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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE
E PRÉ-ALAS BRASIL.
GT03 – SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA DAS EMOÇÕES
UM ESTUDO PSICOSSOCIAL NOS DARK’S ROOMS
DO BAIRRO DA BOA VSITA DA CIDADE DO RECIFE
EDNALDO ANTONIO DA SILVAi
FAFIRE - FACULDADE FRASSINETTI DO RECIFE
Teresina-PI: UFPI, 04 a 07 de Setembro de 2012.
Resumo: O presente artigo é resultado de uma investigação de campo, que por meio da
observação participante que foi realizada em alguns dark rooms dos estabelecimentos gays
localizados no Bairro da Boa Vista da Cidade do Recife-PE/BR. Observou-se que os
homoeróticos norteiam suas experiências sexuais, a partir do silêncio, em face do segredo e
do medo da revelação de sua homossexualidade ao seu grupo social. Como resultado, a
ansiedade mostrou-se o sintoma psicossocial gerado pelo sofrimento, tendo como
consequência a angústia. Nesses lugares, os sujeitos podem tirar as máscaras e assumirem
o seu verdadeiro papel social.
Palavra-Chave: Ritual. Corpo. Homoerótico. Escuro. Silêncio.
1 Introdução
Este artigo se propôs a dar conta da experiência vivenciada na observação
participante nos dark rooms1 do Bairro da Boa Vista da Cidade do Recife Estado de
Pernambuco/Brasil. A escolha pelo tema proposto justificou-se pela quase
inexistência de estudos na área das ciências sociais, apesar de alguns trabalhos
referirem-se ao dark room de uma forma muito superficial. O dark room é um espaço
frequentado por homens que não querem ser identificados e reconhecidos pelos
seus parceiros e pelo seu grupo social. Nele as pessoas garantem o anonimato da
identidade, uma vez que, o temor que sua família descubra a homossexualidade,
gera ansiedade ocasionada pela proibição sociocultural sobre as práticas
homoeróticas. Diante do imaginário e da dinâmica do segredo, o sexo no dark room
é mais atrativo, uma vez estando dentro, os homens assumem a sua real orientação
sexual, possibilitando a transgreção livre das normas, regras, convenções sociais e
religiosas.
Teve como objetivo observar os fenômenos psicossociais e culturais
vivenciado pelos homoeróticos e os rituais realizados nesses locais, uma vez que a
frequência e permanência são realizadas em segredo. Observaram-se inúmeros
aspectos mantenedores e reforçadores do segredo, e a existência de um grupo
praticante do bareback2, aumentando as possibilidades da contaminação das
DST/AIDS. Destacando aqui, a importância do fortalecimento das políticas públicas
preventivas voltadas para os frequentadores desses locais.
1
Dark Room - Quarto Escuro – Local frequentado por homens com fins de prazer sexual.
Bareback – (Não usar preservativos na prática do sexo anal), movimento norte americano formado por homoeróticos
portadores, ou não, do vírus HIV que pregam a não utilização da camisinha, afirmando ela não foi feita\elaborada para ser
utilizada na prática do sexo anal. Esse movimento é amplamente divulgado no Brasil pelas redes sociais.
2
2 Procedimentos Metodológicos
Foi realizada uma pesquisa de campo através da observação participante que
favoreceu a compreensão do comportamento homossexual e dos processos sociais
vivenciado nesses locais (Moreira, 2002). Foram apreendidos os sentidos simbólicos
definidores, importantes e reais, que são imersos no mundo imaginário do
homoerótico e refletindo sobre construção representativa social da realidade. O
pesquisador incorporou-se artificialmente ao grupo, (Barros & Lehfeld. 2000), sem
que os sujeitos notassem que estavam sendo observados.
Foi aplicado atentamente sentido aos rituais observados, possibilitando o
entendimento da dinâmica do segredo, considerando que a observação participante
é procedimento investigativo de suma importância (Barros, 2007). Foi analisado o
comportamento social dos homoeróticos, das relações e interações que são
estabelecidas no dark room. O estudo foi árduo e difícil, no entanto, não impossível
a sua realização (Matias & Alexandre, 2006). Para tanto houve a descrição de
alguns detalhes observados nos dark rooms e nos sujeitos, tais como as principais
características que permeia a manutenção desses espaços como templos do prazer,
como também, do imaginário sociocultural em relação ao dark room. Para Cervo
(1996), os elementos obtidos na observação participante foram transcritos e
analisados a luz das ciências sociais permitindo uma aproximação da teoria à prática
social.
O Bairro da Boa Vista da Cidade do Recife foi escolhido por ter vários
estabelecimentos privados homoeróticos como cinemas, saunas, boates, bares,
clubes, restaurantes, lojas, shopping, hotéis e motéis. E pela existência dos
equipamentos sociais público e privados como praças, teatros, escolas, faculdades,
bibliotecas, parques, museus, hospitais, parada de transportes coletivos e etc. Além
da diversidade de templos e igrejas. Recebendo diariamente pessoas de todas as
partes do mundo, sendo palco de diversas manifestações e reivindicações de vários
grupos sociais incluindo de trabalhadores, religiosos e políticos etc. Nele foi
realizada as primeiras Paradas da Diversidade do Recife.
As primeiras boates LGBTT3 (GLS4) do Nordeste e do Brasil estão localizadas
no bairro. Segundo Mott (2002), há registro histórico datado do ano de 1593
apontando que o Bairro da Boa Vista era local de encontro dos sodomitas5, por esse
e outros motivos que ocasionou a vinda do Inquisidor membro do Tribunal do Santo
Ofício - Heitor Furtado de Mendonça nas Capitanias de Pernambuco, Olinda e
Itamaracá. O pesquisador penetrou-se pelo silêncio que garantiu sentir a escuridão,
compreender o significado do silêncio e do segredo, como referido por Stoller (1966)
no som de godji6.
A observação participante ocorreu nos estabelecimentos gays frequentados
por homens com predominância de idade acima dos 30 anos, sendo: dois cinemas;
duas saunas e; uma boate\clube\bar dançante. Foram realizadas no período entre
dezembro de 2009 à setembro de 2011, totalizando 36 observações. Realizaram-se
uma visita para cada dia da semana em cada dark room, nos horários das 12:00 às
23:00 horas. Na boate\clube\bar foram realizadas nos finais de semana, da sexta ao
domingo nos horários das 22:00 até às 05:00 horas, pelo fato de funcionar apenas
nos fins de semanas e\ou vésperas de alguns feriados.
O pesquisador nesse local privilegiou a escuta por meio da observação
participante, tentando driblar as dificuldades da escuridão e aproveitar as
probabilidades, exercitando os outros sentidos como a audição (tentar ouvir a
respiração, o som do tato, dos paços), ou seja, aprimorar sua atenção seletiva,
sendo possível ouvir sons que antes não eram possíveis de serem ouvidos.
3 O Medo e o Segredo
A palavra medo (deriva do latim metus) é empregada, quando há uma
avaliação cognitiva e com reação emocional com consequências negativas, com
antecipação de algo (Yaffé, 1987\1998). Está relacionado à situação de perigo real,
3
LGBTT – Sigla atual dos grupos de representação das Lésbicas, Gay, Bissexual, Travestir e Transexual. Surgiu em
substituição da sigla GLS, após as mobilizações dos fóruns de lutas pela igualdade sexual, direitos humanos e pela promoção
das políticas públicas. Este movimento ganhou força nos EUA e na EU no fim dos anos 90.
4
GLS – Gay, Lésbica e Simpatizante. Essa sigla foi substituída pelo LGBT. Segundo os ativistas a atual faz uma
representação mais ideal dessa parcela da sociedade.
5
Sodomitas – São os praticantes da sodomia. A sodomia é a palavra usa nas instituições religiosas para designar as
perversões sexuais, com ênfase para o sexo anal, que pode ser entre casais homoeróticos (sodomitas) ou casais
heterossexuais. Na inquisição o sexo anal era referida como sodomia, pecado nefando ou sujidade. O termo foi por muito
tempo também utilizado, na ciência para designar atos sexuais entre homens, ou qualquer ato sexual não reprodutivo
dependendo do contexto. Atualmente tal palavra tem sido considerada pejorativa .
6
Godji – O observador penetrado pelo som através das vias sensoriais - audição criando uma comunicação de participação
com os observados. O som tem o fundamento baseado da experiência, ele é diferentemente da visão, que estabelece uma
distância entre o espectador e o objeto visto (Stoller, 1966).
e\ou perigo específico, podendo ser vivido como uma experiência agradável aos que
buscam emoções fortes. Podendo ser conceituado como uma preparação do
indivíduo para enfrentar situações ou atividades complexas que representa perigo ao
ser humano, ou uma fobia (do latim phobia) – derivada da palavra medo (do latim
phobos7) o qual o medo é inexplicável não racionalizado, fora do controle em que o
sujeito não evita a confrontação (APA, 1994).
O medo pode causar ansiedade (do latim anxiu) uma condição de agitação e
angústia (do latim angere), levando a sensação de asfixia ou estrangulamento
decorrente da avaliação mediante a exposição ao evento temido, podendo ser atual
ou imaginário, físico e psicológico. Com pensamentos auto depreciativos,
pensamentos amedrontamento (King, Hamilton & Ollendick, 1988; APA, 1994; King
et. al., 1998). As reações emocionais são acompanhadas de sintomas físicos;
Comportamento manifesto (Wolpe, 1990; Silverman & Rabian, 1994). O transtorno
orgânico tem a pior adaptação psicológica.
A relação homoerótica pode ser conceituada no triângulo fechado: pecado-crimedoença (Gomes, 1981; Spencer, 1996) e sua experiência geralmente inicia na adolescência.
O bissexual, segundo Pérez-Sancho (2005), casado com uma mulher tem uma persistente
experiência interna negativa pelo o medo das manifestações comportamentais que se
desviem nitidamente das expectativas da cultura. Nessa situação, Pereira & Leal (2005),
aponta que, o sujeito experimenta dificuldades nos relacionamentos levando-o a frequentar
ambientes que mantenha o segredo intacto. Impossibilitando da mudança comportamental
por sofrer pressões internas e externas. Mesmo verbalizando a dor e o desconforto, muitas
vezes, é incapaz de mudar pelo contexto familiar e social (Foucault, 1994; Freud, 1996;
Dattilio et. al., 2004).
Geralmente o segredo trata-se de situações vergonhosas, angustiantes e
sofridas. A sua manutenção, fundamenta-se na inclusão e garantia de aliados
(Imber-Black, 1994), criando circulo como estratégia, marcado pelo pacto de silêncio
e perseguido pelo receio de que algo escape (Mason, 1994). São criadas zonas de
inclusão e de exclusão e, facilmente, alguém, nesse contexto, segundo Foucault
(1981), passa ter poder, seja por ser o dono do segredo, seja porque poderia vir a
revelar o segredo.
Na situação de segredo o sujeito constrói sua realidade organizando as suas
experiências de modo a torná-la um sistema em equilíbrio, convivendo o tempo todo
7
Phobos – Foi deus grego que evocava considerável medo extremo e pânico em seus inimigos, desproporcional ao que requer
a situação (Comte, 1988).
efetuando avaliações cognitiva tais como: Contar ou não contar? Quais as
consequências de uma possível revelação ou descoberta do segredo? E quais as
consequências de mantê-lo? As dinâmicas do segredo se dão de três formas, como
aponta Papp (1994); Imber-Black (1994): a) individual – o sujeito mantém o segredo
para si mesmo; b) o interno – algumas pessoas compartilham, no entanto, é mantido
das outras pessoas e; c) os familiares compartilhados – todos os membros familiares
ou amigos sabem, no entanto não partilha com o mundo externo.
Os segredos também são sobre os pensamentos e emoções, no entanto,
sobre eventos reais ocorridos, baseados nas experiências do sujeito com a cultura
mais ampla e em mensagens que receberam sobre o que pode e não pode ser
comentado. Imber-Black (1994), afirma que embora homossexualidade possa ser
mantida em segredo, a intensidade do humor em relação a ele dificilmente se
disfarça (Imber-Black, 1994).
O segredo aprisiona o sujeito no grupo social com padrões de comunicação
disfuncionais, fortes e homeostáticas. Que mantém o segredo pelas interações
sociais com seu grupo, algumas vezes de forma estranhas, insatisfatórias e
poderosamente auto reforçadora. Presas a estrutura rígida e inflexível, reativa aos
sinais de mudança com retroalimentação negativa, sendo que a mudança é vista
como ameaça e sinal de retrocesso.
4 Breve História do Quarto Escuro – Dark Room
Na história das ciências sociais deparamo-nos com recorrentes reflexões
sobre as estruturas sociais e\ou os regimes políticos que usaram\usam o quarto
escuro, para o castigo dos contraventores (Thoreau, 2003). A inquietação com os
desajustes da realidade social tem mobilizado pensadores e filósofos há décadas
procurando alternativas voltada para reestruturação, profunda senão completa, das
relações entre indivíduos e sociedade (Bowker, 2003; Cambi, 1999), bem como pelo
significado de tortura que representa (Pessotti, 1994).
Na Grécia antiga, o quarto escuro8, era temido por ser a morada do deus
Hardes9 (Bremmer, 1995; Lima, 1986). Para os Cretenses, o quarto escuro10 era a
8
9
O Quarto escuro aqui se refere ao inferno morada do deus Hardes. O guardião do escuro, aquele que odiava os humanos.
Hardes é o deus das trevas\escuridão e da morte (deus do submundo).
10
O Quarto escuro aqui se refere ao labirinto construído a mando do imperador Minos para aprisionar e esconder o
Minotauro concebido pela sua esposa – Posífea em uma relação extraconjugal. Era o local de sacrífico humano.
morada do temido Minotauro11. Na Roma antiga, o quarto escuro12 representava
local sujo e durante as perseguições aos cristãos tornou-se esconderijo\templo de
adoração, louvor e batismo – ritual de iniciação dos cristãos. Os presidiários que
desobedeciam as normas eram submetidos a castigo no quarto escuro, sem
condições de higiene, sofriam abusos e agressões (Foucault, 1984b; 1996a;
Goffman, 1996).
Nos hospitais psiquiátricos os pacientes em crise eram trancados nos quartos
escuros amarrados, acorrentados e torturados (Pessotti, 1994; Campos, 1944;
Foucault, 1978; 1984a; 1981; Goffman, 1996;). Na I e II Guerra Mundial o quarto
escuro era a morada dos prisioneiros de guerra, sendo submetido a questões subhumanas (Marcuse, 1999). Compreende-se que o quarto escuro é o calabouço
social e político.
5 Entrando no Dark Room
O dark room é um espaço especificamente masculino, sendo frequentando
por algumas mulheres. E a transgressão é permitida por ser enigmático, para outros
funciona como um lugar-templo, cheio de signos, com rituais repletos de
possibilidades (Benitez, 2007). Geralmente há a ausência da comunicação verbal,
no
qual a
comunicação
gestual\comportamental
é
usada
metaforicamente
proporcionando a sucessão de várias situações distintas ao mesmo tempo,
inexistindo norma acerca do número de pessoas que participar do ritual e nem todos
possuem as mesmas intenções quanto à própria participação.
O lugar13 para a antropologia, segundo Augé (1999), teria um princípio de
sentido para aqueles que o habitam\frequentam e um princípio de inteligibilidade
para quem o observa. É também, conforme cita Nora (1993), os lugares de memória
e os seus frequentadores não existem. Os não lugares que frequentam não detêm
passados nem futuro, enquanto o lugar é sempre indenitário, relacional e histórico.
11
O termo Minotauro vem do grego antigo Μίνώταυρος, composto etimologicamente pelo nome Μίνως (Minos) e o
substantivo ταύρος (touro) - (o) Touro de Minos. Em Creta, o Minotauro era conhecido como Astérion, - parte homem e
parte touro. Que habitava o escuro Labirinto. “Ilustra também a imagem arquetípica da sombra, o arquétipo do mal que
reside nos homens com efeito compensatório” (Jung, 1990, p. 93 e 94), “representa, a vitória sobre o mal” (Walker, 2002, p
96) e esse lado compensatório está na identificação com Teseu, o herói, que vence o lado caótico do homem.
12
O Quarto escuro aqui se refere à rede de esgotos subterrânea de algumas cidades romanas – local frio, sujo e com ratos e
baratas. Com as intensificações as perseguições aos cristãos tornou-se o local secreto no qual aconteciam às reuniões e culto
a Jesus Cristo. Um local do Batismo dos pagãos ao cristianismo. Pelos quais se localizam as catacumbas onde foram
enterrados os mártires perseguidos, torturados e mortos pelos imperadores romanos entre eles Nero e Diocleciano.
13
O termo Lugar está se referindo ao dark room.
Os não lugares, em contrapartida aos lugares sociológicos, são lugares de
deslocamento, pelos quais os sujeitos ocupam, o fazem transitoriamente sem que se
construa uma identificação com aquele lugar. É assim que, no que se refere aos
usuários do dark room sua parada ou permanência nesses lugares de passagem o
transformam num não lugar. Para Augé (2004), a entrada no dark room é
constitutiva de não lugares; quem entra não faz senão passar de um lugar a outro.
Bauman (2001) afirma, que nos não lugares todos devem se sentir como se
estivessem em casa, mas ninguém deve comportar-se como tal, especialmente
porque estes espaços são engendrados para serem atravessados e deixados para
trás o mais rapidamente possível. C
No dark room o homoerótico se desloca em busca de outra realidade,
diferente daquela que vivenciada em seu cotidiano, ele busca o extraordinário que
rompa com a prática cotidiana engendrando pelo outro modo de olhar, apalpar,
experimentar e sentir as coisas a sua volta. Sendo atribuído por Urry (2002, p. 01)
de olhar turístico, que não seria mono causal nem unidimensional, por sofrer as
variações de acordo com a sociedade, os grupos sociais e o período histórico. Ou
seja, uma relação entre pessoas e culturas Pacheco (1998).
Os homoeróticos e alguns heterossexuais participam dos rituais no dark room
guiados por seu próprio desejo e/ou curiosidade (Cuschnir, & Mardegan, 2001), no
entanto, reconhecendo e obedecendo as expressões e os movimentos a partir dos
quais podem compor o ritual maior. Com um ritmo próprio composto dos ritmos
individuais que se ritualizam. O local é possuidor de temporalidade que os sujeitos a
reconhecem, e muitas vezes, sendo determinados, tantos pelos agentes como
também pelo ritmo do som que ecoa da boate, ou do cinema ou da terma agregando
um todo. Segundo Tambiah (1985), os gestos e movimentos presentes na sala
cerimonial é também um ritual primitivo confronta a institucionalização da linguagem
na
prática
etnográfica
obrigatoriamente
questionando
concomitantes
ao
com
palavras
seu
sentido
e
gestuais,
referencial.
não
são
Procurando
compreender o significados dos mantras, como apontou Tambiah (1968).
Nele, o silêncio predomina, mas não é absoluto. As palavras são substituídas
pelos sons dos gemidos, suspiros, do tossir, do fungar e movimentos algumas vezes
sequenciais. Que para Benítez (2007), pode ser compreendido como uma projeção
primitiva dos sentidos a partir dos quais muitas sociedades organizam suas
experiências e construíam seus mundos, ou seja, os ancestrais falam por meio dos
rituais vivenciados e experimentados no segredo. O primeiro contato sempre
começa com os toques, no ato de pegar (apalpar) e se deixar ser pego (apalpado).
O local do ritual14 é impregnado pelo desejo objetivo do gozo, do orgasmo e
do ato sexual, lá único e maior objetivo não é fazer amor, mas foder\ transar\ trepar\.
O sujeito é penetrado pelo silêncio em alguns momentos, sentindo a escuridão
possibilitando compreender o significado através do próprio corpo guiado pela
Tríade Cognitiva (Ellis, 962; Beck, 1967; 1976; Beck, Rush, Shaw & emery, 1979;
Beck, et. al., 1982; Wright, Basco & Thase, 2008; Dobson, 2000; Austin, 2003).
6 Dark Room: Acendendo as Luzes
6.1 Temas A
Ao entrar na terma os clientes recebem um pá de sandálias de borracha, dois
preservativos, um sache de gel lubrificante, uma chave de um dos armários e uma
toalha de banho. O dark room funciona na sauna de vapor, sala de paredes
revestidas de azulejos brancos, com bancos de cimento, alguns cômodos com a luz
fraca e outros sem iluminação, o teto é baixo, existem cabides de porcelana na
parede para colocar as toalhas e roupas. Há um banheiro com vários chuveiros,
sendo separado por um vidro da sauna que possui bancos de cimento voltados para
esse vidro com visão quem está no chuveiro. A sauna tem o formado de uma espiral
com bancos de cimento revestidos de azulejo sempre laterais. Observou-se a
frequente entrada de vários homens com idade acima dos 40 anos.
A comunicação no espaço é apenas gestual, os sujeitos em um ritual tocam
no pênis um do outro (passivo toca no ativo ou no versátil) exibem os braços, alguns
tiram as toalhas ficando nu após as coloca de novamente de forma sistemática e
sincronizada. Nessa circunstância, “o sujeito não seleciona seu parceiro e os
profissionais do sexo ali presentes não negociam outras formas de pagamentos
pelos serviços, porque o sujeito não tem interesse de se identificar”, como apontou
Oliveira (1992, p.42).
Na observação participante a experiência escorre entre os dedos restando
fragmentos de sentidos, flashes fugazes, na qual havendo a possibilidade de
engendrar a hermenêutica que ofertar imagens e sentidos. Assim, é possível
interpretar a cultura do Outro que segue vivendo e sendo o que é (Heidegger, 1988).
Nesse contexto, o psicólogo, antropólogo e sociólogo são símbolos de uma cultura
14
Local do ritual aqui se refere ao dark room.
que não consegue se pensar senão olhando-se no espelho do Outro (Lacan, 1992;
2002), para que possa conhecer melhor, os próprios nexos que o colocam em
movimento. Sendo importante que o observador confie na orientação do ouvido em
vez do olho, revelando assim, outros modos de conexão com o mundo; formas que,
são ofuscadas pela prevalência do olho, na qual o sujeito seja menos sozinho, mais
bem provido. A audição supera a visão, assim como, o entendimento ultrapassa o
conhecimento e a fé transcende a razão. Podendo-se pontuar que a audição “é um
fundamento da experiência no qual o som penetra o indivíduo e cria um senso de
comunicação e participação” (Stoller, 1966, p.103).
6.2 Temas A
Há distribuição de preservativos, uma chave para armário, sandália de
borracha, toalha. Há uma sala com chuveiros antes da sala de vapor, logo há uma
porta de alumínio, dentro uma pequena sala com bancos revestidos de azulejos uma
fila de banco de frente para outra, todos encostado na parede. Em seguida uma
segunda entrada que dá acesso à sala com bancos de cimento e azulejo em volta
de toda a parede. No centro, um espaço vazio no qual os rituais são realizados.
Espaço escuro, e com presença de vários Garotos\Boys de Programas - rapazes
com idade de 20 a 30 Os frequentadores do dark room, na grande maioria são
homens com idade acima de 40 anos. Observou-se no abrir e fechar da porta,
alguns sujeitos com aliança reluzindo na mão esquerda.
Observou-se ainda que no ritual, a prática do sexo, tanto oral como anal, boa
parte dos homoerótico não usam preservativos, além da prevalência do sexo grupal,
um ritual de orgia misturado com perversão, mascaradas pela agressividade somada
pela presença de bebidas.
A promiscuidade e a prostituição masculina estão ancorada na hierarquização
fundamentada nos papéis de gênero, a dicotomia ativo-passivo envolvida nas
práticas sexuais (Perlongher, 1987) são representadas como categorias boys e
frangos, servindo como referência e diferenciação comportamental somada ao
masculino e ao feminino, traduzida nas relações de poder efetivadas na subjugação
e dominação entre homens, no qual a submissão não se limita ao feminino, mas em
algumas situações se estende aos homens, no qual, o comportamento sexual no
dark room, segundo Foucault (1994), adota a consciência do que se faz, a maneira
que se vê a experiência e o valor que se atribui.
No dark rooms, nas ruas e como na internet os valores monetários envolvidos
tenderão a apresentar alterações de acordo com a natureza dos serviços prestados,
tempo na atividade, subcategorias, territórios e performances de gênero. O
fenômeno da promiscuidade como da prostituição masculina no Bairro da Boa Vista
revela-se na multiplicidade de manifestações e grande diversidade de conceitos para
os homens envolvidos,
6.3 Cinema A
Ao entrar no cinema A o cliente recebe um preservativo e um sache de gel
lubrificante. Sobre um balcão existe um aquário de vidro cheio de preservativos. O
local possui iluminação fraca, paredes pitados de cor de tijolo avermelhada, uma
sala/teatro de exibição de filmes pornô heterossexual. A Sala do dark room é
separada por uma cortina de couro preta. O dark room é revestido meia parede
cerâmica é outra parte avermelhada sem iluminação. Durante os rituais sexuais
geralmente os sujeitos não usam preservativos, sendo que nesse espaço o sexo oral
é ponto forte dos rituais ali praticados. Observou-se que o som produzido pelo ato
sexo oral enfeitiçava outros sujeitos deixando-os enlouquecidos.
Nos rituais de possessão, o sujeito possuído sente-se penetrado e abalado.
Na feitiçaria ocorrem da mesma forma, no qual o som do encanto mágico que atua,
poderosamente, para o bem ou para o mal, no corpo da vítima ou do paciente. Em
todo caso, é o som em si que as pessoas ouvem e ao qual elas respondem. Supõese que esse som tenha uma existência própria, separada dos domínios da vida
humana, animal e vegetal (Stoller, 1989).
Observou-se que dentro e fora do dark room que o ativo sempre se fica com
as costas para a parede, enquanto o passivo fica pelo centro tocando e apalpando
nos ativos. Já o versátil, tanto assume o papel ativo como passivo não se preocupa
que alguém toque nas suas nádegas como no seu pênis.
E na penumbra podem efetuar um primeiro critério de seleção de seu, ou, dos
seus parceiros, com o objetivo de iniciar um intercurso sexual ou uma curtição15. Ao
mesmo tempo, que a penumbra lhe permite que sejam selecionados pelos outros.
Nos locais com luz fraca encontra-se os voyeurs e os exibicionistas, o
primeiro não resistindo à exibição segundo realizam o ritual provocativo que é
mascarado por caricias, toques; baixa o zíper, abre a calça, coloca a mão dentro da
15
Curtição - Ato de se acariciar sem transformar esse jogo erótico em uma relação sexual (foda, coito, e/ou transa).
cueca apalpa, mede, toca, esfrega, massageia, tira o pênis e coloca-o para fora da
calça, acariciam cuidadosamente. No mesmo local encontram-se as pegações16
O fenômeno do estrangeiro é uma experiência positiva, exatamente por forçar
o psicólogo, antropólogo e sociólogo que se desloca na busca do contato
intercultural a viver esse jogo entre proximidade e distância (Gell, 1995) que atinge
também aquele que interage com ele enquanto receptor.
Lévi-Strauss (1996b) apresenta uma concepção de inconsciente que organiza
estruturalmente todo conflito, trauma, imagens que por ele passam, ou seja, o
inconsciente para esse autor se reduz ao sistema, que é formado pelo conjunto de
estruturas. Assim como o estômago, segundo a metáfora feita pelo autor, é
indiferente aos alimentos que por ele passam, limitando-se a digeri-los, o
inconsciente organiza em estruturas tudo o que por ele passa, desconhecendo o
conteúdo dessas imagens.
Um elemento que seja reorganizado na estrutura mental ou corporal modifica
todo o sistema, que é um conjunto de estruturas (Lévi-Strauss, 1996a, p. 232-233).
Para Jung (1999), o inconsciente não se reduz ao sistema: ele está repleto de
símbolos, e mesmo de coisas simbolizadas que lhe formam uma espécie de
substrato (Lévi-Strauss, 2003, p. 29).
“A relação do etnógrafo que descreve um fenômeno social é não apenas uma
relação significante, mas também uma relação que mobiliza uma atividade: a
interpretação de sentido” (Laplantine, 2004, p. 107).
6.4 Cinema B
O dark room também fica lyocalizado ao lado da sala de projeção de filmes
pornô heterossexual, sendo em uma sala com uma cortina de tecido grosso e de
algodão vermelha, meia parede revestida de cerâmica, sem bancos. Nesse espaço
os sujeitos de papel ativo ficam encostados na parede e os passivos e versáteis
ficam circulando pelo centro. O meio que é livre é o local dos rituais. Esse espaço
tem um odor de urina associado com esperma. Não há distribuição de camisinhas e
nem gel lubrificante, fora do espaço muitas travestis e GP.
Os sujeitos são na grande maioria homens com idades acima dos 45 anos,
quase todos com aliança de casamento nos dedos. Com exceção das terças-feiras
16
Pegação - Ritual entre duas pessoas que pode ou não haver ato sexual sem penetração, ou uma esfregação, enroscar, entre
dois sujeitos (sarro). Aqui enquadram-se o sexo oral, a masturbação, o beijo, abraço entre outras.
que é o dia dedicado aos estudantes com a presença de homens com idade acima
de 18 anos. Alguns sujeitos entram com latas de bebidas alcoólicas nas mãos. E nos
rituais não usam preservativos. Todos faziam sexo anal e oral e em alguns
momentos havia uma participação em grupo ou assim falando sexo grupal.
Nesse espaço os homens pareciam pessoas com poderes extraordinárias que
estão sob um forte feitiço, possessão, no qual se envolvem como se tivessem em
um culto de adoração. Uma pessoa que possua poderes extraordinários de audição
é um ideal de virtude; no, mas alguém com visão extraordinária é um bruxo. O bruxo
vê tudo – seu mundo é transparente e não oferece barreiras à visão. Ele pode olhar
para cima e ver a aldeia dos mortos no céu; ele pode olhar para baixo e ver os fogos
das pessoas que vivem sob a terra; e pode olhar à sua volta e ver índios inimigos
em suas próprias aldeias muito longe (Seeger, 1975).
6.5 Na Boate
O horário de funcionamento da boate inicia a partir das 22:00 e vai até às
05:00 da manhã do dia seguinte. O dark room está localizado entre a pista de
música eletrônica e sala de exibição de files pornô gay. Sala sem mobiliário, de telha
canal de amianto, meia parede revestida de cerâmica, piso de pedra, iluminação
fraca. Não há distribuição de camisinhas nem gel lubrificante. Algum momento
ouviu-se alguns jovens verbalizar para seus amantes idade inferior a 18 anos.
Esse quarto escuro de todos observado destaca-se pela quantidade de
sujeitos,
observava-se
mais
de
trinta
homens
no
mesmo
espaço
de
aproximadamente vinte metros quadrados. Apresentava um odor de urina e
esperma. Havia no local a presença de vários sujeitos embriagados e muitas
travestis. É frequentado na grande maioria por homoeróticos assumidos. E nesse
espaço os rituais funcionam de acordo com o som vindo da pista de música
eletrônica. Nos rituais os sujeitos mergulham no ato sexual como se fossem a última
coisa da vida. O sentido da visão no pensamento Suyá é associado a tendências
moralmente delinquentes e antissociais dos frequentadores (Seeger, 1987).
Antes da sala do dark room existe uma sala de exibição de filmes pornôs
gays, os sujeitos entram no quarto escuro fazendo uso de álcool, não sendo
observada ou notada a presença de outras drogas. Notou-se que os filmes sempre
seguem uma temática, houve noites que o tema era sexo oral, outros de sexo
grupal, e os que eram de sexo anal diversificado quanto às posições. Havendo
também temáticas sádicas e masoquistas.
Observaram-se agressividade espontânea e aceita nos rituais, podendo ser
interpretado como um bacanal havendo: masturbação, sarros – esfregar, só
pegadas, tocam – passar as mãos sobre o pênis do outro ou sobre as nádegas, ou
ainda sobre o peito, beijos, troca de olhares. Configurando-se verdadeiro ritual da
caça e pegação.
7 Considerações Finais
A experiência vivida nos dark rooms da Boa Vista foi intensa pelo fato de
poder apresentar os conflitos e tensões estabelecidos no campo e aqui narrados,
que resultou na compreensão desses espaços tão presentes nas principais cidades
brasileiras. O sujeito com relacionamento satisfatório não frequenta o dark room, no
entanto, não deve ter esse pensamento como regra. O sujeito no dark room possui
um comportamento social dentro de um grupo social que forma uma verdadeira
sociedade, transando com homens que não se envolveria na vida real ou na
claridade. Por mais que o sujeito apalpe nunca terá a certeza que aquele palpado
está correspondendo à imagem mental construída pelo apalpador, e\ou não seja de
fato um desconhecido. O dark room mostra-se como uma loja de fantasias.
O local acaba simbolizando reduto e/ou um paraíso que leva o sujeito a
assumir o seu o papel real. Sendo que o quarto escuro da à possibilidade de tirar a
máscara do preconceito, da discriminação, da negação, do medo, do sofrimento,
das cobranças sociais entre tantas outras máscaras. A utilização desse local ocorre
por representar a segurança do anonimato, uma vez que o sujeito guarda o segredo
da sua homossexualidade. Além de garantir a extinção das situações ansiogênicas
pelo fato que outros locais não têm essa mesma segurança.
Simplesmente por participar dos rituais do dark room o homoerótico não
perde a sua masculinidade, ele é homem no mais estrito sentido da palavra, e seria
errado afirmar que pode limitá-lo a ser apenas gay, no entanto, a sociedade ainda
não limita e compreende as relações afetivas, tendo em vista que, o sujeito que
entram no dark room está sempre esperando o cara perfeito que não vem. Neste
sentido o local pode ser compreendido como uma válvula de escape para as
normas e convenções sociais, um fenômeno social que reflete o local da liberdade
do sujeito, o porto seguro, o local do descanso e do prazer.
Esse trabalho mostrou também que muita verdade sancionada pela
sociedade, estado, religião e convenções sociais não perdura por muito tempo,
sendo logo substituída por outra, igualmente verificável, que melhor atende às
necessidades e aos objetivos dos grupos, seja dominante ou não, num processo no
qual a ficção se sobrepõe à ficção transformando as noções de passado, presente e
futuro em algo fluido e efêmero.
Levando em conta que mais da metade dos frequentadores do dark room não
usam
camisinhas
mesmo
sendo
distribuídas
e
os
casados\amasiados\noivos\namorados podem contaminar a qualquer momento
seu\sua esposo (a). Tendo em vista que não basta apenas distribuir os
preservativos, precisando ser completados com campanhas focais e direcionados
para o público com faixa etária acima dos 20 anos.
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Ednaldo Antônio da Silva - Psicólogo pela Faculdade Estácio do Recife (2010); Psicoterapeuta CognitivoComportamental pela FAFIRE-Faculdade Frassinetti do Recife; Aluno Especial no Programa de Pós-Graduação
em Sociologia da UFPE – Universidade Federal do Recife. E-mail: [email protected]; Curriculum
Lattes: < http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4254017A8>.