Parecer - Procuradoria Regional da República da 3ª Região
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Parecer - Procuradoria Regional da República da 3ª Região
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 3ª REGIÃO 6ª TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3. REGIÃO PROCESSO N.º 2006.61.08.012303-2 APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA APELANTE: AUTO POSTO PETROFER LTDA. E OUTROS APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APELADO: AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GAZ NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP RELATORA: JUIZ FEDERAL GISELLE FRANÇA ª PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Apelação em Ação Civil Pública. Preliminar: cerceamento de defesa, prescrição, procedimento administrativo e legitimidade passiva. Mérito: aplicação do CDC. Adulteração de combustível. Conclusão de laudo técnico não afastada. Responsabilidade solidária entre o fornecedor e o distribuidor. Aplicação de multa cominatória. Parecer pelo desprovimento do recurso dos Réus e provimento do recurso do MPF. Eminente Relatora, Trata-se de apelações interpostas contra a r. sentença (fls. 284/296) que, em Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em litisconsórcio com a AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP, julgou procedente a ação, condenando o AUTO POSTO PETROFER LTDA., JORGE ARTUR SAHÃO E LUIS SÉRGIO SAHÃO a reembolsar os valores cobrados dos consumidores na aquisição do combustível adulterado, e a pagar os prejuízos por danos causados pelo combustível em seus veículos. Para tanto, os consumidores devem provar que abasteceram seus veículos no estabelecimento comercial réu no período compreendido entre 30.10.2003 e a data da comercialização total do combustível, que será comprovada pela análise dos registros levados a efeito no LMC – Livro de Movimentação de Combustíveis. Ademais, os Réus foram condenados, na hipótese de não haver manifestação por parte dos consumidores, a pagarem indenização equivalente ao valor de todo o combustível comercializado no período mencionado acima, conforme registros constantes do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 3ª REGIÃO LMC, devendo o valor ser destinado ao fundo de que trata o art. 100 do CDC. Além disso, os Réus foram condenados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios à ANP, fixados em 10% sobre o valor total da condenação, quantia essa que também deverá ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, bem como a publicarem editais em jornais de circulação local, contendo resumo da r. sentença, a fim de convocar os consumidores a apresentarem documentos comprobatórios da aquisição de combustíveis para ressarcimento. Inconformados, recorrem o Auto Posto, Jorge Artur Sahão e Luis Sérgio Sahão (fls. 300/315), aduzindo em preliminar que houve cerceamento de defesa, pois o Juízo de 1º Grau não se manifestou a respeito do requerimento de especificação de provas orais formulado nos autos, nem do pedido de expedição de ofício à ANP. Ademais, requerem os Recorrentes a anulação do feito e sua extinção, ou da sentença, com o acolhimento das pretensões aduzidas na inicial, também em razão da não manifestação do Juiz sentenciante acerca da falta de trânsito em julgado do procedimento administrativo que tramitou perante a ANP e embasou a presente demanda. Alegam ainda os Réus que já ocorreu a prescrição da pretensão à reparação civil, segundo o art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil e art. 26, § 3º, inciso I. Por fim, afirmam que o estabelecimento da empresa demandada foi vendido em 2003 para Aparecido Fernandes e Claudete Teixeira da Silva Fernades, os quais teriam assumido, por consequência, todas as responsabilidades. No mérito, argumentam não serem os responsáveis diretos por eventuais danos causados aos consumidores do combustível que o estabelecimento em questão comercializa, já que este não teria adulterado o produto, mas sim a empresa que o distribui, qual seja, “Petroluz Distribuidora Ltda.”. Acrescentam, ademais, não ser possível sua condenação à reparação de danos não comprovados aos consumidores, em virtude de inexistência de nexo de causalidade e da não comprovação de eventual dano causado pela gasolina no motor. Alegam que a análise do PFE - Ponto Final de Ebulição -, único resultado que apresentou alterações, só podia ser feita em laboratório especializado, de maneira que tal irregularidade não podia ser detectada no próprio posto. Aduzem, ainda, os Recorrentes que a responsabilidade objetiva (art. 12 do CDC) não se caracteriza no caso, porque o CDC não teria delineado a modalidade de revenda do combustível em seu rol. Contestam também a publicação de edital convocando os clientes para o ressarcimento, assim como a forma que essa convocação foi estabelecida na sentença, feita especificamente para os clientes de gasolina. Por último, reiteram a necessidade de exame da contra-prova para confirmar a adulteração do combustível e, em consequência de todas as alegações anteriores, a inadmissibilidade do pedido de reversão do valor da indenização ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, caso nenhum ou apenas alguns dos clientes se 1040933.odt 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 3ª REGIÃO manifestem. Por sua vez, o Ministério Público Federal opôs embargos de declaração contra a r. sentença, no corpo das contrarrazões (fls. 334/351), apontando a necessidade de suprimir omissão relacionada a pedido que formulou na parte final do último parágrafo da fl. 155, relativo ao prazo para entrega do Livro de Movimentação de Combustíveis, bem como de uma multa em caso de não cumprimento da medida. O Juízo sentenciante não acolheu os embargos (fls. 353/357), sob o fundamento de que não constou da inicial pedido de aplicação de multa para o caso de não atendimento do pedido de liminar . Dessa r. decisão, o Órgão Ministerial apelou (fls. 361/364), alegando que o juiz pode aplicar multa de ofício para garantir a eficácia da sentença, com o escopo de assegurar a tutela específica, independentemente de pedido do autor. Devidamente intimado, a ANP apresentou suas contrarrazões (fls. 324/330). É o relatório, suficiente para o parecer que se segue. O recurso dos Réus não merece provimento. I – Preliminarmente: 1- Procedimento Administrativo Os Requeridos alegam que o procedimento administrativo, que tramitou perante a ANP e que serviu de base para a presente Ação Civil Pública, ainda não transitou em julgado, de modo que todo o processo é nulo de pleno direito. Tal alegação não merece acolhida, uma vez que o jurisdicionado tem livre e amplo acesso à Justiça, sem ficar condicionado, para que sua demanda seja apreciada pelo Poder Judiciário, ao exaurimento da via administrativa com a “coisa julgada administrativa”. Isso é decorrência do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Nesse sentido, é corrente na jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais entendimento de que, com o advento da Constituição Federal de 1988, não mais se permite a chamada jurisdição condicionada ou instância administrativa forçada, o que significa dizer que não mais se admite a exigência de esgotamento da instância administrativa para que, só então, nasça o direito de acesso ao Judiciário (TRF1, AMS 2005.33.00.023759-0; TRF2, 1040933.odt 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 3ª REGIÃO AC 228178-RJ; TRF5, AC 370240-RN). 2- Prescrição De igual modo, não merece prosperar a suposta prescrição da pretensão à reparação civil. A presente ação deve ser analisada à luz do CDC, pois tem por fundamento a defesa do consumidor. Deve-se, então, aplicar ao caso o art. 27 do citado diploma consumerista, o qual estipula prazo de cinco anos para a prescrição da pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Mesmo que se aplicasse na hipótese o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil, previsto no art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, a prescrição não se verificaria, pois o prazo deve ser contado a partir da ultimação do processo administrativo, com a ratificação da autuação/infração, o que ocorreu em 2006, mesmo ano em que foi proposta a Ação Civil Pública. 3- Ilegitimidade Passiva Os Réus alegam, ainda em preliminar, que em novembro de 2003 venderam o estabelecimento comercial a Aparecido Fernandes e sua esposa Claudete Teixeira da Silva Fernandes, por meio de contrato particular de compra e venda, de modo que a empresa passou a ser administrada por eles desde então. Em virtude disso, afirmam que o casal assumiu a responsabilidade por todos os atos do Posto, embora não tenha transferido a empresa para seu nome. Tal alegação também não merece prosperar. Os Requeridos não juntaram aos autos qualquer documento comprovando a venda do posto e a transferência da propriedade, o que poderia ser facilmente provado. Além disso, consta a assinatura de Luis Sérgio Sahão como representante e sócio proprietário do posto no procedimento administrativo que deu ensejo à presente ação, em data posterior à da suposta venda (fls. 33/36). 4- Cerceamento de Defesa Com relação ao cerceamento de defesa arguido na Apelação dos Réus, sob o fundamento de que o Juízo sentenciante julgou antecipadamente a lide, sem dar oportunidade de especificação de provas orais e de oficiar à ANP para obter as informações solicitadas a respeito da distribuidora de combustível, a matéria confunde-se com o mérito 1040933.odt 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 3ª REGIÃO e, por isso, será analisada posteriormente. II - Mérito: É cediço que a comercialização de combustível é relação de consumo, pois o comerciante/fornecedor oferece o produto (combustível) para o consumidor, que o adquire e utiliza em seu veículo automotor. Portanto, é aplicável à hipótese o Código de Defesa do Consumidor. A Lei n.º 8.078/90 prevê que o fornecedor é solidariamente responsável perante os consumidores pelos vícios do produto, conforme seu art. 18: Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. (..) Prevê, ademais, que a ignorância do fornecedor sobre o vício não o exime de responsabilidade, ex vi do artigo 23 da Lei 8078/1990: Art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade. Assim, eventual desconhecimento do vício e a alegada inexigibilidade de que o Auto Posto efetuasse testes de qualidade nos combustíveis por ele vendidos não têm o condão de afastar sua responsabilidade, que é objetiva e solidária. Com isso, também se afasta a alegação de que a distribuidora “Petroluz Distribuidora Ltda.” é que deveria estar no pólo passivo da demanda, pois, sendo a responsabilidade solidária, qualquer um dos responsáveis ou todos podem ser demandados, cabendo ação regressiva. Ainda de acordo com a legislação consumerista, a responsabilidade fornecedores, distribuidores e fabricantes é objetiva: 1040933.odt 5 dos MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 3ª REGIÃO Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: (...) Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. Sendo a responsabilidade objetiva, inexigível a prova da culpa dos Apelantes. No caso dos autos, restou devidamente comprovado que os Apelantes vinham comercializando gasolina adulterada no Município de Bauru – SP, conforme laudos de fls. 22 e 23. Os Apelantes não produziram prova alguma contrária à conclusão dos laudos. A alegação de cerceamento de defesa não merece acolhida, pois a produção de provas orais para atestar a boa-fé dos Réus quanto à qualidade do combustível não afasta a conclusão do laudo técnico. Do mesmo modo, a omissão do MM. Juiz a quo acerca do requerimento de ofício à ANP, com o propósito de saber se a distribuidora “Petroluz Distribuidora Ltda.” tinha autorização para funcionamento em 30.10.2003, não tem o condão de acarretar nulidade alguma do feito ou da sentença, porque as eventuais informações pretendidas revelam-se inócuas diante do conjunto probatório fornecido pela codemandante ANP. De outro passo, nem a prova oral nem a expedição do ofício afastariam a responsabilidade objetiva da Apelante, razão pela qual seriam expedientes meramente protelatórios. Por outro lado, assiste razão ao Ministério Público Federal ao apelar contra a decisão desfavorável aos embargos de declaração opostos no corpo das contrarrazões, por omissão da r. sentença em fixar multa cominatória pelo atraso na entrega do LMC, pois tal livro é imprescindível para demonstrar o período em que o combustível adulterado foi efetivamente comercializado e delimitar quais consumidores poderão ser ressarcidos mediante a apresentação de nota fiscal emitida entre as datas especificadas no LMC. 1040933.odt 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DA 3ª REGIÃO O art. 461 do Código de Processo Civil é claro no sentido de que o juiz pode aplicar multa de ofício para garantir a eficácia da sentença, com o escopo de assegurar a tutela específica. Seu § 4º dispõe expressamente que o juiz poderá impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for medida adequada para garantir o cumprimento de obrigação de fazer determinada na sentença. Desse modo, deve ser mantida a parte da sentença que, seguindo a legislação, garante a reparação dos danos eventualmente sofridos pelos consumidores que abasteceram ou adquiriram gasolina adulterada do Auto Posto. Impõe-se, no entanto, dar provimento à apelação Ministerial para suprir a omissão da r. sentença, fixando-se prazo máximo de cinco dias para cumprimento da decisão de fl. 99 - entrega do livro -, assim como a imposição de multa diária no valor de R$ 1.000,00 para o caso de descumprimento. Ante o exposto, opina este órgão do Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação dos Réus e pelo acolhimento da apelação do Órgão Ministerial. São Paulo, 23 de janeiro de 2013. Maria Emilia Moraes de Araujo PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA 1040933.odt 7