“A díficil redução do défice” – Público
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“A díficil redução do défice” – Público
4 | DESTAQUE | PÚBLICO, SEX 24 JAN 2014 ORÇAMENTO 2013 A difícil redução do défice Síntese da Execução Orçamental Dezembro de 2013, milhões de euros Estado Impostos 1755,8 Pessoal Opinião Paulo Trigo Pereira N ão há grande mistério nas contas públicas portuguesas. O leitor que tenha acompanhado estas crónicas mensais já sabe quais são as componentes essenciais da receita e da despesa pública. Por isso, para compreender as variações do défice basta entender como essas grandes rubricas da despesa e da receita se alteram. Uma primeira análise dos dados de 2013 pode ser feita comparando com os de 2012. Sem as medidas extraordinárias de 2012 e 2013 que a troika considera deverem ser excluídas dos cálculos (incorporação de fundos de pensões e regularização de dívidas na saúde em 2012 e transferências para municípios e regiões no âmbito de programas de regularização de dívidas) o défice das administrações públicas reduz-se 1,4 mil milhões de euros, ou seja, 0,9% do PIB num ano em que a economia esteve em recessão. Claro que se pode olhar para um copo meio de água, como meio cheio ou meio vazio. Vejo-o como meio vazio porque há ainda uma receita extraordinária que a troika aceitou como ordinária, isto é, não excluiu da análise, que são as receitas provenientes do programa de regularização das dívidas ao fisco e à Segurança Social e que segundo o Ministério das Finanças geraram uma receita fiscal adicional de 1045 milhões e de receita para a Segurança Social de cerca de 232 milhões. Ora bem, somando estas duas parcelas e se as retiramos dos 1,4 mil milhões chegamos a uma modesta redução do défice sem todas as medidas extraordinárias de cerca de 0,1%. Dir-se-á que embora extraordinária esta receita da regularização de dívidas ao fisco é efectiva. Ora nem isto é completamente verdade pois como é sabido há um montante considerável de dívidas que foram regularizadas, mas em que os devedores que têm litígios com o Estado em tribunal não desistiram das suas acções e poderão, no futuro, caso as ganhem, ser ressarcidos das custas judiciais, das dívidas pagas e de juros de mora. Mais uma vez o encaixe financeiro foi hoje mas haverá certamente despesa pública no futuro. Porque é que não se conseguiu reduzir praticamente o défice em 2013? É simples, bastando recordar que em 2012 foram cortados os subsídios de férias e de Natal de trabalhadores em funções públicas e de pensionistas e que eles foram repostos em 2013 na sequência dos acórdãos do Constitucional, apesar de serem reintroduzidos alguns cortes. Assim, do lado da receita houve o “brutal” aumento de impostos (3,5mM incluindo regularização de dívidas), o acréscimo nas contribuições para a Segurança Social derivado da subida de salários e pensões (1,6mM) e uma redução das receitas de capital (1,2mM). Do lado das despesas, houve o aumento das despesas com pessoal (1,2mM) 110 Fundos e Serviços Autónomos Contribuições (CGA) 297 Pessoal (com EPR) 27 Aquis. Bens e Serv. (com Emp. Pub. R.) 64,5 Pensões (CGA) 118,8 Segurança Social Contribuições (S.S.) 306 Pensões (Segurança Social) 18,7 Subsídio Desemprego 236 Rendimento Social de Inserção -2 Acção Social 84 Complemento Solidário para Idosos Administração Regional e Local -14 -1440 Desvio Saldo Global (OER2013Maio) 1561,80 Desvio Saldo Global 2 (sem Programa de Regularização de dívidas) 284,80 * Desvio (impacto no saldo) relativamente ao O.E.Rectificativo 2013 (Maio) Défice 2013 (estimado) Défice 2013 (estimado) (sem P. Regularização dívidas) 4,56% 5,33% Por memória PIB estimado 2013 Desvio Saldo Desvio Saldo 2 165.380 0,94% 0,17% Fonte: Cálculos Paulo Trigo Pereira a partir de OE 2013 rectificado e Sínteses de Execução Orçamental. e o aumento das prestações sociais para as famílias (2,3mM) sendo que este se reparte essencialmente pelo aumento das pensões da Caixa Geral de Aposentações (1,18mM), das pensões da Segurança Social (0,86mM) e do subsídio de desemprego (0,13mM). Resumindo, o aumento de impostos, sobretudo IRS, financiou o aumento de pensões e de salários sendo pouco o remanescente. Outra análise possível é comparar com os valores orçamentados (no rectificativo de Maio) e tentar estimar o défice e os desvios em relação às previsões. Com as reservas de termos dados provisórios em contabilidade pública tudo indica que o défice das administrações públicas (administração central, Segurança Social e administração regional e local, ARL) andará pelos 4,56% do PIB. Se não se considerassem as receitas extraordinárias do programa de regularização de dívidas seria de 5,33%. Isto resulta sobretudo da contribuição positiva dada pela receita fiscal do Estado em particular dos impostos directos (IRS e IRC) e do IVA. A afectar negativamente o saldo global está o saldo da A.R.L. em particular da Administração da Região Autónoma da Madeira. Na realidade previa-se no Orçamento de Estado o seu contributo fosse positivo e é negativo para as contas públicas devido aos programas de regularização de dívidas. Porém, em contabilidade nacional o valor do défice deverá ser um pouco menor do que o assinalado em cima. Saída à irlandesa? A inda não saímos da grande depressão, mas já entrámos na grande campanha eleitoral, que inevitavelmente gerará confusão no debate público. Para mim, aquilo que sobretudo não pode acontecer é os portugueses pagarem ainda mais em juros, para aparentemente reganharmos a soberania, evitando um programa cautelar numa “saída à irlandesa”. Clarifiquemos as nossas opções em termos de financiamento de médio e longo prazo. Se os “juros” das obrigações a dez anos estivessem muito elevados (p.ex. 7%), com o crescimento previsto para este ano um segundo resgate idêntico ao primeiro seria inevitável — não conseguiríamos nem pagar esses juros nem refinanciar a dívida que entretanto vencerá. Caso estas yields estivessem abaixo dos 3,5%, que é a taxa média que estamos a pagar pela dívida acumulada e, sobretudo, abaixo de 3,2%, a taxa de juro marginal paga pelos 78mM€ da troika, aí sim teríamos condições para uma saída “limpa” do programa de ajustamento. Porém, o que interessa discutir é a situação previsível em Maio, com os juros algures entre 4% e 6%. Aqui há lugar a uma decisão política. De um ponto de vista eleitoralista e míope, defender uma saída à Irlandesa faz sentido, pois aparentaria uma libertação total dos credores — o que não deixa de ser paradoxal, com uma dívida, ainda a crescer, de 127% do PIB. Mas qual o custo de sair em juros adicionais? Podese calcular como a soma de duas parcelas. Por um lado, os juros de “precaução” que estamos a pagar pelos depósitos na posse do Tesouro como reserva, e que são muito maiores do que seriam em condições normais (mais do dobro do seu valor em 2010). Por outro, os juros adicionais resultantes da diferença entre os juros de mercado (digamos 5%) e a taxa que teríamos num “cautelar a 2,5 anos”, em princípio à volta dos 3%. Uma estimativa para esta soma nos próximos 30 meses é de 1023 milhões de euros. Este seria o preço adicional a pagar pelo eleitoralismo demagógico da saída à Irlandesa.