um recorte dessa situação para a cidade de Belo Horizonte - MG, em
sua dissertação de mestrado, defendida recentemente no CEFET-MG.
O Logo foi criado nos anos 60, no Laboratório de Inteligência Artificial
do famoso MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos
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da América, pelos pesquisadores Wallace Feurzeig, Daniel Bobrow e Seymour
Papert – este o chefe da equipe – a partir das teorias construtivistas de Jean
Piaget. A idéia básica era desenvolver uma linguagem de programação que fosse
ao mesmo tempo de fácil manejo e de grande utilidade nos processos cognitivos
envolvidos na aprendizagem. Beland (2000:14) cita que estes três pesquisadores
desenvolveram uma linguagem de programação voltada para as crianças. Em
suas primeiras versões o Logo podia controlar os movimentos de um pequeno
robô, chamado de tartaruga, que com o avanço tecnológico “mudou-se” para
a tela do computador, onde podia mover-se de modo mais rápido e de forma
mais precisa. É interessante notar que a linguagem Logo deriva da linguagem
LISP – composta por comandos dispostos em listas – que é utilizada para o
desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial. O robô-tartaruga2, para
ser comandado, necessitava receber instruções que eram emitidas a partir de uma
fonte controladora/emissora. Ele precisava receber ordens para se movimentar
pela tela. E isso era feito a partir de uma linguagem de programação.
Amaral (2002: 69) afirma que quando se utiliza o LOGO se deve estar
ciente de que essa linguagem desperta dois tipos de paradigmas da programação: o
procedural e o funcional. A mesma autora sustenta que a máquina de von Newman
é imitada pelo meio procedural e que o meio funcional tenta imitar as funções
matemáticas. Também alerta para a necessidade de se estar atento às “misturas” de
paradigmas. Assim, ao se escolher uma determinada linguagem de programação para
uma dada aplicação, especialmente nas aplicações à área educacional, é imperativo
conhecer bem tais paradigmas. A tartaruga, ao caminhar pela tela do computador,
fornece o feedback imediato para o usuário que, quando percebe algum erro que
cometeu, tem a chance de refazer todo o processo de criação.
Bellemain (2002) sustenta que os softwares baseados no modelo
construtivista, usados na educação, conseguem criar as condições e as ferramentas
necessárias para a resolução de problemas; dentre elas, as simulações e os
micromundos, sendo caracterizados como dois focos interligados, sendo eles: o
desenvolvimento conceitual e a resolução de problemas. Papert apud Bellemain
(2002) propõe que o sujeito seja ativo na sua própria aprendizagem, considerando
2Dispositivo mecânico com um lápis adaptado a uma de suas extremidades. O lápis era usado para
marcar a trajetória do robô sobre a superfície – plana – de um papel.
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que a utilização dos operadores dos micromundos favorece a construção do
conhecimento; considera, também, que esses conhecimentos são matemáticos.
A interação com computador, segundo Bellemain (2002), é baseada em
entrada e saída, ou seja o usuário entra com comandos e recebe respostas. No
micromundo, o usuário aciona operadores de criação, manipuladores de objetos e
relações e, dessa forma, recebe respostas diversas, sendo esses procedimentos de
ação-reação entendidos como fatores muito importantes na aprendizagem. O autor
destaca que o grande problema para se ensinar em um ambiente de micromundo não
reside na escolha de problemas interessantes, mas na adaptação desses problemas à
exploração do micromundo, de um ponto de vista das estratégias de resolução que
o ambiente permite desenvolver. Muito dessas atividades no micromundo ficam
restritas à interação aluno-computador, o que torna difícil o acompanhamento, por
parte do professor, dessas atividades que integram as novas tecnologias no ensino.
É de novo Bellemain (2002: 57) quem comenta que no ambiente do LOGO o que
Papert fez foi utilizar-se do par “comando simbólico-deslocamento” ligando-o a uma
linguagem de programação. Valente (s.d.,73) afirma que quando o usuário programa
um computador está na verdade orientando a máquina para resolver problemas.
Quando esse usuário é um aluno, então a sua interação com o computador necessita
da mediação de um profissional: o professor. Defendendo essa posição, este autor
sustenta que usar o computador na educação tem muito a ver com o interesse em
se determinar quais da “n” características daquelas máquinas realmente contribuem
para a criação de conceitos por parte dos alunos. No ambiente LOGO, o aluno chega
ao conhecimento por meio de ações – ele, realmente, aprende fazendo. Nessa linha
temática, Martins, Prado e Sidericoudes (2000: 2) comentam:
A característica fundamental do Logo é o equilíbrio entre a
sofisticação computacional e o acesso facilitado à atividade
de programação. Essa facilidade deve-se a uma terminologia
simples em termos de nomes de comandos, de regras sintáticas
e de uma parte gráfica que caracteriza-se pela presença de um
cursor representado pela figura de uma Tartaruga que pode
ser deslocada no espaço da tela através de alguns comandos
relacionados ao deslocamento e giro da mesma.
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São as mesmas autoras que defendem a idéia de que, mediada pelo
computador, existe uma forte interação entre o usuário e a linguagem LOGO,
quando afirmam:
Quando o usuário utiliza a linguagem de programação Logo
para realizar uma tarefa no computador, ele inicia raciocinando
como resolvê-la. Ao ensiná-la para o computador, descreve a
sua idéia inicial com base nos seus conhecimentos, utilizando
os comandos da linguagem e pede que sejam executadas as
instruções dadas. Reflete sobre o resultado obtido e confronta
com suas idéias iniciais. Caso não estejam de acordo com
o esperado, ele depura as instruções dadas inicialmente,
alterando ou acrescentando novas informações (MARTINS,
PRADO E SIDERICOUDES, 2000: p.3).
Como afirmam os autores acima, percebe-se a importância da linguagem
LOGO para o processo de aprendizagem do usuário.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O foco deste artigo é a utilização da linguagem LOGO por um aluno do
ensino médio. Optou-se por um estudo de caso que, para Gil (1996:59) pode ser
entendido, também, como um método de pesquisa, portanto é bastante utilizado em
diversas áreas. Este autor afirma que:
“A maior utilidade do estudo de caso é verificada
nas pesquisas exploratórias. Por sua flexibilidade, é
recomendável nas fases iniciais de uma investigação
sobre temas complexos, para a construção de hipóteses ou
reformulação do problema” (GIL, 1996: 59).
Gil (1996: 121) também distingue quatro fases durante o estudo de caso,
que são: delimitação da unidade-caso; coleta de dados; análise e interpretação dos
dados; e a redação do relatório.
Os procedimentos metodológicos para a realização do estudo de caso se
darão em duas fases:
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1ª fase: capacitar o aluno para o conhecimento da linguagem LOGO
a) entrega de CDROM, para o aluno, contendo o software LOGO;
b) informações, para o aluno, sobre a instalação do software;
c) entrega, ao aluno, de uma lista de comandos do LOGO para o estudo;
d) encontro com o aluno, 4 (quatro) dias depois, para a explicação sobre as próximas
atividades a serem desenvolvidas.
2ª fase: Atividades a serem desenvolvidas pelo aluno usando-se os
comandos básicos do SLOGO:
•1ª atividade: construção de um quadrado de lado 90.
•2ª atividade: construção de um triângulo eqüilátero;
•3ª atividade: construção de um plano cartesiano;
•4ª atividade: construção de uma taça usando os comandos padrão do SLOGO;
•5ª atividade: apresentação de um tutorial com conceitos introdutórios para
motivação e estudo das inclinações das retas da planificação de um objeto real: uma
TAÇA de uso doméstico ou comercial.
•6ª atividade: construção da taça, com sua base na origem do plano cartesiano,
usando os comandos elaborados para a realização dos procedimentos.
3.1 Coleta de dados
A coleta de dados se dará por meio das informações obtidas no questionário
aplicado ao aluno voluntário do 2º ano do ensino médio, da Escola Estadual José
Pereira dos Santos, localizada no município de Sarzedo - MG.
3.2 Tratamento e análise dos dados
O tratamento dos dados se dará com a análise dos resultados das
atividades desenvolvidas propostas na 2ª fase. Em seguida, os dados serão
analisados e comentados.
4 ESTUDO DE CASO: UTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM LOGO POR
ALUNO DO ENSINO MÉDIO
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O estudo foi dividido em dois momentos, a saber:
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Primeiro momento: duração de 4 dias.
A linguagem Logo foi apresentada ao aluno selecionado. Foi entregue
– para estudos individuais – um texto básico, abordando os comandos básicos
do Slogo (Parafrente, Paratras, Paradireita, Paraesquerda, Uselapis, Usenada),
contendo também a proposta de cinco atividades a serem desenvolvidas: as
construções de um quadrado e de um triângulo, a partir dos comandos abaixo,
seguidos da respectiva sintaxe.
Segundo momento: realização das atividades descritas na 2ª fase, com
duração de 4 horas.
Para conseguir desenvolver as atividades de forma correta, o aluno
necessitaria entender o conceito de inclinação de uma reta – sobre um plano
cartesiano – gerada por uma função polinomial do 1º grau.
O sistema de coordenadas cartesianas é formado por duas retas
perpendiculares, uma horizontal (eixo x) e uma vertical (eixo y). Cada PONTO
pode ser localizado, de maneira única, por um PAR de números reais, dispostos na
FORMA GERAL (x;y), sendo “x” a coordenada horizontal – também chamada de
abscissa – e “y” a coordenada vertical – também chamada de ordenada. O ponto
de intersecção entre essas duas retas recebe o nome de ORIGEM DO SISTEMA
CARTESIANO. Suas coordenadas são (0;0), ou seja, x = 0 e y = 0.
Uma função é chamada polinomial do 1o grau quando é definida pela
fórmula matemática y = ax + b , com a ∈ ℜ , b ∈ ℜ e a ≠ 0
Inclinação da reta do gráfico da função.
TEORIA: o SINAL de “a” indica o TIPO de inclinação da reta.
Exemplo: Seja o gráfico da função y = 3x + 1 exibido abaixo.
Figura 01
Função y = 3x + 1, sendo: a = 3 e b = 1
Fonte: Gráfico elaborado pelos autores, a partir do
software Graphmatica – Versão 1.60d
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O coeficiente “a” é positivo, pois a = 3 , o que faz com que a função
seja crescente, ou seja, quando se aumenta o valor de “x”, o valor de “y”
também AUMENTA. Nos casos em que a > 0 , podemos dizer que a reta possui
inclinação positiva.
Exemplo: Consideremos o gráfico da função y = - 2x + 1 exibido abaixo.
Figura 02
Função y = - 2x + 1, sendo: a = - 2 e b = 1
Fonte: Gráfico elaborado pelos autores, a partir
do software Graphmatica – Versão 1.60d
O coeficiente “a” é negativo, pois a = - 2 , o que faz com que a função seja
decrescente, ou seja, quando se aumenta o valor de “x”, o valor de “y” DIMINUI.
Nos casos em que a < 0 , podemos dizer que a reta possui inclinação
NEGATIVA.
4.1 Atividade 1
O aluno voluntário relatou que em seus estudos individuais, com o material
fornecido, teve dificuldade em identificar quanto era necessário virar a tartaruga. Como continuidade a esta atividade foi solicitada a construção do mesmo quadrado
sem usar o comando repita, onde foi constatada a insegurança em girar a tartaruga.
CONSTRUÇÃO DE UM QUADRADO DE LADO 90
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Planejamento
O aluno voluntário fez a atividade de modo automático, demonstrando segurança sobre
os procedimentos
Procedimentos
Repita4 (pf 90 pe 90)
Erros
Não ocorreram erros
Dificuldades
Não encontrou o botão desfazer ação (o Slogo não apresenta esse comando)
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4.2 Atividade 2
CONSTRUÇÃO DE UM TRIÂNGULO EQÜILÁTERO
Planejamento
O aluno voluntário fez a atividade de modo automático, demonstrando segurança sobre
os procedimentos
Procedimentos
Repita3 (pf 90 pe 90) / pf 50 pe 120 pf 50 pe 120 pf 50
Erros
Quando aconteciam no desenho, o aluno efetuava o comando em ordem inversa. Caso
isso não fosse possível, apagava usando a tecla “TAT”
Dificuldades
Muita dificuldade em determinar o ângulo de giro da tartaruga.
Figura 03
Figura 03
Tentativa de construção de um
Tentativa
de construção
de um
triângulo
eqüilátero
triângulo eqüilátero
Fonte: Aluno voluntário do 2º ano
Fonte: Aluno voluntário do 2º ano
do ensino médio
do ensino médio
Figura 04
Construção de um triângulo eqüilátero
Figura 04
Construção de um triângulo eqüilátero
Fonte: Aluno voluntário do 2º ano do
ensino médio
Fonte: Aluno voluntário do 2º ano do
ensino médio
Em continuidade a esta atividade, foi solicitada a construção do mesmo
triângulo sem usar o comando repita. O aluno voluntário tentou realizar esta
construção por um longo tempo, chegando a demonstrar impaciência com a
linguagem Logo. Para evitar maiores problemas, não foi exigida a finalização dessa
atividade, mas o aluno solicitou mais tempo e conseguiu realizar a construção. Após
a conclusão, foi questionado sobre como a tartaruga se orienta para girar. Houve
uma resposta incompreensível, sugerindo haver algum tipo de dúvida por parte do
aluno. Para um melhor aproveitamento do estudo, esclareceu-se essa dúvida.
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4.3 Atividade 3
CONSTRUÇÃO DE UM PLANO CARTESIANO
Planejamento
O aluno voluntário necessitou de um tempo maior, pois era um desenho
inédito
Procedimentos
pf 50 pf 50 pe 180 pf 50 pe 90 pf 50 pe 180 pf 100
Erros
Quando aconteciam erros no desenho, efetuava o comando em ordem
inversa. Caso não isso fosse possível, apagava usando a tecla “TAT”
Dificuldades
Dificuldade (numérica) de se determinar o meio da reta
Figura 05: construção de um plano cartesiano
Fonte: Aluno voluntário do 2º ano do ensino médio
O aluno não apresentou qualquer dificuldade em desenhar o plan cartesiano.
4.4 Atividade 4
CONSTRUÇÃO DA TAÇA USANDO OS COMANDOS PADRÕES DO SLOGO
Planejamento
O aluno voluntário necessitou observar a taça por bastante tempo, assim pode formular,
mentalmente, o esboço (esta informação foi dada pelo aluno)
Procedimentos
Parafrente, paradireita, paraesquerda e usenada
Erros
Ocorreram muitos erros no momento de girar a tartaruga, a maioria deles porque o aluno
não lia os comandos já interpretados pelo Slogo
Dificuldades
Muita dificuldade com a interpretação dos ângulos e medidas das retas.
O aluno voluntário utilizou muito tempo para realizar a tarefa. Ao término,
foi questionado sobre a relação dos comandos de giro com a inclinação – positiva ou
negativa – das retas, mas não foi capaz de estabelecer qualquer tipo de relação.
O aluno apresentou muita dificuldade para construir o lado restante da taça
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conforme apresentado. Como solução, percorreu com a tartaruga sobre o desenho já
realizado, usando o comando “usenada”, vale lembrar que já era de conhecimento
do aluno o comando “paracentro”, que leva a tartaruga à origem do plano cartesiano
usado como referência pelo Slogo.
Figura: 07: Construção da taça
usando os comandos padrões
do SLOGO
Fonte: Aluno voluntário do 2º ano
do ensino médio
Neste momento, o
aluno foi capaz de identificar
todas as retas inclinadas, como
positivas ou negativas.
4.5 Atividade 5
Após acompanhamento, observação e suporte destas atividades, foi
apresentado um tutorial com conceitos introdutórios para motivação e estudo
das inclinações das retas da planificação de um objeto real: uma TAÇA de uso
doméstico ou comercial.
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Figura 08:- Interface do Tutorial
Fonte: Tutorial elaborado por um dos autores – Saulo – no ambiente LOGO
Para um aproveitamento mais efetivo da linguagem Logo foram criados
os procedimentos apresentados abaixo, com a intenção de explicitar as inclinações
positivas e negativas das retas, originadas pela função polinomial do 1º grau. Essa
flexibilidade de introduzir novos procedimentos torna a linguagem Logo poderosa e
aplicável a todas as áreas.
Inclinapos (inclina a tartaruga para o lado positivo)
aprenda inclinapos :ang
senão (dç + :ang)<90 [pd :ang] [se dç>90 [pd :nag] [mudeorientação [0 0 90]]]
fim
Inclinaneg (inclina a tartaruga para o lado negativo)
aprenda inclinaneg :ang
senão (dç - :ang) < 270 [pd :ang] [mudeorientação [0 0 270]]
fim
Vermelho (muda a cor do lápis para vermelho)
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aprenda vermelho
mudecl [255 0 0]
fim
Azul (muda a cor do lápis para azul)
aprenda azul
mudecl [0 0 255]
fim
Preto (muda a cor do lápis para preto)
aprenda azul
mudecl [0 0 0]
fim
4.6 Atividade 6
CONSTRUÇÃO DA TAÇA COM SUA BASE NA ORIGEM DO PLANO CARTESIANO USANDO OS
COMANDOS ELABORADOS PARA A PROPOSTA
Planejamento
O aluno voluntário relatou a necessidade de ter um plano cartesiano maior que a taça.
Procedimentos
Padrões Slogo – parafrente, paradireita, paraesquerda, usenada, paracentro
Elaborados – inclinapos, inclinaneg, vermenho, azul, preto
Erros
O aluno voluntário esqueceu-se de usar o comando “usenada” ao levar a tartaruga para o
centro
Dificuldades
Dificuldade em saber quanto inclinar a tartaruga. Este problema foi solucionado com o
uso de incrementos menores
Figura 09: Construção da taça com sua base na origem do plano cartesiano usando
os comandos elaborados para a proposta
Fonte: Aluno voluntário do 2º ano do ensino médio
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Foi solicitado ao aluno usar a cor vermelha para retas de inclinação positiva
e azul para retas de inclinação negativa. O aluno voluntário, nesta proposta, fez
por várias vezes a leitura do histórico de comandos apresentados pelo Slogo. Esta
atividade foi realizada em bem menos tempo – e com mais segurança – em relação
a realizada somente com o uso dos comandos padronizados do Slogo.
Ao término do estudo, solicitou-se ao aluno voluntário que retornasse ao
tutorial e fizesse uma releitura do texto. Dessa maneira, ele chegou – sozinho – à
dedução de que as retas que são inclinadas positivamente são originárias do fato
de possuírem coeficientes “a” positivos, e que as de inclinações negativas eram
originadas de funções que possuem coeficientes “a” negativos. É importante relatar
que durante a realização das tarefas, ao observar a janela da sala onde estava, o aluno
voluntário – após contato com o tutorial e com as atividades práticas – relatou, de
forma espontânea, que a grade de proteção (conforme figura n.º 10) era formada por
retas de inclinações positivas e negativas e, portanto, seriam originárias de funções,
ora de coeficiente “a” positivo, ora de coeficiente “a” negativo.
Figura 10: Foto: vista parcial da sala de aula
Fonte: Foto realizada por Saulo Furletti.
Também observou, por iniciativa própria, as “inclinações” das retas e os
coeficientes “a” das funções de um calendário que estava sobre uma mesa da sala.
4.7 Considerações acerca do estudo de caso
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Diante a realização dos experimentos com o aluno voluntário foi possível
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constatar, por observação direta, a motivação no uso da ferramenta – o aluno foi
voluntariamente à escola, em horário diferenciado, demonstrando interesse pela
proposta de uso do computador, para executar uma tarefa matemática. Também
observado que os procedimentos criados para a visualização e construção dos
conhecimentos de inclinações mostraram-se bastante eficientes e práticos, deixando
nítido para o estudante que existem relações de inclinação positiva (inclinapos arg)
e inclinação negativa (inclinaneg –arg), enquanto que com o uso de comandos
primitivos do SLOGO tais relações são um pouco obscuras.
Após o término dos trabalhos, na análise e interpretação do questionário
final, ficou evidenciado que, mesmo com as restrições do experimento, pode-se
afirmar que a linguagem LOGO se mostrou uma ferramenta muito poderosa para
uso didático. Ressalta-se uma frase escrita pelo próprio estudante, no questionário
aplicado ao término dos trabalhos.
Frase retirada do questionário final escrita pelo aluno voluntário:
“Antes eu não conseguia identificar em um telhado de uma casa se a
inclinação era positiva ou negativa”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando o pesquisador brasileiro José Armando Valente, em 1985,
prefaciou a edição nacional do livro Logo: computadores e educação, de autoria
do ilustre educador Seymour Papert, apresentou um quadro de caos. A educação
brasileira e, portanto a escola como conseqüência, passavam por uma série crise,
fruto de uma variedade de fatores. Valente, dessa forma, apresentou a proposta do
uso do LOGO e, ao final de sua fala, convocou os leitores – professores, esperavase – a conhecer a proposta e também a filosofia educacional de Papert. Naquela
oportunidade, Valente “fechou” o Prefácio com o seguinte desafio, dirigido de
forma clara a cada um dos educadores: aventure-se.
Este artigo não pretendeu esgotar todas as possibilidades de discussão
do tema, além de não ter o objetivo de discutir, de forma exaustiva, todos os
procedimentos realizados. Entende-se que o assunto é vasto, portanto carece de mais
estudos. Além disso, os problemas com o aprendizado da Matemática, em qualquer
nível de ensino, já são muito bem conhecidos por todos nós. É desejável, portanto,
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que se discutam alternativas para se tentar eliminar a ainda famosa “matofobia”
(Papert, 1985) que assola a educação matemática.
Em relação ao aspecto lúdico da proposta deste estudo, utilizando um
estudo de caso com um aluno do ensino médio, fez com que as atividades que lhe
foram solicitadas se tornassem menos tediosas – pelo contrário, foram até agradáveis,
de acordo com o que foi relatado pelo aluno – o que proporcionou-lhe o aprendizado
e a chance de poder utilizar algumas técnicas de resolução de problemas, mediadas
pelo computador.
É importante destacar que não se cobrou do aluno, de uma forma explícita,
o conceito de ângulo, pois o que este estudo pretendeu foi verificar, apenas, o
conhecimento do tipo de desenho apresentado por cada uma das duas situações
de inclinação da reta gerada pela função y = ax + b, ou seja, os tipos possíveis de
inclinação, quando a < 0, ou quando a > 0.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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mediado por dinâmicas de grupo, analogias e recursos informáticos. Belo Horizonte/
MG: CEFET-MG, 2002. (Dissertação de Mestrado).
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Linguagens de programação vistas pelos seus paradigmas. 1992. s. m. d.
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e esquerda), versão (X do Star Office ou Word salvo em RTF) ou inferior, de dez
a vinte laudas para os artigos e traduções, até oito para as entrevistas, até cinco
para as resenhas e três para as comunicações.
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III- Resumo no máximo oito linhas;
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IX- Tabelas e figuras (caso haja) devem ser numeradas consecutivamente,
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de outra Instituição Universitária (especialista no tema proposto pelo artigo,
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desde que não seja o autor do mesmo), convidado para este fim.
Os textos voltarão aos autores caso seja necessário alguma alteração. Para tais
casos, o trabalho final deverá ser novamente entregue em duas vias e em um
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O Conselho Editorial, baseado nos pareceres recebidos selecionará os trabalhos
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“Educação gera conhecimento, conhecimento
gera sabedoria, e, só um povo sábio pode
mudar seu destino.”
Samuel Lima
Montes Claros - MG, vl 2, n. 3 - 2008
ISSN 1808-6454