do implante - Editora Champagnat
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Silmara Simioni MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Colaboração Kazuko Hishida do Nascimento Ilustrações Adriano Loyola Curitiba 2012 © 2012, Silmara Simioni 2012, Editora Universitária Champagnat Este livro, na totalidade ou em parte, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa por escrito do Editor. Editora Universitária Champagnat Editor-Chefe: Prof. Vidal Martins Conselho Editorial Fernando Hintz Greca Humberto Maciel França Madeira Luiz Alexandre Solano Rossi Maria Alexandra Viegas Cortez da Cunha Rodrigo José Firmino Rodrigo Sánchez Rios Romilda Teodora Ens Direção: Ana Maria de Barros Coordenação: Viviane Gonçalves de Campos – CRB 9/1490 Capa: Felipe Machado de Souza Impressão: Gráfica da APC Núcleo de Apoio Editorial: Christopher Hammerschmidt Edena Maria Beiga Grein Giuliani Carneiro Dornelles Sato Rene Faustino Gabriel Junior Projeto gráfico: Felipe Machado de Souza Diagramação: Felipe Machado de Souza Revisão de texto: Bruno Pinheiro Ribeiro dos Anjos Editora Universitária Champagnat Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prédio da Administração - 6º andar Câmpus Curitiba - CEP 80215-901 - Curitiba / PR Tel. (41) 3271-1701 - Fax (41) 3271-1435 [email protected] – www.editorachampagnat.pucpr.br S588m Simioni, Silmara Manual da qualidade de implante em artroplastia de quadril / Silmara Simioni ; colaboração: Kazuko Hishida do Nascimento ; ilustrações: Adriano Loyola. – Curitiba : Champagnat, 2012. 106 p. ; 21 cm. Inclui referências. ISBN 978-85-7292-258-6 1. Ortopedia. 2. Artroplastia do quadril. 3. Cirurgia ortopédica. I. Título. CDD 617.3 Dedico esta obra A Deus, que é a fonte de vida e de todos os mistérios que os homens ainda irão desvendar, e a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram na execução deste trabalho. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 9 CAPÍTULO I IMPLANTES E PRÓTESES ORTOPÉDICAS: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES GERAIS 13 1 ARTROPLASTIAS DE QUADRIL 2 TIPOS DE ARTROPLASTIA DE QUADRIL 2.1 Artroplastia parcial 2.2. Artroplastia total 2.2.1 Artroplastia total com cimento 2.2.2 Artroplastia total sem cimento 2.2.3 Artroplastia total com prótese híbrida 2.2.4 Técnica de recapeamento (resurfacing) 14 18 18 19 22 23 25 25 CAPÍTULO 2 REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO 1 ESCOLHA DE MATERIAIS 1.1 Requisitos 1.1.1 Resistência 1.1.2 Biocompatibilidade 1.1.3 Bioestabilidade 27 30 30 31 33 34 1.2 Materiais utilizados em implantes de quadril 1.2.1 História e evolução 1.2.2 Panorama atual 1.2.3 Metais 1.2.4 Materiais plásticos 1.2.5 Cerâmicas 2 CARACTERÍSTICAS BIOMECÂNICAS 3 TÉCNICA CIRÚRGICA 36 36 36 39 47 49 51 52 CAPÍTULO 3 QUALIDADE, EFICÁCIA E SEGURANÇA VERSUS CICLO DE VIDA DO IMPLANTE 55 1 CICLO DE VIDA DO IMPLANTE 2 ATORES RESPONSÁVEIS E RESPECTIVAS ATRIBUIÇÕES 2.1 Fabricantes 2.2 Importadores 2.3 Distribuidores 2.4 Unidade hospitalar e equipe médica 2.5 Usuário do implante (paciente) 2.6 Responsabilidades aplicáveis a todos 56 57 58 64 65 66 68 70 CAPÍTULO 4 NORMATIVAS SOBRE O ASSUNTO 73 1 LEGISLAÇÃO SANITÁRIA BRASILEIRA 1.1 Resolução RDC n. 59-00 – Anvisa 1.2 Resolução RDC n. 185-01 – Anvisa 1.3 Demais normas sanitárias 73 74 74 76 2 OUTRAS NORMATIVAS 2.1 Conselhos de Classe 2.2 Normas técnicas 77 77 78 REFERÊNCIAS 79 APÊNDICES APÊNDICE I - A PROCEDÊNCIA DO IMPLANTE: PASSO A PASSO PARA VERIFICAÇÃO DA AFE NO SITE DA ANVISA 89 APÊNDICE II - A “IDENTIDADE” DO IMPLANTE: PASSO A PASSO PARA VERIFICAÇÃO DO REGISTRO NO SITE DA ANVISA 91 APÊNDICE III - O “FIGURINO” DO IMPLANTE: EMBALAGEM E ROTULAGEM – PASSO A PASSO PARA VERIFICAÇÃO DO RÓTULO E DAS INSTRUÇÕES DE USO DO IMPLANTE NO SITE DA ANVISA 95 APÊNDICE IV - QUANDO O IMPLANTE SE TORNA O VILÃO 99 ÍNDICE 103 INTRODUÇÃO Era uma vez, na cidade de Implantópolis, no país da Ortopedia, quatro amigos: Peter Etileno, Aldo Inox, Vitalino e Titanius. Peter, ou P. E., como gostava de ser chamado, era de origem humilde e não tinha sobrenome famoso; sua família era numerosa e muitos de seus parentes trabalhavam arduamente nas indústrias de descartáveis. Peter sonhava alto, querendo função na área de Medicina, mas tinha físico um tanto frágil, parecendo impossível suportar a pressão Peter Etileno que essa atividade exigiria... 12 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Aldo era nem pobre nem rico, mas vinha de uma estirpe nobre, os Inox; tal era o seu orgulho que, ao se apresentar, usava sempre a frase: “meu nome é Inox, Aldo Inox”. Aldo tinha boa aparência e um brilho todo próprio, mas era de personalidade um tanto sensível às influências dos outros... Dentre os amigos, Aldo era o mais velho, seguido por Vitalino. Vitalino Crobalto, cheio de experiência pelos anos vividos, era forte, podia passar por situações super hostis, dificilmente se desgastava. Por fim, havia Titanius... Ah, esse era de família rica, que dominava a indústria de aeronaves; além da fama de abonado, era o fortão da turma – fazia levantamento de peso com a maior facilidade e, apesar de robusto, era leve e rápido em seus exercícios. Titanius era extremamente sociável, dificilmente era encontrado só, estava sempre rodeado de amigos: Vanádil, Alumino, Niób... Aldo Inox Vitalino Titanius INTRODUÇÃO Os amigos se prepararam e foram trabalhar no hospital de referência da cidade, onde se encontraram. 13 14 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Despediram-se e tempos depois foram implantados segundo as técnicas mais apuradas, tendo cada um o seu destino: Peter, coitado, parece que foi irradiado por engano com raios gama e perdeu peso; por isso, durou só dois anos no paciente e acabou cedendo a vaga para um parente em melhor forma. Aldo teve melhor sorte: já completara dez anos implantado em uma senhora e estava muito bem na função. Em tempo, Vera ficou com o cinquentão, e está feliz porque é muito bem tratada, sem nenhuma rejeição. Vitalino aceitou a proposta e três médicos superexperientes em cirurgia de quadril usaram uma técnica denominada de recapeamento. Vitalino permanece implantado em uma jovem de 32 anos até hoje. Titanius, apesar da ótima condição financeira e porte físico, teve problemas: o atleta em que foi implantado insistiu em ter uma rotina pesada de exercícios e Titanius um dia se sentiu meio deslocado. Foi necessária cirurgia de revisão por uma equipe médica especializada, mas valeu a pena, pois o jovem atleta aprendeu a respeitar a presença de Titanius. Essa história foi criada a fim de ilustrar de modo descontraído que todos os materiais possuem características e limitações próprias, as quais determinam o uso mais indicado, e que qualidade deve acompanhar todo o ciclo de vida dos implantes. O presente manual não pretende dar ao leitor a ilusão de que exista um ciclo perfeito, pois, considerando-se que os implantes são materiais estranhos ao organismo, é muito difícil que não haja algum tipo de intercorrência decorrente de seu uso; todavia, o objetivo é fornecer informações que contribuam para se contornar a problemática e reduzi-la a limites toleráveis, propiciando segurança ao paciente. A obra abrange considerações sobre implantes ortopédicos em geral, mas utiliza como exemplo didático aqueles destinados à correção de quadril, dados a diversidade de materiais envolvidos em sua composição e o desafio intrínseco às cirurgias das articulações. CAPÍTULO 1 IMPLANTES E PRÓTESES ORTOPÉDICAS: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES GERAIS Os primeiros estudos sobre a possibilidade de implantar materiais no organismo humano remontam ao século XIX, quando foram testados os efeitos da introdução de fios metálicos em animais. Contudo, maior avanço foi obtido após as Grandes Guerras, pois os esforços para minimizar danos advindos delas funcionaram como estímulo à pesquisa de materiais para a fabricação de implantes (CHAVES, 2001). O termo “implantar” procede do latim in (em, dentro) e plantare (plantar). Implante, conforme definição de Ferreira (1999, p. 1083), refere-se à “matéria que é, de propósito, inserida ou implantada no hospedeiro e que pode ser orgânica (por exemplo, rim, dente etc.), ou inorgânica (por exemplo, válvula cardíaca [...])”. Os implantes são considerados biomateriais, que são assim definidos: “qualquer substância, exceto os medicamentos, que pode ser usada por qualquer período de tempo como parte de um sistema que objetive o tratamento ou a reposição de qualquer tecido, órgão ou função do corpo” (SILVEIRA; PEREIRA; AMADEI, 2004, p. 209). Segundo definição do FDA,1 são implantáveis os “produtos que são inseridos em cavidades do corpo, natural ou cirurgicamente 1 F.D.A. – Food and Drug Administration.. 16 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL criadas, e que são projetados para permanecer 30 dias ou mais no paciente” (WEBSTER, 1998, p. 40). No Brasil, a Anvisa define os implantes destinados à substituição definitiva, isto é, que não possuem indicação de retirada, em virtude da função que exercem, como “implantes permanentes” (BRASIL, 2008). Todos os implantes devem possuir registro na Anvisa para serem comercializados no País. O termo “prótese” deriva do grego pros (em lugar de) e tithemi (colocar), isto é, “para colocar em lugar de”. Indica ser uma peça que pode ser usada em substituição a um órgão interno ou externo do corpo (DEMAI, 2006). Ou, segundo Paciornik (1985), o termo indica a substituição de um órgão ou parte natural por uma peça artificial. Pode ainda ser definido como “substituto artificial de uma parte ou perdida acidentalmente (por exemplo, dente, braço), ou retirada de modo intencional, ou que, permanecendo no corpo, é de muito pouca ou nenhuma utilidade e pode produzir dano, por exemplo, uma artéria” (FERREIRA, 1999, p. 1654). As próteses podem ser utilizadas externamente, como aquelas destinadas a substituir uma perna ou mão; nesse caso, o ramo da bioengenharia que as estuda recebe a designação de ortopedia técnica (DEMAI, 2006). Por outro lado, podem ser introduzidas no organismo por meio de procedimento cirúrgico, como é o caso das próteses odontológicas e daquelas destinadas à substituição de ossos, recebendo nessas situações a designação de próteses implantáveis. As próteses ortopédicas podem ser destinadas à utilização em diferentes locais do corpo, como demonstrado na Figura 1. 1 ARTROPLASTIAS DE QUADRIL As próteses em questão prestam-se à substituição da articulação natural do quadril, cuja representação encontra-se na Figura 2. As técnicas cirúrgicas destinadas à substituição de articulações são denominadas de artroplastias. A artroplastia de quadril se encontra entre as intervenções cirúrgicas com alto índice de sucesso. IMPLANTES E PRÓTESES ORTOPÉDICAS: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES GERAIS ARTICULAÇÃO PARA MAXILAR QUEIXO ARTIFICIAL IMPLANTES ODONTOLÓGICOS ARTICULAÇÃO DE COTOVELO ARTICULAÇÃO DE DEDOS DAS MÃOS ARTICULAÇÃO DE QUADRIL ARTICULAÇÃO DE JOELHO LIGAMENTO ARTIFICIAL DE JOELHO PARAFUSOS PARA FIXAÇÃO DE FRATURAS ARTICULAÇÃO DE DEDOS D0S PÉS Figura 1 - Exemplos de utilização de próteses no corpo humano Fonte: Adaptada de CHAVES, 2001, p. 3. 17 18 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL COLUNA VERTEBRAL ILÍACO ACETÁBULO CABEÇA DO FÊMUR ILÍACO FÊMUR Figura 2 - Representação da articulação do quadril Fonte: CALLISTER Jr., 2008, p. 611. Ela é utilizada para recuperar a função da articulação quando esta é perdida por trauma, doença, ou para amenizar a dor decorrente de processo inflamatório crônico que não responde ao tratamento de medicamentos convencionais (DECHANDT, 2005). Todavia, como todo procedimento cirúrgico, a artroplastia oferece possibilidade de complicações, tais como (COHEN, 2007): - - 2 infecção: embora a taxa seja baixa (inferior a 1%2), não é nula; fenômenos tromboembólicos: o risco exige métodos de profilaxia física (meias elásticas, exercícios isométricos) e química (heparina de baixo peso molecular); N. E.: Taxa atingida com uso de antibiótico profilático iniciado na indução anestésica e mantido por 24h a 48h, associado à evolução da técnica operatória (COHEN, 2007). IMPLANTES E PRÓTESES ORTOPÉDICAS: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES GERAIS - - - instabilidade: risco inerente especialmente às cirurgias de revisão e aos casos em que o paciente não respeita as limitações impostas (não cruzar as pernas, sentar em assentos baixos, agachar-se ou praticar esportes radicais); lesões neurológicas: risco relativamente baixo (1% em cirurgias primárias). Podem ocorrer por trauma dos afastadores, posicionamento da perna durante o ato cirúrgico, hematoma pós-operatório, alongamento excessivo do membro inferior ou por fatores indeterminados. O prognóstico de recuperação depende da causa; fraturas: podem ocorrer no perioperatório ou tardiamente, exigindo acompanhamento radiográfico do paciente e correção específica, dependendo da causa e do osso afetado (acetábulo ou fêmur). Caberá ao cirurgião decidir se a artroplastia é a melhor opção para o paciente naquele momento. Algumas perguntas importantes a serem consideradas • A dor é suficiente para justificar uma cirurgia eletiva? • A expectativa de vida do paciente é razoável, ou o paciente ficará confinado a uma cama ou a uma cadeira de rodas após a cirurgia, por causa de alguma outra doença incurável? • Problemas inerentes a cirurgias em pacientes idosos foram considerados, especialmente doenças cardiopulmonares, infecções ou tromboembolismo? • O estado geral do paciente está bom o suficiente para tolerar uma importante operação, durante a qual poderá perder significativa quantidade de sangue (1000 ml a 1500 ml na artroplastia total)? • O quadro vascular periférico e neurológico – especialmente o da extremidade afetada – foi avaliado? • Foram identificados focos de infecção a distância (por exemplo, infecção urinária ou dentária)? Fonte: Adaptado de CRENSHAW, 1996; COHEN, 2007. 19 20 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL 2 TIPOS DE ARTROPLASTIA DE QUADRIL Concluída a indicação do processo operatório, caberá à equipe médica eleger a modalidade de artroplastia mais adequada. O sucesso das artroplastias de quadril dependerá em grande parte de escolher o procedimento certo para o paciente certo; na prática, isso quer dizer que as condições do paciente determinarão qual será o melhor procedimento. Resumidamente, a escolha levará em consideração a idade, o tipo de agravo (por exemplo, se é uni ou bilateral), a qualidade óssea e o nível de atividade física do paciente. Há quatro modalidades de artroplastia disponíveis: artroplastia parcial (hemiartroplastia), artroplastia total com cimento, artroplastia total sem cimento e artroplastia total híbrida. Cada opção de procedimento apresenta vantagens e desvantagens, por isso também a importância da experiência do cirurgião, que analisará cada caso individualmente. 2.1 Artroplastia parcial Na artroplastia parcial, também conhecida como hemiartroplastia, somente o fêmur é substituído, conservando-se o acetábulo; a fixação pode ser com ou sem cimento. Esse procedimento tem papel limitado no tratamento das afecções decorrentes da artrite reumatoide, já que não retira um dos focos inflamatórios, que permanece na superfície do osso acetabular. Está indicado para pacientes com sobrevida limitada – por exemplo, idosos com doenças terminais, pacientes com deambulação doméstica ou que não deambulam –, pois o tempo de vida deste tipo de implante é muito menor que o das artroplastias totais. A curta durabilidade deve-se principalmente à incongruência da cabeça substituta com o acetábulo nativo. Pode ser indicado em casos de tumores do colo e cabeça femoral em que houve grande perda de massa óssea; nesse caso, o implante recebe a designação de endoprótese. IMPLANTES E PRÓTESES ORTOPÉDICAS: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES GERAIS 2.2 Artroplastia total Na artroplastia total, a articulação artificial é formada por três componentes básicos: uma haste metálica, que é colocada dentro do canal femoral; uma esfera de metal ou de cerâmica; e o acetábulo, normalmente feito de metal com a região interna em polietileno de altíssima densidade (UHMPWE3), cerâmica ou metal, conforme mostra a Figura 3. ILÍACO CABEÇA DA HASTE COPO ACETABULAR AGENTE DE FIXAÇÃO HASTE FEMORAL AGENTE DE FIXAÇÃO FÊMUR Figura 3 - Elementos básicos de prótese de quadril: copo acetabular, cabeça da haste, haste femoral e agente de fixação Fonte: CALLISTER Jr., 2008, p. 612. Ultra High Molecular Weight Polyethylene. 3 21 22 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL A indicação para a artroplastia total é principalmente a dor incapacitante em pacientes mais idosos – de preferência com idade maior que 65 anos – nos casos em que o tratamento conservador não foi resolutivo, mas inclui outras situações, como observa-se no Quadro 1. Entende-se por tratamento conservador medidas tais como perda de peso, uso de medicamentos anti-inflamatórios, razoável restrição de atividades e o uso de uma bengala (CRENSHAW, 1996). Normalmente, casos de patologia bilateral dolorosa pressupõem a artroplastia, pelo menos em um dos lados. Embora algumas doenças sistêmicas graves constituam justificativa para realizar o procedimento em pacientes jovens, é pressuposto que, sempre que possível, o melhor será eleger outra opção que não sacrifique tanto as reservas ósseas. Com algumas exceções, possibilitar o adiamento da artroplastia total em pacientes jovens será sempre uma vantagem. Contraindicações à artroplastia total Independente da idade do receptor, há várias contraindicações à realização da artroplastia total de quadril (CRENSHAW, 1996; HEBERT et al., 2009): - - - - - - - doenças neurológicas progressivas; déficit da musculatura abdutora; artropatia neuropática; sepse articular recente ou em curso; imaturidade esquelética; infecção ativa de bexiga, pele, tórax ou qualquer outra região; processos que envolvam destruição óssea rápida (osteopenia progressiva generalizada, osteoporose localizada); - quantidade insuficiente de osso na pelve e no fêmur, o que impediria fixação dos componentes.44 4 N. E.: Aplicável a casos de tumores benignos e malignos de baixa agressividade, que tenham destruído quantidade considerável de osso, ou que exijam uma significativa ressecção óssea. IMPLANTES E PRÓTESES ORTOPÉDICAS: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES GERAIS Artrite • Reumatoide • Reumatoide juvenil (doença de Still) • Espondilite anquilosante • Doença articular degenerativa (osteoartrite hipertrófica) ∆ Primária ∆ Secundária - Deslizamento da epífise femoral capital - Luxação/Displasia congênita do quadril - Coxa-plana (Doença de Legg-Perthes) - Doença de Paget - Luxação traumática - Fratura do acetábulo - Hemofilia • Necrose avascular ∆ Pós-fratura ou luxação ∆ Idiopática ∆ Deslizamento da epífise femoral capital ∆ Hemoglobinopatias ∆ (anemia falciforme) ∆ Doença renal induzida pela cortisona ∆ Alcoolismo Doença de Caisson Lúpus ∆ Doença de Gaucher ∆ Não união, fraturas do colo femoral e trocantéricas com envolvimento da cabeça Artrite ou osteomielite piogênica • Hematógena • Pós-operatória Tuberculose Subluxação ou luxação congênita Fusão e pseudartrose do quadril • Insucesso de reconstrução • Osteotomia • Artroplastia da cúpula • Prótese da cabeça femoral de Girdlestone • Substituição total do quadril • Artroplastia de • Recapeamento (resurfacing) Tumor ósseo envolvendo o fêmur proximal ou acetábulo Distúrbios hereditários (p. ex., acondroplasia) ∆ ∆ Quadro 1 - Indicações para a artroplastia total do quadril Fonte: CRENSWAW, 1996, p. 503. 23 24 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL 2.2.1 Artroplastia total com cimento Neste tipo de artroplastia, a fixação da haste ao fêmur e do copo acetabular à pélvis é obtida por meio de um agente de fixação (cimento ósseo), normalmente o polimetilmetacrilato (PMMA). Idealizado por Charnley em 1958, esse procedimento permanece como padrão na artroplastia total de quadril graças a avanços conseguidos nas técnicas de preparo do cimento, aperfeiçoamentos dos formatos dos implantes e das técnicas de preparo do receptáculo ósseo. É especialmente indicado para pacientes com idade fisiológica maior que 65 anos e quando a cortical femoral é fina e osteoporótica, o que tornaria a fixação por osteointegração improvável. Por outro lado, pacientes jovens, de porte físico robusto e alto nível de atividade são especialmente suscetíveis a insucesso com esse tipo de prótese; a falha se deve em grande parte pela dificuldade da manutenção de uma interface osso-cimento estável (WEINSTEIN; BUCKWALTER, 2000). O PMMA, protagonizado por Charnley, é até hoje o cimento utilizado. Seu modo de ação não é baseado em “colagem”, uma vez que não possui propriedades adesivas; atua por ligação a superfícies ásperas, por interdigitação. Desempenha a função de material de enchimento para transferência de estresse da superfície dos componentes à superfície óssea, reduzindo a pressão por unidade de superfície (CRENSHAW, 1996; HEBERT et al., 2009). O sucesso do uso deste material deve-se em grande parte ao aperfeiçoamento das técnicas de cimentação: - Primeira geração: colocação manual (digital) do cimento sem plug ósseo; - Segunda geração: plug ósseo, lavagem pulsátil com cimentação retrógrada com pistola; - Terceira geração: centrifugação e mistura a vácuo do cimento, com redução da porosidade, pressurização e centralizadores. IMPLANTES E PRÓTESES ORTOPÉDICAS: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES GERAIS Lembretes importantes sobre implantes cimentados • Com fins de proporcionar maior sobrevida à artroplastia, o manto de cimento deve ser uniforme e prever espessura de: - componente femoral: mínimo de 2 mm; - componente acetabular: entre 2 a 5 mm. • Em tese, a adição de substâncias (antibióticos e sulfato de bário) diminui a resistência mecânica do cimento. Mas lembre: a queda da resistência não é significativa se a adição não ultrapassar: - 10% de sulfato de bário ou 2 g antibiótico/40 g cimento. Fonte: Adaptado de HEBERT et al., 2009. 2.2.2 Artroplastia total sem cimento Em meados de 1975, o idealizador da artroplastia com cimento, Charnley, alertou sobre a relação existente entre casos de falência asséptica e a presença do PMMA. Depois disso, outros estudos corroboraram o que foi chamado de “doença do cimento”, fomentando a busca por fixação sem uso do PMMA. Os relatos de elevadas taxas de insucessos das artroplastias cimentadas em pacientes jovens e ativos também impulsionaram o desenvolvimento dos procedimentos não cimentados. O fundamento da protetização sem cimento encontra-se no conceito de “fixação biológica”, ou seja, crescimento ósseo em direção ao implante. Consequentemente, a artroplastia sem cimento será contraindicada a pacientes com osteoporose ou que apresentem ou- 25 26 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL tras situações de má qualidade óssea que dificultem a osteogênese. Esse tipo de procedimento pode ser indicado a pacientes jovens e ativos e para casos de revisões de componentes cimentados que sofreram falhas. Existem próteses específicas para uso sem cimento, as quais são fabricadas com materiais e revestimentos apropriados, por exemplo, implantes à base de ligas de titânio ou de cromo cobalto revestidos com malhas metálicas porosas ou cobertura química de hidroxiapatita, fluoroapatita ou fosfato tricálcico. A inserção dessas próteses por fixação cimentada não é indicada, pois em eventuais revisões a retirada se torna dificílima, pela incrustação do cimento às porosidades. Lembretes importantes sobre implantes não cimentados • O uso dos implantes sem cimento prevê que a fixação da prótese é obtida pelo crescimento ósseo no interior de porosidades dos componentes metálicos (ingrowth ósseo). • Existe relação entre o tamanho das porosidades da superfície do implante com a qualidade do crescimento ósseo e capacidade de aderência. O tamanho ideal da porosidade é de 100 a 400 µm. Poros de tamanhos diferentes desta faixa induzem crescimento maior de tecido fibroso em detrimento de massa óssea (Adaptado de HERBERT et al., 2009). • Existe relação entre a estabilidade inicial do implante com a qualidade do crescimento ósseo e capacidade de aderência. Níveis de micromovimentação do implante sobre o osso maiores que 150 µm, induzem crescimento maior de tecido fibroso em detrimento de massa óssea (Adaptado de COHEN, 2007). • Comparativamente ao equivalente cimentado, o implante sem cimento requer maior precisão na seleção de tipos e tamanhos, na técnica cirúrgica e de instrumentação (Adaptado de CANALE, 2006). IMPLANTES E PRÓTESES ORTOPÉDICAS: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES GERAIS 2.2.3 Artroplastia total com prótese híbrida • A artroplastia com prótese híbrida prevê inserções cimentada do componente femoral e não cimentada da taça acetabular. • Foi introduzida por W. L. Harris no início da década de 80. As melhorias obtidas ao longo dos anos nas artroplastias cimentadas, especialmente no que se refere às técnicas de cimentação, redundaram em menor índice de soltura asséptica do implante femoral; no entanto, os problemas de soltura acetabular – não precocemente, mas em médio prazo (cerca de dez anos) – continuaram a ocorrer em número bem maior que naquele componente. Ademais, a constatação de complicações decorrentes da fixação não cimentada de hastes femorais, observadas em curto e médio prazos, e os resultados favoráveis obtidos a médio prazo dos componentes acetabulares não cimentados vêm estimulando o uso das próteses híbridas (ALENCAR et al., 1995; ALENCAR; ANACLETO; BOSCHIN, 2002). 2.2.4 Técnica de recapeamento (resurfacing) Alternativamente, a artroplastia total pode utilizar a técnica denominada recapeamento, ou resurfacing. Nesse procedimento, a prótese é composta de duas partes: uma superfície destinada a recobrir a cabeça do fêmur e uma peça para encaixe no acetábulo; a prótese é colocada somente no local afetado, que é a articulação, e não no canal do fêmur. Dessa maneira, a anatomia normal e a função biomecânica do quadril são preservadas em maior nível do que na artroplastia convencional, já que ocorre a remoção apenas de superfícies doentes da articulação. Embora ainda não seja considerada uma operação padrão, uma vez que vários formatos precedentes apresentaram taxas de fa- 27 28 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL lhas excessivamente altas, a proposta da prótese de recapeamento tem ressurgido. O advento da prótese de recapeamento metal-metal, que propicia uma alternativa para pacientes jovens, em virtude da resistência desses materiais, contribuiu para a retomada dessa técnica (CANALE, 2006). Todavia, deve-se levar em conta a qualidade de massa óssea do paciente ao se eleger essa técnica, pois há alto risco de fratura no caso de colo femoral fraco (osteoporose). Outra observação deve ser feita em relação à técnica cirúrgica, que deve ser apurada, não admitindo nem mesmo desvios mínimos do seu planejamento inicial (LAGE; FAGA, 2008). Segundo Canale (2006), a técnica de recapeamento é “feita apenas em um grupo selecionado de pacientes cuidadosamente analisados e em pouquíssimos centros”. CAPÍTULO 2 REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO A má qualidade das próteses contribui decisivamente para as falhas ocorridas nos tratamentos realizados por meio de implantes. Das seis causas de falhas elencadas no Quadro 2, três relacionam-se diretamente com a qualidade do implante: o projeto, a seleção do material e a fabricação. Projeto do implante Seção transversal insuficiente, esforços cíclicos associados à presença de regiões de alta concentração de tensões (entalhes, marcações em relevo, etc.). Fabricação do implante Presença de defeitos no material e no implante; falta de precisão dimensional. Seleção do material Material incompatível; propriedades físicas, magnéticas e mecânicas incompatíveis; sensibilidade do paciente. Procedimento cirúrgico Introdução de riscos, entalhes e deformação excessiva; danos pela utilizaçãode ferramentas impróprias; procedimento de iserção incorreto; escolha de implante inadequado; uso de materiais dissimilares. Quadro 2 - Causas mais comuns de falhas em implantes metálicos Fonte: AZEVEDO; HIPPERT Jr., 2002. (Continua) 30 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Reparação óssea Reparação lenta, que pode causar sobrecarga no material, afrouxamento em função à reabsorção óssea. Uso impróprio Acidentes com o paciente ou falta de informação sobre as restrições impostas com o uso do implante. Quadro 2 - Causas mais comuns de falhas em implantes metálicos (Conclusão) Fonte: AZEVEDO; HIPPERT Jr., 2002. A veracidade desses dados é comprovada pela prática, ao se observar que a péssima qualidade de alguns materiais e as deficiências em projetos têm obrigado alguns pacientes a passar por cirurgias de revisão num curto espaço de tempo. No Brasil, de 2002 a 2006 foram realizadas 6.754 cirurgias de revisão, das quais 5.031 de quadril (CAMINHA, 2006). A demanda excessiva de revisões tende a retardar o atendimento aos diversos pacientes que aguardam por uma primeira cirurgia, especialmente aqueles que dependem de financiamento do SUS (Quadro 3). Quadro 3 - Má qualidade x Disponibilidade de serviços REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO Portanto, o tema qualidade dos implantes deve receber atenção especial quando a questão é a durabilidade e a segurança durante todo o seu ciclo de vida. No Brasil, a pesquisa de materiais e projetos inovadores tem sido constante na comunidade acadêmica, mas, na prática industrial, grande parte das próteses fabricadas são reproduções de produtos consagrados no mercado internacional, dentre as quais algumas contam com aprimoramentos desenvolvidos no País. Os cuidados na escolha de matérias-primas, os requisitos de dimensões e desenhos exatos, bem como de técnicas precisas de implantação, demonstram que o tema “qualidade de próteses” é multidisciplinar. A fabricação envolve a bioengenharia e a armazenagem é intrinsecamente ligada a rígidos padrões sanitários, requerendo profissionais de áreas como enfermagem e medicina; a inserção da prótese requer recursos humanos nas áreas médicas, biomecânicas e de enfermagem. O acompanhamento pós-implante exige colaboração do paciente, que deve notificar ao ortopedista eventuais reações de dor, febre, edema de membros inferiores e dificuldade de articulação. Por outro lado, a orientação sobre as limitações que a prótese acarretará em seus hábitos cotidianos é de responsabilidade do profissional médico. A qualidade dos implantes é baseada no “tripé” apresentado na Quadro 4. Quadro 4 - “Tripé” da qualidade Fonte: SIMIONI, 2008. 31 32 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL 1 ESCOLHA DE MATERIAIS 1.1 Requisitos Conforme a Fundación Mapfre Medicina (1993), basicamente três requisitos são imprescindíveis para um material ser utilizado nos implantes ortopédicos: Resistência - Biocompatibilidade - Bioestabilidade Embora não exista nenhum material que apresente todas essas três características em termos absolutos, a busca por aperfeiçoamento é imprescindível, pois terá como resultado maior durabilidade do implante no paciente. Importante também é conhecer as limitações dos diversos materiais disponíveis, a fim de utilizá-los nas próteses mais indicadas (Quadro 5). Materiais Vantagens Desvantagens Exemplos Polímeros (teflon, nylon, polietileno, poliéster, PMMA, silicone, etc.). Elasticidade, fácil fabricação e baixa densidade. Baixa resistência mecânica, degradação com tempo. Suturas, artérias, veias, nariz, orelha, cimento, tendão, mandíbula, etc. Metais e ligas (aço inoxidável, 316, 316L, ligas de titânio e cobaltocromo). Alta resistência ao atrito, ao desgaste e ao impacto, alta energia de deformação inerte. Baixa resistência à corrosão, alta densidade, baixa biocompatibilidade, perda das propriedades com tecidos conectivos. Fixações ortopédicas (parafusos, placas, fios, etc) e implantes dentários. (Continua) Quadro 5 - Vantagens e desvantagens e as aplicações dos materiais cerâmicos, poliméricos e metálicos para implante Fonte: MENDES FILHO, 2006. REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO Materiais Vantagens Desvantagens Exemplos Cerâmicas (óxidos de alumínio, zircônio, de titânio porcelana, fosfato de cálcio, carbono, e vidros bioativos). Inerte, boa resistência a corrosão, boa biocompatibilidade, alta resistência a compressão. Dificuldade em fabricar, baixa elasticidade, alta densidade, baixa ductilidade. Prótese da bacia, dentes, válvulas, tendões, dispositivos transcutâneos, etc. Compósitos (cerâmica-metal, carbono-carbono, fosfato de cálcio-colágeno). Inerte, boa Falta de consistên- Válvula cardíaca resistência cia na fabricação artificial, junta de mecânica, boa deste material. joelhos, etc. biocompatilidade. (Conclusão) Quadro 5 - Vantagens e desvantagens e as aplicações dos materiais cerâmicos, poliméricos e metálicos para implante Fonte: MENDES FILHO, 2006. 1.1.1 Resistência Resistência mecânica: pode-se afirmar que um material é resistente se atinge o máximo de durabilidade sem perda da funcionalidade. Em implantes do quadril, a resistência mecânica é importante especialmente nos materiais que assumem protagonismo na função de suporte, por exemplo, o componente femoral. As ligas de titânio têm se destacado nesta função. Resistência ao desgaste: o contínuo movimento entre as superfícies das próteses articulares proporciona perda de material, definido por desgaste. Nas artroplastias totais de quadril, os principais mecanismos de desgaste são o abrasivo e o adesivo – o primeiro ocorre quando a superfície mais dura provoca sulcos no material mais mole, e o segundo, quando o material mais mole é transferido como uma película fina para cima da superfície mais dura (CANALE, 2006). Embora seja difícil prever o desgaste com precisão, simuladores de marcha em laboratório estimam qual será o desgaste após 33 34 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL determinado período de uso da prótese. Esses testes têm indicado que as ligas cromo-cobalto apresentam melhor resistência (ao desgaste), e titânio, o menor índice; aço inox demonstrou resultado intermediário (CHOHFI; KÖBERLE; REIS, 1997). Por meio da análise de implantes retirados de pacientes, pode-se medir o desgaste ocorrido in vivo, e assim verificar diferentes níveis de acordo com os materiais que compõem o par de atritos. Desgaste x Par de atritos: o atrito entre a cabeça femoral e o copo acetabular, a carga aplicada e os movimentos cíclicos contínuos a que são submetidas as próteses do quadril exigem cautela na escolha dos materiais que compõem o par de atritos. De um modo geral, titânio e suas ligas não são utilizados como cabeça femoral, indicando-se mais comumente aço inoxidável, cerâmica ou liga Cr-Co. O copo acetabular atualmente mais usado é o de polietileno; contudo, tendências de uso de copos de metal e de cerâmica têm sido crescentes. Os valores de desgaste variam em função do par de atritos escolhido, conforme demonstra o Quadro 6: Tipo de material x Taxas de desgaste in vivo Taça Cabeça Desgaste linear (mm/ano) Polietileno Aço inoxidável 0.1-0.3 (Polietileno) Polietileno Metal Co-Cr-Mo 0.1-0.3 (Polietileno) Polietileno Cerâmica Al2O3 0.05-0.15 (Polietileno) Metal Co-Cr-Mo Metal Co-Cr-Mo 0.003-0.01 (Co-Cr-Mo) Cerâmica Al2O3 Cerâmica Al2O3 0.003-0.01 (Al2O3) Quadro 6 - Taxa de desgaste linear em diferentes materiais utilizados na taça e na cabeça femoral na substituição total de quadril Fonte: SEMLITSCH; WILLERT, 1997. REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO 1.1.2 Biocompatibilidade A biocompatibilidade pode ser definida como a relação entre um material e o organismo de tal forma que ambos não produzam efeitos indesejáveis (SILVEIRA; PEREIRA; AMADEI, 2004). Em se tratando de implantes em que se deseja adesão, entre os quais estão as próteses ortopédicas, a biocompatibilidade abrange um significado ampliado: Neutralidade, mas não necessariamente inércia diante do organismo Portanto, o material implantado deverá ser quimicamente neutro para não provocar reações inflamatórias ou infecciosas, mas ativo o suficiente para proporcionar crescimento de tecidos em sua superfície e estabelecer uma interface contínua capaz de suportar as cargas que normalmente ocorrem no local da implantação (TADDEI, 2007). Obviamente, esse é um modelo inadequado para próteses em que não se deseja adesão, por exemplo, válvulas cardíacas. Para ser considerado biocompatível, um material deve passar por testes in vitro e in vivo, seguindo a norma ISO 10.933-1. Os testes in vitro envolvem método de contato direto e indireto com cultura de células, podendo utilizar osteoblastos para definir biocompatibilidade específica e outras linhagens de células para a biocompatibilidade em geral. Os testes in vivo envolvem cobaias animais e avaliam o comportamento dos tecidos adjacentes ao implante. Embora os testes apresentem limitações para prever resultados diante de um sistema tão complexo como o organismo humano, são os indicados como precursores ao uso das próteses no homem (TADDEI, 2007). 35 36 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Biocompatibilidade ideal = inocuidade + bioatividade diante do organismo 1.1.3 Bioestabilidade Bioestabilidade é a condição que permite que as superfícies do implante se mantenham estáveis química e fisicamente durante todo o seu tempo de duração, a despeito das condições adversas do meio orgânico. De um modo geral, a prótese deverá resistir a dois fatores: ambiente agressivo dos fluidos orgânicos e exigências mecânicas atuantes sobre articulações. Ambiente agressivo dos fluidos orgânicos: os fluidos presentes no interior do corpo humano constituem ambiente extremamente agressivo, caracterizado pela presença de eletrólitos (cloretos a 2%), pH da ordem de 7,6 à temperatura média de 36 ºC (ALVES; STAINER; BERGMANN, 2004). Em regiões com ferimentos e hematomas, o pH pode atingir valores próximos a 4 e 5 e, quando há infecções, pode tornar-se alcalino (TADDEI, 2007). Essas condições extremas favorecem a corrosão das superfícies das próteses por meio de processos químicos e eletroquímicos, os quais são desencadeados por íons tais como Cl-, Na+ e HCO3-, presentes no sangue e/ou células. A corrosão pelos fluidos orgânicos é um processo importante especialmente para os implantes metálicos e pode ser exemplificada pela degradação de panelas de alumínio causada pelo contato com meios aquosos agressivos contendo cloreto de sódio. O oxigênio do ar, ao combinar-se com o alumínio metálico, forma um filme de óxido protetor (Al2O3), que protege o metal. O íon cloreto, presente nos alimentos, compete com o oxigênio e, ao adsorver-se na superfície do alumínio, impede a reposição da camada protetora de óxido nos pontos em que ela foi rompida (VILLAMIL et al., 2002). REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO Similarmente, as próteses metálicas também poderão sofrer agressão em seu óxido protetor durante períodos longos de implantação ou quando houver falhas em sua estrutura; rompida esta camada, que é bastante fina, com cerca de 2 a 5 nm de espessura, o implante pode liberar íons e partículas; a rugosidade do implante aumenta, o que faz com que os níveis de desgaste também aumentem; a camada é reconstruída e novo desgaste ocorre, criando-se um ciclo denominado de desgaste oxidativo (BUFORD; GOSWAMI, 2004). Por exemplo, implantes constituídos pela ligas Ti-6Al-4V ou de cromo-cobalto podem liberar as formas ionizadas de V ou Cr, respectivamente; ligas de aço inoxidável, íons de cromo e níquel. A presença dessas formas ativas nos fluidos orgânicos, especialmente se a exposição for longa, é potencialmente danosa. Por exemplo, alumínio tem sido associado, mesmo que inconclusivamente, ao mal de Alzheimer, vanádio a problemas respiratórios, cromo exibe toxicidade, especialmente a forma hexacovalente. O desafio tem sido estabelecer a real correlação entre esses danos e os íons gerados de implantes, já que muitos deles provêm também de outras fontes, inclusive da alimentação e ambiente. Segundo Taddei (2007), os produtos de corrosão são os principais responsáveis pelo comprometimento da biocompatibilidade e, conforme Giordani et al. (2008), íons de cromo e níquel geralmente são responsáveis por grande parte das reações adversas e muitas vezes levam à substituição prematura do implante. Por outro lado, a resistência à corrosão pode ser incrementada e os níveis de íons reduzidos a níveis toleráveis, por meio de cuidados adequados durante todo o ciclo de vida dos implantes. Exigências mecânicas das articulações: as extremas e constantes cargas mecânicas exercidas sobre a prótese articular são desafios à sua integridade. O implante pode não resistir fisicamente e passar a liberar partículas no organismo, gerando reações inflamatórias bastante danosas. Partículas de polietileno são as principais causadoras de osteólise, que será discutida na seção 1.2.4 - Mate- 37 38 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL riais plásticos; fragmentos metálicos provocam uma impregnação tecidular denominada metalose. Metalose: conforme definição da Anvisa (2007a), “o termo [metalose] se refere ao processo de desgaste de prótese dentro do organismo humano e consequente necrose dos tecidos periprotéticos; é consequência da micro-movimentação do implante metálico, o que causa reação do organismo”. É uma intercorrência gravíssima na qual partículas metálicas induzem uma reação inflamatória que provoca perda de massa óssea e muscular, exigindo muitas vezes utilização de enxertos. Em alguns casos, o volume da metalose é tão grande que pode até mesmo ser inicialmente confundido com massa tumoral. 1.2 Materiais utilizados em implantes de quadril 1.2.1 História e evolução Historicamente, os materiais e métodos utilizados no tratamento de afecções do quadril são bastante diversificados (Quadro 7). 1.2.2 Panorama atual Atualmente, nas próteses de quadril são utilizados os materiais metálicos, cerâmicos ou poliméricos. Os elementos de suporte são geralmente projetados com ligas metálicas e os destinados à interposição, necessários para melhorar as condições mecânicas e de deslizamento, são normalmente de natureza plástica e, em menor escala, cerâmica. O tipo de material escolhido determinará maior ou menor desempenho biológico e mecânico, especialmente quando comparados as cerâmicas e os metais (Quadro 8). REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO (Continua) Quadro 7 - História e evolução das artroplastias de quadril Fonte: Adaptado de HEBERT et al., 2009; AZEVEDO et al., 2007; CRENSHAW, 1996. 5 6 7 Fáscia = lâmina de tecido conjuntivo que envolve os músculos. Pyrex® = vidro borossilicato resistente ao calor e a produtos químicos. Baquelite = polifenol. É o mais antigo polímero de uso industrial (1909) e atualmente é bastante utilizado em utensílios domésticos (cabos de panela) e componentes elétricos. 39 40 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Quadro 7 - História e evolução das artroplastias de quadril (Conclusão) Fonte: Adaptado de HEBERT et al.; 2009; AZEVEDO et al., 2007; CRENSHAW, 1996. 8 9 Vittalium® = liga de cobalto-cromo-molibdênio. Marca registrada de Howmedica®. PTFE = Politetrafluoroetileno ou Teflon®. REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO Quadro 8 - Desempenhos biológico e mecânico dos materiais bioativos, bioinertes e biotoleráveis Fonte: MENDES FILHO, 2006. 1.2.3 Metais Atualmente os metais mais utilizados nas próteses de quadril são as ligas à base de titânio, ligas ferrosas (aço inoxidável) e ligas à base de cobalto, pela alta capacidade de suportar cargas e contínuos movimentos, assim como de resistir à corrosão provocada pelo meio salino do organismo. No Quadro 9 são citados os diversos tipos de metais já utilizados em implantes. 41 42 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Quadro 9 - Histórico da utilização de metais em implantes ortopédicos Fonte: CHAVES, 2001. a) Ligas de titânio O titânio ocorre na maioria das rochas cristalinas, sempre combinado com outros elementos, e é o quarto metal mais abundante na natureza. Por não existir em sua forma livre e ser quimicamente muito reativo, apresenta custo de extração altíssimo e exige tecnolo- REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO gia complexa para industrialização. Compare a seguir os teores energéticos necessários para obtenção de diferentes materiais (CHAVES, 2001), nos quais o titânio se sobressai: Energia para obtenção do titânio puro = 16 X maior que a energia necessária para produção de aço = 1,7 X maior que a energia necessária para produção de alumínio O titânio puro é utilizado em implantes que não irão suportar altas cargas, tais como pontas de eletrodos, recipientes de marcapasso e implantes auriculares (CHAVES, 2001), sendo o metal de pureza comercial ASTM grau 2 geralmente o escolhido para estas aplicações (COUTINHO, 1992). O titânio é tão resistente à corrosão por soluções cloradas que é matéria-prima para equipamentos utilizados na fabricação de cloro e é praticamente imune diante do meio agressivo constituído pelos fluidos orgânicos. A razão principal para essa resistência é a presença de uma camada invisível de óxido de titânio que se forma na superfície do metal. Esse óxido é estável e impermeável, o que confere elevado poder de proteção. Comparativamente ao aço inoxidável e às ligas Cr-Co, o titânio possui melhor biocompatibilidade e maior resistência à corrosão, mas resistência mecânica menor, o que o torna inadequado para uso em implantes de quadril na sua forma pura. Por meio da adição de elementos de liga e de processamento termomecânico, o titânio passa a apresentar propriedades mecânicas melhoradas. A resistência se torna semelhante e o módulo de elasticidade menor que os valores encontrados nas ligas a base de cobalto e de aço inoxidável, características que permitem seu uso em implantes de quadril (CHAVES, 2001). O módulo de elasticidade resultante é bastante próximo do encontrado no osso cortical. Ademais, o titânio na forma de liga apresenta alta relação resistência – peso, o que propicia conforto ao paciente. 43 44 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Diversas são as ligas à base de titânio utilizadas em implantes de quadril, dentre as quais se destacam as ligas Ti-6Al-4V, Ti-6Al-7Nb, Ti-15Zr-4Nb-4Ta-0,2Pd, Ti-15Sn-4Nb-2Ta-0,2Pd e Ti-35Nb-7Zr-5Ta. A liga de titânio mais utilizada em implantes é a liga Ti-6Al-4V (% em peso). Esta combinação surgiu em 1959 na antiga União Soviética e desde então vem sendo bastante empregada em hastes femorais. Destaca-se por apresentar excelente relação entre propriedades mecânicas e trabalhabilidade. Esta liga passou por um aperfeiçoamento durante a década de 1970, que resultou na versão ELI (extra-low-intersititials10), propiciando próteses com tenacidade mais constante que aquela constatada nas ligas precursoras (CHAVES, 2001). Contudo, há divergências sobre os efeitos desta liga no organismo, em decorrência da presença de vanádio e alumínio. Para Chohfi, Köberle e Reis (1997), quando associado ao alumínio e vanádio, o titânio é o metal que provoca menor reação no organismo, desde que não sofra desgaste. Chaves (2001), contudo, cita a toxicidade do vanádio ao sistema respiratório e a instabilidade termodinâmica da sua forma oxidada, constante na superfície dos implantes. O vanádio é pouco absorvido pelo sistema gástrico, mas, se inalado, especialmente no caso de trabalhadores da indústria, é bastante danoso para os pulmões, podendo até comprometer seu funcionamento. Novas ligas foram então desenvolvidas, substituindo-se o metal por nióbio, como na liga Ti-6Al-7Nb. Desenvolvida na Europa a partir de 1985, esta liga foi aprovada pelo FDA em 1987 para uso como biomaterial. Outro material apresentado como opção foi a liga Ti-5Al-2,5Fe. Quanto ao alumínio, algumas pesquisas apontam sua relação com o Mal de Alzheimer, já que foi constatada presença do metal em tecidos próximos ao cérebro de pacientes afetados. Apesar de não haver comprovação de relação do uso da prótese contendo alumínio com a doença, o fato impulsionou o aparecimento de ligas sem o metal, tais como Ti-15Zr-4Nb-4Ta-0,2Pd, Ti-15Sn-4Nb-2Ta-0,2Pd e 10 Baixíssimos teores de elementos intersticiais. REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO Ti-35Nb-7Zr-5Ta (% em peso) (CHAVES, 2001). As ligas de titânio isentas de alumínio e vanádio representam uma segunda geração de materiais, que foram produzidas a partir da década de 90. Uma restrição importante às ligas de titânio é seu uso nos componentes que formam o par de atritos, pois, embora extremamente duro, o metal possui pouca resistência à abrasão; por esta razão, cabeças femorais de titânio (e suas ligas) não são apropriadas. Por outro lado, hastes femorais do material têm sido utilizadas com bastante sucesso. b) Aço inoxidável Atualmente as ligas inoxidáveis são bastante utilizadas em implantes ortopédicos. Comparativamente às demais ligas metálicas utilizadas com este fim, as inoxidáveis são produzidas em maior escala no Brasil e possuem preço mais acessível. Contudo, dentre os aços em geral, são consideradas nobres e de valor elevado, podendo custar cerca de dez vezes mais que o aço carbono. Veja no Quadro 10 definições básicas de aços: Aço liga composta de ferro e de 0,1% a 1,5% em massa do elemento carbono. Aço carbono é aquele em que as proporções de elementos adicionais, ou seja, além de ferro e carbono, são pequenas Aços ligados ou especiais aços que contêm elevados teores de elementos adicionais (Mo, Ni, Cr, etc.) Aço inoxidável é um aço especial que contém teores mínimos de 1012% de Cromo em sua composição Quadro 10 - Definições básicas de aços Fonte: VILLAMIL et al., 2002. Concluindo: Aço inoxidável = Liga ferrosa, baixo carbono, com no mínimo 12% de Cr 45 46 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Elementos de liga para aços inoxidáveis em implantes: a resistência do aço inoxidável à corrosão dependerá basicamente da microestrutura da liga e de sua composição química: o aço mais resistente à corrosão úmida é o de estrutura austenítica. No aspecto químico, um alto teor – cerca de 13% – de cromo é imprescindível para evitar corrosão; isto é explicado pelo fato de que, em contato com o ar, os metais constituintes do aço formam uma camada de óxido que funciona como filme protetor dos meios orgânicos; neste processo, o óxido de cromo superficial é o principal responsável pela resistência à corrosão. Outros elementos de liga também são importantes, por exemplo, molibdênio e níquel: o primeiro, quando em quantidades acima de 2%, torna o filme protetor mais resistente em meios salinos, e o segundo mantém a estrutura austenítica do aço. Por isso, as ligas mais utilizadas nos implantes possuem quantidades incrementadas do elemento cromo e apresentam níquel em sua composição (Quadro 11): Aço inoxidável Metal 316L (% em massa) F138 (% em massa) ISO 5832-9 (% em massa) Cr 16,60 17,60 20,70 Ni 10,40 14,20 9,94 Mo 2,11 2,08 2,50 N 0,078 0,021 0,32 Mn 1,40 1,94 4,09 P 0,039 0,023 0,014 S 0,025 0,023 0,005 C 0,025 0,002 0,015 Si 0,012 0,26 0,33 Nb – – 0,28 Fe (complemento para (complemento para (complemento para 100% em massa) 100% em massa) 100% em massa) Quadro 11 - Composição química dos elementos de liga (em % de massa) de aços inoxidáveis empregados em implantes ortopédicos Fonte: VILLAMIL et al., 2002. REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO Filme protetor dos aços inoxidáveis: a camada de óxidos formada na superfície do aço possui volatilidade praticamente nula, alta resistividade elétrica, difícil transporte catiônico, boa aderência, boa plasticidade, baixa solubilidade e pequena porosidade. É importante que este filme seja mantido totalmente íntegro para que os níveis de liberação de íons sejam reduzidos a teores não nocivos. Havendo corrosão ou riscos, a camada é rompida e quantidades maiores de íons Cr +6, Cr +3 e Ni +2 são liberadas no organismo, podendo causar efeitos tóxicos locais e sistêmicos. Entre os quais é possível ocorrer inflamações nos tecidos adjacentes à interface osso-implante, além de processos alérgicos. O níquel é sabidamente bastante alergênico a uma grande parcela da população. Atualmente, os constantes aprimoramentos têm permitido a obtenção de ligas de aço inoxidável com filmes cada vez mais estáveis e resistentes à corrosão. Tipos de aços inoxidáveis: dentre os aços inoxidáveis destinados aos implantes, o 316L é utilizado desde 1970, mas vem gradativamente sendo substituído por ligas mais resistentes, tais como a denominada F138, surgida em 1992. No entanto, o aço inoxidável mais recomendado atualmente é o ISO 5832-9, que, entre outros aprimoramentos, apresenta nitrogênio em maior percentagem com fins de estabilizar a fase austenítica, reduzindo o teor de níquel. Essa redução é interessante diante do potencial alergênico do metal. c) Ligas de cobalto As ligas de cobalto são utilizadas em implantes desde a década de 30, inicialmente naqueles destinados à odontologia e depois nos usados na ortopedia. O grande limite de resistência à corrosão e a alta resistência à fadiga fazem destas ligas uma boa alternativa para utilização em reconstrução de juntas. Outra razão para isso é que seu grau de dureza permite supor menor desgaste ao atrito. Se comparadas ao aço inoxidável 316L, as ligas de cobalto apresentam maior resistência à corrosão e melhor desempenho mecânico, mas são mais caras que aquele e, segundo Chohfi, Köberle e Reis (1997), 47 48 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL a reação dos tecidos que ficam em contato com o metal indica melhor biocompatibilidade do que a encontrada com as ligas de aço. Tipos de ligas de cobalto: uma das ligas mais utilizadas nos implantes é a Co-Cr-Mo (F75 - ASTM), também conhecida como vittalium; a liga Co-Cr-Mo forjada (F799 - ASTM) é um aperfeiçoamento da precursora vittalium, apresentando maior resistência mecânica e à fadiga que aquela em função do processo de forjamento. Outra liga destinada a implantes é a forjada Co-Cr-W-Ni (F90 - ASTM), que apresenta em sua composição o tungstênio e o níquel, com finalidade de melhorar as condições de fabricação. Filme protetor das ligas de cobalto: a boa resistência à corrosão em ambientes com cloretos é um fato e se deve à formação, em sua superfície, de Cr2O3. Contudo, assim como nos implantes de aço alguns íons são potencialmente tóxicos, as formas ionizadas de cobalto e de cromo o são nestas ligas. Os implantes de cromo-cobalto sujeitos à corrosão podem: - liberar a forma hexavalente do cromo, a qual é rapidamente convertida à forma trivalente, no interior das células sanguíneas (MERRITT; BROWN, 1995); - propiciar exposição do organismo a partículas metálicas e a produtos de corrosão, como o ortofosfato de cromo, que é um potente ativador de macrófagos/ monócitos e por isso contribui para reações de osteólise e soltura asséptica (LEE et al., 1997). Os produtos de degradação podem atuar nos tecidos periprotéticos e/ou ser transportados para locais distantes do implante, gerando, respectivamente, reações locais e/ou sistêmicas: nos tecidos adjacentes podem ocorrer reações inflamatórias e imunológicas; nos sítios distantes, a toxicidade tem sido alvo de recentes pesquisas em andamento (KEEGAN; LEARMONTH; CASE, 2008). REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO Uso de ligas CR-CO em próteses metal-metal: próteses metal-metal são aquelas nas quais o par de atritos envolve apenas metais. Elas constituem uma alternativa para diminuir as partículas de PE advindas do desgaste dos implantes metal-PE. Em contrapartida, estas próteses geram íons e partículas metálicas em maior quantidade do que aquela advinda da prótese metal-PE. Por isso, é importante explanar ao paciente acerca do risco-benefício e dos resultados dos pares de atritos mais indicados para seu caso. As ligas de cobalto têm sido bastante utilizadas nesse tipo de implante, graças à alta resistência ao desgaste. Contudo, é fato que nenhum material metálico é isento de liberar íons ou partículas no organismo, especialmente quando utilizado em implantes de longo prazo e naqueles que se destinam a substituir juntas. Isso se comprova ao se comparar níveis de cromo e cobalto em pacientes implantados e em pessoas sem o implante: medições de cromo no soro e na urina e de cobalto no soro demonstraram aumentos consideráveis nos pacientes implantados, destacadamente com próteses do tipo ME-ME resurfacing. Embora a importância toxicológica das alterações dos traços metálicos advindos de implantes ainda não tenha sido bem estabelecida, é recomendável monitorar os níveis de cromo e cobalto por meio de dosagens sanguíneas e/ou de urina, que servirão inclusive como parâmetros para avaliação tribológica do par de atritos metal-metal (JACOBS et al., 1996). 1.2.4 Materiais plásticos Dentre os materiais plásticos, o polietileno é um dos mais utilizados nas indústrias alimentícia, química e médica. É a matéria-prima de escolha para os implantes. Como sugere o nome, o polietileno é formado a partir da polimerização do etileno: Em que n = 10.000 ou mais unidades. 49 50 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL a) Polietileno de altíssima densidade (UHMPWE) A denominação “polietileno” é genérica e abrange um grupo de materiais que apresenta composição química semelhante, porém com diferenças estruturais que lhes conferem propriedades mecânicas distintas (CAMPBELL, 1987). Diferentes pesos moleculares encontrados nesses polímeros resultam em diferentes características físicas e utilizações: PEs de baixa densidade são utilizados em sacolas, embalagens diversas (sacos de leite, garrafas de água); o polietileno de altíssima densidade (UHMPWE) possui cadeias extremamente longas e peso molecular geralmente entre 2 e 6 milhões; é bastante resistente a impactos, de coeficiente de fricção muito baixo, e é o que apresenta menor desgaste por abrasão, sendo o PE de escolha para implantes ortopédicos. O UHMPWE começou a ser produzido em escala industrial na década de 1950 e vem sendo utilizado em implantes desde os anos 60. b) Polietileno x Osteólise A osteólise – que é citada como uma das principais causas de soltura de próteses – pode ter seu mecanismo de produção assim entendido (Quadro 12): Quadro 12 - Mecanismo de produção da osteólise REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO Embora partículas de metal e cimento possam produzir osteólise, as partículas de PE possuem o maior potencial osteolítico, por serem normalmente mais numerosas e apresentarem menor tamanho que aquelas. “Maloney, Smith e Schmalzreid detectaram em membranas de componentes femorais cerca de um bilhão de partículas de PE por grama de tecido, sendo a maioria delas menores de um micron” (CANALE, 2006). As partículas de PE menores que esse tamanho são facilmente ingeridas por macrófagos, desencadeando mediadores que induzem à osteólise. Por outro lado, partículas maiores de 10 micra não sofrem fagocitose; em vez disso, são envolvidas por células gigantes e os corpos resultantes permanecem aparentemente inertes. Em função de suas características, o uso do UHMPWE irá propiciar menor osteólise se comparada aos demais tipos de polietileno. A despeito de o fator desgaste ser preocupante e exigir monitoramento, o PE é o material utilizado na maioria das próteses totais de quadril. 1.2.5 Cerâmicas As cerâmicas são quimicamente bastante estáveis e por isto dificilmente causam reações adversas no organismo, sendo incluídas entre os materiais mais biocompatíveis utilizados em implantes. Diferentemente das ligas metálicas, as cerâmicas não formam em sua superfície as camadas de óxidos. Os materiais cerâmicos apresentam baixo coeficiente de atrito e alta dureza, o que os torna interessantes para uso nas próteses de quadril. Graças a essas características e à inércia química (compatibilidade tribológica), as cerâmicas podem apresentar taxas de desgaste em deslizamento menores do que aquelas observadas no par de atritos metal-metal, além de serem livres da corrosão. O seu uso no par de atritos suprime o desgaste de PE e elimina o risco da ionização metálica. Contudo, quando comparadas aos materiais metálicos, um 51 52 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL aspecto problemático das cerâmicas é sua baixa resistência mecânica e tenacidade à fratura, já que apresentam alto módulo de elasticidade, o que caracteriza os materiais quebradiços (CHOHFI; KÖBERLE; REIS, 1997). Essa baixa tenacidade pode não ser adequada para as solicitações em serviço, bem como ocasionar dificuldade de fabricação nas diferentes formas e possibilidade de fratura em pequena escala, que pode levar a um mecanismo de desgaste severo (HUTCHINGS, 2000). Por isso, as cerâmicas não são usadas em elementos de suporte (componente femoral), mas sim nos elementos de articulação (par de atritos). Outra utilização das cerâmicas é em camadas que revestem substratos metálicos com fins de facilitar a fixação do implante ao osso. Dentre os materiais cerâmicos mais aplicados estão a alumina, a zircônia e a hidroxiapatita. A alumina alfa (Al2O3-α) apresenta alta resistência ao desgaste, alta dureza, baixo ângulo de molhamento, que propicia bom filme lubrificante, diminuindo ainda mais o coeficiente de atrito. Durante sua fabricação, esse material apresenta habilidade de ser polido com alto acabamento superficial. A zircônia (ZrO2) não existe na natureza como óxido puro e deve ser extraída a partir de badeleíta e da zirconita. Por meio da utilização de processos fabris diversos e de estabilização, obtém-se uma cerâmica de propriedades excelentes, tais como alta resistência química e à fratura (AZEVEDO et al., 2007). Cabeças femorais elaboradas com estes materiais vêm sendo utilizadas com bastante sucesso, embora sejam de custo bastante elevado, principalmente em função do alto preço dos equipamentos e das operações de produção. A hidroxiapatita é um componente natural do organismo, constituindo a fase mineral do osso. Quando utilizada em implantes, participa ativamente na ligação óssea, ligando-se fortemente ao osso periprotético; em ortopedia essa característica é explorada no recobrimento de próteses metálicas, com fim de facilitar a osteointegração entre o osso e o metal, permitindo aliar as vantagens intrínsecas das biocerâmicas com a resistência do metal. REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO 2 CARACTERÍSTICAS BIOMECÂNICAS O conhecimento da biomecânica é essencial para o sucesso das cirurgias de implantes ortopédicos. Entender as forças atuantes nos ossos, musculatura e articulações, bem como conhecer a mecânica do implante escolhido possibilitará (CANALE, 2006): 1) efetuar o procedimento corretamente; 2) tratar os problemas gerados no durante e pós-cirúrgico; 3) selecionar os materiais de maneira inteligente; 4) instruir o paciente acerca de suas atividades físicas. As forças que agem sobre implantes destinados a substituir articulações são bastante intensas e apresentam biomecânica bastante diferente daquela dos utilizados para fixação óssea (parafusos, placas). Enquanto esses se prestam ao tempo de consolidação óssea, aqueles devem permanecer intactos sob alta pressão por muitos anos (CANALE, 2006). Será necessário escolher a prótese de desenho mais condizente com as características do candidato ao implante. Outro diferencial dos implantes articulares, especialmente os destinados a artroplastias de quadril, é a necessidade de aplicação de conceitos da tribologia.11 A operação satisfatória de articulações, como a do quadril humano, demanda uma baixa força de fricção. No entanto, sempre que duas superfícies se movimentarem uma em relação à outra, ocorrerá desgaste, sendo que este poderá ser definido como um prejuízo mecânico a uma ou às duas superfícies, geralmente envolvendo perda progressiva de material. Em muitos casos, o des11 É a ciência e tecnologia da interação de superfícies em movimento relativo, que incorpora o estudo da fricção, lubrificação e desgaste (HUTCHINGS, 2000). 53 54 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL gaste é prejudicial, levando a um aumento contínuo da folga entre as partes que se movimentam ou a uma indesejável liberdade de movimento e perda de precisão. A seleção de materiais de boas propriedades tribológicas, isto é, materiais que desenvolvam pequena fricção, apresentem grande inércia física e química e alta dureza, entre outras características, não é trivial, se forem considerados custo, peso, dificuldade de fabricação ou propriedades mecânicas (HUTCHINGS, 2000). Portanto, um implante durável exige o conjunto: Desenho exato + Parr de atritos tribologicamente adequado 3 TÉCNICA CIRÚRGICA Os cuidados durante a cirurgia são decisivos para a durabilidade dos implantes, pois um procedimento exato irá minimizar casos de desgaste prematuro e uma consequente revisão antes do prazo previsto (RICON Jr., 2008). Um bom exemplo é o cuidado que o cirurgião deve ter para evitar contato entre as ferramentas cirúrgicas e implantes metálicos, pois isto minimiza a possibilidade de riscos no material e da consequente corrosão localizada (FONSECA; PEREIRA; SILVA, 2005). Este tipo de corrosão ocorre quando o risco provoca rompimento da camada protetora de óxido (VILLAMIL et al., 2002), como a seguir descrito: Ocorrência de riscos no implante metálico – camada protetora rompida – corrosão por pites (corrosão localizada). REQUISITOS DE QUALIDADE PARA O IMPLANTE ORTOPÉDICO Em uma artroplastia total do quadril, o cirurgião segue basicamente os seguintes passos (VASCONCELLOS, 2006): 1) planejamento pré-cirúrgico: por meio de chapas radiográficas, estimam-se quais serão o tamanho e tipo mais adequado da prótese a ser utilizado no paciente; 2) abordagem cirúrgica realizada lateralmente, iniciando com preparo do leito acetabular; 3) limpeza e fresagem do leito acetabular, que retira cistos e partes moles até atingir tecido ósseo sadio e bioativo; 4) colocação da taça acetabular sobre o leito acetabular. Essa operação é feita por pressão manual; 5) preparo do canal do fêmur e colocação da haste femoral, utilizando ou não cimento para fixação; 6) colocação da prótese seguindo angulação predeterminada por meio de exames radiográficos; 7) acompanhamento radiográfico após implante. A cirurgia de implantes de quadril é um procedimento de alta complexidade e deve ser realizada por profissional médico habilitado e que preferencialmente possua experiência na realização de artroplastias. 55 CAPÍTULO 3 QUALIDADE, EFICÁCIA E SEGURANÇA VERSUS CICLO DE VIDA DO IMPLANTE A qualidade do implante está intrinsecamente associada à sua durabilidade, o que significa que existem etapas pelas quais ele deverá passar mantendo o mesmo padrão de desempenho e eficácia, além de permanecer seguro até o fim de sua vida útil. Entende-se por implante eficaz aquele que cumpre o objetivo para o qual foi concebido, isto é, apresenta o desempenho atribuído pelo fabricante e executa as funções por este especificadas. Ele deverá ser resistente o suficiente para funcionar, apesar das condições adversas do meio orgânico; se houver qualquer alteração nas características e desempenho, deverá ser em um grau que não afete o estado clínico e a segurança dos pacientes, durante todo o período previsto de uso. Um implante seguro pode ser definido como “aquele que é projetado e fabricado de forma que seu uso não comprometa o estado clínico e a segurança dos pacientes, operadores e outros, quando utilizados nas condições e finalidades previstas” (BRASIL, 2001a). No entanto, é importante entender que a segurança deve ser um objetivo a ser seguido durante todo o ciclo de vida do implante, indo além dos limites fabris. Ela deverá ser responsabilidade compartilhada entre todas as partes envolvidas, por meio da busca da “garantia da segurança” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, WHO − 2003), segundo estes princípios: 58 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL 1) a segurança é relativa, especialmente por se tratar de um material estranho ao organismo, o que torna impossível a garantia de segurança absoluta; 2) todas as fases deverão ser acompanhadas de gerenciamento de riscos (análise, avaliação e controle dos riscos);12 3) a segurança correlaciona-se estreitamente ao desempenho e à eficácia. Logo, o desempenho seguro e eficaz do produto implantável se correlaciona com as fases do seu ciclo de vida. A obtenção de um implante seguro e eficaz exige conhecer as etapas que compõem todo o seu ciclo de vida, bem como cooperação dos respectivos atores responsáveis (Quadro 13). Quadro 13 - Ciclo de vida x Segurança e eficácia de um implante ortopédico Fonte: Adaptado de LUZ NETO, 2007. 1 CICLO DE VIDA DO IMPLANTE Segundo a OMS, o ciclo de vida de um dispositivo médico envolve sete etapas (Quadro 14). Fabricante, vendedor e usuário seriam os atores responsáveis pelas fases. 12 Risco é definido, na RDC n. 67/2009, como a combinação da probabilidade de ocorrência de um dano e da gravidade de tal dano (BRASIL, 2009b). QUALIDADE, EFICÁCIA E SEGURANÇA VERSUS CICLO DE VIDA DO IMPLANTE Usuário Fabricante Vendedor Quadro 14 - Ciclo de vida de um dispositivo médico Fonte: WHO, 2003. Com base no preconizado pela OMS, mas considerando as especificidades dos implantes ortopédicos, pode-se estabelecer o seguinte ciclo de vida (Quadro 15): Quadro 15 - Ciclo de vida de um implante ortopédico Fonte: Adaptado de LUZ NETO, 2007. 2 ATORES RESPONSÁVEIS E RESPECTIVAS ATRIBUIÇÕES Tendo pleno conhecimento das etapas do ciclo de vida do implante, devem-se identificar com clareza quais são os responsáveis respectivos, definir as responsabilidades de cada um e requerer sua cooperação. Não basta, por exemplo, técnica cirúrgica apurada se o serviço 59 60 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL hospitalar não oferecer estrutura adequada para realizar o procedimento; ou prótese de qualidade se o paciente não se adaptar às limitações por ela impostas. É o nível de equilíbrio entre as partes envolvidas que possibilitará maior ou menor sucesso do implante. Os “atores” responsáveis pela execução do ciclo de vida de um implante são: fabricante/ importador, distribuidor, unidade hospitalar, equipe médica e paciente. 2.1 Fabricantes Segundo definição constante na RDC n. 59 (BRASIL, 2000a), o fabricante é qualquer pessoa que projeta, fabrica, monta ou processa um produto acabado, incluindo terceiros autorizados ou habilitados para esterilizar, rotular e/ou embalar, e importadores. A seguir, são descritas as atividades executadas pelos projetistas, fabricantes, importadores, os quais compõem a cadeia de fabricação dos implantes. Projeto: é o “desenho” técnico do implante segundo os princípios da biomecânica, elaborado por profissionais das áreas de engenharia – engenheiros de projeto –, com acompanhamento de profissionais da área médica. Sendo um procedimento de desenho aplicado à engenharia, é pressuposto domínio de muitos conhecimentos na mecânica dos materiais e de tecnologia industrial (FRANKEL; BURSTEIN, 1973). O projeto é indispensável não só por causa dos aspectos legais, mas também em função das exigências técnicas, pois, sem planejamento, controle do programa e análise crítica rigorosa do projeto, é virtualmente impossível fabricar uma prótese sem cometer erros ou deixar de lado aspectos importantes (WEBSTER, 1998). O projetista deve apresentar domínio tecnológico ao desenvolver a prótese, a fim de assegurar qualidade e segurança (THOMAZ, 2006). Dentro de uma perspectiva industrial, existem três situações que exigem execução de projeto, conforme Quadro 16. O planejamento e execução dos projetos são tarefas complexas em virtude das muitas áreas e atividades que devem ser cobertas. QUALIDADE, EFICÁCIA E SEGURANÇA VERSUS CICLO DE VIDA DO IMPLANTE Quadro 16 - Situações que exigem desenvolvimento de projeto Fonte: WHO, 2003. Algumas das atividades-chave são (BRASIL, 2000a; WEBSTER, 1998): 1) fazer uma análise de viabilidade previamente ao projeto, a qual deve considerar a necessidade médica do produto e a viabilidade técnica dentro da estrutura da empresa, quando se tratar de produto com novos materiais; 2) atender aos regulamentos e normas – especialmente ao disposto no item C do apêndice I da RDC n. 59; 3)integrar as áreas de engenharia de produção e de desenvolvimento, a fim de evitar redesenhos por fabricação; 4) desenvolver especificações: definir “o que” é requerido, mas não “como” atingi-lo, dando flexibilidade ao engenheiro de desenvolvimento; 5) transformar o desenho em modelo físico para testes (protótipo) com base nas especificações. Os resultados dos testes devem ser incluídos em uma revisão final do projeto; 6) desenvolver e aprovar embalagens, rótulos e instruções de uso; 7) desenvolver especificações dos processos de fabricação, entre outras; 61 62 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL 8) elaborar o Registro Histórico do Projeto, contendo a compilação de registros do histórico completo do projeto de cada produto acabado. Concluído o projeto, é responsabilidade do fabricante elaborar o Registro Mestre do Produto (RMP), ou seja, a compilação de registros contendo os desenhos completos do produto, sua formulação e especificações, os procedimentos e especificações de fabricação e de compras, os procedimentos e requisitos do sistema de qualidade e os procedimentos do produto acabado relativos à embalagem, rotulagem, assistência técnica, manutenção e instalação. Fabricação: de posse do RMP, o fabricante-importador encaminha a petição de registro ao órgão de Vigilância Sanitária responsável, a Anvisa, incluindo comprovação de registro no país de origem, no caso de prótese importada. Após aprovação e publicação do número de registro em Diário Oficial, dá-se início às atividades de produção. As etapas de fabricação dos implantes variam bastante em função da natureza dos materiais constituintes, mas podem ser basicamente assim compreendidas: usinagem (Figura 4 A, B e C), torneamento (nas cabeças femorais, taças acetabulares − Figura 5 A, B e C), polimento, eletropolimento e passivação (os dois últimos nos metais), limpeza, marcação individual, embalagem, rotulagem, esterilização, prensagem e sinterização (os dois últimos nas cerâmicas). A B C Figura 4 A, B e C - Maquinários destinados a usinagem Fonte: Biomecânica Ind. e Com. de Produtos Ortopédicos Ltda, 2009. QUALIDADE, EFICÁCIA E SEGURANÇA VERSUS CICLO DE VIDA DO IMPLANTE B A C Figura 5 A, B e C - Equipamentos destinados a torno Fonte: Biomecânica Ind. e Com. de Produtos Ortopédicos Ltda, 2009. Durante todo o processo produtivo, o fabricante deverá possuir um Sistema de Qualidade implementado, com fins de resguardar a segurança e qualidade da prótese antes de efetuada a venda. Esse Sistema de Qualidade deverá garantir que os requisitos da RDC n. 59 (BRASIL, 2000a) sejam atendidos e requererá que o fabricante desenvolva, conduza, controle e monitore os processos de produção para assegurar que o dispositivo final esteja em conformidade com suas especificações. Os registros referentes a cada etapa fabril deverão ser efetuados ao longo do processo e, posteriormente, compor o Registro Histórico de Produto (RHP). Identificação de materiais e produtos: é necessário haver rigor na identificação dos materiais utilizados na fabricação bem como dos dispositivos acabados. Sendo as próteses ortopédicas pertencentes à classe III (alto risco), o fabricante deverá utilizar um número de controle, que deverá constar no RHP e em cada unidade, lote ou partida. A marcação individual deverá apresentar número de série, lote ou partida, de forma indelével na própria peça. A identificação deve abranger: a) b) c) d) nome ou marca do fabricante; designação do material, ou símbolo pertinente; código rastreável; designações de tipo e tamanho, se aplicável. 63 64 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Entre os vários processos de marcação dos implantes encontram-se a gravação eletrolítica e a gravação a laser (Figura 6); esta última é grandemente utilizada e possibilita marcação permanente e indelével (THOMAZ, 2006). Figura 6 - Gravação a laser Fonte: THOMAZ, 2006. Passivação e repassivação: na superfície das próteses metálicas ocorre formação de um filme de óxidos, tais como TiO e CrO, que funciona como barreira cinética, inibindo a corrosão subsequente e mantendo a liberação de íons em níveis toleráveis pelo organismo. Esse filme, também chamado camada passivadora, forma-se espontaneamente pela exposição da superfície metálica ao ar. Por meio do tratamento denominado passivação, essa camada de formação espontânea pode ter sua espessura e homogeneidade incrementadas durante a fabricação do implante, aperfeiçoando suas características protetoras (GIORDANI et al., 2008). Evidentemente, o filme passivo deve ser cuidadosamente preservado durante toda a produção e demais etapas do ciclo de vida do implante, pois o seu rompimento redundará em corrosão localizada. Algumas situações que podem romper o filme passivador e trazer sérios prejuízos ao paciente são: a) riscos e ranhuras advindos de manuseio ou armazenagem incorretos: são bastante prejudiciais e sua presença determina a não utilização do implante; b) processos de marcação: muitos processos destinados a identificar o implante rompem o filme (por exemplo, na marcação a laser); o tratamento denominado repassivação irá refazer a camada danificada (GIORDANI et al., 2008). QUALIDADE, EFICÁCIA E SEGURANÇA VERSUS CICLO DE VIDA DO IMPLANTE Esterilização: os implantes devem passar por processos de esterilização devidamente validados e permanecer adequadamente embalados, com fins de preservar esta qualidade e evitar processos infecciosos no paciente. Comumente, os implantes ortopédicos são esterilizados por produtos químicos (óxido de etileno) ou por radiação gama, por meio de procedimentos controlados e escolhidos conforme o tipo de material a ser esterilizado. Implantes de PE são esterilizados por OE, pois a esterilização por radiação gama em ambiente atmosférico proporciona oxidação; a oxidação do polímero, seja antes da implantação ou in vivo, diminui o seu peso molecular, contribuindo para o aumento da taxa de desgaste (CANALE, 2006). Não se deve confundir com o processo de irradiação gama utilizada em fabricação dos implantes, que é feita sob vácuo e que, sob rigoroso controle, proporciona ligações cruzadas (crosslink), trazendo maior resistência à peça. Testes e ensaios: são diversos os testes e ensaios a serem realizados nos implantes. O fabricante deverá efetuar testes e inspeções nos materiais (ensaios horizontais) e nos produtos finais (ensaios verticais), e manter registro dos resultados encontrados. Os ensaios deverão ser efetuados durante o recebimento, processo e na fase final de fabricação. Durante a fabricação de implantes de quadril, o fabricante deverá providenciar ensaios de diversas naturezas, como os indicados nos Quadros 16 e 17: Ensaios químicos Constituição metálica nos materiais de Ti, aço inoxidável e ligas de Co. Ensaios microscópicos classificação de microestrutura em ligas de titânio. Ensaios físico-químicos Determinação do teor de cinzas em UHMWPE. Ensaios mecânicos Resistência à tração em UHMWPE e em materiais metálicos. Quadro 16 - Ensaios destinados a materiais Fonte: Dados da pesquisa. (Continua) 65 66 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Ensaios físicos Determinação de densidade do UHMWPE; ensaios de fadiga; ensaios de resistência à corrosão. Ensaios dimensionais Determinação de rugosidade, diâmetro e forma. (Conclusão) Quadro 16 - Ensaios destinados a materiais Fonte: Dados da pesquisa. Todos os testes deverão seguir o preconizado em normas técnicas (ASTM, ABNT-ISO). Normalmente não são realizados dentro da empresa fabricante, mas sim em laboratórios especializados, tais como CCDM/UFSCar13 e INT14 (ANVISA, 2007b). Tipo de análise Normas técnicas Fadiga de hastes femorais de prótese de quadril sem torção NBR ISO 14396-1 ou ASTM F 1440 Fadiga colo-cabeça de hastes femorais de quadril sem torção NBR ISO 7206-6 Fadiga associada à corrosão por atrito da região colo-cabeça das hastes femorais de quadril sem torção ASTM F 1875 Fadiga de hastes femorais de prótese de quadril com torção NBR ISO 7206-4; ASTM F 1612 Quadro 17 - Ensaios destinados aos produtos finais (implantes) Fonte: Dados da pesquisa. 2.2 Importadores Somente será autorizada a importação e utilização do implante, após serem atendidos os requisitos de que tratam a Resolução RDC 13 14 Centro de Caracterização de Desenvolvimento de Materiais da Universidade Federal de São Carlos. Instituto Nacional de Tecnologia. QUALIDADE, EFICÁCIA E SEGURANÇA VERSUS CICLO DE VIDA DO IMPLANTE n. 350/2005 da Anvisa, no tocante à obrigatoriedade de registro, cadastro, autorização de modelo, ou qualquer outra forma de controle que venha a ser regulamentada pela Anvisa (BRASIL, 2005; SILVA, 2006). Caberá ao importador (BRASIL, 2005): - a obrigação pelo cumprimento e observância das normas regulamentares e legais, medidas, formalidades e exigências ao processo administrativo de importação relacionada, em todas as suas etapas, desde o embarque no exterior até a liberação sanitária no território nacional, incluindo a obrigação de adotar medidas idôneas, próprias e junto a terceiros contratados para a importação do implante, que evitem ou impeçam prejuízo à saúde; - o cumprimento das Boas Práticas nas operações vinculadas ao transporte, movimentação e armazenagem dos implantes, bem como a responsabilidade pelas informações exigidas prestadas na importação. Alguns requisitos importantes são: - autorização da Anvisa para a empresa importadora (AFE contendo atividade de importação); - comprovação de registro sanitário no país de origem; - apresentação de Registro Mestre do implante; - rotulagem contendo tradução para o idioma português, dos dados exigidos pela legislação brasileira. 2.3 Distribuidores À distribuidora compete executar várias atribuições, como estas: - Conferência: inspeção para verificação da integridade das embalagens e dos dizeres de rotulagem, seguida dos res- 67 68 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL pectivos registros em formulários padronizados. A rotulagem deverá seguir o disposto na RDC n. 185 (BRASIL, 2001b), devendo incluir: lote ou número de série, indicação de uso único, nome do responsável técnico, número de registro na Anvisa, entre outros itens listados no apêndice III.B da referida norma. Informações constantes no rótulo e nas instruções de uso deverão estar no idioma português (Ver apêndice III – O “figurino” do implante). - Rastreabilidade: a distribuidora deverá possuir registros que possibilitem rápida localização dos hospitais e clínicas que adquiriram os implantes por ela fornecidos. A exatidão dos dados será fundamental para eventuais recolhimentos e a existência de recurso informatizado adequado tornará todo o processo bastante rápido. Procedimentos de recolhimento deverão ser registrados e comunicados à Vigilância Sanitária municipal ou estadual e à Anvisa (ver item Procedimento de rastreabilidade, p. 71). - Armazenagem correta: durante o ciclo de vida da prótese, possivelmente será a distribuidora a responsável pelo maior tempo de armazenagem, devendo haver esmero neste quesito, conforme descrito na seção 2.6. 2.4 Unidade hospitalar e equipe médica É de responsabilidade da unidade hospitalar a correta armazenagem dos implantes em locais que ofereçam proteção contra fontes de contaminações biológicas, físicas, químicas e radioativas. Adicionalmente, outros requisitos são imprescindíveis dentro do contexto hospitalar: a) necessidade de que a unidade hospitalar apresente estrutura física, equipamentos e corpo funcional aptos a realizar o procedimento; QUALIDADE, EFICÁCIA E SEGURANÇA VERSUS CICLO DE VIDA DO IMPLANTE b) cuidados com a desinfecção do centro cirúrgico, preparo dos profissionais e do paciente, a fim de evitar processos infecciosos; c) cuidados na escolha do tamanho adequado dos materiais, em especial da cabeça femoral, por meio da utilização de moldes; d) afixação das etiquetas de rastreabilidade no prontuário do paciente, com fins de rastreamento do produto em caso de desvios de qualidade. Compete à equipe médica, especialmente ao cirurgião ortopédico, escolher o implante a ser utilizado. O tamanho e a forma óssea determinarão a dimensão, a forma e o tipo de implante. A seleção deverá ser rigorosa, devendo ser cada caso avaliado individualmente, segundo parâmetros de idade, qualidade óssea e grau de atividade física do paciente: - - Pacientes jovens: a pacientes jovens – 20 a 30 anos – com boa qualidade óssea, alguns cirurgiões têm indicado próteses metal-metal ou cerâmica-cerâmica, diminuindo a possibilidade de osteólise advinda do uso de polietileno, já que nessa faixa etária é esperado maior nível de atividade e, consequentemente, maior desgaste. Ainda para essa faixa etária, alguns cirurgiões têm optado pela técnica de “recapeamento” (resurfacing), em que há maior preservação de massa óssea comparativamente às artroplastias convencionais (RICON Jr., 2008); no entanto, o resurfacing exige técnica extremamente apurada, não sendo admitidos nem mesmo pequenos desvios no posicionamento de seus componentes (LAGE; FAGA, 2008). Pacientes idosos: especialmente se o paciente não pratica atividades físicas ou apresenta limitações de movimentos, as próteses metal-PE podem ser indicadas. 69 70 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Apresentando debilidade óssea – osteoporose, muito comum em pacientes idosos –, normalmente são escolhidas próteses cimentadas, com fins de compensar a deficiência de fixação biológica. 2.5 Usuário do implante (paciente) As condições do paciente influenciarão diretamente na durabilidade do implante, sendo destacadas: - Condições fisiológicas: quanto melhor a qualidade óssea do paciente, maior será a capacidade de o organismo promover a osteointegração, isto é, crescimento ósseo na superfície da prótese, contribuindo para a fixação desejada (Figura 7). Embora exista formação de hematoma na superfície de inserção do implante e uma parte do osso seja afetada pelo procedimento cirúrgico, ocorrerá restauração progressiva dos tecidos. 5 2 3 7 6 1 4 1 4 1 4 Figura 7 - Representação esquemática do processo de osteointegração Fonte: VAN NOORT, 1987 apud CHAVES, 2001. Legenda: 1) Implante, 2) Hematoma, 3) Osso danificado, 4) Osso saudável, 5) Hematoma transformando-se em osso novo, 6) Cicatrização óssea por des- e remineralização, 7) Novo osso saudável. - Condições comportamentais: quando em atividades moderadas, o quadril é submetido a cargas bastante expressivas (Quadro 18): QUALIDADE, EFICÁCIA E SEGURANÇA VERSUS CICLO DE VIDA DO IMPLANTE Atividade Caminhada (devagar) Caminhada (normal) Caminhada (rápida) Subir escadas Descer escadas Subir uma rampa Descer uma rampa 4,9 4,9 7,6 7,2 7,1 5,9 5,1 Quadro 18 - Valores médios máximos de forças atuantes no quadril durante uma série de atividades. Fonte: FONSECA; PEREIRA; SILVA; 2005. Nota: Deve-se multiplicar o valor pela massa do corpo (Kgf). Quando o paciente levanta peso, salta ou corre, as forças de contato aumentam significativamente, chegando a dez vezes seu peso corporal (CANALE, 2006). Essas forças contribuem significativamente para afrouxar, entortar ou quebrar os componentes das próteses de quadril, em especial a haste do componente femoral. As demandas quanto aos quadris de um operário são maiores que em um trabalhador sedentário (Adaptado de CRENSHAW, 1996, p. 502). Um sistema artificial de articulação dificilmente aguenta atividades suportadas pelo quadril saudável, por isso é pressuposto que o paciente deverá adaptar o seu estilo de vida a sua nova realidade. O profissional médico deverá conscientizar o paciente sobre as limitações consequentes. Entre outras orientações, certamente o controle rígido de peso e a moderação nas atividades físicas minimizarão a possibilidade de revisões prematuras. 71 72 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL 2.6 Responsabilidades aplicáveis a todos Instalações físicas: as instalações devem ser inspecionadas e autorizadas pela Vigilância Sanitária, apresentando fluxo, materiais de acabamento e equipamentos adequados, que facilitem a limpeza e organização durante os processos. Armazenagem: os estabelecimentos devem manter procedimentos escritos e registros das atividades de armazenamento, seguindo as especificações do fabricante e a legislação vigente, e sob condições que garantam a manutenção da identidade, integridade, qualidade, segurança, eficácia e rastreabilidade dos produtos. Os implantes ortopédicos devem ser armazenados de forma ordenada em locais que ofereçam proteção contra poeiras e sujidades. Devem ser armazenados segregados de produtos e substâncias que possam afetar sua qualidade. Os invólucros não devem ser dobrados e nem envolvidos com elásticos, barbantes, a fim de evitar rompimentos na embalagem e consequente comprometimento da esterilização. Materiais violados, vencidos ou com qualquer outra condição que impeça sua utilização devem ser identificados quanto a sua condição e destino. Produtos identificados como em desacordo com os requisitos exigidos devem ser segregados para posterior destinação e realizada notificação das pessoas ou organizações responsáveis pela não conformidade. Instrumentais utilizados para artroplastias, tais como pinças, frezas, moldes de testes, igualmente devem receber cuidados de armazenagem e manutenção. Treinamento: os estabelecimentos devem estabelecer procedimentos para identificar as necessidades de treinamento e se assegurarem de que todo pessoal seja treinado para desempenhar adequadamente as responsabilidades atribuídas (LOWERY; STROJNY; PULEO, 1996). Registros devem ser gerados para evidenciar os treinamentos. Qualificação de fornecedores: cuidados com a procedência dos materiais e serviços são imprescindíveis, o que exige que os estabelecimentos qualifiquem seus fornecedores e contratados. Devem existir critérios padronizados para a avaliação, listagem dos fornece- QUALIDADE, EFICÁCIA E SEGURANÇA VERSUS CICLO DE VIDA DO IMPLANTE dores e contratados qualificados, e evidência documental do processo de aprovação. Ações corretivas: quaisquer falhas devem ser documentadas e executadas as respectivas ações corretivas e de melhoria contínua, também registradas. Suporte técnico: durante o ciclo de vida do produto, deve haver suporte técnico quanto a questões e problemas dos usuários. Procedimento de rastreabilidade Rastreabilidade é a capacidade de traçar o histórico, a aplicação ou a localização de um item por meio de informações previamente registradas (Norma ISO 8402/94). O processo de rastreabilidade deve ser: • rápido e eficaz • seguro e confiável • informatizado Por meio da rastreabilidade é possível: - - identificar as matérias-primas e componentes utilizados na confecção da prótese (origem e qualidade dos materiais); localizar e rever todas as operações de fabricação e inspeção praticadas durante sua produção (histórico do processo); identificar a localização das unidades fabricadas: pontos de distribuição e pacientes implantados; montar banco de dados de monitoramento permanente, desde que a rastreabilidade seja utilizada como instrumento de notificação aos órgãos de vigilância; 73 74 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL - proceder a recolhimento em casos de desvios, e à notificação do usuário, no caso de prótese já implantada. A legislação brasileira, por meio da Resolução RDC n. 59, de 25 de agosto de 2008, estabelece que os implantes ortopédicos permanentes apresentem marcação individual na própria peça, bem como etiqueta de rastreabilidade inclusa na embalagem (BRASIL, 2008): Nome Fabricante Número de lote de fabricação Número de registro na Anvisa Quando efetuada a cirurgia de implantação, a equipe médica deverá afixar a etiqueta no prontuário do paciente, garantindo a rastreabilidade durante toda a vida útil do implante. Todas as instituições envolvidas no processo (fabricante, importador, distribuidor, hospital) deverão manter registros informatizados que permitam agilidade no rastreamento. É imprescindível também que assegurem que qualquer fornecimento seja acompanhado de documentação fiscal. Caso o fabricante ou importador de um produto não sejam identificados, o comerciante poderá ser responsabilizado pela reparação de danos decorrentes de defeitos (CDC,15 art. 13). Processo de recolhimento: todo produto não conforme representa sério risco e deve ser imediatamente recolhido. A não conformidade, que deveria ter sido detectada durante os controles realizados na produção, deverá ter sua origem rigorosamente investigada; após identificação da causa, ações corretivas e de melhoria contínua deverão ser implementadas pelo fabricante. A Anvisa deverá ser notificada sobre o recolhimento. 15 Código de Defesa do Consumidor. CAPÍTULO 4 NORMATIVAS SOBRE O ASSUNTO 1 LEGISLAÇÃO SANITÁRIA BRASILEIRA Os implantes ortopédicos envolvem tecnologia de alta complexidade e possuem padrões de referência essencialmente técnicos. É evidente que, quanto mais complexo o produto, menor é a capacidade de avaliação por parte do usuário e maior é a necessidade da análise de um especialista. A avaliação do consumidor é subjetiva e, claro, insuficiente, e a do especialista é técnico-científica (LIMA, 1993). A Vigilância Sanitária é um dos agentes capacitados a avaliar produtos e processos médicos de forma especializada. Para tanto, baseia-se nos Códigos Sanitários de Saúde e nas demais legislações sanitárias das esferas municipal, estadual e federal. Considerando-se o direito do consumidor, os Códigos Sanitários devem atender aos princípios da saúde pública e garantir a inocuidade dos produtos, sua qualidade e eficácia. Portanto, a Vigilância Sanitária atua alicerçada em bases legais com finalidade de assegurar o direito do consumidor de receber produtos seguros, eficazes e que atendam às especificações de qualidade, inclusive àquelas que não são identificáveis pelo usuário. No Brasil, diferentes motivos, de ordem técnica, mercadológica ou política, têm impulsionado a intensificação da regulamentação farmacêutica, comparativamente a outras áreas (PINTO; KANEKO; OHARA, 2000). Contudo, a normatização referente aos produtos para 76 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL a saúde também vêm apresentando evolução gradativa. Na década de 70, já se fazia menção às Boas Práticas de Fabricação e Controle dos produtos de interesse à saúde, por meio da Lei Federal n. 6.360 (BRASIL, 1976). Contudo, foi nos últimos dez anos que o país sofreu mudança positiva na fabricação de produtos para saúde. Essa transformação deve-se principalmente à publicação das Resoluções RDC n. 59 (BRASIL, 2000a) e RDC n. 185 (BRASIL, 2001b) pela Anvisa. 1.1 Resolução RDC n. 59-00 – Anvisa A RDC n. 59 estabelece a implantação compulsória de um Sistema Gestão de Qualidade e de Boas Práticas de Produtos Médicos, cujo objetivo é regularizar o setor, proporcionando confiabilidade e segurança aos usuários finais. Essa Resolução descreve os requisitos fundamentais que o fabricante precisa cumprir, os quais são divididos basicamente em seis elementos: a) b) c) d) e) f) fábrica e imediações; pessoal; limpeza e sanitização; equipamentos e utensílios; processos e controles; armazenamento e distribuição. As BPF têm seus objetivos atendidos quando esses elementos estão incorporados em todo o sistema (THOMAZ, 2006). 1.2 Resolução RDC n. 185-01 – Anvisa A Resolução RDC n. 185, publicada em 22 de outubro de 2001 e republicada em 6 de novembro do mesmo ano, trata de produtos médicos nos seguintes aspectos: NORMATIVAS SOBRE O ASSUNTO a) registro, alteração, revalidação e cancelamento de registro na Anvisa; b) informações constantes nos rótulos e nas instruções de uso (manuais, prospectos); c) classes de risco. As regras para classificação baseiam-se em grau de risco à saúde dos consumidores, pacientes, operadores ou de terceiros envolvidos e permitem enquadrar os produtos médicos em quatro classes: I, II, III e IV, em ordem crescente de risco. Essa classificação substitui a anteriormente aprovada pela Anvisa, que adotava as classes 1, 2 e 3. Esta RDC estabelece que produtos médicos implantáveis e produtos médicos invasivos cirurgicamente de uso em longo prazo enquadram-se na Classe III, exceto no caso de se destinarem: a) a ser colocados nos dentes; nesse caso, pertencem à Classe II; b) a ser utilizados em contato direto com o coração, sistema circulatório central ou sistema nervoso central; nesse caso, pertencem à Classe IV; c) a produzir um efeito biológico ou a ser absorvidos, totalmente ou em grande parte, neste caso pertencem à Classe IV; d) a sofrer uma transformação química no corpo ou administrar medicamentos, exceto se forem destinados a ser colocados nos dentes; nesse caso, pertencem à Classe IV. Tendo em vista que as próteses implantáveis são pertencentes à categoria “Produtos para a saúde – materiais e artigos implantáveis”, é possível concluir a seguinte classificação para os implantes ortopédicos: 77 78 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Implantes ortopédicos = classe III = produtos de alto risco Produtos de alto risco Produtos que, por necessitarem do emprego de procedimentos e técnicas especiais de produção, bem como de cuidados ou precauções em seu uso ou aplicação, representam alto risco intrínseco à saúde de seus usuários, seja paciente ou operador (BRASIL, 1994). 1.3 Demais normas sanitárias - - - - Resolução RDC n. 59 (BRASIL, 2008): discorre sobre o agrupamento em famílias ou sistemas de implantes ortopédicos para fins de registro. Lei 6.360 (BRASIL, 1976): dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos, e dá outras providências; Decreto 79.094 (BRASIL, 1977a): regulamenta a Lei n. 6.360/76, que submete a Sistema de Vigilância Sanitária os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, correlatos, cosméticos, produtos de higiene, saneantes e outros; Portaria MS n. 2.043 (BRASIL, 1994): institui o sistema de Garantia da Qualidade de produtos correlatos; RDC n. 331 (BRASIL, 2002): autoinspeção para prorrogação da Certificação de Boas Práticas de Fabricação de Produtos Médicos; NORMATIVAS SOBRE O ASSUNTO - - RDC n. 97 (BRASIL, 2000b): define e caracteriza o termo “grupo de produtos” e suas aplicações; RDC n. 25 (BRASIL, 2009a): estabelece a exigência do certificado de Boas Práticas de Fabricação para registro de produtos enquadrados nas classes de maior risco (III e IV); RDC n. 67 (BRASIL, 2009b): dispõe sobre normas de tecnovigilância aplicáveis aos detentores de registro de produtos para saúde. 2 OUTRAS NORMATIVAS 2.1 Conselhos de Classe O Conselho Federal de Medicina (CFM) estabeleceu normas para a utilização de materiais de implante dentro dos serviços hospitalares, por meio do Manual de boas práticas de recepção de materiais de implante em centro de materiais, aprovado pela Resolução CFM n. 1.804, de 9 de novembro de 2006. Uma das considerações efetuadas nessa normativa é a importância de se oferecer, tanto aos médicos como aos pacientes, uma possibilidade tangível e inequívoca de conhecer o implante utilizado e sua origem e, em caso de falhas, poder identificá-lo. Em 25 de outubro de 2010, foi publicada a Resolução CFM n. 1.956/2010, que disciplina a prescrição de materiais implantáveis, órteses e próteses e determina arbitragem de especialista quando houver conflito. Por meio desta norma, fica proibido ao médico assistente requisitante exigir fornecedor ou marca comercial exclusivos. No entanto, a norma permite que o profissional requisitante, quando julgar inadequado ou deficiente o material implantável, bem como o instrumental disponibilizado, proceder à recusa e oferecer à operadora ou instituição pública pelo menos três marcas de produtos de fabricantes diferentes, quando disponíveis, regularizados com a Anvisa e que 79 80 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL atendam às características previamente especificadas. Caso persista a divergência entre o médico assistente requisitante e a operadora ou instituição pública, deverá, de comum acordo, ser escolhido um médico especialista na área, para a decisão. 2.2 Normas técnicas O Código de Defesa do Consumidor declara em seu artigo 39, inciso VIII, que, na ausência de normas específicas expedidas pelos órgãos oficiais competentes, os fornecedores deverão seguir as normativas da ABNT ou de outra entidade credenciada pelo Conmetro. No Quadro 19, algumas das normas específicas para implantes ortopédicos, publicadas pela ABNT (2008). Titulo Identificação Orientação sobre cuidado e manuseio de implante NBR-ISO 8828 Requisitos gerais para marcação, embalagem e rotulagem NBR-ISO 6018 Requisitos gerais NBR-ISO 14630 Aço inoxidável conformado NBR-ISO 5832-1 Titânio puro NBR-ISO 5832-2 Liga conformada de titânio 6-alumínio 4-vanádio NBR-ISO 5832-3 Liga fundida de cobalto-cromo-molibdênio NBR-ISO 5832-4 Liga conformada de cobalto-cromo-tungstênio-níquel NBR-ISO 5832-5 Liga conformada de cobalto-níquel-cromo-molibdênio NBR-ISO 5832-6 Liga forjada e conformada a frio de cobalto-cromo-níquel-molibdênio-ferro NBR-ISO 5832-7 Liga conformada de cobalto-níquel-cromo-molibdênio-tungstênio-ferro NBR-ISO 5832-8 Aço inoxidável conformado de alto nitrogênio NBR-ISO 5832-9 Liga conformada de titânio 5-alumínio 2,5-ferro NBR-ISO 5832-10 Liga conformada de titânio 6-alumínio 7-nióbio NBR-ISO 5832-11 Liga conformada de cobalto-cromo-molibdênio NBR-ISO 5832-12 Tântalo puro para aplicações em implantes cirúrgicos NBR-ISO 13782 Quadro 19 - Testes e normas técnicas respectivas Fonte: AZEVEDO; HIPPERT Jr., 2002. 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WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO. Medical device regulations: global overview guiding principles. Genebra: WHO, 2003. 89 APÊNDICE I A PROCEDÊNCIA DO IMPLANTE: PASSO A PASSO PARA VERIFICAÇÃO DA AFE NO SITE DA ANVISA Tão importantes quanto a qualidade dos materiais utilizados no implante são as condições de higiene e de estrutura física das instalações responsáveis por seu fornecimento. No Brasil, existem protocolos legais rígidos sobre o assunto, que, se seguidos constantemente, possibilitarão ao fabricante entregar ao mercado implantes produzidos de acordo com as Boas Práticas de Fabricação (BPF). Vale ressaltar que importadoras e distribuidoras também se caracterizam como fornecedores, devendo seguir normas legais específicas. A legislação sanitária brasileira estabelece que os fornecedores (fábricas, importadoras e distribuidoras) só poderão funcionar quando autorizados pelo Ministério da Saúde e licenciados pelo órgão sanitário da unidade federativa em que se localizam – Lei Federal n. 6.360/76 MS (BRASIL, 1976). Hospitais e clínicas são isentos da autorização federal, contudo, devem apresentar o licenciamento local. Os documentos que representam tais autorizações são respectivamente: AFE − AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO DE EMPRESA Numeração expedida pela Anvisa AFE publicada em Diário Oficial da União (DOU) 92 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL LS – LICENÇA SANITÁRIA MUNICIPAL OU ESTADUAL Expedida pelo município ou unidade federativa16 onde a empresa se localiza Estas autorizações são concedidas após vistoria realizada pelos técnicos da Vigilância Sanitária e atendimento pela Empresa de normas sanitárias aplicáveis, incluindo a verificação das Boas Práticas de Fabricação segundo a Resolução RDC n. 59/00 da Anvisa. Os estabelecimentos integrantes da administração pública independem de licença para funcionamento, contudo ficam sujeitos às exigências pertinentes às instalações, aos equipamentos e à aparelhagem adequados e à assistência e responsabilidade técnicas − Lei Federal 6.360/76 ms (BRASIL, 1976). Tenha em mãos: razão social ou CNPJ da empresa. Siga os passos: 1. www.anvisa.gov.br 2. No link Proteção à Saúde, escolha a opção Produtos para a Saúde. 3. Dentro de Produtos para a Saúde, escolha a opção Serviços. 4. Dentro de Serviços, clique em Consulta a Banco de Dados - Empresas Autorizadas a Funcionar e siga orientações para busca. Quadro 20 - Passos para identificação da AFE – Autorização de Funcionamento de Empresa – na Anvisa17 Fonte: Dados da pesquisa. 16 17 Em localidades onde a Vigilância Sanitária ainda não é municipalizada. Denúncias de empresas não autorizadas devem ser encaminhadas à Anvisa ou às Vigilâncias Sanitárias municipais ou estaduais. APÊNDICE II A “IDENTIDADE” DO IMPLANTE: PASSO A PASSO PARA VERIFICAÇÃO DO REGISTRO NO SITE DA ANVISA Assim como o número de RG (Registro Geral) é único para cada pessoa e permite a sua identificação, o Número de Registro na Anvisa é individual para cada tipo de implante e traz informações sobre sua identidade. Ele também informa qual é a empresa responsável pela fabricação ou importação do implante. Não se trata de uma “identidade secreta”, pelo contrário, o que atesta a sua validade é a publicação em Diário Oficial da União (D.O.U.), após a qual deverá sempre constar na rotulagem do implante. O n. de registro é assim interpretado: 00.00000.0000 A B C Onde: a) letra A = 80 ou 10. Identifica a categoria “produtos para a saúde”; 94 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL b) letra B = Número da Autorização de Funcionamento de Empresa na Anvisa: identifica a empresa fabricante ou importadora; c) letra C = Número específico do implante. Exemplo (número de registro fictício): Registro Anvisa n. 80.22894.0010 Onde: a) 80 = Produto para a saúde; b) 8.02289.4 = Número de AFE; c) 0010 = Número específico do produto. O n. 10 indica que este registro corresponde ao décimo produto registrado pela empresa. O número de registro possui validade de cinco anos, podendo ser revalidado por períodos iguais e sucessivos, mantido o número de registro inicial – Lei Federal n. 6.360/76 – MS (BRASIL, 1976). A fabricação, importação, exportação, armazenagem, comercialização ou utilização de implantes não registrados configura infração sanitária – Lei Federal n. 6.437/77 – MS (BRASIL, 1977b). APÊNDICE II Tenha em mãos: nome do produto, nome da empresa, n. do registro e ou n. do CNPJ. Siga os passos: 1. www.anvisa.gov.br 2. No link Proteção à Saúde, escolha a opção Produtos para a Saúde. 3. Dentro de Produtos para a Saúde, escolha a opção Acesso Fácil – Consulta a Produtos. 4. Na página Consulta a Produtos, escolha a opção Pesquisa de Produtos para Saúde Registrados e siga as orientações para busca. Quadro 21 - Passos para identificação do registro do implante na Anvisa18 Fonte: Dados da pesquisa. 18 Denúncias de empresas não autorizadas devem ser encaminhadas à Anvisa ou às Vigilâncias Sanitárias municipais ou estaduais. 95 APÊNDICE III O “FIGURINO” DO IMPLANTE: EMBALAGEM E ROTULAGEM – PASSO A PASSO PARA VERIFICAÇÃO DO RÓTULO E DAS INSTRUÇÕES DE USO DO IMPLANTE NO SITE DA ANVISA Para serem comercializados no Brasil, os implantes devem ser apresentados dentro de uma “roupagem” padrão, preconizada pela Resolução n. 185/01 da Anvisa (BRASIL, 2001b). Basicamente, essa “roupa” abrangerá: Embalagem + rótulo + Etiquetas de rastreabilidade + Instrução de uso Suas funções são: • proteger o implante de danos físicos e preservar sua condição de esterilização; • fornecer informações que assegurem o uso correto e seguro do implante; • assegurar a rastreabilidade. 98 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Rótulos e instruções de uso Segundo a legislação sanitária brasileira, as informações necessárias para o uso correto e seguro dos implantes devem figurar, sempre que possível e adequado, no rótulo de sua embalagem individual, ou, na inviabilidade disto, no rótulo de sua embalagem comercial. As embalagens devem sempre ser acompanhadas das etiquetas de rastreabilidade e das “instruções de uso”. As primeiras contêm todos os dados de identificação da peça, inclusive lote/partida, e devem ser em número suficiente para permanecerem arquivadas no prontuário hospitalar e também ser entregue ao paciente receptor da prótese; as segundas contêm basicamente: informações gerais sobre o produto, formas de apresentação (modelos e dimensões disponíveis), materiais de fabricação, indicações de uso e informações úteis para evitar riscos decorrentes da implantação, metodologia de implante (cimentada ou não cimentada), cuidados para a preservação da esterilidade durante o ato cirúrgico, condições de armazenamento e de manuseio, contraindicações e possíveis riscos decorrentes da implantação. Como devem ser as informações 1) Clareza e objetividade: a apresentação dos implantes deve assegurar informações corretas, claras, precisas e ostensivas sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, prazos de validade e origem, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores (CDC, capítulo V, seção II – Da oferta – art. 31). 2) Recursos gráficos: quando apropriado, as informações podem ser acompanhadas de símbolos, designações, figuras, cores ou outras indicações, os quais não são aleatórios; eles seguem o disposto em normas técnicas e não devem possibilitar interpretação falsa, erro ou confusão quanto à APÊNDICE III origem, procedência, natureza, composição ou qualidade, que atribuam ao produto finalidades ou características diferentes daquelas que realmente possui. Exemplo: datas de fabricação e de validade Ø42,0mm dimensão (diâmetro) 3) Idioma: não são aceitáveis informações em idioma estrangeiro, devendo o rótulo sempre ser no idioma português ou conter etiqueta com dados traduzidos no caso de implantes importados – Resolução RDC n. 185/01 – Anvisa (BRASIL, 2001b). Figura 8 - Modelo de rótulo (dados fictícios, com finalidade exclusivamente ilustrativa) 99 100 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Figura 9 - Modelo de etiqueta de rastreabilidade Tenha em mãos: nome e marca do produto. Siga os passos: 1. Acesse www.anvisa.gov.br 2. No link Proteção à Saúde, escolha a opção Acesso Fácil – Consulta a Produtos. 3. Dentro de Produtos para a Saúde, escolha a opção Pesquisa sobre Rotulagem e Instruções de Uso do Produto 4. Na página Consulta a Banco de Dados, siga as orientações para busca. Figura 10 - Passos para identificação do registro do implante na Anvisa APÊNDICE IV QUANDO O IMPLANTE SE TORNA O VILÃO A falta de idoneidade de um material implantado abrange dupla perspectiva de risco: danos biológicos e danos mecânicos (FUNDACIÓN MAPFRE MEDICINA, 1993). Por isso, os prejuízos advindos da má qualidade dos implantes podem ocasionar agravos seriíssimos, tais como infecções e perda de material ósseo, cirurgias de revisão constantes, limitações de movimento e consequente diminuição da qualidade de vida do paciente. Se constatado dano decorrente da má qualidade do implante, diversas questões jurídicas deverão ser analisadas, sobretudo aquelas referentes aos direitos do paciente, às responsabilidades dos envolvidos e às penalidades legais aplicáveis. Afinal, quais são os direitos do paciente? É direito do candidato ao implante ser informado sobre todas as características dos produtos que lhe forem indicados pelos profissionais da saúde, detalhadamente (NEMETZ, 2005). É também seu direito conhecer a procedência e legalidade do material a ser utilizado. Se comprovado que o produto implantado gerou algum dano, o paciente possui direito à reparação, pois pode ser visto como um 102 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL consumidor, já que é o destinatário final de um bem ou serviço. No Brasil, as relações de consumo são regidas pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC (BRASIL, 1990), que tem por objetivo a proteção dos consumidores. O CDC prevê a Política Nacional das Relações de Consumo. Por intermédio desta Política, o CDC considera, juntamente com a Constituição de 1988 em seu artigo 196 (BRASIL, 1988), que é do Estado, no caso o Governo (Federal, Estadual e Municipal), a responsabilidade de garantir o respeito à saúde e segurança da população (NEMETZ, 2005). Dallari (2002) corrobora esta afirmativa quando cita: “a evolução do conceito de saúde pública indica, primeiramente, a afirmação do princípio da precaução como um dever do Estado”. Para tanto, a Lei determina que fabricantes e fornecedores obedeçam a padrões de qualidade, desempenho e durabilidade aprovados por normas governamentais (NEMETZ, 2005) e, na inexistência de normas oficiais específicas, que sejam obedecidas normas da ABNT ou de outra entidade credenciada pelo Conmetro. A Lei preconiza também a obrigatoriedade de órgãos públicos de “fornecer serviços adequados, eficientes, seguros [...]” (CDC, art. 22), o que inclui os serviços de fiscalização sanitária. Portanto, segundo a Legislação Brasileira, é direito do paciente receber produtos de qualidade, seguros e duráveis e que sejam fiscalizados pelo Estado, segundo normas oficialmente reconhecidas. Em caso de dúvida, o usuário deve buscar orientação nos órgãos de defesa do consumidor, no Ministério Público ou junto a um serviço jurídico. Afinal, quem é o responsável quando o implante falha? O fabricante: em princípio, nos casos de comprovação de má qualidade de um implante, o fabricante e o importador deverão responder pelas consequências danosas. Em seu artigo 12, o CDC informa serem o fabricante, nacional ou estrangeiro, e o importador os responsáveis pela reparação de danos causados aos consumidores, APÊNDICE IV independentemente da existência de culpa, por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, montagem, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. Exceção a isso são os casos em que não há identificação de fabricante ou importador, nos quais o CDC prevê responsabilização dos comerciantes (CDC art. 13); esta é uma das razões que tornam o registro de origem – notas fiscais, laudos de qualidade – tão importante para distribuidores, pois, do contrário, será ele o responsável por reparar eventuais danos. O médico: o profissional médico ou prestador de serviço médico-hospitalar também é parte responsável neste processo, pois, para indicar o uso de um implante ortopédico, deve antes se certificar se o produto e o fabricante/fornecedor estão legalizados; caso contrário, deve imediatamente rejeitar o material/fornecedor. Ragazzo (2007, p. 74) enfatiza a responsabilidade do profissional médico na escolha de produtos a serem utilizados pelos pacientes, já que para estes, por si sós, seria impossível uma escolha correta: Diferentemente da maioria dos produtos e serviços, quem toma a decisão quanto à aquisição de um determinado medicamento não é quem o consome, mas sim um terceiro, o médico. Isso se dá porque há uma grande assimetria de informação no mercado, pois o consumidor não consegue identificar a qualidade e a utilidade de um medicamento, precisando de um profissional da área médica para realizar a escolha (e até mesmo para identificar a necessidade de se tomar um remédio em primeiro lugar). Embora o texto discorra a respeito de medicamentos, é possível estender o pensamento aos implantes, pois ambos os produtos apresentam alta complexidade. Caso o profissional médico opte por utilização de implantes sem observar a sua regularização e certificação técnica de garantia, assume junto ao consumidor, ou seja, junto ao paciente, o risco de indenizar eventuais defeitos e danos que surgirem (NEMETZ, 2005). 103 104 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Qual é o crime? Qual a pena? Os casos de adulteração e falsificação de produtos sujeitos à Vigilância Sanitária, incluindo os implantes, são enquadrados como crimes hediondos contra a saúde pública e acarretam responsabilidade criminal independente da responsabilidade civil pela reparação dos danos causados. Os envolvidos – sejam fabricantes, importadores, distribuidores, armazenadoras ou hospitais – respondem pelo crime previsto no artigo 273 do Código Penal (BRASIL, 1940), que corresponde às condutas de falsificar, corromper e adulterar produtos destinados a fins medicinais, cuja pena varia de 10 a 15 anos de reclusão, e multa (ANVISA, 2007a). ÍNDICE Aço, tipos 43 Aço inoxidável 30, 35, 38, 41, 43 Aço 316L 44 Aço F138 44 Aço ISO 5832-9, 44 AFE – Autorização de funcionamento de empresas 89, 92 Alergenicidade 45 Alumina 38, 39, 50 Alumínio 42 Armazenagem 62, 65, 66, 70 Artroplastias de quadril complicações 16 Artroplastia em taça 37, 38 Artroplastia interposicional 37 Artroplastia parcial 18 Artroplastia total 19 Indicações 21 Contra-indicações 20 Cimentada 22 Não cimentada 23 Híbrida 25 106 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Biocompatibilidade 33 Bioestabilidade 34 Bioglass, (Biovidro) 38, 39 Boas práticas de fabricação de produtos médicos RDC 59/00 – Anvisa 74 Cerâmicas 31, 49 Certificado de Boas Práticas de Fabricação 77 Charnley 38 Classificação de risco sanitário 61, 71 Ciclo de vida do implante 57 Corrosão 34, 44, 45, 46, 62 Cromo 35 Cromo-cobalto 47 Cromo hexacovalente 46 Desgaste, processo de 31, 32 Distribuidores 65 “Doença do cimento” 23, 38 Esterilização, processo de 63 Fabricantes, estabelecimentos 58 Filmes protetores (camadas passivadoras) 62 Em aço inoxidável 45 Em ligas de cobalto 46 Em ligas de titânio 41 Fixação biológica 23 Fricção 51 Hemiartroplastia 18, 38 Hidroxiapatita 39, 50 Importadores, estabelecimentos 64 Legislação Sanitária Brasileira 73 Ligas de cobalto 45 Marcação do implante 61 Metais, histórico do uso em implantes 40 ÍNDICE Metalose, 36 Osteointegração 22, 68 Osteólise 35, 48 Osteoporose 20, 22 Paciente Condições fisiológicas 68 Condições comportamentais 68 Par de atritos 32 Passivação 62 Polimetilmetacrilato (PMMA) 22, 37 Polímeros Polietileno (PE) 38, 47 Politetrafluoroetileno (PTFE) ou Teflon 30, 38 Projeto do implante 58 Próteses Definição 14 Híbridas 25, 38 P. não cimentadas 24, 38 Requisitos para qualidade 27 Prótese Judet 39 Prótese metal-metal 47 Pyrex 37 Qualificação de fornecedores 70 Rastreabilidade 66, 71 Resolução CFM nº. 1.804/06 77 Recolhimento de produtos do mercado 72 RDC nº 59/00 – Anvisa 74 RDC nº 185/01 – Anvisa 74 Recapeamento (Resurfacing) 25 Registro Histórico do Produto (RHP) 61 Registro Mestre do Produto (RMP) 60 Registro sanitário, interpretação numérica 91 107 108 MANUAL DA QUALIDADE DE IMPLANTE EM ARTROPLASTIA DE QUADRIL Resistência do implante 31 Rotulagem 65, 75, 95 Sistema de gestão da qualidade 74 Smith-Petersen, 38 Soltura asséptica 46 Técnica cirúrgica 52 Teflon ®, (PTFE) 30, 38 Testes e ensaios 63 Titânio 30, 40 Liga Ti6Al4V 42 Liga Ti6Al4V ELI (extra-low-interstitials) 42 Liga Ti-6Al-7Nb 42 Outras ligas 42 Toxicidade 35, 42 Treinamento 70 Tribologia 52 UHMPWE (Ultra high molecular weight polyethylene) 48 Vanádio 42 Vigilância Sanitária 73 Vitallium 38, 46 Zircônia 50 SOBRE A AUTORA Silmara Simioni é especialista em Gestão da Qualidade Industrial, com ênfase em medicamentos, cosméticos e alimentos, pela PUCPR, e graduada em Farmácia, com habilitação em Farmácia Industrial, pela UFPR. Atuou na área de controle de qualidade industrial e em farmácia de manipulação no setor privado. Na Prefeitura Municipal de Curitiba, exerceu trabalho como fiscal na Vigilância Sanitária de produtos, inclusive implantes ortopédicos. Atualmente é pós-graduanda em Farmacologia e Interações Medicamentosas e em Farmácia Hospitalar pela Facinter, além de atuar no Núcleo de Apoio à Atenção Primária à Saúde (NAAPS), desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde do Município de Curitiba. Para conhecer o catálogo de obras da Editora Champagnat, visite o site www.editorachampagnat.pucpr.br Impresso na Gráfica da APC Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prado Velho - CEP 80215-220 Telefone: (41) 3271-1769 - Fax: (41) 3271-1577 Curitiba - Paraná - Brasil A presente edição foi composta pela Editora Universitária Champagnat e impressa na Gráfica da APC, em sistema offset, papel offset 90g/m² (miolo) e papel supremo 250g/m² (capa), em janeiro de 2012.