inclusão sociodigital de portadores de necessidades especiais

Transcrição

inclusão sociodigital de portadores de necessidades especiais
INCLUSÃO SOCIODIGITAL DE PORTADORES DE NECESSIDADES
ESPECIAIS
Eliane Cristina de Freitas Rocha1
Danielle Beatriz de Souza Couto1
R. Dom Modesto Augusto, 181, Apto 201. Coração Eucarístico - Belo Horizonte.
CEP: 30535-430. Tel: (31) 2526-513
[email protected]
1. A APRENDIZAGEM DE INFORMÁTICA POR PESSOAS COM NECESSIDADES
ESPECIAIS
Uma vez que as novas tecnologias da comunicação estão cada vez mais presentes no
dia-a-dia, apropriar-se delas é condição primordial para não estar à margem na sociedade do
conhecimento (ROCHA, 2005).
Mas a apropriação dos recursos tecnológicos é uma atividade subjetiva e que depende,
grandemente, do perfil cognitivo e sócio-cultural da pessoa, além de não se encerrar no
domínio dos recursos tecnológicos, exigindo ações educativas mais amplas e contextualizadas
(ROCHA, 2006).
No processo de desenvolvimento, ferramentas como a linguagem e os instrumentos
técnicos podem servir como catalisadores do processo de aprendizagem (REGO, 1995). E se
tais instrumentos são tecnologias cognitivas que funcionam como próteses para o pensamento
(LÉVY, 1993), como os computadores, é possível dizer que elas sejam capazes de promover o
desenvolvimento cognitivo, especialmente em situações ligadas às necessidades especiais.
Valente e Freire (2001) e Schlünzen (2005), em suas experiências com o ensino de
informática para portadores de necessidades especiais, puderam notar sensível melhoria na
auto-estima e no desenvolvimento de atividades cognitivas por estas pessoas ao utilizarem
alguns programas de computador, como os programas de comunicação síncrona da Internet, e
também os jogos, o que se explica, em parte, pelo papel educativo do brinquedo (REGO,
1995).
1
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
O uso de programas computadorizados pode impulsionar o desenvolvimento
cognitivo, atuando na zona de desenvolvimento proximal da pessoa, permitindo que ela
avance em relação ao que já sabe e conhece da tecnologia de forma progressiva, iniciando-se
por aplicativos simples, de desenho, até mais sofisticados, como programas editores de texto e
navegações pelos diversos recursos da Internet.
Para Vygotsky segundo Schlünzen (2005), “o futuro das crianças com necessidades
PNE2 depende muito da possibilidade proporcionada a elas em relação à interação com o
meio social” (p.197). Neste sentido, é preciso estar atento, conforme comenta Schlünzen
(2005), para não menosprezar a capacidade do aluno especial devido às suas dificuldades de
comunicar-se e de dominar a linguagem, essencial para o seu desenvolvimento cognitivo e
que se mostra, claramente, como um grande desafio também nos processos de inclusão
digital.
É preciso ressaltar, ainda, o papel mediador da própria instituição que acolhe os alunos
com necessidades especiais e a relação dele com outros colegas que podem atuar como
aceleradores do processo de desenvolvimento.
2. SITUAÇÃO PROBLEMÁTICA
Promover a inclusão digital de portadores de necessidades especiais é um grande
desafio: é preciso trabalhar o uso da ferramenta computadorizada nas atividades que façam
sentido para aquele que é incluído e que permitam a ele avançar em suas atividades cognitivas
e no convívio social.
Este programa de extensão universitária intenta trabalhar com crianças, jovens e
adultos do município de Contagem, atendidos e encaminhados pala APAE de Contagem,
numa perspectiva de preparação para o mercado de trabalho e também com vistas a promover,
através de suas atividades, um processo de inclusão sociodigital, tendo como objetivos:
•
Desenvolver o ensino da tecnologia de informática para portadores de necessidades
especiais da comunidade da PUC Minas Contagem, visando oportunizar o domínio
ferramentas como Paint, editor de texto, internet e planilha eletrônica (este último será
ensinado se o perfil cognitivo da turma o permitir).
•
Preparar o aluno para o trabalho com a informática nas empresas, viabilizando seu
acesso a um mercado cada vez mais seletivo e excludente.
2
Pessoas com Necessidades Especiais.
•
Promover melhorias no desenvolvimento cognitivo dos alunos através do uso da
tecnologia da informação.
•
Promover a integração e a inclusão social desses alunos, através do emprego das
diversas ferramentas e linguagem computacionais.
•
Aumentar a auto-estima dos alunos, favorecendo sua convivência sociocultural.
•
Criar um espaço de estágio remunerado para os alunos dos cursos de graduação da
PUC Minas Contagem.
•
Estabelecer mecanismos de intercâmbio e cooperação entre instituições e entre a
Universidade e a Sociedade.
•
Desenvolver metodologias de ensino e avaliação adequadas às necessidades e
interesses dos portadores de necessidades especiais: produção de um caderno de
atividades que oriente o trabalho dos monitores fundado na pedagogia construtivista e
construcionista; estudo e documentação de instrumentos de avaliação da aprendizagem
dos estudantes.
•
Atender 15 a 20 alunos encaminhados pela APAE-Contagem.
3. METODOLOGIA
A Unidade de Contagem da Puc-Minas tem convênio de cooperação mútua firmado
com a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais de Contagem desde o dia 12 de agosto
de 2002 com prazo de vigência indeterminado, no qual consta a realização de cursos de
computação para os assistidos pela APAE-Contagem. Desde a data de instauração do
convênio até o momento já foram beneficiadas, diretamente 10 pessoas em 2002, 18 em 2003,
18 em 2004, 18 em 2005 e 18 em 2006 e 15 em 2007 e 18 estão sendo atendidos neste ano de
2008.
O curso de introdução à informática tem a duração do ano letivo para uma turma que é
acompanhada por dois monitores em aulas de 1 hora e 45 minutos duas vezes por semana com
vistas a explorar o uso do computador na educação na perspectiva de Valente (1995).
Para Valente (1995), o computador pode ser utilizado na educação das seguintes
formas:
- Ensino da informática em si mesma (cursos de alfabetização digital ou cursos voltados ao
computer literacy)
- Uso do computador como ferramenta para a aprendizagem (uso de planilhas, editores de
texto, aplicativos de acesso a base de dados como instrumentos que auxiliam a construção de
conhecimento e realização de pesquisas de natureza escolar)
- Uso de programas tutoriais baseados em instrução programada (programas que ensinam seu
usuário)
- Uso do computador para resolução de problemas (o usuário instrui o computador a resolver
problemas, através do uso de linguagens de programação como Pascal, Basic ou programas
especialmente criados para estudantes de 1º, 2º, 3º graus e portadores de necessidades
especiais, como o LOGO).
- Uso do computador para controle de processos: o usuário pode vivenciar um ambiente de
produção de artefatos em miniatura através de kits LEGO de forma a ser um “aprendiz de
engenheiro”
Outros trabalhos acadêmicos como os realizados pelo Núcleo de Informática Aplicada
à Educação da Unicamp como os de Rocha; Freire; Prado (2000) têm demonstrado a
importância da interação e do lúdico, especialmente dos programas construcionistas como a
linguagem de programação LOGO para melhoria nas atividades cognitivas.
Tendo estas perspectivas teóricas em perspectiva, a execução deste projeto de inclusão
sócio digital está fundada no uso do computador na educação de maneira mais ampla e não se
reduz a ações de alfabetização digital. Como o projeto está em andamento, as ações realizadas
até agora dizem respeito a:
•
Integração do grupo de estudantes, de forma a levar à valoração da auto-estima
e participação dos estudantes, através de dinâmicas de integração e trabalhos
em grupo.
•
Familiarização tecnológica: atividades que promovam maior interação
aluno/tecnologias, como a utilização de aplicativos para desenho e uso dos
periféricos para melhoria da coordenação motora, com acompanhamento
individual dos estudantes.
•
Melhoria no raciocínio lógico, através da utilização de jogos educativos (como
jogo de memória, percurso de labirinto, blocos lógicos), como pode ser visto
nas figuras 1 e 2, em uma das aulas deste ano.
•
Desenvolvimento da leitura e da escrita: uso do computador como ferramenta
elaboração e produção de textos que tenham relação com os interesses e o
contexto sócio-cultural dos participantes do projeto.
•
Aprendizagem do uso dos recursos de navegação da internet
Figura 1: Uso do jogo do labirinto
Figura 2: Uso do jogo Box World
4. DIAGNÓSTICO E RESULTADOS PARCIAIS ALCANÇADOS
Neste ano de 2008, estão sendo atendidos 13 jovens e adultos do sexo masculino e 5
jovens do sexo feminino. Dentre os atendidos, constatam-se o baixo grau de escolaridade
tanto dos alunos quanto de seus parentes mais próximos (como o da mãe), conforme pode ser
observado nos gráficos de barras abaixo.
6
Count
5
4
3
2
1
0
Fundamental (Até 4 série, inclusive)
Fundamental completo
Fundamental incompleto (Até 8 série)
Ensino médio incompleto
Gráfico 1: Escolaridade do aluno
7
6
Count
5
4
3
2
1
0
Analfabeto
Fundamental
(Até 4 série,
inclusive)
Fundamental
incompleto
(Até 8 série)
Ensino médio
incompleto
Ensino médio
completo
Superior
Gráfico 2: Escolaridade da mãe
Além disso, observa-se, ainda, baixa renda familiar entre os atendidos, conforme pode
ser verificado na tabela abaixo, o que configura dupla dificuldade de inclusão digital: ligada
aos desafios cognitivos e também econômicos e culturais. A situação de vulnerabilidade
social é presente e temas como ligados a drogas já foram levantados por um dos alunos
atendidos em sala de aula.
Tabela 1: Renda familiar dos atendidos
Freqüência
Percentual
De R$ 200,00 a R$ 400,00
De R$ 400,00 a R$ 600,00
De R$ 800,00 a R$ 1.000,00
De R$ 800,00 a R$ 1.000,00
De R$ 1.200,00 a R $ 1.400,00
Acima de R$ 1.400,00
Total
Não informado
4
6
1
2
1
2
16
2
22,2
33,3
5,6
11,1
5,6
11,1
88,9
11,1
Total
18
100,0
Percentual válido
Percentual acumulado
25,0
37,5
6,3
12,5
6,3
12,5
100,0
25,0
62,5
68,8
81,3
87,5
100,0
À exceção de dois alunos (com renda familiar superior a R$ 800,00), todos nunca
tinham utilizado o computador. Dentre os pais dos alunos, três usam sempre e têm
computador em casa (sendo dois deles pais dos dois alunos que já tinham usado o computador
antes do curso); três usam raramente e não tem computador em casa e 9 nunca utilizaram o
computador, outros três não responderem a questão da ficha de inscrição referente ao uso do
computador.
Seria necessário e importante adotar uma estratégia de inclusão da família do assistido
em conjunto com o ensino de informática pois a família tem um papel essencial no
envolvimento e rendimento do aluno.
Observa-se, dentre os alunos grande motivação de fazer parte do grupo que foi
selecionado para fazer o curso de informática na Puc, sentido-se incluídos simplesmente por
freqüentarem um espaço tido como tão prestigiado por eles.
Observa-se grande heterogeneidade entre os participantes, o que dificulta um pouco o
atendimento dos objetivos propostos no projeto e torna evidente a necessidade de tratar com
singularidade de cada pessoa. É curioso constatar que no cotidiano as vezes as pessoas
consideradas “normais” são tratadas de maneira tão padronizada mesmo em situações de
ensino-aprendizagem da escola que lidar com a diferença torna-se uma questão desafiadora.
Não obstante, observa-se que ações simples como ligar e desligar a máquina e outros aspectos
comportamentais ligados à observância das regras do grupo não foram difíceis de serem
entendidas pelos alunos (o que se deve, em parte à vivência do aluno também no espaço da
APAE).
Em relação à compreensão dos conhecimentos elementares em informática, os alunos
já demonstraram certo ponto de conhecimento, pois, quando se falava no termo digitação, eles
concluíram que usariam o teclado e para acessar o menu Iniciar, o mouse.
Com relação à linguagem, é possível dizer que o computador, embora tenha suas
peculiaridades, pode auxiliar os alunos no processo de alfabetização. Uma das dificuldades
notáveis em alguns alunos é a de não saberem o lugar correto de se colocar o “espaço” na
digitação de textos, a ortografia também não é satisfatoriamente executada na digitação, pelo
fato de que, em alguns casos, a acessibilidade do computador dificulte a execução da tarefa,
pois a própria apresentação dos caracteres do teclado nem sempre está configurado para a
língua portuguesa, o que dificulta a utilização correta dos acentos e outras teclas especiais.
Além disso, a operação de digitação de senha pode ser confusa para os alunos já que, ao
digitar letras, aparecem asteriscos na tela e alguns não entendem por que.
Costa (2002), citado por Santos e Sahb (2004, p.360)
“diz que um ambiente de aprendizagem pode estar voltado a dois segmentos
diferentes um para conteúdos e outro para o desenvolvimento de esquemas
cognitivos no aluno. O mais importante e que ambos devem ser elaborados pelos
professores ou grupo de professores, tendo em vista o ator principal do processo,
que é o aluno”.
Busca-se planejar as aulas com o objetivo de levar os alunos do Projeto APAE a
desenvolverem conceitos não apenas informáticos, mas conceitos de vida, como, por
exemplo, família, grupo, companhia cooperação, dentre outros valores que servem para um
bom crescimento de vida. Através do uso de textos como fábulas que estimulam o
desenvolvimento moral.
Certamente o trabalho com o computador teve um papel importante no progresso
desses jovens atendidos. É claro que, mesmo participando de um projeto como este, eles ainda
terão um longo caminho a percorrer para superar suas deficiências. Cada aluno revelando um
caminho percorrido no processo de construção do conhecimento e do desenvolvimento
cognitivo.
É bom que se tenha consciência de que o computador, por si só, não é a solução para
resolver todos os problemas de inclusão de portadores de necessidades especiais. O que se
tem percebido em projetos desenvolvidos, utilizando computadores, é que esses alunos,
considerados como pessoas com dificuldades de aprendizagem, podem utilizar de alguns
recursos computadorizados normalmente – especialmente navegação na Internet (através dos
erros e acertos, do “fuçar”) - mesmo tendo o seu desenvolvimento cognitivo diferente dos de
sua idade.
REFERÊNCIAS
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Nize Maria Campos. SCHLÜNZEN, Elisa Tomoe Mriya. SCHLÜNZEN JUNIOR, Klaus.
Inclusão digital: tecendo redes afetivas/cognitivas. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
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