Com o desenvolver da Idade das Luzes, a perspectiva de estudo e

Transcrição

Com o desenvolver da Idade das Luzes, a perspectiva de estudo e
ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO RIO GRANDE DO SUL
CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA
GUSTAVO ANDRÉ OLSSON
APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE A ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO E O REFLEXO DESTA SOBRE A AUTONOMIA DO DIREITO
Monografia realizada em atendimento a
requisito para obtenção do grau em
cumprimento ao III nível do Curso de
Preparação à Magistratura, sob a
orientação do Professor Mestre Plínio
Saraiva Melgaré.
Porto Alegre
Abril - 2008
GUSTAVO ANDRÉ OLSSON
APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE A ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO E O REFLEXO DESTA SOBRE A AUTONOMIA DO DIREITO
Monografia do Curso de Preparação à
Magistratura
Para obtenção de grau no 3° Nível do Curso
de Preparação à Magistratura
Escola Superior da Magistratura - AJURIS
Direito e Economia
Orientador: Plínio Saraiva Melgaré
Porto Alegre
2008
GUSTAVO ANDRÉ OLSSON
APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE A ANÁLISE ECONÔMICA DO
DIREITO E O REFLEXO DESTA SOBRE A AUTONOMIA DO DIREITO
Monografia do Curso de Preparação à Magistratura
Para obtenção de grau no 3° Nível do Curso de
Preparação à Magistratura
Escola Superior da Magistratura - AJURIS
Direito e Economia
Data da aprovação: ____________________________.
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
RESUMO
Este trabalho apresenta uma exposição panorâmica sobre os conceitos,
significados e objetivos da Análise Econômica do Direito. Aborda a opinião da doutrina
norte americana e a maneira pela qual tais idéias são traduzidas pela doutrina brasileira
especializada. Ao mesmo tempo em que o assunto é exposto, são discutidas algumas
críticas que pairam sobre a aplicação e compatibilidade daquela forma de pensar com o
Sistema Jurídico brasileiro, tais como a noção de eficiência, os problemas
informacionais e o delineamento que as funções do Direito e a evolução humana trazem
à aplicação da juridicidade. A verificação da compatibilidade das ideais é indispensável
atualmente, uma vez que a aplicação do Direito no Brasil se dá por intermédio de uma
mecânica diferenciada em relação ao sistema jurídico dos Estados Unidos da América.
Como pano de fundo, o trabalho analisa os efeitos que a Análise Econômica do Direito
acarreta na autonomia da Ciência Jurídica e sua evolução, assim como a relação dessa
com a Ciência Econômica.
Palavras-chave:
Análise Econômica do Direito – doutrina norte-americana – doutrina brasileira –
críticas – compatibilidade – sistema jurídico – autonomia – direito – ciência jurídica
ABSTRACT
This study intends to present a panoramic exposition of concepts, meanings and
objectives of Economic Analysis of Law. It involves itself with the mainstream of North
American doctrine on the subject and the way such lines of thought are translated by
Brazilian specialized doctrine. Alongside the exposition of the subject matter there are
to be discussed some criticisms on the application and compatibility of that line of
thought to the Brazilian juridical system, as the issues of the efficiency notion, the
informational problems, and the impacts that law roles and human evolution bring about
application of law or law-abidingness. Nowadays, it is essential to drew a comparison
between these both lines of thought because the application of law in Brazil and in the
United States of America are headed by different logics in their juridical systems. In the
background, the study also analyses the way Economic Analysis of Law theories effects
into the issues of scientific autonomy of Juridical Science and its evolution, as well its
relations to Economical Science.
Keywords:
Economic Analysis of Law - North American doctrine - Brazilian doctrine criticisms - compatibility - juridical system - autonomy - Law - Juridical Science
Agradecimentos
Agradeço ao meu glorioso Professor Plínio Melgaré... pelo
incomparável suporte... pelas lições valiosas... como
orientador do trabalho... como professor da Escola
da Magistratura... e, agora, como um grande amigo...
Agradeço ao apoio eternamente incondicional daqueles que
fazem parte da minha família (ainda que não
biológica, como os amigos e meu colega-sócio de
advocacia, Alexandre)...
Agradeço a todos aqueles que dedicam parte de suas vidas
estudando e tentando compreender melhor as mais
diversas facetas de nossa sociedade... curiosos
pesquisadores...
Agradeço ao Deus que me acolheu... além dos motivos por
ele já conhecidos, por ter feito este mundo tão
complexo... e interessante de se viver...
“Quando enxergou Alice, o Gato se limitou a dar um largo
sorriso. Ele parecia ter um bom caráter, pensou ela: também tinha
garras muito cumpridas e muitos dentes avantajados; assim, ela sentiu
que o gato deveria ser tratado com respeito.
- ‘Gatinho de Cheshire’, começou ela de forma bem tímida, uma
vez que não tinha certeza se ele gostaria de receber esse tratamento:
no entanto, o gato apenas alargou um pouco mais o seu sorriso.
‘Parece que até agora só ficou mais contente’, pensou Alice, e
continuou. ‘Poderia me indicar, por favor, o caminho que devo pegar
para sair daqui?’
- ‘Depende muito do lugar para o qual você gostaria de ir’,
respondeu o Gato.
- ‘Eu não me importo muito para onde...’, disse Alice. - ‘Então
não importa muito qual o caminho que você seguir’, disse o Gato.
- ‘... desde que eu chegue em algum lugar’, complementou Alice.
- ‘Ah, certamente chegará em algum lugar’, disse o Gato, ‘basta você
caminhar o suficiente’.” (tradução livre de parte do Capítulo VI da
obra Alice’s Adventures in Wonderland, de Lewis Carrol)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 09
1
APANHADO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NA
DOUTRINA INTERNACIONAL........................................................................... 14
1.1 RICHARD POSNER…………………………………………………...………… 18
1.2 STEVEN SHAVELL............................................................................................... 24
1.3 ROBERT COOTER E THOMAS ULEN……………………………………...…. 26
2
APANHADO SOBRE A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO
BRASIL E DISCUSSÕES ACERCA DE SUA APLICABILIDADE................... 32
2.1 ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO................................................................................ 32
2.2 RELAÇÃO DIREITO TRIBUTÁRIO, CONTRATOS E ECONOMIA................ 41
2.3 PROPRIEDADE E SUA ANÁLISE ECONÔMICA.............................................. 46
2.4 CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA, RESPONSABILIDADE CIVIL E
ECONOMIA............................................................................................................. 53
2.5 DIREITO E ECONOMIA SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DOS
SISTEMAS DE CRISTIANO CARVALHO........................................................... 57
3
APANHADO DE PROBLEMAS E CRÍTICAS SOBRE A ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO...................................................................................
69
3.1 UMA CRÍTICA DE RONALD DWORKIN............................................................ 69
3.2 QUESTIONAMENTOS SOBRE POSTULADOS DA ECONOMIA.....................77
3.3 DAS FUNÇÕES DO DIREITO.............................................................................. 90
3.3.1 Do Funcionalismo Sociológico............................................................................ 90
3.3.2 Do Funcionalismo Jurídico ao Jurisprudencialismo........................................ 98
3.4 PAPEL DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO..........................................104
CONCLUSÃO............................................................................................................. 112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 117
9
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa intenta compilar um apanhado de idéias a respeito dos
problemas e de críticas doutrinárias relacionadas com a Análise Econômica do Direito.
A Análise Econômica do Direito tem sido constantemente reconhecida por uma
abordagem realista e vantajosa em relação a assuntos jurídicos, tanto no Brasil, como no
estrangeiro. No entanto, algumas questões dentre os pontos indicados como vantajosos
não foram submetidos de forma insistente a juízos críticos, sobretudo no que tange à
compatibilidade com o Sistema Jurídico brasileiro, de mecânica distinta daquele no qual
a “teoria” gestou.
Os questionamentos desses pontos geram um resultado duplo: demonstram a
existência de inconvenientes graves e reforçam as benesses do emprego da Law &
Economics (o que o texto sequer poderia ter a pretensão de negar).
Outra motivação para o trabalho consiste no fato de as críticas estarem
apresentando um pequeno impacto prático: a Análise Econômica do Direito vem se
reforçando e ganhando espaço na aplicação do Direito. É uma realidade que
praticamente desconsidera as críticas (que também não se avolumam). Muitas das
discussões da vida, se não a grande parte, são consideradas pelo viés econômico.
Assim, a pesquisa transita em torno da circunstância de que, na aplicação
contemporânea do Direito, encontra-se o emprego de uma forma diferenciada de pensar:
analisam-se os fatos por intermédio de seu viés econômico, a partir das conseqüências
econômicas das decisões jurídicas. De forma mais corriqueira, embora não tenha
ligação direta com nenhuma linha político-ideológica (pelo menos esse é o discurso
prevalente), tal pensamento seria resumido num raciocínio economicista conhecido
como “custo-benefício”, já empregado na vida prática do ser humano. Busca-se
verificar qual dentre as alternativas possíveis oferece o menor custo monetário para o
maior número de vantagens (“eficiência”, maximização da riqueza). Essa é uma noção
básica, instrumentalizadora de uma análise econômica.
10
A abordagem Direito e Economia busca uma conexão íntima com a realidade, ao
adotar como pressuposto a dependência que a geração de riqueza detém na atualidade
das negociações e trocas existentes no mercado, o qual, por sua vez, é regulado por
normas legais e apresenta forte ligação com a atuação do Poder Judiciário (e poder
político), ao intervir na solução dos conflitos. Assim, a qualidade legislativa e a
compreensão dos fenômenos econômicos pelos juízes modifica a mecânica de criação
de riquezas nos mercados. Por isso, há o interesse em interpretar/direcionar a legislação
e orientar a atuação dos operadores jurídicos no sentido de tornar o sistema legal um
meio de garantir o bom funcionamento do mercado e o desenvolvimento das
sociedades, deixando sua lógica semelhante àquela prevalentemente adotada na solução
dos problemas na vida social.
As correntes de pensamento estrangeiras pretendem a análise das conseqüências
das decisões jurídicas e uma aplicação do Direito com maior eficiência no mundo
globalizado. É uma tentativa de compreender melhor os reflexos da globalização e
permitir o ingresso da lógica econômica – que rege o mercado – no Direito, como
estratégia para não deixá-lo alheio à realidade. Enquanto este reconhecer a lógica
“regente da vida em sociedade”, se manteria ou estaria bem instrumentalizado para
solucionar as questões modernas, mais adaptado para compreender e controlar as ações
dos agentes, sempre econômicos.
A questão, contudo, e é o que traz relevância ao trabalho, está em saber qual o
reflexo desse pensamento, ainda incipiente no Brasil, na doutrina e na sociedade.
Estudar os reflexos sociais de uma linha de concretização do Direito que, na aparência,
olvidaria outros caracteres que circundam o fenômeno da juridicidade e da
normatividade, como a ética, a religião, por exemplo.
O nascimento das discussões que atualmente se travam a respeito da Law &
Economics advêm especialmente desde a obra The Nature of the Firm, de 1937, de
Ronald H. Coase, embora tenha se encorpado após The Problem of Social Cost, em
1960, do mesmo autor. Àquele momento, reconheceu-se que as atividades e a
organização dos agentes atuantes no mercado são influenciados pelos custos de
transação. Logo, uma análise econômica poderia ser útil na determinação (e
planejamento) das formas organizacionais e das instituições existentes na sociedade.
11
Os debates foram ampliados com diversos outros estudiosos, como Aaron
Director, Armen Alchian, Harold Demsetz, Guido Calabresi, Trimarcchi, Douglas
North, Oliver Williamson, Gary Becker, Henry Manne, Richard Posner, George Stigler,
Steven Medema, Roobert Cooter, Thomas Ulen, assim como dividiu-se o tema em
correntes de pensamento. A divisão propriamente dita, assim como as diferenças
estruturais entre as escolas teóricas não apresentam relevância para este trabalho, que se
preocupa especialmente com a corrente genérica do Direito e Economia.
Em razão de parte do objetivo deste trabalho ser a compreensão do significado
da Análise Econômica do Direito, selecionou-se estudiosos estrangeiros que freqüentam
academias diferentes, adotando-se, por exemplo, Richard Posner (Escola de Chicago),
Robert Cooter (Berkeley), Thomas Ulen (Illinois), Oliver Williamson (Berkeley –
Economia dos Custos de Transação) e Steven Shavell (Harvard), na intenção de
apresentar idéias mais amplas e diversificadas sobre o fenômeno.
Evidentemente, há outros pesquisadores alienígenas de elevada importância,
como Ronald Coase, não trazido diretamente no trabalho, porque também classificado
como membro da Escola de Chicago, e, principalmente, porque, como precursor,
acabou sendo diretamente considerado pelos demais. Exemplo manifesto disso é a idéia
de custos de transação, assunto originariamente desenvolvido por Coase e,
posteriormente, discutido praticamente pela unanimidade dos pesquisadores.
Sob o ponto de vista da doutrina nacional, os pesquisadores fazem interessantes
desenvolvimentos e traduções dos conteúdos básicos apreendidos de tais autores.
Evidentemente, também há casos de mera reprodução das lições.
A noção que este trabalho pretende assumir do material selecionado e
pesquisado consiste, inicialmente, num verdadeiro panorama da Análise Econômica do
Direito. Perquirir sobre seu significado teórico e suas formas de aplicação prática,
buscando sempre vislumbrar as conseqüências que tal abordagem da juridicidade
acarreta no meio social.
Em outras palavras, pretende-se verificar se a concretização do Direito a partir
dessa racionalidade é capaz de solucionar os conflitos sociais ou, tão-somente,
equaciona problemas de administração, de política e de administração judiciária.
12
Pergunta-se se o elemento gerador do conflito é alcançado por essa forma de pensar e
aplicar o Direito ou apenas se soluciona uma lide formalmente, já que nem todos os
conflitos são econômicos.
Há interesse em se perguntar igualmente sobre a viabilidade da aplicação de uma
análise econômica do Direito em nosso sistema, e, sendo possível, a possibilidade de
sua aplicação “isolada” ou quais os requisitos para uma boa concretização do ideário.
A doutrina também busca compreender o fenômeno da Análise Econômica do
Direito como uma teoria com um foco muito mais amplo, afastando-se do ponto de vista
dos problemas meramente individuais, uma vez que seria logicamente factível que em
uma economia globalizada as conseqüências das decisões jurídicas tragam
interferências em uma gama complexa de relações. Essa forma diferenciada de pensar
poderia trazer a segurança, a previsibilidade e outras vantagens necessárias para o bom
funcionamento do mercado e da vida moderna. Entretanto, normalmente não se
pergunta pelos limites possíveis para o afastamento.
A utilização de instrumentos econômicos na aplicação do Direito, em que pese a
idéia de manter a juridicidade fixada na realidade prática, perpassa inexoravelmente
pela discussão do papel que o Direito possui em nossa sociedade.
Assim como a Economia, a normatividade jurídica é um fruto social e por ela é
guiada. E, na proporção que a vida social é profundamente influenciada pela Economia
e existe essa tentativa de trazer a Economia para “dentro” do Direito, é indispensável
discutir se não haveria uma ingerência indevida do “mercado” na “juridicidade estatal”.
Em princípio, o Direito também se preocupa com outros fatores sociais, além
dos econômicos, e, quando se pretende transplantar as suas córneas para enxergar as
coisas com o colorido econômico, poderia existir uma indevida manipulação. Portanto,
as discussões gravitam evidentemente a autonomia da Ciência Jurídica e sua produção,
Direito.
A importância de se discutir a autonomia do Direito é patente: é a garantia
outorgada ao Sistema Jurídico para que não ceda às expectativas dos demais sistemas,
como a moral, a religião, a economia. É, em última análise, a garantia de perpetuidade
13
das conquistas humanas realizadas, não suprimíveis ou alteráveis, sob pena de violar a
noção de Direito e de dignidade do homem. É, também, garantia de separação da
política.
Em relação aos aspectos metodológicos da pesquisa, o assunto será abordado
principalmente pelo método dialético. No caso, será buscada uma análise do discurso
empregado para legitimar a concretização das normas jurídicas pelo viés economicista e
o reflexo de sua aplicação na sociedade brasileira para verificar se há correlação entre os
meios discursivos empregados e os fins práticos atingidos, assim como o reflexo
causado no âmbito da juridicidade.
O procedimento é eminentemente funcionalista, pretende verificar se a aplicação
da Análise Econômica do Direito não atrapalha as principais funções do Direito, como a
de pacificar a sociedade. Em outras palavras, se a abordagem proposta não interfere nas
clássicas funções do Direito, além de questionar se alcança os seus próprios objetivos.
Assim, eminentemente bibliográfica e documental, a pesquisa procura amparo
em escritos nacionais e estrangeiros sobre o tema, intentando estabelecer o máximo
possível de fidelidade em relação ao conteúdo da abordagem compreendida como
Análise Econômica do Direito. O método interpretativo pretende ser o dedutivo e
comparativo, segundo os quais, inicialmente pretende-se compreender as noções gerais
dos ensinamentos doutrinários e, posteriormente, buscar as conseqüências e dificuldades
de sua aplicação prática no Brasil. Contudo, por vezes, realizar-se-á a análise de um
elemento prático trazido pela doutrina, levando-o para a generalidade das teorias
jurídicas e econômicas. Método indutivo, portanto.
14
1. APANHADO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NA DOUTRINA
INTERNACIONAL
Com o desenvolver da Idade das Luzes, a perspectiva de estudo e de análise do
Direito se modificou. A razão humana seria capaz de criar e de explicar a totalidade das
coisas. Assim, se tornara possível a perspectiva de verdadeiramente se projetar e de se
construir racionalmente um mundo, no sentido mais amplo ao qual essa expressão pode
ser levada.
Ao Direito, se outorgou a pretensão de objetividade: suas emanações viriam de
forma completa e exclusiva das leis, que deveriam ser aplicadas pelo jurista de forma
puramente dedutiva.
Posteriormente, no âmbito do jurídico-filosófico, houve o reconhecimento de
que o normativismo jurídico, cuja pretensão era de ser um sistema “puro”, alheio às
interferências externas, não poderia prosperar. A autonomia objetiva das normas
prévias, que seriam aplicadas por intermédio do raciocínio dedutivo, não foi capaz de
solucionar os problemas ocorridos na sociedade: estes insistiam em não se adequar às
previsões normativas prévias e abstratas, de forma que o direito acabava por permanecer
alheio à parcela dos problemas sociais, políticos, econômicos, além de desconsiderar a
própria evolução humana. Ademais, historicamente, se sobressaíram grandes
arbitrariedades tomadas em nome da aplicação da lei (como o nazismo ou fascismo),
transparecendo a inadequação do Direito à vida social.
(...) as normas e as leis costumam ser eficazes quando encontram na
realidade por elas regulada as condições sociais, econômicas, políticas,
culturais, ideológicas e até mesmo antropológicas para seu enforcement, para
seu reconhecimento, para sua aceitação e para seu cumprimento por parte de
seus destinatários.1
A disjunção entre a realidade e o sistema jurídico aflorou com incontestável
claridade a circunstância de que “inexiste pureza no direito”2. O descontentamento em
relação ao Direito nada mais indicava que aquele verdadeiramente não estava de acordo
1
2
FARIA, José E. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 124.
CALMON DE PASSOS, Joaquim J. Democracia, Participação e Processo. Revista Ciência Jurídica,
Salvador, ano I, n.° 6, p. 13-24, jun. de 1987, p. 13.
15
com a realidade social para a qual deveria estar direcionado; precisava, pois, de
adaptações, haja vista que nem mesmo os expedientes das lacunas e das cláusulas gerais
eram suficientes: o sistema se direcionava para uma hermeticidade, ocorrendo um
isolamento da normatividade em relação à realidade social.
As adaptações consistiam em trazer para dentro do sistema jurídico os valores e
a “realidade” existente em seu entorno, a qual pretende regular eficientemente. Isso não
significa uma novidade histórica, porque, com os grandes acontecimentos históricos da
humanidade, ao longo de seu desenvolvimento, as normas jurídicas foram sempre sendo
adaptadas, no intuito de melhorar sua aplicabilidade-efetividade.
Entretanto, nesse momento histórico (especialmente no século XX, embora as
idéias funcionalistas já estivessem presentes nos meados do século XIX), passa-se a
questionar qual a direção que o sistema jurídico detém3.
As normas jurídicas, sob o ponto de vista estatal, provêm do Poder Legislativo,
como resultado de embates políticos realizados por representantes eleitos para a função.
O poder político, a meu sentir, é conseqüência da escassez dos bens
disponíveis para satisfação das necessidades experimentadas pelos homens,
somada à interdependência que a apropriação e produção dos bens
necessários à satisfação dessas necessidades acarreta.4
As escolhas são efetuadas pelos representantes dos interesses da maioria, o que é
fundamental para garantir a legitimidade das decisões políticas. E, “o instrumento de
que se vale o poder político para assegurar a efetividade do modelo adotado é o
direito”5. Este, por sua vez, garante a força das decisões da maioria, porquanto escorado
e amparado pelo poderio do Estado.
A partir do completo esclarecimento de que o sistema jurídico também seria um
meio para direcionar a sociedade (porque bastava nele incluir normas referentes às
intenções-decisões políticas, aos fins econômicos imaginados-pretendidos), forçando
modificações na realidade sensível, perscrutou-se sobre dois novos problemas: para
3
4
5
Sobre o desenvolver dos modelos de juridicidade, ver: MELGARÉ, Plínio Saraiva. Juridicidade: sua
compreensão político-jurídica a partir do pensamento moderno-iluminista. Stvdia Ivridica, n.º 69.
Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2003.
CALMON DE PASSOS, Joaquim José. Democracia, Participação e Processo. Revista Ciência
Jurídica, Salvador, ano I, n.° 6, p. 13-24, jun. de 1987, p.14.
Idem, p.15.
16
onde o Direito deveria levar o corpo social e se o estabelecimento de uma direção para a
sociedade também seria uma verdadeira função da juridicidade. Em suma, qual desses
valores deveriam prevalecer e se o Direito (e a Ciência Jurídica) não deveria subsistir
com uma autonomia científica, se é que existia.
O movimento que se formou foi classificado posteriormente como
“funcionalista”, já que as normas jurídicas passam a ser um instrumento finalístico,
transformando o Direito “em um meio para alcançar determinados e específicos
objetivos”6. Assim, o Direito é formado por fins que não estariam dentro do próprio
sistema, mas que passam a condicioná-lo e em relação aos quais deve se submeter: “o
mundo jurídico é compreendido como uma estratégia político-social, teleologicamente
programada”7. O Direito como “ingenieria social”, de Roscoe Pound8.
Para Castanheira Neves, a mudança que fez o homem enxergar o mundo por
intermédio de sua razão, também provocou uma modificação no comportamento
humano, agora desvinculado do bem, do justo, do válido; ligado ao útil, ao eficiente e
ao desempenho. O homem deixou de ser contemplativo, oportunidade em que desejava
a verdade e o conhecimento teórico para alcançar sua plena realização e felicidade,
passando a ser um agente criador de sua própria ciência e do progresso. “Um homem,
pois, senhor de seu destino”9.
Igualmente em relação a qualquer outro objeto possível e existente na sociedade,
o Direito também poderia ser construído para alcançar uma finalidade. O sistema
jurídico é conscientemente transmudado em um instrumento. A relevância de tal
transformação
foi
encontrada
por
Castanheira
Neves
ao
verificar
que
a
instrumentalização do jurídico terminou ingerindo na própria autonomia do Direito
como ciência.
Entrementes, politicamente foi instalado o sistema do bem-estar social, wellfare
state, aquele que seria capaz de levar a sociedade a atingir seus fins últimos. Contudo,
6
7
8
9
MELGARÉ, Plínio Saraiva. A Autonomia do Direito: apontamentos acerca do funcionalismo jurídico.
Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 27, n. 85, p. 337-49, mar. 2002, p. 338.
Idem, ibidem.
POUND, Roscoe. Las Grandes Tendencias Del Pensamiento Jurídico. Barcelon: Ediciones Ariel,
1950, p. 187 e seguintes.
CASTANHEIRA NEVES, António. O Direito Hoje e com Que Sentido? Lisboa: Instituto Piaget,
2002, p. 35.
17
ocorreu um imprevisto: a sociedade não possui um pleno consenso sobre os meios
capazes de atingir os fins (isso considerando que estes são conhecidos e que também
inexiste divergência a respeito de qual priorizar).
Assim, descobriu-se que, embora o Direito deva estar fortemente conectado à
realidade, “o resultado dessa estratégia acaba sendo um círculo crescentemente vicioso e
paradoxal:”10
Quanto mais procura disciplinar e regular todos os espaços,
dimensões e temporalidade do sistema sócio-econômico, menos o Estado
intervencionista parece ser capaz de mobilizar coerentemente os instrumentos
normativos de que formalmente dispõe; quanto mais normas edita para
dirimir conflitos, mais os multiplica, na medida em que a linguagem
pretensamente unívoca e unitária de seus textos legais se torna prolixa,
ambígua, declamatória e programática; quanto mais expande a legislação,
mais a liberdade jurídica acaba acarretando menos liberdade (concebida esta
como o âmbito do que não é limitado pelo direito, ou seja, do permitido);
quanto mais seus dirigentes e seus legisladores ampliam o número de leis,
códigos, decretos, portarias, resoluções, instruções e textos legais, mais, em
suma, acabam acelerando o esvaziamento da própria funcionalidade do
direito. A ponto de o sistema jurídico, assim desfigurado, já não conseguir
diferenciar-se do próprio sistema político.11
E, dentro dessa realidade funcionalista, sumariamente exposta até o momento,
cientificamente despontaram diversas correntes de pensamentos. Porém, dentre os
modelos funcionalistas, pela extensão que este trabalho pretende assumir, pertinente é,
tão-somente, o funcionalismo social em sua matriz econômica, representado de forma
expressiva pelo movimento da Análise Econômica do Direito (Law and Economics)12.
O sistema jurídico passa a ser submetido a uma idéia de otimização dos
10
11
12
FARIA, José E. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 128.
Idem, ibidem.
“A história do desenvolvimento da Análise Econômica do Direito é usualmente contada sob a
perspectiva de uma sensível separação entre um primeiro período de pesquisas, compreendido entre
1940 e 1950, e a fase instaurada a partir de 1960, que veio hoje a refletir o núcleo central de trabalho da
Escola da Law and Economics. Ressalta-se que a ‘velha’ Escola centrava seus estudos em campos do
Direito eminentemente ligados à economia, tais como o Direito Antitruste, o Direito Comercial, o
Direito da Regulação e o Direito Tributário, mas que em 1960, uma ‘nova’ Escola rompe com essa
tradição, ao utilizar a análise econômica para explicar e criticar regras legais que não tão obviamente
comportavam uma dimensão econômica, como, por exemplo, as regras contratuais, regras de
responsabilidade civil, e, até mesmo, regras de Direito Penal e Processual. Essa separação entre a
‘velha’ e a ‘nova’ Escola, entretanto, não deve ser entendida como uma ruptura, mas sim como um
desencadeamento lógico da primeira em direção à segunda, como se demonstrará”. COELHO,
Cristiane de Oliveira. A Análise Econômica do Direito enquanto Ciência: uma explicação de seu
êxito sob a perspectiva da História do Pensamento Econômico. Berkeley Program in Law &
Economics. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual
Papers (paper 050107-10). Disponível em: <http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050107-10/>.
Acesso: 13 out. de 2007.
18
resultados (medido pelo raciocínio custo-benefício, eficiência), “e não em axiológicas
valorações da ‘Justiça’”13. É pensado pelo critério da maximização da riqueza:
mecanismo que, mediante a redução dos custos operacionais, busca facilitar as
transações e elevar a riqueza total da sociedade.
Há, portanto, um pressuposto necessário para tal viés analítico: a existência de
um mercado econômico. Como conseqüência, a realidade novamente não pode ser
esquecida pelo Direito, “sob pena de prejuízos à organização e ao funcionamento da
própria sociedade – que, pelo menos desde o século XVII, organiza-se sob esta forma
(ou ‘modo’) de produção e de consumo”14.
Desse modo, o mercado como hoje o conhecemos, portanto, existe
como fato social e não como construção jurídica. Trata-se de uma instituição
social das mais relevantes, porque é resultado de um longo e complexo
espontâneo processo de divisão do trabalho social, do qual resultou a
sociedade atual: diversificada e heterogênea, como lembrava Durkheim. Em
síntese, ninguém é mais auto-suficiente; todos precisam trocar bens e
serviços.15
1.1 RICHARD POSNER16
Dentre os estudiosos dessa corrente de pensamento, está Richard Posner, um dos
mais conhecidos doutrinadores, em especial pelo seu reconhecimento como juiz da
United States Seventh Circuit Court of Appeals e pela característica didática de uma de
suas obras, a “Economic Analysis of Law”, publicada inicialmente em 1973.
Afirma o autor que, atualmente, a Economia é concebida, assim como a obra
desta, como a ciência da escolha racional em um mundo no qual os recursos são
limitados em relação aos desejos humanos17. O homem, em sua vida, é um maximizador
13
14
15
16
17
CASTANHEIRA NEVES, António. O Direito Hoje e com Que Sentido?. Lisboa: Instituto Piaget,
2002, p. 45.
MACHADO, Rafael Bicca; TIMM, Luciano Benetti. Direito, Mercado e Função Social. Revista da
AJURIS, Porto Alegre, v. 33, n. 103, p. 197-209, set. de 2006, p. 199.
Idem, ibidem
As divisões aqui propostas não são estanques, de forma que foram realizadas por um critério de
preponderância em relação aos argumentos dos autores indicados. Assim, nas demais subdivisões
também são encontrados outros argumentos de Richard Posner, por exemplo.
POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 7. ed. New York: Aspen Publishers, 2007, p. 03.
19
racional de seus fins, porque possui desejos infinitos e meios limitados para alcançá-los.
Entretanto, alerta Posner, dizer que o homem realiza escolhas racionais não se
confunde com cálculos conscientes, mas com respostas a incentivos: se o meio em que a
pessoa está é alterável de forma que possa elevar o nível de satisfação daquela, a pessoa
o modificará18. Aduz que a racionalidade sob a ótica dos economistas é considerada
eminentemente pelo viés objetivo (embora também não se desconsidere o subjetivo), de
forma que não seria equivocado falar em uma rã racional. Explica que a racionalidade é
vista mais como a habilidade de utilizar a razão como um instrumento para se manter
vivo, o que inclui decisões intuitivas19. Em outras palavras, “Economia não é uma teoria
sobre consciência. O comportamento é racional quando está em conformidade com o
modelo da escolha racional, independentemente do estado de consciência daquele que
escolhe”20.
De fato, a aproximação entre o Direito e a Economia consistiria em
instrumentalizar aquele com ferramentas há muito utilizadas por esta, quando busca
explicar o desenvolvimento da riqueza e parte do comportamento humano. A idéia seria
deixar os aplicadores do Direito conscientes do funcionamento da lei da demanda e da
oferta, do conceito de custo (de transação)21, da “eficiência”, do valor das trocas, do
mecanismo de elevação dos preços (da microeconomia, em geral), permitindo um
conhecimento e uma percepção diferenciados das situações práticas, talvez até mais
consentâneos com a nossa realidade, ligada inexoravelmente ao mundo econômico.
18
19
20
21
Idem, p. 04.
Assim consta no original: “But the contradiction is lessened when one understands that the concept of
rationality used by the economist is objective rather than subjective, so that it would not be a solecism
to speak of a rational frog. Rationality means little more to an economist than a disposition of choose,
consciously or unconsciously, an apt means to whatever ends the chooser happens to have selected,
consciously or unconsciously. In other words, rationality is the ability and inclination to use
instrumental reasoning to get on in life. It does not assume consciousness (rational decisions are often
intuitive).” POSNER, op. cit., p. 15.
Tradução livre de: “Economics is not a theory about consciousness. Behavior is rational when it
conforms to the model of rational choice, whatever the state of mind of the chooser”. Ademais, assim
prossegue o autor: “(Does this mean that animals are rational?) Nor is perfect rationality assumed;
rational-choice, theory allows us to assume that rationality is ‘bounded’ because of human cognitive
limitations, although another way to think of those limitations is as costs of absorbing and using
information.” POSNER, op. cit., p. 03.
“Pueden considerarse tales: el costo de tomar la iniciativa de negociar con otro, el de identificar a
todas las partes involucradas en el conflicto, el de comunicarse con ellos, el que resulte de la
negociación, el de la obtención de información sobre precios y calidad; la información legal; el
control del comportamiento de los contratantes.” LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoría de la Decisión
Judicial: fundamentos de derecho. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 234.
20
O pressuposto é de que a racionalidade humana busca maximizar a utilidade das
coisas em todas as áreas de sua vida, não somente na econômica, o que não é esquecido
pela teoria econômica, cuja preocupação sempre recaiu sobre o fenômeno. O homem
responde aos incentivos: “se as circunstâncias que cercam uma pessoa se modificam de
modo que, pela mudança de seu próprio comportamento, é possível elevar a satisfação
encontrada, ela então irá modificar seu comportamento”22.
Nesse sentido, com algumas adaptações do raciocínio, o sistema normativo pode
ser um incentivador ou intimidador de condutas sociais: previamente se imagina a
conduta desejável (sopesando-se suas conseqüências) e, por intermédio da legislação,
deixa-se evidente qual a atitude pretendida23.
A consideração dessa realidade econômica pelo aplicador do Direito seria viável
na medida em que colabora para a redução de tudo que pode ser interpretado como
“custo” (mesmo não econômico), para o crescimento da riqueza e, por óbvio, da
sociedade, não permitindo que o sistema jurídico se constitua em um entrave para a vida
social (e seu desenvolvimento), importantemente econômica24. Haveria, então, a
vantagem de, com a possibilidade de previsão do comportamento das pessoas, o Direito
ser um meio mais eficaz para a produção da riqueza e do bem-estar social, porque
previamente poderia estabelecer regras em conformidade com as expectativas de
comportamento (mantendo a prevalência daquelas maximizadoras da riqueza).
22
23
24
Do original: “that if a person’s surroundings change in such a way that he could increase his
satisfactions by altering his behaviour, he will do so.” POSNER, Richard A. Economic Analysis of
Law. 7. ed. New York: Aspen Publishers, 2007, p. 04.
“Although the evidence that our cognitive limitations inhibit our ability to make rational choice is
compelling and requires adjustments in the conventional economic choice is compelling and requires
adjustments in the conventional economic analysis of law, there are two reasons to temper enthusiasm
for ‘behavioral law and economics.’ The first is that it leaves out self-selection. Most people are bad at
dealing with low probabilities, but insurance actuaries are not a random draw from the population;
they are self-selected from the subset of people that are good at dealing with low probabilities. Second,
cognitive limitations affect judges, legislators, and other government actors as well as private
individuals – and maybe more so, because they do not have as much at stake, since they are not as
subject to the normal economic incentives and constraints. That limits the policy implications of
behavioral law and economics.” POSNER, op. cit., p. 18.
“Mas de que maneiras as relações sociais estão subordinadas à economia de mercado? É precisamente
o mercado que propicia a socialização entre pessoas que antes não estavam impelidas à interação. É
precisamente esta a particularidade da nossa época, ter no mercado o espaço de socialização entre
estranhos em sociedades que se tornaram mais complexas através da mobilidade social.” SANTOS,
Hermílio. Elementos para uma análise do estado contemporâneo: em torno das políticas públicas. In:
TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 25.
21
Entretanto, a consideração da realidade econômica apresenta utilidade mais
ampla, porque a racionalidade econômica permite ainda uma sagaz crítica à finalidade
de determinada legislação já posta em vigor. Uma análise da legislação permite,
igualmente, a verificação de se a finalidade buscada pela lei será atingida em relação ao
comportamento das pessoas, uma vez que, na prática, o comportamento esperado pode
ser distorcido plenamente25. Em relação ao tema, Posner cita um exemplo sobre a
proibição estabelecida para as faculdades não divulgarem dados de alunos sem a prévia
autorização destes: um aluno que tenha bons conceitos tenderá a conceder a autorização,
porque será um diferencial em relação a outros eventuais concorrentes, enquanto que o
aluno com conceitos próximo à média, ou abaixo dela, tenderá a negar a informação. O
problema é que a legislação serviria para proteger a privacidade, enquanto, na prática,
racionalmente, quando um aluno negar a autorização, é razoável pensar que suas notas
não são excepcionais (ou, até mesmo, são ruins)26, retirando toda e qualquer utilidade da
intentada proteção.
Há, outrossim, uma circunstância de extremo destaque: Posner é um homem
atuante no sistema jurídico da Common Law, com uma cultura (política-jurídicaeconômica) diferenciada daquela vigente na América Latina. Nesse contexto, o
pensador trabalha com uma lógica e supostos razoavelmente divergentes em relação ao
modelo jurídico adotado no Brasil. A pertinência dessa observação está em que, por
força do sistema cultural vigente nos Estados Unidos da América,
[...] ele argumentou que a meta implícita do direito consuetudinário (comum)
era a promoção de uma alocação eficiente de recursos. As doutrinas, recursos
e procedimentos do direito consuetudinário têm como sentido a
compatibilidade na busca da eficiência27.
De qualquer forma, não se pode desconsiderar o sentido que uma análise do
Direito sob a perspectiva econômica atribui a muitos institutos vigentes na legislação,
como a responsabilidade civil (que adota formas diferenciadas dependendo da relação
material existente), a arras, o contrato de garantia, o de seguro, etc. Todos são pensados
mediante a análise do comportamento econômico dos sujeitos.
25
26
27
Sobre o impacto da juridicidade sobre a economia, consultar, entre outros: ARIDA, Pérsio. A Pesquisa
em Direito e em Economia: (...). In: SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito &
Economia: (...). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 60-73.
Exemplo tratado em: POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 7. ed. New York: Aspen
Publishers, 2007, p. 19-20.
STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. São Paulo: Makron Books, 1993, p. 4.
22
No concernente aos contratos, Posner afirma que, em regra, possuem forte
natureza econômica: movimentam e geram riquezas, fixando, obrigatoriamente, parte da
Economia dentro do Direito.
As cláusulas contratuais são manejadas como forma de gerar um estímulo ou um
desestímulo ao seu cumprimento, ao atingimento das expectativas materiais dos
envolvidos. Na linguagem econômica, visam a estabelecer eficiência para a relação28.
Assim, um contrato somente não será cumprido pelos interessados se essa atitude for
mais eficiente em relação ao resultado esperado pelos contratantes mediante o
cumprimento normal (“mais vantajoso para as partes”).
Ainda sobre a questão dos contratos (estendido também para a responsabilização
civil), pode-se dizer que as cláusulas são estabelecidas exatamente sobre os fatores
econômicos das relações (perda-ganho), de forma que buscam estabelecer uma
eficiência econômica na relação entre as partes: no mínimo, não permitindo o prejuízo
de um em relação ao outro (ou à situação anterior ao evento danoso).
É possível trazer um exemplo, elucidativo em relação à eficiência econômica de
um contrato, que considera o instituto aqui conhecido como arras. Perceba-se que um
contratante paga parte do valor do contrato visando a demonstrar sua expectativa
definitiva em relação a seu cumprimento. Na ponta inversa da relação, a outra parte,
para fazer jus à confiança depositada, fica obrigada à devolução do valor pago e o
pagamento de igual quantia no caso de descumprimento do avençado.
28
Aqui pode-se pensar no critério de Pareto, segundo o qual, ao menos originariamente, significa que
encontra-se a eficiência quando nenhuma das partes fica em uma situação pior daquela que estava antes
da relação estudada e pelo menos uma delas recebeu uma melhora por força da relação então
estabelecida (Isso significa que o bens tendem a sair do poder de quem menos os valoriza, passando à
propriedade daquele que mais os valoriza). O problema da aplicação prática de tal critério consiste na
dificuldade de se estabelecer quem ganha ou perde quando há perdas e ganhos múltiplos entre os
envolvidos. Evidentemente, por isso, há outros critérios, como o de Kaldor e Hicks (defendido por
Posner), segundo o qual as normas devem ser postas de forma que tragam o maior bem-estar possível
para o maior número de pessoas. Em razão da dificuldade deste critério em conjugar as duas variáveis,
pensa-se em um mecanismo (ao menos potencial) de compensação entre os que são beneficiados em
relação aos que são prejudicados. A desvantagem, por sua vez, como indicam Cooter e Ulen, é que cada
troca deveria ser realizada com consentimento unânime. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and
Economics. 4.ed. [S.l.]: Person Addison Wesley, 2003. p. 48. Para melhor aprofundamento do assunto,
ver, por exemplo: STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. Tradução de Neusa Vitale. São
Paulo: Makron Books, 1993; POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 7. ed. New York:
Aspen Publishers, 2007; SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: SZTAJN, Rachel e
ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das
Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
23
Tal tipo de contratação nada mais significa que as partes detêm um parâmetro de
aferição de suas expectativas e da confiança, e, por que não, de avaliação dos riscos de
não cumprir o contrato. O desestímulo econômico gera uma maior certeza no
cumprimento do contrato (segurança) e uma elevação da consciência de
responsabilidade da contratação e, por via reflexa, uma maior eficiência econômica, na
medida em que o contrato cumpre efetivamente sua função. Porém, caso a parte tenha
outra oferta, poderá avaliar facilmente qual o custo de não cumprir com o primeiro e
poderá decidir com tranqüilidade se a nova proposta é mais vantajosa que a segunda (ou
seja, se é mais vantajosa considerando a “quebra” do contrato já em vigor, oportunidade
na qual poderia receber um valor suficiente para pagar a indenização devida pela quebra
do contrato e ainda assim receber uma vantagem: o terceiro adquiriu o que queria, o
vendedor recebeu mais valor e o que teve o contrato não cumprido recebeu sua devida e
justa indenização)29.
O pensamento de Posner, aqui circundado de outros pesquisadores,
evidentemente, assume proporções muito mais amplas e significativas além do que fora
trazido até o momento30. O importante a destacar é que a visão do Direito pela
perspectiva econômica traz ao operador jurídico um número muito elevado de
elementos auxiliares para avaliação de um caso concreto e seu julgamento. Permite a
ampliação da fundamentação jurídica de um problema para outro patamar mais prático,
mais facilmente aferível empiricamente e, sobretudo, que considera a extensão dos
efeitos indiretos da sentença, ao extrapolar ao das partes litigantes (afetando a vida
econômica de terceiros). Tal raciocínio abarca igualmente circunstâncias inexoráveis no
Direito, como a existência de lacunas, os momentos de indeterminação, a contestação
jurídica de outras normas jurídicas e a constante alteração dos textos normativos,
oportunidades nas quais o operador jurídico pode colmatar os problemas mediante o
critério da maximização da ordem econômica, dotando o Direito de uma maior lógica
29
30
Esse exemplo possui relação com a idéia de custos de oportunidade, que: “cuando un individuo elige
utilizar un recurso para un objetivo determinado, assume un costo, que es igual al valor de ese recurso
si se le da un uso alternative; es el sacrificio de las demás cosas que habríamos podido obtener si no
hubiéramos realizado la opción. Expresado de otra manera, son los costos a los que se tiene que
renunciar para conseguir algo; una suerte de lucro cesante que se produce al no haber podido utilizar
el bien de otra manera más eficiente.” In: LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoría de la Decisión
Judicial: fundamentos de derecho. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 235.
Inclusive abordando diversos outros assuntos não tratados aqui unicamente em razão da característica
monográfica deste trabalho, como direito de família, direito econômico, direito financeiro,
discriminação racial e outros.
24
de justificação (diminuindo-se a dificuldade de previsão da resposta jurídica definitiva).
Em síntese, pragmatismo, como afirma Arnaldo Sampaio31.
Não se pode desconsiderar, por exemplo, a utilidade da aplicação das regras
econômicas no Direito Penal, Tributário, Consumeirista, assuntos discutidos com mais
profundidade posteriormente, já que estão intimamente vinculados com as tendências
humanas da oferta e da procura32.
É possível, portanto, mediante o uso de tal tecnologia, aprimorar a aplicação do
Direito para melhor atingir os fins buscados. Em suma, permite um melhor
planejamento prévio das ações estatais (e das decisões pessoais também) evitando-se o
método da tentativa e erro na esfera pública, por exemplo. É inegável, da mesma forma,
o estabelecimento de métodos de verificação do desempenho das medidas públicas e da
legislação em geral, de incontestável valia para a sociedade.
1.2 STEVEN SHAVELL
Embora outros estudiosos também investiguem sobre o assunto, Steven Shavell
encontra utilidade para a aplicação das teorias econômicas para explorar a diferenciação
entre os meios jurídicos previstos para a responsabilização civil, buscando compreender
o meio capaz de atingir o mais elevado bem-estar social. Logo, aplica a teoria
econômica para verificar qual a regra de responsabilização civil é a mais apropriada
para evitar acidentes, para indenizar as vítimas; enfim, para alcançar o melhor bem-estar
social mediante o menor custo social. A resposta não é única, porque dependendo dos
custos necessários para evitar os riscos e do montante dos prejuízos causados, as regras
apresentam resultados proporcionalmente de maior ou menor vantagem.
31
32
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e Economia: introdução ao movimento Law and
Economics. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10255>. Acesso: 21 ago. de
2007, p. 8-9.
Na prática, percebe-se que a Análise Econômica do Direito “cobre quase todos os campos do direito,
preocupando-se com criminalidade, uso de drogas, roubo de obras de arte, exploração do sexo,
barrigas de aluguel, direito internacional público, democracia, religião.” GODOY, op. cit., p. 12.
25
Shavell apresenta referência expressa sobre as diferenças entre a analise
econômica da responsabilidade civil e a tradicional análise, exclusivamente jurídica.
Primeiramente, aduz que “a análise econômica busca compreender os efeitos das
regras de responsabilidade”33, buscando as conseqüências práticas de sua aplicação.
Esclarece que a finalidade da responsabilização civil, sob a perspectiva
econômica é o avanço do bem-estar social, o que perpassa pela “criação de incentivos
redutores dos riscos de infortúnios, pela adequada alocação de riscos dos acidentes que
ocorrem, pela redução de custos administrativos”34 e pela existência de um regime de
seguro que incentive a redução dos riscos (quando, por exemplo, não cobre a
integralidade dos danos, evitando que as pessoas relaxem no nível de cuidado,
exatamente em razão da cobertura total do seguro).
Igualmente, critica o sistema de análise tradicional, porque, ao invés de procurar
diminuir os acidentes, se preocupa com a forma e com o valor da indenização (o que
pressupõe a ocorrência do evento indesejável), além da circunstância de o sistema de
seguro, em tese, arcar com a integralidade dos danos (não havendo uma punição correta
ou uma preocupação efetiva em não causar mal a outras pessoas).
Em síntese extremada, sob a ótica econômica, o Direito deveria considerar “a
distribuição total dos possíveis resultados do comportamento sob investigação”35 e não
apenas um resultado, “aquele que ocorreu de fato”36.
[...] se perguntarmos se foi razoável negligenciar esse resultado, ele
levará em conta a freqüência segundo a qual o acidente pode ocorrer e
considerará a magnitude da perda e custo de prevenção da perda. Não é
obviamente distributivo, visto que focaliza um tipo de resultado em
potencial37.
O sistema tradicional busca solucionar a específica situação litigiosa, e de
acordo com suas características próprias, o que pode ser modificado na exata proporção
da oscilação das circunstâncias. Não cria uma regra “eficiente” para todos os casos
33
34
35
36
37
Tradução livre de: “First, economic analysis focuses on identifying the effects of liability rules;” In:
SHAVELL, Steven. Economic Analysis of Law. New York: Foundation Press, 2004, p. 59.
No original: “the goal of liability law, under economic analysis, is the advancement of social wellbeing through three channels: fostering incentives to reduce risk, properly allocating risks of accidents
that do occur, and reducing administrative costs.” In: SHAVELL, op. cit., p. 59.
STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. São Paulo: Makron Books, 1993, p. 137.
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
26
concretos (até porque não acredita que, na prática, a Economia seria capaz de fazê-lo,
sobretudo em razão de existirem diversas teorias sobre a responsabilização civil).
De qualquer forma, não se pode olvidar que o uso das teorias econômicas na
responsabilidade civil não significa necessariamente a adoção das teorias econômicas
pelo Direito; significa que, por sua natureza eminentemente compensatória, as regras de
responsabilidade civil previstas na legislação procuram adotar alguns fatores
econômicos, como a utilidade marginal decrescente (mas evidentemente pode significar
o reconhecimento pelo sistema jurídico de uma regra econômica).
1.3 ROBERT COOTER E THOMAS ULEN
Robert Cooter e Thomas Ulen se detêm especialmente sobre os efeitos que a
introdução de ferramentas econômicas podem trazer para a aferição dos objetivos legais
e do Direito, pensado de forma ampla.
A idéia é a de que a Economia concede um suporte para a teoria econômica,
permitindo a antevisão dos efeitos de determinada sanção legal sobre o comportamento.
Argúem a utilidade da economia em conceder uma precisão ao resultado das pesquisas
empíricas sobre o comportamento humano: leva-se, para a prática jurídica, a certeza das
teorias matemáticas na aferição do comportamento exercido pelas pessoas38.
Para economistas, sanções são como preços, e presumivelmente, as
pessoas respondem a elas de forma muito semelhante a como responderiam
aos preços. As pessoas respondem aos preços altos com um consumo menor
dos bens que estão mais caros, então, presumivelmente, as pessoas
respondem às sanções mais pesadas fazendo menos a atividade que é
sancionada.39
Nesse sentido, os autores consideram que a Economia acaba por conceder uma
garantia para a teoria do comportamento: permite a antevisão de como as pessoas irão
agir em contraposição (reação) a determinadas mudanças legais. De fato, o uso das
38
39
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. [S.l.]: Person Addison Wesley, 2003, p. 03.
No original: “To economists, sanctions look like prices, and presumably, people respond to these
sanctions much as they respond to prices. People respond to higher prices by consuming less of the
more expensive good, so presumably people respond to heavier legal sanctions by doing less of
sanctioned activity.” COOTER, op. cit., p. 03.
27
teorias sobre a demanda levam a teoria comportamental “além da intuição, da mesma
forma que a cientificidade ultrapassa o senso comum”40.
Em resumo, a noção consiste em utilizar a Economia (métodos econômicos
objetivos e com efetividade inegável) como meio de dimensionar se os objetivos legais
e sociais estão sendo alcançados, e encontrar alternativas mais efetivas para atingi-los.
Tais perspectivas são consideradas pelos autores como muito hábeis para o
estudo do direito criminal, onde haveria um campo muito vasto de experimentação e
comprovação das vantagens dos métodos econômicos (porque já exaustivamente
testados pelas ciências matemáticas), uma espécie de campo de prova e demonstração
de que a Economia muito pode agregar ao Direito.
Para Cooter e Ulen, a ocorrência de um crime circundaria dois aspectos práticos:
a chance de o criminoso ser pego (descoberto e preso) e a extensão da punição atribuída
a determinado ato infracional.
Assim, com a migração do raciocínio, quanto menor as chances de ser
descoberto e punido, da mesma maneira que, quanto menor a extensão da punição,
maior as chances do crime ser praticado. Sob a ótica econômica, o preço a ser pago pelo
crime seria baixo (sendo um estímulo para o “consumo”). Logo, ao se buscar descobrir
os crimes e prender os agentes (certeza da punição), inclusive com maior reprimenda
(reprimenda desestimulante), menores seriam os estímulos para a atuação criminosa,
porque o preço seria considerado alto (e os agentes buscariam outra forma de atuação,
ou crimes menos ofensivos41).
Isso, contudo, não é a integralidade da aplicação da Análise Economia ao Direito
Penal. Elencam os autores que há maneira de o Estado realizar uma medição prévia para
aferir a eficiência contra as atitudes criminosas. Assim, realizaria atividades capazes de
coibir os crimes com o menor dispêndio de dinheiro público possível. Em outras
palavras, e de forma mais prática, se existe mais eficiência ou interesse em investir em
40
41
Tradução livre de: “This theory surpasses intuition, just as science surpasses common sense.” In:
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. [S.l.]: Person Addison Wesley, 2003, p. 04.
“The rational criminal decreases the seriousness of his offense in order to offset the increase risk he
faces from the increase in the punishment schedule.” COOTER, op. cit., p. 460.
28
perseguição ou em estabelecer punições mais severas (e qual punição escolher, dentre as
possíveis).
Por exemplo, os investimentos são elevados para aparelhar o Estado com
instituições apropriadas (policiais, promotores, material de trabalho necessário) para
perseguir determinados criminosos, podendo ser mais eficiente a estipulação de altas
punições (especialmente as multas42, porque o custo de cobrar uma multa é praticamente
fixo – cobrar uma de valor pequeno é semelhante ao de uma de valor grande -, enquanto
que o encarceramento seria consideravelmente mais oneroso), retirando do criminoso,
inclusive, um excedente em relação ao proveito auferido, ao invés de persegui-los
avidamente.
Como conseqüência, reconhecem que, sob a ótica do criminoso, o desestímulo
de uma alta multa é tão elevado quanto ser perseguido e capturado com facilidade,
enquanto para o Estado haveria um gasto muito menor de dinheiro.
Ademais, sugerem o uso de políticas de comunidade, onde o cidadão atua de
forma ativa e convergente com as instituições repressoras: além de reduzir os gastos do
Estado, ainda elevam as chances de dissuadir os criminosos, que passam a se sentir
constantemente vigiados43.
Evidentemente, os autores enfrentam algumas limitações, como a dificuldade de
cobrar as multas de presos desafortunados (sugerindo um trabalho carcerário, de cuja
renda será extraído o pagamento parcelado da pena), como a questão do preço do
encarceramento ou da custódia de presos em instituições privadas, etc.
Especial destaque do uso da teoria econômica aparece em relação ao uso da pena
de morte e das políticas anti-drogas, ao demonstrarem os inconvenientes (desvios
inesperados) da aplicação da pena capital, assim como de uma política contra as drogas.
Por exemplo, descobriu-se uma maior dificuldade dos jurados condenarem
pessoas quando têm pleno conhecimento da futura execução do condenado como pena
42
43
A expressa preferência em relação ao uso das multas como forma de punição é discutida especialmente
no capítulo décimo segundo da obra. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. [S.l.]:
Person Addison Wesley, 2003, p. 498-9.
Idem, p. 465-70.
29
para o crime, reduzindo o efeito dissuasório da pena44. No que tange aos tóxicos,
constatou-se uma inflação no custo das drogas quando implementada uma política de
redução de seu consumo: por um lado, acarretou a redução do consumo entre os não
viciados (formam uma demanda elástica, que, exatamente em razão da elevação do
preço, atua como desestimulador de compra, afetando igualmente a taxa de
criminalidade circundante aos não viciados – ocorrem menos crimes e menos pessoas se
tornam viciados); e, por outro lado, um incremento da criminalidade em relação aos
viciados, cuja demanda não é elástica em relação aos preços. Isto é, os viciados não têm
a escolha de consumir as drogas: precisam delas. Assim, se antes do aumento dos
preços já cometiam crimes patrimoniais para “manter” o vício, após a elevação, atuarão
de forma quantitativa e qualitativamente mais criminosa. O consumo não é uma opção.
Como resultado, uma política efetiva deve considerar igualmente a parte
inelástica da demanda de drogas. Nesse contexto, a legalização das drogas poderia ser
uma solução viável, permitindo o controle do consumo elástico (erradicando-o) sem
esquecer dos viciados, que poderiam ter acesso controlado às drogas e tratamentos
(tendendo a reduzir os crimes, já que o preço das drogas teria o controle do Estado) 45.
Entretanto, os autores não olvidam o outro lado da interação Economia-Direito,
porque orientam a Economia a adotar e a compreender o viés prático que o Direito tem
de resolver os problemas, assim como algumas precisões sutis que os operadores
jurídicos realizam nos conceitos envolvidos com a aplicação das regras. “Se os
economistas aprenderem o que a lei tem para ensinar-lhes, poderão levar seus modelos
de forma mais próxima à realidade”46, tornando-os mais úteis e precisos.
Por intermédio dessas análises trazidas, percebe-se que as análises econômicas
podem assumir duas formas de abordagens, uma descritiva e uma normativa47.
A primeira, busca a “aplicação de conceitos e métodos não-jurídicos no sentido
de entender a função do Direito e das instituições jurídicas, tais como: a aplicação da
44
45
46
“If so, then the following paradoxical behaviour may result: greater use of execution as the
punishment for certain homicides might lead to fewer convictions. This would reduce the deterrent
effect of both capital punishment and of convictions on subsequent murderers.” COOTER, Robert;
ULEN, Thomas. Law and Economics. 4.ed. [S.l.]: Person Addison Wesley, 2003, p. 505.
Para maiores informações sobre o assunto, ver: COOTER, op. cit., p. 507-9.
Tradução livre de: “If economists will listen to what the law has to teach them, they will find their
models being drawn closer to reality.” COOTER, op. cit., p. 11.
30
teoria dos jogos ou da teoria das escolhas públicas (public choice)”48. A visão
normativa, por sua vez, pretende “encontrar elementos econômicos que participam da
regra de formação da teoria jurídica”49. Assim, “os fundamentos da eficácia jurídica e
mesmo da validade do sistema jurídico deveriam ser analisados tomando em
consideração valores econômicos, tais como a eficiência, entre outros”50, ou seja, criar
normas que tragam os incentivos necessários para a adoção pelas pessoas do
comportamento buscado pelo legislador. Aliás, para Steven Shavell, ao agregar-se a
essas duas facetas uma terceira, que é a utilização de modelos teóricos e testes
empíricos, encontram-se os três requisitos caracterizadores de uma análise econômica51.
Para o presente trabalho não é relevante estabelecer uma divisão estanque entre
as abordagens, mas, sim, traçar um panorama que permita uma compreensão do
significado e do alcance de uma análise econômica do Direito.
De qualquer forma, compreende-se existir uma integração das duas abordagens,
há uma utilidade ambivalente: tanto descrevendo e auxiliando da compreensão dos
fenômenos (podendo fazer uso da fundamentação descritiva, por exemplo), quanto
normativo, que se utiliza do primeiro para estabelecer e para planejar metas e
orientações de comportamento no meio social.
47
48
49
50
51
A doutrina de Rachel Sztajn classifica a Escola de Chicago como descritiva, enquanto que a de Yale é
considerada normativista. Ver: SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: SZTAJN, Rachel e
ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das
Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 77. Contudo, Richard Posner (integrante da Escola de
Chicago) considera a Análise Econômica do Direito como normativa e positiva. Explica que é
normativa porque, embora os economistas não possam dizer se a sociedade deve ou não fazer algo,
podem dizer se a ação é eficiente ou não, se determinada solução social foi eficiente ou se poderia ser
adotada outra alternativa menos eficiente, mas que sacrificaria menos outros valores sociais. Positiva,
uma vez que podem explicar o sentido de uma lei ou indicar de que forma poderia ser modificada para
obter melhores resultados. POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 7. ed. New York: Aspen
Publishers, 2007, p. 24-6. A idéia de Posner está retratada por Bernado Mueller, na segunda parte do
artigo “Economia dos Direitos de Propriedade”, escrito em conjunto com Rachel Sztajn e Décio
Zylbrsztajn, constante do Livro organizado por estes últimos: Direito & Economia: Análise
Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 93. Paulo Caliendo, com o
qual se concorda, encontra um ponto intermediário ao afirmar que a Análise Econômica do Direito
encontra, por vezes, uma abordagem normativa e, em outros momentos, descritiva. CALIENDO, Paulo.
Direito internacional privado e análise econômica do direito. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito
e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 201-2.
CALIENDO, Paulo. Direito internacional privado e análise econômica do direito. In: TIMM, Luciano
Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 202.
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
SHAVELL, Steven. Economic Analysis of Law. New York: Foundation Press, 2004, p. 3.
31
Arnaud e Dulce resumem a extensão e aplicabilidade da Análise Econômica do
Direito da seguinte forma (ao fazerem uma comparação de suas convergências com a
análise sociológica do Direito):
a) a análise, a explicação e a crítica das funções do sistema jurídico
e de suas instituições. [...] diz respeito às funções sociais atribuídas a cada
sistema jurídico e a cada um de seus elementos. [...]; b) o problema das
conseqüências sociais das normas jurídicas, [...] o impacto das normas
jurídicas sobre os comportamentos de seus destinatários, [...]. c) o problema
da tomada de decisão nas diferentes instâncias, [no legislativo e na aplicação
prática, por exemplo]. d) a análise do processo de implementação das
normas jurídicas, [...].52 (sublinhado nosso)
2. APANHADO SOBRE A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NO BRASIL
E DISCUSSÕES ACERCA DE SUA APLICABILIDADE
52
ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria José Farinas. Introdução à Análise Sociológica dos Sistemas
Jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 33-4.
32
Inobstante ter sido estabelecido um panorama a respeito do pensamento de
pioneiros e destacados pensadores sobre a Análise Econômica do Direito no capítulo
anterior, neste momento, pretende-se explorar a forma pela qual tais ideários estão
sendo traduzidos e introduzidos na doutrina nacional, assim como delinear e discutir
alguns pontos mais sensíveis em relação a sua aplicação prática. A missão consiste em
apreender melhor a realidade doutrinária brasileira a respeito do tema e tentar
estabelecer pontos de questionamento sobre uma parcela importante das dificuldades em
se aplicar uma análise econômica do Direito no Brasil, além de indagar sobre algumas
conseqüências de sua concretização, o que perpassa obrigatoriamente sobre a questão da
autonomia do Direito.
No Brasil, atualmente, no âmbito da Análise Econômica do Direito, fala-se em
análise econômica das políticas públicas e sociais; do Judiciário, da celeridade, das
conseqüências das políticas judiciárias; da empresa; da tributação; das organizações; da
responsabilidade civil.
2.1 ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO
Em relação aos efeitos das decisões judiciais, o professor Rafael Bicca Machado
propõe uma análise realista e atual dos problemas reflexos causados à sociedade pelo
Poder Judiciário quando busca solucionar conflitos por intermédio de políticas públicas,
o que consistiria numa fuga da função primordial daquele. Bicca pressupõe a integração
do magistrado em um modelo democrático, no qual o juiz não está “mais habilitado a
decidir o que é e o que não é bom para a sociedade do que o conjunto daqueles que
foram por ela (sociedade) eleitos para estabelecer o que lhe é do seu interesse”53.
Falta dinheiro para pagamento de funcionários públicos? Vêm as
liminares ordenando o pagamento imediato dos servidores. Faltam vagas para
todos os alunos nas escolas públicas? Surgem as sentenças ordenando a
abertura das vagas. Os juros dos empréstimos estão demasiadamente altos?
Simples – dizem alguns – basta limitá-lo a um patamar “adequado”.
Só que, ao contrário do que os iludidos sonham e os desinformados
tentam crer, o Direito não cria o dinheiro para pagar os servidores. Não
53
MACHADO, Rafael Bicca. “Cada um em seu lugar. Cada um com sua função”: apontamentos sobre o
atual papel do Poder Judiciário brasileiro, em homenagem ao ministro Nelson Jobim. In: TIMM,
Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 44.
33
levanta as paredes da escola nem monta as carteiras escolares. E, ao
contrário, de reduzir as taxas de juros, acaba ao fim somente por aumentálas.54
Em síntese, afirma o autor, o Direito não é capaz de satisfazer todas as
expectativas, sanar todos os problemas, construir uma sociedade livre de desigualdades,
de escassez e de conflitos (devendo isso ser reconhecido pelos operadores jurídicos).
Quando trata a respeito do problema da celeridade processual, assunto o qual,
segundo alguns, não pode prejudicar a segurança das decisões judiciais, de forma que
não seria viável diminuir o número de recursos ou instâncias, responde:
Falso. Não estamos mais no início do século. A fase romântica
passou há tempo. Temos problemas sérios e concretos, que precisam ser
resolvidos. Há de se pensar inspirado em uma lógica guiada pelo binômio
custo e benefício. E o que surge então é: o que ganhamos (nós, o país, a
sociedade) e o que perdemos com essa demora na prestação jurisdicional? 55
De fato, o texto do pesquisador visa a reduzir o preconceito dos operadores do
Direito em relação à aplicação da teoria econômica, que deve ser estudada e considerada
nas decisões judiciais56.
Trata-se de um apelo para a interdisciplinaridade: o reconhecimento de que a
solução de todos os problemas não é encontrada no Direito e de que os operadores
jurídicos não conseguem resolver todas as questões, porque atualmente muito daquilo
que envolve o sistema jurídico não é essencialmente jurídico. Um apelo, outrossim, por
planejamento da prestação jurisdicional.
Entretanto, o autor aparentemente desconsidera que não é possível existir
espaços não preenchidos pelos Poderes do Estado; os “vácuos” devem ser preenchidos,
54
55
56
MACHADO, Rafael Bicca. “Cada um em seu lugar. Cada um com sua função”: (...). In: TIMM,
Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 42-3.
Idem, p. 45.
No mesmo sentido, porém abordando o assunto por intermédio da Teoria dos Sistemas, conclui
Cristiano Carvalho: “Sabemos que uma simples disposição legal ou uma decisão de um Tribunal pode
acarretar efeitos imprevistos e até mesmo assoladores nos demais subsistemas sociais, tais como a
economia, a política, a ciência, etc., que juntos perfazem o macro-sistema social. Muitas vezes uma
decisão final de uma Suprema Corte, que tem a função precípua de fechar o sistema, tem de levar em
conta esses fatores, sob pena de desintegração do próprio ordenamento jurídico e crise
desestabilizadora da ordem social.” In: CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico – direito,
economia, tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 24.
34
ainda que por uma solução não ideal: caso um Poder não atue, os demais tendem a fazêlo, compensando aquela inércia.
Ainda tratando da influência que o Poder Judiciário acarreta na economia de um
país globalizado, Armando Castelar Pinheiro57 afirma que o processo de integração
econômica internacional utiliza eminentemente o sistema contratual para regular as
atividades, influenciando, evidentemente, o desenvolvimento do Direito. Nesse
contexto, a legislação de um país, assim como a atuação do Poder Judiciário, pode ser
uma alavanca ou um entrave à economia e à desenvoltura econômica de um país em um
mundo com poucas fronteiras econômicas.
Assim, o Judiciário é uma das instituições mais fundamentais para o
sucesso do novo modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no
Brasil e na maior parte da América Latina, pelo seu papel em garantir direitos
de propriedade e fazer cumprir contratos.58
Em tal contexto, o Poder Judiciário passa a ser também pensado como uma
instituição econômica, devendo adaptar sua atuação, melhorando sua eficiência.
Por exemplo, um sistema legal e judicial de má qualidade distorce os
preços da economia, na medida em que introduz um risco jurídico nos preços,
que, ao incidir de forma não uniforme nos vários mercados de bens e
serviços, distorce os preços relativos e diminui a eficiência alocativa da
economia.
No mercado de crédito doméstico, por exemplo, e mesmo no acesso
a financiamentos externos, o risco jurídico é um componente importante dos
juros, que contribui para reduzir a oferta de crédito e levar a métodos de
produção mais ineficientes do que os encontrados em economias com juros
mais baixos. Assim, porque o banco não pode contar com o Judiciário para
reaver rapidamente as garantias dadas – uma cobrança judicial de dívida leva
em média de dois a três anos – ele tem de compensar este custo financeiro
extra no spread. Além disso, a morosidade do Judiciário faz com que os
bancos sejam obrigados a manter toda uma burocracia encarregada de seguir
os longos processos judiciais de cobrança de dívidas, causando um custo
administrativo adicional, que também é incorporado nos spreads. O mercado
de crédito imobiliário ilustra um caso em que os riscos e custos de transação
introduzidos pela forma de atuação do Judiciário são tão altos que
praticamente levam à inexistência do mercado59.
Como resultado das pesquisas citadas e das realizadas pelo autor, constata-se
que a legislação e a atuação do Poder Judiciário (especialmente a negativa) geram
57
58
59
PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou
confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.
51-83.
Idem, p. 53.
Idem, p. 63.
35
modificações nas decisões administrativas das empresas, aumentando gastos,
substituindo mão-de-obra, evitando a atuação em Estados nos quais o Judiciário não é
confiável, etc., enfim, elevando os custos das transações.
A questão central, contudo, trazida pelo autor, consiste em demonstrar que a
carga de subjetividade ou não-neutralidade existente nas decisões judiciais acaba por
prejudicar aqueles aos quais a concepção de “justiça social” almeja proteger60. Isto é,
aquelas pessoas protegidas individualmente pela atuação “não-neutra” de um
magistrado em um momento presente, acabam por ser prejudicadas (incluindo aí a
coletividade a que pertencem, como idosos, trabalhadores, locadores) em um momento
futuro, porque o mercado tende a se proteger dos riscos das decisões desfavoráveis, e
inesperadas, buscando sempre reduzir os custos de transação, mediante a modificação
de sua atuação61.
Luciano Timm é perspicaz em apontar que esse tratamento dispensado pelo
Judiciário tem o reflexo de elevar a demanda por decisões judiciais e o custo global do
Poder Judiciário. Ora, sendo uma pessoa beneficiada por uma decisão judicial, as
60
61
Os resultados das pesquisas demonstram que os próprios magistrados reconhecem a si um papel ativo
na sociedade (portanto, não neutro). Ver: PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, Judiciário e
economia no Brasil. In: SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia:
Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 244-83.
Interessante constatar que o autor aponta como resultado da pesquisa estas digressões, que estão na
página 249 do texto: “Conclui-se dessas duas pesquisas que o magistrado brasileiro não acredita que
cabe ao Judiciário ser neutro na aplicação da lei, não se identificando com o papel clássico que se supõe
ser o de um juiz em um sistema de civil law, o de intérprete de um direito produzido pelo Poder
Legislativo. Pelo contrário, o magistrado brasileiro acredita majoritariamente que também é seu papel
‘produzir’ o direito. E, em particular, que esse papel envolve atuar de forma a produzir justiça social,
ainda que uma minoria acredite que esse objetivo deve se sobrepor à aplicação da lei”. Entretanto, parte
das conclusões não encontra respaldo nas perguntas oferecidas aos juízes durante a pesquisa. Tais
conclusões exsurgem da conjugação de dois blocos de afirmações que deveriam ser escolhidas pelos
testados. Majoritariamente, os juízes disseram que “o Poder Judiciário não é neutro: em suas decisões o
magistrado deve interpretar a lei no sentido de aproximá-la dos processos sociais substantivos e, assim,
influir na mudança social” (82,9% dos juízes) e que “a conquista do Estado do Direito democrático
devolveu à sociedade a capacidade de decidir sobre o seu destino, especialmente por intermédio da
representação partidária e da vida associativa. O magistrado participa da consolidação democrática na
medida em que age como fiel intérprete da lei, produzindo sentenças com independência das pressões
sociais” (61,9%). Por outro lado, as opções menos votadas não fazem qualquer referência acerca da
sobreposição da justiça social e da criação de Direito pelos juízes em relação à lei, embora essa tenha
sido uma das conclusões do autor. Ademais, à folha 267 do mesmo texto (o que é reiterado à fl. 280), o
autor identifica uma “amostra estratificada de representantes de vários segmentos da elite brasileira”
(grifos nossos) como sendo “o valor predominante na sociedade brasileira”, como se a opinião de
grupos da “elite” brasileira fosse quem estabelece os valores a serem respeitados no país.
Sobre as influências que as decisões judiciais implicam no meio social e econômico, ver: TIMM,
Luciano Benetti. O Novo Direito Civil: ensaios sobre o mercado, a reprivatização do direito civil e a
privatização do direito público. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 67-81.
36
demais igualmente buscarão apoio em sentenças judiciais, aumentando o número de
demandas e, conjuntamente, “os custos para manutenção da burocracia estatal com
milhares de demandas idênticas, sem efetivamente enfrentar o problema estrutural
causador do desequilíbrio contratual”62.
No entanto, Castelar Pinheiro não aborda com ênfase um assunto de elevada
importância quando se trata de Poder Judiciário: a qualidade da legislação. Em grande
parte dos momentos em que o texto aborda os problemas do “Judiciário”, não há
referência de que parcela relevante dos empecilhos consistem em equívocos de
legislação (ou políticas legislativas mal aplicadas)63. Perceba-se, por exemplo, o
seguinte excerto:
Uma justiça que busca privilegiar o trabalhador acaba diminuindo o
nível de emprego e aumentando a informalidade. O juiz que favorece os
inquilinos diminui o número de imóveis disponíveis para aluguel. O
magistrado que beneficia pequenos credores estará em um segundo momento
aumentando os juros que lhes são cobrados ou mesmo alijando-os do
mercado de crédito.64
Independentemente das críticas econômicas a que as afirmações não estão
imunes, como, por exemplo, por que a decisão administrativa nunca é a de reduzir a
margem de lucro(?) (o que é demonstrado claramente no Brasil pela rentabilidade
bilionária dos Bancos que competem no mercado nacional), as afirmações são
desvinculadas da legislação que rege as situações materiais.
Ora, não são necessariamente os juízes que protegem os trabalhadores, os
consumidores, os inquilinos: a tônica histórico-legal desses microssistemas é de
proteção aos respectivos grupos. Evidentemente, o juiz também pode exercer uma
62
63
64
TIMM, Luciano Benetti. O Novo Direito Civil: ensaios sobre o mercado, a reprivatização do direito
civil e a privatização do direito público. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 76-7.
No seio da pesquisa econômica, há estudos que se debruçam sobre o retrocesso legislativo, ou seja,
buscam compreender as razões pelas quais a legislação se direciona ao caminho contrário àquele que se
desejaria. Pérsio Arida, sinteticamente, apresenta três fatores, a saber: “(i) a pressão dos grupos de
interesse – no jargão dos economistas, a ‘captura’ do Estado por interesses privados; (ii) distorções no
processo de representação que fazem com que os parlamentares votem em desacordo com as
preferências de seus eleitores; e (iii) a ignorância do legislador quanto aos efeitos econômicos das
normas que promulga.” ARIDA, Pérsio. A Pesquisa em Direito e em Economia: em torno da
historicidade da norma. In: SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia:
Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 67-8.
PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou
confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.
76.
37
postura pró-ativa de cuidados ao “hipossuficiente”; entretanto, o âmago de tal tipo de
norma é protetivo.
A desconsideração da qualidade (o que por certo aspecto também envolve a
quantidade) da legislação brasileira invalida grande parte da pesquisa realizada, uma vez
que considerou nas entrevistas a atuação protetiva do juiz, olvidando-se todo o conjunto
legislativo que está por trás da atuação dos operadores do Direito.
De qualquer forma, o autor faz nascer no leitor uma hipótese praticamente não
discutida, a de que “não há como discordar, nesse sentido, que na hierarquia dos valores
o da justiça precede o da eficiência econômica, e que, portanto, caberia à economia
adaptar-se ao tempo do direito, e não o contrário”65. Talvez, os economistas não
queiram adaptar seus fundamentos à realidade do direito, onde se enaltece a casuística,
as especificidades. Além disso, aparentemente muitos economistas continuam perplexos
com a dificuldade atual de aplicar a lógica linear na solução dos problemas.
Provavelmente, a dificuldade de diálogo entre economistas e operadores do
Direito não esteja no âmbito do jurídico, mas do econômico, que pode não estar sendo
capaz de explicar e prever os fenômenos econômicos da forma apropriada e desejada
pelos cientistas. Não se olvida, ainda, a incapacidade de perfeita tradução do econômico
para o jurídico, assim como muitas vezes não há uma tradução perfeita de uma
linguagem para outra66.
Fritjof Capra trata longamente da incapacidade científica atual de
contemplar os fenômenos mundanos por uma lógica linear, instrumento com o qual o
ser humano sempre contou para buscar explicações sobre a mecânica das coisas que
acontecem na vida. No que tange especificamente ao econômico, afirma:
Quando as redes financeiras globais alcançaram um certo de grau de
complexidade, suas interconexões não-lineares geraram anéis de
realimentação rápida que deram origem a muitos fenômenos emergentes
inesperados. A nova economia que resultou disso é tão complexa e turbulenta
que não pode ser analisada pelas teorias econômicas convencionais. [...] No
65
66
PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou
confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.
78.
Sobre a apropriação de conceitos econômicos pelo direito e sobre a necessidade de uma transposição
analítica dos conceitos entre ambas as ciências, ver: CAVALLI, Cássio Machado. Reflexões sobre
empresa e economia: (...). In: TIMM, op. cit., p. 85-95.
38
cassino global operado por máquinas eletrônicas, os fluxos financeiros não
seguem uma lógica de mercado. Os mercados são continuamente
manipulados e transformados por estratégias de investimento criadas em
computador, pelas percepções subjetivas de analistas influentes, por
acontecimentos políticos em qualquer parte do mundo e – o que é mais
significativo – por turbulências inesperadas causadas pelas interações
complexas dos fluxos de capital nesse sistema altamente não-linear. Essas
turbulências, que dificilmente poder ser controladas, são fatores tão
importantes da fixação de preços e tendências de mercado quanto as
tradicionais forças de oferta e procura.67 (grifo nosso)
Tal opinião é significativa em demonstrar que, além da subjetividade, tanto
criticada do mundo jurídico, deve ser considerada igualmente aquela do mundo
econômico. Com uma desvantagem comparativa: a subjetividade jurídica há muito
integra e é reconhecida por seu sistema. Por sua vez, o viés economicista visava a
pluralidades qualitativas e quantitativas, o que sempre permitiu grande objetividade
dentro de seu sistema, acabando, hoje, por transparecer uma baixa capacidade
adaptativa para integrar a subjetividade em seu meio.
Isso, não é reconhecido por Armando Castelar Pinheiro, ao menos de forma
explícita, porque dentre suas propostas não consta um remanejamento das instituições
econômicas para bem conviver com o Direito. O pressuposto tratado pelo autor, e por
muito outros estudiosos, consiste em adaptar o mundo jurídico ao econômico (incutir
nos operadores jurídicos o seu papel de instituição econômica). Não que isso não deva
acontecer também.
Contudo, proporcionalmente falando, há pouco igualmente se trata de ética na
Economia, ao lado de que o Direito considera a ética e a moral desde seus primórdios.
Uma questão esclarecedora sobre o assunto consiste na concorrência
internacional de produtos com a China. Nas academias jurídicas, costuma-se exortar o
grande avanço da legislação consumeirista e trabalhista nacional, não em razão de
algum ufanismo, mas em razão do significado evolutivo jurídico para a humanidade que
o reconhecimento desses microssistemas legislativos demonstra: a diminuição de uma
exploração mutilante, que acabava por prejudicar a vida de toda a humanidade.
67
CAPRA, Fritjof. As Conexões Ocultas. São Paulo: Cultrix, 2002, p. 150.
39
Para a Ciência Jurídica, essa evolução soa como truísmo. Inobstante, para a vida
prática comercial não há como precisar um significado para essa legislação,
normalmente vista como um “freio” ao desenvolvimento.
Não é incomum ouvir-se estudiosos da Economia e empresários reclamando da
falta de competitividade dos produtos nacionais no mercado externo, em razão do
elevado preço que o produto assume, dentre outros motivos, pela “carga trabalhista”,
indicadora de um excesso de direitos que sobrecarregam o exercício da empresa.
Ocorre que, sob o ponto de vista jurídico (e ético também), a questão da
participação da China da maneira que vem ocorrendo é o que se apresenta como
indevido. Há trabalho escravo. Há exploração. Contudo, ao contrário de se movimentar
uma política internacional para forçar a China a se adaptar ao patamar de
desenvolvimento humano, ético e jurídico, os empresários nacionais (e isso não é
privilégio do Brasil) preferem estabelecer suas fábricas na China e “simplesmente”
criticar a legislação devidamente protetiva. Evidentemente, é possível realizar ajustes na
legislação nacional, e isso ninguém negaria; mas a questão consiste na impossibilidade
de competição com o trabalho escravo, ou com a ausência de qualquer regra trabalhista.
A eficiência econômica, ao menos a prática (dos agentes econômicos), que busca
a minimização de custos de transação e uma maior eficiência econômica, irá levar os
empresários para a televisão e para a China, enquanto que esta é quem deveria se
adaptar aos padrões internacionais de proteção ao trabalho e ao consumidor68.
A problemática ora discutida é muito bem resumida, sob o ponto de vista
prático-econômico, pela pergunta de Raquel Sztajn: “algum agente econômico perderá a
oportunidade de obter a vantagem se tiver possibilidade de optar por ela?”69.
68
69
Digna de nota é uma conclusão apontada por Pinheiro entre a divergência entre a visão dos
magistrados e dos empresários a respeito da Justiça do Trabalho: “os magistrados avaliam a Justiça do
Trabalho de primeiro grau como o melhor ramo/grau do Judiciário (...) o Supremo Tribunal Federal
vem em penúltimo”, enquanto que os empresários “vêem a Justiça do Trabalho como o pior ramo do
Judiciário e o STF como o melhor.” PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, Judiciário e
economia no Brasil. In: SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia:
Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 251-2.
SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito
& Economia: (...). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 81.
40
O Direito é um meio de controle social e não, tão-somente, um garantidor das
políticas econômicas: o Direito trabalha com diversos valores sensíveis dos seres
humanos, em grande parte diferentes daqueles com os quais a Ciência Econômica se
preocupa, embora curiosamente, tenham alguns pontos de toque70 e as decisões tomadas
em um âmbito inexoravelmente influenciem o outro. De qualquer maneira, não há como
se estabelecer uma hierarquia econômica de valores ou subjugar o Direito: a relação
deve ser de coordenação, mantendo a autonomia do Direito, e a da Economia.
Enquanto “os juízes parecem não conhecer as repercussões macroeconômicas de
suas decisões, os economistas parecem desconhecer a realidade sobre os
microfundamentos institucionais que alicerçam suas estratégias de desenvolvimento”71.
Assim, em muitas oportunidades, a evolução jurídica se reflete na economia como um
“choque adverso” – “algo que o pensamento econômico não é capaz de antever”72,
sendo igualmente, um motivo de apartamento das ciências.
Os economistas precisam adaptar também o seu sistema ao mundo jurídico, o
qual, assim como a Economia, está cada vez mais universalizado.
Ainda assim, em graus maiores ou menores de intervencionismo,
nos regimes democráticos existem os sistemas econômicos apartados do
direito. [...]
Outrossim, ainda que existam diversos subsistemas autônomos,
inseridos no macrossistema social, eles interagem entre si, enviando e
recebendo mensagens, de forma a auto-regularem-se, calibrando eventuais
desvios que são ínsitos a toda ordem dinâmica.73
Como pressuposto, Cristiano Carvalho assume que o subsistema mais
“perturbador” da ordem social é o do Direito, exatamente em razão de sua característica
coercitiva, onde as normas são dotadas de sanções, e garantidas por um aparato estatal.
2.2 RELAÇÃO DIREITO TRIBUTÁRIO, CONTRATOS E ECONOMIA
70
71
72
73
Bruno Miragem afirma que há uma proximidade entre o Direito e a Economia porque “ambas as
ciências são tendentes à busca de um resultado ótimo, seja demonstrado pela paz social em sentido
amplo (como é o caso do direito), ou pela otimização dos recursos disponíveis em favor de um maior
ganho futuro (no caso da economia).” MIRAGEM, Bruno. Direito da concorrência e raciocínio
econômico: intersecções entre o direito e a economia na experiência brasileira. In: TIMM, Luciano
Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 143.
PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou
confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p.
51
ARIDA, Pérsio. A Pesquisa em Direito e em Economia: (...). In: SZTAJN, op. cit., p. 68.
CARVALHO, Cristiano. Tributação e Economia. In: TIMM, op. cit., p. 100.
41
Cristiano Carvalho, inflete seus estudos sobre a relação do Direito, em especial o
Direito Tributário, com os demais sistemas sociais, como a Economia.
Em seus estudos, constata que, com similitude ao ocorrente em relação aos
subsistemas sociais, os tributos de um Estado apresentam interferência na economia.
Segundo suas observações, a relação do Direito Tributário com a economia é
elevada porque a legislação tributária considera como fonte para o pagamento de
tributos “atividades economicamente apreciáveis (v.g., vender mercadoria, ser
proprietário, auferir renda, etc.)”74, ou seja, o Direito Tributário se preocupa exatamente
com as atividades que detêm potencial econômico (portanto, uma tradução jurídica ou
reconhecimento jurídico de algo que integra o subsistema econômico).
Reconhece que a tributação é um valor social, na medida em que garante a
existência do Estado e, por seu intermédio, proporciona a liberdade dos indivíduos, já
que é um subsistema interessado em equilibrar as relações sociais.
Entretanto, elucida que uma elevação demasiada do montante de tributos
transmuda a situação para um desvalor social: o subsistema moral avaliaria a situação
como injusta, porque paga um preço muito elevado pela liberdade (podendo, inclusive,
gerar uma inversão, onde não pagar tributos passaria a ser o reconhecido como justo); o
subsistema econômico, desvaloriza a situação porque os custos comparativamente são
muito elevados em relação aos benefícios trazidos pelo Estado.
A análise do autor é sobremaneira interessante quando apresenta uma
exemplificação da forma com que o sistema econômico tende a reagir a um meio de
exacerbada tributação. Como o econômico reconhece a tributação excessiva como um
“custo” excessivo, o agente econômico tenderia a modificar sua conduta de duas formas
(além daquela esperada pelo subsistema jurídico, consistente no pagamento dos
tributos): a) ficar inadimplente ou ocultar os fatos geradores da tributação; e b) buscar
no sistema jurídico meios de aliviar os ônus tributários, como intentar ações judiciais ou
realizar um planejamento tributário.
74
CARVALHO, Cristiano. Tributação e Economia. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e
Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 102.
42
Por sua vez, ao verificar a inadimplência tributária, o sistema jurídico busca se
adaptar: aplicam-se as multas e executam-se as dívidas judicialmente. Além disso, ainda
é comezinho uma alteração da legislação, quer para abrandar a tributação, quer para
reforçá-la, tornando-a mais “imponente”.
Ressalta o autor, o mais relevante é que, quando há uma tributação excessiva, há
maior “economia informal” e diversos segmentos econômicos passam a trabalhar na
ilicitude, ao contratar funcionários sem registro em Carteira de Trabalho, ao vender
mercadorias sem emissão de notas fiscais, etc.
Quanto maior o percentual da economia informal, menor é a
quantidade de contribuintes que pagam tributos. Consequentemente maior é a
tributação per capita. O efeito pernicioso é a retroalimentação positiva do
sistema jurídico e do sistema econômico: como a arrecadação necessita ser
mantida, quanto maior a sonegação, mais aumento de impostos. E quanto
maior a tributação, maior será a sonegação, gerando um círculo vicioso.75
Para elucidar, de uma forma genérica, o autor afirma que é natural que o Direito
intervenha nos demais sistemas sociais. Isso, porque o fenômeno da intersistematicidade ocorre em razão de o Direito ser um “emissor de mensagens
prescritivas”76, que intenta alcançar e determinar também os demais sistemas.
O sistema jurídico extrapola suas fronteiras internas e atinge os demais
subsistemas, sendo a observação de suas prescrições impostas e garantidas pela
coercitividade, característica ímpar, da qual apenas o Direito está dotado. No entanto,
especialmente em relação ao ambiente econômico, o pesquisador aponta grandes
empecilhos para que o Direito tente laçá-la, como será visto adiante.
Igualmente ao que acontece com a tributação, a Análise Econômica do Direito
realiza pertinente estudo sobre a relação entre o viés jurídico e econômico dos contratos.
Luciano Timm, que adotou o tema como objeto constante de pesquisa, afirma
não poder mais o contrato ser encarado pelo aspecto tradicionalmente aceito pela
doutrina jurídica (como acordo de vontades entre interessados), devendo ser
considerado em seu contexto institucional e social: um fato econômico e social.
75
76
CARVALHO, Cristiano. Tributação e Economia. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e
Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 105.
CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico – direito, economia, tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 111.
43
Apoiando-se em Enzo Roppo, afirma que sob uma perspectiva vulgar do termo
contrato, está-se a tratar de um fato, uma operação econômica e social, enquanto em
uma perspectiva jurídica, fala-se de um instituto que supõe essa operação social e
econômica (seria uma estrutura ou uma forma legal de tal operação). Isso significa: o
contrato não é um objeto estritamente jurídico, porque é influenciado e composto
também pelas “interconexões com outros sistemas sociais (a economia, a política,
etc.)”77, sobretudo ao se considerar que o Código Civil (artigo 421) reconhece o dever
de cumprimento de uma função social pelo contrato.
Nestas palavras, afirma: “para o contrato confluirão várias pretensões
regulatórias, seja da política, seja da economia, seja do direito, ou mesmo da ética”78.
Por isso, reconhece com naturalidade a existência de conflitos em relação ao contrato,
dependendo da racionalidade adotada para enxergá-lo.
Por exemplo, sob o ponto de vista político, o contrato deveria ser uma relação
justa (onde se protegeria o mais fraco); sob a ótica econômica, um “instrumento de
eficiência econômica”; para o Direito, deveria operar “quase um milagre”79, porque
deveria respeitar os direitos fundamentais, sem desconsiderar, por exemplo, as normas
econômicas e o direito de família.
Além disso, a compreensão dos contratos é complexificada ainda mais pela
circunstância de que, em grande parte dos momentos, tais racionalidades serem
excludentes: “daí se falar em ‘politização’ do contrato, ‘análise econômica’ do contrato;
‘moralização’ da relação contratual”80.
Evidentemente, a conclusão não poderia ser outra: todas essas racionalidades são
aspectos (portanto, parciais) de uma mesma estrutura da realidade, que é híbrida,
complexa e “policontextual”.
Assim, é natural que conflitem, no âmbito da relação contratual,
racionalidades políticas, jurídicas ou mesmo econômicas. Concebido o
contrato em sua totalidade ou sistematicidade complexa, é inerente admitir
que isso possa acontecer.81
77
TIMM, Luciano Benetti. Função social do contrato: (...). In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e
Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 109.
78
Idem, p. 110.
79
Idem, ibidem.
80
Idem, ibidem.
44
A esta altura, perquire o autor sobre qual a racionalidade deve prevalecer.
Conclui, na esteira daquilo que fora tratado anteriormente, por uma sincronização das
interferências sob as quais o contrato está submetido. Ressalta, contudo, que, por estar
esse instituto submetido ao meio de mercado, e por ser a Economia uma ciência
preocupada primeiramente com a eficiência (o que significa melhor distribuição de bens
e de serviços que são escassos em relação à demanda humana), é nesta que o operador
jurídico deve encontrar apoio, sobretudo para o contrato não perder sua função (social).
Isto é, exatamente por só poder ser reconhecida a função do contrato no meio para o
qual foi construído e se desenvolveu, não pode o jurídico permanecer alheio ao
mercado. Adverte, “no entanto, a análise do jurista deve ser mais ampla e complexa do
que a pura e simples análise econômica do contrato”82.
O sistema jurídico não pode permanecer independente às “irritações” dos outros
sistemas, que o complementam e, sobretudo, justificam sua funcionalidade, devendo,
por exemplo, as decisões jurídicas considerar o juízo de eficiência econômica (e
igualmente política), além da racionalidade do próprio sistema jurídico.
Em síntese, o autor argumenta:
Diante desse papel central dos tribunais no subsistema jurídico
contratual, devem os julgadores considerar a complexidade normativa do
contrato, em seus diversos planos, levando em conta as mútuas expectativas
reguladas autonomamente pelas partes, as expectativas dos agentes
econômicos no mercado em que é realizado o contrato e ainda as diversas
racionalidades conflitantes que dirigem a ele seu feixe normativo e cognitivo
(ética, política, economia).83
Nesse contexto, o operador do Direito deve vislumbrar a repercussão de suas
decisões nos outros subsistemas sociais, em especial na Economia, “diante da
interconexão sistêmica do contrato com o mercado e com o sistema econômico”84.
Ademais, aduz ser indispensável a adoção dos precedentes judiciais, sob pena de não
81
82
83
84
TIMM, Luciano Benetti. Função social do contrato: (...). In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e
Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 109.
TIMM, Luciano Benetti. Função social do contrato: (...). In: TIMM, op. cit., p. 112. Sobre o assunto,
ver igualmente: TIMM, Luciano Benetti. O Novo Direito Civil: ensaios sobre o mercado, a
reprivatização do direito civil e a privatização do direito público. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2008, p. 63-6 e 113-30.
TIMM, 2005, p. 117-8.
TIMM, Luciano Benetti. Função social do contrato: (...). In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e
Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 118.
45
haver uma integridade no sistema e, por sua vez, a quebra da funcionalidade de
normatizar as expectativas.
Portanto, conclui TIMM, as decisões jurídicas devem ser informadas pelos
diversos sistemas e não podem desconsiderar a importância do precedente, meio capaz
de estabilizar as expectativas85.
Pertinente mencionar, nesse texto, o autor não esclarece precisamente a relação
estabelecida entre o Direito a Economia, transparecendo que o contrato deve ser
considerado e interpretado fundamentalmente pelo viés do mercado e da economia,
embora não se possa instituir uma preferência entre os planos. Uma noção evidente no
texto é a de que o meio jurídico não pode desconsiderar um pressuposto do contrato, a
existência do mercado, e, como conseqüência, a Ciência Econômica, meditadora sobre a
compreensão daquele espaço de trocas. Da análise dos estudos, constata-se a
inexistência de sobreposição ou hierarquização dos subsistemas, permanecendo cada um
com sua autonomia própria, porém sujeitos a “irritações” mútuas.
De qualquer maneira, não se pode perder de vista na análise jurídica de um
contrato os elementos lá contidos de modo a não esquecer a perspectiva dos agentes ao
realizar o negócio, eminentemente econômica. As cláusulas de um contrato, assim como
a lei, buscam a precisão e o atendimento de algum fim mútuo para os contratantes
(sobretudo se o contrato for considerado como meio de cooperação multilateral, para
eliminar as ações não-cooperativas ou o agir estratégico individual 86), fator de
indispensável ponderação quando da análise de um contrato.
Não se pode perder de vista exatamente o motor da realização do negócio: as
condições econômicas. Aliás, a complexidade crescente dos contratos está igualmente a
significar, não só a complexidade das redes de mercado, mas a profunda influência que
o pensamento economicista apresenta nos agentes: sem a complexidade de cláusulas, a
eficiência dos negócios tende a ser menor (porque não são antevistos meios de
solucionar os problemas contratuais).
85
86
Idem, Ibidem.
Para uma sucinta e interessante discussão a respeito dos contratos (natureza econômica dos contratos,
motivações econômicas para contratar, dificuldade no cumprimento dos contratos, indicações de
leitura), ver: AZEVEDO, Paulo Furquim de; SZTAJN, Rachel; ZYLBERSZTAJN, Décio. Economia
dos Contratos. In: SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia: Análise
Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 102-12.
46
As cláusulas funcionam como incentivos, contra-incentivos e controles para que
as partes assumam e se mantenham fiéis ao seus papéis nos acordos. Tal realidade não
pode ser olvidada pelos operadores jurídicos.
2.3 PROPRIEDADE E SUA ANÁLISE ECONÔMICA
Em razão da importância que o Direito de propriedade possui em nossa
sociedade ocidental, os estudiosos da Análise Econômica do Direito não o esqueceram,
sendo outro assunto recorrente nas pesquisas.
Aqui, assume importância um assunto até então sonegado neste trabalho, e que
será tratado de forma parcial, em razão da natureza deste texto: o Teorema de Coase 87.
A idéia inicial (atualmente bastante desenvolvida e criticada) consiste em que, com a
inexistência de custos de transação, as partes que se relacionam buscarão sempre uma
solução eficiente, independentemente de quem seja o proprietário (ou a quem seja
outorgado o direito de propriedade em determinada disputa). Em outras palavras, “que
na ausência de custos de transação, a atribuição dos direitos de propriedade em nada
altera a alocação final dos bens entre as partes”88.
[...] en un mercado en equilibrio, donde existen condiciones de
competencia perfecta, y en ausencia de costes de transacción, las partes
arribarán a una solución eficiente. De ello se deduce que el Derecho está
enfocado a garantizar que funcione el modelo de competencia perfecta: debe
reducir la existencia de fallas de mercado, como las externalidades,
monopolios, garantizar condiciones de libertad y seguridad; en definitiva,
reducir los costos de transacción. Cuando ello no es posible y los costos de
transacción son tan altos que dificultan la solución del mercado, el Derecho
87
88
Para melhor elucidação e aprofundamento de elementos sonegados neste texto, ver: POSNER, Richard
A. Economic Analysis of Law. 7. ed. New York: Aspen Publishers, 2007, p. 50-5; STEPHEN, Frank H.
Teoria Econômica do Direito. Tradução de Neusa Vitale. São Paulo: Makron Books, 1993, p. 26-39;
COASE, Ronald H. The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics, 3, n.º 1, 1960, p. 114. Também é encontrado outro exemplo em: MUELLER, Bernardo; SZTAJN, Rachel;
ZYLBERSZTAJN, Décio. Economia dos Direitos de Propriedade. In: SZTAJN, Rachel e
ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das
Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 84-101.
COELHO, Cristiane de Oliveira. A Análise Econômica do Direito enquanto Ciência: uma
explicação (...). Berkeley Program in Law & Economics. Latin American and Caribbean Law and
Economics Association (ALACDE) Annual Papers (paper 050107-10). Disponível em:
<http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050107-10/>. Acesso: 13 out. de 2007.
47
debe proveer una solución, pero ésta debe ser modélicamente fundada en la
lógica de lo que harían dos sujetos negociando libremente.89
Imagine-se a hipótese de alguém ter uma plantação na qual vive algum tipo de
pássaro, que se alimenta dos predadores das plantas. Ao lado dessa plantação, há um
caçador que serve os pássaros assados em seu restaurante. A caça traz um prejuízo ao
plantador de R$1.000,00, conseqüência de as plantas serem atacadas por predadores,
diante da escassez das aves. Poderia o agricultor instalar uma rede de proteção, para o
vôo dos animais além do âmbito de sua propriedade, pelo valor de R$ 3.000,00. Por
outro lado, o caçador pode estabelecer um criadouro de aves em cativeiro, de modo que
não precise mais caçá-las, por R$ 500,00. Se ambos pararem de realizar suas atividades
produtivas o prejuízo é superior a R$ 3.000,00. Assim, diante de tal problema, releva
saber a quem a lei deve outorgar o direito sobre os pássaros, já que ambos são
interessados e nenhum tem a propriedade garantida sobre os animais.
A idéia de Coase: existindo um direito de propriedade bem garantido e não
havendo custos de transação, as partes irão de forma voluntária atingir o máximo de
eficiência possível.
Pois bem, no nosso caso hipotético, o uso dos recursos seria inegavelmente mais
eficiente com a instalação de um criadouro das aves na propriedade do caçador, porque
é a medida que exige um menor investimento (apenas R$ 500,00). A instalação da tela,
a cessação de qualquer das atividades ou a manutenção do estado atual, todos são
ineficientes em relação ao criadouro, porque apresentam investimentos bem superiores
(alocação ineficiente de recursos). Assim, se for reconhecido o direito do agricultor ter
os pássaros em sua plantação, este somente estará disposto a abrir mão do direito se o
caçador lhe compensar em pelo menos R$ 1.000,00 (que é o seu prejuízo). Assim, o
caçador irá preferir gastar os R$ 500,00 para fazer sua própria criação. Por outro lado,
se for reconhecido o direito de o caçador continuar caçando as aves, o agricultor irá
pagar os R$ 500,00 para a instalação da criação no terreno do seu vizinho, ao invés de
ficar com o prejuízo de R$ 1.000,00.
Perceba-se que, independentemente da decisão (para quem será reconhecido o
direito exclusivo sobre os animais), o resultado alcançado é o mesmo: o de maior
89
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoría de la Decisión Judicial: fundamentos de derecho. Santa Fé:
Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 234.
48
eficiência. O que muda é o resultado da negociação (barganha) entre os interessados
após o reconhecimento do direito em favor de algum. De fato, o detentor do direito
acaba sempre sendo favorecido. O Teorema não se preocupa com a distribuição da
riqueza, apenas com a eficiência econômica (enquanto que o Direito, diga-se, se
preocupa também com a distribuição de riqueza).
Ademais, outra conclusão importante é a que a relação da eficiência da
propriedade seria diretamente proporcional à segurança outorgada pelo sistema legal ao
proprietário (pressupondo-se uma tendência para o uso exclusivo): quanto maior
proteção, mais racional é o uso da propriedade e menores são os gastos, por exemplo,
com proteção em relação às demais pessoas.
Em resumo, a tendência dos doutrinadores (Posner, Coase) está na compreensão
de que, para haver eficiência em relação aos direitos de propriedade, esses devem ser
universais, de uso exclusivo (afastando-se os demais, elidindo a ocorrência do natural
descaso pelos bens comuns da sociedade) e transferíveis, permitindo a circulação dos
bens e a aquisição de maior lucratividade. A tônica é elevar sempre a produtividade.
Contudo, Frank Stephen desconsidera a universalidade, porque muitos bens são
naturalmente comunitários: o ar atmosférico, por exemplo. Apresenta, também, um
exemplo relativo à pesca nos oceanos.
A atmosfera é um recurso que está sendo usado para absorver
materiais inúteis originados da produção: por exemplo, a fumaça. [...] Como
ninguém pode possuí-lo e todos podem usá-lo, ninguém tem incentivo para
usá-lo eficientemente. O custo da poluição na atmosfera não recai sobre o
poluidor – é um bem gratuito e, por conseguinte, ao decidir seu nível de
produção, o indivíduo não conta com esse custo. Conseqüentemente ele o
usará o máximo possível.90
Em relação à pesca, assim segue o autor: “os estoques de peixes não são
possuídos por ninguém, por conseguinte, ninguém tem um incentivo para administrá-los
eficientemente, para fazer sua manutenção a longo prazo etc”91.
Prosseguindo, apresenta exemplos comprobatórios que também contrariam a
idéia da exclusividade. Indica casos nos quais a eficiência fora superior pelo uso não90
91
STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. Tradução Neusa Vitale. São Paulo: Makron
Books, 1993, p. 14-5. Pertinente referir que a regulamentação da poluição não invalida o argumento, já
que a utilização da poluição tende a ser a máxima dentre os limites permitidos.
STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. São Paulo: Makron Books, 1993, p. 15.
49
exclusivo em relação ao uso exclusivo, como nos casos dos campos petrolíferos da
costa americana e da pesca da lagosta. Justifica seu posicionamento argumentando que
muitas vezes o interesse particular tende a acarretar um interesse anti-social.
No caso da pesca de lagosta, por exemplo, porque o explorador particular busca
maximizar seus lucros pelas vendas, gerando um excesso desnecessário de pesca, não
devidamente consumida. Em relação ao petróleo, porque a produção só gera a
propriedade quando retirado do solo, estimulando os exploradores individuais a explorar
os campos com a maior agilidade possível. Essa competição pela maior produção
(maximização dos lucros) “reduz a pressão da superfície, e o gás natural dissolvido no
petróleo se desprende da solução, reduzindo a mobilidade do petróleo e deixando
algumas reservas permanentemente retidas abaixo do solo”92. Para este caso, a solução
foi a concessão do direito exclusivo de administração e extração do petróleo, regulado
pelo Estado, gerando uma produção mais eficiente, embora a renda proveniente não seja
exclusiva.
Essas idéias remontam a outro problema considerável na análise do Direito: o
elemento subjetivo das partes.
Não é possível, especialmente quando se fala em Justiça ou, mesmo, legalidade,
aferir a eficiência de um negócio por intermédio do potencial econômico que a relação
detém. O elemento subjetivo das partes, como a intenção, as expectativas, as
finalidades, é de extrema relevância para o Direito, enquanto que não é passível de
medição econômica.
Embora tratando da antiga discussão sobre qual sistema seria mais eficiente
economicamente, entre o da Common Law e o de influência romano-germânica93,
citando Hirsh, Érica Gorga, apresenta crítica aos pressupostos dos modelos tendentes a
encontrar maior eficiência no direito consuetudinário, elencando pontos de ineficiência
sob o viés da psicologia e da economia comportamental. Tais pontos, que seguem,
constituem forte crítica contra a noção de eficiência econômica, cuja pretensão é ser
92
93
Idem, p. 18-9.
Aliás, discussão que rendeu muitas páginas escritas e já rompeu com a idéia inicial de Posner sobre a
prevalência do sistema da Common Law. Para aprofundar a problemática atual, ver: GORGA, Érica;
SZTAJN, Rachel. Tradições do Direito. In: SZTAJN, R. e ZYLBERSZTAJN, D. (org). Direito &
Economia: (...). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 137-96, e ANDONOVA, Veneta; ARRUMADA,
Benito. Instituições de mercado e competência do Judiciário. In: SZTAJN, op. cit., p. 197-227.
50
absorvida pelo Direito:
(a) viés de status quo (status quo bias), ou seja, a tendência de as
partes superavaliarem os direitos e coisas que já têm, o que leva as partes a
colocarem um prêmio no valor da situação do status quo, seja ele eficiente ou
ineficiente; (b) efeitos de custos irrecuperáveis (sunk-cost effect), que induz
as partes a gastarem mais devido ao medo de “perderem” o já gasto; (c)
vieses egocêntricos (self-serving or egocentric biases) os quais levam as
partes a superavaliarem suas chances de vitória. Outras barreiras psicológicas
incluem: (d) o problema do enquadramento (framing), segundo o qual os
autores tendem a ser risco-aversos porque encaram a solução extrajudicial
(settlement) como um ganho, enquanto os réus tendem a preferir o risco
porque encaram tal solução como uma perda; (e) busca de eqüidade (equity
seeking), quando as partes buscam apoio moral para as suas defesas; (f)
desvalorização reativa (reactive devaluation), quando as partes não desejam
“parecer perder” diante do adversário; (g) aversão a arrependimento (regret
aversion), quando ocorre o desejo de evitar a situação de saber e se
arrepender de ter tomado a decisão errada. Todos esses processos cognitivos
podem provocar distorções no processo de decisão das partes, induzindo-as a
resolver seus conflitos fora ou dentro das cortes, o que interferirá no processo
evolutivo do direito.94
Isto significa, minimamente, que uma análise de eficiência econômica (se de
possível aferição) não significa uma eficiência jurídica em termos estritos, já que um
negócio poderia ser juridicamente ruinoso e economicamente eficiente. Para
exemplificar, pode-se pensar em uma simulação de negócio jurídico, onde poderia haver
uma grande eficiência econômica, haja vista o fato de as partes atingirem plenamente
seus objetivos, enquanto que juridicamente o negócio seria nulo (acarretando no futuro
um grande risco econômico, que seria a insegurança).
Além disso, a medição da eficiência sob o ponto de vista econômico, esbarra na
condição pessoal de riqueza das partes (alocação inicial da riqueza), gerando uma
insegurança para a própria validade da “aferição da eficiência”. Por exemplo,
Assim, se o senhor A deseja pagar 10 libras por uma entrada de teatro e a
senhorita B deseja pagar somente 8 libras pela mesma entrada, pode-se
deduzir que o senhor A tira mais vantagem de ter uma entrada do que a
senhorita B. Conseqüentemente, o bem-estar da sociedade é maior se o
senhor A possuir o bilhete. Entretanto, a maioria das pessoas aceitaria que o
valor da vantagem da renda L1 é diferente para pessoas de níveis de renda
diferentes. Se levado a extremos, uma libra a mais para um milionário
produzirá menos vantagem do que uma libra a mais para uma pessoa pobre.
Assim, se o senhor A é muito rico e a senhora B é muito pobre, a vantagem
representada pelas 10 libras do senhor A poderia presumivelmente ser menor
do que a representada pelas 8 libras da senhorita B. Assim, o desejo relativo
de pagar pode não representar a vantagem relativa aos ganhos, e a oferta aos
consumidores, medida em termos de dinheiro, pode não ser a mesma em
94
GORGA, op. cit., p. 167-8.
51
termos reais para pessoas com rendas diferentes.95
Outro questionamento em relação à eficiência está na seguinte afirmação: em um
mundo de mercado, a decisão judicial deixa de ser em si um elemento de pacificação
social. Perceba-se que analisando-se um caso pela perspectiva exclusiva da eficiência
(como a aplicação do Teorema de Coase), qualquer decisão judicial apresentada por um
órgão do Poder Judiciário é apenas um começo para a solução (porque, ao se estabelecer
a solução central da controvérsia, as partes ainda tendem a fazer outras distribuições).
A cognição judicial é sempre limitada àquelas informações integrantes do
processo, o que também depende do interesse das partes de lá agregar informações. Pois
bem, considerando que na generalidade dos casos o conteúdo do processo é limitado em
relação ao mundo fático (desconsiderando inclusive os eventuais problemas de cognição
do magistrado, de expressão lingüística dos envolvidos, etc.) a decisão judicial
invariavelmente não seria a melhor opção em termos de eficiência e poderia ser sempre
diferente (ou melhor) de acordo com os elementos levados ao juiz. E mais: sempre
poderia ser negociada entre as partes num momento posterior, de modo a melhorar a
ainda mais a situação de ambos. A conclusão inexorável é que, em situações normais,
não há como aferir a eficiência de (ou “em”) uma decisão judicial (porque pressupõe
uma gama de informações existentes e não levadas à juízo).
Atinge-se, no máximo, uma “eficiência”, não absoluta (porque a vida permite a
ocorrência de novas modificações mais eficientes): significando que uma decisão
jurídica, ao adotar critério diferente da perspectiva econômica também pode ser
“eficiente” (atingindo um ou o mesmo resultado encontrado pela solução econômica).
Relevante ponto a ser questionado, diante da suposta autonomia existente entre a
Economia e o Direito consiste em perquirir acerca da obrigatoriedade ou não dos
tribunais adotarem o viés econômico em suas decisões. A idéia inicial, seria de
defasagem social do Poder Judiciário quando não reconhece a importância das lições
econômicas em suas decisões.
Entretanto, a autonomia entre os subsistemas permite questionar qual deve ser o
resultado de um determinado caso, quando a atividade é plenamente aceita
95
STEPHEN, Frank H. Teoria Econômica do Direito. São Paulo: Makron Books, 1993, p. 53.
52
juridicamente, porém é absolutamente ineficiente economicamente. Em outras palavras,
qual deveria ser a solução, quando o jurídico é contrário à eficiência econômica.
Aliás, sob certa perspectiva, Richard Posner reconhece essa realidade:
Não é obviamente ineficiente permitir pactos suicidas; permitir a
discriminação privada racial, religiosa ou sexual; permitir que se mate o
passageiro mais fraco de um barco salva-vidas para dele se alimentar em uma
situação de desespero; forçar pessoas a se auto-incriminar; chicotear
prisioneiros; permitir a venda de crianças para adoção; permitir a tortura para
a extração de informações; permitir o uso de força letal para defender
interesses puramente de propriedade; legalizar a chantagem; ou dar a
oportunidade para que condenados criminais escolham entre o cárcere ou
participar de experimentos médicos perigosos. Todas essas idéias ofendem o
senso de justiça dos Americanos modernos, e todos esses casos são
concebidos, em maior ou menos extensão (normalmente maior extensão),
como ilegais. Neste livro haverá um esforço para explicar algumas dessas
proibições em termos econômicos, mas muitos não podem ser assim
explicados. Evidentemente, há mais de justiça que economia nesses casos, e
este é um ponto que o leitor deve ter em mente ao analisar as declarações
presente neste livro.96
Portanto, a advertência não pode ser desconsiderada pelos estudiosos: muito
daquilo que é afeto ao Direito, não pode ser considerado sob a ótica econômica, porque
o resultado é manifestamente incompatível com o desenvolvimento jurídico atual.
Primeiramente, é possível pensar, havendo implicações entre os subsistemas
sociais, algo não poderia ser jurídico e ineficiente ao mesmo tempo, de forma que a
mácula da ineficiência tornaria a atividade por si só antijurídica. O problema dessa
concepção é de que haveria uma subordinação do jurídico ao ideal econômico. Em
segundo lugar, seria viável pensar na prevalência do jurídico, impondo a aceitação da
atividade ou ação ineficiente ao econômico. Aqui, a discussão recai novamente sobre a
hierarquia entre os subsistemas, e, mais, significaria que o viés econômico seria apenas
uma sugestão ou orientação para ser adotada em determinados casos.
96
Tradução livre de: “It is not obviously inefficient to allow suicide pacts; to allow private
discrimination on racial, religious, or sexual grounds; to permit killing and eating the weakest
passenger in the lifeboat in circumstances of genuine desperation; to force people to give selfincriminating testimony; to flog prisoners; to allow babies to be sold for adoption; to permit torture to
extract information; to allow the use of deadly force in defense of a pure property interest; to legalize
blackmail; or to give convicted felons a choice between imprisonment and participation in dangerous
medical experiments. Yet all these things offend the sense of justice of modern Americans, and all are to
a greater or lesser (usually greater) extent illegal. An effort will be made in this book to explain some
of these prohibitions in economic terms, but many cannot be. Evidently there is more to justice than
economics, and this is a point the reader should keep in mind in evaluating normative statements in this
book.” POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 7. ed. New York: Aspen Publishers, 2007, p.
27.
53
Em termos mais teóricos, a relação constatada acima intenta estabelecer os
limites do funcionalismo. É que, sob aquele aspecto, os fins do Direito não estão em si,
mas em outros sistemas circundantes, fins externos e sociais, que o influenciam,
transformando-o em um instrumento social. Conseqüentemente,
a economia, assim como outras ciências, estudariam, e concluiriam sobre
quais fins a sociedade necessita, e, o instrumental direito privado e seus
institutos deveriam, de forma subsidiária, conformar-se a tais fins97.
A imbricação que a tese funcionalista pretende implicar no Direito é claramente
demonstrada pelo estudo de Rafael Dresch, referente à influência da economia no
âmbito da responsabilidade civil.
2.4 CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA, RESPONSABILIDADE CIVIL E ECONOMIA
Rafael Dresch traça uma linha comparativa entre o papel da Economia em um
sistema jurídico formalista e em outro funcionalista, mediante o estudo da justiça
corretiva e distributiva, respectivamente.
Afirma que, ao contrário do sistema formalista (onde a economia não pode
fornecer qualquer objetivo ao instituto da responsabilidade civil), na ótica funcionalista
(que muito se aproxima da justiça distributiva), a economia tem muito a contribuir: a)
fixando o “objetivo da responsabilidade civil (maximizar o valor comum de bens e
serviços)”; e b) “determinar a análise dos custos decorrentes dos acidentes e dos
participantes que poderiam evitar os riscos destes acidentes”98.
O autor adota como exemplo de funcionalista a teoria de Posner, tratada
sucintamente acima, para quem, quando se trata de determinar a responsabilidade de
pessoas que interagem, deve-se escolher pela hipótese que gere uma maximização do
valor dos bens, única oportunidade em que o Direito é verdadeiramente justo (porque
deve servir para maximizar a riqueza). A análise, por conseguinte, deve buscar uma
97
98
DRESCH, Rafael de Freitas Valle. A influência da economia na responsabilidade civil. In: TIMM,
Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 125.
DRESCH, Rafael de Freitas Valle. A influência da economia na responsabilidade civil. In: TIMM,
Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 137.
54
distribuição eficiente dos custos do acidente, dos custos para avaliar esses custos e dos
custos de prevenção dos riscos: “capacidade de evitar os riscos do acidente”99.
Assim sendo, para pensar uma distribuição com base no critério da
igualdade, numa comunidade pluralista, necessariamente, deve-se analisar as
qualidades dos participantes da distribuição, sobretudo, analisar os méritos e
as necessidades desses participantes em relação aos bens e encargos a serem
distribuídos. [...]
A justiça distributiva, pelo exposto, está delimitada numa mediana a
ser definida entre quatro termos de uma relação, sendo que dois representam
o mérito dos sujeitos e outros dois a máxima e a mínima quantidade de um
bem ou encargo.
Assim, a distribuição será justa quando atentar para a mesma
igualdade entre as porções dos encargos (como custos decorrentes de
acidentes) e os sujeitos (com base na capacidade de evitar riscos). [...] Assim,
aquele que detém maior possibilidade de evitar os riscos de acidentes deve
receber maior parte dos custos decorrentes desses acidentes. [...] A economia,
na concepção de Posner, atua tanto na definição e na compreensão da
finalidade do instituto da responsabilidade civil, quanto na análise dos
elementos internos da definição de responsabilidades.100
O estudo do autor demonstra com clareza, sob tal perspectiva, a submissão do
Direito à eficiência econômica, parâmetro a ser adotado para aferir a justiça de
determinada ação ou decisão. A responsabilidade civil assimilaria o conhecimento
econômico, que forneceria os objetivos do instituto (objetivos externos ao Direito), o
conteúdo e a linguagem capaz de permitir o estudo dos objetivos; portanto, tais influxos
afetariam a autonomia do Direito, exatamente porque os objetivos e fins do Direito
seriam concebidos de forma última pela economia.
Afinal, ao invés de perguntarmos quem causou determinado prejuízo
devemos questionar como o modelo jurídico poderia minimizar os custos
com o acidente. O direito deve ser eficiente, e mede-se essa realidade pela
maximização da riqueza.101
Ademais, ainda que concebível essa perspectiva, cabe perguntar a respeito da
influência dos demais subsistemas no jurídico e no econômico (que delimitaria o
jurídico). Uma visão economicista como a ora discutida se apresenta de forma
absolutamente parcial, porque, além de desconsiderar os fins específicos do Direito,
igualmente desconsidera as “irritações” dos outros subsistemas, o que provavelmente
retiraria a coerência do texto e das conclusões apresentadas.
99
Idem, p. 136.
Idem, p. 136-7.
101
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e Economia: introdução ao movimento Law and
Economics. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10255>. Acesso: 21 ago.
2007, p. 11-2.
100
55
Ora, talvez até mais que outros institutos civis, a responsabilidade civil é em
grandes proporções influenciada pela política, pela moral, pelos costumes, o que é
facilmente comprovado: basta pensar na “fragmentação” da responsabilidade civil, na
qual, dependendo da característica da relação material ou do sujeito envolvido com o
evento, há uma modificação do regime legal aplicável (por exemplo, responsabilidade
subjetiva, subjetiva com culpa presumida, objetiva, risco administrativo).
Portanto, a menos que a eficiência econômica já tenha influenciado o instituto e
a existência de diversas modalidades de responsabilização sejam conseqüência de uma
influência prévia (que já foi considerada pelo legislador), não há como conceber uma
aplicação uniforme de um modo de responsabilização (o mais eficiente) ou desvirtuar as
escolhas realizadas pelo Poder Constituinte e pelo legislador infraconstitucional
(adotando-se um modelo mais eficiente; porém diferente do escolhido), simplesmente
porque se operaria à revelia da Constituição e da legislação.
Embora a eficiência seja um critério válido e muito perspicaz em um ambiente
de escolha limitado, não há como adotá-lo sem considerar a realidade jurídica já
existente (como no caso brasileiro). O sistema jurisprudencial é visivelmente diferente.
Ademais, não são passíveis de desconsideração os resultados encontrados por
Shavell102, e também por Posner103, no sentido de que, dependendo do caso em análise,
uma regra de responsabilidade pode ser mais viável em relação a outra (inclusive, há
referência em casos que são iguais, mudando-se apenas a situação pessoal dos
envolvidos), sendo difícil aplicar homogeneamente apenas um critério. Não há como
aplicar a eficiência para todos os casos (talvez para uma maioria).
Para elucidar um pouco melhor essa questão, é cabível referir sobre a utilidade
marginal decrescente.
Ésta puede ser considerada como el aumento de la utilidad total que
reporta el consumo de una unidad adicional del bien en cuestión. De este
modo, el individuo obtiene una utilidad marginal decreciente de un bien si
cada unidad adicional que consume eleva la utilidad total menos que la
unidad anterior. El primer bien que uno compra da más satisfacción que el
102
103
SHAVELL, Steven. Economic Analysis of Law. New York: Foundation Press, 2004, p. 37-59.
POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. New York: Aspen Publishers, 2007, p. 167-214.
56
décimo bien de la misma clase que adquiere, porque puede estar
satisfecho.104
Há diversos exemplos práticos que podem ser colocados aqui, como a compra
sucessiva de alimentos para saciar a fome: quando se está com fome, a utilidade do
primeiro alimento é muito grande. Todavia, proporcionalmente à quantidade de comida
ingerida, sua utilidade vai diminuindo, exatamente porque se está com menos fome (até
chegar em um patamar de nenhuma utilidade para o alimento: o sujeito está plenamente
satisfeito – podendo até ser prejudicial, como elevar a gordura e o peso).
Esse raciocínio pode ser utilizado para se chegar a um ponto ideal entre o grau
de freqüência de uma atividade social útil que traga risco social: ou seja, pode-se
estabelecer um nível no qual a vantagem da atividade é maximizada enquanto os riscos
de provocar danos são minimizados (um equilíbrio). Esse, seria, então, o ponto ótimo de
comportamento social (relação entre o ótimo nível de cuidado com o ótimo nível de
atividade).
O importante é que a exigência de um nível ótimo de cuidado gera uma redução
dos prejuízos e ocorrência negativas. Entretanto, dependendo da regra de
responsabilização adotada (como referido no primeiro capítulo), não há o estímulo para
se alcançar um nível ótimo de atividade, deixando-se grandes ensejos para a ocorrência
de acidentes (que, no caso, não seriam indenizados, porquanto regidos pela regra da
responsabilidade – onde se exige apenas o cuidado devido).
Sobre a ótica da responsabilidade estrita e, assim como a da
negligência, os ofensores tendem a adotar os níveis ótimos de cuidado.
Contudo, quando se trata da regra da negligência, os ofensores tendem
igualmente a elevar o nível de extensão de suas atividades, porque não
indenizam pelas perdas dos acidentes que causarem.105
Assim, em conclusão, dependendo da atividade exercida não haveria
inconvenientes em apenas se respeitar o nível ótimo de cuidado (talvez na maioria dos
104
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoría de la Decisión Judicial: fundamentos de derecho. Santa Fé:
Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 236.
105
“Under both strict liability and the negligence rule, injurers are led to take socially optimal levels of
care. But under the negligence rule, they engage in their activity to too great an extent because, in
contrast to the situation under strict liability, they do not pay for the accident losses that they cause.”
In: SHAVELL, Steven. Economic Analysis of Law. New York: Foundation Press, 2004, p. 46.
57
casos, como afirma Shavell), mas não se pode desconsiderar a importância da minoria,
cujos inconvenientes são bastantes para reduzir (ou afastar) aquela aplicação.
Aliás, provavelmente em razão da dificuldade em se migrar as regras alienígenas
para o direito brasileiro é que o âmbito da responsabilidade civil não é estudado com o
mesmo afinco que os demais pela doutrina nacional. Desponta principalmente aqui a
intenção de aplicar altos valores como pena (punitive damages) para que determinado
agente modifique sua conduta social (um desestímulo econômico grave para o agente
não repetir a mesma atitude, por exemplo). O instituto não se resume apenas a isso,
porém, de qualquer forma, não é novidade doutrinária no Brasil.
2.5 DIREITO E ECONOMIA SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DOS
SISTEMAS DE CRISTIANO CARVALHO
Cristiano Carvalho se propôs a estudar a Teoria do Sistema Jurídico, traçando
sua relação com os demais sistemas sociais.
Segundo o autor, a teoria sistemática deveria cumprir, pelo menos, a função de
delimitar categorias fundamentais e universais da ordem jurídica, analisar o nexo de
suas partes com o todo e examinar a relação que o sistema jurídico possui com os outros
subsistemas sociais106. Como subsistemas, devem ser considerados, dentre outros, a
economia, a política, a religião, a moral.
Assim, demonstra em sua fundamentação (já encontrada em Luhmann) que o
sistema jurídico é aberto cognitivamente (na medida em que recebe informações dos
demais sistemas) e fechado operacionalmente (por seu funcionamento interno ser
previsto por intermédio de suas próprias normas), características necessárias para
garantir a manutenção do sistema, que é capaz de adaptar-se e detém um equilíbrio
interno (homeostase). Ressalta: o fechamento operacional não significa isolamento,
106
CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico – direito, economia, tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 25.
58
mas, sim, interdependência: “o sistema social como um todo é formado por essas interconexões entre os subsistemas: um estimula a auto-reprodução do outro”107.
O mecanismo de auto-produção se utiliza da auto-referência. Isso significa: a
capacidade de gerar um equilíbrio interno, bem como de se reproduzir, exigem que o
sistema leve em consideração as suas normativas internas, prescribentes de como deve
se modificar e determinadoras de algumas limitações. A troca de mensagens entre os
sistemas gera uma necessidade adaptativa para os novos tempos, mas a mecânica das
modificações dentro dos murros de um sistema ocorre segundo suas próprias normas.
O sistema do Direito seria, então, autopoiético (assim como o da Economia).
A conseqüência da autopoiese para o domínio jurídico é a
consagração da sua autonomia sistêmica, em relação aos demais sistemas
sociais. Desta forma, não se pode falar em manipulação econômica ou
política do direito. Atos econômicos ou atos políticos não fazem atos
jurídicos. O sistema jurídico não tem outputs; a influência dos demais
sistemas não é direta ao sistema jurídico. Pode, quando muito, “estimular”
modificações neste. [...] O fato de o sistema adotar um código valorativo
binário [no caso, lícito/ilícito] para processar as mensagens que recebe do
ambiente é fundamental para manter sua identidade. Assim, mesmo que o
sistema econômico influencie o sistema jurídico, este não produzirá atos
comunicativos econômicos, mas sim jurídicos, consoante os seus próprios
critérios de produção.108
Reforça sua exposição com Hans kelsen, quando igualmente aduzira a exigência
da Teoria Pura do Direito por autonomia e por auto-reprodução do Direito, pelo respeito
a suas próprias prescrições, fixadoras de critérios para sua própria modificação109.
Sob o ponto de vista da relação entre os subsistemas, Cristiano Carvalho é
defensor aguerrido da não-intervenção do Direito na Economia, a qual, para bem
funcionar, deve estar livre de interferências externas daquele. É verdade, apresenta farta
fundamentação sustentando seu parecer, sinteticamente assim explicitado:
107
Idem, p. 126.
Idem, p. 130-1.
109
Nestes termos afirma Kelsen: “particularidade que possui o Direito de regular a sua própria criação.
Isso pode operar-se de forma a que uma norma apenas determine o processo por que outra norma é
produzida. Mas também é possível que seja determinado ainda – em certa medida – o conteúdo da
norma a produzir. Como, dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na
medida em que foi produzida de uma determinada maneira, isto é, da maneira determinada por uma
outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a
norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada
pela imagem espacial da supra-infra-ordenação”. In: KELSEN, HANS. Teoria Pura do Direito. São
Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 240.
108
59
A Teoria do Caos não nega as relações de causalidade. Porém,
afirma que, pela dependência sensível das condições iniciais, não é possível
prever quais efeitos surgirão. Se ficássemos nas meras previsões, o dano não
seria tão grave. Porém, as previsões, quando advêm do detentor do poder
político, geralmente têm cunho prescritivo ao utilizarem o ordenamento
jurídico como tecnologia coercitiva. E pior, os “planos” para dominar
racionalmente tais sistemas, na pior tradição racional-construtivista, sempre
criticada por pensadores do porte de Friedrich Hayek, além de serem inúteis,
têm quase sempre efeitos maléficos: ao querer impor um determinismo
artificial, podem gerar ruído capaz de desintegrar tais sistemas.
Destarte, o máximo que um “plano” pode conseguir fazer é
perturbar um sistema, nunca dominá-lo. O sistema jurídico, ao tentar impor
esse determinismo de que já falamos, estará fazendo o direito positivo: ao
juridicizar a economia, estará criando normas jurídicas, i.e., mensagens
imperativas, potencialmente perturbadoras do equilíbrio homoestático [sic]
do sistema econômico, pois poderá obrigar o sistema a adotar comportamento
distinto daquele que adotaria espontaneamente. Porém não estará criando a
ordem econômica, que é espontânea (e não coercitiva). Não logrará dominar
o sistema econômico que tem identidade própria; pode destruí-lo, não
dominá-lo. Se assim não fosse, ter-se-ia que admitir que o sistema artificial
do direito, pertencente à ordem do dever-ser, poderia controlar efetivamente a
ordem do real, do ser das condutas. E sabemos, desde David Hume, que tal
pretensão é impossível.110
Na verdade, assume o autor o suposto que, assim como o sistema jurídico, o
sistema econômico é complexo e caótico: portanto, sujeito a instabilidades. A idéia,
entretanto, não é pejorativa, porque a noção de caos é exatamente o necessário para
gerar um novo estado de coisas, melhor que o anterior. É um gatilho para gerar uma
modificação sobrelevadora do problema, modificando o sistema.
Em tal contexto, a intervenção do jurídico no econômico abala a ordem natural
das coisas, significando a ineficiência dos mecanismos de auto-controle próprios do
setor econômico111. Aponta uma impossibilidade prática: sendo a ordem econômica
espontânea, é extremamente complexa e dinâmica, não sendo possível a realização de
pré-visões. É possível uma regulação dos atos que estão acontecendo 112, mas é inviável
estabelecer movimentos futuros (inclusive, porque tendem a evitar a aplicação do
110
CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico – direito, economia, tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 118-9.
111
CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico – direito, economia, tributação. São Paulo:
Quartier Latin, 2005, p. 248. Em outro trecho, afirma que: “A auto-regulação de um sistema econômico
tem de vir de dentro do próprio sistema, é endógena. Uma economia de mercado, ou [...], uma
economia mista, semi-livre, é autopoiética, pois regula a si própria, produz seus próprios elementos e é
auto-referencial. Por isso a sua regulação não pode ser externa, como pretendem os apologistas da
intervenção estatal na economia. Apenas um sistema alopoiético necessita que sua regulação seja
externa, por isso tem a capacidade de se auto-reconstruir. Intervenções externas em sistemas
autopoiéticos acabam trazendo ruído, mesmo que a intenção seja a oposta.” In: CARVALHO,op. cit., p.
269-70.
112
Idem, p. 271.
60
Direito, realizando outras atividades, economicamente mais vantajosas, e há uma
tendência de reduzir a liberdade de experimentação prática e de progresso).
Igualmente, o autor aponta que o sentido inverso também não é viável:
Cabe ressaltar que é preciso ter cautela na utilização das ciências
interdisciplinares, sob o risco de se confundir a aplicação metodológica de
cada Ciência em particular. Não há problema, por exemplo, em utilizar-se o
método econômico para interpretar o direito, desde que o intuito seja fazer
Ciência da economia. Já a aplicação da metodologia das ciências econômicas
no campo do Direito, com o intuito de fazer Ciência jurídica, acarretaria
resultados funestos ao conhecimento do objeto pretendido.113
Ademais, o autor critica a concepção de “Justiça Social”, pela vagueza de seu
conteúdo, além de significar que necessariamente alguém deve indicar os passos a
serem tomados pelos demais, na intenção de atingir o objetivo igualitário (uma elite
dominadora das regras, indicadora de resultados a serem alcançados, e não apenas das
regras do jogo, como pretende o autor)114.
Contudo, esse é o mecanismo pelo qual nossa sociedade é estruturada. O Poder
Político, atuante da forma prevista na Constituição, estabelece, considerando os limites
e objetivos lá impostos, a forma com que o Estado e as pessoas em geral devem agir, o
que acaba sendo levado para o âmbito jurídico. A juridicização é a garantia do respeito
às decisões políticas tomadas pelos representantes do povo.
Perceba-se, entretanto, a inexistência de total liberdade de o Poder Político
estabelecer resultados sociais: seu agir deve encontrar respaldo nos limites estabelecidos
na própria Constituição (que também pode ser emendada em parte, é verdade, ou seja,
alguns conteúdos podem ser razoavelmente manipulados).
Inobstante, a crítica realizada pelo autor é a mesma apresentável contra a Law &
Economics. De fato, essa busca modificar as regras do jogo de aplicação das normas
jurídicas para garantir que o resultado esperado seja alcançado (aumento de riqueza,
eficiência). Isto é, busca incutir no sistema jurídico regras e meios interpretativos para
garantir a obtenção do resultado econômico pretendido. Resultado que não é o único
previsto em nosso sistema jurídico e para o qual ainda não há evidências científicas
capazes de indicar ser um efetivo meio para viabilizar os demais fins do Direito.
113
114
Idem, p. 53.
Idem, p. 235-40.
61
Ressalta o autor: a interferência entre os subsistemas seria um “ruído”, que
atrapalha o sistema comunicacional, prejudicando, por sua vez, o conteúdo da
mensagem (gerando, por exemplo, acontecimentos indesejados quando o Direito
pretende regular a Economia e quando há excesso de tributação). O ruído é algo
considerado essencialmente negativo. A questão que urge é se um ruído não pode
transformar uma mensagem em um resultado positivo? Explica-se: havendo o
recebimento de uma determinada mensagem com ruído, é factível que sua interpretação
levasse a um objetivo positivo, e não necessariamente a um negativo. Ou, mesmo,
apenas parte da mensagem recebida seria o suficiente para criar no recebedor uma idéia
nova, capaz de trazer fins positivos. Logo, de algo essencialmente negativo pode nascer
algo positivo.
A doutrina da Análise Econômica do Direito no Brasil, de um modo geral,
critica a intervenção indevida do Poder Judiciário para “proteger” os inquilinos, porque
seria um desestímulo aos proprietários para alugar seus bens, gerando uma escassez no
mercado de imóveis para alugar e uma “óbvia” elevação de preços. Sustentam uma
menor proteção, significando uma mais fácil retirada do inquilino inadimplente do
imóvel (e da cobrança das dívidas), para os preços dos aluguéis diminuírem e para a
existência de uma maior concorrência. Assim, os proprietários ficariam alegres pela
segurança em receber os alugueres e os inquilinos pela amenização dos preços.
Consideremos como perfeita a lógica da demanda proposta e a assimilação da
intervenção do Judiciário como um ruído.
Nada indica que seria mais valioso para o inquilino pagar uma quantia menor.
Ora, bastaria realizar uma pesquisa empírica realizando o seguinte questionamento:
“Você prefere pagar menos pelo aluguel ou pagar mais e ter a certeza de que não será
despejado com facilidade, na hipótese de você não ter (ao menos temporariamente)
condições de adimplir com a obrigação?”. A escolha da pergunta é crucial. Nesse caso,
elegeu-se uma que carrega outros componentes além do questionamento puramente
econômico (componentes valorativos éticos – com os quais o Direito se preocupa). Por
outro lado, e essa deve ser a suposição adotada para se eleger os menores preços como
vantagem, se perguntarmos aos inquilinos simplesmente se “preferem pagar menos pelo
aluguel, podendo fazê-lo”, a unanimidade de perguntados responderia positivamente.
62
Isso demonstra a limitação de conhecimento em relação às conseqüências da
escolha existente no momento em que realizada. Basta demonstrar que a escolha
importa em uma renúncia, que a solução encontrada diferiria em grande proporção.
Fazendo uso da própria linguagem econômica, se alguém está pagando menos é porque,
ou está comprando menos, ou porque alguém mais está pagando a conta.
E, mais: o sistema jurídico se preocupa também com o resultado do despejo.
Alguém perdeu a sua casa e precisa morar em outra. Diga-se, é muito mais difícil
encontrar um novo lugar quando se está endividado e despejado (porque o sistema
econômico se protege contra a inadimplência) a restabelecer a relação inquilinoproprietário. O restabelecimento da relação desponta como algo com menos custos de
transação, enquanto o despejo descarrega todos os custos no inquilino (acarretando
problemas socialmente graves, porque a perda de uma residência afeta todas as ligações
sociais da família, como trabalho, a saúde, a própria relação familiar). É dispensável
dizer que a dignidade da família estaria afetada (ainda que eventualmente não fosse
amparada pelo sistema), embora o proprietário estivesse em uma situação jurídica de
excelência (se não recebeu, ao menos pode alugar para alguém que o pague).
Tal discussão remonta a um assunto já apontado em momentos anteriores: a
importância do alcance do Direito. Uma análise econômica do Direito realizada pelo
Poder Judiciário pode ser efetivamente benéfica socialmente, como muitas vezes a
doutrina aponta que o é.
O inconveniente está numa análise econômica realizada individualmente,
oportunidade em que pode trazer a colisão de interesses e a prevalência da lógica do
mais forte. A vida é rica em exemplos nesse sentido (e o Direito adota a idéia como
pressuposto quando regula a situação do trabalhador, do consumidor, do idoso).
Esta lição, que se refere ao utilitarismo, continua apresentando elevada
atualidade: “Mas se, além disso, as relações dos indivíduos com os demais só têm
sentido como meio para o alcance dos fins de cada um deles, elas se tornam duplamente
subjetivas – e, como se pode supor, potencialmente disruptivas”115. Perceba-se que, no
nosso caso do aluguel, o inquilino representa uma fonte da renda “a qualquer custo”
115
OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de; QUINTANEIRO, Tania. Labirintos Simétricos:
introdução à teoria sociológica de Talcott Parson. Belo Horizonte: UFMG, 2002, p. 29.
63
para o locador (porque o inadimplemento geraria uma fácil “exclusão” do inquilino);
para o locatário, a situação é de uma fonte de moradia, somente e enquanto fizer os
pagamentos em dia. Deve haver um equilíbrio: o inquilino que não paga suas dívidas
quando tem condições, deve ser retirado com certa facilidade; aquele que não está com
condições de adimpli-las, deve receber um tratamento diferenciado. E é papel do
sistema jurídico tratar dessa ponderação, não da Economia.
A sociedade é uma coletividade porquanto possui valores
institucionalizados, uma cultura comum que deve ser mantida. Sendo
também formada por um sistema de normas coerente que, numa sociedade
moderna, pode chegar a ser “legal, integrado e administrado por tribunais”.116
Ademais, a atual fase de integração mundial, de fato, vem abalando diversas
certezas e gerando uma miscigenação de valores culturais, uma integração econômica
ampla, uma dificuldade de antevisão dos acontecimentos, enfim, acarreta complexidade
social. Os subsistemas aparentemente já sofrem outros tipos de interações, que não
apenas as interferências.
Arnaud e Dulce foram atentos em relação a isso, ao constatar que a teoria dos
sistemas prevista por Luhmann (onde se imaginava uma porta cognitiva e uma clausura
normativa), unicamente teria sentido enquanto abstração117. Questionam como indicar
“o momento, a quantidade e a qualidade”118 de sua abertura na prática.
Luhmann resolve essa questão de legitimidade fundamentando-se na
oportunidade – uma “oportunidade” que passa pelas mãos dos que têm o
poder de decisão, o que leva a considerar-se o direito como uma máquina de
reprodução da ordem estabelecida.119
A solução de Luhmann poderia ser interpretada como a nossa realidade jurídicosocial, como visto acima (que é contraditada por Cristiano Carvalho).
Todavia, é possível realizar sérios questionamentos em relação à possibilidade
de existir um equilíbrio interno nos subsistemas sociais, e no jurídico especificamente.
116
Idem, p. 131.
ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria José Farinas. Introdução à Análise Sociológica dos Sistemas
Jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 327.
118
Idem, ibidem.
119
Idem, ibidem.
117
64
O nódulo da questão consiste, na verdade, em se considerar os sistemas atuais
como tendentes ao equilíbrio, como tradicionalmente reconhecido. A idéia de sistema
jurídico sempre trouxe em si a noção de ponto de equilíbrio, uma vez que o fim do
sistema social (mediante sua organização) seria a redução das complexidades e das
contingências que a relação humana exige120. Preferível uma sociedade organizada a
uma desorganizada, porque se inclinaria à destruição do próprio homem.
Considerando a realidade fática atual, onde há uma integração global de meios
de vida e culturas diferentes, qual a forma possível de se estabelecer e se reconhecer um
ponto
de
equilíbrio
quando
cada
medida
descomplexificadora
gera
maior
complexidade? Cada medida tendente a resolver um problema social, como o
estabelecimento de uma política de distribuição de renda, de cotas raciais, de
planejamento familiar, de combate à criminalidade, gera mais complexidade. Gera mais
problemas sociais, em última instância.
Essa é uma dificuldade patente para a teorização atual dos sistemas, na
proporção em que questiona a possibilidade de se encontrar um efetivo equilíbrio social.
Afinal, as nossas sociedades estão em constantes guerras e conflitos (de raça, de classe,
de sexo, de gênero, de riqueza) e, para cada tentativa de elidir um problema, a
complexidade social traz consigo outros.
Neste ponto, pode-se discutir dois exemplos que possuem natural relação com a
análise econômica: as relações trabalhistas e as políticas de maior eficiência econômica.
Há uma tendência no Brasil de se indicar uma excessiva extensão de direitos
trabalhistas, o que geraria uma elevação do custo da mão-de-obra (e, como corolário, do
preço dos bens). Em distinta mão, não se discute outras conseqüências econômicas da
restrição daquilo que o trabalhador recebe, além de uma suposta diminuição nos preços.
A lógica é apresentada da seguinte maneira: ao se diminuir a gama de direitos,
acaba o trabalhador recebendo menos. Isso, reflete em seu poder aquisitivo, na
perspectiva de que possuiria menos renda para gastar. Entretanto, a redução não seria
120
“O que Luhmann entende por complexidade é a existência de mais possibilidades que as que podem
ser atualizadas, isto é, ‘um excesso de possibilidades em relação à capacidade receptiva dos sistemas’, o
que implica a necessidade de seleção. O que Luhmann entende por contingência é a imprevisibilidade
das próprias possibilidades, o que implica a necessidade de se enfrentarem os riscos.” ARNAUD, op.
cit., p. 166.
65
real, porque os produtos seriam mais baratos se a carga trabalhista fosse menor, sendo
mais facilmente acessível por aquele e por outros trabalhadores: rendas mais baixas
podem continuar comprando os mesmos produtos se os preços forem menores.
A decisão de diminuir os custos do trabalho recairia praticamente sobre toda a
sociedade, gerando uma diminuição geral das rendas e dos preços.
Mas a relação não é logicamente necessária. A renda geral média é apenas um
dos componentes que compõem os preços dos produtos, de maneira que sua diminuição
provavelmente não traria uma igual redução proporcional nos preços (diminuindo o
poder aquisitivo). Ademais, embora grande parte das pessoas passassem a receber
menos, parcela importante do grupo de consumidores não teria a mesma diminuição,
permanecendo com suas rendas no mesmo patamar: os servidores públicos, porque
regidos por um sistema remuneratório diferente. Quais as efetivas relações entre esses
vetores e suas conseqüências? Em suma, há uma enorme dificuldade em se encontrar as
conseqüências de tal decisão política na economia, e não há muitos estudos sobre isso.
Outro exemplo, cujos resultados são semelhantes, consiste nas políticas de
diminuição das empresas (downsizing), que busca a redução da burocracia, maior
agilidade nas decisões, racionalização de procedimentos, minimização da estrutura
operacional (“empresas enxutas”).
Indiscutivelmente a finalidade do empreendimento de “enxugação” parece
justificar os meios pelos quais é concretizada: demissões, racionalizações de
procedimentos (que retiram fontes de rendas que circundam o objeto principal da
empresa, como distribuidores de copos para café, papel, etc.).
No que tange às demissões, parece óbvio que a redução de postos de trabalho
acarreta menor potencial aquisitivo geral, porque há menos pessoas trabalhando e
auferindo renda. Aliás, um dos grandes fatores atuais do desemprego estrutural
encontrado no mundo é a redução de postos de trabalho, provocada pelo aprimoramento
de técnicas, da implantação da informática e da robotização. Isto é, enquanto a empresa
se prepara para ser mais eficiente, dificulta o próprio ambiente em que pretende
trabalhar: mais eficiência para um meio ao qual contribuiu para ser problemático.
66
Há uma aparente tentativa cíclica e global de melhorar a eficiência para um meio
social difícil, enquanto que, ao fim (sob uma perspectiva macrossocial), a própria
tentativa consiste em apoio a tornar a realidade social mais caótica. Menor taxa de
emprego e maiores gastos desnecessários para melhorar a eficiência em um mundo de
desempregados e sem renda (aliás, sempre se fundamenta pela busca de novas
alternativas de absorção no mercado pelas pessoas desempregadas, mas dificilmente se
menciona que nesse intento competem com as que, embora estejam no próprio mercado,
buscam novas alternativas).
Evidentemente, a argumentação aqui proposta peca pelo reducionismo de
problemas complexos. Entretanto, permite elucidar que há muitas questões econômicas
ainda pendentes de uma devida consideração, não tendo sido objetos de estudos
científicos (talvez pela dificuldade dos métodos existentes para aferir a realidade atual).
De qualquer forma, o exemplo trazido levanta uma outra hipótese praticamente
esquecida: quanto de riqueza os procedimentos ineficientes produzem para a sociedade?
Em outros termos, uma sociedade ineficiente economicamente necessariamente deixa de
ser uma sociedade eficiente socialmente?
A preocupação nos leva a considerar o quanto de riqueza os procedimentos
ineficientes economicamente produzem. Por exemplo, um posto de trabalho
desnecessário em uma grande empresa, que agrega, por suposição, cinco centavos no
preço de um produto, enquanto sustenta uma família de quatro pessoas. O que seria
mais vantajoso socialmente? Em regra, se optaria pela manutenção do posto de trabalho.
Afinal, a elevação do preço compensaria o fim de conceder o sustento para uma família
inteira. Claro.
O problema é que a diferença de preço poderia significar o consumo de produtos
concorrentes e o fechamento da grande empresa, gerando prejuízos sociais muito
maiores que os de uma família. Esse dilema demonstra que a economia não nos ajuda
diretamente na solução do problema, porque reduzirá o posto de trabalho
exclusivamente porque é desnecessário (maior eficiência empresarial), excluindo a
possibilidade fechamento da empresa (o máximo que o Direito pode fazer, do outro
lado, é dar uma segurança contra o desemprego, concedendo direitos).
67
A questão circunda o fato de muita riqueza ser produzida por intermédio de
procedimentos ineficientes economicamente. O custo de transação de um procedimento
pode acabar por remunerar diversos outros postos de renda. Pode-se pensar que os
custos de transação para se licenciar e emplacar um automóvel sustentam, por exemplo,
diversas atividades circundantes, como a de despachante. Ou, na linha do exemplo do
inquilino tratado acima, a existência de seguros e outros meios para garantir o
recebimento da dívida. A redução ou eliminação dos custos, significa uma profunda
alteração dessas atividades satélites.
Há um grupo de famílias que vive da reciclagem de materiais que são
descartados por uma grande repartição pública, por exemplo. A implantação de uma
alternativa administrativa para reduzir o custo do papel adquirido pela repartição, que
implicaria em desconto nas novas aquisições mediante a entrega do material descartado
para reciclagem, retiraria das famílias uma fonte de renda (enquanto que daria um
desconto na aquisição de novos materiais).
Qual a alternativa mais viável? A decisão econômica aponta pela entrega do
material quando da nova aquisição. Sob o ponto de vista social, poderia ser mais
interessante a manutenção do sustento das famílias, que, embora numa economia
informal, ainda tem uma fonte de renda. Muitos diriam que a retirada de renda das
famílias forçaria uma organização entre elas (e com outras famílias) para aumentar sua
competitividade no mercado de recicláveis, ou que poderiam trabalhar no setor de
reciclagem da empresa que vende o papel, por exemplo. Também são alternativas
viáveis logicamente. O problema é escolher uma delas, numa tal complexidade fática.
De fato, a dificuldade encontrada para a escolha representa que a decisão não é
puramente jurídica ou econômica, afetando outros subsistemas sociais. No caso, uma
decisão política institucional poderia estabelecer qual a melhor opção a ser adotada,
tornando a escolha jurídica (ainda que econômica).
Assim, a relação entre os sistemas pode já não ser a mesma prevista por
Luhmann, além da natural dificuldade em se reconhecer o legitimado a realizar a
escolha e da enorme complexidade social existente, causadora de interferência,
inclusive, na tendência sistêmica de encontrar um equilíbrio.
68
3. APANHADO DE PROBLEMAS E CRÍTICAS SOBRE A ANÁLISE
ECONÔMICA DO DIREITO
Neste terceiro espaço, pretende-se colacionar algumas críticas à Análise
Econômica do Direito, assim como estabelecer melhor a noção trazida sobre o
“funcionalismo”, apresentar algumas palavras sobre o “jurisprudencialismo” e buscar
elucidar melhor a questão relativa à autonomia do Direito.
3.1 UMA CRÍTICA DE RONALD DWORKIN
Um dos mais reconhecidos críticos da Análise Econômica do Direito é Ronald
Dworkin.
Já no início de um capítulo referente ao assunto, na obra “Uma Questão De
Princípio”, o autor afasta a idéia central da maximização da riqueza individual
apregoada pela Análise Econômica do Direito, porque nem sempre as pessoas têm a
69
intenção de pagar mais por algo que não têm (em relação ao preço pelo qual estariam
dispostas a vender o bem se já o tivessem).
Afirma que algumas vezes a soma alocada pelas pessoas para comprar um bem
que não possuem é superior, fenômeno conhecido como “galinha mais gorda” (no
Brasil, popularmente conhecido como “a grama do vizinho é mais verde”), segundo o
qual as pessoas tendem “a cobiçar a propriedade do vizinho mais do que se fosse
sua”121. A problemática consiste em que, em tal caso, haveria uma instabilidade crônica
no sistema econômico. Haveria um movimento cíclico na distribuição dos bens: o
vendedor passaria a valorizar mais a coisa após a venda e tenderia a recomprá-la,
enquanto o comprador a valorizaria menos, tendendo a revendê-la à pessoa anterior.
Além daquela hipótese, há casos de outorga de maior valor sobre algo já
possuído, em proporção à quantia que as pessoas estariam dispostas a pagar para
adquiri-lo. Nesse contexto, há diferenças concernentes à ordem das transações, porque
as vendas e as compras dependem dos valores atribuídos pelos vendedores, assim como
da expectativa do valor a ser atribuído ao bem após a compra.
Assim, aduz pela aplicação de critério dúplice: a maximização da riqueza deve
ser considerada quando aumentar a riqueza das pessoas, tanto em relação ao que
pagariam para ter o bem, quando em relação ao que aceitariam para aliená-lo.
Nos casos em que as duas avaliações discordam, o padrão de
maximização da riqueza social é indeterminado. A indeterminação, em
alguns casos, não constitui grande objeção a qualquer padrão de promoção
social, contanto que tais casos não sejam desagradavelmente numerosos.122
Para Dworkin, a Análise Econômica do Direito não deve se preocupar com o
conceito econômico de “eficiência”, porque este pressupõe a aplicação da eficiência de
Pareto, muito facilmente alcançável (quando naturalmente não o é). O importante é a
maximização da riqueza social, conceito que, ao contrário de Pareto, permite apenas
uma solução correta para o problema: a maximizadora da riqueza social (enquanto a
eficiência de Pareto, permitiria diversos arranjos que a satisfizessem). A maximização
da riqueza é o fator relevante, e não o conceito técnico-econômico de “eficiência”, que
remete à Pareto.
121
122
DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 352.
DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 353.
70
Continuando em direção ao que entende ser o cerne do problema, ressalta não
haver uma explicação capaz de justificar a razão pela qual uma sociedade é melhor
quando a riqueza é maximizada, ou seja, não haveria explicação razoável para o motivo
por que a maximização da riqueza seria um “objetivo digno”.
Quem pensaria que uma sociedade que tem mais riqueza, tal como
definida, é melhor ou está em melhor situação que uma sociedade que tem
menos, a não ser alguém que cometeu o erro de personificar a sociedade, e,
portanto, pensou que uma sociedade está em melhor situação se tem mais
riqueza, da mesma maneira que ocorre com qualquer indivíduo?123
Na busca por uma resposta, Dworkin enfrenta as explicações ou justificativas
possíveis, rechaçando-as.
Entretanto, como pano de fundo de sua análise, a argumentação perpassa por
uma discussão a respeito de ser a riqueza um objetivo (social e) para a Análise
Econômica do Direito (ou se caracteriza como instrumento para outro objetivo).
O autor afasta a idéia de maximização da riqueza como um objetivo, porque esta
não é um valor em si, devendo encontrar apoio em outro fator que lhe ofereça
delimitações e critérios capazes de permitir a aferição de sua ocorrência, ou extensão.
Trata, por exemplo, da utilidade social da riqueza, expressamente afastada por Posner,
ao mencionar que riqueza e utilidade não estão conjugados, podendo um andar na
contramão de direção do outro. Para elucidar, o autor apresenta um exemplo da
transferência forçada de um livro de uma pessoa pobre e doente para outra rica e
saudável, e disposta a pagar pelo exemplar um valor superior em cotejo ao cobrado pelo
vendedor, embora provavelmente não iria lê-lo: a riqueza cresce, a utilidade diminui (a
riqueza é criada, mas o livro ficaria numa estante).
De fato, resumidamente, reconhece que o fator riqueza, desconsiderado dos
custos, das conseqüências, da justiça, não é propriamente um ganho. A riqueza não é
um valor isolado.
Ademais, critica a noção de ser a riqueza individual produtora de mais
felicidade, o que também é reconhecido por Posner. E, mais: afirma não ser possível
desconsiderar o poder da riqueza de reduzir a felicidade, uma vez que “as pessoas
123
Idem, p. 356.
71
querem outras coisas além da riqueza, e essas preferências adicionais podem ser
colocadas em risco pelo aumento da riqueza”124.
E não é só. Aduz a aceitabilidade dos indivíduos de elevar seu bem-estar
individual em detrimento daquilo que entendem ser justo, se preocupando de forma
efetiva e prevalente com seu destino pessoal: “a riqueza social (ou eficiência de Pareto)
não desempenha nenhum papel nesses cálculos”125.
Nesse contexto, dissocia da realidade o objetivo primordial elencado pela
Análise Econômica do Direito (em especial, por Posner), de que as escolhas judiciais
devem ser feitas de maneira a maximizar a riqueza, como supostamente ocorreria na
vida de mercado, a qual todos estão sujeitos. Isso, porque não é inexorável a busca da
primazia da riqueza em detrimento de outros fatores, como o bem-estar individual.
A argumentação é simples, porém contundente: nada indica que uma sociedade
mais rica é melhor que uma sociedade mais pobre. Afinal, como referido, há outros
valores importantes a serem considerados, assim como relevante dependência dos
objetivos sociais das coletividades.
De qualquer forma, considera, na hipótese de ser a idéia de maximização da
riqueza um elemento instrumental, a obrigação desta de encontrar amparo em uma
concepção de Justiça de uma Teoria Padronizada, significando que a
[...] distribuição é justa apenas quando se conforma a algum padrão que possa
ser distinguido independentemente da história de como a distribuição
ocorreu. [...] – [no caso,] os bens devem estar nas mãos dos que pagariam
mais para tê-los.126
O inconveniente: tais teorias não são “puras”, havendo a utilização de outros
elementos, que não apenas os ligados à utilidade, justiça, igualdade, merecimento. Por
exemplo, em muitas oportunidades, a decisão (judicial ou política) deve dar prevalência
à utilidade social e não à riqueza. Afinal, grande parte das vezes as pessoas visam ao
bem-estar, e não à riqueza. Evidentemente, há outros fatores de potencial consideração,
como o mérito, além da possibilidade de aplicação de uma concepção pluralista de
justiça (exigindo a aplicação de vários fatores ao mesmo tempo para atingir uma
124
DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 365.
Idem, p. 368.
126
DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 382.
125
72
verdadeira justiça, esbarrando na dificuldade efetiva de aplicar cada fator em uma
medida efetiva para alcançar a maximização da riqueza, já que há uma tendência de que
a aplicação isolada de cada um seja mais eficiente).
Não afirmei que maximizar a riqueza é apenas um entre vários
objetivos possíveis, ou que é um objetivo social mesquinho, pouco atraente
ou impopular. Afirmei que ela não faz nenhum sentido como objetivo social,
mesmo entre outros. É absurdo supor que a riqueza social é um componente
do valor social, e implausível que a riqueza social seja fortemente
instrumental para um objetivo social porque promove a utilidade ou algum
outro componente do valor social melhor do que faria uma teoria
instrumental fraca [que traria uma justificação para uma instituição realizar
algo não de forma exclusiva, como a realização de ações, tanto pelo
Judiciário, quanto pelo Legislativo, para alcançar determinado objetivo].127
A crítica também recai sobre a motivação que levaria os juízes a decidir pela
maximização (comportamento individual dos decisores): se não há um objetivo claro
para que seja maximizada a riqueza social (porque, em princípio, não pode ser um fim
em si mesmo), também não seria possível justificar o atuar dos operadores jurídicos
nesse sentido. A teoria deveria ser minuciosa, reformulada a ponto de demonstrar
porque a suposição de maximização da riqueza pelos julgadores em determinada
decisão permitiria o alcance de outros objetivos sociais “independente[s] valorizado[s]
por esses juízes – a utilidade, o maximin128, o alívio da pobreza, o poder econômico do
país em assuntos externos, ou algum outro objetivo”129.
Diante das dificuldades apontadas, para a teoria da maximização da riqueza
social como um objetivo, o autor elenca três hipóteses conclusivas: a do abandono do
critério econômico (o que considera um desperdício); a da construção de uma teoria
instrumental (atrelando-a “a alguma idéia de valor social, como a utilidade,
recomendaria a estratégia maximizadora de riqueza como um bom meio [...]”130),
levando a análise econômica a um detalhamento do qual jamais se aproximou; ou, por
fim, a da busca de uma explicação de princípio (aplicando uma “concepção plausível de
equidade”131, ao invés de buscar uma explicação política para sua aplicação.
127
Idem, p. 393.
Vem da idéia de Rawls, segundo a qual deve-se utilizar o critério de maximizar a pequena vantagem
que alguém possa ter (quanto menor a vantagem, maior qualidade deve possuir), ou seja, buscar
melhorar o bem-estar daqueles mais desafortunados. De forma mais geral, realizar racionalmente a
melhor escolha dentre as piores.
129
DWORKIN, op. cit., p. 394.
130
Idem, p. 396.
131
Idem, p. 397.
128
73
Ponto igualmente interessante, discutido por Dworkin, é aquele concernente à
justificação apresentada por Posner para a aplicação da regra da maximização da
riqueza. Posner afirma que a concretização da regra é viável porque praticamente todas
as pessoas aprovam antecipadamente a idéia de maximização da riqueza, assim como
que sua imposição é de interesse de todos (ou da maioria pelo menos).
Dworkin critica ambas as jutificações. Recusa a primeira porque a noção de
consentimento utilizada por Posner é demasiadamente abstrata (não considera
efetivamente os fatos reais, é arbitraria e artificial), olvidando a parcela de pessoas que
seriam beneficiadas pela adoção, por exemplo, de uma regra de responsabilidade
diferente (e por isso não ofereceriam seu consentimento de fato) ou aquelas que já
tiveram ou estão discutindo a aplicação da regra.
Exemplifica da seguinte forma: algumas pessoas são sempre pedestres no
trânsito, o que seguramente indicaria o consentimento da aplicação da regra de
responsabilidade estrita (segundo a qual quem provoca os danos deve indenizar os
prejuízos) e não a da negligência (pela qual só há indenização quando quem gerou o
acidente agiu de forma negligente, não evitando os riscos da ocorrência do acidente –
reduzindo os custos gerais do trânsito) quando o motorista não agiu de forma
negligente, regra que seria mais profícua para a maximização da riqueza (mais
eficiente). Afinal, as vítimas não querem arcar com os prejuízos do acidente.
No contexto, embora a regra da negligência seja melhor para a visão econômica,
e para os motoristas em geral, já que só indenizarão na medida em que agirem com
negligência (desrespeitando as regras para evitar os riscos), para os pedestres a
tendência deveria ser diferente. Logo, é difícil aceitar a regra da maximização da
riqueza como consentida pelas pessoas (todas), sendo arbitrária tal presunção.
O argumento se sofistica quando Dworkin enfrenta a idéia segundo a qual as
pessoas têm interesse pela riqueza. Agora, considera alguém que, além de pedestre,
também é motorista. Enquanto motorista, se beneficia dos menores custos do sistema da
negligência; após ser atropelado por um motorista, ainda que não negligente, descobre
serem as despesas de tratamento bem superiores ao que economizou enquanto dirigia.
74
Assim, conclui que o interesse na maximização da riqueza existia somente no
momento antecedente, ou seja, antes de ser atropelado, quando passou a preferir o
sistema da responsabilidade estrita (especialmente se não realizou seguro contra
atropelamentos custeado com parte do economizado em razão dos menores custos como
motorista). Em síntese:
Quando não sei que serei atropelado, meu bem-estar esperado é mais
elevado no sistema da culpa por negligência. Quando sei disso, meu bemestar esperado é mais elevado no sistema da responsabilidade estrita132.
Ocorre que, no caso daquele exemplo ter ocorrido em um local onde o Judiciário
não fixou ainda qual das regras de responsabilidade civil aplicar, se for concretizada a
regra da negligência, não haveria eficiência (de Pareto). Se o fato for julgado conforme
a regra da negligência, aquele e todos os outros do passado e do presente ficarão em
pior situação em comparação à hipótese de a regra já estiver vigente quando da
ocorrência (ou os danos fossem menores), tornando a decisão ineficiente. Estará em
desvantagem após a decisão, ao passo que, no momento anterior, no mínimo, existia a
dúvida em relação à aplicação da maximização.
Assim, demonstra não existir unicamente vantagens no critério de Pareto (evitar
comparações interpessoais de utilidade e moralidade política, quando não permite que
ninguém fique em situação pior a que estava antes da decisão política), porque na
consideração de fatos controversos sua aplicação apresenta problemas.
Além disso, a eficiência, sob essa ótica apresenta igualmente incompatibilidades
com alguns dos princípios jurídicos. Imagine-se uma questão onde se está a tratar de
igualdade entre as pessoas: desde que uma pessoa melhore de situação e outra não sofra
prejuízo com isso, encontrou-se a eficiência. Todavia, quebra-se a igualdade, a qual
pressupunha exatamente que ambos deveriam estar ou permanecer numa mesma
situação. Isto é, ao se atingir a eficiência, quebra-se a igualdade.
É possível estender tal referência do autor à aplicação de outros princípios, como
o da redução da pobreza, da liberdade: caso alguém fique em situação vantajosa, afastase do objetivo jurídico (eficiência jurídica), embora haja eficiência econômica.
132
DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 421.
75
As críticas de Dworkin são teoricamente fatais133.
Contudo, não elidem a aplicação da Análise Econômica do Direito na prática.
As refutações, embora tenham eminente importância, ao demonstrar a
inexistência de um substrato teórico suficientemente estabelecido pela Análise
Econômica do Direito e ao apresentar problemas da aplicação da eficiência e da
maximização da riqueza, tal circunstância não evita a aplicação prática das teorias
econômicas no Direito.
É que, inobstante a importância científica dos arranjos teóricos, a análise
econômica busca exatamente modificar e trazer mais argumentos e elucidações para a
aplicação prática do Direito, elevando seu grau de habilidade para tratar com os
assuntos cotidianamente desconsiderados nas decisões jurídicas.
De qualquer forma, a impossibilidade de se encontrar uma satisfatória
justificação teórica para aplicação da Análise Econômica do Direito ou fazer uma
razoável conexão entre as duas ciências significa muito: que a autonomia do Direito está
preservada. Não houve a captura, ao menos por enquanto, haja vista que a Análise
Econômica do Direito não conseguiu demonstrar de que forma se integra ou liga ao
pensamento jurídico e ao Direito. E mais: não conseguiu demonstrar com clareza
metodológica inquestionável o papel que a riqueza ou sua maximização tem a cumprir
na sociedade e no Direito. Afinal, almeja-se a riqueza, com isso praticamente todas as
pessoas concordariam (e veja-se que não é a totalidade). Mas com qual propósito? (e
aqui certamente a discordância é estrondosamente mais elevada, em especial, se
considerar-se que é apenas um fato relevante na vida humana, dentre muitos outros.
133
Para Dworkin, a solução deveria ser a adoção pela Law & Economics do seguinte princípio: “As
pessoas deveriam assumir a responsabilidade por tais custos de acidentes [...] se essa responsabilidade
lhes fosse atribuída pela legislação numa comunidade ideal em que todos atuassem e votassem com
senso de justiça e igual consideração e respeito mútuos, baseados em informações que também estão
disponíveis para o ator, de maneira fácil, pública e confiável [o autor nomeia-o de Beta]. [...] Beta é um
princípio sobre a responsabilidade natural e portanto, como guia para prestação jurisdicional, une o
julgamento e a moralidade privada e permite a afirmação de que uma decisão em um caso controverso,
atribuindo responsabilidade a alguma das partes, simplesmente reconhece a responsabilidade moral
dessa parte. [...] Portanto, é irrelevante que beta nunca tenha sido expressamente reconhecida como um
compromisso de nosso sistema jurídico. Ela tem, por assim dizer, suas próprias razões para ser um
princípio de eqüidade. Se for possível demonstrar que as decisões passadas teriam sido justificadas por
beta, isso realmente servirá como argumento de que essas decisões foram justas. Se for possível
demonstrar o mesmo para as decisões futuras, apenas isso já recomendará essas decisões como justas.”
DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 429-34.
76
E, aqui está o ponto prático justificador da dificuldade de captura do Direito:
este considera com elevada importância os outros fatores, e não apenas a repercussão
que os problemas trazem à riqueza. A afetação do Direito é muito mais ampla, e uma
simples leitura do artigo 3° de nossa Constituição dá conta em demonstrar tal realidade.
O Direito tem fins (embora não haja unanimidade sobre quais seriam), enquanto a
análise econômica tem um fim, e desamparado de um consistente apoio teórico (embora
na vida prática, as pessoas tendam a aplicar a idéia de custo-benefício para decisões não
verdadeiramente econômicas).
Outrossim, as discussões trazidas por Dworkin, já referidas no primeiro capítulo
como um pressuposto para Posner, consideram a realidade da Common Law, realidade
na qual o papel do juiz apresenta diferenças em relação ao sistema brasileiro. Em nosso
sistema, em tese, não são os magistrados que escolheram qual a regra de
responsabilidade civil a ser seguida em determinado caso, mas a lei.
A vantagem consiste em uma atuação muito mais restrita do magistrado, porque
deve considerar a previsão normativa legal (restando pouco espaço de escolha pela
aplicação de raciocínio econômico). A desvantagem, por outro lado, é enorme: como se
costuma dizer nos meios de comunicação, “basta” mudar a lei. A possibilidade de
aplicação da análise econômica de certa maneira, como referido, já é considerada na
realização das leis, mas, inegavelmente, sua influência poderia ser muito superior (mas
nessa hipótese, seria necessário uma fundamentação teórica que justificasse a inclusão
maciça dessas idéias na legislação).
3.2 QUESTIONAMENTOS SOBRE POSTULADOS DA ECONOMIA
Outro inconveniente consiste no fato de a própria Ciência Econômica, assim
como seus instrumentos, renderem dúvidas científicas.
Por exemplo, a própria idéia de comportamento deve considerar os fatos sociais,
e não estar apenas ligada a uma noção teórica. Essa é a crítica que os sociólogos da
77
economia fazem aos economistas. Afirmam que o raciocínio dedutivo proposto por
estes (que imaginaram incorporar uma verdadeira “lei” do comportamento)
desconsidera fatores sociais indispensáveis, capazes de modificar suas leis (como as
instituições, as redes de trabalho, o poder e a cognição).
Os estudos práticos de observação feitos pelos sociólogos demonstraram ser a
economia uma realidade imbricada na vida social. Todavia, no intuito de escapar dessa
idéia, mantendo aquela como um “mundo a parte”134, os economistas formularam
teorizações abstratas nas quais o comportamento é considerado como integrante de uma
fórmula, sendo tratado pela expressão “como se”.
Sociólogos são indutivos, derivando suas teorias sobre o
comportamento pela observação do próprio comportamento. Economistas são
dedutivos, derivando teorias sobre comportamento mediante o axioma de que
o interesse-próprio dirige o comportamento individual.135
A observação dos sociólogos demonstrou que o comportamento econômico
influencia a vida social; mas, reconheceram uma outra face da mesma moeda: o
comportamento econômico é influenciado pelos fatores sociais. As pessoas são movidas
pelas e se movem entre as regras e convenções sociais, sendo essas obviamente também
influenciadoras do comportamento econômico. Logo, modificando a circunstância de
tempo e local, o comportamento social e o econômico se modificam também. É possível
vislumbrar, por exemplo, a política de preço de uma mesma empresa que possui lojas
em Nova Iorque e em algum lugar do Afeganistão: agirão de maneira diferente,
adaptando-se ao meio social, sob pena de saírem do mercado.
Em certa medida, isso significa que o “comportamento social e o econômico se
originam da mesma forma, não do individual, mas da sociedade”136.
Agora, tratando-se as questões sob um ponto de vista propriamente econômico,
constata-se a existência de enorme gama de teorias para explicar as ações humanas,
tendo algumas, inclusive, apresentado soluções contrárias, dependendo do grau de
134
DOBBIN, Frank. The Sociological View of the Economy. In: DOBBIN, Frank (org). The New
Economic Sociology: a reader. New Jersey: Princeton University Press, 2004, p. 3.
135
No original: “Sociologists were inductive, deriving theories of social behavior by observing behavior.
Economists were deductive, deriving theories of economic behavior from the axiom that self-interest
drives individual behavior.” In: DOBBIN, Frank. The Sociological View of the Economy. In: DOBBIN,
Frank (org). The New Economic Sociology: (…). New Jersey: Princeton University Press, 2004, p. 3.
136
Idem, p. 40.
78
influência dos fatores considerados.
Um exemplo problemático seria a teoria da escolha racional (que verifica a ação
comportamental de acordo com um modelo ideal) em relação à teoria dos jogos –
racionalidade estratégica (demonstrando que em grande parte das vezes a escolha
tomada contraria a melhor escolha racional, exatamente pela circunstância de os
tomadores da decisão não terem condições de considerar todas as elementares, como a
reação das outras pessoas, por falta de informação).
O agir estratégico, especialmente, apresenta grandes inconvenientes para a teoria
econômica conseguir estabelecer seus preceitos. A Análise Econômica tende a
pressupor que todos os envolvidos estão engajados em busca de um resultado eficiente,
o melhor resultado. Entretanto, uma grande monta das ações humanas está relacionada
com a busca unilateral de lucro: não há uma cooperação. Os envolvidos buscam nada
mais que o melhor para si, movimentando seus passos de acordo com as informações
que detêm no momento da negociação.
É interessante notar: a própria teoria econômica já demonstrou, por intermédio
do “dilema do prisioneiro”, entre outros exemplos, que a ação estratégica unilateral é
tendencialmente prejudicial a ambos os envolvidos. A eficiência da negociação é mais
facilmente atingida quando as partes cooperam na sua busca. Em outras palavras, a
informação é plena e discutida honestamente entre os interessados.
79
Em um âmbito processual, se vislumbraria que, por exemplo, a parte não está
interessada na justiça do caso, mas em apenas ganhar a causa137. Interessante também
notar que com a repetição do “jogo” (na proporção que os envolvidos apreendem outras
informações), o resultado tende a se modificar (elidindo uma certeza sobre o resultado).
Por outro lado, há casos nos quais o defeito do agir estratégico é o que permite
uma solução para o caso prático, o qual, independentemente da conjugação de
informações entre os interessados obteria o mesmo resultado. Pode-se adaptar um
clássico exemplo, como o dos leões e da gazela, ou o dos bandidos e da vítima armada.
No caso dos leões, estão dispostos em grande número e sabedores previamente
que a gazela não será suficiente para alimentar a todos. Sabem, igualmente, que o
primeiro leão que atacar a gazela e a matar comerá mais e, por conseqüência, dormirá
após a refeição, tornado-se, por sua vez, vítima dos demais. A tendência é a de que
ninguém ataque a gazela, ficando esta incólume (ao menos na teoria).
O outro exemplo é aquele em que há uma vítima armada com uma arma de dois
tiros e há seis bandidos tentando ingressar em sua casa. Na medida em que tomam
conhecimento de que há dois projéteis, esses têm certeza de que pelo menos quatro
sairão vivos e terão êxito no assalto: porém dois serão abatidos. A tendência, como no
caso anterior, é o reconhecimento de que o preço a ser pago pelo beneficio auferido é
muito alto, sendo mais interessante procurar outra vítima.
137
Oliver Williamson, apresenta outros pontos que também devem ser considerados, quando agrega a
idéia de racionalidade limitada ao estudo da Economia das Organizações, chegando à conclusão de que
a unanimidade dos contrato complexos são incompletos. Explica: “a combinação de contratos
incompletos (decorrentes da racionalidade limitada) com informações pouco confiáveis (decorrentes do
oportunismo, que será tratado adiante) corroem a idéia de que o simples conhecimento do contrato
entre duas partes será suficiente para eliminar problemas pós-contratuais. Sendo implausível atribuir
conhecimento eqüitativo aos árbitros das disputas (tribunais), o conhecimento eqüitativo do contrato
entre as partes não impede o surgimento de disputas pós-contratuais e de má adaptação dos contratos.
Conclui-se que, contrariamente aos resultados tradicionais da teoria dos jogos, barganha a custo zero
não é razão suficiente para a eficiência pós-contratual.” Assim, considera também que grande parte
daquilo que interessa para a análise do comportamento dos indivíduos está na exceção, e não na regra.
Logo, ainda que as partes tenham discutido e se esforçado para atingir a maior eficiência possível (com
os menores custos) não há garantias de que o contrato será eficiente, uma vez que isso não elide a
possibilidade de um terceiro ter de interpretá-lo, a ocorrência de algo imprevisto, a inexistência de
meios alternativos para solução dos problemas ou a incapacidade destes. WILLIAMSON, Oliver. Por
que Direito, Economia e Organizações? Tradução de Décio Zylbersztajn. In: SZTAJN, Rachel e
ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das
Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 22. Sobre as vantagens da renegociação dos contratos,
ver, também: SHAVELL, Steven. Economic Analysis of Law. New York: Foundation Press, 2004, p.
77.
80
Em ambos os casos, o agir estratégico dos agentes (quer pensados
individualmente – oportunidade em que ninguém aceita para si o destino de ser abatido
- ou como grupo – quando conjuntamente compreendem ser melhor se manter íntegro) é
exatamente o limitador da ação, porque ninguém quer ser a perda, embora tenham
consciência do êxito da empreitada (substitua-se a gangue por um corpo de militares em
cumprimento de uma missão).
Variável interessante consiste no caso de os bandidos terem a sensação de que os
ganhos são vultosos (como um baú de moedas de ouro, ou na missão dos militares),
quando possivelmente correriam o risco de sofrerem as perdas. Mas, nessa hipótese,
percebe-se, as circunstâncias subjetivas dos agentes são os elementos preponderantes
para a decisão, prejudicando a idéia de se formar uma “lei” sobre o comportamento. De
fato, a lei acaba se tornando vazia de sentido, porque só é passível de verificação no
momento da ocorrência do fenômeno que se pretende pré-dizer. Especialmente em
relação à posição dos agentes em relação ao risco: adversos, aceitantes.
Mas a idéia do agir estratégico remete ao problema da informação, apresentando,
essa, relevância para o direito em razão das conseqüências jurídicas de possível
ocorrência. A esta altura é possível falar, por exemplo, do erro, cuja proteção jurídica no
Brasil é relativamente limitada. Limitada, porque não se protege o insipiente em todas
as situações, mas apenas quando o erro é substancial, ou seja, quando é o elemento
determinante para a formação da vontade. Em outras palavras: se tivesse percebido, não
teria anuído para a realização do ato como o fizera.
A questão apresenta relevância quando, por intermédio da teoria da confiança, se
verifica que nenhuma das partes interessadas poderia ter reconhecido o erro, porque não
o é acessível à normalidade das pessoas. Imagine-se, por exemplo, um negócio
realizado entre duas pessoas que não consideraram e avaliaram corretamente as
vantagens de um negócio (o que em determinada circunstância não poderia ser
reconhecido por praticamente ninguém, como o cálculo econômico dos custos de
produção e de manutenção da coisa adquirida – que deveriam ser muito mais amplos).
Nessa hipótese, alguém vende um bem por um valor não lucrativo (pensando que o
fosse) e o outro adquire a coisa pensando ter uma manutenção consideravelmente
81
menos onerosa que a efetiva. Se não fosse pelo “erro de avaliação”, ambos não teriam
feito o negócio nos termos em que acordado.
Entretanto, o Código Civil não ampara a pretensão de invalidação do negócio,
que pode ser desfeito pelo consenso, evidentemente. Ora, ambos laboraram em erro e,
nas circunstâncias normais, toda e qualquer pessoa cometeria o mesmo erro, porque
trata-se de desconhecimento de uma técnica (que talvez só fosse descoberta após a
negociação); porém o sistema jurídico não o reconhece como tal.
É o risco normal do negócio, de cuja análise se extrai a vontade ou não de
realizá-lo, a avaliação das conveniências. Pense-se, por exemplo, no caso de alguém que
comprou um veículo para reformá-lo e, posteriormente, vendê-lo. No preço da venda,
desconsiderou os custos indiretos, como o espaço ocupado na oficina (que impediu que
consertasse outros veículos ao mesmo tempo, e auferisse mais renda, ou o desgaste das
ferramentas), o que tornou o veículo muito mais barato do que deveria ser para
compensar a venda. O comprador, no exemplo, embora buscasse obrigatoriamente um
veículo baixa manutenção, desconsiderou o preço da substituição de determinadas peças
(que custariam o valor do veículo), o que por si só deveria desvalorizar em muito o
bem, devendo o preço ser muito inferior.
Nenhum percebeu essas circunstâncias, que, se conhecidas, inviabilizariam a
realização do negócio na forma em que efetivado. E, pior, tal conhecimento talvez
nunca fosse adquirido.
Esse exemplo imperfeito, simplório e hipotético é capaz de demonstrar que,
embora por uma análise economicista seja possível aferir um problema na relação, pelo
viés dogmático-jurídico esse problema não é viável, porque não faz parte daquilo que
razoavelmente era esperado das pessoas. Assim, embora a análise econômica permita
aos participantes desfazerem o negócio, não permite a invalidação jurídica, porque o
caso está fora da previsão normativa.
Esse problema ressalta outra característica extremamente problemática para o
direito (e para o erro), que é a informação possível de o sujeito deter quando da
realização de um negócio (e o reflexo que isso determina na aferição da eficiência). Não
a informação corriqueira, mas a informação que inclusive é desconhecida pela outra
82
parte, como um indireto dano que um determinado produto causa à natureza, a ser
descoberto futuramente. A solução jurídica é a responsabilização objetiva pelo dano
ambiental, enquanto que economicamente o problema não era calculável como custo,
em razão da impossibilidade racional de atingi-lo pela lógica no momento anterior138.
No futuro será considerado, provavelmente até de forma a compensar os prejuízos
causados, mas os negócios realizados no passado não podem ser desfeitos (basta
vislumbrar a hipótese de a empresa produtora ter sido adquirida por outra que,
sucessivamente, também foi adquirida posteriormente, as quais não subsistem
juridicamente e seus ex-sócios já faleceram).
Deve-se esclarecer, que algumas teorias econômicas139 já reconhecem que os
contratos são “incompletos”, uma vez que as partes não têm condições de buscar
previamente todas as possibilidades de intercorrências, quer em razão da elevação dos
custos de transação, quer pela impossibilidade racional dos agentes.
Tão-somente a título de esclarecimento, elucida-se que as teorias econômicas
buscam diferenciar a forma e o momento da ocorrência da solução dos problemas
existentes nos contratos (incompletos). Por exemplo, a Análise Econômica do Direito,
concede prevalência ao Poder Judiciário como meio capaz de trazer soluções para os
problemas com custo zero para as partes. Havendo uma intercorrência, o Judiciário
estabelecerá qual a solução mais eficiente para o problema, eliminando um custo de
transação para as partes (mas ir ao Judiciário gera custos, inclusive de oportunidade).
Por sua vez, a Nova Economia Institucional (teoria que agrega também como
fator a importância das Organizações ou firmas para a ação dos agentes econômicos)
apresenta prevalência para os meios não judiciais de solução das controvérsias
decorrentes dos contratos. As partes buscam estabelecer os meios e mecanismos de
solução dos problemas ocorridos durante o contrato (ou pós-contrato), havendo
relevância para um estabelecimento dos direitos de propriedade e para os mecanismos
138
Se a questão fosse discutida no âmbito consumeirista, sequer haveria qualquer responsabilização,
porque a melhora da técnica ou o descobrimento posterior não significa ter havido desconformidade
com os produtos vendidos anteriormente à descoberta (artigo 12, §1°, III, e §2°, do Código de Defesa
do Consumidor).
139
Para maior esclarecimento acerca das teorias contratuais, abordagens e extensão, consultar:
AZEVEDO, Paulo Furquim de; SZTAJN, Rachel; ZYLBERSZTAJN. Economia dos Contratos. In:
SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia: Análise Econômica do
Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 102-12.
83
de solução dos problemas (requisitos para a redução dos custos de transação e
diminuição do oportunismo, na medida em que os problemas podem ser discutidos com
a finalidade de prevalecer a maximização do valor da relação econômica). Haveria um
reconhecimento pelos agentes econômicos da inevitabilidade da ocorrência de eventuais
desajustes, existindo, então, previsões para a solução dos problemas (ainda que seja a
simples previsão para rediscutir as cláusulas, na ocorrência de um desequilíbrio). Em
outras palavras, a teoria reconhece que os agentes não possuem um conhecimento pleno,
sendo, também, incapazes de processar integralmente os elementos defeituosos
(informações) que estão a sua disposição: os indivíduos agem na tentativa de encontrar
uma eficiência adaptativa. Como afirma Aguirre, “não que eles não queiram acertar, o
problema é que não sabem qual é a resposta correta para seus problemas e vão buscá-las
na base da tentativa e do erro”140.
Ora, perceba-se, falando em tentativas de adaptação para encontrar a eficiência,
está-se a falar reflexamente de circunstância cara ao Direito que é a segurança. Qualquer
tentativa adaptativa pode ser traduzida como uma instabilidade para o Direito, geradora
de insegurança, ao menos inicialmente, sobretudo se for considerado como critério
balizador a eficiência econômica (que sob certo aspecto é volátil)141.
A questão da dificuldade de obter e processar as informações também pode ser
estendida para as aplicações econômicas criminais. Por exemplo, como é possível ao
criminoso brasileiro (em sua grande maioria semi-alfabetizados) realizar um cálculo da
sua chance de ser pego, a fim de avaliar se compensa realizar determinado ato
criminoso? Ou, por outro lado, como o Estado calcularia a chance de pegar um
criminoso, considerando especialmente a dificuldade de acesso até mesmo para serem
realizados registros de ocorrências policiais (não se pode esquecer a extensão do
território nacional)? A resposta imediata inviabiliza totalmente a aplicação das teorias
econômicas nesse contexto.
Inobstante, pode-se ir mais longe: como aplicar a lógica economicista quando a
escolha do criminoso é entre cometer o crime ou morrer de fome? Perceba-se que a
140
AGUIRRE, Basília; SZTAJN, Rachel. Mudanças Institucionais. In: SZTAJN, Rachel e
ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das
Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 240.
141
Atualmente esses questionamentos são tratados pela Economia Institucional, e não profundamente pela
Análise Econômica do Direito tradicional.
84
aplicação de tal hipótese prática viola totalmente a regra econômica, porque a escolha
não é de utilidade, mas de sobrevivência (embora possa ser dito que, em último aspecto,
essa também se resume a uma utilidade). E, num caso como esse, dificilmente haveria
uma condenação (o juiz não maximizaria a riqueza e a absolvição poderia ser
interpretada como incentivo para a ocorrência do fato).
E como compatibilizar com as leis econômicas a aplicação do princípio da
bagatela, por exemplo? Oportunidade em que o Poder Judiciário reconhece a
desnecessidade de um apenamento para alguém pela diminuta lesividade da conduta
realizada. Se for possível falar nestes termos, houve ineficiência no momento que a foi
modificado o estado de riqueza sem que fosse alcançado sua maximização, mas,
juridicamente, é indubitavelmente a melhor decisão. A tradução que o sistema jurídico
faz do fato social é contrária à regra da demanda, por exemplo (tenderia a estimular o
fato social).
Além da questão da informação, outro ponto que merece ser tratado com mais
vagar é o da eficiência. Embora tratada anteriormente, a noção de eficiência recebe uma
perspectiva diferente aos olhos de Alain Supiot, quando estudava aquilo que considera
como uma das três figuras do fundamentalismo ocidental142, o cientismo. Nos seguintes
termos, apresenta crítica contundente à Análise Econômica do Direito:
Mas são, igualmente, os direitos do Homem da primeira geração que
o cientismo conduz a interpretar à luz das supostas leis da economia. Quando,
por exemplo, o artigo 5 da Declaração Universal dos Direitos do Homem
proclama que «ninguém será submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes», um dos pais da análise econômica do
Direito, Richard Posner, afirma que «se as implicações forem
suficientemente elevadas, a tortura é admissível». Esta interpretação no
mínimo audaciosa intervém no contexto da «guerra contra o terrorismo» e da
mobilização patriótica do «pós-11 Setembro». Mas ela está perfeitamente
conforme com o princípio da análise económica do Direito, segundo o qual o
cálculo de utilidade é sempre o fundamento e o limite dos direitos
individuais. A utilidade para um indivíduo de não ser torturado (que fundaria
o direito do Homem correspondente) deveria, pois, ser referida à utilidade
que pode haver para outros homens em torturá-lo. Na há, aqui, afinal de
contas, nada de novo em relação às justificações mais rústicas da tortura, que
142
“[...] o messianismo, quando procura impor ao mundo inteiro uma interpretação literal; o do
comunitarismo, quando se faz, pelo contrário, dos direitos do Homem a marca de uma superioridade do
Ocidente e se nega a outras civilizações, em nome do relativismo cultural, a capacidade de se apropriar
deles; e, finalmente, o do cientismo, quando a interpretação dos direitos do Homem é referida aos
dogmas da biologia ou da economia, que seriam as verdadeiras leis intangíveis do comportamento
humano.” SUPIOT, Alain. Homo Juridicus: ensaio sobre a função antropológica do direito. Lisboa:
Instituto Piaget, 2005, p. 219.
85
produzia o general Massu durante a guerra da Argélia, a não ser a
convocação da Ciência para justificar o afastamento dos direitos do
Homem.143
Sob tal ótica, uma análise pura da eficiência pode levar a um raciocínio
absolutamente contrário aos fins das leis e das constituições.
Não se discute mais no meio jurídico acerca da necessidade histórica e
importância dos direitos fundamentais. A idéia criticada pelo autor com muita precisão,
retorna a humanidade para um passado certamente já distante (ao menos no que
concerne a um dever-ser). A idéia de utilidade a ser alcançada, pode justificar a violação
dos direitos mais comezinhos e fundamentais, além de uma verdadeira desconsideração
da situação individual levada a julgamento.
O desapego ao caso individual levado ao Judiciário é gritante quando a doutrina
busca enaltecer as vantagens econômicas da adoção da stare decisis, que se constitui no
modelo de adoção dos precedentes. A discussão, no Brasil, circunda a da “súmula
vinculante”, que tem o condão de direcionar as decisões judiciais no caminho daquelas
já tomadas pelos tribunais superiores.
Ressalta-se, aqui, uma circunstância tomada como vantagem econômica do
sistema de precedentes: “outro fator é a minimização dos custos de revisão judicial, pois
os precedentes possibilitam que as cortes superiores escolham os casos para revisão de
maneira mais eficiente”144, o que elevaria o desejo social pelas leis provenientes do
Judiciário em detrimento daquelas provenientes do Legislativo, o que traria, por fim, um
efeito positivo de “aumenta[r] o poder do Judiciário em relação ao do Legislativo” 145.
Além do mais, afirmam que os juízes gostariam disso porque elevaria o tempo livre,
possibilitando que aqueles mais “ambiciosos” pudessem ser influentes e que os juízes
decidiriam conforme o precedente nos assuntos menos familiares, permitindo uma
verticalização do estudo em assuntos que sejam de seu interesse particular.
Ora, esse modelo de eficiência é falaz. Isso, porque o precedente deve ser
mudado sempre e segundo a exigência de determinado caso, e não após a escolha dos
143
Idem, p. 227-8.
GORGA, Érica; SZTAJN, Rachel. Tradições do Direito. In: SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN,
Décio (org). Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2005, p. 176.
145
Idem, ibidem.
144
86
casos em que a revisão possa se dar de modo mais eficiente ou quando o assunto for
julgado por um magistrado com ele familiarizado. É direito da parte ter o seu caso
julgado conforme o melhor critério encontrado capaz de pacificar a situação, e não
detém o Judiciário a prerrogativa de julgar mal um processo individual em nome de
uma eficiência econômica. Esse tipo de perspectiva viola os direitos fundamentais,
alienando-se do fiel cumprimento do devido processo legal, no qual não consta a
possibilidade de o Judiciário oferecer uma decisão conhecidamente incorreta para uma
parte. A alternativa, é fazer as modificações em partes, na medida em que os casos vêm
aparecendo de forma mais completa (gerando decisões complementares a respeito de
um tema).
Aliás, o nosso sistema de vinculação das decisões reconheceu parcialmente esse
problema, ao determinar a suspensão dos recursos extraordinários que tratam de matéria
semelhante àquelas que aguardam no Supremo Tribunal Federal o julgamento sobre a
“repercussão geral”, conforme dispõe atualmente o artigo 543-B do Código de Processo
Civil. Assim, embora sobrestados enquanto o Supremo Tribunal Federal decide a
solução da controvérsia, quando o mérito do recurso extraordinário “paradigma” for
julgado, podem os órgãos judiciais retratar-se, ainda que seu julgamento anterior fora
contrário ao daquele. Assim, a modificação de uma decisão tende a ocorrer para todos
os que a mereçam.
Outra questão tormentosa para a Análise Econômica do Direito é o objetivo do
Direito de gerar uma redistribuição social, meio encontrado para concretizar o objetivo
constitucional previsto no artigo 3º, inciso III: “erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
É que a grande parte da doutrina da Law & Economics não aceita a
redistribuição social, em razão da ineficiência “geral” que tende a ocorrer.
A negação da redistribuição social, especialmente no que concerne ao “direito
privado” (em contraposição ao Direito Tributário, por exemplo), é explicada por Cooter
e Ulen, ao afirmarem, dentre outros motivos, que há controvérsia entre os economistas
sobre as finalidades das distribuições e que uma redistribuição eficiente sob a
perspectiva de quem recebe os bens gera uma redistribuição ineficiente em relação ao
87
todo maior. A ineficiência global ocorre em razão das perdas geradas pelo processo de
distribuição. Em outra perspectiva, que o montante a ser redistribuído é assunto de
difícil acordo entre as pessoas, enquanto que os meios para fazê-lo normalmente são
concordes.
Colorindo a explanação, os autores apresentam o seguinte exemplo: dois oásis
num deserto, onde um produz sorvete e o outro não. As pessoas que simpatizam com a
justiça social dirão que o primeiro oásis deve distribuir sorvete ao segundo, que não
consegue produzi-lo. O fato problemático é a perda de sorvete (derretimento) causado
pelo calor do sol, fazendo com que, para haver um consumo igual entre ambos os locais,
deve-se considerar a perda no transporte (em proporção, para se atingir um consumo
igual entre ambos, deve sair do primeiro um volume muito maior ao que é consumido –
o que gera novo desequilíbrio). Aduzem a concordância geral de a carga ser
transportada pelo corredor mais ágil existente (o que reduz o desperdício), mas há
dificuldade em encontrar o volume de sorvete que deve ser redistribuído146.
O problema é que essa negação, racionalmente justificada pelo preciso exemplo,
contraria um dos ideais do Direito: ao invés do sorvete, pensemos em remédios.
El derecho (siempre en sentido sociológico) no garantiza
únicamente los intereses económicos sino los intereses más diversos, desde
el normalmente más elemental, la protección de la mera seguridad personal,
hasta los puros bienes ideales como el propio “honor” y el de los poderes
divinos. Garantiza sobre todo, también, situaciones de autoridad política,
eclesiástica, familiar o de otra clase y, en general, situaciones sociales
privilegiadas de todas clases, las cuales, sea cual fuere su relación con la
esfera económica, no pertenecen en sí mismas a este sector, y tampoco son
apetecidas necesariamente o de un modo predominante por motivos
económicos.147
Em outras palavras, o Direito, como sumariamente já referido, busca trabalhar
com um estado ideal de coisas (dever-ser), enquanto a Economia trabalha de forma mais
efetiva com aquilo que hordinariamente ocorre na sociedade (ser). Por isso mesmo é
que, sob o ponto de vista jurídico, uma norma pode ser plenamente ineficiente sob o
ponto de vista econômico enquanto cumpre um elevado papel social. Anteriormente, se
exemplificou com a questão da desregulamentação do trabalho na China. Pode-se
agregar agora outro exemplo capaz de demonstrar que a regulação jurídica pode ter
146
Para a contextualização do assunto, bem como maiores explanações, consultar: COOTER, Robert;
ULEN, Thomas. Law and Economics. 4.ed. [S.l.]: Person Addison Wesley, 2003. p. 7-8.
147
WEBER, Max. Economia y Sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1964, p. 269.
88
outros sentidos não expressos pela lei, isto é, a busca por fins indiretos e futuros, não
estabelecidos diretamente nas normas (valores, por exemplo). Trata-se sobre uma
questão longamente debatida no Brasil: a norma constitucional estabelecedora da
limitação da taxa de juros ao patamar de 12% ao ano. Praticamente a unanimidade da
doutrina econômica (e da Análise Econômica do Direito) criticavam o dispositivo
constitucional vigente à época (artigo 192, §3º ).
Entretanto, Pérsio Arida verificou que o dispositivo poderia ser uma “pressão
politica por juros mais baixos independentemente da conjuntura econômica enfrentada
pelo país”148.
Assim, segue o autor:
Menciono nossa abortada tentativa de limitar juros não para motivar
exercícios contrafactuais, necessariamente imprecisos e nem sempre úteis,
mas apenas para chamar a atenção para a importância de um melhor
entendimento das formas pelas quais a legislação pertinente à vida econômica
evolui ao longo do tempo. Em certas condições, a experimentação no plano
social de fórmulas que desafiam a racionalidade econômica pode ser benéfica
no longo prazo. A pesquisa em Direito, ao iluminar a historicidade das
normas, pode também aqui interagir de forma profícua com a pesquisa
econômica na busca de maneiras pelas quais a sociedade pode amadurecer.149
Outra questão muito em moda atualmente se refere à segurança dos aviões. As
companhias aéreas preconizam decisões econômicas. Por outro lado, e em razão disso,
há uma dependência de que as modificações práticas vantajosas para o consumidor
sejam implementadas mediante a imposição legal.
É truísmo o fato de existir, atualmente, uma plêiade de mecanismos utilizáveis
para melhorar o conforto dos passageiros e para a proteção e a segurança das aeronaves.
De fato, não o são utilizados, porque, como o risco de acidente é relativamente pouco
expressivo, os investimentos em segurança elevariam “desnecessariamente” o valor das
passagens, sendo mais eficiente economicamente o pagamento de indenizações quando
da queda de um avião, ao invés de agregar em todas aeronaves mecanismos outros mais
efetivos de controle de panes, ou quedas, por exemplo. Exemplo contundente é que se
148
ARIDA, Pérsio. A Pesquisa em Direito e em Economia: em torno da historicidade da norma.
SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia: Análise Econômica
Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 71.
149
ARIDA, Pérsio. A Pesquisa em Direito e em Economia: em torno da historicidade da norma.
SZTAJN, Rachel e ZYLBERSZTAJN, Décio (org). Direito & Economia: Análise Econômica
Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 71.
In:
do
In:
do
89
tem discutido atualmente sobre o número de assentos disponíveis nas aeronaves, porque
acabam os passageiros ficando “enlatados”. Sob o ponto de vista econômico, é uma
desvantagem reduzir o número de poltronas, até porque quem viaja de avião
normalmente não pode usufruir de meio alternativo, de maneira que não se “perdem”
muitos clientes em razão dos bancos apertados. Entretanto, há a necessidade de sobrevir
uma legislação, ineficiente sob o ponto de vista econômico, para regular um espaço
“saudável” para cada passageiro (a troca de uma eficiência econômica por uma
eficiência jurídico-consumeirista).
Não se desconsidere a infinidade de exemplos conhecidos e apresentáveis aqui.
Tais idéias demonstram a dificuldade da Economia em compreender o universo
jurídico, que muitas vezes é voltado para um futuro distante, para uma verdadeira
“educação jurídica”, para a implantação de valores novos sobre a realidade social
existente.
3.3 DAS FUNÇÕES DO DIREITO
3.3.1 Do Funcionalismo Sociológico
No âmbito da sociologia jurídica, o funcionalismo se propõe a estudar as tarefas
que o direito cumpre na sociedade e aquelas que deveria supostamente cumprir, além de
verificar a forma pela qual essa mecânica acontece.
Para o objetivo deste trabalho, é pertinente estabelecer alguns exemplos de
funções dadas pelas sociedades ao Direito, de modo a tornar mais palpável parte do
objeto da pesquisa, que diz respeito exatamente às funções do Direito, superficialmente
tratado até então.
Entretanto, ao falar-se em funções do Direito, já se estabelece uma
impossibilidade de completude de objetivo, porque se trata evidentemente de um objeto
complexo, cujos sentidos a ele outorgados ao longo da história não permitem se falar
em completude. Impossível, diante da complexidade do fenômeno, estabelecer todas as
90
funções do Direito. Ademais, há uma notória dificuldade terminológica, na proporção
que diferentes pensadores concederam nomes diferentes a circunstâncias/funções
semelhantes.
De qualquer forma, ultrapassando as dificuldades terminológicas, é possível
encontrar algumas funções materialmente semelhantes entre os estudiosos que,
mediante uma observação empírica, como o fazem os sociólogos Arnaud e Dulce,
trazem uma elucidação suficiente para os fins do presente trabalho: integração ou
controle social, resolução de conflitos, regulação e orientação social, legitimação do
poder, estabilização de expectativas, engenharia social.
Sob a perspectiva de resolução de conflitos, o Direito busca a manutenção de
uma “coesão social em torno de um determinado número de valores básicos”150, cuja
preservação é necessária. Arnaud e Dulce argumentam que o Direito não resolve
propriamente os conflitos sociais, porque estes são permanentes na sociedade. O papel
do Direito seria conceder uma solução de como o embate de interesses deve ser
solucionado, mas não retira ou soluciona a diferença de interesses existente. O conflito,
sob esse prisma, não obrigatoriamente desaparece, mas “o faz seu e propõe um
tratamento possível, sempre o mantendo sob seu controle”151.
Como meio de integração ou controle social152, ao Direito é reconhecido um
papel de equilíbrio social, alcançado por intermédio de um controle e integração dos
conflitos existentes no seio fático da sociedade. Exerce uma função de dizer aos
membros da sociedade quais os comportamentos a serem seguidos, e forçá-los a adotar
o comportamento desejado, o que é garantido pela coerção estabelecida pelo Estado.
Por regulação e orientação social, cuja conexão é intrínseca com a integração e o
controle social, deve-se entender o conjunto de medidas realizadas pelo Direito para
evitar que os comportamentos dissonantes gerem conflitos sociais. Evitar que a
diferença de interesses entre as pessoas as faça laborarem umas contra as outras,
150
ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria José Farinas. Introdução à Análise Sociológica dos Sistemas
Jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 149.
151
ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria José Farinas. Introdução à Análise Sociológica dos Sistemas
Jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 150.
152
Arnaud e Dulce esclarecem que entre os subsistemas, há o sistema jurídico, “cuja função principal é a
integração ou o controle social”, que pode ser “subdividida em função de orientação dos
comportamentos e em função de solução de conflitos”. In: ARNAUD, op. cit., p. 11.
91
gerando os conflitos sociais. As normas exercem um papel importante de apresentar
limites ao comportamento e indicar o devido, “definindo assim padrões generalizados
de expectativa”153.
Isso implica que, por essa função, o direito assegura não apenas a
estabilidade nos modelos normativos, mas também sua segurança jurídica, na
medida em que os atores sociais podem conhecer e prever os efeitos de seu
próprio comportamento e do comportamento dos outros, e planejar, assim,
sua interação social. Uma conseqüência importante da função de regulação
ou de orientação social é a ‘possibilidade de calcular e de prever’ que o
sistema jurídico fornece aos indivíduos em sua ação social.154
A idéia de promoção social e de distribuição se relacionam fortemente com a
implantação do Estado Social (embora não seja exclusividade deste, porque o Direito ao
longo da história sempre teve uma certa concepção distributiva), segundo o qual, o
Estado deveria conceder incentivos ou freios para determinadas condutas desejadas ou
indesejadas, respectivamente. Nesse contexto, o Direito seria um instrumento para se
garantir e se alcançar os objetivos sociais propostos.
A função de legitimação do poder social, por sua vez, possui profunda relação
com a natureza organizativa, especialmente contida nas constituições dos estados
modernos. Relaciona-se, propriamente, com os meios legítimos (competência e
procedimento) e os limites das tomadas de decisões sociais. Estabelece os
procedimentos concessivos da legitimidade das decisões na sociedade, o que por si só
concede força àquelas. Porém, mais que isso, indicam Arnaud e Dulce, outorgam o
poder às decisões tomadas pelos indivíduos, quando cumpridos todos os requisitos
previstos na normatividade social155.
Entretanto, como quaisquer outros elementos da sociedade, houve uma
complexificação das funções do Direito de harmonização dos conflitos e legitimação do
poder para se transformar em “instrumento de implementação de políticas públicas”156.
A idéia sintética é a de que, com o Estado Liberal, a burguesia assume o controle
do Estado e instrumentaliza o Direito para garantir a eles a dominação social e a
153
OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de; QUINTANEIRO, Tania. Labirintos Simétricos:
introdução à teoria sociológica de Talcott Parson. Belo Horizonte: UFMG, 2002, p. 157.
154
ARNAUD, op. cit., p. 153.
155
ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria José Farinas. Introdução à Análise Sociológica dos Sistemas
Jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 154-5.
156
GRAU, E. R. A ordem Econômica na Constituição de 1988: (...). São Paulo: Malheiros, 2006, p. 15.
92
segurança de que necessitam. Com o advento do Estado Social, há uma tendência de
inversão, onde o Direito é instrumentalizado para alcançar certos fins sociais, embora
não perca a característica anterior. É pertinente elucidar melhor essa relação.
O liberalismo econômico se valia do poder estatal para garantir a primazia e a
efetividade de seus princípios. E, nesse sentido, o “mercado” não se resume a um fato
social, mas a uma instituição jurídica: “insisto neste ponto – é uma instituição jurídica
constituída pelo direito positivo, o direito posto pelo Estado Moderno”157.
O fato é que o Terceiro Estado, a burguesia, apropriou-se do Estado
e é a seu serviço que este põe o direito, instrumentando a dominação da
sociedade civil pelo mercado. O Estado, que inicialmente regulava a vida
econômica da nação para atender a necessidades ditadas pelas suas finanças,
desenvolvendo políticas mercantilistas, passou a fazê-lo para assegurar o
laissez faire e, concomitantemente, prover a proteção social, visando à defesa
e preservação do sistema.158
O direito positivo, àquele momento histórico, servia exatamente para garantir a
existência de um mercado, que necessitava de uma regulação que concederia
regularidade e a possibilidade de previsão dos comportamentos, como afirmaria Weber.
A finalidade acumulativa capitalista exige uma Justiça e um Estado cuja movimentação
possam ser racionalmente calculados, o que poderia ser garantido ao se estabelecer uma
fonte única e equilibrada de regulação social. Resumidamente, haveria garantias, quer
contra o próprio Estado, quer contra os próprios agentes do mercado, para o
cumprimento dos contratos, permitindo sua livre realização e desenvolvimento159.
Las exigencias de calculabilidad y confianza en el funcionamiento
del orden jurídico y la administración, una necesidad vital del capitalismo
racional, condujo la burguesía a concentrar su esfuerzo en limitar a los
príncipes patrimoniales y a la nobleza feudal por medio de una corporación,
en la que la presencia (conjunta) de la burguesía predominante, y mediante
la cual poder controlar las finanzas y la administración en las variaciones
del orden jurídico.160
Eros Grau afirma ser equívoca a idéia de “intervenção”, porque pressupõe uma
cisão entre a sociedade civil e o Estado: “Família, sociedade civil e Estado são
157
Idem, p. 35.
Idem, p. 31-2.
159
“Isto é: cada agente econômico necessita de garantias (i) contra o estado e (ii) contra os outros
agentes econômicos que atuam no mercado. Vale dizer, cálculo e segurança inerentes à produção
capitalista exigem uma dupla garantia: (a) contra o Estado (= liberalismo político) e (b) em favor do
mercado (= liberalismo econômico).” In: GRAU, Eros Roberto. A ordem Econômica na Constituição
de 1988: interpretação crítica. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 38.
160
WEBER, Max. Economia y Sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1964, p. 238.
158
93
manifestações, que não se anulam entre si, manifestações de uma realidade, a realidade
do homem associando-se a outros homens”161. Tal idéia de separação se presta para
tentar delimitar a atuação do Estado: controlar a sociedade de forma que seja possível o
exercício da acumulação. Uns estão sobre os outros, o que significa obrigatoriamente
que “os outros” estão submetidos aos interesses dos “uns”. Nas palavras de Grau, a
acumulação “necessita da ordem, mas a detesta, procurando a qualquer custo exorcizála”162. Como corolário lógico, aparece na prática um discurso que “reclama a atuação
estatal para garantir a fluência de suas relações, porém, ao mesmo tempo, exige que essa
atuação seja mínima”163.
Em suma:
(i) a sociedade capitalista é essencialmente jurídica e nela o direito
atua como mediação específica e necessária das relações de produção que lhe
são próprias;
(ii) essas relações de produção não poderiam estabelecer-se, nem
poderiam reproduzir-se sem a forma do direito positivo, direito posto pelo
Estado;
(iii) este direito posto pelo Estado surge para disciplinar os
mercados, de modo que se pode dizer que ele se presta a permitir a fluência
da circulação mercantil, para domesticar os determinismos econômicos.164
Posteriormente, sob a perspectiva do novo estado, o Estado Social agora é
funcionalizado para a implementação de políticas públicas, sendo interpretado por Eros
Grau como um legitimador capitalista. Interessava ao capitalismo uma Constituição que
tivesse um viés “progressista”, voltado para o desenvolvimento, porque manipulável
pelas classes dominantes, permitindo a manutenção do sistema capitalista (que vive da
inovação, do desenvolvimento).
Nenhuma regulação garantiria melhor a manutenção do sistema capitalista que
uma regulação social pretendente a estabelecer metas e objetivos desenvolvimentistas,
porque em cima dessas prescrições o capitalismo estaria legitimado a trabalhar sem
intervenções. E, perceba-se o quanto uma Constituição (artigo 170) que prega ser um
princípio a “propriedade privada”, a “função social da propriedade” (até então pensada
como garantia da propriedade e da produção de riqueza), a “livre concorrência”, a
161
GRAU, op. cit., p. 21.
Idem, p. 36. “Observe-se enfaticamente que, embora a estatização e o intervencionismo estatal no
domínio econômico possam aqui ou ali contrariar os interesses de um ou outro capitalista, serão
sempre adequados e coerentes com os interesses do capitalismo.” In: GRAU, op.cit., p. 44.
163
Idem, p. 37.
164
GRAU, Eros Roberto. A ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação crítica. São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 32.
162
94
“redução das desigualdades regionais e sociais” (alcançada pelo desenvolvimento
econômico) e a “busca do pleno emprego” (em que há um papel preponderante o livre
desenvolvimento da economia, segundo se prega) estão profundamente comprometidos
com esse ideal.
A transformação que refiro se dá no instante em que as precedentes
ordens econômicas (mundo do dever-ser) passam a instrumentar a
implementação de políticas públicas. Vale dizer: no instante em que a ordem
econômica – parcela da ordem jurídica -, já instalada no nível constitucional,
passa a predicar o aprimoramento da ordem econômica (mundo do ser),
visando à sua preservação.
O direito é afetado, então, por uma transformação, justamente em
razão de instrumentar transformação da ordem econômica (mundo do ser).
Que essa transformação, no mundo do ser, é perseguida, isso é
óbvio. Retorno à leitura do art. 170 da Constituição de 1988: a ordem
econômica (mundo do ser) deverá estar fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa... A ordem econômica liberal é substituída pela
ordem econômica intervencionista.165 [...]
De uma banda, a nova ordem econômica (mundo do dever ser), além
de não se exaurir no nível constitucional – deixe-se isso bem vincado -, da
antiga se distingue na medida em que, ao contrário do que ocorre em relação
a esta, compreende não apenas, fundamentalmente, normas de ordem pública
[que sempre existiram na ordem jurídica], mas também, e em profusão
enorme, normas que instrumentam a intervenção do Estado na economia –
normas de intervenção [que estão associadas também com o papel de
manutenção do capitalismo].166
Evidentemente, a interpretação sistemática atual concedida a esses princípios
transmudou o seu sentido original. Mas, o importante é o que se pretendia estabelecer
na época.
Inobstante, num momento em que a queda das fronteiras econômicas é um fator
reforçador da concorrência no mercado, a regulação continua sendo julgada
indispensável. Sobre certo aspecto, todos querem acumular, mas ninguém quer perder.
Assim buscam no Estado, ou em outros meios alternativos (arbitragem, tribunais
internacionais), alguma forma de garantia contra a concorrência.
Com a globalização, há um direito “anacional”, que anda além dos limites das
ordens jurídicas nacionais e do direito tradicional, espelhado nas convenções entre os
165
166
Idem, p. 74.
GRAU, E. R. A ordem Econômica na Constituição de 1988: (...). São Paulo: Malheiros, 2006, p. 75.
95
Estados167. É algo que está fora da idéia tradicional de hierarquia das normas jurídicas,
porque não se adéqua propriamente ao modelo ordinário: é um “terceiro excluído”168.
O sentimento social de inadequação da teorização tradicional considera o
sistema jurídico como estagnado, não alcançando a globalização econômica, que
encontrou “formas jurídicas globais”169. Além disso, no interior dos Estados (e
evidentemente no plano exterior igualmente isso ocorre) há uma complexidade social,
gerando uma policontextualização do Direito, desenlaçando-o de sua fonte política
estatal, o que permite a construção de “formas jurídicas independentes do soberano
político, ligando directamente o direito aos outros subsistemas sociais”170. As normas
jurídicas, por não advirem do centro político tradicional, tendem a contemplar aquilo
que é considerado nos demais subsistemas sociais – sem o filtro clássico do Legislativo.
Frente à tal realidade, a proposta de Bernard Remiche, por exemplo, consiste em
elevar o nível de abrangência das normas jurídicas, saindo o âmbito nacional e
ingressando no sistema mundial: um direito transnacional, com tribunais e juízes
internacionais para regular e garantir o respeito do liberalismo econômico e de mercado,
que inegavelmente são mundiais.
A partir do momento em que se admite que o mercado se tornou
mundial, é indispensável que o direito da concorrência se mundialize.
De maneira geral, a mundialização e a globalização da economia
devem ter por corolário o desenvolvimento de um direito económico
internacional.171
O pensamento do autor consiste em elevar a ordem jurídica para um nível
internacional de regulação e fiscalização, única alternativa para combater uma economia
globalizada que vem sistematicamente retirando o (ou se furtando ao) controle dos
Estados nacionais. Pertinente ressaltar, a concepção do modelo internacional de direito
se apresenta como contraponto à regulação do próprio mercado, atuando como meio
para garantir a mundialização do poder econômico sem desrespeitar os povos, cidadãos
167
TEUBNER, Gunther. Os Múltiplos Corpos do Rei: a autodestruição da hierarquia do Direito. In:
FILOSOFIA do Direito e Direito Económico: que diálogos? Miscelâneas em honra de Gerard Farjat.
Lisboa: Piaget, 1999, p. 344.
168
Idem, ibidem.
169
Idem, p. 346.
170
Idem, p. 354.
171
REMICHE, Bernard. Direito Económico, Mercado e Interesse Geral. In: FILOSOFIA do Direito e
Direito Económico: (...). Miscelâneas em honra de Gerard Farjat. Lisboa: Piaget, 1999, p. 287.
96
e sua diversidade de valores, de maneira que “esta mundialização, que pode ser
portadora de tanto progresso, não ser fonte de graves fracturas”172.
No que concerne propriamente a nossa Constituição, Eros Grau afirma, o que é
um empecilho para a implantação do neoliberalismo no Brasil, que a superação do
modelo de Estado de bem-estar depende de alteração de preceitos normativos, os quais,
ressalta-se, são cláusulas pétreas. Isso, porque o autor refere a necessidade de
modificação nos artigos 1°, 3° e 170173.
A nossa Constituição de 1988 carrega uma ordem econômica progressista, de
dever-ser. E isso significa necessariamente o entendimento de que ordem econômica é
inexoravelmente parte da ordem jurídica e, como tal, assim como a ordem jurídica, está
instrumentalizada para o alcance de certos fins.
Para exemplificar, colaciona-se a interpretação de Eros Grau sobre o conteúdo
do artigo 170 da Constituição:
Analisando porém com alguma percuciência o texto, o leitor
verificará que o art. 170 da Constituição, cujo enunciado é,
inquestionavelmente, normativo, assim deverá ser lido: as relações
econômicas – ou a atividade econômica – deverão ser (estar) fundadas na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim (fim
delas, relações econômicas ou atividades econômica) assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguinte princípios...174
O sentido concedido ao artigo da Constituição denota uma questão interessante,
por exemplo, em relação à função social do contrato, levantada em linhas anteriores.
Sendo a ordem econômica parte do jurídico e, por sua vez, estando o jurídico a
controlar e a garantir a manutenção do modo de vida acumulativo, é essencial que os
atos jurídicos preencham sua finalidade social. Ora, a compreensão, manutenção e
aprimoramento do papel social dos contratos, por exemplo, é que, em última análise,
garantem o bom funcionamento do mercado.
Em outras palavras, os contratos se apresentam como “instrumentos dinâmicos
voltados ao alcance não apenas dos fins almejados pelas partes mas também, na medida
172
Idem, p. 288.
GRAU, E. R. A ordem Econômica na Constituição de 1988: (...). São Paulo: Malheiros, 2006, p. 48.
174
GRAU, Eros Roberto. A ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação crítica. São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 68.
173
97
em que conformados pelo Estado, dos fins últimos da ordem econômica” 175. E
exatamente em razão disso há legitimidade para a sujeição de muitos contratos à
aprovação de agências reguladoras (e do Estado, de modo amplo), como os de
transferência de tecnologia, de fusão empresarial.
Sob certo aspecto, a calculabilidade referida por Eros Grau, é o que
aparentemente se pretende encontrar com a Análise Econômica do Direito, sobretudo
quando se considera o discurso empregado pela doutrina apresentado anteriormente.
Houve uma nova complexização do mundo e da economia, que necessita de novos
meios de controle para a manutenção do sistema capitalista, que precisa ganhar uma
nova roupagem, quer para se legitimar, quer para adquirir uma armadura contra a
concorrência global (pode-se lembrar do problema da China, levantado linhas acima).
A regulação legislativa não alcança mais todos os confins da globalização,
exigindo uma doutrina nova e inflexionada exatamente nos ponto de aplicação do
Direito: por isso a idéia preponderante de exaltação do poder dos juízes pela Análise
Econômica do Direito. Frente a uma dificuldade de se legislar para o mundo inteiro,
como pretende Bernard Remiche (embora algumas instâncias internacionais se prestem
para isso, como a Organização Mundial do Comércio, etc.), a garantia necessária para o
capitalismo passa a encontrar respaldo no momento de aplicação do Direito, utilizandose o critério da maximização da riqueza.
A Análise Econômica do Direito pode, nesse contexto, ser uma tentativa de
retornar à situação liberal de controle da juridicidade, sobretudo em um momento
quando alguns valores atuais não são mais passíveis de retorno ao passado. As coisas
evoluíram, e não é possível se dar a marcha ré para transformar a legislação.
3.3.2 Do Funcionalismo Jurídico ao Jurisprudencialismo
175
Idem, p. 95. Sobre as demais conseqüências, ver páginas 93-102 do mesmo texto.
98
O viés funcionalista do pensamento jurídico, por sua vez, ao contrário do âmbito
sociológico, busca não compreender na prática o papel desempenhado pelo jurídico,
mas estabelecer o papel que deve assumir: uma noção programática, estratégica.
Assim, as funções sociológicas do Direito são aqui consideradas como fins
estabelecidos, passando-se a questionar como o Direito deve ser para atingir aqueles
objetivos estipulados (como seria sua organização, estrutura). Direito como
instrumento, como meio para atingir diversos fins (que podem ser políticos, sociais,
ideológicos).
Perceba-se que o descompasso entre o ideário teórico do normativismo e a
prática social, como referido no capítulo primeiro, é o que demonstrou cabalmente a
perda da autonomia do Direito, porque não estava servindo àquilo que deveria regular, a
sociedade. Seus modelos dedutivos não serviam mais:
[...] a própria autonomia do direito deliberadamente se sacrificaria.
Pois na linha do funcionalismo o direito deixa de ser um auto-subsistente de
sentido e de normatividade para passar a ser um instrumento – um finalístico
instrumento e um meio ao serviço de teleologias que de fora o convocam e
condicionantemente o submetem.176
Na nova realidade, o Direito precisava de uma “aberta indeterminação”,
permitindo transformações constantes, conforme a sociedade mutava. O Direito,
segundo a compreensão racional da época, como as demais coisas da vida, era medido
não pelo seu valor ontológico, mas por aquilo que poderia proporcionar; portanto,
sujeito também à razão instrumental.
Ademais, a razão científica era neutra177. Esta, testada empiricamente e
reprodutora fiel da realidade, agora deveria ser posta em prática para modificar a
realidade na medida do interesse do homem. Raciocínio que deveria ser empregado em
todas as coisas: o Direito perde sua importância como substância e passa a ter
importância enquanto função.
176
CASTANHEIRA NEVES, António. O Direito Hoje e com Que Sentido?. Lisboa: Instituto Piaget,
2002, p. 30-1.
177
Porque não direcionada por valores, mas por finalidades. “Que tanto é dizer que a fundamentação cede
à instrumentalização ou a razão objectivo-material à formal «razão instrumental» e a ordem (de
validade ou institucional) à planificação (programático-regulamentar), a validade à eficácia ou a
eficiência. Ou, de outro modo, aos valores substituem-se os fins (subjectivos) aos fundamentos ou
efeitos (empíricos) – numa só palavra, trata-se de um finalismo que se afere por um
consequencialismo.” In: CASTANHEIRA NEVES, António. O Direito Hoje e com Que Sentido?.
Lisboa: Instituto Piaget, 2002, p. 39-40.
99
[...] e adopta-se o ponto de vista da variação contingente de variáveis
no quadro complexo de estruturas organizatórias ou de sistemas referíveis,
com o objetivo de uma mobilização de possibilidades e meios para uma
programação estratégica de fins controláveis pelos efeitos.178
Sendo uma função, o Direito passa a ser um meio; logo, contingente e relativo,
sujeito a alterações finalísticas, dependentes dos objetivos sociais propostos.
Da mesma forma que o Direito, o juiz passa a ter um papel fundamental
(especialmente na linha funcionalista social tecnológica e econômica) como participante
ativo de garantia do atingimento dos fins propostos, deixando de ser um mero aplicador
de normas. Especialmente na vertente econômica, o juiz passa a se preocupar com a
eficiência, com a redução dos custos sociais e com a maximização da riqueza. Nesse
sentido, se verifica a perda da autonomia do Direito, porque subjugado àquilo que uma
análise econômica afirma ser Direito.
E situação diferente não existe em relação ao funcionalismo político, no qual, ao
fim e ao cabo, o Direito seria exercício da política179.
No funcionalismo sistêmico, já referido, o Direito tem uma função integrativa
(descomplexificadora da realidade e estabilizadora das expectativas), pela sua
capacidade de interiorizar os conflitos sociais. Aqui, ou (a) se pressupõe a autonomia do
Direito mediante o reconhecimento de ser uma teoria “metanormativa”, ou seja, os
sistemas são vistos de um ângulo externo (como faria a sociologia). Aliás, como indica
Castanheira Neves, “pressupõe-se no sentido normativístico tradicional – para ser
simplesmente descrito e analisado na sua auto-referência e autopoiésis”180. Ou, (b) se
buscaria uma teoria propriamente jurídica do Direito, em que a autonomia ficaria
preservada caso adotado um “funcionalismo puro, em termos só formais,
processualísticos e com abstracção (ou equivalência funcional) de quaisquer dimensões
materiais (fossem elas as de valores, dos fins, dos interesses)”181.
178
Idem, p. 38.
“O direito não teria só uma geral função política, nem se lhe reconhecem apenas efeitos políticos,
pretende-se que assuma um directo e determinante objectivo político, e assim segundo fundamentos e
critérios imediatamente políticos.” CASTANHEIRA NEVES, op. cit., p. 41.
180
CASTANHEIRA NEVES, António. O Direito Hoje e com Que Sentido?. Lisboa: Instituto Piaget,
2002, p. 47.
181
Idem, p. 48.
179
100
Em outras palavras, transforma a vida num mundo racional-funcionalista formal
e abstrato, alienado aos valores.
Entretanto, a escolha a ser feita pelo homem deve perpassar pela verificação do
sentido que o próprio homem concede à sua existência:
[...] a implicar um fundamento axiologicamente crítico e o homem
transcendendo-se assim a um sentido materialmente vinculante em que
assuma o projecto responsabilizante da sua própria humanidade; ou uma
prática determinada tão-só por juízos de oportunidade, a não exigir mais do
que programações finalísticas actuadas por esquemas de uma operatória
eficiente, e o homem reduzindo-se à imanente titularidade de estratégias de
interesses que lhe permitirão uma existência axiologicamente neutralizante
ou uma existência formalmente calculada, e nada mais.182
Castanheira Neves aduz que é possível o restabelecimento da autonomia do
Direito mediante a reconsideração de que, embora seja detentor de uma função,
representa os valores vigentes em determinado ambiente espaço-temporal.
Um sistema, portanto, regido por valores e princípios éticos metapositivos, que
controlariam e condicionariam a aplicação funcional do Direito. Um Direito
“autopressusposto”, fundado na ordem social vigente. Nesse sentido, evitaria
transformações jurídicas que contradissessem a ordem estabelecida.
Outra possibilidade trazida pelo autor é a de restabelecer a diferença entre “jus e
lex”, reconhecendo-se a existência de uma ordem jurídica além da lei, na qual os
princípios tem um papel fundamental (porque tem sentido “axiológico-normativamente
fundamentante e constitutivo”183) para garantir ao Direito sua autonomia. Entretanto, a
autonomia aqui é “axiológica-normativa”, dependente da existência de um Direito mais
prático, judicial, que nunca seria puramente a legalidade, em razão das especificidades
dos casos concretos. É que a lei é intrinsecamente limitada, havendo a necessidade de
complementações quando de sua aplicação. Nessa concepção, por óbvio, a
jurisprudência passa a ser fonte do Direito184.
182
Idem, p. 50.
CASTANHEIRA NEVES, António. O Direito Hoje e com Que Sentido?. Lisboa: Instituto Piaget,
2002, p. 60.
184
“Ao lado do Poder Legislativo, é chamado o órgão jurisdicional a participar criativamente do contexto
jurídico comunitário, realizando construtivamente o direito, e não apenas o reproduzindo, de acordo
com os ditames legislativos.” In: MELGARÉ, Plínio Saraiva. Juridicidade: sua compreensão políticojurídica a partir do pensamento moderno-iluminista. Stvdia Ivridica, n.º 69. Boletim da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, 2003, p. 166.
183
101
Por fim, Castanheira Neves apresenta a idéia de que, com o reconhecimento do
homem como pessoa (que pressupõe a existência de uma dignidade – que significa sua
“pessoal participação e realização”185), antes de sua relação com a sociedade, atinge-se o
mesmo sentido protetivo e fundamental dos “direitos do homem e dos direitos
fundamentais”186. Assim, o não afastamento da dimensão de “pessoa” pela comunidade
gera um reconhecimento mútuo entre indivíduo e sociedade: a justiça, que “sempre quis
exprimir a suprema axiologia da existência humana comunitária”187.
Segundo Plínio Melgaré, “além de um incondicional respeito à dignidade da
pessoa humana”188, deve coexistir obrigatoriamente “o reconhecimento de que cada ser
humano representa e significa um sujeito ético, com um valor indisponível diante das
estruturas de poder e de seus semelhantes”189.
Essa é a dimensão ética que é capaz de conferir ao Direito sua autonomia. É que
o Direito exige a convivência comunitária humana em um espaço territorial limitado e
uma condição ética de reconhecer o homem como pessoa (portador de uma
dignidade)190,
[...] com um valor indisponível para o poder e a prepotência dos outros e
comunitariamente responsabilizado para com os outros – só assim ele poderá
ser, também simultaneamente, titular de direitos (dirigidos aos outros) e de
obrigações (exigidas pelos outros), em todos os níveis, segundo todos os
princípios e em todas as modalidades estruturais que normativamente se têm
objectivado a constituírem o direito (o direito como específica realidade
objectivo-cultural).191
Para que as perspectivas funcionalistas (e a Análise Econômica do Direito) não
firam a autonomia do Direito, deve ser mantida, além das funções sociais e estratégicas,
185
CASTANHEIRA NEVES, op. cit., p. 70.
Idem, ibidem.
187
Idem, ibidem.
188
MELGARÉ, op. cit., p. 157.
189
Idem, ibidem.
190
Nas palavras de Axel Honneth: “[…] direitos são de certa maneira as pretensões individuais das quais
posso estar seguro que o outro generalizado as satisfará. Nesse sentido, pela concessão social desses
direitos, é possível medir se um sujeito pode conceber-se como membro completamente aceito de sua
coletividade; [...] Por sua vez, o grau de auto-respeito depende da medida em que são individualizadas
as respectivas propriedades ou capacidades para as quais o sujeito encontra confirmação por parte de
seus parceiros de interação; visto que ‘direitos’ são algo por meio do qual cada ser humano pode
saber-se reconhecido em propriedades que todos os outros membros de sua coletividade partilham
necessariamente com ele, [...]”. HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: a gramática moral
dos conflitos sociais. São Paulo: 34, 2003 , p. 136-7.
191
CASTANHEIRA NEVES, António. O Direito Hoje e com Que Sentido?. Lisboa: Instituto Piaget,
2002, p. 72.
186
102
a perspectiva de pessoa do ser humano (concepção ética que dá sentido ao Direito e
concede a ele sua autonomia). E esse mesmo humano deve assumir o Direito em sua
existência, vivendo-o no seu sentido.
Assim, para que o Direito não seja capturado pelas demais ciências, deve
obrigatoriamente manter o seu sentido limitador autônomo, ter algum sentido em si
mesmo, não apenas assimilando o sentido que os demais sistemas sociais lhe impõe.
Está-se a tratar não mais do funcionalismo; mas do jurisprudencialismo. E,
Plínio Melgaré adverte que “a racionalidade do jurisprudencialismo em nenhum
momento se identifica com a já vista racionalidade finalística”192.
Anima-se, assim, o jurisprudencialismo, por um modo dialéctico,
argumentativo e problemático do pensar. O eixo é a praxis jurídica, sendo o
problema o ponto de partida para a solução da racionalidade jurídica, a ser
encontrada por um processo dialógico, com uma relação discursiva,
alternando-se justificativas, na busca de uma fundamentação racional,
referentes à controvérsia jurídica.193
Não funciona mais a idéia do silogismo formal na aplicação da lei, pelo menos
de forma preponderante. Igualmente, não se aceita a noção de que os processos trazidos
ao juiz sejam julgados conforme a linha dos precedentes, porque cada caso concreto
deve ser considerado tópico (em suas especificidades) e sistematicamente (considerando
toda principiologia normativa existente dentro do sistema, assim como o Direito
Positivo, que pode existir).
O Direito passa a ser compreendido como uma expressão dos valores de uma
determinada comunidade, adotando-se sempre como pressuposto as conquistas
realizadas até então (a noção de reconhecimento como pessoa).
Por certo que não se pensa em uma axiologia ou ordem
principiológica pronta e acabada, ou referida a uma situação ontológicotranscendente, ou ainda dirigida a fins que se tenham por necessários ou
eficazes. Ao revés, a dimensão valorativa de uma comunidade é dinâmica. É
fruto de uma construção comunitária a fundamentar e justificar as decisões
políticas. De modo que o direito não é um resultado final de um operar
silogístico-subsuntivo ou predeterminado; mas é um fazer-se, referido a um
192
MELGARÉ, Plínio Saraiva. Juridicidade: sua compreensão político-jurídica a partir do pensamento
moderno-iluminista. Stvdia Ivridica, n.º 69. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, 2003, p. 151.
193
Idem, p. 153.
103
ambiente comunitário, visando à solução de problemas concretos de pessoas
que interagem, [...].”194
As decisões judiciais, portanto, não valem apenas em razão da autoridade que as
emana. Valem em razão de sua argumentação racional e sistemático-valorativa que
soluciona um caso concreto sob a perspectiva dos princípios e dos valores de
determinado local e tempo. O Direito é construído nessa perspectiva.
Assim, nas sociedades atuais, regidas pelos princípios gerais do Direito, alguns
com concepções praticamente milenares, pelos direitos fundamentais do homem e do
cidadão, pela concepção moderna de dignidade humana e suas formas de concretização,
grande parte da autonomia do Direito está preservada, porque não há como se olvidá-los
(ainda que seja considerado apenas pela perspectiva funcionalista, porque também
limitam a esta).
As difíceis conquistas humanas é que garantem ao Direito sua autonomia.
3.4 PAPEL DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
Talvez o subconsciente da Análise Econômica do Direito busque efetivamente o
estabelecimento de critérios objetivos para as decisões judiciais, de modo a obter um
maior controle dos juízos dos magistrados, assegurando-se, por intermédio da garantia
do precedente, a estabilização das expectativas impostas sob os julgadores.
Conscientemente, há o discurso da aplicação da ciência econômica no Direito como
meio de garantir que as sociedades continuarão a se desenvolver na globalização.
Aliás, Cristiane Coelho reconhece o sucesso da expansão da Análise Econômica
do Direito em razão de sua possibilidade de trazer para o Direito a objetividade perdida
com o fim do Positivismo (e, por isso, aponta uma proximidade com este), renovando a
possibilidade dos operadores jurídicos encontrarem, por força da “cientificidade e
194
MELGARÉ, Plínio Saraiva. Juridicidade: sua compreensão político-jurídica a partir do pensamento
moderno-iluminista. Stvdia Ivridica, n.º 69. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, 2003, p. 173.
104
objetividade”195, fundamentos sólidos para suas manifestações, ao invés de adotar
“posturas eminentemente interdisciplinares que advogam uma interpretação mais aberta
e socialmente comprometida das normas jurídicas”196.
Por outro lado, no Brasil, essa situação é intrinsecamente problemática, quer
pela natureza e profundidade da Constituição Federal de 1988, quer pelas características
do atual Código Civil.
Luciano Timm assinala a crueza da realidade do Direito brasileiro, em especial
após o advento do Código Civil de 2002: enquanto os agentes econômicos buscam
segurança e previsibilidade, o Código oferece “cláusulas gerais a serem interpretadas
caso a caso pelo juiz” e o “sistema jurídico enaltece a liberdade absoluta de decisão dos
magistrados, sem comprometimento com os julgados das cortes superiores”197.
O legislador renunciou aos pressupostos positivistas de rígida
separação entre ética e direito a fim de que, via cláusulas gerais e conceitos
jurídicos indeterminados, permitisse que a moral voltasse a permear a
aplicação do Direito.198
De qualquer forma, uma razoável estabilização das expectativas não é possível
em um mundo social complexo, porque a cada dia o homem avança (se desenvolve)
realizando novos negócios, com novas tecnologias até então impensadas, estabelecendo
redes dentro de outras redes, exigindo-se inadvertidamente a parte “subjetiva” do
magistrado na solução dos casos199.
195
COELHO, Cristiane de Oliveira. A Análise Econômica do Direito enquanto Ciência: (...). Berkeley
Program in Law & Economics. Latin American and Caribbean Law and Economics Association
(ALACDE)
Annual
Papers
(paper
050107-10).
Disponível
em:
<http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050107-10/>. Acesso: 13 out. de 2007.
196
Idem.
197
TIMM, Luciano Benetti. O Novo Direito Civil: (...). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2008, p. 43.
198
TIMM, Luciano Benetti. O Novo Direito Civil: (...). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2008, p. 53. O autor apresenta severas críticas a esse sistema, como se observa em: “Como o volume de
processo é imenso, os juízes não terão tempo para analisar detalhadamente os processos para criar
regras para o caso, tornando praticamente inócua na prática as cláusulas gerais. [...] Efetivamente, com
instrumentos novos que são as cláusulas gerais (função social do contrato, onerosidade excessiva) e que
dão muita margem à subjetividade do juiz, o que esperar de uma justiça em que os próprios tribunais,
por meio de suas câmaras, dão decisões contraditórias? Imagine-se só, sem vinculações a precedentes,
o que será a função social da propriedade para um mesmo Tribunal de Justiça? Para auxiliar nesta
racionalização e previsibilidade das decisões, ter-se-ia que recorrer à tópica aristotélica, à teria da
argumentação. Mas estes juízes assoberbados, educados dentro daquele modelo positivista e subsuntivo
terão tempo para se atualizarem neste novo paradigma?” In: TIMM, op. cit., 55-6.
105
E nesse sentido, pode-se apontar uma possível inconsistência entre a busca de
uma objetividade e a alocação da função de “proteger” a economia dada ao Judiciário.
Como se verificou, especialmente em Eros Grau, o capitalismo depende do poder
estatal: mas atualmente está mudando seu ninho da lei para a prática jurídica, buscando
encontrar nos juízes um amparo, talvez inconcebível, em razão dos demais fatores que o
Direito deve tutelar.
Ao tratar do jurisprudencialismo, Plínio Melgaré ressalta:
O processo mobilizado por aquele terceiro imparcial, que vem a
dizer o direito, não visa ao conhecimento objetivo de uma verdade
demonstrável; não consiste em aplicar critérios certos, apreendidos pela
cognição. Ao contrário, busca a compreensão de um significado, do sentido
de uma situação humano-existencial, articulada argumentativamente, inscrita
no âmbito do plausível, e não da demonstração. Então, não se excogita algo
abstracto, estremado por um processo cognitivo e atrelado a um sistema
normativo de cariz dogmático e previamente estabelecido, senão que um caso
concreto, atinente a pessoas e situações concretas e envoltas num específico
contexto histórico.200
Em conclusão:
Nesse contexto, firma-se o direito como um sistema
pluridimensional, segundo já visto, de princípios ético-jurídicos, onde
repousará o fundamento da solução a ser construída para o caso decidendo, e
que, após sua tomada, configure-se como racionalmente fundamentada, por
meio de um raciocínio argumentativo, alcançando a condição de plausível,
razoável, no momento histórico em que se encontre, e no ambiente
comunitário a qual esteja vinculada. Assim, que se afaste da decisão
judicativa e invocação somente da autoridade que a profere. Então, que a
decisão dos casos concretos encontre uma consistente e racional justificação,
em uma perspectiva de coerência com os princípios também fundamentantes
da constituenda normatividade jurídica, numa linha de construção-realização
e justificação do pensamento jurídico, do direito e de suas decisões.201
199
“El Derecho debe tener estabilidad y, sin embargo, no puede permanecer inalterable. Por ello, toda
meditación en torno al Derecho ha tratado de reconciliar las necesidades contradictorias de
estabilidad y transformación. El interés de la sociedad en la seguridad general ha inducido a los
hombres a buscar alguna base cierta que permita dar a los actos humanos un valor absoluto, capaz de
asegurar un orden social firme y estable. Pero la incesante transformación en las condiciones de la
vida social siempre y de nuevas causas susceptibles de menoscabar la seguridad establecida. Es
necesario, pues, que el orden jurídico sea flexible y, al mismo tiempo, estable. Es preciso someterlo
continuamente a revisión y readaptarlo a las alteraciones que experimenta la vida efectiva que há de
regir. Los principios que buscamos han de serlo tanto de evolución como de seguridad.” POUND,
Roscoe. Las Grandes Tendencias Del Pensamiento Jurídico. Barcelon: Ediciones Ariel, 1950, p. 5.
200
MELGARÉ, Plínio Saraiva. Juridicidade: sua compreensão político-jurídica a partir do pensamento
moderno-iluminista. Stvdia Ivridica, n.º 69. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, 2003, p. 167.
201
Idem, p. 172.
106
É num meio como esse que a Análise Econômica do Direito pretende se inserir e
ganhar certezas. E por isso mesmo, é que são pertinentes as questões ora discutidas:
“objetividade”, nesse contexto, recebe outra conotação.
Mas não é só. O problema da objetividade tem outras implicações, como quando
procura agregar no Direito elementos que não são por este considerados de forma
exclusiva ou, talvez até, de forma principal.
A Análise Econômica do Direito, na prática, consiste em uma escola/abordagem
de pensamento que busca gerar uma manipulação do Direito. É uma dentre as diversas
formas possíveis de enxergar o Direito, e a economia é uma dentre os diversos fatores
que intervém na formação de aplicação das normas (provavelmente, até agora o melhor
encontrado). Significa, portanto, reflexos sobre a autonomia do Direito.
Inobstante, ao contrário de o Direito perder a autonomia, o Direito renova sua
independência na medida em que escolhe (por intermédio de suas instituições) o que irá
fazer parte do sistema jurídico ou não, assim como conduz o limite do movimento dos
agentes econômicos. A impossibilidade de aplicação de uma análise economicista a
todos os casos, é o fator preponderante para a incapacidade de capturação do Direito
pela Ciência Econômica.
Em última instância, a realização de atividades econômicas (que dependem
fortemente dos contratos), além de ser um fato, consiste em um direito subjetivo,
limitado e controlado pelos outros interesses e irritações que o ordenamento jurídico
está sujeito. É o Direito quem indica o limite dos direitos subjetivos, para o que também
faz uso de visões que buscam espaço no mesmo meio social.
Pode-se pensar, por exemplo, em diversas atividades econômicas que poderiam
ser eficientes sob o ponto de vista econômico, porém são vedadas pelo Direito, como a
exploração sexual e o tráfico de drogas e de pessoas. Aliás, o tráfico de pessoas foi (e
continua sendo) um sistema bem evoluído de trocas, sob a ótica econômica.
[...] o direito é, simultaneamente, causa e efeito da ação socialeconômica. É causa porque o processo econômico (no qual há contínua
criação de novos tipos de direitos subjetivos) pressupõe um sistema jurídico
como condição necessária. É efeito porque essa criação de novos direitos tem
107
efeito cumulativo, que realimenta o grau de sofisticação e complexidade do
sistema jurídico.202
A relação do operador jurídico com o sistema em que trabalha é explicitada por
Jean-Jacques Sueur:
O método de análise substancial não procede de outra forma, parecenos: faz do tempo, ou melhor, da duração, um elemento constitutivo da
iniciativa do investigador ao qual retorna, depois do diagnóstico e inventário
das “contradições” no sistema jurídico ou no interior das categorias ditas
formais, em forjar novos conceitos, significativos de uma nova “coerência”.
O tempo, se for então levado em conta, é-o como factor da erosão das
categorias ou instituições jurídicas, sempre em nome do realismo
proclamado, e a “substância” designa, se assim quisermos, a distância que
separa o momento do advento da instituição em questão, do da análise à qual
é sujeita. Tantas hipóteses de ultrapassagem do direito, variantes do “declínio
do direito”.203
Mesmo tendo Jean-Jacques se referido acerca do Direito Econômico, raciocínio
extensível para outros ramos, o autor considera o Direito como a ligação entre diversos
sistemas sociais, dentre eles a Economia, que também tem a “vocação de regulamentar a
conduta dos homens”204.
O papel do Direito seria de alcançar “ainda imperfeitamente uma linguagem
comum, porque relativamente abstracta, aplicável às diversas esferas da atividade
comercial (pública ou privada)”205.
O operador jurídico, para o autor, exerceria o papel de um porteiro, que assume
uma dúplice função de “barragem de uso interno da disciplina e de mediação em direção
aos outros sectores do saber [...] permitindo avançar rumo à elaboração de um saber
crítico sobre o direito”206.
E nesse contexto é que a Ciência Econômica acaba sendo um verificador,
demonstrando ou afirmando acerca, tanto da efetividade do Direito, quanto
influenciando-o a ser melhor compreendido e utilizado, mantendo uma aproximação das
202
MELLO, Maria Tereza Leopardi. Direito e Economia em Weber. Disponível em:
<http://ww2.ie.ufrj.br/datacenterie/pdfs/seminarios/pesquisa/texto2205.pdf>. Acesso: 13 jan. de 2008.
203
SUEUR, Jean-Jacques. Direito Económico e Metodologia do Direito. In: FILOSOFIA do Direito e
Direito Económico: que diálogo?. Miscelâneas em hora de Gérard Farjat. Lisboa: Piaget, 1999, p. 336.
204
Idem, ibidem.
205
SUEUR, Jean-Jacques. Direito Económico e Metodologia do Direito. In: FILOSOFIA do Direito e
Direito Económico: que diálogo?. Miscelâneas em hora de Gérard Farjat. Lisboa: Piaget, 1999, p. 336.
206
Idem, p. 336-7.
108
normas com o meio social circundante, o que perpassa também pela atuação dos
operadores jurídicos (tradutores dos fenômenos jurídicos).
É evidente que uma solução científica não admite uma solução aparentemente
tão simples. Contudo, verifica-se que as discussões de Eros Grau, Plínio Melgaré,
Castanheira Neves, Arnaud e Dulce, por exemplo, dão pleno sentido a tal conclusão.
Isso, porque, ou se admite que o Direito nunca teve qualquer autonomia (o que
especialmente sob o aspecto formal é difícil de sustentar207) ou se admite que o Direito
sempre conviveu e depende das intervenções das demais ciências sendo ora mais ou
menos influenciado e direcionado. Essas intervenções não deixam de estar no universo
de suas funções, haja vista garantirem sua proximidade com a realidade social.
E a autonomia, de qualquer forma, dificilmente é perdida em razão da
intervenção das demais ciências e fatores sociais, uma vez que sempre há uma tradução
dos fenômenos para, após, integrar o jurídico.
Ademais, quando se trata da tradução ou tentativa de incorporação de conteúdos
de um sistema em outro, como buscar implantar as teorias econômicas para dentro do
Direto, também surgem inconvenientes:
Não restam então dúvidas de que, pedindo assim emprestados os
conceitos da teoria económica dos direitos de propriedade aos economistas,
os juristas dão-lhes um novo conteúdo que parecerá estranho aos próprios
economistas, que haviam transformado, para os seus próprios fins, os
conceitos jurídicos de propriedade. Espero ter mostrado que tais deformações
de disciplinas podem ser o meio de uma compreensão acrescida, tanto para
quem empresta como para quem toma emprestado. Para provas
suplementares, não há como os juristas – entre os quais e à sua cabeça se
encontra Gérard Farjat – se apoderaram do conceito económico de “empresa”
e o desenvolveram para fazer dele um instrumento poderoso da análise
jurídica e da reconstrução.208
207
Ultrapassando a perspectiva das linhas já trazidas no presente trabalho pelo viés da Teoria dos
Sistemas, pode-se buscar amparo em Weber: “Es evidente que ambos modos de considerar los
fenómenos plantean problemas totalmente heterogéneos y que sus “objetos” no pueden entrar en
contacto de un modo inmediato; el “ordem jurídico” ideal de la teoría jurídica nada tiene que ver
directamente con el cosmos del actuar económico real, porque ambas cosas yacen en planos distintos:
una en la esfera ideal del deber ser; la otra en la de los acontecimientos reales.” In: WEBER, Max.
Economia y Sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1964, p. 251. Posteriormente,
reforçando a idéia de um núcleo formal absolutamente alheio aos demais sistemas, Weber afirma ser
possível modificar toda uma ordem econômica sem que nenhuma alteração seja necessária na ordem
jurídica (ou, tão-somente, com pequenas modificações). In: WEBER, op. cit., p. 269.
208
DAINTITH, Terence. Poder Estatal em Direito e em Economia. In: Filosofia do Direito e Direito
Económico: que diálogo?. Miscelâneas em hora de Gérard Farjat. Lisboa: Piaget, 1999, p. 411.
109
Esse excerto contempla muito bem o que ocorre quando há uma tradução para o
jurídico, como já mencionado. O objeto traduzido acaba por perder parte de suas
características iniciais e por adquirir conteúdo jurídico próprio: um objeto semelhante
(poderia ser igual ou completamente distinto do original). Ao ingressar no sistema
jurídico, o objeto adquire uma roupagem e sentido próprios do âmbito jurídico.
Além disso, ainda que nossa vida seja evidentemente econômica, não se pode
esquecer o papel que o Direito sempre desempenhou – e que cada vez mais assume
importância – consistente na proteção das idéias minoritárias, garantindo que não sejam
esmagadas pela maioria. E essa proteção se dá modernamente, de forma preponderante,
por intermédio dos princípios e valores conquistados ao longo do tempo.
Assim, quer sob o ponto de vista do funcionalismo ou da premente aparição do
jurisprudencialismo (ou do estágio de transição entre um e outro), há conquistas
jurídicas que não são passíveis mais de retrocesso, porque aviltariam a própria função
da existência do Direito (de proteção). E, nesse passo, tende-se cada vez mais a fixar
uma autonomia do Direito, que cada vez mais passa a assumir um sentido em si mesmo
(ou apenas mais um movimento histórico cíclico).
Pois bem, ressaltou-se ao longo do trabalho as dificuldades de uma análise
econômica para o Direito, o que evidentemente não significa que não existam grandes
vantagens em sua aplicação prática, como indiretamente o texto esclarece e reconhece.
A fim de trazer alguma sistematicidade para as vantagens, socorre-se de uma
análise realizada por Roscoe Pound, já nos idos de 1950, de inegável atualidade no
Brasil, quando elencou alguns avanços de uma análise econômica (embora também
tenha apresentado inúmeras críticas): a) um desenvolvimento do pensamento que dá
preferência para a satisfação das necessidades com os bens limitados que o operador do
Direito tiver para dispor, ao invés de buscar uma reconciliação entre as vontades
existentes na ação; b) um estímulo a ressaltar a defasagem dos códigos e dos corpos
legislativos tradicionais em relação a organização industrial existente à época,
estimulando a ciência jurídica funcional; c) uma idéia de uma história do direito social
ou sociológica, em contraposição à história jurídica meramente doutrinária, institucional
ou política; d) uma possibilidade de um uso inteligente das idéias econômicas pelos
110
operadores jurídicos, de forma que as regras jurídicas possam ser compreendidas sob o
ponto de vista prático; e e) uma fé no esforço contra o “pesimismo jurídico enseñando
el poder efectivo de la acción del hombre en la satisfacción de las necesidades
humanas”209.
Resta, por fim, uma profunda inquietação. E provém da dificuldade de saber se
esta realidade consistiria em uma análise econômica do Direito:
O litigante frequente programa e estrutura as suas relações
contratuais de maneira a garantir a sua defesa em casos de eventuais
conflitos, escrevendo ele próprio com frequência o contrato; tem fácil acesso
aos especialistas; o investimento inicial para cada litígio é fraco; tem
oportunidade de estabelecer relações informais com os responsáveis das
instituições em diferentes níveis hierárquicos; tem uma reputação de
“litigante”, que se esforça por conservar de maneira a tornar mais credíveis as
suas posições; arrisca-se a intervir nas acções nas quais os seus direitos não
são claros, na medida em que o facto de ser um “litigante” habitual leva-o a
calcular as suas vantagens nem grado alargado, minimizando os riscos
elevados que podem existir num caso ou no outro; tem interesse em
influenciar não apenas o conteúdo das leis, materiais ou processuais, mas
também a sua interpretação, para que elas lhe sejam favoráveis, sendo dado
que elas o afectam de maneira repetida.210
Mais adiante, assim continua Maria Manuel Leitão Marques:
O perfil do litigante frequente corresponde perfeitamente a este tipo
de queixoso. Dispondo de um serviço contencioso permanente, o custo da
acção relativa à sua preparação e aos custos do advogado é insignificante e
não intervêm então na decisão de recorrer ou não ao tribunal. Uma boa gestão
do serviço de contencioso levá-lo-á, pelo contrário, a correr o risco. Observase em numerosos casos que a preparação da acção é informatizada e que as
relações com o tribunal são rotineiras.211
Inquietação, porque grande parte das atitudes ali previstas são a médio tempo
desagradáveis para o Judiciário e para os consumidores. Há uma dificuldade de se
estabelecer se essa realidade advém de uma análise econômica do Direito ou se esta é
apenas um fruto daquela. E, mais: se efetivamente seria uma análise econômica do
Direito, ou de administração privada.
209
POUND, Roscoe. Las Grandes Tendencias Del Pensamiento Jurídico. Barcelona: Ediciones Ariel,
1950, p. 152-3.
210
MARQUES, Maria Manuel Leitão. Os Negócios e a Justiça. In: FILOSOFIA do Direito e Direito
Económico: que diálogo? Miscelâneas em hora de Gérard Farjat. Lisboa: Piaget, 1999, p. 490.
211
MARQUES, Maria Manuel Leitão. Os Negócios e a Justiça. In: FILOSOFIA do Direito e Direito
Económico: que diálogo?. Miscelâneas em hora de Gérard Farjat. Lisboa: Piaget, 1999, p. 493.
111
De qualquer modo, não passa de uma inquietação exatamente pelo que já fora
dito anteriormente: a realidade está aplicando o raciocínio economicista, com amparo ou
não do Direito.
Daí, desponta, então, outro problema já indiretamente discutido: não vislumbrase um mundo ideal quando cada pessoa (jurídica ou natural) pretende realizar
individualmente uma análise econômica daquilo que julga ser seu direito.
CONCLUSÃO
A pesquisa buscou compreender o significado da Análise Econômica do Direito
e estabelecer algumas críticas contra essa forma de compreender o Direito. Não se trata
propriamente de uma desclassificação da Análise Econômica do Direito, porque, como
o texto demonstra, essa apresenta mecanismos interessantes e úteis para o dia-a-dia da
aplicação jurídica. As vantagens da abordagem Law & Economics falam por si mesmas.
Não há como deixar de reconhecer que as teorias econômicas, de um modo
112
geral, são frutos de uma evolução científica que culminou com a integração na
Economia da análise do comportamento humano. As vantagens aparecem nas idéias da
Law and Economics quando se propõem a analisar o impacto da legislação no
comportamento humano como um todo, não necessariamente o comportamento
econômico. Inclusive, nesse aspecto, grande parte da doutrina analisada aduz a
incapacidade do Século XX de criar outra forma tão hábil de verificação e previsão do
comportamento humano (capaz de emparelhar com aquela proveniente da Economia).
Por outro lado, no que tange às críticas, que era a efetiva pretensão do trabalho,
verificou-se uma movimentação da Análise Econômica do Direito quase de forma
despreocupada em relação a esse assunto: as críticas vêm se esmaecendo ao longo do
tempo, praticamente chancelando uma aplicação direta das idéias e instrumentos
econômicos. Todavia, não significa a inexistência de vicissitudes, como demonstrado.
Fortalecer o grupo de críticas, significa ressaltar que a aplicação das análises
econômicas no Direito não podem ser cegas aos inconvenientes, volumosos e
significativos. Há, sim, reações adversas, sobretudo em razão do objeto que o Direito
pretende classicamente abarcar. Suas funções.
Nesse contexto de pesquisa, o trabalho inicia no primeiro capítulo com um
apanhado de opiniões de estudiosos estrangeiros sobre o conteúdo e alcance do que se
entende por Direito e Economia. Assim, o capítulo está envolto pelas idéias de Posner,
Robert Cooter, Thomas Ulen e Steven Shavell. Deduziram-se lá as idéias principais a
respeito da corrente de pensamento: alguns conceitos, finalidades, forma de aplicação.
O segundo capítulo, por sua vez, realizou uma análise de como as idéias da Law
& Economics são traduzidas no Brasil e a maneira pela qual a doutrina pretende aplicar
o Direito nacional sob o viés econômico. Assim, colacionou-se a opinião de diversos
pesquisadores de peso no assunto no Brasil, circundando as discussões sobre a
importância do papel do Judiciário em relação à economia de um país, sobre a tradução
da abordagem para os contratos, para a responsabilidade civil, para o Direito Tributário,
para o Direito de Propriedade. Igualmente, tratou-se sobre a Teoria dos Sistemas, além
de se estabelecer e se apontar algumas críticas às idéias levantadas.
Aqui, parte da pesquisa é solucionada: as análises econômicas permitem a
113
resolução dos conflitos materiais em parte dos problemas sociais. Em muitos casos, o
Direito é melhor aplicado e encontra forte respaldo social quando reconhece o viés
econômico da relação envolvida e as conseqüências sociais e econômicas que as
decisões jurídicas produzem. O resultado da pesquisa é claro nesse sentido, e, como
corolário disso, há uma tendência de se aplicar as noções em todos os casos.
Toda a problemática aparece em momentos nos quais há outra possibilidade não
econômica de conflito social ou quando o cerne de um problema econômico não é
propriamente econômico (se apresenta como econômico, mas possui outro fundo). É
que a existência humana não se resume nos atos econômicos: os atos realizados sob o
império do amor demonstram isso, mormente pela tendência de serem ineficientes
economicamente. A vida é cheia de exemplos neste sentido: muitas ações não se
enquadram na mecânica das idéias “lei da demanda”.
Apareceram os choques entre a teoria e a realidade prática.
Descobriu-se que o papel do Poder Judiciário não é puro e está intrinsecamente
conectado com os papéis que o Direito exerce em determinada sociedade em certo
tempo, embora, de certo modo, permaneça vinculado aos fatos históricos geradores de
seu desenvolvimento. Surgiram questões sobre a complexidade fática atual (que se
reflete em todos os ramos de conhecimento) e sobre a problemática da racionalidade
humana, incutindo reflexos na aplicação da “eficiência” (sob certo aspecto também
volátil), no desequilíbrio informacional e noutros pontos.
O pano de fundo, entretanto, é sempre constante: a perquirição sobre o
funcionamento da relação Direito-Economia e os impactos que tal interconexão acarreta
sobre a autonomia do jurídico. A fim de esclarecer melhor essa mecânica, agregou-se
parte da doutrina de Cristiano Carvalho na qual o pesquisador analisa, mediante a
Teoria dos Sistemas Comunicacionais, a relação entre os subsistemas sociais, como o
Direito, a economia, a religião, a política. As relações efetivamente são complexas,
devendo o Direito se afastar da regulação econômica, diz o autor, em razão da rapidez e
maleabilidade dos agentes do mercado.
Por fim, o terceiro capítulo traz as críticas de Ronald Dworkin e alguns
problemas referentes aos conceitos e postulados da Economia. Retoma as principais
114
funções do Direito e a transmudação deste para uma nova fase de conhecimento e
aplicação, o jurisprudencialismo. A intenção é de verificar se a inversão do raciocínio
de Cristiano de Carvalho também não gera resultados verdadeiros. Em outros termos,
não sendo possível ao Direito amarrar a Economia (e há casos nos quais dificilmente se
poderia admitir que tal conclusão é falsa), seria viável a lógica do mercado tentar
“direcionar” o Direito como pretende a Law & Economics?
Nesse contexto do trabalho, é criticada a pretensão de objetividade que a
Economia pretende passar ao Direito, quando se está cercado por complexidades sociais
perplexivas. Especialmente, quando o Direito é reconhecido por intermédio de raízes
menos legalistas, mais valorativas e principiológicas (mesmo se mantendo dentro de
uma perspectiva funcionalista).
O Direito é um regulador e estabilizador das decisões sociais. O Direito tem um
sentido em si mesmo, como reconhecer como válida uma normatividade que por ele
também é garantida. E nesse sentido é inexorável a sua autonomia sistêmica, uma vez
que são decisões internas e dependentes do próprio sistema: estabelece meios para o
ingresso na juridicidade e garante a aplicação do jurídico segundo os critérios do justo
lá estabelecido. E, em regra, a “maximização da riqueza” não aparece como um objetivo
de justiça, sobretudo se pensada de maneira isolada dos demais fins do Direito.
Ademais, constatou-se especial inconveniente quando as análises econômicas
pretendem retirar os olhos do julgador da circunscrição de um conflito individual para
aplicar uma noção mais ampla (de maximização de riquezas sociais, por exemplo),
oportunidade em que pode haver uma violação aos direitos fundamentais postos sob
julgamento. Já não se julga mais o caso proposto, mas todos aqueles que possivelmente
possam ocorrer: constata-se, então, o problema da dualidade existencial de uma
eficiência individual e de uma eficiência social.
As funções clássicas do Direito reconhecidas pela doutrina reforçam a resposta
ao questionamento: o Direito também se prestar para apontar um estado ideal de coisas,
que deve tentar ser alcançado pelo homem. Uma função de educação para o futuro, que
confrontam a noção de eficiência e maximização da riqueza apresentados pela Law &
Economics.
115
Ao cabo, trazendo uma resposta mais específica para a pergunta, a pesquisa trata
a respeito da autonomia do Direito em relação à aplicação da Análise Econômica do
Direito, no sentido de ser tendência a preservação daquela.
O Direito inegavelmente possui uma parte estrutural-formal de difícil captura e
manipulação e, sob o ponto de vista substancial, contempla uma série de outros fatores
sociais além dos simplesmente econômicos. E, se por um lado seria possível manipular
a substância do Direito, apenas seria possível fazê-lo na parte que se refere à economia e
ainda de forma parcial: há valores e princípios que não podem mais ser
desconsiderados, porque integrantes da dignidade humana. Sempre que a economia
pretender encontrar objetivos contrários ou alheios a esses avanços históricos, deve ser
barrada, porque desvirtua as funções primordiais do Direito, dentre elas, de proteger
aquilo que como humano vai sendo agregado ao longo da história no conceito de
homem.
As conclusões são parciais, porque não solucionam todas as questões.
Pairam dúvidas se a Análise Econômica do Direito não poderia – sobretudo no
nosso contexto jurídico – se limitar a uma decisão interpretativa que recai sobre as
regras de direito posto. Por exemplo, dentre as possibilidades estritamente jurídicas,
talvez a aplicação de uma análise econômica consista em permitir encontrar dentre as
soluções jurídicas previstas em nosso sistema aquela que contempla melhor o interesse
econômico trazido pelas partes (ou cuja aplicação dos instrumentos econômicos possam
ajudar a desenvolver os institutos jurídicos e a sociedade, embora o caso não seja
econômico). É viável a utilização dos instrumentos da Economia apenas para selecionar
dentre as hipóteses legais qual seria a mais eficiente para alcançar determinado objetivo
social. Portanto, haveria um uso diferenciado e restrito da teoria, o que não é
plenamente compatível com a intenção da doutrina. E haveria ainda outro inconveniente
filosófico: para alguns, o direito só pode oferecer uma resposta correta, não sendo
possível a existência de escolhas.
Ademais, muito daquilo que é tratado como análise econômica do Direito, não o
é, podendo ser classificado como conteúdo de administração, que indiretamente apenas
possui relação com o Direito.
116
O resultado, sob certo aspecto, é desanimador: deve-se pesquisar melhor a
questão da tradução das teorias econômicas para o Direito, sobretudo considerando a
realidade constitucional brasileira, talvez a maior barreira para uma aplicação crua do
pensamento econômico. Tal realidade constitucional é certamente um filtro severo;
porém deve permitir o ingresso de instrumentos sociais com aplicação positiva. Sabe-se
que parte da Análise Econômica do Direito é benéfica e útil, mas não se estabeleceu
claramente seus limites, que devem ser impostos (ou já estão impostos) pelo Direito.
O problema é que enquanto se pesquisa, as análises econômicas vão tomando
conta da realidade, porque apresentam alternativas viáveis para solucionar os
problemas, ainda que algumas não seja as melhores. O Direito, um ancião teimoso e
apegado ao velho retrato do dever-ser, por intermédio dele julga o mundo, nunca se
contentando com outra que não seja a melhor decisão.
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