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Natal, 29 de Agosto de 2011. CARTA DE APRESENTAÇÃO – TEDH SOI 2011 Prezados delegados, é com grande prazer que lhes damos boas-vindas à simulação do Tribunal Europeu de Direitos Humanos na XI SOI. O TEDH é um organismo de extrema relevância no sistema de proteção aos Direitos Humanos da comunidade européia e sua jurisprudência serve de orientação para outras cortes internacionais, a exemplo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual exerce jurisdição sobre o Brasil. Decorre de tal relevância, a necessidade urgente de estudarmos mais profundamente esse órgão, que nunca foi simulado na Simulação de Organizações Internacionais da UFRN nesses onze anos de existência. É importante que os senhores saibam que organizar a simulação de um organismo tão complexo não é tarefa fácil, do contrário, demandou muito esforço e dedicação à confecção do presente “Guia de Estudos, que servirá de base para suas pesquisas Integram nosso comitê seis estudantes do curso de Direito, sendo dois diretores acadêmicos e quatro diretores assistentes, os quais abaixo se apresentam: Sou Felipe, um dos diretores acadêmicos do Tribunal Europeu de Humanos – XI SOI e estudante do 7º período do curso de Direito da UFRN. Desde 2008, quando ingressei na universidade, participo de projetos de pesquisa e extensão, sendo a SOI um deles. Tenho grande interesse pelas questões do Direito Internacional, principalmente no que se refere ao estudo dos organismos que exercem a jurisdição internacional, e por isso sempre me dediquei, em simulações, aos comitês eminentemente jurídicos. Minha primeira participação na SOI se deu como delegado da Comissão de Direito Internacional, simulada em 2008. Nos anos subseqüentes fui diretor assistente da Corte Internacional de Justiça e diretor acadêmico respectivamente do Tribunal Penal Internacional e Tribunal Europeu de Direitos Humanos, simulada este ano. Me chamo Guilherme, atualmente estou no 10º período e ao que tudo indica, será o último como aluno do Curso de Direito da UFRN. Essa será minha terceira SOI, sendo a segunda participação na organização de um comitê. A simulação de Tribunais sempre me atraiu mais do que os comitês políticos. Nessa edição da SOI, consegui realizar o desejo de simular um tribunal que trata dos Direitos Humanos, tema que sempre me chamou a atenção. A simulação do TEDH possibilitará a discussão de aspectos dos Direitos Humanos que ainda não são tão divulgados, como a titularidade de direitos por Pessoas Jurídicas e o Controle de Convencionalidade. Espero que este comitê possa trazer aos senhores uma outra visão dos Direitos Humanos. Gostaria de agradecer aos meus colegas, pelo comprometimento com os trabalhos e a vocês, delegados, que nos deram um voto de confiança escolhendo o TEDH. Meu nome é André Beckman, atualmente no 10º período do curso de Direito. A SOI 2011 é a terceira que participo, sendo a segunda como diretor assistente. Após ter participado do Tribunal Penal Internacional, em que me identifiquei muito com a dinâmica dos debates jurídicos, aceitei o desafio de participar do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Olá! Eu sou a Hayanne, curso o 7º período do curso de Direito da UFRN e sintome honrada por ter sido selecionada pelo Felipe e pelo Guilherme para ajudar na organização do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH/SOI). É que já faz algum tempo que busco uma abordagem mais técnica acerca dos direitos humanos, cuja interpretação não é, a meu ver, tão simples quanto parece. O Direito e a Moral, apesar de distintos, comunicam-se e influenciam-se. Sendo assim, é importante que os valores eleitos estejam em consonância com o preconizado pelos Direitos Humanos. Confio que o trabalho desempenhado em nome do TEDH, ao lado dos meus caros colegas diretores assistentes, proporcionará um melhor entendimento sobre a interpretação dessa categoria jurídica especial. Grata pela oportunidade, desejo a todos uma experiência marcante no evento! Sou Bárbara, aluna do 6º período de Direito da UnP. Não posso dizer que o curso é a maior paixão da minha vida, mas estou firme e forte devido ao interesse no Direito Internacional. Comecei a participar de simulações com a Mini SOI em 2007, e desde então descobri que minha área seria os Direitos Humanos. Pude comprovar tal interesse mais ainda ano passado, quando tive a oportunidade de participar como estagiária de um projeto do PNUD na Costa Rica, o que me despertou para um mundo muito maior, muito real, onde há extrema necessidade de proteger os direitos das pessoas, sua liberdade e dignidade. Depois de quatro simulações como delegada, decidi tentar a experiência como diretora esse ano, que está me valendo um altíssimo aprendizado, e espero que vocês aproveitem bem e também sintam que é uma experiência que vale a pena. Não posso deixar de agradecer a Guilherme e Felipe, sempre muito dedicados e competentes, pelo ajuda e apoio que me deram, e a oportunidade desse ambiente de aprendizado que me proporcionaram. Sou Anna Beatriz, aluna do 7º período do curso de Direito da UFRN. Minha primeira participação na SOI se deu em 2010, como Representante de Estado no comitê do Tribunal Penal Internacional, foi uma experiência tão boa que eu ainda me pergunto como esperei tanto tempo para me envolver na SOI! Sendo o interesse em temas pertinentes ao Direito Internacional uma das principais razões que me motivaram a ingressar neste curso, a SOI se mostra para mim como uma excelente oportunidade de aprendizado, tanto no que concerne às pesquisas para estruturação do comitê, quanto ao contato e troca de experiências com cada um daqueles que participam da simulação. Espero que a simulação do TEDH seja muito proveitosa para todos e que o aprofundamento de nossos estudos sobre temas de Direitos Humanos se desenvolva de maneira divertida durante a simulação. Quaisquer dúvidas ou esclarecimentos acerca do presente “Guia de Estudos”, deverão ser encaminhados para o e-mail [email protected]. Desejamos a todos uma excelente simulação! Comitê TEDH – XI SOI SUMÁRIO I – OS DIREITOS HUMANOS........................................................................................7 I.1 Introdução.................................................................................................................7 I.2 Direitos do Homem, Direitos Fundamentais e Direitos Humanos...........................8 I.3 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS..........................................10 I.3.1 Historicidade....................................................................................................10 I.3.2 Universalidade.................................................................................................10 ............................................................................................................................................... I.3.3 Essencialidade..................................................................................................11 I.3.4 Irrenunciabilidade............................................................................................11 I.3.5 Inalienabilidade................................................................................................11 I.3.6 Inexauribilidade...............................................................................................12 I.3.7 Imprescritibilidade...........................................................................................12 I.3.8Vedação do retrocesso......................................................................................12 I.3.9 Eficácia horizontal dos Direitos Humanos......................................................12 I. 4 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HUMANOS E SUA IMPORTANCIA PARA O DIREITO INTERNACIONAL.......................................13 II – O TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS.....................................14 II.1 HISTÓRICO.........................................................................................................15 II.2 SISTEMA DE PROTEÇÃO E ESTRUTURA.....................................................16 II.2.1 Composição....................................................................................................17 II.2.2 Estrutura.........................................................................................................18 II.3. PROCEDIMENTO..............................................................................................19 II.3.1Base legal.........................................................................................................19 II.3.2 Evolução.........................................................................................................20 II.3.3 Capacidade postulatória..................................................................................21 II.3.4 Exame de admissibilidade..............................................................................23 II.3.5 JURISDIÇÃO.................................................................................................24 III – CASOS SIMULADOS............................................................................................24 III.1 CASO A – Armani da Silva vs. Reino Unido (Caso Jean Charles)........................26 III. 1.1 Panorama geral do Estado demandado: Reino Unido e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos........................................................................................................26 III.1.2 dos fatos que deram origem ao caso.................................................................27 III.1.2.1 Da Operação Theseus.................................................................................28 III.1.2.3 Da Execução da Operação Theseus...........................................................29 III.1.2.4 Das investigações Post Mortem – IPCC....................................................30 III.1.2.5 Das investigações Post Mortem – Crown Prossecution Servise (Promotoria).............................................................................................................32 III.1.3 PROCESSO NO ÂMBITO DO TEDH...........................................................33 III.2 CASO B – Der Standard Verlags GmbH vs. Áustria..............................................34 III.2.1 Panorama geral do Estado demandado.............................................................35 III.2.2 Descrição dos fatos...........................................................................................36 III.2.3 Processo no âmbito do TEDH..........................................................................41 I – OS DIREITOS HUMANOS I.1 Introdução Existe uma grande quantidade de normas internacionais que versam sobre proteção e promoção dos direitos dos Direitos Humanos. A proliferação de tratados que versa sobre tais direitos se deu no pós segunda guerra, numa tentativa da comunidade internacional impedir que fossem repetidos os abusos praticados contra indivíduos por parte dos Estados.1 No estudo dos direitos das pessoas, devemos observar que tais direitos têm hoje dupla proteção: uma proteção interna, concernente ao Direito Constitucional e uma proteção internacional, que é objeto de estudo do Direito Internacional Público. A base normativa que disciplina e rege tal proteção internacional de direitos, denomina-se Direito internacional dos Direitos Humanos. Existem várias teorias acerca do alcance das normas de Direitos Humanos, sendo predominante a idéia jus naturalista, de origem francesa e anglo-saxã, que os Direitos Humanos são direitos inatos, ou seja, as pessoas já nascem dotadas destes direitos, não sendo estes frutos da outorga pelo Estado, ou por serem contemplados por tratados internacionais. Sendo assim, quaisquer pessoas, independentemente de suas características físicas, econômicas, sociais ou de nacionalidade, são titulares destes direitos e sua proteção não está vinculada somente ao Estado, sua proteção ultrapassaria as fronteiras estatais elevando a proteção dos Direitos Fundamentais ao patamar do Direito Internacional Público2, garantindo a estes direitos um caráter universal, o que resulta na possibilidade de a pessoa vindicar seus direitos violados, fazendo-se necessária somente a condição de ser pessoa, tanto no plano interno como no contexto internacional3. Existe outra corrente doutrinária de tradição germânica, segundo a qual tais direitos não preexistem em relação à ordem estatal, tais direitos somente existem por Autores como KLAUS STERN entendem que essa proliferação provocou uma perda de força, ou desvalorização, dessas normas tão importantes (TAVARES, André, p. 481, 2010). 2 MAZZUOLI, 2009, p. 735 3 Embora o termo pessoa possa ser interpretado extensivamente como pessoa dotada de personalidade jurídica, ou seja, pessoa física ou jurídica, somente no âmbito do sistema regional Europeu de Proteção aos Direitos Humanos, as pessoas jurídicas tem legitimidade ativa e gozam de proteção internacional, pelo que dispõe o Art. 34 da CEDH. 1 serem outorgadas pelo Estado, sendo titulares somente os indivíduos membros desse Estado, refletindo assim a vontade do legislador4. A discussão, acerca dos Direitos Humanos e seus aspectos doutrinários aqui apresentada, tem caráter introdutório, não se aprofundando devidamente nas discussões travadas pelos doutrinadores, pois não é esse o objetivo. Pretende-se tão somente relembrar conceitos sem muitas delongas para que os delegados tenham alguma referência que os possibilite compreender os Direitos Humanos postos na Convenção Européia dos Direitos Humanos, doravante CEDH, e a sua aplicação pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, doravante TEDH, ao caso concreto, ou seja, visa apresentar um mínimo de embasamento doutrinário a fim de facilitar o entendimento do direito material discutidos nos casos. I.2 Direitos do Homem, Direitos Fundamentais e Direitos Humanos A diferenciação de tais conceitos pode parecer primária ou incipiente para as discussões que serão levantadas no decorrer da Simulação do TEDH, no entanto, nesse guia, serão trazidas informações acerca dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais, as quais, sem o devido esclarecimento e justificativa podem confundir o leitor ou até mesmo macular de certa imprecisão ou atecnia o guia de estudos. Ao definirmos a expressão Direitos do Homem, percebemos que esta tem cunho mais naturalista que jurídico-positivo. Trata-se de direitos ainda não escritos, aptos à proteção global do homem e válidos em todos os tempos e que, em tese, ainda não se encontram positivados nos textos constitucionais e nos tratados internacionais de proteção aos Direitos Humanos. Sob essa ótica, os Direitos do Homem seriam direitos que precedem o próprio Estado, e por isso este deveria respeitá-los, independentemente de sua positivação no ordenamento interno. Sabemos, entretanto, que hodiernamente, é muito difícil existir direito conhecido que ainda não conste de algum documento escrito produzido por meio de alguma forma organizada de governo ou pelo próprio Direito Internacional Público. Direitos Fundamentais (do Alemão, Grundrechte) é a expressão que se refere aos direitos que juntamente com as normas que versam sobre a organização do Estado, irão formar a Constituição ou a lei fundamental do Estado (do alemão, Grundgesetz). 4 MARTINS, 2011, p. 56. Tais direitos ligam-se a aspectos ou matizes constitucionais de proteção - posto que já se encontram positivados nas Constituições contemporâneas - estando garantidos e limitados no tempo e no espaço, vigorando numa ordem jurídica concreta. Podemos defini-los como direitos público-subjetivos de pessoas, constitucionalmente tutelados, e que tem caráter normativo supremo, tendo como objetivo limitar as ingerências do Estado na esfera da liberdade individual.5 Seriam, portanto, em primeira linha, direitos de resistência (Abwehrrechte) contra essas ingerências. Por sua vez, os Direitos Humanos seriam direitos que protegeriam primordialmente os indivíduos, nacionais ou não nacionais, dos abusos dos Governos, contemplados em tratados ou em costumes internacionais, sendo, portanto, direitos que já atingiram o patamar do Direito Internacional Público. Um aspecto importante das constituições é presença de provisões que buscam defender os indivíduos do abuso de poder dos Governos. No entanto, hoje se sente a necessidade de normas direcionadas a Organismos internacionais que também podem praticar ingerências na esfera de liberdade dos indivíduos, o que foi percebido pelas cortes alemãs6, culminado com a adoção da carta de Direitos Fundamentais da União Européia incluindo Direitos Fundamentais no art. 6 (2) do TEU – Tratado de Lisboa7. Entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais existem poucas diferenças, trata-se de questão de nomenclatura que decorre principalmente das diferentes bases filosóficas de que se refere a esses direitos. Os Direitos Fundamentais não têm um campo de aplicação tão amplo, tendo em vista que fazem parte de ordenamentos jurídicos internos, e nem todos os Direitos Fundamentais previstos nos textos constitucionais modernos são exercitáveis por todas as pessoas indistintamente, como, por exemplo, o direito de voto. Já os Direitos Humanos, podem ser reclamados indistintamente por todo indivíduo do planeta e em quaisquer condições8, basta para isso a violação de um direito seu, que esteja reconhecido em tratado internacional ratificado em seu país. As principais características comuns que esses direitos possuem, principalmente em relação aos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, independentemente de onde estejam positivados, se dá pela presença constante dos mesmos sujeitos e dos mesmos DIMOULIS; MARTINS, p. 46-47, 2009. KLABBERS; PETERS; ULFSTEIN, p. 77, 2009. 7 Idem, p. 78, 2009. 8 Artigo II da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 5 6 destinatários. São direitos que regulamentam a relação pessoa – Estado, sendo o Estado o destinatário das normas e as pessoas, os titulares desses direitos9. I.3 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS I.3.1 Historicidade Os Direitos Humanos são históricos, isto é, são direitos que se vão construindo com o decorrer do tempo. Foi tão somente a partir de 1945, com o fim da Segunda Guerra e com o nascimento da Organização das Nações Unidas, que os Direitos Humanos começaram a, efetivamente, desenvolver-se no plano internacional, não obstante a Organização Internacional do Trabalho já existir desde 1919 (garantindo-se desde então os Direitos Humanos – direitos sociais – dos trabalhadores desde o período do pós- Primeira Guerra). Falando em termos de Direitos Fundamentais, tem-se a revolução burguesa como gênese de proteção desses direitos, os quais vieram posteriormente desenvolver-se com o Estado Social até chegar aos tempos atuais, com ampliada proteção para outros âmbitos do conhecimento humano, como na garantia do direito ao desenvolvimento,do meio ambiente,da paz etc. I.3.2 Universalidade Dessa forma é possível mostrar que são titulares dos Direitos Humanos todas as pessoas, o que significa que, como dito anteriormente, basta ter a condição de “ser humano” para se poder invocar a proteção desses mesmos direitos, tanto no plano interno como no plano internacional, independentemente de circunstâncias de sexo, raça, credo religioso, afinidade política, status social, econômico, cultural etc10; Embora tenham sidos criados pelo Direito Internacional Público a fim de conferir às pessoas direitos que as protegessem das ingerências estatais, ou seja Com exceção do Art. 6(2) do Tratado de Lisboa, que a partir da adoção da Carta de Direitos Fundamentais da União européia, passou a conter Direitos Fundamentais para proteger indivíduos das ingerências da própria União Européia na esfera das liberdades dos indivíduos. (KLABBERS; PETERS; ULFSTEIN, p. 78, 2009). 10 Como apontando anteriormente essa pretensão universal dos Direitos Humanos é originária da Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1948 cujo artigo 2º. Traz o seguinte texto: “1. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. II) Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. 9 tornando as pessoas titulares de direitos internacionalmente tutelados. Doutrinadores do Direito Internacional Público, notoriamente REZEK ( p.155-156, 1998), não consideram as pessoas físicas, muito menos as jurídicas de direito privado, sujeitos do Direito Internacional Público, sob o argumento de que estas não tem personalidade jurídica para celebrar tratados internacionais, tampouco são sujeitos de deveres internacionais o que prejudicaria sua personalidade jurídica no âmbito do DIP. Esse argumentos se mostram ultrapassados, uma vez que pessoas físicas apesar de não terem personalidade jurídica para celebrar tratados são titulares do Poder exercido por meio do poder legitimado a celebrar tratados. Internacionais. Além de serem os titulares dos direitos consagrados nos diplomas que versam sobre Direitos Humanos, e desde adoção do Estatuto de Roma, que criminaliza condutas praticadas por indivíduos e prevê sua responsabilização diante do Tribunal Penal Internacional, trouxe também deveres às pessoas físicas. I.3.3 Essencialidade Os Direitos Humanos são essenciais por natureza, tendo por conteúdo os valores supremos do ser humano e a prevalência da dignidade humana (conteúdo material), revelando-se essencial também pela sua especial posição normativa (conteúdo formal), permitindo-se a revelação de outros Direitos Fundamentais fora do rol de direitos expressos nos textos constitucionais; I.3.4 Irrenunciabilidade Diferentemente do que ocorre com os direitos subjetivos em geral, os Direitos Humanos tem, como característica básica, a irrenunciabilidade, que se traduz na idéia de que a autorização de seu titular não justifica ou convalida qualquer violação do seu conteúdo; I.3.5 Inalienabilidade Os Direitos Humanos são também inalienáveis, na medida em que não permitem a sua desinvestidura por parte de seu titular, não podendo ser transferidos ou cedidos (onerosa ou gratuitamente) a outrem, ainda que com o consentimento do agente, sendo indisponíveis e inegociáveis; I.3.6 Inexauribilidade São os Direitos Humanos inexauríveis, no sentido de que têm a possibilidade de expansão, a eles podendo ser sempre acrescidos novos direitos, a qualquer tempo. I.3.7 Imprescritibilidade Os Direitos Humanos não se perdem ou divagam no tempo, salvo as limitações expressamente impostas por tratados internacionais que prevêem procedimentos perante cortes ou instâncias internacionais; I.3.8 Vedação do retrocesso Os Direitos Humanos devem sempre agregar algo de novo e melhor ao Ser Humano, não podendo jamais retroceder na proteção de direitos. Ou seja, os Estados estão proibidos de proteger menos do que já protegem, estando os tratados internacionais por eles concluídos impedidos de impor restrições que diminuam ou anulem direitos anteriormente já assegurados, tanto no plano interno quanto no internacional. I.3.9 Eficácia horizontal dos Direitos Humanos Os Direitos Humanos, embora sejam normas que, basicamente protegem as pessoas das ingerências estatais, ou seja, têm normalmente o Estado como destinatário, também devem ser observados nas relações inter-individuais. Considerando-se a eficácia horizontal dos Direitos Humanos, tem-se que o Estado deve não somente se abster de intervir nos direitos que visam proteger as pessoas de suas ingerências, mas também tem o dever de tomar medidas positivas para que essas liberdades e direitos garantidos nas convenções internacionais não sejam violadas por particulares11. Como exemplo, podemos citar a atividade legiferante estatal a fim de criminalizar certas condutas de pessoas não ligadas à organização estatal, que seriam violadoras de Direitos Humanos. Outra forma de prevenir violações por particulares é a observação dos Direitos Humanos pelo judiciário ao dirimir os conflitos entre particulares. 11 TRIUNFANTE, Luís de Lemos. p. 240, 2009. I. 4 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HUMANOS E SUA IMPORTANCIA PARA O DIREITO INTERNACIONAL O Direito Internacional dos Direitos Humanos passa a se desenvolver e efetivarse como um ramo autônomo do Direito Internacional Público a partir de 1945, quando foi elaborada, depois da Segunda Guerra, a Carta das Nações Unidas. Antes da adoção da Carta, existiam normas que poderiam ser consideradas, de certa forma, como de proteção aos Direitos Humanos, entretanto, antes daquele período, não existia uma normatização específica deles no âmbito internacional. A partir do surgimento das Nações Unidas e suas agências especializadas, o processo de internacionalização de legislações, bem como o surgimento dos chamados Direitos Humanos é intensificado, o que deu origem a uma nova ordem internacional. O surgimento de uma nova ordem internacional que instaura um novo modelo de conduta nas relações internacionais, com preocupações que incluem a manutenção da paz e segurança internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre os Estados (PIOVESAN apud MAZZUOLI, 2009, p. 783). A carta da ONU de 1945 contribuiu muito para o processo de afirmação dos Direitos Humanos, em especial, pela sua fundamentação na manutenção da paz e da segurança internacionais e o respeito aos Direitos Humanos e liberdades fundamentais, sem distinção de raça,sexo,cor ou religião. Com a adoção DAE tal Carta, que promoveu a cooperação internacional e o desenvolvimento inter-estatal, os problemas internos dos Estados e suas relações com seus cidadãos passaram a fazer parte de um contexto global de proteção. Alguns dispositivos contidos na referida Carta fazem referência expressa à proteção dos Direitos Humanos e liberdades fundamentais, sendo esses: art. 1º ,III; Art.13, I,b; art.55, c; art.56; art.62,II; art.68; art.76, c. Como se percebe quando da leitura de tais pispositivos, taisdireitos não se encontram bem delineados, o que não nos leva, de qualquer maneira, à conclusão de que os mesmos não são obrigatórios. É uma obrigação dos Estados entendê-los como regras jurídicas universais e não apenas como declarações de princípios (soft Law). Outro importante instrumento normativo nesse sentido foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi delineada pela Carta das Nações Unidas, visou principalmente a positivação internacional dos Direitos Humanos , complementado os objetivos das Nações Unidas no âmbito de proteção desses direitos e de liberdades fundamentais de todos, sem distinção de sexo, raça, língua ou religião. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada em Paris, em 10 de dezembro de 1948, pela Resolução 217 A-III, da Assembléia-Geral da ONU. Seu fundamento é a dignidade da pessoa humana, sendo consolidada na busca de um padrão mínimo para a proteção dos Direitos Humanos em âmbito mundial, constituindo-se em um modelo ético e base valorativa desses direitos. São muitas e relevantes as menções à Declaração Universal constantes nos preâmbulos de inúmeros tratados internacionais de Direitos Humanos, tanto do sistema global como dos sistemas regionais de proteção. Há também muitas referências a este documento nas sentenças de tribunais internacionais e de jurisdição interna. Tais fatos demonstram a importância que a Declaração possui no âmbito di Direito Internacional. II – O TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS II.1 HISTÓRICO O século XX representou para humanidade uma era de sérias violações aos direitos mais intrínsecos ao homem. A Europa foi, por exemplo, palco das duas maiores guerras que a humanidade já viu, ambas ocorrendo em um período inferior a cinco décadas. A segunda guerra mundial, entretanto, foi o acontecimento histórico mais relevante a ensejar a criação, no pós-guerra, de um sistema de proteção aos Direitos Humanos, isso por que os horrores do holocausto ainda pairavam em todo o mundo, e as forças aliadas, vitoriosas, queriam impedir que aquelas atrocidades voltassem a acontecer. É bem verdade que a agenda política desses Estados vitoriosos com relação aos Direitos Humanos foi determinante para a elaboração da Convenção Européia de Direitos Humanos (1950)12, que estabeleceu a criação do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, primeiramente em caráter de Tribunal ad hoc em 1959, e posteriormente como corte permanente, em 1998, e que é objeto de nosso estudo no presente guia. Porém, basta um olhar histórico mais aprofundado para perceber que sua origem também está ligada à eventos muito mais remotos. Podemos identificar a luta pela concretização do que hoje denominamos Direitos Humanos nas ideias expressas na Declaração de Independência americana (1776) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), ambas apoiadas em ideais iluministas, por exemplo, e em esforços ainda mais antigos dos povos em assegurar o respeito pela autonomia da vontade, a dignidade da pessoa humana e a igualdade de todos os homens e mulheres. No entanto, é importante esclarecer que a implementação do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, doravante donomidade apenas TEDH, como corte permanente, não se deu concomitante à elaboração da Convenção Européia de Direitos Humanos CEDH, em 1950. É fruto de uma evolução histórica da luta pelo estabelecimento de um sistema de proteção a esses direitos, ditos mais nobres. A CEDH completou 60 anos em 2010, mas a criação da primeira corte permanente para a defesa dos Direitos Humanos na Europa, o TEDH, é bem mais recente, é fruto da entrada em vigor do protocolo 11 da Convenção, no final da década de 90. Apesar de o Tribunal existir há mais tempo, desde a década de 50, antes do Protocolo 11 ele não era uma corte permanente, e só poderia ser acionado por particulares daqueles Estados que reconheciam o direito ao recurso individual e teriam que fazê-lo através da Comissão Européia de Direitos Humanos, que realizava uma análise prévia da admissibilidade da demanda, e a enviava à apreciação do Tribunal. Tal protocolo é um divisor de águas, e marca a criação do que alguns doutrinadores chamam de “O novo Tribunal Europeu de Direitos Humanos”. Muito mais dinâmico e de tramitação mais célere dos processos, o Tribunal se transformou em uma corte permanente, que pela primeira vez permitiu que tanto os Estados signatários, quanto os particulares que acreditassem ter seus direitos violados perante a Convenção pudessem recorrer à mesma de maneira ampla e irrestrita. O nome oficial da convenção é “Convenção Para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais”, mas a doutrina, principalmente a brasileira, costuma chamá-la de Convenção Européia de Direitos Humanos. Cfr. PIOVESAN et al, p.1419, 2008. 12 Atualmente o Tribunal tem jurisdição em todos os 47 Estados-membro do Conselho da Europa13 e protege os Direitos Humanos de aproximadamente 800 milhões de pessoas. Por esse motivo, serve de inspiração para outras cortes de todo mundo, a exemplo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, seu equivalente para as Américas. O Tribunal contribui para o que se acredita ser uma jurisprudência pacífica universal no que se refere à tutela de Direitos Humanos, tais como direito à vida, proibição da tortura, proibição da escravidão e trabalho forçado, direito ao devido processo legal, à vida privada e à liberdade de expressão, esses três últimos discutidos nos dois casos trazidos ao Tribunal que serão tema de sua simulação na SOI 2011. São eles: Armani da Silva Vs. Reino Unido (Caso Jean Charles) e Standard Verlags Gmbh Vs. Áustria. II.2 SISTEMA DE PROTEÇÃO E ESTRUTURA Como já foi dito, o protocolo 11, de 1 de novembro de 1998 da CEDH foi um marco para o Tribunal Europeu de Direitos Humanos não só por que fez dele uma corte permanente. Grande parte dessa importância vem da reforma ao sistema de proteção que ele trouxe, tornando os processos mais céleres e possibilitando o ingresso de demandas de maneira mais simples por Estados ou indivíduos que acreditassem ter seus direitos convencionais14 violados. O artigo 33 do referido protocolo da Convenção trata da litigação inter-estatal, ou seja, quando dois Estados parte da CEDH demandam entre si. “Art. 33 - Qualquer Alta Parte Contratante pode submeter ao Tribunal qualquer violação das disposições da Convenção e dos seus protocolos que creia poder ser imputada a outra Alta Parte Contratante” O fato é que esse tipo de demanda é bastante rara perante o Tribunal e quando é ingressada, na maioria dos casos é politicamente motivada15. Dois exemplos disso são Organização internacional criada em 1949 com o objetivo de promover a integração da Europa, com ênfase no estabelecimento de parâmetros legais, desenvolvimento dos Direitos Humanos e da democracia e cooperação cultural entre os Estados. 14 Termo utilizado por parte da doutrina contemporânea para se referir aos direitos tutelados por convenções. No Brasil foi primeiramente usado por Valério de Oliveira Mazzuoli. 15 OVEY; WHITE, 2006 13 os casos da Irlanda contra o Reino Unido16 que questionava o tratamento dado a terroristas no norte da Irlanda e Chipre vs. Turquia, sobre a intervenção turca no demandante em julho de 197417. Já as demandas individuais estão previstas no Art. 34, que estabelece que os particulares tem acesso irrestrito e direto ao Tribunal. “Art. 34 - O Tribunal pode receber petições de qualquer pessoa física, organização não governamental ou grupo de particulares que se considere vítima de violação por qualquer Estado membro dos direitos reconhecidos na Convenção ou nos seus protocolos. Os Estados signatários comprometem-se a não criar qualquer entrave ao exercício efetivo desse direito.” II.2.1 Composição O Tribunal é composto por 47 juízes, o mesmo número de Estados membros. Eles são eleitos pela Assembléia Plenária, de uma lista de três candidatos indicados por cada Estado18. Geralmente os juízes são nacionais daqueles países que os indicam, mas formalmente não há essa necessidade. São eleitos por um período de nove anos e não são reelegíveis. II.2.2 Estrutura Da estrutura básica do Tribunal Europeu de Direitos Humanos fazem parte a residência, secretaria, comitês, câmaras e o Tribunal Pleno. II.2.2.1 Presidência O Tribunal tem um Presidente e dois Vice-Presidentes. A função do Presidente é de dirigir o trabalho e a administração do TEDH e o representar. Ele faz parte do Tribunal Pleno, mas não tem direito a voto a não ser quando representa seu próprio Estado. Ireland Vs. United Kingdom, judgment of 18 January 1978, Series A, No. 25; (1979-80) 2 EHRR 25. Cyprus Vs. Turkey (App. 25781/94) Judgment of 10 May 2001; (2001) 35 EHRR 731. 18 Art. 17, CEDH 16 17 II.2.2.2 Secretaria A secretaria é composta por 540 juristas, tradutores e auxiliares administrativos recrutados pelo Secretário Geral do Conselho da Europa. O papel desempenhado pela secretaria é de fundamental importância para o TEDH, tendo em vista a sua demanda muito alta de processos, pois ela trata de todos os trâmites administrativos para que o processo fique pronto para apreciação dos Juízes. Suas funções vão desde a distribuição dos processos para o Juiz Singular (relator), tradução dos documentos, e contato com as partes do processo. Grande parte da eficiência do Tribunal depende da qualidade de sua secretaria. II.2.2.3 Comitês Os processos são primeiramente analisados por comitês formados por três juízes cada. Eles tem a tarefa de definir se os demandantes preenchem os critérios de admissibilidade da Convenção ou não19. A inadmissibilidade de um caso só pode ser declarada por decisão unânime em alguns dos critérios (vide fluxograma em anexo): são eles20: a) Esgotamento prévio dos recursos internos; b) Observância do prazo de 6 (seis) meses, a contar da data da decisão definitiva; c) Não ser anônima; d) Inexistência de litispendência internacional; e) Não ser manifestamente infundada; f) Não constituir um abuso de direito de petição21; g) Estado réu ser parte da Convenção. Para que o caso não seja admitido, é imprescindível que haja decisão unânime dos três juízes que compõem o comitê. Importante salientar ainda que o comitê não decide se o caso é admitido ou não perante o TEDH, mas somente se ele é inadmissível. Sua decisão pela não admissibilidade tem caráter irrecorrível, isso por que seria Artigos 27-28 CEDH. PIOVESAN , 2011. 21 Caracteriza-se o abuso ao direito de petição quando a vítima se utilizar de forma imprópria do direito de petição previsto no artigo 34 da Convenção. 19 20 impraticável que houvesse uma instância apenas para julgar recursos de casos não admitidos, dada a enorme demanda de litígios trazidos ao Tribunal todos os anos. II.2.2.4 Câmaras Os casos que não são considerados inadmissíveis pelo comitê seguem para apreciação da Câmara, que é composta por 7 (sete) juízes. Ela tem por objetivo fazer a análise de todas as petições e documentos, investigar o material fático e promover as sustentações orais das partes. Essa etapa processual conclui-se com a decisão acerca da admissibilidade das alegações e há a possibilidade de ser feita uma conciliação. O processo segue com a análise do mérito. II.2.2.5 Tribunal Pleno Alguns casos de que envolvem alguma dificuldade especial podem ser enviados para análise do Tribunal Pleno, que é composto por 17 juízes, incluindo o juiz Presidente. Tal procedimento está previsto no artigo 30 da CEDH. ‘’Art. 30 - Se assunto pendente em uma seção levantar uma questão grave quanto à interpretação da Convenção ou quanto aos seus protocolos ou se a solução de um litígio puder conduzir à uma contradição com uma sentença já proferida pelo Tribunal, a seção pode, antes de proferir sua sentença, devolver a decisão do litígio ao Tribunal Pleno, salvo se qualquer das partes do mesmo a tal se opuser.” II.3. PROCEDIMENTO22 II.3.1Base legal A funcionamento do TEDH toma por base a Convenção para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, também conhecida por Convenção Européia de Direitos Humanos e seus protocolos. No Anexo 1, consta um fluxograma que explica os possíveis “caminhos percorridos” por uma demanda no âmbito do TEDH. 22 II.3.2 Evolução O procedimento anteriormente usado pelo TEDH se dividia em duas fases. A primeira, de admissibilidade, instrução e conciliação, ficava sob responsabilidade da Comissão Européia de Direitos Humanos. Em sendo o caso admitido pela Comissão e não havendo conciliação, o processo poderia ser enviado para o Tribunal, ou para o Comitê de Ministros do Conselho da Europa. O processo era enviado ao Tribunal quando o Estado parte no processo se submetesse à sua jurisdição. Do contrário, o caso era enviado ao Conselho de Ministros que elaborava parecer sobre a existência ou não de violação aos direitos protegidos pela Convenção. No ano de 1998, em função do expressivo aumento de demandas no âmbito do Sistema Europeu de Defesa dos Direitos Humanos (SEDH), como já foi exposto anteriormente, foi aprovado o Protocolo n° 11, pelo qual se realizou uma reforma processual quando das violações aos Direitos Humanos em território europeu. Importa destacar que os Protocolos são disposições semelhantes às emendas realizadas nas constituições, alterando disposições da Convenção ou ampliando o rol de direitos protegidos. Esse aumento dos casos submetidos ao tribunal se deu em virtude da ampliação do número de Estados signatários da Convenção, principalmente países da antiga União Soviética, bem como em decorrência da possibilidade atribuída aos indivíduos de postular diretamente junto ao tribunal. Esta capacidade de ser parte no processo junto ao TEDH foi criada pelo Protocolo n° 9. Com efeito, surgiu a necessidade de encurtar o rito processual, tendo em vista o dever de prestar uma resposta às violações em tempo razoável. Nessa linha de raciocínio, foi extinta a Comissão Européia de Direitos Humanos e foi retirado o poder decisório do Comitê de Ministros. Este ficou encarregado de zelar pela execução das decisões proferidas pelo TEDH. Face às alterações acima referidas, o processo pode ter ritos diversos caso a parte reclamante seja o Estado ou o Indivíduo. Trataremos aqui especificamente do rito de demandantes individuais. II.3.3 Capacidade postulatória Passemos a tratar da capacidade postulatória no âmbito do Sistema Europeu de Defesa dos Direitos Humanos. Capacidade postulatória significa a capacidade de ingressar com uma ação junto ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos. O art. 33 da CEDH estabelece que qualquer Estado signatário da Convenção pode submeter ao Tribunal eventual violação aos direitos previstos na Convenção por parte de outro Estado Signatário. Além dos Estados signatários, os individuais podem postular junto ao Tribunal. Conforme dito acima, essa possibilidade teve inicio a partir do Protocolo n° 9. O art. 34 da Convenção autoriza as pessoas físicas ou jurídicas, organizações não governamentais ou grupos de particulares a submeterem uma queixa ao tribunal. O mesmo artigo dispõe que os Estados não podem criar entraves para que os particulares exerçam o direito de postular no TEDH. Deve-se observar que a parte ré no processo sempre é um Estado, não podendo uma pessoa individual ser demandada no âmbito do Sistema Europeu de Defesa dos Direitos do Humanos. II.3.3.1Queixa realizada por um indivíduo Conforme ficou consignado acima, a partir do Protocolo n° 9, os indivíduos passaram a ter capacidade postulatória no âmbito do Sistema Europeu de Defesa dos Direitos Humanos. A queixa, peça inicial no processo, feita pelos indivíduos, é encaminhada a secretaria do Tribunal, que a distribui a um relator. O relator, por sua vez, envia o caso a um comitê de três juízes. Este comitê é responsável pelo juízo de admissibilidade, seguindo as disposições do art. 35 da Convenção. Caso o comitê declare o caso admitido no âmbito do TEDH, o processo é enviado à câmara, composta por 7 juízes, que fica responsável pelo julgamento de mérito do processo. No entanto, O relator poderá, conforme seu juízo, analisando a gravidade da violação, enviar o processo diretamente para a secção de julgamento, que ficará responsável pelo exame de admissibilidade e de mérito referente ao caso concreto. A audiência de instrução é realizada quando o processo se encontra na secção de julgamento. Importa destacar que o presidente da secção pode convidar ou autorizar que um Estado signatário estranho ao processo ou mesmo pessoa interessada no processo participe da audiência mediante apresentação de parecer acerca de possível violação de algum direito previsto na Convenção. Vale destacar que durante o julgamento de mérito, a seção pode promover a conciliação das partes, através da negociação, afastando a necessidade de se continuar com o processo até a decisão. Após julgado o processo na secção de julgamento, o caso pode ser encaminhado ao Tribunal Pleno mediante recurso. Antes de chegar ao Pleno, o caso deve atender a um dos dois pressupostos recursais que são analisados por uma comissão. Esta comissão é composta por cinco juízes. O presidente do tribunal obrigatoriamente funciona nessa comissão, bem como os presidentes das câmaras de julgamento, salvo o presidente da câmara onde o processo teve a primeira decisão. Para completar a lista de cinco juízes, é sorteado outro juiz que não tenha atuado no processo ainda. O primeiro pressuposto é que a questão que ensejou o recurso deve ser relevante e ter intima relação com a suposta violação discutida no processo. O segundo pressuposto, por sua vez, é que o recurso deve tratar de questão grave relativa à aplicação ou interpretação da Convenção e seus Protocolos. O julgamento é feito por maioria dos 17 juízes componentes do Tribunal Pleno. A seguir, será abordado o rito processual adotando quando um Estado-parte é reclamante. II.3.3.2 Queixa realizada por um Estado Signatário Nos termos do art. 33 da Convenção, qualquer Estado pode submeter ao tribunal queixa sobre violação aos direitos previstos na Convenção realizada por outro Estado signatário. Feita a reclamação, o processo é distribuído entre uma das câmaras de julgamento, sendo nomeado um relator. Este encaminha o caso diretamente a uma secção de julgamento, que é composta por 7 juízes, conforme exaustivamente frisado. Esta secção é responsável por realizar o juízo de admissibilidade do caso e de mérito do caso. O juízo de admissibilidade será analisado em momento oportuno. Em fase recursal, o processo é encaminhado ao Tribunal Pleno, seguindo os mesmos procedimentos e requisitos do rito processual adotado para reclamação proposta pelos indivíduos. II.3.4 Exame de admissibilidade O processo deve obedecer às condições de admissibilidade previstas no art. 35 da Convenção. O primeiro deles diz respeito ao esgotamento de todas as vias internas de recurso possíveis, bem como o respeito ao prazo de seis meses entre o esgotamento do último recurso e a propositura da ação ao TEDH. O mesmo artigo dispõe que o Tribunal não conhecerá a petição inicial esta for anônima ou quando for idêntica a ação anteriormente proposta. Em suma, a petição inicial deve ter esgotado todos os meios de recursos no âmbito da jurisdição interna do país supostamente violador dos termos da convenção, bem como deve ser identificada a vítima de suposta violação, e ainda não pode ter como objeto o mesmo de ação anteriormente julgada pelo Tribunal. II.3.5 JURISDIÇÃO Em primeiro lugar, temos que os Estados signatários da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais reconhecem a capacidade de qualquer pessoa dependente de sua jurisdição para os direitos e liberdades definidos no Título I do presente diploma, em seu art. 1º (“Obrigação de respeitar os direitos do homem”). Nas palavras de BERGUER (1998), o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) é... A terra prometida que se aguarda – raramente – somente após uma maratona processual, lamentar-se-ão as partes litigantes. O único organismo autêntico judiciário criado pela Convenção de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, precisarão os juristas. A primeira jurisdição internacional de proteção dos Direitos Fundamentais, lembrarão os historiadores. A última defesa da democracia no Velho Continente, afirmarão os políticos. Nem inexatas, nem exclusivas, essas fórmulas permitem seguramente definir a Corte de Estrasburgo, mas elas não saberiam fazer esquecer que esta última permanece frequentemente ignorada do grande público. Daí que na cidade renana, que abriga sua sede e onde ela dispõe desde 1995 de um palácio imponente, desenhado por Sir Richard Rogers. E no entanto! A missão que lhe foi confiada pelos Estados Democráticos da Europa (os quarenta) diz respeito a todos estes – nacionais, estrangeiros, apátridas – que dependem da jurisdição desses Estados. Além disso, ela interessa a todos os homens preocupados em ver encarnarem-se determinados valores universais. Especificamente, tratando sobre a jurisdição e a competência da Corte, KERNALEGUEM (1999) diz: A Corte é competente para conhecer de todas as violações à Convenção ou de seus protocolos adicionais, que vêm enriquecer suas disposições. O recorrente inicial pode ser um Estado. Mais frequentemente trata-se de um indivíduo que apresentou um recurso individual, submetido ao Comitê encarregado do exame preliminar dos recursos. O recorrido é necessariamente o Estado. Todavia, conforme os princípios do Direito Internacional Público, era necessário, até 1998, que tivesse sido aceita a competência da Corte, seja anteriormente subscrevendo uma cláusula de jurisdição obrigatória, seja por ocasião do litígio por um compromisso. O Estado signatário da convenção mas que não tinha aceitado a competência da Corte era obrigado a aceitar a convenção em seu território, mas não podia ser acionado diante da Corte: um procedimento podia ser apresentado contra ele frente à Comissão mas se o procedimento era declarado merecer ser recebido, ele prosseguiria diante do Comitê dos Ministros. Posteriormente, todos os Estadosmembros do Conselho da Europa aceitaram a jurisdição obrigatória da Corte. Os direitos tutelados na Convenção são, de início, sancionados pelas jurisdições nacionais dos Estados-signatários, sendo que podem ser suscitados em face dos juízos cíveis ou criminais. Inclusive, o art. 2º deste tratado refere-se ao direito a um duplo grau de jurisdição penal, cujo exercício deve ser regulamentado pela legislação interna, sendo possível estabelecer-lhe limites, a exemplo da própria Convenção, que pode excepcionar o caso da parte ter sido julgada, em primeira instância, pelo mais alto grau de jurisdição; ter sido declarada culpada e condenada por ocasião de recurso contra sua absolvição e; em caso de infrações menores, nos termos da lei. ‘’Os direitos que ela consagra são de início sancionados pelas jurisdições nacionais dos Estados signatários: assim ele se torna freqüente tanto que artigos da convenção são invocados diante do juiz penal ou mesmo diante do juiz civil. Mas, em face da eventualidade da omissão dos Estados e de suas jurisdições internas, a convenção idealizou um mecanismo de sanção internacional dos direitos que ela proclama: a Corte é dela a peça essencial. Durante longo tempo ela não foi a única assim como o demonstra o desenvolvimento do procedimento idealizado na origem: todavia a reforma alterada pelo protocolo número 11 de 11 de maio de 1994, que entrou em vigor em 3 de novembro de 1998, reforçou profundamente o papel e dos poderes da Corte, notadamente ao suprimir a comissão que existia.’’ O Tribunal Europeu de Direitos Humanos é competente para conhecer das violações à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, cujas disposições foram complementadas por vários protocolos, tal como aduz o art. 32, parágrafos 1 e 2: “1. A competência do Tribunal abrange todas as questões relativas à interpretação e à aplicação da Convenção e dos respectivos protocolos que lhe sejam submetidas nas condições previstas pelos artigos 33 (assuntos interestatais), 34 (petições individuais), 46 (força vinculativa e execução das sentenças) e 47 (pareceres). 2. O Tribunal decide sobre quaisquer contestações à sua competência.” Destaque-se, ainda, a existência de uma competência consultiva referida nos arts. 47 e 48 da Convenção, haja vista o TEDH poder emitir pareceres sobre questões jurídicas relativas à interpretação da Convenção e dos seus protocolos a pedido do Comitê de Ministros. É necessário que o Tribunal aprecie o cabimento do pedido de parecer dentro de sua competência consultiva porque tais pareceres não podem incidir sobre questões pertinentes ao conteúdo ou à extensão dos direitos e liberdades constantes do Título I da Convenção e dos protocolos, tampouco sobre questões que possam ser submetidas ao próprio Comitê ou Tribunal por força de recurso previsto na Convenção. O artigo 56 (e parágrafos) versa sobre competência territorial, estabelecendo que qualquer Estado-parte da Convenção pode, quando da ratificação ou em momento ulterior, declarar que o tratado em questão aplicar-se-á a todos os territórios ou a quaisquer territórios cujas relações internacionais assegura. Ainda, o declarante poderá aceitar, a respeito dos mesmos territórios, a competência do Tribunal para aceitar petições nos termos do art. 34. III – CASOS SIMULADOS A proposta do Comitê é bem ambiciosa. Serão simulados dois casos reais que foram submetidos à jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e atualmente aguardam julgamento. Os dois casos a seguir, trazem os fatos e os direitos alegados como possivelmente violados pelos Estados demandados. Os delegados deverão se pautar nas informações aqui apresentadas para montar suas estratégias de atuação no comitê. Outros documentos contendo mais informações importantes para o caso serão produzidos como anexos desse guia. III.1 CASO A – Armani da Silva vs. Reino Unido23 (Caso Jean Charles) III. 1.1 Panorama geral do Estado demandado: Reino Unido e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos O Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, mais conhecido apenas como Reino Unido, é formado pela Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales24. Sua população é estimada em torno de 62 milhões de habitantes25. Este país tem o 26° maior IDH do mundo,com expectativa de vida de 79 anos. Seus cidadãos têm em média 9.5 anos de vida acadêmica26. O Reino Unido foi um dos membros fundadores do conselho da Europa, em 5 de maio de 1949 e é um dos Estados signatários da Convenção Européia dos Direitos Humanos, ratificado-o em 5 de maio de 195127. No que diz respeito ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, ao todo, foram submetidos ao Tribunal 443 casos, dos quais, em 271 foi considerado que houve violação dos direitos protegidos pela Convenção Européia de Direitos Humanos28. A maior parte das violações ocorreram em detrimento do direito a um julgamento justo, vida privada e recurso efetivo, que correspondem aos artigos 6, 8 e 13, respectivamente, da CEDH. Outros 14.029 casos em desfavor do Reino Unido foram submetidos ao Tribunal e não admitidos.29 III.1.2 dos fatos que deram origem ao caso30 Baseado no caso Armani vs. Reino Unido - no. 5878/08 disponível em: http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp? action=html&documentId=875698&portal=hbkm&source=externalbydocnumber&table=F69A27FD8FB8 6142BF01C1166DEA398649 24 Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/United_Kingdom 25 Dados de 2009. Disponível em: www.statistics.gov.uk/cci/nugget.asp?id=6 26 Disponível em: http://www.hdrstats.undp.org/en/countries/profiles/gbr.html 27 Disponível em:: http://www.coe.int/aboutCoe/index.asp?page=47pays1europe&l=en 28 Disponível em: http://www.echr.coe.int/NR/rdonlyres/C2E5DFA6-B53C-42D2-8512034BD3C889B0/0/FICHEPARPAYS_ENG_MAI2010.pdf - p. 57-58. 29 Disponível em: http://www.echr.coe.int/NR/rdonlyres/2B783BFF-39C9-455C-B7C7F821056BF32A/0/Tableau_de_violations_19592010_ENG.pdf 30 Importa registrar, preliminarmente, que o presente ensaio sobre o caso Jean Charles toma por base o relatório do caso “Armani x Reino Unido”, em andamento junto ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Vide nota 22. 23 Jean Charles de Menezes nasceu na cidade mineira de Gonzaga, em 7 de janeiro de 1978. Aos 14 anos, foi morar com seu tio em São Paulo até se formar como técnico em eletrônica. Em 2002, chegou ao Reino Unido, onde passou a trabalhar como eletricista e enviar parte dos ganhos para sua família no Brasil. Em 7 de julho de 2005, quatro “homens-bombas” cometeram suicídio, ocasionando a morte de 56 pessoas que faziam uso do sistema de transporte público de Londres, o que elevou o nível do alerta anti-terrorista, bem como o policiamento na rede de transporte. Em 21 de julho do mesmo ano, foram descobertos quatro explosivos, três localizados no metrô e o outro em um ônibus, tendo sido constatado que falharam no momento de sua detonação. A polícia passou a investigar Hussain Osman, que morava no mesmo conjunto de apartamentos que Jean Charles. Quinze dias após os atentados, Jean Charles foi confundido com o terrorista investigado, sendo assassinado na estação de Stockwell com vários tiros na cabeça. Não houve responsabilização de qualquer agente participante da operação que resultou na morte do imigrante brasileiro, conhecida como Operação Theseus. No entanto, a polícia, enquanto instituição, foi condenada na esfera civil por falhas na proteção da saúde, bem-estar e segurança de Jean Charles31. O caso não chegou a ser submetido a seara judiciária criminal, a fim de apurar quem seriam os responsáveis pela morte do brasileiro. III.1.2.1 Da Operação Theseus No dia 22 de julho o comandante McDowall coordenou uma operação de vigilância no bloco de apartamentos localizado no endereço “21, Scotia road” (onde Jean Charles residiu), local também de residência de dois suspeitos de terrorismo. Todas as referências acerca da legislação vigente no Reino Unido também foram retiradas do relatório citado acima. No que diz respeito às disposições da Convenção Européia de Direitos Humanos, estas podem ser encontradas no site do Gabinete de Documentação de Direito Comparado, órgão governamental de Portugal. Disponível em: http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textosinternacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5.html 31 A operação, que tinha como objetivo averiguar se os dois estavam em um apartamento nessa rua e, caso os dois saíssem, prendê-los de forma segura, foi realizada pela polícia, recebeu ajuda da SFO (special firearms officers), tanto no planejamento como também na execução da operação. O comandante da polícia (McDowall) designou a Credissa Dick (Designated Senior Officer - DSO) para o comando da operação Theseus. No comando da operação, na sala de controle, estava a DSO, enquanto que Trojan 80 (também chamado de “Silver Commander”, Dectetive Chief Inspector C – DCI C) foi encarregado de executar as ordens diretas da DSO no campo. Trojan 80 receber apoio do Trojan 84 (ambos agentes da SFO – SO19). Este era o responsável pela implementação do SFO na operação e recebia ordens diretas do Trojan 80. Jon Boucher (DS Boucher) Oficial de Investigação Senior (Senior Investigating Officer) era o responsável pela investigação da identidade dos terrorista e era o responsável pela interação entre a operação Theseus e o Anti-Terrorist Branch Officers (SO 13). No mesmo dia, por volta das 6:00, dois times de vigilância da SO12 foram designados para controlar o perímetro, sendo responsáveis pela vigilância de todos aqueles que saíssem dos apartamentos da 21, Scotia Road, devendo seguir qualquer um que saísse do bloco de apartamentos. Os agentes estavam armados para própria proteção e proteção do público, as armas não deveriam ser usadas para a prisão de suspeitos armados. O relatório afirma que o comandante MacDowall deu instruções para a ATBO e para o SO. Pouco tempo depois, o comandante deu instruções para a DSO e para o DCIC. O CPS (Crown Prossecutions Service), em suas investigações, afirmou que se as instruções do comandante fossem executadas à risca, no que diz respeito à vigilância dos moradores da 21, Scotia Road, Jean Charles não teria morrido. Trojan 84 instruiu os SO que seria possível que houvesse a necessidade de atirar para matar, em função do contexto em que se encontravam, principalmente se houvesse qualquer resistência à prisão. Ele informou também que a ordem para um critical shot viria diretamente da DSO. III.1.2.3 Da Execução da Operação Theseus Jean Charles morava na 17, Scotia Road. Ele deixou sua residência para o trabalho às 9:33. Passou através da “communal doorway” (local por onde passavam todos que deixassem o 21, Scotia Road). O relatório afirma que os agentes da SFO ainda não se encontravam em posição quando Jean Charles deixara sua residência. Às 9:39, Jean Charles aparece na câmera de gravações do ônibus que este pegou em direção à estação Stockwell. O relatório afirma também que nesse momento, o Jean Charles foi descrito como possuidor de uma “boa possível semelhança” (good possible likeness) em relação aos suspeitos. No entanto, às 9:46 ele foi descrito como sendo “não idêntico” (not identical). Às 09:59 a equipe de vigilância foi questionada sobre a porcentagem de semelhança entre o suspeito e Jean Charles. A equipe respondeu que era impossível dar tal porcentagem, mas que acha que ele era o suspeito. Após sair do ônibus, Jean Charles se dirigiu à estação subterrânea Stockwell. A DSO ordenou que os agentes da polícia parassem ele, posto que os agentes do SFO não estavam em posição. Assim que estes se posicionaram, a ordem anterior foi revogada e nova ordem foi dada, para que os Agentes Especiais parassem Jean Charles. Quando da segunda ordem, Jean Charles já havia entrado na estação. Trojan 84 informou os agentes que eles estavam em Code Red, o que significa que eles tinham o comando da situação e que uma intervenção armada era iminente. Às 10:03, Jean Charles desceu a escada rolante. Vestimenta usual, não carregava nada. Às 10:06, ele foi seguido por agentes. O relatório Stockwell One da IPCC (corregedoria de polícia), afirma que ele entrou no trem e sentou-se. Então, um dos agentes gritou que Jean Charles estava no trem. Este se levantou. Outros dois agentes o puxaram de volta ao acento. Esses dois agentes, identificados como Charlie 2 e Charlie 12 dispararam vários tiros na cabeça de Jean Charles. Há relatos que os oficiais gritaram “polícia armada” (armed police), com o fim de rendê-lo, e que Jean Charles havia resistido à prisão. Porém esses relatos foram desmentido pelas testemunhas. III.1.2.4 Das investigações Post Mortem – IPCC O Comissário de Polícia Metropolitana decidiu excluir das investigações o IPCC (corregedoria de polícia). Nos termos da Lei de reforma da Polícia (Police Reform Act 2002) e da Lei de Regulamentação de Reclamações e Desvios de Conduta da Polícia de 2004 (Police Complaints and Misconduct Regulatios 2004), todo disparo de arma deve ser relatado à corregedoria até o fim do próximo dia de serviço após o fato. O local foi acessado primeiramente pela ATBO. Em seguida, agentes da DPS Departament of Professional Standarts (Departamento de Normas Profissionais) preservou o local e interrogou testemunhas. Os dois agentes foram interrogados às 14h. Às 21:45, foi confirmado que Jean Charles não era o suspeito investigado. A corregedoria só foi informada dos detalhes das investigações no dia 25 de julho. O objetivo do IPCC seria relatar à promotoria (Crown Prossecution Service) qualquer eventual crime ocorrido na morte de Jean Charles, além de indicar os responsáveis, bem como indicar à Metropolitan Police Service e da Metropolitan Police Authority qual medida disciplinar ou outra medida seria cabível. No dia 30 de setembro, o IPCC elaborou um relatório afirmando que alguns oficiais teriam cometido condutas criminosas. Esse relatório foi remetido à MPS e à MPA. No dia 19 de janeiro, ficou pronto o IPCC Stockwell Report One, o qual foi remetido à promotoria (CPS). No que diz respeito à grave negligência na identificação de Jean Charles como sendo ou não um terrorista e da ocorrência de homicídio involuntário (Manslaughter), o relatório do IPCC afirma o que segue. “20.91 Dado que eles acreditavam estar confrontando um homem bomba é talvez ilógico que eles tivessem dado ordens a ele antes de tentar detê-lo. A [CPS] pode desejar considerar se qualquer do oito oficiais que estavam no trem que afirmam ter gritado ou ouvido as palavras “polícia armada” (armed police) conspiraram para (...) atrapalhar o curso da justiça”. Com relação especificamente à Charlie 2 e Charlie 12. 20.94 ... A [CPS] pode querer considerar as questões resumidas [acima] considerando se as ações de Charlie 2 e 12 caracterizam auto-defesa ou não. Eles também podem querer considerar se eles foram claramente negligentes ao concluir que eles estavam confrontando um homem-bomba. O relatório afirma também que as práticas operacionais da Policia Metropolitana não eram conhecidas por parte da SO13, e vice-versa, o que dificultaria a execução da operação. Além disso, dois vigilantes da polícia afirmaram que Jean Charles não era o suspeito, o que não foi relatado para a DSO. Houve uma segunda investigação, porém não aparenta ter conclusões relevantes. III.1.2.5 Das investigações Post Mortem – Crown Prossecution Servise (Promotoria) Ao receber o resultado das investigações realizadas pelo IPCC, a CPS (promotoria) averiguou a possibilidade de ter ocorrido os seguintes crimes, a saber, homicídio, assassinato acidental por grave erro, má conduta no cargo público, tentativa de burlar a atuação da justiça. Em princípio, a promotoria concluiu que a OCPM seria responsável pela morte de Jean Charles em função da falha em prover sua saúde, segurança e bem-estar, nos termos da Health and Safety at Work etc Act 1974. A promotoria considerou que não há indícios de que houve responsabilização individual de nenhum agente envolvido na operação Theseus. No que diz respeito aos agentes Charlie 2 e Charlie 12, a promotoria considerou que ambos acreditavam que realmente se tratava de um terrorista armado e que os dois foram enviados para impedir que ele explodisse o trem, pelo que se configuraria legítima defesa (pessoal e de outrem). No entanto, houve dúvida no que diz respeito ao depoimento dos dois agentes, posto que houve contradição em seus depoimentos, principalmente no que diz respeito à voz de prisão, bem como com relação à vestimenta de Jean Charles. Ambos disseram que deram voz de prisão e ele resistiu, assim como afirmaram que ele vestia uma jaqueta indicando que estava portando algo pesado, o que também foi desmentido, vez que Jean Charles vestia jaqueta normal e não carregava nada. A família de Jean Charles recorreu da decisão da promotoria. Nova decisão manteve a primeira, não submetendo o caso a apreciação de um júri de iguais. Houve, então, recurso para a Alta Corte (High Court) e para a Câmara dos Lordes (Lords Chamber), última instância no Poder Judiciário britânico, porém ambos não foram conhecidos. A promotoria, quando da decisão que negou encaminhamento do caso Jean Charles a um juiz, tomou por base o Prossecutions of Offences Act 198 e o Code for Crown Prossecutors, texto legal conhecido como The Code. A promotoria, baseando-se no Código para os Promotores The Code, considerou que não há uma perspectiva factível de condenação dos agentes do SO19, bem como não há interesse público na submissão do caso a um júri. Trata-se do procedimento conhecido como Full Code Test. III.1.3 PROCESSO NO ÂMBITO DO TEDH A senhora Armani da Silva, prima de Jean Charles de Menezes ajuizou ação junto ao TEDH , fundamentando sua reclamação sob os Artigos 2 e/ou 3 e sob o Artigo 13 da Convenção acerca da decisão de não processar nenhum dos envolvidos na morte de seu primo. Ele, para tanto, traz três argumentos. Primeiro, ela reclama que o The Code não é compatível com as garantias processuais da Convenção uma vez que pessoas culpadas por delitos que violam os Artigos 2 e/ou 3 não podem ser acusadas, a não que uma condenação seja assegurada, ainda que haja evidência suficiente para permitir que um júri possa legalmente condenálos. Esse teste de provas é evidentemente arbitrário, subjetivo e necessariamente baseado em informações parciais. A sua proibição de responsabilização judicial de agentes públicos, os quais poderiam ser propriamente condenados por um júri, poderia trazer um prejuízo à confiança no Estado. Segundo, ela reclama que o nível de segurança da decisão de não processar, viola os aspectos processuais dos Artigos 2 e/ou 3: seria mais apropriado que um tribunal, ao invés de um agente publico, pudesse decidir quanto a processar ou não. Ou, alternativamente, uma decisão do promotor deveria ser mais intensamente revisada pelos tribunais. Em terceiro lugar, a reclamante critica o fato de os policiais não terem sido individualmente processados (incluindo o comandante McDowall, o DSO, o C DCI, os conselheiros táticos dos dois últimos (Trojan 80 e 84) e os dois SFOs (Charlie 2 e 12). O julgamento do OCPM, enquanto pessoa coletiva em relação a uma ofensa de saúde e segurança, não isenta o dever processual sob os Artigos 2 e/ou 3 porque não se exigia prova de dano, somente um risco de dano, e porque isso não estabeleceu responsabilização individual pela morte de seu primo. Com efeito, a prima de Jean Charles alega que o Reino Unido desrespeitou os artigos 2, 3 e 13, referentes ao direito à vida, proibição da tortura e direito a um recurso efetivo respectivamente. Após exame de admissibilidade, o caso foi admitido no âmbito do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, onde aguarda julgamento. III.2 CASO B – Der Standard Verlags GmbH vs. Áustria32 III.2.1 Panorama geral do Estado demandado A Áustria, oficialmente República da Áustria (Republik Österreich, em Alemão), é um país localizado na Europa Central. O país foi criado em 1918, após a derrota do Império Austro Húngaro na Primeira Guerra Mundial. Primeiramente se chamou República da Áustria Alemã, mas depois se tornou uma república parlamentarista, marcada por uma crise permanente política e social33. Em 1938, não resistiu ao avanço da Alemanha Nazista a qual modificou seu nome ara província de Ostmark. Após o final do conflito, os aliados ocuparam o país, que voltou a ser completamente independente somente em 1955, com a retirada das tropas soviéticas sob a condição de permanecer neutro. O país tornou-se parte do Conselho da Europa em 16 de Abril de 1956, e ratificou o a Convenção Européia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais em 3 de setembro de 195834. A Áustria também ratificou os protocolos mais importantes sobre Direitos Humanos aprovados pelo Conselho da Europa 35. Com a queda do regime comunista a Áustria ganhou mais autonomia, participando mais ativamente nas questões européias sobretudo acerca da integração regional, tornando-se membro da União Européia em 1991, e adotando o Euro como moeda oficial em 199936. A República da Áustria é um país desenvolvido, apresentando o 25º maior IDH do mundo, seu território mede 83,145 km2 (Pouco menor que o Estado brasileiro de Santa Catarina) e sua população é de aproximadamente 8 milhões de habitantes. O idioma oficial é o Alemão, sendo 99% da população alfabetizada. No ano de 2010 o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem recebeu 439 denúncias37 contra o Estado austríaco. No mesmo ano, foram julgados 19 casos, dos 32 Baseado no Caso Standard Verlags GmbH vs. Austria – no. 34702/07 do TEDH. Disponível em: http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp? action=html&documentId=848953&portal=hbkm&source=externalbydocnumber&table=F69A27FD8FB86142BF0 1C1166DEA398649 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81ustria Disponível em: http://www.coe.int/aboutcoe/index.asp?page=47pays1europe&l=en 35 Disponível em: http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/ListeTraites.asp? PO=AUS&MA=999&SI=2&DF=&CM=3&CL=ENG 36 Disponível em: http://www.nationsonline.org/oneworld/austria.htm 37 Não foram consideradas as denúncias que estão em estágio pré-judicial. 33 34 quais 16 confirmaram que o Estado austríaco violou direitos protegidos pela Convenção, somente em 3 casos as decisões foram no sentido de que não houve violação de Direitos Humanos pelo Estado. III.2.2 Descrição dos fatos O Jornal der Standard, é um jornal austríaco publicado em Viena, mas impresso em Tulln, uma vez que no Estado (Bundesland) onde fica localizada tal cidade os impostos são mais baixos. O jornal foi fundado em 1988 por Oscar Bronner, focando os temas de finanças e economia, tendo a primeira edição publicada em 19 de outubro de 1988. O fundador, Oscar Bronner, permanece até hoje no posto de editor chefe do jornal, juntamente com Alexandra Föderl-Schmid, que cuida da edição diariamente. Quando Föderl Schmid assumiu tal cargo, substituindo Gerfried Sperl, o der Standard se tornou o primeiro jornal da Áustria a ter uma mulher como editor chefe38. O der Standard se define como liberal39 (socialmente e culturalmente, mas não economicamente) e independente. O jornal é publicado de acordo com o código de honra da imprensa austríaca (Ehrenkodex für die österreichische Presse), instituído pelo conselho de imprensa austríaco (Österreichischer Presserat), tal código estabelece regras a respeito de questões como uma divisão transparente entre notícias e comentários bem como em relação ao direito de privacidade. O Hypo Alpe-Adria, por sua vez, é um banco austríaco fundado em 1896. Nasceu como uma instituição cooperativa de crédito sob o nome de Kärntner LandesHypothekenanstalt40, na cidade de Klagenfurt, estado de Caríntia, cujas operações bancárias eram realizadas através do Tesouro Estadual de Carintia. Trata-se de um banco que gerencia dinheiro público até os dias atuais, apesar de sua internacionalização41. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Der_Standard De acordo com o padrão europeu-continental 40 Algo como Instituto de Hipoteca do Estado de Caríntia 41 Disponível em: http://www.hypo-alpe-adria.com/115/home.nsf/pages/about_us-history-162 38 39 Em 4 de abril de 2006, em sua seção de economia, o der Standard publicou um artigo tratando das investigações em relação às perdas sofridas pelo banco Hypo AlpeAdria. O Artigo publicado pelo jornal continha a seguinte redação: “Agora, o Hypo de Haider também enfrenta investigação criminal Após a Autoridade para o Mercado Financeiro42, o Ministério Público também está apurando denuncias de desvio de dinheiro no Banco Hypo Alpe-Adria. Jörg Heider acusou as autoridades judiciais de procederem de forma exageradamente rigorosa e com motivação política. Klagenfurt - Após a descoberta de enormes perdas especulativas decorrentes de operações de swap, as comportas ameaçam se abrir no Banco Hypo Alpe-Adria de Caríntia. Na segunda-feira, o Ministério Público de Caríntia iniciou uma investigação à respeito dos Administradores senior do Hypo. O Chefe do Ministério Público, Gottfried Kranz, disse que a investigação da suspeita de peculato foi iniciada de ofício pelo Ministério Público, e que levaria em consideração as descobertas da Autoridade para o Mercado Financeiro. O Governador, Jörg Haider, criticou o “rigor da autoridades judiciais” e falou em “estratagema de motivação política a fim de desviar a atenção do escândalo Bawag43”. Seu vice, Martin Strutz, afirmou que estariam fazendo uma tempestade num copo d'água em relação a perda de 328 milhões de Euros, resultado da especulação. Wolfgang Kulterer, do conselho executivo do Hypo Alpe-Adria, e Jörg Haider, que representa os acionistas (através da Landesholding44) e também desenvolve uma função de supervisor no banco, atribuiu a um membro da tesouraria do banco, Christian Rauscher, o filho de um ex membro do FMA – Financial Market Authority - http://www.fma.gv.at/de/startseite.html Bawag é uma empresa austríaca fornecedora de energia - http://www.bewag.at/ 44 Trata-se de uma holding criada por lei que administra diversos investimentos públicos, trata-se de uma pessoa jurídica de direito público submetida à administraçãopública Estadual. Fonte: http://www.klhd.at/ 42 43 governo, filiado ao SPÖ – Sozialdemokratische Partei Österreichs – Partido Socialdemocrata da Áustria – que era responsável pelas finanças do Governo. Em 2004, Rauscher não foi dispensado, mas apenas rebaixado e transferido, sendo liberado de suas obrigações somente após o incidente, em relação aos prejuízos, ser divulgado. Rauscher havia sido responsável pelo Departamento do Tesouro, juntamente com Zois Andreas, em 2004. O Departamento, entretanto, estava sob a autoridade pessoal de Kulterer, enquanto presidente do conselho. Em 2004, para livrar Kulterer de suas responsabilidades em relação ao departamento de tesouro, Josef Kircher foi trazido para juntar-se a Günther Striedinger e Thomas Morge na presidência do Hypo. Ao mesmo tempo o acionista que detinha 25% da Holding Confida, Karl-Heinz Moser, foi promovido para se tronar diretor do Conselho Supervisor do Hypo. A subsidiária da Confida em Klagenfurt, Confida Treuhand GmbH, auditou as contas do Hypo. As declarações financeiras de 2004, nas quais as enormes perdas especulativas sofreram uma tentativa de ajuste, foram assinadas pelos auditores da Confida Walter Grojer e Robert Zankl, que freqüentemente aparece em círculos ligados a Haider. Como as perdas no swap eram, evidentemente, muito grandes para que a subsidiária da Confida em Klagenfurt pudesse lidar, a firma de auditoria Deloitte & Touche foram consultados e prontamente informaram a Autoridade para o Mercado Financeiro. Enquanto isso, a flutuação do Hypo que, surpreendentemente, recentemente havia sido antecipada para 2006 está no ar. Como as questões serão tratadas agora, certamente, estarão na pauta do encontro dos acionistas do Hypo na quarta-feira. Diante desse cenário, o interesse do Hypo Alpe-Adria no Banco Burgenland também aparece sob uma nova ótica. Em 2004 o Banco Hypo submeteu o último e melhor lance mas, inesperadamente, retirou sua oferta. A compra do Banco Burgenland fazia sentido uma vez que na época ele tinha aproximadamente 300 milhões de Euros de prejuízo em suas contas, o que permitiria ao Hypo pagar menos impostos. É possível que a aquisição tenha falhado por causa das perdas substanciais da fracassada operação de swap.” Em 16 de junho de 2006, o Sr. Rauscher entrou com uma ação contra a Standard Verlags GmbH, por haver divulgado sua identidade o que violaria o Art. 7º da Lei de Mídias (Mediengesetz). Ele alegou que não era uma figura pública e o cargo que ocupava no banco não seria suficiente para justificar a divulgação de seu nome. Ele afirmou que ao autorizar as operações em questão agiu de acordo com as instruções e controle de seu superior e do departamento de gestão de riscos do banco. A publicação do seu nome teve repercussões negativas no desenvolvimento profissional e não era justificada por nenhum interesse público. Na contestação, a Standard Verlags GmbH sustentou que o artigo não havia retratado o reclamante como responsável pelas perdas, mas sim como “bode expiatório”. O interesse público da divulgação do seu nome superaria seus interesses privados já que ele ocupava uma posição de liderança no banco e não havia, além disso, uma conexão com a esfera política por conta da participação de seu pai como exmembro do Conselho Estadual de Finanças (Finanzlandersrat). Além disso, o artigo havia informado sobre a questão de uma maneira neutra. Por acórdão de 18 de julho de 2006, o Tribunal Regional Criminal de Viena (Landesgericht für Strafsachen) indeferiu o pedido do Sr. Rauscher. Ele observou que o reclamante havia sido chefe do Departamento do Tesouro do Banco Alpe-Adria, que teve perdas entre 288 e 328 milhões de Euros em 2004. O Tribunal também observou que o artigo que informou sobre as investigações de peculato, promovidas pelo Ministério Público, e mencionou o nome completo do requerente, como a pessoa que estava sendo acusada de ser o responsável por essas perdas, continha a informação de que o requerente era suspeito da prática de um crime. O Tribunal Regional observou que a seção 7 § 1º. Da Lei de Mídia requer um sopesamento (ponderação) entre o interesse do requerente de proteção de sua identidade contra sua publicação e o interesse público de sua publicação. Foi observado ainda que o requerente, que havia perdido o emprego no Banco Hypo Alpe-Adria, estava desempregado. A citação de seu nome no contexto do escândalo das especulações como sendo suspeito de haver cometido crime de apropriação indébita foi, certamente, prejudicial para o seu desenvolvimento profissional na acepção da seção 7 § 2º. (2) da Lei de Mídia (Mediengesetz). No entanto, deve-se presumir que o cargo ocupado anteriormente pelo Sr. Rauscher no Banco Hypo Alpe-Adria era conhecida no meio bancário e nos círculos de negócio mesmo sem a publicação do seu nome no der Standard. Restou sem ser examinado se houve ou não um superior interesse público na divulgação do nome do requerente. O tribunal observou que ouviu o requerente na condição de testemunha e teve – com base em suas conclusões – constatado que foram estabelecidos os seguintes fatos: 45% do Banco Hypo Alpe-Adria era de propriedade do Estado de Kärnten (Caríntia). Entre maio e novembro de 2004 o banco teve prejuízos de 288 a 328 milhões de Euros, como resultado de especulações cambiais. O requerente havia sido o chefe do departamento de tesouraria do banco de 1996 a 2006, quando pediu demissão. Na qualidade de chefe da tesouraria, ele teve que autorizar ou recusar tais operações com moedas estrangeiras. As perdas, desta forma, ocorreram sob sua responsabilidade. Ele só estava abaixo do conselho executivo do banco, que consistia em três membros. O pai do reclamante havia sido membro da Secretaria Estadual de Finanças desde 1996. Enquanto o requerente era chefe da tesouraria, seu pai havia sido membro do conselho de supervisão do banco. O Tribunal Regional reconheceu que o requerente, embora tenha sido um alto funcionário do banco, não era uma figura pública. Dessa forma ele não tinha uma “posição de destaque na sociedade” nos termos do §1º., seção 7, da Lei de Mídia, o que não justificaria a publicação do seu nome. Nem mesmo o fato de seu pai haver ocupado tal cargo, justifica a divulgação do nome do requerente. Não obstante, o Tribunal Regional considerou que havia uma ligação entre a atividade profissional e vida pública para os efeitos da seguinte disposição: Como o Estado era dono de 45% do banco, o Estado e, consequentemente, os contribuintes teriam que arcar com uma considerável parte do prejuízo. O requerente havia ocupado um cargo de liderança, sendo responsável pelo departamento que havia causado os prejuízos. O público, ou em outras palavras os contribuintes, tinham, assim, reconhecido interesse em receber informações acerca dos responsáveis pelas enormes perdas. Por conseguinte, der Standard tinha sido autorizado a mencionar o nome do requerente. Em 14 de fevereiro de 2007, o Tribunal de Recursos de Viena (Oberlandsgericht) julgou procedente o recurso do requerente e condenou a Standard Verlags GmbH a as custas processuais e 5.000,00 (cinco mil) Euros para o requerente como reparação. O Tribunal de Recursos considerou que o Tribunal Regional havia sopesado erradamente os interesses em conflito na questão. O simples fato de que o público tivesse o direito de ser informado sobre o crime que estava sendo investigado, não justifica necessariamente a divulgação do nome de um suspeito. Quando o artigo do der Standard foi publicado as investigações no Hypo Alpe-Adria haviam somente começado e o processo contra o Sr. Rauscher sequer havia sido aberto. De fato o artigo informou que ele estava sendo incriminado por um membro do conselho executivo e o conselho supervisor do banco. Embora o público tivesse um legítimo interesse na divulgação do nome do requerente, restou a impressão de que seu nome foi divulgado para fazer uma conexão com seu pai, que era ex-membro do Governo Estadual, a fim de instigar a curiosidade dos leitores e para contar uma boa “estória”. III.2.3 Processo no âmbito do TEDH Diante do ocorrido, a Standard Verlags GmbH (empresa limitada, com sede em Viena) apresentou, em 03 de agosto de 2007, uma queixa junto ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, alegando, sob o Artigo 10 da convenção45 que o julgamento do Tribunal de Recursos de Viena, de 14 de fevereiro de 2007, violou seu direito à liberdade de Expressão. 45 Art. 10º da CEDH: “Liberdade de expressão 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou idéias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.” BIBLIOGRAFIA DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2ª. Ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2009. KLABBERS, Jan; PETERS, Anne; ULFSTEIN, Geir. The Constitutionalization of International Law. New York: Oxford University Press, 2009. 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