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COLECISTITE XANTOGRANULOMATOSA – PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO Xanthologralomatous cholecystitis – a case report Duarte MALVEIRO1, António RIVERO1, Daniel CARTUCHO1 RESUMO ABSTRACT A Colecistite Xantogranulomatosa (CX) é uma doença inflamatória rara de vesícula biliar. Caracteriza-se por um processo inflamatório destrutivo focal ou difuso, com acumulação de macrófagos repletos de lípidos, tecido fibroso e células inflamatórias agudas e crónicas. A patogénese é idiopática. As complicações e morbilidade são mais frequentes que na colecistite nãoxantogranulomatosa. O diagnóstico definitivo exige exame histológico da vesícula colecistectomizada, visto que a sintomatologia, exame objectivo e exames complementares de diagnóstico podem ser sugestivos, mas não são patognomónicos. O único tratamento definitivo é a colecistectomia, sendo a via laparotómica preferida em relação à laparoscópica. Neste artigo é apresentado um caso clínico de colecistite xantogranulomatosa, com a sua apresentação, evolução clínica, complicações e abordagem terapêutica. Palavras-chave: Colecistite xantogranulomatosa, carcinoma da vesícula biliar, colecistectomia Xanthogranulomatous cholecystitis is a rare inflammatory disease of the gallbladder, characterized by a focal or diffuse destructive inflammatory process, with accumulation of lipid laden macropages, fibrous tissue, and acute and chronic inflammatory cells. The pathogenesis is idiopathic. Morbidity and complications are more frequent than in non-xanthologramotous cholecystitis. The diagnostic is usually made by histological examination of the resected gallbladder, since the are no consistent trends in biochemical or haematological findings that aid in then diagnosis. The only definitive treatment for xanthogralomatous cholecystitis is surgery and open cholecystectomy is the preferred surgical technique in most patients. The authors present a case of xantogralomatous cholecystitis, highlighting its presentation, clinical course, complications and therapeutic approach. keywords: Xanthogranulomatous cholecystitis; gallbladder carcinoma; cholecystectomy INTRODUÇÃO EUA, por McCoy et al1. Em termos epidemiológicos, a prevalência da CX, entre os pacientes sintomáticos com doenças da vesícula biliar varia entre os 0,7% e os 13,2%2,3. Nos EUA a prevalência é de 0,7%, no Japão e Índia é de 9%. A idade média de apresentação varia, de acordo como os estudos, entre 44 e 63 anos de idade. Um estudo realizado na Índia mostrou uma relação sexo masculino/feminino de 1:9, enquanto outros obtiveram valores idênticos para ambos os sexos e até superioridade no sexo masculino1. A importância clínica desta entidade reside no facto de que apesar de ser uma condição benigna, poder mimetizar uma apresentação clínica do carcinoma da vesícula biliar (CVB). Estando este último associado a um pior prognóstico, o diagnóstico incorrecto pode levar a uma cirurgia mais extensa com ressecção hepática ou pancreato-duodenectomia desnecessárias. A colecistectomia na CX acarreta dificuldades técnicas podendo uma suspeita diagnóstica prévia permitir uma melhor abordagem estratégica2. Face à importância e características da patologia os autores apresentam um acaso clínico e fazem a revisão do tema. A Colecistite Xantogranulomatosa (CX) é uma doença inflamatória rara de vesícula biliar. Caracteriza-se por um processo inflamatório destrutivo focal ou difuso, com acumulação de macrófagos repletos de lípidos, tecido fibroso e células inflamatórias agudas e crónicas1. Inicialmente a CX foi descrita como uma variante da colecistite crónica. No entanto, é uma patologia que acarreta uma morbilidade significativa, visto que condiciona um processo inflamatório intenso que se estende à parede da vesícula e estruturas adjacentes. Tem implicações importantes em termos de abordagem, nomeadamente particularidades na técnica cirúrgica durante a colecistectomia. Essas são algumas razões que levaram a que fosse considerada uma entidade clínica distinta 1. Em 1970 foi reconhecida pela primeira vez e descrita como colecistite fibroxantogranulomatosa, mas em 1981, foi adoptada a denominação de colecistite xantogranulomatosa após uma revisão de 40 casos clínicos pelo Instituto de Patologia da Forças Armadas dos 1.Serviço de Cirurgia Geral - Centro Hospitalar do Berlavento Algarvio 41 REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:41-46 CASO CLÍNICO Doente do sexo masculino, 57 anos de idade, é admitido no SU do CHBA a 23/10/2008 por quadro clínico, com algumas horas de evolução, caracterizado por dor abdominal nas regiões epigástrica e hipocôndrica direita e náuseas. Ao exame objectivo, apresentava-se vigil, orientado, colaborante, com temperatura axilar de 38,1ºC, TA 171/104mmHg e anictérico. O abdómen estava mole, depressível, doloroso à palpação do hipocôndrio direito e com RHA presentes. Restante exame objectivo irrelevante. Com antecedentes pessoais: HTA medicada e controlada com captopril 25 mg (1 cp/dia); hiperuricemia medicado com colchicina e diclofenac em SOS; psoríase; internamento anterior no Hospital de Lagos há cerca de 5 anos por pneumonia; ex-fumador desde há 6 anos. Analiticamente salienta-se uma leucocitose (16.800/mL) com neutrofilia de 87,9%, bilirrubina total/directa 2,11/0,34mg/ dL, AST 37U/L, ALT 46U/L e PCR 18,0mg/L. Restantes parâmetros sem alterações relevantes. Radiografia do tórax AP sem alterações relevantes. Radiografia simples do abdómen em ortostatismo (figura 1) sem alterações significativas. Ecografia abdominal superior (figura 2), revelou uma hepatomegália com contornos regulares e áreas de ecogenicidade aumentada relacionável com esteatose, vesícula biliar distendida com ligeiro espessamento parietal (7mm), por edema, com microlitíase e múltiplas lamas biliares, Murphy sonográfico e aspectos sugesti- vos de colecistite aguda/sub-aguda litiásica. O doente esteve internado no Serviço de Cirurgia sete dias Nesse internamento com terapêutica médica que incluiu fluidoterapia, analgesia e antibioterapia ev (ertapenem). Teve como intercorrência uma crise gotosa que remitiu com medicação. Verificou-se melhoria clínica e laboratorial, tendo tido alta com cirurgia programada para Janeiro de 2008. Figura 2 Figura 3 Figura 2 e 3 - Ecografia abdominal superior Figura 1 – Radiografia simples do abdómen em ortostatismo. Na preparação pré-operatória fez ecografia abdominal superior (figura 3) que revelou hepatomegalia ligeira com áreas de ecogenicidade moderadamente aumentadas, alternando com áreas de menor ecogenicidade simulando um padrão “em mapa geográfico” compatível com infiltração esteatósica; reforço da ecogenicidade adjacente à via biliar principal, mas sem espessamento parietal; vesicular biliar com parede notoriamente espessada (8mm) com ligeira irregularidade concêntrica parietal com formações litiásicas no seu interior; sugestivo de colecistite aguda/sub-aguda. Internado electivamente para ser submetido a colecistectomia. À entrada, referia dor abdominal intensa com aproximadamente 48 horas de evolução. Ao exame objectivo, encontrava-se vigil, hemodinamicamente estável, sub-febril (37,6ºC), desta- 42 REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:41-46 cando-se o abdómen globoso, doloroso de forma generalizada, mais intensamente no hipocôndrio direito aquando da palpação, Murphy vesicular positivo, com reacção peritoneal presente e hepatomegália discreta. Analiticamente, leucocitose (11.400/mL) sem neutrofilia (73,3%), bilirrubina total/directa 4,22/ 0,69mg/dL, AST 35U/L, ALT 68U/L, PCR 299,8mg/L. Por se apresentar dentro da janela de 48/72 horas de colecistite aguda manteve-se a programação cirúrgica. Foi submetido a colecistectomia iniciada por via laparoscópica. Verificou-se a existência de um plastron com aderência do cólon transverso ao fígado. Face à dificuldade da libertação da vesícula por um componente inflamatório fibroso que não é o normalmente verificado, optou-se pela conversão para laparotomia sub-costal direita. Verificou-se o que parecia ser um trajecto fistuloso em formação, com ponto de partida na vesícula (perfurada) para o cólon (ângulo hepático), atingindo a serosa mas sem ultrapassar a muscular. Procedeu-se à colecistectomia retrógrada com dreno na goteira parieto-cólica e espaço de Morison. A cirurgia teve a duração de 1 hora e 29 minutos. O pós-operatório imediato decorreu sem intercorrências, com excepção de dores de origem gotosa nos membros inferiores que melhoraram com medicação. Teve alta referenciado à consulta externa. No 31º dia pós-operatório recorreu ao serviço SU do CHBA por quadro de dor abdominal hipogástrica, mal-estar, colúria, febre (38º) e diminuição do número de dejecções, em evolução desde o dia anterior. Analiticamente, destaca-se leucocitose (18.830/mL) com neutrofilia de 95,7%, bilirrubina total/directa 3,88/1,97mg/dL, AST 297U/L, ALT 434U/L, GGT 646U/L, FA 487U/L e PCR 46,9mg/L. Fez radiografia do abdómen em ortostasia (figura 4). Observado pela cirurgia, apresentava icterícia obstrutiva com sinais de colangite provavelmente por litíase residual da via biliar principal, sem pancreatite, tendo sido novamente internado no Serviço de Cirurgia. Repetiu ecografia abdominal que não revelou anomalias para além da esteatose e status pós-colecistectomia. Cumpriu terapêutica antibiótica e.v. com regressão da sintomatologia, tendo tido alta, clínica e laboratorialmente melhorado, com o diagnóstico de colangite em status póscolecistectomia, de etiologia a esclarecer. O relatório da anatomia patológica mostrou: macroscopicamente, peça de colecistectomia com 7,5cm de comprimento e 0,5cm de espessura da parede, mucosa castanha irregular, observando-se ulceração com 0,5cm de diâmetro que condiciona solução de continuidade da parede; 3 fragmentos de tecido fibroadiposo, compactos e com inductos purulentos. O diagnóstico histológico foi colecistite crónica xantomatosa agudizada e perfurada. Figura 4 – Radiografia do abdómen em ortostasia Em follow-up com dois anos de pós-operatório doente assintomático. DISCUSSÃO A patogénese da CX é desconhecida. A teoria actualmente mais aceite considera que o processo está relacionado com o extravasamento de bílis para a parede da vesícula a partir da ruptura dos seios de RokitanskyAschoff ou pela ulceração da mucosa, secundária à colelitíase. Este evento inicia uma reacção inflamatória do tecido intersticial, na qual os macrófagos fagocitam os lípidos biliares, como o colesterol e os fosfolípidos, conduzindo à formação de células xantomatosas, e os fibroblastos contribuem para uma reacção fibrosa intensa. Tudo isto, leva à formação de xantogranulomas1. O período de tempo apontado como necessário para a formação de xantogranulomas na sequência de colecistite aguda varia entre as 3 semanas e os 6 meses3. Verificou-se que podem surgir processos inflamatórios xantogranulomatosos em muitos outros órgãos, como pele, genitais, retroperitoneu, estruturas intracranianas e tracto gastrointestinal. Em relação aos rins, está descrita a pielonefrite xantogranulomatosa, que se pensa ter alguma analogia em ter43 REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:41-46 mos de patogénese com CX, e que resulta da estase devido à obstrução causada por cálculos renais1,4. PATOLOGIA Macroscopicamente (figuras 5), a vesícula biliar apresenta a parede espessada e a serosa coberta de densas aderências fibrosas. A superfície mucosa pode estar ulcerada e cortes da parede revelam focos de xantogranulomatose, que aparecem como nódulos ou placas de coloração amarela acastanhada. Esses focos, tal como a fibrose, podem estender-se a estruturas adjacentes, como fígado, cólon, duodeno e epiplon1,2,5. Microscopicamente (figuras 6), os focos de xantogranulomatose são compostos por macrófagos repletos de lípidos, fibroblastos e células inflamatórias. Os macrófagos podem ser de 2 tipos morfológicos: macrófagos espumosos arredondados e células fusiformes com citoplasma granular e núcleo alongado. Outros aspectos presentes incluem fendas de colesterol, infiltrações lipídicas, depósitos de hemossiderina e bílis extravasada1. A relação entre a CX e o CVB ainda não está completamente definida. Foram encontradas alterações granulomatosas focais na parede vesicular em associação com invasão neoplásica, o que pode sugerir uma possível relação entra ambas as entidades1. Há estudos que mostraram que em 30% dos carcinomas da vesícula encontram-se xantogranulomas focais3. Estudos realizados nos EUA e Japão encontraram adenocarcinoma em 10% dos espécimes ressecados com CX., porém outros estudos não demonstraram qualquer associação1. Fenómenos inflamatórios que também estão presentes na CX, foram implicados no desenvolvimento de alterações metaplásicas e displásicas ao longo do tubo digestivo e a sequência metaplasia-displasia- 44 Figura 5 – Vesícula de uma paciente com CX, na qual se observam nódulos xantogranulomatosos na parede neoplasia já foi observada na vesícula biliar3. Verificou-se uma associação - que não se provou ser causal - entre a CX e obesidade e diabetes mellitus3. Em espécimes ressecados de pacientes com vesícula de porcelana também foram observadas alterações xantogranulomatosas 6. CLÍNICA Não há sinais ou sintomas que sejam patognomónicos Figura 6 – Corte histológico em que se observa uma célula gigante multinuleada rodeada por várias células xantomatosas e células inflamatórias desta entidade clínica2. O doente típico tem uma história sugestiva de colecistite aguda ou crónica e, ocasionalmente, pode apresentar aspectos clínicos e imagiológicos que mimetizam o CVB. Naqueles doentes em que coexistem CX e CVB são mais frequentes a anorexia, perda de peso, massa palpável e icterícia. Outras formas de apresentação, mais raras, incluem pancreatite aguda, cólica biliar e icterícia obstructiva. Esta última pode dever-se a coledocolitíase ou a compressão do ducto biliar comum pela vesícula inflamada (Sindrome de Mirizzi). Sintomas frequentemente referidos pelos pacientes são dor no hipocôndrio direito, que pode irradiar para o ombro homolateral e flanco, acompanhados de náuseas, vómitos e febre. O exame objectivo é habitualmente normal, com excepção do sinal de Murphy vesicular positivo, quando a colecistite aguda está presente, e a presença de uma massa palpável no hipocôndrio direito, sendo este achado mais comum num paciente com CX que na colecistite aguda sem CX1,2,6,7. Verifica-se uma alta incidência de complicações na CX, podendo atingir os 30%. As complicações locais incluem a perfuração/ruptura da vesícula, a formação de estenoses e o síndrome de Mirizzi. A obstrução prolongada do cístico e a distensão sob pressão da vesícula, durante a fase aguda da inflamação, podem acarretar a formação de abcessos hepáREVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:41-46 ticos e fístulas para estruturas adjacentes (fígado, duodeno, cólon, estômago e pele)1,4,6. A CX deve surgir como um diagnóstico possível quando o doente apresentar uma massa no hipocôndrio direito ou tiver uma fístula biliar 1. Saliente-se que não existem valores laboratoriais que sejam patognomónicos, sendo a leucocitose frequente, mas não específica 1. Forma isolados microrganismos na bílis de alguns doentes com CX (Escherichia coli, Klebsiella species, Enterococcus species), contudo o seu significado é desconhecido 6. Os exames complementares de diagnóstico podem ser sugestivos de CX, mas não permitem o diagnóstico definitivo e os estudos publicados em relação a alguns deles não são conclusivos. Assim, o diagnóstico pré-operatório é difícil, sendo o diagnóstico definitivo obtido através do exame histológico da vesícula colecistectomizada, por vezes, pelo exame extemporâneo1. A ecografia possibilita a visualização de alguns achados que são sugestivos, mas que não são diagnósticos (figura 7). A parede da vesícula apresenta-se espessamento focal ou difuso, os cálculos condicionam uma imagem em cone de sombra, em 35% há lamas biliares e a imagem mais frequente e característica são nódulos ou faixas hipoecogénicas intramurais (> 35%). Outros achados, menos frequentes, são uma massa vesicular, perfuração/ ruptura da vesícula, colecção de líquido sub-hepático, limites mal definidos entre a vesícula e o fígado e gás nas vias biliares (por fístula com o tubo digestivo)1,3,4,6,7. Refira-se que existem outras doenças que podem condicionar o aparecimento de nódulos intramurais hipoecogénicos, como CVB, abcessos, colesterolosis, adenomiomatose1. Um estudo com 33 doentes mostrou que a ecografia diagnostica erradamente CX com CVB em 21,2% 2 . A ecoendoscopia pode ter utilidade clínica no diagnóstico diferencial com CVB, na medida em se pode observar a perda do padrão de múltiplas camadas da parede vesicular, que é mais característica dessa situação4. A tomografia computorizada (TC) também permite obter algumas imagens que são sugestivas de CX. Uma revisão retrospectiva revelou que esses achados são: nódulos intramurais hipodensos (~100%), espessamento da parede (91%), cálculos (61%), extensão do processo inflamatório ao fígado (45%) e bandas hipodensas na parede (33%), sendo estas o achado mais específico1. Há vários estudos publicados que revelaram alguns aspectos importantes. Durante um episódio de colecistite aguda pode-se observar na TC uma banda hipodensa em volta da vesícula com captação homogénea de contraste pela mucosa da vesícula. Quando o exame é repetido, após 2 semanas, verificou-se o desaparecimento da referida banda, mantendo-se a captação por parte da mucosa. Concluiuse que os achados característicos são mais aparentes na fase de colecistite aguda6. Tentou-se encontrar a correlação entre os achados na TC e os achados patológicos, tendo mostrado que as áreas hipodensas da parede vesicular correspondem a células inflamatórias e espumosas, mas também a áreas de necrose e abcessos1. A Figura 7 – Na ecografia observa-se um nódulo hipoecogénico bem definido, compatível com nódulo xantogranulomatoso TC diagnosticou erradamente CX com CVB em 25%2. Também se verificou que a presença de gânglios linfáticos aumentados não é valorizável visto que em 17% dos doentes com CX há linfadenopatia periportal4. Colangiografia percutânea trans-hepática, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica e colangiopancreatografia por ressonância magnética são exames importantes para esclarecer o envolvimento do ducto hepático comum (figura 8)1,5. Em relação à ressonância magnética, existem poucos estudos sobre a sua utilidade diagnóstica. Também se tentou encontrar uma correlação entre os achados obtidos com este método complementar de diagnóstico e os achados patológicos. As áreas iso ou ligeiramente hiperintensas em T2 no estudo dinâmico com ligeiro aumento na fase inicial e aumento marcado na fase tardia correspondem a xantogranulomas. As áreas hiperintensas em T2 sem aumento da captação correlacionam-se com necrose e abcessos1. A citologia aspirativa com agulha fina guiada por ecografia é útil na diferenciação da CX com CVB com vista ao planeamento da intervenção cirúrgica. No entanto, a malignidade nem sempre pode ser excluída. Apesar de extremamente rara, a criação de uma fístula vesiculo-cutânea é um risco que deve ser ponderado. Com a citologia aspirativa pode-se identificar aspec45 REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:41-46 tos característicos da fase inicial da CX, como histiócitos espumosos, células xantomatosas e células inflamatórias agudas, e outros de uma fase mais tardia e que são a reacção fibrosa intensa1,4,6,7. A tomografia por emissão de positrões tem uma utilidade incerta, havendo poucos estudos publicados e aqueles que existem têm um número reduzido de doentes5. O marcador tumoral CA19.9 não tem utilidade no diagnóstico diferencial entre a CX e CVB visto que pode estar elevado em ambas as situações5. TERAPÊUTICA O único tratamento definitivo para a CX é a cirurgia (colecistectomia). Durante a cirurgia, deve suspeitar-se de CX Figura 8 – Colangiografia que demonstra obstrução do ducto hepático comum com dilatação das vias biliares a montante. quando se verifica um marcado espessamento da parede da vesícula biliar (91%), com aderências fibrosas densas e extensas às estruturas vizinhas (88%) (figura 20). Mas, o exame extemporâneo é necessário para estabelecer o diagnóstico definitivo e excluir lesões neoplásicas1,2,4,5. É necessária a recessão completa das estruturas envolvidas pelo processo inflamatório devido à natureza inflamatória e invasiva da CX, quando há icterícia ou colangite, e é uma forma de prevenir complicações, como obstrução intestinal e perfuração de víscera oca. A exerese da vesicula pode incluir a recessão do leito da vesicular e a cauterização de tecido não excisado por perda dos planos de clivagem. Toda a cirurgia deve ser realizada sob visualização directa de forma a evitar lesões das vias biliares e órgãos vizinhos1,2,3,4. A colecistectomia laparoscópica apresenta dificuldades téc- nicas devido à fibrose e inflamação extensas. Verifica-se maior incidência de complicações, havendo a necessidade de conversão para via aberta numa percentagem muito superior à dos doentes sem CX (19% vs 1%). Também a possibilidade de coexistência de malignidade (adenocarcinoma) pode prejudicar esta técnica1. O factor mais importante da praticabilidade da colecistectomia laparoscópica não é a não visualização da vesícula, mas sim, a não visualização do ducto cístico na TC helicoidal após colangiografia intravenosa3. A visualização clara das estruturas anatómicas nos meios complementares de diagnóstico é essencial para se optar pela laparoscopia3. Um estudo por Jiang em 2007, realizado na China demonstrou que 65% da colecistectomias foram difíceis, 35% foram apenas parciais e a duração média foi de 148 minutos 2 . Quando permanecem estenoses após a colecistectomia a terapêutica endoscópica com colocação de stent mostrou-se segura e efectiva 4 . Pelo acima referido concluiu-se que a colecistectomia laparotómica é preferida em relação à via laparoscópica nos doentes com CX1. A morbilidade que se segue à colecistectomia é largamente relacionada com complicações pós-operatórias, que atingem 30-32%. Estas estão principalmente relacionadas com infecções da ferida operatória (mais em pacientes com fístula), infecções respiratórias e urinárias. Outras complicações incluem extravasamento de bílis, peritonite biliar, hemorragia, abcesso hepático, estenoses e colangite. Tudo isto acarreta uma hospitalização mais prolongada, assim como re-hospitalizações 1,2,5,7. A mortalidade é infrequente, mas foi descrita no contexto de síndrome do choque tóxico devido a infecção da ferida operatória por Staphylococcus aureus1. BIBLIOGRAFIA 1.VARADARAJULU S, ZAKO SF. Xanthogranulomatous Cholecystitis. 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